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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião A Interpretação de Isaías pelo Evangelho de Mateus: uma Abordagem a partir de Mateus 4.14-16 Por Mauro Filgueiras Filho São Bernardo do Campo 2012

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

A Interpretação de Isaías pelo Evangelho de Mateus: uma Abordagem a partir de Mateus 4.14-16

Por

Mauro Filgueiras Filho

São Bernardo do Campo

2012

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Mauro Filgueiras Filho

A Interpretação de Isaías pelo Evangelho de Mateus: uma Abordagem a partir de Mateus 4.14-16

Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo

2012

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A dissertação de mestrado sob o título “A Interpretação de Isaías pelo Evangelho de

Mateus: uma Abordagem a partir de Mateus 4.14-16”, elaborada por Mauro

Filgueiras Filho foi apresentada e aprovada em 19 de março de 2012, perante banca

examinadora composta pelo Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia (Presidente/

Universidade Metodista de São Paulo), Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

(Titular/Universidade Metodista de São Paulo) e Prof. Dr. João Cesário Leonel

(Titular/Universidade Presbiteriana Mackenzie).

Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia Orientador e Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Relacionamento entre Antigo e Novo Testamentos

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha esposa Rubiane e aos meus filhos Samuel e Isabella.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me sustentar e pela sua supremacia em minha vida.

À minha família, Rubiane, minha esposa, e meus filhos, Samuel e Isabella,

que inspirou e me encorajou nos momentos de dilema.

À minha mãe, Rosita Marone Ferraz de Campos, por sua atenção e

preocupação constantes.

Ao Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia, por sua paciência, sabedoria e

perspicácia no ensino.

Ao Prof. Dr. Paulo Augusto Souza Nogueiras, por conduzir a um

aprendizado sempre desafiador e dialogal.

Ao Prof. Dr. João Cesário Leonel, por sempre se dispor a me ouvir e

participar desta Banca Examinadora

A todos os professores e funcionários da UMESP que muito contribuíram

para o aprendizado que recebi e sempre se prontificaram a auxiliar em todas as

dúvidas.

Ao Presbítero Addison Pinto, amigo leal e parceiro íntegro.

Ao IEPG, que me forneceu a bolsa inicial, possibilitando o início dos meus

estudos.

A todos os amigos e familiares os meus sinceros agradecimentos.

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AGRADECIMENDO AO CNPq

Esta pesquisa só foi possível ser realizada devido ao patrocínio do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a quem deixo meu registro e

nota de gratidão.

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FILHO, Mauro Filgueiras, A interpretação de Isaías pelo evangelho de Mateus: uma abordagem a partir de Mateus 4.14-16, Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade Metodista de São Paulo, 2012.

RESUMO

Esta dissertação tem por foco apresentar o método hermenêutico tipológico como ferramenta proposta para compreender a leitura realizada pelo evangelho de Mateus 4.15-16 da profecia de Isaías 8.23–9.1 [TM]. O texto receberá atenção a partir do Texto Massorético e da Septuaginta, sempre em comparação com o texto grego de Mateus. Por conseguinte, o contexto judaico do primeiro século será estudado para compreender mais amplamente o ambiente em que o evangelista possivelmente se encontrava para escrever o seu evangelho. As técnicas de interpretação contempladas em paralelo com a tipologia, consideradas de maior importância para este trabalho são: três técnicas rabínicas, isto é, pesher, midrah e gezerah shavah, e outras três técnicas de interpretação eminentemente cristãs, isto é, duplo-cumprimento, o sensus plenior e a tipologia. Por fim, o estudo comparativo do judaísmo do primeiro século e das técnicas de interpretação resultará na escolha da interpretação tipológica, mas sem um radical rompimento com as demais escolas, pelo contrário, conflitando com alguns apontamentos dos Rolos do Mar Morto e seu apocalipticismo. A interpretação tipológica se ocupará com as semelhanças entre o texto veterotestamentário e o neotestamentário, bem como semelhanças que poderiam compor um cenário mais abrangente. Serão considerados três temas comuns dos dois textos que estabelecem um vínculo entre ambos, ou seja, a geografia, os gentios e a interpretação da luz.

Palavras-chave: Evangelho de Mateus, História da Salvação, judaísmo, exegese, Qumran, pesher, midrah, gezerah shavah, duplo-cumprimento, sensus plenior, tipologia.

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FILHO, Mauro Filgueiras, The Interpretation of Isaiah by the Gospel of Matthew: an Approach from Matthew 4.15–16, Dissertation (Master of Science in Religion), Universidade Metodista de São Paulo, 2012.

ABSTRACT

This dissertation is focused to presente the typological hermeneutic method as a tool to understand the reading of the Gospel of Matthew 4.15-16 of the Isaiah’s prophecy of 8.23–9.1 [MT]. The text will be noted from the Masoretic Text and the Septuagint, when compared with the Greek text of Matthew. Therefore, the first century Jewish context will be studied to understand more fully the environment in wich the evangelist was possible to write his gospel. The techniques of interpretation considered in parallel with the typology of greatest importance to this work are: three rabbinical techniques, that is, pesher, midrah haggadah and gezerah shavah, and three other techniques eminently Christian interpretation, that is, double-fulfillment, sensus plenior, typology. Finally, the comparative study of first century Judaism and interpretation techniques will result the choice of typological interpretation, but without a radical rupture with the other schools, but on the contrary, conflicting with some notes of the Dead Sea Scrolls and his apocalypticism. The typological interpretation will deal with the similarities between the Old and the New Testament texts, for a more comprehensive understanding of the scenario. Will be considered three common themes of the two texts that establish a relation between them, that is, the geography, the Gentiles and the interpretation of light Key-words: Gospel of Matthew, History of Salvation, Judaism, exegesis, Qumran, pesher, midrah, gezerah shavah, Double-fulfillment, sensus plenior, typology.

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ABREVIAÇÕES

AT – Antigo Testamento NT – Novo Testamento v. – versículo vs. – versículos ICC – International Critical Commentary GUNDRY, Robert H., The use of the OT – The use of the OT in St. Matthew’s Gospel: With Special Reference to the Messianic Hope, Leiden, Brill, 1975. GUNDRY, Robert H., Matthew - Matthew: a commentary on his handbook for a mixed church under persecution, 2a ed., Grand Rapids, Eerdmans, 1994. LXXA – Codex Alexandrinus NA27 – Nestle-Aland Novum Testamentum Graece 27ª ed., 1993. NICNT – New International Commentary on the New Testament NICOT – New International Commentary on the Old Testament OTL – The Old Testament Library RMM – Rolos do Mar Morto TM – Texto Massorético WBC – World Biblical Companion CBQ – Catholic Biblical Quarterly CTJ – Calvin Theological Journal RevExp – Review and Expositor JBL – Journal of Biblical Literature JETS – Journal of the Evangelical Theological Society JSNT – Journal of Study of the New Testament JSOT – Journal of Study of the Old Testament NovT – Novum Testamentum ProEcc – Pro Ecclesia RRJ – Review of Rabbinic Judaism TynBull – Tyndale Bulletin VT – Vetus Testamentum WTJ – Westminster Theological Journal

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ÍNDICE

Introdução________________________________________________________13

1. O Interesse de Mateus por Isaías___________________________________14

1.1. A importância das citações em Mateus__________________________14

1.1.1. Definição de termos__________________________________16

1.1.2. O uso de

plhro,w_____________________________________17

1.1.3. As citações e os textos do AT no contexto judaico__________19

1.2. As citações em Mateus______________________________________23

1.2.1. Citações alusivas em comparação com a LXX_____________24

1.2.2. Similaridades temáticas_______________________________25

1.2.3. Citações diretas_____________________________________27

1.3. Tradução da perícope 4.12-17________________________________30

1.4. Estudo comparativo de Mateus 4.15-16 com Isaías e LXX___________31

1.4.1. Tradução do TM de Isaías 8.23–9.1_____________________31

1.4.2. Tradução da LXX de Isaías 8.23–9.1_____________________31

1.4.3. Semelhanças e diferenças_____________________________32

1.5. Comparação entre Mateus e Marcos___________________________36

1.5.1. A fonte de Mateus___________________________________36

1.5.2. O comum uso de Isaías_______________________________37

2. Escolas de Interpretação__________________________________________41

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2.1. Manuscritos de Qumran_____________________________________42

2.2. Mateus e Qumran__________________________________________48

2.2.1. Método pesher______________________________________49

2.2.2. Jesus e o Mestre da Justiça____________________________53

2.3. A técnica de interpretação de Mateus___________________________55

2.3.1. Exegeses judaicas___________________________________55

2.3.1.1. Midrash Haggadah____________________________56

2.3.1.2. Gezerah Shavah______________________________59

2.3.2. Definição de Sensus Plenior___________________________60

2.3.3. Definição de sentido simples e duplo cumprimento__________61

2.3.4. Tipologia___________________________________________61

2.3.4.1. História da redenção__________________________61

2.3.4.2. Definição de tipologia__________________________63

2.3.4.3. Além da exegese_____________________________66

2.3.4.4. Tipologia e profecia___________________________67

2.3.5. Conclusão_________________________________________68

3. A Interpretação Contextual de Isaías________________________________69

3.1. Contexto literário de Mateus 4.12-17____________________________72

3.1.1. O deslocamento geográfico de Jesus____________________74

3.1.2. Cafarnaum_________________________________________76

3.2. Contexto literário de Isaías 8.23–9.1 [TM]________________________77

3.3. Comparações e similaridades entre Isaías e Mateus_______________79

3.3.1. Geografia dos textos_________________________________79

3.3.2. Luz e trevas________________________________________81

3.3.2.1. Luz e trevas em Isaías_________________________81

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3.3.2.2. Luz e trevas em Mateus________________________85

3.3.3. Gentios____________________________________________89

3.3.3.1. Judeus e gentios na Galileia____________________89

3.3.3.2. O lugar dos gentios em Mateus__________________91

3.3.3.3. Interpretação tipológica retrospectiva______________94

Conclusão________________________________________________________96

Bibliografia________________________________________________________99

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação visa pesquisar a interpretação do texto de Isaías 8.23–9.1

na perspectiva do evangelista. É sugestivo pensar que Mateus tivesse em mente um

transfundo mais amplo do que simplesmente apresentar um texto isolado, como que

extraído arbitrariamente de seu contexto original para ser aplicado em outra

problemática, próprio do contexto vivido pelo evangelista. Ou seja, Mateus teria uma

preocupação hermenêutica e existencial em sua citação ou ele apenas desejava

fazer um uso mais pragmático e imediatista do texto? Teria ele em mente toda a

conjuntura de informações do profeta Isaías ao refleti-lo dentro de sua própria

situação? Teria o evangelista identificado o seu contexto vivencial com o contexto do

profeta? Isso provavelmente daria mais significado para toda a sua profecia.

De fato, a maneira como ele e os apóstolos interpretavam o Antigo

Testamento não é totalmente compreendida. As citações de Mateus não fornecem

uma receita pronta de sua técnica hermenêutica, o que permanece como um desafio

para o presente estudo. Intrigante também é pensar que ele sabia o que estava

fazendo, pois Mateus tinha entendimento do Texto Massorético e das versões

gregas do AT disponíveis e, deliberadamente, optou por uma e não por outra.

Somente Mateus faz uso desse texto em todo o NT. Ele parece apresentar

alto grau de independência na maneira como apresenta o texto de Isaías, de modo

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que não se tem como precisar a fonte por ele utilizada. Em meio a todas as

dificuldades óbvias envoltas ao texto, pode-se afirmar que toda a passagem é

relevante porque o texto selecionado de Isaías é encaixado exatamente no início do

ministério de Jesus e apresentado como amplo o suficiente para suportar o tema

que servirá de base para todo o ministério terreno de Jesus, que é o “arrepender-se

porque está próximo o reino dos céus” (4.17). Tendo por base essas questões e

problemas, o trabalho está dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo será feito um levantamento do extenso uso que Mateus

faz da profecia de Isaías e, posteriormente, uma observação mais acurada do texto

em estudo, conflitando o texto do evangelho com a LXX e o TM, observando suas

respectivas diferenças e semelhanças. Esta pesquisa não tem por interesse uma

abordagem ampla do uso de Mateus nas chamadas “citações alusivas”, mas elas

serão importantes observar por um único aspecto, isto é, para mostrar o quanto o

profeta Isaías estava na intimidade e nas reflexões de Mateus ao escrever o seu

evangelho.

No segundo capítulo serão observadas quatro escolas de interpretação

validadas pela pesquisa atual. Inicialmente, entende-se ser relevante observar as

semelhanças entre Mateus e Qumran, considerando que tem sido perspectiva de

alguns autores olhar para o NT à luz de Qumran. Desse estudo derivam as

propostas de interpretação pesher, midrash e gezerah shavah, consideradas como

parte da exegese judaica. Em seguida serão verificadas também as interpretações:

duplo-cumprimento, sensus plenior e tipologia.

Uma vez que o primeiro capítulo tenha feito um estudo mais técnico de

Mateus 4.15-16, o segundo se concentrará em um levantamento do contexto judaico

e na observação das escolas de exegese. O texto voltará a receber atenção no

terceiro capítulo, a partir da proposta hermenêutica tipológica.

No terceiro capítulo, portanto, a tipologia será apresentada como uma

proposta hermenêutica para compreender o uso que Mateus faz de Isaías,

especialmente nas ligações de palavras da citação que implicam o movimento de

Jesus para a Galileia e a importância da cidade de Cafarnaum, bem como em

algumas comparações temáticas entre ambos os textos com luz e trevas e os

gentios. Não apenas o texto, mas todo o contexto literário e exegético receberá a

devida atenção, até onde esta pesquisa pode alcançar.

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A esperança é que esta dissertação seja mais uma contribuição nesse

amplo cenário de estudo teológico e exegético do evangelho de Mateus, respeitando

aquilo que se pode conhecer de seu contexto para que o texto não seja apenas um

objeto de estudo acadêmico, mas, além disso, uma demonstração da vivacidade de

um texto de dois milênios atrás que ainda atinge os dias de hoje.

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1. O INTERESSE DE MATEUS POR ISAÍAS

Neste capítulo será considerado o interesse de Mateus pelo profeta Isaías e,

em seguida, será apresentada uma tradução do texto de Isaías, da LXX e do

evangelho de Mateus. As terminologias usadas neste trabalho serão definidas para

melhor entendimento. Também será observado um pouco do contexto literário do

primeiro século para que se certifique que Mateus não foi uma produção isolada,

mas um evangelho que pretendia dar respostas e um novo entendimento, por meio

da pessoa de Jesus, como uma nova relevação de Deus que irrompia no cotidiano

do povo judeu.

Entende-se por imprescindível fazer comparações textuais, tentando observar

as semelhanças e diferenças mais relevantes do texto. Por fim, será apresentado

um levantamento do variado uso que Mateus faz do Antigo Testamento e,

especificamente, do profeta Isaías, o que sugere ser uma das principais influências

do evangelista para compreender a pessoa de Jesus.

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1.1. A importância das citações em Mateus O estudo sobre as citações de cumprimento em Mateus tem sido de tal

modo influente que se torna praticamente obrigatório considerar este tópico para

quem adentra ao estudo do evangelho.

Foi nessa perspectiva que, por meio de um artigo, Stendhal, por exemplo,

propôs que a estrutura1 do segundo capítulo de Mateus fosse compreendida a partir

das suas quatro citações (2.6,15,18,23), especialmente porque todas fazem

referência geográfica.2 Para o mesmo autor, as citações de Mateus consolidam a

tese de que havia uma escola no milieu mateano, a exemplo dos essênios de

Qumran e da maneira como interpretaram o livro de Habacuque.3 Desse modo, ele

chega a dizer: “Assim, a escola mateana deve ser entendida como uma escola para

mestres e líderes da igreja, e por esta razão a obra literária daquela escola assume

a forma de um manual para ensino e administração dentro da igreja”.4

France compreende que “cumprimento” seja a espinha dorsal da teologia de

Mateus:

Eu continuo convencido, entretanto, que no caso de Mateus, o tema que proponho é que ele mesmo teria aceito como sumário da sua mensagem e um tema que tem um claro conteúdo decisivo para toda a orientação do trabalho de Mateus. O tema que proponho é “cumprimento”. Eu percebo, obviamente, que qualquer escritor cristão do primeiro século está provavelmente focado, pelo menos em algum grau, na ideia de Jesus como o cumprimento das esperanças de Israel e dos escritos do Antigo Testamento... Mas no Evangelho de Mateus esse tema assume um papel mais dominante. É uma preocupação do autor, algo que o leva a explorar os aspectos do significado de Jesus, que outros consideram como menos essencial. Enquanto outros podem ter conteúdo para citar alguns textos mais óbvios como “cumpridos” em Jesus, Mateus explora a natureza do cumprimento com notável engenho, e com uma atenção sistemática no lugar do ministério de Jesus com o desdobramento do propósito de Deus que afeta e controla sua apresentação de todos os aspectos da história e ensino de Jesus.

5

1 Donald Hagner diz: “A localização das citações no livro [de Mateus] não nos ajuda a discernir a

estrutura do evangelho; sua distribuição não é uniforme, há quatro ocorrências nos primeiros dois capítulos. A importância das citações é teológica”, Matthew 1–13, WBC, Nashville, Thomas Nelson Publishers, 1993, p. lv. 2 STENDHAL, Krister, “Quis et Unde?: An Analysis of Mt 1–2“, in: ELTESTER, Walther, ed., Judentum

Urchristentum Kirche: Festschrift für Joachim Jeremias, Berlin, Verlag Alfred Töpelmann, 1960, p. 94-105. 3 STENDHAL, Krister, The School of Matthew, 2

a ed., Philadelphia, Fortress Press, 1968, p. 30-35.

4 Ibid., p. 35.

5 FRANCE, R.T., Matthew: Evangelista and Teacher, Illinois, IVP, 1989, p. 166-205; The Gospel of

Matthew, NICOT, Grand Rapids, Eerdmans, 2007, p. 166-167.

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Hagner também compreende o uso das citações em Mateus de uma forma

ampla e determinante para compreender o evangelho: “Elas [as citações] são o

próprio modo de Mateus em reforçar a maneira em que os eventos de sua narrativa,

em toda a sua totalidade, são para ser compreendidas como o cumprimento do que

Deus prometeu nas Escrituras”6; e: “Essas citações representam a própria

interpretação criativa de Mateus de sua narrativa”.7 Para Gundry, as onze citações

que Mateus faz, como ele denomina, “citações de cumprimento”, são distintivas de

Mateus e pertencem a uma tradição anterior a Lucas.8

Com esses exemplos citados acima, percebe-se a importância das citações

para a compreensão do evangelho de Mateus como um todo. Abaixo seguem outras

considerações preliminares que tem por alvo ambientar as citações e salientar a sua

relevância.

1.1.1. Definição de termos

Para iniciar a abordagem das citações, é necessário definir termos, uma vez

que não há uniformidade no uso e na compreensão delas. Stamps reconhece a

necessidade primária e fundamental dessas definições, bem como a dificuldade em

fazê-la, considerando que os estudiosos não concordam com as mesmas definições

e, portanto, usam designações diferentes, dentre elas, “citações”, “alusões”, “eco”,

“citação indireta” ou “direta”, “implícita” ou “informal”.9 Por isso ele afirma: “A

influência do uso do AT no NT vai além desses exemplos de citação verbal, e

estudos precisam ser claros no que se refere às definições e os limites e fronteiras

com que eles trabalham quando discutem citações, alusões ou ecos”.10

Gundry estabelece a diferença entre as citações como “formal” e “alusiva”.11

France usa outra categoria, ou seja, “citação verbatim com fórmula introdutória”,

“citação verbatim sem fórmula introdutória”, “clara alusão verbal”, “clara referência

sem alusão verbal”, “possível alusão verbal” e “possível referência sem alusão

6 HAGNER, Donald A., op. cit., p. lv.

7 Ibid., p. liv.

8 Veja GUNDRY, Robert H., Matthew, 2ª edition, Grand Rapids, Eerdmans, 1982, p. 24.

9 STAMPS, Dennis L., “Use of the Old Testament in the New Testament as a Rheorical Device”, in:

PORTER, Stanley E., ed., Hearing the Old Testament in the New Testament, Grand Rapids, Eerdmans, 2006, p. 13. 10

Ibid. p. 14. 11

Veja GUNDRY, Robert H., The Use of the OT, p. XI-XIII.

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verbal”.12 Ele ainda comenta o modo largo que compreende a ligação existente entre

o AT e Mateus:

Para descobrir como Jesus entendeu e usou o Antigo Testamento, precisamos ir além da citação verbatim, seja introduzida por uma forma definida ou não, para incluir referências ao ensino e eventos do Antigo Testamento, alusões verbais e até mesmo, em poucos casos, ações significativas que parecem ter sido intencionadas para chamar atenção às profecias do Antigo Testamento. A importância de alusões menos formais em particular é que elas frequentemente traem os modelos do Antigo Testamento em torno do pensamento do orador, ou escritor, se formou, e em muitos casos eles são deliberadamente moldados a partir de uma passagem ou ideia particular do Antigo Testamento.

13

Para este trabalho compreende-se que as definições oferecidas por France

são mais precisas e didáticas.

1.1.2. O uso de plhro,w

O verbo plhro,w, “cumprir”, e suas derivações ocorrem dezesseis vezes no

evangelho de Mateus (1.22; 2.15, 23; 3.15; 4.14; 5.17; 8.17; 9.16; 12.17; 13.35;

14.20; 15.37; 21.4; 23.32; 26.54; 26.56), contra seis vezes em Marcos (2.21; 4.28;

6.43; 8.19, 20; 14.49), nove vezes em Lucas (1.20; 2.40; 3.5; 4.1; 5.12; 9.31; 21.24;

22.16; 24.44) e onze vezes no evangelho de João (1.14, 16; 12.38; 13.18; 15.11, 25;

17.12; 18.9, 32; 19.24, 36). A simples estatística ressalta a importância desse verbo

para os evangelhos e o desenvolvimento de sua teologia, especialmente para

Mateus.

Outro modo de fazer referência em Mateus é pelo uso de ge,graptai, “está

escrito”, no ind. perf. pass., que ocorre nove vezes em Mateus (2.5; 4.4, 6, 7, 10;

11.10; 21.13; 26.24, 31), contra sete em Marcos (1.2; 7.6; 9.2, 13; 11.17; 14.21, 27),

nove em Lucas (2.23; 3.4; 4.4, 8, 10; 7.27; 10.26; 19.46; 24.46) e duas em João

(8.17; 20.31).

Nota-se, portanto, a preocupação de Mateus em apresentar uma ligação

entre o AT e Jesus Cristo. Moule não compreende que o uso do AT seja de caráter

tão significativo para compreender a teologia cristã do NT, de um modo geral, pelo

contrário, compreende esse uso como “arbitrário”:

12

Veja FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, Vancouver, Regent, 1998, p. 259-263. 13

Ibid., p. 14-15

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e a tese deste capítulo é que o que tenho me aventurado a chamar de uso arbitrário da Escritura (causando desconforto e insatisfação para a maioria dos leitores de hoje) é um sintoma da profunda realidade que pode ser vista como uma verdade e parte organicamente conectada ao sentido da Escritura... Meu ponto, então, é que, embora muitas das afirmações do Novo Testamento sobre Jesus como o cumprimento da profecia são, para os nossos olhos críticos, abertamente forçado, artificial e inconvincente, há um motivo latente em todos os pontos desses muitos fatos que são alegados.

14 France, por outro lado, nota a importância das citações para a compreensão

da própria teologia cristã:

Mas meu ponto aqui é que tal aplicação dos textos do Antigo Testamento não foi feita sobre a base da descoberta de sorte, aproveitando uma chance de associação verbal, mas mais que isso, de uma profunda meditação sobre o amplo cumprimento que é o fundamento da teologia cristã de Mateus.

15 Nessa perspectivca, France defende que Mateus tinha um entendimento de

que todo o AT estava se cumprindo na pessoa de Jesus. Para Moo Mateus faz mais

do que simplesmente fornecer uma interpretação de uma escola específica dos

textos do AT; sua preocupação seria de caráter mais teológico do que hermenêutico,

isto é, mais cristológico do que de interpretativo: “A palavra [plhro,w] é usada no

Novo Testamento para indicar o amplo relacionamento histórico-redentivo da nova,

climática revelação de Deus em Cristo para a preparatória, incompleta revelação

para e através de Israel”.16

Conforme será analisado mais detalhadamente à frente, é plausível e seguro

afirmar que Mateus realmente não tinha um objetivo meramente interpretativo,

didático ou litúrgico para usar tantas citações do AT, especialmente em 4.15, 16; ele

tem mais a dizer e demonstrar no que se refere aos gentios e sua inclusão no plano

salvador de Deus.

1.1.3. As citações e os textos do AT no contexto judaico A consciência do ambiente judaico de Mateus, no que se refere às citações

do AT, contribui essencialmente para entender como ele interpretava o AT e como

ele o utilizou para provar que, de fato, Jesus era o cumprimento das profecias. Além

14

MOULE, C.F.D., The origin of Christology, Cambridge, University Press, 1990, p. 129. 15

FRANCE, R.T., Matthew: Evangelist and Teacher, p. 182-183. 16

MOO, Douglas, “The problem of sensus plenior”, In: CARSON, D.A. and WOODBRIDGE, John D., eds. Hermeneutics, authority, and canon, Grand Rapids, Zondervan, 1986, p. 191.

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disso, deve-se atentar para o fato de que diferentes textos circulavam no mundo

judaico do 1º século, visto que nas próprias citações do evangelho de Mateus, não

se verifica apenas uma fonte.

Duas considerações se destacam aqui, o contexto judaico e a fluidez dos

textos antigos. Em primeiro lugar, um fator flagrante nos textos no NT é a indicação

de pluralidade já existente nos tempos de Jesus, quando o leitor se depara com a

descrição de fariseus, saduceus e zelotes, por exemplo. Qualquer estudo sobre os

tempos de Jesus não pode ignorar esse fator e, realmente, este tem sido um ponto

determinante para o estudo do judaísmo do primeiro século.17 Strecker destaca:

O cristianismo judaico é, com certeza, algo complexo. Pode ser encontrado tanto em um palestino, bem como em um ambiente helenístico e foi submetido a várias influências. O cristianismo judaico helenista não representa uma unidade fechada, mas a tradição dos cristãos judeus para o cristianismo gentílico é fuído, como se mostra, por um lado, pela adoção de formas cristãs gentílicas e, por outro lado, por judaizantes cristãos da esfera gentílica.

18

Não é alvo desta pesquisa a consideração dessa pluralidade do 1º século,

mas apenas ressaltar a sua existência e relevância para compreender que a

pesquisa de um escritor de tradição apostólica não estava delimitada em apenas

uma tradição. Lucas, o evangelista, salienta sua preocupação com a precisão e

destaca sua procura abrangente para seus relatos (Lc 1.1-4), por exemplo.

Quanto ao contexto judaico em Mateus, conforme Rodrigues, alguns

pesquisadores atuais defendem “a influência e a predominância da tradição judaica

sobre a redação mateana” que “não pretendia a ruptura com o judaísmo”.19 Nessa

perspectiva afirma Saldarini que: “É provável que o autor de Mateus quisesse que as

17

Nas palavras de Trebilco: “É hoje reconhecido que houve considerável diversidade dentro do primeiro século d.C. do judaísmo. Em um determinado momento, os judeus praticaram sua religião de muitos modos diferentes. A maioria das pessoas não pertence a nenhum grupo em particular, mas eram zelosos em viver de conformidade com a Torá de Deus e procuravam ser fieis ao judaísmo (ver Sanders 1992: 448-51). Dentro da própria Palestina havia diferentes grupos: fariseus, saduceus, essênios, zelotes, alguns dos quais estavam longe de ser unificado, bem como um número de professores e homens santos, cada um com o seu grupo de seguidores. Ademais, muitos judeus viviam fora da Palestina como um grupo minoritário, numa cidade gentílica, falavam grego mais do que hebraico ou aramaico, e podiam ter visitado Jerusalém uma vez em suas vidas, se o fizeram”, TREBILCO, Paul R., “Jewish Backgrounds”, in: PORTER, Stanley E., ed., Handbook to Exegesis of the New Testament, Leiden, Brill, 2002, p. 359. 18

STRECKER, Gerog, “On the Problem of Jewish Christianity”, in: FERGUNSON, Everett, SCHOLLER, David M. and FINNEY, Paul Corby, Studies in Early Christianity: A Collection Scholar Essays, New York and London, Garland Publishing, 1993, p. 243. 19

RODRIGUES, Elisângela, “O Evangelho de Mateus e as Crises do Judaísmo Pós 70”, in: NOGUEIRA, Paulo A.S., FUNARI, Pedro Paulo A., COLLINS, John J., orgs., Identidades Fluídas no Judaísmo Antigo e no Cristianismo Primitivo, São Paulo, Fapesp, 2010, p. 225.

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multidões simbolizassem a comunidade judaica da época, que ele tinha esperança

de atrair para seu tipo de judaísmo”.20 E Rodrigues corrobora a esta tese afirmando

que:

O texto mateano não negava o judaísmo, tampouco sua tradição. A autoria mateana não teria pretendido o afastamento dos círculos judaicos, mas em função da negação de Jesus em relação à interpretação da Lei feita pelos líderes de Jerusalém, o judaísmo-cristianizado de Mateus teria sido estigmatizado como seita não-judaica pelos próprios burocratas do Templo.

21

Seguindo Saldarini, Garcia defende como pressuposto básico que Mateus

não pode ser lido desvinculado do judaísmo, mas pelo contrário, como uma vertente

dele:

Assumimos nesta pesquisa, que uma parte do cristianismo nascente, exemplificado por Mateus, deve ser visto como continuidade do judaísmo. Deste modo, os relatos de conflitos não representam uma ruptura, mas uma disputa pelo espaço religioso. O pressuposto, para reler o evangelho de Mateus, é o de que muitos dos cristãos do primeiro século permaneceram ligados ao judaísmo com uma identidade religiosa judaica e, entendendo-se a si mesmos como judeus que pertenciam a um movimento de renovação do judaísmo: o cristianismo.

22

Assim, tem-se tornado cada vez mais reconhecido que a cultura do 1º século

estava em desenvolvimento e mutação, de modo que Mateus, como fruto de sua

época, também adaptou-se e escreveu para comunicar sua mensagem de maneira

compreensível aos seus primeiros leitores.

No entanto, alguns cuidados merecem consideração. Por exemplo, Saldarini

entende que o grupo mateano era formado por judeus expulsos do templo que, ao

formar uma nova comunidade, conflitava com os líderes judaicos pelo controle da

20

SALDARINI, Anthony J., A comunidade judaico-cristã de Mateus, São Paulo, Paulinas, 2000, p. 69. Para ele os ensinamentos de Jesus deveriam ser acatados pelos judeus para uma nova ordem no reino de Deus: “Segundo Mateus, os líderes judaicos impedem os membros de seguir os ensinamentos de Jesus e atraem gentios para o modo de vida deles na comunidade judaica, frustrando assim o principal propósito da comunidade mateana, que é o de ensinar todas as nações a observar os mandamentos de Jesus. Em outras palavras, Mateus afirma que os ensinamentos dos rivais frustram o propósito de Deus concretizado na mensagem do Reino dos céus transmitida por Jesus”, (p. 88). Mais à frente ele defende que Mateus não queria romper com o judaísmo: “No Judaísmo, a maioria considera dissidente o grupo menor de Mateus. O grupo mateano afastou-se de alguns dos modos culturalmente aceitos de agir e pensar como judeu, mas não deixou de ser judeu em aspecto, comportamento e identidade. O autor de Mateus tem esperança de convencer a sociedade maior a adotar seu novo comportamento e aspecto diferentes, para que ela se torne normativa e não seja mais dissidente” (p. 184). 21

RODRIGUES, Elisângela, op. cit., p. 233. 22

GARCIA, Paulo Roberto, Sábado: A Mensagem de Mateus e a contribuição judaica, São Paulo, Fonte editorial, 2010, p. 19.

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sociedade.23 No entanto esse entendimento é inseguro, pois segundo Carson:

“devemos confessar francamente que não temos acesso à suposta ‘comunidade de

Mateus...’ à parte do próprio evangelho individual”.24 O evangelho de Mateus, ainda

que expresse conflitos crônicos entre Jesus e os líderes judeus, não permite afirmar

de maneira absoluta que este grupo formava uma “comunidade”, nos moldes de um

judaísmo dissidente. É imprescindível para a pesquisa do NT considerar que os

autores bíblicos lidavam com conflitos reais e tinham pessoas reais em mente

enquanto escreviam. Garcia critica abordagens clássicas que ignoram esse fator:

Um primeiro problema nessas abordagens [clássicas] é que elas se caracterizam por entender a figura do evangelista como a de um produtor de teologia que elabora um evangelho para orientar uma comunidade. Isso significa que a teologia do autor é determinante para se compreender o sentido do texto. A realidade das comunidades receptoras do evangelho é, nessa perspectiva, apenas um complemento de informação para perceber contra o que, ou que correção o autor debatia ou queria apontar para a vida da comunidade.

25

Por outro lado, o estudioso do NT deve manter em mente que as

informações mais seguras que ele em mãos estão limitadas ao texto bíblico. A

orientação de uma pesquisa, no caso teológica e exegética, sempre será

determinada pelos pressupostos assumidos a priori.26

23

“Seu tom mordaz e suas numerosas acusações detalhadas sugerem nitidamente que Mateus atacava os líderes judaicos de sua cidade. Esses líderes tinham castigado e depois expulsado de sua assembléia (sinagoga) Mateus e outros seguidores e, esperava, de toda a comunidade judaica. A posição de alguns estudiosos que o grupo de Mateus não tinha relações com a comunidade judaica e apenas usou materiais polêmicos mais primitivos é improvável. A construção desse ataque longo e sofisticado revela provocação forte e imediata. A expulsão da comunidade mateana da sinagoga não encerrou o conflito. A disputa não era sobre preferência religiosa particular, mas sobre o controle público da sociedade. Os líderes comunitários tinham amplos poderes para regular a sociedade e os membros da comunidade mateana eram desordeiros judeus dissidentes que tinham que ser castigados. A nova assembléia mateana (ekklesia) respondeu com a busca do reconhecimento como legítimos mestres do Judaísmo e líderes fiéis da comunidade”, em SALDARINI, Anthony J., op. cit, p. 94. 24

CARSON, O Comentário de Mateus, trad. Lena Aranha e Regina Aranha, São Paulo, Shedd Publicações, 2010, p. 23. 25

GARCIA, Paulo Roberto, “Imagens de Moisés e Jesus no Evangelho de Mateus”, in: RENDERS, Helmut e SOUZA, José Carlos de, Teologia Wesleyana, Latino-Americana e Global: Uma Homenagem a Rui de Souza Josgrilberg, São Bernardo do Campo, Editeo, 2011, p. 37-38. 26

Thielman, por exemplo, questiona se fé nos escritos do NT compromete o estudo em si: “Para os teólogos do NT que consideram os textos portadores de autoridade, as perspectivas dos textos falam de seu verdadeiro significado. Eles são, em outras palavras, objetos de fé. Seria a fé do teólogo do NT um tipo de preconceito que tornaria inválida a análise histórica plausível do texto do NT?” (THIELMAN, Frank, Teologia do Novo Testamento: Uma Abordagem Canônica e Sintética, São Paulo, Shedd, 2007, p. 39-40); à frente ele declara que todos têm suas perspectivas prévias em sua aproximação: “Todo historiador possui uma perspectiva, e todo historiador que escreve ou ensina história subscreve uma perspectiva. O teólogo do NT proclama a perspectiva dos textos, isso, porém, não quer dizer que haja alguma perda de suas qualidades de historiador por fazê-lo” (ibid., p. 39-40).

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Em segundo lugar, a falta de uniformidade das palavras, vocábulos e

sintaxes nas citações do AT em Mateus sugerem que mais de uma fonte foi

utilizada, inclusive as que não mais se tem acesso. Essa multiplicidade evidencia

diversidade e concorrência entre essas fontes. De qualquer modo, os textos

neotestamentários, pelo menos aqueles que estão disponíveis, ainda formam fonte

principal de pesquisa, conforme Beaton:

No tempo da composição de Mateus, os textos em circulação foram escritos em hebraico, paleo-hebraico, aramaico e grego. Talvez, a maior surpresa tenha sido a quantidade de textos gregos, alguns que, ao que parece, distintos da tradição da LXX, sugerindo uma grande diversidade do uso da linguagem na Palestina, mais do que às vezes são reconhecidos.

27 De igual modo, Carson diz:

Sem dúvida, as tradições do Antigo Testamento hebraico e grego eram um tanto fluídas durante o século I (conforme os PMM

28

atestam); por isso, nem sempre é possível dizer em qual passagem o evangelista está usando uma forma de texto conhecida em sua época e em qual está fornecendo sua própria tradução.

29

Essa diversidade tem intrigado os estudiosos de Mateus. Stendhal diferencia

Mateus do restante dos escritores NT e entende que o uso de suas citações “dá

prova de um procedimento targúmico que demanda muito do conhecimento e

perspectiva dos escribas”.30 Para Gundry, Mateus fez uso de seu conhecimento de

grego, aramaico e hebraico e foi seu próprio targumista.31 Menken defende que

Mateus tinha pergaminhos próprios encontrados em alguma sinagoga:

Assim, é evidente que Mateus no seu papel de editor inseriu citações de cumprimento. Seria de esperar, portanto, que essas citações fossem representativas do texto bíblico que Mateus conheceu e usou. Em palavras ligeiramente diferentes: seria de esperar as citações de cumprimento virem da “Bíblia de Mateus”, dos pergaminhos bíblicos que o evangelista usou para compor a sua obra e que ele provavelmente encontrou em seu lugar, na sinagoga.

32

27

BEATON, Richard, Isaiah’s Christ in Matthew’s Gospel, Society for New Testament studies monograph series 123, New York, Cambridge, 2002, p. 51. 28

“Papiro do Mar Morto” 29

CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, trad. Lena Aranha e Regina Aranha, São Paulo, Shedd Publicações, 2010, p. 47. 30

Veja STENDHAL, Krister, The School of Matthew, p. 127. 31

Veja GUNDRY, R.H., The use of the OT, p. 172-174. 32

MENKEN, M.J.J., Matthew’s Bible: The Old Testament Text of the Evangelist, Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium CLXXIII, Paris, Leuven, 2004, p. 3.

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Mateus fez uso, na opinião de Menken, portanto, de citações oriundas de

uma Septuaginta revisada.33

Curiosamente, ao passo que essa fluidez leva a imaginar a variedade de

textos em seus mais diversos usos, é irrefutável a importância que o AT tinha para a

igreja, ou para as comunidades, de modo que nos debates e conflitos, todos

apelavam à autoridade do AT. A Escritura (a lei e os profetas: to.n no,mon h' tou.j

profh,taj) formava um elemento unificador entre judeus e cristãos. Dunn afirma:

A única Bíblia que eles conheciam [judeus e cristãos] e reconheciam eram os escritos judaicos, que são a Lei e os Profetas, juntos com outros Escritos cuja autoridade e cujo número ainda não estavam completos, mas que coincidiam mais ou menos com o que os cristãos chamam “Antigo Testamento”.

34 A afirmação de Hagner também destaca este mesmo ponto de convergência

entre judeus e cristãos e adiciona a sua perspectiva de cumprimento:

Juntos, judeus e cristãos participaram de tais convicções como a soberania de Deus, a inspiração das Escrituras e a unidade do propósito salvador de Deus resultando na interconectividade de seus atos redentores. A estes cristãos acrescenta-se a suprema convicção que Jesus era o telos, o alvo, do que o AT prometeu.

35

1.2. As citações em Mateus

Seguindo a sugestão das notas marginais da Nestle-Aland 27ª edição,

Mateus tem 64 citações de Isaías, sendo 14 citações diretas e 50 alusivas, pelas

similaridades semânticas entre termos e seus significados.

Segue abaixo um quadro demonstrativo das citações diretas de Isaías que

podem ser observadas em Mateus. Em algumas ocasiões encontram-se vocábulos

idênticos entre o texto da LXX e o texto de grego de Mateus, noutras ocasiões

observam-se diferenças nos vocábulos, porém de campo semântico semelhante.

1.2.1. Citações alusivas em comparação com a LXX

Este levantamento tem por alvo mostrar a amplitude de possíveis alusões

que Mateus pode ter feito de Isaías da LXX. Quando houver destaque em cores,

33

Ibid., p. 10, 32, 88, etc. 34

DUNN, James D.G., Unity and Diversity in the New Testament, 3ª edition, London, SCM, 2006, p. 87. 35

HAGNER, Donald A., op. cit., p. lvi.

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note-se que as mesmas cores são usadas, tanto nos quadros direito como no

esquerdo, para destacar as similaridades de palavras e sentidos. Neste quadro, as

traduções, tanto do NT como da LXX, são do próprio autor.

MATEUS ISAÍAS LXX

2.10: evca,rhsan cara.n mega,lhn sfo,draÅ Trad: alegraram-se com grande e intenso júbilo.

Is 39.2: kai. evca,rh evpV auvtoi/j Ezekiaj cara.n mega,lhn Trad: e alegrou-se por eles Ezequias com grande alegria

2.11: cruso.n kai. li,banon kai. smu,rnanÅ Trad: ouro, líbano e mirra

Is 60.6: h[xousin fe,rontej crusi,on kai. li,banon Trad: virão trazendo ouro e líbano

3.16: kai. ei=den Îto.Ð pneu/ma Îtou/Ð qeou/ katabai/non w`sei. peristera.n Îkai.Ð evrco,menon evpV auvto,n Trad: e viu o Espírito de Deus descendo como pomba

Is 11.2: kai. avnapau,setai evpV auvto.n pneu/ma tou/ qeou/ Trad: e repousará sobre ele o Espírito de Deus

3.17: kai. ivdou. fwnh. evk tw/n ouvranw/n le,gousa\ ou-to,j evstin o uio,j mou o avgaphto,j( evn w-| euvdo,khsa Trad: e eis uma voz dos céus dizia: este é o meu filho, o amado, em quem tenho prazer

Is 42.1: o evklekto,j mou prosede,xato auvto.n h` yuch, mou e;dwka to. pneu/ma, mou evpV auvto,n kri,sin toi/j e;qnesin evxoi,sei Trad: o meu escolhido o aguardará, a minha alma, eu darei o meu Espírito sobre ele [para] julgar aos gentios ele trará

4.5: eivj th.n a`gi,an po,lin Trad: para o santa cidade

Is 48.2: th/j po,lewj th/j a`gi,aj Trad: da cidade da santidade

5.3: Maka,rioi oi` ptwcoi. tw/| pneu,mati Trad: Bem-aventurados os pobres de espírito

Is 61.1: euvaggeli,sasqai ptwcoi/j Trad: para evangelizar os pobres

5.4: maka,rioi oi` penqou/ntej( o[ti auvtoi. paraklhqh,sontai Trad: bem-aventurados os que choram, porque serão consolados

Is 61.2: parakale,sai pa,ntaj tou.j penqou/ntaj Trad: a consolar todos os que choram

5.11: maka,rioi, evste o[tan ovneidi,swsin u`ma/j kai. diw,xwsin kai. ei;pwsin pa/n ponhro.n kaqV u`mw/n Îyeudo,menoiÐ e[neken evmou/ Trad: bem-aventurados vocês são quando forem insultados, perseguidos e disserem todo mal sobre vocês, mentindo, por minha causa

Is 51.7: mh. fobei/sqe ovneidismo.n avnqrw,pwn kai. tw/| faulismw/| auvtw/n mh. h`tta/sqe Trad: não tenham medo do insulto dos homens e do desprezo deles, não se defendam

5.35: mh,te evn th/| gh/|( o[ti upopo,dio,n evstin tw/n podw/n auvtou/( mh,te eivj ~Ieroso,luma( o[ti po,lij evsti.n tou/ mega,lou basile,wj Trad: nem na terra, porque é o estrado de seus pés, nem para Jerusalém, porque é a cidade do grande rei

Is 66.1: ou[twj le,gei ku,rioj o ouvrano,j moi qro,noj h` de. gh/ upopo,dion tw/n podw/n mou Trad: assim diz o Senhor: o céu é o meu trono, a terra o estrado dos meus pés

6.6: ei;selqe eivj to. tamei/o,n sou Trad: entra no teu quarto

Is 26.20: ei;selqe eivj ta. tami,eia, sou Trad: entra no teu quarto

6.7: Proseuco,menoi de. mh. battalogh,shte w[sper oi` evqnikoi,( dokou/sin ga.r o[ti evn th/| polulogi,a| auvtw/n eivsakousqh,sontaiÅ Trad: E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos

Is 1.15: o[tan ta.j cei/raj evktei,nhte pro,j me avpostre,yw tou.j ovfqalmou,j mou avfV u`mw/n kai. eva.n plhqu,nhte th.n de,hsin ouvk eivsakou,somai u`mw/n ai` ga.r cei/rej u`mw/n ai[matoj plh,reij

Trad: Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue.

6.9: Pa,ter hmw/n … a`giasqh,tw to. o;noma, sou

Is 63.16: path.r h`mw/n Is 29.23: a`gia,sousin to. o;noma, mou

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Trad: Pai nosso ... santificado o teu nome

Trad: Pai nosso santificarão o teu nome

8.11: avnatolw/n kai. dusmw/n Trad: oriente e ocidente

Is 43.5: avnatolw/n … dusmw/n Trad: oriente ... ocidente

11.5: tufloi. avnable,pousin kai. cwloi. peripatou/sin( leproi. kaqari,zontai kai. kwfoi. avkou,ousin( kai. nekroi. evgei,rontai kai. ptwcoi. euvaggeli,zontai Trad: os cegos veem e os coxo andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, e os mortos são levantados e os pobres evangelizados

Is 29.18-19: avkou,sontai evn th/| h`me,ra| evkei,nh| kwfoi. lo,gouj bibli,ou kai. oi` evn tw/| sko,tei kai. oi evn th/| omi,clh| ovfqalmoi. tuflw/n ble,yontai kai. avgallia,sontai ptwcoi.... Trad: e ouvirão, naquele dia, os surdos as palavras do livro e os que estão nas trevas e na neblina, os olhos dos cegos verão; e se alegrarão os pobres com o Senhor, em alegria, e os desesperados dos homens se satisfarão em alegria

Nessa breve amostragem se pode observar que Mateus tinha contato com

textos gregos. Embora não haja como precisar qual era o texto que ele utilizava,

nem afirmar que ele só usava texto grego, ainda assim é inegável a influência da

LXX, em suas respectivas versões.

1.2.2. Similaridades temáticas

Abaixo são destacados apenas temas e ensinamentos semelhantes que

Mateus provavelmente tenha tomado de Isaías. Os textos bíblicos estão

apresentados na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA).

MATEUS ISAÍAS

11.5: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho.

Is 29.18: Naquele dia, os surdos ouvirão as palavras do livro, e os cegos, livres já da escuridão e das trevas, as verão. Is 35.5-6: Então, se abrirão os olhos dos cegos,

e se desimpedirão os ouvidos dos surdos; os coxos saltarão como cervos, e a língua dos mudos cantará; pois águas arrebentarão no deserto, e ribeiros, no ermo. Is 42.18: Surdos, ouvi, e vós, cegos, olhai, para que possais ver.

11.23: Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu (e[wj ouvranou/)? Descerás (katabh,sh|) até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.

Is 14.13,15: Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu (eivj to.n ouvrano.n); acima das estrelas de

Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte... Contudo, serás precipitado (katabh,sh|) para o reino dos mortos, no mais profundo do abismo.

11.29: Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso (avna,pausin) para a

vossa alma.

Is 28.12: ao qual ele disse: Este é o descanso (avna,pauma), dai descanso ao cansado; e este é o

refrigério; mas não quiseram ouvir.

12.29: Ou como pode alguém entrar na casa do

valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa.

Is 49.24: Tirar-se-ia a presa ao valente? Acaso,

os presos poderiam fugir ao tirano?

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14.25: Na quarta vigília da noite, foi Jesus ter

com eles, andando por sobre o mar.

Is 43.16: Assim diz o SENHOR, o que outrora

preparou um caminho no mar e nas águas impetuosas, uma vereda

16.19: Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.

Is 22.22: Porei sobre o seu ombro a chave da casa de Davi; ele abrirá, e ninguém fechará, fechará, e ninguém abrirá.

20.28: tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.

Is 53.11: Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si.

21.42: Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas

Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?

Is 28.16: Portanto, assim diz o SENHOR Deus:

Eis que eu assentei em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada; aquele que crer não foge.

23.23: Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!

Is 1.17: Aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.

24.7: Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares;

Is 19.2: ... e cada um pelejará contra o seu irmão e cada um contra seu próximo; cidade contra cidade, reino contra reino.

24.35: Passará o céu e a terra, porém as minhas

palavras não passarão.

Is 40.8: seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a

palavra de nosso Deus permanece eternamente. 25.35: porque tive fome, e destes-me de comer;

tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;

Is 58.7: Porventura, não é também que repartas

o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante?

26.28: porque isto é o meu sangue, o sangue da

nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.

Is 53.12: porquanto derramou a sua alma na

morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu.

26.39: Adiantando-se um pouco, prostrou-se

sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres.

Is 51.17,22: ...que da mão do SENHOR bebeste o

cálice da sua ira, o cálice de atordoamento, e o esgotaste... Eis que eu tomo da tua mão o cálice de atordoamento, o cálice da minha ira; jamais dele beberás;

26.67: ... uns cuspiram-lhe no rosto e lhe davam murros, e outros o esbofeteavam...

Is 50.6: Ofereci as costas aos que me feriam e as faces, aos que me arrancavam os cabelos; não escondi o rosto aos que me afrontavam e me cuspiam.

27.14: Jesus não respondeu nem uma palavra, vindo com isto a admirar-se grandemente o governador

Is 53.7: Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca.

27.52: abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram;

Is 26.19: Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão...

Eventualmente se pode constatar o uso de algumas palavras em Mateus

exatamente iguais ao texto grego do AT nos dezessete versículos acima, no entanto,

nessa demonstração se deve observar apenas o que já foi afirmado acima, isto é,

que Mateus certamente estava sendo profundamente influenciado pelo profeta

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Isaías em seu evangelho como um todo, recuperando a mesma mensagem e

reincorporando em sua interpretação da pessoa de Jesus.

1.2.3. Citações diretas

Abaixo seguem doze citações que são identificadas como citações para

atestar as atividades de Jesus. Neste quadro os textos gregos são traduzidos pelo

próprio autor, enquanto o texto hebraico é tradução da ARA.

MATEUS – TEXTO GREGO NT ISAÍAS – TEXTO GREGO LXX ISAÍAS – TEXTO

HEBRAICO TM (ARA)

1.23: ivdou. h` parqe,noj evn gastri. e[xei kai. te,xetai uio,n( kai. kale,sousin to. o;noma auvtou/ VEmmanouh,l Trad: eis a virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel

Is 7.14: dia. tou/to dw,sei ku,rioj auvto.j u`mi/n shmei/on ivdou. h` parqe,noj evn gastri. e[xei kai. te,xetai uio,n kai. kale,seij to. o;noma auvtou/ Emmanouhl Trad: mediante isso dará o

Senhor a vocês um sinal, eis a virgem conceberá e dará à luz um filho e tu chamarás o seu nome Emanuel

Is 7.14: ~k,Þl' aWh± yn"ïdoa ] !Te’yI !kel'û td<l,äyOw> ‘hr"h' hm'ªl.[;h' hNEåhi tAa+

`lae( WnM'î[i Amßv. tar"îq'w> !Beê Trad: portanto, o Senhor

mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel.

1.23b: meqV hmw/n o qeo,jÅ Trad: Deus conosco

Is 8.8,10: meqV h`mw/n ku,rioj o qeo,j Trad: o Senhor Deus conosco

Is 8.8,10: lae( WnM'î[i Trad: Deus conosco

2.23: o[ti Nazwrai/oj klhqh,setai

Trad: porque será chamado nazareno

Is 11.1: kai. evxeleu,setai ra,bdoj evk th/j r`i,zhj Iessai kai. a;nqoj evk th/j r`i,zhj avnabh,setai Trad: e sairá um cajado da raiz

de Jessé e uma flor da raiz se erguerá

Is 11.1: rc,nEßw> yv'_yI [z:GEåmi rj,xoß ac'îy"w >`hr<(p.yI wyv'îr"V'mi

Trad: Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo.

3.3: fwnh. bow/ntoj evn th/| evrh,mw|\ e`toima,sate th.n odo.n kuri,ou( euvqei,aj poiei/te ta.j tri,bouj auvtou/Å Trad: voz do que clama no

deserto: prepara o caminho do Senhor, façam imediatamente a sua trilha

Is 40.3: fwnh. bow/ntoj evn th/| evrh,mw| e`toima,sate th.n odo.n kuri,ou euvqei,aj poiei/te ta.j tri,bouj tou/ qeou/ h`mw/n Trad: voz do que clama no

deserto: prepara o caminho do Senhor, façam imediatamente a trilha do nosso Deus

Is 40.3: %r<D<ä WNàP; rB'§d>MiB; arEêAq lAqå

hL'Þsim. hb'êr"[]B' ‘WrV.y: hw"+hy> `Wnyhe(l{ale

Trad: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus

4.15-16: gh/ Zaboulw.n kai. gh/ Nefqali,m( odo.n qala,sshj( pe,ran tou/ VIorda,nou( Galilai,a tw/n evqnw/n( o` lao.j o kaqh,menoj evn sko,tei fw/j ei=den me,ga( kai. toi/j kaqhme,noij evn cw,ra| kai. skia/| qana,tou fw/j avne,teilen auvtoi/jÅ Trad: terra de Zebulon e terra de

Naftalim, caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios, o

Is 8.23–9.1: kai. ouvk avporhqh,setai o evn stenocwri,a| w'n e[wj kairou/ tou/to prw/ton poi,ei tacu. poi,ei cw,ra Zaboulwn h` gh/ Nefqalim odo.n qala,sshj kai. oi` loipoi. oi` th.n parali,an katoikou/ntej kai. pe,ran tou/ Iorda,nou Galilai,a tw/n evqnw/n ta. me,rh th/j Ioudai,aj o lao.j o` poreuo,menoj evn sko,tei i;dete fw/j me,ga oi katoikou/ntej evn cw,ra| kai. skia/| qana,tou fw/j la,mye Trad: e não permanecerá em

perplexidade aquela em dificuldade estando até o primeiro tempo; faça rápido, faça à terra

Is 8.23–9.1: Hl' qc'äWm rv<åa]l; é@['Wm al{å yKiä

hc'r>a:Ü lq;úhe !AvªarIh' t[eäK' yliêT'p.n: hc'r>a:åw> ‘!Wlbuz>

‘~Y"h; %r<D<Û dyBi_k.hi !Arßx]a;h'w> `~yI)AGh; lyliÞG> !DEêr>Y:h; rb,[eä

%v,xoêB; ~ykiäl.hoh; ‘~['h' #r<a,äB. ‘ybev.yO lAd+G" rAaæ Waßr" `~h,(yle[]

Hg:ïn" rAaà tw<m'êl.c;

Trad: Mas para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de

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povo que está habitando em trevas viu grande luz, e aos que estão habitando na terra da sombra da morte, luz levantou a eles.

de Zebulon e à terra de Nafthalim, o caminho do mar e o restante dos que residem na costa, e além do Jordão, Galileia dos gentios, uma parte da Judeia; ao povo que está andando em trevas, vede grande luz! Aos que estão residindo na terra da sombra da morte, uma luz brilhará sobre vocês

Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios. O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz.

8.17: auvto.j ta.j avsqenei,aj h`mw/n e;laben kai. ta.j no,souj evba,stasen Trad: ele assumiu as nossas fraquezas e carregou as nossas doenças

Is 53.4: ou-toj ta.j a`marti,aj h`mw/n fe,rei kai. peri. h`mw/n ovduna/tai Trad: ele carregou os nossos pecados e sofreu referente a nós

12.18-21: ivdou. o pai/j mou o]n h`|re,tisa( o avgaphto,j mou eivj o]n euvdo,khsen h` yuch, mou\ qh,sw to. pneu/ma, mou evpV auvto,n( kai. kri,sin toi/j e;qnesin avpaggelei/Å ouvk evri,sei ouvde. krauga,sei( ouvde. avkou,sei tij evn tai/j platei,aij th.n fwnh.n auvtou/Å ka,lamon suntetrimme,non ouv katea,xei kai. li,non tufo,menon ouv sbe,sei( e[wj a'n evkba,lh| eivj ni/koj th.n kri,sinÅ kai. tw/| ovno,mati auvtou/ e;qnh evlpiou/sinÅ Trad: Eis aqui o meu servo, que

escolhi, o meu amado, em quem a minha alma se compraz. Farei repousar sobre ele o meu Espírito, e ele anunciará juízo aos gentios. Não contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças a sua voz. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que faça vencedor o juízo. E, no seu nome, esperarão os gentios.

Is 42.1-4: Iakwb o pai/j mou avntilh,myomai auvtou/ Israhl o evklekto,j mou prosede,xato auvto.n h` yuch, mou e;dwka to. pneu/ma, mou evpV auvto,n kri,sin toi/j e;qnesin evxoi,sei ouv kekra,xetai ouvde. avnh,sei ouvde. avkousqh,setai e;xw h` fwnh. auvtou/ ka,lamon teqlasme,non ouv suntri,yei kai. li,non kapnizo,menon ouv sbe,sei avlla. eivj avlh,qeian evxoi,sei kri,sin avnala,myei kai. ouv qrausqh,setai e[wj a'n qh/| evpi. th/j gh/j kri,sin kai. evpi. tw/| ovno,mati auvtou/ e;qnh evlpiou/sin

Trad: Jacó, o meu servo, eu o ajudarei; Israel, o meu escolhido, ele receberá a minha alma; eu dei o meu espírito sobre ele para julgar aos gentios que virão. Não gritará, nem desistirá, nem de modo algum será ouvida a sua voz. A cana espremida ele não a esmagará e o pavio fumegante ele não extinguirá, mas para a verdade trará juízo. Retornará e não oprimirá até colocar justiça sobre a terra e acerca do seu nome esperança dos gentios

Is 42.1-4: . ABê-%m't.a, ‘yDIb.[; !hEÜ

‘yxiWr yTit;Ûn" yvi_p.n: ht'äc.r" yrIßyxiB [:ymiîv.y:-al{)w> aF'_yI al{åw> q[;Þc.yI al{ï 2`ayci(Ay

~yIïAGl; jP'Þv.mi wyl'ê[' `Al*Aq #WxßB;

tm,Þa/l, hN"B<+k;y> al{å hh'Þke hT'îv.piW rABêv.yI al{å ‘#Wcr" hn<Üq' `jP'(v.mi ayciîAy

Trad: Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios. Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça. Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; em verdade, promulgará o direito. Não desanimará, nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina.

13.14-15: avkoh/| avkou,sete kai. ouv mh. sunh/te( kai. ble,pontej ble,yete kai. ouv mh. i;dhteÅ evpacu,nqh ga.r h` kardi,a tou/ laou/ tou,tou( kai. toi/j wvsi.n bare,wj h;kousan kai. tou.j ovfqalmou.j auvtw/n evka,mmusan( mh,pote i;dwsin toi/j ovfqalmoi/j kai. toi/j wvsi.n avkou,swsin kai. th/| kardi,a| sunw/sin kai. evpistre,ywsin kai. iva,somai auvtou,jÅ Trad: vocês ouvirão com os

ouvidos e de nenhum modo entenderão; e verão com os olhos e de modo nenhum perceberão. Porque o coração deste povo está

Is 6.9-10: avkoh/| avkou,sete kai. ouv mh. sunh/te kai. ble,pontej ble,yete kai. ouv mh. i;dhte evpacu,nqh ga.r h` kardi,a tou/ laou/ tou,tou kai. toi/j wvsi.n auvtw/n bare,wj h;kousan kai. tou.j ovfqalmou.j auvtw/n evka,mmusan mh,pote i;dwsin toi/j ovfqalmoi/j kai. toi/j wvsi.n avkou,swsin kai. th/| kardi,a| sunw/sin kai. evpistre,ywsin kai. iva,somai auvtou,j Trad: vocês ouvirão com os

ouvidos e de modo algum entenderão, e verão com os olhos e de modo algum perceberão; porque o coração deste povo está

Is 6.9-10: ; ~['äl' T'Þr>m;a'w> %lEï rm,aYO¨w: 9 WnybiêT'-la;w> ‘[:Am’v' W[Üm.vi hZ<+h

`W[d"(Te-la;w> Aaàr" Waïr>W ; wyn"ïz>a'w> hZ<ëh; ~['äh'-ble ‘!mev.h; 10

ha,’r>yI-!P, [v;_h' wyn"åy[ew> dBeÞk.h wyn"åz>a'b.W wyn"÷y[eb

`Al* ap'r"îw> bv'Þw" !ybi²y" Abðb'l.W [m'ªv.yI . Trad: Então, disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração

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endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e

sejam por mim curados.

endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os seus olhos, para não acontecer que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados.

deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coração, e se converta, e seja salvo.

15.8-9: o lao.j ou-toj toi/j cei,lesi,n me tima/|( h de. kardi,a auvtw/n po,rrw avpe,cei avpV evmou/\ ma,thn de. se,bontai, me dida,skontej didaskali,aj evnta,lmata avnqrw,pwnÅ Trad: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.

Is 29.13: kai. ei=pen ku,rioj evggi,zei moi o lao.j ou-toj toi/j cei,lesin auvtw/n timw/si,n me h` de. kardi,a auvtw/n po,rrw avpe,cei avpV evmou/ ma,thn de. se,bontai, me dida,skontej evnta,lmata avnqrw,pwn kai. didaskali,aj Trad: e o Senhor disse: este povo vem para perto de mim, com os seus lábios me honram, mas o seu coração longe, está distante de mim; em vão me adoram, ensinando mandamentos e doutrinas dos homens

Is 29.13: ![;y:… yn"©doa] rm,aYOæw:

‘wyt'p'f.biW wypiÛB. hZ<ëh; ~['äh' ‘vG:nI yKiÛ yhiÛT.w: yNIM<+mi qx;ärI ABàliw> ynIWdêB.K

~yviÞn"a] tw:ïc.mi ytiêao ‘~t'a'r>yI i`hd"(M'lum.

Trad: o Senhor disse: Visto que este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinalmente aprendeu,

21.5: ei;pate th/| qugatri. Siw,n\ ivdou. o basileu,j sou...

Trad: diga à filha de Sião: eis o

teu rei

Is 62.11: ivdou. ga.r ku,rioj evpoi,hsen avkousto.n e[wj evsca,tou th/j gh/j ei;pate th/| qugatri. Siwn ivdou, soi o swth.r...

Trad: porque eis que o Senhor fez ouvir até o último da terra você dirá da filha de Sião: eis o teu salvador

Is 62.11: #r<a'êh' hceäq.-la, ‘[:ymi’v.hi hw"©hy> hNEåh

hNEïhi !AYëci-tb;l. ‘Wrm.ai ATêai ‘Ark'f. hNEÜhi aB'_ %[Eßv.yI

i wyn")p'l. AtßL'[up.W

Trad: Eis que o Senhor fez

ouvir até às extremidades da terra estas palavras: Dizei à filha de Sião: Eis que vem o teu Salvador

21.13: o oi=ko,j mou oi=koj proseuch/j klhqh,setai Trad: a minha será chamada

casa de oração

Is 56.7: o ga.r oi=ko,j mou oi=koj proseuch/j klhqh,setai Trad: porque a minha será chamada casa de oração

Is 56.7:

arEÞQ'yI hL'îpiT.-tyBe ytiêybe yKiä `~yMi([;h'-lk'l.

Trad: porque a minha casa

será chamada casa de oração para todos os povos

24.29: Euvqe,wj de. meta. th.n qli/yin tw/n h`merw/n evkei,nwn o h[lioj skotisqh,setai( kai. h` selh,nh ouv dw,sei to. fe,ggoj auvth/j( kai. oi` avste,rej pesou/ntai avpo. tou/ ouvranou/( kai. ai duna,meij tw/n ouvranw/n saleuqh,sontaiÅ Trad: Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados.

Is 13.10: oi ga.r avste,rej tou/ ouvranou/ kai. o VWri,wn kai. pa/j o ko,smoj tou/ ouvranou/ to. fw/j ouv dw,sousin kai. skotisqh,setai tou/ h`li,ou avnate,llontoj kai. h` selh,nh ouv dw,sei to. fw/j auvth/j Trad: porque as estrelas do céu e o Órion, e todo o cosmos do céu não darão a luz e o sol escurecerá, emergindo, também a lua não dará a sua luz

Is 13.10: ‘~yIm;’V'h; ybeÛk.Ak-yKi(

%v:Üx' ~r"_Aa WLheÞy" al{ï ~h,êyleysiäk.W h:yGIïy:-al{) x;rEÞy"w> AtêaceB. ‘vm,V,’h;

`Ar¥Aa

Trad: Porque as estrelas e

constelações dos céus não darão a sua luz; o sol, logo ao nascer, se escurecerá, e a lua não fará resplandecer a sua luz.

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Esses textos são o que se pode chamar de “citação verbatim”, para utilizar a

terminologia de France. Não é propósito deste trabalho o estudo de todas essas

citações, mas apresentá-los mostrando que o texto de 4.15-16 está inserido entre

eles. Esses textos já foram extensivamente considerados por Stendhal, Gundry,

Beaton, Menken e Blomberg.36

1.3. Tradução da perícope 4.12-17

A tradução sugerida nesta seção tem o propósito de mostrar o texto dentro

do seu contexto imediato, mostrando a citação de Isaías dentro da rotina, conforme

apresentada pelo evangelista.

Além disso, deve ser destacado que o texto será analisado neste primeiro

capítulo; em seguida, no segundo capítulo, serão observadas as quatro principais

interpretações que são utilizadas como ferramentas hermenêuticas para a

compreensão do relacionamento do AT com o NT, então só no terceiro capítulo o

texto voltará a ser considerado com a linha de interpretação que este autor optou,

por entender compreender melhor o texto de Mateus dentro de seu contexto mais

amplo.

Texto grego 12 VAkou,saj de. o[ti VIwa,nnhj paredo,qh avnecw,rhsen eivj th.n Galilai,anÅ 13 kai. katalipw.n th.n Nazara. evlqw.n katw,|khsen eivj Kafarnaou.m th.n paraqalassi,an evn o`ri,oij Zaboulw.n kai. Nefqali,m\ 14 i[na plhrwqh/| to. r`hqe.n dia. VHsai<ou tou/ profh,tou le,gontoj\ 15 gh/ Zaboulw.n kai. gh/ Nefqali,m( o`do.n qala,sshj( pe,ran tou/ VIorda,nou( Galilai,a tw/n evqnw/n( 16 o` lao.j o` kaqh,menoj evn sko,tei fw/j ei=den me,ga( kai. toi/j kaqhme,noij evn cw,ra| kai. skia/| qana,tou fw/j avne,teilen auvtoi/jÅ 17 VApo. to,te h;rxato o` VIhsou/j khru,ssein kai. le,gein\ metanoei/te\ h;ggiken ga.r h` basilei,a tw/n ouvranw/nÅ

Tradução sugerida

v. 12 – Ouvindo, então, que João havia sido preso, se retirou para a Galileia

v. 13 – e deixando Nazaré foi residir em Cafarnaum, à beira mar, no território

de Zebulom e Nafthalim,

v. 14 – a fim de que se cumprisse o que foi dito mediante o profeta Isaías:

36

Ver Bibliografia.

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33

v. 15 – “terra de Zebulom e terra de Nafthalim, caminho do mar, além do

Jordão, Galileia dos gentios

v. 16 – “o povo que está habitando em trevas viu grande luz, e aos que estão

habitando na terra da sombra da morte, luz levantou a eles”

v. 17 – depois disso, passou Jesus a anunciar e dizer: Arrependam-se,

porque está chegando o reino dos céus

1.4. Estudo comparativo de Mateus 4.15-16 com Isaías e LXX

1.4.1. Tradução do TM de Isaías 8.23–9.1

lq;he !AvarIh' t[eK' Hl' qc'Wm rv<a]l; @['Wm al{ yKi 23

~Y"h; %r<D< dyBik.hi !Arx]a;h'w> yliT'p.n: hc'r>a:w> !Wlbuz> hc'r>a: `~yIAGh; lyliG> !DEêr>Y:h; rb,[e

ybev.yO lAdG" rAa War" %v,xB; ~ykil.hoh; ~['h' 9:1 ~h,yle[] Hg:n" rAa tw<m'l.c; #r<a,B.

8.23 – Porque não [permanecerá] em angústia para a que [está] em trevas

os primeiros tempos ele causou humilhação [na] terra de Zebulon e a terra de Naftali

e no [tempo] vindouro promoverá a honra; caminho do mar, além do Jordão, Galileia

das nações

9.1 – O povo que estava andando na escuridão viu uma luz grande, e os que

eram habitantes na terra das trevas, luz brilhou sobre eles

1.4.2. Tradução da LXXA de Isaías 8.23–9.1

23 kai. ouvk avporhqh,setai o` evn stenocwri,a| w'n e[wj kairou/ tou/to prw/ton poi,ei tacu. poi,ei cw,ra Zaboulwn h gh/ Nefqalim o`do.n qala,sshj kai. oi loipoi. oi th.n parali,an katoikou/ntej kai. pe,ran tou/ Iorda,nou Galilai,a tw/n evqnw/n ta. me,rh th/j Ioudai,aj 9:1 o` lao.j o` poreuo,menoj evn sko,tei i;dete fw/j me,ga oi katoikou/ntej evn cw,ra| kai. skia/| qana,tou fw/j la,myei evfV u`ma/j 8.23 – e não permanecerá em perplexidade aquela em dificuldade estando

até o primeiro tempo; faça rápido, faça à terra de Zebulon e à terra de Nafthalim, o

caminho do mar e o restante dos que residem na costa, e além do Jordão, Galileia

dos gentios, uma parte da Judeia.

9.1 – ao povo que está andando em trevas, vede grande luz! Aos que estão

residindo na terra da sombra da morte, uma luz brilhará sobre vocês

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1.4.3. Semelhanças e diferenças

O evangelista não tem preocupação com todo o texto de Isaías, então ele

recorta apenas o que descreve a ação redentora de Deus sobre as terras de

Zebulom e Naftali. Porém, é de se questionar por que Mateus não se preocupou em

fazer a citação por completo, afinal, não seria importante descrever a situação

dessas cidades e de como Deus tratou aos gentios no passado para confrontar com

a nova maneira de agir com eles no presente? Conforme Filson: “a Galileia sempre

foi mais aberta a ataques e contatos dos gentios do que a Judeia”.37 Além do mais,

foi nesse momento da narrativa que Mateus visualizou o cumprimento da profecia de

Isaías que Jesus iniciou uma nova etapa, isto é, seu ministério público.

A LXX manteve o advérbio de negação e a introdução do oráculo do texto

hebraico, kai. ouvk, “pois/porque”, não conforme o TM, al{ yKi, “pois/porque”. A

diferença que poderia ser destacada é que a LXX não manteve a partícula

explicativa yKi que equivaleria a gar.

A perspectiva futurística do texto hebraico é pressuposta pela tradução

grega com o verbo avpore,w, “estar perplexo”, no futuro passivo. A 3ª pessoa do verbo

mantém o sofrimento sobre a “terra” que será traduzida à frente. O sofrimento do TM

representado no adjetivo @['Wm, “angústia”, está inserido no mesmo verbo grego. A

partícula relativa hebraica, rv<a]l;, “que/para que” é traduzida no texto grego da LXX

pela expressão dativa, o` evn stenocwri,a|, “dificuldade/tribulação”. Este substantivo

traduz o substantivo hebraico qc'Wm, “angústia”.

A LXX traz o part. pres. at. w'n, “estando/sendo”, que também não encontra

nenhum correspondente no texto hebraico. É evidente que esta é uma tradução

altamente interpretativa, que tenta transmitir o aspecto futurístico da profecia. A

preposição com sufixo feminino de 3ª pessoa não tem tradução no texto da LXX.

“Os primeiros tempos” no texto hebraico são apresentados pela expressão:

!AvarIh' t[eK'. Assim o substantivo precede o adjetivo, enquanto a construção grega

traz: kairou/ tou/to prw/ton, “este primeiro tempo”, onde o substantivo precede um

advérbio. O texto grego ainda acrescenta um pronome demonstrativo, ou-toj, que

marca o “tempo presente” do sofrimento quando aquela profecia foi pronunciada.

37

FILSON, Floyd V., A Commentary on the Gospel According to St. Matthew, 2ª edition, London

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35

O hifil perfeito do verbo llq, “causar humilhação”, mostra a ação completa

de Deus no passado e causada exclusivamente por ele. A LXX mudou radicalmente

essa ação passada trazendo para o presente e transformando a frase em uma

oração na 2ª pessoa: “faça rápido! Faça à terra de Zebulom e Naftali!”. Essa

mudança desloca o olhar da desolação dessas cidades para um clamor a Deus,

pedindo-lhe uma ação imediata e urgente. Ao invés de ser um texto descritivo, se

torna dramático.

Agora a diferença com o texto de Mateus se mostra ainda mais notável

exatamente por causa das omissões feitas pelo evangelista, que não se preocupou

em apresentar a ação divina dos “primeiros tempos”, mas em apresentar a ação

divina redentiva nos tempos de Jesus. Segundo Stendhal, Mateus: “claramente se

afasta tanto do TM como da LXX, embora mostre dependência de ambos”.38 Beaton

semelhantemente assevera que: “o texto de Mateus evidencia contato com ambos, o

TM e a LXX, e a excisão do material de ambas estas fontes e um aparente suporte

das ênfases geográficas de 4.12-13”.39 Davies e Allison chamam esta citação de

“uma representação independente do hebraico com influência da LXX”.40 O texto

hebraico descreve à distância a ação divina, “ele humilhou a terra...”. A LXX

aproxima Deus da situação das terras de Zebulom e Naftali, “faça!”. Enquanto isso, o

texto de Mateus não se dirige a Deus e nem descreve as suas ações, mas se dirige

às terras de Zebulom e Naftali: gh/41 Zaboulw.n kai. gh/ Nefqali,m. O evangelista chama

a atenção dessas cidades para descrever as ações de Jesus Cristo pelas regiões

gentílicas. Ele parece estar mais próximo do texto hebraico do que da LXX. O texto

hebraico descreve a ação de Yahweh em 3ª pessoa, para descrever a ação de

humilhação precedida pela ação de redenção. Enquanto o texto do evangelho

chama a atenção das cidades gentílicas para a ação redentiva de Jesus Cristo em 2ª

pessoa, concentrando-se apenas na redenção.

O substantivo hebraico #r,a,, “terra”, é traduzido pela LXX como cw,ra,

“país/terra”, para se referir a Zebulom e gh/, “terra”, para se referir a Naftali. Mateus

38

STENDHAL, Krister, The School of St. Matthew, p. 104. 39

BEATON, Richard, op. cit., p. 98. 40

DAVIES, W.D. and ALLISON, D.C., Matthew 1–7, London/New York, T&T Clark, 1988, p. 380. 41

O substantivo gh/ aparece 40 vezes em todo o evangelho, contando seus derivados. Em 2.6 a

palavra tem a mesma ênfase geográfica, numa citação em discurso indireto, porém na forma vocativo.

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usa gh/ para ambas as cidades e Stendhal nomeia isso de “monotonia semítica”42, no

entanto, para Beaton a preocupação de Mateus transcenderia essa “monotonia”,

mas o uso duplo de gh/ poderia sugerir até uma teologia da terra.43 A LXX também

faz uso de gh/ em Isaías (1.2; 8.9, 22; 9.18; 11.4; 14.9, 21; 16.1; 18.1, etc); cw,ra é

traduzido de maneira mais específica como país, portanto é uma palavra de

significado mais amplo que gh/, que significaria simplesmente terra (veja Is 2.6-7;

7.18; 9.1 [TM]; 19.17, 19). Mas a palavra é usada intercambiavelmente num sentido

mais genérico também (veja Is 18.3).

~Y"h; %r<D<, “caminho do mar”, é traduzido tanto pela LXX como por Mateus

por o`do.n qala,sshj, “caminho do mar”. A LXX faz um estranho acréscimo, sem fonte

conhecida: oi loipoi. oi th.n parali,an katoikou/ntej, “os que restam dos moradores da

costa”. A expressão hebraica !DEr>Y:h; rb,[e, “além do Jordão”, também é traduzida de

forma exatamente igual por ambos os textos gregos: pe,ran tou/ Iorda,nou, “além do

Jordão”. A única diferença feita é do substantivo hebraico rb,[e para uma preposição

grega pe,ran, o que parece ser apenas uma adaptação. ~yIAGh; lyliG>, “Galileia dos

gentios”, é traduzida igualmente em ambos os textos gregos por Galilai,a tw/n evqnw/n,

“Galileia dos gentios/nações”. A LXX novamente faz um acréscimo que não se

encontra nem no TM nem em Mateus, ta. me,rh th/j Ioudai,aj, “uma parte de Judá”, que

destaca a Galileia como um distrito de Judá.44

No texto de Isaías 9.1 [TM] se pode observar consideráveis diferenças. A

frase do TM é %v,xoB; ~ykil.hoh;, que, literalmente, significa “aquele que andava nas

trevas”, considerando que o verbo %l;h;, “andar”, transmite um sentido de “estilo de

vida” (cf. Gn 5.24; 6.9). A metáfora de “andar nas trevas” tem sintonia com o livro de

Isaías, quando as trevas são contrastadas com a luz (cf. 2.5; 8.9-22). A LXX traduz

esse sentido com o verbo poreu,w no part. pres. médio, que tem uma carga semântica

de “proceder”. Enquanto Mateus usa o verbo ka,qhmai, “sentar”, no mesmo tempo

verbal que a LXX destacando a situação presente do povo. O verbo pode ser

compreendido como “aqueles que habitam/vivem”. As trevas dos dois textos gregos

são traduzidos no locativo, evn sko,tei, “nas trevas”. A “grande luz” do TM, lAd+G" rAa,

42

STENDHAL, Krister, op. cit., p. 104. 43

BEATON, Richard, op. cit., p. 99. 44

Sobre Jordão e Galileia observar 4.25 – “E da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e dalém do Jordão numerosas multidões o seguiam”. E 19.1 – “E aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras, deixou a Galiléia e foi para o território da Judéia, além do Jordão”.

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37

recebe o adj. e subst. gregos correspondentes também nos dois textos, fw/j me,ga,

“grande luz”. A diferença está no tempo verbal. O qal perf. do TM, ha'r', “ver”, é

traduzido com o verbo o`ra,w, “ver”, no imptv. aor., 2ª pessoa, pela LXX e no ind. at.

aor., 3ª pessoa, por Mateus. Os dois textos parecem ter uma intenção evangelística

forte, porém, a LXX transmite uma agressividade maior, falando diretamente com o

leitor gentio, enquanto Mateus se ocupa mais em fazer a reminiscência dos atos de

Cristo.

Dentro do paralelismo, a segunda frase é mais enriquecida de vocabulário.

tw<m'l.c; #r<a,B. ybev.yO, “os que habitam na região da sombra da morte”. O verbo qal perf.

do TM bv;y", “habitar”, é traduzido na LXX por katoike,w no partc. pres. at., que significa

“viver, residir”. Mateus usa pela segunda vez o verbo ka,qhmai no partc. pres. médio

dat. que significa habitar/sentar/viver. O TM preocupa-se em mostrar a ação do

povo, uma vez que o verbo tem o povo como sujeito, enquanto ambos os textos

gregos destacam o estado de vida do povo.45 A expressão “terra das sombras” do

TM é traduzido tanto pela LXX como por Mateus com mais vocábulos: evn cw,ra| kai.

skia/| qana,tou, “na terra e na sombra da morte”.46 Esta é uma tradução que interpreta

o subst. tw<m'l.c; de maneira dramática, trazendo o eco da profunda tristeza desse

subst. como sendo a pior região em que uma pessoa pode se encontrar antes do

sheol (Jó 10.22; 12.22; 16.16; 24.17; 34.22; 38.17; Sl 23.4; Am 5.8).

Por fim, a última expressão do TM reitera a importância da luz: ~h,yle[] Hg:n"

rAa, “luz brilhará sobre eles”. O subst. rAa, “luz”, é traduzido pelo subst. fw/j, “luz”,

tanto pela LXX como por Mateus. O verbo Hg:n", “brilhar”, no qal perf. em 3ª pessoa é

traduzido por la,mpw, “brilhar”, na LXX no fut. at., o que provavelmente signifique a

garantia futura para aqueles que, naquele momento, estavam nas “sombras da

morte”. Mateus usa o verbo avnate,llw no aor. at., 3ª pessoa, que significa “levantar”.

Conforme já destacado acima, a LXX parece ter uma atenção mais pessoal que

Mateus, por isso o uso do pronome em 2ª pessoa, evfV u`ma/j, “sobre vocês”, ao passo

que Mateus mantém o estilo descritivo da narrativa dos atos de Cristo, usando

auvtoi/j, “a eles”. 45

O verbo ka,qhmai pode significar também “sentar” (9.9; 11.16; 20.30; 23.22; 24.3; 26.64; 27.19, 36,

61). 46

O subst. sko,toj metaforicamente negativo e moral (6.23; 8.12; 22.13; 25.30). Também

metaforicamente mais neutro (10.27; 27.45). Assim também é fw/j com conotação moral (5.14,16;

6.23; 17.2) e neutra (10.27).

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1.5. Comparação entre Mateus e Marcos

Sugere-se que o evangelho de Marcos preceda ao evangelho de Mateus e

seja uma de suas fontes principais. Em Marcos 1.14-15 o evangelista faz uma

descrição do início do ministério de Jesus sucinta em paralelo com Mateus 4.15-17:

“Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de

Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-

vos e crede no evangelho”.

1.5.1. A fonte de Mateus

Luz sugere que Mateus tomou o material de Marcos e o expandiu, usando

suas próprias técnicas e tendo os seus próprios interesses.47 Para ele Mateus é:

“literariamente uma nova concepção do evangelho de Marcos e não uma nova

concepção de Q”.48 Gundry sugere que Mateus: “edita o material de Marcos de

modo a reforçar as palavras de Jesus”.49

Torrey propôs a interpretação métrica de Mateus e de suas citações. Para

ele o evangelista traduziu o seu evangelho do aramaico para o grego50. Quanto às

citações, Mateus teria uma antologia do AT em mãos, conhecido por “Testemonies”,

e Mateus os tinha em mente o que lhe possibilitou fazer as citações de memória.51

Kilpatrick sugere três fontes para Mateus, Marcos, Q e M. A fonte Q são os discursos

comuns aos três evangelhos sinóticos enquanto a fonte M refere-se à tradição de

discursos peculiar a Mateus. Essa hipótese provém das comparações entre

vocábulos e sintaxes de Mateus com Marcos e as narrativas da infância de Lucas.

Seu argumento se baseia especialmente nas cinco citações de Mateus da narrativa

da infância de Jesus.52

É mais crível e de maior aceitação a precedência de Marcos. A hipótese da

fonte Q tem ampla aceitação, pois o grande objetivo é descobrir, segundo Carson,

“como Mateus mudou Marcos”, além disso, esta a hipótese é “suficientemente crível

47

Ver LUZ, Ulrich, Matthew 1–7: A Commentary, trad. Wilhelm C. Linss, Minneapolis, Augsburg, 1989, p. 73-76. De maneira especial, Luz destaca que há uma preocupação central com a Cristologia do Filho do Homem, proveniente especialmente da fonte Q, p. 74. 48

Ibid., p. 75. 49

GUNDRY, Robert H., Matthew, p. 599. 50

Veja TORREY, Charles Cutler, Documents of primitive church, New York, 1941, p. 41-90. 51

Ibid., p. 44-45. 52

Veja KILPATRICK, G.D., The origins of the gospel according to Saint Matthew, Oxford, At the Clarandon Press, 1946, 59-100. De igual modo veja BEATON, R., op. cit., p. 17-30.

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para que não hesitemos em falar das mudanças, adições e omissões de Mateus em

relação a Marcos”.53

Tanto Mateus quanto Marcos apresentam Jesus como um protagonista

inconsciente do que está acontecendo. De maneira exclusiva, Mateus acrescenta a

citação de Isaías como parte do plano de Deus de cumprimento, não apenas para

mostrar que Jesus cumpria o AT, mas também que ele deveria estar justamente na

“Galileia dos gentios”. Não é peculiaridade de Mateus, mas é ênfase de seu

evangelho apresentar a preocupação que o Senhor Jesus teve com os gentios.

1.5.2. O comum uso de Isaías

O evangelho de Marcos não faz citações na mesma extensão e número que

Mateus e nem com a mesma formalidade, isto é, com o uso da fórmula introdutória

(“a fim de que se cumprisse o que foi dito mediante o profeta Isaías”), no entanto ele

o cita duas vezes (Mc 1.2; 7.6) e a primeira é ainda mais significativa: “Conforme

está escrito na profecia de Isaías: Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro,

o qual preparará o teu caminho”.

A localização de início desta citação sugere, no mínimo, que Marcos, bem

como Mateus, compreendia que em Cristo as profecias de Isaías estavam se

cumprindo. Mas, além disso, conforme a sugestão de Hooker, parece que esta seja

uma citação para explicitar um propósito programático do ministério de Jesus:

Que o livro de Isaías foi de particular importância para Marcos parece claro, pois ele começa o seu “Evangelho sobre Jesus Cristo” com uma citação que ele atribui a Isaías. É, aliás, a única citação ‘editorial’ em todo o evangelho, uma vez que as citações que ele usa em outros lugares são sempre atribuídas a uma das características na história, normalmente do próprio Jesus... Parece, então, que esta citação de abertura é entendida por Marcos como programática: a chave para o entendimento do seu ‘Evangelho’ – ou ‘Boas Novas’ – deve ser encontrado no livro de Isaías.

54

Segue abaixo um quadro demonstrativo das semelhanças específicas entre

Mateus, Marcos e Isaías da LXX, cuja tradução é do próprio autor. O critério

sugerido neste quadro é crescente, seguindo o evangelho de Mateus como

referência.

53

CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 33. 54

HOOKER, Morna D., “Isaiah in Mark’s Gospel”, in: MOYISE, Steve and MENKEN, Maarten J.J., Isaiah in the New Testament, London, T&T Clark, 2005, p. 35. Veja também MOYISE, Steve, Evoking Scripture, London, T&T Clark, 2008, p. 6-20.

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40

MATEUS MARCOS ISAÍAS LXX

13.14-15: kai. avnaplhrou/tai auvtoi/j h` profhtei,a VHsai<ou h` le,gousa\ avkoh/| avkou,sete kai. ouv mh. sunh/te( kai. ble,pontej ble,yete kai. ouv mh. i;dhteÅ 15 evpacu,nqh ga.r h` kardi,a tou/ laou/ tou,tou( kai. toi/j wvsi.n bare,wj h;kousan kai. tou.j ovfqalmou.j auvtw/n evka,mmusan( mh,pote i;dwsin toi/j ovfqalmoi/j kai. toi/j wvsi.n avkou,swsin kai. th/| kardi,a| sunw/sin kai. evpistre,ywsin kai. iva,somai auvtou,jÅ Trad: vocês ouvirão com os

ouvidos e de nenhum modo entenderão; e verão com os olhos e de modo nenhum perceberão. Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam

por mim curados.

4.12: i[na ble,pontej ble,pwsin kai. mh. i;dwsin( kai. avkou,ontej avkou,wsin kai. mh. suniw/sin( mh,pote evpistre,ywsin kai. avfeqh/| auvtoi/jÅ Trad: a fim de que vendo, eles

vejam e não vejam, e ouvindo, eles ouçam e não ouçam, para que não venham a retornar e haja perdão para eles

6.9-10: kai. ei=pen poreu,qhti kai. eivpo.n tw/| law/| tou,tw| avkoh/| avkou,sete kai. ouv mh. sunh/te kai. ble,pontej ble,yete kai. ouv mh. i;dhte evpacu,nqh ga.r h` kardi,a tou/ laou/ tou,tou kai. toi/j wvsi.n auvtw/n bare,wj h;kousan kai. tou.j ovfqalmou.j auvtw/n evka,mmusan mh,pote i;dwsin toi/j ovfqalmoi/j kai. toi/j wvsi.n avkou,swsin kai. th/| kardi,a| sunw/sin kai. evpistre,ywsin kai. iva,somai auvtou,j Trad: vocês ouvirão com os

ouvidos e de modo algum entenderão, e verão com os olhos e de modo algum perceberão; porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os seus olhos, para não acontecer que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados.

24.29: Euvqe,wj de. meta. th.n qli/yin tw/n h`merw/n evkei,nwn o h[lioj skotisqh,setai( kai. h` selh,nh ouv dw,sei to. fe,ggoj auvth/j( kai. oi` avste,rej pesou/ntai avpo. tou/ ouvranou/( kai. ai` duna,meij tw/n ouvranw/n saleuqh,sontaiÅ Trad: Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados.

13.24-25: VAlla. evn evkei,naij tai/j h`me,raij meta. th.n qli/yin evkei,nhn o h[lioj skotisqh,setai( kai. h` selh,nh ouv dw,sei to. fe,ggoj auvth/j( kai. oi` avste,rej e;sontai evk tou/ ouvranou/ pi,ptontej( kai. ai duna,meij ai` evn toi/j ouvranoi/j saleuqh,sontaiÅ Trad: Mas, naqueles dias, depois daquela tribulação, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua iluminação; e as estrelas cairão do céu e os poderes do céu tremerão

13.10: oi ga.r avste,rej tou/ ouvranou/ kai. o VWri,wn kai. pa/j o` ko,smoj tou/ ouvranou/ to. fw/j ouv dw,sousin kai. skotisqh,setai tou/ h`li,ou avnate,llontoj kai. h` selh,nh ouv dw,sei to. fw/j auvth/j Trad: porque as estrelas do céu e o Órion, e todo o cosmos do céu não darão a luz e o sol escurecerá, emergindo, também a lua não dará a sua luz

15.8-9: o lao.j ou-toj toi/j cei,lesi,n me tima/|( h` de. kardi,a auvtw/n po,rrw avpe,cei avpV evmou/\ ma,thn de. se,bontai, me dida,skontej didaskali,aj evnta,lmata avnqrw,pwnÅ Trad: este povo honra-me com os lábios, o seu coração, porém, está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.

7.6-7: ~O de. ei=pen auvtoi/j\ kalw/j evprofh,teusen VHsai<aj peri. u`mw/n tw/n u`pokritw/n( w`j ge,graptai Îo[tiÐ ou-toj o lao.j toi/j cei,lesi,n me tima/|( h de. kardi,a auvtw/n po,rrw avpe,cei avpV evmou/\ ma,thn de. se,bontai, me dida,skontej didaskali,aj evnta,lmata avnqrw,pwnÅ Trad: respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías a respeito de vocês, hipócritas, como está escrito: este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos

29.13: kai. ei=pen ku,rioj evggi,zei moi o lao.j ou-toj toi/j cei,lesin auvtw/n timw/si,n me h` de. kardi,a auvtw/n po,rrw avpe,cei avpV evmou/ ma,thn de. se,bontai, me dida,skontej evnta,lmata avnqrw,pwn kai. didaskali,aj Trad: e disse o Senhor: este povo vem a mim, os seus lábios me honram e o seu coração está distante de mim, em vão me cultuam, ensinando mandamentos e doutrinas dos homens

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homens. 3.3: fwnh. bow/ntoj evn th/| evrh,mw|\ e`toima,sate th.n odo.n kuri,ou( euvqei,aj poiei/te ta.j tri,bouj auvtou/Å Trad: voz do que clama no

deserto: prepara o caminho do Senhor, façam imediatamente a sua trilha

1.3: fwnh. bow/ntoj evn th/| evrh,mw|\ e`toima,sate th.n odo.n kuri,ou( euvqei,aj poiei/te ta.j tri,bouj auvtou/ Trad: voz do que clama no

deserto: prepara o caminho do Senhor, façam imediatamente a sua trilha

40.3: fwnh. bow/ntoj evn th/| evrh,mw| e`toima,sate th.n odo.n kuri,ou euvqei,aj poiei/te ta.j tri,bouj tou/ qeou/ h`mw/n Trad: voz do que clama no

deserto: prepara o caminho do Senhor, façam imediatamente a trilha do nosso Deus

21.13: o oi=ko,j mou oi=koj proseuch/j klhqh,setai Trad: a minha será chamada casa de oração

11.17: o oi=ko,j mou oi=koj proseuch/j klhqh,setai Trad: a minha será chamada casa de oração

Is 56.7: o ga.r oi=ko,j mou oi=koj proseuch/j klhqh,setai Trad: porque a minha será chamada casa de oração

Tendo sido a profecia de Isaías de fundamental importância tanto para

Mateus como para Marcos, evidencia-se uma harmonia ainda mais significativa.

Marcos fez uso de Isaías e Mateus fez uso de Isaías e de Marcos. Essa

aproximação sugere, pelo menos, que ambos os evangelistas tinham um propósito

comum: mostrar Jesus a partir da perspectiva de Isaías.

Os cinco textos acima mostram que as fontes de Mateus foram mais do que

simplesmente ponto de partida para o desenvolvimento de seu evangelho, mas

serviram de roteiro e orientação para a escrita de seu próprio texto. Na citação em

questão fica aparente, portanto, que Marcos e Mateus associaram o local da Galileia

e a mensagem do evangelho como provenientes da profecia de Isaías.

Para compreender como Mateus fez isso, no próximo capítulo serão

abordadas quatro possíveis técnicas de interpretação das citações de Mateus e,

dentre elas, a tipologia receberá atenção no terceiro capítulo como sugestão

hermenêutica para a compreensão de Mateus 4.15-16.

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2. ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO

Neste capítulo serão consideradas quatro escolas de interpretação que

compõem parte do cenário do estudo hermenêutico do evangelho de Mateus. O

estudo dos Rolos do Mar Morto introduz as técnicas judaicas consideradas mais

relevantes para este estudo comparativo, para visualizá-las em paralelo com a

técnica tipológica observada por último e, consequentemente, aplicada no terceiro

capítulo.

As opiniões, conforme esboçadas aqui, se dividem em pelo menos quatro

opiniões divergentes: primeiro, o entendimento de que Mateus tenha feito uso de

técnicas judaicas de interpretação, o método pesher, o midrash e o gezerah shavah;

em segundo lugar, o entendimento de que a palavra profética trazia um duplo

cumprimento que contempla o tempo do profeta e um período posterior ao dele; em

terceiro lugar, uma compreensão semelhante ao duplo cumprimento, porém

sensivelmente diferente conhecido por sensus plenior, que entende residir no texto

proféticos significados mais profundos, oriundos da inspiração divina, que se

revelaram posteriormente, inconsciente ao profeta; e, por fim, em quarto lugar, a

tipologia ocupará uma parte da discussão de caráter introdutório como um possível

ângulo para interpretar o texto bíblico.

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2.1. Manuscritos de Qumran

Entre 1947 e 1956 foram descobertos mais de oitocentos pergaminhos,

chamados Pergaminhos ou Rolos do Mar Morto, em onze cavernas nas ruínas de

Kirbhat Qumran, noroeste do Mar Morto. Segundo Craig, “Os Rolos do Mar Morto

provavelmente constituem a descoberta bíblica literária relatada mais importante do

século vinte”.55 De modo geral, os estudiosos, como Himpki, sugerem que uma

comunidade tenha vivido por aquela região entre os anos 140 a.C. a 68 d.C.56

A descoberta desses pergaminhos possibilitou amplas pesquisas, tanto de

caráter bíblico, a partir dos comentários dos profetas bíblicos, como também do

contexto judaico vivido no respectivo período que atinge, de maneira especial, os

tempos de Jesus.

Uma das propostas para explicar as citações de cumprimento de Mateus,

que supostamente se aproxima do seu método, é feita pela comparação com os

RMM, com especial ênfase no Comentário de Habacuque (1QpHab). Esse

comentário apresenta a fórmula de citação pesher, que significa “interpretação,

solução”. Palavra encontrada apenas uma vez no TM, em Eclesiastes 8.1, rv,Pe (LXX

– lu,sin).57

Horgan entende o termo como “tradução” de símbolos.58 Segundo o conceito

de 1QpHab, as profecias contém mistérios não conhecidos em sua plenitude

[1QpHab 7:4]; esses mistérios seriam revelados à sua própria comunidade,

especificamente59 [1QpHab 2:9-10]; e estes só serão desvendados com a chegada

do Mestre da Justiça, um homem iluminado por Deus para dar a interpretação

correta dos textos da Escritura. Assim afirma 1QpHab 7:4-5: “o pesher desta

55

EVANS, Craig A., “From Prophecy to Testament: An Introduction”, in: EVANS, Craig A., ed., Form Prophecy to Testament: The Function of the Old Testament in the New, Massachusetts, Hendrickson, 2004, p. 13. 56

Veja HIMPKI, Chariotte, “Qumran Community”; in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, , James C., Encyclopedia of the Dead Sea Scrolls, Vol. 2, New York, Oxford University Press, 2000, p. 741-751. Veja também TREBILCO, op. cit., p. 376. 57

Cf. HORGAN, Maurya P., Pesharim: Qumran Interpretation of Biblical Books, Washington, DC, The Catholic Biblical Quarterly Monograph Series 8, 1979; HARRIS, R. Laird, ARCHER, Geason L., Jr. e WALTKE, Bruce K., org., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, tradutores: Márcio Loureiro Redondo, Luiz A.T. Sayão e Carlos Osvaldo Pinto, São Paulo, Vida Nova, 1998, p. 1248. 58

HORGAN, Maurya P., op. cit., p. 237. 59

Timothy McLay define bem essa questão: “Interpretação pesher assume que o sentido da Escritura está sendo cumprido no contexto da comunidade que está vivendo no período do fim esperado e iminente das eras”, The Use of the Septuagint in New Testament Research, Grand Rapids, Eerdmans, 2003, p. 34.

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[passagem da Escritura] diz respeito ao Mestre da Justiça, a quem Deus fez

conhecido todos os mistérios das palavras de Seus servos, os profetas”. Sobre a

maneira dinâmica de interpretação nos RMM e de modo especial em Habacuque,

Brooke comenta:

Há muitas variações no modo de interpretação profética nos rolos de Qumran, desde o mais profundo contínuo comentário, como em 1QpHab, a comentários que são pontos específicos selecionados nas seções dos profetas que eles comentam ou que justapõem textos tematicamente. Alguns textos proféticos são usados como textos-prova; outros são usados somente em alusões poéticas. Todavia, na explícita interpretação profética de Qumran o aspecto da maior parte dessas composições, que é comumente negligenciado, é o modo como o texto da Escritura age como o controlador sobre o conteúdo do comentário. Não é assim que todo o texto do Comentário de Habacuque (1QpHab) recebeu pesher sequencialmente; o comentarista está perfeitamente ciente da estrutura e propósito dos dois primeiros capítulos de Habacuque e facilmente permite que tal conhecimento influencie em sua composição.

60

Segundo Bruce, a interpretação pesher atinge o entendimento de “um

mistério concebido na mente de Deus”.61 Tanto pesher como raz, no aramaico, são

usadas de maneira equivalente no livro de Daniel, que indicam que a interpretação

correta do significado divino não pode ser compreendida até que seja dado pelo

pesher, isto é, por uma comunicação divina da profecia. Paralelamente ao método

pesher, a figura do Mestre da Justiça também é de fundamental importância. Bruce

também afirma que:

De acordo com os comentários de Qumran, Deus revelou Seu propósito aos Seus servos, os profetas, mas Sua revelação (particularmente em consideração ao tempo quando Seu propósito seria cumprido) não poderia ser compreendida até que a chave para o seu entendimento fosse colocada às mãos do Mestre da Justiça. Para ele os mistérios eram simples pela iluminação divina, e ele fez conhecido às últimas gerações o que Deus ia fazer na última geração de todos.

62

Referências quanto ao Mestre da Justiça (em hebraico Moreh Zedek)

aparecem em alguns comentários bíblicos, como o Pesher Habacuque (1QpHab),

Pesher Salmosa (1Q171), Pesher Salmosb (4Q173) e Pesher Miquéias (1Q14), e no

60

BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, Minneapolis, Fortress Press, 2005, p. 60. 61

BRUCE, F.F., “The Dead Sea Habakkuk Scroll”, in: The Annual of Leeds University Oriental Society, 1958/59, p. 6. 62

BRUCE, F.F., “Qumran and the New Testament”, in: Faith and Thought, 90.2, 1958, p. 94.

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Documento de Damasco.63 Quanto à sua identidade, o Mestre aparece nos

comentários, segundo Knibb, sempre como uma figura sombria.64 Bruce entende

que o Mestre teria surgido no período do reinado de Alexandre Jannaeus (103-176

a.C.)65 e, embora não tenha sido o fundador da comunidade de Qumran, certamente

ele foi quem fez a distinção entre o grupo judeu piedoso que se separou dos judeus

para viver no deserto.66 Esse grupo é identificado por alguns estudiosos com os

hassideus de 1 Macabeus.67

A comunidade de Qumran é identificada pela maioria dos estudiosos com os

essênios,68 grupos sectários que viviam no deserto sob rígidas leis como o celibato,

rituais de pureza e a guarda do sábado.69 Segundo Evans: “Eles vivem em

comunidades, nas vilas, evitam cidades, são frugais, modestos, pacíficos,

igualitários e respeitadores dos mais velhos” e, em geral, constituía-se em sua

maioria de pessoas mais velhas, de “fazendeiros, pastores, criadores de abelhas e

artesãos de todo o tipo. Eles constituem uma comunidade auto-suficiente. Eles

mantêm tudo em comum. Eles cuidam dos doentes”.70

A teologia dessa comunidade mantém suas raízes na fé judaica; ela cria

num único Deus, na predestinação e entendia-se como remanescente fiel, como a

verdadeira herdeira da Nova Aliança e guardava as leis num rigor maior do que os

próprios fariseus.71 Conforme Bruce:

A crença da comunidade dos tempos do Novo Testamento similarmente considerava-se como o novo Israel, ‘um remanescente,

63

Veja KNIBB, Michael A., “Teacher of Righteousness”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, op. cit., p. 918. 64

Ibid., p. 918. 65

Veja BRUCE, F.F., “Qumran and the New Testament”, p. 93-93. 66

Veja BRUCE, F.F., The Teacher of Righteousness in the Qumran Texts, London, Tyndale, 1957, p. 7. Essa separação teria ocorrido em razão da corrupção do sacerdócio e diferença de interpretação quanto aos códigos de pureza levíticos e sistema sacrificial, veja em TREBILCO, Paul R., op. cit., p. 377. O sacerdote do período provavelmente seria o “Sacerdote Perverso” encontrado nos comentários de Habacuque: “‘E a justiça não emerge como vencedora, pois o malfeitor aborda o homem íntegro’ Sua interpretação [pesher]: o malfeitor é o Sacerdote Perverso e o homem íntegro é o Mestre da Justiça”, veja em MARTÍNEZ, Florentino García, The Dead Sea Scrolls Translated, 2ª edition, Leiden, Brill, 1996, p. 198. 67

Veja TREBILCO, Paul R., op. cit., p. 377 68

Veja ibid., p. 376-377; HIMPKI, op. cit., p. 748; COLLINS, John J., The Scepter and the Star: Messianism in Litght of the Dead Sea Scrolls, 2ª ed., Grand Rapids, Eerdamans, 2010, p. 6-16. 69

Veja BEALL, Todd S., “Essenes”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, op. cit., Vol. 1, p. 262-269. 70

EVANS, Craig A., Ancient Texts for New Testament Studies: A Guide for the Background Literature, Massachusetts, Hendrickson, 2005, p. 86. 71

Veja TREBILCO, Paul R., op. cit., p. 378.

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escolhido pela graça’ (Rm 11.5), ‘uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo próprio de Deus’ (1Pe 2.9).

72

A compreensão da comunidade de Qumran a respeito de si mesma não

provinha de um conceito abstrato ou de uma visão de mundo anárquica e apática,

mas de uma interpretação comprometida com as Escrituras, conforme Brooke:

O fascínio com os Rolos do Mar Morto entre os estudiosos do Novo Testamento surgiu não apenas devido às visões messiânicas e escatológicas que podem ser encontradas em algumas composições sectárias de Qumran junto com similaridade aparente na organização comunitária e prática que explicaria vários fatores das antigas comunidades cristãs. Além disso, o que tem se levantado com a completa publicação do que sobreviveu nas cavernas de Qumran é que o caráter primordial da auto expressão religiosa daqueles que viveram em Qumran e do judaísmo do qual eles faziam parte foi a sua preocupação, mas foi muito mais ampla que a Lei apenas. A maioria das composições das cavernas de Qumran são preocupadas, de um ou de outro modo, com a transmissão das tradições escriturísticas. O assunto dominante é a transmissão e a interpretação da Escritura autoritativa.

73

Além disso, a comunidade de Qumran também tinha fortes convicções

messiânicas, partindo de três textos fundamentais:74 Gênesis 49.10,75 Números

24.1776 e Isaías 11.1-6.77 Segundo a interpretação que Trebilco, ela aguardava a

vinda de dois messias: o Messias Davídico e o Messias Araônico. Este último

instruiria o Messias Davídico no que concerne à instrução e aos julgamentos da Torá

72

BRUCE, F.F., “Qumran and the New Testament”, p. 93. 73

BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, p. xvii. 74

Veja EVANS, Craig A., “Messiahs”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, op. cit., Vol. 1, p. 538; EVANS, Craig A., “Messianic Hopes and Messianic Figures in Late Antiquity”, in: JGRChJ, 3, 2006, p. 14. 75

4Q252 I.1-7: “Não se separará um soberano da tribo de Judá. Enquanto Israel tiver o domínio, não faltará quem se assente no trono de Davi. Pois a vara é a aliança da realeza e os milhares de Israel são os pés. Até que venha o messias da justiça, a raiz de Davi. Porque para ele e para os seus descendentes foram dadas a aliança da realeza sobre o seu povo, por todas as gerações eternas, porque observou [...] a Lei com os homens da comunidade, pois [...] é a assembleia dos homens [...] Ele dá”, em MARTÍNEZ, Florentino García, Textos de Qumran, Petrópolis, Vozes, 1995, p. 256. 76

Pode ter referência em CD-A VII, frag. 3: “E a estrela é o Intérprete da lei que virá a Damasco, como está escrito: ‘Avança uma estrela de Jacó (9) e se levanta um cetro em Israel. O cetro é o príncipe de toda a congregação (10) e quando ele surgir arrasará todos os filhos de Set...”, em: ibid., p. 93; também em: 1QM XI.6-7: “Assim no-lo ensinaste desde antigamente: ‘Uma estrela sairá de Jacó, se levantará um cetro em Israel. Quebrará as têmporas de Moab, destruirá todos os filhos de Set. Descerá de Jacó, aniquilará o remanescente da cidade, o inimigo será sua propriedade, e Israel fará proezas”, em ibid., p. 149. 77

4Q161: “Sairá um broto do toco de Jessé e brotará de sua raiz um rebento. Pousará sobre ele o espírito do Senhor: espírito de prudência e sabedoria, espírito de conselho e valentia, espírito de conhecimento e temor do Senhor, e seu prazer estará no temor do Senhor... A interpretação da citação se refere ao rebento de Davi que brotará nos dias futuros, posto que com o alento de seus lábios executará os seus inimigos e Deus sustentará com o espírito de valentia [...] trono de glória, coroa santa e vestes bordadas [...] em sua mão. Dominará sobre todos os povos e Magog [...] sua espada julgará todos os povos”, ibid, p. 226-227.

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e também no exercício de deveres sacerdotais.78 Evans, por outro lado, entende que

a diarquia dos documentos de Qumran reflete apenas a diarquia de Israel.79 Para

Collins a discussão maior, na realidade, não é se existem um ou mais messias, mas

como muitos textos envolvem a presença de outra figura de autoridade de igual ou

maior poder do que o messias davídico,80 entretanto, observando os documentos

4Q285,81 1QSb, Florilegium 1:1182 e CD 7.1883 ele conclui que, de fato, a

compreensão messiânica se bifurca entre um messias real e outro sacerdotal.84

Além disso, sua tese principal que merece destaque é sua compreensão de quatro

distintos gêneros de messias que os documentos de Qumran podem acusar: real,

sacerdotal, profético e o messias celestial.85 De qualquer maneira, os documentos

de Qumran apresentam tanto o epíteto “ungido de Arão”, como o “ungido de Israel”.

Evans também classifica dois tipos diferentes de textos messiânicos de

Qumran, que seriam:

os textos sectários, que evidentemente revelam o que os homens da Nova Aliança anteciparam, e os outros textos, que são não-sectários, ou pelo menos não-qumrânicos em origem, que provavelmente nos contam sobre as visões de outros judeus e grupos judaicos de várias partes da Palestina.

86

78

Veja TREBILCO, Paul R., op. cit., p. 379. Collins considera que a discussão do messianismo judaico a partir dos RMM ainda não foram integrados adequadamente nos estudos messiânicos que contemplam tanto o AT como os Pseudopígrafos do AT, veja em COLLINS, John J., op. cit., p. 6. 79

Veja EVANS, Craig A., “Messiahs”, op. cit., p. 539-540; e “Messianic Hopes and Messianic Figures in Late Antiquity”, p. 27-28. 80

Veja Collins, John J., op. cit., p. 81. 81

“Sairá um rebento do toco de Jessé [...] o broto de Davi entrará em conflito com [...] e o matará o Príncipe da Congregação, o broto de Davi [...] e com feridas. E um sacerdote ordenará [...] a destruição dos Kitim”, em: MARTÍNEZ, Florentino García, Textos de Qumran, p. 168. 82

“‘Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho’. Isto se refere ao broto de Davi que se erguerá com o Intérprete da lei”, ibid., p. 177. 83

“E a estrela é o Intérprete da lei”, ibid., p. 80. 84

Collins, John J., op. cit., p. 82-83. 85

Ibid., p. 18. 86

EVANS, Craig A., “Messianic Hopes and Messianic Figures in Late Antiquity”, p. 25. Ele cita, por exemplo, 4Q521: “pois os céus e a terra ouvirão o seu Messias e tudo neles não se afastará dos santos preceitos. Seja encorajado, vocês que estão procurando o Senhor em seu serviço! Talvez vocês não encontrarão o Senhor ali, todos aqueles que esperam em seu coração? Pois o Senhor observará o devoto e chamará apenas pelo nome e sobre os pobres ele colocará o seu espírito, e renovará os fiéis com seu poder. Porque ele honrará o piedoso sobre o trono da eterna realeza, libertando os prisioneiros, dando vista aos cegos, endireitando o torto. Sempre me agarrarei àqueles que esperam. Em sua misericórdia, ele julgará e de ninguém os frutos de boas obras será adiado e o Senhor realizará atos maravilhosos, tais como nunca existiram, assim ele disse, pois ele curará o gravemente enfermo e fará o morto vivo, ele proclamará boas novas aos mansos, dará generosamente aos necessitados, conduzirá os exilados e enriquecerá o faminto”, veja em MARTÍNEZ, Florentino García, The Dead Sea Scrolls Translated, p. 394.

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No mesmo artigo Evans compreende que a característica mais distintiva do

Messias de Qumran seria a sua proximidade com o sacerdócio restaurado.87 Ao que

parece, é difícil elaborar uma teologia messiânica a partir dos textos de Qumran,

uma vez que as informações não são abundantes e nem uniformes. No entanto, há

suficiente material para mostrar que esta era uma das expectativas importantes

daquela comunidade. Sobre isso Collins pontua:

A descoberta dos Rolos do Mar Morto expande consideravelmente o corpus de relevante literatura para o estudo do messianismo. O número de ocorrências de xyvm, messias, em suas várias formas não é

grande, mas ela ilustra bem a gama de referências do termo. Um dos primeiros rolos publicados, Regra da Comunidade, refere-se à vinda do “profeta e messias de Arão e Israel” (1QS 9:2), e assim testifica a expectativa de pelo menos dois messias, um sacerdotal e outro real. Uma vez que xyvm também é usado no plural com referência aos

profetas (CD 2:9; 1QM 11:7), e o rolo de Melquisedeque (11QMelquisedeque) identifica o “arauto” de Isaías 52.7 como “o ungido do espírito” (xwrh xyvm, cf. CD 2:9), é possível que o profeta

também seja uma figura messiânica. Os Rolos, portanto, indicam uma grande diversidade de expectativa messiânica no judaísmo, por volta da virada da era mais do que era aparente antes de sua descoberta.

88

Ele também alerta sobre a escassez de subsídios para concluir a

abrangência da expectativa messiânica nesse período:

Nós não podemos, assim, estar certos do quão espalhada a expectativa messiânica era. Nossas fontes não nos permitem falar com confiança sobre a maioria do povo judeu. É possível, no entanto, mostrar que algumas ideias tiveram ampla distribuição e eram correntes em linhas sectárias.

89

Por isso, uma concentração inicial a possíveis comparações entre Mateus e

os RMM se faz necessária devido a um frutuoso e crescente interesse que tem

havido em apresentar possíveis convergências entre as formas de citação de

Mateus e de Qumran. Assim, Martínez apresenta uma otimista perspectiva de

estudo:

87

EVANS, Craig A., “Messianic Hopes and Messianic Figures in Late Antiquity”, p. 27. 88

COLLINS, John J., op. cit., p. 16. Mais à frente ele também diz: “O messianismo dos Rolos é um assunto complexo, cujo estudo é impedido por um número de fatores. Um deles é a falta de datas concretas para firmar a composição de documentos individuais, com o resultado de que teorias de desenvolvimento com os Rolos são hipóteses inevitáveis. Outra é a incerteza sobre até que ponto os Rolos constituem um corpus coerente, e se documentos específicos devem ser considerados como sectários, no sentido de se são aplicáveis à Regra da Comunidade. Em matéria de coerência, é necessário proceder indutivamente, e notar as correspondências que de fato existem entre os vários textos. Há também o perene problema de terminologia. A palavra xyvm pode se referir a profetas e sacerdotes, bem como a reis, e a figuras do passado ou do futuro”, p. 62. 89

Ibid., p. 18.

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O Novo Testamento e os Rolos do Mar Morto são o produto de dois similares movimentos reformistas judaicos, ambos guiados por um forte líder carismático, ambos interpretando a Escritura de uma forma atualizada, aplicando suas profecias à sua presente situação, ambos com fortes expectativas escatológicas, cujos membros compartilhavam a convicção que eles eram o remanescente escolhido do verdadeiro Israel, a Nova Aliança do fim dos dias. Portanto, a esperança que os manuscritos encontrados nas cavernas entre 1947 e 1956 poderiam iluminar as origens do antigo Cristianismo e a formação do Novo Testamento foram lógicos e bem fundamentados, de fato.

90

2.2. Mateus e Qumran

Algumas aproximações poderiam ser sugeridas entre a comunidade de

Qumran e a de Mateus, a partir de semelhanças inegáveis entre ambas. Uma

dessas semelhanças que despertam o interesse é a descoberta do fragmento

4QBem-aventuranças (4Q525)91 que muito se assemelha às bem-aventuranças do

sermão do monte, em Mateus 5.1-12. Brooke não nega que a comunidade de

Mateus tivesse essênios presentes: “Alguns dos judeus cristãos na comunidade de

Mateus poderiam ter sido essênios, em algum momento; o eco de seus escritos e

sistema de valores pode ser uma tentativa de mostrar como eles deveriam encontrar

o seu lugar na comunidade”.92 Mas essa aproximação precisa de cautela:

Qualquer suposta influência dos essênios nos ensinos de Jesus podem ser explicada como a última influência dos essênios sobre a segunda geração de cristãos que tentaram recordar os feitos e os ditos de Jesus; a influência dos essênios sobre os autores do Novo Testamento foi uma leitura retroativa para as camadas antigas das tradições. Por outro lado, esta visão promove algum sentido satisfatório da reconstrução histórica dominante, que localiza principalmente Jesus na Galileia e foca sua mensagem de inclusão e imediatismo do reino de Deus; a influência das ideias nos Rolos do Mar Morto é vista como mínima. Por outro lado, esta aproximação preserva convenientemente muito da distinção da mensagem de Jesus e sua provável autocompreensão.

93

90

MARTÍNEZ, Florentino García, “Qumran Between the Old and the New Testament”, in: MARTÍNEZ, Florentino García, ed., Echoes from the Caves: Qumran and the New Testament, Leiden, Brill, 2009, p. 1-2. 91

“(1) Bendito aquele que diz a verdade com um coração puro, e não calunia com sua língua Benditos os que se apegam às suas leis (2) e não se apegam a caminhos perversos.

Benditos os que se regozijam nela, e não investigam em caminhos loucos. (3) Benditos os que a buscam com mãos puras, e não a solicitam com coração traidor. Bendito o homem que alcança a Sabedoria, (4) e caminha na lei do Altíssimo, e aplica seu coração a caminhos, e se obriga à sua disciplina, e em suas correções se compraz sempre; (5) e não a abandona na aflição de seus males, e no tempo da angústia não a despreza, e não a esquece nos dias de espanto, (6) e na aflição de sua alma não a aborrece. Pois sempre pensa nela, e em seu mal ele medita a lei”. Em MARTÍNEZ, Florentino García, Textos de Qumran, trad. Valmor da Silva, Petrópolis, Vozes, 1995, p. 441-442.

92 BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, p. 232.

93 Ibid., p. 24-25.

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E mais à frente:

Ademais, Jesus foi da Galileia e aparentemente de inferior status de artesão; os rolos de Qumran pertenciam a uma elite sacerdotal educada e predominantemente sacerdotal, cujo foco principal foi Jerusalém. Jesus pregou uma mensagem de inclusão e provavelmente comia regularmente com muitos judeus marginalizados; os essênios de Qumran estavam entre aqueles mais preparados para manter a pureza por meio de regras rígidas de exclusão. Assim, por razões geográficas, sociológicas e teológicas Jesus pode ser distanciado dos coletores e autores dos Rolos do Mar Morto.

94

2.2.1. Método pesher

Um estudo de aproximação entre o evangelho de Mateus e os RMM tem

despertado interesse a algum tempo entre os estudiosos, como Stendhal e

Lindars,95 e também em pesquisas mais recentes.96 Esse interesse deve-se pela

quantidade considerável de citações do AT encontradas em Mateus e sua

semelhança com as citações pesher dos documentos de Qumran.

Stendhal defende que Mateus herdou o método pesher, do qual depende o

entendimento de suas citações.97 Segundo ele: “A ênfase de Mateus sobre as

profecias do AT é designado para mostrar que a missão de Jesus não foi nem por

acaso nem por capricho, mas foi parte de um todo bem ordenado e divinamente pré-

arranjado”.98 Para ele, Mateus estava dominado pela perspectiva apocalíptica de

cumprimento: “A ideia apocalíptica de cumprimento e a atualização da profecia

constitui para ele a ligação entre os Rolos do Mar Morto e o NT. Ele não está

94

Ibid., p. 25. 95

Veja STENDHAL, Krister, The School of Matthew; “The Scrolls and the New Testament: an introduction and a perspective”; in op. cit.; LINDARS, Barnabas, The New Testament Apologetic, London, SCM, 1961; ELLIS, E. E., “How Jesus interpreted his Bible?”, CTR, 1989; “Midrash, targum and the New Testament”, in: ELLIS, E. Earle, ed., Neotestamentica et semitica: studies in honour of Matthew Black, Edinburgh, T&T Clark, 1969. 96

Veja KIRK, J. R. Daniel, “Conceptualising Fulfilment in Matthew”, in: TynBull, 59/1, 2008; SHEDINGER, Robert F., “Must the Greek Text Always be Preferred? Versional and Patristic Witness to the Text of Matthew 4:16”, in: JBL 123/3, 2004; ITO, Akio, “Matthew and the Community of the Dead Sea Scrolls”, in: JSNT, 48, 1992; BEATON, Richard, op. cit., p. 49-85. Outros estudos que não tratam especificamente de Mateus, mas do uso do Novo Testamento em geral também merecem atenção como LONGENECKER, R. N., “Can We Reproduce the Exegesis of the New Testament?”, TynBull, 21, 1970; MOULE, C. F. D., “Fulfillment-words in the New Testament: Use and Abuse”, NTS, 14, 1967-68; PORTON, Gary G., “Exegetical Techniques in Rabbinic Literature”, in: RRJ, 7, 2004. 97

Cf. STENDHAL, Krister, op. cit., p. 191-192. Segundo ele, Mateus poderia ter uma coleção de citações do AT (p. 6). Esta tese ele defende pelo pressuposto que Mateus fez uso desse “arranjo editorial” de cinco discursos e da fonte Q. O problema de sua defesa é que sua tese compromete o entendimento de todo o evangelho em cima de muita especulação. 98

Ibid., p. 90.

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preocupado com os problemas de desvios nas citações do NT”.99 Ele também

observa uma preocupação prática no evangelho: “Em suas fórmulas de citação

contêm material do tipo pesher, que foi direcionado para a teologia e ensino da

igreja”.100 Bruce assevera sobre a própria expectativa de Qumran em termos

semelhantes: “Pois, a comunidade de Qumran acreditava que os profetas falaram do

tempo do fim mais do que dos dias que eles mesmos viveram”.101

Sobre a relação entre Jesus e os RMM Stendhal pontua em outro lugar:

A questão não é se Jesus planejou ser um mestre, um rabino, para o aumento do discernimento religioso e da qualidade moral de vida ou se ele pensou de si mesmo como o Messias, o Filho de Deus. As duas reais alternativas agora formam totalmente o âmbito da promessa e cumprimento: ele foi o Messias ou somente o seu precursor, o profeta que veio anunciar que o reino estava próximo? É à luz desta alternativa que a ideia messiânica dos textos de Qumran se tornaram paralelos significativos. O Mestre da Justiça parece ter sido o fundador da seita de Qumran. Ele certamente foi mais do que um “mestre”, ele foi quem tinha recebido autoridade para revelar “o final completo que não foi feito conhecido ao próprio profeta Habacuque” (1QpHab 7.1s).

102

Então, Stendhal identifica o Mestre da Justiça com o Messias: “Os eventos

messiânicos tem começado a acontecer de uma maneira antecipada; a comunidade

é a manifestação do Novo Pacto da Nova Era Vindoura. O Mestre da Justiça não foi

e não é, mas retornará como o Messias”.103 Para Stendhal, o estudo de

missianologia dos documentos rabínicos e da cristologia neotestamentária é idêntico

no que se refere às “raízes, profecias e conceitos”.104

Abaixo serão feitas algumas considerações referentes a possíveis técnicas

de interpretação que Mateus possa ter utilizado para compreender o texto de Isaías,

enquanto aqui já será antecipada uma consideração sobre o já introduzido método

pesher, o mais saliente na órbita dos estudos de Qumran. Paralelo ao método

pesher considera-se igualmente importante observar possíveis semelhanças e

divergências entre os dois personagens mais proeminentes tanto de Qumran, o

Mestre da Justiça, como do NT, ou de Mateus, que é Jesus Cristo.

99

Ibid., p. 195. 100

Ibid., p. 195-196. 101

BRUCE, F.F., The Teacher of Righteousness in the Qumran Texts, London, Tyndale, 1957, p. 10. Ver também BRUCE, F.F., “Qumran and the New Testament”, p. 93. 102

STENDHAL, Krister, “The Scrolls and the New Testament: an introduction and a perspective”; in STENDHAL, Krister, op. cit., p. 12. 103

Ibid., p. 12-13. 104

Ibid., p. 17.

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No que se refere ao método pesher observa-se que não existe uniformidade

entre os exegetas do NT e de Qumran. Ito, por exemplo, embora consciente do

debate existente entre as opiniões, formaliza a sua própria, entendendo que não

apenas o método de interpretação de Mateus e Qumran são o mesmo, pesher,

como também compreende que ambos viviam no mesmo ambiente apocalíptico:

Falando de um modo geral, desse paralelo nós podemos ser justificados em categorizar tanto Mateus como os RMM como apocalípticos. Nessa conexão, a similaridade entre a exegese pesher dos RMM e do uso que Mateus faz da Bíblia Hebraica é significativa. Certamente devemos estar cientes do debate sobre a matéria de definição e do relacionamento entre os RMM e o movimento apocalíptico.

105

E sua tese é de que realmente tanto Mateus quanto Qumran viviam em um

mesmo ambiente e com fortes e semelhantes tendências apocalípticas:

Eu irei para mais do que uma questão de possibilidade de um relacionamento indireto entre Mateus (e sua igreja) e a comunidade dos RMM, apesar de os possíveis paralelos entre Mateus e os RMM, pois não podemos encontrar nada em Mateus distintivamente diferente do RMM. É mais provável que Mateus (e sua igreja) e a comunidade dos RMM pertençam a um fluxo amplamente apocalíptico do judaísmo de seu tempo.

106

De fato, é praticamente inegável que se possa estabelecer uma semelhança

na maneira que Mateus e Qumran fazem citações do AT, porém, deve-se atentar em

não concluir dependência literária sem considerar também as divergências entre

ambas as obras. Sobre essas possíveis semelhanças e diferenças entre as duas

literaturas Kampen diz:

Enquanto a fórmula empregada nas duas literaturas seja diferente, há uma boa dose de similaridade entre seus interesses e técnicas interpretativas. Essas citações se parecem com a literatura pesher em seu interesse comum nas questões relacionadas entre escatologia e os eventos narrados no texto. O pesharim, entretanto, empregam versos bíblicos como o ponto de partida do argumento seguido por uma explanação exegética, enquanto o autor de Mateus emprega o verso como uma explanação (ou justificação) para a narrativa ou afirmação precedente.

107

105

ITO, Akio, “Matthew and the Community of the Dead Sea Scrolls”, in: JSNT, 48, 1992, p. 35. Ele também reconhece importantes e insolúveis diferenças entre ambas comunidades: 1) diferença de calendário; 2) diferença entre companheiros judeus era sua recusa a participar do culto do templo; 3) diferença de interpretação da lei, p. 35-36. 106

Ibid., p. 24-25. 107

KAMPEN, John I., “The Gospel of Matthew”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, , James C., op. cit., Vol. 1, p. 527-528.

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53

Contra a ideia de uma semelhança absoluta entre os métodos exegéticos das

duas literaturas, Brooke entende que: “As ligações entre os Rolos do Mar Morto e o

Novo Testamento são mais provavelmente indiretos”.108 Ele não nega que possa

haver essa aproximação, mas ele afasta a concepção de dependência literária: “Aqui

nós não deveríamos procurar por dependência literária, mas por sensibilidade

intertextual como o melhor entendimento de um texto que ilumina o outro”.109 De

modo mais específico, no que se refere ao comentário de Habacuque, usado para

identificar o uso do AT feito pelo NT, Brooke adverte ao modo geral em que o

comentário é utilizado como modelo de interpretação para os textos do NT,

chamando à atenção aos variados modos que essa interpretação ocorre:

Há muitas variações no modo de interpretação profética nos rolos de Qumran, desde o mais profundo contínuo comentário, como em 1QpHab, a comentários que são pontos específicos selecionados nas seções dos profetas que eles comentam ou que justapõem textos tematicamente. Alguns textos proféticos são usados como textos-prova; outros são usados somente em alusões poéticas. Todavia, na explícita interpretação profética de Qumran o aspecto da maior parte dessas composições, que é comumente negligenciado, é o modo como o texto da Escritura age como o controlador sobre o conteúdo do comentário. Não é assim que todo o texto do Comentário de Habacuque (1QpHab) recebeu pesher sequencialmente; o comentarista está perfeitamente ciente da estrutura e propósito dos dois primeiros capítulos de Habacuque e facilmente permite que tal conhecimento influencie em sua composição.

110

Mais à frente ele aplica essa cautela como necessária na interpretação do

NT:

Não há nada desse tipo de interpretação encontrado no Novo Testamento, quando o uso explícito da profecia depende em grande parte da aplicação de textos-prova para questões que são baseadas em algumas outras razões... Além disso, esta influência controladora da Escritura no pesharim precisa ser enfatizada, até porque muitos comentaristas do Novo Testamento têm sido tentados a descrever a atividade interpretativa de muitos autores do Novo Testamento como tipo-pesher. Isso pode ser colocado simplesmente assim: no pesher a primazia ou a base escriturística sempre precede a interpretação; no Novo Testamento, tal como nas narrativas da infância de Mateus ou no uso dos salmos nas narrativas da paixão, o texto escriturístico, no modo como a narrativa é apresentada, segue após o evento.

111

108

BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, p. xviii. Ele ainda chega a afirmar mais à frente: “Os rolos muito tem nos ajudado a ver o judaísmo do Novo Testamento em todos os níveis, mas eles não proveem o material fonte que os estudiosos frequentemente procuram”, p. 13. 109

Ibid., p. 16. 110

Ibid., p. 60. 111

Ibid., p. 60.

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54

Portanto, conquanto seja irrefutável observar similaridades entre Mateus e

Qumran, também é bastante suspeito e questionável sugerir qualquer dependência

literária. Assumir que Mateus e os discípulos de Jesus viveram em um contexto

religioso, literário e filosófico semelhante ao dos essênios, ou o que ainda havia

deles, e que até poderiam ter pensamentos muito próximos é bem diferente de

alegar que houvesse fluxo de ideias que os tornassem dependentes ou iguais um ao

outro, no que se refere às fontes e ao propósito de seus escritos.

2.2.2. Jesus e o Mestre da Justiça

Além do paralelo entre as citações, é inevitável observar o paralelo entre o

Mestre da Justiça e Jesus. Não se propõe neste trabalho uma continuação ou

dependência um do outro, todavia alguns estudiosos fazem essa comparação,

especialmente no que se refere ao uso que ambos fazem do AT. O uso que o

Mestre fazia das Escrituras, no entanto, segundo Bruce não se limitava a

interpretação bíblica:

Parece, portanto, que, aos seus discípulos, ele não se limitou a ir a eles somente com lições de exegese bíblica, mas tomou medidas enérgicas para colocar sua instrução na prática, acreditando que ali estava a sua salvação, diante do dia da divina visitação que estava rapidamente se aproximando.

112

A firmeza e o rigor do ensino das Escrituras o caracterizavam: “Agora, o

Mestre da Justiça e seus discípulos não eram fariseus. Eles mantinham uma

interpretação mais estrita da lei e uma severa disciplina, do que os fariseus

faziam”.113 Outro fator é o entendimento da parte das duas comunidades quanto a

estarem vivendo em um período de expectativa escatológica, de modo que

interpretavam as Escrituras de maneira apocalíptica e imediata, mas até mesmo nas

possíveis comparações, Ulgard chama à atenção:

Seus seguidores [do Mestre da Justiça] herdaram seu modo escatológico de interpretar as Escrituras de um modo atualizado, aplicando suas profecias a eles mesmos e à sua situação contemporânea, baseados na convicção de que eles eram o verdadeiro remanescente escolhido de Israel, a Nova Aliança do Fim dos Dias... Na comparação de Jesus e sua reforma judaica com o Mestre da Justiça e sua comunidade, penso que devemos estar cientes das óbvias similaridades entre esses dois expoentes da

112

BRUCE, F.F., The Teacher of Righteousness in the Qumran Texts, p. 12. 113

Ibid., p. 25.

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ideologia judaica em uma situação de crise interna e externa. Entretanto, não seria correto colocar a ênfase sobre a comparação das duas figuras fundadoras, ou considerar o movimento de Jesus como uma simples cópia da preexistente comunidade de Qumran.

114

Bruce também destaca uma fundamental diferença entre ambos: “Fé no

Mestre da Justiça implicava principalmente crença em seu ensino; enquanto a fé

salvadora em Jesus, de acordo com Paulo e seus apóstolos seguidores, envolve

mais e acima disso um compromisso pessoal com Ele como Senhor e Redentor”.115

Em outro lugar ele também diz:

Aqui, então, temos um importante ponto de semelhança entre o fundador da comunidade de Qumran e o fundador da comunidade cristã, em que cada transmissão feita à comunidade que ele encontrou seus princípios distintivos de exegese do Antigo Testamento. Mas todo tempo que nós observamos uma semelhança entre os dois fundadores, ou as duas comunidades, nós observamos um contraste dentro da similaridade; e tal contraste é aparente aqui. Para os antigos cristãos, Jesus foi o tema central da revelação do Antigo Testamento, que realmente encontra o seu cumprimento Nele. Mas para os sectários de Qumran o Mestre da Justiça, enquanto ele certamente foi um objeto da profecia do Antigo Testamento, não o seu objeto central; a profecia do Antigo Testamento estendeu-se além dele para o seu cumprimento. Pois Jesus apareceu aos Seus seguidores como o Messias, para todos os profetas que deram testemunho (Jo 5.39; At 10.43); o Mestre da Justiça, apesar da grande veneração com que seus seguidores o consideravam, não era o Messias – nem algum Messias. Ele foi para ele, preeminentemente, simplesmente o que eles o chamaram – Mestre da Justiça.

116

Portanto, ainda que o Mestre da Justiça estivesse inserido em um contexto

de expectativa messiânica efervescente e que o próprio Jesus seja caracterizado

como o prometido de Deus nos escritos do NT117 e em Mateus, ainda assim não

parece provável haver grandes e irrefutáveis similaridades entre ambos.118

114

ULFGARD, H kan, “The Teacher of Righteousness, The History of the Qumran Community, and our Understanding of the Jesus Movement: Texts, Theories and Trajectories”, in: CRYER, Frederick H. and THOMPSON, Thomas L., Qumran Between the Old and New Testaments, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1998, p. 344. 115

BRUCE, F.F., The Teacher of Righteousness in the Qumran Texts, p. 29. 116

BRUCE, F.F., “Qumran and the New Testament”, p. 95. 117

“Este fragmento de papiro [4Q521], em particular, presta importante suporte à afirmação de que Jesus realmente entendeu a si mesmo em termos messiânicos”, em EVANS, Craig, “The Dead Sea Scrolls and the Jewishness of the Gospels”, in: Mishkan, 44, 2005, p. 6. 118

Young afirma enfaticamente sobre essa comparação: “Esse Mestre parece ter sido um profeta, e aquele a quem Deus tinha revelado os segredos dos profetas. Jesus Cristo, por outro lado, foi um Mestre único. Ele não falou como fizeram os profetas; Ele falou em Seu próprio direito, e nunca um homem falou como Ele. Ademais, Jesus Cristo é o Filho do Homem, identificando-Se com a Figura Celestial do livro de Daniel. E Jesus Cristo morreu a morte em obediência à vontade de Seu Pai, uma morte, através da qual, nosso grande Sumo Sacerdote, trouxe um sacrifício que satisfaria as exigências da Lei. Nada que sequer remotamente se assemelhe a esses fatos pode ser dito sobre o

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2.3. A técnica de interpretação de Mateus

Deve-se afirmar que, de fato, não há consenso sobre o uso que Mateus faz

do AT e a primeira e maior dificuldade é o fato de os próprios autores do NT não nos

terem deixado uma fórmula de interpretação. Dan McCartney e Peter Enns estão

corretos ao afirmar que não temos no NT uma explanação exata da metodologia dos

apóstolos:

É simplesmente um fato que nem Mateus ou qualquer outro escritor do NT exibe uma metodologia exegética que os direciona a perguntar primeiro qual é o sentido original do autor em seu próprio tempo – eles vão imediatamente e sem hesitação ao sentido (ou ‘significado’ para aqueles que preferem fazer a distinção de Hirsch) o texto agora tem para a audiência contemporânea à luz do cumprimento messiânico.

119

Embora muitas dúvidas permaneçam insolúveis é possível uma aproximação

do modo como o evangelista olhava para o AT, conforme Ellis: “As variações, então,

tornam-se uma importante chave para descobrir não apenas a interpretação do

escritor de uma passagem individual do Antigo Testamento, mas também sua

perspectiva sobre o Antigo Testamento como um todo”.120

2.3.1. Exegeses judaicas

A possibilidade de encontrar exegese judaica nos textos do NT é uma das

mais defendidas e preferidas por muitos estudiosos do NT. Pela relevância dessa

abordagem observam-se aqui dois métodos que são mais importantes para a

concentração no evangelho de Mateus, o midrash haggadah e o gezerah shavah.

Não se pode negar ou afirmar simplesmente que Mateus tenha feito uso de um

desses métodos, ou outros como o pesher, sem antes compreender o que são e

quais são as suas implicações. Baseado na importância dessas abordagens, Brooke

afirma que:

No Novo Testamento o efeito de encontrar tantas combinações exegéticas nos rolos é para ver que não apenas os antigos autores

Mestre da Justiça”, em: YOUNG, Edward, “The Dead Sea Scrolls and Christianity”, in: His 16.9, June, 1956, p. 39. 119

MCCARTNEY, Dan and ENNS, Peter, “Matthew and Hosea: A Response to John Sailhamer”, WTJ, 63, 2001, p. 104. 120

ELLIS, E.E., “How the New Testament Uses the Old”, New Testament Interpretation: Essays on Principles and Methods, I. Howard Marshall, ed., Grand Rapids, Eerdmans, 1977, p. 199.

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cristãos poderiam fazê-lo, mas também o próprio Jesus poderia ter criado ou usado combinações já existentes com eficiência.

121

2.3.1.1. Midrash Haggadah

Midrash provém da raiz vrd (Ed 7.10), “buscar”. Segundo Cunninghan e

Bock há quatro modos principais de entender midrash: 1) Toda interpretação e

aplicação da Escritura; 2) Um específico gênero literário; 3) Técnica exegética que

envolve uso criativo do AT; 4) Axioma hermenêutico.122

Ellis encontra dificuldade de afirmar que os escritores do NT fizeram uso de

midrash como gênero literário: “Mas na ausência de uma clara alusão ou uma

citação explícita há, na natureza do caso, dificuldade para estabelecer um

transfundo midráshico para uma passagem do Novo Testamento”.123 No entanto, ele

admite a possibilidade no uso que o NT faz do AT: “Em conclusão, a presença de

diferentes tipos de midrash – targum, pesher, homilia da sinagoga – é mais

provavelmente refletido no uso do Antigo Testamento no Novo. Também, alguns

escritores do Novo Testamento usaram midrash para estabelecer uma interpretação

cristã dos textos do Antigo Testamento”.124

Gundry propôs midrash como um gênero literário para o evangelho de

Mateus. A palavra midrash, conquanto possa ter várias interpretações, Gundry a

compreendeu como um método de “embelezamento” da narrativa.

Na interpretação das citações de Mateus, Gundry entende que o evangelista

fez uma leitura targúmica do AT.125 A palavra targum tem vários significados, tais

como interpretação, comentário ou tradução. O targum é uma tradução do texto

hebraico para o aramaico. Uma leitura targúmica implica, normalmente, em

comentários, alterações, ampliações e narrativas.126 Ele entende que os pregadores

cristãos traduziam oral e livremente os textos hebraicos para o aramaico e para o

grego.

121

BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, p. 67. Ele também diz que: “Em Qumran, visões experienciais e escatológicas poderiam afetar a leitura de textos eisegeticamente. Entre os antigos autores cristãos, alguns aspectos do que foi escrito acima, sem dúvida dependia da exegese de várias passagens escriturísticas que poderiam ser derivadas do ensino do próprio Jesus”, p. 57. 122

CUNNINGHAN, Scott e BOCK, Darrell L., “Is Matthew midrash?”, BC, 1987, p. 161. 123

ELLIS, E. Earle, “Midrash, targum and the New Testament”, in: ELLIS, E. Earle, ed., Neotestamentica et semitica: studies in honour of Matthew Black, Edinburgh, T&T Clark, 1969, p. 69. 124

Ibid., p. 69. 125

Veja GUNDRY, R.H., The use of the OT, p. 172-174. 126

Para maiores informações veja FRANCISCO, Edson de Faria, Manual da Bíblia Hebraica, 2ª ed., São Paulo, Vida Nova, 2005, p. 406-419.

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Essa concepção é oriunda de seu entendimento do gênero literário que ele

defende, conforme afirmação em seu comentário:

Claramente, Mateus nos apresenta história misturada com elementos que não podem ser chamados históricos no sentido moderno. Toda história escrita implica mais ou menos edição de materiais. Mas a edição de Mateus frequentemente vai além do permitido, daquilo que um historiador de nossos dias atuais respeita... As subtrações, adições, revisões de ordem e a fraseologia de Mateus mostram frequentemente mudança na substância; isto é, eles representam um desenvolvimento da tradição dominical que resulta em diferentes sentidos e fora da atualidade dos eventos.

127

Ele baseia essa afirmação compreendendo que a análise literária lançou luz

para uma maior compreensão de textos antigos, o que deu condições para perceber

a “liberdade editorial”, no caso, do evangelista Mateus.128 Ademais, Gundry destaca,

pelo menos, mais cinco aspectos que colaboram para o seu entendimento: o

vocabulário preferido de Mateus, o seu estilo, suas ênfases teológicas, a maneira

como ele harmoniza a fraseologia do AT em seu evangelho e as diferenças entre o

evangelho de Mateus e os evangelhos de Marcos e Lucas. Por este último aspecto,

Gundry conclui que as fontes de Mateus tenham sido Marcos e Q.

Um fator adicional e curioso é que ele mesmo chega a admitir que existem

diferenças insolúveis entre o evangelho de Mateus e o midrash haggadah: “Há

diferenças entre o evangelho de Mateus e midrash e haggadah na antiga literatura

judaica. Pelo menos uma, aqueles que produziram midrash e haggadah ornavam o

AT. Mateus não faz isso”.129

Sua proposta hermenêutica rendeu longo debate com Moo, ocupando quase

toda a revista Journal of the Evangelical Theological Society de 1983. Além de Moo,

Gundry teve que suportar duras críticas de outros estudiosos como Geisler130,

Carson131, Cunninghan e Bock132, Scott133 e Payne.134

A respeito das estatísticas levantadas por Gundry sobre o vocábulo predileto

selecionado por Mateus para compor o seu evangelho, Moo entende ser um exagero

127

GUNDRY, Robert H., Matthew, p. 623. 128

Ibid., p. 625-626. 129

Ibid., p. 628. 130

GEISLER, Norman, “Methodological unorthodoxy”, JETS, 26/1, 1983, p. 87-94. 131

CARSON, D. A., “Gundry on Matthew: a critical review”, TrinJ, 3, 1982, p. 71-91. 132

CUNNINGHAN, Scott and BOCK, Darrell L., op. cit., p. 157-180. 133

SCOTT, J. W., “Matthew’s intention to write history”, WTJ, 47, 1985, p. 68-82. 134

PAYNE, Philip Barton, “Midrash and history in the gospels with special reference to R. H. Gundry’s Matthew”, in: FRANCE, R. T. and WENHAM, David, eds., Gospel perspectives: studies in Midrash and Historiography, vol. III, Sheffield, JSOT Press, 1983, p. 177-216.

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usar das estatísticas de palavras para suportar uma tese como a de Gundry, além

de fazer uma duvidosa suposição da fonte usada por Mateus.135

Moo está convicto que Mateus não tem o propósito apenas de “embelezar” o

seu evangelho, mas que ele crê, de fato, que está vivendo um período de

cumprimento:

A expansão midráshica dos textos do AT tem o propósito de ilustrar aplicações contemporâneas homiléticas das narrativas do AT. Os atuais eventos dessas narrativas retratavam em importância, frequentemente agindo simplesmente como o “gancho” daquilo que era novo, sem qualquer ensino relacionado que pudesse ser “destacado”. A perspectiva de Mateus é inteiramente diferente. Ele escreve a partir de uma convicção que a decisiva revelação de Deus estava recentemente sendo manifestada na atualidade histórica da vida e ensino de Jesus.

136

Sobre midrash Carson discorre explicando que definir midrash simplesmente

como um gênero literário e a narração de fatos não-históricos é por demais limitado.

Ele mostra que Gundry não conseguiu demonstrar na forma de Mateus que existe,

de fato, “uma alegada característica não histórica no material redacional de

Mateus”.137 Além disso, ele questiona o que ele mesmo entende ser o ponto crucial:

“poderiam os leitores de Mateus ter detectado alguma coisa não histórica que eles já

não tivessem estudado em Marcos e Q tão estreitamente quanto viu Gundry?”.138

Payne também critica:

Gundry não oferece cuidadosa definição de midrash como gênero literário. De fato, a única descrição que ele empreende para midrash é que é ‘uma mistura de histórico com não-histórico’ (630, 637) com ‘um elevado grau de liberdade editorial... adorno do AT’ (628). Ele não alista qualquer outro critério que possa ser usado para distinguir midrash de outros gêneros.

139 Além disso, ele afirma que o gênero midrash começou a ser usado como

gênero literário a partir do segundo século da Era Cristã, consequentemente, afirmar

o uso dele como gênero literário no período que o evangelho de Mateus foi escrito é

135

MOO, Douglas J., “Matthew and midrash: an evaluation of Robert H. Gundry’s approach”, in: JETS, 26/1, 1983, p. 36. 136

Ibid., p. 38. 137

CARSON, D. A., “Gundry on Matthew: a critical review”, p. 84. 138

Ibid., p. 84. Moo faz o mesmo questionamento em “Matthew and midrash: an evaluation of Robert H. Gundry’s approach”, p. 37. 139

PAYNE, Philip Barton, op. cit., p. 195.

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anacrônico.140 Portanto, segundo Payne, Gundry: “falhou em demonstrar que

midrash foi um gênero literário nos dias de Mateus”.141

2.3.1.2. Gezerah Shava

Literalmente, gezerah shavah significa “um regulamento equivalente”. É a

combinação entre dois ou mais textos diferentes, que possuem o mesmo vocábulo

e, portanto, podem carregar a mesma semântica, traduzindo um mesmo significado.

Bernstein chama esse método de “analogia linguística”.142 Craig define como uma

regra onde: “uma passagem pode ser explicada por outra, se palavras ou frases

similares são presentes”.143 Ou, de maneira mais simples, para Avemarie:

“ordenança igual”.144 Assim, ele apresenta dois pressupostos para essa técnica:

Esse procedimento exegético parece envolver dois importantes pressupostos: primeiro, que há uma coerência de longo alcance dentro do texto da Torá e, segundo, que a Escritura se expressa economicamente e, portanto, tende a evitar redundâncias. Sobre o pressuposto primeiro, os rabinos poderiam combinar passagens escriturísticas que tratavam uma matéria cognata mesmo que ocorridas em lugares bem distantes, e sobre o último pressuposto, eles poderiam preencher as lacunas de informação que percebiam nas palavras de uma determinada passagem, como recurso para outra, suficientemente explícitas formulações bíblicas. Quanto aos rolos do Mar Morto e o Novo Testamento, a combinação de diferentes passagens escriturísticas, com base em sobreposições lexemáticas, é encontrada em ambos os corpos de literatura e, ocasionalmente, mudanças visíveis nas palavras da passagem mostram muito claramente que a associação lexemática foi feita conscientemente.

145

O procedimento de unir textos e fazer dessa analogia uma técnica não

parece ser estranha nem aos textos de Qumran, nem aos textos do NT. Brooke

considera que a escolha de um determinado texto pode indicar, inclusive, uma

mensagem carregada pelo contexto da citação:

Tornou-se evidente, a partir de utilização de técnicas, o lema que o intérprete era consciente do contexto de que qualquer citação em particular foi tomada e, geralmente nesse contexto, foi tratada com

140

Ibid., p. 196. 141

Ibid., p. 197. 142

Veja em BERNSTEIN, Moshe J., “Interpretation of Scriptures”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, , James C., op. cit., Vol. 1, p. 381. 143

EVANS, Craig A., Ancient Texts for New Testament Studies: A Guide for the Background Literature, p. 219. 144

AVEMARIE Friedrich, “Interpreting Scripture through Scripture: Exegesis Based on Leximatic Association in the Dead Sea Scrolls and the Pauline Epistles”, in: MARTÍNEZ, Florentino García, ed., Echoes from the Caves: Qumran and the New Testament, p. 83. 145

Ibid., p. 86.

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respeito. Combinações de texto em ambos, tanto nos rolos como no Novo Testamento, são particularmente ricos campos daqueles interessados na antiga metodologia exegética judaica.

146

Shedinger chama à atenção pela sugestão de que Mateus tenha feito uso

dessa técnica para acrescentar o texto de Isaías em seu evangelho.147 Ele propõe

que Mateus tenha fundido as frases gregas da LXX de Isaías 9.1 [TM] (evn sko,tei...

skia/| qana,tou) e Salmo 107.10 (evk sko,touj kai. skia/j qana,tou) e, além disso, transpor

também como transfundo de sua narrativa o próprio contexto de ambos os textos,

tanto do profeta Isaías como do salmista. Para Brooke, essa exegese é um

desdobramento do midrash.148

2.3.2. Definição de Sensus Plenior

Sensus plenior significa “sentido pleno”, ou seja, é a concepção de uma

profecia que quando anunciada originalmente ainda haveria de chegar à sua

plenitude. Um sentido divino fora do entendimento do profeta, conforme Brown: um

“profundo sentido do texto intencionado por Deus, mas não claramente intencionado

pelo autor humano”.149

LaSor define sensus plenior como: “o ‘algo a mais’ que foi dado por Deus na

divina inspiração, que faz a mensagem ser igualmente válida como a palavra de

Deus para as gerações seguintes”.150 Para alcançar esse entendimento, LaSor

apresenta três níveis. Primeiro o nível literal da profecia, ou seja, a compreensão

que o autor ou profeta original tinha do que estava falando, em outras palavras, o

que a exegese histórico-gramatical permite que se extraia do texto. O segundo nível

é o espiritual, ou seja, o relacionamento do Espírito de Deus com as Escrituras. Para

a compreensão desse nível, é necessário se envolver com as Escrituras mais do

que numa exegese histórico-gramatical. Por fim, o terceiro nível é o sensus plenior,

que é quando a Escritura alcança o seu sentido pleno.151

146

BROOKE, George J., The Dead Sea Scrolls and the New Testament, p. 66. 147

Veja SHEDINGER, Robert F., “Must the Greek text always be preferred? Versional and Patristic witness to the text of Matthew 4:16”, in: JBL 123/3, 2004. 148

BROOKE, George J., Exegesis at Qumran: 4QFlorilegium in its Jewish Context, Sheffild, JSOT Press, 1985, p. 179. 149

BROWN, Raymond E., “The Sensus Plenior in the Last Ten Years”, CBQ, 25/3, 1963, p. 267. 150

LASOR, William Sanford, “Prophecy, Inspiration and Sensus Plenior”, in: TynBull, 29, 1978, p. 50. 151

Ibid., p. 51-53.

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2.3.3. Definição de sentido simples e duplo cumprimento

Kaiser defende com cuidadosas exegeses um único sentido do AT que é

mantido quando transportado para o NT. Kaiser rejeita a definição de duplo

cumprimento e opta por “cumprimento genérico”.152 Ele defende que as profecias

têm um sentido simples, isto é, único. Esse sentido reside no que ele chama de

substantivo singular coletivo, contido em pronomes e sufixos pronominais e, por fim

e mais importante para ele, é a analogia que antecede a teologia.

Ao contrário de Kaiser, Moo153, Blomberg154 e Bock defendem o duplo

cumprimento, cuja definição é semelhante a do sensus plenior. Para eles a intenção

de Deus ultrapassava a do profeta, que não tinha conhecimento exaustivo do

alcance da sua mensagem. Este método indica que a mensagem falada ao profeta

carregava um sentido mais imediato e óbvio para o seu contexto original e um

segundo sentido escatológico de mais ampla dimensão. Ele não implica,

necessariamente, falta de entendimento do profeta.

2.3.4. Tipologia

A tipologia, segundo a opinião deste autor, é a técnica de interpretação mais

adequada para compreender a citação que Mateus faz de Isaías, por apresentar

ferramentas mais completas e mais abrangentes. No entanto, optar por uma técnica

em especial não exclui as demais, considerando que todas têm suas observações e

análises, que contribuem para o entendimento geral. Destaca-se também o “duplo

cumprimento”, que, em algumas ocasiões, pode ser facilmente harmonizado com o

sentido tipológico apresentado a seguir.

2.3.4.1. História da redenção

Para compreender o uso da tipologia pelos escritores do NT é inevitável

fazer esta consideração sob a perspectiva da história da redenção. Ela leva em

consideração três características fundamentais. Primeiro, considera a Escritura

152

Veja KAISER, Walter C., Jr., The Uses of the Old Testament in the New, Eugene, Wipf and Stock, 2001, p. 66. 153

Veja MOO, Douglas J., “The Problem of Sensus Plenior”, In: CARSON, D.A. and WOODBRIDGE, John D., eds. Hermeneutics, Authority, and Canon, Grand Rapids, Zondervan, 1986, p. 179-211. 154

Veja BLOMBERG, Craig L., “Interpreting Old Testament prophetic literature in Matthew: double fullfilment, disponível em: www.beginningwithmoses.org/artticles/mattclb.htm; “Matthew”, in: BEALE, G.K. and CARSON, D.A., eds., Commentary on the New Testament Use of the Old Testament, Grand Rapids, Baker Academic, 2007, p. 6-7.

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inerrante, infalível e inspirada por Deus. Segundo, o estudo da tipologia considera

tanto a pessoa, evento ou instituição do AT como fato histórico, bem como o antítipo

do NT. Finalmente, a história redentiva ocorre por meio da revelação de Deus na

história de maneira orgânica e progressiva155 e, conforme será visto adiante, os

próprios escritores do NT estavam cônscios de que faziam parte desse processo.

Sidney Greidanus define da seguinte maneira:

A história da redenção é o poderoso rio que corre desde a antiga aliança até a nova, mantendo-as unidas. É verdade, claro, que existe certa progressão na história da redenção, mas é uma só história da redenção... Junto com a progressão na história da redenção, notamos uma progressão na revelação... Os autores do Novo Testamento repetem vez após vez conexões: as promessas do Antigo Testamento são cumpridas no Novo; os tipos do Antigo Testamento encontram seu cumprimento nos antítipos do Novo; os temas do Antigo Testamento, tais como reino de Deus, aliança e redenção, conquanto ainda passando por dramáticas transformações continuam no Novo Testamento. Todos esses elos demonstram a unidade entre os dois Testamentos. Todos esses elos são baseados, afinal, no fato de que a história redentora de Deus é uma só peça. As ligações entre promessa e cumprimento, tipo e antítipo, bem como a continuidade de temas da Bíblia só são possíveis em razão da fidelidade de Deus à sua aliança através da história redentora. Em outras palavras, uma única história da redenção, dirigida por Deus, é a base, o fundamento da unidade do Antigo Testamento e do Novo Testamento.

156

A história bíblica, portanto, tem um propósito a ser alcançado. Nesse sentido

o AT é preparatório para o NT. Vos vê essa coerência: “Este processo de revelação

não é apenas concomitante com a história, mas torna-se encarnada na história”.157 E

mais à frente: “O Antigo Testamento traz uma palavra preditiva preparatória, os

evangelhos recordam os fatos redentivos-revelacionais, as epístolas suprem o

155

Walther Eichrodt entendeu esse ponto: “A comunidade que confessa o reinado oculto de Cristo e assume a responsabilidade de estender esse reino por meio do anúncio querigmático de seus mensageiros, sem recorrer a meios externos de poder nem a uma transformação visível o mundo, proclama essa linha fundamental de mistério, que atravessa toda a esperança da salvação veterotestamentária e nega ao homem o direito de marcar os rumos da atuação divina, desde o conhecimento das predições proféticas. Isto quer dizer que esta comunidade entendeu o “cumprimento”, não de forma mecânica, como constatação correta de um cálculo matemático, mas de forma orgânica, como desenvolvimento e revelação de um mistério de criação submetido à onipotência divina, como reestruturação soberana, que por fim traz à plena luz a vontade divina compreendida na profecia, e está relacionada a toda predição, como o claro conhecimento está relacionado ao pressentimento balbuciante”, in: Teologia do Antigo Testamento, trad. Cláudio J.A. Rodrigues, São Paulo, Hagnos, 2005, p. 458 (ênfases do autor). 156

GREIDANUS, Sidney, Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento, trad. Elizabeth Stowell Charles Gomes, São Paulo, Cultura Cristã, 2006, p. 65-66. 157

VOS, Geehardus, Biblical Theology, Pennsylvania, The Banner of Thuth Trust, 1948, p. 6. Willem VanGemeren corrobora a esse pensamento: “História bíblica não é dada para fazer reconstrução da história de Israel. Ela é a história do reino de Deus, do envolvimento de Deus com o homem e, portanto, a revelação bíblica suporta o testemunho de Deus”, in: “Systems of Continuity”, in: FEINBERG, John S., ed., Continuity and Discontinuity: Perspectives on the Relationship Between the Old and New Testaments, Illinois, Crossway, 1988, p. 52.

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subsequente, a interpretação final”.158 De modo especial para o propósito desse

trabalho, o AT tem Cristo por alvo. Nas palavras de Foulkes: “Interpretação

tipológica mostra que a revelação parcial e fragmentária no Antigo Testamento

apontam para Cristo”.159

A história da redenção é apresentada por Mateus no cumprimento da

pessoa de Cristo, como bem define Moo, descrevendo o uso que o evangelista faz

do verbo plhro,w para registrar o impacto da vinda de Cristo sobre o AT: “Mateus

apresenta uma teologia da história da salvação que retrata todo o AT como olhando

antecipadamente para Cristo”.160 Portanto a história redentiva é cristológica.

Entende-se que a esperança de Israel tem seu nascedouro em Gênesis 3.15 e foi

ratificada pactualmente através dos patriarcas, de Davi e anunciada pelos profetas.

Conforme Stek, esse relacionamento pactual de Deus com Israel no decorrer

da história foi iniciada pela graça de Deus, administrada mediante sua própria

aliança e garantida para o presente e futuro de Israel até sua consumação em Cristo

e no estabelecimento de seu reino.161 O AT se torna um com o NT na pessoa de

Jesus Cristo, que é, segundo VanGemeren, toda a substância da aliança.162

2.3.4.2. Definição de tipologia

A palavra tu,poj, “tipo”, aparece duas vezes na LXX do AT (Êx 25.40163; Am

5.26164) e mais duas nos livros de Macabeus (3Mac 3.30; 4Mac 6.19). No NT a

palavra aparece 13 vezes (Jo 20.25; At 7.43,44; 23.25; Rm 5.14; 6.17; 1Co 10.6; Fp

3.17; 1Ts 1.7; 2Ts 3.9; 1Tm 4.12; Tt 2.7; Hb 8.5; 1Pe 5.3). O sentido dominante da

maioria desses textos é “padrão”, “exemplo” e “modelo”. Com o mesmo sentido

ainda encontram-se tupikw/j (1Co 10.11), avnti,tupoj (Hb 9.24; 1Pe 3.21) e u`potu,pwsij

(1Tm 1.16; 2Tm 1.13).

Alguns desses textos definem pessoas e acontecimentos do AT com grande

afinidade com eventos e pessoas do NT. Adão é destacado como prefiguração de

158

VOS, Geehardus, Biblical Theology, p. 7. 159

FOULKES, Francis, “The Acts of God”, in: BEALE, Gregory K., The Right Doctrine from the Wrong Texts?, Grand Rapids, Baker Books, 1994, p. 369. Sobre isso Charles T. Fritsch afirma: “O Antigo Testamento, entretanto, é parte da história santa onde são mostradas as obras de Deus na história apontando para sua culminação em Cristo”, “Biblical Typology”, BC, 103/411, 1946, p. 303. 160

MOO, Douglas J., “The law of Moses or the law of Christ”, in: FEINBERG, John S., op. cit., p. 205. 161

Veja STECK, John H., “Biblical Typology Yesterday and Today”, CTJ, 5/2, 1970, p. 161. 162

VANGEMEREN, Willen, “Systems of Continuity”, p. 54. 163

Traduz töynIb.t; que no texto significa “modelo”. 164

Traduz ~l,c, que indica o objeto de adoração idólatra de Israel.

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Cristo (Rm 5.14), bem como o tabernáculo e as instituições da lei de Moisés (Hb

8.5), acontecimentos (1Co 10.6,11; 1Pe 3.21) e, por fim, o próprio Cristo e os

apóstolos são modelos para os fiéis (1Tm 1.16; Fp 3.17; 1Pe 5.3). Esses exemplos

servem de sugestão para compreender que alguns textos do NT, mesmo quando

não fazem citação explícita, podem ecoar pessoas, acontecimentos ou instituições

do AT. O tipo pressupõe uma correspondência orgânica entre ambos. A tipologia é o

estudo que entende que Deus agiu de maneira similar em ambos os Testamentos.

Dois elementos fundamentais para compreensão de tipologia são:

correspondência histórica e teológica entre os Testamentos, ou entre tipo e antítipo,

e a perspectiva escatológico redentiva de Deus na pessoa de Jesus Cristo e na

vinda do seu reino.165 Em primeiro lugar, citando as palavras de Baker: “um tipo é

um evento bíblico, pessoa ou instituição que serve como um exemplo ou padrão

para outros eventos, pessoas ou instituições”.166 E tipologia é: “o estudo do tipo e a

correspondência histórica e teológica entre eles; a base da tipologia é a consistente

atividade de Deus na história do seu povo escolhido”.167

Desse modo, a tipologia respeita e considera a história. Além disso, essa

correspondência também apresenta um progresso na revelação de Deus, o que

indica um propósito divino em todos os acontecimentos, conforme registrados nas

Escrituras. Isso conduz à mesma conclusão de Maier: “As ações de Deus são

teleológicas em sua natureza”.168

Segundo a perspectiva tipológica, portanto, os escritores neotestamentários

tomaram consciência de que eles faziam parte desse processo e ao citarem textos

do AT, inclusive aqueles que não têm qualquer relação aparente com Cristo,

olharam para trás e viram que alguns acontecimentos estavam se repetindo. Nessa

perspectiva, por exemplo, Mateus 2.15 e 18, onde Mateus, inspirado por Deus,

165

Veja a série de quatro artigos de FRITSCH, Charles T., “Biblical Typology”, BC, 103/411-412, 1946 e 104/413-414; MOO, Douglas J., “The Problem of Sensus Plenior”, p. 195; BEALE, G.K., The right doctrine from the wrong texts?, p. 313-371; FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 38-82; TERRY, Milton S., Biblical Hermeneutics: a Treatise on the Interpretation of the Old and New Testaments, Academie Books, Grand Rapids, Zondervan, p. 335-344; BERKHOF, Louis, Princípios de Interpretação Bíblica, trad. Mauro Meister, São Paulo, Cultura Cristã, 2000, p. 142-143. 166

BAKER, David L., “Typology and the Christian Use of the Old Testament”, in: BEALE G.K., op. cit., p. 327. Charles T. Fritsch preserva o sentido de prefiguração: “Um tipo é uma instituição, evento histórico ou pessoa, ordenado por Deus, que prefigura efetivamente alguma verdade conectada com o cristianismo”, in: “Biblical Typology”, BC, 104/414, 1947, p. 214. 167

BAKER, David L., op. cit., p. 328. 168

MAIER, Gehard, Biblical Hermeneutics, Illinois, Crossway, 1994, p. 86.

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registrou a fuga para o Egito e o choro em Ramá sob o respaldo das próprias

Escrituras.

Sobre essa consciência por parte dos escritores do NT, Baker afirma: “É um

aspecto da própria conscientização do Novo Testamento de ser parte da história da

salvação: o Novo Testamento é tanto um cumprimento tipológico da história da

salvação do Antigo Testamento como uma profecia tipológica da consumação do

que está por vir”.169

Sob a mesma perspectiva, France assevera:

Assim, a tipologia do Novo Testamento é essencialmente o vestígio dos constantes princípios das obras de Deus na história, revelando “um repetido ritmo na história passada que é reconhecida mais completa e perfeitamente nos eventos do evangelho”. Os escritores do Novo Testamento estavam conscientes não somente de estarem envolvidos nesse processo contínuo, mas também de estarem testemunhando o seu clímax e culminação.

170

Em segundo lugar, a tipologia, necessariamente, tem que ter relação com

Jesus Cristo e com o evangelho. É a perspectiva cristã do AT. Os autores do NT

aplicavam toda a Escritura para Cristo, olhando o AT escatologicamente. Assim

compreende Foulkes:

De certo modo é correto dizer que interpretação tipológica envolve a leitura dentro do texto do sentido extrínseco a ele. Ele toma mais do que o sentido literal da passagem. O Novo Testamento faz isso quando vê Cristo como o tema e cumprimento de todo o Antigo Testamento, sem limitar isso ao que é explicitamente profecia messiânica. Ele vê o antítipo prefigurado pelos tipos, e interpreta o antítipo de acordo.

171

France defende ter havido uma nova compreensão dos escritores do NT, o

que os conduziu a olhar para o AT sob o prisma de Cristo como o seu cumprimento:

A ideia de cumprimento inerente na tipologia do Novo Testamento deriva não de uma crença em que os eventos compreendidos estavam explicitamente preditos, mas da convicção que na vinda e nas obras de Jesus os princípios das obras de Deus, que estavam imperfeitamente incorporados no Antigo Testamento, foram perfeitamente re-incorporados e, assim, trazidos à sua plenitude.

172

169

BAKER, David L., op. cit., p. 317. 170

FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 39. Semelhante afirmação é feita por Fritsch: “Toda Escritura é profética. O Antigo Testamento olha em direção ao Deus-homem e o Novo Testamento olha em direção à glorificação da Igreja e dos crentes”, in: “Biblical Typology”, BC, 103/412, 1946, p. 427. 171

FOULKES, Francis, op. cit., p. 369. 172

FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 40.

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Desse modo o NT valida o uso do AT, conforme Moo, sob a justificação da

vida e da obra de Cristo:

Esse movimento “salvação-histórico” do Antigo ao Novo Testamento permeia o pensamento de Jesus e a igreja primitiva e também é a validação última de seu extensivo uso do Antigo Testamento para retratar e caracterizar a sua própria situação... Mas a salvação promovida por Deus por meio de Cristo é o “cumprimento” da história, lei e profecia do Antigo Testamento.

173

2.3.4.3. Além da exegese

“A tipologia pode, e de fato deve, ir além da simples exegese”.174 Esta

afirmação de France é a perspectiva de tipologia deste trabalho, não apenas pelo

reconhecimento de que as técnicas hermenêuticas utilizadas por Mateus superam o

método gramático-histórico, crítico ou qualquer outro método moderno, muito menos

porque simplesmente faz sentido, mas porque a perspectiva histórico redentiva

lança poderosa luz na compreensão da harmonia entre AT e NT. Com “além da

exegese” compreende-se tipologia não como um método exegético, que observa

apenas o sentido superficial do texto, mas uma procura de um sentido mais

profundo, não evidente na superfície do texto.175 Detalhes e aspectos próprios do

primeiro século certamente passam desapercebidos ao leitor moderno, mas não

implica não estarem ali no texto. Segundo a palavra do apóstolo Pedro, as

indicações realizadas pelo Espírito Santo foram bem acuradas:

Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam (1Pe 1.10,11).

Reconhecendo, portanto, as limitações para obter todas as respostas, ainda

é possível vislumbrar a tipologia em Mateus sob duas importantes compreensões: 1)

tipologia é uma interpretação da história; 2) ela não exige ser tipificada por um texto

preditivo ou reconhecidamente messiânico. Para essa compreensão, entender a

173

MOO, Douglas J., “The Problem of Sensus Plenior”, p. 196. 174

FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 41. Mais à frente ele diz: “tipologia não é exegese, mas aplicação”, p. 42. 175

Este entendimento não deve ser confundido com alegoria. Alegoria é um método exegético que procura o sentido oculto por detrás do texto, enquanto a tipologia observa a correspondência entre dois textos que descrevem fatos históricos concretos.

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tipologia como um método que vai além da exegese auxilia a aceitar que Mateus, e

outros escritores do NT, puderam fazer uso de alguns textos que jamais seriam

destacados como passagens que apontavam para Jesus Cristo. A analogia dos

eventos, e na forma como Mateus os apresenta, como citação de cumprimento,

sugere que ele olhou para os fatos históricos da infância de Jesus e para os

acontecimentos históricos do povo de Israel e entendeu que ali acontecia um

paralelo, ou uma repetição da maneira como Deus estava agindo com o seu povo.

Além de uma mera repetição, um cumprimento e uma nova revelação.

É perfeitamente compreensiva a tipologia nessas duas situações devido à

flexibilidade de seu método, conforme entendido neste trabalho. Assim define Baker:

“Tipologia não é um método de interpretação que funciona de acordo com regras

fixas, mas é um modo de pensamento”.176 Portanto, Mateus interpretou os

acontecimentos históricos e os vinculou, nas palavras de Foulkes:

Interpretação tipológica, estritamente falando, não está preocupada com aquelas partes do Antigo Testamento que tem a forma de predição messiânica no sentido mais limitado. É a interpretação da história. Profecia preditiva frequentemente, de fato, depende da interpretação de uma situação histórica particular à luz do caráter de Deus revelado; mas os escritos da história eram, em si mesmos, ‘profecia’ no sentido mais amplo do entendimento das ações de Deus na história. A história do Antigo Testamento, como a vemos, é a recordação dos atos de Deus em julgamento e misericórdia; é a história com um propósito e um alvo. Manifestamente incompleta, está apontando em direção ao clímax da manifestação de Deus entre os homens.

177

2.3.4.4. Tipologia e profecia A tipologia não depende de um texto preditivo do AT. Segundo Baker,

diferenciando profecia de tipologia, a profecia é prospectiva, enquanto a tipologia é

retrospectiva.178 Isso indica uma continuidade na história, na revelação e na

correspondência de fatos do AT e do NT. Essa compreensão não tem consenso.

Para Fritsch179 e Berkhof180, por exemplo, para quem o tipo sempre será preditivo,

portanto, tipologia e profecia são, em substância, a mesma coisa. Embora ambos

176

BAKER, David. L., op. cit., p. 317. 177

FOULKES, Francis, op. cit., p. 365. Maier define como segue: “O entendimento tipológico também pressupõe que Deus trouxe à recordação aquilo que ocupou espaço tempos atrás, a fim de apresentar à geração adiante informação que transcende a simples reminiscência”, in: MAIER, Gehard, op. cit., p. 85. 178

BAKER, David L., op. cit., p. 324. 179

Veja FRITSCH, Charles T., “Biblical Typology”, BC, 104/413, 1947, p. 90. 180

Veja BERKHOF, Louis, op. cit., p. 142-143.

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sustentem continuidade entre AT e NT, a profecia é, estritamente falando,

cumprimento de palavras, enquanto a tipologia vincula pessoas, instituições e

acontecimentos. Não parece que tipologia fosse um entendimento tão óbvio para

Israel, como era a profecia. Moo comenta sobre isso:

Certamente, em alguns casos, os próprios israelitas teriam reconhecido o valor simbólico de algumas de suas histórias (por exemplo, o Êxodo) e instituições (os cultos, em alguma extensão). Mas nem toda correspondência tipológica envolve símbolos reconhecíveis; e o elemento prospectivo em muitos tipos do Antigo Testamento, embora intencionados por Deus num sentido geral, não teriam sido reconhecidos naquele tempo pelos autores do Antigo Testamento ou pela audiência original.

181

Em concordância, France adiciona a esse entendimento a “re-incorporação”

de um princípio do NT:

Um tipo não é uma predição; em si mesmo ele é simplesmente uma pessoa, evento, etc. recordado como fato histórico, com uma referência intrínseca para o futuro. Nem é o antítipo o cumprimento de uma predição; é mais uma re-incorporação de um princípio que tem sido previamente exemplificado no tipo. Uma predição olha em direção para, e demanda um evento que deve ser o seu cumprimento; tipologia, entretanto, consiste essencialmente em olhar para trás e discernir exemplos do passado de um modelo que agora encontra sua culminação.

182

2.3.5. Conclusão

O propósito desta seção foi apresentar as técnicas de interpretação mais

populares entre os estudiosos para trabalhar o relacionamento de Mateus e Isaías.

O diálogo com os métodos rabínicos de interpretação proveem rico material de

investigação quando se comparam os RMM com Mateus. A comparação entre Jesus

e o Mestre da Justiça, o apocalipticismo presente nas literaturas, os textos e seus

diversos e complexos gêneros literários, conquanto não possam provar dependência

literária, certamente fornecem um rico e indispensável campo de pesquisa para

compreender Mateus.

Os métodos cristãos, sensus plenior e duplo cumprimento, apresentam

sensibilidade para a aproximação dos textos do AT e NT de maneira mais orgânica e

progressiva. A tipologia, além de zelar por essa sensibilidade, também se propõe a

atentar para todo o contexto da citação. Tendo sido optado por esse método,

portanto, no próximo capítulo se fará a sua aplicação na interpretação de Mateus.

181

MOO, Douglas J., “The Problem of Sensus Plenior”, p. 197. 182

FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 39-40.

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70

3. A INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL DE ISAÍAS

Este capítulo examinará as similaridades entre Mateus e Isaías, a maneira

como ambos viveram em contextos semelhantes, o que sugere uma tipologia na

interpretação de Mateus, isto é, um entendimento de que a vivência do profeta se

repete e se cumpre em Jesus. No entanto a tipologia neste trabalho não sugere que

o texto antigo tenha, necessariamente, predito o que viria acontecer, embora ele

esteja em um contexto fortemente messiânico. Teria o escritor do NT re-incorporado

história, personagem ou acontecimento vivido no passado e identificou com o

presente? Pela tipologia sim. Esta é a perspectiva de France:

Um tipo não é uma predição; em si mesmo ele é simplesmente uma pessoa, evento, etc. recordado como fato histórico, com uma referência intrínseca para o futuro. Nem é o antítipo o cumprimento de uma predição; é mais uma re-incorporação de um princípio que tem sido previamente exemplificado no tipo. Uma predição olha em direção para, e demanda um evento que deve ser o seu cumprimento; tipologia, entretanto, consiste essencialmente em olhar para trás e discernir exemplos do passado de um modelo que agora encontra sua culminação.

183 Estaria Mateus compromissado com um texto isolado de Isaías, ou ele

revive todo o contexto do profeta no ministério de Jesus? Na citação de Mateus

183

FRANCE, R.T., Jesus and the Old Testament, p. 39-40.

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4.15-16, João Calvino argumenta que o próprio profeta Isaías tem uma projeção que

ultrapassa o seu contexto imediato, visualizando não apenas o povo de Jerusalém,

mas uma restauração universal de toda a igreja.184

A hermenêutica de Mateus está compromissada apenas com eventos

isolados e específicos, ou ela transcende a história, entendendo que aquilo que

Israel viveu nos tempos de Isaías, estava revivendo com Jesus? Na mesma linha de

Calvino, Blomberg, um estudioso contemporâneo, compreende que a profecia de

Isaías tinha um “duplo cumprimento”: “O que começou como libertação física do

exílio culmina em libertação espiritual na era messiânica”.185

Tratando a matéria em uma perspectiva mais ampla, não apenas a citação

em si, mas todo o seu contexto pode trazer relevantes revelações a serem levadas

em conta. Segundo Dodd, o método dos apóstolos foi adicionar os textos do AT

porque eles dariam sentido aos fatos registrados no Evangelho.186 Ele afirma: “O

método é tomar certas passagens da Escritura, examiná-las à luz de seu contexto

mais amplo, e determinar o seu sentido e aplicação para a situação existente por

comparação com outras passagens da Escritura”.187

Essa percepção se tornou importante para compreender as citações do AT

em todo o NT e dominou a perspectiva de muitos estudiosos, dentre eles podem ser

citados Kaiser e Carter. Kaiser defende esse uso contextual do AT por entender que

as passagens do AT selecionadas pelos apóstolos continham elementos da história

da redenção como chave para a compreensão do sentido redentivo da Escritura, o

que culminaria na pessoa de Jesus Cristo.188

Em uma perspectiva literária, Carter também observa semelhanças entre

ambos os textos, de Isaías e Mateus, por meio de uma intertextualidade, que foi

compartilhada pela comunidade de Mateus: “ou um ponto além da citação para um

amplo ‘conjunto de ideias’. Comunicação entre autor e audiência ocorre quando

ambos compartilham uma comum tradição ou contexto cultural em que a autoridade

da citação e o conteúdo são reconhecidos”, segundo Carter.189 No entanto, essa

184

Veja CALVIN, John, “The Commentary on the Harmony of the Gospels”, in: John Calvin’s Commentaries, [CD-ROM], Ages Software, 2002, p. 207-208. 185

BLOMBERG, Craig L., “Matthew”, in: op. cit., p. 19. 186

DODD, C.H., According to the Scriptures, London, Nisbet, 1957, p. 5. 187

Ibid., p. 7. 188

KAISER, Walter, The Uses of the Old Testament in the New, Eugene, Wip and Stock, 1985, p. 227. 189

CARTER, Warren, “Evoking Isaiah: Matthean Soteriology and an Intertextual Reading of Isaiah 7–9 and Matthew 1:23 and 4:15-16”, in: JBL, 119/3, 2000, p. 505; veja também do mesmo autor, “Matthew and the Gentiles”, in: JSNT, 26.3, 2004, p. 264-266.

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72

conexão entre ambos os textos, para Carter, não exige uma identificação teológica,

pelo menos em um primeiro momento. Segundo Carter, a “construção do

significado” em Mateus, na interpretação de Isaías, ocorre na observação da

situação do evangelista. A partir disso ele levanta as seguintes questões:

O foco sobre o papel do conhecimento da audiência das maiores tradições ou narrativas evocadas pelo texto citado pode ser mais produtivo. Esse foco levanta dúvidas sobre o processo de construção de significado. Como o conhecimento intertextual relaciona para com aquele derivado do contexto imediato da colocação dos versículos de Mateus, ou da própria situação sócio-histórica? Como uma audiência usa citações na formulação de entendimentos de questões sobre a narrativa em curso?

190

Essas perguntas serão respondidas na observação da semelhança entre

ambos os contextos, o de Isaías e o de Mateus, conforme avaliados abaixo, porém,

em Carter, a única resposta disponível se encontra na semelhança política e social,

sem qualquer afinidade teológica ou espiritual,191 o que não implica ignorar a

relevância do ministério terreno de Jesus e seu relacionamento com os gentios:

A discussão é a razão de Mateus utilizar esses dois textos de Isaías logo na abertura do seu evangelho. E como a apresentação desses textos contribui para o entendimento do ministério terreno de Jesus, sua missão aos gentios e a salvação de Deus de Israel.

192

Para Dodd, entender as citações é fundamental para a construção teológica

do NT:

A tentativa em descobrir como, exatamente, o Antigo Testamento foi empregado para elucidar o kerygma no período remoto mais acessível a nós e nos círculos onde exerceu influência permanente sobre o pensamento cristão, é algo que nós somos obrigados a fazer na procura da sub-estrutura da teologia do Novo Testamento; porque se nós podemos descobri-lo, nós estaremos caminhando para compreender o conceito de “cumprimento”, que parece governar a interpretação cristã dos eventos do evangelho como proclamado no kerygma.

193

3.1. Contexto literário de Mateus 4.12-17

O texto em consideração está no início do ministério de Jesus e dentro de um

contexto que deve ser observado em dois ângulos: o contexto da narrativa e o

190

CARTER, Warren, “Evoking Isaiah: Matthean Soteriology and an Intertextual Reading of Isaiah 7–9 and Matthew 1:23 and 4:15-16”, p. 506. 191

Veja Ibid., p. 507-508. 192

Veja, p. 507. 193

DODD, C.H., op. cit., p. 13.

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contexto do 1º século, já considerado em parte no primeiro capítulo. Neste terceiro

capítulo será mais relevante observar o contexto apenas para fazer paralelo aos

assírios do período de Isaías.

Quanto ao contexto da narrativa, o evangelista se ocupou em mostrar como

Jesus iniciou o seu ministério, sob a tutela das predições veterotestamentárias, e

depois destacou o grande discurso de Jesus conhecido como o “sermão do monte”,

nos capítulos 5–7.

Para os interesses da presente pesquisa, serão feitos apontamentos apenas

nos quatro primeiros capítulos com observações em todo o evangelho quando

relevantes. Dois destaques devem ser ressaltados nas narrativas que contribuem

para o entendimento mais amplo de 4.12-17: a presença dos gentios nas narrativas

e as citações e alusões do AT que ambientalizam as narrativas, o ensino e as obras

de Jesus.

No capítulo 1 Mateus intenta apresentar Jesus em sua origem tanto humana

quanto divina. Em 1.1-17, a genealogia mostra que Jesus é oriundo da tribo de Judá

e legítimo descendente de Davi, portanto homem. De maneira curiosa, as quatro

mulheres da genealogia têm origens ou procedimentos duvidosos: Tamar se vestiu

de prostituta para chamar a atenção de Judá, cometendo incesto (1.3; cf. Gn 38);

Raabe era meretriz e gentia (1.5; cf. Js 2); Rute era moabita, portanto gentia (1.5; cf.

Rt 1.4; veja também Gn 19.30-38); e a mulher de Urias, Bate-Seba, era adúltera

(1.6; cf. 2Sm 11.1-5). O seu nome não é mencionado. Carson compreende que o

seu nome não tenha sido omitido para destacar que Urias era gentio, um heteu

(2Sm 11.3).194 No entanto, a opinião de Garcia parece mais provável, isto é, que o

nome de Bate-Seba tenha sido ocultado porque o contexto evocado relembra a

polêmica sobre a lei da pureza, devido à quebra do 7º mandamento. Por ter sido

194

Veja CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 90. Ele também diz que: “É importante o fato de que Mateus, nesse mesmo capítulo, apresenta Jesus como aquele que ‘salvará o seu povo dos seus pecados’ (1.21), e esse versículo pode sugerir um olhar em retrospectiva a alguns pecados bem conhecidos de seus próprios progenitores... Mateus, judeu que é, sabe como escrever em toque alusivo; e os leitores familiarizados com Antigo Testamento, naturalmente, rememoram um pletora de imagens associadas a esses muitos nomes dessa genealogia seletiva”, p. 90-91. Na mesma linha e pensamento Hutchison defende que as quatro mulheres deveriam trazer à mente de seus leitores a demonstração de fé em quatro períodos cruciais da história bíblica, isto é, no período patriarcal (Tamar), na conquista de Jericó (Raabe), nos período dos juízes (Rute) e no reino de Davi (esposa de Urias). Deve-se notar com essa tese o entendimento de que uma alusão do AT traz à tona todo o contexto narrativo. Veja HUTCHISON, John C., “Women, Gentiles, and the Messianic Mission in Matthew's Genealogy”, in: BC, abril-junho, 2001, p. 152-153.

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cobiçada e cometido adultério, Bate-Seba foi considerada impura.195 Salientam-se

os casos de Tamar, Raabe e Rute que eram gentias. Sobre isso Gundry entende

que o propósito de Mateus tenha sido apresentar um: “protótipo da vinda dos gentios

à igreja”.196 Filson concentra-se em Maria, compreendendo que: “assim como

aquelas mulheres, de modo inesperado tinham um lugar na genealogia messiânica,

também Maria, pela incomum obra de Deus tornou-a mãe de Cristo”.197

Em 1.18-25 Jesus é anunciado por um anjo; ele procede do Espírito Santo

(1.20), portanto é divino, e procede de cumprimento de profecia, onde pela primeira

vez se vê uma citação do AT, de Isaías 7.14 (1.22-23).

No capítulo 2 de Mateus encontram-se os mesmos dois elementos. Em 2.1-12

alguns magos do Oriente, gentios, entram em cena, como homens que iriam adorar

a Jesus. A presença de gentios se acentua mais uma vez e em contraste com

Herodes, pois enquanto aqueles querem adorar, este quer exterminar. Herodes

consulta aos escribas e surge a segunda citação do AT (2.6; cf. Mq 5.2 [TM 5.1]).

Em 2.13-18, José leva sua família para região gentílica, o Egito, e se cumprem a

terceira (1.15; cf. Os 11.1) e a quarta profecias (1.18; cf. Jr 31.15). No retorno do

Egito cumpre-se, então, a quinta profecia do evangelho (2.23; cf. Is 11.1; Jz 13.5,7;

16.17 [LXX]).

No capítulo 3 Mateus inicia mostrando um cumprimento da profecia de Isaías

na pessoa de João Batista (3.3; cf. Is 40.3). Este é o sexto cumprimento e, embora

os gentios não sejam aqui destacados, por outro lado, os legítimos descendentes de

Abraão são severamente reprovados (cf. 3.9-10). É muito provável que Mateus

tenha colocado os magos do Oriente em contraste com esses fariseus e saduceus

(3.7) propositadamente. Essa seria apenas a primeira vez em que judeus e gentios

seriam contrastados no evangelho, pois nos capítulo 8, 14 e 15 a diferenciação entre

ambos se repete, o que voltará a ser abordado.

Jesus é anunciado (3.11-12) e posteriormente batizado (3.13-17), o que

marca o início de seu ministério público. O capítulo 4 começa com a narrativa do

diálogo entre Jesus e Satanás, sendo este o tentador. Nessa perícope ocorrem

cinco citações do AT, que não se caracterizam como cumprimento, a rigor, primeiro

195

GARCIA, Paulo Roberto, orientação realizada no dia 26 de dezembro de 2011, às 13h00min. 196

GUNDRY, R.H., Matthew, p. 15. 197

FILSON, Floyd V., A Commentary on the Gospel According to St. Matthew, London, Adam and Charles Black, 1971, p. 52-53.

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porque não são anunciadas como citação-formal e também os textos não são

apresentados como profecias, apenas incorporam o diálogo.

Dentro desse contexto insere-se, então, o texto em consideração, onde se

registram a sétima citação-cumprimento que destaca os gentios (4.15-16) e o início

efetivo do ministério de Jesus, quando ele começou a pregar arrependimento (4.17).

O anúncio da citação se enquadra na categoria na citação verbatim com

fórmula introdutória: “para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta Isaías”. O

primeiro verbo que merece destaque, já apresentado no primeiro capítulo, é plhrwqh/|,

no subjuntivo aoristo passivo. O verbo nessa forma define que a palavra de Isaías

estava sujeita ao cumprimento que ocorreu na vida de Jesus. O verbo ocorre oito

vezes em todo o evangelho (1.22; 2.15, 23; 4.14; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4), e em

todas elas para salientar um cumprimento de profecia veterotestamentária. Quatro

dessas citações são de Isaías (1.22 de Is 7.14; 4.14 de Is 8.23–9.1 [TM]; 8.17 de Is

53.4; 12.17 de Is 42.1-4).198

Nesse início Jesus inclui mais quatro pregadores chamados para percorrerem

com ele a região da Galileia (4.18-22), local onde ele combina a pregação com curas

e exorcismos (4.23-25).

3.1.1. O deslocamento geográfico de Jesus

O narrador apresenta uma mudança geográfica brusca de Jesus. Segundo o

texto, dois fatores são destacados nesse deslocamento de Jesus: a prisão de João

Batista e o cumprimento da profecia. João Batista surge pela primeira vez em 3.1 e

de repente é citado em 4.12, apenas de passagem. Somente no capítulo 3 ele é

apresentado como uma personagem em 1ª pessoa, depois ele é apenas narrado em

3ª pessoa, sendo citado por Jesus em 11.11, 12 e 17.13, e por outras pessoas em

14.2, 8 e 16.14, quando confundido com Jesus.

Diz o texto que Jesus, tendo ouvido a respeito da prisão do João Batista se

retirou. Ele usa o verbo no partc. aor. at., avkou,saj, que Gundry entende ser um típico

198

O texto de Mateus 1.22 é a exceção, por não aparecer o nome do profeta, embora alguns documentos tragam o seu nome. O substantivo Hsaiou está presente em D PC it sy

s.(c).h sa

ms Ir

lat pt.

Sobre isso Metzger comenta: “O nome é evidentemente uma explanação do escriba, pois se ele estivesse presente originalmente, não haveria razão adequada que justificasse sua ausência da maioria dos testemunhos gregos”, em METZGER, Bruce M., A Textual Commentary on the Greek New Testament, 2ª ed., Sttutgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2000, p. 7-8.

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mateanismo199 (um costume singular em Mateus de usar este verbo), no entanto,

Lucas usa esse verbo mais que o próprio Mateus.200

O verbo “sair”, avnacwre,w, é quase uma peculiaridade de Mateus, aparecendo

nove vezes em seu evangelho.201 Esse mesmo verbo é usado em 2.12, 14, 22 para

descrever “fuga”. Ao ouvir sobre a prisão de João Batista, Jesus teria fugido de

Nazaré ou simplesmente se retirado no mesmo período? Luz questiona que Jesus

tenha se “refugiado” para a Galileia. Ele se detém na informação textual, isto é,

Jesus se deslocou para pregar na Galileia dos gentios, com o fim de fazer cumprir a

profecia.202 Carson sugere que Jesus tenha se afastado “no momento” em que ouviu

a prisão de João e não “porque” João fora preso.203

Mais à frente ele também

comenta: “Que, daí em diante, ele comece a pregar em outro lugar é uma

consequencia de seu afastamento por questão de segurança, e não um sinal de

julgamento sobre as pessoas que não ouvirão”.204

No texto paralelo de Marcos (1.14), o evangelista usa o verbo h=lqen, pela

mesma razão, porque João fora preso. Para Gundry o sofrimento de João prefigura

o de Jesus e de seus discípulos.205 France comenta que: “A continuidade entre João

e Jesus é reconhecida pela ligação feita aqui, e ainda há um claro senso de

descontinuidade, de um novo e diferente ministério iniciado e uma nova

localização”.206

Diz o texto, então, que Jesus “foi morar em Cafarnaum, à beira mar, nos

confins e Zebulom e Naftali” (4.13). Jesus estava em Nazaré por cumprimento de

profecia (2.23) e agora na Galileia, também pelo mesmo motivo. Essa cidade é

essencial para o entendimento da rota estabelecida pelo evangelista de toda a obra

de Jesus, conforme France: “Galileia é o lugar onde a missão será

entusiasticamente lançada e desenvolvida (e a partir de onde, eventualmente, após

199

Veja GUNDRY, Robert. H., Matthew, p. 59. Moo oferece uma crítica a Gundry entendendo que ele exagera em seu conceito de “mateanismo”, veja em MOO, Douglas J., “Matthew and Midrash: an Evaluation of Robert H. Gundry’s Approach”, p. 36. 200

Mateus usa 8 vezes, contra 10 em Lucas. Veja CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 149. 201

Mt 2.12, 22; 4.12; 12.15; 14.13; 15.21; 27.5 contra uma vez em Marcos (3.7) e uma em João (6.15). 202

LUZ, Ulrich, Matthew 1–7, p. 194. 203

CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 147. 204

Ibid., p. 149. 205

GUNDRY, Robert H., Matthew, p. 59. A Nestle-Aland 27ª não traz o Ihsouj no texto, talvez por influência de Marcos 1.14. A expressão está presente nos seguintes documentos: C

2 L W Q 0233 f

1.13

Û vgcl sy

c.p.h bo

pt txt B C*

vid D Z 33. 700. 1241 pc ff

1 K vg

st sy

s sa mae bo

pt Or.

206 FRANCE, R.T., The Gospel of Matthew, p. 140.

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o conflito e a rejeição na Judeia, a missão será relançada para alcançar todas as

nações, 28.16-20)”.207

Ele começou o seu ministério na Galileia, onde fixava seu centro operacional;

ali ele chamou Pedro e André para o seguirem e pregou conquistando a atenção de

grandes multidões (4.18, 23, 25). Quando deixou a Galileia e se dirigiu à Judeia as

multidões continuaram a segui-lo (19.1). A identificação de ambas as cidades foi

importante para que ele fosse reconhecido pela sociedade, como o “nazareno da

Galileia” (21.11). Por fim, em Mateus, a Galileia é importante como território de

revelação pós ressurreição, pois ele avisou que ali estaria depois de ressurgir

(26.32) e assim aconteceu (28.7).208

3.1.2. Cafarnaum

A cidade de Cafarnaum é um cenário importante dos evangelhos, que

apresenta um palco de grandes obras operadas por Jesus. Ficava ao norte do lago

de Genesaré e na costa noroeste do lago da Galileia.209 A região de Cafarnum deve

ter sido um centro comercial e financeiro importante, pois conforme registra o

evangelho ali um centurião da guarda romana havia fixado residência (8.5), bem

como era um local de coleta de imposto (9.9; 17.24).

O capítulo 8 mostra uma grande quantidade de milagres em Cafarnaum,

onde Jesus é revelado como soberano sobre a condição física humana (8.5-17),

sobre a natureza (8.23-27) e sobre os demônios (8.28-34). Segundo o evangelho de

Lucas, Jesus se dirigiu a Cafarnaum (Lc 4.31) após ter sido rejeitados pelos seus

conterrâneos de Nazaré (Lc 4.16-30). Para Gundry, o trabalho evangelístico iniciado

em Cafarnaum prefigura o evangelismo mundial.210 Marcos registra Cafarnaum

somente após Jesus convocar Simão e André (Mc 1.16-21).

Mais à frente, no entanto, Jesus destaca negativamente a cidade de

Cafarnaum, pois embora tenha se tornado sua base de operação, no mesmo lugar

ele experimentou rejeição, conforme 11.23-24:

207

Ibid., p. 139. 208

“Em Mateus, a Galileia tem profunda relevância porque anuncia cumprimento de profecia (vv. 14-16) e aponta para a expansão do evangelho para ‘todas as nações’ (28.19)”, em CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 147. 209

Lucas denomina “lago”, li,mnh, da Galileia (veja em Lc 8.22, 23, 33), Mateus, Marcos e João

referem-se como “mar”, qa,lassa, (veja em Mt 4.15; 15.29; Mc 1.16; 7.31; Jo 6.1). 210

Veja GUNDRY, R.H., Matthew, p. 59.

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Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até o inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menos rigor haverá, no Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo.

A imprecação sobre a cidade de Cafarnaum comprova que, de fato, não

seguir a Jesus implica negar a oportunidade de salvação. Se ele veio para trazer

salvação do pecado ao seu povo, então rejeitar sua mensagem e seus sinais

significaria optar continuar no pecado. A citação de Isaías 14.13-15 era, sem dúvida,

um insulto, pois Cafarnaum estaria em pé de igualdade com a Babilônia.

3.2. Contexto literário de Isaías 8.23–9.1 [TM]

O contexto de Isaías que parece mais relevante para a presente abordagem

abrange os capítulos 7.1–9.7, cujo conteúdo é evidentemente de expectativa

messiânica, especialmente pela descrição da criança aguardada em 9.5-7.

Em 735 a.C. a primeira investida de Rezim, rei da Síria, e de Peca, rei de

Israel, contra Acaz, rei de Judá, foi frustrada (7.1), então a Síria se aliou a Efraim, o

que causou temor em Acaz e em todo o seu reinado (7.2). Acaz estava

desesperado devido às alianças políticas que estavam sendo feitas para a sua

destruição, por isso o Senhor enviou o profeta para acalmá-lo (7.3-9) e persuadi-lo a

pedir um sinal (tAa211) (7.10, 11). Este seria um sinal que provaria a confiança de

Acaz em Deus e o consequente favor de Deus a Israel em resposta à sua fé. Isaías

estava junto ao seu filho, Shear-Jashub, “Um-Resto-Volverá” (bWvy" ra"v. – 7.3), um

nome significativo que se refere a um “remanescente”.

Acaz se recusou a pedir o sinal sob o pretexto de não querer pecar por

tentar ao Senhor Deus. No entanto, seu real problema foi descoberto, a falta de

confiança em Deus, o que foi consequentemente condenado (7.12, 13). Junto à

advertência do profeta a famosa profecia do nascimento do Emanuel é anunciada

(7.14). É dito que antes que essa criança discernisse entre o certo e o errado (7.15,

16), Judá sofreria sob o poder de outra nação, a Assíria (7.17). O profeta anuncia de

maneira detalhada o sofrimento que viria sobre Jerusalém (7.17-25).

O Emanuel é favorecido com uma alimentação de leite e mel, um símbolo

de prosperidade (Nm 13.27; Dt 27.3; 31.20) em contraste com a devastação

vindoura a Judá narrada nos vs. 21-25. No cap. 8 uma criança nasce da profetiza,

211

O sinal em Isaías vem sempre acompanhado de uma palavra profética (Is 20.3; 38.22; 66.19)

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Maher-Shalal-Hash-Baz (zB; vx' ll'Þv' rhEm; – 8.3), Rápido-Despojo-Presa-Segura, que

simboliza a destruição. A figura das águas tranquilas de Siloé (8.6) substituídas pelo

tormento das águas do Eufrates (8.7) servem de metáfora para o juízo sobre Judá.

Então, o Emanuel aparece novamente (8.8).

O contexto de juízo em Isaías já inicia no seu primeiro capítulo (1.1-31; 3.1–

4.1; 5.1-30; 6.10-13), ao passo que essas mensagens são balanceadas com

esperança de restauração que confirmam a fidelidade de Deus por ele não

abandonar o seu povo. Israel será corrigido, por isso é convidado para andar na luz,

isto é, na lei do Senhor (2.1-5). Deus promete manifestar a sua glória, além de

preservar um Renovo e lavar de Israel as suas iniquidades (4.2-6).

A esperança começa a criar forma novamente em 8.9-18. A mensagem de

julgamento ultrapassa os limites de Judá e se direciona para os países estrangeiros

(8.9,10). A profecia torna-se mais presente e mais aplicativa, onde a nação é

exortada a confiar no Senhor e não temer as nações inimigas (8.11-18).

Isaías 8.19–9.7 é adicionado como contexto maior para o estudo de 9.1-2

pela ligação entre o Emanuel com o extraordinário menino retratado como

“Maravilhoso”, “Conselheiro”, “Deus Forte”, “Pai da Eternidade” e “Príncipe da Paz”.

O profeta adverte a nação contra a idolatria (8.19), caracterizada como

escuridão e trevas (8.22-9.2). O antídoto contra essa escuridão é a própria lei de

Deus (8.20). A opressão que o povo sofreria (9.4,5) seria substituída pelo perfeito

governo da criança messiânica (9.6,7).

O fim do capítulo 8 se torna ainda mais interessante e relevante para o

contexto de Mateus. Nesse ponto a análise tipológica deverá ser útil especialmente

por se tratar de um método flexível e amplo, visto que ao mesmo tempo em que não

exige comparações exatas entre palavras e sintaxes, permite correspondências

entre as similaridades, mesmo que implícitas. Se isso estiver correto, então a

citação de Mateus deve ter levado à memória de seus leitores todo o contexto de

Isaías.212

212

“Que o nome do profeta é ausente [do anunciado da citação] sugere, ainda mais, uma audiência muito familiarizada com essa parte da tradição comum”, CARTER, Warren, “Evoking Isaiah: Matthean Soteriology and an Intertextual Reading of Isaiah 7–9 and Matthew 1:23 and 4:15-16”, p. 509.

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3.3. Comparações e similaridades entre Isaías e Mateus

3.3.1. Geografia dos textos

A citação de Mateus 4.15 é feita em forma de aposição,213 em quatro

expressões que destacam a região desprezada a qual receberia agora a visitação

divina: “Zebulom e Naftali”, “caminho do mar”, “além do Jordão” e “Galileia dos

gentios”. Zebulom foi o sexto filho que Lia dera a Jacó (Gn 30.20; 35.23; 46.14) e

sua raiz, lbz, pode significar “exaltado, honrado”; posteriormente Zebulom se tornou

uma tribo em Israel (Nm 1.9; Dt 27.13; 33.18). As tribos de Zebulom e Naftali

obtiveram destaque com Débora e Balaque na libertação da servidão sob Canaã (Jz

4.6; 5.18).

Uma característica inicial a realçar na citação da terra de Zebulom é o fato

de Jesus ter estabelecido a cidade de Cafarnaum como sua residência fixa,

localizada em Naftali e não em Zebulom. Esta era a localização de Nazaré, a cidade

de onde ele vinha (2.23).

A justificativa para a citação de Mateus conter Zebulom ao lado de Naftali é

a citação de Isaías e o contexto de exílio e derrota: “Nos dias de Peca, rei de Israel,

veio Tiglate-Pileser, rei da Assíria, e tomou a Ijom, a Abel-Bete-Maaca, a Janoa, a

Quedes, a Hazor, a Gileade e à Galileia, a toda a terra de Naftali, e levou os seus

habitantes para a Assíria” (2Rs 15.29). Para Luz, a presença de Zebulom na citação

aplica-se ao seu ministério na Galileia como um todo.214 Carson diz a respeito:

Mas Mateus está interessado em apontar a localização de Cafarnaum em relação a antiga distribuição das terras entre as tribos de Zebulom e Naftali como demonstração da minúscula correspondência com a profecia citada nos versículos 15 e 16.

215

Menken sugere que Mateus tenha compreendido a Galileia como o ponto de

encontro entre a profecia e o movimento de Jesus.216 Essa informação se justifica

ao observar Mateus 13.53-58, onde a audiência de Nazaré responde negativamente

aos ensinos de Jesus, tanto quanto Cafarnaum (veja em Mt 11.23-24).

A segunda expressão “caminho do mar”, o`do.n qala,sshj, é traduzida pela

ARA e NVI como “caminho do mar” e pela 4ª edição da ARC como “junto ao

213

Veja FRANCE, R.T., The Gospel of Matthew, p. 142. 214

LUZ, Ulrich, op. cit., p. 196. 215

CARSON, D.A., op. cit., p. 148. 216

MENKEN, Maarten J.J., op. cit., p. 20.

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caminho do mar”. Essa era a estrada de Roma conhecida como via Maris, segundo

Hagner, que conectava Damasco com a costa do Mediterrâneo.217 Carson sugere

que uma tradução mais apurada seria “direção do mar”, por ser próximo ao mar da

Galileia.218

A terceira expressão, “além do Jordão” – pe,ran tou/ VIorda,nou, acontece em

três evangelhos para destacar o ministério itinerante de Jesus e seu carisma com a

multidão; três vezes em Mateus (Mt 4.15, 25; 19.1), duas em Marcos (Mc 3.8; 10.1)

e três em João (Jo 1.28; 3.26; 10.40). O primeiro destaque do Jordão no evangelho

de Mateus é o ministério de batismo e pregação de João Batista, porquanto pessoas

dos arredores do rio Jordão vinham ao seu encontro (Mt 3.5). Hagner entende que o

evangelista se refira ao leste do Jordão,219 no entanto, destaca que o ministério de

Jesus na Galileia foi até Decápolis, atravessando o Jordão. Menken comenta que:

“a região além do Jordão não é mencionada em Mateus 4.12-13, mas a

configuração de Jesus em Cafarnaum torna possível que o povo atravessasse o

Jordão para ir testemunhar a obra de Jesus”.220 Carson relativiza o entendimento

mais comum e entende a dificuldade de compreender a perspectiva exata do

escritor:

Normalmente, “além do Jordão” refere-se à margem leste, mas devemos ter em mente a perspectiva vantajosa do falante e, às vezes, ela pode se referir à margem oeste (e.g., Nm 32.19; Dt 11.30; Js 5.1; 22.7). O hebraico é traduzido mais naturalmente por “além do Jordão”. É mais provável que Isaías visse os assírios vindo do nordeste; à medida que eles infligiam progressivamente julgamento sobre as nações, eles vieram de “além do Jordão” para a margem oeste. Assim, talvez a tradução de Mateus simplesmente preserve essa mesma circunstância – nesse caso, há mais uma referência ao

“exílio”, agora, findo com a vinda do Messias...? A LXX insere um kai. (kai, “e”) antes de “além do Jordão”, eliminando o problema formando duas regiões. Contudo, se Mateus está refletindo sua própria circunstância, é possível que ele esteja escrevendo da margem oeste... , talvez da Decápolis.

221

Por fim, a última expressão, “Galileia dos gentios”, é a referência geográfica

mais importante, porque é a ela que tanto o profeta quanto o evangelista querem

atingir.222 É na Galileia que a luz do Messias brilharia.223 Conforme afirmado acima,

217

HAGNER, Donald A., op. cit., p. 73. 218

Veja CARSON, D.A., op. cit., p. 148; MENKEN, Maarten J.J., op. cit., p. 20. 219

HAGNER, Donald A., op. cit., p. 73; 220

MENKEN, Maarten J.J., op. cit., p. 21. 221

CARSON, D.A., op. cit., p. 150. 222

“Galielia dos gentios” é chamado de: “ponto chave da citação”, em GUNDRY, Robert H., Matthew, p. 60; e geograficamente, a citação: “mais importante de Mateus”, em LUZ, Ulrich, op. cit., p. 194.

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a Galileia é arena de revelações, curas e ensinos de Jesus, além de ser de profundo

significado tanto político-social como soteriológico: “Percorria Jesus toda a Galileia,

ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de

doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23). Mateus oferece pistas de onde se

desenrolará o ensinamento de Jesus. Embora o seu ministério público tenha se

restringido aos judeus, o capítulo 4 apenas preanuncia o que vai se expandir em

28.16-20.224

Tanto Isaías quanto Mateus se preocuparam em apresentar a luz aos

gentios da Galileia. O primeiro estava ciente da situação pós exílio, o que o levou ao

convite para que todas as nações que pudessem ouvir, para que participassem do

“banquete” do aprendizado na lei do Senhor (veja Is 42.6; 49.6-7; 55.1-5). O

segundo, tendo em vista a pluralidade existente no judaísmo do 1º século, se

concentrou em Jesus, proclamando-o como aquele que “levou luz” à sombria

Galileia.

3.3.2. Luz e trevas

3.3.2.1. Luz e trevas em Isaías

A característica retomada por Mateus de Isaías é a mesma intencionada por

Isaías quando disse na primeira vez, que a Galileia é um lugar onde as trevas são

mais densas. A palavra por si só sugere mais poesia do que um lugar físico. Esse é

o sentido metafórico de tw<m'l.c;, “sombra da morte”, no AT:

Jó 10.22: “terra de negridão, de profunda escuridade, terra da sombra da

morte (tw<m'l.c;) e do caos, onde a própria luz é tenebrosa”;

12.22: “Das trevas manifesta coisas profundas e traz à luz a densa

escuridade (tw<m'l.c;)”.

16.16: “O meu rosto está todo afogueado de chorar, e sobre as minhas

pálpebras está a sombra da morte (tw<m'l.c;)”

223

Veja STENDHAL, Krister, The School of Matthew, p. 105. 224

Para Carter a citação da Galileia refere-se literalmente ao território que estava sob possessão do império romano. Ou seja, a profecia é uma promessa de libertação do domínio de Roma, assim como seria do domínio assírio no tempo de Isaías. Ele propõe que Galilai,a tw/n evqnw/n deveria ser traduzido por “Galileia sob os gentios”. Veja em CARTER, Warren, “Matthew and the Gentiles”, p. 266.

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Jó 24.17: “Pois a manhã para todos eles é como sombra de morte (tw<m'l.c;);

mas os terrores da noite lhes são familiares”.

Jó 38.17: “Porventura, te foram reveladas as portas da morte ou viste essas

portas da região tenebrosa (tw<m'l.c;)?”

Salmo 23.4: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte (tw<m'l.c;), não

temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado

me consolam”

Amós 5.8: “procurai o que faz o Sete-estrelo e o Órion, e torna a densa treva

(tw<m'l.c;) em manhã, e muda o dia em noite; o que chama as águas do mar e

as derrama sobre a terra; Senhor é o seu nome”.225

A “sombra da morte” caracteriza a pior condição possível, seja moral ou

social. No texto de Isaías ambas as aplicações estão presentes. O subst. @['Wm

nesse texto é um hapaxlegomena e faz paralelo com %v,xo. O uso de trevas em Isaías

é na maioria da vezes metafórico e quase sempre com conotação moral, isto é, o

oposto daquilo que é bom, santo ou justo (5.20, 30; 42.7; 45.7; 59.9), mas também

observam-se ocorrências de trevas em sentido literal, o oposto da luz (13.10; 45.3).

Nessa situação o povo se abateu e se encontrou em “trevas”, impedido de

utilizar seus recursos e usufruir de seu próprio território. O povo estava “angustiado”

(Is 8.22 – hr"c'). Por conta disso, Deus prometeu enviar luz para dissipar todas as

trevas, e essa luz seria tão poderosa que destruiria a ignorância em que o povo se

encontrava: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua

manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Is 1.3). O

que o povo tinha que conhecer e não conhecia nessa situação era a lei de Deus e

por essa razão lhes foi enviado um duro discurso para que reaprendessem a lei:

“Ouvi a palavra do Senhor, vós, príncipes de Sodoma; prestai ouvidos à lei do nosso

Deus, vós, povo de Gomorra” (Is 1.10). Todos estavam reprovados, ainda que

tivessem um conhecimento formal da lei, seguindo Isaías 1.11, 13, 14:

225

Veja também Jó 16.16; 34.22; 38.17; Sl 23.4

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De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? – diz o Senhor. Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes... Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Luz Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniquidade associada ao ajuntamento solene. As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer.

Ao passo que o profeta condenava o povo de falta de entendimento e

formalidade infrutífera do cumprimento da lei, nota-se também que o direcionamento

da mensagem é prioritariamente “aos príncipes” porque eles eram responsáveis

pela injustiça em seu governo: “Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de

ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não

defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas” (Is 1.23;

veja também 3.8-11; 5.8-22); igualmente os anciãos: “O Senhor entra em juízo

contra os anciãos do seu povo e contra os seus príncipes. Vós sois os que

consumistes esta vinha; o que roubastes do pobre está em vossa casa” (Is 3.14).

Paralelo à corrupção, injustiça e descaso com os necessitados, Isaías também

condena a corrupção espiritual: “Os ídolos serão de todo destruídos” (Is 2.18).

O povo, no entanto, não é inocente e vítima indefesa, mas promovedor de

iniquidades tão condenáveis quanto às de seus príncipes, devido à dureza de seus

corações (Is 6.9-11). O povo estava em pecado contra Deus por não santificá-lo e

nem reconhecê-lo como único em suas vidas (Is 8.11-22).

Nessa situação Isaías lança esperança, fazendo estreita associação entre a

luz e a lei do Senhor, ou seja, se o povo está padecendo por falta de entendimento,

disciplina e idolatria, então a luz viria por meio do conhecimento. Além do próprio

Israel, o conhecimento dessa luz seria expandido e todas as nações seriam

convidadas a participar dessa instrução, conforme Isaías 2.2-5:

Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos (~yIAGh;-lK'). Irão muitas nações e dirão:

Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei (hr"At), e a palavra do Senhor, de

Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra. Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz (rAa) do Senhor.

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Os três destaques mais importantes desse texto para elencar e considerar

em paralelo com a declaração de 8.23–9.1 são: “todos os povos” (~yIAGh;-lK') e

“nações” (~yMi[;); “lei” (hr"At) e “palavra do Senhor” (hw"hy>-rb;d>); e “andemos na luz” (rAaB.

hk'l.nE). Com respeito às “nações”, Isaías usa de maneira intercambiável ~yIAGh, “goym”

e ~yMi[;, “amim”, portanto são sinônimas nessa perícope. Ele antecipa o que declarará

de maneira ainda mais contundente em 9.1, pois os gentios não estão excluídos no

plano redentor de Deus e de ensino da sua lei. O messianismo presente em Isaías e

a atração das nações está espalhada pelo livro:

11.10: “Naquele dia, recorrerão as nações (~yIAG) à raiz de Jessé que está

posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada”.

34.1: “Chegai-vos, nações (~yIAG), para ouvir, e vós, povos, escutai; ouça a

terra e a sua plenitude, o mundo e tudo quanto produz”.

De maneira ainda mais específica, encontram-se paralelos entre “nações” e

“luz”:

42.6: “Eu, o Senhor, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te

guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo e luz para os gentios

(~yIAG rAal.)”

49.6: “Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de

Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz

para os gentios (~yIAG rAal.), para seres a minha salvação até à extremidade

da terra”

60.3: “As nações se encaminham para a tua luz (%rEAal. ~yIAG), e os reis, para o

resplendor que te nasceu”

No que se refere à lei, ou torá – hr"At, a palavra não aparece no texto da

citação, porém em seu contexto. Tendo em vista que o povo estava se corrompendo

com a prática de necromancia e adivinhação (veja Dt 18.9-14), o profeta o advertiu

para que retornasse ao conhecimento de Deus, por meio da lei. A lei, como luz,

dissiparia a escuridão da ignorância e traria o entendimento correto: “À lei (hr"At) e

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ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Is 8.20).

Uma expressão importante que constata o estilo de vida errôneo que o povo vivia,

ao mesmo tempo que lança luz sobre o “caminhar nas trevas” é a advertência que

Deus dera ao profeta para que se afastasse da maneira de viver daquele povo:

“Porque assim o Senhor me disse, tendo forte a mão sobre mim, e me advertiu que

não andasse pelo caminho (%r<d<B. tk,L,mi) deste povo” (Is 8.11). O verbo %l;h' usado no

qal inf. construto tem o mesmo sentido usado em 9.1, em qal particípio, indicando

ação. Esse “caminhar” carrega uma semântica mais rica do que um mero

movimento, mas retrata um estilo de vida, assim como “Enoque andou (%Leh;t.YI) com

Deus” (Gn 5.22), ou “Noé andava (%L,h;t.hi) com Deus” (Gn 6.9).

Tudo leva a entender, portanto, que “o povo que andava em trevas” não

eram apenas os gentios, mas também o próprio Israel. Uma vez que o verbo tenha

o povo como seu sujeito na frase, ele não é inocentado no tribunal de Deus, mas

passivo de punição. Ainda assim, lhe será dada a luz para que aprenda a caminhar

em justiça e retidão. Quanto à “luz”, não é incomum encontrá-la como referências à

lei, ou mandamento de Deus (veja Sl 119.105; Pv 6.23).

3.3.2.2. Luz e trevas em Mateus

No apocalipticismo de Qumran, na Regra da Comunidade 1QS 1.9-11,226 é

feita uma divisão entre “filhos da luz” e “filhos das trevas”,227 formando um dualismo

que, conforme Fitzmyer, não se encontra no AT ou em qualquer outra literatura

rabínica, mas é única nos RMM e provida de muito material, enquanto é implícita no

NT [Lc 16.8; Jo 12.36; 1Ts 5.5; Ef 5.8].228 Então, ele também afirma que: “Parece

que os antigos cristãos, então, tomaram emprestado essa expressão, ‘filhos da luz’,

da tradição da literatura palestina judaica para designarem-se”.229

Segundo Duhaime: “A literatura de Qumran constrói sobre esses

fundamentos e faz uso da imagem da luz e trevas principalmente para convergir seu

226

“… a fim de amar a todos os filhos da luz, cada um segundo a sua determinação no plano de Deus, e a detestar a todos os filhos das trevas, cada um de acordo com sua culpa na vingança de Deus...” 227

Veja DUHAIME, Jean, “Light and Darkness”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, op. cit., vol. 1, p. 495. 228

Veja FITZMYER, Joseph A., S.J., The Dead Sea Scrolls and Christians Origins, Grand Rapids, Eerdmans, 2000, p. 36. 229

Ibid. p. 36.

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entendimento da ordem cósmica e seus ensinos dualistas”.230 Essa afirmação se

enquadra com a maneira contrastante como o Testamento de Levi 4Q541 9.4-5

apresenta luz e trevas: “Seu eterno sol brilhará e seu fogo queimará em todos os

confins da terra; sobre as trevas seu sol brilhará. Então, a escuridão desaparecerá

da face da terra, e a angústia do mundo”.

Agora, tendo considerada a importância do paralelo “luz e trevas” em Isaías,

o uso desse mesmo paralelo feito por Mateus se torna ainda mais esclarecedor. O

substantivo trevas, sko,toj, é usado por Mateus para indicar:

a) Desafio à comunidade:

6.23: “se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em

trevas (skoteino.n). Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas (sko,toj),

que grandes trevas (sko,toj) serão!”

10.27: “O que vos digo às escuras (skoti,a|), dizei-o a plena luz; e o que se

vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados”

b) Lugar de sofrimento, para quem não anda na luz:

8.12: “Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas

(sko,toj); ali haverá choro e ranger de dentes”.

22.13: “Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e

lançai-o para fora, nas trevas (sko,toj); ali haverá choro e ranger de dentes”.

25.30: “E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas (sko,toj). Ali haverá

choro e ranger de dentes”.

c) Caso singular, onde as trevas aparentemente prevalecem: 27.45: “Desde a hora sexta até à hora nona, houve trevas (sko,toj) sobre toda

a terra”

230

DUHAIME, Jean, “Light and Darkness”, in: SCHIFFMAN, Lawerence H. and VANDERKAN, op. cit., vol. 1, p. 495.

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O versículo 6.23 parece aproximar-se mais ao sentido do estado moral e

espiritual dos judeus e gentios, mais ainda do que social e político. Pois da mesma

maneira que Isaías descreve o “andar nas trevas”, assim também Mateus mostra

que aquele que não está andando com Cristo, está em oposição a Deus (9.16-17;

10.23-27, 32-38; 12.30). A diferença que Mateus faz de Isaías na descrição talvez

seja mais contundente. Enquanto Isaías descreve “ação” (“estão andando” – ~ykil.hoh;),

Mateus descreve “estado” (“estão sentados” – kaqh,menoj). Mateus poderia ter

traduzido %l;h' por peripate,w – “andar, caminhar”, para ser mais literal, mas preferiu

dar mais significado ao “modo de vida”. Ou seja, os gentios estão consolidados nas

trevas, cristalizados em uma vida totalmente contrária aos mandamentos de Deus,

ao passo que em Isaías, eles ainda estavam praticando impiedade e definindo suas

vidas no erro.

Agora, quanto ao raiar da luz, fw/j, sobre as trevas, nota-se um curioso

paralelismo invertido entre as duas frases da citação em Mateus:

o` lao.j o` kaqh,menoj evn sko,tei fw/j ei=den me,ga

kai. toi/j kaqhme,noij evn cw,ra| kai. skia/| qana,tou fw/j avne,teilen auvtoi/j

o povo que jazia em trevas viu grande luz

e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz

Na primeira frase a luz está no acusativo, em objeto direto, enquanto na

segunda frase ele assume o papel nominativo, de sujeito. No primeiro caso a luz

está passiva a ser contemplada, à ação dos que estão em trevas, enquanto no

segundo ela assume a posição de agir e brilhar sobre os homens que estão em

trevas. A importância desse detalhe está em realçar a importância da luz e de sua

fascinação. Ela domina a atenção de ambas as frases.

A palavra “luz”, fw/j, aparece em Mateus mais como característica moral do

que denotativamente, especificamente no sermão do monte, que na geografia

textual, cujas ocorrências ficam próximas à citação:

5.14: “Vós sois a luz (fw/j) do mundo. Não se pode esconder a cidade

edificada sobre um monte”

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5.16: “Assim brilhe também a vossa luz (fw/j) diante dos homens, para que

vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”

6.23: “se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em

trevas. Portanto, caso a luz (fw/j) que em ti há sejam trevas, que grandes

trevas serão!”

A luz é identificada com Jesus e, posteriormente, com os discípulos. Com

exceção dessa citação específica de Mateus, João é o único evangelista onde Jesus

é identificado como a luz (Jo 1.4-5, 8-9; 3.19-21; 8.12; 9.5; 11.9-10; 12.35-36, 46). E

depois de Mateus somente Lucas relaciona “luz” com “gentios”: “luz (fw/j) para

revelação aos gentios (evqnw/n), e para glória do teu povo de Israel” (Lc 2.32).

Para Carter, “angústia” e “trevas” se limitam apenas à situação político-

social; o subst. “trevas” constitui-se imaginário de “opressão ao fraco e necessitado

(Sl 81.5; Jó 24.2-17)”.231 A “luz” que brilharia sobre o povo (9.1) representava

apenas a situação de Deus ao reverter aquela situação.232 Em Mateus, portanto, a

agressão imperial estaria sendo revivida através do governo de Roma. Por fim,

Carter afirma categoricamente: “Trevas não denotam condição espiritual, mas

política, social, econômica e ações e estruturas religiosas (tais como imperialismo)

contrários ao propósito de Deus”.233

Embora não radical quanto Carter ao negar aplicabilidade espiritual ao texto,

France comenta sobre “luz” e “trevas” como descrições de transição de

desesperança para esperança em Isaías, em seu contexto mais imediato, como se

tratasse de renovação do povo, após “a devastação causada pela invasão

assíria”.234 Semelhantemente, Luz compreende que o grande marco dessa luz seria

o nascimento do “davidismo como sinal para uma iminente libertação das três

províncias de Dor, Megido e Gileade, que tinham sido ocupadas pelos assírios”.235

Sendo assim, ele também compreende que: “a interpretação mateana da citação

231

Veja CARTER, Warren, “Evoking Isaiah: Matthean Soteriology and an Intertextual Reading of Isaiah 7–9 and Matthew 1:23 and 4:15-16”, p. 517. 232

Veja ibid., p. 515. 233

Veja ibid., p. 517. 234

FRANCE, Richard, The Gospel of Matthew, p. 143. 235

LUZ, Ulrich, op. cit., p. 196.

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não pode concordar com o sentido original”,236 ou seja, houve uma interpretação

imediatista semelhante à dos sectários de Qumran, uma atualização da mensagem.

A tipologia dessa consideração se justifica no fato de Mateus observar que

com a chegada de Jesus, aquilo que estava em trevas se tornou ainda mais saliente

e observável, pois a luz, que é Jesus, contrastou radicalmente com o status quo da

condição social, política e muito mais moral e espiritual tanto dos judeus como dos

gentios. Conforme Carson: “se a luz messiânica raia nos lugares com mais trevas,

então a salvação do Messias só pode ser uma concessão de graça – a saber, que

Jesus veio para chamar não os justos, mas os pecadores (9.13)”.237

Também Calvino diz:

Agora, nós sabemos que o reino de Cristo é espiritual e, portanto, a luz da salvação que ele traz, e toda a assistência que deriva dela, deve corresponder à sua natureza... O discurso do profeta se refere, sem dúvida, para a destruição da nação, mas nos apresenta, como por um espelho, qual é a condição da humanidade, até que sejam rendidos à graça de Cristo.

238

Se por um lado, como defende Carter, considerar que a mensagem principal é

espiritual fará com que se perca o contexto, por outro, considerar o contexto

desmerecendo a mensagem principal, perder-se-á o propósito maior de Mateus ao

resgatar e ecoar todo o contexto de Isaías em seu evangelho, que era apresentar

Jesus como a luz e libertação do pecado.

3.3.3. Gentios

O uso de “nações” em Isaías já esboçado acima comprova a importância do

tema na missão do próprio AT. No evangelho de Mateus não é diferente, pois

embora em alguns momentos Jesus pareça restringir a evangelização a Israel, em

outros ele deixa claro que os gentios estavam dentro do seu cronograma

missionário, que serviram de protótipo à grande comissão.

3.3.3.1. Judeus e gentios na Galileia

Há um entendimento geral que a Galileia era consideravelmente habitada

por estrangeiros, conforme Smillie, aos arredores dos lugares onde Jesus exercia o

236

Veja ibid., p. 196. 237

CARSON, D.A., op. cit., p. 148. 238

CALVIN, John, op. cit., p. 208.

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seu ministério.239 France comenta que deve-se considerar que a deportação dos

israelitas da Galielia pelos assírios (2Rs 15.29) e depois a conquista assíria (2Rs

17.24-34) faria com que a recolocação de judeus fosse feita por estrangeiros. Nos

tempos do NT a população já estava misturada. Conforme se pode desconfiar desde

o período dos macabeus, conforme 1 Macabeus 5.14-23:

Estavam ainda a ler essas cartas, quando chegaram da Galileia outros mensageiros, com as vestes laceradas, referindo coisas semelhantes: “De Ptolemaida, diziam eles, de Tiro e de Sidônia coligaram-se contra nós, com toda a Galileia dos gentios (Galilai,an avllofu,lwn240), a fim de nos aniquilarem!” Apenas Judas e o povo

ouviram essas palavras, reuniu-se uma grande assembleia para deliberar sobre o que fazer em favor dos irmãos que estavam na tribulação, atacados pelos gentios. E Judas disse a Simão, seu irmão: “Escolhe os homens que quiseres e vai libertar teus irmãos que estão na Galileia. Quanto a mim e Jônatas, meu irmão, iremos ao Galaad”. Na Judeia deixou José, filho de Zacarias, bem como Azarias, chefe do povo, com o restante do exército, para fazer a guarda. E deu-lhes esta ordem: “Presidi ao povo mas não vos metais em batalha contra os gentios até que voltemos”. A Simão foram designados três mil homens, para a expedição à Galileia, e a Judas oito mil para a região do Galaad. Simão partiu para a Galileia e travou muitas batalhas com os gentios, que foram desbaratados diante dele. Perseguiu-os ainda até à porta de Ptolemaida e, tendo morto cerca de três mil dentre eles, apoderou-se de seus despojos. Tomou então consigo os judeus da Galileia e de Arbates com suas mulheres e crianças e com todos os seus pertences, e os conduziu para a Judeia com imensa alegria. Entretanto, Judas Macabeu e Jônatas, seu irmão, passaram o Jordão e marcharam três dias pelo deserto.

Segundo Smillie, em 609 a.C. a força assíria entrou em colapso, porém os

hebreus não tiveram força suficiente para se reorganizarem e resistir às hegemonias

subsequentes, a começar da Babilônia, depois Pérsia, o exército de Alexandre,

ptolomeus e selêucidas e, então, Roma. Certamente, cada uma dessas culturas

deixou a sua marca.241 Keener afirma que a Galileia tinha um “intercurso social” com

gentios242 e, realmente, a Palestina teve quatro séculos de assimilação de cultura e

contato com estrangeiros. Porém, deve-se tomar o cuidado em não exagerar na total

descaracterização do judaísmo no 1º século. Sobre isso Carson acredita que:

na época de Jesus, embora grande parte da população fosse misturada por causa da proximidade dos povos gentios em regiões

239

SMILLIE, Gene R., “‘Even the Dogs’: Gentiles in the Gospel of Matthew”, JETS, 45.1, 2002, p. 77-78. 240

O subst. avllo,fuloj – estrangeiro, gentio – é mais específico que e;qnoj, usado por Mateus, e

aparece no NT apenas uma vez (At 10.28). 241

SMILLIE, Gene R., op. cit., p. 77-78. 242

Veja KEENER, A Commentary on the Gospel of Matthew, p. 147.

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circunvizinhas e da importação de colonos durante a época da conquista macabeana, a população judaica era mais substancial.

243

3.3.3.2. O lugar dos gentios em Mateus

O primeiro substantivo de 4.16 é lao.j, que aparece apenas três vezes no

evangelho. Em 15.8, por fazer citação de Isaías, a referência parece ser direta aos

judeus, enquanto em 27.25 o termo é indiscriminado. Quanto ao termo e;qnoj, de

4.15, em suas variações ocorrem para exemplificar erro e oposição (5.47; 6.7, 32;

20.19; 24.9); deferência (10.5; 18.17; 20.25); alvo de evangelização e salvação

(10.18; 12.18, 21; 21.43; 24.14; 28.19); descrição neutra (24.7; 25.32).

Hare e Harrington entendem que e;qnh nunca se aplica a Israel, mas somente

a gentios em todo o evangelho.244 Meier responde discordando da generalização,

porém concorda que “Galileia dos gentios”, de Mateus 4.15, refere-se a “gentios”

somente.245

Seguindo a narrativa do evangelho, Jesus, em seu ministério público, se

concentrou em Israel e proibiu os seus discípulos de seguirem rumo aos gentios

(10.5); por outro lado, Jesus não economizou em suas maldições contra Israel,

quando percebeu indiferença ou oposição a ele. Jesus rejeitou os judeus (21.43), os

fariseus (capítulo 23) e os saduceus (16.6). Sobre a orientação de Jesus aos seus

discípulos para que se concentrassem em Israel, Hare e Harrington compreendem

que a redação de Mateus do capítulo 10 tinha por perspectiva a grande comissão

pós ressurreição:

Em Mt 10, ele dedica uma grande quantidade de espaço para instruir os Doze antes da sua missão na Galileia, mas omite qualquer menção da missão em si e do retorno. Ele faz isso porque seu interesse não está na turnê de pregação pré ressurreição, mas sim na falha da atividade de pós ressurreição evangelística em Israel. Esse mesmo interesse na missão pós ressurreição e seu fracasso também são refletidos em Mt 23.34-39; 5.10-12 e Mt 22.6,15. Para Mateus essa falha foi preordenada (13.11-15); rejeição de Israel de Deus e seu Messias resultaram na rejeição de Deus de Israel (21:43; 22:7-8;23:38). Embora o plano divino exigisse que o evangelho fosse pregado primeiramente aos judeus (10.5; Cf 15.24, 26), para Mateus, o tempo da missão a Israel como Israel terminou. Os missionários do evangelho foram submetidos a flagelos judiciais (10.17; 23.34) e atormentados de cidade em cidade (10.23; 23.34). Os cristãos de origem judaica já não pertencem às “sinagogas deles” (4.3, 9.35,

243

CARSON, D.A., O Comentário de Mateus, p. 148. 244

HARE, Douglas R A. and HARRINGTON, Daniel J., Source, “Make Disciples of All the Gentiles”, CBQ, 37, nº 3, 1975, p. 359-363. 245

MEIER, John P., “Nations or Gentiles in Matthew 28:19?”, in: CBQ, 39.1, 1977, p. 95.

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10.17, 12.9; 13.54), que são as sinagogas dos hipócritas (6.2, 5; 23.6, 34).

246

No que se refere aos gentios, Jesus deixou clara a necessidade de salvação

deles e, embora não os isente de culpa em seus discursos, enfatiza mais a

necessidade de arrependimento.247 Hare e Harrington veem uma diferença tão

radical entre gentios e judeus que afirmam: “Mateus não prevê a conversão de Israel

como uma nação; o tempo para isso passou. Seu evangelho reflete as condições de

um período em que a separação entre Israel e a igreja é definitiva”.248

Do mesmo modo que as mulheres na genealogia de Jesus e os magos do

Oriente se destacaram na narrativa de Mateus 1–2 em contraste com os fariseus do

capítulo 3, assim também nos capítulos 8, 14 e15.

Em 8.5-13, na narrativa de cura do servo do centurião, Jesus se impressiona

ao testemunhar a fé do soldado romano, quando se recusa a recebê-lo em sua casa

(8.8-10) e diz: “Ouvindo isso, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam: Em

verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que

muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão,

Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados

para fora, nas trevas” (8.10-12).249 Paralelo a essa narrativa, de exaltação à fé do

romano, Jesus fez severa reprovação aos seus discípulos que, por sinal eram

judeus, quando se amedrontaram perante a tempestade do mar, em 8.23-27,

caracterizando-os como “homens de pequena fé” (8.26).

Em 14.22-32 o apóstolo Pedro desafia a Jesus para andar sobre as águas.

Jesus o chama e ele vai, começa caminhando, mas depois teme e começa a

afundar. Nesse momento Jesus o denominou, novamente, como “homem de

pequena fé” (14.31), sendo ele um judeu seguidor. Em seguida, em 15.21-28, Jesus

246

HARE, Douglas R A. and HARRINGTON, op. cit., p. 366-367. 247

Luz sugere que a preocupação de Mateus com a missão aos gentios tenha se inspirado em Marcos, veja em LUZ, Ulrich, op. cit., p. 85. 248

HARE, Douglas R A. and HARRINGTON, op. cit, p. 363. 249

Overman entende que o contraste entre ocidente e oriente talvez poderia não ser entre judeu e gentio: “A justaposição dos do oriente e do ocidente que comem no banquete celeste e os “filhos do Reino” que se recusam a participar (8,11-12) é muitas vezes interpretada como contraste dos gentios que compõem o grupo mateano com (todos) os judeus que rejeitaram Jesus. Mas... os que vêm do oriente e do ocidente podem originalmente ter sido judeus da Dispersão; ainda que Mateus se refira a gentios, eles participam de um banquete presidido pelos patriarcas judeus. Os “filhos do Reino” que se recusam a participar não são todos os judeus, mas apenas alguns, especialmente os líderes que se opõem a Jesus. Para os outros, as “multidões” da narrativa, Mateus tem esperança; assim, ele imagina a reunião de judeus e gentios”, em O Evangelho de Mateus e o Judaísmo formativo, São Paulo, Loyola, 1997, 322.

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é confrontado por uma gentia, uma mulher cananéia, que suplicava em favor de sua

filha endemoninhada. Por três vezes ela insistiu para que Jesus a atendesse e o

Senhor se recusava. Na terceira vez, porém, Jesus a comparou a um cachorro,

explicando que ele não poderia desfavorecer os filhos legítimos de Israel por uma

gentia. Ela se submeteu à humilhação de Jesus e suplicou por pelo menos uma

migalha. Isso surpreendeu a Jesus e o levou a dizer: “Ó mulher, grande é a tua fé”

(15.28). Tendo dito isso, Jesus curou a filha da cananeia.

Sob uma ótima racial, as opiniões dos estudiosos são consideravelmente

divergentes. Clark parte do princípio que o escritor do evangelho fosse um gentio250

e entende a tese de Mateus da seguinte maneira: “o cristianismo,

predominantemente gentio, deslocou o judaísmo com Deus como o verdadeiro

Israel”.251 Segundo esse entendimento, do mesmo modo que o judaísmo desprezou

por definitivo a Jesus, Deus também desprezou em definitivo o judaísmo,252 ainda

que a comunidade de Mateus fosse incorporada tanto por gentios quanto judeus.253

Overman, ao contrário, entende que o propósito de Mateus era apresentar o

judaísmo na ótica de Jesus:

Às vezes, o uso que Mateus dá a ethnē é ambíguo ou inclui judeus e não-judeus. Seu resumo introdutório da obra de Jesus (4.12-17) contém uma citação de Isaías (8.23-9.1; LXX 9.1-2) que menciona como uma só as terras de Zebulom e Neftali, Galiléia das nações e um povo necessitado que vê uma luz. No século I, a Galiléia era habitada mais por judeus, por isso as tribos, pessoas e nações mencionadas na citação referem-se a grupos predominantemente judeus. Mateus, que procura incluir em seu grupo todas as nações, judaicas e não-judaicas, talvez aluda à salvação dos gentios. Entretanto, os referentes principais das tribos e nações de Isaías na narrativa de Mateus eram judeus galileus necessitados do ensinamento e da cura de Jesus.

254

E quanto aos gentios, eles são caracterizados apenas como “personagens

marginais”:

Os gentios aparecem na narrativa como personagens marginais que estão interessadas em Jesus e impressionadas com ele, mas que não

250

Veja CLARK, Kenneth Willis, The Gentile Bias and Others Essays, Leiden, Brill, 1980, p. 1-8. 251

Ibid., p. 2. 252

Veja ibid., p. 4. 253

Veja ibid., p. 4-8. 254

OVERMAN, Andrew, op. cit., p. 138. Mais à frente: “No Judaísmo, a maioria considera dissidente o grupo menor de Mateus. O grupo mateano afastou-se de alguns dos modos culturalmente aceitos de agir e pensar como judeu, mas não deixou de ser judeu em aspecto, comportamento e identidade. O autor de Mateus tem esperança de convencer a sociedade maior a adotar seu novo comportamento e aspecto diferentes, para que ela se torne normativa e não seja mais dissidente”, p. 184.

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se tornam seguidoras fiéis (cf. o cap. IV acima). A cena final do evangelho, onde Jesus exorta os discípulos a irem ensinar a todas as nações, é, com toda a probabilidade, o chamado de Mateus a seus seguidores de maioria judaica para incluírem os gentios em seu número.

255 Todavia, ambas as teses podem ser questionadas quando confrontadas com

as afirmações de Jesus, conforme os textos observados acima. Na opinião de

Carson é difícil desconsiderar completamente o que Jesus disse antes e depois de

sua ressurreição, ou seja, que antes de sua morte e ressurreição ele estava

comprometido em seguir as orientações veterostestamentárias, de modo que toda a

profecia se cumpria nele. Após a ressurreição, Mateus abre a mensagem para todas

as nações, conforme já era previsto desde o princípio do ministério de Jesus.256

Aquilo que Mateus registrou como sendo as palavras de Jesus é apresentado em

conformidade com o programa isaiânico estabelecido em sua profecia, de que todas

as nações, judeus e gentios, receberiam a mensagem de salvação. Talvez a

aceitação de que Jesus estava sujeito a um programa de cumprimentos específicos

do AT seja mais simples e coerente, com respeito às próprias informações do texto

do evangelho.

Talvez a distinção entre judeus e gentios não seja tão relevante para

compreender a soteriologia de Mateus. O que importa no discurso de Jesus não é a

origem de seus ouvintes, mas se estarão dispostos a abandonar tudo o que são e

têm para segui-lo (8.19-22). Sendo assim, Mateus parece convidar o povo a se abrir,

reconhecendo a existência da diferença entre ambos os povos e apresentando o

evangelho de Jesus como elemento unificador. Hagner entende que Mateus foca no

cumprimento da promessa salvífica de Deus que, tendo sido leal à sua aliança, deu

continuidade ao plano estabelecido desde o AT. Sendo assim, “Mateus encontra no

cristianismo um perfeito ou completo judaísmo, levado à sua meta o muito

aguardado Cristo”.257

3.3.3.3. Interpretação tipológica retrospectiva

Quanto à similaridade contextual, Carter questiona que o evangelho de

Mateus apresente uma preocupação de Jesus meramente com um evangelismo em

255

Ibid., p. 259-260. 256

Veja CARSON, D.A., op. cit., p. 41. 257

HAGNER, op. cit., p. lxx.

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busca de conversões puramente individuais.258 Por um viés social, Carter vê a

missão aos gentios sob o contexto de império romano e a opressão causada por

uma minoria que obtinha o poder tornava necessário engajar-se no mundo gentílico,

em um protesto contra o domínio político social reinante.259 Carter afirma que:

é necessário reconhecer que a preocupação de Mateus com os gentios estende-se para além da conversão individual, para um mundo dominado pelo controle imperial romano. O evangelho avalia esse mundo gentílico (incluindo sua elite judaica aliada) como sendo contrário aos propósitos de Deus, desse modo Mateus afirma, os propósitos soteriológicos e escatológicos de Deus manifestados em Jesus no presente e futuro irão finalmente subordinar o mundo dominado por Roma aos propósitos de Deus.

260 Do mesmo modo que no caso anterior, Carter tem uma percepção favorável a

compreender “pontes” entre Isaías e Mateus. No entanto, reduzir a mensagem

apenas ao contexto de opressão pode causar exatamente o efeito contrário do

pretendido. A tipologia seria mais plausível ao considerar o contexto difícil de

opressão em paralelo com a promessa de salvação anunciada tanto aos judeus

como aos gentios.

Portanto, a tipologia considera o contexto da narrativa em Mateus como ponto

de partida para compreender a maneira como o evangelista olhou para a história de

Israel e para Jesus, identificando semelhanças e conexões. Sendo assim, Mateus

identificou o contexto de opressão dos assírios como alusão ao romano; ele também

percebeu que a ignorância do povo, obscurecido pela prática de idolatria e

necromancia, receberia novamente a luz, o conhecimento da lei, prefigurava a

ignorância e falta de compreensão dos seus ouvintes, pois agora sobre eles também

resplandeceria uma nova luz, não a torá, mas o cumprimento dela (5.17), que é

Jesus.

258

Veja CARTER, Warren, “Matthew and the Gentiles”, p. 260. 259

Veja ibid., p. 260-261. 260

Ibid., p. 261.

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CONCLUSÃO

O estudo que até aqui foi possível realizar comprova a importância e

dificuldade que o assunto traz à academia, mas que se tornam um desafio

estimulante para todos aqueles que enveredam nos caminhos da exegese. A

tipologia conforme apresentada nesta pesquisa procurou respeitar tanto o contexto

do profeta Isaías, bem como o do evangelista Mateus, sendo assim uma proposta

válida para compreender o uso do Antigo Testamento no evangelho.

As exegeses judaicas, conquanto sugestivas e possíveis de serem aplicadas

ao evangelho de Mateus, não parecem contemplar todo o contexto de ambos os

textos, enquanto a tipologia observa e respeita os distintos contextos, bem como as

suas particularidades, sem forçar o texto a dizer aquilo que ele não diz.

A exegese pesher, embora útil para um estudo comparativo com o judaísmo

do primeiro século, não é suficiente para explicar como Mateus leu Isaías pela sua

restrita aplicação, isto é, pela simples citação formal de um texto antigo, sem dar

atenção ao “organismo” da História da Redenção. Pelas maiores evidências textuais,

sugere-se que Mateus tinha a preocupação de mostrar a existência de uma

continuidade. Tanto a exegese pesher, como midrash como gezerah shavah

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acrescentam grande entendimento sobre o compromisso judaico com a

aplicabilidade das Escrituras na vida de seus fieis. A perspectiva apocalíptica judaica

comparada a Mateus traz luz para o estudioso se aproximar mais do primeiro século,

no entanto, o imediatismo apocalíptico não se harmoniza com todos os elementos

diferenciados que Mateus oferece aos seus leitores, que são: a interpretação

orgânica do AT no NT e a similaridade contextual de ambos os textos.

O duplo-cumprimento e o sensus plenior são favoráveis em apresentar a

preocupação com a continuidade da História da Redenção, e talvez sejam válidos

também como perspectiva para compreender a citação somente. Porém, na opinião

deste autor, também são por demais limitados para demonstrar de maneira mais

acurada se Mateus poderia ou não ter visto além do texto, ou além da exegese.

Mateus viu Jesus como a luz dos gentios, aquele que andaria pelas terras de

Zebulom e Naftali, nas regiões de Cafarnaum, elevando o entendimento daqueles

que quisessem ouvi-lo e segui-lo, para compreenderem a existência de uma

autoridade superior ao Império Romano e a presença de Deus entre eles oferecendo

perdão aos que se arrependessem e cressem na proximidade do reino (4.17).

Se Isaías viu além do seu próprio tempo uma ação divina libertadora e

redentora, Mateus soube capturar essa percepção e aplicá-lo ao seu contexto

vivencial, vendo em Jesus os atributos de um Emanuel. Da mesma maneira que a

Assíria oprimia Israel e Isaías proclamou libertação se ela retornasse a Deus, assim

também Mateus viu a opressão de Roma e visualizou a libertação em Jesus. Do

mesmo modo que Isaías contemplou as trevas de pecado e idolatria em Israel,

anunciando o refulgir da luz pelo conhecimento da lei de Deus, assim também

Mateus viu a decadência moral e espiritual dos gentios e dos próprios judeus e

anunciou a missão itinerante de Jesus Cristo que dissiparia as trevas.

Pela ótica da tipologia pode-se olhar não apenas para um contexto sócio,

político e econômico, ou apenas para um contexto de conflito teológico e espiritual,

mas para ambos, como um conjunto problemático vivido no primeiro século

confrontado com a solução anunciada e vivida por Isaías e revivida pela

interpretação mateana.

O “olhar para trás” da tipologia qualifica a citação como uma ponte que

desloca a atenção do leitor para Isaías, e se ele tivesse o contexto do profeta em

mente, compreenderia com mais profundidade e entendimento as atividades de

Jesus. Esta hermenêutica fornece, portanto, ferramentas válidas que dão suporte

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para visualizar não apenas Mateus 4.15-16, mas todo o seu evangelho, conforme

alude a demonstração feita no primeiro capítulo, isto é, que Mateus estava

profundamente envolvido com a profecia de Isaías. Esta proposta desafia o exegeta

a observar essa mesma possibilidade em todo o NT, em suas citações espalhadas

por todos os vinte e sete livros canônicos.

Portanto, o estudo tipológico oferece interpretações plausíveis que podem

satisfazer tanto as perguntas da academia, bem como salientar a relevância do texto

bíblico para os dias atuais, nos usos devocionais e eclesiásticos que mantém o texto

vivo, ocupando um lugar de proeminência na experiência e na vida das pessoas.

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