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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA EDILMA JOSÉ DA SILVA A TERRITORIALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE NUCLEAÇÃO E O FECHAMENTO DE ESCOLAS NO CAMPO EM UNIÃO DOS PALMARES/AL (2005-2015) São Cristóvão/SE 2016

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    EDILMA JOS DA SILVA

    A TERRITORIALIZAO DA POLTICA DE NUCLEAO E O FECHAMENTO

    DE ESCOLAS NO CAMPO EM UNIO DOS PALMARES/AL (2005-2015)

    So Cristvo/SE

    2016

  • EDILMA JOS DA SILVA

    A TERRITORIALIZAO DA POLTICA DE NUCLEAO E O FECHAMENTO

    DE ESCOLAS NO CAMPO EM UNIO DOS PALMARES/AL (2005-2015)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Geografia PPGEO da

    Universidade Federal de Sergipe UFS, como

    requisito para a obteno do ttulo de Mestre em

    Geografia.

    Orientador: Professor Dr. Eraldo da Silva Ramos

    Filho.

    So Cristvo/SE

    2016

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    Silva, Edilma Jos da

    S586t A territorializao da poltica de nucleao e o fechamento de escolas no campo em Unio dos Palmares/AL (2005-2015) / Edilma Jos da Silva; orientador Eraldo da Silva Ramos Filho So Cristvo, 2016. 147 f. : il. Dissertao (mestrado em Geografia) Universidade Federal de Sergipe, 2016.

    O 1. Geografia humana. 2. Educao rural. 3. Escolas rurais.

    4. Educao e Estado. 5. Alagoas. I. Ramos Filho, Eraldo da Silva, orient. II. Ttulo.

    CDU: 911.373:37(813.5)

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  • FOLHA DE APROVAO

    EDILMA JOS DA SILVA

    A TERRITORIALIZAO DA POLTICA DE NUCLEAO E O FECHAMENTO

    DE ESCOLAS NO CAMPO EM UNIO DOS PALMARES/AL (2005-2015)

    Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Geografia,

    da Universidade Federal de Sergipe, pela seguinte banca examinadora:

    Banca Examinadora:

    ________________________________________________________

    Professor Dr. Eraldo da Silva Ramos Filho (UFS)

    Orientador

    _______________________________________________________

    Professora Dra. Josefa de Lisboa Santos (UFS)

    Examinador Interno

    _________________________________________________________

    Professora Dra. Snia Meire Santos Azevedo de Jesus (UFS)

    Examinador Externo

    So Cristvo/SE

    2016

  • Ao meu amado av, Luiz Loureno (in memoriam)

    que com um sorriso no rosto, contando um conto a

    cada encontro, me ensinou a enfrentar os obstculos

    do cotidiano com coragem e f e a enxergar com a

    alma o verdadeiro sentido da vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Nessa jornada da vida, onde me encontro em constante processo de evoluo, sinto-me feliz

    por poder agradecer. Quero referendar aqui algumas pessoas que marcaram significativamente

    a minha caminhada durante essa importante, bonita e solitria etapa da minha vida.

    Antes de tudo, agradeo aos meus orixs, foras da natureza, pelas energias que me encorajam

    e fortalecem a cada novo nascer do sol e aos meus guias de luz que me conduziram nessa

    caminhada e me permitiram superar obstculos e chegar at aqui.

    minha famlia, pela vida, pelo amor incondicional, pelo apoio, cuidados e ensinamentos.

    s minhas trs estrelinhas, sobrinhos amados: Luiz Guilhermy, Alcia e Lucas, que com pureza

    no olhar e doura no sorriso, iluminam o meu caminhar, me fazem ter esperana e acreditar que

    o mundo pode ser muito melhor.

    Ao professor e orientador Eraldo da Silva Ramos Filho, pela pacincia e parceria com as quais

    me acompanhou nessa jornada.

    querida e doce Elaine Rapso, pelo carinho, cuidado, contribuio, fora e leveza de sempre.

    Gratido aos ventos, pelo encontro raro.

    Me Rose, um ser de luz que cruzou meu caminho na reta final dessa trajetria. Gratido por

    todos os ensinamentos, por me fortalecer emocional e espiritualmente, por cuidar, aconselhar e

    acreditar em mim. Desejo ser uma boa filha.

    Aos meus bests: Camila Silva, Fabson Calixto, Valdilene Cardoso e Manuella Oliveira, pelo

    encorajamento de sempre, por compreender o silncio e o distanciamento que esta fase da vida

    provocou, pelo carinho, respeito e amizade que nos une. Que a nossa amizade atravesse o

    tempo.

    Aos colegas de turma por contribuir nas discusses, por acompanhar nos cafezinhos e por

    dividir as aflies. A Joseane Costa, Erika Oliveira, Paulo Adriano, Reuel Leite, Mrio Jorge,

    Maria Salom, Jecson Giro, Genivnia Maria, Edsio Alves e Vanilza Andrade. Sou grata a

    vocs pelos ensinamentos e momentos vividos ao lado de cada um.

    Aos amigos com quem dividi um lar e que se fizeram famlia: Danilo Santana e Edivanda

    Rodrigues. Gratido pelo carinho e cuidado compartilhados.

  • A Mrcio Ferreira, meu amigo querido, minha fonte de inspirao, a quem muito admiro, por

    me impulsionar a seguir meus sonhos e me aconselhar sempre.

    Ao Grupo Burundanga Percussivo, em especial ao maestro Pedrinho Mendona, homem tico

    e humano, que ensina a melodia suave da vida com doura e humildade. A ele todo meu respeito

    e gratido pelos ensinamentos, por me acolher com ternura de pai e por me proporcionar dias

    de leveza junto ao som ensurdecedor dos tambores, que faziam meu corao pulsar mais forte.

    A Antnio Passos, Vaneide Dias, Gabriela Assuno, Mariza Almeida, Luiz Soares e Elen

    Novaes, pelo carinho, amizade, doura e abrao com os quais sempre me receberam. Vocs

    foram a parte mais leve dessa caminhada, nesse lugar estranho para mim. Gratido.

    Aos colegas do Laboratrio de Estudos Rurais e Urbanos, gratido pelos momentos de

    aprendizado juntos.

    A todos os colegas do Laboratrio de Geografia Agrria LAGEA, da Universidade Federal

    de Uberlndia, pelo acolhimento e carinho com os quais fui recebida durante a experincia da

    mobilidade, e em especial ao Professor Marcelo Cervo Chelotti. A Natlia Campos, por me

    receber em sua casa, a Fabiana Borges, Eleusa Mota, Tiago Alves e Alex Cristiano. Gratido

    pelos momentos compartilhados.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), por fomentar essa

    pesquisa.

    professora Ana Rocha, por ter contribudo significativamente para a construo desse estudo

    durante a etapa da qualificao.

    professora Josefa Lisboa, que com um olhar me acalmou no dia da defesa do projeto de

    mestrado, durante o processo seletivo, e com muita generosidade e carinho aceitou fazer parte

    da finalizao desse ciclo. A sua humanidade e profissionalismo so as principais lies que

    levo desse mestrado, porque vi na prtica a profissional que quero ser.

    professora Snia Meire, pelas contribuies na etapa da qualificao bem como pela

    participao no momento final dessa jornada.

    Aos gestores, professores e pais, por conceder as entrevistas, documentos e um pouco de

    ateno. A contribuio de cada um de vocs foi imprescindvel para tornar esse trabalho

    possvel.

  • Universidade Federal de Sergipe e ao Programa de Ps-Graduao em Geografia, gratido

    pelo acolhimento e por contribuir com a minha formao profissional, o mestrado, representa

    parte desse projeto.

    A todos aqueles que direta, ou indiretamente, colaboraram para que esse trabalho pudesse ser

    realizado, gratido.

  • O governador gostou do pomar, das galinhas Orpington, do algodo e da mamona, achou

    conveniente o gado limosino, pediu-me fotografias e perguntou onde ficava a escola.

    Respondi que no ficava em parte nenhuma. No almoo, que teve champanhe, o dr.

    Magalhes gemeu um discurso. S. excia. tornou a falar na escola. Tive vontade de dar uns

    apartes, mas contive-me.

    Escola! Que me importava que os outros soubessem ler ou fossem analfabetos?

    Esses homens de governo tm um parafuso frouxo. Metam pessoal letrado na apanha da

    mamona. Ho de ver a colheita.

    [...]

    [Madalena] Foi escola, criticou o mtodo de ensino do Padilha e entrou a amolar-me

    reclamando um globo, mapas, outros arreios que no menciono porque no quero tomar o

    incmodo de examinar ali o arquivo. Um dia, distraidamente, ordenei a encomenda. Quando

    a fatura chegou, tremi. Um buraco: seis contos de ris. Seis contos de folhetos, cartes e

    pedacinhos de tbua para os filhos dos trabalhadores.

    (Graciliano Ramos, So Bernardo, 2009).

  • RESUMO

    A educao escolar brasileira tem suas origens marcadas por um contexto de opresso e

    excluso da classe dominante sobre a classe trabalhadora, em especial aquela que vive e

    trabalha no campo e, nesse sentido, ao considerarmos as polticas educacionais voltadas para o

    campo percebemos que essas empenharam-se somente na formao de fora de trabalho para

    atender s demandas econmicas do pas. Essa nfase dada formao de fora de trabalho

    caracterizou todas as legislaes que se voltaram para a educao rural. No sentido inverso ao

    que elas propem, os movimentos socioterritorias empenharam-se em construir propostas que,

    pela via poltica, apresentam novas possibilidades de pensar a educao, pautada no conceito

    contra hegemnico da educao do campo. No contexto dessa disputa entre o que impe o

    Estado e o que propem os movimentos socioterritoriais, este estudo tem por objetivo analisar

    o processo de territorializao da poltica de nucleao e o fechamento das escolas no campo

    em Unio dos Palmares/AL, no perodo entre 2005 e 2015. Para isso, em seus captulos, ele

    apresenta o processo histrico de formao territorial e educacional de Alagoas; trata do

    processo de construo da educao brasileira, com nfase no desenvolvimento de polticas

    pblicas educacionais que atendem aos sujeitos do meio rural; apresenta um panorama da

    realidade educacional e identifica as iniciativas governamentais no mbito municipal quanto a

    territorializao da poltica de nucleao de escolas no municpio em estudo; bem como analisa

    os discursos oficiais dos gestores das escolas estudadas. A poltica analisada aqui surge com a

    inteno de concentrar recursos e racionalizar custos, com o discurso de melhoramento da

    qualidade educacional, pautada em um discurso neoliberal enraizado, que, na prtica, se traduz

    na precarizao e consequente fechamento das escolas no campo. As bases metodolgicas da

    pesquisa esto fundamentadas entre a teoria e a prtica e levaro em considerao sua natureza

    qualitativa e quantitativa, destacando-se revises da literatura acerca das temticas trabalhadas,

    alm de levantamentos de dados primrios e secundrios, para compor um panorama situacional

    da realidade do objeto pesquisado no municpio estudado. O trabalho de campo, enquanto

    elemento que d subsdio a uma pesquisa qualitativa foi realizado mediante entrevistas

    semiestruturadas in loco com representantes da Secretaria Municipal de Educao de Unio dos

    Palmares AL, gestores, professores e pais de alunos das escolas Ncleo estudadas.

    Palavras-Chaves: Territorializao; Poltica de Nucleao; Educao do Campo.

  • ABSTRACT

    The origin of Brazilian education is characterized by the oppression and exclusion of the ruling

    class on the working class, especially the one who works and lives in rural areas. This way,

    considering the educational policies we observe that they are engaged in the education for labor

    force in order to meet the countrys economic demands. The focus given to the labor force

    formation characterized the rural education guidelines. Contrasting what is proposed by the

    educational guidelines, the socioterritorial movements engaged in constructing proposals that

    present new possibilities of thinking education, based on the concept of education in rural areas.

    In the context of this disagreement between what is imposed by the State and the proposals of

    socioterritorials movements, this study aims to analyze the process of territorialization of the

    nucleation policy and the closure of rural schools in Unio dos Palmares/AL, between 2005 and

    2015. In doing so, the study presents the history of territorial and educational formation in

    Alagoas. It discusses the process of organization of Brazilian education, emphasizing the

    development of educational public policies to the rural areas. It also presents a panorama of the

    education reality and identifies the government initiatives related to the territorialization of the

    nucleation policy of local schools, and analyzes the official statements from the managers of

    the studied schools. The policy analyzed in this paper arises with the intention of concentrating

    resources and rationalizing expenses, on the ground of educational quality improvement,

    founded on a neoliberal discourse that, in fact, means the precariousness and consequently the

    closuring of rural schools. The methodology applied in this study is founded between theory

    and practice and will consider the quantitative and qualitative nature of the research,

    highlighting the literary revisions about the studied subjects in addition to analyze the primary

    and secondary data to constitute a situational panorama of the studied object in the chosen town.

    The field research was conducted through semi-structured interviews in loco with local

    Education Department representatives in Unio dos Palmares AL, managers, teachers and

    students parents from the studied schools.

    Key-words: Territorialization; Nucleation Policy; Field Education.

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 Localizao da rea de Estudo, Unio dos Palmares, Alagoas, 2016............... 48

    Mapa 2 Localizao das Escolas Municipais Rurais em Estudo, Unio dos Palmares,

    Alagoas, 2016...........................................................................................................

    97

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Nmero de Escolas da Educao Infantil por Rede de Ensino, Unio dos

    Palmares, Alagoas, 2005 2015....................................................................................

    89

    Grfico 2 Nmero de Escolas do Ensino Fundamental por Rede de Ensino, Unio

    dos Palmares, Alagoas, 2005 2015.........................................................................

    89

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Escolas Nucleadas no Campo, Unio dos Palmares/AL, 2008 e 2015........... 93

    Quadro 2 Escolas Ncleo Municipais no Campo, Unio dos Palmares/AL, 2016....... 97

    Quadro 3 Escolas Anexos Pertencentes ao Ncleo 1, Unio dos Palmares/AL............ 101

    Quadro 4 Escolas Anexos Pertencentes ao Ncleo 3, Unio dos Palmares/AL............ 104

    Quadro 5 Escolas Anexos Pertencentes ao Ncleo 4, Unio dos Palmares/AL............ 107

    Quadro 6 Escola Anexos Pertencente ao Ncleo 5, Unio dos Palmares/AL................ 110

    Quadro 7 Escolas Anexos Pertencentes ao Ncleo 6, Unio dos Palmares/AL............ 114

    Quadro 8 Escolas Anexos Pertencentes ao Ncleo 8, Unio dos Palmares/AL............ 119

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Nmero de usinas nos estados produtores de acar da regio Nordeste,

    1920 -1985.......................................................................................................................

    40

    Tabela 2 Nmero de Escolas, Docentes e Matrculas por Nvel de Ensino, Unio

    dos Palmares/AL, 2005 2015...................................................................................

    87

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Ocupao da Usina Laginha, Unio dos Palmares, Alagoas, 2015............... 60

    Figura 2 Fachada da E. M. Jos Medeiros, Sede Desativada, Unio dos Palmares/AL. 95

    Figura 3 Lateral da E. M. Jos Medeiros, Sede Desativada, Unio dos Palmares/AL 96

    Figura 4 E. M. Antnio Gomes de Barros, Unio dos Palmares/AL.......................... 98

    Figura 5 Sala de aula da E. M. Antnio Gomes de Barros......................................... 99

    Figura 6 Fachada da E. M. Herculano Albuquerque, Unio dos Palmares/AL........... 108

    Figura 7 Ptio, Refeitrio e Cantina da E. M. Herculano Albuquerque..................... 108

    Figura 8 Banheiros de uso dos alunos da E. M. Herculano Albuquerque................. 109

    Figura 9 E. M. Pedro Pereira da Silva, Unio dos Palmares/AL............................... 112

    Figura 10 Sala de aula da E. M. Pedro Pereira da Silva............................................. 112

    Figura 11 Sala dos Professores da E. M. M. Mari de Castro Sarmento................... 116

    Figura 12 Fachada da E. M. M. Mari de Castro Sarmento Unio dos Palmares/AL......... 116

    Figura 13 Corredor de acesso s salas de aula da E. M. M. M. de Castro Sarmento.. 117

  • LISTA DE SIGLAS

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    CNE Conselho Nacional de Educao

    DATA LUTA Banco de Dados da Luta Pela Terra

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    ENERA Encontro Nacional de Educao na Reforma Agrria

    FUNDEB Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao Bsica

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    PCA Paradigma do Capitalismo Agrrio

    PEC Proposta de Emenda Constitucional

    PNTE Programa Nacional de Transporte Escolar

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    PQA Paradigmas da Questo Agrria

    PROLCOOL Programa Nacional do lcool

    PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    SECADI Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso

    SEMED Secretaria Municipal de Educao

    TJ-AL Tribunal de Justia de Alagoas

    UFS Universidade Federal de Sergipe

    UNB Universidade de Braslia

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................................... 18

    CAPTULO I - A FORMAO TERRITORIAL DO ESTADO DE ALAGOAS ....................... 23

    1.1 Do Bang s usinas: terra e prticas educativas nas Alagoas ............................................. 24

    1.2 Da territorializao das usinas des-territorializao dos camponeses .............................. 37

    1.3 Unio dos Palmares / AL .......................................................................................................... 47

    CAPTULO II - EDUCAO RURAL X EDUCAO DO CAMPO: PARADIGMAS EM

    DEBATE .............................................................................................................................................. 62

    2.1 A educao rural a servio do capital ...................................................................................... 63

    2.2 Educao do campo como projeto de resistncia dos movimentos socioterritoriais ........... 73

    2.2.1 Diretrizes operacionais para a Educao nas Escolas do Campo .................................. 80

    CAPTULO III - A POLTICA DE NUCLEAO E O FECHAMENTO DE ESCOLAS NO

    CAMPO: REALIDADE DO MUNICPIO DE UNIO DOS PALMARES/AL ........................... 84

    3.1 A territorializao da poltica de Nucleao e o fechamento de escolas no campo no

    Municpio de Unio dos Palmares/AL ........................................................................................... 85

    3.1.1 Ncleo 1: Escola Municipal Antnio Gomes de Barros (escola sede) ............................ 98

    3.1.2 Ncleo 3: Escola Municipal Professora Elizabete Santos (escola sede) ....................... 103

    3.1.3 Ncleo 4: Escola Municipal Jos Clarindo Paes (escola sede) ...................................... 104

    3.1.4 Ncleo 5: Escola Municipal Herculano Albuquerque (escola sede)............................. 107

    3.1.5 Ncleo 6: Escola Municipal Pedro Pereira da Silva (escola sede) ................................ 111

    3.1.6 Ncleo 8: Escola Municipal Maria Mari de Castro Sarmento (escola sede) ............. 115

    3.2 A poltica de nucleao como instrumento de precarizao das escolas no campo ........... 120

    3.3 Os impactos socioterritoriais da poltica de Nucleao........................................................ 124

    CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................... 129

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................................ 133

    APNDICES ...................................................................................................................................... 139

    ANEXOS ............................................................................................................................................ 143

  • 18

    INTRODUO

    O contexto da educao escolar brasileira moldou-se ao longo da nossa histria por

    meio de prticas que instituram um processo marcado pela opresso e excluso da classe

    dominante sobre a classe trabalhadora. Tal processo desenvolveu-se de forma lenta e ao longo

    do seu percurso materializou-se de diversas formas. Desde a utilizao do trabalho escravo at

    a proletarizao camponesa, todas essas facetas tm em comum, como pano de fundo o

    surgimento de uma lgica excludente e desumanizadora, que pode ser compreendida a partir

    da tica de Freire (2005, p. 32):

    [...] se ambas so possibilidades [humanizao e desumanizao], s a primeira nos

    parece ser o que chamamos de vocao dos homens. Vocao negada, mas tambm

    afirmada na prpria negao. Vocao negada na injustia, na explorao, na

    opresso, na violncia dos opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de

    justia, de luta dos oprimidos, pela recuperao de sua humanidade roubada.

    De acordo com Freire, injustia, explorao, opresso e a violncia dos opressores so

    os mecanismos por meio dos quais o homem tem a sua humanidade roubada. O processo de

    resgate dessa humanidade, tambm apontado pelo autor, acontece atravs da luta dos

    oprimidos. A fala de Freire pertinente para apresentar a temtica deste trabalho, porque

    aponta os elementos que fundamentam o processo de excluso que historicamente recai sobre

    os camponeses, bem como a possibilidade de super-la. Essa excluso tem como um dos seus

    principais fatores, no que diz respeito realidade deles, a expropriao. Esta, por sua vez,

    mantm uma relao complementar com a proletarizao e a negao dos direitos sociais, tais

    como moradia, sade e educao.

    Esse conjunto ajuda a compor um quadro cuja principal caracterstica a

    marginalizao do campons, o qual foi sempre privado de todos os direitos sociais, em

    especial, para o contexto desta anlise, a educao. Para pensar o modo como se deu essa

    marginalizao, a partir da considerao da falta de acesso escolarizao, importante notar

    o modo como a construo de polticas pblicas, historicamente, privilegiou a cidade em

    detrimento do campo. Esse privilgio pode ser mais bem compreendido quando se tem em

    mente o fato de que, dentro de uma lgica neoliberal, a cidade passa a ser vista como o melhor

    modelo de desenvolvimento econmico. Assim, as polticas de educao, mesmo quando se

    voltam para o campo, apresentam propostas que no consideram a sua especificidade.

  • 19

    Em Alagoas, no que diz respeito as politicas de educao voltadas para o campo, o

    cenrio o mesmo, e ainda se agrava devido ao quadro de sucateamento que caracteriza a

    educao pblica no estado e em seus municpios. Vrios so os indicativos desse

    sucateamento que vo desde aspectos legais falta de profissionais no quadro efetivo para

    atuar na educao e de infraestrutura das escolas pblicas estaduais e municipais.

    De acordo com a Secretaria Estadual de Educao e os Sindicatos da categoria, estima-

    se um dficit no quadro docente estadual em torno de 3500 funcionrios. Essa carncia leva as

    escolas a funcionarem em condies precrias, por meio da contratao temporria de

    monitores, em sua maioria sem a formao mnima legalmente exigida. Esses monitores, no

    geral, so estudantes de graduao que atuam sem os mesmos direitos dos profissionais

    efetivos, alm de possurem uma carga horria de trabalho superior a destes trabalhadores que

    tm seus direitos trabalhistas reconhecidos.

    importante ressaltar que essa problemtica recorrente no estado de Alagoas tambm

    se faz presente nos municpios, como o caso do municpio de Unio dos Palmares, locus

    dessa pesquisa. Neste, verificou-se, conforme observar-se- no decorrer desta anlise, um

    significativo nmero de professores com contrato temporrio na rede pblica municipal de

    ensino, em especial para atuar nas escolas localizadas no campo, que compem nosso objeto

    de estudo.

    O sucateamento mencionado perpassa tambm pelas condies de trabalho oferecidas

    aos servidores da educao alagoana, uma vez que no atual momento histrico, a falta de

    condio de trabalho agravada pelo cerceamento da liberdade de trazer um debate poltico

    para a sala de aula. Tal cerceamento imposto pela Lei 7.800, de 05 de maio de 2016, que

    institui no mbito do sistema estadual de ensino o programa Escola Livre. Conhecida no

    estado como lei da mordaa, ela trata como doutrinao a discusso sobre poltica e religio,

    prevendo punio para todo e qualquer profissional da educao que trouxer esse debate para

    a escola. At mesmo o debate sobre o sucateamento da educao no estado vedado pela lei,

    uma vez que tais discusses so previstas como tentativa de cooptar os estudantes

    ideologicamente.

    nesse contexto que se situa a problemtica sobre a qual se debrua este trabalho, cujo

    objetivo geral se volta para a anlise do processo de territorializao da poltica de nucleao

    e o fechamento das escolas no campo, no municpio de Unio dos Palmares AL, no perodo

    de 2005 a 2015. A poltica de nucleao entendida aqui como uma alternativa para a

    diminuio de gastos com a educao pblica municipal por meio da precarizao e

    consequente fechamento de escolas multisseriadas isoladas, e da concentrao dos estudantes

  • 20

    destas em escolas maiores e supostamente melhores, do ponto de vista didtico-pedaggico e

    estrutural, conforme demonstrou a realidade encontrada no municpio estudado. Tal proposta

    se consolidou, nos ltimos anos, a partir de aparatos legais que passaram a implant-la e a reg-

    la.

    A par dessa contextualizao, alguns questionamentos so peculiares pesquisa: a)

    Como a formao territorial do estado de Alagoas possibilitou o surgimento de prticas

    excludentes que tm marcado a educao no campo? b) Como a Educao Rural e a Educao

    do Campo se inserem nos marcos legais que norteiam as polticas pblicas voltadas para elas?

    c) Como as polticas pblicas voltadas para a Educao no Campo consolidaram-se como

    mecanismos de supresso de direitos e conquistas do campesinato, culminando, inclusive, com

    a implantao da poltica de Nucleao? d) Quais os discursos que esto por trs da poltica de

    Nucleao das escolas localizadas no campo, no municpio de Unio dos Palmares/AL? e)

    Quais os impactos socioterritoriais causados pela implantao da poltica de Nucleao no

    municpio pesquisado?

    Diante desses questionamentos, os impactos socioterritoriais provenientes desse

    processo sero analisados no decorrer deste trabalho, a partir das discusses das entrevistas

    realizadas com as famlias, cujos filhos passaram a estudar em outra escola, seja sede ou anexo,

    devido ao fechamento, bem como com gestores e professores. Alm disso, tais relatos sero

    considerados em funo dos dados quantitativos apresentados pela Secretaria Municipal de

    Educao (SEMED), bem como da contraposio deles ao discurso legal que rege esse

    processo.

    A anlise tem como ponto inicial a pesquisa de campo enquanto elemento que d

    subsdio a um estudo qualitativo, realizado mediante entrevistas semiestruturadas in loco com

    representantes da SEMED de Unio dos Palmares, no estado de Alagoas, gestores, professores

    e pais de alunos das escolas ncleo estudadas. Estas foram gravadas e transcritas e contriburam

    para analisar como se efetivou, na prtica, a territorializao da poltica de nucleao e o

    fechamento das escolas situadas no campo em Unio dos Palmares.

    A pesquisa de campo que subsidiou a construo desse trabalho foi desenvolvida a

    partir da coleta de dados realizada na Secretaria Municipal de Educao SEMED, nas escolas

    sede localizadas no campo, bem como nas comunidades onde elas esto situadas. A ida s

    escolas e s comunidades foi fundamental para entender a consolidao da poltica de

    Nucleao no municpio e o contexto no qual ela se insere. Nesse sentido, as dificuldades

    encontradas para a realizao dessa pesquisa tambm so elementos que nos ajudaram a

    compreender melhor o nosso corpus de anlise.

  • 21

    Tais dificuldades perpassaram tanto o acesso aos documentos emitidos pela SEMED,

    visto a morosidade do fornecimento deles, quanto o acesso s escolas pesquisadas, uma vez

    que muitas delas, conforme ser demonstrado no corpo do texto, esto localizadas em reas

    isoladas, de difcil acesso e inseridas num contexto de violncia (assaltos, estupros, etc.). Esse

    conjunto de fatores impossibilita a presena diria dos gestores em duas escolas pesquisas,

    assim como tambm impossibilitou a ida a essas escolas para a coleta de dados in loco. Dessa

    forma, os dados relativos a elas foram coletados na SEMED, onde est localizada a sala na qual

    atua a sua gesto.

    A construo desta anlise inicia-se a partir da formao territorial do estado de

    Alagoas, centrando-se em trs momentos especficos: a doao de sesmarias, por parte da coroa

    portuguesa; a consolidao dessas sesmarias por meio da implantao dos bangus; e a

    territorializao do capital, por meio da chegada das usinas. Todo esse percurso, conforme

    demonstrado no primeiro captulo desta dissertao, permite vislumbrar o modo como

    historicamente se organizou a estrutura fundiria, em Alagoas, por meio de um processo

    crescente de concentrao de terras que, enquanto avana, aumenta o grau de opresso e

    marginalizao do campons. nesse contexto que se estabelece a Instruo Pblica em

    Alagoas e com ela se inicia o processo de construo de modelos educacionais dos quais o

    campons est sempre excludo.

    No segundo captulo, por sua vez, sero consideradas as legislaes que se voltam para

    a educao ofertada para quem vive no campo. O ponto de partida para essa anlise a

    constatao de que, a servio de discursos neoliberais, tais legislaes moldaram as propostas

    de educao rural que nortearam a educao ofertada no campo at a promulgao da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB 9394/96, que determina que os sistemas de

    ensino devem considerar as especificidade da vida rural e de cada regio do pas. A partir do

    que determina a LDB, surgem diretrizes especficas que se voltam para a educao do campo,

    e estas, posteriormente, foram complementadas pelas legislaes que permitiram a implantao

    da poltica de nucleao das escolas no campo.

    Esse conjunto de leis, conforme dito anteriormente, tm um trao em comum: todas

    elas, ao se voltarem para a educao que ofertada para o campons, desenvolvem-se de forma

    horizontal, sem considerar as especificidades desses sujeitos, nem permitir que eles participem

    de sua construo. Na contramo desse processo, que surgem as propostas de educao do

    campo. Estas nascem a partir da luta e das conquistas dos movimentos socioterritoriais e so

    construes pautadas pelas vivncias e lutas dos prprios camponeses. Nesse sentido, elas se

  • 22

    caracterizam como propostas contra-hegemnicas, uma vez que se colocam acentuadamente

    contra os discursos do capital e a lgica neoliberal.

    Feito esse percurso, consideramos lanadas todas as sees que norteiam esta pesquisa

    e, com isso, possvel fazer algumas consideraes acerca da realidade encontrada nas escolas

    visitadas. O desenvolvimento deste trabalho mostrou que, mesmo tentando incorporar os

    conceitos advindos da luta empreendida pelos movimentos socioterritoriais, a legislao

    mantm seu carter vertical e autoritrio, quando no permite que esses movimentos ajudem a

    construir as polticas de educao que se voltam para o atendimento das suas necessidades ou

    quando suprime direitos anteriormente conquistados.

    Torna-se fundamental, para desenvolver esta anlise, tomar como referncia os relatos

    das famlias entrevistadas no decorrer da pesquisa de campo bem como os discursos oficiais, a

    fim de perceber os impactos socioterritoriais decorrentes desse processo. Assim, o terceiro

    captulo demonstra o modo como a poltica de nucleao das escolas, ao se territorializar, cria

    meios para que se efetive a precarizao e at o fechamento de escolas no campo. Diante desse

    cenrio, este trabalho encerra-se com a apresentao de algumas contribuies que se propem

    a refletir sobre os impactos negativos decorrentes da poltica territorializada no municpio

    estudado.

  • 23

    CAPTULO I - A FORMAO TERRITORIAL DO ESTADO DE ALAGOAS

    So os tempos modernos, cunhado, mas no se apoquente:

    mudam os ttulos coronel doutor, capataz gerente,

    fazenda empresa -, o resto no muda, riqueza riqueza,

    pobreza pobreza com fartum de desgraa.

    (Jorge Amado)

    Tomo de emprstimo as palavras do escritor Jorge Amado (2006) para iniciar este

    captulo que tratar da formao do territrio alagoano e as influncias derivadas desse

    momento histrico nas condies sociais e econmicas do seu povo. Compreendemos que as

    desigualdades e contradies existentes na terra das Alagoas so fruto do modelo de ocupao

    aqui implantado e das relaes de poder estabelecidas.

    O objetivo deste captulo demonstrar como o processo de formao do territrio

    alagoano contribuiu, histrica e geograficamente, para o surgimento e a ascenso de uma

    burguesia agrria industrial, o que acarretou a excluso social dos trabalhadores camponeses,

    indgenas e negros. Alm disso, busca-se analisar como as prticas educativas foram sendo

    constitudas desde a colonizao em Alagoas.

    Nesse sentido, analisaremos a territorializao da indstria aucareira em Alagoas

    como ponto de partida para a concentrao de terra, riqueza e poder nas mos de meia dzia

    de famlias, em detrimento da des-territorializao dos camponeses. Em seguida,

    caracterizaremos o municpio de Unio dos Palmares, atentando para a sua singularidade no

    processo de formao do territrio alagoano, uma vez que este fez parte dos primeiros focos

    de povoamento do estado. Alm disso, foi palco de luta e resistncia do maior quilombo negro

    da histria, como afirma Lindoso (2011) em A Razo Quilombola, assentou engenhos de acar

    em suas terras e contribuiu significativamente para o contexto cultural alagoano.

    Tratamos, portanto, inicialmente, da origem do estado de Alagoas, por julgar necessria

    a compreenso primeira de como se deu a sua formao territorial e quais as implicaes desta

    na vida social, econmica e cultural dessa sociedade. Dada a necessidade de entendermos as

    fissuras no processo educacional dos trabalhadores do campo, analisaremos a territorializao

    da poltica de nucleao e o fechamento de escolas no campo, no municpio alagoano de Unio

    dos Palmares, como se ver nos captulos posteriores.

  • 24

    1.1 Do Bang s usinas: terra e prticas educativas nas Alagoas

    Ah! Usina, voc engoliu os banguezinhos

    do pas das Alagoas!

    (Jorge de Lima)

    O caminho que determinou, historicamente, a formao socioterritorial da terra que

    produziu escritores da importncia de Jorge de Lima e Graciliano Ramos foi constitudo de

    conflitos, dominao e resistncia: de um lado a aristocracia latifundiria faustosa dos bares

    e viscondes e do outro os camponeses oprimidos e desprovidos, mormente de condies para

    as necessidades bsicas de existncia.

    A vida de Alagoas nasceu da morte, do derrame de sangue de alguns grupos sociais que

    no se acovardaram em lutar pela vida e enfrentaram o colonizador europeu e sua paixo pela

    riqueza:

    [...] Alagoas o que se ama e di. Alagoas no nasceu do sonho de um monarca.

    Nasceu da morte de milhares de ndios Tapuia-Kariri, da morte de milhares de negros

    de etnias diversas, do trabalho de milhares de homens pobres: ndios, negros, brancos

    e mulatos. Houve uma riqueza de poucos e uma pobreza de muitos. Esse foi o jeito

    que encontramos de criar Alagoas. Pois bom que se diga: Alagoas nasceu de uma

    grande paixo. A paixo pela vida, a paixo pela morte. A paixo pela riqueza, a

    resignao pela pobreza (LINDOSO, 2011, p. 39-40).

    Atravs da ocupao das terras alagoanas, iniciada pelo colonizador portugus com seu

    projeto expansionista empenhado em estender suas bases econmicas para alm de suas

    fronteiras (ALMEIDA, 2011, p. 77), alicerou-se uma sociedade poltica, econmica e

    culturalmente desigual, fundamentada na violncia, na explorao da fora de trabalho, na

    centralizao e hierarquizao do poder.

    A luta contra os franceses no litoral, o extermnio dos povos indgenas, a resistncia aos

    holandeses e a luta contra o Quilombo dos Palmares foram os movimentos de disputa e

    ocupao, segundo Carvalho (2015), que ao longo dos sculos XVI e XVII desenharam, com

    traos de sangue, o territrio da atual Alagoas.

    Na segunda metade do sculo XVI, aps vencer os franceses e exterminar os indgenas,

    a coroa portuguesa deu incio distribuio de terras atravs da doao de sesmarias na faixa

    litornea da futura provncia das Alagoas. As terras ora conquistadas eram privilegiadas pelas

    suas potencialidades naturais, seus solos frteis e bem drenados por rios e lagoas navegveis

    que recortavam toda a costa, o que despertou a ambio dos colonizadores europeus e

  • 25

    influenciou no povoamento da regio e na construo dos engenhos, tambm denominados

    bangus.

    Os primeiros ncleos de povoamento da regio, segundo Digues Jnior (2006),

    surgiram nos ltimos decnios do sculo XVI e se assentaram um na regio Norte, tendo Porto

    Calvo como ncleo de irradiao; outro, no centro do litoral, em derredor das duas grandes

    lagoas, as quais deram nome primeira povoao Alagoas; um terceiro, por sua vez, situou-

    se na regio sul, tendo Penedo como ponto principal de irradiao. Evidentemente, o objetivo

    principal desses assentamentos foi a explorao canavieira, pois no desenvolvimento da

    cana-de-acar que vai se assentando cada um desses ncleos de povoamento e essa

    agricultura que assegura a prosperidade econmica pela fundao de engenhos (DIGUES

    JNIOR, 2006, p. 41).

    O caminho percorrido para a realizao do povoamento da rea conquistada foi

    estrategicamente delimitado, sendo os rios e lagoas o trunfo necessrio para alavancar o

    monocultivo da cana-de-acar e a construo de engenhos. Isso possibilitou o

    desenvolvimento econmico do setor, voltado prioritariamente para a exportao.

    Para Digues Jnior (2006), a colonizao se fez acompanhando o curso das guas dos

    grandes e pequenos rios, visto que os primeiros povoamentos foram fixando-se s suas

    margens. O engenho Buenos Aires (em Camaragibe) e o Escurial (em Porto Calvo) fizeram

    parte dos primeiros de Alagoas, fundados por Cristvo Lins e construdos s margens do rio

    Camaragibe e do rio Manguaba, respectivamente. Nas palavras do autor,

    nas guas dos rios, dos pequenos rios, que o senhor de engenho encontra o melhor

    colaborador para sua organizao econmica. no rio que ele vai buscar no somente

    a gua; nele est a gua para dar umidade ao solo, para o transporte da produo, para

    o banho dos animais, tambm para o seu banho e de sua famlia [...] tambm na

    gua, na gua dos rios e na gua do mar, que o bang encontra o melhor colaborador

    para o transporte de sua produo (DIEGUES JNIOR, 2006, p. 106).

    A gua era, pois, um dos recursos mais importantes para a sobrevivncia dos ncleos

    aucareiros, era ela o meio utilizado para o transporte e a comunicao entre os ncleos, a fora

    que impulsionava as moendas e, sobretudo, o elemento que dava vida queles que sobreviviam

    nos engenhos.

    Outras freguesias foram criadas a partir dos novos focos de povoamento, como o caso

    do quarto foco que surgiu no norte das terras de Alagoas, no final do sculo XVII. Seu

    surgimento foi motivado pela luta contra os quilombos e se tornou determinante no processo

    de expanso do povoamento para o interior.

  • 26

    Atacar e derrubar Palmares era um meio para recuperar os negros fugidos que

    integravam o quilombo e os submeter ao trabalho cativo na cultura da cana e na produo de

    acar nos engenhos. A partir da destruio de Palmares, largas extenses de terra distantes do

    litoral foram cedidas pelo donatrio da capitania, principalmente aos militares que

    participaram da guerra contra a insurreio liderada pelos antigos escravos africanos

    (CARVALHO, 2015, p. 17). assim que

    Vencidos os quilombos do zumbi, os vencedores localizam suas moradas nas terras

    conquistadas, distribudas ento em sesmarias aos conquistadores. Comea da o

    povoamento do interior; expande-se a dilatao territorial. Completa-se a estrutura

    geogrfico-social das Alagoas (DIGUES JNIOR, 2006, p. 43).

    Com a adoo do regime de sesmarias comea a definir-se a forma de apropriao e

    uso das terras alagoanas. No percurso da sua histria, elas se vo moldando para dar lugar

    especialmente agricultura canavieira, responsvel pela monopolizao do uso do espao

    agrcola e pela concentrao de terra e de riqueza (CARVALHO, 2015, p. 49), bem como,

    pelo desmatamento de uma das maiores riquezas da biodiversidade encontrada na regio, a

    Mata Atlntica.

    Nesse contexto, ela foi um dos alvos dos colonizadores, pois era preciso limpar a terra

    para produzir, mas as matas impediam o progresso econmico e precisavam ser superadas,

    mesmo que isso significasse a eliminao da sua biodiversidade e o massacre fsico e cultural

    da sua gente (SILVA, 2013, p. 148). O extermnio dos Caets e dessa mata foi um caminho

    convulsionante, mas estratgico, do ponto de vista dos interesses dos donos de sesmarias, j

    que esses necessitavam eliminar tudo que potencializasse o impedimento do seu avano

    econmico.

    Conforme Andrade (2011, p.74), necessrio era derrubar a mata, instalar os engenhos,

    as casas-grandes, as senzalas, plantar os canaviais e as lavouras de mantimento. Essencial era

    abrir caminho para o desenvolvimento econmico, mesmo que para isso fosse preciso

    disseminar, na vida social alagoana, uma cultura baseada na explorao e na violncia. Esta foi

    sempre utilizada como um meio para garantir a dominao das terras e a manuteno da ordem.

    Assim,

    O domnium do senhor [...] se fazia por meio da apropriao dos bens produzidos por

    escravos e pelo emprego sistemtico da violncia social, em suas vrias formas, sobre

    as categoriais sociais subalternas moradores, lavradores, mestres-de-acar,

    agregados e principalmente empregada como forma de disciplinamento do escravo

    (LINDOSO, 2000, p. 168).

  • 27

    A violncia se consolidou a ponto de ela servir para estratificar as classes sociais,

    delimitando o lugar de cada sujeito, estruturando uma sociedade excessivamente desigual,

    originada da explorao e dominao realizada pela aristocracia rural. Para Almeida (2011, p.

    81), a vida econmica e social no territrio alagoano vai se conformando, tendo a escravido

    como modo de produo dominante e a agricultura como esteio. Nesse contexto, o

    monocultivo da cana-de-acar torna-se, ao mesmo tempo, o motor propulsor e o rolo

    compressor da formao social alagoana, uma vez que outorgava riqueza aos senhores de terra

    custa do uso e abuso do trabalhador junto aos engenhos e casa-grande.

    De acordo com Andrade (2011, p. 76), os trabalhadores eram necessrios no s

    cultura da cana plantio, limpa e colheita , como tambm fabricao e ao transporte do

    acar e ainda cultura de mantimentos e aos servios domsticos. Eles eram, assim, a fora

    motriz que impulsionava o funcionamento dos engenhos, os prncipes da obedincia, aqueles

    que, com o olhar voltado para o cho e vertendo gotas de suor e sangue, faziam o imprio se

    erguer.

    Corroborando essa ideia de poder explicitada at aqui, Raffestin (1993, p. 17), afirma

    que as relaes sociais so quase sempre atravessadas pela violncia, forma mais extrema e

    brutal do poder. Essa , muitas vezes, apresentada sutilmente, como parte de um determinado

    processo, a exemplo do trabalho exaustivo aos quais os trabalhadores dos engenhos, mesmo

    aqueles no escravizados, eram submetidos: uma violncia velada.

    Foi sobre esse modelo econmico socialmente hierrquico e violento que se alicerou

    a sociedade alagoana. Segundo Lindoso (2000), era nele que as famlias senhoriais queriam

    permanecer, uma vez que o poder era considerado por elas como um atributo que deveria

    atravessar geraes e ser partilhado apenas pelos senhores de terra e de escravos. Assim, todas

    as categorias sociais subordinadas aos senhores de terra foram excludas do acesso a ele: ndios,

    escravos, lavradores, moradores, enfim, todos os que estivessem sob o seu domnio.

    Era no topo da pirmide social que se encontravam as famlias senhoriais e dele no

    pretendiam sair. Pelo contrrio, seus desejos voltavam-se para a ampliao e fortalecimento do

    seu poder, transformando, para isso, o casamento entre famlias afortunadas na base

    estruturante desse sistema. preciso destacar, aqui, que esse modelo de sociedade, cujo poder

    e estrutura assentavam-se sobre as bases das relaes conjugais, estava presente no somente

    em terras alagoanas, mas tambm em todo o Brasil colnia:

  • 28

    Os pais escolhiam cuidadosamente as alianas ou para reforar os laos de parentesco

    e resguardar a propriedade de mos estranhas unies com primos, tios, etc. ou

    para aumentar poder e prestgio, indo se unir a outras famlias de particular nomeada

    ou fortuna. A nova famlia fica estreitamente ligada s anteriores, quer do noivo, quer

    da noiva, tendo valor tanto o parentesco por linha paterna quanto por linha materna;

    os filhos casados ora continuavam morando com os pais, ora em casas que estes lhes

    dessem. O grupo familial no se limitava ento aos pais, filhos, agregados e escravos;

    era muito maior, pois devido aos casamentos entre parentes, os troncos das famlias

    eram geralmente primos entre si, e, relacionados, formavam um sistema poderoso

    para a dominao poltica e econmica, para a aquisio de prestgio e status. O

    indivduo que no se achava preso e integrado numa famlia, muito dificilmente podia

    prosperar e adquirir seu lugar ao sol (QUEIROZ, 1976, p. 45).

    Dessa forma, atravs de alianas firmadas, inclusive, no altar, as classes senhoriais iam-

    se fortalecendo, o poder ampliando-se atravs de crculos familiares que se entrelaavam pela

    endogamia nas famlias (VEROSA, 1996, p. 45) e, a base poltica e econmica das terras

    alagoanas seguia sua estruturao, tendo seu pilar de sustentao no complexo canavieiro:

    Dentro dessa dinmica que se vai amalgamando a sociedade das Alagoas, tendo o

    latifndio e a famlia como bases: nascendo no engenho, nele se desenvolvendo e se

    espraiando pelos engenhos vizinhos, a famlia senhorial alagoana vai expandindo sua

    influncia e construindo os troncos das genealogias sociais e polticas dos homens

    bons das Alagoas, comeando por Lins, Albuquerque, Barros, Pimentel, Wanderley,

    Acioli, Botelho, Soares, Bezerra, Calheiros, Gomes de Melo e Carvalho, cruzando-

    se, depois, pelos laos do casamento, Lins com Acioli, Barros Pimentel com

    Wanderley, Wanderley com Mendona, Mendona com Ucha, Albuquerque com

    Cavalcante e assim por diante, gerando em cada regio, e at entre regies, ncleos

    familiares que tendero de um modo geral a pensar a dinmica poltica e social a

    partir de interesses particulares e de grupos (VEROSA, 1996, p. 45).

    O modelo de organizao social da poca pautava-se nesses grupos familiares e era a

    partir de seus interesses particulares que as decises sobre qualquer assunto eram tomadas. Era,

    ento, dos bangus (das casas grandes) que saiam aqueles com direito a votar e escolher os

    governantes das vilas, bem como a serem votados e se tornarem o governador delas. As

    cidades eram assim, nesse processo, apenas um prolongamento dos engenhos. [...] no resto do

    tempo, continuariam os engenhos a ser os verdadeiros centros sociais e polticos da regio

    (id., ibid., p. 47).

    Em meados do sculo XVIII, a economia canavieira j estava consolidada em toda a

    regio litornea e, de acordo com Andrade (1997, p. 30),

    [...] o nmero de engenhos em Alagoas que era de 13 a 14 em 1630 passou para 69

    em 1774, elevando para 180 em 1802, saltando para 316 em 1849, subindo para 632

    em 1879, atingindo 933 em 1897, 964 em 1905, aproximando-se de um milhar no

    sculo atual. Nessa lista esto includos uns poucos engenhos a vapor, numerosos

    engenhos dgua e a maioria absoluta de engenhos movidos a trao animal, os

    chamados engenhos de besta.

  • 29

    O crescimento do nmero de engenhos e a expanso da rea cultivada favoreceram o

    crescimento da produo, registrando-se, j na metade do sculo XIX, um surto produtivo, de

    modo a anotar aquele como o momento ureo dos engenhos bangus e sua produo aucareira.

    No entanto, o progresso da cultura aucareira desencadeado com o aumento do nmero

    de engenhos no to duradouro, uma vez que outras culturas comeam a tomar fora pelo

    pas, causando o deslocamento do eixo econmico para o Sul (DIGUES JNIOR, 2006, p.

    121). Ocorre, consequentemente, a migrao populacional, sobretudo da regio Nordeste para

    aquelas onde a expanso da produo tem se alavancado de forma intensa: primeiro para as

    zonas de minerao e depois para as zonas de produo do caf, como explicita Digues Jnior

    (2006). Nesse contexto, a economia do acar passa a enfrentar uma de suas maiores crises,

    eclodida com o desenvolvimento tcnico para a produo do acar, donde desabrocham as

    usinas. O mesmo autor esclarece que

    O fastgio do bangu encontra a, nos arrancos progressistas da usina, sua hora

    amarga. A usina comea a aambarcar tudo. A grande economia do acar faz

    concorrncia pequena, representada pelo bangu. J no preciso mais gua, o boi,

    o escravo; isto ficava para o passado. O passado brilhante do bangu; [...] o lugar do

    acar passava a ser ocupado pelo caf, no Sul. Assim, o final do sculo apenas o

    ponto culminante desta situao desagradvel para o engenho (ibid, p. 121).

    certo que a evoluo do bangu para a usina causa transformaes significativas na

    vida da aristocracia rural alagoana, dando incio a um processo de venda dos engenhos. Inicia-

    se, com isso, o declnio das grandes famlias senhoriais, que a essa altura j no dispunham

    nem mesmo da presena de seus filhos na casa grande. Geralmente, eles eram encaminhados

    s escolas jurdicas por meio das quais se obtinha a realizao de um curso superior que lhes

    garantiria a ocupao de cargos pblicos e o exerccio da funo poltica.

    preciso elucidar que a oligarquia alagoana, detentora do domnio dos meios de

    produo e da vida poltica da comarca, era tambm possuidora em termos educacionais de

    uma ignorncia intelectual lamentvel, da qual nem mesmo a burguesia estava isenta. Segundo

    Craveiro Costa (1931, p. 06), de alto a baixo a ignorncia era completa. Saber ler e escrever

    era privilgio de raros. No era mesmo considerado coisa de grande importncia pela

    aristocracia rural dominante; portanto, at as primeiras dcadas do sculo XIX, no havia

    sequer indivduos capacitados para ocupar os cargos pblicos mais modestos (ibid, p. 02).

    Alguns autores como Costa (1931) e Verosa (1996) do conta de que as primeiras

    iniciativas educacionais em terras alagoanas foram tomadas pelos frades franciscanos no incio

  • 30

    da colonizao. Estes chegaram aqui com os portugueses e, alm da realizao das primeiras

    missas, comearam a oferecer nos conventos aulas de gramtica para os filhos dos moradores

    da regio, inclusive queles desprovidos de riqueza.

    Mesmo com a chegada da Companhia de Jesus, os franciscanos continuaram a

    desenvolver suas atividades nos conventos. H notcias, segundo Verosa (1996), de uma

    escola fundada pelos jesutas na fazenda Urubumirim, s margens do Rio So Francisco, nas

    proximidades de onde hoje se localiza Porto Real do Colgio. Nessas escolas onde atuavam os

    jesutas, era possvel encontrar um ensino que ia das primeiras letras at a recitao da

    jaculatria e redao de bilhetes (VEROSA apud DUARTE 1996, p. 57).

    Evidencia-se, pois, que ler, escrever e contar era o modelo julgado como suficiente para

    educar os novos habitantes, acrescido, claro, da doutrinao para a religio catlica. Esses eram

    os caminhos utilizados para domesticar os indgenas e, ao trilh-los, os educadores ou jesutas

    ensinavam-lhes, principalmente, a obedincia necessria para subjug-los e explor-los.

    Diferente dos franciscanos, os jesutas ansiavam pelo proselitismo e sua influncia na

    igreja, na poltica e no meio educacional contribuiu para que fossem banidos do pas por um

    alvar de 28 de junho de 1759, onde o Marqus de Pombal suprimiu as escolas da Companhia

    de Jesus tanto em Portugal quanto em todas as suas colnias (COSTA, 1931, p. 03).

    Daqui para frente so, novamente, os frades franciscanos quem toma o comando

    educacional formal na provncia, visto que, de acordo com Costa (ibid, p. 03), estes eram os

    nicos homens capazes de exercer o professorado, e os conventos, os nicos centros de cultura

    intelectual aprecivel.

    Dos fins do sculo XVIII para incio do XIX, aps o desmembramento de Alagoas da

    capitania de Pernambuco, poucas eram as notcias, segundo Verosa (1996), sobre a instruo

    pblica em terras alagoanas. Merece destaque as duas propostas feitas pela rainha D. Maria I

    durante seu governo, pois marcou a interveno do poder pblico no mbito da educao.

    A primeira foi aprovada em 1798 e props cmara da cidade de Alagoas que os

    homens livres contribussem para a manuteno de um seminrio em Olinda, na perspectiva de

    que a capital da comarca tivesse uma cadeira de gramtica latina mantida pelo mesmo

    seminrio. J a segunda proposta solicitava s cmaras municipais o estabelecimento de

    penses para que rapazes pobres pudessem ir estudar em Coimbra ou na Academia de Cincias

    de Lisboa, bem como nos cursos de Engenharia, Hidrulica, Medicina, Topografia e Cirurgia.

    Todavia, o que se sabe que a cmara da Vila de Alagoas se disps e at assumiu

    formalmente o compromisso de arcar com as despesas de um estudante que fosse se formar no

    curso de Medicina em Lisboa, suprindo-lhe com duzentos mil ris anuais para sua

  • 31

    subsistncia, ignora-se, entretanto, se esse compromisso chegou a ser cumprido (COSTA,

    1931, p. 04).

    Para Verosa (1996), o que se tinha de concreto nesse perodo, em Alagoas, alm das

    cadeiras de gramtica latina institudas pelo seminrio de Olinda na Vila das Alagoas, eram

    duas cadeiras de primeiras letras, uma na sede da comarca e a outra em Santa Luzia do Norte,

    ambas na regio das grandes lagoas. Nesse contexto, apesar da criao da capitania de Alagoas,

    em 1817, o que se pode observar a permanncia do estado de atraso no processo de instruo,

    sobretudo no que se refere esfera pblica, bem como um monoplio da cultura letrada dos

    conventos franciscanos instalados em terras alagoanas:

    A cultura propriamente da capitania fazia-se nos Seminrios de Olinda e Bahia e nos conventos. [...] A cultura intelectual vivia de portas a dentro, nos claustros sombrios.

    C fora apenas o rumor efmero dos sermes nos dias de pompa catlica (COSTA,

    1931, p. 05).

    Sem qualquer tipo de evoluo, especialmente para a populao desprovida de recursos,

    o processo de instruo permaneceu descontnuo e desordenado como sempre fora, mesmo

    depois que foi declarada a gratuidade do ensino primrio pela constituio de 25 de maio de

    1825, e sua oferta passou a ser competncia dos governos, como elucida Costa (1931, p. 06).

    Ao estado, a legislao imps a responsabilidade de regulamentar e difundir a educao bsica,

    mas, como de costume, em Alagoas nada se fez.

    Algumas dcadas se passaram e a reforma constitucional de 1884 veio contribuir com

    a construo de mais um caminho para o abandono, quando, segundo Costa (1931), concedeu

    s assembleias provinciais a liberdade de legislar sobre o ensino pblico. Nesse momento, o

    governo geral acaba por desobrigar-se de seu dever imposto pela constituio, prejudicando

    com isso o processo de instruo das classes populares, pois um plano educacional para os

    grupos sociais menos favorecidos no foi desenvolvido.

    Desse modo, a instruo primria ficou sob o encargo das provncias e s elas poderiam

    pensar a respeito da legislao, orientao e propagao da educao. No entanto, Costa (1931)

    esclarece que por questes polticas, administrativas e financeiras elas no possuam condies

    suficientes para organizar e impulsionar essa modalidade de ensino, o que acabou por levar a

    educao pblica alagoana para o caminho do esquecimento.

    fato que o ensino primrio vivia uma situao deplorvel, marcado por muitas

    deficincias e sendo realizado por profissionais inaptos para exercer o magistrio, visto que o

  • 32

    curso normal no atraa e as aspiraes dos moos, principalmente dos abastados, voltavam-

    se de preferncia para os cursos jurdicos (ibid, p. 38). Nesse contexto,

    [...] a profisso (magistrio), por no oferecer vantagens convidativas, no seduzia o

    sexo masculino. Pode-se afirmar que, h vinte anos, a Escola Normal de Alagoas no

    diploma rapazes. Os vencimentos do professorado primrio no oferecem meios

    estveis de vida a um homem, que encontra facilidade no comrcio e noutros ramos

    de atividade o duplo e o triplo da remunerao, logo no incio da carreira. Ficou, por

    essa razo, adstritos as moas pobres o magistrio primrio (COSTA, 1931, p. 41).

    Sem professor capacitado para assumir a sala de aula, o poder legislativo encarregou-

    se de defasar ainda mais a instruo pblica, oferecendo a cadeira de professor a qualquer um

    que fosse catlico, soubesse ler, escrever e contar. Essa foi uma das vias pelas quais, nessa

    poca, nasceu o apadrinhamento poltico, um fenmeno arbitrrio utilizado para realizar a

    escolha de um funcionrio luz de seus vnculos pessoais e polticos, tornando dispensvel o

    conhecimento e as habilidades necessrias para assumir qualquer cargo que lhe fosse oferecido,

    conforme se pode afirmar a partir da leitura de Verosa (1996).

    A desimportncia com a qual se tratava o magistrio em Alagoas era lamentvel. De

    acordo com Costa (1931, p. 39), no se cuidava, at 1906, de, seriamente, preparar

    professores. Abandonado e desorganizado, o curso normal desmoralizara-se e, com ele, o

    ensino pblico primrio que, por sua vez, ficara ainda mais relegado ao descaso e inferiorizado.

    Sobre o magistrio, dizia o diretor da instruo pblica, em seu relatrio de 1905, que

    a profisso estava a confundir-se com os meios de vida ordinrios, simples ganha-

    po de umas tantas mediocridades, que a exploravam com a sofreguido de quem no

    tem aptido para mais nada (VEROSA, 1996, p. 127).

    No de se admirar que o curso normal fosse, poca, to desvalorizado e no de

    surpreender que hoje ainda o seja posto que sempre foi destinado s classes desafortunadas.

    Por ser destinada a esse pblico, a possibilidade de realizao do curso normal era muito

    limitada. De acordo com Costa (1931), s havia uma nica Escola Normal no estado e, como

    ela se localizava na capital, eram raros os candidatos dos municpios do interior que iam fazer

    os cursos e quando o faziam, aps diplomados, no queriam mais voltar para o lugar de onde

    vieram. Assim tambm, as candidatas (pois em sua maioria eram mulheres) ao magistrio no

    aceitavam as cadeiras rurais para atuar como professoras, pois geralmente elas residiam na

    capital. Esse contexto deixava o ensino primrio das escolas do interior do estado em situao

    de precariedade e carncia, porque, dentre outros fatores, faltavam professoras para ocupar as

    cadeiras existentes.

  • 33

    Para tentar solucionar esse problema, medidas e mais medidas foram adotadas,

    reformas educacionais foram realizadas. Todas, entretanto, foram incuas, visto a falta de

    interesse poltico proveniente da interpretao poltico-ideolgica da oligarquia agrria,

    conhecida popularmente na expresso: gente da roa no carece de estudos. Isso coisa de

    gente da cidade (LEITE, 1999, p. 14). Nesse contexto, o compromisso e a teia de reciprocidade

    criada entre os governantes e os coronis, com vistas manuteno de seus interesses polticos

    e econmicos, respectivamente, no permitiam qualificar professores para bem alfabetizar os

    filhos dos trabalhadores dos municpios do interior.

    Uma das medidas tomadas em 1912 para a resoluo desse problema, segundo Costa

    (1931), deu conta de criar a classe do professor subvencionado: um sujeito leigo que, para ser

    nomeado professor, precisava fazer um exame de habilitao perante um funcionrio da

    instruo pblica e residir na localidade da escola. A ele era oferecida uma modesta

    remunerao e o direito de tornar-se irremovvel do cargo.

    Embora a providncia adotada contribusse para garantir a presena do professor na

    escola, esse, porm, no tinha formao adequada para desempenhar tal funo e seu exerccio

    tornava-se, na verdade, um desservio populao do interior, fosse do campo ou da cidade.

    Ainda segundo Costa (1931), treze anos mais tarde, uma nova reforma foi realizada,

    mas seu efeito foi igualmente negativo, porque no permitiu melhorar a qualidade do ensino

    exercido em sala de aula. Contraditoriamente, a ao que deveria contribuir para alavancar o

    ensino acabou por limitar cada vez mais o processo de alfabetizao do filho do trabalhador e

    intensificar, sobremaneira, a estrutura de desigualdade da sociedade alagoana. A substituio

    do professor subvencionado pelo extranumerrio, em cumprimento ao proposto nessa reforma,

    nada mais foi que a continuidade do retrocesso educacional:

    Em 1925, com a reforma desse ano, foi extinta a classe do professor subvencionado

    e creado a do extranumerrio. Questo de nome. Mas, mesmo assim, no foi feliz

    essa creao. O extranumerrio passou a ganhar mais e para sua nomeao nem uma

    prova de habilitao era exigida. Dentro de pouco tempo, o ensino primrio no

    interior ficou quase que exclusivamente entregue a tais indivduos, rotulados

    professores e na sua quase totalidade ignorantssimos. Retrogradava-se cem anos. Era

    assim em 1836... (COSTA, 1931, p. 44-45).

    A constituio histrica desse processo traz indicativos que permitem pensar a falta de

    seriedade com a qual se pensou e, por herana, ainda se pensa, do ponto de vista da

    administrao pblica, a educao em Alagoas. Os empenhos polticos para ofertar a educao

    adequada para sujeitos pobres nunca estiveram, de fato, em pauta. Por se tratar de uma regio

    de natureza eminentemente rural e escravista, estruturada na manuteno das desigualdades

  • 34

    sociais, no havia motivos para realizao de esforos no trato do ensino pblico. Assim,

    quando alguma iniciativa era tomada no mbito educacional, fazia-se, segundo Costa (ibid., p.

    06), visando preferencialmente o ensino secundrio [ofertado] s classes abastadas.

    Estudar em boas escolas e se formar em cursos superiores era privilgio de poucos,

    visto a impossibilidade de um rapaz pobre viajar para estudar fora. Quando se pensa no caso

    das moas pobres, essa dificuldade era intransponvel. O acesso formao superior, nesse

    contexto, estava intimamente ligado tradio elitista que caracterizou a formao da educao

    brasileira sua oferta destinava-se, especialmente, aos filhos dos senhores de engenho. De

    acordo com Digues Jnior (2006), quando no eram destinados pelos prprios pais para a

    misso de exercer o sacerdcio, os jovens, em sua maioria, eram encaminhados para a

    realizao de cursos jurdicos em Olinda ou So Paulo.

    Ao se fazerem doutores, em geral, eles no voltavam para a casa grande dos engenhos,

    uma vez que no se ajustavam mais sua terra. Com isso, as grandes famlias na propriedade

    sucessiva dos engenhos (DIGUES JNIOR, 2006, p. 280) comeavam a desaparecer, dando

    lugar a novas famlias que substituiriam aquelas tradicionais, que ali sobreviveram por centenas

    de anos, conforme evidencia Digues Jnior:

    O doutor se transformara em um desajustado ao seu meio; eis o que se deu, no

    segundo reinado, com o aparecimento dos filhos de senhor de engenho feitos

    doutores. Sados de engenho, a eles, porm, no voltavam. Em consequncia, as

    tradies solarengas iam desaparecendo, as propriedades, orgulho de famlia, iam

    passando a mos estranhas, quando no de todo abandonadas (2006, p. 280).

    Eram as consequncias advindas da escolha pela criao de cursos de Direito e

    Medicina em um pas, poca, quase que exclusivamente rural, no qual a atividade agrcola

    predominava e o sustentava economicamente. Foi assim que se formaram muitos doutores sem

    vocao e, por outro lado, desperdiou-se a possibilidade de formar, por exemplo, profissionais

    para a agricultura ou para outras reas que atendessem s necessidades da realidade local,

    voltando de seus cursos capacitados para atuar nos setores que careciam de um tratamento

    especializado em Alagoas. Isso no se realizava, porque importava para o senhor de engenho

    apenas ter um filho com o ttulo de doutor, sem levar em considerao a sua vocao ou mesmo

    a necessidade de, por meio da atuao profissional, manter seus filhos na terra a qual

    pertenciam.

    O administrador da provncia de Alagoas, presidente S e Albuquerque, certa vez, em

    uma fala Assembleia Legislativa no ano de 1855, conforme Costa (1931), lamentou o fato de

    os estudantes mais aplicados continuarem dando preferncia a Recife e Salvador para realizar

  • 35

    seus estudos, em vez de se dirigirem para o estabelecimento pblico local. Sua proposta foi, no

    lugar do Colgio de Educandos Artfices internato de rfos com ensino de primeiras letras

    e ensino de sapateiro, alfaiate e msica vocal e instrumental que havia sido fechado, criar um

    Colgio de Educandos Agrcolas para a formao de rapazes obedientes, subservientes, sem

    ambies, sem sonhos, que soubessem apenas usar ferramentas para o trato com a terra.

    Evidentemente, ele defendia uma proposta pedaggica to mesquinha quanto a que tivera sido

    oferecida at aquele momento populao alagoana e, em sua referida fala Assembleia, usava

    os seguintes termos para expressar seus desejos:

    Eu no quero sbios agrcolas, quero moos educados no campo, sabendo apenas

    ligeiras noes tericas de agricultura e o manejo de algum instrumento agrcola; no

    quero aspirantes a empregos pblicos; quero trabalhadores de um esprito mais ou

    menos cultivado, moralizados e econmicos; no quero futuros descontentes das

    instituies do pas, quando no se acharem contentes com a sorte: quero homens

    pouco ambiciosos e sumamente interessados na paz pblica e na permanncia dos

    governos, sejam eles de que poltica forem (COSTA, 1931, p. 47-48).

    Felizmente seus desejos e sua m vontade disfarada de boa inteno no se

    concretizaram. Apesar de sua ideia ser acolhida e autorizada pelo poder legislativo em 1859,

    ela no chegou a ser efetivada e o Colgio foi extinto dois anos depois pelo mesmo legislativo

    que o aprovara.

    No existiam, at o incio do sculo XIX, cursos que contribussem para o

    desenvolvimento da agricultura e que ensinassem os filhos da casa grande (pois os filhos da

    senzala eram apenas uma mercadoria usada para servir casa grande) a cuidar da terra para

    nela viver e dela progredir, conforme enfatiza Costa (1931, p. 282):

    Faltou ao pas, em particular s suas reas agrcolas, a existncia de escolas de

    agronomia ou de agricultura prtica; seriam elementos de atrao para os filhos de

    senhores de engenho, desviando-os das escolas de direitos ou de medicina. A

    instruo no Brasil, e no a educao porque educao no houve e no h foi

    sempre urbana; nunca se preocupou com as populaes rurais, de modo a adapt-las

    ao seu meio. O mtodo, a espcie, o sistema do ensino eram, e em parte so ainda, o

    mesmo tanto para a zona urbana como para a rural. No havia diferena. Da o mal

    instrudo da zona rural sair para a urbana; inadaptado quela, torna-se igualmente um

    desajustado a esta.

    Os resultados da falta de cursos destinados ao conhecimento e ao cuidado das reas

    onde viviam, bem como do doutoramento1 ao qual se submetiam, eram o afastamento desses

    1 Nesse contexto, o doutoramento refere-se obteno do diploma em Direito ou Medicina, conforme Costa

    (1931).

  • 36

    rapazes da vida rural, o estranhamento das suas prprias tradies, a sua insero na vida

    poltica da provncia e a ocupao de cargos pblicos.

    importante mencionar que somente os filhos homens dos senhores de engenho

    formavam-se em cursos superiores, as mulheres, segundo Digues Jnior (2006) e Verosa

    (1996), eram criadas para ser encaminhadas a bons casamentos, enlaces que necessariamente

    uniam sobrenomes e fortunas, sinnimo de poder e prestgio, conforme demonstrado

    anteriormente. Portanto, ainda segundo Digues Jnior (2006), era dos bangus que saiam os

    homens de poltica e os homens de cultura de Alagoas.

    As crises que assolavam a economia da cana desde o sculo XVII, segundo Furtado

    (2007), foram se tornando cada vez mais frequentes e fortes no incio do sculo XIX,

    comprometendo at mesmo a permanncia das famlias senhoriais nos engenhos. A baixa

    qualidade do acar produzido nos bangus contribuiu para a desvalorizao do produto e abriu

    espao concorrncia antilhana, de acordo com Carvalho (2015), gerando uma crise no preo

    do acar brasileiro e consequentes problemas econmicos para os seus produtores. Alguns

    senhores de engenho, ao tentar investir na atividade, modernizando-a, acabavam endividados

    e eram levados a optar pela venda de suas propriedades.

    De acordo com Digues Jnior (2006), durante todo o sculo XIX, anncios e mais

    anncios de venda de engenhos eram colocados em jornais. Alguns proprietrios no

    esclareciam por qual motivo estavam colocando seus engenhos venda, outros, por sua vez,

    no escondiam o motivo pelo qual colocavam a propriedade venda, como o caso do dono

    do engenho Sabauma Grande. Este afirmou claramente em seu anncio ao jornal Dirio das

    Alagoas, em 11 de abril de 1863, que estava vendendo a propriedade para acabar com as

    dvidas.

    Apesar de todas as fragilidades vivenciadas pelos bangus em todos os momentos da

    histria alagoana, alguns donos de engenho resistiram e continuaram a moer e produzir acar

    at as primeiras dcadas do sculo XX, mesmo que de maneira rudimentar e sem condies de

    competitividade no mercado. Os bangus continuaram existindo na contramo dos ideais de

    modernizao do governo. De acordo com Carvalho (2015, p. 55), havia a [...] deciso do

    governo imperial, em 1875, de transformar os velhos bangus em unidades industriais

    avanadas, denominadas engenhos centrais visando com isso deter a crise produtiva e

    modernizar o setor aucareiro.

    Assim, os engenhos, ponto de ebulio da formao socioterritorial e econmica de

    Alagoas, sobreviveram a inmeras crises, porm, no conseguiram permanecer de p frente

    abolio da escravatura, aos impostos que os senhores de engenho viam-se obrigados a pagar

  • 37

    e, principalmente, implantao de tcnicas e tecnologias modernizadoras no processo de

    cultivo e produo do acar, surgidas a partir da segunda metade do sculo XIX. O avano do

    capitalismo no campo rasgou as velhas roupas que aqueciam os engenhos bangus e os vestiu

    de modernidade. Foi assim que os bangus nas Alagoas foram engolidos pelas usinas.

    1.2 Da territorializao das usinas des-territorializao dos camponeses

    Na segunda metade do sculo XIX tm incio as primeiras modificaes na estrutura

    produtiva da indstria aucareira, as quais, mesmo tendo ocorrido tardiamente e de forma

    vagarosa, foram imprescindveis para o desenvolvimento da indstria do acar. Sobre essas

    mudanas Andrade (1997, p. 26) escreve:

    [...] algumas inovaes, porm, merecem ser salientadas, como a introduo de uso

    do arado, a substituio de lenha pelo bagao de cana como combustvel, a

    substituio, nas moendas, dos tambores em posio vertical pelos tambores em

    posio horizontal, a introduo de novas variedades de cana e de mquinas a vapor,

    nos engenhos mais importantes.

    Essas modificaes no processo de cultivo e fabricao do acar culminou na

    implantao de engenhos com maior potencial de produo, um tipo de unidade industrial

    avanada que tinha como objetivo aumentar a produtividade no setor agrcola e no setor fabril.

    Tambm se almejava diminuir os custos de produo do acar, fazendo-o mais competitivo

    no mercado internacional, j que no havia no pas um mercado interno capaz de absorver a

    produo (ANDRADE, 1997, p. 33).

    Os empreendimentos maiores e com maior capacidade produtiva eram denominados

    engenhos centrais e usinas e se distinguiam pelas relaes de produo que desenvolviam:

    [...] as usinas, sendo de propriedade de antigos senhores de engenho e de parentes e

    vizinhos associados, no separavam a produo da industrializao da cana e

    utilizavam a mo-de-obra escrava, enquanto os engenhos centrais, subsidiados e com

    garantias de juros do capital aplicado pelo governo, tinham restries quanto posse

    de terras para a cultura da cana e utilizao da mo-de-obra escrava (ANDRADE,

    2001, p. 272, grifos do autor).

    Em razo da falta de matria-prima para a industrializao, os engenhos centrais em

    Alagoas no se sustentaram, uma vez que seu funcionamento dependia, de acordo com os

    escritos de Carvalho (2015), do fornecimento da cana produzida nas propriedades dos antigos

    senhores de engenhos falidos, que desmontaram suas fbricas de acar e passaram a vender a

  • 38

    cana cultivada em suas terras. Contudo, alm do fornecimento do produto no ser regular, seu

    alto preo no contribua para que o acar produzido nessas indstrias fosse competitivo, o

    que causou sua derrocada e fez surgir em seu lugar as unidades industriais integradas.

    O surgimento dessas unidades, batizadas como usinas, aconteceu na ltima dcada do

    sculo XIX, em Alagoas, e a primeira delas foi a Usina Brasileiro, inaugurada no ano de 1892.

    Dois anos mais tarde, em 1894, foram fundadas a Central Leo, a Serra Grande e a Cansano

    Sinimbu, segundo Carvalho (2015).

    A chegada delas impactou positiva e negativamente o setor aucareiro. O impacto

    positivo deu-se pela incorporao de novos dispositivos de fabricao com vistas ao melhor

    desenvolvimento da produo, como as caldeiras verticais, os evaporadores e as turbinas

    (CARVALHO, 2015, p. 56), e por trazer a energia eltrica s usinas, tecnologia que se tornou

    indispensvel para o funcionamento das grandes e potentes mquinas dessa indstria. J o

    negativo aconteceu porque as modificaes ocorridas no parque industrial do acar acabaram

    garantindo aos proprietrios das unidades maiores e mais modernas a hegemonia de todo o

    processo econmico do acar, desde a cultura da cana at a distribuio comercial, passando

    pela fase industrial (id., ibid., p. 57). Esses passaram a absorver os bangus restantes e as

    pequenas e mdias usinas que j no produziam com tanta competitividade, alm de se

    apropriar das grandes extenses de terras pertencentes a essas fbricas.

    Com a consolidao das usinas tem incio um processo de interveno estatal no ano de

    1930, que vai resultar na criao do Instituto do Acar e do lcool (IAA) trs anos mais tarde.

    A sua implantao daria ao governo a possibilidade de interferir no setor canavieiro com o

    intuito de modernizar o parque industrial e lhe garantir maior competitividade. Carvalho (2009,

    p. 26) aponta a maneira como se deu o processo de interveno governamental, sendo esse

    dividido em duas etapas:

    Na primeira etapa, entre a criao do IAA e a poltica de expanso, em 1960, cresce

    o nmero de usinas, amplia-se a rea plantada, introduzem-se mquinas e a irrigao.

    A interveno na produo pontual e complementar [...].

    Na segunda etapa a presena reguladora da autarquia federal ampliada com a

    introduo de programas, planos e fundos federais de apoio modernizao da

    produo aucareira [...].

    nesse contexto que a propriedade da terra vai se concentrando nas mos de alguns

    poucos proprietrios capitalistas, pois, medida que passam a obter lucro e a acumular capital,

    vo negociando e comprando terra de forma cada vez mais acentuada. Carvalho (2015),

    evidencia que:

  • 39

    A centralizao da produo em unidades cada vez maiores correspondia, ao mesmo

    tempo, a uma concentrao das terras, sempre as melhores fazendas, nas mos dos

    novos empresrios, a exemplo da usina Leo, que, em 1932, j possua dezoito

    engenhos. Os usineiros, apesar do seu aspecto industrial, continuaram sendo

    proprietrios de terras. E assim, foram juntando engenhos, fazendas, ocupando reas

    pertencentes a muitos donos, construindo plantaes continuas que chegavam a

    milhares de hectares e ocupando partes inteiras de municpios (ibid, p. 61).

    A usina, alm de representar o avano do capitalismo no campo, tornou-se instrumento

    de concentrao fundiria. Para Oliveira (1991, p. 24), estamos diante do processo de

    territorializao do capital monopolista na agricultura e, portanto, a indstria do acar, as

    terras onde ela est localizada e a cana cultivada nessas terras, fazem parte do patrimnio de

    uma nica pessoa. Assim, cada propriedade canavieira uma frao do territrio dominada por

    um capitalista, que ao comprar novas terras na perspectiva de expandir a cultura da cana,

    desencadeia o processo de territorializao da indstria aucareira.

    A territorializao, que segundo Fernandes (2005, p. 29) resultado da expanso do

    territrio, contnuo ou interrupto, foi um dos processos geogrficos iniciados quando da

    insero do capital industrial e financeiro no campo, utilizado tanto para a consolidao das

    usinas quanto para a expanso contnua de suas terras. Em Alagoas, medida que o capital se

    territorializava no campo, as usinas iniciavam um processo de expanso da cultura da cana em

    direo a outras regies como, por exemplo, a de tabuleiros, bem como abriam caminhos para

    a construo de estradas de ferro na perspectiva de facilitar o transporte da produo de uma a

    outra regio mais longnqua.

    De acordo com Andrade (1997), essa expanso teve incio por volta dos anos de 1950

    e se deu a partir de uma violenta derrubada do que havia restado da faixa total da Mata

    Atlntica, tanto para a plantao em grande escala quanto para a construo das linhas frreas.

    Posteriormente, para que as mudas de cana-de-acar pudessem ser plantadas em substituio

    s matas, foi necessrio o uso de tcnicas para a irrigao e a fertilizao dos pobres solos dos

    tabuleiros. Andrade (2011), descreve esse processo de expanso da indstria do acar,

    afirmando:

    A usina era, assim, um autntico D. Joo de Terras, estando sempre disposta a

    estender seus trilhos, como verdadeiros tentculos, pelas reas onde pudesse obter

    cada vez mais canas. Esta fome de terras iria dar origem ao agravamento do problema

    do latifndio que, desde a colonizao, aflige o Nordeste (ANDRADE, 2011, p. 117).

    Sob a tica do progresso, os proprietrios capitalistas foram se territorializando,

    reestruturando a indstria do acar e, por conseguinte, concentrando poder expresso em terra

    (territrio), dinheiro e tecnologia (FERNANDES, 2008, p. 44). De acordo com Andrade

  • 40

    (2011), no ano de 1920 existiam em Alagoas 15 usinas, um nmero pequeno se comparado aos

    estados de Sergipe e Pernambuco, que concentravam 70 e 54 fbricas, respectivamente.

    Todavia, a produo de acar nesses estados no estava relacionada ao nmero de

    fbricas, mas capacidade de esmagamento de cada uma delas, visto que apesar do pequeno

    nmero de usinas Alagoas tinha uma produo 50% superior sergipana com 70 usinas

    (ANDRADE, 2011, p. 115). Esse aumento produtivo deu-se pelo incremento tecnolgico e

    pela absoro dos engenhos e das pequenas usinas. Entre os anos de 1920 e 1985, houve uma

    diminuio significativa no nmero de usinas na maioria dos estados da regio Nordeste, como

    mostra a tabela 1:

    Tabela 1 Nmero de usinas nos estados produtores de acar da regio Nordeste, 1920 -

    1985.

    Estados Nmero de usinasero19

    1920 1985

    Alagoas 15 27

    Bahia 22 2

    Paraba 2 7

    Pernambuco 54 35

    Rio Grande do Norte 3 2

    Sergipe 70 3

    Total 166 76 Fonte: Andrade (2011, p. 115-116).

    Essa reduo derivou da fuso das fbricas maiores com as menores, menos produtivas,

    incentivadas pelas polticas governamentais em fase de implantao, o que acabou gerando a

    concentrao fundiria nesses estados, segundo Andrade (2011). No estado de Sergipe, por

    exemplo, 67 (sessenta e sete) fbricas de acar foram fundidas e as terras antes divididas entre

    vrias indstrias passaram a pertencer apenas aos proprietrios capitalistas de 3 (trs) usinas.

    Em contrapartida, os estados da Paraba e Alagoas aumentaram em nmero suas

    unidades, fundando em um perodo de 65 anos mais algumas fbricas de acar, 5 (cinco) e 12

    (doze) respectivamente. Em decorrncia disso, intensificou-se ainda mais o processo de

    concentrao de terras, pois, com um nmero maior de usinas era necessrio adquirir mais

    terras para atender a fome de cana de suas moendas (ANDRADE, 2011, p. 117).

    Entre os anos de 1975 a 1985 a rea de cana-de-acar plantada em Alagoas saltou de

    230 mil para 436 mil hectares, segundo Albuquerque (2009, p. 88), agravando o processo de

    expropriao camponesa, o qual se alavancava medida que a lavoura de cana das usinas se

    expandia. Essa ampliao da agricultura canavieira ocorreu principalmente na mesorregio

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    Leste de Alagoas, por ter as condies fsicas e geogrficas mais propcias para o seu

    desenvolvimento, como afirma Lessa (2012).

    Com o aumento do nmero de usinas e a introduo de novas tcnicas no cultivo da

    cana, os proprietrios das indstrias canavieiras buscavam atingir o clmax da acumulao de

    capital, agora, atravs da proletarizao e explorao camponesa. Se outrora os camponeses

    moravam no interior das fazendas e cultivavam suas lavouras nas terras do patro, com mo-

    de-obra exclusivamente familiar, produzindo o essencial para a sua subsistncia sem se

    preocupar com o mercado (SHANIN, 1979), agora as relaes de trabalho so outras e os

    trabalhadores do campo j no moram e nem produzem alimentos para o consumo prprio.

    Eles passam a produzir riqueza para o proprietrio capitalista e a receber um salrio por seu

    trabalho, para custear suas despesas e as de sua famlia.

    Hoje a empresa aucareira se enquadra no rol das empresas capitalistas, possuindo

    tecnologia de ponta e desfrutando dos subsdios do Estado. A recorrncia desse tipo de fomento

    cria um quadro em que se pode perceber o modo como o setor, historicamente, consolidou-se

    por meio do apoio financeiro de polticas ou programas gestados pelo poder pblico para

    garantir o seu funcionamento e a sua produtividade.

    No entanto, sua modernizao no vem seguida pelo desenvolvimento educacional dos

    trabalhadores do campo. O que se percebe que as condies sociais de vida dos referidos

    trabalhadores mantm-se inalteradas, uma vez que a explorao do seu trabalho tem se

    agravado. Quanto mais se intensificam os processos de produo, mais o trabalhador tem que

    desprender uma grande quantidade de fora fsica para produzir, assegurar seu trabalho, seu

    salrio e assim garantir a sua sobrevivncia. Nessa nova forma de relao de trabalho a

    explorao sobre os trabalhadores se potencializa e a sua condio social se agrava.

    No que se refere ao trabalho no corte de cana, esse demarcado como um tipo de funo

    extremamente precarizada, que no oferece nenhuma condio humana de vida, porque

    desencadeia um processo de exausto, assim como de excluso do acesso aos bens mais bsicos

    para os trabalhadores camponeses como o so, por exemplo, a educao e a terra de trabalho.

    No que tange educao, mesmo que haja conscincia da importncia da escolarizao

    por parte do trabalhador, no h como este, diante da sua realidade, conciliar escola e trabalho,

    posto que no haver disposio para enfrentar uma sala de aula aps um dia extenuante de

    labor. Quanto terra de trabalho, sua conquista pelos trabalhadores camponeses s ser

    possvel por meio da luta e enfrentamento do capital. Segundo Almeida (2003), a terra de

    trabalho se contrape terra de especulao e explorao do trabalho alheio e utilizada para

    trabalhar e produzir. Nesse sentido, a autora esclarece que

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