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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
HELEN MARCIA BARBOSA SILVA
ENTRE PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
SOCIAL: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NOS
CONTEXTOS ESCOLARES DO MUNICÍPIO DE CARIACICA/ES
VITÓRIA-ES
2009
HELEN MARCIA BARBOSA SILVA
ENTRE PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
SOCIAL: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NOS
CONTEXTOS ESCOLARES DO MUNICÍPIO DE CARIACICA/ES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, vinculada à linha de pesquisa: Diversidade e práticas educacionais inclusivas.
Orientadora: Profª. Drª. Edna Castro de Oliveira
VITÓRIA-ES
2009
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Silva, Helen Márcia Barbosa, 1970- S586e Entre processos de democratização e emancipação social :
a Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos contextos escolares do município de Cariacica/ES / Helen Márcia Barbosa Silva. – 2009.
151 f. : il. Orientadora: Edna Castro de Oliveira. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Educação. 1. Ensino supletivo. 2. Democratização da educação. 3.
Experiência. 4. Liberdade. 5. Exclusão social. I. Oliveira, Edna Castro de. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
HELEN MARCIA BARBOSA SILVA
ENTRE PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
SOCIAL: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NOS
CONTEXTOS ESCOLARES DO MUNICÍPIO DE CARIACICA/ES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, vinculada à linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.
Aprovada em _____ de _________ de 2009.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________ Prof.ª Dr.ª Edna Castro de Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora
________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ivone Martins de Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________________
Profª. Drª. Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto Universidade Federal do Espírito Santo
________________________________________
Prof. Dr. Osmar Fávero Universidade Federal Fluminense
DEDICATÓRIA
À Tania Araujo, teóloga, feminista e militante das causas perdidas, por
realizar comigo as travessias, ao lado de quem superei a vergonha de ser Silva
e ser povo, junto a quem descubro os significados políticos para aquela
máxima do Saramago: “Se puderes olhar, vê; se puderes ver, repara”.
À Aurea Barbosa Silva, minha mãe, representante das mulheres
empobrecidas deste país, analfabeta, que sentiu na pele e na alma a opressão
de gênero, empregada doméstica e lavadeira de roupa – ofícios com os quais
criou sozinha três filhas. A despeito dos reveses da vida, foi capaz de amar e
bem soube traduzir um poema da Adélia Prado chamado “Ensinamento”,
“Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo. Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo: “Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo”.
Por fazerem acreditar que da fragilidade e das margens podemos criar
potência; por me mostrarem os significados políticos do amor, também no
trabalho com as classes populares, e, por provarem que o amor está acima de
qualquer vocabulário “de luxo”, estereótipo ou teoria produzida, pois é,
sobretudo, práxis.
AGRADECIMENTOS
“Borboleta, rosa e jornal vivem horas curtas, mas renascem, e documentam a permanência da vida”.
(Carlos Drummond de Andrade, 1987, p. 56).
Às pessoas que, de diferentes formas, seguem pela vida promovendo
“borboletas e rosas”, fazendo de suas histórias os jornais diários e as
“metamorfoses encarnadas”, testemunhas autoras de um “outro mundo
possível”. Colegas e amigos que participaram e contribuíram com a tessitura
deste trabalho, obrigada!
À professora Dr.ª Edna Castro de Oliveira, minha orientadora, pela atenção
e disponibilidade, sensibilidade e sabedoria com que lidou com minhas (im)
pertinências também epistemológicas, por ter sabido paciente e amorosamente
esperar pelo “meu tempo”, ensinando-me, assim, que emancipação é mais que
um conceito ou categoria de análise, é uma escolha e um modo de viver que se
realiza aqui e agora.
A todos os amigos/as e colegas da SEME (Secretaria Municipal de Educação
de Cariacica), pela oportunidade de trabalhar junto e acreditar num projeto
comum, pelos embates, consensos e dissensos que produziram e pela
renovação de perspectivas políticas e confirmação da crença de que, onde
quer que estejamos, “é necessário implicar-se”.
À rede de escolas EJA de Cariacica e à comunidade destas escolas, pela
sempre acolhida e ensinamentos sobre ser “mais gente”.
Aos alunos e alunas da EJA, pelo brilho dos olhos, a persistência e a ousadia
em desejar mais da vida, cujas biografias de resistência estão nas salas de
aula e nos pressionam a “tirar as vendas” e “sair do lugar”.
Aos colegas e amigos do FORUM/EJA-ES, com quem tenho aceitado e
compartilhado o desafio da dialogização.
Aos colegas e amigos(as) da turma de 2009 do curso de Especialização Lato
Sensu do PROEJA/IFES, pela possibilidade de humanização também
naquelas tardes de sábado e por compartilharem discussões calorosas e
fraternas acerca de uma EJA engajada com um projeto de vida mais justo.
A Celia Maria Vilela Tavares, Ivana Queiroz Bello, Kleynayber Souza e
Teresinha Giacomin da SEME/Cariacica , pelo “bom encontro”.
À minha amiga Lílian Pereira Menenguci, por “fazer parte do mundo que eu
tremulamente construí e se tornar alicerce do meu encanto pela vida”.
Às minhas amigas Maria Dorothea dos Santos Silva e Rosanea Teixeira,
com quem acredito que a pedagogia pode ser arte.
Aos colegas e amigos da turma 21, pelas trocas e pela dádiva de muitos ao
permanecerem seguindo juntos o caminho.
Às minhas irmãs Helenilda Barbosa Silva e Juliana Batista Barbosa, pelas
diferenças que aprendemos a superar e as intersecções amorosas que
criamos.
À professora Drª. Ivone Martins de Oliveira e à professora Drª. Maria
Aparecida Santos Corrêa Barreto porque aceitaram balizar o caminho.
Ao professor Dr. Osmar Fávero por ter acolhido o convite e participar
duplamente desta história, como referência teórica e em presença encarnada.
À arte, aos artistas e às almas de artista pela salvação nossa de cada dia,
porque só a vida não basta.
À vida, cuja dinâmica inesperadamente traz, do anonimato ou de debaixo dos
olhos, situações e pessoas que pressionam outros olhares e perspectivas. É
justamente isso que torna o processo tão maravilhoso, caro e raro.
RESUMO
Situa-se esta pesquisa no contexto das políticas educacionais realizadas na
gestão 2005-2008 no Sistema de Ensino do município de Cariacica/ES,
palco de contínuas administrações em que predominaram desmandos de
toda ordem e o coronelismo urbano. A partir de 2005, numa gestão
denominada “de ruptura”, teoricamente, inicia-se a efetiva participação da
comunidade na gestão da escola, o que instigou o problema de pesquisa -
compreender em que medida as atividades propostas e as relações
estabelecidas em um cotidiano escolar proporcionam aos sujeitos da EJA
condições para problematizarem suas realidades na perspectiva da
cidadania e da emancipação social. Os objetivos foram: analisar de que
maneira a escola responde às especificidades dos sujeitos da EJA, dialoga
com suas trajetórias e “saberes de experiência feito” (FREIRE, 2005), e,
identificar os pressupostos da Educação Popular. Dado o contexto histórico,
social e cultural dos(as) alunos(as) da EJA, a opção metodológica orientou-
se pela abordagem qualitativa, tendo como estratégia a pesquisa-ação, no
estudo com a realidade que envolveu 16 educadores(as) e 40 alunos(as).
Os instrumentos utilizados no levantamento de dados foram: registros das
rodas de conversa, entrevistas, oficinas e diário de campo. Na busca de
dialogo com os dados empíricos, tomamos como fundamento os estudos de
Arendt, Bauman, Fávero, Freire, Frigotto e Santos. Conclusões provisórias
indicam que, para superação da condição de marginalidade, a EJA deve ser
considerada como modalidade que, implantada, passa a integrar a escola e
o Sistema de Ensino; para avançar neste debate é necessário transformar o
olhar com que o coletivo escolar se relaciona com os sujeitos e seus
saberes; isso significa romper concepções, (in)visibilidades e a (re)invenção
dos pressupostos da Educação Popular; uma possibilidade é o trabalho da
tradução entre os saberes, o que exige a participação e a negociação como
práticas sistemáticas entre a comunidade e a escola. Os aluno(as) da EJA
possuem trajetórias emancipadoras e buscam nos contextos escolares a
cumulação subjetiva de forças contrárias à exclusão social.
Palavras-chave: EJA, Saber de Experiência, Problematização da
Realidade, Emancipação Social.
ABSTRAC
This research is situated in the context of the educational politics carried out during
the 2005-2008 management in the Educational System in the County of
Cariacica/ES. This locality has been the scenery of successive managements
where irregularities of all kinds and also an urban authority predominated. From
2005 on, during a management called “rupture” it is, theoretically, what we consider
the beginning of an effective participation of the community in the school
management. Thus, research problem investigation was designed for this purpose -
to understand in what way the proposed activities and the relations established in a
daily school activity provide the EJA subjects with the conditions to put in doubt
their realities in the perspective of the citizenship and the social emancipation. The
objectives were: to analyze in what way the school answers the specificities of the
EJA subjects, how it dialogues with its trajectories and “knowledge of experience
done” (FREIRE, 2005), and, to identify the backgrounds of the Popular Education.
According to the social and cultural history of the EJA pupils, the methodological
option for this research was the qualitative approach which strategy is an
investigation based on an action research, involving 16 educators and 40 pupils.
The instruments used in the data collection were: record of the conversations,
interviews, workshops and a log-book. Searching for a dialogue with the empirical
data, we based upon the studies of Arendt, Bauman, Fávero, Freire, Frigotto and
Santos. Provisory conclusions indicate that, for overcoming the condition of
marginality, the EJA must be considered as modality that, once implanted, starts to
integrate the school and the Educational System; to advance in this debate it is
necessary to change the look the collective of educators perceive the EJA
subjects and their Knowledge, it means to break with conceptions, (in)visibilities
and (re)inventions of the Popular Education backgrounds. A feasible possibility is
the work of the “ translation among knowledges” what demands the participation
and the negotiation as systematic practices between the community and the
school. The EJA pupils have emancipational trajectories and they search in the
school contexts the subjective accumulation of forces that are opposed to social
exclusion.
Keywords: EJA, Knowledge of Experience, to put in doubt of the Reality, Social
Emancipation.
SUMÁRIO
1 DA TRAVESSIA QUE INSTIGOU DESLOCAMENTOS............................ 11 1.1 DO BOM ENCONTRO COM A EJA À DIRETRIZ DA PESQUISA........... 17
1.2 DA DISPOSIÇÃO DOS CAPÍTULOS........................................................ 20
2 APRESENTANDO A REDE DE SIGNIFICAÇÕES QUE VEM COMPONDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) ...................................... 24
3 CARIACICA/ES – A BIOGRAFIA DA CIDADE (IN)VISÍVEL QUE (DES)AFIOU PERGUNTAS........................................................................... 36
3.1 O PANORAMA POLÍTICO......................................................................... 41 3.2 O PANORAMA EDUCACIONAL................................................................ 44 3.3 O CONTEXTO DA PESQUISA................................................................. 45 3.3.1 A IMPLANTAÇÃO DA MODALIDADE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO MUNICÍPIO DE CARIACICA/ ES..................... 50 4 DAS ESCOLHAS TEÓRICO-CONCEITUAIS: REUNINDO PEÇAS.......... 57
4.1 CONSTRUINDO SENTIDOS..................................................................... 58 5 O DIREITO À EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS NO BRASIL:
UMA CONQUISTA ENTRE AS FORÇAS DA REGULAÇÃO E DA EMANCIPAÇÃO........................................................................................ 70
6 A PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISA-AÇÃO: UMA OPÇÃO
PEDAGÓGICA, POLÍTICA E POÉTICA.............................................. 79 6.1 A PERGUNTA SÍNTESE ........................................................................ 82 6.1.1 AS QUESTÕES QUE DÃO SUPORTE À INVESTIGAÇÃO................... 84 6.1.2 O OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICOS................................................. 84
6.2 OS SUJEITOS INCLUÍDOS NA PESQUISA........................................ 84 6.3 A ORGANIZAÇÃO DOS TEMPOS E OS INSTRUMENTOS DE
PRODUÇÃO DOS DADOS..................................................................... 85 7 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NA ESCOLA:
DIMENSÕES DA PRÁTICA.................................................................... 87 7.1 QUANTO AOS PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA FRAÇÃO/INTEIRO DE UM SISTEMA DE ENSINO.......................... 91 7.2 QUANTO À MODALIDADE EJA FRAÇÃO/INTEIRO DE UMA ESCOLA..........................................................................................................100 7.3 DA PERSPECTIVA DOS (AS) EDUCADORES (AS) NA RELAÇÃO COM OS SABERES DOS EDUCANDOS E DOS SENTIDOS DA FORMAÇÃO DE EDUCADORES (AS) PARA A MODALIDADE EJA.........................................109 7.3.1 PARA AVANÇAR O DEBATE É NECESSÁRIO TRANSFORMAR O OLHAR............................................................................................................ 112 7.3.2 A TRANSFORMAÇÃO DO OLHAR POLITIZA A EDUCAÇÃO E OS EDUCADORES DA EJA................................................................................. 114 7.4 NA PERSPECTIVA DOS EDUCANDOS E DAS EDUCANDAS: RESISTÊNCIA, AUTORIA E EMANCIPAÇÃO AQUI E AGORA................... 117 7.4.1 A PLATAFORMA DO DIÁLOGO: SABER QUEM SÃO ESTES ALUNOS E ALUNAS.......................................................................................................... 121 7.4.2 DE ONVE VEM A (IN) VISIBILIDADE DOS ADOLESCENTES E JOVENS DA EJA?........................................................................................................ 122 8 DA TRADIÇÃO ESCOLAR À ESCOLA DA TRADUÇÃO: GERANDO “INÉDITOS VIÀVEIS” PARA ADOLESCENTES, JOVENS, ADULTOS E IDOSOS......................................................................................................... 128 9 PROSSEGUIR OUSANDO EXPERIMENTAR........................................ 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 144
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1 DA TRAVESSIA QUE INSTIGOU DESLOCAMENTOS
“Escrever" existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por que - é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação: É assim? Será que estou me traindo? Será que estou desviando o curso de um rio? (Clarice Lispector, Um Sopro de Vida (pulsações), 1978).
Este trabalho exige, de partida, assumir roteiro e perspectiva. Mas de qual fio
sentido, vivido ou teorizado devo puxar esta narrativa? Nestas inquietações
iniciais tomamos fôlego nas “pulsações claricianas” (1978) e elegemos um (im)
provável modo de começar, no qual pontuamos de forma cronológica o curso
dos acontecimentos que foram construindo nossa inserção não prevista na
Educação de Jovens e Adultos – EJA. Portanto, as vivências relatadas
estabeleceram nossa trajetória no campo1 e deram input ao percurso formativo
pertinente às necessidades de jovens e adultos na escola.
Exercitando o distanciamento em relação à nossa prática como educadora de
jovens e adultos e tendo em mãos os dados produzidos com os (as)
educadores(as) da instituição de ensino onde estivemos pesquisando,
constatamos que a atuação profissional nesta modalidade raramente significou
escolha e projeto profissional esboçado a priori.
As entrevistas sinalizaram que a entrada dos profissionais no campo da EJA
passou por uma infinidade de caminhos e em diferentes espaços e contextos.
Então, para os educadores envolvidos na pesquisa foi a partir da prática que se
estabeleceram as possibilidades de interlocuções e a busca por formação
específica no trabalho com estes sujeitos.
Nesse sentido, por caminhos semelhantes aos desses educadores, nossa
inserção na EJA foi se configurando por três vias:
1 As formas de inserção no campo e os dilemas dos percursos formativos dos(as)
educadores(as) de EJA guardam muitas semelhanças entre si e levam a um panorama que aponta lacunas e oferta insuficiente de formação.
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nas relações estabelecidas no Maiz, uma Organização não
Governamental (ONG);
como professora, em sala de aula montada pela Federação das
Indústrias do Espírito Santo (FINDES) em parceria com a Fundação
Roberto Marinho e a Fundação Bradesco, para atender aos interesses
de uma grande indústria;
na atuação como professora numa sala de aula da rede municipal de
ensino, na cidade de Cariacica/ES.
Primeiro, logo após a ruptura com a realidade educacional privada, surgiu a
oportunidade de trabalhar no Maiz (Autonomes Integrationszentrum von und
fuer Migrantinnen) na cidade de Linz, na Áustria. Essa associação é
especializada em educação popular para mulheres migrantes analfabetas. Na
maioria dos casos, estas mulheres viveram as reminiscências da tirania da
colonização européia e a opressão de gênero. O Maiz é uma organização de e
para mulheres migrantes e surgiu da necessidade de transformações
relacionadas às condições de vida e de trabalho dessas mulheres na Áustria,
buscando inserção e ampliação dos processos de participação cultural e
política. É uma organização que tem como referencial teórico-conceitual os
pressupostos da pedagogia do oprimido de Paulo Freire (FREIRE, 2005) e os
conceitos gramscianos de sociedade civil e luta contra-hegemônica
(GRAMSCI, 1978). Desta forma, dentro do contexto de globalização, de intensa
migração de mão-de-obra dita “desqualificada” e de feminização dos processos
migratórios, fui redescobrindo a importância da educação popular (FÁVERO,
1983). A educação popular é obscurecida no Brasil, ainda, pela violência da
colonização, pela ideologia elitista e conservadora imposta às classes
populares e pelo discurso neoliberal que no contexto do capitalismo
subdesenvolvido tenta manipular conceitos. Exemplo disso é a cooptação pelo
mercado das expressões: criatividade, criticidade, capacidade de solução de
problemas e de trabalhar em equipe, autonomia, “empoderamento”
(empowerment), emancipação, cidadania e muitas outras. Sabemos que,
originalmente e no contexto dos movimentos sociais, esses são conceitos que
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sinalizam para as formas de superação das concepções deterministas de
existência, mas que em contextos absolutamente mercantis a força conceitual
destas expressões se perde, tornam-se estéreis e a serviço do lucro.
Mais tarde, retornando ao Brasil, essa vivência conduziu-me à segunda
experiência na EJA. Por meio do trabalho como professora, atuei em um
projeto de formação educacional da Federação das Indústrias do Espírito Santo
(FINDES – SESI/ES). Esse programa tinha e ainda tem como objetivo a
conclusão de estudos em nível de Ensino Fundamental e Médio e é
exclusivamente destinado aos trabalhadores da CVRD (Companhia Vale do
Rio Doce) e empresas terceirizadas que prestam serviço a essa Companhia. A
formação dos(as) professores(as), a metodologia por “tele-aulas” e os demais
materiais utilizados são de responsabilidade da Fundação Roberto Marinho e
de sua marca - o Telecurso 2000. Nessa época, já sensibilizada com a causa
daqueles que não puderam concluir a escolaridade na idade prescrita pela lei,
ocuparam-me perguntas do tipo: de que modo o trabalhador consegue
desenvolver sua consciência política (KUENZER, 2002) utilizando ferramentas
metodológicas/ideológicas deste tipo de Fundação não só comprometida, mas
que constitui o poder hegemônico no país? De que forma poderia o local de
trabalho contribuir para a elaboração e ampliação da consciência de mundo se,
de acordo com relatos dos alunos, até o “brilho nos olhos” era cooptado e
transformado em “programa” nos setores de RH e em benefício do capital?
Ocupei-me, como aponta (GOMEZ et al, 2000) com as questões da qualidade
total, da formação abstrata e polivalente, da flexibilidade, participação,
autonomia e descentralização, que, impostas aos trabalhadores no contexto da
competitividade, fragmentam e distorcem a visão da realidade.
Outra questão crucial era o papel que desempenhava nesse processo: a quais
interesses estaria servindo? Em qual direção fluiria meu discurso emancipatório
inserido no bojo de mecanismos cada vez mais sofisticados de disciplinamento,
paradigmas de gestão e exploração do trabalhador? Percebia que meus
alunos sofriam, eles e elas começavam a verbalizar o sentimento de
“robotização” e expropriação. Contudo, percebia que, de forma paradoxal, a
sala de aula montada segundo os interesses da empresa e do mercado não
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apenas conformava, ia se constituindo no espaço do encontro, da fala/escuta e
do desabafo. Sobretudo, constituía-se em espaço da tradução de questões
pessoais para dilemas coletivos, por isso, também formava, subvertia e
emancipava. Esta experiência, em particular, marcou-me sobremaneira.
Compreendi, finalmente, por onde passa o sofrimento das muitas pessoas que
não puderam ou conseguiram estudar na idade prevista. Estas pessoas2,
embora não soubessem expressar plenamente, sentiam-se estranhas num
mundo que não davam conta de decifrar, onde lhes cabia somente o papel da
obediência aos ditames patronais.
A terceira experiência no trabalho com jovens e adultos aconteceu numa
escola pública, possibilitada pelo concurso público democrático (e histórico)
realizado na cidade de Cariacica. Este concurso foi o meio que permitiu
assumir, a mim e a outros(as), como professora efetiva3 uma turma de alunos e
alunas do ERNS – Ensino Regular Noturno Semestral. Essa turma era
constituída por 20 educandos da 1ª e 2ª séries que possuíam faixa etária
compreendida entre 15 a 67 anos de idade. A turma, configurada por todos os
elementos da diversidade e da desigualdade, funcionava no período noturno
numa escola situada em região periférica. Assim, na escola pública -
teoricamente um espaço democrático e a serviço da cidadania - pude trabalhar
com mais liberdade e confluir impressões, aprendizagens, dilemas e ideias.
Essa experiência possibilitou a compreensão e o exercício da profissão de
forma mais consciente e clara, ou seja, o trabalho com e na educação de
jovens e adultos como ato político e emancipador. Desta forma, compreendi
que este trabalho deveria ser realizado na medida em que o sujeito aluno (a)
(se) perguntava, no ritmo que impunha, na amplitude que expunha e conforme
problematizava sua realidade. Ou seja, comecei a ter clareza de que minha
2 Estou me referindo às pessoas empregadas, ainda com certo acesso a direitos sociais
básicos e que, portanto, não constituem o exército de reserva desempregado excluído de vida digna por não poderem pagar por estes serviços. 3 Fazemos esta observação porque ser professor(a) efetivo(a) significa usufruir de certa
estabilidade no sistema, ao contrário de centenas de profissionais contratados que, nesta condição, são impedidos de estabelecer vínculos quaisquer nas escolas que trabalham. A busca pela efetivação dos professores é luta histórica na EJA, e, em Cariacica, o maior percentual de profissionais contratados encontrava-se nesta modalidade EJA.
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função era levantar questões e não fornecer respostas prontas, imagens
estereotipadas e já formatadas por meus modelos de mundo.
Portanto, estas experiências marcaram e (re) orientaram minha trajetória
profissional. Assim, na busca por formação específica para atuar com este
público, conhecemos Brandão (2006) e a asserção de que “[...] a educação
pode ser tanto uma forma de pressão quanto uma forma de libertação. Isso
depende apenas de como é pensada e praticada”. Com Oliveira (1996)
começamos a observar que a formação docente demanda do educador um
exercício permanente o que
Pressupõe romper com concepções e práticas que negam a compreensão da educação como uma situação gnoseológica. A competência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir mão no desenvolvimento do seu trabalho não são incompatíveis com a amorosidade necessária às relações educativas (1996, p. 11).
Portanto, falamos “a partir de” e “por entre” esses lugares e pessoas. Trabalhar
com os sujeitos da EJA provocou inquietações que me instigou a deslocar
teorias e conceitos, modificando convicções e hábitos relacionados aos
terrenos mais ou menos estáveis do ensinar e aprender no “ensino”
fundamental.
O encontro com a EJA tocou-me quanto à necessidade de transcender a mera
adaptação à realidade e potencializou sentimentos quanto às possibilidades de
intervenção no mundo. Esta dinâmica é descrita por Freire neste fragmento de
sua última entrevista4, no qual afirma que,
Indiscutivelmente do ponto de vista biológico talvez nenhum outro ser tenha desenvolvido a capacidade de adaptação às circunstâncias maiores do que o homem e a mulher. A adaptação no ser humano é um momento apenas que eu chamo da sua inserção. Essa é a distinção que eu faço entre adaptação ao mundo ou inserção. A distinção é a seguinte: é que na adaptação, há uma adequação há um ajuste do corpo as condições materiais, às condições históricas, sociais, geográficas, climáticas e etc. E na inserção o que há é a tomada de decisão do sentido da intervenção no mundo. Por isso mesmo eu recuso qualquer posição fatalista diante da história e diante dos fatos. Eu não aceito, por exemplo: “É uma pena que haja
4 Paulo Freire concedeu esta última entrevista em abril de 1997, em casa, na cidade de São
Paulo, à jornalista Luciana Burlamaqui.
16
tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas afinal a realidade é essa mesma”. Eu recuso como falsa e ideológica essa afirmação. Nenhuma realidade é assim mesmo! Toda realidade está ai submetida à possibilidade de nossa intervenção nela (FREIRE, 1997).
Nesta mesma entrevista, Freire faz referência à necessidade de nos
empenharmos nas marchas políticas que interpelam e pressionam a realidade
às mudanças. As marchas são pensadas por ele como movimentos que
reúnem coletivos em prol da democratização da sociedade e da emancipação
humana.
Afirma que, [...] morreria feliz se [...] visse o Brasil cheio em seu tempo histórico
de marchas. Marchas dos que não têm escola; marcha dos reprovados;
marcha dos que querem amar e não podem; marcha dos que se recusam a
uma obediência servil; marchas [...],
dos que se rebelam, marcha dos que querem ser e são proibidos de ser. [...] [Acredito] afinal de contas que as marchas são andarilhagens históricas pelo mundo [...]. E o meu apelo, o que eu desejo, o meu sonho é que outras marchas se instalem nesse país; como por exemplo, a marcha pela decência, a marcha pela superação da sem-vergonhice que se democratizou terrivelmente nesse país. Eu acho que são essas marchas que nos afirmam como gente como sociedade querendo democratizar-se (FREIRE, 1997b).
Consideramos, então, que as três experiências por mim relatada podem ser
compreendidas como travessias possíveis de se fazer na vida e que, na
perspectiva freireana, é um “pôr-se em marcha” subjetiva e objetivamente para
promover a transformação necessária na práxis, tanto como educadora, quanto
das relações estabelecidas com outros e outras. Estas reflexões encontram
ressonâncias em Oliveira ao pontuar,
Resulta daí que o tempo da transição é o tempo que obriga o indivíduo a fazer opções, ou seja, ficar preso aos velhos valores do passado ou partir rumo aos novos valores que se descortinam e se abrem para o futuro. Isso provoca a rachadura da sociedade entre conservadores (aqueles que ficam) e liberais ou progressistas (aqueles que partem) (1996, p. 40).
Inferimos que, conscientes ou não desta dinâmica de escolhas, o tempo todo
fazemos opções entre emancipar ou regular/conservar. Entre ficar/permanecer
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ou partir. Mais que um conceito ou categoria de pesquisa, a atitude
emancipadora define o ser que somos, atravessando (ou não) nossas práticas
cotidianas e profissionais, contando de nossas crenças, desvelando posturas
político – ideológicas e sinalizando a favor de quem e contra quem
trabalhamos.
Portanto, nas relações estabelecidas com o contexto escolar, que implicou na
busca por compreender as concepções que permeiam posturas e atividades
pedagógicas propostas pelos (as) educadores (as) aos educandos jovens e
adultos, fundamentando-me na compreensão que
Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão é de tal forma radical que não permite a quem a faz comportamentos ambíguos. [...]. Daí que esta passagem deva ter o sentido profundo de renascer. Os que passam têm de assumir uma forma nova de estar sendo; já não podem atuar como atuavam; já não podem permanecer como estavam sendo (FREIRE, 2005a, p.54).
Assim, assumindo esse desafio da criticidade, que implicou buscar as teorias a
partir da prática, este trabalho foi também se constituindo uma exposição
autobiográfica, já que vou compartilhando questões e lentes que me são
significativas, que subjazem minha fala e demarcam os lugares geográficos,
políticos e teórico-conceituais assumidos na dinâmica de ver, pensar e
trabalhar com o povo.
1.1 DO BOM ENCONTRO COM A EJA À DIRETRIZ DA PESQUISA
“Tenho 21 anos. Nasci na Bahia e moro aqui tem cinco anos. Voltei a estudar porque sou servente de pedreiro e quero aprender a colocar azulejos e pisos “de cabeça”, fazendo contas, sabe... estou construindo minha casa, meu sonho é ser mestre de obras” (André, aluno do ERNS – Ensino Regular Noturno Semestral). “Tenho 29 anos, sou casada e tenho um filho, estou há dez anos fora da escola. Me acomodei. Voltei a estudar porque até para varrer a rua a gente tem que ter estudo, quero oferecer um futuro melhor para meu filho” (Luciana, aluna do ERNS).
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“Tenho 47 anos e sou funcionário da “hort-frut”. Meu patrão disse que preciso ler para armazenar as caixas direito. Estou aprendendo a ler nas caixas de frutas. Minha professora disse que eu já posso ir para quinta série, mas eu não quero não, não me sinto preparado” (Antonio, aluno do ERNS).
Então, de maneira “encarnada”, posso afirmar que os educadores(as) de EJA
se constroem “vivendo” a experiência do cotidiano da escola e nas relações
com sujeitos tão diversos como os apontados na epígrafe, já que não há
processo de formação específico sobre o campo5.
A docência “acontece” e nos formamos na prática e na sensibilidade que vai
apontando leituras, encontros e escolhas. Esta dinâmica aponta que a
formação do(a) educador(a) de EJA é uma questão problemática que vem se
arrastando e um desafio que as universidades necessitam assumir. Isto será
determinante na reconstrução de perspectivas e, consequentemente, na
reinvenção política do ser educador e educadora da modalidade EJA.
No sentido deleuziano (DELEUZE; GUATARRI, 1992) esse nosso “encontro”
com a EJA foi um bom encontro, porque exigiu negociações quanto à forma de
ser e estar no mundo e na escola; no qual o pensamento, desafiado pela
configuração singular das salas de aula, necessitou fazer-se presente como
potência e atividade criadora, desterritorializando e forjando práticas coerentes
com as trajetórias de vida dos sujeitos. Perguntava, então, como considerar
tantas realidades históricas, políticas e culturais?
Defrontamo-nos com um campo híbrido e diaspórico (HALL, 2006), no qual se
agregam e intercambiam sonhos, desejos e lutas, ou seja, um mosaico de
5 O curso de pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) ofereceu, de 2001 a
2009, a Habilitação em Magistério da Educação de Jovens e Adultos, com carga horária de 480h. Porém, com as Novas Diretrizes Curriculares as habilitações foram suprimidas, colocando-se para a Universidade o desafio da formação em áreas específicas da EJA e da Educação Especial, embora algumas disciplinas tenham sido incluídas na grade curricular para o trato desses campos específicos de conhecimento na relação com os sujeitos.
19
possibilidades identitárias. Na EJA encontramos adolescentes, jovens, adultos
e idosos com variados graus de autonomia social e possuidores de diferentes
modos de conceber e viver a vida.
Desta forma, tive que exercitar o chamado “pensamento da multiplicidade” e
tentar compreender este território privilegiado para onde se confluem o
múltiplo, o diverso e todas as possibilidades da diferença: etárias, de gênero,
culturais, étnicos-raciais, regionais, de classe, religiosas, de opção ideológica,
políticas, de orientação sexual, de profissionalização, de aprendizagem etc.
Assim, esse encontro com o múltiplo e o plural incomodou e deslocou,
tornando definitivamente nômades pensamentos, conceitos, fundamentos,
crenças e valores que moviam e movem o “ser e estar sendo” professora e
“gente” neste mundo.
Estas são premissas centrais no pensamento freireano, cujo substrato
atravessa todo este texto. Em sua obra Freire intitulava-se como um autor cujo
pensamento não se deixou cristalizar ao longo do tempo. Assim, constatamos
que ele permaneceu, durante toda sua vida, produzindo constantes
deslocamentos necessários à compreensão de realidades e subjetividades
cada vez mais complexas, como a dos jovens e adultos apresentados.
Como ferramentas para desvelamento dessas realidades e subjetividades,
Freire defendia uma práxis pedagógica sempre pautada na dialogização e cuja
finalidade fosse a emancipação de homens e mulheres. Afirmava:
Na perspectiva libertadora, não temos nada para dar, realmente. Damos alguma coisa aos alunos apenas quando intercambiamos alguma coisa com eles. Esta é a relação dialética, em vez de uma relação manipuladora (FREIRE, 1986, p. 204-205).
Para Freire educação é sinônimo de humanização, materializada nas relações
humanas de profundo respeito às diferenças e reconhecimento dos saberes do
outro, que se realiza sempre a partir do “outro” e da “outra” concretos, cujo
sentido é histórico, coletivo, social e político. Essa postura, que é
20
essencialmente política, na EJA torna-se absolutamente necessária à
compreensão da dinâmica na qual nos movemos e nos enfrentamentos com a
realidade social complexa, na qual o pensamento necessita se deslocar,
constituindo-se ferramenta essencial a toda e qualquer pessoa nesse mundo,
para que possa se situar nele e enfrentar seus desafios conceituais e políticos.
Pois bem, sem sabê-lo na época, sei hoje que a diretriz deste trabalho
começou a ser formulada nestas relações vivenciadas na prática, com os
sujeitos e instituições. Instiguei-me a pensar sobre o sentido de uma escola
para jovens e adultos. Interpelei-me sobre as atividades que se realizavam nos
contextos escolares e de que forma poderiam contribuir para a constituição de
um sujeito crítico a respeito da realidade social em que vive.
A escola problematiza a realidade desses e para esses sujeitos, ou, a
apresenta inexorável e impermeável a mudanças? Quais significados os
sujeitos conferem a seu tempo escolar? Há o entrelaçamento das vivências dos
educandos com as/ nas atividades escolares? Estas viriam ser as inquietações
que desenhariam o curso deste trabalho e culminariam na pergunta diretriz e
nos objetivos de pesquisa, posteriormente detalhados no capítulo 6.
1.2 DA DISPOSIÇÃO DOS CAPÍTULOS
Ao longo da exposição deste trabalho desejo esboçar a rede de significações
que expressa a complexidade conferida ao campo, pois acreditamos que a EJA
vem se constituindo, historicamente, este lugar rizomático6, tanto é que na
concepção de alguns pesquisadores da área, vem sendo “convidada a
reavaliar sua identidade e tradição, reelaborando os objetivos e conteúdos de
formação política para a cidadania democrática que seus currículos sempre
souberam explicitar” (DI PIERRO et al, 2001, p.74).
6 Da botânica para a filosofia um conceito desenvolvido pelos filósofos franceses Gilles Deleuze
e Felix Guatarri.
21
Compreendo, então, que caminhamos em um território no momento
privilegiado de sua (re)construção e atualização frente às demandas colocadas
pelas novas configurações sócio-histórico-educacionais. Assim, após esta
introdução, prossigo para a segunda parte, “Apresentando a rede de
significações que vem compondo a Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, no
qual busco saber da atualização deste campo, situar-me no mapa e no foco do
estudo em pauta.
As questões pontuadas na terceira parte “Cariacica/ ES - a biografia da cidade
(in)visível que (des)afiou perguntas”, respondem às necessidades de
esclarecer as particularidades sócio-culturais, econômicas, políticas, e
educacionais do município onde se realizou a pesquisa. Tomamos como pano
de fundo o conceito utilizado por Calvino (1990) na obra Cidades Invisíveis,
onde a(s) cidade(s) se configuram como textos a serem lidos por seus
habitantes e viajantes.
Apresento, então, a construção histórica da pobreza e da marginalidade desta
cidade, caracterizada como o “espaço dos rejeitados”. O capítulo foi
desdobrado em “O panorama político”, “O panorama educacional” e “O
contexto da pesquisa”, o que implicou na necessidade de descrever “A
implantação da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) no município
de Cariacica/ES”.
Para clarificar a lógica de construção do objeto/problema bem como para a
orientação e definição das categorias de análise, aproximei-me e dialoguei com
a obra de alguns autores. Este marco teórico – conceitual é desenvolvido no
quarto capítulo: “Das escolhas teórico-conceituais: reunindo peças” e
“Construindo sentidos”.
Subsidiando-me na pesquisa rigorosa de Paiva (2009) e com apontamentos em
Di Pierro, Jóia e Ribeiro (2001), construí o quinto capítulo “O direito à Educação
para Jovens e Adultos: uma conquista entre as forças da regulação e da
emancipação”. O objetivo aqui é ter clareza da evolução do direito à educação
22
para jovens e adultos, de modo que a poder entender como a instituição escola
compreende e participa da efetivação dessa conquista.
A metodologia que sustenta a atividade da pesquisa é abordada no sexto
capítulo, assim designado: “A proposta metodológica em pesquisa-ação: uma
opção pedagógica, política e poética”. Assumi a opção pela pesquisa-ação e
delineei as estratégias de abordagem e a pergunta-síntese que se constituiu
nosso “fio da meada”. Outros aspectos metodológicos explicitados neste
capítulo são as questões que dão suporte à investigação, à definição dos
objetivos do estudo, dos sujeitos incluídos, à organização dos tempos e
instrumentos de produção dos dados.
Fui, então, conduzida à sétima parte do trabalho “A Educação de Jovens e
Adultos (EJA) na escola: dimensões da prática”, onde relato sobre nossa
relação com o campo, da produção e do diálogo com os dados. Apresento a
escola pesquisada constituída além muros de concreto armado, como
instituição simbólica e arena social na luta para a democratização e
emancipação humana, produzindo relações em várias dimensões. Reconheço
a complexidade do cotidiano, cuja leitura não se mostra espontaneamente e
essas traduções possíveis estão compiladas em eixos temáticos de análise.
No oitavo capítulo finalizo o diálogo com os dados, buscando os entre-lugares
e as intersecções necessárias para a (con)vivência como potência na escola.
Evidencio alternativas, já que a trajetória da modalidade EJA nos contextos
escolares apenas está começando e estes necessitarão (re) configurar-se,
abandonando um lugar “de tradição” para o “da tradução”. Neste sentido, “Da
tradição escolar à escola da tradução: gerando possíveis para adolescentes,
jovens, adultos e idosos”, significa humanizar um direito que faz a diferença,
fazendo-o valer numa sociedade que persiste em criar, e de maneira cada vez
mais engenhosa, novas formas de exclusão social.
Como estratégia para perspectivar um futuro para a EJA na escola, finalizo
este trabalho em “Prosseguir ousando experimentar”. A expressão não é
minha, inspiro-me em Oliveira (2006, p. 229) quando se refere às experiências
23
e ações no campo da EJA, dizendo que estas podem tornar-se notórias “não
porque exitosa pelos seus resultados, mas pelo seu potencial para agregar
pessoas com idéias e sonhos em comum e, também, pela insistência em
prosseguir ousando experimentar.”
Busco, em mais esta observação da nossa professora e orientadora sentidos
para a nossa produção, pois compreendo que foi esta articulação com pessoas
e sonhos, aliada à resistência e à ousadia, que me trouxe e sustentou até aqui.
24
2 APRESENTANDO A REDE DE SIGNIFICAÇÕES QUE VEM
COMPONDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra, 1966).
Que campo de estudo é este que nos desafia? Como se constituiu e vem se
estabelecendo o lócus da nossa pesquisa? Na contemporaneidade a educação
de jovens e adultos adquire novos sentidos como campo público de direito
atrelado à luta pela garantia dos demais direitos negados historicamente.
Quando jovens e adultos buscam a escola, são sujeitos e trajetórias de vida
concretas que retornam. O direito à educação está sempre entrelaçado no
movimento de recuperação de condições dignas de existência desde sempre
negadas. Nesta direção, a intenção inicial é compreender o lugar onde estamos
“pisando e transitando”, situando a EJA, desde sempre constituída na
complexidade.
Portanto, iniciamos com a ajuda do nosso poeta, na sua obra “Tecendo a
manhã”, uma metáfora que (re)inventa e faz pensar nos sentidos do coletivo e
do afeto, da comunidade e da política. Atentando para o ano em que esse
25
poema foi escrito (1966), certamente nos lembraremos de tempos duros vividos
por nós, brasileiros(as), durante a década-auge dos anos de chumbo, em que
tivemos interditados direitos civis, políticos e o exercício da liberdade por 21
anos no país.
No turbilhão dos acontecimentos deste período muitas pessoas engajaram-se
em diferentes formas de resistência e luta, perspectivando o futuro e “a
tessitura da manhã” por meio da Cultura e da Educação Popular,
consequentemente, militando na Educação de Adultos, cuja origem enraíza-se
também naquelas manifestações, organizadas segundo Beisiegel por
Correntes ideológicas, organizações políticas, movimentos estudantis, associações, igrejas..., enfim, diferentes portadores de projetos alternativos de futuro para a sociedade disputavam o exercício de influência sobre a população. A educação, sobretudo a educação de jovens e adultos, com mais frequência passou a ser compreendida por esses atores como instrumento de formação de agentes de construção do futuro desejado (BEISIEGEL, 1997 p. 221).
Dentre os protagonistas que marcaram esta época e que continuam
subsidiando a história da educação, em especial lembro-me de Freire (1997, p.
154) ao reafirmar a importância da articulação engajada com outros(as),
quando diz “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu
gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade,
como inconclusão em permanente movimento na história”. Freire anuncia para
além dos limites da pedagogia o que João Cabral expressa pela poesia, e
ambos seguem atuais frente à tradução dos tempos em que vivemos, nos
quais esquerda e direita se dissolveram em nuances, mas cuja realidade
continua exigindo a (re)invenção da política e da comunidade, dos espaços
públicos e a articulação de coletivos na opção ética por uma sociedade mais
justa (POCHMANN, 2004).
Neste esforço de compreender as articulações instauradas pela Educação de
Jovens e Adultos – EJA, optamos por esta forma prospectiva que sinaliza
sujeitos, concepções e um tempo político. Um necessário e simultâneo olhar
sobre os múltiplos sentidos e agentes que vêm tecendo significações e
26
compondo o estado da arte no campo; este, indubitavelmente, vinculado a um
projeto de sociedade em favor das e com as classes populares urbanas e
rurais (FÁVERO, 2006).
Estamos falando de uma modalidade que escreveu uma “história da educação”
esquecida e ausente da História da Educação (FÁVERO apud PAIVA, 2009), e
este tipo de amnésia acontece mesmo e apesar desta concepção pedagógica
ter sido compreendida como instrumento de formação de agentes e de
construção do futuro desejado (BEISIEGEL, 1997, p. 221).
Portanto, estudar a EJA significa necessariamente levar em conta aspectos
(in)visíveis compostos por situações históricas pontuais, que desde sempre
enredaram o campo em movimentos políticos locais e globais, e que
remontam, no Brasil, à pouco duradoura constituição de 1934, e, no mundo,
aos acordos internacionais firmados desde 1949 na I Conferencia Internacional
de Educação de Adultos – Confintea, realizada em Elsinore, na Dinamarca,
entre os países membros da Organização das Nações Unidas, em
conferências promovidas pela Unesco (PAIVA, 2009) e na Declaração de
Educação Básica para Todos – crianças, jovens e adultos, de Jomtien, na
Tailândia, em 1990.
Historicamente o público atendido pela EJA foi e ainda é constituído nas
sequelas sociais deste país. Contudo, há outras questões a serem
consideradas. Pensar nestes sujeitos remete não só à diferença e à
desigualdade no recorte de classe e das consequências perversas daí
advindas, mas também remete à fabricação e convivência da diversidade sob
todas as suas formas e a interação dos profissionais com as perspectivas de
vida, trabalho e futuro concebidas por alunos e alunas; expectativas estas que
podem estar, ou não, representadas na formulação das políticas públicas, no
campo dos direitos, com os quais a EJA necessita dialogar, pressionando os
gestores públicos na criação de políticas para atendimento às necessidades
deste segmento.
27
Outro dado são os fenômenos específicos que atravessam a modalidade.
Desde a década de 90, a presença de adolescentes e jovens nas salas de aula
de EJA já é marcante, um quantitativo que vem aumentando
consideravelmente, sendo que em muitas unidades escolares os adolescentes
e jovens já representam maioria nas salas de aula. Portanto, o assim chamado
“fenômeno da juvenilização” (Hamburgo, V CONFINTEA, 1997), modificou a
configuração das turmas, trazendo desafios a docentes e discentes quanto à
convivência no espaço escolar, a organização dos grupos, linguagens, culturas,
currículos, metodologias e estratégias didáticas. Dilemas emergentes e
urgentes que precisam ser abordados e negociados em cada escola.
Desta forma, dialogar com a Educação de Jovens e Adultos implica assumir a
complexidade destas questões historicamente construídas, que a atravessam e
configuram. Principalmente, saber a modalidade como problematizadora da
desigualdade estrutural inscrita na formação da nossa sociedade, que exclui a
maioria da população dos direitos sociais básicos. São para estas pessoas que
esta modalidade de educação emergiu e emerge com mais força ainda em
consequência dos novos mecanismos de desigualdade e exclusão. Ou seja, é
um campo que caminha entre os limites e as possibilidades de resgatar aquela
perspectiva emancipatória que um dia se propôs a ser (ARROYO, 2006).
Dialogar com a EJA implica ainda definir premissas e referenciais a partir dos
quais se fala e se escuta, pois a modalidade cada vez mais vem se
configurando por meio de práticas educativas plurais que podem ser
concretizadas em vários ambientes, por meio de diferentes protagonistas que
vieram chegando ao longo do tempo e a serviço dos mais variados objetivos,
tanto para regular, quanto para emancipar.
Então, temos ciência de que este diálogo pode ser estabelecido com, para e a
partir de cada uma das múltiplas instâncias que atuam no campo – o segmento
de alunos(as), educadores(as) populares, professores(as) das redes de ensino,
universidades, fóruns, gestores federais, estaduais e municipais, movimentos
sociais, ONGs, Sistema S, sistema prisional, mais atualmente a rede Ifes com o
Proeja, acadêmicos que atuam na área, a sociedade organizada, etc. – isso, só
28
para citar alguns7. Como já foi pontuado, um diálogo que pode ser configurado
a partir de perspectivas que englobam determinadas concepções, interesses,
formação intelectual, inserção política, acadêmica e profissional, bem como
determinada sensibilidade.
Militando na área tenho constatado esta configuração “babélica”, que de forma
alguma pode ser desconsiderada nos estudos sobre a EJA atualmente. Babel é
a lenda/metáfora utilizada por alguns autores para explicar “esse presente
confuso e incompreensível” (LARROSA; SKLIAR, 2001), que traz temáticas,
tensões e políticas que atingem de modo especial esta modalidade já
atravessada pela desigualdade e diversidade.
Fato é que nos encontramos numa mudança de época, denominada por alguns
autores de “pós-modernidade”, quando espaço e tempos se cruzam para
produzir figuras ainda mais complexas. São as novas figurações sociais que se
aliam às demais minorias já com uma história mais longa de discriminação
(PIERUCCI, 1999), e exigem para si o reconhecimento e a garantia de velhos e
novos direitos (BOBBIO, 2004). Estes movimentos, consequentemente antigos
e atuais embates produzidos vêm integrar o estado da arte.
Assim a EJA vai se configurando como uma modalidade de fronteira, um entre-
lugar, um espaço intersticial (BHABHA, 2005), um lugar estratégico de
subversão, conformação e subversão e hoje é desafiada à mediação e
invenção das linguagens de tradução entre os dilemas da igualdade, da
diferença e das várias e novas identidades emergentes surgidas nas
sociedades ditas pós-modernas. Um movimento próprio de uma sociedade
que, cada vez mais, se fragmenta, sinalizando a revisão do conceito de
comunidade humana na qual os direitos da pessoa são cada vez mais
instituídos em espaços complexos de contestação e reivindicação
denominados entre-lugares que
7 No documento nacional preparatório a VI CONFINTEA (2009), encontramos uma relação
atualizada e ampliada das instâncias e dos protagonistas que discutem EJA no Brasil. No site da SECAD/MEC também é possível ter uma ideia dos campos possíveis da EJA
29
[...] fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade (BHABHA, 2005, p. 167).
No entanto, se novas identidades são (re)conhecidas e conquistam espaço
conceitual e político, seria pertinente indagar: até que ponto essa dinâmica se
configura como junção de forças e ideologias? Há ciladas na igualdade e
também na diferença (PIERUCCI, 1999) e, sobretudo, há uma enorme
dificuldade em seguir até o fim a lógica do postulado da diferença sem reforçar
práticas discriminatórias.
Portanto, respondendo às demandas específicas deste tempo histórico que
ainda não sabemos como nomear, mas, que implica o estabelecimento de
objetivos comuns de reivindicação social, também face à abrangência cada vez
maior dos estudos para a população jovem e adulta privada da escolaridade, e,
sendo que esta população, por sua vez, é constituída por identidades cada vez
mais diferenciadas e que exigem políticas públicas específicas e a “ampliação
do acesso e o reconhecimento de novas práticas em que o sujeito ganha
centralidade nos processos educacionais” (PAIVA, 2009); assim, estes e outros
fatores, imbricados, levaram os agentes da EJA à criação do que pode ser
compreendido como (entre) lugares estratégicos de articulação político-
pedagógicos, a seguir relacionados.
Dentre estes espaços e iniciativas, os mais significativos são, no nosso Estado,
a implementação do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (Neja) do
Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a partir
de 1997. À semelhança de ações realizadas por outras Universidades, a
entrada da EJA na UFES acontece via extensão e em parceria com a
Secretaria de Educação do Estado por meio do projeto “Alfabetização de
adultos e adolescentes” populares. Os grupos, instituídos em comunidades da
periferia da Grande Vitória, eram denominados círculos de cultura e,
inicialmente, inspirados no legado das primeiras experiências de Paulo Freire
com a EJA.
30
A constituição do Núcleo foi possível por meio de ações embrionárias que
envolviam a alfabetização de jovens e adultos populares. Esta experiência
inicial foi responsável pelo que, mais tarde, veio a se constituir como NEJA,
gerando pesquisas de mestrado desenvolvidas por Edna Oliveira (1988)8 e
Ângela Souza (1988)9. Estas atividades foram proposições para uma nova
etapa de ação extensionista, através do projeto “Alfabetização e Formação na
Prática de Educação de Jovens e Adultos”, coordenado pelo professor
Admardo Serafim de Oliveira, do Departamento de Filosofia, que traz como
contribuição para a área os estudos realizados na tese de doutoramento10.
Inspirado, também, nos pressupostos freireanos, posteriormente foram
incorporados outros referenciais teórico-conceituais. Desde então, o NEJA/
CE/ UFES vem expandindo sua atuação no esforço conjunto de
pesquisadores(as), alunos(as) e ex- monitores do Centro de Educação e de
outros centros.
De acordo com Oliveira, o núcleo vem estruturando-se em diversas frentes de
trabalho no campo da formação: políticas públicas, educação e linguagem,
movimentos sociais, educação popular, educação matemática e educação do
campo.
Essas frentes de trabalho têm se materializado em ações efetivas com educadores populares e educadores do campo e profissionais das redes públicas. De certa forma, essas ações têm transformado o espaço do NEJA em um espaço potencializador e um campo de experimentação de práticas pedagógicas na EJA, considerando a educação de jovens e adultos numa perspectiva ampla não restrita à alfabetização, nem subsumida à escolarização (2006, p. 228-229).
8 OLIVEIRA, Edna Castro de. A escrita de adultos e adolescentes: processo de aquisição e
leitura do mundo. Vitória: PPGE/CE/Ufes, 1988. Dissertação Mestrado
9 SOUZA, Ângela Maria Calazans. Educação matemática na alfabetização de adultos e
adolescentes segundo a proposta metodológica de Paulo Freire. Vitória: Ufes, 1988. Dissertação Mestrado.
10
OLIVEIRA, Admardo Serafim de. "Conscientização": theory and pratice of a libertarian education; a philosophical understanding of Paulo Freire's pedagogy. Ottawa, Department of Philosophy, School of Graduate Studies, University of Ottawa, Canadá, 1980. Tese de doutoramento
31
O Neja, também, é responsável pela criação do Fórum EJA/ES, em 1989 –
sendo o terceiro fórum criado em nível nacional, inicialmente foi proposto como
projeto de Extensão intitulado “Fórum Permanente da Grande Vitória". Em
2001 passa a denominar-se fórum de EJA do Espírito Santo e prossegue,
então, apoiando o fórum como secretaria executiva e de articulação política.
Outros fóruns foram se estabelecendo em nível nacional, os fóruns EJA
regionais11, presentes agora em 26 Estados e no Distrito Federal.
Outras conquistas na produção desta rede merecem ser destacadas como
espaço de condução das políticas da EJA. A criação da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD/MEC em 2004; e
dos Seminários Nacionais de Formação – SNF, neste ano na 3ª edição que
será sediada no Rio Grande do Sul; também a criação do portal dos fóruns de
EJA (www.forumeja.org.br), constituindo-se espaços de discussões e reflexões
sobre o processo de formação em EJA no Brasil, no âmbito da formação inicial
e continuada, da pesquisa e da extensão. Assim, o reconhecimento do MEC da
ação política dos fóruns conduz ao chamamento de reuniões sistemáticas e à
representação na CNAEJA – Comissão Nacional de Educação de Jovens e
Adultos.
Paiva compreende este tempo histórico como o tempo da “reinvenção da
emancipação social”. Neste sentido, os fóruns de EJA, como atores coletivos
críticos da formulação de políticas públicas, vêm propondo ações e práticas
antagônicas e de compreensão ampliada em relação ao lugar que a EJA deve
ocupar oficialmente, interferindo e transformando concepções,
[...] como movimento da sociedade organizada, não como outorga do Estado, mas como movimento de resistência, de diálogo, levando a incorporação de direitos e, consequentemente, à perspectiva de inclusão de uma diversidade de sujeitos. A construção de uma
11
Estes fóruns se reúnem todos os anos no Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos – o Eneja. Este ano o XI Eneja será realizado em Belém, no Pará, mesmo Estado que sediará a VI Conferência Internacional de Educação de Adultos – VI Confintea, pela primeira vez realizada em território latino-americano.
32
agenda pela EJA, sustentada pela mobilização de amplos setores da sociedade organizada, congrega movimentos sociais e sindicais, organizações não – governamentais, entidades de pesquisa e setores técnicos (2009, p. 214 e 215).
Quanto à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD/ MEC), sua finalidade é dar visibilidade às políticas públicas
articuladas para as populações historicamente discriminadas e excluídas,
“capturar” a diferença e agregar a diversidade do trabalho com os sujeitos e
grupos da EJA. Nesta pasta estão reunidas as políticas de alfabetização e
educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental,
educação escolar indígena, pró-jovem, diversidade étnico-racial, antes
distribuídas em outras secretarias.
Tentando concluir esta parte, constato que, frente às discussões que
acompanho, tanto nas Secretarias de Educação, quanto nos fóruns e na
interação com os sujeitos nas escolas, a clareza “do que é que estamos
falando, quando falamos em EJA”, é condição para avançar neste campo
constituído cada vez mais por sujeitos e culturas híbridas marcadas pela
exclusão social.
A EJA dialoga com múltiplos recortes e, de dentro destes processos, vem
tentando traduzir o espírito do tempo, empenhando - se na articulação de
espaços e ações em defesa do direito de jovens e adultos terem cada vez
mais oportunidades de acesso a uma educação de qualidade social. Como
aponta Fávero,
São ações promissoras, mas há um longo caminho a percorrer, não só para reparar a enorme dívida social acumulada em centenas de anos, mas também para criar novos modos de realizar aquelas oportunidades, reinventando a escola e gerando novas formas educativas (apud PAIVA, 2009, p. 10).
Então, de qual perspectiva estamos falando, quando dialogamos sobre a EJA?
Conforme enfatizado, entrar neste campo exigiu a apropriação desta rede de
significados. Foi uma iniciativa necessária, já que na afirmação de Arroyo
33
(2005, p. 19), além de ter uma longa história, “[...] a EJA é um campo ainda
não consolidado nas áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes
educacionais, da formação de educadores e intervenções pedagógicas” e que
vem se (re)configurando como campo específico de responsabilidade pública
do Estado, uma das frentes do momento presente.
Sabendo que esta reconfiguração não virá espontaneamente, mas que será
fruto do engajamento coletivo, esta pesquisa tentou apreender a dinâmica
descrita e, a partir desta, colocar-se no movimento. Portanto, embora ciente de
que os estudos e as concepções de EJA desde sempre englobaram
dimensões para além da escola, neste trabalho pauto-me pela perspectiva da
escolarização, mas a ela não estou subsumida.
Assumo, assim, o desafio de pensar a Educação de Jovens e Adultos a partir
dos processos de escolarização desenvolvidos nas redes municipais de
ensino, um movimento atualizado, principalmente, após a inclusão da EJA no
Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, ocorrido em
janeiro de 2007, e que legitimou o direito aos recursos públicos, embora de
forma não-isonômica perante os demais níveis e modalidades da educação
básica.
É importante esclarecer que busco pensar na EJA numa perspectiva ampla e
sistêmica e que, durante a pesquisa, também não cheguei despreparada na
escola, cheguei com alguns aportes teóricos que serão apontados
posteriormente. São referências que podem respaldar o trabalho com jovens e
adultos, pois, como já sinalizado, compreendemos que a EJA possui uma rica
história escrita de forma marginal, e, por isto mesmo, completamente
desconsiderada e ausente da história da educação no Brasil.
Contudo, apesar da EJA constituir-se, protagonizar de muitas formas e ser
herdeira deste legado histórico, fértil e significativo, ao adentrar no campo tinha
uma suspeita de que esta herança não é conhecida, muito menos assumida ou
34
(re)elaborada nos ambientes escolares, nos quais esta modalidade é,
geralmente, ofertada para as classes populares, concebida como reposição
aligeirada e de menor qualidade da escolarização que foi perdida na idade
legal. Pergunto-me: esta hipótese corresponde ou não à realidade?
Assim, defendo que a EJA deve estar atrelada a um projeto de sociedade, que
possui uma memória potencializadora de uma outra relação com a escola que
não um modelo desprestigiado, menor e mal adaptado do ensino fundamental.
O desafio é tentar compreender em que medida há alternativas para a relação
tensa que vem sendo desenvolvida entre a modalidade EJA e a escola
(ARROYO, 2006).
Portanto, penso na EJA como modalidade que nasce nos movimentos de
cultura e na educação popular12, que se constituiu no legado destes
movimentos (Fávero, 1983; 2006; Beisiegel, 2008; Brandão, 2002; 2008), de
onde buscou e continua buscando inspiração para a construção de um projeto
epistemológico-político. Penso a partir destas dimensões, o que leva este
estudo ao contexto de uma escola tendo como referência a perspectiva
emancipatória da Educação de Adultos13 (FREIRE, 2005).
Parto da hipótese de que podem existir iniciativas de emancipação e autoria na
EJA realizada na escola. Mas será que a escola pensa nisso? Problematiza
essas questões? Discute um projeto de sociedade? Estaria este “projeto”
(in)visível e (des)considerado pelos protagonistas? Defendemos que a
“captura”, a leitura e a reflexão do cotidiano escolar é indispensável para que
se reescreva, de forma mais qualitativa, este novo capítulo que a EJA vem
inaugurando na história da educação no Brasil com a sua inclusão no
FUNDEB.
12
No capítulo 4 discorremos sobre a relação da Educação Popular com a EJA. 13
Com o fenômeno da Juvenilização, observado no Brasil e na América Latina, a partir da V
Confintea (1997), realizada em Hamburgo, na Alemanha, a nomenclatura jovem passa a integrar a Educação de Adultos, passando a denominar-se Educação de Jovens e Adultos (EJA) (PAIVA, 2009).
35
Desta forma, tomando como referência às sinalizações apontadas e o olhar
sistêmico, busco identificar se os sujeitos da modalidade EJA realizam a
problematização da realidade que se apresenta a eles e a elas cotidianamente,
e se o fazem na perspectiva da cidadania e da emancipação social – o que deu
origem à formulação da temática, que assim ficou intitulada: “Entre processos
de democratização e emancipação social: a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) nos contextos escolares do município de Cariacica/ES”.
Desfio a narrativa a partir da concepção de que a consciência das relações
estabelecidas numa sociedade como a nossa, fundada sobre a hegemonia da
desigualdade estrutural e dos modos precários de existência, pode propiciar
movimentos e possibilidades da mudança desejada; e, principalmente a
Educação de Jovens e Adultos, pode e deve ser o espaço onde esta realidade
deve ser problematizada, questionada, pensada, de modo que as pessoas, se
quiserem, podem coletivamente e subjetivamente encontrar “saídas” e
alternativas emancipadoras para a realidade na qual (con)vivem.
Concluindo, a EJA é um campo político, carregado de complexidades, de
discussões densas e para onde se confluem tensões. Trabalhar com a
modalidade em qualquer das posições pontuadas nesta rede exige, sobretudo,
posicionamento político e sensibilidade para com os processos de
humanização e desumanização vividos pelos sujeitos, um trabalho
comprometido com a superação das diferentes formas de exclusão e
discriminação existentes em nossa sociedade, tanto nos contextos escolares
quanto nos não escolares. São estes os significados que vêm em rede e que
não poderia deixar de reconhecer, assumir e compartilhar na exposição deste
trabalho de pesquisa.
36
3 CARIACICA/ES – A BIOGRAFIA DA CIDADE (IN)VISÍVEL QUE
(DES)AFIOU PERGUNTAS
As cidades também acreditam ser obra do espírito ou do acaso, mas nem um nem o outro bastam para sustentar as suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (Ítalo Calvino, As cidades invisíveis, 1990).
De que lugar estamos falando? As cidades invisíveis (1990), de Ítalo Calvino
(1923 – 1985), escritor italiano nascido em Cuba, é uma espécie de mapa
literário para o entendimento das cidades e, consequentemente, de quem as
habita. Se desejarmos entender os discursos que explicam as cidades e as
diferentes formas de interpretação, este romance é esclarecedor.
São textos curtos e poéticos nos quais Marco Polo, o famoso viajante
veneziano, descreve as 55 cidades que havia visitado em suas missões
diplomáticas pelo império mongol. Em cada descrição é dito que podemos
percorrer as ruas como se estas fossem páginas escritas. O que procuramos
em cada cidade? O que cada uma teria a ensinar? São infinitas as
possibilidades de leitura e interessante também é perceber como uma cidade
ajuda a ler outra, pois há conexões entre os meios urbanos, por mais distantes
que estejam. É uma narrativa surrealista, sem sê-lo; e potencialmente factível
porque mostra como as cidades deixam de ser um conceito geográfico para se
tornar o símbolo complexo e inesgotável da existência humana.
Assim, neste contexto para além do geográfico, refletimos sobre a cidade foco
deste trabalho – o município de Cariacica/ES e seus impasses sociais,
políticos, econômicos e culturais que ao se perpetuarem conformaram
invisibilidade e naturalização a práticas afrontosas à democracia e a cidadania.
Nesta cidade “(in) visível” chega ao poder em 2004 a administração petista, ao
sair vitorioso nas eleições para prefeito o político, filósofo e professor da rede
municipal de ensino, Helder Inácio Salomão, cujo discurso, principalmente no
37
que tange à educação, é recorrente em torno da ruptura com uma cultura
histórica de desmandos e a (re)invenção da cidadania e da emancipação
social, convocando a população à participação no governo da cidade e na
gestão da escola.
Compreendemos a cidade de Cariacica sob esta ótica de Calvino, como
espaço que necessita ser traduzido, que se dá a ler e que encerra textos,
subtextos, hipertextos e cujas páginas se abrem ao olhar que pergunta,
fornecendo possíveis respostas e roteiros. Deste modo, há que se realizar um
necessário olhar sobre este lugar, pois é nosso campo de trabalho e pesquisa
desde o concurso público que mencionamos anteriormente.
Portanto, falamos da perspectiva desta região que se tornou município
independente em 30 de dezembro de 1890, época em foi desmembrada
definitivamente de Vitória. Um dos mais importantes municípios integrantes da
região denominada Grande Vitória, principalmente em termos populacionais,
possui uma área de 279,975 km² (IBGE) correspondente a 0,60 % do território
Estadual, limitando-se ao norte com Santa Leopoldina, ao sul com Viana, a
leste com Vila Velha, Serra e Vitória e a oeste com Domingos Martins. A região
designada “Cariacica sede” fica a oito quilômetros da capital do Estado. Possui
uma população de 356.536 habitantes (IBGE, 2007). Embora situada na
Região Metropolitana da Grande Vitória, ainda conserva características
marcantes de uma cidade desenvolvida a partir de um contexto rural e da
migração de pessoas oriundas do interior do Estado e de outros Estados do
país, em busca de trabalho e de melhores condições de existência.
Historicamente, a população que se fixa no município é migrante assalariada e
a maioria ocupa vagas temporárias. Desta forma, pensar educação de jovens e
adultos, cultura e educação popular, cidadania e emancipação social em
Cariacica significa ter clareza das contradições e da posição econômica, social
e política que este município ocupou, e ainda ocupa, em relação aos demais
municípios que compõem a região da Grande Vitória.
38
Portanto, a análise partiu das referências históricas que estão nas raízes da
fundação do município, na constituição da subjetividade e modo de
organização da população. Contextualizamos este panorama por entendermos
que nos fornecerá os subsídios necessários para compreendermos “por que” a
realidade se apresenta como é. Essa compreensão da constituição e formação
do lugar de onde estamos falando é fundamental para o entendimento de como
se produziu a lógica da exclusão social, política, econômica, cultural e
educacional. É, também, o que determinou a opção pelos referenciais teóricos
e categorias posteriormente apresentadas nesta dissertação.
Então, destacamos que, desde a formação do município, um único autor se
propôs a escrever sua história – Omyr Leal Bezerra, cujo livro é intitulado
Cariacica (Resumo Histórico), de 1951. Assim, embora em nossa pesquisa não
tenhamos encontrado variedade de registros e de fontes históricas ditas
“formais”, encontramos numerosos relatos orais e uma monografia de
graduação em História, desenvolvida na Universidade Federal do Espírito
Santo - Ufes (NASCIMENTO, 2001) 14.
Com base nestes registros, podemos afirmar que a partir da década de 1960, o
Espírito Santo, mais precisamente a Grande Vitória, passou por grandes
mudanças em diversos setores da economia. A mudança mais expressiva
aconteceu na indústria devido às vantagens de localização privilegiada. Assim,
o estado foi escolhido como sede de grandes projetos industriais, como:
Aracruz Celulose, Companhia Siderúrgica Tubarão, Porto e Pelotização da
CVRD, Samarco e expansão portuária ligada ao comércio de exportação.
Porém, dentre esses grandes projetos industriais, nenhum foi implantado em
Cariacica. Na década de 1960, o espaço urbano da cidade cresceu não como
consequência da implantação de grandes indústrias, mas sim, “como área de
concentração de reserva de mão-de-obra, principalmente daquelas voltadas
14
NASCIMENTO, Weydson Ferreira do. Cariacica no contexto da Grande Vitória: décadas de 1960 a 1990. 2001. Monografia (graduação em História) Universidade Federal do Espírito Santo: Vitória, 2001.
39
para a construção civil. Neste sentido, a urbanização da Grande Vitória foi
modelada privilegiando alguns e segregando outros.” (NASCIMENTO, 2001, p.
02). Outra questão decisiva para o crescimento do espaço urbano foi o
processo de erradicação dos cafezais. Esse fato teve como consequência a
migração em massa dos trabalhadores e grande parte daqueles e daquelas
que fizeram o êxodo rural-urbano instalaram-se em bairros periféricos de
Cariacica.
A explosão populacional da região da grande Vitória e a especulação
imobiliária nas regiões centrais, assim como a ausência de acompanhamento
pelos órgãos governamentais responsáveis pela política habitacional,
provocaram a fixação dos trabalhadores na periferia dos centros urbanos –
única alternativa para sua sobrevivência na “cidade grande”. Desta forma,
Cariacica passa a fazer parte como subsistema caracterizado como “o espaço
dos rejeitados” de um sistema urbano com núcleo em Vitória. É destacado que
até a década de 1980 Cariacica não possuía um papel definido no contexto da
Grande Vitória,
[...] haja vista que, na Serra com a construção do CIVIT e principalmente da CST, ficou claro essa questão da Zona Industrial voltada para este município; Vitória como capital do Estado é considerada o centro financeiro e metropolitano, pois é neste município que estão localizados os escritórios das grandes empresas; Vila Velha enquanto que é considerado o centro turístico e de grande abertura à moradia de classe média; Cariacica manifesta, neste período, apenas uma tendência de ser entreposto comercial de cargas e serviços, além de dividir com Viana o papel de fornecedor de alimentos, principalmente os hortigranjeiros, e, também, o principal receptor da população migrante no Estado (NASCIMENTO, 2001)
Constatamos, assim, que a população que se fixa no município é migrante
assalariada. A maioria ocupa vagas temporárias, vindo instalar-se na região
motivada pelos grandes projetos industriais. É o que registram os jornais da
época:
Às 7 horas da manhã, os caminhões da Companhia Vale do Rio Doce estacionam no centro de Porto de Santana e recolhem os operários e peões que construíram o cais de Minério da Ponta do Tubarão. Instalados sem nenhum conforto, amontoados na carroceria, são transportados para Camburi, no outro extremo da cidade, onde permanecerão até às 18 horas cavando buracos, soldando e pregando,
40
construindo enfim o progresso do Espírito Santo. (REVISTA CAPIXABA, 4 v. n.º 35, 1970, apud NASCIMENTO, 2001).
Na década de 1980, o município já contabilizava quase 190 mil habitantes,
número que vai aumentar, principalmente, com a construção do Centro
Siderúrgico Tubarão, em 1979. Com a construção dessa Companhia, houve
um grande número de migrações para a Grande Vitória. Todos que aqui
chegavam vinham com o intuito de ocupar as vagas na construção civil. Na
verdade, o que houve foi um grande número de empregos temporários.
Registros da época sinalizam:
Um bairro com sotaque mineiro, carioca, pernambucano e baiano. Assim é Flexal II, em Cariacica. O lugar começou a ser ocupado por volta de 1979, por pessoas que vieram do interior do estado, também. (...) sonhando em trabalhar na CST e CVRD. (A TRIBUNA, 1999, p.07, apud NASCIMENTO, 2001).
Não é exagero afirmar que Cariacica foi o maior receptor da população de
migrantes que tinham o objetivo de se fixar no Estado. Exemplo disso foram as
ocupações realizadas nas décadas de 1970 e 1980, divulgadas amplamente na
mídia como “invasões”, como nesse exemplo:
Invasão em Cariacica já tem mais de 4 mil barracos. No dia 06 de março começou a invasão em Rio Marinho e depois de um mês já é considerada a maior invasão em menor período da história do Estado do Espírito Santo (A Gazeta, 1980. p. 06).
Vale a pena registrar as notícias que foram divulgadas sobre uma das
principais ocupações e que culminaram na criação do bairro Nova Rosa da
Penha.
No dia 01 de maio de 1980 muitos migrantes sem ter para onde ir – pois, à medida que iam acabando os trabalhos temporários, essas pessoas não tinham suporte nenhum das empresas que os atraíram – foram para aqueles locais onde tinham a possibilidade de ocupar a terra, e um desses locais era o bairro Cruzeiro do Sul (Rosa da Penha). Como o número de invasores era muito elevado, as brigas e ocorrências policiais eram muito constantes, pois havia uma aversão por parte dos moradores originais aos migrantes que invadiram as terras. Assim esses migrantes foram parar em frente ao Palácio do Governo, ficando ali acampados durante dias, então, depois de muitas negociações o governo resolveu criar um bairro que foi denominado de “Nova Rosa da Penha”, transferindo assim, os
41
moradores de Cruzeiro do Sul (Rosa da Penha), para esse novo bairro, o que marca o início da formação deste bairro em 1982, e em 07 anos já tinha uma população de cerca de 40 mil habitantes (NASCIMENTO, 2001, p. 04).
Desta forma, as fontes orais e escritas pesquisadas apontam três fatores como
os responsáveis pela formação do chamado “espaço dos rejeitados.” Primeiro,
a segregação populacional ocorrida na Grande Vitória, fazendo com que a
população de baixa renda se alojasse em Cariacica, e, segundo, a falta de
investimentos econômicos de grande porte – tanto oriundos da iniciativa
privada, quanto do poder público – e, a precariedade (ou ausência) dos
serviços sociais básicos oferecidos à população.
3.1 O PANORAMA POLÍTICO
Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. (Ítalo Calvino, As cidades invisíveis, 1990)
A falta de investimentos no espaço público e no bem estar da população
produziu como consequências a proliferação da pobreza e da miséria. Isso foi
tão acentuado que acarretou uma “rejeição” até mesmo nos moradores, pois
muitas pessoas tinham – e muitos ainda hoje têm - vergonha de assumir que
moram no município.
No decorrer da História alguns governantes priorizaram investimentos públicos
apenas em instituições que não melhoraram diretamente as condições de vida
da população. Estamos nos referindo às seguintes instituições: o Hospital dos
Hansenianos, hoje Hospital Pedro Fontes, e o Educandário Alzira Bley, ambos
inaugurados na década de 1940 no governo de João Punaro Bley; o Hospital
Colônia Adauto Botelho inaugurado em 1954 no governo de Jones dos Santos
Neves, destinado para os doentes mentais; o presídio feminino de Tucum; e o
Iesben (hoje Unes), para a correção de menores infratores.
42
O que se questiona não é a importância dessas obras, mas a grande
concentração do mesmo tipo de instituição em um único município. São
espaços, ainda, impregnados pelos preconceitos: lugar “dos anormais, dos
marginais, dos banidos da lei, da sociedade, dos direitos da cidadania”. Não
foram investimentos que fizeram com que a economia local se desenvolvesse.
Além do mais, nas décadas de 1970 e 1980, presenciamos o descaso total das
autoridades políticas com os migrantes que, privados de qualquer política
habitacional, eram “depositados” no meio do nada, como foi o caso do bairro de
Itanhenga. Para além da segregação histórica realizada pela política estadual,
as políticas públicas das administrações municipais também foram
determinantes para o atraso econômico deste município frente aos demais da
Grande Vitória. Os registros apontam que
[...] o único prefeito que concluiu o mandato do período de 1960 até
o fim da década de 90 foi Aloízio Santos na gestão de (92-96), assim, a política municipal é marcada por corrupção, por mortes, pelo desvio de verbas públicas e consequentemente falta de investimentos nos setores básicos da população, tais como: moradia, causando um déficit habitacional muito grande; saneamento básico, gerando doenças que são causadas com esgotos a céu aberto; somando-se a isto a falta de postos de saúde, não gerando uma medicina preventiva e corretiva para a população; além do sistema educacional deficitário, a começar pelos professores que em sua maioria são contratados por indicação política, e nem sempre são capacitados para exercerem os cargos (NASCIMENTO, 2001, p. 4-5).
A falta de gestão administrativa, tanto do executivo estadual quanto do
municipal, gerou toda sorte de discriminação. Isso se reflete historicamente na
representação, quase sempre negativa, do espaço geográfico, realizado pelas
mídias e a população em geral. Fruto dessa segregação histórica, os
problemas são de toda ordem: política, econômica e social. Ainda, essa falta de
investimentos fez proliferar historicamente a pobreza e a miséria, acentuando o
fenômeno denominado por Telles (1999) como “a banalização da pobreza”,
A pobreza é o tempo todo notada, registrada e documentada, é tema do debate público e alvo privilegiado do discurso político, mas nas formas de sua figuração é desrealizada como problema que diz respeito aos parâmetros que regem as relações sociais. Transformada em paisagem, a pobreza é trivializada e banalizada, dado com o qual se convive – com certo desconforto, é verdade -, mas que não interpela possibilidades individuais e coletivas. Como se
43
sabe, a trivialização é sinal de uma incapacidade de discernimento e julgamento – é a isso que Hannah Arendt se refere quando fala da banalidade do mal (TELLES, 1999, p. 11 e 12 ).
Transformada em paisagem, a pobreza é revelada nas frágeis estruturas
econômicas e sociais e comprovada nas estatísticas. Os dados do Banco de
Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES) mostram os investimentos e os
empregos gerados por essa instituição na Grande Vitória. Os números
evidenciam a disparidade na aplicação dos recursos distribuídos entre os
municípios da região metropolitana.
Fonte: Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves Grande Vitória em Dados - 1997. Vitória, 1997. Pág. 122
Portanto, esta é a breve radiografia histórica de Cariacica, um lugar que já foi
considerado o mais populoso do Espírito Santo, hoje possui 360 mil habitantes
ainda aglomerados em bairros com precária ou nenhuma infraestrutura e onde
as pessoas ainda estão concentradas em loteamentos e ocupações. Um
território cuja herança é o descaso político, crivado por práticas oligárquicas,
pelo abandono da administração pública, pela discriminação, a má distribuição
das riquezas e a desigualdade, cujas consequências ainda são o subemprego
e a miséria.
De acordo com depoimentos de alguns de seus moradores, um lugar que já foi
considerado „ingovernável‟, permeado por tragédias, mortes, cassação de
Participação dos Investimentos do Bandes na
Grande Vitória - 1996
Cariacica
2%
Serra
9%
Viana
1%
Vila Velha
41%
Vitória
47%
Participação dos Empregos Gerados pelos
Investimentos do Bandes na Grande Vitória -
1996
Cariacica
2%Serra
22%
Viana
1%
Vila Velha
24%
Vitória
51%
44
prefeitos, escândalos e, pela ausência de planejamento e políticas públicas.
Outros moradores lembram os rótulos conferidos à cidade: “terra de ninguém” e
“terra sem lei”, o que é alarmante para uma cidade situada numa grande região
metropolitana.
Tentamos, desta forma, caracterizar o espaço geopolítico no qual a pesquisa
se desenvolveu - fronteiras, entrelugares atravessados por tensionamentos e
contradições que repercutiram na educação oferecida para a população que
freqüenta atualmente as salas de aula da EJA.
3.2 O PANORAMA EDUCACIONAL
Qual o motivo da cidade? Qual é a linha que separa a parte de dentro da de fora, o estampido da roda do uivo dos lobos? Jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve (Ítalo Calvino, As cidades invisíveis, 1990).
Outra situação problemática foi a gestão da educação pública, na qual
aconteceram desvios afrontosos dos recursos do PDDE – Programa Dinheiro
Direto na Escola; a inexistência de mecanismos para participação democrática
das comunidades nas escolas; o loteamento das vagas existentes na educação
entre os vereadores como prática comum, em que cada vereador “recebia” um
quantitativo de escolas e tinha o poder de definir desde a pessoa que seria
responsável pela gestão da unidade de ensino ao quadro de professores.
Assim, a maioria dos profissionais era contratada e o vínculo trabalhista que
possuíam com a rede de ensino era pautado no coronelismo urbano. Em
entrevistas, profissionais de ensino que atuam há pelo menos 30 anos na rede
afirmam que mesmo o concurso público realizado no ano de 1991, dito
“democrático”, e que efetivou no total 527 profissionais, foi corrompido.
Diante do exposto acima, é evidente que o conhecimento veiculado no interior
dessas escolas não poderia contrariar os interesses dessas “lideranças”
45
políticas. A maioria dos professores e professoras, provavelmente com medo
de perder seus postos de trabalho, eram coniventes com a situação. O que
salta aos olhos é que as ações relacionadas não foram isoladas e aconteceram
até bem pouco tempo atrás, no ano de 2003. Essas práticas foram marcadas
pela perenidade, naturalização e banalização, que gerou estigmas de toda
ordem e a descrença, sinalizada na voz de muitos profissionais entrevistados,
de que a realidade poderia ser diferente.
Contudo, entendemos que há duas formas de lidar com estas questões.
Podemos optar pela via da desmobilização e paralisia ou pela via da
indignação no “sentido freiriano”, que faz um chamamento ao engajamento e à
resistência e que começa pelo esforço teórico e conceitual em compreender e
conferir um significado comum e público para as práticas humanas, a política e
a educação.
A possibilidade de democratização da sociedade pressupõe a articulação de
movimentos contra-hegemônicos, o que implica na participação efetiva da
comunidade nos processos de decisão. Defendemos que a escola é, ainda, um
espaço de problematização do mundo vivido e construção de projetos na busca
por uma sociedade mais democrática e justa. Relacionados, estes aspectos
conduzem-nos ao contexto específico.
3.3 O CONTEXTO DA PESQUISA
“Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo15” (Foucault, 1970).
Escolhemos a Educação de Jovens e Adultos dessa rede municipal de ensino
como campo de investigação porque, como já pontuado, grande parte desta
população é excluída de direitos sociais básicos. Ao longo de décadas,
15
A Ordem do Discurso - aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro
de 1970.
46
desmandos políticos de toda ordem, práticas autoritárias, oligárquicas e
coronelistas impossibilitaram aos cidadãos o exercício da cidadania e a
participação democrática. No sentido freiriano de educação, os acontecimentos
do meio popular, o cotidiano das comunidades e as urgências das periferias
estavam ausentes dos procedimentos pedagógicos (FREIRE, 2005).
Desta forma, as oligarquias políticas do município conseguiram produzir a
pobreza inconsciente, que segundo Demo, produz
[...] o pobre inconsciente, que não sabe que é pobre, pois não chegou a descobrir que é mantido pobre. O que revela, no reverso, a essência política do fenômeno. O pobre mais pobre é aquele que sequer sabe e é coibido de saber que é pobre (1994, p. 19).
Esta realidade colaborou para que os pobres tivessem que se conformar com
escolas pobres, enquanto alguns, os ricos, puderam manter o privilégio de
escolas ricas, simplesmente pelo fato de poderem pagá-las (GENTILI, 2001).
Ao longo dos anos, foi-se construindo e sedimentando uma lógica clientelista e
paternalista da gestão da educação pública, que além de gerar conformação
com a realidade produzida também excluiu as classes populares do
conhecimento e acesso a direitos, da língua escrita e de um universo de
saberes.
Os jovens e adultos das camadas populares tiveram o “Ensino Noturno” –
Ensino Regular Noturno Semestral (ERNS)16 – ofertado em alguns bairros, no
entanto, também esta modalidade se caracterizava pela sua condição
periférica. A escola noturna é marginalizada e a ela se estendem "as mazelas
do ensino diurno de modo mais agravado e cumprindo as funções de
seletividade e hierarquização social comumente identificada na escola"
(HADDAD, 1992).
É a última opção de trabalho dos(as) professores(as), que, inclusive, não
permite a constituição de uma identidade com a realidade da escola. A
16
Forma de oferta utilizada por muitos municípios como meio de se garantir os recursos do FUNDEF para este público.
47
condição marginal pode ser observada, seja no interior da unidade escolar que
estigmatizada como o turno da evasão sobrevive com as sobras do ensino
regular, seja no interior da Secretaria de Educação pelo desconhecimento das
relações de saberes e fazeres de jovens e adultos trabalhadores, em condições
de trabalho precárias ou de desemprego.
Desta forma, a EJA configura-se como uma oferta inferior e desqualificada em
relação ao sistema regular, que reproduz os mesmos elementos denunciados
em outros níveis de ensino, isto é, a seletividade, a exclusão e o ensino
precário e centrado na subordinação do educando como objeto passivo do
conhecimento. Grande parte dos alunos continua a ser composta por pessoas
que já experimentaram o fracasso escolar e que já internalizam essa situação
de inferioridade considerando-se incapazes e fracassados.
A partir das eleições municipais de 2004, o resultado das urnas aponta para a
ruptura da tradição oligárquica deste município, quando é eleito prefeito o
candidato petista Helder Salomão. De acordo com depoimentos da Secretária
de Educação da atual gestão, dentro desta lógica de ruptura com antigas
práticas, é concebido e elaborado coletivamente o Plano de Melhoramento
para a Educação 2005-2008, uma espécie de “carta de intenções”, oficializada
em documentos institucionais após discutida com os coletivos escolares. Este
Plano de Melhoramento assinala que
A Secretaria de Educação (SEME) tem como finalidade construir coletivamente a “Educação Cidadã para todos”, onde, “o objetivo é a constituição de um sistema educacional democrático focado no desenvolvimento de competências e habilidades para um efetivo exercício da cidadania visando à emancipação social.” (SEME / PMC Plano de Melhoramento 2005-2008, p. 03).
Assim, teoricamente, tem início uma proposta político-pedagógica voltada aos
interesses e necessidades dos excluídos do acesso à educação básica e dos
espaços de participação democrática e cidadania. De acordo ainda com o
Plano de Melhoramento, seriam formuladas políticas e criados mecanismos
institucionais pelos quais a população pudesse efetivamente participar das
decisões de governo e gestão da educação no município. No que diz respeito à
48
EJA, os representantes da SEME responsáveis pela assessoria da modalidade
pontuam que
[...] essa proposta considera o(a) aluno(a) como trabalhador(a), que busca na escola mediação para o mundo do trabalho e ampliação de suas práticas sociais cotidianas. Os conteúdos passam a ser referenciados na experiência e necessidades de vida do jovem e do adulto, considerados produtores de conhecimento. O objetivo da metodologia é dialogar com este saber, o acesso a outras informações e a (re) elaboração e (re) criação destes conhecimentos. (Informação Verbal)
17.
Entendemos que, ao menos em tese, esta proposta encontra apoio em Freire
quando afirmava que, para adultos, o motor da aprendizagem é a superação de
desafios, a resolução de problemas e a construção do conhecimento novo é
feita tomando por base os conhecimentos e experiências prévias.
Portanto, teoricamente, é uma administração que se intitula “popular” e
apresenta uma proposta pedagógica pautada no diálogo e no respeito aos
saberes dos alunos, ou seja, pretende-se fazer uma educação com e para o
povo, priorizando
A criação de uma nova epistemologia baseada no profundo respeito pelo senso comum que trazem os setores populares em sua prática cotidiana, problematizando esse senso comum, tratando de descobrir a teoria presente na prática popular, teoria ainda não conhecida pelo povo, problematizando-a, incorporando-lhe um raciocínio mais rigoroso, científico e unitário (GADOTTI, 1998, p.33).
Mas até que ponto esse discurso se concretiza no interior de uma instituição
escolar? Qual seria a medida desta postura mais progressista? Pois, como
consequência desta visão, deve-se priorizar na rede de ensino, no caso
específico na EJA, procedimentos e metodologias que possibilitem o
conhecimento das expectativas e necessidades dos(as) alunos(as) na sua
relação com o mundo, para erguer uma práxis pedagógica mediadora do ato de
refletir a realidade e nela agir politicamente.
Portanto, para compreender em que medida esses discursos são efetivados,
alguns autores vão direcionar o olhar. Eles constituem o marco teórico-
17
Informação fornecida por um representante da SEME em 17 de agosto de 2008.
49
referencial de suporte à tradução da dinâmica destes espaços geo-políticos, já
que temos clareza que uma cidade, [ou uma escola],
[...] é igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam obscuras, as duas coisas escondem uma outra. (CALVINO, 1990, p.44).
Abaixo, o mapa da cidade com a localização atualizada (ano 2008) das 25
Escolas Municipais de Ensino Fundamental – EMEF‟s, que, neste ano,
ofertavam o Ensino Regular Noturno Semestral – ERNS, nas quais a partir do
ano de 2007 vem sendo implantada gradativamente a modalidade EJA.
EMEF João Pedro da Silva
EMEF Martim Lutero
EMEF Presidente Costa e SilvaEMEF Laurinda P. Nascimento
EMEF Maria Guilherina de Castro
EMEF Vienna R. Guterres
EMEF Terfina Rocha Ferreira
EMEF Álvaro Armeloni
EMEF Ferdinando Santório
EMEF Maria Paiva
EMEF Marília de R. Coutinho
EMEF Nilton Gomes
EMEF Stélida Dias
EMEF Talma S. Miranda
EMEF
Oliveira
Castro
EMEF J. Botânico
EMEF S. Jorge
EMEF Joana Maria
EMEF Ângelo Zani
EMEF Deocleciano F. Vitória
EMEF Luzbel Pretti
EMEF
Renascer
EMEF Sta
IzabelEMEF Tancredo do A. Neves
EMEF Vila Rica
CARIACICA / ES
ESCOLAS QUE OFERECEM EJA/ERNS
MAPA DE CARIACICA COM A LOCALIZAÇÃO DAS ESCOLAS QUE OFERTAM EJA / ERNS
FONTE: SEME - ANO 2008 / PROGRAMA ESCOLA EM AÇÃO / PEA
50
3.3.1 A IMPLANTAÇÃO DA MODALIDADE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS (EJA) NO MUNICÍPIO DE CARIACICA/ ES
Como consequência desta política de ocupação e de urbanização, agravou-se
o analfabetismo no município. Então, a SEME criou um departamento
designado de Divisão de Ensino Não-Formal (DENF), cujo objetivo era
fomentar iniciativas junto à sociedade civil organizada e coordenar programas
dirigidos a jovens e adultos analfabetos. Desta forma, no período que vai de
1991 a 2000 é ofertado às comunidades um projeto de alfabetização no
formato “educação não-formal”, ou seja, livre do controle e formalidades
escolares.
Eram salas de aula organizadas nas igrejas, nas associações de moradores,
terraços, galpões, garagens, salões, no presídio feminino de Tucum e até em
espaços cedidos pelas escolas. Assim, o “Saber é Preciso” foi um amplo
projeto com abrangência em 50 bairros, a maioria periféricos, oferecendo a
princípio apenas a alfabetização e, a partir de 1996, com a reestruturação do
programa, passando a oferecer também as quatro primeiras séries do ensino
fundamental.
Sobre este projeto, algumas questões vêem à tona, apenas as sinalizaremos:
de que forma um trabalho realizado com o povo relacionava-se com a realidade
da gestão municipal? Como este trabalho poderia se sustentar
conceitualmente, com profissionais, salvo exceções, sem nenhuma formação?
Qual jogo de forças estava presente entre os movimentos sociais organizados
e a SEME? Estes são alguns dos paradoxos inscritos, que não focaremos
neste momento.
Analisando arquivos e documentos da SEME e conversando com a população
e profissionais mais antigos, compreendemos que a maioria destes espaços
nasceu por meio de lutas da sociedade civil organizada, do empenho de
algumas lideranças religiosas e dos próprios moradores que reivindicavam
direitos e pressionavam a administração municipal. Tem-se nesta época uma
configuração etária bem definida nas turmas e a confluência comum de
51
objetivos que levavam jovens e adultos a buscarem este espaço de
aprendizagem: a aquisição das habilidades básicas de leitura e escrita.
Em 2001 encerram-se as últimas turmas deste projeto de alfabetização, e os
arquivos da Secretaria indicam a pressão popular sobre o órgão central, ao
afirmar que “[...] este projeto passou por um processo de reestruturação, com o
objetivo de contribuir para a diminuição das inquietações e insatisfações que
são manifestadas pelos alunos e lideranças comunitárias que sempre
reivindicaram uma educação continuada para os educandos” (PROPOSTA
PEDAGÓGICA – ERNS, 2003).
Frente a essa necessidade e conforme entendimento da LDB, que traduz a educação de EJA como modalidade da Educação Básica, foi que buscou-se reestruturar o Projeto de Alfabetização e Pós Alfabetização de Jovens e Adultos – Saber é Preciso – desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Cariacica, aprovado pela Lei Municipal nº 2.119/91, parecer 15/93 e Res. CEE 06/93.
Portanto, a SEME, que ainda não havia constituído um sistema de ensino no
município, obedecendo também às determinações do Conselho Estadual de
Educação (CEE), começa o movimento de oferta da escolarização; aquelas
turmas criadas nos espaços alternativos são conduzidas para as escolas da
rede. Isto significa dizer que muitas pessoas ficaram sem o atendimento, já que
residiam em bairros onde não havia escolas da municipalidade funcionando.
Desta forma, o Ensino Regular Noturno Semestral nasce em 2003, em
consequência da extinção do projeto “Saber é Preciso”, por pressão da
sociedade civil organizada, que reivindicava continuidade de estudos, por
determinação legal do CEE, e pelos altos índices de evasão do ensino regular.
Analisando documentos e a proposta pedagógica elaborada para aquele
momento, compreendemos que o ensino fundamental noturno, destinado a
alunos(as) a partir de 15 anos e organizado em semestres, chega para tentar
resolver “o problema” do ensino regular. Documentos pesquisados na SEME
apontam que a gestão assume e reconhece a situação ao afirmar que
52
Permanecer no ensino regular e cumprir todas as suas etapas ainda é um privilégio a que muitos segmentos sociais não têm acesso. O que ainda se observa é que há um grande número de jovens que se vêem na contingência de parar os estudos para buscar no mercado de trabalho meios para a própria subsistência ou para engrossar a limitada renda familiar. Tal realidade se complexifica com o chamado êxodo rural, que provoca o inchaço urbano. Daí se verificar a massa de não escolarizados ou mesmo de incipientemente escolarizados. Há lacunas a preencher e essas vão da alfabetização ao ensino médio. É preciso absorver essas pessoas. É necessário regularizar-
lhes a situação escolar (SEME/ ARQUIVOS).
Portanto, esta “reestruturação” veio configurar o chamado “ensino noturno”,
para atender, principalmente, aos jovens e adolescentes excluídos do regular.
Desta forma, em 2003 o Conselho Estadual de Educação (CEE) regulamenta a
implantação do Ensino Regular Noturno Semestral (ERNS) nas escolas,
previsto no decreto municipal nº 136/2003 que em seu Art. 1º, considera:
IV – A exclusão social que atinge os jovens que se encontram em atraso no percurso escolar resultante da repetência e da evasão; V – O alto índice de evasão escolar, registrado no ano de 1998 (MEC/INEP/SEEC/ e IBGE), conforme informações contidas no Plano Nacional de Educação, provocam custos adicionais aos cofres públicos e aos sistemas de ensino, mantendo os jovens por período excessivamente longo no ensino fundamental.
Observo, então, que a elaboração das políticas públicas do período é
subsidiada por iniciativas pautadas principalmente na correção da distorção
idade/série e pensadas para o atendimento de uma população de EJA
constituída prioritariamente por jovens que, ao completarem 15 anos, são
encaminhados ao “ensino noturno”, como exposto no Art. 3º do mesmo
decreto:
A Proposta Pedagógica deve ser elaborada de forma a atender aos jovens dessa faixa etária, criando condições de aprendizagem adequadas à sua maneira de usar o tempo, o espaço, os recursos didáticos e às formas peculiares com que a juventude tem de conviver, ampliando democraticamente as oportunidades de aprendizagem.
A configuração da oferta nestes moldes segue até 2006. Neste ano, Cariacica
constitui Sistema Municipal de Ensino por meio da lei nº 4373/ 2006, aprovada
na Câmara e publicada no Diário Oficial no dia 11 de janeiro de 2006. A SEME
53
adquire, assim, autonomia administrativa e pedagógica na gestão da educação
do município.
Neste mesmo ano, o Conselho Municipal de Educação de Cariacica (COMEC)
e a equipe de assessoria à modalidade convocam ampla discussão com os
vários segmentos representantes do magistério na EJA e sociedade civil
organizada. Após ampla discussão entre os segmentos, é aprovada a
Resolução nº 002/2006, atualmente incorporada pela Resolução nº 031/ 2009.
Neste documento, pela primeira vez, a EJA é assumida como modalidade da
Educação Básica, como destacado no Art. 1º da Resolução Municipal, quando
diz “[...] a presente Resolução abrange os processos formativos da Educação
de Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica da etapa do ensino
fundamental no Sistema Municipal de Ensino de Cariacica.” O Parágrafo único,
que aponta para construção de uma proposta educacional coerente com a
modalidade, afirma:
Como modalidade da educação básica, as especificidades da EJA considerará as situações, os perfis dos estudantes, a faixa etária e se pautará pelos princípios da equidade, da diferença e proporcionalidade da sociedade civil.
A Resolução entra em vigor a partir de 2007, ampliando o conceito de EJA para
além da alfabetização e assumindo o direito à continuidade de estudos. Outro
avanço é quanto à concepção da oferta de escolarização para jovens e adultos,
A resolução aponta para a superação da ideia do Ensino Fundamental Regular
Semestral estruturado para oferecer o ensino de 1ª a 8ª séries em quatro anos,
com organização curricular semestral e destinada aos alunos com defasagem
idade/série, que estudem à noite. Estas assertivas podem ser observadas nos
Capítulos I, II, III e IV da referida Resolução.
Quanto à caracterização da EJA na atualidade, conforme as tabelas
verificamos:
54
na Tabela I a variação do quantitativo do número de alunos
matriculados na modalidade nos anos de 2005 a 2008 e a matrícula
inicial no ano letivo de 2009;
na Tabela II, a variação deste quantitativo;
na Tabela III os índices de distribuição por sexo e idade, sinalizando
também que a evasão registrada foi de 21, 4%; e,
na Tabela IV, a evolução dos alunos matriculados até o primeiro
semestre de 2009.
TABELA I
Variação do Número de alunos da EJA/ERNS 2005 a 2009
2578
36023816
4007 3871
2053
30853416
3142
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
2005 2006 2007 2008 2009
Nº
de
Alu
no
s
1º Semestre 2º Semestre
FONTE: SEME – PROGRAMA ESCOLA EM AÇÃO/ PEA
TABELA II
Variação do número de alunos da EJA/ERNS de 2005 a 2009
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
1º Sem
2005
2º Sem
2005
1º Sem
2006
2º Sem
2006
1º Sem
2007
2º Sem
2007
1º Sem
2008
2º Sem
2008
1º Sem
2009
2º Sem
2009
2005 2006 2007 2008 2009
Nº
de
Alu
no
a
FONTE: SEME – PROGRAMA ESCOLA EM AÇÃO/ PEA
55
TABELA III
FONTE: SEME – PROGRAMA ESCOLA EM AÇÃO/ PEA
TABELA IV
EVOLUÇÃO DE ALUNOS MATRICULADOS NA EJA 2005 A 2009
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
1º Sem
2005
2º Sem
2005
1º Sem
2006
2º Sem
2006
1º Sem
2007
2º Sem
2007
1º Sem
2008
2º Sem
2008
1º Sem
2009
FONTE: SEME – PROGRAMA ESCOLA EM AÇÃO/ PEA
De acordo com as diretrizes apontadas, a partir do ano de 2007 a modalidade
EJA começa, gradativamente, estruturar-se por ciclos com duração de um ano
cada ciclo, superando assim, até o ano de 2010, a estrutura seriada do Ensino
Fundamental Regular Noturno Semestral, conforme indicado:
Nº de alun@s Sexo Faixa Etária
4399 3460 F M 15-18 19-25 26-40 40+
Taxa de evasão de
21,4%
51,7% 48,3% 31% 21% 28% 19%
56
TABELA V
ANOS *CICLOS SÉRIES / ERNS
2007 1º 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª
2008 1º, 2º 5ª, 6ª, 7ª, 8ª
2009 1º, 2º, 3º 7ª, 8ª
2010 1º, 2º, 3º, 4º Modalidade EJA
*Implantação gradativa dos ciclos da Modalidade EJA. .
De acordo com os técnicos da SEME, o projeto implica políticas indutivas e
encerra muito mais que uma mera questão de organização de tempo, que
supõe que basta transformar uma proposta semestral para anual e, então, está
implantada a modalidade.
Defendendo uma concepção ampla e sistêmica de Educação de Jovens e
Adultos, constato que o maior desafio deste município, neste momento, é
conceber e efetivar uma proposta de formação que contribua para a
transformação de concepções restritivas de EJA, pois, conforme sinalizado nas
diretrizes nacionais, [...] “a EJA necessita ser pensada como um modelo
pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer
necessidades de aprendizagem de jovens e adultos” (CURY, Parecer CEB
011/00).
Nesta direção, de acordo com depoimentos, são realizados seminários e
formações continuadas e em serviço, cujas temáticas se voltam para a
construção de sensibilidades, currículos e práticas pedagógicas coerentes com
a modalidade. O foco no direito, desdobrado nas funções reparadora,
equalizadora e qualificadora (Parecer 011/00), juntamente com o
reconhecimento da diversidade dos sujeitos da EJA, adquire centralidade nos
processos de formação e na reflexão das práticas para pensar a escola para
jovens e adultos.
57
4 DAS ESCOLHAS TEÓRICO-CONCEITUAIS: REUNINDO PEÇAS
As teorias somos nós a passar no espelho da nossa prática científica dentro do espelho maior da nossa prática de cidadãos18. (SANTOS, 2001)
Compreender e capturar a dinâmica de constituição da Educação de Jovens e
Adultos - EJA numa cidade e no Sistema de Ensino com as características
dadas, é uma tarefa complexa. Para a compreensão deste jogo de fatores,
elegi alguns autores e conceitos com os quais busco dialogar.
Estes referenciais emergem como constitutivos do aporte teórico e dos
possíveis elementos que irão compor as categorias de análise que
contextualizam o problema. Como lembra Minayo (2004) acerca das fontes que
recorremos para compreensão do objeto,
O conhecimento se faz a custo de muitas tentativas e da incidência de muitos feixes de luz, multiplicando os pontos de vista diferentes. A incidência de um único feixe de luz não é suficiente para iluminar um objeto. O resultado dessa experiência só pode ser incompleto e imperfeito, dependendo da perspectiva em que a luz é irradiada e da sua intensidade. A incidência a partir de outros pontos de vista e de outras intensidades luminosas vai dando formas mais definidas ao objeto, vai construindo um objeto que lhe é próprio. A utilização de outras fontes luminosas poderá formar um objeto inteiramente diverso, ou indicar dimensão inteiramente novas ao objeto (MINAYO, 2004, p.89).
Buscando encontrar as dimensões teóricas e conceituais para balizamento do
que se pretende nesta investigação, trabalhamos com os conceitos de espaço
público, democracia e cidadania; educação popular e emancipação social;
ecologia de saberes e o trabalho da tradução desenvolvidos em especial na
obra de Arendt (1968; 2006; 2008; 2009a; 2009b), Bauman (2000), Santos
(1996; 2006a; 2006b; 2007), Fávero (1983; 2006), Freire – em diferentes
momentos de sua obra e Frigotto (2008).
18
Revista Portuguesa de Educação, 2001, vol. 14, nº. 002.
58
Observamos que a inserção no campo exigiu que agregássemos outros
referenciais além destes previstos inicialmente. Assim, na parte em que
analisamos os dados, capítulo 7, houve a necessidade de nos apropriamos da
produção de alguns interlocutores específicos da EJA: Andrade (2004), Arroyo
(2005; 2006;), Carrano (2008), Machado (2008) e Paiva (2009). E, para
compreender os processos de democratização praticados na escola,
trouxemos Paro (1997), pois ele realiza uma discussão mais específica sobre
este aspecto da gestão da escola.
4.1 CONSTRUINDO SENTIDOS
O questionamento sobre a ressignificação da escola pública como espaço
verdadeiramente público e a atitude de resgatar, neste espaço, os processos
de democratização e os sentidos da cidadania, nos remetem à busca pela
“ágora” moderna (BAUMAN, 2000) e por uma educação que promova
significados comuns e públicos para as práticas humanas.
Esta dinâmica encontra no pensamento de Hannah Arendt (2008) valiosas
contribuições. Acerca da contradição e diluição das esferas público-privadas,
pontua que,
Estar vivo significa viver em um mundo que precedeu à própria chegada e que sobreviverá à partida. [...] Contudo, somos do mundo, e não apenas estamos nele; também somos aparências, pela circunstância de que chegamos e partimos, aparecemos e desaparecemos; e embora vindos de lugar nenhum, chegamos bem equipados para lidar com o que nos apareça e para tomar parte no jogo do mundo (p. 37 e 39).
Em textos publicados na coletânea Homens em Tempos Sombrios (1968), a
autora (re) afirma o jogo social em que nos inserimos e os retratos biográficos
narram histórias de homens e mulheres que participaram intensamente dos
dilemas, angústias e alegrias de seu tempo, um mundo que, de todo modo,
ainda é o nosso e exige nossa implicação na teia de relações produzidas
diariamente nos mais variados espaços sociais, como por exemplo, a escola.
59
Arendt foi, ao longo de sua vida, uma estudiosa da existência humana. Política,
liberdade e amor foram alguns dos aspectos sobre os quais refletiu para
entender nossa trajetória como coletivos históricos. Segundo ela,
Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam a seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens (2009a p. 62).
Ela refletia sobre como as pessoas viveram suas vidas, as escolhas que
fizeram, como se relacionaram e se moveram, e como esse mundo determinou
suas existências. Podemos supor que a filósofa alemã relatava sobre vidas que
deixaram suas marcas no mundo, seja porque contribuíram para sua
transformação, seja porque foram capazes de compreender essa
transformação.
Podemos pensar, também, que suas idéias ajudam-nos a compreender que,
inseridos no mundo, podemos optar entre participar dos mecanismos que
reforçam a regulação ou daqueles que promovem a emancipação humana.
Enfatizou que o “mundo compartilhado” é nosso espaço simbólico de luta e
ação social, por isso nossas lutas só fazem sentido no compartilhamento do
espaço público e por meio da participação de todos (ARENDT, 2009a).
A práxis, as negociações e o labor humano são constructos políticos em que a
igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um
construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público e à
política, já que
A política baseia-se na pluralidade dos homens. [...] A política trata da convivência entre os diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. [...] A política surge no intra – espaço e se estabelece como relação (2006, p. 21 e 23).
Essa concepção acerca do espaço público requer clareza e cuidado com as
opções teóricas, conceituais, políticas e de militância a respeito da nossa
60
participação na construção coletiva de projetos comuns. Exige, ainda,
assumirmos a democracia e a cidadania como valores constantemente
buscados, embora saibamos que são banalizados por inúmeros discursos
recorrentes e ações vazias. Sobre o crescente esvaziamento que estes
conceitos veem adquirindo, Carvalho adverte,
[...] políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retórica política. Não se diz mais “o povo quer isso ou aquilo”, diz-se “a cidadania quer”. Cidadania virou gente (2007, p. 7).
Então, para além de conceitos exaustivamente proclamados, devem ser
valores incorporados às práticas cotidianas, de modo que sejam vistos e
percebidos. O sociólogo Zygmund Bauman (2000) afirma o desafio e diz que
vivemos em uma sociedade que se esqueceu do(a) outro(a) e das relações
humanas estabelecidas coletivamente. Pontua a necessidade de superarmos o
individualismo, exercitar as habilidades de comunicação com os outros e
transformar dilemas pessoais em projetos compartilhados, pois,
À falta de pontes firmes e permanentes e com as habilidades de tradução não praticadas ou completamente esquecidas, os problemas e agruras pessoais não se transformam e dificilmente se condensam em causas comuns (2000, p.11).
O autor também questiona: o que nas circunstâncias atuais poderia unir as
pessoas? Qual seria a chave para a revitalização de discursos já tão
desgastados e desacreditados entre nós, como são democracia e cidadania?
Ele mesmo responde, na transcrição abaixo:
A chance para mudar isso depende da ágora – esse espaço nem privado nem público, porém mais precisamente público e privado ao mesmo tempo. Espaço onde os problemas particulares se encontram de modo significativo – isto é, não apenas para extrair prazeres narcisísticos ou buscar alguma terapia através da exibição pública, mas para procurar coletivamente alavancas controladas e poderosas o bastante para tirar os indivíduos da miséria sofrida em particular; espaço em que as ideias podem nascer e tomar forma como “bem público”, “sociedade justa” ou “valores partilhados”. O problema, no entanto, é que restou hoje pouco dos espaços públicos/ privados à moda antiga, ao passo que não se vêem em lugar algum novos espaços capazes de substituí-los. As velhas ágoras foram ocupadas por empreiteiras e recicladas como parques temáticos, enquanto
61
poderosas forças conspiram com a apatia política para recusar alvarás de construção para novos espaços (BAUMAN, 2000, p. 11-12).
Reconhecemos com Freire (1997, p. 32) que a escola e a educação “[...]
enquanto prática desveladora, gnosiológica, [...] sozinha não faz a
transformação do mundo, mas esta a implica”, por que:
[...] não há utopia verdadeira fora da tensão, da denúncia de um presente cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens. A utopia implica essa denúncia e esse anúncio, mas não deixa esgotar-se a tensão entre ambos quando da produção do futuro antes anunciado e agora um novo presente. A nova experiência de sonho se instaura, na medida mesma em que a história não se imobiliza, não morre. Pelo contrário, continua (FREIRE, 1997, p. 91-92).
Se há limites claros postos à educação, contudo, apostamos no engajamento
comprometido no diálogo com o mundo. A resistência e a crença em “um outro
mundo possível” encontram caminhos de materialização em cada ser humano
e nas escolas que, a despeito de todas as contradições, ainda são projetos de
utopia compartilhada.
Portanto, se a vida política tem se reduzido, cada vez mais, ao exercício do
voto e ninguém mais tem clareza sobre sua responsabilidade pelos rumos
tomados pelo mundo comum; se vivemos em tempos nos quais cada um se
ocupa com sua individualidade, com a esfera privada, da família, do consumo e
dos assuntos particulares; e, se perdemos o sentido originário e autêntico de
vida política, de “mundo comum a todos”; sem exageros, podemos afirmar que
a escola ainda é um dos últimos suspiros de vida política autêntica, onde
podemos resgatar a própria dimensão coletiva da vida humana, a partilha de
palavras e ações, a construção de projetos coletivos e de lutas conjuntas.
De acordo com Frigoto (2008) 19 vivemos em um país e numa sociedade cuja
história é de pouca participação e esta tradição pode ser observada a partir de
três experiências. Primeiramente, fomos colônia de quatro nações: francesa,
19
Em palestra proferida aos membros dos conselhos de escola e demais trabalhadores da educação no município de Cariacica, em maio de 2008, por ocasião das discussões a respeito dos processos de democratização da escola.
62
inglesa, holandesa e portuguesa. E o que significa ser colono? Colono é aquele
que cultiva a terra do outro e colonizado é aquele que pensa com a cabeça do
outro. Assim, colonizado é aquele que não é cidadão. A propósito, nossa
sociedade e nosso Estado ainda possuem a marca forte da colonização, da
subordinação, do clientelismo, da espoliação dos países que vieram aqui
apenas para extrair nossas riquezas.
Além disso, o país viveu durante quatrocentos anos a experiência da
escravatura, que reduzia um contingente imenso de pessoas a meros objetos.
Ser escravo era ser “não sujeito”. O escravo trazia a marca do dono e esta
experiência - a escravização – trouxe como herança, ainda para os dias de
hoje, a marca da não participação, da não democracia e da não cidadania.
Chauí (2000, p. 89) argumenta que conservamos as marcas da sociedade
colonial escravista, ou aquilo que alguns estudiosos designam como “cultura
senhorial”. A autora pontua que a sociedade brasileira ainda é fortemente
verticalizada em todos os aspectos; as relações acontecem entre um superior,
que manda, e um inferior, que obedece.
Por fim, outra tradição nossa é que nos tornamos parcialmente república.
Observa Frigotto que só no século XX vivemos praticamente quarenta anos
sob ditaduras. E o que foram as ditaduras? Foram a completa falta de
participação, onde o que valia era a força da lei e a força do arbítrio. Com as
algemas da ditadura era proibido ler determinadas obras, não se tinha direito a
opinar e participar do governo da sociedade. Na constituição da sociedade, a
experiência de 21 anos de ditadura deixou seqüelas difíceis de serem
superadas.
Mediante as questões expostas, compreendemos que podemos e devemos
desnaturalizar esta realidade que, salvo algumas exceções, já está
naturalizada entre nós. Acreditamos que só poderá existir, de fato, cidadania e
democracia, quando cada pessoa, de acordo com sua idade e
responsabilidade, seja um sujeito de direitos, um sujeito onde “sua voz” seja
63
“uma voz que vale” e onde sua palavra possa ser pronunciada. A verdade e “a
voz” não podem ser monopólios de uma minoria.
Outra questão, é a exclusão social que divide o país em várias nações. No
Brasil, as estatísticas apontam que milhares de pessoas, principalmente os
jovens, se interrogam sobre seu futuro de expectativas ausentes (IBGE, 2007).
No Brasil existem 40 milhões de pessoas inscritas no programa Fome Zero, 30
milhões de pessoas que não têm garantidos seus documentos pessoais, outros
30 milhares de trabalhadores que tiveram acesso a apenas quatro anos de
escolaridade, e, de acordo com a Secretaria de Reforma Agrária, temos
milhares de assentamentos em que a escola chega tardiamente.
O secretário Eliezer Pacheco (SETEC/ MEC 2008), observa que a relação
entre escolarização e profissionalização é emblemática, em um contexto social
no qual cerca de 60 milhões de pessoas com 18 anos ou mais não concluíram
a educação básica, constituindo milhares de mulheres e homens deixados à
margem da sociedade brasileira, seja no que tange à escolaridade, seja na
perspectiva do trabalho.
Mediante os dados, seria pertinente nos interrogarmos por quais formas e
meios este país poderá, um dia, se tornar uma nação. Como poderá se tornar
verdadeiramente uma nação de cidadãos e não de subjugados, silenciados,
oprimidos e submissos? Como construir a esfera pública democrática numa
cultura colonial e de silenciamento que se reinventa entre nós?
Acreditamos que não haverá cidadania enquanto se tenha tanta exclusão, pela
qual milhares de pessoas ainda buscam acesso à terra e à moradia e não
possuem a qualificação exigida por um mercado de trabalho cada vez mais
complexo, exigente e ditatorial, em que um contingente imenso de pessoas
segue desempregado ou sobrevivendo do trabalho precário, do subemprego ou
escravizado. Um país onde a maioria da população sobrevive às margens não
é uma nação.
64
As estatísticas nos levam a relacionar educação popular à educação de jovens
e adultos, e quando adentramos na temática da Educação de Jovens e
Adultos. Consequentemente somos levados a refletir sobre a elitização do
saber que persiste na história da educação brasileira para as crianças de
classes populares e que prossegue e se revela de forma ainda mais perversa
para os jovens e adultos da EJA.
Fávero (1983) condensa em significativa obra as memórias de um tempo em
que já se denunciava esta elitização do saber e a manipulação populista das
classes populares. De acordo com o pesquisador, estes anos foram
[...] particularmente críticos e criativos em quase tudo. Questionaram-se todos os modos de ser brasileiro, de viver um momento da história desse país, de participar de sua cultura. Pretendeu-se um projeto político que possibilitasse superar a dominação do capital sobre o trabalho e, em decorrência, reformular tudo o que dessa dominação decorre. Tudo isso – e muito mais – foi repensado e discutido em círculos cada vez mais amplos, das ligas camponesas às universidades. (FAVERO, 1983, p. 9).
O autor descortina com admirável clareza uma gama de experiências que
surgiram e que conseguiram se fortalecer em tempos também dito “sombrios” –
1960-1964. Estes foram anos difíceis e conturbados, porém férteis, que
atravessam e constituem a história do Brasil, da Educação, e, dentro desta, a
Educação Popular e a Educação de Adultos; tempos que possibilitaram,
[...] a crítica não apenas da maneira de como se pensava “fólclórica” e “ingênua” a cultura do povo brasileiro, mas também e principalmente os usos políticos de dominação e alienação da consciência das classes populares, através de símbolos e dos aparelhos de produção e reprodução de uma “cultura brasileira”, ela mesma colonizada, depois internamente colonialista. (p. 8)
Dentre estas práticas, pontua Fávero, “uma delas se chamou cultura popular; e
ela subordinava outra: a educação popular” (p.9). A educação popular teve no
trabalho de Freire um dos seus mais importantes idealizadores, com sua
iniciativa e metodologia pioneiras de trabalho com o povo, até hoje
amplamente estudadas e utilizadas em várias partes do mundo (e por vezes
esquecida no Brasil). Esta experiências pretendiam
65
transformar a ordem das relações de poder e a própria vida do país. Os instrumentos? Círculos de cultura, centros de cultura, praças de cultura, teatro popular, rádio, cinema, música, literatura, televisão... sindicatos, ligas... com/ para/ sobre o povo. Instrumentos que se convertiam em movimentos. Às vezes, os mesmos que vinham dos anos 50, como os clubes e as escolas radiofônicas, mas redefinidos, reorientados, vistos em novos horizontes, projetados em outra dimensão (p. 9).
Temos clareza de que estamos falando de uma época e que, atualmente, as
divisões do mundo hoje são outras (tudo mudou?). Será que mudou mesmo?
Os números apresentados indicam que um outro Brasil ainda luta para sair de
dentro daquele antigo, como no processo interrompido em 1964, o parto mais
longo da história.
Portanto, até que ponto as memórias dos anos 1960 reunidas por Fávero
(1983; 2006) não poderiam continuar sendo “matéria prima”, instrumentos,
inspiração, ferramentas nas mãos daqueles que têm como tarefa a Educação
de Jovens e Adultos na atualidade?
Santos (2007, p. 17) afirma que a despeito de alguns proclamarem “que não
tem sentido falar de emancipação social: chegamos ao „fim da história‟ e o que
nos resta é festejá-lo. Nós, ao contrário, pensamos que é preciso continuar
buscando a idéia da emancipação social [..]”. Observa que emancipação social
pode e deve ser pensada nos aspectos teóricos e políticos (p. 16), e que a
sociedade,
[...] pela primeira vez cria essa tensão entre as experiências correntes do povo, que às vezes são ruins, infelizes, desiguais, opressoras, e a expectativa de uma vida melhor, de uma sociedade melhor. Isso é novo, já que nas sociedade antigas as experiências coincidiam com as expectativas: quem nascia pobre, morria pobre; quem nascia iletrado morria iletrado. Agora não: quem nasce pobre pode morrer rico, e quem nasce numa família de iletrados pode morrer como médico ou doutor.
Desta forma, na necessidade de trazer a perspectiva metodológica de trabalho
da educação popular para a EJA, somos instigados(as) a dialogar com os
diferentes saberes da população que vem, cada vez mais, interpelando
poderes estabelecidos historicamente, reivindicando direitos e legitimidade de
expressão, culturais, de participação e decisão nas esferas da vida publica.
66
Assim, as diferentes culturas necessitam dialogar e isto pode ser possível por
meio do trabalho da tradução, compreendido como um trabalho pedagógico,
político e emocional. A tradução é estrategia e ferramenta que visa “criar
inteligibilidade, coerência e articulação num mundo enriquecido por uma tal
multiplicidade e diversidade” (SANTOS, 2006b, p. 807).
A tradução de e entre saberes é prática fundamental que viabiliza a
participação popular. Historicamente, o tema participação se desenvolveu nos
movimentos de mobilização social que lutavam pela democratização da
sociedade cuja característica é a exclusão. Assim, discussões e publicações
sobre a qualificação dos processos de participação popular nos campos
políticos, da educação e cultura, passaram a ser recorrentes a partir da década
de 1970, no desafio assumido no trabalho com a população. Em Freire
encontramos a concepção de participação condizente com nosso estudo
Para nós, a participação não pode ser reduzida a uma pura colaboração que setores populacionais devessem e pudessem dar à administração pública [...] Implica, por parte das classes populares, um “estar presente na história e não simplesmente nela estar representadas”. Implica a participação política das classes populares através de suas representações ao nível das opções, das decisões e não só do fazer o já programado. [...] Participação popular para nós não é um slogan, mas a expressão e, ao mesmo tempo, o caminho de realização democrática da cidade. (2006, p. 75).
Esta concepção de participação pressupõe opção política clara pela voz e
escuta das necessidades daqueles que sempre estiveram às margens das
instâncias de poder e tomada de decisões. É um posicionamento político.
Compreende que, por meio da participação popular, há possibilidades de
ruptura e a instauração de realidades menos elitistas e excludentes.
A questão que se coloca, no entanto, é: como trabalhar com grupos
historicamente marginalizados e silenciados? “Dar a palavra” a estes
segmentos seria suficiente? Por que as classes populares se calam quando a
elas têm oportunidades de fala? Como gestar o silêncio que reina na maioria
das atividades propostas no interior de nossas escolas? É o que também
interroga Bordenave:
67
Como se explica que, sendo a participação uma necessidade básica do homem, tão poucas pessoas participem real e plenamente das decisões importantes de nossa sociedade? Que fatores condicionam a participação, isto é, a facilitam ou obstaculizam? (1994, p. 36).
Temos em Freire, em diversos aspectos de sua obra, observações e críticas
contundentes a respeito de como a escola trabalha com a categoria saber: o
saber erudito, o saber científico, o saber popular, o saber de experiência feito.
Na concepção dialógica proposta por ele existem diferentes tipos de saber e
estes saberes não podem ser hierarquizados ou classificados como válidos ou
inválidos. É justamente a diversidade destes saberes o ponto de partida para a
ação educativa problematizadora da realidade. Segundo Fischer e Lousada:
Respeitar o saber do senso comum não é e limitar o ato educativo a ele. [...] mas dialogar com ele, problematizá-lo tendo em vista a elaboração de um saber relacional, como síntese articuladora entre os saberes aprendidos na escola da vida com os apregoados na vida da escola. (2008, p. 377-378).
Santos (2006a, 2006b, 2007) argumenta sobre diversidade epistemólogica do
mundo e a existência de uma ecologia de saberes, não de um único saber. Faz
a crítica à desvinculação do saber científico com a vida diária das pessoas,
defende a articulação entre os saberes e assinala o trabalho de valorização do
saber do senso comum.
O trabalho da tradução proposto aborda a multiplicação e diversificação das
experiências disponíveis e possíveis. Santos pergunta sobre como poderiam
dialogar os diferentes saberes, de modo a conferir sentido à transformação
social.
A tradução é, simultaneamente, um trabalho intelectual e um trabalho político. E é também um trabalho emocional porque pressupõe o inconformismo perante uma carência decorrente do caráter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de uma dada prática (p. 808).
É um trabalho transgressivo, “é o procedimento que nos resta para dar sentido
ao mundo depois de ele ter perdido o sentido e a direção automáticos que a
modernidade ocidental pretendeu conferir-lhes ao planificar a história, a
68
sociedade e a natureza.” (p.813). Assenta-se, ainda, na ideia de que
precisamos criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo,
todas incompletas, e sobre o qual deve ser criado consenso transcultural que
pressupõe a impossibilidade de uma teoria geral.
Esta categoria, tradução, tem especialmente relevância na ação político-
pedagógica das práticas escolares, já que aponta, de acordo com Santos, para
possibilidades de trabalho e de interação entre sujeitos representantes de
diferentes culturas, valores, classes sociais, etc. Desta forma, a escola seria o
espaço privilegiado para o exercício dos diferentes modos de ser e estar sendo
no mundo, um campo especialmente fértil para a prática da tradução dos
diferentes saberes.
É o trabalho de tradução que cria as condições para emancipações sociais concretas de grupos sociais concretos num presente cuja injustiça é legitimada com base num maciço desperdício da experiência. [...] O tipo de transformação social que a partir dele pode construir-se exige que as constelações de sentido criadas pelo trabalho de tradução se transformem em práticas transformadoras (2006b, p. 814-815).
É importante considerar as contribuições e proximidades entre o pensamento
de Freire e Santos a respeito das muitas formas de “epistemicídios,
aniquilamento, marginalização e subalternização „dos outros‟ existentes no
mundo”. De acordo com estes autores, é a instauração das práticas de
tradução que permitiria superar a verticalidade, a hierarquia e relações de
poder, hoje predominante nas relações entre os diferentes conhecimentos.
Portanto, as práticas de tradução exercitadas coletivamente criariam condições
para o diálogo entre diferentes atores e culturas, e isto é condição fundamental
para o exercício da cidadania, que pressupõe a participação de todos na
dinâmica da sociedade.
Concluindo, são estes alguns dos instrumentais teóricos que extraímos da
produção dos autores e autoras assinalados(as), são as ferramentas que
utilizamos para a entrada no campo, além da produção dos demais autores, já
assinalados e somados a estes, quando da análise dos dados.
69
Ainda, uma última questão se coloca.: (re)contar o percurso histórico do direito
à educação para jovens e adultos no Brasil. Esta “necessidade” emergiu
quando estivemos mais diretamente na escola, e, para melhor compreensão do
campo e dos dados, é o capítulo que apresentamos a seguir.
70
5 O DIREITO À EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS NO BRASIL:
UMA CONQUISTA ENTRE AS FORÇAS DA REGULAÇÃO E DA
EMANCIPAÇÃO
Como agir sobre uma realidade sem conhecê-la? E como conhecê-la sem
estudá-la? A EJA que se realiza atualmente, nos contextos escolares, precisa
saber “da outra EJA”, esta que veio desenhando o histórico de lutas e a
conquista de direitos. Assim, pensamos que conhecer esta história que a EJA
vem escrevendo dentro da História da Educação é saber de um direito
postergado e legalmente reconhecido há pouco tempo. O que é, na prática, um
direito ainda frágil.
Neste sentido, Paiva (2009) explora um conjunto de reflexões sobre a
perspectiva histórica deste direito à educação para jovens e adultos, tomando
como referência os acordos internacionais que desde 1949, na Dinamarca,
vêm sendo firmados com os países membros da ONU e em conferências
promovidas pela Unesco. Assim, a autora nos dá elementos para percorrer
este tempo histórico, tanto no contexto dos pronunciamentos internacionais,
quanto a partir da formulação das políticas públicas.
Portanto, estamos cientes de que os percursos nacionais se interligam com os
internacionais de muitas formas. Contudo, para os objetivos do nosso trabalho,
nos ocuparemos de compreender os caminhos como esse direito à educação
vem se fazendo no Brasil e consolidando o princípio da cidadania e da
democracia. Assim, o direito à educação para jovens e adultos é uma conquista
garantida por meio do texto constitucional de 1988, mas isso ainda não foi
suficiente para superar os persistentes mecanismos de interdição ao direito à
educação destes milhares de jovens e adultos privados de escolaridade
(PAIVA, 2009).
Assim, a referência nacional é a Constituição de 1934, quando se reconhece,
pela primeira vez, a educação como direito de todos(as) e onde se faz (apenas)
a menção à necessidade de oferecer educação aos adultos. Na década de
71
1940 é que começa a tomar corpo, em iniciativas concretas, a preocupação de
oferecer os benefícios da escolarização a amplas camadas da população até
então excluídas da escola. Então, nesta década, a educação de adultos se
constitui como tema de política educacional, promovendo uma série de ações e
programas governamentais20.
Dentre estas iniciativas destacamos a Campanha Nacional de Educação de
Adolescentes e Adultos, que se constituiu como política governamental
de enfrentamento direto do problema do analfabetismo adulto, onde havia o
entendimento da educação de adultos como fator fundamental na elevação dos
níveis educacionais da população em seu conjunto21. A União assume, então,
papel indutor, provocando a iniciativa das unidades federadas por meio da
regulamentação da distribuição de fundos públicos e contemplando percentuais
destinados à estruturação de serviços de educação primária para os jovens e
adultos. Essa orientação política viabilizou a criação e permanência do ensino
supletivo integrado às estruturas dos sistemas estaduais de ensino. Em São
Paulo, por exemplo, o Serviço de Educação de Adultos funcionou regularmente
até os anos 70, quando entraria em ação o Mobral.
A Campanha de 1947 deu lugar à instauração de um campo de reflexão
pedagógica em torno do analfabetismo e suas conseqüências, e nos anos de
1960, por meio de uma série de iniciativas, dentre elas, o trabalho de Paulo
Freire, passaram a direcionar diversas experiências de educação de adultos
organizadas por distintos atores e com graus variados de ligação com o
aparato governamental22.
20 1942: criação do Fundo Nacional de Ensino Primário; 1947: o Serviço de Educação de Adultos e da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos; 1952: a Campanha de Educação Rural; 1958: Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. 21
Lourenço Filho destacava os efeitos positivos da educação dos adultos sobre a educação
das crianças, ambas componentes indissociáveis de um mesmo projeto de elevação cultural dos cidadãos. 22
Dentre estas ações, destacam-se os programas do Movimento de Educação de Base (MEB), o Movimento de Cultura Popular do Recife, os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, a campanha de Educação Popular da Paraíba, a iniciativa da prefeitura de Natal (RN) com a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”.
72
Foi uma época marcada pela efervescência política e cultural, pela evolução
dessas experiências e organização de grupos populares articulados a
sindicatos e movimentos sociais. Professava-se a necessidade de realizar uma
educação de adultos crítica e voltada à transformação social.
Esta necessidade estava vinculada ao processo de industrialização do Brasil e
tendo como questionamento a adaptação da população a processos de
modernização conduzidos por agentes externos. O paradigma pedagógico
gestado por estes movimentos preconizava o diálogo como princípio educativo
e a assunção, por parte dos educandos adultos, de seu papel de sujeitos de
aprendizagem, de produção de cultura e de transformação do mundo.
Em 1963, o Ministério da Educação organiza o Programa Nacional de
Alfabetização de Adultos, cujo planejamento incorporou largamente as
orientações de Paulo Freire. Essa e outras experiências acabaram por
desaparecer ou desestruturar-se sob a violenta repressão do governo militar,
mas o exílio não impediria que Paulo Freire continuasse a desenvolver no
exterior sua proposta de alfabetização de adultos conscientizadora. Utilizava
palavras geradoras que, antes de serem analisadas do ponto de vista gráfico e
fonético, serviam para sugerir a reflexão sobre o contexto existencial dos
jovens e adultos analfabetos, sobre as causas de seus problemas e as vias
para sua superação (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001).
Os “anos de chumbo” não impediram que sobrevivessem ou emergissem
ações educativas voltadas à alfabetização e pós-alfabetização inspiradas pelo
paradigma freireano. Funcionando em igrejas, associações de moradores,
organizações de base local e outros espaços comunitários, essas iniciativas
experimentaram propostas de alfabetização e pós-alfabetização de adultos que
se nutriram no paradigma da educação popular. O paradigma da EP buscava
proposta metodológica apropriada, fazendo dialogar os conteúdos às
características etárias e de classe dos educandos. Foi uma proposta
desenvolvida na América Latina e que se tornou referência para o mundo.
73
Sob o controle dos militares, em 1969 o governo federal criou o Mobral - uma
organização de âmbito nacional e autônoma, com o objetivo de oferecer
alfabetização para adultos analfabetos nas mais variadas localidades. Com
investimento significativo de recursos, caracterizava-se:
pelo controle rígido e centralizado de todas as atividades, inclusive a
produção de materiais didáticos;
concebido como ação que se extinguiria depois de resolvido o problema
do analfabetismo;
contribuiu para legitimar a nova ordem política implantada;
também visava responder a orientações emanadas de agências
internacionais ligadas à Organização das Nações Unidas, em especial a
Unesco, que desde o final da Segunda Guerra vinham propugnando o
valor do combate ao analfabetismo e da universalização de uma
educação elementar comum como estratégia de desenvolvimento
socioeconômico e manutenção da paz.
Como estratégia de sobrevivência, ao longo dos anos 1970 o Mobral
diversificou sua atuação e um dos desdobramentos mais importantes foi a
criação de um programa que correspondia à condensação do antigo curso
primário, assentando, assim, as bases para a reorganização de iniciativas mais
sistêmicas que viabilizassem a continuidade da alfabetização em programas de
educação básica para jovens e adultos. Este programa recebeu críticas
contundentes em relação à falácia dos números que apresentava como
resultado ou à insuficiência do domínio rudimentar da escrita que era capaz de
promover. Desta forma, desacreditado nos meios políticos e educacionais, o
Mobral foi extinto em 1985, quando o processo de abertura política já estava
relativamente avançado.
A estrutura do Mobral foi assimilada pela então criada Fundação Educar, que
passou a apoiar técnica e financeiramente iniciativas de governos estaduais e
municipais e entidades civis, abrindo mão do controle político pedagógico que
caracterizara até então sua ação. Nesse período, muitos programas
governamentais acolheram educadores ligados a experiências de educação
popular, possibilitando a confluência do ideário da educação popular até então
74
desenvolvido prioritariamente em experiências de educação não formal, com a
promoção da escolarização de jovens e adultos por meio de programas mais
extensivos de educação básica (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001).
Os impasses pelo direito atravessam a Lei nº 5692 / 71, onde a educação
voltada a esse segmento mereceu, pela primeira vez, um capítulo específico na
legislação educacional, que distinguiu suas três funções:
a suplência: relativa à reposição de escolaridade;
o suprimento: relativa ao aperfeiçoamento ou atualização;
a aprendizagem e a qualificação: referentes à formação para o trabalho
e profissionalização.
A relevância desta lei justifica-se pela possibilidade de organização do ensino
em várias modalidades: cursos supletivos, centros de estudo e ensino a
distância, entre outras23. Além dessas formas de oferta, a Lei nº 5692 manteve
os exames supletivos, como mecanismo de certificação, atualizando exames
de madureza já existentes. Os candidatos, aqueles preparados por meio do
ensino a distância, ou cursos livres, ou, ainda, aqueles sem preparação
específica que desejavam atestar seus conhecimentos, se submetiam
periodicamente a exames finais organizados pelos estados, por disciplina e
sem nenhuma exigência de matrícula ou frequência à sala de aula.
O direito à Educação Básica só seria estendido aos jovens e adultos na
Constituição Federal de 1988. Na época da promulgação do texto
constitucional o ensino supletivo já havia se implantado efetivamente em todo o
território nacional, embora de modo heterogêneo. Os programas
correspondentes às séries iniciais - denominados Suplência I, deram
23
Nestes cursos frequentemente vigoravam a seriação, a presença obrigatória e a avaliação no processo; sua característica diferencial era a aceleração, pois o tempo estipulado para a conclusão de um grau de ensino era, no mínimo, a metade do previsto para o sistema regular. Estes centros de estudo ofereciam aos alunos adultos material didático em módulos e sessões de estudos para as quais a frequência era livre. A avaliação era feita periodicamente, por disciplina e módulo. As iniciativas de educação a distância são as que se realizariam por televisão, em regime de livre recepção ou (muito raramente) recepção organizada, em telepostos que combinam reprodução de programas em vídeo, uso de materiais didáticos impressos e acompanhamento de monitor.
75
continuidade a experiências de alfabetização que, em grande medida graças à
influência das propostas de Paulo Freire, conferiram alguma identidade
pedagógica ao campo. Funcionavam em escolas, igrejas, sindicatos e centros
comunitários. Os cursos de Suplência II tiveram de se submeter a
regulamentações mais rígidas por parte dos conselhos de educação.
A entrada precoce no mercado de trabalho e o aumento das exigências de
instrução e domínio de habilidades no mundo do trabalho constituem fatores
principais a direcionar os adolescentes e jovens para os cursos de suplência.
O que representa o legado da suplência para a EJA? Sobre este aspecto, por
demandar maior aprofundamento, tratarei mais adiante.
Quando se analisam os currículos desses programas o que se constata é uma
grande homogeneidade na reprodução dos conteúdos do ensino regular, sua
organização nas disciplinas e sequenciação. São poucas as experiências que
inovaram nesse sentido, experimentando novos eixos curriculares e novas
formas de organizar os tempos e espaços de aprendizagem. Este legado ainda
se perpetua, colaborando para reduzir a EJA a um modelo menor do Ensino
Fundamental.
O fenômeno da Juvenilização24 torna complexa a construção de uma
identidade pedagógica do ensino supletivo e de sua adequação às
características específicas da população a que se destina. O que ocasionou e
ainda ocasiona um problema, pois o paradigma da educação popular de
inspiração freireana, que serviu como referência para os educadores
interessados em qualificar o ensino supletivo e aproximá-lo das necessidades
educativas de seu alunado, havia predominantemente tomado em
consideração os educandos adultos desescolarizados, trabalhadores que,
mesmo morando nas grandes cidades, mantinham grandes vínculos com uma
cultura rural (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001).
24
Fenômeno observado em todas as regiões do país, assim como em outros países da América Latina de juvenilização da clientela e que provocou mudança de nomenclatura, já referida no capítulo 2. A Educação de Adultos passa ser denominada EJA – Educação de Jovens e Adultos.
76
O que ocorre, entretanto, é que a clientela dos cursos supletivos tornava-se
crescentemente mais jovem e urbana em função da dinâmica escolar brasileira
e das pressões oriundas do mundo do trabalho. Nesse sentido, mais do que
uma "nova escola", voltada a um novo público, antes não atendido pela escola
básica insuficiente, a educação supletiva converteu-se também em mecanismo
de "aceleração de estudos" para adolescentes e jovens com baixo
desempenho na escola regular.
.
De acordo com Di Pierro et al (2001), a demanda potencial e as garantias
constitucionais sobre direitos educativos com que se chegou ao final dos anos
80 fizeram supor que os anos 90 seriam de ampliação significativa do
atendimento e multiplicação de iniciativas visando fazer frente aos enormes
desafios pedagógicos colocados para a educação de jovens e adultos no
contexto de consolidação da democracia, concomitantemente ao crescente
agravamento da situação econômica do país. No entanto, não seria isso
exatamente o que veríamos acontecer nesta década.
Desta forma, uma das políticas que marcaram os anos 90 foi a extinção da
Fundação Educar. Personalidades influentes do cenário político, como o
falecido Senador Darcy Ribeiro, declararam publicamente opor-se que os
governos investissem na educação de adultos, argumentando que os adultos
analfabetos já estariam adaptados à sua condição e que o atraso educativo do
país poderia ser saldado com a focalização dos recursos no ensino primário
das crianças (BEISIEGEL, 1997).
Esta falta de incentivo político e financeiro por parte do governo federal levou
os programas estaduais responsáveis pela maior parte do atendimento à
educação de jovens e adultos uma situação de estagnação ou declínio. Muitos
municípios herdeiros de programas anteriormente realizados em convênio com
a Fundação Educar foram obrigados a assumi-los com recursos próprios,
muitas vezes sem o necessário preparo gerencial e técnico. Assim, a tendência
de municipalização do atendimento aos jovens e adultos estaria resultando
mais da omissão das esferas federal e estadual do que de uma política
coordenada de descentralização.
77
No quadro legal, este retrocesso no plano das políticas concretiza-se por meio
de duas medidas restritivas tomadas durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso. Em 1996, uma emenda à Constituição, emenda 14, suprimiu a
obrigatoriedade do ensino fundamental aos jovens e adultos, mantendo apenas
a garantia de sua oferta gratuita. Essa formulação desobriga o Estado de uma
ação convocatória e mobilizadora no campo da educação de adultos e também
o dispensa de aplicar verbas reservadas ao ensino fundamental no
atendimento dos jovens e adultos. De fato, ao criar o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF), o governo excluiu as matrículas no Ensino Supletivo do cômputo do
alunado do Ensino Fundamental, desestimulando a ampliação de vagas.
A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), promulgada em 1996, diluiu as funções
do ensino supletivo nos objetivos e formas de atendimento do ensino regular
para crianças, adolescentes e jovens. Também para driblar a restrição do
FUNDEF quanto à consideração dos alunos dos cursos supletivos entre os
atendidos no ensino fundamental, muitos municípios, inclusive Cariacica,
converteram esses cursos em programas regulares acelerados, o que também
contribuiu para aproximar a educação de jovens e adultos do ensino regular
acelerado, além de confundir as estatísticas educacionais.
Com um passo à frente, dois atrás, havíamos chegado à Constituição Federal
de 1988 que, segundo Paiva (2009, p.133), recupera o direito e o conceito de
educação como direito público subjetivo, abandonado desde a década de 1930,
cuidando para que a proteção do direito fosse assegurada para todos os
brasileiros e brasileiras, inaugurando para jovens e adultos uma nova história
na educação.
Após muita pressão, finalmente em 2007 é aprovado o FUNDEB que, pela
primeira vez no país, vai garantir uma fonte estável de recursos para a EJA.
Constatamos, assim, que mudaram alguns discursos, mas será que alteramos
as práticas? Segundo Paiva (2009), há ainda inúmeros desafios do ponto de
vista de metodologias e das intervenções pedagógicas, obrigando os
educadores a refletirem sobre os sentidos das juventudes, seus direitos e os
78
direitos que permeiam as classes de EJA, como também a reflexão para o que
caberia à escola fazer além do ensinar e a escrever. Esta autora diz que,
Indicadores educacionais [...] ganham vida quando se circula nos diferentes espaços da EJA [...] constatando-se que atrás dos números há milhões de pessoas que convivem cotidianamente com condições de oferta e permanência precárias; com má qualidade de ensino e com uma modalidade educacional desvalorizada socialmente. A ausência de oportunidades concretas para vivenciar trajetórias de sucesso no sistema educacional acaba por culpabilizar a vítima, ou seja, cada sujeito, por mais uma história de fracasso. Frente aos descaminhos da EJA, torna-se imperativo assumir uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização (PAIVA, 2009, p. 145).
Atualmente, a pergunta que se coloca, então, é: como contemplar com
equidade um direito básico da cidadania, e sob um parâmetro comum de
qualidade, necessidades formativas tão complexas e diversas?
Na perspectiva de que esta história prossiga garantindo aos adolescentes,
jovens, adultos e idosos da EJA – que ficaram tanto tempo excluídos deste
direito – usufruí-lo de forma ampla e qualitativa, somos instigados(as) a refletir
sobre o inevitável sentido político das opções tomadas nesse campo educativo,
cujo objetivo principal é o de reverter a enorme dívida social gerada por um
modelo de desenvolvimento que não promove justiça social.
Estas discussões necessitam, cada vez mais, tomar os espaços públicos,
produzindo alternativas, metodologias apropriadas e políticas públicas
coerentes.
79
6 A PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISA-AÇÃO: UMA OPÇÃO
PEDAGÓGICA, POLÍTICA E POÉTICA
Toda pesquisa-ação é singular e define – se por uma situação precisa concernente a um lugar, a pessoas, a um tempo, a práticas e a valores sociais e à esperança de uma mudança possível. Por trás de toda pesquisa-ação, encontramos uma sociologia da esperança [...] que se contrapõe a todo pensamento cínico ou fatalista. [...] Procede-se à análise da demanda, ficando à escuta do que se diz, sem procurar desde o início interpretar e menos ainda julgar [...] “Onde foram parar os excluídos?” - os que nunca falam – deve ser o estribilho de sua intervenção. (BARBIER, 2007, p. 120)
Em função da natureza e contexto da pesquisa a ser realizada na contundente
realidade do município apresentado, bem como, na potencialização da escola
como espaço público, nosso cuidado incidiu em optar por uma metodologia
coerente com a proposta. Assim, como integrante da equipe da SEME de
Cariacica, que realiza há algum tempo o trabalho de assessoria pedagógica e a
formação em serviço das escolas que ofertam a modalidade EJA, optamos pela
abordagem qualitativa e pela pesquisa-ação como estratégia metodológica
apropriada.
A citação escolhida para a epígrafe ao iniciar este capítulo justifica também a
opção pela pesquisa-ação, pois optamos por pesquisar uma modalidade
historicamente composta pelos excluídos deste país. Barbier (2007, p.14)
defende que esta forma de pesquisa obriga o pesquisador a implicar-se. Ele (o
pesquisador) percebe como está implicado pela estrutura social na qual está
inserido e pelo jogo de desejos e interesses de outros e compreende que as
ciências humanas, são, essencialmente, ciências de interações entre sujeito e
objeto de pesquisa. No contexto da pesquisa-ação o pesquisador não trabalha
sobre os outros, mas sempre com os outros.
80
Desta forma, pensamos ser a pesquisa-ação o instrumento mais adequado
para analisar os contextos escolares e as práticas desenvolvidas como
ferramentas de conformação ou de emancipação dos alunos, bem como o
desenvolvimento da capacidade de ler o mundo, atividade esta um quesito
fundamental para a participação nos mecanismos sociais instituídos. Somente
esta inserção no campo com os sujeitos permitirá também analisar o “saber de
experiência feito” como produtor e/ou reprodutor de conhecimentos e as
experiências pedagógicas como meios que podem ou não possibilitar aos
alunos condições de problematizarem suas realidades tendo como finalidade
uma “atitude cidadã”.
Devido a este caráter crítico, Barbier (2007) pontua a pesquisa - acão como
prática social, eminentemente pedagógica e política, pois nela é possível ao
pesquisador desempenhar suas atribuições numa dialética que articula a
implicação e o distanciamento, a afetividade e a racionalidade, o simbólico e o
imaginário, a mediação e o desafio. Este autor observa que durante muito
tempo o papel da ciência foi descrever, explicar e prever os fenômenos,
impondo ao pesquisador o papel de observador neutro e objetivo. No entanto,
com a pesquisa-ação o pesquisador adota uma postura que é a de servir de
instrumento à mudança social. Assim, se numa pesquisa clássica, a mudança,
quando ocorre, é um processo concebido de cima para baixo e os resultados
não são comunicados aos sujeitos, na pesquisa-ação postula-se que não se
pode dissociar a produção de conhecimento dos esforços empreendidos para
conduzir à mudança.
Desde sua origem (BARBIER, 2007) a pesquisa-ação assume uma postura
diferenciada diante do conhecimento, por isso optamos por este tipo de
pesquisa, já que nos permite, ao mesmo tempo, conhecer e intervir na
realidade que pesquisamos. No nosso caso, essa imbricação entre o universo
pesquisado e a ação, inevitavelmente já acontecia, pois já estava envolvida
com a formação continuada e em serviço das professoras de 1º e 2º ciclo e
havia visitado as escolas e salas de aula.
81
Portanto, como permanecer “neutra e indiferente” à realidade estudada? De
uma forma ou outra estava defendendo um projeto político. No entanto,
também acreditamos que esta vivência não anula a rigorosidade e o controle
das circunstâncias de pesquisa.
Assim, entendemos que a pesquisa-ação pode funcionar como uma
metodologia de pesquisa, pedagogicamente estruturada, possibilitando tanto a
produção de conhecimentos novos para a área da educação, como também
formando sujeitos pesquisadores mais críticos e reflexivos. A ênfase no caráter
formativo desta modalidade de pesquisa justifica-se na medida em que
considera a escuta do sujeito, suas perspectivas, seus sentidos, mas não
apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador. A escuta do
sujeito faz mesmo parte da tessitura desta metodologia de investigação. Nesse
caso, o processo de investigação se organizou a partir de situações relevantes
que emergiram na dinâmica do processo.
Desta forma, é um tipo de pesquisa social que vai se configurando como
possibilidades, o que segundo Thiollent (2007) assume caráter emancipatório
que deve ser utilizado para orientar ações emancipatórias com grupos sociais
das classes populares. É uma forma de engajamento sócio-político a serviço
desses grupos.
Trazemos a pesquisa ação na perspectiva posta por Barbier para o diálogo
com a teoria da complexidade proposta por Morin (2008), já que concordamos
que uma teoria não é o conhecimento, mas permite o conhecimento. Uma
teoria não é uma chegada, é a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é
uma solução, mas uma das maneiras de tratar um problema. Portanto, a
pesquisa-ação se contrapõe ao paradigma clássico da simplificação que
produz uma concepção simplificadora do universo, enquanto que o paradigma
da complexidade incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e
fragmentar, e também retoma o caráter multidimensional de toda a realidade.
Desta forma, nesta ideia da complexidade tão necessária à compreensão dos
fenômenos sociais, a pesquisa-ação desenvolve também a teoria da escuta –
82
ação dos sujeitos (BARBIER, 2007) nos planos pedagógico, político, e,
consequentemente acreditamos, também no plano poético, que resgata a
dimensão da beleza da pesquisa – a forma mais coerente com a natureza e
propósito do estudo em foco.
Como já pontuado, dado o contexto histórico, social e cultural dos alunos e
alunas da EJA, consideramos esta a estratégia metodológica mais apropriada,
já que o pesquisador, ao realizá-la com outros e outras, é um participante
engajado e que aprende durante a pesquisa, que milita em vez de procurar
uma atitude de indiferença.
6.1 A PERGUNTA SÍNTESE
Uma questão em si, não caracteriza o problema [...]; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um problema. Algo que eu não sei não é um problema; mas quando eu ignoro uma coisa que eu preciso saber, eis- me então diante de um problema. Da mesma forma, um obstáculo que é necessário transpor, uma dificuldade que necessita ser superada, uma dúvida que não pode deixar de ser dissipada são situações que se nos configuram como verdadeiramente problemáticas. (SAVIANI, 1996, p.14)
Como observa Saviani, a realidade não se apresenta espontaneamente à
nossa experiência, somos nós que nos posicionamos frente aos
acontecimentos e os problematizamos. Portanto, conforme sinalizado, a
realidade investigada foi a Educação de Jovens e Adultos realizada no
município de Cariacica, o que aconteceu a partir do trabalho como educadora,
em sala de aula, e, posteriormente, como assessora da SEME no
acompanhamento das concepções e práticas pedagógicas que vêm sendo
trabalhadas nas Unidades de Ensino.
Desta forma, neste percurso pelo cotidiano das práticas e contextos escolares,
algumas inquietações nos instigaram e muitas foram as questões que fluíram.
Assim, a questão que representa a síntese do nosso caminho, se expressa na
83
pergunta: De que maneira as práticas pedagógicas desenvolvidas na
modalidade EJA, no contexto de uma escola, têm proporcionado aos alunos e
alunas condições para problematizarem suas realidades na perspectiva da
cidadania e da emancipação social?
6. 1.1 AS QUESTÕES QUE DÃO SUPORTE À INVESTIGAÇÃO:
Ao nos imbricarmos no processo de acompanhamento das práticas educativas
exercidas numa realidade, como a do município de Cariacica, historicamente
marcada pelo populismo e clientelismo, algumas questões foram levantadas
para suporte à investigação:
As práticas exercidas na escola com jovens e adultos promovem o
exercício do pensamento crítico?
A escola é um espaço onde a realidade é problematizada ou é apenas
uma instituição de conformação?
De que maneira as experiências pedagógicas têm trabalhado o
conhecimento das classes populares, como conhecimento “menor”,
reprodutor, ou como produtor de conhecimentos?
Há espaço na escola para este conhecimento espontâneo, designado
também de “o saber de experiência feito?” (FREIRE, 1993)
Como estes conhecimentos são valorizados e considerados na
organização das práticas escolares?
Estas questões levaram à elaboração do objetivo geral e dos objetivos
específicos.
84
6. 1. 2 O OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICOS
Objetivo Geral:
Compreender em que medida as práticas pedagógicas desenvolvidas no
cotidiano dos contextos escolares de uma escola da rede municipal de ensino
de Cariacica, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), têm proporcionado aos
alunos(as) condições para problematizarem suas realidades na perspectiva da
cidadania e da emancipação social.
Objetivos Específicos:
Identificar as práticas pedagógicas exercidas na escola, de modo a
compreender de que maneira vem respondendo as especificidades e
necessidades dos sujeitos da EJA.
Compreender como a escola interage e dialoga com a ecologia dos
saberes dos alunos e alunas.
Identificar nas práticas desenvolvidas a apropriação (ou não) dos
pressupostos da Educação Popular.
6.2 OS SUJEITOS INCLUÍDOS NA PESQUISA
A pesquisa social trabalha com gente e suas realizações, compreendendo-os como atores sociais em relação, grupos específicos ou perspectivas, produtos e exposição de ações, no caso de documentos (MINAYO, 2007, p. 62).
Na definição dos sujeitos desta pesquisa, algumas questões foram
consideradas: por exemplo, nosso trânsito nas escolas, entre alunos e
educadores, já era uma prática, pois há mais de dois anos já trabalhávamos
com estes sujeitos na formação continuada e em serviço, bem como nos
seminários propostos pela SEME.
85
Fizemos a proposta desta pesquisa para algumas escolas, muitas sinalizaram
de forma positiva, então, fizemos a opção por uma escola que oferece a EJA
do 1º ao 4º ciclo, ou seja, que corresponde de 1ª a 8ª séries, no regime seriado
do Ensino Fundamental, e que possuía uma turma de cada ciclo.
Pelo fato de pertencer “ao sistema”, atuando na SEME, nossa escolha também
incidiu sobre uma escola cujos profissionais interagiam e participavam durante
os encontros realizados pela secretaria, ou seja, profissionais que,
teoricamente, se posicionariam de forma mais afirmativa e com mais
espontaneidade na presença mais direta de uma pessoa “da Secretaria de
Educação” durante um semestre na escola. Este coletivo foi, então, consultado
e nossa presença pôde se dar, assim, na escola.
Portanto, a entrada e permanência na instituição ocorreu de forma tranquila, no
qual estivemos envolvidas, de forma intencional, com dezesseis
professores(as): 10 da própria instituição e 6 das rodas de conversa realizadas
por ocasião da pesquisa, bem como, quarenta alunos e alunas do 1º ao 4º
ciclo. O quantitativo de alunos foi sendo estabelecido de acordo com a
assiduidade, e, sem estar previsto inicialmente, acabamos por incluir, também,
dois componentes da associação de moradores do bairro onde a escola está
localizada.
6.3 A ORGANIZAÇÃO DOS TEMPOS E OS INSTRUMENTOS DE
PRODUÇÃO DOS DADOS
Uma vez mais enfatizamos que, neste quadro, a pesquisa-ação é pertinente,
pois gera processos de aprendizado cujos frutos são as mudanças reais e
materiais naquilo que as pessoas fazem, na forma como interagem com o
mundo e com os outros, nas suas intenções, naquilo que valorizam e nos
discursos através dos quais entendem e interpretam o mundo.
Nesta perspectiva, é importante sinalizar que a organização dos tempos de
atuação em campo ocorreram de forma integrada ao trabalho de
86
assessoramento que venho desenvolvendo na SEME. Portanto, nesta proposta
optamos por delimitar o tempo de atuação na escola em um semestre, sendo
que este tempo envolveu nossa participação na dinâmica da sala de aula, da
escola em geral e o acompanhamento da forma como alunos e alunas
interagem com as práticas pedagógicas propostas e das relações
estabelecidas, também, com o coletivo de educadores(as) .
Em função da dinâmica de atuação no trabalho de campo, algumas
ferramentas que consideramos mais adequadas foram utilizadas: a observação
sistemática e participante, o diário de campo, os relatos de vida, entrevistas
individuais e coletivas e questionários. Outra atividade foi a proposta de
círculos de debates, círculos de leitura e de discussão de temáticas
específicas.
Para dar conta da organização e análise dos dados de forma mais consistente,
utilizamos algumas categorias de análise, que já foram exploradas no capítulo
4 e serão utilizadas no diálogo com o campo da pesquisa:
espaço público, democracia e cidadania;
educação popular e emancipação social;
ecologia de saberes e o trabalho da tradução.
87
7 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NA ESCOLA: DIMENSÕES
DA PRÁTICA
A modalidade de educação oferecida a jovens e adultos é, portanto, herdeira
de uma história complexa e está inserida no berço de movimentos
contestadores da ordem estabelecida. Assim, neste exercício de compreender
o campo de forma prospectiva e sistêmica, chegamos à escola. Acreditamos
que reflexões sobre a EJA precisam ser empreendidas no atravessamento com
esta multiplicidade de fatores, tanto na perspectiva do macro quanto do
microespaço político, que envolve a dimensão do bairro, da rua, da escola, da
sala de aula, dos sujeitos e das relações estabelecidas entre as pessoas.
O campo problemático que vem se colocando neste estudo é saber das
práticas pedagógicas estabelecidas, dos processos de (con)vivência no espaço
público da escola e de como esta dinâmica promove a problematização da
realidade para e com o coletivo de alunos(as) e educadores(as). Ou seja,
saber das consequências micropolíticas de determinadas práticas,
considerando a possibilidade de proporcionarem experiências de reconstituição
do sentido do coletivo e a (re)invenção dos significados de cidadania e
emancipação social.
Como já abordado, atualmente estes conceitos estão significativamente
fragilizados, porque, embora largamente proclamados, banalizaram-se na
história de um país de cultura elitista e onde persiste o imperativo da
desigualdade. Contudo, à revelia deste paradoxo, cidadania e emancipação
social ainda são ideais colocados como objetivos a serem alcançados em todas
as esferas de vida comum e pública.
A escola é uma instituição para onde se convergem expectativas no sentido de
levar alunos e alunas à problematização da realidade, inserindo-os nos
mecanismos de participação na sociedade e capacitando-os a intervir na
dinâmica social. No entanto, consideramos que, principalmente para a
população excluída dos processos de participação e decisão,
88
[...] os projetos políticos só ganham plenamente sentido quando se atualizam no plano da micropolítica, que é onde se realizam as formas de vida concreta das pessoas, aquele em que se forjam suas expectativas e seus valores, os quais, em última instância, conformam suas escolhas e adesões voluntárias a projetos políticos (CARVALHO, 2009, p. 36).
Para os sujeitos da EJA, estas dimensões, saberes e fazeres, que estamos
designando de “micro” e que constituem o cotidiano, devem ser o ponto de
partida para a compreensão do tecido social mais amplo. De que forma, então,
as práticas escolares mediam a relação destes alunos e alunas com a
realidade? Neste sentido, no contexto da pesquisa, a produção dos dados se
deu na interação com a escola em uma gama de atividades, constitutivas do
currículo desta Unidade Escolar:
nos espaços de formação em serviço e planejamento na escola;
nas assembleias realizadas com os(as) alunos(as), tanto na escola
como na SEME;
nos espaços da escola: pátio, refeitório, biblioteca, laboratório de
informática, sala do pedagogo e do coordenador, auditório, corredores,
sala de aula e sala dos professores;
no interior dos ônibus durante os passeios que realizamos pelas cidades
históricas da região das nossas montanhas e nos passeios
intermunicipais da região circunscrita à Grande Vitória;
nos museus e outros espaços culturais que visitamos;
no encontro da representação de alunos(as) da modalidade com
autoridades políticas municipais;
no espaço cultural da Tenda Divertida da Leitura e da Escrita (TDLE),
evento organizado pela SEME para a rede de escolas, cujo objetivo é a
promoção e estímulo da leitura;
nas “rodas de conversas” estabelecidas por iniciativa da SEME com a
comunidade escolar, dentro desta, com a associação de moradores;
nas reuniões do Orçamento Participativo, realizado no espaço da escola
(Estas reuniões aconteciam no horário de aula da EJA, por esta razão
os alunos eram convocados a participar.).
89
Portanto, quando falamos no trabalho com o contexto escolar, pensamos
nestes múltiplos espaços que dialogam e interagem com a escola, produzindo
um modo político-pedagógico de fazer a EJA. Na dinâmica estabelecida por
nós com estes grupos e nestes espaços, nosso cuidado incidiu em desarmar
nossos esquemas prévios de compreensão, nossos (pré)conceitos e
julgamentos, de modo que este cotidiano fosse se desenhando da forma como
é, sem maquiagens.
Sabíamos que este cuidado era necessário, pois, como já pontuado, fazíamos
parte, de uma forma ou outra, daquele cotidiano de trabalho. Então, há que se
ter clareza, como alerta Larossa: “[...] como fazer para que a leitura vá mais
além dessa compreensão problemática, demasiado tranquila, na qual só lemos
o que já sabemos ler? (2001, p.16-17)”.
Desta forma, a leitura dos dados implica em “pensar de outro modo no mesmo
movimento em que se dá a ler de outro modo. Dar a ler (o que ainda não
sabemos ler): dar a pensar (o que ainda não pensamos) (LAROSSA, 2006 p.
18)”. Ainda,
[...] para dar a ler é preciso esse gesto às vezes violento de problematizar o evidente, de converter em desconhecido o demasiado conhecido, de devolver certa obscuridade ao que parece claro, de abrir uma certa ilegibilidade no que é demasiado legível (LAROSSA, 2001, p.16).
De acordo com Minayo, a experiência do campo apresentou
[...] uma porta de entrada para o novo, sem, contudo, apresentar-nos essa novidade claramente. São as perguntas que fazemos para a realidade, a partir da teoria que apresentamos e dos conceitos transformados em tópicos de pesquisa que nos fornecerão a grade ou a perspectiva de observação e de compreensão (MINAYO, 2007, p. 76).
Tendo em vista que a metodologia de trabalho foi a pesquisa-ação, as estadias
na escola foram se prolongando e qualificando à medida que o próprio coletivo
de educadores solicitava e face às demandas que o cotidiano produzia; assim,
passei um semestre letivo na escola num movimento de vai e vem entre as
90
várias esferas já citadas que compõem este universo: fui, assim, incorporando-
me “ao corpo da escola”. “Vivi encarnadamente” este(s) universo(s), (con)vivi
suas formas, histórias e linhas de fuga, emocionei-me e me indignei, confrontei
e fui confrontada, calei-me e falei, surpreendi-me, fui propositiva e resignada.
As relações estabelecidas produziram um mosaico amplo. Neste instrumento
fizemos uma síntese e organizamos 4 eixos temáticos de análise, da seguinte
forma:
1- Quanto aos processos de democratização da gestão da escola;
2- Quanto à modalidade EJA, constituída parte e todo de uma escola;
3- Da perspectiva dos(as) educadores(as) na relação com os saberes dos
educandos na escola e os sentidos da formação de educadores(as)
para a modalidade EJA; e
4- Da perspectiva dos educandos e das educandas, cujas trajetórias de
resistência, autoria e emancipação social acontecem “aqui e agora”.
Como consequência da complexidade descortinada pelo campo da EJA, dos
desdobramentos ocasionados e questões evidenciadas com a inserção na
escola, houve necessidade de agregarmos outros referenciais teóricos, além
daqueles pensados e explorados inicialmente. Trouxemos, então, alguns
interlocutores da EJA para, também, nos auxiliar a pensar estes eixos e demais
dados que foram emergindo na dinâmica de pesquisa. Portanto, tivemos que
lançar mão e nos apropriarmos das contribuições de: Andrade (2004), Arroyo
(2005; 2006; 2007), Carrano (2008), Machado (2008) e Paro (1997).
Nos capítulos 8 e 9 buscamos entrelaçar as idéias e incorporar os “achados” da
pesquisa numa síntese necessária e reconhecidamente provisória, pois
entendemos que, longe de “concluir”, o trabalho com a modalidade EJA, na
perspectiva da escolarização, apenas está começando.
91
7.1 QUANTO AOS PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA
ESCOLA FRAÇÃO/INTEIRO DE UM SISTEMA DE ENSINO
A solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem na formação democrática uma prática de real importância. A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado (Freire, 2002, p.47).
A escola pesquisada está inserida no sistema de ensino do município de
Cariacica e as questões já problematizadas desta realidade determinaram este
tipo de abordagem e eixo de análise, pois, por ocasião da pesquisa, o coletivo
desta escola, juntamente à SEME, ocupava-se em debater os processos de
democratização de gestão da escola, ao mesmo tempo em que também
discutia a implantação da modalidade EJA, conforme relatado no subcapítulo
3.3.1.
Assim, não pudemos ignorar este processo, amplamente vivenciado por todos
e, de modo especial, pelos jovens e adultos, já que os convocava a
mecanismos de participação na realidade imediatamente por eles e elas
“experimentada”. Além do mais, a escola é uma unidade de ensino com
autonomia legal, no entanto, não está desvinculada do sistema de ensino
municipal, e, em relação ao que se trata nesta investigação, considerar este
jogo é fundamental e busca romper com a ideia, constatada em campo por nós
e, infelizmente, compartilhada por muitos profissionais, de escola como ilha,
desconectada da cultura e das políticas públicas instituídas e instituintes.
Em contrapartida verificamos, também, outras formas de pensar. É o que
sinalizou a entrevista com esta moradora, militante de movimento social da
região, ex-diretora e professora de longa data na rede ensino e na modalidade
EJA. Num excerto de conversa que tivemos, foi pontuado, a partir da pergunta:
92
De que forma você avalia a ruptura com antigas práticas
coronelistas? A comunidade escolar vem participando da gestão da
escola? De que forma a escola vem problematizando o movimento?
Como você avalia que isso tem acontecido “na prática” dentro da
escola?
RESPOSTA: A mudança em Cariacica não é sutil, é nítida e clara, pois os profissionais das escolas não tinham vínculos com a SEME, tinham vínculo com o político que os haviam colocado dentro da escola. Era o político [overerador] que tinha vínculo com a SEME, portanto o rompimento com estas práticas é nítido. Mas, muitas pessoas, ainda acostumadas com estas práticas, procuram para pedir: “você pede para me indicar?”. Os “currais” eleitorais em Cariacica eram gritantes, o político era dono total do corpo docente e discente da escola. Os alunos desde a educação infantil iam se formando naquela mentalidade e na ideia do apadrinhamento desde pequeno. Por exemplo, quando era aniversário do vereador, a escola toda parava... o aniversário do cara era uma festa comemorada dentro da escola. Em época de eleições, até mesmo nestas últimas eleições (2008), eles diziam aos funcionários da escola que da casa deles tinham que vir X votos para ele. Agora há um direcionamento, uma política pública instaurada: atender ao público e aos interesses das pessoas da comunidade (Entrevistada A, Cariacica, setembro de 2008)
25.
Em seguida, perguntamos: e os movimentos de resistência, não existiam
antes? Não é uma contradição? Como uma cidade considerada o “berço”
destes movimentos se permite subjugar assim?
RESPOSTA: Cariacica foi o berço de muitos movimentos populares, as CEBS, as associações de moradores das décadas de 80. A subjugação não era “permitida”, tanto que muitas pessoas morreram por acreditarem em outra forma de administração do bem público, por exemplo, o Padre Gabriel, que virou nome do Bairro. As associações lutavam contra o monopólio do Estado que era representado pela máquina pública municipal, e esse jogo de forças é injusto. As lutas eram constantes e muitos foram jurados de morte. Também foram muitos os prefeitos assassinados. Essa realidade era assim até 2003 / 2004 – submissão total à figura da pessoa do vereador e prefeito. Cariacica historicamente foi palco de disputa desleais e violentas e esta administração representa a consolidação de muitas lutas. Atualmente não existe mais a figura do “político”, a pessoa, o foco agora é a política, saiu a “politicagem” e entrou a gestão do espaço público que se configura com a participação da comunidade. No entanto, isso é uma aprendizagem, muitas escolas negam a autonomia conquistada, por exemplo, agora com o PDDE
26 –
25
Informação concedida pela entrevistada em setembro de 2008, no município de Cariacica.
26 Criado em 1995, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) tem por finalidade prestar
assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas da educação básica das
93
Programa Dinheiro Direto na Escola. Percebe-se que as relações mudaram, mas as unidades escolares ainda não sabem como agir, pois esta autonomia é uma coisa muito recente, até o OP (orçamento participativo)
27 é uma novidade.
Você poderia esclarecer, de que forma o coletivo de professores
esta reagindo a este contexto?
RESPOSTA: O universo de professores que entraram por meio do último concurso realizado democraticamente desconhece esta realidade do município e não compreendem as relações que se travam nas comunidades. Antes os(as) professoras eram “comadres”, “compadres” e cabos eleitorais dos vereadores, agora entram na rede por meio de ferramenta democrática, o concurso, e têm formação, a graduação e pós - graduação até. Mas, não basta ter só formação, é preciso trabalhar o sentimento de pertencimento ao lugar e compreender as relações na comunidade onde a escola está inserida, que reflete a história do município. Nem todos os(as) professores(as) têm esta visão. A maioria chega, quer dar aula e pronto, desconhece o contexto. Isso não é tudo, as pessoas querem ser vistas e querem que sua história seja ouvida, não querem ser só um número na pauta. Mas a escola não dialoga com ela mesma, cumpre horários, rotinas, rituais, dificilmente conversa sobre os projetos e os dilemas da comunidade (Informação verbal)
28.
As questões observadas exemplificam a prática corriqueira em nosso país de
privatização dos espaços públicos e dos recursos financeiros que deveriam ser
utilizados de forma a contribuir para o bem-estar comum. A posse da máquina
pública em prol de interesses particulares e populistas é prática que,
redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como beneficentes de assistência social, ou outras similares de atendimento direto e gratuito ao público. O programa engloba várias ações e objetiva a melhora da infraestrutura física e pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos financeiro, administrativo e didático, contribuindo para elevar os índices de desempenho da educação básica. Os recursos são transferidos independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere, de acordo com o número de alunos extraído do Censo Escolar do ano anterior ao do repasse. Até 2008, o programa contemplava apenas as escolas públicas de ensino fundamental. Em 2009, com a edição da Medida Provisória nº 455, de 28 de janeiro (transformada posteriormente na Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009), foi ampliado para toda a educação básica, passando a abranger as escolas de ensino médio e da educação infantil (FNDE/ MEC).
27 O Orçamento Participativo (OP) é um instrumento organizado e popular pelo qual a
população escolhe as obras mais importantes e necessárias com base no orçamento público municipal. Essa construção precisa do envolvimento e participação de todos os moradores do município de Cariacica com o objetivo de torná-lo mais transparente e justo. É através das Plenárias Regionais do OP que os moradores indicam suas obras prioritárias e elegem seus representantes (extraído do site http://www.cariacica.es.gov.br/, com acesso em 20 de julho de 2009).
28 Informação concedida pela entrevistada em setembro de 2008, no município de Cariacia.
94
historicamente, ainda persiste na nossa cultura de raízes coloniais, opressora e
profundamente autoritárias.
Em Arendt (2009a), encontramos subsídios para pensar e propor alternativas
para esta realidade, quando afirma que é pela educação que se dá a
aprendizagem da fruição do mundo, a apreciação da cultura que forma nossa
herança simbólica e comum, bem como a atribuição de um significado comum
e público para as atividades humanas.
[...] o mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e deixamos para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado como no futuro: preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência. É isso o que temos em comum não só com aqueles que vivem conosco, mas também com aqueles que aqui estiveram antes e aqueles que virão depois de nós. (ARENDT, 2009 p. 67).
Assim, as ponderações da professora abrem canais e possibilidades de
interlocuções variadas. Certamente, temos clareza de que atualmente nossas
barbáries políticas são diferentes daquelas vividas no contexto do pós- guerra;
contudo, as perguntas ainda são as mesmas: como educar numa ordem social
no qual o que há em comum são os interesses particulares em conflito? Qual o
papel da Educação e da Educação de Jovens e Adultos no esvaziamento do
mundo comum e público e na crescente diluição das fronteiras entre as esferas
pública e privada?
Dessa forma, a filosofia de Hannah Arendt volta-se para a compreensão das
condições que imprimem um significado público para a educação. Para ela, o
sentido para estar e atuar no mundo tem como objetivo a construção de
espaços e de um mundo que possa ser compartilhado.
Sobre essa determinação ela afirma que, ao separar-se do espaço público e da
companhia de outras pessoas, homens e mulheres não podem mais se revelar
e confirmar suas identidades. O mundo público e compartilhado por projetos
comuns é a premissa que sustenta qualquer formulação de políticas.
Concordamos, pois, com a filósofa alemã também na crítica contundente ao
individualismo e quando afirma as ações de cidadania como sendo a via de
95
acesso ao espaço público: ela diz que a vivência dessa cidadania só é possível
na convivência com outros e outras, no compartilhamento e na superação da
lógica da solidão pela lógica da solidariedade.
Assim, entendemos que esta luta não é nova, mas se renova e se faz diferente
em cada escola. Parece haver “um esquecimento” de que a escola pública
constitui e integra o espaço público e que a Constituição Federal, promulgada
em 1988, já estabelecia como um dos princípios do ensino público brasileiro,
em todos os níveis, a participação popular na gestão da escola e que, a partir
de então, as questões de descentralização do ensino, sua democratização e a
autonomia da gestão escolar estão postas em contínuo debate.
Situações como as apontadas pela professora entrevistada indicam que na
escola persiste, ainda, a reprodução de determinados interesses em detrimento
do interesse público da maioria, ao mesmo tempo, também reconhecemos na
sua fala forças progressistas, representadas pelos movimentos sociais, que
têm de forma cada vez mais crescente pressionado essas instâncias de poder,
conquistando alguns caminhos na democratização do ensino público no
município.
Contudo, a efetiva consolidação deste princípio educacional passa pela
participação direta da comunidade escolar e do envolvimento do coletivo de
profissionais nos diversos contextos que compõem o universo da escola.
Conforme assinalamos no tópico 3.3.1, foram essas lutas populares que
possibilitaram a oferta do projeto de Alfabetização para Jovens e Adultos
(“Saber é Preciso”) e posteriormente a continuidade de estudos, por meio da
oferta do Ensino Regular Noturno Semestral nas escolas.
De acordo com a Entrevistada B, no ano de 2008 técnicos da secretaria de
educação foram convocados a chamar as comunidades escolares para
dialogar sobre a educação oferecida na escola, com o objetivo
RESPOSTA: [...] de estabelecer uma gestão mais participativa. A Secretaria Municipal de Educação de Cariacica, por intermédio de seus vários programas, vem desenvolvendo ações nas três principais
96
áreas de gestão (pedagógico-didáticas, funcional e administrativo-financeira), no sentido de fomentar as práticas democráticas no ambiente escolar dentro dos pressupostos da teoria da Gestão Democrática. O objetivo é promover no município práticas educacionais comprometidas com o efetivo exercício da Cidadania e da Emancipação Social (Entrevistada B, Cariacica, setembro de 2008)
29.
Visando ampliar os canais de comunicação foram organizados encontros que
se convencionou chamar de “rodas de conversa”, nos quais a comunidade e os
vários segmentos que compõem o universo escolar puderam dialogar sobre o
que pensam a respeito da educação que se realizava na escola, acompanhado
de proposições visando resolver problemas e apontar elementos de
positividade, bem como mecanismos para mantê-los e difundi-los para o
conjunto da rede. Com esse intuito foram organizadas 29 “rodas de conversa”,
envolvendo a participação de todas as regiões e unidades de ensino em seus
níveis e modalidades.
No caso específico da modalidade EJA, foram organizadas cinco “rodas de
conversa”, com a participação de cerca de trinta a quarenta pessoas por roda,
representando todos os segmentos existentes na EJA da instituição.
Avaliamos que a atitude em si, de se dirigir até às Unidades Escolares no
sentido de envolvê-las na construção de dispositivos e documentos ligados
diretamente aos seus interesses, já aponta uma diretriz e vontade política de
efetivar a cidadania, que pressupõe a participação como valor.
Nas assim chamadas “rodas de conversa”, foram encaminhadas diversas
indagações tais como: que significados concretos assumem o valor da
participação no dia a dia da escola? De que forma a participação é
compreendida e vivenciada na dinâmica do cotidiano? Você participa da vida e
das decisões tomadas na escola? Essas e outras perguntas foram
encaminhadas de modo a compreender de que maneira os conceitos de
cidadania e emancipação social se perspectivam e corporificam, gerando
práticas coerentes.
29
Informação concedida pela entrevistada em setembro de 2008, no município de Cariacica.
97
Segundo a Entrevistada C, a comunidade escolar elencou aspectos positivos
nas seguintes questões:
Resposta: a descentralização das ações e decisões no interior das escolas com a criação dos Conselhos de Escola e a promoção de uma série de reuniões com a comunidade para discutir os rumos da escola; a autonomia financeira e descentralização de recursos com a implantação dos Caixas Escolares e a obrigação dos diretores de deixar público relatórios mensais com resumo/ prestação das contas e dos gastos;a realização de concurso público para docentes; a implantação da comissão para elaboração da minuta de lei de gestão democrática, ou seja, a “lei que normatiza a eleição de diretores(as)”, e que após inúmeros ajustes e de ser boicotada na câmara de vereadores, foi, finalmente, aprovada no início do ano de 2009 e em curso, hoje, o primeiro processo de eleição democrática para diretores(as) no município de Cariacica (Entrevistada C, Cariacica, outubro de 2008)
30.
São falas que fluem na direção da necessidade de superação da estrutura
hierarquizante e autoritária da escola pública, de modo difundir relações
humanas horizontais, de solidariedade e cooperação entre as pessoas. O que
não pode prescindir, de acordo com os Entrevistados B e C, de garantir um
currículo escolar com maior sentido de realidade e atualidade; combater o
isolamento físico, administrativo e profissional dos diretores e professores;
motivar o apoio da comunidade às escolas; promover a escola a partir da
cultura da comunidade; desenvolver objetivos comuns na comunidade escolar.
Segundo os entrevistados da escola, da SEME e da comunidade as questões
colocadas acima necessitam de melhorias. São elas:
o aprimoramento dos próprios mecanismos da gestão democrática na
relação SEME – Escola e Escola – Coletivos;
a necessidade de trabalhar o “sentimento” de pertencimento à
comunidade em alunos e profissionais da escola;
o fortalecimento dos Conselhos de Escola;
a reestruturação e ressignificação da escola enquanto instituição
pública;
30
Informação concedida pela entrevistada em outubro de 2008, no município de Cariacia.
98
a qualificação da burocracia diminuindo a morosidade da SEME, e, ao
mesmo tempo, o aprimoramento da comunicação SEME e rede de
escolas e a ampliação das parcerias;
a oferta de merenda e material didáticos adequados à EJA;
o fornecimento de uniformes para a EJA;
um currículo específico e com metodologia adequada, construído com e
para a EJA.
Percebemos nas comunidades, diz a Técnica da SEME (entrevistada D),
Resposta: [...] sementes da compreensão de que educação de qualidade social não pode ser considerada esmola que a administração política distribui como bem entende e de acordo com as relações e interesses pessoais. Nosso trabalho vem sendo combater o amadorismo e o jeito descompromissado de fazer a política educacional, acabar com as improvisações e “alternativas” vergonhosas desde a oferta de um espaço físico inadequado e desumano, é fazer cumprir o direito à educação. A comunidade já sabe que educação é formação, é um direito e bem comum, e já se deu conta, sabe que a escola é ponte para emancipação social, trazendo outra ferramenta, instrumento de cidadania: a leitura (Entrevistada D, Cariacica, outubro de 2008)
31.
A partir da realidade observada, constatamos que os processos de
democratização e participação dos coletivos nas instâncias de decisão estão
sendo problematizados e tentando consolidar-se no movimento pretendido de
ruptura com a cultura autoritária e coronelista. Contudo, os discursos
produzidos não conseguem encobrir que
[...] se a participação depende de alguém que dá abertura ou que permite sua manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede, se realiza [...]. Se quisermos caminhar para essa democratização, precisamos superar a atual situação que faz a democracia depender de concessões e criar mecanismos que construam um processo inerentemente democrático na escola. Embora esta não seja uma tarefa fácil, parece-me que o primeiro passo na direção de concretiza-la deve consistir na busca de um conhecimento crítico da realidade, procurando identificar os determinantes da situação tal como ela hoje se apresenta (PARO, 1997, p. 17).
31
Informação concedida pela entrevistada em outubro de 2008, no município de Cariacica.
99
Como veremos nos próximos eixos, o processo de efetiva conquista da escola
pelas camadas trabalhadoras passa principalmente pela problematização da
função desempenhada pela instituição escolar na sociedade de hoje. De nada
adianta continuarmos falando de escola como algo que possa contribuir para a
emancipação social se, definitivamente, não assumirmos que nos sistemas de
ensino há a constante disputa pelo poder político e cultural.
Portanto, uma coisa é falar das potencialidades da escola, seu vir a ser, e
expressar a crença de que possa levar as camadas populares a se apropriarem
de um saber historicamente acumulado e desenvolver a consciência crítica,
outra coisa é considerar em que medida a escola que aí está já esteja
cumprindo esta função, como bem posto por nossa Entrevistada A no início
deste tópico. O que é corroborado por Paro:
Infelizmente essa escola é sim reprodutora de certa ideologia dominante... é sim negadora dos valores dominados e mera chanceladora da injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura econômica. Se queremos uma escola transformadora, precisamos transformar a escola que temos aí. E a transformação dessa escola passa necessariamente por sua apropriação por parte das camadas trabalhadoras. É nesse sentido que precisam ser transformados o sistema de autoridade e a distribuição do próprio trabalho no interior da escola (1997, p. 10 e 19).
A epígrafe em Freire (1992) alerta que a construção da sociedade menos feia e
arestosa tem na formação democrática uma prática de real importância.
Contudo, segundo ele, “[...] a aprendizagem da assunção do sujeito é
incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos
que se pensam donos da verdade e do saber articulado” (Freire, 2002), dizia:
Um dos grandes problemas da nossa educação atual, cada vez mais devendo endereçar-se no sentido da democratização, é, por isso, o de superar esta quase exclusiva centralização na palavra, no verbo, nos programas, no discurso. [...] Interessou-nos sempre, e desde logo, a experiência democrática através da educação. Educação da criança e do adulto. Educação democrática que fosse, portanto, um trabalho do homem com o homem, e nunca um trabalho verticalmente do homem sobre o homem ou assistencialistamente do homem para o homem, sem ele (2002, p.14).
100
Assim, acreditamos que processos de democratização alavancados a partir
deste sistema de ensino são imprescindíveis, mas consequentemente devem
caminhar com a firme decisão da escola de, verdadeiramente, deslocar as
posições do poder por meio de ações condizentes, transferindo-o para a
comunidade, que é quem mais necessita dele para, de fato, superar o medo
historicamente instaurado pelas elites na população mais empobrecida.
Incide daí o cuidado já observado por Freire, em analisar nossas próprias
práticas e discursos daqueles que também se (auto)proclamam
“emancipatórios”, que podem facilmente constituir-se também em dominação e
hegemonia ao querer impor planos de controle sobre as demais classes
sociais. Este cuidado deve incidir sempre e mesmo quando estes discursos são
realizados por um partido, igrejas, movimentos sociais, associações etc., pois
“[...] o que poderia parecer um diálogo destas com as massas [...] sejam meros
comunicados, meros depósitos de conteúdos domesticadores (1996, p. 128)”.
7.2 QUANTO À MODALIDADE EJA FRAÇÃO/INTEIRO DE UMA ESCOLA
O diálogo fenominiza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “admiram” um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se [...]. O diálogo não é produto histórico, é a própria história (FIORI in FREIRE, 2005, p. 16).
A partir da dialogização apontada em Freire, pensamos na modalidade EJA
inserida na escola nesta dinâmica contra-hegemônica de consolidação de
processos de democratização. De que forma, além de algumas falas
evidenciadas no tópico anterior, a EJA engaja-se (será que se engaja?) neste
movimento colocado em “marcha” no município de Cariacica? Pois a luta na
EJA sempre foi política e “popular” e pensamos que uma EJA “escolarizada”,
em sintonia com a comunidade e na perspectiva da cidadania e emancipação
social não poderá estar subsumida a “só escolarização”. Portanto, como a
101
escola vem se colocando nesta discussão denominada pelos gestores de
“emancipatória”?
Nesta direção procuramos escutar as “rodas de conversas” protagonizadas
entre os profissionais da modalidade EJA, da SEME, da comunidade escolar e
extraescolar. Cada “roda” contou com a participação de cinco escolas,
trazendo, em cada, o mínimo de trinta e o máximo de quarenta pessoas. Cada
encontro durou, em média, quatro horas. Registramos o conteúdo de uma
delas, categorizado abaixo por aproximações nas abordagens.
Os recortes apontam para questões essenciais e que se inter-relacionam, são
as questões problematizadoras do campo atualmente. São falas que avaliam,
desvelam, refletem e denunciam ao mesmo tempo em que sinalizam caminhos
já realizados e os ainda a realizar para o salto qualitativo que necessitamos dar
se quisermos uma oferta EJA verdadeiramente democrática, de qualidade
social e de compromisso político, aspecto impossível de negar, exceto
intencionalmente ou por inocência (FREIRE, 2005, p. 70).
Assim, a escola, a educação e, portanto, a Educação de Jovens e Adultos não
são “neutras”, e a “roda de conversa” constituiu espaço privilegiado para
desvelamentos e embates políticos, ideológicos e pedagógicos. Defendendo a
riqueza de questões assinaladas, e, no esforço da síntese, trazemos parte
deste material. Assim, foram problematizadas as questões a seguir.
1- Quanto aos fatores condicionantes à participação de todos(as) na gestão da
escola, a necessidade de qualificar a participação, de a escola falar a “mesma
linguagem” da comunidade e da apropriação de códigos comuns de
comunicação e a carência de tempo disponível para a fala/escuta dentro da
escola envolvida com múltiplas tarefas, foi dito o seguinte:
Diretor A: Eu vejo que cada dia mais a escola tem maior autonomia e tem crescido a participação da comunidade. No entanto, ainda falamos de coisas que muitas pessoas não entendem e é preciso esclarecer de “quê” estamos falando. Será que a comunidade sabe o que é uma prestação de contas e o que é e para que serve um conselho de escola? A comunidade precisa ser mais esclarecida.
102
Precisamos incentivar a comunidade a crescer. O desenvolvimento da escola passa também pelo processo de participação dos alunos da EJA, os maiores, os adultos e com mais condições de se fazer presente, muitas vezes preferem ficar calados (Informação verbal)
32.
[...] está sendo “dada” autonomia, mas a comunidade precisa participar, precisa aprender a falar”. [...] estou participando pela primeira vez de uma reunião como essa, e eu preciso saber de tudo isso para poder participar, preciso que alguém explique como são as coisas dentro da escola, para a gente não dar opinião fora. Preciso saber dessa linguagem que vocês usam e que muitas vezes eu não entendo, se eu não saber, como posso dar opinião? (Informação verbal)
33.
[...] a SEME dialoga com a escola, a escola dialoga com a comunidade, mas, e a escola dialoga com ela mesma? A escola precisa de tempo para dialogar com ela mesma, principalmente na EJA, com nossos tempos já encurtados e um turno onde já chegamos exaustos. Não temos horário de planejamento como o diurno tem (Informação verbal)
34.
2- Quanto à preocupação com a evasão, o cuidado com o currículo apropriado
à EJA, o foco na cultura do aluno e no processo de ensino e aprendizagem é
possível de ser observado nas pontuações a seguir:
A implantação do Caixa Escolar, os Conselhos de Escola, o Programa de Dinheiro Direto na Escola – PDDE, a qualidade da merenda para a EJA a descentralização da figura do diretor são uma conquista. Agora precisamos ficar atentos ao processo ensino-aprendizagem, como estes alunos da EJA aprendem? Não sabemos (Informação verbal)
35.
Outro dia um aluno me perguntou o que significava a palavra exuberante que ele leu no livro. Eu expliquei que era „belo‟, e ele me disse „nossa professora! E eu ia passar o resto da vida só falando „bonito‟ porque nem belo eu usava, agora posso usar o exuberante que eu aprendi e é muito mais „chique!‟ Fico pensando que a gente não sabe nada destes alunos e do que eles precisam para a vida e a gente se surpreende quando para conversar com eles (Informação verba)l
36.
32
Informação concedida pelo entrevistado em agosto de 2008, no município de Cariacica. 33
Informação concedida por Pedro, pai de aluno do turno vespertino e também aluno da EJA,
de 49 anos, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 34
Informação concedida por Carlos, professor do 3º e 4º ciclo, em agosto de 2008, no
município de Cariacica. 35
Informação concedida por uma professora e pedagoga, em agosto de 2008, no município de
Cariacica. 36
Informação concedida por uma professora do 1º ciclo, em agosto de 2008, no município de
Cariacica.
103
Sem alunos não existe escola. O que fazer com a evasão? Hoje a escola busca resgatar a questão da leitura escrita e o cálculo matemático. Transformar o aluno em um ser crítico. Mas tem que ter um currículo adaptado a sua realidade. As turmas são extremamente heterogêneas. O trabalho tem que ser efetivado entre o aluno e o professor. A escola tem que transformar o aluno para ser capaz de absorver as novas realidades tecnológicas, sociais, econômicas e políticas. Afirma que um ponto positivo foi à formação do grêmio estudantil para a formação política do aluno, mas também para acabar com a existência de um currículo escrito e um vivenciado pela escola. Temos que fazer o aluno vivenciar o seu dia-a-dia, envolve-lo no seu mundo, nas suas aptidões (Informação verbal)
37.
Venho fazendo um projeto de ajuda aos alunos em matemática. Alfabetizar os alunos é uma responsabilidade de todo o grupo, toda equipe. Devemos fazer um trabalho que valorize a própria realidade do nosso aluno. Quanto a prática pedagógica, o professor tem que ter muita paciência com os alunos, que ter um grande “jogo de cintura”. Acredita que o professor da EJA tem que ter um perfil diferenciado para trabalhar com as turmas da EJA. A escola tem que promover uma maior integração – escola – comunidade – pais. Tem que haver um processo de pertencimento (Informação verbal)
38.
Deveríamos parar as aulas para fazer um debate com os alunos para ver o que eles pensam. Ouvir e trocar ideias, decidir com eles (Informação verbal)
39.
Os alunos, principalmente os mais novos, exigem que o professor vá para frente da sala e de aula, passe conteúdos, muitos „deveres‟. Acham que diálogo e atividade extra classe não é aula (Informação verbal)
40.
3- Acerca da relação entre o exercício da cidadania, os processos de
humanização e articulação da escola, disseram:
Todos são profissionais capacitados, mas com o foco no aluno, o principal problema é o desinteresse do mesmo. O que fazer para melhorar essa questão? A necessidade, dentro da Política de Educação Cidadã, é humanizar a escola, e precisamos fazer um trabalho de sensibilização dos alunos com o apoio da SEME (Informação verbal)
41.
Estou no movimento comunitário desde 1989 e acho estranho o movimento, a escola e nem a igreja nunca articularem-se para
37
Informação concedida por uma diretora, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 38
Informação concedida por um professor do 3º e 4º ciclo, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 39
Informação concedida por um diretor, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 40
Informação concedida por uma professora, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 41
Informação concedida por uma professora do 3º e 4º ciclo, em agosto de 2008, no município
de Cariacica.
104
debater sobre o bairro e como trazer melhoria para a comunidade. Diz que é a primeira vez que isso ocorre e está achando uma mudança, um avanço (Informação verbal)
42.
4- A respeito da necessidade da escola promover atividades extras sala de
aula mencionaram que
Um fato positivo é a banda da escola, que vem promovendo a formação de músicos para o mercado profissional. A banda vem valorizando a cultura e criando novos talentos, novos cidadãos, e que o rendimento em sala de aula vem melhorando e o maestro verifica e acompanha a vida escolar do aluno (Informação verbal)
43.
O laboratório de informática é importante e vem sendo utilizado para a melhoria de aprendizado dos alunos. Os professores passam os conteúdos e eu desenvolvo as aulas junto com estes professores. Ocorre um melhor relacionamento aluno-professor, pois o aluno encontra-se em um novo ambiente (Informação verbal)
44.
Outro professor, de matemática, endossa esta última opinião e lembra os
objetivos da matemática e na sua capacidade de transformação do cidadão e
que a informática vem em auxílio aos seus objetivos, pois as aulas ficam
diferenciadas e mais atrativas.
5- Sobre a inadequação dos espaços físicos escolares, diretora, coordenadora
e alunos afirmam que a falta de espaço físico compromete as aulas de
educação física. Solicitam um professor de apoio para os alunos com
necessidades educativas especiais. Reclamam da falta de uma biblioteca bem
estruturada para que os alunos possam usufruir. Um professor de língua
portuguesa reforça, afirmando que a Universidade não prepara o professor
para trabalhar com alunos da EJA e nem com aqueles que apresentam
necessidades educacionais especiais e que o professor tem que aprender na
prática.
42
Informação concedida por um membro da associação de moradores, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 43
Informação concedida por uma aluna do EJA, de 18 anos, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 44
Informação concedida pela mediadora do laboratório de informática, em agosto de 2008, no município de Cariacica.
105
6- Já sobre o compromisso das profissionais da EJA “com a EJA”; sobre a
merenda inadequada; sobre a vontade de desistência por causa das
dificuldades de convivência com os adolescentes da EJA, foi dito que
Tenho muitas dificuldades em sala, principalmente por causa dos alunos mais novos que não levam os estudos a sério. Em quase todas as aulas tem o problema de conversa, tumulto e por isso não consigo aprender direito (Informação verbal)
45.
7- Outros alunos comentam que gostariam que a merenda melhorasse. Muitos
trabalham e chegam à escola com fome. Dizem estar cansados do trabalho e
que muitos alunos vêm para fazer “anarquia”, não só no recreio, mas dentro da
sala de aula; que uns vêm para estudar, outros para fazer bagunça, isso
atrapalha a aula e o aprendizado; que eles (os que fazem bagunça) deveriam
ficar em casa e que todos devem respeitar para serem respeitados. Dizem,
Não somos mais crianças e temos muitas dificuldades para aprender e acompanhar a matéria, escrever corretamente é difícil e temos medo de errar, é importante o professor conversar com a gente, perguntar qual é nossa dificuldade (Informação verbal).
Apontam que uma professora fez isso e as dificuldades foram trabalhadas
durante o ano. Dessa forma todos cresceram e aprenderam mais e melhor.
Ainda há um aluno que diz estar pensando em desistir, pois o conteúdo está
prejudicado e não está aprendendo nada, e outro que releva que não consegue
aprender e prestar atenção com o barulho dos mais jovens.
Um professor, dirigindo-se à aluna Dona Nair, questiona se o professor em sala
de aula vem tentando manter um perfil capaz de atender a turma na questão de
aprendizagem. A aluna responde que eles tentam, mas que geralmente não
conseguem devido à indisciplina de alguns alunos mais novos.
Outra professora diz que os alunos mais novos vêm para a escola não para
estudar, mas sim para atrapalhar e que não têm comprometimento com a
45
Informação concedida por “Dona Nair”, de 55 anos, que integra o conselho de escola e é aluna da EJA, em agosto de 2008, no município de Cariacica.
106
escola, que a dinâmicas das aulas têm que ser revistas, os professores têm
que trazer coisas mais atraentes para as aulas e que retratem a realidade dos
alunos. Ela afirma que as escolas continuam do mesmo jeito, não evoluíram.
As apostilas não atendem ao grupo de alunos da EJA.
Em seguida, o diretor pergunta para a professora: “O grupo de professores
realmente quer mudar?”. Em resposta ela conta que fez um projeto sobre o
folclore, que tinha que elaborar um cardápio com comidas típicas e que a
nutricionista barrou o projeto e que só um professor assumiu. A professora está
desanimada, pois os colegas não participam, não dão importância ao trabalho
dos outros. E afirma, ainda, que os alunos têm que ser motivados a participar.
No momento seguinte, um técnico da SEME pede aos alunos que enumerem
as características de professores comprometidos e que, na opinião deles,
fazem um bom trabalho. Pergunta a importância da escola para a comunidade.
Fala que a escola virou um ponto de encontro das pessoas na comunidade e
que isso é positivo, mas gera “um certo” tumulto. A escola tem que ser olhada
com mais carinho. Cita que devemos estar atentos para não excluir os alunos e
que a comunidade tem que participar deste espaço.
Por fim, sobre essa questão, uma professora fala que na sua escola eles
recebem os alunos com muito carinho, montam sempre um ambiente
agradável. Cita que alguns alunos estão na escola com a finalidade básica de
merendar, mas há aqueles que querem aprender e outros que preferem agitar.
Afirma, também, que o professor tem que ser um artista para atrair os alunos
com idades e interesses tão diferentes.
7- Sobre o perfil desejado/necessário para o(a) educador(a) de EJA e sobre a
formação do profissional que atua na modalidade EJA, um professor diz que
desenvolve um projeto em sala de aula com os alunos da EJA, com poesia e
usando a linguagem matemática e pergunta se isso está de acordo com o
„perfil‟ de professor da EJA? Com esta observação, percebo que ele tenta
definir o perfil do professor que trabalha nas salas de aula da EJA. Desta
dinâmica, trataremos adiante.
107
Uma aluna responde ao professor afirmando que o bom professor tem que
fazer um trabalho diferente, dar uma aula diferente, sair da sala, da escola, ter
aula extraclasse. Tem que incentivar mais os alunos.
8- Por último, acerca da escola como mecanismo de superação das condições
materiais de existência e como instância que promove de emancipação, os
comentários são os seguintes:
[...] os problemas são gigantescos, que se alguém descobrisse a solução ficaria famoso. A nossa escola, com todas as questões, ainda é uma escola boa, pois as pessoas querem vir para cá, todos os dias a comunidade vem bater na porta secretaria procurando vaga. Muita gente que precisa arranjar trabalho e não consegue e outros porque a empresa exige (Informação verbal)
46.
Os problemas parece que na EJA, no noturno, são bem mais, e que é um grande desafio tentar resolvê-los. A SEME e a Secretaria de Segurança tem que estar juntas. Temos que resolver os problemas existentes entre os alunos jovens e os de mais idade sem que haja uma exclusão. A escola tem melhorado muito, pois muitos alunos querem estudar nela. (Ele também agradece a presença da SEME na escola e que isso significa um processo de mudança). (Informação verbal)
47.
É a primeira reunião que participo e que estou gostando muito, quero saber se o trabalho que vem sendo desenvolvido vai continuar e se a conversa que estamos tendo vai ser efetivada, vai ter resultados, continuidade? (Informação verbal)
48.
O objetivo da reunião é discutir com todos os segmentos da EJA as possibilidades, as mudanças e as permanências e os resultados vão depender e ser decidido pela coletividade (Informação verbal)
49.
As falas relacionadas sinalizam um imbricado e rico contexto de reflexão sobre
a práxis realizada na escola. Os profissionais envolvidos interpelam-se sobre
46
Informação concedida por Marcos, presidente da associação de moradores, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 47
Informação concedida por Marcos, presidente da associação e membro do conselho da escola, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 48
Informação concedida por um pai de aluno e aluno da EJA, em agosto de 2008, no município de Cariacica. 49
Informação concedida por um técnico da SEME, em agosto de 2008, no município de Cariacica.
108
os desafios e as contradições que permeiam suas práticas no contexto da
modalidade.
Neste sentido, Freire (2005b, p. 45) diz que precisamos aprender a ler esta
realidade. E ler não significa juntar as letras, é mais que isso, ler é interpretar e
analisar, “ler é reler” qual a direção em que caminha minha comunidade, minha
cidade, meu estado. Paulo Freire (2005b) estabeleceu relações diretas entre
política e educação, práticas escolares e cidadania. Para ele, educação, em
sentido amplo, sempre foi ato político. É necessariamente esta concepção
política de conhecimento que pode conduzir à cidadania.
Assim, a Educação de Jovens e Adultos, mais que qualquer outra modalidade
de ensino, está além do ensinar as letras. No contexto complexo explicitado –
das relações desenvolvidas na escola – precisa ser um espaço onde se possa
realizar essa “leitura do mundo”, para que, de fato, se desenvolvam iniciativas
que possam conduzir à superação dos desafios postos; o grupo, no exercício
do diálogo, já se interroga e constrói as saídas e negociações.
Portanto, defendemos que o futuro das práticas pedagógicas em EJA depende
do reconhecimento de que é herdeira e do rico legado da Educação Popular,
legado este que necessita ser reinventado na escola. Embora estejamos
vivendo um outro momento histórico, os dados coletados confirmam que, para
grande parte dos profissionais, a EJA continua sendo um ensino de segunda
mão, um ensino menor e destinado às camadas mais pobres da população.
Desta forma, a luta por uma escola efetivamente popular e democrática,
continua sendo o horizonte a ser alcançado.
A seguir, continuamos dialogando com as questões emergidas na fala dos
educadores de EJA, agora na relação direta com alunos e alunas na escola.
109
7.3 DA PERSPECTIVA DOS(AS) EDUCADORES(AS) NA RELAÇÃO COM
OS SABERES DOS EDUCANDOS E DOS SENTIDOS DA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES(AS) PARA A MODALIDADE EJA
No tópico anterior foram feitos registros das discussões realizadas no contexto
da “roda de conversa”, ou seja, num espaço de distanciamento das relações
produzidas na escola. Acreditamos que este distanciamento e a dinâmica
promovida proporcionavam às pessoas envolvidas condições para
problematizarem e refletirem sobre sua prática imersa no cotidiano da escola.
Neste contexto mais específico, os recortes de situações vividas na escola
apontam para um paradoxo, pois, enquanto coletivos, de forma distanciada,
refletem sobre suas práticas, os profissionais antevêem questões, pensam
sobre as situações do cotidiano e projetam saídas. Contudo, esta mesma
dinâmica se mostra diferente no contexto escolar e nas interações com os
sujeitos alunos e alunas in loco. Na sequência, os acontecimentos que nos
fazem pensar desta maneira.
Agora, nesta parte, o objetivo foi “capturar” as relações estabelecidas in loco,
procurando saber como os(as) educadores(as) lidam com os saberes e
conhecimentos dos(as) alunos(as) da EJA no dia a dia e na dinâmica das
atividades escolares.
Percebemos nas falas dos professores um incômodo com o silenciamento dos
alunos. De acordo com eles(as), este silencio é recorrente e constitui desafio
em sala de aula. Por isso, insisti em problematizar mais este aspecto, como se
vê a seguir, por meio de alguns excertos de entrevistas.
1ª) ENTREVISTA 50
PERGUNTA: O que fazer com o silêncio observado em nossas turmas? Não
deveríamos mudar o jeito e forma de perguntar? E se partíssemos da
50
Entrevista concedida por uma professora do EJA, em setembro de 2008, no município de Cariacica.
110
perspectiva e da realidade do aluno? Ou seja, formular a pergunta a partir do
contexto do aluno e depois ampliar a perspectiva?
Resposta: Há uma concepção cristalizada entre nossos alunos do que seja uma sala de aula: um espaço apenas de receber conteúdos. Observo isso na postura dos alunos de apenas “receptores de conteúdos”. Eles têm esta concepção não só do conteúdo, mas da escola como todo. Qual a experiência de vida deles? A padaria, o quintal de casa. Talvez eles queiram uma aula diferente, um professor animador cultural, mas o mercado de trabalho não dará a eles esta flexibilidade de escolha. Há uma falta de perspectiva do nosso público que é reforçada pela escola quando trabalha a partir da realidade dos nossos alunos, ou seja, a realidade de mais pobreza, do mangue... sobre esta realidade eles já dão aula até para biólogo, a escola está enclausurando os alunos no próprio ambiente deles. Por exemplo, levei para a praia de Camburi alguns alunos, tínhamos alunos de 16, 17 e 18 anos que não conheciam praia. Aquele ambiente impactou alguns alunos, eles ficaram impressionados observando, Penso que é isso o que a escola deveria fazer: mostrar outras realidades, para criar no aluno o desejo de “sair” de sua realidade, o desejo de superação.
2ª) ENTREVISTA 51
O professor pontua que é a primeira vez que está trabalhando com a EJA e
relata:
Resposta: Combinamos de trabalhar em sala de aula a “cartilha/manual dos trabalhadores” e fazer deste trabalho um projeto. No entanto, apenas iniciei as discussões na sala de aula, pois os alunos não participaram da forma como imaginei, ficaram calados, olhando para mim [...]. .
PERGUNTA: Você já pensou sobre isso? O que poderia provocar esta atitude,
numa temática que é tão próxima do universo do nosso aluno? Já se perguntou
sobre os aspectos que podem causar este silenciamento?
Resposta: Eu até criei uma imagem para conseguir entender isso. Eles são espigas de milho porque a gente descasca, descasca... e quando acha que está chegando no caroço (o conhecimento) tem mais e mais cascas [...].
51
Entrevista concedida por um professor do EJA, em setembro de 2008, no município de
Cariacica.
111
PERGUNTA: E qual seria a sua função e da escola neste processo?
Resposta: A escola teria que se constituir um espaço para dinâmicas entre os alunos, um espaço de discussão que configura a própria EJA. O espaço que o professor ocupa é muito pouco e curto e isso seria função do pedagogo. O professor é o responsável pela “técnica”, os conteúdos, não dá para parar a aula e fazer dinâmica, nós não temos tempo para isso.
3ª) ENTREVISTA 52
Ainda sobre o silenciamento das turmas quanto aos conhecimentos e temáticas
abordadas, um professor diz:
A ansiedade com os conteúdos não seria só nossa? Percebo que a informação que trabalhamos em sala só é elaborada depois. Eles não falam porque têm medo de falar coisa errada, medo do ridículo. Nós, como representantes da burguesia, estamos impregnados dos nossos valores e os nossos valores são os socialmente valorizados. Eles vêem para a escola porque ainda existe a ideia que o conhecimento escolar faz “subir na vida”. Então, estar na escola é um ritual que eles já entenderam que é precisam para assimilar os conteúdos, mas, na verdade eles não querem saber dos conteúdos porque não se ganha dinheiro com isso. Isso é valor da burguesia branca, nós passamos por este ritual, somos este ritual.Ficar em silêncio ou não ficar em silêncio é simplesmente uma forma de lidar com o ritual.
Refletindo sobre a questão, uma professora que acompanha a entrevista
revela: “Comigo, eles [os alunos] não ficam silenciosos. Trabalho o assunto:
água, alimentação, DST... Eu é quem tenho dificuldade em falar...” (Informação
verbal)53.
Tentando dialogar com essas situações, defendemos que a formação política é
um constante desafio para quem se propõe ser educador, seja esse desafio
formal ou popular. O aspecto político é colocado como elemento de formação
que caracteriza o sujeito como agente da sua história. Dessa forma,
52
Entrevista concedida por um professor do EJA, em setembro de 2008, no município de Cariacica. 53
Informação concedida por uma professora do EJA, em setembro de 2008, no município de Cariacica.
112
percebemos que a mesma escola e os mesmos profissionais que sustentam
uma discussão política e de viés emancipatório têm dificuldades para fazê-lo
quando esta se realiza com foco na própria prática.
Na escola, os espaços coletivos tendem a ser preenchidos com práticas
individualizadas, o que vai desenhando a docência no dia a dia como
protagonização de um personagem criado para sobreviver às tensões de “mais
um dia”, aos dilemas e desafios impostos pelas práticas e relações no contexto
da escola, que, de fato, vem sendo chamada a exercer inúmeros papéis que
não apenas o de ensinar.
Paralelo a isso, o campo da EJA passa por um momento de (re)configuração, o
que acentua a necessidade por formação. Ao mesmo tempo constata-se oferta
insuficiente desta formação, seja a realizada na universidade ou a oferecida
pela via da formação continuada e em serviço na SEME. Esta, mesmo
acontecendo com regularidade no município apontado, agrega um número alto
de participantes, o que vem inviabilizando trocas mais consistentes como a que
aconteceu na “roda de conversa”. As rodas, com um número mais reduzido de
pessoas, possibilitaram mais trocas entre os participantes.
Portanto, a experiência da “roda de conversa”, e a (con)vivência na escola
sinalizam questões que apontam o tamanho das contradições que enredam os
profissionais da EJA em sua prática cotidiana, estejamos nós na SEME ou nas
escolas. Há um tipo de saber e de intenção que a fala expressa e outro que a
ação encarna. Essa dicotomia está instaurada nas ações pedagógicas e no
movimento desenhado pela EJA no sistema e na escola gerando conflitos de
várias naturezas, mas também apontando a necessidade de superação.
7.3.1 PARA AVANÇAR O DEBATE É NECESSÁRIO TRANSFORMAR O
OLHAR
A possibilidade de ampliar o diálogo passa por um novo olhar que necessita ser
(re)construído e que (re)conheça jovens e adultos em tempos e percursos de
113
jovens e adultos. Desta forma, uma vez problematizados “quem são”, “o que
querem”, “quais suas expectativas” com a escola e o que representam,
enquanto coletivos, estas pessoas que compõem nossas turmas de EJA, uma
prerrogativa é esta transformação do olhar.
As discussões realizadas nas rodas de conversa indicaram que a escola vem
sentindo necessidade de se colocar neste movimento. Contudo, imersos na
prática e nas situações concretas, os(as) educadores(as) distanciam – se
daquela perspectiva mais crítica adotada.
As pessoas que frequentam a escola na EJA precisam ser vistas como sujeitos
sociais e não simplesmente como “alunos” ou qualquer outra categoria
generalizante. A escola e os profissionais que desejam realmente estabelecer o
diálogo e fazer educação de jovens e adultos necessitam dar-se conta disso,
ou perpetuarão o muro das lamentações em que veem se constituindo nossas
escolas por dentro das práticas.
É preciso vê-los, a alunos, alunas e a EJA, para além das carências e lacunas
sociais e do percurso escolar, não como continuidade da escolarização perdida
na idade própria. A EJA não pode se restringir a uma segunda oportunidade de
escolarização. Arroyo defende que
Essa mudança de olhar sobre os jovens e adultos será uma pré-condição para sairmos de uma lógica que perdura no equacionamento da EJA. Urge ver mais do que alunos ou ex-alunos em trajetórias escolares. Vê-los jovens – adultos em trajetórias humanas. Superar a dificuldade em reconhecer que, além de alunos ou jovens evadidos ou excluídos da escola, antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas, eles e elas carregam trajetórias perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência (2005, p. 24).
114
Mas todas estas questões implicadas na transformação do olhar se deparam
com um dado marcante na nossa sociedade: o olhar negativo sobre as classes
populares, “um traço da nossa cultura elitista”. Traço este presente nas nossas
escolas, representado nas falas dos professores entrevistados e que se faz
necessário superar, caso se queira avançar no debate exigido pela modalidade
EJA atualmente.
7.3.2 A TRANSFORMAÇÃO DO OLHAR POLITIZA A EDUCAÇÃO E OS
EDUCADORES DA EJA
A reflexão é uma prática necessária ao professor, especialmente quando aceita
uma maneira de busca, de pesquisa, de avaliação e de aprimoramento
permanente. A transformação do olhar que discutimos insere-se nesta
dinâmica política e pedagógica de entender a EJA de forma mais totalizante e
positiva, reconhecendo a importância das classes populares, como detalhado
nas entrevistas com alunos e alunas, em que cada percurso registrado é um
percurso emancipatório.
O olhar politizado acredita na potencialidade das populações empobrecidas.
Segundo Freire, “não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o
desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o
diálogo com ele, de que resulta o saber crescente de ambos” (2005, p. 28). “E
crer no povo é a condição prévia, indispensável à mudança revolucionária. Um
revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do
que por mil ações sem ela” (p.53).
Freire observa (2005, p. 78) que esta politização é possível por meio da ação
de problematizar a realidade. Pontua que problematizar um pensamento é
pensa-lo para além dele mesmo e que a educação problematizadora rompe
com os esquemas verticais característicos da educação bancária, diz que o ato
de problematizar não seria possível fora do diálogo.
115
Então, não seriam este olhar e prática problematizadora determinantes à
(nova) reconfiguração do campo da EJA? Isso demanda escolha e clareza,
com a qual os educadores devem se perguntar para quem e em benefício de
quem estão trabalhando, quando a suposta neutralidade é uma alternativa
conveniente para se dizer que se está do lado das camadas historicamente já
beneficiadas.
Ao longo de toda sua obra, Freire argumenta sobre a impossibilidade de
práticas educativas neutras. Talvez seja essa uma de suas ideias mais
preciosas: a desconstrução da supremacia do saber escolar, ao mesmo tempo
em que realiza um chamamento aos educadores e educandos ao engajamento,
à militância comprometida com o diálogo no mundo e com o mundo.
Portanto, o que significa ser educador de jovens e adultos do ponto de vista da
politização? Miguel Arroyo confirma que esse educador deve
[...] incorporar a “herança acumulada” da modalidade nas lutas pela emancipação dos sujeitos, e que, historicamente, [...] esse educador era militante, ensinava a ler, ensinava a escrever, mas ia além do somente alfabetizar, ele não cabia no esquema escolar de alfabetizador (2006, p.20).
Pertinente é a reflexão oportunizada por Gallo ao citar Antonio Negri, quando
este afirma que já não vivemos um tempo de profetas, mas, sim um tempo de
militantes. Segundo o filósofo,
[...] hoje, mais importante do que anunciar o futuro, parece ser produzir cotidianamente o presente para possibilitar o futuro [...] deveríamos estar nos movendo como uma espécie de professor – militante, que, de seu próprio deserto, de seu próprio terceiro mundo, opera ações de transformação, por mínimas que sejam (2003, p. 71-72).
Desta forma, utilizando das ideias de Gallo e Negri, podemos pensar nas
biografias necessárias, reinvindicadas e coerentes com a trajetória da EJA.
Nesse sentido,
116
O professor seria aquele que procura viver a miséria do mundo, e procura viver a miséria de seus alunos, seja ela qual miséria for, porque necessariamente miséria não é apenas uma miséria econômica; temos uma miséria social, temos miséria cultural, temos miséria ética, miséria de valores. [...] O professor militante seria aquele que, vivendo com os alunos o nível de miséria que esses alunos vivem, poderia, de dentro desse nível de miséria, de dentro dessas possibilidades, buscar construir coletivamente (GALLO, 2003, p. 73).
Em toda sua produção, Freire também referia-se à militância na educação.
Dizia sempre que “educação é um ato político”, e, portanto, não se trava
individualmente. O que não devemos confundir com a imposição, porque, “o
educador dialógico não tem é o direito de impor aos outros sua posição. Mas
[...] nunca pode se calar a respeito das questões sociais, não pode lavar as
mãos em relação a esses problemas (207). Referia-se ainda que os
educadores não têm “o direito de impor aos outros a sua posição”:
[...] a ideologia dominante marca sua presença na sala de aula, em parte tentando convencer o professor de que ele deve ser neutro, a fim de respeitar os alunos. Esse tipo de neutralidade é um falso respeito pelos estudantes. Ao contrário, quanto mais me calo sobre concordar ou não concordar, em respeito aos outros, mais estou deixando a ideologia dominante em paz (1986, p. 206 e 207)
Portanto, militância também pressupõe “postura vigilante contra todas as
práticas de desumanização”. Pressupõe escolha, valores, opções,
engajamento, sonho e ação coletiva que pode e deve ser realizada nas
diferentes frentes do cotidiano. Desta forma, o trabalho de formação da
“consciência militante” tem na Educação de Jovens e Adultos condições
históricas e políticas favoráveis porque a EJA é um campo de luta pela
conquista de direitos negados. Assim, retomamos a ideia de que
[...] quando falamos de jovens e adultos populares, o direito à educação está sempre entrelaçado nos outros direitos. Os jovens e adultos sempre que voltam para a escola, voltam pensando em outros direitos: o direito ao trabalho, o direito à dignidade, o direito a um futuro um pouco mais amplo, o direito a terra, o direito à sua identidade negra ou indígena. Esse traço é muito importante, a educação de jovens e adultos nunca aparece como direito isolado, sempre vem acompanhada de lutas por outros direitos (ARROYO, 2006, p. 29).
117
É neste sentido que a militância e a formação de militantes da EJA é assumida,
a despeito das polêmicas produzidas por aqueles e aquelas partidárias de uma
“educação neutra”, que veementemente negamos. É nessa perspectiva de
militância que acreditamos: aberta e inconclusa, porém sempre
problematizadora da realidade e das possibilidades de intervenção política,
propulsora de aprendizagem contínua na construção das possibilidades de
emancipação e que necessita ser travada em diversos espaços – materiais,
simbólicos e conceituais.
7.4 NA PERSPECTIVA DOS EDUCANDOS E DAS EDUCANDAS:
RESISTÊNCIA, AUTORIA E EMANCIPAÇÃO AQUI E AGORA
Concluiremos a apresentação dos dados pela escuta da voz dos sujeitos
alunos e alunas da EJA. A interação com os alunos na escola permitiu que
conhecêssemos várias biografias. E foram muitas! Como critério para registro,
destacamos a diversidade etária/ de gênero e trazemos alunos nascidos nas
décadas de 1950 (um aluno), 1960 (um aluno), 1970 (um aluno e uma aluna),
1980 (uma aluna), 1990 (um aluno).
Quanto aos alunos e alunas mais novos(as), ou seja, geralmente aqueles e
aquelas com idade de 15 a 24 anos, observamos a enorme dificuldade da
escola em transitar pela cultura juvenil, e a dificuldade também dos alunos em
dialogar com as atividades realizadas na escola, que nem sempre levam em
consideração as características típicas deste tempo de vida. Então, com estes
optamos por oficinas coletivas e encontros para discussão de temáticas atuais,
que fossem de seu interesse e mais próximo de seu universo cultural, material
que será discutido ao longo deste texto.
Daniel Pereira Data de Nascimento: 25/10/1954 (55 anos) Profissão: pedreiro Eu era do interior da Bahia, morava na roça e não tinha condições de estudar. Nunca fui à escola, no interior era difícil chegar até a escola que ficava muito longe da casa da gente. E a pessoa tem que ter estudo, tem que pelo menos saber assinar o nome, porque colocar o dedo na tinta é muito ruim. Eu não precisei da escola para arrumar emprego e criar minha família, tenho emprego e ganho bem, mas é
118
necessário a pessoa saber ler, escrever. A escola é importante para a gente. Aqui eu faço amizade e a coligação com as pessoas é muito importante (Informação verbal)
54.
Odilon Silva Data de Nascimento: 28/07/1964 (45 anos) Profissão: motorista instrutor Procurei a escola porque a empresa fez pressão. Tenho até a 4ª série e eu e quem mais que não tem o 2º grau tá correndo o risco de ser mandado embora. Já tenho 16 anos de firma e disse para eles que eu tô correndo atrás, mas tem que ter paciência. Eu uso muito a escrita no meu trabalho, faço a seleção dos motoristas candidatos, escrevo nas fichas que vão para o RH. Hoje mesmo vi um erro de escrita que tinha cometido na semana passada e corrigi, a escola está me ajudando, antes eu não conseguia ver estes erros, não percebia (Informação verbal)
55.
Maristela Almeida (38 anos) Data de nascimento: 14/07/1971 Profissão: doméstica Eu vim procurar na escola muito português e matemática, porque para ser uma doméstica é o que eles mais exigem. Arte é para criança e adolescente. Ciências e geografia e o restante a gente aprende fora. Se quiser ir para frente a gente tem que fazer esforço. A gente aprende tudo na prática. Nos cursos aí fora não é assim? No curso de autoescola e enfermagem eles passam o básico, o técnico aprende o básico e depois corre atrás do resto. Eu quero aprender português e matemática, tenho que aprender porque eles me passaram quando era nova para a quinta série sem eu saber ler. A gente não aprende tudo na escola, quem fala que aprende tudo na escola tá mentindo. Você aprende é por você mesmo, se você tiver interesse. É um pensamento meu. Voltei para a escola por vergonha, porque minha patroa assinou um cheque e deu para mim preencher, não sei preencher cheque e tive que chamar os filhos dela. Então pensei: “eu quero ser dependente de mim mesma para qualquer coisa”. A gente só tem a gente neste mundo. Quero ir para a auto escola tirar carteira. Sem estudar como vou conseguir comprar meu carro? Estou lutando sozinha. Mas se eu consegui construir minha casa sozinha e Deus, mesmo sendo enganada pelos pedreiros que acham que só porque sou mulher não entendo de obra, se eu consegui construir minha casa, o quê mais não consigo nesta vida? (Informação verbal)
56.
João Batista Alves da Silva Data de Nascimento: 18/03/1972 (37 anos) Profissão: gari Estudei no interior, na roça, quando completei 12 anos comi uma banana marmelo, chamada 3 quina junto com mamão maduro do sol que me fez mal, me causou um problema, que se não fosse o chá margoso de macaé que minha mãe me deu eu tinha morrido. Parei de estudar porque a partir daí não aprendi mais nada. A escola era difícil e longe de casa, ia a pé ou em condução num carro muito ruim para carregar a gente.Também tinha a colheita de café e eu tinha
54
Informação concedida em outubro de 2008, em Cariacica. 55
Informação concedida em outubro de 2008, em Cariacica. 56
Informação concedida em novembro de 2008, em Cariacica.
119
que ajudar meu pai na roça com o serviço. Meu pai reclamava muito e eu ficava com dó dele. Hoje, depois de pelejar muito com alguns patrões, consegui um chefe que fez um horário para eu conseguir chegar no horário na escola. E hoje estou aqui. Estou empregado, mas quanto mais estudo tiver melhor. A escola vai oferecer um futuro melhor deste que eu tenho. Se eu entrasse na firma que eu trabalho nos dias de hoje eu não ia conseguir, porque hoje eles estão fichando a partir do 1º grau. Hoje fui eleito delegado do orçamento participativo no meu bairro, se for preciso ir para a reunião eu vou porque aqui na escola eu tenho ajuda para me desenvolver. Como delegado do orçamento eu tenho que falar, dar opinião, acompanhar as obras e o andamento do serviço, se eu não tenho estudo como vou conseguir falar e conversar com as empreiteras e o pessoal da prefeitura? Emprego é só pelo estudo, sem estudo a pessoa fica isolado, não tem como correr atrás de nada. Tudo que a gente faz na escola ajuda a gente. Quando não estava estudando não sabia de nada disso, nem para a igreja tinha vontade de ir, achava tudo difícil, era dormir. E hoje, graças a Deus, sobra tempo para tudo. Agora ta tudo bom, trabalho, venho para a escola, vou à igreja (Informação verbal)
57.
Joana Silva (23 anos) Data de nascimento: 08/ 10/1985 Profissão: balconista Morava no nordeste, no interior da Paraíba, a escola ficava longe. A gente tinha que sair de casa às 10 horas da manhã, andar 9 quilômetros até o lugar onde o ônibus passava para pegar a gente e depois o ônibus ainda rodava mais 10 quilômetros até chegar na escola. Isso todo dia, faça sol ou chuva... Às vezes o ônibus quebrava e a gente tinha que fazer todo o caminho a pé... E era muita, mas muita poeira mesmo, e eu tinha um problema respiratório, e com toda aquela poeira e sol foi só se agravando e não pude mais andar para pegar o ônibus. O jeito foi largar a escola. Agora morando aqui na cidade, a facilidade é imensa e não deixo de estudar de jeito nenhum, ano que vem já termino a 8ª série e, se Deus quiser, vou fazer o ensino médio e vou até a faculdade. Os meninos e essas meninas também, que sempre moraram perto de tudo, não sabem o que é dificuldade, por isso não dão valor e fazem toda essa bagunça. A gente fica até meio desanimada, mas não vou desistir não (Informação verbal)
58.
Evaristo do Nascimento (26 anos) Data de nascimento: 20/04/ 1993 Profissão: gari Acordo todos os dias 4 e meia da manhã, me arrumo e fico esperando o caminhão de lixo. Corro atrás do caminhão 40 quilômetros por dia atirando os sacos de lixo, já me acostumei com o mal cheiro mas estou correndo atrás de uma coisa melhor. Trabalho até 2 e meia no caminhão, depois vou para a auto escola, estou tirando carteira de moto e carro e quero fazer o curso de vigilante. A escola está me ajudando nos meus objetivos e mesmo cansado
57
Informação concedida em novembro de 2008, em Cariacica. 58
Informação concedida em novembro de 2008, em Cariacica.
120
venho. Tem dia que dá 9 horas e estou dormindo na sala em cima do caderno mas penso no meu objetivo, lavo o rosto e acordo. Essa meninada nova que tá aí não sabe o tempo que tá perdendo, vão descobrir depois (Informação verbal)
59.
Os relatos destes alunos e alunas mostram que ler e conversar sobre
educação de adultos não é suficiente. É preciso entender, conhecer
profundamente, pelo contato direto, a lógica do conhecimento popular, sua
estrutura de pensamento em função da qual a alfabetização ou a aquisição de
novos conhecimentos tem sentido.
Estes são sujeitos que estiveram fora da regularidade do ensino, mas que
possuem conhecimentos, experiências educativas e aprendizagens que devem
servir como pontos de partida para novas aprendizagens quando estes
retornam à escola. Aspectos que, na prática, os profissionais da EJA parecem
esquecer. O desejo de superação e as maneiras de concretizar projetos de
vida estão registrados nas falas que contam da caminhada e conquista da
emancipação pretendida por alunos e alunas.
Portanto, de todo o material produzido, recortado e exposto até aqui podemos
extrair mais alguns elementos para alimentar a reflexão necessária para a atual
(re)configuração da EJA no contexto escolar. Assim, constatamos que a
maioria dos alunos, mesmo os mais jovens, estão engajados em dinâmicas
emancipatórias e buscando ampliação do exercício da cidadania, a própria
atitude de retornar a escola significa, na fala de muitos, um passo a mais na
decisão que tomaram de tornarem-se, cada vez mais, sujeitos da própria vida.
Este dado contrapõe-se com a atitude e fala de alguns educadores, nas falas
anteriormente descritas. Ainda, uma outra questão se fez ver quanto aos
alunos mais jovens. De fato, são muitos os adolescentes na escola, mas
aqueles que se colocavam às margens das atividades propostas, pressionando
a escola por alternativas metodológicas e curriculares, representavam
59
Informação concedida em novembro de 2008, em Cariacica.
121
aproximadamente 10% do público que freqüenta a escola com regularidade.
São fatos que interpelam o coletivo, desde que estes queiram ouvir.
7.4.1 A PLATAFORMA DO DIÁLOGO: QUEM SÃO ESTES ALUNOS E
ALUNAS
Para conhecer os(as) alunos(as) é necessário interessar-se, perguntar,
dialogar com cada educando e educanda, sob o risco de falarmos de histórias
e sujeitos abstratos. Quando conversamos com estes alunos(as) e os
escutamos foi impossível não se permitir sensibilizar por suas trajetórias e
aprender sobre ser mais gente e educador(a), consequentemente repensar
didáticas e metodologias das aulas a partir das vicissitudes experienciadas por
estes alunos(as). A partir destas experiências temos a chance de desconstruir
ideias pré-concebidas a respeito de jovens e adultos populares.
O ponto de partida da pergunta – como dispositivo – sobre quem são esses
jovens e adultos, se faz uma das estratégias. São alunos em diferentes faixas
etárias e distintos níveis de conhecimento e maturidade, que foram
historicamente excluídos da educação formal, mas que trazem consigo a
experiência da vida e que veem na escola a possibilidade de reconstruir e
validar seus conhecimentos.
Reconhecer as diferenças e olhar para a diversidade presente nas salas de
EJA é o primeiro passo no sentido da reparação da dívida social com aqueles
que têm direito à educação oficial pensada enquanto direito de todos, mas que,
por diversos fatores, lhes foi negado (PARECER CEB 11/2000).
O “estar sendo” dos alunos e alunas da EJA foi e é conformado dentro da
lógica histórica da desigualdade estrutural deste país de quem as camadas
populares são vítimas. Na EJA está o povo, classe desde sempre submetida
aos ditames históricos de um país forjado entre os interesses das elites
agrárias e da burguesia nacional, uma sociedade cuja sorte tem sido guiada
por interesses coloniais e neocoloniais.
122
Desta forma, não é novidade que a conformação de nossa sociedade e o que
denominamos genericamente povo são as pessoas que ocupam nossas salas
de aula na Educação de Jovens e Adultos – historicamente um povo
atomizado, despersonalizado, anônimo, subtraído, cujas iniciativas de
resistência às elites do país insistem em manter no esquecimento.
Arroyo afirma que a EJA se constitui no povo e para o povo. Portanto, se a EJA
nomeia jovens e adultos pela sua realidade social – oprimidos, pobres, sem
terra, sem teto, sem horizonte, repetentes, defasados, aceleráveis,
analfabetos, subcidadãos, desclassificados, candidatos à suplência,
discriminados, marginalizados, evadidos ou com problemas de frequência e
aprendizagem – ela deixa de fora dimensões de sua condição humana que são
fundamentais para experiências de educação.
Como (re)nomear os educandos populares? Compreender que a exclusão tem
rosto, digital, endereço e biografia é fundamental para compreender que a
biografia dos sujeitos deve atrelar-se a um projeto de sociedade nem sempre
discutido/ assimilado pelos processos de escolarização na EJA “normatizada”.
Esta é a questão primeira, o foco central de qualquer proposta pedagógica
para se pensar a EJA, do contrário a diluiremos nas modalidades
escolarizadas de ensino fundamental concebido como referência e ideal.
A maioria marginalizada constitui coletivos de adolescentes, jovens, adultos e
idosos marcados pela exclusão. Mas quem são estas identidades coletivas
formadas por pessoas com biografias específicas, como as que relatamos
anteriormente? Estes jovens e adultos repetem histórias de negação dos
direitos, as mesmas de seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe
social. Será que a escola as (re)conhece?
Uma das ações para a (re)configuração da EJA virá deste reconhecimento das
especificidades de seus sujeitos coletivos, pois “quando se perde essa
identidade coletiva, racial, social, popular dessas trajetórias humanas e
escolares, perde-se a identidade da EJA, que passa a ser encarada como
123
mera oferta individual de oportunidades pessoais perdidas” (ARROYO, 2005,
p. 30). A dimensão da modalidade como coletivo histórico não pode se perder.
Portanto, não basta a conquista do sistema escolar, com a inclusão da EJA no
FUNDEB. Será necessário que a escola faça uma escolha e se disponha a
conhecer quem são estes sujeitos, suas trajetórias de vida e sua herança de
direitos negados. Só assim poderá viabilizar uma articulação com as
trajetórias escolares e tornar mais prazerosos estar na EJA e os momentos
vividos à noite na escola. E isto, indubitavelmente, é uma decisão a ser feita na
perspectiva de cada unidade de ensino.
7.4.2 DE ONVE VEM A (IN)VISIBILIDADE DOS ADOLESCENTES E JOVENS
DA EJA?
Na EJA, mais que nos outros níveis de ensino, o coletivo se auto-organiza
facilmente. Na escola, a observação da forma como os alunos estabelecem
suas relações, como se organizam e se agregam já traz embutida a direção
que o trabalho pode e deve tomar, principalmente com os mais jovens –sujeitos
que se confrontam de forma mais aberta com as estruturas existentes de poder
e não se conformam às regras escolares.
Portanto, tentar compreender “quem são estes alunos” interpela sobre as
trajetórias de adolescentes e jovens que na escola pesquisada já representam
maioria nas salas de aula de 3º e 4º ciclo. Curioso é que estes alunos
constituem “o grupo”, dentro do coletivo de alunos da EJA, que mais faz
barulho e movimenta a escola porque também desafiam as regras
estabelecidas – sendo assim, neste aspecto são visíveis. Contudo, também
são as pessoas que mais a escola “faz de conta” que não vê, são, portanto, os
invisíveis, sua visibilidade vem como “o problema a administrar e a tolerar” e as
dimensões culturais típicas de um tempo de vida e um modo de ser
adolescente e jovem raramente são considerados nos espaços tempos
escolares.
124
Durante muito tempo a juventude foi vista como um tempo de preparação para
a vida adulta. Nas últimas décadas, vem se revelando como tempo humano,
cultural, social, cultural, identitário e que se faz presente nos diversos espaços
da sociedade, um tempo que traz suas marcas de socialização e sociabilidade,
de formação e intervenção. Estado e sociedade, pressionados pelas
estatísticas que apontam os altos índices de violência onde as principais
vítimas são os jovens, vêm reconhecendo a juventude como um tempo de
direitos humanos e “a urgência de elaborar e implementar políticas públicas da
juventude dirigidas à garantia da pluralidade de seus direitos e ao
reconhecimento de seu protagonismo na construção de projetos de sociedade,
de campo ou de cidade” (ARROYO, 2005, p. 21).
Pensar a EJA na perspectiva emancipatória para todos os sujeitos implica
pensar a confluência dessas políticas da juventude e o reconhecimento da
especificidade humana, social e cultural desses tempos da vida como tempo de
direitos. A EJA precisará se aproximar das perspectivas pretendidas pelas
políticas de juventude. A finalidade não poderá suprir carências de
escolarização, mas garantir direitos específicos de um tempo de vida
vivenciado no agora.
A presença marcante destes alunos nas salas de aula no período noturno tem
desafiado educadores e gestores. A convivência, como já pontuado pelos
alunos mais maduros e por professores(as) não está fácil, nem para os jovens
e nem para os demais. Andrade pondera:
[...] o que incomoda o sistema educacional é o fato de que, apesar desses jovens terem todos os motivos compreensíveis para não voltar à escola, a ela retornam, mesmo sabendo dos limites e das dificuldades que lhes são colocados para construir uma trajetória escolar bem sucedida (2004, p. 50).
125
Nas oficinas, entrevistas e na convivência com estes jovens, constatamos que
este retorno à escola é marcado mais por iniciativas individuais e solitárias, ou
seja,
[...] é muito mais produto de esforço e mobilização individual do que de um efetivo investimento familiar ou de grupo ou, menos ainda, do próprio sistema educacional, que impõe uma série de barreiras para esse retorno, desde as próprias condições limitadas de acesso até a inadequação de currículos, conteúdos, métodos e materiais didáticos, que, geralmente, reproduzem de forma empobrecida os modelos voltados à educação infanto-juvenil (2004, p. 50).
Na constatação feita por Andrade, existimos pela legitimação do olhar do outro,
e, quando o sistema educacional olha para os jovens com algum respeito, está
dando-lhes a convicção de que têm algum valor. Talvez, aí encerre o início de
um trabalho com este grupo cultural, que tem o direito de retornar e
permanecer na modalidade.
Portanto, frente às estatísticas que apontam a quase totalidade do adolescente
e jovem nas salas de aula de EJA, segundo Carrano é preciso abandonar toda
pretensão de elaboração de conteúdos únicos e arquiteturas curriculares
rigidamente estabelecidas, a aposta e o risco estaria na realização do
inventário permanente das trajetórias de vida, assumindo “toda a radicalidade
da noção de diálogo da qual nos fala Paulo Freire” (2008).
Um jogo que, certamente, envolve a superação da postura da escola, que,
como estratégia de dominação, desqualifica aquilo que a ameaça. Como
exemplo, há a desqualificação das culturas juvenis urbanas: o funk, o rap, as
tatuagens, o grafite, a música alta, a dança de rua, os piercings etc. Estas
manifestações culturais, quando originadas nas classes populares,
amedrontam os profissionais da escola, como se apenas uma determinada
classe, a elite, tivesse direito às manifestações típicas de um tempo da vida.
Assim, a juventude da EJA segue ocupando a escola de forma plural e
extramente desigual, e, apesar das precárias condições de acesso e de
126
permanência oferecidas, eles e elas estão construindo formas de aparecer no
mundo, mesmo que por atalhos “espetacularizados” ou por caminhos ditos
“desviantes” (ANDRADE, 2004, p. 53). Está mais que na hora deste público ser
reconhecido nas esferas de poder dentro da escola, que, pressionada, não
pode mais “fazer de conta” de que ele não existe. É tempo de o sistema
educacional enxergá-los e, coletivamente, pensar e propor ações mais
afirmativas e de frente também nos contextos escolares.
Freire (2005, p. 87) dizia que nenhuma “ordem” opressora suportaria que os
oprimidos todos passassem a dizer: “Por quê?”. E os adolescentes e jovens da
EJA estão a nos interpelar o tempo todo com “por quê?”, numa expressão
típica e pertinente deste tempo de vida, mas que vai, infelizmente, sendo
desbotada nas mordaças da conformação, também por meio do aparelho
escolar, principalmente para os jovens mais pobres.
Isso contribui para a morte do espanto e da indignação, e, esta, para a morte
do inconformismo e da rebeldia (SANTOS, 1996 p. 16 e 17) – uma dinâmica
produtora de subjetividades adultas “vencidas”, que mal falam, mal escutam,
mal leem, mal participam, mal (sobre) vivem.
Sobre a multiplicação dos conflitos intraescolares e nas relações escola e
sociedade, Candau diz que vivemos “uma certa sensação de inadequação”,
que vem se acentuando, onde
É possível afirmar que são indicadores de que se está esgotando um determinado paradigma de se conceber e realizar a escolarização. A necessidade de reinventar a escola surge como desejo, projeto e caminho a ser construído (2008, p. 9-10).
Deste modo, de acordo com Santos (1996, p. 17), o objetivo principal do
projeto emancipatório consistiria em recuperar a capacidade de espanto e da
127
indignação e orientá-la para a formação de subjetividades inconformistas e
rebeldes. Perguntamo-nos: como a escola se posiciona frente a isso? A
convivência com a escola apontou que o coletivo vem percebendo e tentando
mobilizar-se nesta que é uma tarefa, sobretudo, complexa. Neste sentido, uma
saída seria o trabalho da tradução.
128
8 DA TRADIÇÃO ESCOLAR À ESCOLA DA TRADUÇÃO: GERANDO
“INÉDITOS VIÁVEIS” PARA ADOLESCENTES, JOVENS, ADULTOS E
IDOSOS
Uma coisa é um país outra um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento. Uma coisa é um país, outra o confinamento. Uma coisa é um país, outra um fingimento. outra um monumento. outra o aviltamento. Há 500 anos caçamos índios e operários, Há 500 anos queimamos árvores e hereges, Há 500 anos estupramos livros e mulheres, Há 500 anos sugamos negras e aluguéis. Este é um país de síndicos em geral, Este é um país de cínicos em geral, Este é um país de civis e generais. Povo também são os falsários e não apenas os operários, Povo também são os sifilíticos não só atletas e políticos, Povo são as bichas, putas e artistas e não só os escoteiros e heróis de falsas lutas, são as costureiras e dondocas e os carcereiros e os que estão nos eitos e docas. Uma coisa é o povo, outra a fome. Povo não pode ser sempre o coletivo de fome. Povo não pode ser um séquito sem nome. Povo não pode ser o diminutivo de homem. O povo, aliás, deve estar cansado desse nome, embora seu instinto o leve à agressão e embora o aumentativo de fome possa ser revolução. (SANT’ANNA, 1980)
A escola que acolhe, ou deveria, acolher as classes populares foi constituída
nesta sociedade cujas características o poeta mineiro Affonso Romano de
Sant‟Anna descreve, na tentativa de responder à pergunta e ao espanto que a
si mesmo coloca – “Que país é este?”.
129
A instituição escolar constituída neste substrato histórico cuja marca é a
desigualdade vem sendo provocada a (re) ver-se, de modo a tornar-se:
[...] nos próximos anos, mais do que um lócus de apropriação do conhecimento socialmente relevante, o científico, um espaço de diálogo entre diferentes saberes – científico, social, escolar, etc. – e linguagens. De análise crítica, estímulo ao exercício da capacidade reflexiva e de uma visão plural e histórica do conhecimento, da ciência, da tecnologia e das diferentes linguagens. É no cruzamento, na interação, no reconhecimento da dimensão histórica e social do conhecimento que a escola está chamada a se situar. Neste sentido, toda a rigidez de que se reveste em geral a organização e a dinâmica pedagógica escolares, assim como o caráter monocultural da cultura escolar precisam ser fortemente questionados. Devem ser enfatizadas a dinamicidade, a flexibilidade, a diversificação, as diferentes leituras de um mesmo fenômeno, as diversas formas de expressão, o debate e a construção de uma perspectiva crítica plural (CANDAU, 2008, p.14).
A afirmação remete-nos aos desafios que se colocam para a reinvenção da
escola e hoje se relacionam de forma mais contundente às articulações entre
igualdade e diferença, entre o currículo prescritivo e as necessidades de
aprendizagem de grupos sociais específicos. Na EJA estas “especificidades”
configuram a modalidade e determinam (ou deveriam determinar) a dinâmica
do trabalho pedagógico.
Durante o processo de pesquisa da Gestão da Educação do município e nas
inserções, tanto na SEME quanto na escola, constatamos que algumas
transformações foram efetivadas. A EJA realizada nos contextos escolares de
Cariacica está inserida nesta dinâmica “entre processos de democratização e
emancipação social” – onde os desafios são multifacetados e algumas
possibilidades viáveis, dentre estas:
A eleição de diretores em outubro de 2010, cumpriu a Legislação
Municipal (Lei de Gestão Democrática nas Escolas) e consolidou a
concepção de democratização e autonomia nas Unidades de Ensino;
Verificamos a ampliação do acesso e da oferta para todos os níveis e
modalidades;
Observamos a ampliação do quantitativo de escolas para a modalidade
EJA;
130
Oferta de merenda e uniformes para esta modalidade;
Aquisição de material didático específico;
Foco na realização de seminários e formação específica para os
educadores da EJA;
Ampliação dos espaços de discussão e avaliação, com a implantação da
modalidade EJA por ciclos, no esforço de superar a concepção de
Ensino Regular Noturno Semestral – ERNS, que traz em seu bojo o
legado da suplência.
Contudo, de acordo com os registros das “rodas de conversa”, e na fala
recorrente de educadores, diretores e pedagogos, são apontados que a
apropriação do conhecimento pelas classes populares e as possibilidades
emancipatórias que esta dinâmica poderia gerar ainda é um desafio a ser
superado.
Na EJA, por sua configuração desenhada na lógica da diversidade de sujeitos,
e em biografias cujas especificidades pressionam o coletivo escolar a
outras/novas propostas de trabalho, estas questões têm se tornado cada vez
mais contundentes e acirradas, gerando conflitos de toda natureza, com
recortes singulares e comuns em cada escola.
Os desafios dos técnicos da SEME, dos gestores e educadores que atuam
diariamente na escola não são poucos e não estão constituídos de forma
isolada. Gallo (2008) confirma esta impressão dizendo que
Vivemos hoje, nós que nos dedicamos à educação, qual Édipos diante da Esfinge. Ou deciframos o enigma que o monstro nos coloca ou somos devorados por ele. No processo educativo, ser devorado pela Esfinge é passar a fazer parte do sistema educacional vigente, tornar-se mais uma engrenagem dessa máquina social, reproduzindo-a a todo instante em nossos fazeres cotidianos. A condição de não ser mais uma engrenagem é sermos capazes de decifrar os enigmas que a crise na educação nos apresenta, conseguindo superar este momento de rupturas (2008, p. 15).
Um dos aspectos diz respeito ao próprio conceito de educação e a como a
escola se organiza para materializá-lo. Neste sentido, surge uma antiga
131
discussão, ainda não equacionada: qual seria a função da escola na
modalidade EJA? Instruir e transmitir conhecimentos prescritos, ditos “oficiais”,
e que na concepção dos educadores “prepararia” o aluno para cursos,
concursos e o competitivo mercado do trabalho, ou, trabalhar o currículo que
emerge das necessidades formativas destes alunos?
Nossos esforços em pensar nas possibilidades emancipatórias para a EJA
implicam reconhecer o caráter histórico de nossa tradição escolar, que sempre
foi excludente e elitista, discriminando os pobres e seus filhos. As classes
populares sempre encontraram nesta escola que aí está um saber elitizado e
colonizado, que depois se transformou, ele mesmo, e internamente, em saber
colonialista (FÁVERO, 2003).
Com a democratização e universalização do ensino publico, a escola pública se
tornou o lugar da educação oferecida para os subalternos e marginalizados. Os
ricos, migrando para escola particulares, perpetuam sua condição de classe
dominante, de mando e comando ao pagar por serviços educacionais que lhe
conferem e dão condições e ferramentas de ainda mais dominação.
No entanto, enquanto a elite se entrincheira nos condomínios de luxo e gasta
fortunas com segurança, as classes populares e os jovens e adultos da EJA já
perceberam, e faz tempo, um mundo no qual a escola não é o único lugar de
educação. Estas pessoas vêm se socializando e se empoderando nas
centenas de periferias que, quando conhecemos, é só de passagem.
No entanto são estes lugares que vêm educando: são as praças, as igrejas, os
bailes funk, as associações de moradores, os outros movimentos da sociedade
civil e até mesmo o tráfico, que representa hoje, para milhares, a possibilidade
de viver a cidadania negada, nem que seja nas brechas do sistema.
De forma legalizada, ou não, por caminhos “retos”, ou “desviantes”, os
explorados começam a reagir e essa reação apavora as elites, que vêm como
um problema as reivindicações por mudanças. A mudança não interessa às
camadas favorecidas, daí as maquiagens e slogans que não promovem
132
mudanças estruturais, é mudar para que “tudo continue como está”. Nesta
direção, cada vez mais, o coletivo escolar vem sendo chamado para refletir
sobre o sentido político de seu trabalho.
Santos diz que a burguesia internacional produz seus discursos e verdades
“dos vencedores”, nos quais o presente é uma eterna repetição: “A ideia da
repetição é o que permite ao presente alastrar ao passado e ao futuro,
canibalizando-os” (1996), ou seja, colaborando para que as coisas
permaneçam como são.
É neste quadro que se arrasta e consigo uma escola pública cuja tradição é ser
improdutiva, mas produtiva para o sistema econômico-social vigente
(FRIGOTTO, 2001), que a transformação e a emancipação social necessitam
ser pensadas. Porque de forma lenta, porém contínua, nas periferias de nossas
cidades um vulcão social está em atividade. Portanto, a modalidade EJA
oferecida na escola pública precisa (re) inventar-se, não como escola da
tradição, da repetição, da reprodução, mas como escola da tradução das
culturas que nela transitam.
A EJA desde sempre foi o campo onde as desigualdades sociais estão mais
concentradas e foi sempre chamada a se constituir nesta “escola da tradução”
devido às especificidades de seus sujeitos – o que já foi um dia, com a
Educação Popular, e pode voltar a sê-lo na reinvenção deste legado que
contém um olhar e uma metodologia de fazer educação com as classes
populares.
Penso que um passo inicial seria gestores e educadores termos a clareza de
onde vem o viés daquilo que pretendemos e realizamos na modalidade. Ou
seja, nas nossas escolas buscamos fazer Educação Popular, de inspiração
freiriana e emancipatória, ou, ainda reproduzimos a lógica do Ensino Supletivo,
instituído no Brasil por meio da Lei nº 5692/71, a partir da década de 1970?
Sabe-se que o Governo Militar reprimiu direta e violentamente pessoas e
grupos que atuavam nos movimentos de Educação Popular. A recomposição
133
deste movimento somente aconteceria posteriormente, de forma gradativa e
fora do aparelho do Estado.
Desta forma, o Ensino Supletivo foi instituído pelo Estado autoritário no período
pós 1964 e organizado, de acordo, com Haddad (1987, p15), para suprir as
necessidades do modelo capitalista gestado. A nova composição de forças no
poder produziu mudanças no campo das políticas sociais e, em especial, no
campo da educação de adultos, já que seria incompatível a proposta de um
grande país com baixos índices de escolaridade.
Portanto, Segundo Haddad (p 20), o Ensino Supletivo “atende ao objetivo
prioritário de formação de recursos humanos para o trabalho” e viria cumprir as
funções de suplência, que objetivava “suprir escolarização” e a aprendizagem e
formação metódica no trabalho, sem a preocupação com a formação geral.
Este aspecto dual ainda permeia as práticas na EJA e a pesquisa sinaliza a
necessidade dos coletivos escolares discutirem sobre qual desses legados
estariam impulsionando o trabalho realizado – o legado da Educação Popular
ou do Ensino Supletivo? O que está sendo tomado como referencia nas
práticas cotidianas?
Como equacionar esta tensão no âmbito da prática pedagógica efetiva nas
escolas? Na elaboração de um projeto político pedagógico? Nos objetivos,
conteúdos e metodologia de ensino selecionados? Na política de formação de
educadores (as) de EJA? Nas relações estabelecidas com alunos e alunas?
Avançar na política de EJA no município pesquisado implica considerar estes
aspectos às necessidades dos sujeitos adolescentes, jovens, adultos e idosos
que ocupam a escola e no aproveitamento da experiência de vida de cada
aluno e aluna.
A efetivação desta proposta pedagógica e política não pode ser creditada a
apenas um protagonista, é de responsabilidade coletiva: gestores e técnicos da
SEME, gestores e educadores que atuam mais diretamente na escola,
lideranças comunitárias, comunidade, alunos e alunas, universidades,
134
pesquisadores, e trato adequado à formulação de políticas de formação de
educadores (as) de EJA.
É uma tarefa complexa. A escola “da tradição”, representada pelos parâmetros
do Ensino Fundamental, ainda é o referencial para a maioria dos educadores
da EJA do município de Cariacica. Nesta pesquisa contraponho esta realidade
com a possibilidade do “trabalho da tradução”. Sobre o trabalho da tradução,
Bauman (2000) considera que
Longe de ser um passatempo específico de um grupelho de especialistas, a “tradução” está entrelaçada à vida cotidiana e é praticada por todos diariamente, a todo o momento. [...] A tradução está presente em cada encontro comunicativo, em cada diálogo. E deve ser assim porque a polifonia não pode ser eliminada do modo como existimos, o que equivale a dizer que as fronteiras que estabelecem sentidos continuam a ser traçadas de forma dispersa e descoordenada, à falta de um departamento cartográfico central e de uma versão oficialmente impositiva dos mapas de reconhecimento militar (2000, p. 203).
Nos conceitos freirianos de humanização, comunhão, descodificação,
incompletude de culturas e radicalidade dialógica (FREIRE, 2005) já estavam
inseridos as dimensões da tradução. Desta forma, defendo a didática da
tradução naquela potencialidade política e ideológica desenvolvidas por Freire
e não como “nova linguagem pedagógica” típica de um tempo e forjada como
mais um mecanismo de escamoteamento e manipulação.
A EJA deve assumir sujeitos, culturas e coletivos com longos e novos históricos
de exclusão, gerando novas formas educativas a partir de práticas pedagógicas
desenvolvidas como ferramentas de tradução. Na tradução o mundo é
desmontado, analisado. A(s) linguagem(ns) são o meio com o qual se realiza a
mediação com as coisas e a realidade.
Então, lembrando que a EJA também nasce na Educação Popular, e que esta
forma de educação pode inspirar nossas práticas na escola, já que constitui-se
num dos movimentos mais questionadores do pensamento pedagógico, e que,
segundo Arroyo, tem uma história muito mais tensa do que a história da
educação básica e que “nesta história nas últimas quatro décadas se cruzam,
135
nos chamando ao presente, os jovens trabalhadores, pobres, negros,
subempregados, oprimidos, excluídos”, então a didática da tradução seria
estabelecida entre estes coletivos, entre os campos da EJA e da Educação
Popular, nos tempos lugares escolares.
O trabalho da tradução conduz a uma pergunta: quem traduz? Santos (2006b,
p. 811) diz que o trabalho de tradução, como trabalho argumentativo, exige
capacidade intelectual e os tradutores podem encontrar-se tanto entre os
dirigentes de movimentos sociais como entre os ativistas das bases, diz que no
futuro próximo, a decisão sobre quem traduz irá, provavelmente, tornar-se uma
das mais decisivas deliberações democráticas na construção da globalização
contra-hegemônica.
Quanto ao quê traduzir? Santos pontua os conhecimentos que se situam nas
zonas de contacto. Zonas de contacto são campos sociais onde diferentes
mundos da vida normativos, práticas e conhecimentos se encontram, chocam
e interagem. São as intersecções criadas na convivência com e entre os
“diferentes”, os objetivos comuns estabelecidos no compartilhamento do
mundo comum e público.
Então, pensando a sala de aula da EJA como um espaço de vida, onde
educadores e alunos sejam os tradutores, caracteriza-se por um espaço
dinâmico, em movimento; que engloba as atividades ensinantes, as de caráter
socializante e a construção subjetiva e intersubjetiva dos homens e mulheres
que a transformam em espaço vivo.
As pessoas que dele fazem parte estão em inter-relações constantes e
complexas. Constantes porque, apesar de acontecerem naquele espaço, não
iniciam e nem terminam ali, pois enquanto seres inacabados, os homens e
mulheres trazem para as suas relações o que foram, o que estão sendo e o
que poderão vir a ser. E são relações complexas porque o que somos e como
nos relacionamos com os outros é o resultado de muitos encontros, com outras
pessoas, outros saberes, outros espaços.
136
O encontro em sala de aula envolve uma rede de relações que se intercruzam
numa dinâmica de vida na qual são inevitáveis os embates e as ambivalências.
O trabalho da pedagogia não é nivelar as diferenças, mas possibilitar
instrumentos para que os diferentes se confrontem de maneira menos
destrutiva; e, para isso, é preciso explorar o caráter do espaço que separa os
diferentes, a lacuna, o entre-lugar. Assim, a sala de aula caracteriza-se como
um espaço de fronteira dotado de entre-lugares, de espaços simbólicos que
guardam as ambivalências, onde permanecem os aspectos diferentes, opostos
e contraditórios.
Acreditamos que, desde que os coletivos escolares façam a opção política e se
empenhem nesta direção, é possível o trabalho da tradução, por meio da
articulação dos saberes que cada coletivo escolar é chamado hoje a fazer na
EJA. Acreditamos que aí está a criação do inédito viável.
Freire (1992) defende que o “inédito viável” nasce da esperança histórica,
aquilo que ainda não foi ensaiado e é inédito, mas que pode, pela ação
articulada dos sujeitos históricos, vir a ser realidade. Em Pedagogia da
Esperança – um reencontro com a pedagogia do oprimido, é pontuado que o
inédito viável é uma das categorias mais importantes, porém pouco comentada
e até estudada: “[...] essa categoria encerra nela toda uma crença no sonho
possível e na utopia que virá, desde que os que fazem a sua história assim
queiram” (1997, p. 205).
Portanto, retomando os dados explicitados no capítulo 7, o(s) coletivos(s)
escolares da EJA bem problematizaram e pontuaram as “situações-limite”
vividas. Estes coletivos perceberam criticamente e epistemologicamente,
tomaram distância destas situações limites, como algo percebido e destacado
da vida cotidiana – “o percebido destacado, que não podendo e não devendo
permanecer como tal passa a ser um tema/problema que deve e precisa ser
enfrentado, portanto, deve e precisa ser discutido e superado” (FREIRE, 1997,
p. 206). São agora desafiados ao trabalho da tradução, a transpor e a romper
na criação do que ainda não existe,
137
O “inédito – viável” é na realidade uma coisa inédita , ainda não conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade (1997, p. 206).
A EJA, no município apontado, encontra-se num processo de tomada de
decisões. Já tomou distância, verbalizou, destacou, sabe dos paradoxos, das
contradições e dos desafios. Os coletivos sabem que, na dimensão escolar,
participam deste momento privilegiado de construção histórica da modalidade.
Estes coletivos precisam agora decidir que rumo dar às práticas: continuar
fazendo Ensino Regular Noturno Semestral, com seus rígidos espaços e
tempos de organização, ou, fazer emergir nas práticas a modalidade EJA?
Implica assumir a dimensão do diálogo e a “ousadia da experimentação”, com
destaque para a necessidade de uma formação específica dos educadores,
para que possam lidar com todas as especificidades, a igualdade e a diferença
que permeiam e configuram esta modalidade.
A oferta dessa formação necessária e que possa contemplar as dimensões
políticas e técnicas é, ainda, precária e distante das reflexões freirianas. Ao
mesmo tempo, o campo atualmente encontra-se num movimento profícuo, no
qual se estreitam os diálogos na busca de soluções e superação para os
desafios e paradoxos apresentados.
138
9 PROSSEGUIR OUSANDO EXPERIMENTAR
Há um sinal dos tempos, entre outros, que me assusta: a insistência com que, em nome da democracia, da liberdade e da eficácia se vem asfixiando a própria liberdade, e, por extensão a criatividade e o gosto da aventura do espírito. A liberdade de mover-nos, de arriscar-nos vem sendo submetida a uma certa padronização de fórmulas, de maneiras de ser, em relação às quais somos avaliados. É claro que já não se trata da asfixia truculentamente realizada pelo rei despótico sobre seus súditos, pelo senhor feudal sobre seus vassalos, pelo colonizador sobre os colonizados, pelo dono da fábrica sobre seus operários, pelo Estado autoritário sobre os cidadãos, mas pelo poder invisível da domesticação alienante que alcança a eficiência extraordinária no que venho chamando “burocratização da mente”. Um estado refinado de estranheza, de “autodemissão” da mente, do corpo consciente, de conformismo do indivíduo, de acomodação diante de situações consideradas fatalistamente como imutáveis (FREIRE, 1996, p. 128, 129).
A esta altura, perguntamo-nos se respondemos ao problema posto e aos
objetivos definidos para este trabalho. Pensamos que sim, na medida em que
constatamos que, embora muitas vezes (in)visíveis, as biografias
emancipatórias estão na EJA, inscritas nas histórias de superação de alunos e
alunas. O fato por vezes considerado “corriqueiro” de adolescentes, jovens,
adultos e idosos procurarem a escola já representa um ato de emancipação,
principalmente se levarmos em conta que o coletivo da escola ainda não
decidiu o que fazer com os rumos das práticas pedagógicas em EJA e as
ações realizadas, muitas vezes, estão distantes dos significados a elas
atribuídos por alunos e alunas.
Uma lacuna ficou na nossa procura por processos de emancipação articulados
coletivamente. Neste sentido, enquanto os movimentos sociais do município
possuem história e a associação de moradores algumas vezes visite a escola,
os sujeitos da EJA pesquisados produzem muito mais histórias individuais e
solitárias de superação; e isso se contrapõe à ideia da cidadania numa
perspectiva ampla, onde ser cidadão não é apenas conhecer direitos e
139
deveres, como o liberalismo nos quer fazer acreditar. Ser cidadão é acreditar
na deliberação da sociedade. Cidadania é, diria Hannah Arendt (2009), abdicar
da força em nome do diálogo.
O consentimento implica o reconhecimento de que nenhum homem pode agir sozinho, o reconhecimento de que os homens, se querem realizar algo no mundo, devem agir de comum acordo, o que seria trivial se não houvesse sempre alguns membros da comunidade determinados a desrespeitar o acordo e tentar, por arrogância ou desespero, agir sozinhos (2009b, p. 148)
Não é por decreto que as pessoas se transformam em cidadãs. É preciso que
tenham interiorizado o valor democrático, que tenham descoberto a força
instituinte do poder criador coletivo. Assim, outra constatação é que os
processos de democratização estão em marcha em Cariacica. Contudo,
necessário é atentar-se para o fato de não se repetir velhas práticas sob novos
rótulos e com mecanismos pseudo-democráticos e sofisticados, em que a
cidadania performática substitui o exercício da prática participativa.
As pessoas não nascem sabendo participar. A participação é uma habilidade
que se aprende e se aperfeiçoa. Assim, a qualificação da participação é fator
preponderante e decisivo. Mas como podemos ampliar os espaços e as formas
de participação? Quais ferramentas são mais adequadas? Sobretudo, como
“qualificar” a participação?
Só se aprende participar por meio do diálogo e na abertura dos portões da
escola e dos internos e subjetivos em cada pessoa, das barreiras simbólicas e
reais, na elaboração de uma proposta pedagógica fundamentada numa
linguagem que possa ser compreendida por todos e todas. Se não estivermos
dispostos a investir nessas mudanças, processos de democratização,
cidadania e emancipação social serão expressões esvaziadas de qualquer
significado substantivo.
Tentando exercitar o pensamento, como nos provoca Freire na epígrafe que
escolhemos para concluir este trabalho, compreendemos que a escola
manifesta o desejo em responder às especificidades e interagir com a ecologia
140
dos saberes dos alunos e alunas. Contudo, lembrando-me da fala de um
professor nas “rodas de conversa”,
Eu tenho o verbo, mas não tenho a alma. Temos o conceito, mas como fazer para que este conceito se transforme em prática? Verbalizamos sim, conceituamos sim. Mas não conseguimos fazer com que este corpo ande dentro dos ditames desta alma. Estamos desconectados – teoria e ação (Informação verbal)
60.
Como aponta o professor, até quando haveremos de suportar esta desconexão
entre teoria e prática, verbo e alma, conceito e ação? Até quando seremos
profissionais cindidos? Qual o sentido de nossa práxis?
Quanto à identificação, nas práticas desenvolvidas, da apropriação (ou não)
dos pressupostos da Educação Popular, a partir das experiências vividas na
escola, creio que elas existem timidamente e sua ampliação constitui-se no
entendimento, pelos docentes, da sua necessidade. Mas haverá saída para as
práticas em EJA a não ser pela apropriação e (re)criação dos pressupostos da
Educação Popular?
Assim a EJA, mais que tudo, é uma modalidade de convivência. Ou imprime
energia, ousando experimentar e desenvolvendo as habilidades de tradução
entre os saberes, ou não haverá como prosseguir e nos inscreveremos naquilo
que Freire lamenta – a asfixia da própria liberdade, e, por extensão da
criatividade e do gosto da aventura do espírito. À EJA restará a padronização
de fórmulas e de maneiras de ser previsíveis nos mecanismos já
burocratizados pela instituição escolar. Isso, sem dúvida representa a
“autodemissão” da mente, do corpo consciente.
Partimos do pressuposto de que a EJA constitui-se, ou deveria constituir-se,
em um campo de dialogização e de práticas educativas plurais que vão além
dos muros da escola e que, histórica e teoricamente, trabalhando às margens
do sistema educacional, a EJA está vinculada às práticas que visam à
emancipação dos sujeitos. Ou seja, a biografia da modalidade também foi e
60
Informação concedida pelo professor em outubro de 2008.
141
está sendo construída dentro da perspectiva da militância. Buscamos em
Arroyo fragmentos dessa memória quando diz que
[...] a EJA nunca foi algo exclusivamente do governo ou do sistema educacional, pelo contrário, sempre se espalhou pela sociedade. A educação de jovens e adultos sempre fez parte da dinâmica da sociedade, da dinâmica mais emancipadora [...] e se vincula muito mais aos processos de emancipação do que aos de regulação [...] que o governo e o sistema escolar somem e legitimem politicamente essa dinâmica emancipatória que vem da tradição da EJA (2006, p.19).
Portanto, se a EJA resiste às tentativas de regulação e está inserida em uma
dinâmica libertadora mais ampla, exigiria, então, educadores cujos valores e
atitudes são coerentes com esses princípios. Ou seja, educadores e
educadoras cuja opção seja a favor daqueles que sempre foram colocados às
margens, nos lugares sociais a eles reservados – marginais, oprimidos,
excluídos, empregáveis, miseráveis etc. Entretanto, este mesmo lugar social,
político e cultural,
tem inspirado concepções e práticas de educação de jovens e adultos extremamente avançadas, criativas e promissoras nas últimas quatro décadas. Essa história faz parte também da memória da EJA. É outra história na contramão da história oficial, com concepções e praticas por vezes paralela e até frequentemente incorporada por administrações públicas voltadas para os interesses populares (ARROYO, 2003, p.19).
Atualmente a questão central que se coloca para o campo da EJA é saber
como incorporar esta herança popular, que tem sido mais marcante do que a
herança das políticas oficiais. Não é nem será tarefa fácil preservar esse rico
legado popular em qualquer tentativa de inserir a EJA no corpo legal e tratá-la
como um modo de ser ensino fundamental. Ou o Sistema de Ensino se
redefine ou esse legado popular perde sua força constituída historicamente.
É necessário prosseguir ousando experimentar, tentando não repetir fórmulas
desgastadas. Produzir o inédito viável significa exercitar as habilidades de
tradução e recuperar o sentido amoroso intrínseco ao ato educativo; pensar
nas possibilidades de saída para os dilemas que a prática produz. Neste
fragmento Lispector lembra:
142
Entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais, exige-se muito de quem nos assiste a pensar: que tenha um coração grande, amor, carinho, e a experiência de também se ter dado ao pensar (1994, p.23).
Esta “química instituinte” permea a modalidade nestes tempos de
(re)configuração em que os profissionais da EJA são conclamados a rever
também as relações que estabelecem com os sujeitos da EJA. Entregar-se a
pensar e produzir inéditos viáveis é correr risco. Bauman, citando Ernest
Becker, diz que a sociedade é “um mito vivo do significado da vida humana,
uma desafiadora criação de significados” e que “loucos”, “são apenas os
significados não compartilhados. A loucura não é loucura quando
compartilhada” (2000, p. 8).
Então, tomando Cariacica como nosso exemplo, se o mundo comum e público
corre o risco de “extinção”, beneficiando uma minoria já historicamente
privilegiada, a política deveria ser reinventada e as comunidades escolares
poderiam e deveriam ser o local dessa reinvenção, pois a política é a esfera em
que se dá o encontro das pessoas e designa tudo o que se relaciona ao
sentido coletivo da existência humana.
Podemos conceber, assim, a escola como um espaço de possibilidades para a
nossa “ágora” moderna, o campo privilegiado dos embates, do diálogo e da
possibilidade da (re)invenção da cidadania e da emancipação social, contudo,
muitas vezes esta instituição parece resignar-se e envergonhar-se de assumir
uma postura de resistência ideológica e de transformação social. Freire já
alertava para esta postura ao questionar,
Como, porém, aprender a discutir e a debater numa escola que não nos habitua a discutir, porque impõe? Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomo-lhe uma ordem a que ele não se ajusta concordante ou discordantemente, mas se acomoda. Não lhe ensinamos a pensar, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente “as guarda”. Não as incorpora, porque a incorporação é o resultado da
143
busca de algo, que exige, de quem o tenta esforço de realização e de procura. Exige reinvenção (2002, p. 91 e 92).
Defendemos neste trabalho que a escola, principalmente na EJA, continua
sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, que
atravessa e pode dialogar com a cultura das pessoas e que as práticas
desenvolvidas podem contribuir na cumulação subjetiva de forças, apesar da
exclusão.
144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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