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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
SUPORTE AO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM
ESTUDO COM EQUIPES DE NATAL/RN
Ana Izabel Oliveira Lima
Natal-RN
2014
Ana Izabel Oliveira Lima
SUPORTE AO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM
ESTUDO COM EQUIPES DE NATAL/RN
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, sob
orientação da Professora Doutora Magda
Diniz Bezerra Dimenstein, como requisito
para a obtenção do título de “Mestre em
Psicologia”.
Natal-RN
2014
Catalogação da publicação na fonte
Bibliotecário Responsável: Joel de Albuquerque Melo Neto. CRB/15-320
L732s Lima, Ana Izabel Oliveira.
Suporte ao uso de álcool e drogas na atenção primária: um estudo
com equipes de Natal/RN / Ana Izabel Oliveira Lima. – Natal, 2014.
151 f.
Orientadora: Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2014.
1. Drogas Ilícitas – Atenção Primária. 2. Álcool – Atenção Primária.
3. Saúde Mental. I. Dimenstein, Magda Diniz Bezerra. II. Título.
CDU 613.83:159.952
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “Suporte ao uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária: um estudo
com equipes de Natal/RN” elaborada por Ana Izabel Oliveira Lima, foi considerada
aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção de título de MESTRE EM
PSICOLOGIA.
Natal, RN, 11 de abril de 2014
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Profa. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein (presidente da banca)
Universidade do Rio Grande do Norte
_________________________________________________________
Profa. Dra. Simone Mainieri Paulon (examinadora externa)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
__________________________________________________________
Prof. Dr. João Paulo Sales Macêdo (examinador externa)
Universidade Federal do Piauí
À Ana Clara e Washington, que estiveram sempre presentes e me fizeram querer vencer
cada desafio que se colocava em nosso caminho.
Agradecimentos
À Magda, muito mais que uma orientadora, é uma amiga. Nessa nossa trajetória
você se tornou fonte de segurança, força e coragem para mim. Agradeço cada conselho,
sorriso e conforto que tem me proporcionado. Aprendi muito mais do que poderia um
dia imaginar com nosso encontro.
A João Paulo, um querido professor na minha graduação e um grande amigo que
ganhei ao longo do tempo. Sempre presente na minha jornada, você me ajudou a
enxergar que eu poderia chegar até aqui. Obrigada por ter aceitado nosso convite para
participar da minha primeira banca de qualificação e ainda mais por estar presente na
banca de avaliação dessa dissertação.
À professora Simone Paulon, que gentilmente aceitou participar da banca de
avaliação da dissertação. É uma honra poder contar com suas preciosas contribuições.
Aos amigos e eternos professores Jáder Leite, Rafael Figueiró, Leonardo Mello,
Ana Kalliny, Ana Karenina, Aparecida França, Carlinhos, Cândida Dantas, Karina
Veras, Clarisse Carneiro, Vladmir Felix. Todos com seus conhecimentos, afetos,
conselhos e exemplos me ajudaram a chegar aqui. Essa conquista é nossa.
Aos companheiros de base: Maria, Bruno, Kamila, Lúcia, Maurício,
Antonimária, Laís, Marcelo e Vitor. Compartilhamos incertezas, sucessos e esperanças.
Agradeço pela força e apoio de todos.
À minha família, pelo apoio. Com certeza sem vocês eu não teria conseguido.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pela concessão da bolsa de estudos de mestrado para a realização desta pesquisa.
SUMÁRIO
Lista de Abreviações....................................................................................................................iii
Lista de Ilustrações.........................................................................................................................v
Resumo........................................................................................................................................vii
Introdução .................................................................................................................................... 9
Capítulo 1 - Potencialidades da Atenção Primária para cuidados em Saúde Mental ........ 14
1.1 Atenção Primária à Saúde: primeiro, importante e necessário nível de
acesso a um sistema de saúde............................................................................................14
1.2 Atenção Primária como local de cuidados em Saúde Mental...........................................28
Capítulo 2 – Álcool e outras drogas na Atenção Primária.................................................... 44
Capítulo 3 – A construção do percurso da pesquisa:..............................................................64
3.1 A entrada no campo: Limites postos pelas equipes.........................................................69
3.2 O Mapeamento: O caminho, seus resultados e a construção das discussões..................73
3.2.1. Perfil da população mapeada.......................................................................................79
3.2.2 Uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária...............................................83
3.2.3 Homens e os Serviços de Saúde.............................................................................89
3.2.4 O consumo de álcool e drogas: as mulheres em evidência.....................................93
3.3 As Rodas de Conversa......................................................................................................99
3.3.1 Demandas, estratégias e dificuldades identificadas: limites
da Atenção Primária.....................................................................................................104
3.3.2 Possibilidade de cuidado: uma aposta na Redução de Danos.....................................113
Considerações Finais...................................................................................... .........................121
Referencias Bibliográficas.......................................................................................................126
Anexos
iii
Lista de Abreviações
ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva
APS Atenção Primária à Saúde
ASSIST Alcohol Smoking and Substance Involvement Screening Test
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CSM Centros de Saúde Mental
CEBRID Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas
ECC Equipe de Cuidados Continuados
ESF Estratégia de Saúde da Família
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDT Instituto das Drogas e das Toxicodependências
LENAD Levantamento Nacional de Álcool e outras Drogas
MTSM Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS Organização Mundial da Saúde
OPAS Organização Pan Americana de Saúde
PACS Programa de Agentes Comunitário de Saúde
PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria de Acesso e da Qualidade da Atenção
Básica
PNAISH Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem
PSF Programa de Saúde da Família
SEMFYC Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e Comunitária
SEMURB Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
iv
RD Redução de Danos
SUS Sistema Único de Saúde
TIB Triagem e Intervenção Breve
v
Lista de Ilustrações
Ilustração Página
Tabela 1 Equipes de Saúde da Família e cobertura populacional 20
Tabela 2 Quadro de profissionais das equipes de Saúde da Família de
Felipe Camarão II
68
Tabela 3 População inicial da pesquisa acima de 20 anos 74
Tabela 4 Quantidade e proporções da escolha amostral 75
Tabela 5 Questionários aplicados por equipe 79
Tabela 6 Faixa etária da população mapeada 79
Tabela 7 Utilização de tabaco pelos participantes dividido por sexo e
idade.
84
Tabela 8 Utilização de álcool pelos participantes dividido por sexo e idade 84
Tabela 9 Utilização de maconha pelos participantes dividido por sexo e
idade.
85
Tabela 10 Resultado do ASSIST para uso de álcool dividido por sexo e
idade
85
Tabela 11 Resultado do ASSIST para o uso de tabaco dividido por sexo e
idade
86
Tabela 12 Resultado do ASSIST para o uso de maconha dividido por sexo e
idade
87
Figura 1 Evolução do Número de Municípios com Equipes de Saúde da
Família Implantadas 1994 – AGOSTO 2011
20
vi
Figura 2 Situação de Implantação de Equipes de Saúde da Família, Saúde
Bucal e Agentes Comunitários de Saúde AGOSTO 2011
20
Figura 3 Evolução do Número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família
Implantados - 2008 - AGOSTO 2011
39
Figura 4 Situação de Implantação de Núcleos de Apoio à Saúde da
Família AGOSTO 2011
39
Figura 5 Esquema de triagem e intervenção breve na Atenção Primária 56
Figura 6 Estrutura da rede externa de suporte ao tratamento em Portugal 62
Figura 7 Mapa de Natal/RN 66
Figura 8 Sexo dos participantes 80
Figura 9 Nível de escolaridade dos participantes 80
Figura 10 Estado Civil dos participantes 80
Figura 11 Ocupação dos participantes 81
Figura 12 Recebimento de benefício pelos participantes 81
Figura 13 Renda dos participantes 81
Figura 14 Tipo de moradia dos participantes 82
Figura 15 Pessoas que moram com os participantes 82
vii
Resumo
Pesquisas nacionais indicam que 6,8% da população brasileira é dependente de álcool e
1% dependente de drogas ilícitas, representando uma parcela significativa da população
atingida por esta problemática. A Atenção Primária torna-se fundamental na ampliação
da cobertura dessa demanda e na diminuição dos encaminhamentos desnecessários para
a atenção especializada. Este estudo objetivou investigar a capacidade de resposta e
suporte institucional de equipes de Atenção Primária em relação às demandas de
usuários de álcool e drogas. A pesquisa foi desenvolvida em uma Unidade de Saúde da
Família no Distrito Sanitário Oeste de Natal. De natureza quantitativa e qualitativa,
nosso estudo foi composto de duas etapas. Na primeira, foi realizado um mapeamento
do uso abusivo de álcool e outras drogas em uma amostra da população adscrita das
equipes de SF, utilizando questionário sociodemográfico e o ASSIST (Alcohol,
Smoking and Substance Involvement ScreeningTest). Foram aplicados 406
questionários. Desses, 27,8% são homens e 72,2% mulheres, das quais 56% têm entre
20 e 39 anos, são donas de casa, têm relacionamento estável e consumidoras de tabaco
(37,6%), maconha (13%) e principalmente álcool (57%). Na segunda etapa foram
formadas duas Rodas de Conversa com as equipes de Saúde Família e NASF de
referência para a discussão dos dados do mapeamento realizado na fase anterior. As
rodas, que contaram com a participação de 20 dos 37 profissionais das equipes de SF e
2 do NASF, evidenciaram a falta de capacitação dos profissionais na temática;
incapacidade da rede em acolher o usuário; crença dos profissionais de que nada pode
ser feito quando o assunto é álcool e drogas e o encaminhamento como única ação de
cuidado realizada pelas equipes. Diante disso, indicamos a necessidade de fundamentar
de forma consistente uma abordagem nas questões de uso de álcool e drogas que leve
em consideração as questões de gênero, investindo na política de Redução de Danos
como uma possibilidade de atuação nesse âmbito por reconhecer cada usuário em sua
singularidade e traçar com estratégias de promoção a saúde de forma ampla e
contextualizada.
Palavras-chave: álcool; drogas; atenção primária; ASSIST; saúde mental.
viii
Abstract
National surveys indicate that 6.8 % of the brazilian population is dependent on alcohol
and 1 % dependent on illicit drugs, representing a significant portion of the population
affected by this issue . Primary Care becomes instrumental in expanding the coverage of
this demand and in reducing unnecessary referrals for specialized care. This study
aimed to investigate the responsiveness and institutional support of Primary Care Teams
in relation to the demands of alcohol and drugs users. The research was conducted in a
Family Health Unit in West Sanitary District of Natal City. With quantitative and
qualitative nature, our study consisted of two stages. At first, we performed a mapping
of alcohol and other drugs abusive use in a sample of the population assisted by Family
Heath Teams, using sociodemographic questionnaire and ASSIST (Alcohol, Smoking
and Substance Involvement Screening Test). 406 questionnaires were completed. Of
these questionnaires, 27.8% are men and 72.2% women, of which 56% are between 20
and 39 years-old, they are housewives, have a stable relationship and are consumers of
tobacco (37.6%), marijuana (13%) and especially alcohol (57%). In second stage, two
Conversation Circles with Family Health Teams and the referential Family Health
Support Center were formed to discuss the data of the mapping realized in the previous
phase. The circles, which had participation of 20 of the 37 professional teams from
Family Health and 2 from Family Health Support Center, showed a lack of professional
training in the subject; inability of the healthcare network in the user embracement;
belief of professionals that nothing can be done when matter is alcohol and drugs; and
referencing as the only care action performed by teams. Thus we point out the need to
support an approach on issues of alcohol and drugs which consider gender issues,
investing in Harm Reduction Policy as a possibility of working in this context for
recognizing each user in their uniqueness and strategizing with them to promote health
in a broad and contextualized way.
Keywords: alcohol; drugs; primary care; ASSIST; mental health.
9
Introdução
Segundo a Organização Pan Americana de Saúde/OPAS (2009), cerca de 10%
das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente
substâncias psicoativas independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder
aquisitivo. No Brasil, pesquisas indicam que 6,8% da população brasileira é dependente
de álcool (10,5% entre homens e 3,6% entre mulheres), 17% encontra-se na categoria de
abusadores e/ou dependentes de álcool, 3% já disse ter consumido maconha alguma vez
na vida, 4% da população adulta (6 milhões de brasileiros) e 3% dos adolescentes (442
mil jovens) já consumiram cocaína/crack - representando uma parcela significativa da
população atingida por esta problemática (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
para Políticas Públicas de Álcool e outras drogas - INPAD, 2013).
Tendo em vista que o consumo abusivo de substâncias psicoativas, assim como a
dependência a essas substâncias estão relacionados a uma série de importantes fatores
tais como os aspectos biológicos, genéticos, psicossociais, ambientais e culturais
(Rosenstock & Neves, 2010), as consequências decorrentes do seu consumo constituem
um dos mais graves problemas de saúde, exigindo a criação e manutenção de programas
e políticas de prevenção e assistência articuladas, além da necessidade da formação
permanente dos profissionais de saúde (Claro, Oliveira, Almeida, Vargas & Plaglioni,
2011). Tal fato impõe aos diversos campos de conhecimento científico a necessidade de
desenvolver estratégias que visam abordar adequadamente a problemática do uso
abusivo de tais substâncias, sobretudo em termos do seu impacto no âmbito da saúde
pública e Atenção Primária/AP.
Tratando-se de uma demanda com forte interface com a saúde mental, a atenção
aos usuários de álcool e outras drogas deve ser orientada não mais pelo modelo asilar
10
centrado na referência hospitalar, mas por uma proposta de atenção descentralizada e de
base comunitária. Nesse sentido, uma vez que considera o sujeito de forma integral em
sua singularidade, pertencimento sociocultural e busca a promoção da saúde, prevenção
e tratamento de doenças, a Atenção Primária torna-se fundamental na ampliação da
cobertura de demandas que envolvem o uso de álcool e outras drogas, possibilitando
maior potencial de reabilitação para os usuários do Sistema Único de Saúde
(Rosenstock & Neves, 2011).
Pesquisas apontam que queixas psíquicas são a segunda causa mais frequente de
procura por atendimento na Atenção Primária, que as experiências de atendimento e
acolhimento das demandas de saúde mental é algo constatado por 56% das equipes da
Saúde da Família e que os dados epidemiológicos apontam que de 6 a 8% da população
necessita de algum cuidado decorrente do uso prejudicial do álcool ou outras drogas
(Barros & Pillon, 2007). Diante disso, podemos perceber que a inserção de práticas de
saúde mental na Atenção Primária mostra-se essencial, pois evidencia a busca pela
regionalização e redirecionamento do cuidado, numa perspectiva de atenção integral e
humanizada aos sujeitos, em articulação com profissionais e serviços já inseridos nos
territórios (Arce, Sousa & Lima, 2011).
No entanto, abordar a temática relacionada ao álcool e outras drogas no contexto
da Estratégia Saúde da Família (ESF) é, antes de tudo, um desafio. O uso de substâncias
psicoativas envolve questões que vão muito além das reações neuroquímicas no
organismo humano. Os danos relacionados ao consumo extrapolam as mortes e doenças
e se estendem à violência doméstica, lesões corporais, homicídios, conflitos
interpessoais, acidentes de trânsito (em geral homens jovens de até 25 anos de idade,
longe do estereótipo do dependente crônico) e intoxicações (Laranjeira et al., 2007).
Dessa forma, com recursos públicos e tempo limitados torna-se fundamental pensar em
11
medidas que apresentem indicação de boa relação custo-benefício na AP (Souza &
Ronzani, 2012), que despertem o interesse dos profissionais no tema e também sejam
pauta de políticas governamentais nacionais e internacionais (Barros & Pillon, 2007).
Apesar do grande número de usuários e da gravidade dos problemas que chegam
aos serviços de saúde, há poucas pesquisas abordando o modo como profissionais lidam
com questões que envolvem o consumo abusivo e a dependência de álcool e drogas na
Atenção Primária (Barros & Pillon, 2007). Tona-se, então, essencial discutir as
estratégias de enfrentamento desenvolvidas por profissionais da Atenção Primária,
tendo em vista as dificuldades relatadas na literatura e encontradas na prática cotidiana,
como a falta de formação específica para os profissionais da Atenção Primária, que
afirmam não conhecer estratégias adequadas para lidar com tais demandas, ocasionando
encaminhamentos desnecessários para a atenção especializada.
É importante ainda destacar que segundo dados apresentados pela OPAS (2009)
os números relativos ao uso de drogas (especialmente as ilícitas) em toda América
Latina e Caribe devem ser interpretados com cuidado, já que a quantidade e a qualidade
de informações epidemiológicas são consideradas problemáticas. É possível observar
que antes de qualquer reflexão ou estudo sobre o consumo de drogas, é preciso conhecer
os índices relacionados ao uso de tais substancias pela população para dimensionar a
gravidade do problema em um determinado contexto. Diante disso nos questionamos:
Qual o potencial da Atenção Primária na saúde mental? Que demandas pode acolher?
De quais recursos necessita? Que dificuldades enfrenta?
Em função das discussões apresentadas e da importância da inserção de cuidados
direcionados ao uso abusivo de álcool e drogas na Atenção Primária, delineamos como
objetivo dessa pesquisa investigar a capacidade de resposta e apoio institucional das
equipes de Atenção Primária (Equipes de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio à
12
Saúde da Família), da Unidade de saúde de Felipe Camarão II, às demandas de saúde
relacionadas ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Como objetivos específicos:
Mapear casos de uso abusivo de álcool e outras drogas dentre a população
atendida por equipes de saúde da família e núcleo de apoio a saúde da família da
Unidade de saúde de Felipe Camarão II;
Identificar as demandas da população que chegam às equipes, a partir da
percepção dos profissionais;
Conhecer as estratégias de cuidado desenvolvidas pelas equipes em relação às
demandas identificadas;
Investigar as dificuldades enfrentadas pelas equipes em relação ao manejo
desses casos;
Discutir com as equipes as estratégias de enfrentamento dos problemas
identificados e possibilidades de cuidado articulando as equipes de Estratégia de
Saúde da Família (ESF) e Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF).
Para isso, mapeamos casos de uso abusivo de álcool e outras drogas dentre a
população atendida por equipes de saúde da família de uma Unidade de Saúde do bairro
de Felipe Camarão, Natal/RN. Em seguida, utilizando os resultados do mapeamento,
propomos Rodas de Conversa com as equipes (tanto equipes de saúde da família quanto
equipe do NASF de referência) com o objetivo de identificar as demandas que chegam
às equipes; como elas desenvolvem estratégias para lidar com tais demandas; quais as
dificuldades encontradas; assim como as estratégias de enfrentamento para os
problemas identificados e as possibilidades de cuidado que podem surgir da articulação
entre as equipes de saúde da família e equipe do NASF. A fim de melhor
13
desenvolvermos nossas problematizações e reflexões acerca do tema proposto,
estruturamos o presente trabalho a partir dos seguintes capítulos:
No primeiro capítulo, discorremos sobre a Atenção Primária à Saúde,
evidenciando seu papel central em um sistema de saúde resolutivo, integrado e
articulado em redes. Apresentamos a Estratégia de Saúde da Família como a estratégia
de reforma do sistema de saúde brasileiro, refletindo sobre os desafios e potencialidades
para construção de um cuidado integral em saúde. Em seguida, abordamos a Atenção
Primária como âmbito de cuidados em saúde mental, destacando-a como eixo
fundamental da reorganização da Rede de Atenção Psicossocial ao investir em
estratégias de reabilitação e apoio comunitário.
No capitulo 2, discutimos a importância e os desafios da incorporação de
demandas relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no âmbito da Atenção
Primária, considerando a visibilidade conquistada pelos modelos de cuidado de base
comunitária que se originam e se movimentam fora do espaço hospitalocêntrico, ou da
abstinência como única alternativa de encontrar qualidade de vida. Logo depois,
apresentamos algumas estratégias de cuidado ao usuário de álcool e drogas na Atenção
Primária, expondo desde propostas desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde
até experiência no âmbito nacional e internacional.
O terceiro capítulo refere-se à construção do percurso da pesquisa. Optamos por
apresentar separadamente cada etapa do estudo. Primeiramente abordamos os aspectos
metodológicos referentes a primeira etapa (o mapeamento), descrevendo depois seus
resultados e construções das análises e discussões. Em seguida, delineamos o mesmo
caminho em relação a segunda fase do estudo (as rodas de conversa). Por último,
apresentamos as considerações finais, refletindo sobre os desafios, os entraves, as
descobertas, o caminho que percorremos até chegarmos aqui.
14
Capítulo 1 - Potencialidades da Atenção Primária para os cuidados em Saúde
Mental
1.1 Atenção Primária à Saúde: primeiro, importante e necessário nível de acesso
ao Sistema de Saúde
A Organização Mundial da Saúde/OMS (2008) afirma que a Atenção Primária à
Saúde/APS é caracterizada como um conjunto de ações em âmbito individual e coletivo
que envolve desde a proteção e promoção da saúde, a prevenção de agravos, o
diagnóstico e tratamento, até a reabilitação e manutenção da saúde. A característica
mais importante da APS é o fato de assumir o papel de porta de entrada do sistema de
saúde, tornando-se local privilegiado de cuidados contínuos para a maioria das pessoas
(Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).
As ações e políticas de saúde baseadas na APS apresentam como diferencial o
enfoque na promoção da saúde e não somente na prevenção de doenças. É entendendo a
saúde como produção social, focando nos determinantes socioeconômicos do processo
saúde-doença, na participação ativa da população nos processos decisórios e na
transformação das condições materiais e existenciais de vida no território (Sicoli &
Nascimento, 2003), é que se pode atingir os objetivos da Atenção Primária. Nesse
sentido, há inúmeros desafios a serem vencidos. O mais importante está no fato de que
as práticas profissionais não podem se limitar à doença em si, mas devem considerar o
contexto histórico cultural e as concepções a respeito de determinados fenômenos e
situações sociais (Ronzani & Stralen, 2003, Tansella & Thornicroft, 2001). Para tanto, é
preciso considerar a saúde como o resultado não apenas das condições de alimentação,
habitação, educação, trabalho, lazer e acesso aos serviços de saúde, mas, sobretudo, da
15
forma de organização da produção na sociedade e das desigualdades nela existentes
(Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).
Há mais de trinta anos, desde a Declaração de Alma-Ata, publicada pela OMS
em 1978, a Atenção Primária à Saúde tem sido reconhecida como um dos componentes
chaves de um sistema de saúde resolutivo, integrado e articulado em redes com grande
diversidade de pontos de atenção voltados às condições agudas e crônicas (Dimenstein,
Lima & Macêdo, 2013).
Entretanto, em análise recente do cenário internacional e nacional, Mendes
(2010) aponta que a maioria dos países ainda apresenta sistemas de saúde fragmentados,
focados nas condições agudas, caracterizados por pontos que não se comunicam e
incapazes de prestar uma atenção contínua à população. De acordo com o autor “os
sistemas fragmentados têm sido um desastre sanitário e econômico em todo o mundo”
(p.2299), pois carecem dos atributos fundamentais que caracterizam um sistema
integrado e articulado em redes de saúde. Ele acrescenta que há “evidências de boa
qualidade de que as redes de atenção à saúde podem melhorar a qualidade clínica, os
resultados sanitários, a satisfação dos usuários e reduzir os custos dos sistemas de
atenção à saúde” (p. 2303).
Em função disso, a Organização Pan Americana de Saúde/OPAS (2009) aponta
para a importância da construção de sistemas de saúde baseados na Atenção Primária,
uma vez que podem reduzir custos, beneficiando outros níveis do sistema (OMS, 2008),
oferecer cuidados coordenados e adequados ao longo do tempo, articular a continuidade
da atenção e o fluxo de informações por todo o sistema de atenção, tendo as famílias e
as comunidades como sua base de planejamento e ação.
Além da importância social, o aspecto econômico também é um elemento
diferencial dos programas baseados na Atenção Primária, uma vez que estes podem
16
diminuir sensivelmente a hospitalização e os gastos tecnológicos, pois nesse nível de
atenção utiliza-se de tecnologias com custo menor do que os utilizados nos níveis mais
especializados (Ronzani & Stralen, 2003). Apesar de ser promovido desde os anos
1970, o modo de estruturação da APS continua gerando questões sobre sua implantação,
sobretudo, em busca de melhores condições de viabilidade dos sistemas de saúde como
um todo e também em relação à eficácia de suas práticas (Santos, 2009).
Dimenstein, Lima e Macêdo (2013) apontam que a análise de experiências de
vários países, consideradas as peculiaridades do desenvolvimento histórico-cultural dos
sistemas de proteção social em cada um deles, pode contribuir para o debate nacional
ainda que elas não possam ser reproduzidas, dados seus condicionantes históricos,
institucionais, políticos e sociais. Nos países europeus, por exemplo, o termo Atenção
Primária refere-se, de modo geral, aos serviços ambulatoriais de primeiro contato,
diferente do que se observa nos países periféricos, nos quais Atenção Primária, com
frequência, corresponde também à programas seletivos, focalizados e de baixa
resolutividade para cobrir determinadas necessidades de grupos populacionais em
extrema pobreza (Giovanella, 2006).
A ênfase do primeiro nível de assistência nos países europeus está na clínica e
nos cuidados individuais, sejam preventivos ou curativos, e, em geral, há acordo entre
as políticas europeias de que a Atenção Primária deve orientar a organização do sistema
como um todo. Nesse cenário, o médico generalista é o principal profissional de
primeiro contato em 11 dos países da União Europeia. No entanto, observa-se variação
quanto ao tipo de serviço e profissional responsável pelo primeiro contato dos pacientes
com o sistema de saúde nos diferentes países (Giovanella, 2006). De acordo com a
autora, na Dinamarca, Itália, Portugal, Espanha, Reino Unido, Irlanda e Holanda, o
generalista exerce a função de “gatekeeper”, a unidade de saúde na qual trabalha é a
17
porta de entrada obrigatória do sistema de saúde, e serve de filtro para o acesso aos
serviços prestados por especialistas, constituindo-se num primeiro nível hierárquico.
Entretanto, a procura direta aos hospitais e serviços de emergência é ainda uma prática
frequente em muitos países, nos quais o sistema de porta de entrada vigora
formalmente. Ou seja, há procura frequente de serviços de emergência hospitalares
pelos usuários de modo a desviar-se do sistema de referência e acessar diretamente os
especialistas (Giovanella, 2006).
Ao analisar as estratégias de estruturação da Atenção Primária em países
europeus, Giovanella (2006) aponta medidas que podem contribuir para a coordenação
da Atenção Primária, são elas: definir porta de entrada obrigatória constituída por
equipe multiprofissional, responsável pela condução dos usuários na rede assistencial;
ampliar as atividades clínicas dos médicos de Atenção Primária com incentivos para a
continuidade de tratamento de enfermidades crônicas seguindo diretrizes clínicas;
implantar esquema de incentivos adequados para generalistas, pacientes e especialistas
para a adesão aos novos modelos organizacionais; e equilibrar as funções clínicas e
gerenciais exercidas pelo generalista.
No Brasil, somente na década de 1990 foi dado um maior enfoque à família e à
comunidade na reorganização dos serviços de saúde, na tentativa de aproximar a
assistência institucional e não institucional, construindo redes de solidariedade primária
(Ronzani & Stralen, 2003). O Governo Federal definiu, então, como principais
estratégias da reforma assistencial do sistema de saúde brasileiro, o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF) que
propiciaram uma mudança na alocação de recursos financeiros, na organização dos
serviços, na concepção e atenção à saúde. O PSF se organiza como uma estratégia
assistencial em que a família e o seu meio social são o foco de ação, cujas diretrizes e
18
características básicas são: função de porta de entrada para o sistema de saúde; visa à
integralidade dos níveis de atenção; existe uma definição do território a ser atendido a
partir do critério populacional; as ações devem ser realizadas numa relação
multiprofissional (Souza, 2001).
Atualmente, o PSF é definido como Estratégia Saúde da Família (ESF), visto
que o termo programa aponta para uma atividade com início, desenvolvimento e
finalização. A ESF está organizada segundo uma equipe mínima composta de médico,
enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, algumas
equipes contam ainda com um dentista e técnico em odontologia. O processo de
trabalho das equipes se estrutura a partir do conceito de delimitação do território,
mapeamento das áreas onde residem em torno de 3.000 a 4.500 pessoas e das
microáreas que representam o espaço de atuação de um Agente Comunitário de Saúde
onde moram cerca de 400 a 750 pessoas. As equipes trabalham com o cadastramento
familiar e utilizam o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) (Brasil, 2006).
A noção de território é fundamental para as ações de promoção de saúde, pois
não se restringe a um espaço geográfico ou uma área física delimitada. Configura-se
pelo espaço habitado, marcado pela subjetividade humana, pelas relações afetivas, de
pertencimento. O território é uma noção dinâmica, fluida, viva, pulsante, mutante.
Conhecê-lo é condição para o planejamento das estratégias e políticas públicas.
Portanto, é fundamental conhecer o local, quem habita o território, as relações afetivas,
as trocas, as tensões, as necessidades – enfim, o emaranhado que compõe o território e
que, a partir de uma prática intersetorial, pode ser atendido em sua complexidade em
direção à promoção de saúde (Sundfeld, 2010).
A ESF se insere na comunidade através das visitas domiciliares dos agentes
comunitários de saúde/ACS e de outros profissionais da equipe. Na condição de
19
moradores da área de abrangência do serviço de saúde, os ACS convivem no cotidiano
com a comunidade, participam dos problemas e dificuldades estruturais relacionados à
saúde, educação, habitação, transporte, etc. Esta condição facilita a entrada dos ACS
nos domicílios e seu papel de mediador entre os serviços de saúde e a comunidade
(Sundfeld, 2010).
Dessa forma, podemos perceber que a ESF é uma estratégia prioritária para o
aumento da cobertura da atenção à saúde, assumindo que o acesso a ela é um direito de
cidadania. Os espaços dessa atenção passam a ser fundamentalmente os domicílios e as
Unidades Básicas de Saúde mais próximas da população, uma vez que a proposta da
Estratégia Saúde da Família prevê a participação de toda a comunidade, em parceria
com a Equipe de Saúde da Família, na identificação das causas dos problemas de saúde,
na definição de prioridades e no acompanhamento e avaliação do trabalho. Isto é
importante para que as pessoas possam tomar iniciativa, como sujeitos capazes de
elaborar projetos próprios de desenvolvimento, tanto em nível individual quanto
coletivo (Brasil, 2006). Nesse sentido, a ESF introduziu um modo ativo da intervenção
em saúde, a de não esperar a demanda chegar para intervir, mas de agir sobre ela
preventivamente, representando, assim, um instrumento real de reorganização da
demanda.
De acordo com informações do Sistema de Informação da Atenção Básica/SIAB
(Brasil, 2013a), a implantação de Equipes de Saúde da Família tem sido realizada em
todo o território nacional e passou de 300 equipes em 1994 para cerca de 34.056 equipes
em 2013, chegando a 54,55% de cobertura da população brasileira (ver figura 1 e 2).
20
Figura 1: Evolução do Número de Municípios com Figura 2 - Situação de implantação de Equipes de
Equipes de Saúde da Família Implantadas BRASIL - 1994 – Família, Saúde Bucal e Agentes Comunitários
AGOSTO 2011 de Saúde BRASIL – AGOSTO 2011 Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica,
recuperado em www.siab.datasus.gov.br recuperado em www.siab.datasus.gov.br
Na tabela 1 podemos visualizar a quantidade de equipes e a proporção da
cobertura populacional estimada no Brasil, Nordeste, Rio Grande do Norte e no
município de Natal/RN.
Tabela 1: Equipes de Saúde da Família e cobertura populacional
Quantidade de equipes de SF Proporção de cobertura populacional
Brasil 34.056 54,55%
Nordesde 13.059 71.50%
RN 882 73,39%
Natal 59 23,83%
Fonte: SIAB – Sistema de Informação de Atenção Básica (janeiro/2013)
Recuperado de www.siab.datasus.gov.br
Como pode ser observado na tabela, chama atenção o fato de que a cobertura
populacional em nível municipal é bem inferior quando comparada com a estadual,
regional e nacional. Além disso, se compararmos a cobertura populacional das equipes
de Saúde da Família das capitais do Nordeste, Natal tem o segundo menor índice, sendo
a cidade de Salvador (14,19%) a capital com menor proporção de cobertura
21
populacional do Nordeste e Teresina (97,75%) a cidade que apresenta a maior cobertura
(Brasil, 2013a).
Podemos pensar a situação potiguar partindo das discussões apresentadas por
Oliveira, Silva e Yamamoto (2007) quando afirmam que o processo de implantação do
PSF no município de Natal/RN caracterizou-se por uma sucessão de entraves e
dificuldades de ordem variada tanto em relação ao processo em si quanto também à
receptividade do programa pela população. A ausência de planejamento e de
capacitação dos profissionais, a forma como ocorreu a criação das primeiras equipes e
unidades (sem um período de transição das antigas Unidades Básicas de Saúde para
Unidades de Saúde da Família) e a clara vinculação do processo à liberação de recursos
financeiros são aspectos que marcam esse momento.
Ronzani e Stralen (2003) apontam que desde 1997 foram estabelecidas as
responsabilidades de cada esfera do Governo e as funções dos profissionais que fazem
parte das equipes de Saúde da Família e que, já nesse momento, uma atribuição de
responsabilidades, principalmente da esfera municipal, levou à ações burocráticas e à
manutenção do incentivo financeiro mais do que propriamente à efetivação da
Estratégia. Além disso, algumas responsabilidades foram pré-estabelecidas sem a
preocupação de que os municípios teriam ou não a capacidade técnica para executá-las.
Nesse sentido, os desafios postos para APS no Brasil são inúmeros. A ESF
propõe mudanças paradigmáticas na maneira de se conceber a relação do profissional
com a população e com a questão saúde-doença. No entanto, estas mudanças são muito
difíceis de serem realizadas porque implicam em uma cadeia de transformações que
afetam desde concepções pessoais a respeito do problema, até as questões políticas mais
amplas (Santos, 2009).
22
Para Santos (2009), os aspectos que garantiriam que a Atenção Primária fosse
eficaz, relacionam-se com: a universalidade, o acesso, a regionalização, a referência e
contra referência, garantindo entrada a outros níveis de atenção. De acordo com o autor,
a Atenção Primária torna-se pouco desenvolvida em alguns países por consequência da
escassez de recursos; indisciplina social; incoerência entre formas organizativas e
propósitos declarados; isolamento e falta de coordenação dos serviços.
Outra questão a ser observada em relação à implantação da ESF como estratégia
de reforma do sistema de saúde brasileiro seria a contradição entre os princípios que
regem suas ações e sua operacionalização. Ronzani e Stralen (2003) apontam alguns
problemas relacionados à restrição ao acesso a esses serviços com a justificativa de
manutenção da qualidade prestada. Desta forma, torna-se conflituosa a proposta de
mudança de paradigmas assistenciais e o princípio básico do SUS que seria a
universalidade de acesso.
A ESF apresenta ainda problemas de efetividade social, uma vez que tem seu
território de ação ainda restrito e competindo com os modelos tradicionais
preponderantes. Ronzani e Stralen (2003) observam que a implantação da ESF é ainda
bastante heterogênea, servindo de manobras eleitoreiras ou de apenas mais uma fonte de
renda para os municípios, sem mudar a lógica de saúde como proposta.
Dessa forma, as características da ESF dependerão da perspectiva política dos
administradores municipais, correndo o risco de uma atomização da Estratégia e,
consequentemente, uma reprodução dos atuais problemas da política de saúde brasileira:
ineficiência, iniquidade, pouca resolutividade, insatisfação profissional e das
famílias/comunidades (Ronzani & Stralen, 2003). Como consequência, não se avança
na reorientação das práticas e no trabalho de estímulo à participação popular e o
controle social.
23
O trabalho e o planejamento em saúde têm respondido quase sempre de maneira
prescritiva e tecnocrática, não sabendo como lidar com a complexidade que envolve o
tema saúde e com a variação de problemas do território ao desconsiderar, muitas vezes,
que a eficácia se relaciona com a produção de saúde e com o impacto nos indicadores de
saúde da população (Santos, 2009). Isso tudo fragiliza ainda mais a articulação do
trabalho em equipe e em rede, bem como a realização de ações intersetoriais entre as
políticas públicas para atender a complexidade dos problemas e necessidades de saúde
da população de forma integral.
No entanto, diante dos desafios impostos para a Atenção Primária, a experiência
de reforma da APS no município do Rio de Janeiro, representada pela criação das novas
Clínicas da Família e pelas Unidades tipo A (ambas 100% ESF), diferente das unidades
B (Unidades com algumas ESF) e C (Unidades Tradicionais, sem ESF), mostra-se
promissora. A cobertura populacional da Estratégia de Saúde da Família na cidade
passou de 7%, em 2009, para 40% ao final de 2012. Uma importante expansão em
apenas 4 anos (Harzheim, Lima & Hauser, 2013).
O diferencial desse forte avanço no número de equipes de Saúde da Família
experimentado pelo Rio de Janeiro é a aposta na qualidade da APS. As Clínicas da
Família ampliam a concepção de APS corrente no Brasil, apostando na consolidação de
grandes unidades de saúde, que concentram 5 ou mais equipes de Saúde da Família,
com estrutura física diferenciada, onde a ambiência, o conforto e a sustentabilidade são
requisitos importantes (Harzheim et al., 2013).
Além disso, a incorporação de tecnologia apropriada à prática da APS apresenta
um potencial de maior resolubilidade para os médicos e de maior conforto para os
pacientes, com oferta de coleta de exames laboratoriais, raio X, ecografia, e outros. Essa
aposta na qualidade, aliada a um projeto ambicioso da equipe da Subsecretaria de
24
Atenção Primária, Vigilância e Promoção de Saúde, foi possível a partir de um aumento
importante do aporte financeiro municipal destinado a APS.
Porém, algumas dificuldades têm se colocado. Os servidores municipais não
parecem estar aptos a liderar o processo de expansão e qualificação da ESF,
demonstrando desmotivação, cumprimento parcial de carga-horária, falta de
conhecimento sobre os atributos da APS e visão retrógrada sobre a organização de
serviços de APS (Harzheim et al., 2013). Tais características observadas dificultam a
incorporação de servidores municipais, incluindo os médicos, em um modelo inovador
de APS representado pelas Clínicas da Família.
A saída encontrada pela prefeitura foi optar pela contratação de profissionais via
Organizações Sociais (OS) com contrato pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
(Harzheim et al., 2013). Os autores relatam que, com essa medida, os médicos da ESF
estão satisfeitos com sua matriz salarial e com a qualidade do vínculo CLT, sem se
queixar da falta da “estabilidade” que só seria produzida por um vínculo contratual de
estatutário/servidor. Ao contrário, eles referem que “a natureza dos contratos CLT
permite que os profissionais que não trabalham com qualidade sejam dispensados,
demonstrando seu interesse em servir à população, e não em proteger a corporação”
(Haezheim et al., 2013, p.48).
Entretanto, a proposta da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro de
apostar na qualidade da APS ainda não está consolidada. Alguns atributos, em especial,
o acesso e a coordenação, ainda devem ser fortalecidos, assim como a
longitudinalidade, pela incipiência temporal da reforma e pela rotatividade de
profissionais médicos.
Foi também objetivando a melhoria no atendimento aos usuários do Sistema
Único de Saúde que o Governo Federal lançou em julho de 2013 o Programa Mais
25
Médicos, com a finalidade de suprir a carência de médicos nos municípios do interior e
nas periferias das grandes cidades do Brasil. O Ministério da Saúde (Brasil, 2014a)
explicita a importância do Programa apontando uma pesquisa realizada pelo IPEA
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2011, que revelou que 58,1% da
população brasileira indicou a falta de médicos como o principal problema do SUS. O
Ministério da Saúde (Brasil, 2014a) ainda revela que o Brasil possui apenas 1,8 médicos
por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros países, como a Argentina
(3,2), Portugal e Espanha, ambos com 4 por mil.
É a partir de tais argumentos que o Governo aposta no novo Programa como
parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS, que prevê -
além da contratação de profissionais - investimento na infraestrutura dos hospitais e
unidades de saúde e na ampliação e construção de hospitais universitários. As vagas são
oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões
onde faltam profissionais. No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil
aceita candidaturas de estrangeiros, com a intenção de resolver esse problema, que é
emergencial para o país. Os médicos estrangeiros aceitos - profissionais com
conhecimentos do português e proveniente de países como mais de 1,8 médicos por
habitantes (índice brasileiro) - recebem um registro temporário para trabalhar no Brasil
por um período de 3 anos e apenas nos municípios para os quais foram designados
(Brasil, 2014a).
O Programa envolve também uma mudança na formação dos estudantes de
Medicina que vai aproximar ainda mais os novos médicos à realidade de saúde do país.
A partir de 1º janeiro de 2015, os alunos que ingressarem na graduação deverão atuar
por um período de dois anos em unidades básicas e na urgência e emergência do SUS.
26
O chamado “2º ciclo de Medicina”1 vai permitir ao estudante trabalhar em contato
direto com a população. De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2014a), o
modelo brasileiro é inspirado pelo o que já acontece em países como Inglaterra e
Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com
um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo.
Outra medida importante do Mais Médicos é a mudança na lógica de abertura
dos cursos de medicina de universidades privadas. Antes essas instituições
apresentavam um projeto para o Ministério da Educação e, se aprovado, o curso era
aberto. A mudança é que agora o Governo Federal faz um chamamento público com
foco nas regiões prioritárias do SUS e, em resposta, as universidades apresentam
propostas. Se aprovadas, os cursos de medicina podem ser abertos. Também é requisito
para abertura de um novo curso a existência de pelo menos três Programas de
Residência Médica em especialidades consideradas prioritárias no SUS – Clínica
Médica, Cirurgia, Ginecologia/Obstetrícia, Pediatria, e Medicina de Família e
Comunidade. Com essa medida, a expectativa é formar mais especialistas nessas
localidades, minimizando a dificuldade na contratação desses profissionais (Brasil,
2014a).
Mesmo diante dos argumentos positivos, em relação ao Mais Médicos,
apresentados pelo Governo Federal, o Programa foi recebido de maneira negativa pelas
entidades médicas, principalmente em relação a “importação” de profissionais.
Associações representativas da categoria e de estudantes de medicina alegam que a
contratação de profissionais formados em outros países sem que sejam aprovados no
Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida) é ilegal, a medida que retira
1 No primeiro ciclo será mantida a grade curricular atual, no segundo há o treinamento no SUS - o
primeiro ano na Atenção Primária e o segundo na especialidade desejada - e o terceiro ciclo é a residência
médica na especialidade desejada.
27
dos conselhos regionais de Medicina a competência para avaliar a qualidade
profissional do médico intercambista.
Lucena (2014) aponta ainda outros desafios que o Programa Mais Médicos tem
enfrentado desde seu lançamento, como o fato de alguns médicos estrangeiros não
terem comparecido às Unidade de Saúde no tempo esperado, demorando até 2 meses
para chegar aos locais designados. De acordo com o autor, os municípios que
participam do Mais Médicos são obrigados a providenciar alimentação, moradia e
transporte para os intercambistas2. No entanto, até agora, foram notificadas 37
prefeituras acusadas de não providenciar o auxílio. Desse grupo, 27 regularizaram a
situação. Somente uma, Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, localizado a 28
quilômetros da capital, foi descredenciada, uma vez que município ficou dois meses
sem pagar o auxílio a três médicos integrantes do programa. De acordo com a Secretaria
de Saúde do Estado do RN, apesar de ter aderido ao Programa, o município não
ofereceu as devidas condições de moradia e alimentação para acolher os três
profissionais (dois espanhóis e um boliviano) que haviam chegado em setembro de
2013. A Secretaria ainda constatou as precárias condições das unidades básicas de saúde
onde os médicos iriam atuar. O autor relata que no Rio Grande do Norte, enquanto as
Secretarias Municipais de Saúde esperam novos profissionais, sete médicos brasileiros
pediram desligamento do programa, somente em Natal, alegando más condições de
trabalho.
No entanto, mesmo diante de tantos desafios, a OPAS/OMS informou que vê
com entusiasmo o lançamento do Mais Médicos pelo governo brasileiro. Segundo o
órgão, a medida guarda coerência com as resoluções e recomendações da OMS sobre a
cobertura universal em saúde, o fortalecimento da Atenção Primária no setor e a
2 Enquanto cabe aos municípios oferecer moradia, alimentação e transporte, cabe ao Ministério da Saúde
o pagamento de uma bolsa no valor de 10.000 reais aos médicos do Programa.
28
equidade na atenção à saúde da população. Para a OPAS/OMS, são corretas as medidas
de levar médicos, em curto prazo, para comunidades afastadas e de criar, em médio
prazo, novas faculdades de medicina e ampliar a matrícula de estudantes de regiões
mais deficientes, assim como o número de residências médicas (Organização das
Nações Unidas - ONU, 2013).
Dessa forma, acreditamos que o Programa Mais Médicos, embora possa suprir
necessidades imediatas de muitos municípios brasileiros, necessita de análise mais
extensa, uma vez que o aumento isolado do número de profissionais médicos pode não
ser capaz de resolver os problemas estruturais enfrentados pelo SUS.
1.2 Atenção Primária: âmbito de cuidados em Saúde Mental
Se a Atenção Primária apresenta tanto desafios, na Saúde Mental o panorama é
ainda mais delicado. Historicamente, os serviços foram organizados descolados da rede
do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso ocorreu devido à centralidade das ações no
hospital psiquiátrico na organização da assistência à saúde mental no Brasil. No entanto,
esse cenário foi buscando transformações desde a aprovação da Lei 10.216/2001,
instituindo a Reforma Psiquiátrica no Brasil em profundo diálogo com as discussões
contemporâneas para o cuidado em saúde mental, ressaltando a noção de “sujeito
cidadão” em contraposição a de “doente mental”, ao convergir para reafirmação dos
direitos do cidadão e redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental
(Amarante, 2008).
Dentre as discussões que envolvem a Reforma Psiquiátrica, um conceito
fundamental é o de reabilitação psicossocial, apresentado por Oliveira e Fortunato
(2007), como uma atitude que tem como fundamento a construção da cidadania, como
29
uma vontade política, “uma modalidade compreensiva e delicada de cuidados para
pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade habituais que necessitam de cuidados
igualmente complexos e delicados” (p.156). Refletir sobre a concepção de reabilitação
psicossocial, no campo da saúde mental, é pensar sobre a desconstrução de práticas
silenciadoras e a (re)construção de práticas destinadas às reais necessidades de pessoas
em sofrimento psíquico. Isso implica, portanto, pensar uma multiplicidade possível que
ultrapassa o paradigma psiquiátrico (estigmatização, despotencialização do sujeito),
cujo principio fundamental é a ideia de que o louco deve ser isolado da sociedade, pois
é perigoso (Oliveira & Fortunato, 2007, Leite & Paulon, 2013).
Nesse sentido, tem-se buscado ampliar o acesso à atenção psicossocial pela
população em geral, com a estruturação de novos serviços, de maneira a articular e
integrar os pontos de atenção com as redes de saúde, tendo a APS um papel
fundamental, tendo a função não apenas de porta de entrada, inclusive das demandas de
saúde mental, mas, principalmente, como elemento articulador da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS).
Há um consenso na literatura nacional e internacional acerca das potencialidades
da APS na atenção em saúde mental. Sabendo-se do impacto e da carga provocada pelos
transtornos mentais e da necessidade de cuidados continuados em relação às doenças
crônicas, há uma diretriz mundial no sentido de incorporar os cuidados primários em
saúde mental (Silveira, 2009). Assim, a APS tem se configurado como eixo
fundamental do cuidado e da reorganização da Rede de Atenção Psicossocial, com
redefinição da atenção especializada e investimento em estratégias de reabilitação e
apoio comunitário (Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).
De acordo com Tófoli e Fontes (2007), a saúde mental na Atenção Primária tem
sido um tema de interesse crescente no Brasil, de forma semelhante ao que aconteceu
30
em outros países que reformaram seus modelos sanitários tendo como base cuidados
primários universais, tais como o Canadá e a Espanha (Shepherd, Cooper, Brown &
Kalton, 1966). Sabe-se que a prevalência mundial e nacional de transtornos mentais na
Atenção Primária é relevante, chegando a um terço da demanda. Ao longo do tempo, os
estudiosos do tema têm defendido que a demanda de saúde mental na Atenção Primária
tem características particulares, e que por isso merece um olhar específico que somente
as visões tradicionais da Psiquiatria ou Psicologia não dão conta de abarcar, e nem de
cuidar (Pereira, 2006).
Em muitos países da América Latina e Caribe, de acordo com Kohn et al (2005),
os gastos com a saúde mental e o número de leitos por paciente psiquiátrico, psiquiatras
e outros profissionais de saúde mental é muito menor que no Canadá e Estados Unidos.
Os autores especificam que, na verdade, o planejamento racional no campo da saúde
mental nos países industrializados, tem uma clara tendência a dar maior importância a
esse tipo de atenção, concentrado esforços na detecção de problemas, em serviços de
cuidados primários e no desenvolvimento da medicina comportamental.
De acordo com Caldas de Almeida (2005) na maioria dos países da América
Latina e Caribe, os serviços de saúde mental continuam centrados nos hospitais
psiquiátricos tradicionais, ou seja, em instituições com características manicomiais e
frequentemente localizadas em zonas isoladas. Apesar dos cuidados em saúde mental se
integrar à Atenção Primaria em praticamente todos os países, esta integração tem sido
lenta e parcial.
Em contrapartida, a Organização Mundial de Saúde/OMS e Organização
Mundial de Médicos de Família/Wonca (2008) aponta casos bem sucedidos da
implantação de cuidados em saúde mental nos primeiros níveis de atenção, como
acontece na Argentina, Austrália, Belize, África do Sul, dentre outros, onde: 1. médicos
31
de cuidados primários realizam o diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes
com distúrbios mentais severos. 2. Os pacientes recebem tratamento ambulatorial em
suas comunidades; 3. Psiquiatras e outros especialistas de saúde mental estão
disponíveis para examinar e aconselhar em casos complexos. Tais estratégias têm
proporcionado um aumento da procura de cuidados de saúde mental e têm permitido
que pessoas com perturbações mentais permaneçam nas suas comunidades e
socialmente integradas. Uma vez que os psiquiatras são solicitados com moderação e se
evita cuidados institucionais, os custos são mais baixos e o acesso é otimizado. Como
resultado, os clínicos gerais têm precisado de menos conselhos e apoio, e têm atingido
melhores resultados em termos da manutenção da continuidade dos cuidados.
Podemos, ainda, apresentar outros bons exemplos de funcionamento de uma
rede em saúde mental que tem a Atenção Primária como parte integrante e essencial,
como é o caso do Chile, Cuba e Espanha.
Segundo Alvarado et al (2005), o Chile tem desenvolvido com efetividade um
programa de detecção, diagnóstico e tratamento de transtornos depressivos em nível
primário. Esse programa de alcance nacional é composto por intervenções
multicomponentes, através do uso separado ou combinado de psicofármacos,
psicoterapia individual e intervenção grupal psicoeducativa com acompanhamento
estruturado e sistemático, desenvolvendo-se em âmbito comunitário.
Em Cuba, de acordo com Martín (2011), esse movimento de substituição do
modelo biomédico de assistencia em saúde (com foco no diagnóstico e remissão de
sintomas) para o biopsicossocial (compreendendo o processo saúde-doença para além
do corpo, abordando a complexidade dos processos sociais e psicológicos implicados)
já se desenvolve desde 1959 quando a saúde pública é alvo de profundas mudanças que
se estenderam também à prática psiquiátrica. Foram desenvolvidos serviços de
32
psiquiatria em hospitais gerais, unidades de atenção à crise, hospitais-dia e assistência
ambulatorial ligada à Atenção Primária. Martín (2011) especifica que desde 1995,
foram criados centros para atendimento em saúde mental em todo o país que promovem
o modelo de atenção comunitária com perfil clínico, epidemiológico e social e assegura
a manutenção e melhoria da qualidade do serviço à população. Todavia, o autor ainda
aponta que atualmente faz-se necessário um sistema de avaliação interna que permita
uma avaliação sistemática desses serviços e que sirva como ponto de partida para o
estabelecimento de um processo dinâmico para promover a melhoria contínua da
qualidade.
Em relação à Espanha, Dimenstein (2011) apresenta suas experiências na rede
de saúde espanhola relatando que a Atenção Primária configura-se como a porta de
entrada dos usuários na rede, assumindo o papel de organizadora dos fluxos de atenção.
A autora cita em seu estudo o “Programa de Enlace com Atención Primária”, parte do
programa de saúde mental do país, o qual tem como objetivos: aumentar a sensibilidade
dos profissionais na detecção dos problemas de saúde mental, apoiando-os no
tratamento e seguimento desses problemas, evitar a fragmentação entre ações de saúde
em geral e saúde mental, além de desenvolver, garantir e consolidar uma assistência
integrada e continuada. A autora esclarece que o Centro de Saúde Mental (CSM) é a
base de recepção e encaminhamentos para a rede de saúde mental. Os usuários são
encaminhados pelo médico generalista para psiquiatras e psicólogos do CSM de
referência e estes encaminham para a Equipe de Cuidados Continuados/ECC (equipe de
saúde mental que organiza o trabalho tanto na rede assistencial quanto nos espaços
comunitários, tendo a função de garantir os cuidados tanto ao longo da vida do usuário
quanto na relação com os serviços da rede ampliada).
33
Pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que uma - em
cada quatro pessoas - desenvolve alguma enfermidade psíquica em algum momento da
vida e, nos países em desenvolvimento como o Brasil, 90% dessas pessoas não recebem
tratamento adequado (Delfini, Sato, Antoneli & Guimarães, 2009). Dessa forma, há
uma alto percentual de sofrimento mental que chega à Atenção Primária que não está
sendo adequadamente atendido.
Segundo Figueiredo e Campos (2009), cerca de 9% da população brasileira
apresentam transtornos mentais leves, e 6 a 8% apresentam transtornos decorrentes do
uso abusivo de álcool e outras drogas, pelos quais a Atenção Primária pode
responsabilizar-se. Os autores relatam ainda que, segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), 80% dos usuários encaminhados aos profissionais de saúde mental não
trazem, a priori, uma demanda específica que justifique a necessidade de uma atenção
especializada. Muitas dessas demandas são situações que com intervenções imediatas
podem evitar a utilização de recursos assistenciais mais complexos desnecessariamente.
Trata-se, por exemplo, de transtornos mentais comuns, de problemas associados ao uso
prejudicial de álcool e de outras drogas, de egressos de hospitais psiquiátricos sem o
devido acompanhamento, do uso inadequado e sem controle de benzodiazepínicos,
cárcere privado e situações decorrentes da violência e da exclusão social. Em função
disso, entendemos que
a identificação e o acompanhamento dessas situações, incorporados às atividades
que as equipes de atenção básica desenvolvem são passos fundamentais para a
superação do modelo psiquiátrico medicalizante e hospitalar de cuidados em
saúde mental (Dimenstein et al, 2005, p.24).
34
Todavia, a inserção da saúde mental na Atenção Primária tem revelado uma
relação conflituosa entre o discurso e a prática. Silveira (2009) ressalta que o despreparo
dos profissionais, da família e da comunidade para lidar com o sofrimento psíquico tem
se tornado cada vez mais evidente, e a medicalização dos sintomas foi percebida, muitas
vezes, como uma indisponibilidade no atendimento aos problemas psíquicos, somados à
ausência ou ineficiência dos serviços de referência. Tais discursos evidenciam
dificuldades das equipes de saúde da família em trabalhar de forma eficaz com as
demandas de saúde mental. Como consequências, é cada vez mais evidente o excesso de
demanda no cotidiano do serviço e a falta de conhecimento das equipes de SF para
acolher esta clientela, dentre outras questões.
Em estudo recente realizado no Ceará sobre as demandas de saúde mental que
chegam a Atenção Primária, Tavares, Souza e Pontes (2013) afirmam ter constado tal
despreparo dos profissionais de saúde - para acolher e cuidar de tais demandas e relatam
que as dificuldades que se interpõem ao acesso e cuidado das manifestações de
sofrimento que aparecem na APS, tanto por parte dos profissionais quanto da
estruturação dos serviços, têm origem diversificada: pouca compreensão a respeito de
códigos culturais diferentes para expressar o sofrimento; ausência de capacitações
adequadas para as equipes; serviços e profissionais ainda aprisionados no modelo
individual e fragmentado de atendimento; prioridade das políticas de saúde mental para
as clientelas consideradas graves; ausência de tecnologias de cuidado e de acesso para a
clientela com queixas difusas.
Apesar disso, Gonçalves e Kapczinski (2008) afirmam que ações de saúde
mental na Atenção Primária tem apresentado elevada resolutividade no Brasil por meio
da busca ativa de casos, trabalho em equipe e facilitação do acesso da população aos
serviços de saúde - uma vez que transtornos mentais em geral causam considerável
35
impacto em termos de morbidade, prejuízos na funcionalidade e diminuição da
qualidade de vida de seus portadores. Dessa forma, torna-se importante que as equipes
da ESF estejam atentas aos aspectos da saúde mental da população atendida, a fim de
que efetivamente apliquem a abordagem biopsicossocial a que se propõem.
Franco e Merhy (2006) direcionam uma critica à ESF, ao apontarem que a
mudança na forma ou estrutura do serviço é insuficiente para produzir novos processos
de trabalho. Geralmente, há uma tendência no sentido de transpor o modelo centrado no
médico e a vocação curativa e individual para o trabalho em equipe. Os autores
ressaltam que o caráter prescritivo do programa tende a engessar a criatividade dos
profissionais e impedir a formulação de arranjos criativos e autônomos.
A literatura nesse campo também indica que as equipes da APS têm necessidade
de suporte técnico e afetivo para realizar os cuidados primários em saúde mental tais
como: ações de detecção e intervenção precoce ou mapeamento dos casos de transtornos
mentais no território; apoio à situações de crise psiquiátrica; acompanhamento para uso
racional de medicamentos; prevenção de admissões desnecessárias em hospitais
psiquiátricos; elaboração de planos de continuidade de cuidados; estabelecimento e
manutenção de sistema de apoio comunitário; estímulo à participação ativa do usuário,
famílias e comunidade no cuidado e articulação com a rede especializada de saúde
mental (Silveira, 2009, Jucá, Nunes & Barreto, 2009, Andrade et al, 2009).
Algumas estratégias foram propostas no Brasil para lidar com essas questões. O
apoio matricial é uma delas e foi eleito pelo Ministério da Saúde como a estratégia
oficial para guiar as ações de saúde mental na Atenção Primária (Brasil, 2003). Pode ser
entendido como um suporte técnico especializado que é ofertado a uma equipe de saúde
com a finalidade de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações. O
matriciamento deve proporcionar retaguarda especializada de assistência, assim como
36
um suporte técnico-pedagógico, vínculo interpessoal e apoio institucional no processo
de construção coletiva de projetos terapêuticos junto à população. Dessa forma,
constitui-se numa ferramenta de transformação, não somente do processo saúde-doença,
mas de toda a realidade das equipes e comunidades, pois visa transformar a lógica
tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos, referências e contrareferências,
uma vez que os efeitos burocráticos e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem
vir a ser atenuados por ações horizontais que integrem os componentes e seus saberes
nos diferentes níveis assistenciais (Chiaverini, 2011).
Campos e Domitti (2007) indicam que as equipes de saúde mental podem
realizar apoio matricial utilizando-se de uma capacitação in loco, a qual se dá através de
atendimentos conjuntos entre o profissional da saúde mental e o profissional de
referência da ESF. Sabe-se que as competências de médicos generalistas em detectar e
tratar transtornos mentais está mais ligada às habilidades de comunicação médico-
paciente do que a conhecimentos teóricos de psiquiatria (Ballester et al, 2005, Pereira,
2006). Este apoio possibilitaria ampliar o alcance e fortalecer as ações de cuidado em
saúde mental no território, sob a responsabilidade dos profissionais da equipe de
referência e da equipe matricial, dos usuários e da família, onde cada sujeito tem uma
competência singular na tomada de decisão para a realização do cuidado e produção de
saúde, direcionados pela integralidade. Assim, o apoio matricial configura-se como
forma de compartilhar responsabilidades, exigindo que os profissionais, juntos,
compreendam o caso e suas necessidades, e só então seria possível bloquear
encaminhamentos indiscriminados e decidir sobre responsabilidades de cada
profissional.
Tansella & Thornicroft (2001) sugerem que modelos colaborativos de
interconsulta com a interação direta de trabalhadores de saúde mental e saúde da família
37
– como o apoio matricial em saúde mental – têm evidências de resultados efetivos. Os
autores apresentam um modelo de interconsulta dotado de quatro componentes
principais: reuniões regulares entre especialista visitante e profissionais da Atenção
Primária; referenciação dos pacientes somente depois da discussão dos respectivos
casos nessas reuniões; alguns casos são geridos exclusivamente pelos profissionais da
Atenção Primária, após discussão direta com o especialista; e o especialista fornecerá
informações às equipes de Atenção Primária, acompanhada pelas recomendações
quanto ao tratamento e gestão, que deverão ser seguidas nos cuidados primários. De
acordo com os autores, quando comparado o tratamento habitual pelos clínicos gerais
com os serviços prestados através dos modelos de interconsulta, em unidades de
cuidados primárias britânicas, foi possível observar que os resultados globais eram 10%
melhores para os pacientes tratados com o auxilio de especialistas.
Nesse sentido, Tansella & Thornicroft (2001) defendem que uma abordagem
coordenada (através de planos de tratamento para cada usuário) planejada
conjuntamente com profissionais de cuidados primários e especializados, mostra-se
como a melhor forma de prestar serviços aos usuários de saúde mental. Ainda de acordo
com os autores, a monitorização das referenciações através do registro de casos em 15
anos na região sul de Verona mostrou que à medida que os serviços de saúde mental
comunitário se desenvolviam e consolidavam também o número de pacientes de
primeira consulta (usuários nunca tiveram contato com serviços de saúde mental)
aumentou de maneira uniforme e triplicou durante o referido período, ao mesmo tempo
que o número dos que procuravam o especialista diminuiu.
Foi nessa perspectiva que em 2008 o Ministério da Saúde criou o Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF) como uma estratégia que tem o objetivo de ampliar a
diversidade e abrangência nas ações da Estratégia Saúde da Família, assim como
38
proporcionar a constante procura por melhorias nos atendimentos à população,
promovendo a produção de novos saberes e uma ampliação da clínica (Brasil, 2008).
Com nove áreas estratégicas (saúde da criança/do adolescente e do jovem; saúde
mental; reabilitação/saúde integral da pessoa idosa; alimentação e nutrição; serviço
social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; atividade física/atividades corporais;
práticas integrativas e complementares), sendo uma delas saúde mental, o NASF tem se
configurado a principal ferramenta brasileira para a implantação de ações em saúde
mental na Atenção Primária.
Seguindo as orientações do Ministério da Saúde (Brasil, 2009), o NASF deve ser
formado por uma equipe composta por profissionais de diferentes áreas de
conhecimento, atuando em conjunto com os profissionais das equipes de Saúde da
Família, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios sob a
responsabilidade dessas equipes. Devem trabalhar com o matriciamento como lógica de
atuação, apoiando as Equipes de Saúde da Família na discussão de casos, no
atendimento compartilhado e na construção conjunta de Projetos Terapêuticos
Singulares. Atualmente existem 3 modalidades:
NASF 1 - composto por no mínimo cinco profissionais e deve desenvolver ações
junto à no mínimo 8 equipes de saúde da família.
NASF 2 - para municípios com densidade populacional abaixo de 10 habitantes
por quilômetro quadrado, composto por no mínimo três profissionais de nível
superior de ocupações não-coincidentes que deve desenvolver ações junto a, no
mínimo, 3 equipes de saúde da família.
NASF 3 – voltado para o desenvolvimento de ações de atenção integral a
usuários de crack, álcool e outras drogas em municípios com porte populacional
pequeno, menor que 20.000 habitantes.
39
Veja na figura 3 a evolução do número de NASF implantados de 2008 ate 2011
e na figura 4 a situação da implantação dos NASF no Brasil.
Figura 3 - Evolução do Número de Núcleos de Apoio à Figura 4 – Situação da Implantação de Núcleos de Apoio
Saúde da Família Implantados BRASIL - 2008 – AGO 2011 à Saúde da Família BRASIL 2008 – AGOSTO 2011 Fonte – Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) Recuperado de www.siab.datasus.gov.br Recuperado de www.siab.datasus.gov.br
De acordo com dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2013a), hoje, o Brasil
conta com 1.874 equipes de NASF implantadas. O Rio Grande do Norte apresenta 59
equipes e em Natal já foram implantados 3 NASFs.
A responsabilização compartilhada pelos casos permitiria regular o fluxo de
usuários nos serviços, tornando-se possível distinguir as situações comuns à vida
cotidiana, as quais poderiam ser acolhidas pelas próprias equipes de Estratégia de Saúde
da Família e por outros recursos sociais do entorno – as redes de cuidado – contribuindo
para evitar práticas de psiquiatrização e, “ao mesmo tempo, promovendo a equidade e o
acesso, garantindo coeficientes terapêuticos de acordo com as vulnerabilidades e
potencialidades de cada usuário” (Figueiredo & Campos, 2009, p.130).
Dias, Weber e Delgado (2010) afirmam que no atual momento de reorientação
do modelo de atenção à saúde mental, é prioritária a integração dos diferentes
dispositivos da rede, com a constituição de redes efetivas de atenção, com garantia de
integralidade e de acesso universal, como promotora de cuidado. A noção de rede de
atenção em saúde mental implica, nesse sentido, “um conjunto de diferentes ofertas de
40
cuidado, realizada por diferentes dispositivos. Eles são referenciados no território e
encontram-se intimamente articulado de forma complementar, solidária e com
propósitos definidos” (Dias, Weber & Delgado, 2010, p.119).
Porém, as estratégias de suporte à saúde mental na APS acima elencadas, no
cenário atual brasileiro apresentam alguns problemas. O primeiro deles é ausência de
capacitação direcionada aos profissionais que atuam no NASF na maioria dos
municípios que implantaram, o que gera uma clara dificuldade em produzir
convergência de princípios e de práticas entre as equipes. Segundo, há um número
reduzido de ferramentas de trabalho se entendemos que a intervenção precisa abarcar
diferentes âmbitos (pessoal, familiar e sociocultural) e ações intersetoriais amplas
envolvendo promoção, prevenção, diagnóstico e tratamento, reabilitação e cuidados
paliativos.
Além disso, o trabalho de matriciamento, quando existe, tem se limitado à
discussão de casos, o atendimento e intervenções conjuntas junto ao usuário, famílias e
comunidades são incipientes, bem como são pouco utilizados mecanismos presenciais
ou virtuais para troca de experiência entre as equipes. Observa-se também que o
matriciamento não tem funcionado como estratégia de educação permanente das
equipes de saúde, ampliando as habilidades e competências requeridas para atuação
nesse campo. Por fim, não escapam do modelo de supervisão técnica para se tornar
trabalho compartilhado, em colaboração (Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013, Lisboa,
2011, Lima & Andrade, 2010).
Mesmo diante de tais barreiras, é importante destacar que o NASF ainda
configura-se como uma proposta nova e representa uma nova prática de gestão inserida
nos serviços de saúde e com a possibilidade de efetivamente vir a compor elemento
41
fomentador para gerar transformações, e desta forma, vislumbrar um caminho para o
efetivo desenvolvimento de ações em saúde mental na Atenção Primária.
Podemos citar como exemplo de uma ação bem sucedida realizada na Atenção
Primária destinada a demandas de saúde mental, o estudo realizado por Abrahamian
(2011) com o objetivo de avaliar o desempenho de um grupo de psicoterapia realizado
em uma Unidade Básica de Saúde desde 2007. Trata-se de um grupo aberto - sendo, em
sua maioria, constituído por usuário com transtornos de ansiedade, depressão,
transtornos psicóticos compensados, dependência química e alcoolismo - com a
frequência de uma vez por semana, com duração de uma hora, o qual recebe os
pacientes encaminhados pelos médicos generalistas da UBS, pelo Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) e por outros serviços, como os de Pronto-Socorro de Psiquiatria,
hospitais e ambulatórios psiquiátricos e gerais. Nele, os participantes discutem temas de
seus interesses e aprendem técnicas de psicoterapia para lidarem com eventos do
cotidiano e manejarem suas emoções e comportamentos. Os encontros grupos são
coordenados por um médico generalista com formação em análise transacional e contam
com a colaboração de agentes comunitários de saúde, com participação de enfermeiros,
auxiliares de Enfermagem e membros do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
Abrahamian (2011) afirma que a melhora relatada pelos pacientes nas diversas
áreas de suas vidas aponta para a importância desse tipo de abordagem dentro da
Estratégia Saúde da Família, e para o impacto positivo no tratamento de pacientes com
transtornos mentais na Atenção Primária à Saúde.
Grupos de saúde mental desenvolvidos na APS se constituem em um dispositivo
da reforma psiquiátrica quando promovem aos seus participantes rupturas nas
suas formas de cuidado com a vida, possibilitando que se reconheçam enquanto
corresponsáveis pelo seu tratamento e pelo seu modo de ser. Desta forma, o
42
grupo de saúde mental, na perspectiva da atenção psicossocial, constroem
mudanças na relação dos usuários consigo mesmos, com o tratamento e com a
lógica dos especialismos na saúde mental. (Minozzo, Kammzetser, Debastiani,
Fait & Paulon, 2012, p. 27)
Ainda de acordo com os autores, torna-se necessário que intervenções
desenvolvidas no âmbito da saúde mental busquem fortalecer o modo de atenção
psicossocial, apostando no resgate da singularidade de cada usuário, investindo no
comprometimento com seus sintomas e tratamento e incentivando seu protagonismo.
Tais movimentos são capazes de incitar a ruptura com a lógica da identificação dos
sujeitos com a doença e com a concepção de cura restrita à solução medicamentosa,
além de auxiliar na construção de outros laços sociais, para além do grupo, apostando na
força do território e da cidade como alternativas para a reabilitação psicossocial.
Bosi et al. (2011) aponta que os avanços no campo da saúde mental caminham
em direção à exigência de construção de práticas inovadoras voltadas à
desinstitucionalização e à inclusão social, pautadas por novos horizontes éticos,
materializados em uma rede de saúde mental centrada no território. Rede esta marcada
pela defesa de um modo mais humanizado de cuidado, menos excludente, e pelo
reconhecimento dos determinantes biopsico-socioculturais do processo de adoecimento,
em que a saúde passa a ser considerada um processo em que o sujeito se atualiza com o
mundo, construindo e atribuindo significados.
Pensando nisso, Thornicroft & Tansella (2010) apontam que os serviços
comunitários são um cenário dinâmico e interativo no qual a negociação – quando o
planejamento do cuidado é negociado entre os prestadores de serviços, usuário e
familiares - é a palavra-chave. Os autores defendem que boas práticas de saúde mental
43
devem ser acessíveis, baseadas em premissas éticas (na melhor escolha para a busca da
equidade e do melhor cuidado), em evidências cientificas e na experiência, singular e
coletiva, valorizando os caminhos reais traçados no dia a dia das práticas terapêuticas e
das experiências locais ou regionais da organização da rede de serviços.
44
Capítulo 2 – Álcool e outras drogas na Atenção Primária
O uso de álcool e de outras drogas vem se transformando cada vez mais em um
tema recorrente na agenda política nacional. Conforme o Centro Brasileiro de
Informações Sobre Drogas Psicotrópicas/CEBRID (2009), o uso de drogas pode
acontecer como uma maneira de obtenção de prazer, de amenizar ansiedade, tensão,
medos e até de aliviar dores físicas. Quando utilizada de forma abusiva e repetitiva sem
controle do consumo, frequentemente a droga pode ocasionar dependência - que pode
ser de fundo psicológico ou fisiológico. No primeiro tipo, quando há interrupção do uso
da substância, surge sensação de desconforto e mal-estar, bem como aumento da
ansiedade e sensação de vazio. No segundo tipo, a dependência apresenta sintomas
físicos quando o indivíduo não utiliza a droga, conhecido como “síndrome de
abstinência” (Crauss & Abaid, 2012).
De acordo com O’Connor (2009), podemos ainda citar outros tipos de consumo
de substâncias psicoativas, a saber: (a) o uso moderado e não problemático, quando o
consumo da substância expõe o indivíduo a um risco relativamente baixo de
desenvolver problemas de saúde associados ao consumo de tal substância; (b) consumo
de risco, quando os níveis de consumo moderados são ultrapassados; (c) consumo
prejudicial, ocorre quando existem evidências claras de que o uso da substância resulta
em danos físicos ou psicológicos; e (d) uso abusivo, que pode ser definido como um
padrão mal adaptativo de consumo de alguma substância, que leva a um sofrimento ou
comprometimento clínico significativo, podendo apresentar problemas como falha ao
cumprir obrigações no trabalho, na escola ou em casa.
Estima-se que, em todo mundo, entre 155 e 250 milhões de pessoas (3,5 a 5,7%
da população com idade entre 15-64 anos) usaram drogas ilícitas pelo menos uma vez
45
durante o ano de 2008 (United Nations Office on Drugs and Crime - UNODC, 2010).
Em toda América Latina e Caribe, estima-se que pelos menos 4.4 milhões de homens e
1.3 milhões de mulheres tenham sido afetados por transtornos relacionados ao uso de
drogas, em algum momento de suas vidas. Na América do Sul, embora a droga ilícita
mais consumida seja a maconha, o World Drug Report (UNODC, 2010) aponta para um
crescimento do uso de cocaína e seus derivados (especialmente o crack). Para a América
do Sul, Central e Caribe estima-se que cerca de 2.7 milhões de pessoas tenham feito uso
de cocaína no ano de 2008 e o Brasil pode ser apontado como seu principal mercado
consumidor (900 mil usuários) na América do Sul (Ribeiro & Inglez-Dias, 2011).
No entanto, o uso de álcool é considerado a terceira principal causa no mundo de
adoecimento precoce e morte prematura - especialmente em pessoas com idades entre
25 e 59 anos - sendo responsável por 4% de todas as mortes no planeta. Estima-se que
2,5 milhões de pessoas morrem anualmente devido a problemas relacionadas ao álcool,
sendo a primeira causa de morte entre homens de 15 a 59 anos, principalmente pela
ocorrência de acidentes, violência e doenças cardiovasculares (World Health
Organizacion - WHO, 2011).
Diante disso, para pensar o enfrentamento de questões relacionadas ao consumo
de álcool e outras drogas, pode-se elencar dois tipos de posicionamentos políticos: o
proibicionismo e a abordagem de redução de danos.
Enquanto as políticas proibicionistas concentram esforços na redução da oferta e
da demanda de drogas - com intervenções de repressão e criminalização da produção,
tráfico, porte e consumo de drogas ilícitas - as políticas e programas de redução de
danos têm apostado em intervenções orientadas para a minimização dos danos à saúde,
sociais e econômicos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas sem
necessariamente proibi-lo (Alves, 2009).
46
Os princípios da redução de danos se sustentam no discurso de que o consumo
de drogas sempre esteve e sempre estará presente na história da humanidade. Dessa
forma, a ideia de uma sociedade livre de drogas perde completamente o seu sentido. Se
o consumo de drogas não pode ser eliminado da sociedade, pode ser possível, então,
idealizar estratégias para reduzir os danos a ele relacionados. Tal enfoque tem sido
apontado como o mais racional ao enfrentamento da questão das drogas, possibilitando,
por exemplo, compreender o consumo de drogas como um problema de saúde pública e
o tráfico como um problema jurídico-policial.
No campo internacional e nacional, há claros indícios de que gradualmente está
sendo quebrado o duro consenso da política estritamente proibicionista para o campo
das drogas ilícitas. As conferências das agências internacionais ligadas ao tema, nos
últimos anos, vêm mostrando uma clara discordância em relação a tais políticas até hoje
hegemônicas, ao reconhecer que a atual política é incapaz de reverter os níveis atuais de
produção e o consumo de drogas, bem como de enfrentar o poder crescente do tráfico
internacional e nacional (Vasconcelos, 2012).
Vasconcelos (2012) afirma que hoje, no Brasil, há um maior espaço para se
discutir novas políticas e programas de redução de danos, de assistência ao abuso de
drogas e para a descriminalização parcial do consumo de pequenas quantidades de
drogas mais leves. Um exemplo disso é a Lei 11.343, de 2006, que diferencia o
consumidor do traficante e estabelece penas comunitárias e tratamento para o primeiro.
Em contrapartida, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva/ABRASCO
(2013), emitiu um comunicado alertando para o rápido andamento do Projeto de Lei
7663/2010, um projeto que cria um cadastro de usuários de drogas no país, prevê a
internação involuntária de dependentes, que pode ser solicitada por um familiar e até
mesmo por um funcionário público e aumenta a pena mínima do traficante de 5 para 8
47
anos de cadeia. O Projeto, que altera a lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, também pode
vir a instituir a obrigatoriedade da notificação pelos professores da suspeita de uso de
drogas nos estabelecimentos de ensino. Por tudo isso, a ABRASCO (2013) manifesta-se
contra o uso da internação compulsória como medida principal para enfrentar o
problema do consumo de crack ou de qualquer outra droga e ainda aponta que algumas
iniciativas devem ser pensadas com urgência.
É nessa perspectiva que tem se fomentado cada vez mais debates acerca do
modelo de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas. Hoje, a maioria das
propostas de tratamento direcionadas ao consumo abusivo de álcool e drogas propõe a
institucionalização do sujeito, composta por intervenções médico-farmacológicas,
psicossociais, socioculturais ou religiosas. O usuário tem ficado entre o manicômio e o
presídio, ocupando o lugar do louco e do transgressor da lei, ambos excluídos pela
sociedade e rotulados seja como doentes, seja como delinquentes (Rosenstock & Neves,
2010).
Porém, o consumo abusivo de álcool e outras drogas - caracterizado
essencialmente por ser um fenômeno constituído nas inúmeras interfaces e articulações
entre variáveis biológicas, farmacológicas, psicológicas, socioculturais, políticas,
econômicas e antropológicas - se configura como uma complexidade que inviabiliza
qualquer tentativa de explicação reducionista, que desconsidere suas múltiplas
determinações.
Contraditoriamente, este fenômeno é abordado, em geral, a partir de processos
teóricos e de intervenção dicotômicos, fragmentados, ahistóricos, deterministas e de
cunho acentuadamente reducionistas (Schneider & Lima, 2011). Tais concepções, em
geral, enfatizam apenas um dos aspectos envolvidos no uso de substâncias psicoativas,
seja ele a dimensão psicológica do usuário ou seu contexto socioeconômico, ou a
48
influência do meio familiar, ou os efeitos bioquímicos das drogas, ou ainda os fatores
genéticos, enfim, concepções que, embora intimamente relacionada com o consumo
abusivo, isoladas não são suficientes para explicá-lo, nem propor-lhe intervenções
adequadas.
Essas concepções reducionistas se refletem nos modelos de atenção utilizados na
área. Observa-se, através de estudos, a baixa efetividade da maioria dos tratamentos
oferecidos aos usuários que, a custo, conseguem realizar sua meta, que, em geral, é a de
alcançar e manter a abstinência (Schneider & Lima, 2011). Diante deste fato há que se
questionar se a raiz do problema da efetividade não se encontra nas próprias práticas em
saúde que, se constituem numa mistura de diferentes modelos de análise do fenômeno
da drogadição e do emprego de diferentes metodologias de atuação. Sendo assim, não
basta responsabilizar o usuário pelo insucesso dos tratamentos, como é comum em
muitos serviços, que justificam a situação a partir da lógica de que a dependência é uma
doença crônica e recorrente e, portanto, a recaída é parte do processo, ou ainda, da falta
de motivação para os tratamentos, conforme demonstram algumas pesquisas (Schneider,
Spohr & Leitão, 2006).
Na realidade brasileira, com o intuito de preservar a segurança no país através do
controle do comércio e consumo de drogas foi apenas recentemente que o Governo
começou a intervir na área de álcool e drogas. Foram criadas leis que, se infringidas,
geravam penas de exclusão social e internações em sanatórios. Somente na década de
1980 foram criados os centros de tratamento que favorecem a saúde do usuário. Nessa
época, no entanto, ainda não se considerava o consumo de substâncias psicoativas como
problema de saúde pública, mas como uma questão jurídica ou médico-psiquiátrica
(Crauss & Abaid, 2012).
49
Tal concepção parece ter mudado somente em 2003 quando o Ministério da
Saúde publicou a “Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas” (Brasil, 2004), assumindo assim o desafio de prevenir, tratar e reabilitar esses
usuários. Para alcançar esse desafio, o governo brasileiro desenvolveu, através dessa
política, algumas práticas a serem contempladas, dentre elas: proporcionar tratamento
na Atenção Primária, garantir o acesso a medicamentos, garantir atenção na
comunidade, fornecer educação em saúde para a população, envolver
comunidades/famílias/usuários, formar recursos humanos, criar vínculos com outros
setores, monitorizar a saúde mental na comunidade, dar mais apoio à pesquisa e
estabelecer programas específicos.
Para tanto, tal política baseia-se em dispositivos extra-hospitalares de atenção
psicossocial especializada, os Centros de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas
(CAPSad). Esses CAPS têm como objetivo principal fornecer atendimento para a
população através da oferta de atividades terapêuticas e preventivas, tratamentos
personalizados para cada indivíduo quando possível, bem como condições de repouso
ou desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem de tais cuidados, buscando
sempre a reabilitação destes na sociedade (Brasil, 2004). O CAPSad deve ainda
articular-se à Rede de Atenção Psicossocial e ao restante da rede de saúde, incluindo os
dispositivos da Atenção Primária que devem estar voltados para a promoção de saúde e
identificação precoce de problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.
A visibilidade conquistada pelos modelos de cuidado de base comunitária, que
se originam e se movimentam fora do espaço hospitalocêntrico, ou da abstinência como
única alternativa de encontrar qualidade de vida coloca em debate questões
fundamentais, como: liberdade de escolha, responsabilidade individual, familiar e
social, direito do usuário à universalidade e integralidade de ações e dever do Estado de
50
criar condições para o exercício do autocuidado e redes sociais de apoio e sua conexão
com as redes informais dos usuários (Brasil, 2010).
A Atenção Primária, dessa forma, apresenta grande potencial para acolher
demandas relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas uma vez que é nesse
âmbito que parte dos usuários procura auxílio para tratamento de sintomas orgânicos
associados às fases iniciais do uso abusivo ou da dependência, tendo em vista que tais
usuários apresentam relutância em procurar serviços especializados devido à
estigmatização, medo de serem rotulados como "alcoólatras" ou "maconheiros",
"viciados", "drogados", etc. (Ronzani, 2008).
No entanto, é possível constatar a carência na formação dos profissionais da
Atenção Primária, no que se refere à temática do uso de drogas, quando suas ações
ficam restritas ao encaminhamento desses usuários a serviços especializados em saúde
mental, mesmo que somente devam ser encaminhados aos CAPSad casos de alta
gravidade (Rosenstock & Neves, 2010).
Ribeiro (2012) aponta que em meio ao caos, quem perde é o usuário. Diz que é
angustiante ingressar na rede e constatar a sua falência. O usuário inicia o tratamento no
CAPSad, mas a vinculação não acontece, porque o número de profissionais não atende a
demanda. Quando ocorre a tentativa de encaminhá-lo a algum outro serviço, o
acompanhamento nem sempre acontece. “Antes de o processo terminar, o usuário já
desistiu e o sistema que o encaminhou, às vezes, descobre isso somente meses depois,
quando já é tarde demais. Assim, as ruas continuam lotadas de pessoas que “gritam” por
socorro.” (Ribeiro, 2012, p.2)
Desse modo, podemos perceber que grandes desafios para a Atenção Primária
são impostos todos os dias, no que se refere aos cuidados a serem destinados às
demandas relacionadas a álcool e outras drogas. Expressão disso é o fato de que a
51
Estratégia de Saúde da Família ainda apresenta cobertura inferior a 20% em algumas
grandes cidades brasileiras, e a quase totalidade da ESF não inclui a atenção ao uso de
drogas em suas ações (Andrade, 2011). Essa baixa cobertura da ESF é também um
problema para os CAPSad, pois compromete a essência da função para a qual estes
Centros foram concebidos, ou seja, prestar atendimento clínico em regime de atenção
diária, evitando as internações e ser o coordenador e articulador das ações de saúde
mental na atenção ao uso de álcool e outras drogas em um determinado território.
Função esta que depende muito da articulação com a ESF e da inclusão de ações de
Redução de Danos com base territorial. Fica evidente, dessa forma, a lacuna existente
na ainda frágil ESF, e também “o preço elevado pago pelo Brasil por não ter assegurado
a sustentação e a expansão das ações de RD entre usuários de drogas nos últimos oito
anos” (Andrade, 2011, p.4668).
No entanto, como tentativa de incorporar ações relacionadas ao uso de
substâncias psicoativas na Atenção Primária, o Governo Federal incluiu questões
direcionadas a demandas envolvendo o uso de álcool e outras drogas no Programa
Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).
Instituído pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 1654 de 19/07/2011, o
PMAQ-AB tem como objetivo, induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade
da Atenção Primária e dentro de suas diretrizes prevê o estímulo de um processo
contínuo e progressivo de melhoramento dos padrões e indicadores de acesso e
qualidade que envolva a gestão, o processo de trabalho e os resultados alcançados pelas
equipes de saúde da Atenção Primária. Dentre os pontos abordados no Programa, é
possível encontrar alguns direcionados ao consumo de álcool e outras drogas, a saber: o
planejamento de atividades envolvendo questões relacionadas a riscos biológicos e
vulnerabilidades individuais, familiares e sociais (como violência, drogas e outras); a
52
criação de protocolos com definição de diretrizes terapêuticas para álcool e drogas; o
registro dos usuários com necessidade decorrente do uso de crack, álcool e outras
drogas; projetos de prevenção e tratamento ao uso abuso e dependente decorrente do
uso de crack, álcool e outras drogas; e atividades de promoção e prevenção ao uso de
drogas (Brasil, 2014b).
Todavia, como um fator que dificulta o acesso a cuidados destinados a usuários
de álcool e outras drogas citamos a atuação dos CAPSad, que deveria ter por base ações
territoriais, mas no entanto fica reduzida ao atendimento no próprio serviço, o qual
mesmo situado em território de elevada prevalência de consumo e tráfico de drogas, é
subutilizado uma vez que a população alvo não o tem como referência. Tais serviços
acabam por perdurarem em uma postura de não consideração das pautas culturais e o
modo de vida dos usuários, embebida em uma a visão cômoda, mas equivocada, de que
estas pessoas não querem se cuidar - o que ratifica a exclusão social e a precariedade da
assistência à saúde em que ela vive (Andrade, 2011).
Um fato recente que exemplifica o contexto de desafios em que o Brasil se
coloca no campo de álcool e drogas é o frágil funcionamento da maioria dos primeiros
14 Projetos de Consultório de Rua do SUS (PCR), financiados pelo MS no ano de 2010
e supervisionados pela Aliança de Redução de Danos, Serviço de Extensão Permanente
da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Os Projetos de Consultório de Rua se
constituem numa estratégia com o objetivo de fornecer cuidados básicos de saúde para
populações vulneráveis, com ênfase para crianças, adolescentes e jovens usuários de
álcool, crack e outras drogas vivendo nas ruas (Andrade, 2011). Durante a idealização e
operacionalização do projeto foram detectadas várias dificuldades, são elas: 1. falta do
conhecimento necessário à abordagem da população alvo pelas equipes 2. dificuldades
jurídicas e administrativas para a contratação de redutores de danos, comprometendo as
53
atividades de campo, 3. falta de repasse dos recursos recebidos do MS ao projeto por
alguns gestores municipais; 4. Falta do veículo necessário às ações de campo,
fundamental para o deslocamento da equipe e para a condução dos usuários com
necessidade de encaminhamento a outros serviços de saúde e 5. falta de materiais para o
trabalho de campo.
Desse modo, torna-se importante pensar a incorporação de ações destinadas a
usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária, a fim de contribuir para
alavancar o modelo de atenção a saúde descentralizado e de base comunitária,
oferecendo melhor cobertura assistencial a este tipo de agravo e maior potencial de
reabilitação psicossocial para os usuários do Sistema Único de Saúde. Uma das
estratégias que se destaca nesse sentido é a Triagem e Intervenção Breve
A técnica de Intervenção Breve foi proposta como uma abordagem terapêutica
para usuários de álcool em 1972, por Sanchez-Craig e colaboradores, no Canadá
(Neumann, 1992). É uma estratégia baseada em abordagem motivacional para
prevenção, cujo foco é a mudança de comportamento do usuário por meio de
atendimento com tempo limitado, podendo ser realizado por profissionais de diferentes
formações, desde que devidamente treinados. No entanto, não serve apenas para
problemas relacionados ao álcool, mas também pode ajudar na mudança de uma série de
comportamentos como modificar a dieta, parar de fumar, perder peso, dentre outros.
A literatura indica seis componentes essenciais de devem estar presentes para
caracterizar a intervenção, identificado pelo acrônimo “FRAMES”, originados pelas
primeiras letras das palavras em inglês: Feedback, Resposability, Advice, Menu of
option, Empathy, Self efficacy. Em português o acrônimo se transformou em
“ADERIR”, representando as palavras Auto-eficácia, Devolução, Empatia,
54
Responsabilidade, Inventário e Recomendações. (Miller & Sanches, 1993, Segatto,
Pinsky, Laranjeira, Rezende & Vilela, 2007), descritas a seguir:
1. Devolução: Depois de uma avaliação do usuário, é dado um retorno
relacionado aos riscos de problemas clínicos, psíquicos e as consequências
do padrão de consumo em questão.
2. Responsabilidade: é dada ênfase na responsabilidade pessoal do usuário pela
mudança e apoio no estabelecimento de metas a serem atingidas.
3. Recomendações: Orientação e suporte de informações que os profissionais
devem oferecer ao usuário sobre o que o paciente pode evitar (ressaca,
situações embaraçosas, pressão familiar) e ganhar (melhor desempenho no
trabalho ou escola, controle da situação) com a moderação do uso.
4. Inventário: Identificação de situações de risco e estratégias de para enfrentar
tais situações, aumentando a sensação de controle e escolha pessoal
5. Empatia: A empatia dos profissionais constitui-se forte determinante para
motivação e mudança. É importante manter um comportamento
compreensivo e sem preconceitos.
6. Auto eficácia: É o reforço da auto-estima, da esperança e do otimismo do
paciente. Refere-se à crença de uma pessoa em sua capacidade de realizar e
ter êxito em uma tarefa. Desta forma, a meta é persuadir o paciente para que
ele se sinta capaz de fazer uma mudança bem sucedida na área que apresenta
problemas.
Nesse sentido, a intervenção breve possui baixo custo e se mostra efetiva para
questões relacionadas ao uso de risco de substâncias psicoativas, sendo uma ferramenta
destinada a reforçar a autonomia nas escolhas do usuário, assim como sua capacidade de
gerir seus problemas. Deste modo, tem sido usada para prevenir ou reduzir o consumo
55
de álcool e outras drogas bem como problemas associados e orientar de modo focal e
objetivo sobre os efeitos e consequências relacionados ao consumo de risco,
constituindo-se também como um meio adequado para referenciar casos de dependência
para tratamentos especializados (Ronzani, 2008).
Ronzani, Ribeiro, Amaral e Formigoni (2005) apontam que os estudos sobre a
intervenção breve se concentram em duas direções principais: sua efetividade na
redução de padrões de uso da substância e as condições em que tem sido implementada,
tendo como foco o preparo dos profissionais envolvidos. Os autores afirmam que a
utilização de apenas 5 a 10 minutos da consulta de rotina para aconselhamento dos
usuários de risco de álcool, por profissionais de saúde, consegue reduzir o consumo em
20 a 30%. Uma vez que, a depender da região, durante o período de um ano, entre 60 e
75% da população procuram algum tipo de atendimento em serviços de Atenção
Primária, a implantação de estratégias de intervenção breve para usuários de risco,
nestes serviços, permitiria detectar pessoas com esse tipo de uso e intervir precocemente
(Ronzani et al., 2005)
Quando associados à intervenção breve, os instrumentos de triagem facilitam a
aproximação inicial e permitem um retorno objetivo para o paciente, possibilitando
assim a introdução dos procedimentos de intervenção breve e de motivação para a
mudança de comportamento. Por essa razão, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
vem desenvolvendo, há alguns anos, estudos multicêntricos em diversos países com o
objetivo de avaliar a implementação de rotinas de triagem e intervenções breves para o
uso de álcool e outras drogas em serviços de APS. A ênfase de tais estudos tem sido na
avaliação do impacto do treinamento de profissionais de saúde e da supervisão
continuada na mudança de atitudes dos profissionais e na incorporação da TIB na rotina
dos serviços (Ronzani, Mota & Souza, 2009).
56
Na figura 5 podemos observar como pode funcionar o fluxo de usuários
seguindo a lógica da implementação da TIB na Atenção Primária.
Figura 5- Esquema de triagem e intervenção breve na Atenção Primária
Entretanto, apesar das evidências da eficácia da triagem associada às
intervenções breves para detectar e reduzir o consumo de álcool e outras drogas,
diversos estudos indicaram dificuldades para implementar tal estratégia na Atenção
Primária, uma vez que profissionais de saúde têm uma formação insuficiente para
realizar atividades de prevenção ao uso de álcool e droga e possuem atitudes de
culpabilização moral de usuários de substâncias psicoativas (Ronzani, Mota & Souza,
2009).
Dessa forma, em face às deficiências em sua formação, a capacitação dos
profissionais de saúde é essencial para implementar a TIB na Atenção Primária.
Todavia, isoladamente, o treinamento não é capaz de mudar a prática dos profissionais
nos serviços. É preciso alterar a organização do sistema de saúde e o entendimento, por
parte dos gestores, da importância de se priorizar tais estratégias. “Diferenças na
estrutura e organização dos serviços e das práticas em saúde estão associadas a
57
diferentes graus de comprometimento dos profissionais e gestores, em relação às
práticas de prevenção e promoção” (Ronzani et al., 2005, p.853).
Souza e Ronzani (2012) citam um estudo no que qual foram analisadas práticas
de prevenção ao uso de risco de álcool e outras drogas adotadas por enfermeiros da
Atenção Primária capacitados nas modalidades presencial e à distância e por
enfermeiros não capacitados. O estudo mostra que ainda prevalece a subutilização de
práticas baseadas em evidências no tocante a álcool e outras drogas, e que um espaço de
discussão permanente subsequente às capacitações serviria de reforço, em médio prazo,
para a capacitação, aumentando o senso de autoeficácia para lidar com esta demanda.
Embora questões como estas sejam prevalentes em vários países e considerados
um grave problema de saúde pública, muito pouco se tem feito no sentido de ampliar o
acesso dos profissionais de saúde às informações relativas às habilidades específicas
para se detectar o problema precocemente e intervir de forma eficaz. Neste sentido, o
exercício da reflexão sobre as práticas vividas, proporcionado muitas vezes pela
educação permanente, é que podem produzir alternativas de práticas e de conceitos para
enfrentar o desafio de produzir transformações.
No Brasil, estudos como os citados acima ainda se encontram em fase inicial,
apesar da importância de pesquisas como estas, tendo em vista que os serviços de APS
são estratégicos na política de saúde brasileira, com grande parte da população
acessando tais serviços, somado ao problema já constatado de problemas associados ao
uso de álcool e outras drogas. Tais dados podem ser importantes para se definir
estratégias de controle e prevenção do uso de risco e abusivo de álcool e drogas a partir
do conhecimento da dimensão do problema existente (Ronzani et al., 2009).
Dentre as experiências brasileiras de cuidado ao usuário de álcool e outras
drogas no âmbito da Atenção Primária, destaca-se o Projeto de Rede de Cuidados aos
58
usuários de álcool e outras drogas de Sobradinho/RS. Tal projeto visa à reestruturação
da porta de entrada do usuário no SUS, onde as unidades de ESF passam a receber o
fluxo de acolhimento a esse tipo especifico de usuário.
O Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul
CONSEMS/RS (2012) esclarece que ao procurar primeiramente uma Unidade de Saúde,
o usuário passa por uma avaliação médica. Depois de avaliado, é determinado o
encaminhamento necessário para o paciente, que pode ser internação, medicamentos ou
indicação de participação em grupos de apoio. Nas reuniões dos grupos, são realizadas
atividades de integração, como oficinas terapêuticas, sessões de cinema, atividades
culturais e educativas abertas a comunidade e acompanhamento ambulatorial na própria
Unidade de Saúde.
O projeto conta com uma equipe técnica composta por psicólogos, enfermeiros,
assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, acompanhantes terapêuticos e
médicos, e ainda promovem uma integração entre as secretarias de Assistência Social,
Educação e Saúde.
Nessa lógica, cria-se um vínculo com o usuário, em que agentes de saúde fazem
um acompanhamento constante. Quando um usuário deixa de participar das atividades,
é realizada uma visita a sua casa para verificar o que aconteceu e incentivá-lo a voltar ao
tratamento. O sucesso do projeto, de acordo com a CONSEMS/RS (2012), deve-se a
comunicação entre as áreas e ao estabelecimento do sentimento de que o usuário vai ter
as portas sempre abertas para receber ajuda.
Nessa perspectiva, apontamos que as iniciativas de experimentação e
implantação de novas abordagens, dispositivos, apoio farmacológico e serviços
psicossociais de atenção ao uso abusivo de drogas devem constituir a máxima
prioridade no plano regional e local. A atenção clínica e psicossocial ao problema é
59
complexa, desafiante e razoavelmente desconhecida, no entanto constitui um campo de
experimentação e criação de novas abordagens, de ampliação dos limites já
reconhecidos de prática profissional, com base na integralidade, interdisciplinaridade e
intersetorialidade. Ao mesmo tempo, é importante mobilizar as organizações
corporativas de profissionais para darem apoio a estas iniciativas, para que seja possível
mobilizar os atores sociais e institucionais, produzindo estímulos para o
desenvolvimento destas práticas inovadores (Vasconcelos, 2012).
Diante desse desafio é importante conhecermos um pouco as experiências de
outros países na inserção dessas práticas no âmbito do nível primário de atenção a
saúde.
Na Espanha, de acordo com a Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e
Comunitária (SEMFYC, 2007) são realizadas intervenções de cunho preventivo nos
Centros de Saúde (unidades de cuidados primários), principalmente dirigidas à infância
e adolescência. Tais intervenções se baseiam em:
1. Atividades de caráter individual, realizadas em consultas, com o objetivo de
conhecer as condutas de saúde do paciente e as possíveis praticas de risco
mediante a prática do aconselhamento, assim como orientação aos pais sobre
os temores relacionados ao consumo de drogas. Trata-se de uma estratégia
de orientação diante de uma possível presença de comportamento de risco.
2. Atividades de prevenção de caráter comunitário em parceria com escolas,
associações e organizações não governamentais.
3. Detecção nas famílias e na comunidade de fatores de risco que podem
influenciar crianças e adolescentes para que adotem condutas de risco
relacionadas às drogas.
60
4. Atividades de prevenção dirigidas às doenças de maior prevalência de
morbidade e mortalidade, atendidas no centro de saúde, relacionadas ao
consumo de drogas.
5. Utilização da entrevista motivacional realizada no centro de saúde
Na prática espanhola, o diferencial é a proximidade da equipe com a população.
A partir das demandas trazidas pela comunidade nos Centros de Saúde são estabelecidas
as possibilidades de atuação, com a finalidade de que possam ser encontradas
alternativas e, assim, traçar ações.
A Atenção Primária, além de práticas de prevenção, fica responsável por parte
do tratamento de casos relacionados ao consumo de álcool e drogas. Depois do processo
de desintoxicação (realizados nos níveis especializados da rede de saúde), o paciente
pode procurar os centros de saúde e contar com a ajuda das equipes de trabalho social,
saúde mental e educação social para continuar seu tratamento. Em alguns casos, em que
o paciente não apresente doença associada ao consumo de drogas, esteja em
funcionamento laboral e bem apoiado pela família, pode realizar-se o acompanhamento
dele no Centro de Saúde, ainda que sempre seja indicado a realização de consulta
psicológica para descartar fatores de risco e guiar a prevenção de recaídas (SEMFYC,
2007).
Em Portugal, a Coordenação Nacional para os Problemas da Droga, das
Toxicodependências e do Uso Nocivo do Álcool (vinculado ao Ministério da Saúde)
tem como propósito garantir uma eficaz coordenação e articulação entre os vários
departamentos governamentais envolvidos nos problemas relacionados com substâncias
psicoativas, dependência e o uso nocivo do álcool. Portugal conta com o Instituto da
droga e das toxicodependências (IDT), um instituto público integrado na administração
61
indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e patrimônio próprio, é a
entidade nacional de referência, com reconhecimento internacional para a intervenção
nas condutas aditivas (IDT, 2012). Como atribuições do IDT podemos listar:
a) Apoiar o membro do Governo responsável pela área da saúde na definição da
estratégia nacional e das políticas de luta contra a droga, o álcool e as
toxicodependências e na sua avaliação; b) Planear, coordenar, executar e
promover a avaliação de programas de prevenção, de tratamento, de redução de
riscos, de minimização de danos e de reinserção social; c) Apoiar ações para
potenciar a dissuasão dos consumos de substâncias psicoativas; d) Licenciar as
unidades de prestação de cuidados de saúde na área das toxicodependências, nos
sectores social e privado, definindo os respectivos requisitos técnico-
terapêuticos, e acompanhar o seu funcionamento e cumprimento, articulando
com a administração Central do Sistema de Saúde, I.P., sem prejuízo da
competência sancionatória da Entidade Reguladora da Saúde; e) Desenvolver,
promover e estimular a investigação e manter um sistema de informação sobre o
fenômeno das drogas e das toxicodependências que lhe permita cumprir as
atividades e objetivos enquanto membro do Observatório Europeu da Droga e da
Toxicodependência (OEDT); f) Assegurar a cooperação com entidades nacionais
e internacionais nos domínios da droga, do álcool e das toxicodependências.
(IDT, 2012, s/n)
Nesse sentido, ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação de casos
relacionados ao consumo de álcool e drogas não são realizadas de forma isolada em
Portugal, como muitas vezes acontece na realidade brasileira, nos CAPS, hospitais ou
62
unidade de saúde. São pensadas ações envolvendo toda a rede de cuidados, seja no
âmbito da saúde, justiça, assistência social ou educação.
Como medidas de prevenção ao uso de drogas, o Instituto conta com diversos
projetos que vão desde aqueles com foco na escola, buscando a formação de grupos
com crianças e adolescentes, passando por projetos de atendimentos/aconselhamentos,
até projetos em parceria com o núcleo de reinserção, buscando a formação profissional e
busca pelo emprego.
Quando nos deparamos com o modelo de tratamento que é desenvolvido para
usuários de álcool e outras drogas, fica clara a concreta articulação com os diversos
setores que podem acolher os usuários (ver figura):
Figura 6 - Estrutura da rede externa de suporte ao tratamento em Portugal Fonte – Instituto da droga e das toxicodependências (IDT), Recuperado de http://www.idt.pt/PT/IDT/
63
Podemos, então, perceber que os centros de saúde (local onde se pratica os
projetos de cuidados primários em saúde) são somente um dos elementos da rede de
possibilidades com as quais as ações do IDT conta.
Tais experiências internacionais apontam para fatores importantes como
articulação com uma rede de cuidados que não fique restrita ao setor saúde e muito
menos ao âmbito judicial, assim como a necessária busca por capacitações dos
profissionais que lidarão com demandas que lhes exijam sensibilidade e conhecimentos
específicos, para assim fundamentar suas práticas de forma coesa e eficiente. A busca
por vínculos com a população de forma corresponsável também se coloca como
essencial nesse processo.
De acordo com Bosi et al. (2011), para subsidiar inovações em saúde, o que
inclui práticas de cuidado e a construção de modelos voltados a processos avaliativos
multidimensionais, dentre outros, precisamos transcender muitos limites que ainda
marcam esse âmbito, expressos em nomenclaturas ainda presentes como louco,
delinquente, drogado, maconheiro, que pouco ou nada nos dizem sobre o homem, sua
existência e os condicionantes sócio-históricos de seu processo de adoecimento.
A transformação ou produção de novos cidadãos no campo da saúde mental é
responsabilidade de todos os envolvidos, que se tornam hábeis em criar uma relação
sustentada no compromisso, no diálogo e na autonomia. Quando se fala em inovar é
importante apontar para a produção de um cuidado em saúde mental que vislumbra a
potencialização da ação e o combate à banalização da exclusão e do preconceito, ainda
muito presentes no contexto da saúde mental e mais fortalecido quando se trata de
assuntos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas.
64
Capítulo 3 – A construção do percurso da pesquisa
Este estudo está orientado pela perspectiva qualitativa de pesquisa, por procurar
compreender a dinâmica das relações sociais, buscando as vivências, experiências e a
cotidianidade, bem como privilegia os sentidos e afetos dos movimentos de uma
comunidade ou grupo social (Romagnoli, 2009). No entanto, nos guiamos também pela
perspectiva quantitativa de pesquisa, quando enfatizamos o desenvolvimento da
investigação dentro de protocolos estabelecidos e técnicas específicas, realizando uma
descrição quantitativa ou numérica de tendências, atitudes ou comportamentos de uma
população ao estudar uma amostra dela (Creswell, 2007).
Em ambos os momentos utilizamos algumas estratégias de trabalho - como a
observação -, a qual, segundo Marconi e Lakatos (2008), “é uma técnica de coleta de
dados para conseguir informação utilizando os sentidos na obtenção de determinados
aspectos da realidade” (p.275). Não consiste em somente ver e ouvir, mas também em
examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar. Essa técnica ajuda o pesquisador
na identificação e obtenção de provas a respeito de objetivos que os indivíduos muitas
vezes não têm consciência, mas que orientam seu comportamento. É considerado o
ponto de partida da investigação social.
O tipo de observação que realizamos é a participante, a qual sugere interação
entre quem está pesquisando e os grupos sociais, “visando coletar modos de vida
sistemáticos, diretamente do contexto ou situação especifica do grupo.” (Marconi &
Lakatos, p.277). A observação participante mostra-se apropriada à realização da
pesquisa por permitir entrar e fazer parte do cotidiano das equipes e comunidade,
possibilitando o contato próximo aos discursos, práticas e afetos.
65
Outra estratégia usada é o diário de campo que, por sua vez, evidencia-se
bastante pertinente, tendo em vista que é de interesse desta pesquisa questões de ordem
mais subjetiva/afetiva, que normalmente seriam deixadas em segundo plano (Lourau,
1993). A intenção do uso do diário de campo é trazer à tona tanto os afetos quanto o
modo como os fatos desencadeiam esses afetos, pois é relato escrito daquilo que o
investigador ouve, vê, experiência e pensa no decorrer do processo de pesquisa. Pezzato
e L’abbate (2011) falam que o diário é uma escrita do presente, uma escrita para si,
transversal, de fragmentos, pois o vivido é praticamente impossível de ser redigido,
dada a sua complexidade.
A prática do diário de campo possibilitou uma reflexão acerca da própria prática,
desnaturalizando-a, permitindo explorar a complexidade do trabalho na Atenção
Primária. Mostrou ser um caminho possível para dar sentido às nossas práticas sejam
elas individuais ou coletivas.
O local escolhido para a realização do estudo foi o bairro de Felipe Camarão,
distrito sanitário oeste da cidade de Natal/RN. Institucionalizado por lei municipal em
1968, Felipe Camarão (ver figura 1) é um bairro com área de 663,40 hectares, 50.997
habitantes, sendo 48,82% homens e 51,18% mulheres (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, 2010). Como limites, o bairro apresenta ao sul o bairro de
Guarapes, ao norte: Bom Pastor, a leste: Cidade da Esperança e a oeste: o município de
São Gonçalo do Amarante (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo -
SEMURB, 2009).
66
Figura 7 – Mapa de Natal/RN
Fonte: Mapa elaborado pela SEMURB – Secretaria Municipal do Meio Ambiente
e Urbanismo (2009)
O motivo pelo qual esse bairro foi escolhido foi por ser conhecido pela
ocorrência de conflitos de gangues que buscam vender e controlar o mercado de drogas,
envolvendo tanto tráfico quanto consumo. O bairro é também marcado pela ausência de
uma boa estrutura educacional e precariedade habitacional (Correia, 2011).
Como nossa pesquisa envolve as possíveis estratégias de respostas às demandas
relacionadas ao consumo abusivo de álcool e outras drogas por parte das equipes de
Atenção Primária, observamos o bairro de Felipe Camarão um local que necessita de
maiores cuidados por parte dos governos, como também ser alvo de pesquisas, reflexões
67
e ações que potencializem sua capacidade de enfrentamento dos problemas e suas
possibilidades de transformação.
De acordo com dados obtidos junto à coordenação do departamento de
Estratégia Saúde da Família, da Secretaria Municipal de Saúde de Natal/RN, o bairro de
Felipe Camarão apresenta três Unidades de Saúde da Família: a Unidade Mista de
Felipe Camarão, Unidade de Saúde da Família Felipe Camarão II e Unidade de Saúde
da Família Felipe Camarão III. Utilizamos como critério para seleção das equipes de
saúde da família com as quais trabalhamos, o fato de serem assistidas por uma equipe
do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), pois assim pudemos trabalhar com
todas as possíveis vertentes integrantes da Atenção Primária na região. Dessa forma,
trabalhamos com a UFS Felipe Camarão II (a qual possui 4 equipes de Saúde da
Família), pois somente ela é acompanhada por um NASF3, o qual tem sua sede no
bairro de Nazaré e que além de Felipe Camarão II ainda cobre as Unidades de Saúde da
Família dos bairros de Nazaré, Monte Líbano e Km 6.
O NASF Nazaré, assim como os demais na cidade, é formado por um assistente
social, um psicólogo, um nutricionista, um farmacêutico e um educador físico. Todos
com 40 horas semanais e dois fisioterapeutas com 20 h semanais por equipe.
As equipes de SF Unidade de Felipe Camarão II, assim como as demais, são
denominadas pela ordem com que foram implantadas, são elas: equipe 1, 7, 8 e 9. Nesse
sentido, trabalhamos com a primeira equipe implantada no município de Natal, ou seja,
com profissionais que ocupam seus cargos desde 1999. As demais equipes apresentam
3 A cidade de Natal possui 3 NASFs, implantados em dezembro de 2010. São eles: NASF África, NASF
Santarém e NASF Nazaré (as denominações de cada NASF diz respeito ao bairro no qual ele está
sediado).
68
profissionais com diferentes tempos de trabalho, variando 1999 até 2011. A composição
das equipes pode ser vista no quadro a seguir:
Tabela 2 – Quadro de profissionais das equipes de Saúde da Família de Felipe Camarão II
Equipe 1 Equipe 7 Equipe 8 Equipe 9
6 agentes comunitários
de saúde
5 agentes comunitários
de saúde
6 agentes comunitários
de saúde
5 agentes comunitários
de saúde
2 auxiliares de
enfermagem
2 auxiliares de
enfermagem
2 auxiliares de
enfermagem
2 auxiliares de
enfermagem
1 enfermeiro 1 enfermeiro 1 enfermeiro 1 enfermeiro
1 médico 1 médico 1 médico -
Total: 10 profissionais Total: 9 profissionais Total: 10 profissionais Total: 8 profissionais
Fonte – Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), Recuperado de www.siab.datasus.gov.br
Nossa pesquisa foi composta por duas etapas. A primeira consistiu em fazermos
um mapeamento de casos de consumo de álcool e outras drogas na população de Felipe
Camarão (com o apoio dos Agente Comunitário de Saúde) utilizando como ferramentas
um questionário sociodemográfico e o ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance
Involvement Screening Test), um instrumento de triagem breve para identificar pessoas
que usam substâncias psicoativas (etapa quantitativa). Na uma segunda fase, depois de
processados os dados do mapeamento, fizemos Rodas de Conversa para discutir a
experiência e resultados do mapeamento, dentre outras questões, com as equipes de
Saúde da Família e NASF (etapa qualitativa). As etapas são explicadas detalhadamente
nos tópicos seguintes.
A realização de um mapeamento que possibilitasse conhecer os índices de
consumo abusivo de álcool e outras drogas na população teve a intenção de contribuir
para um melhor planejamento dos serviços de saúde oferecidos à comunidade, uma vez
que a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, assim como as equipes de Saúde da
Família não dispunham de dados dessa natureza. Além disso, a identificação dos casos
69
de consumo problemático e abusivo, assim como o perfil dessa população, pode
funcionar como uma base de informação para a definição de tratamentos, elaboração
dos programas de prevenção, bem como na organização e implementação da rede de
serviços de saúde mental local (Andrade et al., 2009).
3.1 A entrada no campo: limites trazidos pelas equipes
Para iniciar a aplicação dos instrumentos, o primeiro passo foi conversar com as
enfermeiras (pois ao que tudo indicava, eram elas as responsáveis pelas equipes) para
apresentar a proposta da pesquisa e saber quando poderíamos iniciar o mapeamento. As
respostas delas indicaram que seríamos bem vindas a realizar a pesquisa na comunidade
e que poderíamos começar imediatamente.
No entanto, depois da primeira semana de aplicação dos instrumentos, alguns
Agentes Comunitários de Saúde começaram um movimento de rejeição diante do nosso
convite para sair na comunidade. Quando íamos ao encontro deles, muitas vezes
percebíamos que eles fugiam de nós, esquivavam-se diante de nossa presença. Depois
de muito tentarmos conversar com eles, conseguimos fazer com que falassem conosco e
justificassem esse comportamento. O argumento deles se baseava no fato de que os
índices de violência da comunidade pareciam crescer a cada dia, e que uma vez que eles
moram no bairro, sair na comunidade falando sobre drogas significaria perigo para eles,
nossa presença poderia ser interpretada como sendo de origem policial investigativo. Ou
seja, falar sobre drogas numa comunidade que sofre com os efeitos de consumo e tráfico
de entorpecentes se mostrou arriscado até para profissionais de saúde. Como pensar em
formas de cuidado para usuário de álcool e outras drogas se somente a menção no
assunto já causa tanto alvoroço?
70
Não consideramos injustificada tal atitude dos profissionais diante da
possibilidade de perigo iminente, no entanto pesquisas indicam que existem crenças e
atitudes negativas em relação ao trabalho de prevenção do uso de álcool e outras drogas
e em relação aos usuários (Amato, Silveira, Oliveira, & Ronzani, 2008a). Entre as
crenças dos profissionais da Atenção Primária, cita-se que os pacientes se sentiriam
ofendidos ao serem indagados sobre o uso do álcool, por exemplo, por este
comportamento ser socialmente aceito, ou ainda, que o usuário muitas vezes é
estigmatizado por seu uso, dificultando o acesso ao tratamento e prevenção.
Soares et al. (2011) esclarece que muitos dos sintomas atribuídos a algumas
condições de saúde resultam na aplicação de um rótulo desviante - por caracterizarem a
violação de regras ou padrões sociais - o que gera dificuldade de se separar a condição
de saúde de uma pessoa do rótulo que essa carrega, influenciando na disposição
individual de alguém de engajar-se em atividades com tais pessoas. Neste sentido, a
atribuição de características indesejáveis a alguém pode conduzir à rejeição da pessoa
rotulada, ocasionando o distanciamento social.
Esse desejo de distanciamento muitas vezes acontece a partir da possibilidade de
uma ameaça, ocasionada por percepções distorcidas e compartilhadas das diferenças
entre grupos, tais como: características físicas, violações de regras sociais, falta de
controle ou imprevisibilidade da doença e responsabilidade atribuída à pessoa pelo
surgimento ou solução de sua condição de saúde. Tais distorções podem envolver
atribuição de periculosidade e ameaça à saúde física daquele que percebe, despertando
reações emocionais negativas como o medo, relativo mesmo a quem não é, de fato,
perigoso (Soares et al., 2011).
Um estudo realizado por Peluso e Blay (2008) objetivou avaliar a percepção da
população em relação ao dependente de álcool na cidade de São Paulo e mostrou que
71
esses indivíduos são percebidos como violentos e capazes de despertar reações
negativas entre os membros da comunidade. Outros estudos apontam que indivíduos
dependentes de álcool e outras drogas são vistos como mais responsáveis por seu
problema, mais violentos e mais imprevisíveis que indivíduos afetados por outros
transtornos mentais. Tais percepções condizem com o fato do consumo de álcool e
outras drogas ser considerado como uma das principais condições estigmatizadas em
todo o mundo (Soares et al., 2011).
Assim, profissionais de saúde que reproduzem atitudes autoritárias e
estigmatizantes em relação a seus pacientes sem questionar os saberes e práticas nos
quais se inserem, deixam de atender às reais demandas do usuário do serviço,
promovendo tratamentos pobres e coercivos (Ronzani, 2007). Dessa forma, considerar
as crenças e atitudes em saúde torna-se cada vez mais importante, pois é possível
constatar o aumento da incidência de doenças crônicas onde o aspecto comportamental
no tratamento e prevenção se mostra cada vez mais relevante. Nesse sentido, as atitudes
que a população ou profissionais apresentam sobre determinada situação de saúde serão
fundamentais para a qualidade no atendimento, adesão ao tratamento e atividades de
prevenção.
Na nossa pesquisa, somente depois das constantes negações dos agentes em
aceitarem nossa presença nas visitas é que percebemos um grave erro na nossa
condução da pesquisa - por imaginar que falando com as enfermeiras, estas passariam as
informações aos demais integrantes da equipe. Poderíamos ter evitado, ou pelo menos,
amenizado essa reação dos Agentes, se antes mesmo de iniciar a pesquisa tivéssemos
marcado uma reunião com todos os integrantes das equipes de saúde da família a fim de
explicar nossa proposta detalhadamente, enfatizando (1) o caráter de sigilo nos
momentos de aplicação dos instrumentos; (2) explicando que em momento algum
72
perguntaríamos o nome das pessoas; (3) que o principal instrumento utilizado (ASSIST)
foi idealizado pela Organização Mundial de Saúde e, por isso, já foi aplicado em vários
países e utilizado em diversas pesquisas e; (4) ter mostrado aos agentes nosso
instrumento para que eles próprios pudessem perceber que em nenhum momento
falaríamos em compra e venda das substâncias mencionadas.
Decidimos então marcar uma grande reunião com todos os profissionais das 4
equipes de SF. No encontro, apresentamos os instrumentos da pesquisa; deixamos claro
o caráter de confidencialidade dos dados a serem fornecidos; garantimos que os
profissionais poderiam escolher participar ou não da pesquisa; tiramos quaisquer
dúvidas que pudessem ser colocadas e perguntamos se poderíamos seguir com o
mapeamento. Durante a reunião, muitos agentes se colocaram contra a pesquisa,
reafirmando o medo de falar sobre drogas na comunidade. Sugerimos que poderíamos
aplicar os instrumentos usando uma bata, para que pudéssemos ser identificadas como
profissionais de saúde. Esse gesto poderia contribuir para o ganho de confiança tanto da
população quanto dos próprios agentes.
Alguns profissionais mostraram apoio em relação ao mapeamento, afirmando a
importância de se fazer pesquisas com a finalidade de se pensar em projetos para a
melhoria da saúde da população. Mesmo assim, alguns agentes se negaram em
definitivo de participar da pesquisa. Diante disso, combinamos que sairíamos somente
com os agentes que se sentissem a vontade e que tentaríamos compensar a falta de
algumas áreas de cobertura (já que cada Agente é responsável por uma área diferente)
saindo mais vezes com os agentes que aceitaram nossa companhia nas visitas. Somente
13 dos 22 agentes concordaram em participar.
3.2 O mapeamento: o caminho, seus resultados e a construção das discussões
73
A definição amostral da população levou em consideração o número de pessoas
cadastradas na área atendida pelas equipes de Saúde da Família.
O processo de procura por essa informação apresentou algumas dificuldades que
merecem ser aqui mencionadas. Quando procuramos a Secretaria Municipal de Saúde a
fim de obter tais informações, o departamento responsável pela Estratégia de Saúde da
Família do município nos informou que eles não dispunham desses números e que
deveríamos buscar tais dados diretamente com as equipes.
Quando fomos conhecer a Unidade de Felipe Camarão II procuramos o diretor
da Unidade para que pudéssemos apresentar a proposta da realização da pesquisa e
perguntar como poderíamos obter o número de pessoas cadastradas pelas equipes de SF.
A resposta que obtivemos foi que seríamos bem vindas para fazer nosso estudo em
parceria com a Unidade, mas esses dados somente as equipes poderiam ter e que seria
mais interessante se procurássemos uma das enfermeiras, pois são elas as responsáveis
pelos prontuários e relatórios. Procuramos então uma enfermeira de uma das equipes.
Ela nos disse que recentemente as equipes realizaram um levantamento do número de
famílias e pessoas cadastradas pelas equipes de SF, mas naquele momento ainda não
haviam processado as informações e chegado a um resultado.
O passo seguinte foi retornar a Secretaria de Saúde buscando os dados mais
recentes que poderiam ter em mãos. Fomos encaminhadas aos responsáveis pelo SIAB
(Sistema de Informação da Atenção Básica) e finalmente conseguimos o número de
pessoas cadastradas no ano de 2011. Foram com esses números que trabalhamos a
definição amostral de pesquisa.
No ano de 2011, a população total coberta pelas equipes foi de 16.908 pessoas
(3.783 famílias). A escolha da faixa etária que participaria do nosso estudo se deu pelo
74
interesse em trabalhar com pessoas acima de 18 anos, mas nos relatórios do SIAB a
divisão por faixa etária se dá dividindo pessoas de 1 a 4 anos; 5 a 6 anos; 7 a 8 anos, 10
a 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 e acima de 60 anos.
Optamos, nesse sentido, por eleger como participantes da pesquisa homens e mulheres
acima de 20 anos. Seguindo esses critérios, obtivemos como população inicial abaixo.
Tabela 3 – População inicial da pesquisa acima de 20 anos.
Faixa Etária Número de pessoas
20 - 39 6.722
40 - 49 2.431
50 - 59 1.382
Acima de 60 1.633
Total 12.168
Para o cálculo da amostra4, o tamanho mínimo foi definido, com intervalo de
confiança de 95% (ou seja, considerando o erro amostral tolerável como 0,05), pelas
fórmulas:
Com o valor de N=12.168 (total de pessoas na faixa de idade que nos interessou)
e E0=0,05, obtemos o valor de n0= 400. Inserindo esse número na segunda fórmula,
chegamos ao valor de n= 387 (valor mínimo da amostra).
Para que conseguíssemos realizar o mapeamento de forma proporcional, foi
necessário descobrir a quantidade de pessoas referente as porcentagens das faixas
4 Contamos com a ajuda do professor Dr. João Carlos Alchieri, do Programa de Pós Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgPsi/UFRN), para a definição da amostra
da pesquisa.
75
etárias da população coberta pelas equipes, quando tomamos como base o total mínimo
da amostra (387 pessoas). Fazendo os cálculos, chegamos a tais proporções:
Tabela 4 – Quantidade e proporções da escolha amostral
Faixa Etária Proporção Número de pessoas
20 -39 55,2% 214
40 – 49 20% 77
50 – 59 11,4% 44
Acima de 60 13,4% 52
O modo como chegamos aos participantes da pesquisa se deu com o apoio dos
agentes comunitários de saúde. Como são 4 equipes trabalhando na Unidade de Saúde e
existem 22 agentes no total (2 equipes com 5 agentes e 2 com 6 agentes) onde cada
agente é responsável por uma área de cobertura distinta, foram realizadas visitas
domiciliares com cada agente comunitário de saúde que aceitou participar da pesquisa -
aplicando os instrumentos nas pessoas que estavam presentes nas residências no
momento das visitas e buscando coletar os dados de forma a contemplar números
equivalentes de homens e mulheres em cada faixa etária, bem como de cobertura das
quatro áreas cobertas pelas equipes.
Com o objetivo de obter dados acerca das condições socioeconômicas dos
participantes da pesquisa foi aplicado um questionário abordando quesitos como: sexo,
idade, escolaridade, estado civil, ocupação, renda, condições de moradia e trabalho.
Utilizamos também o ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement
Screening Test) (ver anexo A), que, de acordo com Henry-Edwards, Humeniuk & Ali
(2003), é um questionário de triagem breve para detectar o uso de substâncias
psicoativas. Ele foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por um
76
grupo internacional de pesquisadores, sendo um método simples de triagem do uso
nocivo ou de risco de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Sua utilização é rápida, podendo
ser aplicado em cinco a dez minutos. O questionário, composto por 8 perguntas,
investiga o uso de tabaco, álcool, maconha (cannabis), cocaína, anfetaminas, sedativos,
alucinógenos, inalantes, opiáceos e outras drogas. Este instrumento foi traduzido para
várias línguas, inclusive para o português falado no Brasil, já tendo sido testado quanto
à sua confiabilidade e factibilidade, quando aplicado por pesquisadores.
Henrique et al (2004) aponta as vantagens da utilização de instrumentos na
Atenção Primária ao afirmar que em geral, os usuários de substâncias psicoativas
procuram os serviços especializados já em uma fase muito grave do distúrbio.
Considerando-se que a intervenção em fases iniciais do problema melhora muito o
prognóstico, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias de detecção e
intervenção. O primeiro recurso necessário é um instrumento para detecção do uso que
seja válido, confiável e de baixo custo.
O estudo da confiabilidade teste-reteste do ASSIST foi realizado com 236
indivíduos, em diferentes locais do mundo, sendo observado bom nível de confiança
(coeficientes Kappa entre 0,58 a 0,90 para as principais questões), sendo o seu uso
considerado factível em locais de assistência primária à saúde. Algumas características
do ASSIST sugerem que ele seja adequado para uso em serviços de assistência não
especializados: sua estrutura padronizada, rapidez de aplicação, abordagem simultânea
de várias classes de substâncias e facilidade de interpretação.
Cada questão do ASSIST apresenta uma resposta estruturada e cada resposta
apresenta um escore numérico. O entrevistador simplesmente circula o escore numérico
que corresponde à resposta do paciente em cada questão. No fim da entrevista, esses
77
escores são somados para se chegar ao escore final do ASSIST. Dois tipos de escores
podem ser calculados no ASSIST.
(a) Escore do Envolvimento com Substâncias Específicas: soma da pontuação
associada às respostas das Questões 2-7 dentro de cada classe de droga.
(b) Escore do Envolvimento Total com Substâncias: soma dos escores
(continuum global de risco) das Questões 1-8 para todas as classes de droga.
O escore mais útil para a triagem é o Envolvimento com Substâncias Específicas
para cada classe de droga usada. Ele fornece uma medida de uso e problemas dos
últimos três meses para cada substância investigada no ASSIST e alerta para o risco de
futuros problemas relacionados ao uso de drogas. Cada pessoa pode ter até 10 escores
de Envolvimento com Substâncias Específicas dependendo de quantos diferentes tipos
de drogas ele usou. Foi com esse tipo de escore que trabalhamos nesse estudo.
Os resultados do instrumento podem apresentar três tipos de interpretações. (a)
pessoas com escores do Envolvimento com Substâncias Específicas menores que 3 (ou
10 no caso de álcool) estão sob baixo risco de apresentar problemas relacionados ao uso
de substâncias. Embora usem substâncias ocasionalmente, atualmente eles não
apresentam nenhum problema relacionado ao uso de droga e estão sob baixo risco, se
continuarem com o mesmo padrão de consumo. (b) Escores médios entre 4 (ou 11 para
o álcool) e 26 são indicativos de uso nocivo ou problemático de substâncias. Usuários
com escores nessa faixa apresentam risco moderado de passar por problemas por causa
de seu padrão de uso. O risco é aumentado para aqueles com história passada de
problemas ou dependência. (c) Escores acima de 27 para qualquer substância sugerem
que o usuário está sob alto risco de dependência daquela droga e está provavelmente
78
passando por problemas de saúde, sociais, financeiros, legais ou de relacionamento, em
consequência do seu uso.
No momento de aplicação desse instrumento é sempre importante ressaltar a
privacidade dos participantes e a confidencialidade das informações que o participante
fornece. Isto é importante principalmente quando forem questionadas informações
relacionadas ao uso da substância.
O uso de substâncias psicoativas é uma prática criminal ou, pelo menos, ilegal
na maioria dos países. Existe também um estigmatização e discriminação contra as
pessoas identificadas como usuárias de drogas. Torna-se essencial assegurar ao
participante que sua informação será confidencial, o que pode facilitar uma melhor
investigação sobre o uso da substância (Henry-Edwards, Humeniuk & Ali, 2003).
O mapeamento ocorreu entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013. Para que
pudéssemos finalizar a aplicação dos instrumentos na comunidade no tempo planejado,
contamos com a ajuda de 5 estudantes de Psicologia, bolsistas de iniciação científica, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Antes de partirmos em direção
às aplicações, realizamos um treinamento entre as pessoas que iriam aplicar os
instrumentos, onde pudemos nos familiarizar com eles, aplicá-los em nós mesmas e nos
assegurar que estaríamos prontas para a realização devida do processo de pesquisa.
Depois de finalizada a aplicação dos instrumentos na população de cobertura das
equipes de saúde da família da Unidade Felipe Camarão II, os dados foram reunidos e
processados com o auxilio de planilhas eletrônicas e softwares estatísticos.
79
3.2.1. Perfil da população mapeada
De acordo com nossa definição amostral, o número mínimo de pessoas a serem
mapeadas foi 387. Ao final do mapeamento contamos com 406 instrumentos aplicados.
Como mencionado anteriormente, procuramos obter números equivalentes de
questionários aplicados por equipe. Os resultados obtidos estão na tabela a seguir:
Tabela 5 - Questionários aplicados por equipe
Em relação à idade dos participantes, buscamos adequá-la de acordo com o
perfil da população coberta pelas equipes de Felipe Camarão II. Ver resultado na tabela
a seguir:
Tabela 6 - Faixa etária da população mapeada
Equipe Participantes
1 103 (25,4%)
7 100 (24,6%)
8 101 (24,9%)
9 102 (25,1%)
Faixa etária Proporção Número de pessoas
20-39 54,5% 221
40-49 20,6% 84
50-59 11,4% 46
Acima de 60 13,5% 55
80
A seguir, mostramos os gráficos referentes ao sexo dos participantes, nível de
escolaridade, estado civil, ocupação5, recebimento de benefício, renda, tipo de moradia
e pessoas que moram na casa.
Figura 8 – Sexo dos participantes
Figura 9 – Nível de escolaridade dos participantes
Figura 10 – Estado Civil dos participantes
5 No quesito ocupação, a alternativa “trabalha em casa” faz referencia as pessoas que mesmo donas de
casa, montaram pequenos negócios em suas casas para complementarem a renda familiar, são geralmente
lojinhas de bijuterias, roupas, artesanatos e bancas de frutas e verduras.
113 (27,8%)
293 (72,2%)
Masculino Feminino
Sexo
30(7,4%)
278 (68,5%)
92 (22,7%)
6 (1,5%)
Não estudou Fundamental Médio Superior
Nível de escolaridade
132 (32,5%) 128 (29,8%) 119 (29,3%)
11 (2,7%) 23 (5,7%)
Solteiro Casado União estável
Separado Viúvo
Estado Civil
81
Figura 11 – Ocupação dos participantes
Figura 12 – Recebimento de benefício pelos participantes
Figura 13 – Renda dos participantes
58 (14,3%)
80 (19,7%) 43
(10,6%)
112 (27,6%) 72
(17,7%) 41 (10,1%)
Ocupação
9 (2,2%)
50 (12,3%) 12
(3%)
98 (24,1%)
235 (57,9%)
Pensão Aposentadoria Auxílio doença bolsa família não recebe
Recebimento de benefício
87 (21,4%)
239 (58,9%)
78 19,2%
2 (0,5%)
menos de 1 salário 1 salário 2 a 3 salários 4 a 5 salários
Renda
82
Figura 14 – Tipo de moradia dos participantes
Figura 15 – Pessoas que moram com os participantes
Como é possível observar, a maioria dos participantes da pesquisa é do sexo
feminino, entre 20 e 39 anos, completou ou parou os estudos no ensino fundamental,
está em um tipo de relacionamento estável - seja casado ou em uma união estável –
donos de casa ou que trabalham em casa, não recebem benefício, com renda mensal de
1 salário mínimo, morando em casa própria com 4 pessoas. Das mulheres que
participaram do mapeamento 56% (n=167) tem idade entre 20 e 39 anos, 19,1% (n=56)
têm entre 40 e 49 anos, 11,2% (n=33) têm entre 50 e 59 anos e 12,6% (n=37) têm mais
de 60 anos.
299 (73,6%)
29 (7,1%)
78 (19,2%)
Casa própria Casa de parentes Casa alugada
Tipo de moradia
15 (3,7%%)
41 (10,1%)
99 (24,4%)
128 (31,5%)
86 (21,2%)
37 (9,1%)
Mora sozinho
2 pessoas 3 pessoas 4 pessoas 5 pessoas 6 ou mais pessoas
Pessoas que moram com o participante
83
3.2.2 Uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária.
Quando perguntados se já usaram algum tipo de substância, citada no
instrumento, 85% (n=345) das pessoas responderam que sim e 15% (n=61).
responderam nunca ter usado. Das pessoas que usaram algum tipo de substância na vida
69,2% (n=239) são mulheres e têm entre 20 e 39 anos (61,5%, n=147). Tendo em vista
que 113 homens fizeram parte da pesquisa e das pessoas que disseram já ter usado
algum tipo de substancia na vida 106 são homens, podemos perceber que quase todos os
homens participantes já usaram alguma substância, apresentando em sua maioria
(46,2%, n=49) idade também entre 20 e 39 anos. Apesar do instrumento apresentar 9
tipos de substâncias psicoativas (derivados do tabaco, bebidas alcoólicas, maconha,
cocaína/crack, anfetamina/êxatase, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos,
opióides), das pessoas que relataram já ter usado alguma droga na vida, somente o
álcool, o tabaco e a maconha foram citadas dentre as substâncias. Segue tabelas
explicitando a utilização das substancias citadas pelos participantes.
84
Tabela 7 - Utilização de tabaco pelos participantes dividido por sexo e idade.
Tabela 8 - Utilização de álcool pelos participantes dividido por sexo e idade
Idade em anos dos participantes Utilização de tabaco pelos
participantes
Total
sim Não
20 a 39 Sexo dos participantes
Masculino 32 22 54
Feminino 76 91 167
Total 108 113 221
40 a 49 Sexo dos participantes
Masculino 25 3 28
Feminino 30 26 56
Total 55 29 84
50 a 59 Sexo dos participantes
Masculino 8 5 13
Feminino 20 13 33
Total 28 18 46
acima de 60 Sexo dos participantes
Masculino 15 3 18
Feminino 27 10 37
Total 42 13 55
Total Sexo dos participantes
Masculino 80 (19,7%) 33 113
Feminino 153 (37,6%) 140 293
Total 233 (57,4%) 173 (42,6%) 406
Idade em anos dos participantes Utilização de álcool pelos
participantes
Total
sim Não
20 a 39 Sexo dos participantes
Masculino 49 5 54
Feminino 147 20 167
Total 196 25 221
40 a 49 Sexo dos participantes
Masculino 28 0 28
Feminino 38 18 56
Total 66 18 84
50 a 59 Sexo dos participantes
Masculino 12 1 13
Feminino 21 12 33
Total 33 13 46
acima de 60 Sexo dos participantes
Masculino 17 1 18
Feminino 26 11 37
Total 43 12 55
Total Sexo dos participantes
Masculino 106 (26,1%) 7 113
Feminino 232 (57,1%) 61 293
Total 338 (83,3%) 68 (16,7%) 406
85
Tabela 9 - Utilização de maconha dividido por sexo e idade
Segue os resultados do ASSIST referentes às substancias mencionadas:
Tabela 10 - Resultado do ASSIST para uso de álcool dividido por sexo e idade
Idade em anos dos participantes Utilização de maconha pelos
participantes
Total
sim Não
20 a 39 Sexo dos participantes
Masculino 21 33 54
Feminino 45 122 167
Total 66 155 221
40 a 49 Sexo dos participantes
Masculino 11 17 28
Feminino 8 48 56
Total 19 65 84
50 a 59 Sexo dos participantes
Masculino 1 12 13
Feminino 0 33 33
Total 1 45 46
acima de 60 Sexo dos participantes
Masculino
18 18
Feminino
37 37
Total
55 55
Total Sexo dos participantes
Masculino 33 (8,2%) 80 113
Feminino 53 (13%) 240 293
Total 86 (21,2%) 320 (78,8%) 406
Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização de
bebidas alcoólicas
Total
baixo risco uso nocivo ou
problemático
alto risco de
dependência
20 a 39
Sexo dos
participantes
Masculino 21 21 7 49
Feminino 70 63 14 147
Total 91 84 21 196
40 a 49
Sexo dos
participantes
Masculino 12 9 7 28
Feminino 21 15 2 38
Total 33 24 9 66
50 a 59
Sexo dos
participantes
Masculino 9 2 1 12
Feminino 16 5 0 21
Total 25 7 1 33
acima de 60
Sexo dos
participantes
Masculino 15 2 0 17
Feminino 18 6 2 26
Total 33 8 2 43
86
Tabela 11 - Resultado do ASSIST para uso de tabaco dividido por sexo e idade
Total
Sexo dos
participantes
Masculino 57 (14%) 34 (8,3%) 15 (3.6%) 106
Feminino 125 (30,7%) 89 (21,9%) 18 (4,4% 232
Total 182 (45%) 123 (30,2%) 33 (8,1%) 338
Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização de
derivados do tabaco
Total
baixo risco de
dependência
uso nocivo ou
problemático
alto risco de
dependência
20 a 39
Sexo dos
participantes
Masculino 21 3 8 32
Feminino 41 18 18 77
Total 62 21 26 109
40 a 49
Sexo dos
participantes
Masculino 8 17 25
Feminino 17 12 29
Total 25 29 54
50 a 59
Sexo dos
participantes
Masculino 5 1 2 8
Feminino 12 1 7 20
Total 17 2 9 28
acima de 60
Sexo dos
participantes
Masculino 10 2 3 15
Feminino 14 3 10 27
Total 24 5 13 42
Total
Sexo dos
participantes
Masculino 44 (10%) 6 (1,4%) 30 (7,3%) 80
Feminino 84 (20,6%) 22 (5,4%) 47 (11,5%) 153
Total 128 (31,5%) 28 (6,8%) 77 (18,9%) 233
87
Tabela 12 – Resultado do ASSIST para uso de maconha dividido por sexo e idade
Os dados apresentados indicam que o álcool foi a substância com maior uso na
vida entre homens e mulheres, chegando a 83,3%. 57,1% das mulheres e 26,1% dos
homens disseram já ter usado a substancia. Dessa população, 45% das pessoas
apresentaram baixo risco de apresentar dependência, no entanto, a soma do índice de
uso nocivo ou problemático ao uso de alto risco de dependência chegou a 38,3%,
concentrando-se na faixa etária de 20 a 49 anos (40,8%, n=138). Comparando os
resultados referentes ao álcool com o sexo dos participantes, chama atenção que mesmo
em maior número, quando comparado os resultados de alto risco de dependência é
quase equivalente o número de homens e mulheres.
O tabaco foi a segunda substância mais citada, com uso na vida de 57%. 19,7%
dos homens e 37,6% das mulheres afirmaram terem usado a substancia alguma vez na
Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização
de maconha
Total
baixo risco uso nocivo ou
problemático
alto risco de
dependência
20 a 39
Sexo dos
participantes
Masculino 12 7 2 21
Feminino 21 21 2 44
Total 33 28 4 65
40 a 49
Sexo dos
participantes
Masculino 11 0 11
Feminino 6 3 9
Total 17 3 20
50 a 59
Sexo dos
participantes
Masculino 1 0 1
Feminino 0 0 0
Total 1 0 1
acima de
60
Sexo dos
participantes
Masculino
Feminino
Total
Total
Sexo dos
participantes
Masculino 24 (5,9%) 7 (1,7%) 2 (0,4%) 33
Feminino 27 (6,6%) 24 (6,1%) 2 (0,4%) 53
Total 51 (12,5%) 31 (7,6%) 4(0,9%) 86
88
vida. O índice de baixo risco de dependência atingiu 31,5% e a soma do uso
problemático e dependente chegou a 25,7%, sobressaindo o índice de alto risco de
dependência, predominante em pessoas de 20 a 49 anos (13,5%, n=55). Podemos mais
uma vez constatar proximidade na quantidade de homens e mulheres que apresentam
alto risco de dependência.
Já a maconha se apresenta como a substância com menor índice de uso na vida
(21,2%) usada por 13% das mulheres e 8,2% dos homens. A utilização da substância na
população de estudo se deu em sua maioria por pessoas entre 20 e 39 anos (75,5%,
n=65). Interessante notar que somente uma pessoa acima de 50 anos disse ter usado a
substância. 12,5% dos participantes apresentaram baixo risco de apresentar dependência
e seu índice de uso problemático ou nocivo somado ao alto risco de dependência atingiu
8,5%. Chama atenção a grande quantidade de mulheres apresentando uso nocivo ou
problemático (25).
A partir dos dados aqui apresentados, nosso estudo revelou que as mulheres se
destacaram bem mais que os homens em termos do uso de substâncias. 56% têm entre
20 e 39 anos, são donas de casa, têm relacionamento estável e são consumidoras de
tabaco (37,6%), maconha (13%) e principalmente de álcool (57,1%). O uso das
substâncias em questão muitas vezes foi relatado no decorrer do mapeamento como uma
saída para o estresse do dia a dia, como forma de socialização, estratégia para aliviar as
tensões com filhos, companheiros, trabalho (ou falta deste) e problemas financeiros.
Esses dados serão melhor analisados adiante.
89
3.2.3 Homens e os serviços de saúde
O perfil majoritariamente feminino encontrado foi seguramente influenciado
pelo fato das visitas domiciliares terem sido realizadas somente pela manhã, horário em
que geralmente os homens não estão em casa. Foi evidente a maior presença de
mulheres em busca de consultas, exames, vacinas e demais serviços tanto para elas
mesmas quanto para seus familiares, principalmente crianças. Isso indica um maior
contato das mulheres com os serviços de saúde, seja frequentando a Unidade, seja
recebendo as visitas dos Agentes Comunitários de Saúde em seus domicílios. Mas, e os
homens? Por que não aparecem tão frequentemente na Unidade ou na rotina de
cuidados das visitas domiciliares?
Alguns estudos indicam uma diferença significativa na procura por serviços de
saúde entre homens e mulheres, evidenciando a maior utilização por mulheres dos
serviços de saúde, sejam estes de acompanhamento na Atenção Primária, ambulatoriais
ou hospitalares (Alves, Silva, Ernesto, Lima & Souza, 2011, Figueiredo, 2005).
Enquanto a demanda masculina por serviços ambulatoriais é descrita, em sua maior
parte, como gerada pelo trabalho ou pelo seguro social, a demanda feminina apresenta-
se principalmente como voluntária, revelando maior propensão das mulheres a buscar
cuidados de saúde de modo espontâneo (Pimentel et al, 2011).
Pesquisa realizada por Pimentel et al (2011) - quando analisam o perfil da
demanda atendida em uma Unidade de Saúde da Família - afirmam que um ponto
importante para justificar a grande quantidade de mulheres na Atenção Primária é a
procura pela prevenção do câncer, sendo os exames para prevenção do câncer de colo
uterino o segundo motivo de atendimento mais comum na unidade do estudo (o
primeiro motivo foi a hipertensão arterial). Figueiredo (2005) aponta que os homens
90
preferem utilizar outros serviços de saúde como farmácias ou prontos-socorros, que
responderiam mais objetivamente as suas demandas. Nesses lugares, os homens seriam
atendidos mais rapidamente e conseguiriam expor seus problemas com mais facilidade.
Tal fenômeno está atravessado claramente por questões de gênero – aqui
entendido como as condições que histórica e socialmente constroem e estabelecem as
relações sociais de sexo, permeadas pelo poder e desigualdade (Scott, 1995) –, em que
homens e mulheres sob efeito de elementos culturais distintos, desenvolvem padrões de
comportamentos diferentes com relação aos autocuidados com a saúde.
De acordo com Couto et al (2010), a ideia de que o cuidado com a saúde é
atribuição do feminino - e ao masculino é atrelada a noção de um não-cuidado - está
presente no imaginário dos serviços de saúde. O autor diz em seu estudo que essas
concepções se reproduzem no discurso dos usuários, até mesmo de profissionais de
saúde, uma vez que é possível identificar diversas representações e estereótipos
relacionados aos gêneros, tais como: “homens são mais fortes; o corpo feminino tem
particularidades que demandam mais cuidados; mulheres são naturalmente cuidadoras,
etc” (p.260).
Gomes, Nascimento e Araújo (2007) apontam como justificativa para tais
premissas a socialização que as mulheres recebem, desde cedo, para reproduzirem e
consolidarem os papéis que as tornam responsáveis, quase que exclusivamente, pela
manutenção das relações sociais (de cuidados) e pela prestação de serviços aos outros.
Em contrapartida, ser homem seria associado à invulnerabilidade, força e virilidade.
Características essas, incompatíveis com a demonstração de sinais de fraqueza, medo,
ansiedade e insegurança, representada pela procura aos serviços de saúde, o que
colocaria em risco a masculinidade e aproximaria o homem das representações de
feminilidade.
91
Outra questão apontada pelos autores que reforça a ausência dos homens nos
serviço de saúde seria o medo da descoberta de uma doença grave, assim, não saber
pode ser considerado um fator de “proteção” para os homens. Pode-se ainda citar como
dificuldade para o acesso dos homens a esses serviços, a vergonha da exposição do seu
corpo perante o profissional de saúde, particularmente a região anal, no caso da
prevenção ao câncer de próstata - reforçado pelo fato de haver mais profissionais,
principalmente de enfermagem, do sexo feminino. Também é apontado como um fator
que dificulta esse acesso a falta de unidades específicas para o tratamento da saúde do
homem. Os serviços de saúde também são considerados pouco aptos em absorver a
demanda apresentada pelos homens, pois sua organização não estimula o acesso e as
próprias campanhas de saúde pública pouco se voltam para este segmento (Gomes,
Nascimento, & Araújo, 2007).
Atrelado a esse cenário está a percepção dos profissionais de saúde que
sustentam a ideia de que os homens não cuidam nem de si nem de outras pessoas e,
portanto, não procuram os serviços ou o fazem de formas menos autênticas. Baseados
nessa premissa, suas ações no cotidiano da assistência acabam por reforçar esta
dimensão da invisibilidade do homem. Quando não reconhecem os homens como
potenciais sujeitos de cuidado, deixam de estimulá-los às práticas de promoção e
prevenção da saúde ou não reconhecem casos em que eles demonstram tais
comportamentos (Gomes, Nascimento & Araújo, 2007).
Com base na identificação dessa problemática, o Ministério da Saúde lançou, em
agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – o
PNAISH (Brasil, 2008), para assistir os homens entre 25 e 59 anos. A faixa etária em
foco que embora represente 41,3% da população masculina, e 20% do total da
população brasileira, além de ser uma parcela preponderante da força produtiva com
92
significativo papel sociocultural e político, não estava, até então, incluída em nenhuma
política de saúde.
A política proposta pretende identificar os elementos psicossociais que
acarretam a vulnerabilidade da população masculina à maior exposição de riscos em
saúde, assim como, influenciam em seu acesso à Atenção Primária à Saúde (APS)
(Brasil, 2008). Tal Programa quer mudar a cultura sobre a prevenção enfatizando, para
isso, uma mudança paradigmática da percepção masculina em relação a seus cuidados
com a saúde, a compreensão do universo masculino e suas motivações e empecilhos
para fazer a prevenção de doenças.
É importante ressaltar que existe, ainda, um longo caminho a ser percorrido na
busca de ultrapassar as barreiras estruturais e culturais responsáveis pelos
comportamentos e atitudes negligentes na saúde por parte de uma parcela significativa
da população masculina. Nesse sentido, abordar, de um lado, os valores sociais que
influenciam os comportamentos dos homens no tocante ao cuidado e à busca de
assistência à saúde, e, de outro, a organização da assistência e a prática dos profissionais
na AP implica adotar um referencial de análise que considere que gênero é um princípio
ordenador e normatizador de práticas sociais. Gênero, em associação com outros
referenciais, como geração, classe e raça/etnia, cria estereótipos e expectativas que são
(re)produzidos nos níveis institucionais (a Saúde) e findam por invisibilizar as
necessidades de saúde dos homens e das mulheres, negando-lhes, inclusive, a
possibilidade de atuação como sujeitos de direitos na relação com os serviços de saúde
(Couto et al, 2010).
Deste modo, atributos relacionados ao masculino - como invulnerabilidade,
baixos autocuidado e adesão às praticas de saúde (especialmente de prevenção),
impaciência, entre outros - atualizados no cotidiano dos serviços pelos profissionais e
93
pelos próprios usuários, tornam estes espaços “generificados” e potencializam
desigualdades sociais, invizibilizando necessidades e demandas dos homens e
reforçando o estereótipo de que os serviços de APS são espaços feminilizados.
A discussão de gênero introduz o questionamento social da diferença entre
homem e mulher, e, consequentemente, os processos de formação ou construção
histórica, linguística e social, instituídas na formação de ambos. “Contextualizar
significa escutar a respeito do outro sobre o mundo social do qual faz parte. É adentrar
no espaço alheio, confrontar-se com seu ponto de vista.” (Pereira, 2010)
Nesse sentido, essa invisibilidade é aqui vista como de origem social. No campo
da saúde ela tem sido discutida a partir de temas complexos e sensíveis como a
violência de gênero e o uso abusivo de drogas álcool e outras drogas. Ao reconhecer que
as práticas de cuidados de si e dos outros são construídas nas relações entre as pessoas -
tanto em lócus privado/doméstico quanto em público/institucional - amplia-se o
reconhecimento e o acolhimento de demandas e necessidades masculinas (e femininas),
forçando a ruptura do círculo vicioso de invisibilidade e exclusão dos sujeitos, o que
permitiria resgatar a equidade e aprimorar o cuidado e a assistência em saúde (Pereira,
2010).
3.2.4 O consumo de álcool e drogas: as mulheres em evidência
Nossos resultados condizem com pesquisas que utilizaram o ASSIST tanto na
Atenção Primaria quanto em serviços de saúde especializados. Amato et al. (2008)
constataram que as substâncias mais utilizadas na vida foram o álcool, tabaco e
maconha. Na pesquisa realizada em uma população clínica por Peuker, Rosemberg,
Cunha e Araújo (2010) somente foram citadas como substâncias já utilizadas o álcool e
94
tabaco. No que se refere ao perfil de consumo foi identificado o padrão de uso abusivo
de tabaco em 22,5%, (em nosso estudo esse índice foi de 18,9%) e padrão de uso
abusivo de álcool em 35% (no mapeamento realizado por nós o índice foi um pouco
menor, de 8,1% dos participantes). Tal resultado se aproxima da taxa de 20% de uso
nocivo de álcool que Amato et al. (2008) relatam ter encontrado na Atenção Primária.
Em outro estudo realizado em São Paulo em um serviço de saúde do SUS - feito
por Bertanha e Netto (2012) - constatamos algumas semelhanças com nossos resultados.
Os autores relatam que 91% dos participantes já utilizaram álcool na vida, índice tão
alto quanto o encontrado por nós (83,3%). O uso de tabaco constatado pelos autores foi
70%, enquanto o encontrado por este estudo foi 57,4%. Já em relação ao uso da
maconha, o uso na vida correspondeu a 14% no estudo citado, enquanto nesta pesquisa
encontrado uma porcentagem de 21,2%. Estes podem ser considerados índices elevados
de abuso destas substâncias. O I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil (realizado em 2005) viabilizou dados sobre o perfil de uso e
abuso de substâncias psicoativas no país. Tal levantamento permitiu identificar índices
de 12,5% de dependência de álcool e 10,11% de tabagismo para a população brasileira
(Peuker et al., 2010).
Em 2013 foi divulgado os primeiros resultados do II Levantamento Nacional de
Álcool e Drogas (II LENAD) - realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Políticas Publicas do álcool e outras drogas (INPAD, 2013) - uma
investigação das mudanças no padrão do uso de álcool e outras drogas nos últimos 6
anos, através das comparações entre dados de 2006 e 2012. Tal estudo indica que
embora tenha aumentado a quantidade de pessoas que bebem álcool no Brasil, aqueles
que já bebiam, bebem em maior proporção e frequentemente. Os resultados ainda
apontam o padrão de uso de álcool, a saber: 52% da população brasileira constituída de
95
abstêmios, 32% apresentando uso moderado e 16% considerado uso nocivo. Podemos
perceber que a realidade encontrada em nossa pesquisa se assemelha ao cenário
brasileiro, uma vez que a porcentagem da população considerada de baixo risco foi
45%, de uso moderado 30,2%, e alto risco 8,1%.
Em relação ao uso da maconha, em nosso estudo foi identificado 21,2% (n=86)
de pessoas que disseram já terem usado a substancia. Os dados encontrados mostram-se
bem elevados. O INPAD (2013) afirma que o Brasil não está entre os países com
maiores índices de uso de maconha no mundo. Encontramos desde 2% de uso no último
ano na Ásia, em torno de 5% na Europa, e de até de 10% nos Estados Unidos; enquanto
os dados para 2012 mostram que o índice é de 3% no Brasil.
As Nações Unidas consideram que os dados oficiais da América Latina possam
estar subestimados, uma vez que o volume de maconha apreendido no Brasil está entre
os maiores do mundo e o país não é um grande fornecedor de nenhuma região. Embora
a percentagem possa parecer pequena o número de usuários é significativo com mais de
1.5 milhões de pessoas consumindo maconha diariamente (INPAD, 2013).
Para pensar o fato de a maconha geralmente surgir nas pesquisas ocupando e
terceiro lugar de substância mais mencionadas (perdendo para o álcool e tabaco) Soares
et al. (2011) afirmam que a maconha é a droga ilícita mais usada em todo o mundo, o
que possibilita a interpretação da existência de uma maior proximidade da sociedade
com essa droga e um maior grau de aceitação no que diz respeito ao seu
uso/dependência (Soares et al., 2011).
Nos resultados apresentados chama atenção o perfil de mulheres, donas de casa,
em relacionamento estável e usuárias das substâncias mencionadas. Alguns estudos, a
partir da utilização do ASSIST também conseguiram chegar nesse mesmo perfil (Soares
et al., 2011, Amato et al., 2008). Nessa direção também está o INPAD (2013) quando
96
indica em seu estudo que mulheres, em especial as mais jovens constituem-se como
população de risco apresentando maiores índices de aumento de consumo de álcool
entre 2006 e 2012 e bebendo de forma mais nociva. Outro apontamento do estudo é em
relação à taxa de consumo regular de álcool (1 vez ou mais por semana), o qual cresceu
mais entre as mulheres (34,5%) do que entre os homens (14,2%) no período estudado.
De acordo com Vargas e Dytz (2010), a tendência para a redução da diferença
entre o número de homens e mulheres que fazem uso do álcool estaria diretamente
relacionada às transformações culturais que ocorrem a partir do final da II Guerra
Mundial, entre as quais, a mudança no papel da mulher na sociedade ocidental. Dentre
os fatores que podem contribuir com o aumento da prevalência de álcool e outras drogas
nas mulheres estão: mudanças da estrutura familiar, luta das mulheres pelo mercado de
trabalho, estresse, atividades em excesso, ansiedade e dificuldade de lidar com os
problemas.
De acordo com Oliveira, Nascimento e Paiva (2007), a mulher desempenha
atualmente múltiplos papéis na sociedade que contribuem para um aumento
significativo da incidência de transtornos mentais e comportamentais (associado com o
uso de substancia psicoativas), pois as mulheres continuam com o fardo da
responsabilidade que vem associado com os papéis de esposas, mães, educadoras e
cuidadoras, tornando-se ao mesmo tempo uma parte cada vez mais essencial da mão-de-
obra e, frequentemente, constituindo-se na principal fonte de renda familiar. Além das
pressões impostas às mulheres devido à expansão de seus papéis, muitas vezes em
conflito, elas são vítimas de discriminação sexual, concomitante à pobreza, ao excesso
de trabalho e à violência doméstica.
Somado a esse panorama, é sustentada a representação de que o consumo de
drogas é um comportamento desviante e de que a mulher que adota tal conduta está
97
contrariando as normas sociais, diante da possibilidade de não cumprir os papéis sociais
e culturais a elas destinados. Silva (2012) aponta que a visão da sociedade frente ao
alcoolismo feminino é bastante agressiva, a mulher é considerada mais imoral, com
comportamento inadequado e sofre com a estigmatização, o que contribui para que as
mulheres façam um consumo às escondidas ou neguem o consumo e os possíveis
problemas acarretados (Oliveira, Nascimento & Paiva, 2007).
Dessa forma, os autores afirmam que uma explicação possível para o recente
aumento do número de mulheres usuárias de álcool e outras drogas pode estar no fato
delas terem sido sub-representadas em estudos sobre esta temática, já que o uso abusivo
de drogas historicamente esteve relacionado aos homens.
Em pesquisa acerca das representações sobre o uso do álcool entre mulheres,
feita por Campos e Reis (2010), é apontado que a categoria “dependência do álcool”
não abarca a complexidade das representações sobre o uso do álcool construídas pelas
mulheres entrevistadas. Quando as mulheres falam que abusavam do álcool, elas falam,
sobretudo, dos conflitos e dissabores enfrentados no meio social em que vivem. As
representações sobre o uso do álcool para as mulheres entrevistadas assumem um
aspecto particular, traduzindo os efeitos desse uso no interior da esfera familiar,
relacionado às relações de gênero vivenciadas dentro da família.
Em seu estudo sobre como mulheres alcoolistas interpretam suas experiências e
guiam suas ações em relação ao alcoolismo, Silva (2012) diz que as mulheres
entrevistadas possuem uma percepção negativa do alcoolismo feminino, apresentando a
carência emocional como o mais representativo. Elas se sentem mais penalizadas do que
os homens e atribuem o uso a acontecimentos vitais significativos e aos problemas
psicossociais. Alguns preconceitos de gênero integram a percepção das mulheres sobre
98
o alcoolismo, como o fato de que o uso está frequentemente ligado a variações nos
estados afetivos.
O uso da categoria gênero para pensar nossos dados ajuda-nos a explicitar a
assimetria existente nas maneiras de conhecer e aprender o real e na forma como
homens e mulheres se constroem, se representam e estabelecem suas relações no
interior da sociedade como um vetor que permeia a produção das subjetividades
(Santos, 2009). Diante do fato de que mulheres que buscam ajuda para lidar com
problemas com drogas relatam vivências da infância e da juventude permeadas pela
violência e desagregação (admitindo brigas e discussões com membros da família em
situações em que se encontravam alcoolizadas) torna-se necessário pensar em medidas
de intervenção que considerem a diversidade existente entre as mulheres - o que exige
abordagens diferenciadas e criativas, como por exemplo, levando em conta o tipo de
relação estabelecida com a substância, a fim de possibilitar o controle sobre o uso,
redesenhando, assim, os contornos de suas vidas: pessoal, familiar e profissional. Por
esta razão, é preciso destacar que não cabe uma intervenção que tenha como base
modelos únicos e cristalizados de intervenção, modelos estes que não permitem um
olhar sobre as particularidades, refletindo posturas rígidas que propõem como única
opção a abstinência (Vargas & Dytz, 2010).
Os autores destacam que a concepção de saúde-doença nas classes populares e
grupos sociais não podem ser homogeneizados, pois ela é multifacetada e contraditória.
Se, por um lado, ela reproduz a ideologia dominante segundo a qual o corpo feminino é
feito para produzir, por outro, demonstra uma percepção ampliada da doença quando a
situa dentro de um quadro mais geral que engloba a desorganização da pessoa e da
ordem social.
99
Nóbrega e Oliveira (2005) apontam a importância de ambiente favorável, com
menos barreiras estruturais e sociais, que possibilitem não apenas a entrada, como
também a adesão da mulher usuária de álcool e outras drogas a algum tipo de
acolhimento e proposta de tratamento. É importante que os profissionais de saúde
conheçam mais profundamente o contexto sociocultural em que estão inseridos, e
estejam atentos quanto às diferenças na linguagem e representações que se refletem no
encontro terapêutico. É fundamental que os profissionais de saúde, ao abordarem
demandas como essas devam abster-se de atitudes preconceituosas, uma vez que, para
essas mulheres, voltar a acreditar em si é visto como meio de resgate da identidade,
comprometida durante todo o processo de perdas com o consumo de álcool e outras
drogas. Reaprender a viver e lidar com a o consumo abusivo/dependência significa para
essas mulheres uma luta constante.
3.3 As Rodas de Conversa
Com os resultados da aplicação do instrumento em mãos, propomos as equipes
de saúde da família e NASF a realização de Rodas de Conversa, para discutirmos,
dentre outras questões a experiência do mapeamento, seus resultados e possíveis
implicações no cotidiano de trabalho das equipes.
No entanto, no decorrer da aplicação dos instrumentos, alguns integrantes das
equipes de SF demonstraram preocupação com o desenvolvimento do mapeamento,
afirmando que a pesquisa seria feita com as equipes da Unidade e nada seria dado em
troca, isto é, de acordo com eles “a Universidade vem até a comunidade, faz suas
pesquisas e trabalhos, mas não oferece nada que ajude as equipes e a população”.
100
A partir disso idealizamos uma complementação para as Rodas de Conversa já
planejadas. Depois de discutirmos os resultados do mapeamento, propomos algumas
discussões acerca do tema álcool e outras drogas na Atenção Primária. Foi entregue a
cada participante um folheto com os principais temas a serem discutidos e um resumo
das informações apresentadas, assim como para a Unidade de Saúde de Felipe Camarão
II foi disponibilizado uma cartilha sobre Redução de Danos para Agentes Comunitários
de Saúde6, produzida pela Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da
Saúde do Rio de Janeiro/RJ, a qual serviu de base para a realização das discussões. O
material entregue encontra-se anexado.
Como reunir todas as equipes de Saúde da Família e a do NASF em um só
momento poderia não ser viável, assim como se juntássemos todas as equipes o número
de participantes da Roda de Conversa seria muito elevado (em média 10 integrantes de
cada equipe de SF e 7 do NASF), dificultando possíveis reflexões, nossa proposta foi
nos reunir com as equipes em separado, fazendo grupos de 2 equipes, ou seja, primeiro
houve uma roda de conversa com as equipes 1 e 7 e outra roda com as equipes 8 e 9. A
equipe do NASF foi convidada a participar de uma das rodas. Ambas as rodas de
conversa aconteceram no primeiro semestre de 2013.
As Rodas de Conversa é uma metodologia participativa que pode ser utilizada
em diversos contextos, tais como escolas, postos de saúde, associações comunitárias, e
outros. É um meio de sensibilizar os participantes e motivá-los para pensar, de uma
maneira mais envolvente, em aspectos das suas relações, seja com o mundo do trabalho
ou projetos de vida. Os participantes são mobilizados ao mesmo tempo em sua condição
de cidadão, profissionais e de sujeitos que precisam se envolver no exercício, na
experiência e na realização de ações dentro de seu contexto. Não se trata de uma
6 A cartilha de Redução de Danos para Agente Comunitário de Saúde encontra-se disponível no site:
http://www.vivacomunidade.org.br/wp-content/arquivos/cartilha_ACS_red_danos.pdf
101
palestra, mas sim de um espaço para que eles falem de seu quotidiano, tanto na esfera da
vida privada quanto na pública. É um espaço importante para discussão e construção de
saberes e práticas (Afonso & Abade, 2008).
Nas Rodas de Conversa, partimos de conhecimentos já construídos para motivar
um processo de compreensão e também de criação. Para compreender o mundo, é
preciso nos apropriamos dos significados dados e, a partir dele, construir a nossa própria
resposta para os problemas atuais que somos chamados a enfrentar. Assim, ao se
discutir um tema, é importante alimentar a discussão com novas informações. Mas a
informação sozinha não basta. Pensamos que uma nova compreensão vai utilizar a
informação em um contexto de reflexão para ir além dela e conseguir produzir com ela
alguma coisa nova diante das questões que o grupo enfrenta (Afonso & Abade, 2008).
Para a realização das Rodas, primeiro foi necessário fazer um planejamento do
iria acontecer nos encontros, quais pontos iriam ser abordados e que discussões
poderiam surgir no desenrolar desses encontros. No entanto, foi imprescindível nossa
flexibilidade frente a eventuais mudanças que poderiam surgir.
Os objetivos das Rodas de Conversa com as equipes foram:
Identificar as demandas que chegam as equipes pela população cadastrada;
Conhecer as estratégias de cuidado desenvolvidas pelas equipes em relação as
demandas identificadas.
Conhecer as dificuldades enfrentadas pelas equipes em relação ao manejo desses
casos;
Discutir com as equipes as estratégias de enfrentamento dos problemas
identificados e possibilidades de cuidado articulando as equipes de saúde da
família e núcleo de apoio a saúde da família.
102
As Rodas de Conversa tiveram como tema disparador: Álcool e outras drogas na
Atenção Primária: O que podemos fazer? Os encontros tiveram início com a
apresentação da proposta das Rodas de Conversa, deixando claro que aquele momento
seria para falarmos sobre nossas experiências, nossas dificuldades e aspirações no que
tange os cuidados aos usuários de álcool e outras drogas, assim como os aspectos que
envolvem o cotidiano de trabalho em saúde.
Após esse momento, apresentamos os dados resultantes do mapeamento com o
auxílio de dois banners (um com a apresentação do perfil da população e outro com os
resultados do ASSIST) para que pudéssemos visualizar graficamente os resultados. O
passo seguinte foi iniciarmos as discussões acerca dos dados para o cotidiano das
equipes de Atenção Primária - se os dados encontrados condiziam com a realidade que
as equipes vivenciam em seu cotidiano de trabalho, que realidade é essa, o que o
mapeamento não mostrou, por que não mostrou e o que poderíamos pensar a partir
disso.
Em seguida, utilizando três grandes cartolinas fixadas na parede, montamos uma
tabela formada de três colunas, cada coluna dedicada a um objetivo da roda de
conversa: demandas que chegam as equipes, estratégias de cuidado realizadas e
dificuldades encontradas.
À medida que os participantes das Rodas falavam sobre as demandas que
surgem, como eles cuidam e quais dificuldades vivem, íamos escrevendo nas cartolinas
e montando nosso quadro com as informações que precisávamos, mas principalmente
com a finalidade de que o grupo visualizasse suas experiências em meio às demais7.
O passo seguinte foi que cada participante falasse um pouco do conteúdo
presente no tabela, expondo sobre o modo como lidam com tais questões e o que eles
7 Os resultados e discussões provenientes das Rodas de Conversa são apresentados adiante.
103
acham que deveriam fazer. Nessa discussão procuramos levantar o papel de NASF
nesse processo, como se dá o trabalho em conjunto, se é possível essa articulação para
acolher demandas envolvendo álcool e drogas.
Em seguida, dedicamos um momento para um breve esclarecimento sobre as
formas de uso das drogas e sua classificação quanto a origem, legalidade e mecanismos
de ação e efeito (citando exemplos). Ao final dos esclarecimentos levantamos questões
como: o que leva uma pessoa a usar drogas? Aspectos individuais, familiares e/ou
coletivos? É possível identificar uma causa somente? O objetivo dessa etapa foi refletir
sobre o que sabemos e como vemos o uso de substâncias psicoativas, assim como seus
usuários.
Entramos então na discussão sobre o paradigma da Abstinência versus Redução
de Danos, explicando o que é cada um, tirando dúvidas sobre a possibilidade de um
cuidado pautado na Redução de Danos, assim como o papel da Estratégia de Saúde da
Família nesse processo.
A etapa seguinte foi a apresentação de algumas dicas de como abordar um
usuário de álcool e drogas e como atuar com a família de um usuário (ambas tiradas da
cartilha sobre Redução de Danos). Apresentamos os dispositivos da rede de apoio aos
usuários de álcool e outras drogas, seja na rede de saúde, da assistência social ou a rede
informal. Foram oferecidos os nomes dos locais, seus endereços e telefones para que
servissem tanto de fonte de informações para futuros usuários que chegassem aos
participantes da roda quanto para os próprios profissionais ali presentes para que
buscassem mais informações e apoio quando necessário.
Por último, apresentamos algumas experiências e possibilidades de cuidado ao
usuário de álcool e outras drogas na Atenção Primária, como por exemplo, a prática de
triagem e intervenção breve discutida no capítulo anterior. Questionamos se seria
104
possível pensar em outras formas de cuidado, se na realidade na qual a equipe se
encontra, esse tipo de estratégia poderia ser útil.
Por fim, estabelecemos um momento de avaliação da Roda de Conversa,
pedindo que cada participante falasse como foi vivenciar o encontro. O momento de
avaliar e compartilhar se refere à avaliação da produção do grupo e não dos indivíduos,
faz parte de um contínuo “ação-reflexão-ação” embutido na Roda de Conversa. Assim
como foi necessário apresentar a proposta do trabalho, agora é preciso “fechar” o
trabalho do grupo, em um movimento de sistematização, mas também de
reconhecimento e legitimação daquela produção (Afonso & Abade, 2008).
Nos encontros, ficaram evidente dois eixos de análise e intervenção: os limites
da Atenção Primária em acolher demandas de álcool e outras drogas e a Redução de
Danos como uma possibilidade de cuidado diante de demandas como essas.
3.3.1 Demandas, estratégias e dificuldades identificadas: limites da Atenção
Primária
No decorrer das Rodas8, no que se refere às demandas relacionadas ao consumo
de álcool e drogas identificadas pelas equipes ficou evidente que tais demandas são
identificadas principalmente pelos agentes comunitários de saúde na rotina de visitas
domiciliares. As médicas das equipes afirmam que raramente alguém chega ao
consultório com essa demanda explícita. Para saber se os pacientes são ou não usuários
de alguma substância psicoativa, tomam como referência uma marcação nos prontuários
feita pelos agentes. No entanto, essa marcação não serve para definir nenhum tipo de
8 Dos 37 profissionais que compõem as 4 equipes de saúde da família, somente 20 compareceram aos
encontros. E um número ainda menor de profissionais se dispuseram a participar das discussões.
105
intervenção junto ao usuário. Uma das médicas relatou que em 11 anos de profissão
vivenciou apenas um caso de dependência de drogas. Em contrapartida, os agentes
dizem presenciar todos os dias pessoas que consomem abusivamente álcool e outras
drogas.
Expressão disso é o fato de somente partir dos agentes a observação de que
nosso mapeamento não conseguiu mostrar a realidade que eles vivenciam diariamente
relacionada as demandas de álcool e drogas. Eles disseram que existe uma grande
quantidade de homens com problemas decorrentes do uso de drogas, principalmente
álcool. E que demandas como essas muitas vezes são trazidas pelas esposas, uma vez
que eles mesmos negam que possuem um consumo abusivo/dependente.
Os profissionais - incluindo os da equipe do NASF - relatam que a única ação a
ser feita na Atenção Primária é o encaminhamento a um serviço especializado. Prática
também relatada por outros estudos (Gonçalves, 2002, Gonçalves & Tavares, 2007).
Para justificar os constantes encaminhamentos, os profissionais dizem não saber o que
fazer com usuários de álcool e drogas. Uma agente relata que orienta os usuários que
explicitam o desejo de parar de usar drogas (em função dos problemas decorrentes do
uso), a procurar auxilio em outro serviço da rede. A equipe do NASF recebe muitas
demandas que envolvem o uso de álcool e outras drogas, mas também apostam no
encaminhamento dos usuários aos serviços especializados.
Nossos resultados são semelhantes ao cenário encontrado na pesquisa de Neves
et al (2013), a qual aborda, dentre outras questões, o modo como os agentes
comunitários de saúde agem diante de casos envolvendo o uso de álcool e drogas. De
acordo com os autores, os relatos dos agentes apontam um caráter prescritivo – onde
eles pensam saber o que é melhor para o outro. Muitas vezes, essas “conversas” com os
usuários se resumem a orientações do que a pessoa deveria fazer, ou seja, que o correto
106
seria a pessoa não usar drogas. É possível observar uma compreensão subjacente de que
o tratamento deve ter como meta a abstinência, pois as drogas seriam, a priori, algo
ruim. Outro ponto, exposto pelos autores, que muito se assemelha aos relatos das rodas
de conversa é a clara dificuldade de compreensão em relação aos fatores que levam uma
pessoa a usar drogas. No decorrer das rodas quando levantamos essa questão, muitos
disseram não compreender como alguém entra em um mundo como esse, outros
atribuíram essa “culpa” as condições de vida, pobreza e problemas na família. No
entanto, o que mais chamou nossa atenção foi o posicionamento dos profissionais em
tratarem do tema de forma conformada, julgando o uso de drogas como algo “muito
complicado, que envolve diversas questões e na Atenção Primária eles não se tem o que
fazer”.
Porém, mesmo com os constantes encaminhamentos os profissionais identificam
muitas dificuldades no que se refere ao cuidado destinado às demandas de álcool e
drogas na rede de saúde do município. Há uma precariedade evidente de serviços
especializados e a Atenção Primária não dispõe de recursos adequados para tal. A
negação dos usuários em relação ao uso também é uma dificuldade apontada, tendo em
vista que se o usuário não diz que precisa de ajuda eles ficam limitados, já que não
manejam estratégias de abordagem apropriadas a essas situações. Machado (2013)
também identificou em sua pesquisa no âmbito da Atenção Primária que diante da
constante demanda de usuários com problemas relacionados a álcool e drogas, os
trabalhadores de saúde apresentam dificuldades na responsabilização pelo acolhimento
e na oferta de atenção.
De acordo com o autor, tais dificuldades tem uma dimensão técnica, mas
também uma dimensão ética. Muitos se perguntam como acolher, o que fazer, o que
propor às pessoas usuárias de drogas que chegam aos serviços e que nem sempre estão
107
dispostas a receber um cuidado em saúde ou iniciar um tratamento. A abordagem dessas
situações precisa estar associada a uma ampla compreensão tanto do fenômeno do
uso/dependência de drogas quanto do alcance e da finalidade das práticas de atenção em
saúde.
Nesse sentido, alguns complicadores se apresentam. A compreensão dos
profissionais de saúde acerca do uso de substancias psicoativas não é muito diferente da
concepção hegemônica da sociedade. Usuários de álcool e outras drogas são muitas
vezes vistos como cidadãos desprovidos de direitos, inclusive do direito à saúde e aos
serviços de boa qualidade. A situação ideal para muitos profissionais é que eles
interrompam o consumo de drogas, antes mesmo de chegar aos serviços de saúde. No
entanto, na maioria das vezes não é isso que acontece (Machado, 2013).
Nessa perspectiva, Lins e Scarparo (2010) apontam que ter problemas
relacionados com uso de substancias psicoativa pode ser entendido como resultado de
um comportamento individual inadequado, um descuido com a saúde, uma vez que na
contemporaneidade o consumo de drogas “favorece a negação e a sedação como modos
de justificar lógicas lineares de resolução de problemas” (p.455). Tal lógica não
considera a incerteza, nem a multidimensionalidade dos processos humanos. Dessa
forma, o uso abusivo/dependente de drogas pode ser vista como responsabilidade do
indivíduo, o que fragmenta a compreensão do fenômeno.
Outro aspecto evidenciado na fala dos profissionais é o medo da violência e do
tráfico, as concepções estigmatizantes sobre os usuários de drogas, identificando-os
como criminosos. Fiúza, Miranda, Ribeiro, Pequeno e Oliveira (2011), apontam que a
violência urbana - um fenômeno social que influencia a dinâmica do trabalho das
equipes de saúde, por estarem inseridas nas grandes periferias urbanas brasileiras –
como um importante limite na prática do cuidado na Atenção Primária. No entanto,
108
ficou evidente uma contradição entre a percepção do fenômeno da violência em relação
ao fenômeno da droga. Embora autores como Fiúza et al (2011) situem a questão do uso
de drogas como social, em algumas das falas ela é tomada como problema individual,
causador dos outros fenômenos sociais (como a violência). Parece que ao assumir a
problemática das drogas como problema exclusivo da esfera privada, individual e de
ordem moral, antagônica à percepção da violência (social, complexo e de ordem
pública), as ações dos profissionais limitam-se aos aspectos consequentes dessas
percepções: quanto à assistência em saúde o encaminhamento à especialidade, quanto
ao julgamento moral, culpabilização do usuário. Dessa forma, tal perspectiva não
permite ações sistemáticas das equipes em seu processo de trabalho, ações participativas
com a comunidade nos territórios de abrangência. Ou seja, o potencial de ação das
equipes de Atenção Primária no que se refere ao uso de álcool e drogas pelos usuários
fica limitado ao encaminhamento.
De acordo com Barros e Pillon (2006), mesmo diante da importante e necessária
intervenção da AP nas questões que envolvem o uso de álcool e outras drogas, nem
sempre há condições favoráveis para realizar as ações devidas em decorrência da falta
de recursos e de capacitação dos profissionais para lidarem com tais questões, condições
que acabam por prejudicar o desenvolvimento de uma ação integral pelas equipes.
Ribeiro (2012) afirma que em relação à rede de atendimento ao usuário de álcool e
drogas, são diversos os entraves que influenciam no processo de reestruturação física,
psíquica e social desses usuários. É possível identificar problemas de infraestrutura,
falta de financiamento para a implantação de unidades que sejam adequadas para
receber os usuários e articular as ações possíveis e não há investimento em capacitação
dos profissionais que trabalham na rede de saúde (Ribeiro, 2012).
109
Esta situação contribui para existência de uma demanda reprimida, ou seja, a
presença de usuários que, embora apresentem agravos em saúde, não buscam os
serviços da rede ou não são acessados pelas equipes de Saúde da Família. Pesquisas
mostram que as principais razões expressas pelos usuários para não buscarem os
serviços de atenção em saúde são a ineficácia e ineficiência dos tratamentos atuais e a
auto percepção de que o problema apresentado não é grave o suficiente (Schneider &
Lima, 2011).
De acordo com Gonçalves (2002), várias pesquisas apontam que a Atenção
Primária não está preparada para dar resposta para o enfrentamento da complexidade da
questão das drogas, que se coloca como um constante desafio. De acordo com o autor, o
perfil dos profissionais que compõem as equipes é muito diversificado, pois há aqueles
com maior e menor preparo para abordar problemas relacionados ao abuso e
dependência de drogas. Mesmo que o perfil idealizado pelo Ministério da Saúde para os
profissionais da Estratégia de Saúde da Família destaquem a capacidade de estarem
envolvidos com o bem estar da comunidade, com a construção de compromisso e
relações de confiança, os trabalhadores não se mostram preparados para esse
envolvimento. É possível constatar que nem mesmo os agentes comunitários de saúde
apresentam esse perfil, uma vez que a relação deles com a comunidade são permeadas
por dificuldades objetivas (acesso, aceitação, comunicação), e subjetivas (medo,
preconceito, desafetos) envolvidos com frequência no problema do consumo de drogas:
tráfico, violência, desestruturação familiar, questões complexas que não podem ser
tratadas isoladamente.
Nesse sentido, são números os desafios impostos aos profissionais das equipes
de saúde da família nesse contexto: trabalhar numa perspectiva diferente daquela
aprendida na formação acadêmica (altamente prescritiva e centrada na doença);
110
enfrentar a própria ansiedade, insegurança, preconceito e até incapacidade para lidar
com o usuário de álcool e drogas; programar atividades com base em políticas
ministeriais que ainda não estão consolidadas na região e nem valorizadas pelos
gestores locais; criar protocolos de atendimento que permitam o monitoramento e
avaliação de ações desenvolvidas junto ao usuário de álcool e drogas na região e
trabalhar em equipe e em rede, de forma a assegurar a integralidade da assistência
(Gonçalves & Tavares, 2007).
Diante do perfil de usuários de drogas majoritariamente feminino encontrado no
nosso mapeamento, não podemos deixar de enumerar como mais um grande desafio
para os profissionais da Atenção Primária, a necessidade de ter maior sensibilidade para
as interações entre as concepções de gênero e as demandas trazidas pelas mulheres no
uso do serviço. O construto de gênero está no campo das relações de poder,
constituindo-se de intencionalidades distintas e subsidiando práticas humanas que
instrumentalizam estas relações para mantê-las ou alterá-las (Vargas e Dytz, 2010). É
preciso ir além das demandas trazidas, além das queixas físicas, ginecológicas. É
preciso investigar, dar atenção as reais demandas dessas mulheres que estão sempre no
serviço a procura de cuidado ou recebendo os profissionais em suas casas, nas visitas
domiciliares.
É possível perceber, então, que questões relacionadas ao uso de álcool e outras
drogas requer a articulação entre setores sociais diversos, e, portanto com saberes e
poderes diversos, que ultrapassam o setor saúde. Implica na satisfação de uma série de
necessidades sociais e, por isso, necessita da construção contínua de políticas públicas
intersetoriais permanentes, de modo a colocar em pauta as peculiaridades das condições
de vida da população (Souza et al., 2013).
111
Nessa direção, Araújo (2013) afirma que no cotidiano dos serviços de Saúde
Mental que trabalham a questão do álcool e outras drogas, a estratégia da
intersetorialidade tem se apresentado como necessária dada a impossibilidade dos
serviços responderem sozinhos as múltiplas demandas dos usuários, que vão desde o
cuidado simultâneo ou complementar em outros serviços de saúde, a demandas sociais
ou de proteção. Há um debate amplo em torno da intersetorialidade, que emerge na
conjuntura da luta e ampliação dos direitos sociais, como uma resposta dada no âmbito
da gestão das políticas públicas para construção de ações e serviços mais integrados
com intuito de superar a fragmentação do setor público.
Apostamos que os profissionais que trabalham na Atenção Primária sejam
capazes de atender demandas de álcool e drogas, pois seu trabalho tem uma
característica distinta dos outros níveis da rede de saúde (hospitais, ambulatórios,
Centros de Atenção Psicossocial/CAPS): o acesso direto à população e suas condições
de vida. Este é um ponto importante, pois as visitas da equipe facilitam o vínculo e a
aproximação entre a população e os profissionais de saúde, dando oportunidade para o
estabelecimento de vínculo e confiança. Os agentes comunitários de saúde têm sido
importantes parceiros no que diz respeito à identificação dos casos de abuso de
substâncias psicoativas, visto que nem sempre os usuários buscam ajuda por si só.
Muito além da identificação dos casos no território, o agente contribui com o olhar de
quem faz parte da comunidade, conhece esse território, suas potencialidades e
limitações, assim como dispositivos e equipamentos que poderiam ser parceiros no
cuidado. Nas discussões de caso, contribui com o seu conhecimento prático e sua
proximidade com as famílias, fornecendo informações as quais os profissionais de
referência ainda não tiveram acesso. Além disso, depois de pensados os encaminha-
mentos e sugeridas às intervenções ao usuário, o agente pode atuar no acompanhamento
112
e na evolução do caso, mantendo a equipe informada sobre a condição de saúde daquele
usuário (Araújo, 2013, Leite & Paulon, 2013).
De acordo com Oliveira (2001), a formação de grupos abertos na Atenção
Primária - direcionado inicialmente a mulheres (já que são elas que mais frequentam os
serviços de saúde), mas que pode ser frequentado por qualquer pessoa - pode ser uma
experiência marcante e rica ao serviço, uma proposta diferente das usualmente
desenvolvidas quando o assunto é uso abusivo/dependente de drogas, como as que
preveem somente a prescrição de métodos e comportamentos. Os autores defendem a
importância da vivência de encontros em que o tema emerge do grupo e em que todos
são iguais para falar, refletir e pontuar questões, propiciando uma nova postura e novos
envolvimentos entre a população e os profissionais da saúde. Tais momentos favorecem
a conquista do vínculo e a sensação de pertencimento ao grupo, como também,
influenciam na postura dos agentes comunitários de saúde, que podem ser mais ativos
na construção e no planejamento das atividades, uma vez que são eles que sinalizam
para as dificuldades das mulheres em estarem presentes, quanto ao local ideal para a
realização dos encontros, como para situações vivenciadas nas famílias das mulheres
convidadas a participar.
O grande desafio diante dos resultados encontrados é atentar para o
desenvolvimento de ações voltadas para mulheres, no que se refere ao uso de
substancias psicoativas, em uma perspectiva de gênero. Somente desta forma será
possível aumentar a visibilidade das necessidades específicas dessa população,
compreendida em um contexto sociocultural, a partir de ações efetivas para o cuidado
em saúde.
113
3.3.2 Possibilidade de cuidado: uma aposta na Redução de Danos
Como indicamos anteriormente o posicionamento de todos nas Rodas de
Conversa foi da impossibilidade de resposta e suporte da Atenção Primária quando se
trata de álcool e drogas. A formação de grupos direcionados a usuário de drogas não é
bem vista, pois segundo os trabalhadores eles não perdurariam, pois o grupo ficaria
conhecido na comunidade e nas equipes de saúde da família como o “grupo dos
viciados”, assim como os grupos de saúde mental seria conhecido por “grupo dos
doidinhos”. As pessoas não iriam participar porque seriam expostas, o fato de ser um
usuário de drogas falaria mais alto que o desejo de melhora. Nota-se que a raiz do
problema se encontra nas concepções que envolvem as próprias práticas em saúde.
Schneider e Lima (2011) apontam que existem quatro modelos de concepção ou
modelos de análise da dependência de drogas, sustentadas em diferentes raízes teórico-
epistemológicas, o que se desdobra em diferentes perspectivas metodológicas de
intervenção, que são: o modelo jurídico-moral (droga é vista como grande mal a ser
combatido, o usuário é visto como fraco moralmente, visa a abstinência), o biomédico
(a dependência é uma doença crônica, recorrente e irrecuperável, também tem como
foco a abstinência), o psicossocial (o uso de drogas seria uma manifestação externa das
perturbações psicológicas, tendo como objetivo parar de usar a substância) e o
sociocultural (o uso de drogas seria fruto das contradições sociais, econômicas e
ambientais e sua intervenção é dirigida ao contexto social do usuário, não tem como
principal foco a abstinência). Os autores afirmam que a síntese desses saberes e práticas
constitui a racionalidade ou sistemas lógicos sob o qual os diversos serviços de saúde se
nutrem para a compreensão e intervenção nos fenômenos de saúde/doença.
114
No modelo sociocultural, a ênfase é modificar o padrão de uso da substância,
intervindo nos determinantes sociais que levam ao uso abusivo, visando o controle dos
danos gerados pelo abuso das substâncias, mas não necessariamente sua abstinência
total. Tem foco na ação preventiva e de promoção à saúde. É baseado nessa concepção
que discutimos com as equipes a prática da Redução de Danos/RD para o cuidado dos
usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária (Schneider & Lima, 2011).
Como já discutimos nos capítulos anteriores, as políticas e programas de RD
fundamentam-se em intervenções orientadas para a minimização dos danos físicos,
sociais e econômicos relacionados ao uso de álcool e outras drogas. Seus princípios se
baseiam no fato de que o consumo de drogas sempre esteve presente na história da
humanidade, o que desperta a necessidade de traçar estratégias para conter os danos que
seu uso causa aos usuários e á sociedade, sem necessariamente proibi-lo.
Quando perguntamos, nas rodas, se alguém sabia o que é Redução de Danos,
somente alguns profissionais arriscaram dar seus palpites (ficou claro que esse não era
um termo usado em seu cotidiano, era algo muito distante). A Redução de Danos, de
acordo com os profissionais, estaria relacionada a substituição de substancias mais
“pesadas”, como crack, por drogas mais “leves”, como a maconha. Nesse sentido, foi
novidade pensar a RD numa perspectiva de trabalho mais ampla.
A inclusão da Redução de Danos como uma das ações de saúde da política de
Atenção Primária pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2013b) pressupõe sua utilização
como abordagem possível para lidar com diversos agravos e condições de saúde. Atuar
nessa perspectiva requer a utilização de tecnologias relacionais centradas no
acolhimento, no vínculo e na confiança.
Considerando especificamente a atenção aos problemas de álcool e outras
drogas, a estratégia de RD visa minimizar as consequências adversas criadas pelo
115
consumo de drogas, tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos usuários e
seus familiares. Nessa perspectiva, a RD postula intervenções singulares que podem
envolver o uso protegido, a diminuição desse uso, a substituição por substâncias que
causem menos problemas, e até a abstinência (Brasil, 2013b). Outra ação possível é
trabalhar as crenças que a população, os trabalhadores de saúde e os próprios usuários
de drogas têm sobre esta condição, de maneira a superar as barreiras que agravam a sua
vulnerabilidade e dificultam a busca de tratamento. Lidar com os próprios preconceitos
sobre o consumo de drogas é fundamental para poder oferecer cuidado as pessoas que
precisam de ajuda por esse motivo.
O Ministério da Saúde (Brasil, 2013b) aponta que diversas são as ações de RD
possíveis de realizar com usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária.
Percebemos no discurso dos profissionais que pessoas com problemas com drogas
geralmente não buscam as unidades de Saúde espontaneamente, são seus familiares que
costumam buscar ajuda. Uma maneira de aproximar-se destes usuários pode ser por
meio de visitas domiciliares e agendamentos de consultas para uma avaliação clínica
geral, não necessariamente abordando seu problema com drogas. Esperar que o usuário
venha pedir ajuda, mesmo sabendo que quando isso acontece é quando o usuário já está
bastante debilitado em decorrência de problemas provenientes do uso da substância não
auxilia na construção de cuidado.
Uma proposta de RD deve partir dos problemas percebidos pela própria pessoa
ajudando-a a ampliar a avaliação de sua situação. No caso de pessoas com problema em
relação ao álcool, pode ser sugerido cuidados básicos como não beber e dirigir; alternar
o consumo de bebida alcoólica com alimentos e bebidas não alcoólicas; beber bastante
água, optar por bebidas fermentadas às destiladas, dentre outras sugestões. Usuários de
crack podem ser orientados a não compartilhar cachimbos, pois possuem maior risco de
116
contrair doenças infectocontagiosas caso tenham feridas nos lábios em decorrência do
uso da substância (Brasil, 2013b). No que se refere a ações destinadas as mulheres,
Oliveira (2001) aponta que o uso de drogas, independente da modalidade constitui-se
em um fator de vulnerabilidade feminina para a AIDS, por exemplo, já que esta prática
contribui para o entrecruzamento das principais vias de exposição à infecção pelo HIV,
(sexual e uso de drogas) seja pela tendência das mulheres trocarem sexo por droga, seja
pela manutenção de relações sexuais com parceiros usuários de drogas, sem o uso de
preservativo. Fica reafirmado, dessa forma, a necessidade de assistência especializada
para mulheres usuárias de drogas com o objetivo de reduzir os danos negativos para elas
próprias e para a comunidade de um modo geral. Essa assistência pode começar pela
própria consulta com o ginecologista, quando ela pode receber preservativos, ser
convidada a participar de grupos de mulheres que a unidade pode oferecer, receber
material informativo sobre o uso de substancias psicoativas, dentre outras ações que
podem ser pensadas em conjunto com a usuária.
No entanto, Andrade (2011) apresenta algumas das características da ESF que
dificultam integrar ações de Redução de Danos em suas práticas, a saber: a ênfase na
Atenção Primária no Brasil é ainda recente e apresenta uma estrutura organizacional em
construção; os profissionais de saúde da ESF demonstram dificuldades em lidar com
questões relacionadas ao uso de substâncias psicoativas pelo desconhecimento dos
fatores biopsicossociais relacionados ao seu consumo; e os preconceitos quanto à
legitimidade das práticas de RD. Nesse sentido, é de fundamental importância que os
trabalhadores da saúde sejam capacitados, a fim de aperfeiçoarem o diálogo, a escuta,
para que possam transmitir não só medidas de segurança à saúde, mas sim confiança,
respeito e aceitação. Não podemos esquecer que a questão do preconceito ainda
117
representa um empecilho ao desenvolvimento de algumas estratégias de RD (Fonsêca,
2012).
Consideramos que a abordagem da RD oferece um caminho promissor por
reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar com ele estratégias para
promover a saúde e garantir seus direitos enquanto cidadão. Nessa perspectiva, muitos
outros desdobramentos são possíveis adotando a perspectiva da RD, dependendo das
situações e dos envolvidos. E uma determinada linha de intervenção pode ter seu escopo
ampliado à medida que o vínculo é ampliado. Assim, a RD nos coloca diante questões
gerais às demais intervenções de saúde como a necessidade de reflexão sobre o que
norteia a produção do cuidado. Um cuidado pautado pela ampliação dos gradientes de
autonomia visa ajudar a pessoa a descobrir e lidar com suas escolhas. Um cuidado
tutelar, disciplinador e restritivo predetermina e estabelece, a partir de critérios externos,
aquilo que a pessoa deve fazer e como deve se comportar (Brasil, 2013b).
Durante as rodas de conversa, muito se questionou se algo poderia ser realmente
feito para lidar com usuários de álcool e drogas. Como alternativa possível, destacamos
dentre as estratégias que podem ser pensadas no campo da prevenção ao uso abusivo de
álcool e outras drogas, a triagem e intervenção breve (TIB) para o uso abusivo de
substâncias, que está sendo avaliada para populações específicas, principalmente no
contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) em todo o mundo (Ronzani, 2008), devido
a possibilidade de vinculo entre os usuários e equipe de saúde e efetividade do
monitoramento do tratamento. De uma forma geral, a intervenção breve apresenta um
enfoque educativo e motivacional, em que o principal objetivo é desencadear a decisão
e o comprometimento com a mudança dos pacientes, com a finalidade de reduzir o risco
de danos ocasionados pelo consumo exagerado de substancias psicoativas.
118
A Organização Mundial da Saúde (2011) afirma uma vez que a promoção da
saúde e prevenção de doenças faz parte do dia a dia de trabalho das equipes de AP,
tendo em vista as ações de prevenção e detecção de doenças rotineiras nas Unidades de
Saúde (tais como aquelas relacionadas à imunização, pressão arterial, obesidade,
consumo de tabaco, entre outros), os usuários confiam nas informações que recebem
dos profissionais de cuidados primários sobre os riscos à saúde, particularmente aqueles
relacionados ao uso de substâncias. Diz ainda que nos países desenvolvidos, 85% da
população acessa um profissional de cuidados primários de saúde pelo menos uma vez
por ano e é provável que usuários com problemas relacionados ao consumo de álcool e
outras drogas também façam parte dessa população (OMS, 2011). Isto significa que os
profissionais da Atenção Primária têm a oportunidade de intervir numa fase inicial antes
que o usuário desenvolva sérios problemas pelo uso de drogas e dependência.
Diante do maior contato das mulheres com os serviços de Atenção Primária, elas
se tornam o público alvo ideal para intervenções que visem não somente atingi-las como
também atingir os demais membros da família. Muitas doenças comuns tratadas no
campo da Atenção Primária podem estar relacionadas com o consumo de tabaco, álcool
ou outras substâncias, e os profissionais podem usar esta relação para aplicar a triagem e
intervenção breve para o consumo de substâncias psicoativas. A Intervenção breve,
portanto, passa a fazer parte da consulta. O planejamento de ações que levem em
consideração de perfil da população feminina pode guiar os profissionais para o
desenvolvimento de estratégias de intervenções como oficinas, eventos, grupos, que
podem ser divulgados tanto nas visitas domiciliares ou nas consultas de rotina, quanto
em cartazes espalhados pelos serviços de saúde.
A Atenção Primaria é caracterizada por uma boa relação de custo e efeito, pois
consegue atingir um numero amplo de pessoas e tem oportunidade de intervir antes que
119
o padrão de uso de álcool e outras drogas provoque danos graves a saúde do usuário.
Vale ressaltar que nos municípios de pequeno porte no Brasil, o impacto destas
estratégias pode ser ainda maior, uma vez que a Atenção primaria é a principal, senão a
única, forma de oferta de serviços públicos de saúde (Pereira, Arginoni, Ferreira,
Oliveria, Vargar & Colveiro, 2013).
De acordo com a OMS (2011), há evidências consideráveis dos benefícios da
triagem e intervenção breve realizada na Atenção Primária para problemas relacionados
ao consumo de álcool, maconha, benzodiazepínicos, anfetaminas, cocaína e opiáceos.
Afirma que pode haver uma redução na frequência ingestão de álcool de bebedores de
risco quando lhe é oferecido uma intervenção breve de 15 minutos e materiais de auto-
ajuda em centros de cuidados primários. De acordo com o Grupo de Estudos de
Intervenção Breve da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011), um conselho
simples de cinco minutos é tão eficaz quanto 20 minutos de terapia.
Entretanto, existem dificuldades para a implementação da intervenção breve na
rotina dos serviços de Atenção Primaria, como a falta de engajamento dos profissionais
de saúde e a descrença acerca da possibilidade de melhora dos usuários em relação aos
problemas associados ao uso abusivo de substâncias psicoativas.
Uma saída possível para esse entrave é o constante engajamentos das equipes em
realmente trabalharem em equipe, buscando ajuda quando seus recursos não mais forem
suficientes. É nesse ponto que percebemos que mesmo diante de inúmeros desafios que
a Atenção Primária enfrenta com questões de que envolvem o consumo de drogas, a
resposta para essas questões pode estar na articulação entre equipes de saúde família,
NASF, Centros de Atenção Psicossocial e diversos dispositivos da rede a fim de
pensarem juntos na possibilidade de promover atividades relacionadas ao uso de
120
substâncias psicoativas, desde atividades de prevenção até intervenções mais complexas
e que exijam maior preparação do profissional acerca da temática (Araújo, 2013).
Nesse sentido, O NASF desempenha um papel central nessas ações, uma vez
que cabe a ele as ações de matriciamento para que se tornem importantes estratégias de
educação e de troca de saberes, atuando com os profissionais dos serviços de Saúde da
Família de maneira a proporcionar o conhecimento necessário para que estejam aptos a
receber essa demanda e acolhê-la de maneira adequada e humanizada. Percebemos
também o matriciamento, realizado pelas equipes do NASF, como importante
articulador da rede de serviços de saúde, aumentando o leque de possibilidades e a
circulação dos usuários nos diversos domínios do sistema de saúde.
Araújo (2013) defende que é através das pequenas mudanças, e gradualmente, o
trabalho em equipe pode alcançar um novo olhar lançado sobre o consumo de
substâncias psicoativas. Essas mudanças devem tomar lugar em todos os espaços, desde
a graduação até os diversos serviços de saúde, o que aponta para a necessidade de
repensar a formação dos diversos cursos da área da saúde para o âmbito da Saúde
Mental e Consumo abusivo de substâncias psicoativas.
121
4. Considerações Finais
Durante o desenvolvimento da pesquisa ficou claro que os resultados
encontrados nesse estudo foram reflexos das condições em que a pesquisa pôde ser
realizada, tanto no que se refere ao horário das visitas domiciliares no mapeamento
(sempre pela manhã), quanto em nossa impossibilidade de mapear todo o território das
equipes - uma vez que parte dos agentes não concordou com nossa presença durante as
visitas domiciliares - e ainda a pouca participação dos profissionais das equipes nas
Rodas de Conversa.
No entanto, apesar das dificuldades no percurso, tanto o mapeamento quanto as
rodas reafirmaram o maior contato das mulheres nos serviços de saúde, revelando um
dado preocupante: as mulheres da comunidade em questão vêm apresentando um
padrão de consumo em termos de álcool elevado, o qual era desconhecido pelos agentes
comunitários de saúde e equipe da ESF. Ou seja, nosso estudo indicou que enquanto
uma parcela da população atendida pelas equipes de saúde da família apresenta
problemas relacionados ao uso de drogas, os profissionais das equipes não realizam
ações destinadas a esse tipo de demanda por não acreditarem poder fazer algo nessa
direção. Nossos resultados também apontam para a falta de capacitação dos
profissionais na temática; incapacidade da rede em acolher o usuário, o
encaminhamento como única ação de cuidado realizada pelas equipes, assim como
indica a necessidade de desenvolvimento de estratégias para facilitar o acesso das
mulheres às unidades de saúde - criando a possibilidade de acessar todos os integrantes
a família, visto seu papel central nas relações familiares - e alternativas de cuidado
apropriadas ao contexto e cotidiano das mesmas
122
A partir disso, como pensar uma situação como essa? Pessoas precisando de
orientação, acolhimento e profissionais que tem o papel de oferecer esses serviços não o
fazem, mesmo o próprio Ministério da Saúde apresentando uma saída viável para lidar
com tais questões, como é a Redução de Danos? Onde está o problema? Acreditamos
que uma das barreiras para a viabilização do cuidado nesse contexto está na formação
insuficiente dos profissionais.
O desafio de produzir cuidado está posto para todos os níveis do sistema de
saúde, especialmente na AP, tornando-se “um imperativo ético” (Gonçalves, 2002,
p.105). Diante da complexidade e dos múltiplos fatores que envolvem essa
problemática, as equipes de saúde da família necessitam de subsídios teóricos e práticos
para fundamentar suas ações.
Gonçalves (2002) alerta que para alcançar mudanças significativas no campo da
saúde é preciso ampliar o conceito do processo saúde-doença-cuidado, sem deixar a
saúde mental, e especialmente, questões relacionadas ao consumo de álcool e outras
drogas, como um assunto de especialistas. Torna-se imprescindível minimizar a
carência de conhecimento existente nessa área entre os profissionais que estão no
mercado de trabalho, e ao mesmo tempo, incluir esses conhecimentos nos currículos
acadêmicos. Para quem trabalha no âmbito da saúde pública, é cada vez mais necessária
uma postura inclusiva e tolerante em relação a tais usuários, a fim de que possam
trabalhar com o objetivo de minimizar os danos associados ao consumo de drogas.
Dessa forma, torna-se imprescindível o investimento na contínua formação dos
profissionais que fazem parte da rede de cuidados aos usuários de álcool e drogas, a
partir dos princípios da educação permanente - incorporando criativamente os avanços
técnico-científicos às bases teóricas já existentes, problematizando as demandas sociais
emergentes e considerando as condições socioeconômicas e estruturais dos profissionais
123
e população. Nesse sentido, ressalta-se que os avanços científicos repercutem nas
pessoas não exclusivamente pela atuação dos profissionais de saúde, mas também pelo
impacto positivo que têm nos conhecimentos, valores e comportamentos das
comunidades e sistemas sociais (Costa, Mota, Cruvinel, Paica & Ronzani, 2013).
Souza e Ronzani (2012) apontam que a formação do profissional de saúde ainda
é voltada para práticas de reabilitação e é bastante deficitária quanto ao uso de
substâncias psicoativas em todo o mundo. Estudos confirmam que o mais importante
aspecto de um programa educacional em saúde é conseguir disponibilizar o aprendizado
da prática clínica para um cuidado que vá muito além do conhecimento técnico e de
mudança de atitude (Cantillon & Jones, 1999; Rassool & Rawaf, 2008). Como
alternativa possível, os autores propõem a Educação à Distância (EaD), afirmando que
esse caminho pode favorecer a interdisciplinaridade nas equipes, a interação entre atores
e a otimização dos processos de comunicação e informação, além de propiciar a
aprendizagem contínua e a socialização de conhecimentos, e como proposta não
compulsória de ensino, estimular a autogestão, autoformação e autoavaliação, condições
fundamentais para uma aprendizagem que possa se sustentar a longo prazo.
No entanto, é importante destacar que ao atentar para ações destinadas a
demandas envolvendo o uso de álcool e drogas que possam ser realizadas no próprio
contexto do território das equipes, pretendemos chamar a atenção para o fato de que a
saúde mental não exige necessariamente um trabalho para além daquele já demandado
aos profissionais de saúde. Trata-se, sobretudo, de que estes profissionais incorporem
ou aprimorem competências de cuidado em saúde mental na sua prática diária, de tal
modo que suas intervenções sejam capazes de considerar a subjetividade, a
singularidade e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde
(Brasil, 2013).
124
Entendemos que as práticas em saúde mental na Atenção Primária podem e
devem ser realizadas por todos os profissionais de saúde. O que unifica o objetivo dos
profissionais para o cuidado em saúde mental devem ser o entendimento do território e a
relação de vínculo da equipe de saúde com os usuários, mais do que a escolha entre uma
das diferentes compreensões sobre a saúde mental (ou consumo de drogas) que uma
equipe venha a se identificar.
Portanto, para uma maior aproximação do tema e do entendimento sobre quais
intervenções podem ser realizadas diante de demandas relacionadas a álcool e drogas, é
necessário refletir sobre o que já se realiza cotidianamente e o que o território tem a
oferecer como recurso aos profissionais de saúde para contribuir no manejo dessas
questões. Algumas ações de saúde mental são realizadas sem mesmo que os
profissionais as percebam em sua prática.
É sempre importante questionar a ideia de que o uso de álcool e drogas possa ser
abordado por uma área exclusiva, pois muitas vezes torna-se necessário incorporar
elementos próprios de outros campos do saber: sociologia, antropologia, economia,
política ou direito. Percebemos políticas ineficazes que realizam estratégias
compensatórias no enfrentamento de necessidades, num funcionamento voltado para
soluções imediatas que pouco ajudam, visto que não preparam a comunidade para uma
emancipação, mas as perpetuam num ciclo de dependência de ações fragmentadas.
Temáticas que integram políticas públicas e substâncias psicoativas são
rotineiras tanto no senso comum como nas práticas profissionais e acadêmicas. Em
função disso, são focos de discussões, de promessas em plataformas políticas e de
planos de gestão. Entretanto, quanto mais se discute o assunto, mais ele se mostra
campo de difícil intervenção, controvertido e repleto de nuances. Isso implica encontrar
125
problematizações, silêncios, e reticências que, associadas aos fenômenos que
engendram, justificam exames críticos e rigorosos do assunto (Lins & Scarparo, 2010).
Este estudo nos possibilitou chegar a algumas conclusões que talvez possam
contribuir para estudos futuros que também visem investigar a capacidade de resposta
da Atenção Primária ás demandas relacionadas ao uso abusivo de álcool e drogas.
Embora os problemas relacionados a estes sejam prevalentes em vários países e
considerados um grave problema de saúde pública, muito pouco se tem feito no sentido
de ampliar o acesso dos profissionais de saúde às informações relativas às habilidades
específicas para se detectar problemas relacionados com o uso de substâncias
psicoativas precocemente e intervir de forma eficaz. Neste sentido, o exercício da
reflexão sobre as práticas vividas, proporcionado muitas vezes pela educação
permanente, é que podem produzir o contato com o desconforto e, depois, a disposição
para produzir alternativas de práticas e de conceitos para enfrentar o desafio de produzir
transformações.
126
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.
.
138
ANEXOS
Anexo 1 – Instrumentos utilizados no mapeamento
.
139
140
141
Anexo 2 – Material entregue nas Rodas de Conversa
RODA DE CONVERSA
TEMA: ALCOOL E OUTRAS DROGAS NA
ATENÇÃO PRIMÁRIA: O QUE PODEMOS
FAZER?
142
ALCOOL E OUTRAS DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: O QUE
PODEMOS FAZER?
1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DO MAPEAMENTO
Período: Novembro/2012 à Fevereiro/2013
Número de questionários aplicados: 406
O que podemos pensar a partir do que os dados mostram?
2. ORIENTAÇÃO SOBRE AS FORMAS DE USO DAS DROGAS E SUA
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ORIGEM, LEGALIDADE E
MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITO.
2.1 Formas de Uso:
• uso recreativo/ocasional: refere-se à experimentação, ao uso lúdico, sem
provocar prejuízos ao cotidiano da vida da pessoa.
• uso habitual: a droga ganha um lugar especial na vida do sujeito, sendo
consumida diariamente. Ela pode tanto fazer parte da sua vida, não oferecendo
prejuízos, como também demonstrar que algo não vai bem.
• uso dependente: a droga deixa de ser um objeto de prazer e passa a
representar uma necessidade.
2.2 Classificação quanto à ORIGEM:
• naturais: provêm de certas plantas que contêm drogas. Ex.: maconha,
cogumelos e trombeteira (consumidos em forma de chá), ópio (derivado da
papoula do oriente), tabaco e folhas de coca;
• semissintéticas: são resultados de reações químicas realizadas em laboratórios
utilizando drogas naturais. Ex.: cocaína, tabaco, heroína e álcool;
• sintéticas: produzidas através de manipulações químicas em laboratório, não
dependendo de substâncias vegetais ou animais como matéria-prima para a sua
elaboração. Ex.: LSD-25, ecstasy, calmantes e anfetaminas.
2.3 Classificação quanto à LEGALIDADE:
143
• lícitas: tabaco, cafeína e álcool, que são as drogas lícitas mais conhecidas e de
uso praticamente universal;
• ilícitas: sua produção, comércio e uso são considerados crime, sendo proibidas
por leis específicas. Ex.: maconha, cocaína e crack.
2.4 Classificação quanto aos MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITO:
• depressoras: causam redução e lentificação do funcionamento do sistema
nervoso central (SNC), deixando as pessoas mais relaxadas. Em decorrência
dessa lentificação, pode ocorrer sonolência (dependendo das doses ingeridas),
dificuldades nos processos de aprendizagem e memória, depressão,
agressividade, paranóia, dificuldades de coordenação motora, problemas
vasculares e digestivos. Exemplos: álcool, benzodiazepínicos, opiáceos (morfina
e codeína) e inalantes;
• estimulantes: causam aceleração do funcionamento mental e modificam o
comportamento, provocando agitação, excitação e insônia. A abstinência pode
levar à irritabilidade, agressividade e grande compulsão pelo consumo
(“fissura”). Exemplos: anfetamina, cocaína, crack, cafeína e nicotina;
• alucinógenas: causam alterações no funcionamento cerebral, ocasionando
fenômenos de alteração da percepção de sons, imagens, sensações táteis e do
senso de espaço e tempo, podendo levar a crises de pânico, delírios e
alucinações. Esse conjunto de efeitos caracteriza um estado que os usuários
conhecem como “viagem”. Exemplos: LSD-25, maconha, ecstasy e algumas
espécies de cogumelos.
Entender o uso de drogas não deve se limitar à ideia de certo ou errado ou da
compreensão de que é apenas doença ou caso de polícia. Deve-se considerar todo o
contexto em que se dá o uso, considerando três fatores:
144
• a pessoa: seu jeito de ser e sua história familiar;
• o contexto social: constituído pelas normas legais e morais, pelos valores e pelas
relações estabelecidas na coletividade;
• a droga: considerar seus efeitos, se é lícita ou ilícita, a frequência de uso e o lugar que
a droga ocupa na vida da pessoa.
3. ABSTINÊNCIA VERSUS REDUÇÃO DE DANOS
REDUÇÃO DE DANOS
Intervenções singulares, que podem envolver o uso protegido, a diminuição do uso da
droga, a substituição por substâncias que causem menos agravos ou até mesmo a
abstinência.
Pensar Redução de Danos é pensar práticas em saúde que considerem a singularidade
dos sujeitos, que valorizem sua autonomia e que tracem planos de ação que priorizem
sua qualidade de vida.
COMO ABORDAR UM USUÁRIO DE ÁLCOOL E DROGAS?
- Sigilo
- Promova um clima acolhedor
- Faça todo o esforço possível para demonstrar que a pessoa está sendo compreendida.
- Evite julgamentos
- Tente se colocar no lugar da pessoa
- Seja flexível, Centre o cuidado na pessoa.
- Não exija decisões rápidas
- Coloque-se nas brechas que a pessoa coloca entre ela e a droga, minimizando os riscos
- Reconheça seus esforços de enfrentamento e superação
DICAS PARA ATUAR COM A FAMÍLIA
- Evite julgamentos baseados em qualquer tipo de preconceito;
- Não se prenda somente na solicitação dos familiares. Discuta sempre com a Equipe o
que pode ser feito para auxiliar a pessoa e a família;
- Ofereça um espaço de escuta individualizado para a pessoa usuária de álcool e outras
drogas para que ela possa falar o que pensa e sente;
- Priorize visitas mais imediatas às famílias com maiores dificuldades psicossociais;
- identifique pessoas que podem auxiliar na parceria do cuidado;
145
- Observe como a família se comunica;
- Reconheça e valorize os saberes e recursos encontrados pela família na convivência
diária com a pessoa usuária de álcool e outras drogas;
- Fique atento aos movimentos de saúde do usuário;
- Construa junto com a família alternativas de mudança e de promoção de cuidados;
- Busque discutir as situações que você tem mais dificuldades com sua equipe de saúde.
4. CONHECENDO NOSSA REDE DE APOIO
CAPS AD II Leste = R Monsenhor Severiano 443 – Petrópolis, (84) 3232-8565
CAPS AD II Norte = Avenida Paulistana, 2109. (84) 3232 8232 / 8233
APTAD = Ambulatório de Prevenção e Tratamento de Tabagismo, Alcoolismo
e outras drogadições. Avenida São Miguel dos Caribes, s/n, Pirangi. (84) 3232-
8380
DEPAD = Departamento de Prevenção e Acompanhamento ao Usuário de
Drogas, da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), tem
como objetivos acolher, orientar e encaminhar pessoas com dependência
química para a rede de atendimento do SUS. Avenida Jaguarari, 2188 – Lagoa
Nova. (84) 3232-9282.
UTAD (Unidade de Tratamento do Alcoolismo e outras Dependências) =
Localizada no Hospital Universitário Onofre Lopes, tem como objetivos:
prevenir o alcoolismo e as outras dependências; recuperar o alcoolista e outros
dependentes; oferecer ajuda as pessoas que procuram a UTAD; e articular as
funções básicas da Universidade: ensino, pesquisa e extensão. A UTAD está
localizada no primeiro subsolo do HUOL, no Ambulatório de Psiquiatria.
Telefone – 3342-3037.
AA = Grupo Boa Esperança - Av Presidente Ranieri Mazzilli, 430 - 1º andar -
Felipe Camarão -- Reuniões: Terças e Quintas às 19:30h e Domingos às 16:00h
NA = Para mais informações: (84) 3620-6669
Hospital Doutor João Machado = Av Almirante Alexandrino de Alencar
1700 - Tirol
(84) 3232-7340
146
5. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS E POSSIBILIDADES DE CUIDADO AO
USUÁRIO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA.
É possível pensar em outras formas de cuidado? na realidade na qual a
equipe se encontra, esse tipo de estratégia seria útil?
POSSIBILIDADES DE AÇÃO POR PARTE DA ESF COM O APOIO DO NASF
- Atendimentos individuais
- Grupos
- Visitas domiciliares
- Consulta Conjunta
- Ações de prevenção, promoção e educação em saúde
- Ações intersetoriais
- Apoio Matricial
PROPOSTA DA TRIAGEM E INTERVENÇÃO BREVE
Estratégias baseadas em abordagem motivacional para prevenção, cujo foco é a
mudança de comportamento do paciente por meio de atendimento com tempo limitado,
podendo ser realizado por profissionais de diferentes formações. A intervenção breve
possui baixo custo e se mostra efetiva para problemas relacionados à
toxicodependências. Quando associados à intervenção breve, os instrumentos de
triagem facilitam a aproximação inicial e permite um retorno objetivo para o paciente,
possibilitando assim a introdução dos procedimentos de intervenção breve e de
motivação para a mudança de comportamento.