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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO BEATRIZ AIEX ANDRADE PRÁTICAS DE CONSUMO DE HIGIENE E BELEZA DA NOVA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA: Um estudo de três casos . Orientadora: Letícia Moreira Casotti D.Sc. Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

BEATRIZ AIEX ANDRADE

PRÁTICAS DE CONSUMO DE HIGIENE E BELEZA DA NOVA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA:

Um estudo de três casos

.

Orientadora: Letícia Moreira Casotti D.Sc.

Rio de Janeiro

2011

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Beatriz Aiex Andrade

PRÁTICAS DE CONSUMO DE HIGIENE E BELEZA DA NOVA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA:

Um estudo de três casos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração

Orientadora: Letícia Moreira Casotti D.Sc.

Rio de Janeiro

2011

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Beatriz Aiex Andrade

PRÁTICAS DE CONSUMO DE HIGIENE E BELEZA DA NOVA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA:

Um estudo de três casos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração

Aprovada em:

___________________________________

Profª Letícia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

(Orientadora)

___________________________________

Profª Cecília Matoso (UNESA)

___________________________________

Profª Verônica Feder Mayer (UFF)

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Para meus pais.

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AGRADECIMENTOS

À professora Letícia Casotti, pela orientação tranqüila e certeira, com carinho e confiança,

mesmo nos períodos distantes, em São Paulo.

Às entrevistadas que cederam seu tempo curto a longos diálogos.

Aos professores Denise Fleck, Celso Leme, Victor Almeida e Úrsula Wetzel, por mostrarem a

riqueza e diversidade do estudo em administração de empresas.

A todos os professores e funcionários que fazem parte do COPPEAD – em especial

Cida e Eliane.

Aos meus pais, sem os quais jamais teria concluído minha formação.

E a minha família, consangüínea ou não, que me deu o apoio necessário para que este trabalho

fosse concluído.

Por fim, agradeço ainda às professoras Cecilia Matoso e Verônica Feder Mayer que contribuíram

com seus comentários na banca.

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RESUMO

ANDRADE, Beatriz Aiex. Práticas de consumo de higiene e beleza da nova classe média brasileira: um estudo de três casos. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Esse estudo de natureza exploratória tem por objetivo investigar como mulheres da nova

classe média decidem sobre o consumo de produtos de higiene e beleza. O interesse foi

identificar os aspectos comportamentais e culturais deste tipo de consumo. Essa dissertação

procura ainda destacar as necessidades específicas e particularidades deste grupo de

consumidoras crescente e em rápida transformação. Para isso, utilizou-se a metodologia

qualitativa de estudo de caso, onde foram analisadas as experiências de três mulheres

representantes desta classe, em diferentes momentos de vida e profissões. Baseado nos dados

coletados foi possível identificar lógicas particulares no consumo que explicam a hierarquia de

decisão de compra destas mulheres.

Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Produtos de beleza e nova classe média.

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ABSTRACT

ANDRADE, Beatriz Aiex. Práticas de consumo de higiene e beleza da nova classe média brasileira: um estudo de três casos. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

This exploratory study aims to investigate how the new middle class women decide about

their consumption of health and beauty products. The interest was to identify the behavioral and

cultural aspects of such consumption. This essay seeks to highlight the specific needs

and peculiarities of this growing and rapidly changing group of consumers. For this, we used

a qualitative methodology of case study, which analyzed the experiences

of three representatives’ women of this class, at different ages and professions. Based on the

data collected, it was possible to identify peculiar logics that explain their decision hierarchy of

purchase.

Keywords: Consumer behavior. Beauty products and the new Brazilian middle class

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Perfil das entrevistadas ............................................................................................ 36

Figura 2: Portfólio de marcas mencionadas por Fabrícia ........................................................ 49

Figura 3: Experiência de compra de Fabrícia .......................................................................... 52

Figura 4: Portfólio de marcas mencionadas por Elaine ........................................................... 63

Figura 5: Experiência de compra de Elaine ............................................................................ 66

Figura 6: Portfólio de marcas mencionadas por Joaquina ....................................................... 79

Figura 7: Experiência de compra de Joaquina ........................................................................ 83

Figura 8: Influências no consumo de beleza ........................................................................... 87

Figura 9: Tipos de compra e seus canais ................................................................................. 93

Figura 10: Produtos de beleza e seus atritos destacados ......................................................... 94

Figura 11: Fluxo do processo de compra dos produtos de beleza das entrevistadas .............. 96

Figura 12: Fluxo do processo de compra dos produtos de beleza das entrevistadas e as falas que

suportam esta lógica ................................................................................................................ 98

Figura 13: Sistema de poupança na garrafa .......................................................................... 109

Figura 14: embalagens refil da Natura .................................................................................. 109

Figura 15: Renew no armário do banheiro ............................................................................ 109

Figura 16: Variedade de produtos no banheiro ..................................................................... 109

Figura 17: Produtos guardados no armário ............................................................................... 1

Figura 18: O kit de maquiagem ainda incompleto .................................................................... 1

Figura 19: Produtos armazenados para kit de presente ............................................................. 1

Figura 20: Catálogos de venda direta ........................................................................................ 1

Figura 21: Cuidado na decoração da casa ................................................................................. 1

Figura 22: O cabelo de Fabrícia ................................................................................................ 1

Figura 23: A perfumaria escolhida para compra ....................................................................... 1

Figura 24: Fabrícia mostra as cores de esmalte que gosta ........................................................ 1

Figura 25: A diversidade de produtos na perfumaria escolhida para compra ........................... 1

Figura 26: Espaço limitado na casa ........................................................................................... 2

Figura 27: O bairro de Elaine .................................................................................................... 2

Figura 28: Produtos no banheiro ............................................................................................... 2

Figura 29: Produto de alisamento do cabelo ............................................................................. 2

Figura 30: Diversidade de produtos guardados no guarda roupa .............................................. 2

Figura 31: O cabelo de Elaine ................................................................................................... 2

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Figura 32: o bairro de Joaquina ................................................................................................. 2

Figura 33: Portão em frente a casa de Joaquina ........................................................................ 2

Figura 34: O armário de produtos de beleza ............................................................................. 2

Figura 35: O cabelo de Joaquina ............................................................................................... 2

Figura 36: Produtos de beleza que Joaquina gosta .................................................................... 2

Figura 37: A nova televisão da casa .......................................................................................... 2

Figura 38: O kit que Joaquina sugeriu para sua mãe no Natal .................................................. 2

Figura 39: A loja da Silvia ........................................................................................................ 3

Figura 40: Na loja, produtos de beleza se misturam a outros ................................................... 3

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SUMÁRIO

1 Introdução 12 2 Um corte teórico 15 2.1 A CULTURA DO CONSUMO: FORMADORA DE IDENTIDADE E DE CLASSES 15 2.1.1 O consumo como cultura 15 2.2.2 O consumo como formador de identidade 19 2.1.3 O conceito de classe a partir do consumo 22 2.2 HÁBITOS E COMPORTAMENTOS DAS CLASSES BAIXAS 25 2.3 BELEZA 29 3 Metodologia 33 4 Descrição dos casos 39 4.1 FABRÍCIA: CONSUMIDORA EXPERIENTE E PLANEJADA 39 4.1.1 Breve perfil e história de vida 39 4.1.1.2 Tempo e dinheiro 41 4.1.1.3 Gosto e hábitos de consumo 43 4.1.2 Consumo da beleza 44 4.1.2.1 Influências, opiniões e relações 46 4.1.2.2 Consumo de marcas 47 4.1.3 A Compra de Produtos de Beleza 49 4.2 ELAINE: CONSUMIDORA FOCADA E EM CONSTANTE BUSCA POR OPORTUNIDADES 52 4.2.1 Breve perfil e história de vida 52 4.2.1.1 Tempo e dinheiro 53 4.2.2 Consumo da beleza 55 4.2.2.1 Influências, opiniões e relações 58

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4.2.2.2 Consumo de marcas 61 4.2.3 A Compra de Produtos de Beleza 62 4.3 JOAQUINA: CONSUMIDORA ATENTA E DE MUITOS PRODUTOS E MARCAS 66 4.3.1 Breve perfil e história de vida 66 4.3.1.1 Tempo e dinheiro 68 4.3.2 Consumo da beleza 71 4.3.2.1 Influências, opiniões e relações 75 4.3.2.2 Consumo de marcas 77 4.3.3 A Compra de Produtos de Beleza 80 5 Análise dos casos 84 5.1 ASPECTOS CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS 84 5.2 A VISÃO SOBRE BELEZA 88 5.3 LÓGICAS PARTICULARES DE CONSUMO 89 5.3.1 Preços baixos para comprar mais 89 5.3.2 Adaptação orçamentária em função dos desejos de consumo 90 5.3.3 Compra pessoal em nome da família 91 5.4 ADAPTAÇÕES DOS CANAIS DE COMPRA 91 5.5 COMPORTAMENTOS DE COMPRA 93 5.5.1 Um fluxo do processo de compra 95 6 Conclusão 99 REFERÊNCIAS 101 ANEXOS 107

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1 Introdução

“[Esse estudo] é mais uma demonstração de possibilidades do que a certeza de verdades, é o

início de uma abordagem sem a pretensão de terminá-la.” McCracken

O aumento da renda individual e a melhora da distribuição de renda no Brasil, que parecem ter

começado a partir das melhorias econômicas trazidas pelo Plano Real, em 1994, têm provocado

uma transformação sócio-econômica no país. Dentro destas transformações, a classe C passou a

superar as classes A e B juntas, em termos totais de renda, sendo responsável por 47% da renda

nacional, contra 44% das classes AB (dados de 2008)1.Como não poderia deixar de ser, essas

mudanças impactam no comportamento de compra dos indivíduos, e o ganho de importância da

chamada Nova Classe Média passou a chamar atenção das pesquisas de marketing no país.

A medida de classes usada como referência neste estudo é aquela construída pela Fundação

Getúlio Vargas (FGV), que usa, principalmente, o nível de renda como referência. Em outros

países, é comum utilizar classificações econômico-sociais a partir de classes de ocupação. No

entanto, no Brasil, além da medida da FGV, existem mais duas classificações, e nenhuma delas

utiliza o critério de ocupações. São elas o Critério Brasil2, que define as classes por meio de um

conjunto de bens e serviços consumidos pela família, e a classificação do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), definida a partir do número de salários mínimos de rendimento

familiar3. No cálculo utilizado pela FGV, segundo Neri, a classe média é definida como média,

no sentido estatístico: na média, os rendimentos familiares desta classes equivale ao rendimento

médio no país4. As figuras abaixo ilustram a evolução das classes e a faixa de renda nas quais

estão compreendidas para valores de 2008-2009.

1 NERI (coord.), A Pequena Grande Década: Crise, Cenários e a Nova Classe Média, 2010, FGV. 2 http://www.abep.org/novo/Content.aspx?SectionID=84 3 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/default.shtm 4 http://www3.fgv.br/ibrecps/ncm2010/NCM_Pesquisa_FORMATADA.pdf

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Figura 1: Evolução das Classes Econômicas segundo critério da FGV

Fonte: http://www3.fgv.br/ibrecps/ncm2010/NCM_Pesquisa_FORMATADA.pdf (p.13)

Figura 2: Renda familiar de todas as fontes segundo critério FGV – Em reais de 2010

Fonte: http://www3.fgv.br/ibrecps/ncm2010/NCM_Pesquisa_FORMATADA.pdf (p.30)

Segundo a ABIHPEC, Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e

Cosméticos, a indústria cresceu, em média, 10,5% ao ano nos últimos 15 anos, de 1996 a 2010,

alcançando um faturamento líquido (livre de impostos) de R$27,3 bilhões em 2010. (Fonte:

http://www.abihpec.org.br/conteudo/panorama_do_setor_2010-2011-14042011.pdf)

Este estudo buscou, através da metodologia dos itinerários e a observação de três estudos de

caso, entender como mulheres da nova classe média constroem seus hábitos para cuidar da

beleza: o significado de beleza para elas, o que compram e o que não compram, onde compram

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quais as marcas que gostam e como seu histórico de vida, família e situação socioeconômica

influenciam nessas decisões.

O objetivo desse estudo foi oferecer uma discussão sobre a dialética entre indivíduo-cultura

dentro do contexto de expressivo crescimento da classe média no país, e debater sobre seus

possíveis impactos sobre o consumo de beleza de forma ampla.

Para isso foi feita uma revisão de literatura explorando os temas de: identidade e consumo,

comportamento das classes populares e consumo de beleza. Esta revisão é apresentada na parte

um e está divida em três subitens. Na parte dois, a metodologia utilizada é apresentada em

detalhe junto com a seleção das entrevistadas e seu perfil. Na seção três, foram expostas as

descrições dos casos observados. Essa etapa é importante para conhecer o mapeamento dos

aspectos culturais e comportamentais das informantes. E na seção quatro, é feita a análise

conjunta dos casos, onde foi possível identificar padrões de compra entre os casos observados e

determinadas lógicas de consumo.

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2 Um corte teórico

2.1 A CULTURA DO CONSUMO: FORMADORA DE IDENTIDADE E DE CLASSES

2.1.1 O consumo como cultura

O consumo foi considerado por alguns autores dentro das ciências sociais como uma atividade

que destruía a tradição, colocando-se contra a cultura local (MILLER, 2007). Os produtos e os

esforços de venda eram tidos como agentes externos que prejudicavam os costumes regionais,

destruindo hábitos antigos (VEBLEN, 1912). Essa é uma visão que ainda hoje tem algum espaço

na opinião pública. No entanto, os estudos mais recentes sobre o consumo (DOUGLAS, 2004;

BOURDIEU, 2008; McCRACKEN, 1990; ARNOLD, 2005) vieram mostrar o outro lado, de

como, na verdade, é a própria cultura que impulsiona os diferentes tipos de consumo. Em todas

as escolhas de compra existe uma identidade cultural envolvida, seja para exercer sua própria

tradição ou para explorar novos conceitos (MILLER, 2007).

Já na década de 1970, duas publicações ganham destaque dentro dessa visão do consumo

impulsionado pela cultura: “O Mundo dos Bens” de Douglas e Isherwood e “A Distinção” de

Bourdieu. Douglas (2004) interpreta o consumo como uma linguagem, onde seria possível

entender a própria sociedade por meio de seu sistema de bens consumidos. E Bourdieu (2008)

demonstrou como o consumo é um distintivo entre classes.

Em 1979, a publicação do livro “O Mundo dos Bens” marcou a visão do consumo, não mais

como necessidade ou prática subversiva, a medida que passava do limite do “necessário”, mas

sim como comportamento social. Mary Douglas e Baron Isherwood indicaram que o consumo

era “parte integrante da necessidade social de relacionar-se com outras pessoas, e de ter materiais

mediadores para essas relações.” (DOUGLAS, 2004, p.27) Durante todo o livro, os autores

eliminam a característica de subsistência e objeto de necessidade dos bens, para tratá-los sempre

como “necessários para dar visibilidade e estabilidade às categorias culturais” (DOUGLAS,

2004, p.105). Acima de tudo, os argumentos são construídos vendo o consumo como necessário

para estabelecer e manter relações sociais.

Bourdieu é um autor importante dentro da análise de comportamento do consumidor, pois traz

diversos conceitos da antropologia e sociologia que são fundamentais para o entendimento das

observações de campo. O autor aponta a armadilha da simplificação da análise social. Querer

identificar características (observadas no momento da pesquisa, e, portanto, estáticas) que

classifiquem o perfil do consumidor pode ser uma análise míope, uma vez que o verdadeiro

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perfil, assim como a classe, está desenhado no tempo e no habitus, depende do campo em que

está inserido e das outras classes as quais deseja se opor, ou seja, está além das propriedades

superficialmente observadas.

A marca das mudanças sociais no modo de consumir foi divulgada por historiadores

(McKENDRICK, 1982; WILLIAMS, 1982), cientistas sociais (SIMMEL, 1904; BOURDIEU,

2008; McCRACKEN, 1990) e antropólogos (SAHLINS, 2003; DOUGLAS, 2004). Numa

abordagem histórica, McCraken (1990) chamou atenção para como a sociedade do consumo

passou a ser bem definida já no século XVI. O primeiro boom de consumo foi destacado pelo

autor no século XVII, com a valorização de símbolos aristocráticos de status. Em seguida, houve

outra rápida expansão do consumo no século XVIII, quando a simbologia dos bens ganhou ainda

mais importância frente ao crescente anonimato nas sociedades ocidentais. Já no século XIX, a

aparição de diferentes estilos de vida gerou ainda mais diversificação de símbolos. A descrição

histórica chama atenção para as características da sociedade que impulsionaram o crescimento

do consumo e suas novas formas em diferentes épocas. A explosão do consumo e a simbologia

dos bens já podiam ser observadas como fruto da cultura local desde o início da sociedade do

consumo.

Embora, o consumo seja livre, ele também está cercado de regras: “o consumo é a própria arena

em que a cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma” (DOUGLAS, 2004, p. 103). Uma

maneira fácil de observar estas regras é a separação entre dinheiro e presente. É, em geral, muito

mal visto dar presentes em forma de dinheiro. O presente nunca pode ser substituído pelo

dinheiro em seu valor (MALIVOWSKI, 1990). São as normas sociais que definem essas

diferenças. No caso do dinheiro, esse direito de dá-lo como presente é reservado à família

(DOUGLAS, 2004).

Para Miller (2007) a perspectiva da cultura material é fundamental para conceber o consumo

como fonte de compreensão da humanidade. O autor destacou como algumas abordagens

precedentes erraram ao interpretar o consumo de modo preconceituoso, dentro de um paradigma

antimaterial. Referente a esta crítica ele destacou: “O problema não é a moralidade em si, a qual

é, sem dúvida, muitas vezes proclamada com a mais honrável das intenções, mas que

aprendemos quase nada com isso sobre a natureza do consumo” (MILLER, 2007, p.39).

O consumo como cultura existe não apenas pelo impulso cultural, mas também porque os bens

acabam por incorporar significados originados no próprio uso e na cultura que os rodeia

(McCRACKEN, 1990). A descoberta do significado dos bens já foi objeto de estudo de diversos

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autores, como Sahlins (2003), McCracken (1990), Douglas e Isherwood (2004), Bourdieu

(2008), Belk (1995), Holt (1994), Thompson (1994), Fournier (1998), dentre outros.

Miller (2007) fala do estudo da cultura material como aquele que busca na especificidade dos

objetos as características e simbologias inseparáveis da materialidade. Para ele é a partir das

diversas formas possíveis de consumo de um mesmo objeto que se conhece a verdadeira causa

do consumo. O autor cita, por exemplo, como o consumo de carros é diferente para aborígenes

australianos e taxistas do Oeste Africano.

Os rituais também têm papel importante no reforço dos elos entre cultura, objeto e indivíduo.

Dentro da discussão da simbologia do consumo, Douglas e Isherwood destacam a importância

dos rituais, são eles que reforçam os significados da cultura, “constituem definições públicas

visíveis”. Na visão dos autores, os bens são acessórios que marcam os significados. Eles servem

para tornar os símbolos inteligíveis. “Os bens são, portanto, a parte visível da cultura”. “O

consumo é um processo ativo em que todas as categorias sociais estão sendo continuamente

redefinidas.” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p.116)

McCracken (1990) também destacou os rituais como sendo um meio de extrair os significados

dos bens e transferi-los para os indivíduos. Esta visão ajuda a compreender a importância do

entendimento do comportamento. Através deste entendimento e observação dos valores

buscados pelos consumidores, podemos identificar os valores que a publicidade e o “sistema de

moda” devem buscar embutir nos bens.

Os significados associados aos bens não o são de forma unânime ou independente. Esses

significados são traçados sempre em relação a outros bens. Assim, diferentes bens podem tomar

o mesmo significado em culturas distintas, bem como, o significado de um mesmo bem pode ser

distinto dependendo do leitor. Além disso, a simbologia associada a um objeto deve ser

confirmada publicamente. Em conjunto, significados são reforçados ou alterados ao longo do

tempo. Como um movimento cíclico, então, o consumo também cumpre sua parte de alimentar

as culturas.

McCraken (1990) nomeia essa transferência de significados do “mundo culturalmente

constituído” para os bens. Segundo o autor, isso acontece por meio da publicidade e do sistema

de moda. Neste sistema de moda, além da publicidade, de modo mais amplo, existe também o

papel dos líderes de opinião, que se encarregam de espargir os novos produtos e seus

significados, bem como o próprio dinamismo do sistema de auto-reciclagem. Neste processo, os

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grupos “marginais” ou “radicais”, são aqueles que trazem maior inovação conceitual. Para

Bourdieu (2008), esses grupos são aqueles que entram no “jogo” com suas próprias regras,

criando novas formas de se posicionar ao invés de aceitar as formas de comportamento já

existentes e segui-las.

Belk, Ger e Askegaard (2003), em um estudo sobre os desejos de consumo, mostraram como

essas vontades são moderadas pela moralidade, que por sua vez, é moderada pela cultura local.

Desta forma, os desejos individuais são manifestados de modo diferente em cada cultura,

dependendo da socialização e intermediários culturais, como o marketing e a propaganda. É a

cultura que ajuda a definir os desejos e legitimá-los.

O “significado deslocado” materializado em objetos de consumo é um outro conceito trabalhado

por McCracken (1990), que reforça a importância do consumo como elemento cultural. Segundo

o autor o significado deslocado é uma das estratégias para transportar ideias culturais, e, portanto

abstratas, em situações reais. A alocação deste significado pode ser deslocada no tempo ou no

espaço, ou seja, aquele ideal pode ser a realidade do passado ou futuro, bem como a realidade

para um outro grupo no presente. Num plano mais individual esse deslocamento pode ser

distribuído ao longo da vida do consumidor e para a vida alheia.

Esses significados podem, então, ser materializados nos bens. Segundo o autor: “Os bens têm a

capacidade de tornar acessível o significado deslocado sem torná-lo ao mesmo tempo vulnerável

ao teste empírico ou comprometer seu status diplomático.” (McCRACKEN, 1990)

Quando os significados são transferidos para os bens existem dois momentos: antes e depois da

compra. A materialização antes da compra permite que o indivíduo torne concreto “uma

condição emocional, uma circunstância social ou mesmo todo um estilo de vida”

(McCRACKEN, 1990, p.142). Nestes casos é comum que o objeto portador do significado esteja

bem distante de seu poder de compra. E quando acontece a aquisição do bem, isso pode ser

interpretado como o alcance de uma parte do ideal ou simplesmente o significado é transferido

para outro bem. Acima de tudo “o poder evocativo dos bens”, através da incorporação de

significados, vai além da função de transmitir características para o usuário, ele possibilita

estabelecer metas para aquilo que se deseja ser, ideais.

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2.2.2 O consumo como formador de identidade

A descoberta do simbolismo dos bens foi o que abriu portas para visualizar a forma como o

consumo constrói a noção de identidade, seja individual ou do grupo. Uma vez que os bens são

portadores de significado, o consumidor pode tentar apropriar-se desses valores (McCRACKEN

1990). Assim, percebeu-se a transferência de significados entre objetos e indivíduos para

promover mudança e cultivar tradições. Não apenas, foi reconhecida a relação do consumo com

a cultura, como também se mostrou que os significados carregados pelos bens poderiam compor

a continuidade ou ruptura dentro da cultura.

Uma forma simples de identificar a relação entre consumo e identidade é observar como é

comum que as pessoas se descrevam de acordo com seus gostos (CAMPBELL, 2001;

BOURDIEU, 2008). O termo “gosto” tem duplo sentido, como “faculdade de julgar valores

estéticos de maneira imediata e intuitiva” e “a capacidade de discernir os sabores próprios dos

alimentos que implica a preferência por alguns deles”, os quais são indissociáveis. (BOURDIEU,

2008, p. 95). Em Bourdieu (2008), o “gosto” é um dos conceitos que suporta a existência do

significado social dos bens, pois é através dele que o indivíduo irá apropriar-se dos bens. Assim,

“o consumidor contribui para produzir o produto que ele consome mediante um trabalho de

identificação e decifração” (BOURDIEU, 2008, p.95). É por meio dos gostos, resultado das

condições econômico-sociais, que os produtos ganham significados e recebem suas identidades

sociais.

Mais que destacar o gosto individual que intermedia a relação entre o consumidor e o produto, o

autor enfatiza que as próprias propriedades dos bens não são “uniformemente percebidas”. Elas

variam de acordo com as condições econômicas e sociais dos grupos (“identidades sociais”). Ou

seja, não existe “um sentido universal e, unanimemente, aprovado” para os objetos. Para cada

produto existem “experiências diferenciais vividas pelos consumidores, em função (...) da

posição que eles ocupam no espaço econômico”. Essa experiência é definida como habitus, que

estabelece “uma relação inteligível e necessária entre determinadas práticas e uma situação, cujo

sentido é produzido por ele [o habitus] em função de categorias de percepção e apreciação”

(BOURDIEU, 2008, p. 96).

No movimento de transferência de significados dos bens para a sociedade, reforçando e

recriando formas culturais, antes, estes simbolismos são apropriados pelos indivíduos e

transmitido para todo um sistema de consumo.

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Uma das abordagens que destacam essa transferência de significados dos produtos para os

indivíduos é a ideia trazida pelo efeito Diderot, explicada por McCraken (1990). Nesta ótica, os

produtos são analisados em conjunto, o valor simbólico de um bem depende do contexto no qual

está inserido e, portanto, do conjunto de bens que o acompanha. Da mesma forma, este

significado só pode ser transferido ou incorporado pelo indivíduo de acordo com o restante de

seu sistema de consumo.

Os bens ‘andam juntos’ em grande medida porque suas propriedades simbólicas os agrupam. São os aspectos culturais significativos dos bens que contribuem para lhes conferir suas harmonias secretas. Resta considerar a força cultural que ajuda a preservar essas harmonias nas vidas individuais (McCRACKEN, 1990).

Segundo o autor as unidades e efeito Diderot podem operar de duas formas. A primeira, descrita

como conservadora, é o efeito da força cultural que mantém a harmonia dentro de um sistema ou

conjunto de bens representativos de tal cultura, e impede que outros objetos entrem nesse

sistema. A segunda é considerada radical. É quando um objeto é capaz de provocar uma

incoerência no restante do sistema de consumo que transborda numa mudança destes outros

objetos até que seja alcançada uma nova harmonia.

Inserindo essas análises no plano social do período pós moderno, em meados da década de 1960,

é importante destacar que junto com os protestos para maior liberdade de escolha, o trabalho (no

sentido de profissão; a atividade produtiva exercida pelos indivíduos) teve seu papel reduzido

como fonte de identidade, e pouco a pouco este papel passou a ser preenchido pelas escolhas de

consumo. (BAUMAN, 2000; JENKINS, 2008)

Quanto à crítica das escolhas “líquidas” (BAUMAN, 2000), a colocação de Campbell (2001) é

ideal, quando diz que a mudança das escolhas não refletem sempre mudança de identidade.

Mesmo que a identidade não seja um conceito fixo, para Campbell, o consumo é a principal

atividade pela qual as pessoas resolvem seus dilemas de identidade.

O verdadeiro local onde reside nossa identidade deve ser encontrado em nossas reações aos produtos e não nos produtos em si. (...) é monitorando nossas reações a eles, observado do que gostamos e do que não gostamos, que começaremos a descobrir quem ‘realmente somos’ (CAMPBELL, 2001, p.53).

Se as pessoas na verdade mudam seu padrão de gostos ou preferências, isso não representa uma mudança na maneira pela qual a identidade é reconhecida ou concebida. Trata-se ainda do self sendo definido pelo desejo, ou de nosso perfil sendo traçado por nossas preferências. A esse respeito, a muito enfatizada variabilidade e mutabilidade do conteúdo percebido da identidade não é tão significativa quanto a continuidade manifestada no processo envolvido nessa ‘descoberta’. (CAMPBELL, 2001, p.56).

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As mudanças são mais uma forma de reafirmar a realidade do self do que alterá-lo

(CAMPBELL, 2001). Segundo ele as principais características desta nova forma de consumo é

seu caráter emocional e individualista. E a conjugação dessas duas características resulta no fato

de que o consumo moderno está mais preocupado em satisfazer vontades do que necessidades.

Neste cenário, os consumidores criam seus mundos rodeando-se do que consomem, os bens são

o que garantem a realidade desses mundos.

Desta forma, o consumo assume um caráter para além da sobrevivência, entra-se no campo do

consumo hedônico, como descreveu Campbell (2001). O autor explora mais a relação da

construção da identidade através do consumo: “Eu compro, logo sei que existo”. Diferente de

uma abordagem que coloca o consumidor numa posição mais passiva e o publicitário como o

responsável pelo envolvimento do romantismo no consumo, Campbell ressalta o contrário: como

a ética romântica do indivíduo foi o que impulsionou o consumo moderno.

Além do consumo de necessidade, busca-se o consumo que propicia experiências verdadeiras.

Quanto mais forte a emoção envolvida numa compra, maior tende a ser as reações conseqüentes

do consumo.

Quanto mais forte for a reação experimentada, mais “real” será considerado o objeto ou o evento que o produziu. Ao mesmo tempo, quanto mais intensa for nossa reação, mais ‘reais’ nos sentiremos naquele momento. Em termos mais simples: vivemos numa cultura em que a realidade é equiparada a intensidade da experiência e, consequentemente, atribuída tanto à fonte de estimulo quanto àquele aspecto de nossa existência que reage a ele. Portanto, (...) é através da intensidade do sentimento que os indivíduos adquirem a confiança de que necessitam para superar sua angustia existencial e se convencerem de que estão de fato ‘vivos’ (CAMPBELL, 2001, p. 57).

É por meio dessas experiências intensas que as pessoas se convencem de que seu self é real e

autentico. Segundo Campbell, a prática visível do consumo não passa de uma parte pequena de

um padrão complexo do comportamento hedônico, a maior parte deste processo acontece na

imaginação dos consumidores.

Com esta forma de pensar o autor descreve o “espírito do consumo moderno” como a busca por

prazer e não apenas por satisfação. E o prazer dentro do consumo deriva essencialmente do

engajamento em experiências auto-ilusórias. Isso torna mais compreensiva a eterna busca por

novidades e a instabilidade nas escolhas. Os produtos “novos” não significam uma promessa por

algo útil ou verdadeiramente novo, basta que eles sejam uma ilusão de vivenciar uma experiência

que ainda não foi vivida de modo real.

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Assim, ele argumenta que o consumo moderno não tem nada de materialista, muito pelo

contrário. Toda sua busca é para vivenciar experiências criadas no imaginário. Fica claro,

portanto, que esta abordagem abrange tanto situações onde existe ou não tentativas de imitação,

quando existe ou não consumo conspícuo. O ciclo “desejo-aquisição-uso-desilusão-renovação-

desejo” é um padrão geral do hedonismo moderno, mesmo para o consumo “invisível” e não

precisa de nenhum pressuposto de que o ato da compra estaria voltado para a busca de prestígio

ou status.

2.1.3 O conceito de classe a partir do consumo

Da mesma forma que podemos ver o consumo construindo identidades, reforçando e criando

culturas, ele também pode ser visto como responsável por definir classes. Muito mais

significativas que as “classes” anteriormente definidas por nível de renda ou escolhas

profissionais, a definição de mapas de classe por tipo de consumo permite a identificação de uma

gama mais ampla de classes, englobando suas particularidades e abandonando a simples

classificações unidimensionais (BOURDIEU, 2008).

Bourdieu fala de duas formas distintas de aprendizado, o que termina por formar o habitus. Uma

é “precoce e insensível, efetuando desde a infância no seio da família e prolongado pela

aprendizagem escolar”. Enquanto a segunda forma é acelerada e metódica, representando mais

um “verniz cultural” (BOURDIEU, 2008, p.65). Ele utiliza esse conceito de habitus para

justificar os comportamentos observados. Para o autor, as práticas (atividades em geral e

escolhas) são definidas pela seguinte expressão:

[(habitus)(capital)]+campo=prática (BOURDIEU, 2008, p.97)

O habitus é “forma incorporada da condição de classe e dos condicionamentos que ela impõe.”

A fórmula ajuda a entender que existe uma essência no comportamento observado de uma classe

considerando um determinado campo e capital. Mesmo alterando o capital, o habitus vai

continuar impactando a prática dentro do campo analisado. Inversamente, o mesmo capital

econômico, num determinado campo, pode resultar em práticas diferentes quando originadas por

habitus diferentes.

Sahlins (2003) explicou, que para a antropologia, a muito tempo já era sabido que não existem

possibilidades únicas de “esquemas racionais e objetivos” para qualquer grupo humano:

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Mesmo em condições materiais muito semelhantes, as ordens e finalidades culturais podem ser muito diferentes. Porque as condições materiais, se indispensáveis, são potencialmente ‘objetivas’ e ‘necessárias’ de muitas maneiras diferentes, de acordo com a seleção cultural pelas quais elas se tornaram ‘forças’ efetivas (SAHLINS, 2003, p. 168).

Pode-se interpretar essas diferenças de lógicas entre grupos devido seus diferentes habitus.

Assim, para cada campo existem grupos dominantes e dominados. Esses grupos se distinguem

por suas combinações de habitus e capital, o que culmina em práticas distintas. Por isso, é

comum que os grupos dominados busquem reproduzir as práticas dos grupos dominantes.

No campo do consumo, esse mecanismo foi apontado pela teoria do trickle down (SIMMEL,

1904). Trata-se da ação de dois princípios conflitantes que acabam por gerar um movimento de

inovação. A medida que grupos sociais subordinados seguem o princípio da imitação para buscar

nova posição de status, eles adotam a forma com que os grupos superiores se vestem

(McCRACKEN, 1990). E os grupos superiores, por sua vez, seguindo o princípio da

diferenciação, respondem adotando novas formas de se vestir. Esse processo acontece entre

grupos adjacentes.

McCracken (1990), quando revisitou a teoria, destacou que além dos grupo de mais

predominante e aquele mais inferior, existe uma porção de outros grupos que agem tanto com o

princípio da imitação quanto da diferenciação, e que entre esses é mais difícil antecipar os

movimentos de inovação. Isso levanta a questão os grupos sociais são empurrados pela imitação

dos que estão abaixo ou motivados por sua própria vontade de diferenciar-se.

Douglas e Isherwood (2004) também marcaram a diferença entre classes pela diferença na

disponibilidade pessoal, que acaba por converter-se em escolhas de consumo. Quanto maior a

disponibilidade pessoal mais alta tende a ser a classe da pessoa, e o consumo moderno tende a

voltar-se para o objetivo de conquistar maior disponibilidade, contratando serviços e produtos

que aumentem essa disponibilidade pessoal. Este conceito é a liberdade que um indivíduo tem

para mudar sua programação ou fazer outras atividades fora de suas obrigações. Quanto maior a

renda, maior é a busca por facilitadores capazes de aumentar o tempo disponível dos

consumidores. Pessoas mais inevitavelmente comprometidas com trabalhos de alta freqüência,

como tarefas diárias que não podem ser adiadas, possuem menos disponibilidade pessoal

(também referida como disponibilidade social) e, portanto, menos liberdade para escolha. O

exemplo dado pelos autores são duas mulheres de níveis de renda distinto que costumam passar a

camisa de trabalho do marido. No caso da mulher mais abastada, como o marido possui mais

opções e volume de camisas, seu serviço pode ser adiado. Enquanto no caso da mulher menos

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privilegiada, seu marido necessita que ela execute a tarefa com maior freqüência para que ele vá

trabalhar.

Entre domicílios de níveis econômicos diferentes, ser pobre é estar mais limitado pela periodicidade nos processos de administração do lar. (...) Se nossos pobres urbanos vão às compras todos os dias e compram quantidades mínimas de pão, chá e açúcar a cada saída repetitiva, a penúria é apenas parcialmente mostrada nos custos mais alto de varejo. Às restrições de liquidez adicionam-se as restrições de periodicidade. (DOUGLAS, 2004, p.180).

Ainda exercendo seus simbolismos, o consumo foi classificado por Douglas e Isherwood (2004)

como marcação de serviço. A marcação de serviço é o serviço prestado pelo consumo em si e

seus simbolismos, onde o consumo é um “marcador” de características daquele que o exerce.

Quando somos convidados a um casamento, por exemplo, devemos ir vestidos de acordo com o

que nossa posição social e nosso papel dentro da festa exige. A mesma coerência deve haver no

presente que será ofertado para os noivos e em diversas outras situações.

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2.2 HÁBITOS E COMPORTAMENTOS DAS CLASSES BAIXAS

“Se não sabemos como vivem os pobres, só pode

ser porque os deixamos de fora de nossos rituais de

consumo e deixamos de aceitar convites para

comparecer aos deles.” Douglas e Isherwood – O

Mundo do Bens (p.279)

O foco de análise desse estudo está nas mulheres da “nova” classe C. Chamamos de “nova” por

causa do recente aumento de renda deste público, que até pouco tempo, ainda era representante

das classes D e E (NERI, 2009). Por este motivo, de rápida ascensão, e seguindo a lógica do

pensamento de Bourdieu (2008), os estudos de comportamento das classes baixas, de forma

geral, são úteis como base para compreensão do comportamento observado no presente trabalho.

Segundo autores antropólogos, uma das carências dos primeiros estudos voltados para as classes

populares foi defini-las por suas “carências materiais” (DOUGLAS, 2004; SARTI, 2010;

BARROS, 2006). De acordo com Barros (2006), mesmo dentro das classes mais desprovidas

existe um significado para o consumo de objetos. Ela cita um estudo pioneiro, de Hill e Stamey

(1990), sobre o sistema de consumo de mendigos nos Estado Unidos.

Na visão de Douglas e Isherwood (2004), que questionam o conceito de irracionalidade na

economia, dentro do universo dos “ricos” não se pode julgar as ações dos “pobres” como

irracionais. Dentro do universo daqueles menos privilegiados existem mais incertezas. Para este

público, um “erro” no presente pode ter repercussões muito maiores em decisões futuras.

Um bem pode ser mais ou menos essencial dependendo da classificação do indivíduo. Um

exemplo usado pelos autores é de como o rádio é mais importante para os solteiros do que um

forno (DOUGLAS, 2004). E o mesmo acontece mesmo numa situação de escassez material.

Diferente da lógica prática e sobrevivência material (SAHLINS, 2003) que o olhar dos riscos

costuma interpretar os pobres, em muitas situações predomina, como para outras esferas

econômicas, a “hierarquia de escolhas, de base cultural e simbólica” (BARROS, 2006).

Hoggart, em seu livro A Cultura do Pobre: Estudo sobre o estilo de vida das classes populares na

Inglaterra (1957) destaca um sentimento de pertencimento a outro mundo desta classe como

central em seu estilo de vida. Segundo o autor isso cria uma forte dicotomia entre “nós” e “eles”.

A conseqüência seria um certo conformismo cultural que seria traduzido também pra o plano

material. Por outro lado, Barros (2006) ressalta que o único risco desta interpretação seria

acreditar que esses valores seriam permanentes.

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Outra estrutura fundamental para compreender o modo de vida dos pobre é a família (SARTI,

2010; DUARTE, 1986; BARROS, 2006; ZALUAR, 1985). É essa a instituição que serve como

base ao crescimento dos membros da casa e, é mesmo por ela o projeto de “melhorar de vida”.

Até quando os filhos crescidos preparam-se para deixar a casa dos pais já é pensando em formar

seu próprio núcleo, onde mulher e homem poderão assumir os papeis de chefe da casa e da

família, respectivamente (SARTI, 2010). Nestes moldes, a família se sobressai sobre os

membros individualmente.

A própria família não se constitui pelos membros consangüíneos como costumamos imaginar.

Além da relação entre pais e filhos, a única que não se pode escolher, as outras são formadas

pela confiança. É a confiança entre os membros da “família” que permite a doação de um ao

outro, pois quando o outro precisar terá alguém para lhe ajudar.

Sarti (2010) conta que esta supremacia da instituição familiar não acontece sem confronto,

especialmente numa cidade metrópole como São Paulo, onde a ideia de individualidade é

pujante. No entanto, nas famílias mais pobres, a moral familiar prevalece, visto que diante da

fragilidade de outras instituições que poderiam servir de base para o crescimento individual,

resta apenas a primeira. Portanto, na ausência de bases, a família é o principal, e possivelmente,

o único, pilar de apoio para a melhoria de vida desta classe.

Sarti (2010) também destaca o trabalho como outro pilar na formação do estilo de vida do pobre

brasileiro. Ela explica que diferente das mulheres de nível econômico mais alto, a mulher, mãe,

pobre sempre precisou trabalhar para ajudar no sustento da família, fosse em casa ou na rua. O

trabalho, nem que seja “para sair de casa um pouco”, é necessário para esta mulher coloque em

casa “aquilo que está faltando, mas o marido não vê”. O homem é responsável pelo sustento

básico da casa, mas a mulher faz questão de trabalhar para ampliar o consumo da casa para itens

fundamentais para sua posição de “chefe da casa” e aglutinadora dos membros da família. Barros

(2006) reforça o argumento indicando que é o trabalho da mulher que contribui “para a melhoria

de condições de vida da família”. Ou seja, enquanto o homem tem o papel de trabalhar para que

a mulher possa comprar o básico para a casa, o papel do trabalho da mulher é comprar outros

produtos importantes para o bem estar da família.

Outro aspecto importante do estilo de vida das classes pobres é a associação a algum tipo de

religião. Barros (2006) destacou a diferença de suas informantes evangélicas em relação as

outras. Entre essas o trabalho feminino parecia ser mais bem aceito dentro da família. E

relacionado a isto estaria a menor presença de um fatalismo das condições econômica e social da

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família e valorização da “vontade individual”, em contraposição a uma postura acomodada de

esperar “as coisas acontecerem”. Ela ainda destaca Weber (1985), que indica que o exercício do

trabalho e a aquisição de bens para os evangélicos seriam sinais de prosperidade, dignidade e

orgulho.

No caso dos evangélicos, verifica-se uma maior aceitação da autonomia feminina e uma grande valorização da responsabilidade individual para que, através do trabalho diligente, se alcance a prosperidade material sinal inequívoco da eleição divina, abandonando-se, assim, um certo fatalismo característico do ethos católico (BARROS, 2006, p.9).

Barros (2006) já tinha mostrado a relação do consumo das empregadas domésticas e o que

aprendem com suas patroas. Ela identificou como estas profissionais funcionam como

mediadoras entre dois universos: o seu e aquele da patroa. Elas não apenas aprendem a consumir

com as patroas, mas também levam suas formas de consumo, particular, até as residências de

classes mais altas.

São comuns os relatos de hábitos de consumo ou produtos que passam a ser adotados pelas empregadas após o conhecimento na casa da patroa, como marcas de xampu e alimentos. Se espelhar no modo de vida das classes superiores, adotando seus hábitos de consumo é o fundamento da teoria trickledown, analisada por Simmel, Veblen e atualizada por McCracken (1988). O que deve ser observado, no entanto, é que esse processo não ocorre com a passividade prevista na teoria, como se houvesse uma assimilação de modo inequívoco do que é padrão nas classes dominantes. Se por um lado verifica-se admiração e fascínio pelo estilo de vida da patroa, por outro, existe a afirmação de um outro senso estético que reprova e até mesmo ironiza esse estilo (BARROS, 2006).

Em seu estudo sobre a posição da empregada domestica como mediadora entre dois mundos de

consumo, Barros (2006) também usou a teoria do trickle down em sua interpretação. No entanto,

a autora argumentou que a repetição do padrão da classe dominante na classe dominada, não

acontece com passividade. As empregadas também criticam alguns hábitos das patroas, “existe

uma afirmação de um outro senso estético que reprova e até mesmo ironiza” o estilo da patroa

(BARROS, 2006, p.6).

Em relação ao consumo, para Douglas e Isherwood (2004) mais do que a quantidade, um alto

padrão de consumo se distingue por sua variedade “... o objeto racional do consumidor (...) é

continuar a escolher racionalmente num mundo inteligível, e [que] aumentar a escala do

consumo é uma maneira racional de tentar controlar um sistema de informação em expansão.”

(DOUGLAS, 2004, p.247).

Sobre o consumo de produtos de beleza por venda direta, Campos (2011) fala do consumo da

“revista” antes mesmo da compra dos produtos. Em suas entrevistas identificou que as revistas

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de divulgação dos produtos da Natura e Avon são “consumidas” como qualquer outra revista

feminina e servem como fonte de informação para conversas, ou seja, como ela chamou

“combustível social”. No trabalho também foi identificada a alternância entre compra de

produtos da Natura e Avon, sendo a primeira marca considerada mais cara. Além disso a autora

também já havia destacado o creme antiidade Renew como “objeto de desejo”. É curioso

observar essa diferença do maior prestigio da Natura em relação a Avon, mas o oposto quando

comparamos Renew e Chronos.

Um importante resultado da pesquisa de Campos foi a identificação do que ela chamou de

“consumidor produtor”, “aquele que realiza, ele mesmo, diversas atividades, ao invés de pagar

para tê-las feitas”. Segundo a autora, a venda de produtos que normalmente encontramos nos

salões de beleza para o consumidor final instrumentaliza a prática desse tipo de consumidor.

O trabalho de Campos (2011) também identificou diversas práticas bem específicas e inovadoras

do contexto das vendas diretas no Brasil: a formação de uma consumidora antes de uma

consultora, que passa a ser referencia na difusão do conhecimento sobre produtos, a flexibilidade

de pagamento desde a concessão de descontos, passando pelos parcelamentos de modo informal

até a formação de grupos de consórcios. O sistema parece usar bem da rede social existentes

entre os grupos e da informalidade, mas transferindo o risco para as próprias consultoras.

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2.3 BELEZA

O conceito de beleza está associado a padrões culturais (BOUZON, 2004; NOVAES e

VILHENA, 2003) que se transformam ao longo do tempo (ECO, 2004). Historicamente, o papel

da mulher está intimamente relacionado ao conceito de beleza (NOVAES, 2008). A mulher que

exerce seu papel com virtude é a mulher bela (BOUZÓN, 2008).

Para Bourdieu (2008), o “corpo percebido” socialmente é reflexo do habitus. Portanto, assim

como qualquer outro objeto de consumo, o corpo fala sobre quem o tem. Ele reflete, por

exemplo, as escolhas alimentares. E desta forma, a distinção física não é determinada apenas por

características biológicas, mas são enaltecidas por comportamentos culturais.

Baseada na cultura carioca que a partir da década de 80 passou a valorizar a cultura do corpo e

do “bem viver”, Novaes (2008) já havia associado a beleza à saúde e à juventude. O fato de a

imagem física poder ser associada a imperfeições e doenças estimula a busca por sua melhoria ao

invés de “aceitar o corpo recebido”. “Se historicamente, as mulheres preocupavam-se com sua

beleza, hoje são responsáveis por ela. De dever social (“se conseguir, melhor”), a beleza tornou-

se um dever moral (“se realmente quiser, eu consigo”)”. (NOVAES, 2008, p. 146).

Numa sociedade que exacerba o valor do corpo como capital (GOLDEMBERG, 2008), este

passa a ser não apenas objeto de consumo, mas parte fundamental para construção da identidade

feminina (NOVAES, 2008).

A partir dos anos 90 começou a ganhar força o padrão de beleza da magreza (NOVAES;

VILHENA, 2003) que ainda persiste junto com o ideal da juventude (GOLDEMBERG, 2003).

De forma geral, junto com as inovações de tratamentos (CAMPOS, 2011), a beleza deixou de ser

vista como característica da natureza do indivíduo e passou a ser uma questão de cuidado pessoal

(NOVAES; VILHENA, 2003). Por outro lado, a feiúra é apontada como fator de exclusão

social. Assim, os problemas com má aparência e excesso de gordura demonstram descuido

pessoal e transgressão moral (NOVAES, 2008).

A importância da beleza como capital (GOLDEMBERG, 2006), a feiúra como fator de exclusão

social e a crescente responsabilidade individual pela própria aparência (BAUMAN, 2000;

NOVAES; VILHENA, 2003) fizeram com que os produtos de beleza deixassem de ser

exclusivos para classes sociais mais altas (LIPOVETSKY, 1989).

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A justifica para a compra e uso de produtos de beleza por mulheres de classes mais baixas

aparecem associadas a busca por auto-estima e aceitação social (LIVRAMENTO, 2011),

especialmente, para reduzir a distância das classes mais altas (BOURDIEU, 2008;

McCRACKEN, 1990).

No entanto, bem como já haviam destacado Casotti, Suarez e Campos (2008), pesquisar os

significados de beleza não é um atarefa fácil. Este tipo de pesquisa encontra dificuldades de

interpretação por estar envolta por discursos prontos, o que termina por encobrir a realidade. Por

outro lado, a medida que se amplia o estudo sobre o tema, permitindo a comparação dos

resultados encontrados, desvencilhar-se desses “discursos prontos” torna-se mais fácil. É

possível encontrar diferenças no conteúdo cultural das declarações que diferenciam as pessoas.

No livro “O Tempo da Beleza” (CASOTTI, 2008), onde foram pesquisadas mulheres de classe

alta do Rio de Janeiro, fez-se inicialmente uma pesquisa sobre a beleza com diversos

profissionais que trabalham na área, dos cabeleireiros e cirurgiões plásticos às modelos de

passarela. Foi identificado que as pessoas têm dificuldade em falar da beleza física e começam

sempre por destacar os atributos da beleza interior. Além deste, outro tema bastante abordado é a

beleza natural.

Chamando atenção para o trabalho de Langmeyer e Shank (1994, 1995), Casotti e Lopes (2008)

destacam a complexidade da beleza por suas características e influências “situacionais e sociais”.

A beleza é, portanto, um construto multidimensional, definida por aspectos: físicos e não físicos,

traços faciais e corporais, de saúde e de inteligência, dentro outros pontos materiais e sutis.

O tema também traz complexidade quando relaciona aparência externa e auto-estima. Até que

ponto uma mulher estaria disposta a alterar seu físico para estimular sua estima (CASSOTTI,

2008; NOVAES, 2008)? A mulher, em especial, tem seu conceito de beleza avaliado

constantemente, pelo olhar externo (PEREIRA, 2008).

Por suas transformações e avaliações externas, mas também pela busca da identidade pela

beleza, o consumo de produtos deste gênero exige um processo de aprendizado (CASOTTI,

2008). Nesta perspectiva dois pontos são importantes: com quem aprendem a consumir e o

contexto, havendo uma interrelação íntima entre essas duas influências. As personagens

influentes para a decisão de consumo podem ser outras mulheres, inclusive a observação

geracional na família, profissionais das áreas de beleza e saúde e os próprios produtos e meios de

informação, incluindo propagandas. Por outro lado, essas influências mudam dependendo do

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contexto, o que é especialmente importante quando abordamos a observação de uma classe em

crescente transformação, e uma consequente ampliação de seus contextos. O estudo fala também

da diferença entre os grupos encontrados em relação a experimentação de novos produtos. A

conclusão é que a medida que as mulheres ficam mais maduras, elas erram menos nos produtos

que selecionam para uso e passam a dar mais atenção a opinião de especialistas.

Goldemberg (2008), numa pesquisa sobre envelhecimento, destacou como as mulheres (cariocas

entre 50 e 60 anos) se definiam mais por suas “faltas” que por suas conquistas, mostrando o peso

do envelhecimento na cultura nacional. Destacou como a conquista do corpo desejado, sem

marcas, mesmo ao longo do envelhecimento, impulsiona a forma de vestir-se jovialmente. Além

do corpo, o cabelo também é sinalizador do tempo, e neste ponto, a tinta para colorir os cabelos

pode ser vista como uma das mais poderosas armas da mulher contra a aparência de

envelhecimento (ROSÁRIO, 2008)

O trabalho de Casotti, Suarez e Campos (2008) traz importantes bases de compreensão para o

comportamento em relação aos cuidados com a beleza. O trabalho divide o público de acordo

com sua relação com o tempo em duas dimensões. A primeira delas é o tempo-envelhecimento, a

dimensão do “tempo que age sobre o corpo e deixa marcas de sua passagem”. E a segunda é o

tempo-rotina, “relacionada ao tempo para cumprir as tarefas do dia a dia”. Sob essa ótica os

quatro grupos encontrados foram: “o momento é agora”, composto por jovens estudantes, que

privilegiam no seu cuidado com a beleza produtos com resultados imediatos, um perfil de beleza

natural e cujo consumo ainda tem a tutela das mães; “o tempo existe” é representado por jovens

profissionais que buscam definir seu posicionamento de cuidados com a beleza provocando

“uma intensa experimentação de produtos”; “o tempo não pára” constitui-se de “mulheres que

exercem múltiplos papéis (mãe, esposa, profissional, dona de casa)” que mesmo enfrentando um

rotina densa procuram inserir cuidados com a beleza que são encarados como “religiosos” e cujo

“consumo é consciente, exigente e objetivo”; por fim “cada coisa em seu tempo” é composto por

mulheres que passaram a encarar a rotina com mais tranquilidade, neste s casos “a consciência

do envelhecimento e a preocupação com ações preventivas ganham ainda maior espaço no dia a

dia (...) através da diversificação e sofisticação dos gestos de cuidados pessoais e beleza”.

Bouzón (2008) retrata os salões de beleza como o local onde as mulheres passam pelo processo

de embelezamento, para que depois de bonitas e bem cuidadas possam exercer seu papel de

mulher. Nesta pesquisa, a autora destaca como o cabelo da cabeça é representativo em diversas

culturas, representando diferentes símbolos, de acordo com a forma que é utilizado. As

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diferentes tecnologias disponíveis para moldar o cabelo, fez com que o cabelo se tornasse um

dos principais elementos estéticos para explorar a identidade pessoal (BOUZÓN, 2008). Diante

desta importância, passou a ser aceitável a utilização de todos os tipos de produtos para moldar o

cabelo para um padrão socialmente a reconhecido como belo, inclusive produtos nocivos a

saúde. Além disso, a motivação para conquistar um cabelo liso, vale qualquer “investimento de

tempo e dinheiro”. O trabalho ainda relaciona a importância do molde do cabelo para a

segurança emocional das mulheres: “O cabelo arrumado, dentro dos padrões socialmente

estabelecidos, protege a pessoa de ser julgada e excluída pela aparência de sua cabeleira. São

importantes facilitadores na modificação rápida da aparência e na manipulação de identidade”

(BOUZÓN, 2008, p. 244).

Nesta pesquisa, são sinônimos cabelos negros, ruim, crespo e duro. Do outro lado estaria o

cabelo bom, branco, liso e macio. Além disso, o cabelo bom é aquele liso, com brilho e

movimento e que não demanda muitos cuidados. E os produtos para tratar dos cabelos revoltos

ganham nomenclaturas como: “disciplinantes”, “tratamento de choque” ou “harmonia”.

Esse padrão de valorização estética reforça uma das críticas de Gilberto Freire, destacada por

Goldemberg (2008): a transformação “europeizante” dos padrões de beleza brasileira, que

migrava da Sonia Braga para a Vera Fisher.

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3 Metodologia

“Such research, like any other, complement the

strengths and limitations of other types of

research.” Yin (2009)

Este estudo exploratório se insere dentro da proposta de Arnould e Thompson (2005) que

propõem uma Teoria da Cultura de Consumo. Os autores definem essa tradição de pesquisa

dentro dos estudos sobre consumo como responsável por abordar os aspectos socioculturais,

experimentais, simbólicos e ideológicos do consumo. Segundo eles, a Teoria da Cultura de

Consumo permitiu uma estrutura de analise teórica diferenciada para interpretar o consumo e o

comportamento nos locais de compra.

O estudo exploratório teve como principal objetivo compreender algumas práticas de consumo

de higiene e beleza de consumidoras da nova classe média brasileira. Um ponto fundamental do

presente trabalho é entender o significado cultural do consumo de beleza para este grupo de

mulheres. A metodologia escolhida foi inspirada no Método dos Itinerários de consumo,

classificado assim por Dominique Desjeux (CASOTTI, 2008, p.5).

O Método dos Itinerários consiste em seguir uma pessoa ao longo de todas as etapas que concorrem para a tomada de decisão de comprar um produto, incluindo os locais de uso e de organização de produtos no local de habitação. O método concentra-se nas práticas e limitações que pesam sobre a escolha dos consumidores. (...) Em função de situações históricas de geração de cultura, as limitações, os cálculos estratégicos e os efeitos de ciclo de vida podem estruturar mais fortemente o comportamento de compra. (CASOTTI, 2008)

A presente pesquisa contou com métodos de coleta de informações que se complementaram. A

entrevista em profundidade, na qual busca-se identificar perspectivas individuais sobre algum

assunto, foi fundamental para obter informações detalhadas sobre opiniões e comportamentos

das consumidoras (McCRAKEN, 1990; BELK, 2006). Neste método desenvolve-se a prática da

“escuta ativa” e o acompanhamento das linguagens verbais e não-verbais durante as entrevistas

(BARROS, 2006). O método de história de vida trata-se de quando uma pessoa conta a outra

sobre uma experiência que tenha vivido, ele permite encontrar lógicas ao longo da biografia do

entrevistado e entender suas relações sociais (BERTAUX, 1997; SANSÉAU, 2005). E foi

utilizada também a técnica projetiva (pergunta número 14 do roteiro de orientação para a

primeira entrevista, exposto no anexo deste trabalho), cujo foco é o tipo de resposta que deseja

obter, normalmente utilizada quando a opinião do entrevistado pode estar coberta por aspectos

sociais e ideológicos, ou pelo “viés de desejabilidade social” (ROOK, 2006, p.146), como

acontece com o tema da beleza (CASOTTI, 2008).

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O modelo de roteiro utilizado foi “semi-estruturado”, no qual as perguntas são feitas de acordo

com a sequência prevista, mas onde o entrevistador tem a liberdade de explorar novos temas

quando julgar que o discurso da entrevistada aponta para fatos ou significados importantes no

contexto da pesquisa (BARROS, 2006).

O relato obtido a partir das três entrevistadas seguiu, no entanto, um modelo de descrição e

análise que pode ser classificado como estudo de casos. De acordo com Yin (2009), o método do

estudo de caso tem sido aplicado em diversas áreas de conhecimento, dentre elas psicologia,

sociologia, antropologia, educação, negócios e até economia. Em todos esses casos prevalece o

“desejo de compreender fenômenos socais complexos”. O método permite que o investigador

perceba características holísticas e significativas de eventos da vida real. O desafio dos estudos

de casos está em coletar, apresentar e analisar os dados de forma correta. Neste processo, é

fundamental que o pesquisador defina a metodologia de análise utilizada que deve ser defendida

por uma rigorosa revisão bibliográfica, a exposição das perguntas e objetivos da pesquisa, bem

como o passo a passo do diagnóstico que explicite a “cadeia de evidências”.

Entretanto, nos estudos de comportamento do consumidor, não são muitos os trabalhos que

usaram o método dos estudos de caso. Foram identificados três estudos que usaram tal

metodologia: Thompson (1994), Fournier (1998) e Holt (2002). No primeiro deles, Thompson,

Pollio e Locander usaram três casos para descrever a relação entre os significados pessoais

atribuídos ao consumo e a cultura, de um ponto de vista mais geral. Neste estudo, os autores

fizeram entrevistas fenomenológicas com mulheres adultas nas quais identificaram imagens ou

eventos exemplares, que chamaram de metáforas simbólicas. E em seguida, mostraram como

essas metáforas destacam os significados pessoais do consumo, que por sua vez refletem

aspectos mais gerais da cultura. A metodologia de análise usada pelos autores foi o modelo

hermenêutico de compreensão do consumo, um conceito multidimensional que aborda questões

culturais para entender a natureza humana. A interpretação do material possibilitou fazer uma

analogia entre os significados socioculturais e orientação para o consumo cético, nostálgico e

pragmático.

No segundo exemplo, Fournier (1998), também, usou três casos para analisar a relação dos

indivíduos com marcas. A partir dos discursos, a autora pôde identificar empiricamente como as

marcas servem como um poderoso repositório de significados empregados na “comprovação,

criação e (re)produção de conceitos do self”. A metodologia de análise usada por Fournier

passou por dois estágios: uma abordagem interpretativa idiográfica e, na seqüência, a análise

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cruzada dos casos, buscando encontrar semelhanças e diferenças que permitissem estruturar o

fenômeno do relacionamento com as marcas. O trabalho ressaltou a importância da compreensão

do dia a dia dos consumidores para antecipar possíveis relacionamentos com marcas a serem

desenvolvidos. A autora ainda classificou os casos em três perfis de relacionamento com marcas:

Jean, de 59 anos, mostrou-se altamente envolvida com marcas, especialmente de alimentos, com

elevado grau de comprometimento; Karen, de 39 anos, foi aquela que mostrou maior variação no

nível de importância dada às marcas e o menor envolvimento emocional; e Vicki, de 23 anos,

mostrou o mais elevado grau de envolvimento e lealdade às marcas discutidas.

Por fim, Holt (2002) procurou mapear casos de consumidores que apresentassem

comportamentos emergentes de contracultura em relação a marcas. O autor começou a pesquisa

com 12 casos iniciais, de onde identificou 5 que atendiam o perfil desejado para a pesquisa.

Apesar de ter usado os 5 casos para elaboração de um modelo dialético entre marcas e cultura do

consumo, sua publicação destacou dois casos para exemplificar os resultados encontrados. Sua

metodologia de análise foi o Método de Caso Estendido (ECM, na sigla em inglês), tipicamente

usado em pesquisas interpretativas, mas onde o objetivo final consiste no desenvolvimento de

um modelo heurístico conceitual com poder explicativo.

No formato de estudos de caso, busca-se explorar com maior riqueza as histórias individuais,

extraindo o máximo de informação sobre cada caso, de modo a permitir conexões sobre o que foi

observado de cada consumidor: história de vida, o contexto da casa, da família e do trabalho, as

preferências entre diversos grupos de produtos, a relação com as marcas, as emoções da compra

e uso dos produtos e a observação da compra em si, defrontada com as diversas possibilidades de

escolha, frente a restrição orçamentária (FOURNIER, 1998).

Para o presente estudo foram, então, escolhidas três mulheres de faixa de renda semelhantes

(renda familiar de aproximadamente R$2.500), em diferentes momentos da vida. Além disso,

selecionou-se as entrevistadas também por sua profissão: vendedora, manicure e doméstica. A

escolha dessas entrevistadas foi feita a partir do levantamento de alguns contatos dentro do perfil

da pesquisa. Depois da quarta informante entrevistada, foi considerado que o conjunto de três

delas já atendia as características buscadas, e por isso, uma delas foi descartada da análise.

Todas as entrevistadas foram indicadas por pessoas conhecidas da pesquisadora, o que facilitou

muito o processo, considerando-se que as entrevistas aconteceriam dentro das residências, o que

exige um certo grau de confiança na pesquisadora. Cabe ressaltar que as tentativas de entrevistas

com pessoas que tinham um vínculo mais distante resultaram em fracasso, seja porque a pessoa

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recusava a entrevista em casa já por telefone ou porque desistia no momento da entrevista.

Possivelmente, mesmo que a primeira entrevista nestes casos tivesse acontecido, existiria

dificuldade para dar procedimento nos estudos de caso, visto que seriam exigidos novos

encontros.

A primeira entrevistada, Fabrícia, é doméstica diarista, tem 46 anos, renda familiar de

aproximadamente R$3.200 por mês, mora com o marido e com a filha. Elaine, a segunda

entrevistada, é manicure a 10 anos, tem 36 anos, é divorciada, e mora com suas duas filhas. E por

fim, Joaquina, 21 anos, vendedora de loja, mora com os pais casados, e a irmã de 18 anos.

Inicialmente, pensou-se em trabalhar com um número maior de casos. No entanto, as primeiras

observações indicavam que as três entrevistadas selecionadas seriam suficientemente apropriadas

para o propósito e escopo do estudo pretendido. Uma quarta entrevistada, Francine, manicure, 42

anos, foi descartada da análise por dois motivos: por ser de uma faixa etária muito próxima a

Fabrícia e apresentar um nível social um pouco inferior do público analisado na pesquisa.

Figura 3: Perfil das entrevistadas

Com as três selecionadas, foram realizadas duas entrevistas de aproximadamente duas horas

cada. A primeira entrevista foi feita na residência das informantes. Nesta primeira etapa, o

objetivo era conhecer o local onde moram, um pouco da história de vida, os produtos que tinham

em casa e escutar sobre como utilizam esses produtos, como guardam, bem como outros

aspectos do uso dos produtos de beleza destacados. Nesta primeira entrevista as informantes

receberam uma contribuição de R$50 pelo tempo dedicado à gravação, exceto Fabrícia, que se

recusou a receber a contribuição. Esta primeira etapa também serviu para reformular o formato

da segunda entrevista.

A princípio, a segunda entrevista seria o acompanhamento de uma compra no mesmo valor da

contribuição de R$50. No entanto, observando (nas primeiras entrevistas) alguma freqüência na

compra de produtos mais caros, foi decido elevar o valor da compra para R$100. Assim, a

contribuição pela participação na segunda entrevista foram R$100 para compras em produtos de

Entrevistadas Fabrícia Elaine Joaquina FrancineIdade 46 36 21 46Profissão Diarista Manicure Vendedora ManicureGrau de Escolaridade E.M. Incompleto E.F. Completo E.M. Completo E.F. IncompletoRenda Familiar R$3,200 R$1,500 R$3,000 R$900Renda Individual R$700 R$1,500 R$700 R$1,500

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beleza. Está segunda, entrevista aconteceu entre 5 a 8 meses depois do primeiro encontro, como

mostra a figura abaixo com a data das entrevistas.

Figura 4: Data das entrevistas

Para essa segunda etapa, as entrevistadas receberam uma ligação com uma semana de

antecedência sendo orientadas para selecionar um local no qual elas deveriam fazer compras de

produtos de beleza e o valor que receberiam para tal. Cada uma escolheu um local diferente.

Fabrícia escolheu uma perfumaria grande de seu bairro. Elaine disse querer ir a uma grande loja

de produtos de beleza, especializada para profissionais, perto do centro da cidade, bem longe de

sua residência. E Joaquina, escolheu uma lojinha em seu bairro que vende de tudo, cuja dona é

sua conhecida da Igreja, de quem tem o hábito de comprar produtos por venda direta. Chama

atenção o fato de todas terem selecionado um local de compra onde freqüentam normalmente. O

primeiro encontro pode ter contribuído para este fato, pois as entrevistadas sabiam que a

pesquisadora estava interessada em observar o modo de consumo habitual delas. A declaração de

Joaquina ao justificar sua escolha por telefone parece indicar que pensou em escolher um lugar

diferente de compra, mas não o fez: “Eu vou na loja da Silvia, porque não acho certo ir em outro

lugar que eu não costumo ir”.

O objetivo da segunda entrevista era observar a experiência de compra das mulheres: qual

produtos escolheriam, quais os atributos mais importantes para decisão, e como elas justificariam

a compra. Além disso, observou-se se o valor de R$100, ligeiramente acima da média de compra

revelada pelas informantes, impulsionaria a uma compra diferente do havia sido revelado como a

compra usual. Por fim, esse segundo momento também permitiria encontrar incoerências entre o

discurso e a prática.

Vale ressaltar que como a primeira entrevista aconteceu na residência das informantes, houve

participação informal de outros membros da família. No caso de Fabrícia e Joaquina, o segundo

encontro também teve como ponto inicial a residência.

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Ao final foram reunidas para este estudo mais de 11 horas de entrevista, 183 fotos e 232 páginas

de transcrição de entrevista. Considerando o material coletado para 3 casos analisados, isso

resultou suficiente para os objetivos pretendidos.

A análise dos dados seguiu a metodologia interpretativa, abordada em outros trabalhos do gênero

(THOMPSON, 1990, 1994; FOURNIER, 1998; HOLT 2002; MICK, 1992). Esse tipo de

abordagem é considerada de interesse para o desenvolvimento do estudo da cultura material

(MILLER, 2007). A primeira etapa foi a leitura detalhada das transcrições e identificação das

características mais relevantes dentro de cada caso observado, expondo um breve perfil e

histórico de vida das participantes junto às características do consumo de beleza e experiência da

compra. E a segunda etapa de análise foi a interpretação cruzada entre as informantes

(FOURNIER, 1998), cujo objetivo foi identificar padrões nas experiências de vida e opinião

sobre a cultura da beleza que permitisse uma maior compreensão sobre o consumo de beleza

para esta classe de mulheres.

Cabe ressaltar que a contribuição dos métodos de origem antropológica está na observação das

pessoas, não como indivíduos que formam parte do todo, mas como um todo em si, que

pretende-se analisar pela leitura de sua complexidade. Sua contribuição é trazer, através dos

depoimentos coletados, “o ponto de vista nativo” (GEERTZ, 1978). O objetivo dessa forma de

estudo não é encontrar padrões, mas sim identificar comportamentos complexos que podem, ou

não, estar ligados a esses padrões observados, que não podem ser entendidos completamente pela

observação de grandes números. Outra contribuição relevante é a possibilidade de identificar

comportamentos emergentes, numa sociedade em constante, e cada vez mais rápida,

transformação (CASOTTI, 2008). Nas palavras de Dominique Desjeux: antes de auxiliar na

padronização de produtos necessária à sua difusão em massa, os métodos qualitativos a refletir,

reagir e inovar e, portanto, a melhorar capacidades estratégicas das empresas.

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4 Descrição dos casos

4.1 FABRÍCIA: CONSUMIDORA EXPERIENTE E PLANEJADA

4.1.1 Breve perfil e história de vida

Mulata carioca da Pavuna, mas “já não tão bronzeada” como observa, depois de mais de 20 anos

morando em São Paulo e convertida para a Igreja evangélica. Com seus quase 1,70m, reclama do

aumento de peso depois que teve um problema nos joelhos e teve que parar de correr seus 8 km

diários. Cabelos compridos, negros, crespos, alisados pela escova progressiva.

Trabalha como doméstica há 11 anos. Largou seu trabalho como metalúrgica quando nasceu a

filha com problemas delicados de saúde. Durante três anos foi apenas mãe, mas com os elevados

gastos com os cuidados para a filha, sentiu muita necessidade de voltar a ter seu próprio

dinheiro. Faz questão de dizer que era uma “necessidade pessoal da mulher”, sugerindo não ser a

maternidade um papel social suficiente em sua vida.

Por indicação de um pastor de sua igreja, começou a fazer faxina na escola em que sua filha

estudava, uma forma de “unir o útil ao agradável”, ela explica. A partir daí, recebeu outras

indicações para trabalhar em casas de família, mas sempre onde podia levar sua filha junto.

Fabrícia conta que não voltaria a trabalhar como metalúrgica, pois “financeiramente não

compensa” já que trabalhando como diarista ela ganha tão bem quanto na metalurgia e ainda tem

a liberdade de fazer seus horários, tirar folgas, acompanhar as reuniões do colégio da filha e

adaptar tarefas de seu dia como mãe e esposa. Diz que já pensa em se aposentar.

Quando descreve a família Fabrícia parece observar características que dão ao marido e a filha

certo status. Do marido Almir, 51 anos, destaca que a oficina mecânica embaixo do imóvel onde

moram “tem CNPJ”, ou seja, a oficina não é clandestina. Além disso, conta orgulhosa que ele

sempre se atualiza nos cursos do SENAI. Da filha, Bárbara, destaca a “escola particular” onde

faz o Ensino Médio e explica que fazem questão de pagar e acompanhar seus estudos. Lembra

também que o plano de saúde da filha é melhor que dos pais. O relato abaixo sugere que uma das

motivações de Fabrícia para os gastos com a educação da filha é proporcionar um caminho

diferente da profissão de diarista da qual não parece se orgulhar:

A gente assim, a gente faz tudo por ela porque eu não quero que a minha filha venha a ser empregada doméstica. Eu sempre falo, se um dia ela for é porque ela é burra, porque não é falta de incentivo. (...) nós abrimos mão de muita coisa para que ela tenha isso.

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Tem preocupação em explicar que o trabalho recente que a filha teve, antes de entrar no Ensino

Médio, como vendedora foi temporário, apenas para ganhar para ao seu consumo pessoal e que

“o pai só deixou porque é perto e com gente conhecida”. Justifica também porque ela “tirou” a

filha do trabalho sugerindo não o orgulho de ver a filha trabalhar, mas uma proteção em relação

à exploração e má remuneração. A filha só continua vendendo produtos por catálogo, como

Avon, Natura e Demillus

Como eu fiquei um ano doente... teve perdas para ela, adolescente, roupa, não sei o que, salão de beleza, aí chegou uma hora que ela falou, “mãe, deixa eu trabalhar?” (...) Só que eu tirei ela porque ela recebia uma salário de criança e trabalhava como adulta, e trabalhava sábado, domingo e feriado. Mas nem eu que sou empregada faço isso. Não há necessidade não.

A família mora num bairro simples, perto do limite do município de São Paulo com Diadema,

mas com bastante opção de comércio. A casa própria fica em cima da oficina do marido: sala,

cozinha, banheiro e um quarto, onde dormem os pais e a filha que ela explica que, muitas vezes,

acaba dormindo na sala. A família tinha um projeto de construir o quarto da filha em cima na

casa, mas descobriu que a casa não tem estrutura suficiente para construir mais um andar. As

paredes da casa são pintadas e há cuidado com alguns aspectos da decoração.

Fabrícia diz não gostar muito do bairro onde mora. A segurança do local é uma preocupação

constante. Disse que por perto tem um ponto de venda de drogas. Contou que uma vez foram

assaltados, logo após a venda de um carro. Os bandidos “chegaram com a ficha dada” e levaram

R$7.000, todo o dinheiro da venda. Ela conta que depois dessa violência que coincidiu com a

morte da mãe dela, resolveram passar um tempo em Maceió onde mora a família do marido.

Depois de três anos voltaram.

Fabrícia freqüenta a Igreja Evangélica próxima de sua casa uma vez por semana com a família,

sempre aos domingos e, às vezes, às quartas-feiras também. Considera que a religião influência

muito sua forma de encarar as dificuldades na vida: “Surge problema? Surge. Só que é aquela

coisa amena...”. Ela não admite a influência direta da religião nas suas escolhas de compra, mas

explica que aprende na igreja a ser correta com os pagamentos e como “Deus é dono do ouro

então nós podemos ter tudo do bom e do melhor”.

Conta que tem “contatos” que permitem que ela tenha “acesso”. Seu contato na Igreja conseguiu

que ela trabalhasse onde a filha estudava; sua amiga que vende produtos da Natura permite que

ela pague as compras parceladas; na Igreja sua filha faz curso de inglês; Bárbara trabalha com a

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mãe de uma patroa de Fabrícia e é sempre indicada para trabalhar em outras casas pelas pessoas

da Igreja. Sua rede de relacionamento parece ser composta por: família, trabalho e Igreja. Nesta

rede ela consegue facilidades, é onde confia nas pessoas.

4.1.1.2 Tempo e dinheiro

Fabrícia conta que ela mesma se sobrecarrega: precisa ter tempo para o trabalho e para sua

família, mas dedica-se pouco a si mesma. Conta que precisa acordar as 5 da manhã para ler a

Bíblia. Mas, em seu discurso, parece que sua opção é dedicar seu tempo e seu dinheiro para a

filha: “Eu vejo muitas vezes eu me relaxando para ela ter acesso”.

Para ela, o tempo dela, é quando ela consegue fazer algo pensando apenas em si mesma: fazer as

unhas, estar com Deus, pegar uma folga e fazer daquele o “seu dia”, comprar algo para si

mesma, passear no shopping e “olhar sem compromisso”, ouvir músicas, que lembrem o passado

ou não. Embora Fabrícia reclame que não tem tempo para si, ela mesma conta que sim:

Mas o dia que eu quero ficar sozinha ela vai para a escola cedo, eu coloco meu DVD e fico cantando muito mal o inglês e dançando. É o meu momento. É assim que eu faço. Aí eu relaxo daquela preocupação toda do dia a dia. É assim que eu faço. (...) Quando eu estou precisando descansar eu ligo lá no meu quarto o sonzinho que ele me deu de natal, ponho lá os meus CDs evangélicos e fico sozinha lá. Fecho a porta do quarto e fico sozinha.

Ela não percebe como esses aparelhos (som, televisão, DVD) funcionam de forma a “dar tempo”

para ela. Diz que não sabe como seria ficar sem eles, mas que possivelmente optaria por fazer

uma visita a alguém que estivesse precisando. Nem o computador ela diz usar a seu favor para

ter mais tempo. A única coisa que ela identificou como sendo “provedor de tempo” foi algo que

perdeu recentemente: o carro. Contou que quando o marido tinha carro ele ia pegá-la no trabalho

e isso a fazia economizar, pelo menos, duas horas no trajeto de volta a casa.

Seu comportamento financeiro demonstra preocupação com o equilíbrio financeiro da casa. No

entanto, esse planejamento parece ter prazo máximo de um ano. A família se organiza para viajar

anualmente para Maceió, todas as economias do ano parecem voltadas para isso.

A gente ajunta o dinheiro das passagens nas moedas. Então, a gente faz isso olha, coloca na garrafa as moedas todo dia, a gente paga com o nosso cofre. Todo dia eu, ele, a Bárbara coloca moeda.

Assim, dizem conseguir pagar pelo menos uma passagem. As outras eles interam com algo mais

que tenham poupado ou dividem em duas ou três vezes. Sempre com a preocupação de não

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parcelar em muitas vezes, devido a posição de autônomos. Mas, quando acontece algum

imprevisto, como a cirurgia que Fabrícia teve que fazer no joelho a um ano atrás e a impediu de

trabalhar, o lazer precisa ser cortado.

Dentro de sua lógica, parece que todo o dinheiro ganho hoje deve ser para cumprir com as

obrigações (e estas são prioridades) e o excedente pode, e até deve, ser usado para alguma

mordomia e diversão da família. Pagam um colégio particular para a filha, INSS, plano de saúde,

e até seguro de vida do pai, mas quando precisaram reformar a casa pensaram no financiamento

como primeira (e talvez única) alternativa. Além do que é guardado para a viagem anual e do

seguro de vida de Almir, a família não tem nenhuma poupança.

Para reformar a casa, embora já pensassem num planejamento, só fizeram mesmo quando foi

inevitável esperar mais. Para a reforma pegaram dois financiamentos na Caixa Econômica: um

de R$8.000 no “Construcard”, que é utilizado para a compra de material, e crediário de R$3.000

para pagar a mão de obra. Mesmo com o empréstimo, depois de dois meses de obra, Almir já

precisou colocar dinheiro dele para cobrir os gastos com mão de obra.

Quando Fabrícia contou que voltar a trabalhar na empresa não era financeiramente vantajoso, ela

não contabilizou FGTS, auxílios transporte, refeição, seguro desemprego e outras vantagens que

acompanham a carteira de trabalho assinada. Ao invés disso, ela ressalta a liberdade que tem no

seu dia a dia, a qual teria que abrir mão para cumprir horários num emprego de carteira assinada.

Ela trabalha 3 dias na semana.

Em momento nenhum o excedente de ganhos da filha ou dela parece ser associado a algum tipo

de poupança, ou seja, o que ela e a filha ganham é para ser gasto com “coisa que mulher gosta de

comprar”: coisas para a casa e cuidados pessoais da família e individuais. Observa-se assim que

o trabalho dela de diarista e o trabalho temporário de vendedora da filha são cercados de

justificativas de consumo mais imediato “não básico”, sem associações com algum tipo de

identidade que possa ser formada a partir das funções exercidas.

Apenas o dinheiro do marido deve cobrir os principais custos “básicos” da casa ou mesmo ser

poupado. Ela parece não se importar de explicitar a sua dependência financeira do marido

quando fala do seu uso de cartões de crédito. No entanto, mesmo ilustrando o papel tradicional

do marido como principal provedor, acaba também reconhecendo que seu dinheiro pode ajudar

em situações de exceção:

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Nós somos assim, eu e meu esposo, um segura o outro. Porque de repente dá uma caída na oficina, eu tenho que estar, aí a gente já observa para nunca estar faltando nada. Então a gente está sempre direitinho com as coisas, sempre em ordem. Aqui em casa tem que ser tudo em dia, telefone, luz, água, luxo não existe, mas nós podemos ter tudo do bom e do melhor, mas desde que tenha dinheiro.

Ela explica a divisão de papéis nos gastos da família e acaba mencionando pequenos luxos que

havia negado em um testemunho anterior:

É assim, o meu dinheiro é meu. Ele não aceita que eu pague uma conta, eu não ajudo na casa. Eu ajudo de que forma, eu decidi comer picanha, vou no açougue e compro. Decidi fazer a torta, eu vou lá e faço. (...) Compro as coisas para eles, perfume, creme, tudo eu que compro para ele.

Fabrícia ainda contou que quando viajam ela sempre leva um dinheiro extra caso queira cobrir

alguns gatos a mais, que seu marido não queira pagar, como uma cama maior no quarto do hotel.

A doméstica tem o hábito de pagar quase tudo em dinheiro Os cartões que usa são do marido e

raramente usa cheque. Sabe que na loja tem a facilidade de pagar parcelado com cartão de

crédito, mas parece ter criado uma aversão depois de ter se endividado durante o período difícil

da doença da mãe.

4.1.1.3 Gosto e hábitos de consumo

Sobre seus gostos, disse que seu marido diz que ela tem “mania de grandeza” por gostar de

quadros. Em vários momentos faz questão de frisar que não gosta de “porcaria”. Suas bolsas são

quase todas da C&A e precisam ser grandes e resistentes para que ela possa carregar roupa e

comida ao longo do seu dia de trabalho. E suas Jóias precisam ser de ouro ou prata. Para

Fabrícia, bijuteria barata “é jogar dinheiro fora”.

Fabrícia diz que não gosta de comprar “coisas do Paraguai”, referindo-se a coisas que vendem

em barraquinhas. Diz que por não saber a procedência dos produtos, não confia. São produtos

pelos quais não pode reclamar se houver algo de errado: “Ali você vai comprar algo barato e vai

te sair muito mais caro”.

Por outro lado, Fabrícia contou não ter o hábito de reclamar dos produtos que compra, mesmo

quando tem problemas. Seu discurso anti-“Produtos do Paraguai” parece ser mais uma forma de

expor seus valores do que é certo ou errado, do que sua real preocupação em poder fazer alguma

reclamação.

Apesar de planejada, ou mesmo porque é planejada, Fabrícia se permite fazer compras por

impulso de vez em quando. Ir ao médico, pagar o plano de saúde ou uma prestação da C&A, são

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situações que se transformam em passeios individuais ou com a família. Esses momentos criam

oportunidades de compra. Disse que às vezes ela olha alguma coisa e pensa: Eu quero! Não sabe

explicar o que desperta isso nela, mas diz que algumas coisas “mexem” com ela.

Era algo que eu falei assim: Eu quero. É pra mim. Ela está falando comigo. Eu quero aquela roupa. (...) Não sei. É legal. Eu não sei. É algo que mexe muito comigo, que faz comprar. Eu vou e compro. Se precisar parcelar eu parcelo. Eu compro aquilo que eu gosto. Eu acho que é por isso que eu não saio muito, deve ser por isso, para não gastar. Mas eu sou assim eu só compro aquilo que realmente eu gosto.

Fabrícia não demonstra ansiedade para usar os produtos novos que compra. Para ela o importante

parece ser “ter”, mesmo que ainda vá demorar para usar. Compra muita coisa que demora a usar.

Em outra passagem interessante do perfil de comportamento, Fabrícia contou da experiência de

andar de avião pela primeira vez e como já estão mais adaptados e confortáveis com o ambiente

do aeroporto:

Para poder viajar mesmo a gente vai assim de chinelo. Porque a primeira vez de avião foi Almir com uma palhaçada, uma presepada, eu não sabia como eu ia para o aeroporto, aí quando eu cheguei lá foi àquela coisa boba. Hoje é mais gostoso a gente vai de Havaianas, a gente põe Capri, vai de bermudinha, de chinelinho sossegada.

4.1.2 Consumo da beleza

Fabrícia conta que estar bonita é ficar bem consigo mesma, cheiroso e com os cabelos bonitos.

Sua vaidade vai contra o estigma da “empregada mal cuidada”. Ela contou que uma vez uma

mulher não quis contratá-la porque ela estava bem arrumada.

Mas é muito bom se sentir bonita, cheirosa. Agora não, é uma revolta esse cabelo assim de empregada doméstica, de diarista né. Eu até falei para a Lugia, a moça que vai fazer o meu cabelo, eu não estou suportando me olhar no espelho, pareço até uma diarista. A coisa está terrível.

A preocupação com a beleza está muito ligada com sua rotina de trabalho. Diz que o manuseio

de produtos químicos, por exemplo, exige maior atenção com a hidratação das mãos. E em

seguida defende a categoria: “A empregada doméstica é muito vaidosa (...) eu acho que na

realidade a gente sente uma vontade de sobressair.”

Sua vaidade estar ancorada nos produtos de beleza que usa. Repetiu diversas vezes que não gosta

de ficar sem “seus produtos”, sugerindo que tais produtos seriam considerados como bens de

necessidade.

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Fabrícia diz que não tem medo de envelhecer. Mas diz que quer envelhecer bem, não quer

engordar, não quer estar com os dentes feios. Demonstra bastante cuidado com a pele, usa o

Renew a “muitos anos” todos os dias. Foi o produto de beleza que Fabrícia mais demonstrou ser

uma referência no uso diário: “Eu não fico sem os meus Renew”.

Sobre os efeitos do uso do Renew, primeiro ela brincou que só via “depois de uma bela

maquiagem”. E depois falou da sensação da pele hidratada:

Não. Eu sinto sim. Têm pessoas assim que tem pele clara e tem uma pele enrugada. Eu sinto minha pele macia, suave. (...) Eu vejo a diferença quando eu não passo creme. Até agora pouco eu estava sem e a gente vê que a pele fica áspera. Então fica assim uma pele macia, gostosa.

Para ela o não envelhecimento parece estar muito ligado a hidratação da pele. O relato é o

mesmo quando diz cuidar da pele das mãos.

Fabrícia disse que não deixar envelhecer o rosto, e que essa é uma preocupação de toda mulher

aos 40 anos. Mas, logo na seqüência, faz um discurso longo sobre sua preocupação em não

engordar, justificando suas preocupações com atividades físicas e alimentação. Disse que não

quer fazer plástica, pois tem medo de cirurgia. Admite já estar envelhecendo e não tem medo

disso. Expõe seus valores familiares dizendo que para ela “ter uma família estruturada” é

suficiente para ser uma mulher feliz, mas que envelhecer bonita também “seria ótimo”.

Me faz bem me sentir bonita. Eu gosto de me olhar no espelho e me sentir bonita não importa se é quarenta, se é cinqüenta, não importa a idade, eu quero olhar no espelho e estar bonita.

O banheiro da família tem um arsenal de produtos: creme para os olhos, creme para hidratar o

rosto, perfumes, sabonetes, maquiagem, batom, creme para as mãos, sabonete líquido, gel para

lavar o rosto, máscara para o rosto, óleo para as pontas dos cabelos. Cada produto refletia uma

determinada preocupação ou cuidado: perfume porque o marido gosta de estar cheiroso e porque

gostam de variar, creme e sabonete líquido para as mãos, pois o trabalho com limpeza deixa a

pele das mãos mais frágil, um tipo de creme para o corpo para cada estação do ano, porque no

inverno a pele fica mais seca.

Mãe e filha não usam os mesmos cremes, mas compartilham algumas maquiagens. Os produtos

que ainda não estão em uso ou aqueles que Fabrícia não quer que sua filha use ela guarda em seu

guarda-roupa, espaço que também serve de estoque, junto com uma caixa guardada em baixo da

cama: são cremes, sabonetes, maquiagem e perfumes. Fabrícia explicou que guarda os produtos

desta forma por falta de espaço na casa.

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Além de guardar os produtos no banheiro, guarda-roupa e embaixo da cama, tem os produtos que

ficam na bolsa, como a maquiagem e o creme para as mãos. As embalagens retornáveis da

Natura, Fabrícia guarda numa dispensa na cozinha, num local de pior acesso.

Também no armário estava um estojo de maquiagem da Natura que a mãe estava montando para

a filha. Fabrícia não gosta que sua filha use sua maquiagem. Ainda não entregou o estojo para a

filha porque está incompleto. Compra separadamente cada sombra e encaixa no estojo ou kit,

como ela mesma chama. No conjunto de cremes, perfumes e maquiagem, a maquiagem parece

ser a última categoria de produto que a filha pega emprestado da mãe.

“Eu estou comprando só para ela não usar a minha maquiagem mesmo.”

Quanto ao xampu que usa, além do atributo “sem sal”, algumas “linhas” chamam mais atenção

de Fabrícia: para quem pinta o cabelo, para quem faz chapinha, com filtro solar (para proteger a

tinta), para restaurar as pontas e para cabelos quebradiços. Os cuidados com os cabelos ainda

exigem: creme, creme para pentear e máscara.

A máscara do rosto de pepino da Avon, Fabrícia faz nos fins de semana. Gosta do Perfume

Thaty, do O Boticário, mas agora está sem, só está com água de colônia.

Em relação aos produtos não usados, percebe-se que a rejeição de um produto tende a não

contaminar a imagem de uma marca. Esse sentimento fica restrito apenas ao produto. Fabrícia

falou de uma máscara para o rosto da Avon, que comprou mas não gostou, ficou largada sem que

ninguém usasse. Tinha comprado essa máscara de mel quando a de pepino, que costumava usar,

estava em falta. Simplesmente, voltou a usar sua máscara de pepino.

4.1.2.1 Influências, opiniões e relações

A igreja parece ter uma influência importante na vaidade. É quando vai a igreja (ou ao

shopping), aos domingos, que ela conta que se arruma melhor. Diz que procura estar sempre

elegante e nunca “vulgar”. Pode usar salto e cores vivas, como vermelho, mas não deve usar

nada curto ou justo que mostre seu corpo. É um tipo de vaidade que contrasta com a

informalidade das periferias, que contrasta com a roupa de trabalho da doméstica e do mecânico,

como se fossem “dois mundos diferentes”. A regra parecer ser não chamar atenção.

... Eu tenho prazer em me arrumar, colocar os meus vestidos, salto alto, me maquiar, é outra coisa. Chegando domingo é completamente diferente. São dois mundos diferentes.

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Fabrícia fala como a “vida de patroa” é uma referência de consumo para ela.

Quando eu fui trabalhar, falei para a minha filha: tudo que você vê nas casas das pessoas, anota o nome que a gente compra. (...) Então, a gente fica uma semana no hotel né, porque assim, como eu não tenho uma empregada, eu gosto de me sentir uma patroa.

Sobre os produtos de beleza das “patroas”, Fabrícia respondeu que não olhava: “pra essas coisas

tenho meu próprio gosto”. Mas na observação da compra ela comprou um óleo para o corpo que

disse que via uma antiga “patroa” usar.

A filha também é uma forte influência para Fabrícia. Ela diz Bárbara lhe trás amostras de

produtos da Natura, as quais ela usa todas. Foi assim que aprendeu a usar um gel pós-sol.

Fabrícia diz se preocupar com o cuidado da pele para não pegar câncer de pele. Quando era mais

nova ficava mais tempo no sol, usava Cenoura & Bronze e mandava fazer manipulação de

urucum na farmácia.

Por outro lado, a filha aprendeu a usar os cremes com ela. Mas, segundo Fabrícia, depois que

Barbara conheceu outros produtos começou a querer “as coisas do jeito dela”. Só a maquiagem

Barbara ainda usa da mãe, e Fabrícia fala que faz “questão de manter maquiagem de boa

qualidade”.

A cabeleireira é alguém que precisa ser conhecida, de confiança. Fabrícia e Bárbara se deslocam

até Diadema para cuidar dos cabelos com alguém que conhecem. Lugia, a cabeleireira, é amiga

de infância da sobrinha de Fabrícia.

Algumas coisas fazem em casa, mas o mais importante fazem com a Lugia. A ida com

freqüência ao salão mudou a preferência do que fazer em casa. Fabrícia disse que cansou de

passar henê em casa e optou por fazer a progressiva. Ainda pinta o cabelo em casa quando

precisa, mas quando vai ao salão fazer a progressiva, já aproveita e pinta o cabelo também.

4.1.2.2 Consumo de marcas

Sobre o xampu que usava, não hesitou: “Dove”. Explicou que precisa usar um xampu sem sal e

por isso faz estoque do Dove. Fabrícia, que não encontrou a máscara do Dove que queria durante

a compra, disse que tem dificuldade de encontrar todos os produtos do Dove de uma mesma

linha juntos num mesmo local. Para ela, isso acontece porque ele é muito usado.

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A doméstica é uma grande apreciadora da marca Natura e segundo ela: “a turma que mais usa

Natura são as empregadas domésticas”. Para ela a grande diferença da Natura está na intensidade

do perfume dos produtos e no prazer de portar a fragrância que preenche o ambiente.

A Natura, você passa o creme, aquilo fica, sabe, eu me amo, fica aquela coisa cheirosa, a pele sedosa, você se sente bem, você se sente leve. O Boticário, eu não conheço muito bem os cremes do Boticário, mas é como eu te falei, é aquela coisa suave, só se encostar mesmo. A Natura não, faz presença. Eu conheço. Entrou no ônibus, eu já conheço. (...) você sente a presença da Natura em qualquer lugar, você conhece.

Fabrícia contou que apesar de gostar muito da Natura, mantém-se fiel ao Renew porque tem

medo de misturar cremes diferentes no rosto.

Assim, a Natura eu acho que são produtos muito caros. Mas são coisas maravilhosas. Eu adoro Natura né. O Renew só que é da Avon porque eu não tive acesso ao Chronos. Na época que eu fui usar o Renew era muito caro, eu não tinha esse acesso de duas vezes. Ele está uns R$ 75,00. Quase o mesmo preço, um pouco mais caro do que da Renew. Aí eu tive acesso ao Renew. Então como é a parte do rosto, eu não vou misturar, não vou correr o risco de misturar, eu tenho medo de mudar de creme né. Mas deve ser tão bom quanto o Renew.

A onipresença das marcas Avon e Natura no grupo de maquiagens acontece até nos salões de

beleza que mãe e filha freqüentam. Na perfumaria, Fabrícia nem olhou para as maquiagens do

local. Ela disse que até achava algumas coisas bonitas, que eram atraentes e que até poderiam ser

boas, mas ela não compraria. O creme anti-idade Renew e as maquiagens da Natura e Avon

parecem ser os produtos de maior “fidelidade” de Fabrícia.

Fabrícia declarou sua enorme preferência pelo Sève para hidratar a pele após o banho, mas fala

que usa substitutos para deixar a pele “um pouquinho melhor” quando ela está sem o Sève. Diz

preferir o óleo aos cremes hidratantes, pois são mais práticos, mais fáceis de passar e ficam mais

tempo no corpo.

As características das marcas citadas foram destacadas na figura 2 abaixo:

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Figura 5: Portfólio de marcas mencionadas por Fabrícia

4.1.3 A Compra de Produtos de Beleza

Fabrícia compra seus produtos de beleza em 4 diferentes canais de venda: catálogo, lojas,

perfumaria ou mercado.

A compra por catálogo parece ser mais planejada. Ela tem tempo de decidir o que quer podendo

olhar a revista em casa e precisa fazer o pedido com antecedência para que não falte produto.

Disse que já compra Avon e Natura a muito tempo. Antes de comprar com sua filha ela

comprava com uma amiga que mora na Pauliceia, em São Bernardo do Campo. E para driblar a

distância a amiga deixava os produtos com a irmã de Fabrícia, que também mora na cidade, ou ia

visitá-la.

A proximidade com as revendedoras dos produtos por catálogo é, aparentemente, parte do

sucesso na venda. No banheiro de Fabrícia tinham várias amostras grátis de produtos da Natura.

Produtos para os cabelos CaracterísticasDove Muito usado; sente a maciez no cabelo; "sem sal"Pantene BomPantenol Marca usada pela cabeleireiraSoftCollor Marca usualNatucor RessecaCasting Novidade

Produtos para o rosto CaracterísticasRenew Deixa a pele macia, suave e gostosaChronos "deve ser tão bom quanto o Renew"Máscara de Pepino da Avon Boa e agarra

Produtos para o corpo Características

Natura"Faz presença"; "cheiro forte, chega a arder se a pessoas não sabe usar"

Sève Deixa a pele macia; "tudo de bom", "maravilhoso".Chamego "nova febre" da Natura, "todo mundo tá usando"Lua Nova Seu próximo perfumeThaty Perfume suaveÓleo Paixão Referência da "patroa" e barato

Esmaltes CaracterísticasRisqué Bom e mais consistenteMonange Bom, mas ralinho

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Ela disse que é a filha que leva para ela e isso ajuda a escolher os produtos que mais quer

experimentar. Outra vantagem é poder passar alguns dias com a revista em casa.

Fabrícia sabe o preço de tudo: R$80 do perfume, R$13,50 do desodorante, R$75 o Renew, R$14

o kit de sabonetes, R$47 do Sève. Suas compras por catálogo podem chegar em torno de R$130.

Ela diz que se passar de R$50 ela já prefere parcelar (em até duas vezes, como a revendedora

deixa). A possibilidade de parcelar permitiu que ela comprasse mais. As parcelas são definidas

pela revendedora, sem nenhuma regra pré-estabelecida, e sem precisar ter o período fixo de um

mês entre as parcelas.

A compra no mercado também tem algum componente de planejamento, pois Fabrícia conta que

costuma procurar itens que precisa no “jornal do mercado”. Mas, nem sempre ela encontra o que

viu no “jornal”.

Então eu pego jornal do mercado, tinha até um aqui, eu vi que tem o que eu preciso, Almir, vamos para o Carrefour. Aí eu chego lá e já pego aquilo que eu estou precisando. Eu fui atrás do prato quadrado, não tinha...

Em relação aos produtos de beleza, ela diz que, no mercado, só compra xampu e creme para o

cabelo. Essa parece ser mais uma compra de conveniência. Vai ao mercado toda semana para

comprar comida e acaba levando produtos que já conhece.

A perfumaria parece ser o local onde ela encontra maior diversidade para experimentar novos

produtos ou quando precisa encontrar o que não tinha no mercado. Lá ela compra: algodão,

acetona, esmaltes, xampu, tinta para os cabelos, cremes. É uma compra também planejada, mas

parece ser menos que aquelas feitas por catálogo.

Então, na perfumaria eu ia muito né, cada 15 dias, 1 vez por mês eu ia fazer aquela compra de uma vez, que eu comprava esmalte né, porque a Bárbara todo o dia está fazendo a unha, eu compro esmalte, acetona, eu faço aquela lista do que eu preciso para não ficar sem. Acetona, esmalte, tinta, era henê, xampu de repente, se eu não comprava no mercado, se não tinha o que eu quero, eu vou na perfumaria comprar, eu já fazia aquela compra. Comprava tudo de uma vez. Na perfumaria eu ia uma vez por mês.

As compras de produtos de beleza feitas em loja parecem acontecer mais por conveniência.

Acontece durante um passeio ou em um trajeto no seu dia a dia. Se ela encontrar algo que gosta e

estiver com dinheiro, ela compra. Se não tiver dinheiro, ela nem entra na loja. Como ela quase

não usa cartão de crédito, apenas o do marido, então é preciso estar com dinheiro para conseguir

fazer a compra.

Eu entro no Boticário, se de repente algo me encanta, eu compro. Se eu tenho dinheiro, eu entro, não entro sem dinheiro...

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Fabrícia ainda falou de internet e telefone como canais para as compras de passagens aéreas,

mostrando já alguma familiaridade com esses outros meios.

O local de compra para a segunda entrevista foi uma perfumaria a cerca de 4km de sua casa. A

loja é ampla, com um aspecto semelhante de uma farmácia, com balcão de atendimento, e com

uma diversidade enorme de produtos desde xampus, tintas para cabelos, escovas, esmaltes etc.

Segundo os relatos de Fabrícia existem alguns passos na sua estratégia de compra. Um deles é

montar uma lista de coisas que precisa comprar para a casa. Ainda antes da compra, existem

algumas estratégias financeiras, como acumular as comissões de venda da filha para reduzir o

pagamento total em compras por catálogo e só entrar na loja para comprar quando tem dinheiro.

Na hora da compra, sabendo de tudo o que precisa, também usa seu sistema de priorização e caso

precise eliminar algum produto porque a compra ficou muito cara, Fabrícia sabe exatamente por

onde começar cortando: “vou priorizando as coisas que eu não tenho”.

Neste sistema de priorização, os cuidados médicos competem com os tratamentos estéticos:

Assim, aqui tudo é planejado, aqui ninguém deve nada. Então eu fiquei boa da cirurgia, fiquei bem, o que acontece, primeiro os dentes. Então eu tive que abrir mão de algumas coisas. Então o que eu vou fazer primeiro, eu vou fazer progressiva, vou fazer isso, não, a prioridade no momento é os dentes. (..) Então tá. Eu estou cuidando dos meus dentes. Acabou os dentes, aí eu vou fazer progressiva. É tudo planejado já para não ficar devendo, ficar sem dinheiro, porque depois que eu fiquei doente a gente tem receio de ficar sem dinheiro, porque eu fui pega de surpresa.

A possibilidade de parcelar a compra é um recurso que permite o aumento do valor da compra.

Mas, Fabrícia também faz “parcelas físicas”. A cada compra ela pode comprar parte do presente:

sombras de cores diferentes para montar o kit de maquiagem da filha, sabonetes e cremes

separadamente para montar um kit de presente da amiga, ou mesmo comprar um jogo de pratos

peça a peça. Fabrícia explica que começa montando o kit bem antes da data de entrega do

presente: “não compro tudo de uma vez para não estourar meu orçamento”. Pensando nisso ela

gosta ter mais sabonetes, pois segundo ela, toda mulher “gosta de sabonete cheiroso”. O Natal

parece ser uma data emblemáticas, para entregar os kits de sabonetes. E até a louça de casa ela

diz que compra peça a peça de acordo com o dinheiro que dispõe no momento da compra.

Fabrícia disse que só entra na loja quando tem dinheiro para comprar, caso contrario não entra.

Como eu recebo toda semana, tenho sempre uns trocados. Então eu sempre fico atrás procurando essas coisas que eu quero.

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Na entrevista de compra ela disse que queria comprar “sua” tinta para pintar os cabelos e uma

“máscara capilar, sem sal, Dove, indicada para quem faz progressiva”. Além desses, disse que

queria experimentar o óleo Paixão, pois lembrava que uma patroa antiga usava.

Fabrícia teve dificuldade em agir com naturalidade. Disse que teve dificuldade em escolher o

lugar e disse não saber ao certo o que comprar. Sua filha quis aproveitar para comprar coisas

para ela. Fabrícia contou: “Ela está com má intenção, mas é comigo a pesquisa”.

De forma geral ela conta que tem muita dificuldade para encontrar os produtos apropriados para

cabelos crespos. Em diversos momentos falou de produtos que eram apropriados para esse tipo

de cabelo, mas esse era um conhecimento prático, ou de reportagens de revista. Para ela as

marcas não sinalizam bem o que é apropriado para cabelos crespos e negros.

A observação e análise das informações coletadas para Fabrícia permitiu traçar algumas lógicas

utilizadas em suas experiências de compra:

Figura 6: Experiência de compra de Fabrícia

4.2 ELAINE: CONSUMIDORA FOCADA E EM CONSTANTE BUSCA POR OPORTUNIDADES

4.2.1 Breve perfil e história de vida

Elaine é negra, com traços finos na face, 36 anos e natural do Recife. Mora em São Paulo há três

anos onde trabalha como manicure. Mudou-se junto com as duas filhas e o marido de quem se

separou há dois anos. Quando o trabalho acabou, ele disse que voltaria pra Recife, mas ela

decidiu ficar.

Antes da compra Durante a compra Depois da compra

1. Se planeja2. Elabora listas de

compras e necessidades

3. Acumula comissão de venda da filha

4. Junta moedas diariamente como forma de poupança

5. Escolhe o local6. Conhece os preços

1. Só entra numa loja quando tem dinheiro

2. Prioriza as emoções instantâneas para decidir a compra

3. Tem reserva de dinheiro para seus caprichos

4. Se a compra passar do limite, prioriza o que não tem

1. Não fica ansiosa para usar

2. Gosta de “ter”3. Desfruta do uso

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Quando mudou para São Paulo disse que se sentia isolada e sem diversão. Mas, sua vida mudou

com o trabalho, a forma que encontrou de conquistar sua independência e não se sentir mais

isolada.

Antes de ser manicure trabalhava com festas, fazendo docinhos e salgados em Recife. Agora, já

é manicure há mais de 10 anos. Ela conta que “gosta de tudo” em ser manicure, mas destaca o

prazer em ver o resultado “perfeito” alcançado .

Eu gosto de fazer a unha e depois olhar e ver que fui eu que fiz aquilo. É aquele prazer de ver aquilo perfeito.

Reclama, no entanto, da falta de qualidade de vida no ambiente de trabalho: sente dores nas

costas e mãos, tem pouco espaço físico para guardar suas coisas e pouco tempo para almoçar e

até mesmo para beber água e ir ao banheiro ao longo do dia.

Elaine é evangélica, mas vai com pouca freqüência a Igreja, diz que se considera evangélica

porque seus pais também são. Destaca que em um lar evangélico “você não vê tantas brigas”. A

ida a Igreja, no entanto, aparece como uma opção mais de socialização do que de fé religiosa.

Ela conta que vai mais a Igreja quando sua amiga chama com motivações associadas ao lazer:

O CDzinho, eu tenho um CD gospel né. Eu gosto de escutar. Minha amiga fala, vamos, hoje tem isso, hoje tem isso, aí eu vou com ela.

Diz estar com “trauma de marido” e querer “começar tudo do zero”. Foi casada dez anos e se

decepcionou muito com a relação. Mostra-se satisfeita com a atual situação de solteira, diz que

desta forma sente-se mais livre. Ela conta que a única coisa que não se arrepende do casamento

são as filhas:

A manicure vem de uma família de nove irmãos. Uma de suas irmãs também mora em São Paulo

e os outros moram todos juntos, num mesmo terreno em Recife. Ela conta que sente saudades de

Recife. A cidade natal está presente em seu discurso a todo momento: quando fala da comida, da

profissão, das pessoas com quem convivia e até dos produtos de beleza que para ela ainda são

referência. Embora já esteja adaptada a São Paulo, ainda pensa em voltar para Recife, onde ela

diz que a qualidade de vida é muito melhor.

Elaine diz que abriu mão da diversão para conseguir alcançar seu principal objetivo na vida: dar

um lar para as filhas. O futuro ainda é vislumbrado em Recife com as filhas.

Mora com as duas filhas de 11 e16 anos em uma casa nos fundos da residência da locatária no

município de Diadema vizinho a São Paulo. A casa tem um quarto, onde mãe e filhas dividem

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uma cama de casal, um banheiro, a cozinha, que é conjugada com a sala e fora tem uma área de

serviço. O espaço custa R$200 mensais. Mesmo quando Elaine contou que estava procurando

uma casa maior disse que poderia ser de um quarto só, pois as três estavam bem dormindo

juntas.

O bairro onde mora parece ter alguns problemas comuns a outras regiões vizinhas a uma cidade

como São Paulo tais como acesso ruim a alguns serviços como o sinal de internet.

4.2.1.1 Tempo e dinheiro

A vida muito corrida é uma descrição recorrente em seus relatos mesmo contando que tem

liberdade para “fechar a agenda” a hora que quiser. Durante a semana entra mais tarde no

trabalho, às 11h, mas aos sábados começa às 9h; normalmente, chega às 20h em casa. É comum

sua agenda estar cheia durante toda a semana por causa das clientes fixas que tem. Normalmente,

Elaine atende de 10 a 12 clientes por dia, mas em datas especiais esse número pode dobrar.

Elaine parece não conseguir “fechar a agenda”, pois está sempre em busca de mais tempo para si

e alternativas práticas e rápidas de consumo tais como fazer depilação no salão onde trabalha ou

comprar produtos na perfumaria perto do trabalho. Unhas feitas?Diz optar por não estar de unhas

feitas para acelerar seu ritmo de trabalho.

... Aqui em São Paulo a gente não tem tempo (...) em Recife eu trabalhava demais, mas eu tinha tempo para tudo, você pode parar e ir na praia, você pode parar e ter em uma festa. Aqui não tem nada. Geralmente passa muito rápido e é muita coisa para você fazer, quando você olha já chegou a segunda-feira. Por isso que eu acho que a qualidade de vida aqui não é boa.

Elaine destaca em seu trabalho de manicure os laços afetivos criados com as clientes e que se

tornam amigas confidentes. Conta que algumas marcam a unha “só para conversar”.

Os meus clientes, que a gente pega amor, não deve misturar as coisas, mas sempre tem aquelas que mexem com você. Que faz parte da história da sua vida, amizade não se compra. (...) é satisfatório, porque elas não me tratam como a manicure, como se fosse aquela pessoa que foi ali só para fazer a unha comigo, e gosta mesmo.

Lembra também da ajuda das clientes em alguns itens de consumo. Chegam a comprar passagem

de avião quando ela ou as filhas precisam ir pra Recife e trazem produtos importados quando

viajam. Elaine é bastante apegada as suas clientes, mas sugere que compreende que clientes fiéis

são uma forma de segurança financeira.

Quando fala de dinheiro, mostra-se focada em ganhar, economizar e poupar. Elaine mostra

orgulho em ter sua independência financeira e conseguir oferecer o que suas filhas precisam.

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Diz que como manicure é possível ganhar bem, mas que isso depende do local onde trabalha.

Explica que não basta cobrar caro pelo serviço, é preciso estar onde as clientes estão e onde se

consiga mais participação no ganho do serviço prestado. Elaine conta que sua renda mais que

dobrou depois que começou a trabalhar em São Paulo, em relação ao que ganhava em Recife e

descreve as possibilidades ampliadas de consumo:

... Aqui mesmo que eu paguei aluguel, água, luz, internet, eu posso dar o que elas querem, hoje eu posso dar um sapato para a minha filha de $200,00, eu não podia fazer isso em Recife, até podia se parcelasse em até não sei quantas vezes.

Apesar de ganhar mais, ela conta como precisa ter disciplina e ficar atenta aos preços para

conseguir economizar. Segundo ela, quando recebe mil e quinhentos reais no mês, consegue

economizar cerca de quinhentos reais.

Aqui [São Paulo] (...) é tudo caro. Então, você tem que ter cabeça para saber o que você gastou senão nunca vai ter nada.

Fez um acordo no salão onde trabalha e recebe duas vezes no mês: primeiro recebe o valor que

precisa para pagar o aluguel e as outras contas, cerca de R$350,00 e explica: “dia 20 eu sei que o

que ela vai me dar eu não posso gastar (...) e dia 5 é meu, é meu livre.” Assim, tira o que é essencial, incluindo

o dinheiro que poupa todo mês, e depois sente-se livre para gastar o que sobrou.

Sabe que tem meses que o dinheiro pode ser mais fraco, e por isso, não gosta de dever nada a

ninguém. Prefere sempre pagar a vista e em dinheiro. Mesmo se o valor de algo é mais alto, ela

conta que prefere juntar o dinheiro para depois poder pagar.

Comprar uma casa aparece como uma meta para conseguir manter sua disciplina financeira para

poupar. Mesmo reconhecendo as incertezas futuras ela fala dos seus valores de referência em

Recife onde a possibilidade de comprar casa é maior:

Que lá no Recife é barato, aqui não é. Em Recife eu compro uma casa com 15 mil reais, e aqui eu não compro. Aqui é 70 mil, 50 mil, a diferença é enorme. A minha vida pode mudar, eu posso ter outro relacionamento, hoje eu não penso nisso... (...) É como se fosse dinheiro assim de aluguel, guardar. Se vai acontecer... Hoje eu penso assim e amanhã pode ser outra coisa.

Ela conta sua estratégia para poupar ainda que não use essa palavra em momento algum. A

lógica que constrói sua poupança não é a da sobra, mas da falta como se ela “devesse todo mês”.

Só depois da poupança é que vem a sobra.

... Como se eu devesse todo mês, aquele [dinheiro da casa]. Não pode mexer. Depois que eu tirar aquele, aí eu vou pagando água, luz, internet, a comida... Tudo o que sobrar eu posso comprar tudo de comida e as coisas dela, o que elas pediram mesmo.”

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Elaine não tem cartão de crédito e diz que assim acha melhor. Também conta que usa o cartão de

débito com muita cautela, só quando ela tem certeza que não vai faltar dinheiro na conta. Parece

não ter confiança em instituições financeiras para ajudá-la:“O dinheiro é meu, eu faço o que eu quiser.

Eu que tenho que me controlar.”

O planejamento financeiro de Elaine não aparece apenas em seu relato sobre o que guarda, mas

também em seus relatos sobre o que gasta em seu material de trabalho: “Dia de segunda, de terça, eu

acordo mais cedo e vou para o centro comprar”. Fala da compra de um computador para evitar os gastos

diários da filha na LanHouse e que alterna duas linhas de celulares de acordo com as promoções.

Até na compra de presentes diz que gosta de ser objetiva e comprar o que a pessoa precisa.

4.2.2 Consumo da beleza

Elaine declara que sua beleza está principalmente em seus cabelos crespos, longos e

cuidadosamente alisados com escova progressiva. Mostra orgulho de seu cabelo bem tratado o

que até leva as pessoas a pensarem que sua profissão é de cabeleireira:

É meu cabelo, ele tem que estar bonito, escovado, pode chover, pode garoar, mas meu cabelo é tudo. Se eu não escovo e ele não está bonito, parece que eu não tenho nem vontade de me arrumar, porque eu já acho que estou feia.

Seu relato, no entanto, traz contradições: de um lado está a paixão pelo cabelo liso, mas do outro

estão críticas a agressão ao cabelo natural da sua etnia com ondas ou cachos de uma mulher

“morena” como ela parece se autodenominar. Chega a expressar arrependimento em relação ao

alisamento do cabelo dela e das filhas. Pode ficar “falso”? Procura racionalmente justificar o

cabelo alisado com a praticidade para ser cuidado mas também admite se “sentir bem” com ele.

Eu vou fazer escova progressiva porque aí você cuida desse cabelo sozinha’. Ela: ‘mas mãe, eu quero deixar umas ondinhas nele. Eu não quero liso não’. Ela disse que vai ficar um cabelo falso. O da outra era cacheado também, mas ela tirou. Ela diz às vezes que se arrependeu, às vezes ela fala que não. O meu também era cacheado, mas de tanto que você vai fazendo coisa, vai perdendo os cachinhos. Eu me arrependi. Quando eu vejo assim uma morena de cabelo cacheado, eu acho muito bonito.

Mas eu não penso nisso não, eu penso só em estar de bem com a vida mesmo, me sentir bem. Eu me sentindo bem com meu cabelo liso já estou ótima.

A praticidade dos cabelos lisos também aparece quando fala do “cabelo enrolado” da filha que

precisa ser lavado todos os dias e dos gastos maiores com xampu.

Todo dia ela lava aquele cabelo porque ela quer ir com o cabelo bonito para a escola. A outra não lava porque é igual o meu. Então a gente só lava uma vez na semana. Por causa da escova, não pode ficar lavando toda hora. Mas a outra gasta rapidinho, xampu, essas coisas, tudo ela gasta. Para ela tem que ser outro diferente do meu.

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Liana parece não perceber que o cabelo alisado precisa de menos xampu, mas de vários outros

produtos para ser cuidado. A sua declarada preocupação com o cabelo pode ser comprovada pelo

número de produtos encontrados nos espaços da casa. No banheiro encontra-se além de xampu,

condicionador e sabonete: sabonete íntimo (“das meninas”), um produto para “relaxar raiz”,

outro para “reconstruir” o cabelo, um para hidratação e outro, segundo Elaine, “para tirar o mau

cheiro” do cabelo. Fora do banheiro, no guarda roupa Elaine tem: creme alisante profissional,

máscara capilar, creme de hidratação para cabelos quimicamente tratados, mais condicionador,

um “defrizzante”, fluido ultra restaurador de pontas e um finalizador hidratante sem enxágüe.

Nenhum desses produtos parecia estar fora de uso. Ela afirma que os produtos são usados até o

final e só então compra um novo. Mesmo os produtos que Elaine compra e não gosta acabam

ganhando alguma função e explica:

Se eu compro e as meninas falam assim que não gostou, eu falo que vai ter que usar até acabar. Só vou colocar outro aí quando acabar esse. Senão vai ajuntando um monte lá, quando olha tem um monte de pote aberto.

Alem de mostrar os vários produtos de cabelo, Elaine descreve com calma alguns rituais no

cuidado com os cabelos. Conta que usa o mesmo produto alisante desde Recife e explica que não

pode mudar, pois pode provocar queda capilar, o que já aconteceu quando usou o mesmo

produto da mesma marca, mas de outra linha. A única pessoa que confia para indicar produtos

ainda é sua cabeleireira de Recife. Foi nela que confiou para clarear o cabelo e para usar o

produto alisante. Diz que ainda não confia na cabeleireira de Santo André e conta seu ritual,

longe do Recife, para cuidar do cabelo todo domingo:

Lavo normal, boto hidratação e vou fazer as coisas que eu tenho que fazer. Ponho uma toquinha para não ficar pingando a hidratação. Vou fazer as coisas e depois vou pintar também os fiozinhos brancos que as clientes já notam.

A hidratação dá uma resposta imediata explica: “A maciez. Tudo é diferente” para os cabelos

que são lavados apenas uma vez por semana para conservar a escova que faz no salão de beleza

onde trabalha. Como consegue manter o cabelo liso se protegendo inclusive da chuva?

O meu [cabelo] como usa química e já acostumou muito tempo de escova, dura. Quando está garoando e eu estou atrasada, ou eu coloco a sombrinha ou eu coloco uma touca. A sombrinha não pode sair da bolsa.

Elaine conta que só usa uma tinta chamada Natucor, que é a base de água. Ela explica que usa

esse produto mais natural por causa do excesso de química no cabelo, devido a escova

progressiva. Pinta os cabelos de 15 em 15 dias, mas só pinga a tinta onde aparecem os fios

brancos. Ela explica que também tem que pintar o cabelo quando vai retocar a escova

progressiva na raiz, pois o produto de alisamento tira a tinta do cabelo.

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Na pergunta projetiva de como uma mulher de 36 anos gastaria cem reais na compra de produtos

de beleza, Elaine revela mais uma vez sua paixão pelo cabelo sem deixar de se preocupar com os

custos envolvidos em seus cuidados: “Ia comprar todas as coisas: hidratação, xampu... (...) mas

eu ia economizar, eu estou no lema de economia, eu ia talvez na Ikezaki [loja de produtos para

cabeleireiro] que é barato...”

Elaine sabe que com R$100 ela poderia comprar produtos de mais qualidade mas revela que

prefere preços baixos pois a sua experiência mostrou que: “não adianta ser caro... No salão é

caro, mas tem coisa lá que não se dá no meu cabelo. Xampu às vezes não se dá.”

Ela fala da sua alergia a perfume, que não parecia existir quando falava dos diferentes produtos

para o cabelo, quando mostra o creme da Victoria Secret’s, sem cheiro muito forte, que uma

cliente do salão deu. Elaine conta que seu médico orientou que ela passasse só um pouco no

pescoço, longe do nariz. E assim ela usa o creme para aproveitar o perfume. O perfume Kaiak

nem conseguiu usar, mas permanece disponível para as filhas ou mesmo “para perfumar a casa

de vez em quando”. O creme importado para cabelo Sebastian, que caracteriza como uma marca

“cara”, também presente de uma cliente, ela ainda não sabe o que vai fazer com ele pois não foi

bom para o seu cabelo: “Talvez uma filha use”.

Outros produtos são mostrados por Elaine, mas sem o entusiasmo com que descreve aqueles

usados para os cabelos. Gosta da marca Dove como hidratante para as pernas e destaca a

sensação imediata ao uso: “Tem uns que a gente passa e fica lambuzando quando sua, fica

grudando, e o Dove não deixa.”

A lealdade construída para alguns produtos para cabelo desde os tempos de Recife aparece como

um problema já que “é muito ruim você usar um produto que nunca acha”.

A qualidade é um atributo importante para a confiança de poder aplicar os produtos em casa sem

problemas. Com sua experiência em salão de beleza e bons produtos ela pode substituir serviços

que faria no salão de beleza.

Parte dos produtos que não ficam no banheiro, acabam dentro do guarda-roupa. No meio dos

produtos, um desodorante masculino, que Elaine diz preferir.

Depois do cabelo, sua preocupação estética é com a roupa para o trabalho já que diz não ter

ocasiões sociais especiais para se vestir melhor:

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Eu vou trabalhar bonita, porque a única coisa que eu faço é trabalhar, não tem esse negócio de que essa roupa não é para trabalhar, porque não sei o dia de amanhã. (...) se eu não tenho balada, se eu não tenho festa, eu vou guardar roupa para quê? Então, eu vou trabalhar sempre elegante.

As preocupações demonstradas são mais com a saúde do que com a estética quando fala do

envelhecimento ou do avanço da idade. A sedentária profissão de manicure em uma cidade como

São Paulo alem de tê-la feito engordar provoca dores nas costas o que a faz temer sobre o futuro

da sua profissão.

Nessa idade assim a gente já tem que ir para academia malhar. Eu era bem magrinha, aqui eu já engordei mais. Porque aqui eu acho que a gente trabalha tanto, come na hora errada, lá no Recife não, a gente almoçava na hora certa, caminhava (...) Então a médica falou para mim que é isso que eu engordei.

Nunca pensou em usar um creme anti-idade e só passa protetor solar quando está frio por causa

da pele ressecada.

Elaine também tinha muitos produtos de depilação: diferentes tipos de cera, pós-depilatória e

creme depilatório. Contou que comprou quando fez um curso de depilação, mas mesmo antes já

tinha alguns produtos em casa. A marca desses produtos parece não ter muita importância.

4.2.2.1 Influências, opiniões e relações

No salão de beleza onde Elaine trabalha as funcionárias podem fazer os serviços por preços mais

baixos. Como não é uma exigência, a única coisa que faz às vezes no salão onde trabalha é

depilação a depiladora tem tempo e energia para atendê-la.

Elaine se diz uma mulher vaidosa e explica a importância da ida ao salão. Como é comum ela

destaca a transformação percebida pelos cuidados com a beleza no salão, ressalta a sensação de

limpeza e o resultado emocional disso.

Você se sente outra. Eu digo, uma nova mulher. Porque modifica a mulher né. Você se sente melhor. Você se sente limpa, você se sente mais bonita, levanta a auto-estima. Se eu tiver com o cabelo feio, não tenho nem vontade de me arrumar. É bom né, uma sensação de que você está de bem com a vida, você tem que estar de bem com a vida né.

Elaine descreve como os seus conhecimentos e experiências trabalhando como manicure em

salões de cabeleireiro influencia e atua nas práticas do consumo de beleza das três mulheres em

casa. Para economizar ela mesma cuida do cabelo das filhas: hidratação, escova, penteado,

relaxamento. Ela conta que se fossem fazer tudo isso no salão gastaria muito, perto de R$50,00.

Além disso, Elaine se lembra da depilação e da unha que também são serviços feitos por ela em

casa o que faz com que tenha um verdadeiro são de beleza doméstico, o que explica a quantidade

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de produtos exibida nos espaços da casa. Para o alisamento, ela só não consegue fazer em si

mesma.

Elaine freqüenta um salão de cabeleireiro muito distante de sua casa e do seu trabalho, próximo a

casa de sua irmã. Ela conta que não consegue fazer seu alisamento e que faz escova no cabelo

toda semana. Descreve como é o seu ritual de ida ao cabeleireiro com a irmã Regina:

Então assim, vou para Santo André que é onde a minha irmã mora, uma vez na semana. Eu sempre tenho o hábito, adoro. Eu também tenho cabeleireira lá, eu pego dois ônibus para chegar lá. Minha filha fala, você é louca, você pega dois ônibus, se eu abrir aquele meu portão lá de casa, ali já tem o salão, mas eu não gosto. Aí eu sempre ligo para a Regina, ela desce do centro, a gente escova e vai trabalhar.

A companhia da irmã, a confiança na cabeleireira que “já sabe o que fazer” e a vaidade assumida

parecem justificar a longa distância percorrida. Ela deixa clara sua dependência com a ida ao

salão: “Tem que estar bonita sempre. Toda semana eu tenho que ir [ao salão]. Se eu não for já fico me sentindo

mal.”

A relação de confiança e conseqüente fidelidade não são apenas com a distante cabeleireira, mas

também com os produtos usados no cabelo. Quando vai ao cabeleireiro Eliane costuma levar

seus produtos – de alisamento ou tinta – Explica que prefere ir ao salão já com o cabelo lavado e

hidratado para apenas fazer escova com o secador de forma a evitar a mistura de produtos no

cabelo. O fato de trabalhar em um salão parece provocar em Elaine certa desconfiança em

relação ao serviço, um tipo de “influência negativa” em relação ao prestador de serviço e aos

produtos que usa como explica:

Então assim, eu gosto de lavar em casa. Eu já chego com ele limpo. Eu uso tudo que é meu, se eu não tiver tempo, for trabalhar e for correndo para lá, eu levo. Levo o que é meu para ela usar. Porque em salão eles usam o que eles querem, você não pode exigir que eles usem o que você usa em casa. Então eu levo tudo. Agora se eu marco de manhã cedo, eu já lavo em casa, já hidrato em casa, já faço tudo para quando chegar lá, isso também é para o tempo, porque senão é 20 minutos com isso, 20 minutos com aquilo. Então eu faço em casa. É mais prático, eu já chego lá, ela só escova.

Elaine não vê constrangimento com a cabeleireira por levar seus produtos e diz que às vezes

gostava até de levar sua escova de cabelo. Ela parece não perceber que esse hábito de realizar

antes tarefas que poderiam acontecer no salão de cabeleireiro pode ter influência em

aprendizados familiares trazidos do Recife. Ela conta que sua mãe também tinha o hábito de ir

ao salão toda semana para cuidar das unhas e que havia uma preparação em casa:

Eu me lembro que ela comprava uma escovinha (...) e mandava a gente passar no pé dela. Eu falava para ela: ‘mas a senhora não vai para a manicure?’ Aí ela falava: ‘manicure não é para receber o grude da gente não. Elas não são obrigadas a isso’. Então ela já cortava a unha, já lavava o pé em casa, entendeu? Ela falava assim, você

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quer que eu saia de lá e a manicure fale que eu sou porca? Então tudo isso ela passou para a gente.

A fidelidade de Elaine ao salão de cabeleireiro e aos produtos que usa pode estar associada sua

percepção do risco financeiro de experimentar um novo produto ou marca quando diz que não

arrisca, pois “é muito dinheiro para depois eu não usar.”

Mas essa cabeleireira das filhas começa a perceber que elas estão crescendo e que as influências

não são mais apenas dela. Elas podem não gostar do que ela gosta ou mesmo podem sugerir

novas alternativas de consumo:

Ela falou assim, "ah mãe, eu quero pintar o meu cabelo", eu falei "não, não vou comprar isso para você não". Aí ela falou tanto que eu acabei comprando... Porque eu achei bonito claro, ela é clara né. Aí ela queria escuro e eu acabei comprando.

Nem sempre as filhas aprovam a escolha da mãe e já manifestam suas opiniões: "isso é para

menina nova, para senhora não. (...) eu quero um desse para mim”. Elaine conta que elas

criticam várias coisas que compra para si. Mesmo havendo uma compreensão de ambas as partes

a mãe parece exercer sua autoridade com base em suas experiências e no seu poder aquisitivo:

Porque às vezes ela [Talita] quer liso, as vezes ela diz que quer ondulado, ela não sabe o que quer ainda. Eu acho lindo o cabelo dela. Por mim eu não fazia nada no cabelo dela. Só que já está chegando numa idade que tem que decidir, ou você fica do lado deles [dos filhos] e faz uma coisa de qualidade... Na idade delas eu fazia o que eu quisesse e tinha que ser barato, se cair, caiu, se quebrar, quebrasse, minha mãe não tinha como controlar, era muito filho e ela não tinha dinheiro. Então assim, se hoje eu posso.

Assim Elaine parece não deixar faltar os produtos de cuidados com os cabelos para suas filhas. A

referência à influência da mãe, no entanto, não aparece também no consumo de alimentos como

relata. A mãe não deixava faltar nada na mesa e Elaine se preocupa em não deixar faltar nada no

banheiro. Ela se lembra das influências maternas em seus hábitos alimentares:

O hábito de eu querer comer bem veio dela porque ela falava assim: ‘a gente é pobre mas tem que comer bem’. (...)Então ela nunca deixava faltar nada na mesa. (...) não tinha miséria, eles passaram isso para a gente. Então eu acho que por isso que eu gasto muito com comida. Eu puxei a ela. Ela passou isso para mim.

Elaine fala que o que mais gosta de comprar é comida. Aponta diferenças na permissão de alguns

excessos nos produtos alimentares em relação aos cosméticos, pois são mais baratos mesmo

explicando que na compra de comida que não vale à pena economizar. Explica que como sabe

cozinhar, reconhece quando a comida de algum lugar, mesmo que mais cara, não é boa. Seu

gosto está ainda em Recife como explica:

... A comida da gente (do Norte) é muito temperada, vai muita coisa. Então eu acho que é aonde eu não aprendi ainda com os paulistas dessa comida sem graça que não tenha

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nada (...) Eu boto costela no meu feijão, eu boto carne seca, é onde gasta mais, que a comida do paulista só leva alho, então economiza.

Se a família teve muita influência nas compras e consumo de alimentos e apenas alguma

influência quanto aos produtos de beleza, o ambiente profissional de Elaine aparece como um

grande influenciador em seu consumo de beleza. Ela explica que por trabalhar em salão, sabe o

que é bom e sabe como usar os produtos: as colegas, as clientes, os representantes de produtos

que visitam o salão contribuem para conheça produtos e serviços. Além disso, os produtos

profissionais são vendidos em grande volume e com desconto o que, para Elaine, significa

economia com os gastos que teria com ela e as filhas. Ainda no salão, recebe treinamentos e

amostras grátis dos produtos.

Então o que eu posso fazer no cabelo delas eu mesma faço, que é um jeito de economizar, quando você vive sempre no salão você tem a base de tudo, 10 anos é muita coisa.

A propaganda também exerce influência na decisão de compra. Declara-se sensível a promoções

e a ofertas em kit mas explica que sua fidelidade existe apenas para os produtos de cabelo e que

não tem fidelidade a outros produtos e marcas.

A sua fibra [do cabelo] é uma, a minha é outra. Então tudo que é bom para você, não vai ser bom para o meu. (...) Só usando. Quando eu uso, eu já sei. Se eu uso o xampu e o meu cabelo fica seco assim, eu já sei que não se dá.

4.2.2.2 Consumo de marcas

“Você sente a diferença na hora” essa é uma expressão usada por Elaine quando se refere às

marcas “de qualidade”. No discurso sobre marcas de produtos de beleza, além das

especificidades de cada marca cabe notar quando merecem ou não destaque de Elaine. Os

produtos de relaxamento e hidratação dos cabelos que estavam na casa de Elaine, por exemplo,

eram das marcas Novex e LisaHair, dois produtos da Embelleze. Entretanto, Elaine não citou

nenhuma dessas marcas em sua fala, descreveu os produtos para cabelo por suas funções

relaxantes, de alisamento ou de hidratação. Foram lembradas por Elaine duas marcas de

produtos de cabelo que não foram vistas no seu banheiro ou armário: Elsève Reparação Total

que disse apenas que era bom e Amend que disse gostar muito das máscaras porque vê

“resultado no cabelo” e porque não é cara.

Elaine disse que achava o bom. Disse que usava mais ele e que não sabia dizer mais sobre outros

xampus da mesma marca.

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A marca parece ser lembrada quando existe uma “personalidade” ou posicionamento construído

na cabeça da consumidora como as marcas Dove e Natura que foi lembrada com simpatia

mesmo não estando em sua casa: “Eu gosto da Natura, mas como eu tenho alergia a tudo, aí fica

difícil. Tudo da Natura é cheiroso, não é que eu não gosto, eu acho tudo ótimo, só que eu não

consigo, minha cabeça dói automaticamente.”

Na figura a seguir, foram destacadas as características das marcas citadas:

Figura 7: Portfólio de marcas mencionadas por Elaine

4.2.3 A Compra de Produtos de Beleza

Elaine parece estar sempre atrás de variedade e preço baixo. Por isso, seus locais de compra são

diversos. Mesmo quando ela vai até uma loja, cujos preços são baixos, como uma lista de

compras para fazer, se ela encontra algo por um preço mais alto, ela não compra, pois sabe onde

pode encontrar preços mais baixos.

A manicure conta que pode comprar seus produtos de beleza em quatro diferentes canais de

venda. A loja Ikezaki parece ser a preferida principalmente para comprar o material de trabalho

pela variedade e preços que oferece, mas encontra-se distante de seus trajetos habituais. Essa loja

é ampla, no bairro Liberdade em São Paulo que além dos produtos disponíveis para o público

leigo, a loja ainda disponibiliza produtos profissionais, bem como toda aparelhagem para salões

de beleza. Essa loja representa a compra mais planejada que pode ser a pessoal ou profissional.

Produtos para os cabelos CaracterísticasSebastian Caro; resultado imediatoNatucor Natural, a base de águaAmend Resultado; bom e baratoElsève Reparação Total 5 em 1Bom

Produtos parao corpo CaracterísticasDove Pele macia, dierença imediata, não deixa a pele grudandoVictoria Secret's Muito perfumadoNatura Muito perfumado, boa qualidade

Esmaltes CaracterísticasRisqué Bom e baratoColorama Bom e baratoAna Hickmann Bom, barato e com cores procuradas pelas clientesRevlon Caro e antialergico; para as clientes comprarem

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As demais compras, ocasionais ou de última hora podem acontecer nas perfumarias, nas

oportunidades oferecidas em farmácias, em armarinhos ou me depósito de produtos de venda por

catálogo. Alguns produtos mais sofisticados são trazidos pelas clientes que viajam para o

exterior.

Ela observa que as promoções são um importante atrativo nos canetas de venda e lembra-se de

uma promoção do Dove que achou que valia a pena: um kit com dois hidratantes e um sabonete

líquido por nove reais.

Outra possibilidade de canal de compra é um depósito de produtos da Natura e Avon que tem

perto de onde Elaine trabalha. Ela conta que gosta de ir lá porque ali ela pode experimentar os

produtos e ver se tem alguma reação alérgica. Dessa forma, ela parece preferir o depósito em

relação às promotoras de venda dessa marcas no canal direto de vendas que utilizam.

Para Elaine, o salão de beleza pode ser um canal de compra, até mesmo porque é comum que os

salões vendam produtos para as clientes, mas para quem trabalha no ambiente, ele acaba sendo

essencialmente uma referência, como uma vitrine. O produto da Embelleze que Elaine usa para

alisar o cabelo ela conheceu no salão onde trabalhava em Recife. Segundo a manicure, os

representantes das marcas vão até o salão para dar treinamento sobre algum produto e podem

oferecer amostras grátis dos produtos, bem como descontos na compra. Isso também acontece

em treinamentos, mesmo fora do salão de beleza. Elaine contou que foi fazer um curso de

depilação em Santo André e lá comprou alguns produtos para a depilação e também um produto

de hidratação dos cabelos.

O local de compra escolhido para a segunda parte do estudo que consistiu em uma entrevista que

aconteceu junto com a experiência de compra foi a loja preferido Ikezaki. Ela justifica sua

escolha:

Lá é barato as coisas, material para nós, tem a área de cabelo, área de manicure e é bem em conta.”... aqui vai ter tudo. Não adianta você ir num lugar que não vai ter, você vai estar gastando tempo, entendeu? Aqui tem até o rapaz que amola alicate.

No segundo encontro, Elaine contou que queria comprar xampu e máscara hidratante da Amend

para uso pessoal e algodão que precisava para o trabalho. Chegando na loja, olhou vários

xampus: Elsève, Amend, Tricofort, Capicilin, Sete Ervas, Ox, Pharmaervas, Phitoervas, Papaya e

AlphaLine; às vezes até produtos que disse que nem conhecia. Ela explicou que essa diversidade

da loja era uma vantagem para que ela conhecesse novos produtos mas o contato com essa

diversidade parecia ser para ela uma forma de diversão.

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Analisando os produtos para cabelo ela avaliava preço, perfume, especificação da linha e a

consistência do produto (como fez com um reparador de pontas). Os preços dos xampus

variavam consideravelmente na Ikezaki. Os preços dos xampus que Elaine olhou variavam de

cinco a dezoito reais e como mesmo a regra da economia tem sua exceção, com os cem reais

disponíveis, ela fez questão de dizer que nem sempre privilegia os produtos mais baratos

mudando um pouco os seus relatos onde ela se mostrou uma consumidora em busca de

oportunidades orientadas principalmente para custos baixos e bons benefícios

Assim, com uma espécie de “vele-presente” no valor de cem reais para gastar, ela parece ter

considerado menos o preço baixo e mais a qualidade dos produtos. Ao mesmo tempo, o salão

onde trabalha que era mais uma vitrine e as clientes que compravam produtos caros e mais

distante de sua realidade eram lembrados como indicadores de qualidade dos produtos que

observava ali: “Sete ervas é bom. R$ 7,21. (...) Tem uma cliente que falou que usava esse de

Jaborandi. Ela falou que é bom. O cabelo dela cresceu bem.”

Mesmo dentro de toda a variedade exposta na loja, Elaine não encontrou o que buscava: “Eu não

tô com sorte... Não tem muita coisa hoje.” Explicava. O seu desapontamento evidenciou que a

variedade não lhe proporcionava a liberdade pois parecia estar acostumada a buscas dentro de

certos limites e especificidades aprendidas. Ela não encontrava o que queria, mas ao mesmo

tempo não se deixava envolver por outras possibilidades de marcas e produtos. Este

comportamento sugere uma consumidora desconcertada diante da possibilidade de mudar lógicas

de consumo que construiu apoiadas na busca de oportunidades e em suas experiências e

aprendizados.

Para diminuir seu aparente desconforto diante da situação de livre escolha observada por uma

desconhecida, propõe: “Vamos olhar aí se tem promoção de secador... o meu tá muito

fraquinho.” Inicialmente só tinha visto um secador em promoção, por R$85 e pediu então a

vendedora que mostrasse outra opção mais barata e com maior potência. A vendedora mostrou

uma prancha também em promoção que estava por R$53 e ela ficou interessada.

Os produtos habituais que foram inicialmente planejados para a compra foram substituídos pela

possibilidade de uma compra atípica. Quando Elaine perguntou se tinha algum secador TAIFF

(marca referência nos salões de beleza) em promoção, ela parecia estar mais à vontade. A

informação da vendedora de um secador TAIFF com na promoção pelo preço exato de

R$100,00, mas com menor potência da alternativa anterior de R$85,00 trouxe Elaine de volta ao

seu comportamento organizado de compra. Decidiu pelo mais barato, “esse vai ser mais em

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conta”, mas iniciou uma revisão de suas escolhas já que precisava descartar algum produto já

que estava decidida a não ultrapassar os cem reais que lhe foram “presenteados”.

Elaine parecia precisar de justificativas para sua escolha não planejada: “As meninas vão adorar

quando chegar em casa.” Esse comentário parece contraditório com o que havia falado em outro

momento da entrevista quando disse que não gostava que as filhas usassem muito secado de

cabelo indicando que essa escolha pode ter sido mesmo atípica dada a situação criada pela

pesquisa e pela presença da pesquisadora.

Fez também questão de dizer que não tinha pensado em comprar presente para ninguém quando

foi até a loja e que não tinha muito o hábito de presentear e fala dos eventuais presentinhos

baratinhos trocados com a amiga apenas quando encontra promoções:

Às vezes eu vou comprar alguma coisa e está dizendo assim, leve 3. Eu falo assim: ‘nossa, para que eu quero 3? Mas o preço está tão bom’. Aí eu levo e dou a ela [amiga].(...) E quando tem promoção assim, ela também compra e me dá.

Quando chegamos no caixa, já na hora de pagar, acabou desistindo do xampu Amend. A compra

tinha passado dos R$100. Sempre preocupada em justificar, disse que poderia encontrar dele

perto de casa depois e que não queria gastar muito.

A observação e análise das informações coletadas para Elaine permitiu traçar algumas lógicas

utilizadas em suas experiências de compra:

Figura 8: Experiência de compra de Elaine

Antes da compra Durante a compra Depois da compra

1. Separa o dinheiro do mês que pode gastar

2. Conhece os preços3. Pensa como

economizar mais4. Procura variedade5. Escolhe o local da

compra

1. Procura direto os produtos que está interessada

2. Procura novidades, mas sem entusiasmo

3. É sensível a promoções

4. Decisão de compra écalculista

5. Priorização é definida no momento de pagar

1. Identifica os resultados imediatos

2. Evita o desperdício

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4.3 JOAQUINA: CONSUMIDORA ATENTA E DE MUITOS PRODUTOS E MARCAS

4.3.1 Breve perfil e história de vida

Joaquina é morena, com os cabelos castanhos, finos e ondulados. É uma jovem paulista de 21

anos, vendedora de uma loja de... até pouco duas semanas antes da entrevista, extrovertida e

criativa, que sonha trabalhar com moda. Mora no Jardim Angela na periferia de São Paulo. O

bairro possui algumas características de favela com algumas ruelas e casas de tijolo, mas também

possui ruas asfaltadas, comércio e vários ônibus circulando sinalizando o desenvolvimento mais

recente do bairro. Joaquina mora com os pais, que vieram do Nordeste, e uma irmã de 18 anos. O

pai é um ex-metalúrgico aposentado e a mãe trabalha como costureira numa confecção no bairro

produzindo bolsas. Ela conta que a irmã está terminando o ensino médio e que quer fazer

faculdade de turismo.

Sua intenção também era fazer a faculdade de moda, mas depois de ter feito a prova do ENEM

por quatro anos sem ter o resultado esperado e com o fechamento da loja onde trabalhava,

acabou optando pela formação técnica no SENAC, cujo diploma também é bem aceito.

Joaquina trabalhou um pouco mais de um ano na loja no Shopping Iguatemi, e antes trabalhou

por um tempo numa loja de vestidos de noiva. Entretanto, a primeira experiência não foi muito

boa: além da desorganização, trabalhava no mínimo 10h por dia, para ganhar um salário e

R$500. Por isso, decidiu sair.

Joaquina parece estar atenta a tudo aquilo que a cerca. Sempre muito crítica, os cenários por

onde circula parecem influenciar sua visão de mundo e por conseqüência suas decisões. Em sua

experiência profissional, Joaquina conta ter observado diferenças no acesso aos bens ou no

tratamento na loja, ou seja, uma separação entre os que têm e os que não têm acesso ao consumo

da moda e do luxo. Essa separação parece ser algo que a incomoda e que a fez mudar de ideia

sobre o meio da moda que sonhava em atuar:

Eu gosto muito de moda, mas não dessa moda muito de shopping, sabe, essa coisa muito divisória, muitas vezes, as coisas que as pessoas consomem, os que trabalham não podem pegar, não podem comprar, não está muito ao alcance, é muita separação. Antigamente eu gostava muito dessa coisa fashion, São Paulo Fashion Week, mas vendo essa separação que tem... Às vezes o tratamento que algumas pessoas recebe nessas lojas assim... Peguei um pouquinho de bronca disso, entendeu? (...) Acabei querendo ficar nesse meio termo, não muito luxo. Eu gosto desse meio da moda, por isso que eu quero fazer moda.

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Depois de sair do emprego ficou um tempo sem trabalho e sentiu-se triste: ficar sem trabalhar

não parece ser uma alternativa possível. Em seu discurso, Joaquina revela que o trabalho por si

só não é uma realização e que a remuneração é importante. Na procura por um trabalho,

Joaquina parece querer conciliar uma carga horária adequada para prosseguir seus estudos,

fazendo atividades e trabalhando num ambiente de acordo com seus valores.

Para procurar emprego, Joaquina buscava lojas em shoppings que estavam em seu caminho.

Contou que, inicialmente, não procurou nas lojas do Shopping Iguatemi, pois nunca tinha

entrado lá e não sabia como era a “política de abordagem deles”. Ela conta que nunca tinha ido

ao Shopping Iguatemi antes de trabalhar lá, o que também pode explicar a separação percebida

entre consumidores e trabalhadores do shopping.

Eu vou entrar lá pra ficar olhando? Pra ficar perturbando as vendedoras? Eu não... Eu vou entrar num lugar que eu vou consumir, que vou levar alguma coisa. Não vou lá pra entrar na C&A... C&A tem perto da minha casa...

A casa de Joaquina foi seu pai que construiu, num terreno próprio. É uma casa com três níveis,

onde as divisões de baixo são alugadas para inquilinos. Ali Joaquina mora desde que nasceu.

Possui uma sala, dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma pequena área externa onde ficam

os passarinhos do pai. Na sala alem da televisão em frente ao sofá possui uma estante com

alguns livros e objetos de decoração alem de um móvel para o computador e impressora. A

cozinha é ampla, com uma mesa no centro com lugar para quatro pessoas; tem também

geladeira, fogão e microondas. No intervalo de quase 6 meses entre as duas entrevistas foi

possível observar que a TV de 29 polegadas tinha sido trocada por uma enorme TV de plasma de

40polegadas.

Joaquina e sua família são Evangélicos e costumam freqüentar a Igreja aos domingos. Ela

revela que a religião ajuda a enfrentar as dificuldades em seu dia a dia mas não gosta de “fica lá

direto” como outros..

A jovem parece levar a religião de forma leve, faz até brincadeira sobre isso com seus amigos:

“se eu não tivesse Cristo eu já estava lá no boteco”. A ida a igreja é uma forma de socialização e

integração com as pessoas do bairro e por isso conta que Todo domingo eu vou. Agora que eu

não estou trabalhando eu estou indo durante a semana.

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Joaquina participa de diversas atividades promovida pela Igreja. Fez um curso de informática,

dentre outros curso gratuitos oferecidos pela instituição, como atividades sociais. Foi assim,

também, que conheceu seu namorado, Guilherme.

4.3.1.1 Tempo e dinheiro

Tempo é uma restrição que aparece muito no discurso de Joaquina. O tempo de deslocamento até

um lugar parece medir seu esforço de querer estar ali. Seus trajetos para o trabalho e para a

faculdade oscilavam de uma a duas horas podendo até passar disso.

Ela diz sentir falta de fazer as coisas com “calma” mesmo quando tem tempo, pois parece ter que

fazer o máximo de coisas no período livre. Até quando parou de trabalhar, continuava insatisfeita

com sua forma de administrar o tempo.

Agora que eu não estou trabalhando eu tenho mais tempo, mas quando eu estava trabalhando eu administrava muito melhor o meu tempo, porque eu sabia que eu tinha aquele dia pra resolver tudo. Então eu administrava direitinho o meu tempo e acabava dormindo mais cedo. Agora que eu não estou, tem amanhã e essas coisas, você fica um pouco mais mole.

A tecnologia é algo que aparece como meio para ganhar tempo e até economizar. A internet, por

exemplo, é uma forma de pesquisar produtos para comprar em menos tempo. Com o iPod ela

também consegue baixar mapas e dominar seus itinerários, mesmo que fique sem internet no

meio do caminho. Ela conta que o iPod que possui, foi seu primo que lhe emprestou, e que

acabou descobrindo as facilidades que o produto lhe proporciona.

...Depois que eu peguei o dele, aprendi a usar e vi as funções que tem o iTunes, você consegue baixar muita coisa. (...) tem o aplicativo da revista no iPod e eu já coloco. Está em outro idioma e eu acabo treinando outro idioma. Já baixo notícias, coloco jornal daqui (...) foi de grande utilidade.

Suas preocupações financeiras transitam no curto e longo prazo. Fala da dinheiro para sua

formação no longo prazo ou para seu consumo cotidiano.

Quando contou sobre seus planos para freqüentar a faculdade, disse que sabia que não bastava

ter o dinheiro apenas para pagar a mensalidade pois teria ainda os custos de material e transporte.

No entanto, sua decisão não está limitada pelo orçamento: depois de quatro anos tentando uma

bolsa, ela decidiu pagar o curso de tecnólogo no SENAC.

Quando perguntada sobre sua participação nos gastos da família, Joaquina conta que contribui

com alguns itens de consumo pessoal dos pais ou da irmã, tais como roupa. Essas compras

parecem ter um papel de “presente” e também a importância de um troféu (pois só são possíveis

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por causa da remuneração da filha). Entre os gastos fixos, Joaquina diz contribuir apenas com a

conta de luz justificando que toma banhos muito demorados.

Quando fala do dinheiro poupado Joaquina fala baixo e admite que esconde de seu pai que tem

uma poupança. Parece haver uma contradição entre querer ajudar a família, mas também querer

juntar para seus objetivos pessoais de mais longo prazo embora sua justificativa seja de juntar

dinheiro na poupança para visitar a família da mãe em Fortaleza mas em um outro momento da

entrevista diz que sua poupança é para situações de emergência Lembrou que quando seu celular

quebrou ela pode comprar outro sem ficar enrolada com parcelas futuras: “Eu já compro a vista e

acabou aquela dívida”.

Apesar de consumidora voraz, Joaquina se mostra organizada com suas finanças, pois não

costuma gastar tudo que recebe. Ela tem a facilidade de não ter a pressão de custos fixos, o que

facilita seu controle.

Ela conta que prefere usar dinheiro ou débito como forma de pagamento “para não acumular” e

observa que só compra parcelado quando o valor é muito alto, e mesmo nestes casos, ela procura

dividir em poucas vezes no cartão de crédito: “2 ou 3 vezes no máximo”.

É curioso que a postura de evitar pagar parcelado não parece refletir uma preocupação em obter

descontos a vista ou de não pagar juros. O relato de Joaquina sugere um sentimento negativo em

relação a dívida. No entanto, a família pode ter uma influência nesse sentimento já que mesmo

admitindo que a a família não controla diretamente seus gastos, ela conta que há uma vigilância

por parte dos pais e que mas toda vez que chega com algo novo em casa eles perguntam quanto

ela anda gastando e se está controlando os gastos do mês.

Joaquina adora fazer compras. Disse que gosta de comprar vestuário, calçados, bolsas, acessórios

e “coisas” do lar como roupa de cama, mesa e banho. Ela contou que no dia a dia, quando pode,

gosta de entrar nas lojas para comprar, mesmo que não tenha que comprar nada específico. Para

ela, um bom preço, “que não precisa ser extremamente barato” é sinônimo de poder comprar

mais o que assume que pode chegar a um “consumo descontrolado”. Ela parece dar preferência

para produtos em promoção mas seu depoimento sugere que não é para gastar menos mas sim

para levar mais.

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Comprei jaquetas de frio quando estava no calor e fizeram um baita de um desconto, aí eu trouxe duas, uma para mim e uma para ela [a irmã] e duas curtas, uma para mim e uma para minha mãe.

Para mim o consumo fica descontrolado quando eu vejo alguma coisa bonita, boa, com preço bom, não precisa ser extremamente barato, mas também num preço que vale a pena.

Ela mostra conhecer muito os preços, até para artigos que ela não costuma ou gosta de comprar.

Ela diz que isso acontece porque fica muito tempo na rua e gosta de ficar observando os preços e

buscando as oportunidades de compra. Esse conhecimento dos preços é algo muito presente

quando conta algumas estratégias de compra. Para muitos itens a regra para Joaquina parece ser:

se o produto é bom e o preço está bom, então não perca a oportunidade e compre. Isso pode

acontecer mesmo quando Joaquina não precisa do produto.

Se tem alguma coisa que vale a pena eu pegar, mesmo que eu me aperte um pouco, eu compro, porque eu sei que não vou encontrar um coisa dessa.

Joaquina revelou que uma de suas estratégias de compra é esperar e ir observando o preço até

que o produto entre em promoção. Por isso, ela evita gastar dinheiro no fim do ano, quando os

preços aumentam e aí não se sente atraída por novos aparelhos eletrônicos lançados pois saber

que o custo inicial é elevado.

4.3.2 Consumo da beleza

O discurso de Joaquina sobre beleza conjuga: estética do corpo e da pele, alimentação e cuidados

pessoais que incluem desde a higiene pessoal até as consultas médicas. Estar bonita faz parte de

seu cotidiano, pois é assim que precisa se apresentar diariamente quando chega ao trabalho.

Beleza e saúde estão intimamente relacionados para Joaquina. A preocupação com a pele parece

ser uma herança familiar, pois sua mãe cultiva o hábito de usar cremes para o rosto e protetor

solar. Para Joaquina a saúde da pele também está associada a uma boa alimentação (por mais de

uma vez disse que achava que sua pele era melhor quando mais nova, mesmo tendo apenas 21

anos, porque comia melhor). As consultas médicas parecem uma preocupação extra, acessíveis

pelo aumento da renda: “Agora eu estou trabalhando, eu fui no dermatologista, fui no

dentista...”. Além disso

Embora beleza e saúde estejam juntos em diversos momentos dos relatos de Joaquina, alguns

conflitos também surgem quando, por exemplo, ela lembra da sugestão da médica para que ela

não usasse maquiagem para evitar que sua alergia voltasse: “E a médica falou que eu não tenho

que estar usando maquiagem, eu uso de teimosa...”.

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Estar bonita para Joaquina é sentir-se limpa, cheirosa e confortável. No relato a seguir ela fala

de diversos produtos de consumo e as sensações originadas das experiências de uso.

[Estar bonita] É ficar limpa. Eu gosto de tomar banho, passo o sabonete, coloco um creme, um perfume, um desodorante assim, alguma coisa, é quando eu me sinto mais confortável, mesmo que eu esteja sem maquiagem. (...) Eu gosto mesmo é de banho e de estar cheirosa depois do banho. (...) Odeio quando o meu cabelo fica sujo, eu gosto dele limpo, eu sinto mais um frescor.

Joaquina revela assim uma vaidade especialmente associada com o cabelo. O cabelo limpo é

fundamental para a sensação de limpeza e conforto. Conta ainda, que gosta de manter os fios

longos, lava-os em dias alternados. Mas a consumidora parece mudar quando fala dos produtos

de cabelo, ou seja, diz não gostar de usar muitos produtos ou fazer tratamentos: prefere deixá-lo

natural e prefere alternativas mais naturais de produtos.

Portanto, Joaquina opta por soluções mais “naturais” de produtos para o cabelo. Contou que

quando era mais nova fazia uma mistura para tratar dos fios.

Mas eu já faço essas coisas naturais. Eu fazia um negócio com cenoura e gema de ovo que fortalecia o cabelo e podia puxar que meu cabelo não caia. Só que me dá muito trabalho e fica um cheiro muito ruim.... (...) até depois eu descobri um meio de quebrar um pouco o cheiro, que era colocando algum óleo de cabelo. (...) É bom essas coisas bem natural.

Depois da uma viagem a Fortaleza, ela conta que trouxe uma novidade bem de acordo com seu

perfil “natural”, um xampu de juá, produzido artesanalmente.

Xampu é natural, que ele é sem sal, que é o de Juá. (...) É a casca de uma árvore. E eu falei pra minha tia que eu não podia ir embora sem o Juá. Ela foi lá pra depois de Canindé e trouxe pra mim esse frasquinho mais um saco de Juá. Eu passei e foi uma maravilha. Meu cabelo estava seco,por causa da praia de lá. Então queimou de sol. (...). Parou de cair, voltou a cor do cabelo que era antes.

Joaquina contou que só faz algum penteado diferente nos cabelos em ocasiões especiais.

Segundo ela escova e outros penteados que usam o calor para modelar o fio fazem muito mal ao

cabelo, e por isso evita. Por outro lado, ela parece enfrentar um conflito entre experimentar

novos produtos que lhe permitam testar novos visuais e a aceitação de algum tipo de agressão

desses produtos ao cabelo como as tinturas.

olha faz mais de ano que eu não passo [tinta]. (...) as vezes olho, faço que vou pegar, vou comprar, vou passar, mas falo: ‘não, meu cabelo está caindo. Pára com isso, ficar mexendo com química’.

Joaquina disse que se preocupa com o envelhecimento mas revela contar coma o benefício da

genética já sua mãe parece jovem. O que fazer para evitar o envelhecimento?Uma das coisas

mais importantes para ela é dormir bem.

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Agora, eu me preocupo com envelhecimento, o que eu não tomo muito cuidado é com o sono. Quando eu vou dormir muito tarde eu fico com a expressão facial muito marcada e quando eu passei a dormir certinho, dormir 9 horas da noite e acordar 6 horas da manhã, daí 1 mês já muda a expressão do rosto. Imagina eles colocarem 1000 cremes se não dormir o suficiente. ...Não tem maquiagem, creme, nada que vá fazer voltar [a cara boa], o sono que é sagrado.

Em sua casa, quase todos os produtos de beleza ficam numa estante de três prateleiras em frente

a porta do banheiro. Ali estão cremes para corpo, mão, rosto, cabelo, protetor solar, maquiagem,

esmalte e mais todo o kit de produtos e apetrechos para cuidar das unhas, perfumes, desodorante,

óleo para o corpo, loções para o rosto, e ainda muitas bijuterias que ela aponta e diz que é da

irmã. Naturalmente, dividindo o mesmo espaço para guardar os produtos, ela conta que é comum

que a irmã e a mãe compartilhem produtos e acabem “roubando” um ou outro. Mas isso não

parece ser um problema na família. Na estante, no meio de tantos produtos, vários inutilizados e

não descartados, como os esmaltes secos que Joaquina diz ter preguiça de arrumar.

No armário estão frascos de perfume que acabaram e mesmo outros ainda quase cheios que

Joaquina gosta de guardar. A mania de colecionar os fracos bonitos, também serve para lembrar

o cheiro, mesmo daqueles que não gosta. Ela disse que antigamente ela gostava de juntar mais,

mas acabou acumulando tanta coisa que sua mãe jogou fora. Mostra que agora só restam alguns.

O uso dos produtos de beleza faz parte da rotina de Joaquina, mas ela ainda parece estar

construindo seus hábitos. Joaquina diz que “não pode faltar nunca é desodorante e creme

hidratante e o creme para as mãos que já fica na bolsa” pois ela não gosta de sentir que está com

as mãos sujas ou feias. Fala que não usa álcool gel, pois o produto não produz a mesma

sensação de estar com as mãos limpas.

Ainda quanto aos seus hábitos de uso de produtos cosméticos, Joaquina fala de seu creme de

hidratação para o rosto manhã e noite. Explica que o creme da manha serve para hidratar, para

proteger do sol, pois contém protetor solar, e também ajuda a proteger a pele antes de colocar a

maquiagem. Mas, conta que lembra mais de passar o creme da noite, pois pela manhã a pressa a

faz esquecer. Só lembra de usar o creme quando já está no sol.

Joaquina possui algumas estratégias de uso dos produtos de higiene e beleza. Para diminuir sua

exposição às substancias químicas dos produtos, Joaquina conta que adapta o uso de alguns

itens. O perfume ela passa na roupa ao invés de colocar direto na pele, ou então, pode aproveitar

a fragrância do hidratante e não passar o perfume. O condicionador ela só usa de vez em quando

e mesmo assim utiliza o produto diluído em água. Já o batom, por exemplo, é visto por não

apenas em seu atributo estético, mas como um hidratante da boca. O hidratante para pele oleosa

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ela usa apenas nas regiões mais secas do corpo, como cotovelo, assim como o óleo para o corpo.

Devido à alergia que desenvolveu a maquiagem, Joaquina sempre lava o rosto durante o dia e

refaz a maquiagem para evitar acumulo de substancias na pele. E para que o cabelo fique com

um cheiro bom quando fica muito tempo fora de casa, ela conta que usa o reparador de pontas:

Eu tomo banho para ir trabalhar, lavo a cabeça e já saio com ele molhado, não tem como esperar. (...) Quando eu chego no trabalho o cabelo está com cheiro de tudo, menos do xampu que eu usei, o creme que eu usei. Aí depois que eu passo reparador de pontas, depois dele seco, coloco um pouquinho na ponta, aí ele diminui um pouco o cheiro.

Joaquina tenta negar a dependência por maquiagem, mas durante a entrevista ela acaba

revelando sua freqüência de uso e que considera a maquiagem uma espécie de “truque” que

parece ganhar importância quando no evento tem fotografia.

Se tem fotografia aí eu me maquio. Agora coisa simples, assim, se eu vou só ali no shopping e volto, eu não me encho de maquiagem e saio. Às vezes eu passo pó, passo corretivo, passo base, uso esses truques de maquiagens, a sombra marrom na sobrancelha, o rímel em cima no olho.

Suas maquiagens estão divididas pela necessidade de intensidade no uso o que também está

relacionado à ocasião:: aquelas do dia a dia e outras “para aparecer mais”. Ela conta, por

exemplo, que não pode ter apenas um rímel para os diferentes tipos de maquiagem e se alonga na

explicação sobre esse produto. Ela fala que não gosta de rímel a prova d’água, pois para removê-

lo precisa usar demaquilante, enquanto os tradicionais, basta usar água gelada. A alergia parece

levar Joaquina a buscar produtos que sejam mais “saudáveis” ou “vitaminados” como sugere em

seu depoimento:

Tinha um [rímel] que eu gostava muito, mas eles tiraram que era o vitaminado. Ele era bom porque quando eu passava ele dava um efeito saudável e tinha o complexo de vitamina tudo dentro do rímel.

Segundo Joaquina, a fragrância dos produtos pode ser decisiva para a compra, mas não

necessariamente são os melhores para o uso. Disse que dos produtos que tem, as fragrâncias que

mais gosta são do perfume da Givenchy e do creme de pêssego da Avon para as mãos, mas conta

que uma vez comprou um creme para o cabelo com a mesma fragrância de pêssego, mas apesar

do perfume agradável no cabelo, o produto deixava seu cabelo ressecado e por isso parou de

usar.

Quando perguntada sobre os produtos de beleza que não compraria Joaquina sugere ser uma

consumidora ligada em muitos detalhes relativos aos aromas cores ou formas:

O que eu não compraria de jeito nenhum? No final da revista da Natura tem muita promoção de xampu e o xampu da Natura deixa o cabelo cheirando muito bom, é muito

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gostoso só que meu cabelo é frágil como eu te falei então eu não posso usar de jeito nenhum. (...) E o que eu não compraria de jeito nenhum não por nenhuma agressão ao corpo nem nada são esses tons que eu te falei esse vermelho muito forte. Aí você fala: Mas o rosa é forte. Mas aquele vermelho que eu não uso. O esmalte vermelho, batom vermelhão. Eu sempre compro com a Silvia e ela nunca me vendeu nada muito vermelho. (...) Tem pessoas que usam lápis de contorno de boca para aumentar a boca. Não é o que eu preciso e com aparelho eu tenho mais volume ainda. (...) Então assim tons que eu não uso, xampus que são muito fortes para o meu cabelo e coisas que não são necessárias.

Joaquina não tem hábito de ir ao salão de beleza. Só vai ao salão para cortar os cabelos, pois diz

que seu cabelo cresce pouco e por isso tem medo de cortar errado e crescer menos ainda. Todos

os outros cuidados com o cabelo são feitos em casa. Diz que prefere economizar seu dinheiro

para gastar com coisas que não sabe fazer: “a unha eu sei fazer”. Conta que não gosta de fazer as

unhas no salão porque via a mãe de suas amigas pegando micose quando iam ao salão e diz que

se fosse ao salão de beleza, levaria todos os seus produtos. Em casa, ela tem kit para tudo: fazer

escova, fazer as unhas, fazer cachos no cabelo etc. Até quando fez luzes californianas, fez

sozinha. Entrou na internet, assistiu a um vídeo que explicava e fez em casa: “Ficou idêntico

aqueles Studio W.” A internet assim aparece como a substituta de alguém, uma cabeleireira, a

mãe ou uma amiga, na explicação de como fazer ou usar.

4.3.2.1 Influências, opiniões e relações

A todo momento Joaquina reafirma as coisas que gosta, quase parecendo uma justificativa para

suas escolhas:

Eu gosto de desenhar. (...) Eu gosto bastante de perfume. (...) E eu gosto muito de creme. (...) E o que eu mais gosto de maquiagem é rímel. Adoro rímel e batom.

Entretanto, várias são as origens das influências no uso de produtos de beleza. A religião

evangélica, por exemplo, está presente em vários momentos de sua entrevista. Joaquina diz que

não se considera muito dedicada à religião mas que segues formas de comportamento da sua

igreja. Assim, adota determinados padrões de linguagem como tratar as pessoas que conhece da

igreja por “irmã” ou “irmão”, e certos padrões de vestimenta, procurando uma aparência que

tenha “decência” e que esteja dentro de certos “limites” que explica:

Eu vejo assim, está escrito em Coríntios que vestir tudo com decência. Então assim, eu uso tudo com decência. Se eu uso um brinco, uso um brinco com limite. Se usa maquiagem, usa no limite, não sou proibida de usar maquiagem. Uma roupa também, eu posso usar calça, posso usar blusas, posso usar vestido, sandália, tudo, mas tudo com sua decência.

Em suas palavras, o argumento para a decência é o seu próprio conforto e o respeito ao próximo,

pois “ninguém é obrigado a sair e ficar vendo as pessoas com roupas escandalosas ou coisa

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parecida”. Segundo ela, existem igrejas mais ou menos rígidas em relação ao código de vestir.

Mas, para Joaquina, proibir não é uma boa estratégia pois algumas amigas suas que foram

forçadas a se vestir de determinada maneira na infância, depois da adolescência abandonaram a

Igreja.

Por outro lado, Joaquina não deixa de ultrapassar alguns limites . Seu gosto pode mudar de

acordo com o ambiente: conta que sua relação com a Igreja faz com que opte por cores menos

chamativas, mas ao mesmo tempo lembra de momentos em que essa “decência” pode mudar de

cor:

Lá [Fortaleza] é quente então dá vontade de usar muita cor. Aqui é muito cinza, às vezes você tem vontade só de usar rosinha claro assim. Mas lá é quente então dá vontade de usar tudo colorido. Aí eu usava muita coisa colorida, aquele batom. E lá tinha muito vestido colorido tudo no tom daquele rosa então me deu mais vontade de usar.

Outro tipo de influência relatada por Joaquina em seu consumo de produtos de beleza , é a

médica dermatologista que consultou em função de uma alergia na face. O resultado positivo do

uso dos produtos prescritos parecem ter reforçado a autoridade da dermatologista como sugere o

relato de Joaquina:

Fui para falar das alergias, fui com essa doutora, que eu gostei dela, aí ela me passou a pomada para tirar essa alergia, que eu passei uma semana e ela tirou. (...) Aí depois ela passou um xampu para caspa... (...) ela me deu primeiro a amostra para ver se não ia dar reação, foi esse aqui, que ele é muito bom. Experimentei. No terceiro que eu estava usando esse aqui, já tinha saído a escamação.

Assim, da mesma forma que a dermatologista pode “condenar” o uso de alguns produtos, ela

também pode validar o uso de outros, como foi o caso do creme hidratante para o rosto que

Joaquina ainda usa.

No entanto, a influência do médico pode ser passageira para jovens como Joaquina. Já na

segunda entrevista, 6 meses depois, Joaquina não mostrou nenhuma preocupação ou recusa

quanto ao uso de maquiagem. Disse apenas que já tinha usado os cremes recomendados pela

dermatologista e estava melhor.

A televisão também aparece como influenciadora do consumo de produtos. Joaquina contou que

foi pela televisão que aprendeu a diferença entre hidratantes para pele normal, seca e oleosa,

informação que passou a orientar sua escolha de hidrantes. No entanto, Joaquina também fala da

sua desconfiança em relação à credibilidade da propaganda:

... Tem várias dessas histórias de produtos que passa na televisão, deixa 3 minutos no cabelo e restaura. Eu não uso nada disso. Se eu deixar 3 minutos sai junto o cabelo. Então não uso.

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Joaquina também relata que aprendeu a usar alguns produtos com a mãe, como é o caso do gel

para limpeza do rosto, protetor solar e toda uma gama de produto para a pele, além do Leite de

Rosas. Revela que sua mãe também aceita suas sugestões para alguns cremes faciais e

desodorantes sugerindo assim uma mão dupla de influências entre as duas gerações

Joaquina conta que quando era mais nova conheceu uma mulher que ficou com o rosto

deformado por causa do mau uso de um creme, e por isso sua mãe não deixa ela usar cremes

antiidade. A explicação ressalta o aspecto cultural da crença.

Porque eu lembro uma vez que eu era pequena, uma moça que tinha ficado com o rosto todo enrugado porque usou maquiagem, aí a outra que ficou com o rosto inflamado porque usou um creme específico para antiidade e não poderia ter usado, aí minha mãe fala que pode causar alguma alergia, pode causar alguma coisa.

Joaquina usa um gel de limpeza da Renew, o único produto da marca permitido pela mãe, pois os

outros são para mais de 25 anos. Essa vontade de usar o Renew possivelmente vem da

observação da mãe, mas também de uma experiência que Joaquina conta que teve aos doze anos

com o produto. Ela descreveu que usou o gel escondido da mãe e deixou o produto na pele como

se fosse uma máscara. O resultado foi que os cravos sumiram e sentiu uma agradável sensação

de refrescância.

Joaquina diz que também pensa nas maquiagens da Renew. É como se a marca tivesse ganho

uma autoridade de produto dermatologicamente testado e carregasse para os produtos uma

preocupação com a pele, uma preocupação que refletisse em cuidado e tratamento.

A classificação de um produto como químico ou não parece ser uma preocupação que repercute

em suas escolhas de produtos de beleza. Não parece existir uma justificativa técnica de como

Joaquina classifica os produtos neste quesito. A princípio, parece que alguns produtos já são

considerados químicos por “senso comum”, como a tinta para cabelo e tratamentos para alisar os

fios. Outros produtos como os cremes para o rosto, demaquilante e cremes antiidade podem ser

influenciados de diferentes formas em sua avaliação de mais ou menos “químicos”.

4.3.2.2 Consumo de marcas

O discurso de Joaquina é repleto de marcas, é como se todos os produtos tivessem um

sobrenome ou uma identidade. Chama atenção o vasto conhecimento de marcas que ela consome

e mesmo as que não consome tais como Mac, Yves Saint Laurent, Fendi, Studio W. O acesso e a

familiaridade com a internet possibilita esse conhecimento, mas a marca Studio W (salão de

beleza localizado no Shopping Iguatemi) foi uma influência do seu local de trabalho.

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A consumidora ligada em marcas conta também experiências negativas que com os xampus da

marca Dove e Seda, e diz que não estar mais disposta a arriscar com outras marcas.Lembra de

sua desconfiança com o xampu de juá que estranhou pela sua simplicidade de embalagem e de

rótulo sem uma marca conhecida:

Porque ele é de uma lojinha do interior de Canindé. Você olha pra ele e parece um xampuzinho e tal. Simples, mas quando eu passei, nossa. E fica cheiroso. Uma coisa tão simples, fica muito bom. Ela falou que nem era caro. (...) Quando ela me deu eu até olhei assim meio estranho. Tá escrito sabonete. ‘Eu vou passar sabonete no meu cabelo?’ Um dia caía tanto e falei: ‘vou por, que prejuízo eu vou ter mais?’ Mas quando secou, ficou cheiroso. Mesmo quando eu passo, depois de lavar com ele, não fica aquela oleosidade que ficava com inúmeros produtos. O efeito dele ficou tão bom quanto um xampu que a dermatologista me passou, que é R$ 70,00.

Sobre o perfume da Givenchy que ganhou de uma amiga, ela conta do seu “apego” ao produto. O

produto parece ter saído de linha mas ela ainda tem esperança de encontrar.

Quando ele acabar eu vou ficar muito triste, mas eu não acho, não encontrei. Eu me apego demais. Eu deixei na caixa para me lembrar o nome, se um dia eu ver na Renner ou em algum lugar, vou ver quanto está.

Alguns produtos de maquiagem que Joaquina mostrou em sua casa, eram da Avon, mas já não

tinham a marca na embalagem. Um deles era um pó compacto que Joaquina disse que costumava

usar. Ela explicou que está procurando outro para comprar pois este não estava mais tão bom o

que parecia associado ao estado da embalagem e não ao conteúdo do produto.

Já os produtos da Natura que ela diz serem mais caros do que da Avon, parecem ser também de

mais status.“estão sempre mudando”. No entanto, como Joaquina diz que antes de comprar passa

um período observando preços, ela diz não gostar da Natura pois como os produtos estão sempre

mudando, ela não tem como acompanhar os preços. A estratégia da marca parece ser ruim para a

estratégia de Joaquina de observação de preços, pois ela não tem tempo de acompanhar a

evolução do preço de um produto. Por outro lado, isso parece ser uma vantagem para a marca.

Da Natura muda muito então muitas vezes eu dou prioridade para a Natura porque eu sei que vai acabar e depois eu compro da Avon.

Joaquina diz ser uma conhecedora de tendências das marcas internacionais. Mesmo sabendo que

não irá comprá-las, ela conta que espera que as marcas que costuma usar copiem a inovação,

para que esta chegue a um preço mais acessível a ela. Ainda assim, ela admite que sabe que a

imitação não será perfeita.

A figura 6 abaixo procura reunir as marcas citadas por Joaquina e os aspectos e características

dessas marcas que a consumidora mencionou em seus depoimentos:

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Figura 9: Portfólio de marcas mencionadas por Joaquina

Produtos para os cabelos CaracterísticasXampu Palmolive Não provoca quedaXampu Johnson and Johnson Infantil, percepção de neutralidade

Xampu de JuáDeixa o cabelo cheiroso, macio, com brilho, liso, com aspecto natural, diminui a queda; barato

Natucor Natural, sem anômia e água oxigenada; dá brilhoXampu Seda Provoca descamação

Produtos para o corpo CaracterísticasLeite de Rosas Tradicional; tira a sujeira mais profundaHidratantes da Avon Hidratação e perfume

Victoria Secret'sMuito bom, rende, deixa a pele muito macia e é cheiroso, mas muito doce

Linha SPA do Boticário Cheiroso e mais caro

Produtos para o rosto CaracterísticasCreme Solution AM/PM Avon Hidrata e protege do solRenew - gel de limpeza É o único que sua mãe deixa usar; limpa, refresca e funciona.

Perfumes CaracterísticasFashion ModelPetit Adorava quando era criançaLady Blue Não gosto do cheiroNatura Criança Não existe mais; Mamãe Bebê não substituiGivenchy Perfume predileto; frasco muito bonito; "perfume de filme"

Maquiagem Características

NaturaDermatologicamente testada; um pouco mais caro que Avon, mas com mais status, alta rotatividade de produto e cores

AvonMarca conhecida, mas qualidade oscila; dermatologicamente testada

Contém 1gImagem de "quiosque de luxo" e preço crescente; embalagens pequenas percebidas como para criança

Renew Imagem de proteção para a peleBoticário Dermatologicamente testadaAbelha Real e Jequiti "Não despertou ainda a vontade de consumir"Marcas de farmácia Podem dar alergiaFendi CaraYves Saint Laurant InovadoraMac Inovadora; atração pelas cores

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4.3.3 A Compra de Produtos de Beleza

Respondendo a pergunta projetiva do roteiro quando era perguntado o que ela faria se ganhasse

cem reais para comprar produtos de beleza, Joaquina responde prontamente que ela iria “na

Silvia” comprar “não tanto maquiagem” e sim creme. A “Loja da Silvia”, uma conhecida da

Igreja, vende produtos de catálogo em sua loja. É lá que Joaquina vai quando planeja comprar

produtos de beleza como maquiagem e hidratantes.

Sabendo que vai comprar algo, Joaquina pede para Silvia separar a revista para ela. Ela conta

que antes de escolher chega a olhar a revista inteira duas ou três vezes, e na verdade, mais de

uma revista: sempre olha a revista atual, a anterior e a próxima, que fica disponível antes na

internet. Assim ela identifica os produtos que estavam ou vão entrar em promoção e tenta

barganhar com sua revendedora usando os preços de promoção. Assim, é um tipo de compra

mais calma sem pressa. Joaquina diz que quando não tem o produto que procura ela espera.

Outra vantagem para ela é a flexibilidade do pedido, pois diversas vezes Joaquina disse para

Silvia: “quando chegar em casa eu vejo... e se mudar de idéia te ligo”.

Além da “Loja da Silvia” Joaquina falou de cinco outros possíveis canais de compra: lojas,

perfumarias, supermercados, internet. A internet parece ser uma etapa inicial de toda compra

planejada. É uma das fontes de pesquisa de preço e variedade de Joaquina. Até quando compra

com a Silvia, Joaquina acessa os produtos pela internet. Por isso, esse parece ser um potencial

canal de venda, embora ela não tenha falado de nenhuma compra online, a não ser o perfume que

uma amiga lhe presenteou. Este também é um canal que permite acessar produtos não façam

parte do contexto do dia a dia.

Às vezes quando eu estou com vontade muito, na hora assim, eu olho na internet como é que está. Aonde tem e a faixa de preço, e no dia seguinte eu já vou direto no lugar certo e já pego.

A perfumaria e o supermercado também tem um caráter de planejamento mas são alternativas

que Joaquina recorre quando vai para comprar esmaltes e xampu, respectivamente, itens que

talvez não possam esperar como os cremes comprados da “Loja da Silvia”

A compra em outras lojas parecem possuir um caráter ocasional de oportunidade. Se Joaquina

está passando por algum lugar e descobre uma compra que parece ser um bom negócio, o

consumo acontece. Visitar as lojas é um passeio para Joaquina, e a compra parece um elemento

importante para compor a diversão no passeio.

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No segundo encontro com Silvia, aproximadamente seis meses depois da primeira

entrevista,quando foi combinada uma ida às compras de produtos cosméticos em geral, Joaquina

hesitou inicialmente quanto a escolha do local, mas optou por seu ambiente mais usual

confirmando sua resposta quando foi feita a pergunta projetiva:

Eu falei para ela que eu ia comprar aqui [loja da Silvia] porque não fazia sentido ir para outro lugar. É aqui que eu tenho costume de comprar.

Ela de fato foi “na Silvia” e não conseguiu evitar os produtos de maquiagem não recomendada

pelos seus problemas de alergia. Disse que estava procurando um rímel colorido, pó compacto e

batons.

Joaquina contou que ia “ver o que dava vontade de comprar”: bem pouco planejada e mais

preocupada com a variedade. A qualidade parecia já estar “garantida” uma vez que levaria

produtos Natura ou Avon.

Mesmo antes de comprar e usar os produtos, ao longo de sua decisão de compra, Joaquina já

ensaiava os significados que aqueles produtos lhe trariam com suas cores como se fizesse

mesmo ligações das cores com sua personalidade.

Eu estou escolhendo a cor marrom ou verde... Não uso preto, eu sou moderna agora só uso colorido. Estou brincando... Marrom ou verde [Avon]. Eu queria pegar o azul daqui [Natura]. Porque o azul me chama mais atenção do que o marrom?...Porque ele é um azul escuro, não chega a ser um azul tão claro. Pra que eu vou usar verde?... Depois se eu voltar mais moderna ainda eu pego o verde, por enquanto eu vou optar pelo azul.

Alguns itens pareciam chamar atenção pela apresentação visual. Esse foi o caso de um blush,

cuja embalagem era retangular, mas o blush tinha o desenho de uma flor. Ela gostou do produto

a primeira vista e ficou com ele separado até o fim da compra quando decidiria o que realmente

levar.

O blush eu ainda não sei. (...) eu tenho que ver para o meu tom de pele. Esse daqui é tão bonitinho, está chamando atenção. Esse daqui é quanto? (...) é só pó e blush?... Está escrito que é pó e blush?... É blush porque tem dois tons o mais forte e o mais clarinho em formato de flor.

Um detalhe na compra que chamou atenção é o domínio sobre o nome das cores. Nos catálogos

as cores ganham referências numéricas, mas também nomes.que já eram Joaquina demonstra

assim sua atenção, conhecimento e intimidade com os produtos que já usa:.

O azaleia eu já peguei. (...) Agora ela quer o cravo e canela da Avon? (...) Aquele grape que ela achou forte eu usei ele no Ceará. (...) Eu passo o rosa flor esmeralda e estou feliz.

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Quanto ao valor da compra, disse que realmente não gastava mais do que cem reais e falou da

média dos preços que costuma pagar nos produtos de beleza com muita segurança:

A média dos preços são de R$15, R$20, os cremes, aí maquiagem é também a mesma coisa, R$15, R$20, é sempre a média de preço que eu pego para poder pegar coisa boa. Então, cosmético é a mesma coisa, embora tenha alguns cremes dessa linha SPA que são mais caros, mas é sempre na faixa de R$30, é essa média de preço que eles colocam nas coisas. Porque eu pesquiso preço.

A regra de Joaquina parece ser sempre pesquisar preços mais baratos, mas preços parecem ser

mesmo uma questão não apenas de custo e sim de percepção de valor quando ela fala do perfume

de duzentos reais que estaria disposta a comprar e do creme hidratante de oitenta reais indicado

pela dermatologista mas que acha caro:

É um precinho salgado,mas como eu gosto do cheiro dele [perfume], da fragrância eu estava disposta a comprar, é um precinho alto, mas também é outra linha, é outra coisa.

Eu passei e ele [hidratante] é muito gostoso, só que ele é um frasquinho desse tamanho por R$ 80,00, não chega nem a ser 200ml assim.

A busca por promoção e preços mais baixos foi uma constante durante sua compra que parecia

uma negociação entre a vendedora, a família (coisas que queria levar para mãe e para a irmã) e

suas vontades pessoais, que variavam intensamente. A decisão dela era comparativa, tendo que

otimizar suas vontades e como agradar a família ao valor da compra e os produtos disponíveis.

Eu vou pegar um batom para minha mãe e o resto é para mim. (...) Eu vou ver tudo aí eu vejo com qual eu fico, com qual eu não fico, qual que vai, qual não vai. (...) A dúvida dos centavos finais. Batom eu já peguei um pra mim, peguei um rímel pra mim.

No fim, a compra saiu por R$103,30, mas Silvia já tinha passado da hora de fechar a loja e

parecia apressada, logo acabou cedendo o desconto para o preço redondo de R$100.

Joaquina explicou porque acabou não levando o pó compacto que tinha pensado inicialmente:

Eu tinha pensado em princípio, mas aí eu não quis pegar uma coisa só pra mim e uma coisa só pra minha mãe e acabou. Aí acabei dividindo...

Joaquina preferiu optar por mais produtos comprados que por produtos mais caros. Na

observação, os produtos da Avon pareciam ganhar no quesito preço quando comparados com os

da Natura.

Joaquina conta que assim que compra produtos novos ela já fica com vontade de usar. Mas,

como nem sempre pode usar tudo ao mesmo tempo, pode ser que ela compre e demore um

tempo até usar o que sugere uma compra de produtos mais supérfluos.

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As informações reunidas nos encontros com Joaquina permitiram traçar aspectos de suas etapas

de compra:

Figura 10: Experiência de compra de Joaquina

Antes da compra Durante a compra Depois da compra

1. Conhece os preços2. Pesquisa mais preços3. Faz análise de preços

relativos4. Planeja o local da

compra

1. Procura itens mais “em conta”

2. Simula diferentes perfis associado aos produtos

3. “Deixa vir” a vontade de comprar (aberta a novidades)

4. Aproveita o momento da compra e não demonstra ansiedade

5. Sabe esperar quando quer um produto procurado, mas pode mudar itens de compra ao longo do processo

6. A compra é uma negociação7. Prioriza quantidade de itens8. Produto bom e barato =

compra.

1. Gosta de usar logo o que comprou, mas como compra muito nem sempre consegue usar tudo.

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5 Análise dos casos

5.1 ASPECTOS CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS

Os membros da nova classe média parecem marcados por mudanças sociais rápidas, que

aconteceram nos anos recentes. O papel do trabalho feminino para a nova geração desta classe,

expressado pelas entrevistadas, parece ilustrar bem a mudança social em curso, tendo em vista a

importância do trabalho na estruturação deste grupo (SARTI, 2010).

As informantes apontaram para a baixa remuneração dos trabalhos na periferia. Esta observação

parece desvalorizar o trabalho pelo trabalho, que foi apontado por Sarti (2010), como um dos

importantes valores para os pobres. Fabrícia disse que não queria deixar sua filha trabalhando

por muito tempo na loja do bairro onde moram pois “trabalha como gente grande, mas ganha

como criança”. Joaquina também já relatou que não procurou trabalho nas lojas de seu bairro por

causa do excesso de trabalho e da baixa remuneração. Essa avaliação justifica as grandes

distâncias percorridas por elas para chegarem ao trabalho

A reclamação dos baixos salários nas regiões periféricas onde moram pode se juntar a

desvalorização de suas atividades profissionais quando, no caso de Fabrícia, ela fala que quer

que sua filha se dedique aos estudos pois não quer que seja diarista como ela. Fabrícia faz

questão de realçar que o trabalho da filha durante um breve período tinha como finalidade que

comprasse “suas coisinhas”. Elaine, de forma diversa de Fabrícia, afirma que não quer que

Tais, sua filha mais velha, pare de trabalhar, mas explica que aquilo que a filha ganha é para seu

consumo pessoal e explica que se ela não comprar suas coisas, será ela, a mãe, que terá que

provê-las. E Joaquina, a mais nova e que ainda mora com os pais, também parece assumir que o

que ganha é para ela. Fala baixinho que possui poupança para que o pai não escute e justifica

suas economias para as férias com a família no Nordeste onde as cores do sol e da praia

modificam as cores que usa em São Paulo. Tal constatação aponta para a valorização das

possibilidades advindas da remuneração do trabalho a despeito do valor do trabalho em si

(JENKINS, 2008). E sinaliza, ainda, como o consumo de roupas e outras formas de consumo

deixaram de ser supérfluos e já simbolizam um consumo necessário.

Essas mudanças ao longo do tempo são importantes, pois fazem parte do contexto da história de

vida individual. Uma das evidências da importância da história de vida para compreensão do

consumo é a maior dificuldade deste entendimento no caso de Joaquina, que é mais nova. Ou

seja, essa consumidora ainda está formando sua história e, ao mesmo tempo, seu perfil de

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consumo. As opiniões de Joaquina são fortes, mas parecem efêmeras: já apresentavam mudanças

dentro do intervalo de seis meses dos encontros. Um evento atípico na rotina de uma jovem,

como a ida a dermatologista, pode transformar todo o seu conjunto de produtos consumidos,

temporariamente. Alguns dos comportamentos adotados temporariamente permanecem, outros

são rapidamente esquecidos.

Para as entrevistadas neste estudo, limitações de espaço e tempo são características que

impactam em seu cotidiano e modo de consumo. Estas limitações exigem que estas mulheres

busquem adaptações no dia a dia. Esse é outro aspecto importante para entender o

comportamento de consumo. Um ponto em comum que caracteriza o ambiente observado na

casa dessas consumidoras é a restrição de espaços dos cômodos e dos armários, o que parece

estar de acordo com o compartilhamento de espaços e produtos apontados na pesquisa de

Campos (2010) com famílias do subúrbio carioca. Não foram encontrados muitos “cemitérios de

produtos” como descritos na pesquisa feita sobre o consumo de cosméticos de classes mais altas

por Casotti, Suarez e Campos (2008).

Em relação a correria do cotidiano, de um lado, Joaquina diz que não gasta muito para comprar

vestuário para ir trabalhar. Para se justificar, Joaquina contou que uma vez, o calor dentro do

ônibus era tanto que acabou descolando a cola de um sapato novo que tinha comprado. Joaquina

deixou claro que um importante atributo no calçado que usa diariamente é a durabilidade. A

percepção de Joaquina parece ser que seu trajeto desconfortável até o trabalho causa uma

deterioração dos objetos que carrega consigo. Do outro lado, Elaine conta que gosta de ir

trabalhar arrumada e diz que é comum levar a sandália de salto da bolsa. A diferença entre

Joaquina e Elaine parece reflexo de como encaram as situações do dia a dia: Joaquina reclama

das condições de transporte e Elaine busca formas de contornar as mesmas dificuldades.

A rede de favores é outro aspecto cultural e comportamental essencial para estas mulheres. Pode

ser vista como uma disponibilidade social (DOUGLAS, 2004). Esta rede, comumente encontrada

nos estudos de baixa renda, foi pouco presente nos discursos das entrevistadas deste trabalho.

Trata-se de um circuito de obrigações mútuas que se estende para além dos familiares

consangüíneos (SARTI, 2010), envolvendo escambo de serviços como favores, empréstimo do

nome (MATTOSO, 2005) e até as compras que favorecem, essencialmente, a comunidade. Esta

representação foi constatada apenas na entrevista de Francine, a informante descartada da

análise, dentre um dos motivos, pelo seu menor nível de renda, em relação ao público objeto de

pesquisa. Francine, chegou a contar que comprou um carro que não usava, mas que o mantinha

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para o uso da vizinhança, para alguma emergência, caso precisassem levar alguém até o hospital,

por exemplo.

Contrariamente do que falam alguns textos (KARLAN, 2010; MATTOSO, 2005) sobre a rede de

relacionamento das classes mais baixas, principalmente no meio rural, a rede de favores das

entrevistadas não é ampla. Tratam-se de moradoras, imigrantes, da maior cidade do país. A rede

de favores acaba sendo desenvolvida na Igreja ou no trabalho, além da família, sendo mais forte

o relacionamento de maior dedicação. No caso de Fabrícia, evangélica a muitos anos, a Igreja,

claramente exerce um papel mais forte dentro de sua rede de relacionamento/favores, que o

trabalho. Por outro lado, Elaine, fixa a três anos no mesmo emprego, longe da família, e

freqüentadora esporádica da Igreja, encontra em suas clientes sua rede mais forte na cidade. E

Joaquina, ainda muito apoiada nos pais, começa a descobrir a rede de apoio da faculdade, fonte

dos empregos que conseguiu. Fora isso, ela mesma diz que evita ficar pedindo coisas “para os

outros”.

Além de apoio, a rede de favores também exerce forte influência sobre costumes e padrões em

seus integrantes. Os diferentes níveis de envolvimento com a religião das três entrevistadas

evangélicas parece influenciar na preferência e escolha de cosméticos e de outras categorias de

produto como os de vestuário. Assim, os relatos de Joaquina e Fabrícia revelaram preocupações

com as orientações religiosas no sentido de se manterem discretas. Pode ser observado assim

uma espécie de “efeito Diderot” (McCRACKEN, 1987) conservador em relação as

recomendações a serem seguidas de forma a integrar seu sistema de bens de consumo que

incluem roupa, maquiagem, esmalte, música e até linguagem. O relato de Joaquina sobre a

vontade de usar mais cores em sua roupa, batons, esmaltes durante suas férias no Nordeste,

parece sugerir uma espécie de “efeito Diderot” libertador das orientações evangélicas.

O ambiente profissional também está altamente relacionado com as escolhas de consumo das

entrevistadas. Fabrícia orienta-se pelo consumo das patroas, Joaquina conhece uma gama ampla

de marcas, que são aquelas que a rodeiam no shopping, e Elaine, mesmo quando vai comprar

produtos para si mesma, pensa em ir no local onde vendem material de trabalho mais barato.

Essa rede de relacionamentos cultivada a partir da profissão abre portas para inovação no

consumo. Isso já havia sido relatado por Barros (2006), no caso das empregadas domésticas, mas

também parecer ser verdade em outras categorias profissionais que desenvolvem redes de

favores com suas patroas e clientes, como é o caso da manicure e, possivelmente, outras

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profissionais do salão de beleza, bem como para vendedoras de loja (que conseguem desenvolver

uma carteira de clientes fixas).

Como foi observado, muitos dos produtos vistos no salão chegam a Elaine também pelas clientes

que trazem produtos quando vão viajar para o exterior. Esse é um “canal” diferente, que permite

que ela tenha acesso a produtos indisponíveis no mercado interno ou que chegam no mercado

nacional a um preço bem mais alto. Esse é um canal aparentemente “inusitado” para

consumidoras de classe econômica mais baixa, mas que deve ser levado em consideração para

certos grupos profissionais.

O ambiente de trabalho da diarista em uma família de classe mais alta, de uma vendedora em

um grande Shopping Center e o de manicure em uma salão de beleza de classe também alta

promove um movimento trickle down (SIMMEL, 1904; McCRACKEN, 1990) nos dois sentidos.

Elaine falou da encomenda trazida por sua cliente de um produto que não gostou e Fabrícia

contou que aprendia sobre novos produtos alimentares na casa das patroas e que gostava de levar

essas inovações para casa também. Quando Fabrícia foi perguntada sobre os produtos de beleza

das patroas ela procura negar a influência dizendo: “pra essas coisas tenho meu próprio gosto.”

Em outro momento da entrevista, no entanto, conta sobre o óleo de corpo que comprou igual a

da sua ex-patroa . A pesquisa de Barros (2006) analisando o consumo de empregadas domésticas

mostrou um trickle down invertido, ou seja, classes mais populares podem influenciar alguns

consumos das classes mais baixas.

Outras influências foram lembradas pelas entrevistadas além da igreja, família e dos que

encontram em seus ambientes de trabalho tais como médicos e cabeleireiras, o que pode ser

visualizado na figura 10 a seguir.

Figura 11: Influências no consumo de beleza

Fabrícia Elaine JoaquinaIgreja Ambiente profissional FamíliaFilha Cabeleireira Ambiente profissional

Cabeleireira Família IgrejaPatroa Propaganda Dermatologista

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5.2 A VISÃO SOBRE BELEZA

O conceito de beleza faz parte de aspectos culturais (ECO, 2004; GOLDEMBERG, 2003;

NOVAES, 2008; BOUZÓN, 2008). Na hora de falar de beleza escutamos o mesmo discurso

inicial de “estar bem consigo mesma” e “beleza interior”. Mas, rapidamente, aparecem dois

elementos mais concretos: “estar limpa” e o cabelo.

É interessante como estar com o cabelo liso envolve uma série de produtos que acompanham a

escova com secador e a escova progressiva. Os dois parecem um “mal necessário” porque

ressecam, quebram os fios ou porque exigem colocar “muita química” no cabelo. Para contrapor

isso, xampu para progressiva, óleo para as pontas do cabelo, creme para pentear, máscara, e todo

o resto precisam ser sempre “sem sal”. Dizer que o produto é “sem sal” virou uma preocupação

mesmo que a fórmula nunca tenha tido “sal”, como é o caso dos cremes para cabelo.

“O dano que faz o xampu com sal, arrebenta, resseca muito o cabelo.” (Fabrícia)

O cabelo bonito (liso, longo e natural) é claramente um objeto de significado deslocado, nos

termos de McCracken (1990). Uma vez que a tecnologia permite diversas formas de modelar os

fios, as consumidoras encontram os defeitos do novo cabelo e adotam uma tendência de imaginar

outros tratamentos que podem fazer ou mesmo passam a valorizar o cabelo do passado,

arrependidas das “besteiras” que fizeram no cabelo.

É interessante a variedade de linhas de xampus que oferecem soluções para todos os problemas

que o cabelo tem: anti-queda, anti-frizz, anti-quebra, regenerador, cabelos quimicamente tratados

etc.

Fazer a escova progressiva significa ter que ficar atenta a uma série de outros produtos que

precisam ser adequados ao cabelo que já recebe “muita química”. Essa situação pode ser

interpretada sob a ótica do efeito Diderot, descrito por McCracken (1990). Depois que as

consumidoras fazem o alisamento do cabelo, precisam combinar tinta, xampu, condicionador e

produtos de hidratação com o tratamento utilizado. Além disso, o tratamento costuma implicar

novas e mais freqüentes idas ao salão de beleza que também pode gerar outros consumos

conseqüentes não mapeados no presente estudo.

A tinta tem que ser adequada com a progressiva. Tem que combinar os dois produtos, a tinta com a progressiva. (Fabrícia)

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5.3 LÓGICAS PARTICULARES DE CONSUMO

5.3.1 Preços baixos para comprar mais

Ao contrário do que se poderia pensar, a âncora lógica da busca por preços baixos não parece ser

a restrição orçamentária. Essa procura está, na verdade, vinculada a uma série de valores, desde a

valorização dos ganhos do trabalho até a diversificação do consumo.

As três informantes mostraram uma grande facilidade em memorizar preços e orçamentos. Na

busca por bons preços elas não parecem estar abrindo mão de qualidade pois “as coisas não

precisam ser caras para serem boas” e sim podem estar preocupadas em buscar promoções e

oportunidades de consumir mais. São consumidoras que se declaram “exigentes”.

Produtos de beleza mais caros, mesmo quando conhecidos, ainda são pouco considerados na

cesta de consumo das entrevistadas. Os produtos mais caros ainda são aqueles recomendados

pelos dermatologistas ou/e que aqueles para tratamentos específicos, que têm o preço justificado

por uma tecnologia reconhecidamente eficaz e o volume ou durabilidade do produto justifica a

compra, como cremes antiidade ou produtos de tratamento capilar. Maquiagens, xampus e

cremes para o corpo têm seus preços alocados num patamar de preços mais baixos. Mesmo

Joaquina, que cita marcas bem mais caras de maquiagem, como Fendi e Yves Saint Laurent, não

reconhece o valor do produto por seu preço, assim como Bourdieu aponta em seu ensaio sobre

classes de consumo.

Neste tópico podemos destacar o comentário de Elaine sobre o esmalte Revlon: “Esse daí deixa

pras clientes comprar quando for lá fora”. O trecho parece demarcar o que é para ela do que é

para as clientes e parece reforçar a ideia de Hoggart (1957) sobre distinção entre “nós” e “eles”

marcada pela hierarquia entre as classes.

Algumas vezes, existe o desejo de consumir marcas, mas que não estão acessíveis seja pelo

preço, e suficiente valorização do bem (BOURDIEU, 2008), ou pelo acesso em si (DOUGLAS,

2004; BOURDIEU, 2008). No caso da exclusão pelo preço, Joaquina contou que queria o rímel

azul da Yves Saint Laurent, mas sua opção mais acessível seria um similar da marca Contém 1g.

Sem se sentir atraída pelo similar e nem disposta a pagar o preço do original, Joaquina espera até

que sua marca de maquiagem de confiança desenvolva uma cópia. Já no caso da exclusão por

acesso, Elaine conta que tentou instalar a internet “Oi” em sua casa, mas acabou mudando para

uma instalação com um “especialista”, pois o sinal da “Oi” era muito ruim.

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Outra semelhança em relação ao hábito de consumo é não reclamar, como já foi destacado em

pesquisa de Marcus. Elaine contou que não fiscaliza o trabalho da cabeleireira quando faz

escova, mas se não gostar simplesmente não volta. Fabrícia também não reclamou quando um

desodorante da Natura irritou suas axilas.

5.3.2 Adaptação orçamentária em função dos desejos de consumo

Uma adaptação fundamental para o equilíbrio financeiro e conquista de consumos mais caros é a

disciplina para não gastar tudo o que tem. Desta forma, a poupança não é o que sobra do

orçamento mensal, ela é vista como uma dívida. Foi assim que Elaine descreveu seu

compromisso em economizar o dinheiro mensal para comprar uma casa para suas filhas.

As três são evangélicas e não são endividadas, essa pode ser uma característica comum associada

a religião. Outros estudos a religião evangélica está associada a organização e planejamento

financeiro e para consumo (BARROS, 2006; MATTOSO, 2005; MACHADO, 1997).

A lógica do kit é outra estratégia para adaptar o orçamento ao desejo de compra. Dentro desta

forma de pensar as entrevistadas mostram que podem parcelar as compras informalmente,

quando compram produtos com pessoas conhecidas, como “sua revendedora” e ainda podem

“parcelar” um presente de forma física: comprando um conjunto por partes. O kit de beleza é

uma boa opção em conta de presente para Joaquina. Ela pode montar um presente bonito sem

gastar muito. Segundo ela, as vezes não compensa comprar o kit pronto pois as lojas incluem

produtos que a pessoa não usa o até cobram mais caro pelo pacote. Ela prefere confeccionar o

próprio kit, enfeitando de acordo com a estética dos produtos. Para presentear o namorado opta

por produtos úteis, mas que sabe que ele não vai lembrar de comprar, como um gel pós barba

que melhora a irritação da pele. Ela conta que, para presentear ela prefere comprar menos itens e

não errar na escolha do que fazer kits grandes com itens que a pessoa não vai usar.

E em relação ao presente para o namorado disse que evita dar perfumes por causa de uma

crendice.

Como eu não dou perfume, tem aquela crendice do perfume... Que se der perfume, quando acabar o perfume acaba o relacionamento, acaba o amor, acaba não sei o que. Então acabo não dando perfume.” (Joaquina)

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5.3.3 Compra pessoal em nome da família

Os relatos sobre o consumo pessoal das filhas de Fabrícia e Elaine e de Joaquina podem indicar

uma mudança na moral do consumo familiar em camadas populares (SARTI, 2010) que era

ditada por práticas mais conjuntas e menos individualizadas de trabalho e consumo. Assim, os

relatos contam de uma moral de consumo onde o individual parece se sobrepor ao grupo

familiar. O discurso “compro para mim e assim meus pais não precisam gastar comigo” parece

ser uma mudança na idéia de que os filhos deveriam trabalhar para na popular expressão, “ajudar

em casa”.

O consumo dos filhos que “gastam tudo que tem” não é criticado e sim pode ser uma

diferenciação do passado das famílias de origem simples que não tinham acesso a muitos bens e

serviços como lembrou Elaine de sua família com nove irmãos. No caso de Fabrícia, comprar

para a filha pode significar favorecer a ascensão social dela, e uma forma de realização através

dela, pois se expressa com certo orgulho: “A Bárbara tem tudo”, “A Bárbara é chique”. O que é

ser chique? Elaine usa a mesma expressão para falar da filha: “essa daí é chique!” e

complementa explicando que a filha não puxou a ela em termos de economia, pois gasta muito.

Assim, é possível associar o ser chique a ter tudo e não fazer economia.

Por outro lado, o entesouramento para benefício próprio e individual ainda parece mal aceito.

Joaquina conta que escondia de seu pai a poupança que estava guardando para poder viajar para

Fortaleza. É como se o papel de poupar para gastos maiores da família fosse uma

responsabilidade dos pais, talvez até mesmo para manter a hierarquia como provedores. Por isso,

também, consumos mais caros precisam ter algum sentido familiar como a impressora

multifuncional que Joaquina comprou para ela, mas é da família, e todos podem usar, ou a

máquina de costurar que queria comprar, mas justificava que a mãe também poderia usufruir.

5.4 ADAPTAÇÕES DOS CANAIS DE COMPRA

Em frente a casa de Joaquina, havia um banner pendurado ao lado de um portão que dizia: “Aqui

tem uma Consultora Natura”. Ela explicou que existem muitas revendedoras no bairro, mas que

só compra com a Silvia. Parece que não é a mera capilaridade do canal que traz comodidade na

compra e justifica o sucesso do modelo. O sucesso do modelo parece estar na proximidade que

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existe entre quem vende e quem compra. É a confiança que faz Joaquina se manter “fiel” a Silvia

e permite que Silvia flexibilize as formas de pagamento para Joaquina.

Bárbara, filha de Fabrícia, explicou sobre a extensão da já elevada capilaridade das vendas por

catálogo. Segundo ela, quanto maior o valor dos pedidos feitos por uma revendedora mais

revistas gratuitamente ela recebe. Estas revistas “extras”, por sua vez, são repassadas para as

“sub-revendedoras” que fazem as maiores vendas.

Quando eles vão passar pedido para a Natura acima de trezentos pontos a revendedora ganha um kit com cinco revistas e aí normalmente como ela tem quatro ou cinco revendedoras ela distribui e cobra do valor dos produtos. Como eu passava os pedidos para ela então ela não cobrava nenhuma revista. Aí nessa campanha eu peguei duas revistas porque eu passei o pedido e deu mais de trezentos pontos. (Bárbara)

Mas, se por um lado a confiança estreita os laços com a vendedora e impulsiona as vendas, por

outro, quando se perde o contato com a vendedora as compras caem. Joaquina conta que voltou a

comprar com Silvia depois de muito tempo sem comprar com ninguém. A importância do

relacionamento e a dificuldade de cultivá-los morando numa cidade grande, esconde um ponto

frágil das vendas por catálogo: a perda de contato com a consultora. Por isso mesmo, o próprio

sistema acabou “evoluindo” para a exibição dos produtos em lojas, com a presença das

consultoras. Outra dificuldade no modelo clássico de vendas por catálogo é a ausência física do

produto. Para Fabrícia, quando sua filha começou a levar as amostras grátis dos produtos da

Natura pra casa, isso possibilitou que ela conhecesse melhor os produtos e se sentisse mais

confiante para comprá-los. Da mesma forma, Elaine conta que gosta de ir num depósito de

produtos Avon e natura, porque lá ela pode provar os produtos.

A exposição dos produtos em lojas ou casas muda a característica de venda, e os produtos que

chegam parecem novidades. Silvia explica que se adianta para fazer o pedido para garantir a

venda para consumidoras ansiosas e para garantir preços promocionais. Com isso ela garante

vendas que perderia e ainda pode repassar o desconto para consumidoras ou ampliar sua margem

de lucro.

Na figura a seguir foram destacadas as principais características dos canais utilizados para

compra de produtos de beleza:

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Figura 12: Tipos de compra e seus canais

5.5 COMPORTAMENTOS DE COMPRA

Na observação de compra de cada consumidora, todas estavam atentas aos preços. Fabrícia

parecia menos, também não estava tão preocupada em otimizar o valor que estava disponível

para ela, tanto é que não gastou ele todo. Elaine parecia a mais preocupada com os preços,

repetia o valor de cada produto que pegava. Elaine olhava direto a linha do produto, ela

precisava de um xampu anti-queda; era bem objetiva para procurar a informação que precisava

de cada produto. Já Fabrícia olhava detalhadamente a especificação do produto, estava

procurando produtos sem sal e outras informações detalhadas que lhe permitisse identificar o

produto. E Joaquina parecia mais envolvida com cores e a estética da embalagem e apresentação

dos produtos da revista e aqueles disponíveis na loja.

A intenção de estabelecer o valor relativamente alto para a compra era para ver como elas

gastariam um valor sem estarem limitadas orçamentariamente. O objetivo era gerar uma

oportunidade para que as entrevistadas comprassem produtos mais caros e observar como elas

justificariam as combinações de preço, qualidade, quantidade e outras características das

compras. Nenhum delas optou por um produto acima do padrão que estavam habituadas. A

busca por quantidade prevaleceu. A única que cometeu uma extravagância foi Elaine, mas

unicamente porque o local que escolheu lhe permitiu comprar um secador de cabelo e pela

circunstância de não ter encontrado os produtos que procurava. Mesmo neste caso, ela não usou

o valor para comprar produtos de beleza de mais alta qualidade, mas apenas para comprar algo

mais caro: o secador de cabelo. Ainda considerando a compra de Elaine, todas as compras

permaneceram dentro do padrão usual das informantes.

Tipo de compra Fabrícia Elaine Joaquina

PlanejadaCatálogo e Perfumaria

Ikezaki

Última hora - Perfumarias

OcasiãoLojas e

Supermercados

Farmácias, armarinho e depósito de produtos de venda por catálogo

Lojas

Luxo LojasSalão de

Beleza/ClientesInternet e Shopping

"Loja da Silvia", perfumarias e

supermercados

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Joaquina otimizou o valor dentro da cesta de produtos que normalmente compra; Fabrícia nem

mesmo conseguiu usar todo o dinheiro e Elaine explicou que com R$100, se a opção de compra

fosse livre, ela não teria ido na Ikezaki.

Assim, se você dissesse assim, eu vou lhe dar os R$ 100,00 e a gente vai aonde? Se você fizesse assim, talvez eu não viesse para a Ikesaki, entendeu? Porque eu ia dizer assim, eu quero um grill, entendeu? Eu ia ver outras coisas, não essas besteiras. (Elaine)

No final da compra, Elaine resumiu que tinha comprado pouca coisa, ou seja, a percepção dela

para gastar R$100 em produtos de beleza seria de estar com a sacola mais cheia do que estava.

Comprei pouca coisa né, porque eu fui inventar de levar o secador, mas também não tinha muita opção. (Elaine)

Por outro lado, o fato de ter estabelecido um valor para os gastos gerou, sim, um situação atípica.

Elas pareciam querer otimizar as compras dentro daquele valor. Essa pode não ser a situação

mais comum, mas também pode se encaixar em situações quando a pessoa estabelece que não

pode gastar mais de um determinado valor, ou quando ganho um valor de presente para gastar.

Talvez a combinação de um valor alto conjugado com um local de compras rotineiro pode não

ter estimulado a compra de produtos diferentes. Isso pode indicar que a compra desse tipo de

produto não está limitada pelo orçamento, mas por outros motivos como a percepção de

resultados esperados, a valorização desses resultados analisados dentro da gama de produtos

concorrentes, bem como a importância do ambiente tanto para a definição de gostos como da

compra, dentre outros aspectos que precisam ser mais estudados e estavam fora do escopo deste

estudo.

Ao longo das entrevistas ficou claro que para cada tipo de produto de beleza existem atributos

diferentes decisivos para a compra:

Figura 13: Produtos de beleza e seus atritos destacados

Fabrícia Elaine Joaquina

Produtos para os cabelos Marca e “linha”; "sem sal"Hidratação, cabelo

macio, marca e "linha", consistência do material

Natural, neutro, linhas sem tratamento específico para

cabelos pintados, quimicamente tratados ou anti-caspa.

Tinta para os cabelos Cores Natural; a base de água Natural

Produtos para o corpo Perfume, hidratação e preço Hidratação da pele e sensação de conforto

Perfume, especificação do tipo de pele e sensação de hidratação

Esmalte Marca, consistência e coresPreço, cores,

praticidadeCores

Creme anti-idade Marca - Marca

Maquiagem Marca - Marca e cores

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Foi possível identificar que a fragrância é importante no momento da decisão da compra (para o

bem ou para o mal), mas esse atributo não é definitivo para o uso contínuo do produto: atributo

necessário, mas não suficiente. O produto, seja ele qual for, precisa atender outros requisitos.

Eu gosto muito do cheiro que ele fica no cabelo só que ele [xampu] não faz bem para o meu cabelo. Então acabei não mais usando, tentei, pode ver que eu tentei, chegou até abaixo da metade, mas acabei não usando mais, eu prefiro que fique bem a pele. (Joaquina)

5.5.1 Um fluxo do processo de compra

O presente estudo baseou-se nas teorias de comportamento do consumidor que buscam explicar

o consumo como um processo a partir de características comportamentais e culturais destes

atores (DOUGLAS, 2004; BOURDIEU, 2008; McCRACKEN, 1990; CAMPBELL, 2001). Sob

este olhar, as informações coletadas nos casos descritos foram resumidas e generalizadas de

acordo com o fluxo abaixo, que seguiu uma estratégia dedutiva (MILES, 1994). O pressuposto

era o impacto das características comportamentais e culturais na escolhas de consumo. Os

construtos construídos são resultado da análise feita a partir das informações coletadas na

pesquisa de campo. Neste sistema não se propõe uma teoria, mas um padrão interpretativo para

os três casos analisados; uma forma de visualização do processo de consumo dos produtos de

beleza por estas mulheres (MILES, 1994). Outros estudos mais abrangentes podem avançar e

avaliar melhor o esquema desenhado.

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Figura 14: Fluxo do processo de compra dos produtos de beleza das entrevistadas

História de vida, influências (tais como a família, a cabeleireira e a propaganda) e, numa escala

menor de importância, o cotidiano ou um determinado momento no dia, são elementos que

representam a aspectos culturais agindo no comportamento das consumidoras. Estes elementos

podem ter impacto mais direto ou mais indireto sobre os aspectos materiais da compra. Esses

elementos culturais e comportamentais impactam no que constitui o arcabouço de conhecimento

sobre produtos e aspectos de beleza das entrevistadas, bem como sua decisão de pesquisar mais

sobre algum desses fatores. A história de vida também ajuda a moldar as influências, pelo

habitus e também pelo campo no qual se insere (BOURDIEU, 2008). O cotidiano influencia na

escolha do local de compra, na maior parte das situações descritas pelas entrevistadas.

Conhecimento/pesquisa, local de compra e marca podem ser interpretados como “meios para o

consumo”, pois fazem o intermédio entre os aspectos culturais e comportamentais com aqueles

mais materiais. O conhecimento das entrevistadas tem relação direta sobre o que elas dominam

da marca, produto, preço e local de compra. Já o local de compra dialoga com preço, produto e

marca. As consumidoras podem escolher, por exemplo, comprar um produto, considerando que

História de vidaInfluências

Cotidiano/Momento

Escolha do Local

Marca

Produto Preço Promoção

Oportunidade + Desejo/Necessidade

COMPRA

Cultura e Comportamento

Meios para o consumo

Aspectos materiais

Conhecimento e Pesquisas

“Custo-Benefício”

“Acasos” e “Oportunidades”

Legenda:

Influência

Influência recíproca

Influência com origem no plano de cultura e comportamento

Influência com origem no plano de meios para o consumo

Influência com origem no plano de aspectos materiais

Influência fraca

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já estão naquele local, mas também podem ir até o local procurando determinado produto ou

variedade de marcas. E o mesmo vale para a consideração do preço.

Já a marca influencia a compra por meio do produto em si. Quando as consumidoras conhecem a

marca elas buscam um produto, àquela marca associado. E o sentido contrário também acontece,

pois quando precisa de um produto, na maior parte das vezes, procura-o dentro da gama de

marcas que conhece. No entanto, não foi possível observar, de forma evidente, uma relação

direta entre marca e compra.

A relação entre marca e preço aparece, por exemplo, quando explicam que a Natura é mais cara

que a Avon, o que parece não definir a escolha, mas sim atuar na percepção de qualidade do

produto (por isso foi representada de forma diferente no diagrama). os relatos sugerem que

quando um produto é mais caro e elas percebem o peso da marca nessa precificação, a diferença

de preço só inibe a compra se, existem outros aspectos que contribuem para a percepção de

diferenças que agregam outros valores ao produto5.

O diálogo entre produto e preço também acontece quando as entrevistadas destacam de

diferentes maneiras o custo-benefício de produtos e serviços. E por fim, a promoção também

promove impactos direto na compra transmitindo oportunidades para a consumidora, podendo

estar, ou não, relacionada ao preço. Desta forma, muitas vezes, é a relação de custo e beneficio,

eventualmente somada ao caráter da promoção, que levam à situação de oportunidade e

desejo/necessidade que irá impulsionar a compra. Aqui não se distingue desejo de necessidade,

podendo o produto estar associado a uma necessidade mais básica como para higiene, por

exemplo, ou associado a sentimentos que estão mais próximos de um desejo, como “o tipo de

rímel” que Joaquina afirma que “precisa” ou a sensação de “eu me amo” que Fabrícia busca na

compra de cosméticos.

Na repetição do diagrama a baixo foram incluídas as falas das entrevistadas que justificam as

relações apontadas.

5 Apesar disso, na situação de compra de presentes, a marca pode ter um peso mais importante que o produto, como

apareceu em alguns casos. Esta constatação merece maior atenção em estudos subseqüentes.

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Figura 15: Fluxo do processo de compra dos produtos de beleza das entrevistadas e as falas

que suportam esta lógica

Marca

Produto Preço Promoção

Oportunidade + Desejo/Necessidade

COMPRA

Cultura e Comportamento

Meios para o consumo

Aspectos materiais

Conhecimento e Pesquisas

Escolha do Local

História de vida Influências

Cotidiano/Momento“Minha mãe já usava Natura”

“Minha cabeleireira de Fortaleza”

“Passo pelos lugares e vou

vendo as lojas”

“Vou na perfumaria quando estou sem tempo”

“Comprei só porque era um kit

na promoção”

“Uma cliente falou...”

“Quando eu era pequena...”

“O óleo Paixão que minha patroa

usava”

“Dove é muito bom.”

“O produto é bom.”

“O preço é bom.”

“Lá é bom de comprar.”

“Lá o preço é bom.”

“Lá tem variedade.”

“Tá muito boa a relação custo-

qualidade.”

“Eu não fico sem meu Renew.”

“Tava muito barato.”

“Lá tem tudo que preciso.”

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6 Conclusão

As observações constatadas ao longo deste trabalho indicaram que ainda existe muito a se

conhecer sobre o comportamento de consumo desta nova classe emergente no país: a nova classe

média. Nos três casos analisados é possível identificar comportamentos que caracterizam uma

classe cujas raízes culturais ainda refletem a postura dos pobres, mas cujo acesso financeiro

permite que este público explore novas identidades através do consumo. Uma das contribuições

deste trabalho foi buscar entender a forma de pensar em compras de beleza das mulheres da nova

classe média.

Foram identificados diferentes perfis de consumo dentro deste grupo, ainda muito tratado como

uniforme. Parece que os produtos de consumo de massa aos quais estão expostos ainda não

acompanharam sua evolução econômica.

A beleza é um consumo essencial para estas mulheres. Não se trata de capricho, mas de cuidado,

sem o qual elas “nem tem vontade de sair de casa”. E a mistura entre os conceitos de beleza,

cuidados pessoais e saúde parecem ajudar na crescente valorização da qualidade nestes artigos de

consumo.

O processo de compra é bem mais complexo que a simples busca por preços baixos. O preço

baixo é sempre procurado, mas acima de tudo como reflexo dos valores morais, e não como

elemento de acesso a compra. A qualidade é um aspecto cada vez mais valorizado na decisão de

compra, e pode superar preços baixos quando o valor agregado do produto é reconhecido.

A marca ainda não é vista como garantidora de qualidade, mas no caso de alguns produtos de

beleza, como maquiagem, já é um importante sinalizador. O impacto da marca aparece como

mais relevante nas compras de presentes.

A visão de beleza dessas mulheres revela aspectos aspiracionais tanto quanto os desejos de

mulheres de classes altas, como a juventude e a naturalidade. No entanto, aspectos mais

materiais em relação à beleza aparecem como sinalizadores de classe: limpeza e cabelo liso.

As lógicas particulares de consumo dos casos estudados demonstraram, ainda, que a busca pelo

“preço bom” é mais importante para comprar mais do que para que economizar. A vida numa

grande metrópole leva essas mulheres a adaptarem-se aos diferentes canais de compra

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disponíveis. Mas, por outro lado, também se observa a transformação dos próprios canais, como

é o caso do modelo híbrido de venda direta e loja de bairro.

Por fim, marcando a importância dos valores culturais nas escolhas de consumo, observou-se que

mesmo num contexto de crescimento do individualismo, os valores familiares continuam a

exercer impacto nas decisões de compra. Parece ser crescente, neste grupo, o conflito de gastos

pessoais e familiares.

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ANEXOS

Roteiro para orientação da primeira entrevista:

Apresentação

Bom/Boa dia/tarde, meu nome é ......, eu sou pesquisadora de uma universidade e estudos sobre o

consumo. O objetivo desta entrevista é entender a relação das pessoas com o consumo. Obrigada

em aceitar participar dessa conversa, que levará por volta de 1 hora. Como é comum nesses tipos

de pesquisa, eu queria pedir licença para gravar nossa conversa, para que eu possa me lembrar

posteriormente. Tudo bem?

Aquecimento

Fale-me um pouco de você.

[Explorar: ocupação, rotina, relação com a família, um pouco sobre história de vida, o que gosta

de fazer, como organiza as finanças da casa, quais meios de pagamento usa]

Perguntas sobre consumo:

1. Você gosta de comprar?

2. O que você gosta de comprar?

3. E produtos de beleza, você gosta de comprar? Quais?

4. O que não pode faltar?

5. Onde você compra?

6. Com que freqüência?

7. O que você compra por catalogo?

8. Como faz para escolher os produtos que compra por catalogo?

9. Quanto costuma gastar para comprar produtos de beleza? Como paga?

10. O que você comprou que não usa?

11. Como você se sente quando compra seus produtos de beleza?

12. O que é estar bonita?

13. Para quais ocasiões você se arruma?

14. Imagine uma pessoa parecida com você. Se ela tivesse R$100,00 para comprar em

produtos de beleza o que ela compraria? Aonde ela iria? (Pergunta projetiva)

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Roteiro para orientação da segunda entrevista:

1. Qual é mesmo sua religião? Isso é presente no seu dia a dia? Como você vê isso? Conte-

me mais.

2. Você sente que tem tempo para fazer as coisas para você mesma? O que você faz para

conseguir ter tempo para cuidar das suas vontades individuais?

3. Você vai ao salão de beleza? O que costuma fazer? Com que freqüência vai? E para as

ocasiões especiais? O que você mais gosta na ida ao salão?

4. Gosta de presentear com produtos de beleza? Que tipo de presente gosta de dar? Já deu

produtos de beleza? Quais? Pra quem? Por quê? Já presenteou com kits de beleza?Como

foi? Pra quem? Como faz para montar o kit de presente?

5. Quando você pensa em envelhecimento, com o que se preocupa mais? Faz alguma coisa

para prevenir? Explique-me melhor. Você viu algum efeito?

6. Você se lembra de algum produto de beleza que sua filha/mãe indicou pra você? Algum

que passou a usar depois que a viu usando? Qual (is)?

7. Você se lembra de algum produto de beleza que você usa e que ela passou a usar

também? Conta-me como aconteceu.

8. Alguém controla seus gastos? Quem? O que essa pessoa não gosta que você compre?

Agora eu vou te dar de presente R$100 e nós vamos a algum lugar onde você queira comprar

produtos de beleza para você.

1. Por que escolheu este lugar?

2. Por que escolheu estes produtos?

3. Como você se imagina usando esse produto? Quais as sensações que ele desperta em

você?

4. Você pensou em comprar alguma coisa e mudou de ideia?

5. Qual produto você não compraria de jeito nenhum? Tem algum (xampu, creme

esmalte...) que você não gosta?Por quê?

6. Acha que fez uma boa compra?

7. Quando pretende usar esses produtos?

8. Pensou em comprar um presente para alguém, ou só pensou em comprar coisas para

você?

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Material de pesquisa coletado:

Fotos de Fabrícia:

Figura 16: Sistema de poupança na garrafa

Figura 17: embalagens refil da Natura

Figura 18: Renew no armário do banheiro

Figura 19: Variedade de produtos no banheiro

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Figura 20: Produtos guardados no armário

Figura 21: O kit de maquiagem ainda

incompleto

Figura 22: Produtos armazenados para kit de

presente

Figura 23: Catálogos de venda direta

Figura 24: Cuidado na decoração da casa

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Figura 25: O cabelo de Fabrícia

Figura 26: A perfumaria escolhida para compra

Figura 27: Fabrícia mostra as cores de esmalte

que gosta

Figura 28: A diversidade de produtos na

perfumaria escolhida para compra

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Fotos de Elaine:

Figura 29: Espaço limitado na casa

Figura 30: O bairro de Elaine

Figura 31: Produtos no banheiro

Figura 32: Produto de alisamento do cabelo

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Figura 33: Diversidade de produtos guardados

no guarda roupa

Figura 34: O cabelo de Elaine

Fotos de Joaquina:

Figura 35: o bairro de Joaquina

Figura 36: Portão em frente a casa de Joaquina

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Figura 37: O armário de produtos de beleza

Figura 38: O cabelo de Joaquina

Figura 39: Produtos de beleza que Joaquina

gosta

Figura 40: A nova televisão da casa

Figura 41: O kit que Joaquina sugeriu para sua

mãe no Natal

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Figura 42: A loja da Silvia

Figura 43: Na loja, produtos de beleza se

misturam a outros