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Universidade Federal de São Paulo Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Programa de Pós-Graduação em História. Fabiana R de A Junqueira As representações do trabalhador nacional no jornal O Metalúrgico durante a década de 1950. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Edilene. T. Toledo. Guarulhos Agosto, 2014

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Universidade Federal de São Paulo Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas -

Programa de Pós-Graduação em História.

Fabiana R de A Junqueira

As representações do trabalhador nacional no jornal O Metalúrgico

durante a década de 1950.

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal de São Paulo como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em História.

Orientador: Edilene. T. Toledo.

Guarulhos Agosto, 2014

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Junqueira, Fabiana Ribeiro de Andrade. A representação do trabalhador Nacional no jornal O Metalúrgico durante a década de

1950. – Fabiana Ribeiro de Andrade Junqueira – Guarulhos, 2014.

146 f. Mestrado, Universidade Federal de São Paulo,

Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2014.

Orientador: Edilene Teresinha Toledo.

Título em inglês: The national worker's representation in the newspaper O Metalúrgico during the 1950s

1. migrações. 2. comunismo. 3. sindicato.

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Fabiana. R de A. Junqueira.

As representações do trabalhador nacional no jornal O Metalúrgico

durante a década de 1950.

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal de São Paulo como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em História.

Orientador: Edilene. T. Toledo.

Aprovado em: ___/___/ ___.

____________________________________________________ Prof. Dr:

Instituição:

_______________________________________________________ Prof. Dr:

Instituição:

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Agradecimentos Em primeiro lugar agradeço à minha família por toda dedicação e apoio

durante esses dois anos de pesquisa. Em especial, à minha querida irmã Cristiane, que

sempre me ajudou e me incentivou nos estudos, e a minha mãe pelo amor e pelas

orações de todos os dias.

Agradeço as minhas amigas Paula, Thaís, Sarah, Ana Lídia e Clarissa pelas

discussões teóricas dos interesses que são ou não comuns, e pelas risadas e lágrimas

compartilhadas. Agradeço também à Lais que me acompanhou desde os tempos do

colégio. Um agradecimento especial ao meu querido amigo Paulo, que esteve comigo

em momentos maravilhosos em São Paulo, mas que também esteve perto em momentos

difíceis. Agradeço aos colegas da Unifesp: Roger, Melanie, Aline, Luiz, Lucas, Jéssica,

Carla Pereira, Carla Yonamine, Fernanda e Juliana, sem os quais os anos não seriam

os mesmos.

Esta pesquisa só se realizou com a ajuda e atenção da minha orientadora,

Edilene Toledo, que me ensinou o valor da História Social do Trabalho e me

acompanhou não apenas nesses dois anos de pesquisa, mas desde a graduação. A

relação construída ao longo desses anos é o suficiente para eu dizer que a vida

acadêmica, durante esses anos, valeu a pena.

Agradeço ao professor Luigi Biondi pelas leituras recomendadas e as reflexões

realizadas durante as disciplinas no mestrado, pois me ajudaram a desenvolver a

pesquisa e contribuíram fortemente para meu crescimento e amadurecimento

intelectual. Agradeço ao professor Clifford Andrew Welch e ao professor Murilo Leal

pelas sugestões e participação em minha banca de qualificação.

Agradeço também a Fábio Abati pelo amor e pelos momentos que

tivemos/temos/teremos juntos: com você sou outra pessoa.

Finalmente, agradeço à FAPESP e à CAPES o financiamento durante os dois

anos em que realizei esta pesquisa.

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Resumo:

Durante a década de 1950, milhares de trabalhadores que vinham das mais diversas

regiões do país, como dos estados do Nordeste e de Minas Gerais, chegaram à cidade de

São Paulo, contribuindo para o vertiginoso crescimento urbano e industrial pelo qual

passava a capital paulista naquele momento. O impacto deste grande fluxo migratório

em São Paulo fez com que o tema “trabalhador nacional” estivesse no centro das

atenções da grande imprensa, dos círculos empresariais e políticos, e também do

movimento sindical. Os trabalhadores nacionais foram apresentados de diferentes

formas por cada um dos setores da sociedade paulistana. Esta pesquisa visa entender as

representações dos trabalhadores nacionais construídas pelo Sindicato dos Metalúrgicos

de São Paulo em seu jornal, O Metalúrgico, durante a década de 1950. Nossa hipótese é

que este sindicato, cuja direção durante os anos 1953 a 1960, esteve formada por

militantes socialistas e comunistas, divulgou, através do seu periódico, diversas

representações dos trabalhadores nacionais que se distanciavam daquelas construídas, e

apresentadas no jornal do sindicato, por ministerialistas e católicos durante os dois

primeiros anos da década – 1951 e 1952. Considerando os debates mais recentes em

história do trabalho, observamos o sindicato nos anos 1950 não como uma organização

“cupulista” ou afastada das bases, mas sim como um local que serviu de instrumento de

luta dos trabalhadores por melhorias e direitos, podendo, desse modo, ter representado

muito dos anseios e necessidades dos trabalhadores nesta época.

Palavras Chaves: migrações, comunismo, sindicato.

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Abstract:

During the 1950s, thousands of workers coming from various regions of the country, as

states in the Northeast and Minas Gerais, arrived in the city of São Paulo, contributing

to the rapid urban and industrial growth through which passed the state capital that time.

The impact of this great migration in São Paulo made the theme "national workers"

were in the spotlight of the mainstream media, the business and political circles as well

as the trade union movement. National workers were presented in different ways by

each of the sectors of São Paulo society. This research aims to understand the

representations of domestic workers built by the Metalworkers Union of São Paulo in

his newspaper, The Metallurgical during the 1950s. Our hypothesis is that this union,

whose leadership during the years 1953 to 1960, was formed by militants Socialists and

Communists, announced through its journal, various representations of domestic

workers who distanced themselves from those constructed and presented in the paper

the union, by ministerialistas and catholics during the first two years of the decade -.

1951 and 1952 whereas the latest discussions in the history of research, the union in the

1950s not as an organization "top down" or cleared the bases, but as a place that served

as an instrument of struggle for workers rights and improvements and may thus have

represented the very desires and needs of the workers at this time.

Keywords: migration, communism, workers union.

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Sumário: Introdução__________________________________________________________09

Os estudos sobre os trabalhadores nacionais e sobre o sindicalismo no Brasil

Fontes e Capítulos

Capítulo I: Camponeses, migrantes, metalúrgicos e o sindicato na cidade de São Paulo

durante os anos 1950._______________________________________________25

A saída do campo, a migração e a chegada à cidade de São Paulo: a trajetória de muitos

trabalhadores metalúrgicos.

Os metalúrgicos e o sindicato

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo: um pouco da sua trajetória.

Capítulo II: Um jornal e milhares de trabalhadores sob os olhares dos

ministerialistas e católicos._________________________________________57

O Metalúrgico

O trabalhador nacional sob o olhar dos católicos e ministerialistas (1951-1952).

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Capítulo III: O período comunista e socialista: as representações dos

trabalhadores nacionais no jornal O Metalúrgico durante os anos 1953-

1960___________________________________________________________87

O Partido, o militante e o trabalhador.

As representações do operário e da operária no jornal O Metalúrgico.

As representações dos trabalhadores do campo e da cidade no jornal O Metalúrgico.

Conclusão_________________________________________________________129

Arquivos e Fontes______________________________________________134

Bibliografia ___________________________________________________135

Anexos_______________________________________________________140

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Introdução:

A história das (i) migrações é uma história marcada pela construção de

representações. Durante a segunda metade do século XIX e primeiros anos do século

XX, milhares de trabalhadores saíram da Itália, da Alemanha, do Japão, e de muitos

outros países dos continentes europeu e asiático, e se dirigiram à América em busca de

trabalho e melhorias para suas vidas. Os imigrantes italianos nos Estados Unidos da

América, um dos países que mais recebeu imigrantes estrangeiros nesse período, foram

constantemente vistos pelos “nativos”, como perigosos anarquistas, mafiosos e

corruptos. Assim expõe um especialista nessa imigração, ao analisar diferentes fontes

desse período:

Esta literatura está plagada de epítetos tales como indigentes, esclavos del

padrone, mafiosi sanguinários, anarquistas peligrosos, etc. El italiano era

objeto de escudrinamiento, discusion y difamacion intensos.1

Durante os anos de intensa imigração, a elite dos países receptores,

especialmente Estados Unidos, Argentina e Brasil, os países que mais receberam

imigrantes, representaram os trabalhadores pobres de diversas formas. Em meio ao auge

das ideias eugênicas e do cientificismo, os italianos foram vistos, no Brasil, como os

imigrantes mais adequados para a política de branqueamento das raças. Em outros

momentos, representavam perigo à ordem estabelecida. Com suas especificidades, os

judeus, alemães, japoneses, libaneses, espanhóis, e milhares de outros trabalhadores que

deixavam seus países em busca de trabalho, também foram alvos de diversas

representações. O racismo e o preconceito certamente estavam na base da construção

das identidades atribuídas aos trabalhadores, contudo não foram suficientes para que

essas migrações ocorressem e também não são suficientes para explicar a construção

dessas representações, como demonstrou o historiador José Moya, ao estudar a

migração de espanhóis para a Argentina durante os anos de 1850 aos anos de 1930:

1"Essa literatura está repleta de epítetos tais como pobres, escravos, mafiosos sanguinários, anarquistas perigosos, etc. O italiano foi o tema do debate, controle e difamação intensa ". RUDOLPH, J. Vecoli, Los italianos en los Estados Unidos: una perspectiva comparada, Estudios Migratorios Latinoamericanos, n. 4, 1986, pp. 403-429.

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La elite política de los Estados Unidos, por ejemplo, desdeñó a los imigrantes

em lugar de despreciar a La población autoctona, pero los Estados Unidos

atrajeron siete veces más inmigrantes que la Argentina. Por su parte, la elite

peruana despreciaba a los índios y cholos (término local para referirse a

losmestizos de tez oscura) del país com mayor intensidade que sus colegas

argentinos y, a fin de “civilizar” a sunación andina con sangre europea,

crearondocenas de comisiones de inmigración, publicaron y distribuyeron

guías para los inmigrantes, contrataron a agentes de propaganda y emigración

en Europa, ofrecieron passajes grátis a inmigrantes potenciales, alojamento

sin cargo em Lima, transporte grátis em tren al interior y tierras sin cargo

(cercadas, com herramientas, semillas, bueyes e acceso a fuentes de agua). Y

a pesar de todas las actitudes racistas y los esfuerzos oficiales de su classe

dirigente, em cien años Perú atrajo menos inmigrantes europeos de los

ingresaban em la Argentina em um mês, y menos de los que llegaban a los

Estados Unidos em uma semana.2

Em um período de escassez de mão-de-obra, os imigrantes vinham para a

América para trabalhar nas grandes fazendas e indústrias emergentes, e em meio a este

quadro os interesses políticos e econômicos modelavam os discursos da elite sobre essa

população pobre, fazendo com que as imagens do imigrante fossem, algumas vezes,

positivas e outras negativas. O historiador Michael Hall lembra que a migração japonesa

começou em 1908 com uma coincidência de interesses, pois as autoridades brasileiras

estavam preocupadas com o futuro recrutamento de trabalhadores europeus ao mesmo

tempo em que o governo japonês sofria com a expansão demográfica em seu país e com

a exclusão dos seus imigrantes nos Estados Unidos. Em meio a este cenário, os

japoneses foram desejados pelas elites brasileiras que tempos depois os acusavam de ser

um povo traiçoeiro e dissimulado.3

2 “A elite política dos Estados Unidos, por exemplo, desprezou os imigrantes, em vez da população nativa, mas os Estados Unidos atraiu sete vezes mais imigrantes do que a Argentina. Enquanto isso, a elite peruana desprezava os índios e cholos (termo local para se referir aos mestiços de pele escura) com maior intensidade que seus colegas argentinos e, para "civilizar" a nação andina com sangue europeu, criaram comissõs de imigração, publicaram e distribuiram guias para os imigrantes, contraram agentes de propaganda e emigração na Europa, ofereceram passagens grátis aos potenciais imigrantes, alojamento grátis em Lima, trem de transporte gratuito e terra (vedada com ferramentas, sementes, gado e acesso a fontes de água). E apesar de todas as atitudes racistas e o esforço oficial desta classe, em cem anos o Peru atraiu menos imigrantes europeus do que os imigrantes que ingressaram na Argentina em um mês, e menos dos que vieram para os Estados Unidos em uma semana.”In: MOYA, José C. Primos y extranjeros. La inmigación española em Buenos Aires 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004, pp. 25-57. 3 HALL, Michael. Imigrantes na cidade de São Paulo.In: Porta, Paula (org). História da cidade de São Paulo. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

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No Brasil, muitos imigrantes italianos trouxeram experiências do anarquismo, do

socialismo ou do sindicalismo revolucionário, porém isso não acontecia com a maioria

dos trabalhadores que desembarcavam dos navios nos portos brasileiros. Esses eram, em

sua maioria, trabalhadores do campo e pequenos artesãos que tinham pouco contato

com essas correntes políticas. Todavia, constantemente os italianos foram acusados,

pelas elites brasileiras, de serem “anarquistas e socialistas perigosos” e por essa

condição, sem conhecerem essas doutrinas, as elites dirigentes acusavam os italianos de

trazerem ideias subversivas para o país, e de serem agitadores e causadores de

desordem. Os trabalhadores imigrantes italianos no Brasil passaram de um povo

biologicamente mais desejado, por serem brancos, para outro que causava transtornos

ao país. Assim também aconteceu com muitos outros imigrantes. 4

Porque os imigrantes foram alvos de tantos estereótipos negativos? Uma das

possíveis respostas a essa pergunta está no fato de que no decorrer da primeira metade

do século XX e principalmente após a Primeira Guerra Mundial a crise econômica se

fez presente, e após 1929 impedir entrada livre de imigrantes tornou-se uma saída para

diminuir os altos índices de desemprego, não só no Brasil, mas em outros países do

continente americano, como nos EUA. Nesse período, há um acentuado decréscimo da

imigração estrangeira que se torna mais evidente com as leis de quotas restritivas, em

1934, que limitavam a entrada de migrantes estrangeiros no Brasil. Durante a Segunda

Guerra Mundial, os japoneses e alemães, que desembarcaram dos navios imigrantes em

um grande contingente em fins do século XIX e início do século XX, eram vistos,

então, como inimigos do Brasil. 5

Em meio à crise econômica e à falta de mão-de-obra estrangeira, o trabalhador

nacional entrou no cenário político-econômico do período como possibilidade de

substituir a mão-de-obra imigrante nas indústrias e nas lavouras. Com isso, muitas

outras representações dos (i) migrantes foram construídas. As representações do

4 Sobre as experiências de migrantes italianos socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionários no Brasil ver: TOLEDO, Edilene T.Travessias Revolucionarias. Ideias de militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890-1940). Campinas, Unicamp. 2004 e SCHMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da promissão: a história de dois líderes socialistas. Porto Alegre: Palmarinca/Fumproarte, 2004. Sobre imigração italiana no Brasil ver: FRANZINA, Emilio. A Grande Imigração. O êxodo dos italianos do vêneto para o Brasil. Campinas. Editor: UNICAMP. 5 A restrição numérica atingia, sobretudo, o grupo japonês. Para mais informações sobre as leis de quotas e a entrada de imigrantes alemães, judeus e japoneses no país durante o governo Vargas, consultar: GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena” Política imigratória e Pensamento racial no Governo Vargas. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007.

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migrante estrangeiro são contrapostas aos migrantes nacionais. Enquanto os primeiros

eram vistos como perturbadores da ordem, os segundos eram apresentados, nos

discursos do recém-empossado presidente Getúlio Vargas, como trabalhadores ordeiros

e pacíficos.

Como demonstrou o historiador Antonio Luigi Negro, muitos representantes da

classe dirigente, durante a década de 1950, afirmavam que o trabalhador nacional não

era um preguiçoso, como pregava a imagem do Jeca-Tatu, criada por Monteiro Lobato

nas primeiras décadas do século XX - quando a imigração era uma opção razoável para

as elites. O trabalhador nacional era visto, então, como tão bom, ou melhor, que o

trabalhador estrangeiro, só precisava de “condições para prestar”. Na fala de muitos

industriais desse período caberia a eles dar essas condições e inserir uma massa

desvalida e excluída dos benefícios que a sociedade brasileira conseguiu obter (a CLT)

em um projeto nacional.6

No entanto, em meio às representações, que estiveram tão presentes nos

discursos de Vargas, de um trabalhador nacional ordeiro e submisso, sobretudo quando

comparados aos imigrantes estrangeiros, as elites brasileiras representavam os migrantes

nacionais, como fizeram com os estrangeiros, conforme os seus interesses políticos e

econômicos, fazendo uso de diferentes representações conforme lhes convinham. Como

demonstrou a historiadora Maria Célia Paoli, a Consolidação das Leis Trabalhistas

(CLT) ameaçava ponto a ponto do sistema de exploração imposto pelos industriais

durante a década de 1940. Esses, em diversos momentos, defenderam o caráter

desordeiro e amoral da mão-de-obra nacional a fim de justificar os abusos cometidos

contra esses trabalhadores recém-chegados do campo, pois uma coisa era certa: a

migração nacional era a nova realidade com que as elites teriam que lidar nos anos pós-

1930. 7

Nos anos 1930, estima-se que 285.304 brasileiros migraram para a cidade de São

Paulo, uma das cidades que mais recebeu migrantes nordestinos, mineiros e de outras

regiões do Brasil nesta época. Há uma ligeira queda desses dados durante a Segunda

Guerra Mundial e, no pós-45, os dados sobre as migrações nacionais aumentam

consideravelmente, já que entre os anos 1950 e 1980, estima-se que 38 milhões de

6 NEGRO, Antonio Luigi. Zé do Brasil foi ser peão; sobre a dignidade do trabalhador não qualificado na Fábrica Automobilística. In: Batalha, Claudio H.M; Silva, Fernando Teixeira da; e Fortes, Alexandre (orgs). Cultura de classes. Campinas. Editora: Unicamp. 2005. 7 PAOLI, Maria Celia.Os Trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história operária brasileira. In: Lopes, José, Sergio Leite. (orgs). Cultura e Identidade Operária. Aspectos da cultura da classe trabalhadora. Rio de Janeiro: Marco Zero, Editora UFRJ, 1987.

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trabalhadores saíram do campo e dirigiram-se aos centros urbanos no país. A década de

1950 foi o período de maior impacto das migrações internas e entender o cenário

econômico da cidade de São Paulo ao longo desses anos é essencial para compreender

tal crescimento nos fluxos migratórios.8

A cidade de São Paulo, ao longo dos anos 1950, sofreu um acelerado processo

de industrialização. Neste período, as metalúrgicas transformaram a estrutura industrial

da cidade e outros setores também se expandiram como o químico/farmacêutico e o

papel/papelão. Com isso, São Paulo cresceu rapidamente e o setor da Construção Civil

tendeu a acompanhá-lo. Desta forma, há na cidade, durante esses anos, uma grande

oferta de empregos que servem de atrativo para os trabalhadores nacionais. É possível

observar, nesse sentido, diversas transformações no cenário urbano de São Paulo nesta

época. 9

As indústrias tradicionais de alimentos, têxtil, de confecção, calçados, bebidas e

móveis, transformaram os padrões de consumo da sociedade desse período, que via os

produtos industrializados e os eletrodomésticos chegarem às cidades rapidamente. As

rodovias cresceram estrondosamente, alguns exemplos são a Via Anchieta, que liga São

Paulo a Santos; a Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro; e a Via Anhanguera,

que liga São Paulo a região norte do estado. Ao lado delas, estava a construção de

prédios e arranha-céus.10

Esta realidade fornecia suporte ao mesmo tempo em que decorria dos ideais

propagados pelo nacional - desenvolvimentismo. Com o primeiro governo de Getúlio

Vargas (1930-45) há uma evidente mudança de postura do governo naquilo que se

refere às relações políticas com outros países, especialmente com os EUA. Ao invés de

uma submissão passiva a este país, como vinha ocorrendo durante a Primeira República,

a política externa passava a ser vista e usada como um instrumento para acelerar o

desenvolvimento industrial da nação. Inaugurou-se um período marcado pela barganha

de interesses frente aos EUA que se pautava em um sentimento de que os interesses

nacionais deveriam prevalecer para que o Brasil se desenvolvesse. 11

8 FONTES, Paulo.Um Nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista. (1945 – 66). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. Pág. 46 9 Idem 10 MELLO, João Manuel Cardoso de. e Novais, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. 2º Edição. São Paulo. Editora: UNESP. 2009. 11 VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Do nacional-desenvolvimentismo a Política Externa Independente (1945-1965). In: Ferreira, Jorge. O Brasil Republicano. Vol. 03.

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Este sentimento experimentou um retrocesso durante o governo Dutra (1946-

1949) – marcado pela subordinação política e econômica aos EUA - e foi retomado por

Vargas em seu segundo governo (1951-54), materializado na campanha pela

nacionalização do petróleo. Na segunda metade da década de 1950, o nacionalismo,

aliado à perspectiva desenvolvimentista, foi usado como bandeira do governo de

Juscelino Kubitschek, embora com algumas especificidades.12

A ideia de que era preciso superar o atraso e fazer do Brasil um país moderno,

entendendo “moderno” como “industrial”, marcou o primeiro governo de Getúlio

Vargas e estará presente nas décadas posteriores. Em meados dos anos 1950 o nacional-

desenvolvimentismo foi defendido por diversos intelectuais no Brasil. Neste período, o

Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) – uma instituição ligada ao Ministério

da Educação – foi um dos principais centros difusores desta ideologia e manteve uma

relação orgânica com o governo JK. 13

A industrialização era a grande bandeira dos intelectuais do ISEB, porém em

suas análises eles observaram diversos empecilhos para sua implantação e expansão no

Brasil. O principal deles era o “arcaísmo” de alguns grupos, como: os latifundiários, os

setores ligados ao comércio exportador e a classe média tradicional. De acordo com os

isebianos, esses grupos, embora fossem heterogêneos, tinham nascido no contexto da

economia agrária exportadora, que prevalecia no Brasil desde os tempos coloniais, e não

tinham interesses no modelo de desenvolvimento pautado na indústria e no mercado

interno. 14

Diante desse cenário, os isebianos pregavam a necessidade de uma aliança entre

os “setores sociais dinâmicos” a fim de enfrentar os setores “arcaicos”. Devido ao

contexto de uma frágil democracia, esses intelectuais consideravam que essa aliança era

muito difícil de realizar e por isso defendiam a necessidade de produzir e divulgar a

ideologia do desenvolvimento nacional. Através dela poderiam convencer proletários,

camponeses e a classe média urbana a apoiarem tal plataforma social e política.

Entretanto, a propaganda ideológica não era o suficiente para a implementação do

projeto de desenvolvimento nacional, tornando-se necessária a ação do Estado, que

deveria estar menos acessível às demandas clientelistas dos políticos tradicionais, e

mais técnico, isto é: capaz de implementar políticas favoráveis à industrialização. Como

12 Idem 13 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In: Ferreira, Jorge (orgs). O Brasil Republicano. Vol. 03. 14 Idem

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aponta a historiadora Vânia Moreira, o “desenvolvimento” foi entendido como

sinônimo de industrialização pelo governo JK, tal como defendiam os isebianos.

Todavia, o “desenvolvimento nacional” de JK era apresentado como “de todos para

todos”, ocultando a dimensão de classe do projeto.15

Em meio a este cenário, a cidade São Paulo, que vivia um intenso processo de

industrialização neste período, era apresentada por diversos setores da sociedade como a

capital do progresso. No interior dessa perspectiva, o ambiente urbano presente em São

Paulo era visto como moderno e, em contraposição, o campo era exibido como o lugar

do atraso. Essas representações iriam perpassar muitas outras, interligadas ao

trabalhador nacional.

A imagem do ambiente rural como um lugar de atraso pode ser mais bem

compreendida quando observamos a situação do campo neste período. De acordo com

Paulo Fontes:

Uma estrutura agrária secularmente baseada no latifúndio, com baixo grau de

produtividade, dava sinais de esgotamento e mostrava-se incapaz de

acompanhar o desenvolvimento do centro sul do país. À dificuldade de

acesso à terra por parte de milhões de trabalhadores no campo, somava-se a

crise dos tradicionais sistemas de arrendamento e parceria e um crescente

processo de concentração fundiária, dificultando sobremaneira as condições

de sobrevivência da população pobre em geral.16

Desse modo, as grandes dificuldades em se obter terra faziam parte do cenário

político, econômico e social das regiões rurais do país durante a década de 1950. Essas

dificuldades somadas à falta de direitos trabalhistas no campo e às precárias condições

de saúde e educação traziam impedimentos e entraves à vida de centenas de

trabalhadores rurais. Em meio a este cenário, a figura do trabalhador nacional, que

migrava pela primeira vez em grandes massas, causando um grande impacto na capital

paulista, foi associada constantemente, por diversos setores da sociedade, a imagens do

atraso e da ignorância. O trabalhador nacional, hora visto como passivo e ordeiro hora

como um incômodo a sociedade moderna, tornou-se um tema debatido tanto pela direita

quanto pela esquerda durante a década de 1950. Como apontou Antonio Luigi Negro:

15 Ibidem. 16 FONTES, Paulo. Op. Cit. Pág. 48.

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Circulando entre a intelectualidade, o empresariado, a direita e a esquerda, a

imagem de uma gente desvalida, dócil e sem instrução – a parte fraca de um

Estado que sonhava ser potência continental – consistia em matéria freqüente

para a apreciação dos interessados no “progresso”17

A proposta desta pesquisa é justamente olhar essas representações da perspectiva

de um órgão intimamente ligado aos trabalhadores: o Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo, entendendo como esse sindicato estava representando os trabalhadores, que

vinham das mais diversas regiões do país, principalmente do Nordeste e do Norte de

Minas Gerais, e aqueles que já trabalhavam nas grandes e pequenas indústrias da cidade

de São Paulo, durante a década de 1950. Alguns pesquisadores já se concentraram na

“fala dos outros” 18 ao estudar os operários do ponto de vista dos empresários, outros

estudaram o “olhar do outro” 19 buscando a visão dos operários sobre o patronato.

Acreditamos que o “olhar” e a “fala” dos sindicalistas sobre o trabalhador nos fornece

uma visão singular do operariado. Nossa hipótese é que o Sindicato dos Metalúrgicos de

São Paulo, durante os anos 1953 a 1960, quando militantes comunistas e socialistas

passam a ter um papel ativo no interior do sindicato, por meio do seu jornal, O

Metalúrgico, (re) apropriou, ressignificou e muitas vezes se confrontou com as

representações criadas por ministerialistas e católicos que atuaram fortemente no

sindicato durante os anos 1951 e 1952.

17 NEGRO, Antonio Luigi. Op. Cit. Pág. 406. 18 PAOLI, Maria Célia. Op. Cit. 19 PERROT, Michelle. O Olhar do outro: os patrões franceses vistos pelos operários (1880-1914). In: Os excluídos da história. São Paulo. Paz e Terra. 2010. Pág. 178.

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17

Os estudos sobre os trabalhadores nacionais e sobre o sindicalismo no Brasil:

O estudo sobre a construção das representações dos trabalhadores nacionais

além de nos permitir entender como diferentes setores da sociedade enxergavam os

trabalhadores do campo e das fábricas durante a década de 1950, também nos permite

pensar nas imagens que por vezes fizeram parte das análises sobre as ações políticas dos

trabalhadores nacionais ao longo da década de 1950, realizadas por sociólogos e

historiadores.

No início da década de 1950 um grupo de intelectuais brasileiros, patrocinados

pelo Ministério da Agricultura, se reunia na cidade de Itatiaia (entre as cidades de São

Paulo e Rio de Janeiro) a fim de discutir os problemas políticos, econômicos e sociais

do Brasil. Esse grupo ficou conhecido como Grupo de Itatiaia e em 1953 fundaram o

IBESP – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – pelo qual publicaram

os “Cadernos de Nosso Tempo”. Pouco tempo depois, o IBESP convencionou-se à

CAPES e formaram o ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros – já citado nesta

pesquisa. 20

Os intelectuais do ISEB tiveram um papel importante nos estudos sobre os

trabalhadores nacionais que saíam do campo e migravam para as cidades. Inspirados na

teoria da modernização 21, esses intelectuais, sobretudo sociólogos, foram os primeiros a

formularem reflexões sobre o populismo na política brasileira. No interior dessa

perspectiva, defendiam que a ideia de que haveria no Brasil um Estado manipulador e

uma massa de trabalhadores apáticos.22

20GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. In: FERREIRA, J. (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 21 Durante a década de 1950 e início dos anos 1960, em alguns países da América Latina, incluindo o Brasil, existiu o que ficou conhecida como teoria da modernização. Para alguns intelectuais do período, o populismo seria um fenômeno que surgiu em um momento de transição de uma sociedade agrária, também entendida como arcaica ou atrasada, para outra, industrial e moderna. Neste processo de modernização, no Brasil, líderes como Getúlio Vargas se utilizariam de valores tradicionais e modernos e de uma sociedade cujas instituições e ideologias não eram autônomas, para manipular uma imensa massa de população pobre que migrava dos campos para as cidades. Isso aconteceria, portanto devido a um momento de imaturidade do capitalismo no país, e logo que o capitalismo atingisse a sua maturidade o país caminharia rumo à democracia. Ver: COSTA, Emília Viotti da. Experiência versus estruturas. História Unisinos. 2001 e FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In: Ferreira, J. (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 22 FERREIRA, Jorge. Op. Cit

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Ao longo das décadas de 1970 e 80, diversos estudos se voltaram para essas

análises e questionaram essa concepção apresentando, por exemplo, a origem rural de

muitos imigrantes, ou o migrante nacional como ator no cenário político23. O trabalho

de Ângela de Castro Gomes - A invenção do trabalhismo – é bastante importante nesse

sentido. Nele, a autora rompe com a concepção de uma simples manipulação das massas

pelo Estado populista e propõe a existência de um pacto entre o Estado e

trabalhadores.24

No trabalho de Jorge Ferreira - O nome e a coisa: o populismo na política

brasileira – o autor também questiona a noção de cooptação das classes trabalhadoras e

enfatiza a existência de um projeto trabalhista. Este projeto trabalhista estaria pautado

numa relação em que Estado e classe trabalhadora identificaram interesses comuns. Para

o autor, este fato expressou uma consciência de classe por parte dos trabalhadores e

colaborou para a formação de uma identidade coletiva entre eles apontando assim, como

Ângela de Castro Gomes, para a agência dos trabalhadores nacionais no ambiente

político deste período. 25

Nos últimos vinte anos, diversos historiadores como Paulo Fontes, Hélio da

Costa, Fernando Teixeira da Silva, Antonio Luigi Negro e Alexandre Fortes, entre

outros, têm estado concentrados em apresentar o trabalhador nacional como agente do

processo histórico do qual fez parte, procurando, em suas diversas formas de

organização, como associações de bairro, e sindicatos, a sua atuação política. Para

alguns desses historiadores, a adesão de parte considerável das classes trabalhadoras ao

fenômeno político chamado comumente de populismo não ocorreu por uma apatia

política desses trabalhadores, mas por um tipo particular de experiência enraizada na

própria composição da classe trabalhadora, entendendo o populismo como um sistema

de relações.26

Entretanto, nenhum desses trabalhos, embora preocupados em retratar a agência

histórica desses trabalhadores, concentrou-se em explicar como ocorreu a construção da

representação de um “trabalhador passivo”, que marcou a figura do trabalhador nacional

23 Neste sentido, ver os trabalhos de Michael Hall. Uma síntese de suas reflexões sobre a questão pode ser encontrada no capítulo: Imigrantes na cidade de São Paulo. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo. A cidade na primeira metade do século XX, 1890-1954. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004, v. 3. 24 GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo, Vértice, 1988. 25 FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In: O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 59-124. 26 Ver: DUARTE, Adriano e FONTES, Paulo. O Populismo Visto da Periferia: Adhemarismo e Janismo nos bairros da Mooca e São Miguel Paulista, 1947 – 1953.Cad. AEL, vol: 11 n. 20/21, 2004

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tanto nas análises sociológicas como na sociedade da década de 1950. Acreditamos que

pensar sobre essa construção nos permite aprofundar as questões que permearam os

anos 1950. Acreditamos, também, que entender a forma como um órgão intimamente

relacionado ao trabalhador, como o sindicato, representou esses trabalhadores nos ajuda

a questionar as representações construídas por outros setores da sociedade paulistana,

além de contribuir para uma maior compreensão sobre as ações dos trabalhadores neste

período.

Cada vez mais, os estudos recentes em história do trabalho apontam para o valor

do sindicato enquanto uma organização representante dos trabalhadores durante a

década de 1950, sendo essa uma das razões pelas quais escolhemos trabalhar com o

sindicato nesta pesquisa. Hélio da Costa aponta, em um de seus trabalhos, como o

movimento sindical na chamada “era populista” é freqüentemente definido como

“cupulista”. Em algumas interpretações, certos aspectos teriam moldado esse

sindicalismo marcado por características como:

ausência de organização nos locais de trabalho em contraponto ao esforço

destinado à construção de estruturas paralelas fortemente verticalizadas;

distância em relação às reivindicações ligadas às condições de vida dos

trabalhadores; recusa em romper o atrelamento dos sindicatos ao Estado.27

Em síntese, para este autor, tratava-se, nessas interpretações, de um

sindicalismo em que o trabalhador seria “refém” da política ditada por suas lideranças.28

Seria somente a partir dos anos 1970 que, nessas interpretações, haveria um novo

sindicalismo, que se posicionaria contra este suposto “sindicalismo pelego”, vigente até

então. Entretanto, é possível observar continuidades entre o velho e o novo sindicalismo

e questionar essa interpretação, apresentando as intrincadas relações existentes entre os

sindicatos e suas bases.

Dessa forma, os estudos mais recentes em história do trabalho estão reavaliando

as relações existentes entre o sindicato e os trabalhadores, apontando para a sua

complexidade e para os diferentes modos com que os trabalhadores se utilizaram do

27 COSTA, Hélio da. Trabalhadores, sindicatos e suas lutas em São Paulo (1943 – 1953). In: Na luta Por Direitos. Estudos recentes em História Social do Trabalho. Campinas - SP. Editora da UNICAMP, 1999, pág. 90. 28 Uma das obras que marcaram esse tipo de interpretação foi a do sociólogo Francisco Weffort. Ver: WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978.

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sindicato como um instrumento de luta por seus direitos. Podemos afirmar, portanto,

que o sindicato foi uma importante forma de organização dos trabalhadores nesse

período.

Escolhemos o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo porque, além do fato de

o setor metalúrgico durante a década de 1950 ter sofrido uma grande expansão e

agregado muitos trabalhadores, incluindo os migrantes que chegavam à cidade de São

Paulo nesta época, este sindicato apresentou uma singularidade durante a década de

1950. Durante os anos 1951 e 1952, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo esteve

sob forte influência dos ministerialistas e dos católicos. De acordo com diferentes

historiadores como Hélio da Costa, Murilo Leal e Patrícia Vieira Trópia, os

ministerialistas e católicos, não apenas dificultavam a entrada de militantes de esquerda

no interior do sindicato, com uma gestão marcada pelo anticomunismo, como

mantinham uma relação distante da base operária.

Em 1953, após mudanças na orientação do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

que passou a estimular a atuação dos seus militantes nos sindicatos oficiais, depois de

alguns anos incentivando uma política de paralelismo sindical, e após um evento

importante no movimento operário dos anos 1950, a Greve dos 300 mil em São Paulo,

os militantes socialistas e comunistas, que se confrontavam por décadas com os

dirigentes “pelegos”, conquistaram a direção do sindicato e permanecem na direção

deste importante órgão até o golpe civil-militar em 1964, quando, de acordo com o

historiador Murilo Leal, a direita se une ao centro e derruba a esquerda metalúrgica.

Após a conquista do sindicato, realizada por comunistas e socialistas, o Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo multiplicou o número de trabalhadores associados e tornou-

se um dos mais significativos órgãos em termos de organização dos trabalhadores

durante os anos 1950.29

O Sindicato dos Metalúrgicos teve uma importante participação nas principais

greves e mobilizações do período.30 A greve dos 400 mil, por exemplo, foi um momento

importante na história da cidade de São Paulo e o sindicato dos metalúrgicos participou

ativamente, mobilizando os trabalhadores na luta por melhores condições salariais e de

29 LEAL, Murilo. A reinvenção da classe trabalhadora. Campinas. Ed. UNICAMP, 2011. 30 Idem

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trabalho31. Paulo Fontes, analisando essa greve, retrata como foi importante a ação

conjunta dos trabalhadores e dos líderes sindicais. Nesta greve, para ele:

Longe da visão tradicional de um sindicalismo “cupulista e afastados das

bases”, vemos em ação um movimento sindical tentando responder aos anseios

e necessidades dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que os mobilizava e

organizava-os para a luta.32

Ainda de acordo com este autor, nesta greve:

a mobilização da classe ultrapassou em muito a ação dos sindicatos, mas, ainda

sim, estes foram claramente reconhecidos pelos próprios trabalhadores como o

principal instrumento de luta e organização da greve. 33

Nesta pesquisa constatamos que o jornal O Metalúrgico manteve, desde a

publicação do seu primeiro exemplar, em 1942, uma íntima relação com a diretoria do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Os presidentes e diretores que passaram pelo

sindicato não apenas publicavam matérias neste periódico, como muitas vezes

participaram da produção do jornal. Nesse sentido, acreditamos que este jornal

acompanhou as transformações na direção do sindicato e nos revela tanto a influência

dos grupos católicos e ministerialistas que atuaram ativamente no sindicato durante os

anos 1951 e 1952 como a influência dos militantes comunistas e socialistas durante o

restante desta década - 1953 a 1960. Desse modo, nas páginas do jornal O Metalúrgico,

estão presentes diferentes representações do trabalhador nacional, construídas tanto por

uma parte da esquerda como por uma parte da direta da década de 1950.

Sobre os estudos referentes à história do trabalho no Brasil, vale ainda lembrar

que estes formam um campo de pesquisa relativamente recente e em construção no país.

É sobretudo durante os anos 1970 que encontramos, de forma mais evidente nas

universidades brasileiras, um interesse por esse tema. Surgem desse modo,

especialmente em Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, diversos projetos de estudos

da história do trabalho que interligavam trabalho e imigração.

31 FONTES, Paulo.“Centenas de Estopins acesos ao mesmo tempo”. A Greve dos 400 mil, piquetes e a organização dos trabalhadores em São Paulo (1957). In: In: Na luta Por Direitos. Estudos recentes em História Social do Trabalho. Campinas - SP. Editora da UNICAMP. 1999. 32 Idem. Pág. 23 e 170 33 Ibidem.

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Os estudos desenvolvidos na Universidade de Campinas são bastante

significativos nesse sentido. Em 1974, na UNICAMP, é instalado o Arquivo de História

Social Edgard Leuenroth, cujo acervo principal pertenceu a um dos mais importantes

representantes da militância anarquista no Brasil. A abertura deste arquivo possibilitou

novas perspectivas de análise, que, acompanhada da expansão nacional do sistema de

pós-graduação e do contato com centros de estudos estrangeiros - como o Instituto de

História Social em Amsterdam e o Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano

em Milão fez crescer o campo de estudos e o acesso às fontes relacionadas a essa

área34.

Dessa maneira, sob forte influência da historiografia social inglesa, marcada por

autores marxistas como Eric J. Hobsbawm, Raymond Williams e Edward P. Thompson,

os historiadores brasileiros, assim como alguns brasilianistas, buscavam inserir a classe

trabalhadora nas análises históricas. 35

Entretanto, grande parte dos estudos, até meados dos anos 1980, concentrou-se

nas ações dos trabalhadores estrangeiros no período anterior a 1930. As ações dos

trabalhadores nacionais nesse sentido não foi objeto de muito interesse entre os

historiadores até essa época. Nos últimos anos, como apontado anteriormente, esse

quadro sofreu uma transformação e, cada vez mais, os historiadores estão se debruçando

sobre essa temática. Esta pesquisa visa contribuir, com uma pequena parte, para a

expansão desse campo de estudos, que se concentra na história dos trabalhadores e de

suas organizações.

Fontes e Capítulos:

Para realizar a pesquisa, selecionei o material produzido pelo Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo durante a década de 1950, como as atas de assembleias e

34 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria, nem patrão: memória operária, cultura e literatura no Brasil. São Paulo, Ed. da UNESP, 2002. 35 Idem

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reuniões, e principalmente o veículo de comunicação da diretoria do sindicato com os

trabalhadores do chão das fábricas, e nossa fonte central, o jornal O Metalúrgico. Para

aprofundar a análise sobre a forma como os diferentes grupos à direita do espectro

político e ideológico da década de 1950 estavam representando o trabalhador nacional e,

assim, poder comparar com as representações presentes no jornal do sindicato, outras

fontes também foram utilizadas como a grande imprensa do período. Esta pesquisa está

dividida em três capítulos:

No primeiro capítulo, apresentaremos um quadro geral de aspectos da história

política, econômica e social da década de 1950 que estavam no centro das construções

das diferentes representações do trabalhador nacional feitas pelos diversos setores da

sociedade, aspectos estes que também estiveram no centro das questões abordadas pelo

movimento sindical quando estes se referiam ao trabalhador nacional, são eles: a vida

do trabalhador brasileiro nas regiões rurais do país e as secas no nordeste, a migração

para a cidade de São Paulo e o cotidiano no interior das fábricas e do sindicato. A

relação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo com esses temas, por meio do

estudo da condição de vida e de trabalho nas indústrias metalúrgicas e do perfil

específico dessa categoria de trabalhadores, também será abordada neste capítulo, assim

como um pouco da trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

No segundo capítulo, faremos uma apresentação do jornal O Metalúrgico,

considerando os debates referentes à história da imprensa operária, e analisaremos como

o trabalhador nacional foi representado no jornal O Metalúrgico, nos anos 1951 e 1952,

período no qual os ministerialistas e católicos atuaram intensamente no sindicato. A

análise das representações construídas e apresentadas no jornal do sindicato, no início

da década, nos permitirá realizar uma comparação com as representações presentes no

jornal durante o restante do período abordado nesta pesquisa – 1953-1960.

No terceiro capítulo, nos concentraremos nas formas como os trabalhadores do

campo, os migrantes e os operários foram representados no jornal O Metalúrgico

durante os anos de 1953 a 1960. Examinaremos diversas representações dos

trabalhadores nacionais presentes no jornal durante o período de forte influência dos

militantes comunistas e socialistas na direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo. As figuras do camponês e do migrante nacional assim como a do operário e da

operária serão analisadas, considerando a intrincada relação entre partido, sindicato e

trabalhadores durante a década de 1950.

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Capítulo I: Camponeses, migrantes,

metalúrgicos e o sindicato na cidade de São Paulo

durante os anos 1950.

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A saída do campo, a migração e a chegada à cidade de São Paulo: a trajetória de muitos trabalhadores metalúrgicos.

A migração espontânea de pessoas no interior do território brasileiro sempre

ocorreu, mas foi a partir da década de 1930 que grandes fluxos migratórios vindos de

diversos estados se dirigem a São Paulo através de um estímulo oficial. A Lei de Quotas

restritivas de 1934, somada ao decréscimo da imigração estrangeira durante a década de

1920, ampliou a necessidade de mão-de-obra nas lavouras de café e contribuiu para que

a antiga política de subsídio à imigração estrangeira fosse direcionada aos migrantes

brasileiros. 36

No início da década de 1930, a migração foi realizada através de companhias

especializadas que, com o apoio de fazendeiros, agenciavam e promoviam a vinda de

trabalhadores rurais para São Paulo. Em um momento posterior, o próprio governo

passou a aparelhar e a estimular a migração para a capital paulista. Em 1939, foi criada

a Inspetoria de Trabalhadores Nacionais (ITN) ligada ao Departamento de Imigração e

Colonização (DIC). A ITN tinha como função organizar esta migração. Os escritórios

da ITN localizados nas cidades de Montes Claros e Pirapora, em Minas Gerais,

realizavam seleções entre os trabalhadores que se apresentavam e forneciam passagens

para São Paulo.37

Ao chegar à capital paulista, os migrantes eram alojados na Hospedaria do

Imigrante e recebiam cuidados básicos, como alimentação e auxílio médico, e passavam

algumas noites até serem direcionados às lavouras. A Hospedaria dos Imigrantes

possuía uma estrutura montada e pronta para ser utilizada nesta fase da política de mão -

de - obra em São Paulo. O prédio da Hospedaria, inaugurado em 1888, era localizado

próximo a atual estação Roosevelt e possuía uma estação de trem própria em suas

dependências, na qual os migrantes desembarcavam. A distribuição dos trabalhadores

era facilitada pela malha ferroviária próxima à Hospedaria, como a Estrada de Ferro

Central do Brasil, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, a Estrada de Ferro Santos –

Jundiaí e também as ferrovias Sorocabana, Mogiana e Paulista. O prédio da Hospedaria

possuía uma importante estrutura para a recepção dos trabalhadores, contando com uma

36 FONTES, Paulo. Fontes, Paulo. Um Nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista. (1945 – 66). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. 37 Idem

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Agência Oficial de Colocação que recebia e classificava os pedidos de mão-de-obra dos

proprietários do interior de São Paulo, com dormitórios, refeitórios, um depósito de

bagagens, um hospital, uma enfermaria, e um setor de recepção, triagem e

encaminhamento dos camponeses. 38

Durante a Segunda Guerra Mundial, as migrações para São Paulo diminuem

ligeiramente. Uma das possíveis razões para essa diminuição está no fato de que o

governo de Getúlio Vargas, nesse período, passou a estimular por meio da propaganda e

pagamento das passagens as migrações de nordestinos também para a Amazônia. Estes

migrantes passariam a ser vistos, nos discursos políticos do Estado Novo, como

soldados, pois contribuiriam através do fornecimento da borracha para as “armas

vitoriosas da liberdade”. Com o fim da Guerra, muitos migrantes foram deslocados para

as suas regiões de origem após inúmeras dificuldades encontradas e as migrações para o

sudeste voltam a aumentar a partir de 1946. 39

Todavia, foi na década de 1950 que ocorreu um grande impacto da migração interna

na cidade de São Paulo. Pela primeira vez na capital paulista o número de migrantes de

outras regiões ultrapassou o número de pessoas advindas do interior do estado. Os

migrantes, durante os anos 1950, saíam das diversas regiões do país espontaneamente,

e, embora a ITN tenha mantido seus serviços até 1960, assim como a Hospedaria do

Imigrante, que continuou a funcionar durante essa década, muitos trabalhadores não

passavam mais por suas dependências ao se dirigirem para São Paulo, pois através de

contatos, com parentes, vizinhos ou conhecidos, viajavam e se estabeleciam na cidade.

No fim dos anos 1950, a cada 10 pessoas que chegavam à capital paulista, sete eram de

outros estados. A cidade recebeu quase 1 milhão de migrantes, o que representou

aproximadamente 60% do crescimento de São Paulo na década. Esse impacto fez com

que a migração nacional estivesse no centro das atenções dos diversos setores da

sociedade paulistana, como da grande imprensa, dos círculos empresariais e políticos e

também do movimento sindical. 40

Os migrantes saíram de diversas regiões do Brasil, como do interior do estado de

São Paulo, que continuou com um significativo êxodo rural, e do norte de Minas Gerais,

do qual também vieram muitos trabalhadores. Entretanto, a maior parte dos migrantes

38

PAIVA, Odair da Cruz, Caminhos Cruzados. Migração e Construção do Brasil Moderno (1930-1950). São Paulo, Editora: EDUSC, 2004. Pág. 107-108 39

SECRETO, Maria Verônica. Soldados da Borracha. Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2007. 40 FONTES, Paulo. Op. Cit

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saía da região Nordeste. A grande migração de nordestinos para São Paulo ao longo

dos anos 1950 levou muitas pessoas no período a associarem diretamente a migração

nacional aos problemas enfrentados na região de origem desses migrantes,

principalmente as secas que assolavam alguns estados nordestinos.

O problema das secas no Nordeste é muito antigo. Desde o final do século XIX, as

grandes secas no Nordeste afligiram parte considerável de sua população, causando

mortes e desemprego, desestabilizando a região. Antes disso, houve períodos de

ausência de chuvas e escassez de recursos hídricos, mas era possível o deslocamento da

população para outras áreas. A partir de meados do XIX essa situação se transforma e as

áreas para as quais os retirantes se deslocavam foram ocupadas com as plantações de

algodão para a exportação. O avanço dessa forma de agricultura deixou, desse modo, a

população sem alternativas de sobrevivência. 41

Ao longo do século XX, algumas medidas foram tomadas pelo governo Federal e

estaduais a fim de solucionar essa questão, mas durante toda a primeira metade do

século, essas medidas possuíram um caráter imediatista, não conseguindo evitar as

mazelas decorrentes das secas. A partir de 1945, o Departamento Nacional de Obras

Contra as Secas (DNOCS) - no período anterior a essa data chamava-se Inspetoria

Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) – que era subordinado ao Governo Federal e

possuía sua sede no Rio de Janeiro, foi o órgão responsável por criar medidas que

visassem solucionar os problemas causados pela falta de chuvas. Entretanto, as soluções

encontradas por esse órgão, foram em grande parte dos casos resumidas em: construção

de açudes e a aplicação de medidas emergenciais durante o período de estiagem como,

por exemplo, fornecer emprego, em obras públicas, à população atingida. 42

Além de essas medidas não solucionarem a questão, pois foi comum os açudes não

serem concluídos e a população, após o período de estiagem, ficar desamparada,

somam-se os problemas relacionados à corrupção no interior dos diversos órgãos do

governo. De acordo com Villa: “... diversas agências do governo Federal se

transformaram em verdadeiros apêndices das oligarquias nordestinas. O DNOCS,

controlado pela oligarquia cearense, ficou conhecido como exemplo mais bem acabado

41 NEVES, Frederico de Castro. A seca na história do Ceará. In: Souza, de Simone (org). Uma Nova História do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha. 200 42 Idem

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do uso privado de recursos públicos. Boa parte das obras foi realizada para favorecer os

interesses de políticos locais e empregar seus eleitores”. 43

Em 1936, o Governo Federal, a fim de definir as regiões que receberiam a verba

destinada a atender os problemas relacionados às secas, delimitou o chamado Polígono

das Secas, ampliado em 1947 e em 1951 por pressão das áreas circunvizinhas. Essa

região compreendia, em sua delimitação definitiva, 940.000 km.44 Paralelamente a essa

medida, foram realizadas outras, que visavam melhorias na região, como a instalação da

Companhia Hidrelétrica São Francisco. Criada em 1948, possuía a função de

desenvolver o potencial hidrelétrico da usina Paulo Afonso, com o intuito de fornecer

energia às indústrias locais. No mesmo ano, foi estabelecida a Comissão do Vale São

Francisco também com a intenção de desenvolver a região. Porém, os diversos órgãos

criados e a falta de comunicação entre eles acabavam por dificultar o controle do

Governo Federal e a distribuição da verba, não significando, desse modo, melhoria

eficaz nas questões das secas. 45

Durante a década de 1950, o Nordeste enfrentou duas grandes secas respectivamente

nos anos 1951-52 e em 1958. A seca de 1958 foi uma das maiores secas da história da

região, atingindo os estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Recife. Obteve

grande repercussão na imprensa e foi tema de debate na Câmara dos Deputados e no

Senado Federal, e mais uma vez as medidas tomadas pelo DNOCS não foram

suficientes para atender as centenas de homens, mulheres e crianças atingidos. Cenas de

extrema miséria e mortes fizeram parte das secas desse ano, mas não eram uma

novidade. Durante o século XX, o Nordeste já havia enfrentado quatro grandes secas,

respectivamente, nos anos de: 1900, 1915, 1919-20, 1931-32. 46

As fortes secas, somadas ao crescimento demográfico, durante os anos 1950,

levaram ao inchaço dos centros urbanos e ao aumento dos índices de desemprego e

subemprego. Recife, por exemplo, em 1940, apresentava 348.000 habitantes e em 1950,

o número subiu para 524.000. Desse aumento, de 176.000 indivíduos, 76% ocorre

devido às migrações, enquanto que somente 24%, ao aumento vegetativo da

população.47 Essa situação levou, de fato, muitos trabalhadores a migrarem para a

região sudeste do país, principalmente São Paulo. Todavia, é necessário lembrar que a

43 VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão. História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo-SP. Editora: Ática. 200 44 COHN, Amélia. Crise e planejamento. São Paulo: Editora Perspectiva. 1976. pág. 59. 45 Idem. pág. 61. 46 Ibidem. 47 Idem. pág. 77

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região Nordeste do país, compreende diferentes estados, e os migrantes saíam de

diferentes regiões, nem todas assoladas pelas secas.

Os migrantes nacionais, como eram genericamente chamados os trabalhadores

nordestinos, mineiros e aqueles oriundos do interior do estado de São Paulo, saíram de

suas regiões de origem, acima de tudo, em busca de trabalho e melhores condições de

vida. A vida no campo era marcada por um trabalho pesado e pela precária condição de

saúde, educação e moradia. O historiador Clifford Andrew Welch retratou que nos anos

1950 os homens, mulheres e crianças camponesas ainda realizavam a maior parte do

trabalho nas lavouras de café no interior paulista, superando significativamente a

contribuição da força animal e das máquinas. Essa realidade pode ser estendida a outras

regiões rurais do país, nas quais os camponeses trabalhavam de “sol a sol”, sem direitos

trabalhistas.48 Essa difícil realidade do campo no Brasil contribuiu para que muitos

trabalhadores vissem na cidade uma oportunidade de mudança de sua realidade. A

historiadora Célia Lucena, analisando as migrações mineiras para a capital paulista nos

anos 1950, retratou esta questão afirmando:

A cidade é sinônimo de trabalho leve, de civilização, de conforto, de

facilidade e a roça significava trabalho pesado, obrigando a grande caminhada

sob a sol ou chuva, carregar peso e fazer força. Nas décadas de 1950 e 60 a

representação de modernização da sociedade compreendia o trânsito do rural

para o urbano. A mudança para o urbano tinha, portanto, um significado de

progresso para o migrante. 49

Em busca de melhores oportunidades os migrantes que se deslocaram para São

Paulo durante a década de 1950 tiveram que lidar com inúmeras dificuldades na viagem.

Os veículos conhecidos como paus-de-arara serviram de meio de locomoção para

milhares de migrantes que saíam de diversas regiões do Nordeste e do norte de Minas

Gerais. Contendo apenas pranchas de madeiras colocadas transversalmente em sua

carroceria, onde sentavam os migrantes, estes caminhões, embora fossem proibidos pela

legislação, proliferavam e se tornaram comuns nas rodovias brasileiras. 50

48

WELCH, Clifford Andrew, A semente foi plantada, as raízes paulistas do movimento sindical camponês no Brasil 1924-1964. São Paulo. Editora: expressão Popular. 1º Edição. 2010. 49 CÉLIA, Toledo Lucena. Artes de lembrar e de inventar. (Re) lembranças de migrantes. São Paulo: Arte e Ciência. 1999. Pág. 29. 50 FONTES, Paulo, Op Cit.

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30

Os migrantes levavam dias de viagem em cima das tábuas e dificuldades com a

higiene e saúde não eram incomuns. Eram realmente precários e perigosos, sendo aceito

por grande parte dos migrantes como principal veículo de locomoção apenas pelo baixo

custo da passagem. Os donos dos caminhões tinham um papel importante no

agenciamento de trabalhadores nordestinos e mineiros e muitas vezes trabalhavam

diretamente para fazendeiros e industriais paulistas, atraindo os trabalhadores e

direcionando-os ao trabalho em São Paulo. 51

A precariedade nos paus-de-arara e o agenciamento realizado por particulares foi

tema de diversas reportagens em jornais da época e preocupavam os setores públicos.

Na Assembléia Legislativa, o deputado Arimondi Falconi descrevia as condições dos

migrantes nos paus-de-arara afirmando:

(...) Os nordestinos vem enjaulados em caminhões, cobertos de pó,

maltrapilhos, famintos, opilados, trazendo nos braços o único recurso de vida

(...). 52

A precária condição de vida nas regiões rurais do país levou muitos migrantes a

aceitarem a extenuante viagem até a capital paulista na esperança de uma vida melhor.

Entretanto, é importante ressaltar que a cidade de São Paulo, de fato, oferecia uma

grande oferta de emprego com salários mais altos e muitos dos que migravam nesse

período obtinham melhorias em relação às suas condições financeiras anteriores à

viagem. Uma pesquisa realizada em 1959 apresentava que 86% dos homens e 76% das

mulheres conseguiam emprego no primeiro mês de sua chegada. Desse modo, a

expectativa de uma vida melhor, na “cidade das oportunidades” não foi ilusão dos

trabalhadores rurais. Embora o quadro econômico tenha sofrido variações ao longo dos

anos 1950 e algumas ondas de desemprego tenham se verificado, a oportunidade de

trabalho na cidade de São Paulo foi bastante ampla para os migrantes recém-chegados

do campo. 53

Embora os migrantes estivessem imersos neste cenário, no qual por um lado o

campo propiciou o êxodo rural, por outro São Paulo tinha uma grande oferta de

empregos, é importante lembrar que a migração envolveu antes de tudo: escolhas,

51 Idem. Pág.51 52 Atas da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (recorte). Acervo Paulo Fontes. Biblioteca Raimundo de Menezes localizada no bairro São Miguel Paulista em São Paulo. 53 HUTCHISON (1963:68) apud: Fontes, Paulo. Um Nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista. (1945 – 66). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.

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decisões e estratégias. As migrações foram comumente “realizadas aos poucos”, ou seja,

em um primeiro momento, havia o deslocamento de um ou dois membros da família

(normalmente homens) para só depois se observar o deslocamento dos demais. Desse

modo, foi comum o migrante chegar à capital e ir em busca de parentes, vizinhos ou

conhecidos, isso refletia em uma maior segurança para o migrante e, portanto, se

traduzia em uma estratégia a fim de evitar passarem por penúrias em sua chegada.54

Ao chegar a São Paulo, esses migrantes contribuíram para a expansão urbana da

cidade, pois, uma vez que nas regiões centrais havia forte especulação imobiliária, foi

comum os migrantes se deslocarem para os bairros periféricos da capital paulista.

Alguns bairros se transformaram em verdadeiros “bairros migrantes”. O caso de São

Miguel Paulista é bastante ilustrativo. Durante a década de 1930, foi instalada nesse

bairro, a Companhia Nitro Química Brasileira, pertencente aos empresários José

Ermírio de Morais e Horacio Lafer. Essa indústria cresceu com a produção de raiom, fio

largamente utilizado na indústria têxtil do período, e atraiu durante os anos 1950

centenas de migrantes vindos, principalmente, da região Nordeste do país. São Miguel

até os dias de hoje é conhecido como “o bairro nordestino” em São Paulo. 55

O bairro do Brás também ficaria conhecido pela grande presença nordestina a partir

dos anos 1950. Anteriormente, este bairro recebeu muitos imigrantes italianos. Durante

os anos 1950, na estação de trem no Brás, conhecida como Estação do Norte,

desembarcariam centenas de migrantes do nordeste do país que passariam a viver nesta

região e trabalhariam nas diversas indústrias em seu entorno. Nestes bairros,

mobilizando suas redes sociais para se inserirem no novo ambiente, esses migrantes

criaram associações de bairro, trabalharam em fábricas e participaram de sindicatos,

transformando, dessa forma, a identidade e também o espaço urbano da cidade de São

Paulo. 56

O alto índice de analfabetismo e a pouca, ou inexistente, experiência industrial

foram características da mão-de-obra recém-chegada do campo. Nesse sentido, esses

migrantes foram trabalhar inicialmente em setores, em ampla expansão, mas que

ofereciam trabalho nos quais não era necessária nenhuma qualificação. A Construção

Civil, o setor Químico-Farmacêutico e o de Papel-Papelão agregaram muito desses

54 FONTES, Paulo. Op. Cit 55 Idem 56 Sobre a história e as transformações no bairro Brás ver: GOMES, Sueli de Castro. Do Comércio de Retalhos à Feira de Sulanca: uma inserção de Migrantes em São Paulo. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. 2002.

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migrantes. 57 Todavia, um dos ramos industriais de maior crescimento do período, a

metalurgia, passou a ser uma das maiores empregadoras de trabalhadores migrantes de

origem rural. Embora o setor metalúrgico necessitasse também de uma mão-de-obra

especializada, grande parte do parque fabril podia funcionar com trabalhadores não

qualificados, o que possibilitou a entrada dos nordestinos, mineiros e daqueles que

vinham do interior do estado de São Paulo, nas fábricas metalúrgicas que se expandiam

progressivamente na cidade. A grande presença dos migrantes nas indústrias

metalúrgicas de São Paulo chamou muita atenção dos dirigentes sindicais do período,

como é possível notar em um documento preparatório ao II Congresso dos Metalúrgicos

em 1960 que dizia:

A vida dos operários brasileiros, talvez mesmo de cada um de nós

individualmente, é um verdadeiro espelho da evolução industrial do país.

Quantos de nós, operários metalúrgicos, não começamos nossa vida

labutando nos campos? Quantos, de nós não chegamos às cidades sem ter

qualquer ofício industrial? Quantos de nós trabalhamos na construção civil ou

aprendemos nossa profissão de metalúrgicos em pequenas oficinas?58

Os migrantes nacionais precisaram lidar com todos os tipos de preconceito nas

fábricas metalúrgicas, nos bairros da periferia onde moravam e até mesmo no interior da

organização sindical, quando, por exemplo, ministerialistas atuavam na direção do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. A velocidade da urbanização e a intensidade

do fluxo migratório em São Paulo, durante a década de 1950, causou, como já

apontamos, um grande impacto no cotidiano da metrópole paulista e chamou a atenção

dos paulistanos que observaram os trabalhadores rurais com estranheza, se referindo a

esses trabalhadores através de inúmeras adjetivações e estereótipos. Para os

historiadores João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais, no sudeste do país, a

sociedade urbana enxergava o ambiente rural, assim como as pessoas provenientes dele,

de uma forma negativa:

Matutos caipiras e jecas: certamente era com esses olhos que, em 1950, os 10

milhões de citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam

no campo, nos vilarejos e cidadezinhas de menos de 20 mil habitantes. Olhos,

57

FONTES, Paulo. Op. Cit 58 Comissão Nacional de Planejamento do Segundo Congresso dos Metalúrgicos. “Os Metalúrgicos e a industrialização”. Revista Brasiliense, 1960. Apud. FONTES, Paulo. Pág. 65. Op. Cit.

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portanto, de gente moderna, “superior”, que enxerga gente atrasada

“inferior”. A vida da cidade atrai e fixa porque oferece melhores

oportunidades e acena um futuro de progresso individual, mas também,

porque é considerada uma forma superior de existência. A vida do campo, ao

contrário, repele e expulsa. 59

A história de grande parte dos operários metalúrgicos das fábricas de São Paulo

esteve entrelaçada com história das migrações. Os “trabalhadores nacionais”, operários

e camponeses, possuíram um papel de destaque no jornal O Metalúrgico durante a

década de 1950 devido, também, ao impacto das migrações internas. A migração, e o

migrante, estiveram presentes nas matérias do jornal do sindicato e somaram-se, ao

longo de todo o período abordado nessa pesquisa, às matérias referentes ao operário das

fábricas e aos camponeses que permaneceram nas regiões rurais do país.

Os metalúrgicos e o sindicato.

Os trabalhadores metalúrgicos foram todos aqueles que trabalharam nos

estabelecimentos industriais do grupo 19 de atividades econômicas, que segundo a CLT

engloba as indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico. Por essa razão, o

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo se intitulava Sindicato dos Trabalhadores nas

Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Paulo, se propondo a

representar todos os operários que se inseriam em cada uma dessas atividades. A década

de 1950 experimentou uma forte expansão de cada um desses setores. Neste tópico,

apresentaremos algumas das características dessa expansão, da força de trabalho dessas

indústrias e um pouco da relação do sindicato com os operários metalúrgicos.

Os dois governos da década de 1950, o de Getúlio Vargas (1951-1954) e o de

Juscelino Kubitschek (1955-1960) adotaram medidas que incentivaram o crescimento

do parque industrial no país. Getúlio Vargas constituiu a Petrobrás, estabeleceu o

monopólio estatal do petróleo, elaborou o Plano do Carvão Nacional, o Plano de

Eletrificação, inaugurou a Cia. São Francisco, também aprovou a criação da Comissão

de Desenvolvimento Industrial que permitiu a instalação da Indústria automobilística e a

lei 1.628 de junho de 1952 que criou o Banco Nacional de Desenvolvimento

59 MELLO, João Manuel Cardoso de. e NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. 2º Edição. São Paulo. Editora: UNESP. 2009. Pág. 17.

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Econômico. O BNDE tinha o objetivo de mobilizar recursos para as atividades de

infraestrutura como o de energia-elétrica, transporte e indústria de base. 60

O governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pelo Plano de Metas que foi

constituído por trinta e uma metas distribuídas em seis grandes grupos: energia,

transporte, alimentação, indústria de base, educação e a construção de Brasília. De

acordo com a historiadora Vânia Moreira, foi no governo JK que o nacional-

desenvolvimentismo se consolidou como um projeto social e político para o Brasil. Os

traços mais marcantes deste projeto foram o compromisso com a democracia e a

intensificação do desenvolvimento do tipo capitalista. Em seus discursos, JK frisava a

necessidade de ampliação dos setores de energia elétrica e transporte para que o Brasil

conseguisse se integrar nos blocos dos países desenvolvidos, e o seu principal slogan -

50 anos em 5 - sintetizou o objetivo de acelerar o desenvolvimento nacional, por meio,

principalmente, da industrialização. A chegada de produtos industrializados e o

lançamento de automóveis, como o Fusca, simbolizaram o “desenvolvimento” em

diversos jornais e meios de comunicação da época, e contribuiu para que,

posteriormente, esse período fosse lembrado como “anos dourados”. 61

O estado de São Paulo foi o que mais se beneficiou com as políticas de

incentivo à industrialização realizada pelo Governo Federal, e o resultado das medidas

favoráveis à industrialização aparece no crescimento de 64.2% de estabelecimentos

industriais ao longo da década de 1950, acompanhada do crescimento de 50.5% da

média de operários ocupados. O setor metalúrgico foi um dos setores que mais cresceu

ao longo dos anos 1950. O estado de São Paulo apresentou um crescimento de 276.6%

no número de estabelecimentos metalúrgicos e 260.2% na média mensal de operários

ocupados neste setor. No município de São Paulo, o crescimento do setor metalúrgico

revelou-se em 218.5% no número de estabelecimentos e 158.5% no número de

operários.62 O impulso, experimentado na produção de máquinas, bens duráveis e

veículos a motor, a partir de meados da década, foi importante para este crescimento.

De 1955 a 1960 a produção de veículos a motor cresceu 333, 5% e a de máquinas

136.01% no Brasil. 63

60

Ver: LOPES, Carmem Lúcia Evangelho Lopes. A Organização Sindical dos Metalúrgicos de São Paulo. Tese de Doutorado defendida na FFLCH/USP no ano 1992 e LEVINE, M Robert. Pai dos Pobres? O Brasil e a era Vargas. São Paulo. Companhia das Letras. 2001. 61 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In Ferreira, Jorge (orgs). O Brasil Republicano. Vol. 03. 62

LOPES, Carmem Lúcia Evangelho Lopes. Op. Cit. Página 13, 14 e 15 63

Ibidem.

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As indústrias metalúrgicas estiveram localizadas em diferentes bairros da cidade

de São Paulo e muitas fábricas foram instaladas, na década de 1950, fora do velho

centro industrial da cidade. Havia muitas indústrias metalúrgicas nos bairros do Brás, da

Mooca, da Lapa e também no bairro Santana. Algumas indústrias metalúrgicas

apresentavam um alto grau de tecnologia, grande concentração de mão – de - obra e

capital estrangeiro, porém essas empresas coexistiram com metalúrgicas pequenas, com

capital nacional, e baixa tecnologia. Assim, os diversos arranjos possíveis entre nível de

tecnologia, mão-de-obra, origem do capital e localização geográfica inviabilizam uma

rotulação deste setor metalúrgico. Se por um lado a produção industrial desse setor

estava pulverizada em inúmeros estabelecimentos, localizados em diferentes bairros da

cidade, por outro houve um incremento de operários em muitas dessas fábricas ao longo

da década de 1950.64

A expansão do setor metalúrgico gerou uma verdadeira fome de braços e

absorveu incessantemente a mão-de-obra durante a década de 1950. Nesse sentido, os

migrantes que chegavam à cidade de São Paulo e os operários de outras indústrias da

capital, insatisfeitos com suas profissões, encontraram uma relativa facilidade para se

tornar um “metalúrgico” durante esse período. Muitos trabalhadores chegaram a essas

indústrias após serem convidados por amigos, vizinhos ou por conta própria, se

apresentando na porta das fábricas. 65

Ao se inserirem nas pequenas e grandes indústrias metalúrgicas instaladas nos

diferentes bairros de São Paulo, muitos trabalhadores aprendiam “na prática” a

profissão, isso porque, além das instituições de ensino técnico, como o SENAI, não

serem muitas na cidade, o acesso a estes cursos era difícil.66 A indústria metalúrgica

obviamente não era apenas formada por trabalhadores sem especialização, ao contrário,

a demanda por trabalhadores especializados e semi-especializados era grande. Barbara

Weinstein apontou que o crescimento das indústrias metalúrgicas, mecânicas e elétricas

de São Paulo aumentou a demanda absoluta de operários qualificados durante a década

de 1950, mesmo com as inovações técnicas implantadas nas fábricas.67 Contudo, nos

anos 1950, a porcentagem de trabalhadores metalúrgicos formados em cursos

profissionalizantes era, em geral, bastante baixa e 70% desses trabalhadores foram

64

LOPES, Carmem Lúcia Evangelho Lopes. Op. Cit. 65

LEAL, Murilo. A reinvenção da classe trabalhadora. Campinas. Ed. UNICAMP, 2011. 66 Idem 67 WEINSTEIN, Barbara. A (re) formação da classe trabalhadora no Brasil, 1920-1964. Editora: Cortez. Pág. 277.

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treinados no local de trabalho, através do contato com trabalhadores antigos que

passavam sua experiência profissional aos recém-chegados. 68

A força de trabalho da fábrica metalúrgica era predominantemente formada por

operários homens e adultos. Entretanto, havia também mulheres e jovens na metalurgia.

As operárias freqüentemente encontravam-se na condição de trabalhadoras semi-

especializadas, sendo insignificante sua presença na categoria dos especializados. Para

as mulheres metalúrgicas, o aperfeiçoamento, por meio de cursos técnicos, era ainda

mais difícil do que para os homens e os cursos oferecidos pelas parcas instituições de

ensino, como o SENAI, quando voltados para o sexo feminino, tendiam a reforçar os

papeis tradicionais das mulheres, oferecendo as mulheres uma formação para atividades

domésticas. Ainda assim, no setor metalúrgico as mulheres representavam 7.3% da

força de trabalho em 1949, chegando ao pico de 9.6% entre 1955 e 1957. A força de

trabalho feminina foi mais largamente empregada nos departamentos de montagem,

inspeção, embalagem e expedição. A participação de jovens, entre 14 e 18 anos, embora

também fosse pequena no setor metalúrgico, não deixou de ser importante,

compreendendo em média 9.8% da mão-de-obra entre 1949 e 1960. 69

O interesse dos trabalhadores pelo serviço nas fábricas metalúrgicas fazia com

que não apenas os recém-chegados do campo fossem trabalhar nas fábricas

metalúrgicas, como também muitos trabalhadores deixassem seus empregos nos demais

setores e ingressassem na metalurgia. Esse interesse provinha de uma série de razões. O

crescimento do setor metalúrgico durante a década de 1950 gerava uma necessidade de

mão-de-obra e essa necessidade muitas vezes foi traduzida pelo operário como uma

estabilidade na profissão. Embora algumas ondas de desemprego tenham assolado a

indústria paulistana, a categoria metalúrgica foi pouco atingida, sobretudo quando

comparada a outros setores, como, por exemplo, os têxteis, no mesmo período. 70

Os salários da categoria metalúrgica variavam conforme o sexo, a qualificação, a

idade e o setor da produção em que o trabalhador estava inserido. As diferenças salariais

dos jovens, menores de 18 anos, decorriam, em parte, da própria legislação em vigor,

pois legalmente o piso salarial para aprendizes, como muitas vezes foram classificados

os jovens metalúrgicos, eram estabelecidos em 50% do salário dos adultos. Já para

68 LEAL, Murilo. Op. Cit. 69 Idem. Pág. 73. 70 Idem.

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homens e mulheres as diferenças salariais eram vetadas por lei.71 Todavia, os homens

continuavam recebendo maiores salários do que as mulheres, pois a lei que assegurava a

igualdade salarial entre os sexos poderia ser violada, o que ocorreu na maioria das

vezes. As diferenças salariais são verificadas também de acordo com o ramo do setor

metalúrgico. Neste aspecto, verifica-se que as indústrias de material de transporte e as

mecânicas pagavam melhor do que as metalúrgicas e as indústrias de material elétrico.

A maior concentração de mulheres e jovens nestes últimos setores, além da maior

qualificação necessária para trabalhar nos dois primeiros ramos, constitui algumas das

explicações para esta diferença. 72

Contudo, ainda que houvesse diferenças salariais, as médias dos salários pagos

no setor metalúrgico estavam acima da média da indústria. 73 Um trabalho elaborado

pelo DIEESE, como subsídio para a campanha salarial de 1958, apresentou que o

salário médio do operário metalúrgico naquele ano era de Cr$ 4, 773,90 enquanto que o

salário mínimo era de Cr$ 3,700. Calculado com base nas guias de recolhimento do

Imposto Sindical,74 o trabalho revelou que 30.8% dos metalúrgicos recebiam até um

salário mínimo e 80.5% da categoria recebia um salário mínimo que não ultrapassava

Cr$ 6.000,00 ou 1.6 salários mínimos, 96.4% recebia até 2.7 salários mínimos e apenas

0.9% dos metalúrgicos recebia 4.3 salários mínimos. Em 1960 o salário médio da

categoria era de Cr$ 10.166,00 enquanto o salário mínimo era de Cr$ 9.440, 00. O sub-

setor da indústria automobilística pagava o salário médio mais elevado de Cr$ 18.981,

60, o que correspondia a 86.7% a mais que o salário mínimo da categoria.75

A relativa estabilidade de emprego no setor metalúrgico, que se expandia e

necessitava de mão-de-obra, e os salários mais altos somam-se à possibilidade de

conquista de uma qualificação profissional, pois foi comum os trabalhadores

ingressarem nas fábricas metalúrgicas realizando determinadas tarefas e posteriormente,

no interior da fábrica, aprender, na prática ou em escolas, outras atividades, o que,

71

O artigo 461 da CLT, aprovada em Maio de 1943, afirmava que: Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. Ver o trabalho: FRENCH, John. Afogados em Leis, A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo. Editora: Perseu Abramo, 2001. 72

LEAL, Murilo. Op, Cit 73

Idem 74

O imposto sindical é a contribuição de um dia de salário pago pelos trabalhadores e recolhido compulsoriamente e anualmente pelas empresas. 75 LOPES, Carmem Lucia Evangelho. Op Cit. pág. 16.

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muitas vezes, resultava em maiores salários. Todas essas particularidades contribuíram

para que ingresso na categoria metalúrgica fosse atraente para os trabalhadores.76

Todavia, essa realidade das indústrias metalúrgicas estava longe de significar

uma melhor qualidade de vida e de trabalho dos operários metalúrgicos nas fábricas de

São Paulo. É importante lembrar que, ao longo da década de 1950, houve uma redução

real do volume global dos salários pagos pela indústria. No ano de 1955 os salários

representavam 19,5% das despesas das indústrias e em 1959 esse número caiu para

16,2%. Um estudo do DIESSE apresentou que enquanto o lucro bruto real na indústria

chegava a 76% houve apenas 15% de aumento real de salário e 37% de aumento da

produtividade do trabalho industrial entre os anos 1956 e 1959.77

Os trabalhadores metalúrgicos precisaram lutar durante toda a década por

reajustes salariais. O cenário do início dos anos 1950 apresentava os salários da

categoria sem reajuste desde 1945 e o salário mínimo reajustado em 1943 manteve-se

congelado até janeiro 1952. Porém, os preços foram ajustados mensalmente, o que

arrastou os metalúrgicos a um estado de carestia e os levou a lutar por aumentos

salariais neste período. O poder aquisitivo do salário mínimo entre 1943 a 1952 caiu

pela metade e foi se recuperando até 1959, quando atingiu o seu pico, iniciando um

processo descendente, com recuperações até 1964. 78

Outro aspecto que permite vislumbrar um pouco da difícil situação do operário

neste período foi a cláusula de assiduidade integral que vigorou até 1955. A lei 605 que

incluía a clausula de assiduidade integral nos contratos salariais obrigava o operário a

comparecer ao trabalho todos os dias do mês sem atraso na hora de entrada. A falta ou

atraso, fosse de um minuto apenas, correspondia à perda do direito do descanso semanal

remunerado acrescida da perda de meio dia de salário mais a perda do aumento salarial

eventualmente obtido no mês.79

O trabalho nas indústrias metalúrgicas era bastante árduo. Barbara Weinstein

apontou que nas décadas do pós- Segunda Guerra Mundial o Brasil mereceu a distinção

de ser o campeão mundial em acidentes de trabalho. Isso porque, as condições de

trabalho no interior das fábricas eram realmente difíceis para o operário. A grande parte

das indústrias brasileiras foi marcada pela insalubridade, como barulho e péssimas

condições ventilação e temperatura, pela periculosidade, ou seja, exposição ao perigo,

76 Idem 77

LEAL, Murilo. Op. Cit. pág. 78 78 LOPES, Carmem Lúcia Evangelho. Op. Cit. pág. 36. 79 Idem.

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seja por equipamentos inadequados ou falta de equipamentos de proteção e também

pelo precário estado das instalações, como quantidades de banheiros, refeitórios etc. 80

Como apontou o historiador Murilo Leal, nas metalúrgicas, os acidentes nas

máquinas - que resultavam muitas vezes na perda de membros (dedos ou até mesmo

braços) - fizeram parte do cotidiano do operariado. Além disso, os trabalhadores

estavam expostos ao pó, carregado de partículas de metais, como aço, ferro, cromo,

níquel, zinco, manganês e chumbo que constantemente provocavam bronquite e

algumas vezes câncer nos trabalhadores. A freqüente exposição ao chumbo causava

cólica, fadiga, anemia, franqueza e falência renal. O contato com lubrificantes, óleos,

derivados de petróleo, provocava diversas doenças de pele. A aspiração de gases como

o nitrogênio, o monóxido de carbono, o ozônio e óxidos de metais foram comuns entre

os metalúrgicos e podiam causar problemas neurológicos. A exposição à sílica, ou

derivados, provocava bronquite e tuberculose. 81

As problemáticas condições de trabalho nas fábricas somadas à precariedade dos

hospitais tornavam a vida dos trabalhadores ainda mais difícil na capital paulista. O

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo foi um dos mais poderosos do ponto de vista

assistencial e ofereceu inúmeros serviços aos seus associados incluindo um

departamento médico que oferecia gratuitamente remédios aos operários. Além deste

departamento, o sindicato dispunha de um departamento jurídico, e um odontológico,

possuía também uma biblioteca e um teatro sindical. Na década de 1950, surgiu o

departamento feminino e a colônia de férias. O sindicato também organizava bailes,

festa junina, festa de carnaval, tinha um time de futebol e uma academia de judô,

oferecia cursos de alfabetização, corte e costura e possuía uma agência responsável por

direcionar trabalhadores para as indústrias da capital.82 A assistência prestada pelo

sindicato, em meio às difíceis condições de vida dos operários, muitas vezes serviu

como atrativo para os metalúrgicos se sindicalizarem. Entretanto, a relação do sindicato

com os trabalhadores do chão das fábricas foi muito mais complexa.83

O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de

Material Elétrico de São Paulo foi apresentado, pelos seus dirigentes, como a “casa de

80

WEINSTEIN, Barbara. Op. Cit. pág. 290. 81

LEAL, Murilo. Op. Cit. pág. 87-88. 82

Idem. 83

Ver também: Ata de Reunião da Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, 20 de dez, 1955 pág. 134. Esta Ata apresenta algumas das atividades proporcionadas aos trabalhadores pelo sindicato.

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todos os metalúrgicos” - fossem homens, mulheres ou jovens, antigos ou recém-

chegados à categoria metalúrgica - um lugar onde os operários poderiam lutar por

melhores condições de vida e de trabalho. Todavia, não foi a única alternativa de

organização dos trabalhadores. Foi comum durante a década de 1950, mas não apenas

neste período, a existência de comissões formadas por operários que, algumas vezes,

atuavam de forma independente do sindicato. Muitas vezes os trabalhadores eram

eleitos nos locais de trabalho para negociar com os patrões demandas específicas, como

atraso no pagamento, insalubridade nas fábricas, falta de higiene no serviço etc. Esses

grupos de operários, escolhidos nas fábricas por seus companheiros, procuravam,

algumas vezes, os dirigentes sindicais, na sede do sindicato, com o intuito de solucionar

pendências correntes no interior da fábrica onde trabalhavam, outras vezes, se

direcionavam à diretoria da fábrica, sem apelar para a intermediação sindical. 84

Essas comissões não foram organizações necessariamente contrárias ao

sindicato. O fato de os operários procurarem o sindicato voluntariamente deve ser

considerado em um contexto no qual o próprio sindicato exortava a participação

operária e realizava assembleias e encontros nas empresas. Não se trata também de

observar os comitês de fábrica como organizações amplas e estáveis, muitas vezes

tiveram um caráter efêmero, dissolvendo-se rapidamente. 85

As direções sindicais buscaram, a todo o tempo, controlar as comissões de

operários e trazê-las para o interior da organização sindical. A eleição dos delegados

sindicais, por exemplo, foi uma forma de criar intermediários entre a fábrica e o

sindicato. Para os dirigentes sindicais, os delegados eleitos tinham o dever de participar

das reuniões, que ocorriam no Sindicato, e transmitir seu conteúdo aos operários do

chão das fábricas, ao mesmo tempo, deveriam ouvir seus companheiros no trabalho e

levar as suas sugestões e opiniões até o sindicato, servindo, assim, como uma “correia

de transmissão”. 86

Em períodos de campanha salarial, foi comum a eleição, nas assembleias

metalúrgicas, das comissões de salário, para apoiar o sindicato. Dentre os principais

objetivos das comissões de salário estava: a pesquisa e a divulgação sobre os lucros das

empresas, a promoção de uma articulação com “a base”, principalmente com as

comissões de fábrica, e a aplicação de questionários aos operários e visitas as portas das

84

NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de Montagem. O Industrialismo nacional-desenvolvimentista e a sindicalização dos trabalhadores. São Paulo. Editora: Boitempo. 2004. 85

Idem. 86 LEAL, Murilo. Op. Cit. pág. 333.

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fábricas com o intuito de contribuir para a construção dos índices de reajuste salarial.

Em períodos de greves também foi comum a eleição das “comissões de solidariedade”.

Essas comissões, que também eram eleitas em assembleias, eram enviadas as reuniões

de outras categorias, realizadas simultaneamente, e possuía entre seus objetivos, unificar

as pautas de categorias distintas. O historiador Murilo Leal defendeu que essas

comissões, na verdade, exerceram muitas vezes um controle das bases sobre os próprios

sindicatos e acabaram canalizando de uma forma mais efetiva e ágil as iniciativas

surgidas no decorrer das mobilizações. De todo o modo, através das comissões e dos

delegados o sindicato se inseria no chão das fábricas, procurando interessar o operariado

com assuntos que lhe diziam respeito.87

Um pouco da relação entre os metalúrgicos do chão das fábricas da cidade de

São Paulo e o sindicato também pode ser vislumbrada nos números de associados ao

longo da década de 1950. No início da década as informações sobre o número de sócios

são bastante conflituosas. Joel Wolfe apresenta que em 1949 o sindicato tinha 15.207

associados, mas nas eleições de 1951 apenas 5.521 estariam na condição de votar em

uma média de 77.579 operários. Joaquim Ferreira, presidente do sindicato, afirmou, em

1952, que no ano anterior o sindicato contava com 12 mil sócios e que naquele

momento computava 23 mil sócios. Todavia, o secretário geral do sindicato

contabilizou 12 mil associados em 1953. A partir do final do ano de 1953 os números

apresentados pelo sindicato passam a ser mais coerentes. Em outubro de 1953, de

acordo com a direção, o sindicato contava com 30 mil sócios em uma média de 100 mil

operários. No mês de agosto de 1954 realizou-se uma campanha de sindicalização e o

número de sócios aumentou para 35.800 de uma base aproximada de 107.453 operários.

Em 1955 o número de associados aumentou para 45 mil, mas nas eleições de setembro

desse mesmo ano apenas 13.340 estavam nas condições de votar. Em 1958 o sindicato

contava, de acordo com as lideranças sindicais, com 50.084 associados em uma base de

140 mil operários.88

Em parte as dificuldades do sindicato no trabalho de sindicalização estavam no

próprio crescimento da categoria, mas somavam-se a este crescimento o fato de os

patrões não verem com bons olhos os operários sindicalizados, o que gerava um receio

por parte do operário em se associar ao sindicato. Foi comum os patrões não permitirem

87 Idem. pág. 323. 88 Esta análise e levantamento de dados foram realizados pelo historiador Murilo Leal em seu livro: LEAL, Murilo. A reinvenção da classe trabalhadora. Campinas. Ed. UNICAMP, 2011 pág. 346-347.

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a formação de comissões de trabalhadores no interior das empresas e despedirem

funcionários pelo fato de serem sindicalizados, pois a sindicalização foi compreendida,

muitas vezes, pelo patronato, como uma ameaça às relações de poder estabelecidas nas

fábricas. 89

Embora o número de associados fosse baixo, quando comparamos com o total de

operários metalúrgicos, é significativo o aumento do número de sócios, sobretudo após

1953, e mesmo que este número esteja relacionado ao aumento da própria categoria, é

possível arriscar a hipótese de que o sindicato contou com algum apoio, ou ao menos,

um reconhecimento de que este poderia ser um espaço da classe trabalhadora, por parte

dos operários metalúrgicos, principalmente após 1953, quando os números de

associados aumentam significativamente.

O fato de o sindicato não ter sido a única forma de organização operária, e de

diversas vezes as comissões formadas no chão das fábricas terem exercido pressão sobre

as diretorias, não significa dizer que o sindicato não tenha caminhado conjuntamente

com os operários. Ao contrário, em muitos momentos, este foi reconhecido por sua base

como “a casa do trabalhador”. Para o historiador Murilo Leal:

O movimento de mobilização e renovação empreendido pelos trabalhadores –

tanto a partir de 1950, quanto posteriormente, a partir dos anos 1980 –

ocorreu procurando canais para o seu desenvolvimento por dentro da

instituição sindical, embora sem descartar diversas instâncias independentes

dela. 90

Para Leal, a causa disso não foi a falta de disposição dos dirigentes para

construir uma nova estrutura sindical, mas a dificuldade em fazê-lo, preservando para o

sindicato a condição de órgão reconhecido pelo Estado, pelos empresários e pelos

trabalhadores, ou seja, de acordo com o autor, foi importante para os trabalhadores

dispor, nas suas lutas, de uma referência institucional forte e reconhecida como o

sindicato oficial. Nesse sentido, o sindicato foi um importante órgão coordenador das

lutas operárias ao longo dos anos 1950. O sindicato também organizou muitos aspectos

da cultura operária e, ao mesmo tempo, foi uma poderosa máquina assistencial durante a

esse período. Esteve presente, dessa maneira, em diversas instâncias da vida do

trabalhador.

89 Idem 90 Idem. pág. 339.

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Assim, o sindicato foi uma instituição complexa, atrelada, é certo, ao Estado,

mas ao mesmo tempo, manteve uma íntima relação com a base que buscava representar,

sofrendo, em muitos momentos, a pressão dos operários em suas diretorias. As

representações dos trabalhadores nacionais (operários, migrantes e camponeses)

construídas pelo sindicato podem revelar uma visão particular sobre o operário durante

a década de 1950 e, como veremos no decorrer deste trabalho, muitas vezes diferente

daquelas divulgadas por outros setores da sociedade paulistana do período.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo: um pouco da sua trajetória.

A organização dos trabalhadores metalúrgicos inicia em uma época bastante

distante daquela que estamos abordando nesta pesquisa. Já nas primeiras décadas do

século XX, diferentes categorias de trabalhadores urbanos, incluindo os trabalhadores

metalúrgicos, buscavam nos sindicatos e em outras formas de associação coletiva, uma

maneira de lutar pelos seus interesses e necessidades. Na Primeira República, os

trabalhadores brasileiros contavam com uma série de propostas políticas de intervenção

na realidade social, como o anarquismo e o socialismo e o comunismo a partir da

década de 1920. Tais propostas não determinaram sua atuação, sendo importante

lembrar que os trabalhadores adaptaram as propostas criadas em outros países para as

suas realidades, mas certamente influenciaram suas organizações. Foi nesta época que

surgiu a União dos Operários Metalúrgicos de São Paulo, uma organização de

orientação anarquista que lutava pelos operários em um período que a categoria

metalúrgica era numericamente pequena, principalmente quando comparada com outros

grupos de trabalhadores, como os têxteis. 91

A União dos Operários Metalúrgicos de São Paulo foi importante para que essa

categoria de trabalhadores identificasse interesses comuns e também interesses opostos,

os dos patrões, contribuindo para o constituir-se da classe metalúrgica no pré-1930.

Neste período, a luta por melhores salários, por condições mínimas de higiene e

segurança no trabalho e por menores jornadas, formava o rol das principais

91 Sobre a ação e organização dos trabalhadores em São Paulo durante a Primeira Republica ver BIONDI, Luigi. Classe e Nação. Trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920. Campinas. Unicamp. 2011. Sobre a União dos Metalúrgicos de São Paulo ver: TRÓPIA, Patrícia Vieira. O impacto da ideologia neoliberal no meio operário: um estudo sobre os metalúrgicos da cidade de São Paulo e a Força Sindical. Campinas. Tese de Doutorado defendida na Universidade Estadual de Campinas no ano 2004.

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reivindicações das organizações operárias, em um período em que não existia uma

legislação trabalhista, tal qual entendemos hoje, e as poucas leis relacionadas ao

universo do trabalho, como, por exemplo, as que limitavam a jornada de trabalho de

menores, ou as relativas a férias, eram em geral descumpridas. A União dos Operários

Metalúrgicos de São Paulo fez parte desse momento importante da classe operária,

principalmente metalúrgica contribuindo para a multiplicação dos momentos de lutas

coletivas no país, como as greves. 92

Com o advento do governo Vargas, mudanças significativas se operaram na

sociedade brasileira e também no mundo do trabalho. Este foi o período no qual se

disseminou, por meio dos discursos de Getulio Vargas e de seus adeptos, a proposta de

uma convivência harmônica entre operários e empresários, arbitrada por um Estado que

se apresentava como regulador dos conflitos e também como protetor do trabalhador. 93

Neste contexto histórico foi criado o modelo de sindicato único por categoria e região, a

estrutura vertical por categoria (sindicato a nível local, federações no âmbito regional e

confederações de abrangência nacional) e a tutela do Ministério do Trabalho sobre as

entidades sindicais, com o poder de fiscalização das atividades e intervenção nas

diretorias. Tais mudanças foram instituídas pelo decreto 19.770, aprovado em março de

1931, que criava o sindicalismo oficial.94 Foi em meio a este contexto histórico, em

dezembro de 1932, que um grupo de metalúrgicos solicitou o reconhecimento do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo junto ao Ministério do Trabalho –

conseguindo seu registro cinco meses depois.95

De acordo com a historiadora Ângela de Castro Gomes, o novo modelo de

organização sindical criado no primeiro governo de Getúlio Vargas enfrentou reações

não apenas dos trabalhadores, mas também dos empresários e da Igreja Católica, nos

primeiros anos da década de 1930. Os empresários não viam com otimismo a

possibilidade de um maior direcionamento dos negócios pelo Estado e temiam que a

intervenção estatal pudesse alterar práticas de exploração da qual se utilizavam há

92 Ver: SCHIMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da promissão: a história de dois líderes socialistas. Porto Alegre: Palmarinca/Fumproarte, 2004 e Batalha, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Coleção Descobrindo o Brasil. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2000. 93 GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro. Editora FGV. 2005. 94 BADARÓ, Marcelo Mattos. O sindicalismo no Brasil após-1930. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2003 95 Cerca de cem metalúrgicos compareceram, dia 27 de dezembro de 1932 à reunião de fundação do Sindicato dos Operários Metalúrgicos de São Paulo. Esses operários, reunidos na Rua Venâncio Aires número 10, aprovaram a proposta de criação da entidade e os estatutos que subsidiaram o pedido de reconhecimento oficial enviado ao Ministério do Trabalho e obtido em 02 de maio de 1933. Ver: LOPES, Carmen Lúcia Evangelho. A Organização Sindical dos Metalúrgicos de São Paulo. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FFLCH/USP. Ano 1992.

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décadas. A Igreja, por sua vez, foi frontalmente atingida pelo estabelecimento da

unidade sindical, pois a partir daquele momento ficava proibida qualquer vinculação

religiosa da parte dos sindicatos. Esta norma impedia a existência de um movimento

sindical de bases católicas que já estava se desenvolvendo naquele momento. 96

A reação dos trabalhadores também não se fez esperar e o modelo de

organização sindical implantado nos primeiros anos da década de 1930 enfrentou a

competição das organizações sindicais autônomas das diversas categorias de

trabalhadores. Nesse sentido, muitos militantes metalúrgicos, sobretudo comunistas e

socialistas, que viam no sindicato oficial uma tentativa de controle por parte do Estado,

se recusaram a aderir ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, permanecendo

ligados à União dos Operários Metalúrgicos.97 A primeira diretoria, eleita após o

reconhecimento do sindicato, composta pelo presidente Vicente Guglielmi, pelo

secretário Armando Sufredini e pelo tesoureiro João Martins Berra Filho, não contou

com o apoio de muitos militantes de esquerda. A novidade do sindicalismo oficial

também gerou uma desconfiança por parte dos trabalhadores “de base” e a primeira

diretoria não conseguiu, em sua gestão, mobilizar os operários metalúrgicos, agregando

apenas uma pequena parcela dos trabalhadores no corpo de associados. 98

Entretanto, com o decorrer da década de 1930, principalmente após a

constituição de 1934, os interesses do Estado, da Igreja e dos Empresários passam a

gozar de bastante cumplicidade. A Igreja, ao defender valores incorporados ao projeto

corporativista implantado por Vargas, recebeu, em diversos momentos, o apoio do

presidente e de muitos daqueles que defendiam a necessidade da superação dos conflitos

entre capital e trabalho, através da intervenção autoritária do Estado e os empresários

viram com bons olhos as tentativas de controle da classe operária que marcaram o

governo de Getúlio Vargas, sobretudo durante o Estado Novo.

A estratégia varguista de vincular os recém criados direitos sociais à

sindicalização foi decisiva na atração da classe operária para o sindicalismo oficial, pois

somente os associados aos sindicatos oficiais poderiam gozar dos benefícios que o

governo oferecia, aumentando progressivamente o contingente de metalúrgicos nas

fileiras do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo ao longo da década de 1930 e

forçando a militância política comunista e socialista a lutar, ou, no caso do Sindicato

96 GOMES, Ângela de Castro. Op. Cit 97

TRÓPIA, Patrícia Vieira. Op. Cit 98 Para ver os nomes dos integrantes da diretoria eleita ver o exemplar do jornal O Metalúrgico, nº 4, páginas 01, 02, 03, 04, dez. 1942. Sobre essa diretoria ver: TRÓPIA, Patrícia Vieira. Op. cit.

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dos Metalúrgicos de São Paulo, tentar lutar, no interior do sindicato oficial. Isso porque,

a partir do novo modelo sindical implantado, que estabelecia apenas um sindicato por

categoria e região e dificultava a existência das demais formas de associação operária,

os sindicatos oficiais passam a abrigar grupos com tendências políticas diferentes.

Ao longo dos anos 1930 e 1940, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

experimentou diferentes diretorias, com a permanência de alguns homens em diferentes

cargos de direção, porém muitos desses homens foram os chamados ministerialistas. Os

ministerialistas foram sujeitos, que possuíram cargos na burocracia sindical, incluindo o

Ministério do Trabalho, e mantiveram íntimas relações com diversas autoridades do

período, como empresários e políticos. Através do acúmulo de cargos na organização

sindical e de suas relações com as autoridades, os ministerialistas conseguiram atuar na

direção do sindicato com bastante intensidade. Contudo, não foi apenas o cargo no

Ministério do Trabalho, ou nas outras instâncias da organização sindical, que definiu os

ministerialistas. Esses sujeitos possuíram certa postura com relação à base operária

enquanto atuaram na direção do sindicato.99 Hélio da Costa, ao se referir à ação dos

ministerialistas durante a década de 1940 apresenta alguns traços da postura desses

dirigentes sindicais afirmando:

Encastelados em suas burocracias, esses dirigentes viviam num mundo

distante da realidade da classe operária, e mesmo quando esta os convidava

para uma possível aproximação, o descaso e o descomprometimento político

eram evidentes. 100

A forte presença dos ministerialistas no interior do Sindicato dos Metalúrgicos

de São Paulo, sobretudo ao longo dos anos 1930 e 1940, não significou que o sindicato,

nesse período foi "cupulista". O historiador Hélio da Costa admite que pensar no

sindicato como uma organização distante dos trabalhadores, devido à existência e à ação

dos ministerialistas, é estreitar uma realidade muito mais complexa. Nesse sentido, este

historiador apontou para necessidade de se observar os outros sujeitos que disputaram a

vida sindical nesse período, como os comunistas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São

99 O termo ministerialista foi usado pelos próprios operários e sindicalistas no pós-1930, para se referir aos sindicalistas, muitos deles remanescentes do Estado Novo, que se utilizavam da burocracia sindical e de seus cargos no Ministério do Trabalho para se manter no controle do sindicato e implantar uma prática que era caracterizada, além de outras coisas, pelo distanciamento das reivindicações da base operária. Posteriormente esse termo cairia em desuso prevalecendo o termo “pelego”. 100

COSTA, Hélio da. Em Busca da Memória. Comissão de fábrica partido e sindicato no pós guerra. São Paulo. SCRITTA. 1995. pág. 23.

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Paulo foi o local no qual se travou a batalha mais acirrada entre ativistas comunistas e a

direção da entidade ministerialista durante os anos 1940. Assim, o sindicato não estava

“entregue” à direção ministerialista, mas foi palco de disputa entre diferentes

personagens. 101

É importante ressaltar que a base operária também se confrontou com a direção

ministerialista do sindicato em diversos momentos. Os ministerialistas se utilizavam dos

seus cargos na burocracia sindical e das suas relações com as autoridades para manter-

se na direção do sindicato, e muitas vezes não contaram com o voto e com o apoio dos

trabalhadores do chão das fábricas. Nesse sentido, foi comum a base operária não seguir

a orientação do sindicato nos períodos em que os ministerialistas estavam à frente da

organização sindical. Ao se referir a essa questão o historiado Hélio da Costa apontou:

Basta verificarmos o papel marginal que os sindicatos desempenharam nos

surtos grevistas que eclodiram de 1945 a 1947, quando as organizações fabris

evidenciaram um papel muito mais ativo como agentes deflagradores deste

processo.102

Além dos ministerialistas, os católicos também entraram na disputa pelo

sindicato oficial no pós-1930 através dos membros dos Círculos Operários Católicos,

uma organização criada e controlada pela Igreja Católica e que recebeu um forte apoio

do governo de Getúlio Vargas, e dos industriais de São Paulo, sobretudo a partir de

1935. Os ministerialistas e os católicos formavam dois grupos distintos, mas com

interesses em comum, como, por exemplo, a eliminação dos comunistas, que

disputavam a todo o instante a direção do sindicato oficial. 103

De acordo com diferentes pesquisadores como Hélio da Costa, Murilo Leal e

Patrícia Vieira Trópia, os ministerialistas e católicos atuaram com intensidade na

diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo até o início da década de 1950,

dificultando a entrada de militantes comunistas e socialistas no sindicato. De uma

maneira geral, a atuação de ministerialistas e católicos no sindicato foi marcada pelo

apoio à tutela do governo sobre as atividades sindicais, pelo distanciamento em relação

à base e convergência com os desejos do patronato, desestimulando as greves e

101

Idem 102

Idem. pág. 22. 103 GOMES, Ângela de Castro. Op. Cit.

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mobilizações dos trabalhadores metalúrgicos no chão das fábricas, e pela crítica aos

militantes e partidos de esquerda. 104

Um fato citado por alguns pesquisadores, e que retrata o posicionamento da

direção do sindicato nos anos 1930, foi a recusa da diretoria de 1935 a integrar-se na

Aliança Nacional Libertadora. A ANL, como se sabe, foi um importante movimento

político liderado principalmente por militantes comunistas que defendiam a extinção do

latifúndio e o fim do sistema capitalista. 105 Contudo, a prevalência de uma diretoria

anticomunista não significou inexistência de conflitos. No jornal O Metalúrgico de

1942, a diretoria de 1935 é lembrada com as seguintes palavras:

Esta diretoria é a que mais energia precisou dispender, pois tomou a direção

do Sindicato, quando este era avassalado por verdadeira crise interna devido

as lutas políticas que se desenvolviam e se tornavam vulto. A oposição era

tremenda. Porém a diretoria agindo com habilidade e com a cooperação de

elementos consciosos e sinceros foi aos poucos pondo a margem esses

elementos nocivos e que procuravam transformar o Sindicato em partidos

políticos.106

O trecho exposto, além de nos fornecer pistas para pensarmos nos conflitos que

marcaram a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo nos anos 1930,

apresenta a permanência do conservadorismo de alguns dirigentes do sindicato ao longo

da década de 1940, uma vez que engrandece a direção anterior. Não sabemos

exatamente quem eram os “elementos nocivos” aos quais o autor do texto se refere,

porém é possível imaginar que esteja se referindo aos militantes comunistas e

socialistas, uma vez que o anticomunismo foi uma das principais bandeiras dos setores

conservadores durante nos anos 1930 e 1940 e os comunistas e socialistas

constantemente foram vistos como sujeitos perigosos. Contudo, é preciso lembrar que

as disputas pela direção do sindicato muitas vezes ocorriam no âmbito da própria direita

e assim não é possível afirmar com exatidão quem eram os elementos aos quais se

refere o autor. Todavia, o trecho exposto apresenta que a direção do sindicato foi, a todo

o instante, palco de disputa entre diferentes sujeitos, mesmo em um período em que

104 TRÓPIA. Patrícia Vieira. Op. Cit. 105 Sobre a recusa da direção do sindicato em integrar-se a ANL ver: Antunes, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil - da revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. São Paulo: Cortez e Editora. Ensaio, 1982. 106 O Metalúrgico. pág 02, nº 4, ano I. dezembro de 1942.

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ministerialistas e católicos, atuaram com grande intensidade. De acordo com historiador

Marcelo Badaró:

Entre 1935 (portanto antes mesmo do golpe de 1937) e 1942 viveu-se uma

fase de completa desmobilização sindical. Dirigentes totalmente submissos às

orientações do Ministério do Trabalho foram elevados à direção dos

sindicatos, não houve greve por categoria e a participação das bases nas

atividades sindicais reduziu-se a quase nada. 107

A afirmação de Badaró sobre o sindicalismo no Brasil durante o período de

1935 a 1942 ganha forma quando observamos as diretorias empossadas após 1935 no

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Em 1936, a diretoria foi composta pelo

presidente Armando Sufredini, pelo secretario Mario Bernardi e pelo tesoureiro

Guarnieri Iguine. Em 1937, o sindicato sofre a primeira intervenção direta do

Departamento Estadual do Trabalho que promove Salvador de Luttis a presidente do

sindicato, ao lado do secretário José de Morais e do tesoureiro Hermano Sevieri.

Salvador de Luttis participou da “Frente Sindical contra os Extremismos” que possuía

entre os objetivos centrais: disseminar os princípios integralistas no meio operário e

combater o comunismo. Como é já amplamente conhecido, o Integralismo foi um

movimento de influência fascista que ganhou o apoio de uma parte da elite

conservadora e das classes médias no Brasil108. Assim, a primeira medida tomada por

Luttis foi eliminar sócios que faziam oposição ao governo Vargas e implementar uma

política de perseguição aos comunistas. Sufredini, que se opôs ao grupo integralista, foi

expulso do sindicato ao lado de outros sindicalistas.109

No ano de 1939, o sindicato sofre uma segunda intervenção, agora do Ministério

do Trabalho, e passa a ser dirigido por uma junta provisória composta pelo presidente

Vicente Guglielmi, pelo secretário Edmundo Orioli e pelo tesoureiro Guerino Pian, que

dirigiram o sindicato até o ano de 1941.110 De acordo com a pesquisadora Patrícia

Vieira Trópia, que concentrou seus estudos na ação Sindicato dos Metalúrgicos de São

107 BADARÓ, Marcelo Mattos. Op. Cit. pág18. 108TRINDADE, Hélgio. Integralismo. O fascismo brasileiro da década de 30. Porto Alegre: DIFEL/UFRGS, 1974. TRINDADE, Hélgio. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira – O Brasil Republicano, Sociedade e Política (1930-1964). São Paulo: DIFEL, 1981, vol. 3, p. 304-316. 109 TRÓPIA, Patrícia. Op. Cit. 110 Para ver o nome dos integrantes da junta provisória ver o exemplar: O Metalúrgico, pág. 03, nº 4, ano I. dezembro de 1942.

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Paulo ao longo dos anos 1932 até os anos 1990 , esta segunda intervenção no sindicato

levou à condição de diretores outro grupo de "ministerialistas", que, nas palavras da

autora, aprofundou a burocratização do sindicato, afastando-se ainda mais das

reivindicações dos metalúrgicos, e implementou um conjunto de práticas sindicais que

distinguia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Uma dessas práticas foi a

repressão, muitas vezes violenta, às ações espontâneas nas fábricas de São Paulo.111

No início dos anos 1940, foi criado o departamento de imprensa, com o

lançamento do jornal O Metalúrgico em 1942, e instalado o serviço odontológico,

expandindo ainda mais o sindicato que já contava com o departamento hospitalar e o

departamento jurídico. Entretanto, o empenho das diretorias do sindicato estava longe

de significar uma mudança nos posicionamentos políticos, pois o anticomunismo

permaneceu como uma das principais bandeiras levantadas pela diretoria do sindicato

ao longo da a década de 1940. 112

Após a entrada no Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942, Getúlio Vargas

promoveu uma série de reformas liberalizantes como, por exemplo, o reconhecimento

dos partidos políticos, entre eles o Partido Comunista Brasileiro - o PCB - que atuava

até essa época na ilegalidade. O governo brasileiro também concedeu a anistia aos

presos políticos, entre eles muitos comunistas, e convocou as eleições para a

Constituinte. O clima de redemocratização do país, após o fim da ditadura instaurada

por Vargas no Estado Novo, foi experimentado pelos trabalhadores com uma avalanche

de greves e mobilizações. De acordo com a pesquisa do historiador Hélio da Costa, já

em dezembro de 1945 é possível encontrar na grande imprensa o registro de várias

categorias de trabalhadores que se mobilizaram para reivindicar o abono de natal, entre

eles os metalúrgicos, e nos primeiros meses de 1947 os trabalhadores das grandes

empresas metalúrgicas de São Paulo paralisaram suas atividades em busca de melhores

salários. 113

Contudo, como apontou Hélio da Costa, referindo-se ao Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo: “a direção do sindicato não só deixava de acertar os

ponteiros do relógio com os da categoria, mas ainda os direcionava em sentido anti-

horário”. 114 O autor lembra que o sindicato nem mesmo compareceu no julgamento do

dissídio coletivo suscitado pelos trabalhadores de várias empresas metalúrgicas, contra

111 TRÓPIA, Patrícia. Op. Cit. 112 Idem 113 COSTA, Hélio da. Op. Cit. pág. 66. 114

Idem. pág. 65.

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seus respectivos empregadores, na sede do Conselho Regional do Trabalho em 1946.

Mario Sobral, presidente do sindicato neste ano, alegou em uma reportagem ao Diário

de São Paulo, que não tinha conhecimento de que a sessão de julgamento do dissídio

aconteceria naquela data. Para Hélio da Costa, o argumento do presidente da entidade

apresentou uma diretoria destituída de iniciativa em relação aos seus representados,

sendo pouco provável que a diretoria não soubesse do dissídio, uma vez que ela foi

noticiada quase diariamente pela grande imprensa na época. 115

A atitude de Mario Sobral, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo por quase meia década (1946-1949) revela que sua direção manteve as

características das direções anteriores, como, por exemplo, o distanciamento da base. A

pesquisadora Patrícia Vieira Trópia ao se referir aos anos 1945-1946, afirma que:

Não se pode negar a movimentação dos metalúrgicos paulistanos nas

fábricas, nem o aumento da pressão destes sobre o sindicato, mas tão clara

quanto esta movimentação na base foi a resposta do SMSP, boicotando a

quase totalidade dos pedidos de dissídio e as iniciativas grevistas...116

Sobre o período subseqüente, 1947-1951, período este em que Dutra governava

como presidente do Brasil - um governo marcado pela intervenção em diversos

sindicatos e pela implantação de uma política de confronto com comunistas - Trópia

afirma que:

Entre os anos de 1947 e 1951, o SMSP foi alvo de disputas políticas dentro

da diretoria, enquanto nas fábricas continuaram sendo tomadas iniciativas

para instaurar dissídios que garantissem aumentos salariais aos metalúrgicos.

Mas, o SMSP recrudesceu a repressão à oposição, censurou o jornal,

manipulou assembléias e permitiu a corrupção interna – prática que, pelas

denúncias surgidas nas décadas seguintes, se tornaria um traço comum na

história deste sindicato.117

Desse modo, diferentes pesquisadores, como Patrícia Vieira Trópia e Hélio da

Costa, defenderam que o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo caracterizou-se, ao

longo da década de 1930 e 1940, por manter uma diretoria cuja atuação política se

distanciava dos anseios e necessidades de sua base, pelo apoio ao governo vigente e

pelo afastamento dos grupos e militantes de esquerda, como comunistas e socialistas, da

115 Ibidem 116 TRÓPIA, Patrícia. Op. Cit. pág. 91. 117 Ibidem.

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direção do sindicato, acompanhado de uma forte campanha anticomunista. Entretanto,

esses mesmos pesquisadores também retrataram que durante a década de 1950, houve

uma grande transformação no movimento sindical e também na direção do Sindicato

dos Metalúrgicos de São Paulo.118

Em 1951, houve uma nova eleição no sindicato e uma figura se destaca na chapa

vencedora. Era Remo Forli, um ativo militante socialista. Forli entrou no sindicato

como tesoureiro ao lado de homens não tão próximos do pensamento ou dos partidos de

esquerda. Joaquim Ferreira, que se tornou presidente do sindicato nesta eleição, era um

ministerialista. Ferreira também foi atuante na Federação dos Trabalhadores

Metalúrgicos de São Paulo, caracterizada por Patrícia Vieira Trópia como um “reduto

do peleguismo” vista a freqüência de diretores subordinados ao Ministério do Trabalho.

Em 1952, Ferreira, que exercia o cargo de tesoureiro na Federação dos Metalúrgicos de

São Paulo, foi acusado por Jânio Quadros, na época deputado, de ter feito um desfalque

de CR$ 4000.000,00 e foi afastado do Sindicato em 1952. Assim, a entrada de Remo

Forli como tesoureiro do sindicato, em 1951, reflete uma mudança, após um sucedâneo

de representantes ministerialistas, porém não significou uma transformação radical da

direção, que manteve uma orientação política conservadora. 119

O início da década de 1950 foi um momento difícil para os militantes de

esquerda, sobretudo para os comunistas. A direção do PCB havia lançado, em 1950, o

chamado Manifesto de Agosto que orientava os seus militantes a saírem dos sindicatos

oficiais e a atuarem em organizações paralelas. Embora a base comunista não tenha

seguido tal orientação, o manifesto gerava um constrangimento entre os militantes, que

passaram a atuar muitas vezes às “escondidas” nos sindicatos oficiais. Foi somente em

1952 que o PCB lançou a Resolução Sindical, que dissertava sobre a unidade e a

organização da classe operária, e promoveu e entrada de seus militantes nos sindicatos,

incentivando-os a voltar aos sindicatos existentes, forjar uma aliança com as forças

atuantes e retomar a luta sindical.120 Um ano depois, em 1953, o Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo experimentou uma verdadeira mudança na direção e nos

anos subseqüentes os militantes comunistas tiveram um importante papel no sindicato.

118 Ver também: PAES, Maria Helena Simões. O sindicato dos metalúrgicos de São Paulo (1932–1951). São Paulo, Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo. 1979 e LEAL. Murilo. Op. Cit. 119 LOPES, Carmem Lúcia Evangelho Lopes. A Organização Sindical dos Metalúrgicos de São Paulo. Tese de Doutorado defendida na FFLCH/USP no ano 1992. 120

TRÓPIA. Patrícia Vieira. Op. Cit.

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Em 1953, ocorreu a greve dos 300 mil em São Paulo. Esta greve envolveu

diferentes categorias de trabalhadores, como, por exemplo, metalúrgicos, gráficos,

vidreiros, marceneiros e têxteis. Após 27 dias de paralisação e manifestações,

envolvendo passeatas de trabalhadores nas ruas da cidade, entre os meses de março e

abril de 1953, a greve foi considerada vitoriosa pelos trabalhadores e sindicalistas que

conquistaram 32% de reajuste salarial. A análise de Hélio da Costa sobre esta greve

apresenta que, para muitos militantes da época, a greve dos 300 mil representou um

divisor de águas, na medida em que se iniciou “a reconquista dos sindicatos pelos

setores combativos do sindicalismo, afastados das suas entidades em conseqüência da

repressão do governo Dutra, a partir de maio de 1947”, além de representar um marco

na “renovação do movimento sindical com o aparecimento de novos militantes, que

foram atraídos para os sindicatos, e o crescimento contínuo da participação do

sindicalismo na vida política do país, interrompido apenas por força do golpe militar de

1964”. 121

No mesmo ano em que foi deflagrada a greve, 1953, que, como vimos,

representou uma mudança no movimento sindical da capital paulista, outro evento

marcou o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo: Remo Forli se tornou presidente do

sindicato, fato este que ocasionou uma série de mudanças internas nesta entidade

sindical, que passava, após duas décadas de forte influência ministerialista, a ser

dirigida por um socialista.

Seguindo os passos do brasilianista John French, que analisa o movimento

sindical brasileiro utilizando o modelo direita/centro/esquerda para classificá-lo, o

historiador Murilo Leal, que estudou em sua tese de doutorado a categoria têxtil e

metalúrgica de São Paulo, caracterizou as três correntes políticas que influenciaram o

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo no período de 1953 a 1964. De acordo com

Leal a direita continuou sendo representada pelos Ministerialistas e pela Igreja Católica.

Alguns traços marcantes da atuação desses dois grupos foram: a plena aceitação da

tutela governamental sobre a atividade sindical, a convergência das ações do sindicato

com as exigências patronais e o anticomunismo. O centro, no Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo, caracterizou-se por rejeitar “as práticas anti-operárias e

policialescas” dos Ministerialistas e da Igreja e, simultaneamente, por manter a

independência em relação à esquerda. Os filiados ao MRS (Movimento de Renovação

121 COSTA, Hélio. Op. Cit.pág.13

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Sindical), criado em 1957, foram representantes dessa corrente política. A esquerda era

formada por comunistas e socialistas, representada por seus partidos políticos - o PCB

(Partido Comunista Brasileiro) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro). 122

Na análise do historiador Murilo Leal, a esquerda em 1953 se une aos elementos

de centro e consegue afastar a direita no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Assim, a vitória de Remo Forli na eleição de 1953 marca um sucedâneo de militantes de

esquerda que dirigem o sindicato ao longo de toda a década de 1950. Nas palavras do

autor “As principais lideranças do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, de 1953 a

1964, eram comunistas ou socialistas”.123Alguns nomes que marcaram a trajetória do

sindicato são: Remo Forli, José Araújo Plácido, José Bustos, Eugenio Chemp e Afonso

Delellis.124

Após a entrada dos militantes comunistas e socialistas no sindicato, o número de

associados aumenta significativamente e, sob a liderança desses militantes, oriundos do

PSB e do PCB, o sindicato participou ativamente das principais greves de trabalhadores

ocorridas no período, como as que ocorreram sucessivamente em 1953, 1954, 1957 e

1963. A influência comunista e socialista no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

seguiu até o golpe civil militar de 1964, ainda de acordo com Leal: “A capacidade de

direção da esquerda não acompanhou o fortalecimento de suas posições nos organismos

dirigentes”. Assim, “a direita conseguiu atrair o centro e golpear a esquerda em

1964”.125 Contudo, é preciso ressaltar mais uma vez que tanto a direção conservadora,

formada por ministerialistas e católicos, que atuou com intensidade até 1952, como a

direção comunista e socialista, atuante entre os anos 1953-64, não estavam isentas de

conflitos. A direção do sindicato foi a todo instante palco de disputa entre a esquerda, a

direita e o centro.

Nesta pesquisa, nos concentramos na década de 1950, período em que o tema

“trabalhador nacional” foi debatido pelos diferentes setores da sociedade, entre eles o

metalúrgico. Ao observarmos o jornal O Metalúrgico, percebemos que o ano 1953

também foi para o jornal um ano de mudança significativa. Como buscaremos

apresentar ao longo dos próximos capítulos, o jornal seguiu as transformações da

diretoria, e com a chegada de Remo Forli à presidência do sindicato e com a entrada de

outros militantes comunistas e socialistas no sindicato, o trabalhador nacional foi

122 LEAL, Murilo. Op. Cit. pág. 349. 123

Idem. pág. 351. 124 Ibidem. 125 Idem. pág. 354.

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representado no jornal de uma forma bastante diferente daquela difundida por

ministerialistas e católicos durante o início da década. No próximo capítulo, faremos um

percurso pelo interior do jornal O Metalúrgico apresentando algumas de suas

características, e retrataremos como os ministerialistas e católicos representaram os

trabalhadores nacionais, sobretudo nos dois primeiros anos da década de 1950, período

que esses grupos atuaram com intensidade no sindicato.

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Capítulo II Um jornal e milhares de trabalhadores nacionais

sob os olhares dos ministerialistas e católicos.

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O Metalúrgico

Ao escolher um jornal como fonte de pesquisa, é necessário termos em mente

que este não pode ser analisado apenas como fonte de informações sobre um

determinado fato. Alguns autores observam que é bastante comum encontrarmos em

monografias, dissertações e teses, diversos jornais sendo usados como fonte secundária

ou subsidiária. Em grande parte dos casos, as notícias são deslocadas das informações a

respeito do jornal que está sendo usado ou do seu contexto de produção e buscam

apenas apresentar como ocorreu um determinado movimento social, político ou

econômico. 126

Não é incomum, também, encontrarmos em grande parte dos estudos que

trabalham com a história da imprensa uma narrativa bastante linear, que busca retratar

as transformações pelas quais passou a imprensa ao longo dos anos até chegar ao

modelo atual de jornalismo. Acreditamos, porém, que a imprensa também pode ser

observada como força ativa em uma sociedade e, para isso, é necessária uma reflexão

sobre sua historicidade. É importante lembrar que a imprensa não apenas mobiliza

opiniões, demarca temas, defende interesses de uma classe ou de outra, participa de

projetos políticos, mas também é, ela mesma, palco no qual ocorrem esses projetos. 127

É necessário, dessa forma, observar a imprensa no seu interior.

É de acordo com essas ideias que escrevemos este tópico. A imprensa sindical

ainda forma um tema de pesquisa pouco explorado pelos historiadores. A maioria dos

estudos que apresentou o jornal como um objeto de pesquisa se concentrou nos meios

de comunicação de massa, ou seja, na grande imprensa. Acreditamos que a imprensa

sindical é um objeto extremamente complexo que nos permite observar o processo de

comunicação dos trabalhadores e principalmente a atuação de seus representantes, os

sindicalistas. Nesse sentido, pretendemos observar o interior do jornal do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo, considerando os sujeitos por trás das matérias. A

investigação deste jornal foi feita através dos conteúdos apresentados em cada

publicação, mas também por meio de sua materialidade, afinal, como apontou a

historiadora Tânia Regina de Luca:

126 CRUZ, Heloisa de Faria e PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre História e Imprensa. In: Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo n. 0 (1981) - São Paulo: EDUC, 1981-Periodicidade: anual até 1997. 127 Idem

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É preciso estar alerta para os aspectos que envolvem a materialidade dos

impressos e seus suportes, que nada tem de natural. Das letras miúdas

comprimidas em muitas colunas às manchetes coloridas e imateriais nos

vídeos dos computadores, há avanços tecnológicos, mas também práticas

diversas de leituras. 128

O Metalúrgico, por ser um jornal sindical publicado em um período no qual os

sindicatos, especialmente o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, foram espaços de

disputa entre diferentes grupos, pode nos revelar inúmeras singularidades, pois, como

veremos nesta pesquisa, um único jornal foi escrito e produzido por diferentes sujeitos,

cujos interesses e objetivos se materializavam nas páginas que eram levadas aos

milhares de trabalhadores do chão das fábricas.

Um pouco sobre o jornal...

O primeiro exemplar do jornal O Metalúrgico foi publicado no mês de setembro de

1942. Dez anos mais tarde, 1952, o seu fundador, Adolpho Perchon, comemorou o

aniversário do jornal que estava sendo impresso na Rua Riachuelo, nº 275, na região

central da cidade de São Paulo, enquanto aguardava a reforma do prédio oficial onde o

jornal seria produzido durante grande parte da década de 1950: na Rua do Carmo,

número 173, região da Sé. 129

Adolpho Perchon, que também foi diretor do jornal durante a década de 1950, não

era um ávido escritor de O Metalúrgico, mas em momentos como este, em que o jornal

completava seu décimo aniversário, saudava os trabalhadores metalúrgicos para quem o

jornal se destinava. Para ele, este jornal havia nascido para “gritar alto as necessidades

dos trabalhadores” e só havia alcançado esses “dez anos de lutas sem tréguas” devido ao

“poderio da força metalúrgica” e à “tenacidade de seus colaboradores”.130

O jornal que se definia como “a imprensa do trabalhador” tinha, de fato, muitos

colaboradores. O Metalúrgico aceitava matérias de todos os trabalhadores metalúrgicos

associados ao sindicato, como é possível observar em uma chamada do ano de 1953 que

128 LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos impressos. In: Fontes históricas. Org. Carla Bassanezi Pinski. Editora. Contexto. Pág. 132. 129 A partir de 1954 o jornal O Metalúrgico foi produzido no prédio oficial do sindicato. Ver: O Metalúrgico, pág. 01, nº 112, ano XI, setembro de 1952. 130 Ibidem

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dizia: “Todos os trabalhadores metalúrgicos tem um lugar em nosso jornal. Escreva um

artigo de interesse e envie para ser publicado”. Contudo, a redação do jornal também

deixava bastante claro que as matérias recebidas só seriam publicadas “depois de

receber a devida autorização da diretoria” que julgaria a “conveniência das respectivas

publicações”. Fica evidente que as matérias enviadas pelos trabalhadores sofriam uma

seleção. Todavia, é possível afirmar que estavam presentes no jornal, pois não foi difícil

encontrar matérias que recebiam a assinatura e o número do trabalhador metalúrgico

associado. 131

Além dos trabalhadores associados, o jornal foi escrito por muitos outros

personagens. Os presidentes, tesoureiros, secretários que passaram pela direção do

sindicato foram os que mais ocuparam as páginas do jornal, escrevendo diversas

matérias, pois, como veremos mais a frente, o jornal também serviu como um veículo

de propaganda e comunicação da diretora com os trabalhadores metalúrgicos. Com bem

menos freqüência, médicos e advogados do sindicato também tiveram suas matérias

publicadas n’ O Metalúrgico, com a exceção do clínico geral do Departamento Médico

do sindicato, Dr. Antonio Cunha, que constantemente publicou matérias.

A direção do jornal esteve, durante toda a década de 1950, sob os cuidados de

Adolpho Perchon – que fundou o jornal em 1942. Não sabemos muito sobre este

personagem, nem mesmo no primeiro exemplar publicado encontramos indícios sobre

sua biografia. Contudo, é certo que Perchon, precisou de grande flexibilidade ao dirigir

O Metalúrgico, pois a redação do jornal contou com diferentes colaboradores ao longo

da década de 1950. Os diretores do sindicato constantemente contribuíram com a

redação do jornal, escrevendo inúmeras matérias. Os comunistas - Eugenio Chemp,

Afonso Delellis e José Araújo Placido - que compuseram a direção do sindicato na

segunda metade da década de 1950, apareceram em diversas matérias do jornal e na

capa de alguns exemplares foram apresentados como colaboradores do periódico. Em

alguns momentos alguns diretores do sindicato também organizaram o jornal, como

aconteceu com José Bustos, outro comunista, que secretariou a redação do jornal

durante os anos 1956, 1957, 1958 e 1959. Assim, durante a década de 1950, a

organização interna do jornal O Metalúrgico estava intimamente relacionada à direção

do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, sobretudo quando os grupos de esquerda

ascendem e conseguem se tornar maioria dominante na direção do sindicato.

131O Metalúrgico, pág. 01, nº 125, ano XII, outubro de 1953.

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De uma forma bastante diferente da grande imprensa, que nos anos 1950 defendia

um jornalismo menos opinativo e mais informativo, e por essa razão, subtraia a autoria

de seus jornalistas, a imprensa sindical, incluindo O Metalúrgico, apresentou a

assinatura de seus “jornalistas” na maioria das matérias publicadas.132 Entretanto, as

matérias poderiam ser publicadas com pseudônimos, caso o autor não desejasse ser

132 Durante os anos de 1940 e 50, a grande imprensa no Brasil passou por diversas transformações em suas estruturas e ganhou um espaço, cada vez maior na sociedade paulista, assim como em todo o país. O valor dado à imprensa pela sociedade esteve relacionado com as transformações em curso no jornalismo desse momento que está se solidificando enquanto profissão, ganhando espaço e construindo sua identidade. De acordo com a historiadora Flávia Tokarski, houve entre grande parte dos jornalistas das décadas de 1940 a 60, uma atribuição de sentido ao tempo vivido por eles, que se relacionava à noção de modernização. A idéia de que o tempo se acelerava e de que era preciso um novo jornalismo para um novo tempo ancorava uma sensação de estar nadando com a corrente. A idéia de estar vivendo naquele momento da história um tempo de modernidade, acompanhado a uma mudança nas estruturas do jornalismo, servia de alicerce a tal sensação. Ao longo dos anos 1940 e 50, diversas mudanças ocorrem no interior da imprensa brasileira. Naquilo que se refere às mudanças técnicas, a imprensa passa a estabelecer novos padrões discursivos, novos procedimentos técnicos de redação e diagramação, transformando, dessa maneira, o aspecto gráfico dos periódicos. A influência do jornalismo norte-americano é fundamental para a compreensão das transformações em curso no jornalismo nesse momento. O I Congresso Norte Americano de Jornalismo, realizado na cidade de Washington, é emblemático dessa questão. Nele, diversos jornalistas americanos apresentaram aos representantes latino-americanos, entre eles Gilberto Freyre (Representando o Diário Pernambuco) e Nestor Rangel Pestana (representando O Estado de São Paulo), um conjunto de regras, observadas como necessárias ao bom jornalismo a partir daquele momento. Nesta proposta, defendia-se um jornalismo transparente, que conseguisse apresentar um fato íntegro tal qual ocorreu e com o cuidado de não expressar a opinião do jornalista. Essa idéia, embora apresentada no ano de 1926, demorou a se tornar hegemônica no Brasil. Ainda era predominante um jornalismo próximo das práticas literárias. Não havia um padrão normativo muito bem estabelecido, sendo que o estilo de reportagem ainda variava muito de um jornal a outro. Durante os anos 1940 e 50, entretanto, esses ideais passam a estar cada vez mais presentes na imprensa brasileira. Passou-se, neste período, a se defender a idéia de um jornalismo informativo, imparcial, neutro, objetivo e menos opinativo. Muito dessas mudanças tomou forma nas décadas de 1960, 70 e 80, mas já é possível observá-la no transcorrer dos anos 1940 e 50. Os manuais começam a surgir nesse momento, visando a normatização do trabalho jornalístico. Neles, já era possível observar uma prática que pode ser encontrada até os dias de hoje: a de que o texto deveria ser orientado por um lead composto de respostas às seguintes questões: Quem?, O quê?, Quando?, Por quê?, Como?. A escrita passa, então, a delinear como deveria ser um texto jornalístico, diferenciando essa profissão das demais áreas, como a literatura ou a história, e valorizando o jornalismo informativo em contraposição ao opinativo. A construção das primeiras faculdades de jornalismo no país também contribui para uma maior profissionalização da carreira, diferenciando essa profissão das demais. No dia 13 de maio de 1943, o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto de aprovação dos cursos universitários de jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, que começou a ser organizado em dezembro de 1946, mas que foi inaugurado em 1948. Em 1947, é inaugurada a primeira Faculdade de Jornalismo em São Paulo: a Faculdade Casper Libero. Nessas faculdades, as discussões em torno da profissão eram, cada vez mais, presentes e a idéia de que o jornalismo a partir daquele momento se tornava mais técnico e profissional, diferente do que vinha sendo realizado até então, tornou-se comum. Todas essas mudanças, obviamente, não ocorreram sem tensões e não significava uma total ruptura com as práticas jornalísticas antigas. No interior da imprensa, foi comum o debate entre diversos jornalistas que apontavam para o valor positivo dessa transformação, enquanto outros, o negativo. Foi comum, desse modo, a freqüência de escritores no meio jornalístico, assim como a existência de jornalistas que se dedicavam a mais de uma atividade. O jornalismo ainda estava se consolidando como profissão. No entanto, a idéia de um jornalismo informativo e menos opinativo ganhava espaço, até se tornar predominante durante os anos posteriores. Para obter mais informações ver: TOKARSKI, Flavia Milena Biroli. Com a corrente: modernidade, democracia e seus sentidos no jornalismo brasileiro dos anos 1950. Campinas-SP. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- IFCH- Unicamp, 2003.

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identificado por seus leitores. Contudo, pudemos constatar que a maioria das matérias

foi assinada com o nome real de seus autores. Esse fato nos permite identificar os

sujeitos que escreveram no jornal durante a década de 1950. Além das assinaturas, os

posicionamentos políticos e ideológicos defendidos em cada matéria também nos

permitem identificar os personagens que escreveram em O Metalúrgico, ou, em alguns

casos, a influência de grupos e partidos no interior do jornal.

Os posicionamentos políticos e ideológicos que foram apresentados no jornal O

Metalúrgico, serão analisados mais detidamente no decorrer do próximo tópico

apresentado neste segundo capítulo, e no terceiro capítulo desta dissertação de

mestrado, espaço nos quais apresentaremos a visão de mundo dos grupos políticos que

escreveram no jornal, e suas representações do trabalhador nacional. Ao observarmos as

matérias publicadas no jornal O Metalúrgico até 1953 notamos uma preponderância dos

ministerialistas e dos católicos. Após 1953, quando os grupos de “centro” e de

“esquerda” conseguem ascender e tornar-se maioria dominante na direção do sindicato,

prevaleceu no jornal a ação de comunistas e socialistas, que passaram cada vez mais a

penetrar na direção, organização e conteúdo do periódico.

O Metalúrgico foi, durante toda a década de 1950, um jornal mensal enviado pelo

correio a todos os trabalhadores associados ao Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo.133 Ao receberem esse periódico, que em média continha de 08 a 13 páginas cada

exemplar, os operários metalúrgicos se deparavam com diferentes conteúdos, e embora

o jornal fosse composto, em grande parte, por matérias relacionadas ao cotidiano do

trabalhador de “base” – como: notícias sobre alta dos preços nos gêneros de primeira

necessidade e sobre as condições de moradia e trabalho dos operários, denúncias sobre

acidentes de trabalho nas indústrias, notícias e reclamações sobre os processos dos

operários na Justiça do Trabalho, notícias sobre greves e reivindicações dos

trabalhadores da categoria (como as greves de 1953, 1954 e 1957 e as reivindicações do

abono de natal que foram constantemente noticiadas pelo jornal) - muitas matérias se

referiam ao cotidiano do próprio sindicato.

Nesse sentido, o desenvolvimento das eleições para a diretoria do sindicato – a

apresentação das chapas, a campanha, o resultado e a posse da direção eleita – as obras

realizadas por cada diretoria – como a reforma do prédio onde funcionava o sindicato,–

os serviços prestados pelo sindicato – como o serviço médico e jurídico - os encontros

133

O jornal, embora fosse mensal, em alguns meses não foi publicado, e um único exemplar poderia corresponder até três meses de publicação.

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dos diretores do sindicato com políticos e industriais – como o encontro de Remo Forli

com Getúlio Vargas durante a greve de 1953 - os discursos feitos pelos diretores do

sindicato em eventos públicos, além das matérias escritas pelos próprios diretores,

foram constantemente apresentados no jornal O Metalúrgico.

Além das matérias sobre o trabalhador de “base” e o cotidiano do próprio sindicato,

o jornal também apresentou em suas páginas: poesias, versinhos, comemorações de

datas simbólicas como o dia do trabalho, o dia das mães e o aniversário da cidade de

São Paulo, listas com os nomes dos associados aniversariantes do mês e matérias sobre

esportes e festas na cidade. Os trabalhadores metalúrgicos associados ao sindicato

recebiam, dessa forma, um jornal com um conteúdo diverso, e em suas páginas

poderiam ler sobre questões relacionadas ao trabalho nas fábricas, sobre ao sindicato e

sobre lazer.

O jornal O Metalúrgico, ao longo de toda a década, não possuiu uma rigidez na

distribuição dos conteúdos, que eram apresentados de uma forma variada no jornal de

acordo com a importância dada pela direção a uma determinada matéria ou notícia.

Desse modo, as reflexões e notícias sobre as greves dos trabalhadores nas fábricas de

São Paulo e as notícias sobre as eleições no sindicato poderiam estar em uma mesma

página, no início ou no fim do exemplar. Esta forma de organização do periódico

munia a direção do jornal de uma grande liberdade de exposição das matérias. Como já

apontamos anteriormente, durante a década de 1950, o jornal esteve tomado por

matérias referentes ao cotidiano do sindicato. As eleições para o sindicato foram

constantemente destacadas na capa do jornal. Em contrapartida, as matérias escritas por

associados nunca foram apresentadas em grandes espaços. Esse fato revela a relação

íntima entre direção do sindicato e direção do jornal na fabricação dos exemplares de O

Metalúrgico.

Algumas colunas foram mantidas ao longo de toda a década de 1950 - como a

coluna chamada “Martelando” que trazia reflexões sobre a vida do trabalhador no

campo e na cidade e que foi escrita, sobretudo por Adolpho Perchon ao longo da década

de 1950. Contudo, também surgiram colunas novas, como a coluna “Só para Mulheres”

que foi apresentada pela primeira vez em 1956 e permaneceu no jornal durante o

restante da década de 1950. Esta coluna, como veremos mais a frente, era

exclusivamente dedicada às mulheres que eram motivadas, através da coluna, a integrar-

se ao sindicato. O surgimento desta coluna no jornal do sindicato revelou uma grande

transformação no papel dado às mulheres que, sobretudo nos dois primeiros anos da

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década de 1950, apareceram pouquíssimas vezes no periódico, quase sempre em datas

comemorativas, como o dia das mães, e nunca como membros da classe operária

metalúrgica, mas sim no papel de mães e esposas. A penetração de comunistas e

socialistas na direção do sindicato após 1953 pode ser observada como um fator

decisivo no surgimento e apresentação desta coluna no jornal, pois rompeu com muitas

representações sobre o papel feminino no universo do trabalho, defendida pelos grupos

ministerialistas e católicos.

O jornal O Metalúrgico manteve o padrão gráfico dos jornais operários do início do

século XX, distanciando-se da grande imprensa da década de 1950, caracterizada por

técnicas de redação baseadas no jornalismo norte-americano, e apresentou durante toda

década de 1950 uma diagramação baseada no formato tablóide utilizando colunas

estreitas (matérias dispostas de cima para baixo, passando à coluna vizinha). O

Metalúrgico não disputava mercado com os grandes jornais da década de 1950, seu

público eram os trabalhadores metalúrgicos associados ao sindicato e seus diretores

preocupavam-se mais em divulgar as matérias que lhes interessavam do que em criar

formas gráficas. 134 Afinal, foi um jornal que esteve intimamente relacionado à direção

do seu sindicato, uma vez que os diretores do sindicato, não apenas publicaram suas

matérias no periódico, como também compuseram a direção do jornal, influenciando a

estrutura dos exemplares e os conteúdos das matérias.

134

Ver: CARDOSO, Alcina M de Lara. A imprensa sindical dos anos 60. Produção sem teoria jornalística. In: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/33f63e73be7ddbf2fa8f2a2f5b5e78c6.pdf.

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O trabalhador nacional sob o olhar dos católicos e ministerialistas

(1951-1952).

A Igreja Não há felicidade completa,

Nem para Deus também, Só com a Igreja repleta,

Nosso Senhor alegria tem. Quem tem desgosto na vida, Indo a Igreja, casa de Deus, Volta toda alegria colorida

Findando os sofrimentos seus, Pessoas sofredoras desesperadas,

Paz na Igreja vão encontrar, Depois de horas passadas, Estão ansiosos para voltar,

Tantos crimes e uma tristeza, Tudo por falta de religião. Precisa não faltar a Igreja,

Para ouvir o lindo sermão.135

Ao analisarmos o jornal O Metalúrgico, percebemos, através das matérias

publicadas ao longo da década de 1950, e principalmente durante os anos 1951 e 1952,

forte influência da Igreja Católica, que atuava no jornal por meio dos membros dos

Círculos Operários Católicos e também dos chamados ministerialistas que, como vimos,

foram sindicalistas que acumulavam cargos na burocracia sindical, vale dizer no

Ministério do Trabalho, e mantinham certa postura frente aos trabalhadores, marcada

pelo anticomunismo e pelo distanciamento dos interesses da base operária. Os versinhos

apresentados e publicados por um associado no jornal O Metalúrgico revelam a

presença da Igreja no jornal, mas essa foi apenas uma das manifestações da íntima

relação do sindicato com o catolicismo no início da década de 1950.

Em 1952, o Cardeal Arcebispo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, de

São Paulo, foi convidado e esteve presente no lançamento da pedra fundamental no

novo prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e não apenas se

confraternizou com a diretoria do sindicato, como selou seu interesse com a organização

sindical afirmando: “Não faltará aço nem bênçãos de Deus para esta obra”. Além do

Arcebispo o evento organizado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo, Joaquim Ferreira, contou com a presença e apoio de Segadas Viana, Ministro do

Trabalho, Indústria e Comércio e de Enio Sermenha Lepage, Delegado Regional do

135 O Metalúrgico, pág. 09, nº 119, ano XI, abril de 1953.

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Trabalho em São Paulo, apresentando um lampejo da relação do sindicato com o

governo no início do período abordado nesta pesquisa. 136

Tanto os ministerialistas como os membros dos Círculos Operários Católicos se

caracterizaram por um pensamento conservador, ligado à direita do espectro político e

ideológico da época. A aceitação da tutela governamental sobre a atividade sindical, o

anticomunismo e a convergência de sua atuação com os desejos do patronato, são

alguns aspectos que caracterizaram o pensamento e ação desses grupos. Contudo, seus

discursos possuíam inúmeras faces e tais aspectos adentravam em diferentes temas

relacionados à vida do trabalhador. Neste tópico, aprofundaremos a análise sobre o

pensamento dos ministerialistas e católicos, buscando retratar a forma como o

trabalhador nacional foi visto e como ele foi apresentado por ministerialistas e católicos

n’ O Metalúrgico. Acreditamos que este movimento nos permitirá comparar algumas

das visões sobre o trabalhador nacional que prevaleceram no jornal durante os anos

1951 a 1952, com as representações do trabalhador nacional construídas no período em

que os militantes comunistas e socialistas atuaram fortemente na direção do sindicato -

1953 a 1960.

Em um primeiro momento, vale ressaltar que a experiência dos Círculos

Operários Católicos surgiu nos anos 1930. O primeiro círculo nasceu precisamente no

Rio Grande do Sul em 1932. A aproximação da Igreja com o governo de Getúlio

Vargas, na década de 1930, explica a expansão e força que os Círculos Operários

Católicos tiveram em todo país. Após a proclamação da República, a Igreja é alijada do

poder, e com o advento do governo Vargas seus membros vêem uma nova possibilidade

de aproximação com Estado. O governo de Getúlio Vargas objetivava conquistar o

apoio das massas populares, e, para isso, buscava anular a influência das esquerdas no

Brasil. Por sua vez, a fim de ampliar seus poderes, a Igreja, nos anos 1930, pregava a

ética cristã, transmitindo uma moral de bom comportamento, de obediência ao Estado e

o trabalho como símbolo de dignidade, condenando as demais religiões e também o

comunismo, servindo, dessa forma, como uma peça importante para a legitimação do

governo instaurado por Vargas. Como apontou a historiadora Jessie Sousa, os Círculos

Operários Católicos foram uma experiência de intervenção da Igreja no mundo do

136 O Metalúrgico, pág. 02, nº 107, ano X, abril de 1952.

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trabalho e também uma expressão da relação da Igreja Católica com o Estado a partir de

1930.137

O apoio que os Círculos Operários Católicos receberam do Estado permitiu sua

expansão por todo o país ao longo dos anos 1930. Esse apoio ocorreu de diversas

formas, como: pela divulgação da doutrina social da Igreja no Boletim do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, pela presença de autoridades em festividades dos

círculos, por doações de terrenos e pelas subvenções que permitiam a expansão da

máquina assistencialista que compunham a ação dos círculos. Todavia, foi necessário o

apoio de outros setores para que os círculos sobrevivessem com o fim do primeiro

governo de Getúlio Vargas. Durante a década de 1950, o circulismo atuava com

intensidade no meio operário da capital paulista contando com aproximadamente 275

círculos e 300.000 mil sócios só em São Paulo. 138 Nesse sentido, os Círculos Operários

Católicos também contaram com o apoio de muitos industriais. Por exemplo, em São

Miguel Paulista, um bairro da zona leste da cidade de São Paulo, o Círculo Operário

Católico da região contou, durante os anos 1950, com o apoio dos dirigentes da

indústria Nitro Química. A indústria cedia uma seção do boletim mensal, que era

publicado pela fábrica, às notícias referentes ao Círculo Operário Católico da região,

pois os dirigentes da indústria viam a Igreja como uma aliada na luta contra influência

do PCB entre os operários da fábrica e acreditavam que a Igreja poderia ajudar a

controlar os trabalhadores, diminuindo o ritmo de greves e mobilizações. 139

Além dos Círculos Operários Católicos contarem com o apoio de muitos industriais

em São Paulo durante a década de 1950, outros indícios apresentam a relação da Igreja

com setores vinculados à direita do espectro político e ideológico neste período, por

exemplo, a ação da Igreja Católica constantemente foi aplaudida e incentivada pela

grande imprensa da época, principalmente pelo jornal O Estado de São Paulo. Em

meados dos anos 1950, este jornal lançou uma série de reportagens sobre as grandes

secas que assolavam a região Nordeste do Brasil. Nessas reportagens a ação da Igreja

foi constantemente noticiada, como podemos verificar em um trecho de uma matéria

que afirmava:

137 SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Os círculos Operários e a intervenção da Igreja Católica no mundo do trabalho no Brasil (1930-1964). Tese de Doutorado defendida no programa de pós-graduação da UFRJ em abril de 1998. 138 FARIA, Damião Duque de. Em defesa da Ordem. Aspectos da Práxis Conservadora Católica no Meio Operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo. Editora HUCITEC. 1998. Ver tabela na página 194. 139 FONTES. Paulo. Um Nordeste em São Paulo. Rio de Janeiro. Editora FGV. 2008.

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Dom Eugenio Soares, bispo auxiliar da Arquidiocese de Natal regressou

confiante de sua viagem ao Rio de Janeiro, pois encontrou boa vontade do Sr

presidente Juscelino Kubitschek para atender os reclamos dos nordestinos,

sendo motivo de maior satisfação a iniciativa dos bispos potiguares que

promoveram uma reunião de governadores, parlamentares e o presidente da

República e que foi realizada no Palácio Petrópolis. 140

O jornal O Estado de São Paulo era publicado desde o final do século XIX. Este

jornal esteve sempre sob o controle da família Mesquita, conhecida por formar a elite

paulistana e ter grande influência política na cidade de São Paulo. De 1891 a 1927, o

jornal esteve sob a direção de Júlio de Mesquita. Mesquita ocupou cargos como o de

secretário geral do Estado e deputado estadual. Com sua morte, em 1927, a direção do

jornal passou para seu filho: Julio Mesquita Filho e permaneceu sob sua direção até sua

morte em 1969. 141

Mesquita Filho era um liberal convicto e seu jornal expressava seu pensamento. A

sua relação com a elite paulistana, nos permite afirmar que este jornal estava longe de

expressar ou defender os interesses dos trabalhadores. O Estado de São Paulo foi um

dos jornais com maior circulação na cidade. 142 Seu preço era de C$ 2.50 e era lido por

diversos paulistanos, principalmente pelas classes mais altas. Em pesquisas realizadas

pelo IBOPE, em agosto de 1954, este jornal esteve em primeiro lugar entre os matutinos

mais lidos, chegando a 83% entre os leitores de classe A, 58,2 % entre os de classe B e

35,2 % entre os de classe C. Em pesquisa feita mais adiante, em dezembro de 1959, se

manteria em primeiro lugar com 58% entre as classes A, 19% da classe B e 8% da C. 143

Além de sua aproximação com a elite paulistana, o jornal O Estado de São Paulo

manteve, durante a década de 1950, íntima relação com a UDN, o partido mais

conservador do período. No estudo da historiadora Flávia Tokarski a autora afirma que:

O Estado de São Paulo foi, entre os anos de 1940 e 60, bastante ligado aos posicionamentos da UDN e, em alguns momentos, um defensor ferrenho de

140 O Estado de São Paulo, 23 de março de 1958. 141 CRUZ, Heloisa de Faria. A Imprensa paulistana: do primeiro jornal aos anos 50. In: PORTA, Paula (org). História da cidade de São Paulo. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 142Sobre Julio Mesquita Filho e O Estado de São Paulo ver: CRUZ Heloisa de Faria. A Imprensa paulistana: do primeiro jornal aos anos 50. In: PORTA, Paula (org). História da cidade de São Paulo. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Sobre a UDN ver: SCHIMITT. Rogério. Partidos Políticos no Brasil. (1945-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2005 143TOKARSKI, Flávia Milena Biroli. Com a corrente: modernidade, democracia e seus sentidos no jornalismo brasileiro dos anos 1950. Campinas-SP. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- IFCH- Unicamp, 2003. Pág. 194.

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Carlos Lacerda e de suas teses circunstanciais, como a de que Juscelino Kubitschek não poderia e não deveria ser empossado presidente, apesar de vitorioso nas urnas. 144

De acordo com Rogério Schmitt, a União Democrática Nacional (UDN) foi um

partido que durante as décadas de 1950:

ocupava incontroversamente a direita do espectro político e ideológico. O seu oposicionismo sistemático (e depois o apoio que deu ao golpe de 1964) muitas vezes aproximou do que a ciência política denomina de partidos anti-sistema: legendas que se opõem não ao governo, mas ao próprio regime democrático. 145

Assim, a Igreja manteve íntimas relações com os setores que estavam à direita

do espectro político e ideológico durante os anos 1950. Desse modo, os círculos

surgiram nos ano 1930 no Rio Grande do Sul, contaram com o apoio do Estado, durante

a década de 1930, conseguindo se expandir pelo país, e receberam o apoio de outros

setores da sociedade, como a indústria, que permitiu sua atuação nas décadas seguintes.

Mas afinal, o que eram os Círculos Operários Católicos? Os círculos foram

organizações criadas pela Igreja Católica com o objetivo de organizar os operários,

penetrando em suas vidas através do lazer, instrução, assistência, moradia etc. Mas não

foram organizações eclesiásticas, seu estatuto não precisava ser aprovado pelo clero

nem seus filiados serem católicos, aceitando inclusive membros de outras religiões,

fazendo com que o movimento fosse atraente aos operários, que poderiam ter, no

interior dos círculos, assistência médica e jurídica, escolas, creches e conseguir até

mesmo algumas facilidades para a compra da casa própria. Contudo, a ação do clero

católico estava fortemente presente, não apenas na organização dos círculos, como

também, podendo vetar qualquer iniciativa ou decisão tomada pelos circulistas. Assim,

os círculos foram organizações criadas e controladas pela Igreja Católica e contavam

com a participação de uma parte do operariado. Grande parte desses operários eram

trabalhadores sem atuação sindical ou política, seus promotores muitas vezes

penetravam no meio sindical buscando disseminar os princípios católicos, a fim de

angariar operários para suas fileiras e afastá-los da direção sindical e partidos de

esquerda, sobretudo do PCB.146

De acordo com o historiador Duque de Farias, os princípios que fundamentaram

a ação dos Círculos Operários Católicos estavam nas encíclicas papais do Papa Leão

144 Idem. 145 SCHIMITT, Rogério. Partidos Políticos no Brasil. (1945-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2005. Pág. 26 146 SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Op. Cit.

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XIII (Rerum Novarum), de 1891, e do Papa Pio XI, de 1931, (Quadragésimo Anno).

Embora tais documentos tenham sido escritos em épocas bastante distintas, alguns

temas são abordados nas duas encíclicas com conteúdo e posicionamento semelhante.

Para Faria, quatro temas, entre outros, se destacam nessas encíclicas e são fundamentais

para a formação da doutrina social da Igreja e sua relação com a classe operária.

Acreditamos que entender alguns dos princípios da Igreja Católica, nos permitirá

identificá-los no jornal que estamos estudando – O Metalúrgico. Além disso, muitos dos

princípios católicos foram, durante a década de 1950, compartilhados por outros grupos

conservadores, como os próprios ministerialistas. Assim, seguindo os passos do

historiador Duque de Farias, que concentrou seus estudos na ação nos Círculos

Operários Católicos em São Paulo, vejamos alguns princípios norteadores da Igreja que

são apresentados nas encíclicas citadas e que nortearam a ação dos Círculos Operários

Católicos em todo o Brasil, não apenas no período 1930-45, mas também durante os

anos 1950. 147

O primeiro tema destacado nas encíclicas católicas se refere à propriedade

privada. Ambas as encíclicas defendem a propriedade privada partindo de uma posição

contrária à solução socialista. O posicionamento da Igreja apresentado nas encíclicas

deixa claro que a divisão igualitária da propriedade, tal como defendiam os socialistas,

era uma verdadeira aberração em relação à ordem natural das coisas, pois a propriedade

privada era vista como um direito natural dos homens que se diferenciavam dos demais

animais pela sua razão e inteligência e por esse motivo não desejariam apenas o uso,

mas a posse do mundo. Dessa forma, a posse da terra faria parte da natureza do homem

e teria sido Deus quem permitiu que o homem fizesse da terra uma extensão do próprio

corpo. Além disso, seria permitido por Deus que homem deixasse seus bens para sua

família como prolongamento de sua própria vida e assim a propriedade da terra tornava-

se sagrada. 148

Entretanto, se por um lado a propriedade deveria ser particular, por outro ela

deveria ter fins sociais e aqueles que possuíam mais bens, os ricos, deveriam servir aos

pobres por meio da caridade, contribuindo dessa maneira para a manutenção da boa

ordem social. Na visão da Igreja, os próprios operários perderiam a oportunidade de

acumular bens caso o direito à propriedade não existisse. Além disso, a propriedade

privada dava ao trabalhador a oportunidade de mudar de situação, pois toda a

147 FARIA, Damião Duque de. Op. Cit 148 Idem

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propriedade acumulada seria fruto da atividade pessoal, do trabalho do homem, que usa

seu corpo e sua inteligência na consecução de um fim empresarial. 149

O segundo tema destacado nas encíclicas refere-se ao papel do Estado no mundo

moderno. Neste ponto, Faria retrata que há algumas mudanças entre as duas encíclicas.

Na Rerum Novarum verifica-se uma solicitação de intervenção do Estado, notadamente

do universo do trabalho, mas essa intervenção era bastante tímida e serviria apenas para

garantir a paz social. Caberia ao Estado atender as necessidades do operariado cuidando

para que uma parte da riqueza nacional fosse destinada aos trabalhadores, e também

caberia ao Estado impedir o surgimento de greves e mobilizações que viessem a colocar

em perigo a ordem social. Na encíclica Quadragésimo Anno é atribuído ao Estado um

papel muito mais ativo, tudo controlando e ordenando, num modelo organicista e

corporativista. O Estado deveria estabelecer uma ordem hierárquica entre as diversas

instâncias de uma forma que garantisse a sua autoridade e deveria acabar de uma vez

por todas com a luta de classes estabelecendo uma harmonia entre as diversas

profissões. 150

A colaboração entre as classes foi outro tema abordado nas duas encíclicas.

Ambas partiam do pressuposto de que a propriedade privada, geradora das

desigualdades sociais, advinha de Deus. Assim, a sociedade de classes nunca deixaria

de existir, e toda e qualquer pregação contrária, como a dos comunistas, não passava de

uma utopia enganosa. O trabalho faria parte da organização natural da sociedade

humana e, na visão da Igreja, não havia possibilidade de utilizar produtivamente os

bens, que são particulares, sem o trabalho. Também era por meio do trabalho que o

operário poderia construir um patrimônio para deixar para seus filhos. Capital não

existia sem Trabalho e a riqueza baseada na relação capital e trabalho deveria resultar

em uma justa distribuição. Por um lado os ricos não deveriam apropriar-se de toda a

fortuna e deixar os operários na miséria. Por outro lado, os trabalhadores não deveriam

querer extinguir a propriedade privada. Pregava-se uma ordem social geral que permitia

aos ricos a acumulação de riquezas e garantia aos pobres o sustento próprio e também

de sua família. Assim, a proposta divulgada pelas encíclicas era a de uma colaboração

de classes. Ricos e pobres deveriam se unir, através da Igreja, a fim de manter a ordem

natural da humanidade, que era naturalmente desigual. 151

149 Idem 150 Idem 151 Idem

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A noção de que a propriedade privada era algo natural, de que o trabalho faria

parte da condição humana e de que as classes sociais (ricos/patrões e pobres/operários)

deveriam se unir, não convergia com as ideias propagadas por comunistas ou socialistas

e, assim, essas eram doutrinas condenadas pela Igreja Católica, formando mais um tema

central das encíclicas divulgadas pela Igreja. Na Rerum Novarum, destacou-se a

proposta socialista de por fim à propriedade privada. Para a Igreja, isso desestimularia a

invenção humana, resultado da vontade de aquisição de bens. Na encíclica,

Quadragésimo Anno, do Papa Pio XI, o comunismo e o socialismo eram condenados,

pois seus princípios de ordenação social baseado na economia coletivizada opunham-se

aos princípios católicos que buscavam uma ordem social com base na moralidade cristã.

Para a Igreja, o comunismo pregaria sem mais nem menos a luta de classes, a destruição

da propriedade e o ódio à Igreja. O socialismo, mesmo sendo mais brando, pregando

certa limitação da luta de classes, era tão nocivo quanto o comunismo, pois afastava os

operários da Igreja. 152

Para o historiador Duque de Farias, os temas abordados e os princípios

divulgados nas encíclicas nortearam a ação dos Círculos Operários Católicos durante a

sua existência. Contudo, na análise do autor, o movimento circulista acabou perdendo

espaço e influência com o término do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945),

com o qual manteve uma íntima relação. 153 A historiadora Ângela de Castro Gomes fez

afirmação semelhante quando escreveu que:

(...) Profundamente assistencialista, a proposta circulista vinculou-se a um

clima político de intenso combate ao comunismo e de grande simpatia por

um Estado autoritário. Com estas características marcantes, tornou-se

incômoda quando os ventos da política internacional e nacional começaram a

soprar em outra direção.154

Entretanto, outros historiadores, que concentraram suas pesquisas no período

subsequente, retrataram que os Círculos Operários Católicos, com seus princípios, não

apenas atuavam na década de 1950, como ganharam nestes anos uma grande

visibilidade. Nas palavras da historiadora Jessie Souza, que concentrou seus estudos na

ação dos Círculos Operários Católicos durante a década de 1950:

152 Idem 153 Idem 154 GOMES, Ângela de Castro. Op. Cit. pág. 168.

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A presença circulista nos anos 50 tendeu a ser reforçada exatamente porque,

a partir de então, o movimento se estruturou como proposta organizativa e se

colocou com visibilidade nas disputas trabalhistas. 155

O historiador José Sergio Leite Lopes ao concentrar seus estudos no movimento

operário de uma fábrica têxtil em Pernambuco durante a década de 1950 também

verificou um movimento circulista ativo e importante na região durante esta época. 156

Nesse sentido, acreditamos que os temas e princípios católicos que apresentamos, e que

foram abordados nas encíclicas divulgadas pela Igreja, nortearam a ação dos Círculos

Operários Católicos durante décadas, e estavam vivos nos 1950, sendo muitas vezes

compartilhados por outros grupos, como os ministerialistas. Ao observarmos O

Metalúrgico pudemos constatar que muitos desses temas e princípios foram

apresentados e defendidos nas matérias do jornal.

Ao analisarmos o jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, sobretudo

dos anos 1951 e 1952, encontramos muitas referências ao catolicismo. A defesa da

propriedade privada, a colaboração entre as classes, o anticomunismo e a valorização do

papel do Estado e da Igreja, penetrava no jornal de diferentes maneiras. Nas páginas d’

O Metalúrgico, a religião católica, algumas vezes, foi apresentada de uma forma

bastante sutil, com referências a personagens bíblicos, a Nossa Senhora, a Santíssima

Trindade, a vida cristã ou ao próprio Deus, como é possível observar nos versos de

1951, intitulado O Milagre, escrita por Hermegildo Guarnieri, um ávido escritor do

jornal durante os anos 1951-1952:

Lamentava-se um pai desesperado

Pela morte de sua filha querida

Muitos anos já se tinham passado,

E triste ainda era sua vida

Um dia do lindo mês de Maria

Foi feliz, deixando se lamentar.

Notava-se um pouco de alegria

E um novo sorriso tornou a voltar

Deus fez um milagre verdadeiro

E o sofrimento ficou reduzido

Para quem chorava o dia inteiro

155 SOUSA. Jessie Jane Vieira de. Op. Cit. pág. 24. 156 LOPES, José Sergio Leite. A tecelagem dos Conflitos de Classe na Cidade das Chaminés. Editora Marco Zero. 1988.

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Pensando somente no ente querido

E desde aquele milagroso dia

A Igreja começou a freqüentar

Do altar de Maria ele ouvia

Papai querido estou num lindo lugar. 157

Em outros momentos, temas como o da colaboração entre as classes apareciam

no jornal de uma forma bastante clara. Em 1951, uma matéria, denunciava a exploração

do trabalhador afirmando:

O Trabalho dignifica o homem. É uma necessidade imperiosa da vida

humana. Entretanto, é de lamentar que em pleno século XX, os trabalhadores

em geral não desfrutem de uma vida confortável sem privações. Uma das

causas principais é a exploração do trabalho humano por indivíduos sem

escrúpulos, que não hesitam de sacrificar seus semelhantes para afluírem

fortunas imensas a custa de um trabalho mal remunerado. 158

Nesta matéria, o autor apresenta a seguinte solução:

A cooperação entre capitalistas e um governo bem organizado, é que podem

resolver a situação precária em que se encontram os trabalhadores do

Brasil.159

E continua:

Portanto, para a solução do nosso problema precisamos de boa vontade e

espírito de solidariedade humana, dos magnatas da indústria, mas

principalmente do patriotismo de todos os brasileiros. 160

A luta, através de greves e mobilizações, não é apresentada na matéria como

uma possibilidade para o fim do sofrimento dos trabalhadores, que eram explorados por

seus patrões. A solução exposta pelo autor foi a cooperação e a solidariedade entre as

classes sociais, além de um Estado “bem organizado”. O trabalho é observado de uma

forma positiva uma vez que fornece dignidade ao trabalhador, e para o fim das

157 O Metalúrgico, pág. 05. nº 97, ano IX, junho de 1951 158 O Metalúrgico, pág. 04, nº 94, ano IX, fevereiro e março de 1951. 159 Idem 160 Idem.

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desigualdades sociais era necessário o patriotismo dos brasileiros, evocando o forte

nacionalismo que vinha se desenvolvendo no Brasil desde os anos 1930.

O nacionalismo, que marcou a década de 1930 e o primeiro Governo de Getúlio

Vargas (1930-1945), esteve fortemente presente no jornal do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo nos anos 1950. Esse fato irá se confirmar de diferentes

formas, uma delas, por exemplo, foi a valorização do trabalhador nacional sobre o

estrangeiro. No ano de 1952, foi apresentada a seguinte matéria n’ O Metalúrgico:

O ministro do exterior e o ministro da agricultura tem propósitos de vinda de

emigrantes para solucionar a nossa falta de braços, de abastecer o nosso

consumo de alimentação, com elementos estrangeiros, para a nossa lavoura,

em face decadente.

A conclusão geral é que esses forasteiros não cumpram com o tratado na

lavoura, formando enxames de peregrinos dentro das capitais superpovoadas,

obrigando aos que se acham há mais tempo radicados a um desdobramento

de sacrifícios na aquisição dos produtos de alimentação.

Nas indústrias, sofrem-se as concorrências de empregos, sujeitando a salários

mais baixos, e também sofremos afronta dos senhores industriais, porquanto

terão mãos de obra suficiente para conseguir esses objetivos. Seria mais

interessante, dar conforto aos que aqui estão, dando moradia e salários

compensadores.161

A matéria exposta apresenta a crítica aos migrantes estrangeiros e a valorização

do trabalhador brasileiro. Os migrantes que vinham de outros países são apontados na

matéria como forasteiros, que além de não trabalharem na lavoura, cumprindo seu

objetivo, prejudicariam os trabalhadores nacionais, aumentando a exploração e o

desemprego.

Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45) se desenvolveu no Brasil,

uma identidade e fidelidade ao nacional. Como apontou a historiadora Ângela de Castro

Gomes, o Estado Novo, implantado por Vargas em 1937, possuía, na voz de Getúlio

Vargas e dos seus adeptos, um caráter restaurador; obviamente não no sentido político,

afinal era um “novo” Estado que estava se formando naquele momento, mas restaurador

no sentido de voltar ao passado a fim de encontrar o verdadeiro brasileiro e o verdadeiro

161 O Metalúrgico, pág. 06, nº 107, ano X, abril de 1952.

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Brasil que a Primeira República havia esquecido ao enaltecer os costumes

estrangeiros.162

O nacionalismo foi fundamental para a legitimação do regime que se instaurou em

1937. O discurso construído por seus arquitetos era o de que os governos anteriores

teriam se preocupado apenas com os modelos jurídicos e se esquecido das questões

econômicas e sociais. Nesse aspecto, legítimo seria o Estado que promovesse a

superação das necessidades do povo e conseguisse tirá-lo da pobreza, fornecendo

condições ao brasileiro de disputa no mercado. 163

Nas falas de Getúlio Vargas, o brasileiro, até aquele momento, era visto como

incapaz para justificar os maus governantes que o país havia tido. O Estado Novo surgia

para enaltecer o brasileiro e para mostrar que a miséria que assolava sua vida, não era

sua culpa, mas sim dos governos anteriores. O novo regime assumia o papel do governo

que centralizava as questões sociais, sem, contudo, esquecer das dificuldades

econômicas do Brasil, pois, era preciso superar o atraso e tornar o país uma nação

moderna. Para que isso ocorresse era necessária a harmonia entre as classes sociais e um

Estado que agisse como árbitro dos conflitos. Nesse sentido, no Estado Novo, os

problemas sociais eram apresentados, porém a solução destes problemas não estaria na

luta de classes, como defendiam os socialistas. Ao contrário, o comunismo e o

socialismo foram duramente reprimidos pelo Governo Vargas, que via neles uma

ameaça à ordem. O governo Vargas foi marcado por uma tentativa de despir o trabalho

de sua conotação negativa, e as representações de um trabalhador nacional ordeiro e pai

de família, evidenciando a relação da Igreja Católica com o Estado, eram difundidas,

colaborando com a ideia de união.164

As matérias que apresentamos, nas quais aparece um forte patriotismo, a defesa

da colaboração entre as classes e a ideia de que o trabalho fornecia dignidade ao

operário, foram escritas no início dos anos 1950. Nelas, percebemos que, embora na

década de 1950 a relação de Getúlio Vargas com os trabalhadores e também com os

setores de direita, não fosse mais a mesma da década de 1930, a herança de seu primeiro

governo permaneceu e era compartilhada pelos Ministerialistas e católicos que

escreviam no jornal do sindicato. Muitos ministerialistas e que atuavam no Sindicato

dos Metalúrgicos de São Paulo nos 1930 estavam na direção do sindicato em 1950. O

162 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro. Editora FGV. 2005. 163 Idem 164 Idem

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próprio Joaquim Ferreira que se tornou presidente do sindicato em 1951 já havia estado

na direção do sindicato no início da década de 1940, quando Vargas ainda estava na

presidência do país. Talvez por essa razão, encontramos muito da visão que marcou a

década de 1930, viva durante os anos 1950. Os ministerialistas, na década de 1950,

compartilhavam com a Igreja o anticomunismo, a ideia de colaboração de classes e

também defendiam a propriedade privada, enfatizando a intervenção do governo na vida

sindical. A relação entre o governo e o sindicato interessava aos sindicalistas que

mantinham intensas relações com o Ministério do Trabalho, e a Igreja, que evocava uma

obediência ao Estado em nome da paz social, servia aos interesses dos sindicalistas

chamados ministerialistas.

A Igreja construía, através da ideia de harmonia entre as classes, uma

representação do trabalhador nacional como um sujeito passivo e ordeiro servindo aos

interesses do Estado e dos demais grupos conservadores da sociedade, como os

industriais, durante os anos 1930-45. Tal representação estava presente durante os anos

1950 e foi apresentado no jornal O Metalúrgico em diferentes momentos, sobretudo

durante os anos 1951-1952, período de forte influência dos ministerialistas e católicos

no sindicato. No exemplar de maio de 1951, o trabalhador brasileiro era apresentado,

em uma matéria, com as seguintes palavras:

Nada furtas da força de teus braços que se dão generosos ao labor. As tuas

horas de trabalho rude, são cobertas de ação, do esforço teu! E ainda se um

colega se retarda, porque exausto ou enfermo fraquejou, solidário lhe ofertas

presto auxílio sem com isso fraudares teu dever. Outrora, foste, é certo,

incompreendido, espesinhado e mal remunerado, e arrostando cruéis

dificuldades avançaste cheio de coragem e confiança aguardaste a redenção.

E ela veio após a tua longa espera na forma tão oportuna de humanitárias leis,

e por elas a coletividade aprendeu a refletir justamente pesando-te o valor.

Prosegue homem de bem que honesto e fraternal sabes bem ser! E Deus que a

tudo assiste, há de facilitar-te a marcha pela vida preservando a tua alma de

egoísta ambição! 165

No trecho apresentado aparece um trabalhador esforçado, honesto, fraternal e

solidário, que se doa generosamente ao trabalho. As leis trabalhistas não são

apresentadas como resultado das lutas dos trabalhadores ao longo do tempo, mas como

165 O Metalúrgico, pág. 04, nº 96, ano IX, maio de 1951.

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algo dado aos operários, que simplesmente aguardavam a redenção dos seus

sofrimentos. Por fim, a matéria não encoraja a luta de classes, ao contrário, aconselha os

trabalhadores a esperarem a justiça de Deus para a transformação de sua realidade.

Em outra matéria, escrita por José Maia Ribeiro, um personagem de centro, no

momento que o centro está aliado à direita no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,

a influência do catolicismo aparece construindo uma representação do trabalhador como

um bom cristão, pai de família, que buscava o bem comum:

Agrupados dentro de um mesmo ideal cristão e Democrático, procuram

esquivar-se do vendaval programador de liberdades mil, para concios das

suas responsabilidades de brasileiros Cristãos, de chefes de família, sensatos

de homens pobres decentes, com os corações frementes pelas coisas boas,

procurando sempre as coisas sãns verem naqueles que dirigem os destinos de

maiores ou menores monta homens de caráter nobre e elevado, despidos do

eterno Eu mas a procura sempre do bem estar comum...166

Assim, José Maia Ribeiro, que embora não fosse um ministerialista ou membro dos

Círculos Operários Católicos, apresentou traços de uma visão conservadora sobre o

trabalhador nacional em algumas de suas matérias, sobretudo durante os anos 1951-

1952. Tal visão sobre o trabalhador nacional nos fornece indícios da influência dos

grupos católicos e ministerialistas no jornal O Metalúrgico e no Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo. No ano de 1952, período de forte intervenção dos grupos

conservadores no sindicato, José Maia Ribeiro escrevia um texto no qual se referia à

ideia de “paz social”, utilizada pelo governo e grupos de direita da época. Vejamos um

trecho dessa matéria:

Os governos tem solicitado a nossa colaboração, e nós trabalhadores, temo-la

dado na melhor forma desejada, entretanto ao que tudo indica não temos sido

atendidos nas nossas reivindicações, todas elas baseadas nos princípios que

podem advir para o bem estar de uma classe,de uma coletividade, de uma

nação.167

Em outro trecho:

Os trabalhadores não sabem mais pra quem apelar, e todos os pensamentos

estão voltados indiscriminadamente para o mal, porque em mais que se fala

166 O Metalúrgico, pág. 05, nº 96, ano IX, maio de 1951 167 O Metalúrgico, pág. 05, nº 109, ano X, junho de 1952.

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de paz social, o descontentamento é verdadeiramente extremo e quem tem o

prazer de ouvir o trabalhador o dia inteiro, ou com ele tem contato direto

percebe a revolta de que está tomando o seu intimo contra tudo e contra

todos. 168

Nesta matéria, a idéia de paz social não é condenada pelo autor. A crítica está no

fato de não haver uma colaboração real entre as classes sociais. O trabalhador aparece

como um homem disposto a colaborar com o Estado e com os patrões. Contudo, o

descontentamento dos operários, ocasionado pelo descaso dos dirigentes do país, levaria

os operários a se revoltarem e a abrirem mão da harmonia entre as classes. Desse modo,

a revolta da classe operária não é observada como um caminho para o fim da

exploração, ao contrário, é observada como algo ruim, afinal, por cogitar a revolta o

pensamento dos trabalhadores estaria voltado “indiscriminadamente para o mal”. Era

preciso que o governo e os industriais atendessem os operários, tirando-os da condição

de miséria, e evitassem a revolta “contra tudo e contra todos”.

Assim, o pensamento de ministerialistas e católicos penetrou no jornal O

Metalúrgico, não apenas na fala desses, sendo compartilhada e propagada por diferentes

personagens, ultrapassando sujeitos específicos e adentrando na fala e no pensamento de

muitos sindicalistas da década de 1950. Contudo, é preciso ressaltar que os sujeitos que

escreveram no jornal do sindicato foram homens e mulheres “de carne e osso”

permeados de contradições. Por essa razão, acreditamos que simplesmente rotular esses

personagens nos faz perder a complexidade das ações desses sujeitos. Como

apresentaremos no próximo capítulo, o próprio José Maia Ribeiro, apresentou

posicionamentos mais combativos com o decorrer da década de 1950, transformando-se

junto com o sindicato.

O historiador Murilo Leal, já citado em nossa pesquisa, em um artigo intitulado A

cruz e a família contra a foice e o martelo. O anticomunismo no movimento operário de

São Paulo (1950-1964) identificou alguns aspectos do pensamento e visão conservadora

que foram apresentados no jornal O Metalúrgico. Uma das representações que

compunham essa visão, e que esteve presente no jornal do sindicato, foi a representação

negativa do operário como causador de seus próprios males, em razão do analfabetismo,

da imperícia no trabalho, que produzia “infortúnios”, e do descuido com sua saúde e

corpo – destacando-se o alcoolismo como prática dos operários que deveria ser

168 Idem.

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combatida, pela Igreja e pelo Estado, para o seu próprio bem. Tais representações

serviam como justificativas para a necessidade de uma tutela dos operários por parte das

autoridades. Ao lado das representações do operário como causador dos seus próprios

males, Leal identificou a valorização da família e do matrimônio como parte do

pensamento conservador que prevaleceu no jornal O Metalúrgico durante os anos 1951-

1952.169

As representações negativas do trabalhador nacional não apenas estiveram presentes

no jornal O Metalúrgico como também foram compartilhadas e divulgadas por

diferentes setores atrelados à direita do espectro político dos anos 1950. O jornal O

Estado de São Paulo constantemente divulgou uma imagem negativa dos trabalhadores

nacionais. A noção de que os grandes fluxos migratórios eram um problema a ser

encarado na década de 1950 se deu de forma bastante particular neste periódico. Nesse

sentido, o jornal não poucas vezes enfatizou as questões como as doenças trazidas pelos

trabalhadores e o fato dos grandes fluxos migratórios ocorrerem de forma desordenada,

construindo assim uma narrativa que enfatizava o estado de calamidade provocado pela

migração de trabalhadores nacionais durante a década de 1950. Em 1958, o jornal

retratava:

Além das dificuldades de ordem social que esses movimentos humanos

desordenados provocam, há de se considerar os aspectos sanitários do

problema. Com as levas de retirantes que chegam ao sul sem passar por

exames médicos, vêm vinculadores de moléstias parasitarias e infecciosas

importantes, como a esquistossomose, o tracoma e a tuberculose. 170

A historiadora Maria Auxiliadora de Decca apontou, em um de seus estudos, para

diversos aspectos da vida cotidiana operária que os grupos dominantes tentaram

controlar ao longo dos anos 1920 e 1930, como o lazer e a educação. Um aspecto

importante, ressaltado pela autora, foi o controle, feito pelos grupos dirigentes do país,

da saúde do trabalhador que era realizado por meio de medidas sanitárias, higiene nas

fábricas, afastamentos dos doentes mentais e portadores de doenças contagiosas através

169 LEAL, Murilo. A cruz e a família contra a foice e o martelo. O anticomunismo no movimento operário de São Paulo (1950-1964). Diálogo, São Paulo, vol. 06. Pág. 33-42. 2007 170 O Estado de São Paulo, 23 de março de 1958.

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da construção de manicômios.171 Nesse sentido, torna-se interessante notar como, em

outra reportagem do OESP de 1958, a questão da saúde dos trabalhadores rurais foi

apresentada com inquietação pelo jornal que continuou defendendo a vigilância/controle

do Estado. A manchete desta matéria afirmava: “Epidemia de tifo ameaça grassar entre

os flagelados” 172

Levas de flagelados continuam a deslocar-se para onde existem obras

públicas, como acontece presentemente em currais novos e Santa Cruz,

criando dessa forma novas dificuldades. A saúde Publica está tomando

medidas urgentes – ante a notícia de ameaça de tifo entre os flagelados, nos

municípios de Nova Cruz e campestre – para debelar o surto epidêmico. O

Departamento Nacional de Epidemias Rurais colabora com a secretaria de

saúde do Estado, enviando às zonas atingidas, vacinas e medicamentos.

Ao lado das doenças, o jornal noticiava a migração utilizando termos como invasão,

problema, ou perigo. Uma de suas manchetes apontava: “500 flagelados invadem a

cidade”. 173 Na reportagem que se segue à manchete o jornal retratava a chegada (ou

invasão) dos retirantes fugitivos da seca em algumas cidades do nordeste. As notícias

sobre roubos e assaltos, feitos por nordestinos, no período de grande seca, aos

comércios locais na região Nordeste foram constantemente relatados pelo jornal:

Ameaças e Tentativas de Assalto em todo o Nordeste.

Crise climaterica ameaça flagelado Rio grande do Norte, pois até hoje o

inverno não se prenunciou deixando os sertanejos apreensivos e as

autoridades preocupadas. Alguns municípios dão inicio a movimentos de

assalto ao comércio, como também a tentativas levadas a efeito com pau e

ferro em Alexandria e Campo Redondo. Os agricultores e trabalhadores da

enxada ficam sem trabalho, expostos á fome e a sede. Quase sempre

responsáveis por numerosas famílias. Os prefeitos municipais da zona mais

afetada dirigem telegramas ao governador, solicitando medidas que visem

diminuir a tensão reinante entre a população pobre, evitando também o

êxodo rural. 174

171 DECCA, Maria Auxiliadora de. A Vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987. 172 O Estado de São Paulo, 17 de abril de 1958. 173 O Estado de São Paulo, 2 de março de 1958. 174 O Estado de São Paulo, 15 de março de 1953.

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Os assaltos aos comércios locais, em diversas regiões do Nordeste do país, foram

comuns, nos períodos de grandes secas. A fome, a falta de trabalho e de perspectivas

melhores forçava em diversos momentos uma parcela da população a cometer os

saques. Entretanto, muitas vezes também, os saques foram respostas dos retirantes ao

descaso dos setores públicos para com a sua situação. As constantes notícias de desvios

de dinheiro público, bastante comum nesta época, causavam indignação na população

mais pobre que era forçada a viver em condições de extrema miséria. 175

Ao apontar para as questões que envolviam a migração e a figura dos retirantes no

período de uma das maiores secas na região Nordeste do país, 1958, o jornal constrói

uma narrativa que acaba por entender a migração como uma invasão, e a figura do

trabalhador como alguém que age sem muito pensar, quase instintivamente, e que em

condição de extrema miséria, invade a cidade, rouba o comércio e traz doenças para o

meio urbano.

Como já apontamos anteriormente o jornal O Estado de São Paulo foi marcado pelo

pensamento liberal e esteve, ao longo de sua história, fortemente relacionado aos

posicionamentos e ideologias da elite paulistana. Desse modo, sua posição em relação

às classes pobres do país tendeu sempre a representar a visão das classes dirigentes e

conservadoras do país. A ideologia do jornal O Estado de São Paulo, marcada

fortemente pelo pensamento liberal, a aproximação deste jornal com o partido UDN e

sua relação com a elite paulistana naquele momento, podem ser observadas como

fatores importantes para a construção de uma representação do trabalhador nacional

como um bárbaro. Seguindo esse pensamento, acreditamos que os posicionamentos

políticos deste jornal não somente se relacionavam com o tema das migrações internas,

como também serviram para refletir um discurso das classes dominantes em relação aos

trabalhadores.176

O fato de os trabalhadores serem, nas páginas desse periódico, retratados como

aqueles que invadem as cidades, assaltam comércios, agem em bandos, e trazem

doenças, retratava o trabalhador como aquele que não fazia parte do mundo moderno no

175

Ver: NEVES, Frederico de Castro. A seca na história do Ceará. In: Souza, de Simone (org). Uma Nova História do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha. 200. 176 Para realizar essa reflexão estamos nos pautando nos estudos de: TOKARSKI, Flavia Milena Biroli. Com a corrente: modernidade, democracia e seus sentidos no jornalismo brasileiro dos anos 1950. Campinas-SP. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- IFCH- Unicamp, 2003 e CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista 1920-1945. São Paulo, Brasiliense, 1989

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qual se pautava naquele momento a imagem da cidade de São Paulo, refletindo com

isso, o olhar de uma determinada parcela da sociedade paulistana para com os

trabalhadores que chegavam à capital naquele momento.

Ao traçar a figura do trabalhador como um bárbaro, o jornal só vinha a reforçar a

ideia de que a população pobre deveria ser vigiada. Os fluxos migratórios, nesse

sentido, como aponta uma das reportagens que expusemos, deveriam ser organizados.

Os apelos às questões que envolviam a saúde pública surgiam como alerta para os

problemas que esses fluxos causavam. Embora o jornal reforçasse a necessidade de

sanar a miséria e cobrasse das autoridades públicas investimentos nas regiões atingidas

pelas secas, a fim de melhorar a condição dos sertanejos, o que prevalece nas

reportagens d’ O Estado de São Paulo é a figura do trabalhador nacional visivelmente

como o outro, aquele que, além de não fazer parte do universo urbano, representava

perigo à sociedade que os recebia.

No jornal O Metalúrgico, tal como apontou o historiador Murilo Leal, a

representação negativa do trabalhador também esteve presente. Contudo, como

buscamos apresentar nesta pesquisa, as representações presentes no jornal O

Metalúrgico, no período de forte atuação dos ministerialistas e católicos no sindicato,

não foram apenas marcadas por uma visão negativa do trabalhador. Embora a

caracterização negativa do operário nacional fosse usada pelos grupos conservadores do

país a fim de justificar a intervenção das autoridades na vida do trabalhador nacional,

este último também foi apresentado como um trabalhador cristão/católico, pai de

família, que se doava generosamente ao trabalho e à família. Tal representação

colaborava com o princípio de harmonia entre as classes, divulgada pela Igreja e pelo

Estado nos anos 1930 e incentivada pelos grupos conservadores na década de 1950.

A representação da família cristã possuía uma centralidade no pensamento

religioso católico e servia para reafirmar e defender analogicamente tanto a Igreja

quanto a pátria, durante a década de 1930. Nesse sentido, não é difícil encontrar nas

páginas dos jornais da grande imprensa ou nos discursos de políticos e industriais dos

anos 1930 – 40, os termos “pátria-mãe”, “filhos brasileiros” ou “pai dos pobres”. A

família era considerada pela Igreja a primeira organização perfeita da sociedade. Por

meio da família se formariam os sentimentos cristãos e patrióticos necessários ao país.

A família, constituída pelo sacramento do casamento, e representada pelas figuras de

Jesus, Maria e José, impediria a desagregação da ordem no mundo. Na representação

da família católica cada membro recebia um papel, que foi prescrito por Deus e não

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poderia ser mudado, assim, ao pai caberia a autoridade, aos filhos a obediência e à mãe

um misto de obediência (ao esposo) e autoridade, pois às mulheres caberia a educação

dos filhos e a preocupação com cotidiano da casa, ou seja, caberia à mulher a

administração do lar, o que não poderia ser feito pelos homens, pois esses

centralizariam seus esforços no trabalho externo, no provimento do lar. 177

Além da representação do trabalhador, visto como homem de bem – pai de

família cristão - o papel atribuído às mulheres também apresentou a influência da Igreja

Católica no jornal O Metalúrgico e completou a imagem da família cristã defendida por

católicos e ministerialistas. No jornal O Metalúrgico, muitas matérias, sobretudo nos

anos 1951 e 52, comparavam as mulheres a figuras bíblicas, como Maria, atribuindo as

elas características como submissão e candura. No início da década de 1950 a figura

feminina esteve atrelada à figura materna que é valorizada e enaltecida, como é possível

observar em uma matéria feita em homenagem ao dia das mães em 1951, que, em um

trecho, afirmava:

Minha mãe, mais um ano, quis Deus, nosso Senhor, que víssemos passar de

mais um dia dedicado a todas as mães do universo, todas essas “Mater

Dolorosas”

É tão sublime tão sublime, é tão grandioso ser filho de uma mãe, que nesse

dia possamos depositar um beijo respeitoso e cheio de gratidão, na fronte

venerável que representa a criação de toda a humanidade, que reflete a

sagrada imagem de Maria mãe de Deus.

Nossa mãe...

Sacrossanto Sacrário de virtudes, de sacrifícios...Farol de luz inesgotável no

caminho de nossa vida, poço de bondade onde, sequiosas, vamos sempre e

sempre beber insaciáveis, curvando a fronte a maior de todos os símbolos do

mundo.178

No trecho exposto é possível observar como a figura feminina foi apresentada no

início da década de 1950, sobretudo durante os anos 1951-52, no jornal O Metalúrgico.

A mulher constantemente esteve atrelada à figura materna, ao lar, à família e à religião.

As trabalhadoras não eram apresentadas enquanto membros da classe operária

metalúrgica, mas sim como esposas, mães e filhas. Estas representações femininas,

177 FARIAS, Damião Duque de. Op. Cit. 178 O Metalúrgico, pág. 03, nº 96, ano IX, maio. 1951

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assim como as do trabalhador, irão se transformar ao longo dos anos 1950. Como

veremos no próximo capítulo, as mulheres metalúrgicas, além de receberem uma coluna

no jornal dedicada especificamente a elas, passam a ser apresentadas cada vez mais

como trabalhadoras em luta por seus direitos, enquanto operárias e mulheres. 179

Desse modo, no jornal O Metalúrgico, sob a influência dos grupos católicos, que

por meio dos Círculos Operários Católicos, se infiltravam no meio sindical, e também

dos ministerialistas, destacaram-se as representações de um trabalhador nacional cristão,

pai de família que se doava generosamente ao trabalho. Afinal, na visão dos grupos

católicos e ministerialistas, o trabalho não possuía uma conotação negativa, ao

contrário, fornecia dignidade ao trabalhador que se integrava à “ordem natural do

mundo” servindo generosamente aos colegas, aos patrões, ao Estado e a Igreja. As

trabalhadoras metalúrgicas pouquíssimas vezes foram citadas no jornal durante os anos

1951-1952, e quando a figura feminina aparecia n’ O Metalúrgico, estava sempre

atrelada à figura materna, à família e ao lar, nunca ao trabalho nas fábricas. A

valorização do trabalhador como um pai de família e da mulher como mãe e esposa,

contribuíam para a representação da família cristã, chancelada pelo Estado e pela Igreja

na década de 1930, e estava presente nas matérias publicadas no início dos anos 1950 no

jornal O Metalúrgico.

A representação da família cristã fornecia suporte para a ideia de colaboração

entre as classes sociais, parte importante do modelo corporativista implantado no

primeiro governo de Getúlio Vargas, uma vez que valorizava a união entre partes

distintas, cada membro da família possuía um papel diferente, assim como operários,

patrões e Estado, porém, juntos formavam um todo que assegurava o bem estar comum

e a ordem natural do mundo, que era naturalmente desigual. A propriedade privada

estava no centro da lógica defendida por esse modelo. Afinal, a propriedade privada era

conquistada por meio do esforço individual e do trabalho, por isso o trabalho era visto,

pelos grupos da direita, como algo positivo. Se a propriedade privada era adquirida por

meio do trabalho, podendo inclusive ser transferida de pai para filho, era natural que

alguns possuíssem mais do que outros, tal direito havia sido dado por Deus aos homens,

mantendo uma sociedade dividida entre ricos e pobres. Tal lógica continuava servindo

perfeitamente aos interesses dos ministerialistas e católicos durante a década de 1950.

179 Sobre o papel dado as mulheres no jornal O Metalúrgico ver o artigo já citado do historiador Murilo Leal: LEAL, Murilo. A cruz e a família contra a foice e o martelo. O anticomunismo no movimento operário de São Paulo (1950-1964). Diálogo, São Paulo, vol. 06. Pág. 33-42. 2007

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Para estes grupos, o trabalhador nacional, como um verdadeiro pai de família, deveria

ser ordeiro e se entregar ao trabalho, a fim de que ele mesmo conseguisse acumular

algum bem, integrando-se, dessa forma, à ordem do mundo.

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Capitulo III: O período comunista e

socialista: as representações dos trabalhadores

nacionais no jornal O Metalúrgico durante os

anos 1953-1960

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O Partido, o militante e o trabalhador.

O Partido Comunista do Brasil, o PCB, e o Partido Socialista Brasileiro, o PSB,

foram ambos partidos de esquerda importantes, mas tiveram histórias próprias e

trajetórias distintas ao longo da década de 1950. Esses partidos, embora apresentassem

certa unidade de pensamento, também não foram blocos monolíticos e agregaram,

muitas vezes, no seu interior, personalidades com posicionamentos conflitantes, o que

torna mais difícil qualquer tentativa de categorização dos seus posicionamentos

políticos. 180

Fundado em 1922, o PCB participou dos grandes momentos políticos do século

XX no Brasil. Ao longo da década de 1950, o partido passou por revisões internas,

autocríticas, e mudanças em suas estratégias políticas. Os primeiros anos desta década

foram marcados por um discurso e uma prática radicais, o que por um lado aproximou o

partido da base operária, com a qual sempre reivindicou uma relação íntima, por outro,

levantou críticas dos quadros militantes. 181 A política do paralelismo sindical, que

incentivava o quadro militante a sair dos sindicatos oficiais e atuar em organizações

paralelas ao sindicato e que ocasionou essas críticas, não perdurou por muito tempo, e o

partido teve que rever sua orientação em 1952, quando passou a incentivar o retorno de

seus militantes aos sindicatos oficiais. 182

Até meados de 1954, o PCB manteve o discurso no qual se apresentava como

um forte opositor do governo, e retratou Getúlio Vargas como o grande inimigo da

classe operária. O mês de agosto de 1954 marcou outra revisão no partido. O suicídio do

180 Embora possam ser considerados ambos partidos de esquerda, o PCB e o PSB divergiram constantemente em suas propostas políticas. Paul Singer, avaliando as resoluções da V Convenção Nacional, que ocorreu entre os dias 11 e 13 de julho de 1953, identificou algumas diferenças nas propostas dos socialistas e dos comunistas. Para ele, na análise da situação nacional os comunistas apontavam como o principal problema o imperialismo norte-americano, já os socialistas apontavam para a cumplicidade das classes dominantes. Em relação ao governo, ambos os partidos se posicionaram, no início da década de 1950, na oposição, mas os comunistas centravam suas críticas nos aliados americanos e os socialistas no autoritarismo de Getúlio Vargas. Todavia, para Paul Singer, a diferença central entre comunistas e socialistas recaia no fato de os socialistas defenderem pontos concretos como a defesa da riqueza nacional, enquanto os comunistas elaboravam planos gerais de luta antimperialista. A análise de Paul Singer nos permite vislumbrar alguns dos pontos de divergência e, principalmente de conflito entre comunistas e socialistas. Para obter mais informações a respeito dessas questões consultar: VIEIRA, Margarida Luiza de Mattos. O Partido Socialista Brasileiro e o Marxismo. 1947-1965. In: RIDENTI, Marcelo e REIS. Daniel Arão dos. (org). História do Marxismo no Brasil. Campinas. Editora: UNICAMP. 2001. Volume 05. 181 SILVA, Fernando Teixeira da. e SANTANA, Marco Aurélio. O Equilibrista e a política: o partido da classe operária na democratização (PCB) (1945-1964). In: Nacionalismo e reformismo radical. 1945-1964. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 182 Sobre a política do paralelismo sindical, conferir capítulo II desta dissertação.

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presidente resultou em ataques aos prédios dos maiores jornais do período e também às

sedes do Partido Comunista. Os trabalhadores enfurecidos se vingaram de anos de

ataques ao governo de Getúlio. Com esta reação inesperada, os líderes comunistas

foram obrigados a rever mais uma vez seus discursos e práticas, e a figura de Getúlio

passou por um “retoque”, não sendo mais apresentado, pelo partido, como um agente

dos interesses imperialistas, mas sim, como vítima de um golpe dos setores

conservadores. 183

A morte de Getúlio Vargas evidenciou aos líderes pecebistas que mudanças

deveriam ocorrer no interior do partido, e o período seguinte exigiu uma nova proposta

política. Os membros do PCB passaram a valorizar cada vez mais as liberdades

democráticas, e temendo qualquer ação que facilitasse o “golpe do inimigo” o partido

empenhou-se na campanha de Juscelino Kubistchek, em 1955, abandonando, na prática,

a política do enfrentamento que caracterizou os discursos e ações do partido no início da

década de 1950. Juscelino Kubistchek foi eleito presidente e o período exigiu novas

revisões, principalmente após o XX Congresso de fevereiro de 1956, quando Nikita

Kruschev denunciou os crimes de Joseph Stalin, devassando o culto que os comunistas

faziam da personalidade do ditador, morto em 1953. Estes meados da década de 1950

foram marcados pelo silêncio do mundo comunista que se viu perplexo frente às

revelações trazidas de Moscou. 184

O PCB novamente passou por revisões e em outubro de 1956 o partido lançou o

Projeto de Resolução sobre o XX Congresso. Nesse documento, reconheceu a falta de

democracia interna, o excessivo centralismo, a arrogância e a auto-suficiência dos

dirigentes e criticou o dogmatismo e também o mandonismo de cima para baixo. Na

segunda metade da década, especificamente após 1958, com o lançamento da

“Declaração sobre as Políticas do PCB”, o partido abandonou definitivamente as ações

radicais que marcaram sua atuação no início da década de 1950, passou a pregar uma

revolução pacífica e a enxergar o governo como uma composição heterogênea na qual o

presidente - Juscelino Kubistchek- oscilava entre uma ala nacionalista – que recebeu o

183 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2007 e FERREIRA, J. (org.) O Brasil Republicano. Vol. 03. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 184

SILVA, Fernando Teixeira da. e SANTANA, Marco Aurélio. O Equilibrista e a política: o partido da classe operária na democratização (PCB) (1945-1964). In: Nacionalismo e reformismo radical. 1945-1964. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira.

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apoio dos comunistas – e outra entreguista – caracterizada pela subordinação aos

interesses estrangeiros. 185

Desta maneira, é difícil escrever sobre um único PCB durante os anos 1950.

Uma década foi suficiente para que o partido passasse por muitas mudanças internas

que o levaram de uma postura radical a outra reformista, tecendo uma trajetória marcada

muito mais pela atribulação do que pela linearidade.

O Partido Socialista Brasileiro, um partido menor, quando comparado com o

PCB, sofreu também com as vicissitudes do período e agregou em seu quadro político,

diferentes personagens. Fundado em 1947, extinto em 1965 pelo Ato Institucional nº2

(AI2) e recriado em 1985, o PSB também teve uma vida mais curta com relação ao

PCB, e uma trajetória bastante singular. Em 1942, um grupo de estudantes da Faculdade

de Direito e de Filosofia da USP formou uma associação denominada Grupo Radical de

Ação Popular. Este grupo, muito mais de estudos do que propriamente de ação, durou

apenas um ano, dissolvendo-se em 1943. Seus remanescentes formaram, em 1945, outra

associação, denominada de União Democrática Socialista. Os estudantes e intelectuais

da USP que formaram a UDS, além de manterem alguma simpatia pelos socialistas da

Primeira República, buscando em livros de militantes socialistas, certa inspiração para

suas práticas, eram, em grande parte, opositores do governo de Getúlio Vargas. Esta

oposição os afastava dos partidos de esquerda como o PCB, que, em 1945, apoiava o

presidente. Concomitantemente, a oposição a Getúlio aproximou os membros da UDS

do partido UDN. Em 1946, a UDS integrou-se à Esquerda Democrática. A ED não se

constituiu como partido político e estabeleceu acordo eleitoral com a UDN a fim de

concorrer a eleições parlamentares através dessa legenda em 1946. Essa aliança

eleitoral, somada ao fato de que muitos dos membros fundadores da UDN ajudaram a

formar, posteriormente a ED, provocou confusão em vários analistas do período, que

passaram a enxergar a Esquerda Democrática como “a ala esquerda da UDN”. Contudo,

como apontou Antonio Candido, um dos membros da ED, esta organização possuiu

uma vida própria, com membros que não se ajustaram à UDN por suas convicções

políticas. Os membros da Esquerda Democrática foram os fundadores do Partido

Socialista Brasileiro em 1947. 186

185 Idem. 186

HECKER, Alexandre. Proposta de esquerda para novo Brasil: o ideário socialista do pós-guerra. In: Nacionalismo e reformismo radical. 1945-1964. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira.

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Desta maneira, o PSB, não se originou da UND, como propuseram algumas

leituras, mas da Esquerda Democrática, uma organização com vida própria cuja

trajetória está relacionada a um grupo de intelectuais e estudantes da Universidade de

São Paulo, no início da década de 1940. Os estudantes e intelectuais que estiveram no

bojo da formação do partido, tiveram um papel importante nos posicionamentos

ideológicos que o PSB viria a apresentar ao longo de sua existência. Contudo, o partido

também agregou, em seu quadro político, e se formou conjuntamente com outros

diferentes sujeitos, como, por exemplo: comunistas desacreditados do PCB, socialistas

não relacionados a universidades e que até aquele momento não haviam tido uma

vinculação partidária, e, em alguma medida, embora pequena, operários. 187

Desta maneira, os líderes do PSB, precisaram lidar com uma composição

política heterogênea, e embora apresentasse uma unidade de pensamento, marcada,

além de outras coisas, por certa leitura e revisão do marxismo, não foi bloco monolítico,

se é que algum partido pode ser.188 Feita essa ressalva, apresentamos outra questão,

importante, e que se impõe nos objetivos desta pesquisa: a relação da liderança desses

partidos políticos com os seus militantes, sobretudo aqueles que atuavam nos sindicatos

oficiais durante a década de 1950.

Ao estudarem a relação partido-sindicato-trabalhadores, muitos historiadores,

como Paulo Fontes, Hélio da Costa, Antonio Luigi Negro e Alexandre Fortes,

apontaram para a necessidade de entender a política oficial do partido, sobretudo os de

esquerda, e seus desdobramentos na base militante, como uma relação complexa, na

qual a militância não deve ser observada como mera reprodutora da cúpula. 189 Nesse

sentido, Hélio da Costa ao estudar a inserção do Partido Comunista do Brasil nas

fábricas e sindicatos de São Paulo defendeu a existência de dois PCBs durante a década

de 1940, um ligado à direção do partido e outro que atuava entre os trabalhadores. Para

o autor, em determinados momentos, houve uma recusa, por parte da militância

187 Idem. 188

Neste tópico, estou me referindo à trajetória do Partido Socialista Brasileiro, sobretudo, em São Paulo, mas é importante lembrar que este partido possui muitas especificidades na capital paulista e em outros estados como no Rio de Janeiro. Por exemplo, em São Paulo o partido foi formado principalmente por professores e estudantes sem experiência parlamentar, embora muitos tivessem práticas em agitações políticas. Os membros do PSB paulista se caracterizaram por formarem seu pensamento em uma escola marxista não dogmático, anti-stalinista, e por manterem vínculos com o movimento sindical. Já o PSB do Rio de Janeiro foi formado por lideranças com experiência parlamentar, juristas de profissão, que eram formados na escola do socialismo trabalhista inglês de Laski e tinham poucas ligações com as lideranças sindicais. Ver: VIEIRA, Margarida Luiza de Mattos. Op. Cit. 189

FORTES, Alexandre (orgs). Na luta Por Direitos. Estudos recentes em História Social do Trabalho . Campinas - SP. Editora da UNICAMP. 1999.

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comunista, a seguir a orientação divulgada pelo partido nos documentos oficiais. Um

exemplo deste enfrentamento foi o forte ativismo dos comunistas nas fábricas de São

Paulo em um período em que o PCB apelava para que os trabalhadores “apertassem os

cintos”; outro, foi a permanência da militância nos sindicatos oficiais quando o PCB

divulgou o Manifesto de 1948, no qual convocava sua base a sair dos sindicatos e a

formarem associações paralelas.190 Entretanto, o mesmo autor apresentou que, se não

houve uma relação necessária entre a direção do partido e sua militância política, estes

nem sempre estiveram em lados opostos. Ao se referir ao retorno do PCB aos sindicatos

oficiais, no início da década de 1950, o historiador retratou:

Nesse momento, o Partido Comunista do Brasil conheceu um dos períodos

mais férteis na sua relação com as lutas do movimento operário, travadas ao

longo da década de 1950. Recuperou num espaço relativamente curto seu

grande poder de representação junto às massas trabalhadoras. Essa rápida

ascensão contou por um lado, com a distensão das práticas repressivas no

segundo governo Vargas, que proporcionou uma maior capacidade de

movimentação dos comunistas no interior dos sindicatos, embora o clima

anticomunista continuasse presente em muitas entidades. Por outro lado,

contou com a atuação expressiva de seus militantes na organização de

comissões de fábricas, canalizando para a agenda do partido as

reivindicações operárias que estavam na ordem do dia e que tocavam a fundo

os trabalhadores em geral.191

O PCB se inseriu tão fortemente na organização dos trabalhadores durante os

anos 1950, que, em alguns momentos, a história do partido foi confundida com a

história da classe operária. Eric Hobsbawm, ao lado de outros marxistas ingleses, foi um

dos primeiros a apontar para as diferenças entre classe trabalhadora e movimento

sindical ou partidário, criticando estudos anteriores que reduziam a história da classe

operária à história de suas organizações, valorizando os lugares e formas diversas pelas

quais a experiência social vai sendo elaborada e representada pelos trabalhadores, sem,

contudo, negar a importância do sindicato e organizações operárias na formação da

classe. 192

190

COSTA, Hélio. Em busca da Memória. São Paulo. Editora: Pagina Aberta. 1995. pág. 158. 191

Ibidem. 192

HOBSBAWM, Eric J. A formação da cultura da classe operária britânica. In: Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 2000

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Seguindo os passos de Hobsbawm, é necessário lembrar que a história do PCB e

a história do movimento operário são distintas. Todavia, estão fortemente articuladas,

uma vez que desde sua origem o PCB foi um partido que reivindicou uma relação

privilegiada com o mundo operário, e como é possível observar no trecho escrito pelo

pesquisador Hélio da Costa, o PCB, sobretudo ao longo da década de 1950, alcançou

um papel de destaque entre os trabalhadores, inserindo-se no seio da classe, através de

seus militantes, como nunca na história do partido.

Se a ação do PCB, ou do PSB, não deve resumir a ação do movimento operário,

e se a orientação oficial do partido não foi sempre cumprida pelos militantes comunistas

e socialistas nas fábricas e sindicatos de São Paulo, o que podemos afirmar sobre a

relação entre a militância comunista e socialista nos sindicatos e os trabalhadores “do

chão das fábricas”? Esta é outra questão que permeia nossa pesquisa, uma vez que

buscamos analisar as representações do trabalhador nacional construídas por ou sob

influência desses militantes n’ O Metalúrgico.

Em primeiro lugar, vale lembrar que muitos, se não todos, os militantes

comunistas e socialistas que atuaram no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

durante a década de 1950 foram, pelo menos durante um tempo, “trabalhadores de base”

nas fábricas de São Paulo. Remo Forli, por exemplo, trabalhou como operário na

famosa indústria Matarazzo.193 A migração do campo para a cidade também fez parte da

biografia de muitos desses militantes/sindicalistas, o que também remete à trajetória de

vida de milhares de trabalhadores que viviam em São Paulo durante a década de 1950.

Vejamos, brevemente, como exemplo, um pouco da trajetória de Afonso Delellis, um

ativo militante comunista, que foi suplente do SMSP em 1955 e presidente do sindicato

em 1959, e que escreveu muitas matérias n’ O Metalúrgico.

Afonso Delellis era filho de mãe argentina e pai descendente de italiano. Nasceu

e trabalhou no campo durante parte de sua vida, mas diferentemente da grande maioria

de seus colegas, aprendeu, com sua mãe, a ler e a escrever ao longo de sua infância. O

pai, que trabalhou na roça durante muitos anos, conseguiu, também com a ajuda da mãe,

alfabetizada na Argentina, um emprego de ferroviário, com o qual sustentava a família.

Porém, a vida difícil no campo levou o menino, com então 13 anos de idade, nos

últimos anos da década de 1930, a sair de uma pequenina cidade chamada Silvania, no

interior do estado de São Paulo, e ir, sozinho, em busca de trabalho, para a capital

193 Ver: O Metalúrgico, capa, nº 94, ano IX, fevereiro e março de 1951.

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paulista. Ao chegar em São Paulo foi dormir em uma serralheria, cujo dono era pai de

um colega do time de futebol de rua em que logo se engajou. Chegando à grande

metrópole foi diretamente trabalhar em uma metalúrgica. Naquela época, limpava os

banheiros da fábrica, e mesmo quando conseguiu um trabalho como operário, ganhava,

por ser jovem, apenas metade dos salários dos trabalhadores adultos. Contudo, o

primeiro emprego possibilitou que fosse morar em uma pensão na qual dividiu quarto

com outros colegas de trabalho. Depois de atingir certa idade e conseguir se

especializar, o que ocorreu por volta de 1941, o salário aumentou, mas ainda assim, mal

cobria as despesas básicas. A necessidade e a curiosidade levaram Afonso Delellis a

participar, por volta de 1942 e 1943, como associado, da vida sindical, e a partir da

relação com outros trabalhadores, teve contato com o PCB. A vida de militante e

sindicalista foi se desenvolvendo na cidade grande e Delellis tornou-se um importante

militante comunista, participando da vida do partido, da categoria metalúrgica, e do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, alcançando a presidência do sindicato no fim

dos anos 1950.194

A origem imigrante e rural, a migração para a capital em busca de trabalho e o

duro cotidiano nas fábricas e bairros de São Paulo são aspectos que aproximam a

biografia deste militante à vida de milhares de trabalhadores que posteriormente Delellis

buscou representar no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Esta aproximação, não

significou que a experiência de sindicalista e comunista não fosse decisiva na trajetória

deste personagem. Delellis foi um dos militantes que não se afastou do ambiente

sindical no período do paralelismo pregado pelo partido, e quando se estabeleceu o

retorno ao sindicato, adotou a nova “tática de infiltração” orientada pelo PCB, buscando

no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo “derrubar a pelegada que vinha desde

Getúlio”.195 A tática dos comunistas estava em conquistar o primeiro degrau do

sindicalismo oficial, que era o sindicato, e não as fábricas, para posteriormente alcançar

as federações, confederações etc. Entretanto, para fazer isso era necessário o vínculo

com as massas, era preciso que o trabalhador reconhecesse a liderança

sindicalista/comunista como uma opção, ao menos razoável, para conquista de suas

reivindicações, uma vez que, como lembrou o próprio Delellis, anos depois, sem o

apoio da base não teria ganhado as eleições para atuar na direção do sindicato e também

194 Entrevista com Afonso Delellis realizada por Sérgio Gomes em 30/06/1979. Fita 01. Centro de Memória Sindical de São Paulo. 195

As palavras entre aspas foram utilizadas por Delellis na entrevista citada.

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não teria, posteriormente, conseguido expandir o comunismo para outras instâncias da

organização sindical. 196

Assim, a experiência de militante, de sindicalista e, ao mesmo tempo, de

trabalhador se emaranhavam na composição da trajetória de cada um dos socialistas e

comunistas que atuaram no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo ao longo da

década de 1950. As representações do trabalhador nacional construídas pelos

comunistas e socialistas que escreveram no jornal O Metalúrgico não formavam um

olhar sobre si, mas sim sobre o outro, contudo, um “outro” que não era distante, não

apenas pela biografia que aproximava os sindicalistas dos seus sindicalizados, mas,

sobretudo, pelo fato de esses militantes/sindicalistas se apresentarem, aos próprios

trabalhadores, como seu principal interlocutor, na resolução dos seus conflitos.

Os olhares sobre o trabalhador de base, construídas por comunistas e socialistas,

embora permeados de singularidades, foram formados através da relação com estes

trabalhadores nas fábricas e no sindicato...

As representações do operário e da operária no jornal O Metalúrgico.

O papel diferenciado dado a homens e mulheres, cabendo ao primeiro o

trabalho externo, o provimento da família, e a segunda, a casa e a educação dos filhos,

vem de longa data, e como retratou Michelle Perrot, embora sua origem não esteja no

século XIX, é neste período que, pode se dizer, este papel foi acentuado. Nesta época, a

divisão entre os papeis masculinos e femininos, ganha um novo vigor. Apoiando-se nas

pesquisas da medicina e da biologia, buscou-se, através de discursos naturalistas,

apresentar a existência de duas espécies com qualidades e aptidões particulares, cabendo

ao homem o uso da razão e da inteligência e a mulher a sensibilidade, o coração e os

sentimentos. Tais estereótipos, de acordo com a autora, formavam o princípio da

organização política do período, que excluía as mulheres, de alguns espaços do poder.

Estes estereótipos, embora de formulação burguesa, foram, em alguma medida,

compartilhados também pelos operários:

196 Idem.

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O século XIX acentua a racionalidade, harmoniosa dessa divisão sexual.

Cada sexo tem sua função, seus papeis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar

quase predeterminados, até em seus detalhes. Paralelamente, existe um

discurso dos ofícios que faz a linguagem do trabalho uma das mais sexuadas

possíveis “Ao homem a madeira e os metais. À mulher, a família e os

tecidos” declara um delegado operário da exposição mundial de 1867.197

Eric Hobsbawm ao concentrar seus estudos no século XIX também retratou que

este foi o período em que se aguçou a divisão sexual do trabalho. Para este autor, no

período proto-industrial o trabalho doméstico e a produção era em geral uma unidade

singular ou combinada, e a mulher, embora trabalhasse excessivamente, não estava

confinada a um só tipo de trabalho. A industrialização que marcou o século XIX

transformou essa realidade ao privar o produtor dos controles do meio de produção.

Neste contexto histórico, a situação do operário que trabalhava para um empregador em

um local específico e pertencente ao empregador, separou o trabalho da casa. Era em

geral o homem que saía para trabalhar, e não a mulher. Esta última trabalha fora de casa

apenas em situações específicas, como por exemplo: antes do casamento, quando viúvas

ou quando o salário do esposo era insuficiente para o provimento da família, neste

último caso, a profissão era vista como mal remunerada. Dessa condição que o

movimento operário tendeu a desenvolver o cálculo do salário mínimo baseado no

apoio de um só membro da família, na prática, o homem, e o trabalho feminino passou a

ser visto como uma condição indesejável.198

As diferentes funções dadas a homens e mulheres permearam as relações entre

os sexos ao longo do tempo. Paulo Fontes, ao estudar a classe operária de São Paulo

durante os anos 1950, apontou que o trabalho feminino muitas vezes foi visto pelos

trabalhadores como secundário e temporário. O casamento deveria, ao menos em termos

ideais, marcar o fim do trabalho fabril para as mulheres, que precisariam dedicar-se às

tarefas domésticas. O abandono do emprego após o casamento, de fato, ocorreu entre

muitas trabalhadoras, porém, nem sempre as condições financeiras da família,

permitiam a saída das fábricas, e muitas mulheres continuavam trabalhando, ao menos

durante um tempo, após o matrimônio. Para muitas mulheres, o emprego nas fábricas

significava uma maior autonomia e uma possibilidade de ascensão econômica. De todo

197

PERROT, Michelle. A mulher, o poder e a história. In: Os excluídos da história. São Paulo. Paz e Terra. 2010. pág. 178. 198

HOBSBAWM, Eric J. A formação da cultura da classe operária britânica. In: Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 200

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modo, as famílias em que as mulheres trabalhavam foram vistas, por ambos os sexos,

como “mais necessitadas”, e o trabalho feminino permaneceu sendo observado como

um “auxílio” ou uma “ajuda” para compor a renda familiar, pois somente a necessidade

justificava o trabalho externo ao lar. Paulo Fontes também retratou que na própria

fábrica o trabalho feminino foi visto de forma acessória e foi comum, ao longo dos anos

1950, os chefes e operários entenderem como “o verdadeiro trabalho” o trabalho

manual, que exigia força e resistência, características consideradas masculinas. 199

A saída das mulheres do ambiente fabril após o casamento decorria não apenas

de certo entendimento dos papeis diferenciados de homens e mulheres, mas também da

forte discriminação das mulheres no interior das fábricas. Já na contratação as

oportunidades de emprego eram consideravelmente mais difíceis, havendo mais cargos

para homens do que para as mulheres, e, além de receberem menos, as chances de

crescimento profissional para as mulheres, como alcançar um cargo de chefia ou

supervisão em algum setor, também foram sempre pequenas.200 Em muitos casos, a

mão-de-obra feminina nas fábricas foi entendida pelos próprios trabalhadores como

indesejável, o que dificultava ainda mais a permanência das mulheres nos locais de

trabalho. Em 1954, o jornal O Metalúrgico apresentou uma matéria na qual o autor

deixava claro o lugar de cada sexo:

Quero aqui dizer que não sou contra as mulheres que trabalham, mas cada

coisa no seu lugar, as mulheres poderiam trabalhar em laboratórios,

tecelagens, fábricas de roupas, lojas, em fim em lugares mais apropriados e

deixar as oficinas mecânicas, as metalúrgicas e as outras fábricas para os

homens, chefes de família que não conseguem arrumar serviço. 201

A matéria de O Metalúrgico, escrita em 1954, lembra a atitude dos trabalhadores

de Paterson narrada por Franco Ramella: quando os trabalhadores chegaram para

trabalhar em uma manhã de maio de 1890 e viram uma mulher em seu posto, ficaram

enfurecidos, botaram-na para fora da fábrica e disseram que se negavam a trabalhar com

mulheres porque isso seria um atentado “a sua dignidade” e provocaria “uma baixa nos

salários”. Esta atitude como bem mostrou o autor, não foi uma simples exposição do

preconceito contra as mulheres, mas uma estratégia dos trabalhadores contra a

exploração do patronato, que não apenas inseria as mulheres nas fábricas por baixos

199 FONTES, Paulo. Op. Cit. pág. 116. 200 Idem 201 O Metalúrgico, pág.07, nº 130, ano XI, abril de 1954.

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pagamentos, como também as expunha como a classe obreira no geral - a riscos e

periculosidades. As mulheres, que foram introduzidas no processo industrial pelos

empresários, ao longo do século XIX e XX, precisaram ser incorporadas pela classe

operária, formada majoritariamente por homens, e superar a oposição com os

trabalhadores, encontrando uma solução de compromisso com eles na luta por

mudanças. 202

No jornal O Metalúrgico, houve uma perceptível transformação na forma como

as mulheres foram representadas, entre os anos 1951-52, quando ministerialistas e

católicos atuavam fortemente na direção do sindicato, e o restante da década de 1950.

Se no início da década a figura da mãe e da esposa foi privilegiada, corroborando com

os ideais católicos da família cristã, os diferentes papeis dado às mulheres e aos

homens, no restante da década, foram, aos poucos, emudecidos pelos comunistas e

socialistas que passaram, cada vez mais, a incentivar a participação feminina nas lutas

da categoria metalúrgica, buscando integrar as trabalhadoras à vida do sindicato.

No imediato pós-1952 as mulheres começam a aparecer no jornal em matérias

que noticiavam congressos de trabalhadoras no Brasil e fora do país. Contudo, foi em

1956, quando o jornal lançou a coluna Só para as mulheres, que foi escrita, ao longo do

restante da década, pelo comunista José Araújo Plácido, que as mulheres passam a ter

uma seção do jornal dedicada exclusivamente a elas. Nesta coluna, o comunista

convocava as trabalhadoras a participarem da vida sindical, ainda que sempre na

companhia de uma figura masculina, afirmando:

É necessário que toda a mulher que trabalha nas empresas, seja sindicalizada,

e participem junto com seus esposos, noivos ou irmãos das assembléias

sindicais, reuniões, festas etc. Assim como fazem para ir ao cinema, o mesmo

devem fazer com o sindicato, participando ativamente junto com seus

companheiros e os diretores do sindicato, da vida ativa das lutas pelos

direitos das mulheres trabalhadoras. 203

A coluna Só Para Mulheres surgiu na mesma época em que foi criado o

Departamento Feminino no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, no ano de 1956.

Através desta seção do jornal, o comunista José Araújo Plácido informava sobre o

202 RAMELLA, Franco. Redes sociales y mercado de trabajo en un caso de imigración. Los obreros itatalianos y los otros en Paterson, NJ, Estudios Migratorios Latinoamericanos, n. 39, 1998, pp. 331-371. 203

O Metalúrgico, pág. 06, nº 156, ano XIV, maio de 1956.

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Departamento Feminino do sindicato, sobre os direitos das mulheres no interior das

fábricas e afirmava, sempre, a necessidade da sindicalização feminina. Ao fazer isso,

Plácido construía uma representação da mulher como uma operária em luta por seus

direitos e pelos direitos dos trabalhadores, compondo de forma ativa a classe e a

categoria metalúrgica. Nesse sentido, ao se referir ao aumento do custo de vida que

assolava os trabalhadores no ano de 1957, Plácido afirmou:

Nós que estamos acompanhando de perto como a classe operária está

recebendo este aumento, podemos dizer que neste ano de 1957, os

trabalhadores terão que lutar muito mais, e as mulheres que sempre

demonstraram a sua combatividade neste ano terão que tomar a dianteira e

mostrar a sua tradição de luta, não só para o cumprimento das leis atuais,

como nas demais conquistas. Fazendo por meio do Sindicato, os

empregadores cumprir algumas das leis que protegem as mulheres. Agora

que temos um departamento feminino mais organizado poderemos fazê-los

cumprir com mais facilidade. 204

Em outro artigo, do mesmo ano, Plácido escreveu:

Estamos na luta pela emancipação da mulher porque o proletariado não

consegue sua própria emancipação sem que primeiro consiga a da mulher que

trabalha, e o número delas é considerável. Elas são as mais exploradas nas

fábricas. Seus direitos não são cumpridos. Sua igualdade ao homem é

hipotética, pois na realidade não existe. As mulheres são consideradas

inferiores aos homens e muito embora seja em muitos casos superior a sua

capacidade física e intelectual esses fatores não são levados em consideração.

A nós operários é que cabe procurar por todos os meios levar esta luta avante,

esclarecendo essas heróicas compartilhadoras do nosso progresso o lugar de

destaque na sociedade que elas se fazem por merecer.

E continua

Dizer que a mulher nasceu para a cozinha é uma assertiva arcaica que já foi

abolida. Hoje ela se constitui em uma assertiva indispensável em todos os

nossos meios. Assim exige a evolução, o progresso, a nação e a própria

necessidade humana. Qualquer raciocínio oposto é uma tendência

escravagista da qual se aproveita o capitalismo para obter mão de obra barata,

porque os homens não se sujeitariam e nem poderiam sujeitar ao trabalho por

baixo salário, como o faz a mulher.

204 O Metalúrgico, pág. 05, nº 160, janeiro de 1957.

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Já temos experiências que quando a mulher sente a necessidade de atuar junto

aos seus sindicatos e organismos de união, logo tomam em suas mãos o

bastião de seus direitos e isso por si só as fazem merecedoras de maiores

preocupações por parte dos seus companheiros. Faz-se mister que se difunda

entre as mulheres seus reais direitos a fim de que elas deixem de constituírem

o ponto fraco do qual tiram os patrões o melhores partidos, dada a falta de

conhecimento mais elevados.

E conclui:

Ainda que tenhamos dado um grande impulso dentro do Sindicato através do

nosso Departamento Feminino, longe estamos da verdadeira necessidade que

é a de agregar todas as trabalhadoras em nosso meio, sindicalizando-as e

dizer-lhe a viva voz o quanto é útil, necessário e importante a participação

das mulheres em nosso meio social, contribuindo assim para melhores

condições de vida e um futuro a altura da classe operária. 205

Contudo, se o lugar das mulheres não era somente na cozinha, mas também com

seus companheiros, construindo uma representação da mulher como uma trabalhadora

combativa, que lutava, ao lado dos operários metalúrgicos, e no interior do sindicato,

pelos seus interesses e também pelos da categoria, isso não significou que seu papel não

estivesse atrelado fortemente ao lar. O homem continuou sendo visto como o provedor

da casa, como o chefe da família, o que muitas vezes justificou suas reivindicações por

aumentos salariais, e, em outras seções do jornal, como na data que comemorava o dia

das mães, os trabalhos domésticos, relacionados à casa e aos filhos, foram vinculados às

mulheres.

Se por um lado a figura feminina se transformou, deixando de ser apresentada

apenas enquanto mãe e esposa, mas também membro ativo da classe operária, por outro

a representação do operário como um trabalhador ordeiro e passivo, o verdadeiro chefe

de família, foi empregada no discurso dos sindicalistas que escreveram no jornal no

pós-1952, porém, com uma nova coloração, servindo às reivindicações dos direitos da

categoria metalúrgica.

Os discursos de Getúlio Vargas, durante os seus dois governos (1930-45 e 1951-

54) ao valorizar o trabalhador nacional, apresentava este trabalhador como um homem

ordeiro e disciplinado. Como vimos no segundo capítulo dessa dissertação, tais

representações foram enormemente utilizadas pelos ministerialistas e católicos no jornal

do sindicato no início da década de 1950. Alguns dos discursos do presidente foram

205 O Metalúrgico, pág. 03, nº163, ano XV, abril, maio e junho de 1957.

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publicados na íntegra pelo O Metalúrgico. Vejamos um trecho do discurso de Vargas

em comemoração ao 1º de Maio, em Volta Redonda, publicado no jornal do sindicato

no ano de 1953, no qual ele se refere aos “trabalhadores do Brasil”:

Sois um exemplo de labor produtivo e disciplinado, em que encontram novos

estímulos para prosseguir numa das diretrizes mais primordiais do meu

governo – as de atender as necessidades e reclamos do proletariado nacional,

em cujo espírito de ordem, devotamento ao trabalho e respeito às instituições

sempre confiei.206

Ao observarmos as matérias publicadas em O Metalúrgico, pudemos notar que

as representações dos trabalhadores, feitas pelo então presidente, foram articuladas

pelos sindicalistas que escreveram no jornal, em diversos momentos do pós-1952,

sobretudo, durante as greves que marcaram o período. Esta articulação torna-se clara

nas matérias publicadas sobre a grande greve de trabalhadores, já citada nesta pesquisa,

que ocorreu em 1953: a Greve dos 300 mil em São Paulo.

O segundo governo Vargas, período em que ocorreu a Greve dos 300 mil, foi

marcado por uma mudança, ainda que parcial, e controlada, da política do presidente

para com a classe operária. Quando comparada ao seu primeiro governo, a política de

Vargas em 1950 foi caracterizada por um afrouxamento do controle sobre os

trabalhadores. Esse afrouxamento evidencia-se na abolição do “atestado de ideologia”

para os militantes que concorressem às eleições sindicais de 1952 e também na anistia

aos condenados e processados por motivos de greve. Ao mesmo tempo, a Lei de

Segurança Nacional, que definia como crime qualquer reunião, panfleto ou comércio

sem prévia autorização, e que vigorava no período, revela que esse afrouxamento não

significou uma transformação radical nas ações do presidente. 207

As concessões do governo Vargas nos primeiros anos de 1950 ao invés de

aplacarem os ânimos dos trabalhadores estimularam muitas mobilizações. O reajuste do

salário mínimo, após oito anos, somado à crescente inflação e às transformações nas

relações exteriores, resultando no déficit da balança comercial, formavam a conjuntura

da greve dos 300 mil trabalhadores que ocorreu em São Paulo em 1953. Esta greve

começou no dia 26 de março de 1953 e terminou no dia 23 de Abril do mesmo ano.

Envolveu diversas categorias, como têxteis, metalúrgicos, vidreiros e marceneiros e 206 Discurso de 1º de Maio do Presidente Getúlio Vargas publicado em O Metalúrgico, pág. 12, nº 120. ano. XI, maio de 1953. 207

LEAL, Murilo. A reinvenção da classe trabalhadora. Campinas. Ed. UNICAMP, 2011.

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paralisou 276 empresas na cidade. Destacaram-se nessa greve as ações dos

trabalhadores de base e sua organização nas diversas passeatas e marchas que ocorreram

nas ruas de São Paulo. A greve contou com o apoio de estudantes, comerciantes e

militares e lutou, principalmente pelo aumento salarial e contra a carestia. Ao fim da

greve, os trabalhadores conquistaram 32% de reajuste salarial, o que foi comemorado

como uma grande vitória.208

Nesta greve, narrada minuciosamente pelo O Metalúrgico, as representações de

um trabalhador ordeiro eram utilizadas pelos líderes sindicais que publicavam

reportagens no jornal para justificar as reivindicações e atacar a atuação dos industriais

e da polícia do estado de São Paulo. Vejamos alguns trechos da matéria escrita pelo

diretor do jornal, Adolpho Perchon, quando a greve terminou, no mês de abril de 1953:

Os Trabalhadores Metalúrgicos que acabam de sair vitoriosos de uma jornada

gloriosa, que conquistaram suas reivindicações com sangue, suor e lagrimas,

juntamente com os trabalhadores têxteis, marceneiros e vidreiros não

desejavam ir a tais extremos se não fossem as intransigências patronais

aliadas a inoperância da Delegacia Regional do Trabalho, que em tempo

hábil devia proceder a estudos relativos do desequilíbrio de salário e custo de

vida, assim como elementos convincentes, obrigatoriamente, decidir por uma

solução que não fosse as graves conseqüências de vinte e nove dias de greve,

em franco prejuízo a todo Estado de São Paulo que arrastava consigo o Brasil

também e os trabalhadores que se viram diante do espectro da fome e

expostos a toda sorte de violência por parte da policia que deixava a

impressão bem amarga para os trabalhadores pacatos desta metrópole

civilizada e dedicada ao trabalho.209

Ao escrever sobre uma das Assembleias realizadas nesta greve, Perchon afirmava que:

A assembléia ocorreu dentro da mais completa ordem, fazendo uso da

palavra na ocasião vários oradores. Se no recinto da associação das Classes

Laboriosas, onde grande era o número de grevistas, os trabalhos decorreram

da mais completa ordem, não sendo notada qualquer perturbação o mesmo

sucedeu quando deputados, vereadores e pessoas presentes se dispuseram a

deixar o recinto. 210

208 Idem. 209 O Metalúrgico, capa, nº 119, ano XI, abril de 1953. 210 Idem. Grifos feitos por mim.

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A ordem dos trabalhadores, durante as assembleias e passeata, contrastava com a

ação da polícia do Estado de São Paulo, que era assim narrada pelo diretor d’ O

Metalúrgico:

A Polícia de São Paulo, cujo índice de truculência já atinge o grau nunca

visto em parte alguma do mundo, essa polícia que parece ser constituída

quase que exclusivamente de elementos que fazem tudo para desmoralizar o

governo que a dirige, escreveu mais uma página negra na história. Atropelos,

espancamentos, cavalos sobre o povo, tudo isso causam os policiais de São

Paulo para “conservar a ordem” 211

Os operários são apresentados, nesta matéria, como homens pacatos,

contrastando com a ação da polícia, caracterizada pela atuação violenta. A greve -

organizada - é apontada como o único recurso na luta contra a exploração do patronato,

e demonstrou a disciplina dos trabalhadores nacionais. Assim, os sindicalistas que

escreveram n’ O Metalúrgico operaram através de inúmeras estratégias nos momentos

de mobilizações e instrumentalizaram a representação feita sobre os trabalhadores

nacionais com a intenção de defenderem os interesses da classe operária.

Em outra greve, agora de 1957, a conjuntura política era bastante diferente

daquela presente em 1953, contudo, a atuação dos trabalhadores, foi narrada no jornal

de forma semelhante. O historiador Murilo Leal, apontou em seu estudo que a

conjuntura política da greve de 1957, conhecida como A Greve dos 400 mil, foi a mais

positiva para os trabalhadores, pois o presidente Juscelino Kubitschek, assim como João

Goulart, procurava estabilidade e disputava acirradamente o apoio do operariado em

São Paulo. A situação política na capital paulista era particularmente delicada para o

presidente que não foi bem votado no estado, e vinha ganhando o apoio da

Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e de um grupo de empresários paulistas.

Assim, o presidente precisava equilibrar-se entre os vínculos com o empresariado e os

laços com o movimento sindical, manifestando o interesse de intervir militarmente no

movimento grevista ao mesmo tempo em que recebia os operários e intermediava as

negociações com o presidente da FIESP.212

A greve dos 400 mil em São Paulo, que começou no dia 15 de outubro de 1957,

lutava contra o desemprego, a inflação, a super-exploração, a escassez de gêneros de

primeira necessidade e a favor da reposição das perdas salariais. Envolveu diversas

211 Idem. Grifos feitos por mim. 212 LEAL, Murilo. Op. Cit. pág. 266.

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categorias, como metalúrgicos, têxteis e gráficos, e se expandiu para outras categorias

durante o seu desenvolvimento. Um dos aspectos desta greve, que foi destacado por

vários historiadores, e que diferenciou esta greve daquela ocorrida no ano de 1953,

foram as ações dos piquetes, que se espalharam pela cidade dando à greve “um ar de

revolução”. Outra característica da greve dos 400 mil, e que diferencia esta greve das

anteriores, está no fato de as mobilizações não partirem da iniciativa dos trabalhadores

de base, mas sim de lideranças sindicais que formaram a Aliança Intersindical. Ao fim

da greve os trabalhadores conseguiram 25% de aumento salarial e a greve foi

considerada vitoriosa. Entretanto, o reajuste foi, posteriormente, abaixado para 18%

pelo TST. 213

O desenvolvimento da Greve dos 400 mil foi narrado pelo O Metalúrgico no

mês de dezembro, quando a greve já havia terminado. Na matéria, destacou-se a ideia

de uma greve justa e legal, um direito do trabalhador que, necessitado de um salário

melhor, agia coletivamente contra a “intransigência patronal”:

A Aliança Intersindical formada por metalúrgicos, gráficos e têxteis

comandaram 400.000 trabalhadores numa luta em que a unidade sindical

demonstrou a forma de uma greve justa e legal por aumento de salários –

Vencida a Intransigência Patronal que se desesperou levando a decisão da

luta às barras da Justiça – Os trabalhadores já sabem o que querem e como

querem – Uma lição que fica para as próximas lutas. 214

A greve apresentada como um direito tornava-se legítima com atitude do

trabalhador que agia dentro da ordem para alcançar suas reivindicações. Os conflitos

violentos travados nas ruas da cidade foram apresentados como conseqüência da ação

de “infiltradores” que desejavam colocar a greve na ilegalidade:

Então ai se aperceberam os dirigentes sindicais que uma manobra muito mais

perigosa se estava ensaiando por detrás dos bastidores, e se aproveitaram

aqueles que desejavam a confusão para colocar a greve na ilegalidade,

alcançar objetivos negros, quando o quebra-quebra ganhou as ruas do

perímetro fabril, infiltrado de agitadores, marginais contratados e

aproveitadores baratos. Houve incidentes seriíssimos, forçoso é reconhecer,

mas de pronto os sindicatos deram a sua resposta quando esforçaram ao

213 Idem 214 O Metalúrgico, capa, nº 167, ano XVI, novembro e dezembro de 1957. Grifos feitos por mim.

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extremo e inclusive fornecendo credenciais aos seus representantes para não

serem confundidos com os provocadores a mando, pois a trama tinha sido

bem urdida e até providencias ao Exército tinham sido pedidas, pois outro

eram os desígnios. Mas cedo se concluiu que os menos culpados eram os

trabalhadores, aqueles que possuem o legítimo direito de greve e cuja vida

difícil justifica qualquer pedido de reivindicação salarial. 215

A redação do jornal retratou a greve dos 400 mil que ocorreu em São Paulo

como uma greve “justa” e “legal” - um direito do trabalhador. No interior dessa

perspectiva, identificou como os causadores da desordem elementos externos ao

movimento, que não eram trabalhadores e que não tinham vínculo com os grevistas. Os

sindicatos e os trabalhadores se esforçavam para manter a ordem. Ao construir sua

narrativa, a redação do jornal O Metalúrgico se apropriou da representação de um

trabalhador nacional ordeiro, que agia dentro da legalidade para alcançar seus direitos,

como argumento legitimador da greve. E. P. Thompson retratou que os trabalhadores -

após um longo período de ensaio no domínio extralegal e frente à mudança no cenário

político-social que representou sua emergência como classe - criaram uma “aspiração

ideal a valores jurídicos universais”, mesmo às custas da própria hegemonia. Ao

questionar uma visão ortodoxa da lei como um mero instrumento de dominação da

classe operária, Thompson destacou que muitas vezes a lei serviu aos interesses dos

trabalhadores, e que não é estranho que a legitimação do poder de classe se dê nas

formas da lei, pois, remetendo-se a noções de universalidade e igualdade, esta não

apenas precisa manter a aparência de justiça (o que em si só colocam certos limites à

dominação) como às vezes realmente pode ser justa. A reapropriação do direito,

realizada pelos trabalhadores, desempenha um papel central nas lutas da classe

operária.216

Dessa forma, muitas representações sobre os trabalhadores nacionais são (re)

apropriadas pelos líderes sindicais que escreviam no jornal do sindicato. A

representação dos trabalhadores nacionais como sujeitos ordeiros e pacíficos foi

apresentada no jornal ao longo do período em que comunistas e socialistas atuaram

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, contudo, de uma forma que permitia aos

sindicalistas falar, e lutar, a favor dos interesses dos trabalhadores e, principalmente dos

metalúrgicos, ao longo da década de 1950.

215 O Metalúrgico, pág.03, nº 167, ano XVI, novembro e dezembro de 1957. 216 THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. São Paulo. Paz e Terra. 1987.

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As representações dos trabalhadores do campo e da cidade no jornal O

Metalúrgico.

A figura do Jeca-Tatu surgiu pela primeira vez em um artigo intitulado “Velha

Praga”, em 1914. Criada por Monteiro Lobato e publicada no jornal O Estado de São

Paulo, a figura do jeca percorria todo o restante do século XX no Brasil. Descrevendo o

homem que vivia no campo como um sujeito preguiçoso e doente, o artigo foi

observado na época como síntese das mazelas nacionais e recebeu uma calorosa

recepção nos círculos intelectuais do período. O homem do campo, representado pelo

personagem Jeca Tatu, era entendido através desse artigo como inapto à civilização que

surgia, marcada pelo trabalho livre e pelo progresso urbano, devido a sua característica

nata: a indolência. 217

A historiadora Márcia Naxara aponta, em um se seus estudos, que durante o

período 1870 a 1920 foram gestadas contraditórias representações do trabalhador

nacional que levaram à cristalização de uma imagem instituidora do brasileiro enquanto

desqualificado, indolente, vadio. A figura do Jeca - Tatu, criada por Monteiro Lobato,

foi essencial para a construção dessa imagem, que permaneceu como uma pecha ou um

mito, generalizando-se e abrangendo, de certa forma, o povo brasileiro. A autora

defende que a descrição do Jeca-Tatu veio ao encontro de todo um conjunto de

representações que vinham se desenvolvendo em épocas anteriores sobre o brasileiro,

juntando e materializando ideias que antes se encontravam dispersas e permitindo a

elaboração e visualização de uma imagem estereotipada, que catalisou, naquele

momento, opiniões que antes não encontravam endereço certo. Embora a imagem do

Jeca-Tatu tenha sofrido tentativas de mudança por parte do próprio Monteiro Lobato,

que buscou, posteriormente, mostrar um Jeca “curado” de sua preguiça e inserido no

“meio civilizado”, Naxara afirma que a imagem que prevaleceu na sociedade daquele

período, e que permaneceu posteriormente, foi a imagem do homem do campo como

um portador das características do Jeca: desqualificado, alcoólatra e preguiçoso. 218

Durante a década de 1950, período caracterizado pelos grandes fluxos

migratórios do campo para a cidade, o personagem criado por Monteiro Lobato no

início do século XX, estava bastante presente no imaginário da sociedade urbana. Em

1946, a Rádio Tupi convidou Amássio Mazaropi para participar do programa chamado

217 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra. A representação do brasileiro 1870/1970. São Paulo. Annablume. 1998. 218 Idem.

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Rancho Alegre, na qual foram feitas conversas com caipiras de São Paulo. O programa,

transmitido até 1950 pela rádio, foi, posteriormente, transmitido também na televisão, e

apresentado até 1954. Em tom humorístico, o programa esteve repleto de estereótipos

que configuravam a figura do Jeca-Tatu de Monteiro Lobato e alcançou grande

audiência no período. A Rádio Tupi recebeu mais de duas mil cartas de fãs logo nas

primeiras semanas de transmissão. No fim da década de 1950, precisamente em 1959,

Mazaropi encenou o próprio Jeca-Tatu no cinema, caracterizado como um camponês

ingênuo ao mesmo tempo em que era preguiçoso e debochado, em um filme chamado

Jeca - Tatu, que também ganhou grande popularidade no período. 219

Em 1954, o sociólogo e antropólogo Antonio Candido defendeu sua tese de

doutorado na qual a sua preocupação central era com o “caipira”. Neste trabalho, que foi

publicado em 1962 em forma de um livro intitulado Os Parceiros do Rio Bonito, o autor

estudou os relatos de viajantes que passaram pelo Brasil em fins do século XVIII e

início do XIX e fez um estudo de campo em um município chamado Buffet, oeste do

interior paulista, a fim de compreender a cultura caipira durante os anos 1950. Neste

estudo, são apresentadas diversas características que, para Candido, marcariam o caipira

de seu tempo. Para o autor, dois aspectos históricos estariam presentes na formação do

caipira: o primeiro seria o tipo ideal do aventureiro, que marcaria a formação dos

paulistas, e o segundo, as conseqüências da escravidão indígena marcada pela ideia de

trabalho dirigido e regular, o que resultaria em um esforço por parte dos mamelucos

“em eximir-se de atividades que pudessem ser confundidas com a raça da mãe ou dos

avós”. Na análise de Candido, com a escravidão negra, as classes ricas paulistanas

poderiam “afazendar-se graças a cana de açúcar e o braço escravo” enquanto os

demais “contribuiriam com uma quota apreciável de desocupados, de aventureiros

deixados sem enquadramento pela desbandeirização”, essa quota formaria os sitiantes

do interior. Desse modo, na análise de Antonio Candido “...ficariam no caipira não

apenas certo pendor para a violência, como marcas nítidas de inadaptação ao esforço

intenso e contínuo”. Entretanto, de acordo com Candido, para entender a condição do

caipira durante os anos 1950 era preciso buscar não somente suas raízes históricas, mas

também apontar para as determinantes econômicas e culturais, defendendo em seguida

que a fuga do trabalho, que caracterizaria o caipira, não deveria ser considerada

219 Ver: PASSIANI, Enio. Na trilha do Jeca: Monteiro Lobato, o público leitor e a formação do campo literário no Brasil. Interfaces. Sociologia, Porto Alegre, ano 4, nº. 7, jan/jun, 2002. Pág. 254 – 270. e SILVA, Roberto e BITENCURT, Silvia Roberto.O Jeca - Tatu de Monteiro Lobato: Identidade do brasileiro e Visão do Brasil. 1920, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abril de 2007.

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vadiagem, mas sim uma desnecessidade de trabalhar. Para o autor, que estava

preocupado em desconstruir a imagem do camponês como um preguiçoso, haveria nas

relações do campo outra lógica de trabalho e a “propensão à fuga do trabalho” era

apenas mal compreendida pela sociedade, que julgava o caipira como um indolente. 220

Ao observarmos a obra de Antônio Candido podemos notar que a figura do

homem do campo associada à imagem do Jeca-Tatu, estava presente na sociedade da

década de 1950, uma vez que o autor buscou desconstruir tal imagem em seu estudo. A

representação do homem do campo como um Jeca estava sendo apresentada no cinema

e nas rádios, e também na imprensa paulistana marcando a figura do camponês e do

migrante nacional. José de Sousa Martins retratou, em um de seus estudos, como a

imagem do caipira e do jeca, presente na década de 1950, possui antecedência no início

do século XX, quando começa a se construir a categoria migrante. Para este

pesquisador:

O migrante brasileiro na cidade era em boa medida por contraste com aquela

figura de estrangeiro que impressionava a muitos. Por isso, tendia a ser

concebido como tosco porque residual. O brasileiro, de certo modo, acabava

sendo o desprovido de atributos próprios da sociedade que nascia. O

estrangeiro não estava apenas nas pessoas e suas origens: estava também na

modalidade dos costumes, nas novidades tecnológicas, nas modernidades de

modos, coisas, gestos, mediações do viver. Num certo sentido o brasileiro era

o passado. Não é à toa que o caipira imaginário da literatura, da poesia, da

música renasça do limbo da discriminação para erigir-se, de certo modo, em

símbolo da nacionalidade da época. Era o que restava dos tempos em que o

Brasil era o Brasil. O caipira ingênuo era o esperto oculto, o sábio

dissimulado, que na sua ingenuidade prática e conveniente revela os absurdos

do que vem de fora, do que é estranho, diferente e estrangeiro. 221

Assim, durante a Primeira República, o caipira que por diversas vezes foi tido

como um atrasado, por não ter o mesmo ritmo de trabalho e costumes que chegavam às

grandes cidades, em outros momentos do século XX se tornou o símbolo da

nacionalidade brasileira. Ao longo da década de 1950 podemos observar, na grande

imprensa paulistana, algumas questões bastante semelhantes às expostas por Martins.

Neste período, o campo foi constantemente apresentado pela grande imprensa como um

220 CANDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo. Duas cidades, Ed. 34, 2001 221 MARTINS, José de Souza. O migrante na São Paulo estrangeira. pág.156. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo. A cidade na primeira metade do século XX, 1890-1954. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004, v. 3.

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lugar marcado concomitantemente pela harmonia, solidariedade e simplicidade, sendo o

homem do campo observado como bom, ingênuo e humilde, havendo aí certo

saudosismo e sentimento de pertencimento de um tempo e lugar e/ou um Brasil que

estava ficando para trás, e pelo atraso e ignorância. Em 1953, no jornal O Estado de

São Paulo foi publicado um artigo intitulado O Nosso Jeca e o Mês de Maio222. Nele o

jornalista escreveu:

Para o nosso bom Jeca o mês de maio não é o mês consagrado a Nossa

Senhora, porém, sim a Santa Cruz. Em todos os dias do mês de maio há

rezas nas capelas dos bairros e nas cruzes que pontilham as nossas estradas e

caminhos, e assim é esse o mês que o nosso jeca pouco ou quase nada

trabalha.

E continua:

Se para a maioria a semana conta seis dias úteis, para o nosso jeca conta

apenas quatro. No sábado ele não vai à roça, fica em casa preparando os seus

aviamentos de caça e pesca, ou em preparativos para ir no domingo à vila, na

segunda ele descansa da canseira do domingo. Não quero dizer com isso que

seja um vadio. Não, em absoluto, simplesmente não é ambicioso. Vai para

mais de trinta anos que me encontro fora do ambiente dessa boa gente da

roça, porém, creio que ainda guardo os costumes que aqui relato. E que

saudade que sinto dessa boa gente, simples e bondosa, entre a qual eu passei

tão ditoso tempo.

Assim, a imagem do homem do campo como um caipira ou um jeca indolente,

preguiçoso, ou, como o jornalista afirma, pouco ambicioso, também está presente na

sociedade das décadas de 1950 e é utilizada pela imprensa paulistana do período, que

retrata o ambiente rural ora como um lugar marcado pelo atraso ora como um lugar de

harmonia e singeleza. A imagem idílica do campo e do camponês se estendeu ao

migrante nacional que saía de suas regiões de origem em busca de trabalho nos grandes

centros urbanos do país. Em outra matéria, agora do jornal A Hora223, também no ano

222

O Estado de São Paulo, 05 de novembro de 1953. 223

O jornal A Hora, diferentemente do O Estado de São Paulo, foi um jornal de pequeno porte e, talvez por essa razão, não encontramos muitas informações a seu respeito. Vendido a um preço bastante popular (C$ 1, 50), esse jornal teve curta duração, publicado durante os anos 1940 até o início de 1960. Embora tenha circulado nos bairros periféricos da cidade de São Paulo, como São Miguel Paulista, e se posicionado, em diversos momentos, ao lado do trabalhador em suas lutas, não foi um jornal ligado a uma entidade de classe, como um sindicato ou partido político. O jornal teve uma forte relação com alguns políticos na cidade de São Paulo associando-se a Jânio Quadros logo no início de sua carreira e fazendo campanha para o mesmo nas eleições para a prefeitura da cidade no ano de 1953.

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de 1953, aparece a imagem de um universo rural marcado pela simplicidade e o

migrante nordestino como naturalmente ingênuo:

O nordestino vê sua desdita traçada quando agenciadores especializados

invadem suas modestas residências, em suas modestas vilas e lugarejos e ante

a ingenuidade do “caboclo” fazem ver numa passagem – um lugar no

paraíso.224

O ambiente rural ora era visto como atrasado ora como um lugar pacato, de

harmonia e simplicidade, se opunha à imagem da cidade grande como São Paulo,

referenciada nesta matéria como “um lugar no paraíso”. Esta foi constantemente

observada pela grande imprensa como a “cidade que mais cresce no mundo” 225. Em

um artigo intitulado Isto é São Paulo, o jornalista Nuy Gogoy Costa do jornal A Hora

descrevia, no ano de 1953, a imagem que possuía da cidade de São Paulo em seu tempo.

Em suas palavras São Paulo era:

Este colosso de aço e cimento armado que transpira formiga humana por todos

os poros, desde o romper da madrugada até as horas incertas da noite: este

gigante sem igual em toda a América do Sul, no seu poderio fabril e industrial,

com suas milhares de fábricas apitando e chaminés fumegando; este imenso

pedaço de solo onde gravitam mais de cem bairros, cada um por si

constituindo uma pequena cidade; este território febricitante de trabalho, de

movimento e ação, em cujas artérias de asfalto passam sem cessar os veículos

em todas as direções e as gentes de todas as raças - caminhando sempre,

produzindo sempre, e construindo cada vez mais a grandeza da terra de

Piratininga; este ciclope soberano e soberbo sob todos os aspectos, sonhos dos

antigos e dos modernos bandeirantes e portentoso torrão é o coração do Brasil

é a cidade que mais cresce no mundo e que se chama São Paulo.

São Paulo não tem o narcisismo do Rio,fitando-se na Guanabara, nem

o mar enroscado no corpo da cidade como uma echarpe de vidrilhos verdes

nem a fala doce do carioca na expressão de Henrique Pongetti. Não. São Paulo

não tem o encanto das paisagens maravilhosas, nem a poesia das coisas

naturais. Não tem porque é macho, porque é tremendamente másculo para

usar atributos ornamentais.

E por ser uma metrópole cosmopolita e por abrigar em seu seio mil e

uma raças diferentes, e por ser a capital da maior indústria e da mais possante

máquina sul-americana, São Paulo é a cidade que assusta, que afugenta e

224

A Hora,1953. Grifos feitos por mim. 225 Expressão utilizada pelo jornal A Hora no dia 25 de setembro de 1954, página 04.

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atemoriza os que já nasceram cansados, e os poetas e filósofos que vivem no

mundo da lua.

Ah, se eu fosse poeta! Como eu gostaria de cantar bem alto a beleza

brutal de São Paulo! Elevar um hino de glória a suas vias públicas asfaltadas

onde os veículos se chocam, os motoristas se xingam, as multidões se

atropelam por falta de espaço, mas a vida continua sem parar, sempre para a

frente.

Sim, eu gostaria de contar em versos a história de um homem que

venceu quase sozinho todos os partidos políticos, porque aqui ainda há uma

imprensa livre e homens livres, e conta, sobretudo, que em São Paulo há um

povo que sofre, que padece, que sabe ser ordeiro e pacato, mas que algum dia

ainda pedirá contas aos inepto, corruptos e aproveitadores que transformam

cada vez mais o Brasil em senzala.

Mas, pobre de mim! Como não sou poeta e sim um obscuro

escrevinhador, direi tão somente do meu orgulho imenso de ser paulista, de ter

nascido num rincão minúsculo deste Estado de São Paulo.

E quem ousará dizer que não, quando só São Paulo já é um

aglomerado de todas as nações do mundo? 226

Nesta matéria é possível observar um das representações mais comuns de São

Paulo, construída nos jornais paulistanos da década de 1950. Tal representação se

contrapunha à imagem do campo. Enquanto este último foi observado com um ambiente

pacato e os camponeses como pessoas ingênuas ou preguiçosas, seja pela lógica desse

ambiente ou pela natureza de seus habitantes, São Paulo muitas vezes foi narrado pela

grande imprensa como um “território febricitante de trabalho, de movimento e ação”.

O urbano marcado pelas “milhares de fábricas apitando e chaminés fumegando” era o

símbolo do progresso, símbolo de uma cidade que seguia “sempre para a frente”.

De acordo com o historiador Odair da Cruz Paiva, até meados da década de

1930, as secas foram analisadas como o elemento explicativo de um suposto atraso da

região Nordeste em relação a outras regiões do país. Essas representações estariam

interligadas a interesses de algumas classes sociais dominantes. O autor defende em sua

análise que, a partir dos anos 1930, a imagem negativa do Nordeste não se construiu

somente a partir dele, mas em contraposição ao sudeste do país. Enquanto uma região

226 A Hora, sexta feira 03 de julho de 1953, pág. 07.

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era distinguida pelas secas e pela miséria a outra era marcada pelas indústrias e pela

prosperidade. 227

Acreditamos, também, que a imagem de um Nordeste atrasado, destruído pelas

secas, em contraposição a uma São Paulo moderna e industrial, também pode ser

encontrada durante as décadas de 1950. A imagem do Nordeste atrasado transferiu, mais

uma vez, para os trabalhadores migrantes, essa mesma representação. O historiador

Paulo Fontes apresenta a questão com as seguintes palavras:

Apesar da influência da idéia do Nordeste como reduto do mais puro

“espírito” nacional, o desenvolvimento capitalista do país e a crescente e

profunda diferenciação econômica entre as várias regiões consolidaram a

construção da imagem de São Paulo associado ao progresso e dinamismo e

do Nordeste ao atraso e estagnação. A grande presença migrante nordestina

no centro-sul do país a partir de meados da década de 1940 aproximou

pessoas e regiões do país que mal se conheciam e, ao mesmo tempo, define e

é definida por uma imagem e construção sociais já existentes do que era o

Nordeste e seu povo e do que era São Paulo. À diferenciação regional

superpunha-se as fortes distinções entre campo (associado fortemente ao

Nordeste) e cidade (cujo maior símbolo era a metrópole paulistana). 228

Uma matéria do O Estado de São Paulo, narrando a viagem dos migrantes nos paus-

de-arara, apresenta algumas dessas questões. No ano de 1955, o jornal expõe:

Nas máscaras doloridas, não há mais nenhuma expressão, nem alegria, nem

dor, nem revolta, nem medo, nem nojo: inteiramente apáticos, parados,

macilentos aqueles rostos trágicos volvem para outros veículos que os

ultrapassam (os “paus de arara” sacolejavam miseravelmente, numa

velocidade de tartaruga) uns olhos tristes e inexpressivos onde não seria

possível vislumbrar – se qualquer sombra de inveja pelos que viajavam nos

ônibus poderosos ou nos automóveis de luxo, mas uma profunda indiferença

por tudo que os rodeia – homens, paisagem, veículos, céu nublado ou sol

escaldante, e até pelos próprios companheiros de odisséia e aventura.229

227PAIVA, Odair da Cruz. Caminhos Cruzados. A migração para São Paulo e os dilemas da construção do Brasil moderno nos anos 1930/50. São Paulo, Tese de Doutorado, Departamento de História, FFLCH-USP, 2000. 228 FONTES, Paulo. Um Nordeste em São Paulo. Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista. (1945 – 66). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. pág. 76. 229 O Estado de São Paulo, 20 de janeiro de 1955. Grifos feitos por mim.

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A matéria apresenta um trabalhador apático com relação a tudo que passava em sua

vida, as palavras grifadas, como “olhos tristes e inexpressivos”, ressaltam a ideia de um

trabalhador indiferente a tudo que o rodeava. Essa indiferença provinha de sua condição

de miséria, pois “sacolejavam miseravelmente”, lembrando do lugar do qual eram

provenientes. As representações de um trabalhador migrante pobre, fugitivo das secas

do nordeste, desamparado e iludido estavam bastante presentes nos jornais da grande

imprensa, o progresso, na visão de alguns jornalistas, definitivamente, não estava nas

regiões de origem e na vida dos migrantes que se dirigiam a São Paulo.

Concomitantemente à grande imprensa, no jornal do Sindicato dos Metalúrgicos

de São Paulo, durante a década de 1950, muitas representações do Nordeste, da cidade

de São Paulo, dos camponeses e dos migrantes nacionais foram gestadas. Contudo, o

jornal do sindicato foi produzido sob um ângulo diferente de observação, foi

direcionado aos trabalhadores metalúrgicos das centenas de fábricas da capital paulista,

e produzido, após 1953, com a orientação de militantes comunistas e socialistas. N’ O

Metalúrgico, as imagens por vezes preconceituosas divulgadas pela grande imprensa, e

por outros setores da sociedade da época, foram confrontadas, reelaboradas e

reapropriadas.

No ano de 1954, O Metalúrgico publicou um caderno especial que comemorava

o IV Centenário da Cidade de São Paulo. Neste caderno, a representação da capital

paulista como a capital do progresso também apareceu, e, assim como na grande

imprensa, a industrialização era o seu principal baluarte. Vejamos um pequeno trecho na

matéria que se intitulava “Exaltação a São Paulo”.

Não há adjetivos suficientes para que se expresse a admiração dos que tem

diante de seus olhos a vista panorâmica desta maravilhosa metrópole.

São Paulo “o maior centro industrial da América Latina”; “A cidade que mais

cresce no mundo”. São cartões de visita que apresentamos à estupefação de

todos.

25 de janeiro não é apenas o aniversário que 4 séculos assinalam para a

capital do progresso. É o aniversário de todos os paulistas ou não. É o

aniversário que o Brasil comemora porque São Paulo está no coração de

todos os brasileiros.

Nós te rendemos o preito da nossa admiração, São Paulo, na exuberância de

sua terra fértil, na generosidade do teu clima, na delicadeza das tuas

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paisagens, na majestade dos teus edifícios, na beleza das tuas avenidas, no

contraste metropolitano dos teus bairros residenciais e fabris.230

Outro trecho, agora da matéria cujo título era “Quatro Séculos”, revela:

São Paulo, as chaminés de suas fábricas, o palpejar dos teus transeuntes, o

roncar dos teus motores, a sonoridade das tuas sirenes, as tuas aves

regurgitando ao raiar da aurora, os sinos dos teus templos a repicar

conclamando os fiéis ao culto, os teus aranhas-céus tentando beijar o azul do

infinito, são o justo motivo de satisfação e glória para seus filhos. 231

Ao escrever sobre a cidade de São Paulo muitas matérias presentes no caderno

especial de O Metalúrgico apontam para aspectos da industrialização e urbanização,

como:“as chaminés de suas fábricas, o palpejar dos teus transeuntes, o roncar dos teus

motores” ou, como na primeira matéria apresentada, para a “majestade dos teus

edifícios” para a “beleza das tuas avenidas” e para o “contraste metropolitano dos teus

bairros residenciais e fabris”. Esses eram os aspectos que permitiam à cidade se

apresentar como “o maior centro industrial da América Latina” ou “A cidade que mais

cresce no mundo”. Contudo, ao lado da capital do progresso, O Metalúrgico, sobretudo

após 1953 - quando comunistas e socialistas passam a ter um papel ativo no sindicato e

no jornal - também apresentou muitas matérias que ressaltaram as desigualdades sociais

e as contradições da metrópole paulista. No jornal do sindicato, São Paulo era,

paradoxalmente, a cidade de oportunidades e de dificuldades, principalmente para os

trabalhadores.

Em uma matéria intitulada Do alto da serra da Cantareira, o autor, chamado Felício

Galhoto, escrevia sobre a história da cidade e contrapunha o período de sua fundação ao

de 1954. Para Galhoto, os tempos antigos eram muito melhores que os atuais, marcado

pela miséria e pelas desigualdades, resultado do governo daqueles tempos: S. Paulo

soberano de ontem, S Paulo dominado de 1954, pelos maus governos, que vivem

fazendo experiências, que por certo nos levarão ao caos, á desordem. A “evolução

mórbida” 232 pela qual passou o país e também a cidade de São Paulo era o resultado

230 O Metalúrgico, pág. 06, nº 128, ano XII, janeiro de 1954. 231 O Metalúrgico, pág. 08, nº 128, ano XII, janeiro de 1954. 232 O Metalúrgico, pág. 10, nº 128, ano XII, janeiro de 1954.

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dos governantes que “riam do proletariado faminto” que não tinha assistência nem

direitos.233

Assim, o progresso existia e era observado através das muitas indústrias da capital,

embora não chegasse a todos e principalmente aos maiores responsáveis pela

modernidade da grande metrópole: o trabalhador. Por esse motivo era preciso lutar para

que a prosperidade alcançasse a todos igualmente. No ano de 1954, eram apresentados

os seguintes versos no jornal O Metalúrgico:

Operariado, por acaso...

Pensaste uma mira, no valor que possues?

Já observastes, o que fazes; para o progresso

contribuis.

Porque permitir o atrazo.

O progresso te ama, mais do que possas

pensar...

Ele te vê no trabalho, alegra-se no teu lidar!

Tua energia gasta...

Muitas vezes, onde pensas que foi mal empregada,

Se produzistes em tua árdua jornada....

Tranqüiliza-te! Basta!

Nesta jornada estafante, mostra-te teu valor.

Põe o cansaço de lado, e também o opressor... 234

Neste verso, fica evidente que o trabalhador possuía um papel importante no

“progresso” existente nos grandes centros industriais do período, pois contribuía para o

progresso através do seu trabalho. No pós-1930, através do apelo ao nacionalismo, os

trabalhadores nacionais foram constantemente apresentados, nos discursos de políticos e

industriais, como “os braços da nação”, aqueles que, através do trabalho, contribuiriam

para o progresso do país. Contudo, nestes versos, ao mesmo tempo em que o

trabalhador foi apresentado como um contribuinte do progresso ele deveria mostrar o

seu valor, colocar o “cansaço de lado” e lutar contra o “opressor”. Assim, a noção de

um “progresso” vivido nos grandes centros industriais foi utilizada como um incentivo à

luta por mudança da sua realidade. É importante ressaltar que para diversos setores

políticos da esquerda no pré-1964, os trabalhadores nacionais eram os verdadeiros

agentes da transformação social. Nesse sentido, partindo de uma imagem idealizada do

233 As palavras destacadas foram usadas pelo autor na matéria do jornal. 234 O Metalúrgico, pág. 06, nº 128, ano XII, janeiro de 1954.

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trabalhador, muitos militantes comunistas e socialistas entenderem que a grande força

motriz da história seria justamente a aliança migrante-operário, e a luta de classes o

caminho necessário para a transformação do mundo. 235

A representação do trabalhador nacional como um contribuinte do progresso

vivido nas grandes cidades, especialmente São Paulo, se confundia, n’ O Metalúrgico,

com a valorização do operário metalúrgico. No jornal do sindicato a profissão foi

apontada como essencial para a manutenção do progresso, não apenas de São Paulo,

mas da nação. Uma matéria de 1954 apresenta essa questão:

Quando nas profundezas da terra os minérios são extraídos, quando nas

siderúrgicas entre o faiscar de metais em fusão os caldeirões, despejam rios

incandescentes de ferro, cobre e aço, quando nas indústrias pesadas ou de

transformação virmos entre os mais diversos monstros mecânicos, o homem

na sua operosidade infatigável, estaremos admirando o esforço do operário

metalúrgico. 236

Embora a classe operária fosse heterogênea, o que por vezes gerava conflitos no

interior da própria classe, através de matérias como essa, os escritores do jornal

reforçavam os laços de pertencimento à categoria metalúrgica e desenvolviam um

sentimento de orgulho do ofício, além de integrar o trabalhador no processo industrial

pelo qual passavam as grandes cidades, como São Paulo, motivando-os, muitas vezes,

através dessas imagens, a lutarem enquanto classe.

Em relação especificamente à migração e ao trabalhador migrante, o jornal

apresentou uma matéria na qual retratava a saída do homem do campo para as cidades.

Concomitantemente, apresentava uma notícia sobre uma revolta de trabalhadores rurais

na cidade de Franca no interior do estado de São Paulo. Referindo-se a uma fotografia

ao lado da reportagem, na qual há diversos trabalhadores caminhando em direção a uma

estação de trem com trouxas nas costas, o jornal apresentava:

O clichê ao lado representa a retirada consciente do homem do campo

procurando em outros lugares desconhecidos melhores condições de vida

para si e para sua família, esperando que em outra cidade venha encontrar a

tão almejada melhoria do padrão de vida e de trabalho compensador.237

235 FONTES, Paulo. Op. Cit 236

O Metalúrgico, pág. 09, nº 131, ano XII, maio de 1954. 237O Metalúrgico, pág. 03, nº 160, ano XV, janeiro de 1957.

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E em seguida expõe:

Vemos a questão de dias o que aconteceu na cidade de Franca, município do

Estado de São Paulo. A população do local, revoltada contra os fornecedores

desonestos de leite atacaram a usina responsável para destruí-la, porque hoje

o homem rural compreende que não é mais possível locomover-se de cidade

em cidade ou de campo em campo para encontrar a terra prometida, vemos

com isso senhores que a polícia local, como era de se esperar, interveio

violentamente e atirou de metralhadora contra o povo que fazia justiça com

as próprias mãos. 238

O historiador E. P Thompson ao estudar os motins de trabalhadores na Inglaterra do

século XVIII apontou em seu trabalho que o motim não deve ser encarado como uma

resposta óbvia à extrema condição de miséria pela qual passavam os trabalhadores neste

período. Para o autor, não existe uma única forma de agir frente à exploração, e o fato

de os trabalhadores passarem fome não prescreve que eles devam se rebelar nem

determinam o modo da revolta. Thompson retratou que na Índia uma das formas de

resistência à exploração encontrada pela população pobre foi justamente deixar-se

passar fome, a ponto dos indianos morrerem sem soltar uma queixa frente às

autoridades. Na análise do autor, essa atitude não significou que os indianos foram

passivos quando comparados aos trabalhadores europeus, pois as especificidades

culturais destes trabalhadores e de sua região devem ser consideradas pelo pesquisador

que aceita debruçar-se sobre essa temática.239 Ao seguirmos os passos de E.P Thompson

entendemos que a revolta dos trabalhadores de Franca não deve ser interpretada como

uma resposta natural da população local. As revoltas foram uma alternativa coletiva

encontrada pelos trabalhadores rurais que se sentiram injustiçados frente à

desonestidade dos industriais.

O autor d’ O Metalúrgico percebeu e narrou a revolta dos trabalhadores de Franca

como uma ação que demonstrou a “compreensão”, ou podemos dizer, consciência, dos

trabalhadores rurais da necessidade de permanecer no campo e agir frente à exploração.

Afinal, de acordo com o autor da matéria, o homem do campo compreende que não é

mais possível locomover-se de cidade em cidade ou de campo em campo para

encontrar a terra prometida. Entretanto, a migração também é apresentada como uma 238 Idem. Grifos feitos por mim. 239 THOMPSON, E. P. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. In: Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo. Companhia das Letras. 2011.

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ação consciente do homem do campo. Nesta matéria, ao invés de trabalhadores

apáticos, iludidos ou indiferentes, apareceu um camponês/migrante que reage a sua

condição de pobreza. A “consciência” do trabalhador rural merece uma reflexão

particular, pois é antiga a premissa comunista de que é necessária a consciência do

operário sob sua condição de explorado para que haja uma ação coletiva e uma

transformação na sua realidade. Nesse sentido, o autor apresenta uma narrativa próxima

à leitura comunista na qual o trabalhador é consciente de sua condição de miséria e,

frente à exploração, age, neste caso, migrando e/ou lutando no campo por melhorias.

No jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo a associação do migrante

nacional a um escravo foi também bastante comum durante toda a década de 1950. Em

uma matéria de 1959, o homem do campo que migrava para a cidade foi comparado a

um escravo por ser comercializado por agenciadores. Vejamos um trecho dessa

reportagem:

Chamo a atenção de todos os paulistas e nordestinos radicados na capital que

está sendo feita vendas de retirantes nordestinos como escravos. Os

nordestinos transportados em “Paus de Arara” estão sendo vendidos como

escravos na cidade do Triangulo Mineiro a preço que varia de Crs 2.000, 00 a

5. 000.00 a cabeça. É a versão cabocla do tráfico de escravos. Nós aqui em

São Paulo temos tido conhecimento que muitas indústrias que tem as suas

atividades secções de insalubridade de gazes venenozos também procuram

atrair esses infelizes através de uma propaganda de que em São Paulo, ganha-

se muito dinheiro aqueles que vem trabalhar nessa indústria e também isso é

o comércio de agenciadores que se locomove aqui de São Paulo e vão para o

Nordeste e atraindo também para indústria fundição e na parte de siderúrgica

procuram o setor do Estado de Minas Gerais prometendo a eles polpudos

salários caso venham trabalhar nessa indústria 240

O historiador Paulo Fontes retratou que a associação do trabalhador nordestino a um

escravo proliferou na grande imprensa paulistana da década de 1950. As péssimas

condições da jornada migratória, como a situação dos paus-de-arara, que vinham

abarrotados de pessoas em precárias situações de higiene e alimentação, somadas à ação

de grande quantidade de agenciadores, que espreitavam os migrantes desde suas cidades

de origem até São Paulo, buscando, na maioria dos casos, levarem vantagem sobre os

trabalhadores, fizeram com que muitos tecessem comparações entre a migração e o

tráfico de africanos para o Brasil. Paulo Fontes apresentou que na grande imprensa, na

240

O Metalúrgico, pág. 04, nº 179, ano XVII, abril de 1959.

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Assembleia Legislativa e até mesmo no Departamento de Ordem Política e Social do

Estado de São Paulo a situação do nordestino foi apresentada com preocupação e que

muitas vezes os próprios migrantes julgaram-se em condição de escravidão. 241

No jornal O Metalúrgico, como pode ser observado no pequeno trecho exposto, a

associação do migrante nordestino a um escravo também aparece, inserindo-se no

imaginário construído pelos diversos setores da sociedade do período. A matéria

denunciava a situação do migrante nordestino que chegava à capital paulista,

aproximando-se, dessa forma, dos problemas enfrentados, tanto pelos operários

metalúrgicos, que provavelmente haviam sofrido com a exploração dos agenciadores,

visto que muitos operários haviam sido migrantes antes de chegarem às fábricas de São

Paulo, como também por aqueles trabalhadores que chegavam à capital paulista naquele

momento. Assim, o jornal do sindicato inseriu o camponês e o migrante nas matérias

publicadas mensalmente, e, em alguns momentos, como esse em que o migrante

nordestino foi comparado a um escravo, também reproduziu algumas imagens, que

eram compartilhadas pelos demais setores da sociedade paulistana, incluindo a grande

imprensa.

No período em que comunistas e socialistas atuavam no interior do sindicato, e

também do jornal O Metalúrgico, outra representação do trabalhador nacional apareceu:

a do migrante como um flagelado das secas do Nordeste. Contudo, de uma forma

diferente daquela divulgada pela grande imprensa e por outros setores da sociedade

paulistana. Os escritores d’ O Metalúrgico aproveitaram o espaço do jornal não apenas

para denunciar a condição precária de vida dos trabalhadores brasileiros, como também

para divulgar seu pensamento político. No mês de Abril de 1959, o jornal apresentou a

seguinte publicação:

O trabalhador brasileiro encontra-se no estado de calamidade pública.

Aumentam sem cessar os preços dos gêneros alimentícios e outros bens de

consumo forçado.

O Governo Federal cada dia mais está desacreditado junto a opinião pública e

a classe operária.

Suas palavras não refletem os seus atos. Discursos ali e acolá não resolveram

o principal problema de solucionar ou melhorar ou pelo menos estabilizar os

níveis de vida da classe operária.

241 FONTES, Paulo. Op. Cit. pág. 52

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Os flagelados do Nordeste desamparados, famintos e deslocados de suas

habitações, buscando melhor condição de vida, desencadeiam movimentos

esparsos de luta reivindicatória.

A ajuda destinada ilegível são remetidas para as mãos de políticos que

recebem ilegível ajuda do Governo Federal que servem unicamente para

explorar cada vez mais os flagelados, sem contudo solucionar seus problemas

recebendo em troca algumas migalhas dos milhões que lhes são destinados.

As verbas recebidas parte são aplicadas nas construções de açudes que se

localizam nas terras dos grandes coronéis da terra e outra parte são destinadas

para a campanha políticas e eleitorais.

O Governo Federal tem conhecimento dessa situação, mas nada faz, pois é

amparado na sua política pelos latifundiários e grandes fazendeiros que

exploram a situação de miserabilidade que estão sujeitos continuadamente os

nordestinos.

O único meio de resolverem de uma vez por todas a situação do flagelado

seria a extinção dos grandes latifundiários improdutivos, as melhores terras

se encontram nas mãos dos latifundiários, e a distribuição gratuita com títulos

de posse, amparo e financiamento pelos bancos governamentais, pois não

havendo financiamento e ajuda material do Governo Federal nada adiantaria

a distribuição dessas terras242

Nesta matéria, o governo de Juscelino Kubitschek é acusado de nada fazer para

melhorar a condição dos trabalhadores nordestinos no período de grandes secas, e a

única solução para a situação dos nordestinos é a reforma agrária, que deveria ser

realizada como apoio do Governo Federal. No interior dessa perspectiva, a noção de um

trabalhador brasileiro abandonado, miserável, um flagelado da seca, aparece e foi

utilizada para propor uma das grandes bandeiras dos partidos políticos de esquerda na

década de 1950: a distribuição de terras. O latifúndio foi, após 1953, em diversas

matérias d’ O Metalúrgico, apontado como problema a ser solucionado. Em um

versinho publicado no ano 1955, o latifúndio é denunciado junto com os interesses

norte-americanos:

Companheiros e caros amigos.

Nestas estrofes vou terminar

Dizer a vocês o que faz o latifúndio

Em nosso país natal, apoderam-se das florestas

E não podemos cultivar

Quem perde é a nação

242 O Metalúrgico, pág. 03, nº 179, ano XVII, abril de 1959. Grifos feitos por mim.

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Na forma em que isto está.

Quem está gozando é o americano.

De sul ao norte da nação.

Veja que situação! 243

O imperialismo norte-americano, assim como o latifúndio, foi usado, em diversos

momentos, nos discursos dos líderes e militantes do Partido Comunista do Brasil

durante a década de 1950. Os historiadores Fernando Teixeira da Silva e Marco Aurélio

Santana apontaram que os últimos anos da década de 1940 e primeiros anos da década

de 1950 foram marcados pela crescente radicalização do discurso e da prática do PCB.

Em 1948, no “Manifesto de Janeiro”, o partido identificou como antidemocráticos tanto

os partidos da direita, como a UND, como os partidos “ditos de oposição”, como PTB e

o PSB, caracterizou o governo Dutra como um governo “de submissão ao imperialismo

americano” e fez severas autocríticas assumindo ter se desviado dos seus objetivos

revolucionários. Em 1950 foi lançado o “Manifesto de Agosto” que reafirmou a postura

de 1948. Este foi um período em que o PCB incentivou sua militância política a sair dos

sindicatos oficiais e a lutar em organizações “paralelas” ultrapassando os limites do

sindicalismo, entendido como, corporativista. 244

Em 1952, após severas críticas e a desobediência por parte de sua militância, que em

muitos casos continuou atuando nos sindicatos oficiais, o PCB “voltou atrás” e passou a

incentivar a aliança dos seus militantes com outros grupos, assim como a “retomada”

dos sindicatos. Contudo, mesmo incentivando a aliança, o partido, manteve o

radicalismo em sua prática e continuou pregando em seus discursos “a derrubada do

governo de latifundiários e grandes capitalistas” baseando-se na leitura de que o Brasil

era um país portador de uma estrutura econômica atrasada, semifeudal e semicolonial e

de que era necessária a “revolução agrária e antiimperialista” para que essa estrutura se

transformasse e o país pudesse caminhar rumo ao progresso nacional. 245

Em 1955, o partido abandona, na prática, a retórica de enfrentamento e apóia

Juscelino Kubitschek à presidência. Porém, é em 1958, quando foi lançada a

“Declaração sobre a política do PCB”, que pode ser observada uma profunda mudança

na orientação do partido. Este documento reiterava a revolução brasileira em duas

etapas (primeiro a democrática e nacional depois a socialista), indicava como o caminho

243O Metalúrgico, pág. 05, Nº 145, ano XIII, agosto de 1955. Grifos feitos por mim. 244

SILVA, Fernando Teixeira da. e SANTANA, Marco Aurélio. Op.cit. pág. 116. 245 Idem

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as lutas pelas reformas de base, e apontava o caminho pacífico da revolução. Nas

palavras de Fernando Teixeira da Silva e Marco Aurélio Santana, com este documento,

“o partido abandonava definitivamente a bandeira insurrecional e entrava nos caminhos

da reforma”.246 Os discursos contra os latifundiários e os imperialistas não foram

extintos do vocabulário do partido e nem dos militantes comunistas, porém, na prática,

o partido abandonou o radicalismo do período anterior, e aderiu ao caminho das

reformas de base, apoiando o governo quando esse parecia coadunar-se com os

interesses populares, mas criticando-o quando se desviava desse caminho. 247

Os historiadores Mario Grynspan e Marcus Dezemone apontaram que durante as

décadas de 1940 a 1960, e principalmente em 1950, o campo continuou a ser visto como

o lugar, por excelência, do atraso. Porém, as causas deste atraso deixaram de ser apenas

os elementos naturais, geográficos e climáticos, a doença ou a composição racional e

genética das populações rurais. O atraso, de acordo com os pesquisadores, passou a ser

tomado também como uma decorrência das causas econômicas e sociais. Nesta

perspectiva, a grande concentração de terras, os chamados latifúndios e os

latifundiários, eram vistos como os grandes responsáveis pelos males do período: a

fome, as más condições de vida e de educação da população, não só do campo, mas de

todo país. Neste contexto, a reforma agrária, que inicialmente era defendida pelos

setores de esquerda, foi ganhando legitimidade ao longo dos anos 1950, a ponto de

alguns grupos contrários à medida se virem constrangidos a defendê-la. Contudo, os

pesquisadores também lembram que a reforma agrária, embora não fosse defendida

apenas pela esquerda e seus partidos políticos, foi esvaziada do seu sentido distributivo

pelos setores da direita. 248

A observação dos autores Mario Grynspan e Marcus Dezemone se torna ainda mais

interessante quando examinamos alguns jornais da grande imprensa durante a década de

1950. O jornal O Estado de São Paulo, assim como o jornal O Metalúrgico, noticiou as

secas da década de 1950, e em 1958 propôs realizar uma série de reportagens abordando

“pelo ângulo econômico e social” as questões relacionadas às secas do Nordeste. Nesta

série, o jornal apontou para diversas questões que levavam a região a expulsar mão-de-

obra migrante para a cidade de São Paulo e apontou para a questão da reforma agrária:

246 Idem. pág. 124. 247 Idem 248GRYNSPAN, Mario e DEZEMONE, Marcus. As esquerdas e a descoberta do campo brasileiro: Ligas Camponesas, comunistas e católicos (1950-1964). In: FERREIRA, Jorge e REIS Daniel Arão. Nacionalismo e reformismo radical. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2007.

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122

O Estado de São Paulo divulgará em oito partes o estudo sobre a realidade

do Nordeste, que é de autoria do jornalista Hildebrando Espínola, membro do

Conselho de Economia do Ceará, assessor técnico da Federação das

Associações Rurais e nosso correspondente em Fortaleza. Analisando os

fatos presentes pelo ângulo econômico-social o autor conclui pela prioridade

da reforma agrária sobre os problemas propriamente do clima. 249

A “prioridade da reforma agrária”, apontada neste pequeno trecho, quase

desapareceu ao longo da série. O jornal em muitas matérias culpou o Governo Federal e

os políticos dos estados nordestinos pelo descaso com os trabalhadores destas regiões,

que acabavam migrando para o sudeste, e defendeu a mudança da realidade das regiões

rurais do país com base em medidas de contenção dos trabalhadores, como, por

exemplo, a construção de açudes e a ocupação do trabalhador em obras públicas.

Ao examinarmos as matérias publicadas pelo jornal O Metalúrgico, notamos a

presença de duras críticas aos latifúndios e aos latifundiários, assim como ao

imperialismo norte-americano, durante o período entre os anos 1953 a 1960. No jornal

do sindicato, ao contrário d’ O Estado de São Paulo, a distribuição de terras foi

defendida como uma solução para o fim das desigualdades sociais. Assim, a

representação de um nordestino como um flagelado da seca apareceu, na matéria

publicada em 1959, para valorizar a necessidade da reforma agrária, na qual os

latifúndios improdutivos deveriam ser exterminados, com o apoio do Governo Federal.

Vale lembrar, como foi retratado no Capítulo II dessa dissertação, que a defesa da

propriedade privada, foi uma das grandes bandeiras dos ministerialistas e católicos, e a

reforma agrária foi duramente criticada por esses grupos que até 1952 tiveram um papel

ativo no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Contudo, se em alguns momentos o Governo Federal foi chamado a transformar a

estrutura agrária do país, em outros, diante da situação de exploração dos trabalhadores

pelos “tubarões” da indústria,250 pelos latifundiários e pelo governo, no jornal do

sindicato, os trabalhadores do campo e da cidade foram convocados a se unirem a fim

de mudarem suas realidades. Um pequeno trecho da matéria escrita para comemorar o

1º de maio de 1956 apresenta essa convocação, nela o escritor anônimo afirmava:

249 O Estado de São Paulo, 29 de abril de 1958. 250

O termo “tubarão” foi recorrentemente usado nas matérias de O Metalúrgico para se referir aos industriais do período.

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Os camponeses que representam grande maioria da nação devem estreitar

cada vez mais a unidade com o proletariado da cidade na luta por seus

direitos e reivindicações. 251

De acordo com o historiador Clifford Welch “na ideologia do PCB, o camponês

faria parte da classe trabalhadora e deveria ser organizado e mobilizado junto aos

operários urbanos para construir e fortalecer o proletariado que um dia tomaria o poder

e construiria o comunismo no mundo”. 252 Por isso o camponês esteve no centro das

preocupações do PCB e de seus militantes, e a sindicalização dos trabalhadores rurais

recebeu apoio constante do partido. No período entre 1949 e 1964, o PCB realizou

inúmeras ações que buscavam mobilizar os camponeses, por exemplo, nesse período, o

partido publicou o primeiro jornal camponês de circulação nacional, chamado Terra

Livre. O objetivo central desse periódico era identificar os problemas dos trabalhadores

rurais e mobilizá-los para reivindicar soluções frente às autoridades. Em 1954, o PCB

organizou a primeira conferência nacional dos trabalhadores rurais e fundou a União

dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB). Os militantes

comunistas da ULTAB almejavam a defesa dos camponeses e a organização de

associações e sindicatos. Na ULTAB, os comunistas lutaram para tornar efetiva a

extensão das leis trabalhistas para os camponeses e fizeram pressão para a implantação

do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) em junho de 1963.253

A sindicalização foi o meio indicado, no jornal O Metalúrgico, para a conquista de

melhorias. Em uma matéria escrita em 1953, o militante comunista José Araújo Plácido

contou sua experiência pessoal em uma fábrica de São Paulo dizendo:

Trabalho em uma empresa, mas sempre correspondi com as disposições da

mesma. Certo dia, por força da necessidade, me dirigi a gerencia dessa firma.

Como eu trabalhava numa prensa, o salário era pouco, fiz minha reclamação

ao gerente. Ele disse “volte ao trabalho que eu vou resolver da melhor forma

possível”. Chegando ao fim do mês não veio o prometido. Voltei ao mesmo

gerente e repeti as mesmas frases e dessa vez ele me respondeu: “volte ao

251 O Metalúrgico, pág. 05, nº 151, ano XVI, abril de 1955. 252 WELCH, Clifford Andrew. Movimentos sociais no campo até o golpe militar de 1964: a literatura sobre as lutas e resistências dos trabalhadores rurais do século XX. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, p. 60-75, set. 2006, pág. 61. 253 Idem.

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trabalho rapaz foi engano na contabilidade”. Voltei ao fim do mês, esperava

que a contabilidade tivesse retificado o engano, mas tive a mesma desilusão e

dessa vez o gerente disse: você vá falar com o diretor. Segui na mesma

persistência e o diretor disse: “eu quero lhe salientar que a direção dessa

empresa tomou novas medidas, para fazer um reajuste geral para todos os

trabalhadores. Voltei ao trabalho com a maior confiança porque sabia que o

pedido feito era justo, e não podia deixar de ser atendido. Mas por fim a

desilusão veio depois, e me disse o diretor: “o senhor está sendo muito

persistente, espero que volte e compreenda melhor a boa vontade dessa

empresa”. E a história era sempre a mesma. Voltei ao trabalho. Conversando

com os companheiros contei toda a história. Naquela data já estava

trabalhando sob fiscalização e o chefe dizia que a minha produção estava

decaindo. Fiquei nervoso e impaciente porque sabia que não era verdade.

Pensei em quebrar as máquinas, estragar as peças produzir menos e estragar

ferramentas. Mas meu caro colega me inquiriu: “Companheiro, você é

sindicalizado? Respondi que não, que o sindicato era uma droga e

continuando a minha luta consultei os demais companheiros e a resposta era

sempre a mesma: “você é sindicalizado”. Não! Então vá logo rapaz!. Eu

tinha uma causa quase idêntica a sua, mas já foi resolvida da melhor maneira.

No mesmo dia procurei um diretor do sindicato e contei minha história. Ele

pensou um pouco e me fez a pergunta: os trabalhadores estão organizados em

comissões no local de trabalho? Respondi que não! Outra pergunta: existem

muitos sindicalizados? E respondi que não. Outra pergunta: os salários na

firma são baixos? Eu respondi que sim. Meu amigo, seu caso tem que ser

resolvido coletivamente, volte a sua empresa e vamos organizar os

trabalhadores, não adianta o senhor quebrar a máquina que ela não tem culpa,

nem decair a produção, o que adianta é sermos organizados dentro do nosso

sindicato, trazer os trabalhadores para lutar por seus direitos e reivindicações.

E assim a situação se modificou e foi resolvido esse problema que se

apresentou nessa época. 254

José Araújo Plácido, a partir do período em que foi publicada a matéria, 1953,

passou a ter uma crescente atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ao lado

de Remo Forli, José Bustos, Eugenio Chemp, Afonso Delellis entre outros comunistas e

socialistas. Em 1956, José Araújo Plácido se tornou vice-presidente do sindicato. Sua

posição de militante comunista e de sindicalista se embaraçava com sua trajetória de

operário. Na matéria, o autor, que narra a história em primeira pessoa, ressaltando ao

254

O Metalúrgico, pág.06, nº 121, ano XI, junho de 1953.

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leitor sua experiência de trabalhador do chão de fábrica em São Paulo, valorizou o papel

do sindicato e apontou para a necessidade de organização dos trabalhadores no interior

do órgão sindical. Para esses militantes, a união dos trabalhadores, união apresentada

em greves, mobilizações e revoltas, e a luta dos operários foram os meios indicados para

a conquista de mudanças, e o sindicato foi visto como elo aglutinador que permitiria a

união da classe, embora a luta começasse muito antes, com a organização dos

trabalhadores nas fábricas. Assim afirmou o militante comunista Eugenio Chemp em

uma matéria publicada n’ O Metalúrgico em 1956:

As grandes vitorias do nosso povo confirma a velha tese: as reivindicações e

os direitos se conquistam através das lutas, a base da unidade e organização

dos trabalhadores, nos sindicatos e principalmente nas empresas. 255

Ao incentivar a luta e união dos trabalhadores, os militantes que escreveram no

jornal do sindicato usavam a todo o instante em suas matérias um antagonismo que

colocava operários e sindicalistas de um lado e patrões, governantes e latifundiários de

outro. Em uma matéria de 1954, o comunista José Araújo Plácido afirmava:

No momento em que todos os trabalhadores se organizam para conquistar

suas reivindicações, dentro dos Sindicatos como seja, o aumento de salário, o

congelamento dos preços e outras reivindicações mais sentidas, os patrões,

junto com o Governo procuram por todos os meios torpedear a unidade dos

trabalhadores.

Os ministerialistas também foram alvos de críticas dos comunistas e foram

apresentados ao lado dos patrões e do governo, contra os trabalhadores. Assim

apresentava José Araújo Plácido na mesma matéria de 1954:

Companheiros Metalúrgicos! Nesse momento que atravessamos temos que

enfrentar dois inimigos: um interno e outro externo. O externo já é bem

conhecido e o interno são os nossos próprios companheiros, que a serviço dos

patrões procuram fazer o jogo divisionista e cego no papel de verdadeiros

policiais.

E à frente afirma:

255

O Metalúrgico, pág. 03, nº 149, ano XIV, fevereiro de 1956.

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Esta diretoria tem procurado dar aos seus associados a maior liberdade de

ação, enquanto que a diretoria anterior não se podia denunciar nem um patrão

porque determinado diretor tinha o seu telefone ligado à Ordem Política e

Social, perseguindo os melhores trabalhadores que se destacaram na luta por

melhores condições de vida e das reivindicações dos trabalhadores. Hoje esse

mesmo elemento quer se apresentar como verdadeiro anjinho e, no entanto

nada tem feito nesta luta por melhores salários e salário mínimo, nada faz se

não criar confusão no meio dos trabalhadores, jogando boatos e

desconfiança....256

As direções ministerialistas foram criticadas também por membros que

ocupavam o centro do espectro político no sindicato. Nesse sentido, o mesmo José Maia

Ribeiro, que exortou a harmonia entre as classes no início da década, e compartilhou

muito da visão dos ministerialistas e católicos sobre trabalhador nacional em 1952,

posteriormente, em 1954, quando os comunistas e socialistas já atuavam na direção do

sindicato, afirmou:

Ao volvermos o pensamento para o passado, que não volta mais, do ano de

1953, observamos, estarrecidos e acabrunhados que, a maioria absoluta das

entidades de defesa operária, pouco ou nada fizeram, e o quadro mais

desesperador é justamente aquele que diz respeito as chamadas entidades de

grau superior, denominadas Federações e Confederações de Trabalhadores. 257

Assim, ao analisar o jornal O Metalúrgico é possível afirmar que as matérias

publicadas após 1953 constituíram parte do fazer-se da classe operária da década de

1950, uma vez que, através delas se formava, também, a consciência do “nós”,

operários, e “eles”, os industriais, os latifundiários e os governantes. A representação do

migrante nacional como um flagelado da seca do Nordeste esteve presente no jornal O

Metalúrgico. Contudo, os flagelados do Nordeste, homens e mulheres desamparados,

famintos e deslocados de suas habitações, buscando melhor condição de vida, não

foram trabalhadores apáticos ou simplesmente iludidos, pois o jornal também

apresentou que esses camponeses desencadearam movimentos esparsos de luta

reivindicatória. O trabalhador do campo, não foi representado pelo Jeca-Tatu de

256 O Metalúrgico, pág. 12, nº 130, ano XII, abril de 1954. 257 O Metalúrgico, pág. 3, nº 130, ano XII, abril de 1954.

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Monteiro Lobato, mas sim como um homem que, frente à corrupção e às injustiças, se

revolta e compreende que era preciso permanecer no campo e lutar contra a exploração.

A migração foi uma retirada consciente do homem do campo que procurava em outros

lugares desconhecidos melhores condições de vida para si e para sua família. Os

trabalhadores de O Metalúrgico foram os verdadeiros agentes do progresso, sobretudo

aqueles que pertenciam a categoria, eram aqueles que, com o seu trabalho, contribuíam

para que São Paulo fosse “o maior centro industrial da América Latina” e, embora esta

representação tenha sido usada pelos setores da direita, n’ O Metalúrgico após 1953, a

representação do trabalhador como um contribuinte do progresso foi utilizada como um

incentivo à luta operária. Por fim, a miséria que assolava o operário e fazia da capital

paulista uma cidade marcada também pela desigualdade social, não tornava os

trabalhadores sujeitos passivos, mas, ao contrário, formava a representação de um

trabalhador brasileiro que luta, com as próprias mãos, por melhorias.

Eric Hobsbawm analisando a iconografia socialista do fim do século XIX

retratou que muitas imagens foram usadas, como mecanismo de “inspiração”.258 Talvez,

as “imagens escritas” tenham esse mesmo objetivo. As representações dos trabalhadores

nacionais construídas no jornal O Metalúrgico, no período em que comunistas e

socialistas estavam na direção do sindicato, e também do jornal, incentivavam os

trabalhadores a lutarem por uma vida melhor e não, como estimularam os

ministerialistas e católicos que atuaram no sindicato durante os anos de 1951 a 1952, a

esperarem uma intervenção divina na sua realidade. Contudo, em meio à construção das

representações do trabalhador nacional as posições de militante, trabalhador e

sindicalista, que permeou a biografia de alguns escritores de O Metalúrgico, se

mesclavam, configurando imagens que ora se confrontavam ora se apropriavam, muitas

vezes ressignificando-as, daquelas divulgadas por setores distantes da classe operária da

década de 1950.

258

HOBSBAWM, Eric J. Homem e Mulher: imagens da esquerda. In: Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 200

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128

Conclusão:

O jornal O Metalúrgico, como vimos nesta pesquisa, foi um elemento importante

da organização sindical metalúrgica de São Paulo ao longo da década de 1950. O

Metalúrgico foi um veículo de comunicação entre os sindicalistas e os trabalhadores do

chão das fábricas da capital paulista. Ao longo da década de 1950, foi escrito e

organizado, sobretudo, por membros que compunham a direção do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo, e aceitava, com ressalvas, as matérias dos metalúrgicos

associados a este sindicato.

Após ser lançado no mês de setembro de 1942, O Metalúrgico percorreu a vida

do sindicato e é publicado até os dias de hoje. Ao longo dos anos 1950, este periódico

apresentou características em sua materialidade que lembram os primeiros jornais

operários publicados entre o final do século XIX e primeiros anos do século XX no

Brasil, características essas que também distinguem este jornal daqueles produzidos

pela grande imprensa durante a década de 1950, como, por exemplo: a ausência de

publicidade e de rigidez na distribuição dos conteúdos, o pequeno número de páginas e

o formato, predominante na imprensa operária, de tipo tabloide. 259

A exterminação da figura do jornalista, tal como existia em outros jornais,

também afasta O Metalúrgico dos periódicos mais poderosos que compunham a grande

imprensa da época. O profissional da notícia ou o repórter foi substituído pelo

sindicalista, na maioria das vezes, membro da diretoria do sindicato, ou pelo próprio

trabalhador, quando este enviava matérias para serem publicadas. Os escritores d’ O

Metalúrgico se preocupavam muito mais em expressar suas opiniões, do que em apenas

transmitir uma determinada notícia de uma maneira supostamente imparcial, como

indicavam os primeiros manuais de jornalismo que surgiram entre as décadas de 1940 e

1950 e por isso, grande parte das matérias publicadas no jornal do sindicato foi assinada

pelos sindicalistas que se apresentavam como representantes do seu público leitor: os

trabalhadores do chão das fábricas metalúrgicas de São Paulo.

A década de 1950 foi um momento no qual os sindicatos eram disputados

acirradamente por diferentes sujeitos, e o jornal reproduziu em suas páginas a influência

de sindicalistas ministerialistas, católicos, comunistas e socialistas. A assinatura em

cada uma das matérias permitiu que identificássemos alguns dos escritores d’ O

259 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. 1880-1920. Rio de Janeiro. Editora: Vozes. 1978.

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Metalúrgico e as narrativas permitiram que compreendêssemos um pouco das suas

visões de mundo e do seu entendimento sobre o trabalhador nacional.

Ao longo do período abordado nessa pesquisa, percebemos a presença cada vez

mais intensa dos comunistas e socialistas na organização e produção do periódico – que

contou com o comunista José Bustos na direção do jornal e com a colaboração de outros

militantes comunistas e socialistas, como Eugenio Chemp, Afonso Delellis e Remo

Forli, na redação das matérias. Essa forte presença de comunistas e socialistas n’ O

Metalúrgico resultou no surgimento de novas colunas – como a coluna Só para as

Mulheres escrita pelo comunista José Araújo Plácido - e revelou a íntima relação da

diretoria do sindicato com o jornal durante a década de 1950. A diretoria do sindicato

não apenas escrevia matérias como também influenciava na distribuição dos conteúdos,

trazendo muitas notícias sobre o cotidiano do sindicato que serviam como um

instrumento de informação e promoção da entidade.

A influência dos sindicalistas ministerialistas e dos católicos no sindicato

durante os dois primeiros anos da década – 1951 e 1952- e o crescente papel dos

comunistas e socialistas de 1953 a 1960 foi perceptível no jornal através das

representações dos trabalhadores do campo, dos operários urbanos e dos migrantes. O

início da década foi marcado pela representação do trabalhador nacional como um chefe

de família cristão, um trabalhador ordeiro e pacífico, que se doava generosamente ao

trabalho buscando cooperar com seus patrões e com o Estado. A mulher foi enaltecida

no jornal do sindicato enquanto mãe e esposa, sendo poucas vezes apresentada como

membro da classe operária metalúrgica. Essas representações corroboravam com a ideia

de colaboração entre as classes sociais que foi amplamente compartilhada pelo Estado,

pela Igreja e por empresários após a década de 1930.

Com o decorrer da década de 1950, os comunistas e socialistas passam a

escrever e organizar cada vez mais o periódico e aparecem matérias que, mesmo não

sendo escritas por esses militantes, representam o trabalhador de uma maneira diferente

daquelas apresentadas no início do período. A colaboração entre as classes cede espaço

para a valorização da luta operária e a uma crescente divulgação do “nós” operários e

“eles” os patrões. Com isso, é valorizado o papel da mulher enquanto parceira dos

metalúrgicos na luta por direitos adquiridos e melhoria de vida e de trabalho nas

fábricas. A mulher passa a ser representada como uma operária combativa, contrariando

relações feitas entre a mulher e a figura bíblica de Maria, na qual se enfatizavam

características como a fragilidade. A representação do operário nacional como um

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sujeito pacato foi utilizada pelos sindicalistas em alguns momentos do período posterior

a 1953 para justificar o direito de greve e de mobilização da classe. O migrante foi

representado no jornal como um sujeito consciente da sua condição de explorado,

distanciando-se das representações do nordestino como um sujeito apático e iludido

pelo sonho do progresso, tal como era divulgado por alguns jornais da grande imprensa.

A representação do nordestino como um flagelado da secas do Nordeste apareceu no

jornal, e o trabalhador do campo também foi chamado a lutar, junto com seus

companheiros urbanos, por uma transformação da realidade de miséria que assolava a

vida dos trabalhadores de todo o Brasil.

As representações do trabalhador nacional construídas no jornal do sindicato não

se formaram sem conflitos e houve permanências de ideias e valores em suas

composições, por exemplo, em algumas matérias os papeis dados aos homens e às

mulheres, cabendo aos primeiros o trabalho nas fábricas, o provimento do lar e às

segundas o trabalho doméstico e a educação dos filhos permaneceram, sendo

perceptível, sobretudo em datas comemorativas, através de poemas e versos, como nos

exemplares em que foi comemorado o dia das mães. A figura feminina atrelada ao lar

convivia com matérias nas quais o sindicato clamava pela participação feminina na

entidade, representando a mulher como uma operária que lutava pelos direitos da

categoria ao lado, e algumas vezes por meio, dos homens. Todavia, as mudanças que

observamos nesta pesquisa, certamente questionam muitas interpretações, divulgadas

por alguns acadêmicos e sindicalistas, sobre o período, e principalmente sobre a atuação

sindical, anterior ao golpe civil militar de 1964.

Os anos de 1930 a 1964 foram, durante muito tempo, compreendidos como parte

de uma “era populista”. O populismo foi definido, de uma maneira geral, por alguns

acadêmicos, como um movimento nacionalista de natureza urbana que se caracterizaria

por uma ideologia eclética na qual haveria uma adesão clientelista do povo e a presença

de um líder carismático. O populismo não foi um fenômeno tipicamente brasileiro, mas

ganhou proeminência na América Latina, onde líderes como Getúlio Vargas, no Brasil,

e Juan Perón, na Argentina, seriam os maiores representantes. Um dos pontos mais

importantes de algumas interpretações sobre o período de 1930 a 1964 foi o atrelamento

dos sindicatos ao Estado, entendido, muitas vezes, como uma verdadeira subordinação

do primeiro ao segundo. 260

260 FRENCH, Jonh D. O OBC dos operários. Conflitos e aliança de classe em São Paulo – 1900-1950. São Paulo. Editora Hucitec. 1995. Pág. 04, 05, 06, 07.

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131

Ao aceitarem o sistema corporativista implantado durante o Estado Novo (1930-

1945) a liderança sindical foi acusada de se render a um sistema fascista e de se adaptar

a uma estrutura extremamente burocratizada e rígida, que foi planejada para inibir

qualquer forma de mobilização dos operários. O sindicalismo oficial, implantado

durante o governo de Getúlio Vargas, foi, nessas interpretações, considerado uma

criação de cima para baixo, no qual sindicatos estavam sujeitos a um rigoroso controle

governamental, que limitou a capacidade de ação da classe operária, que não poderia

mais atuar por meio da livre negociação coletiva, mas apenas por procedimentos

judiciais trabalhistas. 261

O sindicato dos anos 1930 a 1964 foi definido como um órgão de colaboração

com o Estado e muitos o descreveram como uma entidade apenas assistencialista e

distante da luta operária. A liderança sindical também foi acusada de buscar agir apenas

no interior do que era permitido pela Consolidação das Leis do Trabalho, vista como

uma camisa de força, e de contar, em suas ações, com a boa vontade do Estado. Livre

do compromisso de prestar conta aos trabalhadores do chão das fábricas, pois seu

direito de representatividade estava garantido pelo Estado, e do esforço de angariar

associados, pois recebia o imposto sindical que era a contribuição compulsória

arrecadada de todos os trabalhadores, a liderança dos sindicatos não se esforçava em

lutar pelos reais interesses de sua classe. 262

As greves e outras formas de mobilização dos trabalhadores foram encaradas

como ações difusas e espontâneas que careciam de uma liderança eficiente, pois, nesse

período, os líderes sindicais fugiam de qualquer iniciativa que pudesse levar a uma

repressão estatal. No interior dessas interpretações sobre o populismo, as ações do PCB

ao longo dos anos 1930-1964 também foram duramente criticadas. O PCB foi acusado

de contribuir para o enfraquecimento da classe operária durante esses anos. Ao pregar

mitos nacionalistas e ser guiado pela política externa soviética, o PCB teria mantido

uma política de cima para baixo e não teria atentado para a realidade dos operários que

dizia representar. Nesse sentido, os comunistas foram observados como oportunistas

que se infiltravam na burocracia sindical buscando extrair vantagens, colocando-se

também, devido a seus interesses eleitorais, a reboque de políticos populistas como

Adhemar de Barros e João Goulart. 263

261 Idem 262 Idem 263

Ibidem

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132

Essas interpretações foram divulgadas por acadêmicos, mas também por

sindicalistas durante os anos 1970. Para muitos, um novo sindicalismo estava surgindo

nas efervescentes greves lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva, pondo um fim na “era

populista”. Em meados dos anos 1980, alguns historiadores passaram a questionar a

interpretação de um “sindicalismo cupulista” e durante os últimos anos mostrou-se a

fragilidade dessa interpretação.264 As representações do trabalhador nacional

construídas no jornal O Metalúrgico durante a década de 1950 contribuem para

questionar essa antiga, porém ainda viva, interpretação sobre o populismo na política

brasileira e sobre o papel do sindicato e, principalmente, dos líderes sindicais durante os

anos 1930 a 1964.

Ao contrário de um sindicato homogêneo, tomado por sindicalistas subordinados

ao governo e ao patronato, o sindicato dos anos 1950 foi um espaço de disputa entre

diferentes personagens. As representações do trabalhador nacional foram diversas,

algumas delas incentivavam a colaboração entre as classes sociais, descrevendo o

operário nacional como um sujeito ordeiro, submisso e desejoso de colaborar com o

patrão, outras, porém, clamavam a luta contra os “tubarões da indústria” incentivando

através da representação de um trabalhador ativo e consciente dos seus direitos, a

participação em seu órgão de classe. Assim, os sindicalistas dos anos 1950, sobretudo

os comunistas e socialistas, não estavam à mercê dos interesses do governo ou dos

patrões, mas, ao contrário, muitas vezes estimularam a participação e o apoio da base.

As representações do trabalhador nacional, construídas nas matérias do jornal do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo também contribuem para pensarmos nas

muitas representações divulgadas por outros setores da sociedade paulistana da década

de 1950. As biografias de muitos dos escritores d’ Metalúrgico, marcadas pela

militância política, pela migração e pela direção sindical, influenciaram as matérias

publicadas ao longo dos anos 1950. O campo não era apenas um espaço idílico ou

atrasado, mas foi apresentado como um espaço de lutas por melhorias, e o

camponês/migrante como um sujeito consciente da exploração vivida. A cidade de São

Paulo, além de ser a capital do progresso, foi representada como um lugar de

desigualdades e de exploração para a classe operária, que, na visão de muitos escritores,

deveria se levantar contra o opressor e lutar, no interior do sindicato, contra outras

classes, cujos interesses diferiam dos seus.

264 Idem.

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Arquivos e Fontes:

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Anexos

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(Capa do primeiro exemplar do jornal O Metalúrgico publicado no mês de setembro de 1942)

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(Exemplar no qual foi publicada a coluna Só para as Mulheres escrita pelo comunista José Araújo Plácido no ano de 1956)

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(Capa do jornal O Metalúrgico de 1953 que se refere a Greve dos 300 mil e apresenta a foto do líder socialista Remo Forli)

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(Matéria sobre a Greve dos 300 mil em São Paulo apresentada pelo jornal O Metalúrgico em 1953)

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(Capa do jornal O Metalúrgico que apresenta a matéria sobre a Greve dos 400 mil de 1957)

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(Exemplar do jornal O Metalúrgico apresentando o resultado da eleição da diretoria do sindicato do ano de 1955)

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(Exemplar do jornal O Metalúrgico de 1957 que apresenta matéria sobre os migrantes e a migração nacional)