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0 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Wilson da Luz Raposo ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Wilson da Luz Raposo

ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA

CURITIBA

2010

1

ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA

CURITIBA

2010

2

Wilson da Luz Raposo

ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientador: André Luiz Bäuml Tesser

CURITIBA

2010

3

TERMO DE APROVAÇÃO

Wilson da Luz Raposo

ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de

Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2010.

_____________________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Universidade Tuiuti do Paraná – Coordenador do Núcleo de Monografia

Orientador: Professor: André Luiz Bäuml Tesser UTP – Faculdade de Ciências Jurídicas

Professor: UTP – Faculdade de Ciências Jurídicas

Professor: UTP – Faculdade de Ciências Jurídicas

4

AGRADECIMENTOS

A elaboração do presente trabalho seria impossível se ausente Deus, que me deu

vida, saúde, discernimento e, por consequência, a possibilidade de concretização desta

etapa acadêmica. À Ele minha gratidão.

Expresso agradecimentos à minha família pelo apoio e incentivo no decorrer

desses anos, pelos ensinamentos a mim dedicados, pela confiança depositada, pelo

amor incondicional recebido.

Minha gratidão ao professor André Luiz Bäuml Tesser, o qual fez brotar o

interesse na escolha do tema defendido, além da sua disposição e interesse em orientar

a presente pesquisa, apontando, de forma segura, o rumo a ser seguido.

Agradeço aos amigos de outrora pela compreensão aos momentos de minha

ausência, bem como aos amigos de classe, os quais compartilharam desta jornada

numa prazerosa convivência.

5

RESUMO

O presente trabalho propõe análise sobre a prova na tutela inibitória, tema de dificuldade prática de quem pretende ter prevenido seu direito. Apresentam-se as particularidades da tutela inibitória, tais como a desnecessidade do dano, bastando ameaça de evento ilícito. Discorre-se sobre a teoria da prova no processo e os modos de apreciação probatória na tutela inibitória, teorizados de maneira a possibilitar a apreciação da demanda preventiva pelo Judiciário, seja nas ações que visam a inibir a prática primeira de um ilícito bem como prevenir a repetição ou continuação do ato. Aborda-se ainda a prova indiciária, presunção e cognição judicial diferenciada à tutela inibitória. Por fim o presente estudo almeja demonstrar algumas soluções possíveis a fim de amenizar a complexidade da prova na tutela inibitória, de modo a possibilitar a garantia da conservação da integridade do direito, fazendo da tutela inibitória um mecanismo jurídico de grande utilidade, preservando o direito como o deve ser. Palavras-chave: tutela inibitória; prova; preservação do direito; aspectos probatórios

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07 1 TUTELA INIBITÓRIA ..................................................................................... 09 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................... 09 1.2 PRESSUPOSTOS DA TUTELA INIBITÓRIA ............................................... 13 1.3 AUTONOMIA DA TUTELA INIBITÓRIA .................................................... 15 1.4 A TUTELA INIBITÓRIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO GERAL DA PREVENÇÃO ..................................................................................................

17

1.5 MODALIDADES DA TUTELA INIBITÓRIA ............................................... 18 1.6 TÉCNICAS PROCESSUAIS DISPONÍVEIS À EFETIVAÇÃO DA TUTELA INIBITÓRIA ...........................................................................................

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2 PROVA ................................................................................................................ 23 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................... 23 2.2 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA ................................................... 26 2.3 OBJETO DA PROVA ...................................................................................... 27 2.4 CLASSIFICAÇÃO DA PROVA ...................................................................... 30 2.4.1 Prova indiciária .............................................................................................. 32 2.4.2 Presunções ...................................................................................................... 34 2.5 ÔNUS DA PROVA ........................................................................................... 37 2.6 COGNIÇAO JUDICIAL ................................................................................... 40 3 ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA ....... ................... 41 3.1 AÇÃO INIBITÓRIA E A PROVA ................................................................... 41 3.1.1 Ameaça ........................................................................................................... 43 3.1.2 Ilicitude ........................................................................................................... 46 3.2 PROVA DA AMEAÇA NAS DIFERENTES MODALIDADES DE TUTELA INIBITÓRIA ...........................................................................................

47

3.2.1 Prova da ameaça nas tutelas inibitórias secundárias (repetição ou continuação do ilícito) .............................................................................................

48

3.2.2 Prova da ameaça nas tutelas inibitórias primárias (prática de ato ilícito) ...... 49 3.3 A MODIFICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NA TUTELA INIBITÓRIA ..... 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 59 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 61

7

INTRODUÇÃO

O Ordenamento jurídico dispõe de meios de proteção aos indivíduos que, em

decorrência de novos direitos oriundos da evolução da sociedade - em especial aos de

caráter não patrimonial, abarcados pela Constituição da República como direitos

invioláveis - merecem uma tutela efetiva. Não raras vezes essa tutela apresenta-se

como caráter preventivo, visando inibir a prática de um ilícito, a repetição ou

continuação deste.

O Direito, numa relação direta com a justiça, almeja assegurar a

inalterabilidade de uma situação harmoniosa e pacífica. Assim, a própria Constituição

da República traz de modo explícito, precisamente no art. 5º, XXXV, que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É nítida a

preocupação em oferecer aos indivíduos um desfrute do bem tutelado de modo in

natura, dispondo o ordenamento jurídico de meios que garantam aos indivíduos a

prevenção de seus direitos. Nesse sentido, a tutela inibitória se apresenta como um

corolário dessa ideologia de prevenção, justificando-se simplesmente pela existência

de uma ameaça de ilícito.

O presente trabalho expõe, sem almejar o esgotamento de discussões acerca do

tema, uma abordagem sobre a prova na tutela inibitória, imprescindível à presteza de

uma tutela jurisdicional.

A divisão do trabalho será feita em três capítulos, os quais compreenderão

uma rápida análise sobre a tutela inibitória, considerações sobre provas e uma

explanação sobre os aspectos probatórios na tutela inibitória. O primeiro apresentará

algumas considerações relacionadas à tutela inibitória, suas particularidades e sua

8

importância no Direito pátrio. Seguidamente serão expostos breves comentários sobre

a questão da prova, em que se discorrerá da sua utilidade, dos variados tipos de prova,

em especial à prova indiciária, importante à tutela inibitória.

Por fim será focada a prova na tutela inibitória, priorizando a abordagem da

prova indiciária, prova da ameaça, entre outros, demonstrando a relevância que o tema

suscita para a sociedade, pois é certo que os indivíduos merecem uma preservação

integral de seus direitos. Para tanto se admite disposições probatórias suficientes à

indicação de prática contrária ao direito, permitindo assim assegurar-se contra

situações indesejáveis e contrárias ao ordenamento jurídico.

As explanações contidas ao longo deste estudo são revestidas de importante

base teórica doutrinária, as quais enfatizam a importância do estudo dedicado ao tema,

dotando a prova, em especial na tutela inibitória, como instrumento processual capaz

de garantir inalterabilidade ao direito material.

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1 TUTELA INIBITÓRIA

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A tutela inibitória, conhecida já no direito romano em seus tempos mais

remotos1 almeja concretizar a garantia constitucional de que a lei não exclua da

apreciação do Poder Judiciário ameaça a direito2. Assim, a tutela inibitória, a qual se

configura como uma tutela preventiva3 visa a prevenir o ilícito, culminando por

apresentar-se como uma tutela anterior à sua prática.

A ação inibitória, uma vez utilizada em face da probabilidade de um ilícito,

objetiva também prevenir a repetição ou continuação deste. Isto é, havendo

possibilidade de um ilícito anteriormente ocorrido voltar a ser realizado ou, se existir

um ilícito e não houver a cessação deste, pode-se invocar a tutela inibitória a fim de

prevenir-se contra tal ilicitude. Nota-se claramente na lição do professor Marinoni,

pioneiro no desenvolvimento do tema na doutrina brasileira, “que a inibitória, ainda

que empenhada apenas em fazer cessar o ilícito ou a impedir a sua repetição, não perde

a sua natureza preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito

violado”. (2006, p. 39).

O diferencial presente na tutela inibitória é que ela se volta ao futuro,

contrariamente às tutelas ressarcitórias, as quais servem ao passado. Estas, na maioria

1 Explica Sérgio Cruz Arenhart, que a proteção preventiva inibitória era conferida por meio de interditos e não pela via tradicional das actiones, ao menos até a última fase do processo civil romano. Em citação realizada pelo referido autor à obra de Charles Maynz, verifica-se que os interditos prestaram-se originariamente para a defesa de certos interesses não elevados à categoria de direitos (aos quais correspondia a noção de actio), mas ainda assim merecendo proteção jurídica. Para tais casos o magistrado (pretor) tinha o poder de expedir ordem, fundado em seu imperium, contra aquele que violara ou que ameaçava violar o interesse. (2003, p. 195). 2 CF, Art. 5º, XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 3 Fala-se em tutela preventiva quando o jurisdicionado vai ao Estado para obter um resultado que vise a impedir a consumação de um ato contrário ao direito (ilícito) ou a consumação de um dano. Daí a idéia de preventividade: o jurisdicionado se antecipa à lesão. (DIDIER JR, 2009, p. 407)

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das vezes, acabam por possibilitar a substituição de um direito por outro, ou seja, o

direito originário é substituído por um direito de crédito equivalente ao valor do dano.

(MARINONI, 2006, p. 38). A tutela inibitória, noz dizeres de Marinoni, “não tem

qualquer caráter sub-rogatário, destina-se a garantir a integridade do direito em si”.

(Ibid., p. 38).

Observa-se na tutela inibitória uma inovação sobre o paradigma usualmente

utilizado pela doutrina processualista civil ao referir-se à tutela jurisdicional. Esta é

comumente usada como sendo repressiva, isto é, trabalha-se costumeiramente em

torno da idéia de lesão já consumada. Em tais casos aplicam-se as já conhecidas

“ações de indenização”.

Inovadora é a perspectiva preventiva da tutela, a qual, conforme expressa

Cássio Scarpinella Bueno, é usada “no sentido de evitar a lesão; de ser imunizada a

ameaça, evitando que ela, ameaça, transforme-se em lesão. (2010, p. 314). Esclarece o

autor em comento que a Constituição de 1988, ao prever a apreciação pelo Judiciário

de ameaça a direito, “quer que também a mera ameaça enseje uma pronta e adequada

intervenção jurisdicional e uma pronta e adequada solução jurisdicional” (Ibid., p.

315).

Sob um ponto de vista filosófico, nas palavras do autor acima referido, “uma

vez lesionado o direito, é impossível voltar ao statu quo ante ou, até mesmo, apagar os

efeitos que esta lesão (já consumada) tenha gerado” (Ibid., p. 315). Para uma boa

convivência social não é desejável que ocorra a lesão. Assim, a tutela inibitória se

apresenta como noção suficiente de tutela preventiva, de proteção de uma situação de

ameaça, ao permitir que esta sequer venha a se converter em lesão. Além do mais, a

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tutela inibitória, a qual é genuinamente tutela preventiva, é imanente a qualquer

ordenamento jurídico que se empenhe em proteger – e não apenas em proclamar – os

direitos. (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 74)

Importante fundamento para a existência da tutela inibitória é a

impossibilidade de reparação sobre alguns direitos, os quais são carentes de qualquer

expressão monetária. Tais direitos ou são fruídos in natura ou acabam se

descaracterizando como tais. É o caso dos direitos relacionados à personalidade (por

exemplo, art. 5º, X, CF e art. 12 e 21 do Código Civil), os direitos relacionados ao

meio ambiente (ex., art. 225, CF), direitos relacionados à posse e propriedade, os quais

dispõem de guarida processual, a exemplo da nunciação de obra nova (art. 934 CPC) e

o interdito proibitório (art. 932 CPC).

Nessa perspectiva ensina Marinoni

A tutela inibitória é absolutamente necessária para a proteção dos direitos da personalidade, do direito à higidez do meio ambiente, do direito à saúde, dos direitos do consumidor, do direito à marca, do direito contra concorrência desleal, etc. (1999, p. 112).

A importância da tutela inibitória consiste exatamente na possibilidade de

conservação da integralidade do direito, e por tal razão deve preponderar. Afirma com

precisão o professor Marinoni:

A tutela inibitória é uma tutela específica, pois objetiva conservar a integridade do direito, assumindo importância não apenas porque alguns direitos não podem ser reparados e outros não podem ser adequadamente tutelados através da técnica ressarcitória, mas também porque é melhor prevenir do que ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória deve-se dar preferência à primeira. (2006, p. 38).

12

Já alertava Barbosa Moreira que “o que mais importa é evitar a ocorrência da

lesão; daí o caráter preventivo que deve assumir, de preferência, a tutela jurisdicional”.

(2001, p. 102).

Nesse sentido, havendo ameaça a direito, existe a possibilidade de ingresso

em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. A previsão constitucional

da não exclusão por parte do Poder Judiciário da ameaça a direito amplia o direito de

acesso à Justiça, antes da concretização da lesão. (SILVA, 2009, p. 132)

A tutela inibitória trata-se, portanto, de um instrumento processual destinado a

servir o próprio direito material. É clara a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery, ao disporem sobre o objetivo da tutela inibitória:

Seu objetivo é impedir, de forma direta e principal, a violação do próprio direito material da parte. É providência judicial que veda, de forma definitiva, a prática de ato contrário aos deveres estabelecidos pela ordem jurídica, ou ainda sua continuação ou repetição. (2010, p. 700).

Exemplo disso é exposto por Bueno (2009, p. 411) ao citar o caso em que o

Tribunal de Justiça de Rondônia proibiu que uma emissora de televisão veiculasse,

num programa dominical de ampla audiência, determinada matéria jornalística em que

se faziam acusações a membros da Assembléia Legislativa daquele Estado.

Mais corriqueiramente é o que se dá nos pedidos veiculados em mandado de

segurança preventivo, em interdito proibitório, em ação de nunciação de obra nova, ou

mesmo quando se pede uma decisão que obste a concretização de protesto de título ou

de inclusão do nome de determinada pessoa em cadastro de proteção ao crédito. (Ibid.,

p. 411).

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A tutela jurisdicional específica que seja apta o suficiente para assegurar a

fruição in natura de determinado direito evita a ocorrência de uma situação

absolutamente indesejável ao ordenamento jurídico, inibindo assim uma possível lesão

pela prática de algum ilícito.

1.2 PRESSUPOSTOS DA TUTELA INIBITÓRIA

A tutela inibitória prescinde da ocorrência de dano. Nesse ponto reside

importante conquista da doutrina italiana4, que diferencia ilícito e dano. Elucida

Marinoni, embasado nos ensinamentos de Aldo Frignani5, que “o dano não é uma

conseqüência necessária do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o

surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito”. (2006, p.

46). Nesse sentido é explícita a lição de Marinoni e Arenhart, em que “é a violação ao

direito (ou sua ameaça) que constitui pressuposto para qualquer reclamo ao Judiciário,

pouco importando se essa violação acarreta ou não um dano externo”. (2007, p. 299).

Prosseguem os autores explicando que o dano é apenas pressuposto necessário para a

“evocação da responsabilidade civil (reparação do dano). Salvo esse aspecto, porém, o

4 O professor Marinoni expõe que a explicação para o fundamento da tutela inibitória foi respondida ao longo da evolução doutrinária. Segundo o mencionado autor, uma das primeiras tentativas de se explicar a diferença entre tutela preventiva e ressarcitória foi feita por Candian, para o qual a tutela preventiva era voltada contra o ilícito e a ressarcitória era dirigida contra o ilícito da lesão. Outro doutrinador mencionado na obra citada foi Ludovico Barassi, um civilista italiano, que tratou da chamada “prevenzione Del fatto danoso”, ação esta que objetiva fazer cessar um estado atual de coisas que necessariamente deve conduzir a uma futura lesão. A doutrina que melhor explicou a diferenciação do ilícito e dano foi desenvolvida por Bonasi Benucci, que distinguiu perigo e dano, argumentando que o dano é uma conseqüência normal da periculosidade do ilícito e de sua capacidade de provocar dano. O perigo, nesta concepção, é elemento constitutivo do ilícito, enquanto o dano, por ser uma conseqüência meramente eventual da violação, é um elemento extrínseco a sua fattispecie constitutiva. (2006, p. 41). 5 Segundo Marinoni, Frignani e Rapisarda possuem as principais obras a respeito da tutela inibitória na Itália, e não vacilam em afirmar que a inibitória prescinde totalmente dos possíveis efeitos concretos do ato ou da atividade ilícita, e que a sua dependência deve ficar circunscrita unicamente à possibilidade do ato contrário ao direito. (2006, p. 46).

14

ato contrário ao direito (ou sua probabilidade) já constitui razão suficiente, por si só,

para a tutela jurisdicional”. (2007, p. 299).

A tutela inibitória depende tão somente da existência de uma ameaça a

direito, isto é, da probabilidade de ocorrência de um ilícito, o qual seja um ato

contrário ao direito. Resta evidenciado que o dano é uma eventual conseqüência de um

ato contrário ao direito. É suficiente para uma ação inibitória a demonstração da

possível ocorrência de um ato ilícito6. A razão para isso é simples: acaso se imagine

que a ação inibitória serviria a inibir o dano, supor-se-ia que nada haveria antes do

dano que pudesse ser considerado ilícito. (MARINONI, 2008, p.195).

Uma vez importante à tutela inibitória evitar a prática de ato contrário ao

direito, prescindindo, portanto, da existência de dano, não há razão para se falar em

comprovação do dano ou da culpa. Em outras palavras, não se cogita de elementos

subjetivos na tutela inibitória. Não há nas ações inibitórias espaço para alegações de

dolo ou culpa, e, por conseguinte, é desnecessário prova sobre tais elementos. Assim

dispõe Cristina Rapisarda, mencionada por Marinoni e Arenhart:

Da natureza preventiva da inibitória deriva também a ausência da culpa entre seus pressupostos de expedição. A ação inibitória volta-se para o futuro e assim fica excluída a possibilidade objetiva de valorar preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro sobre o qual é destinado a incidir o provimento final de tutela. (2007, p. 299).

Assim, ainda que alguém, sem culpa, esteja na iminência de praticar um

ilícito, cabível é a tutela inibitória. O professor Marinoni faz referência a um julgado

6 Como exemplifica Marinoni, “se há um direito que exclui um fazer, ou uma norma definindo que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de ato contrário ao direito – e não de dano – é suficiente para a tutela jurisdicional inibitória. Ou seja, o titular de uma marca comercial tem o direito de inibir alguém se usar a sua marca, pouco importando se tal uso vai produzir dano. Do mesmo modo, se uma norma impede a venda de determinado produto, a associação dos consumidores (por exemplo) pode pedir a inibição da venda, sem ter que demonstrar probabilidade de dano”. (2008, p. 195).

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emanado do Tribunal de Justiça de São Paulo7 em que há literal afirmação da

irrelevância, para efeitos da marca, “a existência de dolo ou culpa de comerciante que

utiliza em seu nome comercial marca registrada de outrem”. (2006, p. 49). Desse

modo, nas palavras do referido autor:

Não há dúvida, de fato, de que o titular de marca comercial devidamente registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial não precisa demonstrar culpa ou dolo para requerer que o réu seja inibido a deixar de utilizar sua marca. (Ibid., p. 49).

Uma vez compreendido o ilícito como ato contrário ao direito torna-se

irrelevante a exigência de um elemento subjetivo para sua configuração. Isso porque a

culpa é um critério utilizado para imputar sanção pelo dano causado, e, por tal razão,

totalmente descartável quando se pensa em impedir a prática, a continuação ou a

repetição de um ilícito. (MARINONI, 2008, p.114)

Aponta Marinoni “que a tutela inibitória não tem entre os seus pressupostos o

dano e a culpa, limitando-se a exigir a probabilidade da prática de um ilícito, ou de sua

repetição ou continuação”. (Ibid., p.114).

É evidente, portanto, a desnecessidade da comprovação de dano e/ou culpa na

tutela inibitória. Esta depende unicamente da existência de uma potencial

concretização de ato ilícito.

1.3 AUTONOMIA DA TUTELA INIBITÓRIA

A tutela inibitória fundamenta-se no próprio direito material, haja vista seu

caráter preventivo. Dito de outro modo, a tutela inibitória existe pelo fato de ser

7 TJSP, AP. 83.073-1, rel. Des. Moretzsohn de Castro.

16

inerente à existência do direito, ou seja, todo cidadão tem o direito de impedir a

violação de seu direito. (MARINONI; ARENHART, 2008, p.74). Por tal razão, a ação

inibitória não é acessória. Ela se basta a seu objetivo.

A tutela inibitória é satisfativa, vez que impede efetivamente a violação de um

direito, independente de dano. Isto é, não se liga instrumentalmente a nenhuma outra

ação considerada “principal”.

A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, a qual

apresenta uma natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a

continuação do ilícito. (MARINONI, 2008, p.192). Trata-se de ação que permite o juiz

conhecer a ameaça a direito, e desse modo possibilitar, efetivamente, a prevenção do

ilícito.

A tutela inibitória não se confunde com tutela cautelar, a qual é posterior à

prática do ato contrário ao direito. Além disso, a ação cautelar é também intentada para

hipótese de efetivação do dano, o qual é prescindível à tutela inibitória. Ainda,

contrariamente à tutela cautelar, a qual apresenta um caráter provisório, a tutela

inibitória é dotada de caráter definitivo no que tange a prevenção do ilícito. Na lição

do professor Marinoni, “imaginar que a ação inibitória é instrumental exige a resposta

acerca de que tutela ela estaria servindo”. (2008, p. 195).

Indubitavelmente a ação inibitória é ação autônoma, permitindo que o

Judiciário conheça da ameaça e aprecie a questão conforme mandamento

constitucional.

17

1.4 A TUTELA INIBITÓRIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO GERAL DA

PREVENÇÃO

A doutrina expõe algumas afirmações expressas na Constituição da

República, entre outras, que: a) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e

a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação (art. 5º, X); b) é inviolável o sigilo da correspondência e

das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no

último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para

fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII); c) todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput).

(MARINONI, 2006, p. 78).

O que se supõe é que esses (e outros) direitos sejam efetivamente tutelados,

pois do contrário implicaria num ordenamento jurídico parcial. Para que um

ordenamento jurídico seja completo, a efetividade de um direito material depende da

efetividade do próprio processo. Isso porque o Estado, uma vez assumindo o

monopólio jurisdicional, deve oferecer meios para que toda e qualquer situação

litigiosa seja tutelada.

É nessa ideologia que a doutrina se apresenta, permitindo-se verificar, nos

ensinamentos de Marinoni, que “o direito de acesso à justiça garante a tutela

jurisdicional capaz de fazer valer de modo integral o direito material e, por

conseqüência, o direito à técnica processual capaz de viabilizá-la”. (2006, p. 81).

18

Assim, havendo a ameaça a um direito, a tutela inibitória se presta como meio de

garantir a inviolabilidade do direito ameaçado. Nesse sentido a tutela inibitória

apresenta-se como corolário do princípio geral da prevenção, encontrando guarida na

própria Constituição de 1988, diante da garantia do acesso à justiça (art. 5º, XXXV,

CF).

Não restam dúvidas, nas palavras do autor supracitado, de que o acesso à

justiça, “garante o direito à adequada tutela jurisdicional e, assim, o direito à técnica

processual capaz de viabilizar o exercício do direito à tutela inibitória”. (2006, p. 81).

Preocupado com um ordenamento jurídico íntegro, em que busca não somente

proclamar direitos, mas garanti-los, conclui-se que o princípio geral da prevenção é

imanente a tal sistema e, portanto, a tutela inibitória, possibilitando o impedimento de

ato contrário a direito, se faz presente como corolário desse princípio.

1.5 MODALIDADES

A tutela inibitória pode se apresentar de três formas distintas. Primeiramente

ela se apresenta com finalidade de inibir a prática de um ilícito, ou seja, a tutela se dá

antes mesmo que qualquer ilícito tenha sido ocorrido. Precisamente nesta hipótese

reside maior dificuldade probatória, vez que não há nenhum ato anterior que apresente

ilicitude. Esta, embora mais complexa, é a forma mais pura de tutela inibitória, a qual

permite a prevenção do direito sem que haja ocorrência de nenhum ilícito.

As demais modalidades de tutela inibitória guardam menor dificuldade

probatória, vez que podem considerar, de certo modo, fatos passados.

19

A modalidade de tutela que visa inibir a repetição de um ilícito previne a

possibilidade de ocorrência de ato contrário ao direito que já foi praticado outrora. Por

sua vez, a inibição de continuação do ilícito pressupõe a continuidade de um ilícito, o

qual não se deseja e, por tal razão, previne-se contra este via ação inibitória. Atenta-se

neste caso para a lição do professor Marinoni, em que, “a ação inibitória diz respeito à

ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo”. (2008, p.

199). Elucidativa é a demonstração lógica do referido doutrinador: “O autor somente

tem interesse em inibir algo que pode continuar ou ser feito e não o que já se exauriu

ou foi realizado”. (2008, p. 199).

Assim, tanto a ação que visa inibir a repetição de um ilícito quanto a que

almeja inibir a continuação de um ilícito pode considerar atos (ilícitos) já ocorridos. A

menor dificuldade probatória reside no fato de que uma vez já praticado o ilícito,

torna-se muito mais fácil demonstrar que outro poderá ser praticado. (MARINONI,

2008, p. 197).

Portanto, é mais do que lógico lembrar e ressaltar que, independente da

dificuldade probatória para tanto, o Estado não pode se furtar da obrigação de oferecer

tutela preventiva às situações que ensejem proteção.

1.6 TÉCNICAS PROCESSUAIS DISPONÍVEIS À EFETIVAÇÃO DA TUTELA

INIBITÓRIA

O exercício da função jurisdicional possibilita que o direito material seja

alcançado.

20

O processo deve dispor de meios que possam ser utilizados a fim de “permitir

a prestação das formas de tutela prometidas pelo direito material”. (MARINONI;

MITIDIERO, 2008, p. 425).

O que é preciso para uma efetiva tutela inibitória, na ótica de Marinoni, é

“uma ação de conhecimento que possa prestá-la” (2003, p. 783). Nesse sentido busca o

autor socorrer-se dos artigos 461 do CPC8 e 84 do Código de Defesa do Consumidor9,

os quais “dão ao juiz instrumentos hábeis para a prestação da tutela inibitória” 10

8 Art. 461 CPC. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (artigo 287). § 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente o compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. § 6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. 9 Art. 84 CDC. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil). § 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justo receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. 10 Eduardo Talamini oferece algumas críticas ao uso do art. 461 CPC à tutela inibitória. Para este autor, o artigo em estudo presta-se não só a impedir a prática de um ato, mas também para impor a observância de um dever de fazer. Elenca também que a roupagem daquilo que se quer designar por “tutela inibitória”, tem-se a aplicação de sanções preventivas, outras vezes de sanções simultâneas, e ainda de sanções restituitórias. Por fim, observa no art. 461 do CPC uma abrangência de medidas voltadas à obtenção do “resultado prático equivalente”, independente da conduta do réu, inclusive sem prévia expedição de ordem ao réu, o que seria uma concepção equivocada da noção de “tutela inibitória”. (2003, p. 237).

21

(2008, p. 218). Na ótica do autor sob comento “tais normas possuem instrumentos

adequados à prestação da tutela inibitória e de remoção do ilícito aos direitos

coletivos e individuais.” (2008, p. 219) (sem grifo no original).

Sobre o art. 461, do CPC, dispõe Marinoni que

Deve ser compreendido como a fonte normativo-processual da tutela inibitória ‘individual’ tornando viável a obtenção desta tutela através da propositura de uma única ação, sem que seja capaz de pensar em ação cautelar e ação de execução. (2008, p. 87)

Sintetiza Arenhart, ao discorrer sobre a adequação processual à tutela

inibitória que

No plano individual, é possível dizer que esse mecanismo é encontrado hoje, no art. 461 do CPC. O dispositivo, que trata da ação para cumprimento específico das obrigações de fazer e não fazer, preenche todas as exigências indicadas11, autorizando perfeitamente a proteção preventiva de qualquer interesse individual. (2003, p. 220)

A amplitude do art. 461, do CPC possibilita o “suporte a provimentos

destinados a cessar ou impedir o início de condutas de afronta a qualquer direito da

personalidade ou, mais amplamente, a qualquer direito fundamental de primeira

geração”. (TALAMINI, 2003, p. 128). Insere o autor sob comento, nesta proteção, a

integridade física e psicológica, a liberdade (de locomoção, associação, crença,

empresa, profissão...), a igualdade, a honra, a imagem, a intimidade, etc.,

demonstrando ainda que seja “viável o emprego da tutela ex art. 461 inclusive para

11 Elenca o autor alguns elementos indispensáveis à conjugação da tutela inibitória: a) ação em que o magistrado tenha condições de efetivamente ordenar ao requerido a adoção de certo comportamento, dispondo de meios de coerção adequados e flexíveis, para assegurar o efetivo cumprimento desse comando; b) procedimento célere o suficiente para permitir a emanação de provimento antes da ocorrência da violação ao direto (obtido via restrição da cognição judicial sobre dano e culpa); c) outorga de proteção provisória e satisfativa (inibitória), sem prejuízo da avaliação posterior, com observância integral do contraditório e completude da instrução. (2003, p. 219).

22

impedir o início ou a continuidade de condutas também tipificadas como crime”.

(Ibid., p. 128).

No plano dos processos que envolvam direitos coletivos (em sentido amplo) a

regra que permite a proteção preventiva encontra-se disposta no art. 84 do Código de

Defesa do Consumidor, que no entendimento do professor Marinoni, “é a base

processual para as ações coletivas inibitória e de remoção do ilícito”. (2008, p. 218).

Este artigo se origina do art. 11 da lei 7.347/1985, a qual apresenta em seu art. 1º a

contemplação de ações que versam sobre interesses que sejam atinentes ao meio

ambiente, aos bens e direitos de valor artístico, estético, turístico, histórico e

paisagístico e à infração à ordem econômica. (ARENHART, 2003, p. 221).

Em consideração às particularidades da relação consumerista, conforme alega

Watanabe, “cabe a tutela jurisdicional preventiva, na linha do princípio da efetiva

prevenção de danos afirmado no inc. VI do art. 6º do Código” 12. (2007, p. 860).

No âmbito do direito processual coletivo, Bueno destaca a importância do art.

11 da referida lei 7.347/1985 (Lei da ação civil pública) 13, bem como faz referência ao

art. 213 da lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) 14 e ao art. 62 da lei

12 Art. 6º CDC. São direitos básicos do consumidor: (...) VI- A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 13 Art. 11 da Lei 7.347/1985. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. 14 Art. 213 da Lei 8.069/1990, caput. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

23

8.884/1994 (Conselho Administrativo de Defesa Econômica),15 como propícios a

inibir o ilícito.

Em comento ao art. 11 da lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública),

Marinoni aponta que este artigo “só admite, em princípio, uma das formas de tutela

inibitória, aquela que visa a fazer cessar a prática de ilícito”. (2006, p. 92). Isto porque

esta norma, “ao referir-se à ‘cessação da atividade nociva’, supõe logicamente um

ilícito já ocorrido”. (Ibid., 9. 93).

O art. 3º desta mesma lei16 apresenta também caráter inibitório. Segundo

Mancuso, tal artigo “deve ser interpretado à luz da vocação natural dessa ação, que é o

de obter a prestação específica do objeto (= a preservação do interesse

metaindividual), antes que um seu sucedâneo pecuniário”. (2002, p. 254).

Observa-se que as normas dispostas no ordenamento jurídico brasileiro, em

hermenêutica voltada à realização do mando constitucional preventivo, possibilitam,

por meio da tutela específica, a proteção da integridade do direito material.

2 PROVA

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A prova é comumente definida pelo mundo científico em geral como os meios

que permitem a descoberta da verdade17. A clássica definição de prova, na referência

15 Art. 62 da Lei 8.884/1994, caput. Na execução que tenha por objeto, além da cobrança de multa, o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação, ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. 16 Art. 3º da Lei 7.347/1985. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. 17 Asseveram Arenharte e Marinoni, aludindo aos ensinamentos de Proto Pisani, “que a palavra prova, em processo, mas também em outros ramos da ciência, pode assumir diferentes conotações. Pode significar os instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos submetidos à sua análise, quando se pode falar em prova documental, prova pericial etc. Também pode representar o procedimento por meio do qual

24

feita por Marinoni e Arenhart a Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, liga-se

diretamente àquilo “que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa;

demonstração evidente”. (2007, p. 247).

A ideologia da busca da verdade absoluta no processo é, no entanto, elemento

mítico. Por óbvio, a verdade deve ser sempre buscada, mas não é ela em si, o fim

absoluto do processo. Esclarece Arruda Alvim que “o que é suficiente, muitas vezes,

para a validade e a eficácia da sentença é a verossimilhança dos fatos”. (2000, p. 440).

A verossimilhança, nos dizeres de Piero Calamandrei, citado por Marinoni e

Arenhart, é a aparência de verdade. Assim leciona aquele autor:

Quando se afirma que um fato é verdadeiro, apenas se diz que a consciência de quem emite o juízo atingiu o grau máximo de verossimilhança que, segundo os meios limitados de cognição de que dispõe o sujeito, basta-lhe certeza subjetiva de que o fato ocorreu. (2010, p. 38).

Por tal razão é a afirmação de Ovídio Baptista (2002, p. 337), no sentido de

que “os conceitos de ‘verdade’ e ‘falsidade’ são estranhos ao domínio do direito, onde

deve ter lugar o que ele denomina ‘lógica do razoável’, diversa das ciências naturais”,

referindo-se à lição de Luiz Recaséns Siches.

Nessa linha de raciocínio, a admissão das provas no processo leva o julgador

ao grau mais próximo da verdade, mas não a ela em seu sentido empírico. Nesse

sentido é a lição de Marinoni e Arenhart:

É imperativo convir que não é objetivo concreto do juiz encontrar a verdade (absoluta) no processo. Conquanto possa essa meta continuar como elemento mítico – e objetivo utópico – da atividade jurisdicional (mesmo para que se possa assegurar a qualidade da pesquisa efetivada pelo magistrado e, consequentemente, do resultado obtido), não se pode acreditar

tais instrumentos de cognição se formam e são recepcionados pelo juízo. De outra parte, prova também pode dar a idéia da atividade lógica, celebrada pelo juiz, para o conhecimento dos fatos. E, finalmente, tem-se como prova ainda o resultado da atividade lógica do conhecimento”. (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 55).

25

que, concretamente, esse ideal seja realizado no processo, ou mesmo que ele a isto se destina. (2007, p.253).

Na ótica de Giovanni Verde, referido por Marinoni e Arenhart, “o conceito de

prova, para a ciência jurídica, não pode ser encontrado nas mesmas origens em que

encontra esse conceito para as ciências empíricas”. (2007, p. 259).

Verifica-se que a conceituação de prova à ciência jurídica converge para a

demonstração daquilo que mais se aproxima da verdade dos fatos alegados em juízo,

ou seja, a questão probatória se resume em um aspecto argumentativo-retórico, o qual

deve justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no processo18.

Juridicamente, segundo Arruda Alvim, o conceito de prova

Consiste(m) naqueles meios, definidos pelo Direito ou contidos por compreensão num sistema jurídico (v. arts.332 e 366), como idôneos a convencer (prova como ‘resultado’) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de determinados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade, principalmente dos litigantes (prova como ‘atividade’). (2000, p.443).

Indiscutivelmente a prova é substancial à apreciação da demanda, pois é pela

observação delas que o julgador aplicará o direito ao caso concreto, sob pena de ficar

inviabilizada a concretização da norma abstrata. (MARINONI; ARENHART, 2007, p.

248). É evidente que a prova não conduz à verdade absoluta dos fatos. São indicativos.

Apresentam elementos de como, provavelmente, o fato tenha ocorrido, ou seja, não

existe conclusão segura sobre a verdade empírica daquilo que se prova19.

18 Michele Taruffo, referido por Marinoni e Arenhart, expressa que “a prova assume, nesta perspectiva, a função de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão final sobre o fato”. (2007, p. 260). 19 Lembram Marinoni e Arenhart, o exemplo da prova técnica de DNA, para avaliação de paternidade. “Mesmo com toda a sofisticação tecnológica do método, e todo o avanço científico, o exame é capaz de gerar uma segurança de 99,9%. Ou seja, ainda que ínfima, sempre há possibilidade de que o exame esteja errado. E, se há

26

No entendimento de Cássio Scarpinella Bueno, a prova, para fins jurídicos

deve ser compreendida como

Tudo o que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor e os eventuais demais pedidos de prestação da tutela jurisdicional que lhe são submetidos para julgamento. (2007, p. 233)

Almejando uma definição adequada à prova, expressam os professores

Marinoni e Arenhart que “prova é todo meio retórico, regulado pela lei, dirigido a,

dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais, convencer o Estado-

juiz da validade das proposições, objeto de impugnações, feitas no processo”. (2007, p.

260).

A prova, instituto de grande relevância à convicção judicial, apresenta-se,

portanto, como ferramenta voltada à demonstração das alegações argüidas no

processo.

2.2 SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA

Basicamente há três grandes sistemas de avaliação da prova, quais sejam o

sistema da prova legal, o sistema da livre apreciação da prova e o sistema da persuasão

racional da prova, conforme classificação de Ovídio Baptista (2002, p. 346).

O sistema da prova legal este se apresenta previamente estabelecida em lei

com determinado valor, constante. O sistema do livre convencimento o juiz “é

soberano e livre para formar a sua convicção a respeito dos fatos da causa”. (Ibid., p.

347).

tal possibilidade, não se pode dizer então que as conclusões desse teste reflitam a verdade, a qual, como conceito absoluto, não admite variações. (2010, p. 37).

27

O sistema de persuasão racional é um misto, em que se aproveitam elementos

dos outros dois. Conforme esclarece Ovídio Baptista

Segundo o sistema de persuasão racional, o juiz deve julgar – como no sistema da prova legal – segundum allegata et probata, porém sem as peias que poderiam ser-lhe impostas pela exigência de tarifamento legal da prova, permitindo que o julgador, embora preso à prova constante dos autos, possa apreciá-la livremente segundo seu íntimo convencimento. (2002, p. 348).

O sistema que melhor se amolda às necessidades atuais é o da persuasão

racional, em que se coaduna com as pretensões jurídicas preventivas, permitindo ao

julgador apreciar livremente a prova, justificando a sua convicção.

2.3 OBJETO DA PROVA

O Código de Processo Civil, em seu art. 332, dispõe que “todos os meios

legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código,

são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Numa análise mais apurada, observa-se que a prova não serve para a

comprovação dos fatos em si. Destina-se ela a provar as afirmações dos fatos. Os fatos

ou existem ou não existem. Não comportam afirmações de serem verídicos ou falsos.

As alegações a respeito deles sim compreendem análises de veracidade ou falsidade.

Dispõe claramente a doutrina nesse viés:

É, com efeito, a alegação, e não o fato, que pode corresponder ou não à realidade daquilo que se passou fora do processo. É a alegação do fato que, em determinado momento, pode assumir importância jurídico-processual e, assim, assumir relevância a demonstração da veracidade da alegação do fato. (MARINONI; ARENHART, 2007, p.261).

28

O argumento de Sentis Melendo, trazido por Ovídio Baptista (2002, p. 341),

para afirmar que o objeto da prova não são os fatos e sim as afirmações que se fazem

sobre estes, é “a circunstância de considerar-se a inspeção judicial como verdadeiro e

autônomo meio de prova”. Segundo o jurista citado por Ovídio, “através da inspeção

judicial nenhum fato novo vem ao processo, mas apenas se cuida de verificar a

veracidade de uma afirmação da parte a respeito de um fato”. (Ibid., p. 341).

Diante disso, a prova recairá sobre a alegação dos fatos que importem ao

processo, ou seja, sobre os fatos ditos principais. São estes que precisam ser alegados.

Fatos principais são aqueles em que devem ser afirmados na petição inicial e na

contestação, ou seja, aqueles em que objetivam demonstrar, de modo direto, quem

esteja com a razão.

Nada obsta, no entanto, que fatos considerados secundários sejam também

objetos de prova. Podem existir fatos que “não sejam capazes de demonstrar

diretamente a verdade dessas afirmações de fato, embora sirvam indiretamente para

convencer o juiz de que elas são verdadeiras”. (MARINONI; ARENHART, 2010, p.

98). São estes os denominados fatos secundários, ou indiciários. É de se esclarecer que

esses fatos secundários não precisam ser alegados, mas ainda assim podem ser objetos

de prova, visto que se destinam a demonstrar que a afirmação de fato (direto) é

verdadeira. (Ibid., p. 98).

Ressalta-se que somente os fatos pertinentes e relevantes ao processo podem

ser objeto de prova, bem como independem de prova, em regra, as questões de direito.

Isto significa que os fatos (diretos e indiretos) merecedores de prova são aqueles

concernentes ao mérito, ou que possam influir no julgamento do mérito. Assevera

29

Bueno que, “objeto de prova, portanto, são os fatos relevantes e pertinentes para aquilo

que deve ser enfrentado pelo juiz.” (2007, p. 233).

Do mesmo modo, não são objetos de prova os fatos elencados no art. 334

CPC20, quais sejam os fatos notórios, os afirmados por uma parte e confessados pela

parte contrária, os admitidos no processo como fatos incontroversos e os fatos em cujo

favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

De outro lado, em regra, o direito não será objeto de prova. A razão disso é

que ao juiz é dado o dever de conhecê-lo, em virtude do princípio iura novit cúria.

Excetua-se a situação trazida pelo art. 337 do Código de Processo Civil21, em que o

magistrado pode determinar que a parte prove o direito alegado, em se tratando de

direito municipal, estrangeiro ou consuetudinário. No entanto, a determinação de

prova desses direitos não pode ser determinada quando forem pertinentes à

competência do magistrado que o determinou.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, elencado na obra de

Marinoni e Arenhart, traduzido na decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que,

“tratando-se de norma legal editada pelo Poder Executivo do Distrito Federal, não

pode o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal deixar de decidir questão

argüida, sob o fundamento de que não fora juntado aos autos o texto da referida

norma”.22

20 Art. 334 CPC. Não dependem de prova os fatos: I- notórios; II- afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III- admitidos, no processo, como incontroversos; IV- em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. 21 Art. 337 CPC: A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. 22 STJ, 1ª T., REsp. 98377/DF, rel. Min. Garcia Vieira.

30

Evidencia-se, portanto, que a prova terá como objetos as alegações sobre os

fatos, sejam estes principais ou secundários.

2.4 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS

Toda classificação é variável a depender do critério adotado. Sob o ponto de

vista clássico, o jurista italiano Malatesta, citado por Ovídio Baptista da Silva,

classifica a prova é levando em conta o sujeito, a forma e o objeto. (2002, p. 338).

Considerando o sujeito, a prova pode ser pessoal ou real. Será pessoal quando

a prova tiver origem numa afirmação pessoal, como o testemunho, conforme

exemplifica Arruda Alvim. (2001, p. 468).

A prova real é o próprio fato, observado por um agente (juiz, perito, etc.) por

meio de um documento apresentado.

Sob o ponto de vista da forma da prova, esta pode ser documental (em sentido

estrito), também conhecida como literal e a testemunhal.

A prova documental engloba todos os documentos que podem ser apreciados

no processo (art. 364 e seguintes do CPC), incluindo, a título exemplificativo,

certidões textuais, reproduções mecânicas – fotográfica, cinematográfica, fonográfica

ou de outra espécie.

A prova testemunhal engloba todas as formas de manifestação oral perante o

juiz, como a prova testemunhal, o depoimento e outros tipos.

Para o presente trabalho, a prova em consideração ao seu objeto merece

melhor apreço. Assim, poderá ela ser classificada como direta ou indireta.

31

A distinção entre tais tipos de prova foi feita inicialmente por Carnelutti, para

o qual a “diferença entre os dois tipos de prova está na coincidência ou na divergência

do fato a provar (objeto da prova) e do fato percebido pelo juiz (objeto da percepção).

(MARINONI; ARENHART, 2010, p. 98)

A prova é dita direta quando o fato a ser provado é percebido pelo julgador

por meio da prova apresentada. Existe uma correlação direta entre o meio probatório e

o fato. Nos dizeres de Arruda Alvim, será direta a prova, “quando tiver por finalidade

a evidência, ou tiver por escopo a revelação de fatos que se constituem em

fundamentos do objeto litigioso por encerrarem representação ‘direta’ dos mesmos”.

(2001, p. 469).

Elucidativo é o exemplo dado pelo referido autor sobre a inspeção judicial

como sendo a “mais” direta das provas:

Na realidade, nesta modalidade, o juiz conhece diretamente os fatos, sem intermediação de ninguém e de nenhum objeto. Trata-se de conhecimento direto, na expressão real e literal do termo, ao passo que todas as demais provas constituem em substitutivos do conhecimento direto do juiz. (2000, p.469).

Esclarecedora, também, é a lição de Humberto Theodoro Junior, para o qual

prova “direta é a que demonstra a existência do próprio fato narrado nos autos”. (2010,

p. 423), ou, na lição de Bueno, são as “provas que apresentam relação imediata com o

fato probando.” (2007, p. 233).

Por outro lado, quando o objeto da percepção seja outro fato que não o objeto

da prova, esta é considerada indireta, pois a partir da prova apresentada o juiz pode

deduzir o fato principal. Segundo Carnelutti, referido por Marinoni e Arenhart, “na

32

prova indireta há uma separação entre o objeto da prova e o objeto da percepção

judicial”. (2010, p. 98).

Nesta esteira é a lição de Arruda Alvim, para o qual “será indireta a prova

quando, provados outros fatos, através de raciocínio, levarem ao conhecimento dos

fatos que, efetivamente, deveriam ser provados”. (2000, p. 470).

Assim também ensina Theodoro Junior, ao afirmar que a prova indireta é “a

que evidencia um outro fato, do qual, por raciocínio lógico, se chega a uma conclusão

a respeito dos fatos dos autos”. (2010, p. 423).

De mesma ideologia Bueno alega que “indiretas são as provas em que não há

relação imediata com o fato probando, mas com um fato distinto que permite, por meio

de raciocínios e induções, concluir pela existência ou conformidade do fato probando”.

(2007, p. 233).

A decisão de uma lide se dá, como visto, a partir da análise daquilo que é

apresentado em relação ao que foi arguido. Admitem-se assim meios que, de forma

direta ou indireta, possam dar ao julgador elementos que o convençam sobre a

existência ou não do direito que se invoca no processo.

2.4.1 A prova indiciária

A compreensão correta de prova indiciária depende da cognição sobre fato

indiciário. Este, conforme visto anteriormente, serve indiretamente para convencer o

julgador sobre a veracidade das alegações. Lembra-se que toda prova recai sobre a

afirmação de um fato, e não sobre o fato em si. Assim, a particularidade da prova

33

indiciária está em recair em um fato que é indiciário. (MARINONI; ARENHART,

2007, p. 296).

A legislação processual penal brasileira define no seu art. 239 a prova

indiciária, em que “considera-se indício a circunstancia conhecida e provada, que,

tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou

outras circunstancias”. Ainda que a lei processual civil não tenha expressada essa

noção, o uso do direito comparado aponta para essa ideologia, pois se entendem os

indícios como mecanismos úteis para a prova de fatos futuros, como a exemplo das

demandas preventivas. (DIDIER JR; OLIVEIRA, 2009, p. 56).

Na lição de Marinoni e Arenhart, “a prova indiciária não incide sobre o fato

da causa, mas sobre fato externo, que se liga a algum fato da causa por um raciocínio

indutivo lógico”. (2010, p.102). A prova indiciária permite que em dadas situações

utilize-se de um fato para a prova de outro, possibilitando que, por meio de um

raciocínio presuntivo, o julgador conclua a pretensão trazida a juízo.

A importância da prova indiciária é tamanha que ela é “capaz de facilitar – em

situações particulares – os mecanismos de prova de que se serve a parte para trazer sua

pretensão em juízo”. (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 131).

Prova indiciária é, portanto, aquilo que se destina a demonstrar um indício,

comprovando-se um fato exterior ao da causa, mas que tenha nexo com este. Assim, a

prova “real” é sobre fato que se liga ao da causa, ou seja, provam-se os indícios,

demonstrando indiretamente a existência do fato alegado.

34

2.4.2 Presunções

Ligada ao tema da prova indiciária está a presunção. Esclarece-se desde já

que presunção não é prova. Neste aspecto elucida Bueno

As presunções devem ser entendidas não como meio de prova propriamente ditos mas, bem diferentemente, como métodos de raciocínio ou de convencimento que a lei pode assumir com maior ou menor intensidade em alguns casos para dispensar a produção da prova. (2007, p. 239).

Presunção é um juízo que serve à elaboração do juízo-resultado23. Conforme

dispõe a doutrina, na lição da Marinoni e Arenhart, “a noção de presunção parte da

idéia de que o conhecimento de certo fato pode ser induzido pela verificação de um

outro, ao qual, normalmente, o primeiro está associado”. (2010, p. 131). Seria como

dizer que “os fatos faltantes são assumidos como existentes pelo próprio ordenamento

jurídico, sendo possível a sua construção a partir de outros, que são indiretamente

relevantes para a formação da convicção do juiz”. (BUENO, 2007, p. 239).

As presunções podem ser legais e judiciais. A respeito das presunções legais,

diz-se que elas sejam as correlações existentes entre fatos (fato conhecido e

desconhecido), na qual quem pressupõe essa correlação é o legislador. Desse modo,

nas presunções legais, o raciocínio está traçado na lei. Exemplificam-se como

presunções legais, conforme aponta Arruda Alvim, os arts. 111 , 150, 823, 1.292,

todos do Código Civil.24 (2000, p. 599) Outros bons exemplos desta espécie de

23 Esclarece Marinoni e Arenhart que juízo-resultado é o gênero do qual são espécies o juízo final e o juízo provisório. “juízo-final” é a parte final do raciocínio do julgador, em que se chega a um resultado sobre a pretensão do autor. Juízo provisório é aquele formado em relação a um pedido de tutela antecipatória. (2006, pg 59). 24 Art. 111 CC: O silêncio importa anuência, quando as circunstancias ou os usos o autorizem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Art. 150 CC: Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

35

presunção são os artigos 231 e 232 do Código Civil,25 ao tratar de situações de perícia

médica, destacando o disposto na Súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a

recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum

de paternidade”.

Interessa ao presente estudo melhor análise sobre as presunções judiciais,

conhecidas também por presunções simples ou por praesumptiones hominis. Estas

existem quando as correlações entre os fatos forem necessárias ao caso concreto e,

portando, devendo ser realizada pelo julgador.

Sabe-se que a lei obriga o magistrado a decidir a causa levada até ele,

conforme se extrai do disposto no artigo 126 do Código de Processo Civil.26 Para tanto

define a lei que a apreciação da prova deverá ser de forma livre, atentando o juiz aos

fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, desde

que informe na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento.27 Ainda, a lei

processual civil autoriza o juiz a recorrer à presunção (presunção judicial), conforme

leitura do art. 335 do Código de Processo Civil:

Art. 335 CPC: Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que

Art. 823 CC: A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e , quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até o limite da obrigação afiançada. Art. 1.292 CC: O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido. 25 Art. 231 CC. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Art. 232 CC. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. 26 Art. 126 CPC: O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; nas as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. 27 Art. 131 CPC.

36

ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

Tem-se, portanto, que as presunções judiciais possibilitam a decisão sobre um

caso em decorrência da análise de fatos que não seja o principal, mas que façam

presumir que este seja conforme alegado. Proto Pisani, referido por Marinoni e

Arenhart, diz que essas presunções “consistem no raciocínio pelo juiz, uma vez

adquirido o conhecimento de um fato secundário através de fontes materiais de prova,

dirigido a deduzir deste a existência ou não do fato principal ignorado”. (2007, p. 292).

Ressalta-se que as presunções não são meios de prova. Elas constituem o

resultado do raciocínio judicial que parte do indício e de sua prova, ou seja, o que se

quer dizer é que a presunção é um juízo, e não uma prova ou um fato. (MARINONI;

ARENHART, 2010, p. 199).

Sendo a presunção o resultado de um raciocínio, o modo de se produzi-la em

juízo não difere da sistemática de qualquer prova. Com isso afirma-se que deverá

haver a produção de alguma prova, a qual não incidirá sobre o fato da causa, mas sobre

fato externo ao caso, o qual necessariamente se liga a algum fato elencado na

demanda.

Os indícios são os que precisam ser provados para que o julgador possa

utilizar a presunção. Segundo o professor Didier Jr

A presunção judicial resulta do raciocínio do juiz, que as estabelece. Forma-se na consciência do magistrado: conhecido o indício, desenvolve o raciocínio e estabelece a presunção. Há necessidade de o indício (fato-base) estar provado. (2009, p. 59).

É precisa a lição de Theodoro Junior:

37

Presunção, nessa ordem de idéias, é a conseqüência ou ilação que se tira de um fato conhecido (provado) para deduzir a existência de outro, não conhecido, mas que se quer provar. O fato realmente provado não é o objeto da indagação, é um caminho lógico, para alcançar-se o que em verdade se deseja demonstrar. (2010, p.436)

Concluem, também, Marinoni e Arenhart:

Verificando o juiz que a prova de certo fato é muito difícil ou especialmente sacrificante, poderá servir-se da idéia de presunção para montar um raciocínio capaz de conduzi-lo à conclusão da sua ocorrência, pela verificação do contexto em que normalmente ele incidiria. Como se vê, esse poderoso instrumento é importante aliado do processo para a prova de fatos de difícil verificação – como os fatos futuros, no caso da ação inibitória. (2010, p. 131).

Pelas razões apresentadas verifica-se que as presunções são de extrema

relevância à questão probatória, principalmente no que tange à prevenção de ato

contrário a direito.

2.5 ÔNUS DA PROVA

A conceituação de ônus foi amplamente discutida pelos mais balizados

estudiosos da teoria geral do direito, incidindo em calorosos debates, os quais traziam

à definição de ônus idéias de dever, obrigação, sujeição e faculdade.

Carnelutti, citado por Marinoni e Arenhart, teve importante influência teórica,

ao dispor que o ônus seria uma espécie de dever, em sentido amplo, os quais “teriam,

como expressão máxima da ausência de liberdade, a sujeição, mitigada

progressivamente pela obrigação, pelo ônus e pela faculdade”. (2010, p. 163)

A evolução doutrinária permite concluir, no entanto, que a ideologia de ônus

como um dever é equivocada. O ônus trata-se de um poder. Nos dizeres de Marinoni e

Arenhart, o ônus pode ser conceituado como “espécie de poder da parte que possibilita

38

o agir, segundo interesses próprios, não obstante a existência de norma pré-

determinada, cuja inobservância pode trazer prejuízos à própria parte onerada”. (2010,

p. 164).

Verifica-se que o ônus da prova não é uma obrigatoriedade, mas uma

faculdade que tem a parte de produzir prova a seu favor, e que se assim não fizer,

poderá ter contra si um resultado desfavorável. Em outras palavras, o descumprimento

do ônus não implica, necessariamente, um resultado desfavorável, mas o aumento do

risco de um julgamento contrário. (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 164).

A regra do ônus da prova vem estampada no art. 333 do CPC,28 o qual

transfere ao autor a incumbência de provar fatos que constituam o direito afirmado e

ao réu a prova dos fatos que impedem, modificam ou extingam o direito do autor.

A leitura que se faz do artigo em comento apresenta interpretações distintas

na doutrina brasileira. Candido Rangel Dinamarco e João Batista Lopes, por exemplo,

entendem que a regra do ônus da prova é uma regra de procedimento, em que a função

do art. 333 CPC é disciplinar quem deve trazer a prova no processo (ARENHART,

2003, p. 280). Nesta ideologia, as provas devem ser apresentadas exclusivamente pelas

partes logo no início do processo para que o juiz as aprecie, limitando sua análise ao

que foi trazido nos autos.

Outro entendimento é que a regra trazida pelo art. 333 CPC seja uma regra de

julgamento29, em que é direcionada ao juiz, norteando-o a como julgar nas situações

28 Art. 333 CPC: O ônus da prova incumbe: I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. 29 Arenhart destaca o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira e José Roberto dos Santos Bedaque, para os quais a regra do ônus serve ao julgador. (2003, p. 280). Esse entendimento, em verdade, já havia sido defendido, de certo modo, por Rosenberg, na sua conhecida concepção sobre o ônus objetivo da prova (importa o que foi provado, não quem provou). (LOPES, 2003, p. 743).

39

em que haja ausência de provas. Esta interpretação permite que terceiros possam trazer

provas ao processo, não se esquecendo que é o juiz quem tem o poder probatório.

Aqui, a prova será avaliada ao final do processo, quando do julgamento da causa. A

regra do ônus da prova encontra-se melhor amparo na última opinião, na qual se

permite que o processo seja julgado, até mesmo quando inexistirem provas das

alegações.

Nota-se, na obra de Lopes, “que o problema da aplicação das regras sobre o

ônus da prova só aflora no momento em que o juiz vai proferir a sentença e só tem

razão de ser quando houver ausência ou insuficiência de provas.” (2002, p. 70).

Afirmam, nesse sentido, Arenhart e Marinoni:

A regra do ônus da prova se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram. Nesse sentido, a regra do ônus da prova é um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim julgar o mérito e colocar fim ao processo. Tal dúvida deve ser paga pela parte que tem o ônus da prova. Se a dúvida paira sobre o fato constitutivo, essa deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário em relação aos demais fatos. (2010, p. 160).

A adoção desta interpretação não invalida a outra teoria, até porque as partes

devem saber de suas incumbências em relação à prova. Independente da existência de

outras provas, cada parte deve ter ciência do que se deve provar para não correr o risco

de se ter um julgamento desfavorável. Como bem esclarece a lição de Marinoni e

Arenhart, “a regra do ônus da prova, porém, não se dirige apenas ao juiz, mas também

às partes, com o fim de lhes dar ciência de que a prova dos fatos constitutivos cabe ao

autor, e a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, ao réu”. (2010, p.

162).

40

O ônus da prova é instituto de fundamental relevância, propiciando ao juiz o

julgamento da lide por meio da aplicação do regramento processual concernente, o

qual incumbe às partes a comprovação daquilo que alega, sob os riscos de, não se

desincumbindo de tal ônus, ficar sujeito a uma decisão desfavorável.

2.6 COGNIÇÃO JUDICIAL

As causas levadas à apreciação do Judiciário recebem análises voltadas à

realização de uma norma material. Segundo Watanabe, “a preocupação que se tem

com o processo está na sua efetividade como instrumento da tutela de direitos”. (2000,

p. 19). Nesta perspectiva, Watanabe considera a cognição “como uma importante

técnica de adequação do processo à natureza do direito ou à peculiaridade da pretensão

a ser tutelada”. (2000, p. 36). Vale dizer que a cognição seja “um ato de inteligência,

consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas

partes” (Ibid., p. 58). É o conhecimento, pelo juiz, dos fatos que compõem a lide.

A cognição, em linhas gerais, está voltada ao encerramento jurisdicional da

demanda. Para tanto, a cognição se apresenta em modos e graus diferentes30, a

depender da situação. Trata-se de uma “técnica de adequação do processo à natureza

do direito ou à particularidade da pretensão a ser tutelada”. (Ibid., p. 36).

Por representar uma simples “técnica para a tutela de um dado direito (e não

para a proclamação de certeza sobre esse mesmo direito), a cognição – sumária –

30 O professor Kazuo Watanabe considera a cognição em dois planos: horizontal e vertical. O plano horizontal considera os elementos objetivos do processo (questões processuais, condições da ação e mérito) admitindo-se cognição plena ou limitada. Será plena quando permitir que o juiz análise de modo irrestrito toda e qualquer matéria relacionada à lide. Será limitada quando houver alguma restrição à amplitude da cognição. O plano vertical leva em conta a profundidade da análise dos elementos a serem apreciados pelo magistrado, e nestas situações a cognição pode ser sumária ou exauriente. Será exauriente quando o juiz apreciar a causa objetivando a definitividade da decisão. Por sua vez, a cognição será sumária quando, por necessidade, o julgador abrir mao do exame de toda matéria à ele levada para conhecimento.

41

dispensa o grau máximo de probabilidade.” (MARCATO, 2005) Exigir uma análise

probatória apurada e aprofundada na apreciação de uma tutela preventiva seria

“excessivo, inoportuno e inútil ao fim que se destina”. (WATANABE, 2000, p. 107).

Importa saber que o juízo de valor acerca do que é apresentado na lide é

realizado numa relação de proporção à dificuldade do caso, possibilitando que o

processo atenda às necessidades suscitadas, tendo o magistrado meios de conhecer os

fatos pertinentes ao conflito.

3 ASPECTOS PROBATÓRIOS NA TUTELA INIBITÓRIA

3.1 AÇÃO INIBITÓRIA E A PROVA

A ação inibitória, conforme já exposto, trata-se de uma ação preventiva.

Ações preventivas são aquelas que se fundam em uma iminente ameaça ao direito, em

antítese àquelas que se fundam na violação de um direito. Ao referir às ações

preventivas, nota-se uma tutela que tenha por fim impedir a prática, a repetição ou

continuação de um ilícito, não vislumbrando uma tutela que tenha como pressuposto a

violação já consumada do direito.

Assevera Ada Pellegrini Grinover, citada por Marinoni e Arenhart:

A atividade judicial, diante da tutela preventiva, ocorre “a priori”, com o objetivo de evitar o dano que deriva da ameaça de lesão a um direito, antes que esta se consume. Foi justamente salientando que, na tutela preventiva, o interesse de agir não decorre do prejuízo, mas do perigo de prejuízo jurídico: em outras palavras, da ameaça de lesão ou, mais precisamente, frente a sinais inequívocos de sua incidência. (2010, p. 219)

Sobre a questão da prova na tutela inibitória ainda há certa dificuldade na sua

apreciação, vez que a doutrina construiu a teoria da prova a partir da premissa de que o

42

processo de conhecimento deve permitir a reconstrução dos fatos passados.

(MARINONI; ARENHART, 2010, p. 220).

Observa-se, contudo, que na ação inibitória, principalmente quando se busca

evitar a prática de um ilícito, não se pode utilizar desse posicionamento teórico, vez

que é impossível e ilógico que um fato futuro seja provado de forma direta referindo-

se a ocorrências pretéritas. Nas palavras de Marinoni e Arenhart, “em uma tutela que

se destine ao futuro, a prevenir futura lesão, certamente o tema da prova deve ser visto

por meio de ótica diferente”. (2007, p. 298).

O cabimento da ação inibitória se dá simplesmente pela probabilidade de ato

contrário a direito, isto é, basta o temor da prática de um ilícito. Adequadamente

ensina Aldo Frignani: “A ação inibitória é caracterizada pela presença de três

condições: uma positiva – perigo de prejuízo futuro – e duas negativas –

desnecessidade do dano e da culpa” (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 221).

O perigo, próprio à ação inibitória, não se liga ao dano, mas apenas ao ato

contrário ao direito. O que se teme é a probabilidade de ato contrário ao direito. Por tal

razão se exclui do fito probatório da ação inibitória o dano, e conseguintemente, a

prova sobre a culpa. A razão é simples: não há como valorar subjetivamente um

comportamento futuro.31

Pontes de Miranda, citado por Marinoni e Arenhart, esclarece que a

“pretensão e a ação de abstenção não são pretensão e ação ex delicto. Nem a culpa lhe

31 “Conforme explica Rapisarda, ‘da natureza preventiva da inibitória deriva também a ausência de culpa. A ação inibitória, como dito, volta-se para o futuro, e assim fica excluída a possibilidade objetiva de se valorarem preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro, sobre o qual é destinado a incidir o provimento final da tutela’”. (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 222).

43

é pressuposto necessário. Se a culpa existe, é plus. Só se exige o ser contrário a direito

o ato que se teme, ou cuja continuação se tem por fito evitar”. (2010, p. 222).

É por tal razão que se admite nas ações inibitórias a prova indiciária. O autor

de uma ação inibitória pode requerer a produção de prova em relação a um fato

meramente indiciário, o qual contempla a probabilidade da prática de ato contrário ao

direito. Evidencia-se, portanto, que o núcleo do tema prova na ação inibitória se

restringe à questão da futura ocorrência de ato contrário a direito, que pode ser

subdividido em dois elementos: ameaça e ilicitude.

3.1.1 A ameaça

Sobre ameaça, nos comentários à Constituição do Brasil, realizados por Celso

Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, precisamente sobre o art. 5º, XXXV, assim

esclareceram:

Evidentemente a ameaça nunca poderá ser presumida ou mesmo inferida tão somente a partir de temores subjetivos de quem invoca. É necessário que decorra de indícios objetivos e que assuma a feição de que uma efetiva lesão de direito é iminente, ou, se preferir, que está embutida na lógica dos eventos em curso (2001, p. 200).

A aplicação da tutela inibitória somente se dará em casos que os indícios

sejam sobre ocorrência de uma ameaça séria de violação a direito. Meras expectativas

infundadas, baseada apenas na opinião do autor da demanda são insuficientes à ação

inibitória. A ameaça, avaliada a cada caso a partir na normalidade dos eventos, deve

ser provada com base, segundo Arenhart, em “elementos concretos e específicos

capazes de emprestar algum crédito objetivo ao temor afirmado pela parte que solicita

a prestação jurisdicional”. (2003, p.260). Diz ainda o referido autor que “somente se

44

defere a tutela da ameaça de lesão se a sua afirmação vier forrada de algum elemento

de prova objetivo e concreto, apto a demonstrar de maneira externa (ainda que

equívoca) a razoabilidade do receio pressentido pela parte postulante”. (Ibid, p. 260).

Importa distinguir que o perigo de lesão não se confunde com o perigo de

uma eventual violação a direito. É preciso que haja uma situação específica a ameaçar

o direito. A tendência da doutrina e da jurisprudência32 é a exigência de dados

objetivos e concretos aptos a demonstrar a ocorrência do justo receio de lesão. Não

basta, segundo Marinoni e Arenhart, “o mero temor subjetivo de futura violação. É

necessário que o temor se apóie em elementos concretos, exteriores, capazes de avaliar

o receio”. (2010, p. 231).

O direito estrangeiro não difere do posicionamento adotado. A doutrina pátria

descreve o posicionamento adotado no direito internacional, conforme transcrição de

Marinoni e Arenhart:

Frignani, ao tratar da injunction – própria ao direto anglo-saxão – e ressaltar a importância da sua função preventiva (de evitar a prática do ilícito), faz expressa referência á lição de DE FUNIAK, que se aproxima bastante do que é dito pela doutrina brasileira em relação à ameaça no mandado de segurança e no interdito proibitório. Com efeito, para justificar o acesso à equity e, mais do que isso, para viabilizar a concessão da injunction antes da prática de qualquer ilícito (e não apenas para evitar a sua repetição ou

32 Em acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos, lê-se que, “para viabilizar o mandado de segurança preventivo, é necessária a ocorrência de situação concreta e objetiva indicativa de iminente lesão a direito liquido e certo” (TFR, MAS 112.033, rel. Min. Torreão Braz, DJU 19.09.1988, p. 23.557). No mesmo sentido, e mais recentemente, decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região que “o mandado de segurança preventivo exige prova de situação objetiva ensejadora de ameaça de lesão a direito líquido e certo” (TRF 5ª Reg., MAS 2411, rel. Juiz Castro Meira, DJU 08.03.1991). O STJ assim já definiu, que “mesmo no mandado de segurança preventivo, não basta o simples risco de lesão a direito líquido e certo, com base apenas no julgamento subjetivo do impetrante. Impõe-se que a ameaça a esse direito se caracterize por atos concretos ou preparatórios de parte da autoridade impetrada, ou ao menos indícios de que a ação ou omissão virá a atingir o patrimônio jurídico da parte. Em direito tributário, se o autor inquina determinada exação, previsto em lei, de inconstitucional ou ilegal, mas não demonstra qualquer ameaça a seu direito de não paga´-la, descabe a ação mandamental, que não tem por escopo interpretar a lei em tese” (STJ, REsp 18414/CE, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 15.06.1992, p. 9.223). Nessa mesma linha é a lição de Sérgio Ferraz: “O mandado de segurança preventivo não é uma vacina processual, destinada a afastar os receios das naturezas tíbias. Seu escopo é a prevenção da prática de ilegalidades ou arbitrariedades, quando a ameaça de sua concretização seja palpável e próxima no tempo”. (ARENHART; MARINONI, 2010, p. 226).

45

continuação), DE FUNIAK diz que deve haver uma reasonable probability de violação, quando a intenção deve ter sido claramente manifestada, não sendo suficiente a mera possibilidade de violação. (2010, p. 227)

Em análise ao texto de DE FUNIAK33, Aldo Frignani, citado por Marinoni e

Arenhart, esclarece que nas palavras do jurista americano

Estão contidos in nuce os pressupostos essenciais para a concessão da injunction a título preventivo: é necessário, realmente, que exista uma razoável probabilidade (reasonable probability) de que o ilícito venha a existir, e não basta, ao contrário, uma simples possibilidade (mere possibility). (2010, p. 228).

A doutrina francesa, tocante às ações preventivas, também entende que para a

propositura dessas ações há a necessidade de que haja uma ameaça suficientemente

séria (menace suffisamment sérieuse). 34 Segundo René Morel, doutrinador Frances

citado pela doutrina pátria, para que a ameaça possa ser reputada suficientemente séria,

não bastam afirmações pouco precisas e consistentes daquele que contesta a existência

do direito.35

Eduardo Talamini elenca ainda que a ameaça, além de objetiva, deve ser

atual. Quanto à objetividade da ameaça, explica que é “no sentido de que não é

qualquer temor, derivado de simples insegurança psicológica do titular do direito, que

autoriza a proteção preventiva”. (2003, p. 224). Sobre a atualidade, discorre que “a

transgressão deve ser iminente e não prevista para um futuro remoto”. (Ibid., p. 225).

33 When there is reasonable probability oj injury, when the intention to do the wrong has clearly been manifested, equity at once interferes. However, mere idle words or mere possibility of injury no not suffice (MARINONI; ARENHART, 2010, p. 228) 34 Extraído de Arenhart e Marinoni, ao referir sobre o autor frances René Morel. 35 Retirado de nota de rodapé da obra Prova, de Arenhar e Marinoni: “novamente, eis as palavras do autor: ‘Encore faut-il que La menace soit suffisamment sérieuse. Au contraire, des propôs peu précis ET peu consistants per lesquels une personne contesterait I’existence d’une autre NE suffiraient pás à justifier une action préventive, parce que ces propôs ne seraient pás de nature à créer um véritable trouble juridique’”. (2010, p. 230).

46

Como se observa, o que se entende sobre a ameaça é que esta, imprescindível

à tutela inibitória, deve ser demonstrada a partir de fatos (indiciários) que permitam

verificar a ocorrência de efetiva ameaça de lesão a direito, não bastando mero temor

subjetivo.

3.1.2 Ilicitude

A ilicitude de certa conduta dependerá, em regra, de mera comparação do ato

descrito com o ordenamento jurídico. Em outras palavras, uma conduta será lícita ou

ilícita a partir da comparação da conduta ao disposto no regramento jurídico. Isto

porque é o ordenamento que qualifica uma conduta como lícita ou ilícita. Hans

Welzel, citado por Marinoni e Arenhart dizia que “a ilicitude é uma contradição da

realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico como um

todo”. (2007, p. 300).

O Código Civil assim preceitua o ato ilícito, no artigo 186:

Art.186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Vislumbra-se que a licitude associa-se à previsão jurídica das condutas, na

qual um comportamento contrário a essa previsão constituirá numa ilicitude. Ilicitude é

a própria violação da norma. Pode-se dizer que a ilicitude é objetiva, visto que o

direito não precisa ser provado. O direito é positivo, colocado pela lei, e conforme

visto ao abordar a questão do objeto da prova (item 2.2), são os fatos, ou melhor, a

alegação destes que enseja comprovação. Não se almeja prova de direito. Por essa

razão, conforme discorre Marinoni e Arenhart, “a noção de ilicitude da conduta,

47

normalmente, não dependerá de prova, reduzindo-se, no mais das vezes, à análise de

uma questão de direito (que, como cediço, não depende de prova)”. (2007, p. 300).

Os direitos merecedores de tutela inibitória, a exemplo dos direitos ligados à

personalidade, meio ambiente, entre outros, são direitos absolutos, irrenunciáveis e

intransmissíveis. São direitos que pertencem a todo indivíduo pela simples razão da

condição de ser humano. Nesse diapasão, afirma a doutrina pátria que esses direitos

“não dependem de prova, até porque essa prova seria a singela comprovação da

existência da pessoa física que pretende a tutela jurisdicional”. (MARINONI;

ARENHART, 2010, p. 224).

Importa demonstrar que o ato praticado seja contrário ao ordenamento. O que

é necessário, tocante á ilicitude, é evidenciar que o ato que se pretende praticar seja

antagônico ao regramento jurídico.

3.2 PROVA DA AMEAÇA NAS DIFERENTES MODALIDADES DE TUTELA

INIBITÓRIA

A prova diante da tutela inibitória, como verificado, guarda algumas

complexidades. É humanamente impossível tutelar a prevenção de um direito

adotando a teoria da prova comumente utilizada, baseada no passado. É ilógico pensar,

conforme já afirmado, que um fato futuro possa ser provado no presente. Em razão

dessa impossibilidade, contraposta pela necessidade de não deixar prejudicado um

direito ameaçado é que utiliza critérios especiais na apreciação das provas na tutela

inibitória.

48

3.2.1 Prova da ameaça nas tutelas inibitórias secundárias36

A tutela inibitória apresenta-se em três modalidades, quais sejam: a que

almeja impedir a prática, repetição e/ou continuação de um ilícito. Sobre estas duas

últimas, ainda que complexas, a comprovação da ameaça não guarda maiores

complicações. A menor dificuldade da prova se dá em razão da já existência da prática

de ato ilícito. Melhor dizendo, nas tutelas que visam inibir a repetição ou continuação

de um ilícito, este é pressuposto que já ocorreu uma vez. Assim, fica mais fácil

evidenciá-lo. Nos dizeres de Arenhart, “a anterior ocorrência de violação ao direito

importa, no mais das vezes, com efeito, em forte indício da futura possibilidade de

nova lesão”. (2003, p. 260).

Sob o mesmo enfoque discorre Marinoni:

Quando se teme a repetição de ilícito, a prova de que o réu já praticou ao de igual porte é prova de fato iniciário que permite um raciocínio presuntivo capaz de formar uma conclusão de que provavelmente ao igual será cometido. Tratando-se de ação voltada a impedir a continuação do ilícito, a formação do juízo de procedência também é facilitada, importando que se demonstre que já foi cometido um ato contrário ao direito. (2002, p. 316).

Apresenta fundamental importância, nesta seara, a análise da prova indiciária.

O magistrado, para viabilizar a tutela inibitória contra repetição ou continuação do

ilícito, atentar-se-á para a probabilidade preponderante. Esta, nos ensinamentos de

Arenhart, é “fundada na presença de indícios suficientes que demonstrem – com certo

grau de segurança – a probabilidade da repetição do ilícito”. (2003, p. 261).

Vislumbra-se nestes casos que os próprios atos ilícitos já ocorridos podem ser

considerados indicativos de que sejam novamente praticados, diante de uma

36 Explica o professor Arenhart que a tutela inibitória secundária é aquela que visa a impedir a repetição do ilícito anteriormente já ocorrido bem como a que almeja inibir a sua continuação. (2003, p. 260).

49

circunstância idêntica. Eles são elementos que demonstram a plausibilidade do temor,

originando assim na razoabilidade exigida para a concessão da tutela.

A doutrina italiana, por meio de Aldo Frignani, citado por Marinoni e

Arenhart, assim esclarece:

É todavia nesta avaliação judicial que o ilícito vem a representar um papel de importância não indiferente. De fato, se ele já ocorreu no passado, de sua modalidade, de sua natureza poder-se-á inferir com notável aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro. (2007, p. 302).

Outro elemento a ser usado na concessão da tutela inibitória, aqui chamada de

secundária, é a presunção, a qual, ainda que não seja considerada meio de prova, é

indissociável ao indício. O julgador, diante da comprovação de um ato ilícito já

praticado, pode, verificando que existam razoáveis motivos para sua repetição,

presumir que seja novamente realizado. Nesse contexto, alerta-se que não existe mera

subjetividade. Há uma anterior prática de ilicitude, a qual somada a elementos

coexistentes que sejam mais favoráveis do que contrários à nova ocorrência do ilícito,

enseja a concessão da tutela preventiva.

3.2.2 Prova da ameaça nas tutelas inibitórias primárias 37

A prova em uma situação em que nenhum ilícito se tenha ocorrido é questão

que se agrava. Ainda que haja elementos preparatórios à prática de algum ilícito, não

há como se ter plena certeza que tais preparativos se destinem à execução de

determinada conduta. Nesse sentido é a ponderação de Frignani, citado por Arenhart:

37 Na conceituação de Arenhart, trata-se das tutelas destinadas a uma primeira violação, em que nenhum ato ilícito tenha ocorrido. (2003, p. 269).

50

Problema um pouco mais delicado é a possibilidade de invocar a inibitória quando a atividade ilícita ainda não haja ocorrido; quando pois a conduta não se tenha aperfeiçoado, mas foram postos em prática apenas preparativos para o cometimento futuro (...) Aqui a prova do perigo do cometimento de um ilícito é mais difícil, já que é extremamente árduo dar uma valoração ex ante da idoneidade dos meios empregados nos atos da perpetração do ilícito. Todavia, uma vez que se tenha como certa tal idoneidade e univocidade, não há dúvida de que o juiz possa proferir uma ordem inibitória. (2003, p. 270).

Por essa razão, a prova na tutela inibitória, em especial à tutela que inibe a

prática de um ilícito, deve receber valoração diferenciada, sob pena de não se ter

garantido o direito à prevenção. Principalmente nesses casos deve-se aplicar a prova

indiciária e a presunção, como meio de viabilizar a tutela preventiva.

Marinoni exemplifica a situação de que, temendo-se a divulgação de notícia

lesiva à personalidade, será indício relevante, o qual seja capaz de formar um juízo de

procedência, a divulgação de anúncio, por parte de certa rede midiática, de que será

divulgada a notícia. (2002, p. 316). Segundo o autor supra, “tal prova indiciária é

relevante meio para demonstrar que provavelmente a notícia será divulgada”. (Ibid., p.

316).

Como se verificou no início deste trabalho, a prova, no âmbito judicial, não

almeja a busca da verdade absoluta. A prova, segundo Marinoni e Arenhart, “deve ser

vista como elemento retórico, destinado a convencer o magistrado da verossimilhança

das alegações expendidas pelas partes, e nesse sentido desvincula-se completamente

dos fatos pretéritos”. (2007, p. 305).

Diante da evidência da prática de algum ilícito, não se deve aplicar o

rigorismo na apreciação das provas, em se tratando de prevenção. A exigência de uma

prova impossível viria a sacrificar o direito à tutela jurisdicional, e por conseqüência,

51

sacrificar o próprio direito material. Para evitar esse sacrifício é que se aplica uma

redução das exigências de prova, como meio de viabilizar a tutela inibitória primária.

A redução da exigência de prova é uma variação do chamado módulo de

prova, o qual seja a “extensão do convencimento que a prova pode trazer em um caso

concreto”38(ARENHART, 2003, p. 271). Esse módulo de prova é variável, conforme o

caso, o que significa que o magistrado não deve exigir o mesmo grau de certeza das

provas apresentadas em todas as espécies de ações judiciais. Desse modo, nos casos da

tutela inibitória destinada a evitar a prática de um ilícito, é necessária certa

flexibilidade da exigência probatória, admitindo a prova da mera aparência. É nessa

ótica o ensinamento do professor Arenhart:

A tutela do direito deverá ser analisada sob o prisma da “prova da mera aparência”, pois exigir, a priori, em tais casos, “prova de certeza” seria condenar ao abandono toda afirmação de direito que se pudesse fazer. Essa redução do módulo de prova, então, configura a adaptação da exigência de máximo convencimento da prova à realidade específica do direito discutido, segundo as particularidades da realidade concreta e das possibilidades que essa realidade empresta em termos de prova. (2003, p. 272).

Assim sendo, a redução da exigência de prova vem a calhar quando se fala em

apreciação de indícios e uso da presunção judicial na análise probatória. A prova

indiciária e a presunção judicial podem servir à redução da exigência de prova, pois a

formação de um juízo com base em indícios, por vezes, é o máximo da “certeza” que

se tenha para oferecer a proteção contra uma ameaça.

A doutrina aponta como solução à análise probatória na tutela inibitória

primária a utilização de alguns critérios, como segue:39

38 Conceituação realizada por Gerhard Walter. 39 O professor Arenhart, de maneira exemplificativa, dispõe desses critérios, que podem ser levados em consideração na análise probatória da tutela inibitória. Alerta o autor que essa nova dimensão de prova abre um

52

a) a vida pretérita do autor e do réu da demanda. Em se tratando de ação

inibitória, a verificação pelo juiz de condutas passadas das partes envolvidas no

processo constitui em elemento merecedor de análise. Trata-se de uma avaliação

comportamental, a qual contribuirá na apreciação do caso concreto. Atitudes pretéritas

das partes podem ser consideradas como indícios. Ainda que esta única situação seja

ínfima para a apreciação de uma demanda, não se pode descartá-la, visto que o

histórico individual é elemento indiciário importante.

Assim dispõe Arenhart:

Embora se pudesse objetar que a exclusiva apresentação dessa prova seria excessivamente pouco para a concessão da tutela de procedência, não se pode deixar de observar que esse elemento se transforma em importante indício da ameaça que se supõe existir. (2003, p. 274).

Lembra o autor que, “em matéria de tutela inibitória, não se trata de verificar

a obtenção da ‘verdade’ no processo, mas sim de encontrar a preponderância da

probabilidade, segundo os critérios de redução do módulo de prova”. (2003, p. 274).

b) as circunstâncias específicas da alegação das partes. As circunstâncias em

que o(s) fato(s) alegado(s) como passível (eis) de execução merece análise, diante de

uma probabilidade de ilicitude. Esse ambiente que cerca o(s) acontecimento(s)

pode(m) ser considerado(s) como um critério norteador para a concessão da tutela

inibitória.

Em comento a tal critério, considera a doutrina pátria que esse elemento seria

a ultima ratio, quando não se dispusesse de meios probatórios mais eficientes, ainda

que indiciários. Afirma Arenhart que “em circunstâncias excepcionais, em que não se

universo completamente novo, calcado em elementos de prova que permitam a formação da convicção judicial, e devem se restringir à tutela inibitória. (2003, p. 273).

53

pudesse obter outra fonte de prova, ultima ratio poderiam servir de parâmetro para o

exame da pertinência ou não da concessão da proteção preventiva definitiva”. (2003,

p. 275).

A título ilustrativo elenca-se os dados estatísticos como elemento relevante na

apreciação de uma circunstância específica. Neste campo, a estatística apresenta ajuda

importante. Na visão de Arenhart

Com efeito, a observação do que acontece normalmente, em determinada atividade perigosa, por exemplo, e do grau de perigo representado por ela (dado por estatísticas que demonstram o percentual de lesões derivadas da sua prática) pode constituir elemento relevante para a verificação da concreta ameaça de lesão ou não. (2003, p. 276)

Verifica-se, portanto, que a circunstâncias que envolvem a alegação trazida ao

processo fornece uma credibilidade sobre a pretensão de se ter prevenida a ameaça de

lesão.

c) as circunstâncias impostas pelo direito especificamente protegido. O

direito material, em algumas situações, estabelece deveres, nos quais, descumpridos, já

podem servir de alerta sobre ameaça ao direito tutelado.

O art. 1.303 do Código Civil40, por exemplo, referindo-se ao direito de

vizinhança proíbe a construção a menos de três metros do terreno vizinho. Percebe-se

nesse caso, de modo implícito, que o desrespeito ao limite imposto pela norma já

caracteriza ameaça. A lei, neste caso, estipula de modo objetivo o que pode ou não ser

feito. Assim, a simples violação do preceito legal culminará num receio de lesão,

servindo como prova na ação inibitória.

40 Art. 1.303 CC: “Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho”.

54

d) as presunções eventualmente incidentes sobre o caso. O regramento

processual pode dispor de situações que permitam o uso da presunção. Exemplos

como confissão de uma mera intenção de prática ilícita, revelia, entre outros, podem

ser apreciados como indícios. Arenhart assim esclarece:

A admissão pelo réu da intenção de praticar o ilícito, ou a existência de confissão, ou ainda a presença de outra espécie de presunção, derivada, por exemplo, da revelia, também será critério a ser utilizado na avaliação do justo receio, permitindo servir de parâmetro para a verificação da razoabilidade da concessão da medida inibitória, com a procedência da pretensão. (2003, p. 276).

Tais critérios, por óbvio, devem ser somados aos outros pertinentes à prova na

tutela inibitória. Trata-se de possíveis técnicas a serem utilizadas na apreciação da

ação inibitória, a cada caso, em que se reduz o módulo da prova, tornando possível a

proteção à ameaça de prática do ilícito. Lembra-se ainda que esses critérios devam

ser considerados em consonância com uma avaliação proporcional dos interesses em

litígio. Assim, a avaliação desses interesses pode dar à apreciação probatória maior ou

menor exigência.

Essa avaliação proporcional direciona-se em dois prismas distintos:

a) ponderação da interferência estatal. Aqui, como alude Fritz Bauer,

referido por Arenhart, o magistrado deve atentar para a dimensão que o Estado pode

provocar nas esferas particulares:

Quanto mais grave é a interferência estatal na esfera dos envolvidos no litígio, mais rigorosa deve ser a análise a ser feita do respaldo jurídico que autoriza a tutela jurisdicional, bem como dos elementos fáticos de convencimento, trazidos ao processo. (2003, p. 277).

Elucidativo é o exemplo trazido pelo autor acima citado, em que a concessão

de uma “tutela inibitória tendente ao fechamento de uma empresa deve exigir grau de

55

probabilidade maior do que a outorga de proteção judicial com o fito exclusivo de

implantar, na mesma empresa, algum equipamento e contenção de poluição”. (2003, p.

277).

b) ponderação dos interesses em conflito. O dimensionamento da avaliação

probatória pode levar em consideração os interesses das partes. Assim, a análise que se

faz sobre as provas será maior ou menor a depender do valor do interesse ameaçado.

Em casos que ambas as partes apresentam interesses equivalentes, o convencimento

judicial sobre as provas apresentadas devem ser maior do que aquele necessário para a

tutela de um interesse nitidamente mais relevante que outro. Esclarece Arenhart:

Por esse critério, uma tutela inibitória tendente à proteção da vida, ou da saúde pública, em sacrifício ao patrimônio privado, deve exigir menor grau de convencimento do que a pretensão a uma tutela preventiva em que se chocam o patrimônio privado de alguém, de um lado, e o patrimônio também particular de outro. (2003, p. 278).

Em síntese explica Talamini:

O grau de ‘ameaça’ exigido para a concessão da tutela preventiva variará, de um caso para outro, conforme a relevância jurídica dos bens a proteger e os sacrifícios que o deferimento da providência puder gerar na esfera jurídica do réu. (2003, p. 225)

Na dúvida sobre o direito preponderante, “o privilégio sempre há de ser da

vida privada. Isso por uma razão óbvia: esse direito, se lesado, jamais poderá ser

recomposto em forma específica”. (ARENHART, 2000, p. 95).

Evidencia-se, portanto, que a procedência da pretensão inibitória primária

dar-se-á pela consideração da probabilidade preponderante conforme os indicativos

que se tem, balizados pelos indícios apresentados e outras circunstâncias, a exemplo

dos critérios descritos para a redução do “módulo de prova”. Tem-se, desse modo, nos

dizeres do professor Arenhart, “a adaptação da exigência de máximo convencimento

da prova à realidade específica do direito discutido, segundo as particularidades da

56

realidade concreta e das possibilidades que essa realidade empresta em termos de

prova”. (2003, p. 272).

Assim, o direito processual permite que o direito material não seja lesado,

possibilitando que a análise probatória na tutela inibitória seja suficiente a garantir o

cumprimento de um mandamento constitucional preventivo.

3.3 A MODIFICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NA TUTELA INIBITÓRIA

Como cediço, a tutela inibitória apresenta particularidade no que se refere à

apreciação das provas. O convencimento judicial aqui deve ser reduzido, a fim de

atender o direito material ameaçado. Não se pode exigir um convencimento judicial

igualitário para todo e qualquer caso concreto. Desse modo, nas palavras dos

professores Marinoni e Arenhart, “como o convencimento varia de acordo com o

direito material, a regra do ônus da prova também não pode ser vista sempre do

mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção própria ao caso concreto”.

(2010, p. 162).

A tutela inibitória permite que o regime do ônus da prova seja alterado, em

razão da admissibilidade da prova indiciária. Isso porque as presunções, utilizadas nas

apreciações da prova indiciária, ao permitir que uma das partes demonstre a mera

probabilidade de um fato, desobrigam o indivíduo da prova efetiva do que se alega. Na

prova indiciária permite-se que o interessado comprove a sua alegação por meio de

outros eventos que se ligam àquele no mundo fático. Assim, a presunção judicial

modifica a regra do ônus da prova. Ensina Arenhart:

Por meio das presunções judiciais o sistema positivo novamente opera o deslocamento do regime normal de atribuição do ônus da prova, já que permite a alguém, mediante mera demonstração de probabilidade da ocorrência de um fato (pela comprovação da existência de outro que àquele

57

se liga por vínculo lógico), liberar-se da carga da prova do fato, atribuindo ao adversário a demonstração de que o fato probando não ocorreu ou, pelo menos, de que a probabilidade de que ele não tenha ocorrido seja mais forte do que a possibilidade resultante do raciocínio de inferência formado inicialmente. (2003, p. 284).

Em se tratando de tutela preventiva, nada impede que o juiz incumba à parte

contrária a demonstração de que inexista ameaçada a direito de quem a alegue. Seria

uma maneira alternativa de disciplinar a prova da ameaça de lesão. Nos dizeres de

Arenhart, “quando os demais critérios não puderem, por si sós, satisfazer a dúvida do

juiz, poderá ele modificar o regime do ônus da prova, liberando o autor da prova do

fato futuro (probabilidade de lesão) e imputando esse ônus ao réu”. (2003, p. 289).

Neste caso, ao réu caberia provar a ausência de qualquer ameaça.

Essa modificação se fundamenta no próprio preceito constitucional do art. 5º,

XXXV. Uma vez que a lei não possa excluir da apreciação do Judiciário ameaça a

direito, não se pode negar tutela jurisdicional por falta de prova. A aplicação do

entendimento que o autor deve provar aquilo que alega poderia vir a ser considerada

regra inconstitucional por vedar o acesso à Justiça, uma vez que o autor estaria diante

de uma situação de impossibilidade de receber tutela de seu interesse. Nesses casos,

como bem dispõe Arenhart, “estará o magistrado autorizado a modificar o regime do

ônus da prova, para garantir a aplicação da regra constitucional, ainda que, para tanto,

deva afastar a incidência da regra infraconstitucional”. (2003, p. 289).

A inversão do ônus da prova, nesses casos em que não há lei expressa que o

permita, deve ficar na dependência de uma impossibilidade concreta da produção de

prova pelo requerente quanto ao fato futuro bem como haja uma real possibilidade do

réu demonstrar que não exista ameaça alegada. Enfatiza-se que, diante da grande

dificuldade probatória na tutela inibitória, e diante da ausência de provas concludentes

58

sobre a ameaça, o julgador deve se socorrer do princípio da preponderância. Assim

conclui Arenhart:

Dada a ausência de provas concludentes sobre a ameaça de lesão, a presença de alguma prova mínima, em favor de alguma das partes, já permite ao juiz alterar o regime do ônus probandi, impondo-o ao adversário, de forma que caiba a ele demonstrar a ausência de fundamento legítimo para o temor invocado pelo requerente, ao menos invertendo a preponderância da convicção judicial. (2003, p. 290).

A modificação do ônus da prova na tutela inibitória apresenta-se como

critério de elevada importância, garantindo ao magistrado a possibilidade de julgar a

demanda, inclusive na ausência de provas. A apreciação positiva ou negativa do

pedido ficará na dependência das partes, as quais apresentarão ao julgador elementos,

mínimos que sejam que permitam a conclusão da existência ou inexistência da

ameaça.

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho consideraram-se alguns aspectos da tutela inibitória,

especialmente tocante à questão probatória. Diante da dificuldade das provas na busca

da prevenção do ilícito, discorreu-se sobre alguns meios de amenizar essa

problemática, principalmente na que incide sobre a tutela inibitória pura, apoiando-se

sempre em lições doutrinárias que versam a respeito.

Primeiramente, mister é o reconhecimento da tutela inibitória como tutela

diferenciada, haja vista o seu escopo preventivo destinado a impedir lesão a direito.

Tem-se em mente, por tal razão, que não se faz necessárias comprovações de dano ou

culpa, uma vez que a função de uma ação inibitória é evitar a prática de um ilícito, ou

a sua repetição e/ou continuação.

Logo, o que se torna exigível para a concessão de uma tutela inibitória é

simplesmente a probabilidade de ocorrência de ato contrário a direito. Neste viés, a

comprovação probatória se dará sobre a ameaça da ilicitude, admitindo-se, para tanto,

redução na análise das provas usadas no processo, bem como a admissibilidade de

indícios e presunções, os quais dão ao magistrado elementos razoáveis de certeza

sobre as alegações trazidas ao processo, permitindo cognição suficiente à demanda.

Com o fito de tornar possível a proteção preventiva, admite ainda a doutrina

pátria a inversão do ônus da prova na tutela inibitória, viabilizando assim, dentro das

particularidades de cada caso, o julgamento da demanda.

Observa-se que os elementos apresentados diminuem a dificuldade da prova

na tutela inibitória, permitindo a concretização do direito constitucional de acesso à

60

Justiça a quem tenha extrema dificuldade ou impossibilidade de provar ameaça a seu

direito, de modo direto.

As considerações trazidas neste trabalho sobre os aspectos probatórios na

tutela inibitória devem ser consideradas como fontes de convencimento judicial que se

coadunam com um ordenamento jurídico preocupado com a efetividade do direito e da

Justiça.

61

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