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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PRISCILA DE LIMA
UMA LEITURA DO ARBITRISMO PORTUGUÊS A PARTIR DAS OBRAS O
SOLDADO PRÁTICO E DA REFORMAÇÃO DA MILÍCIA E GOVERNO DO
ESTADO DA ÍNDIA ORIENTAL.
CURITIBA 2008
PRISCILA DE LIMA
UMA LEITURA DO ARBITRISMO PORTUGUÊS A PARTIR DAS OBRAS O
SOLDADO PRÁTICO E DA REFORMAÇÃO DA MILÍCIA E GOVERNO DO
ESTADO DA ÍNDIA ORIENTAL.
Monografia apresentada à disciplina de Estágio
Supervisionado em Pesquisa Histórica como
requisito parcial à conclusão do Curso de História,
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Prof.ª André Doré
CURITIBA 2008
2
AGRADECIMENTOS Á professora Andréa Doré pelos dois anos de pequenos aprendizados, agora transformados em ensinamentos perpétuos. Ao Fernando, pelo carinho, compreensão e pelas palavras esclarecedoras nos momentos mais incertos.
3
RESUMO Após o período de consolidação dos portugueses como agentes comerciais nos principais circuitos mercantis da Ásia, desenvolveram-se paulatinamente vários entraves à continuidade da presença lusitana naqueles espaços, gerando um estado de crise, acentuado em grande medida a partir das duas últimas décadas do século XVI. Mediante essa situação caótica muitas foram as vozes que buscaram alertar sobre os maus caminhos em andamento e que procuraram apresentar possíveis soluções. Dentre essas vozes estão inseridas as obras O Soldado Prático, de Diogo do Couto, e a Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental, de Francisco Rodrigues Silveira, que serão aqui investigadas com o intuito de localizar suas principais críticas à condução do Estado da Índia pelos portugueses e suas propostas de reformas. Ao mesmo tempo, procura-se pensar nas possíveis relações entre a União Ibérica (1580-1640) e a multiplicação desse tipo de escritos entre os súditos portugueses, visto que essa literatura contava com uma tradição e certa institucionalização na Espanha, onde era conhecida como literatura de arbítrios. Palavras-chave: União Ibérica, Estado da Índia, Reformas, Arbitrismo. ABSTRACT After the period of consolidation of the Portuguese as commercial agents in the main trading circuits of Asia, many trammels were developed to the Portuguese presence in those spaces, generating a state of crisis, stressed in great measure since the two last decades of the 16th century. Along side this chaotic situation many voices tried to alert about the bad ways in course and to present solutions. Among this voices are inserted the books O Soldado Prático, from Diogo do Couto, and the Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental, from Francisco Rodrigues Silveira, which will be investigated with the intention of localizing theirs main critiques to the conduction of the State by Portuguese and their reform propositions. At the same time, it is suitable to explore the possible relations between the Iberian Union (1580-1640) and the increase of this kind of writings among the Portuguese vassals, given that this literature had tradition and it was somewhat institutionalized in Spain, where it was known as arbitrio’s literature. Keys-word: Iberian Union, India State, Reforms, Arbitrismo.
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SUMÁRIO
Introdução....................................................................................................................... 5
1 A Literatura da Expansão Como Mais Uma Face do Renascimento Europeu...........................................................................................................................
8
1.1 Escritos do Renascimento Europeu............................................................................ 8
1.2 Renascimento e Expansão Portuguesa: a obra dos cronistas..................................... 13
2 A União Ibérica e o Enquadramento de Portugal no Império Filipino.................. 20
2.1 O Processo em torno da sucessão Régia Portuguesa Após Alcácer-Quibir............... 20
2.2 “El Mundo Se Puede Andar por Tierra de Filipe”: Sobre a formação do império ibérico...............................................................................................................................
24
2.3 Nem só de oposição viveu a União Ibérica: a circulação sócio-cultural entre portugueses e espanhóis...................................................................................................
28
3 O Arbitrismo Português a partir das obras O Soldado Prático e da Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental........................................................
32
3.1 A mudança nos discursos sobre a Ásia portuguesa a partir de meados do século XVI: decadência, crise ou adaptação?..............................................................................
32
3.2 A Literatura Arbitrista na Península Ibérica............................................................... 38
3.3 As Propostas de Reformas Para o Estado da Índia Nas Obras O Soldado Prático e na Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental................................
42
Considerações Finais...................................................................................................... 54
Referências Bibliográficas............................................................................................. 56
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INTRODUÇÃO
A construção do império ultramarino português foi desenvolvida ao longo dos
séculos XV e XVI, consolidando a presença lusitana em África, Ásia e América. No entanto,
pode-se afirmar que durante o século XVI foi o Oriente a peça mais cara aos lusitanos. A
expedição de Vasco da Gama, enviada por D.Manuel em 1497, foi impulsionada pela ânsia
de obtenção das ricas especiarias e pela busca de reinos cristãos que pudessem, de alguma
forma, serem facilitadores da entrada de Portugal no cenário econômico e político da Ásia.1
Dessa forma, a Índia foi o espaço que mais obteve atenção por parte da Coroa durante essa
época e, ao mesmo tempo, o território mais almejado pelos portugueses que procuravam
riquezas. A estupefação perante o Oriente foi tão impactante que concomitantemente às
conquistas foram produzidas obras literárias que tinham como objetivos guardar do
esquecimento e louvar a história dos portugueses naquelas paragens.2
Após o período de conquistas e consolidação dos portugueses como agentes
comerciais nas principais rotas do Estado da Índia, teve lugar o desenvolvimento de vários
entraves à continuidade da presença lusitana naquelas regiões. Os reinos locais passaram, a
partir de meados do século XVI, a disputar as principais redes comerciais movimentadas
pelos portugueses. Por outro lado, tem-se o início das manobras de holandeses e ingleses
que visavam minar a hegemonia lusitana. Somou-se a essa situação as carências estruturais
do Estado da Índia.
Perante essa situação muitas foram as vozes que procuraram alertar sobre os maus
caminhos que estavam a se desenvolver e, ao mesmo tempo, buscaram apresentar possíveis
soluções. Os objetivos desta pesquisa situam-se nos debates sobre essa literatura crítica e
reformista. O diálogo do Soldado Prático, de Diogo do Couto, e a Reformação da Milícia e
Governo do Estado da Índia Oriental, de Francisco Rodrigues Silveira, são obras que
tinham como intuito criticar a forma através da qual o Estado da Índia era conduzido e
oferecer reformas reparadoras desta situação.
Dessa forma, a análise de seus propostas será conduzida por questões centrais, como
a importância da experiência para a elaboração desse tipo de literatura, que legitimava
homens comuns a se pronunciarem em prol do bem estatal. Ao mesmo tempo, procurarei
relacionar a situação política de Portugal no momento em que os dois autores elaboraram
1 Luis Filipe F. R. Thomaz. De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994. p.193. 2 Entre essas obras estão as Décadas da Ásia, de João de Barros, História da Conquistas da Índia pelos Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda, Lendas da Índia, de Gaspar Correia; Os Lusíadas de Camões, dentre tantas outras.
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seus livros, marcada pela União Ibérica (1580-1640) e como essa conjuntura, tanto a nível
peninsular como no Oriente, pode ter influenciado tanto a temática do livro como a escolha
do recurso a esse tipo de literatura, já que era caracteristicamente espanhola.
Essa literatura reformista teve seu auge produtivo nas últimas décadas do século XVI
e durante a primeira metade do século XVII e seus autores ficaram conhecidos como
arbitristas. Foram os súditos da coroa espanhola os que mais utilizaram essa estratégia
literária para poderem fazer-se ouvir nas Juntas e junto ao monarca, pois na Espanha esses
tratados contavam com uma certa institucionalização, visto que se o arbítrio fosse aceito seu
autor recebia uma mercê como recompensa pelo serviço prestado à coroa.3
A historiografia sobre esse gênero literário que foi o arbitrismo é abundante para o
caso espanhol, provavelmente devido a essa maior produção numérica e a disponibilidade
material das obras até os dias atuais. Para o caso português há uma visível defasagem de
trabalhos sobre o assunto. Normalmente as referências encontram-se em obras mais amplas,
aparecem como tópicos no interior de outras temáticas. A título de exemplo desta opção
pode-se citar o livro O Império Asiático Português, 1500-1700: uma história política e
econômica, de Sanjay Subrahamanyam, que discorre sobre os projetos de reforma criados
por arbitristas num sub-tópico intitulado “As Reformas e suas Conseqüências”. Ou no livro
de Antonio de Oliveira Poder e Oposição Política em Portugal no Período Filipino (1580-
1640), no capitulo “A crise do poderio”. Assim, a presente pesquisa vem de encontro a essa
carência de trabalhos dedicados a pensar na importância desse tipo de discurso para o
império português no Oriente no momento em que suas forças começavam a apresentar
fraqueza.
A pesquisa foi desenvolvida a partir das contribuições de uma historiografia que se
dedica a pensar aspectos mais gerais do Renascimento, principalmente no que diz respeito à
literatura política e aos escritos históricos, visto que as fontes em questão são literárias e
produzidas dentro de parâmetros de escrita correntes na época. Por outro lado, o
entendimento dos possíveis significados do gênero arbitrista na Península Ibérica só foi
possível através de leituras de trabalhos sobre o tema, principalmente aqueles sobre os casos
de arbitristas espanhóis. Procurei seguir as reflexões de pesquisa de Anne Dubet, que
entende como essencial a análise da atuação desses indivíduos (os arbitristas) e, mais do que
3 M.ª Luisa Martinez de Salinas Alonso. Contribucion Al Estudio Sobre Los Arbitristas. Nuevos Arbitrios para Las Indias a Principios Del Siglo XVII. In: Revista de Indias, 1990, Vol L, nº 188. p.169; Fred Bronner. Tramitacion Legislativa Bajo Olivares. La Redaccion De Los Arbítrios De 1631. In: Revista de Indias, 1981, Vol XLI, nº 165-166. p. 413.
7
isso, suas concepções de sociedade e de poder.4
A pesquisa foi dividida em três capítulos. O primeiro tratará dos escritos do
renascimento europeu, apontando suas principais características para, num segundo
momento, relacionar a expansão portuguesa com o Renascimento, a partir das crônicas
portuguesas do século XVI. No segundo capítulo tem-se uma discussão sobre a União
Ibérica, partindo de três pontos principais: a) o processo sucessório; b) a formação do
império ibérico; c) as trocas culturais entre portugueses e espanhóis. O último capítulo foi
dividido em três partes principais. A primeira fala da mudança de discurso sobre a Ásia
portuguesa a partir de meados do século XVI; segue-se uma apreciação sobre a literatura de
arbítrios na Península Ibérica; por fim, passa-se à análise das propostas de reforma para o
Estado da Índia contidas nas obras O Soldado Prático e a Reformação da Milícia e Governo
do Estado da Índia Oriental.
4 Anne Dubet. Hacienda, Arbitrismo y Negociación Política: los proyectos de erarios públicos y montes de piedad en los siglos XVI y XVII. Valladolid: Universidad de Valladolid. Secretariado de publicaciones, 2003.
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1- A Literatura da Expansão Como Mais Uma Face do Renascimento Europeu
1.1 Escritos do Renascimento Europeu
As discussões acerca do que foi o Renascimento e, mais especificamente, sobre o
homem renascentista ganharam importância historiográfica efetiva no século XIX. Foi a
partir de Michelet, seguido por Burckhardt, que o Renascimento passou a existir e a ser
considerado um período histórico com características específicas. Nas palavras de Lucien
Febvre “Michelet não criou uma palavra, mas uma noção histórica”; “lançou na vida essa
noção histórica, singularmente rica e original”.5
A obra clássica de Burckhardt A Cultura do Renascimento na Itália, cuja primeira
edição é de 1860, busca exprimir a importância que o homem individual adquiriu
gradativamente no Renascimento, a partir da experiência nas cidades-estado italianas: “Na
Idade Média [...] o homem só estava consciente de si próprio como membro de uma raça, de
um povo, de um partido, de uma família ou corporação – somente através de alguma
categoria geral. Foi na Itália que este véu se desfez primeiro; um tratamento objetivo do
Estado e de todas as coisas deste mundo se tornou possível. Ao mesmo tempo, o lado
subjetivo se afirmava com ênfase correspondente; o homem se tornava um indivíduo
espiritual, e se reconhecia como tal”.6 Esta passagem, inúmeras vezes citada em trabalhos
sobre o Renascimento, também é pertinente para os intuitos da presente pesquisa, visto que
se propôs a pensar aspectos mais amplos a partir do estudo de dois indivíduos e suas obras.
Essa consciência que os homens do Renascimento foram desenvolvendo a respeito de si
mesmos foi empregada por Jean Delumeau como o próprio significado da palavra
Renascimento: “o termo Renascimento é, para o historiador, um testemunho sobre a
consciência que uma época teve de si própria”.7
Durante o século XX surgiram análises, como as de Eugenio Garin no livro O
Homem Renascentista, que questionam os postulados de Burckhardt, principalmente no que
diz respeito à correspondência direta de uma filosofia do homem, conhecida através dos
textos, com o contexto dos homens reais da renascença.8 Esses 'homens reais' são objetos
dos ensaios que compõe o livro organizado por Garin, propondo delinear “figuras que uma
literatura consagrada fixou como típicas de uma época: aquelas em que os tempos “novos”
5 Lucien Febvre. Michelet e a Renascença. Scrita, s.d. pp.46 e 48. 6 Jacob Burckhardt. A Cultura do Renascimento na Itália. Brasília: UNB, 1991. p.81. 7 Jean Delumeau. A Civilização do Renascimento. Nova História. p.87. 8 Eugenio Garin (org). O Homem Renascentista. Lisboa: Presença, 1991. p.11.
9
exprimiram formalmente as suas novidades ou que, pelo menos, nos habituamos a ver
indissoluvelmente ligadas ao Renascimento”.9 São mercadores que questionavam os valores
da Igreja em relação ao comércio; artistas que através de suas atividades alteravam sua
posição social; juristas e humanistas que influenciavam a vida política; viajantes que
proporcionavam ao europeu a imagem do outro e difundiam pela Europa novos costumes,
formas de sociabilidades e hábitos alimentares, dentre tantos outros.
Mesmo tendo conhecimento de que os debates sobre essa época histórica são
infindáveis, é possível dizer que foi um período marcado por grandes mudanças em relação
à época medieval, seja no campo político, no religioso, no econômico e nas sociabilidades.
Assim, a renascença não é uma entidade autônoma e fixa, mas uma série de características
que estiveram presentes, por vezes de forma fragmentada, pela Europa e nos lugares onde os
europeus estiveram. No conjunto dessas características, a relação com a Antiguidade é
encontrada nos textos de humanistas italianos, como Petrarca (1304-1374) e Leonardo Bruni
(1370-1457), desde o século XIV. O envolvimento desses homens com o conhecimento
Clássico foi o responsável direto pela noção de renascer desenvolvida pelos humanistas, o
que pode ser observado através das palavras do humanista italiano Marsilio Ficino (1433-
1499): “é sem dúvida um século de ouro, que trouxe à luz as artes liberais, anteriormente
quase destruídas: gramática, eloqüência, pintura, arquitetura, escultura, música. E tudo em
Florença”.10
Leituras mais desatentas podem levar a uma interpretação pouco profunda acerca dos
objetivos da relação dos homens dos séculos XV e XVI com os grandes mestres da filosofia,
arquitetura, pintura, literatura e retórica clássicas, pois a ligação com esse conhecimento não
tinha a intenção de imitar as obras, mas era orientada através da inspiração nesses modelos,
buscando a perfeição do belo, assim como gregos e romanos haviam feito. Para além dessa
inspiração - e mais importante do que ela - os modernos se percebiam imersos num
momento histórico superior ao dos Antigos.
Durante a renascença, teve ampla circulação a idéia segundo a qual os modernos
9 Idem. pp.14-15. 10 Apud Jean Delumeau. Op.Cit. p.86. Essa idéia de renascimento da cultura clássica em contraposição a um período pretensamente vazio dessa cultura, propagada pelos humanistas, gerou inúmeros debates historiográficos durante os séculos XIX e XX. Alguns deles situam as raízes do renascimento no mundo carolíngio ou mesmo na Escolástica. Segundo Josep Fontana, essas interpretações sobre o Renascimento e o Humanismo dizem muito mais respeito aos conceitos historiográficos dos séculos XIX e XX do que propriamente sobre os séculos XV e XVI. Seriam conceitos vagos e suficientemente amplos, dando espaço para os mais diversos argumentos. Daí decorre o cuidado para as análises de cada um dos campos imersos nesse todo que foi o Renascimento, seja na filosofia, na arte, na ciência, na literatura, entre tantos outros. Josep Fontana. Renascimento e Renovação da História. In: A História dos Homens. São Paulo: Edusc, 2004. p83.
10
eram como anões em ombros de gigantes (os Antigos) de tal forma que, ainda que aqueles
(os modernos) sejam pequenos, vêem mais e alcançam mais longe, pois estão sobre sua
altura (dos Antigos). No entanto, como observou José Maraval, ao mesmo tempo em que
havia uma continuidade dessa idéia, ela passou a ser questionada por importantes
humanistas, como o espanhol Juan Luis Vives. De fato, Vives recusava inteiramente a
fórmula, visto que para ele nem os antigos eram propriamente gigantes, nem os modernos
deviam ser considerados pequenos em comparação com aqueles. Nesse questionamento,
estava a gênese da noção de que os modernos puderam alcançar grande conhecimento sem a
tutela dos Antigos.11 Assim, o conhecimento moderno era superior ao clássico e daí advinha
a legitimação para que muitos questionassem os postulados greco-romanos, seja no campo
científico, nas artes, na geografia e entre tantas outras áreas.
Essa combinação de fatores também exerceu grande influência na escrita
renascentista, em obras literárias, jurídicas e nos trabalhos de cunho político. Pode-se falar
de um humanismo jurídico, através do qual os códigos da Antiguidade, principalmente o
Código Civil Romano, eram recompilados e analisados sob os parâmetros da crítica
filológica e a crítica histórica. Essa tentativa de padronizar a lei estava em consonância com
a busca de centralização política na figura do monarca, desenvolvida ao longo dos séculos
XV e XVI. Nesse processo, entre os demais reinos europeus, Portugal foi o primeiro a reunir
as características do Estado absolutista, pois obteve precocemente a estabilidade das
fronteiras do reino, fixadas com o tratado de Alcanizes em 1297, e a unidade política
assentada na figura de um monarca, com a ascensão da Casa de Avis em 1385.12
Ao lado da escrita jurídica, as obras políticas produzidas no século XVI agregam os
assuntos em voga no momento em que estavam sendo escritas. Um desses assuntos é, sem
dúvida, o fortalecimento ou não do Absolutismo monárquico. Autores como Nicolau
Maquiavel (1469-1527), Francisco Guicciardini (1483-1540) e Jean Bodin (1530-1596)
foram os principais, ou os mais conhecidos, autores desse tipo de literatura. Na obra de
Maquiavel, O Príncipe (1513), por exemplo, vê-se uma lição do pragmatismo político do
autor, mas que serve para nos fazer pensar na importância adquirida, durante o
Renascimento, de ações práticas por parte de outros indivíduos, decorrentes da experiência
11 José Antonio Maraval. “Hacia Una Visión Secularizada E Inmanente Del Avance Histórico”. In: Antiguos y Modernos. Madrid: Aliaza, 1986. pp.589-591. Nesse capítulo final do livro, as discussões do autor buscam demonstrar que a idéia de progresso, potencializada pelos iluministas no século XVIII, já estava em curso durante o século XVI e teve nesse momento sua gênese. 12 Luís Filipe F. R. Thomaz. De Ceuta A Timor. Lisboa: Difel, 1994. p.8. Segundo Thomaz, a precoce centralização régia portuguesa também foi condição prévia e importante, mas não determinante, para o início do movimento expansionista.
11
pessoal. Assim, percebe-se na carta oferecida a Lorenzo de Médicis por Maquiavel - para
apresentação do Príncipe - a consciência do valor da experiência e dos ensinamentos
clássicos para a elaboração do seu tratado: “[...] Desejando eu oferecer a Vossa
Magnificência um testemunho qualquer de minha obrigação, não achei, entre os meus
cabedais, coisa que me seja mais cara ou que tanto estime quanto o conhecimento das ações
dos grandes homens apreendido por uma longa experiência das coisas modernas e uma
contínua lição das antigas, as quais, tendo eu, com grande diligência, longamente cogitado,
examinando-as, agora mando a Vossa Magnificência, reduzidas a um pequeno volume”.13
Outra característica presente nesses escritos políticos, mas não restrita a eles, foi a
citação de fatos da história clássica. Em Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos
Sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1516), encontram-se vários acontecimentos da
antiguidade greco-romana articulados aos sucessos da política moderna. Joseph Fontana
entende esse recurso metodológico de Maquiavel como necessário para a elaboração de
conseqüências gerais.14 O movimento de traduções de obras clássicas observado nos séculos
XV e XVI foi responsável pela divulgação dos trabalhos de Aristóteles, Platão, Tito Lívio e
Políbio. Dentre esses autores, Tácito foi o mais apropriado por teóricos políticos da época,
sendo o conjunto de interpretações de suas obras designado por Arnaldo Momigliano como
formador de uma “tradição taciteana”. Suas principais obras, os Annales e as Historiae,
foram amplamente visitadas no século XVI justamente porque suas lições sobre o
despotismo (tirania) eram marcadas pela ambivalência, podendo ser usadas tanto por
partidários do absolutismo, como por aqueles que defendiam as repúblicas. Nas palavras de
Momigliano: “Não pretendia jamais encorajar revoluções, mas, sem dúvida, abriria os olhos
de quem se preocupasse em ver os efeitos do despotismo. Outras pessoas poderiam tomar
seus ensinamentos como uma lição temática sobre a arte de governar, uma lição de
realismo”.15
No campo literário, a escrita histórica também contou com uma intensa produção nos
vários reinos europeus. Segundo Nair de Nazaré Castro Soares, “de todos os gêneros
literários cultivados pelos antigos, a história é talvez o que mais seduz os tradutores do
século XVI”, sendo “a historiografia um dos gêneros que vai conhecer grande fortuna, nos
alvores do Renascimento, ligada à exaltação das grandes casas e famílias principescas e seus
13 Nicolau Maquiavel. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2005. p.27. 14 Josep Fontana. Op.Cit. p.93. 15 Arnaldo Momigliano. “Tácito e a Tradição Taciteana”. In: As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna. Bauru, SP: Edusc, 2004. p. 170. Ao longo desse capítulo, Momigliano coloca em questão alguns aspectos do método histórico de Tácito e seus possíveis resultados e intenções. Também faz um pequeno panorama das apropriações e leituras feitas à obra Taciteana pelos iluministas e pelos autores do século XIX.
12
atuais representantes”.16 Desta forma, desde o século XIV ocorria a disseminação de
histórias nacionais, cujo modelo era essencialmente romano, baseado na imitação de Tito
Lívio e de Fábio Pictor – primeiro historiador, segundo Momigliano, a escrever o passado
romano.17
Especificamente no caso ibérico, a historiografia dos séculos XV e XVI teve uma
marca peculiar e preponderante, pois grande parte esteve voltada para o registro da história
de portugueses e espanhóis no ultramar, transmitindo os feitos dos conquistadores e
contando as maravilhas das novas terras, que somente através da ação desses povos tinham
sido descobertas. A estupefação perante os descobrimentos foi responsável por incitar em
lusos e castelhanos o entendimento de suas ações como formadoras de um conhecimento
novo e superior ao greco-romano. No caso castelhano - visto que analisaremos mais
especificamente as obras portuguesas num outro momento - a literatura dos primeiros anos
da conquista foi produzida por soldados e eclesiásticos, testemunhas oculares do
descobrimento da América, que revelavam o espanto perante culturas antes ignoradas. Da
admiração desses primeiros contatos, foram registrados testemunhos sobre as conquistas,
como as Cartas de Relación de Hernán Cortés. Essa situação, com a descoberta de 'mundos
novos', fez com que surgissem problemas da mesma forma novos e para os quais os
antecedentes greco-romanos não serviam.18 Assim, esses homens foram desenvolvendo
reflexões inovadoras em diversos terrenos, constituindo mais uma face das modificações às
quais os homens do Renascimento se depararam e que contribuiu para o fortalecimento da
crença na modernidade de seu tempo.
Conjuntamente à Castela, Portugal também cultivou aspectos fundamentais desse
todo complexo que foi o Renascimento, tanto através de obras humanistas e de suas idéias
que circulavam pela Europa e chegavam até o reino português, como por incentivo régio.
Nesse sentido, observa-se que desde meados do século XV os monarcas portugueses
manifestavam o interesse por serem instruídos por humanistas, sendo freqüente o estudo de
eclesiásticos e nobres portugueses na Itália, especialmente em Florença. A partir do reinado
de D. Manuel (1495-1521) e mais acentuadamente com D. João III (1521-1557)19 foi-se
16 Nair de Nazaré Castro Soares. “A Historiografia Do Renascimento Em Portugal: Referentes Estéticos e Ideológicos Humanistas”. In: Aquém e Além da Taprobana. Estudos Luso-Orientais À Memória de Jean Aubin e Denys Lombard. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2002. pp.16-18. 17 Arnaldo Momigliano. “Fábio Pictor e a Origem da História Nacional”. Op.Cit. pp. 121; 133. 18 Josep Fontana. Op.Cit. p.102. 19 As discussões acerca do reinado de D. João III são inúmeras. Existem leituras mais tradicionais, como as de C. Boxer. O Império Marítimo Português 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. pp. 354-359, que aceitam a modernidade do monarca, mas a limitam a um curto espaço de tempo. Na realidade, o renascimento português seria limitado por suas ligações com as diretrizes tridentinas. Outros trabalhos, como o
13
sistematizando a ajuda financeira advinda diretamente da coroa para estudantes portugueses
no exterior, tornando-se conhecidos no mundo letrado extraportuguês, como foi o caso de
Damião de Góis.20 Internamente foram empreendidos esforços para que a instrução da corte
estivesse dentro dos moldes estrangeiros, e foi tornado obrigatório o ensino da gramática,
retórica, latim e filosofia no Reinado de D. João III. Essas disposições permitiram que
muitos rapazes realizassem seus primeiros estudos na corte, sendo instruídos nos estudos
clássicos.
Para além das discussões sobre a realidade do humanismo português, é inegável que
os descobrimentos ibéricos constituíram-se como um dos componentes formadores do
Renascimento europeu. Três dos grandes corpos de elementos renascentistas foram criação
da cultura dos descobrimentos: o conhecimento sobre o homem e a natureza que possibilitou
ao europeu, pela primeira vez, uma imagem e comunicação global do mundo; o
conhecimento técnico e cientifico em áreas como a astronomia náutica, a cartografia, o
magnetismo terrestre, a arquitetura naval e militar, a hidrografia, a botânica, a geografia e a
antropologia, dentre tantas outras; a crítica racional e sistemática de muitos princípios
chaves do conhecimento herdado da Antiguidade Clássica e da Idade Média, que puderam
ser aceites ou recusados a partir de critérios pautados pela experiência e não através da
autoridade tradicional.21
1.2 - Renascimento e Expansão Portuguesa: a obra dos cronistas
A historiografia portuguesa dos séculos XV e XVI manteve aspectos comuns com a
cultura humanista, mas também foi marcada por peculiaridades. Essas diferenças se deram,
principalmente, no plano temático, visto que grande parte dessa historiografia - que os
historiadores modernos convencionaram chamar de literatura da expansão - tinha como foco
central contar a história dos portugueses no além-mar.
de Elisabeth Feist Hirsch. Damião de Góis. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian, 2002, apresentam uma postura mais moderada, pois entendem a atuação de D. João III como um monarca nem fanático religioso, nem um alto promovedor da cultura humanista. p.194. 20 Damião de Góis (1502-1574) foi um dos grandes nomes do Renascimento português, humanista e historiador, manteve contato com os principais humanistas de seu tempo, entre eles Erasmo. De sua autoria é a Crônica do Felicíssimo D. Manuel. Em 1545 foi acusado de heterodoxia, conseguindo provar inocência, mas em 1571 lhe adveio mais uma acusação, sendo preso pela Inquisição. Foi novamente solto, mas morreu em sua casa de Alenquer, com suspeitas de assassinato. In: Joaquim Veríssimo Serrão. A Historiografia Portuguesa. Lisboa: Editorial Verbo, 1972. pp. 161-176; O livro de Elisabeth Feist Hirsch, Op.Cit, trás uma boa biografia do humanista, focalizando tanto sua atuação em Portugal, como no exterior, através dos contatos com humanistas de prestígio no mundo letrado europeu. 21 Luís Filipe Barreto. Portugal: Mensageiro do Mundo Renascentista. Lisboa: Quetzal, 1989. p.23.
14
A trajetória da escrita histórica em Portugal, desenvolvida de forma sistemática, pode
ser situada a partir da ascensão da casa monárquica de Avis, em fins do século XIV. Nesse
momento, tem-se um aumento da produção escrita, tanto no que se refere à traduções de
obras clássicas, registros judiciais e administrativos, como de obras literárias portuguesas.
Dentre essas últimas, a institucionalização da crônica, sendo Fernão Lopes (138? -1459 ou
146?) o primeiro cronista oficial, tinha como principal objetivo a preservação da memória do
reino, centrada na recapitulação dos reis de Portugal.22 À medida que a empresa ultramarina
avançava, as obras produzidas passaram a ter como temática principal os acontecimentos
externos ao reino. O primeiro cronista a se dedicar aos feitos dos portugueses no além-mar
foi Gomes Eanes de Zurara23, mas as suas crônicas ainda seguem o modelo tradicional, pois
a centralidade está na figura régia.24 Ao longo das primeiras décadas do século XVI,
observa-se a intensificação da literatura voltada essencialmente para os acontecimentos
externos ao reino, e a história de Portugal passou a ser considerada o registro da sua
expansão ultramarina, mas sem deixar de ser uma história nacional e ligada à monarquia.25
No conjunto de obras sobre a história dos portugueses nas mais distantes terras,
aquelas que retratavam a aventura no Oriente foram as mais disseminadas, devido à euforia
em relação ao exotismo das populações orientais perante os europeus e à possibilidade de
obtenção de riqueza através das especiarias. Por outro lado, os trabalhos eram destinados a
terem uma certa circulação, principalmente entre os grupos letrados do reino. Essa literatura
foi constituída por trabalhos como as Décadas da Ásia, de João de Barros, continuadas por
Diogo do Couto; História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, de
Fernão Lopes de Castanheda; Lendas da Índia, de Gaspar Correia. Esses escritos foram
tomados como referências pela historiografia moderna, utilizados como fontes da presença
portuguesa na Ásia, sendo sua organização cronológica fator importante para essa escolha,
bem como a disponibilidade física desses documentos. No presente estudo, importa o fato
de que todos, se analisados conjuntamente, demonstram algumas características comuns ao
pensamento dos homens renascentistas ligados às letras, mas acrescentados à especificidade
portuguesa de serem provenientes da realidade expansionista.
22 Ver Susani Silveira Lemos. “Concepções de História dos Primeiros Cronistas Régios Portugueses”. In: História: São Paulo, nº 20: 117-134, 2001. pp. 120-121. 23 Gomes Eanes de Zurara foi sucessor de Fernão Lopes como guarda do Tombo de Portugal e como cronista oficial. São de sua autoria as obras Crônica da Tomada de Ceuta; Crônicas dos Feitos da Guiné; Crônica do Conde D. Pedro de Meneses; Crônica do Conde D. Duarte de Meneses. 24 Joaquim Veríssimo Serrão. Op.cit. p 69; Susani Silveira Lemos. Op. Cit. p. 122. 25 Rodrigues Lapa. Historiadores Quinhentistas. Lisboa: Seara Nova, 1972. p. VI.
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Nas Décadas da Ásia, de João de Barros26, pode-se ver o entendimento da história
como escola de virtudes - idéia presente nos vários escritos humanistas. É principalmente no
prólogo da Década III que o historiador explicita sua concepção e métodos:
“[...] E como a História é um espertador do entendimento, pera a consideração deste natural e cristão curso a primeira lição, depois da divina, que sempre deve preceder a todas, em que se devem criar aqueles que Deus elegeu para o governo e administração púbrica, é em os anais e crônicas de seu próprio reino e pátria e em toda a outra escritura pela qual venha em conhecimento dos homens ante passados, e do que fizeram e disseram: ca desta tal lição, por ser própria de casa, vem eles governar e aconselhar o reino por exemplos do mesmo reino [...] assi os negócios e cousas que sucedem em vida de um rei, se não são semelhantes em tudo às do passado, conformam-se com a dos antepassados [...]”.27
João de Barros, segundo análise de Nair de Nazaré Castro Soares, seria um
historiador moralista e nos seus escritos o que prevalecia era o valor exemplar dos fatos e
não a verdade deles.28 Essa leitura é decorrente do que o cronista fala no mesmo prólogo: “A
primeira e mais principal parte da História é a verdade dela; e porém em alguas cousas não
há de ser tanta, que se diga por ela o dito da muita justiça que fica em crueldade,
principalmente nas cousas que tratam da infâmia dalguém, ainda que verdade sejam”.29
A questão da devoção à verdade ou não de João de Barros levantada por Nair de
Nazaré é por demais pertinente, tanto para a discussão sobre a historiografia moderna –
conjuntamente com seu resgate dos métodos da história Clássica – como para a
historiografia contemporânea. A dúvida se o historiador é capaz de contar a verdade
imparcial acerca de um fato e como isso, por vezes, transformou-se em critério para uma
história confiável remonta à antiguidade greco-romana. Autores como Heródoto e Tucídides
explicitavam que suas histórias eram pautadas na observação ocular e que isso garantia a
vividez e o grau de confiabilidade para o que escreviam. Momigliano, ao analisar a escrita
histórica dos gregos, diz que o desenvolvimento de métodos críticos foi uma criação
tipicamente grega, depois adotada pelos romanos, e tinha como princípio distinguir entre
fatos e fantasia. Dessa forma, Heródoto fazia uma distinção entre as informações que ele viu
26 João de Barros (1496-1570) foi um dos expoentes do humanismo português. De sua autoria são as Décadas da Ásia, obra buscou registrar a presença portuguesa no Índico de seu início até 1526. Tal obra foi continuada por Diogo do Couto. Foi educado na corte de D. Manuel onde manteve relações de amizade com D. João III, de quem foi moço de guarda-roupas. Ao longo da vida exerceu várias funções administrativas, das quais a mais importante foi a de feitor da casa da Índia (1533-1567). Através desse cargo teve acesso aos relatórios daqueles que estavam na Índia, bem como pôde manter contato com aqueles que de lá regressavam. Dessa forma, pôde coletar as informações acerca dos acontecimentos orientais, formando o arcabouço histórico que usou para a formulação das Décadas. Também são de sua autoria o Diálogo da Ropicapnefma; Panegíricos do Rei D. João III; Panegíricos da Infanta D. Maria. In: Joaquim Veríssimo Serrão. Op.Cit. pp. 215-217. 27 Apud Rodrigues Lapa. Op.Cit. pp. 13-14. Grifo meu. 28 Nair de Nazaré Castro Soares. Op.Cit. p.23. 29Apud Rodrigues Lapa. Op.Cit. p.17.
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com os próprios olhos e aquelas que ouviu: “até agora, tudo o que eu disse é resultado de
minha própria visão, julgamento e investigação. De agora em diante eu registrarei as
crônicas egípcias de acordo com o que eu escutei, acrescentando alguma coisa de acordo
com o que eu mesmo vi”.30
Assim, a busca pela verdade foi o objetivo declarado por Gaspar Correia31 na
elaboração das Lendas da Índia, de 1561, mas só editada em 1858-1866. Em sua história,
buscou incluir tanto nobres como simples soldados:
“[...] somente trabalharei por escrever mui inteiramente os nobres feitos dos nossos Portuguezes militantes n’estas partes da Índia, e dos grandes e pequenos, que for necessário e razão, escreverei em muita verdade de cada hum seus mãos e bons feitos assi como acoecerão, sem a nenhum tirar seu merecimento de bem ou mal [...]”.32
Da mesma forma que os historiadores clássicos, a veracidade dos fatos, ou o
convencimento de que tratavam da verdade, narrados nas crônicas era fator essencial para
uma história confiável e merecedora de reconhecimento régio. Esses critérios estão
declarados no prólogo do livro III da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos
Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda33:
“[...] foi porque a fizesse como havia de ser, principalmente na verdade. E esta certifico a V.M que não soube em minha casa, nem a mandei perguntar por escrito aos que sabiam, para que me não respondessem como sacertasse [sic], ou por ocupação ou por outra causa. Mas que a fui saber na Índia passando na viagem bravas e terríveis tormentas [...] e entre elas soube eu a verdade do que havia de escrever de muitas coisas de vista e outras de ouvida. E não de quaisquer pessoas, senão de capitães e fidalgos, pessoas de mui crédito que foram presentes a elas [...] e por isso quem há de escrever histórias há de fazer as diligencias que eu fiz e ver a terra de que há de tratar como eu vi, que assim o fizeram esses historiadores antigos e modernos [...] porque muito sobrenatural há de ser o engenho que há de saber escrever do que nunca viu [...]”.34
Ainda no prólogo de Castanheda, dirigido à Rainha D. Catarina, encontra-se a idéia
de que o conhecimento moderno era superior ao Antigo: “[...] E vendo eu quam estimados
eram os historiadores de cousas dignas de memória, posto que fique muito abaixo do
engenho de Homero, e não chegue a eloqüência de Tito Lívio, deu-me ousadia a escrever o
que os portugueses fizeram no descobrimento e conquista da Índia, serem as façanhas tais
que em grandeza, fama e admiração teveram muita avantagem às que escreveram Tito Lívio
30 Apud Arnaldo Momigliano. A tradição Herodoteana e Tucidideana. In: Op.Cit. pp.55 e 62. 31 Gaspar Correia (1490-1563?) não foi homem culto no sentido formal do termo, seu aprendizado deu-se na prática cotidiana. Vivendo aproximadamente cinqüenta anos em terras orientais, deixou nas páginas de Lendas da Índia uma descrição daquela realidade preenchida pelos detalhes. 32 Lendas da Índia, tomo I, p. 1. Apud Joaquim Veríssimo Serrão. Op.Cit. P. 237-239. 33 Fernão Lopes de Castanheda (1500-1559) completou os estudos básicos no convento de S. Domingos, mas é provável que não tenha seguido os estudos na universidade. Partiu para Goa em 1528, permanecendo no Oriente por quinze anos. Foi durante essa estadia que teria coletado as informações para a elaboração da sua obra, cujos primeiros livros saíram em Coimbra no início da década de 1550. In: Idem. pp. 228-229. 34 Fernão Lopes de Castanheda. História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924. pp.2-3.
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e Homero [...]”35. Essa imagem, já discutida no tópico sobre os escritos do renascimento
europeu, é facilmente encontrada nos livros de autores renascentistas. No entanto, quando se
trata de autores envolvidos com os descobrimentos ibéricos esse sentimento parece tornar-se
mais evidente e persistente. O que estava por trás dessa crença, aqui seguindo as reflexões
de Antônio Maraval, era a consciência que esses homens tinham em relação ao valor da
passagem do tempo, que tornava possível o acúmulo do conhecimento clássico acrescentado
ao esforço desses homens e às novas descobertas. Somam-se ao engrandecimento do tempo
o da razão e da experiência, dois conceitos extremamente relevantes para os homens
renascentistas.36
A importância que o senso de experiência adquiriu ao longo dos séculos XV e XVI
pode ser atestada nos mais variados campos de ação dos homens, tais como a ciência, a
política, a condução do Estado e da Guerra. Através das palavras do cosmógrafo português
Duarte Pacheco Pereira, no livro Esmeraldo de Situ Orbis, é possível ver a experiência como
fonte de sabedoria: “[...] a experiência, que é madre das cousas, nos desengana e de toda
dúvida nos tira [...]”.37 Deste modo, essa máxima era a base sobre a qual estava assentada a
garantia de êxito em qualquer âmbito. Esse foi o caso do soldado português Francisco
Rodrigues Silveira, que militou no Estado da Índia entre os anos de 1586-1588, ao criticar o
favorecimento de fidalgos e letrados sem conhecimento da realidade oriental para a
condução do Estado da Índia em detrimento daqueles que eram experientes - os verdadeiros
capacitados para a condução justa do império oriental:
“Qué fructo se pode tirar das letras sem virtude, nem da fidalguia sem experiência?” [...] “Por onde hé huma indecência e inconsideração grande não se fazer mayor cabedal do valor e experiência pêra os cargos e governos, que da enganosa obstentação das letras e da fidalguia, e muito mais em os da guerra”.38
A incidência da história clássica nos escritos renascentistas é mais uma marca desse
momento histórico, e esteve presente não apenas em modelos literários, caso do diálogo ou
das Décadas, como na própria concepção de história. Nesse sentido, o diálogo do Soldado
Prático, de Diogo do Couto - autor central para a presente pesquisa – revela ao longo de
suas páginas uma série de histórias gregas e romanas, que servem como exemplos de
35 Idem. 36 Jose Antônio Maraval. Op.Cit. pp.589-597. 37 A Revolução da Experiência. Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro. Seleção, prefácio e notas de João de Castro Osório. Lisboa: Idearium, 1947. P. 68. 38 Francisco Rodrigues Silveira. Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental. Introdução de Luís Filipe Barreto, George Davison Winius e Benjamim N. Teensma. Lisboa: Fundação Oriente, 1996. p.175.
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comportamento, reprováveis ou não. Quando trata da busca dos capitães portugueses por
proveitos financeiros, em detrimento das honras da função, pauta-se em exemplos a serem
seguidos da conduta de personagens clássicos:
“[...] trouxe todas essas miudezas (sobre a liberalidade de Pompeu) porque notei uma cousa muito contrária à dos tempos de agora, a qual é, que nem Apiano nem Tito Lívio, que contam estas grandezas e liberalidades de Pompeu, não fazem menção do que Pompeu tomou para si; porque estava entendido que os capitães daquele tempo mais pretendiam honras que proveitos; mas os vice-reis e governadores ao contrário: venham os proveitos, as honras tenha-as quem quiser [...]”.39
Essa retomada dos exemplos das histórias greco-romanas é representada pela
expressão historia magistra vitae, considerada um dos topos do pensamento renascentista. A
idéia nasceu, segundo Kosellek, com Cícero e parte do princípio de que a história é uma
espécie de receptáculo de experiências antigas das quais os homens podem se utilizar,
evitando a repetição de erros já cometidos.40 Através do testemunho de Francisco Rodrigues
Silveira, pode-se vislumbrar o quanto essa expressão estava disseminada no entendimento
daqueles que escreviam tanto obras de caráter histórico, como político:
“Trataremos aqui huma cantidade de exemplos, já que o chronista das Cousas da Índia de nossos tempos me não quis escusar este trabalho como escrever em suas Décadas esta tão verdadeira e importante matéria, sem considerar que a alma da história hé a verdade e ser muito mais necessário nella dar relação das desordens e dos mãos sucessos que por sua causa sobrevêm pêra se averem de emendar, que não das cousas que subcedem prosperamente. Que por isso a história se chama mestra da vida, como mostrou bem o grande Tito Lívio [...]”.41
As reflexões sobre o Renascimento, enquanto uma época histórica, e as relações que
podem ser encontradas entre esse todo e a vida de indivíduos particulares é de grande
relevância para esta pesquisa, já que analisa dois indivíduos cujas trajetórias estão inseridas
nessa época. Assim, uma das questões que norteia todo o trabalho é pensar nas
experiências pessoais de Diogo do Couto e Francisco Rodrigues Silveira e até que ponto
suas atuações mantinham conexões com as características mais amplas desse período.
Conjuntamente às considerações sobre algumas das características da modernidade
que se tornaram evidentes durante o século XVI, e que podem ser identificados através dos
escritos da época, faz-se necessário suscitar alguns aspectos da conjuntura histórica na qual
39 Diogo do Couto. Op.Cit, 1954. p. 187. 40 R. Kosellek. “História Magistra Vitae”. In: Futuro Pasado: Para Uma Semântica de Los Tiempos Históricos. Barcelona: Paides, 1993. pp. 42-43. 41 Francisco Rodrigues Silveira. Op.Cit. pp.35-36. O cronista das coisas da Índia referido por Silveira é Diogo do Couto. A acusação de que Couto não respeitava a verdade sobre os acontecimentos pouco louváveis do Estado da Índia é provavelmente decorrente de sua falta de informação sobre a obra marginal de Couto, O Soldado Prático, na qual denunciou os desvios e roubos que ocorriam no Oriente português.
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os autores que aqui serão analisados estavam inseridos. As três primeiras décadas da União
Ibérica (1580-1640) foi o ambiente político e cultural no qual as experiências de Diogo do
Couto e Francisco Rodrigues Silveira se deram. Suas obras podem ser tomadas como
respostas a esse contexto, a partir do qual puderam fazer suas observações a respeito das
grandes dificuldades enfrentadas pelos portugueses no Oriente.
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2- A União Ibérica e o Enquadramento de Portugal no Império Filipino
2.1 O Processo em Torno da Sucessão Régia Portuguesa Após Alcácer-Quibir
O desastre de Alcácer-Quibir, ocorrido em agosto de 1578 no Marrocos, foi
responsável por deixar o reino português órfão de seu jovem rei D. Sebastião. A atração
exercida pelo Norte da África sobre os monarcas portugueses esteve presente desde o início
da expansão marítima, com a tomada de Ceuta em 141542. Tal ligação com esse meio
geográfico estava associada a uma série de fatores, como a proximidade espacial com
Portugal, o mínimo de conhecimento que os comerciantes portugueses tinham dessa região,
devido às ligações comerciais com seus reinos, e a possibilidade de expansão bélica da
nobreza lusa nesses territórios, bem como interesses econômicos. Ao lado dessas questões,
tem-se outra de grande importância, que é a componente ideológica, caracterizada pela idéia
de cruzada contra o infiel mourisco, que contou com uma continuidade temporal
significativa na história da expansão portuguesa nos séculos XV e XVI. Essa ideologia
cruzadística foi uma das causas responsáveis pelo envolvimento de D. Sebastião nas
disputas pela sucessão marroquina de 1576, na qual Muley Mahamet perdeu o poder para o
tio Muley Moluco e, por isso, buscou ajuda do monarca português. Os benefícios trazidos
por esse envolvimento seriam a agregação aos domínios portugueses de territórios no
Magreb e a possibilidade de retomar o projeto da criação de um império cristão no Norte da
África, a semelhança dos sonhos de D. Manuel (1495-1521).43
As conseqüências trazidas pela morte de D. Sebastião foram sentidas imediatamente
à tragédia, pois o monarca deixara o mundo aos vinte e quatro anos sem ter casado ou
concebido um herdeiro. Assim, instalou-se no reino um processo de crise sucessória,
causado pela indefinição do futuro sobre o reino e, mais especificamente, da Casa de Avis.
Essa incerteza amedrontadora também era causada pelas aspirações de Castela sobre
Portugal, visto que Filipe II era neto de D. Manuel e, portanto, susceptível de assumir o
trono legitimamente. Após a morte do monarca, quem assumiu o trono foi o cardeal D.
Henrique, que era inquisidor geral e havia exercido a regência na menoridade de D. 42 Início da expansão ultramarina conforme convenção da historiografia, pois os projetos de expansão visando o norte da África ou as ilhas atlânticas já estavam em andamento desde o século XIV. Dessa forma, a expedição portuguesa a Ceuta não fora novidade para o tempo. Segundo Luis Filipe Thomaz, o Marrocos constituiu-se como o primeiro projeto expansionista de Portugal no século XIV, ao lado das possibilidades representadas por Granada e pelas Ilhas atlânticas. “A Evolução da Política Expansionista Portuguesa na Primeira Metade de quatrocentos”. In: De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994. pp.44-49. 43 Jacqueline Hermann. El Ksar-Kebir. Narrativas e Histórias Sebásticas na Batalha dos Três Reis. Marrocos, 1578. In: História: Questões e Debates, Curitiba, nº 45, p.11-28, 2006. p.17.
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Sebastião. No entanto, a sucessão do cardeal foi um ato emergencial e provisório, visto que
tal personagem também não tinha herdeiros próximos. Ou seja, a casa dinástica de Avis se
encontrava numa situação extremamente delicada diante da impossibilidade de haver um
herdeiro direto para a sucessão. A situação complicou-se ainda mais quando da morte de D.
Henrique, em 1580, sem deixar um novo rei designado.44
A partir desse episódio, as tensões políticas em relação ao sucessor ao trono se
agravaram tornando-se mais explícitas, e foram acompanhadas por um emaranhado de
acontecimentos. Pode-se pensar na existência de três ‘partidos’, representados pelas figuras
de Filipe II - de Espanha -, Catarina, a duquesa de Bragança e D. Antonio, o Prior do Crato.
Durante o processo, a casa de Bragança viu suas pretensões malogradas e a disputa efetiva
deu-se entre o monarca espanhol e o Prior do Crato. Nesse ínterim, foi designada uma junta,
que já vinha agindo desde o período do cardeal, composta por cinco governadores, com a
finalidade de resolver a questão sucessória, e para isso proclamou uma sessão das Cortes em
Almeirim. Conjuntamente a essas movimentações constitucionais, o Prior do Crato agiu
apoiado por um grupo de nobres desfavoráveis ao monarca castelhano e proclamou-se rei
em Santarém, em julho de 1580. Tal indivíduo era filho ilegítimo de D. Luis, filho de D.
Manuel, daí advindo suas pretensões ao trono português. No entanto, os governadores
mostravam-se favoráveis a Filipe II, que agiu sem demora em busca da consolidação da tão
desejada desde há muito união da Península Ibérica sob um mesmo cetro, passando da
disputa estritamente política e diplomática para a demonstração de força, centrada na
atuação dos tercios do duque de Alba, com a instalação de presídios castelhanos por toda a
costa portuguesa, que não hesitaram em agir violentamente contra as dissidências, e fizeram
com que as pretensões do Prior do Crato caíssem por terra, fazendo-o deixar Portugal rumo à
Inglaterra. Dessa forma, a união com Castela foi propiciada pela junção de três componentes
principais, os quais sejam, a herança, o uso da força e a negociação que, segundo Jean-
Frédérique Schaub, “constituíram os elementos essenciais sobre os quais toda a vida política
portuguesa se organizou na época da união dinástica”.45
Durante o processo sucessório e ao longo do reinado habsburgo existiram grupos
favoráveis à junção com Castela e grupos que questionavam certos aspectos ou mesmo não
aceitavam a situação vigente. Essa multiplicidade de opiniões dos portugueses acerca da
união com a Espanha foi construída, principalmente pela historiografia portuguesa do século
44 Jean-Frédérique Schaub. Portugal Na Monarquia Hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizontes, 2001. p.16. 45 Ibidem, pp.16-17.
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XIX, a partir da oposição nobreza e povo. Manteve-se por muito tempo a idéia de que uma
das causas para o êxito filipino foi a conivência da nobreza portuguesa e que esta queria a
junção com Castela, pois, segundo Schaub, “esses grupos teriam a oportunidade de negociar
a confirmação e o acréscimo de seus privilégios e benefícios”.46 Essa aceitação não pode ser
negada, mas também não pode ser tomada como regra, no sentido de enxergar todas as
esferas nobres como profundas apoiadoras da causa habsburga. Certamente essas
interpretações são decorrentes de leituras de fontes da época que transmitiam essa visão,
como é o caso do cronista Diogo do Couto (1542-1616) que em seu Soldado Prático deixou
registrada essa oposição através das falas dos personagens soldado e o fidalgo:
Soldado - Vejo este nosso rei moço sem casar; faltam-nos herdeiros de casa; se assim for isto, viremos a dar nestoutros, de fora; e não vejo outro inconveniente senão a antiga reixa, que sempre houve entre nós e os Castelhanos. Fidalgo – quando sucedesse isso nada me receio; porque essa ponta não há senão na gente baixa, que na nobre é outra cousa mui diferente. quem mais aprimorados que os Espanhóis? quem mais corteses? quem mais liberais? Quem mais políticos? quem mais tudo o que, senhor, quiserdes? 47
Essa interpretação tradicional é questionada por historiadores como Maria do Rosário
Themudo Barata, segundo a qual essa definição que delega unicamente ao povo o papel de
opositor da União Ibérica é por demais simplista diante da complexidade do processo em
questão. Essa designação de “povo” restringe os atores sociais que participaram da
oposição política aos habsburgos, que não deixou de contar com a participação de setores
da nobreza.48 Um caso exemplar para essa questão foi o do Prior do Crato, que após ser
afastado de Portugal, exilando-se na França e Inglaterra, continuou ligado a grupos que lhe
eram partidários, tanto no exterior, como em Portugal.49
O espaço da negociação teve nas Cortes de Tomar, ocorridas em 1581, um de seus
momentos mais significativos, pois foi através dela que os termos sob os quais Portugal
seria incorporado à monarquia hispânica foram determinados. A postura dos representantes
dos três Estados portugueses estava assentada na garantia de que Portugal continuaria 46 Jean-Frédérique Schaub. Op.Cit. p.51. Também segundo Fernando Bouza-Alvarez “o Portugal filipino, desde sua gênese e também no decurso de seu funcionamento prático, só se tornou possível graças à colaboração das suas elites nobiliárquicas portuguesas”. O interesse acerca da união por parte de facções nobres estaria relacionado com a possibilidade de maior liberdade nos meandros políticos do reino. Fernando Bouza-Alvarez. Nobres e luta política no Portugal de Olivares. in: Portugal no Tempo dos Filipes: Política, Cultura e Representações (1580-1668). Lisboa: Edições Cosmos, 2000. p. 222. 47 Diogo do Couto. O Soldado Prático. Texto restituído pelo prof. Rodrigues Lapa. Lisboa: Livrarias Sá da Costa, 1954. pp.226-227. 48 Maria do Rosário Themudo Barata. “A União Ibérica e o Mundo Atlântico: 1580 e o processo político português”. In: A União Ibérica e o Mundo Atlântico / Segundas Jornadas de História Ibero-Americana. Lisboa: Edições Colibri, 1997. p.50. Outras discussões sobre as oposições ao governo filipino, principalmente as de caráter “popular”, podem ser encontradas no livro de Antonio de Oliveira. Poder e Oposição Política em Portugal no Período Filipino (1580-1640). Lisboa: Difel, 1991. 49 Jean-Frédérique Schaub. Op.cit. p.61.
23
íntegro em suas principais jurisdições. Filipe II assumiu o compromisso constitucional de
guardar todos os privilégios, graças e mercês dos súditos portugueses. As decisões das
Cortes fixaram os princípios da monarquia dualista, caracterizada pela existência de um rei
com duas coroas, cada uma com seu governo próprio e mantendo seus direitos inerentes.50
A legislação decorrente das Cortes foi organizada em capítulos, que asseguravam à
Portugal uma série de concessões. Foi criado o Conselho de Portugal, que deveria estar
sempre junto ao rei e desempenhava o papel de Conselho de Estado. Após a partida do
monarca de Portugal, em 1583, esse Conselho foi instalado em Madrid e representava os
tribunais da coroa portuguesa junto ao rei, em questões sobre a justiça civil, a eclesiástica e
às finanças portuguesas. Teoricamente qualquer decisão do rei que afetasse Portugal tinha
que ser discriminada por esse Conselho. O dito Conselho era a mais alta instância que
ligava o monarca espanhol aos negócios do seu reino. Nas Cortes ficou determinado que na
ausência do rei, fato característico durante a União Ibérica, o governo de Portugal só
poderia ser exercido por um vice-rei ou uma junta de governadores portugueses. Também
os cargos e ofícios da justiça e da fazenda ficaram vetados a entrada de qualquer
estrangeiro. Outra criação importante para o governo de Portugal foi o Conselho das
Índias, criado em 1604 e extinto em 1614, que tinha jurisdição sobre todo o território
ultramarino. No que diz respeito às questões ultramarinas, todos os cargos ligados ao
comando das tropas e das frotas portuguesas só poderiam ser exercidos por portugueses.51
A forma através da qual a União Ibérica foi consumada, firmada nas proposições de
Tomar, parece num primeiro momento desconcertante perante a idéia suscitada pela
anexação de um reino por outro, visto que nos faz pensar numa ação violenta e contra a
vontade do reino agregado. No entanto, o processo político decorrido na união das coroas
ibéricas não foi resultante unicamente da utilização da força contra o reino luso, mas
contou com um amplo debate legislativo, já discutido acima, no qual Filipe II aceitou os
termos portugueses. Assim, compreende-se que a junção de Portugal ao império hispânico
partiu também de um pacto entre os dois reinos. A postura de Filipe II ao aceitar as
condições portuguesas esteve ligada, segundo J.H. Elliott, a outras ocupações de seu
domínio imperial que lhe preocupavam no momento, como a questão dos Países Baixos, o
avanço turco pelos Bálcãs, as guerras de religião que assolavam a França, o que tornou
dificultosa a formação de mais uma frente de combate bélico declarado com Portugal. Ao
lado desses fatores, e mais importante, é o fato de que essa configuração seguia uma
50 Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal (1580-1640). Vol.IV. Lisboa: Editorial Verbo, 1978. p.16. 51 Jean-Frédérique Schaub. Op.Cit. pp.21-28.
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tradição diplomática já empregada por Castela em outras situações, como na anexação de
Aragão, que também manteve suas leis próprias, instituições e sistema monetário, e passou
a estar unida apenas sob um mesmo reinado. Filipe II estaria seguindo uma política “de
relacionamento apropriado entre ele e seus povos”, evitando as turbulências decorrentes de
uma ação imperialista unilateral.52
2.2 “El Mundo Se Puede Andar por Tierra de Filipe”: Sobre a formação do império
ibérico
A frase que dá título a esse tópico, de autoria do espanhol Lope de Vega e escrita na
primeira década do século XVII, nos repassa a exato impacto que a união das coroas
ibéricas teve sobre os homens que vivenciaram esse momento. Essa estupefação era
remetida principalmente à grandeza de Filipe II, o grande condutor desse todo geográfico,
econômico e político. Também para o Habsburgo, a agregação de Portugal detinha um
papel essencial para a continuidade de suas ações imperialistas, figurando, segundo as
reflexões de Fernando Bouza-Álvarez, como a “chave de uma política mundial”.53
O incidente de Alcácer Quibir teria ocorrido num momento, segundo John Elliott, de
intensas dificuldades para a coroa espanhola, causado por uma série de fatores advindos
desde a década de 1560, como a revolta dos mouros de Granada, o avanço turco, a revolta
dos Países Baixos e as guerras de religião na França. Essa conjuntura de acontecimentos
levou o monarca espanhol a desenvolver uma postura mais defensiva durante as duas
décadas que antecederam a União Ibérica.54 Foi a partir desse amplo campo de conturbações
que Portugal ganhou importância providencialista para o império de Filipe II, que, dessa
forma, viu renovadas as possibilidades de continuar os projetos imperiais de seu pai, Carlos
V.
A partir de 1580 observou-se, então, uma retomada da política ofensiva de Filipe II,
seguida por Filipe III, caracterizada pelo desenvolvimento de várias estratégias, imersas
nos campos político, econômico e diplomáticos e que envolviam diretamente Portugal. A
nível peninsular, o reino lusitano figurava, dentre outras designações, como uma barreira
geográfica e militar, designada como o ideal da provincia cerrada, para possíveis ataques
dos reinos setentrionais, pois “juntando vna gruessa armada las naciones septentrionales,
52 John.H.Elliott. Imperial Spain. Pelikan Books. p.274. 53 Fernando Bouza-Álvarez. “Portugal en La Política Internacional de Filipe II”. In: A União Ibérica e o Mundo Atlântico / Segundas Jornadas de História Ibero-Americana. Lisboa: Edições Colibri, 1997. p. 39. 54 John Elliott. Op.Cit. p.268.
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que tan dañadas están en la Religión, podrían fácilmente asaltar aquel puerto y la ciudad
(Lisboa) y meternos em casa la guerra y la herejía”.55 Também esses temores de ataques
eram destinados às possíveis investidas dos turcos e seus aliados no Norte da África, que
estaria em perigo se continuasse nas mãos dos portugueses, visto que se encontravam
desgastados política e economicamente após a morte de D. Sebastião.56
Conjuntamente às questões relativas ao caráter defensivo desempenhado por
Portugal, buscava-se também o empreendimento de ações militares e econômicas que
contribuíssem para a liquidação dos inimigos de Espanha. Fato exemplar dessa postura
foram os embargos econômicos contra o comércio e navegação das Províncias Unidas,
impedindo-os formalmente de entrar nos portos portugueses e de agirem como
intermediários dos produtos orientais e mediterrâneos para o resto da Europa. Outro
aspecto desses entraves ao comércio português com outras nações européias, foi a restrição
da comercialização do sal, o que acarretaria sérias dificuldades para as províncias
revoltosas, bem como para as nações setentrionais, pois as salinas ibéricas eram as
principais fornecedoras de sal de todo o oeste europeu.57
Os trabalhos que procuram pensar nas conseqüências da União Ibérica para Portugal
apontam, freqüentemente, para uma conclusão corrente nos testemunhos de muitos
portugueses contemporâneos desse momento histórico, pois viam a bancarrota nos espaços
orientais – causada em sua maior parte pelas incursões holandesas e inglesas - como
conseqüência da ação imperialista castelhana, principalmente atribuída aos citados
embargos. Por outro lado, a demanda européia por produtos orientais estaria em
crescimento nesse momento e Portugal sozinho não teria condições para suprir essa
necessidade. Dessa forma, as expansões holandesa e inglesa teriam acontecido mesmo sem
a existência dos citados embargos.58
Sem nos determos, por hora, nas discussões sobre o que favoreceu a perda da
hegemonia portuguesa no Oriente, é algo inegável o fato de que a Ásia teve grande
55 Voto de Don Juan de Silva, futuro Conde de Portalegre. Apud Fernando Bouza-Álvarez Op.cit. p. 33. 56 Ibidem. p.33. 57 Idem. pp.35-37. 58 Peter C. Emmer. “The First Global War: The Dutch versus Iberia in Asia, Africa and the New World, 1590-1609”. in: e-JPH, Vol.1, summer 2003. p.6. Esse assunto é uma longa e complexa discussão, levantada por muitos historiadores que se dedicam a pensar o império português nas primeiras décadas do século XVII. Outras referências sobre o assunto encontram-se em: John Elliott. Op.cit. pp.290-291, cuja explicação delega ao imperialismo habsburgo a causa da entrada de holandeses e ingleses no comércio ultramarino; Charles Boxer entende a união com Castela como um fator importante no interior da conjuntura européia de finais do século XVI e nas primeiras décadas do XVII, mas não lhe confere a centralidade como causa primordial dos embates entre portugueses e os poderes marítimos protestantes no ultramar. “A luta global com os holandeses (1600-1663)”. In: O Império Marítimo Português 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. pp.118-119.
26
importância real e imaginária nas pretensões de Filipe II e Filipe III. O adjetivo imaginário
aqui é empregado para expressar a desilusão que se foi revelando com o passar dos anos,
visto que a situação no Estado da Índia tornou-se cada vez mais irreparável, e isso sentido
com mais intensidade a partir da década de 1620.59
A ligação de Castela com os territórios orientais já vinha de anos anteriores à união
com Portugal, principalmente com o Extremo Oriente, visto que contingentes espanhóis
estavam estabelecidos nas Filipinas desde 1565. Os interesses suscitados pelas Filipinas
estavam ligados à busca pelo estabelecimento de relações comerciais, principalmente com a
China, assentadas essencialmente nas trocas de produtos de luxo, como as porcelanas e os
tecidos finos, com a prata americana. Também o ímpeto pela missionação dessas regiões era
algo almejado.60 Ora, a partir de 1580 as possibilidades de adentrar na totalidade do
comércio oriental monopolizado pelos portugueses estaria assegurada. No entanto, essa não
foi a realidade vivida pelos súditos castelhanos que desejavam comerciar naquelas paragens,
pelo menos no plano lícito, pois os termos de Tomar garantiam aos portugueses a
independência no ultramar. Esse impasse foi responsável por uma situação de disputas e
transtornos para os Filipes até 1640, que tentaram, quase sempre em vão, harmonizar os
antagonismos de ambos súditos naqueles espaços.
Com o adentrar do século XVII tem-se uma intensificação das investidas de
holandeses e ingleses no Estado da Índia. O assédio dessas nações havia demonstrado seus
primeiros sinais ainda em fins do século XVI, com os ataques holandeses às ilhas atlânticas
de São Tomé e Príncipe, em 1598-1599, mas somente na primeira década de 1600 é que os
contingentes batavos chegaram ao Oriente efetivamente. O alvo inicial foram as ilhas de
Ternate e Tidore em 1605, situadas no arquipélago das Molucas, no sudeste asiático, e
importantes pelo seu comércio de cravo.61
Mediante as dificuldades apresentadas por esses acontecimentos, que colocavam em
risco todo o império ibérico, foi-se empreendido um esforço luso-castelhano conjunto para
recuperar as ditas ilhas nas Molucas em 1606. Esse fato encerra em si uma série de questões
que lançam luz ao difícil relacionamento entre portugueses e espanhóis no Oriente naquele
momento. A expedição, vitoriosa, saiu das Filipinas e das quatorze companhias de infantaria
nenhuma era inteiramente portuguesa. Oito delas eram provenientes do México, quatro da
59 Existem vários estudos que discutem essa questão da periodização da perda de hegemonia de Portugal no Oriente. Aqui se baseou, principalmente, nos trabalhos de Sanjay Subrahmanyam. “O Recuo do Império, 1610-1665”. in: O Império Asiático Português., 1500-1700. Lisboa: Difel, 1993. E Peter C. Emmer. Op.cit, p.11. 60 Rafael Valladares. Castilla y Portugal en Asia (1580-1680), declive imperial y adaptación. Leuven University Press, 2001. p.7. 61 Charles Boxer. Op.cit. p.120.
27
Andaluzia e duas foram recrutadas em Manila, nas Filipinas. Utilizando como justificativa
esse esforço, tanto militar como econômico, os espanhóis empenharam-se em buscar a
confirmação régia para que as ditas ilhas ficassem sob a soberania castelhana, bem como a
sua missionação.62 Os discursos que reclamavam para si o direito sobre esses espaços eram
acompanhados de críticas sobre a condução do Estado da Índia pelos portugueses, o que
revela a oposição dos modelos ultramarinos desenvolvidos por Portugal e Espanha e como
isso podia ser usado contra os súditos portugueses perante os interesses do monarca. A
advertência do procurador das Filipinas, Fernando de los Rios Coronel, à Filipe III, em
1607, é bem elucidativa para essa questão:
Se tirassem isto (a condução das ilhas) das mãos dos castelhanos, se perderia tudo, pois os portugueses só se contentam em ter postos onde cobram suas contratações, como Goa e Ormuz, sem dar a Vossa Majestade vassalos e não procuram a conversão deles; ao contrário, os castelhanos, onde quer que tenham chegado, seu primeiro cuidado tem sido preparar a terra e colocá-la na posse da Coroa Real.63
O percurso de portugueses e espanhóis ao longo dos sessenta anos da união dinástica
foi marcado por conflitos de interesses entre portugueses e espanhóis, que contribuíram para
o fracasso das tentativas de permanência da hegemonia ibérica nos espaços orientais. No
entanto, as causas do recuo imperial não estão encerradas apenas nesse aspecto, visto que a
história do Estado da Índia na primeira metade do século XVII foi constituída de inúmeras
conjunturas, sendo essa apenas uma de suas faces.
No emaranhado de relações políticas e comerciais presentes no espaço oriental, os
súditos do império espanhol não tiveram como inimigos apenas holandeses e ingleses, estes
eram apenas mais uma peça do complicado tabuleiro diplomático e bélico existente naqueles
espaços. Dentre os inimigos mais incômodos ao comércio e à presença portuguesa no Estado
da Índia estava o sultanato do Achém, situado ao norte da ilha de Samatra, que ao longo das
décadas de 1560-1570 tornou-se um efetivo rival comercial de portugueses e espanhóis –
tomando grande parte do comércio de cravo, noz-moscada e pimenta - e estendeu suas
ligações comerciais e alianças políticas ao longo do Golfo de Bengala, nas Molucas e no
Índico Ocidental. Suas atividades mercantis nas praças comerciais de influência portuguesa
eram tão preocupantes que se encontram várias referências da necessidade de conquista
deste sultanato em diversos documentos da época. A exemplo disso, têm-se os diálogos que
compõem o Soldado Prático, de Diogo do Couto, ao longo dos quais há várias referências a
esse incômodo rival:
“[...] Qual destas cousas será mais necessário conquistar-se: se Ceilão, se o Achem; porque muitos há-
62 Rafael Valladares. Op.cit. p.21. 63 Apud Rafael Valladares. p.21.
28
de parecer que Ceilão é mais importante por ser mais à porta, e a ilha ser grande e abundantíssima de tudo, e capaz de sustentar quantos portugueses há espalhados na Índia. Sempre ouvi dizer que os reis passados deram por regimento aos primeiros governadores que, se a Índia padecesse naufrágio, se recolhessem os Portugueses a Ceilão, e que dali se tornaria a reformar e a recuperar o Estado. Outros dizem que de mais importância é o Achem, para segurança de todo aquele mar e de nossas fortalezas de Malaca, Maluco e trato da China e Japão, porque com uma fortaleza em seu porto se segurava tudo”.64
Os Otomanos, aliados do Achém, também causaram inquietação nos portugueses,
pois desde as décadas de 1540-1550 exerciam uma constante presença naval no Índico
Ocidental, alicerçados no comércio para o Mar Vermelho com origem no sul e sueste
asiático. Na costa do Malabar, no sul da Índia ocidental, estavam assentados a comunidade
muçulmana Mappila, que mantinha ligações comerciais com os principais reis da costa do
Malabar concorrentes dos portugueses, como o Kolathiri de Cananor e o Samorim de
Calecute. Outra preocupação constante de portugueses e espanhóis foram os reis safávidas
do Irão. A causa mais evidente da rivalidade entre os safávidas e os portugueses era o
controle que os portugueses detinham sobre Ormuz, no Golfo Pérsico. A ameaça que
representavam tornou-se mais evidente e perigosa a partir da formação de uma aliança com
os ingleses em 1616.65
2.3 - Nem Só de Oposição Viveu a União Ibérica: a circulação sócio-cultural entre
portugueses e espanhóis
Para além das influências políticas, econômicas e administrativas ocorridas entre
Portugal e Espanha durante a União Ibérica, há outro aspecto de grande relevância e diz
respeito à proximidade cultural entre os dois reinos ibéricos. A convivência entre as duas
culturas tem suas raízes no passado histórico e comum da Península Ibérica e foi acentuada e
potencializada a partir de 1580. Esse fato pode ser observado, por exemplo, na política
matrimonial desenvolvida entre monarcas portugueses e princesas castelhanas e que estava
inserido, segundo Isabel Buescu66, num quadro estratégico de unificação dinástica das duas
coroas. D. Manuel casou-se três vezes, sempre com princesas castelhanas, nas duas
primeiras vezes com D.Isabel e D. Maria, filhas dos reis católicos, e por último com D.
Leonor, filha de Carlos V. D. João III casou com D.Catarina, irmã de Carlos V. Também o
64 Diogo do Couto. Op.cit. pp.221-222. 65 Para mais detalhes ver: Sanjay Subrahmanyam. Op.cit. “Entre a Territorialidade e os Desafios Marítimos: reorientações, 1570-1610”. pp. 188-193; “O Recuo do Império (1610-1665)”. pp. 210-211. 66 Ana Isabel Buescu. “Y la Hespañola es facil para todos. O bilinguismo, fenómeno estrutural (séculos XVI-XVIII)”. in: Memória e Poder: Ensaios de História Cultural (séculos XV-XVIII). Lisboa: Edições Cosmos, 2000. P.52.
29
príncipe D. João – filho de D. João III e pai de D. Sebastião – casou-se com a princesa
espanhola D. Joana, filha de Carlos V.
Esses casamentos foram utilizados como justificativa para as pretensões unificadoras
de Filipe II no processo sucessório. O uso de um manuscrito do reinado de D. Manuel,
intitulado Os Artigos de Lisboa de 1499, teve importante papel na retórica filipina, pois se
remetia a um projeto - quase realizado - de unificação da Península Ibérica, sob o cetro
português. A justificativa para essa união era assentada nas ligações entre D. Manuel e a
descendência dos reis católicos, visto que o monarca português era casado com D. Isabel e
juntos tiveram um filho, chamado D. Miguel, que por sua vez era neto dos ditos reis
castelhanos e, portanto, legítimo para herdar a coroa espanhola. No entanto, essas
pretensões acabaram com a morte do dito herdeiro, em 1500, aos dois anos de idade. O
interessante na descoberta e utilização dessa documentação por Filipe II é que os termos
sob os quais seria firmada a união eram iguais, em sua maior parte, aos termos que foram
estabelecidos em Tomar. Por esse motivo vê-se, mais uma vez, que a União Ibérica contou
com um amplo debate legislativo que utilizou a história ibérica comum para a legitimação
do habsburgo como rei de Portugal e continuador do plano manuelino.67
Outro aspecto das relações entre lusos e castelhanos - especificamente potencializado
com a união dinástica - foi a transladação de cortesãos portugueses para a corte madrilena,
criando profundas raízes naqueles espaços, e que contou com uma continuidade mesmo
após a Restauração. Segundo Fernando Bouza-Álvarez, Madrid sempre exerceu atração
sobre os portugueses, fato acentuado em grande medida com a junção dos reinos. Para o
centro da corte espanhola migravam paralelamente mercadores, homens de negócios e
nobres. Para os súditos portugueses estar em Madrid significava estar mais próximo do
monarca ou de suas instâncias governativas, o que era essencial para que os vários pedidos
de mercês se tornassem passíveis à graça do rei. Por outro lado, o interesse da convivência
cortesã entre portugueses e espanhóis vinha de uma política promovida pelo próprio
monarca e seus validos e visava o aplacamento das diferenças e lutas advindas dos vassalos
lusos. Dessa forma, os caminhos seguidos para levar a cabo essa “política de atração
nobiliárquica” estiveram assentados “nas naturalizações, nos casamentos entre lusos e
castelhanos, e nas admissões a ofícios e dignidades em Castela”.68
O campo cultural aqui referido teve na produção literária e lingüística um de seus
67 Fernando Bouza-Ávarez. “Documentos antigos e imprensas novas na pretensão ao trono português. Sobre a propaganda escrita de D. Filipe I”. In: Portugal no Tempo dos Filipes: Política, Cultura e Representações (1580-1668). Lisboa: Edições Cosmos, 2000. pp.45-46. 68 Ver Fernando Bouza-Álvarez. “Nobres e luta política no Portugal de Olivares”. In: Ibidem. pp.213-217.
30
campos mais férteis no tempo do Portugal filipino. A aproximação de tradições culturais
comuns pode ser atestada na disseminação da língua castelhana nos círculos letrados e
cortesãos de Portugal. Essa utilização do castelhano era algo corrente em muitas obras
desde as primeiras décadas do século XVI, pois era uma língua mais corrente em outras
regiões da Europa do que o português facilitando, dessa forma, a disseminação das obras
lusas. Nessa produção pode-se citar nomes como Sá de Miranda, Garcia de Resende, Gil
Vicente e Camões. Por outro lado, junto às camadas populares a língua espanhola teve uma
crescente difusão, favorecida pela veiculação do teatro espanhol em Portugal. Também
faziam parte da aproximação dessa cultura castelhana outros veículos, como a literatura de
cordel, as canções e provérbios.69
Essa rede de influências entre as culturas ibéricas não teve apenas o sentido
Espanha/Portugal, visto que Castela incorporou aspectos da vida cultural portuguesa,
observadas nas já citadas alianças matrimoniais bem como na circulação de obras
literárias, tendo na literatura oriunda da expansão marítima seu principal expoente. Um
exemplo muito pertinente dessa movimentação literária foi a grande circulação na Espanha
dos Lusíadas de Luís de Camões durante a União Ibérica. As primeiras traduções
castelhanas da obra camoniana foram levadas a cabo, em 1580, pelas universidades de
Alcalá de Henares e Salamanca e patrocinadas por Filipe II. Segundo as reflexões de
Vanda Anastácio, seguindo os estudos do historiador da literatura Eugenio Asensio, os
Lusíadas teve grande importância para a literatura espanhola, pois “serviu de inspiração
para novos textos, que dela retomaram elementos de estrutura, episódios míticos e
heróicos, pormenores formais e recursos estilísticos”.70
A perspectiva cultural aqui levantada constitui-se como mais uma face do complexo
histórico que foi a União Ibérica e parte de uma perspectiva desenvolvida por historiadores e
críticos da literatura como Fernando Bouza-Ávarez e Eugênio Asensio, cujos trabalhos se
dedicam a pensar nas relações entre a literatura, a política e as representações no tempo da
monarquia filipina.
Como vimos, a existência de laços culturais que ligavam castelhanos e portugueses
foi uma constante na história da Península Ibérica. No entanto, é plausível afirmar que com a
consumação da união dinástica esses intercâmbios culturais tornaram-se mais explícitos, e
contam com inúmeras manifestações em diversas instâncias, como na administração dos
69 Ana Isabel Buescu. Op.cit. pp.51-52; 55-56. 70 Vanda Anastácio. “Leituras Potencialmente Perigosas: Reflexões sobre as traduções castelhanas de Os Lusíadas no tempo da União Ibérica”. In: Revista Camoniana, Vol 15. Bauru, São Paulo, 2004. pp.168-169.
31
negócios públicos, a organização militar, prioridade a um império voltado para as conquistas
territoriais e controle sobre a mão de obra nativa. No interior dessa perspectiva, que
direciona o olhar para essas trocas culturais entre ibéricos durante o período filipino, estão
inseridas as questões que conduziram a presente pesquisa, visto que as duas obras literárias
que serão problematizadas no próximo capitulo fazem parte de uma literatura que teve na
Espanha seu principal expoente. Seus autores ficaram conhecidos como arbitristas e seus
tratados de reformas aumentaram de forma impressionante durante a primeira metade do
século XVII, fato observado também para os súditos portugueses. A argumentação desses
indivíduos, para que seus escritos fossem aceitos pelos centros de poder político,
acentuavam o estado deplorável no qual suas nações se encontravam. Essa componente do
discurso arbitrista foi apropriada por historiadores modernos e tomada como indício
explícito da decadência espanhola e/ou portuguesa.
32
3 – O Arbitrismo Português a partir das obras O Soldado Prático e da Reformação da
Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental
3.1 A mudança nos discursos sobre a Ásia portuguesa a partir de meados do século
XVI: decadência, crise ou adaptação?
A historiografia da expansão portuguesa referente ao Oriente tende a organizar suas
narrativas a partir do estabelecimento de períodos que marcaram a presença lusitana
naqueles espaços. Em linhas gerais, indicam-se dois momentos principais. O primeiro é
concernente às primeiras décadas do século XVI, caracterizadas pelo estabelecimento da
rede comercial e de fortalezas constituintes do império português na Ásia. No entanto, após
meados do século XVI tem-se o desenvolvimento de várias crises, responsáveis pela
paulatina perda de hegemonia dos portugueses no Estado da Índia.71
Essa disposição da história lusa não é gratuita, visto que as fontes utilizadas pela
historiografia baseiam-se nos testemunhos gerados nesse período, que podem ser divididas
em dois grupos discursivos. Num primeiro momento há a multiplicação de obras que tinham
como objetivo contar a história dos portugueses no além mar da forma mais lisonjeira
possível - como as Décadas de João de Barros, por exemplo - exaltando a figura de
indivíduos como Afonso de Albuquerque, responsável pelo período de glória das conquistas
orientais, marcado pela ação militar constante, pois dela dependia a conquista das principais
praças comerciais. O segundo grupo é composto por vozes mais questionadoras da ação e do
poderio português, e pode-se afirmar que após um período de glorificação da atuação
portuguesa no Oriente, começa a ocorrer uma mudança na percepção do Estado da Índia - a
partir da segunda metade do século XVI - passando a ser retratado com pessimismo,
marcado pela consciência de que as grandezas do início já estavam minguando.
Aqui nos deteremos nos discursos72 que anunciavam novos tempos, caracterizados
por uma certa perda de hegemonia comercial e bélica portuguesa na Índia. Os testemunhos
71 Exemplos de trabalhos ordenados dessa forma podem ser encontrados em: Sanjay Subrahamanyam. Império Asiático Português, 1500-1700: uma história política e econômica; A. R. Disney. A Decadência do Império da Pimenta: comércio português na Índia no início do século XVII; Luís Filipe F.R. Thomaz. “A Crise de 1565-1575 na História do Estado da Índia”. 72 Luis de Souza Rebelo fala da existência de três tipos de discurso que marcaram a literatura portuguesa de fins do século XVI e início do XVII, que seriam “respostas aos problemas criados pela empresa da expansão marítima”. Assim, tem-se o discurso profético, o discurso histórico e o discurso de reformação ético-social. No entanto, o autor não explica esses discursos, apenas limita-se a falar do discurso de reformação ético-social, do qual O Soldado Prático seria um exemplo. “Damião de Góis, Diogo de Teive e os Arbitristas do século XVII”. In: Humanitas. Coimbra, Vol 43-44, 1991-1992. p.214.
33
nesta direção podem ser encontrados tanto numa literatura particular - obras históricas e
tratados - como na escrita administrativa, conhecida principalmente através de cartas e
relatórios oficiais de funcionários régios.
Gaspar Correa (1490-1563?) foi uma dessas vozes pessimistas para com o
andamento da presença portuguesa na Ásia. Na suas Lendas da Índia (1561) expressa a
visão de que as grandezas do início da expansão já faziam parte do passado e que eram os
próprios portugueses os responsáveis por essa situação, revelando-nos, dessa forma, seu
espírito crítico, lembrando mesmo as idéias de Diogo do Couto, que pelo tempo das Lendas já
andava na milícia oriental:
Tomei este trabalho com gosto, porque os começos das cousas da India forão cousas tão douradas que parecia que não tinham debaixo o ferro que depois descobrirão; e prosseguindo eu minha teima fui avante, porque não perdesse o que tinha trabalhado. Crecerão males, mingoarão os bens, com que quase tudo se tornou vivos males, com que o escritor delles com razão se pode chamar praguejador, e não bom escritor de tão ilustres feitos e acoecimentos no descobrimento e conquista de tantos reynos e senhorios, em que os feitos dos Portuguezes parecem mais milagrosos que per outra nenhuma razão, com tão gloriozas honras acabados, como nosso Senhor per sua grande misericórdia os quis dar em nossas mãos, acabados como hoje em dia aparecem [...].73
É nos mesmos termos que O Soldado Prático, de Diogo do Couto, está inserido no
conjunto de obras que criticavam a postura portuguesa no Oriente e demonstravam que seu
poderio estava perdendo força. Esse livro marginal de Couto teria sido escrito pela primeira
vez ainda em tempo de D.Sebastião, não se sabendo ao certo se na década de 1560 ou
durante os anos 1570, sendo reformulado ao longo dos reinados de Filipe II e III. A
concepção do autor apresentada ao longo do livro está assentada, dentre outros aspectos que
discutiremos num momento posterior, na divisão da história dos portugueses na Índia em
uma primeira idade de ouro e numa segunda de ferro – durante a qual o livro foi escrito.
Falando das diferenças entre essas duas idades, a partir do exemplo da soldadesca,
Couto demonstra todo seu pessimismo para com o andamento do Estado da Índia:
[...] Os soldados daquele tempo, capitães e vive-reis eram todos ouro na verdade, na liberalidade, ouro na fidelidade, ouro no valor , ouro no primor, ouro no esforço; enfim que daquela idade toda de ouro viemos a decair nesta toda de ferro, em que tudo isso falta. Por onde receio que este negócio se vá concluindo.74
Essa idade de ouro seria o tempo das primeiras conquistas portuguesas, idealizada
por Couto como um período de honra militar dos conquistadores e zelo pela fé católica.
73 Lendas da Índia, tomo I, p. 1. Apud Joaquim Verríssimo Serrão. A Historiografia Portuguesa. Lisboa: Verbo, 1972. p. 240. 74 Diogo do Couto. O Soldado Prático. Lisboa: Livrarias Sá da Costa, 1954. pp.145-146.
34
Chega mesmo a localizar uma parte desse tempo no reinado de D. Manuel (1495- 1521).75
Tornarei a falar dessa idade de ferro na seção sobre as reformas propostas por Couto e
Francisco Rodrigues Silveira.
Outros nomes aparecem como representantes dessa literatura moral e crítica, como o
tratado de autoria desconhecida Primor e Honra da Vida Soldadesca (1577?) no qual as
causas da crise portuguesa são apontadas como diretamente ligadas aos desmandos
espirituais que lá se multiplicavam, à falta de zelo cristão. Para o autor do Tratado, o perigo
era a “inversão das conversões, a aculturação dos portugueses”.76 Também o soldado
Francisco Rodrigues Silveira estava consciente dessas desordens, não só difundidas através
de portugueses, mas eram divulgadas por indivíduos de outras nações européias:
E se me disserem que são estes muitos discursos e que nem tudo aquilo que nos espanta nos empece, não he boa razão, que em tantos desconcertos, e tão grandes desordens primeiro poderemos ser perjudicados que espantados. E não lhes pareça que só eu sou o curioso observador destas cousas, que lhes affirmo aver em Itália, Flandres, França e Inglaterra livros impressos de cousas da Índia, em que estão muy bem ao vivo nossas desordens retratadas. Pois se nações inimigas compõem livros de nossos descuidos e mão governo pêra com effeito de milhor animarem seus soldados e capitães a que nos accometam sem algum receo com a occasião delles, por qual razão nós os portugueses não folgaremos muyto de nos advertirem também delles pêra os podermos remediar?77
Ao lado dessa literatura, a escrita administrativa remetida da Índia para o Reino –
durante a União Ibérica para Madri – através das cartas de vive-reis e relatórios, era da
mesma forma alarmante em relação à situação vivida pelas forças lusas naqueles espaços.
Segundo Joaquim Veríssimo Serrão, ainda na primeira década do século XVII as queixas
enviadas a Madri eram inúmeras e revelavam a falta de dinheiro, de soldados e de naus,
justificando a urgente necessidade de socorro. Algumas dessas lamúrias eram acompanhadas
da denúncia do mar de corrupção que caracterizava a administração portuguesa na Ásia –
denúncia não restrita aos relatos de alguns vice-reis, estando presente também nas
argumentações de Couto e Silveira. Numa carta enviada a Filipe III, pelo vice-rei em 1614,
lêem-se as seguintes palavras “[...] gente (os funcionários régios) tão depravada e mal
acostumada, que era preciso não abrandar as devassas em curso”.78
75 Ibidem, p.144. 76Antonio Coimbra Martins. In: O Primeiro Soldado Prático. Introdução e edição por Antonio Coimbra Martins. Lisboa: Comissão Nacional Para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. pp.61-63. 77 Francisco Rodrigues Silveira. Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental. Lisboa: Fundação Oriente, 1996. p.202. 78 Apud Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal (1580-1640). Vol IV. Lisboa: Editorial Verbo, 1978. p. 183. A recorrência às cartas como meio de fazer chegar até os ouvidos do monarca o que estava acontecendo na Índia não foi uma prática restrita a esse período de intensa turbulência. Ela é observada desde o início do estabelecimento dos portugueses no Oriente. Na coletânea de “cartas de serviços” publicada por Luís de Albuquerque e José Pereira da Costa encontram-se vários exemplos de servidores que se dirigiam ao monarca através de cartas, seja para reclamarem serviços prestados, queixarem-se de perseguições, algumas transmitem opiniões sobre o modo que o Estado deveria ser conduzido, delatam vice-reis e governadores corruptos, pedem
35
São muitos os testemunhos que levantam a problemática da perda de poderio luso no
Oriente, suscitando discussões acerca de noções como decadência e crise. Tradicionalmente
a temática da crise em Portugal e em seus territórios ultramarinos é tratada pela
historiografia a partir do estabelecimento de períodos. De forma generalizante, pode-se falar
em três períodos principais: o primeiro situado entre os anos de 1565 até 1575; a crise a
partir do estabelecimento da União Ibérica; e o início da bancarrota incisiva desde a década
de 1620.
A primeira crise foi concebida por vários historiadores como um reflexo direto de
uma crise econômica, marcada pelos sinais de diminuição do comércio articulado através da
rota do Cabo da Boa Esperança e estruturado no trato da pimenta. Essas leituras
economicistas da história dos portugueses na Índia a partir da segunda metade do século
XVI tornaram-se clássicas através de trabalhos como os de Vitorino Magalhães Godinho,
tendo em Os Descobrimentos e a Economia Mundial um de seus principais expoentes.
Segundo a análise desse autor, o sistema econômico português foi marcado por sucessivas
crises cíclicas, sendo esta mais uma delas. Por outro lado, autores como Luís Filipe Thomaz
questionam essa ligação direta entre economia e crise, pois reduzem outros fatores
importantes para a formação dessa situação. Segundo Thomaz, a crise que afetou a Índia,
principalmente a partir de 1565, foi essencialmente política e militar, mas não deixa, por
isso, de levar em consideração o fator econômico.79 De um lado tem-se a conjuntura asiática,
que teria contribuído para a evolução dos problemas lusos naquelas paragens por conta do
fortalecimento de várias frentes de embates militares e comerciais em pontos estratégicos
importantes.80 À situação geopolítica somam-se as desordens portuguesas, como a
corrupção, falta de armamentos eficientes, naus precárias, dentre tantos outros aspectos
denunciados pelos contemporâneos.
De fato, segundo as análises de Thomaz e de Subrahamanyam, o que realmente
caracterizou esse primeiro período de inflexão foi uma tendência à retirada da coroa dos
negócios comerciais, principalmente do trato pimenteiro, passando muito mais a ser
vendedora de concessões comerciais para mercadores privados. Esta mudança no papel da
coroa é associada à crescente influência espanhola em Portugal, acentuada com a união
dinástica. Ademais, paralelamente à queda do tráfico da pimenta no sentido Goa-Lisboa,
recompensas. In: Cartas de “Serviços” da Índia (1500-1550). p.309. 79 Luís Filipe F.R. Thomaz. “A Crise de 1565-1575 na História do Estado da Índia”. In: Mare Liberum, Lisboa, nº 9, 1995. p.481. 80 Para uma apreciação mais detalhada sobre os problemas bélicos e comerciais com origem na própria Índia Cf capítulo 2.
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desenvolveu-se um ramo comercial de luxo, proveniente da China e sustentado pela
comercialização de sedas e porcelanas. Apesar das constantes queixas de vice-reis e
contemporâneos, essa primeira crise não teve o poder de colocar em verdadeiro risco as
possessões lusas no Estado da Índia, mas veio a contribuir para crises futuras, pois em seu
centro estava o fortalecimento de incômodos rivais. 81
Na esteira desses distúrbios, também a consumação da União Ibérica pode ser
entendida como um período de crise, tanto porque foi proporcionada pela morte precoce de
D.Sebastião na mal sucedida campanha marroquina, deixando o tesouro português exaurido
pelos gastos da guerra, como por estar sobre o trono português um rei estrangeiro, que, além
das justificativas históricas a favor da legitimidade sucessória, lançou mão dos terços do
duque de Alba, contando com a violência e a intimidação para assegurar a sucessão.
Conjuntamente aos problemas internos, de ordem política, a partir do início do século XVII
as possessões orientais dos portugueses se tornaram alvos da expansão das nações
protestantes, principalmente os Países Baixos e a Inglaterra, fato muitas vezes ligado à união
com Castela.82
A problemática da crise portuguesa ou ibérica está inserida num campo de debate
mais amplo sobre a existência de uma crise geral européia nas primeiras décadas do século
XVII. Segundo Antonio de Oliveira “haveria, para as primeiras décadas do século, uma onda
de crises e Portugal estava inserido nela”. O início desse século seria caracterizado, em
linhas gerais, pela criação de exércitos sob o comando estatal, o aumento da coleta de
impostos, a guerra, a revolta e a repressão.83 Nessa linha interpretativa existem vários
trabalhos que apontam para uma grande crise que afetou o império espanhol, formando a
idéia da decadência espanhola. A literatura de arbítrios, que veremos em seguida, foi e
continua sendo interpretada por alguns historiadores como resposta a essa decadência,
marcada, em Espanha, pela perda de poderio, fomentada por crises políticas, sociais e
econômicas. Textos clássicos como os de John Elliott entendem esse período da história
castelhana como o desenvolvimento da miséria do esplendor imperial.84 As evidências
concretas da bancarrota espanhola foram transmitidas através de vários fatores, tais como a
desvalorização monetária, ocasionando um processo inflacionário, a multiplicação de várias 81 Luís Filipe F.R. Thomaz. Ibidem. p.499; Sanjay Subrahmanyam. “A Crise de Meados do Século XVI”. In: O Império Asiático Português, 1500-1700: uma história política e econômica. Lisboa: Difel, 1993. p. 119. Referente a esses rivais Cf capítulo 2. 82 Para mais detalhes do processo sucessório e sobre as constantes investidas de holandeses e ingleses no Oriente português Cf capítulo 2. 83 Antonio de Oliveira. Poder e Oposição Política em Portugal no Período Filipino (1580-1640). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p.49. 84 John Elliott. Imperial Spain. Pelican Books, s.d. p.300.
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frentes de combate militar, queda demográfica, aumento dos impostos, causado pelos
exorbitantes gastos bélicos, crise na própria América, com o aumento de contingentes
desocupados e o crescimento de uma burocracia parasitária.85
Na historiografia sobre Portugal essa referência à decadência também é recorrente,
podendo ser encontrada, por exemplo, na organização dos diálogos de Diogo do Couto feita
por Antonio Caetano do Amaral, em 1788, sob o título Observações sobre as Principais
Causas da Decadência dos Portugueses na Ásia. Um exemplo recente encontra-se no livro
de Anthony Disney A Decadência do Império da Pimenta: comércio português na Índia no
início do século XVII.86 Toda a análise de Disney está assentada na idéia principal de que a
decadência portuguesa no Oriente era conseqüência de uma longa crise econômica e
estrutural. No entanto, essa idéia é questionada por outros historiadores, como
Subrahmanyam e Antonio de Oliveira, que entendem esse período da história dos
portugueses na Ásia como a junção de várias crises. Segundo Oliveira, a idéia de decadência
deve ser usada com cautela, mas a de crise não, pois “só se restaura o que está degradado, o
que deixou de estar em consonância com as aspirações”.87 Ao falar de restauração o autor
está se remetendo aos vários projetos de reforma engendrados com intensidade desde fins do
século XVI e que tinham como objetivo oferecer soluções para as dificuldades econômicas,
políticas e militares enfrentadas pelos portugueses tanto no Oriente, como no reino. Por sua
vez, a análise de Subrahmanyam, concernente às últimas décadas do século XVI e as
primeiras duas décadas do XVII, aponta não para o início do declínio, mas sim para uma
reorganização do modelo imperial português no Estado da Índia, direcionada para projetos
de domínio territorial e para a crescente importância da coroa enquanto órgão de capitação
fiscal e não mais como agente comercial.88
A temática da crise foi a justificativa para a manifestação de indivíduos como Diogo
do Couto e Francisco Rodrigues Silveira. Suas obras demonstram a compreensão que ambos
tinham em relação ao andamento da presença portuguesa na Ásia, marcada por tendências
amedrontadoras na viragem do século XVI para o XVII. A urgência por reformas que
caracterizavam a argumentação de seus tratados não era algo sem fundamento, pois eram
decorrentes de suas experiências no Oriente.
85 América Latina Colonial Vol 1. Leslie Bethell (organizador). São Paulo: Edusp, s.d. pp.318-330. 86 A. R. Disney. “A Crise do Início do Século XVII” in: A Decadência do Império da Pimenta: comércio português na Índia no início do século XVII. Lisboa: Edições 70, 1981. 87 Antonio de Oliveira. Op.cit. p.83. 88 Sanjay Subrahmanyam. “Entre a Territorialidade e os Desafios Marítimos”. In: Op.cit. pp.200-203.
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3.2 - A Literatura Arbitrista na Península Ibérica
A multiplicação de indivíduos singulares conhecidos como arbitristas, desde as
últimas décadas do século XVI e durante a primeira metade do XVII, constituiu-se
principalmente num fenômeno latino e, sobretudo, espanhol. Segundo Antonio Coimbra
Martins, esses sujeitos seriam “observadores da sociedade, ou da política, ou da guerra,
prático nas engrenagens respectivas”.89 Os inúmeros discursos arbitristas apresentam
características comuns, principalmente nos recursos narrativos de seus textos. Na grande
maioria dos tratados repetem-se palavras como “bem universal”, “remédios”,
“enfermidades”. Normalmente seus autores começam os trabalhos observando e
identificando os males que minavam o Estado para daí apresentarem soluções de reforma
para esses aspectos, demonstrando os meios de aumentar a fazenda régia, barrando uma
tendência à decadência.
Pode-se afirmar que a especificidade desses indivíduos era decorrente de sua audácia
e intromissão, pois davam opiniões sobre assuntos que não estavam sob suas jurisdições. “O
arbitrista é aquele que fala em seu próprio nome, sem ser mandado por um concelho, como
os procuradores ou regidores”.90 Essa intromissão em negócios que não lhes diziam respeito
era a fonte do mau grado que muitos contemporâneos tinham em relação aos arbitristas.
Eram, muitas vezes, entendidos como pessoas prejudiciais à sociedade, por interferirem
negativamente em assuntos políticos. Assim, Francisco Rodrigues Silveira, no seu tratado de
Reformação Da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental, demonstra ter consciência
que sua atitude poderia ser acusada de ilegítima e que por isso não lhe dariam ouvidos:
E bem pode ser que não falte quem me julgue por demasiadamente atrevido, dizendo ser muita razão respeitarem-se as pessoas grandes e que têm mando supremo, porque não está bem a um soldado particular falar aonde não o chamam, nem Há de ser ouvido; que al fim as cousas hão de correr, e este meu zelo não me pode trazer outro proveito mais que cobrar inimigos.91 A menção feita por Silveira sobre os inimigos que poderia ganhar com sua
intervenção é extremamente pertinente para com a visão que outros sujeitos sociais tinham
dos arbitristas. Num ambiente marcado pela junção de várias crises, as soluções propostas
por esses indivíduos eram, muitas vezes, recebidas de forma negativa por diversos setores da
sociedade. Um exemplo muito claro disso eram as reformas econômicas, muitas delas
89 Antonio Coimbra Martins. O Primeiro Soldado Prático. Introdução e Edição do autor. Lisboa: Comissão Nacional Para As Comemorações Dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p.286. 90 Anne Dubet. Los Arbitristas Entre Discurso Y Acción Política: Porpuestas Para Un Análisis De La Negociación Política. In: Tiempos Modernos, nº9. p.8. 91 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.100.
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assentadas no aumento dos impostos, que visavam principalmente sobre o comércio. Dessa
forma, nessa conjuntura de reformas, tanto para os territórios espanhóis como para os
portugueses, a figura do arbitrista, segundo Antonio de Oliveira, era criticada por sua
intromissão em instâncias que não lhes diziam respeito; porque misturavam a busca do
favorecimento pessoal com o bem do Estado; porque sua participação na vida pública dava-
lhes a possibilidade de obterem maiores chances para a mobilidade social, pois seus
trabalhos eram passiveis de serem retribuídos pelo monarca através da concessão de mercês.
Essa retribuição podia suscitar conflitos entre os vários grupos dependentes do
favorecimento régio.92
Ainda tomando como referência as discussões de Oliveira, tem-se que a
permeabilidade da participação na vida pública, interferindo nas decisões políticas do reino
português, o que também era válido para Castela, estava assentada de forma complexa na
tradição portuguesa, que assegurava a todos os súditos com capacidade o direito e o dever de
procurar remédios para os trabalhos públicos. O nobre português André Azevedo comentava
“estava nas tradições da monarquia portuguesa o direito de todo o súdito se dirigir ao rei”.93
Novamente vemos em Silveira a alegação deste dever de todo o súdito para com o
monarca e o bem do reino:
Não basta ser hum homem particular e não admetido aos cargos e governos pêra se cuidar que não tem obrigação de atentar pellas cousas perjudiciais e danosas que em offença de seu Deos, de seu Rey e de sua Pátria se fazem; que pella obrigação de christão, e também pella de bom e leal vassalo e pella da honra e de ser homem, está cada hum Obrigado avisar pello melhor modo que lhe for possível a seu Rey e Senhor, e a todos os que o possam remediar de tudo aquillo que se faz em sua offença; e pera isso não se deve olhar à pessoa de algum grado, senão só ao que mais convém ao serviço de Deos, que como bons e fiéis christãos devemos trazer sempre diante dos olhos; e a par delle o de El-Rey e de nossos próximos.94
As acusações de que os arbitristas misturavam seus interesses próprios com o bem
público e que isso era visto por seus contemporâneos como algo reprovável é questionada
por Dubet, pois “a contradição que estabelecemos hoje entre o interesse privado e o serviço
público não é válida para o século XVII”.95 No sistema político do Antigo Regime as
relações entre os súditos e o monarca faziam-se sob a forma de troca de favores. Aqueles
que requeriam um bem ao rei deveriam lhe garantir a entrega de um serviço, advindo daí a
obrigatoriedade da retribuição.96 Dessa forma, não havia restrição alguma da parte dos
92 Antonio de Oliveira. Op.cit. p.81. 93 Apud Antonio de Oliveira. Idem. p.81. 94 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.101. 95 Anne Dubet. Op.cit. p.6. 96 Ângela Barreto Xavier e Antonio Manuel Hespanha. “As Redes Clientelares”. In: História de Portugal. Direção de José Mattoso e Coord de Antonio Manuel Hespanha. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. p.390. Essas
40
arbitristas em cobrarem pelos serviços prestados à coroa. Assim, tanto Diogo do Couto
como Francisco Rodrigues fazem menção ao interesse de receberem mercês como gratidão
por seus serviços: “muitos remédios há; mas esses não quero dizer agora; e só a el-rei os
direi, e com custar ainda alguma cousa; porque já que tudo o mais digo de graça, essa só lhe
hei-de vender muito bem”.97 Em outra passagem “[...] as mercês que justamente por esse
trabalho me são devidas”.98 Os sucessos do Soldado Prático de Diogo do Couto não são
conhecidos, ou seja, não sabemos se chegou às mãos das autoridades competentes e se
Couto recebeu algum benefício por ele. Sobre Francisco Rodrigues conhece-se um
documento datado de 1606, remetido pela chancelaria de Filipe II, concedendo-lhe uma
tença pelos serviços prestados na Índia, inclusive pela Reformação:
Dom Philippe e cetera, aos que esta minha carta virem, faço saber que, avendo eu respeito aos serviços de Francisco Rodriguez Silveira feitos nas partes da Índia e ao trabalho que teve no livro que fez do bom governo do Estado da Índia e a ser pobre e estar manco de hua perna e não podendo ir servir o cargo de feitor de Ormuz com que foi despachado; ey por bem e me apraz de lhe fazer mercê de cinquoenta mil réis de tença, cada anno em sua vida [...].99
A prática do arbitrismo na Espanha era institucionalizada. Os autores dos tratados
encaminhavam um resumo da obra a um dos órgãos da administração real, a uma corte ou
câmara, e se o arbítrio fosse aprovado seu autor era beneficiado ou com uma porcentagem da
arrecadação do tributo proposto pelo arbítrio ou sob a forma de cargos. Já em Portugal não
havia aval institucional, sendo os arbítrios portugueses queixas ou projetos direta ou
indiretamente entregues ao rei ou aos âmbitos superiores da administração.100 É possível
dizer que com a União Ibérica a forma de encaminhamento das propostas de reforma feitas
por súditos portugueses para as instâncias competentes tenha se tornado a mesma
desenvolvida pelos súditos castelhanos, o que está relacionado com o intercâmbio cultural
entre espanhóis e portugueses durante a união das coroas ibéricas. Na presente pesquisa tem-
se um único exemplo, o de Francisco Rodrigues, mas sua trajetória serve para suscitar
questionamentos nesta direção. Ao longo da Reformação Silveira remete-se às vezes que
tentou encaminhar sua obra para os Conselhos competentes. Já em 1630, numa carta relações entre súditos e o monarca fazem parte do que Hespanha chama de “economia do dom”, na qual o monarca está como que obrigado a retribuir os serviços prestados por seus súditos. Mas, da mesma forma, os súditos também estavam obrigados a serem fiéis e obedientes ao rei, mesmo que não recebessem a graça que esperavam. Esses laços eram firmados por noções como “liberalidade”, “amizade”, “caridade”, “gratidão”, e “serviço”. A noção de don foi desenvolvida pela primeira vez por Marcel Mauss no texto Essai Sur Le Don, de 1924. 97 Diogo do Couto. Op.Cit. p.80. 98 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.122. 99 1606 nov. 26, Lisboa. D.Filipe II concede uma tença de cinqüenta mil réis a Francisco Rodrigues Silveira como pagamento dos Serviços prestados. [ANTT, Lisboa. Chancelaria de D.Filipe II, livro 18, fls.181-181 v]. In: Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p. XXIII. 100 Antonio Coimbra Martins. Op.cit. p.288.
41
anexada ao fim do livro sobre a Reformação da Justiça da comarca da Beira e Entre Douro
e Minho, fala de suas intermináveis andanças rumo à corte para tentar encaminhar seus
tratados: “Dez vezes tenho hido a Madrd e a Valhadolid, estando ahi a Corte, desde o anno
de 1598 que vim da Índia pêra este reino, sobre mostrar a ordem que se devia ter pêra o
Estado da Índia se poder defender de todos seus inimigos com facilidade grande e menos
despesa do que até ali se fazia [...]”.101
Silveira relata que durante suas tentativas de fazer com que suas reformas fossem
colocadas em prática, tanto no Conselho de Portugal, no Conselho das Índias, como no
Conselho de Guerra de Castela, os tais conselheiros zombavam de seu livro e de sua pessoa.
Assim teria acontecido numa audiência no Conselho das Índias, onde “tomando-me um
destes conselheiros na sala do Paço, chamou, para me afrontar diante de muita gente, a um
certo fidalgo que devia ter andando na Índia; e lhe disse, apontando-me com o dedo – se
queria ver o soldado que andava persuadindo poder elrei sustentar na Índia quatro mil
soldados portugueses, quando S.M tomará de boa parte poder sustentar nella dois mil assim
para o Malabar como para tudo o mais?”.102 Segundo as análises de Dubet têm-se duas
imagens principais recorrentes destes indivíduos polêmicos que foram os arbitristas,
formadas contemporaneamente à sua atuação. Uma delas seria proveniente das sátiras, que
normalmente denegriam sua atuação, dando-os por loucos ou sonhadores, pois suas
propostas seriam impossíveis de serem cumpridas. As queixas feitas por Silveira do descaso
para com seu livro demonstram bem o teor desse escárnio para com os arbitristas. A outra
imagem seria aquela proveniente de discursos de indivíduos que não queriam ser
considerados como arbitristas, daí decorrendo o fato de seus discursos serem marcados por
características pejorativas em relação aos arbitristas.103
Atualmente há um grande número de pesquisas sobre a prática do arbitrismo na
Península Ibérica, mas em sua grande maioria se remetem ao caso castelhano.104 Isso se deve
a alguns fatores, como o maior volume de obras com esse caráter entre os súditos
101 Francisco Rodrigues Silveira. In: Op.cit. p.XXIV. 102 Memórias de Um Soldado da Índia. Compiladas de um manuscrito português do Museu Britânico por A. de S. S. Costa Lobo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1877. p.270. 103 Anne Dubet. Op.cit. pp 1-2. 104
Alguns exemplos de trabalhos sobre arbitristas castelhanos podem ser encontrados em: MARCOS, Luis Miguel Balduque. “El Pensamiento Arbitrista en los Primeiros Años del Gobierno de Olivares: La obra de Guillén Barbón y Castañeda”. In: Cuadernos de Historia Moderna, nº12, 223-240. Edit. Univer. Complutense, Madrid, 1991; MARTIN, Manuel Uri. “Crisis y Arbitrismo: Quevedo y el pensamiento econômico español Del siglo de oro”. In: La Perinola, 2, 1998; DUBET, Anne. “El Arbitrismo como Práctica Política: el caso de Luis Valle de La Cerda (¿1552? – 1606)”. Cuadernos de Historia Moderna, nº 24, pp.1-27,2000.
42
castelhanos - talvez em decorrência do próprio reconhecimento institucional – e também
pela sobrevivência física desses tratados até os dias atuais. Por outro lado, os estudos de
caráter monográfico sobre arbitristas portugueses são escassos. Normalmente o tema do
arbitrismo faz parte de obras maiores e é usado como exemplo das crises pelas quais passou
o império português ou do reformismo em voga no período. Na presente pesquisa não
busquei estudar as obras de Couto e Silveira para verificar as crises – mesmo tendo em vista
que as observações dos autores partiam de suas experiências sobre as crescentes dificuldades
que os portugueses enfrentavam no Oriente. Dessa forma, optei, seguindo as reflexões de
Anne Dubet105, por analisar a atuação desses indivíduos e, mais do que isso, suas
concepções de sociedade, do poder, dos rumos da expansão no Oriente, dentre tantos outros
aspectos.
3.3 - As Propostas de Reformas Para o Estado da Índia Nas Obras O Soldado Prático e na Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental
As intenções de desenvolver uma análise conjunta das obras de Diogo do Couto e
Francisco Rodrigues Silveira não foram em nada arbitrárias. Em primeiro lugar, há que se
salientar que ambos são semelhantes pela origem social plebéia e por terem servido como
soldados no Oriente português. Apesar da permanência quase contínua de Couto em terras
asiáticas, principalmente em Goa, desde que para lá partiu, em 1559, até sua morte em 1616,
os dois portugueses foram contemporâneos, pois Silveira compôs as fileiras da milícia
portuguesa durante doze anos - 1586-1598 - e partiu novamente para Portugal, nunca mais
retornando ao Estado da Índia. Seus trabalhos apresentam semelhanças temáticas
surpreendentes. Além do mais, O Soldado Prático e a Reformação da Milícia e Governo do
Estado da Índia Oriental são obras arbitristas. Silveira é um autêntico arbitrista - conforme
as características que expus no tópico anterior - porque faz o tratado e tenta encaminhá-lo
para as instâncias competentes. É mais direto nos seus desígnios, demonstra com clareza os
males que afetam a Índia e passa a apresentar os remédios para a cura. Por sua vez, Couto se
utiliza de um artifício literário diferente para fazer ecoar suas críticas e remédios. O Soldado
105 Hacienda, Arbitrismo y Negociación Política: los proyectos de erarios públicos y montes de piedad en los siglos XVI y XVII. Valladolid: Universidad de Valladolid. Secretariado de publicaciones, 2003. Segundo a autora, uma análise fecunda seria aquela que prioriza o estudo dos meios de ação dos arbitristas e suas redes de relação. Também propõe que sejam reconstruídas as concepções de sociedade, de poder e do dinheiro desses indivíduos, não buscando o que traziam de inédito, mas em que medida refletiam debates contemporâneos. p. 8.
43
Prático foi organizado sob a forma de diálogos entre um soldado experiente regresso da
Índia para Portugal, um fidalgo ex-governador da Índia e um despachador. Assim, não se
têm notícias conhecidas sobre as verdadeiras intenções do autor, se realmente buscou
encaminhar o livro para algum conselho.
Para além dessas diferenças, o que é central para esta pesquisa é o consenso dos
autores, mesmo que inconscientemente, de que o Estado da Índia estava passando por sérias
dificuldades e que se as causas dessa situação não fossem banidas as conquistas portuguesas
no Oriente perderiam-se: “porque já na Índia não há cousa sã: tudo está podre e
afistulado”.106 Dessa forma, a urgência por reformas era também uma das justificativas para
a redação de seus trabalhos. Ao lado disso, outro fator legitimador e de grande importância
era a experiência dos autores.107 O soldado fictício de Couto teria quarenta anos de Índia e
Silveira passou doze anos em campanhas militares nos diversos espaços asiáticos.
Apesar das inúmeras semelhanças entre os assuntos tratados pelos autores, o centro
de suas críticas e o alvo principal de suas reformas são diferentes. Ao longo dos diálogos,
Couto faz com que o personagem soldado fale muito mais intensamente da corrupção
empreendida pelos agentes régios. Esse é, de fato, o meio que deve ser reformado para que o
Estado volte a crescer e manter suas posições na Ásia. Já as críticas de Silveira também
levam em conta a má conduta dos agentes régios, mas a urgência por reformas está centrada
na estrutura militar: “Ah, acabemos de conhecer que de nossa barbaríssima desordem
nascem todas nossas desventuras, e tenhamos pera nós que a disciplina militar nos será na
Índia pera os males hum frutífero remédio”.108
Tendo em vista o grande número de temáticas abordadas pelos autores, optei por
desenvolver uma análise restrita àquelas que considero de maior peso e comum às duas
obras, as quais são: a crítica ao modelo do império oriental, conjuntamente com os arbítrios
sobre a territorialidade; a crítica à corrupção desenvolvida pelos oficiais portugueses; e as
reformas militares.
A) Crítica ao modelo de império marítimo e comercial e a opção pela territorialidade
Tanto Diogo do Couto como Francisco Rodrigues questionam o processo e os rumos
da presença portuguesa no Oriente. Couto mostra-se atrelado a muitas concepções
106 Diogo do Couto. Op.cit. p. 90. 107 Sobre o valor da experiência Cf capítulo 1, p.9. 108 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.34.
44
tradicionais da expansão, principalmente aquelas ligadas à guerra de conquista. Durante os
diálogos, o soldado se remete ao tempo da Índia primitiva - período idealizado por Couto -
caracterizada como a idade de ouro dos portugueses e que contém muitos dos elementos que
o autor considera como benéficos para o império:
“Na Índia primitiva, quando os portugueses tinham seu nome alevantado sobre esses signos celestes, aqueles Césares que a governavam não traziam olho em mais que em dilatar a santa Fé Católica; em acrescentar o patrimônio real e enriquecer o Estado e os vassalos, em fazer eleições de capitães; em trazer armadas mui ordenadas e providas; em ir buscar os Turcos a Suez; em castigar e oprimir o Malavar; em trazer sofreados e sopeados os reis vizinhos; em trazer os soldados fartos e contentes; em exercitar às bandeiras assi de espingardas como de artelharia; em visitar os hospitais, e em muitas outras cousas desta sorte. Agora já se não costuma a isto; mudou-se o vinte a outra cama (mudou o jogo): já as armadas se fazem por comprimentos (formalidde), sem tempo e sem ordem; os soldados andam clamando; as casas que em Goa havia de esgrima, tornaram-se escolas de dançar e ensinar moças.109
Por sua vez, Silveira demonstra seu descontentamento para com a postura dos
portugueses, que não souberam cultivar as riquezas que encontraram na Índia, limitando-se
ao exercício da mercancia:
“[...] de aver com tão insofríveis trabalhos e perigos, descuberto huma quási impossível nevegação, e por ella penetrar a terras e reynos tão apartados de sua Pátria; e em prémio de tantas fadigas se contentar com tão baixo officio como é o de comprar e vender; por ser notório a todo mundo que quantas guerras depois da Índia descuberta se fizeram nella, foram tão somente sobre abrir e defender o caminho ao trato e mercancia, contra o que se devia esperar de nação que se tem por tão christã e belicosa [...].110
Também a forma através da qual as conquistas orientais foram estabelecidas é
criticada e questionada pelos autores. O domínio territorial era restrito à costa, nas palavras
de Charles Boxer um império marítimo, e essa característica em nada agradava os autores.
Segundo Couto, através da voz do soldado, as fortalezas eram verdadeiros currais e que
muitas eram desnecessárias para o Estado. Dessa forma, seu arbítrio em relação às fortalezas
era no sentido de manter apenas aquelas que fossem essenciais, como que para enxugar os
gastos:
“Primeiramente digo que o valeroso capitão e viso-rei D.Francisco de Almeida, governando o Estado da Índia, mandando-lhe el-rei fazer algumas fortalezas, lhe respondeu que as com que a Índia se havia de defender eram muitos galeões, muitas armadas e bem providas, e muita boa soldadesca; que as fortalezas eram currais; e quanto menos houvesse, tanto a Índia seria mais próspera e teria menos obrigações. E eu assim afirmo inda agora; porque muitas fortalezas há que não servem mais que fazer despesas e estarem mal providas e arriscadas a uma desventura; e então, se tornam um curral destes, corre a fama pelo mundo que tomaram na Índia uma fortaleza a el-rei”.111
Na percepção de Silveira, as inúmeras fortalezas só serviam para dividirem as forças
109 Os apontamentos acerca dos termos desconhecidos utilizados por Couto foram retirados das notas feitas por Rodrigues Lapa, nesta edição de 1954. Diogo do Couto. Op.cit. pp.114-115. 110 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.104. 111 Diogo do Couto. Ibidem. p.222.
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portuguesas e aumentar os gastos do Estado: “[...] sem per nenhum caso se meterem a
fabricar a cópia grande de fortalezas que depois fizeram, indebilitando-se com dividirem as
forças em tantas partes, tendo-as empenhadas em tantas partes, tendo-as sempre empenhadas
com guerras desnecessárias. Porque sendo muitas as fortalezas, de necessidade deviam ser
muitos os inimigos, por não ser outra cousa huma fortaleza senão espinha que se mete pellos
olhos do dono da terra ou porto em que se faz”.112 Também para Silveira deveriam ser
mantidas as fortalezas mais importantes, Moçambique, Ormuz, Goa e Malaca.
Tanto Couto como Silveira sugerem mudanças na forma como o império português
era conduzido, visando mutações no modelo de império marítimo que até aquele momento
tinha prevalecido no Oriente. A premissa cara aos autores eram as conquistas territoriais,
visando o estabelecimento dos portugueses em verdadeiras colônias, centradas no domínio
da terra e da mão-de-obra nativa. Os arbítrios nesta direção são a temática principal da
terceira e última parte do Soldado Prático, onde são discutidas as possibilidades e as
vantagens da conquista de outros territórios: “[...] quero responder a Vossas Mercês à
pergunta que me fizeram, de qual era por ora mais importante conquistar: se Ceilão, se
Achém (extremo norte da ilha de Sumatra). Digo, senhores, que ambas essas cousas são
necessárias; mas para se poderem conquistar, primeiro o hão-de fazer às minas de prata de
Chicova, no reino de Monomotapa [...]”.113 No entanto, Couto não é nada detalhista em suas
sugestões no que diz respeito à conquista da ilha de Ceilão.
Ao contrário de Couto, Silveira prima pelo detalhe, apresentando ao leitor como
deveria ser a empreitada portuguesa nesse espaço e quais as vantagens oferecidas por essa
empresa:
“[...] lhes (os portugueses) era necessário senhorearem huma ilha fértil e abundante de bastimentos, aonde ouvesse portos seguros pera se recolherem as armadas e nella fundarem seu império. Pera este intento nenhuma avia mais apropriada do que era a de Ceylão, por a fertilidade da terra ser grande, e não faltar nela madeira e mineyraes de ferro, aceiro, latão, inxofre, salitre, e tudo o mais que fosse necessário pera fábrica das armadas, com bons portos em que se recolhessem”.114
Outro aspecto favorável à ilha era o fato de estar perto de uma comunidade dos
cristãos de São Tomé. Segundo Silveira, essas comunidades eram bem exercitadas nos
assuntos de guerra, o que faria deles ótimos aliados dos portugueses. Conjuntamente às
disposições sobre as vantagens bélicas e defensivas da ilha, Silveira era partidário da idéia
de formar uma comunidade indo-portuguesa nesta localidade a partir de casamentos entre
112 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.222. 113 Diogo do Couto. Op.Cit. p.224. 114 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.220.
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portugueses e esses naturais, já devidamente convertidos ao cristianismo romano.115
As propostas de Silveira nesse sentido não são fruto de sua originalidade, pois são
em muito parecidas com as do segundo vice-rei da Índia Afonso de Albuquerque. O vice-rei
foi responsável pela formação de um plano de consolidação da presença portuguesa no
Oriente, a partir da ocupação de três pontos chaves: Ormuz, Goa e Malaca. Nestes espaços,
procurou “enraizar a presença portuguesa mediante uma política de casamentos mistos, que
estabelecia um elo com a sociedade local e garantia a permanência de uma milícia estável,
apta a defender as praças em caso de conflitos”. 116
Esse apelo à territorialidade observado nas obras de Couto e Silveira não foi, de
modo algum, algo inédito para o período. Observa-se esse ímpeto pelo território e pelo
domínio da mão-de-obra nativa desde as reformas propostas por D.Sebastião117 - que
estavam relacionadas com a crescente influência do modelo imperial espanhol sobre
Portugal - mas a grande maioria não entrou em vigor. Porém, com a ascensão do monarca
castelhano ao trono português, essas propostas ganharam novo fôlego, com muito mais
intensidade, já que o império espanhol tinha como pressuposto o domínio sobre a terra e sua
mão-de-obra. Segundo Subrahmanyam, as primeiras décadas do período Habsburgo foram
caracterizadas pelas preocupações crescentes com os assuntos territoriais, cujos projetos
visavam à África Oriental, o Ceilão e a Ásia do Sueste.118 Assim, pode-se dizer que as duas
obras aqui analisadas são reflexos de tendências comuns da época em que foram elaboradas,
demonstrando que seus autores partilhavam as mesmas expectativas de muitos de seus
contemporâneos.
O outro foco de expansão territorial que aparece nos livros de Couto e Silveira é a
região do Monamotapa, no interior da África Oriental. Ambos ainda estão assentados nas
idéias que conferem à obtenção de ouro e prata o sinônimo de riqueza para o Estado. Ainda
115 Ibidem. pp.220-228. 116 Luis Filipe F. R. Thomaz. De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994. p.181. 117 Essas reformas visavam acabar com a desorganização dos portugueses no Oriente e fazer frente às crescentes dificuldades impostas por rivais orientais, como o Achem. As reformas de D.Sebastião eram direcionadas para dois âmbitos principais, a organização militar e a administrativa. A primeira medida tomada pelo monarca em relação ao Oriente foi a nomeação do vice-rei D.Luis de Ataíde, que tinha como uma de suas funções organizar os corpos militares num rígido sistema de companhias. João Paulo Oliveira Costa. “El Estado de la Índia (segunda mitad siglo XVI)”. In: Portugal y Oriente. Madrid: Editorial Mapfre, 1992. pp.294-310. 118 Sanjay Subrahmanyam. Op.cit. p.172. Esse autor cita vários projetos que visavam o assentamento dos portugueses em bases territoriais, buscando estabelecer um domínio do espaço efetivo, que ultrapassasse os muros das fortalezas. Um exemplo muito esclarecedor desta tendência foi o caso da ilha de Ceilão, no sul da Índia, onde na década de 1590 foi colocada em prática uma ocupação na qual os colonos eram chamados de fronteiros e suas atividades econômicas não eram fundamentadas unicamente no comércio, mas sim no controle sobre a mão-de-obra e sua produção, a semelhança do que acontecia no Brasil ou na América hispânica. p.186.
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não se colocava em questão como nações que não tinham em sua posse minas de metais
preciosos, como os Países Baixos, pudessem ter riquezas substanciais advindas do trato
comercial:119
“[...] Não sey por certo qué razão possam dar os portugueses a quem lhes perguntar a causa de se não atreverem a senhorear serras d’ouro puro e minas copiosíssimas de prata fina, estando em poder de gente bestial, desarmada e nua. [...] Fôramos nós senhores daquele ouro e daquela prata, e fosse quem quizesse senhor das drogas e especiaria, quanto mais que então o ficáramos sendo de tudo com muyto mayor mais seguridade, porque não ouvera Olanda que nos pertubara; pois com tanto ouro e tanta prata fácil cousa fora desterrar a estes inimigos do mundo, quanto mais da Índia”.120
B) Administradores corruptos, defasagem da Fazenda régia e os remédios para sanar tão
grande mal
Outro alvo das críticas dos autores era a atuação dos vice-reis e outros membros
importantes da administração portuguesa no Oriente. Esses indivíduos são apresentados
como responsáveis em grande medida pelas desordens do Estado da Índia. Ao longo da
primeira e segunda parte do Soldado Prático e também em muitos momentos da
Reformação são salientadas várias de suas práticas corruptas. Dentre elas, pode-se falar no
favorecimento dos apaniguados121, no desvio dos rendimentos régios nas alfândegas122, e
nos chamados soldos velhos123.
No entanto, as críticas mais contundentes eram destinadas aos vice-reis, talvez pela
importância no interior da estrutura do Estado da Índia, pois eram os olhos do rei naquele
espaço. Os pontos comuns ressaltados por Couto e Silveira relacionam-se com a corrupção
praticada por esses indivíduos, enganando o rei, roubando os recursos do estado que eram
destinados à manutenção das armadas e ao pagamento dos soldados. Vice-reis e 119 Essa reflexão é de George D. Winius. in: A Lenda Negra da Índia Portuguesa: Diogo do Couto, os seus contemporâneos e o Soldado Prático. Contributo para o estudo da corrupção política nos impérios do início da Europa Moderna. Lisboa: Edições Antígona, 1994. p.79. 120 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.223. 121 Os chamados apaniguados eram os “favoritos” ou protegidos dos governadores e vice-reis da Índia. Durante toda a primeira parte do diálogo de Couto aparecem várias críticas ao favorecimento dessas pessoas em detrimento de indivíduos realmente experientes e úteis para o Estado. Aqui principalmente a cena IV “dos modos que há alvitres na Índia, e do dano e prejuízo que fazem”. In: Op.cit. pp.38-43. 122 Também nesse ponto, Couto – através da voz do soldado - fala de muitos exemplos dos desvios praticados pelo funcionalismo da Índia. Sobre os vedores da Fazenda: “Ora, o serviço que fazem nas alfândegas é: as peças curiosas e ricas, que a eles vão, avaliarem-nas em muito menos que valem, pêra as tomarem pelo preço; e desta maneira se enchem de peças baratas, que custam a el-rei bem caras”. In: Ibidem. p.84. Silveira é igualmente elucidativo nessa questão: “outro cano está agora intupido que, se por esta via se destapar, entrará por elle huma grossa inchente ao rendimento das alfândegas, o qual he das mercadorias que os capitães das fortalezas mandam trazer em suas naos e embarcações de diversas partes, de que elles nem seus criados e feitores pagam direitos, o que he de tanta importância que se não poderá crer facilmente a perda que a fazenda real por esta via recebe [...]”. in: Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.183. 123 Diogo do Couto. Op.cit. p.87. Essa prática consistia em continuar pagando soldo a soldados que já estariam mortos. “E destes são infinitos mortos, que têm sua matrícula em pé e seu soldo corrente; e mortos de vinte anos vencem soldo, e paga-lho el-rei, não já a eles, mas a outros, que lhe tomam por esta maneira”. p.88.
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governadores são apresentados como pessoas extremamente ávidas por acumularem a maior
soma de riquezas possível durante os três anos em que permaneciam no cargo. Numa das
várias passagens do Soldado Prático, Couto acusa os vice-reis de largarem suas obrigações
em prol da mercancia, para “fartarem seu apetito, e mercadejando com dinheiro del-rei”.
Também seria prática corrente os vice-reis declararem não haver dinheiro disponível para
aplacar as necessidades do Estado e que tiravam dinheiro de seus cofres pessoais para
emprestar ao rei, mas observa Couto “não entendendo ele (o rei) esta falsidade, e que
nenhum vem de Portugal que traga cousa que possa emprestar”.124
Essas mesmas críticas encontradas em Couto estão presentes na Reformação, que
descreve as práticas criminosas de vice-reis como vergonhosas: “que parece cousa
vergonhosa e de grande escândalo ver o que muitos visoreis tiram daquelle governo de três
annos: que não he sabido nem intendido o número do dinheiro que embolsam, senão de
pessoas que com secreta curiosidade o sabem observar”. Esses indivíduos eram responsáveis
pela miserável condição dos soldados, que recebiam soldos apenas uma vez ao ano. O
resultado dessas desordens é uma milícia mal organizada, mal paga, composta por poucos
soldados e estes sem nenhuma noção de guerra, fazendo das investidas portuguesas
constantes derrotas.125
A similitude de suas críticas em relação à corrupção é decorrente de uma situação
presente no Estado da Índia desde seus primeiros anos e foi sem sombra de dúvidas uma das
causas responsáveis pela incapacidade portuguesa em deter o avanço de nações inimigas na
Ásia. Segundo George Davison Winius, o verdadeiro trabalho de Couto, mas também
aplicado a Silveira, foi ter percebido que Portugal rumava a perder seu posicionamento no
Oriente e descreveu como a corrupção se manifestava nas práticas coloniais. Por outro lado,
a corrupção seria resultado de condições permanentes, advindas da própria estrutura estatal
implantada na Índia, como: “redes de influência dos nobres, a natureza da nobreza e a
distância da metrópole”. 126
A principal reforma proposta pelos autores, visando à extirpação desse grande mal
que era a corrupção, estava assentada principalmente na mudança dos indivíduos que seriam
designados para administrarem o estado. No lugar de indivíduos provenientes da nobreza,
porém muitos sem a mínima experiência nas áreas essenciais para o bom andamento do
Estado da Índia, deveriam ser incorporados indivíduos experientes. Em várias passagens do
124 Ibidem. p.184. 125 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. pp.103-104. 126 George Davison Winius. Op.cit. pp.79 e 172.
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Soldado Prático, Couto mostra-se indignado com o costume português de não dar ouvidos a
pessoas experientes nas coisas de Estado e declarava: “mas é esta maldição portuguesa tal,
sua desconfiança tamanha, que homem que não é fidalgo não é chamado pêra nada”.127
Assim, para integrarem os conselhos de estado na Índia deveriam ser admitidos homens
comuns, mas que teriam a seu favor a larga experiência naqueles territórios: “[...] que não
digo que tomem os viso-reis só de capitães velhos e experimentados, mas ainda dos cidadãos
que cursaram os negócios; e, se for necessário, dos soldados velhos”.128
Também em Silveira as idéias sobre o favorecimento de homens de “linhagem
obscura” , como ele mesmo chama, fazem parte de seu conjunto de reformas. Quando fala
sobre a distribuição dos cargos na milícia Silveira tem como pressuposto o merecimento dos
indivíduos e não a fidalguia:
“porque em tudo se devem preferir os de mayor merecimento e antiguidade em a disciplina, e de mayor serviço; e não o mais fidalgo, salvo se elle tiver os demais requisitos, que em tal caso com muita razão deve ser preferido, mas se na virtude lhe exceder hum que seja em linhagem muy obscuro, tenha paciência, que aqui não se conhecem os homens pello que eram em suas terras, senão pello bem ou mal que procedem na milícia”.129
Tanto nas passagens do Soldado Prático como na Reformação fica evidente que os
autores escreveram suas obras não apenas em prol de suas causas pessoais. Em vários
estratos das obras pode-se ver que os arbítrios visavam o estabelecimento de uma sociedade
mais eqüitativa, principalmente no que diz respeito ao acesso aos Ofícios e Honras da
monarquia.
C) As reformas militares
A temática militar é outra preocupação presente tanto no Soldado Prático como na
Reformação. Pode-se afirmar que as experiências de ambos autores como soldados no
Estado da Índia foi essencial para formar o arcabouço argumentativo que utilizaram em suas
respectivas obras. A participação na milícia indiana proporcionou a legitimação de seus
arbítrios. Apesar do diálogo entre as duas obras, é na Reformação que encontramos um
legítimo tratado de reforma militar.
Essa preocupação dos autores com o âmbito militar não estava restrita à suas
criativas mentes, pois já vinha sendo demonstrada por autoridades desde o reinado de
D.Sebastião, no qual foram engendrados os primeiros esforços de reformação dos corpos 127 Diogo do Couto. Op.cit. p.92. 128 Ibidem. p.131. 129 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.139.
50
militares tanto do Reino como do Oriente. A demonstração mais evidente dessa tendência
pode ser exemplificada com a nomeação de D.Luis de Ataíde como vice-rei da Índia em
1568, que fora incumbido de executar uma verdadeira reforma dos corpos militares naquelas
paragens. O estado de degradação em que estavam as fortalezas, as frotas e ainda mais o
estado permanente de indisciplina que reinava no Estado da Índia eram os problemas
centrais a serem resolvidos. Em relação aos corpos militares propriamente ditos, a ação de
D.Luis de Ataíde tinha como objetivo “criar uma organização militar assentada num
esquema rígido de companhias, subdivididas em esquadrões, dependentes de um corpo
definido de oficiais, os quais, por sua vez, estavam sob as ordens de um capitão maior que
coordenava e dirigia todas as suas ações”.130 Essas disposições fracassaram, tendo-se notícia
de sua implantação apenas em Ormuz, mas que também não lograram sucesso.131
Esse estado de indisciplina que as reformas de D.Sebastião buscavam acabar está
registrado em várias páginas do Soldado Prático e da Reformação e as disposições dessas
primeiras reformas são, em linhas gerais, as mesmas que foram propostas em seus tratados.
As críticas de Couto nesse sentido são um tanto quanto difusas e sua narrativa sobre os
assuntos concernentes à guerra são idealizadas. Para Couto, as primeiras décadas da
presença portuguesa na Ásia eram caracterizadas pela valentia e nobreza dos indivíduos e
“os soldados obravam cousas dignas de eterna memória; por que também eram honrados e
favorecidos pelos vice-reis, que se sangravam nos braços para eles”. No entanto, no tempo
de seu diálogo já não havia atos nobres e corajosos e muitos soldados, levados a agirem
dessa forma por culpa da ganância dos vice-reis, já “se lançaram a outra vida: uns pela
China e Japão, outros por Bengala e Melinde”.132
Já em Silveira tem-se um corpo argumentativo de críticas mais coeso e mais realista.
Durante o primeiro livro da Reformação o autor descreve essas desordens, a maioria
presenciada por ele nas campanhas em que participou. Sobre a penosa condição dos
soldados da Índia é muito conciso em suas palavras e descrições, chegando a ponto de
julgar-lhes escravos. “Nem he menos fantástico o outro nome que lhes dão de libertos e
isentos, pois se vê cada dia usarem deles como foram escravos e não homens livres”.133
Sobre a forma desgovernada através da qual a soldadesca portuguesa executava seus
ataques, Silveira transmite uma imagem que chega a ser cômica: “[...] todos os soldados
tanto que chegam a pôr os pés em terra, começam a correr com grande ímpeto, ainda que o
130 João Paulo Oliveira Costa. Op.cit. p.304. 131 Idem. 132 Diogo do Couto. Op.cit. p.79. 133 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.96.
51
povo ou lugar adonde se pretende dar o assalto esteja d’alli mui distante, derramando-sse
huns por huma parte, outros pella outra, sem aguardaremos os primeiros pellos segundos,
nem os segundos pellos terceiros”. Adiante Silveira continua a descrever esse assalto
impetuoso que muitas vezes terminava com os portugueses partindo em retirada, enxotados
por aqueles que foram assediar.134 As referências às desordens são inúmeras e ocupam várias
páginas da Reformação, visto que a temática militar é o principal alvo a ser reformado, mas
aqui nosso objetivo não é descrever todas as críticas, mas sim demonstrar ao leitor que os
autores - nesse ponto principalmente Silveira - eram conscientes e críticos em relação à
situação da milícia portuguesa no Oriente.
No que concerne às reformas propostas pelos dois arbitristas, as de Couto não
chegam a ser definidas com exatidão, mas algumas estão ligadas a fatores superficiais, como
a roupa dos soldados, que deveria ser composta por “calções a meia perna de cotonia ou
guingão, espada curta, quando muito prateada, e não com tanto calção de veludo, tantas
espadas douradas [...]”.135 Na verdade, na obra de Couto, as reformas deveriam começar
pelas instâncias administrativas e não propriamente militar.
Na segunda parte da Reformação são expostos os remédios para curar a “perigosa
enfermidade” que acometia o Estado da Índia, decorrente do mau governo militar. A
primeira medida a ser tomada seria aumentar os efetivos da milícia, que passariam de mil e
quinhentos para “hum terço de quatro mil soldados vivos e de serviço aos quaes pagando-
sse a cada mês huma paga sobre outra, sem que jamais lhe faltem com ella”. Segundo
Silveira, os rendimentos da Índia eram suficientes para manter esse contingente, pois só não
havia dinheiro no estado porque os desvios da Fazenda – já tratados no item anterior -
impediam.136 A disposição da soldadesca em corpos militares fixos, organizados a partir dos
terços, referida por Silveira partia do mesmo princípio constituinte das reformas de D.Luis
de Ataíde.
Pode-se dizer que as reformas propostas por Silveira contêm a cor de seu tempo, pois
com a ascensão de Filipe II ao trono português houve um grande esforço de reformas que
visavam às conquistas portuguesas no Oriente. Segundo Vitor Rodrigues, a ação
reformadora dos filipes buscava enquadrar a milícia oriental no modelo de exército
espanhol, estruturado em companhias ordenadas, com lideranças fixas, treinamento contínuo
dos soldados. Essas reformas visavam acabar com as “clientelas da fidalguia”, para dessa
134 Ibidem. p.29. 135 Diogo do Couto. Op.cit. p.218. 136 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.104.
52
forma diminuir seu poder, e “criar um exército profissionalizado, submetido às diretivas da
coroa” para que pudesse combater as crescentes dificuldades enfrentadas pelo Estado da
Índia. Apesar das provisões para que tais reformas fossem efetivamente colocadas em
prática, têm-se notícias apenas da formação dessas companhias em Ormuz e Malaca, mas
não obtiveram sucesso.137
Ao lado das propostas que visavam à organização física das tropas portuguesas,
Silveira apresenta outras que estão relacionadas com a distribuição dos cargos no interior da
hierarquia militar e com os contingentes que poderiam ser admitidos nas companhias. Os
cargos militares deveriam ser concedidos de acordo com o merecimento advindo de suas
boas obras. Segundo Silveira, “he huma indecência e inconsideração grande não se fazer
mayor cabedal do valor e experiência pêra os cargos e governos, que da enganosa obstenção
das letras e fidalguia, e muito mais em os da guerra”.138
Por outro lado, para manter o número de efetivos que considera ideal para a defesa
da Índia, Silveira admite a incorporação de naturais da terra nas fileiras da milícia
portuguesa, pois “ser negro na cor não traz nenhum defeito ao soldado quando inteiramente
professa e guarda os preceitos e regras da disciplina militar. Nem outro algum por ser branco
lhe levará vantagem, antes lhe ficará muyto atrás se não tiver respeito e obediência ao que
por seus officiaes lhe for mandado”.139 Nesse ponto, Silveira demonstra, mais uma vez, seu
senso de praticidade e suas idéias que levam o leitor a pensar num indivíduo partidário de
uma sociedade livre de alguns entraves sociais, principalmente no que dizia respeito à
predileção da nobreza ao valor da experiência e capacidade pessoal.
Após a leitura dos principais argumentos e reformas propostas pelos autores, pode-se
dizer que ambos sentiam-se legitimados pela consciência que tinham do valor de suas
experiências no Estado da Índia, mas que também souberam utilizar um ambiente político
favorável para o possível acolhimento de seus trabalhos, acentuando, dessa forma, as
ligações culturais entre portugueses e a coroa espanhola. Por outro lado, o que chama
atenção nas duas obras não é propriamente a genialidade criativa de seus autores, mas as
conexões que podem ser feitas com a realidade da presença portuguesa no Oriente naquele
137 Vitor Luís Gaspar Rodrigues. “A ação reformadora dos Filipes no seio da estrutura militar do Estado da Índia: a persistência do modelo tradicional de organização dos homens de armas (1584-1622)”. In: Actas do IX Colóquio “Os Militares na Sociedade Portuguesa”. 1999. p.66. 138 Francisco Rodrigues Silveira. Op.cit. p.175. 139 Ibidem. p.229. Também essas idéias não podem ser tomadas como decorrentes da criatividade do autor, pois já havia ocorrido um esforço, durante a primeira década do século XVII, para que nas cidades e fortalezas - efetivamente só em Goa - fossem utilizados os contingentes mestiços e cristianizados, formando as “companhias de gente preta”. Mas essas disposições não tiveram continuidade, sendo extintos em 1610 os cargos de coronéis da gente preta de Goa. In: Vitor Rodrigues. Op.cit. p.71.
53
período. É justamente isso que faz desses dois livros peças importantes para o historiador
que tem por objeto o Estado da Índia durante a União Ibérica, pois refletem debates que
estavam ocorrendo naquele momento.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou levantar algumas questões referentes a um momento histórico
caracterizado por uma grande complexidade. A forma através da qual firmou-se a união das
coroas ibéricas, a partir dos termos de Tomar, tende a levar os historiadores contemporâneos
a uma leitura que entende o Portugal filipino como uma instância política ligada à Castela,
mas que paralelamente manteve sua integridade cultural e social. No interior dessa situação,
a condução do império ultramarino português ficou a cargo dos próprios portugueses, que
não admitiam a intromissão das autoridades castelhanas em áreas sob suas jurisdições.
Apesar dessas limitações, a União Ibérica foi acompanhada de tentativas por parte do
governo madrileno de interferir na condução do Estado português e, por conseqüência, no
território de além mar. Assim, as discussões que conduziram a presente pesquisa foram
direcionadas às possíveis influências sobre Portugal propiciadas pela união com Castela e
especialmente no que diz respeito ao Estado da Índia.
Essa reflexão foi possível graças aos dois sujeitos notáveis que foram Diogo do
Couto e Francisco Rodrigues Silveira. A audácia desses dois homens sem cabedais,
demonstrada através do conteúdo crítico de suas obras, possibilitou à posteridade ter acesso
às preocupações e tendências próprias de um tempo conturbado, marcado por uma crise
política, militar e econômica.
Ao longo da análise de suas obras foi possível perceber que a urgência por reformas
e a experiência de ambos no Oriente foram os dois fatores legitimadores de seus discursos.
A modificação dos critérios para a distribuição dos cargos do governo oriental constituiu-se
como um de seus principais arbítrios. Para a condução do Estado deveriam ser privilegiados
indivíduos com experiência, independente de serem provenientes da nobreza. A importância
dada à experiência pelos autores mantêm conexões com o próprio período moderno, no qual
a prática passou cada vez mais a ser a base do conhecimento digno de confiança. Ao mesmo
tempo, fica evidente que os autores escreveram suas obras não apenas em prol de suas
causas pessoais, pois se percebe que propunham o estabelecimento de uma sociedade mais
eqüitativa no que diz respeito ao acesso aos Ofícios e Honras da monarquia.
Suas críticas ao modelo de expansão cultivado pelos portugueses tem como
contraponto o desenvolvimento de um império calcado no estabelecimento de verdadeiras
colônias, sustentadas no domínio da terra e da mão-de-obra. O Estado é pensado como um
âmbito que sobrevive da captação de impostos e menos do envolvimento direto com o
comércio. Por outro lado, as reformas militares tinham como objetivos modernizar a milícia,
55
enquadrando os soldados em corpos fixos, sob a liderança de capitães experientes, que
impusessem à soldadesca lusitana a boa ordem militar. Tanto a tendência à territorialidade
como as reformas militares estavam relacionadas com a influência do modelo imperial
espanhol sobre Portugal, algo observável desde o reinado de D.Sebastião, mas acentuado em
grande medida com o advento da União Ibérica. Considerando essas informações é possível
dizer que as duas obras aqui analisadas refletem tendências comuns da época em que foram
elaboradas, demonstrando que seus autores partilhavam as mesmas expectativas de muitos
de seus contemporâneos.
Ademais, após o exame das fontes conjuntamente com a leitura da historiografia
pertinente ao tema, tem-se condição de afirmar que a conjuntura de crise presente no Estado
da Índia não pode ser tomada como a principal causa da proliferação desses escritos, pois na
história portuguesa já haviam ocorrido períodos de crise sem gerar, no entanto, semelhante
literatura. Dessa forma, na presente pesquisa, o fenômeno do arbitrismo foi apreendido
como uma expressão do intercâmbio cultural entre espanhóis e portugueses durante o
período filipino, visto que o recurso aos arbítrios era uma prática caracteristicamente
espanhola e que passou a ser utilizada com mais freqüência pelos súditos lusitanos a partir
da época habsburga. Ao mesmo tempo, tradições políticas que asseguravam aos súditos
capazes o direito de se dirigirem ao monarca contribuíram para incentivar o emprego desse
tipo de expressão por pessoas comuns que, dessa forma, tinham possibilidade de fazer-se
ouvir nas instâncias de poder.
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