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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia SUPORTE AO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM ESTUDO COM EQUIPES DE NATAL/RN Ana Izabel Oliveira Lima Natal-RN 2014

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

SUPORTE AO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM

ESTUDO COM EQUIPES DE NATAL/RN

Ana Izabel Oliveira Lima

Natal-RN

2014

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Ana Izabel Oliveira Lima

SUPORTE AO USO DE ÁLCOOL E DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM

ESTUDO COM EQUIPES DE NATAL/RN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, sob

orientação da Professora Doutora Magda

Diniz Bezerra Dimenstein, como requisito

para a obtenção do título de “Mestre em

Psicologia”.

Natal-RN

2014

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Catalogação da publicação na fonte

Bibliotecário Responsável: Joel de Albuquerque Melo Neto. CRB/15-320

L732s Lima, Ana Izabel Oliveira.

Suporte ao uso de álcool e drogas na atenção primária: um estudo

com equipes de Natal/RN / Ana Izabel Oliveira Lima. – Natal, 2014.

151 f.

Orientadora: Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein.

Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2014.

1. Drogas Ilícitas – Atenção Primária. 2. Álcool – Atenção Primária.

3. Saúde Mental. I. Dimenstein, Magda Diniz Bezerra. II. Título.

CDU 613.83:159.952

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Suporte ao uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária: um estudo

com equipes de Natal/RN” elaborada por Ana Izabel Oliveira Lima, foi considerada

aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção de título de MESTRE EM

PSICOLOGIA.

Natal, RN, 11 de abril de 2014

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Profa. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein (presidente da banca)

Universidade do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________

Profa. Dra. Simone Mainieri Paulon (examinadora externa)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

__________________________________________________________

Prof. Dr. João Paulo Sales Macêdo (examinador externa)

Universidade Federal do Piauí

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À Ana Clara e Washington, que estiveram sempre presentes e me fizeram querer vencer

cada desafio que se colocava em nosso caminho.

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Agradecimentos

À Magda, muito mais que uma orientadora, é uma amiga. Nessa nossa trajetória

você se tornou fonte de segurança, força e coragem para mim. Agradeço cada conselho,

sorriso e conforto que tem me proporcionado. Aprendi muito mais do que poderia um

dia imaginar com nosso encontro.

A João Paulo, um querido professor na minha graduação e um grande amigo que

ganhei ao longo do tempo. Sempre presente na minha jornada, você me ajudou a

enxergar que eu poderia chegar até aqui. Obrigada por ter aceitado nosso convite para

participar da minha primeira banca de qualificação e ainda mais por estar presente na

banca de avaliação dessa dissertação.

À professora Simone Paulon, que gentilmente aceitou participar da banca de

avaliação da dissertação. É uma honra poder contar com suas preciosas contribuições.

Aos amigos e eternos professores Jáder Leite, Rafael Figueiró, Leonardo Mello,

Ana Kalliny, Ana Karenina, Aparecida França, Carlinhos, Cândida Dantas, Karina

Veras, Clarisse Carneiro, Vladmir Felix. Todos com seus conhecimentos, afetos,

conselhos e exemplos me ajudaram a chegar aqui. Essa conquista é nossa.

Aos companheiros de base: Maria, Bruno, Kamila, Lúcia, Maurício,

Antonimária, Laís, Marcelo e Vitor. Compartilhamos incertezas, sucessos e esperanças.

Agradeço pela força e apoio de todos.

À minha família, pelo apoio. Com certeza sem vocês eu não teria conseguido.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),

pela concessão da bolsa de estudos de mestrado para a realização desta pesquisa.

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SUMÁRIO

Lista de Abreviações....................................................................................................................iii

Lista de Ilustrações.........................................................................................................................v

Resumo........................................................................................................................................vii

Introdução .................................................................................................................................... 9

Capítulo 1 - Potencialidades da Atenção Primária para cuidados em Saúde Mental ........ 14

1.1 Atenção Primária à Saúde: primeiro, importante e necessário nível de

acesso a um sistema de saúde............................................................................................14

1.2 Atenção Primária como local de cuidados em Saúde Mental...........................................28

Capítulo 2 – Álcool e outras drogas na Atenção Primária.................................................... 44

Capítulo 3 – A construção do percurso da pesquisa:..............................................................64

3.1 A entrada no campo: Limites postos pelas equipes.........................................................69

3.2 O Mapeamento: O caminho, seus resultados e a construção das discussões..................73

3.2.1. Perfil da população mapeada.......................................................................................79

3.2.2 Uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária...............................................83

3.2.3 Homens e os Serviços de Saúde.............................................................................89

3.2.4 O consumo de álcool e drogas: as mulheres em evidência.....................................93

3.3 As Rodas de Conversa......................................................................................................99

3.3.1 Demandas, estratégias e dificuldades identificadas: limites

da Atenção Primária.....................................................................................................104

3.3.2 Possibilidade de cuidado: uma aposta na Redução de Danos.....................................113

Considerações Finais...................................................................................... .........................121

Referencias Bibliográficas.......................................................................................................126

Anexos

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iii

Lista de Abreviações

ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva

APS Atenção Primária à Saúde

ASSIST Alcohol Smoking and Substance Involvement Screening Test

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CSM Centros de Saúde Mental

CEBRID Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas

ECC Equipe de Cuidados Continuados

ESF Estratégia de Saúde da Família

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDT Instituto das Drogas e das Toxicodependências

LENAD Levantamento Nacional de Álcool e outras Drogas

MTSM Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

OMS Organização Mundial da Saúde

OPAS Organização Pan Americana de Saúde

PACS Programa de Agentes Comunitário de Saúde

PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria de Acesso e da Qualidade da Atenção

Básica

PNAISH Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem

PSF Programa de Saúde da Família

SEMFYC Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e Comunitária

SEMURB Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

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RD Redução de Danos

SUS Sistema Único de Saúde

TIB Triagem e Intervenção Breve

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v

Lista de Ilustrações

Ilustração Página

Tabela 1 Equipes de Saúde da Família e cobertura populacional 20

Tabela 2 Quadro de profissionais das equipes de Saúde da Família de

Felipe Camarão II

68

Tabela 3 População inicial da pesquisa acima de 20 anos 74

Tabela 4 Quantidade e proporções da escolha amostral 75

Tabela 5 Questionários aplicados por equipe 79

Tabela 6 Faixa etária da população mapeada 79

Tabela 7 Utilização de tabaco pelos participantes dividido por sexo e

idade.

84

Tabela 8 Utilização de álcool pelos participantes dividido por sexo e idade 84

Tabela 9 Utilização de maconha pelos participantes dividido por sexo e

idade.

85

Tabela 10 Resultado do ASSIST para uso de álcool dividido por sexo e

idade

85

Tabela 11 Resultado do ASSIST para o uso de tabaco dividido por sexo e

idade

86

Tabela 12 Resultado do ASSIST para o uso de maconha dividido por sexo e

idade

87

Figura 1 Evolução do Número de Municípios com Equipes de Saúde da

Família Implantadas 1994 – AGOSTO 2011

20

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vi

Figura 2 Situação de Implantação de Equipes de Saúde da Família, Saúde

Bucal e Agentes Comunitários de Saúde AGOSTO 2011

20

Figura 3 Evolução do Número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família

Implantados - 2008 - AGOSTO 2011

39

Figura 4 Situação de Implantação de Núcleos de Apoio à Saúde da

Família AGOSTO 2011

39

Figura 5 Esquema de triagem e intervenção breve na Atenção Primária 56

Figura 6 Estrutura da rede externa de suporte ao tratamento em Portugal 62

Figura 7 Mapa de Natal/RN 66

Figura 8 Sexo dos participantes 80

Figura 9 Nível de escolaridade dos participantes 80

Figura 10 Estado Civil dos participantes 80

Figura 11 Ocupação dos participantes 81

Figura 12 Recebimento de benefício pelos participantes 81

Figura 13 Renda dos participantes 81

Figura 14 Tipo de moradia dos participantes 82

Figura 15 Pessoas que moram com os participantes 82

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Resumo

Pesquisas nacionais indicam que 6,8% da população brasileira é dependente de álcool e

1% dependente de drogas ilícitas, representando uma parcela significativa da população

atingida por esta problemática. A Atenção Primária torna-se fundamental na ampliação

da cobertura dessa demanda e na diminuição dos encaminhamentos desnecessários para

a atenção especializada. Este estudo objetivou investigar a capacidade de resposta e

suporte institucional de equipes de Atenção Primária em relação às demandas de

usuários de álcool e drogas. A pesquisa foi desenvolvida em uma Unidade de Saúde da

Família no Distrito Sanitário Oeste de Natal. De natureza quantitativa e qualitativa,

nosso estudo foi composto de duas etapas. Na primeira, foi realizado um mapeamento

do uso abusivo de álcool e outras drogas em uma amostra da população adscrita das

equipes de SF, utilizando questionário sociodemográfico e o ASSIST (Alcohol,

Smoking and Substance Involvement ScreeningTest). Foram aplicados 406

questionários. Desses, 27,8% são homens e 72,2% mulheres, das quais 56% têm entre

20 e 39 anos, são donas de casa, têm relacionamento estável e consumidoras de tabaco

(37,6%), maconha (13%) e principalmente álcool (57%). Na segunda etapa foram

formadas duas Rodas de Conversa com as equipes de Saúde Família e NASF de

referência para a discussão dos dados do mapeamento realizado na fase anterior. As

rodas, que contaram com a participação de 20 dos 37 profissionais das equipes de SF e

2 do NASF, evidenciaram a falta de capacitação dos profissionais na temática;

incapacidade da rede em acolher o usuário; crença dos profissionais de que nada pode

ser feito quando o assunto é álcool e drogas e o encaminhamento como única ação de

cuidado realizada pelas equipes. Diante disso, indicamos a necessidade de fundamentar

de forma consistente uma abordagem nas questões de uso de álcool e drogas que leve

em consideração as questões de gênero, investindo na política de Redução de Danos

como uma possibilidade de atuação nesse âmbito por reconhecer cada usuário em sua

singularidade e traçar com estratégias de promoção a saúde de forma ampla e

contextualizada.

Palavras-chave: álcool; drogas; atenção primária; ASSIST; saúde mental.

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viii

Abstract

National surveys indicate that 6.8 % of the brazilian population is dependent on alcohol

and 1 % dependent on illicit drugs, representing a significant portion of the population

affected by this issue . Primary Care becomes instrumental in expanding the coverage of

this demand and in reducing unnecessary referrals for specialized care. This study

aimed to investigate the responsiveness and institutional support of Primary Care Teams

in relation to the demands of alcohol and drugs users. The research was conducted in a

Family Health Unit in West Sanitary District of Natal City. With quantitative and

qualitative nature, our study consisted of two stages. At first, we performed a mapping

of alcohol and other drugs abusive use in a sample of the population assisted by Family

Heath Teams, using sociodemographic questionnaire and ASSIST (Alcohol, Smoking

and Substance Involvement Screening Test). 406 questionnaires were completed. Of

these questionnaires, 27.8% are men and 72.2% women, of which 56% are between 20

and 39 years-old, they are housewives, have a stable relationship and are consumers of

tobacco (37.6%), marijuana (13%) and especially alcohol (57%). In second stage, two

Conversation Circles with Family Health Teams and the referential Family Health

Support Center were formed to discuss the data of the mapping realized in the previous

phase. The circles, which had participation of 20 of the 37 professional teams from

Family Health and 2 from Family Health Support Center, showed a lack of professional

training in the subject; inability of the healthcare network in the user embracement;

belief of professionals that nothing can be done when matter is alcohol and drugs; and

referencing as the only care action performed by teams. Thus we point out the need to

support an approach on issues of alcohol and drugs which consider gender issues,

investing in Harm Reduction Policy as a possibility of working in this context for

recognizing each user in their uniqueness and strategizing with them to promote health

in a broad and contextualized way.

Keywords: alcohol; drugs; primary care; ASSIST; mental health.

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Introdução

Segundo a Organização Pan Americana de Saúde/OPAS (2009), cerca de 10%

das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente

substâncias psicoativas independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder

aquisitivo. No Brasil, pesquisas indicam que 6,8% da população brasileira é dependente

de álcool (10,5% entre homens e 3,6% entre mulheres), 17% encontra-se na categoria de

abusadores e/ou dependentes de álcool, 3% já disse ter consumido maconha alguma vez

na vida, 4% da população adulta (6 milhões de brasileiros) e 3% dos adolescentes (442

mil jovens) já consumiram cocaína/crack - representando uma parcela significativa da

população atingida por esta problemática (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia

para Políticas Públicas de Álcool e outras drogas - INPAD, 2013).

Tendo em vista que o consumo abusivo de substâncias psicoativas, assim como a

dependência a essas substâncias estão relacionados a uma série de importantes fatores

tais como os aspectos biológicos, genéticos, psicossociais, ambientais e culturais

(Rosenstock & Neves, 2010), as consequências decorrentes do seu consumo constituem

um dos mais graves problemas de saúde, exigindo a criação e manutenção de programas

e políticas de prevenção e assistência articuladas, além da necessidade da formação

permanente dos profissionais de saúde (Claro, Oliveira, Almeida, Vargas & Plaglioni,

2011). Tal fato impõe aos diversos campos de conhecimento científico a necessidade de

desenvolver estratégias que visam abordar adequadamente a problemática do uso

abusivo de tais substâncias, sobretudo em termos do seu impacto no âmbito da saúde

pública e Atenção Primária/AP.

Tratando-se de uma demanda com forte interface com a saúde mental, a atenção

aos usuários de álcool e outras drogas deve ser orientada não mais pelo modelo asilar

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centrado na referência hospitalar, mas por uma proposta de atenção descentralizada e de

base comunitária. Nesse sentido, uma vez que considera o sujeito de forma integral em

sua singularidade, pertencimento sociocultural e busca a promoção da saúde, prevenção

e tratamento de doenças, a Atenção Primária torna-se fundamental na ampliação da

cobertura de demandas que envolvem o uso de álcool e outras drogas, possibilitando

maior potencial de reabilitação para os usuários do Sistema Único de Saúde

(Rosenstock & Neves, 2011).

Pesquisas apontam que queixas psíquicas são a segunda causa mais frequente de

procura por atendimento na Atenção Primária, que as experiências de atendimento e

acolhimento das demandas de saúde mental é algo constatado por 56% das equipes da

Saúde da Família e que os dados epidemiológicos apontam que de 6 a 8% da população

necessita de algum cuidado decorrente do uso prejudicial do álcool ou outras drogas

(Barros & Pillon, 2007). Diante disso, podemos perceber que a inserção de práticas de

saúde mental na Atenção Primária mostra-se essencial, pois evidencia a busca pela

regionalização e redirecionamento do cuidado, numa perspectiva de atenção integral e

humanizada aos sujeitos, em articulação com profissionais e serviços já inseridos nos

territórios (Arce, Sousa & Lima, 2011).

No entanto, abordar a temática relacionada ao álcool e outras drogas no contexto

da Estratégia Saúde da Família (ESF) é, antes de tudo, um desafio. O uso de substâncias

psicoativas envolve questões que vão muito além das reações neuroquímicas no

organismo humano. Os danos relacionados ao consumo extrapolam as mortes e doenças

e se estendem à violência doméstica, lesões corporais, homicídios, conflitos

interpessoais, acidentes de trânsito (em geral homens jovens de até 25 anos de idade,

longe do estereótipo do dependente crônico) e intoxicações (Laranjeira et al., 2007).

Dessa forma, com recursos públicos e tempo limitados torna-se fundamental pensar em

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medidas que apresentem indicação de boa relação custo-benefício na AP (Souza &

Ronzani, 2012), que despertem o interesse dos profissionais no tema e também sejam

pauta de políticas governamentais nacionais e internacionais (Barros & Pillon, 2007).

Apesar do grande número de usuários e da gravidade dos problemas que chegam

aos serviços de saúde, há poucas pesquisas abordando o modo como profissionais lidam

com questões que envolvem o consumo abusivo e a dependência de álcool e drogas na

Atenção Primária (Barros & Pillon, 2007). Tona-se, então, essencial discutir as

estratégias de enfrentamento desenvolvidas por profissionais da Atenção Primária,

tendo em vista as dificuldades relatadas na literatura e encontradas na prática cotidiana,

como a falta de formação específica para os profissionais da Atenção Primária, que

afirmam não conhecer estratégias adequadas para lidar com tais demandas, ocasionando

encaminhamentos desnecessários para a atenção especializada.

É importante ainda destacar que segundo dados apresentados pela OPAS (2009)

os números relativos ao uso de drogas (especialmente as ilícitas) em toda América

Latina e Caribe devem ser interpretados com cuidado, já que a quantidade e a qualidade

de informações epidemiológicas são consideradas problemáticas. É possível observar

que antes de qualquer reflexão ou estudo sobre o consumo de drogas, é preciso conhecer

os índices relacionados ao uso de tais substancias pela população para dimensionar a

gravidade do problema em um determinado contexto. Diante disso nos questionamos:

Qual o potencial da Atenção Primária na saúde mental? Que demandas pode acolher?

De quais recursos necessita? Que dificuldades enfrenta?

Em função das discussões apresentadas e da importância da inserção de cuidados

direcionados ao uso abusivo de álcool e drogas na Atenção Primária, delineamos como

objetivo dessa pesquisa investigar a capacidade de resposta e apoio institucional das

equipes de Atenção Primária (Equipes de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio à

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Saúde da Família), da Unidade de saúde de Felipe Camarão II, às demandas de saúde

relacionadas ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Como objetivos específicos:

Mapear casos de uso abusivo de álcool e outras drogas dentre a população

atendida por equipes de saúde da família e núcleo de apoio a saúde da família da

Unidade de saúde de Felipe Camarão II;

Identificar as demandas da população que chegam às equipes, a partir da

percepção dos profissionais;

Conhecer as estratégias de cuidado desenvolvidas pelas equipes em relação às

demandas identificadas;

Investigar as dificuldades enfrentadas pelas equipes em relação ao manejo

desses casos;

Discutir com as equipes as estratégias de enfrentamento dos problemas

identificados e possibilidades de cuidado articulando as equipes de Estratégia de

Saúde da Família (ESF) e Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF).

Para isso, mapeamos casos de uso abusivo de álcool e outras drogas dentre a

população atendida por equipes de saúde da família de uma Unidade de Saúde do bairro

de Felipe Camarão, Natal/RN. Em seguida, utilizando os resultados do mapeamento,

propomos Rodas de Conversa com as equipes (tanto equipes de saúde da família quanto

equipe do NASF de referência) com o objetivo de identificar as demandas que chegam

às equipes; como elas desenvolvem estratégias para lidar com tais demandas; quais as

dificuldades encontradas; assim como as estratégias de enfrentamento para os

problemas identificados e as possibilidades de cuidado que podem surgir da articulação

entre as equipes de saúde da família e equipe do NASF. A fim de melhor

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desenvolvermos nossas problematizações e reflexões acerca do tema proposto,

estruturamos o presente trabalho a partir dos seguintes capítulos:

No primeiro capítulo, discorremos sobre a Atenção Primária à Saúde,

evidenciando seu papel central em um sistema de saúde resolutivo, integrado e

articulado em redes. Apresentamos a Estratégia de Saúde da Família como a estratégia

de reforma do sistema de saúde brasileiro, refletindo sobre os desafios e potencialidades

para construção de um cuidado integral em saúde. Em seguida, abordamos a Atenção

Primária como âmbito de cuidados em saúde mental, destacando-a como eixo

fundamental da reorganização da Rede de Atenção Psicossocial ao investir em

estratégias de reabilitação e apoio comunitário.

No capitulo 2, discutimos a importância e os desafios da incorporação de

demandas relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no âmbito da Atenção

Primária, considerando a visibilidade conquistada pelos modelos de cuidado de base

comunitária que se originam e se movimentam fora do espaço hospitalocêntrico, ou da

abstinência como única alternativa de encontrar qualidade de vida. Logo depois,

apresentamos algumas estratégias de cuidado ao usuário de álcool e drogas na Atenção

Primária, expondo desde propostas desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde

até experiência no âmbito nacional e internacional.

O terceiro capítulo refere-se à construção do percurso da pesquisa. Optamos por

apresentar separadamente cada etapa do estudo. Primeiramente abordamos os aspectos

metodológicos referentes a primeira etapa (o mapeamento), descrevendo depois seus

resultados e construções das análises e discussões. Em seguida, delineamos o mesmo

caminho em relação a segunda fase do estudo (as rodas de conversa). Por último,

apresentamos as considerações finais, refletindo sobre os desafios, os entraves, as

descobertas, o caminho que percorremos até chegarmos aqui.

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Capítulo 1 - Potencialidades da Atenção Primária para os cuidados em Saúde

Mental

1.1 Atenção Primária à Saúde: primeiro, importante e necessário nível de acesso

ao Sistema de Saúde

A Organização Mundial da Saúde/OMS (2008) afirma que a Atenção Primária à

Saúde/APS é caracterizada como um conjunto de ações em âmbito individual e coletivo

que envolve desde a proteção e promoção da saúde, a prevenção de agravos, o

diagnóstico e tratamento, até a reabilitação e manutenção da saúde. A característica

mais importante da APS é o fato de assumir o papel de porta de entrada do sistema de

saúde, tornando-se local privilegiado de cuidados contínuos para a maioria das pessoas

(Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).

As ações e políticas de saúde baseadas na APS apresentam como diferencial o

enfoque na promoção da saúde e não somente na prevenção de doenças. É entendendo a

saúde como produção social, focando nos determinantes socioeconômicos do processo

saúde-doença, na participação ativa da população nos processos decisórios e na

transformação das condições materiais e existenciais de vida no território (Sicoli &

Nascimento, 2003), é que se pode atingir os objetivos da Atenção Primária. Nesse

sentido, há inúmeros desafios a serem vencidos. O mais importante está no fato de que

as práticas profissionais não podem se limitar à doença em si, mas devem considerar o

contexto histórico cultural e as concepções a respeito de determinados fenômenos e

situações sociais (Ronzani & Stralen, 2003, Tansella & Thornicroft, 2001). Para tanto, é

preciso considerar a saúde como o resultado não apenas das condições de alimentação,

habitação, educação, trabalho, lazer e acesso aos serviços de saúde, mas, sobretudo, da

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forma de organização da produção na sociedade e das desigualdades nela existentes

(Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).

Há mais de trinta anos, desde a Declaração de Alma-Ata, publicada pela OMS

em 1978, a Atenção Primária à Saúde tem sido reconhecida como um dos componentes

chaves de um sistema de saúde resolutivo, integrado e articulado em redes com grande

diversidade de pontos de atenção voltados às condições agudas e crônicas (Dimenstein,

Lima & Macêdo, 2013).

Entretanto, em análise recente do cenário internacional e nacional, Mendes

(2010) aponta que a maioria dos países ainda apresenta sistemas de saúde fragmentados,

focados nas condições agudas, caracterizados por pontos que não se comunicam e

incapazes de prestar uma atenção contínua à população. De acordo com o autor “os

sistemas fragmentados têm sido um desastre sanitário e econômico em todo o mundo”

(p.2299), pois carecem dos atributos fundamentais que caracterizam um sistema

integrado e articulado em redes de saúde. Ele acrescenta que há “evidências de boa

qualidade de que as redes de atenção à saúde podem melhorar a qualidade clínica, os

resultados sanitários, a satisfação dos usuários e reduzir os custos dos sistemas de

atenção à saúde” (p. 2303).

Em função disso, a Organização Pan Americana de Saúde/OPAS (2009) aponta

para a importância da construção de sistemas de saúde baseados na Atenção Primária,

uma vez que podem reduzir custos, beneficiando outros níveis do sistema (OMS, 2008),

oferecer cuidados coordenados e adequados ao longo do tempo, articular a continuidade

da atenção e o fluxo de informações por todo o sistema de atenção, tendo as famílias e

as comunidades como sua base de planejamento e ação.

Além da importância social, o aspecto econômico também é um elemento

diferencial dos programas baseados na Atenção Primária, uma vez que estes podem

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diminuir sensivelmente a hospitalização e os gastos tecnológicos, pois nesse nível de

atenção utiliza-se de tecnologias com custo menor do que os utilizados nos níveis mais

especializados (Ronzani & Stralen, 2003). Apesar de ser promovido desde os anos

1970, o modo de estruturação da APS continua gerando questões sobre sua implantação,

sobretudo, em busca de melhores condições de viabilidade dos sistemas de saúde como

um todo e também em relação à eficácia de suas práticas (Santos, 2009).

Dimenstein, Lima e Macêdo (2013) apontam que a análise de experiências de

vários países, consideradas as peculiaridades do desenvolvimento histórico-cultural dos

sistemas de proteção social em cada um deles, pode contribuir para o debate nacional

ainda que elas não possam ser reproduzidas, dados seus condicionantes históricos,

institucionais, políticos e sociais. Nos países europeus, por exemplo, o termo Atenção

Primária refere-se, de modo geral, aos serviços ambulatoriais de primeiro contato,

diferente do que se observa nos países periféricos, nos quais Atenção Primária, com

frequência, corresponde também à programas seletivos, focalizados e de baixa

resolutividade para cobrir determinadas necessidades de grupos populacionais em

extrema pobreza (Giovanella, 2006).

A ênfase do primeiro nível de assistência nos países europeus está na clínica e

nos cuidados individuais, sejam preventivos ou curativos, e, em geral, há acordo entre

as políticas europeias de que a Atenção Primária deve orientar a organização do sistema

como um todo. Nesse cenário, o médico generalista é o principal profissional de

primeiro contato em 11 dos países da União Europeia. No entanto, observa-se variação

quanto ao tipo de serviço e profissional responsável pelo primeiro contato dos pacientes

com o sistema de saúde nos diferentes países (Giovanella, 2006). De acordo com a

autora, na Dinamarca, Itália, Portugal, Espanha, Reino Unido, Irlanda e Holanda, o

generalista exerce a função de “gatekeeper”, a unidade de saúde na qual trabalha é a

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porta de entrada obrigatória do sistema de saúde, e serve de filtro para o acesso aos

serviços prestados por especialistas, constituindo-se num primeiro nível hierárquico.

Entretanto, a procura direta aos hospitais e serviços de emergência é ainda uma prática

frequente em muitos países, nos quais o sistema de porta de entrada vigora

formalmente. Ou seja, há procura frequente de serviços de emergência hospitalares

pelos usuários de modo a desviar-se do sistema de referência e acessar diretamente os

especialistas (Giovanella, 2006).

Ao analisar as estratégias de estruturação da Atenção Primária em países

europeus, Giovanella (2006) aponta medidas que podem contribuir para a coordenação

da Atenção Primária, são elas: definir porta de entrada obrigatória constituída por

equipe multiprofissional, responsável pela condução dos usuários na rede assistencial;

ampliar as atividades clínicas dos médicos de Atenção Primária com incentivos para a

continuidade de tratamento de enfermidades crônicas seguindo diretrizes clínicas;

implantar esquema de incentivos adequados para generalistas, pacientes e especialistas

para a adesão aos novos modelos organizacionais; e equilibrar as funções clínicas e

gerenciais exercidas pelo generalista.

No Brasil, somente na década de 1990 foi dado um maior enfoque à família e à

comunidade na reorganização dos serviços de saúde, na tentativa de aproximar a

assistência institucional e não institucional, construindo redes de solidariedade primária

(Ronzani & Stralen, 2003). O Governo Federal definiu, então, como principais

estratégias da reforma assistencial do sistema de saúde brasileiro, o Programa de

Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF) que

propiciaram uma mudança na alocação de recursos financeiros, na organização dos

serviços, na concepção e atenção à saúde. O PSF se organiza como uma estratégia

assistencial em que a família e o seu meio social são o foco de ação, cujas diretrizes e

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características básicas são: função de porta de entrada para o sistema de saúde; visa à

integralidade dos níveis de atenção; existe uma definição do território a ser atendido a

partir do critério populacional; as ações devem ser realizadas numa relação

multiprofissional (Souza, 2001).

Atualmente, o PSF é definido como Estratégia Saúde da Família (ESF), visto

que o termo programa aponta para uma atividade com início, desenvolvimento e

finalização. A ESF está organizada segundo uma equipe mínima composta de médico,

enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, algumas

equipes contam ainda com um dentista e técnico em odontologia. O processo de

trabalho das equipes se estrutura a partir do conceito de delimitação do território,

mapeamento das áreas onde residem em torno de 3.000 a 4.500 pessoas e das

microáreas que representam o espaço de atuação de um Agente Comunitário de Saúde

onde moram cerca de 400 a 750 pessoas. As equipes trabalham com o cadastramento

familiar e utilizam o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) (Brasil, 2006).

A noção de território é fundamental para as ações de promoção de saúde, pois

não se restringe a um espaço geográfico ou uma área física delimitada. Configura-se

pelo espaço habitado, marcado pela subjetividade humana, pelas relações afetivas, de

pertencimento. O território é uma noção dinâmica, fluida, viva, pulsante, mutante.

Conhecê-lo é condição para o planejamento das estratégias e políticas públicas.

Portanto, é fundamental conhecer o local, quem habita o território, as relações afetivas,

as trocas, as tensões, as necessidades – enfim, o emaranhado que compõe o território e

que, a partir de uma prática intersetorial, pode ser atendido em sua complexidade em

direção à promoção de saúde (Sundfeld, 2010).

A ESF se insere na comunidade através das visitas domiciliares dos agentes

comunitários de saúde/ACS e de outros profissionais da equipe. Na condição de

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moradores da área de abrangência do serviço de saúde, os ACS convivem no cotidiano

com a comunidade, participam dos problemas e dificuldades estruturais relacionados à

saúde, educação, habitação, transporte, etc. Esta condição facilita a entrada dos ACS

nos domicílios e seu papel de mediador entre os serviços de saúde e a comunidade

(Sundfeld, 2010).

Dessa forma, podemos perceber que a ESF é uma estratégia prioritária para o

aumento da cobertura da atenção à saúde, assumindo que o acesso a ela é um direito de

cidadania. Os espaços dessa atenção passam a ser fundamentalmente os domicílios e as

Unidades Básicas de Saúde mais próximas da população, uma vez que a proposta da

Estratégia Saúde da Família prevê a participação de toda a comunidade, em parceria

com a Equipe de Saúde da Família, na identificação das causas dos problemas de saúde,

na definição de prioridades e no acompanhamento e avaliação do trabalho. Isto é

importante para que as pessoas possam tomar iniciativa, como sujeitos capazes de

elaborar projetos próprios de desenvolvimento, tanto em nível individual quanto

coletivo (Brasil, 2006). Nesse sentido, a ESF introduziu um modo ativo da intervenção

em saúde, a de não esperar a demanda chegar para intervir, mas de agir sobre ela

preventivamente, representando, assim, um instrumento real de reorganização da

demanda.

De acordo com informações do Sistema de Informação da Atenção Básica/SIAB

(Brasil, 2013a), a implantação de Equipes de Saúde da Família tem sido realizada em

todo o território nacional e passou de 300 equipes em 1994 para cerca de 34.056 equipes

em 2013, chegando a 54,55% de cobertura da população brasileira (ver figura 1 e 2).

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Figura 1: Evolução do Número de Municípios com Figura 2 - Situação de implantação de Equipes de

Equipes de Saúde da Família Implantadas BRASIL - 1994 – Família, Saúde Bucal e Agentes Comunitários

AGOSTO 2011 de Saúde BRASIL – AGOSTO 2011 Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica,

recuperado em www.siab.datasus.gov.br recuperado em www.siab.datasus.gov.br

Na tabela 1 podemos visualizar a quantidade de equipes e a proporção da

cobertura populacional estimada no Brasil, Nordeste, Rio Grande do Norte e no

município de Natal/RN.

Tabela 1: Equipes de Saúde da Família e cobertura populacional

Quantidade de equipes de SF Proporção de cobertura populacional

Brasil 34.056 54,55%

Nordesde 13.059 71.50%

RN 882 73,39%

Natal 59 23,83%

Fonte: SIAB – Sistema de Informação de Atenção Básica (janeiro/2013)

Recuperado de www.siab.datasus.gov.br

Como pode ser observado na tabela, chama atenção o fato de que a cobertura

populacional em nível municipal é bem inferior quando comparada com a estadual,

regional e nacional. Além disso, se compararmos a cobertura populacional das equipes

de Saúde da Família das capitais do Nordeste, Natal tem o segundo menor índice, sendo

a cidade de Salvador (14,19%) a capital com menor proporção de cobertura

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populacional do Nordeste e Teresina (97,75%) a cidade que apresenta a maior cobertura

(Brasil, 2013a).

Podemos pensar a situação potiguar partindo das discussões apresentadas por

Oliveira, Silva e Yamamoto (2007) quando afirmam que o processo de implantação do

PSF no município de Natal/RN caracterizou-se por uma sucessão de entraves e

dificuldades de ordem variada tanto em relação ao processo em si quanto também à

receptividade do programa pela população. A ausência de planejamento e de

capacitação dos profissionais, a forma como ocorreu a criação das primeiras equipes e

unidades (sem um período de transição das antigas Unidades Básicas de Saúde para

Unidades de Saúde da Família) e a clara vinculação do processo à liberação de recursos

financeiros são aspectos que marcam esse momento.

Ronzani e Stralen (2003) apontam que desde 1997 foram estabelecidas as

responsabilidades de cada esfera do Governo e as funções dos profissionais que fazem

parte das equipes de Saúde da Família e que, já nesse momento, uma atribuição de

responsabilidades, principalmente da esfera municipal, levou à ações burocráticas e à

manutenção do incentivo financeiro mais do que propriamente à efetivação da

Estratégia. Além disso, algumas responsabilidades foram pré-estabelecidas sem a

preocupação de que os municípios teriam ou não a capacidade técnica para executá-las.

Nesse sentido, os desafios postos para APS no Brasil são inúmeros. A ESF

propõe mudanças paradigmáticas na maneira de se conceber a relação do profissional

com a população e com a questão saúde-doença. No entanto, estas mudanças são muito

difíceis de serem realizadas porque implicam em uma cadeia de transformações que

afetam desde concepções pessoais a respeito do problema, até as questões políticas mais

amplas (Santos, 2009).

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Para Santos (2009), os aspectos que garantiriam que a Atenção Primária fosse

eficaz, relacionam-se com: a universalidade, o acesso, a regionalização, a referência e

contra referência, garantindo entrada a outros níveis de atenção. De acordo com o autor,

a Atenção Primária torna-se pouco desenvolvida em alguns países por consequência da

escassez de recursos; indisciplina social; incoerência entre formas organizativas e

propósitos declarados; isolamento e falta de coordenação dos serviços.

Outra questão a ser observada em relação à implantação da ESF como estratégia

de reforma do sistema de saúde brasileiro seria a contradição entre os princípios que

regem suas ações e sua operacionalização. Ronzani e Stralen (2003) apontam alguns

problemas relacionados à restrição ao acesso a esses serviços com a justificativa de

manutenção da qualidade prestada. Desta forma, torna-se conflituosa a proposta de

mudança de paradigmas assistenciais e o princípio básico do SUS que seria a

universalidade de acesso.

A ESF apresenta ainda problemas de efetividade social, uma vez que tem seu

território de ação ainda restrito e competindo com os modelos tradicionais

preponderantes. Ronzani e Stralen (2003) observam que a implantação da ESF é ainda

bastante heterogênea, servindo de manobras eleitoreiras ou de apenas mais uma fonte de

renda para os municípios, sem mudar a lógica de saúde como proposta.

Dessa forma, as características da ESF dependerão da perspectiva política dos

administradores municipais, correndo o risco de uma atomização da Estratégia e,

consequentemente, uma reprodução dos atuais problemas da política de saúde brasileira:

ineficiência, iniquidade, pouca resolutividade, insatisfação profissional e das

famílias/comunidades (Ronzani & Stralen, 2003). Como consequência, não se avança

na reorientação das práticas e no trabalho de estímulo à participação popular e o

controle social.

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O trabalho e o planejamento em saúde têm respondido quase sempre de maneira

prescritiva e tecnocrática, não sabendo como lidar com a complexidade que envolve o

tema saúde e com a variação de problemas do território ao desconsiderar, muitas vezes,

que a eficácia se relaciona com a produção de saúde e com o impacto nos indicadores de

saúde da população (Santos, 2009). Isso tudo fragiliza ainda mais a articulação do

trabalho em equipe e em rede, bem como a realização de ações intersetoriais entre as

políticas públicas para atender a complexidade dos problemas e necessidades de saúde

da população de forma integral.

No entanto, diante dos desafios impostos para a Atenção Primária, a experiência

de reforma da APS no município do Rio de Janeiro, representada pela criação das novas

Clínicas da Família e pelas Unidades tipo A (ambas 100% ESF), diferente das unidades

B (Unidades com algumas ESF) e C (Unidades Tradicionais, sem ESF), mostra-se

promissora. A cobertura populacional da Estratégia de Saúde da Família na cidade

passou de 7%, em 2009, para 40% ao final de 2012. Uma importante expansão em

apenas 4 anos (Harzheim, Lima & Hauser, 2013).

O diferencial desse forte avanço no número de equipes de Saúde da Família

experimentado pelo Rio de Janeiro é a aposta na qualidade da APS. As Clínicas da

Família ampliam a concepção de APS corrente no Brasil, apostando na consolidação de

grandes unidades de saúde, que concentram 5 ou mais equipes de Saúde da Família,

com estrutura física diferenciada, onde a ambiência, o conforto e a sustentabilidade são

requisitos importantes (Harzheim et al., 2013).

Além disso, a incorporação de tecnologia apropriada à prática da APS apresenta

um potencial de maior resolubilidade para os médicos e de maior conforto para os

pacientes, com oferta de coleta de exames laboratoriais, raio X, ecografia, e outros. Essa

aposta na qualidade, aliada a um projeto ambicioso da equipe da Subsecretaria de

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Atenção Primária, Vigilância e Promoção de Saúde, foi possível a partir de um aumento

importante do aporte financeiro municipal destinado a APS.

Porém, algumas dificuldades têm se colocado. Os servidores municipais não

parecem estar aptos a liderar o processo de expansão e qualificação da ESF,

demonstrando desmotivação, cumprimento parcial de carga-horária, falta de

conhecimento sobre os atributos da APS e visão retrógrada sobre a organização de

serviços de APS (Harzheim et al., 2013). Tais características observadas dificultam a

incorporação de servidores municipais, incluindo os médicos, em um modelo inovador

de APS representado pelas Clínicas da Família.

A saída encontrada pela prefeitura foi optar pela contratação de profissionais via

Organizações Sociais (OS) com contrato pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

(Harzheim et al., 2013). Os autores relatam que, com essa medida, os médicos da ESF

estão satisfeitos com sua matriz salarial e com a qualidade do vínculo CLT, sem se

queixar da falta da “estabilidade” que só seria produzida por um vínculo contratual de

estatutário/servidor. Ao contrário, eles referem que “a natureza dos contratos CLT

permite que os profissionais que não trabalham com qualidade sejam dispensados,

demonstrando seu interesse em servir à população, e não em proteger a corporação”

(Haezheim et al., 2013, p.48).

Entretanto, a proposta da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro de

apostar na qualidade da APS ainda não está consolidada. Alguns atributos, em especial,

o acesso e a coordenação, ainda devem ser fortalecidos, assim como a

longitudinalidade, pela incipiência temporal da reforma e pela rotatividade de

profissionais médicos.

Foi também objetivando a melhoria no atendimento aos usuários do Sistema

Único de Saúde que o Governo Federal lançou em julho de 2013 o Programa Mais

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Médicos, com a finalidade de suprir a carência de médicos nos municípios do interior e

nas periferias das grandes cidades do Brasil. O Ministério da Saúde (Brasil, 2014a)

explicita a importância do Programa apontando uma pesquisa realizada pelo IPEA

(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2011, que revelou que 58,1% da

população brasileira indicou a falta de médicos como o principal problema do SUS. O

Ministério da Saúde (Brasil, 2014a) ainda revela que o Brasil possui apenas 1,8 médicos

por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros países, como a Argentina

(3,2), Portugal e Espanha, ambos com 4 por mil.

É a partir de tais argumentos que o Governo aposta no novo Programa como

parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS, que prevê -

além da contratação de profissionais - investimento na infraestrutura dos hospitais e

unidades de saúde e na ampliação e construção de hospitais universitários. As vagas são

oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões

onde faltam profissionais. No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil

aceita candidaturas de estrangeiros, com a intenção de resolver esse problema, que é

emergencial para o país. Os médicos estrangeiros aceitos - profissionais com

conhecimentos do português e proveniente de países como mais de 1,8 médicos por

habitantes (índice brasileiro) - recebem um registro temporário para trabalhar no Brasil

por um período de 3 anos e apenas nos municípios para os quais foram designados

(Brasil, 2014a).

O Programa envolve também uma mudança na formação dos estudantes de

Medicina que vai aproximar ainda mais os novos médicos à realidade de saúde do país.

A partir de 1º janeiro de 2015, os alunos que ingressarem na graduação deverão atuar

por um período de dois anos em unidades básicas e na urgência e emergência do SUS.

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O chamado “2º ciclo de Medicina”1 vai permitir ao estudante trabalhar em contato

direto com a população. De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2014a), o

modelo brasileiro é inspirado pelo o que já acontece em países como Inglaterra e

Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com

um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo.

Outra medida importante do Mais Médicos é a mudança na lógica de abertura

dos cursos de medicina de universidades privadas. Antes essas instituições

apresentavam um projeto para o Ministério da Educação e, se aprovado, o curso era

aberto. A mudança é que agora o Governo Federal faz um chamamento público com

foco nas regiões prioritárias do SUS e, em resposta, as universidades apresentam

propostas. Se aprovadas, os cursos de medicina podem ser abertos. Também é requisito

para abertura de um novo curso a existência de pelo menos três Programas de

Residência Médica em especialidades consideradas prioritárias no SUS – Clínica

Médica, Cirurgia, Ginecologia/Obstetrícia, Pediatria, e Medicina de Família e

Comunidade. Com essa medida, a expectativa é formar mais especialistas nessas

localidades, minimizando a dificuldade na contratação desses profissionais (Brasil,

2014a).

Mesmo diante dos argumentos positivos, em relação ao Mais Médicos,

apresentados pelo Governo Federal, o Programa foi recebido de maneira negativa pelas

entidades médicas, principalmente em relação a “importação” de profissionais.

Associações representativas da categoria e de estudantes de medicina alegam que a

contratação de profissionais formados em outros países sem que sejam aprovados no

Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida) é ilegal, a medida que retira

1 No primeiro ciclo será mantida a grade curricular atual, no segundo há o treinamento no SUS - o

primeiro ano na Atenção Primária e o segundo na especialidade desejada - e o terceiro ciclo é a residência

médica na especialidade desejada.

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dos conselhos regionais de Medicina a competência para avaliar a qualidade

profissional do médico intercambista.

Lucena (2014) aponta ainda outros desafios que o Programa Mais Médicos tem

enfrentado desde seu lançamento, como o fato de alguns médicos estrangeiros não

terem comparecido às Unidade de Saúde no tempo esperado, demorando até 2 meses

para chegar aos locais designados. De acordo com o autor, os municípios que

participam do Mais Médicos são obrigados a providenciar alimentação, moradia e

transporte para os intercambistas2. No entanto, até agora, foram notificadas 37

prefeituras acusadas de não providenciar o auxílio. Desse grupo, 27 regularizaram a

situação. Somente uma, Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, localizado a 28

quilômetros da capital, foi descredenciada, uma vez que município ficou dois meses

sem pagar o auxílio a três médicos integrantes do programa. De acordo com a Secretaria

de Saúde do Estado do RN, apesar de ter aderido ao Programa, o município não

ofereceu as devidas condições de moradia e alimentação para acolher os três

profissionais (dois espanhóis e um boliviano) que haviam chegado em setembro de

2013. A Secretaria ainda constatou as precárias condições das unidades básicas de saúde

onde os médicos iriam atuar. O autor relata que no Rio Grande do Norte, enquanto as

Secretarias Municipais de Saúde esperam novos profissionais, sete médicos brasileiros

pediram desligamento do programa, somente em Natal, alegando más condições de

trabalho.

No entanto, mesmo diante de tantos desafios, a OPAS/OMS informou que vê

com entusiasmo o lançamento do Mais Médicos pelo governo brasileiro. Segundo o

órgão, a medida guarda coerência com as resoluções e recomendações da OMS sobre a

cobertura universal em saúde, o fortalecimento da Atenção Primária no setor e a

2 Enquanto cabe aos municípios oferecer moradia, alimentação e transporte, cabe ao Ministério da Saúde

o pagamento de uma bolsa no valor de 10.000 reais aos médicos do Programa.

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equidade na atenção à saúde da população. Para a OPAS/OMS, são corretas as medidas

de levar médicos, em curto prazo, para comunidades afastadas e de criar, em médio

prazo, novas faculdades de medicina e ampliar a matrícula de estudantes de regiões

mais deficientes, assim como o número de residências médicas (Organização das

Nações Unidas - ONU, 2013).

Dessa forma, acreditamos que o Programa Mais Médicos, embora possa suprir

necessidades imediatas de muitos municípios brasileiros, necessita de análise mais

extensa, uma vez que o aumento isolado do número de profissionais médicos pode não

ser capaz de resolver os problemas estruturais enfrentados pelo SUS.

1.2 Atenção Primária: âmbito de cuidados em Saúde Mental

Se a Atenção Primária apresenta tanto desafios, na Saúde Mental o panorama é

ainda mais delicado. Historicamente, os serviços foram organizados descolados da rede

do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso ocorreu devido à centralidade das ações no

hospital psiquiátrico na organização da assistência à saúde mental no Brasil. No entanto,

esse cenário foi buscando transformações desde a aprovação da Lei 10.216/2001,

instituindo a Reforma Psiquiátrica no Brasil em profundo diálogo com as discussões

contemporâneas para o cuidado em saúde mental, ressaltando a noção de “sujeito

cidadão” em contraposição a de “doente mental”, ao convergir para reafirmação dos

direitos do cidadão e redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental

(Amarante, 2008).

Dentre as discussões que envolvem a Reforma Psiquiátrica, um conceito

fundamental é o de reabilitação psicossocial, apresentado por Oliveira e Fortunato

(2007), como uma atitude que tem como fundamento a construção da cidadania, como

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uma vontade política, “uma modalidade compreensiva e delicada de cuidados para

pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade habituais que necessitam de cuidados

igualmente complexos e delicados” (p.156). Refletir sobre a concepção de reabilitação

psicossocial, no campo da saúde mental, é pensar sobre a desconstrução de práticas

silenciadoras e a (re)construção de práticas destinadas às reais necessidades de pessoas

em sofrimento psíquico. Isso implica, portanto, pensar uma multiplicidade possível que

ultrapassa o paradigma psiquiátrico (estigmatização, despotencialização do sujeito),

cujo principio fundamental é a ideia de que o louco deve ser isolado da sociedade, pois

é perigoso (Oliveira & Fortunato, 2007, Leite & Paulon, 2013).

Nesse sentido, tem-se buscado ampliar o acesso à atenção psicossocial pela

população em geral, com a estruturação de novos serviços, de maneira a articular e

integrar os pontos de atenção com as redes de saúde, tendo a APS um papel

fundamental, tendo a função não apenas de porta de entrada, inclusive das demandas de

saúde mental, mas, principalmente, como elemento articulador da Rede de Atenção

Psicossocial (RAPS).

Há um consenso na literatura nacional e internacional acerca das potencialidades

da APS na atenção em saúde mental. Sabendo-se do impacto e da carga provocada pelos

transtornos mentais e da necessidade de cuidados continuados em relação às doenças

crônicas, há uma diretriz mundial no sentido de incorporar os cuidados primários em

saúde mental (Silveira, 2009). Assim, a APS tem se configurado como eixo

fundamental do cuidado e da reorganização da Rede de Atenção Psicossocial, com

redefinição da atenção especializada e investimento em estratégias de reabilitação e

apoio comunitário (Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013).

De acordo com Tófoli e Fontes (2007), a saúde mental na Atenção Primária tem

sido um tema de interesse crescente no Brasil, de forma semelhante ao que aconteceu

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em outros países que reformaram seus modelos sanitários tendo como base cuidados

primários universais, tais como o Canadá e a Espanha (Shepherd, Cooper, Brown &

Kalton, 1966). Sabe-se que a prevalência mundial e nacional de transtornos mentais na

Atenção Primária é relevante, chegando a um terço da demanda. Ao longo do tempo, os

estudiosos do tema têm defendido que a demanda de saúde mental na Atenção Primária

tem características particulares, e que por isso merece um olhar específico que somente

as visões tradicionais da Psiquiatria ou Psicologia não dão conta de abarcar, e nem de

cuidar (Pereira, 2006).

Em muitos países da América Latina e Caribe, de acordo com Kohn et al (2005),

os gastos com a saúde mental e o número de leitos por paciente psiquiátrico, psiquiatras

e outros profissionais de saúde mental é muito menor que no Canadá e Estados Unidos.

Os autores especificam que, na verdade, o planejamento racional no campo da saúde

mental nos países industrializados, tem uma clara tendência a dar maior importância a

esse tipo de atenção, concentrado esforços na detecção de problemas, em serviços de

cuidados primários e no desenvolvimento da medicina comportamental.

De acordo com Caldas de Almeida (2005) na maioria dos países da América

Latina e Caribe, os serviços de saúde mental continuam centrados nos hospitais

psiquiátricos tradicionais, ou seja, em instituições com características manicomiais e

frequentemente localizadas em zonas isoladas. Apesar dos cuidados em saúde mental se

integrar à Atenção Primaria em praticamente todos os países, esta integração tem sido

lenta e parcial.

Em contrapartida, a Organização Mundial de Saúde/OMS e Organização

Mundial de Médicos de Família/Wonca (2008) aponta casos bem sucedidos da

implantação de cuidados em saúde mental nos primeiros níveis de atenção, como

acontece na Argentina, Austrália, Belize, África do Sul, dentre outros, onde: 1. médicos

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de cuidados primários realizam o diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes

com distúrbios mentais severos. 2. Os pacientes recebem tratamento ambulatorial em

suas comunidades; 3. Psiquiatras e outros especialistas de saúde mental estão

disponíveis para examinar e aconselhar em casos complexos. Tais estratégias têm

proporcionado um aumento da procura de cuidados de saúde mental e têm permitido

que pessoas com perturbações mentais permaneçam nas suas comunidades e

socialmente integradas. Uma vez que os psiquiatras são solicitados com moderação e se

evita cuidados institucionais, os custos são mais baixos e o acesso é otimizado. Como

resultado, os clínicos gerais têm precisado de menos conselhos e apoio, e têm atingido

melhores resultados em termos da manutenção da continuidade dos cuidados.

Podemos, ainda, apresentar outros bons exemplos de funcionamento de uma

rede em saúde mental que tem a Atenção Primária como parte integrante e essencial,

como é o caso do Chile, Cuba e Espanha.

Segundo Alvarado et al (2005), o Chile tem desenvolvido com efetividade um

programa de detecção, diagnóstico e tratamento de transtornos depressivos em nível

primário. Esse programa de alcance nacional é composto por intervenções

multicomponentes, através do uso separado ou combinado de psicofármacos,

psicoterapia individual e intervenção grupal psicoeducativa com acompanhamento

estruturado e sistemático, desenvolvendo-se em âmbito comunitário.

Em Cuba, de acordo com Martín (2011), esse movimento de substituição do

modelo biomédico de assistencia em saúde (com foco no diagnóstico e remissão de

sintomas) para o biopsicossocial (compreendendo o processo saúde-doença para além

do corpo, abordando a complexidade dos processos sociais e psicológicos implicados)

já se desenvolve desde 1959 quando a saúde pública é alvo de profundas mudanças que

se estenderam também à prática psiquiátrica. Foram desenvolvidos serviços de

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psiquiatria em hospitais gerais, unidades de atenção à crise, hospitais-dia e assistência

ambulatorial ligada à Atenção Primária. Martín (2011) especifica que desde 1995,

foram criados centros para atendimento em saúde mental em todo o país que promovem

o modelo de atenção comunitária com perfil clínico, epidemiológico e social e assegura

a manutenção e melhoria da qualidade do serviço à população. Todavia, o autor ainda

aponta que atualmente faz-se necessário um sistema de avaliação interna que permita

uma avaliação sistemática desses serviços e que sirva como ponto de partida para o

estabelecimento de um processo dinâmico para promover a melhoria contínua da

qualidade.

Em relação à Espanha, Dimenstein (2011) apresenta suas experiências na rede

de saúde espanhola relatando que a Atenção Primária configura-se como a porta de

entrada dos usuários na rede, assumindo o papel de organizadora dos fluxos de atenção.

A autora cita em seu estudo o “Programa de Enlace com Atención Primária”, parte do

programa de saúde mental do país, o qual tem como objetivos: aumentar a sensibilidade

dos profissionais na detecção dos problemas de saúde mental, apoiando-os no

tratamento e seguimento desses problemas, evitar a fragmentação entre ações de saúde

em geral e saúde mental, além de desenvolver, garantir e consolidar uma assistência

integrada e continuada. A autora esclarece que o Centro de Saúde Mental (CSM) é a

base de recepção e encaminhamentos para a rede de saúde mental. Os usuários são

encaminhados pelo médico generalista para psiquiatras e psicólogos do CSM de

referência e estes encaminham para a Equipe de Cuidados Continuados/ECC (equipe de

saúde mental que organiza o trabalho tanto na rede assistencial quanto nos espaços

comunitários, tendo a função de garantir os cuidados tanto ao longo da vida do usuário

quanto na relação com os serviços da rede ampliada).

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33

Pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que uma - em

cada quatro pessoas - desenvolve alguma enfermidade psíquica em algum momento da

vida e, nos países em desenvolvimento como o Brasil, 90% dessas pessoas não recebem

tratamento adequado (Delfini, Sato, Antoneli & Guimarães, 2009). Dessa forma, há

uma alto percentual de sofrimento mental que chega à Atenção Primária que não está

sendo adequadamente atendido.

Segundo Figueiredo e Campos (2009), cerca de 9% da população brasileira

apresentam transtornos mentais leves, e 6 a 8% apresentam transtornos decorrentes do

uso abusivo de álcool e outras drogas, pelos quais a Atenção Primária pode

responsabilizar-se. Os autores relatam ainda que, segundo a Organização Mundial de

Saúde (OMS), 80% dos usuários encaminhados aos profissionais de saúde mental não

trazem, a priori, uma demanda específica que justifique a necessidade de uma atenção

especializada. Muitas dessas demandas são situações que com intervenções imediatas

podem evitar a utilização de recursos assistenciais mais complexos desnecessariamente.

Trata-se, por exemplo, de transtornos mentais comuns, de problemas associados ao uso

prejudicial de álcool e de outras drogas, de egressos de hospitais psiquiátricos sem o

devido acompanhamento, do uso inadequado e sem controle de benzodiazepínicos,

cárcere privado e situações decorrentes da violência e da exclusão social. Em função

disso, entendemos que

a identificação e o acompanhamento dessas situações, incorporados às atividades

que as equipes de atenção básica desenvolvem são passos fundamentais para a

superação do modelo psiquiátrico medicalizante e hospitalar de cuidados em

saúde mental (Dimenstein et al, 2005, p.24).

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Todavia, a inserção da saúde mental na Atenção Primária tem revelado uma

relação conflituosa entre o discurso e a prática. Silveira (2009) ressalta que o despreparo

dos profissionais, da família e da comunidade para lidar com o sofrimento psíquico tem

se tornado cada vez mais evidente, e a medicalização dos sintomas foi percebida, muitas

vezes, como uma indisponibilidade no atendimento aos problemas psíquicos, somados à

ausência ou ineficiência dos serviços de referência. Tais discursos evidenciam

dificuldades das equipes de saúde da família em trabalhar de forma eficaz com as

demandas de saúde mental. Como consequências, é cada vez mais evidente o excesso de

demanda no cotidiano do serviço e a falta de conhecimento das equipes de SF para

acolher esta clientela, dentre outras questões.

Em estudo recente realizado no Ceará sobre as demandas de saúde mental que

chegam a Atenção Primária, Tavares, Souza e Pontes (2013) afirmam ter constado tal

despreparo dos profissionais de saúde - para acolher e cuidar de tais demandas e relatam

que as dificuldades que se interpõem ao acesso e cuidado das manifestações de

sofrimento que aparecem na APS, tanto por parte dos profissionais quanto da

estruturação dos serviços, têm origem diversificada: pouca compreensão a respeito de

códigos culturais diferentes para expressar o sofrimento; ausência de capacitações

adequadas para as equipes; serviços e profissionais ainda aprisionados no modelo

individual e fragmentado de atendimento; prioridade das políticas de saúde mental para

as clientelas consideradas graves; ausência de tecnologias de cuidado e de acesso para a

clientela com queixas difusas.

Apesar disso, Gonçalves e Kapczinski (2008) afirmam que ações de saúde

mental na Atenção Primária tem apresentado elevada resolutividade no Brasil por meio

da busca ativa de casos, trabalho em equipe e facilitação do acesso da população aos

serviços de saúde - uma vez que transtornos mentais em geral causam considerável

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impacto em termos de morbidade, prejuízos na funcionalidade e diminuição da

qualidade de vida de seus portadores. Dessa forma, torna-se importante que as equipes

da ESF estejam atentas aos aspectos da saúde mental da população atendida, a fim de

que efetivamente apliquem a abordagem biopsicossocial a que se propõem.

Franco e Merhy (2006) direcionam uma critica à ESF, ao apontarem que a

mudança na forma ou estrutura do serviço é insuficiente para produzir novos processos

de trabalho. Geralmente, há uma tendência no sentido de transpor o modelo centrado no

médico e a vocação curativa e individual para o trabalho em equipe. Os autores

ressaltam que o caráter prescritivo do programa tende a engessar a criatividade dos

profissionais e impedir a formulação de arranjos criativos e autônomos.

A literatura nesse campo também indica que as equipes da APS têm necessidade

de suporte técnico e afetivo para realizar os cuidados primários em saúde mental tais

como: ações de detecção e intervenção precoce ou mapeamento dos casos de transtornos

mentais no território; apoio à situações de crise psiquiátrica; acompanhamento para uso

racional de medicamentos; prevenção de admissões desnecessárias em hospitais

psiquiátricos; elaboração de planos de continuidade de cuidados; estabelecimento e

manutenção de sistema de apoio comunitário; estímulo à participação ativa do usuário,

famílias e comunidade no cuidado e articulação com a rede especializada de saúde

mental (Silveira, 2009, Jucá, Nunes & Barreto, 2009, Andrade et al, 2009).

Algumas estratégias foram propostas no Brasil para lidar com essas questões. O

apoio matricial é uma delas e foi eleito pelo Ministério da Saúde como a estratégia

oficial para guiar as ações de saúde mental na Atenção Primária (Brasil, 2003). Pode ser

entendido como um suporte técnico especializado que é ofertado a uma equipe de saúde

com a finalidade de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações. O

matriciamento deve proporcionar retaguarda especializada de assistência, assim como

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um suporte técnico-pedagógico, vínculo interpessoal e apoio institucional no processo

de construção coletiva de projetos terapêuticos junto à população. Dessa forma,

constitui-se numa ferramenta de transformação, não somente do processo saúde-doença,

mas de toda a realidade das equipes e comunidades, pois visa transformar a lógica

tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos, referências e contrareferências,

uma vez que os efeitos burocráticos e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem

vir a ser atenuados por ações horizontais que integrem os componentes e seus saberes

nos diferentes níveis assistenciais (Chiaverini, 2011).

Campos e Domitti (2007) indicam que as equipes de saúde mental podem

realizar apoio matricial utilizando-se de uma capacitação in loco, a qual se dá através de

atendimentos conjuntos entre o profissional da saúde mental e o profissional de

referência da ESF. Sabe-se que as competências de médicos generalistas em detectar e

tratar transtornos mentais está mais ligada às habilidades de comunicação médico-

paciente do que a conhecimentos teóricos de psiquiatria (Ballester et al, 2005, Pereira,

2006). Este apoio possibilitaria ampliar o alcance e fortalecer as ações de cuidado em

saúde mental no território, sob a responsabilidade dos profissionais da equipe de

referência e da equipe matricial, dos usuários e da família, onde cada sujeito tem uma

competência singular na tomada de decisão para a realização do cuidado e produção de

saúde, direcionados pela integralidade. Assim, o apoio matricial configura-se como

forma de compartilhar responsabilidades, exigindo que os profissionais, juntos,

compreendam o caso e suas necessidades, e só então seria possível bloquear

encaminhamentos indiscriminados e decidir sobre responsabilidades de cada

profissional.

Tansella & Thornicroft (2001) sugerem que modelos colaborativos de

interconsulta com a interação direta de trabalhadores de saúde mental e saúde da família

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– como o apoio matricial em saúde mental – têm evidências de resultados efetivos. Os

autores apresentam um modelo de interconsulta dotado de quatro componentes

principais: reuniões regulares entre especialista visitante e profissionais da Atenção

Primária; referenciação dos pacientes somente depois da discussão dos respectivos

casos nessas reuniões; alguns casos são geridos exclusivamente pelos profissionais da

Atenção Primária, após discussão direta com o especialista; e o especialista fornecerá

informações às equipes de Atenção Primária, acompanhada pelas recomendações

quanto ao tratamento e gestão, que deverão ser seguidas nos cuidados primários. De

acordo com os autores, quando comparado o tratamento habitual pelos clínicos gerais

com os serviços prestados através dos modelos de interconsulta, em unidades de

cuidados primárias britânicas, foi possível observar que os resultados globais eram 10%

melhores para os pacientes tratados com o auxilio de especialistas.

Nesse sentido, Tansella & Thornicroft (2001) defendem que uma abordagem

coordenada (através de planos de tratamento para cada usuário) planejada

conjuntamente com profissionais de cuidados primários e especializados, mostra-se

como a melhor forma de prestar serviços aos usuários de saúde mental. Ainda de acordo

com os autores, a monitorização das referenciações através do registro de casos em 15

anos na região sul de Verona mostrou que à medida que os serviços de saúde mental

comunitário se desenvolviam e consolidavam também o número de pacientes de

primeira consulta (usuários nunca tiveram contato com serviços de saúde mental)

aumentou de maneira uniforme e triplicou durante o referido período, ao mesmo tempo

que o número dos que procuravam o especialista diminuiu.

Foi nessa perspectiva que em 2008 o Ministério da Saúde criou o Núcleo de

Apoio à Saúde da Família (NASF) como uma estratégia que tem o objetivo de ampliar a

diversidade e abrangência nas ações da Estratégia Saúde da Família, assim como

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proporcionar a constante procura por melhorias nos atendimentos à população,

promovendo a produção de novos saberes e uma ampliação da clínica (Brasil, 2008).

Com nove áreas estratégicas (saúde da criança/do adolescente e do jovem; saúde

mental; reabilitação/saúde integral da pessoa idosa; alimentação e nutrição; serviço

social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; atividade física/atividades corporais;

práticas integrativas e complementares), sendo uma delas saúde mental, o NASF tem se

configurado a principal ferramenta brasileira para a implantação de ações em saúde

mental na Atenção Primária.

Seguindo as orientações do Ministério da Saúde (Brasil, 2009), o NASF deve ser

formado por uma equipe composta por profissionais de diferentes áreas de

conhecimento, atuando em conjunto com os profissionais das equipes de Saúde da

Família, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios sob a

responsabilidade dessas equipes. Devem trabalhar com o matriciamento como lógica de

atuação, apoiando as Equipes de Saúde da Família na discussão de casos, no

atendimento compartilhado e na construção conjunta de Projetos Terapêuticos

Singulares. Atualmente existem 3 modalidades:

NASF 1 - composto por no mínimo cinco profissionais e deve desenvolver ações

junto à no mínimo 8 equipes de saúde da família.

NASF 2 - para municípios com densidade populacional abaixo de 10 habitantes

por quilômetro quadrado, composto por no mínimo três profissionais de nível

superior de ocupações não-coincidentes que deve desenvolver ações junto a, no

mínimo, 3 equipes de saúde da família.

NASF 3 – voltado para o desenvolvimento de ações de atenção integral a

usuários de crack, álcool e outras drogas em municípios com porte populacional

pequeno, menor que 20.000 habitantes.

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Veja na figura 3 a evolução do número de NASF implantados de 2008 ate 2011

e na figura 4 a situação da implantação dos NASF no Brasil.

Figura 3 - Evolução do Número de Núcleos de Apoio à Figura 4 – Situação da Implantação de Núcleos de Apoio

Saúde da Família Implantados BRASIL - 2008 – AGO 2011 à Saúde da Família BRASIL 2008 – AGOSTO 2011 Fonte – Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), Fonte: Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) Recuperado de www.siab.datasus.gov.br Recuperado de www.siab.datasus.gov.br

De acordo com dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2013a), hoje, o Brasil

conta com 1.874 equipes de NASF implantadas. O Rio Grande do Norte apresenta 59

equipes e em Natal já foram implantados 3 NASFs.

A responsabilização compartilhada pelos casos permitiria regular o fluxo de

usuários nos serviços, tornando-se possível distinguir as situações comuns à vida

cotidiana, as quais poderiam ser acolhidas pelas próprias equipes de Estratégia de Saúde

da Família e por outros recursos sociais do entorno – as redes de cuidado – contribuindo

para evitar práticas de psiquiatrização e, “ao mesmo tempo, promovendo a equidade e o

acesso, garantindo coeficientes terapêuticos de acordo com as vulnerabilidades e

potencialidades de cada usuário” (Figueiredo & Campos, 2009, p.130).

Dias, Weber e Delgado (2010) afirmam que no atual momento de reorientação

do modelo de atenção à saúde mental, é prioritária a integração dos diferentes

dispositivos da rede, com a constituição de redes efetivas de atenção, com garantia de

integralidade e de acesso universal, como promotora de cuidado. A noção de rede de

atenção em saúde mental implica, nesse sentido, “um conjunto de diferentes ofertas de

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cuidado, realizada por diferentes dispositivos. Eles são referenciados no território e

encontram-se intimamente articulado de forma complementar, solidária e com

propósitos definidos” (Dias, Weber & Delgado, 2010, p.119).

Porém, as estratégias de suporte à saúde mental na APS acima elencadas, no

cenário atual brasileiro apresentam alguns problemas. O primeiro deles é ausência de

capacitação direcionada aos profissionais que atuam no NASF na maioria dos

municípios que implantaram, o que gera uma clara dificuldade em produzir

convergência de princípios e de práticas entre as equipes. Segundo, há um número

reduzido de ferramentas de trabalho se entendemos que a intervenção precisa abarcar

diferentes âmbitos (pessoal, familiar e sociocultural) e ações intersetoriais amplas

envolvendo promoção, prevenção, diagnóstico e tratamento, reabilitação e cuidados

paliativos.

Além disso, o trabalho de matriciamento, quando existe, tem se limitado à

discussão de casos, o atendimento e intervenções conjuntas junto ao usuário, famílias e

comunidades são incipientes, bem como são pouco utilizados mecanismos presenciais

ou virtuais para troca de experiência entre as equipes. Observa-se também que o

matriciamento não tem funcionado como estratégia de educação permanente das

equipes de saúde, ampliando as habilidades e competências requeridas para atuação

nesse campo. Por fim, não escapam do modelo de supervisão técnica para se tornar

trabalho compartilhado, em colaboração (Dimenstein, Lima & Macêdo, 2013, Lisboa,

2011, Lima & Andrade, 2010).

Mesmo diante de tais barreiras, é importante destacar que o NASF ainda

configura-se como uma proposta nova e representa uma nova prática de gestão inserida

nos serviços de saúde e com a possibilidade de efetivamente vir a compor elemento

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fomentador para gerar transformações, e desta forma, vislumbrar um caminho para o

efetivo desenvolvimento de ações em saúde mental na Atenção Primária.

Podemos citar como exemplo de uma ação bem sucedida realizada na Atenção

Primária destinada a demandas de saúde mental, o estudo realizado por Abrahamian

(2011) com o objetivo de avaliar o desempenho de um grupo de psicoterapia realizado

em uma Unidade Básica de Saúde desde 2007. Trata-se de um grupo aberto - sendo, em

sua maioria, constituído por usuário com transtornos de ansiedade, depressão,

transtornos psicóticos compensados, dependência química e alcoolismo - com a

frequência de uma vez por semana, com duração de uma hora, o qual recebe os

pacientes encaminhados pelos médicos generalistas da UBS, pelo Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS) e por outros serviços, como os de Pronto-Socorro de Psiquiatria,

hospitais e ambulatórios psiquiátricos e gerais. Nele, os participantes discutem temas de

seus interesses e aprendem técnicas de psicoterapia para lidarem com eventos do

cotidiano e manejarem suas emoções e comportamentos. Os encontros grupos são

coordenados por um médico generalista com formação em análise transacional e contam

com a colaboração de agentes comunitários de saúde, com participação de enfermeiros,

auxiliares de Enfermagem e membros do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

Abrahamian (2011) afirma que a melhora relatada pelos pacientes nas diversas

áreas de suas vidas aponta para a importância desse tipo de abordagem dentro da

Estratégia Saúde da Família, e para o impacto positivo no tratamento de pacientes com

transtornos mentais na Atenção Primária à Saúde.

Grupos de saúde mental desenvolvidos na APS se constituem em um dispositivo

da reforma psiquiátrica quando promovem aos seus participantes rupturas nas

suas formas de cuidado com a vida, possibilitando que se reconheçam enquanto

corresponsáveis pelo seu tratamento e pelo seu modo de ser. Desta forma, o

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grupo de saúde mental, na perspectiva da atenção psicossocial, constroem

mudanças na relação dos usuários consigo mesmos, com o tratamento e com a

lógica dos especialismos na saúde mental. (Minozzo, Kammzetser, Debastiani,

Fait & Paulon, 2012, p. 27)

Ainda de acordo com os autores, torna-se necessário que intervenções

desenvolvidas no âmbito da saúde mental busquem fortalecer o modo de atenção

psicossocial, apostando no resgate da singularidade de cada usuário, investindo no

comprometimento com seus sintomas e tratamento e incentivando seu protagonismo.

Tais movimentos são capazes de incitar a ruptura com a lógica da identificação dos

sujeitos com a doença e com a concepção de cura restrita à solução medicamentosa,

além de auxiliar na construção de outros laços sociais, para além do grupo, apostando na

força do território e da cidade como alternativas para a reabilitação psicossocial.

Bosi et al. (2011) aponta que os avanços no campo da saúde mental caminham

em direção à exigência de construção de práticas inovadoras voltadas à

desinstitucionalização e à inclusão social, pautadas por novos horizontes éticos,

materializados em uma rede de saúde mental centrada no território. Rede esta marcada

pela defesa de um modo mais humanizado de cuidado, menos excludente, e pelo

reconhecimento dos determinantes biopsico-socioculturais do processo de adoecimento,

em que a saúde passa a ser considerada um processo em que o sujeito se atualiza com o

mundo, construindo e atribuindo significados.

Pensando nisso, Thornicroft & Tansella (2010) apontam que os serviços

comunitários são um cenário dinâmico e interativo no qual a negociação – quando o

planejamento do cuidado é negociado entre os prestadores de serviços, usuário e

familiares - é a palavra-chave. Os autores defendem que boas práticas de saúde mental

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devem ser acessíveis, baseadas em premissas éticas (na melhor escolha para a busca da

equidade e do melhor cuidado), em evidências cientificas e na experiência, singular e

coletiva, valorizando os caminhos reais traçados no dia a dia das práticas terapêuticas e

das experiências locais ou regionais da organização da rede de serviços.

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Capítulo 2 – Álcool e outras drogas na Atenção Primária

O uso de álcool e de outras drogas vem se transformando cada vez mais em um

tema recorrente na agenda política nacional. Conforme o Centro Brasileiro de

Informações Sobre Drogas Psicotrópicas/CEBRID (2009), o uso de drogas pode

acontecer como uma maneira de obtenção de prazer, de amenizar ansiedade, tensão,

medos e até de aliviar dores físicas. Quando utilizada de forma abusiva e repetitiva sem

controle do consumo, frequentemente a droga pode ocasionar dependência - que pode

ser de fundo psicológico ou fisiológico. No primeiro tipo, quando há interrupção do uso

da substância, surge sensação de desconforto e mal-estar, bem como aumento da

ansiedade e sensação de vazio. No segundo tipo, a dependência apresenta sintomas

físicos quando o indivíduo não utiliza a droga, conhecido como “síndrome de

abstinência” (Crauss & Abaid, 2012).

De acordo com O’Connor (2009), podemos ainda citar outros tipos de consumo

de substâncias psicoativas, a saber: (a) o uso moderado e não problemático, quando o

consumo da substância expõe o indivíduo a um risco relativamente baixo de

desenvolver problemas de saúde associados ao consumo de tal substância; (b) consumo

de risco, quando os níveis de consumo moderados são ultrapassados; (c) consumo

prejudicial, ocorre quando existem evidências claras de que o uso da substância resulta

em danos físicos ou psicológicos; e (d) uso abusivo, que pode ser definido como um

padrão mal adaptativo de consumo de alguma substância, que leva a um sofrimento ou

comprometimento clínico significativo, podendo apresentar problemas como falha ao

cumprir obrigações no trabalho, na escola ou em casa.

Estima-se que, em todo mundo, entre 155 e 250 milhões de pessoas (3,5 a 5,7%

da população com idade entre 15-64 anos) usaram drogas ilícitas pelo menos uma vez

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durante o ano de 2008 (United Nations Office on Drugs and Crime - UNODC, 2010).

Em toda América Latina e Caribe, estima-se que pelos menos 4.4 milhões de homens e

1.3 milhões de mulheres tenham sido afetados por transtornos relacionados ao uso de

drogas, em algum momento de suas vidas. Na América do Sul, embora a droga ilícita

mais consumida seja a maconha, o World Drug Report (UNODC, 2010) aponta para um

crescimento do uso de cocaína e seus derivados (especialmente o crack). Para a América

do Sul, Central e Caribe estima-se que cerca de 2.7 milhões de pessoas tenham feito uso

de cocaína no ano de 2008 e o Brasil pode ser apontado como seu principal mercado

consumidor (900 mil usuários) na América do Sul (Ribeiro & Inglez-Dias, 2011).

No entanto, o uso de álcool é considerado a terceira principal causa no mundo de

adoecimento precoce e morte prematura - especialmente em pessoas com idades entre

25 e 59 anos - sendo responsável por 4% de todas as mortes no planeta. Estima-se que

2,5 milhões de pessoas morrem anualmente devido a problemas relacionadas ao álcool,

sendo a primeira causa de morte entre homens de 15 a 59 anos, principalmente pela

ocorrência de acidentes, violência e doenças cardiovasculares (World Health

Organizacion - WHO, 2011).

Diante disso, para pensar o enfrentamento de questões relacionadas ao consumo

de álcool e outras drogas, pode-se elencar dois tipos de posicionamentos políticos: o

proibicionismo e a abordagem de redução de danos.

Enquanto as políticas proibicionistas concentram esforços na redução da oferta e

da demanda de drogas - com intervenções de repressão e criminalização da produção,

tráfico, porte e consumo de drogas ilícitas - as políticas e programas de redução de

danos têm apostado em intervenções orientadas para a minimização dos danos à saúde,

sociais e econômicos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas sem

necessariamente proibi-lo (Alves, 2009).

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Os princípios da redução de danos se sustentam no discurso de que o consumo

de drogas sempre esteve e sempre estará presente na história da humanidade. Dessa

forma, a ideia de uma sociedade livre de drogas perde completamente o seu sentido. Se

o consumo de drogas não pode ser eliminado da sociedade, pode ser possível, então,

idealizar estratégias para reduzir os danos a ele relacionados. Tal enfoque tem sido

apontado como o mais racional ao enfrentamento da questão das drogas, possibilitando,

por exemplo, compreender o consumo de drogas como um problema de saúde pública e

o tráfico como um problema jurídico-policial.

No campo internacional e nacional, há claros indícios de que gradualmente está

sendo quebrado o duro consenso da política estritamente proibicionista para o campo

das drogas ilícitas. As conferências das agências internacionais ligadas ao tema, nos

últimos anos, vêm mostrando uma clara discordância em relação a tais políticas até hoje

hegemônicas, ao reconhecer que a atual política é incapaz de reverter os níveis atuais de

produção e o consumo de drogas, bem como de enfrentar o poder crescente do tráfico

internacional e nacional (Vasconcelos, 2012).

Vasconcelos (2012) afirma que hoje, no Brasil, há um maior espaço para se

discutir novas políticas e programas de redução de danos, de assistência ao abuso de

drogas e para a descriminalização parcial do consumo de pequenas quantidades de

drogas mais leves. Um exemplo disso é a Lei 11.343, de 2006, que diferencia o

consumidor do traficante e estabelece penas comunitárias e tratamento para o primeiro.

Em contrapartida, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva/ABRASCO

(2013), emitiu um comunicado alertando para o rápido andamento do Projeto de Lei

7663/2010, um projeto que cria um cadastro de usuários de drogas no país, prevê a

internação involuntária de dependentes, que pode ser solicitada por um familiar e até

mesmo por um funcionário público e aumenta a pena mínima do traficante de 5 para 8

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anos de cadeia. O Projeto, que altera a lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, também pode

vir a instituir a obrigatoriedade da notificação pelos professores da suspeita de uso de

drogas nos estabelecimentos de ensino. Por tudo isso, a ABRASCO (2013) manifesta-se

contra o uso da internação compulsória como medida principal para enfrentar o

problema do consumo de crack ou de qualquer outra droga e ainda aponta que algumas

iniciativas devem ser pensadas com urgência.

É nessa perspectiva que tem se fomentado cada vez mais debates acerca do

modelo de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas. Hoje, a maioria das

propostas de tratamento direcionadas ao consumo abusivo de álcool e drogas propõe a

institucionalização do sujeito, composta por intervenções médico-farmacológicas,

psicossociais, socioculturais ou religiosas. O usuário tem ficado entre o manicômio e o

presídio, ocupando o lugar do louco e do transgressor da lei, ambos excluídos pela

sociedade e rotulados seja como doentes, seja como delinquentes (Rosenstock & Neves,

2010).

Porém, o consumo abusivo de álcool e outras drogas - caracterizado

essencialmente por ser um fenômeno constituído nas inúmeras interfaces e articulações

entre variáveis biológicas, farmacológicas, psicológicas, socioculturais, políticas,

econômicas e antropológicas - se configura como uma complexidade que inviabiliza

qualquer tentativa de explicação reducionista, que desconsidere suas múltiplas

determinações.

Contraditoriamente, este fenômeno é abordado, em geral, a partir de processos

teóricos e de intervenção dicotômicos, fragmentados, ahistóricos, deterministas e de

cunho acentuadamente reducionistas (Schneider & Lima, 2011). Tais concepções, em

geral, enfatizam apenas um dos aspectos envolvidos no uso de substâncias psicoativas,

seja ele a dimensão psicológica do usuário ou seu contexto socioeconômico, ou a

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influência do meio familiar, ou os efeitos bioquímicos das drogas, ou ainda os fatores

genéticos, enfim, concepções que, embora intimamente relacionada com o consumo

abusivo, isoladas não são suficientes para explicá-lo, nem propor-lhe intervenções

adequadas.

Essas concepções reducionistas se refletem nos modelos de atenção utilizados na

área. Observa-se, através de estudos, a baixa efetividade da maioria dos tratamentos

oferecidos aos usuários que, a custo, conseguem realizar sua meta, que, em geral, é a de

alcançar e manter a abstinência (Schneider & Lima, 2011). Diante deste fato há que se

questionar se a raiz do problema da efetividade não se encontra nas próprias práticas em

saúde que, se constituem numa mistura de diferentes modelos de análise do fenômeno

da drogadição e do emprego de diferentes metodologias de atuação. Sendo assim, não

basta responsabilizar o usuário pelo insucesso dos tratamentos, como é comum em

muitos serviços, que justificam a situação a partir da lógica de que a dependência é uma

doença crônica e recorrente e, portanto, a recaída é parte do processo, ou ainda, da falta

de motivação para os tratamentos, conforme demonstram algumas pesquisas (Schneider,

Spohr & Leitão, 2006).

Na realidade brasileira, com o intuito de preservar a segurança no país através do

controle do comércio e consumo de drogas foi apenas recentemente que o Governo

começou a intervir na área de álcool e drogas. Foram criadas leis que, se infringidas,

geravam penas de exclusão social e internações em sanatórios. Somente na década de

1980 foram criados os centros de tratamento que favorecem a saúde do usuário. Nessa

época, no entanto, ainda não se considerava o consumo de substâncias psicoativas como

problema de saúde pública, mas como uma questão jurídica ou médico-psiquiátrica

(Crauss & Abaid, 2012).

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Tal concepção parece ter mudado somente em 2003 quando o Ministério da

Saúde publicou a “Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras

Drogas” (Brasil, 2004), assumindo assim o desafio de prevenir, tratar e reabilitar esses

usuários. Para alcançar esse desafio, o governo brasileiro desenvolveu, através dessa

política, algumas práticas a serem contempladas, dentre elas: proporcionar tratamento

na Atenção Primária, garantir o acesso a medicamentos, garantir atenção na

comunidade, fornecer educação em saúde para a população, envolver

comunidades/famílias/usuários, formar recursos humanos, criar vínculos com outros

setores, monitorizar a saúde mental na comunidade, dar mais apoio à pesquisa e

estabelecer programas específicos.

Para tanto, tal política baseia-se em dispositivos extra-hospitalares de atenção

psicossocial especializada, os Centros de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas

(CAPSad). Esses CAPS têm como objetivo principal fornecer atendimento para a

população através da oferta de atividades terapêuticas e preventivas, tratamentos

personalizados para cada indivíduo quando possível, bem como condições de repouso

ou desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem de tais cuidados, buscando

sempre a reabilitação destes na sociedade (Brasil, 2004). O CAPSad deve ainda

articular-se à Rede de Atenção Psicossocial e ao restante da rede de saúde, incluindo os

dispositivos da Atenção Primária que devem estar voltados para a promoção de saúde e

identificação precoce de problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas.

A visibilidade conquistada pelos modelos de cuidado de base comunitária, que

se originam e se movimentam fora do espaço hospitalocêntrico, ou da abstinência como

única alternativa de encontrar qualidade de vida coloca em debate questões

fundamentais, como: liberdade de escolha, responsabilidade individual, familiar e

social, direito do usuário à universalidade e integralidade de ações e dever do Estado de

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criar condições para o exercício do autocuidado e redes sociais de apoio e sua conexão

com as redes informais dos usuários (Brasil, 2010).

A Atenção Primária, dessa forma, apresenta grande potencial para acolher

demandas relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas uma vez que é nesse

âmbito que parte dos usuários procura auxílio para tratamento de sintomas orgânicos

associados às fases iniciais do uso abusivo ou da dependência, tendo em vista que tais

usuários apresentam relutância em procurar serviços especializados devido à

estigmatização, medo de serem rotulados como "alcoólatras" ou "maconheiros",

"viciados", "drogados", etc. (Ronzani, 2008).

No entanto, é possível constatar a carência na formação dos profissionais da

Atenção Primária, no que se refere à temática do uso de drogas, quando suas ações

ficam restritas ao encaminhamento desses usuários a serviços especializados em saúde

mental, mesmo que somente devam ser encaminhados aos CAPSad casos de alta

gravidade (Rosenstock & Neves, 2010).

Ribeiro (2012) aponta que em meio ao caos, quem perde é o usuário. Diz que é

angustiante ingressar na rede e constatar a sua falência. O usuário inicia o tratamento no

CAPSad, mas a vinculação não acontece, porque o número de profissionais não atende a

demanda. Quando ocorre a tentativa de encaminhá-lo a algum outro serviço, o

acompanhamento nem sempre acontece. “Antes de o processo terminar, o usuário já

desistiu e o sistema que o encaminhou, às vezes, descobre isso somente meses depois,

quando já é tarde demais. Assim, as ruas continuam lotadas de pessoas que “gritam” por

socorro.” (Ribeiro, 2012, p.2)

Desse modo, podemos perceber que grandes desafios para a Atenção Primária

são impostos todos os dias, no que se refere aos cuidados a serem destinados às

demandas relacionadas a álcool e outras drogas. Expressão disso é o fato de que a

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Estratégia de Saúde da Família ainda apresenta cobertura inferior a 20% em algumas

grandes cidades brasileiras, e a quase totalidade da ESF não inclui a atenção ao uso de

drogas em suas ações (Andrade, 2011). Essa baixa cobertura da ESF é também um

problema para os CAPSad, pois compromete a essência da função para a qual estes

Centros foram concebidos, ou seja, prestar atendimento clínico em regime de atenção

diária, evitando as internações e ser o coordenador e articulador das ações de saúde

mental na atenção ao uso de álcool e outras drogas em um determinado território.

Função esta que depende muito da articulação com a ESF e da inclusão de ações de

Redução de Danos com base territorial. Fica evidente, dessa forma, a lacuna existente

na ainda frágil ESF, e também “o preço elevado pago pelo Brasil por não ter assegurado

a sustentação e a expansão das ações de RD entre usuários de drogas nos últimos oito

anos” (Andrade, 2011, p.4668).

No entanto, como tentativa de incorporar ações relacionadas ao uso de

substâncias psicoativas na Atenção Primária, o Governo Federal incluiu questões

direcionadas a demandas envolvendo o uso de álcool e outras drogas no Programa

Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).

Instituído pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 1654 de 19/07/2011, o

PMAQ-AB tem como objetivo, induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade

da Atenção Primária e dentro de suas diretrizes prevê o estímulo de um processo

contínuo e progressivo de melhoramento dos padrões e indicadores de acesso e

qualidade que envolva a gestão, o processo de trabalho e os resultados alcançados pelas

equipes de saúde da Atenção Primária. Dentre os pontos abordados no Programa, é

possível encontrar alguns direcionados ao consumo de álcool e outras drogas, a saber: o

planejamento de atividades envolvendo questões relacionadas a riscos biológicos e

vulnerabilidades individuais, familiares e sociais (como violência, drogas e outras); a

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criação de protocolos com definição de diretrizes terapêuticas para álcool e drogas; o

registro dos usuários com necessidade decorrente do uso de crack, álcool e outras

drogas; projetos de prevenção e tratamento ao uso abuso e dependente decorrente do

uso de crack, álcool e outras drogas; e atividades de promoção e prevenção ao uso de

drogas (Brasil, 2014b).

Todavia, como um fator que dificulta o acesso a cuidados destinados a usuários

de álcool e outras drogas citamos a atuação dos CAPSad, que deveria ter por base ações

territoriais, mas no entanto fica reduzida ao atendimento no próprio serviço, o qual

mesmo situado em território de elevada prevalência de consumo e tráfico de drogas, é

subutilizado uma vez que a população alvo não o tem como referência. Tais serviços

acabam por perdurarem em uma postura de não consideração das pautas culturais e o

modo de vida dos usuários, embebida em uma a visão cômoda, mas equivocada, de que

estas pessoas não querem se cuidar - o que ratifica a exclusão social e a precariedade da

assistência à saúde em que ela vive (Andrade, 2011).

Um fato recente que exemplifica o contexto de desafios em que o Brasil se

coloca no campo de álcool e drogas é o frágil funcionamento da maioria dos primeiros

14 Projetos de Consultório de Rua do SUS (PCR), financiados pelo MS no ano de 2010

e supervisionados pela Aliança de Redução de Danos, Serviço de Extensão Permanente

da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Os Projetos de Consultório de Rua se

constituem numa estratégia com o objetivo de fornecer cuidados básicos de saúde para

populações vulneráveis, com ênfase para crianças, adolescentes e jovens usuários de

álcool, crack e outras drogas vivendo nas ruas (Andrade, 2011). Durante a idealização e

operacionalização do projeto foram detectadas várias dificuldades, são elas: 1. falta do

conhecimento necessário à abordagem da população alvo pelas equipes 2. dificuldades

jurídicas e administrativas para a contratação de redutores de danos, comprometendo as

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atividades de campo, 3. falta de repasse dos recursos recebidos do MS ao projeto por

alguns gestores municipais; 4. Falta do veículo necessário às ações de campo,

fundamental para o deslocamento da equipe e para a condução dos usuários com

necessidade de encaminhamento a outros serviços de saúde e 5. falta de materiais para o

trabalho de campo.

Desse modo, torna-se importante pensar a incorporação de ações destinadas a

usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária, a fim de contribuir para

alavancar o modelo de atenção a saúde descentralizado e de base comunitária,

oferecendo melhor cobertura assistencial a este tipo de agravo e maior potencial de

reabilitação psicossocial para os usuários do Sistema Único de Saúde. Uma das

estratégias que se destaca nesse sentido é a Triagem e Intervenção Breve

A técnica de Intervenção Breve foi proposta como uma abordagem terapêutica

para usuários de álcool em 1972, por Sanchez-Craig e colaboradores, no Canadá

(Neumann, 1992). É uma estratégia baseada em abordagem motivacional para

prevenção, cujo foco é a mudança de comportamento do usuário por meio de

atendimento com tempo limitado, podendo ser realizado por profissionais de diferentes

formações, desde que devidamente treinados. No entanto, não serve apenas para

problemas relacionados ao álcool, mas também pode ajudar na mudança de uma série de

comportamentos como modificar a dieta, parar de fumar, perder peso, dentre outros.

A literatura indica seis componentes essenciais de devem estar presentes para

caracterizar a intervenção, identificado pelo acrônimo “FRAMES”, originados pelas

primeiras letras das palavras em inglês: Feedback, Resposability, Advice, Menu of

option, Empathy, Self efficacy. Em português o acrônimo se transformou em

“ADERIR”, representando as palavras Auto-eficácia, Devolução, Empatia,

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Responsabilidade, Inventário e Recomendações. (Miller & Sanches, 1993, Segatto,

Pinsky, Laranjeira, Rezende & Vilela, 2007), descritas a seguir:

1. Devolução: Depois de uma avaliação do usuário, é dado um retorno

relacionado aos riscos de problemas clínicos, psíquicos e as consequências

do padrão de consumo em questão.

2. Responsabilidade: é dada ênfase na responsabilidade pessoal do usuário pela

mudança e apoio no estabelecimento de metas a serem atingidas.

3. Recomendações: Orientação e suporte de informações que os profissionais

devem oferecer ao usuário sobre o que o paciente pode evitar (ressaca,

situações embaraçosas, pressão familiar) e ganhar (melhor desempenho no

trabalho ou escola, controle da situação) com a moderação do uso.

4. Inventário: Identificação de situações de risco e estratégias de para enfrentar

tais situações, aumentando a sensação de controle e escolha pessoal

5. Empatia: A empatia dos profissionais constitui-se forte determinante para

motivação e mudança. É importante manter um comportamento

compreensivo e sem preconceitos.

6. Auto eficácia: É o reforço da auto-estima, da esperança e do otimismo do

paciente. Refere-se à crença de uma pessoa em sua capacidade de realizar e

ter êxito em uma tarefa. Desta forma, a meta é persuadir o paciente para que

ele se sinta capaz de fazer uma mudança bem sucedida na área que apresenta

problemas.

Nesse sentido, a intervenção breve possui baixo custo e se mostra efetiva para

questões relacionadas ao uso de risco de substâncias psicoativas, sendo uma ferramenta

destinada a reforçar a autonomia nas escolhas do usuário, assim como sua capacidade de

gerir seus problemas. Deste modo, tem sido usada para prevenir ou reduzir o consumo

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de álcool e outras drogas bem como problemas associados e orientar de modo focal e

objetivo sobre os efeitos e consequências relacionados ao consumo de risco,

constituindo-se também como um meio adequado para referenciar casos de dependência

para tratamentos especializados (Ronzani, 2008).

Ronzani, Ribeiro, Amaral e Formigoni (2005) apontam que os estudos sobre a

intervenção breve se concentram em duas direções principais: sua efetividade na

redução de padrões de uso da substância e as condições em que tem sido implementada,

tendo como foco o preparo dos profissionais envolvidos. Os autores afirmam que a

utilização de apenas 5 a 10 minutos da consulta de rotina para aconselhamento dos

usuários de risco de álcool, por profissionais de saúde, consegue reduzir o consumo em

20 a 30%. Uma vez que, a depender da região, durante o período de um ano, entre 60 e

75% da população procuram algum tipo de atendimento em serviços de Atenção

Primária, a implantação de estratégias de intervenção breve para usuários de risco,

nestes serviços, permitiria detectar pessoas com esse tipo de uso e intervir precocemente

(Ronzani et al., 2005)

Quando associados à intervenção breve, os instrumentos de triagem facilitam a

aproximação inicial e permitem um retorno objetivo para o paciente, possibilitando

assim a introdução dos procedimentos de intervenção breve e de motivação para a

mudança de comportamento. Por essa razão, a Organização Mundial da Saúde (OMS)

vem desenvolvendo, há alguns anos, estudos multicêntricos em diversos países com o

objetivo de avaliar a implementação de rotinas de triagem e intervenções breves para o

uso de álcool e outras drogas em serviços de APS. A ênfase de tais estudos tem sido na

avaliação do impacto do treinamento de profissionais de saúde e da supervisão

continuada na mudança de atitudes dos profissionais e na incorporação da TIB na rotina

dos serviços (Ronzani, Mota & Souza, 2009).

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Na figura 5 podemos observar como pode funcionar o fluxo de usuários

seguindo a lógica da implementação da TIB na Atenção Primária.

Figura 5- Esquema de triagem e intervenção breve na Atenção Primária

Entretanto, apesar das evidências da eficácia da triagem associada às

intervenções breves para detectar e reduzir o consumo de álcool e outras drogas,

diversos estudos indicaram dificuldades para implementar tal estratégia na Atenção

Primária, uma vez que profissionais de saúde têm uma formação insuficiente para

realizar atividades de prevenção ao uso de álcool e droga e possuem atitudes de

culpabilização moral de usuários de substâncias psicoativas (Ronzani, Mota & Souza,

2009).

Dessa forma, em face às deficiências em sua formação, a capacitação dos

profissionais de saúde é essencial para implementar a TIB na Atenção Primária.

Todavia, isoladamente, o treinamento não é capaz de mudar a prática dos profissionais

nos serviços. É preciso alterar a organização do sistema de saúde e o entendimento, por

parte dos gestores, da importância de se priorizar tais estratégias. “Diferenças na

estrutura e organização dos serviços e das práticas em saúde estão associadas a

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diferentes graus de comprometimento dos profissionais e gestores, em relação às

práticas de prevenção e promoção” (Ronzani et al., 2005, p.853).

Souza e Ronzani (2012) citam um estudo no que qual foram analisadas práticas

de prevenção ao uso de risco de álcool e outras drogas adotadas por enfermeiros da

Atenção Primária capacitados nas modalidades presencial e à distância e por

enfermeiros não capacitados. O estudo mostra que ainda prevalece a subutilização de

práticas baseadas em evidências no tocante a álcool e outras drogas, e que um espaço de

discussão permanente subsequente às capacitações serviria de reforço, em médio prazo,

para a capacitação, aumentando o senso de autoeficácia para lidar com esta demanda.

Embora questões como estas sejam prevalentes em vários países e considerados

um grave problema de saúde pública, muito pouco se tem feito no sentido de ampliar o

acesso dos profissionais de saúde às informações relativas às habilidades específicas

para se detectar o problema precocemente e intervir de forma eficaz. Neste sentido, o

exercício da reflexão sobre as práticas vividas, proporcionado muitas vezes pela

educação permanente, é que podem produzir alternativas de práticas e de conceitos para

enfrentar o desafio de produzir transformações.

No Brasil, estudos como os citados acima ainda se encontram em fase inicial,

apesar da importância de pesquisas como estas, tendo em vista que os serviços de APS

são estratégicos na política de saúde brasileira, com grande parte da população

acessando tais serviços, somado ao problema já constatado de problemas associados ao

uso de álcool e outras drogas. Tais dados podem ser importantes para se definir

estratégias de controle e prevenção do uso de risco e abusivo de álcool e drogas a partir

do conhecimento da dimensão do problema existente (Ronzani et al., 2009).

Dentre as experiências brasileiras de cuidado ao usuário de álcool e outras

drogas no âmbito da Atenção Primária, destaca-se o Projeto de Rede de Cuidados aos

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usuários de álcool e outras drogas de Sobradinho/RS. Tal projeto visa à reestruturação

da porta de entrada do usuário no SUS, onde as unidades de ESF passam a receber o

fluxo de acolhimento a esse tipo especifico de usuário.

O Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul

CONSEMS/RS (2012) esclarece que ao procurar primeiramente uma Unidade de Saúde,

o usuário passa por uma avaliação médica. Depois de avaliado, é determinado o

encaminhamento necessário para o paciente, que pode ser internação, medicamentos ou

indicação de participação em grupos de apoio. Nas reuniões dos grupos, são realizadas

atividades de integração, como oficinas terapêuticas, sessões de cinema, atividades

culturais e educativas abertas a comunidade e acompanhamento ambulatorial na própria

Unidade de Saúde.

O projeto conta com uma equipe técnica composta por psicólogos, enfermeiros,

assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, acompanhantes terapêuticos e

médicos, e ainda promovem uma integração entre as secretarias de Assistência Social,

Educação e Saúde.

Nessa lógica, cria-se um vínculo com o usuário, em que agentes de saúde fazem

um acompanhamento constante. Quando um usuário deixa de participar das atividades,

é realizada uma visita a sua casa para verificar o que aconteceu e incentivá-lo a voltar ao

tratamento. O sucesso do projeto, de acordo com a CONSEMS/RS (2012), deve-se a

comunicação entre as áreas e ao estabelecimento do sentimento de que o usuário vai ter

as portas sempre abertas para receber ajuda.

Nessa perspectiva, apontamos que as iniciativas de experimentação e

implantação de novas abordagens, dispositivos, apoio farmacológico e serviços

psicossociais de atenção ao uso abusivo de drogas devem constituir a máxima

prioridade no plano regional e local. A atenção clínica e psicossocial ao problema é

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complexa, desafiante e razoavelmente desconhecida, no entanto constitui um campo de

experimentação e criação de novas abordagens, de ampliação dos limites já

reconhecidos de prática profissional, com base na integralidade, interdisciplinaridade e

intersetorialidade. Ao mesmo tempo, é importante mobilizar as organizações

corporativas de profissionais para darem apoio a estas iniciativas, para que seja possível

mobilizar os atores sociais e institucionais, produzindo estímulos para o

desenvolvimento destas práticas inovadores (Vasconcelos, 2012).

Diante desse desafio é importante conhecermos um pouco as experiências de

outros países na inserção dessas práticas no âmbito do nível primário de atenção a

saúde.

Na Espanha, de acordo com a Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e

Comunitária (SEMFYC, 2007) são realizadas intervenções de cunho preventivo nos

Centros de Saúde (unidades de cuidados primários), principalmente dirigidas à infância

e adolescência. Tais intervenções se baseiam em:

1. Atividades de caráter individual, realizadas em consultas, com o objetivo de

conhecer as condutas de saúde do paciente e as possíveis praticas de risco

mediante a prática do aconselhamento, assim como orientação aos pais sobre

os temores relacionados ao consumo de drogas. Trata-se de uma estratégia

de orientação diante de uma possível presença de comportamento de risco.

2. Atividades de prevenção de caráter comunitário em parceria com escolas,

associações e organizações não governamentais.

3. Detecção nas famílias e na comunidade de fatores de risco que podem

influenciar crianças e adolescentes para que adotem condutas de risco

relacionadas às drogas.

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4. Atividades de prevenção dirigidas às doenças de maior prevalência de

morbidade e mortalidade, atendidas no centro de saúde, relacionadas ao

consumo de drogas.

5. Utilização da entrevista motivacional realizada no centro de saúde

Na prática espanhola, o diferencial é a proximidade da equipe com a população.

A partir das demandas trazidas pela comunidade nos Centros de Saúde são estabelecidas

as possibilidades de atuação, com a finalidade de que possam ser encontradas

alternativas e, assim, traçar ações.

A Atenção Primária, além de práticas de prevenção, fica responsável por parte

do tratamento de casos relacionados ao consumo de álcool e drogas. Depois do processo

de desintoxicação (realizados nos níveis especializados da rede de saúde), o paciente

pode procurar os centros de saúde e contar com a ajuda das equipes de trabalho social,

saúde mental e educação social para continuar seu tratamento. Em alguns casos, em que

o paciente não apresente doença associada ao consumo de drogas, esteja em

funcionamento laboral e bem apoiado pela família, pode realizar-se o acompanhamento

dele no Centro de Saúde, ainda que sempre seja indicado a realização de consulta

psicológica para descartar fatores de risco e guiar a prevenção de recaídas (SEMFYC,

2007).

Em Portugal, a Coordenação Nacional para os Problemas da Droga, das

Toxicodependências e do Uso Nocivo do Álcool (vinculado ao Ministério da Saúde)

tem como propósito garantir uma eficaz coordenação e articulação entre os vários

departamentos governamentais envolvidos nos problemas relacionados com substâncias

psicoativas, dependência e o uso nocivo do álcool. Portugal conta com o Instituto da

droga e das toxicodependências (IDT), um instituto público integrado na administração

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indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e patrimônio próprio, é a

entidade nacional de referência, com reconhecimento internacional para a intervenção

nas condutas aditivas (IDT, 2012). Como atribuições do IDT podemos listar:

a) Apoiar o membro do Governo responsável pela área da saúde na definição da

estratégia nacional e das políticas de luta contra a droga, o álcool e as

toxicodependências e na sua avaliação; b) Planear, coordenar, executar e

promover a avaliação de programas de prevenção, de tratamento, de redução de

riscos, de minimização de danos e de reinserção social; c) Apoiar ações para

potenciar a dissuasão dos consumos de substâncias psicoativas; d) Licenciar as

unidades de prestação de cuidados de saúde na área das toxicodependências, nos

sectores social e privado, definindo os respectivos requisitos técnico-

terapêuticos, e acompanhar o seu funcionamento e cumprimento, articulando

com a administração Central do Sistema de Saúde, I.P., sem prejuízo da

competência sancionatória da Entidade Reguladora da Saúde; e) Desenvolver,

promover e estimular a investigação e manter um sistema de informação sobre o

fenômeno das drogas e das toxicodependências que lhe permita cumprir as

atividades e objetivos enquanto membro do Observatório Europeu da Droga e da

Toxicodependência (OEDT); f) Assegurar a cooperação com entidades nacionais

e internacionais nos domínios da droga, do álcool e das toxicodependências.

(IDT, 2012, s/n)

Nesse sentido, ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação de casos

relacionados ao consumo de álcool e drogas não são realizadas de forma isolada em

Portugal, como muitas vezes acontece na realidade brasileira, nos CAPS, hospitais ou

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unidade de saúde. São pensadas ações envolvendo toda a rede de cuidados, seja no

âmbito da saúde, justiça, assistência social ou educação.

Como medidas de prevenção ao uso de drogas, o Instituto conta com diversos

projetos que vão desde aqueles com foco na escola, buscando a formação de grupos

com crianças e adolescentes, passando por projetos de atendimentos/aconselhamentos,

até projetos em parceria com o núcleo de reinserção, buscando a formação profissional e

busca pelo emprego.

Quando nos deparamos com o modelo de tratamento que é desenvolvido para

usuários de álcool e outras drogas, fica clara a concreta articulação com os diversos

setores que podem acolher os usuários (ver figura):

Figura 6 - Estrutura da rede externa de suporte ao tratamento em Portugal Fonte – Instituto da droga e das toxicodependências (IDT), Recuperado de http://www.idt.pt/PT/IDT/

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Podemos, então, perceber que os centros de saúde (local onde se pratica os

projetos de cuidados primários em saúde) são somente um dos elementos da rede de

possibilidades com as quais as ações do IDT conta.

Tais experiências internacionais apontam para fatores importantes como

articulação com uma rede de cuidados que não fique restrita ao setor saúde e muito

menos ao âmbito judicial, assim como a necessária busca por capacitações dos

profissionais que lidarão com demandas que lhes exijam sensibilidade e conhecimentos

específicos, para assim fundamentar suas práticas de forma coesa e eficiente. A busca

por vínculos com a população de forma corresponsável também se coloca como

essencial nesse processo.

De acordo com Bosi et al. (2011), para subsidiar inovações em saúde, o que

inclui práticas de cuidado e a construção de modelos voltados a processos avaliativos

multidimensionais, dentre outros, precisamos transcender muitos limites que ainda

marcam esse âmbito, expressos em nomenclaturas ainda presentes como louco,

delinquente, drogado, maconheiro, que pouco ou nada nos dizem sobre o homem, sua

existência e os condicionantes sócio-históricos de seu processo de adoecimento.

A transformação ou produção de novos cidadãos no campo da saúde mental é

responsabilidade de todos os envolvidos, que se tornam hábeis em criar uma relação

sustentada no compromisso, no diálogo e na autonomia. Quando se fala em inovar é

importante apontar para a produção de um cuidado em saúde mental que vislumbra a

potencialização da ação e o combate à banalização da exclusão e do preconceito, ainda

muito presentes no contexto da saúde mental e mais fortalecido quando se trata de

assuntos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas.

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Capítulo 3 – A construção do percurso da pesquisa

Este estudo está orientado pela perspectiva qualitativa de pesquisa, por procurar

compreender a dinâmica das relações sociais, buscando as vivências, experiências e a

cotidianidade, bem como privilegia os sentidos e afetos dos movimentos de uma

comunidade ou grupo social (Romagnoli, 2009). No entanto, nos guiamos também pela

perspectiva quantitativa de pesquisa, quando enfatizamos o desenvolvimento da

investigação dentro de protocolos estabelecidos e técnicas específicas, realizando uma

descrição quantitativa ou numérica de tendências, atitudes ou comportamentos de uma

população ao estudar uma amostra dela (Creswell, 2007).

Em ambos os momentos utilizamos algumas estratégias de trabalho - como a

observação -, a qual, segundo Marconi e Lakatos (2008), “é uma técnica de coleta de

dados para conseguir informação utilizando os sentidos na obtenção de determinados

aspectos da realidade” (p.275). Não consiste em somente ver e ouvir, mas também em

examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar. Essa técnica ajuda o pesquisador

na identificação e obtenção de provas a respeito de objetivos que os indivíduos muitas

vezes não têm consciência, mas que orientam seu comportamento. É considerado o

ponto de partida da investigação social.

O tipo de observação que realizamos é a participante, a qual sugere interação

entre quem está pesquisando e os grupos sociais, “visando coletar modos de vida

sistemáticos, diretamente do contexto ou situação especifica do grupo.” (Marconi &

Lakatos, p.277). A observação participante mostra-se apropriada à realização da

pesquisa por permitir entrar e fazer parte do cotidiano das equipes e comunidade,

possibilitando o contato próximo aos discursos, práticas e afetos.

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Outra estratégia usada é o diário de campo que, por sua vez, evidencia-se

bastante pertinente, tendo em vista que é de interesse desta pesquisa questões de ordem

mais subjetiva/afetiva, que normalmente seriam deixadas em segundo plano (Lourau,

1993). A intenção do uso do diário de campo é trazer à tona tanto os afetos quanto o

modo como os fatos desencadeiam esses afetos, pois é relato escrito daquilo que o

investigador ouve, vê, experiência e pensa no decorrer do processo de pesquisa. Pezzato

e L’abbate (2011) falam que o diário é uma escrita do presente, uma escrita para si,

transversal, de fragmentos, pois o vivido é praticamente impossível de ser redigido,

dada a sua complexidade.

A prática do diário de campo possibilitou uma reflexão acerca da própria prática,

desnaturalizando-a, permitindo explorar a complexidade do trabalho na Atenção

Primária. Mostrou ser um caminho possível para dar sentido às nossas práticas sejam

elas individuais ou coletivas.

O local escolhido para a realização do estudo foi o bairro de Felipe Camarão,

distrito sanitário oeste da cidade de Natal/RN. Institucionalizado por lei municipal em

1968, Felipe Camarão (ver figura 1) é um bairro com área de 663,40 hectares, 50.997

habitantes, sendo 48,82% homens e 51,18% mulheres (Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística - IBGE, 2010). Como limites, o bairro apresenta ao sul o bairro de

Guarapes, ao norte: Bom Pastor, a leste: Cidade da Esperança e a oeste: o município de

São Gonçalo do Amarante (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo -

SEMURB, 2009).

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Figura 7 – Mapa de Natal/RN

Fonte: Mapa elaborado pela SEMURB – Secretaria Municipal do Meio Ambiente

e Urbanismo (2009)

O motivo pelo qual esse bairro foi escolhido foi por ser conhecido pela

ocorrência de conflitos de gangues que buscam vender e controlar o mercado de drogas,

envolvendo tanto tráfico quanto consumo. O bairro é também marcado pela ausência de

uma boa estrutura educacional e precariedade habitacional (Correia, 2011).

Como nossa pesquisa envolve as possíveis estratégias de respostas às demandas

relacionadas ao consumo abusivo de álcool e outras drogas por parte das equipes de

Atenção Primária, observamos o bairro de Felipe Camarão um local que necessita de

maiores cuidados por parte dos governos, como também ser alvo de pesquisas, reflexões

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67

e ações que potencializem sua capacidade de enfrentamento dos problemas e suas

possibilidades de transformação.

De acordo com dados obtidos junto à coordenação do departamento de

Estratégia Saúde da Família, da Secretaria Municipal de Saúde de Natal/RN, o bairro de

Felipe Camarão apresenta três Unidades de Saúde da Família: a Unidade Mista de

Felipe Camarão, Unidade de Saúde da Família Felipe Camarão II e Unidade de Saúde

da Família Felipe Camarão III. Utilizamos como critério para seleção das equipes de

saúde da família com as quais trabalhamos, o fato de serem assistidas por uma equipe

do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), pois assim pudemos trabalhar com

todas as possíveis vertentes integrantes da Atenção Primária na região. Dessa forma,

trabalhamos com a UFS Felipe Camarão II (a qual possui 4 equipes de Saúde da

Família), pois somente ela é acompanhada por um NASF3, o qual tem sua sede no

bairro de Nazaré e que além de Felipe Camarão II ainda cobre as Unidades de Saúde da

Família dos bairros de Nazaré, Monte Líbano e Km 6.

O NASF Nazaré, assim como os demais na cidade, é formado por um assistente

social, um psicólogo, um nutricionista, um farmacêutico e um educador físico. Todos

com 40 horas semanais e dois fisioterapeutas com 20 h semanais por equipe.

As equipes de SF Unidade de Felipe Camarão II, assim como as demais, são

denominadas pela ordem com que foram implantadas, são elas: equipe 1, 7, 8 e 9. Nesse

sentido, trabalhamos com a primeira equipe implantada no município de Natal, ou seja,

com profissionais que ocupam seus cargos desde 1999. As demais equipes apresentam

3 A cidade de Natal possui 3 NASFs, implantados em dezembro de 2010. São eles: NASF África, NASF

Santarém e NASF Nazaré (as denominações de cada NASF diz respeito ao bairro no qual ele está

sediado).

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profissionais com diferentes tempos de trabalho, variando 1999 até 2011. A composição

das equipes pode ser vista no quadro a seguir:

Tabela 2 – Quadro de profissionais das equipes de Saúde da Família de Felipe Camarão II

Equipe 1 Equipe 7 Equipe 8 Equipe 9

6 agentes comunitários

de saúde

5 agentes comunitários

de saúde

6 agentes comunitários

de saúde

5 agentes comunitários

de saúde

2 auxiliares de

enfermagem

2 auxiliares de

enfermagem

2 auxiliares de

enfermagem

2 auxiliares de

enfermagem

1 enfermeiro 1 enfermeiro 1 enfermeiro 1 enfermeiro

1 médico 1 médico 1 médico -

Total: 10 profissionais Total: 9 profissionais Total: 10 profissionais Total: 8 profissionais

Fonte – Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), Recuperado de www.siab.datasus.gov.br

Nossa pesquisa foi composta por duas etapas. A primeira consistiu em fazermos

um mapeamento de casos de consumo de álcool e outras drogas na população de Felipe

Camarão (com o apoio dos Agente Comunitário de Saúde) utilizando como ferramentas

um questionário sociodemográfico e o ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance

Involvement Screening Test), um instrumento de triagem breve para identificar pessoas

que usam substâncias psicoativas (etapa quantitativa). Na uma segunda fase, depois de

processados os dados do mapeamento, fizemos Rodas de Conversa para discutir a

experiência e resultados do mapeamento, dentre outras questões, com as equipes de

Saúde da Família e NASF (etapa qualitativa). As etapas são explicadas detalhadamente

nos tópicos seguintes.

A realização de um mapeamento que possibilitasse conhecer os índices de

consumo abusivo de álcool e outras drogas na população teve a intenção de contribuir

para um melhor planejamento dos serviços de saúde oferecidos à comunidade, uma vez

que a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, assim como as equipes de Saúde da

Família não dispunham de dados dessa natureza. Além disso, a identificação dos casos

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de consumo problemático e abusivo, assim como o perfil dessa população, pode

funcionar como uma base de informação para a definição de tratamentos, elaboração

dos programas de prevenção, bem como na organização e implementação da rede de

serviços de saúde mental local (Andrade et al., 2009).

3.1 A entrada no campo: limites trazidos pelas equipes

Para iniciar a aplicação dos instrumentos, o primeiro passo foi conversar com as

enfermeiras (pois ao que tudo indicava, eram elas as responsáveis pelas equipes) para

apresentar a proposta da pesquisa e saber quando poderíamos iniciar o mapeamento. As

respostas delas indicaram que seríamos bem vindas a realizar a pesquisa na comunidade

e que poderíamos começar imediatamente.

No entanto, depois da primeira semana de aplicação dos instrumentos, alguns

Agentes Comunitários de Saúde começaram um movimento de rejeição diante do nosso

convite para sair na comunidade. Quando íamos ao encontro deles, muitas vezes

percebíamos que eles fugiam de nós, esquivavam-se diante de nossa presença. Depois

de muito tentarmos conversar com eles, conseguimos fazer com que falassem conosco e

justificassem esse comportamento. O argumento deles se baseava no fato de que os

índices de violência da comunidade pareciam crescer a cada dia, e que uma vez que eles

moram no bairro, sair na comunidade falando sobre drogas significaria perigo para eles,

nossa presença poderia ser interpretada como sendo de origem policial investigativo. Ou

seja, falar sobre drogas numa comunidade que sofre com os efeitos de consumo e tráfico

de entorpecentes se mostrou arriscado até para profissionais de saúde. Como pensar em

formas de cuidado para usuário de álcool e outras drogas se somente a menção no

assunto já causa tanto alvoroço?

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Não consideramos injustificada tal atitude dos profissionais diante da

possibilidade de perigo iminente, no entanto pesquisas indicam que existem crenças e

atitudes negativas em relação ao trabalho de prevenção do uso de álcool e outras drogas

e em relação aos usuários (Amato, Silveira, Oliveira, & Ronzani, 2008a). Entre as

crenças dos profissionais da Atenção Primária, cita-se que os pacientes se sentiriam

ofendidos ao serem indagados sobre o uso do álcool, por exemplo, por este

comportamento ser socialmente aceito, ou ainda, que o usuário muitas vezes é

estigmatizado por seu uso, dificultando o acesso ao tratamento e prevenção.

Soares et al. (2011) esclarece que muitos dos sintomas atribuídos a algumas

condições de saúde resultam na aplicação de um rótulo desviante - por caracterizarem a

violação de regras ou padrões sociais - o que gera dificuldade de se separar a condição

de saúde de uma pessoa do rótulo que essa carrega, influenciando na disposição

individual de alguém de engajar-se em atividades com tais pessoas. Neste sentido, a

atribuição de características indesejáveis a alguém pode conduzir à rejeição da pessoa

rotulada, ocasionando o distanciamento social.

Esse desejo de distanciamento muitas vezes acontece a partir da possibilidade de

uma ameaça, ocasionada por percepções distorcidas e compartilhadas das diferenças

entre grupos, tais como: características físicas, violações de regras sociais, falta de

controle ou imprevisibilidade da doença e responsabilidade atribuída à pessoa pelo

surgimento ou solução de sua condição de saúde. Tais distorções podem envolver

atribuição de periculosidade e ameaça à saúde física daquele que percebe, despertando

reações emocionais negativas como o medo, relativo mesmo a quem não é, de fato,

perigoso (Soares et al., 2011).

Um estudo realizado por Peluso e Blay (2008) objetivou avaliar a percepção da

população em relação ao dependente de álcool na cidade de São Paulo e mostrou que

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esses indivíduos são percebidos como violentos e capazes de despertar reações

negativas entre os membros da comunidade. Outros estudos apontam que indivíduos

dependentes de álcool e outras drogas são vistos como mais responsáveis por seu

problema, mais violentos e mais imprevisíveis que indivíduos afetados por outros

transtornos mentais. Tais percepções condizem com o fato do consumo de álcool e

outras drogas ser considerado como uma das principais condições estigmatizadas em

todo o mundo (Soares et al., 2011).

Assim, profissionais de saúde que reproduzem atitudes autoritárias e

estigmatizantes em relação a seus pacientes sem questionar os saberes e práticas nos

quais se inserem, deixam de atender às reais demandas do usuário do serviço,

promovendo tratamentos pobres e coercivos (Ronzani, 2007). Dessa forma, considerar

as crenças e atitudes em saúde torna-se cada vez mais importante, pois é possível

constatar o aumento da incidência de doenças crônicas onde o aspecto comportamental

no tratamento e prevenção se mostra cada vez mais relevante. Nesse sentido, as atitudes

que a população ou profissionais apresentam sobre determinada situação de saúde serão

fundamentais para a qualidade no atendimento, adesão ao tratamento e atividades de

prevenção.

Na nossa pesquisa, somente depois das constantes negações dos agentes em

aceitarem nossa presença nas visitas é que percebemos um grave erro na nossa

condução da pesquisa - por imaginar que falando com as enfermeiras, estas passariam as

informações aos demais integrantes da equipe. Poderíamos ter evitado, ou pelo menos,

amenizado essa reação dos Agentes, se antes mesmo de iniciar a pesquisa tivéssemos

marcado uma reunião com todos os integrantes das equipes de saúde da família a fim de

explicar nossa proposta detalhadamente, enfatizando (1) o caráter de sigilo nos

momentos de aplicação dos instrumentos; (2) explicando que em momento algum

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perguntaríamos o nome das pessoas; (3) que o principal instrumento utilizado (ASSIST)

foi idealizado pela Organização Mundial de Saúde e, por isso, já foi aplicado em vários

países e utilizado em diversas pesquisas e; (4) ter mostrado aos agentes nosso

instrumento para que eles próprios pudessem perceber que em nenhum momento

falaríamos em compra e venda das substâncias mencionadas.

Decidimos então marcar uma grande reunião com todos os profissionais das 4

equipes de SF. No encontro, apresentamos os instrumentos da pesquisa; deixamos claro

o caráter de confidencialidade dos dados a serem fornecidos; garantimos que os

profissionais poderiam escolher participar ou não da pesquisa; tiramos quaisquer

dúvidas que pudessem ser colocadas e perguntamos se poderíamos seguir com o

mapeamento. Durante a reunião, muitos agentes se colocaram contra a pesquisa,

reafirmando o medo de falar sobre drogas na comunidade. Sugerimos que poderíamos

aplicar os instrumentos usando uma bata, para que pudéssemos ser identificadas como

profissionais de saúde. Esse gesto poderia contribuir para o ganho de confiança tanto da

população quanto dos próprios agentes.

Alguns profissionais mostraram apoio em relação ao mapeamento, afirmando a

importância de se fazer pesquisas com a finalidade de se pensar em projetos para a

melhoria da saúde da população. Mesmo assim, alguns agentes se negaram em

definitivo de participar da pesquisa. Diante disso, combinamos que sairíamos somente

com os agentes que se sentissem a vontade e que tentaríamos compensar a falta de

algumas áreas de cobertura (já que cada Agente é responsável por uma área diferente)

saindo mais vezes com os agentes que aceitaram nossa companhia nas visitas. Somente

13 dos 22 agentes concordaram em participar.

3.2 O mapeamento: o caminho, seus resultados e a construção das discussões

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73

A definição amostral da população levou em consideração o número de pessoas

cadastradas na área atendida pelas equipes de Saúde da Família.

O processo de procura por essa informação apresentou algumas dificuldades que

merecem ser aqui mencionadas. Quando procuramos a Secretaria Municipal de Saúde a

fim de obter tais informações, o departamento responsável pela Estratégia de Saúde da

Família do município nos informou que eles não dispunham desses números e que

deveríamos buscar tais dados diretamente com as equipes.

Quando fomos conhecer a Unidade de Felipe Camarão II procuramos o diretor

da Unidade para que pudéssemos apresentar a proposta da realização da pesquisa e

perguntar como poderíamos obter o número de pessoas cadastradas pelas equipes de SF.

A resposta que obtivemos foi que seríamos bem vindas para fazer nosso estudo em

parceria com a Unidade, mas esses dados somente as equipes poderiam ter e que seria

mais interessante se procurássemos uma das enfermeiras, pois são elas as responsáveis

pelos prontuários e relatórios. Procuramos então uma enfermeira de uma das equipes.

Ela nos disse que recentemente as equipes realizaram um levantamento do número de

famílias e pessoas cadastradas pelas equipes de SF, mas naquele momento ainda não

haviam processado as informações e chegado a um resultado.

O passo seguinte foi retornar a Secretaria de Saúde buscando os dados mais

recentes que poderiam ter em mãos. Fomos encaminhadas aos responsáveis pelo SIAB

(Sistema de Informação da Atenção Básica) e finalmente conseguimos o número de

pessoas cadastradas no ano de 2011. Foram com esses números que trabalhamos a

definição amostral de pesquisa.

No ano de 2011, a população total coberta pelas equipes foi de 16.908 pessoas

(3.783 famílias). A escolha da faixa etária que participaria do nosso estudo se deu pelo

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interesse em trabalhar com pessoas acima de 18 anos, mas nos relatórios do SIAB a

divisão por faixa etária se dá dividindo pessoas de 1 a 4 anos; 5 a 6 anos; 7 a 8 anos, 10

a 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 e acima de 60 anos.

Optamos, nesse sentido, por eleger como participantes da pesquisa homens e mulheres

acima de 20 anos. Seguindo esses critérios, obtivemos como população inicial abaixo.

Tabela 3 – População inicial da pesquisa acima de 20 anos.

Faixa Etária Número de pessoas

20 - 39 6.722

40 - 49 2.431

50 - 59 1.382

Acima de 60 1.633

Total 12.168

Para o cálculo da amostra4, o tamanho mínimo foi definido, com intervalo de

confiança de 95% (ou seja, considerando o erro amostral tolerável como 0,05), pelas

fórmulas:

Com o valor de N=12.168 (total de pessoas na faixa de idade que nos interessou)

e E0=0,05, obtemos o valor de n0= 400. Inserindo esse número na segunda fórmula,

chegamos ao valor de n= 387 (valor mínimo da amostra).

Para que conseguíssemos realizar o mapeamento de forma proporcional, foi

necessário descobrir a quantidade de pessoas referente as porcentagens das faixas

4 Contamos com a ajuda do professor Dr. João Carlos Alchieri, do Programa de Pós Graduação em

Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgPsi/UFRN), para a definição da amostra

da pesquisa.

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etárias da população coberta pelas equipes, quando tomamos como base o total mínimo

da amostra (387 pessoas). Fazendo os cálculos, chegamos a tais proporções:

Tabela 4 – Quantidade e proporções da escolha amostral

Faixa Etária Proporção Número de pessoas

20 -39 55,2% 214

40 – 49 20% 77

50 – 59 11,4% 44

Acima de 60 13,4% 52

O modo como chegamos aos participantes da pesquisa se deu com o apoio dos

agentes comunitários de saúde. Como são 4 equipes trabalhando na Unidade de Saúde e

existem 22 agentes no total (2 equipes com 5 agentes e 2 com 6 agentes) onde cada

agente é responsável por uma área de cobertura distinta, foram realizadas visitas

domiciliares com cada agente comunitário de saúde que aceitou participar da pesquisa -

aplicando os instrumentos nas pessoas que estavam presentes nas residências no

momento das visitas e buscando coletar os dados de forma a contemplar números

equivalentes de homens e mulheres em cada faixa etária, bem como de cobertura das

quatro áreas cobertas pelas equipes.

Com o objetivo de obter dados acerca das condições socioeconômicas dos

participantes da pesquisa foi aplicado um questionário abordando quesitos como: sexo,

idade, escolaridade, estado civil, ocupação, renda, condições de moradia e trabalho.

Utilizamos também o ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement

Screening Test) (ver anexo A), que, de acordo com Henry-Edwards, Humeniuk & Ali

(2003), é um questionário de triagem breve para detectar o uso de substâncias

psicoativas. Ele foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por um

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grupo internacional de pesquisadores, sendo um método simples de triagem do uso

nocivo ou de risco de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Sua utilização é rápida, podendo

ser aplicado em cinco a dez minutos. O questionário, composto por 8 perguntas,

investiga o uso de tabaco, álcool, maconha (cannabis), cocaína, anfetaminas, sedativos,

alucinógenos, inalantes, opiáceos e outras drogas. Este instrumento foi traduzido para

várias línguas, inclusive para o português falado no Brasil, já tendo sido testado quanto

à sua confiabilidade e factibilidade, quando aplicado por pesquisadores.

Henrique et al (2004) aponta as vantagens da utilização de instrumentos na

Atenção Primária ao afirmar que em geral, os usuários de substâncias psicoativas

procuram os serviços especializados já em uma fase muito grave do distúrbio.

Considerando-se que a intervenção em fases iniciais do problema melhora muito o

prognóstico, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias de detecção e

intervenção. O primeiro recurso necessário é um instrumento para detecção do uso que

seja válido, confiável e de baixo custo.

O estudo da confiabilidade teste-reteste do ASSIST foi realizado com 236

indivíduos, em diferentes locais do mundo, sendo observado bom nível de confiança

(coeficientes Kappa entre 0,58 a 0,90 para as principais questões), sendo o seu uso

considerado factível em locais de assistência primária à saúde. Algumas características

do ASSIST sugerem que ele seja adequado para uso em serviços de assistência não

especializados: sua estrutura padronizada, rapidez de aplicação, abordagem simultânea

de várias classes de substâncias e facilidade de interpretação.

Cada questão do ASSIST apresenta uma resposta estruturada e cada resposta

apresenta um escore numérico. O entrevistador simplesmente circula o escore numérico

que corresponde à resposta do paciente em cada questão. No fim da entrevista, esses

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77

escores são somados para se chegar ao escore final do ASSIST. Dois tipos de escores

podem ser calculados no ASSIST.

(a) Escore do Envolvimento com Substâncias Específicas: soma da pontuação

associada às respostas das Questões 2-7 dentro de cada classe de droga.

(b) Escore do Envolvimento Total com Substâncias: soma dos escores

(continuum global de risco) das Questões 1-8 para todas as classes de droga.

O escore mais útil para a triagem é o Envolvimento com Substâncias Específicas

para cada classe de droga usada. Ele fornece uma medida de uso e problemas dos

últimos três meses para cada substância investigada no ASSIST e alerta para o risco de

futuros problemas relacionados ao uso de drogas. Cada pessoa pode ter até 10 escores

de Envolvimento com Substâncias Específicas dependendo de quantos diferentes tipos

de drogas ele usou. Foi com esse tipo de escore que trabalhamos nesse estudo.

Os resultados do instrumento podem apresentar três tipos de interpretações. (a)

pessoas com escores do Envolvimento com Substâncias Específicas menores que 3 (ou

10 no caso de álcool) estão sob baixo risco de apresentar problemas relacionados ao uso

de substâncias. Embora usem substâncias ocasionalmente, atualmente eles não

apresentam nenhum problema relacionado ao uso de droga e estão sob baixo risco, se

continuarem com o mesmo padrão de consumo. (b) Escores médios entre 4 (ou 11 para

o álcool) e 26 são indicativos de uso nocivo ou problemático de substâncias. Usuários

com escores nessa faixa apresentam risco moderado de passar por problemas por causa

de seu padrão de uso. O risco é aumentado para aqueles com história passada de

problemas ou dependência. (c) Escores acima de 27 para qualquer substância sugerem

que o usuário está sob alto risco de dependência daquela droga e está provavelmente

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passando por problemas de saúde, sociais, financeiros, legais ou de relacionamento, em

consequência do seu uso.

No momento de aplicação desse instrumento é sempre importante ressaltar a

privacidade dos participantes e a confidencialidade das informações que o participante

fornece. Isto é importante principalmente quando forem questionadas informações

relacionadas ao uso da substância.

O uso de substâncias psicoativas é uma prática criminal ou, pelo menos, ilegal

na maioria dos países. Existe também um estigmatização e discriminação contra as

pessoas identificadas como usuárias de drogas. Torna-se essencial assegurar ao

participante que sua informação será confidencial, o que pode facilitar uma melhor

investigação sobre o uso da substância (Henry-Edwards, Humeniuk & Ali, 2003).

O mapeamento ocorreu entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013. Para que

pudéssemos finalizar a aplicação dos instrumentos na comunidade no tempo planejado,

contamos com a ajuda de 5 estudantes de Psicologia, bolsistas de iniciação científica, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Antes de partirmos em direção

às aplicações, realizamos um treinamento entre as pessoas que iriam aplicar os

instrumentos, onde pudemos nos familiarizar com eles, aplicá-los em nós mesmas e nos

assegurar que estaríamos prontas para a realização devida do processo de pesquisa.

Depois de finalizada a aplicação dos instrumentos na população de cobertura das

equipes de saúde da família da Unidade Felipe Camarão II, os dados foram reunidos e

processados com o auxilio de planilhas eletrônicas e softwares estatísticos.

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79

3.2.1. Perfil da população mapeada

De acordo com nossa definição amostral, o número mínimo de pessoas a serem

mapeadas foi 387. Ao final do mapeamento contamos com 406 instrumentos aplicados.

Como mencionado anteriormente, procuramos obter números equivalentes de

questionários aplicados por equipe. Os resultados obtidos estão na tabela a seguir:

Tabela 5 - Questionários aplicados por equipe

Em relação à idade dos participantes, buscamos adequá-la de acordo com o

perfil da população coberta pelas equipes de Felipe Camarão II. Ver resultado na tabela

a seguir:

Tabela 6 - Faixa etária da população mapeada

Equipe Participantes

1 103 (25,4%)

7 100 (24,6%)

8 101 (24,9%)

9 102 (25,1%)

Faixa etária Proporção Número de pessoas

20-39 54,5% 221

40-49 20,6% 84

50-59 11,4% 46

Acima de 60 13,5% 55

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A seguir, mostramos os gráficos referentes ao sexo dos participantes, nível de

escolaridade, estado civil, ocupação5, recebimento de benefício, renda, tipo de moradia

e pessoas que moram na casa.

Figura 8 – Sexo dos participantes

Figura 9 – Nível de escolaridade dos participantes

Figura 10 – Estado Civil dos participantes

5 No quesito ocupação, a alternativa “trabalha em casa” faz referencia as pessoas que mesmo donas de

casa, montaram pequenos negócios em suas casas para complementarem a renda familiar, são geralmente

lojinhas de bijuterias, roupas, artesanatos e bancas de frutas e verduras.

113 (27,8%)

293 (72,2%)

Masculino Feminino

Sexo

30(7,4%)

278 (68,5%)

92 (22,7%)

6 (1,5%)

Não estudou Fundamental Médio Superior

Nível de escolaridade

132 (32,5%) 128 (29,8%) 119 (29,3%)

11 (2,7%) 23 (5,7%)

Solteiro Casado União estável

Separado Viúvo

Estado Civil

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Figura 11 – Ocupação dos participantes

Figura 12 – Recebimento de benefício pelos participantes

Figura 13 – Renda dos participantes

58 (14,3%)

80 (19,7%) 43

(10,6%)

112 (27,6%) 72

(17,7%) 41 (10,1%)

Ocupação

9 (2,2%)

50 (12,3%) 12

(3%)

98 (24,1%)

235 (57,9%)

Pensão Aposentadoria Auxílio doença bolsa família não recebe

Recebimento de benefício

87 (21,4%)

239 (58,9%)

78 19,2%

2 (0,5%)

menos de 1 salário 1 salário 2 a 3 salários 4 a 5 salários

Renda

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Figura 14 – Tipo de moradia dos participantes

Figura 15 – Pessoas que moram com os participantes

Como é possível observar, a maioria dos participantes da pesquisa é do sexo

feminino, entre 20 e 39 anos, completou ou parou os estudos no ensino fundamental,

está em um tipo de relacionamento estável - seja casado ou em uma união estável –

donos de casa ou que trabalham em casa, não recebem benefício, com renda mensal de

1 salário mínimo, morando em casa própria com 4 pessoas. Das mulheres que

participaram do mapeamento 56% (n=167) tem idade entre 20 e 39 anos, 19,1% (n=56)

têm entre 40 e 49 anos, 11,2% (n=33) têm entre 50 e 59 anos e 12,6% (n=37) têm mais

de 60 anos.

299 (73,6%)

29 (7,1%)

78 (19,2%)

Casa própria Casa de parentes Casa alugada

Tipo de moradia

15 (3,7%%)

41 (10,1%)

99 (24,4%)

128 (31,5%)

86 (21,2%)

37 (9,1%)

Mora sozinho

2 pessoas 3 pessoas 4 pessoas 5 pessoas 6 ou mais pessoas

Pessoas que moram com o participante

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3.2.2 Uso de álcool e outras drogas na Atenção Primária.

Quando perguntados se já usaram algum tipo de substância, citada no

instrumento, 85% (n=345) das pessoas responderam que sim e 15% (n=61).

responderam nunca ter usado. Das pessoas que usaram algum tipo de substância na vida

69,2% (n=239) são mulheres e têm entre 20 e 39 anos (61,5%, n=147). Tendo em vista

que 113 homens fizeram parte da pesquisa e das pessoas que disseram já ter usado

algum tipo de substancia na vida 106 são homens, podemos perceber que quase todos os

homens participantes já usaram alguma substância, apresentando em sua maioria

(46,2%, n=49) idade também entre 20 e 39 anos. Apesar do instrumento apresentar 9

tipos de substâncias psicoativas (derivados do tabaco, bebidas alcoólicas, maconha,

cocaína/crack, anfetamina/êxatase, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos,

opióides), das pessoas que relataram já ter usado alguma droga na vida, somente o

álcool, o tabaco e a maconha foram citadas dentre as substâncias. Segue tabelas

explicitando a utilização das substancias citadas pelos participantes.

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Tabela 7 - Utilização de tabaco pelos participantes dividido por sexo e idade.

Tabela 8 - Utilização de álcool pelos participantes dividido por sexo e idade

Idade em anos dos participantes Utilização de tabaco pelos

participantes

Total

sim Não

20 a 39 Sexo dos participantes

Masculino 32 22 54

Feminino 76 91 167

Total 108 113 221

40 a 49 Sexo dos participantes

Masculino 25 3 28

Feminino 30 26 56

Total 55 29 84

50 a 59 Sexo dos participantes

Masculino 8 5 13

Feminino 20 13 33

Total 28 18 46

acima de 60 Sexo dos participantes

Masculino 15 3 18

Feminino 27 10 37

Total 42 13 55

Total Sexo dos participantes

Masculino 80 (19,7%) 33 113

Feminino 153 (37,6%) 140 293

Total 233 (57,4%) 173 (42,6%) 406

Idade em anos dos participantes Utilização de álcool pelos

participantes

Total

sim Não

20 a 39 Sexo dos participantes

Masculino 49 5 54

Feminino 147 20 167

Total 196 25 221

40 a 49 Sexo dos participantes

Masculino 28 0 28

Feminino 38 18 56

Total 66 18 84

50 a 59 Sexo dos participantes

Masculino 12 1 13

Feminino 21 12 33

Total 33 13 46

acima de 60 Sexo dos participantes

Masculino 17 1 18

Feminino 26 11 37

Total 43 12 55

Total Sexo dos participantes

Masculino 106 (26,1%) 7 113

Feminino 232 (57,1%) 61 293

Total 338 (83,3%) 68 (16,7%) 406

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85

Tabela 9 - Utilização de maconha dividido por sexo e idade

Segue os resultados do ASSIST referentes às substancias mencionadas:

Tabela 10 - Resultado do ASSIST para uso de álcool dividido por sexo e idade

Idade em anos dos participantes Utilização de maconha pelos

participantes

Total

sim Não

20 a 39 Sexo dos participantes

Masculino 21 33 54

Feminino 45 122 167

Total 66 155 221

40 a 49 Sexo dos participantes

Masculino 11 17 28

Feminino 8 48 56

Total 19 65 84

50 a 59 Sexo dos participantes

Masculino 1 12 13

Feminino 0 33 33

Total 1 45 46

acima de 60 Sexo dos participantes

Masculino

18 18

Feminino

37 37

Total

55 55

Total Sexo dos participantes

Masculino 33 (8,2%) 80 113

Feminino 53 (13%) 240 293

Total 86 (21,2%) 320 (78,8%) 406

Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização de

bebidas alcoólicas

Total

baixo risco uso nocivo ou

problemático

alto risco de

dependência

20 a 39

Sexo dos

participantes

Masculino 21 21 7 49

Feminino 70 63 14 147

Total 91 84 21 196

40 a 49

Sexo dos

participantes

Masculino 12 9 7 28

Feminino 21 15 2 38

Total 33 24 9 66

50 a 59

Sexo dos

participantes

Masculino 9 2 1 12

Feminino 16 5 0 21

Total 25 7 1 33

acima de 60

Sexo dos

participantes

Masculino 15 2 0 17

Feminino 18 6 2 26

Total 33 8 2 43

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86

Tabela 11 - Resultado do ASSIST para uso de tabaco dividido por sexo e idade

Total

Sexo dos

participantes

Masculino 57 (14%) 34 (8,3%) 15 (3.6%) 106

Feminino 125 (30,7%) 89 (21,9%) 18 (4,4% 232

Total 182 (45%) 123 (30,2%) 33 (8,1%) 338

Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização de

derivados do tabaco

Total

baixo risco de

dependência

uso nocivo ou

problemático

alto risco de

dependência

20 a 39

Sexo dos

participantes

Masculino 21 3 8 32

Feminino 41 18 18 77

Total 62 21 26 109

40 a 49

Sexo dos

participantes

Masculino 8 17 25

Feminino 17 12 29

Total 25 29 54

50 a 59

Sexo dos

participantes

Masculino 5 1 2 8

Feminino 12 1 7 20

Total 17 2 9 28

acima de 60

Sexo dos

participantes

Masculino 10 2 3 15

Feminino 14 3 10 27

Total 24 5 13 42

Total

Sexo dos

participantes

Masculino 44 (10%) 6 (1,4%) 30 (7,3%) 80

Feminino 84 (20,6%) 22 (5,4%) 47 (11,5%) 153

Total 128 (31,5%) 28 (6,8%) 77 (18,9%) 233

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87

Tabela 12 – Resultado do ASSIST para uso de maconha dividido por sexo e idade

Os dados apresentados indicam que o álcool foi a substância com maior uso na

vida entre homens e mulheres, chegando a 83,3%. 57,1% das mulheres e 26,1% dos

homens disseram já ter usado a substancia. Dessa população, 45% das pessoas

apresentaram baixo risco de apresentar dependência, no entanto, a soma do índice de

uso nocivo ou problemático ao uso de alto risco de dependência chegou a 38,3%,

concentrando-se na faixa etária de 20 a 49 anos (40,8%, n=138). Comparando os

resultados referentes ao álcool com o sexo dos participantes, chama atenção que mesmo

em maior número, quando comparado os resultados de alto risco de dependência é

quase equivalente o número de homens e mulheres.

O tabaco foi a segunda substância mais citada, com uso na vida de 57%. 19,7%

dos homens e 37,6% das mulheres afirmaram terem usado a substancia alguma vez na

Idade em anos dos participantes Resultado do teste ASSIST para utilização

de maconha

Total

baixo risco uso nocivo ou

problemático

alto risco de

dependência

20 a 39

Sexo dos

participantes

Masculino 12 7 2 21

Feminino 21 21 2 44

Total 33 28 4 65

40 a 49

Sexo dos

participantes

Masculino 11 0 11

Feminino 6 3 9

Total 17 3 20

50 a 59

Sexo dos

participantes

Masculino 1 0 1

Feminino 0 0 0

Total 1 0 1

acima de

60

Sexo dos

participantes

Masculino

Feminino

Total

Total

Sexo dos

participantes

Masculino 24 (5,9%) 7 (1,7%) 2 (0,4%) 33

Feminino 27 (6,6%) 24 (6,1%) 2 (0,4%) 53

Total 51 (12,5%) 31 (7,6%) 4(0,9%) 86

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88

vida. O índice de baixo risco de dependência atingiu 31,5% e a soma do uso

problemático e dependente chegou a 25,7%, sobressaindo o índice de alto risco de

dependência, predominante em pessoas de 20 a 49 anos (13,5%, n=55). Podemos mais

uma vez constatar proximidade na quantidade de homens e mulheres que apresentam

alto risco de dependência.

Já a maconha se apresenta como a substância com menor índice de uso na vida

(21,2%) usada por 13% das mulheres e 8,2% dos homens. A utilização da substância na

população de estudo se deu em sua maioria por pessoas entre 20 e 39 anos (75,5%,

n=65). Interessante notar que somente uma pessoa acima de 50 anos disse ter usado a

substância. 12,5% dos participantes apresentaram baixo risco de apresentar dependência

e seu índice de uso problemático ou nocivo somado ao alto risco de dependência atingiu

8,5%. Chama atenção a grande quantidade de mulheres apresentando uso nocivo ou

problemático (25).

A partir dos dados aqui apresentados, nosso estudo revelou que as mulheres se

destacaram bem mais que os homens em termos do uso de substâncias. 56% têm entre

20 e 39 anos, são donas de casa, têm relacionamento estável e são consumidoras de

tabaco (37,6%), maconha (13%) e principalmente de álcool (57,1%). O uso das

substâncias em questão muitas vezes foi relatado no decorrer do mapeamento como uma

saída para o estresse do dia a dia, como forma de socialização, estratégia para aliviar as

tensões com filhos, companheiros, trabalho (ou falta deste) e problemas financeiros.

Esses dados serão melhor analisados adiante.

Page 94: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · ECC Equipe de Cuidados Continuados ESF Estratégia de Saúde da Família IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

89

3.2.3 Homens e os serviços de saúde

O perfil majoritariamente feminino encontrado foi seguramente influenciado

pelo fato das visitas domiciliares terem sido realizadas somente pela manhã, horário em

que geralmente os homens não estão em casa. Foi evidente a maior presença de

mulheres em busca de consultas, exames, vacinas e demais serviços tanto para elas

mesmas quanto para seus familiares, principalmente crianças. Isso indica um maior

contato das mulheres com os serviços de saúde, seja frequentando a Unidade, seja

recebendo as visitas dos Agentes Comunitários de Saúde em seus domicílios. Mas, e os

homens? Por que não aparecem tão frequentemente na Unidade ou na rotina de

cuidados das visitas domiciliares?

Alguns estudos indicam uma diferença significativa na procura por serviços de

saúde entre homens e mulheres, evidenciando a maior utilização por mulheres dos

serviços de saúde, sejam estes de acompanhamento na Atenção Primária, ambulatoriais

ou hospitalares (Alves, Silva, Ernesto, Lima & Souza, 2011, Figueiredo, 2005).

Enquanto a demanda masculina por serviços ambulatoriais é descrita, em sua maior

parte, como gerada pelo trabalho ou pelo seguro social, a demanda feminina apresenta-

se principalmente como voluntária, revelando maior propensão das mulheres a buscar

cuidados de saúde de modo espontâneo (Pimentel et al, 2011).

Pesquisa realizada por Pimentel et al (2011) - quando analisam o perfil da

demanda atendida em uma Unidade de Saúde da Família - afirmam que um ponto

importante para justificar a grande quantidade de mulheres na Atenção Primária é a

procura pela prevenção do câncer, sendo os exames para prevenção do câncer de colo

uterino o segundo motivo de atendimento mais comum na unidade do estudo (o

primeiro motivo foi a hipertensão arterial). Figueiredo (2005) aponta que os homens

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90

preferem utilizar outros serviços de saúde como farmácias ou prontos-socorros, que

responderiam mais objetivamente as suas demandas. Nesses lugares, os homens seriam

atendidos mais rapidamente e conseguiriam expor seus problemas com mais facilidade.

Tal fenômeno está atravessado claramente por questões de gênero – aqui

entendido como as condições que histórica e socialmente constroem e estabelecem as

relações sociais de sexo, permeadas pelo poder e desigualdade (Scott, 1995) –, em que

homens e mulheres sob efeito de elementos culturais distintos, desenvolvem padrões de

comportamentos diferentes com relação aos autocuidados com a saúde.

De acordo com Couto et al (2010), a ideia de que o cuidado com a saúde é

atribuição do feminino - e ao masculino é atrelada a noção de um não-cuidado - está

presente no imaginário dos serviços de saúde. O autor diz em seu estudo que essas

concepções se reproduzem no discurso dos usuários, até mesmo de profissionais de

saúde, uma vez que é possível identificar diversas representações e estereótipos

relacionados aos gêneros, tais como: “homens são mais fortes; o corpo feminino tem

particularidades que demandam mais cuidados; mulheres são naturalmente cuidadoras,

etc” (p.260).

Gomes, Nascimento e Araújo (2007) apontam como justificativa para tais

premissas a socialização que as mulheres recebem, desde cedo, para reproduzirem e

consolidarem os papéis que as tornam responsáveis, quase que exclusivamente, pela

manutenção das relações sociais (de cuidados) e pela prestação de serviços aos outros.

Em contrapartida, ser homem seria associado à invulnerabilidade, força e virilidade.

Características essas, incompatíveis com a demonstração de sinais de fraqueza, medo,

ansiedade e insegurança, representada pela procura aos serviços de saúde, o que

colocaria em risco a masculinidade e aproximaria o homem das representações de

feminilidade.

Page 96: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · ECC Equipe de Cuidados Continuados ESF Estratégia de Saúde da Família IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

91

Outra questão apontada pelos autores que reforça a ausência dos homens nos

serviço de saúde seria o medo da descoberta de uma doença grave, assim, não saber

pode ser considerado um fator de “proteção” para os homens. Pode-se ainda citar como

dificuldade para o acesso dos homens a esses serviços, a vergonha da exposição do seu

corpo perante o profissional de saúde, particularmente a região anal, no caso da

prevenção ao câncer de próstata - reforçado pelo fato de haver mais profissionais,

principalmente de enfermagem, do sexo feminino. Também é apontado como um fator

que dificulta esse acesso a falta de unidades específicas para o tratamento da saúde do

homem. Os serviços de saúde também são considerados pouco aptos em absorver a

demanda apresentada pelos homens, pois sua organização não estimula o acesso e as

próprias campanhas de saúde pública pouco se voltam para este segmento (Gomes,

Nascimento, & Araújo, 2007).

Atrelado a esse cenário está a percepção dos profissionais de saúde que

sustentam a ideia de que os homens não cuidam nem de si nem de outras pessoas e,

portanto, não procuram os serviços ou o fazem de formas menos autênticas. Baseados

nessa premissa, suas ações no cotidiano da assistência acabam por reforçar esta

dimensão da invisibilidade do homem. Quando não reconhecem os homens como

potenciais sujeitos de cuidado, deixam de estimulá-los às práticas de promoção e

prevenção da saúde ou não reconhecem casos em que eles demonstram tais

comportamentos (Gomes, Nascimento & Araújo, 2007).

Com base na identificação dessa problemática, o Ministério da Saúde lançou, em

agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – o

PNAISH (Brasil, 2008), para assistir os homens entre 25 e 59 anos. A faixa etária em

foco que embora represente 41,3% da população masculina, e 20% do total da

população brasileira, além de ser uma parcela preponderante da força produtiva com

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92

significativo papel sociocultural e político, não estava, até então, incluída em nenhuma

política de saúde.

A política proposta pretende identificar os elementos psicossociais que

acarretam a vulnerabilidade da população masculina à maior exposição de riscos em

saúde, assim como, influenciam em seu acesso à Atenção Primária à Saúde (APS)

(Brasil, 2008). Tal Programa quer mudar a cultura sobre a prevenção enfatizando, para

isso, uma mudança paradigmática da percepção masculina em relação a seus cuidados

com a saúde, a compreensão do universo masculino e suas motivações e empecilhos

para fazer a prevenção de doenças.

É importante ressaltar que existe, ainda, um longo caminho a ser percorrido na

busca de ultrapassar as barreiras estruturais e culturais responsáveis pelos

comportamentos e atitudes negligentes na saúde por parte de uma parcela significativa

da população masculina. Nesse sentido, abordar, de um lado, os valores sociais que

influenciam os comportamentos dos homens no tocante ao cuidado e à busca de

assistência à saúde, e, de outro, a organização da assistência e a prática dos profissionais

na AP implica adotar um referencial de análise que considere que gênero é um princípio

ordenador e normatizador de práticas sociais. Gênero, em associação com outros

referenciais, como geração, classe e raça/etnia, cria estereótipos e expectativas que são

(re)produzidos nos níveis institucionais (a Saúde) e findam por invisibilizar as

necessidades de saúde dos homens e das mulheres, negando-lhes, inclusive, a

possibilidade de atuação como sujeitos de direitos na relação com os serviços de saúde

(Couto et al, 2010).

Deste modo, atributos relacionados ao masculino - como invulnerabilidade,

baixos autocuidado e adesão às praticas de saúde (especialmente de prevenção),

impaciência, entre outros - atualizados no cotidiano dos serviços pelos profissionais e

Page 98: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · ECC Equipe de Cuidados Continuados ESF Estratégia de Saúde da Família IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

93

pelos próprios usuários, tornam estes espaços “generificados” e potencializam

desigualdades sociais, invizibilizando necessidades e demandas dos homens e

reforçando o estereótipo de que os serviços de APS são espaços feminilizados.

A discussão de gênero introduz o questionamento social da diferença entre

homem e mulher, e, consequentemente, os processos de formação ou construção

histórica, linguística e social, instituídas na formação de ambos. “Contextualizar

significa escutar a respeito do outro sobre o mundo social do qual faz parte. É adentrar

no espaço alheio, confrontar-se com seu ponto de vista.” (Pereira, 2010)

Nesse sentido, essa invisibilidade é aqui vista como de origem social. No campo

da saúde ela tem sido discutida a partir de temas complexos e sensíveis como a

violência de gênero e o uso abusivo de drogas álcool e outras drogas. Ao reconhecer que

as práticas de cuidados de si e dos outros são construídas nas relações entre as pessoas -

tanto em lócus privado/doméstico quanto em público/institucional - amplia-se o

reconhecimento e o acolhimento de demandas e necessidades masculinas (e femininas),

forçando a ruptura do círculo vicioso de invisibilidade e exclusão dos sujeitos, o que

permitiria resgatar a equidade e aprimorar o cuidado e a assistência em saúde (Pereira,

2010).

3.2.4 O consumo de álcool e drogas: as mulheres em evidência

Nossos resultados condizem com pesquisas que utilizaram o ASSIST tanto na

Atenção Primaria quanto em serviços de saúde especializados. Amato et al. (2008)

constataram que as substâncias mais utilizadas na vida foram o álcool, tabaco e

maconha. Na pesquisa realizada em uma população clínica por Peuker, Rosemberg,

Cunha e Araújo (2010) somente foram citadas como substâncias já utilizadas o álcool e

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tabaco. No que se refere ao perfil de consumo foi identificado o padrão de uso abusivo

de tabaco em 22,5%, (em nosso estudo esse índice foi de 18,9%) e padrão de uso

abusivo de álcool em 35% (no mapeamento realizado por nós o índice foi um pouco

menor, de 8,1% dos participantes). Tal resultado se aproxima da taxa de 20% de uso

nocivo de álcool que Amato et al. (2008) relatam ter encontrado na Atenção Primária.

Em outro estudo realizado em São Paulo em um serviço de saúde do SUS - feito

por Bertanha e Netto (2012) - constatamos algumas semelhanças com nossos resultados.

Os autores relatam que 91% dos participantes já utilizaram álcool na vida, índice tão

alto quanto o encontrado por nós (83,3%). O uso de tabaco constatado pelos autores foi

70%, enquanto o encontrado por este estudo foi 57,4%. Já em relação ao uso da

maconha, o uso na vida correspondeu a 14% no estudo citado, enquanto nesta pesquisa

encontrado uma porcentagem de 21,2%. Estes podem ser considerados índices elevados

de abuso destas substâncias. O I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas

Psicotrópicas no Brasil (realizado em 2005) viabilizou dados sobre o perfil de uso e

abuso de substâncias psicoativas no país. Tal levantamento permitiu identificar índices

de 12,5% de dependência de álcool e 10,11% de tabagismo para a população brasileira

(Peuker et al., 2010).

Em 2013 foi divulgado os primeiros resultados do II Levantamento Nacional de

Álcool e Drogas (II LENAD) - realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e

Tecnologia para Políticas Publicas do álcool e outras drogas (INPAD, 2013) - uma

investigação das mudanças no padrão do uso de álcool e outras drogas nos últimos 6

anos, através das comparações entre dados de 2006 e 2012. Tal estudo indica que

embora tenha aumentado a quantidade de pessoas que bebem álcool no Brasil, aqueles

que já bebiam, bebem em maior proporção e frequentemente. Os resultados ainda

apontam o padrão de uso de álcool, a saber: 52% da população brasileira constituída de

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95

abstêmios, 32% apresentando uso moderado e 16% considerado uso nocivo. Podemos

perceber que a realidade encontrada em nossa pesquisa se assemelha ao cenário

brasileiro, uma vez que a porcentagem da população considerada de baixo risco foi

45%, de uso moderado 30,2%, e alto risco 8,1%.

Em relação ao uso da maconha, em nosso estudo foi identificado 21,2% (n=86)

de pessoas que disseram já terem usado a substancia. Os dados encontrados mostram-se

bem elevados. O INPAD (2013) afirma que o Brasil não está entre os países com

maiores índices de uso de maconha no mundo. Encontramos desde 2% de uso no último

ano na Ásia, em torno de 5% na Europa, e de até de 10% nos Estados Unidos; enquanto

os dados para 2012 mostram que o índice é de 3% no Brasil.

As Nações Unidas consideram que os dados oficiais da América Latina possam

estar subestimados, uma vez que o volume de maconha apreendido no Brasil está entre

os maiores do mundo e o país não é um grande fornecedor de nenhuma região. Embora

a percentagem possa parecer pequena o número de usuários é significativo com mais de

1.5 milhões de pessoas consumindo maconha diariamente (INPAD, 2013).

Para pensar o fato de a maconha geralmente surgir nas pesquisas ocupando e

terceiro lugar de substância mais mencionadas (perdendo para o álcool e tabaco) Soares

et al. (2011) afirmam que a maconha é a droga ilícita mais usada em todo o mundo, o

que possibilita a interpretação da existência de uma maior proximidade da sociedade

com essa droga e um maior grau de aceitação no que diz respeito ao seu

uso/dependência (Soares et al., 2011).

Nos resultados apresentados chama atenção o perfil de mulheres, donas de casa,

em relacionamento estável e usuárias das substâncias mencionadas. Alguns estudos, a

partir da utilização do ASSIST também conseguiram chegar nesse mesmo perfil (Soares

et al., 2011, Amato et al., 2008). Nessa direção também está o INPAD (2013) quando

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96

indica em seu estudo que mulheres, em especial as mais jovens constituem-se como

população de risco apresentando maiores índices de aumento de consumo de álcool

entre 2006 e 2012 e bebendo de forma mais nociva. Outro apontamento do estudo é em

relação à taxa de consumo regular de álcool (1 vez ou mais por semana), o qual cresceu

mais entre as mulheres (34,5%) do que entre os homens (14,2%) no período estudado.

De acordo com Vargas e Dytz (2010), a tendência para a redução da diferença

entre o número de homens e mulheres que fazem uso do álcool estaria diretamente

relacionada às transformações culturais que ocorrem a partir do final da II Guerra

Mundial, entre as quais, a mudança no papel da mulher na sociedade ocidental. Dentre

os fatores que podem contribuir com o aumento da prevalência de álcool e outras drogas

nas mulheres estão: mudanças da estrutura familiar, luta das mulheres pelo mercado de

trabalho, estresse, atividades em excesso, ansiedade e dificuldade de lidar com os

problemas.

De acordo com Oliveira, Nascimento e Paiva (2007), a mulher desempenha

atualmente múltiplos papéis na sociedade que contribuem para um aumento

significativo da incidência de transtornos mentais e comportamentais (associado com o

uso de substancia psicoativas), pois as mulheres continuam com o fardo da

responsabilidade que vem associado com os papéis de esposas, mães, educadoras e

cuidadoras, tornando-se ao mesmo tempo uma parte cada vez mais essencial da mão-de-

obra e, frequentemente, constituindo-se na principal fonte de renda familiar. Além das

pressões impostas às mulheres devido à expansão de seus papéis, muitas vezes em

conflito, elas são vítimas de discriminação sexual, concomitante à pobreza, ao excesso

de trabalho e à violência doméstica.

Somado a esse panorama, é sustentada a representação de que o consumo de

drogas é um comportamento desviante e de que a mulher que adota tal conduta está

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97

contrariando as normas sociais, diante da possibilidade de não cumprir os papéis sociais

e culturais a elas destinados. Silva (2012) aponta que a visão da sociedade frente ao

alcoolismo feminino é bastante agressiva, a mulher é considerada mais imoral, com

comportamento inadequado e sofre com a estigmatização, o que contribui para que as

mulheres façam um consumo às escondidas ou neguem o consumo e os possíveis

problemas acarretados (Oliveira, Nascimento & Paiva, 2007).

Dessa forma, os autores afirmam que uma explicação possível para o recente

aumento do número de mulheres usuárias de álcool e outras drogas pode estar no fato

delas terem sido sub-representadas em estudos sobre esta temática, já que o uso abusivo

de drogas historicamente esteve relacionado aos homens.

Em pesquisa acerca das representações sobre o uso do álcool entre mulheres,

feita por Campos e Reis (2010), é apontado que a categoria “dependência do álcool”

não abarca a complexidade das representações sobre o uso do álcool construídas pelas

mulheres entrevistadas. Quando as mulheres falam que abusavam do álcool, elas falam,

sobretudo, dos conflitos e dissabores enfrentados no meio social em que vivem. As

representações sobre o uso do álcool para as mulheres entrevistadas assumem um

aspecto particular, traduzindo os efeitos desse uso no interior da esfera familiar,

relacionado às relações de gênero vivenciadas dentro da família.

Em seu estudo sobre como mulheres alcoolistas interpretam suas experiências e

guiam suas ações em relação ao alcoolismo, Silva (2012) diz que as mulheres

entrevistadas possuem uma percepção negativa do alcoolismo feminino, apresentando a

carência emocional como o mais representativo. Elas se sentem mais penalizadas do que

os homens e atribuem o uso a acontecimentos vitais significativos e aos problemas

psicossociais. Alguns preconceitos de gênero integram a percepção das mulheres sobre

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98

o alcoolismo, como o fato de que o uso está frequentemente ligado a variações nos

estados afetivos.

O uso da categoria gênero para pensar nossos dados ajuda-nos a explicitar a

assimetria existente nas maneiras de conhecer e aprender o real e na forma como

homens e mulheres se constroem, se representam e estabelecem suas relações no

interior da sociedade como um vetor que permeia a produção das subjetividades

(Santos, 2009). Diante do fato de que mulheres que buscam ajuda para lidar com

problemas com drogas relatam vivências da infância e da juventude permeadas pela

violência e desagregação (admitindo brigas e discussões com membros da família em

situações em que se encontravam alcoolizadas) torna-se necessário pensar em medidas

de intervenção que considerem a diversidade existente entre as mulheres - o que exige

abordagens diferenciadas e criativas, como por exemplo, levando em conta o tipo de

relação estabelecida com a substância, a fim de possibilitar o controle sobre o uso,

redesenhando, assim, os contornos de suas vidas: pessoal, familiar e profissional. Por

esta razão, é preciso destacar que não cabe uma intervenção que tenha como base

modelos únicos e cristalizados de intervenção, modelos estes que não permitem um

olhar sobre as particularidades, refletindo posturas rígidas que propõem como única

opção a abstinência (Vargas & Dytz, 2010).

Os autores destacam que a concepção de saúde-doença nas classes populares e

grupos sociais não podem ser homogeneizados, pois ela é multifacetada e contraditória.

Se, por um lado, ela reproduz a ideologia dominante segundo a qual o corpo feminino é

feito para produzir, por outro, demonstra uma percepção ampliada da doença quando a

situa dentro de um quadro mais geral que engloba a desorganização da pessoa e da

ordem social.

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99

Nóbrega e Oliveira (2005) apontam a importância de ambiente favorável, com

menos barreiras estruturais e sociais, que possibilitem não apenas a entrada, como

também a adesão da mulher usuária de álcool e outras drogas a algum tipo de

acolhimento e proposta de tratamento. É importante que os profissionais de saúde

conheçam mais profundamente o contexto sociocultural em que estão inseridos, e

estejam atentos quanto às diferenças na linguagem e representações que se refletem no

encontro terapêutico. É fundamental que os profissionais de saúde, ao abordarem

demandas como essas devam abster-se de atitudes preconceituosas, uma vez que, para

essas mulheres, voltar a acreditar em si é visto como meio de resgate da identidade,

comprometida durante todo o processo de perdas com o consumo de álcool e outras

drogas. Reaprender a viver e lidar com a o consumo abusivo/dependência significa para

essas mulheres uma luta constante.

3.3 As Rodas de Conversa

Com os resultados da aplicação do instrumento em mãos, propomos as equipes

de saúde da família e NASF a realização de Rodas de Conversa, para discutirmos,

dentre outras questões a experiência do mapeamento, seus resultados e possíveis

implicações no cotidiano de trabalho das equipes.

No entanto, no decorrer da aplicação dos instrumentos, alguns integrantes das

equipes de SF demonstraram preocupação com o desenvolvimento do mapeamento,

afirmando que a pesquisa seria feita com as equipes da Unidade e nada seria dado em

troca, isto é, de acordo com eles “a Universidade vem até a comunidade, faz suas

pesquisas e trabalhos, mas não oferece nada que ajude as equipes e a população”.

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100

A partir disso idealizamos uma complementação para as Rodas de Conversa já

planejadas. Depois de discutirmos os resultados do mapeamento, propomos algumas

discussões acerca do tema álcool e outras drogas na Atenção Primária. Foi entregue a

cada participante um folheto com os principais temas a serem discutidos e um resumo

das informações apresentadas, assim como para a Unidade de Saúde de Felipe Camarão

II foi disponibilizado uma cartilha sobre Redução de Danos para Agentes Comunitários

de Saúde6, produzida pela Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da

Saúde do Rio de Janeiro/RJ, a qual serviu de base para a realização das discussões. O

material entregue encontra-se anexado.

Como reunir todas as equipes de Saúde da Família e a do NASF em um só

momento poderia não ser viável, assim como se juntássemos todas as equipes o número

de participantes da Roda de Conversa seria muito elevado (em média 10 integrantes de

cada equipe de SF e 7 do NASF), dificultando possíveis reflexões, nossa proposta foi

nos reunir com as equipes em separado, fazendo grupos de 2 equipes, ou seja, primeiro

houve uma roda de conversa com as equipes 1 e 7 e outra roda com as equipes 8 e 9. A

equipe do NASF foi convidada a participar de uma das rodas. Ambas as rodas de

conversa aconteceram no primeiro semestre de 2013.

As Rodas de Conversa é uma metodologia participativa que pode ser utilizada

em diversos contextos, tais como escolas, postos de saúde, associações comunitárias, e

outros. É um meio de sensibilizar os participantes e motivá-los para pensar, de uma

maneira mais envolvente, em aspectos das suas relações, seja com o mundo do trabalho

ou projetos de vida. Os participantes são mobilizados ao mesmo tempo em sua condição

de cidadão, profissionais e de sujeitos que precisam se envolver no exercício, na

experiência e na realização de ações dentro de seu contexto. Não se trata de uma

6 A cartilha de Redução de Danos para Agente Comunitário de Saúde encontra-se disponível no site:

http://www.vivacomunidade.org.br/wp-content/arquivos/cartilha_ACS_red_danos.pdf

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101

palestra, mas sim de um espaço para que eles falem de seu quotidiano, tanto na esfera da

vida privada quanto na pública. É um espaço importante para discussão e construção de

saberes e práticas (Afonso & Abade, 2008).

Nas Rodas de Conversa, partimos de conhecimentos já construídos para motivar

um processo de compreensão e também de criação. Para compreender o mundo, é

preciso nos apropriamos dos significados dados e, a partir dele, construir a nossa própria

resposta para os problemas atuais que somos chamados a enfrentar. Assim, ao se

discutir um tema, é importante alimentar a discussão com novas informações. Mas a

informação sozinha não basta. Pensamos que uma nova compreensão vai utilizar a

informação em um contexto de reflexão para ir além dela e conseguir produzir com ela

alguma coisa nova diante das questões que o grupo enfrenta (Afonso & Abade, 2008).

Para a realização das Rodas, primeiro foi necessário fazer um planejamento do

iria acontecer nos encontros, quais pontos iriam ser abordados e que discussões

poderiam surgir no desenrolar desses encontros. No entanto, foi imprescindível nossa

flexibilidade frente a eventuais mudanças que poderiam surgir.

Os objetivos das Rodas de Conversa com as equipes foram:

Identificar as demandas que chegam as equipes pela população cadastrada;

Conhecer as estratégias de cuidado desenvolvidas pelas equipes em relação as

demandas identificadas.

Conhecer as dificuldades enfrentadas pelas equipes em relação ao manejo desses

casos;

Discutir com as equipes as estratégias de enfrentamento dos problemas

identificados e possibilidades de cuidado articulando as equipes de saúde da

família e núcleo de apoio a saúde da família.

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102

As Rodas de Conversa tiveram como tema disparador: Álcool e outras drogas na

Atenção Primária: O que podemos fazer? Os encontros tiveram início com a

apresentação da proposta das Rodas de Conversa, deixando claro que aquele momento

seria para falarmos sobre nossas experiências, nossas dificuldades e aspirações no que

tange os cuidados aos usuários de álcool e outras drogas, assim como os aspectos que

envolvem o cotidiano de trabalho em saúde.

Após esse momento, apresentamos os dados resultantes do mapeamento com o

auxílio de dois banners (um com a apresentação do perfil da população e outro com os

resultados do ASSIST) para que pudéssemos visualizar graficamente os resultados. O

passo seguinte foi iniciarmos as discussões acerca dos dados para o cotidiano das

equipes de Atenção Primária - se os dados encontrados condiziam com a realidade que

as equipes vivenciam em seu cotidiano de trabalho, que realidade é essa, o que o

mapeamento não mostrou, por que não mostrou e o que poderíamos pensar a partir

disso.

Em seguida, utilizando três grandes cartolinas fixadas na parede, montamos uma

tabela formada de três colunas, cada coluna dedicada a um objetivo da roda de

conversa: demandas que chegam as equipes, estratégias de cuidado realizadas e

dificuldades encontradas.

À medida que os participantes das Rodas falavam sobre as demandas que

surgem, como eles cuidam e quais dificuldades vivem, íamos escrevendo nas cartolinas

e montando nosso quadro com as informações que precisávamos, mas principalmente

com a finalidade de que o grupo visualizasse suas experiências em meio às demais7.

O passo seguinte foi que cada participante falasse um pouco do conteúdo

presente no tabela, expondo sobre o modo como lidam com tais questões e o que eles

7 Os resultados e discussões provenientes das Rodas de Conversa são apresentados adiante.

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acham que deveriam fazer. Nessa discussão procuramos levantar o papel de NASF

nesse processo, como se dá o trabalho em conjunto, se é possível essa articulação para

acolher demandas envolvendo álcool e drogas.

Em seguida, dedicamos um momento para um breve esclarecimento sobre as

formas de uso das drogas e sua classificação quanto a origem, legalidade e mecanismos

de ação e efeito (citando exemplos). Ao final dos esclarecimentos levantamos questões

como: o que leva uma pessoa a usar drogas? Aspectos individuais, familiares e/ou

coletivos? É possível identificar uma causa somente? O objetivo dessa etapa foi refletir

sobre o que sabemos e como vemos o uso de substâncias psicoativas, assim como seus

usuários.

Entramos então na discussão sobre o paradigma da Abstinência versus Redução

de Danos, explicando o que é cada um, tirando dúvidas sobre a possibilidade de um

cuidado pautado na Redução de Danos, assim como o papel da Estratégia de Saúde da

Família nesse processo.

A etapa seguinte foi a apresentação de algumas dicas de como abordar um

usuário de álcool e drogas e como atuar com a família de um usuário (ambas tiradas da

cartilha sobre Redução de Danos). Apresentamos os dispositivos da rede de apoio aos

usuários de álcool e outras drogas, seja na rede de saúde, da assistência social ou a rede

informal. Foram oferecidos os nomes dos locais, seus endereços e telefones para que

servissem tanto de fonte de informações para futuros usuários que chegassem aos

participantes da roda quanto para os próprios profissionais ali presentes para que

buscassem mais informações e apoio quando necessário.

Por último, apresentamos algumas experiências e possibilidades de cuidado ao

usuário de álcool e outras drogas na Atenção Primária, como por exemplo, a prática de

triagem e intervenção breve discutida no capítulo anterior. Questionamos se seria

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possível pensar em outras formas de cuidado, se na realidade na qual a equipe se

encontra, esse tipo de estratégia poderia ser útil.

Por fim, estabelecemos um momento de avaliação da Roda de Conversa,

pedindo que cada participante falasse como foi vivenciar o encontro. O momento de

avaliar e compartilhar se refere à avaliação da produção do grupo e não dos indivíduos,

faz parte de um contínuo “ação-reflexão-ação” embutido na Roda de Conversa. Assim

como foi necessário apresentar a proposta do trabalho, agora é preciso “fechar” o

trabalho do grupo, em um movimento de sistematização, mas também de

reconhecimento e legitimação daquela produção (Afonso & Abade, 2008).

Nos encontros, ficaram evidente dois eixos de análise e intervenção: os limites

da Atenção Primária em acolher demandas de álcool e outras drogas e a Redução de

Danos como uma possibilidade de cuidado diante de demandas como essas.

3.3.1 Demandas, estratégias e dificuldades identificadas: limites da Atenção

Primária

No decorrer das Rodas8, no que se refere às demandas relacionadas ao consumo

de álcool e drogas identificadas pelas equipes ficou evidente que tais demandas são

identificadas principalmente pelos agentes comunitários de saúde na rotina de visitas

domiciliares. As médicas das equipes afirmam que raramente alguém chega ao

consultório com essa demanda explícita. Para saber se os pacientes são ou não usuários

de alguma substância psicoativa, tomam como referência uma marcação nos prontuários

feita pelos agentes. No entanto, essa marcação não serve para definir nenhum tipo de

8 Dos 37 profissionais que compõem as 4 equipes de saúde da família, somente 20 compareceram aos

encontros. E um número ainda menor de profissionais se dispuseram a participar das discussões.

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intervenção junto ao usuário. Uma das médicas relatou que em 11 anos de profissão

vivenciou apenas um caso de dependência de drogas. Em contrapartida, os agentes

dizem presenciar todos os dias pessoas que consomem abusivamente álcool e outras

drogas.

Expressão disso é o fato de somente partir dos agentes a observação de que

nosso mapeamento não conseguiu mostrar a realidade que eles vivenciam diariamente

relacionada as demandas de álcool e drogas. Eles disseram que existe uma grande

quantidade de homens com problemas decorrentes do uso de drogas, principalmente

álcool. E que demandas como essas muitas vezes são trazidas pelas esposas, uma vez

que eles mesmos negam que possuem um consumo abusivo/dependente.

Os profissionais - incluindo os da equipe do NASF - relatam que a única ação a

ser feita na Atenção Primária é o encaminhamento a um serviço especializado. Prática

também relatada por outros estudos (Gonçalves, 2002, Gonçalves & Tavares, 2007).

Para justificar os constantes encaminhamentos, os profissionais dizem não saber o que

fazer com usuários de álcool e drogas. Uma agente relata que orienta os usuários que

explicitam o desejo de parar de usar drogas (em função dos problemas decorrentes do

uso), a procurar auxilio em outro serviço da rede. A equipe do NASF recebe muitas

demandas que envolvem o uso de álcool e outras drogas, mas também apostam no

encaminhamento dos usuários aos serviços especializados.

Nossos resultados são semelhantes ao cenário encontrado na pesquisa de Neves

et al (2013), a qual aborda, dentre outras questões, o modo como os agentes

comunitários de saúde agem diante de casos envolvendo o uso de álcool e drogas. De

acordo com os autores, os relatos dos agentes apontam um caráter prescritivo – onde

eles pensam saber o que é melhor para o outro. Muitas vezes, essas “conversas” com os

usuários se resumem a orientações do que a pessoa deveria fazer, ou seja, que o correto

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seria a pessoa não usar drogas. É possível observar uma compreensão subjacente de que

o tratamento deve ter como meta a abstinência, pois as drogas seriam, a priori, algo

ruim. Outro ponto, exposto pelos autores, que muito se assemelha aos relatos das rodas

de conversa é a clara dificuldade de compreensão em relação aos fatores que levam uma

pessoa a usar drogas. No decorrer das rodas quando levantamos essa questão, muitos

disseram não compreender como alguém entra em um mundo como esse, outros

atribuíram essa “culpa” as condições de vida, pobreza e problemas na família. No

entanto, o que mais chamou nossa atenção foi o posicionamento dos profissionais em

tratarem do tema de forma conformada, julgando o uso de drogas como algo “muito

complicado, que envolve diversas questões e na Atenção Primária eles não se tem o que

fazer”.

Porém, mesmo com os constantes encaminhamentos os profissionais identificam

muitas dificuldades no que se refere ao cuidado destinado às demandas de álcool e

drogas na rede de saúde do município. Há uma precariedade evidente de serviços

especializados e a Atenção Primária não dispõe de recursos adequados para tal. A

negação dos usuários em relação ao uso também é uma dificuldade apontada, tendo em

vista que se o usuário não diz que precisa de ajuda eles ficam limitados, já que não

manejam estratégias de abordagem apropriadas a essas situações. Machado (2013)

também identificou em sua pesquisa no âmbito da Atenção Primária que diante da

constante demanda de usuários com problemas relacionados a álcool e drogas, os

trabalhadores de saúde apresentam dificuldades na responsabilização pelo acolhimento

e na oferta de atenção.

De acordo com o autor, tais dificuldades tem uma dimensão técnica, mas

também uma dimensão ética. Muitos se perguntam como acolher, o que fazer, o que

propor às pessoas usuárias de drogas que chegam aos serviços e que nem sempre estão

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dispostas a receber um cuidado em saúde ou iniciar um tratamento. A abordagem dessas

situações precisa estar associada a uma ampla compreensão tanto do fenômeno do

uso/dependência de drogas quanto do alcance e da finalidade das práticas de atenção em

saúde.

Nesse sentido, alguns complicadores se apresentam. A compreensão dos

profissionais de saúde acerca do uso de substancias psicoativas não é muito diferente da

concepção hegemônica da sociedade. Usuários de álcool e outras drogas são muitas

vezes vistos como cidadãos desprovidos de direitos, inclusive do direito à saúde e aos

serviços de boa qualidade. A situação ideal para muitos profissionais é que eles

interrompam o consumo de drogas, antes mesmo de chegar aos serviços de saúde. No

entanto, na maioria das vezes não é isso que acontece (Machado, 2013).

Nessa perspectiva, Lins e Scarparo (2010) apontam que ter problemas

relacionados com uso de substancias psicoativa pode ser entendido como resultado de

um comportamento individual inadequado, um descuido com a saúde, uma vez que na

contemporaneidade o consumo de drogas “favorece a negação e a sedação como modos

de justificar lógicas lineares de resolução de problemas” (p.455). Tal lógica não

considera a incerteza, nem a multidimensionalidade dos processos humanos. Dessa

forma, o uso abusivo/dependente de drogas pode ser vista como responsabilidade do

indivíduo, o que fragmenta a compreensão do fenômeno.

Outro aspecto evidenciado na fala dos profissionais é o medo da violência e do

tráfico, as concepções estigmatizantes sobre os usuários de drogas, identificando-os

como criminosos. Fiúza, Miranda, Ribeiro, Pequeno e Oliveira (2011), apontam que a

violência urbana - um fenômeno social que influencia a dinâmica do trabalho das

equipes de saúde, por estarem inseridas nas grandes periferias urbanas brasileiras –

como um importante limite na prática do cuidado na Atenção Primária. No entanto,

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ficou evidente uma contradição entre a percepção do fenômeno da violência em relação

ao fenômeno da droga. Embora autores como Fiúza et al (2011) situem a questão do uso

de drogas como social, em algumas das falas ela é tomada como problema individual,

causador dos outros fenômenos sociais (como a violência). Parece que ao assumir a

problemática das drogas como problema exclusivo da esfera privada, individual e de

ordem moral, antagônica à percepção da violência (social, complexo e de ordem

pública), as ações dos profissionais limitam-se aos aspectos consequentes dessas

percepções: quanto à assistência em saúde o encaminhamento à especialidade, quanto

ao julgamento moral, culpabilização do usuário. Dessa forma, tal perspectiva não

permite ações sistemáticas das equipes em seu processo de trabalho, ações participativas

com a comunidade nos territórios de abrangência. Ou seja, o potencial de ação das

equipes de Atenção Primária no que se refere ao uso de álcool e drogas pelos usuários

fica limitado ao encaminhamento.

De acordo com Barros e Pillon (2006), mesmo diante da importante e necessária

intervenção da AP nas questões que envolvem o uso de álcool e outras drogas, nem

sempre há condições favoráveis para realizar as ações devidas em decorrência da falta

de recursos e de capacitação dos profissionais para lidarem com tais questões, condições

que acabam por prejudicar o desenvolvimento de uma ação integral pelas equipes.

Ribeiro (2012) afirma que em relação à rede de atendimento ao usuário de álcool e

drogas, são diversos os entraves que influenciam no processo de reestruturação física,

psíquica e social desses usuários. É possível identificar problemas de infraestrutura,

falta de financiamento para a implantação de unidades que sejam adequadas para

receber os usuários e articular as ações possíveis e não há investimento em capacitação

dos profissionais que trabalham na rede de saúde (Ribeiro, 2012).

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Esta situação contribui para existência de uma demanda reprimida, ou seja, a

presença de usuários que, embora apresentem agravos em saúde, não buscam os

serviços da rede ou não são acessados pelas equipes de Saúde da Família. Pesquisas

mostram que as principais razões expressas pelos usuários para não buscarem os

serviços de atenção em saúde são a ineficácia e ineficiência dos tratamentos atuais e a

auto percepção de que o problema apresentado não é grave o suficiente (Schneider &

Lima, 2011).

De acordo com Gonçalves (2002), várias pesquisas apontam que a Atenção

Primária não está preparada para dar resposta para o enfrentamento da complexidade da

questão das drogas, que se coloca como um constante desafio. De acordo com o autor, o

perfil dos profissionais que compõem as equipes é muito diversificado, pois há aqueles

com maior e menor preparo para abordar problemas relacionados ao abuso e

dependência de drogas. Mesmo que o perfil idealizado pelo Ministério da Saúde para os

profissionais da Estratégia de Saúde da Família destaquem a capacidade de estarem

envolvidos com o bem estar da comunidade, com a construção de compromisso e

relações de confiança, os trabalhadores não se mostram preparados para esse

envolvimento. É possível constatar que nem mesmo os agentes comunitários de saúde

apresentam esse perfil, uma vez que a relação deles com a comunidade são permeadas

por dificuldades objetivas (acesso, aceitação, comunicação), e subjetivas (medo,

preconceito, desafetos) envolvidos com frequência no problema do consumo de drogas:

tráfico, violência, desestruturação familiar, questões complexas que não podem ser

tratadas isoladamente.

Nesse sentido, são números os desafios impostos aos profissionais das equipes

de saúde da família nesse contexto: trabalhar numa perspectiva diferente daquela

aprendida na formação acadêmica (altamente prescritiva e centrada na doença);

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enfrentar a própria ansiedade, insegurança, preconceito e até incapacidade para lidar

com o usuário de álcool e drogas; programar atividades com base em políticas

ministeriais que ainda não estão consolidadas na região e nem valorizadas pelos

gestores locais; criar protocolos de atendimento que permitam o monitoramento e

avaliação de ações desenvolvidas junto ao usuário de álcool e drogas na região e

trabalhar em equipe e em rede, de forma a assegurar a integralidade da assistência

(Gonçalves & Tavares, 2007).

Diante do perfil de usuários de drogas majoritariamente feminino encontrado no

nosso mapeamento, não podemos deixar de enumerar como mais um grande desafio

para os profissionais da Atenção Primária, a necessidade de ter maior sensibilidade para

as interações entre as concepções de gênero e as demandas trazidas pelas mulheres no

uso do serviço. O construto de gênero está no campo das relações de poder,

constituindo-se de intencionalidades distintas e subsidiando práticas humanas que

instrumentalizam estas relações para mantê-las ou alterá-las (Vargas e Dytz, 2010). É

preciso ir além das demandas trazidas, além das queixas físicas, ginecológicas. É

preciso investigar, dar atenção as reais demandas dessas mulheres que estão sempre no

serviço a procura de cuidado ou recebendo os profissionais em suas casas, nas visitas

domiciliares.

É possível perceber, então, que questões relacionadas ao uso de álcool e outras

drogas requer a articulação entre setores sociais diversos, e, portanto com saberes e

poderes diversos, que ultrapassam o setor saúde. Implica na satisfação de uma série de

necessidades sociais e, por isso, necessita da construção contínua de políticas públicas

intersetoriais permanentes, de modo a colocar em pauta as peculiaridades das condições

de vida da população (Souza et al., 2013).

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Nessa direção, Araújo (2013) afirma que no cotidiano dos serviços de Saúde

Mental que trabalham a questão do álcool e outras drogas, a estratégia da

intersetorialidade tem se apresentado como necessária dada a impossibilidade dos

serviços responderem sozinhos as múltiplas demandas dos usuários, que vão desde o

cuidado simultâneo ou complementar em outros serviços de saúde, a demandas sociais

ou de proteção. Há um debate amplo em torno da intersetorialidade, que emerge na

conjuntura da luta e ampliação dos direitos sociais, como uma resposta dada no âmbito

da gestão das políticas públicas para construção de ações e serviços mais integrados

com intuito de superar a fragmentação do setor público.

Apostamos que os profissionais que trabalham na Atenção Primária sejam

capazes de atender demandas de álcool e drogas, pois seu trabalho tem uma

característica distinta dos outros níveis da rede de saúde (hospitais, ambulatórios,

Centros de Atenção Psicossocial/CAPS): o acesso direto à população e suas condições

de vida. Este é um ponto importante, pois as visitas da equipe facilitam o vínculo e a

aproximação entre a população e os profissionais de saúde, dando oportunidade para o

estabelecimento de vínculo e confiança. Os agentes comunitários de saúde têm sido

importantes parceiros no que diz respeito à identificação dos casos de abuso de

substâncias psicoativas, visto que nem sempre os usuários buscam ajuda por si só.

Muito além da identificação dos casos no território, o agente contribui com o olhar de

quem faz parte da comunidade, conhece esse território, suas potencialidades e

limitações, assim como dispositivos e equipamentos que poderiam ser parceiros no

cuidado. Nas discussões de caso, contribui com o seu conhecimento prático e sua

proximidade com as famílias, fornecendo informações as quais os profissionais de

referência ainda não tiveram acesso. Além disso, depois de pensados os encaminha-

mentos e sugeridas às intervenções ao usuário, o agente pode atuar no acompanhamento

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e na evolução do caso, mantendo a equipe informada sobre a condição de saúde daquele

usuário (Araújo, 2013, Leite & Paulon, 2013).

De acordo com Oliveira (2001), a formação de grupos abertos na Atenção

Primária - direcionado inicialmente a mulheres (já que são elas que mais frequentam os

serviços de saúde), mas que pode ser frequentado por qualquer pessoa - pode ser uma

experiência marcante e rica ao serviço, uma proposta diferente das usualmente

desenvolvidas quando o assunto é uso abusivo/dependente de drogas, como as que

preveem somente a prescrição de métodos e comportamentos. Os autores defendem a

importância da vivência de encontros em que o tema emerge do grupo e em que todos

são iguais para falar, refletir e pontuar questões, propiciando uma nova postura e novos

envolvimentos entre a população e os profissionais da saúde. Tais momentos favorecem

a conquista do vínculo e a sensação de pertencimento ao grupo, como também,

influenciam na postura dos agentes comunitários de saúde, que podem ser mais ativos

na construção e no planejamento das atividades, uma vez que são eles que sinalizam

para as dificuldades das mulheres em estarem presentes, quanto ao local ideal para a

realização dos encontros, como para situações vivenciadas nas famílias das mulheres

convidadas a participar.

O grande desafio diante dos resultados encontrados é atentar para o

desenvolvimento de ações voltadas para mulheres, no que se refere ao uso de

substancias psicoativas, em uma perspectiva de gênero. Somente desta forma será

possível aumentar a visibilidade das necessidades específicas dessa população,

compreendida em um contexto sociocultural, a partir de ações efetivas para o cuidado

em saúde.

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3.3.2 Possibilidade de cuidado: uma aposta na Redução de Danos

Como indicamos anteriormente o posicionamento de todos nas Rodas de

Conversa foi da impossibilidade de resposta e suporte da Atenção Primária quando se

trata de álcool e drogas. A formação de grupos direcionados a usuário de drogas não é

bem vista, pois segundo os trabalhadores eles não perdurariam, pois o grupo ficaria

conhecido na comunidade e nas equipes de saúde da família como o “grupo dos

viciados”, assim como os grupos de saúde mental seria conhecido por “grupo dos

doidinhos”. As pessoas não iriam participar porque seriam expostas, o fato de ser um

usuário de drogas falaria mais alto que o desejo de melhora. Nota-se que a raiz do

problema se encontra nas concepções que envolvem as próprias práticas em saúde.

Schneider e Lima (2011) apontam que existem quatro modelos de concepção ou

modelos de análise da dependência de drogas, sustentadas em diferentes raízes teórico-

epistemológicas, o que se desdobra em diferentes perspectivas metodológicas de

intervenção, que são: o modelo jurídico-moral (droga é vista como grande mal a ser

combatido, o usuário é visto como fraco moralmente, visa a abstinência), o biomédico

(a dependência é uma doença crônica, recorrente e irrecuperável, também tem como

foco a abstinência), o psicossocial (o uso de drogas seria uma manifestação externa das

perturbações psicológicas, tendo como objetivo parar de usar a substância) e o

sociocultural (o uso de drogas seria fruto das contradições sociais, econômicas e

ambientais e sua intervenção é dirigida ao contexto social do usuário, não tem como

principal foco a abstinência). Os autores afirmam que a síntese desses saberes e práticas

constitui a racionalidade ou sistemas lógicos sob o qual os diversos serviços de saúde se

nutrem para a compreensão e intervenção nos fenômenos de saúde/doença.

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No modelo sociocultural, a ênfase é modificar o padrão de uso da substância,

intervindo nos determinantes sociais que levam ao uso abusivo, visando o controle dos

danos gerados pelo abuso das substâncias, mas não necessariamente sua abstinência

total. Tem foco na ação preventiva e de promoção à saúde. É baseado nessa concepção

que discutimos com as equipes a prática da Redução de Danos/RD para o cuidado dos

usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária (Schneider & Lima, 2011).

Como já discutimos nos capítulos anteriores, as políticas e programas de RD

fundamentam-se em intervenções orientadas para a minimização dos danos físicos,

sociais e econômicos relacionados ao uso de álcool e outras drogas. Seus princípios se

baseiam no fato de que o consumo de drogas sempre esteve presente na história da

humanidade, o que desperta a necessidade de traçar estratégias para conter os danos que

seu uso causa aos usuários e á sociedade, sem necessariamente proibi-lo.

Quando perguntamos, nas rodas, se alguém sabia o que é Redução de Danos,

somente alguns profissionais arriscaram dar seus palpites (ficou claro que esse não era

um termo usado em seu cotidiano, era algo muito distante). A Redução de Danos, de

acordo com os profissionais, estaria relacionada a substituição de substancias mais

“pesadas”, como crack, por drogas mais “leves”, como a maconha. Nesse sentido, foi

novidade pensar a RD numa perspectiva de trabalho mais ampla.

A inclusão da Redução de Danos como uma das ações de saúde da política de

Atenção Primária pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2013b) pressupõe sua utilização

como abordagem possível para lidar com diversos agravos e condições de saúde. Atuar

nessa perspectiva requer a utilização de tecnologias relacionais centradas no

acolhimento, no vínculo e na confiança.

Considerando especificamente a atenção aos problemas de álcool e outras

drogas, a estratégia de RD visa minimizar as consequências adversas criadas pelo

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consumo de drogas, tanto na saúde quanto na vida econômica e social dos usuários e

seus familiares. Nessa perspectiva, a RD postula intervenções singulares que podem

envolver o uso protegido, a diminuição desse uso, a substituição por substâncias que

causem menos problemas, e até a abstinência (Brasil, 2013b). Outra ação possível é

trabalhar as crenças que a população, os trabalhadores de saúde e os próprios usuários

de drogas têm sobre esta condição, de maneira a superar as barreiras que agravam a sua

vulnerabilidade e dificultam a busca de tratamento. Lidar com os próprios preconceitos

sobre o consumo de drogas é fundamental para poder oferecer cuidado as pessoas que

precisam de ajuda por esse motivo.

O Ministério da Saúde (Brasil, 2013b) aponta que diversas são as ações de RD

possíveis de realizar com usuários de álcool e outras drogas na Atenção Primária.

Percebemos no discurso dos profissionais que pessoas com problemas com drogas

geralmente não buscam as unidades de Saúde espontaneamente, são seus familiares que

costumam buscar ajuda. Uma maneira de aproximar-se destes usuários pode ser por

meio de visitas domiciliares e agendamentos de consultas para uma avaliação clínica

geral, não necessariamente abordando seu problema com drogas. Esperar que o usuário

venha pedir ajuda, mesmo sabendo que quando isso acontece é quando o usuário já está

bastante debilitado em decorrência de problemas provenientes do uso da substância não

auxilia na construção de cuidado.

Uma proposta de RD deve partir dos problemas percebidos pela própria pessoa

ajudando-a a ampliar a avaliação de sua situação. No caso de pessoas com problema em

relação ao álcool, pode ser sugerido cuidados básicos como não beber e dirigir; alternar

o consumo de bebida alcoólica com alimentos e bebidas não alcoólicas; beber bastante

água, optar por bebidas fermentadas às destiladas, dentre outras sugestões. Usuários de

crack podem ser orientados a não compartilhar cachimbos, pois possuem maior risco de

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contrair doenças infectocontagiosas caso tenham feridas nos lábios em decorrência do

uso da substância (Brasil, 2013b). No que se refere a ações destinadas as mulheres,

Oliveira (2001) aponta que o uso de drogas, independente da modalidade constitui-se

em um fator de vulnerabilidade feminina para a AIDS, por exemplo, já que esta prática

contribui para o entrecruzamento das principais vias de exposição à infecção pelo HIV,

(sexual e uso de drogas) seja pela tendência das mulheres trocarem sexo por droga, seja

pela manutenção de relações sexuais com parceiros usuários de drogas, sem o uso de

preservativo. Fica reafirmado, dessa forma, a necessidade de assistência especializada

para mulheres usuárias de drogas com o objetivo de reduzir os danos negativos para elas

próprias e para a comunidade de um modo geral. Essa assistência pode começar pela

própria consulta com o ginecologista, quando ela pode receber preservativos, ser

convidada a participar de grupos de mulheres que a unidade pode oferecer, receber

material informativo sobre o uso de substancias psicoativas, dentre outras ações que

podem ser pensadas em conjunto com a usuária.

No entanto, Andrade (2011) apresenta algumas das características da ESF que

dificultam integrar ações de Redução de Danos em suas práticas, a saber: a ênfase na

Atenção Primária no Brasil é ainda recente e apresenta uma estrutura organizacional em

construção; os profissionais de saúde da ESF demonstram dificuldades em lidar com

questões relacionadas ao uso de substâncias psicoativas pelo desconhecimento dos

fatores biopsicossociais relacionados ao seu consumo; e os preconceitos quanto à

legitimidade das práticas de RD. Nesse sentido, é de fundamental importância que os

trabalhadores da saúde sejam capacitados, a fim de aperfeiçoarem o diálogo, a escuta,

para que possam transmitir não só medidas de segurança à saúde, mas sim confiança,

respeito e aceitação. Não podemos esquecer que a questão do preconceito ainda

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representa um empecilho ao desenvolvimento de algumas estratégias de RD (Fonsêca,

2012).

Consideramos que a abordagem da RD oferece um caminho promissor por

reconhecer cada usuário em sua singularidade e traçar com ele estratégias para

promover a saúde e garantir seus direitos enquanto cidadão. Nessa perspectiva, muitos

outros desdobramentos são possíveis adotando a perspectiva da RD, dependendo das

situações e dos envolvidos. E uma determinada linha de intervenção pode ter seu escopo

ampliado à medida que o vínculo é ampliado. Assim, a RD nos coloca diante questões

gerais às demais intervenções de saúde como a necessidade de reflexão sobre o que

norteia a produção do cuidado. Um cuidado pautado pela ampliação dos gradientes de

autonomia visa ajudar a pessoa a descobrir e lidar com suas escolhas. Um cuidado

tutelar, disciplinador e restritivo predetermina e estabelece, a partir de critérios externos,

aquilo que a pessoa deve fazer e como deve se comportar (Brasil, 2013b).

Durante as rodas de conversa, muito se questionou se algo poderia ser realmente

feito para lidar com usuários de álcool e drogas. Como alternativa possível, destacamos

dentre as estratégias que podem ser pensadas no campo da prevenção ao uso abusivo de

álcool e outras drogas, a triagem e intervenção breve (TIB) para o uso abusivo de

substâncias, que está sendo avaliada para populações específicas, principalmente no

contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) em todo o mundo (Ronzani, 2008), devido

a possibilidade de vinculo entre os usuários e equipe de saúde e efetividade do

monitoramento do tratamento. De uma forma geral, a intervenção breve apresenta um

enfoque educativo e motivacional, em que o principal objetivo é desencadear a decisão

e o comprometimento com a mudança dos pacientes, com a finalidade de reduzir o risco

de danos ocasionados pelo consumo exagerado de substancias psicoativas.

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A Organização Mundial da Saúde (2011) afirma uma vez que a promoção da

saúde e prevenção de doenças faz parte do dia a dia de trabalho das equipes de AP,

tendo em vista as ações de prevenção e detecção de doenças rotineiras nas Unidades de

Saúde (tais como aquelas relacionadas à imunização, pressão arterial, obesidade,

consumo de tabaco, entre outros), os usuários confiam nas informações que recebem

dos profissionais de cuidados primários sobre os riscos à saúde, particularmente aqueles

relacionados ao uso de substâncias. Diz ainda que nos países desenvolvidos, 85% da

população acessa um profissional de cuidados primários de saúde pelo menos uma vez

por ano e é provável que usuários com problemas relacionados ao consumo de álcool e

outras drogas também façam parte dessa população (OMS, 2011). Isto significa que os

profissionais da Atenção Primária têm a oportunidade de intervir numa fase inicial antes

que o usuário desenvolva sérios problemas pelo uso de drogas e dependência.

Diante do maior contato das mulheres com os serviços de Atenção Primária, elas

se tornam o público alvo ideal para intervenções que visem não somente atingi-las como

também atingir os demais membros da família. Muitas doenças comuns tratadas no

campo da Atenção Primária podem estar relacionadas com o consumo de tabaco, álcool

ou outras substâncias, e os profissionais podem usar esta relação para aplicar a triagem e

intervenção breve para o consumo de substâncias psicoativas. A Intervenção breve,

portanto, passa a fazer parte da consulta. O planejamento de ações que levem em

consideração de perfil da população feminina pode guiar os profissionais para o

desenvolvimento de estratégias de intervenções como oficinas, eventos, grupos, que

podem ser divulgados tanto nas visitas domiciliares ou nas consultas de rotina, quanto

em cartazes espalhados pelos serviços de saúde.

A Atenção Primaria é caracterizada por uma boa relação de custo e efeito, pois

consegue atingir um numero amplo de pessoas e tem oportunidade de intervir antes que

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o padrão de uso de álcool e outras drogas provoque danos graves a saúde do usuário.

Vale ressaltar que nos municípios de pequeno porte no Brasil, o impacto destas

estratégias pode ser ainda maior, uma vez que a Atenção primaria é a principal, senão a

única, forma de oferta de serviços públicos de saúde (Pereira, Arginoni, Ferreira,

Oliveria, Vargar & Colveiro, 2013).

De acordo com a OMS (2011), há evidências consideráveis dos benefícios da

triagem e intervenção breve realizada na Atenção Primária para problemas relacionados

ao consumo de álcool, maconha, benzodiazepínicos, anfetaminas, cocaína e opiáceos.

Afirma que pode haver uma redução na frequência ingestão de álcool de bebedores de

risco quando lhe é oferecido uma intervenção breve de 15 minutos e materiais de auto-

ajuda em centros de cuidados primários. De acordo com o Grupo de Estudos de

Intervenção Breve da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011), um conselho

simples de cinco minutos é tão eficaz quanto 20 minutos de terapia.

Entretanto, existem dificuldades para a implementação da intervenção breve na

rotina dos serviços de Atenção Primaria, como a falta de engajamento dos profissionais

de saúde e a descrença acerca da possibilidade de melhora dos usuários em relação aos

problemas associados ao uso abusivo de substâncias psicoativas.

Uma saída possível para esse entrave é o constante engajamentos das equipes em

realmente trabalharem em equipe, buscando ajuda quando seus recursos não mais forem

suficientes. É nesse ponto que percebemos que mesmo diante de inúmeros desafios que

a Atenção Primária enfrenta com questões de que envolvem o consumo de drogas, a

resposta para essas questões pode estar na articulação entre equipes de saúde família,

NASF, Centros de Atenção Psicossocial e diversos dispositivos da rede a fim de

pensarem juntos na possibilidade de promover atividades relacionadas ao uso de

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substâncias psicoativas, desde atividades de prevenção até intervenções mais complexas

e que exijam maior preparação do profissional acerca da temática (Araújo, 2013).

Nesse sentido, O NASF desempenha um papel central nessas ações, uma vez

que cabe a ele as ações de matriciamento para que se tornem importantes estratégias de

educação e de troca de saberes, atuando com os profissionais dos serviços de Saúde da

Família de maneira a proporcionar o conhecimento necessário para que estejam aptos a

receber essa demanda e acolhê-la de maneira adequada e humanizada. Percebemos

também o matriciamento, realizado pelas equipes do NASF, como importante

articulador da rede de serviços de saúde, aumentando o leque de possibilidades e a

circulação dos usuários nos diversos domínios do sistema de saúde.

Araújo (2013) defende que é através das pequenas mudanças, e gradualmente, o

trabalho em equipe pode alcançar um novo olhar lançado sobre o consumo de

substâncias psicoativas. Essas mudanças devem tomar lugar em todos os espaços, desde

a graduação até os diversos serviços de saúde, o que aponta para a necessidade de

repensar a formação dos diversos cursos da área da saúde para o âmbito da Saúde

Mental e Consumo abusivo de substâncias psicoativas.

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4. Considerações Finais

Durante o desenvolvimento da pesquisa ficou claro que os resultados

encontrados nesse estudo foram reflexos das condições em que a pesquisa pôde ser

realizada, tanto no que se refere ao horário das visitas domiciliares no mapeamento

(sempre pela manhã), quanto em nossa impossibilidade de mapear todo o território das

equipes - uma vez que parte dos agentes não concordou com nossa presença durante as

visitas domiciliares - e ainda a pouca participação dos profissionais das equipes nas

Rodas de Conversa.

No entanto, apesar das dificuldades no percurso, tanto o mapeamento quanto as

rodas reafirmaram o maior contato das mulheres nos serviços de saúde, revelando um

dado preocupante: as mulheres da comunidade em questão vêm apresentando um

padrão de consumo em termos de álcool elevado, o qual era desconhecido pelos agentes

comunitários de saúde e equipe da ESF. Ou seja, nosso estudo indicou que enquanto

uma parcela da população atendida pelas equipes de saúde da família apresenta

problemas relacionados ao uso de drogas, os profissionais das equipes não realizam

ações destinadas a esse tipo de demanda por não acreditarem poder fazer algo nessa

direção. Nossos resultados também apontam para a falta de capacitação dos

profissionais na temática; incapacidade da rede em acolher o usuário, o

encaminhamento como única ação de cuidado realizada pelas equipes, assim como

indica a necessidade de desenvolvimento de estratégias para facilitar o acesso das

mulheres às unidades de saúde - criando a possibilidade de acessar todos os integrantes

a família, visto seu papel central nas relações familiares - e alternativas de cuidado

apropriadas ao contexto e cotidiano das mesmas

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A partir disso, como pensar uma situação como essa? Pessoas precisando de

orientação, acolhimento e profissionais que tem o papel de oferecer esses serviços não o

fazem, mesmo o próprio Ministério da Saúde apresentando uma saída viável para lidar

com tais questões, como é a Redução de Danos? Onde está o problema? Acreditamos

que uma das barreiras para a viabilização do cuidado nesse contexto está na formação

insuficiente dos profissionais.

O desafio de produzir cuidado está posto para todos os níveis do sistema de

saúde, especialmente na AP, tornando-se “um imperativo ético” (Gonçalves, 2002,

p.105). Diante da complexidade e dos múltiplos fatores que envolvem essa

problemática, as equipes de saúde da família necessitam de subsídios teóricos e práticos

para fundamentar suas ações.

Gonçalves (2002) alerta que para alcançar mudanças significativas no campo da

saúde é preciso ampliar o conceito do processo saúde-doença-cuidado, sem deixar a

saúde mental, e especialmente, questões relacionadas ao consumo de álcool e outras

drogas, como um assunto de especialistas. Torna-se imprescindível minimizar a

carência de conhecimento existente nessa área entre os profissionais que estão no

mercado de trabalho, e ao mesmo tempo, incluir esses conhecimentos nos currículos

acadêmicos. Para quem trabalha no âmbito da saúde pública, é cada vez mais necessária

uma postura inclusiva e tolerante em relação a tais usuários, a fim de que possam

trabalhar com o objetivo de minimizar os danos associados ao consumo de drogas.

Dessa forma, torna-se imprescindível o investimento na contínua formação dos

profissionais que fazem parte da rede de cuidados aos usuários de álcool e drogas, a

partir dos princípios da educação permanente - incorporando criativamente os avanços

técnico-científicos às bases teóricas já existentes, problematizando as demandas sociais

emergentes e considerando as condições socioeconômicas e estruturais dos profissionais

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e população. Nesse sentido, ressalta-se que os avanços científicos repercutem nas

pessoas não exclusivamente pela atuação dos profissionais de saúde, mas também pelo

impacto positivo que têm nos conhecimentos, valores e comportamentos das

comunidades e sistemas sociais (Costa, Mota, Cruvinel, Paica & Ronzani, 2013).

Souza e Ronzani (2012) apontam que a formação do profissional de saúde ainda

é voltada para práticas de reabilitação e é bastante deficitária quanto ao uso de

substâncias psicoativas em todo o mundo. Estudos confirmam que o mais importante

aspecto de um programa educacional em saúde é conseguir disponibilizar o aprendizado

da prática clínica para um cuidado que vá muito além do conhecimento técnico e de

mudança de atitude (Cantillon & Jones, 1999; Rassool & Rawaf, 2008). Como

alternativa possível, os autores propõem a Educação à Distância (EaD), afirmando que

esse caminho pode favorecer a interdisciplinaridade nas equipes, a interação entre atores

e a otimização dos processos de comunicação e informação, além de propiciar a

aprendizagem contínua e a socialização de conhecimentos, e como proposta não

compulsória de ensino, estimular a autogestão, autoformação e autoavaliação, condições

fundamentais para uma aprendizagem que possa se sustentar a longo prazo.

No entanto, é importante destacar que ao atentar para ações destinadas a

demandas envolvendo o uso de álcool e drogas que possam ser realizadas no próprio

contexto do território das equipes, pretendemos chamar a atenção para o fato de que a

saúde mental não exige necessariamente um trabalho para além daquele já demandado

aos profissionais de saúde. Trata-se, sobretudo, de que estes profissionais incorporem

ou aprimorem competências de cuidado em saúde mental na sua prática diária, de tal

modo que suas intervenções sejam capazes de considerar a subjetividade, a

singularidade e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde

(Brasil, 2013).

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Entendemos que as práticas em saúde mental na Atenção Primária podem e

devem ser realizadas por todos os profissionais de saúde. O que unifica o objetivo dos

profissionais para o cuidado em saúde mental devem ser o entendimento do território e a

relação de vínculo da equipe de saúde com os usuários, mais do que a escolha entre uma

das diferentes compreensões sobre a saúde mental (ou consumo de drogas) que uma

equipe venha a se identificar.

Portanto, para uma maior aproximação do tema e do entendimento sobre quais

intervenções podem ser realizadas diante de demandas relacionadas a álcool e drogas, é

necessário refletir sobre o que já se realiza cotidianamente e o que o território tem a

oferecer como recurso aos profissionais de saúde para contribuir no manejo dessas

questões. Algumas ações de saúde mental são realizadas sem mesmo que os

profissionais as percebam em sua prática.

É sempre importante questionar a ideia de que o uso de álcool e drogas possa ser

abordado por uma área exclusiva, pois muitas vezes torna-se necessário incorporar

elementos próprios de outros campos do saber: sociologia, antropologia, economia,

política ou direito. Percebemos políticas ineficazes que realizam estratégias

compensatórias no enfrentamento de necessidades, num funcionamento voltado para

soluções imediatas que pouco ajudam, visto que não preparam a comunidade para uma

emancipação, mas as perpetuam num ciclo de dependência de ações fragmentadas.

Temáticas que integram políticas públicas e substâncias psicoativas são

rotineiras tanto no senso comum como nas práticas profissionais e acadêmicas. Em

função disso, são focos de discussões, de promessas em plataformas políticas e de

planos de gestão. Entretanto, quanto mais se discute o assunto, mais ele se mostra

campo de difícil intervenção, controvertido e repleto de nuances. Isso implica encontrar

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problematizações, silêncios, e reticências que, associadas aos fenômenos que

engendram, justificam exames críticos e rigorosos do assunto (Lins & Scarparo, 2010).

Este estudo nos possibilitou chegar a algumas conclusões que talvez possam

contribuir para estudos futuros que também visem investigar a capacidade de resposta

da Atenção Primária ás demandas relacionadas ao uso abusivo de álcool e drogas.

Embora os problemas relacionados a estes sejam prevalentes em vários países e

considerados um grave problema de saúde pública, muito pouco se tem feito no sentido

de ampliar o acesso dos profissionais de saúde às informações relativas às habilidades

específicas para se detectar problemas relacionados com o uso de substâncias

psicoativas precocemente e intervir de forma eficaz. Neste sentido, o exercício da

reflexão sobre as práticas vividas, proporcionado muitas vezes pela educação

permanente, é que podem produzir o contato com o desconforto e, depois, a disposição

para produzir alternativas de práticas e de conceitos para enfrentar o desafio de produzir

transformações.

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138

ANEXOS

Anexo 1 – Instrumentos utilizados no mapeamento

.

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141

Anexo 2 – Material entregue nas Rodas de Conversa

RODA DE CONVERSA

TEMA: ALCOOL E OUTRAS DROGAS NA

ATENÇÃO PRIMÁRIA: O QUE PODEMOS

FAZER?

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ALCOOL E OUTRAS DROGAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: O QUE

PODEMOS FAZER?

1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DO MAPEAMENTO

Período: Novembro/2012 à Fevereiro/2013

Número de questionários aplicados: 406

O que podemos pensar a partir do que os dados mostram?

2. ORIENTAÇÃO SOBRE AS FORMAS DE USO DAS DROGAS E SUA

CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ORIGEM, LEGALIDADE E

MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITO.

2.1 Formas de Uso:

• uso recreativo/ocasional: refere-se à experimentação, ao uso lúdico, sem

provocar prejuízos ao cotidiano da vida da pessoa.

• uso habitual: a droga ganha um lugar especial na vida do sujeito, sendo

consumida diariamente. Ela pode tanto fazer parte da sua vida, não oferecendo

prejuízos, como também demonstrar que algo não vai bem.

• uso dependente: a droga deixa de ser um objeto de prazer e passa a

representar uma necessidade.

2.2 Classificação quanto à ORIGEM:

• naturais: provêm de certas plantas que contêm drogas. Ex.: maconha,

cogumelos e trombeteira (consumidos em forma de chá), ópio (derivado da

papoula do oriente), tabaco e folhas de coca;

• semissintéticas: são resultados de reações químicas realizadas em laboratórios

utilizando drogas naturais. Ex.: cocaína, tabaco, heroína e álcool;

• sintéticas: produzidas através de manipulações químicas em laboratório, não

dependendo de substâncias vegetais ou animais como matéria-prima para a sua

elaboração. Ex.: LSD-25, ecstasy, calmantes e anfetaminas.

2.3 Classificação quanto à LEGALIDADE:

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143

• lícitas: tabaco, cafeína e álcool, que são as drogas lícitas mais conhecidas e de

uso praticamente universal;

• ilícitas: sua produção, comércio e uso são considerados crime, sendo proibidas

por leis específicas. Ex.: maconha, cocaína e crack.

2.4 Classificação quanto aos MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITO:

• depressoras: causam redução e lentificação do funcionamento do sistema

nervoso central (SNC), deixando as pessoas mais relaxadas. Em decorrência

dessa lentificação, pode ocorrer sonolência (dependendo das doses ingeridas),

dificuldades nos processos de aprendizagem e memória, depressão,

agressividade, paranóia, dificuldades de coordenação motora, problemas

vasculares e digestivos. Exemplos: álcool, benzodiazepínicos, opiáceos (morfina

e codeína) e inalantes;

• estimulantes: causam aceleração do funcionamento mental e modificam o

comportamento, provocando agitação, excitação e insônia. A abstinência pode

levar à irritabilidade, agressividade e grande compulsão pelo consumo

(“fissura”). Exemplos: anfetamina, cocaína, crack, cafeína e nicotina;

• alucinógenas: causam alterações no funcionamento cerebral, ocasionando

fenômenos de alteração da percepção de sons, imagens, sensações táteis e do

senso de espaço e tempo, podendo levar a crises de pânico, delírios e

alucinações. Esse conjunto de efeitos caracteriza um estado que os usuários

conhecem como “viagem”. Exemplos: LSD-25, maconha, ecstasy e algumas

espécies de cogumelos.

Entender o uso de drogas não deve se limitar à ideia de certo ou errado ou da

compreensão de que é apenas doença ou caso de polícia. Deve-se considerar todo o

contexto em que se dá o uso, considerando três fatores:

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• a pessoa: seu jeito de ser e sua história familiar;

• o contexto social: constituído pelas normas legais e morais, pelos valores e pelas

relações estabelecidas na coletividade;

• a droga: considerar seus efeitos, se é lícita ou ilícita, a frequência de uso e o lugar que

a droga ocupa na vida da pessoa.

3. ABSTINÊNCIA VERSUS REDUÇÃO DE DANOS

REDUÇÃO DE DANOS

Intervenções singulares, que podem envolver o uso protegido, a diminuição do uso da

droga, a substituição por substâncias que causem menos agravos ou até mesmo a

abstinência.

Pensar Redução de Danos é pensar práticas em saúde que considerem a singularidade

dos sujeitos, que valorizem sua autonomia e que tracem planos de ação que priorizem

sua qualidade de vida.

COMO ABORDAR UM USUÁRIO DE ÁLCOOL E DROGAS?

- Sigilo

- Promova um clima acolhedor

- Faça todo o esforço possível para demonstrar que a pessoa está sendo compreendida.

- Evite julgamentos

- Tente se colocar no lugar da pessoa

- Seja flexível, Centre o cuidado na pessoa.

- Não exija decisões rápidas

- Coloque-se nas brechas que a pessoa coloca entre ela e a droga, minimizando os riscos

- Reconheça seus esforços de enfrentamento e superação

DICAS PARA ATUAR COM A FAMÍLIA

- Evite julgamentos baseados em qualquer tipo de preconceito;

- Não se prenda somente na solicitação dos familiares. Discuta sempre com a Equipe o

que pode ser feito para auxiliar a pessoa e a família;

- Ofereça um espaço de escuta individualizado para a pessoa usuária de álcool e outras

drogas para que ela possa falar o que pensa e sente;

- Priorize visitas mais imediatas às famílias com maiores dificuldades psicossociais;

- identifique pessoas que podem auxiliar na parceria do cuidado;

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- Observe como a família se comunica;

- Reconheça e valorize os saberes e recursos encontrados pela família na convivência

diária com a pessoa usuária de álcool e outras drogas;

- Fique atento aos movimentos de saúde do usuário;

- Construa junto com a família alternativas de mudança e de promoção de cuidados;

- Busque discutir as situações que você tem mais dificuldades com sua equipe de saúde.

4. CONHECENDO NOSSA REDE DE APOIO

CAPS AD II Leste = R Monsenhor Severiano 443 – Petrópolis, (84) 3232-8565

CAPS AD II Norte = Avenida Paulistana, 2109. (84) 3232 8232 / 8233

APTAD = Ambulatório de Prevenção e Tratamento de Tabagismo, Alcoolismo

e outras drogadições. Avenida São Miguel dos Caribes, s/n, Pirangi. (84) 3232-

8380

DEPAD = Departamento de Prevenção e Acompanhamento ao Usuário de

Drogas, da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), tem

como objetivos acolher, orientar e encaminhar pessoas com dependência

química para a rede de atendimento do SUS. Avenida Jaguarari, 2188 – Lagoa

Nova. (84) 3232-9282.

UTAD (Unidade de Tratamento do Alcoolismo e outras Dependências) =

Localizada no Hospital Universitário Onofre Lopes, tem como objetivos:

prevenir o alcoolismo e as outras dependências; recuperar o alcoolista e outros

dependentes; oferecer ajuda as pessoas que procuram a UTAD; e articular as

funções básicas da Universidade: ensino, pesquisa e extensão. A UTAD está

localizada no primeiro subsolo do HUOL, no Ambulatório de Psiquiatria.

Telefone – 3342-3037.

AA = Grupo Boa Esperança - Av Presidente Ranieri Mazzilli, 430 - 1º andar -

Felipe Camarão -- Reuniões: Terças e Quintas às 19:30h e Domingos às 16:00h

NA = Para mais informações: (84) 3620-6669

Hospital Doutor João Machado = Av Almirante Alexandrino de Alencar

1700 - Tirol

(84) 3232-7340

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5. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS E POSSIBILIDADES DE CUIDADO AO

USUÁRIO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA ATENÇÃO

PRIMÁRIA.

É possível pensar em outras formas de cuidado? na realidade na qual a

equipe se encontra, esse tipo de estratégia seria útil?

POSSIBILIDADES DE AÇÃO POR PARTE DA ESF COM O APOIO DO NASF

- Atendimentos individuais

- Grupos

- Visitas domiciliares

- Consulta Conjunta

- Ações de prevenção, promoção e educação em saúde

- Ações intersetoriais

- Apoio Matricial

PROPOSTA DA TRIAGEM E INTERVENÇÃO BREVE

Estratégias baseadas em abordagem motivacional para prevenção, cujo foco é a

mudança de comportamento do paciente por meio de atendimento com tempo limitado,

podendo ser realizado por profissionais de diferentes formações. A intervenção breve

possui baixo custo e se mostra efetiva para problemas relacionados à

toxicodependências. Quando associados à intervenção breve, os instrumentos de

triagem facilitam a aproximação inicial e permite um retorno objetivo para o paciente,

possibilitando assim a introdução dos procedimentos de intervenção breve e de

motivação para a mudança de comportamento.