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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PODER E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: UMA HISTÓRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL NA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1960 Por Leandro Seawright Alonso SÃO BERNARDO DO CAMPO 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PODER E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: UMA HISTÓRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL

NA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1960

Por

Leandro Seawright Alonso

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PODER E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: UMA HISTÓRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL NA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA NA DÉCADA

DE 1960.

Por

Leandro Seawright Alonso

Orientador:

Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth

Dissertação apresentada em cumprimento

parcial às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, para

obtenção do grau de Mestre.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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LEANDRO SEAWRIGHT ALONSO

PODER E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: UMA HISTÓRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL

NA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1960

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de Mestre.

Área de Concentração: Teologia e História Data da defesa: Resultado_________________________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth _______________________________________ UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos________ __________________________ UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Prof. Dr. Israel Belo de Azevedo____________________________________ FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO

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Aos meus pais, Hélio e Roseli

À minha irmã,

Raquel

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por me inventar, me lançar e cuidar de mim, dando-se e

encarnando-se para salvar minha realidade. Não entendo muito, mas também agradeço pelo

ministério pastoral, estranho privilégio de sofrimento e alegria. Para mim, Deus é pessoal –

nos damos bem!

Agradeço à minha mãe por seu exemplo de vida e amor. Por jamais desistir

de me amar e cuidar de mim. Por ser amiga, intercessora, ouvinte, conselheira e por ter forte

influência em minha fé e ministério. Por vencer em sua área de atuação jurídica e pedagógica

e me levar a vencer. Por chorar quando chorei e se alegrar quando me alegrei. Porque

trabalhou para me sustentar e, não obstante, agigantou-se em passos acadêmicos tão largos.

Agradeço por se transcender em tudo o que sabemos ter acontecido e ter me ensinado lições

preciosas que levarei durante toda a vida, pois lhe prometo militância em todas as boas causas

que me ensinou desde a tenra idade. Agradeço- lhe, também, por me ensinar a ser pastor, pois

seus ensinamentos prepararam um ministro do evangelho, nas mínimas atitudes e no exemplo

de respeito ao próximo e à dignidade humana.

Ao meu pai que, sempre com muito cuidado, me aconselhou em diversos

momentos de minha vida, orientando-me sobre o futuro e as dificuldades do percurso.

Agradeço por seu exemplo de proteção e incentivo, bem como por aceitar minha escolha

quando, aos 17 anos, saí de casa, no interior do Estado de São Paulo, para cursar Teologia e

seguir minha vocação pastoral.

À minha irmã – você sempre me ajudou, maninha – compreendendo-me e

apoiando-me com amor e boa vontade. Obrigado por me animar em meus intentos pessoais e

acadêmicos, jamais deixando de me ouvir. Agradeço- lhe, inclusive, por assistir às minhas

aulas de filosofia, ainda que eu estivesse com a cara inchada e a voz rouca, no primeiro ano

do mestrado, quando voltava para casa às três da manhã [risos].

Aos meus avós paternos – Vô Alonso e Vó Noêmia, muito obrigado pela

acolhida em São Paulo e pelo cuidado durante o período de minha graduação. Agradeço- lhes

pela ternura com que me receberam, sempre com um sorriso e muito afeto. Agradeço- lhes

porque sempre me incentivaram nos estudos, inclusive nos momentos de maior tensão e

dificuldade. Vocês são muito importantes para mim, pois sem a ajuda preciosa que me deram,

muitas coisas teriam sido impossíveis.

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Aos meus avós maternos, Vô Pipe (in memoriam) e Vó Dusolina. Agradeço

pelo exemplo de garra e amor. Vó, obrigado por torcer por mim e me incentivar toda vez que

ouviu sobre meu trabalho. Eu a tenho como exemplo de fé e cuidado familiar, bem como de

grande mãe, matriarca da família.

Aos meus tios, Olídio e Solange, muito obrigado pelo constante apoio em

forma de carinho, motivação e boas percepções do meu trabalho de pesquisa. Vocês sempre

estiveram ao meu lado nos momentos decisivos da minha vida.

Ao Prof. Dr. Lauri E. Wirth, por me oferecer com mestria uma orientação

acadêmica consistente, pela paciência com minha infantilidade durante o mestrado. Obrigado

por me embasar e por ter fornecido as ferramentas teóricas e metodológicas para o

cumprimento de minhas tarefas.

Ao Pr. Manoel de Jesus Thé, por me amar e me ajudar a atravessar os

desertos pré-ministeriais por que passei. Sem dúvida, devo- lhe as grandes e preciosas lições

do ministério pastoral e agradeço pelos conselhos e por toda a dedicação. Sou grato por ter se

tornado meu “grande pai” no ministério.

Ao Pr. Daniel Messias, grande amigo, obrigado por sua ajuda e apoio em

todo o tempo. Entre os amigos, você foi o mais presente em minha vida acadêmica e

ministerial.

À Isabel Cristina Le lis Ferreira, pela amizade, por toda a dedicação e

excelência na revisão ortográfica da presente dissertação.

Ao Prof. Ms. Marcelo Santos, obrigado por ter me incentivado a realizar a

presente pesquisa quando fui seu aluno, na graduação.

A uma família bastante especial: Noêmia, José Mardônio, Paloma e Bruno.

Obrigado pela acolhida em São Paulo e por me tratarem de forma amorosa e cuidadosa. Eu os

levarei para sempre no coração e na memória e os terei em alto grau de importância, sempre e

sempre! Libertem-se [risos].

À Paloma, pelo incentivo e apoio constantes e pelo interesse que demonstrou

pela presente pesquisa. Obrigado por me ajudar nos diversos processos desse período em que

realizei meu mestrado em Ciências da Religião.

À Primeira Igreja Batista no Jabaquara, obrigado pelo carinho, amor e

acolhida. Exerço com dedicação o ministério titular entre vocês e desejo que cresçamos juntos

na graça, no conhecimento e no amor que nos une.

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Aos professores que criam – Cidinha, Célia, Lia, Catarina, Ana Lúcia e Eri.

Obrigado pela confiança, amor e dedicação. Vocês estão vivas em minha memória e sempre

caminharão comigo nas veredas da existência.

Aos professores que não criam – A todos/as vocês: obrigado por causar um

ambiente de instabilidade, pois, sem essas situações, talvez eu não tivesse conseguido mostrar

que, mesmo não sabendo, fiz-me um tolo aprendiz na mediocridade. Em tempo: eu já

aprontei, lendo Nietzsche durante a aula de matemática.

Aos professores da graduação na Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

Agradeço especialmente aos professores Dr. Lourenço Stelio Rega, Dr. Jorge Pinheiro dos

Santos, Dra. Gina Valbão Strozzi Nicolau, e Ms. Alberto Kenji Yamabuchi. Agradeço o

incentivo essencial que me deram, não somente na minha formação ministerial, mas também

na acadêmica.

Aos professores da Pós-Graduação, especialmente Dr. Geoval Jacinto da

Silva, Dr. Jung Mo Sung, Dr. Antonio Carlos de Melo Magalhães e Dr. Etienne Alfred

Higuet. Agradeço pelas boas conversas que travamos durante o tempo em que cursei as

disciplinas oferecidas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Também

agradeço pelas conversas de corredor, as quais foram fundamentais e corroboraram, mesmo

informalmente, meu preparo acadêmico formal.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),

que me auxiliou no processo de pós-graduação concedendo-me uma bolsa de mestrado sem a

qual jamais teria sido possível prosseguir meus estudos na Universidade Metodista de São

Paulo.

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“O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade. Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento”.

FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 14.

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SEAWRIGHT, Leandro Alonso. Poder e Experiência Religiosa: uma História de um Cisma Pentecostal na Convenção Batista Brasileira na Década de 1960. São Bernardo do Campo, 2008. Dissertação de Mestrado. Universidade Metodista de São Paulo.

RESUMO

A presente dissertação é resultado de uma pesquisa acerca de um cisma

pentecostal na Convenção Batista Brasileira, na década de 1960. No foco do conflito

encontra-se um Movimento de Renovação Espiritual, que defendia uma experiência de êxtase

religioso, designada de batismo com o Espírito Santo, como confirmação da relação do crente

com Deus. A progressiva adesão de comunidades batistas a tal proposta transformou-a numa

rede alternativa de poder que causou instabilidade nas relações de poder no interior da

denominação batista no Brasil. A pesquisa reconstrói os embates decisivos deste episódio e

ofereceu uma interpretação a partir das teorias de Michel Foucault e Michel de Certeau, na

medida em que tenta decifrar os mecanismos institucionais de controle em confronto com as

táticas das redes de poder. No contexto histórico brasileiro de efervescência não só religiosa,

os mecanismos de vigilância da Convenção Batista Brasileira mostraram-se insuficientes para

a manutenção da unidade ameaçada, uma vez que puniu os grupos opositores com a exclusão.

Palavras-chave: Convenção Batista Brasileira, batismo no Espírito Santo, cisma pentecostal, redes de poder, vigilância, experiência religiosa.

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SEAWRIGHT, Leandro Alonso. Power and Religious Experience: a Hhistory of a Pentecostal Schism in the Brazilian Baptist Convention in the Decade of 60’s. São Bernardo do Campo, 2008. Dissertação de Mestrado. Universidade Metodista de São Paulo.

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ABSTRACT

This dissertation is the result of a search about a Pentecostal schism in the

Brazilian Baptist Convention, in the decade of 1960. The center of interest of the conflict is a

Spiritual Renewal Movement, which defended an experience of religious ecstasy, called

baptism with the Holy Spirit, as confirmation of the relationship of the believer with God. The

gradual adhesion of Baptists communities to such proposal transformed it into an alternative

web of power that caused instability in the relations of power within the Baptist denomination

in Brazil. The research reconstructs the shocks of this crucial episode and offered an

interpretation from the theories of Michel Foucault and Michel de Certeau, trying to decipher

the institutional mechanisms of control in battles with the tactics of the web of power. In the

historical context of Brazilian effervescence not only religious, the mechanisms of

surveillance of Brazilian Baptist Convention have proved inadequate for maintaining the unity

threatened, since the opposing groups were punished with the exclusion.

Words Key: Brazilian Baptist Convention, baptism in the Holy Spirit, pentecostal schism, web of power, surveillance, religious experience.

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SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................12

1. UM PERÍODO DE EFERVESCÊNCIA E O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO ESPIRITUAL..............................................................................................................19

1.1. Um locus de transformações político-religiosas e de efervescência................19 1.2. Um locus fragmentário do protestantismo no Brasil: Uma grande

miscelânea........................................................................................................30 1.3. Um locus oscilante no vaivém das ondas: uma antidisciplina

pentecostal........................................................................................................37 1.4. Ondas vêm e ondas vão: Um locus de belicosidade para o Movimento de

Renovação Espiritual e para Rosalee Mills Appleby ......................................45

2. A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NA BIBLIOTECA DO SEMINÁRIO

TEOLÓGICO BATISTA DO SUL DO BRASIL E A FORMAÇÃO DAS REDES DE PODER..................................................................................................................59

2.1. José Rego do Nascimento e Enéas Tognini: Duas experiências religiosas de

constituição no entretecimento da belicosidade histórica................................59 2.2. Da academia à experiência religiosa: Poder e êxtase na biblioteca e as redes de

poder.................................................................................................................70 2.3. Um barulho que veio da biblioteca: Poder e repressão da religião oficial.......82 2.4. Na abrangência das redes de poder: Um manifesto da minoria excluída da

Igreja Batista da Lagoinha...............................................................................92

3. A FORMAÇÃO DA COMISSÃO DOS 13 E O MODELO PANÓPTICO DE VIGILÂNCIA...........................................................................................................101

3.1. Um cisma na Convenção Batista Mineira......................................................101 3.2. A Convenção Batista Brasileira de 1962 e a formação da Comissão dos

13....................................................................................................................108 3.3. A doutrina do Espírito Santo e os embates fiscalizadores ............................118 3.4. Os pareceres da Comissão dos 13: Um cisma na Convenção Batista

Brasileira........................................................................................................131

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4. O FUNDAMENTALISMO POLÍTICO-RELIGIOSO POR DETRÁS DAS

TRINCHEIRAS........................................................................................................150 4.1. O fundamentalismo do Movimento de Renovação Espiritual.......................150 4.2. Rubens Lopes e Enéas Tognini: Campanhas de Evangelização e Encontros de

Renovação......................................................................................................163 Considerações Finais.............................................................................................................170 Bibliografia............................................................................................................................180 Anexos....................................................................................................................................187

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Introdução

No seio das igrejas batistas pertencentes à Convenção Batista Brasileira é

possível identificar um período intenso composto por incontáveis conflitos de poder ocorridos

em âmbito denominacional. O período de 1956 a 1965 fo i impactado pelas controvérsias

teológicas ocasionadas pelo Movimento de Renovação Espiritual no interior das igrejas

batistas. Através da influência de Rosalee Mills Appleby, alguns líderes denominacionais,

como José Rego do Nascimento e Enéas Tognini, alegaram uma experiência de batismo no

Espírito Santo posterior à experiência de salvação nas categorias batistas de compreensão

soteriológica 1.

Os entreveros denominacionais e os debates acerca da verdade sobre a

doutrina do Espírito Santo conduziram e fomentaram disputas institucionais, premeditadas ou

não, que tiveram como uma de suas principais conseqüências o primeiro cisma ocorrido na

Convenção Batista Brasileira. No presente texto intentar-se-á uma abordagem acerca do

período mencionado, verificando os conflitos de poder que conduziram os batistas brasileiros

ao cisma denominacional. Outrossim, adotar-se-á, para a abordagem do referido episódio, as

teorias de Michel Foucault e de Michel de Certeau como respaldos teóricos para entender o

conflito em pauta.

A influência do Movimento de Renovação Espiritual nas igrejas batistas

brasileiras já foi objeto de diferentes estudos. Destacam-se aqueles de cunho marcadamente

apologético, produzidos no calor dos embates em torno da questão. Há também referências à

questão em trabalhos de conclusão de curso de graduandos em Teologia. Contudo, salvo

melhor juízo, o presente trabalho é a primeira tentativa de investigação científica do cisma no

campo batista.

Para tanto, sabe-se que dois tipos de fontes possibilitam a pesquisa e o

conhecimento no âmbito da história, a saber, as fontes primárias e as fontes secundárias.

Fontes primárias ou originais são aquelas que documentam um fato, uma circunstância, um

vivido. São os documentos escritos, objetos de uso pessoal e coletivo, instrumentos

diversificados. Essas fontes requerem a verificação do contexto histórico, social, político e

cultural, porquanto é preciso empregar metodologias hermenêuticas para lançar mão de suas

informações.

1 Termo utilizado nos estudos de Teologia Sistemática para designar as compreensões acerca da salvação, nas molduras da teologia cristã.

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Em contrapartida, as fontes secundárias referem-se às muitas leituras das

fontes primárias que os pesquisadores realizam. Mesmo que haja a possibilidade de que as

fontes secundárias se transformem em novas fontes primárias de pesquisa, as fontes

secundárias são postas no mercado de bens culturais para o consumo de diferentes categorias

de sujeitos, a saber: os pesquisadores, os professores, os estudantes e os curiosos de maneira

geral. As fontes primárias distinguem-se das fontes secundárias principalmente porque estas

estão ligadas à difusão do conhecimento histórico, enquanto aquelas à produção do

conhecimento da história 2.

Para a abordagem que se propõe na presente dissertação, ressalta-se a

utilização de fontes primárias, tais como: cartas, jornais denominacionais, jornais seculares e

atas. Algumas das correspondências utilizadas, anexadas ao presente texto estão em poder de

Enéas Tognini, enquanto outras foram publicadas em seus livros. Consultou-se também O

Jornal Batista, veículo oficial de informações da Convenção Batista Brasileira3. Da mesma

forma, lançou-se mão de O Estado de São Paulo, para verificar determinado período histórico

em evidência no quarto capítulo. Como se mencionou, atas de Assembléias da Convenção

Batista Brasileira também foram utilizadas e constituíram fontes primárias preciosas .

No que tange às fontes secundárias, procurou-se consultar livros

apologéticos e doutrinários que evidentemente possuem caráter confessional e, por via de

regra, compõem e corroboram discursos bélicos na história dos batistas brasileiros durante o

período em que se situa o referido campo de pesquisa.

As publicações de Enéas Tognini e José Rego do Nascimento forneceram

boas interpretações acerca do belicismo no período e na fundamentação do Movimento de

Renovação Espiritual. Além das obras desses autores militantes, muitas outras serviram de

fontes secundárias para a amostragem dos conflitos denominacionais que culminaram no

primeiro cisma da história dos batistas no Brasil.

Não se pretende lançar uma hipótese com pressupostos solidificados com a

finalidade de afirmá- la ou negá- la. Entretanto, pretende-se elaborar suspeitas, não para que se

tornem soberanas e determinantes sobre alguma investigação ou afirmação, mas para que tais

suspeitas tragam consigo as instigações acadêmicas sobre o campo de pesquisa estabelecido,

bem como sobre o problema que se suscitará, os quais se farão evidenciar na elaboração dos

2 Cf. SOUZA, João Valdir Alves de. Fontes para uma reflexão sobre a história do Vale do Jequitinhonha , p. 2. 3 Mais informações sobre O Jornal Batista in: AVEZEDO, Israel Belo de. A palavra marcada: um estudo sobre a teologia política dos batistas brasileiros, de 1901 a 1964, segundo O JORNAL BATISTA .

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capítulos. Nesta dissertação também não se objetiva um trabalho doutrinário, mas uma sucinta

contribuição para se pensar parte do processo histórico e denominacional dos batistas no

Brasil.

“O intelectual não tem mais que desempenhar o papel daquele que dá conselhos. Cabe àqueles que se batem e se debatem encontrar, eles mesmos, o projeto, as táticas, os alvos de que necessitam. O que o intelectual pode fazer é fornecer os instrumentos de análise, e é este hoje, essencialmente, o papel do historiador”. 4

Desse modo, elaborar-se-ão suspeitas para a investigação historiográfica. Por

conseguinte, na instrumentação do leitor, será visibilizada a tensão existente no período

mencionado, pois as suspeitas indicarão o viés pelo qual se trilhará e um laboratório de

verificação do Movimento de Renovação Espiritual em curso na Convenção Batista

Brasileira. Segundo Foucault, jamais se pode dizer: “eis o que vocês devem fazer”. Portanto,

também não se pretende demonstrar nenhuma verdade cristalizada e tampouco a forma como

se deve pensar, pois se trata de fornecer instrumentos para o cumprimento do papel do

historiador.

Assim, a primeira suspeita é a de que as experiências religiosas são

legitimadoras das atitudes de poder político na história da Convenção Batista Brasileira e que

as experiências produzidas e vivenciadas pelo Movimento de Renovação Espiritual foram

causadoras de desequilíbrio no âmbito da denominação batista. Segundo Foucault, a

referência da história, a qual também se estabelece para a escrita da historiografia, é o modelo

da guerra e o da batalha 5, uma vez que se deve verificar a inteligibilidade das lutas, das

estratégias e das táticas para uma abordagem de um episódio político-religioso, como no caso

em tela.

Sendo, pois, plaus ível uma abordagem que se constitua para além de uma

redução da história a determinados eventos e a determinados modelos estabelecidos pela

língua, está posta a primeira suspeita, que se baseia no aspecto belicoso da história pelo

confronto das redes de poder no seu interior. Dessa forma, poder e experiência religiosa

parecem estabelecer uma importante relação, fazendo do modelo de governabilidade

congregacional um grande campo de batalhas, de onde a história se pronuncia pela narrativa

dos sujeitos que promoveram seus embates.

4 FOUCAULT, Michel. Poder - corpo. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 151. 5 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 5.

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Há uma segunda suspeita, a saber, a de que cada sujeito religioso agiu, com

base na legitimação do poder a partir das experiências religiosas, inscrevendo-se por uma

opção de favorecimento numa rede de poder, pela qual se tornava promotor de embates com

outras redes opositoras no processo histórico do período de atuação do Movimento de

Renovação Espiritual.

Com base nessa suspeita, parece ter ocorrido um desencadeamento de ações

que demonstram a formulação de um fundamentalismo religioso por parte do Movimento de

Renovação Espiritual e de alguns sujeitos religiosos opositores ao mencionado Movimento.

Desse modo, parece haver relações de poder a partir de onde os sujeitos religiosos se

posicionaram, pois se torna deveras importante a observância do lugar vivencial onde as

batalhas se deram. Os eventos ocorridos, os quais serão tratados nesse texto, são singulares na

história dos batistas no Brasil e precisam ser notados, bem como distinguidos em suas

especificidades e em suas redes de poder.

A terceira suspeita que se elabora neste ensejo requer um trabalho acurado,

pois pensa-se que, possivelmente, através da formação da Comissão dos 13, que se verificará

no terceiro capítulo, houve um avanço na tecnologia do poder exercido no âmbito da

Convenção Batista Brasileira. Entretanto, depois do desenvolvimento de um processo de

vigilância, parece ter havido um retrocesso muito similar às ações inquisitórias, como se verá.

Não puniu-se num primeiro momento, mas puniu-se depois do trabalho da Comissão dos 13, o

que implica as mencionadas ações inquisitórias por parte da denominação ou a insistência do

Movimento de Renovação Espiritual a fim de provocar de forma premeditada um cisma

pentecostal em uma denominação histórica.

Propôs-se, pois, uma estrutura de capítulos em que se viabilizou um

observatório político-religioso que, como se mencionou, objetiva evidenciar os confrontos no

seio da Convenção Batista Brasileira no período outrora aludido. Quer, desse modo, fornecer

uma leitura teórica que contemple o locus altamente belicista, as experiências religiosas de

êxtases e os embates mais decisivos em âmbito denominaciona l.

Assim, na estrutura dos capítulos, se concederá a amostragem de um

trabalho, ainda que sucinto e limitado, que objetiva a constituição de instrumentos para a

análise do poder e da experiência religiosa que se formulou no interior da Convenção Batista

Brasileira. Contudo, lança-se um olhar ao sistema “guerra-repressão”, bem como sobre a

sistemática da vigilância e da punição, que parecem ter proporcionado uma “prática, no

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interior de uma pseudo-paz, de uma relação perpétua de força”. Portanto, é possível que se

veja no decurso dos capítulos uma constante reflexão acerca da “luta e da submissão”. 6

Desse modo, no primeiro capítulo, que trata de “Um período de

efervescência e o Movimento de Renovação Espiritual”, constatar-se-á uma grande

mobilidade político-religiosa por meio da breve narrativa do contexto político do Brasil e

também da efervescência do pentecostalismo no País. Também se verificará um lugar

altamente fragmentário para o protestantismo no Brasil, inclusive por sua diversificação, por

suas ramificações e por sua pluralidade, arriscando-se numa tipologia e a partir de suas raízes

históricas.

Nesse capítulo se demonstrará a insuficiência do tratamento do

pentecostalismo no Brasil através da idéia de ondas, porquanto se quer evidenciar que, à luz

dessa concepção, há uma falta de lugar histórico para o Movimento de Renovação Espiritual.

Porém, lançando-se a fragmentariedade político-religiosa e a formação contextual das

concepções religiosas e dos movimentos pentecostais, especialmente no período de 1950 e 60,

quer-se oferecer à demonstração um locus bélico para a atuação do Movimento de Renovação

Espiritual no seio da Convenção Batista Brasileira.

Ainda no primeiro capítulo, será possível constatar uma narrativa da

influência carismática da missionária Rosalee Mills Appleby, que forneceu bases para o início

do Movimento de Renovação Espiritual, o que se fará tratando-a como alguém que vivenciou

experiências religiosas fundantes, as quais se reproduziram nas experiências religiosas de

importantes líderes batistas no Brasil.

A abordagem que se proporá no segundo capítulo refere-se a uma

experiência fundante ocorrida na biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil,

no Estado do Rio de Janeiro. Quer-se demonstrar, no aludido capítulo, as experiências

religiosas de José Rego do Nascimento e Enéas Tognini, as quais foram determinantes para

episódios extáticos ocorridos na mencionada instituição teológica e na denominação batista.

Rego, quando pastoreava a Igreja Batista da Lagoinha, foi convidado para

fazer uma série de explanações aos alunos do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

acerca do “despertamento espiritual”. As palestras tiveram a duração de uma semana e, após

suas ministrações, algo inusitado ocorreu e marcou a experiência do Movimento de

Renovação Espiritual. Assim, se reconstituirá tal experiência denotando a inscrição dos

sujeitos religiosos e redes de poder que, aparentemente, haviam partilhado de manifestações

6 FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 177.

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pentecostais para a inserção em determinados grupos militantes no seio da Convenção Batista

Brasileira.

Aludir-se-á, concomitante ao exposto, uma transmutação ocorrida na

biblioteca do Seminário, porquanto houve a passagem de vivências acadêmicas para vivências

pentecostais, através da experiência religiosa vivenciada no interior da biblioteca, na dinâmica

de um lugar. O lugar que passou a ser praticado, na biblioteca, foi fundamental para os

desdobramentos institucionais que contribuíram para a formação das redes de poder no

interior da Convenção Batista Brasileira. Após experiências de êxtases de Rego e dos

seminaristas da mencionada instituição teológica, a belicosidade instaurou-se devido à

autenticação e adesão de líderes às redes de poder no interior da trama denominacional. Após

tais vivências pentecostais, foram inúmeras as expressões de repressão por parte da religião

oficial, no caso, de líderes influentes no âmbito da Convenção Batista Brasileira.

Acerca do terceiro capítulo, alegar-se-á um desenvolvimento na vigilância

criada no interior da denominação batista através da Comissão dos 13, dispositivo armado na

44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira, ocorrida em 1962. Após o cisma da

Convenção Batista Mineira, houve uma intensificação nos discursos e na propaganda do

Movimento de Renovação Espiritual. Entretanto, na referida Assembléia da Convenção

Batista Brasileira, criou-se uma forma de vigiar sem punir, porém puniu-se após a vigilância,

fenômeno que se quer avaliar no diálogo entre as teorias de Foucault e Certeau.

Tratar-se-á, de igual forma, sobre os embates fiscalizadores travados nas

múltiplas redes de poder no seio da Convenção Batista Brasileira, pois a doutrina do Espírito

Santo, principalmente no que tange aos conflitos acerca do batismo no Espírito Santo, trouxe

desequilíbrio denominacional, o que será suscitado do terceiro capítulo. A Comissão dos 13

ofereceu alguns pareceres em Assembléias denominacionais, o que fora decisivo para os

embates e o cisma na denominação batista.

No quarto capítulo abordar-se-á o desenvolvimento político-religioso de um

fundamentalismo no Movimento de Renovação Espiritual, pois se verifica determinado

desencadeamento de um anticomunismo por parte de Tognini e seus liderados. A imagem de

João Goulart, formada pelos veículos de comunicação no início da década de 1960, afetou,

inclusive, o pensamento de importantes líderes denominacionais e motivou ações político-

religiosas por parte do Movimento de Renovação Espiritual.

Ainda na perspectiva do belicismo denominacional e das experiências

religiosas promovidas no seio da denominação batista, houve embates contundentes entre

Rubens Lopes, Presidente da Convenção Batista Brasileira, e Enéas Tognini, um dos

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proeminentes líderes do Movimento de Renovação Espiritual. Portanto, encontram-se no

escopo do capítulo as contendas político-religiosas, tanto entre dois importantes líderes

religiosos, como também entre pastores e os movimentos políticos do Brasil.

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1. Um período de efervescência e o Movimento de Renovação Espiritual

1.1. Um locus de transformações político-religiosas e de efervescência

Com Lauri Emilio Wirth, pode-se considerar que há determinado interesse

acadêmico pela constituição da religião a partir de um “sitz im leben”, a saber, de lugares

vivenciais que servem para a constituição de sujeitos vivenciais, os quais denotam, portanto,

traços que evidenciam a possibilidade de um encontro experiencial na vida do sujeito

religioso7. Com base no exposto, observe-se as categorias de Menshing:

“A religião é a experiência humana do encontro com o sagrado e de ação do homem em consonância com o impacto produzido por esse encontro”. 8

Nesses termos, o locus existencial, a partir dos elementos da religião e da

interação humana no bojo dos fenômenos, resultará em uma produção religiosa através do

impactante encontro entre o homem e o sagrado, bem como entre o sujeito religioso e os

elementos sagrados da religião. Contudo, tal encontro, entre o homem e o sagrado, demarcará

mais contundentemente um campo de desconhecimento, porque os elementos que compõem a

vivência da religião não conduzem ao conhecimento pleno do todo que sinalizam 9.

Para Michel de Certeau, a produção do historiador deve ser considerada

como:

“(...) a relação entre um lugar (um recrutante, um meio, um ofício, etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da “realidade” de que trata, e essa realidade pode ser compreendida “como atividade humana”, “como prática”. Nessa perspectiva, (...) a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas “científicas” e de uma escrita”. 10

Assim, parece haver uma relação importante entre o lugar, os procedimentos

de análise e a construção de um texto. Portanto, existe algo de vivencial na produção do

historiador que preza as observâncias a partir do lugar existencial onde a produção ocorre.

7 WIRTH, Lauri E. Novas metodologias para a História do Cristianismo: em busca da experiência religiosa dos sujeitos religiosos, p.23. 8 MENSCHING, G. Die Religion, p. 18. 9 Cf. VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa, p. 17. 10 CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

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Desse modo, a historiografia da religião procurará verificar os encontros entre o sujeito

religioso, na sua experiência, com a política do lugar que se achará em evidência.

Dessa maneira, fazer abordagens acerca da operação histórica, considerando

suas implicações, deverá trazer um estabelecimento de narrativas vivenciais que, por

conseguinte, se formarão a partir das “verdades” que um locus poderá suscitar, tanto para o

sujeito que pratica em dado lugar, quanto para o historiador que verifica o lugar praticado.

Portanto, uma verdade historiográfica absoluta foi refutada por Certeau, entretanto, a história

pode produzir, segundo ele, algumas “verdades”, as quais são influenciadas pelo presente

dos historiadores.

No entanto, a historiografia lidará intensamente, não somente com a história

factual a que se propõe estudar, mas também, como foi dito, com o lugar reflexivo onde se

elabora, pois ele é determinante devido à constituição dos sujeitos que vivenciam as tramas11.

Assim, observar a experiência e a ação dos indivíduos que compõe a história de um episódio

religioso é relevante na medida em que se concebe a história como uma prática do lugar do

historiador e dos sujeitos que preenchem seus próprios lugares religiosos12. Da mesma forma,

verifica-se a necessidade de trabalhar na condução de idéias aos lugares e de contemplar a

viabilização do gesto de um historiador a partir disso13.

Hayden White afirma, no entanto, que o trabalho da historiografia é parte

integrante de uma encenação, de um teatro acadêmico, que visa conceder objetividade e

caráter científico à produção histórica 14. Porém, Certeau, mesmo entendendo as limitações

do trabalho historiográfico, não o desaprovou, porque esse trabalho seria uma tarefa de

compreender para trazer uma continuidade da produção historiográfica. Para Certeau, como

mencionou, não se pode falar de uma verdade, mas de diversas verdades, a saber, de

“verdades no plural”, porque o historiador propõe a produção de um trabalho a partir do

presente e das preocupações de sua realidade concreta 15. Não é um trabalho aleatório, mas

deve-se visibilizar as tensões humanas e os aspectos de subjetividade. Assim, são relevantes

as implicações contextuais, políticas e subjetivas que culminaram nas experiências religiosas 11 CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982, p. 126. 12 CERTEAU, Michel. A OperaçãoHistórica, p. 28. 13 CERTEAU, Michel. A Oeração Hstórica, p. 17. 14 WHITE. H. A. Rejoinder. A response to professor Chartier’s four questions. Storia della Storigrafia, p. 65.

15 CERTEAU, Michel. A Cultura no Plural, p. 224.

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no plural, as quais se dão em contextos altamente complexos, sendo, da mesma forma, plurais

nas suas constantes remontagens a partir da apreensão de quem produzem em um locus

determinante.

Tal combinação de lugar social, de práticas “científicas” e de uma escrita,

concebe a operação historiográfica proposta por Certeau. Portanto, o locus a partir de onde se

vivencia a experiência religiosa, também no caso do pentecostalismo, que irrompeu a

realidade protestante brasileira, vivenciando a experiência do Espírito Santo, define o

procedimento e a constituição de um “texto” que, enquanto se forma, é fo rmativo, pois inclui

o sujeito religioso que deve ser observado também a partir de sua subjetividade e das

implicações formativas da realidade que irrompeu o seu lugar de estar.

O florescimento do pentecostalismo na América Latina se processou devido

a uma espécie de atualização religiosa que se visualizou numa remontagem de um

protestantismo brasileiro, pois vincula e mescla as novas experiências vivenciais dos sujeitos

religiosos pertencentes ao Movimento Pentecostal. Os referidos sujeitos proporcionaram uma

mensagem de experiência religiosa que parece ter contemplado as necessidades mais atuais

dos sujeitos que praticavam religião no contexto do protestantismo brasileiro.

Conforme René Padilla, em seu El evangelio hoy, o pentecostalismo

avançou porque, entre outros aspectos, havia um universo religioso que, através da

predominância do catolicismo, constituía um sistema de opressão que impunha normas e

condutas sobre a grande maioria. Para esse autor, o magisterium do catolicismo

fundamentou-se rigidamente e, a partir da busca por novos horizontes religiosos, o

pentecostalismo foi nascente, pois deu voz a sujeitos massacrados pelo modelo econômico,

político e religioso16.

Portanto, a religião, no seu desenvolvimento político e vivencial, se expressa

na constituição de experiências formativas que transformam e, como sistema simbólico,

estrutura-se com base na coerência relacional dos seus elementos de interesses internos, os

quais, por estabelecimento de vínculos relacionais, também formam uma experiência

religiosa. As categorias de sagrado e profano, material e espiritual, eterno e temporal,

16 PADILLA, René. El evangelio hoy. Buenos Aires: Certeza, 1975.

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funcionam como alicerces sobre os quais a experiência vivida é construída17 e, vez por outra,

remontada e vivenciada.

Por isso, pode haver diversos processos nos mais variados períodos da

história de um avivamento religioso. Dessa forma, nesse mesmo delineamento, verifica-se

que os motivos políticos imbricam-se com os motivos pessoais, porquanto trata-se de uma

história das transformações político-religiosas, quer no âmbito de uma igreja local, quer no

bojo de uma denominação e também, fundamentalmente, no âmbito da peculiaridade da

experiência do sujeito religioso que se vê relevante na estrutura da transformação contextual

e situacional.

No seio do protestantismo brasileiro, verifica-se a eclosão de movimentos

denominados pentecostais e até mesmo no seio de igrejas históricas. Esses avivamentos,

manifestos no âmbito do protestantismo histórico, propiciaram a fundação de diversas

denominações com ênfases nas experiências religiosas marcantes para a vida do sujeito

religioso que, através do aspecto fragmentário da subjetividade, encontra-se consigo mesmo

diante das questões últimas da vivência humana. Para Galindo, o pentecostalismo representa

um protestantismo que se desinteressa da doutrina e se centra no aspecto emocional e na

vivência do sobrenatural, mostrando-se mais interessado nas particularidades humanas.

Portanto, conforme o autor, os milagres, a glossolalia, as curas e os exorcismos são deveras

importantes para a concepção desse formato de protestantismo, pois estão vinculados ao

caráter de enunciação do sagrado que se apresenta na particularidade e é transformado na

peculiaridade das concepções vivenciais 18.

Verifica-se, então, que a interação de elementos políticos com elementos

vivenciais e, para se obter relevância no sentido, com elementos sobrenaturais, forma uma

experiência de vida, na cotidianidade, que legitima ações de transformação no cenário

religioso brasileiro, donde ressalta-se a importância dos lugares praticados que se formam por

entre os lugares caracterizados pela solidez no que tange à ordem e ao posicionamento dos

elementos contextuais. Mesmo no campo da pesquisa, Certeau faz observações interessantes,

pois para ele o que se acha em jogo, no estatuto da análise e na sua relação com o objeto, é a

produção que se baseia no lugar onde ela se achou possível, tornando o referido campo um

observatório bastante peculiar e expressivo. Note-se, portanto, que o campo onde a pesquisa

17Cf. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu, p. 179. 18 GALINDO, Florencio. O Fenômeno das Seitas Fundamentalistas, p.190 e 191.

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se torna possível é um locus que demonstra inúmeros aspectos concernentes à produção, a

qual se baseia na posição do historiador e na posição do objeto abordado. Deve-se, portanto,

entender a história do pentecostalismo no Brasil a partir das concepções dos lugares onde as

tramas ocorrem. Por isso, acha-se em alta relevância, para Michel de Certeau, a distinção

realizada entre lugar e espaço, pois um dos elementos teóricos mais notáveis em Invenção do

Cotidiano, do mencionado autor, é o conceito acerca dos lugares e dos espaços.

Portanto, para Certeau, um discurso, seja ele qual for, carregará consigo as

“marcas de cientificidade”, num estatuto da análise, à medida que explicita as condições, as

regras e, principalmente, as relações de onde a produção acontece, bem como a ligação do

aporte concedido pelo lugar com o objeto da abordagem19.

Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio” e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade”. 20

Há, a partir do descrito, uma formação específica do lugar através da

especificidade dos elementos estáticos que compõem a realidade, conquanto tal realidade, por

meio dos seus elementos, coexiste em si mesma e se solidifica. A realidade cotidiana e a

realidade histórica poderão ser exemplificadas nos termos desse locus humano, o qual se

entretece com uma ordem e com o sujeito que a vivencia. Porém, trata-se um locus que

poderá sofrer alterações no que tange às suas posições de estar existindo.

Assim, embora os elementos sejam estáticos e coexistam, aplicando uma

noção do lugar “próprio”, o qual deve ser considerado para fazer uma narrativa com

seriedade historiográfica, há que se rememorar o conceito de um ser humano que é um sujeito

vivo, com a capacidade de interagir com a realidade, promovendo atualizações constantes,

não somente consoante à sua própria existência, mas também referente à existência da ordem

19 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 110. 20 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 201.

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ocasionada por expressividades humanas e, portanto, também da religião que se pratica no

dia-a-dia ou na dinâmica institucional21.

Um lugar estabelece uma relação fundamental pela qual se torna perceptível

a noção da existência de muitas coisas ao mesmo tempo e, com isso, também uma ordem de

posicionamento se forma, a saber, há uma singularidade em tudo e, ainda que no mesmo

ambiente, a essencialidade das coisas é respeitada como fator de formação do objeto ali

presente. Desse modo, aquilo que é solidifica-se na singularidade de sua existência, fazendo

um preenchimento específico das noções de uma realidade.

Sobre os espaços Certeau afirma:

“Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflitais ou de proximidades contratuais”. 22

Portanto, acerca de um conceito solidamente fundamentado na

funcionalidade do lugar, a saber, no dinamismo adquirido pelo referido lugar na experiência

do sujeito, verifica-se que o espaço é a interação numa determinada ordem, pois, segundo

Certeau, “o espaço está para o lugar como a palavra quando falada e percebida”. Assim, na

mobilidade do lugar, na concepção da noção de espaço, em certa movimentação, acha-se um

“lugar praticado”, que melhor caracteriza o espaço movimentado por um “operador”

vivencial de realidades23.

“Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim, a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito”. 24

21 WIRTH, Lauri E. Novas metodologias para a História do Cristianismo: em busca da experiência religiosa dos sujeitos religiosos, p.29. 22 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 202. 23 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 202. 24 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 202.

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Com Certeau, pode-se dizer que as políticas dos lugares acham-se

subjacentes às estratégias que se formam devido à especificidade de cada mencionado lugar

e, da mesma maneira, há determinados vínculos dessas práticas com o lugar próprio de um

princípio coletivo na gestão referente a uma família ou a um determinado grupo25. Dessa

maneira, a ação decorrente de um lugar é a agitação dessa ordem pelo processo histórico, do

qual o sujeito jamais poderá ser alijado por ser fundamental, não na sua perpetuação, mas na

transformação a partir da concepção dos espaços.

O cotidiano, pela subjetividade da experiência do sujeito religioso, deve

fornecer, pela noção dos espaços, que são lugares praticados, um locus do indivíduo que

produz sua experiência visando à legitimação das atitudes de poder, pois o lugar determina

em muito as estratégias e as táticas de uma religião que, às vezes, é praticada de forma não

oficial sob os desdobramentos do espaço.

Para os exames das práticas do dia-a-dia que articulam essa experiência, a

oposição entre “lugar” e “espaço” gera duas espécies de determinações, a saber, uma é

definida pela fixidez de objetos reduzíveis ao estar-aí de um morto, pois, para Certeau, um

corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e, a partir do referido lugar, faz-se

a imagem de um túmulo; a outra, através de operações, quando atribuídas a uma pedra, a

uma árvore ou a um ser humano (a um cadáver?), demonstram os espaços, os quais se

formam pela não fixidez gerada por sujeitos históricos que articulam em sua própria

constituição, na ordem das coisas, e pela mutação do locus existencial26. Em suma, o espaço

é a dinâmica proporcionada pelas articulações existenciais de um sujeito que concede

mobilidade a elementos da realidade que poderiam se petrificar numa experiência contínua

do estar-aí.

Portanto, num período em que algumas denominações históricas

estabeleceram sua fixidez, como no caso das Igrejas da Convenção Batista Brasileira, alguns

sujeitos religiosos, que viveram intensas experiências religiosas, decidiram promover um

avivamento, conhecido como Movimento de Renovação Espiritual ocorrido na década de

1950 e 1960.

25 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 202. 26 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 202 e 203.

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Ressalta-se que, acerca do locus religioso que se transformou, pode-se dizer

que na década de 1950 e de 1960, o Brasil passou por um período de profundas modificações

que, na sua maior parte, foram conseqüências das implicações do término da Segunda Guerra

Mundial. Campos considera que após a referida guerra a situação política, econômica e

cultural sofreu profundas mudanças no Brasil27.

Neste contexto, o nacionalismo e o populismo, característicos no governo

Vargas, parece ter influenciado tardiamente o surgimento de certos grupos religiosos no

Brasil28. Exemplo clássico dessa tendência é a Igreja O Brasil para Cristo, fundada por

Manuel de Melo, na década de 50, que aliou o discurso religioso à aspiração pelo poder

político.

Segundo Rolim:

“Sem perder as características das crenças e práticas pentecostais, O Brasil para Cristo procurava assumir práticas sociais, através das eleições. Estas experiências, que se poderia chamar de político-religiosa, foi de curta duração, uma vez que o golpe de 1964 lhe cortou o fôlego. Mas teve um aspecto bem positivo. É que não ficou na livre iniciativa dos crentes. E partiu da orientação dos dirigentes da Igreja. Dessa forma, foi um ramo pentecostal, criado no início de 1950, que corajosamente tentava unir duas experiências, a religiosa e a política. Com a repressão dos governos militares, a partir de 1964, O Brasil para Cristo se recolheu na religiosidade” 29.

Incitada por Manuel de Melo a atuar diretamente nas campanhas eleitorais, a

Igreja O Brasil Para Cristo permaneceu atuante, inclusive, apresentando candidatos próprios,

entre os quais alguns foram eleitos. Tal inserção do pentecostalismo na política concedeu

uma amostragem de que havia um ambiente bastante agitado pelo nacionalismo, a partir do

qual a Igreja O Brasil Para Cristo exerce diversas influências. Assim, a década de 1950 foi

bastante agitada pelo referido populismo e pelas conseqüências dos ideais de Vargas30.

“Toda essa mobilidade social, cultural, econômica e política não foi devidamente percebida pelo protestantismo histórico, que passou a perder o

27 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 87. 28 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 87. 29 ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil: Uma Interpretação Sócio-Religiosa , p. 72. 30 Getúlio Vargas governou o país em dois períodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954.

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dinamismo e a apresentar crescentes sinais de exaustão (...) Após a Segunda Guerra, o País, por influência americana, entrou num processo de redemocratização. O mundo experimentava os efeitos da “guerra fria”, as organizações comunistas continuavam na clandestinidade, e os trabalhadores, dentro da camisa de força governamental instituída no decorrer da ditadura varguista. Predominava um clima de euforia nacionalista, que se expressava na construção de siderúrgicas e na estatização da produção e distribuição do petróleo”. 31

Contudo, após o suicídio de Getúlio Vargas32, em 1954, o nacionalismo foi

substituído pelo otimismo de Juscelino Kubitschek e, nesse sentido, houve uma abertura no

Brasil para a implantação de indústrias estrangeiras, com destaque para as montadoras de

automóveis e a construção de Brasília. Portanto, depois da transição do ambiente nacionalista

para o ambiente agitado do internacionalismo, o Brasil experimentou uma efervescência

bastante contundente no que tange à redemocratização, à retomada da industrialização, ao

surgimento da indústria siderúrgica e à troca da influência européia pela influência norte-

americana 33.

O período da internacionalização, por meio do fortalecimento urbano 34,

proporcionou um contexto favorável ao surgimento de igrejas chamadas neopentecostais,

como a Igreja Universal do Reino de Deus que, vivenciando as experiências do momento,

propôs-se com um nome bastante sugestivo no que tange à sua relação com o período.

Assim, nosso objeto de estudo situa-se e é produto de um contexto político,

econômico e religioso em profundas transformações, não obstante a influência das chamadas

causas remotas, vinculadas, por exemplo, à procedência estrangeira de missionários atuantes

neste contexto, o que abordaremos mais adiante. Segundo Campos, a efervescência da época

foi muito grande, o que repercute nos novos movimentos que rompiam com os moldes

31 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 95.

32 No período do governo de Getúlio Vargas, houve um esvaziamento da zona rural, a aceleração da urbanização, a implantação de uma indústria para substituir os bens importados. Também houve resoluções internas, a participação do País na Segunda Guerra e a repressão dos movimentos operários e políticos de inspiração socialista e comunista.

33 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 87. 34 CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos, p. 447.

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tradicionais das instituições religiosas. O locus do sujeito religioso alterou-se, também porque

houve um processo intenso de evolução na comunicação, e as distâncias foram reduzidas

através das novas rodovias, as quais levavam a todas as regiões geográficas.

A partir da década de 1950, também constata-se um período de êxodo rural

bastante contundente, motivado principalmente pela rápida industrialização do País.

Entretanto, mesmo com a industrialização, não houve capacidade de aproveitar toda a mão-

de-obra gerada pelo êxodo rural35. O pentecostalismo, principalmente o da chamada “segunda

onda”, terminologia utilizada por Freston e Mariano, desenvolveu-se em centros urbanos e,

portanto, participou ativamente das transformações históricas e religiosas daquele período.

Algo bastante marcante é que, a despeito do golpe político de 1964, o Brasil continuou seu

crescimento, sua urbanização e sua efervescência político-religiosa. Neste contexto, o

pentecostalismo valeu-se de elementos urbanos e da cultura no plural, incutida no sujeito que

se urbanizou.

“A partir dos anos 60, cismas pentecostalizantes (“carismáticos”) surgiram em todas as igrejas históricas. Contudo, estes representaram não a descida das igrejas históricas para as massas brasileiras, mas a subida e adequação do fenômeno pentecostal a novos níveis sociais”. 36

Diversos movimentos religiosos tiveram início no Brasil e, na maioria dos

casos, líderes religiosos marcantes tiveram experiências contundentes. Ainda que já tivessem

sido vivenciadas por outros sujeitos, tais experiênc ias foram fundantes para os movimentos

que se puseram em curso naquele período.

Harold Williams, ex-ator de filmes de faroeste e missionário da International

Church of the Four-Square Gospel, veio da Bolívia, chegando ao Brasil em 1946. Williams

fundou após cinco anos de sua vinda ao Brasil, no interior de São Paulo, uma igreja que

pregava o avivamento. Contudo, mesmo no intento de levar uma mensagem de avivamento às

denominações tradicionais, não obteve êxito. Por isso, juntou-se com Raymond Boatrigth na

organização Cruzada Nacional de Evangelização, a qual, num primeiro momento, aderiu a

um nacionalismo, mas posteriormente tornou-se a Igreja do Evangelho Quadrangular,

bastante modificada. Com uma ênfase na pregação através de recursos radiofônicos e no uso

35 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 87. 36 FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 264.

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abundante do espaço público, a Igreja do Evangelho Quadrangular pregou de forma popular,

falando, sobretudo acerca da cura divina, da solução dos problemas gerais e das aflições

internas dos sujeitos religiosos37. Grande parte da liderança da referida igreja era feminina e,

por isso, também se estabeleceram certos vínculos com as demais mulheres que compunham

a comunidade e que queriam se fazer ouvidas.

Tendo uma passagem pela Assembléia de Deus e, posteriormente, pela

Igreja do Evangelho Quadrangular, Manuel de Melo intitulou-se “missionário”. Fundou, em

1956, a Igreja de Jesus Betel, que, posteriormente, teve seu nome mudado para O Brasil para

Cristo. Segundo Campos, como se mencionou, o nome da Igreja fundada por Manuel de

Melo, refletia a situação política do nacionalismo da década de 195038. O líder em questão foi

o primeiro brasileiro a fundar uma igreja pentecostal. Ele realizava reuniões de milagres em

praças públicas e em estádios de futebol, e falava num programa de rádio chamado “A Voz

do Brasil para Cristo”, que permaneceu no ar durante muito tempo. Composta, na sua maior

parte, por migrantes nordestinos, resultado da urbanização e da industrialização, a Igreja O

Brasil para Cristo fortaleceu-se e, através de seu principal líder, um templo para dez mil

pessoas foi inaugurado próximo à região central de São Paulo. Conforme Campos, depois do

processo de institucionalização e de “rotinização do carisma”, nos anos 70 e 80, o carisma

pessoal de Melo não subsistiu, permanecendo com as corriqueiras atuações39.

A Igreja Pentecostal Deus é Amor teve início no bairro operário de Vila

Maria e, depois de algum tempo, transferiu-se para a região central da cidade de São Paulo e,

em 1970 inaugurou sua sede, na Rua Conde de Sarzedas. O fundador da referida igreja foi

Davi Martins de Miranda, que veio do interior do Estado do Paraná em 1961, aos 26 anos de

idade. Miranda, depois de 10 anos, comprou uma fábrica desativada nas proximidades da

Praça da Sé, a qual, após os devidos reparos, se tornou a “Sede Mundial” da Igreja

Pentecostal Deus É Amor. As inúmeras concentrações de fé são realizadas no mencionado

37 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 88. 38 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 88. 39 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo His tórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 88 e 89.

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lugar e, além disso, há grandes estúdios de rádio nas dependências da Igreja. O grande tema

que perpassa o discurso da Igreja fundada por Miranda é a cura divina40.

Durante o período da década de 1950 e 1960, houve uma grande

efervescência no pentecostalismo, de tal forma que inúmeras denominações foram formadas.

Contudo, consoante ao período, não se pode ignorar a presença do Movimento de Renovação

Espiritual no Brasil, o qual não achou lugar na conceituação a respeito do pentecostalismo

entendido pela idéia de “ondas”. Nessa segunda geração de pentecostalismo, surgiram

algumas denominações advindas de cismas em denominações históricas: Congregacional

Independente (1965), Metodista Wesleyana (1967), Batista de Renovação (1970),

Presbiteriana Renovada (1972) e as igrejas autônomas oriundas da fragmentação

pentecostal41.

É necessário que se observe a inserção do pentecostalismo também no

âmbito do protestantismo histórico no Brasil, conquanto essa verificação se fará importante

para entender o período marcado por muitos embates e seus conseqüentes cismas

denominacionais. Algumas igrejas, representantes do protestantismo histórico brasileiro,

enquanto lugares confortavelmente repletos de fixidez, experimentaram o dinamismo da

inserção pentecostal através do Movimento de Renovação Espiritual, tornando-se lugares

praticados na configuração da mobilidade dos espaços denominacionais.

1.2. O locus fragmentário do protestantismo no Brasil: Uma grande miscelânea

Alguns pesquisadores, como Emilio Willems 42 e Émile Léonard43,

distinguiam o protestantismo brasileiro simplesmente como “históricos” e “pentecostais”.

Porquanto, a princípio, a religião protestante no Brasil não se apresentava com aspectos de

exacerbadas fragmentações.

Fazendo, pois, distinção entre igrejas e seitas, alguns pesquisadores

continuaram trilhando os caminhos a partir das diretrizes de Willems e Léonard. Para

40 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 89. 41 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 90. 42 Pesquisador alemão que viveu no Brasil entre os anos de 1936 e 1949. 43 Protestante francês que ministrou aulas na Universidade de São Paulo na década de 1950.

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pesquisadores como Beatriz Muniz de Souza e Cândido Procópio Ferreira de Camargo 44, as

chamadas “seitas” são as igrejas pentecostais e, as chamadas “igrejas” dizem respeito ao

mencionado protestantismo histórico.

Há de se enfatizar, no entanto, que os referidos autores não proporcionaram

contribuições para os momentos posteriores aos do final da primeira década do século XX. O

protestantismo, para além da singularidade, apresentando-se como fragmentário, revela,

portanto, que inúmeras expressões litúrgicas e afirmações doutrinárias tornaram-se possíveis

nos momentos subseqüentes aos da primeira década do século XX.

Mesmo antes dos anos 80, por causa da influência de uma sociologia da

religião norte-americana, falava-se de “neopentecostalismo” e de “movimento carismático”,

entretanto, foi a partir da década de 1980 que as classificações que diziam respeito ao

protestantismo foram mais bem elaboradas. Tal elaboração ocorreu devido a inúmeras

mudanças constatadas, devido a muitas fragmentações verificadas e às influências

pentecostais no bojo da existência das denominações protestantes chamadas históricas.

Houve uma abrangência maior na classificação realizada por Mendonça45,

porquanto, na primeira etapa constata-se as ramificações da Reforma no Brasil através das

famílias de igrejas, mencionando as denominações oriundas do protestantismo de missões e

do protestantismo de imigração, assim como também os chamados históricos e pentecostais:

1. Anglicanos

1.1. Anglicanos propriamente ditos, advindos dos ingleses

e seus descendentes

1.2. Episcopais, oriundos dos norte-americanos

1.3. Metodistas, de origem do sul dos Estados Unidos

2. Luteranos

2.1 Luteranos vinculados à Alemanha, com destaque para

IECLB – alemães e descendentes

2.2 Luteranos ligados aos Estados Unidos, como o Sínodo

de Missouri – alemães e seus descendentes – IELB

3. Reformados

44 Os mencionados autores estudaram a problemática da anomia em zonas urbanas, pois pretenderam verificar o papel do pentecostalismo no ajustamento dos migrantes advindos das zonas rurais, o que se configurava como um aumento do pentecostalismo nos grandes centros urbanos. 45 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. “Um panorama do protestantismo brasileiro atual”. In: Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brasil, p. 34-44.

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3.1. Presbiterianos, advindos das missões norte-

americanas

3.2. Congregacionais, oriundos das missões inglesas,

norte-americanas e outras

3.3. Reformados Europeus, que são igrejas de colônias,

como as dos holandeses, húngaros, franceses, etc.

4. Paralelas à Reforma

4.1. Batistas, oriundos das missões do sul dos Estados

Unidos

4.2. Menonitas, advindos de missões norte-americanas e

alemãs

5. Pentecostais

5.1. Propriamente ditos ou clássicos

5.1.1. Assembléia de Deus

5.1.2. Congregação Cristã no Brasil

5.1.3. Cruzada Nacional de Evangelização, ou Igreja do

Evangelho Quadrangular

5.1.4. O Brasil Para Cristo

5.2. Cura Divina

5.2.1. Deus é Amor

5.2.2. Inúmeras outras

A classificação de Mendonça, acima descrita, demonstra-se eficaz. Contudo,

segundo Freston, embora seja abrangente no seu intento de cobrir as ramificações da Reforma

Protestante no Brasil, tal classificação alija a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e as

igrejas que vieram a existir a partir do “movimento carismático”, a que chama “igrejas

carismáticas”46.

Há uma divisão, realizada por Mendonça, acerca de dois grupos, no que

tange ao pentecostalismo. Num dos grupos, composto por igrejas pentecostais chamadas

“clássicas”, são mencionadas, a partir de movimentos na década de 1910 e 1911, as igrejas:

Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus. Constata-se, através das classificações

de Mendonça, que nos anos 50 surgiram a Cruzada Nacional de Evangelização ou Igreja do

46 É possível que Mendonça não tenha mencionado a Igreja Universal do Reino de Deus porque, naquele período, em 1987, a Igreja tinha apenas 10 anos existência.

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Evangelho Quadrangular e O Brasil Para Cristo. Noutro grupo, denominado como “agências

de cura divina”, Mendonça inclui a Igreja Pentecostal Deus É Amor, na década de 1960 e,

assim também, inúmeras outras que irromperam a realidade protestante.

O critério utilizado por Mendonça para a classificação dos grupos

pentecostais parece ser vinculado à doutrina e não ao período histórico, porquanto igrejas que

surgiram em períodos diferentes receberam a designação de “clássicas”, enquanto outras,

cronologicamente mais aproximadas, foram denominadas como sendo de “cura divina”.

Mariano menciona o fato de que Mendonça refere-se ao pentecostalismo de

cura divina, ao neopentecostalismo e ao pentecostalismo autônomo como sendo sinônimos,

no entanto, lança mão novamente e conceitualmente do neopentecostalismo em suas

abordagens, mas sem abandonar os outros dois47.

Mendonça identifica, contudo, que a “agência de cura divina” é uma

terminologia utilizada para denotar grupos com formatos parecidos com os de igreja, mas que

não têm corpo de fiéis fixos, contudo, uma população flutuante à qual prestam serviços

religiosos mediante uma contribuição por parte do beneficiário 48.

Numa outra etapa, Mendonça apresenta um segundo quadro com os

“membros das famílias de algumas igrejas da Reforma, as quais foram frutos de dissidências

nos países de origem e no Brasil” 49:

1. Metodista (igrejas de santidade)

1.1. Igreja Metodista

1.2. Igreja Metodista Livre

1.3. Igreja Evangélica Holiness do Brasil

1.4. Irmandade Metodista Ortodoxa

1.5. Igreja do Nazareno

2. Presbiteriana (igrejas da Reforma calvinista)

2.1. Igreja Presbiteriana do Brasil

2.2. Igreja Presbiteriana Independente

2.3. Igreja Presbiteriana Conservadora

2.4. Igreja Presbiteriana Fundamentalista 47 MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando, p. 19. 48 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. “Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual”. In: Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brasil, p. 72. 49 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. “Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual”. In: Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brasil, p. 46.

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2.5. Igrejas reformadas de colônias holandesas,

húngaras, etc.

3. Batista (igrejas de volta ao cristianismo

primitivo)

3.1. Igreja Batista Brasileira

3.2. Igreja Batista Restrita

3.3. Missão Batista da Fé

3.4. Igreja Cristã Batista Bíblica

3.5. Igreja Batista Revelação

3.6. Menonita

Como se verificou, há o intento por parte do autor de relacionar igrejas

oriundas de dissidências ou que têm caráter cismático, segundo as origens de cada uma. Nesse

aspecto, há diversas dissidências de igrejas metodistas, presbiterianas e batistas, porquanto,

segundo Mendonça, elas possuem uma formação a partir das diversas divisões que se pode

constatar, mesmo ao longe de suas histórias.

Mas, é na terceira etapa, a partir de igrejas advindas do Movimento de

Renovação Espiritual, também mencionadas por Freston como sendo “igrejas carismáticas”,

as quais, em parte são localizadas, segundo Mendonça, no quadro que se segue 50:

1. Pentecostais Clássicos

1.1. Assembléias de Deus (batistas)

1.2. Congregação Cristã no Brasil (presbiterianos)

2. Pentecostais Recentes

2.1. Batista Independente (batistas)

2.2. Metodista Wesleyana (metodista)

2.3. Presbiteriana Renovada (presbiteriana)

2.4. Assembléia de Deus Presbiteriana

(presbiteriana)

50 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. “Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual”. In: Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brasil, p. 47.

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Embora as denominações pentecostais chamadas de “desviantes da

reforma”, sejam verdadeiramente protestantes, existe, nesse sentido, uma tensão bastante

intensa:

“Não há nenhuma dúvida de que as molduras eclesiásticas e teológicas dos pentecostais são protestantes. No entanto, nem os protestantes históricos estão dispostos a admiti-los como membros da família nem os pentecostais se identificam com os protestantes”. 51

Há uma tentativa de demonstrar que, mesmo com inúmeras classificações

realizadas para constatar a atuação pentecostal, verifica-se que a realidade pentecostal

brasileira é muito fracionada. José Bittencourt Filho 52 apresentou em 1991, através do CEDI,

uma tipologia na qual são utilizados os critérios temporais, doutrinários e também os de

transplante (missão e imigração). A tipologia proposta por Bittencourt reformulou-se em

1994, ganhando outro formato.

Para Bittencourt, o Pentecostalismo Clássico abrange as igrejas: Assembléia

de Deus, Igreja Pentecostal, Igreja de Deus, Congregação Cristã no Brasil e a Igreja do

Evangelho Quadrangular. Ainda, para o mesmo autor, o Pentecostalismo Autônomo refere-se

às seguintes igrejas: O Brasil para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção, Nova Vida, Igreja

Universal do Reino de Deus e a Igreja Cristo Vive. Existe, porém, o conceito de

nodenominacionalismo, que se encontra na tipologia de Bittencourt, compreendendo as

igrejas: Batista de Renovação, Igreja Metodista Wesleyana, Igreja Cristã Presbiteriana,

Comunidade Evangélica, Igreja Renascer em Cristo e as inúmeras Comunidades Autônomas.

Se, no caso da tipologia de Mendonça, verifica-se um campo fragmentário,

esse aspecto fica mais claro quando se lança mão da tipologia de Bittencourt, pois atualmente

o pentecostalismo tornou-se uma série de desdobramentos que não poderiam ser

completamente mencionados.

Com isso, procurando visibilizar o campo da pluralidade protestante e

buscando bases para análises missiológicas a partir do contexto no qual se fazem missões,

Araújo propõe uma classificação do pentecostalismo brasileiro53:

51 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. “Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual”. In: Sinais dos Tempos: Tradições Religiosas no Brasil, p. 45. 52 José Bittencourt Filho é pastor da Igreja Presbiteriana Unida, porém é oriundo do âmbito das Igrejas Batistas Renovadas. 53 ARAÚJO, Stepheson S. A Manipulação no Processo da Evangelização, p. 54 a 57.

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1. Pentecostais Históricos – Assembléia de Deus e Congregação Cristã no

Brasil;

2. Neopentecostais – Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Pentecostal O

Brasil para Cristo e Igreja do Evangelho Quadrangular;

3. Renovados ou Carismáticos – Igreja Batista Nacional, Igreja Presbiteriana

Renovada do Brasil, Igreja Cristã Maranata e Igreja Metodista Wesleyana;

4. Novos Carismáticos – Igreja da Restauração, Igreja Tabernáculo

Evangélico de Jesus, Casa da Bênção, Igreja Pentecostal de Nova Vida, Igreja Universal do

Reino de Deus, Igreja Pentecostal Unida, Igreja Evangélica Pentecostal, Igreja Internacional

da Graça de Deus, Igreja Evangélica Embaixadores de Cristo, Igreja Cristã Evangélica, Igreja

Betesda, Igreja Pentecostal Missionária da Arca, Igreja Evangélica Povo de Deus, Igreja do

Nazareno, Comunidade Evangélica, Igreja Evangélica Ágape, Igreja Evangélica Cristo

Ressurreto, etc.

Para Stepheson S. Araújo, o pentecostalismo, de uma forma geral, tem

características temporais-doutrinárias, porquanto não é possível fazer uma tipologia

excludente, que observa o aspecto doutrinário e alija o aspecto temporal.

Destarte, o autor prefere o termo “histórico” a “clássico” para classificar o

pentecostalismo da década de 1910. Araújo identifica, portanto, que o pentecostalismo da

década mencionada é caracterizado da seguinte forma54:

1. Crença no batismo com o Espírito Santo como segunda bênção;

2. Ascetismo e sectarismo caracterizados pelo extremo rigor nos usos e

costumes e constante risco de perda da salvação;

3. Ênfase nas experiências individuais;

4. Escatologia pré-milenista e pré-tribulacionista.

Para denominações constituídas a partir da década de 1950, Araújo aplica o

termo neopentecostais, que é apropriado para designar grupos advindos dos pentecostais

históricos. Segundo Araújo, os neopentecostais mantiveram as características dos

pentecostais históricos, entretanto, houve algumas alterações55.

“Acréscimo e decréscimo de algumas características como as seguintes: o dom de curas e o dom de

54 ARAÚJO, Stepheson S. A Manipulação no Processo da Evangelização, p. 54. 55 ARAÚJO, Stepheson S. A Manipulação no Processo da Evangelização, p. 55.

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revelações – ‘as divinas revelações’ – também são evidências do batismo com o Espírito Santo e não apenas o dom de línguas”. 56

No que tange aos conceitos de Araújo, os renovados, ou carismáticos,

constituíram grupos denominacionais que são dissidênc ias das denominações históricas na

década de 1960. As características básicas que identificam os grupos renovados são:

1. Teologia fundamentalista baseada em doutrinas provenientes da Bíblia;

2. Batismo com o Espírito Santo como segunda bênção – o dom de línguas

às vezes é evidência da presença do mencionado batismo;

3. Escatologia pré-milenista e pré-tribulacionista;

4. Ascetismo caracterizado pela busca constante de santificação, mas sem o

risco de perda da salvação por causa da não-observância dos usos e costumes;

5. Ênfases nas experiências individuais.

1.3. Um locus oscilante no vaivém das ondas: uma antidisciplina pentecostal

O sociólogo Paul Freston introduziu, no estudo do pentecostalismo, em sua

tese de doutorado intitulada “Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao

impeachment”, o conceito de ondas e, a partir disso, objetivou um estudo acerca da história

do pentecostalismo no Brasil. Freston observou que há três ondas de implantação de igrejas

pentecostais no Brasil; entretanto, para que fosse possível essa abordagem, ele partiu da

proposta de Martin, o qual identifica o protestantismo em três ondas de dissidência57, a saber,

a calvinista, a metodista e a pentecostal.

Segundo Freston:

“A primeira onda é a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911). Estas duas igrejas têm o campo para si durante 40 anos, pois suas rivais são inexpressivas. (...) A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, (...) e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores)

56 ARAÚJO, Stepheson S. A Manipulação no Processo da Evangelização, p. 55. 57 MARTIN, David. Tongues of Fire: The Explosion of Protestantism in Latin América, p. 9 a 11.

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surgem: a Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). (...) A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representante são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a igreja Internacional da Graça de Deus (1980)”. 58

A cada onda descrita por Freston, verifica-se, segundo o próprio autor, que

existe um contexto específico para a sua existência enquanto momento histórico, a saber, um

locus específico por entre um âmbito fragmentário. A primeira onda, com a Congregação

Cristã no Brasil e com a Assembléia de Deus, é proporcionada através do momento em que,

mundialmente, o movimento pentecostal se expandiu e se alastrou. A solidificação da

Assembléia de Deus no nordeste foi culminante num sucesso pentecostal posterior, porquanto

trata-se de uma região de fluxo migratório. A segunda onda, que ocorreu, na sua maior parte

no seio do Estado de São Paulo, coincidiu com o momento histórico da urbanização e da

formação de uma sociedade de massas, na década de 1950. Tal período histórico facilitou a

divulgação dos modelos existentes, sob a influência direta da Igreja do Evangelho

Quadrangular, que propunha diferenciados métodos de evangelização. A terceira onda, que

ocorreu, na sua maior parte, no Estado do Rio de Janeiro, utilizou-se da economia decadente,

da violência, do jogo do bicho e da política populista para as formulações de uma nova

teologia, de uma nova liturgia, de uma nova estética e de um novo âmbito evangélico. As

igrejas da terceira onda, que surgiram na década de 1970 e se fortaleceram na década de

1980, foram beneficiadas pela modernização da comunicação e da expansão do setor

urbano59. Essa onda teve o seu início com a Igreja Universal do Reino de Deus e com a Igreja

Internacional da Graça de Deus, as quais foram fortes propagadoras do neopentecostalismo

nascente.

A conceituação de Freston a respeito das ondas faz-se entender numa idéia

de periodização, no entanto, olhada na perspectiva das experiências religiosas históricas.

Verifica-se que há bastante mobilidade naquele período, porquanto o pentecostalismo é

altamente criativo e versátil. Contudo, uma onda que se desmancha e se dilui não pode

descrever a solidificação no Brasilda Assembléia de Deus, que se tornou a maior

denominação pentecostal brasileira, mas pode enfatizar claramente aspectos da não-fixidez

do pentecostalismo.

58 FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66. 59 FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66.

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Há também um grande vácuo na conceituação do pentecostalismo quando se

trata do Movimento Pentecostal baseado na idéia das ondas, porquanto Freston não descreveu

as igrejas do Movimento de Renovação Espiritual constituídas na década de 1960, e

tampouco narrou acerca das comunidades cristãs que surgiram na década de 1980. Em sua

tese, Freston dedicou um capítulo ao qual chama de “carismatismo brasileiro de classe

média”, e, nesse intento, dividiu-o em “Renovação Carismática Protestante” e

“Comunidades Carismáticas”, porém, mesmo assim, o autor deixa de situar as igrejas que

fazem parte desses “carismatismos” na tipologia edificada a partir da idéia referente às

ondas.

Pode-se dizer que há uma grande dificuldade de classificação de um

movimento religioso brasileiro atribuindo- lhe um rótulo que é aplicado no exterior. Há

semelhanças entre o Movimento Carismático Americano e o Movimento de Renovação

Espiritual ocorrido no Brasil. No entanto, o lugar onde esses pentecostalismos ocorreram são

distintos. Uma tarefa difícil é escolher outra terminologia para designar o movimento

brasileiro, pois o termo carismatismo é mais apropriado para o protestantismo estrangeiro e,

não estando no linguajar dos pregadores da Renovação, não reflete seus ideais de

reconstituição das denominações históricas em formato de expressões pentecostais.

Mariano, lançando mão da tipologia de Freston, intentou nomear cada uma

das ondas, mesmo tendo repetido as igrejas relacionadas por Freston, que compunham a

primeira e a segunda onda. Para a primeira manteve o nome de “clássicas”, contudo, no que

tange à segunda, classificou-as como “neoclássicas” 60.

O modelo da conceituação através das “ondas de pentecostalismo” é um

emaranhado conceitual pertencente a uma tipologia utilizada para explicar a realidade de um

protestantismo aos moldes anglo-saxões e não aos moldes brasileiros. Há uma tentativa

válida de adaptação de tal tipologia; entretanto, somente a primeira onda do pentecostalismo

brasileiro coincide com a do pentecostalismo americano, no que se refere aos aspectos

doutrinário e temporal.

A segunda onda do pentecostalismo brasileiro, embora coincida

temporalmente com a segunda onda do pentecostalismo americano, insinua-se de forma

diferenciada, pois nos Estados Unidos, em boa parte das experiências, o dom de línguas não é

a evidência do batismo no Espírito Santo e os pentecostais são mantidos no âmbito das

igrejas históricas. Nas concepções de Freston e de Mariano, na manifestação pentecostal no

60 MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando , p. 22.

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Brasil, referente à segunda onda, a qual se procedeu na década de 1950 e de 1960, o

pentecostalismo continua acreditando no dom de línguas como evidência do batismo no

Espírito Santo, mas enfatiza veementemente as curas divinas.

Encontram-se, portanto, vantagens e desvantagens em se fazer abordagens a

partir da concepção da tipologia que denota as ondas de pentecostalismo, pois não se pode

entender a realidade da experiência religiosa vivenciada no Brasil a partir dos movimentos

que tiveram origem nos Estados Unidos, conquanto além de similaridades, há distinções

marcantes entre os pentecostalismos. Segundo Freston, há uma justificação para a tipologia

baseada na idéia de ondas:

“A vantagem dessa maneira de colocar ordem no campo pentecostal é que ressalta, de um lado, a versatilidade do pentecostalismo e sua evolução ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, as marcas que cada igreja carrega da época em que nasceu”. 61

É evidente que, para fazer um trabalho historiográfico da narrativa das

experiências religiosas, precisa-se trabalhar com determinados períodos, nos quais constatam-

se as manifestações experienciais. Nisto a periodização das ondas é algo pertinente e

proveitoso.

Há, nas características pentecostais, inúmeras maneiras de fazer e viver

experiências religiosas, porém, levando em consideração que o formato da idéia de ondas

pressupõe uma característica de não-fixidez, realmente o locus pentecostal da experiência

religiosa é bastante instável por conta da inserção do sujeito na experimentação do Espírito

Santo.

Os pentecostais, como sujeitos históricos que vivenciam uma experiência

religiosa, constituem mil práticas pelas quais, como usuários, se reapropriam do espaço

organizado pelas técnicas de produção sociocultural no âmbito das igrejas históricas.

Ressalte-se também que houve uma reapropriação das conceituações para atualizadas

produções religiosa, heurística e teológica62.

Freston, como fora dito, abordou os determinados “Carimatismos de

Classe Média”, mas deixou de dizer quais seriam as igrejas que representariam a

“Renovação Caristmática” e as “Comunidades Carismáticas” e, além do mais, os aludidos

grupos foram identificados demasiadamente com os protestantismos estrangeiros. Onde 61 FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66. 62 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 41.

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estariam, de fato, as igrejas do Movimento de Renovação Espiritual? Qual seria o seu locus

no grande e fragmentário mar de ondas?

As operações quase que microbianas proliferaram-se no seio da estrutura

pentecostal, formando-se em táticas que são atuantes na impregnação dos detalhes

constituídos no cotidiano dos sujeitos religiosos. Essas maneiras sutis de fazer são

evidenciadas através das experiências religiosas, as quais são como ondas, pois carregam

consigo a característica da não-fixidez de que se abordou63.

A importância da idéia de ondas está no fato de que ela auxilia na

periodização; contudo, não se pode totalizá- la, pois, se esse fosse o intento de Freston, seria

muita pretensão devido à imensurável fragmentação do protestantismo pentecostal. O que se

pode constituir, a partir do pentecostalismo entendido através das ondas, seria uma noção da

não-fixidez da experiência religiosa, que se dá no campo da sub jetividade humana. Certeau,

em A Invenção do Cotidiano, pretende abordar alguns procedimentos e astúcias que, de

alguma forma e através das táticas articuladas sobre os “detalhes”, compõem a rede de uma

antidisciplina64. Portanto, acha-se em questão não somente as “ondas de pentecostalismos”,

mas as “ondas nos pentecostalismos”, enquanto fenômeno plural e fragmentário, bem como

experimental.

A antidisciplina das ondas nos pentecostalismos concede uma abordagem

bastante desconexa acerca da experiência religiosa e das ações dos sujeitos religiosos, pois

cada vivência religiosa é concebida num contexto específico. Por isso, há uma necessidade de

se assumir que o sujeito que fala deve passar por um processo hermenêutico a partir do lugar

de onde fala.

Michel de Certeau reporta-se a uma metáfora muito pertinente sobre o

estabelecimento da invenção do cotidiano e dos relacionamentos existentes entre as pessoas

por meio dos procedimentos. Ele descreve acerca de uma visão do World Trade Center, no

110º andar, donde se pode visualizar uma determinada massa que se imobiliza sob o olhar.

Há o estabelecimento de uma diferença gritante entre Nova Iorque e Roma, porquanto Nova

Iorque nunca soube o que é envelhecer curtindo seu passado, pois seu presente se inventa

sempre no ato de lançar o que adquiriu e de desafiar o futuro65.

63 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 41. 64 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 42. 65 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 169.

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Portanto, olhar para as massas, de cima, no World Trade Center, é

desconhecer as suas práticas. E, embora se desconheçam as práticas, tratando-se de

antidisciplinas, verifica-se que, embaixo vivem pessoas que jogam com a realidade

mobilizando o espaço como os bailarinos fazem com o salão e como o surfista faz quando

“pega uma onda”. Destarte, o lugar pentecostal de ser é definido pelos sujeitos que praticam

no referido locus contextual, mas que, de igual forma, conhecem o espaço tanto quanto

desconhecem o corpo-a-corpo amoroso. É como o surfista que “pega uma onda” sem saber

exatamente as suas dimensões, contudo, sabe que, em determinados lugares praticados, de

certas praias, há experiências muito fortes para serem vivenciadas de forma bastante

subjetiva.

O pentecostalismo, da década de 1950 e de 1960, é como a cidade descrita

por Certeau, pois tudo se passa como se uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas

organizadoras da religião, que praticada, na maioria dos casos, curtindo uma paisagem

urbanizada pelos processos históricos no Brasil. Há um grande desconhecimento e

esquecimento das práticas66, porém há marcas profundas de experiências que, assim como a

cidade, fazem-se vistas por sua não-fixidez67.

A idéia de ondas, embora incompleta, auxilia na demarcação dos períodos da

trajetória pentecostal no Brasil e, no caso do pentecostalismo autônomo, põem-se em questão

os Movimentos de Renovação Espiritual, pois eles nasceram em torno de lideranças fortes.

Essas lideranças, segundo Bittencourt, revelam um pentecostalismo formado por inúmeras

pessoas de personalidades bem definidas68, os quais vivenciaram relações de poder em

determinado locus religioso.

Os lugares históricos, portanto, através das ondas de instabilidade da

experiência religiosa pentecostal, evidenciam as organizações de lugares pelos deslocamentos

que, de certa maneira, os descrevem e os demonstram na cotidianidade tomada pelas práticas

da religião.

Há, portanto, um desconhecimento e um problema sério quando se tenta

classificar exatamente as ondas, pois a não-fixidez da experiência pentecostal está presente na

chamada segunda onda pentecostal, ventilada por Freston, aderida por Mariano e utilizada

por Campos, entre outros. Não se pode totalizar e caracterizar os pentecostalismos de forma

66 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 171. 67 Tal aspecto, embora indique a mobilidade da experiência religiosa, não exclui as características fundamentais do pentecostalismo de Renovação Espiritual, descrito por Araújo, como verificou-se. 68 BITTENCOURT, José. “Remédio Amargo”. In: Antoniazzi, Alberto et alli, Nem Anjos Nem Demônios – Interpretações Sociológicas do Pentecostalismo , p. 24.

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tão contundente, pois há uma forte mobilidade no locus religioso daquele contexto, como há

grande mobilidade nos sujeitos religiosos.

Essa não-fixidez das experiências religiosas se dá justamente porque o

Movimento de Renovação Espiritua l tem similaridades com outros pentecostalismos

fragmentários e também por encontrar um lugar nas reformulações no âmbito da pluralidade

de experiências observadas no interior dos outros pentecostalismos, bem como na

particularidade de cada sujeito religioso.

Conforme Humberto Viegas Fernandes, com o batismo no Espírito Santo,

também havia pessoas que se manifestavam de diferentes formas. Algumas práticas são

mencionadas, tais como “arrependimento com lágrimas”, “quebrantamento de coração”,

“técnicas para a glossolalia” e uma ênfase nas curas, bem como a formação de uma

linguagem própria que, segundo o autor, seria repleta de “chavões” 69. Tudo isso de diversas

maneiras, na multiforme experiência do pentecostalismo que, no caso em tela, está localizada

na década de 1950 e 60. Portanto, a antidisciplina, abordada outrora, revela um

conhecimento parcial da experiência religiosa constituída pelo Movimento de Renovação

Espiritual.

A antidisciplina das práticas religiosas do Movimento de Renovação

Espiritual não pode ser delineada com tanta exatidão, pois o pentecostalismo brasileiro difere

do americano. A mobilidade inerente às experiências religiosas vivenciadas a partir do

referido Movimento não pode caracterizar, mas descaracterizam uma exatidão, donde: no

vaivém das ondas, as experiências pentecostais são repletas da não-fixidez experiencial.

Apresentam-se, pois, alguns quadros que elucidam acerca da proposta das

três ondas, que foram descritas por Freston e por Mariano. Esses quadros também poderão

servir como comparativo: ONDA ANO/PAÍS NOME DO

MOVIMENTO

CARACTERÍSTICAS

PRINCIPAIS

PRINCIPAIS

DENOMINAÇÕES

EUA – Teve início em

1906

Pentecostalismo

Clássico

Valorização do dom de

línguas como evidência

do batismo no Espírito

Santo.

Igreja do Evangelho

Quadrangular, Igreja

de Deus, Assembléia

de Deus, Igreja de

Deus em Cristo.

BRASIL – Teve início

em 1910-11

Pentecostalismo

Clássico

Valorização do dom de

línguas como evidência

do batismo no Espírito

Santo.

Assembléia de Deus,

Congregação Cristã no

Brasil.

69 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 55 a 71.

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ONDA ANO/PAÍS NOME DO

MOVIMENTO

CARACTERÍSTICAS

PRINCIPAIS

PRINCIPAIS

DENOMINAÇÕES

EUA – Teve in ício em

1960

Neopentecostalismo

ou movimento

carismático

Batismo no Espírito

Santo como sinal de

habilitação para a

adoração e serviço, mas

sem a evidência do dom

de línguas. Em algumas

igrejas havia

manifestações de cura

divina.

Algumas igrejas

conservadoras

vivenciaram a

experiência

pentecostal sem, no

entanto,

experimentarem

cismas: luterana,

batista, episcopal,

metodista,

presbiteriana e

católica.

BRASIL – Teve início

em 1953

Pentecostalismo

neoclássico de cura

divina ou autônomo

Ênfase na cura divina. Igreja do Evangelho

Quadrangular, Brasil

para Cristo, Deus é

Amor, Casa da

Bênção.

ONDA ANO/PAÍS NOME DO

MOVIMENTO

CARACTERÍSTICAS

PRINCIPAIS

PRINCIPAIS

DENOMINAÇÕES

EUA – Teve início em

1980

Signs and Wonders

Movement

(movimento de sinais

e maravilhas)

Enfoque na guerra

espiritual e na cura

divina e amenizado, no

que tange ao ensino e à

quebra de maldições.

Vineyard Christian

Fellowship .

BRASIL – Teve início

em 1977

Neopentecostalismo Ênfase na guerra

espiritual, no ensino da

quebra de maldições e

na teologia da

prosperidade.

Igreja Universal do

Reino de Deus, Igreja

Internacional da Graça

de Deus, Igreja

Renascer em Cristo e

Comunidades.

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1.4. Ondas vêm e ondas vão: Um locus de belicosidade para o Movimento de Renovação

Espiritual e para Rosalee Mills Appleby

Para o protestantismo brasileiro, em parte, algumas tipologias, apresentadas

por Mendonça e por outros, bem como a idéia de ondas, apresentada por Freston e utilizada

por inúmeros, são atraentes, pois conseguem dar conta da periodização do pentecostalismo

que se procedeu com suas especificidades. Porém, nessa pesquisa, está-se propondo uma

abordagem de um cisma pentecostal ocorrido na Convenção Batista Brasileira na década de

1960 e, portanto, procura-se um locus para o Movimento de Renovação Espiritual que se

operacionalizou na denominação batista, vindo a culminar no referido cisma.

Há uma controvérsia referente à caracterização dos batistas como sendo

protestantes. Entretanto, para Azevedo, foi pelo uso da história que o protestantismo passou a

ser aplicado a todos os grupos religiosos decorrentes da Reforma e os batistas são chamados

de herdeiros no que tange à aplicação do termo. Notem-se as palavras de Azevedo acerca do

protestantismo:

“Pelo uso da história, passou a ser aplicado a todos os grupos religiosos decorrentes dos movimentos reformadores (cisões) do século 16: os matrizes (luteranos, presbiterianos [calvinistas e zwinglianos], anglicanos e anabatistas); os herdeiros (congregacionais, batistas e metodistas) e os vice-herdeiros (adventistas e pentecostais, entre os principais). O traço de genericidade é dado pela afirmação dos três princípios de Martinho Lutero (1483-1546): Solus Chistus, Sola Fide e Sola Scriptura”. 70 Grifo nosso

Portanto, as Igrejas Batistas são representativas do chamado protestantismo

histórico71. Toda Igreja Batista é autônoma e independente, bem como regida pela forma de

um governo congregacional. Por conseqüência do exposto, pregam-se as expressões de

individualismo e de autonomia nas manifestações de fé e na vida cristã. Segundo Azevedo, a

70 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo, p. 15. 71 Segundo Reis Pereira, existem três teorias sobre as origens dos batistas: a primeira é conhecida como JJJ, ou seja, Jerusalém-Jordão-João, e afirma que os batistas vêm em linha ininterrupta desde os tempos em que João Batista realizava batismos no rio Jordão; a segunda traça a origem no parentesco espiritual com os anabatistas do século XVI; a terceira refere-se ao “fato” de que os batistas surgiram dos separatistas ingleses, pois criam no batismo por imersão. Breve História dos Batistas. Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p. 9.

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doutrina, a moralidade, a ética e as demais expressões existentes no âmbito batista advêm da

valorização do esforço próprio, da liberdade de consciência e do acesso direto a Deus72.

“No auto-elogio dos Batistas, eles são os campeões da democracia representativa e se orgulham de a praticar no dia-a-dia da sua igreja, cujo “governo é uma pura democracia”. Essa democracia – ensina Watson – é “garantida pela soberania de Deus” e efetivada “mediante a Palavra Divina e a atuação do Espírito Santo no coração de cada crente”. 73

A partir dessa afirmativa, há fortes indícios que demonstram uma forma de

governabilidade batista que poderá ser procedida na legitimação das atitudes de poder no

ambiente congregacional. Portanto, preza-se o uso constante da Bíblia, que é considerada pelo

grupo como Palavra de Deus e, conseqüentemente, a ação do Espírito Santo nas expressões de

subjetividade humana dos sujeitos religiosos referidos. Segundo Watson, é justamente esse

aspecto que denota a soberania de Deus nas atuações governamentais, o que constitui um

sujeito religioso com determinada consciência de seu estado de instrumentalidade do divino.

Contudo, em dado momento da história dos batistas, foi necessária a criação

de uma Convenção Batista Brasileira, pois a influência dos americanos no começo do século

passado fora muito acentuada. Assim como as Igrejas Batistas dos Estados Unidos, de onde

vieram muitos missionários, também foi conveniente para as igrejas batistas brasileiras a

criação de uma Convenção que lhes pudesse servir.

“Desde o século passado até agora, o modelo permanece o mesmo, com algumas alterações. O órgão máximo é a Assembléia anual da Convenção, a que comparecem os membros (pastores e leigos) das igrejas para deliberação. No interreegno das assembléias, um Conselho executivo procura coordenar a implementação das decisões, cuja execução compete às entidades (jutas), que têm um conselho consultivo (que se reúne quatro vezes por ano) eleito nas assembléias e uma equipe de funcionários escolhida por esse conselho setorial. O mesmo modelo se reproduz no plano estadual e, em menor grau de complexibilidade, no plano regional”. 74

Desse modo, na forma batista de pensar a funcionalidade da eclesiologia, as

igrejas locais são soberanas e as Associações, as Convenções Estaduais, bem como a

72 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo, p. 304. 73 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo, p. 308. 74 AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo, p. 195 e 196.

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Convenção Batista Brasileira servem para auxiliar as igrejas, promover a cooperação e

principalmente as missões nacionais, estaduais e mundiais.

Segundo o historiador José dos Reis Pereira, a primeira intenção acerca da

criação da Convenção Batista Brasileira, através das igrejas já existentes e sob a liderança do

Pr. Salomão Guinsburg, concretizou-se somente a 22 de junho de 1907, na cidade de

Salvador, por causa da forte atuação da chamada Primeira Igreja Batista no Brasil, que se

situava naquela localidade75.

Portanto, no decorrer da história dos batistas no Brasil e no interior das

igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira, ocorreu, como se mencionou,

determinado Movimento de Renovação Espiritual que fora marcado por um intenso

avivamento religioso. Como se referiu, tal movimento culminou, após muita militância, no

primeiro cisma pentecostal da história dos batistas no Brasil, ocorrido na Convenção anual de

1965. Há causas remotas do movimento pentecostal que resultou no cisma denominacional,

pois, segundo Reis Pereira, sempre houve nas igrejas batistas do Brasil, o que ele chama de

“santa insatisfação”, porque se queria um nível elevado de vida espiritual e moral, de tal

forma que a rotina não determinasse a pregação do evangelho e sua vivência espiritual76.

Enéas Tognini alega que ele e seus colegas mais próximos sempre tomavam

conhecimento dos grandes avivamentos ao longo dos séculos, achavam bonitos e desejavam

que tornassem a acontecer, agora no Brasil77. Para Tognini, a efervescência do avivamento no

seio da denominação batista teria sido resposta das orações de Appleby. A missionária teria

sonhado com o avivamento e vivido o avivamento, conquanto ela tenha sido considerada

como a “fagulha que incendiou a pátria brasileira” 78.

Para ele, as orações da missionária americana em prol de renovação

espiritual foram atendidas com veemência e o tão desejado avivamento entrou em curso no

75 Existe uma controvérsia acerca do início do protestantismo batista no Brasil. Alguns historiadores, como Reis Pereira, concordam com a posição oficial da Convenção Batista Brasileira, segundo a qual a primeira igreja batista no Brasil teria sido fundada a 15 de outubro de 1882, em Salvador, no Estado da Bahia. In: PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil. Rio de Janeiro, p. 251. Entretanto, outros historiadores, como Marcelo Santos, advogam que a primeira igreja batista teria sido fundada em Santa Bárbara, Estado de São Paulo, a 10 de setembro de 1871, a segunda igreja teria sido organizada a 02 de novembro de 1879 e a terceira teria sido fundada em 1882 em Salvador, no Estado da Bahia. In: SANTOS, Marcelo. O Marco Inicial Batista. 76 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 251. 77 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 75. 78 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 75.

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Brasil, pois entre 1954 e 1985 dois homens teriam sido batizados com o Espírito Santo, a

saber, em sua ordem, José Rego do Nascimento e o próprio Enéas Tognini.

No centro da controvérsia encontra-se um fenômeno de renovação espiritual,

caracterizado pelos integrantes do Movimento como sendo o Batismo no Espírito Santo.

“Qual foi o cerne da divisão dos batistas brasileiros? Nada mais e nada menos do que batismo no Espírito Santo, experiência distinta do novo nascimento (...) Eu era crente, e até um pouco mais – pois dizem que batista é mais crente, e eu sou batista. Pastor há longos anos, combatia os irmãos pentecostais por causa dessa bênção e, no entanto, fui poderosamente batizado no Espírito em 1958. E, por causa disso, deixei tudo, entreguei meus cargos na denominação, fui mal entendido, perseguido, caluniado”. 79

Ainda que se considerem as causas mais remotas das tendências pentecostais

no seio da Convenção Batista Brasileira, faz-se necessário averiguar também que o

Movimento de Renovação Espiritual deu-se num ponto de partida estabelecido pela atuação

veemente da missionária americana Rosalee Milss Appleby.

Desse modo, sabe-se que as idéias da missionária e o seu desejo por

renovação espiritual influenciou inúmeros líderes denominacionais e, por isso, pode-se fazer

alusão a ela como uma pessoa que impulsionou o Movimento de Renovação Espiritual através

da sua atuação no âmbito batista. Faz-se necessário, portanto, averiguar alguns eventos

ocorridos na vida de Appleby para que se tenha certa noção do impacto de sua mensagem nos

ouvintes batistas brasileiros.

A missionária nasceu em Oxford, no Mississipi, a 25 de fevereiro de 189580.

Sua família era composta por fazendeiros bastante atuantes na vivência protestante. A mãe de

Appleby era batista e o pai metodista. A conversão da missionária teria ocorrido como

conseqüência de uma solitária experiência vivenciada aos 11 anos de idade, na casa da

família. Segundo Xavier, no dia da conversão de Appleby, o “Espírito agitou o seu coração”

e, tendo submetido sua vida a Cristo, no culto da noite confessou publicamente a Jesus como

seu salvador pessoal, sendo batizada pelo pastor local no domingo seguinte.81.

79 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 77. 80 Rosalee Mills Appleby faleceu no dia 20 de maio de 1991, aos 96 anos. 81 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 13.

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Mas, foi no período de sua adolescência que Appleby teria vivido algo

bastante marcante consoante à sua fé, a saber, o testemunho de sua tia, que relatou sua

experiência de “enchimento do Espírito”, coisa que, segundo sua tia, fora concedida por Deus

“quando reconheceu que nada podia ser feito com esforço próprio” 82.

Porém, havia certa inquietação em Rosalee, pois ela afirmava que,

desafortunadamente, grande parte dos sermões que ouvia sobre o Espírito Santo era

negativista e pregados para combater algumas denominações. Por isso, tudo o que dizia

respeito ao Espírito Santo tornou-se antipático para ela; contudo, por ocasião do seu encontro

com a tia Mollie, ela alega ter descoberto a verdade sobre a vida espiritual e acerca do

enchimento do Espírito Santo83.

“Rosalee lia a respeito de cristãos que possuíam algo melhor do que os altos e baixos, a vida de “deserto-e-maravilha” que a maioria dos membros nominais das igrejas conheciam. Nessa querida mulher, ela via uma demonstração real de vida. Depois que passou a conhecê-la e amá-la, veio sobre Rosalee um desejo muito grande de possuir aquela vida abundante. Como o salmista, ela pôde então dizer: “Minha alma anseia pelo Senhor mais que os guardas pelo romper da manhã”. Seus passos estavam sendo ordenados pelo Senhor”. 84

Aos 25 anos, Rosalee graduou-se no curso “Normal Superior”, na

Universidade Batista de Oklahoma, tendo realizado estudos teológicos também no Seminário

Teológico Batista do Sul, em Louisville, Kentucky. Foi nesse período de sua vida que

conheceu David Appleby, um jovem pastor com quem posteriormente se casou. O Pr. David

Appleby, quando estabeleceu contato com o Pr. Salomão Ginsburg85 e com o Pr. Francisco

Soren86, sentiu-se “chamado por Deus” para trabalhar no Brasil.

Assim, no ano de 1924, os recém-casados, Rosalee e David Appleby,

chegaram ao Brasil e, após um período adaptativo no Estado do Rio de Janeiro, no qual se

esforçaram para aprender a língua portuguesa, a história e a geografia brasileira, foram para

Belo Horizonte, cidade de onde partiam para “fazer missões” no interior de Minas Gerais.

82 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 14. 83 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 15. 84 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 15. 85 De origem polonesa, o Pr. Salomão Ginsburg foi conhecido como “o judeu errante”. Foi compositor de alguns hinos que dizem respeito à abundância espiritual. Segundo Tognini e pelo que consta no hinário oficial dos batistas, ele traduziu o hino 161 do Cantor Cristão (Poder Espiritual), e também os hinos: 168 (Chuvas de Bênçãos), 171 (Avivamento), e 176 (Tempo de Ser Santo). História dos Batistas Nacionais, p. 47. 86 Descendentes de huguenotes, foi pastor da Primeira Igreja Batista do Rio de janeiro.

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No entanto, após adoecer com uma úlcera, o Pr. David Appleby faleceu em

outubro de 1925, no mesmo hospital em que, depois de algumas horas, Rosalee M. Appleby

deu à luz ao único filho do casal. Enquanto estava passando pelo chamado “leito de morte”,

teria dito à sua mulher: “Faça o seu trabalho e o meu”87. Segundo Xavier, David também

sussurrou: “Eles estão me chamando, chamando, chamando – lá no céu. Não sabia que é tão

bonito! Tudo está bem com minha alma” 88.

Desse modo, mesmo após a morte de seu marido, Rosalee começou a

evangelizar nos lares dos cristãos e fazer visitas aos crentes, principalmente nos bairros mais

pobres de Belo Horizonte. Inúmeras igrejas foram organizadas através de seu empenho

missionário. Contudo, o impacto maior que seu trabalho causou está expresso nos livros e

folhetos que escrevia, dos quais destacam-se as séries: “Vida Vitoriosa” e “Folhetos de

Poder”. Nessas literaturas encontram-se as idéias de Appleby acerca do batismo no Espírito

Santo como “segunda bênção” e, assim sendo, como fato subseqüente à salvação.

“A expressão “batismo no Espírito Santo” é bíblica e, portanto, aceitável. João a usou. A expressão usada por João ficou registrada nos quatro evangelhos, o que demonstra a sua importância e valor. Eis a declaração do profeta do deserto, João Batista: “Ele (Jesus) vos batizará com o Espírito Santo...” (João 1:33; cf. Mateus 3:11; Marcos 1:8; Lucas 3:16). O próprio Senhor prometeu aos discípulos batizá-los no Espírito (Atos 1:4, 5) e Pedro usou a expressão em conexão com a experiência na casa de Cornélio (Atos 11:16)” . 89

Segundo Reis Pereira, o objetivo da missionária era a evangelização;

entretanto, ela dizia que para “evangelizar direito” seria necessário que se tivesse uma

experiência com o Espírito Santo90. Para Appleby, o batismo no Espírito Santo “traz

interesse pela salvação de outros”, sendo essa experiência fundamental para ter uma

motivação na evangelização de pessoas que não professavam a fé protestante91.

A missionária Rosalee M. Appleby fora muito bem aceita entre os batistas

brasileiros, porquanto sua devoção era notória e sua conduta ilibada e, sendo uma missionária

americana, Rosalee tinha autonomia sobre o que iria pregar ou ensinar. Conforme Reis

Pereira, suas palestras nas igrejas eram sempre motivo de inspiração, pois a missioná ria fazia-

87 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 28. 88 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 27. 89 APPLEBY, Rosalee Mills. O Espírito Santo: Vida e Poder, p. 17. 90 PEREIRA, J. Reis. História dos Batistas no Brasil, p. 194. 91 APPLEBY, Rosalee Mills. O Espírito Santo: Vida e Poder, p. 21.

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se conhecida através de sua modéstia, de sua unção autêntica, a qual impressionava a todos92.

Tognini e Almeida igualmente referem-se de maneira laudatória à missionária Appleby, a

ponto de situá- la na galeria dos reformadores protestantes:

“Na galeria desses servos de Deus, desfilam nomes inesquecíveis que estiveram na crista da onda dos avivamentos ou se destacaram como grandes ganhadores de almas, quer nas igrejas ou campos missionários: Savonarola, Lutero, Jonathan Edwards, Wesley, George Whitefield, Charles Finney, Adoniram Judson, David Livingstone, Hudson Taylor, Charles Spurgeon, D. L. Moody, Rosalee Appleby etc.”. 93

Além da influência exercida pela tia de Rosalee, pelo sofrimento de David

Appleby, bem como pelo pedido do marido, a missionária também fora influenciada por um

sermão que ouviu de um pastor batista chamado Charles Culpepper, que foi missionário na

China por 36 anos. Culpepper teria contado acerca do avivamento ocorrido em Shantung,

sendo tal movimento bastante marcado por conversões, curas e sinais. Os relatos ouvidos por

Rosalee M. Appleby trouxeram-lhe ânimo para buscar uma experiência de avivamento

semelhante no Brasil, o que a levou para uma experiência ascética bastante profunda na

particularidade de sua fé.

Existem controvérsias com relação ao surgimento do nome “Renovação

Espiritual”, que se processou no seio da Convenção Batista Brasileira. Humberto Viegas

Fernandes, em seu Renovação Espiritual no Brasil: Erros e Verdades, alega que a missionária

americana Rosalee Milss Appleby teria iniciado na rádio de Belo Horizonte um programa

chamado: “Renovação Espiritual”. Fernandes diz ainda que teve a oportunidade de pregar

durante a programação e que isso se deu no primeiro ano de seus estudos teológicos, em 1956.

Segundo o mesmo autor, Appleby teve de voltar ao país de origem para se tratar, depois de

“ter caído gravemente enferma”. Por esse motivo, transferiu a direção do programa a José

Rego do Nascimento, o qual operacionalizou uma mudança de conotação com relação à

“Renovação Espiritual” que, a priori, se referia a um “novo nascimento” e, a posteriori, com

a direção de José Rego do Nascimento, passou a se referir ao batismo no Espírito Santo como

condição para obter mais força e privilégios na vivência cristã94.

92 PEREIRA, J. Reis. História dos Batistas no Brasil, p. 194. 93 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 33. 94 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 14.

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Entretanto, Tognini discorda de Fernandes, dizendo em seu livro “História

dos Batistas Nacionais”, que dialogou com Rego e com Appleby a respeito do programa

radiofônico. Com a missionária, a comunicação se deu através de correspondência e na

resposta, segundo o autor, Appleby afirmou que sua chamada “ministerial” havia sido feita

mais para que ela escrevesse literatura evangélica do que pregasse. Rego, por sua vez, em

conversa com Tognini, alegou que todas as rádios estavam “fechadas” para programas

evangélicos; no entanto, ele orou e Deus “abriu as portas” da Rádio Guarani; Nesse caso, o

programa teria se iniciado no ano de 1958, e não em 1956, como quer Fernandes95.

Para Appleby, a partir da experiência pentecostal de batismo no Espírito

Santo, o Brasil deveria vivenciar, através da influência de igrejas cristãs, um avivamento

bastante intenso, conquanto, para ela, naquele período específico da história, entre as décadas

de 1950 e 60, notava-se um mundo com profundas transformações pertinentes. Portanto, seria

necessário que o maior “número de crentes” fossem “dominados pela Terceira Pessoa da

Trindade”.

Segundo Appleby, aquele era o período “mais oportuno da história da

humanidade”; entretanto, deveria ser também um momento de renovação espiritual,

porquanto, segundo sua narrativa, havia muitos grupos no Brasil que desejavam um

avivamento espiritual96. A partir das concepções de Appleby, um avivamento é “a

manifestação do poder e glória de Deus na vida dos salvos. É a água da vida jorrando e

transbordando de corações remidos e mitigando a sede das multidões ao redor” 97.

Conforme Appleby, o método para atingir um avivamento espiritual era

composto por alguns elementos, quais sejam: fé, oração, obediência a Deus e santificação de

vida98. No entanto, para que esse método pudesse ser divulgado, Appleby concebe que

deveriam existir propagadores da renovação espiritual. Assim, ela ressalta a importância de

lideranças associadas aos avivamentos ocorridos na história do cristianismo99.

Fazendo alusões ao desejado avivamento no Brasil, Appleby orou:

95 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 53 e 54. 96 APPLEBY, Rosalee Mills. Um avivamento no Brasil, p. 3. 97 APPLEBY, Rosalee Mills. Um avivamento no Brasil, p. 4. 98 APPLEBY, Rosalee Mills. Um avivamento no Brasil, p. 8 a 12. 99 APPLEBY, Rosalee Mills. Um avivamento no Brasil, p. 12.

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“Concede-nos, Pai nosso, uma visão significativa de estarmos no Reino para tal tempo como este. Dá-nos fé tamanha, que confiadamente olhemos para ti nos transes mais aflitivos da vida. Vem a esta sociedade profana e ensina-a a repartir justiça entre os necessitados, educação a todos e eqüidade até para o mais humilde. Vem à nossa civilização, purificando-a de tal modo que seus princípios sejam baseados no amor e na pureza. Vivifica a nossa qualidade de Cristianismo que não tem conseguido combater os males do mundo. Dá-lhe vida e poder. Aviva-nos! “Aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos”. 100

Segundo Appleby, os cristãos dos tempos apostólicos, sem tanta

intelectualidade e prestígio social, conseguiram propagar de forma adequada o evangelho.

Contudo, Appleby ressaltou que naqueles tempos, com tantas “modernas facilidades”, os

cristãos deveriam fazer algo, pois também seria um ideal agir num empenho evangelizador

ocasionado pelo batismo no Espírito Santo101.

Objetivando um avivamento no Brasil, Rosalee M. Appleby foi a principal

influenciadora de líderes batistas que aderiram ao Movimento de Renovação Espiritual,

porquanto grande parte dos pastores tinham acesso às literaturas que disseminavam seus

anseios evangelísticos e doutrinários. Appleby parecia conhecer sua credibilidade, pois

através de sua conduta ilibada, de sua nacionalidade, bem como de sua experiência

pentecostal, atingiu a inúmeras pessoas que vivenciaram, de igual forma, a experiência

pentecostal do que se chama “batismo com o Espírito Santo”.

O Movimento de Renovação Espiritual esteve em curso no âmbito da

Convenção Batista Brasileira, na década de 1950 e 60. Se o programa radiofônico ao qual nos

referimos, foi iniciado por Appleby em 1956, o Movimento de Renovação no seio da

Convenção Batista Brasileira, iniciou-se no mencionado ano. Se, no entanto, o programa

iniciou-se em 1958, também teria sido nesse ano o início efetivo do mencionado movimento

na Convenção Batista Brasileira. No entanto, verifica-se que a experiência que marcou o

início da atuação do Movimento de Renovação Espiritual, ocorreu, como se verá, na

biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.

Segundo Almeida, Rosalee, assim como outros avivalistas, estiveram na

crista da onda. Isso deve explicar a boa aceitação da missionária entre os batistas brasileiros.

Desse modo, pensa-se que, por causa dos “vazios” que a idéia de ondas deixa no que tange à 100 APPLEBY, Rosalee Mills. Um avivamento no Brasil, p. 15. 101 APPLEBY, Rosalee Mills. Provisão divina para cada crente, p. 3.

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não classificação das igrejas do Movimento de Renovação Espiritual dos anos 50 e 60, deve-

se considerar que Appleby protagonizou uma forma de experiência pentecostal no âmbito da

Convenção Batista Brasileira que movimentou a estrutura denominacional.

Veja-se o que diz Almeida acerca da experiência do avivamento:

“Avivar é tornar novo, restaurar. E quando se trata de seres vivos, é dar-lhes vida nova, reanimá-los, recuperar-lhe as energias. Estamos nos referindo, entretanto, à renovação espiritual das pessoas – vida espiritual cristã. Renová-las é avivá-las espiritualmente. É soprar-lhes, acender-lhes as brasas da fé. É trocar-lhes o fumegar mórbido das brasas encobertas pelas cinzas, por vívidas outras brilhantes labaredas. Avivamento espiritual é obra do Espírito. É Ele quem aviva o espírito do cristão, aviva a Palavra e efetiva os atos da fé. Foi assim nos primórdios do cristianismo, após o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, outros se tornaram os comportamentos e agir dos discípulos e apóstolos”. 102

Segundo Almeida103, entre os anos de 1950 e 60 houve inúmeros fenômenos

de experiências pentecostais, os quais alcançaram as Américas, a Europa e a África e, após

narrar algumas experiências ocorridas nos Estados Unidos, diz que algumas denominações

vivenciaram a obra do Espírito Santo104. Tal conceito avivalista, que se pauta na experiência

do Espírito e na mobilidade da experiênc ia, bem como na não-fixidez da experiência, também

demonstra que, nas categorias conceituais de Michel de Certeau, tem-se um locus das

denominações históricas que se torna, através das experiências religiosas, em espaços, pois se

caracterizam como “lugares praticados”. Destarte, o espaço que é caracterizado pelos vetores

de direção, pela quantidade de velocidade e pela variável tempo, torna-se um cruzamento de

móveis e é animado pelo conjunto dos movimentos que se desdobram105.

Dessa maneira, a Convenção Batista Brasileira, na década de 1950 e 60,

torna-se um locus de um protestantismo histórico que, por causa da sua grande mobilidade no

que concerne às tradições, é impactado por novas experiências religiosas produzidas pelo

Movimento de Renovação Espiritual, que recebeu influência da missionária Rosalee Mills

Appleby e dos demais líderes influenciados por ela e por outros.

102 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 31. 103 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 18. 104 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 41. 105 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 202.

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A penetração do pentecostalismo de Renovação Espiritual foi um fenômeno

marcante que se consolidou nas denominações históricas por causa de atitudes acolhedoras.

Pensava-se que poderia haver um “reavivamento religioso” sem qualquer custo institucional.

Segundo Campos, em todas as denominações havia campanhas de “oração e jejum” em prol

de um desejado “avivamento”; contudo, após algum tempo, os avivalistas questionaram a

instituição eclesiástica, pois queriam um evangelismo espiritual e transdenominacional106, o

que encontra respaldo na seguinte afirmação de Tognini e Almeida:

“Um avivamento genuinamente do Espírito era aspiração de denominações, de igrejas e de crentes em geral. Os jornais das diversas denominações evangélicas expressaram esse desejo sincero do coração, por meio de artigos, assinados por pastores e líderes evangélicos do Brasil”. 107

A busca pelo “mito histórico” do retorno à “Igreja Primitiva” foi muito

intensa entre os que anelavam uma Renovação Espiritual, entretanto, para que esse ideal fosse

alcançado, houve uma alteração quanto às mediações eclesiásticas construídas ao redor do

sagrado108:

“Para isso, elaboraram-se novos eixos hermenêuticos: a experiência emocional intensa, a iluminação interior, a percepção interna do sagrado. Contudo, a experiência religiosa, longe de ser imediata, ela busca mediadores. O pentecostalismo reconstruiu, portanto, novas mediações escolhendo líderes carismáticos para se tornarem o centro referencial das novas mediações entre o sagrado e o profano. À luz dessa escolha, uma nova eclesiologia começou a ser desenhada, e o sagrado passou a se relacionar com uma outra hierarquia, atrelada ao Espírito Santo” . 109

Segundo Tognini, o cisma pentecostal na Convenção Batista Brasileira teria

sido proveniente de uma obra satânica, assim como também os cismas de outras igrejas

históricas, cujas dissidências são: Igreja Metodista Wesleyana, a Cristã Presbiteriana, a

106 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 97. 107 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 53. 108CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 79 e 80. 109 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 80.

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Aliança Congregacional e a Presbiteriana Renovada110. Contudo, para Tognini, as pessoas se

interessaram por uma Renovação Espiritual no Brasil. Até mesmo o Jornal Batista, que é o

órgão oficial da Convenção Batista Brasileira, publicou artigos sobre o avivamento, dando

voz a inúmeros propagadores desse tipo de tendência.

O pentecostalismo, no entanto, jamais poderá ser abordado sem que se note

os movimentos que culminaram nas dissidências e, com esse “olhar hermenêutico”, se fará

constatar o cisma pentecostal na Convenção Batista Brasileira, o qual estreitou relações entre

as experiências religiosas e os conflitos em torno do poder, porquanto, segundo Campos, o

pentecostalismo estimula paixões exacerbadas, contrárias ou favoráveis111. O pentecostalismo,

para o mencionado autor, adquiriu a fama de movimento contestador do “status quo” e traz

consigo um “sagrado selvagem” em oposição ao “sagrado domesticado” das igrejas

históricas112.

Em face do intenso avivamento pelo qual a Convenção Batista Brasileira

passou, pode-se entender a história, repleta de sujeitos constituídos através das experiências

religiosas, como sendo marcada por um constante belicismo entre os muitos sujeitos que a

compõem. Dessa forma, no que tange a uma reflexão acerca da história, verifica-se que, para

Foucault, a história que nos domina e nos determina é bélica, pois estabelece uma relação de

poder e deve ser entendida pelas lutas, pelas estratégias e pelas táticas que se estabelecem de

acordo com o lugar onde o confronto se dá113. Assim, os lugares foram preenchidos pelas

ações de sujeitos religiosos que, a partir de suas concepções, fizeram das denominações

históricas verdadeiros espaços, praticando em suas estruturas e transformando, de certa

forma, as suas ações ordenadas.

Há, portanto, uma história vivencial altamente belicosa e, desse modo,

inúmeras batalhas se travaram na Convenção Batista Brasileira. Destarte, ressalta-se, a

respeito dos lugares denominacionais, que se propõe um locus de belicosidade para a

reflexão acerca das tramas que culminaram no cisma pentecostal. Para isso, no entanto, é

necessário que se visibilize a estrutura, as redes e a vigilância nos combates que foram

110 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 53. 111 CAMPOS, Leonildo Silveira. “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e Conflitos”, p. 80. 112 Campos utiliza as expressões usadas por Roger Bastide, sociólogo que registrou as expressões: “sagrado selvagem” e “sagrado domesticado”. Le Sacre Sauvage et autres essais, p. 227. 113 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 5.

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travados. Segundo Foucault, nem a dialética, enquanto lógica de contradição, nem a

semiótica, como estrutura da comunicação, podem dar conta dos aspectos inteligíveis do

confronto. A dialética seria uma forma de reduzir o aspecto da realidade aleatória e aberta a

um “esqueleto” hegeliano. A semiologia se propõe a evitar o caráter violento, o caráter

sangrento e mortal, reduzindo-o ao apaziguamento platônico da linguagem e do diálogo 114.

O apaziguamento platônico das ondas, embora seja importante para a

periodização, não dará conta do caráter mortal do confronto e, por isso, os lugares praticados

pelos líderes religiosos das igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira configurar-se-

ão em um constante deslocamento e fragmentação de poder que, através da microfísica do

poder, criarão espaços onde se achará em questão a disciplina do olhar fiscalizador na

antidisciplina da não-fixidez das experiências religiosas legitimadoras. O que há de estético

na experiência religiosa pentecostal pode não ser tão somente estético, pois trata-se de uma

batalha em que, ondas vêm e ondas vão, se consumará configurando-se no único cisma

denominacional vivenciado pelas igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira.

Estabelece-se, portanto, dois locus para o modelo bélico que se propõe: em

primeiro “lugar” verifica-se que, no período das décadas de 1950 e 60, houve um lugar na

antidisciplina das experiências religiosas e nas ondas experienciais para o pentecostalismo do

Movimento de Renovação Espiritual, bem como para Rosalee Mills Appleby. A influência da

missionária se processou através dos folhetos, pelos quais muitos se interessaram no estudo da

experiência com o Espírito Santo. Segundo Tognini, Deus acendeu o fogo do poder do

Espírito no coração de D. Rosalee Mills Appleby. Entretanto, considera-se que, quando as

labaredas tornaram-se num incêndio e houve o primeiro cisma na Convenção Batista

Brasileira, a missionária não esteve presente, pois havia voltado aos Estados Unidos em 1960.

E em segundo “lugar” acha-se em jogo um “palco” para os confrontos de poder no seio da

Convenção Batista Brasileira, a saber, o campo de batalhas do congregacionalismo batista,

onde sujeitos intentarão “golpes sangrentos” através da legitimação das atitudes de poder por

meio da experiência religiosa. É o que se verá no próximo capítulo.

114 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 5.

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2. A experiência religiosa na biblioteca do Seminário Teológico Batista do

Sul do Brasil e a formação das redes de poder

2.1. José Rego do Nascimento e Enéas Tognini: Duas experiências religiosas de

constituição no entretecimento da belicosidade histórica

Segundo Edênio Valle, qualquer objeto da experiência cotidiana poderá ser

hierofânico. Por isso, no dia-a-dia da vivência humana, qualquer objeto poderá ser “revelador

do divino”, pois, segundo o autor, não existem acontecimentos naturais ou vitais que não

tenham sido revestidos com um caráter sagrado por alguma cultura. Entretanto, além da

revelação que “revela o divino”, há um caráter da experiência religiosa que diz respeito ao

“mistério inefável” 115.

Portanto, em toda experiência com o sagrado, em parte se conhecerá e em

parte se desconhecerá. Desse modo, haverá um certo “jogo de esconde-esconde da

divindade”, porquanto, a partir do que se pode conhecer e do que se pode apenas tangenciar,

estabelecer-se-á uma constituição contínua de sujeitos que vivenciam uma experiência

religiosa, a qual é clarificada ao mesmo tempo em que é obscurecida. Assim, segundo Valle, a

experiência religiosa, no âmbito de uma brincadeira cotidiana com o sagrado, se dará na

formação de símbolos que jamais conduziram ao conhecimento do “Todo” que sinaliza e, por

isso, a clareza das questões é ilusória.

Há uma diversidade bastante grande no “jogo de esconde-esconde da

divindade”, porquanto as contradições e polarizações estão presentes na experiência religiosa.

Sobre tal aspecto, note o que diz Valle:

“As experiências religiosas, nesse sentido, apresentam tensões constitutivas, como as seguintes: são (podem ser) estáticas ou dinâmicas, passivas ou ativas, cerradas ou abertas, intrínsecas ou extrínsecas, libertárias ou repressivas, emocionais ou racionais, sectárias ou universais, conscientes ou inconscientes, neuróticas ou sãs”. 116

115 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa , p. 17. 116 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa, p. 17 e 18.

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O formato incerto das experiências com o sagrado produz uma fé que, a

partir do “conhecimento e do desconhecimento do divino”, produzirá uma mobilidade quanto

aos elementos formativos da experiência, pois grande diversidade se achará presente no

sujeito religioso de um cotidiano que se tornará religioso. A experiência religiosa, multiforme

em sua dinâmica, concede uma amostragem de muitos fenômenos extraordinários. Com

Sudbrachk, deve-se reconhecer que há uma pesquisa a ser levada a sério, aquela que avalia

fenômenos extraordinários que acompanham as experiências místicas propriamente ditas117.

Segundo Valle, a experiência religiosa multiforme pode ser verificada a

partir do senso comum e do cotidiano, pois, para o autor, o mundo é apreendido pelo sujeito

religioso não só no aspecto extático, mas também na experiência vivenciada na cotidianidade

e nos elementos mais ordinários da vida. Tal aspecto vincula-se ao modo “idiossincrático”

de algumas experiências religiosas, porquanto há grandes traços de pessoalidade na

experiência de conhecimento do mundo a partir do cotidiano da fé 118.

No Movimento de Renovação Espiritual, verifica-se que alguns sujeitos

experimentaram diversificadas experiências religiosas, multiformes em sua essência, as quais

obviamente tinham alguns conteúdos que se pareciam, pois tratava-se de vivências

carismáticas que se estabeleciam nas novas concepções batismais acerca Espírito Santo. Com

Valle, a partir do exposto, pode-se ressaltar que, na vivência da experiência religiosa, existem

maneiras diferentes de explicar uma mesma realidade119, pois a pluralidade da experiência é

grande, mas a realidade do objeto referido pode ser igual, contudo, tal realidade jamais será

percebida de maneira uniforme, pois há de se notar as complexidades dos sujeitos e das

experiências religiosas.

No presente capítulo, será abordado um episódio de experiência pentecostal

ocorrido na biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Entretanto, constata-

se que os pastores José Rego do Nascimento e Enéas Tognini vivenciaram experiências

fundantes imprescindíveis para a observância do referido episódio. Por isso, a experiência

religiosa, na particularidade dos sujeitos religiosos, parece ser uma antecipação da coisa

experimentada denominacionalmente.

Conforme Valle:

“Numa linguagem mais sofisticada, pode-se dizer que a experiência é anterior à sua predicação. O indivíduo

117 SUDBRACHK, Josef. Experiência Religiosa e Psique Humana, p. 58. 118 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa , p. 23. 119 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa ,p. 26.

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sabe de sua experiência “pré-predicativamente” (Husserl). Essa vivência passa a pertencer-lhe e a ser sentida como parte dele próprio. É em um segundo momento que a experiência se complementa e se totaliza predicativamente” . 120

Pretende-se não somente reconstituir a narrativa destes sujeitos principais da

experiência em foco, mas igualmente perguntar por eventuais redes de sentido e conflitos de

poder subjacentes ao episódio narrado.

José Rego do Nascimento121 vivenciou experiências marcantes na história de

sua fé, porquanto, depois da missionária Rosalee Mills Appleby, o referido pastor foi o

principal porta-voz do Movimento de Renovação Espiritual no seio da Convenção Batista

Brasileira. Segundo Tognini, o pastor Rego teria sido colocado por Deus ao lado de Appleby,

pois representou um reforço para o Movimento de Renovação Espiritual122. Por mais que

fosse respeitada e embasasse o movimento, a referida missionária não teria o alcance de um

líder homem, pois na denominação batista não é permitido que mulheres exerçam o ministério

pastoral.

Tendo sido alfabetizado por seu pai, José Rego do Nascimento teve seus

estudos marcados por contratempos, pois, ao iniciar sua vida estudantil num colégio, no

Estado da Paraíba, precisou abandonar a escola por causa de um acidente. Quando chegou ao

Estado do Rio de Janeiro, aos 12 anos, retomou os estudos em escolas públicas do

subúrbio 123. Rego do Nascimento, assim como seu pai, exerceu o ofício de sapateiro e

desenvolveu-se bastante num estabelecimento cujos donos eram portugueses, tornando-se

autodidata. Contudo, a realização pessoal de Rego se deu depois de ter passado num concurso

para o exercício de um cargo no Banco Aliança, atual Itaú124.

Rego do Nascimento, mesmo antes de sua formação teológica, em algumas

experiências, teve certo contato com pentecostais, tendo participado, inclusive, de cultos na

Assembléia de Deus. Sua experiência de conversão ocorrera aos 15 anos de idade. Na Igreja

Batista de Anchieta, no Rio de Janeiro, para onde se transferiu aos 12 anos125. Outrossim,

Rego declara-se predestinado a ser carismático, pois numa das vezes em que se entusiasmou

observando uma Igreja Assembléia de Deus, declarou:

120 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa , p. 28. 121 José Rego do Nascimento nasceu a 24 de dezembro de 1921. Atualmente Rego reside em Belo Horizonte e encontra-se bastante enfermo. 122 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 53. 123 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 42 e 43. 124 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 47 a 49. 125 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, 43 a 45.

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“Então o Espírito derramou água viva dentro de mim. Senti gozo e uma alegria espiritual extraordinários. Então, eu deduzo que já nasci predestinado a ser um carismático”. 126

Xavier alega que a conversão de Rego fo i genuína, porque, depois da

experiência de meditar na crucificação de Cristo narrada pelo Evangelho de Lucas, deixou de

ser um crente tradicional para ter uma vida de compromisso com Jesus Cristo e com a sua

experiência127.

Rego do Nascimento formou-se no Seminário Teológico Batista do Sul do

Brasil no curso de “graduado” em teologia, que não era o principal curso oferecido pela

instituição, sendo o principal o bacharelado em teologia 128. Graduou-se, portanto, aos 26

anos de idade e em 1951. Almeida relata que Rego do Nascimento era portador de uma

grande cultura literária e de vastos conhecimentos gerais. Portanto, tal gosto pela literatura o

ajudou a cultivar uma linguagem clara e o ajudou também a se tornar um grande pregador,

tanto por sua retórica, como por seus recursos de linguagens. Segundo Almeida, Rego sabia

se expressar com uma boa utilização de pronomes, tornando-se, por esse e por outros

motivos, um exímio orador129.

No período em que fez o curso de “graduado em teologia”, Rego do

Nascimento, assim como sua esposa, Joselina de Oliveira Nascimento, freqüentaram a Igreja

Batista de Anchieta. Foi ordenado ao ministério pastoral a 20 de dezembro de 1951, exerceu

as funções do ministério na Igreja Batista de Olinda, Estado do Rio de Janeiro.

No ano de 1954, Rego do Nascimento deixou a Igreja de Olinda, assim

como também deixou o Banco, para exercer o ministério pastoral em duas igrejas de cidades

vizinhas, quais sejam, as igrejas de Laje e Ubaíra, no Estado da Bahia. Dado seu bom êxito

nesses ministérios, foi convidado a pastorear uma igreja maior, a de Vitória da Conquista,

onde realizou um brilhante trabalho ministerial, pois a referida igreja experimentou o impacto

de um pastorado bastante próspero. Dessa maneira, foi pastoreando a Igreja de Vitória que

Rego, após tomar conhecimento de determinados avivamentos no período, teve a experiência

do “batismo com o Espírito Santo”. Segundo Almeida, no pastorado daquela igreja, o Senhor

visitou a Rego poderosamente com o batismo no Espírito Santo, dando- lhe uma nova

percepção e visão da obra de Deus, o que teria garantido seu sucesso pastoral130.

126 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 45. 127 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 45. 128 O curso de “graduado” em teologia era oferecido em 3 anos. 129 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 89. 130 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 90.

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Certa feita, Rego estava sozinho em seu gabinete, orando e lendo o livro The

Power of Pentecost, de John Rice, evangelista batista norte-americano cuja preocupação era

tentar fundamentar sua crença de que no batismo com o Espírito Santo não necessariamente

precisaria haver a evidência do dom de línguas estranhas, chamado glossolalia. Rego do

Nascimento também leu, nessa ocasião, um dos “Folhetos de Poder” escritos por Rosalee

Mills Appleby, intitulado: “Como diversos servos de Deus foram cheios do Espírito Santo”.

Foi depois do impacto dessas leituras que Rego do Nascimento orou e buscou em Deus que

essa “segunda bênção” lhe fosse concedida.

“Rego começou a buscar o batismo no Espírito e o recebeu de uma forma diferente. (...) De repente se viu invadido por um fogo, que lhe entrou pelo peito e produziu nele uma dinamização tal, que ele caiu sentado na cadeira. Ria. Ria e chorava ao mesmo tempo. (...) Depois, quando quis andar, quase não conseguia. Parecia que seus ossos doíam. Aparentemente, nada mudou nele. O que ele sabia, continuou sabendo; o que ele cria, continuou crendo; mas a dedicação, a partir daí, foi bem maior. O ardor era tão grande! Isso se manifestou no crescimento da igreja”. 131

Conforme Almeida, num relato bastante posterior, assim como se referiu

anteriormente, foi após o advento do batismo no Espírito Santo que Rego do Nascimento

teria sido revestido de poder e de graça, tendo, a partir de então, suas mensagens e profecias

sempre ungidas por Deus, porquanto a obra do Espírito estava em marcha na sua vida

particular e na sua vivência da fé cristã132.

Rego tinha o sonho de pastorear em Belo Horizonte e isso aconteceu quando

foi convidado a assumir o pastorado da recém fundada Igreja Batista da Lagoinha133, em

1958. Segundo Reis Pereira, Vitória da Conquista tornou-se demasiadamente pequena para os

intentos de Rego, pois seu desejo era de que a sua voz fosse irradiada para todo o País.

“Quanto leigos de Belo Horizonte conceberam a idéia de fundar uma igreja que fosse um exemplo de pureza evangélica, além de ardorosa na evangelização.

131 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 54. 132 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 90. 133 A Igreja Batista da Lagoinha foi fundada em 20 de dezembro de 1957, com aproximadamente 20 pessoas em seu rol de membros. Atualmente conta com mais 30 mil membros e se inclina ao neopentecostalismo , enfatizando, prioritariamente, a mística como mecanismo de experiências religiosas e como elemento de proselitismo religioso. Para mais detalhes ver o site: http://200.195.77.153/engine.php?pag=art&secpai=12&sec=54&cat=356&art=4312. Acesso no dia 13 de janeiro de 2008.

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Convidaram Rego para liderá-los nesse plano e ele, que já vinha sonhando com Belo Horizonte, o grande centro que desejava, aceitou o convite e, deixando Vitória da Conquista, assumiu o pastorado da recém fundada Igreja da Lagoinha, em 17 de maio de 1958”. 134

O vínculo de Rego com o Movimento de Renovação Espiritual, desde sua

alegada experiência de batismo no Espírito Santo, foi bastante estreitado, tanto assim que na

Rádio Guarani, em Belo Horizonte, dirigiu um programa chamado Renovação Espiritual.

Appleby possivelmente iniciou o programa radiofônico no ano de 1956 e, após tê- lo

transferido a Rego, o pastor teria mudado a conotação de “Renovação Espiritual”, vinculando

o batismo no Espírito Santo à Renovação Espiritual. Almeida se recorda das mensagens de

Rego e alega que o impacto das mensagens nos ouvintes era muito grande. Muitos

começaram a procurar igrejas evangélicas e muitos “crentes desviados” retornaram às suas

igrejas.135Assim, o início do ministério de Rego, em Belo Horizonte, na Igreja Batista da

Lagoinha, teria sido bastante eficaz graças à sua atuação na Rádio Guarani.

Acerca do dinamismo e da ascensão de Rego, o historiador Reis Pereira diz

que o referido pastor recebeu o programa de rádio da missionária Rosalee Mills Appleby,

continuou a escrever para O Jornal Batista, preparou o livro Calvário e Pentecostes e atendia

às constantes solicitações de vários lugares para pregações e séries de conferências. Contudo,

com o passar do tempo e com o envolvimento de Rego no Movimento de Renovação

Espiritual, a igreja de Lagoinha sentiu falta de seu pastor, tendo enfrentado certa estagnação.

Rego, a convite de seminaristas, promoveu um encontro pentecostal na

biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, o qual será descrito mais adiante.

Também atuou como pregador num programa radiofônico, como foi dito, e participou da

Comissão dos 13, a qual também será abordada posteriormente. Rego deixou uma importante

obra acerca do batismo com o Espírito Santo e acerca da Renovação Espiritual: Calvário e

Pentecostes 136.

Enéas Tognini nasceu em 1914137, na cidade de Botucatu , interior do Estado

de São Paulo, porém foi registrado na cidade de Avaré, no mesmo Estado138. Quando Tognini

fez dois anos de idade, sua família mudou-se para a cidade de Campo Grande, no Estado do

134 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 195. 135 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 108. 136 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 252. 137 Enéas Tognini está com 94 anos. Atualmente ele reside na cidade de São Paulo. Após ter recebido o título de “Presidente Honorário” da Convenção Batista Nacional disse que “não terminaria sua carreira de pijama, mas cairia na batalha, de farda”. In: XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 97. 138 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 20.

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Mato Grosso do Sul. Porém, foi quando Enéas Tognini atingiu os 18 anos que, fazendo

contato com alguns evangélicos, passou a freqüentar uma igreja batista na cidade onde

morava. De família católica, converteu-se ao protestantismo batista aos 19 anos de idade,

quanto também foi batizado.

Ainda sobre sua conversão, Enéas Tognini diz que, na vida que antecedeu

sua adesão ao protestantismo batista, foi católico e devoto de Santa Teresinha. Nutria

profunda antipatia pelos protestantes e sempre que passava próximo à Primeira Igreja Batista

em Campo Grande procurava se desviar do templo. Entretanto, por influência da esposa do

dono da oficina onde Tognini trabalhava, passou a freqüentar a referida igreja.139. Tognini

narra, em sua Autobiografia, que se converteu ao ouvir um sermão pregado pelo Pr. Egídio

Gióia e foi batizado no dia 17 de setembro de 1933. Sentindo-se muito alegre, também teve a

percepção de que seus pés haviam criado “asas de borboletas” e “não pisavam no chão”.

Tendo essa alegria, também quis falar de sua experiência religiosa para todas as pessoas de

seu convívio. Contudo, enfrentou dificuldades com sua família, que era católica, e os amigos,

a quem Tognini chama “amigos de pecado” 140.

Acerca de sua conversão, Tognini diz:

“De 14 aos 18 anos de idade perdi-me no pecado. Meus irmãos mais velhos ensinaram-me a fumar desde os seis anos de idade. Fui para o jogo, fui para a prostituição. Mas Deus me encontrou. (...) Converti-me mesmo ao Senhor Jesus. Senti um alivio e paz no meu coração e um gozo profundo em minha alma”. 141

Com apenas seis meses de convertido ao protestantismo batista, Tognini

sentiu-se vocacionado para o exercício do ministério pastoral. Portanto, retomou os estudos

num período de cinco anos, tendo sido influenciado por um professor particular chamado

Reinaldo Julian Decoud Larrosa, então cônsul paraguaio no Brasil. Larrosa pertenc ia à

“Igreja dos Irmãos Unidos” e, além de ministrar diversas disciplinas, também lhe ensinou a

Bíblia e o idioma francês. Entusiasmado, Tognini também se dedicou ao estudo do idioma

inglês, através do contato que travou com um missionário presbiteriano, sendo bastante

curioso e desejoso por conhecimento142.

No ano de 1938, Tognini iniciou o curso de bacharel em teologia no

Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Estado do Rio de Janeiro, tendo sido o

único aluno de sua turma a se bacharelar, o que ocorreu em 1941. Depois de ter cursado

139 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 22. 140 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 23. 141 TOGNINI, Enéas. Renovação Espiritual no Brasil, p. 11. 142 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 28 e 29.

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teologia, também decidiu se casar e foi ordenado ao ministério pastoral batista no mesmo ano

em que concluiu o curso teológico. Seu primeiro ministério se deu numa igreja em Belo

Horizonte, no Estado de Minas Gerais. Durante seu pastorado, Tognini exerceu diversos

cargos denominacionais, entretanto, somente em nível estadual.

Enéas Tognini, no ano de 1946, transferiu-se para a cidade de São Paulo,

onde assumiu o pastorado da Igreja Batista de Perdizes, que era composta por apenas duas

famílias e um grupo de estudantes. A permanência de Tognini na liderança da mencionada

igreja estendeu-se até o início do ano de 1964, quando a deixou com aproximadamente 400

membros e um templo construído.

Durante o tempo em que exerceu o ministério pastoral na Igreja Batista de

Perdizes, Tognini também foi vice-diretor do Colégio Batista Brasileiro e auxiliou na

fundação da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, tendo sido docente em ambas as

instituições. Tognini, no exercício das funções denominacionais, em nível estadual e

nacional, foi bastante reconhecido por sua habilidade administrativa e pastoral.

Enéas Tognini narra uma experiência que o sensibilizou, levando-o a

“quebrantar o coração”, pois durante um período muito difícil da sua vida, em 1958, quando

alguns ladrões tentaram invadir sua casa por três vezes e quando estava demasiadamente

cansado de trabalhar 16 horas por dia, teve a experiência de ouvir Rosalee Mills Appleby

ministrar palestras no Colégio Batista, recebendo-a, inclusive, em sua casa no mês de julho.

Nesse mesmo período e ocasião, o Congresso Jovem Batista do Brasil

ocorreu no Colégio Batista e, além da atuação de Appleby, teve Rego como orador principal.

Mesmo tendo participado de todas as palestras, Tognini desprezava a mensagem de

avivamento e não concordava com nada do que Rego dizia, mas, mesmo assim, recebeu aos

poucos as doses que Appleby distribuía. Porém, no penúltimo dia, uma “seta do Espírito”

atravessou o coração de Enéas Tognini, fazendo-o chorar 143.

Segundo o próprio Tognini, ele não cria em avivamento e tampouco nos

avivalistas, conquanto combatia-os vorazmente. Conforme o autor, havia em seu arquivo uma

grande quantidade de trabalhos escritos para combater “a obra do Espírito Santo”, porquanto

ele nunca “perdeu tempo” para estudar o batismo no Espírito Santo à luz da Bíblia144.

Enéas Tognini teve diversas experiências de leitura dos folhetos de Rosalee

Mills Appleby e com a mensagem de Rego, contudo, foi num certo dia, bastante marcante,

que sua experiência religiosa mais intensa ocorreu:

143 Cf. TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 37. 144 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 38.

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“Corria o dia 16 de agosto de 1958. Era pastor da Igreja Batista de Perdizes e diretor do Colégio Batista de São Paulo. Ó, se me lembro! Era um sábado. Levantei-me às cindo da manhã e entrei em meu escritório na casa pastoral da Rua João Ramalho, 436. Orei cerca de uma hora e meia, e o céu me parecia de bronze. Deus estava em silêncio, profundo silêncio! Fui tomar café e voltei para a batalha da oração. Mais duas horas de luta, como Jacó no vau de Jaboque. Nenhuma resposta do céu. Desacoroçoado, levantei-me dos joelhos e sentei-me na mesma poltrona de onde hoje escrevo esta nota. Apoiei a cabeça nas mãos, decepcionado por Deus não me responder à oração. E, nessa aflição, ouvi a voz de Deus pela segunda vez, tão perfeita como a de qualquer mortal, que me dizia num tom profundamente imperativo: ENTREGA... Ao ouvi-la, não tive dúvida nenhuma de que era realmente a voz de Deus. E eu respondi: ENTREGA O QUÊ, SENHOR? E Deus me disse: A BIBLIOTECA (tinha uma biblioteca de aproximadamente quatro mil volumes e era para mim um grande e terrível ídolo); e eu disse: ENTREGO, SENHOR! E Deus me pediu o segundo ídolo: A DIREÇÃO DO COLÉGIO BATISTA; e eu disse logo: ENTREGO TAMBÉM, SENHOR! E Deus foi ao meu terceiro ídolo: O PASTORADO DA IGREJA BATISTA DE PERDIZES; e eu respondi: ENTREGO, SENHOR! Então, Deus continuou e me disse: A FAMÍLIA; relutei um pouco, mas disse ENTREGO, ENTREGO, SENHOR! Ao entregar o último ídolo, veio sobre mim, um PODER tal como nunca experimentara em minha vida. Um gozo profundo no meu coração! Uma paz maravilhosa. Banhei com lágrimas a minha mesa de estudos. Fui revestido do poder do Alto”. 145

Enéas Tognini alega que não está louco, pois Deus realmente falou com ele.

Ele se compara a Pedro, João, Wesley e Moody, pois teria deixado o conforto, o dinheiro, a

posição e mil outras vantagens para viver nos ônibus, nos trens, nos aviões e longe da família,

bem como com pouquíssimos recursos, o que poucas pessoas teriam entendido146.

Quanto aos “ídolos”, Tognini diz que a biblioteca Deus não levou,

porquanto não precisa de livros e, por isso, ela ficou no segundo plano. A direção do Colégio

Batista foi transferida ao Dr. Werner Kaschel, em 1960. A igreja, só conseguiu deixar no dia

primeiro de janeiro de 1964. E, por fim, a família ficou em segundo plano, pois ele nunca a

“deixou” 147.

Segundo Tognini, a partir da experiência de batismo no Espírito Santo houve

grandes mudanças em sua vida, pois ele passou a renunciar a algumas coisas para se tornar

145 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 40. 146 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 41. 147 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 42.

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um pregador itinerante, desvencilhando-se dos cargos denominacionais e aderindo à idéia do

batismo no Espírito Santo, conforme José Rego do Nascimento pregava por toda parte.

Tognini foi convidado a pregar em inúmeros lugares do Brasil e, com isso, no período de 20

anos (1960 – 1980), cruzou o Brasil pregando a mensagem do Movimento de Renovação

Espiritual.

Enéas Tognini, em sua autobiografia, alega, argumentando a partir de

categorias bíblicas, que há duas fases na vida de um crente: a primeira, a conversão, e a

segunda, o batismo no Espírito Santo. Sobre sua tradição batista, Tognini não a descarta;

tratava-se de Renovação, ou seja, de aproveitar o que já existia148. Segundo Tognini, no

princípio do movimento não havia interesse de se formar uma nova denominação, mas de

reformar as igrejas vinculadas à Convenção Batista Brasileira.

“Eu era crente, e até um pouco mais – pois dizem que batista é mais crente, e eu sou batista. Pastor há longos anos, combatia os irmãos pentecostais por causa dessa bênção e, no entanto, fui poderosamente batizado no Espírito em 1958. E, por causa disso, deixei tudo, entreguei meus cargos na denominação, fui mal entendido, perseguido, caluniado. Pastor Rubem Lopes, então Presidente da Ordem de Pastores Batistas, do Estado de São Paulo, mandou que eu me retirasse dum Retiro de Pastores Batistas que se realizava na vizinha cidade de Sumaré”. 149

Alguns missionários americanos repugnavam o Movimento de Renovação

Espiritual por cultivarem uma vivência bastante conservadora da fé protestante. Segundo

Tognini, ele foi visitado muitas vezes por pastores e missionários, os quais queriam, de todo

jeito, separá-lo de Rego. Algumas esposas de pastores teriam pressionado, inclusive, a esposa

de Tognini, para que ela, por sua vez, o pressionasse. Portanto, em face dessas pressões, o

ano de 1959, para Tognini, foi de muitas decisões importantes.

Rego esteve na cidade de Ceres, Estado de Goiás, pois havia sido convidado

a falar num encontro dos pastores batistas goianos e, segundo Tognini, houve alguns atritos

com os pastores conservadores, mas, mesmo assim, Rego teria conseguido sucesso em suas

pregações150.

Neste ensejo, algo foi bastante marcante para Tognini:

148 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 52. 149 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 77. 150 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 67.

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“Um dos pastores que assistiram ao retiro de Pastores em Ceres escreveu-me longa carta, logo após esse retiro: “Pastor Enéas, Rego esteve conosco e foi uma bênção. Se esse homem é do diabo, então o diabo se converteu. Esta carta veio encontrar-me num período de maré baixa. Li a carta, tornei a ler; orei e, ao levantar-me dos joelhos, estava decidido: com Rego; portanto, com Renovação Espiritual, custe o que custar. Puxei uma folha de papel, meti-a na máquina e escrevi a minha definição, enviando-a ao Jornal Batista, que me devolveu”. 151

Assim, posterior ao seu alegado batismo no Espírito Santo, Tognini decidiu-

se por Renovação Espiritual e por lutar ao lado de Rego, sendo bastante curioso o fato de que

tal militância seria a “qualquer custo”, pois, diante de tantas pressões dos missionários

americanos e das esposas de pastores, ele teve de se posicionar de forma bastante

contundente. Por isso, o ano de 1959, para Tognini, foi marcante, tanto em termos pessoais,

quanto em termos ministeriais.

Percebe-se que, a experiência do batismo no Espírito Santo, para Tognini,

foi uma experiência que lhe custou muitas coisas, no entanto, como teria vivido o referido

pastor depois de tal experiência religiosa? Desde então, segundo Tognini, seu trabalho teria

sido o de pregar, o de escrever e o de gravar suas mensagens. Com o retorno de Rosalee Mills

Appleby aos Estados Unidos, quer por ter se aposentado152, ou por ter caído enferma153,

Tognini foi incumbido de continuar o Movimento da missionária americana e de fortalecer as

fileiras da Renovação Espiritual, porquanto teria sido batizado no Espírito Santo. Assim,

segundo o próprio Tognini, ele influenciou, nas categorias do Movimento de Renovação

Espiritual, os avivamentos das igrejas batistas, das igrejas presbiterianas, das igrejas

metodistas e das igrejas congregacionais154, sendo um dos principais pregadores itinerantes

do pentecostalismo de Renovação.

“As orações de D. Rosalee foram respondidas. Deus, em 1954 e 1958, batizou dois homens que eram líderes nas fileiras batistas: José Rego do Nascimento e Enéas Tognini. José Rego, cerca de quatro anos antes. E este homem começou a pregar com poder que abalava. Como uma tempestade soprou nos arraiais batistas e derrubou muitos “cedros” do Líbano. As experiências, vividas por este servo de Deus, carecem de um grosso volume para serem narradas. Em 1958, Enéas Tognini

151 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 67. 152 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 51. 153 Cf. FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 14. 154 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 51.

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foi batizado no Espírito Santo, depois de ouvir as poderosas mensagens de D. Rosalee e Pastor José Rego. (...) Renovação Espiritual nasceu no coração de D. Rosalee, do pastor José Rego do Nascimento e no meu. Depois, o “fogo” da misericórdia de Deus se alastrou para outras vidas, para outras igrejas, e para outras denominações”. 155

Percebe-se, portanto, que Rego foi um pastor que, a partir da experiência

religiosa do alegado batismo no Espírito Santo, tendo sido cativado pelas idéias avivalistas de

Appleby, também cativou a Tognini, o qual desenvolveu uma forte liderança no Movimento

de Renovação Espiritual.

E, de acordo com as categorias de Valle, essas experiências fundantes foram

demonstrativos prévios do que ocorreria na Convenção Batista Brasileira, pois é sempre num

segundo momento que a experiência se complementa e se totaliza predicativamente. Portanto,

o que foi vivenciado no gabinete pastoral de Rego e no escritório da casa pastoral de Tognini

também se fará notar nos desdobramentos institucionais e no episódio religioso da biblioteca

do Seminário, pois tais experiências foram uma “antecipação da coisa experimentada”

denominacionalmente.

2.2. Da academia à experiência religiosa: Poder e êxtase na biblioteca e as redes de

poder

Intenta-se, com as discussões a partir de Foucault, as quais se procederão

nesse ensejo, uma abordagem do episódio que ocorreu na biblioteca do Seminário Teológico

Batista do Sul, o qual será descrito no presente capítulo. Tais abordagens e teorizações serão

de imprescindível importânc ia para a observância da experiência fundante, não somente de

Rego e de Tognini, mas também do Movimento de Renovação Espiritual, a fim de que se

verifiquem as formações das redes de poder no interior da trama histórica que está se

abordando, a qual culminará num cisma na Convenção Batista Brasileira, o que será descrito

no próximo capítulo.

A partir das concepções de Foucault, buscar um “sentido” para a história, no

vazio da linguagem romantizada, é uma tentativa de evitar o caráter violento, o caráter

sangrento e o caráter mortal das suas táticas e dos seus golpes nas muitas operacionalizações

e, nesse caso, corre-se o risco de reduzi- la ao apaziguamento platônico da linguagem e do

155 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 250.

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diálogo. Da mesma maneira, tratar a história de forma dialética é uma tentativa de reduzir o

aspecto da realidade aleatória e aberta a um “esqueleto” hegeliano 156.

A grande referência da história, que também deve ser observada para a

escrita da historiografia, não são os signos e tampouco o modelo da língua, mas o da guerra e

o da batalha, como diz Michel Foucault. A história é inteligível e pode ser analisada, mas

segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias e das táticas em meio às batalhas157.

A falta de “sentido” da história e os lugares vivenciais que ela proporciona

para o sujeito que se constitui nas suas tramas devem ser entendidos como num locus para

verdadeiros embates de poder. Entretanto, o sentido belicoso não existiria de forma tão

contundente não fossem os elementos de guerra que ficam disponíveis para observá- lo

enquanto expressão das relações de poder, as quais se distinguem das relações baseadas no

discurso romantizado da lingüística platônica.

“Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de sentido. A história não tem “sentido”, o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas”. 158

Segundo Foucault, as sociedades modernas apresentam uma nova maneira de

organizar o poder, que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa organização referente

ao poder, tem-se um poder que supera a repressão, pois se dissemina quando se fragmenta,

desdobrando-se para os diversos setores da vida humana. O poder desloca-se do macro e

redireciona-se em micropoderes, tornando-se, por conseqüência, mais eficazes. Foucault

analisou os micropoderes que se espalham pelas muitas instituições da vida social, pois para

ele, os poderes são exercidos por uma rede imensa de pessoas que interiorizam e cumprem as

normas estabelecidas pela disciplina social. Por exemplo: os porteiros, os pais, os

enfermeiros, os professores, os guardas, os fiscais159 e, como no caso em tela, os pastores, as

lideranças religiosas e as pessoas que compõem as redes imensas que interagem numa

disciplina social.

156 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.5. 157 Cf. FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.5. 158 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.5. 159 Cf. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 228 e 229.

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Os micropoderes, através dos lugares por onde permeiam, encontram, na

formação de redes produtivas e imensas, uma eficácia que se dá por meio da constituição de

sujeitos que optam de diferentes formas por um exercício das ações que estabelecem táticas

belicosas. Essas táticas encontrarão nas próprias redes sujeitos de fundamental constituição

nas tramas históricas, eis, em parte, o aspecto genealógico das categorias de Foucault 160.

Constata-se a importância de inúmeros sujeitos numa trama histórica, contudo, verifica-se

também que é preciso se livrar dos sujeitos constituintes, a fim de visibilizar a constituição de

um sujeito que compõe uma rede imensa de interligação histórica numa trama extremamente

plural e minuciosamente articulada.

Sendo o poder exercido de maneira microfísica, não se subordina a nada,

pois existe numa multiplicidade na sua dinâmica e possui caráter formador de realidades e de

coisas, tendo, inclusive, uma notável positividade. Foucault dissocia a dominação da

repressão e transcende as abordagens que evidenciam os aspectos negativos do poder, como

proibir, censurar, interditar, coagir e reprimir. Entrementes, o poder possui a positividade de

produzir saberes, discursos, sujeitos e desejos e é altamente eficaz quando se observa sua ação

nas inúmeras redes que se estabelecem.

Uma rede de poder faz-se no entretecimento criativo de sujeitos

constituídos, os quais promovem um entrecruzamento dinâmico no imbricamento de suas

malhas e de sua produtividade no que tange ao exercício mais fino dos micropoderes. Assim,

não é suficiente, através da historiografia, indicar acontecimentos e os sujeitos constituintes,

pois é necessário distinguir os acontecimentos e encontrar a diferenciação das redes de poder,

bem como promover uma reconstituição dos fios que as ligam e que são fundamentais para o

funcionamento dessas redes que se formam no interior da história e das batalhas.

Portanto, é preciso fazer diferenciações e abordar os eventos com as devidas

distinções nas engrenagens que trazem a funcionalidade do poder. É um jogo de vaivém no

qual o sujeito se torna seu centro produtor e transmissor, estando sempre em posição de

exercer o poder e, por conseguinte, sofrer a ação desse mesmo poder, a partir da constituição

dos seus discursos, seus desejos e seus corpos. Destarte, para Foucault, o indivíduo não é o

outro poder, mas é um dos seus primeiros efeitos, a partir dos efeitos de verdades no interior

160 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 7.

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dos discursos formados pelo prazer ocasionado na vivência de uma produtividade do

poder161.

O poder é algo bastante impregnante, através das redes e por entre as redes,

pois o exercício do poder nas micro-relações faz com que, a partir de sua dinâmica, perpasse

o cotidiano de indivíduos, fazendo-se atravessar e circundar tais sujeitos. Com isso, destaca-

se a força do poder, a qual não se deve à repressão, pois, seria deveras frágil, como ressalta

Foucault.

“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá -lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir”. 162

Ora, segundo Foucault, é necessário que entenda-se o poder não como uma

força que, aos moldes repressivos, diz “não”, mas como uma dinâmica que, de alguma

maneira, permeia a conjuntura das redes através de fios e induz ao prazer (religioso), forma

um saber (pela experiência religiosa) e, fundamentalmente, produz um discurso (religioso).

Admitir que o poder se exerce tão somente de forma repressiva, seria eliminar a criatividade

do poder e entendê-lo como frágil. A criatividade do poder, no entanto, existe em

contrapartida dos conceitos de ideologia, quer numa conceituação acerca de uma corrente

política ou de uma corrente religiosa. Privilegiar as noções que giram em torno da ideologia

de um determinado grupo de pessoas, seria admitir que há uma oposição a alguma coisa que

seria a verdade e, nesse sentido, conforme Foucault, o problema real é ver quais discursos, no

interior da história, promovem eficazmente os “efeitos de verdade”, os quais não são “nem

verdadeiros nem falsos”163.

No caso em tela, verifica-se que os discursos que se formaram no interior de

uma experiência de poder, bem como as relações de poder em si, serão vinculadas aos

conceitos de experiência religiosa, pois o poder e a experiência religiosa, na vivência do

161 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 183. 162 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 8. 163 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 7.

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cotidiano denominacional, se confundiram, sendo que a autenticação das atitudes de poder

parece ser proveniente das experiências religiosas.

Abordar-se-á, doravante, através da constatação de uma experiência

religiosa na biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, um campo de real

belicosidade que se forma num palco de constituição de sujeitos, de lugares, de experiências

e do poder que perpassa uma rede bastante produtiva.

Houve uma experiência fundante para o Movimento de Renovação

Espiritual, a qual se deu em decorrência de um período de avivamentos na história do

protestantismo brasileiro e que foi resultante das experiências pentecostais vivenciadas por

Rego. A referida experiência fundante ocorreu com um episódio bastante marcante na

biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.

José Rego do Nascimento, depois do mês de setembro de 1955, após o

alegado batismo no Espírito Santo, passou a ser um propagador das idéias e das experiências

religiosas do Movimento de Renovação Espiritual. A mensagem de Renovação alcançou

inúmeras igrejas e líderes denominacionais, inclusive o tão proeminente pastor Enéas Tognini,

em julho de 1958. Segundo Ferreira, o Movimento, no seu princípio, conquistou a simpatia de

muitos, pois pregava a pureza espiritual e o fervor espiritual164.

No tempo em que pastoreava a Igreja Batista da Lagoinha, em Belo

Horizonte, José Rego do Nascimento vivenciou uma intensa experiência religiosa que, ao

contrário do seu mencionado batismo no Espírito Santo, não trouxe conseqüências somente

para a vivência de sua fé, mas também para o âmbito denominaciona l.

Houve, no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, localizado na

cidade do Rio de Janeiro, uma “Semana de Renovação Espiritual”, porque a efervescência

ocasionada pela propagação do Movimento de Renovação Espiritual era bastante acentuada e,

dessa forma, até mesmo os seminaristas se interessaram pelo assunto. Tal Semana de

Renovação Espiritual aconteceu de 11 a 18 de outubro de 1958. Foi nesse ensejo que os

seminaristas convidaram Rego, ex-aluno do seminário, para lhes falar principalmente sobre o

tema: “O Pentecostes se Repete?”

Rego ficou hospedado no seminário, na semana em que esteve falando aos

seminaristas. Na noite do dia 16, uma sexta-feira, Rego realizou alguns trabalhos fora das

dependências do seminário, em igrejas situadas na cidade do Rio de Janeiro165. Depois de ter

164 FERREIRA, Ebenézer Soares. História dos Batistas Fluminenses, p. 164. 165 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 59.

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pregado naquela noite, quando no seu retorno, foi recebido por alguns seminaristas que

estavam ansiosos por sua volta. Tais seminaristas propuseram que Rego estivesse realizando,

com eles, uma reunião de oração na biblioteca do seminário. Ocorre que, quando Rego

retornou das suas atividades, estava cansado por causa da pregação que realizou e do forte

calor que fazia no Rio de Janeiro, entretanto, não negou a realização da mencionada reunião

de oração que, segundo Tognini, não teria sido programada166.

Note as palavras de Reis Pereira sobre tal reunião de oração:

“Em outubro, os alunos do Seminário o convidaram para falar numa semana especial de despertamento espiritual. No final dessas reuniões, numa sexta-feira, foi realizada, na sala da biblioteca do Seminário, uma noite de oração, sob a direção de Rego. Cinqüenta seminaristas, quatro visitantes e Rego se reuniram na, então, pequena sala da biblioteca e foram até a madrugada, cantando e orando, mas fazendo tal bulha que se poderia ouvir à distância”. 167

Constata-se, com isso, que algo não programado ocorreu, na biblioteca do

Seminário, onde se atraíram 55 pessoas para realizar uma reunião de oração. Tem-se,

portanto, um relato da mencionada experiência religiosa ocorrida numa instituição de ensino

teológico, no âmbito da Convenção Batista Brasileira. Acha-se em questão, doravante, uma

experiência religiosa vivenciada no interior de uma importante propriedade dos batistas

brasileiros, onde a religião oficial cultivada pelos batistas formulava seus fundamentos

teológicos. A partir desse fato, inúmeros desdobramentos ocorrerão na formação das redes de

poder no interior de um lugar inserido numa instituição onde o discurso oficial estava

presente.

O documento que narra detalhadamente as experiências religiosas do

episódio ocorrido na biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil é uma carta

cujo remetente é Rego e o destinatário é Tognini168.

Na Semana de Renovação Espiritual, suscitou-se uma pergunta: “O

Pentecoste se Repete?”. Na aludida carta de Rego, que narra a experiência religiosa ocorrida

na biblioteca, há uma resposta vivencial, a saber, “por volta da quarta oração, aconteceu o

pentecostes”. Ou seja, a “visitação do Senhor”, na contundência daquela experiência,

comprovou o que Rego estava se propondo a responder. Porém, antes que a resposta da

166 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 55. 167 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 255 e 256. 168 No Anexo 1 a carta é reproduzida na íntegra.

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pergunta em questão se procedesse, houve cânticos, houve orações e houve leitura da Bíblia,

pois se buscava a referida resposta num “encontro com o sagrado” e no impacto produzido

por esse encontro.

Segundo Rego, assim que houve o pentecostes, o “Espírito caiu sobre a

casa, possuindo a muitos” e, no “cair do Espírito”, inúmeros seminaristas também caíram no

chão e nas mesas, confessando pecados com “voz alta”, com “gemidos” e com “choro

incontido”.

A pergunta: “O Pentecostes se Repete?” foi respondida não com uma coisa

que seria a verdade, mas com uma experiência que denotava um “efeito de verdade” na

terminologia de Foucault 169. Portanto, a experiência que respondeu a pergunta principal da

Semana de Renovação foi um desfecho formativo interessante no interior de uma trama que

proporcionou a experiência fundante, a qual inaugurou uma rede que acreditava, portanto, na

repetição do pentecostes com o batismo no Espírito Santo.

Na experiênc ia da biblioteca, verifica-se que o início da constituição das

redes de poder, no Movimento de Renovação Espiritual, se deu num lugar específico da

religião, através das inscrições de sujeitos que compartilharam uma experiência religiosa,

vivenciada de forma diferente, mas abordando uma mesma temática da realidade pentecostal.

Ora, com tanto espaço nas dependências do seminário, por que fizeram a reunião de oração

logo numa pequenina biblioteca? Teriam eles receio de que o ruído pudesse ser ouvido por

alguém?

O poder, que poderia ter sido exercido na esfera do “macro”, tornou-se

fragmentário quando se redimensionou no exercício do “micro” e, por isso, adquiriu grande

eficácia na operacionalização das redes. Portanto, tendo achando um lugar para se exercer,

para além do discurso oficial da Convenção Batista Brasileira, cujos fiéis não tinham o

costume de viver a experiência religiosa com altos sons, choros e gemidos, bem como de

forma pentecostal, iniciou-se tal redimensionamento de importância singular para a rede de

poder que estava se formando, a qual encontrou uma forma a se exercer extraordinariamente

na experiência pentecostal de uma pequenina biblioteca.

Quase distante da presença de sujeitos portadores de discursos oficiais, por

entre uma noite num espaço religioso, constata-se uma atuação de um poder que, a partir da

mencionada experiência religiosa extática baseada no jogo de “esconde-esconde da

169 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 7.

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divindade”, desdobrou-se na formação de um esconderijo religioso que caracterizou um lugar

para o exercício da religião proibida.

Destarte, não somente há um jogo de “esconde-esconde da divindade”, mas

também um jogo de “esconde-esconde” do pentecostalismo no interior de uma instituição

vinculada a uma denominação histórica. Percebe-se, contudo, que há um vínculo marcante na

formação das redes, pois poder e experiência religiosa, nesse jogo de “esconde-esconde”,

tanto da divindade, que se dá a (des)conhecer na auto-revelação multiforme, quanto dos

sujeitos de percepções multiformes, os quais se constituem de forma mútua num jogo extático

de “revela-revela” altamente imprevisível e autenticador.

Com isso, o que marcou a referida experiência religiosa foi o êxtase

vivenciado pelos sujeitos que compunham a inauguração de uma rede de poder, pois, segundo

Rego: “O Espírito caiu sobre a casa, possuindo a muitos”. Houve, a partir do alegado, nas

categorias de Mendonça, uma possessão da divindade com relação aos sujeitos.

Veja o que diz Mendonça:

“Regra geral, o êxtase está ligado à possessão. O indivíduo é possuído pela divindade. Neste estado ele perde sua personalidade e passa a falar e agir como mero instrumento do sobrenatural, seja pelo efeito de técnicas ou de alucinógenos. No primeiro caso, estão o espiritismo e os cultos afro-brasileiros e, no segundo, o já citado Santo Daime. Aproximam-se muito do primeiro caso, também, os cultos pentecostais e os que, não tipicamente pentecostais, buscam formas de emotividade intensa”. 170

A partir das concepções de Mendonça, pode-se dizer que a mencionada

possessão do pneuma171, no âmago do sujeito religioso, resultou numa perda de

personalidade, o que proporcionou, em observância ao conceito da instrumentalidade do

sujeito que faz perpassar o poder, uma legitimação dos atos que se configuraram no exercício

do poder através da “indução ao prazer” de uma experiência extática que também se compõe

num discurso.

Tal atuação do poder, no imbricamento com a experiência religiosa, se fará

notável porque permeia as redes, que só possibilitam a dinâmica do poder porque não são

170 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos, p. 151. 171 Palavra grega para se referir ao Espírito.

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pautadas na repressão, mas na produção de coisas, na indução ao prazer, na formação do saber

e na produção do discurso172, com efeitos de verdade.

Rego também diz em sua carta, que depois da mencionada “visitação do

Espírito”, ele se levantou e foi fechar os basculantes da sala, no intento de tomar uma medida

que evitasse o excesso de barulho nas casas da vizinhança. Entretanto, no decorrer dessa ação,

sentiu-se repreendido pelo Espírito, voltando ao seu lugar no grupo de oração.

Ora, a reunião de oração teria ocorrido na biblioteca do Seminário para que o

elevado som não fosse ouvido pela vizinhança? É importante saber que, conforme uma

declaração do Seminário que será abordada posteriormente, o reitor A. Ben Oliver também

morava nos arredores do prédio e talvez não quisesse ser incomodado por um forte rumor,

sendo alguém de expressividade notória numa denominação histórica que não estava

acostumada a essa maneira de orar. Teria Rego se lembrado de que poderia, com tanto

barulho, causar algum incomodo para A. Ben Oliver?

Essa primeira fase da experiência na biblioteca ocorreu até “cerca de

1h30min” e foi, para Rego, “como se apenas cinco minutos se tivessem passado”. Após a

primeira fase das experiências religiosas vividas na biblioteca do seminário, o grupo de

seminaristas iniciou um período de cânticos e, logo depois de tal período, os seminaristas

puderam se expressar com diversas confissões de fé, de pecados e de experiências

comoventes.

Quando tais testemunhos chegaram ao final, novamente o grupo se pôs a orar

e, segundo Rego, “recomeçou a visitação do Espírito”, entretanto, dessa vez algumas pessoas

pediram “ao Senhor que parasse a visitação – o Batismo do Espírito”, no entanto, alguns

seminaristas não continham suas emoções e “andavam rindo por todo o canto da sala”. A

reunião também foi marcada por uma “visão”, na qual um dos seminaristas viu a Jesus,

enquanto estava de olhos fechados e, tendo se agarrado em Rego, não queria, de forma

alguma, abrir os seus olhos.

Segundo Rego, essa que se chama segunda fase da experiência vivenciada na

biblioteca do Seminário do Sul teve seu final “cerca de quatro horas da manhã”, quando

encerraram um período de orações, no qual teria havido uma segunda “visitação do Espírito”,

com batismos no Espírito Santo.

Para Mendonça, nas práticas religiosas que valorizam o êxtase, existe uma

passagem do estado de consciência para o estado extático, que pode ser conseguida através de

172 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 8.

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técnicas. Nesse caso, com o emprego de técnicas, o êxtase é um estado geral desejável como

configuração de um culto ou da prática religiosa a que se propõe. Por isso, a partir da

experiência de êxtase, existe um estado de satisfação bastante notório por parte dos

praticantes das técnicas, conquanto tal êxtase é o ápice da vivência para quem pratica religião

dessa forma173. O transe, enquanto experiência religiosa fundamental para o episódio na

biblioteca é necessário para a caracterização coletiva de uma configuração pentecostal, porque

“o transe está no coração da experiência emocional pentecostal” 174.

Conforme Mendonça, no que tange ao emprego de técnicas de transe

pentecostal coletivo, verifica-se uma caracterização acentuada desse tipo de expressão

religiosa:

“Técnicas como movimento do corpo, gestos repetidos, cânticos ritmados e orações de intensidade crescente podem levar ao êxtase coletivo, em que o grau de alteração de consciência, embora variável de indivíduo para indivíduo, configura o culto extático. Assim, a maioria dos cultos pentecostais, em maior ou menor grau, aproxima-se bastante do culto extático”. 175

As técnicas parecem ter sido utilizadas de acordo com a maneira com a qual

se cria na vivência espiritual e, portanto, o êxtase, enquanto alteração do estado de

consciência levou um dos seminaristas a dizer para Rego que estava vendo Jesus e que não

queria abrir os olhos, deixando de viver a mencionada experiência religiosa e o suposto

prazer de uma alteração de consciência induzida por todas as técnicas presentes naquela

reunião de oração.

O estado emotivo dos seminaristas, em que alguns riam bastante e por todo o

lado, parece demonstrar que a aplicação das técnicas referidas por Mendonça foi eficaz e

proporcionou um êxtase coletivo, com grau elevado de alteração da consciência. Nem todos

os seminaristas vivenciaram da mesma maneira a experiência religiosa da biblioteca, pois

alguns somente se comoveram, ao passo que outro teve até mesmo uma visão. Mas isso se

refere ao aspecto, já mencionado, de que a realidade dos objetos de fé, que parecem girar em

torno das experiências, apresenta realidades vislumbradas a partir de diferentes percepções.

Assim, a primeira e a segunda fase da experiência religiosa que irrompeu a

madrugada do dia 17 para o dia 18 de outubro de 1958, parecem ter se constituído como

experiências legitimadoras da rede de poder que se formou naquele ensejo, porque a

173 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos, p. 150. 174 BASTIAN, Jean-Pierre. Os pentecostalismos: afirmação de uma singularidade religiosa latino-americana, p. 29. 175 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos, p. 150.

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pergunta: “O Pentecostes se Repete?”, foi pertinente para impulsionar uma resposta

experiencial formativa que, com a alteração dos estados de consciência dos seminaristas, um

verdadeiro êxtase marcou a trama histórica na vivência religiosa do batismo no Espírito

Santo, através do que Rego chama de “visitação do Espírito”.

Com Mendonça, pode-se mencionar que o êxtase é ideal para romper as

barreiras que impedem ou dificultam o relacionamento com o sagrado e, num aspecto

relacional altamente belicoso, as experiências extáticas causam rupturas maiores ou menores

dos laços que ligam indivíduos à realidade, quer na compreensão do mundo ou no

entendimento do meio onde pratica religião. No bojo da experiência extática de ruptura,

acham-se os tremores, a voz embargada ou inarticulada, o choro e até os estados de total

inconsciência, o que é legitimado pela possessão da divindade, como já foi referido176.

Ademais, segundo Mendonça, a busca por uma religiosidade mais intensa é

baseada nas rupturas e no anseio pelos contatos mais íntimos com Deus. Segundo o autor, tais

práticas de sujeitos religiosos são movimentos que ocorrem à margem da igreja oficial, sendo

a principal característica desses movimentos a aversão às normas e doutrinas da igreja, pois

entendem que o Espírito revela todas as coisas necessárias para a vivência da religião177.

Portanto, a partir das concepções de Mendonça, tem-se, na biblioteca do

Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, uma vivência religiosa baseada na experiência

pentecostal que legitimou a inauguração de uma rede de poder que, mesmo no início, contou

com algumas inscrições através de experiências extáticas, o que caracterizou a maneira com a

qual a religião se constituiu nas práticas do Movimento de Renovação Espiritual, sendo tal

movimento decorrente de batismos no Espírito Santo.

Dessa forma, a partir dessas experiências formativas, o próprio Rego admite

que, naquele ensejo, havia começado um movimento no interior da Convenção Batista

Brasileira, porquanto diz: “Podemos proclamar: começou o avivamento em nossa Pátria”.

Contudo, para que esse avivamento pudesse se operacionalizar, também se iniciou, como se

mencionou, um processo de formação das redes de poder, por ocasião da Semana de

Renovação Espiritual.

Não se pode esquecer, entretanto, que algumas experiências extáticas

causam ruptura e que, alem disso, o reitor Oliver morava nos arredores das dependências do

seminário. Dessa forma, o barulho que adveio da biblioteca, na vivência religiosa de um lugar

específico, fez-se ouvir e alastrou-se pelos campos de batalha, nos quais o poder oficial de

176 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos, p. 151. 177 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos, p. 151 e 152.

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uma Convenção Batista Brasileira está presente e, dessa forma, a belicosidade, nessa

experiência fundante, encontra-se nas formações das inúmeras redes que se prepararão para

os golpes mais sangrentos do primeiro cisma denominacional na referida Convenção.

Faz-se, pois, necessária uma reflexão acerca da biblioteca do Seminário

Teológico Batista do Sul do Brasil como um espaço utilizado por Rego para que se

procedesse a uma experiência religiosa extática. Portanto, suscita-se uma pergunta crucial:

Por que Rego e os seminaristas elegeram a biblioteca como espaço propício para a vivência

das experiências extáticas?

A biblioteca, enquanto lugar, tinha uma ordem própria, a qual era regida pela

intelectualidade acadêmica que procura se pautar nos estudos e na dedicação teórica através

das leituras. Para Certeau, no lugar “impera o lugar do“próprio”: os elementos considerados

se acham uns ao lado dos outros”. Por isso, cada livro, um ao lado do outro, também define

uma “configuração instantânea de posições”, o que denota “estabilidade”178. Dessa forma,

insinuar-se com uma experiência pentecostal pautada nas composições do caráter extático em

meio a um lugar de intelectualidade acadêmica e de formação teológica é causar desequilíbrio

na religião oficial que preza pelo conhecimento e pela formação seminarística de seus

pastores e missionários.

Dessa forma, pratica-se religião na biblioteca onde a organização causada

pelo desejo de conhecimento teológico é notória. Sendo o espaço “um lugar praticado”,

também pode marcar uma ordem desequilibrada por um lugar praticado na contrariedade da

formação proposta pelos organizadores, pois, quando os sujeitos se expressaram e alteraram a

ordem primeira, também se enunciaram por entre a mobilidade de suas experiências no

referido espaço.

Rego havia visitado o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil para dar

palestras sobre questões referentes à doutrina do Espírito Santo, porém houve uma passagem

das palestras à prática daquilo que fora proposto pelo palestrante, porquanto a academia

tornou-se o lugar praticado de uma experiência religiosa extática de adesão ao Movimento de

Renovação Espiritual.

178 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 201.

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2.3. Um barulho que veio da biblioteca: Poder e repressão da religião oficial

Para Foucault, na formação das redes, há determinada funcionalidade do

poder, a partir da constituição de um discurso que tem em si o mencionado “efeito de

verdade”. Para o autor, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e

constituem a trama histórica. Por tal aspecto, tais relações não podem se dissociar, se

estabelecer e nem funcionar sem uma produção, uma acumulação e uma circulação no

funcionamento de um discurso179.

Na verdade, para Foucault, o poder é capaz de submeter o homem à

produção da verdade, sendo o exercício do poder através da própria produção da verdade.

Entretanto, o poder é exercido em redes e, de acordo com o modelo bélico da abordagem

acerca da história que nos domina e nos determina, o poder se fará perpassar em redes que

criam discursos culminantes em embates sangrentos nas batalhas que tal poder atravessa.

“O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. (...) Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito de poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu.”. 180

A partir das categorias de Foucault, o poder posiciona indivíduos

estrategicamente em uma rede ou em diferentes redes, pois os indivíduos pertencentes a essas

redes serão sujeitos portadores de uma mobilidade e, de igual forma, instrumentos por onde o

poder se fará perpassar, porque sendo o indivíduo um efeito de poder, também se coloca

como um transmissor eficaz do poder que o constituiu.

Porém, também se verifica que a conseqüência do poder que se exerce nas

redes, é o estabelecimento de uma “via de mão dupla”, porquanto os indivíduos estão sempre

179 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 179. 180 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 183 e 184.

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postos em posições de exercer um poder que ocasionará, para o sujeito através do qual o

poder se exerceu, uma conseqüência de sofrer a rápida ação do poder.

Constata-se, a partir dessas concepções, que o poder estabelece, em outras

palavras, determinados “custos de suas ações”, a saber, há diversas formas de conseqüências

e implicações do exercício do poder181 e, na maioria dos casos, quando há uma formação de

redes de poder, também os indivíduos se comprometem constituindo-se e doando-se como

verdadeiros instrumentos por onde a mobilidade da dinâmica do poder perpassa.

Portanto, nenhuma rede se formará isoladamente, pois o poder atravessa por

entre as malhas das redes de uma forma produtiva e nunca é detido por nenhum indivíduo,

porque, como se disse, os corpos são instrumentos por onde o poder perpassa, ou seja, são

pontos de interligação, porquanto ninguém poderá “segurar” o poder, embora possa se iludir

no momento em que é utilizado por sua dinâmica, na transmissão desse poder disseminado.

Destarte, enquanto seres humanos vivos, os sujeitos religiosos que

vivenciaram a formação de uma rede de poder na biblioteca são altamente produtivos por

conta da produtividade das redes nas dinâmicas das experiências legitimadoras. Tais sujeitos

também serão identificados por suas expressões, as quais, enquanto participantes de uma

rede, são mencionadas por Foucault como sendo através do “corpo”, dos “gestos”, dos

“discursos” e dos “desejos”, pois esses são elementos constatáveis da constituição de

indivíduos nos primeiros efeitos do poder. No caso em tela, os sujeitos religiosos, na

experiência extática da biblioteca, através da aplicação de técnicas, utilizaram de forma

constitutiva as mencionadas expressões, configurando a experiência religiosa naquele

momento e lugar.

Não se pretende fazer uma abordagem meramente descritiva no que tange

aos processos de objetividade histórica, pois se quer abordar, de igual forma, a partir da

experiência religiosa ocorrida na biblioteca do Seminário, a constituição e a tensão das

demais redes formadas pela religião oficial que pode ouvir nitidamente os barulhos da

experiência extática que configurou a reunião de oração não autorizada e proporcionou a

resposta para a pergunta: “O Pentecostes se repete?”

181 Cf. FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 183.

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Veja o que diz Wirth:

“Assim, a escrita da história de um determinado grupo não se esgota na descrição de processos supostamente objetivos, mas problematiza este processo, captando suas diferentes perspectivas, suas diferentes redes de significados, explicitando as formas de apropriação pelos diferentes sujeitos em questão e visibilizando as tensões entre os diferentes significados. No que se refere à memória religiosa, implica, por exemplo, distinguir entre o discurso oficial e as diferentes formas de apropriação deste discurso pelos fiéis”. 182

Por isso, problematizar o processo que se verifica na experiência da

biblioteca significa observar e ponderar sobre as tensões no interior da instituição onde a

biblioteca estava localizada e, com isso, constatar a tensão que se estabelece entre a

experiência religiosa que ocorreu às margens e a instituição portadora de um discurso oficial,

inclusive exercendo um papel de formação de teólogos batistas, entre os quais, muitos

ordenados ao ministério pastoral batista. Por isso, é relevante notar as tensões entre as redes

de poder que se entretecem no interior de um grupo denominacional, pois, além dos embates

no âmbito de uma denominação, deve-se perceber que há diferentes formas de apropriação

das referidas experiências pelos diferenciados fiéis.

Visando identificar as tensões entre as redes de poder que estavam se

inaugurando naquele ensejo, percebe-se que Rego tinha uma consciência bem arraigada

acerca do movimento que começou a acontecer, pois na sua carta à Tognini, Rego diz:

“começou o avivamento em nossa Pátria”, e, por conseguinte, ele também disse: “A reação

já se faz sentir”. Ora, quando um movimento encontra diante de suas articulações algumas

reações que se fazem “sentir”, constata-se a formação de outra rede de poder. No caso em

tela, segundo Rego, “um professor do Seminário já teria culpado o reitor por ter aberto as

portas do Seminário a um herético” e, ainda segundo ele, “as discussões já começam a

surgir”, pois “o sentimentalismo, a emoção barata, têm sido chamados para justificar o

ocorrido”. Entretanto, Rego alega que os seminaristas eram mais “racionais do que

simplórios” e, com isso, pretende dizer que todo o processo de experiência religiosa ocorrido

na biblioteca passou pelas vias da consciência, o que concedia responsabilidades também aos

seminaristas que vivenciaram de forma consciente a experiência.

182 WIRTH, Lauri E. Novas metodologias para a História do Cristianismo: em busca da experiência religiosa dos sujeitos religiosos. In. COUTINHO, Sérgio Ricardo (Org). Religiosidades, Misticismo e História no Brasil Central, p. 31.

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Portanto, a experiência fundante ocorrida na biblioteca traz a rápida

consciência de que um avivamento se encaminharia e, da mesma maneira, responsabiliza a

todos os seminaristas por um entendimento mais ou menos certo daquilo que havia ocorrido,

porque eles eram mais “racionais do que simplórios” e, desse modo, poderiam discernir, até

mesmo fazendo uso do embasamento histórico-teológico adquirido nos estudos

seminarísticos, do que havia ocorrido na experiência religiosa ocasionada pela pergunta: “O

Pentecostes se Repete?”.

Em sua carta, após uma tentativa de cativar Enéas Tognini, Rego faz

algumas perguntas que demonstram claramente a belicosidade do momento pelo qual o

Movimento de Renovação Espiritual estava passando. Rego pergunta: “Enéas, estamos

prontos para o martírio nesta hora desafiante?”. Tal pergunta remonta a um campo de

batalhas em que parece haver uma consciência do poder que lhes tornava instrumentos

produtivos naquele momento histórico. A mencionada pergunta parece denotar ainda, que

havia uma consciência, por parte de Rego, de que o Movimento de Renovação Espiritual

seria culminante num determinado processo inquisitório dos seus praticantes, em especial de

Rego.

Assim, para Rego, havia um desafio naquele momento crucial, a saber, o

martírio iminente que, como se mencionou, seria a conseqüência de uma “via de mão dupla”

no exercício do poder nas malhas das redes de poder. A referida pergunta é bastante

intrigante e, a partir do que foi suscitado por Rego, cabem outras indagações: teria Rego

previsto algum cisma na Convenção Batista Brasileira? Teria Rego previsto que seria

desligado da denominação? Tendo em vista que o martírio supostamente enaltece a figura do

mártir, teria Rego desejado passar pela experiência de martírio?

Com base nessas reflexões, constata-se que a experiência religiosa extática,

a partir da possessão da divindade e das muitas manifestações com gestos “extraordinários”,

quando combinada e misturada com o poder exercido em redes, parece conceder um estado

de consciência sobre as ações cometidas por quem estava experimentando uma determinada

situação de amostragem parcial da divindade. Portanto, parece haver uma legitimação dessa

consciência pelas experiências religiosas que foram vivenciadas, porém, tal consciência

também faz saber que esse início oficial que se deu às margens da religião oficial, através do

barulho ecoado, fez-se notar fazendo o movimento conhecido pela instituição.

A reunião pentecostal ocorrida num lugar religioso da biblioteca do

Seminário do Sul foi bastante notória na denominação, pois a Administração e o Corpo

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Docente do seminário lançaram mão de O Jornal Batista183, veículo oficial da Convenção

Batista Brasileira, para publicar uma declaração184.

Na referida declaração, a Administração e o Corpo Docente manifestam o

desejo de esclarecer os pastores e as igrejas sobre a posição do Seminário com relação aos

acontecimentos que foram verificados. Admite-se, no mencionado documento, que o grêmio

formado pelos alunos do seminário convidou “certo pastor” para dirigir reuniões de oração e

fazer preleções aos alunos; entretanto, admitem-se também que não é concebível que uma das

reuniões, “que durou a noite inteira”, tenha ocorrido sem “consentimento e autorização da

Administração do Seminário”.

Na declaração da Administração e do Corpo Docente também consta que os

professores estavam “sendo argüidos por terceiros” acerca do episódio ocorrido na aludida

madrugada. Portanto, a declaração enfatiza que a reunião se deu com “extremado

emocionalismo e excessos perturbadores”. Vê-se, doravante, que a experiência pentecostal

vivenciada na biblioteca não foi tida por legítima pela religião oficial, a qual ouviu o ecoar

constante de barulhos que perduraram por quase toda a madrugada.

Nesse sentido, o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil estava sendo

citado em outras reuniões pentecostais como um lugar onde tais experiências se procederam

e, dessa maneira, segundo a mencionada declaração, precisava-se dizer que a Administração

e o Corpo Docente desaprovavam os aspectos da reunião ocorrida na biblioteca e que os fiéis

deveriam “distinguir entre a verdadeira espiritualidade e os excessos de emocionalismo”,

que seriam, segundo a declaração, “desvirtuamentos perigosos contra os quais” devia-se

“acautelar”. Portanto, a partir dessa declaração, verifica-se que há determinado propagador

das idéias do Movimento de Renovação Espiritual que, além de proceder com práticas as

quais não eram aprovadas pela religião oficial, também parece se valer da imagem do

seminário para a propagação do avivamento.

Tendo a Administração e o Corpo Docente do Seminário Teológico Batista

do Sul do Brasil desaprovado as experiências religiosas vivenciadas na biblioteca, também

identificaram-nas como “excessos perturbadores” e como “excessos de emocionalismo”, o

que parecia denotar um desvirtuamento das práticas batistas. O protesto veemente contra

Rego e contra a reunião que aconteceu na biblioteca demonstrou que a experiência religiosa

183 Cf. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, nov. 1958, p. 7. 184 No Anexo 2 a declaração é reproduzida na íntegra.

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ocorrida havia se tornado pública e que também havia chegado até os pastores e as igrejas da

denominação.

O propagandista Rego do Nascimento não somente conseguiu atingir Enéas

Tognini, mas também parece ter atingido as estruturas denominacionais, bem como pastores e

igrejas, a partir da experiência fundante da biblioteca. Ele mesmo declara isso na sua carta à

Tognini: “Enéas, Deus continua quebrantando pastores. Três estão nas mãos do Espírito. Em

Maceió. Em São Paulo também”. Outrossim, Rego sabia que Tognini teria um grande

potencial para ajudá- lo, pois declara na carta: “Meu amado irmão, espero tanto na sua

influência nesta hora”.

Além do mais, como já se mencionou, parece que Rego estava usando o

êxtase religioso ocorrido na biblioteca como experiência propagadora do Movimento de

Renovação Espiritual, pois, em sua carta à Tognini, Rego diz: “o irmão pode usar esta carta

como desejar”, prevendo que ela pudesse ser publicada ou até mesmo propagada. Com isso,

através de suas inúmeras pregações pelas igrejas batistas da Convenção Batista Brasileira,

Rego utiliza-se do poder perpassado para promover a constituição de outros sujeitos

religiosos na rede de poder da Renovação Espiritual.

A belicosidade das redes de poder opositoras do Movimento de Renovação

Espiritual continuou se entretecendo e abrangendo os sujeitos religiosos, pois assim que Rego

iniciou sua propaganda, também o Seminário do Sul, através da Administração e do Corpo

Docente, deu início à reação. Entretanto, a rede de poder denominacional continuou

abrangendo com eficácia, pois a Junta Administrativa do Seminário Teológico Batista do Sul

do Brasil decidiu, de igual forma, fazer uma declaração oficial185.

Depois da reunião plenária ocorrida no dia 19 de dezembro do ano de 1958,

estando 12 dos 15 membros da Junta Administrativa, três medidas foram tomadas, a saber:

Em primeiro lugar, como consta na declaração da Junta Administrativa, o

plenário aprovou a anterior declaração da Administração e do Corpo Docente do Seminário

do Sul, pois, segundo o documento da Junta Administrativa, os fatos ocorridos na biblioteca e

em igrejas vizinhas, durante a estada de Rego no Rio de Janeiro, foram “desagradáveis”.

Em segundo lugar, a declaração da Junta Administrativa dirigiu um “apelo

urgente às Igrejas Batistas do Brasil no sentido de se acautelarem” e de estarem “em alerta

contra qualquer desvirtuamento da gloriosa doutrina do Espírito Santo”. Tal desvirtuamento

poderia ocasionar “excessos de emocionalismo” e ainda algumas “conseqüências

185 No Anexo 3 a declaração é reproduzida na íntegra.

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imprevisíveis”, as quais gerariam “dúvidas e confusão no seio das igrejas batistas”. A

declaração da Junta Administrativa também alertou que as dúvidas e confusões poderiam até

“provocar cisão” na denominação e, tendo tais coisas suscitado certo temor com relação ao

perigo da cisão, consta na declaração uma oração acerca do referido perigo : “rogamos ao

Senhor que nos livre e guarde”.

Em terceiro lugar, a Junta Administrativa “lamenta a atitude tomada pelo

Pastor José Rego do Nascimento”, pois tendo “levado a efeito tais reuniões; principalmente,

a que se realizou na Biblioteca do Seminário, sem prévio acordo com o irmão Reitor, que foi

surpreendido em altas horas da noite pelos estranhos acontecimentos que se passavam

naquele recinto”. A Junta Administrativa ainda insere mais uma oração na sua declaração:

“A Junta do Seminário roga ao Senhor que oriente os irmãos envolvidos nesses

acontecimentos, a fim de que reflitam a tempo e evitem desvirtuamentos e exageros”, pois,

segundo a Junta, os “desvirtuamentos de uma boa doutrina são sempre perigosos e

funestos”.

Estavam presentes à reunião plenária os seguintes membros da Junta

Administrativa: Almir S. Gonçalves, Moysés Silveira, John L. Riffey, Samuel de Souza,

Mathan Lopes da Silva, Ernani de Souza Freitas, Joaquim José da Silva, M. Tertuliano

Cerqueira, Jayme Lunsford, João Emílio Henck, Pedro Gomes de Melo e J. J. Cowsert. Enéas

Tognini também era membro da Junta Administrativa, porém alega que, por motivo justo,

não compareceu; entretanto, ele diz que votaria contra a referida declaração da Junta

Administrativa186. Esses nomes compuseram uma rede de poder bastante atuante, através do

discurso contido na declaração que fizeram, bem como nos embates decorrentes da

mencionada declaração.

Assim, segundo Xavier, a reunião do seminário ficou bastante famosa e

Rego passou a ser criticado veementemente por ter se tornado um pentecostal, numa

conotação bastante pejorativa. Segundo o mencionado autor, a reação da Administração e do

Corpo Docente, bem como a reação da Junta Administrativa, não foi nada cordial, pois, como

se verificou, um dos professores culpou o reitor por ter permitido que um “herege” falasse na

Semana de Renovação Espiritual. Xavier atribui tal rejeição ao tradicionalismo que os

batistas cultivavam, pois, segundo o autor, algumas pessoas “não tinham o coração aberto

para o que o Espírito iria fazer daí em diante” 187.

186 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 60. 187 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 59.

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Existe, com tantos discursos, uma verdadeira guerra instaurada a partir das

conseqüênc ias da experiência religiosa na biblioteca, pois se nota que cada rede de poder que

se formava também constituía seu discurso próprio, que, com determinadas declarações,

pareciam ser bastante conscientes de algumas implicações de suas ações. Os poderes

exercidos em rede, através da instrumentalidade dos sujeitos religiosos, além de constituir,

também compuseram determinados efeitos de verdade no interior de discursos bastante

definidos e belicosos, em meio ao início de uma guerra institucional.

Os discursos estão diretamente vinculados ao poder que se exerce em redes,

pois os referidos discursos é o que define o objeto do desejo manifesto na tradução das lutas,

das guerras e das batalhas em termos de dominação. Acerca disso, Michel Foucault afirma:

“Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou o sistema de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. 188

Quer-se, portanto, através do que diz Foucault, evidenciar uma rede de poder

que, a partir do momento no qual constata uma ação na biblio teca também se forma na

constituição de sujeitos. Há, a partir da formação dessas redes, quer com a declaração da

Administração e do Corpo Docente, quer com a declaração da Junta Administrativa, uma luta

pelo poder de exercer os “efeitos de verdade” contidos na ação de um discurso. Verifica-se,

portanto, uma notória diferenciação na belicosidade das redes de poder; entretanto, toda a

formação dos discursos confrontativos culminaram em embates contundentes entre as redes

que se formaram num emaranhado denominacional.

Assim, todos quiseram se fazer ouvidos, tanto Rego, que escreve uma carta

à Tognini e prega em diversas igrejas, como as redes opositoras, que se farão ouvir através do

“discurso oficial” impresso nas páginas de O Jornal Batista. Investe-se belicosamente em

propaganda, tanto por parte do Movimento de Renovação Espiritual, quanto por parte dos

opositores oficiais da Convenção Batista Brasileira.

Desse modo, o confronto se ampliou na medida em que passou o tempo e na

medida em que O Jornal Batista publicou artigos contendo discursos das redes de poder

188 FOUCAULT, A ordem do discurso , p. 10.

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oficial, a qual se formou no âmbito da Convenção Batista Brasileira. Quando mais se mexia

na questão, mais a propaganda do Movimento de Renovação Espiritua l cresceu, assim como

também o movimento de resistência.

Portanto, a vivência da experiência religiosa na biblioteca do Seminário

Teológico Batista do Sul do Brasil constituiu-se num entrecruzar da experiência do

“Erlebnis” com a experiência do “Erfahrung”. Esses vocábulos alemães auxiliam bastante

na compreensão de tais experiências, pois “Erlebnis” demonstra algo que vem do fundo, que

seria vivenciado desde “dentro” do sujeito que pratica religião, sendo que os alemães dizem

“Erlebnis” para mostrar que na vivência religiosa há determinada emocionalidade. A palavra

“Erfahrung” designa uma experiência religiosa menos subjetiva, pois “fahren”, ao contrário

de “leben”, significa “viajar”, tendo uma conotação de externalidade. Entretanto,

“Erfahrung”, embora se refira a um conhecimento externo, não tem a riqueza subjetiva de

“Erleben”, que é proveniente de uma experiência de vida189.

Assim, a partir de uma experiência extática que trouxe determinado

conhecimento avivalista para os sujeitos que praticaram religião na biblioteca, também o

entrecruzamento de “Erlebnis” e “Erfahrung” trouxe um estado de consciência posterior

acerca de todo o risco que se estava correndo por conta da barulhenta reunião, na qual os

sujeitos religiosos vivenciaram a experiência do “Erlebnis”. Da mesma forma, através da

experiência do “Erfahrung”, os sujeitos religiosos gozaram de um conhecimento do seu

campo de batalha, pois “viajaram” por entre o risco e o perigo do campo de batalhas.

Desse modo, Otto Maduro considera que a experiência religiosa está

intimamente vinculada ao conhecimento, no seu esforço para entender, classificar e explicar

a realidade que está no entorno do sagrado190. Em verdade, tal conhecimento da experiência,

no entrecruzamento de “Erlebnis” e “Erfahrung”, faz com que o conhecimento, tanto do

prazer quanto do risco, bem como do campo de batalha, gere uma experiência mais intensa e

legitimadora, fazendo com que as redes de poder, na militância cotidiana, ganhem mais e

mais poder, tanto no seu entretecimento, como no seu perpassar e na sua dinâmica

abrangência.

Sabe-se que, com a produtividade e a criatividade das redes, o poder é eficaz

quando não se propõe a ser repressivo, porquanto, enquanto força positiva, não há nenhuma

189 VALLE, Edênio. Psicologia e Experiência Religiosa , p. 26 e 27. 190 MADURO, Otto. Mapas para a festa. Reflexões latino-americanas sobre a crise e o conhecimento, p. 19 e 54.

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fragilidade no seu exercício, pois, por onde perpassa, carrega uma determinada “força”

bastante interessante e, como foi dito, altamente positiva. Para Foucault, a força da eficácia

do poder está no fato de que ele não está baseado, a princípio, na exclusão, no impedimento,

no recalcamento e, por derradeiro, ele não é negativo. Entretanto, constata-se que houve um

intento da religião oficial, através de inúmeras tentativas repressoras, de desmerecer o

Movimento de Renovação Espiritual e, nesse caso, verifica-se que o poder não se exerceu de

forma eficaz, pois, caso tivesse obtido êxito, seria um grande “superego”, nas categorias de

Foucault.

A fragilidade da religião oficial, no caso em tela, evidenciou-se porque, a

partir de tentativas repressoras das pessoas vinculadas ao Seminário, a propaganda do

Movimento de Renovação Espiritual, através de Rego e de outros, passou a ser notória.

Dessa forma, de “certo pastor”, como consta na declaração da Administração e Corpo

Docente, Rego passou a ser identificado como “pastor José Rego do Nascimento”,

constituído numa trama como tantos e também como propagandista do Movimento. Além

disso, a Semana de Renovação Espiritual, de uma simples semana de atividades promovidas

pelo grêmio, passou a ser mencionada no âmbito de toda a Convenção Batista Brasileira.

Tudo isso, porque o que torna o poder aceitável e o que sustenta o poder é o fato de que ele

não se constitui como uma força que diz “não”, mas, sendo produtivo, ele “permeia, produz

coisas, induz ao prazer, forma saber e produz um discurso” 191.

Portanto, por entre as inúmeras propagandas, programadas ou não, o campo

de batalhas começou a ficar mais definido, sendo que as informações se alastraram e se

disseminaram no seio da Convenção Batista Brasileira. Com isso, as redes de poder

possibilitaram uma conexão de informações, de origens e naturezas experienciais

diversificadas. Tais redes, interagindo entre si, não encontraram um término identificável,

mas um avanço imprescindível. Para Foucault, a análise a partir das redes de poder percorre

um campo do saber que é infinito por si só, pois também as redes não podem ser reprimidas,

pois fazem perpassar um poder quase imensurável e inexorável.

191 FOUCAULT, Michel. Soberania e Disciplina . In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder. São Paulo: Editora Graal, 1994, p. 183

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2.4. Na abrangência das redes de poder: um manifesto da minoria excluída da Igreja

Batista da Lagoinha

Segundo Machado, quando Foucault analisa o poder, ele o faz tendo em

vista investigações bem delimitadas e circunscritas, bem como objetos bem demarcados. Por

isso, para Machado, sempre que se constata uma abordagem de Foucault com o respaldo nas

teorias de poder, também se nota uma particularização das análises. Conforme o mencionado

autor, Foucault teria explicitado a questão do poder para dar prosseguimento à pesquisa sobre

a história da penalidade192.

Na presente abordagem, concorda-se com Machado; entretanto, admite-se

que, além de haver uma particularização nas abordagens referentes ao poder, Foucault

também aludiu ao poder, para além da verificação restrita à história da penalidade, pois

Foucault fez uso das teorias de poder na observância de outras instituições, como os

hospitais, o exército, as escolas, as fábricas, entre outras. Na presente abordagem, reconhece-

se que a particularização referente ao caso em tela, nesse ensejo, é o episódio da experiência

pentecostal ocorrida no interior da biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do

Brasil, contudo, também se admite que haja desdobramentos e deslocamentos das redes de

poder, o que se faz notar pela imensidão produtiva das malhas do poder e, com isso, constata-

se inúmeras reações denominacionais no âmbito da Convenção Batista Brasileira.

O poder não pode se estagnar, pois se isso ocorresse, não haveriam

sucessivas constituições de sujeitos nas redes e, por conseguinte, o exercício do poder,

através da instrumentalidade dos sujeitos, não teria chances de ocorrer com maior eficácia e

criatividade. Assim, o poder causa tensão entre as redes e, no embate decorrente das tensões,

causa confrontos mortais através da oposição entre as aludidas redes de poder. Com

Machado, pode-se dizer que as abordagens que tangem ao poder precisam ser menos

englobantes, no entanto, a abrangência das redes de poder faz-se notória através da

verificação da dinâmica que promove um perpassar do poder através dos indivíduos.

Segundo Foucault, consoante à dinâmica no exercício do poder, suscita-se

que “ninguém” havia se preocupado com a forma detalhada e concreta com a qual se procede

ao exercício do poder por entre a conjuntura social. De acordo com o teórico, “ninguém” se

preocupou com o exercício do poder na especificidade de suas técnicas e de suas táticas.

Antes das abordagens de Foucault, contentava-se em analisar o poder denunciando-o no

192 FOUCAULT, Michel. Introdução. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. XVI.

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“outro” que se achava em questão, sempre no adversário. Desse modo, a abordagem que diz

respeito às malhas mais finas do poder, só pôde ser pensada a partir de 1968, a partir de um

embasamento nas lutas cotidianas no âmbito das redes que se formavam nas tramas

históricas193.

Portanto, a abordagem do poder que irrompe a realidade cotidiana é de

suma importância para Foucault, pois ela pode se proceder de uma forma notável, sendo

visibilizada no que diz respeito à sua funcionalidade nos verdadeiros embates e nas

verdadeiras tensões, porque o que deve ser primado é a verificação das engrenagens do poder

e do funcionamento do poder.

Com tal argumentação, quer-se demonstrar que o poder, embora não possa

ser observado de uma maneira globalizante, poderá ser constatado, no seu funcionamento

cotidiano, nas engrenagens microfísicas da religião e das redes que se formaram de forma

bastante abrangente no âmbito da Convenção Batista Brasileira. Embora o poder exercido nas

redes tenha abarcado as igrejas locais, sendo abrangente, também é particularizado e

demarcado. Com isso, vê-se que o dinamismo proporciona uma boa funcionalidade para o

poder, pois é capaz de abarcar pessoas que, dia após dia se constituem de forma a se tornarem

sujeitos transmissores do poder a partir das suas experiências religiosas.

Com a abrangência das redes e o deslocamento constante do poder, constata-

se que a religião é formada por inúmeros paradoxos de opostos, o que configura contextos e

situações. E, portanto, nota-se a dinâmica da abrangência das redes e o redimensionamento

constante do poder através do sujeito religioso que vive os paradoxos. Para Pereira, a fé é

geradora de conflitos, pois, contraditoriamente, ela também é resultante de situações

conflitais194.

Portanto, a partir da belicosidade do modelo de abordagem a que se propõe,

o episódio da experiência na biblioteca, bem como os seus desdobramentos, é algo que se

deve perceber como uma experiência pentecostal geradora de conflitos, não pela sua

natureza, mas pela formação diversificada de redes de poder, cuja fé é estabelecida de forma

grupal e parcialmente definida. A autenticação da experiência religiosa deve ocorrer quando

determinada rede a inclui como legítima a partir da maneira com a qual a referida rede se

acostumou em termos de prática religiosa.

193 FOUCAULT, Michel. Verdade e poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 6. 194 PEREIRA, Josias. A fé como fenômeno psicológico, p. 71.

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Pereira suscita um conflito gerado pelos desdobramentos do ato de crer, a

saber, o sujeito que atende ao seu imperativo interior, vez por outra, se verá desacreditado

pelo grupo ao qual oficialmente pertence, entretanto, caso o sujeito religioso ceda às pressões

do grupo, tais circunstâncias o farão entrar em conflito consigo mesmo e com as noções

adquiridas a partir da particularidade de uma experiência com o sagrado195.

“Mas como no contexto sociocultural a conduta das pessoas é regida por modelos e padrões, a tendência é apresentar-se um padrão de resposta fiducial. O meio exige que, para ser creditada como fé, a manifestação precisa ser testemunhada conforme o modelo definido pelo grupo social no qual o sujeito está inserido. Tal inserção não depende da autodecisão daquele que crê, mas sim da aprovação circunscrita pelo contingente social, onde a pessoa está introduzida”. 196

Entrementes, no entanto, a vivência da experiência religiosa, no período do

Movimento de Renovação Espiritual, “destoou” de forma contundente, tanto dos padrões da

denominação batista, como das maneiras litúrgicas das igrejas locais, as quais, a partir da

constituição dos seus sujeitos religiosos em diversificadas redes de poder, tornaram-se um

“campo de batalhas” bem definido e particularizado, embora bastante abrangente nos

desdobramentos do alcance do poder e da experiência religiosa.

Como se pôde constatar documentalmente, houve um embate entre a rede de

poder formada na biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e as redes da

Administração e Corpo Docente, bem como com a rede da Junta Administrativa. Como se

viu, os sujeitos envolvidos com o Movimento de Renovação Espiritual, bem como os seus

opositores, fizeram, querendo ou não, determinadas propagandas do movimento. Portanto,

toda a denominação, a partir dos documentos que fizeram circular, ficou em estado de alerta

sobre o movimento que estava em curso. Por isso, a abrangência do poder foi notória,

porquanto até mesmo a Igreja Batista da Lagoinha, após os muitos protestos

denominacionais, resolveu interagir. Alguns fiéis que se ajuntaram por não concordar com as

idéias de Rego resolveram se manifestar também197.

Alguns sujeitos interagiram de forma bastante decisiva nos embates, pois se

fizeram enunciar com um manifesto. Henrique Blanco de Oliveira, Tasso Brasileiro do Vale e

Rui Brasileiro do Vale se formaram numa rede autodenominada “minoria fiel” da Igreja

195 PEREIRA, Josias. A fé como fenômeno psicológico, p. 72. 196 PEREIRA, Josias. A fé como fenômeno psicológico, p. 72. 197 No Anexo 4 o manifesto é reproduzido na íntegra.

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Batista da Lagoinha, a qual, segundo Tognini, “levantou-se contra o pastor” 198. Isso ocorreu

justamente por não concordarem com as experiências de Rego na biblioteca e com a

propagação do Movimento de Renovação Espiritual.

Um manifesto da chamada “minoria fiel”, utilizando uma linguagem

bastante belicosa, declarou que se “negam a dar validade a quaisquer atos praticados ou que

venham a ser praticados pela dissidência da Igreja Batista da Lagoinha”. Portanto, com tal

afirmação, percebe-se que a chamada “minoria fiel” chama de “dissidência” a maior parte

do grupo, que estava ao lado da rede de poder constituída juntamente com Rego. Assim,

nenhum dos atos que fossem praticados pela chamada “dissidência” seria válido para a rede

opositora, pois, segundo a referida declaração, a Igreja Batista da Lagoinha havia se tornado a

“Igreja Batista Pentecoste” e eles não reconheceriam como legítimo o movimento que estava

ocorrendo no interior daquela igreja local.

Segundo a referida declaração, a chamada “minoria fiel” repudiava as

experiências pentecostais, tais como: “segunda experiência (batismo no Espírito Santo),

línguas estranhas e confusão nas reuniões”. Com isso, a mencionada rede também dizia que

Rego seria uma espécie de “profeta da nova seita”.

Dessa forma, a declaração segue condenando Rego no seu intento

propagandista e, de igual forma, o condena porque a Igreja Batista da Lagoinha começou a

realizar cultos em outros templos de Belo Horizonte. Na referida declaração também se alega

que Rego teria classificado de forma pejorativa algumas igrejas, chamando-as de “igrejas

secas”, bem como atacando os seus pastores “violentamente”. Entretanto, segundo a

chamada “minoria fiel”, mesmo depois das classificações proferidas por Rego, os templos

dessas igrejas estavam sendo utilizados pela Igreja Batista da Lagoinha. Inclusive, a

declaração menciona que Rego teria dito que a “Primeira Igreja Batista da Capital” estava

em suas mãos, o que a chamada “minoria fiel” achava um verdadeiro abuso.

A “desarmonia” no seio da “família batista do Brasil”, segundo o grupo

contestador, estava sendo causada por Rego, pois, para eles, o movimento em curso não tinha

“procedência do Alto”. A autodenominada “minoria fiel” declara que continuarão as lutas

em prol da “preservação da fé” e alertam que os membros da Igreja Batista da Lagoinha

deveriam “pensar duas vezes antes de se precipitarem em lutas fratricidas” que seria de

interesse exclusivo do pastor Rego.

198 PEREIRA, Josias. A fé como fenômeno psicológico, p. 60.

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O grupo diz reafirmar a fé nos “princípios batistas do Novo Testamento e,

sem sensacionalismos, estardalhaços ou exotismos” afirma a continuidade de sua militância

contra os que “consideram doutrina coisa secundária”, responsabilizando também a Rego,

pois diziam que ele era “provocador, incoerente, atrabilário, herético, pentecostal e espírita

capaz de tudo menos de tornar-se na hora a que é chamado a fazer”.

As três pessoas que escreveram a mencionada declaração foram excluídas do

rol de membros da Igreja Batista da Lagoinha, a qual eles chamavam de “Igreja Batista

Pentecoste”. A exclusão se realizou no dia 23 de novembro de 1958, no templo da Igreja

Batista em Santa Efigênia. A chamada “minoria fiel” alega que a Igreja Batista da Lagoinha

não era, de fato, uma igreja batista, porquanto renegaram as doutrinas lidas no dia 20 de

dezembro de 1957, quando no concílio de organização da Igreja.

Pelo fato de terem trocado os cadeados do lugar onde se realizavam os

cultos, a Igreja Batista da Lagoinha, ainda não registrada, temeu que o grupo opositor a

registrasse antes, por isso, Rego tomou a iniciativa de regularizar a situação da igreja. Porém,

a rede contestadora, acerca das igrejas verdadeiramente batistas, alega que “não é batista

aquela que pensa sê-lo só por registrar, a toque de caixa, para fins inconfessáveis, ridículos

e esdrúxulos os Estatutos da Igreja Batista da Lagoinha”.

Reconhecendo-se como a “minoria fiel”, o grupo também, obviamente,

identifica a maioria como sendo infiel às doutrinas batistas e afirma que, não querendo levar

o caso aos “juízes infiéis”, através de uma ação judicial, esperam uma decisão da

denominação e, se a opinião dos pastores responsáveis for favorável à “maioria dissidente”,

comprometem-se a entregar as chaves dos novos cadeados. Tognini chama esse ato de trocar

os cadeados como sendo “a operação cadeado”, reconhecendo que houve uma tática para

inibir os cultos da Igreja Batista da Lagoinha, que estaria sofrendo uma reprimenda por parte

desse grupo. Segundo Tognini, todos os objetos levados da igreja por ocasião da troca de

cadeados acabaram destruídos num incêndio, enquanto estavam sendo utilizados por igrejas

do interior. Para o autor, o fato de os móveis terem sido destruídos nessas circunstâncias

revela a justiça de Deus199, o que, obviamente, colocaria Deus ao lado da autodenominada

“minoria fiel”.

199 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 66.

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Após a tramitação da declaração do grupo autodenominado “minoria fiel”,

também Rego decidiu escrever uma carta a João Filson Soren, seu colega de ministério, a

respeito de tudo quanto estava ocorrendo, segundo sua própria percepção200.

Ora, na referida carta de Rego a Soren, constatam-se declarações

importantíssimas para se entender os embates que se verificou na Igreja Batista da Lagoinha

e, posteriormente, com a “minoria fiel” excluída do rol de membros da igreja.

Na carta, Rego diz que em Belo Horizonte ele sentia que “mãos poderosas”

estavam “empurrando um grupo” contra ele, referindo-se à autodenominada “minoria fiel”.

Esse grupo, segundo suas percepções, intentava liquidá- lo; entretanto, ainda segundo ele, tal

grupo havia sido “exortado em particular”, sendo essa uma das razões pelas quais

guardavam reservas “contra” a pessoa de Rego.

Conforme Rego, inúmeras promessas estavam sendo feitas ao grupo

autodenominado “minoria fiel”, pois alguns missionários americanos, de linha assaz

conservadora, vinham inflamando o grupo. Portanto, Rego sent ia que “mãos poderosas”

estavam se movendo nos bastidores contra ele.

Em sua carta, Rego diz a Soren que “o caso do seminário foi a oportunidade

desejada”, pois “levantaram bandeira da ortodoxia, numa campanha soez e impiedosa,

deturpando fatos ocorridos no seminário” e apontando- lhe “como herético e pentecostal”.

Verifica-se, portanto, que a rede belicosa de poder, composta por alguns participantes da

autodenominada “minoria fiel”, formou-se a partir das experiências religiosas na biblioteca

do Seminário do Sul.

Em face desses acontecimentos, Rego decidiu resolver a questão numa

assembléia regular da Igreja Batista da Lagoinha, submetendo-se a “julgamento” e colocando

o assunto das referidas classificações na “ordem do dia”, alegando que queria ver a atuação

da igreja de um “modo democrático e limpo”. Rego comprometeu-se a deixar o pastorado da

Igreja Batista da Lagoinha caso fosse considerado e classificado como “herético”. Com voto

secreto, cada membro da igreja se pronunciou optando pela classificação de Rego como

“Herético” ou como “Batista”. A Igreja tinha 51 membros, dos quais 41 estavam presentes;

entretanto, apenas 40 membros votaram, pois o pastor se absteve. Logo após a votação,

verificou-se 9 votos contrários ao pastor, classificando-o como “herético”, 2 votos neutros e

29 votos que “prestigiaram” o pastor como sendo “Batista”. Portanto, a partir das decisões

tomadas de forma congregacional, Rego continuou sendo o pastor da igreja.

200 No Anexo 5 a carta é reproduzida na íntegra.

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Conforme diz Rego em sua carta, como já se mencionou, foi após “sua

vitória” na assembléia da igreja que “três homens movimentaram um grupo” e “ousaram o

inacreditável”. A partir da percepção de Rego, a autodenominada “minoria fiel”, por ter se

chateado com a derrota na assembléia, “abusaram da confiança da igreja e fraudaram-na na

sua casa de cultos”, pois, na mesma noite, “depois que todos haviam se retirado”, trocaram

todos os cadeados do lugar e colocaram outros novos, tomando o salão. Na carta de Rego a

Soren consta que “tomaram o santuário com bancada, piano, púlpito, alto falante, tudo

enfim”, deixando a Igreja Batista da Lagoinha sem nada e na rua. Com isso, Rego teria

percebido que “lutava com homens inconseqüentes”, entendendo que seriam capazes de

fraudar a igreja até no nome. No dia seguinte ao da assembléia, em 22 de novembro de 1958,

o deputado Elmir Guimarães Maia, membro da Igreja Batista da Lagoinha, ajudou na

aprovação dos Estatutos da Igreja para registro. Rego alega que o “intuito único era

salvaguardar o nome da Igreja”, pois a “minoria fiel” poderia se reunir “e organizar,

naquele momento, a Igreja Batista da Lagoinha”. Porém, segundo Rego, “no domingo

seguinte, em sessão regular, os três irmãos foram excluídos”; entretanto, “repudiados pela

opinião publica, e sentindo que os seus aliados de ontem, já agora, se mostravam reservados,

os três descambam ainda mais nas suas atitudes temerárias, fazendo imprimir uma

circular”, a qual fizeram “correr livremente”, até mesmo para “fora de Belo Horizonte”.

Para Rego, a referida circular é uma demonstração de “impiedade, ódio e calúnia”. Trata-se

da abordada declaração da autodenominada “minoria fiel”.

Rego estaria pronto a “abdicar” do seu povo e sofrer o “exílio” de sua fé,

caso as doutrinas defendidas por ele não fossem batistas. Com isso, Rego se sente perseguido

e entende que “uma parcela dominante” da denominação estava se esforçando no sentido de

alijá-lo sob a classificação de “herético”. Conforme Rego, as portas dos seminários e

similares estavam fechadas para ele; mesmo assim, se submeteria a julgamento

denominacional.

Na carta de Rego a Soren, o remetente declara que vivenciou as gloriosas

experiências do Senhor, que recebeu o Espírito, que estudava cuidadosamente a Bíblia, a

teologia, os pais da igreja, os teólogos e pastores batistas. Mas, no entanto, alega que se

provassem a ele seu erro doutrinário, renunciaria ao Movimento de Renovação Espiritual.

Rego declara ainda que foi “surpreendido com a manifestação gloriosa do Senhor” e diz que

não poderia haver, nessa altura de sua vida denominacional, um esmagamento inquisitório, o

qual seria falta de “respeito a Deus e consideração ao próximo”.

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Conforme Rego, ele tinha mais de 60 convites para falar no ano seguinte, em

1959, contudo, só poderia aceitar 10. Tendo em vista esse papel exercido por Rego, de

divulgador do Movimento de Renovação Espiritual, ele declara que não quer “dividir” seu

povo e diz ainda que alguns fatos são prenúncios de que “alguma coisa grave” poderia

ocorrer na história denominacional com a divisão que todas as reprimendas poderiam

ocasionar. Com isso, Rego pede oração e ajuda a Soren por causa de “forças poderosas que

levarão a Convenção Mineira, a realizar em julho numa cidade do interior, a nos expulsar

sumariamente da Convenção, reconhecendo o grupo fraudador como genuínos batistas”. A

Igreja Batista da Lagoinha foi excluída da Convenção Batista Mineira somente em julho de

1961, o que se abordará posteriormente.

É impressionante que, no decorrer do processo, Rego parece pressentir

inúmeras vezes os acontecimentos, pois se verifica a palavra “divisão”, tanto quanto um

prenúncio de que “forças poderosas” poderiam excluir a Igreja Batista da Lagoinha da

Convenção Batista Mineira. Eis nessa consciência uma grande medida de conhecimento

prévio, contudo, tal consciência parece ser um desencadeamento de ações de poder bem

articuladas que parecem, a partir das redes constituídas no Movimento de Renovação

Espiritual, na pessoa de Rego, saber que haveria boas chances de um processo “inquisitório”.

Em meio a uma entrevista que Deleuze faz com Foucault, acerca dos

intelectuais e do poder, por entre questões políticas, Foucault suscita a dúvida se de fato

conhece-se o que é o poder e, nesse sentido, complementa que, tendo sido necessário esperar

o século XIX para saber o que é a exploração, talvez ainda não se saiba concretamente o que

seja o poder. Segundo Focault, Marx e Freud também não são suficientes para ajudar no

conhecimento acerca do poder, que é tão enigmático. Sendo dessa forma, tão enigmático, o

poder é ao mesmo tempo visível e invisível, bem como presente e oculto. Com Foucault,

considera-se que o poder é um grande desconhecido. “Quem exerce o poder? Onde o

exerce?”

Daí, em parte conhecemos as redes constituídas, em parte desconhecemo-

las. Entretanto, ressalta-se que, segundo Rego, “forças poderosas”, através de “mãos

poderosas”, estavam se levantando contra ele e impulsionando um grupo contra ele.

Portanto, o que se pode conhecer das redes é o que delas identifica e ao mesmo tempo se

desconhece: poder que constitui, poder que permeia, poder que produz coisas, poder que

induz ao prazer, poder que forma saber e poder que produz discurso.

Na abordagem da história do cisma na Convenção Batista Brasileira se verá

a funcionalidade da disciplina na antidisciplina, a saber, do panóptico que se operacionaliza

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nos lugares praticados. Poder centralizador, fiscalizador e disciplinador, que se exerce num

lugar dinâmico e desconexo, com operações constantes, conhecidas e desconhecidas, nos

lugares praticados.

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A formação da Comissão dos 13 e o modelo panóptico de vigilância

3.1. Um cisma na Convenção Batista Mineira

Faz-se necessário abordar, no início do presente capítulo, um cisma

denominacional ocorrido na Convenção Batista Mineira. Tal cisma parece ter sido decorrente

de um verdadeiro embate entre as redes de poder formadas no interior da história dos batistas

no Brasil, durante o período de atuação do Movimento de Renovação Espiritual. Os “fatos”

que serão expostos nesse início ajudarão na compreensão acerca das tomadas de decisões da

denominação batista no Brasil, porquanto, tal cisma nas igrejas do Estado de Minas Gerais

motivou as mencionadas tomadas de decisões por parte da Convenção Batista Brasileira.

Segundo Tognini, depois dos embates na Igreja Batista da Lagoinha, não

houve nenhuma reprimenda por parte da liderança da Convenção Batista Mineira para com as

pessoas que organizaram o chamado “manifesto da minoria fiel”. Sua crítica agora se dirige à

liderança da Convenção Batista Mineira por sua suposta conivência com a chamada minoria

fiel, especialmente na apropriação do patrimônio da igreja.

A Igreja Batista da Lagoinha, no entanto, foi acolhida pela Igreja Batista do

Bairro Santa Ifigênia, cujo pastor era Achilles Barbosa. Desse modo, aos domingos, no

templo da Igreja pastoreada por Barbosa, passou a se reunir a Igreja pastoreada por Rego. A

Igreja Batista da Lagoinha contou também com o apoio da Igreja Batista da Floresta, a qual

cedeu o templo para que a Igreja Batista da Lagoinha realizasse seus cultos no meio da

semana. Houve muitos conflitos na Igreja Batista da Floresta, tendo em vista que o

missionário Harrington, diretor do Colégio Batista de Belo Horizonte, era contrário às idéias

do Movimento de Renovação Espiritual. Desse modo, Munelar Maia, pastor da Igreja Batista

da Floresta, teve dificuldades com um grupo da igreja e com Harrington, que se retirou do rol

de membros após a chegada da Igreja Batista da Lagoinha201.

Tendo recebido uma oferta financeira de Rosalee Mills Appleby, a Igreja

Batista da Lagoinha alugou um novo local para servir como sede e como “lugar de culto”.

Com bastante festa, a 3 de janeiro de 1959, num culto cujo orador foi Barbosa, o pastor Rego

conduziu a Igreja ao estabelecimento efetivo na nova sede. Depois do culto inaugural, na

201 Cf. TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 102.

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nova sede, a Igreja Batista da Lagoinha experimentou um significativo avanço devido a um

crescimento numérico. O crescimento também foi ocasionado pelos trabalhos intensos de

Rego, que continuou dirigindo o programa na Rádio Guarani e divulgando as idéias

avivalistas202.

Nesse período, o Movimento de Renovação Espiritual espalhou-se por toda

a parte do Estado de Minas Gerais e de outros Estados do Brasil. Segundo Tognini, os

“combatentes” da Convenção Batista Brasileira começaram a se mostrar e a proferir

discursos contrários ao Movimento. Para Tognini, entretanto, quanto mais se faziam as

“expressões de discórdia”, mais o trabalho de Rego e dos seus companheiros crescia e se

expandia203.

A chamada “minoria fiel”, tendo se alijado de sua convivência na Igreja

Batista da Lagoinha, tentou reabrir o “lugar de culto” em que a Igreja se reunia outrora,

porém, sem sucesso. Por isso, a Igreja teria ficado sem o apoio denominacional necessário ao

prosseguimento do objetivo de organizar uma nova igreja204.

Para Tognini, o ano de 1959 foi bastante releva nte devido ao

posicionamento que teve de tomar através de suas decisões. Nesse tempo, Enéas Tognini

chegou a declarar: “Com Rego; portanto, Renovação Espiritual, custe o que custar”. Essa

tomada de posicionamento foi bastante crucial para o Movimento de Renovação Espiritual,

pois Tognini corroborou de forma contundente a disseminação das idéias pentecostais na

Convenção Batista Brasileira. Desde 1958, após o episódio de experiência religiosa na

biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rego não podia se expressar da

mesma forma na denominação; entretanto, Tognini falou algumas vezes a convite do Grêmio

Estudantil daquela instituição teológica.

O Movimento de Renovação Espiritual estava no ápice de seus trabalhos no

ano de 1960, pois encont rou na “mocidade” um grande aliado. Houve, em Governador

Valadares, naquele ano, um retiro de carnaval organizado pela liderança do Movimento e

pela liderança da mocidade do Estado de Minas Gerais. O orador oficial do retiro foi Enéas

202 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 103. 203 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 105. 204 Um dos signatários da declaração da autodenominada “minoria fiel”, a saber, Rui Brasileiro do Vale, transferiu-se para Brasília e filiou-se à Igreja Batista Memorial de Brasília, tornando-se colaborador ativo na área da música, inclusive como regente do coral. Depois de sua filiação à Igreja Batista Memorial de Brasília, Rui Brasileiro do Vale teria participado de um culto na Igreja Batista da Lagoinha e pedido perdão publicamente por ter assinado a declaração da chamada “minoria fiel” In: TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 105.

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Tognini e, tendo recebido ajuda de Appleby, bem como de outros importantes líderes, a

ênfase das “mensagens” foi o batismo no Espírito Santo, bem como o desafio da “entrega

incondicional”, o que teria sido pregado por Tognini no último dia. Inúmeras experiências

religiosas são constatadas nesse evento, tanto que houve o “despertamento” por militância na

juventude batista do Estado de Minas Gerais.

Assim, através de uma ação da “mocidade”, da liderança de Rego, da

liderança de Appleby e da participação constante de Tognini, o ano de 1960 foi marcado por

episódios de longo alcance para a Convenção Batista Mineira e por uma série de

desdobramentos institucionais, que determinaram o andamento da militância no seio da

Convenção Batista Brasileira.

“O ano de 1960 foi agitado pelos ventos de Renovação Espiritual. O Espírito Santo trabalhava os corações e sacudia as igrejas do Senhor. Mas o diabo não dormiu nesse período. Formaram-se em Minas Gerais, os paladinos da oposição à obra do Espírito de Deus”. 205

A Igreja Batista da Floresta convidou Enéas Tognini a participar de um

trabalho especial. Contudo, na percepção de Tognini, havia um desejo denominacional de que

a Igreja Batista da Lagoinha não estivesse mais no rol de igrejas que compunham a

Convenção Batista Mineira. Desse modo, ao chegar à Igreja Batista da Floresta, Tognini

alega que durante sua pregação havia um ambiente de guerra e bastante transtorno.

Conforme Tognini, os opositores do Movimento de Renovação Espiritual

estavam com “papel e lápis” para copiar suas declarações, sendo tais anotações um

preparativo para a Convenção Batista Mineira, que estava prestes a se reunir em Juiz de Fora

no mês de julho de 1961. Assim, na percepção do autor, havia determinado sentimento de

ódio e de partidarismo. Desse modo, a luta final estava prestes a se proceder no Estado de

Minas Gerais.

Outrossim, os integrantes do Movimento de Renovação Espiritual atuavam

de forma intensa no Estado de Minas Gerais. Algumas igrejas, no conhecimento dos fatos

verificados na Convenção Batista Mineira, estavam deveras integradas na propagação das

idéias e das motivações do Movimento em curso. O ano de 1960 foi “agitado” por diversos

“eventos” de participações expressivas dos pastores Tognini e Rego, bem como de Appleby e

de outros. Contudo, foi no ano de 1961 que a Convenção Batista Mineira decidiu tomar uma

decisão drástica no que concerne, principalmente, à Igreja Batista da Lagoinha. 205 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 79.

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Para Tognini, houve um preparo do “terreno” para a Convenção Batista

Mineira. Segundo o autor, os “ânimos” estavam “incendiados” e alguns pastores ajuntaram-

se contra Rego, fazendo propaganda contrária ao Movimento de Renovação Espiritual.

“A campanha dos opositores durou meses e foi bem preparada em cada igreja do Estado de Minas Gerais. E nas 32 igrejas, que sabiam eles, não concordavam com o processo violento para expulsar Lagoinha da Convenção Batista Mineira, não fizeram propaganda alguma; diante, porém, da resistência delas, abandonaram esse campo”. 206

Desse modo, teria havido uma propaganda contra a Igreja Batista da

Lagoinha e cont ra Rego. Assim, tanto o Movimento de Renovação Espiritual movia-se

objetivando a propagação de suas experiências religiosas, quanto o conservadorismo de

algumas lideranças, no sentido de preparar um ambiente para a Convenção Batista Mineira. O

1º Vice-Presidente da Convenção Batista Mineira, Murillo Cassete, pastor da Primeira Igreja

Batista de Belo Horizonte, travou duros embates com Rego, sob a acusação de que o líder do

Movimento de Renovação Espiritual era pentecostal e criava discórdias em âmbito

denominacional.

Por isso verifica-se que após o episódio das experiências religiosas na

biblioteca do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rego, escrevendo à Tognini, faz

uma pergunta crucial: “Enéas, estamos prontos para o martírio nesta hora desafiante?”.

Logo mais, em sua carta à Soren, Rego alega que ouvira a notícia de que “forças poderosas”

levariam a Convenção Batista Mineira a se realizar em julho de 1961, numa cidade do

interior, onde as forças do conservadorismo eram grandes. Rego diz pressentir que tais forças

expulsariam a Igreja Batista da Lagoinha do rol de igrejas que integravam aquela Convenção

estadual. Segundo Rego, ainda na carta destinada à Soren, havia “prenúncios de que alguma

coisa grave” poderia ocorrer na “história denominacional” dos batistas no Brasil207.

Há uma carta bastante intrigante escrita por Rego e enviada à Tognini às

vésperas da Convenção Batista Mineira. Nos termos de sua breve carta, Rego diz:

“Amanhã seguirei para Juiz de Fora para a Convenção. Há expectativas desconcertantes em muitos, menos em Lagoinha. Estamos em paz, dispostos a deixar que os inimigos movimentem as águas ao seu bel prazer. Ontem tivemos uma reunião íntima com a igreja e havia alegria em todos os corações. Não há

206 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 80. 207 A carta de Rego à Tognini encontra-se no Anexo 1 e a carta de Rego à Soren encontra-se no Anexo 5.

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qualquer preocupação com essa tal Convenção Batista Mineira. Mentiram tanto, mas tanto, que o que esses ‘líderes’ fizeram valem tanto como nada. Recebo cartas revoltadas do interior, contando as mentiras que estão (os pastores) fomentando, inclusive que estou liderando um grupo para tomar o Colégio Batista e demais ‘pertences’ da Convenção Mineira. É o fim!”. 208

Na percepção de Rego, seria o fim e assim aconteceu. Por ocasião da reunião

plenária da Convenção Batista Mineira, na dinâmica dos debates, embora tivessem ocorridas

incontáveis discussões, houve o desligamento da Igreja Batista da Lagoinha na assembléia da

Convenção estadual. Segundo Reis Pereira, a alegação principal que justificaria o

desligamento foi a de que a igreja pastoreada por Rego era um dos eixos do Movimento de

Renovação Espiritual e, além do mais, suas práticas foram classificadas como sendo

pentecostais. As referidas práticas tornariam inviável, na percepção daquela Convenção, a

presença da Igreja Batista da Lagoinha em seu rol de igrejas cooperantes.

Sobre os desdobramentos da reunião plenária da Convenção Batista Mineira,

Tognini diz:

“A eleição da nova diretoria, os relatórios com os respectivos pareceres e todos os demais trabalhos transcorreram normalmente. Mas, chegou o momento suspirado da exclusão de Lagoinha... a caldeira que há meses, estava sendo aquecida, nesse momento psicológico, não soltou o vapor, explodiu. Foi um tal de pedir a palavra; uma discussão bravia, que chegou ao tumulto. Chegou bem perto do teatro de Éfeso, quando a multidão alucinada, pedia a cabeça de Paulo”. 209

Dessa forma, até mesmo um pastor veterano, nesse ambiente tumultuado

exclamou que votaria na exclusão da Igreja Batista da Lagoinha até mesmo “com o pé”.

Segundo Tognini, houve um “ódium theologicum” por parte dos mensageiros participantes

da assembléia e, com isso, foi difícil acalmar os ânimos para a votação final. Mesmo depois

da votação, a contagem dos votos precisou ser reverificada. Conforme Tognini, tudo isso teria

ocorrido “no recinto sagrado de um templo batista” 210. Para Xavier, as discussões

ocasionadas pelos debates intensos foram “tremendas” e a menção ao nome da Igreja Batista

208 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 79 e 80. 209 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 81. 210 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais. Brasília: Lerban, 2007, p. 81.

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da Lagoinha, teria sido “como se houvesse explodido uma bomba” 211, o que denota a

grandiosidade do tumulto ocorrido entre os congregacionais.

Nas discussões, por entre muito entrevero, algumas igrejas se posicionam a

favor da Igreja Batista da Lagoinha. Conforme Reis Pereira, foram 30 igrejas desligadas do

rol da Convenção Batista Mineira, entre as quais, como se mencionou, a Igreja pastoreada por

Rego212. O número de igrejas desligadas da Convenção Batista Mineira é bastante divergente,

pois, segundo Tognini, teriam sido 28 igrejas, chegado a 32 no decorrer dos dias213. Rego se

refere assim às decisões da Convenção em Juiz de Fora:

“A “histórica” Convenção Batista Mineira, reunida em Juiz de Fora, terminou sombriamente sem a Igreja de Lagoinha. E o pior ainda foi que grande parte das Igrejas do Vale do Rio Doce se solidarizaram com Lagoinha e também Floresta, Terceira da Capital mineira e a da Fazenda Santo Antônio – norte do Estado. Ao todo 28. No correr dos dias, esse número chegou a 32, somente em Minas Gerais” . 214

Segundo Tognini, houve um “pastor de renome na denominação” que

assistiu aos trabalhos daquela Convenção estadual. Reis Pereira, pastor batista e historiador,

escreveu uma carta à Tognini relatando sobre os acontecimentos da assembléia

convencional215.

Segundo Reis Pereira, a Convenção Batista Mineira de 1961, “foi a pior” a

que ele já havia assistido até então. Para o historiador, “o relógio batista em Minas atrasou-

se vinte anos”, pois, para ele, havia premeditações sobre a exclusão de Rego e de sua Igreja.

Aliás, conforme Reis Pereira, parecia que “o objetivo único da Convenção era excluir a

Igreja da Lagoinha”.

Portanto há, por um lado, a narrativa de Tognini sobre os grande golpes de

alguns pastores contra Rego. Por outro lado, até mesmo o historiador da Convenção Batista

Brasileira, como é conhecido, disse que “tudo estava preparado contra Rego”. Acha-se em

evidência um extremado belicismo denominacional que, como verificado nos termos de Reis

Pereira, foge até mesmo da posição em que se percebe a situação, tamanho ato de

estouvamento.

211 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação. Belo Horizonte: Lerban, 1997, p. 66. 212 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 255. 213 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 125. 214 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 125. 215 No Anexo 6 a carta é reproduzida na íntegra.

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Reis Pereira alega que poderia admitir “que se excluísse a Igreja, mas os

métodos usados, foram deploráveis”. Segundo a percepção do historiador, houve muito

“ódio”, “rancor” e “despeito” por parte dos obreiros que estiveram presentes à assembléia

convencional. O remetente da carta alega ainda que o ocorrido foi de “envergonhar qualquer

batista sério”. Assim, ele mesmo não se conformava com o que ocorreu “numa Convenção

Batista, numa Igreja Batista”.

Da mesma forma com a qual Rego “pressentiu” que um processo aos

moldes “inquisitórios” se sucederiam a ele e à sua Igreja, também Reis Pereira menciona sua

suspeita de que, após a Igreja Batista de Lagoinha ter sido excluída da Convenção Batista

Mineira, quereriam também excluí- la da Convenção Batista Brasileira.

Entretanto, Rego alimentou uma expectativa de que a Convenção Batista

Brasileira lhe beneficiaria216. O pastor acreditava que sua Igreja também seria agraciada, bem

como as demais igrejas solidárias para com a Igreja Batista da Lagoinha. Para Tognini, havia

certa expectativa de Rego de que a Convenção Batista Brasileira fizesse justiça ao caso da

Igreja Batista da Lagoinha. Conforme o autor, Rego imaginava que teria espaço para explanar

suas idéias na assembléia convencional das igrejas batistas do Brasil, a qual ocorreria no ano

de 1962217.

Entrementes, as igrejas desligadas da Convenção Batis ta Mineira decidiram

organizar uma outra, a saber, a Convenção Batista do Estado de Minas Gerais. A nova

Convenção foi organizada, com o fundamento no princípio da autonomia batista, com 26

igrejas, representadas por 275 mensageiros. A organização da referida Convenção se deu a 22

de agosto de 1961 e, no seu funcionamento, exerceu suas atividades até 29 de abril de 1965.

A primeira diretoria eleita para trabalhar na Convenção Batista do Estado de Minas Gerais foi

composta pelos fiéis: Presidente. Pr. Achilles Barbosa; 1º Vice Presidente – Pr. Benjamim

Maia; 2º Vice Presidente – Pr. Tito Eler de Matos; 1ª Secretário. Drª. Ana de Brito Vilela; 2ª

Secretario. Drª. Naim de Abreu e Silva Leite; Tesoureiro. Rui Carreteiro Santiago. E ainda,

como presidente de honra, foi eleito um importante pregador do Estado de Minas Gerais, a

saber, Pr. Henrique E. Cockel.

“A nossa tomada de posição não visa dar apoio ao pensamento esposado e que foi de uma maneira não muito justa condenado na última assembléia da Convenção Batista Mineira. Não temos o propósito de

216 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 125. 217 Ibid, p. 125.

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nos pronunciar sobre aspectos da doutrina combatida pela Convenção Batista Mineira naquela Assembléia. Desejamos sim, trabalhar unidos num ambiente em que os obreiros de Deus não sejam tachados de cães e ala do diabo. Onde haja o respeito, a compreensão, a fraternidade e sobretudo o propósito de alcançar as massas do Estado de Minas Gerais”. 218 Grifo nosso

Portanto, segundo Fernandes, o campo batista “se dividiu em dois” no

Estado de Minas Gerais. Criou-se um novo eixo que propagava o Movimento de Renovação

Espiritual naquele Estado, a Convenção Batista do Estado de Minas Gerais. Para o autor,

havia verdadeiras “trincheiras” no campo de batalhas mineiro e somente aqueles que

estavam dentro delas tinham a percepção exata do que elas significavam naquela militância.

Desse modo, a denominação batista no Estado de Minas Gerais, no belicismo do momento,

esperava pela Convenção Batista Brasileira que estava prevista para janeiro de 1962,

porquanto diziam acreditar que teriam voz e que um novo ambiente se formaria 219.

3.2. A Convenção Batista Brasileira de 1962 e a formação da Comissão dos 13

Após o descrito cisma na Convenção Batista Mine ira, Rego do Nascimento

alimentou expectativas para a Convenção Batista Brasileira marcada para janeiro de 1962.

Numa verificação a respeito das decisões plenárias da mencionada Convenção, se constata a

formação de uma “Comissão dos 13”, que foi designada para “estudar a doutrina do Espírito

Santo”. Cria-se, portanto, aquilo que o presidente da Convenção Batista Brasileira, pastor

Rubens Lopes, chamava de “dispositivo bem armado” 220, cuja finalidade principal parecia

ser a fiscalização doutrinária do que estava havendo no Movimento de Renovação Espiritual

ou, como se admite, abriu-se mormente a possibilidade de um “shake-up” denominacional221.

No presente texto se fará um empenho para entender este procedimento institucional a partir

daquilo que Foucault chama de “dispositivo panóptico”.

Após a exclusão da Igreja Batista da Lagoinha, na Convenção Batista

Mineira, como se mencionou, Rego do Nascimento esperou a chegada do período em que se

realizaria a reunião plenária da Convenção Batista Brasileira. Xavier alega que o referido

218 ATA nº 1 da Convenção Batista do Estado de Minas Gerais, 1961. 219 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 16. 220 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 9. 221 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 7.

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pastor esperava por justiça na Convenção Batista Brasileira do ano de 1962 222. Tognini, por

sua vez, diz que Rego havia se tornado vítima na Convenção Batista Mineira, pois, ao

contrário do que queria, não teve oportunidades de expor seus pensamentos naquele

ensejo223.

Porém, nesse entremeio, mesmo com a exclusão da Igreja Batista da

Lagoinha da Convenção Batista Mineira, Rego não parou a divulgação do discurso do

Movimento de Renovação Espiritual:

“Nesse período de seis meses, o Pastor Rego continuou liderando Lagoinha e espalhando o fogo do Espírito por onde ia. Os convites continuavam e ele falava a congressos de pastores, retiros espirituais e congressos de mocidade. A Convenção em Curitiba seria diferente. Assim pensava Rego. Haveria amor e justiça e seria firmado um acordo cristão. Havia ansiedade na espera por Curitiba”. 224

No dia esperado por Rego, por ocasião da 44ª Assembléia da Convenção

Batista Brasileira, que se reuniu em janeiro de 1962, na cidade de Curitiba, foi nomeada uma

comissão integrada por treze pastores com o objetivo de estudar a doutrina do Espírito

Santo225. Assim, na décima quarta sessão da Assembléia da Convenção Batista Brasileira,

houve uma proposta especial, a saber, Muryllo Cassete, mostrando-se contrário ao

Movimento de Renovação Espiritual, propôs que se nomeasse uma comissão para o estudo

do Espírito Santo à luz do que os integrantes da comissão entendessem por “doutrina

batista”.

Com a incumbência de trazer o resultado de seus estudos à reunião plenária

da Convenção Batista Brasileira no ano de 1963, o plenário aprovou a proposta com 311

votos em favor do que propôs o pastor Cassete 226.

Criou-se, portanto, como disse Rubens Lopes, determinado “dispositivo bem

armado”, que teria como função um “shake-up” na denominação. Isto parece indicar certa

fragilidade nos fundamentos teológicos da Convenção Batista Brasileira sobre a doutrina do

Espírito Santo, fragilidade esta que a controvérsia em pauta traz à tona. Fica, contudo, a

222 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 66. 223 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 127. 224 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 66 e 67. 225 Cf. COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 11. 226 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 127.

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pergunta pela real função desta comissão. Sua função seria esclarecer uma controvérsia

teológica no interior da Convenção ou tratar-se- ia de uma estratégia de vigilância no sentido

do“panoptismo” de Foucault?

Dessa forma, torna-se necessário que se verifique determinado anseio por

vigilância por parte de alguns congregacionais que participaram da 44ª Assembléia da

Convenção Batista Brasileira, quer impulsionados pela liderança denominacional, quer

motivados por perspectivas pessoais e experiências contundentemente vivenciadas. Parece

evidente que não há ausência de influências nos desdobramentos institucionais e, com sujeitos

inebriados por conceitos e idéias, bem como por motivações políticas, constatam-se ações

efetivas para a constituição de um “dispositivo” armado para observar os sujeitos religiosos e

os conseqüentes discursos, quer nas ações em favor do Movimento de Renovação Espiritual

ou nas inações frente ao Movimento.

A Comissão dos 13, na sua constituição, parece ser a articulação de um poder

exercido de modo congregacional por alguns sujeitos fundamentais na articulação das lutas

que se estava travando no seio da Convenção Batista Brasileira. Ora, Rego e sua Igreja, bem

como outras igrejas batistas, haviam sido desligadas da Convenção Batista Mineira e

esperavam que existisse imediata ponderação acerca de suas questões, entretanto, vê-se um

desejo por parte da liderança denominacional de que a questão fosse tratada numa rede

específica, a qual pode ser concebida como um eficaz “dispositivo” para a “disciplina”

congregacional em âmbito denominacional.

De imediato, não houve um processo inquisitorial na 44ª Assembléia da

Convenção Batista Brasileira, pois certamente tal golpe faria suscitar implicações maiores

para a vivência das igrejas batistas no Brasil e os custos do poder seriam catastróficos porque

poderiam causar desconfianças e confusões, bem como frustrações nos fiéis, o que seria

funesto para igrejas, pastores e leigos. Instaurou-se, pois, uma disciplina meticulosa e

rocambolesca, donde se intentaram táticas ávidas por um exercício disciplinar no bojo do

congregacionalismo batista. Por certo, as atitudes do plenário, do presidente e, em especial, do

pastor Cassete, se deram a fim de criar um grupo de estudos que, certamente, formou-se numa

rede bastante diversificada, porém (in)definida, para a operacionalização de um poder

denominacional altamente criativo e dinâmico, conquanto parecia haver consciência das

decisões institucionais a serem levadas a cabo.

Doravante, com o aporte de Foucault, a partir de um modelo de abordagem

denominado como “dispositivo panóptico”, se verificará um exercício eficaz do poder no

âmbito da “disciplina” que será descrita. Tal dispositivo disciplinar refere-se a um sistema de

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vigilância bastante perspicaz, sendo encontrado nos modelos de um “simulacro teórico” na

estrutura da prisão, como se detalhará posteriormente nesse capítulo. O ambiente

denominacional criado para a vigilância pode ser visibilizado com bastante notoriedade,

porquanto passou a funcionar um “dispositivo” pertinente para o exercício do poder nas

categorias do olhar. Entretanto, para que se contemple tal funcionalidade na perspicácia do

poder vigilante, através das muitas redes consolidadas no interior da história denominacional,

será necessário observar os fundamentos teóricos que nortearão a abordagem dos aparatos

táticos na conjuntura institucional da Convenção Batista Brasileira.

Nesse sentido, no constatar e no desdobrar de uma vigilância, verifica-se que

Foucault objetivou a descrição da “história do poder de punir” nas molduras de uma

“história da prisão”, cujo estilo organizacional se fará evidenciar numa transformação da

instituição através da passagem do “suplício do corpo”, de uma época medieval, para a

“utilização do tempo” em um “arquipélago carcerário” do capitalismo formado na

modernidade, em que vigiar seria mais eficaz e mais barato do que punir 227. Dentre outras

possibilidades, arrisca-se que tal custo reduzido na aplicação da vigilância e da penalidade

deve-se mormente ao modelo arquitetônico, criado com suas especificidades para o exercício

do poder, no que tange ao exemplo da estrutura prisional e da versatilidade do panoptismo na

cotidianidade da vida institucional.

É obvio que, no escopo da pesquisa, não se trata de um poder exercido na

esfera do Estado, mas de um poder “microfísico” que se fragmenta e se dissemina nas

relações humanas verificadas em uma estrutura denominacional. Contudo, ainda assim,

observar-se-á que, com a formação da Comissão dos 13, evita-se, ainda que num primeiro

momento, o poder soberano e absoluto que conduz à culminância de uma penalidade que

poderia criar o nascedouro do terror e do ódio.

Por certo, a Convenção Batista Brasileira também almejou uma economia

do poder, tendo em vista a consciência dos altos custos de um poder exercido com soberania,

principalmente numa esfera de suposta democracia. Quando Rubens Lopes fez parte da

montagem de um “dispositivo bem armado”, ele parece fazê- lo com certa consciência dos

custos amenizados, caso se considerasse a possibilidade de cisão denominacional. Há de se

detectar tal benefício de um trabalho realizado em rede, de onde se enunciam 3 pastores

contrários ao Movimento de Renovação Espiritual e 3 favoráveis ao referido Movimento.

Contudo, é duvidosa a informação de que os 7 outros integrantes da Comissão eram neutros,

227 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 13 a 20.

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principalmente se observadas as posturas doutrinárias aderidas ao longo da história da própria

Comissão.

Houve, portanto, uma mixórdia no “dispositivo” montado para a vigilância

na denominação, pois a Comissão teria sido formada com sujeitos pertencentes às várias redes

e sub-redes de poder. Vê-se, destarte, as mencionadas redes e sub-redes de vigilâncias

indefinidas de poder, onde o custo do seu exercício provavelmente seria bem mais baixo em

relação a decisões de supremacia tomadas e manifestas publicamente, de forma a criar

prejuízos maiores causados por tentativas de exercício soberano do poder de “punir”.

Num processo medieval exacerbadamente valorizado na sociedade antiga

aludida por Foucault, havia determinado caráter “inquisitorial” na penalidade, o qual se

procedia não antes de intervenções “secretas”, pois se tratava de uma sucessão de

interrogatórios que visavam a confissão do acusado e, sob juramento, havia coação por

palavras ou torturas, através das quais moviam um acusado ao desfecho mais cruel e

sangrento nas penas.

Assim, com completo desconhecimento das acusações e das provas por parte

do povo que assistia ao suplício, procedia-se a “execução penal” que deveria ser sempre

pública a fim de que o medo fosse gerado, a repressão e um suposto controle social228. Para

Foucault, em face de tal medievalidade na aplicação da “repressão penal”, seria necessário

abdicar das concepções tradicionais dos “efeitos negativos” da aludida repressão, aceitos

pelas formas jurídicas onde a figura do soberano opressor é importante e estruturante, para

aderir à observância “microfísica” do poder.

Dessa forma, tendo estudado com afinco a prisão, Foucault verificou que

seria necessária a pesquisa dos “efeitos positivos” do poder como a “tática política” de

“dominação” encaminhada e balizada pelo “saber científico” que redefiniu a “tecnologia”

na eficácia do poder, pois sendo repensado nas suas malhas mais produtivas, o autor constatou

uma precisão no ato de punir, sendo caracterizado pelo “corpo” nas “relações de poder” 229.

Assim, suscita-se, pois, uma importante indagação acerca da teoria de

Foucault e do seu simulacro teórico: Por qual motivo a prisão230, em situação marginal numa

sociedade feudal, sem caráter drástico na punição, se tornou o principal lugar de castigo da

sociedade capitalista? Dessa mesma forma, pode-se questionar o motivo da formação de uma 228 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 33 a 61. 229 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 26 e 27. 230 Segundo Foucault, alguns pensadores da antiguidade, como historiadores da literatura e os filósofos, estavam habituados com “uma história das sumidades”. Entretanto, o autor ressalta que, depois de algum tempo, tais pensadores já aceitaram o chamado material “não nobre”. Por isso, teria sido importante o trabalho sobre a prisão e a criação de um simulacro teórico.

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Comissão dos 13 para os estudos acerca da doutrina do Espírito Santo, pois considerando que

o Movimento de Renovação Espiritual não foi bem quisto entre os conservadores da

Convenção Batista Brasileira, seria, de igual forma, um grupo sem prestígio e concederia, à

vista dos conservadores, uma articulação com dado material tido como não nobre. Em suma,

concebe-se que a prisão, como recipiente de sujeitos não nobres, foi vista como um lugar de

produtividade do poder para o exercício “microfísico” de táticas que se formavam no anelar

do exercício de “controle”. A referida Comissão dos 13, formada numa situação plenária de

bastante curiosidade religiosa e de política denominacional, foi constituída por pessoas que

talvez pudessem ser vistas como não nobres, porquanto eram pertencentes a uma das duas

grandes redes de poder e, mesmo levando esse aspecto em conta, houve uma articulação bem

elaborada no transpassar o poder institucional no ato da vigilância mutua.

Ora, parece haver algumas considerações pertinentes para tais indagações

acerca do modelo “disciplinar”, quando da passagem da dura punição ao conceito de

controle. Segundo a forma “disciplinar” de conceber a questão suscitada, verifica-se, em

foco, a própria “microfísica do poder”, consolidada e constituída para o “controle” e para a

“sujeição” do corpo do submetido, no intento de ocasionar um indivíduo “dócil e útil”.

Trata-se de uma determinada política de coerção para o domínio do corpo alheio. Por isso,

adestram-se os dominados para que façam o “que” a disciplina do poder quer e também

“como” tal mecanismo quer231. Seriam os 7 pastores submetidos a um olhar fiscalizador que

os remeteriam comportamentalmente à docilidade e à manipulação por meio de forças

maiores na conjuntura denominacional? Por que motivo o presidente Rubens Lopes foi eleito

para a Comissão dos 13? Qual foi o papel exercido por ele no grupo dos 7 neutros? Rubens

Lopes demonstrou-se contrário ao Movimento de Renovação Espiritual e, mesmo nos tempos

em que supostamente fazia parte dos neutros da Comissão dos 13, afirmou que o objeto a ser

tratado e o Movimento em pauta era uma “bomba perigosa e não um fruto inofensivo, como

na lenda” 232.

Há, na composição da disciplina de Foucault, determinados aspectos

fundamentais para denotar seu exercício, quais são: Em primeiro lugar, a distribuição dos

corpos, de acordo com as funções predeterminadas; em segundo lugar, o controle da atividade

individual, na reconstituição do corpo como portador de forças dirigidas; em terceiro lugar, a

organização das gêneses, pela aprendizagem das funções; em quarto lugar, a composição das

forças, pela relação funcional das forças corporais em aparelhos diferentes. As maneiras que

231 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 53 e 54. 232 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo, p. 10.

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compõem a disciplina proposta por Foucault são constituídas por um método de adestramento

do corpo, onde há a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame.

É perceptível, a partir da distribuição dos corpos, que, tanto quanto no

modelo que se verá, a Comissão dos 13 foi formada com sujeitos que exerciam funções

previamente estipuladas, com papéis bastante delineados, conquanto José Rego do

Nascimento, Enéas Tognini e Achilles Barbosa eram, desde o início, tidos como favoráveis e

pertencentes ao Movimento de Renovação Espiritual e, de outra maneira, Harald Schaly,

Delcyr de Souza Lima e Reinaldo Purim eram contrários ao referido Movimento. Achava-se

em questão também, através da reorganização, da “docilidade” e da “utilidade”, a adesão dos

supostamente neutros que faziam parte da Comissão dos 13. Desse modo, a aprendizagem das

funções deu-se com bastante propriedade por aqueles que se diziam neutros.

Segundo Foucault, há um modelo muito propício para o exercício do poder

na sociedade disciplinar, a saber, o panóptico. Para Foucault, o panóptico é como se fosse

“Um acontecimento na história do espírito humano” e “Um tipo de ovo de Colombo na

ordem da política”. O mencionado aparato disciplinar foi criado por Jeremy Bentham, o qual

Foucault chama de um “Fourier de uma sociedade policial”. Assim, o panóptico se refere a

um dispositivo eficaz que proporciona o funcionamento do poder disciplinar233.

O panóptico de Benthan seria um princípio de anatomia política, uma nova

mecânica da disciplina aplicada na construção de um novo modelo de sociedade e de um

dispositivo que impulsiona a ordenação das multiplicidades humanas conforme as táticas de

poder, com a diminuição da força política e o conseqüente aumento da força útil dos sujeitos

submetidos. Por isso, criou-se um dispositivo de transformar os submetidos em “corpos

dóceis” e em “corpos úteis” 234. Dessa forma, há uma identificação terminológica do

panoptismo criado por Bentham e a Comissão dos 13 que, ao que parece, foi fomentada por

Rubens Lopes. Parece existir, concomitante à identificação terminológica, uma similaridade

com os conceitos do panoptismo e a funcionalidade da Comissão dos 13, porquanto se nota

um desejo de submeter e, com isso, uma vontade de que os mencionados submetidos tornem-

se “corpos dóceis” e “corpos úteis”, proporcionando um adestramento denominacional e

uma vigilância que submete.

Segundo Foucault, Bentham teria descoberto uma tecnologia de poder

própria para resolver os problemas de vigilância, porque ele havia pensado que seu sistema

233 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 209. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 173 a 199.

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ótico seria a grande inovação que permitiria o exercício bom e fácil do poder. O panóptico,

entre os dispositivos de vigilância no modelo da prisão, era um mecanismo arquitetural

utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversas superfícies e, por assim ser,

na estrutura referida por Foucault, o panoptismo corresponde à observação total e é a tomada

integral da vida de um sujeito por parte do poder disciplinador. O indivíduo em questão é

vigiado durante todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que

momento está sendo vigiado. A vigilância torna-se, portanto, permanente nos seus efeitos,

mesmo que não seja na sua ação e, como conseqüência disso, organiza certo poder

disciplinador dos sujeitos, às vezes anônimos, às vezes líderes, que observam sem serem

observados. Assim, de acordo com esse simulacro teórico, Foucault entendeu ter descoberto,

fazendo reapropriações das concepções de Bentham, uma tecnologia de poder que resolveria

os problemas da vigilância.

Para Foucault, o princípio do panóptico se mostra arquiteturalmente:

“Na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. Estas celas têm duas janelas: uma abrindo-se para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, dando para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de um lado a outro. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um estudante. Devido ao efeito de contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se na luminosidade, as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da periferia. Em suma, inverte-se o princípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que, no fundo, protegia”. 235

Segundo Foucault, Bentham suscita o problema da visibilidade organizada

inteiramente em torno de um olhar dominador e vigilante, pois o que parece ser notável nesse

dispositivo é que ele concede determinada visibilidade universal que age concomitante e no

bojo de um poder rigoroso e meticuloso236. Ao invés de massacrar um preso no escuro da

masmorra, o que na verdade trazia proteção por causa da falta de visão, submetem-se pessoas

ao olhar do vigia, porém nem sempre há uma vigilância efetiva e real. Contudo, a consciência

da possibilidade de estar sendo visto conduz a dominação de um preso, assim como a

235 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 210. 236 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 215.

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dominação de um fiel, pois mesmo contrariando a estrutura institucional alguém será e

pensará ser vigiado em todo o tempo, tornando reais os efeitos da vigilância.

“Um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o pesar sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si mesmo. Fórmula maravilhosa: um poder contínuo e de custo afinal de contas irrisório”. 237

Assim, no contexto prisional, através da iluminação e não de armamentos,

exerce-se um poder que, para além do medo ocasionado pela escuridão de uma masmorra, se

estabelecerá uma dinâmica perspicaz de um olhar que vigia os submetidos e submete os

vigilantes, porquanto trata-se de uma luminosidade de um “poder exercendo-se por

transparências”. O conhecimento dos sujeitos que foram submetidos traz a certeza de um

olhar imediato, de um olhar coletivo e de uma visão que, às vezes, é exercida no

anonimato238.

Tem-se impressão de que o dispositivo panóptico proposto por Bentham,

pelo qual todos ficam submetidos pelo olhar, criou um “mundo infernal” do qual ninguém

poderá escapar, nem os que os que olham e nem os que são olhados239. Sobre essa impressão,

Foucault observa da seguinte forma:

“Sem dúvida, é o que há de diabólico nesta idéia assim como em todas as suas concretizações. Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a alguém e que este alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os outros; é uma máquina que circunscreve todo mundo, tanto aqueles que exercem o poder quanto aquelas sobre os quais o poder se exerce (...) O poder não é substancialmente identificado com um indivíduo que o possuiria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se uma maquinaria de que ninguém é titular. Logicamente, nesta máquina ninguém ocupa o mesmo lugar. Alguns lugares são preponderantes e permitem produzir efeitos de supremacia”. 240

237 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 218. 238 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 216. 239 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 219. 240 FOUCAULT, Michel. O olho do Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 219.

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Portanto, arquiteturalmente, criou-se um simulacro teórico em que, a partir

do formato arquitetural da prisão, verifica-se sujeitos que, através da onividência do olhar,

fiscalizam e são continuamente fiscalizados, mediatizados pela vigilância panóptica. Em si

mesma, a vigilância panóptica indica um olhar que a tudo vê, do qual ninguém jamais

escapará, pois ele se operacionaliza e age no âmbito de uma disciplina bastante certeira e

esclarecedora.

Assim, para Foucault, a visibilidade tornou-se uma armadilha, pois, através

dela e desse olhar diabólico, do qual não se pode escapar, verifica-se um efeito importante do

dispositivo panóptico, a saber, a indução de um detento ao estado consciente e permanente de

visibilidade que assegura o automático funcionamento do poder. Desse modo, tal dispositivo

de onividência funciona como um verdadeiro laboratório do poder, pois seus mecanismos de

observação são eficazes na penetração do comportamento dos homens, podendo transformá-

los através da dominação 241.

A Comissão dos 13 teve por função o estudo das questões acerca do Espírito

Santo à luz da doutrina batista ou sua função maior era a vigilância denominacional? Deve-se

considerar que, além de três pastores favoráveis e três contrários ao Movimento de

Renovação Espiritual, havia sete pastores que foram tidos por neutros; entretanto, também é

necessário saber que tal neutralidade foi extinta aos poucos, talvez por nunca ter existido

realmente.

Enéas Tognini, José Rego do Nascimento e Achilles Barbosa foram vistos

durante as reuniões da Comissão dos 13 e também puderam ver aos pastores que se

posicionaram de forma contrária à militância do Movimento de Renovação Espiritual. É

possível constatar a vigilância panóptica, porque se verifica um olhar infernal que, durante

todo o tempo, se operou numa disciplina do poder que, possivelmente, visava à “docilidade”

e a “utilidade” dos sujeitos religiosos. Nessa vigilância panóptica, na rede da Comissão dos

13, ninguém fugia ao olhar do aparato disciplinar que se instaurou, tal como o sujeito

submetido numa prisão panóptica. Contudo, é possível verificar duas redes de poder distintas

que compunham uma rede maior, a da Comissão dos 13.

O Movimento de Renovação Espiritual e o conservadorismo foram

colocados em situação de ampla visibilidade. Porém questiona-se: havia o desejo de estudar a

doutrina do Espírito Santo ou de promover embates diretos de poder? Queria-se resolver a

241 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 167 e 168.

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dissensão ou fazer uma cisão na Convenção Batista Brasileira? Viam-se como

verdadeiramente irmãos ou como verdadeiramente dominadores? Havia o desejo de “vigiar”

para dominar ou de “punir” para excluir?

A Comissão dos 13 parece realmente propiciar que, cada um, a partir do

seu lugar, “seja vigiado por todos ou por alguns outros” e, nesse aspecto, o aludido aparelho

de vigilância gera indagações relevantes, porque se refere a um dispositivo que incute

“desconfiança total e circulante”, sendo o resultado de um entrelaçamento de malevolências,

as quais conferem perfeição ao dispositivo “panóptico”.

3.3. A doutrina do Espírito Santo e os embates fiscalizadores

No período mencionado no primeiro capítulo, a respeito da atuação de

Rosalee Mills Appleby no Brasil, verifica-se uma grande produção de literaturas e de

folhetos, cujos objetivos eram vinculados aos ideais de difusão dos fundamentos que

caracterizaram as vivências do Movimento de Renovação Espiritual. Segundo Xavier, a

referida missionária, em tenra idade, teria se tornado “antipática” à doutrina do Espírito

Santo, pois os sermões que ouviu teriam sido explanados a fim de combater determinadas

denominações242. Entretanto, no período em que esteve no Brasil, após o falecimento de seu

esposo, Appleby dedicou-se à produção literária, tendo em vista que, após experiências

pentecostais, corroborou a formação do pensamento do Movimento de Renovação Espiritual.

Num de seus folhetos, um dos primeiros a serem editados, Appleby

escreveu acerca de “trinta e três razões porque” cria “numa experiência da plenitude do

Espírito Santo, imediata ou subseqüente à conversão”.

Na quarta razão, Appleby escreveu:

“Jesus ensinou o BATISMO no Espírito Santo (At 1:4-5). Êle o ordenou! (Lc 24:49). Foi por determinação divina que este registro ficou exarado na Bíblia. E a experiência de milhares através de vinte séculos tem evidenciado o ensino da Bíblia”. 243

Assim, para Appleby, após o batismo no Espírito Santo, os “servos de

Deus” iniciam uma nova vida de experiências cotidianas, as quais foram demonstradas pelos

242 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 15. 243 APPLEBY, Rosalee M. Trinta e três razões. Belo Horizonte: Folhetos de Poder, p. 2.

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avivalistas que compõem determinada galeria, quais são: Wesley, Whitefield, Fletcher,

Moody, Christmas Evans, Charles Finney, A. B. Earle, A. J. Gordon, General Booth,

Catherine Booth, B. H. Carrol e outros244. Portanto, Appleby busca embasamentos bíblicos e

experienciais para a pregação da crença no batismo com o Espírito Santo, pois anunciou no

período em que esteve no Brasil um momento de avivamento para as denominações

históricas245.

Essa tendência de Appleby de buscar referências bíblicas para embasar as

ações do Movimento de Renovação Espiritual, as quais não foram bem vistas pelo

conservadorismo da Convenção Batista Brasileira, foi marca do Movimento. Ver-se-á que os

líderes que compunham a rede de poder do Movimento de Renovação Espiritual buscaram

experiências parecidas com as dos personagens bíblicos. Desse modo, recorrendo aos

avivalistas e aos personagens bíblicos, há um desejo bastante intenso de fortalecer o

Movimento de Renovação Espiritual em face de batalhas contra a oposição.

Dessa forma, a missionária definiu o avivamento da seguinte maneira:

Avivamento é o derramamento do Espírito Santo nos corações. “A sua extensão depende do número de crentes dominados pela Terceira Pessoa da Trindade”. 246

Em sua concepção, Appleby explicita sua opinião sobre o batismo no

Espírito Santo, justamente por crer que tal experiência ocorre de forma subseqüente ao

momento em que um indivíduo é salvo, nas categorias do protestantismo.

“O novo nascimento é de fato a experiência que marca nossa entrada no reino de Deus e nos faz participantes da família celestial. Mas depois disso vem o batismo no Espírito Santo. Pode vir logo após e seria melhor que seguisse imediatamente a regeneração, mas geralmente há um compasso de espera”. 247

Portanto, como se verificou, há distinção entre a experiência salvífica e a do

batismo no Espírito Santo e, nesses termos, as compreensões “soteriológicas” e

“pneumatológicas” encontram-se em momento de divergência na teologia dos batistas no

Brasil, uma vez que houve uma alteração significativa nessas formas de compressão

244 APPLEBY, Rosalee M. Trinta e três razões, p. 13. 245 APPLEBY, Rosalee M. Trinta e três razões, p. 16 246 APPLEBY, Rosalee M. O Espírito Santo – vida e poder, p. 5. 247 APPLEBY, Rosalee M. O Espírito Santo – vida e poder, p. 12.

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teológica somente com as inovações do Movimento de Renovação Espiritual no Brasil248.

Assim, para que se reúna uma grande parte de pessoas no Movimento de Renovação

Espiritual, que era tipo por “Movimento do Espírito”, era necessário ser batizado pelo

Espírito Santo, porquanto, sendo assim, todos apresentariam características cristãs bastante

profundas e decisivas.

No entanto, com a divulgação do Movimento de Renovação Espiritual, tanto

por Appleby, quanto principalmente por Rego, a missionária faz uma pergunta importante:

“Se o movimento do Espírito em nossos dias é mandado por Deus, por que há tanta

oposição?”

A mesma Appleby quer propor uma resposta a essa pergunta:

“Paulo disse que “todos quantos quiserem viver piedosamente em Cristo, serão perseguidos” (2 Timóteo 3.12). Quanto mais fiel for o servo de Deus, mais sujeito estará a tribulações, dificuldades e oposições. Vêm as incompreensões. Cada grande avivamento no passado teve as suas batalhas e este do nosso tempo envolve o mundo inteiro e não será exceção” 249.

Quando Appleby menciona os avivamentos vivenciados outrora, há, na

verdade, um esforço por não abrir mão da produção de sentido. Ora, a instituição opôs-se ao

Movimento de Renovação Espiritual e, por sua vez, o Movimento recorre ao campo de

sentido para significar suas experiências à luz do que vivenciaram alguns autores e

personagens bíblicos. Quando a missionária recorre aos movimentos diversos de avivamento,

através dos seus preconizadores, vê-se um anseio por legitimação daquilo que estava-se

vivendo naquele ensejo. A fundamentação histórica, ainda que romantizada, e a

fundamentação bíblica, foram formativas de um campo de sentido, bem como de uma

legitimação que os preparou para a batalha.

Appleby alega que alguns avivamentos do passado experimentaram

objeções e a belicosidade das batalha s, entretanto, enfatiza a necessidade e urgência de que

os cristãos fossem batizados no Espírito Santo250. Assim, a autora admite que havia um grupo

248 Aos moldes da teologia sistemática, “soteriologia” é o estudo da salvação e de suas implicações. Assim também, “pneumatologia” é o estudo do Espírito Santo e suas características pessoais. Essas doutrinas são destacadas por inúmeros pensadores da Teologia Sistemática, dentre os quais Erickson demonstra a importância de tais teologias para o pensamento protestante. In: ERICKSON, Millard. J. Introdução à Teologia Sistemática, p. 343 a 430. 249 APPLEBY, Rosalee M. O Espírito Santo – vida e poder, p. 7. 250 APPLEBY, Rosalee M. A Vida Abrasada Pelo Espírito , p. 1.

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de pessoas que, nas categorias pentecostais, por serem batizadas no Espírito Santo,

experimentariam fortes “tribulações” e dificuldades nas batalhas denominacionais.

Novamente assume-se, na estrutura de fundamentação de Appleby, uma tendência bíblica,

até mesmo o apóstolo Paulo foi mencionado para fornecer plausibilidade aos preceitos

experienciais do Movimento de Renovação Espiritual, o que conferiu aos integrantes do

Movimento uma consciência do belicismo que os perseguiria.

Appleby entende que havia, no período em que esteve no Brasil, um grande

avivamento no mundo. Desse modo, também alega que havia um avivamento em curso no

Brasil. A missionária diz que aquele período, provavelmente da década de 50, fazia parte do

“tempo mais oportuno na história da humanidade” e que existiam grupos ansiando por

avivamento no Brasil251. Para Appleby, o desejo por avivamento era uma obra do Espírito

Santo que queria impressionar a “sociedade e os homens de toda a parte” 252.

Desse modo, a influência de Rosalee Mills Appleby foi muito grande e,

através de suas aptidões literárias, ela fomentou o pensamento que embasou o Movimento de

Renovação Espiritual. Até mesmo os cristãos mais conservadores no âmbito da Convenção

Batista Brasileira tinham apreço pela missionária e talvez esse aspecto tenha propiciado uma

maior divulgação nas igrejas da Convenção Batista Brasileira.

“A missionária Rosalee Appleby já vinha, há anos, trabalhando e orando nesse sentido e esperando que o “avivamento viesse à pátria brasileira”. Ela era, realmente, a grande animadora de um despertamento no seio das igrejas. Com seus livros maravilhosos como Ouro, Incenso e Mirra, Melodias na Alvorada, Vida Vitoriosa, folhetos e palestras, ela ia, paulatinamente, semeando um ideal que, há muito, acalentava”. 253

Embora o trabalho literário de Appleby tenha sido assaz intenso e bastante

interessante para o embasamento do Movimento de Renovação Espiritual, também dois

homens, Enéas Tognini e José Rego do Nascimento, com o alcance pastoral bastante

alargado no âmbito batista, utilizaram-se da escrita sobre o Espírito Santo para movimentar

igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira.

Assim, foram lançados dois livros, a saber, Batismo no Espírito Santo, de

Enéas Tognini, e Calvário e Pentecostes, de José Rego do Nascimento. O livro de Tognini

251 APPLEBY, Rosalee M. Um Avivamento no Brasil, p. 3. 252 APPLEBY, Rosalee M. Um Avivamento no Brasil, p. 4. 253 FERREIRA, Ebenézer Soares. História dos Batistas Fluminenses, p. 164.

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fora lançado a 8 de fevereiro de 1960 e o de Rego, em junho de 1960. Portanto, a partir

dessas datas verifica-se um empenho bastante grande no intento de continuar consolidando e

difundindo idéias do Movimento de Renovação Espiritual.

Tais obras também têm a finalidade militante de fundamentar o que estava

sendo pregado pelo Movimento de Renovação Espiritual:

“O que nos moveu a preparar o conteúdo do presente volume foi definir nossa posição em face do Movimento de Renovação Espiritual, atendendo os reclamos instantes da presente conjuntura dos tempos. Deus chama os seus servos para a grande batalha da fé nos últimos tempos de apostasia”. 254

Sobre o seu livro, Rego traz palavras parecidas:

“O livro que o leitor tem em mãos representa a minha contribuição para a melhor compreensão da doutrina do Espírito Santo, nesta hora profética do ministério da Sua dispensação”. 255

Tendo sido prefaciado por Appleby, Batismo no Espírito Santo, de Tognini,

foi escrito no anseio de buscar fundamentos para o batismo no Espírito Santo e, assim,

demonstrar de forma prática como se poderia alcançar essa experiência religiosa.

Veja o que diz Tognini sobre o batismo no Espírito Santo:

“Foi qual um torneirão que Deus abriu no dia de Pentecostes. Abriu e continua aberto. Só será fechado quando o Senhor arrebatar a Igreja. Os sinais que ocorreram no dia de Pentecostes, podem se repetir se o Senhor julgar necessário numa ou noutra conjuntura.”256

Dessa maneira, Tognini alega a continuidade das “bênçãos” do “advento

cristão de pentecostes”, entretanto, reconhece-o como fato único ocorrido na história257.

Entretanto, o autor destaca que “novo nascimento é uma coisa e batismo no Espírito Santo

outra completamente diferente” 258.

Para Tognini, o batismo no Espírito Santo promove transformação, assim

como também inserção no Movimento de Renovação Espiritual. É, portanto, uma forma de

254 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 5. 255 NASCIMENTO. José Rego do. Calvário e Pentecoste, p. 11. 256 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 22. 257 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 31. 258 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 30 e 31.

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adesão, não somente a uma nova vida, mas também ao Movimento que estava em curso no

seio da Convenção Batista Brasileira.

Tognini refere-se a si mesmo como um privilegiado por ter o Espírito

Santo, bem como por viver uma vida correta no ministério, veja:

“Bendito seja Deus que me deu esta bênção preciosa, maravilhosa. Oh! Se todos os meus amados colegas de ministério e meus queridos irmãos experimentassem esta benção! Então, não haveria mais competições, e nem rixas, e nem partidos em nossas igrejas, nos trabalhos do Mestre. E com ela, Deus abriria caminho para bênçãos maiores de poder e graça para glória de Jesus, nosso Senhor!”. 259

Assim, para Tognini, viver uma nova vida seria viver a Renovação

Espiritual, através de posturas mais retas diante das situações pessoais e denominacionais260.

Dessa maneira, Tognini termina seu livro com 6 itens conclusivos: primeiro,

“não adianta concordarmos com o que escrevemos aqui e nem discordar”; segundo, “não

adianta gostar, aplaudir o que foi estudado”; terceiro, “não adianta fazer transferência de

responsabilidade e dizer: isto que foi escrito é excelente para fulano e beltrano não, essa

atitude é farisaica e só traz condenação”; quarto, “não adianta ter medo deste ou daquele.

Não adianta pensar que fulana é contra e beltrano é a favor”; e sexto, “Precisas parar um

pouco no caminho da tua vida, aceitar a repreensão do Senhor, endireitar os teus caminhos,

abandonar o pecado, renunciar os teus pretensos direitos, abrir mão de tudo, e render-te

incondicionalmente ao Senhor, de modo a dizeres como Isaías: “Eis-me aqui; envia-me a

mim”.

No entanto, mesmo com todos esses itens conclusivos, que alertam sobre

uma suposta necessidade de uma auto-avaliação, Tognini aconselha os leitores a que

busquem o “poder” do Espírito Santo por meio do “batismo no Espírito Santo”. Entretanto,

segundo Tognini, para que haja a “aquisição” da “bênção” do batismo, bem como da

plenitude do Espírito Santo, é necessário seguir os“7 passos” indicados por Andrew Murray:

primeiro, “Existe tal bênção para o crente”; segundo, “Ela é para mim”; terceiro, “Não a

possuo”; quarto, “Estou ansioso por obtê-la”; quinto, “Estou pronto a abandonar tudo o

259 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 45. 260 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 49.

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que me impede de recebê-la”; sexto, “Entrego-me agora completamente a Deus com o

propósito de recebê-la”; sétimo, “Recebo-a, agora, PELA FÉ”261.

Em seu livro, Calvário e Pentecostes, Rego do Nascimento torna clara sua

concepção acerca do batismo no Espírito Santo, porquanto, para o autor, trata-se de uma

“experiência da possessão plena do salvo pelo Espírito Santo e conseqüente purificação do

coração, e revestimento de poder para o serviço” 262. Desse modo, Rego acredita que:

“Ser batizado com o Espírito Santo e ser cheio do Espírito são, então, experiências inteiramente distintas. Ser batizado com o Espírito representaria o ato de recepção do Espírito na regeneração; ser cheio do Espírito é um processo que se executa paulatinamente na vida do salvo”. 263

Ainda segundo Rego, o batismo no Espírito Santo “é uma experiência

independente da regeneração e identificada com a purificação” 264. Outrossim,

concomitante a isso, o Espírito Santo, conforme o autor, deve ser percebido através de um

processo bastante complexo. Segundo Rego, se a experiência de alguém se estagna no

momento de sua salvação, embora tenha o Espírito Santo como fator “vivificante” para o seu

espírito, não desfrutará de uma possessão do Espírito e, por isso, ficará prejudicado em sua

vivência cristã. Destarte, na concepção de Rego, existem pessoas que têm o Espírito Santo,

mas que não o receberam de forma batismal e, desse modo, segundo o autor, o recomendável

é que deve haver uma possessão da vida da pessoa pela divindade.

“A doutrina do batismo no Espírito é a primeira importância depois do Calvário, por conseguinte, uma concepção clara, bíblica, desse ensino, impõe-se como a grande necessidade da igreja de hoje, como o foi para a igreja de ontem. Grandes são as bênçãos dispensadas pelo Senhor a uma alma possuída e usada pelo Espírito. Terrível e decepcionante será para a salvação negligenciá-la. Estará frustrado em sua possibilidade de santificação e serviço, e conhecerá de amarga decepção no grande dia, quando o Senhor pedir contas da sua mordomia. Busquemos, humildemente, com a ajuda do mesmo Espírito, a real significação do glorioso batismo. Êle nos dará sabedoria. Entremos no grande templo despojados de quaisquer preconceitos, pessoal ou mesmo denominacional, conscientes de que a terra que pisamos é santa”. 265

261 TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo, p. 68. 262 NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecostes, p. 36. 263 NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecostes, p. 36. 264 NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecostes, p. 37. 265 NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecostes, p. 60.

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Dessa forma, Rego não se limita a demonstrar o processo pelo qual ocorre o

batismo com o Espírito Santo, mas, além da necessidade de tal experiência, o autor também

explora os resultados experienciais de uma pessoa que adere aos fundamentos da doutrina do

Espírito Santo difundida pelo Movimento de Renovação Espiritual. Assim, a possessão da

divindade com relação à vida do sujeito religioso é marca fundamental do Movimento de

Renovação Espiritual, pois, desde o episódio na biblioteca do Seminário Teológico Batista

do Sul do Brasil, houve a inserção da experiência do êxtase e do transe como sinal de adesão

ao Movimento.

Além da literatura espalhada por Appleby e seus simpatizantes, também

algumas pessoas escreviam no “Jornal Batista”, sobre o avivamento que estava em curso no

Brasil. Um desses articulistas foi o pastor Ebenézer Soares Cavalcante266, um proeminente

pastor batista no período do Movimento de Renovação Espiritual.

No Jornal Batista de 9 de março de 1961 foi publicado um artigo intitulado

“Conceito bíblico de avivamento” cujo autor era Cavalcante. O referido artigo desvincula o

conceito de avivamento daquela época para caracterizá-lo de forma a demonstrar, através da

leitura dos salmos, um esforço de retorno aos preceitos das escrituras. Por isso, segundo

Cavalcanti, não há lugar no avivamento bíblico para “campanhas de avivamento espiritual”

e, tampouco, para receitas de experiências religiosas infalíveis267.

No dia 23 de março de 1963, no Jornal Batista, Cavalcante publicou um

artigo com o título “Atribuições especiais do Espírito Santo”. Em sua narrativa, o autor

alega-se mais tolerante com os batistas que estavam buscando coisas novas a respeito da

vitalidade espiritual da experiência religiosa. No entanto, Cavalcanti oferece ao leitor alguns

dos atributos do Espírito Santo e alega que nenhum dessas características do Espírito Santo

teria caráter emocionalista e sensacionalista268.

Cavalcante, em sua abordagem, buscando fundamentação na experiência

dos apóstolos diz que:

“Não há vislumbre de outros efeitos, de patéticos e dramáticos efeitos emocionalistas. Lemos que houve um lúcido e vigoroso testemunho da verdade, por meio de pregação que resultou em conversões. E só.” 269

266 Ver detalhes biográficos In: BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 19 a 30. 267 BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 189. 268 BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 216. 269 BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 217.

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Houve muito embate denominacional com as literaturas, porquanto

inúmeros artigos foram publicados afirmando, assim como Cavalcante, uma posição mais

conservadora, tendo em vista o grande volume de material escrito pelos componentes do

Movimento de Renovação Espiritual. Depois de tantas especulações e disseminações, na 44ª

Assembléia da Convenção Batista Brasileira, uma Comissão foi constituída para “estudar a

doutrina do Espírito Santo à luz do que” entendia-se “por doutrina batista”270. Parte do

trabalho da Comissão dos 13 foi publicado pela Casa Publicadora Batista, entretanto, alguns

membros da Comissão não tiveram voz. É bem verdade que, depois do primeiro parecer da

Comissão, Tognini e Rego se desligaram das atividades do grupo. Contudo, somente os

integrantes contrários aos preceitos do Movimento de Renovação Espiritual e os integrantes

supostamente neutros tiveram voz.

A fundamentação dos pareceres da Comissão dos 13 consolidou-se com

pequenas monografias que acompanharam a publicação do “Parecer da Comissão dos 13”.

Todas as monografias procuraram refutar as concepções pentecostais do batismo com o

Espírito Santo e, da mesma maneira, as experiências religiosas vivenciadas pelos sujeitos que

compunham o Movimento de Renovação Espiritual.

A primeira monografia, de Reinaldo Purim, acerca de “O Batismo no

Espírito Santo – Seu Significado Bíblico”, afirma que “à luz das escrituras” o “crente”, no

momento de sua salvação, passa a ter o Espírito Santo em sua vida. Da mesma forma, Purim

refuta a idéia de uma experiência de batismo no Espírito Santo após sua “conversão” e

“salvação” 271.

Delcyr de Souza Lima, também contrário ao Movimento de Renovação

Espiritual, descreveu acerca de “Duas questões sobre o batismo no Espírito Santo”. O

mencionado autor entende que o batismo no Espírito Santo é “um fato histórico para não

mais se repetir”. Desse modo, Lima encoraja os leitores a um processo bíblico de

“crescimento” e a “perseverança do estudo da palavra” 272.

270 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 11. 271 PURIM, Reinaldo. O Batismo no Espírito Santo – Seu Significado Bíblico. In. COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo, p. 34 e 35. 272 LIMA, Delcr de Souza. Duas Questões sôbre o batismo no Espírito Santo. In. COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo, p. 48.

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“O dom de línguas à luz do Novo Testamento”, cujo autor é João Filson

Soren, que supostamente era neutro na Comissão dos 13, abordando as experiências

religiosas de glossolalia, as quais eram vivenciadas entre os integrantes do Movimento de

Renovação Espiritual, alega a inexistência do referido “dom”, pois, para Soren, o que explica

essa expressividade é a “fraude”, a “ação diabólica”, a “sugestão hipnótica” e alguns

problemas de ordem psicológica273. Segundo Soren, portanto, não se deve dizer que o “dom

de línguas” é “obra do Espírito Santo” e não se pode “espiritualizar o que não é sinal de

espiritualidade”.

Acerca “Do dom de línguas na história”, fazendo uma abordagem factual,

José dos Reis Pereira diz que havia naquela época “uma revivescência glossolálica”

inclusive nas denominações históricas e, portanto, “até mesmo os batistas” estavam falando

em línguas274. Para Reis Pereira, esses “desvios doutrinários”, caracterizados pelas práticas

pentecostais, eram resultados de uma vida cristã vagarosa em termos devocionais. O autor

admite que, caso os batistas não se despertassem, continuariam sendo “presa de fanáticos ou

iluminados que” os levariam aos “descaminhos do pentecostalismo”.

“A questão das curas milagrosas”, da autoria de Harald Schaly, o qual era

contrário às crenças do Movimento de Renovação Espiritual, afirma que os milagres são

bastante raros e que a utilização dos serviços médicos deveria ser enfatizada nas igrejas

batistas. Schaly também diz que a maioria das supostas curas milagrosas, quer por meio de

pastores evangélicos, de santos católicos ou de médiuns espíritas “são falsas” 275.

David Gomes, membro supostamente neutro na Comissão dos 13,

abordando “A doutrina na cura divina biblicamente apreciada”, alega que o chamado

“movimento de cura divina” era contrário às doutrinas do Novo Testamento. Entretanto,

admite que, quando há uma intervenção divina também deve ocorrer a “glorificação de

Deus” por causa da benevolência divina 276.

O autor de “O dom da profecia nas igrejas do Novo Testamento” é Werner

Kaschel, cuja participação na Comissão dos 13 se deu como alguém que era tido por neutro.

Kaschel entende que, com a “Revelação de João”, no livro de “Apocalipse”, se finda a era

273 SOREN, Josão F. O Dom de Línguas à Luz do Nôvo Testamento. In. COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo, p. 68 e 69. 274 SOREN, Josão F. O Dom de Línguas à Luz do Nôvo Testamento. In. COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo, p. 68 e 69. 275 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 112. 276 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 126.

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da profecia. Segundo o autor, “desde que se completou o Novo Testamento”, Deus não

forneceu “nenhuma revelação” complementar 277.

Desse modo, verifica-se que o Movimento de Renovação Espiritual divergia

das concepções dos batistas brasileiros acerca da doutrina do Espírito Santo. Por isso, o

conservadorismo batista reagiu às expressões pentecostais nas literaturas dos sujeitos

religiosos vinculados ao pentecostalismo que surgiu no seio da denominação batista. Houve

uma grande produção de literaturas, tanto por parte dos integrantes do Movimento de

Renovação Espiritual, como também por meio daqueles que eram contrários aos

fundamentos das experiências religiosas vivenciadas pelo referido Movimento.

As literaturas revestiram os discursos de belicosidades. De modo que,

através das apologias, constata-se um belicismo denominaciona l em que todos os que

vivenciavam uma experiência queriam fazê- la valer. A nitidez da batalha e dos confrontos

era tão notável que, segundo o antelóquio do “Parecer da Comissão dos 13”, havia duas

ramificações que eram compostas por sujeitos religiosos pertencentes ao renovacionalismo e

por sujeitos fortemente vinculados ao conservadorismo. Ainda no mencionado antelóquio,

constata-se que os renovadores foram definidos como aqueles que “desfraldaram, no Brasil,

a bandeira do movimento denominado Renovação Espiritual” e, por sua vez, o

conservadorismo era identificado como “aqueles que se mantiveram féis aos pensamentos da

Convenção Batista Brasileira”, consoante a doutrina do Espírito Santo278. Segundo

Fernandes, como se mencionou, existiam trincheiras formadas no interior da Convenção

Batista Brasileira279 e, por certo, também se viam discursos diversos, mas revestidos de

belicosidade apologética.

Entretanto, ressalte-se que os documentos produzidos por essas redes de

poder criaram grandes confrontos. Cada rede militava contundentemente por suas

afirmações, pois, em cada página das supostas fundamentações doutrinárias é possível notar

grandes embates pela vontade de ter a “verdade”. Ora, os sujeitos religiosos que, após

experiências pentecostais, aderiram às concepções do batismo no Espírito Santo como algo

subseqüente passaram a divergir com os que não acreditam dessa forma. Contudo, seria uma

luta pela fundamentação ou uma fundamentação para a luta? Seja como for, sabe-se que há

277 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo., p. 133. 278 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 6. 279 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 16.

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uma grande batalha em torno da verdade de um discurso e, obviamente, tal verdade confere

uma transmissão do poder que se exerce nas redes e no interior da história denominacional.

“Há um combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade” – entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder”; entendendo-se também que não se trata de um combate “em favor” da verdade, mas em torno do estatuto da verdade” . 280

Assim, o que impulsiona o interesse pela verdade é o desejo político pelo

exercício dos efeitos de poder que ela pode conferir. Portanto, os exercícios fiscalizadores

ocorrem em todo o modelo disciplinar, pois a própria evidenciação de belicosidade nas

literaturas gera conhecimento não somente de posições e de fundamentações doutrinárias,

mas também de sujeitos que se posicionam de forma a exercer suas vontades de verdade a

fim de que, através dos discursos, as ações diversas fossem legitimadas no seio da

Convenção Batista Brasileira.

Houve, portanto, a instauração de uma inquietação frente à vigilância

generalizada e aos discursos. Assim também ocorreu com a recepção e reapropriação desses

discursos que, no seu decorrer processual, gerou amplo incômodo nos sujeitos religiosos que

diziam e ouviam os discursos das múltiplas redes de poder. O discurso, transitório no seu

exercício, mas eficaz no transpassar de seus efeitos, através do desconforto causado na

denominação, ocasionou perigos que não se imaginava, pois, a princípio, achava-se em

questão experiências religiosas vividas nos decorrer da cotidianidade, entretanto, é possível

supor que a belicosidade do discurso também incutiu inquietação na Convenção Batista

Brasileira.

Acerca da inquietação do discurso, Foucault diz:

“inquietação diante do que é o discurso em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita; inquietação diante dessa existência transitória destinada a se apagar sem dúvida, mas segundo uma duração que não nos pertence; inquietação de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias,

280 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.13.

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ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades”. 281

Certamente, os textos apologéticos que foram escritos, quer por integrantes

do Movimento de Renovação Espiritual, quer por conversadores da Convenção Batista

Brasileira, configuraram situações de encorajamentos para as batalhas e, possivelmente,

motivaram as decisões regidas na política denominacional, as quais se verá posteriormente.

As inquietações ocasionadas pelos muitos discursos, devido às suposições

referidas por Foucault, denotam uma fragilidade institucional acerca das fundamentações

doutrinárias, pois a Convenção Batista Brasileira, com a formação da Comissão dos 13, além

de admitir a “vontade de verdade”, admitiu uma debilidade doutrinária no que tange à

doutrina do Espírito Santo que, como se verá, não estava tão bem solidificada.

Entretanto, mesmo com a consistência da argumentação de Foucault acerca

da relação entre a inquietação e o discurso, o autor suscita a seguinte pergunta: “Mas o que

há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem

indefinidamente?” 282. Em seguida, o autor concede sentido à sua pergunta quando atrela a

formação de discurso a uma sociedade de produção dos referidos discursos, porquanto há um

controle na presente sociedade, bem como nas instituições que seleciona, que organiza e que

redistribui procedimentos que exorcizam poderes e perigos, disseminando-os de forma

generalizada283. Por isso, além dos discursos oficialmente disseminados pela Convenção

Batista Brasileira, há os que se fazem ouvidos por sujeitos com experiências múltiplas, o que

faz proliferar indefinidamente inúmeras idéias e formatos experienciais da fé.

Desse modo, o dispositivo panóptico preza pela visibilidade, pois “a

“verdade” está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam” 284.

Portanto, a dominação dos corpos através do olhar e a conseqüente “docilidade” e

“utilidade” são produções de um sistema vinculado à vigilância, bem como à verdade

transparecida do sujeito vigiado. Por isso, o dispositivo panóptico incomoda a ponto de

dominar o submetido pelo controle de seu corpo e seu discurso.

Para Foucault, o panóptico funciona como “uma espécie de laboratório do

poder”. Por isso, seus mecanismos de observação ganham “em eficácia e em capacidade de

281 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 8. 282 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 8. 283 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 8 e 9. 284 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.14.

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penetração no comportamento dos homens”, donde se verifica “um aumento de saber” em

todas as frentes de poder 285. Segundo Foucault, a “questão política não é o erro, a ilusão, a

consciência alienada ou a ideologia; é a própria verdade” 286. Assim, o discurso literário ou

qualquer que seja, estando propenso a se vincular ou a se desligar de um Movimento,

também denota uma política institucional em terno da verdade. Ora, a política institucional

está contida na “vontade de verdade” dos sujeitos religiosos que regem o seu andamento e,

no caso em tela, os muitos discursos exerceram impacto nas igrejas batistas e foram vigiados

pela Comissão dos 13.

Portanto, a história denominacional pode ser averiguada, mesmo com o uso

do material apologético ou do material romantizado pala literatura, nas suas inúmeras

manifestações belicosas em torno que aspectos doutrinários divergentes e legitimadores das

atitudes de poder. Como se viu, a questão política é uma dimensão do próprio desdobramento

da verdade. Sendo que, para Foucault, verdade é poder.

3.4. Os pareceres da Comissão dos 13: um cisma na Convenção Batista Brasileira

Pretende-se suscitar, após a descrição factual que se objetiva, ainda que

brevemente, alguns elementos importantes da aula inaugural proferida por Michel Foucault no

“Collège de France”, a 2 de dezembro de 1970. No discurso de Foucault acerca de “A ordem

do discurso”, é possível encontrar bases sólidas para se pensar em abordagens sobre sistemas

de exclusão. Outrossim, verificar-se-á uma tentativa de “vigilância” através da Comissão dos

13 que, na verdade, trabalhou com uma “vontade de verdade” e, inusitadamente, em uma

operação de avanço na tecnologia do poder, ao mesmo tempo um retrocesso inquisitorial de

regresso ao desejo de “punir” bruscamente, como num processo medieval da disseminação

do medo. Não obstante, também posteriormente à narrativa factual, entretecer-se-á uma breve

abordagem da “disciplina” de Foucault na “antidisciplina” de Certeau, a saber, uma

operacionalização do panóptico nos lugares praticados propostos por Certeau.

Por entre o desejo de falar, de fundamentar para lutar e de vigiar para

controlar, eis que o discurso havia se acentuado de forma bastante perspicaz no bojo dos

285 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 169. 286 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p.14.

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trabalhos doutrinários, com a formação da Comissão dos 13. No funcionamento de um

dispositivo panóptico, criou-se uma situação de vigilância plena, em que a belicosidade do

discurso agravou-se e eclodiu nas decisões institucionais mais relevantes para a culminância

no primeiro cisma da Convenção Batista Brasileira.

Assim, na 44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira, ocorrida em

janeiro de 1962, na cidade de Curitiba, constituiu-se um dispositivo panóptico condizente

com uma disciplina fiscalizadora. Entretanto, não se tratava somente da consolidação de tal

dispositivo, mas também se alimentou a expectativa sobre uma produção em torno de uma

“vontade de verdade” acerca da doutrina do Espírito Santo, o que indica não somente uma

fragilidade teológica na denominação, mas também um desejo por compreender melhor seus

fundamentos teológicos, tendo em vista a necessidade daquele ensejo.

Segundo Rubens Lopes:

“Os fatos vieram demonstrar que esse dispositivo foi bem armado. É verdade que não houve o desejado acordo, porque o problema tem raízes doutrinárias”. 287

Suscita-se, portanto, a seguinte pergunta: de que fatos estava falando o

presidente Rubens Lopes? Acaso seria o fato do cisma ocorrido na Convenção Batista

Brasileira? Ora, o que se sabe é que houve a intenção acerca da criação de um dispositivo que

pudesse incitar buscas pela “verdade”, o que evidentemente está fortemente vinculado aos

esforços do exercício da vigilância. A Comissão dos 13 teria sido um dispositivo disciplinar

armado para contornar as divergências doutrinarias e solidificar a doutrina do Espírito Santo

ou teria se formado um sistema de exclusão pela vontade de verdade? Deve-se considerar que

havia membros favoráveis e contrários ao Movimento de Renovação Espiritual, entretanto,

mesmo assim, haviam 7 supostos neutros que, na verdade, posicionaram-se de forma contrária

ao Movimento.

A Comissão trabalhou durante um ano depois de sua formação. Após o

trabalho que desenvolveram, decorrido algum tempo, aconteceu a 45ª Assembléia da

Convenção Batista Brasileira, reunida com a Primeira Igreja Batista de Vitória em 26 de

287 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 9.

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janeiro de 1963, na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo 288. Existem atas das reuniões

da Comissão dos 13, contendo detalhes bastante interessantes sobre as discussões 289.

No ensejo da Assembléia, os congregacionais puderam ouvir o primeiro

relatório da Comissão dos 13, contendo o parecer oficial da Comissão 290. O relatório foi lido

por José dos Reis Pereira e não por Rubens Lopes, pois este último estava na presidência da

Assembléia. Segundo o “Relatório da Comissão sobre o problema denominacional

relacionado com a doutrina do Espírito Santo”, a Comissão dos 13 “realizou 14 reuniões em

ocasiões distintas em São Paulo, Rio e Vitória”. As reuniões teriam sido “demoradas e os

assuntos” teriam sido discutidos “com todo vagar, com oração e elevação espiritual”.

O primeiro item do parecer traz a alegação de que, “dada a natureza da

matéria, a Comissão não apresenta um parecer final e, por isso, não define, nesta conjuntura,

a doutrina bíblica do batismo no Espírito Santo”. Interessante é a percepção de que, mesmo

depois de um ano, com prováveis estudos teológicos, não se pôde apresentar, com base no

pensamento batista, um parecer que aclarasse definitivamente o que os batistas entendiam

sobre o Espírito Santo. Seria essa indefinição um motivo para que se fizesse mais um ano de

estudos ou realmente o aporte da doutrina batista e os estudos teológicos realizados pela

Comissão dos 13 não seriam suficientes para fazer as afirmações necessárias?

No segundo item encontra-se uma justificativa para a omissão quanto à

definição da doutrina do Espírito Santo. Para a Comissão, “a expressão “batismo no Espírito

Santo” nunca foi definida em declarações de fé publicadas pelos batistas”. Além disso,

reconhece-se que há muita divergência no trato dessa doutrina, pois os teólogos e pastores

batistas não eram tão conclusivos quanto às opiniões. Seria esse o motivo real de não se fazer

uma definição sobre a doutrina do Espírito Santo ou queriam prolongar as divergências entre

os líderes batistas?

Porém, mesmo reconhecendo a impossibilidade de ousar definições sobre a

doutrina do Espírito Santo, a Comissão diz que “a crença no batismo no Espírito Santo como

uma “segunda bênção”, ou seja, como segunda etapa na vida cristã ou seja ainda como uma

nova experiência posterior à conversão não tem sido crença que caracterize os batistas

brasileiros”. Com isso, parecem indicar a impossibilidade de se cultivar, nas igrejas batistas,

as experiências pentecostais referentes ao batismo no Espírito Santo.

288 Cf. TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 130. 289 Convenção Batista Brasileira. Atas da Comissão dos 13 constituída pela 44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira. In: Atas, Relatórios e Pareceres da 45ª Assembléia Anual, p. 180 a 188. 290 No anexo 7 consta o relatório na íntegra.

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Da mesma forma, assim como a Comissão rejeitou o batismo com o Espírito

Santo num momento subseqüente ao da salvação entendida nas categorias batistas, também

defendeu que “a prática do que ainda hoje chama de “dom de línguas” e “dom de curas

milagrosas” é igualmente estranha às crenças e práticas características dos batistas

brasileiros”.

Assim, a Comissão dos 13 advogou com veemência que o consenso dos

batistas sobre a atuação do Espírito é “que ela se faz como um processo em toda a sua vida,

processo esse que chamavam “de “santificação progressiva” a qual depende da cooperação

do próprio crente”.

A Comissão entendia e fez constar que, para o sujeito que havia vivenciado a

experiência religiosa, ela era, de fato, genuína. Entretanto, “de modo nenhum” poderia

“constituir um exemplo ou um padrão a ser imitado por outros crentes, tampouco pode

constituir base para doutrinamento dos outros ou para campanhas de avivamento”.

Embora a Comissão tenha feito as afirmações acima mencionadas, ainda

assim, no terceiro item alegou que não havia “divergência entre os batistas da Convenção

Batista Brasileira nos pontos fundamentais que são os que constam da “Declaração de Fé

das Igrejas Batista do Brasil”.

A Comissão dos 13, no quarto item, “achava” que deveriam reafirmar o

direito de que “cada batista” poderia pronunciar-se livremente “sobre sua matéria, mas em

linguagem cristã em que perceba preeminência do amor e o sincero desejo de um

fortalecimento espiritual”.

No quinto item, os integrantes da Comissão dos 13 “achavam” que a ênfase

na “doutrina do batismo no Espírito Santo” estava originando alguns “abusos”, a saber, em

primeiro lugar, “a realização de reuniões em que notam os mesmos vícios próprios de

reuniões pentecostais; isto é, a confusão no ambiente, a gritaria, os descontroles físicos, o

falar de línguas e outros excessos de emocionalismo”; em segundo lugar, havia, “uma

atitude de orgulho espiritual que não” queria “admitir opiniões opostas e que classifica os

que não experimentam as mesmas emoções e experiências de carnais e mundanos”; em

terceiro lugar, haviam “tentativas ostensivas ou veladas de proselitismo entre outras

igrejas”.

No sexto item, verifica-se que a Comissão dos 13 “achava conveniente que”

aquela Convenção advertisse aos que porventura assim procedam, que estão saindo fora da

linha apostólica da ordem e da decência e que prejudicam com tal comportamento as

relações entre as igrejas”. Mediante a essas afirmações, a Comissão dos 13 parece indicar

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certa sensibilidade ecumênica, porquanto seus integrantes repudiaram o proselitismo e a

veemência das ações ostensivas dos militantes do Movimento de Renovação Espiritual.

A Comissão, por fim, no sétimo item, sugeriu três coisas. Em primeiro lugar,

que houvesse “por parte dos pastores e dos crentes em geral um estudo mais objetivo da

obra e principalmente do método de atuação do Espírito Santo”. Em segundo lugar, “que os

crentes e igrejas se” abstivessem “de atitudes precipitadas e hostis mesmo quando”

estivessem “separados uns dos outros por divergências doutrinárias no tocante à obra do

Espírito Santo”; e, finalmente, em terceiro lugar, “que, aprovado este parecer, a Comissão

continue suas reuniões e observações, examinando, inclusive, experiências espirituais de

diversos irmãos e obreiros e apresentando no próximo ano parecer final sobre a matéria de

que também constem os resultados práticos da decisão ora tomada”.

Ao final das muitas discussões e da fala de diversos oradores, que mais

divergiam do que se faziam cordatos, o plenário aprovou por unanimidade o parecer da

Comissão dos 13 291.

Após a aprovação, em meio a muita confusão plenária, o pastor Nilson

Rodrigues Costa perguntou qual seria o andamento sobre o último ponto do parecer, a

respeito da continuidade dos trabalhos da Comissão dos 13. A mesa esclareceu à Costa que os

trabalhos continuariam para que houvesse plausibilidade nas definições e análises quanto à

doutrina do Espírito Santo.

O primeiro parecer da Comissão dos 13 e a proposta de continuidade dos

trabalhos suscitam um questionamento fundamental. Por que Rubens Lopes, presidente da

Comissão, entendeu que seria necessário continuar estudando a doutrina do Espírito Santo se

a Comissão já havia apresentado um parecer? Por que seria necessário levar os

questionamentos adiante se já haviam sido feitas diversas recomendações? A tarefa da

Comissão dos 13 era mesmo “estudar a doutrina do Espírito Santo” ou havia algo a mais?

Afinal, tratava-se de uma resolução doutrinária ou de um confronto de poder?

Tognini também faz um questionamento parecido:

“Na segunda etapa discutir-se-iam outros aspectos da doutrina do Espírito Santo e dons espirituais. Em Vitória, dei por terminado o meu trabalho na Comissão dos Treze. O relatório contou com a aprovação de seus treze membros. No meu modo de ver, deveríamos pôr aí, ponto final. Continuar seria interferir em questão de consciência e tocar em pontos secundários em doutrinas, nos quais os batistas não são unânimes. Percebi que o

291 . TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 134.

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pastor Rubens almejava definir determinados pontos doutrinários sobre o Espírito Santo para declarar: “isto é doutrina batista. Se você concorda é batista, se discorda, não é batista”. Ora, isso nunca foi espírito batista, antes é uma coerção descabida e imperialista” . 292

A Convenção Batista Brasileira parece ter sido mais ponderada do que a

Convenção Batista Mineira. Porém, ainda assim, intentou, através do dispositivo disciplinar,

uma vigilância através de uma visão generalizada sobre o andamento das ações e das

literaturas, bem como da política denominacional. Para Tognini, Rubens Lopes quis, na

verdade, definir aqueles que eram batistas e os que não o eram. Contudo, o presidente da

Convenção Batista Brasileira alega que a Comissão dos 13 se referia a um “shake-up”

denominacional impulsionado pelo Movimento de Renovação Espiritual293. Portanto cabe a

pergunta: Quando alguém está disposto a fazer um “shake-up”, também está disposto a

propor um discurso de exclusão que opera na busca pela “verdade” politizada? Ou então: Por

que alguém, como presidente da Convenção Batista Brasileira, quereria montar o desconforto

de um discurso inquietante?

Desse modo, a Comissão, de fato, continuou seus trabalhos; contudo, ficou

sem três dos seus integrantes, Enéas Tognini em agosto de 1963, José Rego do Nascimento

em outubro do mesmo ano e Thurmon Bryant, que teria viajado de férias para os Estados

Unidos. Segundo Rubens Lopes, a Comissão foi reduzida a 10 pastores, no entanto,

prosseguiu em seus trabalhos. Para Tognini, “o prosseguimento da Comissão dos Treze seria

fator decisivo para dividir a denominação” 294. No entanto, também se observa que o

Movimento de Renovação Espiritual foi irredutível e não parou a militância, pelo contrário,

intensificou suas ações através de seus propagandistas e propositores, o que transgrediu o que

fora recomendado pela Comissão dos 13.

A 46ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira, reunida na cidade de

Recife, na segunda quinzena de janeiro de 1964, congregada no templo da Igreja Batista da

Capunga, na sexta sessão da assembléia, abriu a oportunidade, como estava predeterminado,

para o relatório da Comissão dos 13 acerca da doutrina do Espírito Santo.

292 . TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 134 e 135. 293 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 6 e 7. 294 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 135.

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O relatório da Comissão dos 13, apresentado na 45ª Assembléia da

Convenção Batista Brasileira, foi reiterado quase que de forma absoluta, com alguns

acréscimos 295. Entretanto, houve uma recomendação suplementar. Recomendou-se:

“1. Que as igrejas, orientadas por seus pastôres, sejam intransigentes no repúdio ao mundanismo e se esforcem no cultivo de uma vida espiritual intensa, cujos frutos se manifestem na conversão de almas, no gôzo cristão e na edificação dos fiéis. (Êste ponto foi aprovado, por unanimidade, na 8.ª sessão). 2. Que os pastôres realizem estudos a respeito da doutrina do Espírito Santo, ministrando o ensino correto das Escrituras sobre o assunto, bem como levando suas igrejas a realizarem estudos sôbre a doutrina do Espírito Santo através das Escolas Dominicais, usando para isso a revista especial a ser preparada pelo Departamento de Escolas Dominicais, de acôrdo com decisão já tomada por esta Convenção (Aprovado) 3. Que as igrejas e pastores que se tenham afastado das doutrinas batistas e se aproximado das doutrinas pentecostais sejam convidados com todo amor a um reestudo de sua posição à luz do parecer ora apresentado. Caso persistam em manter pontos de vista contrários à posição doutrinária sustentada pela Convenção Batista Brasileira, sintam-se à vontade para uma retirada pacífica e honrosa, em benefício da paz na causa de Deus. Tal recomendação se limita àqueles que fazem de suas convicções divergentes motivo de atividade ostensiva, provocando inquietação, confusão e divisão (Aprovado na 8.ª sessão, por 422 a 14 votos)” . 296

De fato, em linguagem levemente charmosa na sua forma, a “recomendação

suplementar” convida aos pastores e igrejas militantes no Movimento de Renovação

Espiritual, que estavam no escopo da Comissão dos 13, em que 3 eram contrários e, agora, os

6 neutros pareciam, de igual forma, ser também contrários, a que deixassem a Convenção

Batista Brasileira. Segundo a referida recomendação, essas pessoas, como atividades

ostensivas, estavam “provocando inquietação, confusão e divisão”. Portanto, a doutrina do

Espírito Santo foi mais bem elaborada e a Comissão dos 13 fez um trabalho bastante sólido

para consolidá- la no âmbito da instituição. Dessa forma, aquele que fosse contra os cânones

da Comissão, e que estivesse “provocando inquietação, confusão e divisão”, foram

convidados a uma retirada. Ora, uma das características de uma instituição é a constituição

295 No anexo 8 consta o relatório na íntegra. 296 Convenção Batista Brasileira. Ata da Convenção Batista Brasileira. In: Atas, Relatórios e Pareceres da 46ª Assembléia Anual, p. 171 e 172.

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normativa de seus fundamentos, pois estabelece seus limites e delimita as ações decorrentes

dos seus membros. Assim, não é possível estar numa instituição e contrariar seus cânones.

Desse modo, a “declaração final da Comissão dos 13” foi votada e aprovada

com 459 favoráveis e 67 contrários. Contudo, depois da aprovação, alguns dos 67

mensageiros que haviam votado contra o “parecer final” encaminharam uma “proposta

especial” ao plenário congregacional 297. Os proponentes alegavam-se neutros em relação às

duas correntes e diziam-se interessados pela “causa de Deus”.

A “proposta especial” foi escrita pelos pastores Tiago Nunes de Lima, Silas

de Brito Lopes, Valvídio de Oliveira Coelho, João Duduch, Isaías Batista dos Santos, James

E. Musgrave Jr, A. Antunes de Oliveira, Elias Brito Sobrinho e Tito Assis Ribeiro. Tal

proposta alertava para o fato de que a Convenção Batista Brasileira, em reunião plenária,

havia aprovado “por maioria esmagadora o parecer inicial da Comissão dos Treze”, em que

constava a impossibilidade de definição sobre a doutrina do Espírito Santo. A “proposta

especial” também advertiu acerca da impossibilidade de atender o terceiro item da

“recomendação suplementar” da chamada Comissão dos 13, tendo em vista o curto espaço

de tempo que se estava oferecendo para os reestudos acerca das divergências doutrinárias.

A proposta foi a seguinte:

“a) Que o parecer da Comissão dos Treze fique sobre a Mesa até a próxima Assembléia Convencional, a fim de dar tempo a que se ponham em prática diversas recomendações do próprio documento. b) Que o parecer, as atas e seus anexos, as monografias e outros documentos relacionados com a matéria, seja publicados no Jornal Batista, sob a supervisão do seu redator, para que haja ampla oportunidade de esclarecimentos do nosso povo até a próxima Assembléia Convencional”. 298

A “proposta especial”, que concedia uma reavaliação das posições político-

doutrinárias, não “passou” pelo plenário, pois recebeu 456 votos contrários e apenas 172 votos

favoráveis. Segundo Tognini, os líderes estavam desejando ultimar os trabalhos da Comissão

dos 13 299.

Houve um período bastante efervescente entre o ano de 1964 e 1965, porque

o Movimento de Renovação Espiritual estava realmente impactando o cenário batista das

igrejas locais. Segundo Ferreira, o “fermento” havia atingido o campo fluminense, através da

297 No Anexo 9 a “proposta especial” é reproduzida na íntegra. 298 Ver Anexo 9. 299 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 143.

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Igreja Batista do Fonseca, presidida e pastoreada pelo pastor Samuel Chagas, o qual tinha

chegado de São Paulo com afigurações pentecostais. Conforme o autor, Chagas levou a Igreja

a excluir alguns membros que lhe eram opositores nos anseios carismáticos.

“As igrejas de Niterói estavam apreensivas e perplexas com o que se passava. Em conseqüência disso, em 12 de novembro de 1963, a Associação Batista Niteroiense enviou à Igreja do Fonseca uma carta pedindo que ela se definisse, no prazo de três meses, sobre seu comportamento doutrinário. “O pastor comentou sobre a carta dizendo que era iníqua e que não se devia responder”.300

A Convenção Batista Fluminense foi chamada para participar das

conversações acerca da Igreja Batista do Fonseca. O presidente daquela Convenção, Ebenézer

Soares Ferreira, se reuniu com o grupo insatisfeito da Igreja, bem como com um grupo que

estava com Chagas.

“O Pastor Samuel Chagas compareceu com um grupo de irmãos que já estavam bem “chumbados” com os ensinos e práticas pentecostais, trazendo um memorial no qual, defendendo-se, acusava-se mais ainda. Em certa parte do documento ele afirmava: O batismo do Espírito Santo é experiência distinta do novo nascimento (regeneração e conversão). É a segunda bênção, pela submissão, total entrega, segunda a obra da graça, plenitude do Espírito”. 301

Curiosamente, quer por acaso ou por premeditação devido à confusão dos

pastores e igrejas em Niterói, a 47ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira foi realizada

em janeiro de 1965, no templo da Igreja Batista de Niterói. O presidente Rubens Lopes

alegrou-se pelo grande número de mensageiros que se fizeram presentes ao encontro plenário.

O assunto que estava sendo tratado naquela Assembléia Convencional era

uma campanha de evangelização. Portanto, o ano de 1964 para os batistas foi motivado por

um preparo com a finalidade de conduzirem as igrejas no ideal de evangelização, a fim de

cumprir os objetivos da idealizada campanha de evangelização que ocorreria no ano de 1965.

No entanto, os caminhos da Assembléia foram se modificando, pois de evangelização o

assunto rumou para o Movimento de Renovação Espiritual 302.

300 FERREIRA, Ebenézer Soares. História dos Batistas Fluminenses, p. 165. 301 FERREIRA, Ebenézer Soares. História dos Batistas Fluminenses, p. 165. 302 PEREIRA, J. Reis. História dos batistas no Brasil, p. 257.

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As sessões foram dirigidas pelo mencionado presidente, que orou para que

Deus os ajudasse a resolver os problemas em torno das decisões que seriam tomadas naquela

Convenção, consoante ao Movimento de Renovação Espiritual. De saída, há uma proposta de

resolução do assunto “doutrinário” do Movimento de Renovação Espiritual e das igrejas

envolvidas com ele. O pastor Trascy R. dos Santos propôs, com bastante eloqüência, que

diante da importância do assunto, a Convenção Batista Brasileira deveria formar uma

comissão para um estudo sobre possíveis eliminações de igrejas arroladas.

“A partir da sessão de 2ª feira, 25, a Convenção tomou outro rumo. A assembléia rejeitou um parecer que previa o adiamento de matéria controvertida: os problemas causados pela atuação do movimento denominado “Renovação Espiritual”. Praticamente três sessões, de tempo prorrogado, foram gastos no debate desse problema. O resultado foi a não realização do programa relacionado com a Campanha e a impossibilidade de discutir outros assuntos trazidos pelos pareceres. Mas quem pode prever os rumos de uma assembléia batista? Os que contrariaram o adiamento argumentaram que esse assunto vinha-se arrastando desde 1959 e era tempo de dar uma definição. Assim entendeu a maioria absoluta dos mensageiros e assim foi feito” 303.

Entretanto, substitutivamente, o pastor Isaías Barcelos de Oliveira fez outra

proposta:

“que esta Convenção desligue, do seu rol de igrejas cooperantes, todas as que foram excluídas das Convenções Estaduais, por motivo de sua identificação doutrinária-prática com o movimento renovacionista pentecostal, ora em curso no Brasil, sempre que solicitada a fazê-lo e que a Convenção Nacional evite trazer para o seu rol cooperativo, igrejas que não tiverem sido previamente ligadas às Convenções Estaduais e ao mesmo tempo desligue se houver qualquer Convenção Estadual ligada ao movimento supracitado”. 304

Após a proposta acima transcrita, 38 oradores inscreveram-se para abordar a

proposta de Oliveira. Na sessão do dia 27 de janeiro, os trabalhos tomaram rumos decisivos,

pois, depois de muita confusão plenária, depois de pronunciamentos, depois de

esclarecimentos diversos, a questão encaminhou-se para as propostas finais.

O pastor Delcyr de Souza Lima, integrante da Comissão dos 13, sugeriu uma

emenda “à primeira propositura da proposta de Isaías Barcelos de Oliveira”:“De que,

303 O Jornal Batista. Rio de Janeiro, fev. 1965. 304 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 151.

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doravante, passe a considerar para desligamento todos os casos que venham ser solicitados

por convenções estaduais”. 305

A primeira votação se procedeu com a emenda e o plenário aprovou por 912

votos, contra 60. A proposta com a emenda ficou assim transcrita:

“Que esta Convenção desligue do seu Rol de Igrejas Cooperantes todas as que foram excluídas das Convenções Estaduais, por motivo de sua identificação doutrinária-prática com o movimento Renovacionista Pentecostal, ora em curso no Brasil, e que, doravante, passe a considerar para desligamento, todos os casos que venham a ser solicitados por Convenções Estaduais”. 306

Alguns dos congregacionais entenderam que a proposta havia sido feita e

votada para que se excluíssem apenas as seguintes igrejas: Igreja Batista do Fonseca e a

Igreja Batis ta de Sião, no Estado do Rio de Janeiro e no Estado do Espírito Santo,

respectivamente. Contudo, a imprevidência se deu muito provavelmente devido às

“acaloradas discussões” plenárias. Ressaltou-se, diante disso, que, em verdade, a proposta era

destinada a todas as igrejas que participavam, de alguma maneira, do Movimento do caso em

tela307. Assim, houve a segunda votação:

“Plebiscito. Depois de responder à consulta que lhe foi endereçada sobre a interpretação que dava à proposta Isaías Barcelos, a mesa, não querendo que sua vontade prevalecesse remeteu o assunto para o plenário. Este respondeu por 467 votos contra 28, que votou pelo desligamento de todas as igrejas ostensivamente ligadas com o movimento renovacionista, interpretação que foi esposa também pela mesa”.

O plebiscito foi realizado e consumou-se a proposta que provocou o

primeiro cisma denominacional na Convenção Batista Brasileira. Entretanto, houve mais

uma votação, a terceira que aludia à possibilidade da formação de uma comissão para

estudar as conseqüências da decisão tomada Pela Convenção de retirar as igrejas do

Movimento de Renovação Espiritual do seu rol de igrejas cooperantes.

“Na terceira votação, o plenário aprovou o Parecer da Comissão Especial encarregada de estudar as conseqüências de decisão tomada pela Convenção a respeito das Igrejas de Renovação Espiritual, sendo que aqui a aprovação foi quase unânime: 351 votos a favor e

305 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 154. 306 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 154. 307 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 155.

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1 (um) contrário. Vale notar que, dentro dessa Comissão Especial, composta de onze membros houve cinco votos vencidos”.308

É relevante perceber que, na “declaração de votos”, em que alguns dos

congregacionais expressaram os motivos pelos quais votaram contrariamente a proposta de

Oliveira, verificam-se diversas palavras de indignação pela ação de sujeitos que, como

instrumentos do poder, tiveram de recorrer à exclusão e à ação medievalesca bastante

parecida com um processo inquisitorial.

Segundo A. Antunes de Oliveira:

“Voto contra – portanto, no caso, voto vencido – por dois motivos: A – A principal implicação da proposta Barcelos violenta, frontalmente, o sagrado princípio de defesa do acusado: isto quer dizer que a proposta em foco julga e condena, sem depoimentos, sem autos e sem defesa, apenas julga e condena, ouvindo terceiros mas não os acusados; B – que o parecer não está de acôrdo com a própria proposição Barcelos e a decisão do plenário, quando nomeou a Comissão, com o objetivo de estudar implicações do votado: o parecer vai mais além de estudos e implicações. A. Antunes de Oliveira” 309.

Após a manhã do dia 28, quando houve a exclusão das igrejas pertencentes ao

Movimento de Renovação Espiritual, 32 igrejas, assim como na Convenção Batista Mineira,

foram excluídas com tal proposta. No entanto, A. Antunes de Oliveira manifestou-se contrário

declarando que os “acusados” não tiveram direito à defesa. A. Antunes de Oliveira também

declarou que o parecer “vai além de estudos e implicações”, ou seja, o parecer de fato denota

um processo inquisitorial em que igrejas foram desaroladas.

“À Secretaria da C.B.B. – Nesta. Eu, abaixo assinado, declaro ter votado contra a todo o parecer da Comissão dos 12 por julgar que no mesmo implicitamente se ensina ser a Convenção maior do que a igreja local, o que é anti-bíblico e anti-batista. Além disso, a decisão é anti-jurídica e anti-cristã, por excluir coletividade sem identificação e sem o direito de defesa ás igrejas da Convenção do Estado de Minas. Também é fato que a decisão, sôbre ser injusta, estabelece um precedente e uma jurisprudência perigosíssimos. Niterói, 29-1-1965. Élvio C. Lindoso” 310.

308 O Jornal Batista. Rio de Janeiro, fev. 1965, p. 3. 309 Convenção Batista Brasileira. Ata da Assembléia realizada em janeiro de 1965. In: Atas, Relatórios e Pareceres da 47ª Assembléia Anual. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965, p. 177. 310 Convenção Batista Brasileira. Ata da Assembléia realizada em janeiro de 1965. In: Atas, Relatórios e Pareceres da 47ª Assembléia Anual, p. 177.

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A partir das concepções de Lindoso, embora o plenário houvesse outorgado

determinado direito de ação à chamada Comissão dos 13, mesmo assim, a Convenção Batista

Brasileira não está acima das igrejas locais, pois estas são soberanas sobre aquela, conquanto

as Convenções existam como apoio às igrejas locais.

“Declaro que votei contra a posição da maioria na consulta sobre a exclusão das Igrejas da Convenção Batista do Estado de Minas Gerais por julgar que, votando a eliminação maciça de tais igrejas, a Convenção Batista Brasileira cometeu sérias e graves injustiças. Walter Wedemann” 311.

Para Wedemann, a Convenção Batista Brasileira cometeu sérias e graves

injustiças, pois, segundo sua declaração, as igrejas da Convenção Batista do Estado de Minas

Gerais não poderiam ser generalizadas somente porque não pertenciam à Convenção Batista

Mineira. Sendo assim, é possível que Wedemann estivesse questionando os critérios

adotados para a exclusão.

Segundo Tognini, na “tarde sombria de 27 de janeiro de 1965”, no ensejo

em que a Convenção Batista Brasileira encaminhava-se para a votação da exclusão das

“igrejas do Senhor”, Deus teria revelado “a sua vontade de amor, mandando forte temporal

que estremeceu a terra”. A luz faltou durante o temporal.

Veja as palavras de Tognini sobre a tempestade:

“A tempestade era a ira de Deus contra exclusão de igrejas irmãs. E a falta de luz nada mais seria do que Deus falando ao Seu Amado Povo Batista que faltava “luz” para se votar proposta tão contundente. Deixando a mesa o problema Renovação Espiritual para decisão no dia seguinte pela manhã, Deus estava dando tempo aos espíritos exaltados, oportunidade para ponderar e orar. Mas, a maioria não entendeu e não atendeu a voz do Senhor” 312.

Assim, na obstinação de todos contra todos, houve o primeiro cisma dos

batistas no Brasil, que desarolou 32 igrejas, na sua grande maioria pertencentes ao Estado de

Minas Gerais. Às Convenções Estaduais foi concedido o direito de excluir qualquer igreja

311 Convenção Batista Brasileira. Ata da Assembléia realizada em janeiro de 1965. In: Atas, Relatórios e Pareceres da 47ª Assembléia Anual, p. 177. 312 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 157.

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que estivesse envolvida com o Movimento de Renovação Espiritual. Portanto, se excluída

uma igreja do rol da Convenção Estadual, do mesmo jeito seria excluída da Convenção

Batista Brasileira. Desse modo, até o final de 1965 foram excluídas 52 igrejas 313.

Conforme Foucault, o poder estabelece uma relação impressionante com o

desejo que se forma em torno do discurso. Desse modo, nas relações institucionais de poder,

deve-se notar seu desdobramento através de sistemas de exclusão que fomentam ações de

vigilância em termos panópticos. Na verdade, o entrevero congregacional abordado nesse

capítulo parece estar fortemente vinculado a uma disciplina que se instaura e se

operacionaliza através em um dispositivo específico, a chamada Comissão dos 13.

Destarte, no entanto, a disciplina em questão só poderá ser visibilizada nas

categorias de uma antidisciplina, porque não se trata de uma absolutização totalizante dos

procedimentos e das ações, mas de uma operação microbiana, capilar e sub-reptícia por entre

uma disciplina que atua concatenando-se e engendrando-se numa antidisciplina cotidiana

multiforme nas ações políticas. Com isso, quer-se aludir ao dispositivo “Comissão dos 13”

como uma disciplina do olhar, com suposta pretensão de “vigiar”, mas que culminou na

multiplicidade dos discursos, nos embates de poder e nas inúmeras operações

antidisciplinares, as quais conduziram a Convenção Batista Brasileira a um processo negativo

do exercício do poder: a “punição”.

Para Michel de Certeau, em “Vigiar e Punir”, Foucault “substitui a

análise dos aparelhos que exercem o poder” pelos “dispositivos que vampirizam as

instituições e reorganizaram clandestinamente o funcionamento do poder”. Para o autor,

esse procedimentos são “técnicos” e “minúsculos”, pois se exercem sobre “detalhes” e

redistribuem o espaço, tornando-o em “operador de uma “vigilância” generalizada”.

Assim, Foucault privilegia, como se mencionou, um sistema altamente disciplinar314.

“Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede da “vigilância”, mais urgente ainda é descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares (também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los; enfim, que “maneiras de fazer” formam a contrapartida, do lado dos consumidores (ou

313 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 156. 314 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 41.

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“dominados”), dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-política”. 315

Portanto, ainda que, através da Comissão dos 13, torne-se plausível uma

constatação da vigilância panóptica, não se deve reduzir toda abordagem a uma totalização

cega de tal teoria. Assim, no caso em tela, a “microfísica” do poder esteve regendo com

mestria toda uma estrutura móbil de um congregacionalismo de intervenção, onde igrejas

locais foram regidas pela Convenção Batista Brasileira, na movimentação de alguns líderes

preponderantes que formataram um discurso em torno da “vontade de verdade” e o levaram

a cabo.

Não se pode descartar os procedimentos de vigilância, pois o panoptismo

esteve presente no “todo” da visibilidade pretendida. Por isso, não se podem observar ações

altamente desconexas; contudo, é bom que a disciplina seja abordada num contexto

antidisciplinar, porque houve muita vigilância nas diversas “mil práticas” propostas por

Certeau.

“Essas “maneiras de fazer” constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sócio-cultural. Elas colocam questões análogas e contrárias às abordadas no livro de Foucault; análogas, porque se trata de distinguir as operações quase microbianas que proliferam no seio das estruturas tecnocráticas e alteram o seu funcionamento por uma multiplicidade de “táticas” articuladas sobre os “detalhes” do cotidiano; contrárias, por não se tratar mais de precisar como a violência da ordem se transforma em tecnologia disciplinar, mas de exumar as formas sub-reptícias que são assumidas pela criatividade dispersa, tática e bricoladora dos grupos ou dos indivíduos presos agora nas redes da “vigilância”. Esses modos de proceder e essas astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de uma antidisciplina”. 316

Com Certeau, em suma, pode-se admitir que operações microbianas, as

quais poucas podem ser identificadas com precisão, alteram o funcionamento pelas “táticas”

indefiníveis que se procedem no bojo do funcionamento e na articulação por entre e por

sobre detalhes aparentemente ínfimos, mas que fazem a diferença no conjunto estrutural de

uma política denominacional.

315 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 41. 316 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 41 e 42.

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Também com Certeau, clarifica-se a concepção de que, embora haja uma

multiplicidade de redes de vigilância, também há criatividades dispersas, táticas e atividades

de grupos que se impregnam através do poder atravessando as mais diversas redes. Portanto,

o modo com o qual alguém procede, na conjuntura da política denominacional, é

determinado pela astúcia e pelo posicionamento enquanto instrumento do poder no âmbito de

uma rede específica.

Desse modo, todas as ações, desde a publicação dos livros de Tognini e de

Rego, até a intervenção de Rubens Lopes para que a Comissão continuasse trabalhando, não

são inocentes, pois se tratava de uma vigilância ousada que se dissemina e se torna em “mil

maneiras” de conceder aspecto lúdico ao poder e de fomentar um belicismo denominacional,

quer inocente, quer consciente.

Se Foucault utiliza-se de instituições e do modelo arquitetural do presídio,

Certeau lança mão da “cidade-panorama” como “simulacro teórico” de suas observações e

apontamentos. Verdadeiramente, fazendo uso de uma suposta visão do 110º andar do World

Trade Center, fica mais fácil explicitar a impossibilidade de totalização das práticas e da

absoluta ordenação das dinâmicas de uma visão geral. Isso se deve ao fato de que, no 110º

andar, lançando olhar sobre as massas, não se poderá visibilizar as práticas através de ações

específicas, porquanto a “massa se imobiliza sob o olhar”. Assim, Nova Iorque é diferente

de Roma, porque não sabe o que é “envelhecer curtindo todos os passados”, mas “seu

presente se reinventa, de hora em hora, no ato de lançar o que adquiriu e desafiar o

futuro”317.

Sobre a metáfora da cidade, Certeau afirma:

“A cidade-panorama é um simulacro “teórico” (ou seja, visual), em suma um quadro que tem como condição de possibilidade um esquecimento e um desconhecimento das práticas (...) Mas “embaixo” (down), a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, Wandersmänner, cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo. Esses praticantes jogam com espaços que não se vêem; têm dele um conhecimento tão cego como no corpo-a-corpo amoroso (...) Tudo se passa como

317 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 169.

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se uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade habitada”. 318

Ademais, o modelo panóptico parece ir além do presídio, como o próprio

Foucault faz constar através de seus textos. Nas relações humanas, através da operação

panóptica, o dispositivo da visão adentra a realidade de uma cegueira dos desconhecimentos

de práticas disseminadas. Em primeiro lugar, vê-se a formação da chamada Comissão dos 13

e, em segundo lugar, verifica-se que plenariamente existem mil formas de se fazer uma

realidade diversificada e multiforme nas suas práticas. Em parte se conhecessem os sujeitos

que se autenticaram através de suas experiências denominacionais, mas também existe um

grande desconhecimento em relação aos sujeitos que vivenciaram essas tramas, porque a

disciplina pode ser conhecida pelas redes; entretanto, a atuação das redes na antidisciplina é

bastante subversiva e diversificada.

O referido sistema de visibilidade cego, no conhecimento e

desconhecimento das práticas, das táticas e das operações, por entre fundamentos de Foucault

e Certeau, formam-se como em um sistema de exclusão bastante contundente. O poder se

mistura com o desejo e promovem “vigilância” e estranhamente a “exclusão”.

Segundo Foucault, a sociedade desenvolveu e aprimorou alguns sistemas de

exclusão, os quais receberam o aporte, ainda que controlado, das formulações de discursos e

suas conseqüentes multiplicações indefinidas. Conforme o autor, existem sistemas de

exclusão que operam na sociedade e nas instituições, alijando alguns sujeitos através de

mecanismos específicos que funcionam nos sistemas de exclusão.

Para Foucault, são três sistemas de exclusão que incidem sobre o discurso:

em primeiro lugar, a palavra proibida, num segundo lugar, a segregação da loucura e,

finalmente, em terceiro lugar, a vontade de verdade. A “vontade de verdade” foi o sistema de

exclusão mais estudado por Foucault, porque, segundo o autor, ela é reforçada e aprofundada,

tornando-se incontornável, atingindo e excluindo aqueles que se opõem a preceitos diversos, o

quais são formados e solidificados pelas sociedades e instituições 319.

Dessa maneira, além do panoptismo que, em toda a sua visibilidade opera na

cegueira das práticas que não se pode constatar, também se verifica um forte desejo pela

“vontade de verdade”, o qual se dissemina e se multiplica através dos discursos dos sujeitos.

Levando-se em consideração que o panóptico é um dispositivo que opera no sistema

disciplinar, também se concebe que a disciplina é um princípio de controle:

318 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 169. 319 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 19.

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“A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras”. 320

Conforme Foucault, há uma formação de regras no âmbito de uma

instituição, contudo, sabe-se que elas se reatualizam e, através da “vontade de verdade”,

excluem aqueles que não atendem aos seus preceitos 321. No caso em tela, vê-se que a

Comissão dos 13 definiu regras bastante específicas para fornecer uma classificação daqueles

que eram de fato batistas. Caso alguém não atendesse às regras de poder criadas através de

cânones, era convidado a uma “retirada” da Convenção Batista Brasileira.

No jogo panóptico todos poderão participar, porquanto “qualquer pessoa

pode vir a exercer na torre central as funções de vigilância” 322. Entretanto, além de um

avanço na tecnologia do poder empregada pela Convenção Batista Brasileira, na formação de

um dispositivo de vigilância, também houve um retrocesso por conta da punição das igrejas

que não se adequavam às regras do jogo institucional. A Comissão dos 13, como dispositivo

de vigilância, promoveu estudos sérios acerca da doutrina do Espírito Santo, entretanto,

quando houve a proposta de que se desligassem as igrejas, parece ter havido um processo

inquisitorial aos moldes daqueles ocorridos na Idade Média. Para Foucault, “o século XVIII

inventou as técnicas da disciplina e o exame” e, segundo o autor, a Idade Média havia criado

o inquérito judiciário e os sistemas de punição através do terror exercido pelas ações do

soberano governante.

Portanto, há uma natureza política bastante ultrapassada no que concerne ao

“poder de punir”, porque o “suplício do corpo” era um ritual público de dominação pelo

terror: o “objeto” da aplicação de uma pena era o corpo do indivíduo condenado. Contudo, o

propósito maior da pena criminal era, por certo, atingir a massa do povo. Sendo a massa

convocada para presenciar todo o ritual malévolo do suplício, enxergavam a vitória de um

soberano que havia descarregado sua ira naquele indivíduo massacrado por ter ousado um

desafio ao supremo poder.

“O inquérito como pesquisa autoritária de uma verdade constatada ou atestada (...) O inquérito era o poder soberano que se arrogava o direito de estabelecer a

320 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 36. 321 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso , p. 36. 322 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 171.

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verdade através de um certo número de técnicas regulamentadas”. 323

Acha-se em foco a “vontade de verdade” e o sistema de visibilidade plena

em meio a “mil práticas” de cegueira que conferiram alguns pressupostos para se entender a

doutrina do Espírito Santo e a posição ética e comportamental dos sujeitos religiosos

pertencentes ao Movimento de Renovação Espiritual. A exclusão de igrejas da Convenção

Batista Brasileira marcou um retrocesso disciplinar que culminou no primeiro cisma na

Convenção Batista Brasileira, caracterizando uma prática parecida com a punição exercida na

Idade Média através do terror dos condenados. Foucault ressalta que as técnicas inquisitoriais

eram características das ações do soberano na Idade Média. Assim, aquele que não atende à

“vontade de verdade” de uma determinada rede de poder e as regras estabelecidas no bojo da

instituição são excluídos através do funcionamento de um avanço tecnológico que se

operacionalizou num retrocesso tecnológico, a saber, o panóptico funcionou num lugar de

práticas disseminadas.

323 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 185.

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4. O Fundamentalismo político-religioso por detrás das trincheiras

4.1. O fundamentalismo do Movimento de Renovação Espiritual

Na abordagem abaixo, quer-se aludir à formação do fundamentalismo do

Movimento de Renovação Espiritual a partir da constatação de algumas declarações e ações

realizadas por Enéas Tognini, representante significativo da ideologia político-teológica do

Movimento. Não se pretende a descrição factual da política do período que se verificará, mas

a abordagem de alguns aspectos do ambiente político no referido período.

Dessa maneira, aspectos político-religiosos que envolviam a mentalidade do

Movimento de Renovação Espiritual, bem como o belicismo ocasionado no seio da

Convenção Batista Brasileira devem ser levados em consideração, porquanto essa

remontagem faz suscitar elementos importantes para buscar uma compreensão mais acurada

da formação e atuação do mencionado Movimento.

Segundo Tognini, havia um trabalho evangelístico mantido pela Igreja

Batista de Perdizes na Praça da Sé, na cidade de São Paulo. O objetivo desse trabalho seria

pregar à população em geral. Entretanto, o maior intento das mensagens de Tognini teria sido

o alcance evangelístico de comunistas. Dessa maneira, Tognini alega que os comunistas

estavam ávidos por confusões com os que lhes eram ideologicamente contrários. Para o autor,

a Praça da Sé foi uma das grandes concentrações de líderes marxistas na cidade de São Paulo.

Por isso, conforme Tognini, a Praça da Sé era um excelente campo para se praticar os

evangelismos propostos pelo Movimento 324.

Ademais, estabeleceu-se um discurso anticomunista que demonizou a ação

política de líderes marxistas. Conforme Tognini, “o diabo estava instalado naquela praça”.

Com isso, em tom bastante intervencionista e entendendo os comunistas como perniciosos,

Tognini alega que, em determinado dia, escolheram um lugar e oraram pedindo para que Deus

lhes protegesse do mal representado pelas ações dos militantes marxistas. Assim, vê-se com

bastante notoriedade uma oposição do Movimento liderado por Tognini aos comunistas que

circulavam na Praça da Sé. A orientação de Tognini aos fiéis que lhe ajudavam nas pregações

era a de que eles “não dialogassem” com quem quer que fosse, especialmente com

comunistas 325.

324 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 139 a 141. 325 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 139.

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Concomitante aos trabalhos evangelísticos de Tognini na Praça da Sé,

também se procediam às atividades do programa radiofônico chamado “Renovação

Espiritual”. Esse programa, que ia ao ar todos os domingos pela manhã, visava um alcance

mais amplo da mensagem acerca do batismo no Espírito Santo, bem como o combate ao

comunismo. Desse modo, o Movimento de Renovação Espiritual, através de seu veículo de

informação, proclamava uma mensagem político-religiosa bastante contundente em sua

militância, configurando-se de forma específica contra a ideologia comunista. Conforme

Xavier, um colega de Tognini o havia despertado para uma suposta nocividade do

comunismo, pois, segundo suas informações, o comunismo havia entrado em vários setores

da sociedade brasileira, em diversos lugares onde se prezava pela cultura e pelo

conhecimento, como na Universidade de São Paulo. Segundo Xavier, o colega de Tognini

estava alertando para a dinâmica do crescimento da ideologia comunista, pois, segundo ele, o

pensamento marxista estava se alastrando através das massas na efervescência do período em

pauta 326.

Dessa forma, o ambiente ocasionado pelas suspeitas de que o Presidente da

República, João Goulart, estaria diretamente envolvido com o comunismo culminou em

diversas ações por parte de vários segmentos da sociedade brasileira. Inúmeros líderes

religiosos, católicos e protestantes, se posicionaram de forma contrária ao Presidente,

acusando-o, no sentido pejorativo, de comunista.

João Goulart, após incontáveis atos da aposição militar, governou durante

um período de bastante fragilidade política demonstrada também pelo regime parlamentar,

que se estendeu de setembro de 1961 a janeiro de 1963. O Presidente da República, João

Goulart, lançou em 1963 um Plano Trienal que deveria ser acompanhado pelas “reformas de

base”, que ocorreriam em quatro categorias: agrária, tributária, financeira e administrativa.

Entretanto, enfatizando a primeira categoria, sempre o Presidente foi tido como um

revolucionário. As reformas de bases eram discutidas em todos os lugares e havia

mobilizações bastante intensas, em prol das reformas e, da mesma forma, contrárias a ela.

Assim, em 13 de março de 1964, Goulart liderou o Comício da Central do

Brasil em favor das mencionadas reformas. Isso ocorrera junto à maior estação de trens do

Rio de Janeiro. O Presidente da República falou a 150 mil pessoas, ressaltando a reforma

agrária e fazendo promessas de taxar os mais ricos com a reforma urbana. Segundo O Estado

de São Paulo, jornal bastante lido em todos os períodos, a ilegalidade do comício foi, de certa

326 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 89.

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forma, uma suposta afronta, considerando o local onde havia sido realizado, porquanto a

estação ferroviária localizava-se ao lado do Ministério do Exército, o que seria um insulto aos

militares.

“Assim, em 13 de março de 1964, Jango realizou no Rio de Janeiro o “Comício das Reformas”, no qual anunciou dois decretos: um, nacionalizando refinarias de petróleo, e o outro, desapropriando terras para fins de reforma agrária”. 327

Para O Estado de São Paulo, o país vivia um período de “apreensão e

preocupação pelo que” poderia “acontecer”, uma vez que, segundo o jornal, “as atitudes do

Presidente da República” feriam por diversas vezes a “Constituição” 328. Já o título do

editorial do dia 13 é bastante sugestivo no tocante à compreensão acerca da imagem criada

pelo jornal O Estado de São Paulo a respeito de Goulart, pois, para o jornal, João Goulart era

“O Presidente fora da Lei”.

O jornal O Estado de São Paulo, assim como outros veículos de informação,

contribuíram para uma formação da imagem de João Goulart, que foi associado algumas

vezes a Vargas, tendo sido considerado “discípulo dileto do ditador morto” 329.

“A imprensa desempenhou importante papel nesse processo. De modo geral, além de não apoiar Jango, fez duras críticas a seu governo. Os porta-vozes da oposição eram O Estado de S. Paulo, O Globo, os Diários Associados e a Tribuna da Imprensa. Entre os poucos jornais a favor do governo, estava o diário carioca Última Hora”. 330

Em outras ocasiões, o Presidente Goulart foi tido como alguém que

funcionava para os “instrumentos das forças a serviço da subversão” 331. E ainda era tido

como alguém que “inspirava confiança para execução do vasto programa das esquerdas no

Brasil” 332. Assim, configurou-se, no Brasil, um suposto ambiente de um iminente

comunismo e Goulart teria sido um Presidente que fomentava os ideais de esquerda.

327 FIGUEIRA. Divalte Garcia. História, p. 374. 328 O Estado de São Paulo. São Paulo, mar. 1964, p. 3. 329 O Estado de São Paulo. São Paulo, abr. 1964, p. 3. 330 FIGUEIRA. Divalte Garcia. História, p. 374. 331 O Estado de São Paulo. São Paulo, mar. 1964, p. 3. 332 O Estado de São Paulo. São Paulo, mar. 1964, p. 3.

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Contudo, segundo alguns autores, como Bandeira, na verdade o Comício

Central do Brasil foi tão-somente uma tentativa de reunir bases governamentais para a

realização de “reformas de base”, que não teriam caráter socialista, mas seriam “reformas

democrático-burguesas e tendiam a viabilizar o capitalismo brasileiro, embora sobre outros

alicerces” 333.

Entre as manifestações na sociedade brasileira ocorreu a “Marcha da

Família com Deus pela Liberdade”, que aconteceu na Capital São Paulo no mês de março de

1964. Nessa manifestação, 500 mil pessoas ofereceram uma espécie de resposta conservadora

objetivando conduzir a opinião publica a um forte posicionamento contra os atos do

Presidente Goulart, o que se fez em resposta ao comício ocorrido no dia 13, na Central do

Brasil. O Estado de São Paulo considerava que o povo estava agindo dentro da lei e que o

confronto contra do Presidente da República seria inevitável 334.

Da mesma forma, o elitismo foi promulgado pelo jornal O Estado de São

Paulo e o País estava tomando rumos bastante decisivos, pois, para o jornal, havia uma

diferença cultural entre os militantes religiosos, católicos e evangélicos, dos que fizeram o

Comício Central do Brasil. Segundo O Estado de São Paulo, em tom depreciativo, o Comício

de Goulart foi composto por “gente dos morros” 335.

Nesse ínterim, enquanto a efervescência política no Brasil intensificava-se

rapidamente, Enéas Tognini, em contato com uma mensagem de Abraham Lincoln,

despertou-se para algo que o conduziu a um posicionamento naquela conjuntura. Lincoln

recebeu do Senado americano uma solicitação para que se proclamasse um dia de “jejum e

oração e humilhação” diante de Deus, visando o alcance das misericórdias do Senhor para os

Estados Unidos, por causa das conseqüências desastrosas da Guerra de Secessão336. O

Presidente dos Estados Unidos teria acatado o pedido do Senado e, no dia 30 de abril de 1863,

programou o “Dia do Fogão Apagado” 337.

Segundo Tognini, o povo norte-americano jejuou, orou e se humilhou diante

de Deus, pedindo que “afastasse a negra nuvem que escurecia a grande nação”. Para o autor,

“Deus ouviu o clamor do seu povo e abençoou a grande nação” 338.

333 BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964), p. 164.

334 O Estado de São Paulo. São Paulo, mar. 1964, p. 3. 335 O Estado de São Paulo. São Paulo. Mar. 1964, p. 3. 336 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 149. 337 XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 89 e 90. 338 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 152 e 153.

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“Com essa mensagem no coração e na mão, troquei idéia com alguns pastores, estabelecendo o paralelismo: 1863 e 1963. Estados Unidos e Brasil. Aqui o comunismo, lá a divisão e a luta interna. Se lá deu resultado, aqui daria também. Lá o povo americano atendeu ao presidente, e a nação teve a vitória. Aqui Deus nos daria também a vitória sobre o comunismo”. 339

Porém, em certa ocasião, o chefe do serviço secreto do segundo Exército

havia mandado chamar Enéas Tognini:

“Tive medo, pois o comunismo já se infiltrara nas Forças Armadas, na Igreja Católica e contaminara alguns pastores evangélicos e seminaristas nossos que militavam na “esquerda”. Chegaram a ser chamados de “melancia”, verde por fora e vermelho por dentro. Atendi ao chamado. Na presença desse oficial, fui logo dizendo: “Não sei sua ideologia, agora quero lhe dizer que sou contra, contra, contra o comunismo!” “Também eu sou”, foi a sua resposta. Há pouco fora apreendido em Paris, o Plano Qüinqüenal dos chineses para conquistar o Brasil. Nesse “plano” se declarava que dois óbices encontravam para ganhar o Brasil para a China de Mão-TseTung: a Igreja Católica e as Forças Armadas. Estes, entretanto, já estavam minados pelos “amarelos” e “vermelhos”. Esse ilustre militar me disse que o “comunismo” é uma força espiritual do diabo, e para combatê-lo só uma força espiritual de Deus. Nossa esperança para salvar o Brasil das garras do comunismo está em vocês, evangélicos. Apresentei-lhe o plano de Lincoln. Depois de inteirar-se do plano, disse-me: “Reverendo, se o senhor fizer isso, será a salvação do Brasil”. 340

Dessa forma, Tognini escreveu uma mensagem que foi propagada em muitos

lugares. Tratava-se de um convite para um dia de “jejum, oração e humilhação”, tal qual

havia realizado o Presidente Lincoln. Muitas igrejas teriam orado e participado dessa

campanha. Segundo Tognini, alguns começaram a campanha no dia 14 e terminaram na noite

do dia 15 de novembro. Conforme o autor, nessas reuniões houve lágrimas, profecias,

revelações, bem como fortes contrições por causa do Brasil e do comunismo, que

supostamente se instauraria no País.

“De norte a sul, de leste a oeste e centro, todos os evangélicos do Brasil jejuaram e oraram e se humilharam diante do Senhor Todo-poderoso. O Espírito de Deus foi derramado sobre todo o Brasil. Coisa nunca vista. Na propaganda do “jejum”, canais de TV, rádios e

339 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 153. 340 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 153 e 154.

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jornais abriram suas portas para a promoção desse dia singular. E nesse dia travou-se com o diabo a grande batalha. E Jesus foi vitorioso. Aleluia... E a resposta a essa batalha do céu foi 31 de março de 1964”. 341 Grifo nosso.

Assim, no dia 31 de março de 1964, Tognini entende que Jesus foi vitorioso,

pois havia se iniciado o movimento militar que depôs o Presidente da República, João

Goulart. O discurso religioso acentuou-se através da propaganda de Tognini e,

conseqüentemente, do Movimento de Renovação Espiritual, que vinculou a mensagem

religiosa ao discurso político.

“Na madrugada de 31 de março, o general Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, em Minas Gerais, conduziu suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, com o objetivo de depor o presidente. Outros comandos militantes o seguiram. Jango não esboçou reação. Do Rio de Jandeiro, onde se encontrava, voou para Brasília e, de lá, para o Rio Grande do Sul. Mais tarde, exilou-se no Uruguai”. 342

Enéas Tognini, com todas as suas intervenções, revela-se anticomunista e,

além disso, demoniza o comunismo de forma bastante contundente. Dessa maneira, para

Tognini, o comunismo era obra proveniente do diabo e deveria ser combatido pelo

Movimento de Renovação Espiritual.

“E Deus respondeu ao clamor do seu povo com 31 de março de 1964. Um grupo de brasileiro acha que a revolução de 1964 foi política, cometeu muita injustiça. Não importa, o importante é que Deus fechou a porta para o comunismo. Para nós, evangélicos, o maravilhoso resultado foi LIBERDADE PARA ANUNCIARMOS A PALAVRA DE DEUS. Em 1963, os evangélicos, segundo as estatísticas, não passavam de dez milhões. Trinta e quarto anos depois, somos trinta e cinco milhões. Crescimento milagroso. Com o comunismo, não teríamos liberdade para pregarmos o Evangelho, nossos templos seriam fechados, pastores mortos, Bíblias queimadas e muito crente ficaria na cadeia. O milagre do dia nacional de jejum e oração foi no campo espiritual. Com nosso jejum e nossas orações, travou-se “nas religiões celestes”, onde o inimigo opera, grande batalha. Foi um entardecer melancólico e uma noite triste que Deus respondeu com esplendente manhã de vitória”. 343

341 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 162. 342 FIGUEIRA. Divalte Garcia. História, p. 374. 343 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 164.

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Fica evidente que o discurso de Tognini, composto por uma amálgama de

religião e política, Deus e o diabo, esclarece que, além de um anticomunismo, havia um

anseio por proselitismo religioso e político. Na verdade, a dimensão política imbricava-se

com a dimensão religiosa num discurso político-religioso altamente ostensivo. Acentuou-se,

dessa forma, o dualismo das representações religiosas de Tognini, e a intolerância em relação

à política secular cresceu.

Do mesmo jeito que é possível notar uma insinuação proselitista de Tognini,

também se verifica que, como se constatou, num dos pareceres da Comissão dos 13, acha-se

que o Movimento de Renovação Espiritual estava cultivando “uma atitude de orgulho

espiritual que não” queria admitir “opiniões opostas e que classifica os que não

experimentam as mesmas emoções e experiências de carnais e mundanos”. Além disso, a

Comissão denuncia que o Movimento de Renovação Espiritual por estar promovendo

“tentativas ostensivas ou veladas de proselitismo entre outras igrejas”.

Assim, a Comissão dos 13, com certa sensibilidade ecumênica, afirma que as

atitudes desses pastores envolvidos com o Movimento de Renovação Espiritual poderiam

afetar negativamente o relacionamento entre as igrejas. Ainda no ambiente da Conferência do

Nordeste, constata-se, através de Ebenézer Gomes Cavalcante que inclusive os batistas foram

influenciados nas concepções ecumênicas, o que teria impactado muito significativamente o

pensamento batista da década de 1960 e contribuído para a identificação de atos proselitistas

no Movimento liderado por Tognini 344.

Desse modo, Cavalcante, influente pastor e articulista de O Jornal Batista,

em seu artigo acerca do “Diálogo Ecumênico”, publicado em 26 de janeiro de 1963, alega

que alguns batistas estavam tão “familiarizados com” a “experiência ecumênica que não

medem a que ponto muitos de seus irmãos ainda não o fizeram”. Abordando as questões de

“intransigência doutrinária”, Cavalcante declara que seria necessária a convivência pacífica

das igrejas, bem como o “diálogo salutar” 345.

O que parece estar em foco é um fundamentalismo do Movimento de

Renovação Espiritual que, fazendo amálgamas entre religião e política, promoveu uma busca

por fundamentos absolutos no interior dos discursos, onde Deus e o diabo marcam um

dualismo para além de mera compreensão espiritual. Utilizou-se das experiências religiosas

dos integrantes do Movimento para uma fundamentação dos pressupostos que seriam

axiomáticos, denotando um drástico absolutismo, contrário a um suposto comunismo.

344 BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 214 e 215. 345 BARBOSA, Celso Aloisio S. O pensamento vivo de Ebenézer Gomes Cavalcanti, p. 215.

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Para Scott R. Appleby, o sistema de pensamento do fundamentalismo é

absolutista, pois pretende a propagação de “uma verdade plena, perfeita e imutável”, bem

como de uma verdade que esteja “isenta de qualquer dúvida”. Segundo o autor, a verdade

dos fundamentalistas tem sempre um caráter dualista: “nós somos os filhos da luz e todos os

outros são filhos do mal”. Os fundamentalistas tendem a combater aqueles a quem

denominam “inimigos de Deus” 346.

Assim, os que não criam da maneira como o Movimento de Renovação

Espiritual cria, deveriam se arrepender e experimentar o batismo no Espírito Santo. Da mesma

maneira, os que não se tornaram anticomunistas, como os mencionados “militares” e alguns

“seminaristas”, bem como alguns “pastores evangélicos” seriam inusitadamente vinculados

ao diabo por contas de suas posições supostamente errôneas do ponto de vista de Tognini.

Dessa maneira, tanto doutrinariamente como na política denominacional e secular, a

intolerância instaura-se numa eclosão específica por entre as mixórdias do cotidiano

denominacional e político. O fundamentalismo ganha seu formato renovado devido ao seu

posicionamento extremado e às novas experiências religiosas em torno da legitimação do

batismo com o Espírito Santo e suas conseqüências.

O fundamentalismo político de Enéas Tognini o levou a se declarar contrário

ao comunismo, sob a alegação de uma pregação conversionista nas categorias bíblicas.

Contudo, na presença do oficial que teria lhe chamado, tendo afirmado sua posição de

contrariedade, também denota certo contato com o mundo militar. Estaria Enéas Tognini e o

Movimento de Renovação Espiritual envolvidos de alguma forma mais direta com o golpe de

1964 ou realmente teriam entendido a questão como um embate espiritual entre Deus e o

diabo? A que extremo teria chegado o fundamentalismo ora exposto? Seria apenas um desejo

por proselitismo ou Tognini estaria vinculado a alguma ação do militarismo de então?

Segundo Tognini, houve, durante a campanha de jejum, oração e

humilhação, inúmeras experiências de “lágrimas, profecias e revelações”. Assim, podem-se

constatar experiências de êxtase até mesmo no ensejo de uma divergência político-religiosa,

mesma estratégia utilizada na política denominacional. Para Tognini, o Presidente da

República, que seria vinculado ao comunismo chinês347, foi deposto e os militares assumiram

o poder como expressão da vontade absoluta de Deus 348.

346 APPLEBY, R. Scott. Ingenieure des göttlichen Bauplans: Was haben die Fundamentalisten aller Religionen gemein? In: Der Überblick: Zeitschrift für ökumenische Begegnung und Zusammenarbeit, p. 5. 347 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 149. 348 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 162.

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Conforme Scott R. Appleby, os fundamentalistas tendem a aproveitar a

capacidade das religiões de produzir êxtases e abstrair pessoas de suas realidades. Tais

experiências extáticas teriam como objetivo a preparação dos ativistas para “assumir

sacrifícios radicais” contra algum tipo de movimento349. Levando-se em consideração a

história do Movimento de Renovação Espiritual, não são raras as vezes em que se podem

verificar as ações dos líderes do Movimento no intento de conduzir pessoas a diversas

tomadas de decisões.

Deve-se levar na mais absoluta conta o período de crise que o Brasil estava

atravessando, pois, tendo se agravado no segundo semestre de 1963 com a greve dos bancos,

a crise também foi intensa quando Carlos Lacerda concedeu uma entrevista ao jornal Los

Angeles Times criticando Goulart veementemente. Skidmore chegou a afirmar em seu livro

Brasil: de Getúlio a Castelo. 1930-1964 que o Presidente João Goulart “era tido geralmente

pela esquerda e pela direita como incapaz de governar”350. Portanto, a crise era notória e a

fragilidade do Estado confirmava-se a cada dia, pois tudo estava culminando para um caos

político.

Dessa maneira, Scott R. Appleby atrela o sucesso do fundamentalismo aos

Estados autoritários ou aos Estados mais frágeis 351. Ora, a fragilidade do governo Goulart

propiciou as ações fundamentalistas não somente de protestantes, mas também de católicos.

Enéas Tognini, compondo o fundamentalismo militante do Movimento de Renovação

Espiritual, parece ter sido influenciado por correntes totalitárias mais presentes na política

secular. Qual seria a relação do fundamentalismo do Movimento de Renovação Espiritual

com o fundamentalismo político dos militares que tomaram o poder e depuseram Goulart?

Por que justamente Tognini foi chamado pelo oficial do segundo Exército?

Para Michel de Certeau, quando trata “Do poder “espiritual” à oposição de

esquerda”, verifica-se que existe, em face de uma ordem já estabelecida, a relação entre a

igreja que incita um pensamento acerca do “outro mundo” e os partidos de esquerda, os

quais, desde o século XIX, transmitem a idéia de “um futuro diferente”. Essa relação pode

evidenciar traços bastante parecidos, tanto numa parte como na outra, pois, segundo o autor,

há características funcionais semelhantes:

349 APPLEBY, R. Scott. Ingenieure des göttlichen Bauplans: Was haben die Fundamentalisten aller Religionen gemein? In: Der Überblick: Zeitschrift für ökumenische Begegnung und Zusammenarbeit, p. 5. 350 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo.1930-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1982, p. 311. 351 APPLEBY, R. Scott. Ingenieure des göttlichen Bauplans: Was haben die Fundamentalisten aller Religionen gemein? In: Der Überblick: Zeitschrift für ökumenische Begegnung und Zusammenarbeit, p. 7.

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“A ideologia e a doutrina desempenham aí um papel importante que não lhes é dado pelos detentores do poder; o projeto de uma outra sociedade tem aí como efeito o papel prioritário do discurso (reformista, revolucionário, socialista etc.) contra a fatalidade ou a normalidade dos fatos; a legitimação por valores éticos, por uma verdade teórica ou por um martirológio deve compensar aí a legitimidade com a qual pode se fazer acreditar todo poder pelo mero fato de sua existência; as técnicas do “fazer crer” desempenham um papel mais decisivo onde se trata daquilo que ainda não é”. 352

Portanto, qualquer que seja o objeto de uma propagação, se religiosa ou

política, se comunista ou do Movimento de Renovação Espiritual, haverá sempre traços

parecidos entre os movimentos. Contudo, o ideal de uma sociedade melhor, às vezes, é regido

pelo fundamentalismo político-religioso nos discursos e, como no caso em tela, até mesmo

com o extremismo de vínculos com o militarismo anticomunista. Foram empregadas técnicas

específicas para “fazer crer”, o que no fundamentalismo é bastante notório, principalmente

nas ações que envolvem experiências extáticas.

“Esta analogia tem razões estruturais: elas não remetem diretamente a uma psicologia da militância ou a uma sociologia crítica das ideologias, mas antes de tudo à lógica de um “lugar” que produz e reproduz, como seus efeitos, as mobilizações militantes, as táticas do “fazer crer” e das instituições eclesiais em uma relação de distância, de competição e de transformação futura em relação aos poderes estabelecidos”. 353

Portanto, Tognini teve seu lugar de diálogo, assim também o Movimento de

Renovação Espiritual. A lógica do lugar que produziu discursos e ações bélicas, também

reproduziu proselitismos e fundamentalismos. Tudo isso se tornou possível pelas

mobilizações militantes e através das táticas do “fazer crer”. Assim, o fundamentalismo

renovado de Tognini, de seus companheiros e do Movimento se enunciou em prol de um

fundamentalismo político-militar que, tendo demonizado o comunismo, cristalizou-se na

perspectiva de um proselitismo ousado e ostensivo, como quis dizer a Comissão dos 13.

Desde o nascedouro, o Movimento de Renovação Espiritual, através de seus

proponentes, apresenta-se como propiciador de experiências extáticas. Como se verificou, as

experiências fundantes e as demais experiências foram regidas pelo sentimento de possessão

352 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 284 e 285. 353 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, p. 285.

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da divindade, o que lhes conferia legitimidade por meio do batismo no Espírito Santo. Dessa

forma, ocorria a adesão ao grupo militante. Outrossim, Tognini propôs, à semelhança do

Senado do Presidente Abraham Lincoln, um dia de “jejum, oração e humilhação” para obter

vitória contra o comunismo e contra o diabo que regia os marxistas.

O Movimento de Renovação Espiritual, desde quando a mensagem de

Rosalee Mills Appleby influenciou alguns dos que se tornaram os principais propagandistas

do Movimento, buscou instaurar-se como uma forma verdadeira de se praticar religião,

estabelecendo pressupostos absolutos no que tange à doutrina do Espírito Santo e à vivência

da fé. Destarte, Tognini e Rego fizeram-se bastante firmes no intento de divulgar e

fundamentar as concepções pentecostais acerca do Espírito Santo e, com isso, também

encontraram oposição institucional, pois as experiências religiosas divulgadas por eles não

eram praticadas entre os batistas brasileiros. O próprio Tognini reconhece sua oposição:

“Quando experimentei o poderoso batismo no Espírito Santo, todo o mundo me aplaudia. Quando, porém, os líderes denominacionais tomaram posição contra a obra do Espírito, um grande número de pastores se levantou para me combater Muita coisa para me denegrir, nunca lhes respondi. Entreguei tudo a Deus. Um após outro, quase todos foram recolhidos pelo Senhor”. 354

No ensejo da experiência religiosa de Tognini com o batismo no Espírito

Santo, houve uma mudança drástica na maneira com que foi visto pelo conservadorismo

batista, pois, antes dessa experiência, ele também pertencia à ala dos pensadores batistas,

sendo um pastor de renome, dirigente do Colégio Batista Brasileiro de São Paulo e o

fundador da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Entretanto, o que marca a vida de

Tognini foi a experiência de batismo no Espírito Santo e a militância no Movimento de

Renovação Espiritual. Com isso, Tognini reconhece que perdeu muitos amigos e fez novas

amizades, o que indica uma migração e uma transferência de redes de relacionamentos.

O que cristalizou o pensamento de Tognini foi o sentimento de que estava

militando conforme a vontade de Deus, pois, através das ações transcritas por ele nas paginas

de seus livros, verifica-se um grande anseio pela verdade religiosa que impactou sua vida,

como segue :

“Eu era pastor da Igreja Batista de Perdizes. Terminamos a reunião que ocorria na quarta-feira. À porta de saída, uma ilustre ovelha do meu pastoreio, homem de grande cultura e conhecedor profundo da

354 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 99.

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Bíblia, apertando minha mão me disse: “Vou escrever um livro para acabar com o seu livro Batismo no Espírito Santo”. Respondi-lhe com humildade: Doutor, se o meu livro Batismo no Espírito Santo é tão frágil que o senhor possa destruir, deve ser destruído, mas se as suas páginas foram inspiradas pelos céus para uma época como esta, nem o senhor nem o inferno poderão destruí-lo”. 355

Percebe-se, portanto, que Tognini concebia seu livro como algo inspirado

por Deus. Assim, a partir de Tognini, sendo autorizado pelo próprio Deus, seu texto não

poderia ser destruído, porque não era frágil e nem mesmo o “inferno” poderia aniquilá- lo. A

autocompreensão de Tognini, e a compreensão de sua literatura, denota o estabelecimento de

supostos axiomas no interior do Movimento de Renovação Espiritual. O belicismo da

abordagem do douto fiel, “ovelha” do pastoreio de Tognini, indica uma oposição em face dos

axiomas por ele pretendidos, pois as proporções dos embates estenderam-se da igreja local

para boa parte da denominação batista.

Com essas formações axiomáticas, formavam-se também percepções

específicas sobre a realidade das coisas. Entretanto, um livro escrito para destruir o

pensamento encontrado em Batismo no Espírito Santo, de Tognini, conforme o autor, não

teria nem mesmo sido publicado e seu autor havia falecido durante as tramas:

“E o livro foi escrito, mas não datilografado. Morava ele num apartamento no segundo andar. Andava bastante enfermo. Colocou volumoso manuscrito sobre a mesa e foi ao banheiro. Sentiu-se mal e foi levado ao hospital onde uma semana mais tarde veio a falecer. A janela do apartamento estava aberta e não havia um peso sobre as páginas. Deu um pé-de-vento e espalhou tudo. A família lutou para recompor o livro, mas não conseguiu. Pediu a quatro ilustres pastores para ajudá-la na reconstituição do livro e não conseguiram. Realmente, E O VENTO LEVOU...” . 356

Desse modo, sua literatura foi concebida como a verdade e os fatos, à luz da

análise de Tognini, indicam que seu livro e seus pressupostos não eram frágeis e o “inferno”

não poderia detê- los. A insistência do Movimento de Renovação Espiritual, mesmo diante da

vigilância da Comissão dos 13, solidificou-se através da fundamentação da literatura, e as

verdades axiomáticas parecem ter se tornado intolerantes e funestas na Convenção Batista

Brasileira. 355 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 135. 356 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 135.

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O sentimento fundamentalista de que o Movimento de Renovação Espiritual

estava acima de qualquer questionamento e de qualquer ação daqueles a quem os líderes

renovados demonizavam, impregnou-se no discurso e foi considerado por alguns como

arrogância:

“A auto-suficiência demonstrada pelos irmãos da “Renovação” não passa de forte dose de orgulho espiritual, o pior e mais condenável de todos os orgulhos. Tal orgulho conduz o elemento humano a atitudes imprevisíveis. Isto, sim, é carne em sua expressão total. Completo domínio do ego, da velha natureza, já agora exaltada por uma falsa espiritualidade”. 357

O exclusivismo e o fundamentalismo do Movimento de Renovação Espiritual,

de certa forma, foram identificados por Fernandes que alegava que o mencionado Movimento

estava agindo com uma “subestima de todos os demais crentes”. Segundo Fernandes, o

Movimento classificava como carnais:

“Todos aqueles que não passaram pela experiência da segunda bênção, ou seja, pelo batismo no Espírito Santo, segundo o dogmatismo infundado de sua doutrina, ou não os seguem em seu modo de pensar”. 358

Porém, o Movimento de Renovação Espiritual, em sua militância no Brasil,

não esvaecia, antes, fortalecia-se em detrimento dos cânones e dos conclaves batistas, nas

Convenções Batistas Brasileiras e nos seus desdobramentos por meio das campanhas de

evangelização promovidas pelos batistas brasileiros. De forma que, mesmo tendo oposições

bastante formadas, o Movimento não aceitava ser encarquilhado, mas se mostrava

encolerizado ao mesmo tempo em que ocasionava disputas e pensamentos bélicos,

fundamentalistas e axiomáticos. No ímpeto das lutas e das batalhas, o Movimento de

Renovação Espiritual não se enregelou, porque soube criar e, inclusive, soube compor um hino

que expressa o fundamentalismo descrito com bastante propriedade, pois encoraja os

militantes do Movimento a que tenham “reverência” e “muito amor”, bem como a que

entendam que aquela hora histórica era “decisiva” e, portanto, havia a necessidade de

“vigilância e destemor” 359.

357 Cf. FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 85. 358 Cf. FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 83. 359 O referido hino é de Rosivaldo de Araújo. Esse pastor vivenciou verdadeiras lutas e disputas na igreja local e também na denominação batista. Assim, depois de uma história de muito belicismo, Araújo escreveu essa letra

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“Ninguém detém, é obra santa! Ninguém detém, é obra santa! Nem Satã ou o mundo todo, Hão de apagar este ardor! Ninguém detém, é obra santa! Esta causa é do Senhor!” . 360

4.2. Rubens Lopes e Enéas Tognini: Campanhas de Evangelização e Encontros de

Renovação

Rubens Lopes nasceu a 1o de outubro de 1914361, na cidade de Caieiras,

Estado de São Paulo. Filho de Antônio Lopes e Maira F. Lopes, teve três irmãos: Miguel,

Antônio e Luiz. Sua família foi bastante envolvida com o trabalho batista no Brasil, pois

Antônio dedicou-se ao pastorado e Luiz, ao diaconato.

Tendo sido batizado a 5 de dezembro de 1923, na Igreja Batista de Santos,

Rubens Lopes cultivou uma vida assídua exercendo sempre funções de liderança. Lopes

bacharelou-se em Ciências e Letras no ano de 1933 pelo Colégio Batista “Shepard”, no Rio de

Janeiro. Graduou-se em Ciências Teológicas em 1936, pela Faculdade de Teologia da Igreja

Presbiteriana Independente do Brasil. Também bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais

em 1959, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Lopes foi ordenado ao ministério pastoral a 24 de janeiro de 1938, na Igreja

Batista de Vila Mariana, na cidade de São Paulo. Exerceu as funções de evangelista, de pastor

auxiliar e de pastor titular na referida Igreja, onde permaneceu durante todo o seu ministério.

Após ter atingido grande prestígio denominacional, Lopes foi Presidente da

Convenção Batista do Estado de São Paulo por 28 anos seguidos. Também foi Presidente da

Junta Executiva da Convenção Batista do Estado de São Paulo durante 13 anos seguidos.

Fundou a Ordem dos Pastores Batistas do Estado de São Paulo e a presidiu por 31 anos

que fundamentou uma “verdade” do Movimento de Renovação Espiritual. In: XAVIER, João Leão dos Santos. Colunas da Renovação, p. 41 a 70. 360 O hino está transcrito no anexo 10. 361 Rubens Lopes faleceu a 3 de novembro de 1979, enquanto trabalhava em seu gabinete pastoral. Informações obtidas no site da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Secção São Paulo : http://www.opbb-sp.org.br/web/index.php?option=com_content&task=view&id=25&Itemid=41 – Acesso no dia 13 de janeiro de 2008.

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seguidos. Lopes foi Presidente da Convenção Batista Brasileira por 14 vezes. Finalmente,

exerceu a vice-presidência da Aliança Batista Mundial 362.

Rubens Lopes foi considerado pela Ordem dos Pastores Batistas do Brasil,

Secção São Paulo, como um dos pregadores mais notáveis de seu período, pois, segundo a

Ordem, o pastor Lopes poderia ser considerado o maior pregador batista brasileiro do século

em que viveu e um dos mais destacados do mundo 363. Contudo, além do intenso

envolvimento denominacional, Lopes foi conhecido por sua capacidade intelectual, por sua

boa oratória e pelas campanhas que lançou e dirigiu, entre as quais destaca-se: Campanha de

Evangelização de São Paulo e Cidades Adjacentes, em 1962; Campanha Nacional de

Evangelização, em 1965; Campanha das Américas, em 1969; Campanha Mundial de

Evangelização, em Baden, Viena, a 4 de agosto de 1969 364.

Rubens Lopes teria se dedicado de forma bastante intensa aos preparativos

da Campanha Nacional de Evangelização. O tema da Campanha era: Cristo é a Única

Esperança. Desse modo, Lopes teria percorrido todo o Brasil anunciando a referida campanha

e pregando com base no mencionado tema. Tendo percorrido 103.036 quilômetros de avião e

7. 828 quilômetros em rodovias brasileiras, propagou a mensagem a que se propôs a dois

Presidentes da República, a saber, Castelo Branco e Costa Silva. Também pregou a todos os

Governadores da tribuna de todas as Assembléias Legislativas. Da mesma forma anunciou sua

mensagem nas tribunas de todas as Câmaras Municipais das Capitais. Também falou em

Tribunais de Justiça e a alguns componentes do Supremo Tribunal Federal. Finalmente,

pregou aos Ministros da Guerra, tanto da Marinha, quanto da Aeronáutica e dos comandantes

dos Quatro Exércitos, bem como aos comandantes de todas as Regiões Militares 365.

Dessa forma, vê-se com clareza que o intento de Lopes também era o de

pregar para as autoridades, entre as quais destacam-se os militares. Ora, está-se falando de um

período pós-golpe militar e, desse modo, também de um período de consolidação da ditadura

que se fez presente no Brasil. Portanto, suscita-se uma indagação: estaria Rubens Lopes

pregando contra o Governo Militar por não concordar com ele ou estava prestigiando o

362 Dados obtidos na internet: http://www.luz.eti.br/rubenslopes.html - Acesso no dia 14 de janeiro de 2008. 363 http://www.opbb-sp.org.br/web/index.php?option=com_content&task=view&id=25&Itemid=41 – Acesso no dia 13 de janeiro de 2008. 364 Informações obtidas no site da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Secção São Paulo: http://www.opbb-sp.org.br/web/index.php?option=com_content&task=view&id=25&Itemid=41 – Acesso no dia 13 de janeiro de 2008. 365 http://www.luz.eti.br/rubenslopes.html – Acesso no dia 14 de janeiro de 2008.

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referido Governo por pregar a ele? E ainda: teria Lopes o mesmo objetivo político-religioso

de Tognini ou entendia que todos deveriam ouvir sua mensagem?

As campanhas lideradas por Lopes não foram as únicas que aconteceram,

pois também o Movimento de Renovação Espiritual propôs e realizou campanhas

denominadas Encontros de Renovação Espiritual, que pareciam fortemente vinculadas aos

desejos de seus líderes, os quais, por sua vez, se contendiam nas disputas no seio da

Convenção Batista Brasileira.

Existem indícios de que a Campanha Nacional de Evangelização tenha sido

uma resposta ao golpe militar de 1964:

“Em 1965, foi realizada a Campanha Nacional de Evangelização, como uma espécie de resposta ao golpe de 1964. Seu tema foi “Cristo, a Única Esperança”, implicando que as soluções meramente políticas eram insuficientes. O coordenador da campanha foi o Pr. Rubens Lopes”. 366

Dessa forma, concomitante à ação política de Tognini em favor dos militares

no Brasil, estava Lopes e seus liderados pregando a insuficiência das ações políticas. Utilizou-

se, portanto, do momento político do Brasil para lançar uma Campanha que visava à

evangelização e ao aumento denominacional.

Contudo, segundo Tognini, a “grande campanha dos batistas brasileiros em

1965, presidida por Rubens Lopes, foi um fracasso”. Para o autor, o objetivo da Campanha

Nacional de Evangelização, dirigida por Lopes, era o de alcançar 500 mil pessoas para os

batistas brasileiros. Entretanto, apenas 10 mil pessoas, que teriam participado da Campanha

haviam se batizado em igrejas batistas, integrando-se a elas367.

“Mas a grande campanha foi lançada com o propósito de acabar com a renovação espiritual. Alguém poderá deter o poder do Espírito Santo? Ninguém detém... é obra santa... nem satã, nem o mundo todo podem apagar esse ardor”. 368

Assim, Tognini parece demonizar a Campanha Nacional de Evangelização,

porquanto se coloca como alguém que privilegia as expressões do Espírito Santo e afirma que

satã não poderia deter o ardor do Movimento de Renovação Espiritual. Dessa forma,

366 http://www4.mackenzie.com.br/7071.html - Acesso no dia 13 de janeiro de 2008. 367 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 95. 368 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 96.

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entendendo a Campanha como o objetivo de “acabar com a renovação espiritual”, Tognini

associa sua ação como a oposição satânica ao mencionado Movimento.

“E, com a Grande Campanha de 1965, os Batistas Brasileiros pensaram em liquidar Renovação Espiritual. A movimentação dessa campanha foi gigantesca. Gastaram rios de dinheiro. O resultado desse colossal, e até louvável, esforço não compensou a canseira e os gastos exagerados. O alvo supremo dessa “Campanha” – sufocar Renovação Espiritual, não foi alcançado”. 369

Julgando Tognini que o Movimento de Renovação Espiritual se tratava de

“obra santa”, também parece dizer que ninguém pertencente à Convenção Batista Brasileira,

poderia deter tal Movimento. Da mesma forma, tendo dito que a Campanha Nacional de

Evangelização fora realizada no propósito de “acabar com a renovação espiritual”, entende-

se que Lopes era opositor ao Movimento e, por isso, havia usado o pretexto da evangelização

para ofuscar o referido Movimento de Renovação Espiritual.

No entanto, para Ferreira, houve uma influência positiva de um determinado

“Período de expansão evangelística e missionária” ocorrido a partir da década de 1960 no

seio da Convenção Batista Brasileira.

“Houve clarinadas, reuniões de despertamento, conferências aqui e ali, com pregadores até de outros estados. O âmbito nacional foi também atingido pela Primeira Campanha Nacional de Evangelização. Foi uma grande bênção esse movimento entre os batistas do Brasil, resultado de esforço conjunto de pastores e igrejas, incentivadas pelo Pastor Rubens Lopes, que muito fez para que se alcançasse o alvo desejado”. 370

Em seus textos, Enéas Tognini deixa evidente uma oposição de Lopes e da

Convenção Batista Brasileira em relação ao seu ministério e ao Movimento de Renovação

Espiritual. Todavia, tendo em vista uma suposta aversão de Lopes em relação à sua pessoa,

Tognini também parece deixar claro um sentimento de oposição em relação a Lopes, o que

faz por meio da explicitação de sua memória acerca de diversos supostos fatos ocorridos no

relacionamento entre os referidos líderes. Portanto, parece haver uma rixa entre Tognini e

Lopes:

369 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 161 e 162. 370 FERREI RA, Ebenézer Soares. História dos Batistas Fluminenses, p. 173.

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“Era o ano de 1964. Os pastores batistas do Estado de São Paulo se reuniram no acampamento de Sumaré. Compareci, pois continuava ligado à Igreja Batista de Perdizes, portanto, estava ligado à Ordem de Pastores. Após o almoço, Pr. Rubens Lopes, Presidente da Ordem de Pastores, na presença do Pastor Alberto Blanco de Oliveira, que ficou à frente da Igreja de Perdizes, e portanto, era o meu pastor, convidou-me a deixar o retiro, o que fiz na mesma hora”. 371

Desse modo, averigua-se que havia determinada contenda entre Lopes e

Tognini, até mesmo por causa das memórias cultivadas por Tognini. Sabe-se que Lopes foi o

presidente da Convenção Batista Brasileira, a qual, no período de sua atuação, experimentou o

primeiro cisma na história dos batistas no Brasil. Contudo, também se verifica a atuação de

Tognini, que parece ter levado a cabo todas as experiências político-religiosas até mesmo com

as possibilidades de divisão denominacional, o que ocorreu em 1965 como se descreveu no

capítulo anterior.

Entrementes, além das campanhas dirigidas por Lopes, havia campanhas

dirigidas por Tognini, os já mencionados “Encontros de Renovação Espiritual”. Ocorreram

dois Encontros de Renovação Espiritual bastante decisivos no embate denominacional, um

realizado em julho de 1964, no templo da Igreja Batista da Floresta, em Belo Horizonte, e

outro, no auditório da Secretaria da Educação, no centro de Belo Horizonte, em julho de 1965 372.

“A finalidade desse primeiro encontro, dizia-se, era uma espécie de conferência teológica sobre Reavivamento Espiritual, aliás, expressão muito em voga naquela década, no Brasil”. 373

Para Fernandes, havia um interesse de fundamentar teologicamente o

Movimento de Renovação Espiritual, porém, segundo o autor, o encontro se tornou um lugar

de culto interdenominacional, onde todos os grupos tiveram livre acesso à palavra. Segundo

Fernandes, o conclave gerou esperanças, mas frustrou grande parte delas, porquanto se tornou

um lugar de protestos e embates denominacionais, ocasionando cultos fortemente

carismáticos e um “inequívoco saldo de decepções, constrangimento e tristeza” 374.

Conforme Fernandes, o Movimento de Renovação Espiritual preparou um

segundo “Encontro de Renovação Espiritual”, pois queria reparar os danos causados no

371 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 93. 372 Cf. FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 18 e 19. 373 Cf. FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 18. 374 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 19.

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primeiro. Segundo Fernandes, “ouvia-se, na ocasião, que sua finalidade era corrigir os

equívocos do primeiro encontro” 375. Porém, esse não foi o motivo maior do segundo

encontro:

“Um motivo maior, entretanto, sobressaía aos demais: as igrejas batistas que a esta altura já haviam sido desligadas do rol de igrejas cooperantes com a Convenção Batista Brasileira não queriam permanecer isoladas. Era iminente a disposição de se organizarem em Convenção de âmbito nacional, medida, a nosso ver, justa e conveniente, uma vez que o número das tais era bem elevado em todo o território brasileiro. Por não quererem ficar marginalizadas é que se organizaram, posteriormente, em Convenção Batista Nacional”. 376

Portanto, além da Campanha Nacional de Evangelização, também

aconteceram os “Encontros de Renovação Espiritual”, estando Rubens Lopes e Enéas

Tognini integrados em redes diferentes. Para Fernandes, os encontros promovidos pelo

Movimento de Renovação Espiritual marcaram uma rivalidade bastante contundente entre as

redes de poder, pois se nota que havia líderes entrincheirados e prontos para as batalhas.

Conforme Fernandes, os anos de 1964 e 65 foram bastante “movimentados” devido aos

preparativos para a Campanha Nacional de Evangelização, contudo, segundo o autor, as

“chamadas Igrejas da Renovação não queriam participar da Grande Campanha”. Por sua

vez, os líderes da Convenção Batista Brasileira também não queriam que os integrantes do

Movimento de Renovação Espiritual participassem, porquanto haviam tomado conhecimento

do primeiro “Encontro de Renovação Espiritual”, que fora classificado como pentecostal 377.

Desse modo, Fernandes faz uma declaração que evidencia o belicismo do

período, a saber: “uma coisa é participar de uma batalha à distância, outra é participar de

dentro das trincheiras” 378. Os encontros promovidos pelo Movimento de Renovação

Espiritual e por Tognini parecem indicar trincheiras e nas campanhas lideradas por Lopes

ocorre de igual forma, pois também este não permitiu participação dos integrantes do

mencionado Movimento em suas frentes evangelísticas.

A história, sendo considerada como bélica, concede uma amostragem das

relações de força que posicionou sujeitos religiosos por detrás de trincheiras muito bem

definidas e legitimadas por ações experienciais. Assim, o embate se travou no seio da

375 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 19. 376 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 20. 377 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 17. 378 FERNANDES, Humberto Viegas. Renovação Espiritual no Brasil, Erros e Verdades, p. 16.

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Convenção Batista Brasileira, porque as trincheiras foram bem definidas: conservadores, com

Rubens Lopes, seus mecanismos e táticas de ações; renovados, com Enéas Tognini, suas

táticas e mecanismos de ações.

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Considerações Finais

O pentecostalismo brasileiro, mesmo diante de influências estrangeiras, é

bastante específico. Porém, no final das décadas de 1950 e 1960, verifica-se uma

operacionalização carismática no seio de denominações históricas, entre as quais se averiguou

a atuação do Movimento de Renovação Espiritual na Convenção Batista Brasileira.

Num processo altamente dinâmico de implantação do pentecostalismo no

Brasil, Freston e Mariano, bem como outros, advogaram periodizações através de um

tratamento dos movimentos com base na idéia de ondas. Entretanto, como se verificou, para o

objeto da pesquisa, não se pode aplicar com segurança as noções cunhadas pelos referidos

autores, conquanto haja um certo vazio na idéia de ondas, pois falta um lugar para o

Movimento de Renovação Espiritual, o qual atuou em meio aos batistas no Brasil.

Contudo, pode-se preencher o vazio que a idéia de ondas deixa em relação à

atuação do referido Movimento, se for considerado que seu lugar de atuação é altamente

bélico. Assim, o pentecostalismo da década de 1960, em especial na Convenção Batista

Brasileira, promoveu conflitos de poder no seio de uma denominação histórica. Portanto, para

os batistas da época mencionada, houve uma dinamização no lugar histórico de existir,

porquanto se passou a praticar nele. Dessa maneira, o Movimento de Renovação Espiritual

ocupa um lugar político-religioso altamente bélico, porquanto, através das militâncias,

promovem-se guerra e grande mobilidade na Convenção Batista Brasileira.

Toda a credibilidade e influência da missionária Rosalee Mills Appleby

foram fundamentais para proporcionar algumas concepções essenciais que embasaram o

Movimento de Renovação Espiritual. A missionária introduziu, através de sua literatura e

vivência, determinado anseio por experiências pentecostais, o que ocasionou um desequilíbrio

doutrinário, pois inúmeras pessoas começaram a buscar o batismo no Espírito Santo como

sendo subseqüente ao momento em que se entendia ser o da salvação do espírito humano.

Ressalta-se, no entanto, que a missionária sempre foi bem quista entre os

batistas brasileiros, até mesmo entre os que não concordavam com suas concepções

doutrinárias e experienciais. Em muito, atribui-se sua aceitação ao fato de que era missionária

norte-americana, algo bastante valorizado entre os batistas brasileiros à época. A princípio,

estranha-se a aceitação de uma liderança feminina entre as igrejas batistas no final da década

de 1950, porém, antes da morte de seu marido, a missionária começou a conquistar a

confiança e a simpatia nas igrejas do Estado de Minas Gerais e de outras partes do Brasil. É

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bastante interessante observar que, além de Rosalee Mills Appleby, não houve nenhuma

liderança feminina forte no Movimento de Renovação Espiritual. Entretanto, a própria

missionária parece ter influenciado uma liderança masculina que parece ser bastante seleta,

uma vez que incluía importantes líderes no seio da Convenção Batista Brasileira.

No entanto, após o início do Movimento de Renovação Espiritual, o que

parece ter sido no ano de 1956, Rosalee Mills Appleby retornou aos Estados Unidos. Seu

retorno se deu no ano de 1960. Assim, a missionária não vivenciou os conflitos que

conduziram a denominação batista no Brasil ao primeiro cisma de sua história. Não se pode

constatar precisamente o motivo que impulsionou o retorno da missionária, mas questiona-se

se ela realmente teria voltado por conta de problemas de saúde, se o Movimento de

Renovação Espiritual deixou de agradá- la ou se havia atingido o senso de missão cumprida,

dado o início da militância do Movimento de Renovação Espiritual.

Dois proeminentes pastores batistas foram motivados à militância no referido

Movimento com a pregação de Rosalee Mills Appleby, são eles: José Rego do Nascimento e

Enéas Tognini.

Tendo José Rego do Nascimento alegado uma experiência de batismo no

Espírito Santo, iniciou sua principal tarefa, a saber, a disseminação das idéias pentecostais, as

quais adquiriu por meio de leituras acerca de avivamentos, de leituras dos pensamentos da

missionária americana e pela formulação de uma experiência que se alastrou por entre

diversos grupos no interior da Convenção Batista Brasileira. Rego, por ser um bom orador, foi

o pastor que vivenciou experiências prévias e as reproduziu na denominação batista,

porquanto se verificaram experiências extáticas promovidas por suas reuniões, entre as quais

destacam-se as experiências religiosas vivenciadas no interior da biblioteca do Seminário

Teológico Batista do Sul do Brasil.

Portanto, Rego se tornou o propagandista do Movimento de Renovação

Espiritual, contribuindo significativamente para sua constituição e desenvolvimento, pois se

sentia habilitado e inscrito na experiência pentecostal através da sensação de sua possessão

por parte da divindade chamada Espírito Santo. Rego, quando, através da socialização de

experiências carismáticas, se constituiu em rede de poder, também teve de enfrentar a

oposição das redes de poder oficiais no interior da Convenção Batista Brasileira. Assim que,

durante a madrugada, ecoou o barulho da experiência religiosa de Rego e dos seminaristas,

para além das paredes da biblioteca e dos corredores do Seminário Teológico Batista do Sul

do Brasil, a repressão oficial fez-se ouvir por meio das vozes oficiais que foram mencionadas

no segundo capítulo.

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Assim, Rego, além de sofrer pressões denominacionais e de ter

pressentimentos sobre o próprio futuro, bem como sobre o futuro da denominação batista no

Brasil, também sofreu oposição na Igreja Batista da Lagoinha, a qual pastoreava. Tal conflito,

inclusive por uma questão inusitada sobre o patrimônio da Igreja, também desencadeou uma

abrangência nas redes de poder do Movimento de Renovação Espiritual, pois algumas igrejas

ajudaram a Igreja Batista da Lagoinha e a ela prestaram solidariedade; no entanto, outros se

fizeram opostos ao Movimento em curso no Brasil e, portanto, a Igreja Batista da Lagoinha,

pastoreada por Rego. Por isso, muitas congregações batistas sentiram-se presentes no

aprofundamento dos conflitos e na ampliação das redes de poder neles envolvidas.

Quando Enéas Tognini teve contato com a mensagem do Movimento de

Renovação Espiritual, através, principalmente, de Rosalee Mills Appleby, também alegou um

batismo no Espírito Santo. Tognini narra a experiência de uma suposta voz de Deus pedindo

para que ele entregasse algumas coisas, quais sejam: sua biblioteca, a direção do Colégio

Batista Brasileiro, o pastorado na Igreja Batista de Perdizes e até mesmo sua família. Para

Tognini, esses eram ídolos que tiveram de ser deixados no momento em que se procedeu a seu

batismo no Espírito Santo.

Desse modo, com adesão bastante marcante ao Movimento de Renovação

Espiritual, Enéas Tognini assume uma frente bélica no seio da denominação batista, tanto que

Almeida o chama de novo e destemido comandante, alegando que sua vinda ao exército do

Movimento de Renovação Espiritual não foi como soldado, mas como comandante forte 379.

De fato, o Movimento de Renovação Espiritual adquiriu o caráter belicista e também

impulsionou confrontos na Convenção Batista Brasileira. Entretanto, evidentemente, as redes

de poder conservadoras também se constituíram e se posicionaram para a batalha. Enéas

Tognini alegrava-se crente e “até um pouco mais”, porquanto era batista e havia sido batizado

no Espírito em 1958, se tornando um combatente fiel em prol das causas do avivamento de

então e contrário aos conservadores da denominação batista. 380

Assim, a experiência extática ocorrida no interior do Seminário Teológico

Batista do Sul do Brasil despertou os conservadores para o que estava ocorrendo entre os

batistas no Brasil, servindo também como episódio e experiência religiosa fundante do

Movimento de Renovação Espiritual, com o início da solidificação e propagação do referido

Movimento. É deveras importante a percepção acerca da mobilidade da experiência religiosa

vivenciada nesse ensejo, pois tratou-se de inscrições numa rede de poder que subverteu o

379 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 109. 380 TOGNINI, Enéas. A autobiografia, p. 77.

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significado acadêmico do lugar chamado biblioteca, porque os seminaristas que antes

praticavam naquele lugar tornando-o espaço de crescimento intelectual e teológico, agora

transformam-no em um lugar não oficial de experiências religiosas em meio a uma

madrugada de autenticações religiosas, o que promoveu uma dinâmica marcante no

pensamento do Movimento de Renovação Espiritual, porque os militantes, como Enéas

Tognini, pregavam uma certa superação dos preceitos acadêmicos pelas experiências

pentecostais.

Dessa forma, depois da experiência religiosa vivenciada na biblioteca do

referido Seminário, houve uma intensificação das propagandas realizadas por Rego, as quais

foram corroboradas no reforço de uma formulação doutrinária por Enéas Tognini, que

ofereceu embasamento e apoio na militância entre os batistas brasileiros. Contudo, Rego

desenvolveu certo pressentimento de que a Igreja Batista da Lagoinha seria desligada da

Convenção Batista Mineira. O cisma ocorrido entre as igrejas batistas do Estado de Minas

Gerais suscita a indagação: estaria o Movimento de Renovação Espiritual fo rçando um cisma

denominacional ou Rego pressentiu com facilidade e ao acaso?

Portanto, após o cisma na Convenção Batista Mineira, a Convenção Batista

Brasileira, através de sua assembléia anual, ocorrida em janeiro de 1962, constituiu a

Comissão dos 13 para o estudo da doutrina do Espírito Santo. A mencionada Comissão fora

classificada no terceiro capítulo como um dispositivo panóptico muito bem armado, como

preconizou Rubens Lopes 381. A partir de Foucault pode-se interpretar a constituição da

Comissão dos 13 como uma tentativa institucional de disciplinar e controlar o movimento

dissidente que, por sua vez, reorganizou-se no exercício da “microfísica” do poder e da

fragmentariedade do poder, pelo qual se intentou um sistema de vigilância plena, que, no

presente texto, se verificou em sua operação no bojo de uma antidisciplina nas categorias de

Certeau. Desse modo, com Foucault, pode-se conceber uma reorganização do poder de forma

eficaz e capilar, sendo que se considerou melhor vigiar do que punir. Ressaltando a mecânica

do poder, o teórico demonstrou a maneira como o poder pode afetar o comportamento

humano tornando-o bélico.

A Comissão dos 13 promoveu a fiscalização no seio da Convenção Batista

Brasileira, conquanto três de seus integrantes eram contrários e três, favoráveis ao Movimento

de Renovação Espiritual. Todavia, sete dos integrantes eram tidos por neutros, mas se

posicionaram de forma contrária ao Movimento, o que ocasiona dúvidas acerca da veracidade

381 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 9.

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da posição inicial de neutralidade dos sete integrantes mencionados. Por que, então, todos

aqueles que se diziam neutros apoiaram os que eram contrários ao Movimento de Renovação

Espiritual?

Além de fiscalização, a formação da Comissão dos 13 indica que a

Convenção Batista Brasileira tinha um vazio doutrinário bastante sério, pois não teve como

lidar com as concepções pentecostais do batismo no Espírito Santo utilizando-se de um

cânone, até mesmo porque não havia nenhuma declaração doutrinária elaborada

plausivelmente, que atendesse ao anseio daqueles que buscavam respostas sobre o batis mo no

Espírito Santo. Inicialmente, a Comissão dos treze não definiu o que realmente era a doutrina

do batismo no Espírito Santo. No entanto, chegaram ao consenso de que, ao longo dos anos, a

expressão “batismo no Espírito Santo” não foi definida nas declarações doutrinárias dos

batistas brasileiros.

Porém, a Comissão dos 13 admitiu que não era prática dos batistas no Brasil

a crença no batismo com o Espírito Santo como “segunda bênção”, ou seja, como

subseqüente ao ato de salvação pessoal do crente, nas categorias batistas. Da mesma maneira,

a “glossolalia” e o dom de curas foram rejeitados pela Comissão. Contudo, a Comissão dos

13 oferece uma denúncia bastante importante naquela conjuntura, porquanto há a afirmação

de que os integrantes do Movimento de Renovação Espiritual estavam fazendo

“proselitismo” e que isso seria prejudicial no relacionamento com outras igrejas e no interior

da Convenção Batista Brasileira. Parece confirmar-se, com base no que fora exposto, uma

sensibilidade ecumênica por parte dos batistas no Brasil e, da mesma maneira, começa-se a

verificar uma formação fundamentalista no Movimento de Renovação Espiritual, porquanto

cristalizaram alguns preceitos como sendo axiomáticos.

No entanto, mesmo com o avanço na tecnologia do poder, através da arte de

vigiar, houve um retrocesso na política denominacional, pois, depois do esforço e do trabalho

da Comissão dos 13, realizando os devidos apontamentos, a Convenção Batista Brasileira

tornou-se palco de batalhas congregacionais, um poder soberano em que se propôs punir. A

Comissão dos 13, na primeira vez em que apresentou um relatório, poderia cessar seu

trabalho; no entanto, Rubens Lopes os encorajou a prosseguir, o que indica um esforço para

estabelecer cânones e regras institucionais a fim de chegar a um parecer sobre como um

batista realmente cria no que tange à doutrina do Espírito Santo.

Entretanto, os pressentimentos de Rego do Nascimento e sua saída da

Comissão dos 13, bem como a de Enéas Tognini, demonstrou que havia uma forte vontade de

evidenciar a incompatibilidade do Movimento de Renovação Espiritual com os fundamentos

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teológicos e políticos da Convenção Batista Brasileira. Houve um anseio muito grande de se

exercer o poder da verdade. No entanto, como se verificou, esse também é um dos

mecanismos de exclusão em âmbito institucional, o qual, em conflito nas redes de poder, fez a

denominação culminar no cisma pentecostal abordado no terceiro capítulo.

Demonstrou-se que o Movimento de Renovação Espiritual, através das

posturas assumidas por Enéas Tognini, solidificou-se em suas bases político-religiosas

fundamentalistas, tanto no que diz respeito à política denominacional, em que Tognini parece

disputar um espaço com Rubens Lopes, travando uma rivalidade e assumindo posturas

fundamentalistas, quanto na política secular, em que Tognini se mostrou contrário ao

Presidente da República, João Goulart, o que caracterizou uma militância anticomunista, a

qual buscou bases nas experiências religiosas e, principalmente, no dia nacional de “jejum,

oração e humilhação”, quando diversas igrejas no Brasil expressaram religiosamente sua

contrariedade ao comunismo com base no medo de Tognini, porquanto este temia que um

regime comunista não permitisse o proselitismo promovido pelo Movimento de Renovação

Espiritual. Assim, houve uma demonização dos líderes marxistas e do Presidente João

Goulart, bem como dos líderes conservadores que queriam deter o Movimento de Renovação

Espiritual, que privilegiava a militância e alegava deter a verdade por meio do batismo no

Espírito Santo. Ademais, sabe-se que, no caráter bélico do referido Movimento, na

formulação de um fundamentalismo pentecostal, verifica-se um esforço dos líderes José Rego

do Nascimento e Enéas Tognini por deter uma parcela do poder contra os movimentos

supostamente comunistas, que estavam em curso no País. Assim, há grandes possibilidades de

que o cisma tenha sido provocado para que se exercesse liderança, não somente em termos

religiosos, mas também, com a religião, no âmbito da política secular, em que Tognini revela

seu apoio ao golpe militar de 1964.

Suspeita-se, portanto, uma comprovação da primeira “suspeita”, “de que as

experiências religiosas são legitimadoras das atitudes do poder político na história da

Convenção Batista Brasileira”, no período de 1956 e 1965, quando o Movimento de

Renovação Espiritual atuou buscando embasamentos experienciais e doutrinários para a sua

ação. O desequilíbrio político-religioso afetou significativamente a estrutura denominacional

e ocasionou uma verdadeira guerra institucional, onde aqueles que se alegavam batizados pelo

Espírito Santo ingressavam no “exército” do Movimento de Renovação Espírito e, da mesma

maneira, aqueles que negavam a referida experiência juntavam-se ao “exército” institucional

da Convenção Batista Brasileira. No decorrer do texto, foi possível identificar as estratégias,

as táticas e a dominação bélica de redes de poder, umas contra as outras e em nome, ora da

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experiência com o Espírito Santo, ora com a experiência do “deus” de uma sã doutrina

batista. Nesse sentido, também se verifica uma apropriação de textos bíblicos, principalmente

por parte do Movimento de Renovação Espiritual, que buscava sua legitimação religiosa para

agir sob a política da vigilância denominacional.

Suspeita-se, da mesma forma, que a segunda “suspeita”, “de que cada

sujeito religioso agiu, com base na legitimação do poder a partir das experiências religiosas,

inscrevendo-se por uma opção de favorecimento numa rede de poder”, também se comprova

à medida que se verifica a adesão de sujeitos como José Rego do Nascimento, que abdicou do

pastorado de algumas igrejas querendo uma posição de maior destaque e alcançar o pastorado

na capital mineira, pois procurava uma cidade axial, de onde pudesse partir os ecos do

Movimento de Renovação Espiritual. Da mesma forma, querendo um avivamento nacional,

inscreveu-se no Movimento de Renovação Espiritual para exercer militância, tornando-se o

pastor propagandista do Movimento. Observa-se, de igual forma, Enéas Tognini, que, tendo

uma comprovada ligação com os militares do período em tela, utilizou-se das experiências

religiosas para aderir a redes de poder vinculadas ao Movimento de Renovação Espiritual.

Ficou bastante notório que Tognini almejava a liderança de um grupo pentecostal de

militância para se posicionar contra os conservadores da Convenção Batista Brasileira. Além

disso, algumas redes opositoras de favorecimento surgem e consolidam-se no interior da

denominação batista, tome-se como amostragem a chamada “minoria fiel” da Igreja Batista

da Lagoinha, que teve influência externa para a militância denominacional e no interior da

igreja local.

Entretanto, suspeita-se que a terceira “suspeita”, a qual indica um “avanço

na tecnologia do poder” exercido na Convenção Batista Brasileira, em parte se constata, pois

instaurou-se um dispositivo de vigilância e, num primeiro momento, não houve punição pelo

terror, pois na 44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira, criou-se uma vigilância que

classifica-se, no presente texto, com os fundamentos panópticos, propostos por Michel

Foucault. Contudo, após os pareceres da Comissão dos 13, houve um retrocesso e a

“microfísica” do poder aparentemente regrediu-se a uma existência “macrofísica”, na qual a

soberania promulga a condenação. Todavia, propôs-se que a vigilância só pode se

operacionalizar nos lugares praticados. Portanto, a disciplina caracterizada por Foucault no

dispositivo panóptico atuou na antidisciplina do desconhecimento das práticas e operações e,

através do desejo da verdade, a 47ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira excluiu 32

igrejas, em janeiro de 1965.

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Dessa forma, houve um retrocesso muito grande na tecnologia da vigilância,

pois se regrediu a processos inquisitoriais conceitualmente semelhantes aos da Idade Média,

que valorizavam o poder soberano, ocasionando terror e ódio. O panóptico, exercido através

do olhar da Comissão dos 13, deu lugar às operações de uma antidisciplina, onde não se

poderia localizar com exatidão o olhar no palco do congregacionalismo batista. Assim, nesse

constante panóptico do desconhecimento das práticas através de um olhar pouco fixo e

bastante abrangente, uma voz ecoou e a 47ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira

anunciou o retrocesso de um poder que há pouco havia experimentado um avanço

tecnológico.

Em suma, achava-se em foco inúmeras disputas denominacionais, entre as

quais destaca-se a luta pelo espaço e pelos lugares praticados, a saber, por exemplo, entre

Enéas Tognini e Rubens Lopes, entre o Movimento de Renovação Espiritual e o

conservadorismo da Convenção Batista Brasileira. Preferiu-se excluir e, muito

provavelmente, preferiu-se buscar a exclusão, pois parece ser verdade que a Convenção

Batista Brasileira criou um dispositivo de vigilância, instigado por alguns para a exclusão, no

entanto; também parece ser verdade que o Movimento de Renovação Espiritual forçou uma

exclusão por não acatar os cânones da denominação e por almejar a liderança de um grupo

político-religioso para a atuação no cenário da política secular no País.

Assim, os batistas no Brasil dividiram-se em dois grandes grupos, pois as

igrejas excluídas da Convenção Batista Brasileira organizaram-se em Convenção Batista

Nacional no ano de 1967, onde se intensificou a luta na política secular, bem como na

preservação dos preceitos pentecostais defendidos vorazmente pelo Movimento de Renovação

Espiritual 382. Em 19 de julho de 2001, Enéas Tognini, representando a Convenção Batista

Nacional, grupo dissidente da Convenção Batista Brasileira, escreveu uma carta ao Presidente

da Convenção Batista Brasileira, Fausto A. Vasconcelos, na qual consta que “há quarenta

anos atrás Batistas das duas convenções entraram numa guerra fratricida”. Portanto,

reconheceu-se num período recente o belicismo do pentecostalismo do Movimento de

Renovação Espiritual, concedendo bases para afirmar um lugar bélico para as experiências

religiosas do referido Movimento. Ademais, Tognini admite: “ofendemos e fomos ofendidos.

Era guerra e houve muitos feridos”.

Dessa forma, além de reconhecer o caráter bélico do Movimento de

Renovação Espiritual, Tognini, representando a Convenção Batista Nacional, pediu perdão:

382 TOGNINI, Enéas e ALMEIDA, Silas Leite de. História dos Batistas Nacionais, p. 193.

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“pelo que, na guerra deflagrada pelos ferimentos que causamos aos irmãos, estamos diante

da Cruz do Salvador, pedindo que nos perdoem e orando para que o sangue de Jesus, o

Senhor, nos purifique de todo pecado” 383.

Em resposta à carta que Enéas Tognini escreveu a 8 de novembro de 2001,

em nome da Convenção Batista Nacional, Fausto A. Vasconcelos, representando a Convenção

Batista Brasileira respondeu-lhe: “No amor de Cristo, aceitamos o arrependimento dos

irmãos conforme os termos de sua carta e estendemos aos amados irmãos a mão do perdão e

da fraternidade em Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador”. E, da mesma maneira, houve um

pedido de perdão: “De igual modo, pedimos aos queridos irmãos que perdoem as ofensas que

certamente cometemos, enquanto reafirmamos nossos princípios e identidades bíblicos” 384.

Assim, houve uma tentativa de fazer paz depois da guerra. No entanto,

aceitando o pedido de perdão e, de igual forma, pedindo perdão, a Convenção Batista

Brasileira afirma que as ofensas foram cometidas durante o período em que os batistas

reafirmavam os princípios e identidades bíblicos. Portanto, houve o reconhecimento do

belicismo daquele momento e do Movimento de Renovação Espiritual, porém permanece a

diferença, pois Vasconcelos alega que as ofensas cometidas foram no período em que

afirmavam os “princípios e identidade bíblicos” dos batistas no Brasil. Dessa forma, mesmo

depois de algumas décadas, permanece a distância político-religiosa da Convenção Batista

Nacional em relação à Convenção Batista Brasileira.

Em toda a trama ousou-se um desafio ao poder político-religioso, pois no

final da década de 1950 e durante as manifestações do pentecostalismo bélico da década de

1960, embora se tenha noção de alguns caminhos por onde as táticas e estratégias podem

conduzir o transpassar do poder, na verdade, pouco se sabia dos seus custos e conseqüências,

principalmente onde a tecnologia de sua operação modificou-se no avanço e no retrocesso de

seu próprio exercício, como no caso do primeiro cisma na Convenção Batista Brasileira.

Contudo, todo desafio de poder e, qualquer desafio ao poder, culminará no exercício de suas

ações desgovernadas:

383 No anexo 12 encontra-se a “carta” na íntegra. 384 No anexo 13 encontra-se a “carta” na íntegra.

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“Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce numa determinada direção, com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo que o detém; mas se sabe que não o possui”. 385

Ademais, sabe-se que o Movimento de Renovação Espiritual não atuou

somente na denominação batista, mas também, com propostas parecidas, em outras

denominações históricas, o que provocou cismas pentecostais na década de 1960. Seria assaz

interessante, em uma pesquisa posterior, realizar abordagens acerca da história das

denominações “renovadas” que surgiram a partir dos referidos cismas, pois elaborar-se- ia um

trabalho de pesquisa inédito que, se realizado, contribuirá significativamente para a

compreensão do pentecostalismo bélico daquele período, bem como das suas manifestações

religiosas, por meio das experiências de seus líderes.

385 FOUCAULT, Michel. Os intelectuais e o poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfísica do Poder, p. 75.

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ANEXO 1 Carta de José Rego do Nascimento Belo Horizonte, 22 de outubro de 1958. Amado irmão Enéas Saudações no Senhor Jesus Isaías 43:19 “Escrevo-lhe, meu irmão, para informá-lo que alguma coisa gloriosa está acontecendo

em nossa Pátria. Estou voltando do Seminário do Sul, no Rio, depois de uma semana

de trabalhos especiais com os seminaristas, a convite do grêmio, onde estudamos a

doutrina do Espírito Santo.

Na sexta-feira pela manhã, o Senhor nos visitou com grande poder, levando ao altar

quase todos os seminaristas. Na noite do dia seguinte, cerca de 50 seminaristas se

reuniram na biblioteca para uma reunião de oração. Depois do cântico de alguns hinos,

foi lido um trecho da Bíblia e começamos a orar. Todos se mostravam submissos e

desejosos de Deus. Por volta da quarta oração, aconteceu pentecostes.

O Espírito caiu sobre a casa, possuindo a muitos. Alguns seminaristas se deixaram cair

no chão, outros por sobre as mesas, outros se levantaram e muitos confessavam

pecados em voz alta, ouvindo-se gemidos e sons de choro incontido.

Atordoado pela surpresa do acontecido, levantei-me dos meus joelhos e pensei fechar

os basculantes da sala – tomar qualquer medida que evitasse que o barulho chegasse até

as casas vizinhas.

Mas, logo senti-me repreendido pelo Espírito e deixei-me ficar no meu lugar; e

entrando, eu mesmo, a participar da reunião.

Que experiência, Enéas!... Quando pedi que todos se levantassem, encerrando o

período de oração, os seminaristas se abraçam, possuídos de grande emoção, os rostos

molhados de lágrimas. Era cerca de 1:30 da manhã, e fora tudo como se apenas cinco

minutos se tivessem passados.

Voltamos a louvar o Senhor, iniciando com o cântico do hino “Chuvas de bênçãos”.

Todos cantavam num clima de muita alegria e vibração. Findo o período de cânticos,

começaram a pedir a palavra – ora um, ora outro; e as confissões mais inesperadas e

confissões mais tocantes tiveram lugar.

Em seguida, voltamos a orar. Recomeçou a visitação do Espírito. Muitos sentiam-se

cheios de poder do Espírito, e com tal intensidade que alguns pediam ao Senhor que

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parasse a visitação – o Batismo do Espírito. Alguns podiam conter a emoção e

andavam pelo salão rindo livremente.

Que espetáculo, Enéas!... Assim como um banquete do céu na terra – o mosto do céu!

O Apóstolo tem razão: “Enchei-vos do Espírito!”. Um dos seminaristas teve uma visão

de Jesus, na glória. Agarrava-se a mim, enquanto dizia: “Estou vendo o amado

Salvador, não quero abrir os olhos, Pastor!”

Quando terminaram as orações, era cerca de quatro horas da manhã. Passou o tempo

como um sopro. Fomos para a capela do seminário, onde encerramos os trabalhos da

semana.

Meu amado irmão, maravilhas ainda estão por vir. Já estávamos no domingo. Naquela

manhã fui pregar na Igreja de Tauá, na Ilha do Governador, que o Pastor João

Figueiredo pastoreava.

O Pastor Figueiredo assistira a reunião do Seminário e fizera a entrega de sua vida a

Deus. Depois da mensagem, onde senti a poderosa unção do Senhor, pedi que todos se

levantassem para orar. Por volta da quarta oração, o Espírito de deus desceu sobre a

casa, igual como no Seminário, e logo almas foram atiradas diante do altar, aos gritos e

soluços, confessando os pecados. Homens, mulheres, velhos e crianças, quebrantados

ante a presença terrível do Senhor.

O Pastor correu até ao púlpito ao meu lado, trêmulo de emoção e poder. Eu disse- lhe:

“Toma conta da tua Igreja, irmão, pois acaba de receberes o teu pentecostes e eu ainda

preciso pregar em Zumbi”.

O carro já me esperava na porta. Quando saí pela porta dos fundos, um homem veio ao

meu encontro de braços abertos, e agarrou-me aos soluções, marcado pela angústia.

Era, creio, um diácono da igreja.

Cheguei ao carro, e uma senhora, de boa presença, tendo uma criança na mão, veio ao

meu encontro dizendo: “Senhor, nunca vi coisa igual. É a primeira vez que entro numa

igreja protestante. Sinto-me transformada.” Chamei um moço que passou assisti- la.

O Pastor Figueiredo, cheio de poder, naquele mesmo dia foi à sua igreja, em Mesquita,

uma igreja de pobres operários. Quando lá chegou, contou das maravilhas que o Senhor

operara, e o Espírito desceu sobre todos, idênticos às vezes anteriores, e quebrantou a

igreja.

Enéas, para mim foi tudo muito inesperado. Podemos proclamar: começou o

avivamento em nossa Pátria. A reação já se faz sentir. Um professor do Seminário já

culpou o reitor por ter aberto as portas do Seminário a um “herético”. As discussões já

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começam a surgir. O sentimentalismo, a emoção barata, tem sido chamado para

justificar o ocorrido. Aqueles seminaristas eram antes racionais que simplórios; e o

mesmo que aconteceu com eles, aconteceu com os humildes irmãos de Tauá e ainda

melhor, de Mesquita.

Enás, Deus continua quebrantando pastores. Três estão nas mãos do Espírito. Em

Maceió. Em São Paulo também. Meu amado irmão, espero tanto na sua influência e

decisão nesta hora. Um seminarista, ovelha sua, falou-me do irmão com tanto amor e

gratidão. Disse-me que o seu Pastor é outro homem. Falou-me de um seu sermão sobre

2 Crônicas 7:14.

Enás, estamos prontos para o martírio nesta hora desafiante? Será que teremos forças

para sermos dignos? O irmão pode usar esta carta como desejar. Escrevo livremente –

de coração para coração. Espero em novembro estar com o irmão e conversaremos

sobre o trabalho.

Com o abraço do conservo em Cristo,

José Rego do Nascimento

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ANEXO 2

Declaração da Administração e do Corpo Docente do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

“Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil”

Declaração

Com o objetivo de esclarecer os Pastores e as Igrejas sobre a posição da

Administração e do Corpo Docente, com respeito aos acontecimentos recém verificados no

Seminário, decidiu o Corpo Docente, em reunião de 13 de novembro de 1958, fazer publicar a

seguinte declaração:

“Por iniciativa do Corpo Docente, com a aquiescência da Direção do Seminário,

foi convidado determinado Pastor para dirigir reuniões de oração e fazer preleções aos alunos.

No dia 17 de outubro, alguns alunos promoveram uma reunião adicional com o

Pastor visitante. Essa reunião, que durou a noite inteira, se verificou sem o consentimento prévio e

autorizado da Administração do Seminário.

Desenrolaram-se, nessa ocasião, algumas ocorrências caracterizadas por

extremado emocionalismo e excessos perturbadores, sobre os quais a Administração e professores

vêm sendo argüidos por terceiros.

Considerando também que o Seminário tem sido citado algures em reuniões onde

ocorrências semelhantes se têm reproduzido, a Administração e o Corpo Docente vêm a público

declarar que desaprovam os aspectos supra-referidos da citada reunião, e encarecem a necessidade

de se distinguir entre a verdadeira espiritualidade e os excessos de emocionalismo, que são

desvirtuamentos contra os quais devemos nos acautelar”

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ANEXO 3

Declaração da Junta Administrativa do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

Junta Administrativa

Do Seminário Teológico Batista

Do Sul do Brasil

Declaração

“A junta do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, em reunião plenária,

realizada em 19 de dezembro passado, estando presentes 12 dos seus 15 membros, tomou

conhecimento da declaração publicada pela Administração e o Corpo Docente dessa instituição, na

página 7 de “O Jornal Batista” de 27 de novembro, e resolveu, por unanimidade:

1) A

provar a referida declaração, necessária e oportuna em face dos desagradáveis fatos

ocorridos no próprio Seminário e em Igrejas vizinhas, naqueles mesmos dias.

2)

2) Dirigir um apelo urgente às Igrejas Batistas do Brasil, no sentido de se acautelarem e

estar em alerta contra qualquer desvirtuamento da gloriosa doutrina do Espírito Santo;

desvirtuamento que pode degenar-se, como já vem acontecendo, em excessos de

emocionalismo, de conseqüências imprevisíveis, ocasionando dúvidas e confusão no seio

das igrejas, podendo até provocar cisão em nossa querida Denominação, de que rogamos ao

Senhor que nos livre e guarde.

3)

A Junta lamenta a atitude tomada pelo Pastor José Rego do Nascimento, levando a efeito

tais reuniões; principalmente, a que se realizou na Biblioteca do Seminário, sem prévio

acordo com o irmão Reitor, que foi surpreendido em altas horas da noite pelos estranhos

acontecimentos que se passavam naquele recinto. Lamenta e desaprova essa atitude do

referido irmão, admitindo, embora, sua sinceridade e boas intenções.

A Junta do Seminário roga ao Senhor que oriente os irmãos envolvidos nesses

acontecimentos, a fim de que reflitam a tempo e evitem desvirtuamentos e exageros, pois os

exageros e desvirtuamento de uma boa doutrina são sempre perigosos e funestos.

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Pela Junta, Almir S. Gonçalves, Presidente

Moysés Silveira, 1º. Secretário

A Tempo: Estavam presentes à reunião, e concordaram que se publicasse a presente

Declaração, os seguintes membros da Junta: John L. Riffey, Samuel de Souza, Moysés Silveira,

Nathan Lopes da Silva, Ernani de Souza Freitas, Joaquim José da Silva, M. Tertuliano

Cerqueira, Jayme Lunsford, Almir S. Gonçalves, João Emílio Henck, Pedro Gomes de Melo e

J. J. Cowsert..

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ANEXO 4

Manifesto da Minoria da Igreja Batista da Lagoinha

Henrique Blanco de Oliveira, Tasso Brasileiro do Vale e Rui Brasileiro do

Vale, em nome da minoria fiel da Igreja Batista da Lagoinha, declaram que:

Negam-se a dar validade a quaisquer atos praticados ou que venham a ser

praticados pela dissidência da Igreja Batista da Lagoinha;

Não reconhecem procedente o movimento pró “Igreja Batista Pentecostes”,

que está sendo articulado nesta cidade pelo pastor José Rego do Nascimento;

Repudiam as idéias pentecostais (segunda experiência, línguas estranhas e

confusão nas reuniões) ultimamente praticadas e justificadas pelo “profeta” da nova seita (I

Co 14:33 e 40);

Condenam a atitude leviana do pastor José Rego do Nascimento que tenta

envolver as Igrejas Batistas da Capital, procurando reunir-se com o seu grupo em seus

templos, sem necessidade, visto que a dissidência da Igreja da Lagoinha vai pouco além de 30

pessoas; lembram que essas igrejas, foram por ele chamadas de igrejas secas e seus pastores

violentamente atacados;

Consideram atrevida a pública declaração do Pastor Rego do Nascimento, na

sessão de 19/11/1958, de que a “Primeira Igreja Batista da Capital está em suas mãos”;

Rechaçam afirmativas tendenciosas do deputado Guimarães Maia e de

outros, de que a minoria fiel da Igreja Batista da Lagoinha esteja sendo influenciada pelos

irmãos missionários americanos;

Advertem aos irmãos menos avisados de que os atos impensados, praticados

pelo Pastor José Rego do Nascimento, estão trazendo desarmonia no seio da Família Batista

do Brasil que constituiu prova sobeja de que seu movimento não tem procedência do Alto (Gl

5:22);

Estranham terem sido “excluídos” do rol de membros da “Igreja Batista

Pentecoste” em sua reunião de 23/11/1958, realizada no templo da Igreja Batista em Santa

Efigênia; os dissidentes, embora em minoria, renegaram a fé batista, não lhe cabendo por isso,

exercerem atos em nome da Igreja Batista da Lagoinha;

Reconhecem como Igreja Batista aquela que é fiel ao corpo de doutrinas que

caracterizam as verdadeiras igrejas batistas, doutrinas essas lidas e solenemente aceitas por

ocasião da organização da Igreja, em 20/12/1958; não é batista aquela que pensa sê- lo só por

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registrar, a toque de caixa, para fins inconfessáveis, ridículos e esdrúxulos “Estatutos da Igreja

Batista da Lagoinha” (sic). “Minas Gerais” de 22/11/1958; Responsabilizam o pastor

Nascimento como provocador, incoerente, arbitrário, herético, pentecostal e espírita capaz de

tudo menos de tornar-se na hora a que é chamado a fazer;

Não atenderão à diabólica provocação para uma solução do caso em litígio

judicial, levando aos juízes infiéis, nossas causas, desprezando o que a Bíblia recomenda em 1

Coríntios 6;

Preferem aguardar o pronunciamento de alguém com mais responsabilidade

e autoridade e cuja mente, no terreno doutrinário, “não tenha duvidado” como a daquele que

tem a pretensão de encabeçar o avivamento no Brasil;

Comprometem-se a entregar as chaves da sede da Igreja ao grupo dissidente,

se a opinião da denominação, pela palavra de seus responsáveis for favorável à maioria

dissidente;

Continuarão a luta pela preservação da “fé uma vez dada aos santos” e

conclamam a todos os membros da Igreja Batista da Lagoinha a pensarem duas vezes antes de

se precipitarem em lutas fratricidas, servindo ao interesse do pastor Nascimento;

Reafirmam sua fé nos princípios batistas no Novo Testamento e, sem

sensacionalismos, estardalhaços ou exotismos, prosseguirão na luta contra os que consideram

doutrina coisa secundária;

Pedem aos crentes que orem pela Igreja nesta hora difícil.

Belo Horizonte, Novembro de 1958.

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ANEXO 5

Carta de José Rego do Nascimento Aqui, em Belo Horizonte, sinto que mãos poderosas empurram um grupo contra mim, para

liquidar-me. Um grupo que guardava reservas contra a minha pessoa, por os haver exortado

em particular, e por razões outras que não merecem atenção agora. O caso do Seminário foi a

oportunidade desejada. Levantaram bandeira da ortodoxia, numa campanha soez e impiedosa,

deturpando fatos ocorridos no Seminário e apontando-me como herético e pentecostal.

Diante do ataque, e notando que mãos poderosas moviam-se nos bastidores, para a todo custo

me por fora de Belo Horizonte, submeti-me a sofrer o julgamento da Igreja, em sessão

regular, de modo democrático e limpo.

Mandei por no quadro negro dois nomes: Herético e Batista, e pedi que a Igreja se

pronunciasse por voto secreto. Cada membro presente escreveria a palavra, em papel entregue

a todos, e devolveria dobrado à mesa, sem assinatura. Disse que se houvesse maioria, mesmo

de um voto, eu entregaria o pastorado naquele momento. A Igreja tem 52 membros e estavam

presentes 41, contando com o Pastor, que não votou. Apurada a votação, apenas 9 votaram

contra o pastor, 2 neutros, e 29 o prestigiaram. Os 9 votos, menos um, pertencem a uma só

família, cujo chefe encabeçava o movimento contra mim.

Diante do inesperado da derrota, aqueles irmãos, digo: os três homens que movimentavam o

grupo, ousaram o inacreditável. O salão de culto estava alugado com o contrato em nome de

um deles; pois, na ocasião da assinatura do contrato, ainda não havia a Igreja, era

Congregação. Que fizeram? Abusaram da confiança da Igreja e fraudaram-na na sua casa de

cultos. Vieram na mesma noite, depois que todos haviam se retirado, trocaram os cadeados

das portas, colocaram outros novos e tomaram o salão.

Diante do inominável, senti o alcance da trama. Soube que o elemento missionário (digo-o

com reservas), mas assistido por boas razões, lhes havia prometido apoio. Eles seriam

reconhecidos como Igreja, enquanto eu e a maioria absoluta, apontados como heréticos. Mas,

o próprio elemento missionário não pensou que chegasse a tanto. Esperavam, certamente, que

eles me combatessem dentro da Igreja, forçando a minha saída. O irmão pode prever o que

significou para Belo Horizonte Evangélico, tal atitude de impiedade.

Tomaram o santuário com bancada, piano, púlpito, alto falante, tudo enfim. Ficamos na rua. A

revolta foi geral. Senti que lutava com homens inconseqüentes e logo vi que seriam capazes

de nos fraudar até no nome. Reuni os irmãos na cada do deputado Dr. Elmir Guimarães Maia,

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que nos fez solidário (ele é membro da nossa Igreja) e aprovamos para registro os Estatutos da

Igreja.

No outro dia, já tínhamos os estatutos registrados em mãos. Não tomamos tal atitude,

pensando em lavá- los ao judiciário, a juízo. Longe de nós tal pensamento. Tínhamos

aprendido em tempo a lição de Paulo de que “quem sofreu a injustiça, deve sofrer também o

dano” (1Co 6:7). Nosso intuito único era salvaguardar o nome da Igreja. Pois Podiam se

reunir e organizar, naquele momento, a “Igreja Batista da Lagoinha”, registrarem estatutos e

nos roubarem o nome. No domingo seguinte, em sessão regular, os três irmãos foram

excluídos.

Repudiados pela opinião pública, e sentindo que os seus aliados de ontem, já agora, se

mostravam reservados, os três descambam ainda mais nas suas atitudes temerárias, fazendo

imprimir uma circular, cuja cópia, mando anexa; e fazendo-a correr livremente, creio que até

para fora de Belo Horizonte. A circular em questão é uma mensagem de impiedade, ódio e

calúnia. Não vou dar- lhe resposta.

Sinto, pastor Soren, que uma parcela dominante de nossa Denominação está envidando

esforços no sentido de me alijar do meio do meu povo “a priori”, como herético. Isso será

indigno. Ao final das contas, nossa Denominação não representa mero feudo nas mãos de

alguns que simples circunstânc ias favorecem.

Que me fechem as portas de seminários e similares (não são realmente donos?) mas não dêem

um passo adiante senão na reta justiça. Eu preciso ser ouvido, eu preciso ser julgado (a isso

até me submeterei) por homens como o irmão e como outros, onde a isenção de ânimo não

pode ser posta em dúvida. Se as doutrinas que defendo não são batistas, estou pronto a abdicar

do meu povo e sofrer o exílio da minha fé.

Pelas experiências gloriosas com meu Senhor, pelo que tenho recebido desse maravilhoso

Espírito. Pelos meus cuidadosos estudos na Bíblia, na teologia, nos Pais da Igreja, nos

teólogos e Pastores batistas, principalmente nos de antes do movimento pentecostal, me

capacitam a definir esses princípios como batistas, no sentido de nossa fidelidade à Palavra de

Deus. Mas posso estar errado. Se me provarem, conscientemente, renunciarei. Estou pronto

também, a considerar de maneira mais justa e viável, atitude a tomar, quando das

manifestações maravilhosas do Espírito.

Tenho confessado que eu mesmo fui surpreendido com a manifestação gloriosa do Senhor. O

que não pode haver, em sã consciência, nessa altura de nossa vida denominacional, é

esmagarem-me inquisitoriamente, sem respeito a Deus e consideração ao próximo.

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Tenho mais de 60 convites para 1959, e só aceitei 10. Mas são dez trabalhos chaves,

dedicados mais ao Sul do Brasil. Gostaria de fazer trabalho e edificante e nunca dissolvente.

Não quero dividir meu povo. Deus sabe que o temo realmente. Mas, se tomarem atitudes de

exceção, se me fecharem as portas do Jornal Batista, enquanto abrigam “patrícios” sem

autoridade de sem lastro, para me atacarem, terei que dizer ao povo do Brasil que me

perguntar, quem me está fechando as portas do Jornal e por que. Tudo isso me repugna. Quero

antes morrer que ser instrumento nas mãos do inimigo para perturbar a evangelização de

minha Pátria.

Senti que deveria dizer- lhe estas coisas. Quero merecer a sua oração e a sua ajuda. Tenho

ouvido que forças poderosas levarão a Convenção Mineira, a realizar em julho numa cidade

do interior, a nos expulsar sumariamente da Convenção, reconhecendo o grupo fraudador

como genuínos batistas.

Tudo isso representa prenúncios de que alguma coisa grave pode acontecer na nossa história

denominacional. Não que a expulsão de um pobre obreiro tenha maiores ou menores

conseqüências no seu corpo. Mas, pelo lado moral que tudo isso pode representar. Pela

divisão que pode provocar, quando falta toque messiânico ou inclinação para a luta inglória.

Creio que ficarei aqui por Belo Horizonte. A Rádio Guarani, dentro de dias, passará a operar

em potência triplicada, e em ondas curtas. Será uma emissora de alcance Nacional. Minha

Igreja está unida e em grande entusiasmo. Hoje mesmo, acertamos contrato para um novo

local, superior ao antigo. Muitos irmãos desejam, agora, cooperar conosco. Creio que um

grande trabalho vai começar em nossa igreja. Há um quebrantamento em nossos corações,

uma fome e sede do poder do Espírito.

Do conservo e admirador, em Cristo

José Rego do Nascimento

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ANEXO 6

Carta de Reis Pereira 386 Não importam razões; não entraram pelo caminho do amor, não se lembraram da justiça; não

se deu vez ao “réu”. Não houve apelo ao “errado”, não houve oportunidade para o “herege”.

Deve ser excluída. E excluída foi. Sacrificaram o servo do Senhor sem amor e sem

misericórdia.

Um pastor de renome na denominação, que assistiu a todos os trabalhos dessa “histórica”

Convenção, escreveu, no último desse terrível julho de 1961.

“Foi a pior Convenção a que já assisti. O relógio batista em Minas atrasou-se vinte anos. Tudo

estava preparado contra o Rego. Parece que o objetivo único da Convenção era excluir a

Igreja da Lagoinha. Posso admitir para argumentar, que se excluísse a Igreja, mas os métodos

usados, foram deploráveis. Algumas coisas eu vi e doutras tive confirmação depois. Nunca

pensei que o ódio, o rancor, o despeito, pudessem dominar de tal modo um grupo de obreiros.

Imagino que agora, depois de excluída a Igreja da Convenção Mineira, vão querer excluí- la

também da Convenção Nacional. Por via das dúvidas, pretendo fazer um relato histórico, por

escrito, de tudo quanto tive a infelicidade de testemunhar...

“Soube anteontem que já há uma nova Convenção em Minas Gerais, formada por sete igrejas

de belo Horizonte mais as do Vale do Rio Doce. Sei que Rego não favorecia a divisão, mas

quem poderia conter a indignação dos outros? O negócio, meu caro, é de envergonhar

qualquer batista sério. Não me conformo que aquilo tenha acontecido numa Convenção

Batista, numa Igreja Batista”.

386 Esta carta encontra-se no arquivo de Enéas Tognini e em seu livro: História dos Batistas Nacionais, p. 81 e 82.

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ANEXO 7

Parecer sôbre a doutrina do Espírito Santo 387

A Comissão nomeada pela 44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira para

estudar a doutrina do Espírito Santo à luz do que entendemos por doutrina batista, realizou 14

reuniões em ocasiões distintas em São Paulo, Rio e Vitória. Os componentes da Comissão se

deslocaram várias vezes de seus lares, pagando suas próprias despesas no intuito de dar

cumprimento fiel à incumbência honrosa que lhes foi conferida.

As reuniões foram todas demoradas e os assuntos foram discutidos com todo

vagar, com oração e elevação espiritual. Delas resultou, finalmente, parecer que a Comissão

encaminha ao plenário da Convenção, na esperança de que contribua para a solução dos

problemas que têm surgido em relação ao assunto em pauta.

Este é o nosso parecer:

I) Dada a natureza da matéria, a Comissão não apresenta um

parecer final e, por isso, não define, nesta conjuntura, a doutrina bíblica do

“batismo no Espírito Santo”.

II) Verificamos que a expressão “batismo no Espírito Santo” nunca

foi definida em declarações de fé publicadas pelos batistas através dos séculos e

sôbre seu significado as opiniões de teólogos e pastores batistas são divergentes;

mas, também, reconhecemos:

1. Que a crença no batismo no Espírito Santo como uma “segunda

bênção” ou seja como segunda etapa na vida cristão ou seja ainda como uma nova

experiência posterior à conversão não tem sido crença que caracterize os batistas

brasileiros.

2. Que a prática do que ainda hoje chama de “dom de línguas” e “dom de

curas milagrosas” é igualmente estranha às crenças e práticas características dos

batistas brasileiros.

3. Que o consenso geral dos batistas sôbre a atuação do Espírito Santo na

vida do crente é que ela se faz como um processo em tôda a sua vida, processo êsse

que chamamos de “santificação progressiva”, a qual depende da cooperação do

próprio crente.

387 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 11 a 14.

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4. Que qualquer experiência emotiva ou sensível de cunho pessoal que

algum crente ou grupo de crentes tenha tido a que atribuem ao Espírito Santo, por

mais genuína que seja para o indivíduo ou para o grupo, de modo nenhum pode

constituir um exemplo ou um padrão a ser imitado por outros crentes, nem tampouco

pouco pode constituir base para doutrinamento dos outros ou para campanhas de

avivamento.

III) Apraz-nos assinalar não haver divergência entre os batistas da

Convenção Batista Brasileira nos pontos fundamentais da doutrina do Espírito

Santo e que são os que constam da “Declaração de Fé das Igrejas Batistas do

Brasil”.

IV) Achamos que se deve reafirmar direito inerente a cada batista de

se pronunciar livremente sôbre a matéria, mas em linguagem cristã em que perceba

preeminência do amor e o sincero desejo de um fortalecimento espiritual que se

torna cada vez mais necessário em nossas igrejas e em nosso povo.

V) Mas achamos também que a ênfase dada à determinada

interpretação da doutrina do batismo no Espírito Santo tem originado os seguintes

abusos que, sinceramente deploramos:

a. A realização de reuniões em que notam os mesmos vícios

próprios de reuniões pentecostais; isto é, a confusão no ambiente, a gritaria, os

descontroles físicos, o falar de línguas e outros excessos de emocionalismo.

b. Uma atitude de orgulho espiritual que não quer admitir opiniões

opostas e que classifica os que não experimentam as mesmas emoções e

experiências de carnais e mundanos.

c. Tentativas ostensivas ou veladas de proselitismo entre outras

igrejas.

VI) Achamos conveniente que esta Convenção advirta aos que

porventura assim procedam que estão saindo fora da linha apostólica da ordem e

da decência e que prejudicam, com tal comportamento as relações entre as igrejas.

VII) Sugerimos finalmente:

1. Que haja, por parte dos pastôres e dos crentes em geral, um estudo mais objetivo da

obra e, principalmente, do método de atuação do Espírito Santo, conforme se encontra

interpretado no ensino de Jesus Cristo e exemplificado no ministério dos seus apóstolos.

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2. Que os crentes e igrejas se abstenham de atitudes precipitadas e hostis mesmo quando

estejam separados uns dos outros por divergências doutrinárias no tocante à obra do

Espírito Santo.

3. Que, aprovado êste parecer, a Comissão continue suas reuniões e observações,

examinando, inclusive, experiências espirituais de diversos irmãos e obreiros e

apresentando no próximo ano parecer final sôbre a matéria de que também constam os

resultados práticos da decisão ora tomada.

Vitória, 25 de janeiro de 1963.

Assinado:

Rubens Lopes – Presidente Werner Kaschel – Secretário

J. Reis Pereira – Relator Achilles Barbosa

Harald Schaly David Gomes

J. Rego do Nascimento David Mein

João F. Soren Delcyr S. Lima

Reunaldo Purim Enéas Tognini

Thurmon Bryant

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ANEXO 8

Declaração final da Comissão dos Treze 388

A comissão nomeada pela 44ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira

para “estudar a doutrina do Espírito Santo à luz do que entendemos por doutrina batista”,

dando prosseguimento aos seus trabalhos, conforme determinação da 45ª assembléia,

realizada em Vitória, resolveu reiterar algumas conclusões do seu primeiro parecer e

acrescentar outras, nos seguintes termos:

1. A crença no batismo no Espírito Santo como uma segunda bênção, ou

seja, como uma segunda etapa na vida cristã, ou seja, ainda, como uma nova experiência

posterior à conversão, não encontra bases nas Escrituras.

2. “Plenitude do Espírito Santo” não é o mesmo que “Batismo no Espírito

Santo”. É, antes, um estado espiritual ao qual deve e pode chegar o crente, estado êste que se

caracteriza por inteira dependência e obediência à vontade do Espírito Santo de Deus e pela

capacitação para a realização de Sua obra.

3. Segundo o ensino das Escrituras, a atuação do Espírito Santo no crente se

faz como um processo em toda a sua vida, processo êsse que chamamos de santificação

progressiva, a qual depende da cooperação do próprio crente. Essa cooperação inclui os

seguintes elementos: perseverança, no estudo da Palavra de Deus, na oração, no testemunho,

na comunhão com os irmãos, no serviço cristão e na dependência do Espírito de Deus para

fazer- lhe a vontade, etc.

4. Qualquer experiência emotiva ou sensível de cunho pessoal que algum

crente ou grupo de crentes tenha sido e atribua ao Espírito Santo, por mais genuína que seja

para o indivíduo ou para o grupo, de modo nenhum pode constituir exemplo ou padrão a ser

imitado por outros crentes, nem tampouco pode constituir base para doutrinamento dos outros

ou para campanhas de avivamento.

5. “Dons do Espírito” são capacitações comunicadas a crentes pelo Espírito

Santo, segundo a Sua vontade, e segunda sua utilidade para a realização dos propósitos

divinos. À luz das Escrituras e da história do Cristianismo, essas capacitações não se

restringem a determinado número de dons os quais ocorrem de maneiras diversas, de acôrdo

com o plano de Deus para o Seu Reino aqui na terra. Não encontramos base bíblica para crer

que sejam manifestações do Espírito as ocorrências que alguns grupos têm apresentado como

388 COMISSÃO DOS TREZE. Doutrina do Espírito Santo , p. 11 a 14.

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se fôssem dons do Espírito Santo. Entendemos que erros de interpretação têm levado tais

grupos a valorizar estas manifestações que, errôneamente atribuem ao Espírito, as quais,

todavia, se constituem contrafações dos genuínos dons ocorridos na era apostólica.

6. A ênfase dada à doutrina do batismo no Espírito Santo como sendo uma

segunda bênção tem originado os seguintes abusos, que, sinceramente, deploramos: 1) A

realização de reunições em que se notam os mesmos erros próprios de reuniões pentecostais,

isto é, a confusão no ambiente, a gritaria, os descontrôles físicos, o falar línguas e outros

excessos de emocionalismo. 2) Uma atitude de orgulho espiritual que não quer admitir

opiniões opostas e que classifica de carnais e mundanos os que não participam das mesmas

emoções e experiências. 3) Tentativas ostensivas ou veladas de proselitismo entre outras

igrejas.

7. Embora devamos tratar com caridade cristã os pentecostais, não podemos

esquecer as diferenças que dêles nos separa, conseqüentes da ênfase excessiva dada por êsses

irmãos em Cristo a manifestações emocionais discrepantes da boa ordem cristã.

8. Estas conclusões estão alicerçadas em monografias firmadas por membros

da comissão e que são dadas à publicidade a fim de prover as igrejas de material subsidiário

para estudo da doutrina do Espírito Santo.

Recomendação Suplementar

Ao encerrar seus trabalhos a comissão recomenda o seguinte:

1. Que as igrejas, orientadas por seus pastôres, sejam intransigentes no

repúdio ao mundanismo e se esforcem no cultivo de uma vida espiritual intensa, cujos frutos

se manifestem na conversão de almas, no gôzo cristão e na edificação dos fiéis.

2. Que os pastôres realizem estudos a respeito da doutrina do Espírito Santo,

ministrando o ensino correto das Escrituras sôbre o assunto, prevenindo assim igrejas e

crentes contra os desvios de doutrina e de prática acima referidos.

3. Que as igrejas e pastôres que se tenham afastado das doutrinas batistas e se

aproximado das doutrinas pentecostais seja convidados com todo amor a um reestudo de sua

posição à luz do parecer ora apresentado. Caso persistam em manter pontos de vista contrários

à posição doutrinária sustentada pela Convenção Batista Brasileira, sintam-se à vontade para

uma retirada pacífica e honrosa, em benefício da paz na causa de Deus. Tal recomendação se

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limita àqueles que fazem de suas convicções divergentes motivo de atividade ostensiva,

provocando inquietação, confusão e divisão.

São Paulo, 10 de outubro de 1963 Ass) Rubens Lopes – Presidente Werner Kaschel – Secretário Achilles Barbosa, com restrições David Gomes David Mein Delcyr de Souza Lima Harald Schaly José dos Reis Pereira Reynaldo Purim João F. Soren

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ANEXO 9 Proposta especial

Os abaixo assinados, mensageiros a esta Convenção, não comprometidos,

ostensivamente pelo menos, com nenhuma das duas correntes mais em evidência a respeito

que deu origem à ‘Comissão dos Treze’, movidos unicamente pelo interesse na causa de

Deus, vêm perante este plenário apresentar uma proposta, precedida, das seguintes

considerações:

1. A matéria em questão se constitui em definição doutrinária de tal

relevância e complexidade de que, nos vários séculos de história batista, nenhum grupo veio a

público assumindo uma posição definida em terno dela. Os batistas brasileiros serão os

primeiros a fazê- lo na História, com poderosos reflexos sobre Portugal e toda América Latina.

2. Esta própria Convenção há um ano, ao aprovar por maioria esmagadora o

parecer inicial da Comissão dos Treze, reconheceu que “sobre a expressão “batismo no

Espírito Santo”... e seu significado, as opiniões de teólogos e pensadores batistas são

divergentes” (“A Doutrina do Espírito Santo”, p. 12).

3. Esta mesma Convenção declarou aprovando o referido parecer, “não haver

divergência entre os batistas da Convenção Batista Brasileira nos pontos fundamentais da

doutrina do Espírito Santo” (ibidem p. 12), o que define, ipso facto, como secundários, os

pontos ora objeto de divergência.

4. A definição sobre a matéria apresentada pela Comissão toma posição

ostensiva ao lado de uma determinada corrente de “teólogos e pensadores batistas”, enquanto

esta Convenção já reconheceu que também são batistas os defensores de opiniões divergentes,

donde concluímos seres também batistas os nossos irmãos que perfilham tais pontos de vista

dentro da nossa Convenção.

5. O parecer ora em discussão, em seu ponto 8 da primeira parte, invoca o

testemunho das monografias que lhe são apenas como probatório das conclusões, enquanto

sugere o seu estudo pelas igrejas, o que demandaria tempo e calma.

6. O parecer da Comissão só se tornou público nos dias desta Assembléia

Convencional, não havendo, conseqüentemente, tempo suficiente para cada mensageiro, nem

o povo batista fazer o exame dos fundamentos de suas conclusões e tomar posição à luz das

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mesmas, o que vale dizer não estar o plenário esclarecido quanto à matéria nem poder sê- lo

antes do término desta Assembléia.

7. Ainda no ponto 3 da “Recomendação Suplementar” o parecer sugere “que

as igrejas e pastores que se tenham afastado das doutrinas batistas e se aproximado das

doutrinas pentecostais sejam convidados com todo amor a um reestudo de sua posição à luz

do parecer ora apresentado”. E que só no caso de persistirem em manter pontos de vista

divergentes sejam deixados á vontade para uma retirada pacífica, como já está ocorrendo com

igrejas e pastores. Este reestudo também demanda tempo, só depois do qual é que seria feita a

verificação da persistência ou não em tais pontos divergentes.

8. Não obstante o indiscutível valor intelectual dos signatários do parecer e o

pleno reconhecimento da inestimável contribuição trazida ao esclarecimento em questão, é de

supor-se ser ele passível de retificações, contestações e refutações que jorrem mais luz sobre o

assunto, contribuindo assim a um maior esclarecimento do nosso povo. Isto não pode ser feito

durante esta Assembléia senão através da imprensa.

9. Aprovar este parecer sem dar ampla e suficiente oportunidade de defesa e

réplica a todos quanto se julgam atingidos por ele, seria um intolerável violência inadmissível

numa assembléia verdadeiramente batista, embora reconheçamos que em igrejas lideradas por

irmãos chamados “renovação espiritual” tenha havido práticas nitidamente pentecostais e

destoantes dos costumes batistas.

10. A matéria ainda não está plenamente amadurecida, mormente se

considerarmos que só agora temos, nas monografias dadas a publicidade, o que se poderia

chamar de “roteiro oficial” para o estudo da questão, à vista do exposto, propomos:

a) Que o parecer da Comissão dos Treze fique sobre a Mesa até a próxima

Assembléia Convencional, a fim de dar tempo a que se ponham em prática diversas

recomendações do próprio documento.

b) Que o parecer, as atas e seus anexos, as monografias e outros documentos

relacionados com a matéria, sejam publicados no Jornal Batista, sob a supervisão do seu

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redator, para que haja ampla oportunidade de esclarecimentos do nosso povo até a próxima

Assembléia Convencional.

Recife, 24 de janeiro de 1964.

Tiago Nunes de Lima

Silas de Brito Lopes

Valvídio de Oliveira Coelho

João Duduch

Isaías Batista dos Santos

James E. Musgrave Jr.

A. Antunes de Oliveira

Elias Brito Sobrinho

Tito Assis Ribeiro

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ANEXO 10 Hino Obra Santa

OBRA SANTA

Obra santa do Espírito, Esta causa é do Senhor, Como vento impetuoso, Como fogo abrasador;

Estamos sobre a terra santa, Reverência e muito amor,

Esta hora é decisiva! Vigilância e destemor.

Ninguém detém, é obra santa! Ninguém detém, é obra santa! Nem Satã ou o mundo todo, Hão de apagar este ardor!

Ninguém detém, é obra santa! Esta causa é do Senhor!

Em meu peito renovão, Arde o fogo do Senhor;

É uma bênção do Espírito Nos enchemos de fervor; E Jesus está salvando, Apagando toda dor,

No Espírito batizando, Pois da vida Ele é Senhor!

Eis o Noivo vem chegando, Trescalando suave odor!

Já se sente o perfume Da unção do Salvador!

E a noiva ataviada De pureza e de esplendor

Aguardando entrar nas bodas Pra reinar com seu Senhor.

Rosivaldo de Araújo