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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE ERECHIM DEPARTAMENTO DE LETRAS, LINGUÍSTICA E ARTES KARINE LILIANE LAMB DOS REIS UM POSSÍVEL DIÁLOGO ENTRE LITERATURA DE CORDEL E A POESIA GAUCHESCA ERECHIM 2012

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS

MISSÕES – CAMPUS DE ERECHIM

DEPARTAMENTO DE LETRAS, LINGUÍSTICA E ARTES

KARINE LILIANE LAMB DOS REIS

UM POSSÍVEL DIÁLOGO ENTRE LITERATURA DE CORDEL E A

POESIA GAUCHESCA

ERECHIM

2012

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KARINE LILIANE LAMB DOS REIS

UM POSSÍVEL DIÁLOGO ENTRE LITERATURA DE CORDEL E A

POESIA GAUCHESCA

Trabalho de Conclusão do Curso de Letras, Departamento de Linguística, Letras e Artes da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim.

Orientadora: Profª. Dra. Lionira Maria Giacomuzzi Komosinski

ERECHIM

2012

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, pela vida, por estar sempre no meu caminho,

iluminando meus passos auxiliando em meus tropeços;

à meu esposo Fabiano e minha família por compreenderem minhas ausências e

auxiliarem-me quando precisei;

à minha querida amiga e colega Bianca pelo suporte técnico, ombro amigo e

incentivo;

à profª orientadora Dra. Lionira Maria Giacomuzzi Komosinski, pela ajuda e

paciência nas orientações;

à profª Ms. Rosane Vontobel Rodrigues pelo auxílio voluntário, e préstimo de livros;

aos demais colegas e amigos, parceiros de caminhada.

Muito obrigada!

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“As raízes de mim estão tão próximas

que eu passei toda uma vida para esperar

o gosto das maçãs de minha terra”

Oscar Bertholdo

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão do curso de Letras, pertencente à linha de

pesquisa em literatura marginal, é resultante de alguns relevantes questionamentos

levantados, referentes a duas modalidades literárias deixadas à margem de outras:

A Literatura de Cordel e a Poesia Gauchesca. O maior questionamento levantado foi

em quais aspectos encontram-se as semelhanças entre essas modalidades. Foram

encontradas várias semelhanças, desde sua origem Ibérica comum até hoje, assim

como em alguns assuntos, tais quais a valorização e presença de animais, a forma e

conteúdo de fundo épico no romanceiro nordestino e na poesia épica gaúcha. Isso

corrobora a máxima de que a verdadeira literatura, ainda que regional ou popular,

carrega aspectos universais, passíveis de serem absorvidos pelo leitor

indiferentemente de onde viva.

Palavras-chave: Literatura de Cordel. Poesia Gauchesca. Semelhanças.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 6

2 MARCO TEÓRICO ........................................................................................................................... 7

3 ORIGENS DA LITERATURA DE CORDEL E POESIAS GAUCHESCAS ............................. 10

3.1 CORDEL – DA PENÍNSULA IBÉRICA PARA O BRASIL ................................................. 10

3.2 POESIA GAUCHESCA – DE PORTUGAL, ESPANHA E NORDESTE PARA O RIO

GRANDE DO SUL .......................................................................................................................... 12

4 TEMÁTICAS E FORMAS ............................................................................................................... 16

4.1 POESIAS GAUCHESCAS...................................................................................................... 16

4.1.1 Poesia Lírica ...................................................................................................................... 17

4.1.2 Poesia épica Gauchesca ........................................................................................................ 28

4.2. LITERATURA DE CORDEL .................................................................................................. 35

4.2.1 Temas Tradicionais .......................................................................................................... 36

4.2.2 Fatos circunstanciais ou acontecidos ............................................................................ 39

4.2.3 Pelejas e Cangaço ........................................................................................................... 41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 45

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................................................... 50

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso, pertencente à linha de pesquisa em

literatura marginal é resultante de alguns questionamentos levantados, durante o

curso de Letras, referentes a duas modalidades literárias deixadas à margem de

outras: A Literatura de Cordel e a Poesia Gauchesca. O maior questionamento

levantado foi: em quais aspectos se apresentam as semelhanças entre essas

modalidades?

Sabe-se que possuem semelhanças apesar de se manterem em regiões

separadas por grande distância. A primeira, embora estudada com maior frequência,

continua a ser considerada literatura marginal. A segunda está inserida no

tradicionalismo gaúcho, preservado em Centros de Tradições Gaúchas, em músicas

e em eventos de raiz. Porém, contrariamente à Literatura de Cordel, são raros os

estudos sobre ela.

Considerando esses pontos de relevância, realizou-se um estudo comparativo

sobre Literatura de Cordel e Poesia Gauchesca visando a identificar suas

semelhanças quanto à forma, ao conteúdo, aos aspectos semânticos e à localização

cultural das mesmas. Comparou-se a origem da Literatura de Cordel e da Poesia

Gauchesca, analisou-se suas temáticas e formas apontando a sua situação no

cenário literário-cultural brasileiro.

Para uma melhor compreensão do trabalho, optou-se em dividi-lo em duas

secções. A primeira recupera as origens da Literatura de Cordel e Poesia

Gauchesca diferenciando-a da poesia gaúcha; a segunda aborda os principais

temas, dividindo a Poesia Gaúcha em lírica e épica, à lírica está inserida a maior

parcela da poesia gauchesca, à épica, raros exemplos.

Pretendemos, dessa forma, além de aprofundar conhecimentos sobre essas

manifestações culturais, analisar suas semelhanças, resgatando principalmente as

poesias gauchescas, que podem, assim como o Cordel já o é, ser mais conhecidas

e melhor aproveitadas no ensino literário e de Língua Portuguesa nas escolas

gaúchas e, por que não, de todo Brasil.

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2 MARCO TEÓRICO

Em meio a um mundo no qual a novidade de hoje é a teoria ultrapassada de

amanhã, alguns conceitos são esquecidos, questionados ou reinventados, assim

como o de Literatura, Literatura Marginal e Poesia. A partir disso, essas noções

serão descritas para uma melhor fundamentação teórica da pesquisa, sendo que

será respeitada a ordem acima.

Ao longo do tempo, surgiram muitos conceitos de literatura, o que comprova a

abrangência deste termo e a dificuldade no estabelecimento de um conceito.

Segundo Silva (1982), o lexema é fortemente polissêmico; seu conceito constituiu-se

em função de circunstâncias histórico-culturais; a literatura consiste, além de um

conjunto de textos inscrito no passado, num ininterrupto processo histórico de

produção de novos textos.

Para Lajolo (1994), a definição depende do ponto de vista, do sentido que a

palavra tem para cada indivíduo, da situação na qual se discute o que é literatura.

Não há apenas uma definição exata, em cada tempo/contexto social se determina

um diferente conceito.

“[...] a literatura leva ao extremo a ambiguidade da linguagem: ao mesmo tempo em que cola o homem às coisas, diminuindo o espaço entre o nome e o objeto nomeado, a literatura dá a medida do artificial e do provisório da relação. Sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da aliança e, no limite, a irredutibilidade de cada ser.”(LAJOLO, 1994, p.37)

Segundo Silva (1982), não há nenhuma característica que esteja presente em

todas as obras de literatura. Ter-se-á de procurar no leitor o fundamento do conceito

de literatura. A obra literária só existe através do ato cognitivo do seu leitor,

configurando-se como um objeto mental que só possui existência física sob a forma

de elementos eletroquímicos do cérebro.

Reis (1999), também não formula conceitos, detalhando as dimensões

sociocultural, histórica e estética de abrangência desta instituição que é a literatura.

Nos aspectos socioculturais e coletivos retoma Platão e Sartre. O primeiro concebia

a atividade poética como algo que só se legitimava em função do serviço que o

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poeta pudesse prestar à comunidade – estimulando os homens na procura da

perfeição, assim se postulando uma teoria artística de teor finalístico e socialmente

motivada. Para o segundo, a palavra literária é transparente, podendo traduzir ou

representar situações sociais, ele afirma que a função do escritor é proceder de

modo que ninguém possa ignorar o mundo nem alhear-se dele.

No plano histórico encontramos duas situações: a arte analisada sob esse

aspecto, que para Salinari (1981 apud REIS, 1999) perde seu valor universal, pois é

determinada por um tempo específico; as obras que utilizam a história como pano de

fundo para transmitir sua “mensagem transistórica” que estrutura-se em função dos

grandes temas e valores regularmente reafirmados pela literatura e ultrapassa as

fronteiras do tempo. As últimas são obras de funda ressonância humana e devido a

essa dimensão transistórica potencializam a função catártica, ou pelas palavras de

Aristóteles – purifica emoções. (1986 apud REIS, 1892)

Clarificado, se não um conceito, algumas abrangências literárias, Mouralis

(1982) afirma que há uma sistematização dessa instituição que domina a produção

literária organizando-a segundo um esquema lógico e estético. As obras

selecionadas para compor o que Reis (1999) chama de Cânone, adotado em

escolas e academias, são utilizadas pelos fatores de formatividade e de

continuidade histórico-cultural aos quais fazem referência. Este cânone está sendo

subvertido paulatinamente por literaturas antes consideradas marginais.

Em Silva, encontramos a nominação de paraliteratura para essas obras não-

canonizadas, na fronteira da literatura. Essa fronteira é comprovada desde uma

análise sociológica da produção, difusão e consumo dos textos, até ao exame do

modo como o sistema de ensino, em diferentes contextos e momentos históricos

recebe e valora-os (1982).

Justamente devido a essa diacronia, um texto hoje considerado literário, amanhã

poderá passar ao domínio da paraliteratura, representando uma desqualificação

estética para aquela época e valores, o que não o transforma em não-literário

(SILVA, 1982) consequentemente, ao nível teórico, é praticamente impossível

justificar tal separação, que é um sério obstáculo à utilização pedagógica desses

textos (MOURALIS, 1982)

Para alguns teóricos e críticos literários existem padrões clássicos, quanto à

forma e à estética, que devem ser seguidos na construção poética. Diferente dessa

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percepção, de acordo com Lyra, a poesia “só existe em outro ser” (LYRA, 1992 p.7).

Assim, para existir poesia, há uma trajetória que inicia no leitor perceptor, passa pelo

escritor e somente então, pode-se chamar um poema de poesia. Ela é abstrata, o

poema existe em si mesmo, é a escritura.

Esses atributos, positivos ou negativos, para Lyra (1992), são: a duração (define

a existencialidade do ser e surge de objetos/situações transitivos que apresentam

alguns atributos, provocando no homem um estímulo que solicita resposta. Situa no

tempo cronológico ou psíquico, da novidade à antiguidade); a magnitude (define a

dimensão do ser e o situa no espaço físico ou mental, da grandeza à pequenez); a

aparência (oferece o ser à percepção dos sentidos ou da razão, situando-o no

espaço e no tempo, da beleza à feiura).

Quanto mais esses aspectos forem explorados num poema, mais poético ele

será. De um modo geral, os mais explorados são: a beleza, por ser o mais sedutor; a

grandeza, por ser o mais afirmativo; a novidade por ser o mais universal (LYRA,

1992).

São atribuídos, ainda, os valores positivo, negativo, de sentido existencial ou

filosófico, que podem provocar atração ou repulsão. Lyra analisa a confluência

desses opostos que pode ser o efeito mais estranho, porque inusitado, talvez o mais

poético, pois o próprio ser humano é contraditório, em constante renovação da

sequência desejo – conquista – perda (LYRA, 1992).

Devido a esses fatores, a poesia deve sugerir mais que transmitir sentimentos,

valendo-se da metáfora; do símbolo; de significações mágicas, oníricas, delirantes,

ou seja, a linguagem poética é essencialmente conotativa para poder “lembrar o que

ficou dentro do poeta” (MOISES, 1973) através, também, de um ritmo e uma

musicalidade únicos, nascidos dele.

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3 ORIGENS DA LITERATURA DE CORDEL E POESIAS GAUCHESCAS

Para poder tecer relações entre estes estilos literários de rica cultura que são a

Literatura de Cordel e a Poesia Gauchesca, é preciso conhecer como se distinguem

e quais suas origens, demonstrando que se confundem com a origem do Brasil.

3.1 CORDEL – DA PENÍNSULA IBÉRICA PARA O BRASIL

Para introduzir a Literatura de Cordel, fazemos uso de um trecho do site da

Academia Brasileira de Literatura de Cordel que resume sua origem:

Na época dos povos conquistadores greco-romanos, fenícios,

cartagineses, saxões, etc, a literatura de cordel já existia, tendo

chegado à Península Ibérica (Portugal e Espanha) por volta do

século XVI. Na Península a literatura de cordel recebeu os nomes de

"pliegos sueltos" (Espanha) e "folhas soltas" ou "volantes" (Portugal).

(<http://www.ablc.com.br> Acesso em: 10 maio 2012)

Segundo Diégues (1986), tem-se atribuído às “folhas volantes” lusitanas a

origem da literatura de cordel. Estas “folhas volantes” ou “folhas soltas” eram

vendidas nas feiras, nas romarias, nas praças ou nas ruas, em Portugal, e nelas

registravam-se fatos históricos ou romances em forma de poesia.

Baltasar Dias foi o grande autor popular português dessa literatura, e o maior

autor português a publicar em folhetos de cordel. Sucessor de Gil Vicente – o

primeiro a publicar sob esta forma algumas peças de teatro - Dias também transitava

no interior da cultura erudita por citar Terêncio, Cícero e Ovídio, e ser familiarizado

com a doutrina católica, ou seja, além de participar da cultura popular mantinha

fortes contatos com o mundo da erudição, revelando-nos que, desde seu início, a

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literatura de cordel é abrangente e democrática, presente em todas as classes

sociais (ABREU, 1999).

Nos séculos seguintes a Baltasar, a literatura de cordel portuguesa desenvolveu-

se e ampliou-se, abrangendo praticamente todos os temas e as mais variadas

formas. Apesar da repressão religiosa a essa literatura no século XVII, que

considerava as apresentações populares “indecentes”, “profanadoras”, “lascivas”,

“desonestas”, a literatura não cessa e refloresce no século XVIII, com enorme

movimento editorial de impressores e tipógrafos dedicando-se à publicação das

peças de teatro em cordel (ABREU, 1999).

O termo “literatura de cordel portuguesa” abarca textos em verso, prosa, de

diversos gêneros, oriundos de várias tradições culturais, reproduzidos e

consumidos por amplas camadas da população. O sucesso dessa fórmula

editorial – divulgação de material impresso a baixos custos – atrai para esse

tipo de publicação os mais diversos textos, destinados ao mais vasto

público. Desta forma, é possível entender o porquê da existência de

gêneros tão variados, autores de praticamente todos os estratos sociais,

traduções das mais variadas línguas, adaptações de autores

eruditos. (ABREU, 1999, p.47)

Devido a esses fatores, também no Brasil houve grande aceitação desta

modalidade, abrindo mercado de venda a editores. Segundo estudos publicados por

Abreu (1999), constam em livros responsáveis pelos registros de todo material

trazido à colônia, ainda no início do século XIX, nomes de autores e obras que

podem ter sido as primeiras leituras, além das Bíblias, em terras brasileiras. Os livros

e cordéis viajavam juntamente com os portugueses que atravessavam o oceano nas

naus colonizadoras, tendo como destino final o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco,

Maranhão e Pará.

Na região nordeste brasileira, a literatura de cordel passou por algumas

modificações em relação à portuguesa, tornando-se mais uniforme. Enquanto em

Portugal essa modalidade contém os mais diversos textos, e na maioria das vezes

não se origina da oralidade, no Nordeste brasileiro ocorre o oposto, pois

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têm grande relevância as cantorias, espetáculos que compreendem a

apresentação de poemas e desafios [...] Não restaram registros dessa

prática nos primeiros séculos da história do Brasil, mas alguma notícia

sobre cantorias oitocentistas foram conservadas... são registros de trechos

de poemas e informações guardados na memória de antigos poetas

entrevistados por folcloristas ou reconstituições feitas em folhetos

relembrando antigas pelejas. (ABREU, 1999 p. 75)

Como iniciador desta arte, consta o nome de Agostinho Nunes da Costa (1797 –

1858); no século XIX foi seguido por vários cantadores, porém Leandro Gomes de

Barros e Francisco Chagas Batista, que não o eram, foram reconhecidos os

pioneiros na impressão de folhetos. Segundo Arievaldo Viana, em seu artigo 90

anos de morte de Leandro Gomes de Barros, alguns dos cordéis mais populares de

Leandro Gomes de Barros são: Donzela Teodora, A Vida de Cancão de Fogo e o

seu Testamento e O Cavalo que Defecava Dinheiro. Este último serviu de

inspiração, juntamente com O Dinheiro, para Ariano Suassuna na criação do Auto da

Compadecida.

3.2 POESIA GAUCHESCA – DE PORTUGAL, ESPANHA E NORDESTE PARA O

RIO GRANDE DO SUL

“Estudar a literatura rio-grandense é, de certo modo, abrir um livro de sociologia”

(CESAR, 2006 p. 34). Ao basearmo-nos nesta crucial citação, notamos a

necessidade de uma breve referência à formação histórica de nosso estado, a qual

encontra-se intrínseca às origens da poesia gauchesca.

As matas desbravadas pala Companhia de Jesus, bem como os extensos

campos e praias, receberam ainda no século XVI, as três principais correntes

humanas formadoras de nossa origem. Conforme Ornellas (1976), ingressaram os

espanhóis com os estandartes cristãos dos jesuítas pelo oeste e sul do estado; pelo

nordeste, os mamelucos de Piratininga e Laguna impelidos à procura dos rebanhos

espanhóis e do índio traficável; pelo litoral, vieram os ilhéus de Açores, para o

arroteamento das terras, visto que encontraram um clima semelhante ao de seu

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arquipélago e terras favoráveis ao cultivo das vinhas e canaviais. Mais tarde

achegaram-se italianos e alemães, que puderam se instalar em algumas das muitas

terras ainda não desbravadas.

Os colonizadores instalados dedicaram-se ao pastoreio, à agricultura, e às

muitas guerras e conflitos rio-grandenses. Criaram núcleos estrangeiros, que devido

à falta de estradas para comunicação com outros locais, escolas ou qualquer outra

assistência do governo, tornaram-se fechados. Em 1820 “havia uma única aula de

Latim, a de Porto Alegre e não havia uma Escola de primeiras letras paga pelo

Estado em toda a Província” (CHAVES, apud CESAR, 2006 p.74). A população

acostumou-se com essa situação, de forma tal que, em meados da Independência, o

analfabetismo era característica de quase todos os habitantes. O florescimento de

uma cultura literária tornou-se difícil nesse contexto, devido a ser marcadamente

urbano, dependendo do conhecimento dos padrões literários importados da Europa.

É difícil dizer desde quando se registraram atividades artísticas por aqui, posto

que antes da implantação da imprensa na cidade de Porto Alegre, em 1827, não há

registro de atividade literária propriamente dita no território continentino (CESAR,

2006), apesar de já existir uma rica literatura oral. Após a instalação da imprensa,

houve um surto de publicações e de circulação jornalística. Gozando de ampla

liberdade de opinião, a imprensa atuou “excitando os ânimos, criando rebeldias onde

havia conformidade, pregando obstinadamente ideais de inspiração republicana,

traduziu menos do que orientou a inquietação gaúcha, a caminho do surto

rebelionário”(CESAR, 2006 p.97).

No entanto, o Rio Grande do Sul não se uniu diante da guerra. Poderíamos

dividi-lo, na época, em quatro grupos nítidos: havia os criadores de gado da região

meridional e pelotense pegando em armas, principalmente, devido a motivos

econômicos; Porto Alegre e região, que repeliu os farrapos, desde o início do

conflito, e permaneceu imperialista até seu final; os imigrantes alemães e seus

filhos, sem vínculos culturais com a terra, estabelecidos às margens dos afluentes

do Guaíba, não se envolveram; assim como os descendentes dos açorianos fixados

no litoral. Essa situação agravou a separação provocada por origem, cultura,

interesses distintos (SCHÜLER, 1987).

A duração da Revolução Farroupilha (1835 – 1845), e sua consequente derrota,

contribuíram para o surgimento do homem gaúcho ideal: livre, heroico, leal. Surgem

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também, os primeiros poetas, tanto na poesia culta, quanto na popular. Inspirados

no ar belicoso e em seus reflexos sentimentais e psicológicos, homens de pouca

instrução – em sua maioria – compunham versos seguindo musas, separados em

duas facções distintas: “republicanos e imperialistas”.

É imperialista, cega, pobre, e mulher numa época patriarcal, a autora do primeiro

livro de versos publicado pela imprensa provinciana, em 1834: Delfina Benigna da

Cunha, além da poesia repulsa aos rebeldes, também criou versos com lirismo e

intimismo. Segundo Guilhermino Cesar (2006, p.111) “o acervo poético da rio-

grandense tem muita ganga impura, mas é justamente aí que se vai encontrar a

verdadeira fisionomia moral da mulher afetuosa e infeliz, flor bizarra de um

acampamento de guerra”.

Delfina é seguida por outra mulher em sua publicação e estilo, Eurídice

Eufrosina de Barandas, que precede Manuel de Araújo Porto Alegre entre outros.

De 1864 a 1870, houve a Guerra do Paraguai, na ocasião, com seu povo já

unido, o Rio Grande do Sul tornava-se novamente campo de batalha e

acampamento. Nesses mesmos anos criou-se a Sociedade Paternon Literário –

primeiro movimento literário representativo do estado – abrindo o ciclo da literatura

gauchesca de forma organizada, com autocrítica. Podemos ler seus principais feitos

listados em Cesar:

Agremiou prosadores, poetas e homens de teatro, dando-lhes oportunidade

de aparecer em conjunto, através de ruidosas afirmações; [...] Instituiu aulas

noturnas gratuitas; [...] bateu-se ardorosamente pela Abolição; [...] procurou

libertar a mulher de certos preconceitos e atraí-la a cultivar o espírito; [...]

criou a sua própria biblioteca e estimulou a formação de outras. Incluiu entre

seus fins a pesquisa biobibliográfica relativa a homens de letras e rio-

grandenses notáveis; [...] levantou o primeiro registro das tradições e lendas

locais. Deu grande ênfase à comemoração de datas nacionais; [...] exerceu

intensa atividade social, promovendo reuniões em que se discutiam as

teses mais diversas (CESAR, 2006 p. 191).

Carlos Von Koseritz, um dos participantes do Paternon Literário, compilou em

1880 várias poesias populares da literatura oral numa coluna do jornal Gazeta de

Porto Alegre; João Cezimbra Jacques publicou Ensaio sobre os Costumes do Rio

Grande do Sul com nova contribuição para a poesia popular em 1883; três anos

mais tarde, Graciano Azambuja inicia publicação em seu Anuário, que se estendeu

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até 1905, aproveitando algumas obras catalogadas por Cezimbra, e, incluindo

músicas como Tatu e Tirana, entre outras novas compilações. Esta coleção foi a

principal fonte de J. Simões Lopes Neto na elaboração do Cancioneiro Guasca

publicado em 1910. Múcio Teixeira e Augusto Meyer também publicaram coleções

de quadrinhas e poesias (MEYER, 1975).

O Cancioneiro Guasca foi reeditado mais duas vezes; Meyer (1959), a respeito

dessa obra e, principalmente à secção de quadras, decantes e desafios , comenta a

respeito das diversas origens de nossa literatura oral, na qual apenas 14% das

setecentas e tantas trovas reunidas teriam sido retemperadas pelo timbre

gauchesco. A maioria seria originária de Portugal e outra parcela do Nordeste,

contando, no entanto, com uma temática e roupagem que não negam a cultura

gaúcha. (MEYER, 1959)

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4 TEMÁTICAS E FORMAS

4.1 POESIAS GAUCHESCAS

Para um melhor entendimento de nossa pesquisa, faz-se necessário esclarecer

algumas diferenças entre poesias gaúchas e gauchescas. Adotaremos o termo

“poesia gaúcha” para toda aquela nascida no Rio Grande do Sul, independente de

temática ou qualquer classificação. “Poesia gauchesca” chamaremos a todas,

pertencentes à “Literatra Gauchesca”, que trata do gaúcho, de suas tradições, de

seu vocabulário regional e mestiço ao espanhol.

Chiappini (In: MARTINS, 2002) comenta a respeito da demora no

reconhecimento da poesia gauchesca como arte literária, pois a relação íntima da

oralidade e escrita criaram formas híbridas que contrariam os cânones da chamada

alta literatura. Contrariam também a sintaxe da Língua Portuguesa, assim como da

Língua Castelhana. A linguagem surgiu no Pampa – território comum a Uruguai,

Argentina e Rio Grande do Sul, desenvolvendo-se, principalmente, neste último.

Na poesia gauchesca, a idealização sobressai-se à reprodução desse mundo.

Trata de tornar visível principalmente os heroísmos ou misérias do gaúcho, seus

costumes, representação da mulher, a relação homem / cavalo, os motivos da

independência, da guerra, da identidade crioula, em oposição ao ser gringo (ROCCA

In: MARTINS 2002)

Rico resultado do contexto histórico e do modo de vida, a poesia gauchesca é a

única modalidade textual, além dos relatos históricos, que celebra os atos heroicos

de 1835. Forjada nos intervalos da guerra para aclamar seus heróis, acalentar seus

guerreiros, sob forma de redondilhas, era acompanhada, muitas vezes, pela viola

em suas declamações. Com o passar do tempo, a viola foi substituída pelo

acordeom e das redondilhas criaram-se formas variadas.

Podemos dividi-la em lírica e épica. À primeira está inserida a maior parcela da

poesia gauchesca, traz como temas principais o monarca das coxilhas, a Guerra dos

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Farrapos, o amor, as coisas do pago - como o cavalo, o cusco, e os costumes

tradicionalistas. À segunda pertencem raros exemplares, iremos, neste trabalho,

comentar especificamente sobre dois: O Tatu, citado por muito tempo apenas como

canção folclórica, referenciado poesia épica por Donaldo Schüler (1987) ao lado do

já famoso Antônio Chimango.

4.1.1 Poesia Lírica

Aproveitamos as palavras de Guilhermino Cesar (2006 p. 42), no tocante à

inspiração temática das primeiras poesias orais às atuais: “A gesta do gaúcho não

foi obra exclusiva dos momentos excepcionais – das guerras externas, das cruentas

lutas fratricidas. Alimentou-se do cotidiano, nos rodeios, nas tropeadas pelas

coxilhas, em trabalhos sempre árduos e perigosos”.

Podemos ver neste trecho da poesia O gaúcho, recolhida por Simões Lopes

Neto (1954), o retrato do mito do gaúcho conhecido nacionalmente:

2 [...] 5. Sou valente como as armas, 6. Sou guapo como um leão! 7. Índio velho sem governo, 8. Minha lei é o coração!

3 9. Quando ato a cola do pingo, 10. E ponho o chapéu do lado, 11. E boto o laço nos tentos!.. 12. Por Deus, que sou respeitado!

4 13. Ser monarca da coxilha, 14. Foi sempre meu galardão 15. E quando alguém me duvida, 16. Descasco logo o facão![...]

(LOPES NETO, 1954 p. 151)

Também encontramos no romance O corsário, de Caldre e Fião, o soneto

contido no capítulo O monarca – provável precursor na divulgação do monarca das

coxilhas, publicado em 1879.

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1 1. Nestes pagos sou muito conhecido 2. Por monarcas de grande opinião. 3. Tenho fama por todo este rincão 4. E por Deos, que sou quebra destimido.

2 5. E se houver algum mais presumido 6. Que apareça este grande quebralhão 7. Que ei de pisotear-lhe no garrão 8. E a rebenque levar esse atrevido.

3 9. Sou monarca e meio abarbarado 10. Se me pisam no ponche já me esquento 11. E saco o meu facão enferrujado.

4 12. E por Deos, que daqui me não ausento 13. Sem deixar um diabo codilhado 14. E também já me corto que nem tento.

(CALDRE E FIÃO, 1979 p. 167)

Esta caracterização do gaúcho presente nesses textos, dentre tantos outros,

enaltece valores de uma sociedade oitocentista, essencialmente pastoril; perpassa

uma altivez, uma superioridade do homem rio-grandense em relação aos demais.

Para ser monarca não importa a ordem social ou econômica, basta ser gaúcho e

defender os ideais de liberdade, independência, lealdade, coragem e bravura.

De acordo com Schüler (1987, p. 47) “O processo de mitificação do gaúcho é

acompanhado pela alteração semântica do termo”. Até meados do século XIX o

gaúcho vivia à margem da sociedade organizada, não respeitando fronteiras

culturais, políticas ou privadas. Praticava o roubo e o contrabando. Vivia em conflito

com estancieiros, até enquadrar-se na ordem da estância tornando-se peão. A partir

deste ponto ocorreu sua mitificação.

A identidade e a forma de construção desse herói devem-se, conforme

Rodrigues (2003), à forte ligação à terra; aos hábitos de pelear, chimarrear ao cair

da tarde ou na madrugada, carnear o gado; às duras lides dos peões; à construção

de um tipo social livre, dominador, estancieiro bravo ou largado meio xucro e viril.

Também podemos ver esses elementos, de forma mais clara, em versos que

falam do amor e enlevo às coisas do pago. Observemos as três estrofes extraídas

do poema Meu rancho, de Jayme Caetano Braun:

3 13. Brinquei com gado de osso,

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14. Na sombra do velho umbu 15. E assim volteando amargo 16. E o churrasco meio cru, 17. Fui crescendo e me orgulhando 18. De ter nascido um xiru!

Vemos nos versos acima alguns costumes e tradições do estado, como brincar

com “gado de osso” (v.13) - quando a criança imagina-se estancieira e os ossos

achados de animais são sua tropa, seu gado; tomar chimarrão e o churrasco mal

passado (v. 15,16). Abaixo, Jayme cita o quero quero (v.32), símbolo rio-grandense.

Encontrado geralmente nos campos, é citado em várias poesias como guardião, pois

além de “avisar” toda vez que alguém se aproxima, também ataca, quando se sente

ameaçado, usando um esporão existente no encontro das asas.

5

25. Na estaca, em frente do Rancho, 26. Dorme o pingo, meu amigo, 27. Companheiro que eu adoro, 28. Prenda guasca que bendiço 29. Pois alegrias e penas 30. Sempre reparte comigo!

6 31. É meu vizinho de porta 32. Um casal de quero-quero, 33. Por isso, embora índio pobre, 34. Bem rico me considero: 35. Tendo china, pingo e cusco 36. Do mundo nada mais quero!

(BRAUN, 2000, p.24)

A quinta estrofe é totalmente dedicada ao cavalo, prenda (prêmio, joia) com a

qual o eu-poético divide a maior parte de sua vida, nas andanças e gauderiadas. E

como qualquer rancho só tem valor ao gaúcho se nele estiver sua amada, vemos

nos versos 35 e 36, a china, ao lado de seu pingo e seu cachorro.

Os dois últimos merecem mais exemplos, devido à grande oferta de poesias

com estes motes. Logo abaixo temos trechos de Meu cusco overo, de Luiz Carlos

Barbosa Lessa e, em seguida, temos Petiço velho (1959) de Aparício Silva Rillo

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1 1. Eu tinha um cusquinho overo 2. quando eu era piazito. 3. Ele era tão bonito, 4. tão bonito que nem sei! 5. É buenacho, companheiro, 6. pois no serviço campeiro 7. era cachorro de lei.

2 8. Onde eu andava, ele junto... 9. Pra arrastar água, passear, 10. buscar as vacas - em tudo - 11. Mosquito sempre ao meu lado 12. num trotezito pulado... 13. -Oh! guaipeca macanudo.

3 14. E peleador que era o cusco!... 15. Um dia peleou solito 16. com os viadeiros do Tito... 17. -Deus do ceu! Virgem Maria! 18. Eu tive só que apartar 19. senão eles iam se matar... 20. mas fugir? ah! não fugia.

11 65. Quase botei uma cruz 66. ali donde ele ficou... 67. mas um peão me alembrô 68. que cruz é só pras pessoa. 69. Ele bem que merecia!... 70. Tinha muito mais valia 71. que muito defunto à-toa!

12 72. Já que cruz não tava certo, 73. fui até uma coronilha, 74. fia ali uma forquilha, 75. e enterrei donde ele estava. 76. Finquei no chão com firmeza 77. pra que ficasse em defesa 78. do cusco que eu tanto amava.

(LESSA, disponível em:<http://www.guapos.com.br/mx/poesias.php>

Acesso em 18 abr. 2012 )

Não copiamos as estrofes 8 e 9 nas quais o autor narra a peleia do animal com

um automóvel e, logicamente, o bicho morre, porque mais nos interessa a descrição

dele e sua relação de companheirismo com o eu-poético. O cusco overo – de

pelagem manchada – apresenta todas as qualidades de um verdadeiro gaúcho (o

monarca das coxilhas), não importa seu tamanho ou raça, ele é leal, não foge do

serviço, muito menos de uma briga com cachorro maior ou com algo desconhecido.

É a família do peão solitário.

Embora o cusco tenha sido comparado implicitamente ao homem, esta

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comparação é muito mais comum em relação ao cavalo. Podemos ver em Meu

petiço velho, o animal como fiel e leal companheiro, da infância do menino à morte

do cavalo baixinho, pois viveu dobrado os anos passados.

Rillo, na estrofe 7, utiliza as iniciais maiúsculas em Califórnia da Vida.

Entendemos califórnia como carreira com mais de dois corredores, então, por

conseguinte, Califórnia da Vida seria a personificação do conceito alegórico da

corrida, luta diária, que todos vivemos – humanos ou cavalos. Na corrida pode haver

prazeres, jogos (v. 5), mas o destino (morte) é o mesmo por mais forte (maceta) ou

leal (taura) que a pessoa (ou cavalo) seja.

PETIÇO VELHO 1

1. Este petiço, 2. veterano aqui da Estância, 3. foi o meu pingo de infância, 4. meu orgulho de guri. 5. Crescemos juntos, 6. nos criamos lado a lado, 7. mas ele contou dobrado 8. os anos que eu já vivi.

2 9. Caramba! 10. está velho o meu petiço. 11. Tem nas pupilas cansadas 12. que olham para o vazio, 13. tristezas de águas paradas 14. de um cotovelo de rio.

3 15. Petiço velho! 16. foi de cima de teu lombo 17. que há muitos anos atrás, 18. caí meu primeiro tombo 19. no meio dos gravatás.

4 20. E enquanto cheio de espinhos 21. me levantava do chão, 22. no teu olhar surpreendido 23. havia um manso pedido 24. de desculpa e de perdão.

5 25. Quanta carreira embrulhada 26. na cancha reta da estrada 27. tu me fizeste ganhar! 28. Quanta tropa de mentira 29. repontei estrada afora 30. te cutucando com a espora 31. nervosa do calcanhar...

6 32. Petiço velho!

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33. tua última carreira 34. pouco a pouco se aproxima, 35. e o piá não vai em cima 36. pra levar-te ao vencedor.

7 37. Não corras muito 38. porque a carreira é perdida... 39. Na Califórnia da Vida 40. onde o destino maneja 41. cancha de osso e carpeta, 42. um peticinho maceta 43. quando se topa com a morte 44. não clava nenhuma sorte 45. por mais taura que ele seja!

(RILLO, 1978 p. 81)

Como principal costume tradicionalista citado nas líricas gauchescas, está o

chimarrão. Jayme Caetano Braun, em Amargo,(1981) utiliza-o como fio condutor,

sangue verde da cultura para percorrer as memórias históricas coletivas

pampeanas.

AMARGO 1

1. Velha infusão gauchesca 2. De topete levantado 3. O porongo requeimado 4. Que te serve de vasilha 5. Tem o feitio da coxilha 6. Por onde o guasca domina, 7. E esse gosto de resina 8. Que não é amargo nem doce 9. É o beijo que desgarrou-se 10. Dos lábios de alguma china!

2 11. A velha bomba prateada 12. Que atrás do cerro desponta 13. Como uma lança de ponta 14. Encravada no repecho 15. Assim jogada ao desleixo 16. Até parece que espera 17. O retorno de algum cuera 18. Esparramado do bando 19. Que decerto anda peleando 20. Nalgum rincão de tapera!

3 21. Velho mate-chimarrão 22. As vezes quando te chupo 23. Eu sinto que me engarupo 24. Bem sobre a anca da história, 25. E repassando a memória 26. Vejo tropilhas de um pêlo

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27. Selvagens em atropelo 28. Entreverados na orgia 29. Dos passes de bruxaria 30. Quando o feiticeiro inculto 31. Rezava o primeiro culto 32. Da pampeana liturgia!

4 33. Nessa lagoa parada 34. Cheia de paus e de espuma 35. Vão cruzando uma, por uma, 36. Antepassadas visões 37. Fandangos e marcações 38. Entreveros e bochinchos 39. Clarinadas e relinchos 40. Por descampados e grotas, 41. E quanto tu te alvorotas 42. No teu ronco anunciador 43. Escuto ao longe o rumor 44. De uma cordeona floreando 45. E o vento norte assobiando 46. Nos flecos do tirador!

5 47. Sangue verde do meu pago 48. Quando o teu gosto me invade 49. Eu sinto necessidade 50. De ver céu e campo aberto 51. E algum mistério por certo 52. Que arrebentando maneias 53. Te faz corcovear nas veias 54. Como se o sangue encarnado 55. Verde tivesse voltado 56. Do curador das peleias!

6 57. Gaudéria essência charrua 58. Do Rio Grande primitivo 59. Chupo mais um, pra o estrivo 60. E campo a fora me largo, 61. Levando o teu gosto amargo 62. Gravado em todo o meu ser, 63. E um dia quando morrer, 64. Deus me conceda esta graça 65. De expirar entre a fumaça 66. Do meu chimarrão querido 67. Porque então irei ungido 68. Com água benta da raça!!! (BRAUN, 1981 p. 27)

O autor inicia o poema com aspectos concretos – a erva, a cuia, a bomba, o

sabor, para, partindo destes elementos, relembrar a história (v. 26-32); os fandangos

(37-40), comparando o ronco do mate ao do acordeom e ao do minuano (v. 41-45).

Na quinta estrofe, a bebida transforma, cura o homem. Na sexta, torna-se unção(v.

67,68).

Na poesia acima, como em muitas outras, a mulher – china - está presente,

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porém, na maioria dessas, a china não passa de uma citação. Resolvemos marcar

esta temática em dois textos: Pra ti guria, de Jayme Caetano Braun (1988) e

Romance do gaúcho velho solito, de Aureliano de Figueiredo Pinto (1959). Ambos

representam uma mulher idealizada: no primeiro, ela é a musa inspiradora a quem é

dedicada uma canção; no outro, aparece como fruto do desejo masculino, como a

complementação de um sonho.

PRA TI GURIA 1

1. Pra ti - xirua clinuda 2. dos ranchos de chão batido, 3. com babados no vestido, 4. na orelha - um galho de arruda, 5. morena - Deus nos acuda, 6. pra quem ama como eu amo, 7. estrela pampa - proclamo, 8. nas horas de nostalgia, 9. Eu te pergunto - guria, 10. porque não vens quando eu chamo?

2 11. Quando abraço esta cordeona 12. é como se te abraçasse, 13. e mesmo que desejasse 14. que tu fosses minha dona 15. e o meu ser se condiciona 16. ao teu carinhoso abraço, 17. chego a sentir um laçaço 18. neste meu corpo franzino, 19. pois - se te perco - imagino 20. que vou perder um pedaço!

3 21. Calandrias e cotovias, 22. as palomas - as torcazas, 23. se alvorotam quando passas 24. murmurando melodias 25. e, ao calor dos meus dias 26. vão se acalmando os relentos 27. e até as guitarras dos ventos 28. se entreveram à cordeona 29. confirmando que és a dona 30. de todos meus sentimentos!

4 31. Vibram todas as escalas 32. nos meus dedos tocadores, 33. rudes acariciadores 34. das tuas tranças bagualas, 35. no chão batido das salas 36. com bárbara bruxaria, 37. e - completando a magia 38. desse teu tranco macio 39. com gosto de pasto e rio 40. eu canto pra ti guria!

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(BRAUN, In: <http://www.guapos.com.br. Acesso em 18 abr. 2012)

A idealização da mulher gaúcha ocorre na primeira estrofe – moça simples, de

longos cabelos, pele morena (v. 1-5), porém geniosa (v. 10). As tranças, e a

graciosidade ao dançar, que são características apresentadas na maioria das

poesias, aparecem na última estrofe (v. 31-39). Ao descrever as qualidades da moça

vai-se comparando e estabelecendo conexões aos elementos campesinos, como os

pássaros (v. 21-26), o vento (v. 27,28), o pasto e o rio (v.39), o chão batido onde

corre o fandango e a declaração de amor (v. 2, 35).

Selecionamos Romance do gaúcho velho solito (1959), poema de Aureliano de

Figueiredo Pinto, no qual um gaúcho constrói sua morada concomitantemente a um

joão de barro e tornam-se vizinhos. No trecho está a continuação desta história:

6 [...] 31. Outubro chegou, trazendo 32. promessas de nova era. 33. Êle avoou longe ... E, na vinda, 34. trouxe uma amiga tão linda 35. dourada de primavera.

7 36. É bicho invejoso o homem! 37. No redomão Polvadera 38. me fui ... ! galope ... teatino ... 39. aventurando o destino 40. para campear companhera.

8 41. Achei... Trouxe ela ... E empecei 42. a aquerenciar minha flor, 43. linda triguera paisana. 44. Mas no olhar de ressolana 45. tinha algo que não engana 46. o tino de um domador ...

9 47. O barrerito amoroso, 48. clareando o dia em verão 49. abria o bico e cantava. 50. Eu com a prenda chimarreava 51. sôbre o recosto do oitão.

10 52. Domei ... Tropiei ... Plantei muito... 53. Juntei plata, ... Mas despois ... 54. Cheguei de viage ... Era um frio ! 55. E achei o rancho vazio! 56. O rancho que eu fiz pra dois [...]

(PINTO, 1997, p. 202)

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Os versos selecionados mostram que o gaúcho foi sugestionado a procurar uma

companheira (estr. 6), como uma peça faltante que ele acha e leva para casa (v. 41).

Apesar da moça aparentar ser perfeita em beleza e no olhar acalentador (v. 43, 44),

ele desconfia de algo (v. 45, 46), e, por fim descobre: esta prenda não nascera para

ser uma Bibiana1

Nossa última temática lírica a ser abordada é a Guerra dos Farrapos, de

fundamental importância por ser a inspiradora pioneira. Retiramos um poema

reunido no Cancioneiro Gaúcho, de Augusto Meyer, sem data de criação,

provavelmente da época da Revolta, tendo em vista seu conteúdo e o modo vívido

como são nos apresentados alguns traços da guerra. Vejamos alguns trechos.

2 5. As pedras vertiam sangue, 6. As árvores davam gemidos, 7. Por verem os patriotas 8. Da sua pátria corridos.

3 9. Não deis guarida aos tiranos, 10. Ó altas serras do norte! 11. Ó brandos campos do sul, 12. A tirania traz morte.

4 13. Quem saudoso ainda suspira 14. Pelo amado cativeiro, 15. Vá servir ao seu senhor: 16. Deixe o solo brasileiro.

5 17. Quando a voz da pátria chama, 18. Devemos obedecer; 19. Na frente cantando o hino: 20. Ou liberdade ou morrer! (MEYER, 1959, p. 155)

Os versos nos são apresentados por um eu-lírico participante do confronto ou

um espectador privilegiado, uma vez que ele sabe pormenores da batalha. Nos

versos 7 e 8 ele pode estar se referindo à prisão de Bento Gonçalves mantido num

forte do mar em Salvador – Bahia. Na terceira estrofe (v.9-12) solicita às regiões

1 Bibiana Terra (personagem do primeiro livro de O tempo e o vento – O Continente de Erico

Verissimo) casa-se com um típico monarca das coxilhas – Rodrigo Cambará, que apesar de amá-la, ama mais a vida errante. Bibiana vive muitos momentos de solidão e angústia na incerteza da chegada do marido.

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menos envolvidas nos confrontos – extremo sul e serras do norte, que não

abriguem, escondam nenhum imperialista. Àqueles que não concordam com o

conflito, satisfeitos com as imposições prejudiciais que a Província vinha sofrendo é

dado recado para que deixem o país (v.13-16). Vemos ainda uma alusão ao hino rio-

grandense, no qual vemos a citação da liberdade e da escravidão – o mesmo que a

morte para um monarca das coxilhas.

[...] Mas não basta pra ser livre Ser forte aguerrido e bravo: Povo que não tem virtude, Acaba por ser escravo.[...]

(LOPES NETO, 1960, p. 122)

De uma perspectiva diferente, Luis Coronel escreveu a poesia Coração

Farroupilha (199?), e, com o olhar de um herdeiro farroupilha, comenta feitos da

época:

CORAÇÃO FARROUPILHA 1. Ninguém doma a esperança 2. liberdade não se encilha. 3. Galopa livre em meu peito 4. um coração farroupilha. 5. Olha a tropa de Lanceiros, 6. pela noite à dentro avança. 7. Sob a luz clara da lua 8. cada estrela é uma lança. 9. Pelos mares da campanha, 10. pelas ondas da coxilha 11. juntas de bois puxam barcos 12. da Esquadra Farroupilha. 13. Pois ao Bento não se prende, 14. não se prende a ventania, 15. nas fortalezas do Rio, 16. nem nos fortes da Bahia. 17. Doze homens contra um 18. não é guerra, é uma guerrilha. 19. Galopa em meu peito 20. um coração Farroupilha! (CORONEL, 2001 p. 11 )

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Podemos identificar uma alusão às tropas e seus guerreiros, de tão nobre

intenção que suas lanças tornam-se estrelas (v.5-8); ao episódio do transporte dos

barcos por 80 km via terrestre (v. 9-12); à prisão de Bento Gonçalves e comparação

dele à ventania, evidentemente devido ao fato de sua tentativa de fuga da fortaleza

de Lage, no Rio de Janeiro e à fuga consumada no forte do mar na Bahia (v.13-16);

à algumas batalhas nas quais os farroupilhas não desistiram mesmo estando em

minoria (v. 17,18). No fechamento do poema, assim como no início, o eu-poético

assume a herança dos guerreiros farrapos.

4.1.2 Poesia épica Gauchesca

O Tatu originalmente classificado como “antiga dança” por Simões Lopes Neto

(1960) ao lado de Tirana, Chimarrita, O Boi Barroso, Balaio, entre outras, é

reclassificado como obra épica por Donaldo Schüler (1987), sendo comparado com

a Ilíada de Homero. É uma composição narrativa versificada, na qual o herói é uma

pessoa simples. Essas narrativas versificadas que abrigam matéria épica são

chamadas de rimances em Portugal ou romances. No Nordeste o romanceiro

popular abriga inúmeras obras, inquestionavelmente em virtude da Literatura de

Cordel, estudada neste trabalho.

Abordaremos também a poesia épica culta Antônio Chimango (1916), inspirada

em Martin Fierro (poesia épica dos gauchos argentinos) nas sextilhas. Ramiro

Barcelos assume o pseudônimo de Amaro Juvenal ao assinar a autoria do texto que

é uma sátira política da época. Todavia sua releitura em nossos dias, em nossa

situação política, não desvaloriza sua essência. Antônio Chimango, similarmente ao

Tatu continua transmitindo sua mensagem, juntamente com um pouco do

sentimento e pensamento original do poeta.

O Tatu seria o mais importante canto popular, o verso inicial - Eu vim para contar

a história - é lugar-comum das epopeias eruditas, “um modo corriqueiro de anunciar

o caso”, no entanto, esse início não é visto em nenhuma outra poesia popular

(MEYER, 1959 p. 199). O reproduziremos aqui seguindo a ordem proposta por

Schüler (1987), dividido em sete momentos:

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Proposição 1 Eu vim pra contar a história Dum Tatu que já morreu, Passando muitos trabalhos Por este mundo de Deus. 2 Ora, pois todos escutem Do Tatu a narração, E, se houver quem saiba mais, Entre também na função. Estribilho: Anda a roda, o tatu é teu; voltinha no meio, o tatu é meu. Caracterização do Tatu 1 O Tatu foi homem pobre Que apenas teve de seu Um balandrau muito velho Que o defunto pai lhe deu. 2 O Tatu é bicho manso, Não pode morder ninguém, Inda que queira morder, O Tatu dentes não tem. 3 O Tatu não calça meia Porque tem o pé rachado, Tem a cintura de moça E os olhos de namorado. 4 Meu Tatu de rabo mole, Meu guisado sem gordura, Eu não gasto meu dinheiro Com moça sem formosura. 5 O Tatu de rabo mole faz guisado sem gordura, ele é feio, mas gostoso, só lhe falta compostura 6 O Tatu é bicho manso, Nunca mordeu a ninguém, Só deu uma dentadinha Na perninha do seu bem Ação do Tatu no pago 1 O Tatu saiu do mato, Vestidinho, preparado, Parecia um capitão De camisa de babado. 2

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O Tatu saiu do mato, Procurando mantimento; Caiu numa cachorrada Que o levou cortando vento. 3 O Tatu é bicho chato, Rasteiro, toca no chão; Inda mais rasteiro fica Quando vai roubar feijão. 4 O Tatu me foi à roça, Toda a roça me comeu; Plante roça quem quiser, Que o Tatu quero ser eu. Estribilho: Anda a roda, o tatu é teu; voltinha no meio, o tatu é meu. Partida e ação do Tatu longe do pago 1 Depois de muito corrido Nos pagos em que nasceu, O Tatu alçou o ponche, Pra outras bandas se moveu. 2 O Tatu foi encontrado No passo do Jacuí, Trazendo muitos ofícios Para o general Davi. 3 O Tatu foi encontrado Lá nos cerros de Bagé, De laço e bolas nos tentos, Atrás de um boi jaguané. 4 O Tatu foi encontrado No cerro de Batovi, Roendo as unhas de fome, Ninguém me contou, eu vi. 5 O Tatu foi encontrado Pras bandas de São Sepé, Mui aflito e muito pobre, De freio na mão, a pé. 6 O Tatu foi encontrado Na serra de Canguçu, Mais triste do que um socó E sujo como urubu. 7 O Tatu depois foi visto No cerro de Viamão, Com seu lacinho nos tentos, Repassando um redomão.

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8 Eu vi o Tatu montado no seu cavalo picaço, de bolas de tirador, de faca, rebenque e laço. 9 Aonde vai, senhor Tatu, em tamanha galopada? Vou para Cima da Serra, dançar a polca-mancada. 10 O Tatu subiu a Serra, no seu cavalo alazão, de barbicacho na orelha, repassando um redomão. 11 O Tatu subiu a Serra com fama de laçador; bota laço, tira laço, bota pealos de amor. 12 O Tatu subiu a Serra pra serrar um tabuado, levou mala de farinha, e um porongo de melado. 13 O Tatu subiu a Serra à força de mocotó, caminhou cinqüenta léguas, pra ver se achava ouro em pó. 14 O Tatu subiu a Serra com ganas de beber vinho; apertaram-lhe a garganta, vomitou pelo focinho. 15 O Tatu foi muito ativo pra sua vida buscar; batia casco na estrada, mas nunca pode ajuntar. 16 Depois de muita folia em que o tatu se meteu, deram-lhe muito guascaço e o Tatu ensandeceu. Retorno do Tatu doente ao lar e cuidados recebidos 1 E logo desceu pra baixo, mui triste da sua vida, com a casca toda riscada, de orelha murcha, caída. Estribilho: Anda a roda, o tatu é teu; voltinha no meio, o tatu é meu.

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2 Ao chegar à sua casa, o Tatu vinha contente, por ver a sua Tatua e quem mais era parente. 3 - Minha comadre Tatua, adeus, como tem passado? - Tenho passado mui bem, porém com algum cuidado. 4 Tatua, minha Tatua, Acuda, senão eu morro! Venho todo lastimado das dentadas de um cachorro. 5 Dei graças a Deus achar uma toca já deixada, pois que vinha um caçador com uma grande cachorrada. 6 Se quiser curar, me cure, não lhe faltando a vontade, que senão eu vou-me embora lá pra casa da comadre. 7 Até chegar nesta idade, remédio nunca tomei; Tatua, estou mui doente, faz remédio, eu tomarei. 8 Ela deu folhas de umbu com raiz de pessegueiro, mas, coitado do Tatu, morreu ainda mais ligeiro! Morte e enterro do Tatu A Tatua e os tatuzinhos puseram a cavoucar, pra fazer a funda cova, pra o seu Tatu enterrar. A viuvez da Tatua 1 A Tatua está viúva, o seu Tatu já morreu; Ela agora quer marido travesso, como era o seu. 2 A Tatua está mitrada, quer marido doutro jeito, que não viva longe dela, seja um Tatu de respeito. 3 E, se alguns dos meus senhores, quer ser Tatu preferido, a Tatua está viúva: é só fazer seu pedido...

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Estribilho: Anda a roda, o tatu é teu; voltinha no meio, o tatu é meu. (SCHÜLER, 1987, p.17)

Ao comparar o poema acima com a Ilíada, Schüler (1987) não deixa de notar a

falta de acabamento artístico em O Tatu, porém, ambas as poesias formaram-se em

torno de um núcleo central, repassadas de gerações em gerações. A diferença está

no trabalho de Homero para finalizar a epopeia grega, enquanto em nossa, este

trabalho ainda não foi realizado. Levar o Tatu ao desenvolvimento de Martin Fierro –

que nos é mais próximo e com enredo análogo, não teria exigido esforço

excepcional.

Observemos cada momento: 1. A proposição é a apresentação do Tatu – nome

do herói, já morto; 2. A caracterização do Tatu nos revela um herói manso, muito

pobre, pois de roupa só tem um balandrau herdado do pai; 3. Ação do Tatu no pago:

ele sai de sua casa à procura de alimentos, veste-se bem para isso, mas não

engana ninguém, ao tentar roubar é pego pelos cachorros; 4. Partida e ação do Tatu

longe do pago: ele vai à procura de um sustento, um paradeiro fixo talvez, passando

por todas as regiões gaúchas tudo o que encontra é muito “guascaço” e ele

enlouquece; 5. Retorno do Tatu doente ao lar e cuidados recebidos: o Tatu,

malogrado, ferido volta ao lar procurando cura. Se a Tatua lhe administra remédio ou

veneno não há certeza; 6. A morte e o enterro do Tatu: nosso herói ou anti-herói não

recebe muitos cuidados ou cerimônias, é simplesmente enterrado; 7. Viuvez da

Tatua: cansada de um marido aventureiro a viúva procura alguém que lhe proteja e

lhe faça companhia.

Schüler revela um traço quixotesco no Tatu: no terceiro momento luta contra

forças titânicas que o superam, não são necessárias munições ou grandes forças

para detê-lo, cachorros já bastam. A loucura também abate o Tatu como em D.

Quixote. “Louco é quem forçada ou involuntariamente vive à margem do sistema.

Parece que este é o único sinal permanente da loucura” (SCHÜLER, 1987, p. 24)

Bem distante das origens do Tatu está o nascimento de Antônio Chimango em

1916. No qual, Ramiro Barcelos projeta sua linguagem para o narrador Amaro

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Juvenal contar o trabalho árduo e cheio de perigos de seu personagem Lautério, um

peão que nos descansos da tropeada narra a história de um estancieiro chamado

Antônio Chimango. É uma narrativa dentro de outra narrativa.

A narração de Lautério acontece em cinco rondas, normalmente denominar-se-

iam cantos; mas, como comenta Schüler(1987), canto lembra ócio, lazer, e esses

personagens estão em meio ao trabalho. Durante uma tropeada – condução de bois,

a ronda é o momento de descanso de bois e tropeiros, embora os tropeiros precisem

estar atentos a tudo, pois qualquer barulho pode provocar o estouro da boiada.

Interessante observarmos que o protagonista, assim como o Tatu opõe-se

rigidez estereotípica descritiva do monarca das coxilhas. Antônio Chimango,

segundo Martins (1980 p. 78), “é o típico antigaúcho, foge às bravas façanhas e

desponta com uma trejeitória de magro e mesquinho”. Observemos o trecho no qual

Lautério narra o nascimento de Antônio:

12 Veio ao mundo tão flaquito, tão esmirrado e chochinho que, ao finado seu padrinho, disse espantada a comadre: “Virgem do céu, Santo Padre! Isso é gente ou passarinho? 15 Saiu roxinho de frio, ansim meio encarangado, como um pintinho pesteado sai debaixo da goteira: E o embrulhou a parteira nuns paninhos de riscado.

Nem gente se parecia! Outras descrições iniciais da infância de Chimango, vão

revelando, aos poucos, alguns traços de sua personalidade inata: “Foi aprendendo

bem cedo / que, quem tem doce pra dar, / fica logo popular [...] inda aos três anos

mamava [...] pra dar um passo ou subir / era só por mão alheia. [...] foi crescendo

aos bocadinhos / cheio de manha e lombrigas” (JUVENAL, 1998, p. 15-29). Aos

poucos o matuto enreda seu padrinho e estancieiro “como o caruncho, / que penetra

num pau duro, / abrindo aos poucos o furo / no bem-querer do padrinho”, para, após

a morte do velho, astutamente comandar a estância de S. Pedro – cabe ressaltar,

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antigo nome do Rio Grande do Sul, até sua ruína.

Outro componente citado por Schüler (1986) e Martins (1980) é a cuidadosa

escolha de nomes feita por Ramiro Barcellos; Amaro vem de amarus (amargo),

Juvenal vem de juvenillis (juvenil): a alegria e insolência juvenil junta-se à amargura

provocada por injustas manobras políticas. Antônio vem de Antônio Augusto Borges

de Medeiros e Chimango vem de Mivalgo Chimango (ave de rapina do gênero

carcará). Além disso, há outras referências contextuais explicitadas também no livro

de Luis Augusto Fischer Amaro Juvenal (1989), que não evocaremos, pois nossa

intenção é a aproximação das Literaturas Gauchesca e de Cordel.

Cabe ressaltar então, as sextilhas componentes da estrutura desse poema, o

que muito se assemelha à composição dos cordéis.

4.2. LITERATURA DE CORDEL

No início, as obras de Literatura de Cordel eram divulgadas nos serões de

família, à noite, sem eletricidade, à luz de um candeeiro, sendo que o alfabetizado

da família lia para os demais as poesias, novelas e histórias. A partir da década de

50, a televisão passou a ser o motivo das reuniões familiares. O cordel deixou de ser

vendido para a reunião familiar e passou para leitura individual com o aumento de

alfabetizados. Isso também alterou o enfoque da literatura, adicionando o cordel

informativo, com temas atuais.

Atualmente, a literatura de cordel é escrita em composições que vão desde os

versos de quatro ou cinco sílabas ao grande alexandrino de doze sílabas poéticas

com tônicas na 6ª e 12ª sílabas. Os textos dos autores contemporâneos,

apresentam um cuidado especial com a uniformização ortográfica, com o primor das

rimas, com a beleza rítmica e com a preciosidade sonora

(<http://www.ablc.com.br>).

Definimos de forma sintética a variada temática do cordel, pois entendemos que

os demais assuntos podem encaixar-se nos temas:

a) Temas tradicionais: romances, novelas, contos maravilhosos, anti-heróis,

histórias de animais;

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b) Fatos circunstanciais ou acontecidos: crítica e sátira, religioso ou moral, político,

de natureza física;

c) Pelejas e Cangaço.

4.2.1 Temas Tradicionais

Os romanceiros mais tradicionais reproduzidos em cordel são os de Carlos

Magno, os Doze Pares da França, Oliveiros, Joana d'Arc, Malasartes, história de

princesas e reis, As mil e uma noites, A donzela Teodora, O boi misterioso, O pavão

misterioso, entre outros.

Escolhemos como primeiro a ser aqui destacado, História da Donzela Theodora,

de Leandro Gomes de Barros, esta é uma das poucas histórias publicadas

anteriormente a 1930, possui marcante influência ibérica e vários estudos literários

publicados. A versão editada por João Martins de Athayde em 1947 narra a história

da donzela comprada por um mercador húngaro, que a reconhecendo como fidalga

O mercador por ser rico mandou-a loco embarcar, para o colegio de França as ciências estudar e gastou um dinheirão, para ela se educar. Quando a donzela voltou dos seus estudos, dizia, que música e pintura Botânica e Astronomia Philosophia e Gramática as sete artes sabia. (BARROS, 1947 p. 1)

O mercador tinha grande orgulho de Theodora, pois, além de ser linda, seus

conhecimentos eram tantos que “até os Sabios da Grecia, / não lhe podiam passar”.

Mas como as cousas do mundo

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são incertas e duvidosas, o mercador vem cair em condições horrorosas, em um só dia perdeu fazendas, joias custosas. (BARROS, 1947 p. 3)

A donzela orienta seu dono a vendê-la ao rei Almançor pedindo uma alta soma

em dinheiro. O rei quis entender o motivo de tão alta valia para uma escrava e

mandou vir três sábios para conversar com Theodora. O poeta popular trabalha 19

páginas do folheto com as perguntas formuladas pelos sábios e adivinhações

respondidas por ela. Algumas se tornaram populares como esta:

Sabio – Qual a cousa mais ligeira do que a seta e o corcel? Qual a cousa neste mundo mais amarga do que o fel? O que foi que Deus criou mais doce do que o mel? Theodora – Mais ligeiro é o pensamento disse ela em voz firmada, - mais amargo do que o fel, a filha ingrata e malvada e mais doce do que o mel, a nossa mãe adorada. (BARROS, 1947 p. 20)

Após desconcertar três sábios com suas respostas, a donzela sai livre do palácio

com muito mais dinheiro que seu senhor havia pedido.

Traremos agora O boi misterioso (1912), de Leandro Gomes de Barros, ótimo

exemplar do “ciclo do gado” na literatura de cordel, termo empregado por Câmara

Cascudo para designar um tema constante em 40 versões diferentes de 28

romances catalogados de acordo com Bráulio do Nascimento (In: DIEGUES, 1986),

inclui-se neste catálogo o Boi Barroso na versão gaúcha de Simões Lopes Neto.

O boi misterioso pertence às histórias de animais e aos contos maravilhosos.

Conta a história de um boi nascido da vaca “Misteriosa”, ela herdara esse nome

devido a um estranho fato presenciado por um vaqueiro à meia noite em ponto:

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67. Disse o vaqueiro: eu estava 68. em cima de um arvoredo, 69. quando chegou esta vaca, 70. que me causou até medo 71. depois chegaram dois vultos, 72. e ali houve um segredo

73. O vaqueiro viu que os vultos 74. eram de duas mulheres, 75. uma delas disse à vaca: 76. partes por onde quiseres 77. eu protegerei a ti 78. e o filho que tiveres.

79. Ali o vaqueiro viu 80. um touro preto chegar, 81. então disseram os vultos: 82. - são horas de regressar 83. Disse o touro: montem em mim 84. Que o galo já vai cantar.

91. Ele viu elas montarem-se 92. viu quando o touro saiu, 93. a vaca ajoelhou 94. e atrás delas seguiu 95. ............................... 96. .............................. (BARROS, 1948, p. 486)

O bezerro nasceu no dia vinte e quatro de agosto, “data esta receiosa, / que é

quando o diabo pode / soltar-se e dar um prosa” (BARROS, 1948, p. 488), preto

como carvão e grande. Quando tinha um ano e meio sumiu-se com a vaca

Misteriosa, reaparecendo uns cinco anos mais tarde. Vaqueiros e cavalos de todos

os cantos e tipos tentaram capturá-lo sem sucesso, até que surge um vaqueiro

montando um cavalo do qual os outros cavalos temiam, mais preto “do que uma

noite escura / [...] tinha os olhos cor de brasa / os cascos como um formão”

(BARROS, 1948, p.506); acompanhado por cinquenta e nove vaqueiros, foram em

busca do boi fujão. Ao avistarem-no

1255. Tratou o boi de correr 1256. e subiu logo um oiteiro, 1257. por lugar que era impossível 1258. subir nele um cavaleiro 1259. de cinquenta e nove homens, 1260. só foi lá o tal vaqueiro.

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1279. ............................. 1280. ............................ 1281. o cavalo do caboclo 1282. fogo das ventas deitava 1283. dava sopros na campina, 1284. que tudo ali se assombrava. 1309. Tudo ali observou 1310. o caso como se deu, 1311. dizem que a terra se abriu 1312. e o campo estremeceu 1313. pela abertura da terra 1314. viram quando o boi desceu. 1315. Voltaram todos os vaqueiros 1316. coronel constrangido, 1317. pelo boi e o tal vaqueiro 1318. terem desaparecido 1319. sem ninguém ali saber, 1320. como tinha sucedido. (BARROS, 1948, p. 507)

A descrição das perseguições ao boi toma maior parte dos 1333 versos. Não

obstante, podemos perceber características da vida sertaneja da época, incluindo

uma típica festa de São João, na qual se percebe a divisão social “Três classes ali

dançavam / em redobrada alegria, / no salão da casa grande / os lordes da freguesia

/ em latada de capim, / a classe pobre que havia” (BARROS, 1948, p. 500); a

descrição se estende dos versos 1027 a 1068. Quanto á forma, assim como em A

donzela Theodora, está todo escrito em sextilhas.

4.2.2 Fatos circunstanciais ou acontecidos

Folhetos de fatos circunstanciais tiveram seu auge anterior à década de 50;

circulavam concomitantemente aos jornais, chegando antes até, a algumas

localidades, virou certificado de credibilidade às informações transmitidas. Conforme

transcrição de entrevista com Gonçalo Ferreira da Silva – reconhecido cordelista

(apud RESENDE, 2007), as pessoas não acreditavam no que o jornal noticiava, ele

cita como exemplo a morte do cangaceiro corisco em 1940: a notícia trazida pelo

jornal foi ratificada alguns dias depois pelo folheto de Moisés Matias de Moura.

Embora o número de produções nesse estilo de cordel tenha diminuído,

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encontramos um número considerável, inspirados em fatos recentes, o falecimento

de Chico Xavier é tema de Gonçalo Ferreira da Silva em Chico Xavier: o maior

médium do mundo morre nos braços do povo, um cordel de oito folhas contando a

espera de Chico à morte, o dia fatal – como ele havia previsto, e a comoção da

multidão que lotou seu funeral.

Em entrevista, o cordelista Antonio Vieira afirma que ao “cordel remoçado” cabe

retratar fatos históricos que escapam da história e da literatura “oficial”, os seus

cordéis ultrapassam a história contada com a peculiaridade de cada um dos seus

personagens (VIEIRA, 2004).

Conforme Junqueira (2011), no cordel A Peleja da Ciência com a Sabedoria

Popular, de Antônio Vieira (2002), propõe a conciliação entre as duas e que as

rivalidades não promovam a exclusão de nenhuma delas: “As duas se completam/

Se equivalem também/ Quando uma está ausente/ Quem procura a outra tem/ Uma

sempre anda na frente/ Sabendo que a outra vem”. Também escreve a respeito da

dicotomia poesia X poesia popular mostrando o valor da poesia popular e

parafraseando um comentário de Carlos Drummond de Andrade em 1966:

S.P: Carlos Drummond de Andrade Em setenta e seis dizia Quando elegeram Olavo Bilac O príncipe da poesia Que aquela homenagem A Leandro caberia. S.P: Por isso disse Drummond Jurados mal informados Não conheciam o Nordeste Nem o seu poeta afamado Ficaram restritos ao Rio Como se todo Brasil Fosse ali representado. ( VIEIRA, apud. JUNQUEIRA, 2011 p. 8).

Vieira introduz uma espécie de metalinguística em seus versos, diminuindo a

dicotomia citada:

S.P: O poeta popular

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Pode até cometer gafes De pronuncia e de acento Esquecer algumas partes Mas mesmo sem gramática Inda faz obra de arte (...) C: (...) Mas voltando a falar De nossa antiga disputa Confesso não ter base Da poesia matuta Minha praia são poemas Da literatura culta. S.P: A poesia é uma só Não se pode separar Viajou num só mocó Quando veio para cá o poeta brasileiro Não custou assimilar. C: (...) Literatura de Cordel É poesia marginal Mercadoria de feira Em português informal Não queira você aqui Dizer que ela é a tal!... S.P: Pode até não parecer E você achar que é troça Porquanto o cordelista Normalmente vem da roça Mas acredite, você O cordel que o povo lê É oriundo da Europa. (VIEIRA, apud JUNQUEIRA, 2011 p. 8).

Nesta amostra, que infelizmente não encontramos em material original para

análise, consta a origem da Literatura de Cordel, o que corrobora na afirmação de

seu valor como obra literária.

4.2.3 Pelejas e Cangaço

“A peleja, às vezes chamada de desafio, é um aspecto da cantoria, isto é,

quando dois cantadores se encontram e vão revelar, então, seus conhecimentos

através de sextilhas, martelos, décimas, martelos agalopados, etc.” (DIÉGUES,

1986, p.162). Existem inúmeras pelejas famosas, de origem oral, posteriormente

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registradas. Uma das mais famosas é a entre Aderaldo e Zé Pretinho, encontramos

um exemplar online de autoria de João Martins de Ataíde, no entanto, a peleja

original data 1946 ou anterior, cuja autoria é de Firmino Teixeira do Amaral. Apesar

do preconceito presente na obra, tornou-se famosa devido ao trava-língua constante

já no final da peleja:

C – Amigo José Pretinho Eu nem sei o que será De você depois da luta Você vencido já está Quem a paca cara compra Paca cara pagará. P – Cego, estou apertado Que só um pinto no ovo Estás cantando aprumado E satisfazendo o povo Mas, esse termo de paca Faz favor, diga de novo! C- Digo uma e digo dez No cantar não tenho pompa Presentemente não acho Quem o meu mapa rompa Paca cara pagará Quem a paca cara compra P- Cego, teu peito é de aço Foi bom ferreiro que fez Pensei que o cego não tinha No verso tal rapidez Cego, se não for massada Repita a paca outra vez C- Arre com tanta pergunta deste negro capivara Não há quem cuspa pra cima Que não lhe caia na cara – Quem a paca cara compra Pagará a paca cara P- Agora cego me ouça Cantarei a paca já Tema assim é um borrego No bico de um carcará Quem a cara cara compra Caca caca Cacará (ATAÍDE, 1955 p. 14,15)

Zé pretinho é vaiado, e perde a peleja.

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Encontramos várias pelejas relacionadas ao Cangaço, um dos temas mais

comentados em cordel. Seus personagens principais são Antônio Silvino e Lampião.

Narrando fatos, disputas, amores e mortes dos mesmos. Um folheto de José

Pacheco intitulado A chegada de Lampião no Inferno, do qual retiramos alguns

versos:

Vamos tratar na chegada quando Lampião bateu um moleque ainda moço no portão apareceu: Quem é você, cavalheiro? Moleque, eu sou cangaceiro: Lampião lhe respondeu. - Moleque não, sou vigia! não sou seu parceiro e você aqui não entra sem dizer quem é o primeiro - Moleque, abra o portão saiba que sou Lampião assombro do mundo inteiro (PACHECO, 2007, p. 2)

A arrogância de Lampião continua após sua morte, e a censura às suas

perversidades cometidas em vida vem de ninguém menos que o próprio Satanás:

O vigia foi e disse e satanás no salão: saiba a vossa senhoria que aí chegou Lampião dizendo que quer entrar e eu vim lhe perguntar se dou-lhe ingresso ou não. - Não senhor, satanás disse vá dizer que vá embora só me chega gente ruim eu ando muito caipora! eu já estou com vontade de botar mais da metade dos que tem aqui pra fora. - Lampião é um bandido ladrão da honestidade só vem desmoralizar a nossa propriedade

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e eu não vou procurar sarna pra me coçar sem haver necessidade. (PACHECO, 2007, p. 4)

Reúne-se toda a tropa do inferno para expulsar Lampião, a briga é ferrenha,

terminando com o incêndio do inferno. Pacheco encerra o cordel com as

lamentações de Satanás e, assinalando

Leitores, vou terminar tratando de Lampião muito embora que não possa vou dar a explicação no inferno não ficou no céu também não entrou por certo está no sertão. (PACHECO, 2007, p. 8)

A religiosidade e crendice estão presentes neste, assim como na maioria de

outros folhetos.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos observar com este estudo, várias semelhanças entre a Literatura de

Cordel e a Poesia Gauchesca, desde sua origem Ibérica comum, até hoje.

Corroborando a máxima de que a verdadeira literatura, ainda que regional ou

popular, carrega aspectos universais, passíveis de serem absorvidos pelo leitor

indiferentemente de onde viva.

Ademais, as semelhanças não param na origem, alguns assuntos são comuns,

como a valorização e presença de animais, o cavalo, por exemplo, estabelece forte

ligação com as personagens - laborativa ou afetiva; o boi não só é o motivo do

trabalho, tanto do tropeiro quanto do vaqueiro, como também representa a liberdade

do monarca tropeiro e do boi incapturável pelos perseguidores.

Vimos muitas similaridades técnicas, a musicalidade, por exemplo, faz-se

presente em todas as poesias e cordéis analisados. O ritmo empregado pelas

redondilhas maiores e menores

facilita a memorização e declamação de ambas. Em O Tatu, as estrofes de quatro

versos e sete sílabas remontam cordéis mais antigos precursores da sextilha,

metrificação mais utilizada na poesia popular nordestina atual e em poesias

gauchescas. Jaime Caetano Braun, Luiz Coronel, assim como outros, a trazem bem

presentes.

O romanceiro nordestino, além de ser origem de algumas trovas gauchescas

assemelha-se, quanto à forma e conteúdo de fundo épico, às nossas poesias

épicas, que, embora raras, possuem um conteúdo que transcende as linhas escritas

e o tempo passado. Aureliano de Figueiredo Pinto escreveu alguns rimances em seu

livro Romances de estância e querência: marcas do tempo, do qual, podemos citar

Romance do tropeiro doido como um bom exemplo de conteúdo épico. Seria um

enorme ganho para nossa literatura se, alguns de nossos cantadores do sul, da

bela, mas pesada, poesia lírica gauchesca, entre tantos que vemos surgindo,

aproveitassem esse mote.

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O problema está em conseguir fugir da temática monarca das coxilhas. “Ela

destrói o homem concreto, por esconder os sinais da marginalidade, das privações,

da miséria. Esta é a marca da sua desumanidade. Escondendo o homem real,

encobre também o mundo”.(SCHÜLER, 1987, p. 48) Encobrindo homem e mundo

não há épico.

Enquanto o cordel continua vivo com inúmeros projetos em escolas e divulgação

em sites literários, a nossa poesia possui, vergonhosamente, pouca disponibilidade

de livros em bibliotecas, ou sites que indiquem a referência das poesias. Faz-se

necessária uma inspiração no cordel nordestino, valorizando nossas raízes, tão

rasteiras ainda, e já desvalorizadas, para, a partir delas seguir regando nossas

árvores e colhendo seus frutos.

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REFERÊNCIAS

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