versão integral disponível em digitalis.uc - universidade de ......a estacao arqueologica de que...
TRANSCRIPT
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
O. INTRODUQAO
Com este trabalho prosseguimos a publicacao dos resultados das pesquisas antropologicas e arqueologicas que realizamos durante os anos de 1972-73 na area do Goncelhodos Dembos. ,Trata-se de mais uma estacao arqueologicacom importantes elementos da Pre-historia e da Idade doFerro inicial da Africa subsaariana.
o local da antiga Banza Quibaxe mostra uma sequenciade ocupacoes humanas desde epocas muito recuadas 0 quese reveste de particular interesse e levanta algumas questoes relevantes para a compreensao das migracfies de povosno Noroeste de Angola.
Relativamente aos instrumentos pre-historicos e, paraalem das descrieoes e classificacdes feitas , tentamos dar,ainda que muito sucintamente, um painel do contexto arqueologico em que se inserem, acrescentando alguns dados sobreos povos que os utilizariam.
A olaria recolhida tern grande importancia, nao so pelavariedade da ornamentaeao e ate beleza de algumas pecas, masprincipalmente por que veio trazer elementos de valor paraa definicao, cada vez mais nitida, de urn grupo ceramico da ,Idade de Ferro inicial, para 0 qual propomos a designaeao deQuibaxe. De salientar 0 aparecimsnto de urna belissima tacacujo fundo apresenta uma depressao digital. A presenca deceramica caracteristica do grupo Dimple-Base da regiao dosGrandes Lagos, em estacoes arqueologicas situadas a menosde 200 quilornetros do oceano Atlantico, nao deixa de levantar questfies, cujo alcance ainda estamos longe de prever,Alem do mais, as recentes datacoes por C. 14 obtidas paraa ceramica dos concheiros de Benfica-Luanda, A. D. 140 epara um instrumento de pedra polida, associado com olaria,
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
246 Contribuir;oes para 0 Estudo da Antropologia Portupuesa
da gruta Ngovo (Ba ixo Zaire), 390-160 B. C. levam-nos apensar que 0 conhecimento do passado na Africa Australesta em vias de sofrer urn forte impulso, acompanhado tal vez de significativas alteracoes no quadro das teorias estabelecidas .
No dominio da ceramica, mereceu-nos ainda especial atenQao 0 est udo das tecnicas decorativas, assunto que te rn sidorarament e tratado.
Nas comparacoes morfol6gicas, procuramos deteetar aexpressao dos elementos disponiveis, nomeadamente os motivos ornamentais , nos grupos de ceramica arqueo16gica jaconhecidos, com idades diversas e, simultaneamente, descobrir a sua sobrevivencia nos padrfies ceramicos re centes.Os diversos horizontes de ceramica explieam-se mutuamente,Torna-se, pois, neeessario traear a ceramografia da regiaodos Dembos assim como de outras areas de Angola. Nestecampo, uma das lacunas mais crueis e a falta de corpus daceramica das diversas etnias e grupos etnico-linguisticos dovasto territ6rio africano.
Procuramos chamar a atencao para 0 provavel caractersimb6lico, ritual ou magico-religioso de certos temas decorativos, estabelecendo analogias com motivos semelhantesentalhados na madeira ou tatuados no corpo humano. Naose trata, evidentemente, de uma decifracao absoluta doselementos em questao, Estamos, porem, no dominio daceramica africana e a Africa e, por excelencia, a terra dossinais, dos simbolos e dos rituais. Limitamo-nos, ao fim eao cabo, a trilhar caminhos que outros tern aberto.
Nao se esperem conclusoes definitivas do nosso trabalho,pois pret endemos unicamente levantar algumas hip6teses.Temos ainda mais materiais em estudo e muitos aspectosdos nossos anteriores apontamentos sobre a Etno-hist6riade Quib axe carecem de revisao.
Adiamos assim, para mais tarde 0 debate de muitasquestfies que nos surgiram.
Tambem e faeil de verificaI' que se notam algumaslacunas graves no campo da bibliografia, inteiramenteimpossiveis de suprir ate ao momento.
Resta esclarecer que 0 mimero de ordem das pecas corresponde ao seu numero de inventario. E que 0 mater ial
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
A esiactio ar queo loq ica da antiga Banza QUiibaxe 247
ceramico ago ra est udado, assim como 0 da estacao Dl-Quibaxe, foi oferecido ao Museu de Angola (Luanda) , em cujascoleccfies se acha integrado.
As pecas liticas foram depos it adas na Seccao de Pr e-hist6ria e Arqueologia da Junta de Investigacoes do Ultramar (Lisboa ) .
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
AGRADECIMENTOS
Desejo exprimir 0 meu reconhecimento a todos os quetornaram possivel a realizaeao deste trabalho. Os meusamigos Jose Borges e Fernando Bota auxiliaram-me preciosament e nos trabalhos de campo. 0 meu amigo Jose Antunesfez alguns desenhos da ceramica recolhida. A Sociedade deGeografia de Lisboa facultou-me varias vezes 0 acesso asua riquissima biblioteca e forneceu-me numerosa bibliografia em condicoes muito especiais. A Seccao de Pre-Historia e Arqueologia da Junta de Investigacao do Ultramare ao seu director, Dr. Miguel Ramos, devo valiosos elementos, sem os quais nao teria sido possivel realizar estetrabalho. A minha amiga escultora Conceieao Rodrigues,da mesma Seccao, ajudou-me a resolver diversos problemasda parte respeitante a ceramica e fez os belos desenhosdas pecas liticas. 0 Museu Monografico de Conimbriga,muito gentilment e, fez os 6ptimos desenhos da maior partedas ceramicas. Os mapas que acompanham 0 te xto foramamavelments executados por Victor Torres, desenhador daFaculdade de Letras de Coimbra.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
1. GENERALIDADES
1.1. LOCALIZA9XO E BREVES NOTASSOBRE A REGIKO
A estacao arqueologica de que nos vamos ocupar situa-sea Leste da progressiva Vila de Quibaxe, sede do Concelhodos Dembos, Distrito do Quanza Norte, no local onde existiu a Banza Quibaxe que, a partir de 1967, foi reconstruidacom casas definitivas, noutro lugar proximo da Vila (Fig. 1e mapa 1).
A Banza foi fundada pelo chefe Kikonqo, Kibao» KiaMub emba Lukem, «filho» do Rei do Congo que, por determinadas desinteligencias, se dirigiu para 0 Sill, atravessouo rio Dange e impos a sua lei sobre alguns grupos de Ambundos. Para estabelecer a sua banza, 0 Kibaxe escolheu umavertente do monte Kiamulumba (cota 899 m) , recortado devales, onde nascem sete cursos de agua: Kijinji) Nzamba,Benge, Kineende, Kapioto, Gongo e Angengo (1).
o local, pela abundancia de agua proxima, era particularmente propicio a fixacao de populacoes, 0 que se verificou desde data muito recuada (2) .
A area abrangida pelo Concelho dos Dembos esta situadana Regiao Subplanaltica. Orograficamente e bastante acidentada, com altitudes entre os quatrocentos e os mil metros.Vales irregulares e estreitos. Encostas ingremes.
(1) Elementos recolhidos jun t o dos velhos da Banza Quibaxe.(2) Na con cep cao dos povos da area, a agua dos r ios nasce de
urn ente sobrenatural cuja designacao genertca e Kianda, embora cadauma tivesse 0 seu nome proprio do qual deriva 0 nome do rio. Aoinstalar a sanzala. d'ibata, em novo sitto, sempre perto de um cursode agua, 0 sob a pfumu iembu, fa junto das aguas , punha urn joelhoem terra e implorava a Kianda para que a agua fosse sempre abundante, r ecitando uma prece adequada.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
250 Gontribui /(oes pam 0 Estudo da Antropo logia Po rtuguesa
o clima e sub-humido, humido, mesotermico , com duasestacoes definidas, a das chuvas (Outubro-Abril) e a doCaeimbo (Julho-Agosto). A temperatura media anual ede 22° a 25°C.
A humidade media e superior a 83 % e a media das precipit acoes nao excede os 1100 mm.
Hidrograficament e pertence a bacia do rio Dange. Sobo ponto de vista geologico inclui-se no Sistema do CongoOcident al. Os solos sao paraferraliticos a rgila eeos, pOI'vezes com grande quantidade de mica associada. Nos morrossurgem afloramentos de quartzo e de xisto.
o povoamento vegetal e constituido pOI' uma formacaoflorestal humida de nevoeiros semidecidua, poliestrata, guineense-zambeziaca , mesoplanaltica ( floresta cafeeira) ( 3 ) ,onde ap arecem savanas arbost ivo-arborias de grande extensao (zonas de floresta degradada) .
1.2. DESCOBERTA DA ESTA<:;AO ARQUEOL6GICADA ANTIGA BANZA ~UIBAXE
Durant e 0 ano de 1973, a Vila de Quibaxe experimentouurn grande surto de desenvolvimento, tendo as autoridadescamarari as levado a efeito extensas obras de urbanizacaoque obrigaram a numerosas remocoes de t erras no localda antiga Banza, a direit a da estrada que sobe para a Capelado Morro (Fis. 1 e 2).
Desde 0 inicio dos trabalhos, fizemos sisternaticas visitasao loca l, a fim de recolher dados sobre a cultura e a vida naantiga aldeia. Apareceu grande quantidade de ceramicaidentica a utilizada actualmente pelos Quibaxes e aindanumerosas contas de colares, uma pulseira de cobre, urninteress ante molde para brincos, algumas moedas antigase t res s ine tas . A partir de uma certa altura, com 0 apro-
(3) G . B ARBOSA, 1970; LAINS E SILVA, 1956 , pp. 4 9 e segs, Afirmaeste autor que «devem t el' s ido, pols, a agricultu ra rtinerante e asqu eima das os ractorss antropocoricos que deram origem aos capinzais nas regtoes angolana s em que 0 cli max sao as f lorestas pluvilsllvae Laurisilva », p. 54.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
A estactio arque otoqica da antioa Bamea Qwibo.xe 251
fundamento das remocoes, comecaram a surgir fragment osde vasos totalmente diferentes, aparentando uma maiorant iguidade e ostentando ornamentacao caracteri st ica daIdade do Ferro inicial da Africa a SuI do E quador . E sobreeste tipo de olaria que nos iremos debruear, deixando asoutros elementos para futuras consideracoes.
Na mesma area e no terrene pedregoso, onde existiamnumerosos calhaus rolados de pequeno tamanho, foram recolh idos quatro instrumentos liticos pre-historicos.
Os bifaces n .v 1 e n .> 2 foram encontrados no mesmolocal, parte oeste do terreno removido, e 0 n .v 3 relat ivamente proximo. 0 biface n ." 4 estava num corte de cascalheira na extremidade leste da estacao,
2. DESCRIQAO E ESTUDO DOS ELEMENTOSENCONTRADOS
2.1. INDUSTRIA LITICA - CLASSIFICACAOTIPOLdGICA
1 - Biface foliforme de quartzo leitoso; uma das facese ligeiramente concavada na parte media; arest as s inuosas,cortant es ; extremidades em ponta afilada e cortante; seceaobiconvexa espessa ; manchas de patina amarela dourada emambas as faces (Fig. 3) .
Dimensoes: comprimento, 100 mm; largura max., 52 mm ;espessura maxima, 28 mm ; indice de robus tez (relacao centesimal entre a espessura ea largura maximas) , 53,8 .
2 - Biface foliforme de quartzo leitoso; arestas sinuosas, cortantes ; uma extremidade e levemente arredondada,a extremidade distal e truncada; se ccao biconvexa simetricae espessa; uma das faces tem ligeira patina amarela dourada (Fig. 4) .
Dimensoes : largo max., 45 mm; esp. max., 27 mm ; indorob., 60.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
252 Contribuil}oes para 0 Bstudo da Antropologia Portuguesa
3 - Biface foliaceo de quartzo leitoso ; uma das faces .apresenta duas acentuadas cristas; arestas sinuosas e imperfeitas ; extremidades afiladas e cortantes ; seccao irregulare espessa (Fig. 5).
Dimens6es : comp., 85 rom; largo max., 38 mm; esp.max., 25 mm; ind orob., 65,7.
4 - Biface de quartzo leit oso ; faces concavadas na partemedia ; arestas irregulares, uma mais arqueada que a outrae com entalhes; uma extremidade e em ponta grosseira ecortante, a extremidade dis tal e romba e triangular; seccaoirregular e espessa (Fig. 6).
Dimens6es : comp., 128 mm; largo max., 63 rom ; esp.max., 35 mm; indorob., 55,6 mm .
2.1.1. Olassiflcaeao cultural - Hlpoteses e eonclusfies
Grandes blocos de numerosos calhaus de quartzo abundavam na area da antiga banza, de molde que os artefactosdeviam ter sido feitos no local, podendo-se mesmo levantara hip6tese de ai ter existido uma oficina de preparacao.
Atendendo a. relativa fragilidade do materia l empregue,a. elegancia dos bifaces 1 e 2 de seccao biconvexa, ao t ipode fracturas observado e aos sobreviventes processos delascagem usados no Nordeste de Angola para fazer «pederneiras» (4), podemos defender a seguinte hip6tese quantoas t ecnicas de talhe utilizadas . 0 quartzo foi lascado dasarestas para 0 centro. Podiam-se ter utilizado dois metodos: a percussao indirecta com urn cinzel de madeira ouosso e a percussao directa com urn percutor «brando», demadeir a, osso au como (5) .
Apesar de serem em ntimero reduzido, as pecas encontradas sao tipologicamente bastante caracteristicas 0 quepermitira uma classificacao cultural relati vamente segura .
As silhuetas foliformes, as tecnicas de talhe e compara~6es com muitos artefactos paleoliticos da bacia do Congo,
(4) D . CLARK, 1963, pp. 171 e segs.(5) Idem , p. 183.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
A estactio arqueotoaica da antuia B anea. Qu.ibax e 253
levam-nos a classificar os bifaces da antiga banza Quibaxenum ample complexo cultural Lupembo-Tshitolense (SecondIntermediate) .
No t errit6rio angolano abrangido pela Regiiio de Culturapre-hist orica Conguesa, que se estende par toda a bacia dorio Zaire ou Congo, mui tas outras estacoes se integramno complexo cultural Lupembo-Tshitolense que reflecte aevolucao de uma disseminada tradicao lupembense, de baseSangoense (Lupembense 'inferior) . No entanto, uma visao deconjunto reveste-se de certas dificuldades devido ao mimeroreduzido de estaedes conhecidas e devidamente estudadas,relativamente a vastidiio do territorio em causa, ao polimorfismo regional da mesma cultura paleolitica e ainda a «questao terminologtca» que tern envolvido a class ificacao daspecas ja estudadas (6) .
A facies Lunda foi notavelmente estudada por Janmart,Redinha, Breuil, Leakey e D. Clark. Na regiiio costeira destaca-se a sstacao de Palmeirinhas, descoberta e estudada porClark (7) e a de Benfica da qual ja. possuimos uma magnifica monografia devida a Santos Junior e a Carlos E rvedosa (Fig. 2).
No Noroeste de Angola, em cujo contexto se integra 0
paleolitico de Quibaxe, foram est udadas estacoes no SuIde Ambriz, em Kasango-Lunda, Nzongolo-Malange, Mavoio,Banza Lambo e outras perto de S. Salvador . Tern sido encontrados inst ru mentos Uti-cos isolados em Quifangondo, Tomboco, Emilio de Carvalho, (Pedra do Feitico) , S. Antonio doZaire (8), et c. Durante 0 levantamento das cartas geol6gicas das r egioes de Maquela do Zombo-Damba, Bembe,Noqui-Tomboco e S. Salvador foram descobertas numerosasestacoes pre-historicas de superficie, situadas no cimo dosmontes (91) (Fig. 2) .
(6 ) Sobre a evolucao da t ermlnologt a dos ma teri a ls li ticos dabacia do Congo ve ja-se 0 exposto por D. CLARK, op, cit., pp . 45 a 47.
(7) D . CLARK, 1966, pp. 48 e segs.(8) Idem, p. 39.(9) W. S TANTON , H. KORPERSHOEK e L. SCHERMERHORN , 1962,
pp. 18-19 ; W. S TANTON , 1963,' pp, 84-85 ; L . SC HER MERHORN e W. STAN
TON , 1963, p . 10; H . KORPERSHOEK, 1964, pp. 17-18.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
. 1f
oI
- ...,------- '<
1
II1
. i, .1
-1 7. 3 4 · -.,I ! I J.. j-- _.•.._----.-.;-~~Fig. 26 Fig. 37
t .....·r.·_···.... -......----_.....--_.,.-- --..----.
~
"' 0 -1 'l.. 3 -4I I I I I.--~ .,- ~...... ~ ..._. ~.
Fig. 38 Fig . 39
j '-- - -.- ..j
4.,3I
7.I
-1I
eI
l .......... .."' . .----_......_........__.--...__.__.~..~~_...._.l
'"IFig . 40 F ig. 41
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
-1I
f
t·
F ig . ·12
eI
!'Z. 3 4 .:I I r :J
.. _ - ..__ _------~
Fjg.43
F ig. 44 Fig. 45
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
Eoio
o
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
,,,II,II,
I
,,,,,
,,
,
,,,
,r,,
r,t,,,
,,
,
Eo
10 -
Fig. 47
0 -
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
Fig. 48
J .~.
Fig. 49
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
j .(\ .
Fig. 50
J. I\ .
F ig 51
3.1\.Fig. 52
~.
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
Fig. 53.
Fig. 54
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt