venda direta de terras públicas

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Venda Direta de Terras Públicas a Adquirentes de Lotes em Condomínios Irregulares no Distrito Federal (ADI nº 2.990/DF) Milso Nunes Veloso de Andrade Mestrando em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF). Mestre e Bacharel em Administração pela Universidade de São Paulo (USP). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. Advogado na área de Direito Administrativo-Constitucional. Professor de Licitações e Contratos Administrativos do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal da Câmara dos Deputados (CEFOR) e da Escola do Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal (ELEGIS). Eisenhower Fellow (EEF), Filadélfia, EUA. RESUMO Este ensaio sintetiza as discussões havidas na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.990/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou constitucional a Lei nº 9.262, de 1996, permitindo a venda direta de terras públicas da União a adquirentes de lotes em condomínios constituídos à margem da lei, no Distrito Federal. Destacam- se questões jurídicas referidas à matéria em debate (licitações e contratos administrativos), que foram ou poderiam ter sido objeto de consideração na sessão de julgamento, por sua relevância e pertinência quando referidas às disposições constitucionais ou sua regulamentação. Como o debate envolveu, em certa medida, aspectos da competência legislativa da União e dos Estados e da natureza das normas, se gerais ou específicas, agregam-se comentários complementares, também a este respeito. ABSTRACT This essay syntetizes the discussions on the petition called “Ação Direta de Inconstitucionalidade n# 2.990/DF” by the Supremo Tribunal Federal of Brazil` Ministries (Brazilian Supreme Court` Justices), which judged as constitutional the federal law n# 9262, officially published the year 1996, permitting to the federal govern to sell lands owned by the Union directly to the individuals that had acquired parts of residential condominiums illegally constituted, in the area of the Distrito Federal (the federal district, where is located Brasilia, capital of the country). Some juridical questions referred to the law contents under debate (administrative contracts and procurement) are presented, both those approached or not in the judgement session, because of those importance and adequation to the constitutional rules and its regulation. As the debate evolved, in a certain way, aspects of the state and federal legislative constitutional attributions, as so as the nature of the laws, if specified or general, the article add complimentary analysis on that. SUMÁRIO: 1. Objeto da ADI 2.990/DF e aspectos jurídicos debatidos em seu julgamento. 2. Questão preliminar suscitada e outras indagações relevantes. 3. Aspectos angulares e considerações complementares. 4. Competência estadual sobre normas específicas de licitações e contratos. Conclusão. Referências bibliográficas. PALAVRAS-CHAVE: terras públicas; alienação de imóveis públicos; ocupação irregular; usucapião; licitações; normas gerais; normas específicas; dispensa de licitação; inexigibilidade de licitação. 1 OBJETO DA ADI 2.990/DF E ASPECTOS JURÍDICOS DEBATIDOS EM SEU JULGAMENTO A matéria examinada na ação direta de inconstitucionalidade em referência, cuja inconstitucionalidade foi argüida pelo Procurador-Geral da República, trata da possibilidade de venda direta de terras públicas situadas na Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São Bartolomeu, no Distrito Federal, a ocupantes de lotes em condomínios irregulares – uma questão relevante, por se tratar de um problema urbano crônico da Capital brasileira, e de alcance social extremamente abrangente: [..] na época da instituição da APA o Distrito Federal ainda não possuía autonomia política – posteriormente assegurada com a Constituição de 1988 – e na sua estrutura administrativa não existia órgão responsável pela implementação da política ambiental da região [...] Com o passar do tempo [...] a situação da APA somente se agravou. Do total de 28 loteamentos irregulares, detecta–se no momento a existência de mais de 400 parcelamentos irregulares, denominados em sua maioria de ‘condomínios’. [...]

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Page 1: Venda Direta de Terras Públicas

Venda Direta de Terras Públicas a Adquirentes de Lotes em Condomínios Irregulares no Distrito Federal (ADI nº 2.990/DF)

Milso Nunes Veloso de Andrade

Mestrando em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF).

Mestre e Bacharel em Administração pela Universidade de São Paulo (USP). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados.

Advogado na área de Direito Administrativo-Constitucional.Professor de Licitações e Contratos Administrativos do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal da Câmara dos Deputados (CEFOR) e da Escola

do Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal (ELEGIS).Eisenhower Fellow (EEF), Filadélfia, EUA.

RESUMO

Este ensaio sintetiza as discussões havidas na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.990/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou constitucional a Lei nº 9.262, de 1996, permitindo a venda direta de terras públicas da União a adquirentes de lotes em condomínios constituídos à margem da lei, no Distrito Federal. Destacam-se questões jurídicas referidas à matéria em debate (licitações e contratos administrativos), que foram ou poderiam ter sido objeto de consideração na sessão de julgamento, por sua relevância e pertinência quando referidas às disposições constitucionais ou sua regulamentação. Como o debate envolveu, em certa medida, aspectos da competência legislativa da União e dos Estados e da natureza das normas, se gerais ou específicas, agregam-se comentários complementares, também a este respeito.

ABSTRACT

This essay syntetizes the discussions on the petition called “Ação Direta de Inconstitucionalidade n# 2.990/DF” by the Supremo Tribunal Federal of Brazil` Ministries (Brazilian Supreme Court` Justices), which judged as constitutional the federal law n# 9262, officially published the year 1996, permitting to the federal govern to sell lands owned by the Union directly to the individuals that had acquired parts of residential condominiums illegally constituted, in the area of the Distrito Federal (the federal district, where is located Brasilia, capital of the country). Some juridical questions referred to the law contents under debate (administrative contracts and procurement) are presented, both those approached or not in the judgement session, because of those importance and adequation to the constitutional rules and its regulation. As the debate evolved, in a certain way, aspects of the state and federal legislative constitutional attributions, as so as the nature of the laws, if specified or general, the article add complimentary analysis on that.

SUMÁRIO: 1. Objeto da ADI 2.990/DF e aspectos jurídicos debatidos em seu julgamento. 2. Questão preliminar suscitada e outras indagações relevantes. 3. Aspectos angulares e considerações complementares. 4. Competência estadual sobre normas específicas de licitações e contratos. Conclusão. Referências bibliográficas.

PALAVRAS-CHAVE: terras públicas; alienação de imóveis públicos; ocupação irregular; usucapião; licitações; normas gerais; normas específicas; dispensa de licitação; inexigibilidade de licitação.

1 OBJETO DA ADI 2.990/DF E ASPECTOS JURÍDICOS DEBATIDOS EM SEU JULGAMENTO

A matéria examinada na ação direta de inconstitucionalidade em referência, cuja inconstitucionalidade foi argüida pelo Procurador-Geral da República, trata da possibilidade de venda direta de terras públicas situadas na Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São Bartolomeu, no Distrito Federal, a ocupantes de lotes em condomínios irregulares – uma questão relevante, por se tratar de um problema urbano crônico da Capital brasileira, e de alcance social extremamente abrangente:

[..] na época da instituição da APA o Distrito Federal ainda não possuía autonomia política –posteriormente assegurada com a Constituição de 1988 – e na sua estrutura administrativa não existia órgão responsável pela implementação da política ambiental da região [...]Com o passar do tempo [...] a situação da APA somente se agravou. Do total de 28 loteamentos irregulares, detecta–se no momento a existência de mais de 400 parcelamentos irregulares, denominados em sua maioria de ‘condomínios’. [...]

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Destaque–se que o número dessas pessoas ascende hoje a centenas de milhares, que de boa fé adquiriram os terrenos e investiram suas economias na construção de suas casas.1

Em discussão, no Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do art. 3º e seus parágrafos da Lei nº 9.262, de 12 de janeiro de 1996, permissiva de alienação de imóveis pela Administração, em modalidade não prevista no elenco constante da legislação de regência do regime de bens públicos (ainda que estabelecendo como requisito a obediência das limitações afetas à preservação ambiental e demais exigências para o regular parcelamento do solo urbano2).

A alegação fundamentadora da ADI foi a violação ao princípio da obrigatoriedade de licitação pública, com garantia de igualdade de condições entre os concorrentes, prevista no art. 37, XXI, da Constituição, “como condição de obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade” (estes insculpidos no art. 37, caput).

O Relator, Ministro Joaquim Barbosa, ressaltou que, em caso precedente, ao analisar lei do Estado do Tocantins que permitia a venda direta, a servidores públicos, de lotes localizados em áreas públicas, o STF entendeu que havia ofensa ao princípio da obrigatoriedade de licitação:

Nesse julgamento, foi suficiente para que a Corte declarasse a inconstitucionalidade da lei, à unanimidade de votos, a simples determinação legal para a venda de terras públicas sem licitação. Não se cogitou de quaisquer situações fáticas preexistentes ou não. Seu voto foi pela inconstitucionalidade dos dispositivos da lei que “violam explicitamente a obrigatoriedade de licitação para alienação de bens públicos contemplada no art. 37, XXI da Constituição federal”.

O acórdão tomado como paradigma é o seguinte:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 651 / TORelator(a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 08/08/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 20-09-2002 PP-00087 EMENT VOL-02083-01 PP-00024Parte(s) REQTE. : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA REQDO. : GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINSREQDO. : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO TOCANTINSEmenta: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 147/90, DO ESTADO DO TOCANTINS. VENDA DE IMÓVEIS PÚBLICOS SEM A REALIZAÇÃO DA NECESSÁRIA LICITAÇÃO. CONTRARIEDADE AO INCISO XXI DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O ato normativo impugnado, ao possibilitar a venda direta de lotes e moradias em áreas públicasno perímetro urbano de Palmas – TO, viola a exigência de realização de prévia licitação para a alienação de bens públicos, na forma do mencionado dispositivo constitucional. Ação julgada procedente.Indexação: INCONSTITUCIONALIDADE, LEI ESTADUAL, OFENSA, PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO // INADMISSIBILIDADE, LEI, PREVISÃO, SERVIDOR PÚBLICO, AQUISIÇÃO, LOTES, MORADIAS, PERÍMETRO URBANO, DISPENSA, LICITAÇÃO // IMPOSSIBILIDADE, LEI, AUTORIZAÇÃO, CHEFE, PODER EXECUTIVO, FIXAÇÃO, PREÇO, CONDIÇÕES, PAGAMENTO, POSSIBILIDADE, EXTENSÃO, BENEFÍCIO, POPULAÇÃO // INADMISSIBILIDADE, ALIENAÇÃO, TERRAS PÚBLICAS ESTADUAIS, AUSÊNCIA, FIXAÇÃO, CRITÉRIOS RÍGIDOS.Legislação: LEG-FED CF ANO-1988 ART-00037 INC-00021 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-EST LEI-000147 ANO-1990 ART-00001 ART-00003 ART-00005 ART-00006 (TO).

Nas informações, o Congresso Nacional havia sustentado que a lei discutida criou nova modalidade de licitação, o que estaria na competência da União, e que, quanto à teleologia e concretude de seus efeitos, ela atende ao interesse público.

1 Extraído da exposição de motivos do projeto de lei, pelo Relator da ADIN 2.990/DF.2 Cf. parte final do § 1º do art. 3º da lei questionada, a saber: “atendidas as exigências da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979”, diploma que “Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências”.

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A Advocacia-Geral da União entendeu que a lei estatuiu nova hipótese de dispensa de licitação, o que estaria de acordo com a parte inicial do art. 37, XXI: “ressalvados os casos especificados na legislação”.3

A exposição de motivos da lei, segundo anotou o Ministro Relator, “apresenta como justificativas para a venda direta das frações ideais aos respectivos ocupantes dos terrenos”:

(i) a impossibilidade de fiscalização da área pelos órgãos públicos, que gerou a enorme ocupação irregular da área, e

(ii) a conseqüente consolidação de loteamentos irregulares na área da Bacia do rio São Bartolomeu.

Pondera-se que, depois de estabelecidos inúmeros loteamentos e condomínios, tornou-se inviável a remoção dos moradores “irregulares”, de modo que nada mais há para fazer senão titularizar o domínio aos ocupantes.

Durante o julgamento do mérito, não foram objeto de considerações mais delongadas as cogitações, feitas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, de ofensa à proibição constitucional de serem usucapidas terras públicas e de que deveria, ao menos, ser adotado um critério distintivo, beneficiando apenas a população de baixa renda.

(Neste caso, a Corte poderia vir a dar interpretação conforme ou concluir por declaração de nulidade sem redução de texto, determinando-se efeitos restritivos quanto aos beneficiários da norma, diante do esclarecimento feito pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, então presente, de que a área comportava, sim, mansões e, a lei, favorecia pessoas de renda média e alta.)

Restou também vencido o entendimento da Ministra Cármen Lúcia quanto à inconstitucionalidade da expressão “dispensados os procedimentos exigidos pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”, do contexto da lei em análise.

Do mesmo modo, foram vencidas suas ponderações de que a lei vigente já continha mecanismos suficientes para permitir a solução jurídica adequada, sem a necessidade de inovação, sendo possível garantir aos adquirentes dos lotes o exercício do direito de preferência, para igualar a oferta vencedora em regular procedimento licitatório para alienação do imóvel, nos termos previstos no Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que “Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências”).

O Ministro Ricardo Lewandowski também defendeu a incidência do Estatuto das Cidades, com a finalidade de regularização fundiária, ou seja: “Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.”

Digno de registro que, mesmo antes do Estatuto das Cidades, de 2001 – contestado como inaplicável ao caso, pelos Ministros Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, por ser posterior à lei sub judice, de 1996 –, já vigia a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, que “Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União [...]”, que também tratou do direito de preferência, em favor dos ocupantes, inclusive como locatários:

Art. 13. Na concessão do aforamento será dada preferência a quem, comprovadamente, em 15 de fevereiro de 1997, já ocupava o imóvel há mais de um ano e esteja, até a data da formalização do contrato de alienação do domínio útil, regularmente inscrito como ocupante e em dia com suasobrigações junto à SPU. [...] Art. 25. A preferência de que trata o art. 13, exceto com relação aos imóveis sujeitos aos regimes dos arts. 80 a 85 do Decreto–Lei no 9.760, de 1946, e da Lei no 8.025, de 12 de abril de 1990, poderá, a critério da Administração, ser estendida, na aquisição do domínio útil ou pleno de imóveis residenciais de propriedade da União, que venham a ser colocados à venda, àqueles que, em 15 de fevereiro de 1997, já os ocupavam, na qualidade de locatários, independentemente do tempo de locação,

3 Esta expressão tem sido entendida, ordinariamente, na doutrina, como as hipóteses em abstrato para dispensa (como facultas agendi) ou declaração de inexigibilidade de licitação (como norma agendi). Seriam, portanto, aplicáveis a todos os casos idênticos ou, por analogia, assemelhados.

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observadas, no que couber, as demais condições estabelecidas para os ocupantes. Parágrafo único. A preferência de que trata este artigo poderá, ainda, ser estendida àquele que, atendendo as demais condições previstas neste artigo, esteja regularmente cadastrado como locatário, independentemente da existência de contrato locativo.

Considerando aspectos eminentemente sócio-teleológicos, em termos da necessidade e oportunidade de uma solução a um problema habitacional pelo Poder Público e relativos ao ordenamento territorial do Distrito Federal, nos termos dos votos da maioria4, o acórdão na ADI 2.990/DF julgou constitucional a Lei nº 9.262, de 1996, contrariando o paradigma e vencido o Relator.

Admitiu o Tribunal, então, a pretendida alienação direta, entendendo que a lei discutida introduziu, validamente, hipótese, não de dispensa, mas de inexigibilidade de licitação nos termos do caput do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993: “É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição [...]”, na linha da divergência aberta pelo Ministro Eros Grau, Relator para o Acórdão. Assim resultou a ementa da decisão vencedora:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º, CAPUT E §§, DA LEI N. 9.262, DE 12 DE JANEIRO DE 1.996, DO DISTRITO FEDERAL (sic5). VENDA DE ÁREAS PÚBLICAS PASSÍVEIS DE SE TORNAREM URBANAS. TERRENOS LOCALIZADOS NOS LIMITES DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – APA DA BACIA DO RIO SÃO BARTOLOMEU. PROCESSO DE PARCELAMENTO RECONHECIDO PELA AUTORIDADE PÚBLICA. VENDAS INDIVIDUAIS. AFASTAMENTO DOS PROCEDIMENTOS EXIGIDOS NA LEI N. 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1.993. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA.1. A dispensa de licitação em geral é definida no artigo 24, da Lei n. 8.666/93; especificadamente – nos casos de alienação, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública – no seu artigo 17, inciso I, alínea “f”. Há, no caso dos autos, inviabilidade de competição, do que decorre a inexigibilidade de licitação (art. 25 da lei). O loteamento há de ser regularizado mediante a venda do lote àquele que o estiver ocupando. Consubstancia hipótese de inexigibilidade, artigo 25.2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (grifos nossos)

Com a devida vênia, e diante de evidente juízo majoritariamente divergente, alienação é figura jurídica regulada nos arts. 17 a 19 da Lei e, não, caso contemplado nas hipóteses de inexigibilidade, referidas no art. 25 da lei. Sendo assim, a contextualização sistemática, no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos, e o parâmetro legal para fins de cotejamento primário e exame de constitucionalidade deve ser feita sob o elenco de hipóteses de alienação de bens públicos, in casu, bens imóveis, sob a forma de numerus clausus, e, não, o enquadramento genérico no caput do art. 25, que regula os casos de aquisição de bens e de contratação de serviços ou obras em que não é possível a competição.

Do ponto de vista efetivamente material, a concorrência pelo lote (imóvel) público é totalmente possível, como também é possível a alienação privilegiada ou preferencial, como adiante se constatará.

Também possível o exercício de hermenêutica constitucional concretizadora do direito à moradia, da regularização fundiária, da pacificação social e de proteção do cidadão em relação a desmandos praticados por particulares sob os olhares negligentes do Estado.

4 Anote-se a particular ressalva feita pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que votou pela inconstitucionalidade da lei: “[...] acompanho o eminente Relator, mas deixo configurado que, em ocasião futura, poderei, eventualmente, dar pela higidez constitucional de uma lei que, no caso concreto, regularize uma situação fundiária para favorecer classes de baixa renda”.5 A expressão “DO DISTRITO FEDERAL” está incorreta. Trata–se, na verdade, de lei “federal”.

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No caso em estudo, parece que o ativismo judicial é flagrante, e a justiça se fez para uns, com alguma dose de favorecimento indevido para outros, livrando-se o Estado de um problema que ajudou a criar. Enfim, entre mortos e feridos salvaram-se todos... mas talvez se tenha escrito Direito por linhas tortas (a conferir).

2 QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA E OUTRAS INDAGAÇÕES RELEVANTES

Em preliminar, foi aventado o eventual caráter singular e concreto da norma sub judice, em relação ao qual o Ministro Cezar Peluzo pretendia “deixar clara a nova postura da Casa”, de que “não constitui requisito de cogniscibilidade da Ação Direta de Inconstitucionalidade que a norma deva ser geral e abstrata”, fato que já reconhecia nos julgamentos das ADI’s 1.729 e 3.603.

A proposta restou vencida, relativizando-se a questão in concreto e adotando-se a perspectiva de que a generalidade estava caracterizada quanto aos “sujeitos que se habilitarem respondendo a pressupostos que a lei fixa” (segundo o Voto sobre preliminar prolatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence).

O próprio Relator já havia se posicionado nesse sentido:

É evidente que os destinatários da norma são determináveis. Mas, por outro lado, não há individuação dos adquirentes dos lotes no diploma normativo. E esta Corte já assentou, em acórdão da lavra do eminente min. Sepúlveda Pertence que “a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê–lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos”. (ADI 2.137, DJ 12.05.00). No mesmo sentido: ADI 1.729, rel. min. Eros Grau, DJ 02.02.2007 e ADI 3.603, rel. min. Eros Grau, DJ 02.02.2007).

No entanto, alguns detalhes e argumentos de natureza jurídica, processual e material, deixaram de ser abordados, o que talvez conduzisse a discussão a outras conclusões:

a) preliminarmente, se o patrimônio por alienar pertencia ao Distrito Federal6, por que a alienação estava sendo regulada por lei federal?

b) se não se tratava de criar uma nova modalidade de alienação válida para toda a Administração Pública, sob a espécie “norma geral” (aplicável, portanto, a situações congêneres), por que se estaria a discutir a constitucionalidade de lei do Distrito Federal, como ficou assentado na emenda do acórdão?7

c) se a exposição de motivos do projeto de lei – como destacado pelo Relator –, afirmava que o projeto de lei objetivava a “regularização dos loteamentos, de forma a possibilitar a venda, aos efetivos ocupantes”, não se caracterizaria como desvio de finalidade permitir, pela redação do § 2º do art. 3º da lei, “adquirir a propriedade dos lotes [...] aquele que comprovar [...] ter firmado compromisso de compra e venda de fração ideal [...] com o empreendedor do loteamento ou suposto proprietário”?

6 Do voto do Ministro Relator: “[...] estamos analisando uma lei que tem objeto a suposta “dispensa” de licitação para alienação de parcela desse patrimônio público do Distrito Federal [...].” De fato, difícil fugir ao equívoco, uma vez que a confusão não é pequena, como já havia esclarecido o Relatório do Ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), no julgamento do Processo 009.764/2003–1 (Acórdão 831/2003–Plenário): “Essa área abrange terras da União, da TERRACAP e desapropriadas em comum, além de terras particulares, conforme pode–se constatar no mapa elaborado por essa empresa distrital, presente às fls. 26 do volume 18 do TC 15.645/2001–0 (solicitação de auditoria na TERRACAP da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados)”. Também a manifestação do Procurador–Geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado: “[...] devemos ter presente que a questão da ocupação do solo no Distrito Federal é também de interesse da União, porquanto existem condomínios ‘irregulares’ em terras a ela pertencentes. Além disso, não se pode olvidar o fato de a União ser detentora de 49 % das ações da Terracap [...]”.7 O registro das discussões demonstra que alguns Ministros estavam entendendo, inicialmente, que a ADI discutia lei do Distrito Federal, equívoco que foi posteriormente dirimido.

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d) não macularia o princípio da fundamentação dos atos judiciais8 o fato de o voto do Relator (depois vencido) asseverar que a lei autorizava a venda direta de área pública “para aqueles que tiverem compromisso de compra e venda de fração ideal do loteamento com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap)”, quando o texto da norma se referia a quem tivesse firmado esse instrumento com empreendedor do loteamento ou suposto proprietário?9

e) o fato de a exposição de motivos ter deixado claro que “a dispensa de licitação pública para a venda, conforme dispõe a Lei nº 8.666, impõe-se em caráter excepcional exatamente para fazer frente a esse problema social”10 não deveria ter deslocado o foco da discussão, eis que não havia, na verdade, a pretensão de se instituir nova modalidade de alienação de bens imóveis públicos, nem de dispensa ou inexigibilidade de licitação, mas de tratar de forma singular e excepcional uma situação peculiar11?

f) ainda que afastada a incidibilidade do Estatuto das Cidades, de 2001, e também, caso viesse a ser argüida, da Lei nº 9.636, de 1998 – porque posteriores à Lei nº 9.262, de 1996 –, não teriam esses diplomas legais incorporado uma lógicaconforme a Constituição, podendo ser tomados como orientação analógica da decisão na ADI, tendo em vista a função atualizadora e concretizadora da jurisdição constitucional?

g) essa lógica não estaria na mesma linha de significado de importantes normativos também anteriores à lei objeto da ADI? Exemplos:

i. Lei nº 8.025, de 12 de abril de 1990 – alienação de imóveis residenciais urbanos da União a seus legítimos ocupantes:

Art. 6º Ao legítimo ocupante de imóvel funcional dar–se–á conhecimento do preço de mercado do respectivo imóvel, calculado na forma do art. 2º, inciso I, previamente à publicação do edital de concorrência pública, podendo adquiri–lo por esse valor, caso se manifeste no prazo de 30 dias, mediante notificação, e desde que preencha os seguintes requisitos: [...].

ii. Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976 – legitimação de posse de áreas rurais aos seus legítimos ocupantes e posterior alienação de domínio:

Art. 29. O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos: […]§ 1ºA legitimação da posse de que trata o presente artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de Ocupação, pelo prazo mínimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para desenvolver a área ocupada.§ 2º Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua.

8 “Art. 93. [...] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões [...];”9 Portanto, não seria o caso de venda irregular realizada por entidade do Poder Público, a TERRACAP – empresa pública de direito privado com finalidade imobiliária (com capital controlado pelo Distrito Federal – majoriatariamente – e pela União), sob a presunção de que a área integrava o seu patrimônio e não estaria a alienação obstada pela proibição de usucapir áreas públicas.10 Cf. extraído da exposição de motivos do projeto de lei, pelo Relator da ADIN 2.990/DF.11 Para não dizer concreta, ainda que presente a indeterminabilidade dos beneficiários – porque dependente de prova para constituição do direito à aquisição – ou dos locais de situação dos imóveis – porque os lotes seriam submetidos a processo de reconhecimento da sua alienabilidade, pela autoridade pública do Distrito Federal, caracterizada a possibilidade de regularização urbanística de cada área individualizada.

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iii. Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, que“Dispõe sobre os imóveis da União [...]”– “Título III – Da Alienação dos Bens Imóveis da União –Capítulo VI – Da Legitimação de Posse de Terras Devolutas”:

Art. 164. Proferida a sentença homologatória a que se refere o Art. 57, iniciará a Fazenda Nacional a execução, sem embargo de qualquer recurso, requerendo preliminarmente ao juiz da causa a intimação dos possuidores de áreas reconhecidas ou julgadas devolutas a legitimarem suas posses, caso o queiram, a lei o permita e o Governo Federal consinta–lhes fazê–lo, mediante pagamento das custas que porventura estiverem devendo e recolhimento aos cofres da União, dentro de 60 (sessenta) dias, da taxa de legitimação. [...]Art. 173. Aos brasileiros natos ou naturalizados, possuidores de áreas consideradas diminutas atendendo–se às peculiaridades locais, com títulos externamente perfeitos de aquisições de boa–fé, é lícito requerer e ao SPU conceder expedição de título de domínio, sem taxa ou com taxa inferior à fixada no presente Decreto–lei. Art. 174. O Governo Federal negará legitimação, quando assim entender de justiça, de interesse público ou quando assim lhe ordenar a disposição da lei, cumprindo–lhe, se for o caso, indenizar as benfeitorias feitas de boa–fé.

3 ASPECTOS ANGULARES E CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES

Com a Carta de 88, a matéria em debate ganhou status constitucional, passando a ser este o fundamento de validade das normas primárias12 sobre licitações e contratos administrativos.

Importante assentar não se devem ter em conta apenas as disposições textuais clara e diretamente referidas ao procedimento licitatório. De fato, até por sua natureza de fundamentação e justificação, bem como de guias para interpretação e aplicação, é de se lembrar, na consideração de cada caso concreto, dos princípios constitucionais aplicáveis:

a) diretamente e em caráter geral, como o princípio da isonomia, nos termos do art. 5º, caput, primeira parte, e II, da Constituição que implica a necessidade de tratamento igualitário entre os concorrentes, ainda quando potenciais licitantes – por exemplo, o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF):

Art. 37 – Igualdade entre os licitantes: Ação direta de inconstitucionalidade. L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. [...]2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República – norma de observância compulsória pelas ordens locais – segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a "igualdade de condições de todos os concorrentes", o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério – o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito –, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso.O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 3.705, de 21 de novembro de 2005, nos termos do voto do Relator. [...](ADI 3670/DF – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 02/04/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007, DJ 18-05-2007 PP-00064, EMENT VOL-02276-01 PP-00110, LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 94-104.)

b) diretamente e em caráter específico, por cogência em relação a todos os atos da Administração Pública, como, entre outros, os princípios da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, estabelecidos pelo art. 37, caput, da Constituição;

c) subsidiariamente, em conjunção com o texto das leis regulamentadoras:

i. dando-lhes completude integrativa à Constituição, do que é exemplo o princípio do devido processo licitatório, previsto no art. 4º da Lei nº 8.666, de 1993 – direito subjetivo público de todos quantos participem do

12 “A Constituição de 1988, em seu art. 59, refere sete espécies normativas que, por estarem fundadas diretamente no texto constitucional, têm natureza de normas primárias.” (AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Decreto Autônomo : questões polêmicas. Monografia. s. d., p. 1.)

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procedimento, como corolário do princípio do devido processo legal (inteligência do art. 5º, LIV, da Constituição);

ii. reforçando e ampliando o sentido de aplicação da norma legal, como em relação ao princípio da busca da proposta mais vantajosa para a Administração, constante do art. 3º da referida lei, conjugado aos seguintes princípios do art. 37, caput, da Constituição:

1. da moralidade, enquanto diretriz para a realização de atos voltados a finalidades públicas;

2. da eficiência, na busca de melhores resultados na atuação administrativa.

As normas constitucionais, com natureza de regras, expressamente afeitas às licitações e contratos administrativos são as seguintes:

Art. 22, XXVII: “Compete privativamente à União legislar sobre: (...) normas gerais de licitação econtratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;”

Art. 37, XXI: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegura igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Art. 173, § 1º, III: “A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...) licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.”

Art. 175, caput e parágrafo único, I: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. A lei disporá sobre: (...) o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.”

Art. 177, §§ 1º e 2º: “A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (...) as condições de contratação;”

Art. 195, § 3º: “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.”

Há, adicionalmente, disposições bastante específicas, como no caso de concessão, pela União, de autorização ou permissão para pesquisa e lavra de recursos minerais, inclusive nucleares, e aproveitamento de potenciais que podem ser objeto da prestação de serviços públicos.13 Assim também em relação aos serviços de gás canalizado, de competência estadual.14

A Lei Substantiva sobre licitações e contratos administrativos, como é cediço, é a de nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (complementada, em nível de legislação ordinária, principalmente pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu a modalidade do pregão para aquisição de bens e serviços comuns).

Ela se situa entre as leis que instrumentalizam a federação:

Dentre as leis editadas pela União, algumas há que se destinam à organização político-administrativa do Estado brasileiro, penetrando na estrutura da República Federativa para nela dispor instituições e

13 Arts. 176, caput e §§ 1º a 4º, e 177, V, da Constituição.14 “Art. 25. [...] § 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.”

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institutos de governo e de administração, quer essenciais, quer acidentais à república e à federação [...] com a finalidade de – no âmbito da matéria regulada – afeiçoar os integrantes da Federação entre si e, com isso, aperfeiçoar a própria Federação. Pelo que, cabe chamá-las leis federativas. [...]Em conclusão: a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, é lei federal, de ordem pública, de interesse administrativo, de repercussão federativa. Em síntese: é lei federativa.15

Dignas de destaque, particularmente em relação ao estudo de caso objeto deste artigo, são as alterações introduzidas pela Lei nº 8.883, de 8 de junho de 1994, apenas um ano após a edição do Estatuto Básico. Esta lei foi sancionada principalmente em decorrência de um movimento de prefeitos que viram, na redação original, grandes dificuldades para a realização de seus planos de desenvolvimento municipal e à administração patrimonial. Por esta razão, entre outras, significativas alterações foram introduzidas nos arts. 17 a 19 do Estatuto, na Seção VI, que trata das alienações, das quais se destacam, para o caso em análise:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: (texto original)

I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:(texto original)

[...] e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; (alínea incluída)

f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim; (alínea incluída)

Outros diplomas legais vieram a alterar as normas licitatórias e de contratação pública, sendo em geral consolidadas no contexto da Lei nº 8.666, de 1993, a qual se poderia caracterizar como um verdadeiro código.16

Também alteram aspectos da aplicação desse Estatuto os diplomas complementares ou com disposições específicas relevantes – em termos normativos gerais ou em casos específicos –, como as leis de diretrizes orçamentárias, as leis de concessão de serviços públicos, as leis tributárias, as normas regulamentadoras de contratos de gestão firmados com órgãos e entidades da administração pública, as parcerias público-privadas, e as relativas a planos econômicos quando afetam o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Além disso, há, naturalmente, instrumentos operacionais, como os Decretos expedidos pelo Presidente da República e os atos equivalentes dos demais Poderes da União, e seus correspondentes nos Estados e ao Distrito Federal.

4 COMPETÊNCIA ESTADUAL SOBRE NORMAS ESPECÍFICAS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

Em relação às unidades federadas, a Constituição contém disposições que devem ser tomadas em consideração em uma análise sobre a referida instrumentalização das normas gerais, tendo em vista o princípio federativo.

15 BARROS, Sérgio Resende de. Lei nº 8.666 : lei federativa. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 73, pp. 55–58, out. 1993.16 “Tramita na Câmara o Projeto de Lei 32/07, que institui o Código de Licitações e Contratos da AdministraçãoPública. A proposta, do deputado Augusto Carvalho (PPS–DF), substitui a lei atual de licitações e contratos (Lei 8666/93) e cria novas regras para esses procedimentos. Entre as novidades previstas está a extinção das modalidades de licitação por convite e por tomada de preços. [...] a criação do código facilitará a compreensão das normas sobre licitação. O projeto foi elaborado a partir de sugestão do professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [...].” (AGÊNCIA CÂMARA. Projeto extingue licitações por convite e tomada de preços. Publicado em: 23 fev. 2007. Disponível em: <http://www.direito2.com.br/acam/2007/fev/23/projeto–extingue–licitacoes–por–convite–e–tomada–de–precos>. Acesso em 25 out. 2008.)

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É o que ocorre com o disposto no art. 22, parágrafo único: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.Sobre este dispositivo, cabem algumas considerações e indagações:

a) a reserva de competência para legislar privativamente sobre normas gerais17, leva, obviamente, à conclusão de que não é privativo da União legislar sobre normas específicas;

b) no entanto, para legislar sobre questões específicas, os Estados precisam ser autorizados em lei complementar da União, o que, passados quase vinte anos da promulgação da Carta, jamais foi feito em termos amplos;

c) como exceção, a Lei Complementar nº 123, de 14 de fevereiro de 2006, que favorece micro e pequenas empresas nos contratos governamentais e permite aos membros da federação a regulamentação, porém, sob condições bastante restritas:

Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte [...] desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.

18

Art. 48. [...] a administração pública poderá realizar processo licitatório:

I – destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

II – em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado;

III – em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

§ 1o O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil.

§ 2o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

I – os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório;

II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

17 “A compreensão do sentido, alcance e vinculabilidade das designadas ‘normas gerais’ ou ‘diretrizes e bases’ – bem como de outras leis nacionais que versam matérias genéricas de competência da União, Estados e Municípios – exige rigorosa colocação dos fundamentos teóricos de sua distinção relativamente às simples leis federais, estaduais e municipais. O regime jurídico dessas leis nacionais – dentre as quais estão inúmeras leis complementares – requer do exegeta abandone a simplista, primária e apressada explicação [...] baseada numa inexistente (entre nós) hierarquia das leis, equivocadamente concebida e desastradamente exposta.” (ATALIBA, Geraldo. Leis nacionais e leis federais no regime constitucional brasileiro. In Estudos Jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. Resenha Universitária, 1976. p. 131.) 18 A rigor, por força do disposto nos arts. 22, parágrafo único - já transcrito -, e 24, caput e XI, (“Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XI – procedimentos em matéria processual;”) da Constituição, os Municípios podem apenas “prever”, em sua legislação, o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte – é dizer, nos termos previstos na Lei Complementar nº 123, de 2006, obedecidos os limites das condições materiais que os Estados e o Distrito Federal vierem a estabelecer em seus respectivos regulamentos, configurando uma espécie de “recepção” formal da norma federal e, se houver, da estadual. Porém, não podem “regulamentar”, em nível legislativo, quanto à contratações públicas em condições favorecidas, porque essa competência não lhes foi concedida pelo Legislador Constituinte, nem por norma de eficácia contida.

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III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado;

IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

d) a outra exceção já consta do texto constitucional, no âmbito da atuação legislativa concorrente dos Estados e do Distrito Federal, prevista no art. 24 da Constituição – a nosso sentir só permitida, a priori, no que toca ao seu inciso XI (“procedimentos em matéria processual”);

e) não encontraria guarida – ao contrário, seria antinômica –, a pretensa ampliação do entendimento acima em favor de maior liberdade legislativa dos Estados e do Distrito Federal;19

f) indaga-se: seria plausível, no entanto, admitir–se o exercício da competência legislativa dos Estados e do Distrito Federal, nos termos dos §§ 1º a 4º do art. 2420, sobre matéria que, embora não sendo processual, seja de natureza específica, na falta da lei complementar estabelecendo quais as normas podem ser reguladas pelos Estados e pelo Distrito Federal?

g) para isso, seria plausível levar em conta, para fins de construção doutrinária ou jurisprudencial, o disposto nos arts. 22, XVII, e 25, caput e § 1º21, e o fato de que a legislação ordinária federal não discriminou entre geral e específico, mas evidentemente, as próprias leis de regência, como a 8.666, de 1993, e a 10.520, de 2002, contêm disposições específicas?

Estas cogitações, postas para reflexão, poderiam ser um caminho para resolver a necessidade de particular esforço legislativo por parte das unidades da federação. Seu exame mais acurado, porém, extrapola o objetivo destas notas.

Fato é que algumas normas estaduais e distritais têm representado iniciativas que demonstram a necessidade de uma delimitação quanto às normas específicas que podem ser objeto de iniciativa legislativa dos respectivos entes, recaindo em questionamentos sobre sua constitucionalidade. Por exemplo, os seguintes acórdãos constantes da publicação “A Constituição e o Supremo”22:

Arts. 22, 23 e 24 CF – Competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação: Ação direta de inconstitucionalidade. L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada.1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) [...]

19 Por exemplo, com base nas regras de determinação, por exceção, das competências dos Estados, nos termos art. 25, caput, e § 1º (“Os Estados organizam–se e regem–se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”). 20 “Art. 24. [...] § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar–se–á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”21 “Certamente, o art. 25 da Lei Magna em vigor manda que os Estados, ao organizarem–se, observem os ‘princípios’ da Carta federal. Entretanto, não os enuncia. [...] De acordo com o art. 29, caput, da Constituição brasileira os Municípios gozam de auto–organização, respeitados os ‘princípios’ da Constituição federal e da Constituição estadual. Disso, pela lógica, decorreria a mesma situação apontada acima para os Estados.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6 ed. rev. atual. São Paulo : Saraiva, 2007, pp. 254–255.)22 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/>. Acesso em 15 nov. 2008.

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 3.705, de 21 de novembro de 2005, nos termos do voto do Relator. [...](ADI 3670/DF – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 02/04/2007, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007, DJ 18-05-2007 PP-00064, EMENT VOL-02276-01 PP-00110, LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 94-104.)

Art. 2º CF – Princípio federativo, separação dos poderes: “[...] a exigência constante do art. 112, § 2º, da Constituição fluminense, consagra mera restrição material à atividade do legislador estadual, que com ela se vê impedido de conceder gratuidade sem proceder à necessária indicação da fonte de custeio.É assente a jurisprudência da Corte no sentido de que as regras do processo legislativo federal que devem reproduzidas no âmbito estadual são apenas as de cunho substantivo, coisa que se não reconhece ao dispositivo atacado. É que este não se destina a promover alterações no perfil do processo legislativo, considerado em si mesmo; volta-se, antes, a estabelecer restrições quanto a um produto específico do processo e que são eventuais leis sobre gratuidades. É, por isso, equivocado ver qualquer relação de contrariedade entre as limitações constitucionais vinculadas ao princípio federativo e a norma sob análise, que delas não desbordou. [...]Não se descobre, ademais, nenhuma infração ao princípio da separação dos poderes e, segundo a autora, oriunda de suposta invasão da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre ‘serviços públicos’. A alegação de afronta ao disposto no art. 61, § 1º, II, b, não pede maiores considerações, porque se cuida de preceito dirigido exclusivamente aos Territórios.Doutro lado, não quadra falar em desprestígio à prerrogativa do Poder Executivo de celebrar contratos administrativos, assim porque a norma lhe não veda tal poder, como seu exercício é submisso integralmente ao princípio da legalidade. [...].Donde, não há excogitar usurpação de competência reservada do Chefe do Poder Executivo. Ademais, e esta é observação decisiva que se opôs e sublinhou no curso dos debates do julgamento deste caso, a norma impugnada não implica restrição alguma à definição dos termos e condições das licitações para concessão e permissão de serviço público, porque se dirige apenas ao regime de execução dos contratos dessas classes, o qual, no curso da prestação, não pode ser modificado por lei, para efeito de outorga de gratuidade não prevista nos editais, sem indicação da correspondente fonte de custeio. (...)”(ADI 3.225, voto do Min. Cezar Peluso, julgamento em 17-9-07, DJ de 26-10-07)

CONCLUSÃO

As normas reguladoras de licitações e contratos, a serem promovidas e firmados pelos órgãos e entidades da administração pública brasileira apresentam clara ampliação hierárquico-normativa e elevação da importância conteudística ao longo da história, passando para o nível de princípios e regras constitucionais e abarcando enorme leque de situações peculiares e modos em que são aplicáveis.

Essas normas abrangem os processos de compras de bens privados e alienações de bens públicos, contratação de serviços e realização de obras, sob diferentes modalidades (procedimentos) e tipos (critérios de julgamento).

Ao longo de 15 anos de vigência do Estatuto federal substantivo atualmente vigente – a Lei nº 8.666, de 1993, muitas intercorrências vieram a afetar a redação original – vetos presidenciais; alterações legislativas; regulamentação; criação da modalidade pregão; ações discutindo a constitucionalidade de normas, especialmente estaduais e distritais; necessidade de adaptação interpretativa de suas disposições por força de outros diplomas legais especializados, como a referente a planos econômicos; construção jurisprudencial por parte dos tribunais, em particular o Supremo Tribunal Federal, em virtude dos fundamentos constitucionais da matéria licitações e contratos administrativos.

Talvez sejam incidentes demais para uma lei ainda adolescente, porém, pouco mais jovem que a própria Constituição e é de se ver que, muito provavelmente, esta sofreu alterações muito mais significativas e, por certo, sobre quantidade muito maior de dispositivos. (Se esse for um bom

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parâmetro de avaliação, a lei pode se considerar aprovada, pelo razoável grau de permanência das normas nela contidas.)

Em termos de eficácia, há críticas severas em relação à excessiva burocratização, demora para execução com observância de todos os seus detalhes e, simultaneamente, lacunas e obscuridades em seu texto, o que pode bem ser comprovado pelo enorme leque de livros especializados e de serviços complementares que procuram explicar a lei e suas formas de aplicação.

Mas também não se podem negar os avanços da lei, no mínimo estabelecendo parâmetros claros em relação ao que o Legislador Ordinário considera consonante com os princípios constitucionais e o que, por sua inobservância, os afronta.

Há espaço para críticas e para aperfeiçoamentos, e é o que tentam fazer os projetos de lei ora em andamento no Congresso Nacional. Talvez seja a hora de, como se diz, aproveitar o bonde da história e aprovar lei complementar estabelecendo quais matérias podem ser objeto de regulamentação específica por parte dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Constituição Federal. Isso tornaria também mais dinâmicos e efetivos os aspectos de descentralização e singularização que, em princípio, devem integrar a concretização do princípio federativo.

Casos e situações particulares, como a que foi objeto da ADI nº 2.990/DF, por outro lado, também podem receber um tratamento legislativo adequado, visando a reduzir a dose de subjetividade sobre o que pode ser objeto de ressalva, dispensa ou inexigibilidade, pelo estabelecimento de regras abrangendo essas situações conflituosas e ensejadoras do questionamento de constitucionalidade, reduzindo a margem de variação na interpretação dos princípios e impedindo a aplicação inadequada da lei, como o emprego do argumento da inexigibilidade quando em presença de caso atípico de norma permissiva de alienação de imóveis públicos, como aconteceu, salvo melhor juízo, no julgamento da ADI nº 2.900/DF.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Decreto Autônomo : questões polêmicas (monografia). s. d.

ATALIBA, Geraldo. Leis nacionais e leis federais no regime constitucional brasileiro. In Estudos Jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. Resenha Universitária, 1976. pp. 129-162.

BARROS, Sérgio Resende de. Lei nº 8.666 : lei federativa. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 73, out. 1993, pp. 55-58.

BRASIL. Constituição de 1988.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/>.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.990 –Distrito Federal : Relatório, Preliminar, Debates e Acórdão do Vencido.

BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Processo nº 009.764/2003–1 : Relatório eAcórdão 831/2003–Plenário.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6 ed. rev. atual. São Paulo : Saraiva, 2007.