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Artigo original USO DA ANESTESIA DE SUPERFÍCIE P A- RA ESCLEROTERAPIA VENOSA José Mário S. Marcondes dos Reis* Ana T. Guillaumon** Annibal Rebe ll o** Fabio Monastero** Jorge M. Ribera *** Os autores avaliaram a eficácia de uma associação eu- tética de anestésicos locais, contendo lidoc aína e prilocaí- na a 5% , em partes igu ais, preparada em uma emulsão cre- mosa, na prevenção da dor produzida pela punção da pele para escleroterapia de telangectasias em 40 pacientes do sexo feminino, comparada com a ação de um creme neu- tro, com aparência física idêntica ao creme anestésico e com a dor causada pelo procedimento habitual, isto é, sem colocação de creme . Os resultados mostraram que o creme anestésico pro- porcionou ausência de dor em 34 casos (85 %) e dor fraca em 6 deles (15%), enquanto que com o creme neutro hou- ve apenas 2 casos sem dor (5%), 36 (90%) com dor fraca e 2 (5%) com dor moderada e o procedimento habitual causou dor fraca em 37 casos (92,5 %) e dor moderada em 3 casos (7,5%), não havendo nenhum caso sem dor . Hou - ve diferença estatisticamente significante (p <t 0, 001) a fa - vor do creme anestésico em relação aos outros proc edi- mentos. Unitermos: Anestesia de superfície, escl erot eraw.a. Trabalho rea li zado no Instituto H. ELUS e no Centro de Estudos c Pesquisa Méd ica do Hospital Ipiranga. * Chefe do serv iço de Cirurgia Vascular do Hospital Ipiran ga c Diretor do Instituto H. EL US. ** Cirurgião vasc ular do Hosp i ta l Ipiranga. *** Residente do Serviço de Cirurgia Vascular do Hosp ital Ipiranga. 10 INTRODUÇÃO A escleroterapia venosa é realizada norm alme nt e com punção direta das telagect as ia s com agulhas de cali - bre fino , sem levar em conta a dor proporcionada por tal procedimento. A ausência do uso da anestesia l ocal infil- trativa justifica-se, pois não eliminaria a dor da punção. A anestesia de superfície de mucosa é conhecida rriuitos anos, porém com estas mesmas formulações não se conseguia a anestesia da pele íntegra. Com o advento de uma associação de dois anestésicos locais , lidocaína e prilocaína, em emulsão cremosa eutéti· ca, conhecida como "Euthetic Mixture of Local Anesthe- tics" (EM LA) começam a aparecer trabalhos nacionais e internacionais que comprovam a eficácia dessa associação na eliminação da dor das punções venosas, principalmente nas crianças 5 . 6 . 8 . 9 . O objetivo do presente trabalho é estudar a eficácia desta mistura na eliminação da dor nas punções para es- cleroterapia venosa, comparando·a com um creme neutro e com o procedimento habitual. METODOLOGIA Foram avaliadas 40 pacientes, com idade variando de 23 a 58 anos (média de 37,8 ± 7,62), que foram submeti- dos a tratamento de telangectasias venosas por esclerote- rapia em membros inferiores. Este é um estudo mono-cego cruzado, no qual a mes - ma paciente foi submetida a três procedimentos diferen- tes , ou seja , em um dos membros inferiores colocava -se a associação anestésica, no outro o creme neutro e em algu- mas telangectasias fazia-se o procedimento habitual, isto é, procedia-se a escleroterapia sem ql!alquer tipo de creme. Os locais onde os cremes foram utilizados eram cober- tos com bandagens oclusivas por um período de 60 minu- tos , após o qual eram retiradas e os locais limpos com algo- dão embebido em álcool. Ao se retirar as bandagens, era observada a ocorrên· cia de a lt eração da cor da pele e de algum fenômeno alér- gico. A escleroterapia foi realizada com glicose a 75% e a injeção foi feita com agulha Temmo 27G x 1/2 , com à pa- ciente em decúbito dorsal. A escleroterapia iniciava-se sempre pelos locais sem creme e posteriormente realizava-se as injeções nos locai s onde for am utilizados os cremes. Ao final do procedimen- to , perguntava-se à paciente se ocorrera dor nas punções e se hou vera variação da dor nos locai s puncionados. Perguntava -s e também em relação à dor da introdução do líquido e se existira variação desta dor nos locais puncio- nados. RESULTA DOS Nos locais onde foi aplicado o creme anestésico, a dor à punção esteve ausente em 34 pacient es (85%) e em 6 ca- sos (15%) esteve presente com intensidade fraca . Nos lo- cais onde foi aplicado o creme neutro, a dor esteve ausen- te em apenas 2 pacientes (5%) , estando presente co m in- tensidade fraca em 36 pacientes (90%) e em intens idad e moderada em 2 ca sos (5%). Nos locais on de não foi utili- CIR. VASC. ANG. 7(4) : 10, 12, 1991

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Artigo original

USO DA ANESTESIA DE SUPERFÍCIE P A­RA ESCLEROTERAPIA VENOSA

José Mário S. Marcondes dos Reis* Ana T. Guillaumon** Annibal Rebello** Fabio Monastero** Jorge M. Ribera ***

Os autores avaliaram a eficácia de uma associação eu­tética de anestésicos locais, contendo lidocaína e prilocaí­na a 5%, em partes iguais, preparada em uma emulsão cre­mosa, na prevenção da dor produzida pela punção da pele para escleroterapia de telangectasias em 40 pacientes do sexo feminino, comparada com a ação de um creme neu­tro, com aparência física idêntica ao creme anestésico e com a dor causada pelo procedimento habitual, isto é, sem colocação de creme.

Os resultados mostraram que o creme anestésico pro­porcionou ausência de dor em 34 casos (85 %) e dor fraca em 6 deles (15%), enquanto que com o creme neutro hou­ve apenas 2 casos sem dor (5%), 36 (90%) com dor fraca e 2 (5%) com dor moderada e o procedimento habitual causou dor fraca em 37 casos (92,5 %) e dor moderada em 3 casos (7,5%), não havendo nenhum caso sem dor. Hou ­ve diferença estatisticamente significante (p <t 0,001) a fa ­vor do creme anestésico em relação aos outros procedi­mentos.

Unitermos: Anestesia de superfície, escleroteraw.a.

Trabalho realizado no Instituto H . ELUS e no Centro de Estudos c Pesquisa Médica do Hospital Ipiranga.

* Chefe do serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Ipiranga c Diretor do Insti tuto H. ELUS.

** Cirurgião vascular do Hospita l Ipiranga. *** Residente do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Ipiranga.

10

INTRODUÇÃO

A escleroterapia venosa é realizada normalmente com punção direta das telagectas ias com agulhas de cali­bre fino, sem levar em conta a dor proporcionada por tal procedimento. A ausência do uso da anestesia local infil­trativa justifica-se, pois não eliminaria a dor da punção.

A anestesia de superfície de mucosa é conhecida há rriuitos anos, porém com estas mesmas formulações não se conseguia a anestesia da pele íntegra.

Com o advento de uma associação de dois anestésicos locais, lidocaína e prilocaína, em emulsão cremosa eutéti· ca, conhecida como "Euthetic Mixture of Local Anesthe­tics" (EM LA) começam a aparecer trabalhos nacionais e internacionais que comprovam a eficácia dessa associação na eliminação da dor das punções venosas, principalmente nas crianças5.6.8.9.

O objetivo do presente trabalho é estudar a eficácia desta mistura na eliminação da dor nas punções para es­cleroterapia venosa, comparando·a com um creme neutro e com o procedimento habitual.

METODOLOGIA

Foram avaliadas 40 pacientes, com idade variando de 23 a 58 anos (média de 37,8 ± 7,62), que foram submeti­dos a tratamento de telangectasias venosas por esclerote­rapia em membros inferiores.

Este é um estudo mono-cego cruzado, no qual a mes­ma paciente foi submetida a três procedimentos diferen­tes, ou seja , em um dos membros inferiores colocava-se a associação anestésica, no outro o creme neutro e em algu­mas telangectasias fazia-se o procedimento habitual, isto é, procedia-se a escleroterapia sem ql!alquer tipo de creme.

Os locais onde os cremes foram utilizados eram cober­tos com bandagens oclusivas por um período de 60 minu­tos, após o qual eram retiradas e os locais limpos com algo­dão embebido em álcool.

Ao se retirar as bandagens, era observada a ocorrên· cia de alteração da cor da pele e de algum fenômeno alér­gico.

A escleroterapia foi realizada com glicose a 75% e a injeção foi feita com agulha Temmo 27G x 1/2, com à pa­ciente em decúbito dorsal.

A escleroterapia iniciava-se sempre pelos locais sem creme e posteriormente realizava-se as injeções nos locais onde foram utilizados os cremes. Ao final do procedimen­to, perguntava-se à paciente se ocorrera dor nas punções e se hou vera variação da dor nos locais puncionados. Perguntava-se também em relação à dor da introdução do líquido e se existira variação desta dor nos locais puncio­nados.

RESULTA DOS

Nos locais onde foi aplicado o creme anestésico, a dor à punção esteve ausente em 34 pacientes (85%) e em 6 ca­sos (15%) esteve presente com intensidade fraca . Nos lo­cais onde foi aplicado o creme neutro, a dor esteve ausen­te em apenas 2 pacientes (5%), estando presente com in­tensidade fraca em 36 pacientes (90%) e em intensidade moderada em 2 casos (5%). Nos locais onde não foi utili-

CIR. VASC. ANG. 7(4): 10,12, 1991

José Mário S. Marcondes dos Reis e cals.

zado creme, todas as pacientes referiram dor; fraca em 37 pacientes (92,5%) e moderada em 3 (7,5%) (Tabela I).

I TIPO DE PROCEOIME~TO N = 40.

DOR A PUNÇÃO CREME CREME SEM ANESTÉSICO NEUTRO CREME

AUSENTE 34 (85 "10 ) 2 (5 "10) o. (0.%) FRACA 6 (15 % ) 36 (90.%) 37 (92,5%) MODERADA o. (0 % ) 2 (5 % ) 3 (7,5 % )

Tabela I: ResuHados comparativos entre o creme anestésico , o creme neutro e o procedimento habitual sem creme, em relação a queixa de dor em 40. pacientes submetidas a escleroterapia venosa.

A análise estatística feita pelo método do x2 mostra que houve diferença estatisticamente significante (p <t 0,001) a favor do creme anestésico, em relação ao creme neutro e ao procedimento habitual.

A sensação de queimação pela introdução do líquido esclerosante esteve presente em 40 pacientes (100%) nos locais com creme neutro e sem creme. Em 8 pacientes (20%) nos quais foi utilizado o creme anestésico não hou­ve queixa de sensação de queimação pelo líquido injetado (Tabela 2).

SENSAÇÃO DE . QUEIMAÇÃO

AUSENTE FRACA

I TIPO DE PROCEDIMENTO N = 40.

CREME ANESTÉSICO

8 (20.%) 32 (80.%)

CREME NEUTRO

o. (0.%) 40. (10.0.%)

SEM CREME

o. (0.%) 40. (10.0.%)

Tabela 2: ResuH.dos comparativos entre o creme anestésico, o creme neutro e o procedimento habitual sem creme, em relação a sensação de queima­ção pela introdução do líquido esclerosante.

Notou-se que na maioria dos locais onde foi utilizado o creme anestésico houve o aparecimento de um halo es­branquiçado, o qual estava diretamente relacionado com a eficácia anestésica do creme, pois nas 6 pacientes nas qt.lais não aparecera esse halo houve queixa de dor fraca à punção da pele.

Não houve manifestação de reação alérgica nos locais de aplicação dos cremes.

DISCUSSÃO

O uso desta associação anestésica local de lidocaína e prilocaína em uma emulsão cremosa eutética como anes­tésico local de superfície para punções venosas em crian­ças já mostrou eficácia comprovada por diversos trabalhos da literatura4,5,8,9 .

Nos nossos resultados, ficou claro que esta associação . conseguiu eliminar a dor da punção em 34 (85%) dos pa­cientes, concordando com os dados de literatura5,6,8,9.

Nos 6 (15 %) pacientes em que não foi possível elimi­nar a dor da punção, verificamos que no local da aplica­ção do creme anestésico não se observou formação do ha­lo branco, concluindo que a ausência deste fenômeno, que provavelmente seria uma vasoconstricão. indica uma efi­cácia parcial do seu efeito anestésic02.

Observou-se provável efeito placebo em 2 pacientes (5%) que referiram ausência de dor da punção nos locais de aplicação do creme neutro.

CIR: VASCo ANG. 7(4): 10,12, 1991

Anestesia para escleroterapia

A finalidade do uso da anestesia de superfície não é eliminar a queimação produzida pela injeção da solução esclerosante, pois os resultados do trabalho mostram que 32 (80%) pacientes não referiram ausência de queimação nos locais de utilização do creme anestésic07.

A ausência de manifestação alérgica encontrada no nosso estudo está conforme a literatura 1.3.4,6.

Ehrenstrón-Reiz e colaboradores l , referem que o tempo mínimo para efeito de anestesia tópica pelo EMLA é de 45 minutos; já os trabalhos de Juhlin6 e Evers1, dei­xam evidente que o tempo corre.to para anestesia pelo EMLA é de 60 minutos. Padronizamos o tempo em 60 minutos e verificamos que a anestesia tópica foi alcançada na maioria das pacientes. Entretanto, devemos lembrar que a formação do halo branco é o que realmente caracte­riza a existência de anestesia tópica.

CONCLUSÃO

Os autores concluem que a associação medicamento­sa utilizada neste estudo provou ser um anestésico de su­perfície eficaz para punção da pele para escleroterapia de telangectasias, não havendo influência na sensação de queimação produzida pela injeção do agente esclerosante (glicose 75%) ê que a formação do halo branco no local onde foi aplicado o creme anestésico é essencial para' con­firmar uma boa ação anestésica.

SUMMARY

USE OF SUPERFICIAL ANESTHESIA FOR VENOUS SCLE­ROTHERAPY

The authors evaluated the efficacy of an euthetic mix­ture of local anesthetics, lidocaine and prilocaine, in a wa­ter emulsion cream base, in preventing pain produced by skin puncture for telangiectasis sclerotherapy in 40 female patients, in comparison with the action of an inactive Cream, with identical physical appearance and with the pain found at the regular proceeding, that is, with no cream at ali.

The results showed that the anesthetic cream provi­ded absence of pain in 34 cases (85%) and pain was con­sidered to be mild in 6 (15%) cases. With the inactive cream there were only 2 cases (5%) with abserice of pain, 36 (90%) with mild pain and 2 (5%) cases with moderate . pain . With the regular proceeding 37 (92.5 %) patientes felt mild pain and in 3 cases (7.5%) pain was considered to be . moderate, no case with absence of pain was reported. A significant statistical difference (p <: 0.001) in favor of the anesthetic cream in relation to the other proceedings was evidenced.

Uniterms: Superficial anesthesia, sclerotherapy.

11

José Mário S . Marcondes dos Reis e cals.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. EHRENSTRON-REIZG. REIZS&STOCKMAN ü - Topical anaesthesia with EMLA. a new lidocaine-prilocaine cream and the cusum technique for detection of minimal aplication time. Acta Anaesthesiol. Scand. , 27: 510. 1983.

2. EVERS H, VON DARDEL O. JUHLlN L OHL­SEN L & VINNARS E - Dermal effects of com­positions based on the eutectic mixture of lidocaine and prilocaine (EM LA). Br. J. Anaesth .. 57: 997. 1985.

3: HALLÉN A, LJUNGHELL K & WALLlN J -Topical aneasthesia with local anesthetic (Iidocaine and prilocaine, EMLA) cream for cautery of genital warts. Genitoriun, Med. , 63: 316, 1987.

4. HALLÉN B, OLSSON GL & UPPFELDT A -Pain-free venepuncture. Anaesthesia, 39: 969, 1984.

5. HALLÉN B & UPPFELDT A - Does Iidocaine­prilocaine cream permit painfree insertion of IV ca­warts. Genitourin . Med., 63: 316, 1987.

6. JUHLlN L & EVERS H - EMLA: a new topical anesthetic. Adv. Dermatol., 5: 75, 1990.

7. OHLSÉN L, ENGLESSON S & EVERS H - An anesthetic lidocaine/prilocaine cream (EM LA) for epicutaneous application tested for cutting split skin grafts. Scand J Plast Reconstr Surg., 19: 20 I, 1985.

8. ROSDAHL I, EDMAR B, GISSLÉN H, NORDIN" P & LILLIERBORG S - Curettage of molluscum contagiosum in children: analgesia by topical appli­cation of a lidocaine/prilocaine cream (EM LA). Ac­ta Derm. Venereol., 68: 149, 1983.

9. SOLlMAN IE, BROADMAN LM, HANNAL· LAH RS & McGILL WA - Comparison of the analgesic effects of EMLA (eutectic mixture af local anesthetics) to intradermal Iidocaine infiltration prior to venous cannulation in unpremedicated chil· dreno Anesthesiology, 68(5): 804, 1988.

COMENTÁRIO EDITORIAL

o tratamento escleroterápico de microvarizes é um aspecto impor· tante na atividade do Angiologista e do Cirurgião Vascular. Vários mé· todos de tratamento têm sido propostos moderadamellle e o conceito que tem predominado é o de retirada das varizes de pequeno calibre com as mini·cirurgias e o tratamelllo esclerosa llle das teleangicstasias. Algum, procedimentos para se evitar · a dor da punção e à injeção da substância esclerosante têm sido aventados como o u~o de gelo ou éter locais e a adio ção de anestésico local à substância esclcrosarite.

No presente trabalho os autores aven tam a 'possibi lidade de se usar um creme tópico com anestésicos locais para minimizar a dor da puno ção. já que a queimação com a injeção da substânCia esclerosante não foi suprimida.

É um método promissor. E demorado (60. minutos para o início do tratamento). Cabem outras pesquisas tais como uniformidade de efeito na localização das teleangiectasias pois sabe·se que as localizadas na face interna das coxas s.ào mais dolorosas. Vale es tudar também a relação com a qualllidade do líquido injetado. a idade do doente e a própria com· posiçàõ da substância esclcrosantc.

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Adib S. Bouabci São Paulo

Anestesia para escleroterapia

CIR. VASC. ANG. 7(4): 10,12, 1991