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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DE ALIMENTOS
THAÍSA ABRANTES ELIAS
EFEITO DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO SOBRE
A REAÇÃO DE MAILLARD EM SISTEMAS-MODELO
RIO DE JANEIRO
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DE ALIMENTOS
EFEITO DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO SOBRE
A REAÇÃO DE MAILLARD EM SISTEMAS-MODELO
Volume Único Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos, do Instituto de Química da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Perrone Moreira Co-orientadora: Profª. Drª. Nathália Moura Nunes
RIO DE JANEIRO
2016
A161
Abrantes, Thaísa Elias.
Efeito da adição de ácido gálico sobre a Reação de Maillard
em sistemas-modelo / Thaísa Abrantes Elias – Rio de Janeiro:
UFRJ/IQ, 2016.
106f. : il.
Dissertação (Mestrado em Ciência) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Instituto de Química, Programa de Pós-
Graduação em Ciências de Alimentos, Rio de Janeiro, 2016.
.
Orientador: Daniel Perrone Moreira
Coorientador: Nathália Moura Nunes
1. Reação de Maillard 2. Sistemas-modelo. 3. Ácido gálico. I.
Moreira, Daniel Perrone. (Orient.). II. Nunes, Nathália Moura.
(Coorient.). III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto
de Química. Programa de Pós-Graduação em Ciências de
Alimentos.
CDD: 664.001
EFEITO DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO SOBRE
A REAÇÃO DE MAILLARD EM SISTEMAS-MODELO
Thaísa Abrantes Elias
Orientador: Prof. Dr. Daniel Perrone Moreira
Co-orientadora: Profª. Drª. Nathália Moura Nunes
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência de
Alimentos, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências.
Aprovada por:
___________________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Daniel Perrone Moreira, Instituto de Química/UFRJ
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Nathália Moura Nunes, Instituto de Nutrição/UERJ
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Guedes Torres, Instituto de Química/UFRJ
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Julio Beltrame Daleprane, Instituto de Nutrição/UERJ
Rio de Janeiro
Abril de 2016
AGRADECIMENTOS
Confesso que eu nunca sonhei em fazer uma faculdade de nutrição. Apesar das
matérias mais ligadas à química prenderem um pouco mais da minha atenção, posso dizer que
me senti um tanto quanto “perdida” durante boa parte do curso. Com certeza, uma das
melhores partes da graduação foi conhecer pessoas maravilhosas que sempre me apoiavam de
alguma forma. Indo para o sexto período, conheci a minha atual co-orientadora, Nathália
Moura, e por meio dela conheci um pouco mais da área de Ciência de Alimentos. Fiquei
muito feliz quando ela aceitou me orientar no meu trabalho de conclusão de curso. Achei
fantástico poder utilizar a cerveja (uma das minhas paixões) como objeto de estudo e ter a
oportunidade de trabalhar em conjunto com uma professora que eu tanto admirava. Durante o
desenvolvimento do trabalho, me vi cada vez mais envolvida com a área de pesquisa e resolvi
me preparar para a seleção de Mestrado. Colocando na balança esses últimos dois anos, no
final das contas eu vi que realmente valeu muito a pena enfrentar todos os desafios que
apareceram pela frente. Essa etapa da minha vida com certeza me fez crescer muito nos
âmbitos profissional e pessoal. Aos amigos, meus agradecimentos:
À minha turminha da faculdade de nutrição (Luiz Fernando, Letícia, Mari Rampini e
Crícila): Obrigada pelas tardes no nosso “banquinho zen”, pelas festas no apê do Luiz e por
todo o apoio desde sempre.
À Letícia por estar sempre do meu lado em todas as situações. Você é meu porto
seguro.
Aos professores do curso de Nutrição que contribuíram para a minha bagagem
acadêmica, em especial para: Nathália Moura, Anete Esteves, Lélia Cápua, Giovanna
Faillace, Fernanda Retondaro, Fernanda Kamp, Maria Helena.
À minha querida co-orientadora prof.ª Nathália Moura: Não tenho palavras para
agradecer todo o apoio que você me deu nesses últimos anos. Já te disse que você é
praticamente minha “mãe” nesse mundo (rsrs). Obr igada pelos conselhos e por estar presente
em todos os momentos. Carrego comigo muito do que você me ensinou, tanto no âmbito
pessoal quanto profissional.
Ao meu orientador prof. Daniel Perrone por ser sempre muito presente em todas as
etapas do projeto. Sempre atento aos mínimos detalhes e fornecendo valiosas contribuições ao
projeto. A convivência com você contribuiu muito para o meu amadurecimento. Obrigada por
tudo!
Ao prof. Alexandre Torres, primeiramente, por abrir as portas do LBNA para mim
ainda no meu trabalho de conclusão de curso da graduação. Esse contato com a parte
experimental do projeto fez com que meu interesse pela área acadêmica despertasse. Muito
obrigada também por todas as contribuições ao longo desses anos e por ser sempre muito
solícito.
Aos demais professores e funcionários da UFRJ, aos quais eu tive contato, e que de
alguma forma contribuíram para a realização desse trabalho.
Aos colegas de laboratório que me ajudaram em alguma etapa do trabalho. Em
especial, para minhas amigas Bia e Luiza por toda a parceria ao longo desses anos.
Às minhas amigas Carla e Jully, que conheci na seleção de Mestrado. Carla, considero
você uma grande amiga. Você foi um dos maiores presentes que o Mestrado me trouxe! Jully,
você também é uma amiga muito querida! Obrigada por sempre me motivar e me divertir.
À minha família, em especial à minha mãe por sempre fazer de tudo pra me ajudar. Ao
longo da minha vida, eu percebi o quanto você se esforçou em prol do meu bem-estar. É
lógico que minha gratidão por você é eterna, não importa o que aconteça. Você é a pessoa que
eu mais amo no mundo!
Aos meus demais amigos, por ouvir meus anseios e pelos momentos de leveza e
descontração. Em especial à Maíra, a irmã que eu não tive, e à Amanda, sempre com
conselhos motivacionais.
RESUMO
A Reação de Maillard (RM) compreende diversas vias de reações químicas que são
essenciais no desenvolvimento de coloração, aroma e flavor característicos de alimentos
processados termicamente. O estudo das vias da RM é dificultado em função de sua
complexidade, mas a utilização de ferramentas de estudo simplificadas, tais como os
sistemas-modelo (SM), auxiliam na elucidação dessa reação. A inclusão de compostos
fenólicos em SM permite, portanto, avaliar sua participação na RM, contribuindo para um
maior entendimento acerca das potenciais implicações da presença de sses compostos na
formação de produtos da RM em alimentos. Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi
avaliar o efeito da adição de ácido gálico (GA) sobre a RM. Prepararam-se SM a partir da
mistura de aminoácidos (alanina, arginina, glicina, lisina e prolina) e açúcares (frutose,
glicose e sacarose) (0,5 mol/L), contendo ou não GA (0,01 mol/L), em tampão acetato
(1 mol/L, pH 5), sob refluxo (125 ºC) por 6 horas. A intensidade do escurecimento foi
determinada pela absorbância em 420 nm. A atividade antioxidante (AA) foi avaliada pelos
ensaios de FRAP e TEAC. O consumo dos reagentes, bem como a formação de
5-hidroximetilfurfural (5-HMF), foram avaliados por HPLC. Os SM apresentaram as maiores
intensidade de escurecimento e AA quando constituídos de glicose e/ou lisina, que foram os
reagentes que também apresentaram o maior consumo na RM (p < 0,05). A formação de
5-HMF relacionou-se tanto com o consumo de açúcares quanto com o de aminoácidos,
indicando a possível formação desse composto a partir do conjunto de fragmentação de
compostos nitrogenados, na etapa intermediária. A menor degradação de lisina em presença
do GA, assim como a correlação entre concentração molar de GA e de açúcares (r = 0,743)
indicam a provável reação desse composto fenólico com compostos do conjunto de
fragmentação de açúcares. A adição de GA promoveu aumentos expressivos (entre 69 % e
486 %) na AA de todos os SM. Quando aquecido isoladamente, o GA não sofreu degradação
ou modificação de sua AA, corroborando sua participação na RM e na formação de
compostos com AA ao longo da reação. A correlação entre a concentração molar de GA e AA
na ausência dos SM contendo glicina (r < -0,726) sugeriu a formação de compostos com
atividade pró-oxidante nesses SM. Os resultados obtidos no presente estudo evidenciaram,
pela primeira vez, a participação do GA na RM, contribuindo para o entendimento da
formação de substâncias derivadas de compostos fenólicos via RM.
Palavras-chave: Reação de Maillard; Sistemas-modelo; Ácido gálico; 5-hidroximetilfurfural.
ABSTRACT
The Maillard Reaction (MR) comprises many pathways that are essential to the development
of color, aroma and flavor typical of thermal processed food. The understanding of MR
pathways is limited due to its complexity. However, studies with simplified tools such as
model systems (MS) are useful to elucidate these reaction mechanisms. Thus, the addition of
phenolic compounds in MS allows evaluating its participation in MR, contributing for a
greater understanding of the potential implications of these compounds on the MR products
formation in foods. The aim of this study was to evaluate the effect of gallic acid (GA)
addition on the MR. The MS were prepared by mixing amino acids (alanine, arginine,
glycine, lysine and proline) and sugars (glucose, fructose and sucrose) (0.5 mol/L), with or
without GA (0.01 mol/L), in acetate buffer solution (1 mol/L, pH 5), under reflux (125 ºC)
during 6 hours. The intensity of browning was determined by the absorbance at 420 nm. The
antioxidant activity (AA) was evaluated by FRAP and TEAC assays. The consumption of
reactants as well as 5-hydroxymethylfurfural formation (5-HMF) were evaluated by HPLC.
The MS showed higher AA and intensity of browning when composed of glucose or/and
lysine, which were the reactants with higher consumption in the MR (p < 0.05). 5-HMF
formation was related both to sugars and amino acids consumption, indicating that this
compound could be possibly formed from the nitrogenous compounds fragmentation pool in
the intermediate stage. The lower degradation of lysine in the presence of GA as well as the
correlation between GA and sugars molar concentrations (r = 0.743) indicate the probable
reaction of this phenolic compound with compounds of the sugar fragmentation pool. GA
addition led to expressive increments (from 69 % to 486 %) on the AA of all MS. When
heated alone, GA did not degrade nor modify its AA, corroborating with its participation in
the MR and in the formation of compounds with AA during the reaction. The correlation
between GA molar concentration and AA excluding all MS containing glycine (r < -0.726)
suggested the formation of compounds with pro-oxidant activity in these MS. The results
obtained in the present study showed, for the first time, the participation of GA in the MR,
contributing for the understating of phenolic derivative compounds formation via MR.
Keywords: Maillard Reaction; Model systems; Gallic acid; 5-hydroxymethylfurfural.
Resumos publicados em anais de congressos
ABRANTES, T. E.; NUNES, N. M. ; MOREIRA, D. P. . Efeito da adição de ácido gálico
sobre a Reação de Maillard em sistemas-modelo de melanoidinas: Caracterização físico-
química e atividade antioxidante. In: 11º Simpósio Latino Americano de Ciência de
Alimentos (SLACA), 2015, Campinas - SP. Simpósio Latino Americano de Ciência de
Alimentos, 2015.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1. DESCRIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA REAÇÃO DE MAILLARD: UMA ABORDAGEM
CONCEITUAL. ..................................................................................................................... 20
FIGURA 2. FORMAÇÃO DA GLICOSAMINA-N-SUBSTITUÍDA A PARTIR DE UMA ALDOSE .............. 21
FIGURA 3. FORMAÇÃO DO PRODUTO DE AMADORI (FORMA CETÔNICA) A PARTIR DA
GLICOSAMINA-N-SUBSTITUÍDA .......................................................................................... 22
FIGURA 4. DIFERENÇAS ESTRUTURAIS ENTRE OS PRODUTOS DE AMADORI E HEYNS ................. 22
FIGURA 5. EXEMPLOS DE ROTAS DE FRAGMENTAÇÃO DE AÇÚCARES NA REAÇÃO DE
MAILLARD ......................................................................................................................... 25
FIGURA 6. ESQUEMAS DE POSSÍVEIS MECANISMOS DE CLIVAGEM HIDROLÍTICA DE Β-DICARBONIS
(B1/B2) E CLIVAGEM OXIDATIVA DE Α-DICARBONIS (A1/A2) ........................................... 26
FIGURA 7. EFEITO DA REAÇÃO DE MAILLARD NO PROCESSO DE TORREFAÇÃO DE
GRÃOS DE CAFÉ ................................................................................................................ 30
FIGURA 8. FORMAÇÃO DE COMPOSTOS VOLÁTEIS PRECURSORES DE FLAVORS E AROMAS A
PARTIR DA REAÇÃO DE MAILLARD .................................................................................... 31
FIGURA 9. FÓRMULA ESTRUTURAL DA ACRILAMIDA ................................................................. 36
FIGURA 10. FORMAÇÃO DE ACRILAMIDA A PARTIR DA REAÇÃO DE MAILLARD ........................ 37
FIGURA 11. FÓRMULAS ESTRUTURAIS DE AMINAS AROMÁTICAS HETEROCÍCLICAS FORMADAS
DURANTE A COCÇÃO DE CARNES ........................................................................................ 38
FIGURA 12. FÓRMULA ESTRUTURAL DO 5-HIDROXIMETILFURFURAL ........................................ 39
FIGURA 13. ESTRUTURA QUÍMICA DO GRUPAMENTO FENOL ...................................................... 43
FIGURA 14. VIA METABÓLICA DO ÁCIDO CHIQUÍMICO EM PLANTAS .......................................... 44
FIGURA 15. CLASSES E SUBCLASSES DE COMPOSTOS FENÓLICOS ORIGINADOS A PARTIR DA
FENILALANINA ................................................................................................................... 45
FIGURA 16. ESTRUTURA PRIMÁRIA DOS DERIVADOS DO ÁCIDO CINÂMICO E OS PRINCIPAIS
EXEMPLOS DA CLASSE........................................................................................................ 47
FIGURA 17. ESTRUTURA PRIMÁRIA DOS DERIVADOS DO ÁCIDO BENZÓICO E OS PRINCIPAIS
EXEMPLOS DA CLASSE........................................................................................................ 48
FIGURA 18. FÓRMULA ESTRUTURAL DO ÁCIDO GÁLICO ............................................................ 48
FIGURA 19. POSSÍVEIS ROTAS PARA A BIOSSÍNTESE DO ÁCIDO GÁLICO EM VEGETAIS ............... 49
FIGURA 20. VARIAÇÃO DE PH DOS SISTEMAS-MODELO GLICOSE/GLICINA E SACAROSE/GLICINA
UTILIZANDO ÁGUA OU TAMPÃO ACETATO DE SÓDIO 1 MOL/L (PH 5,0) COMO MEIOS
REACIONAIS ....................................................................................................................... 56
FIGURA 21. INTENSIDADE DE ESCURECIMENTO DO SISTEMA-MODELO GLICOSE/GLICINA COM
REAGENTES NAS CONCENTRAÇÕES 0,2 MOL/L, 0,5 MOL/L E 1,0 MOL/L. ............................ 57
FIGURA 22. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO GLICOSE AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 58
FIGURA 23. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO FRUTOSE AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 59
FIGURA 24. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO SACAROSE AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 60
FIGURA 25. INTENSIDADE DE ESCURECIMENTO (AUC, ABS.MIN) DOS SISTEMAS-MODELO
INVESTIGADOS, AGRUPADOS POR AÇÚCAR ......................................................................... 61
FIGURA 26. INTENSIDADE DE ESCURECIMENTO (AUC, ABS.MIN) DOS SISTEMAS-MODELO
INVESTIGADOS, AGRUPADOS POR AMINOÁCIDO. ................................................................ 62
FIGURA 27. ESTRUTURAS DE RESSONÂNCIA DO GRUPAMENTO GUANIDINA PROTONADO DA
CADEIA LATERAL DA ARGININA ......................................................................................... 63
FIGURA 28. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELOS ENSAIOS DE FRAP E
TEAC, DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO GLICOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE
AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................................. 64
FIGURA 29. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELOS ENSAIOS DE FRAP E
TEAC, DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO FRUTOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE
AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................................. 65
FIGURA 30. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELOS ENSAIOS DE FRAP E
TEAC, DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO SACAROSE AO LONGO DE 6 HORAS DE
AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................................. 66
FIGURA 31. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (AUC, MMOL TROLOX.MIN/L), MEDIDA PELOS ENSAIOS
DE FRAP E TEAC, DOS SISTEMAS-MODELO INVESTIGADOS, AGRUPADOS POR AÇÚCAR (A)
E POR AMINOÁCIDO (B). ..................................................................................................... 67
FIGURA 32. CONCENTRAÇÃO (MOL/L) DOS AÇÚCARES (GLICOSE, FRUTOSE E SACAROSE) (A) E
DOS AMINOÁCIDOS (GLICINA, ARGININA E LISINA) (B) NOS TEMPOS INICIAL (T=0 MIN, ☐) E
FINAL (T=360 MIN, ■) DE REAÇÃO. ................................................................................... 70
FIGURA 33. GRÁFICO DE CORRELAÇÃO ENTRE O CONSUMO MOLAR DE AÇÚCARES E DE
AMINOÁCIDOS NOS SISTEMAS-MODELO INVESTIGADOS (N = 9) .......................................... 71
FIGURA 34. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO GLICOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB
REFLUXO ............................................................................................................................ 72
FIGURA 35. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO FRUTOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB
REFLUXO ............................................................................................................................ 72
FIGURA 36. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO SACAROSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB
REFLUXO ............................................................................................................................ 73
FIGURA 37. FORMAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (AUC, ΜG.MIN/ML) NOS
SISTEMAS-MODELO INVESTIGADOS, AGRUPADOS POR AÇÚCAR (A) E POR
AMINOÁCIDO (B). .............................................................................................................. 74
FIGURA 38. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO GLICOSE, ADICIONADOS OU
NÃO DE GA, AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................... 76
FIGURA 39. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO FRUTOSE, ADICIONADOS OU
NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO .............. 77
FIGURA 40. ESCURECIMENTO DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO SACAROSE, ADICIONADOS OU
NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO .............. 78
FIGURA 41. INFLUÊNCIA DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO NA INTENSIDADE DO ESCURECIMENTO
(AUC, ABS.MIN) DA REAÇÃO DE MAILLARD. OS SISTEMAS-MODELO FORAM AGRUPADOS
POR AÇÚCAR (A) E POR AMINOÁCIDO (B). ......................................................................... 79
FIGURA 42. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE FRAP ,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO GLICOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO
LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO......................................................... 80
FIGURA 43. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE FRAP,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO FRUTOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO
LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO......................................................... 81
FIGURA 44. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE FRAP,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO SACAROSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO,
AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ................................................... 82
FIGURA 45. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE TEAC,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO GLICOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO
LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO......................................................... 83
FIGURA 46. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE TEAC,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO FRUTOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO
LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO......................................................... 84
FIGURA 47. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE TEAC,
DOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO SACAROSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO,
AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ................................................... 85
FIGURA 48. INFLUÊNCIA DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO NA ATIVIDADE ANTIOXIDANTE, MEDIDA
POR FRAP E TEAC (AUC MMOL DE TROLOX.MIN/L) DOS SISTEMAS-MODELO
INVESTIGADOS QUANDO AGRUPADOS POR AÇÚCAR (A) E POR AMINOÁCIDO (B). ............... 86
FIGURA 49. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE (MMOL TROLOX/L), MEDIDA PELO ENSAIO DE FRAP (A)
E CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO (B), AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB
REFLUXO DE UMA SOLUÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO EM TAMPÃO ACETATO.. ............................. 87
FIGURA 50. CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO
GLICOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ..................................... 88
FIGURA 51. CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO
FRUTOSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO. ................................... 88
FIGURA 52. CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-MODELO CONTENDO
SACAROSE AO LONGO DE 6 HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO. ................................. 89
FIGURA 53. CONCENTRAÇÃO (µG/ML) DE ÁCIDO GÁLICO NOS TEMPOS INICIAL (T=0 MIN, ☐) E
FINAL (T=360 MIN, ■) DE REAÇÃO. ................................................................................... 90
FIGURA 54. CONCENTRAÇÃO (MOL/L) DOS AÇÚCARES (GLICOSE, FRUTOSE E SACAROSE) (A) E
DOS AMINOÁCIDOS (GLICINA, ARGININA E LISINA) (B) NOS TEMPOS INICIAL (T=0 MIN, ☐) E
FINAL (T=360 MIN, ■) DE REAÇÃO NOS SISTEMAS-MODELO COM ADIÇÃO DE ÁCIDO
GÁLICO. ............................................................................................................................. 91
FIGURA 55. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO GLICOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 93
FIGURA 56. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO FRUTOSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 93
FIGURA 57. CONCENTRAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (ΜG/ML) NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO SACAROSE, ADICIONADOS OU NÃO DE ÁCIDO GÁLICO, AO LONGO DE 6
HORAS DE AQUECIMENTO SOB REFLUXO ............................................................................ 94
FIGURA 58. INFLUÊNCIA DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO NA FORMAÇÃO DE 5-
HIDROXIMETILFURFURAL (5-HMF) (AUC, ΜG.MIN/ML). OS SISTEMAS-MODELO FORAM
AGRUPADOS EM DOIS GRUPOS DISTINTOS: POR AÇÚCAR (A) E POR AMINOÁCIDO (B) ......... 95
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1. CONJUNTO DE COMPOSTOS DE FRAGMENTAÇÃO PRIMÁRIA DA REAÇÃO DE
MAILLARD ......................................................................................................................... 23
QUADRO 2. MODIFICAÇÕES NA COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO CAFÉ OCASIONADAS PELO PROCESSO
DE TORREFAÇÃO. ............................................................................................................... 30
QUADRO 3. TEOR DE ACRILAMIDA (ΜG/ KG) EM ALIMENTOS..................................................... 36
QUADRO 4. TEOR DE AMINAS AROMÁTICAS HETEROCÍCLICAS (AAH) (NG/G) EM
ALIMENTOS. ....................................................................................................................... 39
QUADRO 5. PRINCIPAIS PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO HIDROXIMETILFURFURAL ........... 40
QUADRO 6. TEOR DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL (MG/KG) EM ALIMENTOS............................... 41
QUADRO 7. PRINCIPAIS SUBCLASSES DE ÁCIDOS FENÓLICOS E EXEMPLOS DE SUA OCORRÊNCIA
EM ALIMENTOS................................................................................................................... 46
QUADRO 8. RELAÇÃO ENTRE O CONSUMO DE AÇÚCARES E AMINOÁCIDOS NA REAÇÃO DE
MAILLARD EM SISTEMAS-MODELO .................................................................................... 71
QUADRO 9. RELAÇÃO MOLAR ENTRE O CONSUMO DE AÇÚCARES E AMINOÁCIDOS NOS SISTEMAS-
MODELO CONTENDO ÁCIDO GÁLICO EM COMPARAÇÃO COM OS SISTEMAS-MODELO SEM
ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO ................................................................................................. 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
5-CQA – Ácido-5-cafeoilquínico
5-HMF – 5-hidroximetilfurfural
5-SMF – 5-sulfoximetilfurfural
AA – Atividade Antioxidante
Aa – Atividade de água
AAFRAP – Atividade Antioxidante mensurada pelo ensaio FRAP
AAH – Aminas Aromáticas Heterocíclicas
AATEAC – Atividade Antioxidante mensurada pelo ensaio TEAC
ABTS – 2,2'-azinobis (3-etilbenzotiazolina-6-ácido sulfônico)
AUC – do inglês, Area Under Curve
FAL – Fenilalanina Amônia- liase
FRAP – do inglês, Ferric Reducing Antioxidant Power
GA – do inglês, Ácido Gálico
GC/MS – do inglês, Gas Chromatography coupled to Mass Spectrometry
HMFA – 5-hidroximetil-ácido-furóico
HMFG - Hidroximetil-2-furoil-glicina
HPLC – do inglês, High Performance Liquid Chromatography
HPLC-DAD – do inglês, High Performance Liquid Chromatography coupled to Diode Array
Detector
HPLC-ELSD – do inglês High Performance Liquid Chromatography coupled to Evaporative
Light Scattering Detector
IARC – do inglês, International Agency for Reserch on Cancer
LC-MS-MS – do inglês, Liquid Chromatography coupled with Tandem Mass Spectrometry
ORAC – do inglês, Oxygen Radical Absorbance Capacity
pH – Potencial Hidrogeniônico
RM – Reação de Maillard
SM – Sistema-modelo
TEAC – do inglês, Trolox Equivalent Antioxidant Capacity
TPTZ – (2,4,6-tri(2-piridil)-1,3,5-triazina)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 16
2. OBJETIVOS 18
2.1. GERAL 18
2.2. ESPECÍFICOS 18
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 19
3.1. REAÇÃO DE MAILLARD 19
3.1.1. Química da Reação de Maillard 20
3.1.1.1 Conjunto principal de compostos da Reação de Maillard 21
3.1.1.2. Conjunto de compostos de fragmentação primária, de auto- interação e de
interação secundária da Reação de Maillard 23
3.1.1.3 Conjunto de compostos de interação múltipla da Reação de Maillard 27
3.1.2. Fatores que afetam a Reação de Maillard 28
3.1.3. Implicações sensoriais da Reação de Maillard em alimentos 29
3.1.4. Implicações da Reação de Maillard na composição química de alimentos 33
3.2. INTERMEDIÁRIOS DA REAÇÃO DE MAILLARD 36
3.2.1. Acrilamida 36
3.2.2. Aminas aromáticas heterocíclicas (AAH) 38
3.2.3. 5-hidroximetilfurfural (5-HMF) 39
3.3. COMPOSTOS FENÓLICOS 43
3.3.1. Ácidos fenólicos 46
3.3.3. Derivados do ácido cinâmico 46
3.3.2. Derivados do ácido benzóico 47
3.3.2.1. Ácido gálico 48
4. MATERIAIS E MÉTODOS 50
4.1. REAGENTES 50
4.2. TESTES PRELIMINARES 50
4.3. PREPARO DOS SISTEMAS-MODELO 50
4.3. INTENSIDADE DO ESCURECIMENTO 51
4.4. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE 52
4.4.1. FRAP 52
4.4.2. TEAC 52
4.5. CONSUMO DOS REAGENTES DA REAÇÃO DE MAILLARD 53
4.5.1. Açúcares e aminoácidos 53
4.5.2. Ácido gálico 54
4.6. FORMAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL 55
4.7 ANÁLISES ESTATÍSTICAS 55
5.1. TESTES PRELIMINARES 56
5.2. INTENSIDADE DO ESCURECIMENTO 58
5.3. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE 63
5.4. CONSUMO DOS REAGENTES E FORMAÇÃO DE
5-HIDROXIMETILFURFURAL 69
5.5. EFEITO DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO SOBRE A REAÇÃO DE
MAILLARD EM SISTEMAS-MODELO 75
5.5.1. Intensidade de escurecimento 75
5.5.2. Atividade antioxidante 80
5.5.3. Consumo dos reagentes e formação de 5-hidroximetilfurfural 88
6. CONCLUSÃO 96
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97
16
1. INTRODUÇÃO
A Reação de Maillard (RM) compreende diversas vias de reações químicas
responsáveis pelo desenvolvimento de cor, sabor, aroma, flavor e textura em alimentos
processados termicamente (Bastos et al., 2011). A ocorrência da reação pode ser influenciada
por diversos fatores, tais como o pH, os aspectos qualitativos e quantitativos dos reagentes, a
atividade da água, e a temperatura, sendo esse último o mais importante (Ribeiro e Seravalli,
2007). O desenvolvimento da RM tem seu início no ataque nucleofílico do grupamento
carbonila de um açúcar redutor a uma amina (proveniente de aminoácidos ou proteínas)
(Hodge, 1953). Segue-se, então, uma etapa intermediária, caracterizada pela fragmentação de
açúcares, aminoácidos e produtos de Amadori e de Heyns. Os produtos finais da RM são
compostos heterogêneos, nitrogenados e de elevado peso molecular denominados
melanoidinas, responsáveis pelo desenvolvimento de coloração marrom característica nesses
alimentos (Wang et al., 2011). Além do impacto sensorial, já foram relatados efeitos
possivelmente benéficos das melanoidinas no organismo humano, tais como atividade
prebiótica (Ludwig et al., 2014) e prevenção a danos oxidativos (Moreira et al., 2012).
Entretanto, além desses produtos, substâncias potencialmente tóxicas ao organismo humano
podem ser geradas durante a RM (Omaye, 2004), tais como a acrilamida e o 5-
hidroximetilfurfural (5-HMF) (Fogliano e Capuano, 2011).
A complexidade e a diversidade da RM tornam difíceis a elucidação de seus
mecanismos em alimentos (Martins et al., 2001). Um dos aspectos que contribuem para a alta
complexidade da RM nessas matrizes é a possibilidade de outros componentes, além dos
açúcares e aminoácidos, participarem da reação, tais como lipídeos (Nursten, 2005) e
compostos fenólicos. A incorporação de compostos fenólicos à estrutura de melanoidinas já
foi relatada em café (Perrone et al., 2012) e pão (Alves e Perrone, 2015). Em sistemas-modelo
(SM), utilizados para melhor controle do meio reacional e exclusão de interferentes presentes
em matrizes alimentares, a influência de alguns compostos fenólicos (e.g. epicatequina, ácido
ferúlico e ácido clorogênico) sobre a RM já foi investigada (Totlani e Peterson, 2007; Silván
et al., 2011, Bin et al., 2012; Zhang et al., 2016). Entretanto, ainda não foi avaliada a
influência do ácido gálico (GA) na RM em SM. A escolha do GA justifica-se por sua
estrutura química simples, por sua elevada atividade antioxidante (AA) e por estar presente
em uma grande variedade de alimentos vegetais, tanto em sua forma livre quanto na forma de
galotaninos. Tendo em vista os aspectos observados e levando em consideração a
17
complexidade da RM, esses resultados possibilitarão a realização de novos estudos a fim de
elucidar os mecanismos pelos quais ocorre a formação de substâncias derivadas de compostos
fenólicos via RM.
18
2. OBJETIVOS
2.1. GERAL
o Investigar a participação do ácido gálico na Reação de Maillard em sistemas-modelo
contendo açúcares e aminoácidos livres.
2.2. ESPECÍFICOS
o Determinar a intensidade de escurecimento e a atividade antioxidante em sistemas-
modelo da Reação de Maillard contendo combinações de diferentes açúcares (glicose,
frutose e sacarose) e aminoácidos (glicina, alanina, prolina, lisina e arginina),
adicionados ou não de ácido gálico;
o Avaliar o consumo de reagentes e a formação de 5-hidroximetilfurfural em sistemas-
modelo da Reação de Maillard contendo combinações de diferentes açúcares (glicose,
frutose e sacarose) e aminoácidos (glicina, lisina e arginina), adicionados ou não de
ácido gálico;
o Investigar associações entre a intensidade de escurecimento, a atividade antioxidante,
a formação de 5-hidroximetilfurfural e o consumo de reagentes nos sistemas-modelo
investigados;
o Investigar o efeito da adição de ácido gálico sobre a Reação de Maillard, no que se
refere à intensidade de escurecimento, à atividade antioxidante, à formação de 5-
hidroximetilfurfural e ao consumo de açúcares e aminoácidos.
19
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1. REAÇÃO DE MAILLARD
O nome dado à reação é uma homenagem ao químico francês Louis Camil le Maillard
(1878-1936). Em meados de 1912, através do estudo de aminoácidos e açúcares submetidos
ao aquecimento, Maillard sugeriu que os compostos químicos responsáveis pela produção de
CO2 e de coloração marrom (aos quais denominou de melanoidinas) eram gerados através de
um mecanismo de reação específico (Somoza e Fogliano, 2013). Maillard prosseguiu seus
estudos a fim de elucidar tais mecanismos e, em 1953, foi publicado o primeiro esquema geral
de compreensão da reação que ocorre entre açúcares e aminoácidos sob aquecimento em SM,
denominada então de RM (Hodge, 1953). Devido à sua extrema complexidade, a RM ainda
não foi plenamente elucidada. A dificuldade em esclarecer todas as rotas da reação pode ser
explicada pela possibilidade de produtos intermediários e finais variarem em função de
diferentes substratos e condições de reação (Nursten, 2005; Somoza e Fogliano, 2013).
Em alguns alimentos processados termicamente (como por exemplo, o cacau e o café),
a RM é responsável por gerar os atributos sensoriais (cor, aroma, flavor e textura)
fundamentais na aceitação e caracterização desses produtos (Rizzi, 1994; Martins et al.,
2001). Entretanto, no caso de alimentos nos quais esses atributos sensoriais não são desejáveis
(sucos pasteurizados, leite em pó e produtos submetidos a tempos de estocagem prolongados,
por exemplo), é necessária a utilização de técnicas que visam prevenir ou inibir o
desenvolvimento da reação (Nursten, 2005).
Recentemente, foi reconhecido o fato de que a RM também pode ocorrer in vivo. Os
produtos da RM gerados sob condições fisiológicas, em humanos, na presença de glicose,
foram denominados de “produtos de glicação avançada” (Singh et al., 2001). Esses compostos
parecem estar relacionados com o processo de envelhecimento, com algumas doenças
neurodegenerativas e com o diabetes mellitus (Goh e Cooper, 2008; Takeuchi e Yamagishi,
2008; Grillo e Colombatto, 2008).
Os principais aspectos químicos, nutricionais e fisiológicos da RM serão abordados
nos tópicos a seguir.
20
3.1.1. Química da Reação de Maillard
A primeira descrição dos mecanismos da RM está baseada na sua classificação em três
diferentes estágios (Hodge, 1953) e ainda é bastante aplicada nos dias de hoje. Entretanto,
devido à complexidade da reação e às descobertas ao longo das últimas décadas, outra
descrição da RM foi proposta a partir de uma abordagem conceitual (Yaylayan, 1997)
(Figura 1).
Figura 1. Descrição e classificação da Reação de Maillard : Uma abordagem conceitual (Fonte:Adaptado de
Yaylayan, 1997).
Nessa nova abordagem, Yaylayan (1997) dividiu a RM em "pools", que podem ser
traduzidos do inglês como conjuntos, classificados a partir dos diferentes conjuntos de
compostos formados. Essa descrição da RM será detalhada a seguir.
21
3.1.1.1 Conjunto principal de compostos da Reação de Maillard
O conjunto principal de compostos da RM, segundo Yaylayan (1997), é análogo ao
estágio inicial da reação, proposto por Hodge (1953). Sendo assim, consiste nos compostos
formados pela condensação de um açúcar com um aminoácido e pela reação de rearranjo de
Amadori (no caso de aldoses) ou de Heyns (cetoses). Desta forma, esse conjunto de
compostos é formado por 3 precursores bem definidos: açúcares, aminoácidos e produtos de
Heyns ou de Amadori. O tipo, bem como as proporções desses precursores, sob condições
específicas, irão determinar o rumo da reação (Yaylayan. 1997).
Considerando que a função aldeído ou cetona provém de um açúcar redutor (aldose ou
cetose, respectivamente) e a amina primária provém de um aminoácido ou proteína, a
condensação dessas substâncias dá origem a uma imina através de adição nucleofílica ao
grupo carbonila do açúcar redutor (Figura 2). A faixa de pH ótima dessa reação é entre 4 e 5
(Solomons et al., 2013).
A partir da imina formada (Base de Schiff) origina-se a glicosamina-N-substituída
(Figura 2), um composto cíclico e instável.
Figura 2. Formação da glicosamina-N -substituída a partir de uma aldose (Fonte: Adaptado de Nursten, 2005)
A formação da glicosamina-N-substituída é fundamental para que ocorra o rearranjo
de Amadori ou de Heyns. O produto final dessa reação é a 1-amino-1-desoxi-2-cetose
(produto de Amadori) ou a 2-amino-2-desoxi-1-aldose (produto de Heyns). Na Figura 3 é
possível observar a geração do produto de Amadori a partir da formação e isomerização do
22
íon imônio (Püssa, 2013; Rufián-Henarez e Pastoriza, 2016). As reações de rearranjo são
irreversíveis e os produtos formados são estáveis devido a sua conformação hemiacetal
semelhante à de carboidratos (Rufián-Henarez e Pastoriza, 2016).
Figura 3. Formação do produto de Amadori (forma cetônica) a part ir da g licosamina-N -substituída (Adaptado de
Nursten, 2005)
A formação do produto de Heyns ocorre de forma semelhante ao de Amadori. As
diferenças entre as estruturas dos produtos de Amadori e de Heyns são exemplificadas na
Figura 4.
Figura 4. Diferenças estruturais entre os produtos de Amadori e Heyns (Fonte: Adaptado de Yaylayan, 1 997)
23
3.1.1.2. Conjunto de compostos de fragmentação primária, de auto- interação e de interação
secundária da Reação de Maillard
Os compostos de fragmentação primária são provenientes da decomposição dos
compostos do conjunto principal. As reações que ocorrem nessa etapa são análogas àquelas
do estágio intermediário da RM (Hodge, 1953). Sendo assim, esse conjunto compreende
todos os compostos gerados pela fragmentação de açúcares, de aminoácidos e de produtos de
Amadori e de Heyns (Quadro 1).
Quadro 1. Conjunto de compostos de fragmentação primária da Reação de Maillard
Compostos originados a partir da fragmentação dos produtos de Amadori e de Heyns
Derivados C3: Produto de Amadori-gliceraldeído, propanona-aminoácido, propanal-
aminoácido, etc;
Derivados C4: tetradiuloses-aminoácido, butanonas-aminoácido;
Derivados C5: pentadiuloses-aminoácidos;
Derivados C6: hexadiuloses-aminoácidos, betaína pirílium.
Compostos originados a partir da fragmentação dos açúcares
Fragmentos C1: formaldeído, ácido fórmico;
Fragmentos C2: glioxal, glicoaldeído, ácido acético;
Fragmentos C3: gliceraldeído, piruvaldeído, hidroxiacetona, dihidroxiacetona, etc.;
Fragmentos C4: tetroses, 2,3-butanodiona, 1-hidroxi-2-butanona, 2-hidroxibutanal, etc.;
Fragmentos C5: pentoses, pentuloses, derivados desoxi, furanonas, furanos;
Fragmentos C6: piranonas, furanos, glicosonas, desoxiglicosonas.
Compostos originados a partir da fragmentação dos aminoácidos
Aminas;
Ácidos carboxílicos;
Alcanos e compostos aromáticos;
Fragmentos de cadeias laterais específicas.
Fonte: Adaptado de Yaylayan, (1997)
24
Os compostos de fragmentação primária podem interagir de três formas na RM: 1)
Com compostos de um mesmo conjunto, formando os chamados compostos de auto-
interação; 2) Com componentes de outros conjuntos, formando os compostos de interação
secundária; 3) Com componentes de todos os tipos de conjuntos, formando os compostos de
interação múltipla (Yaylayan, 1997).
Os fragmentos dos produtos de Amadori e de Heyns podem dar origem a produtos de
fissão ou seguir por duas rotas principais (Ames, 2003; Nursten, 2005; Rufián-Henarez e
Pastoriza., 2016):
1) Em pH < 5: Enolização 1,2 via 3-desoxi-1,2-dicarbonis com consequente formação de
furfural (pentoses) ou 5-hidroximetilfurfural (hexoses);
2) Em pH > 7: Enolização 2,3 via 1-desoxi-2,3-dicarbonis com consequente formação de
redutonas.
Essa mesma lógica é utilizada para descrever os mecanismos pelos quais ocorre a
desidratação de açúcares (Ames, 2003; Nursten, 2005). Mas, de forma distinta, a
fragmentação de açúcares advém, em sua maioria, de reações de retro-aldolização, apesar de
ser reconhecido que processo de fissão oxidativa (através da clivagem de α- e β-dicarbonis)
também tenha uma participação significativa nesse processo (Nursten, 2005).
Complementarmente, através da técnica de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de
massas (CG-MS), foi observado que a clivagem de derivados da hexose poderia ocorre r entre
C5/C1, C4/C2 ou C3/C3 (Tressl et al., 1995). É possível observar na Figura 5 que
fragmentos de açúcares podem ser originários não só dos açúcares diretamente, como também
de desoxiozonas, produtos de Amadori e produtos de Heyns (Nursten, 2005).
25
Figura 5. Exemplos de rotas de fragmentação de açúcares na Reação de Maillard (Fonte: Adaptado de Nursten,
2005)
Em estudo acerca da formação de ácidos carboxílicos de cadeia curta em sistemas-
modelo (SM) de RM, demontrou-se que existe uma forte evidência da coexistência de duas
novas rotas de fragmentação de hexoses. A primeira é a clivagem hidrolítica de β-
dicarbonilados (B1 e B2), considerada o principal mecanismo de clivagem, enquanto a
segunda é a clivagem oxidativa de α-dicarbonis (A1 e A2), considerada o mecanismo
alternativo de clivagem, sendo fortemente induzido por espécies reativas de oxigênio
(Davidek et al., 2006) (Figura 6).
26
Figura 6. Esquemas de possíveis mecanis mos de clivagem h idrolítica de β -dicarbonis (B1/B2) e clivagem
oxidativa de α-d icarbonis (A1/A2) (Fonte: Adaptado de Davidek et al., 2006)
A produção de alguns compostos dicarbonilados, a partir da fragmentação de açúcares,
em SM da RM e da caramelização (sem componente amínico) também já foi avaliada
(Weenen e Apeldoorn, 1996). Observou-se que os SM de caramelização apresentaram menor
produção de compostos dicarbonilados quando comparados com os meios reacionais de
Maillard. Este comportamento pode ter relação com a degradação de Strecker, que é
caracterizada pela produção de um aldeído a partir da degradação de um α-aminoácido (Rizzi,
1999; Martins et al., 2001).
A degradação de Strecker apresenta papel fundamental no desenvolvimento do flavor
e do aroma característicos da RM. Ambos os atributos são fatores fundamentais na
caracterização sensorial de alimentos submetidos a processamentos térmicos como, por
exemplo, a cocção e a torrefação (Van Boekel, 2006). Primeiramente, foi proposta a teoria de
27
que compostos carbonilados promoveriam a desidrogenação de um α-aminoácido, gerando
um iminoácido que, em meio aquoso, daria origem a uma molécula de CO2, de NH3 e de
aldeído de Strecker (Schonberg e Moubacher, 1952). Apesar dessa teoria ainda ser válida
atualmente, há indícios da existência de possíveis rotas de formação do aldeído de Strecker
que independem desse mecanismo de reação clássico. Como por exemplo, a partir de
aminoácidos por descarboxilação oxidativa, promovida ou não por α-dicarbonilados, a partir
de aminoácidos por decomposição térmica ou a partir de produtos de Amadori (Yaylayan,
2003).
É importante citar que a reação que origina o aldeído de Strecker acontece somente
com a presença de aminoácidos livres na matriz. Entretanto, a RM desenvolve-se facilmente
no leite, por exemplo, apesar da escassez de aminoácidos livres no meio. Uma teoria é que a
degradação ocorre por meio da reação com as cadeias laterais reativas dos resíduos de lisina
(Van Boekel, 2006). É necessário levar em consideração que a geração de diferentes tipos de
flavor a partir de peptídeos depende de alguns fatores, como por exemplo: posição do
aminoácido, tamanho do peptídeo e a resistência das ligações peptídicas (Izzo e Ho, 1992).
3.1.1.3 Conjunto de compostos de interação múltipla da Reação de Maillard
As interações múltiplas são análogas aos estágios finais da RM propostos por Hodge
(1953). Nessa etapa, ocorre a formação de compostos poliméricos e de alto peso molecular,
denominados melanoidinas (Yaylayan, 1997; Wang et al., 2011). Atualmente, entende-se por
melanoidinas o grupo de compostos heterogêneos, nitrogenados, de alto peso molecular, na
maior parte dos casos, e que são comumente identificados nos comprimentos de onda cujos
valores variam entre 360 nm e 420 nm (Wang et al., 2011). Apesar dos mecanismos que
levam à formação das melanoidinas serem desconhecidos, algumas teorias relativas ao
assunto já foram propostas. São elas:
1) Agrupamento de melanoidinas de baixo peso molecular com a cadeia lateral reativa
de aminoácidos como lisina, cisteína e arginina (Wang et al., 2011).
2) Polimerização de compostos de baixo peso molecular nos estágios finais da reação,
como por exemplo, os furanos (Hayase et al., 2006).
3) Condensação aldólica de compostos derivados do -dicarbonil (reação dependente
de pH e temperatura) (Kroh et al., 2008).
28
Alguns estudos também indicam a possível formação das melanoidinas a partir da
incorporação de outros compostos da matriz alimentar à sua estrutura, além dos carboidratos e
aminoácidos como, por exemplo, os compostos fenólicos (Bekedam et al., 2008; Perrone et
al., 2012).
3.1.2. Fatores que afetam a Reação de Maillard
O conhecimento sobre os fatores que exercem influência na RM é de suma
importância na área de alimentos, pois permite que os mesmos possam ser controlados para
intensificar ou até mesmo impedir a ocorrência da reação (Ames, 2003).
Os tipos de reagentes e suas concentrações são exemplos de fatores que influenciam
diretamente nos produtos formados na RM (Ribeiro e Seravalli, 2007; Borelli et al., 2002).
Considerando os açúcares, especialmente os redutores, a ordem decrescente de reatividade é:
pentose > hexose (aldose > cetose) > dissacarídeos (Ribeiro e Seravalli, 2007; Laroque et al.,
2008). A utilização da sacarose na RM representa um caso especial, pois suas terminações
redutoras estão ocupadas por uma ligação glicosídica e, portanto, sua estrutura precisa ser
hidrolisada para que seus respectivos monômeros redutores (glicose e frutose) atuem na
reação. Quanto aos tipos de aminoácidos, a ordem decrescente de reatividade é: básico >
ácido > neutro, sendo a lisina o mais reativo por conta de sua cadeia lateral reativa (ε-amino).
Logicamente, a velocidade de reação é afetada em função do ponto isoelétrico de cada
aminoácido (Deman, 1999).
Como mencionado anteriormente, o pH do meio é de extrema importância na
determinação do curso da reação. Em valores de pH próximos à neutralidade, a velocidade da
reação atinge valores máximos (Arnoldi, 2004). Em contrapartida, a diminuição do pH
promove a protonação do grupamento NH2, eliminando a nucleofilicidade desse grupo e,
consequentemente, impedindo sua interação com as carbonilas dos açúcares redutores
(Arnoldi, 2004; Ribeiro e Seravalli, 2007; Brião et al., 2011). Paralelamente, é importante
atentar ao fato de que, durante a RM, são gerados compostos de caráter ácido responsáveis
pela diminuição do pH do meio reacional (Martins e Van Boekel, 2005).
O tempo e a temperatura agem de forma independente entre si, de forma que maiores
tempos de reação e menores temperaturas poderão formar um perfil de compostos distinto s de
quando a reação for realizada de maneira inversa (Ames, 2003). Vale destacar que a RM
ocorre de forma lenta em temperaturas mais amenas e apresenta aumento expressivo na
velocidade de reação a partir dos 40 ºC (Shibao e Bastos, 2011).
29
A atividade de água (Aa) também é um fator a ser considerado por dificultar a
ocorrência da RM se muito alta ou muito baixa. A faixa ótima de Aa para este fim
compreende valores entre 0,5 e 0,8 (Ames, 2003; Arnoldi, 2004). A diminuição da velocidade
da RM em valores elevados de Aa deve-se à água ser um produto formado em diversas etapas,
o que desloca os equilíbrios químicos na direção dos reagentes.
Alguns íons são conhecidos por atuarem como catalisadores da RM. Foi observado o
tampão fosfato, quando adicionado no meio reacional de Mailllard, praticamente dobrou a
taxa de reação quando comparado ao tampão Bis/Tris (Rizzi, 2004). Em contrapartida,
sulfitos são conhecidos pela sua eficiência em praticamente interromper a reação em seu
estágio inicial (Nursten, 2005).
3.1.3. Implicações sensoriais da Reação de Maillard em alimentos
A análise sensorial engloba um conjunto de técnicas que utilizam a percepção humana,
a partir do estímulo dos cinco sentidos, para gerar respostas objetivas a fim de caracterizar
uma matriz (Piggot et al., 1998). A RM é considerada uma das mais importantes reações que
ocorrem em alimentos processados termicamente. Sua ocorrência é responsável por alterar
atributos relevantes na caracterização desses alimentos, como cor, aroma, flavor, sabor e
textura (Bastos et al., 2011) a partir de transformações na composição química do alimento
em questão, tal como observado para o café (Quadro 2). Essas modificações dependem
diretamente da composição da matriz alimentar bem como das condições de reação
(principalmente do tempo e da temperatura) (Wang et al., 2011). Um exemplo da influência
da RM em alimento é o café, apresentado na Figura 7. No caso de algumas matrizes (como
produtos de panificação), a RM ocorre de forma predominante na superfície do alimento em
questão (Jaeger et al., 2010).
30
Quadro 2. Modificações na composição química do café ocasionadas pelo processo de torrefação.
Fonte: Adaptado de Wei e Tanokura, (2014).
Figura 7. Efeito da reação de Maillard no processo de torrefação de grãos de café (Fonte: Adaptado de
Heirloom Coffee, 2016)
Componentes
(% do peso seco)
Arábica Robusta
Grãos de café
(verde)
Grão de café
(torrados)
Grãos de café
(verde)
Grão de café
(torrados)
Polissacarídeos 50,0-55,0 24,0-39,0 37,0-47,0 -
Oligossacarídeos 6,0-6,8 0-3,5 5,0-7,0 0-3,5
Lipídeos 12,0-18,0 14,5-20,0 9,0-13,0 11,0-16,0
Aminoácidos livres 2,0 0 2,0 0
Proteínas 11,0-13,0 13,0-15,0 11,0-13,0 13,0-150
Ácidos clorogênicos 5,5-8,0 1,2-2,3 7,0-10,0 3,9-4,6
Cafeína 0,9-1,2 0-1,0 1,6-2,4 0-2,0
Trigonelina 1,0-1,2 0,5-1,0 0,6-0,8 0,3-0,6
Ácidos graxos 1,5-2,0 1,0-1,5 1,5-2,0 1,0-1,5
Minerais 3,0-4,2 3,5-4,5 4,0-4,5 4,6-5,6
Melanoidinas - 16,0-17,0 - 16,0-17,0
31
A coloração marrom, característica da RM, é responsável por agregar valor a diversos
alimentos, como o café, o cacau, os produtos de panificação e as carnes. A formação desses
cromóforos, denominados melanoidinas, é uma das principais características observadas na
RM (Bastos et al., 2011; Somoza e Fogliano, 2013). Apesar de sua estrutura pouco elucidada,
sabe-se que as melanoidinas são compostos heterogêneos e que, portanto, apresentam
composição que varia de acordo com os componentes da matriz alimentar em questão (Wang
et al., 2011).
O desenvolvimento de aroma e flavor na RM depende das condições de reação, assim
como o desenvolvimento de cor. Em geral, o tempo determina os tipos de compostos
formados, enquanto a temperatura exerce influência em parâmetros cinéticos (Bastos et al.,
2011). Um panorama relativo à formação de compostos voláteis responsáveis pela geração de
flavors é apresentado na Figura 8.
Figura 8. Formação de compostos voláteis precursores de flavors e aromas a partir da Reação de Maillard
(Fonte: Adaptado de Van Boekel, 2006)
32
Os compostos voláteis proveniente da RM podem ser classificados em três grupos
distintos (Nursten, 1981):
1) Derivados da fragmentação ou desidratação de açúcares (furanos, piranos, α-dicarbonis);
2) Derivados da degradação de aminoácidos (aldeídos de Strecker, compostos nitrogenados,
compostos sulfurados);
3) Produzidos pela interação entre açúcares e aminoácidos (pirróis, tiazóis, piridinas).
Podemos citar os furanos e piranos como os compostos mais abundantes na RM. São
responsáveis pelo flavor caramelado e adocicado e estão presentes em todos os alimentos
submetidos à RM (Fisher e Scott, 1997). Quanto à degradação de Strecker, alguns
aminoácidos são precursores de diversos flavors, como os pirróis da prolina e os tiazóis da
cisteína. Esses dois aminoácidos, por exemplo, são responsáveis por caracterizar alimentos à
base de cereais, bem como carnes, respectivamente (Teranishi et al., 1999; Mottram, 2007).
Provenientes das interações entre açúcares e aminoácidos, destaca-se a classe dos pirróis,
amplamente difundida em grãos de café torrados (Mottram, 2007). Além disso, as pirazinas
também são descritas por estarem fortemente relacionadas com notas de torrefação (Arnoldi,
2001). Os ácidos orgânicos produzidos através da degradação de açúcares, apesar de não
estarem descritos no esquema acima por não serem voláteis, podem influenciar no perfil
sensorial do alimento (Fisher e Scott, 1997). Exemplos de ácidos produzidos a partir da RM
são os ácidos fórmico e acético (Martins et al., 2001).
Como já descrito anteriormente, a RM promove complexas interações entre os
componentes de uma matriz alimentar que, consequentemente, são responsáveis por aumentar
a aceitação dos consumidores em relação a esse novo produto. Recentemente, a textura vem
sendo considerada como um objeto de estudo em aspectos sensoriais. Trata-se de uma
propriedade sensorial derivada da modificação estrutural da matriz alimentar (Szczesniak,
2002). A influência da RM sobre a textura dos alimentos ocorre via cross-link de proteínas.
Entretanto, pouco se sabe sobre os mecanismos pelos quais esse mecanismo afeta a textura
dos alimentos (Bastos et al., 2011).
Apesar de atribuir características desejáveis a diversos alimentos, a RM é indesejada
em algumas matrizes e acontece em decorrência de métodos de conservação dependentes de
temperatura, como por exemplo, a pasteurização, a secagem e a esterilização (Martins et al.,
2001; Jaeger et al., 2010; Bastos et al., 2011). Em alimentos com matriz rica em aminoácidos
e açúcares redutores, esse problema é ainda mais crítico. No caso do leite, por exemplo,
33
processamentos térmicos mal executados (pasteurização ou secagem) podem promover
escurecimento e gerar off-flavors que descaracterizam o produto (Van Boekel, 1998).
3.1.4. Implicações da Reação de Maillard na composição química de alimentos
Em meados do século XX, Louis-Camille Maillard foi motivado a dar continuidade
em seus estudos por acreditar que os produtos da RM poderiam desempenhar papéis
importantes na saúde (Somoza e Fogliano, 2013). De fato, atualmente já está descrito que a
RM exerce influências no perfil de nutrientes presentes em matrizes alimentares, o q ue pode
levar à modificações no metabolismo desses compostos nos organismos vivos (Nursten,
2005). Especialmente, estudos sobre os efeitos dos produtos da RM sobre a saúde humana
vêm sendo realizados ao longo das últimas décadas (Somoza, 2005; Ames, 2009; Tessièr e
Birlouez-Aragon, 2012; Ayseli e Ayseli, 2016). Os produtos da RM vêm sendo estudados
quanto à sua toxicidade (Lee e Shibamoto, 2002) e relação com doenças crônico-
degenerativas (Zhang et al., 2008). Por outro lado, os efeitos benéficos da RM vêm sendo
relatados, principalmente no que diz respeito a formação de substâncias com potencial
atividade antioxidante (AA). As principais consequências da RM, do ponto de vista
nutricional, estão citadas abaixo e serão explicadas ao longo dos próximos parágra fos. São
elas (Friedman, 1996; Martins et al., 2001; Rufián-Henares e Pastoriza, 2016):
1) Perda nutricional de aminoácidos essenciais e de algumas vitaminas;
2) Diminuição da atividade de enzimas;
3) Interações com íons;
4) Formação de substâncias potencialmente mutagênicas e/ou carcinogênicas;
5) Aumento da atividade antioxidante;
6) Formação de substâncias antimutagênicas;
7) Formação de substâncias com atividade antimicrobiana.
Os ácidos ascórbico e dehidroascórbico podem participar da RM sem que suas funções
biológicas como nutrientes fiquem comprometidas (Nursten, 2005). Entretanto, outras
vitaminas, principalmente aquelas que apresentam grupamento amino livre, como a tiamina, a
piridoxina, a colabamina e o ácido pantotênico, podem participar da RM gerando perdas
nutricionais (Rufián-Henares e Pastoriza., 2016).
34
A ocorrência da RM também pode ocasionar na perda de aminoácidos em matrizes
alimentares, pois os mesmos são utilizados como substratos nessa reação. Apesar da
susceptibilidade desses compostos em geral, a perda nutricional de lisina é, indubitavelmente,
um dos fatores que merecem maior atenção, já que lisina não pode ser sintetizada pelo
organismo humano e, portanto, é obtida exclusivamente pela alimentação (Oetterer et al.,
2006). Outro fator agravante é que seu grupo ε-amino continua reativo mesmo em peptídeos e
proteínas, o que a torna propensa a maiores perdas nutricionais durante o processamento de
matrizes alimentares as quais está inserida (Nursten, 2005). Em países nos quais a base da
alimentação são os cereais, a lisina é o aminoácido mais limitante na dieta (Baker, 2007). Isso
significa que, mesmo que esse aminoácido esteja presente em baixas quantidades na dieta,
todos os outros aminoácidos presentes, mesmo que em quantidades suficientes, serão
mobilizados para a síntese proteica na mesma proporção (Matthews, 2012).
Visto que as enzimas constituem um grupo de substâncias de natureza proteica, a
diminuição da atividade enzimática, tanto em alimentos como em organismos vivos se dá por
glicação ou por interação com as melanoidinas (Nursten, 2005). Consequentemente, esse
mecanismo pode levar a prejuízos na digestibilidade de proteínas e carboidratos mediante a
influência na atividade de proteases e glicosidases (Arnoldi, 2001; Ames, 2003). Por
exemplo, foi demonstrado o forte efeito inibitório da polifenol-oxidase e da peroxidase a
partir de diferentes ensaios in vitro, tanto utilizando-se produtos da RM derivados de SM
(Maillard et al., 2007) quanto de alimentos (Nicoli et al., 1991) que poderia ser interessante
do ponto de vista tecnológico, já que essas enzimas, quando em contato com O2, causam
escurecimento (muitas vezes indesejado) em tecidos vegetais (Gava et al., 2009).
A RM também pode exercer efeitos de interação com outros nutrientes. Como
exemplo, o poder quelante da RM sobre metais pode ser atribuído às melanoidinas, por conta
da natureza aniônica desses compostos, bem como a outros produtos formados ao longo da
RM (como as redutonas, por exemplo) (Ames, 2003; Wang et al., 2011). Sendo assim, podem
haver perdas nutricionais de metais importantes na nutrição humana, tais como Cu+2, Zn+2,
Fe+2 e Ca+2 (Rufián-Henares e Pastoriza, 2016). Sob outra perspectiva, a capacidade de quelar
metais, assim como o poder redutor de produtos da RM são fatores que contribuem para a AA
(Ames, 2003; Wang et al., 2011; Rufián-Henares e Pastoriza, 2016). Diversos estudos vêm
demonstrando o poder quelante e de sequestro de radicais livres dos produtos da RM (Yilmaz
e Toledo, 2005; Maillard et al., 2007; Hwang et al., 2011; Vhangani e Van Wyk, 2013). Esse
conjunto de fatores poderia possibilitar a aplicação desses produtos em processos
35
tecnológicos, como o de conservação e estabilidade microbiológica de alimentos (Wang et al.,
2011).
Através da ocorrência da RM em matrizes alimentares, é possível observar a produção
concomitante de produtos que são fundamentais na caracterização sensorial de alimentos
processados termicamente e substâncias potencialmente tóxicas para o organismo humano
(Omaye, 2004). A essas substâncias dá-se o nome de contaminantes alimentares, visto que são
inerentes ao processamento, e pode-se citar como exemplo a acrilamida, a acroleína, os
furanos e as aminas heterocíclicas aromáticas. Para avaliar os riscos que esses contaminantes
representam ao organismo humano, é feita uma identificação e avaliação de perigo aliada a
dados referentes à exposição à substância em questão. Ainda é possível que a substância
exerça sua toxicidade de forma indireta, por exemplo, a partir de algum metabólito (Lineback
e Stadler, 2009).
Por outro lado, produtos da RM, tais como as melanoidinas, podem exercem efeitos
biológicos positivos (Dittrich et al., 2003; Moreira et al., 2012; Ludwig et al., 2014). As
melanoidinas foram capazes de desempenhar diversas atividades biológicas a partir de
diferentes tipos de ensaios, como atividade antimicrobiana (Summa et al., 2008), prebiótica
(Ludwig et al., 2014), antioxidante (Delgado-Andrade et al., 2005; Rufián-Henares e Morales,
2007) e anticâncer (Langner e Rzeski, 2014).
36
3.2. INTERMEDIÁRIOS DA REAÇÃO DE MAILLARD
Nos tópicos a seguir, serão abordados aspectos relativos à caracterização química,
ocorrência em alimentos, mecanismos de formação e toxicidade dos produtos intermediários
da RM de maior relevância em alimentos.
3.2.1. Acrilamida
A acrilamida é uma amida insaturada de fórmula molecular C3H5NO (Figura 9).
Figura 9. Fórmula estrutural da acrilamida
A presença de acrilamida em alimentos foi identificada, pela primeira vez, com o
auxílio de técnicas modernas de análise, como CG-MS e LC-MS-MS (cromatografia líquida
acoplada à espectrometria de massas em tandem, do inglês High performance liquid
chromatography-tandem mass spectrometry) (Tareke et al., 2002). Como é originada no
processamento térmico de alimentos é, portanto, considerada um contaminante alimentar. A
acrilamida pode estar presente em uma diversidade de alimentos, industrializados ou caseiros
(Mills et al., 2009) (Quadro 3).
Quadro 3. Teor de acrilamida (μg/ kg) em alimentos.
Fonte: Adaptado de Mills et al., (2009).
Alimento Acrilamida (µg/kg)
Mínimo Máximo
Batata frita 117 4215
Cereal matinal < 10 1649
Produtos de panificação e biscoitos 18 3324
Chocolate < 2 826
Café 45 935
Chá < 9 567
Papinhas infantis < 10 121
37
A RM consiste na principal via de formação da acrilamida. A sua produção é
potencializada se o aminoácido asparagina juntamente com os açúcares glicose e/ou frutose
estiverem presentes no meio reacional. Compostos como α-dicarbonis e aldeídos também
podem participar dessa reação (Figura 10) (Stadler e Studer, 2016).
Figura 10. Formação de acrilamida a part ir da Reação de Maillard (Fonte: Adaptado de Stadler e Studer, 2016)
A acrilamida é classificada pela Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer,
IARC (do inglês, International Agency for Research on Cancer), como um potencial
composto carcinogênico para humanos (IARC, 1994). O estudo dos efeitos da acrilamida na
saúde humana são dificultados em decorrência da inexistência de um método padronizado
para quantificação dessa substância em alimentos, além das grandes variações desses teores
em função do tipo de alimento e de métodos de cocção (Xu et al., 2014). Sua propensão a
reagir com grupamentos amino e tiol que constituem biomoléculas e sua biotransformação a
38
glicidamina são alguns dos fatores que podem explicar a possível carcinogenicidade da
acrilamida (Rice, 2005).
3.2.2. Aminas aromáticas heterocíclicas (AAH)
Estas substâncias apresentam uma estrutura heterocíclica constituída por carbono,
hidrogênio e nitrogênio e podem ser classificadas quimicamente em dois grupos, polares e
apolares. As AAH polares podem ser ainda classificadas como imidazolquinolinas e
imidazolquinoxalinas e as AAH apolares subdividem-se naquelas que possuem uma fração
piridoindol ou dipiroimidazol) (Figura 11).
Figura 11. Fórmulas estruturais de aminas aromáticas heterocíclicas formadas durante a cocção de carnes
(Fonte: Adaptado de Turesky, 2007)
As AAH polares são formadas geralmente como resultado da RM sob temperatura que
varia entre 150-250 ºC, sendo esse processo dependente de creatinina (Murkovic, 2004;
Turesky, 2007). A formação de AAH apolares normalmente ocorre, em temperaturas
superiores a 250 ºC, através da pirólise de aminoácidos como o triptofano, o ácido glutâmico,
a fenilalanina e a ornitina (Turesky, 2007).
As AAH podem ser encontradas, mais comumente, em peixes e carnes processadas
termicamente (Quadro 4).
39
Quadro 4. Teor de aminas aromáticas heterocíclicas (AAH) (ng/g) em alimentos.
Alimento Teor total de AAH (ng/g)
Bacon frito 7,6 - 19,4
Bife grelhado 1,3
Frango frito 1,1 - 12,0
Peixe grelhado 60,7
Lombo grelhado 11,6
Fonte: Adaptado de Skog et al., 1998
As AAH são compostos químicos com potencial carcinogênico e mutagênico em
bactérias (Murkovic, 2004; Turesky, 2007). Em humanos, embora já existam indícios acerca
de sua toxicidade, os efeitos da ingestão de AAH sobre a saúde humana ainda não foram
esclarecidos. A escassez de informações sobre o metabolismo das diferentes espécies de
AAH, sobre as consequências da ocorrência de polimorfismos e sobre como as AAH
interagem com outros componentes da dieta e com enzimas metabolizadoras de xenobióticos,
por exemplo, contribuem para esse panorama (Turesky et al., 2005; Turesky, 2007).
3.2.3. 5-hidroximetilfurfural (5-HMF)
O 5-HMF (também conhecido como hidroximetilfurfural, 5-hidroximetilfurfural-2-
furaldeído ou 5-hidroximetilfurfural-2-furanocarbaldeído) é um aldeído cíclico, derivado do
furano, que possui seis carbonos em sua estrutura (Figura 12) (Morales, 2009; Kowalski et
al., 2013).
Figura 12. Fórmula estrutural do 5-hidroximetilfurfural
40
As principais propriedades físico-químicas desse composto estão descritas no
Quadro 5.
Quadro 5. Principais propriedades físico-químicas do hidroximet ilfurfural
Propriedades físico-químicas Valores
Fórmula molecular C6H6O3
Peso molecular 126,11 g/mol
Ponto de ebulição 114-116 ºC
Ponto de fusão 32-34 ºC
Ponto de inflamação 79 ºC
Índice de refração 1,5627 (a 18ºC)
Densidade 1,2062 g/cm3
Absorção UV máxima 284 nm
Solubilidade Solúvel em solventes polares
(água, metanol, etanol)
Fonte: Adaptado de Morales (2009) e Kowalski et al. (2013)
A formação de 5-HMF é intrínseca ao ato de submeter um alimento ao tratamento
térmico. Entretanto, o acúmulo dessa substância também pode ocorrer durante o período de
estocagem desses alimentos, especialmente em matrizes ricas em carboidratos precursores de
5-HMF, como por exemplo, o mel (Morales, 2009). No Quadro 6 é apresentada uma relação
de alimentos e seus respectivos teores de 5-HMF.
41
Quadro 6. Teor de 5-hidroximetilfurfural (mg/kg) em alimentos.
Fonte: Adaptado de Morales, (2009)
Em alimentos, a formação de 5-HMF ocorre tanto por vias cíclicas e acíclicas (Van
Putten et al., 2013; Kowalski et al., 2013). A taxa de formação desse composto é dependente
de condições como: tipo de açúcar (especificamente, hexoses), pH, atividade de água e
concentração de cátions divalentes, ácidos orgânicos ou inorgânicos e sais no meio (Morales,
2009; Capuano e Fogliano, 2011).
A reação da glicose com um grupamento amino resulta no tautomerismo entre a base
de Schiff e o composto cíclico glicosilamina-N-substituída. A glicosilamina então sofre uma
série de reações que resulta na formação de um enol (1,2-enaminol) (Angyal, 2001). A partir
dessa etapa, a reação pode seguir por duas vias principais (Kowalski et al., 2013):
1) Isomerização (rearranjo) e ciclizações, que darão origem ao produto de Amadori. Os
tautômeros ceto-enólicos deste produto estão susceptíveis a sofrer reações de desaminação,
desidratação, fragmentação ou enolização, que podem vir a originar 5-HMF;
2) Desidratação do 1,2-enaminol seguida de desanimação e subsequente hidratação, gerando
3-desoxi-2,3-diulose, que é uma substância precursora do 5-HMF;
As etapas que resultam no rearranjo de Heyns e de Amadori são as mesmas. O produto de
Heyns é o 2-amino-2-desoxi-1-aldose na forma cíclica. Entretanto, o precursor de 5-HMF é o
2-amino-2-desoxi-1-aldose na forma acíclica. Esse composto pode apresentar-se como 1-
amino-2-imino (forma tautomérica), que após desaminação e hidratação interconverte-se no
produto de Amadori (1-amino-1-desoxi-2-cetose) e segue pela reação por essa mesma via
(Miljkovic, 2009; Kowalski et al., 2013).
O 5-HMF é uma molécula reativa e, portanto, pode interagir com outros componentes
presentes no meio, como por exemplo, aminas aromáticas (Lewkowski, 2001), aminas
Alimentos Teores de 5-HMF (mg/kg)
Café 100-1900
Malte 100-6300
Mel 10,4-58,8
Pão 3,4-68,8
Cereais matinais 6,9-240,5
Frutas secas 25-2900
Suco de frutas (pasteurizado) 2-22
42
primárias e secundárias (Nikolov e Yaylayan, 2011), em especial com lisina (Mastrocola e
Munari, 2000) e alcoóis (Solomons et al., 2013). Sua degradação ocorre em processamentos
térmicos prolongados e/ou que utilizem temperatura elevada (Morales, 2009).
A metabolização do 5-HMF contempla a sua biotransformação hepática, em especial
quando a forma oxidada 5-hidroximetil-2-ácido furóico (HMFA) está conjugada com o
aminoácido glicina formando o composto hidroximetil-2-furoil glicina (HMFG) (Capuano e
Fogliano, 2011). A ação de sulfotransferases, por exemplo, pode originar o
5-sulfoximetilfurfural (5-SMF) a partir do 5-HMF (Abraham et al., 2011; Sachse et al., 2016).
A toxicidade e a genotoxicidade do 5-HMF não são atribuídos propriamente a ele, mas sim ao
metabólito 5-SMF (Kowalski et al., 2013).
43
3.3. COMPOSTOS FENÓLICOS
Os compostos fenólicos são metabólitos secundários que desempenham papel de
extrema importância no crescimento, reprodução e proteção (contra doenças e predadores
naturais) de plantas (Angelo e Jorge, 2007). Na natureza, as formas glicosiladas e
esterificadas insolúveis desses compostos são mais comumente encontradas que suas formas
solúveis (Shahidi e Naczk, 2003).
Quimicamente, os compostos fenólicos são caracterizados pela presença de uma ou
mais hidroxilas ligadas a um anel aromático (benzeno) (Figura 13) (Vermerris e Nicholson,
2007). Essa forma estrutural básica provê aos compostos fenólicos AA expressiva, seja pelo
mecanismo de sequestro de radicais livres ou pela capacidade de quelar metais (Soares, 2002).
Figura 13. Estrutura química do grupamento fenol
A biossíntese da maioria dos compostos fenólicos em plantas é realizada através da via
do ácido chiquímico, sendo a fenilalanina o aminoácido precursor da maioria das classes de
compostos fenólicos amplamente distribuídos na natureza (Figura 14) (Taiz e Zeiger, 2002).
44
Figura 14. Via metabólica do ácido chiquímico em p lantas (Fonte: Adaptado de Taiz e Zeiger, 2002)
Na Figura 15 é apresentado detalhadamente o surgimento das principais classes e
subclasses de compostos fenólicos presentes na natureza a partir da fenilalanina. A primeira
etapa da reação é catalizada pela enzima fenilalanina amônia- liase (FAL), componente
fundamental na regulação do metabolismo secundário de plantas (Taiz e Zeiger, 2002).
45
Figura 15. Classes e subclasses de compostos fenólicos originados a partir da fen ilalanina (Adaptado de Taiz e
Zeiger, 2002)
Os compostos fenólicos mais amplamente distribuídos na natureza são os ácidos
fenólicos, as cumarinas e os flavonóides (Salunkhe e Chavan, 1989). Nos tópicos a seguir,
serão discutidas as principais características dos ácidos fenólicos, em especial do ácido gálico
(GA), objeto de estudo desse trabalho.
46
3.3.1. Ácidos fenólicos
Essa classe de compostos fenólicos é dividida em dois grupos: derivados do ácido
benzóico e derivados do ácido cinâmico. Ambos os grupos apresentam papel central no
metabolismo das plantas, por serem precursores de outras classes de compostos fenólicos, e
também por estarem susceptíveis a sofrer vários tipos de reações relevantes biologicamente,
como, por exemplo, conjugações, degradações e polimerizações (Harbone, 1989). No Quadro
7 são apresentados alguns exemplos de ácidos fenólicos e sua ocorrência em alimentos.
Quadro 7. Principais subclasses de ácidos fenólicos e exemplos de sua ocorrência em alimentos
Fonte: Adaptado de Zamora-Ros et al., (2013) e Rothwell et al., (2013)
3.3.3. Derivados do ácido cinâmico
A presença de um anel benzênico com um ou mais substituintes hidroxílicos, ligados a
um grupo carbonila por dois carbonos adicionais (em dupla ligação), é o que caracteriza este
grupo quimicamente (Figura 16). Os ácidos ferúlico, cafeíco e quínico são exemplos desses
compostos. Esses compostos fenólicos são predominantemente encontrados na natureza em
suas formas esterificadas (Giada, 2013).
Subclasse Composto fenólico Ocorrência em alimentos
Derivados do ácido
benzoico
Ácido siríngico Pão, pêra, maçã, vinho tinto, tomilho,
azeitona preta
Ácido vanílico Pão, vinho, cerveja, tâmara seca, tomilho,
sálvia, manjericão
Ácido elágico Castanha, frutas vermelhas
Ácido gálico Cerveja, amora, chá preto, sálvia, orégano,
vinagre, cravo-da-índia, castanhas
Ácido benzoico Frutas vermelhas
Derivados do ácido
cinâmico
Ácido ferúlico Trigo, centeio, chocolate amargo, tâmara
seca, manjerona, azeitona verde
Ácido cafeico Frutas vermelhas, maçã, condimentos, ervas,
batata
Ácido cinâmico Azeitona, frutas vermelhas, canela chinesa
Ácido p-coumárico Café, vinho, frutas vermelhas, ervas,
sementes, azeitona verde
47
Figura 16. Estrutura primária dos derivados do ácido cinâmico e os principais exemplos da classe (Fonte:
Adaptado de Giad ia, 2013)
Como exemplo, os ácidos clorogênicos são ésteres formados originados a partir de
alguns dos derivados do ácido hidroxicinâmico com o ácido quínico (Garambone e Rosa,
2007). Esse classe de compostos pode ser encontrada em uma gama de alimentos
amplamente consumidos pelo mundo, como por exemplo: café, cacau, diversos tipos de frutas
e em algumas ervas utilizadas na elaboração de chás (Cammelia sinensis e Ilex
paraguariensis) (Clifford, 1999). Consequentemente, diversos estudos epidemiológicos vêm
sendo feitos a fim de avaliar relações de causa e efeito entre os ácidos clorogênicos
(utilizando esses alimentos fonte) e a saúde humana (Ranheim et al., 2005; Bonita et al.,
2007). Apesar de ainda haver a necessidade de mais estudos que esclareçam essa possível
relação, ensaios in vitro indicam o principal composto dessa classe, o ácido 5-cafeiolquínico
(5-CQA), como um potente antioxidante (Garambone e Rosa, 2007).
3.3.2. Derivados do ácido benzóico
São as substâncias que apresentam a estrutura química mais simples dentre os
compostos fenólicos. Diferem-se dos derivados do ácido cinâmico apenas por apresentarem a
carbonila ligada diretamente ao anel benzênico (Figura 17). Podem ser citados como
exemplos de compostos pertencentes a essa classe os ácidos gálico, valínico, siríngico e p-
hidroxibenzóico (Giada, 2013).
48
Figura 17. Estrutura primária dos derivados do ácido benzóico e os principais exemplos da classe (Fonte:
Adaptado de Giad ia, 2013)
3.3.2.1. Ácido gálico
O composto 3,4,5-ácido trihidroxibenzóico (Figura 18), mais conhecido como GA, é
um ácido orgânico de coloração branca, inodoro e solúvel em água (PubChem, 2016). Fo i
isolado pela primeira vez em meados de 1770 pelo químico suíço Carl Wilhelm Scheele,
através da exposição de uma solução de noz de galha ao ar livre por várias semanas (Haslam,
1992).
Figura 18. Fórmula estrutural do ácido gálico
Em plantas, o GA é comumente encontrado em suas formas esterificadas que são
extremamente diversificadas, podendo variar de simples monoésteres a poliésteres complexos,
de peso molecular elevado, unidos a monômeros de glicose (Haslam, 1992). Por exemplo, o
GA é o principal precursor de taninos hidrolisáveis, como os elagitaninos e galotaninos, sendo
49
essas suas formas amplamente distribuídas na natureza (Lewis e Yamamoto, 1989; Vemerris e
Nicholson, 2007).
Os mecanismos propostos para a biossíntese do GA nos vegetais são (Dewick e
Haslam, 1969) (Figura 19):
A) A partir de fenilalanina, via derivado do ácido cinâmico;
B) A partir do ácido 3-deidrochiquímico (intermediário da via do ácido chiquímico);
C) A partir do ácido protocatecuico (Chandran e Frost, 2001).
Figura 19. Possíveis rotas para a biossíntese do ácido gálico em vegetais (Fonte: Adaptado de Werner et al.,
2004)
Algumas propriedades físico-químicas do GA podem ser explicadas pela sua estrutura
química. Por exemplo, a presença de dois substituintes hidroxílicos na posição meta do anel
benzênico caracteriza uma ligação de hidrogênio mais estável entre os grupamentos hidroxila
e, portanto, essa ligação requer mais energia para ser desfeita. Essa particularidade explica seu
elevado ponto de ebulição e elevada solubilidade (252 ºC e 12 g/L de água, respectivamente)
(Vermerris e Nicholson, 2007; PubChem, 2016).
50
4. MATERIAIS E MÉTODOS
4.1. REAGENTES
Os seguintes reagentes, com grau analítico, foram utilizados: D-glicose, D-sacarose,
D-frutose, L-glicina, L-prolina, L-alanina, ácido gálico monohidratado, acetato de sódio
anidro, 5-hidroximetilfurfural, 2'-azinobis 3-etilbenzotiazolina-6-ácido sulfônico (ABTS), 2
ácido-6-hidroxi-2,5,7,8 tetrametilcromano-2-carboxílico (Trolox), 2,4,6-tri(2-piridil)-1,3,5-
triazina (TPTZ), persulfato de potássio (Sigma-Aldrich, Alemanha), L-arginina HCl, metanol,
acetonitrila, ácido acético glacial, ácido fórmico (Tedia, EUA), L-lisina (Bioworld, EUA),
cloreto de ferro hexahidratado (Vetec, Brasil) e ácido clorídrico (Merck).
4.2. TESTES PRELIMINARES
Os testes preliminares consistiram, primeiramente, na escolha do meio reacional: Água
ou sistema-tampão. Após escolha da melhor condição, foram feitos ajustes na faixa de
trabalho de pH bem como na concentração dos açúcares e aminoácidos a fim de obter-se as
melhores condições de análise. A temperatura utilizada no presente estudo (100ºC) foi
escolhida a fim de favorecer o aumento da velocidade de reação da RM (Ames, 1990).
4.3. PREPARO DOS SISTEMAS-MODELO
Os SM foram preparados baseando-se na metodologia empregada por Bailey et al.
(1996). Foram preparadas soluções-estoque dos açúcares (glicose, frutose e sacarose) (1,25
mol/L), dos aminoácidos (glicina, lisina, arginina, prolina e alanina) (1,25 mol/L) e do GA
(0,05 mol/L) em tampão acetato de sódio (1 mol/L). Foi utilizado ácido acético glacial para o
ajuste do pH (5,0) de todas as soluções, com auxílio de um potenciômetro (Hanna HI-2222).
Em um balão de fundo chato foram adicionadas as soluções de açúcares e aminoácidos (10
mL de cada) contendo ou não GA (5 mL do composto fenólico ou 5 mL de tampão acetato de
sódio, respectivamente). Deste modo, os açúcares e os aminoácidos atingiram concentração
final de 0,5 mol/L e o GA, quando presente, de 0,01 mol/L. Posteriormente, as soluções
representativas dos SM foram submetidas ao aquecimento por 360 minutos em banho de óleo
51
mineral termostatizado a 125 ºC (fazendo com que a temperatura no interior do balão
atingisse o valor médio de 100 ºC). O aparato experimental consistiu em um agitador
magnético com aquecimento (IKA C-MAG HS 10) acoplado a um controlador de temperatura
(IKA ETS-D5) e a um condensador de bolas. O experimento foi conduzido no interior de uma
capela.
Para avaliar a reprodutibilidade dos experimentos, triplicatas dos SM Sacarose/Glicina
e Glicose/Lisina foram preparadas. A escolha desses SM foi realizada em função de suas
intensidades de escurecimento, que em ensaios anteriores apresentaram-se pouco intensa e
muito intensa, respectivamente. Ambos os SM apresentaram boa reprodutibilidade no que se
refere à intensidade de escurecimento ao longo do tempo (coeficiente de variação entre
4 e 5 %). Dessa maneira, julgou-se adequado o preparo de apenas uma replicata por SM
investigado no presente trabalho.
Alíquotas (± 2 mL) dos SM foram retiradas nos tempos 0, 60, 120, 180, 240 e 360
minutos, sendo avaliadas quanto à intensidade de escurecimento e à AA após resfriamento em
banho de gelo, realizado com o intuito de interromper a reação. O material foi armazenado em
freezer (-18 ºC) até o momento das demais análises.
Para as análises de quantificação de 5-HMF e GA, alíquotas (± 1,5 mL) nos tempos de
0, 20, 40, 60, 120, 180, 240, 300 e 360 minutos foram retiradas e submetidas imediatamente à
análise após o resfriamento em banho de gelo. As alíquotas referentes aos tempos zero e 360
minutos foram armazenadas em ultrafreezer (-80 ºC) para a realização das análises de
degradação de açúcares e aminoácidos.
4.3. INTENSIDADE DO ESCURECIMENTO
A intensidade do escurecimento foi medida em espectrofotômetro (UV-1800,
Shimadzu), no comprimento de onda de 420 nm, utilizando-se uma cubeta de quartzo com
caminho óptico de 1 cm. Água ultra-pura foi utilizada para diluir as amostras, de zero a 1000
vezes, e também como prova em branco no espectrofotômetro. Os resultados de intensidade
de escurecimento ao longo do tempo foram expressos como área abaixo da curva (AUC, do
inglês, Area Under Curve) (abs.min).
52
4.4. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE
A AA in vitro dos SM foi avaliada por dois métodos distintos:
4.4.1. FRAP (do inglês, Ferric reducing antioxidant power)
O método FRAP foi adaptado de Moreira et al. (2005). O mecanismo deste ensaio
consiste na redução do íon Fe+3 presente no complexo Fe+3- TPTZ para Fe+2 em meio ácido
(pH = 3,6). O complexo reduzido apresenta coloração azul escuro e tem absorção máxima em
593 nm (Benzie e Strain, 1996)
Foi preparada uma solução de Trolox 2 mM para a construção da curva padrão. A
partir desta solução-mãe foram realizadas diluições sucessivas para obtenção de soluções de
Trolox nas concentrações de 0,05, 0,1, 0,15, 0,20, 0,30 e 0,35 mM. Em seguida, o reagente de
FRAP [tampão acetato de sódio (300 mM, pH 3,6), TPTZ (10 mM) e cloreto de ferro (20
mM), na proporção de 10:1:1, respectivamente] foi preparado e colocado em banho-maria a
37 °C. Os SM, previamente diluídos (de zero a 625 vezes), foram adicionados à microplaca
(20 μL por micropoço) e, em seguida, o reagente de FRAP foi injetado manualmente (180 μL)
em cada micropoço por meio de uma pipeta multicanal. As amostras foram submetidas à
leitura em espectrofotômetro (VICTOR 1420, Multilabel Counter, Perkinelmer Precisely)
ajustado no comprimento de onda de 595 nm. O tempo de reação do ensaio foi de 4 minutos,
sendo os resultados ao longo do tempo expressos como AUC (mmoles de Trolox.min/L de
amostra).
4.4.2. TEAC (do inglês, Trolox equivalent antioxidant capacity)
O método TEAC foi adaptado de Re et. al (1999). Nesta análise, é testada a habilidade
dos antioxidantes sequestrarem o radical ABTS•+, comparando esta atuação com a solução de
Trolox (Re et al., 1999). As moléculas antioxidantes reduzem o cátion radical ABTS•+ à
ABTS, fazendo com que a solução passe da coloração azul-esverdeada para incolor. O cátion
radical ABTS•+ apresenta absorção máxima em 734 nm (Pinchuk et al., 2012)
No dia anterior à análise foi preparada uma solução de ABTS contendo 0,0066 g de
persulfato de potássio e 0,0384 g de ABTS diluídos com água ultra-pura em um balão
volumétrico de 10 mL. A solução foi envolvida em papel alumínio e mantida em temperatura
53
ambiente no escuro por 12 a 16 horas. No dia de análise, foi preparada uma solução de
trabalho utilizando-se 1 mL da solução estoque de ABTS e 50 mL de água ultra-pura. Essa
solução foi mantida em banho-maria com temperatura em torno de 37 °C. Sua absorbância
inicial foi medida, verificada e, caso necessário, ajustada para apresentar uma absorbância de
0,70 ± 0,02. Para a elaboração da curva padrão, foi utilizada uma solução alcoólica de Trolox
2 mM. A partir dessa solução-mãe, foram preparadas soluções de Trolox nas respectivas
concentrações: 0,05, 0,1, 0,25, 0,50 e 0,75 mM. Os SM, previamente diluídos (de zero a 625
vezes), foram adicionados à microplaca (10 μL em cada micropoço) e, em seguida, a solução
de ABTS•+ foi injetada manualmente (190 μL) em cada micropoço por meio de uma pipeta
multicanal. As amostras foram submetidas à leitura em espectrofotômetro (VICTOR 1420,
Multilabel Counter, Perkinelmer Precisely) ajustado no comprimento de onda de 720 nm. O
tempo de reação do ensaio foi de 6 minutos, sendo os resultados ao longo do tempo expressos
como AUC (mmoles de Trolox.min/L de amostra).
4.5. CONSUMO DOS REAGENTES DA REAÇÃO DE MAILLARD
4.5.1. Açúcares e aminoácidos
Foram preparadas duas soluções-estoque: uma de açúcares (frutose, glicose e
sacarose), utilizando-se água ultra-pura, e outra de aminoácidos (glicina, arginina e lisina),
utilizando-se HCl 0,01 mol/L, em concentrações de 10000 ppm. A partir dessas soluções-
estoque, foram preparadas soluções mais diluídas destes compostos, para a construção da
curva de calibração, nas concentrações de 25, 50, 75, 100 e 200 ppm (para a sacarose ta mbém
foi preparado um ponto de 400 ppm). Os SM, previamente diluídos (100 vezes), foram
submetidos à análise por CLAE (cromatografia líquida de alta eficiência) com detector de
espalhamento de luz evaporativo (ELSD, do inglês Evaporative Light Scattering Detector).
O sistema de cromatografia líquida (Shimadzu, Kyoto, Japan) utilizado foi composto
por bomba quaternária (LC-10Advp), injetor manual (Rheodyne) equipado com alça de
injeção de 20 µL, degaseificador (DGU-14A) e detector (ELSD-LT II) ajustado na
temperatura de 40 ºC, ganho 4 e pressão de fluxo de nitrogênio de 350 kPa. Os teores de
açúcares e aminoácidos foram determinados em duplicata. A separação dos analitos foi
realizada por meio de coluna de fase reversa C18 (SUPELCO, 250 x 4,6 mm, 5 µm),
utilizado-se um fluxo de 1,0 mL/min. O tempo de corrida variou de 5 a 7 minutos. Foi
54
utilizado modo isocrático de eluição com duas fases móveis, uma consistindo em água ultra-
pura acidificada com ácido fórmico (1,0%) e a outra, em acetonitrila, na proporção 99:1,
respectivamente. A quantificação dos açúcares e dos aminoácidos foi realizada por
padronização externa. Entretanto, foi obtida uma resposta não linear do detector ELSD no
presente trabalho, assim como já relatado previamente (Kimball, 2004; Dvoracková et al.,
2014). Deste modo, a quantificação foi realizada a partir da transformação de uma curva de
regressão de potência em um modelo linear, como representado na equação a seguir
(Marcuzzo, 2014):
log (Y) = a log (x) + log (b), em que:
Y = área do analito;
a = inclinação da reta;
x = concentração do analito;
b = intercepto.
A identificação dos analitos de interesse foi realizada por meio da comparação dos
tempos de retenção com seus respectivos padrões. Os resultados foram expressos em mol/L
de amostra.
4.5.2. Ácido gálico
Foi preparada uma solução-estoque de GA utilizando-se água ultra-pura, em
concentrações que variaram de 100 a 200 ppm. A partir dessa solução-mãe, foram preparadas
soluções mais diluídas deste padrão nas concentrações de 5, 10, 15, 20, 25 e 30 ppm para a
construção da curva de calibração. Os SM, previamente diluídos (100 vezes), foram
submetidos à análise por CLAE com detector de arranjo diodos (DAD, do inglês Diode Array
Detector) no comprimento de onda de 220 nm.
O sistema de cromatografia líquida (Shimadzu, Kyoto, Japan) utilizado foi composto
por bomba quartenária (LC-10Advp), forno (CTO-10Asvp), injetor manual (Rheodyne)
equipado com loop de 20 µL, degaseificador (DGU-14A) e detector de arranjo de diodos
(SPD M10Avp). Os teores de 5-HMF foram determinados em duplicata. A separação dos
analitos foi realizada por meio de coluna de fase reversa C18 (SUPELCO, 250 x 4,6 mm, 5
55
µm) mantida à temperatura constante de 40 ºC. Foi utilizado fluxo de 1,0 mL/min e o tempo
de corrida foi de 10 minutos. A fase móvel A foi composta por água ultra-pura acidificada
com ácido fórmico (0,3%) e a fase móvel B por metanol. Foram utilizadas proporções de 90%
de fase A e 10% de fase B em modo de eluição isocrático. A identificação e quantificação do
GA foram realizadas em comprimento de onda de 220 nm por meio da comparação do tempo
de retenção e espectro de UV do composto nas amostras com os mesmos parâmetros do
padrão externo. Os resultados foram expressos em µg/mL de amostra.
4.6. FORMAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL
Uma solução-estoque do composto 5-hidroximetilfurfural foi preparada utilizando-se
água ultra-pura com 10% de metanol, em concentrações que variaram de 100 a 200 ppm. A
partir dessa solução-mãe, foram preparadas soluções deste composto nas concentrações de
0,5, 1,0, 2,0, 5,0, 10,0 e 20,0 ppm para a construção da curva de calibração. Os SM,
previamente diluídos (de 0 a 10 vezes), foram submetidos à análise por CLAE-DAD.
Para a quantificação de 5-HMF nos SM, foi utilizada a mesma metodologia
empregada na quantificação de GA. A identificação do 5-HMF foi realizada em comprimento
de onda de 280 nm por meio da comparação do tempo de retenção e espectro de UV do
composto nas amostras com os mesmos parâmetros do padrão externo. As curvas foram
expressas em µg/mL de amostra. A formação de 5-HMF ao longo do tempo foi expressa em
AUC (µg.min/mL).
4.7 ANÁLISES ESTATÍSTICAS
A avaliação do efeito da composição do SM (diferentes açúcares e aminoácidos) na
intensidade de cor, AA, consumo de reagentes e formação de 5-HMF foi investigada a partir
de análise de variância (Two-way ANOVA) com pós-teste de Fisher (α = 5%). O efeito da
adição de GA ao SM sobre as variáveis supracitadas foram avaliadas pelo teste t de Student
pareado (α = 5%). O software GraphPad Prism 6.0 (GraphPad Software Inc.) foi utilizado
para a realização dessas análises. A existência de possíveis correlações entre as diferentes
análises realizadas no presente estudo foi avaliada em Matriz de Pearson (α = 5 %) por meio
do software Statistica 7.0 (StatSoft Inc.).
56
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1. TESTES PRELIMINARES
Inicialmente, avaliou-se a utilização de água ou solução-tampão como solvente do
meio reacional dos SM. Na Figura 20 é apresentada a variação do pH dos SM
Glicose/Glicina e Sacarose/Glicina (ambos na concentração de 1,0 mol/L) quando utilizado
água ou tampão acetato de sódio (1,0 mol/L, pH 5,0) como meios reacionais. A queda gradual
do pH ao longo do desenvolvimento da RM foi observada no presente trabalho, e está de
acordo com os resultados de outros estudos da literatura (Monti et al., 1998; Kim e Lee,
2009). Essa queda é atribuída à perda de grupamentos amino, devido ao seu caráter básico, e à
produção de furfural e ácidos orgânicos, ambas substâncias de caráter ácido (Martins e Van
Boekel, 2005). Apesar do decaimento do pH em ambos os meios reacionais, com os SM
tamponados foi possível minimizar a queda do pH. Além disso, valores de pH menos ácidos
são considerados favoráveis para o desenvolvimento da RM, assim como mais próximos
àqueles observados na maioria das matrizes alimentares. Desta forma, os SM tamponados
foram utilizados para as análises do presente estudo.
Figura 20. Variação de pH dos sistemas-modelo Glicose/Glicina e Sacarose/Glicina utilizando água ou tampão
acetato de sódio 1 mol/L (pH 5,0) como meios reacionais
57
A escolha do tipo de solução-tampão foi baseada em trabalhos previamente relatados
na literatura (Bell, 1997; Rizzi, 2004), os quais sugerem que o sistema tampão utilizado pode
exercer influência sobre a quantidade e os tipos de produtos da RM gerados (Chen e Kitts,
2011). Comparando-se as soluções-tampão de acetato e fosfato, aquelas mais amplamente
utilizadas para esse fim, relata-se a menor influência na RM quando a solução-tampão de
acetato foi utilizada. Por outro lado, íons fosfato e outros ânions poliatômicos podem acelerar
a taxa de escurecimento da RM pelo fornecimento de intermediários reativos que agem
diretamente na degradação dos açúcares (Rizzi, 2004).
Após a escolha do tampão acetato como meio reacional, foi avaliada a influência da
concentração dos reagentes utilizados na intensidade do escurecimento da RM. Na Figura 21
é apresentada a intensidade de escurecimento do SM Glicose/Glicina em três situações: 1)
aminoácidos, açúcares e solução-tampão a 1,0 mol/L; 2) aminoácidos, açúcares e solução-
tampão a 0,2 mol/L; 3) aminoácidos e açúcares a 0,5 mol/L e solução-tampão a 1,0 mol/L.
Observou-se que maiores intensidades de escurecimento à medida em que aumentava-se a
concentração dos reagentes.. Portanto, em função do alto custo dos aminoácidos, foi escolhida
a concentração inicial de 0,5 mol/L para açúcares e aminoácidos, e solução-tampão acetato de
sódio 1 mol/L (pH 5,0), a fim de evitar quedas drásticas de pH e manter a reação na faixa de
pH desejada.
Figura 21. Intensidade de escurecimento do sistema-modelo Glicose/Glicina com reagentes nas concentrações
0,2 mol/L, 0,5 mol/L e 1,0 mol/L. Em ambos os sistemas foi utilizado tampão acetato de sódio (pH 5,0), como
meio reacional, nas concentrações 0,2 mol/L, 1,0 mol/L, respectivamente
58
5.2. INTENSIDADE DO ESCURECIMENTO
O escurecimento dos SM elaborados no presente estudo foi monitorado ao longo de 6
horas de aquecimento sob refluxo. Nas Figuras 22 a 24 são apresentadas as curvas de
escurecimento dos SM contendo glicose, frutose e sacarose, respectivamente.
Figura 22. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo glicose ao longo de 6 horas de aquecimento sob
refluxo
59
Figura 23. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo frutose ao longo de 6 horas de aquecimento sob
refluxo
60
Figura 24. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo sacarose ao longo de 6 horas de aquecimento sob
refluxo
Nos SM, os diferentes açúcares (glicose, frutose e sacarose) e aminoácidos (alanina,
arginina, glicina, lisina e prolina) testados exerceram influência sobre a formação de cor,
expressa como AUC da absorbância ao longo das 6 horas de teste. O escurecimento foi maior
nos SM contendo glicose do que nos SM contendo frutose e sacarose (p < 0,01), que
apresentaram intensidades de escurecimento equivalentes (Figura 25).
61
Figura 25. Intensidade de escurecimento (AUC, abs.min) dos sistemas-modelo investigados, agrupados por
açúcar. Letras diferentes sobre as barras indicam diferença estatística (Two-way ANOVA, p < 0,05)
A diferença de reatividade existente entre glicose e frutose pode ser explicada em
função dos grupamentos funcionais presentes em suas estruturas (aldeído e cetona,
respectivamente). Cetonas são consideradas menos reativas do que aldeídos por apresentarem
maior impedimento estérico, devido à ligação de dois substituintes alquila ao carbono da
carbonila. Adicionalmente, os grupamentos alquila são doadores de elétrons, o que torna o
carbono da carbonila menos eletrofílico e, portanto, menos susceptível a participar de reações
de adição. Aldeídos apresentam apenas um substituinte alquila ligado à carbonila e, por isso,
são mais reativos (Solomons et al., 2013). Além disso, os produtos de Heyns apresentam
menor velocidade de formação quando comparados aos produtos de Amadori (Pilková et al.,
1990). A maior reatividade da glicose em relação à frutose na RM já foi observada em SM
(Kwak e Lin, 2004).
Os SM contendo sacarose apresentaram menor intensidade de escurecimento em
relação àqueles contendo glicose em função dos dois carbonos anoméricos da sacarose
estarem envolvidos na ligação glicosídica (Wrolstad, 2012). Consequentemente, é preciso que
a sacarose seja hidrolisada a fim de possibilitar seus respectivos monômeros (glicose e
frutose) a participarem da RM (Ribeiro e Seravalli, 2007). De maneira geral, é sabido que
dissacarídeos são menos reativos frente à RM do que monossacarídeos (Lamberts et al.,
2008).
Em relação aos aminoácidos, os SM contendo lisina apresentaram maior formação de
cor do que aqueles contendo os demais aminoácidos (Figura 26). A alta reatividade da lisina
62
(Ajandouz e Puigserver, 1999; Kwak e Lin, 2004) pode ser explicada pela existência de um
grupamento ε-amino em sua cadeia lateral, além do grupamento α-amino comum a todos os
aminoácidos (Miller et al., 1984).
Figura 26. Intensidade de escurecimento (AUC, abs.min) dos sistemas-modelo investigados, agrupados por
aminoácido. Letras diferentes sobre as barras indicam d iferença estatística (Two-way ANOVA, p < 0,05)
Assim como para a lisina, a presença de arginina em SM já foi associada com
escurecimento rápido e intenso (Danehy, 1986). De maneira geral, aminoácidos básicos
apresentam maior reatividade na RM quando comparados aos demais aminoácidos (Rooney et
al., 1967). No presente estudo, os SM contendo arginina apresentaram menor intensidade de
escurecimento do que aqueles contendo lisina (Figura 26). Apesar da maior tendência de
doação de elétrons do grupamento guanidino da arginina (pKa = 12,48) frente ao grupamento
ε-amino da lisina (pKa = 10,53), dados na literatura relatam a maior reatividade da lisina em
relação aos outros aminoácidos (Simpson et al., 2012), como observado no presente estudo.
A menor reatividade da arginina, em relação à lisina, poderia ser explicada pela distribuição
favorável de cargas positivas ao longo dos três diferentes átomos de nitrogênio nas possíveis
estruturas de ressonância desse aminoácido em sua forma protonada, ocasionando maior
estabilidade (Ishikawa, 2009) (Figura 27).
63
Figura 27. Estruturas de ressonância do grupamento guanidina protonado da cadeia lateral da arg inina
5.3. ATIVIDADE ANTIOXIDANTE
A AA dos SM foi avaliada pelos ensaios de FRAP (AAFRAP) e TEAC (AATEAC), ao
longo das 6 horas de reação, sendo expressas como AUC. Nas Figuras 28 a 30 são
apresentadas as curvas de AAFRAP e AATEAC dos SM contendo glicose, frutose e sacarose,
respectivamente. Uma correlação positiva foi observada entre os ensaios utilizados para
avaliar a AA (r = 0,952, p < 0,001, n = 75).
64
Figura 28. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelos ensaios de FRAP e TEAC, dos sistemas -
modelo contendo glicose ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
65
Figura 29. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelos ensaios de FRAP e TEAC, dos sistemas -
modelo contendo frutose ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
66
Figura 30. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelos ensaios de FRAP e TEAC, dos sistemas -
modelo contendo sacarose ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
Os resultados agrupados por açúcares e aminoácidos presentes nos SM são
apresentados na Figura 31. De maneira geral, a AAFRAP foi influenciada pelo açúcar presente
nos SM (p = 0,020) e marginalmente influenciada pelos diferentes aminoácidos (p = 0,066).
Por outro lado, a AATEAC foi influenciada somente pelo açúcar presente nos SM (p = 0,051),
mas não pelos diferentes aminoácidos (p = 0,133).
67
Figura 31. Atividade antioxidante (AUC, mmol Tro lox.min/L), medida pelos ensaios de FRAP e TEAC, dos
sistemas-modelo investigados, agrupados por açúcar (A) e por aminoácido (B). Para um mesmo ensaio, letras
distintas indicam diferença estatística entre os sistemas -modelo investigados (Two-way ANOVA, p < 0,05)
68
Os SM contendo glicose apresentaram os maiores valores de AA dentre os SM
investigados (p < 0,05), ao passo que os SM contendo sacarose e frutose apresentaram AA
equivalentes entre si, independentemente do ensaio utilizado (Figura 31A). Os SM contendo
lisina apresentaram as maiores AAFRAP e AATEAC, exceto quando comparados aos SM
contendo alanina. Além disso, todos os SM, com exceção daqueles contendo lisina,
apresentaram AAFRAP e AATEAC equivalentes (Figura 31B). Os maiores valores de AA dos
SM contendo glicose e/ou lisina podem ser explicadas pelas maiores intensidades de
escurecimento desses SM. Dados da literatura indicam que, dentre os produtos formados na
RM, as melanoidinas (compostos de coloração marrom) seriam os principais contribuintes
para a AA (Wang et al., 2011). Em consequência da escassez de dados referentes às vias de
formação e estrutura química das melanoidinas, ainda não há consenso acerca dos
mecanismos responsáveis pela AA das mesmas. Entretanto, as principais teorias baseiam-se
na formação de complexos inativos a partir da captação de espécies eletrofílicas, do sequestro
de espécies reativas de oxigênio e da quelação de metais (Yoshimura et al., 1997; Delgado-
Andrade et al., 2005). Além das melanoidinas, já foi relatado que as redutonas, formadas a
partir de conjuntos de fragmentação primária, também apresentam elevada AA (Ames, 2003).
Entretanto, o pH ligeiramente ácido do meio reacional (entre 4,8 e 5,1) no presente estudo não
favorece a via de formação dessas substâncias (Nursten, 2005).
No presente estudo, foi encontrada correlação entre a intensidade do escurecimento e a
AA dos SM, independentemente do método utilizado (r > 0,90; p < 0,001, n = 75). Em SM e
em matrizes alimentares processadas termicamente, a relação entre a AA e a intensidade de
escurecimento já foi observada. Em SM, foi observada correlação positiva entre a AA,
medida por ORAC (do inglês, Oxygen Radical Absorbance Capacity), e a formação de
compostos nos estágios avançados da RM, ou seja, a partir de conjuntos de interação (Chen e
Kitts, 2008). Em bebidas de café, a AA está diretamente relacionada com o grau de torrefação
(Delgado-Andrade et al., 2005; Perrone et al., 2012). A AA de melanoidinas isoladas de
cascas de pão, medida por FRAP e TEAC, aumentou em função do tempo de forneamento,
indicando uma relação entre a intensidade de escurecimento e a AA nessa matriz (Alves e
Perrone, 2015). Em modelo de casca de pão, foi observada uma correlação positiva entre a
intensidade de escurecimento (medida como absorbância em 420 nm) e a AA (medida pelo
ensaio de FRAP) (Yilmaz e Akgun, 2008). Esses resultados reforçam a ideia de que produtos
cromóforos formados na RM, como as melanoidinas, podem contribuir de forma relevante
com a AA de alimentos nos quais ocorre a RM.
69
5.4. CONSUMO DOS REAGENTES E FORMAÇÃO DE 5-HIDROXIMETILFURFURAL
Dos SM contendo lisina, alanina, glicina, arginina ou prolina, aqueles contendo lisina,
arginina ou glicina foram selecionados para a continuação do estudo. A lisina e a arginina
foram escolhidas em função da presença de cadeias laterais reativas, amina e guanidina,
respectivamente. Além disso, os SM contendo lisina apresentaram, em média, os maiores
valores de intensidade de escurecimento e de AA. A escolha dos SM contendo glicina em
detrimento daqueles contendo alanina, ambos aminoácidos de estrutura semelhante, ocorreu
em função da glicina ser mais estudada, o que possibilitaria a comparação dos resultados do
presente estudo com dados da literatura. Os SM contendo prolina foram excluídos em função
da sua baixa intensidade de escurecimento e AA.
A quantificação dos açúcares e aminoácidos foi realizada nos tempos inicial (0 min) e
final (360 min) da RM em SM. De maneira geral, a concentração inicial da maioria dos
reagentes medida experimentalmente foi superior (entre 0,58 mol/L e 0,86 mol/L) à teórica
(0,5 mol/L), com exceção da glicina que apresentou valores de concentração inferiores (entre
0,39 mol/L e 0,52 mol/L). Essas diferenças podem ser atribuídas a um possível efeito de
matriz quando esses analitos são quantificados utilizando-se um detector de espalhamento de
luz evaporativo, como o utilizado no presente estudo. Sabe-se que algumas características
químicas dos analitos, tais como a absortividade molar e a estrutura química, podem
influenciar de forma expressiva a dispersão da luz (Righezza e Guiochon, 1988; Urano et al.,
2012). Apesar disso, o consumo (expresso em número de moles) dos reagentes apresentou
comportamento consistente com dados da literatura, que indicam maior reatividade de glicose
e lisina em SM (Oetterer et al., 2006; Lamberts et al., 2008). No presente estudo, os maiores
consumos molares foram observados para glicose (entre 0,56 e 0,67 moles) e lisina (entre 0,09
e 0,33 moles), em relação aos demais açúcares e aminoácidos, respectivamente (Figura 32).
O consumo molar de açúcares e de aminoácidos apresentou correlação positiva (r = 0,931, p <
0,001, n = 9) e, a partir do gráfico de correlação (Figura 33), puderam-se observar diferentes
relações molares entre os açúcares e aminoácidos nos SM investigados (Quadro 8). O menor
consumo dos aminoácidos em relação aos açúcares poderia ser explicado pelas vias reacionais
da etapa inicial da RM, na qual o aminoácido que inicialmente se condensa com o açúcar
(Figura 2) retorna para o meio reacional após a formação de 3-desoxihexosona a partir dos
produtos de Amadori (Figura 3). De fato, já foi relatado que açúcares estão mais fortemente
envolvidos na RM, de um ponto de vista quantitativo, do que aminoácidos (Martins e Van
Boekel, 2005).
70
O consumo molar dos açúcares e dos aminoácidos na RM foi diretamente
correlacionado com a intensidade de escurecimento (r > 0,76, p < 0,018, n = 9), o que está de
acordo com as teorias propostas, que afirmam que os compostos intermediários provenientes
dos conjuntos de fragmentação primária e de interação secundária da RM, como os compostos
dicarbonílicos e produtos da degradação de Strecker, respectivamente, são precursores de
melanoidinas (Kroh et al., 2008).
Figura 32. Concentração (mol/L) dos açúcares (glicose, frutose e sacarose) (A) e dos aminoácidos (glicina,
arginina e lisina) (B ) nos tempos inicial (t=0 min, ☐) e final (t=360 min, ■) de reação. O número de moles
consumido de cada reagente é apresentado sobre as barras
71
Figura 33. Gráfico de correlação entre o consumo molar de açúcares e de aminoácidos nos sistemas -modelo
investigados (n = 9)
Quadro 8. Relação entre o consumo de açúcares e aminoácidos na Reação de Maillard em sistemas -modelo
Sistema-modelo Número de moles consumidos Relação molar
(Açúcar/Aminoácido) Açúcar Aminoácido
Glicose/Glicina 0,56 ± 0,03 0,20 ± 0,03 2,8:1,0
Glicose/Arginina 0,59 ± 0,00 0,20 ± 0,01 3,0:1,0
Glicose/Lisina 0,67 ± 0,05 0,32 ± 0,07 2,1:1,0
Frutose/Glicina 0,13 ± 0,01 0,02 ± 0,01 6,5:1,0
Frutose/Arginina 0,18 ± 0,01 0,05 ± 0,00 3,6:1,0
Frutose/Lisina 0,29 ± 0,00 0,13 ± 0,00 2,2:1,0
Sacarose/Glicina 0,05 ± 0,06 0,02 ± 0,03 2,5:1,0
Sacarose/Arginina 0,16 ± 0,01 0,10 ± 0,00 1,6:1,0
Sacarose/Lisina 0,12 ± 0,00 0,09 ± 0,01 1,3:1,0
No presente trabalho, a formação de 5-HMF foi avaliada nos SM, sendo expressa
como AUC. Nas Figuras 34 a 36 é apresentada a formação dessa substância, ao longo de 6
horas, nos SM contendo glicose, frutose e sacarose, respectivamente.
72
Figura 34. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo glicose ao
longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
Figura 35. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo frutose ao
longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
73
Figura 36. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo sacarose ao
longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
Observou-se que a composição do SM, bem como o tempo de reação, foram fatores
que influenciaram na formação de 5-HMF (p < 0,05). A formação desse composto, expressa
como AUC, correlacionou-se positivamente com o número de moles consumidos de açúcares
(r = 0,885, p < 0,001, n = 9) e aminoácidos ao longo da RM (r = 0,770, p = 0,015, n = 9),
evidenciando que ambos substratos estão relacionados com a produção de 5-HMF, conforme
já descrito na literatura (Nursten, 2005). Os SM contendo glicose apresentaram maior
formação de 5-HMF em relação aqueles contendo frutose e sacarose, que não diferiram entre
si (Figura 37A). Sabe-se que, em reações de caramelização ou catálise ácida com açúcares
isolados, a frutose apresenta velocidade de formação de 5-HMF superior à da glicose, que por
sua vez é superior à da sacarose. Entretanto, já foi observado aumento na velocidade de
formação de 5-HMF a partir de glicose e sacarose na presença de alanina, ácido aspártico e
ácido γ-aminobutírico, enquanto que esse comportamento não foi observado quando a frutose
era o substrato da reação (Lee e Nagy, 1990). Nesse sentido, a presença dos aminoácidos nos
SM contendo glicose e sacarose avaliados no presente trabalho pode ter aumentado a
velocidade de formação de 5-HMF em relação aqueles contendo frutose. Não foram
observadas diferenças estatísticas para a formação de 5-HMF quando os SM contendo os
diferentes aminoácidos foram comparados entre si (Figura 37B).
74
Figura 37. Formação de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (AUC, μg.min/mL) nos sistemas -modelo investigados,
agrupados por açúcar (A) e por aminoácido (B). Letras distintas sobre as barras indicam diferença estatística
(Two-way ANOVA, p < 0,05)
A maior velocidade de formação de 5-HMF foi observada no SM Glicose/Lisina
(Figura 34), no qual o pico máximo de concentração de 5-HMF ocorreu entre 40 e 60
minutos. A partir desse tempo, a diminuição do teor de 5-HMF ocorre, possivelmente, pela
polimerização desse composto, gerando melanoidinas (Feather e Nelson, 1984), o que pode
ter relação com a maior intensidade de escurecimento deste SM em comparação a todos os
outros. Outra teoria baseia-se na reação entre o grupamento ε-amino da lisina e o HMF, visto
que já foi relatada a diminuição da concentração de HMF em presença de lisina (Zou et al.,
2016). A maior formação de 5-HMF ao longo da reação ocorreu no SM Glicose/Glicina
(Figura 34) em relação aos demais SM investigados (p < 0,01) (Figuras 35 e 36). A
possibilidade da glicina presente no meio acelerar o processo de conversão de glicose para 5-
HMF já foi relatada (Nursten, 2005). Os teores de 5-HMF nesse SM atingiram um máximo
em 240 minutos, mantendo-se constantes até o final da reação.
A formação de 5-HMF nos SM contendo frutose e sacarose apresentou perfis similares
entre si (Figura 35 e 36, respectivamente). Assim, é interessante notar que o tipo de açúcar
75
influenciou na quantidade de 5-HMF formada, enquanto o tipo de aminoácido influenciou na
velocidade de formação dessa substância, especialmente nos SM contendo glicose.
Foram observadas correlações entre a concentração de 5-HMF e a intensidade de
escurecimento (r = 0,369, p = 0,013, n = 45), o que era esperado considerando-se que esse
composto é um indicador da ocorrência e da intensidade da RM. A concentração de 5-HMF
correlacionou-se com a AA medida por FRAP (r = 0,315, p = 0,035, n = 45) e TEAC
(r = 0,3138, p = 0,036, n = 45). Esse resultado foi surpreendente, visto que soluções-padrão de
5-HMF não apresentam AA (Verzelloni et al., 2007). Nesse caso, a correlação observada
pode ser uma evidência indireta da formação de outros compostos dos conjuntos de
fragmentação primária e de interação (etapas intermediárias da RM) que possuem atividade
antioxidante, tais como os pirróis e outros compostos heterocíclicos (Yanagimoto et al.,
2002), não avaliados no presente estudo.
5.5. EFEITO DA ADIÇÃO DE ÁCIDO GÁLICO SOBRE A REAÇÃO DE MAILLARD EM
SISTEMAS-MODELO
5.5.1. Intensidade de escurecimento
O efeito da adição de ácido gálico sobre a intensidade do escurecimento dos SM, ao
longo da RM, foi avaliado no presente estudo. Nas Figuras 38 a 40 são apresentadas as
curvas relativas ao escurecimento dos SM adicionados de GA contendo glicose, frutose e
sacarose, respectivamente, juntamente com as curvas relativas aos SM sem adição de GA.
76
Figura 38. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo glicose, adicionados ou não de GA, ao longo de 6
horas de aquecimento sob refluxo
77
Figura 39. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo frutose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo
de 6 horas de aquecimento sob refluxo
78
Figura 40. Escurecimento dos sistemas-modelo contendo sacarose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo
de 6 horas de aquecimento sob refluxo
79
Observou-se que a adição de GA não influenciou na intensidade de escurecimento dos
SM investigados (Figura 41). De fato, em um experimento em que o GA foi aquecido
isoladamente em tampão acetato, a intensidade de escurecimento observada foi desprezível
(absorbância = 2,77; t = 360 minutos) quando comparada às observadas nos SM.
Figura 41. Influência da ad ição de ácido gálico na intensidade do escurecimento (AUC, abs.min) da reação de
Maillard. Os sistemas-modelo foram agrupados por açúcar (A) e por aminoácido (B). Não houve diferença
estatística quando o ácido gálico fo i adicionado aos sistemas -modelo (Teste t Student, p > 0,05)
80
5.5.2. Atividade antioxidante
Nas Figuras 42 a 44 são apresentadas as curvas relativas à AAFRAP dos SM,
adicionados ou não de ácido gálico, contendo glicose, frutose e sacarose, respectivamente.
Figura 42. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de FRAP , dos sistemas -modelo
contendo glicose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
81
Figura 43. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de FRAP, dos sistemas -modelo
contendo frutose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
82
Figura 44. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de FRAP, dos sistemas -modelo
contendo sacarose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
83
Nas Figuras 45 a 47 são apresentadas as curvas relativas à AATEAC dos SM,
adicionados ou não de ácido gálico, contendo glicose, frutose e sacarose, respectivamente.
Figura 45. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de TEAC, dos sistemas -modelo
contendo glicose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
84
Figura 46. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de TEAC, dos sistemas -modelo
contendo frutose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquec imento sob refluxo
85
Figura 47. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de TEAC, dos sistemas -modelo
contendo sacarose, adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
86
Independentemente do método utilizado para medir a AA dos SM, a adição de GA
resultou em um aumento expressivo (entre 69 % e 486 %) da AA em todos os SM
investigados (p < 0,05) (Figura 48). Esse aumento pode ser explicado tanto pela presença do
próprio GA, que apresenta AA isoladamente (Pulido et al., 2000), quanto pela formação de
outros compostos com elevada AA a partir de reações envolvendo o GA. Quando o GA foi
aquecido isoladamente em tampão acetato, não foi observada variação na AAFRAP do meio
reacional (Figura 49A) e na sua concentração (Figura 49B).
Figura 48. Influência da ad ição de ácido gálico na atividade antioxidante, medida por FRAP e TEAC (AUC
mmol de Trolox.min/L) dos sistemas-modelo investigados quando agrupados por açúcar (A) e por aminoácido
(B). A ad ição de GA levou ao aumento significat ivo da AA em todos os SM (Teste t Student, p < 0,05). O
aumento percentual foi expresso sobre as barras.
87
Figura 49. Atividade antioxidante (mmol Trolox/L), medida pelo ensaio de FRAP (A) e concentração de ácido
gálico (B ), ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo de uma solução de ácido gálico em tampão acetato.
Não foram observadas diferenças estatísticas ao longo do tempo (p > 0,05).
Apesar da adição de GA ter resultado em aumento da AA em todos os SM, de maneira
inesperada não foi observada correlação entre a concentração molar de GA e a AA.
Entretanto, quando os SM contendo glicina foram excluídos da análise estatística, observou-se
correlação negativa entre a concentração molar de GA e a AAFRAP (r > - 0,735, p < 0,001, n =
30) e AATEAC (r = - 0,726, p < 0,001, n = 30), o que sugere a possibilidade da formação de
compostos com atividade pró-oxidante nos SM contendo glicina.
88
5.5.3. Consumo dos reagentes e formação de 5-hidroximetilfurfural
O comportamento do GA ao longo da RM foi avaliado no presente estudo nos SM
contendo glicose, frutose e sacarose (Figuras 50 a 52).
Figura 50. Concentração de ácido gálico (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo glicose ao longo de 6 horas de
aquecimento sob refluxo
Figura 51. Concentração de ácido gálico (μg/mL) nos sistemas -modelo contendo frutose ao longo de 6 horas de
aquecimento sob refluxo.
89
Figura 52. Concentração de ácido gálico (μg/mL) nos sistemas -modelo contendo sacarose ao longo de 6 horas
de aquecimento sob refluxo.
Na Figura 53 são apresentados os dados relativos à concentração do GA nos SM
investigados nos tempos inicial e final de reação. O SM Glicose/Glicina/GA foi o que
apresentou a maior perda percentual de GA (50%) dentre todos os SM. Adicionalmente, os
SM contendo glicina apresentaram as maiores perdas percentuais de GA, independentemente
do açúcar presente. Esse resultado pode ser explicado pela possível formação de compostos
com atividade pró-oxidante nesses SM, conforme discutido anteriormente. Os SM contendo
lisina e arginina apresentaram perdas percentuais semelhantes de GA (para um mesmo
açúcar), exceto no caso do SM Glicose/Lisina/GA, que apresentou perda percentual de GA
cerca de duas vezes maior que o SM Glicose/Arginina/GA.
90
Figura 53. Concentração (µg/mL) de ácido gálico nos tempos inicial (t=0 min, ☐) e final (t=360 min, ■) de
reação. A variação percentual da concentração é apresentada sobre as barras
Sabe-se que o GA apresenta maior estabilidade em pH ácido (Boles et al., 1988),
sendo susceptível à degradação em pH básico (Friedman e Jurgens, 2000). Entretanto, dados
relativos à estabilidade térmica do GA são controversos. Na forma sólida, a degradação ocorre
comumente na faixa entre 222 ºC e 240 ºC (Pubchem, 2016). No presente trabalho, não foram
observadas perdas significativas de GA ao longo do tempo, quando aquecido isoladamente
nas mesmas condições utilizadas no preparo dos SM (Figura 49B). Assim, é provável que os
compostos gerados durante o curso da RM tenham reagido com o GA e, consequentemente,
interferido na sua estabilidade.
Na Figura 54 são apresentados os teores de açúcares e aminoácidos nos SM
analisados, nos tempos inicial (0 minuto) e final (6 horas) de reação. De maneira geral, os
resultados assemelham-se aos observados anteriormente para os SM que não continham GA.
91
O açúcar que apresentou maior consumo foi a glicose. Além disso, o maior consumo de
aminoácido foi observado nos SM contendo glicose. No Quadro 9 estão apresentados os
resultados relativos à influência do ácido gálico no que diz respeito às relações molares de
consumo entre açúcares e aminoácidos na RM.
Figura 54. Concentração (mol/L) dos açúcares (glicose, frutose e sacarose) (A) e dos aminoácidos (glicina,
arginina e lisina) (B ) nos tempos inicial (t=0 min, ☐) e final (t=360 min, ■ ) de reação nos sistemas-modelo com
adição de ácido gálico. Os valores de consumo molar são apresentados sobre as barras
92
Quadro 9. Relação molar entre o consumo de açúcares e aminoácidos nos sistemas -modelo contendo ácido
gálico em co mparação com os sistemas-modelo sem adição de ácido gálico
Sistema-modelo
Número de moles
consumidos
Relação molar (Açúcar/
Aminoácido) dos
sistemas-modelo com
adição de ácido gálico
Relação molar
(Açúcar/
Aminoácido) dos
sistemas-modelo sem
adição de ácido gálico
Açúcar Aminoácido
Glicose/Glicina/GA 0,41 ± 0,01 0,08 ± 0,01 5,1:1,0 2,8:1,0
Glicose/Arginina/GA 0,57 ± 0,00 0,18 ± 0,01 3,2:1,0 3,0:1,0
Glicose/Lisina/GA 0,69 ± 0,02 0,27 ± 0,03 2,6: 1,0 2,1:1,0
Frutose/Glicina/GA 0,11 ± 0,01 0,02 ± 0,01 5,5: 1,0 6,5:1,0
Frutose/Arginina/GA 0,16 ± 0,00 0,01 ± 0,00 16,0: 1,0 3,6:1,0
Frutose/Lisina/GA 0,20 ± 0,00 0,05 ± 0,01 4,0: 1,0 2,2:1,0
Sacarose/Glicina/GA 0,14 ± 0,06 0,04 ± 0,07 3,5: 1,0 2,5:1,0
Sacarose/Arginina/GA 0,09 ± 0,02 0,10 ± 0,02 0,9: 1,0 1,6:1,0
Sacarose/Lisina/GA 0,21 ± 0,00 0,04 ± 0,01 5,2: 1,0 1,3:1,0
De acordo com o Quadro 9, pôde-se observar uma tendência ao menor consumo de
aminoácidos em presença do GA. Essa diferença pode estar relacionada com a redução dos
compostos α-dicarbonílicos pelo GA, diminuindo a quantidade disponível desses
intermediários na degradação de Strecker. De fato, já foi demonstrado o poder inibitório de
derivados do ácido gálico sobre a formação de compostos intermediários da RM, através de
um mecanismo de competição com a lisina (Yin et al., 2014). Além disso, a concentração
molar de GA foi mais intensamente correlacionada com a concentração molar de açúcares (r
= 0,743, p < 0,001, n = 18) do que com a de aminoácidos (r = 0,538, p < 0,021, n = 18), o que
reforça a preferência de reação entre GA e intermediários da degradação de açúcares, tais
como os compostos α-dicarbonílicos.
O 5-HMF é um dos compostos reativos formados a partir de conjuntos de
fragmentação primária e, portanto, há possibilidades de sua reação com o GA. Nas Figuras
55 a 57 são apresentadas as curvas de formação dessa substância ao longo do tempo de reação
93
(6 horas) nos SM adicionados de ácido gálico contendo glicose, frutose e sacarose,
respectivamente.
Figura 55. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo glicose,
adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
Figura 56. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo frutose,
adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
94
Figura 57. Concentração de 5-hidroximet ilfurfural (5-HMF) (μg/mL) nos sistemas-modelo contendo sacarose,
adicionados ou não de ácido gálico, ao longo de 6 horas de aquecimento sob refluxo
De forma semelhante àquela observada para os SM sem adição de GA, a composição
do SM, bem como o tempo de reação, foram fatores que influenciaram na formação de
5-HMF (Two-way ANOVA, p < 0,05). Nos SM Glicose/Arginina, Sacarose/Arginina,
Sacarose/Lisina e Frutose/Glicina foi observada menor formação de 5-HMF quando na
presença de GA (p < 0,05), o que reforça a hipótese de que o GA pode reduzir o 5-HMF
formado. Por outro lado, em outros SM, foi observada maior formação de 5-HMF em
presença de GA, como no caso dos SM Frutose/Arginina e Glicose/Lisina (p < 0,05). De
forma similar, demostrou-se que o 5-CQA aumenta a formação de 5-HMF em SM (Zhang et
al., 2016). O fenônemo foi atribuído à presença de grupamentos dihidroxifenil e carboxila na
estrutura do 5-CQA.
Apesar dos resultados descritos anteriormente, não foram percebidas diferenças
estatísticas significativas na formação de 5-HMF ao longo do tempo quando a análise foi feita
entre os grupos de açúcares e aminoácidos (Figura 58).
95
Figura 58. Influência da ad ição de ácido gálico na formação de 5-hidroximetilfu rfural (5-HMF)
(AUC, μg.min/mL). Os sistemas -modelo foram agrupados em dois grupos distintos: por açúcar (A) e por
aminoácido (B). Não houve diferença estatística significativa entre os diferentes tratamentos (Teste t Student, p >
0,05)
A concentração de 5-HMF foi correlacionada ao consumo percentual de GA
(r = 0,705, p = 0,034, n = 9). De forma similar ao observado para os SM sem adição de GA,
foi encontrada correlação entre a concentração de 5-HMF e a AA, independentemente do
ensaio utilizado (r > 0,338, p < 0,023, n = 45). Entretanto, excluindo-se os SM contendo
glicina da análise estatística, essas variáveis correlacionaram-se mais fortemente (r > 0,625,
p < 0,001, n = 30).
96
6. CONCLUSÃO
De maneira geral, a glicose e a lisina foram os reagentes mais consumidos durante a
RM e que levaram à maior intensidade de escurecimento e AA dos SM. A correlação
encontrada entre intensidade de escurecimento e AA indica que compostos cromóforos de
elevada AA são formados durante a RM. As razões observadas entre o consumo de açúcares e
aminoácidos durante a RM evidenciam uma maior reatividade dos produtos de degradação
dos açúcares, assim como a “reciclagem” dos aminoácidos ao longo da etapas inicial e
intermediária da RM. A formação de 5-HMF, classicamente associada à desidratação de
açúcares, pode ter ocorrido, nos SM investigados no presente trabalho, também em função da
participação dos aminoácidos na RM. Dessa maneira, esse composto também poderia ser
formado em alimentos a partir da fragmentação de compostos nitrogenados, como os produtos
de Amadori e de Heyns. Além disso, o tipo de açúcar influenciou na quantidade total de 5-
HMF formado ao longo da RM, enquanto o tipo de aminoácido influenciou na velocidade de
formação desse composto.
A adição de GA em SM da RM não influenciou a intensidade de escurecimento e a
formação de 5-HMF, o que poderia ser explicado pela grande variabilidade observada entre os
resultados em função das diferentes combinações de açúcares e aminoácidos estudadas. Por
outro lado, observou-se que o GA participa da RM levando à formação de compostos com
elevada AA. Além disso, o GA parece reduzir os compostos oriundos do conjunto de
fragmentação de açúcares.
O presente estudo foi o primeiro a observar a participação do GA na RM,
principalmente no que diz respeito a sua reatividade com compostos do conjunto de
fragmentação de açúcares e consequente formação de outros compostos de elevada AA.
Tendo em vista os aspectos observados e levando em consideração a complexidade da RM,
esses resultados possibilitarão a realização de novos estudos a fim de elucidar os mecanismos
pelos quais ocorre a formação de substâncias derivadas de compostos fenólicos via RM.
97
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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