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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS CURSO DE JORNALISMO LUCAS RIBEIRO CAETANO DIREITA E ESQUERDA NOS ENQUADRAMENTOS DOS PROTAGONISMOS DE ALCKMIN E HADDAD PELA FOLHA DE S.PAULO SÃO PAULO 2º SEMESTRE / 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

CURSO DE JORNALISMO

LUCAS RIBEIRO CAETANO

DIREITA E ESQUERDA NOS ENQUADRAMENTOS DOS PROTAGONISMOS DE

ALCKMIN E HADDAD PELA FOLHA DE S.PAULO

SÃO PAULO

2º SEMESTRE / 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

CURSO DE JORNALISMO

LUCAS RIBEIRO CAETANO

DIREITA E ESQUERDA NOS ENQUADRAMENTOS DOS PROTAGONISMOS DE

ALCKMIN E HADDAD PELA FOLHA DE S.PAULO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro

de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana

Mackenzie para obtenção do Título de Bacharel em

Jornalismo, sob orientação do Professor Marcelo Lopes

ORIENTADOR: Prof. Ms. Marcelo Lopes

SÃO PAULO

2º SEMESTRE / 2016

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Dedicatória

Dedico esta monografia aos meus pais, Concesso Fernando Caetano dos Santos e Ana Lúcia

Marques Ribeiro Caetano, além de meus avós maternos, Pio Alves Ribeiro e Marilda

Marques Ribeiro, e minha avó paterna, Lacy Caetano dos Santos. A liberdade e o apoio dados

por eles foram - e são - essenciais para a nutrição do meu gosto pelo jornalismo.

Este trabalho também é uma lembrança ao meu finado padrinho, Luís Fernando Marques

Ribeiro, que certamente acompanharia todo o seu desenvolvimento.

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Agradecimentos

Agradeço ao meu orientador, professor Marcelo Lopes, por sua ajuda e, sobretudo, por sua

amizade, fruto do entrosamento adquirido ao longo de nossas reuniões.

Menciono também a professora Denise Paiero, cujas sugestões foram essenciais para a

pesquisa em sua fase embrionária.

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Epígrafe

Nada restará de nossos corações. Cada uma de nossas partículas retornará a seu elemento.

Mas nossas palavras traçaram um rastro, vibraram no ar, tocaram a outros. E o que vibra

segue seu caminho, incita, se recarrega, se multiplica, cresce e continua. Transforma-se.

Somente ouvido irá se transformar. O destino da palavra é se desintegrar quando chega a tocar

o que é mais sólido do que ela: a carne. Ao se desintegrar como se desintegra qualquer signo

apenas cumpre sua incumbência, isto é, ao mostrar aquilo a que se dirige. Porém, de novo, a

palavra, felizmente, é mais do que um signo: é uma força viva que se desfaz quando alcança a

matéria que há de lhe dar nova forma. A palavra se encarna, seu destino é encarnar-se.

Jorge Larrosa (2014)

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Resumo

Esta monografia tem como objetivo propor uma reflexão a partir da conduta do jornal Folha

de S.Paulo em relação a temas envolvendo o governador do Estado, Geraldo Alckmin

(PSDB), e o então prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT). Por meio do acervo

digital do veículo, analisou-se um total de 236 notícias buscando detectar como o jornal

enquadra os conceitos de esquerda e direita em sua cobertura. A pesquisa explorou os

significados dos termos desde sua origem, passando pelas alterações sofridas ao longo da

história até chegar à atualidade. Também foram traçadas características da imprensa como um

todo, realçando aspectos de sua cultura profissional. A opção por Haddad e Alckmin se deu

pelo fato de cada um fazer parte de legendas tidas como antagônicas dentro do espectro

político, um cenário bipolar que alimenta e é alimentado por toda a comunidade jornalística,

não necessariamente via separação por direita e esquerda no sentido estrito, mas, sobretudo,

em função da montagem de um campo de jogo no qual se enfrentam duas equipes. Este

trabalho destaca uma cultura profissional, baseada em concepções pré-moldadas, que muitas

vezes coloca em xeque alguns preceitos fundamentais do jornalismo.

Palavras-chave: Jornalismo político; Enquadramentos noticiosos; Política brasileira;

Noticiabilidade; Folha de S.Paulo

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Abstract

This monograph aims to propose a reflection based on the conduct of the newspaper Folha de

S.Paulo in relation to issues involving the state governor, Geraldo Alckmin (PSDB), and the

then mayor of the capital of São Paulo, Fernando Haddad (PT). Through the digital collection

of the vehicle, a total of 236 news items were analyzed in order to detect how the newspaper

fits the concepts of left and right in its coverage. The research explored the meanings of the

terms from its origin, through the changes undergone throughout until reaching the present

time. Characteristics of the press as a whole were also drawn, emphasizing aspects of their

professional culture. The choice of Haddad and Alckmin was due to the fact that each one is

part of subtitles that are considered antagonistic within the political spectrum, a bipolar

scenario that feeds and is fed by the entire journalistic community, not necessarily via right

and left separation in the strict sense, but above all because of the setting up of a field of play

in which two teams face each other. This work highlights a professional culture, based on

preformed conceptions, which often puts in check some fundamental precepts of journalism.

Keyords: Politicial journalism; News frames; Brazillian politics; Newsworthy; Folha de

S.Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1: DIREITA E ESQUERDA.......................................................................... 14

CAPÍTULO 2: PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL................................................... 20

2.1 PT E PSDB NO BRASIL................................................................................................. 22

2.2 PT E PSDB EM SÃO PAULO......................................................................................... 26

CAPÍTULO 3: IMPRENSA................................................................................................. 28

3.1 ENQUADRAMENTOS.................................................................................................... 35

CAPÍTULO 4: EXPERIÊNCIA COMO ALTERNATIVA............................................. 42

CAPÍTULO 5: HISTÓRICO DO JORNAL “FOLHA DE S.PAULO”........................... 46

CAPÍTULO 6: METOGOLOGIA....................................................................................... 51

CAPÍTULO 7: ANÁLISE DAS REPORTAGENS........................................................... 56

7.1 CRISE DA ÁGUA ........................................................................................................... 58

7.2 OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS ........................................................................................ 69

7.3 CICLOVIAS E FECHAMENTO DE AVENIDAS ........................................................ 80

7.4 REDUÇÃO DA VELOCIDADE NAS VIAS ............................................................. 90

7.5 JORNADAS DE JUNHO 2013 ................................................................................ 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 116

REFERÊNCIAS DA INTERNET............................................................................... 118

APÊNDICE – BASE DE DADOS PARA ANÁLISE .................................................. 120

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Introdução

Os termos “direita” e “esquerda” são vistos há tempos como espécies de pontos cardeais para

o comportamento, a análise e a compreensão do cenário social, político e econômico de

determinado objeto. Suas origens se dão no período da Revolução Francesa (1789-1799), a

partir da conjuntura da Assembleia Nacional. Ao lado direito da mesa, sentavam-se os

girondinos, de caráter moderado, aqueles cujos ideais eram manter os privilégios da nobreza

(conservadores); o setor esquerdo era composto pelos jacobinos (liberais), que lutavam pelo

fim destas regalias e defendiam reformas mais radicais, privilegiando a democracia e a maior

partilha de recursos.

Do ponto de vista socioeconômico, ser de direita é, em suma, posicionar-se a favor do bem-

estar individual sem que haja intervenção do Estado, enquanto o indivíduo de esquerda age

como defensor da ação estatal para garantir a prosperidade coletiva e a igualdade social. Vale

ressaltar que, dependendo do contexto, a pessoa de direita é apontada como “liberal”, mas

conceito este atribuído ao campo econômico, e não necessariamente também social. Ambos

os termos servem para definir ideologias existentes.

No Brasil, estes conceitos também foram mantidos e seguem como parte integrante das

nuances dentro do espectro político. Para Singer (2002, p. 24, grifo do autor), “a ideologia é

uma linguagem comum aos partidos e aos eleitores. Nessa gramática, estar à esquerda

significa favorecer mudanças em direção à igualdade e à direita significa recusá-las em nome

da ordem”.

Os conceitos de esquerda e direita assumem papel fundamental para identificar o

comportamento de um meio de comunicação ao tratar de assuntos de interesse público. O caso

de PT e PSDB é uma amostra significativa, pois evidencia a influência que ambos os partidos

passaram a exercer no campo político, um para cada lado.

Desde 1994 até recentemente, em 2016, o Brasil foi governado apenas por presidentes dos

dois partidos; a partir de 2002, todas as eleições foram definidas em segundo turno, e

invariavelmente os candidatos eram petistas e tucanos (pessedebistas). Já o estado de São

Paulo vive sob domínio do PSDB há 26 anos - nesse período houve apenas um hiato entre

2006 e 2007 com Cláudio Lembo, do PFL, então vice de Geraldo Alckmin, quando este se

retirou para candidatar-se à Presidência da República. O PT, por sua vez, debutou no

comando da capital com Luiza Erundina entre 1989 e 1992, voltou com Marta Suplicy entre

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2001 e 2004, e atrás com Fernando Haddad, entre 2013 e 2016, evidenciando a evolução da

díade direita-esquerda no que concerne às siglas em questão, em territórios paulista e

paulistano.

Ambas as legendas nasceram na passagem do fim do período da ditadura para o Estado

democrático. O PT (Partido dos Trabalhadores) foi fundado em 1980, ainda sob regime

militar, com o ideal de alterar a vida dos trabalhadores urbanos e promover a luta contra as

injustiças sociais do país, exibindo, portanto, predicados da esquerda.

Após derrotas nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, a sigla alcançou o poder em

2002, com Luiz Inácio Lula da Silva, e nele permaneceu até 2016, passagem abreviada em

função do impeachment de Dilma Rousseff. A proposta de avanço social foi nitidamente

cumprida em determinados setores. De acordo com o Mapa da Fome 2013, realizado pela

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), a

pobreza extrema no Brasil foi reduzida em 75% entre os anos de 2001 e 2012, onze destes

durante gestão petista, de Lula (2003-2010), e Dilma (2011 – 2016).

Entretanto, depois de seguidos anos exibindo indicadores positivos, o governo Dilma

anunciou em 2014 medidas de ajuste fiscal para cortar gastos e reequilibrar as contas, cujo

déficit registrado naquele ano correspondeu a 6,7% do PIB nacional. A ação de austeridade,

consequência sobretudo da aplicação de desonerações na folha de pagamentos das empresas,

costuma historicamente ser aplicada por um governo de direita. Em setembro do ano passado,

a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, criticou o pacote, lançando o projeto intitulado

“Por um Brasil mais justo e democrático”.

As “reformas estruturais” que estão sendo implantadas e propostas

pelos bancos e fundos de investimentos, e acolhidas pelo Congresso

Nacional e pelo Executivo Federal, representam uma modernização

econômica conservadora que começam já a destruir os instrumentos

institucionais e financeiros necessários para um projeto de

desenvolvimento de longo prazo, como o proposto neste documento.

(PERSEU ABRAMO, 2015, p.12)

No mês seguinte, movimentos sociais próximos ao partido, entre eles Central Única dos

Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e União Nacional

dos Estudantes (UNE), também lançaram frente contra a medida.

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Criado em 1988, o PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), à época presidido por

Mário Covas, surgiu como dissidência do PMDB, apresentando um programa de regulação do

capitalismo, distribuição equilibrada de renda e respeito aos direitos trabalhistas. O então

senador, inclusive, declarou apoio a Lula, candidato do PT, no segundo turno das eleições

presidenciais do ano seguinte.

Apesar do posicionamento inicial à esquerda, o partido caminhou para uma aliança firmada

com o PFL (Partido da Frente Liberal), em 1994, fato determinante para o encaixe da legenda

no outro lado do espectro político.

A alcunha de artífice deste processo é atribuída por muitos a Fernando Henrique Cardoso. O

próprio FHC sinalizava para essa transição.

É como se houvesse uma crença ingênua de que a riqueza existente dá

para todos, bastando, portanto, aplicar princípios de justiça social para

que se logre a felicidade do povo [...] Ela [(Social-Democracia)]

precisa opor-se, em nome do crescimento econômico e da

racionalidade a médio prazo, às demandas que, por mais justas que

sejam, criem situações que impeçam no futuro a continuidade dos

benefícios que se desejam. (CARDOSO, 1990, p.41)

Fatos como esses implicam em uma desestabilidade nos significados de direita e esquerda,

provocando uma mistura entre ambos, embora PT e PSDB mantenham-se um de cada lado em

certas interpretações políticas, dada a intensa rivalidade entre as legendas e seus seguidores.

Diante disso, esta pesquisa busca responder se ainda é possível basear-se nos critérios de

direita e esquerda para avaliar uma cobertura jornalística, bem como se este permanece ou não

sendo um sentido utilizado pelo veículo estudado, no caso o jornal Folha de S.Paulo.

É válido atribuir uma parcela da atual situação ao avanço desenfreado na geração de

informações, impulsionada pela internet – diante do qual os veículos tradicionais demonstram

dificuldades em adaptar-se. Dessa forma, a disputa entre as siglas avançou patamares nos

últimos anos. Entretanto, a tecnologia moderna abre espaço também para uma maior

pluralidade de ideias, de maneira a contribuir para a tal mistura entre os conceitos em questão,

de modo que, embora os extremos sejam essenciais para se iniciar uma análise, é reducionista

não considerar outras variantes entre eles.

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Vale salientar, portanto, que em tempos de acirramento e disseminação incontrolável de dados

no dia-a-dia da sociedade atual, as definições atribuídas à direita e à esquerda por vezes

podem perder o sentido original. “[...] num universo político cada vez mais complexo como o

das grandes sociedades, e, em particular, das grandes sociedades democráticas, torna-se

sempre mais inadequada a separação muito nítida entre duas únicas partes contrapostas”.

(BOBBIO, 2011, p.54)

Este projeto visa a mostrar como um dos principais jornais do país os aplica em seus

enquadramentos ao realizar a cobertura jornalística a partir de alguns dos mais relevantes

eventos envolvendo as recentes gestões do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin

(PSDB), e do prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT).

O estudo de quatro destes eventos se deu por momentos-chave do ano de 2015, sendo que

dois deles dizem respeito ao Estado (crise da água e ocupação das escolas estaduais), e outros

dois correspondem à esfera municipal (redução da velocidade nas ruas e avenidas e

implantação das ciclovias/fechamento de vias). Há também um quinto elemento, cujo

epicentro foi habitado tanto por Alckmin quanto por Haddad: os protestos contra o aumento

da tarifa no transporte público, em junho de 2013.

Os critérios de escolha do material foram moldados pela atual situação política brasileira de

modo geral, a qual vem sendo protagonizada nos últimos anos pela polarização entre PSDB e

PT, aplicados automaticamente como direita e esquerda, respectivamente, nos discursos,

embora tenham sido criadas nuances entre os dois extremos em função de seus próprios

comportamentos.

A partir dos dados coletados e de realizadas todas as avaliações, o objetivo deste trabalho é

auxiliar a compreensão de detalhes que passam despercebidos em análises de enquadramento

jornalístico, mas que possuem suma importância dentro desse universo. Mostrar que uma

palavra, uma expressão, uma frase ou uma imagem, se aplicada de maneira X corresponde a

um ponto de vista; posicionando de forma Y, muda-se o sentido da mensagem.

Ainda que a pesquisa se concentre em âmbitos estadual e municipal envolvendo dois políticos

em São Paulo, esta pode ser um ponto de partida para discussões aprofundadas em todos os

setores que envolvem jornalismo e política.

Seu desfecho é, pois, criar mecanismos para obter avanços no campo intelectual e enriquecer

as interpretações, precisar os dados e ampliar a capacidade reflexiva referente não só a essas

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áreas, jornalismo e política, mas também à sociedade como um todo, uma vez que o

jornalismo assume papel fundamental na formação da opinião de um grupo.

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Capítulo 1 - Direita e esquerda

Sabe-se que os conceitos de direita e esquerda tiveram origem durante a Revolução Francesa,

com base na disposição dos membros da Assembleia Nacional. O centro da mesa era ocupado

pela nobreza, detentora do poder, enquanto cada lado era distribuído de acordo com os setores

da burguesia. À direita, sentavam-se os girondinos (conservadores, moderados), membros da

alta burguesia, enquanto o lado esquerdo era composto pelos jacobinos (liberais).

Entretanto, vale destacar que, apesar dessa linha separatória na disposição da Assembleia,

ambos os lados constituíam uma única camada na estratificação social daquele país: o

Terceiro Estado. Esse grupo era compreendido pela alta burguesia (banqueiros e empresários),

média burguesia (profissionais liberais) e pequena burguesia (comerciantes e artesãos), além

dos sans-culottes (trabalhadores marginalizados e camponeses). Basicamente, a alta burguesia

era a ala conservadora, que, apesar de pagar os impostos responsáveis pela manutenção da

hegemonia da Corte e do clero, não vivia em condições degradantes como as outras

subdivisões.

O cenário gerou revolta por parte do Terceiro Estado, que exigia maior participação na vida

política do país, culminando na revolução e na queda da Bastilha, local onde eram alojados os

presos políticos. Ocorria ali o fim do regime absolutista.

Sob pressão, a nobreza se viu obrigada a ceder espaço à burguesia, originando a primeira

alteração no processo de análise de conservadorismo e liberalismo. A burguesia se comporta

como liberal, mas com foco no ponto de vista econômico, priorizando a liberdade individual,

ao contrário do liberalismo social, onde o bem coletivo prevalece. Segundo Daumard (1992,

p. 18), o Estado liberal não era um Estado a serviço de uma classe; em compensação, pode-se

considerar o Estado liberal do século XIX como a emanação de uma civilização que deixava

um amplo lugar ao individualismo.

A importância histórica da burguesia também se estende ao Brasil. Aqui, aplica-se o termo,

em suma, nos mesmos moldes adotados na Europa, inclusive no que tange à

incompatibilidade com aqueles que ocupam o topo da pirâmide social. Florestan Fernandes

diz que não se pode associar o senhor de engenho (detentor do poder) ao “burguês”.

Aquele [(o burguês)] estava inserido no processo de mercantilização

da produção agrária; todavia esse processo só aparecia, como tal, aos

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agentes econômicos que controlavam as articulações das economias

com o mercado europeu. (FERNANDES, 2008, p. 32)

Assim, o burguês brasileiro assemelhava-se conceitualmente ao francês. Observava-se,

também, aptidões que hoje são características de alguns dos estereótipos do lado direito da

sociedade tupiniquim.

Esse breve painel sugere que contamos com os dois tipos tidos como

“clássicos” de burguês: o que combina poupança e avidez de lucro à

propensão de converter a acumulação de riqueza em fonte de

independência e de poder; e o que encarna a “capacidade de

inovação”, o “gênio empresarial” e o “talento organizador”,

requeridos pelos grandes empreendimentos econômicos modernos.

(FERNANDES, 2008, p. 36)

Aqui, com o passar dos tempos, o termo burguesia assumiu postura crítica ao ser designado às

pessoas, além de não estar relacionada apenas às classes mais abastadas. É comum, no Brasil,

um indivíduo rico ser chamado, em tom pejorativo, de “burguês”. O cantor Cazuza lançou em

1989 música intitulada “Burguesia”, na qual se destacava o seguinte trecho:

A burguesia fede

A burguesia quer ficar rica

Enquanto houver burguesia

Não vai haver poesia (CAZUZA, 1989)

Paralelamente à Revolução Francesa, a Revolução Industrial fincava os pés na Inglaterra,

período este responsável também pela intensificação do capitalismo, época que deu à luz um

grupo fundamental para o entendimento da nova aplicação dos conceitos direita e esquerda: o

proletariado. Trata-se da classe operária, caracterizada por vender sua mão de obra como

mercadoria a serviço dos patrões.

Neste novo cenário, a burguesia passou a ser toda associada à direita, enquanto a esquerda era

composta por essa nova classe.

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Com a expansão do movimento operário e a difusão da perspectiva

marxista o conteúdo da posição de esquerda passa a incorporar a

defesa dos interesses da classe proletária. Com os debates da social-

democracia no final do século XIX e a revolução russa de 1917, a

defesa do capitalismo desloca a burguesia para a direita.

(TAROUCO; MADEIRA, 2011, p. 151)

Tal situação evidencia o fenômeno da luta de classes, denominação dada por Karl Marx e

Friedrich Engels para ilustrar o confronto entre o que ambos chamam de opressores

(burguesia) e os oprimidos (proletariado), cuja compreensão se faz preponderante na história

global, inclusive brasileira. Para Sader (1991, p. 25), “os setores organizados do proletariado,

de um lado, os empresários, de outro, disputam entre si uma batalha pela configuração de

padrões de comportamento dessa nova massa urbana”.

Esses setores organizados eram os chamados sindicatos, grupos que, ao longo das décadas,

moldaram-se como uma das principais forças de esquerda, inclusive no Brasil, onde foram

responsáveis por eleger em 2002 o primeiro presidente da República oriundo do setor: o ex-

metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva.

Afirmando-se contra um mundo hostil, os sindicatos tiveram que

cavar seu lugar ao sol. O próprio conhecimento legal constituiu uma

longa luta, que se deu junto a conquistas – muitas vezes precárias –

pela redução da jornada de trabalho, elevações salariais e

regulamentação do trabalho dos menores e mulheres. (SADER, 1991,

p. 25)

Direita e esquerda, até o momento, são termos em tese associados a atitudes vinculadas a

classes sociais para terem seus significados definidos. E é a partir desta análise que

historicamente os votos são direcionados aos governantes que se postam como representantes

de A ou B, aliados a seus partidos.

A interpretação dessas palavras, entretanto, pode ter sido diluída em meio às transformações

políticas, sociais e tecnológicas ao longo das décadas. Bobbio (2011, p. 46) questiona seus

atuais sentidos: “Donde é possível perguntar: direita e esquerda ainda existem? E se existem

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ainda, e estão em campo, como se pode dizer que perderam completamente o significado? E

se ainda têm um significado, qual é ele?”.

O mesmo autor sugere alternativas para se discutir novos elementos entre os dois polos,

apresentando argumentos que criam personagens, podendo até mesmo anular o modo como

são compreendidos. Para isso, designam-se os seguintes nomes: Terceiro Incluído e Terceiro

Inclusivo.

O Terceiro Incluído busca um espaço entre dois opostos, e enfiando-se

entre um e outro não os elimina, mas os distancia, impede que se

toquem e entrem em choque, ou impede a alternativa seca, ou direita

ou esquerda, permitindo uma terceira solução. O Terceiro Inclusivo

tende a ir além dos dois opostos e a englobá-los numa síntese superior,

e anulando-os portanto enquanto tais: dito de outro modo, em vez de

duas totalidades que se excluem reciprocamente e não são, como a

frente e o verso de uma medalha, visíveis simultaneamente, faz deles

duas partes de um todo, de uma totalidade dialética. (BOBBIO, 2011,

p. 56)

Terceiro Incluído e Terceiro Inclusivo vêm a constituir o que é classificado como “terceira

via”. O primeiro exerce o papel da neutralidade ao evitar o conflito entre os dois lados,

enquanto o segundo busca soluções além dessa díade, tentando mostrar que, em face da

complexidade do cenário social, político e econômico de determinado objeto, reduzir a análise

a apenas dois termos é tanto quanto insuficiente para encontrar respostas.

Em setembro de 1994, a edição número 2 da revista Carta Capital trazia como reportagem

principal entrevista com Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e à época recém-

eleito senador. ACM exercia forte influência na política e nos meios de comunicação, e, em

um trecho daquele depoimento, o político reforçou a tendência de perda de sentido dos

conceitos de direita e esquerda.

Sempre me defini como um homem de centro. Mas hoje em dia estas

definições que, de verdade, têm duzentos anos de idade, entre direita e

esquerda, estão em xeque. O político tem é de ficar sintonizado com a

vontade e os interesses do povo. As querelas ideológicas foram

superadas pelos fatos e essa questão passou a ser um bom assunto para

discussões lítero-científicas. (CARTA CAPITAL, nº 2, 1994, p.18)

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Em fragmento de entrevista com o escritor Jorge Amado, Carta (2003, p. 105) levanta a

questão sobre o que é ser de esquerda e de direita na atualidade, e como resposta obtém uma

reflexão semelhante: “No Brasil, é a coisa mais maleável do mundo. O sujeito é de esquerda

hoje, amanhã é de direita e de repente estão todos juntos no mesmo saco”.

Faz sentido, em vários aspectos, afirmar que “estão todos juntos no mesmo saco”, algo natural

como consequência da variação de sentido de cada conceito. Contudo, embora direita e

esquerda não sejam exatamente mais o que eram no passado, o comportamento de grandes

parcelas dessas camadas mantêm até hoje uma característica de suas ideologias: não aceitar

argumentos do outro setor. Não apenas em “suas ideologias”, mas na ideologia como um

termo geral, seja a qual campo ela pertença. Dessa forma, apesar de “estar no mesmo saco”

remeter à mistura, nessa relação conflituosa de ideias o isolamento ainda se faz latente.

Ideologias são, portanto, representações conceituais de caráter político

que configuram a realidade social a partir do prisma de uma classe,

destacando-se nesse processo a classe dominante. Como se origina em

um segmento restrito da sociedade, a ideologia expressa um consenso

limitado e particular sobre determinadas questões, rechaçando

argumentos de outros setores sociais. Torna-se, assim, uma forma de

representação auto-alimentada, que tende a se isolar e a caracterizar

um antagonismo agudo com formulações concorrentes”. (SOARES,

2009, p. 16)

Essa falta de amplitude que caracteriza a ideologia gera riscos. Evidentemente é impossível

que todos sejam regidos por um pensamento em comum, todavia há diferenças entre um

componente mais natural, como o dissenso, e uma de suas ramificações destruidoras: a

intolerância. O dissenso, em tese, pode ser benéfico ao atuar como fator estimulante ao debate

e à troca de ideias, tornando-se ponto de partida para buscar conclusões baseadas no equilíbrio

de pensamentos distintos. Contudo, insuflado pelas características da ideologia, o dissenso

ultrapassa níveis e descarta argumentos alheios, como ressaltou Soares.

De forma efetiva, o indivíduo, para julgar a sociedade, deve em certo

modo se afastar dela, objetiva-la, e por esse mesmo fato perder de

certa forma o contato, as relações que tinha com ela; e, portanto, ao

querer reformulá-la posteriormente, a sociedade, ao ver que ele não a

aceita em seu estado atual, tampouco quer reconhece-lo: a diferença se

agrava muitas vezes pela visão unilateral de ambas as partes, pelo qual

a sociedade acaba propugnando unicamente os valores sociais, a

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tradição e a autoridade, e ao indivíduo, a personalidade e a liberdade,

opondo-se irredutivelmente uns aos outros. (SAGRERA, 1967, p. 77,

tradução nossa)

Afastar-se da sociedade, porém, pode dar margem à ideia de isolamento, propícia a um

aguçamento da intolerância. Jorge Larrosa, cuja visão será aplicada com maior afinco no

capítulo 4, defende a emancipação como uma das chaves para a compreensão deste cenário,

desde que esta não se porte como algo imune a compartilhamentos. Essa espécie de

intercâmbio de emancipações acena para novos caminhos. O autor cita como exemplo o

“louco” – um fantasma que proferia palavras de motivação. Em determinado trecho, o louco

diz que

só os indivíduos podiam experimentar com outros a igualdade e a

liberdade, que só um indivíduo emancipado pode emancipar outro,

“que nunca nenhum partido nem nenhum governo, nenhum exército,

nenhuma escola nem nenhuma instituição emancipará alguma pessoa”

[...] que a verificação com outros da igualdade e da liberdade será

sempre uma forma dissenssual e efêmera do agir humano.

(LARROSA, 2014, p. 154-155)

Apesar de “estarem no mesmo saco”, as visões são particulares.

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Capítulo 2 - Partidos políticos no Brasil

No Brasil, o surgimento de partidos se deu no período imperial, cuja disputa era encabeçada

pelo Partido Restaurador (1831), pelo Partido Conservador (1836), pelo Partido Liberal

(1837). À luz do regime escravocrata, apenas o último defendia mudanças no sistema, ainda

que de maneira lenta e gradual. Assim, conflitos ideológicos, ao menos do ponto de vista

partidário, eram quase que inexistentes.

Isso só passou a ocorrer efetivamente a partir de 1922, por meio da criação do Partido

Comunista Brasileiro (PCB), sob liderança de Luiz Carlos Prestes. Esteve na ilegalidade

durante a maior parte do governo Getúlio Vargas (1930-1945) e, após o golpe de 1964, seus

integrantes dividiram-se em clandestinidade, fuga do país ou participação em grupos

guerrilheiros. Hoje, divide-se entre o próprio PCB e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e

PPS (Partido Popular Socialista).

A outra ala era ocupada pela Ação Integralista Brasileira (AIB). Fundada em 1932, liderada

por Plínio Salgado e inspirada no líder fascista italiano, Benito Mussolini, teve vida mais

curta, sendo extinta em 1937, durante o Estado Novo.

Nem mesmo nas sociedades com as liberdades limitadas pelas

ditaduras e seus intérpretes conseguiu-se obscurecer os partidos

políticos. No exemplo brasileiro, quando imperou o regime militar,

prevaleceram todos os partidos, ainda que na clandestinidade ou

travestidos em “siglas oficiosas”. (RABELLO FILHO, 2001, p.131)

Entre 1945 e o fim do período que antecedeu o golpe de 1964, nasceram partidos mais à

esquerda como o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PSD (Partido Social-Democrático),

no entanto o destaque ficava por conta da UDN (União Democrática Nacional), ocupando o

lado oposto do espectro.

A polarização ideológica ficou mais clara durante o Bipartidarismo entre 1966 e 1979, entre a

Arena (Aliança Renovadora Nacional), de apoio à ditadura militar, e o MDB (Movimento

Democrático Brasileiro), percursor do atual PMDB, e que tinha Fernando Henrique Cardoso

como uma de suas lideranças regionais em São Paulo.

Após a promulgação da Lei da Anistia em 1979, ato criado para conceder perdão à parte das

pessoas que se revoltaram contra o regime militar, mas também controverso por fazer o

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mesmo em relação a alguns opressores, foi a vez de o multipartidarismo1 assumir a dianteira,

onde ainda permanece.

Em um cenário como apresentado pelo Brasil na atualidade, as ações políticas desejadas pela

população são aplicadas com a chancela dos partidos, que ocupam -- para o bem e para o mal

-- o centro das avaliações no setor. Hoje são 35 legendas registradas no Tribunal Superior

Eleitoral (TSE).

Para Rabello Filho (2001, p. 130), “por intermédio dos partidos políticos a ação política dos

cidadãos se materializa”. Dessa forma, constituem-se grupos que atuam como meio de

limitação, controle e sustentação dos governantes.

Kneipp (2002, p. 4), por sua vez, afirma que “os partidos devem ser colocados como

perspectivas abrangentes de solução de conflitos de poder político e/ou ideológicos”.

Entretanto, o que se vê é uma acentuação nesses quesitos justamente com a contribuição das

legendas. E se o sistema político brasileiro, em função do alto número de siglas, poderia ter no

pluripartidarismo a sua característica mais latente e, a partir dela, buscar uma solução para os

conflitos, vale dizer que grande parte de sua operação efetiva se dá pela organização de dois

grupos: o governo e a oposição.

Em certos casos, torna-se difícil encontrar uma fiel distinção entre

grupos de pressão e partidos políticos. Enquanto estes visam à disputa,

conquista e exercício do poder, aqueles visam única e exclusivamente

exercer influência junto aos poderes legislativo e executivo, no

alcance de seus particulares interesses. (RABELLO FILHO, 2001,

p.57)

Visar exercer influência com o intuito de atingir os interesses particulares foi e é camada

integrante do modus operandi da política nacional. Alianças e coligações mostram-se

frequentes, na tentativa de garantir vantagens para os respectivos grupos.

Questões como o pluralismo e fidelidade partidária são abordados ao

tom de crises e modismos, totalmente fora de um contexto adequado,

1 Não se deve interpretar "multipartidarismo" como algo plural. "Multi" se refere a "muitos", não

necessariamente diferentes em si. O número de legendas no Brasil é elevado, mas seus ideais se assemelham,

criando uma falsa ideia de pluralidade.

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isto é, o debate inserido em um modelo de Estado Democrático de

Direito, ao qual a República Federativa do Brasil se enquadra.

(KNEIPP, 2002, p.2)

Além disso, o fato de haver 35 partidos registrados no TSE indica a necessidade de maior

compreensão do termo da pluralidade existente na atualidade. Ainda que PT e PSDB

dominem as eleições presidenciais, há muitas outras variantes em jogo.

2.1. PT e PSDB no Brasil

Antes de avaliar a conjuntura de PT e PSDB, julgo importante obter um entendimento do

conceito de polarização a que partidos estão atrelados, mas com o qual seu encaixe é

controverso.

O termo infere a existência de dois extremos opostos, o que pragmaticamente já coloca em

xeque a classificação das siglas nesse cenário. Análises políticas e sociais teriam apenas esses

limites como base e não levariam em conta as variações distribuídas entre os pontos, como

por exemplo Terceiro Incluído e Terceiro Inclusivo, abordados no capítulo anterior. Neste

panorama, portanto, imagina-se um estudo de regimes totalitários que se identifiquem com

seus lados, tornando incabível considerar PT e PSDB, dadas suas formações e até mesmo seus

comportamentos atuais, como elementos extremos no espectro político.

Dessa forma, é coerente afirmar que tais siglas são campos específicos, e não polos. É

inegável que o domínio dos dois partidos nas últimas eleições presidenciais colocou-os, talvez

até automaticamente pelo senso comum, em lugares bastante distantes, tornando-os símbolos

de uma polarização política forjada em função da falta de variações nas cabeças das disputas

eleitorais. Por muitas vezes, criticar o PT passou a ser interpretado como defesa, até militância

ao PSDB e vice-versa. A possibilidade de uma análise mais complexa do cenário político

reduziu-se à guerra entre coxinhas e petralhas.

PT e PSDB nasceram de ideais aproximados, cuja eventual parceria entre as legendas era algo

factível. Entretanto, as constantes variações e nuances de um sistema democrático ainda

recém-nascido, impulsionadas pelo protagonismo de ambos nas subsequentes eleições

presidenciais, impediram que isso ocorresse.

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Ademais, a lógica da disputa presidencial, que envolve um sistema

majoritário com produção de resultados de soma zero, alimentou a

polarização política entre as duas legendas e resultou no alinhamento

do PSDB com partidos situados à direita do espectro ideológico, como

o PFL e o PTB; e na aliança do PT com partidos de esquerda como

PSB [(Partido Socialista Brasileiro)], PCdoB [(Partido Comunista do

Brasil)] e PSTU [(Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado)].

(DANTAS; MIGUEL; KRAUSE, 2010, p.251)

Criado em 1980, o Partido dos Trabalhadores portou-se como a grande surpresa da reforma

partidária do período pós-ditadura militar, tendo sido organizado por forças sindicais com alto

índice de popularidade no setor metalúrgico do ABC paulista, onde tinha como um dos

principais líderes Luiz Inácio Lula da Silva. Tais características fixaram a sigla à esquerda do

novo espectro político nacional, processo intensificado após alianças com legendas do mesmo

setor, como PSB, PCdoB e PDT (Partido Democrático Trabalhista).

As coligações partidárias tornaram-se regra em toda a política nacional para alcançar a

“governabilidade” nos mandatos vigentes, ainda que, para isso, fosse necessário abandonar os

princípios ideológicos, ou ao menos flexibilizar suas posições.

No caso do PT, ligar-se a siglas com ideais distintos durante as eleições presidenciais de 2002

foi um fator determinante para a obtenção do cargo máximo da política nacional. É verdade

que o candidato do PSDB, José Serra, tinha Rita Camata (PMDB-ES) como vice de sua

chapa, porém o nome da deputada federal não era consenso dentro do partido. Dessa forma, o

tucano não contou com apoios que lhe seriam vitais, como de José Sarney (PMDB-AP) e

Renan Calheiros (PMDB-AL). Nesse cenário, Lula conseguiu manter o apoio de setores fortes

como o empresariado. Um de seus membros, José Alencar (PL-MG), alçou-se ao posto de

vice da chapa. O futuro presidente deixou clara essa inclinação na famosa “Carta ao povo

brasileiro”, cujo objetivo era, paralelamente ao desenvolvimento das camadas menos

favorecidas, garantir a liberdade de mercado e ajustes no plano macroeconômico.

Pela primeira vez o PT optava por alianças com partidos

programaticamente distantes. A homogeneidade ideológica que se

observava nas coligações em torno de Lula em 1994 e 1998 foi

rompida em 2002 e, provavelmente, esse movimento foi fundamental

para o resultado eleitoral de outubro daquele ano. (DANTAS;

MIGUEL; KRAUSE, 2010, p. 254)

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Embora o partido tenha cumprido uma missão de bandeira à esquerda, como a redução da

pobreza extrema no país em 75% de acordo como Mapa da Fome 2013, a conta a pagar por

elevar a condição de vida dos pobres sem tirar parte dos privilégios da plutocracia, muito em

função das desonerações nas folhas de pagamentos das empresas, não tardou a aparecer. Já no

governo Dilma Rousseff, fez-se necessário tomar medidas de ajuste fiscal, compilando ações

de austeridade, prejudicando classes média e baixa. Impulsionados por uma intensa campanha

regida por empresários e investidores, esses fatores contribuíram para que a mandatária

deixasse o cargo após o Congreso Nacional aprovar processo de impeachment contra ela.

O Partido da Social-Democracia Brasileira, por sua vez, surgiu em 1988, como dissidência do

PMDB durante a elaboração da Constituição daquele ano, vigente até hoje. O objetivo da

sigla era ser uma alternativa reformista e de centro-esquerda, e dessa forma se comportou no

início de sua trajetória, liderada por Mário Covas, primeiro presidente da legenda. Covas se

candidatou à Presidência da República no ano seguinte, mas sequer chegou ao segundo turno,

período no qual declarou apoio ao petista Lula na disputa com Fernando Collor.

No entanto, a imagem positiva exibida pelo PT a seu público-alvo ligou uma espécie de sinal

de alerta aos tucanos, porque:

No final da década de 80, o PT ocupava um lugar de destaque no

cenário político brasileiro expressando as aspirações das classes

subalternas que avaliam reivindicações redistributivas (na forma de

aumentos salariais e de bens de consumo coletivo pleiteados junto ao

poder público) com projetos mais universalizantes, apresentando-se

como contra-hegemônicos. (GUIOT, 2006, p. 68)

Paralelamente, de acordo o autor, havia uma lacuna de representatividade a ser preenchida ao

setor chamado burguês. Assim, pode-se considerar essa oportunidade um dos motivos para o

rumo tomado pelo PSDB.

A burguesia, contudo, se encontrava sem projeto hegemônico capaz

de apresentar-se como expressão de necessidades nacionais, de

agregar suas forças em torno de um novo modelo acumulativo e de

obstruir a resistência dos trabalhadores. O PSDB ocupa uma brecha

deixada pelas forças políticas presentes neste contexto. (GUIOT,

2006, p. 69-70)

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Outra atribuição considerada é a de que a sigla foi puxada definitivamente pelo ímã da direita

em 1994 quando Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente da República, período em

que os tucanos selaram aliança com o Partido da Frente Liberal (PFL) – atual Democratas

(DEM) – atitude fundamental para garantir longevidade ao mandato.

O PFL nasceu em 1985 como dissidência do Partido Democrático Social (PDS), este último

criado para substituir a Aliança Renovadora Nacional (Arena), configurando-se em um reduto

de remanescentes de apoiadores da ditadura militar. A nova sigla concentrou seus poderes

sobretudo no Nordeste do país, onde dentre as lideranças estava Antônio Carlos Magalhães,

então governador da Bahia.

Há pelo menos dois consensos nessa literatura. O primeiro é de que a

criação do PSDB ocorreu por motivos ideológicos, devido às

divergências de alguns parlamentares em relação à aliança que o

PMDB cultivava com a direita – o PFL – e em relação ao causuísmo

da prorrogação do mandato presidencial para cinco anos, cujo

beneficiário imediato seria o então presidente Sarney. O segundo

consenso é de que a aliança que o PSDB selou com o PFL, a partir da

eleição de 1994, foi uma ação essencialmente pragmática, o que teria

descaracterizado sua orientação ideológica. (ROMA, 2002, p.1)

Em reportagem de Carta Capital, citada no capítulo 1, ACM também mencionou FHC, então

candidato à Presidência da República daquele ano, e a quem designava conselhos durante a

campanha. O baiano avaliou a postura do tucano, apontando ainda mais a inclinação à direita

adotada pelo PSDB: “Acho que ele sempre foi menos de esquerda do que eu pensava e do que

todos pensavam” (CARTA CAPITAL, nº 2, 1994, p. 19).

Para Innerarity (2005, p. 88), “quando nos deslocamos de uma esfera para outra, modifica-se

uma série de expectativas. Os valores e as normas que governam o nosso comportamento

mudam quando passamos da escola para a família, do trabalho para o partido ou do templo

para o grupo de amigos”. Innerarity não se refere ao espectro partidário, portanto sua citação

se insere aqui no papel de analogia.

Embora considere-se todo o processo de adaptação dos conceitos de direita e esquerda, a

questão (da desigualdade) social ainda se portou como destaque quando PT e PSDB lutaram

pela vitória nas eleições presidenciais de 2014. Infográfico montado pelo jornal “O Estado de

S. Paulo” com o resultado do processo evidencia essa relação. Com exceção apenas dos

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estados de Acre e Roraima, Dilma Rousseff (PT) obteve vitória nas regiões Norte e Nordeste,

as menos desenvolvidas do país. Já Aécio Neves (PSDB) triunfou nas demais unidades

federativas, salvo Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Entretanto, o quadro acenou para mudanças no ano seguinte. A cidade de São Paulo, parte do

objeto de estudo deste projeto, expõe componentes significativos sobre a alteração dos

significados, bem como na análise sobre PT e PSDB, ao menos inicialmente no que tange à

simpatia e representatividade pelas siglas. Pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, em

outubro de 2015, mostrou recorde de desinteresse pelos partidos no município. Setenta e um

por cento dos eleitores afirmaram não ter preferência política por nenhuma das 35 siglas

existentes, registrando o maior índice desde a redemocratização em 1985.

Levantamento realizado nos dias 28 e 29 daquele mês apontou que 11% dos eleitores da

capital paulista consideram o PT a melhor legenda, contra 10% de simpatizantes do PSDB,

culminando, portanto, em empate técnico.

No próximo item, mostro que essa indiferença se transformou um pouco em inversão das

expectativas de voto entre as periferias e áreas centrais, devido aos índices de aprovação de

candidatos à Prefeitura.

2.2. PT e PSDB em São Paulo

A díade PT-PSDB em São Paulo apresenta características que, no senso comum de direita e

esquerda a partir da avaliação dos partidos, “dividem” pragmaticamente estado e capital em

relação aos cargos máximos no Governo e na Prefeitura.

Embora o estado conviva com uma hegemonia do PSDB desde 1995 - exceto durante o hiato

entre 31 de março de 2006 e 1º de janeiro de 2007, quando o vice de Geraldo Alckmin,

Cláudio Lembo (PFL), assumiu o posto para que o titular se candidatasse à Presidência

nacional – a Prefeitura de São Paulo abrigou pela primeira vez um tucano, José Serra, só em

2005. O PSDB, que não alcançou os mandatos seguintes foram ocupados por DEM e PT, de

Haddad, voltou ao poder em 2016, com João Dória Júnior.

As eleições municipais deste ano trouxeram um componente peculiar: três candidatos tiveram

em algum momento o seu nome vinculado ao PT. Se Fernando Haddad é membro do partido,

Luiza Erundina (PSOL) e Marta Suplicy (PMDB) já governaram a cidade pela sigla. O

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partido, aliás, debutou no comando municipal antes do PSDB. Erundina (1989-1992) e

Suplicy (2001-2004) o fizeram antes da estreia tucana.

A exemplo do que ocorre em âmbito nacional, com os votos das regiões de menor poderio

econômico, a força do PT nos pleitos da capital se concentrava nas periferias, o chamado

cinturão vermelho. Porém, as eleições deste ano revelaram que o candidato da sigla, Fernando

Haddad, viu sua aprovação cair vertiginosamente neste setor. Nessas áreas, a preferência foi

pelo novo prefeito, João Dória, alçado ao cargo ainda no primeiro turno, com 53,29% dos

votos.

Figura 1: Mapa da cidade de São Paulo, dividida pelas zonas eleitorais

A cor azul indica os locais onde Dória liderou o pleito. O tucano dominou não só a periferia,

mas também 56 das 58 zonas eleitorais da cidade, exceto Grajaú e Parelheiros, que

registraram liderança de Marta. A conjuntura culminou-se desastrosa para Haddad e o PT.

É válido – e até saudável - questionar os motivos desse desfecho, tendo em vista o grau de

complexidade de um cenário que apontou para uma derrota acachapante do Partido dos

Trabalhadores, varrido do mapa por siglas à direita Brasil adentro, bem como tudo o que cerca

os vencedores. Porém, fato é que as eleições expuseram resultados distintos em relação aos

anos anteriores, podendo gerar, assim, novos questionamentos, desta vez sobre o tamanho da

influência – quiçá da existência ou não – dos conceitos de direita e esquerda nos pleitos.

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Capítulo 3 - Imprensa

Ao longo de sua história, a imprensa construiu um conceito próprio chamado de “Quarto

Poder” - alusão aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – adotando em tese o papel de

fiscalizador dos outros três. Todavia, percebe-se em muitos casos o desenvolvimento de

alianças com eles, ou com parte deles, enquanto mantém-se a fiscalização a outros, de acordo

com a conveniência. Esse conceito será aprofundado ao longo do texto.

Atualmente, o acesso à informação sofreu um grande estreitamento. Isso se dá pela facilidade

que se criou no alcance das notícias. É instantâneo, em tempo real. A mensagem transmitida

via rádio, televisão e jornal é direcionada posteriormente à internet, cujo consumo pode se dar

por meio dos computadores, tablets e celulares. Esse é o atual desfecho de que grande parte

do sistema global de produção, consumo e relações políticas e públicas que, aos poucos,

passou a gravitar em torno da mídia.

Vencida uma das principais limitações humanas, tempo/espaço,

ninguém tem dúvida ao atribuir a vitória aos recursos tecnológicos que

veiculam a informação [...] O jornalismo nos meios gráficos e

eletrônicos, o cinema e a televisão nos programas de lazer, todos os

recursos técnicos de reprodução e divulgação de informação são

jogados no quadro amplo da comunicação de massa. E não é mais

possível discorrer sobre a mensagem jornalística como um caso

isolado dessa realidade. (MEDINA, 1978, p.16)

O advento da tecnologia tornou-se um marco para revolucionar todo o processo de

comunicação global. As noções de tempo e espaço foram redefinidas, bem como as relações

entre seres humanos e essas ferramentas, palco de novas disputas, e até mesmo das pessoas

entre si.

Uma das características mais marcantes do início deste novo milênio é

a centralidade da mídia na vida humana, seja como fonte de

entretenimento, de informação ou de instrumento de trabalho. A

convergência entre telecomunicações, mass media e informática,

gestada pela “era digital”, colocou a mídia como elemento

fundamental da engrenagem da globalização econômica e cultural e

como o setor mais dinâmico da economia internacionalizada [...] Não

surpreende, portanto, que a mídia tenha também se transformando em

palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder político na

contemporaneidade e, consequentemente, em fonte primeira das

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incertezas com relação ao futuro da democracia. (LIMA, 2001, p.

175-176, grifo do autor)

Os profissionais do jornalismo criaram mecanismos de troca de informações, explícita ou não,

de modo a intensificar a eficiência na checagem, compilação e divulgação dos dados ao

público. “Os jornalistas monitoram a cobertura uns dos outros. Mesmo quando não estão em

contato direto, os jornalistas confiam fortemente no trabalho uns dos outros, como prática

institucionalizada, para ideias de histórias e confirmação de seus critérios noticiosos”.

(TRAQUINA, 2013, p. 26-27).

Trata-se do conceito de imediatismo, extremamente aplicado ao campo jornalístico como

regente do processo de apuração e divulgação dos fatos. Traquina (2013, p. 35) afirma que “se

o campo jornalístico fosse um país, por exemplo chamado “Novaslândia”, a paisagem desse

país estaria marcada, em todo e qualquer lugar, pela presença de relógios”. Essa assertiva está

contida no que o autor chama de “cultura profissional” do jornalismo. Para Serva (2001, p.

50), “a novidade é a alma do negócio da imprensa. Nessa busca pela novidade, mesmo velhos

fatos devem aparecer vestidos de novos, maquiados para voltar a surpreender”.

Lage (2001, p. 54) afirma que “o texto noticioso pode ser hoje apreciado como bem simbólico

de consumo universal”. No entanto, embora em tese o jornalismo carregue consigo as

classificações de imparcialidade e objetividade, a história da comunicação nos mostra que

estes conceitos por muitas vezes podem sofrer modificações, pelo posicionamento

sociopolítico de determinado veículo, além do público-alvo a quem a informação é dirigida.

Para Lage (2001, p. 74), “o texto relativo a uma realidade é diferente da realidade mesma,

abrindo-se campos definidos ao arbítrio do falante”. O autor destaca a escolha de nomes como

critério para essa diferenciação, algo que será abordado mais à frente.

A maneira com que se adota a escolha de termos para certas palavras e assuntos é parte

fundamental para este entendimento, e também algo reproduzido quase que automaticamente,

uma vez que a subjetividade possui um espaço maior do que o sugerido na concepção inicial.

O jornalismo está longe de ser o espelho do real. É, antes, a

construção social de uma suposta realidade. Dessa forma, é no

trabalho da enunciação que os jornalistas produzem os discursos, que,

submetidos a uma série de operações e pressões sociais, constituem o

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que o senso comum das redações chama de notícia. Assim, a imprensa

não reflete a realidade, mas ajuda a construí-la. (PENA, 2008, p.128)

Tal afirmação é parte do modelo teórico do newsmaking, que abrange critérios como

noticiabilidade, valores-notícia, organização, construção da audiência e rotinas de produção.

“Para os jornalistas, a nomeação neutra é mais difícil de conceber, de vez que terão que

operar com palavras de uso comum, moeda corrente no sistema de trocas ideológicas, com

carga inevitável de implicações e conotações”. (LAGE, 2001, p.75)

Segundo Innerarity (2005, p. 94), “a crença na neutralidade assenta na suposição de que

podemos conduzir as nossas vidas em matéria moral e política de tal modo que nunca

tenhamos de enfrentar conflitos trágicos, situações que alguém possa experimentar como uma

imposição”.

Uma maneira de passar a imagem de neutralidade, ao menos repetindo certos termos com

frequência, é adotar critérios como o de continuidade e complementariedade, que atuam na

manutenção de determinado tema no campo noticioso, bem como o despertar pelo interesse

do leitor.

A continuidade aponta para um sentido de conservação pelo qual algo

que se instalou como notícia tende a permanecer em agenda ainda que

perdendo amplitude. Por seu lado, a complementaridade estimula

diversidade e equilíbrio no conjunto perceptivo, capazes de mobilizar

o leitor não o saturando mas garantindo a sua atenção pela variedade

de “paisagens informativas” (PONTE, 2005, p. 210)

Marshall McLuhan também bate nesta tecla:

O jornal é uma forma confessional de grupo que induz à participação

comunitária. Ele pode dar uma “coloração” aos acontecimentos,

utilizando-os ou deixando de utilizá-los. Mas é a exposição

comunitária diária de múltiplos itens em justaposição que confere ao

jornal a sua complexa dimensão de interesse humano. (MCLUHAN,

1996, p. 231)

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Situações como essa estão relacionadas à outra teoria, a do agendamento, ou agenda setting,

como é chamada nos Estados Unidos. Tal conceito atua como um árbitro dos jogos no campo

midiático, determinando o que será publicado e por quanto tempo.

A teoria do agendamento defende a ideia de que os consumidores de

notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são

veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação

agendem nossas conversas. Ou seja, a mídia nos diz sobre o que falar

e pauta nossos relacionamentos. (PENA, 2008, p.142)

A partir daí, entende-se mais claramente continuidade e complementariedade, uma vez que

muitos dos temas pautados pela imprensa ganham destaque no noticiário por um longo

período, dando origem a termos que aos poucos tornam-se corriqueiros para os receptores,

facilitando a compreensão e a familiaridade para com os produtos midiáticos.

A mídia pauta e divulga a todo momento – não entro na questão da qualidade do produto em

si – reduzindo, de certa forma, a importância do fato novo. Parece que a informação não é o

mais importante, mas, sim, a rapidez com que ela é veiculada. Segundo Traquina (2013, p.

27), “a velocidade é de uma importância vital. A notícia é um artigo deteriorável”.

Deteriorável, porém, pode não significar ser algo desprovido de relevância. Ao contrário,

relevância é justamente um critério de noticiabilidade adotado por Traquina, correspondente

aos acontecimentos que causam impacto na vida das pessoas. O critério chamado de

“inesperado”, por sua vez, é atribuído às situações em que gera maior surpresa à população e

aos próprios jornalistas, quebrando a rotina de maneira mais intensa. Vale destacar também

“infração” e “conflito”, cujos significados podem ser exemplificados por transgressões de

regras e disputa entre líderes políticos, respectivamente. Por fim, há o “escândalo”,

naturalmente aquele responsável por maior adesão do público, como a queda de um

presidente.

Os critérios nasceram para nortear a cobertura realizada pela imprensa, dando a ela ciclicidade

para que não se caia em monotonia, resultando em uma força que ainda se faz presente.

Entretanto, é justamente a velocidade deste ciclo que cria um componente nocivo não só ao

jornalismo, mas também à sociedade como um todo, no que tange à sua capacidade de

compreensão dos fatos. O imediatismo que rege os procedimentos da comunicação raramente

leva em conta componentes históricos, muitas vezes fundamentais para gerar interpretações

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mais complexas sobre o assunto em pauta. Uma das estratégias dos veículos reside em uma

espécie de jogo de palavras, onde a maneira com que elas são aplicadas, por mais que não se

trate necessariamente de uma novidade, cria no público o sentimento de surpresa, de estar

lidando com um fato novo.

Historicamente, grupos de poder com interesse sobre determinados eventos procuram nomeá-

los com ajuda dos meios de comunicação, de uma forma que atenue a gravidade e a

complexidade desses acontecimentos. Muitas vezes, criam-se eufemismos para conquistar

ideologicamente um público.

Uma das maneiras de criar uma imagem positiva do fato é retomar o velho em forma de

novo. Exemplo disso é a “Nova Ordem Mundial”, anunciada pelo então presidente dos

Estados Unidos, George Bush, em 11 de setembro de 1991, época que sucedia o fim da

Guerra Fria e apresentava uma União Soviética esfacelada. O discurso de Bush lançava-se

como contraponto ao modelo bipolar iniciado em 1945, sob liderança dos EUA (capitalista) e

da União Soviética (socialista). A vitória do bloco ligado aos norte-americanos e o

esfacelamento do chamado “bloco comunista” criou um cenário propício para uma

“novidade” por parte dos triunfantes.

A garantia se deu pelo ataque norte-americano às tropas iraquianas na Guerra do Golfo

(1991), como resposta à invasão daquele país ao Kuait, um ano antes. Fez-se ali o que

costumeiramente, em se tratando de nações ocidentais, é chamado de “intervenção”.

Os Estados Unidos passam a ocupar a posição de única potência

militar internacional e, com o aval de outros países, dado através da

Organização das Nações Unidas, recebem uma espécie de mandato

informal para agir como “polícia do mundo”, para impor ou garantir a

tal “nova ordem mundial”. (SERVA, 2001, p. 51)

A expressão “nova ordem”, com a chancela de nações e autoridades, despertava um alerta.

Vale considerar que o termo já havia sido repetido anteriormente em outros momentos da

história.

George Bush representaria literalmente o discurso de outra potência

irradiadora da ideologia anticomunista: a Alemanha nazista, para

quem a intervenção militar no Leste da Europa, nos primeiros anos da

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Segunda Guerra Mundial, consistia no estabelecimento de uma “nova

ordem”. (SERVA, 2001, p. 52)

Os discursos vitoriosos de momento garantiam um aval para mostrar suas armas sem maiores

questionamentos. Entretanto, como (quase) toda ação gera uma reação, a resposta veio, exatos

dez anos depois do anúncio da Nova Ordem, em 11 de setembro de 2001, por meio do ataque

aéreo ao World Trade Center comandado pelo grupo islâmico Al-Qaeda. Nessa época, os

Estados Unidos eram presididos por George W. Bush, filho do criador da Nova Ordem. Bush

filho declarou “Guerra ao Terror”, expressão também, por que não, com uma pitada de

eufemismo, e que garantiu a ele o poder de iniciar mais uma guerra, desta vez no Iraque em

2003, elevando ainda mais a instabilidade no local, mas sempre agarrando-se à justificativa de

dar fim ao terrorismo.

O Brasil também tem seus eufemismos, e não é necessário ir longe para detectá-los. Michel

Temer assumiu a presidência interina em 12 de maio deste ano e logo a expressão “novo

governo” foi cunhada pelos meios de comunicação. Medidas econômicas para tentar encerrar

a recessão no país são semelhantes às tomadas pela gestão anterior, apesar da “novidade”.

Além disso, o “novo governo” emplacou sete ministros investigados por corrupção, sendo que

três deles já deixaram o cargo após vazamentos de gravações telefônicas. Entre os nomes

citados por delatores está também o de Michel Temer.

Apesar da novidade, a instabilidade continua.

Figura 2: Folha de S.Paulo, 13 de maio de 2016, p. A7

Folha destaca a ascensão do “novo ministério”, embora grande parte dele seja composta por

figuras com ideais reacionários. O jornal, inclusive, criou uma seção especial (“Novo

governo”) para alocar a reportagem.

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34

Um dos materiais coletados para a análise de mídia desta monografia envolve a ocupação de

escolas estaduais na cidade de São Paulo, em resposta ao projeto do governador Geraldo

Alckmin, que, entre as medidas, previa o fechamento de algumas unidades. A medida,

imposta sem um diálogo com os estudantes, ganhou o nome eufemístico de “reorganização

escolar”. A reação dos alunos à proposta lhes gerou um alto grau de repressão policial e uma

série de manifestações.

O termo “reorganização” não é novidade no campo político-jornalístico.

O mesmo termo “reorganização” tinha sido usado pelo rei Pedro

[(Pedro II, da Iugoslávia, sobre a divisão do território durante a

Segunda Guerra Mundial)] pouco antes da invasão, para definir as

ações políticas internas adotadas, sob a alegação de tentar garantir a

integridade do país”. (SERVA, 2001, p. 53)

Os fatos acima servem, pois, para elucidar pequenos detalhes de processos políticos e a

maneira com que as empresas de comunicação irão veiculá-los. Faz-se valer o conceito do

imediatismo. Afinal, por mais que as “novidades” tenham vínculos com o passado, elas serão

noticiadas como algo novo que surpreenda o público.

É necessário, portanto, traçar uma cronologia dos fatos para que se eleve a capacidade do

leitor em compreendê-los.

Por essa condição peculiar da imprensa, torna-se natural que o eleitor

tenha um comportamento simpático com políticos arrivistas que, no

entanto, podem ser de fato “novos” ou não – “velhos” políticos

renovados pela falta de historicidade típica dos meios de informação.

(SERVA, 2001, p. 86, grifo do autor)

Michel Foucault, no livro A ordem do discurso, aborda um aspecto intrigante que abrange os

vários tipos de discursos: a falta de convicção no que está sendo dito. Essa é uma

característica presente neste campo, na forma de “falar por falar” ou “falar sem pensar”. Em

um trecho da obra, o autor destaca uma frase de um enfermo sob cuidados do psiquiatra Pierre

Janet: “Quando eu penso, dizia ele que logo que lia ou escutava, quando penso nesta frase que

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vai partir para a eternidade e que talvez eu ainda nem tenha compreendido plenamente”.

(FOUCAULT, 2004, p. 23) .

Voltemos ao jornalismo e ao imediatismo. Com ou sem as expressões supracitadas, o cenário

é visto em reportagens que trazem erros, por vezes corrigidos na edição posterior do jornal,

telejornal ou programa de rádio. A Folha de S.Paulo, por exemplo, possui a seção “Erramos”,

ocupada todos os dias por alguma retratação. Vale ressaltar, porém, o quão deva ser

considerado positivo este espaço, uma vez que o jornal, via ombudsman, ainda receba críticas

sobre sua postura, além de cobranças para que haja mais correções, muitas delas não

reconhecidas pelo veículo.

Exemplo dessa dissonância é uma notícia publicada em 1998, às vésperas das eleições

presidenciais. Em agosto daquele ano, o jornal disse que o carro de Luiz Inácio Lula da Silva,

usado como parte do pagamento de um apartamento num terreno desapropriado em São

Bernardo do Campo, foi vendido para uma empresa que doava recursos à campanha, e não

para um amigo do candidato, conforme declarava o PT. Entretanto, o conteúdo não procedia.

Em sua coluna dominical de 23 de agosto, a ombudsman, Renata Lo

Prete, comentou: “A manchete sobre o carro de Lula não é fruto de

conspiração, mas da necessidade quase compulsiva da imprensa de

veicular denúncias. O jornal se precipitou na tentativa de recuperar

uma suposta vantagem estabelecida pela concorrência”.

(PILAGALLO apud PILAGALLO, 2011, p. 286, grifo do autor)

A retratação, porém, não alterou o quadro eleitoral, e Fernando Henrique Cardoso seguiu

rumo à reeleição.

Fatos como esse passam a imagem de que tais seções sirvam como “falsas sandálias da

humildade”, mantendo, dessa forma, o modus operandi do jornal.

3.1. Enquadramentos

A complexidade dos fatos em seus diversos campos de atuação sugere posicionamentos por

parte dos veículos, estes adotados frequentemente de maneira implícita, cuja identificação só

é possível após que seja compreendida uma série de nuances inerente à análise dos conteúdos

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midiáticos. E é por meio do enquadramento (framing) que isso ocorre. Gamson e Modiglini

(apud ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI, 2004, p.23) veem os enquadramentos como

“pacotes interpretativos” que conferem sentido a um assunto.

Eles podem materializar-se tanto na ótica dos próprios produtores de

informação, que assim os repassam implicitamente na organização de

uma matéria jornalística, quanto na própria notícia. Desta maneira,

podem tanto ser fruto de manipulação deliberada (o que vai ao

encontro da perspectiva da economia política da comunicação como

fator de origem da notícia), de valores profissionais de newsmaking ou

de componentes culturais. (ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI,

2004, p.23, grifo do autor)

Porto (apud ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI, 2004, p. 23), por sua vez, afirma que

enquadramentos são “marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente que

permitem as pessoas fazer sentido dos eventos e das situações sociais”.

O enquadramento é a forma com que o produto jornalístico se define após serem levados em

consideração os aspectos, seja por ênfase, omissão ou exclusão de determinados dados.

Assim, tem-se a evidência da realidade ser uma construção por meio dos discursos.

Tais desfechos desses caminhos da informação dependem de qual tipo de enquadramento o

jornalista escolhe para construir a notícia. Soares (2009, p. 61) destaca o enquadramento da

responsabilidade, cuja aplicação consiste em apontar um único culpado – pessoa ou

instituição – por determinado problema.

Segundo Danilo Rothberg, uma categoria fundamental para compreender tal cenário é a do

conflito, que abrange o conceito do jogo. O autor sustenta que as reportagens parecem ser

motivadas não por perguntas do tipo “como a política pode contribuir para resolver os

problemas da sociedade?”, mas, sim, por “como a campanha do candidato pode ajudar ou

atrapalhar as suas chances de vitória?”. (ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI, 2004, p.56)

As coberturas jornalísticas trazem diariamente outros exemplos de jogo. Basta notar a

frequência no uso de expressões como “vitória/derrota nas urnas”, “embate entre

parlamentares”, “placar do impeachment”, ou até mesmo declarações feitas pelos próprios

políticos, tais como “o jogo não acabou”, “o jogo está só começando” ou “vamos virar esse

jogo”.

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37

Para compreender melhor este panorama, é válido abordar o conceito de jogo em um sentido

mais amplo. Huizinga (2004, p.6) afirma que “a própria existência do jogo é uma confirmação

permanente da natureza supralógica da situação humana [...] Em toda a parte encontramos

presente o jogo, como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da “vida comum”.

O autor defende o jogo como parte integrante da vida cotidiana, exercendo um papel de guia

para a sociedade em geral e, consequentemente, realizando uma função cultural por meio

dessa atuação.

Ele [(o jogo)] se insinua como atividade temporária, que tem uma

finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma satisfação que

consiste nessa própria realização. É pelo menos assim que, em

primeira instância, o ele se nos apresenta: como um intervalo em

nossa vida quotidiana. Todavia, em sua qualidade de distensão

regularmente verificada, ele se torna um acompanhamento, um

complemento e, em última análise, uma parte integrante da vida em

geral. Orienta a vida, ampliando-a, e nessa medida torna-se uma

necessidade tanto para o indivíduo, como função vital, quanto para a

sociedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu

valor expressivo, a suas associações espirituais e sociais, em resumo,

como função cultural. (HUIZINGA, 2004, p. 12, grifo do autor)

Percebe-se, pois, que o que era para ser um intervalo, uma pausa, uma quebra, torna-se

posteriormente uma função vital à sociedade. Tal argumento é corroborado por McLuhan

(1996, p. 48). Segundo ele, “o jogo esfria as situações quentes da vida real, arremedando-as”.

Para Huizinga (2004, p.16, grifo do autor), “a função do jogo [...] pode de maneira geral ser

definida pelos dois aspectos fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa

ou a representação de alguma coisa”.

A partir da afirmação do jogo como parte integrante da vida em geral, é possível dar início à

interpretação do conceito no campo político. As disputas dentro deste setor – diversas vezes

regidas por métodos imorais ou ilegais – tornaram-se corriqueiras, portanto inerentes a ele.

Assim, abre-se espaço para questionamentos sobre a postura de seus atores e suas alterações

de comportamento. “Dentro do círculo do jogo, as leis e costumes da vida quotidiana perdem

validade. Somos diferentes e fazemos coisas diferentes [...] O indivíduo disfarçado ou

mascarado desempenha um papel como se fosse outra pessoa, ou melhor, é outra pessoa”.

(HUIZINGA, 2004, p. 15-16, grifo do autor)

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Pode-se afirmar, dessa forma, que tais alterações contribuem fundamentalmente para as

simplificações no caminho da compreensão, abastecidas pelo jogo tanto no meio político

quanto nos critérios adotados para divulgá-la, corroborados, por sua vez, pelos profissionais

da comunicação. “Mais do que uma realidade falsa, sua representação é a realização de uma

aparência: é ‘“imaginação”’, no sentido original do termo”. (HUIZINGA, 2004, p. 17)

Começa-se aqui a aumentar a percepção da existência do jogo no campo jornalístico. Pode-se

dizer duas coisas: que o jogo do jornalismo é derivado do jogo da política, mas que ele

também é um cenário à parte, ou seja, algo como um jogo dentro de outro jogo. Para tentar

elucidar essa questão, vale apoiar-se nas palavras de Otávio Frias Filho, atual dono e diretor

de Redação da Folha de S.Paulo. Para Frias Filho (1984, p. 3), “a estratégia do mercado é

sem dúvida a lógica implacável da imprensa”.

Neste aspecto, o mercado é resultado da integração entre mídia e público-alvo, cujos perfis se

assemelham e cujos interesses se complementam. E esse cenário, que podemos chamar de

“jogo de mercado”, é desenhado por traços compostos de valores econômicos oriundos de

audiência, anúncios publicitários e dividendos, estes responsáveis por determinar não apenas

o que será noticiado, mas sobretudo como será noticiado.

Em outras palavras, não é a imprensa burguesa quem institui um

público sujeito à estratégia de mercado e às manipulações que dela

decorrem, mas que é o caráter mercadológico da notícia quem institui,

numa ponta, a imprensa burguesa, na outra o público burguês, e entre

eles uma simbiose de interesses complementares. (FRIAS FILHO,

1984, p. 3)

De acordo com Frias Filho, o sucesso jornalístico é fruto de uma mescla bem gerida pelo

marketing entre o certo e o duvidoso, pois dessa forma o leitor, por meio do fato, terá a

chancela da credibilidade somada à expectativa sobre possíveis desdobramentos.

O segredo jornalístico consiste em fazer com que uma base máxima

de certeza (dada pelo gancho) seja recoberta por uma superfície de

máxima incerteza (dada pela notícia). Bem que se vê que a “lei” do

contrastamento, irreconhecível em sua força, se desdobra e se

reproduz também nesse plano. (FRIAS FILHO, 1984, p. 4, grifo do

autor)

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A sede pela curiosidade, natural do público e reforçada pelos meios de comunicação, dá

margem para a aparição de ruídos nesse caminho. Retomando o conceito de imediatismo, há

de se afirmar novamente que:

Nem sempre o conhecimento dos problemas é garantia de sua

resolução (idéia que talvez não passe de uma fantasia cientificista)

mas ele pode permitir o amadurecimento de uma atitude mais prática e

mais prudente em relação ao objeto das nossas preocupações. A

consequência útil é que nos tornamos menos suscetíveis à surpresa e

menos vulneráveis à possibilidade, bem como aos efeitos, do

equívoco. Isso é preferível a iludir-se com soluções prontas, ou

comprazer-se com a sua facilidade, ou permanecer hipnotizado pelas

aparências. (FRIAS FILHO, 1984, p. 4)

No entanto, a velocidade da informação, acelerada justamente pela tal “lei” do contrastamento

por meio da mescla entre certo e duvidoso, quase sempre impede que se tenha conhecimento

da complexidade dos problemas. É fato que existe curiosidade, porém aguçá-la de tal forma

faz com que a questão ética fique em segundo plano. De modo geral, é notória a dificuldade

dos brasileiros em compreender o cenário atual. Evidentemente, não há apenas um culpado,

por isso é preciso ampliar esse “raio de responsabilidade”.

Transformada em mercadoria, a informação acaba sendo simplificada,

condensada, personalizada, descontextualizada, dando ênfase à ação

em vez de ao processo, à visualização em vez de à abstração, ao

estereótipo em vez de à complexidade humana. (SOARES, 2009, p.

116)

Esse estilo de abordagem, relacionada ao conceito de jogo, abre um precedente perigoso às

interpretações dos conteúdos noticiosos, uma vez que tratar dos assuntos principalmente como

campos de enfrentamentos entre os envolvidos gera uma simplificação de algo que exige

maiores esforços para compreendê-los. Consequência disso é a ausência de questionamentos

para os temas veiculados, o que acarreta, inclusive, em uma fissura no sistema democrático e

no direito do acesso à informação.

Não se trata apenas de “ouvir os vários lados” de um assunto,

conforme reza o senso comum dos jornalistas, mas sim de apurar a

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diversidade de perspectivas que importam para o fato em exame. O

procedimento não se resume a colher visões alegadamente contrárias,

colocando umas diante das outras, simplesmente. Primeiro, porque

onde o olhar apresentado vê apenas oposições, pode haver matizes,

contrastes e sintonias inesperadas. Segundo, porque as diferenças

entre as perspectivas relevantes precisam ser elucidadas, em

aproximações refletidas. (ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI,

2004, p.58)

Como alternativa para evitar que se caia nesse vício, o autor sugere a aplicação do

enquadramento temático, pois trata-se de uma técnica que envolve pluralismo e equilíbrio,

onde direita e esquerda não sejam meramente tratados como problema e solução, e vice-versa.

Se uma matéria apenas descreve, por exemplo, os candidatos nos

termos de suas chances de vitória, ela promove um enquadramento

estratégico, pouco compatível com as exigências de formação política

envolvidas na cidadania moderna; se examina as reivindicações de

trabalhadores rurais em uma invasão de terras sob o prisma da ênfase

na infração da ordem legal, falha em oferecer equilíbrio; se informa as

exigências de categorias grevistas somente após ter relatado os

distúrbios nas ruas ocupadas pelos protestos, ali o pluralismo é

negligenciado por uma versão com enquadramento episódico

(ROTHBERG in CHRISTOFOLETTI, 2004, p. 60-61, grifos do

autor)

O autor segue:

[...] se anuncia a nova política social com destaque para os choques

entre mandatários responsáveis por sua implementação, promove um

enquadramento de conflito; se noticia a violência cometida por ou

contra adolescentes em conflito com a lei sem a contextualização legal

e conceitual devida, apenas com ênfase sobre os aspectos sensacionais

do fato, também neste caso, como em todos os outros acima, priva o

indivíduo dos enquadramentos temáticos que são necessários à sua

formação integral enquanto sujeito político. (ROTHBERG in

CHRISTOFOLETTI, 2004, p. 61, grifo do autor)

Soares (2006, p. 41) afirma que o pluralismo é a condição da expressão dos interesses

divergentes e da sua confrontação pacífica, bem como a manifestação das divergências

sociais.

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Mas será o pluralismo um conceito possível de ser aplicado pelo jornalismo nos moldes

atuais?

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Capítulo 4 – Experiência como alternativa

O jornalismo, baseado em uma cultura hegemônica arquitetada em comunhão com a

sociedade, tem como uma de suas funções fornecer informações para o público. Sob esta

ótica, ampliando para o campo social, dizer que o ser humano moderno é inteligente também

significa considera-lo um indivíduo informado. Todavia, a velocidade com que os conteúdos

são propagados abre margem à seguinte questão: estar bem informado é necessariamente

bom?

Jorge Larrosa apresenta contrapontos a esse sistema, baseando seu argumento na falta de um

sentido para a tal busca incessante pela informação.

O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando

informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação;

cada vez sabe mais, cada vez está mais bem informado, porém, com

essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido

de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”, o que consegue

é que nada lhe aconteça. (LARROSA, 2014, p. 19)

Marshall McLuhan classifica como “Idade da Angústia” o período da eletricidade,

responsável pelo abastecimento do sistema que transformou a sociedade em um reduto de

multiconexão e superinformação: “Esta é a Idade da Angústia, por força da implosão elétrica,

que obriga ao compromisso e à participação, independentemente de qualquer “’ponto de

vista’” (MCLUHAN, 1996, p. 19)

Para Larrosa (2014), a informação impede a experiência. E à atual sociedade, multiconectada

e superinformada, falta, portanto, experiência. Mas o que exatamente é experiência?

“Experiência sf. Ato ou efeito de experimentar. / Prática da vida; ensaio; prova; tentativa”

(MACHADO, s.d.).

Não é suficiente, entretanto, restringir-se apenas ao significado escrito em um dicionário da

língua portuguesa, uma vez que a intenção aqui é explorar outras opções para definir essa

palavra.

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não

o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,

quase nada nos acontece” (LARROSA, 2014, p. 18)

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Larrosa explica que não se trata de uma realidade, um fato, muito menos um conceito, e que

não é algo fácil de definir ou de identificar. Portanto, a experiência não pode ser objetivada.

A aparente falta de clareza ao se tentar definir experiência mostra o teor de sua complexidade.

Para viver uma experiência, é preciso assumir uma espécie de sujeito passivo, ou, mais

especificamente, paciente, função que também poderia ser chamada de “passividade ativa”,

pois, apesar da necessidade de entregar-se à determinada situação, não é possível fazê-lo sem

um quê de atitude própria. Essa passividade ativa, portanto voluntária, emerge como

alternativa ao desafio de lidar com o jogo perverso da informação. É preciso também atentar-

se às diferenças entre experiência e opinião, já que foi trazido à tona um caráter subjetivo, ao

propor ao indivíduo um maior exercício de sua individualidade. O ser humano pode desejar

fazer algo diferente, que fuja das características de seu cotidiano, seja por vontade ou por

necessidade. E constantemente essa aspiração é concretizada. Porém, o lado ativo da

passividade corresponde apenas à entrega, ao padecimento e ao entendimento de que é preciso

se deixar levar, o que é difícil, sobretudo por uma insegurança oriunda da plena adaptação ao

cenário enraizado da informação, gerando, por sua vez, comodidade a um sistema cujas regras

e ações estão bem delineadas, ao menos no que tange o tamanho do obstáculo ao tentar

desgarrar-se de coisas pré-fabricadas. Assim, torna-se inviável viver uma experiência – neste

sentido proposto – se a pessoa traça metas antes de iniciar uma atividade. Se a passividade

ativa ultrapassa o ato de deixar-se levar para se transformar em um planejamento, um roteiro

ou um itinerário, a experiência morre. Ou melhor, ela sequer existe.

Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a

partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito

agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação,

mas a partir de uma lógica da paixão. E a palavra paixão pode referir-

se a várias coisas. Primeiro, a um sofrimento ou um padecimento. No

padecer não se é ativo, porém, tampouco se é simplesmente passivo. O

sujeito passional não é agente, mas paciente, mas há na paixão um

assumir os padecimentos, como um viver, ou experimentar, ou

suportar, ou aceitar o padecer que não tem nada a ver com a mera

passividade, como se o sujeito passional fizesse algo ao assumir sua

paixão. (LARROSA, 2014, p. 28-29)

É maior do que se imagina – ao menos deveria ser – a relação entre jornalismo, informação,

sociedade e experiência. Como recomendação antes de prosseguir, é importante evitar a

confusão entre os termos “experiência” e “experimento”, caso este seja atribuído ao campo

analisado. Baseado nos conceitos de Jorge Larrosa, experimento remete a algum método já

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criado, a algo enraizado, ou seja, algo previsto. E previsibilidade certamente não é o que a

experiência busca. A experiência abre espaço para diferentes visões, novas ideias e, por que

não, quebra de paradigmas. Para Larrosa (2014, p. 34), “se a lógica do experimento produz

acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz

diferença, heterogeneidade e pluralidade”.

O autor corrobora a necessidade de alertar sobre os problemas gerados pela díade

informação–opinião. Há quase uma obrigação em dar opiniões sobre o que é veiculado, e,

dado o excesso de conteúdo nessa disseminação, naturalmente existe também opinião em

abundância. O estar a favor ou contra se faz latente, basta observar as reações a determinado

tema, constantemente dicotômicas entre o sim e o não, o bom e o ruim.

A informação seria o objetivo, a opinião seria o subjetivo, ela seria

nossa reação subjetiva ao objetivo. Além disso, como reação

subjetiva, é uma reação que se tornou para nós automática, quase

reflexa: informados sobre qualquer coisa, nós opinamos. Esse

“opinar” se reduz, na maioria das ocasiões, em estar a favor ou contra.

(LARROSA, 2014, p. 21)

Segundo Walter Benjamin (1985, p. 197), é a experiência de que a arte de narrar está em vias

de extinção. Se jornalismo, de acordo com uma de suas definições, é contar histórias, o

momento sugere reflexão, visto que o imediatismo gerado pelo modo de produzir informação

impede narrativas aprofundadas, restringindo-se apenas a uma das vertentes do factual: a de

dar, mas burocraticamente, o espaço à voz do outro. No máximo a fontes oficiais, muitas

vezes por meio de notas curtas, para conferir, dependendo da ótica, contestável legitimidade

ao conteúdo.

Quer dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da

informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência. E o fato

do periodismo destruir a experiência é algo mais profundo e mais

geral do que aquilo que derivaria do efeito dos meios de comunicação

de massas sobre a conformação de nossas consciências. (LARROSA,

2014, p. 21)

Para Benjamin (1985, p. 198), “é como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos

parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.”

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No pacote dos entraves causados pelo jogo da informação, pode-se colocar também o

pensamento. Afinal, se a velocidade submetida à propagação dos conteúdos, veiculados em

doses industriais, somada à “obrigação” em lê-los, ouvi-los ou assisti-los instantaneamente

para garantir a chancela de sujeito bem informado, acaba por gerar a tão referida falta de

tempo. Naturalmente, esse problema impede que as pessoas pensem, reflitam, conversem, e

mostra-se evidente na falta de qualidade de debates, hoje regados à intolerância e análises

rasas. O argumento de estar bem informado, neste sentido, tornou-se um senso comum de

difícil reversão, haja vista as várias situações constrangedoras passadas por quem se propõe

simplesmente a pensar, para, assim, buscar outros caminhos além dos conceitos já enraizados.

Pensar, por vezes, tornou-se algo perigoso.

Desgraçadamente é fato que em períodos de crises não há tempo para

pensar e duvidar, para distinguir e para dialogar; esse tempo já passou,

e só resta atuar, e atuar o mais rapidamente possível. Por isso refletir é

então retrasar, é comprometer a obra comum; o que então poderia se

chamar, com maior razão, <<a perigosa mania de pensar>> - segundo

as famosas palavras da Universidade de Cevera a Fernando VII –

equivale quase a uma deserção, até a uma traição. (SAGRERA, 1967,

p. 71-72, tradução nossa)

Pensar talvez seja a proposta fundamental deste trabalho. Se esquerda e direita foram diluídas

ao longo da história, se os partidos políticos estudados – um vinculado a cada espectro no

senso comum – descolaram-se de suas raízes, se o excesso de informação – pela maneira com

que o processo de origem e divulgação é conduzido – abre espaço para questionamentos, não

há nada mais recomendável do que buscar compreender essa engrenagem. O objetivo não é

encontrar uma solução definitiva, nem respostas contundentes, mas, sim, novas perguntas,

para abrir novas discussões e novas possibilidades. Isso só será atingido se houver

pensamento.

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Capítulo 5 – Histórico do jornal “Folha de S.Paulo”

Para compreender a atual postura da Folha de S.Paulo, é recomendável analisar, ao menos

resumidamente, sua trajetória.

A história tem início em 1921, com a fundação do jornal “Folha da Noite”; quatro anos

depois, foi criada a edição matutina do periódico, a “Folha da Manhã”. Após um intervalo

maior, nasceu a “Folha da Tarde”, em 1949, para completar os turnos. A Folha de S.Paulo que

opera nos dias de hoje desabrochou em 1ºde janeiro de 1960 como fruto da fusão dos títulos

“Folha da Noite” e “Folha da Manhã”, mantendo a numeração desta.

Para esta monografia, faz-se recomendável direcionar o foco para a avaliação do ponto de

vista ideológico, por meio da forma com que se dá sua inserção no mercado. Serão dadas

pinceladas em momentos marcantes envolvendo o jornal.

Assim como qualquer veículo, a Folha possui função política em seu modo de agir. E dizer

que sua função é política não é crítica, mas, sim, constatação, ao menos é o que diz o atual

dono do jornal, Octavio Frias Filho. Trata-se de uma postura vinda de décadas, adquirida pelo

papel assumido: o de ponte entre o público e o privado.

A característica da imprensa que define sua função inevitavelmente

política é o processamento dessas múltiplas mediações entre o público

e privado, em ambos os sentidos. Com o desaparecimento da distinção

entre público e privado desapareceriam automaticamente os jornais.

(FRIAS FILHO, 1984, p. 4)

O mercado ao qual a Folha e o jornalismo estão inseridos são posteriores, segundo Frias, mas

pode-se fazer aqui uma adaptação do conceito ao passado, mais precisamente à ditadura

militar, que, embora não tenha sido o “mercado”, foi um período e um cenário a que o veículo

teve de se adequar. E aos poucos se adequou.

Nos primeiros meses de ditadura, a crítica que a Folha fazia ao regime

era periférica e pontual, como quando protestou contra a demissão e a

prisão de professores da USP por motivos políticos com os editoriais

“Dedo-duro da USP³ e “Ofensa à universidade”. De modo geral,

porém, o jornal manteria o apoio ao governo, adotando “o silêncio

tático quanto aos destemperos da nova ordem militar”.

(PILAGALLO, 2011, p. 173)

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E conforme a ditadura se intensificava, o jornal seguia em tom complacente e desfrutava do

“mercado”.

Sem fazer críticas ao regime, a Folha aproveitava as circunstâncias

econômicas favoráveis e crescia. Em pouco tempo, o grupo já poderia

ser descrito como um pequeno conglomerado jornalístico. Entre 1968,

Frias e Caldeira (nota – Carlos Caldeira Filho, empresário e sócio de

Frias) compraram dois jornais – Notícias Populares e Última Hora -,

criaram outros dois – Cidade de Santos e Folha da Tarde -,

adquiriram parte de uma emissora de televisão – a TV Excelsior -,

assumiram a Fundação Cásper Líbero e investiram na mais moderna

tecnologia de impressão, o offset. (PILAGALLO, 2011, p. 174, grifos

do autor)

Na época, a linha editorial da Folha, de submissão ao regime militar, se mantinha semelhante

à do outro grande periódico da capital paulista: O Estado de S.Paulo. Entretanto, a ousadia de

um deputado mudou o curso das coisas.

Os jornais só tomariam rumos diferentes a partir de 12 de dezembro

de 1968, com a crise gerada pela recusa da Câmara em permitir a

punição do deputado Márcio Moreira Alves por um discurso

provocador às Forças Armadas, feito três meses antes [...] A Folha

tenta convencer o governo a reagir democraticamente, aceitando o

revés [...] Já o Estado parte para o ataque direto a Costa e Silva.

(PILAGALLO, 2011, p. 177)

A edição d’ O Estado de S.Paulo que continha esse editorial, porém, foi confiscada antes que

circulasse. Ordem do presidente Costa e Silva, que horas depois decretou o AI-5, fechando o

Congresso, dando a si poderes extraordinários e suspendendo uma série de garantias

constitucionais. Já Folha acatou a censura mantendo sua postura não provocativa.

O ponto de virada se deu no início de 1974, quando Ernesto Geisel estava para tomar posse

como presidente. Octavio Frias de Oliveira, pai de Otavio Frias Filho e então proprierário da

Folha, se reuniu com o general Golbery de Couto e Silva, futuro chefe da Casa Civil. Golbery

sugeriu um projeto de abertura política, algo que O Estado de S.Paulo já havia feito. Em

outras palavras, a proposta era a de dar passos em direção à democracia, adotando postura

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crítica em relação ao regime militar. Segundo Pilagallo (2011, p. 215), “a opção atendia

também à necessidade de posicionamento do jornal no mercado, ocupando um espaço que, na

época, encontrava-se vazio”.

O mercado, desta vez, era a sociedade civil. Pilagallo (2011, p. 216) recorda que “em

novembro de 1974, a oposição obteve expressiva vitória nas urnas, e o jornal vislumbrou a

oportunidade de ampliar sua importância atendendo à expectativa de um número crescente de

eleitores que, pelo voto, condenavam os militares”. Desde então, a pressão pelo fim da

ditadura e por eleições diretas só crescia, sendo a Folha o veículo mais combativo, tanto que

passou a ser chamada de “jornal das Diretas”.

O foco no período ditatorial foi dado para elucidar as nuances existentes no caminho do

processamento da informação. Percebe-se que ora o jornal opta por criticar as autoridades

vigentes, ora adota posição de apoio ou resignação. A escolha vem de acordo com a

conveniência que o momento oferece.

Findo o regime em 1985, o termo “mercado” sofreu nova readequação. Agora, é a vez do

marketing, como foi abordado no item 3.2.

E se na época da ditadura a fala da imprensa era a da subordinação ou

da resistência inócua, quase maravilhados os críticos descobrem,

agora, que a sua nova fala é a fala do mercado. Se um jornal descola

do conjunto dos demais e se antecipa, é por marketing; se um outro

adere tardiamente, também. (FRIAS FILHO, 1984, p. 3)

O grande destaque ocorrido nos anos seguintes foi o embate entre Folha e o presidente

Fernando Collor de Mello. Em 1990, ao adotar postura crítica em relação às medidas

econômicas do então mandatário, a sede do jornal foi alvo de uma invasão de agentes da

Polícia Federal. O órgão levou dois diretores e uma secretária para prestarem depoimentos

sobre emissão de faturas em cruzeiros, consideradas ilegais, e Folha, ao contrário dos anos de

chumbo, não se intimidou e respondeu com um editorial denominado “A escalada fascista”.

Em vez de se explicar, Collor decidiu processar o jornal, que rebateu, na edição seguinte, com

a “Carta aberta ao sr. presidente da República”, escrita por Octavio Frias Filho.

A Folha de S.Paulo assumiu papel determinante para o impeachment de Collor, ratificado em

1992. Tal conduta poderia ter sido diferente, analisando do ponto de vista mercadológico,

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caso não houvesse uma insatisfação generalizada em função, sobretudo, da alta inflação no

país. Assim, o incômodo popular atuou como combustível para que o jornal tomasse a linha

de frente.

Mais adiante, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, chancelado pelo Plano Real, o

primeiro mandato não contou com maiores questionamentos. Estes despontaram após a

reeleição do tucano, período no qual a inflação voltou a subir, deixando a economia

novamente em situação delicada. Na época, o veículo não atuou fora de seu padrão, inclusive

mostrando certa aceitação durante os primeiros anos de Lula no poder.

A espécie de lua-de-mel teve seu fim quando veio à tona o escândalo do Mensalão, em 2005,

mas o petista, gozando de altíssima popularidade, foi reeleito e, contrariando prognósticos,

emplacou por duas vezes sua sucessora, Dilma Rousseff.

A questão é que historicamente os governos à esquerda do espectro político não são bem

quistos no mercado – do ponto de vista econômico. A insatisfação do setor foi fundamental

para impulsionar o processo de impeachment de Dilma em 2016; portanto, os veículos,

incluindo Folha, embarcaram nessa ideia e endossaram o coro. Essa repulsa é aplicada

também a regimes de esquerda na América Latina, e abre brechas para polêmicas, por

exemplo em 17 de fevereiro de 2009, quando, em editorial, o jornal criticava o governo de

Hugo Chávez na Venezuela, além de abordar outros regimes sul-americanos. Por outro lado,

um dos elementos de comparação do comportamento da Folha é a já famosa referência à

ditadura no Brasil, feita em 2009, em editorial, na qual o termo “ditabrandas” soou como

complacência em relação aos anos de chumbo.

Mas se as chamadas “ditabrandas” – caso do Brasil entre 1964 e 1985

– partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou

instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça -, o

novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori

no Peru, faz o caminho inverso. (FOLHA DE S.PAULO, 2009)

Embora o fato acima esteja mais relacionado ao campo da polêmica, é inegável que ele ilustra

esse cenário conturbado que protagonizam jornalismo, política e sociedade. Como já dito ao

longo desta monografia, é impossível adotar uma postura neutra, entretanto assumir uma

posição, seja ela qual for, na maioria dos casos assume caráter secundário como forma de

priorizar o mercado, esteja ele representado por governo, sociedade ou outros grupos.

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Grupos ligados à esquerda comparam a postura da imprensa atual com ao que se via durante o

regime militar, no seu alinhamento com os governantes, argumentando, sobretudo, sobre a

existência de um golpe em curso no Brasil, uma vez que se trata de um processo envolvendo

uma série de nomes arrolados à corrupção contra uma pessoa democraticamente eleita e que

até o momento questiona-se se os argumentos apresentados são suficientes para incriminá-la.

Mas o tal golpe, entretanto, é chancelado pela imprensa.

Mais recentemente, em 2 de setembro de 2016, a Folha publicou editorial criticando com

veemência quem foi às ruas protestar contra o impeachment de Dilma, ratificado um dia antes.

Naquela noite, manifestantes quebraram fachadas de agências de bancos privados,

arremessaram pedras contra a sede do jornal e responderam a agressões policiais que

deixaram pessoas cegas, feridas, inclusive jornalistas e fotógrafos. A conduta da PM,

entretanto, não foi repudiada.

Intitulado “Fascistas à solta”, o texto interpretou desta maneira o ocorrido:

Grupelhos extremistas costumam atrair psicóticos, simplórios e

agentes duplos, mas quem manipula os cordéis? O que pretendem tais

pescadores de águas turvas? Quem financia e treina essas patrulhas

fascistoides? Está mais do que na hora de as autoridades agirem de

modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao

rigor da lei. (FOLHA DE S. PAULO, 2016)

Vale dizer que quando havia grupelhos extremistas clamando por intervenção militar em

protestos contra a ex-mandatária, por exemplo, em nenhum momento o jornal questionou

sobre quem os financiava.

O editorial também relembra as manifestações contra o aumento da tarifa no transporte

público em junho de 2013, um dos elementos de análise deste trabalho: “Desde as jornadas de

junho de 2013, agentes provocadores caracterizados como “’black blocks’” praticam

depredações e outras formas de vandalismo e continuam impunes”. (FOLHA DE S.PAULO,

2016)

Em suma, percebe-se a fundo a existência de uma ideologia mais conservadora que, apesar da

dissimulação que lhe é intrínseca, a contradição aparece após alguns deslizes como o uso das

“ditabrandas”, além da constante visão pró-mercado.

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Capítulo 6 - Metodologia

Os critérios de escolha dos objetos de análise desta pesquisa se deram a partir do

protagonismo de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad em suas respectivas gestões de

governador do estado de São Paulo e prefeito da Capital.

Em suma, avaliei como a Folha de S.Paulo, por meio de 236 reportagens do caderno

Cotidiano, tratou dos fatos envolvendo tucano e petista nesses diferentes cenários, a partir dos

conceitos de direita e esquerda e dos critérios listados abaixo.

O primeiro passo foi separar as notícias baseando-se nos espectros políticos ocupados pelos

dois. Enumero aqui os temas para detalhar o período de estudo. Em relação ao tucano, o

procedimento apoiou-se sobre matérias referentes à crise da água (tema 1), além da ocupação

de escolas em função da reorganização escolar (tema 2). Já no que concerne ao petista, os

temas escolhidos foram a implantação de ciclovias e fechamento de vias da Capital (tema 3),

além da redução do limite de velocidade nas ruas e avenidas (tema 4). Há também um tema

que vale tanto para Alckmin quanto para Haddad, por haver participação simultânea de ambos

no processo: as jornadas de junho de 2013 (tema 5).

Com exceção do último tema, o foco direcionou-se ao ano de 2015, de acordo com os dias nos

quais as reportagens foram veiculadas com frequência quase diária.

No tema 1, analisei o período de 2 de janeiro a 29 de março, totalizando 62 notícias; tema 2:

23 de setembro a 19 de dezembro (54 notícias); tema 3: 20 de março a 22 de setembro (44

notícias); tema 4: 9 de julho a 30 de setembro (28 notícias). A faixa de avaliação do tema 5

ficou entre os dias 12 e 20 (48 notícias).

Depois disso, delineei categorias de análises para as reportagens. O objetivo aqui foi mostrar

se o jornal tratou os respectivos políticos e partidos como ícones da polarização criada na

relação entre as siglas, ou se foram consideradas as alterações nesses conceitos, bem como os

deslocamentos das legendas dentro do espectro político.

Caso o jornal tenha focado em Haddad e Alckmin, contrapondo-os em campos políticos,

apliquei a categoria Bipolar.

Agora, quando algum deles foi atrelado a seu campo com viés positivo ou negativo, usei as

categorias Polar positivo e Polar negativo.

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E levando em conta as palavras de Norberto Bobbio, num eventual posicionamento que se

descole dos polos e crie uma espécie de terceira via, empreguei a categoria Terceiro Incluído

/ Terceiro Inclusivo.

Outro campo provedor é formado pelos valores-notícia, denominação utilizada por Nelson

Traquina. A categoria Infração corresponde a momentos em que houve transgressão de

regras seja por parte dos políticos em análise, seja por “cidadãos comuns”. Escândalo é

aplicada, de acordo com Traquina, em casos de infração cometida pelo Estado, ou agente do

Estado. Esse conceito tem a ver com a lógica do Quarto Poder.

Conflito, por sua vez, emerge da existência de uma polêmica na reportagem, ou alguma

informação que cause controvérsia ao longo do texto.

Caso haja a aparição de um fato novo (apenas casos excepcionais) que surpreenda não só o

leitor, mas que também quebre a rotina dos jornalistas na produção das notícias e mereça a

expressão “parem as máquinas”, adotei a categoria Inesperado.

Em qualquer análise de mídia, é essencial dar amplo espaço à verificação dos

enquadramentos, pois são eles quem definem o que será incluído, excluído ou enfatizado nas

matérias.

A abordagem apropriada para o estudo de matérias jornalísticas é a

análise do enquadramento, produzindo resultados que põem em

evidência os vieses implícitos na sua produção. Trata-se de uma

metodologia que permite salientar o caráter construído na mensagem,

revelando a sua inclinação implícita, em textos aparentemente

objetivos, imparciais e com função meramente referencial.

(SOARES, 2009, p.58)

A primeira categoria deste campo é a Responsabilidade, técnica que consiste em apontar um

único culpado para determinado problema. Verifiquei como a Folha fez uso dela para

responsabilizar ou não Haddad e Alckmin sobre os temas escolhidos, bem como se houve

coerência no teor da culpa aplicada a cada um, para então comparar os dados.

O tipo de enquadramento detectado pela categoria Episódico é executado quando se analisa

uma questão de alta complexidade tomando como base apenas um caso isolado. Dessa forma,

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abre-se precedentes para interpretações equivocadas envolvendo também a culpabilidade de

um sujeito. Além disso, sua atuação faz contraponto ao conceito de pluralismo.

A categoria Conflito (jogo) nasce da reprodução dos embates no campo político. O

jornalismo endossa essas disputas sobretudo no uso de expressões bélicas ou sobre chances,

estratégias, possibilidades, resultados. Enfim, termos designados a coberturas esportivas.

Conflito é também um dos valores-notícia de Traquina, entretanto optei por atribuir esse

conceito ao jogo, cuja abordagem se deu com maior profundidade no item 3.1.

O viés crítico na avaliação do framing não inviabiliza a existência – ao menos a possibilidade

dela – do “enquadramento ideal”. Ele leva em conta uma série de aspectos além das outras

categorias desse campo, sobretudo o pluralismo, ato de também “dar a voz ao outro” mas não

de maneira burocrática. Além disso, esquerda e direita não são considerados meramente como

problema e solução, e vice-versa. A aplicação é difícil, mas a verificação, via categoria

Temático, é essencial.

Por fim, criei um setor para o uso de pares de categorias, isto é, critérios baseados em

conceitos antagônicos. A primeira delas é Continuidade / Complementariedade. A

continuidade aparece na instalação de certo tema como notícia durante muito tempo, mesmo

que possa haver perda de amplitude. Já a complementariedade é vista quando há a tentativa de

dar maior diversidade à narrativa (por exemplo, mescla entre textos e imagens, algo mais

harmonioso, ou mesmo um discurso menos reducionista) para não entediar o leitor, sem que

deixe de abordar o tema em questão.

O discurso Mercadológico, cuja relação com a Folha de S.Paulo foi abordada nos capítulos 3

e 5 para mostrar a influência dele na maneira como o veículo faz jornalismo, entra em ação

pela importância, e pela diferença, dos conceitos de interesse público e interesse do público.

Questões que dizem respeito à sociedade como um todo não necessariamente são de maior

conveniência a quem o jornal serve. É o tal mercado quem desenha esse cenário, visto aqui

com maior frequência em momentos em que houve pesquisas de opinião, por exemplo.

Em certas situações, é impossível determinar se houve ou não o emprego dessa categoria. Por

exemplo, pode-se argumentar que o jornal o fez ao dar espaço – ainda que ínfimo – ao “outro

lado” como forma de mostrar imparcialidade, ou mesmo alguma reportagem em locais onde o

acesso é quase inexistente. Entretanto, tudo isso pode também ser resultado do esforço do

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repórter após uma conversa com o editor, ou de sua determinação para conseguir a matéria.

Esses fatos são exemplificados ao longo do próximo capítulo.

O par Pluralismo / Reducionismo emerge de uma quebra no senso comum do jornalismo

atual, fruto de uma eventual cobertura mais ampla e menos agarrada a condutas pré-

determinadas (pluralismo). O pluralismo se assemelha ao enquadramento temático, enquanto

o reducionismo tem a ver com o episódico, ao atuar como simplificador (não necessariamente

a apenas um caso isolado) de situações que exigem maior aprofundamento nas análises.

Dou espaço agora à Historicidade / Eufemismo. A historicidade se faz necessária para situar

o leitor no contexto do tema abordado, principalmente quando este requer maior compreensão

sobre fatos ocorridos no passado. Uma atitude de determinado político pode ser noticiada

como novidade, com ar positivo; todavia, ele e demais atores podem ter manchas em sua

trajetória. Assim, fatos de interesse público seriam negligenciados. Nessa conjuntura atua o

eufemismo, figura de linguagem utilizada para atenuar fatos originalmente mais graves.

Finalizo essa apresentação com o par Experiência / Experimento. O conceito de experiência

exposto no capítulo 4 com base em Jorge Larrosa, é visto como algo muito mais complexo do

que o seu significado literal. Para o jornalismo, entendo que sua aplicação seja identificada

em reportagens que requerem maior tempo de construção, que valorize a voz dos

personagens, sobretudo das “pessoas comuns”, ou seja, não apenas de autoridades e órgãos

oficiais. Em suma, que se desenlace por completo de fatores como o imediatismo, e ao

máximo das questões do mercado em que o veículo está atrelado. Essa categoria teria de ser

aplicada com a percepção de que o jornalista se deixou levar pelos personagens

(positivamente), isto é, assumiu o tal sujeito paciente. Dito isso, conclui-se que o

“experimento” teve destaque ao notar-se que a matéria foi redigida de acordo com um padrão

pré-fabricado, com ideias pré-concebidas e sem considerar possibilidades de contar novas

histórias.

Ao longo da análise, usei imagens de algumas das reportagens, tanto os pontos mais evidentes

quanto os mais latentes, para ilustrar os critérios de posicionamento de certos termos. Essas

narrativas, embora não tenham como carro-chefe o caráter opinativo, também não foram

construídas de maneira neutra, uma vez que se trata de um conceito impossível de ser

aplicado ao jornalismo. O que se evitou aqui, certamente, foi o uso de qualquer tipo de

maniqueísmo envolvendo PT e PSDB, consequentemente Haddad e Alckmin, e sua relação

com esquerda e direita.

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Trata-se, portanto, do uso de uma percepção singular do tema aliada a estudos mostrados nos

capítulos anteriores para propor uma maior reflexão acerca dele.

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Capítulo 7 – Análise das reportagens

Este espaço é dedicado à avaliação das 236 matérias do caderno Cotidiano da Folha, por meio

das categorias criadas de acordo com informações da introdução e dos capítulos de 1 a 5.

O jornal fez uso massivo dos enquadramentos de conflito e jogo, talhados pelos fatos isolados

do enquadramento episódico. A exploração desses conceitos ocorreu de forma sistemática em

quase todas as reportagens. Isso também vale para o discurso de experimento, oposto ao

conceito de experiência, por Jorge Larrosa. Tudo isso conjugado ao valor de notabilidade,

intrínseco a esse modus operandi. Nenhuma das matérias analisadas adotou a experiência

nesses moldes. Já o enquadramento temático, modelo ideal de construção segundo o material

coletado, também inexistiu.

Figura 3: Gráfico mostra predominância dos enquadramentos episódico, jogo e conflito.

Outro fator a se observar é a preferência pelo negativo. As categorias Alckmin Negativo e

Haddad Negativo superaram com larga diferença seus opostos Alckmin Positivo e Haddad

Positivo.

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Figura 4: Gráfico revela discrepância entre negativo e positivo, seja qual for o político em questão.

A distribuição é parecida, retirando ou ao menos atenuando o fator ideológico sobre a essa

díade quando o assunto é o peso dado a um político e outro, lembrando que o número de

notícias sobre o governador foi maior. Alckmin foi negativado 57 vezes; Haddad, 38. A pecha

positiva foi designada nove vezes para ambos.

Ao longo deste capítulo há outras imagens que ilustram o uso desses critérios. Elas foram

retiradas do acervo digital da Folha de S.Paulo, nem sempre na formatação original. Por vezes

foi necessário alterar o posicionamento de algumas para harmonizar com o texto corrido.

Cada tema constitui um sub-item da análise.

É interessante perceber que há uma linha bem definida de narrativa, criando uma certa

automatização na cobertura. Além disso, direita e esquerda não se mostram vitais nesse

processo, ao menos no tocante a suas definições relatadas aqui. O veículo prioriza, sim, a

fixação de dois elementos, um em cada “lado” de maneira a criar uma atmosfera dicotômica,

bipolar, obedecendo a uma lógica de conduta. A base disso é formada por jogo e conflito, que

apresentam seus “adversários”. Mesmo que haja vários atores no ambiente, a narrativa os

divide em dois grupos antagônicos, fixando a ideia de um contra outro e reforçando o caráter

ideológico.

De qualquer forma, pois, esquerda e direita vêm à tona.

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7.1. Crise da água

Embora Geraldo Alckmin carregue parcela de culpa pela crise da água no Estado, este é um

problema que remete a fenômenos naturais, o que, portanto, contribui para certa repulsa do

tema em relação ao governador. O que por vezes é tentador é questionar se o tratamento seria

repetido, ou até intensificado, caso a autoridade em questão fosse representada à esquerda do

espectro político. Contudo, isso seria algo como “morder a isca”, já que uma das propostas

deste estudo é justamente a de propor reflexões além do maniqueísmo causado por essa

binariedade.

O jornal focou na dramatização dos acontecimentos, aspecto carregado em várias de suas

manchetes, abordando-os majoritariamente de forma episódica.

Figura 5: Folha de S.Paulo, 24 de janeiro de 2015, p. C8

Opção de Alckmin em caso de colapso do sistema Cantareira, a água da represa Billings não

apresentava condições ideais para substituir o reservatório principal. Assim, Folha destacou a

poluição no local para questionar a escolha do governador.

O conceito de jogo foi aplicado em meio às tentativas por parte de governo e Sabesp em

contornar o problema, bem como a atribuição do problema à gestão tucana.

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Figura 6: Folha de S.Paulo, 14 de fevereiro de 2015, p. C8

Aqui, a Folha faz uso do caráter bélico ao contexto que envolve “armas” da Sabesp no

combate (outro termo intrínseco ao jogo) à crise. O jornal dá caráter de “guerra” à grande

parte de suas narrativas. Responsabiliza-se o consumidor, ressaltando a necessidade de tal

interferência.

Entretanto, o que mais chamou atenção na cobertura desse tema foi o desequilíbrio no raio de

ação da equipe de reportagem. As matérias se concentraram praticamente nas áreas mais ricas,

entre Centro, zona Sul e zona Oeste, relatando dificuldades de condomínios, restaurantes,

escolas e salões de beleza. Raramente a periferia tinha espaço. Abre-se, assim, brecha para o

emprego do discurso mercadológico, relacionado ao interesse do público.

Figura 7: Folha de S.Paulo, 14 de janeiro de 2015, p. C3

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Figura 8: Folha de S.Paulo, 14 de janeiro de 2015, p. C3

Espaço para locais de maior poder aquisitivo: Pinheiros, Vila Madalena e Consolação: cena

corriqueira.

Figura 9: Folha de S.Paulo, 22 de fevereiro de 2015, p. C5

Seguindo a linha de cobertura nessas regiões, o veículo voltou a aplicar termos bélicos para

ilustrar a situação vivida em restaurantes de Vila Nova Conceição, Higienópolis e,

novamente, Vila Madalena.

Na mesma reportagem, houve um apelo a regras de etiqueta com dicas de um especialista da

área. É preciso deixar certos prazeres de lado e ser “cafona” para conviver com a crise hídrica.

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Figura 10: Folha de S.Paulo, 22 de fevereiro de 2015, p. C5

Em certo momento, emergiu o termo “seca”. É possível que sua aparição tenha se dado mais

até como forma de evitar repetições de expressões já utilizadas, ou para elevar o tom de

dramatização ao fato, embora não seja suficiente para considerar que foi aplicado um discurso

de complementariedade, um valor de construção de equilíbrio ou a própria dramatização. O

que deve-se dizer é que “seca” é um fenômeno climático e, portanto, natural. Naturaliza-se,

assim, o ocorrido, abrindo margem para a retirada da responsabilidade de Alckmin.

Figura 11: Folha de S.Paulo, 26 de janeiro de 2015, P. D4

Essa manchete introduz uma reportagem que vale a pena ser esmiuçada para salientar a

disparidade presente na relação centro x periferia.

Figura 12: Folha de S.Paulo, 26 de janeiro de 2015, P. D4

São diversos os exemplos de colégios particulares, tradicionais e/ou localizados no centro

expandido.

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Figura 13: Folha de S.Paulo, 26 de janeiro de 2015, P. D4

Em contrapartida, o jornal sequer cita nomes de escolas públicas que sofriam com o

desabastecimento. São levadas em conta apenas declarações curtas da Secretaria de Educação.

É muito raro o veículo chegar a regiões mais afastadas.

Figura 14: Folha de S.Paulo, 28 de janeiro de 2015, p. C4

Figura 15: Folha de S.Paulo, 28 de janeiro de 2015, p. C4

‘Grande SP’ cria a expectativa de a cobertura se desgarrar do centro. E, desta vez, acontece. A

Folha chegou até o bairro de Cangaíba, na zona leste, e fez breves entrevistas com alguns

personagens, como nas outras matérias convencionais.

Outro critério aplicado nesta pesquisa é o escândalo. Como explicado no capítulo

Metodologia, esse valor-notícia corresponde à ocorrência de transgressão de regras por parte

de autoridade, como no caso abaixo.

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Figura 16: Folha de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2015, p. C1

Folha revela a manobra, mas generaliza o sujeito da ação, denominando “SP”. Isso, porém,

não é um atenuante suficiente para considerar a existência da categoria “eufemismo” e anular

por completo a negatividade do governo.

Dentro de jogos, há conflitos. Mas também existem conflitos entre “companheiros de equipe”.

O jornal deu exemplos disso em textos tanto envolvendo autoridades do governo estadual,

como os “cidadãos comuns”. E ocorrências como essas envolvendo funcionários de Geraldo

Alckmin contribuem para dar tom negativo ao tratamento para com o tucano. Discordâncias

são naturais – até produtivas, pode-se dizer – em quase todos os ambientes, todavia, quando

isso ocorre, o destaque dado pelo jornalismo será maior.

Figura 17: Folha de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2015, p. C1

Agora mostro conflitos internos entre os “cidadãos comuns”. Conflitos estes que se passam

em ambiente das classes mais ricas financeiramente. Pela localização e por essa abordagem

derivada do jogo, trata-se de uma nova aplicação ferrenha do discurso de experimento.

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Figura 18: Folha de S.Paulo, 18 de janeiro de 2015, p. C6

Figura 19: Folha de S.Paulo, 18 de janeiro de 2015, p. C6

A reportagem finaliza seu mergulho em pontos nobres da cidade destacando a palavra

‘terrorismo’, ainda que ela não tenha sido necessariamente a principal do trecho. Mas nesse

caso o que importa é o impacto natural do termo.

Figura 20: Folha de S.Paulo, 15 de março de 2015, p. C6

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Exemplos internacionais. Em todos os temas analisados, eles aparecem como notáveis

elementos de comparação. Quase invariavelmente de forma positiva, atuando como modelos a

serem seguidos. Pelo padrão adotado, trata-se novamente de um discurso experimental, que

nesse aspecto emerge como agente maniqueísta, reforçando a ideia bipolar de bom e ruim.

A lembrança da capital japonesa é um convite ao critério de equilíbrio e ao discurso de

complementariedade. Apesar de não se tratar só de São Paulo, a citação acima tem como foco

ressaltar o cenário delicado do estado na questão hídrica. Tóquio foi o gancho encontrado para

quebrar uma sequência. Mas, logo abaixo, foi possível encontrar um exemplo mais claro

desse tipo de enquadramento.

Figura 21: Folha de S.Paulo, 6 de março de 2015, p. C4

Matéria relembra carro que estava submerso durante os ‘tempos áureos’ do Cantareira.

Combinação textual-imagética formam equilíbrio e complementariedade, no entanto não

caracteriza o discurso ‘semiutópico’ da experiência. Para tal, seria preciso maior imersão na

reportagem.

O discurso de experiência não foi identificado no conteúdo referente à crise da água,

tampouco o enquadramento temático, considerado um modelo de construção a partir do

material coletado para esta monografia.

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Figura 22: Folha de S.Paulo, 29 de janeiro de 2015, p. C4

Apenas por essa visão macro percebe-se o tom apelativo desta reportagem, já impedindo a

presença do enquadramento temático e do discurso de experiência, uma vez que a

dramatização – haja vista a frequência de sua aparição – faz parte do conceito de experimento.

Figura 23: Folha de S.Paulo, 29 de janeiro de 2015, p. C4

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A reportagem amplia o campo de ação na periferia, e também a preenche com a versão da

Sabesp. Na maioria das reportagens analisadas, as versões contrárias são representadas pelo

subtítulo “Outro lado”, o que rigorosamente pode ser interpretado como intensificação da

bipolaridade, configurando o reducionismo e experimento, apoiados no episódio.

A possibilidade de uma abordagem alternativa é cessada ainda nos caracteres iniciais da

matéria.

Figura 24: Folha de S.Paulo, 29 de janeiro de 2015, p. C4

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Figura 25: Folha de S.Paulo, 29 de janeiro de 2015, p. C4

O centro expandido ganha aqui seu destaque, também com diversidade de fontes. Uma das

aspas critica o governo, porém é curta e fica dispersa ao longo do texto.

A moral da história envolvendo a cobertura da Folha na crise da água e sua relação com

Geraldo Alckmin é que o veículo optou por explorar o drama da população, principalmente os

residentes do centro expandido. Mesmo que uma atribuição de culpa ao governador esteja

implícita em diversos momentos da narrativa, essa conduta contribui para, se não um certo

esquecimento, uma compreensão de que o impasse ocorreria com qualquer político no cargo

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máximo do Estado, por se tratar de um problema também natural, algo como um

“enquadramento de responsabilidade à natureza”.

Com essa dissociação da política, a observação mais pertinente a se fazer é sobre a

burocratização do acesso aos bairros periféricos, responsável por colocar em xeque o conceito

de interesse público.

A ideia de esquerda e direita é remetida a partir dos enfrentamentos criados pelo jornal, seja

entre autoridades e as tais pessoas comuns, seja entre as próprias pessoas comuns. O conceito

de bipolaridade se mostra flexível, encaixando-se nos mais diversos ambientes.

7.2. Ocupação das escolas estaduais

Além do tratamento a Geraldo Alckmin, este tema requer atenção à comparação feita pelo

jornal ao avaliar tanto a equipe do governador e a Polícia Militar e estudantes que protestavam

contra a medida.

Por vários momentos, a imagem exibida foi a de uma certa marginalização dos alunos, que

“atrapalhavam quem realmente queria estudar”, sobretudo quando havia desentendimentos

mais intensos com a PM.

Figura 26: Folha de S.Paulo, 23 de setembro de 2015, p. B1

Primeira manchete sobre a mudança no sistema de ensino no Estado.

Figura 27: Folha de S.Paulo, 23 de setembro de 2015, p. B1

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Ao longo da matéria, Folha corrobora o uso do termo “reorganização”, algo longe de ser

novidade no meio político, como exemplificado no capítulo 3.

A principal crítica à proposta se deu pelo fato de ter havido uma imposição sem diálogo

prévio com estudantes e professores. Essa dissonância, porém, não foi mencionada na

reportagem.

Figura 28: Folha de S.Paulo, 7 de outubro de 2015, p. B4

Primeira matéria sobre manifestações contra o projeto de Alckmin.

Figura 29: Folha de S.Paulo, 7 de outubro de 2015, p. B4

Aqui, destacou-se a falta de diálogo. Entretanto, ressaltada como contraponto à declaração de

uma autoridade, algo de praxe do discurso experimental da Folha, relacionado aos frequentes

subtítulos “Outro lado”. Isso serve apenas para polarizar a discussão, afinal o jornal sequer

questionou o secretário ou qualquer outro membro da gestão estadual sobre essa imposição.

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Figura 30: Folha de S.Paulo, 14 de outubro de 2015, p. B4-B5

Na matéria à esquerda, o veículo passa uma imagem de uma mínima compreensão sobre os

protestos, devido à falta de explicações concretas sobre o fechamento de escolas. Porém, é

curioso que logo na página seguinte o jornal destaque a “cutucada” do secretário de Educação

Herman Voorwald nos alunos, que, segundo ele, deveriam ir às ruas contra a greve dos

professores estaduais. Isso também tem a ver com a lógica dicotômica de abordagem.

De modo geral, Folha esteve alinhada às ideias do governo.

Figura 31: Folha de S.Paulo, 29 de outubro de 2015, p. B7

Agora, o veículo destaca o nível das escolas ‘fechadas’ como espécie de justificativa para as

ações de Geraldo Alckmin.

Após substancioso número de matérias analisadas, foi possível encontrar um exemplo com

viés crítico da gestão. Ele, inclusive, trouxe no pacote não só o componente “Alckmin

negativo”, mas também os valores de infração e escândalo, por ter havido descumprimento de

um tratado inicial.

Figura 32: Folha de S.Paulo, 31 de outubro de 2015, p. B5

Folha exerce o papel de “Quarto Poder” ao expor o desrespeito ao limite de distância para

remanejar os estudantes. ‘Fechada’, ainda em aspas simples, dá ideia de minimizar a questão.

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É possível detectar – não apenas neste tema – um fator preponderante para alterações nos

discursos: a questão mercadológica. No caso das ocupações, o viés de cobertura era quase

inteiramente negativo aos alunos até que uma pesquisa do Datafolha indicou que a maioria

dos entrevistados se mostrava a favor da mobilização estudantil.

Figura 33: Folha de S.Paulo, 5 de novembro de 2015, p. B4

Interesse do público como ponto de virada nas coberturas. A palavra derivada do verbo

“fechar” agora é vista sem aspas simples.

Seria exagero dizer que o jornal passou a apoiar o movimento, mas a partir daí,

coincidentemente ou não pela “força maior” que é a pesquisa Datafolha, despertou-se maior

interesse na exploração do tema, e atitudes como visitas a escolas e acompanhamento do dia-

a-dia dos alunos tornaram-se mais frequentes.

Figura 34: Folha de S.Paulo, 11 de novembro de 2015, p. B3

Ênfase nos conceitos de conflito e jogo, salientando estratégias dos alunos. A construção da

reportagem não é feita pelo discurso de complementariedade, por sempre trazer à tona as

desavenças entre Estado e estudantes, porém nela está presente o valor de equilíbrio como

quebra de uma sequência maçante de matérias anteriores.

Figura 35: Folha de S.Paulo, 11 de novembro de 2015, p. B3

Ao longo da reportagem, lembrança da falta de diálogo, ainda que sem profundidade.

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Figura 36: Folha de S.Paulo, 11 de novembro de 2015, p. B3

Este relato é bastante intrigante, se considerarmos o estilo de cobertura das manifestações

(que virão mais à frente). De acordo com o texto, “houve tumulto”, mas não foi informado

quem o iniciou. A PM usou cassetetes, presumindo-se que de forma deliberada. Qual o

porquê dessa atitude? Depois, a água foi cortada, embora logo tenha voltado. Em um texto

não reducionista, essas questões seriam mais aprofundadas. Preceitos básicos do jornalismo

foram neglicenciados.

Figura 37: Folha de S.Paulo, 15 de novembro de 2015, p. B8

Repórter da Folha passa quatro dias em colégio ocupado, dando inclinação ao discurso de

experiência. Contudo, não se pode enquadrar esse produto ao conceito de Jorge Larrosa,

sobretudo pela “coincidência experimental” de matérias desse tipo despontarem após a

pesquisa Datafolha. Ao menos houve imersão no colégio.

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Após esse período light, o veículo aos poucos retornou ao modo inicial, fazendo emergir o

termo “invasão”, ao invés de “ocupação”.

Figura 38: Folha de S.Paulo, 13 de novembro, p. B1

Figura 39: Folha de S.Paulo, 16 de novembro de 2015, p. B8

‘Invasões’ interferindo no calendário escolar.

Figura 40: Folha de S.Paulo, 23 de novembro de 2015, p. B7

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Tentando aplicar o valor de equilíbrio, o veículo o fez de forma bastante reducionista, apenas

“para constar”, ao invés de conversar com alunos e humanizar um texto inicialmente

promissor. E, novamente, o termo “invadida” veio à tona.

Na medida em que as ocupações não cessavam e aulas eram suspensas, aumentava a pressão

por um desfecho dessa novela. Dias depois, o governo fez um balanço sobre o número de

escolas que aos poucos eram desocupadas.

Figura 41: Folha de S.Paulo, 28 de novembro de 2015, p. B8

Em meio a isso está um exemplo do discurso de eufemismo, embora haja nele o componente

“Alckmin negativo”. O lide explica que 38 colégios foram desocupados, segundo balanço

oficial. Contudo, 29 deles sequer estavam tomados por alunos. O termo “infla”, pois, atenua o

que poderia ser caracterizado como uma mentira de Alckmin e sua equipe, algo no estilo

“Governo de SP mente sobre desocupação de escolas”, por exemplo. Mais adiante, novas

manifestações ocorreram. Portanto, novos “confrontos” entre policiais e estudantes.

Figura 42: Folha de S.Paulo, 3 de dezembro de 2015, p. B1

Focar desgaste pode ter uma carga de eufemismo, ao contrário do radicalismo atribuído aos

alunos. Radicalizar equivale a cortar pela raiz, porém o senso comum muitas vezes interpreta

o verbo atrelando-o ao vandalismo e à intolerância. Jogo e conflitos se intensificam ainda

mais.

Figura 43: Folha de S.Paulo, 3 de dezembro de 2015, p. B1

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Secretaria de Educação aposta na associação entre parte dos manifestantes e seu “inimigo”, o

PT, mencionando a mandatária Dilma Rousseff. Bipolaridade PT-PSDB como base de

argumento causa maior ebulição no cenário.

Figura 44: Folha de S.Paulo, 3 de dezembro de 2015, p. B1

A reportagem mescla depoimentos distintos, mas não dá voz a estudantes. Reducionismo.

Figura 45: Folha de S.Paulo, 3 de dezembro de 2015, p. B3

Essa reportagem é outro exemplo de reducionismo, experimento, jogo e conflito. Os

depoimentos expõem as desavenças, mas o fazem de maneira breve, pincelados pela

reportagem apenas para mostrar essas discordâncias. De acordo com as pessoas agredidas,

houve violência desproporcional, mas sem o interesse do jornal em explorar esse fato, bem

como a busca por réplicas mais completas vindas dos policiais. A matéria em si possui alto

grau de controvérsia. Chama atenção também o destaque aos menores de idade,

correspondentes à metade das oito pessoas detidas.

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Figura 46: Folha de S.Paulo, 5 de dezembro de 2015, p. B1

Chegou, enfim, o momento em que Geraldo Alckmin recuou e suspendeu o plano de

reorganização escolar.

Figura 47: Folha de S.Paulo, 5 de dezembro de 2015, p. B2

Folha lista os motivos da suspensão. Segundo o jornal, alunos radicalizaram, e PMs apenas

‘agiram’. Dá ideia de desequilíbrio, puxada pela notabilidade aplicada aos jovens, mesmo

havendo citações, no próprio veículo, de agressões desproporcionais causadas por membros

da corporação. Destaque também ao conflito interno, que resultou no pedido de demissão do

secretário Herman Voorwald.

Os estudantes, todavia, mantiveram as ocupações, sob a alegação de que Alckmin suspendeu

o plano só para ganhar tempo. Com isso, prosseguiu-se a narrativa das manifestações,

calçadas nos tumultos com a Polícia Militar, criando, assim, um ambiente de guerra.

Figura 48: Folha de S.Paulo, 10 de dezembro de 2015, p. B1

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Repetição das palavras “confronto” e “vandalismo”, e nova exploração de termos bélicos.

Figura 49: Folha de S.Paulo, 10 de dezembro de 2015, p. B1

Ao longo do texto, destaca-se a tentativa do movimento em se desvincular dos black blocks.

Não há nada de novo na construção do relato, mas, ao abrir aspas para manifestantes que

disseram terem sido agredidos, poder-se-ia informar se houve ou não feridos entre eles, como

foi feito em relação a policiais.

Figura 50: Folha de S.Paulo, 12 de dezembro de 2015, p. B11

Exemplo de historicidade, traçando a cronologia relacionada ao plano do governo e o que

querem os estudantes.

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Após esse evento, as ocupações começaram a arrefecer. Desgastados, os alunos aos poucos

deixavam os colégios. Desta vez, conflito entre os próprios integrantes do movimento.

Figuras 51 e 52: Folha de S.Paulo, 11 de dezembro de 2015, p. B8; Folha de S.Paulo, 12 de dezembro de 2015,

p. B11

Figura 53: Folha de S.Paulo, 15 de dezembro de 2015, p. B7

Em meio à sequência, Folha destaca o número de escolas danificadas. Pode-se ler tal

informação como estímulo da opinião pública em favor das desocupações.

Antes cogitação, agora decisão.

Figura 54: Folha de S.Paulo, 18 de dezembro de 2015, p. B4

A conclusão sobre a cobertura das escolas ocupadas é que o jornal se manteve quase sempre

alinhado ao governador, sobretudo à Polícia Militar. Críticas à medida e à gestão eram

mencionadas, mas raramente em manchetes ou lides. Estas costumavam aparecer dispersas ao

longo do texto. Percebeu-se também uma má vontade em abrir mais os ouvidos aos alunos,

com exceção de poucas reportagens.

O fator mais dissonante foi a desproporção no tratamento dado a policiais e manifestantes

durante a cobertura dos protestos. Enquanto os alunos foram constantemente associados ao

vandalismo, a PM foi relegada à tarefa de agir para ‘manter a ordem’, ainda que muitas de

suas atitudes tenham sido desproporcionais.

A partir disso, definem-se os conceitos de direita e esquerda como fruto da exploração dos

conflitos por parte do veículo, alocando os adversários: de um lado, estudantes; do outro, PM

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(Governo estadual). Mesmo após a pesquisa Datafolha que levou à modificação temporária na

cobertura, a conduta exploratória dos embates permaneceu intacta.

7.3. Ciclovias e fechamento de ruas e avenidas

Passemos agora a analisar os temas cujo protagonismo é do prefeito da capital, Fernando

Haddad (PT). Episodicamente, experimentalmente, debruçadas sobre os conflitos dentro dos

jogos e abastecidas de reducionismo, o script não foi alterado.

Figura 55: Folha de S.Paulo, 28 de junho de 2015, p. 6

Reportagem se inicia com ênfase na polêmica e em objeções da Associação Paulista Viva,

esta um elemento constante nas matérias desse tema. Comércio, em maior escala, e hospitais

são frequentemente lembrados.

Figura 56: Folha de S.Paulo, 28 de junho de 2015, p. 6

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Provedora de severas críticas, Vilma Peramezza é fonte praticamente fixa da Folha quando o

assunto é ciclovia e fechamento da Paulista.

Figura 57: Folha de S.Paulo, 28 de junho de 2015, p. 6

Argumentos de defesa costumam vir logo depois das críticas da líder da Associação. Esse é o

modelo para quase todas as reportagens, sob a forma de “dois lados”.

Naturalmente, por se tratar de um tema que envolve uma quantidade maçante de conteúdo, o

jornal por vezes dava novos direcionamentos em algumas chamadas.

Figura 58: Folha de S.Paulo, 28 de junho de 2015, p. 7

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Embora a matéria em si ressalte pontos negativos da malha cicloviária de São Paulo, o título

tenta despertar compreensão em relação aos ciclistas. Exemplos internacionais atuam dentro

de certa periodicidade. Nota-se aí, também, o caráter mercadológico, no momento em que a

Folha anuncia a criação do blog.

Figura 59: Folha de S.Paulo, 30 de junho de 2015, p. B3

Tentativa de aplicação de equilíbrio pelo estilo gráfico, mas novo apelo ao conflito entre o

público da Paulista, não só no lide, mas também na notabilidade do título.

O conceito de Quarto Poder também desponta na narrativa.

Figura 60: Folha de S.Paulo, 6 de julho de 2015, p. B8

Convém frisar que a função “Escândalo” foi adotada para com Alckmin e exemplificada aqui.

Porém, nos temas em que os políticos são analisados separadamente (ou seja, exceto junho

2013), a categoria “eufemismo” não emergiu em nenhum momento quando se tratava de

Haddad.

Figura 61: Folha de S.Paulo, 6 de julho de 2015, p. B8

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Novamente, emerge o valor de equilíbrio, mas sem a amplitude que o título sugeria.

“Minhocão recebe festa junina e feira ao ar livre” e nada mais. Falta de interesse pelo

acontecimento, possivelmente pela ausência de conflitos.

A tal quebra da sequência maçante de reportagens voltou a dar as caras no momento em que

Folha expandiu seu olhar à periferia. Após focar apenas na região central, o veículo detectou

falhas nas ciclovias de áreas afastadas, contribuindo pertinentemente para o desgaste do

prefeito.

Figura 62: Folha de S.Paulo, 8 de julho de 2015, p. B1

Folha destaca a pouca dedicação da Prefeitura em relação à periferia e traz número

considerável de falas vindas dos moradores; todavia, as aspas são curtas, não contribuindo

para maiores discussões, apesar de não se tratar de uma burocratização do tamanho da que é

destinada ao “outro lado”, postura rotineira nesse espaço. O enquadramento segue no modo

episódico.

Figura 63: Folha de S.Paulo, 8 de julho de 2015, p. B1

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Figura 64: Folha de S.Paulo, 30 de julho de 2015, p. B6

Haddad informa sobre possibilidade de voltar a fechar a Paulista. Novo anúncio significa

abertura para novos conflitos e a exploração experimental do cenário dicotômico.

Figura 65: Folha de S.Paulo, 30 de julho de 2015, p. B6

Ao compilar os depoimentos, nova aparição de Vilma Peramezza, da Associação Paulista

Viva. Depois, a balança pesa mais para argumentos favoráveis, finalizados com ponderações

da última fonte.

Figura 66: Folha de S.Paulo, 19 de agosto de 2015, p. B1

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Manchete dá direcionamento crítico à ação da Prefeitura. Priorizou-se apenas a rejeição do

comércio, que novamente teve em Vilma Peramezza seu alicerce. Sua constante presença é

em parte justificável por se tratar de um grupo da própria Avenida Paulista, no entanto sua

ação resulta na nítida aplicação do experimento, conjugado ao discurso de continuidade e ao

enquadramento episódico. O espaço com palavras a favor foi preenchido só por Haddad e

CET, caracterizando um modelo comum de optar só por vozes oficiais, de acordo com a

conveniência, sem abrigar “pessoas comuns”. Houve também o destaque às objeções do

vereador Andrea Matarazzo, do PSDB, configurando reducionismo, uma vez que só o político

da oposição foi ouvido.

A reportagem é complementada por outro texto no decorrer do caderno Cotidiano. Nele, a

insistência no antagônicas se faz presente, e, novamente, Peramezza dá as caras. Apesar dos

“dois lados”, a manchete desta matéria é: ““Fechar avenida é marketing e traz prejuízo”, diz

associação”.

Mais adiante, o valor-notícia “morte” apareceu pela primeira vez. Se a cobertura já era

negativa desde o início, os dois óbitos traziam consigo potencial para intensificar essa postura.

Figura 67: Folha de S.Paulo, 20 de agosto de 2015, p. B1

A chamada introduz reportagem onde Folha fez uma descrição não mais do que pontual sobre

uma das mortes, com uma pitada de dramatização na manchete e passando a impressão de

adicionar o fato para talvez corroborar o viés crítico em relação ao prefeito. Faltou interesse

em conhecer Thiago e quem o cercava, anulando as chances da utilização do conceito de

experiência.

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Figura 68: Folha de S.Paulo, 20 de agosto de 2015, p. B4

Acima, Folha fez uma descrição não mais do que pontual sobre uma das mortes, com uma

pitada de dramatização na manchete e passando a impressão de adicionar o fato para

corroborar o viés crítico em relação ao prefeito. Faltou interesse em conhecer Thiago e quem

o cercava.

Figura 69: Folha de S.Paulo, 3 de setembro de 2015, p. B8

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Dias depois, Mariana Rodrigues, modelo, foi atropelada em uma área mais nobre da cidade.

Neste incidente, optou-se por divulgar uma foto, enquanto, no título, o jornal preferiu realçar

o fato de se tratar de uma modelo, e não simplesmente da pessoa Mariana, como aplicação do

critério de notabilidade.

Figura 70: Folha de S.Paulo, 5 de setembro de 2015, p. B7

A notabilidade via sobreposição da profissão ante a pessoa se faz presente mais uma vez.

Mais à frente, o veículo revelou a nova proposta de Fernando Haddad: fechar também a

Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Figura 71: Folha de S.Paulo, 23 de agosto de 2015, p. 4

Assim como na abordagem em relação à Paulista, com a presença quase fixa da Associação

Paulista Viva, Folha deu privilegiou a Amigos do Alto de Pinheiros, entidade similar da

região.

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Figura 72: Folha de S.Paulo, 23 de agosto de 2015, p. 4

Na sequência, o texto menciona a possibilidade de outros fechamentos em Sapopemba e

Pirituba, bairros da periferia.

Figura 73: Folha de S.Paulo, 23 de agosto de 2015, p. 4

Todavia, ao contrário da fonte anterior, representante da própria associação de moradores, a

voz da periferia partiu de uma urbanista e professora da USP. O jornal, dessa maneira,

ignorou um personagem de origem, elegendo um posicionamento “especializado”.

Em determinado momento, Folha pesquisou em seu próprio arquivo uma reportagem sobre

fechamentos de vias na década de 1970. Lembrar o passado é outro mecanismo apropriado

para dissipar uma ideia, formatando uma historicidade tendenciosa (não devendo ser

confundida com o discurso de historicidade, um dos critérios de avaliação deste trabalho).

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Figura 74: Folha de S.Paulo, 30 de agosto de 2015, p. 6

Seguindo o padrão, a matéria foca na polêmica e explora o conflito, postura intrínseca à

cultura profissional.

Figura 75: Folha de S.Paulo, 30 de agosto de 2015, p. 6

Nesse antro de experimentos reside a proeminência da reação do comércio, quase uma seção

do jornal quando o assunto é fechamento de ruas e avenidas.

Nos temas cujo protagonismo é de Haddad, exemplos internacionais também brotam a certa

altura.

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Figura 76: Folha de S.Paulo, 30 de agosto de 2015, p. 7

A chance de reabertura de um local como a Times Square certamente eleva a motivação de

quem deseja o mesmo em São Paulo.

Gancho do exterior; conflito; jogo; reducionismo; notabilidade; acesso restrito à periferia. O

padrão de cobertura deste tema, moldado pelo episódio e pelo experimento, não destoou dos

demais até aqui. Mais uma vez, não houve dificuldade em detectar a execução de esquerda e

direita, painel idealizado principalmente por Prefeitura, CET e ciclistas em um polo,

contrastados por comerciantes e motoristas de automóveis.

7.4. Redução do limite de velocidade nas vias

Neste tema há uma compreensão sobre o perigo diário no trânsito de São Paulo. Tal

implementação obteve sucesso em diversas capitais de países desenvolvidos. Portanto, ao

menos na questão da implicância com Fernando Haddad, a cobertura foi diferente.

Figura 77: Folha de S.Paulo, 9 de julho de 2015, p. B4

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Primeira manchete do período de análise alerta que o motorista gastará mais tempo na

Marginal.

Logo após o choque inicial, o prefeito cogitou rever a medida. Entretanto, o jornal realmente

não parecia disposto a achincalhá-lo.

Figura 78: Folha de S.Paulo, 26 de julho de 2015, p. B12

Folha introduz viés positivo ao salientar contenção no crescimento de acidentes em vias cujos

limites foram reduzidos.

Figura 79: Folha de S.Paulo, 26 de julho de 2015, p. B12

“Superaspas” destacam que o assunto pode ser tratado como questão de vida ou morte, ideia

maniqueísta, porém condizente à intenção do título.

Agora, hora do exemplo internacional para reforçar a concepção.

Figura 80: Folha de S.Paulo, 30 de julho de 2015, p. B6

Londres como modelo de educação no trânsito. Na capital inglesa, a meta foi cumprida seis

anos antes do prazo final, algo passível de estímulo a São Paulo.

Figura 81: Folha de S.Paulo, 13 de agosto de 2015, p. B6

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Essa manchete abre margem para interpretá-la como compensação a uma sequência favorável

a Haddad.

Figura 82: Folha de S.Paulo, 13 de agosto de 2015, p. B6

O corpo do texto, contudo, é formado por fontes pró-redução. Ouve-se apenas um especialista

e um membro da CET, configurando, pois, em reducionismo e experimento, além do

enquadramento episódico.

Figura 83: Folha de S.Paulo, 14 de agosto de 2015, p. B1

Depois um tempo subsequente à implantação da medida, a ala mais crítica passou a

argumentar que a ação se tratava de uma “indústria da multa”, devido ao aumento no sistema

de fiscalização.

Figura 84: Folha de S.Paulo, 14 de agosto de 2015, p. B1

A primeira fonte, ligada ao antecessor de Haddad, Gilberto Kassab, faz sua ponderação

aplicando vocabulário de jogo, o “gol de mão”. Logo depois, novas aspas sugestivas. Neste

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caso, não dá para dizer que o jornal aplicou a lógica de dois lados, por se tratar de duas

pessoas com ideais semelhantes e com foco em propor alternativas.

Figura 85: Folha de S.Paulo, 19 de agosto de 2015, p. B5

Neste título, Folha destaca prós e contras, mas enfatiza no lide os índices de lentidão.

Figura 86: Folha de S.Paulo, 19 de agosto de 2015, p. B5

A reportagem retoma a lógica de uma voz para cada ponto de vista. Somado texto e manchete,

trata-se de uma matéria voltada para maior negatividade à mudança. Postura esta que se

estendeu por um período.

Figura 87: Folha de S.Paulo, 27 de agosto de 2015, p. B7

O jornal havia demorado a imergir no trânsito e conversar com os “cidadãos comuns”.

Quando o fez, optou por explorar uma espécie de cultura do medo em relação às multas. Isso

tem a ver com jogo e conflito, somados ao critério de dramatização.

O capítulo seguinte da narrativa trouxe um ingrediente controverso. De acordo com o veículo,

Haddad teria suspendido o plano de redução da velocidade.

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Figura 88: Folha de S.Paulo, 1 de setembro de 2015, p. B1

Mas na edição seguinte a reportagem revelou o mal-entendido.

Figura 89: Folha de S.Paulo, 2 de setembro de 2015, p. B5

O prefeito disse que faria uma revisão apenas caso a medida não surtisse o efeito esperado

quanto ao número de acidentes e a lentidão no tráfego.

Podemos atribuir esse ruído ao conceito de imediatismo, que abrange a “robotização” no

processo informativo em função da recorrente falta de tempo. Tais aspectos são responsáveis

pelo brotamento dos discursos reducionistas, experimentais, dos enquadramentos episódico,

de jogo, de conflito, enfim, da maioria das categorias desta pesquisa. Não é de se estranhar

que certos detalhes passem batido.

Dias depois, a “indústria da multa” volta à tona com manchete ressaltando quantia vultosa

destinada aos caixas da Prefeitura.

Figura 90: Folha de S.Paulo, 11 de setembro de 2015, p. B6

Não tardou para a crise econômica ser assunto. A exemplo do que ocorreu no tema anterior,

seu apoio foi a objeção do setor comercial, que a partir daqui passa a ser citado

constantemente.

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Figura 91: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B7

Crise age como muleta para contrapor os resultados positivos no campo da mobilidade

urbana.

Figura 92: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B7

Dados mostram evolução nos números do trânsito, mas especialistas argumentam que

situação financeira é o principal motivo, gestando um modo de construção claramente

experimental.

O setor econômico, que praticamente não havia sido abordado neste tema, assume

protagonismo nas últimas reportagens.

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Figura 93: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B7

Enquanto a crise recrutou três vozes distintas, o jornal distribuiu os elogios às ações da

prefeitura apenas a membros da gestão petista, em uma atitude reducionista.

Na mesma edição, outra matéria sobre a crise que tira os carros das ruas. O lide abriga

justificativas do comércio.

Figura 94: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B9

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Figura 95: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B9

Texto relata opção de uma empresária em andar de ônibus, e complementa tal ação com

explicações atribuídas, novamente, à crise econômica. Personagens seguem sendo de maior

nível aquisitivo.

Figura 96: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B9

Este trecho cita pesquisas e alternativas de mobilidade, algo mais propositivo.

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Figura 97: Folha de S.Paulo, 27 de setembro de 2015, p. B9

A matéria se encerra com nova insistência no problema financeiro. Somando isso ao ligeiro

caráter elitista desta reportagem, pode-se dizer que sua construção se baseou em uma espécie

de “duplo experimento”. Também foi empregado mais uma vez o discurso de continuidade,

dada a repetição geradora de um conteúdo maçante, repetitivo, de narrativa praticamente

inalterada em relação aos textos anteriores.

Figura 98: Folha de S.Paulo, 30 de setembro de 2015, p. B7

Manchete do último elemento de análise deste tema dá ar positivo à redução, mas o veículo

logo insere a lógica experimental citando, mais uma vez, a crise como justificativa.

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Figura 99: Folha de S.Paulo, 30 de setembro de 2015, p. B7

Não é a primeira vez que Luiz Célio Bottura e Horácio Figueira aparecem. Poderia haver mais

opções de fonte, embora não se trate de um “padrão Vilma Peramezza” (líder da Associação

Paulista Livre), personagem carimbada no tema ciclovias/fechamento de avenidas.

Em suma, a redução da velocidade foi vista com bons olhos pela Folha, mas o repentino ato

de debruçar-se sobre a crise econômica criou uma conduta viciosa, experimental e

reducionista de abordagem, além dos intrínsecos jogo e conflito.

Esse comportamento também formata um enquadramento de responsabilidade ao governo

federal, na época sob gestão de Dilma Rousseff (PT), ao culpar a esfera máxima da política

pela queda no número de carros nas ruas, minguando aspectos positivos das ações de Haddad,

associando mais claramente o perfeito à esquerda do espectro, enquanto seu oposto foi

habitado sobretudo pelas vozes do comércio.

7.5. Jornadas de junho 2013

Este tema, o último da análise, é inerente tanto a Alckmin quanto a Haddad, pois em junho de

2013 foi lançada a proposta de aumento das tarifas do transporte público. Se o metrô e os

trens metropolitanos eram – e ainda são – de responsabilidade do governador, os ônibus que

circulavam na capital concerniam ao prefeito.

Em determinado instante, a narrativa sofreu brusca alteração devido a interesses próprios e do

público, como será relatado ao longo deste item.

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Figura 100: Folha de S.Paulo, 12 de junho de 2013, p. C1

Manchete e lide destacam violência exclusiva dos manifestantes.

Figura 101: Folha de S.Paulo, 12 de junho de 2013, p. C1

Descrição não mais que pontual, caracterizando reducionismo. Fala-se do “grupo”, mas não

dá aspas a seus membros.

Figura 102: Folha de S.Paulo, 12 de junho de 2013, p. C1

Dando sequência à exploração do conflito, incluindo termos bélicos, aparece a controvérsia.

Se manchete e lide citam apenas o vandalismo de quem protestava, este trecho destaca que o

clima começou a esquentar depois que uma pessoa foi agredida por policiais.

Nem Alckmin, nem Haddad deram declarações até aquele momento.

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Figura 103: Folha de S.Paulo, 12 de junho de 2013, p. C4-C5

Folha expande posicionamento “antimanifestantes” e apela para dramatização ao escrever

“Guerra da tarifa” como chamada central e cita linchamento a policial para reforçar ideia. No

texto à direita, o jornal ouviu uma das líderes do Movimento Passe Livre.

Figura 104: Folha de S.Paulo, 13 de junho de 2013, p. C2

Este título introduz reportagem em que o veículo entrevistou o policial vítima do linchamento

citado na imagem anterior.

Figura 105: Folha de S.Paulo, 13 de junho de 2013, p. C2

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Trecho da entrevista na qual Folha cria aura de heroísmo em Vignoli, enfatizando inclusive

que ele viveu um dia de popstar. Alckmin também entra no jogo, elogiando a conduta do PM.

A matéria conta com mais seis perguntas e respostas.

Figura 106: Folha de S.Paulo, 13 de junho de 2013, p. C3

Destaque ao posicionamento do governador e, enfim, aparece uma declaração do prefeito

Fernando Haddad, demonstrando alinhamento com o tucano, embora sem muita veemência.

Figura 107: Folha de S.Paulo, 13 de junho de 2013, p. C3

Coronel reproduz discurso experimental da corporação ao traçar sua estratégia para a

manifestação que ocorreria horas depois.

Figura 108: Folha de S.Paulo, 13 de junho de 2013, p. C3

Outro espaço para autoridades, novamente aproveitado de modo a dar coloração positiva à

imagem da corporação, ampliando o olhar crítico a manifestantes.

A reportagem não ouviu ninguém a favor dos protestos e/ou relacionado ao Passe Livre.

Entretanto, o discurso começa a se alterar a partir daqui.

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Figura 109: Folha de S.Paulo, 14 de junho de 2013, p. C2

“Bombas e balas de borracha deixam centro em pânico”, além da dramatização, significa que

quem causou medo foi a polícia. A informação é corroborada pela matéria logo em seguida,

que relata ferimentos sofridos por jornalistas, entre eles seis repórteres da Folha (entra aí o

interesse próprio do jornal). O título no canto superior direito da foto é: “‘Me arrancaram da

mesa e deram porrada’, diz jovem”. Portanto, página inteiramente com um viés distinto.

Figura 110: Folha de S.Paulo, 14 de junho de 2013, p. C4-C5

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Novo par de páginas anti-PM. Desta vez, em tom ainda mais inflamado.

Figura 111: Folha de S.Paulo, 14 de junho de 2013, p. C5

Examinando a figura anterior, emerge pela primeira vez o conflito interno entre os políticos

protagonistas, que discretamente positivará Haddad.

Figura 112: Folha de S.Paulo, 14 de junho de 2013, p. C5

Wanderlei Vignoli é o mesmo policial entrevistado anteriormente e transformado em herói

pela Folha. A agressão fotografada por Victor Dragonetti foi mencionada na primeira

reportagem deste tema, porém sem o mínimo aprofundamento. Desta vez, fez-se conveniente

retomá-la.

Figura 113: Folha de S.Paulo, 14 de junho de 2013, p. C5

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A página é encerrada pelo “motivo” dessa mudança de discurso. Apesar de grande parte da

população acreditar que os manifestantes extrapolaram, 55% se mostraram a favor do

movimento, enquanto 41% disseram ser contrários.

A dicotomia esquerda-direita passou a ser explorada mais a fundo entre políticos de diversos

patamares.

Figura 114: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C2

Então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo é o personagem utilizado como contraponto

de Alckmin na reportagem. Além de na época pertencer à equipe de Dilma Rousseff, petista,

portanto à esquerda no espectro político pelo senso comum, ele era uma possível ameaça à

reeleição do tucano no Estado. Destaque oportuno.

Mais à frente, a PM voltou a receber maior espaço para se retratar.

Figura 115: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C4

Atenção ao nome da seção, estimulando caráter de guerra.

Figura 116: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C4

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Mais uma aparição do discurso experimental da corporação e, diferentemente de outras

ocasiões em matérias inicialmente pró-PM, representantes do MPL foram ouvidos.

O que vale salientar, porém, é que faltam entrevistas de outras pessoas que vão aos protestos,

além dos organizadores. Reducionismos prejudicam a compreensão dos fatos.

Figura 117: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C6

Nova pesquisa Datafolha revela insatisfação com o transporte público.

Figura 118: Folha de S.Paulo, 16 de junho de 2013, p. C1

Um dia depois, matéria traz chamada mais alternativa presumindo união.

Figura 119: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C4

Contudo, realça conflito interno do movimento. Os fatores responsáveis por alterar as regras

de atuação incluíram a exposição de um discurso mais “humano” nos textos.

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Figura 120: Folha de S.Paulo, 16 de junho de 2013, p. C4

Repórter acompanha manifestação e faz relato em primeira pessoa, sinalizando aplicação do

conceito de experiência. Todavia, o uso das palavras relacionadas a jogo e a conflito, como

confronto e vitória, inviabiliza a aparição do significado de Jorge Larrosa, tampouco o

enquadramento temático. De novo, pois, utiliza-se o discurso experimental de maneira

episódica.

A esta altura, os protestos passam a ser de âmbito nacional.

Figura 121: Folha de S.Paulo, 17 de junho de 2013, p. C4

Figura 122: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C4

E também internacional. Folha segue o script de exemplos vindos do exterior para tonificar

seus posicionamentos.

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Figura 123: Folha de S.Paulo, 18 de junho de 2013, p. C2-C3

Com o movimento nacionalizado, manteve-se a preferência por colocar cenas de violência em

primeiro plano. Desta vez, entretanto, não consta nenhuma entrevista feita durante o ato.

Figura 124: Folha de S.Paulo, 15 de junho de 2013, p. C6

Encurralados pela pressão das ruas, políticos mudam de posição. O lide destaca opiniões

alinhadas entre membros de PT e PSDB, podendo ser interpretadas como corroborações de

mensagens de que a motivação dos protestos não tem a ver com direita ou esquerda.

A reportagem dá aspas, além de Dilma (via Gilberto Carvalho, então secretário da

Presidência) e Fernando Henrique, à Lula e Aécio Neves, todos eles favoráveis às

manifestações, enquanto relembra a postura de relutância, tanto de Haddad quanto de

Alckmin. Mais uma vez, pois, estiveram evidentes os conflitos internos entre petistas e

tucanos, nas alas nacionais contra as estaduais e municipais.

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Figura 125: Folha de S.Paulo, 18 de junho de 2013, p. C9

O ferimento sofrido pela repórter da Folha, Giuliana Vallone, atingida por uma bala de

borracha durante a maratona de protestos, inspirou os artistas Paulo Vilhena, Fernanda

Rodrigues, Mayana Neiva, Ingra Liberato e Yasmin Brunet e Carmo Dalla Vecchia,

fotografados por Yuri Sardenberg. Apelo de famosos costuma ser uma estratégia eficaz para

disseminar ideias, neste caso, para mobilizar o país em favor das manifestações.

Logo abaixo da menção aos artistas está esta manchete, que novamente relata um dos dias de

passeata.

Figura 126: Folha de S.Paulo, 18 de junho de 2013, p. C9

Figura 127: Folha de S.Paulo, 18 de junho de 2013, p. C9

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Em um trabalho propositivo e reflexivo não se deve fazer insinuações. Impossível afirmar que

se tratou de algo voluntário, porém chama atenção o preenchimento deste espaço se dar

apenas por pessoas brancas.

Figura 128: Folha de S.Paulo, 18 de junho de 2013, p. C9

O texto traz valor de equilíbrio e discurso de complementariedade, com layout alternativo

pincelando frases de efeito vindas das ruas. A continuidade da guerra, todavia, reapareceu.

Figura 129: Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013, p. C2

Aqui, título e lide retratam vandalismo de manifestantes e cenário tenso, mas o sub-lide diz

que a maioria agiu pacificamente.

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Figura 130: Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013, p. C2

Ou seja, mesmo que se trate da menor parcela dos envolvidos, o veículo majoritariamente irá

optar pelo fato mais dramático, de preferência com estilo de guerra. Esse não é um método

exclusivo da Folha, mas, sim, do jornalismo em sua essência. É a escolha pela manchete mais

chamativa, chocante. Adaptando para o campo da internet, por exemplo, isso seria a aplicação

da técnica “caça-cliques”.

Figura 131: Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013, p. C2

Aqui, nova exploração de conflito interno. MPL frisa o não envolvimento com táticas de

vandalismo.

Figura 132: Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013, p. C6

Prefeito se pronuncia e sinaliza acatar reivindicações. Aspas para um flexível Haddad em face

de um relutante Alckmin via citação indireta.

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Figura 133: Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013, p. C6

Figura 134: Folha de S.Paulo, 20 de junho de 2013, p. C2-C3

Governador e prefeito recuam, e tarifa segue a 3 reais.

Ao fim da avaliação deste tema, o destaque a ser feito sobre as jornadas é parecido com o que

ocorreu nas ocupações de escolas, por envolver manifestações e Polícia Militar, o que facilita

a distribuição de direita e esquerda como esferas antagônicas.

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Se naquela ocasião o jornal amaciou sua postura crítica após pesquisa Datafolha indicar que a

maioria da população apoiava o movimento estudantil, neste último caso foi possível detectar

uma alteração severa no discurso, também pelo fato de ter havido um componente agravante:

o ferimento sofrido pela jornalista da Folha, Giuliana Vallone.

Dessa forma, tanto Fernando Haddad quanto Geraldo Alckmin foram abastecidos por forte

carga negativa. Aos poucos, o prefeito passou a nutrir maior compreensão sobre os protestos,

enquanto o governador manteve sua postura contrária, desgastando-o nesse aspecto.

Em suma, o período foi regido, novamente, pelo interesse do público.

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Considerações finais

É interessante que o arremate desta monografia venha acompanhado de uma autocrítica. Isso

porque, inicialmente, a pesquisa teve o intuito de responder como a Folha de S.Paulo

construiu as reportagens analisadas, com base nos conceitos de direita e esquerda, apenas pela

comparação das diferenças no tratamento dado a Geraldo Alckmin e Fernando Haddad,

configurando uma visão míope dos fatos e alimentando a execução de concepções

dicotômicas, maniqueístas, reducionistas, enfim, conduta posteriormente aqui repudiada.

Em que pese à obrigação de definir um tema para o TCC, ultrapassei essa barreira e trouxe

respostas – algumas delas equivocadas - antes mesmo que surgissem perguntas concretas para

formulá-las. Adotei, citando Jorge Larrosa, um critério experimental, debruçando-me sobre

ideias pré-concebidas, algo que impediria reflexões mais aprofundadas.

No entanto, conforme o avanço das etapas, percebi a complexidade dos elementos e me deixei

levar por uma postura mais natural e despojada das tais respostas prontas. Encarnou-se,

portanto, o pensamento de experiência, fundamental para o direcionamento deste trabalho,

cujo acabamento se deu de maneira bastante distinta do que eu planejara. O acontecimento,

suas causas e consequências eram o que de fato importava; os políticos não deveriam ter suas

participações supervalorizadas.

O jornal optou por gestar um ambiente bipolar, alocando personagens em lados opostos, mas

não necessariamente com direita e esquerda, no sentido literal, ocupando o papel de alicerces

desse cenário. O que se pode observar, porém, é que essa díade não é anulada. Ao contrário,

sem portar-se de forma desnuda, ela dita o ritmo da cobertura jornalística, contribuindo

também para insuflar comportamentos ideológicos.

Deve-se destacar com maior veemência a preferência sistemática pelos vieses negativos dos

fatos, sobretudo pelo emprego de um vocabulário de guerra como parte da exploração de

conflitos dentro dos seus respectivos jogos, não importa qual seja o ator principal, e também

se o componente negativo realmente corresponde à informação central. Essa cobertura

carregada de ingredientes sensacionalistas transformou-se em carro-chefe não só da Folha,

mas da cultura profissional do jornalismo.

A ideia de propor reflexões sempre fez parte deste trabalho, e ao longo de seu

desenvolvimento ela se acentuou. É com urgência que devemos discutir o modo de se fazer

jornalismo, pois trata-se de um setor contaminado por um sistema automatizado pela

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necessidade de se propagar instantaneamente os conteúdos. A explicação mais corriqueira

para esse mal é a falta de tempo, afinal sua ausência na maioria dos casos significa um vazio

de qualidade no produto jornalístico. O problema é que isso não deve servir como desculpa

em um quadro onde, entre as falhas, inclui-se o desrespeito a preceitos básicos da profissão.

A impressão transmitida é a de que as ordens impostas ao repórter por parte da chefia freia a

afloração de novos componentes, seja qual for relevância deles. Fere-se, dessa forma, a

relação entre jornalista e fonte, artificializando-a, principalmente quanto ao afastamento no

tocante às áreas da periferia, pondo em xeque o conceito de interesse público ao negar espaço

a moradores dessas regiões, relegados à condição peças estatísticas. Lá, seres humanos são

números. Detalhe como esse foram vitais para que este trabalho tivesse sua “guinada à

experiência”.

Esses aspectos contribuíram para que a monografia fosse um pouco além da constatação; é

importante encontrar o diagnóstico, porém ele sozinho não se faz suficiente. É de se

reconhecer que a mudança de postura adquirida no decorrer do trabalho provavelmente não

culmine em revelações impactantes a pesquisadores da área, tampouco à classe jornalística em

sua totalidade. Contudo, é tangível vislumbrar que esse procedimento instigue aqueles que

estão dando os primeiros passos no setor. Temos de pensar nos jornalistas do amanhã, e em

sob qual condição eles exercerão esse papel.

A chave para minar parte da imprevisibilidade desta análise foi perceber que a insistência na

comparação entre duas figuras políticas não é o jeito mais sensato de realiza-la. Devemos

entender que muitas vezes esse tipo de atitude nada mais é do que uma reprodução desse jogo

da mídia, conflituoso, reducionista e experimental. Independentemente do que esta

monografia venha a produzir, seu desenvolvimento contribuiu substancialmente para a

desconstrução de ideias rasteiras que surgiam na minha cabeça; concepções vazias, viciadas,

que nada acrescentariam a uma formação adequada.

Escolhi iniciar as considerações finais pelo caminho da autocrítica, pois classifico-a como

preponderante para se recuperar algo que foi perdido ou simplesmente evitar maiores

complicações. Trata-se de um fragmento de um processo de reedificação pelo qual nossa

profissão necessita percorrer e, tendo em vista toda a conjuntura em que ela se encontra

imersa, sufocada pelos episódios, conflitos e experimentos, encerro este depoimento com a

seguinte afirmação, que mais deve ser lida na forma de um pedido: o jornalismo é muito mais

do que um jogo.

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APÊNDICE – BASE DE DADOS PARA ANÁLISE

Segue, a partir da próxima da página, o formulário que contém as manchetes de cada uma das

reportagens e os todas as categorias criadas para aplicação.