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Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e Ciências Humanas Departamento de Psicologia EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ESTUDO DE CASO COM A PROVA DE RORSCHACH Aluna: Marina Meirelles Horta Orientadora: Profa. Marília Gonçalves Julho / 2004

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Universidade Federal de São Carlos

Centro de Educação e Ciências Humanas Departamento de Psicologia

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ESTUDO DE CASO COM A PROVA DE RORSCHACH

Aluna: Marina Meirelles Horta

Orientadora: Profa. Marília Gonçalves

Julho / 2004

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Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e Ciências Humanas

Departamento de Psicologia

Monografia de Conclusão de Curso apresentada à UFSCar como um dos requisitos obrigatórios para a obtenção do

Diploma de Bacharel em Psicologia - Área de Saúde, sob orientação da

Prof ª Marília Gonçalves

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Dedico esse trabalho à tia Igraine, Uther, Morgause e a todos ex-eternos-alunos-companheiros

desse mundo de fantasia que foi o Kinder!

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Agradeço: À família, pelo amor, compreensão e apoio incondicional de sempre! Aos amigos queridos, flores na minha vida, por tudo compartilhado: Matheus, Lau, Mariana, Re, Lara, Fê, Ju, Marcelo, Zé, Du e Daniel! À Melina, e demais amigos dançarinos, por me darem chão, centro e equilíbrio - mas sempre dançando! À Ilza, Marol, Carol, Ju, Milena e crianças da Musicalização, pelo prazer de todo dia e pelo trabalho em que mais acredito! À Denise, por toda transformação! Às professoras, Rose e Georgina, por me acolherem de alguma forma! Especialmente À tia Igraine, por muito do que sou hoje! À Morgause, pela contribuição, disposição e todo apoio do mundo - tudo com muito carinho! À Marília, por intuitiva e pacientemente deixar-me seguir meu caminho, no meu ritmo de amadurecimento, compreendendo-me, muitas vezes, até sem palavras! A essas pessoas, que moram desde sempre em meu coração, serei eternamente grata!

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SUMÁRIO

RESUMO------------------------------------------------------------------------------------------------6 MONDO-VIDA----------------------------------------- ------------------------------------------------7 INTRODUÇÃO-----------------------------------------------------------------------------------------9 I. Um lugar chamado Kinder------------------------------------------------------------------10 II. Arte e Educação: Augusto Rodrigues-----------------------------------------------------13 III. Gnose e Educação: Samael Aun Weor----------------------------------------------------18 IV. Breve histórico do conhecimento gnóstico-----------------------------------------------23 V. A educação, a criança e a arte--------------------------------------------------------------27 VI. Uma escola exotérica------------------------------------------------------------------------36 MÉTODO----------------------------------------------------------------------------------------------47 RESULTADO-----------------------------------------------------------------------------------------66 DISCUSSÃO------------------------------------------------------------------------------------------85 CONCLUSÃO----------------------------------------------------------------------------------------89 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA----------------------------------------------------------------94 ANEXOS-----------------------------------------------------------------------------------------------97

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RESUMO

A ciência moderna, pautada nos princípios positivistas da racionalidade,

objetividade, neutralidade, universalidade e quantificação, produz e determina a concepção

de homem e de mundo, o tipo de conhecimento e prática educacional vigente.

A escola, de um modo geral, seguindo esse modelo científico, acaba priorizando o

aspecto racional do pensamento, ficando o desenvolvimento do raciocínio reduzido a

práticas de memorização e reprodução de conhecimento. O conhecimento torna-se

dicotomizado já que outros aspectos tais como a criatividade, a vida emocional, entre

outros, que fazem parte da vida humana tanto quanto a razão, são negligenciados no ensino.

Motivada pela minha trajetória educacional, como de muitas outras pessoas marcada

por essa dicotomização do homem (seja privilegiando a razão ou a emoção), nosso objetivo

foi investigar a dinâmica afetivo-emocional e cognitivo-intelectual de uma ex-aluna de um

sistema educacional o qual objetivava desenvolver o lado direito do cérebro (o lado não-

verbal, da não-forma, da criatividade e sensibilidade).

Para fundamentar nossa investigação, escolhemos a pesquisa qualitativa,

principalmente por resgatar a subjetividade do sujeito-pesquisado. Através da articulação

dos dois referenciais utilizados no procedimento diagnóstico – a entrevista clínica e a Prova

de Rorschach – pudemos ter uma visão mais abrangente do fenômeno investigado.

A participante tinha 27 anos. Foram realizadas duas entrevistas e Prova de

Rorschach aplicada uma única vez.

Os resultados levam a pensar que qualquer tipo de educação que não leva em conta

o homem na sua inteireza como ser físico, emocional, racional e social pode trazer algum

tipo de prejuízo em sua vida futura.

Este estudo nos proporcionou dados sobre a dinâmica afetivo-emocional da

participante e nos forneceu indicadores que apontam para o encaminhamento de

psicoterapia, na linha do psicodrama ou com enfoque corporal. Isto irá facilitar o contato

dela com suas angústias, e a tomada de consciência do seu funcionamento dinâmico

possibilitando um desenvolvimento mais amplo do seu potencial afetivo-emocional e

cognitivo intelectual.

Palavras chaves: Educação, Pesquisa Qualitativa, Prova de Rorschach.

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MUNDO-VIDA

Em 1996, no segundo colegial, eu participei de atividades realizadas por uma

psicóloga na escola onde eu estudava, junto com todos os alunos daquele ano. Dentre as

atividades, realizamos um teste vocacional. O resultado desse teste não era o nome do curso

específico no qual seguiríamos carreiras, mas áreas nas quais mais nos identificávamos (ou

características de nossa personalidade) para seguir nosso caminho – ou não. O resultado do

meu teste foi AIS – sigla das áreas artística, investigadora e social.

Minha vontade na época era justamente prestar Artes Plásticas, mas a falta de

confiança nos meus “dotes artísticos” foi mais forte que minha vontade. Por uns instantes

veio Psicologia na minha cabeça e me agarrei a essa idéia. Tia Igraine (idealizadora e

professora de artes do ateliê que freqüentava, o Kinder) dizia: “Marina, não vai fazer

Psicologia..”; E eu dizia: “Não tia, vou fazer uma psicologia revolucionária”. Passei - sem

saber muito bem onde e nem quais as características do curso no qual ingressei.

Nos primeiros anos da faculdade senti-me bastante perdida porque a minha idéia de

psicologia não correspondia à realidade a qual eu vinha experimentando. Antes de entrar

na faculdade, mais ou menos durante um ano, eu passei por um processo de psicoterapia

junguiana e, a partir de então, a minha compreensão da psicologia passou a ser influenciada

por essa experiência de terapia. Jung era o autor da minha escolha, mas eu não o encontrava

em meio aos trabalhos e disciplinas desenvolvidas.

Terceiro ano. Monografia. “E agora?” Na eu época fazia uma disciplina optativa na

área de saúde na qual me identificava bastante com as idéias expostas, me sentia um pouco

em casa (de volta ao lar!).

Um dia na aula discutíamos o conceito de sincronicidade da Psicologia Analítica de

Jung. O conceito foi exposto e explicado de forma tão clara, simples e objetiva, que mesmo

aqueles não “apreciadores” da psicologia junguiana puderam compreender esse fenômeno.

E ai, toda essa simplicidade para lidar com temas geralmente vistos e explicados como

“bicho de sete cabeças”, me faz escolher essa professora para minha orientação. Meio

caminho andado!

Começaram as reuniões. Como eu não tinha nenhum tema em mente para meu

trabalho, as primeiras reuniões foram de muita conversa. Em uma delas, respondendo a

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uma pergunta, eu disse que acreditava no poder de transformação de cada individuo e que

gostava do Kinder (Ateliê de Artes).

Ah, o Kinder! O Kinder era o lugar onde nos imaginávamos no fundo do mar,

achando lindos tesouros perdidos; ou onde quando aguávamos o jardim víamos fadas e

gnomos; ou onde criávamos histórias incríveis de Morganas e um povo que morava no sol;

ou onde tocávamos flauta, desenhávamos ou simplesmente ouvíamos boa música,

conversávamos, brincávamos, olhávamos o céu, a lua e as estrelas...Nunca me esquecerei

de Castro Alves, o poeta dos escravos, Adélia Prado ou Egberto Gismont e Dércio

Marques, pessoas que coloriram com sua arte nossas exposições, saraus, festas...

Sair deste mundo e entrar no cursinho e depois no curso de Psicologia da UFSCar

não foi nada fácil. Morria de saudades de tudo aquilo e precisava falar, falar, chorar, rir...e

Marilia me acolheu prontamente. Foi um processo bastante difícil, porém necessário. Vejo

o Kinder com outros olhos hoje (mais de longe): ainda com saudade, mas com a certeza que

outros Kinder – diferente, mas com alguma coisa daquele - hão de vir...

Hoje, revendo toda minha trajetória educacional (graças a esse trabalho), pude

perceber que passei pelos dois extremos opostos da educação: um totalmente voltado para o

aspecto sensível, da criatividade – o ensino para o lado direito do cérebro; e outro voltado

para razão e o mundo do pensamento – o ensino para o lado esquerdo do cérebro. Mas se

possuímos dois hemisférios, com um corpo caloso que os interligam, acredito que seja para

ambos serem usados e desenvolvidos, e o mais importante, que se comuniquem. Só assim

poderemos ser inteiros. E é sobre isso que gostaria de falar!

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INTRODUÇÃO

"Foi então que vi, através do sonho, a Criação. Criar é deixar fluir as energias divinas que nos impregnam. Criamos pela dança, multiplicando as formas do corpo em infinitos gestos

e perfis; pela poesia, balbuciando a linguagem paradoxal dos anjos; pela ficção, dando vida ao imaginário. Criar é um ato religioso, mesmo dentro de um laboratório. Uma forma

sutil e dinâmica de oração, na qual o que há em nós de mais feroz e sublime se funde em matéria de ofertório. Todo artista é um clone de Deus. E toda arte, uma pálida tentativa de

expressar a linguagem do Absoluto que ressoa no mais íntimo de nós, permitindo-nos mirar o real pela ótica da estética. Só assim transcendemos a realidade e nos tornamos

capazes de reinventá-la, modificando-a, humanizando-a, fazendo dela espaço de amorização. Comum união de todos e de tudo"1

Frei Betto

1 BETTO, Frei. A obra do artista - uma visão holística do Universo. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1995

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I - Um lugar chamado Kinder

"Casarão, casarão, chorarás quem te conheceu Casarão, coração, teu carinho me acolheu Lembrarei, levarei, falarei de ti com amor

Tuas velhas portas se abriram E acolheram a quem chegou"2

O Kinder foi criado por Igraine numa cidade do interior de São Paulo, em 1986.

Antes, porém, em 1984, sua semente já havia sido plantada: Igraine foi responsável pela

primeira Escola de Artes da cidade, o NAAC. Essa primeira escolinha existiu por apenas

um ano, sendo reinaugurada dois anos mais tarde como Ateliê de Artes Kinder. A palavra

kinder vem do alemão e significa infância.

O Ateliê de Artes Kinder é uma instituição sem fins lucrativos, onde toda a

arrecadação financeira proveniente das mensalidades dos alunos é investida na própria

instituição, em materiais ou na remuneração de seus professores e funcionários.

A filosofia educacional do Ateliê era fundamentada no conhecimento gnóstico, mais

precisamente nos ensinamentos de Mestre Samael Aun Weor (como é conhecido por seus

seguidores gnósticos), que foi o pioneiro e divulgador do Movimento Gnóstico Cristão e da

gnósis contemporânea. Segundo as palavras de Igraine:

“O Kinder (...) é, portanto uma atividade gnóstica totalmente voltada para atender as crianças, adolescentes e jovens filhos de participantes desta instituição ou não. Tem como objetivo educá-las para que aprendam a viver, adquirindo hábitos necessários para sua adaptação ao meio natural, social e espiritual. Para que desde pequenos sejam estimulados a desenvolverem o altruísmo, a justiça, a ordem, a livre iniciativa, a caridade, etc.”3

De acordo com Samael Aun Weor, na essência (ser divino, a mônada, o íntimo)

temos nossas qualidades inatas que devem ser alimentadas com ternura, carinho, amor,

2 Canção de ninar com letra de Dércio Marques (CD: Monjolear) 3 HERMANA, Suze. Um lugar chamado, Kinder, 1988, p.1. (Monografia para o 30° Curso de Missionários – Centro de Capacitação “Samael Aun Weor”, Caldes de Malavella, Gerona, Espanha)

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música, flores, beleza, harmonia etc. Assim, o trabalho com as crianças do Kinder era

realizado através da arte, sendo esta entendida como uma forma de despertar as

potencialidades humanas. Sobre a arte do ponto de vista gnóstico Igraine diz:

“O pilar gnóstico da arte nos ensina a sermos plenamente humanos buscando desenvolver as virtudes artísticas inatas em todos os homens. Reavivar nossa adormecida capacidade de assombro e admiração pela beleza. Investigarmos e chegarmos a decifrar intuitivamente a mensagem oculta em cada obra de arte (pintura, escultura, música, etc.)” 4

As atividades realizadas no Kinder englobavam as mais diversas expressões

artísticas, como artes plásticas, teatro, história da arte, origami, canto e flauta-doce, além do

yoga; todas com o objetivo de: desenvolver a sensibilidade, como parte integrante do

raciocínio, o lado direito do cérebro (hemisfério responsável pela criatividade e expressão

não-verbal) e cultivar a essência. A criatividade e sensibilidade eram incentivadas em

detrimento da técnica em si de qualquer expressão artística. O importante era muito mais o

“fazer arte”, do que o “como fazer arte”.

Todas as atividades eram coordenadas e acompanhadas por Igraine – que, além

disso, era também responsável direta pelas atividades que englobavam as artes plásticas - e

Uther - responsável pela prática de yoga, aulas de flauta e origami.

As turmas eram divididas por faixa etária e cada uma tinha um nome: Os

Templários, Cavaleiros da Távola Redonda, Cavaleiros da Luz, Os Últimos Anjos etc. As

atividades do Kinder ocupavam seus alunos durante aproximadamente três horas em um

único dia fixo da semana. Igraine e Uther preparavam e planejavam as aulas de cada

semana, sendo que os alunos nunca sabiam a priori qual atividade seria realizada, era

sempre uma surpresa! A única atividade fixa era, no início de cada encontro, uma prática de

meditação.

Pode-se dizer, portanto, que o trabalho no Kinder unia a gnose (um conhecimento

de caráter esotérico) e a Arte.

A influência da gnose veio dos ensinamentos de Samael Aun Weor, principalmente

de seu livro Educação Fundamental (1980), o qual enfatiza com maiores detalhes e

4 Ibidem, p.2

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aprofundamento a importância e a visão de educação na perspectiva da gnose. Igraine

entrou em contato com esse conhecimento através de uma amiga e desde então passou a

estudar e praticar os ensinamentos de Mestre Samael. O Kinder foi uma forma que

encontrou de realizar o que na gnose denomina-se de terceiro fator, que é o sacrifício pela

humanidade, isto é, passar os ensinamentos do Mestre para outras pessoas.

O trabalho com a Arte teve uma grande influência de Augusto Rodrigues, fundador

da Escolinha de Artes do Brasil, no Rio de Janeiro. Igraine acompanhou de perto o trabalho

de Augusto Rodrigues, fazendo parte de cursos e absorvendo todo o conhecimento do

homem-artista-educador por vários anos, na Escolinha de Arte no Rio de Janeiro. Da

Escolinha e dos ensinamentos de Rodrigues o Kinder herdou a liberdade de expressão no

fazer arte, nas brincadeiras, privilegiando a criatividade e o ser-criança.

O Kinder hoje não é mais esse caracterizado acima. O conhecimento gnóstico não

tem mais tanto espaço. Morgana já com seus 66 anos perdeu bastante da energia que

dedicava ao Kinder; sente-se cansada e com a saúde frágil. Uther, seu companheiro de

conhecimento e realizações, também não está mais ao seu lado na direção do Ateliê. O que

antes era papel das artes plásticas, a expressão artística mais forte no Kinder, hoje é a

música; com professores específicos para cada instrumento.

No entanto, apesar do cansaço, Igraine ainda está lutando para que seu ideal seja

conservado, mesmo com todas as transformações necessárias para que sobreviva.

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II – Arte e educação: Augusto Rodrigues

“Foi quando inventou uma das invenções mais bonitas e sérias deste país: sua ‘Escolinha de Arte’. Depois de viver na terra dos homens, Augusto navegou para a terra das crianças (...). De repente, na intimidade das

crianças, entre mãos miúdas que faziam sapos de asas e elefantes mais leves que borboletas, sentiu que havia descoberto o maravilhoso. Voltava a ouvir as arquivadas vozes dos bichos, como na época em que os bichos

falavam. E voltava a encontrar velhos e perdidos heróis, deuses e mágicos. Como em seus dias de menino” José Cândido Carvalho5

Augusto Rodrigues nasceu em Recife, Pernambuco, no dia 21 de novembro de

1913. ZOLADZ (1990), tornando-o objeto de estudo, logo no começo da entrevista - ou

melhor, da conversa - conclui que Augusto Rodrigues apresentava um modo de ser voltado

mais para sentir as coisas e os seres do que um envolvimento voltado aos aspectos racionais

de compreendê-los, pois, como artista plástico, era a intuição que o movia constantemente.

Começa, então, sua biografia dando preferência a uma reflexão sobre as experiências

vividas, deixando fluir a sensibilidade e simplicidade:

“As coisas guiadas pela sensibilidade são extraordinariamente emocionantes, ainda que venha insistindo em refletir sobre as formalidades que, inclusive, me perturbaram; mas elas me ensinaram que devem ser respeitadas, porque tomam sentido quando tempo e espaço são vizinhos, um e outro, sem serem, muitas vezes, contemporâneos. (...) Toda a minha experiência me levou a coisas simples e sou incapaz de falar de coisas complicadas” (ZOLADZ, 1990, p.18)

De acordo com a autora, durante suas conversas, os percalços da vida escolar

tornaram-se o assunto predileto. Augusto Rodrigues, desde menino, enfrentou problemas

nas escolas que freqüentava, sendo sempre expulso de todas elas. Chegou a dizer certa vez

a um repórter que o entrevistava:

“Em Recife, onde nasci e passei a infância, a escola era um suplício. Metiam à força na cabeça dos meninos tudo o que eles não queriam nem estavam interessados em aprender. E nunca me adaptei. Acabei sendo expulso. Detesto, até hoje, a escola repressiva. (...) A escola não coube em mim” (ZOLADZ, 1990)

5 Citado por ZOLADZ, Rosza W. Vel. Augusto Rodrigues: o artista e a arte, poeticamente. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1990, p.54

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Rodrigues empenhou-se muito em descrever como era concebida essa escola e

como sua função socializadora era ineficiente, porque era distanciada de mecanismos

capazes de darem acolhida à capacidade criativa. Por isso, tinham, conseqüentemente, de se

exprimir de maneira enviesada, direcionando para fora dela todos aqueles que não seguiam

os caminhos já pré-determinados para a adaptabilidade.

Ao relatar sobre sua infância, Augusto Rodrigues atribui papel fundamental às

brincadeiras e ao lúdico, dizendo que sua infância “era de brinquedo”. E logo cedo

percebeu as contradições presentes no ensino, como por exemplo, ao refletir sobre as

comemorações do Dia da Árvore, perceber o quanto era falsa aquela forma de reverenciar a

natureza numa data marcada, onde não se compreendia nem que o terreno não fora

preparado e, ainda, que época era desfavorável para o plantio.

Atribui à vida que teve em família, o aprendizado, desde cedo, da importância que

tem o privilégio de se conviver com as pessoas. Vivia mais na rua, e essa passa a ter uma

grande importância para ele, pois era nela que se davam as relações entre pessoas de forma

mais natural, fora de uma estrutura controlada que altera toda a forma de comunicação.

Tinha um grande interesse pelas pessoas, o que faziam, como viviam etc (não por

acaso, já consagrado como artista, seus desenhos são fundamentalmente de gente,

principalmente nus femininos). Da mesma forma, é possível dizer que a vivência e as

relações que eram mantidas no âmbito familiar contribuíram, de certa forma, para sua

incompatibilidade com uma escola mais voltada para uma ética inibidora, a qual, se

contrapunha a experiência vivida em casa. Augusto Rodrigues nos fala de seu pai como

uma pessoa que tinha como prática propor uma relação pouco rígida aos seus filhos.

Augusto Rodrigues, em suas conversas com ZOLADZ (1990), faz reflexões sobre o

artista, sobre o processo criativo e sobre como se deu sua própria experiência de artista,

detendo naquelas que ele recebeu para iniciar essa trajetória. Quando era criança e ia para

o engenho no interior, Rodrigues recebia, não se sabe de quem, material de desenho,

pincéis e lápis de todos os tipos. Seu pai, ao mesmo tempo em que não aceitava que

desenhasse, não tinha coragem de priva-lo do material com o qual podia se exprimir e ter a

alegria de criar.

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Havia em seu pai, assim como diz, uma disposição ambígua em aceitar que se

definisse como artista; tinha o costume de colocar os filhos sentados em cadeiras para

admirar um quadro.

Augusto Rodrigues quando jovem, “passou” pela Escola de Belas Artes de

Pernambuco, pelo desejo de estar junto de uma namorada. No entanto, não conteve sua

necessidade de manter as teias que o ligava solidamente à rua de Recife, e abandonou a

academia. Mas foi ainda quando menino, conversando com um psiquiatra, que encontrou

um incentivo para, realmente, fazer o que gostava. Ao contar da sua incompatibilidade com

a escola, o médico, então, lhe pergunta: “Do que você gosta? Há de ter alguma coisa!”. E o

menino Augusto Rodrigues lhe respondendo que gosta de Arte, ouviu do psiquiatra: “Então

faça Arte”. Daí por diante, não mais quis saber da educação sistemática e repressora das

escolas tradicionais de sua época. E se transformou no homem Augusto Rodrigues:

caricaturista, jornalista, fotógrafo, desenhista, educador – um artista.

Ao chegar no Rio de Janeiro no começo de 1935, então com vinte e dois anos,

Rodrigues foi sócio do artista plástico Percy Lau, que tinha uma pequena empresa onde

faziam retratos de formaturas, de estudantes que concluíam o ginásio e retratos de crianças.

Além disso, Rodrigues teve também experiência como pintor de paredes.

O educador Augusto Rodrigues surge quando, em 1948, vários trabalhos de crianças

são recusados e impedidos de participar de uma exposição internacional de arte infantil, em

Milão, por “falta de espontaneidade”. Junto com outros artistas e educadores Augusto

Rodrigues funda, no mesmo ano, a Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, onde o

objetivo não era simplesmente fazer da criança um artista no sentido formal da palavra, mas

antes permitir a expressão espontânea através da Arte. Sobre a Escolinha o próprio

Rodrigues relata:

“Na época em que estava fora da escola me sentia um marginal. Isso se modificou com a Escolinha de Arte do Brasil (...) que se atém sobretudo a respeitar a criança. (...). Se a Escolinha pôde se consolidar, devo muito aos intelectuais, aos artistas, educadores que se lançaram sobre essa idéia. Isso fez com que as idéias se juntassem e ficássemos bastante próximos daquilo que idealizara. A idéia veio por um processo de reminiscência de viver numa escola repressiva, onde a palavra liberdade estava destituída pela monotonia de memorização, de repetição e da imposição de tudo já preestabelecido (...). A lei da gravidade, por exemplo, só tem encanto para mim por causa da história da maçã. Eu posso mesmo imaginar que,

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antes da maçã, Newton estava já cansado de saber da lei da gravidade. Então, eu vinha de uma escola onde o mundo era explicado num círculo de giz no quadro-negro frio e vazio, enquanto dentro da criança havia a inquietação do saber através da vivência. Deve ter sido uma das razões da Escolinha de Arte” (ZOLADZ, 1990, p.)

De acordo com Augusto Rodrigues (citado por ZOLADZ, 1990), o mais importante

na Escolinha era evitar equívocos, ou seja, o falso encaminhamento. Para ele, se no

processo educativo se desse o desenvolvimento de amplas capacidades criadoras,

certamente surgiriam, por exemplo, químicos encontrando na química o processo criador,

ou em qualquer outra atividade humana. Não acreditava ser fundamental ter talento,

“ fundamental é, dentro do que se é, realizar o que se pode e, se possível, bem. A meta é

fazer bem”.

E, a repercussão da Escolinha foi tão grande que o Educador Augusto Rodrigues

ficou conhecido nacional e internacionalmente e outras escolas como aquela do Rio foram

fundadas em outros países, como Paraguai (1960) e Argentina (1963).

É interessante notar que mesmo tendo passado por experiências traumáticas em

relação à escola, Augusto Rodrigues soube transformar essas experiências negativas em

positivas. Suas experiências o levaram a fazer reflexões importantes do que acredita que

seja fundamental na educação e no desenvolvimento saudável da criança, dando um valor

primordial ao lúdico (à brincadeira) e à arte.

Para Augusto Rodrigues (e para muitos outros estudiosos renomados do assunto,

como Piaget, por exemplo) é muito importante o fazer para a criança, porque essa ação se

liga ao seu processo de crescimento:

“Observando-a mais de perto, vemos que a criança começa a agir, sem que nesta ação esteja presente, aparentemente, uma atitude analítica daquilo que cria. No entanto, a criança revela uma consciência crítica enquanto realiza a sua ação, levando-nos a duas vertentes na avaliação do ato que concretiza. (...) A primeira delas: ao ingressar na criação, eu diria, na arte do fazer, a criança participa de um processo que é, na verdade, uma necessidade vital para ela. Acrescentaria que o fazer é tão importante para uma criança como é o movimento. A riqueza dos gestos no qual flui a ação de uma criança lhe dá a dimensão da sua vitalidade, porque a vida é, para ela, mover-se. E aí, numa segunda vertente, mover-se não tem uma única expressão, mas sim uma variedade de expressões que mostra a dimensão que era dada pelos gregos ao fazer, POEIO que quer dizer fazer algo, criar” (ZOLADZ, 1990, p.53).

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Rodrigues via que os valores de uma sociedade poderiam ser enunciados na

solidariedade, na luta pela paz, na convivência fraterna entre os homens. Ele considerava

que a arte, como um valor e junto com os demais, também definiria uma qualidade de vida.

Na posse dos valores, o homem é outro homem, porque os valores conduzem a um

enriquecimento e à transformação de sua capacidade imaginativa. Acrescenta, que o ato de

criar exige uma operação conjunta da inteligência, emoção e imaginação, e seu produto

final, a obra, é apenas uma das determinantes do processo, no qual esses três fatores estão

envolvidos (ZOLADZ, 1990).

Por fim, ressaltaria o papel fundamental (dentre outros, é claro) das experiências de

sua infância e, principalmente, as relações estabelecidas dentro da família para todo esse

caminho percorrido.

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III – Gnose e educação: Samael Aun Weor

“Para os ocidentais, o estudo começa aos seis anos de idade, ou seja, quando se estima que já se tenha em uso a razão.

Para os orientais, sobretudo os hindus, a educação começa desde a gestação. Para os gnósticos, desde o namoro,

isto é, antes da concepção”6

Samael Aun Weor nasceu no dia seis de março de 1917, no seio de uma família

aristocrática em Bogotá, Colômbia. Desde muito cedo demonstrou talentos e capacidades

incomuns, como a de se lembrar de suas vidas passadas e a de se desdobrar em astral

conscientemente. E, apesar de sua pouca idade, nunca abandonou a meditação. Assim como

Augusto Rodrigues, o menino Samael também enfrentou uma certa incompatibilidade com

a escola. Ele acreditava que os estudos intelectuais passados nos colégios, universidades ou

escolas em geral, não guardam concordância alguma com o Ser Interior (o mesmo que

essência, mônada, íntimo, ser divino) do homem.

Aos 12 anos de idade Samael Aun Weor empreende um trabalho de minucioso

estudo sobre diferentes escolas espirituais, como Espiritismo, Yoga, Rosa-Cruz e Teosofia.

Entra em contato com o conhecimento de grandes mestres (assim reconhecidos dentro do

que pode-se chamar de filosofia mística e espiritual), tais como Gurdjieff, Ouspenski,

Krum-Heller, Max Heindel, Eliphas Levi, Rudolf Steiner, Jorge Adoum, Helena Blavatsky

e outros mais.

Suas capacidades e sabedoria logo se tornaram marcantes. Ficou conhecido, no

círculo esotérico de seu país, ao final dos anos 40, como “o jovem Mestre Aun Weor”.

Todo esse seu percurso fez de Samael Aun Weor o fundador e divulgador do Movimento

Gnóstico Internacional.7

A educação no Kinder procurava seguir os ensinamentos deixados por Samael Aun

Weor em diversos livros, principalmente um deles intitulado “Educação Fundamental”, o

qual trata a educação – de acordo com seus preceitos - mais profundamente.

6 WEOR, Samael Aun. Educação Fundamental. Porto Alegre: Editora Gnose, 1989 (Prefácio da edição colombiana) 7 http://www.fundasaw.org.br e http://www.gnosisonline.org

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A Educação Fundamental, segundo WEOR (1989), é baseada numa Ética e numa

Psicologia Revolucionária, ou seja, numa psicologia de caráter esotérico (referente ao

mundo interno psicológico e espiritual) e que estuda o homem do ponto de vista da

revolução da consciência. Essa psicologia tem como objetivo o despertar da consciência e o

autoconhecimento dos alunos. Portanto, não guarda nenhuma relação com o que, hoje,

denomina-se ensino fundamental, que seria o ensino de primeira a oitava série.

De acordo com o autor a psicologia revolucionária (que guarda semelhanças com as

filosofias orientais) é uma ciência muito antiga que tem sua origem nas Escolas de

Mistérios Arcaicos. Nessas antigas Escolas de Mistérios (como na Grécia, Peru, México,

Índia, etc.) a psicologia sempre esteve ligada à filosofia, à arte, à ciência e à religião.

Atualmente esses conhecimentos se separaram e a psicologia como a conhecemos hoje se

restringiu a estudar, principalmente, o comportamento humano, não guardando mais

nenhuma ressonância com essas antigas escolas.

Por outro lado, a Psicologia Revolucionária, preservando os ensinamentos mais

antigos das Escolas de Mistérios Maiores, tem como objetivo estudar o homem do ponto de

vista da Revolução da Consciência. A consciência aqui é entendida como “uma capacidade

muito particular de apreensão do conhecimento interior completamente independente de

toda atividade mental” (WEOR, 1989, p. 189).

Para o autor, há diferentes graus de consciência: 1) quanto ao tempo – quanto

tempo permanecemos conscientes? 2) quanto a freqüência – quantas vezes despertamos a

consciência? e 3) quanto a amplitude e penetração – do que se estava consciente? E através

da faculdade da consciência é possível o conhecimento de nós mesmos. Para o autor, o

autoconhecimento é fundamental se o homem quiser ser um indivíduo, com o significado

literal da palavra: aquele que é um, indivisível.

Para Psicologia Revolucionária existe uma distinção precisa entre ego, essência e

personalidade. Os egos são o mesmo que defeitos psicológicos ou eu-pluralizado (por

exemplo, ciúmes, inveja, preguiça etc.) e por isso devem ser compreendidos e eliminados.

Eles se manifestam nos cinco centros do homem (intelectual, emocional, motor, instintivo e

sexual) de diferentes formas – são multifacetários.

O autor considera que a essência (o ser divino, a mônada, o íntimo) não guarda

nenhuma relação ou semelhança com o ego. Na essência temos nossas qualidades inatas

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que devem ser alimentadas com ternura, carinho, amor, música, flores, beleza, harmonia,

etc. A personalidade, por outro lado, deve ser criada e desenvolvida harmoniosamente com

a essência (não nascemos com ela). Durante os três ou quatro anos de idade a criança é

simplesmente essência, depois o ego (defeitos psicológicos) começam a se manifestar e a

controlar a personalidade infantil. A personalidade é apenas um veículo que através dela

pode se manifestar o ego ou o real ser – dependendo exclusivamente do tipo de material

psicológico com o qual foi alimentada e formada.

Esse tipo de Psicologia (WEOR, 1989) distingue, ainda, mente e cérebro. A mente é

energética, sutil, podendo se tornar independente da matéria (como, por exemplo, na

hipnóse ou no sono). Ela apresenta muitas profundidades e regiões e seu centro é a

essência, a consciência. O cérebro é simplesmente o instrumento da mente, onde o

pensamento é elaborado. A diferenciação entre objetivo e subjetivo está relacionada à

consciência, que estando desperta produz conhecimento objetivo, estando adormecida,

subconsciente, produz conhecimento subjetivo.

Para a Psicologia Revolucionária o homem possui três cérebros distintos: 1)

encerrado na caixa craniana – centro pensante; 2) espinha dorsal (medula central e nervos)

– centro motor e 3) plexos nervosos simpático e centros nervosos – centro emocional.

Qualquer abuso em um deles há um gasto excessivo de energia – emocional, motor ou

intelectual. Toda doença ou enfermidade tem sua origem numa supervalorização de um dos

três cérebros, portanto o funcionamento equilibrado e harmonioso deles significa economia

de energia e conseqüentemente uma vida mais longa e saudável.

Esses três cérebros distintos produzem três tipos de associações independentes e

distintas, nos dando três personalidades diferentes. De acordo com WEOR (1989) todas

elas devem ser desenvolvidas e cultivadas com métodos e sistemas especiais em todas as

escolas:

“O cultivo inteligente dos três cérebros é Educação Fundamental. Nas antigas Escolas de Mistérios da Babilônia, Grécia, Índia, Pérsia, Egito, etc., os alunos recebiam informação integral e direta para os três cérebros mediante o preceito, a dança e a música inteligentemente combinados” (WEOR, 1989, p. 116).

Um ponto muito importante na Educação Fundamental refere-se à vocação do

aluno, ou seja, ter um respeito e atenção especial para aquilo que é da essência do

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indivíduo, pois o sentido de vocação é algo que pertence à própria essência interior. Achar

a própria vocação, de acordo com WEOR (1989), é o mais grave problema social e está na

base de todos os outros, porque na sua grande maioria as pessoas não entram em contato

com sua real vocação, estando em postos de trabalho que não fazem eco com a vocação real

do indivíduo.

Dessa forma, descobrir a real e verdadeira vocação de seus alunos é também um dos

objetivos da Educação Fundamental. Segundo o autor, a vocação se manifesta nos cinco

centros psíquicos do homem (intelectual, emocional, motor, instintivo e sexual), sendo um

erro, portanto, querer descobrir a verdadeira vocação examinando apenas o centro

intelectual (fazendo uma crítica aos testes vocacionais atuais).

Para esse autor, a experiência do real é fundamental se quisermos nos autoconhecer

e, isso só é possível, segundo ele, através da meditação. A transcendental ciência da

meditação tem como base o lema Nosce Te Ipsum, que significa “conheça-te a ti mesmo e

conhecerás o universo e os Deuses”.

O autor nos explica que, a princípio, durante a prática da meditação, todos os nossos

defeitos psicológicos vão passando pela tela da mente. Com a prática, chega um momento

em que o fluxo de pensamentos e idéias cessa. Ele diz:

“(...) a mente fica quieta e em profundo silêncio, vazia de todo tipo de pensamentos. A irrupção do vazio em nossa própria mente permite experimentar, sentir, vivenciar um elemento que transforma. Esse elemento é o real” (WEOR, 1989, p.162). Pode-se dizer, então, que esse método de educação se dá da seguinte forma:

1) desenvolvimento equilibrado e harmonioso dos 5 centros da máquina humana (motor,

instintivo, sexual, emocional e intelectual) e dos 3 cérebros (centro pensante, motor e

emocional);

2) experiência e compreensão do real / verdade. Segundo o autor e a gnose

A gnose de Samael Aun Weor é bem mais complexa, no entanto, para este trabalho,

nos interessa apenas aquilo que tem ressonância na educação das crianças.

Esse conhecimento era transmitido formalmente para quem mostrasse interesse

independente do trabalho com as artes desenvolvido no do Ateliê de Artes Kinder, ou seja,

havia dia específico e separado. No entanto, a concepção gnóstica do mundo e do homem

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de Igraine e Uther influenciava claramente as atividades (meditação e exercícios de yoga,

por exemplo) e o modo de lidar com as crianças que freqüentavam o Kinder.

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IV – Breve histórico do conhecimento Gnóstico

A palavra gnóstico (ou mesmo gnosticismo), não tão usual ultimamente, é antônimo

de agnóstico, que literalmente, significa um desconhecedor ou ignorante, mas em sentido

figurado descreve uma pessoa sem fé religiosa. Em oposição aos não-conhecedores, os

gnósticos se consideravam conhecedores – gnostikoi, em grego – denotando aqueles que

possuem a gnose ou o conhecimento. Os gnósticos tinham a convicção de que o

conhecimento direto, pessoal e absoluto das verdades autênticas da existência é acessível

aos seres humanos e, mais ainda, que a obtenção de tal conhecimento deve sempre

constituir a suprema realização da vida humana (HOELLER, 1990).

Há um certo desentendimento entre os acadêmicos e eruditos para se definir o que é

uma literatura gnóstica ou se reconhecer autores gnósticos. Morton Smith (citado por

HOELLER, 1990), descobridor do “Evangelho Secreto de Marco”, afirma que o termo

gnostikoi em geral se aplica a pessoas de tendência pitagórica e/ou platônica e que os

membros da suposta comunidade gnóstica do Alto Egito provavelmente teriam definido a

literatura gnóstica como qualquer escritura de valor espiritual, capaz de produzir gnose no

leitor.

No entanto há uma certa concordância entre todos de que o conhecimento gnóstico

não era (e ainda não é) concebido como um saber racional de natureza científica, ou um

saber filosófico da verdade, mas um conhecimento que vem do coração de forma intuitiva

(chamado na obra gnóstica “O Evangelho da Verdade” de Gnosis Kardias, o conhecimento

do coração); sendo a definição léxica do termo gnóstico igual a conhecedor, mas não

seguidor de alguém, e sim conhecedor de si mesmo.

Para CARDOSO8, a gnose atua sempre como uma subcorrente em relação ao

pensamento vigente. Ela é o que se mantém oculto, representando do ponto de vista da

compreensão do homem e do mundo, a contracultura e as heresias em cada época, e

possivelmente a semente do novo, do que está por vir. A missão gnóstica é a de revelar o

saber oculto, substituindo as trevas pela luz que amplia os níveis de consciência da

humanidade.

8 Artigo "As bases gnósticas do pensamento de Jung" da internet: http://www.ajb.org.br/jung-rj/artigos/gnose.htm (Heloisa Cardoso é Livre-Docente e Doutora em Ciências pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Pesquisadora da obra de Jung)

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Segundo a autora, a gnose pode manifestar-se de diferentes formas, de acordo com a

época em que emerge e as circunstâncias que lhe dão origem e significância. Assim, pode-

se falar em gnoses pré-cristãs e pós-cristãs; em gnoses ascendentes e descendentes,

intelectualistas ou pseudo-gnoses. Para CARDOSO, pensadores como Goethe, Marx,

Nietzsche, Heidegger estruturaram sistemas gnósticos, tanto quanto Helena Blavatski e

Rudolf Steiner.

Corroborando com a autora, HOELLER (1990) acrescenta que os gnósticos

diferiam da maior parte da humanidade na sua visão mais essencial e fundamental da

existência e de seu propósito, e não apenas no que confere a crenças e preceitos éticos. Eles

conheciam algo que ameaçava o poder vigente, secular e religioso, que sempre lucrou com

os sistemas estabelecidos da sociedade: a vida humana não alcança sua realização dentro

das estruturas e instituições da sociedade, as normas e regras pré-estabelecidas, a moral e a

ética, na realidade, não conduzem ao verdadeiro bem-estar espiritual da alma humana, ao

contrário, com maior freqüência, nos distanciam de nosso real destino espiritual.

Para HOELLER (1990), exatamente por isso os gnósticos foram sempre

perseguidos e reprimidos e, como muitos deles se sentissem abandonados, alguns se

retiraram para comunidades à margem da civilização; outros continuaram nas grandes

cidades, como Alexandria e Roma. Por serem perseguidos, o conhecimento gnóstico

tornou-se restrito a poucas escolas de caráter esotéricas, estritamente secretas, sendo

retomado mais tarde por algumas tradições, como o Movimento Teosófico (ou Tradição

Pansófica) no fim do século XIX e início do XX.

De acordo com o autor, C.G. Jung (1875-1961), certamente, não foi um seguidor

literal de nenhum dos antigos mestres da Gnose; por outro lado, ele formulou pelo menos

os rudimentos de um sistema de transformação ou individuação, que se baseava não na fé,

numa fonte exterior, mas na experiência interior, natural da alma, que sempre representou a

fonte de toda verdadeira Gnose. O livro de Jung, "Os Sete Sermões aos Mortos” é um

documento importante no qual é possível encontrar as fontes da psicologia de Jung.

Esse documento foi escrito num curto período, entre quinze de dezembro de 1916 e

dezesseis de fevereiro de 1917 e, de acordo com HOELLER (1990), foi escrito com base no

gnosticismo do século II, utilizando a terminologia daquela época. Dentre as tradições do

pensamento gnóstico, Jung destacou dois representantes principais, a Cabala judaica e o

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que chamou de “alquimia filosófica”. Ele chegou a conclusão que, fundamentada na

filosofia natural da Idade Média, a alquimia formava, de um lado, a ponte em relação ao

passado com o gnosticismo e, do outro, ao futuro, com a moderna psicologia profunda.

Desde o princípio de sua carreira psicanalítica Jung sempre manteve um interesse e

uma simpatia profunda pelos gnósticos. Em doze de agosto de 1912 ele escreveu uma carta

a Freud a respeito dos gnósticos, na qual qualificou a concepção gnóstica de Sofia ??? de

reaproveitamento de uma antiga sabedoria que poderia aparecer uma vez mais na moderna

psicanálise. Em 1940, quando lhe perguntaram se o gnosticismo era filosofia ou mitologia,

ele respondeu que os gnósticos lidavam com imagens reais e originais. Ele reconheceu que

imagens gnósticas surgem ainda hoje nas experiências interiores das pessoas, ligadas à

individuação da psique; e nisso ele via evidência do fato de que os gnósticos expressavam

imagens arquetípicas reais que persistem e existem independentemente do tempo ou

circunstâncias históricas.

Sobre isso, Hoeller colabora:

“O gnosticismo não constitui um conjunto de doutrinas, mas a expressão mitológica de uma experiência interior. Em termos de psicologia junguiana, poderíamos dizer que os gnósticos deram expressão em linguagem poética e mitológica às suas experiências dentro do processo de individuação. Ao fazê-lo, eles produziram uma profusão do mais significativo material, contendo profundas percepções da estrutura da psique, do conteúdo do inconsciente coletivo e da dinâmica do processo de individuação. Como o próprio Jung, os gnósticos não descreveram apenas os aspectos conscientes e pessoais inconscientes da psique humana, mas exploraram empiricamente o inconsciente coletivo e forneceram descrições e formulações das várias imagens e forças arquetípicas” (HOELLER, 1990, p. 57).

De acordo com HOELLER (1990) e CARDOSO, a gnose como gnosticismo cristão,

ocorreu entre os séculos II a V d.C. Como maniqueísmo, ele se revela em todas as visões de

mundo que promovem o embate entre as forças da luz e a das trevas, entre o Bem e o Mal,

em seu sentido metafísico e absoluto. Como alquimia, na Idade Média européia, empenhou-

se sobre uma tarefa que era verdadeira reviravolta em relação à visão cristã oficial: não era

mais Deus a salvar o homem de seus pecados, mas sim o homem a resgatar Deus da

matéria. Como Cabala, a gnose era um conhecimento reservado a poucos iniciados nos

mistérios da língua hebraica e de seus símbolos revelados metaforicamente no Antigo

Testamento, constituindo seu aspecto místico.

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É bem verdade que houve diversas manifestações de gnose, tornando difícil falar

desse movimento como uma unidade. Várias seitas iniciáticas se constituem em outras

tantas gnoses, a saber: o templarismo, o catarismo, a maçonaria, o rosacrucianismo, a

teosofia, a antroposofia, etc. Entretanto todas entendem a gnose como auto-iluminação, até

mesmo, a gnose de Samael Aun Weor.

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V – A educação, a criança e a arte

Etimologicamente a palavra educação tem origem no latim, educare, significa

“conduzir”. Para os gregos, a idéia de educação estava diretamente relacionada com

algumas expressões. Paidéia, por exemplo, seria a cultura para a qual o jovem deveria ser

educado. Ou seja, esse termo referia diretamente ao processo formativo do homem grego,

na qual incluía uma visão de mundo, em termos cognitivos, práticos, estéticos, religiosos e

filosóficos. Anagogéin seria o processo de conduzir o ser humano para a vida, para receber

a Paidéia, tornando-se um cidadão de bem, sábio e digno. Daí a palavra pedos-gogéin, que

quer dizer “conduzir a criança”, origem do nosso termo “pedagogia” (MORAES, 1998).

De acordo com JEAGER (1995) educação é o princípio por meio do qual a

comunidade conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual.

Para o autor, toda Educação é o resultado da consciência viva de uma norma que

rege uma comunidade humana, não sendo, portanto, uma propriedade individual, mas

pertencente por essência à comunidade. A Educação participa na vida e no crescimento da

sociedade, tanto no seu destino exterior como na sua estruturação interna e

desenvolvimento espiritual. E, uma vez que o desenvolvimento social depende da

consciência dos valores que regem a vida humana, a história da educação está

essencialmente condicionada pela transformação dos valores válidos para cada sociedade,

sua concepção de mundo e homem.

No passado, nas culturas ágrafas, a Educação consistia basicamente no aprendizado

informal a respeito do que era essencial e costumeiro em termos da sobrevivência do grupo.

A comunidade tinha determinadas tradições, ritos, costumes, hábitos coletivos, cânticos etc,

os quais eram essenciais para a sua sobrevivência física e espiritual. O aprendizado se dava

através da convivência e imitação dos mais velhos e a visão de mundo era passada através

dos mitos. A Educação dos povos ágrafos, ou Educação Primitiva, portanto, foi

essencialmente prática, empírica e mitológica, dirigida à integração da sociedade

(MORAES, 1998).

No entanto, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar de

cultura (totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo) só com

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os gregos começa. Foram eles que estabeleceram pela primeira vez de modo consciente um

ideal de cultura como princípio formativo, a saber, a idéia de Paidéia.

Para JEAGER (1995), a importância universal dos gregos como educadores deriva

da sua nova concepção do lugar do indivíduo na sociedade. O início da história grega surge

como princípio duma valorização nova do homem, a qual não se afasta muito das idéias

difundidas pelo cristianismo sobre o valor infinito de cada alma humana nem do ideal de

autonomia espiritual que desde o Renascimento se reclamou para cada indivíduo. Foi, a

partir do problema da individualidade colocada pelos gregos, que principiou a história da

personalidade européia.

O educador polonês Bogdan Suchodolski (1907–1992), citado por MORAES

(1998), elaborou uma divisão da Educação em dois tipos distintos: 1) “Educação da

Essência” e “Educação da Existência”.

Para ele, na “Educação da Essência” o processo educativo é conduzido visando um

ideal de ser humano, sem uma preocupação muito presente com algum treinamento para as

necessidades imediatas de sobrevivência.

A Educação no mundo grego, por exemplo, era direcionada para a formação de um

elevado tipo de homem. A idéia de Educação representava o sentido de todo esforço

humano, tendo em Aquiles e Ulisses o exemplo mais sublime de homem: que tem a

destreza física, a força e a coragem de um guerreiro e é astuto e tem o dom da oratória.

Mais tarde, com a Renascença e o racionalismo que acompanhou a ascensão da

burguesia a “Educação da Essência” caracterizou-se por um ideal de homem racional e

erudito, capaz de dominar as letras e de pensar cientificamente, entender o mundo através

das categorias que o então moderno pensamento iluminista e positivista produziam.

Até este período, no século XIX, o processo educacional foi caracterizado pela

Educação da Essência e, sob outro aspecto, bastante autoritária. Muitos teóricos, levando

isso em consideração, denominaram este tipo de educação que atravessou os séculos, sob

diversas variantes, de “Escola Tradicional”. Esta tinha como características a centralidade

absoluta do professor, a disciplina rígida e disposta ao castigo (palmatória e outras punições

físicas). O método de aprendizagem baseava-se em decorar e repetir mecanicamente. A

Escola Tradicional típica legitima a figura do professor autoritário, disciplinador e distante

e cria elementos burocráticos que institucionalizam a sua mentalidade. Ele representa o

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autoritarismo da sociedade, a hierarquia, a obediência, a submissão, a coação, o poder, e o

dever por obrigação e não por prazer (MORAES, 1998).

De acordo com o autor, a Escola Tradicional foi perdendo sua hegemonia quando, a

partir do século XX aproximadamente, passou-se a dar maior atenção ao processo de

desenvolvimento da criança, sendo o foco da atenção desviado do professor para o aluno.

Surgiu assim a chamada “Escola Nova”, que correspondeu também ao que Suchodolski

denominou de “Escola da Existência”.

De acordo com esse autor, ao contrário da escola Tradicional (ou da essência), a

Escola Nova tem como característica o ensino centrado na criança, valorizando a

descoberta que esta pudesse realizar das nuances do mundo, através de seus sentidos e de

sua inteligência. O mestre seria agora apenas um facilitador deste processo e não mais a

figura central. E, o que deveria ser ensinado seria o que é mais fundamental para que a

criança se torne cidadão eficaz e bem orientado na sociedade, capaz de sobreviver e viver

bem, conforme as necessidades sociais comuns.

Para o autor, a maioria das escolas atuais, contudo, realiza uma mistura entre

tendências da Escola Tradicional, ainda sobrevivente, e tendências liberais da Escola Nova.

A ciência moderna, pautada nos princípios positivistas da racionalidade, objetividade,

neutralidade, universalidade e quantificação, produz e determina a nossa concepção de

homem e de mundo, o tipo de conhecimento e prática educacional vigente, legitimando

muito dos aspectos do ensino tradicional - muito mais do que uma abertura para concepções

novas que não se inserem dentro dessa perspectiva.

A escola seguindo esse modelo científico, geralmente acaba priorizando o aspecto

racional do pensamento infantil, ficando o desenvolvimento do raciocínio reduzido a

práticas de memorização e reprodução de conhecimento. O conhecimento torna-se

dicotomizado já que a criatividade, a afetividade entre outros elementos que fazem parte da

vida humana tanto quanto a razão, são negligenciados no ensino.

Entretanto, SILVEIRA (2000) nos lembra que o verdadeiro conhecimento vem de

uma integração do sentir, intuir, pensar, agir e querer, unindo qualidades de adulto e

criança. Enquanto o pensamento adulto tem, em geral, formalidade, logicidade,

intelectualidade, a criança pensa com intuição, simbolizando a realidade conforme os

vínculos afetivos que estabelece com os objetos de conhecimento, ou seja, as funções

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cognitivas e emocionais são interdependentes. Todas as crianças (em condições normais de

vida) começam cantando, pintando, dançando – são suas primeiras formas expressivas, bem

como são também os primeiros modos de linguagem manifestos na história do homem.

DUARTE JR. (1998), acrescenta que o conhecimento dos sentimentos e a sua

expressão só podem se dar através de uma consciência distinta daquela que se observa no

pensamento racional. Para o autor, o conhecimento advém de um processo onde o sentir e o

simbolizar se articulam e se completam.

De acordo com PIAGET (1969), citado por WADSWORTH (1984), as crianças

adquirem conhecimento de objetos e raciocínio através de atividades que são úteis para

elas. Significado e compreensão não podem ser adquiridos somente através de leitura e de

ouvir exposições; a sala deve ser ativa. A ênfase reside na experiência com as coisas que

devem ser conhecidas. O professor impõe a estrutura através das regras estabelecidas e dos

materiais colocados no ambiente; e as crianças precisam de liberdade suficiente que lhes

permita a construção do conhecimento.

Esse autor concebeu o desenvolvimento mental como uma forma de adaptação ao

meio ambiente, adaptação intelectual moldada nos conceitos da adaptação biológica. Isto é,

o desenvolvimento da inteligência é definido e conceituado como resultante da eficácia

progressivamente maior de interação da criança com o seu meio ambiente. Para ele tanto os

dotes genéticos quanto a ação da criança sobre o meio ambiente são necessários para o

desenvolvimento, mas sozinho, nenhum deles é suficiente para assegura-lo. O importante é

a interação da maturação, experiência ambiental, experiência social e equilíbrio. Dessa

forma, a chave do desenvolvimento da criança, no que diz respeito à prática educacional, é

a atividade da criança: sua ação sobre os objetos, acontecimentos e outras pessoas. Assim,

para Piaget, o desenvolvimento mental é visto como resultante da interação do organismo

(a criança) com o ambiente.

PIAGET e INHELDER (1999) distingue quatro períodos no desenvolvimento das

estruturas cognitivas, que estão intimamente ligadas ao desenvolvimento afetivo e social:

(1) Período sensório-motor, de 0 a 2 anos;

(2) Período pré-operacional ou "simbólico", de 2 a 6-7 anos;

(3) Período das operações concretas, de 7 a 11 anos; e

(4) Período das operações formais ou proposicionais, de 11 a 15 anos.

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De acordo com PIAGET e INHELDER (1999), o primeiro período sensório-motor

ou da inteligência-motora, é assim denominado porque ainda não tendo configurado a

função simbólica, o bebê ainda não apresenta pensamento, nem afetividade ligada a

representações que permitam evocar pessoas ou objetos ausentes. No entanto esse período,

apesar de rápido, é importante para que a criança elabore as subestruturas que servirão de

apoio para o seu desenvolvimento cognitivo e afetivo futuro.

Para esses autores, esse período é caracterizado por uma inteligência prática: tudo o

que é sentido e percebido será assimilado à atividade própria da criança; assim, a

construção do mundo, que se efetua exclusivamente apoiada em percepções e movimentos,

é também uma construção de si mesmo.

WADSWORTH (1984) acrescenta que a maior parte do comportamento do recém-

nascido é de natureza reflexa. Nesta fase as “experiências” da criança, suas ações motoras e

perceptivas sobre o mundo físico que a rodeia, começam a influenciar seu

desenvolvimento. Através da maturação (referindo-se aqui ao conceito de Piaget

concernente principalmente ao crescimento fisiológico e ao desenvolvimento do sistema

nervoso, inclusive o do cérebro) e da interação com o meio ambiente, os reflexos sensórios-

motores se modificam e começam a aparecer comportamentos que não estavam presentes

ao nascimento – ex. a diferenciação, através do reflexo de sucção, entre o bico do seio, que

lhe fornece leite, e outros objetos.

Por volta do final do período sensório-motor, que normalmente ocorre entre dezoito

meses e dois anos, a criança começa a representar internamente os objetos e

acontecimentos experimentados no seu meio. Isto é, a criança começa a manipular

mentalmente os objetos e acontecimentos através da representação, desempenhando

mentalmente seqüências de ações e tentando soluções ocultas (em sua cabeça). Assim, ao

invés de ter que se empenhar num movimento de tentativa e erro para encontrar soluções

aos problemas, a criança começa a solucionar problemas através de representação interna,

ou do pensamento.

Para PIAGET e INHELDER (1999), essa função geradora da representação, a

função "simbólica" ou "semiótica", consiste em poder representar alguma coisa (um objeto,

acontecimento ou um esquema conceitual e etc, chamado em semiótica de significado) por

meio de um "significante" diferenciado e que só serve para essa representação: linguagem,

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imagem mental, gesto simbólico, desenho etc. O desenvolvimento dessa função, de acordo

com os autores, é fundamental para a evolução das condutas ulteriores da criança. se realiza

sob a forma de atividades lúdicas, no jogo das situações que a impressionaram e na

reprodução das situações vividas.

SILVERA, (2000) acrescenta que os símbolos lúdicos desses jogos têm um caráter

muito pessoal e subjetivo e é, de acordo com a autora, um meio de adaptação tanto

intelectual quanto afetivo.

Nesse período, a criança frente às experiências concretas usa o pensamento intuitivo

com base na percepção, pois não pode ainda associar os diferentes aspectos da realidade

percebida, nem integrar em um só ato do pensamento as fases sucessivas do fenômeno

observado - seu pensamento é pré-lógico ou parcialmente lógico. E é graças aos múltiplos

contatos sociais e as trocas verbais com o seu meio que, se constrói na criança, durante este

período, os sentimentos frentes às demais pessoas, principalmente daquelas que respondem

aos seus interesses.

O pensamento, nesta fase, tem uma tendência lúdica e é carregado de afetividade

em função da ausência de esquemas operatórios conceituais. Há predomínio de um sistema

neurológico mais primitivo no sentido da maturidade fisiológica que só responde com

funções básicas adaptativas e de sobrevivência incluindo emoções, mas incapaz do

processamento de informações, flexibilidade, simbolização, consciência.

WADSWORTH (1984) acrescenta outra característica do pensamento pré-

operacional, considerado na teoria de Piaget, e que é de suma importância: o egocentrismo.

A criança acredita que todas as pessoas pensam do mesmo modo e as mesmas coisas que

ela e, logicamente, que tudo que pensa está “certo”. Conseqüentemente, a criança na fase

pré-operacional raramente questiona o seu pensamento e tem dificuldade em aceitar os

pontos de vista de outras pessoas. Literalmente, ela não acredita que haja pontos de vista

diferentes do seu. O egocentrismo do pensamento na fase pré-operacional diminui

lentamente quando a criança lida com os pensamentos de colegas que estão em conflito

com o seu próprio pensamento

Nos períodos subseqüentes – o das operações concretas e o das operações formais,

começa a se organizar uma estrutura de pensamento operacional – de agrupamento e

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composição proposicional, que definem a lógica e abstração do período formal

(SILVEIRA, 2000).

Ainda segundo SILVEIRA (2000), durante os primeiros anos (no qual são

importantes os movimentos e as percepções) no desenvolvimento da inteligência e

consciência de si, já existem alguns pequenos esquemas simples, que indicam que a ação

artística, na música, na linguagem e no desenho fazendo emergir a sensibilidade. No

entanto, esta expressão torna-se predominante quando, em torno dos dois anos – entrando

no período que Piaget denominou pré-operatório ou simbólico - a criança começa a

representar a realidade, formando esquemas simbólicos. Neste momento, a criança “é um

artista”, porque representa tudo: desenha, canta, joga misturando a realidade com fantasia

numa tendência lúdica.

Para PIAGET e INHELDER (1999), na criança, a imitação e o gesto constituem o

início da representação. Há em seguida o jogo simbólico, ou jogo de ficção, que consiste,

em geral, nas brincadeiras de "faz-de-conta" das crianças que dam mamadeira ou fazem

dormir suas bonecas. O desenho ou imagem gráfica, nos seus primórdios, é intermediário

entre o jogo e a imagem mental, essa surgindo como representação interiorizada. Por fim,

surge a linguagem, permitindo a evocação verbal de acontecimentos atuais.

Todas essas atividades são formas relativamente simultâneas no desenvolvimento da

função simbólica. Portanto, na construção desta função é indispensável à criança dispor de

um meio de expressão própria, ou melhor, um sistema de significantes construídos por ela,

com o qual possa manejar e atender ao egocentrismo, mas que, por outro lado, mais tarde

prestará para a socialização do pensamento e ao equilíbrio do organismo no meio social.

Para RAPPAPORT e col (1981), expondo a teoria de Piaget, existe na criança,

durante o período simbólico, uma comunhão de idéias, sentimentos, pensamentos e a

realidade externa física e social. Esse fato decorre pela própria característica de sua visão

de mundo: caracterizada pelo egocentrismo, ou seja, ela não funciona realmente no mundo

real, mas brinca com ele através da imaginação e fantasia. Dessa forma, a função simbólica

e as funções cognitivas e emocionais são interdependentes e incluem, além dos aspectos

essencialmente cognitivos, elementos afetivos e estéticos.

Levando esse fato em consideração, SILVEIRA (2000) diz que com a arte,

resultado simbólico de estados afetivos, deflagrados individualmente ou em grupo, a

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criança chega a conceituar, formalizar e socializar o pensamento; concluindo, portanto, que

não é preciso promover a cisão entre o sentir e o pensar para educar.

De acordo com SILVEIRA (2000), as crianças, especialmente no período simbólico,

têm um sentimento natural de beleza. Para a criança pequena, a arte em si é uma forma de

transformar o desagradável em algo possível de conviver – que permita um sentimento

estético, que integra as dimensões querer, sentir, pensar e dá confiança para agir.

GARDNER, citado pela autora, enumera autores que fizeram tentativas de conciliar

as abordagens cognitiva e afetiva (Carmichael, Wolff, Gouin – Decarie ) e conclui que

esses estudos sugerem que é mais provável conseguir-se integração do afeto e da cognição

se buscarmos atividades em que o sentir e o saber são reconhecidos como estando

entrelaçados, como ocorre na arte.

Uma das características das artes é ser uma linguagem simbólica e, como sistema de

símbolos, são instrumentos para interpretar o mundo, transformando informações

sentimentos e sensações em experiência. O que caracteriza o comportamento do homem é

também sua capacidade de simbolizar, recriando e reconstruindo a realidade através das

formas simbólicas.

De acordo com a autora, o ser humano tem necessidade de simbolizar, de dar

significado ao próprio mundo, para o que vive, para o que conhece; buscando dar sentido à

sua existência. E para a autora, o ato de conhecer é justamente o ato de dar significado às

coisas e aos fatos. No entanto a autora salienta:

“(...) o conhecimento só se dá quando resultar de vivências, se este se referir às experiências de vida do indivíduo ou se estiver apoiado em simbolizações de experiências já vividas e não só a partir do pensamento” (SILVEIRA, 2000, p.74)

Dessa forma, acreditamos que a educação através da arte pode ser a forma mais

elevada de se trabalhar com a criança porque: 1) respeita a natureza da criança que pensa

predominantemente com a emoção e intuição, e a realidade é fantasiada e simbolizada;

levando em consideração que o trabalho da criança pequena é brincar e 2) possibilita a

integração do sentir e pensar; da comunicação entre hemisfério direito e esquerdo do

cérebro, propiciando melhores chances de adultos mais íntegros e com boa saúde mental.

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Contudo, a arte em si, não é suficiente para que isso ocorra. É fundamental que haja

um método norteador do processo ensino-aprendizado, que garanta que todas essas funções

expostas acima sejam garantidas do contrário, incorreremos no mesmo erro que as Escolas

Tradicionais e daquelas que não levam em consideração os aspectos formais do

conhecimento, na devida complexidade em cada fase do desenvolvimento humano e sendo

cada ser, único nas suas necessidades e manifestações.

Gostaríamos de finalizar com Moraes, citando Platão e sua idéia e significado do

que seja Educação:

“Platão dizia que a Educação é algo que transcorre durante toda a existência de um homem, e não somente na infância. Educação, em Platão, era o mesmo que ‘Amor à Sabedoria’ (Philo-sophia), o que também queria dizer para ele ‘Iniciação’ ou ‘Metanóia’, isto é, as mudanças, aprendizados e aprimoramentos que todo homem deve realizar, ao longo de sua vida terrestre, para atingir a plena consciência de Anthropos, ou seja, tornar-se, a cada dia, através da Escola da Vida, um Anthropos-Sóphos, um ‘Homem Sábio’. Na Escola se acerta, se erra, se tenta, se faz, e, enfim, se aprende” (MORAES, 1998, p. 48).

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VI – Uma escola exotérica

A Pedagogia Waldorf criada por Rudolf Steiner, assim como o Kinder, tem uma

visão ampla do ser humano, na qual engloba uma esfera que não é física. Na escola Kinder

a idéia de essência que vem da gnose de Samael Aun Weor e na pedagogia Waldorf o eu ou

ego, conceito da Antroposofia.

Todo o processo de ensino-aprendizado nas escolas Waldorf é construído em cima

da arte. Assim, é uma escola que une um conhecimento de caráter esotérico, a

Antroposofia, e o trabalho artístico, criando um sistema próprio de ensino pedagógico. É

uma forma de se fazer divulgar o conhecimento Antroposófico, e por isso, STRUCHEL

(1988), denominou a escola Waldorf de “uma escola exotérica”.

É considerando tudo isso que guarda semelhanças com o Kinder.

No final do século XIX e início do século XX na Europa, numerosos pensadores e

reformadores do sistema educacional rebelaram-se contra o ensino tradicional, a estrutura e

outras enfermidades das escolas, propondo uma nova perspectiva pedagógica para o ensino

e acreditando que uma nova educação poderia acabar com todos os problemas sociais

(UHRMACHER, 1995).

Embora essas reformas pedagógicas divergissem no propósito e na finalidade do

ensino, muitas delas enfatizavam:

1) A criança como sendo o centro do ensino (“child centered” instruction);

2) O desenvolvimento total da personalidade e, conseqüentemente, a rejeição da excessiva

intelectualização do ensino; e

3) O que chamaram de “Eros pedagógico” (Pedagogical Eros) que inclui amor, confiança

e intensidade como parte do processo de aprendizagem.

Esse movimento de transformações no processo educacional foi o que originou o

que Bogdan Suchodolski (citado por MORAES, 1998) denominou de “Educação da

Existência” ou “Escola Nova”.

A Educação Waldorf foi uma dessas escolas que, na época, incorporou muitas

mudanças decorrentes do movimento da escola nova, tornando-se conhecida mundialmente

até os dias atuais, inclusive no Brasil.

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O responsável e idealizador da Educação Waldorf foi Rudolf Steiner. A primeira

escola foi fundada em 1919, em Stutgart, na Alemanha, para os filhos de funcionários de

uma fábrica de cigarros, a Waldorf-Astoria (daí o nome da escola).

Rudolf Steiner nasceu em 1861 na Áustria e quando criança, de acordo com relatos

biográficos (Easton 1980; Hemleben 1975; Shepherd 1954; Wilson 1985), citados por

UHRMACHER (1995) teve diversas experiências “supersensíveis” (aparições) fazendo

com que acreditasse, desde muito cedo, que a realidade do mundo espiritual é tão real

quanto do mundo físico. Talvez, essas experiências tenham sido fundamentais para o rumo

que levou sua vida: Steiner em 1912 funda o Movimento Antroposófico, fazendo parte

desde 1902 até então da Sociedade Teosófica em Berlim.

A palavra Antroposofia é derivada de antropos (homem) e sofia (sabedoria). A idéia

central desse pensamento é que o mundo espiritual se entrelaça com o mundo físico-visível,

ou seja, que a realidade espiritual tem, de alguma forma, um impacto sob o mundo material

e que o homem tem o potencial para perceber e entrar nesse outro mundo não visível.

LANZ (1990), expondo o pensamento de Steiner, diz que o homem é constituído

por corpo físico, corpo etérico, corpo astral e eu.

O corpo físico é constituído pelas substâncias ou elementos químicos que também

formam o mundo externo, ou seja, é constituído por substâncias físicas. O corpo físico

reconhecido como uma aglomeração individualizada de substâncias químicas, as mesmas

encontradas nos minerais, nas plantas, nos animais e nos homens.

Para a Antroposofia, os seres orgânicos (plantas, animais e homens) possuem, além

de seu corpo mineral ou físico, um conjunto de forças vitais, individualizado e delimitado.

Ou seja, um segundo corpo não físico que permeia o corpo físico e que da vida ao ser e

impedem a matéria de seguir suas leis químicas e físicas normais. Steiner chamou esse

segundo corpo de corpo plasmador ou também de corpo etérico. Assim como o corpo

físico é construído por substâncias físicas, o etérico tira sua substância de um plano etérico

geral e, conseqüentemente, não é perceptível aos nossos sentidos comuns. O corpo etérico

somente pode ser “visto” pelos indivíduos que desenvolveram seus sentidos superiores e

atingiram um certo grau de clarividência, sendo capazes de vivenciar experiências supra-

sensíveis.

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De acordo com LANZ (1990), o esoterismo hindu, egípcio, tibetano ou grego e o de

várias correntes mais recentes conhecem esse corpo etérico e suas funções. A Antroposofia

apenas traduz esse conhecimento em formulações conceituais modernas de acordo com o

grau de evolução alcançado pelo homem do século XX.

O corpo astral, também chamado de corpo de sentimentos, é o veículo que permite

ao animal ter sensações e reflexos, simpatias e antipatias, instintos e paixões. No homem

ele torna possível toda a gama do sentir, desde o instinto primitivo até os sentimentos mais

nobres e sublimes. É constituído por uma substância ainda mais sutil e refinada do que a do

corpo etérico, que faz parte do plano astral. Esse corpo astral é superior ao corpo etérico e

domina-o. Segundo o autor, a clarividência de algumas pessoas revela que seu “aspecto”

depende dos sentimentos que prevalecem no indivíduo.

Além e acima dos três “corpos” inferiores (físico, etérico e astral) o homem (e

apenas ele) possui um quarto elemento constitutivo da sua entidade: o eu ou ego; um centro

autônomo de sua personalidade, o qual constitui o âmago da sua consciência, e do qual ele

tem uma experiência direta e evidente. É esse eu ou ego, verdadeira parcela espiritual, que

o distingue do animal. O eu lhe da a sua personalidade, o eu pensa, sente e deseja através

dos seus corpos inferiores. Por meio do eu, o homem pode dominar e purificar seus

sentimentos, instintos e paixões.

Do convívio do eu com o corpo astral (veículo das sensações e sentimentos,

instintos e atividades psíquicas conscientes e inconscientes) e com os outros corpos

inferiores (físico e etérico), origina-se um conjunto autônomo de atitudes e faculdades, a

alma (ou conjunto de forças anímicas). A alma, distinta da corporalidade e do eu, constitui,

pois, como que um elemento de ligação entre o eu e o mundo. O eu sente e age através

desse instrumento.

De acordo com Steiner, a alma se manifesta de três formas; ou, para simplificar,

existem três almas:

1) Alma sensível ou alma da sensação: ela traz a consciência das sensações, a vivência

de uma impressão sensorial, por exemplo, de uma cor, de uma obra musical, de uma

dor. A través da alma sensível o homem vivencia o mundo.

2) Alma do intelecto ou do sentimento: por meio dela o homem formula pensamentos.

Ele põe em ordem as sensações recebidas, compreende o mundo, constrói o

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universo interno de sentimentos e de idéias. A abstração, o pensar conceitual, são

resultados da existência dessa alma do intelecto. Ciência e filosofia são os seus

frutos.

3) Alma consciente ou alma da consciência: traz ao homem a consciência da sua

própria individualidade e o choque entre o seu ego e o mundo. Ele se sente

distanciado, abandonado; em conseqüência, sofre por seu isolamento, duvidando de

tudo e não se dando mais por satisfeito com explicações fornecidas pela alma

racional.

Procurando analisar as várias atividades anímicas do homem, Steiner (LANZ, 1990)

chegou à conclusão de que seu número pode ser reduzido a três: a) o pensar – ao qual se

deve juntar a percepção sensorial e a memória; b) o sentir; e c) o querer.

Essa divisão, porém, não se limita às atividades anímicas. Ela tem um reflexo na

constituição física e nos graus de consciência da mente humana.

De acordo com Antroposofia, o corpo humano pode ser considerado como

composto da cabeça, do tórax e do abdome mais membros. Essa divisão não é casual. A

cabeça e o sistema abdome-membros formam uma polaridade.

Na cabeça está concentrado o sistema neuro-sensorial: ela contém o cérebro e a

maior parte dos sentidos, como também o cerne do sistema nervoso central. Identifica-se,

portanto, a cabeça com a percepção e com o pensamento, já que é o ponto de maior

concentração dessas atividades.

Da mesma forma, o metabolismo está centralizado na parte abdominal, onde os

movimentos peristálticos (inconscientes) e os processos de transformação, ajudados pelo

trabalho preparatório dos membros, têm por finalidade “incorporar” o mundo material ao

organismo através da alimentação e de todos os processos correlatos (digestão, secreção

etc.). É nessa região do corpo que se concentra essas atividades.

Entre esses pólos, o sentir constitui uma atividade intermediária. É dentro de si que

o homem avalia as impressões recebidas, os conteúdos dos pensamentos e até a qualidade

dos alimentos ingeridos. Entre os dois extremos do pensar e do querer, o sentir ocupa uma

posição mediadora. Na prática essa posição é sublinhada pela presunção de que o sentir está

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ligado ao coração à circulação (sangue) e à respiração, ou seja, aos processos rítmicos que

têm sua origem na região torácica, mas que abrangem o corpo inteiro.

O sistema rítmico do meio é caracterizado por um estado de intermediário entre a

consciência de vigília (cabeça – pensar) e a inconsciência (abdome – metabolismo). É uma

semiconsciência. A partir disso pode-se estabelecer o seguinte paralelo (LANZ, 1990):

Sistema Principal localização no corpo

Estado de consciência

Atividade anímica

Neuro-sensorial Cabeça Consciência total: vigília

Pensar (intelecto)

Rítmico-circulatório Tórax Semiconsciência: sonho

Sentir (sentimento)

Metabólico-motor Abdome e membros Inconsciência: sono Querer (metabolismo)

Dessa forma, mesmo quando estamos plenamente acordados e conscientes (vigília),

sonhamos em nossos sentimentos (circulação-respiração) e dormimos profundamente em

nossa vontade (metabolismo-motricidade). A vontade é vista aqui como energia instintiva

orientada não pela inteligência, mas por forças naturais (que para Steiner não deixam de ter

uma origem espiritual), visando à conservação da vida e continuidade da espécie.

Esses três “sistemas” têm, portanto, cada um seu centro, mas que se interpenetram.

O próprio corpo humano é uma imagem dessa trimembração, na qual constitui um dos

fundamentos do conceito do homem de Steiner e da pedagogia que dele decorre.

A evolução do homem, conforme Steiner, caracteriza-se por ciclos de sete anos;

cada um dos quais tem predominância de uma configuração anímico-espiritual, sendo que

um determinado membro do homem se desenvolve de maneira mais pronunciada. A

personalidade, isto é, o eu, “vive” então principalmente nesse membro. Embora essa

divisão em setênios possa ser observada durante a vida inteira, para a educação no sentido

comum, os três primeiros são de maior importância e fundamentais para todo o

desenvolvimento sucessivo do ser humano.

Primeiro Setênio: Infância (0 a 7 anos): nesse período o corpo etérico constitui o elemento

mais importante e está intimamente ligado ao corpo físico, o qual se desenvolve através das

forças plasmadoras daquele. É uma fase de maturação do corpo físico que se desenrola a

partir da cabeça, do sistema neurossensorial, para os processos de crescimento do corpo,

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tais como a ossificação e o desenvolvimento dos órgãos. Por isso, diz-se que o processo

maturacional se dá no sentido crânio-caudal, ou seja, da cabeça para as extremidades.

De acordo com LANZ (1990), enquanto o corpo etérico estiver agindo no corpo

físico da criança (até os sete anos de idade), ela estará entregue aos seus processos vitais

(alimentação, metabolismo, sono, movimentos descontrolados); e, por isso, a criança é

inconsciente nessa fase. Ela é permeável a todas as influências do mundo ambiente (“um

grande órgão sensório”) e, por sua vez, transmite diretamente tudo o que se passa dentro

dela.

Para o autor, a permeabilidade da criança ao meio externo é um fato que todo

educador deveria conhecer, pois o aprendizado nesse período não se dá por meio de

exortações, de preceitos morais ou de conscientização, mas pelo exemplo e pelo ambiente.

A imitação e o exemplo são os motivos básicos de todo comportamento infantil. Dessa

forma, um dos princípios pedagógicos que se revelará mais importante não só nessa fase,

mas em todas outras, é que: os educadores, inclusive os pais, devem trabalhar

constantemente sobre si mesmos a fim de eliminar unilateralidades, falhas ou excessos que

possam ter efeitos negativos sobre as crianças.

O que toda criança deveria ter em primeiro lugar, na idade pré-escolar, é um

ambiente cheio de carinho e amor. A figura da mãe (não necessariamente a mãe física)

protege-o contra a frieza do ambiente, dando-lhe calor e aconchego. Toda criança nessa

idade deveria sentir que “o mundo é bom” e essa sensação deveria permeá-la,

inconscientemente, e constituir-lhe um sentimento quase religioso – o que Steiner chamou

de “religiosidade corporal”, por ser uma fase de maturação do corpo físico.

Do ponto de vista da atividade anímica, nessa fase a criança desenvolve

predominantemente a esfera do “querer-agir”. Embora inconsciente, a criança pequena é

um ser no qual prepondera a vontade e, toda vontade nela, conduz a movimentos. Podemos

observar que toda criança sadia é um ser móvel.

Para o autor, essa dinâmica da criança deve ser conduzida, pouco a pouco, a uma

regularidade rítmica, sem, no entanto, ser inibida brutalmente. Certas regularidades no

decorrer do dia, a observação de um horário rítmico pra jogos e refeições, para o descanso e

pequenas cerimônias, harmonizam uma vontade que, sem isso, tende a ficar caótica.

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Do nascimento até os sete anos, o corpo etérico vai se tornando cada vez mais

autônomo e, à medida que isso vai ocorrendo, a memória e a inteligência vão-se

desenvolvendo. A partir da metade do terceiro ano de vida, uma parte do corpo etérico, que

corresponde à cabeça, começa a libertar-se e torna-se disponível para a memória e para o

desenvolvimento da inteligência. Aparece uma cisão entre o imediatismo da vivência e a

conservação do fato sob forma da representação mental, imagem da memória etc. Ao

mesmo tempo, a continuidade das imagens gravadas faz surgir a primeira consciência do

próprio eu. No entanto, essa primeira memória e inteligência das crianças são bastante

rudimentares (LANZ, 1990). Estabelecendo comparação com a teoria piagetinana podemos

dizer que esta fase é equivalente àquela que Piaget denominou de pré-operacional, em torno

dos 2 a 6-7 anos de idade, quando encontramos as mesma característica descritas pelo

autor ao expor a visão Steiner a respeito do desenvolvimento da criança

Segundo Setênio: Juventude (7 a 14 anos): nesse período haverá o desenvolvimento do

corpo astral, até a sua autonomia ao fim deste ciclo. Daí um desenvolvimento intenso das

qualidades a ele ligadas: sentimento, fantasia, emotividade. O próprio pensar e memória

evoluem rapidamente, embora imbuídos de sentimentos e emoções.

As diversas matérias do currículo escolar e a metodologia do seu ensino são

instrumentos importantes para facilitar, em cada momento do desenvolvimento do jovem, o

surgimento da personalidade de forma harmoniosa. Por exemplo, se o eu permeia o corpo

astral e o resto do organismo de uma forma excessiva, a criança se tornará pragmática, em

todos os sentidos da palavra (para Jung, uma pessoa do tipo extrovertido). No seu contrário,

a criança será um sonhador desligado da realidade (para Jung, uma pessoa do tipo

introvertida). De acordo com LANZ (1990), a harmonização entre esses dois extremos, no

âmbito escolar, pode ser obtida dando-se maior ou menor ênfase a certas matérias:

enquanto a geometria, a aritmética, a linguagem e, de forma geral, a ocupação com idéias

abstratas favorecem o contato com a realidade e a forma; o desenho, a história, a geografia

e as atividades artísticas tendem a incentivar uma vida sentimental menos realista.

Embora a capacidade de aprender e a memória estejam bem desenvolvidas após a

libertação do corpo etérico, isso não significa que a assimilação de informações e o

raciocínio possam funcionar sem que se leve em conta o predomínio da vida emocional e

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sentimental. A criança não aprende e nem conhece qualquer fato sem que esteja engajada

emocionalmente. Portanto, a educação nessa fase se dá através do trabalho com os

sentimentos e fantasia criadora da criança. A música, o canto, a fala, a eurritmia (arte do

movimento criada por Steiner e sua mulher) e o próprio corpo humano, são atividades em

que o elemento musical (característico do corpo astral) se expressa mais diretamente.

À medida que o mundo fala à criança não pelo seu conteúdo conceitual, mas pelo

seu aspecto e pela configuração dos seus fenômenos, podemos chamar essa atitude de

“estética”. Nessa fase a criança deve sentir que “o mundo é belo” através de imagens. A

própria criança evolui durante esse período em direção a um pensar cada vez mais abstrato,

mas a transformação das imagens e fenômenos em conceitos e regras deve-se processar

paulatinamente.

De acordo com Lanz, emoções e vivências intensas devem acompanhar o ensino de

todas as matérias. O autor diz:

“O professor deve ser um artista, no sentido mais amplo da palavra, e todo ensino deve ser uma obra de arte. Assim como o artista se dirige aos sentimentos do seu público, o professor alcançará suas metas exclusivamente apelando aos sentimentos e à fantasia dos seus discípulos” (LANZ, 1990, p.42). Assim, para STEINER (1988) todo ensino deve partir de uma certa formulação

artística para que o ser humano total, principalmente com sua vida volitiva, seja solicitado.

A função do professor é basicamente a de trazer o mundo para dentro da sala de aula.

Além disso, o sentimento do belo deve ser cultivado por atividades artísticas e artesanais,

isto é, pelo “fazer”. A relativa passividade do aprender será, dessa forma, completada por

uma atividade criadora. Assim, o autor conclui:

“Entre o endurecimento do pensar abstrato e a volatividade da vontade, o elemento artístico pode estabelecer a harmonização e o equiíbrio que garantem o desenvolvimento sadio do jovem. Não se deve tratar, evidentemente de arte alheia à vida, com finalidades puramente ‘decorativas’ mas sim de um enfoque e de um cultivo do ‘belo’ que esteja, dentro da realidade da vida prática” (LANZ, 1990, p.43). Durante o segundo setênio, em particular, a educação deve ter como princípio

pedagógico a autoridade. De acordo com MORAES (1998), a criança, principalmente a

pequena, precisa de um referencial e também de um elemento que lhe dê apoio, amor e

atenção; esse referencial de apoio é o adulto ou o educador. De acordo com ao autor, para

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Steiner, há a “Autoridade Natural Amada” a e “Autoridade Natural Admirada”. Autoridade,

aqui, significa o referencial cultural que todo adulto pode ser para a criança e para o jovem.

A autoridade do adulto se dá pelo que ele é como pessoa, e não pela figura institucional e

burocrática que ele representa.

Terceiro Setênio: Adolescência (14 a 21 anos): esse período é marcado pelo pleno

desenvolvimento das faculdades mentais e morais e autonomia do eu, o qual se liberta de

seus vínculos com o corpo astral e com o resto do organismo – desde de que o

desenvolvimento anterior à puberdade tenha sido normal.

O pensar e o querer nessa fase podem funcionar sem interferência de motivações

oriundas do corpo físico e dos sentimentos. O despertar do julgamento próprio conduz o

adolescente a um espírito crítico em relação ao mundo e ás idéias e opiniões dos outros. O

princípio pedagógico do terceiro setênio é o reconhecimento das reais qualidades do

educador, e em particular da sua capacidade intelectual e da integridade moral.

Aos catorze anos, o eu provoca no adolescente a consciência do seu próprio existir,

sendo a autoconsciência uma das características mais incisivas nesta fase. O que no jovem

de sete a catorze anos era apenas fantasia, transforma-se no adolescente em criatividade

consciente e em perseverança na busca de um ideal.

Nesse período, a tarefa principal do professor é síntese harmoniosa de todas as

qualidades de seus alunos. Isso significa a harmonização das forças anímicas do pensar, do

querer e do sentir, permeado com sentimentos fortes, mas não egoístas. Além disso, o

professor deve almejar a perfeita integração destes no mundo, incentivando seus alunos na

participação ativa no mundo:

“Ora, o indivíduo não existe por si só. Ele faz parte da comunidade social e toda verdadeira educação deverá desenvolver no ser humano o respeito ao próximo – corolário da afirmação do próprio eu – e o senso da responsabilidade social de cada um. Estas são as metas de toda a educação – ao mesmo nível dos conhecimentos exigidos pelos regulamentos escolares” (LANZ, 1990).

O autor completa que toda educação deve conduzir o ser humano à capacidade de

determinar-se a si próprio e de fixar as metas da sua vida. No entanto, essa capacidade

pressupõe o pleno desenvolvimento do eu, o qual só tem condições totais para se realizar á

partir dos 21 anos, se todas as fases anteriores foram bem sucedidas. Nesse período, as

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qualidades do professor possibilitaram que ele assuma o princípio da “autoridade”, pois o

adolescente anseia ainda por encontrar alguém a quem admirar. Assim, o bom educador

saberá dosar, conforme a idade e personalidade do aluno, quanta liberdade poderá

consentir. E, sobretudo, fará sentir ao adolescente que a liberdade não é apenas um direito,

mas implica em muitas responsabilidades; que existe a “liberdade de...”, mas também a

“liberdade para...”.

De acordo com LANZ (1990), de fato, a Antroposofia elaborada por Rudolf Steiner

tem por objetivo o homem como indivíduo. Mas a Pedagogia Waldorf não se limita a essa

visão; baseia-se, fundamentalmente, no encontro entre homens: em primeiro lugar, aquele

entre o professor e o aluno. Toda a pedagogia está, pois, centrada nesse fenômeno

arquetípico, ao mesmo tempo humano e inter-humano: a relação aluno-professor – ela é o

cerne da Pedagogia Waldorf.

Para Steiner (LANZ, 1990), embora cada ser humano leve o marco indelével do seu

eu, existem tipos humanos baseados na constelação dos seus componentes; trata-se dos

quatro temperamentos: sanguíneo, melancólico, colérico e fleumático. Cada criança tem um

tipo específico de temperamento, levando consigo as características, o tipo físico e o

funcionamento do temperamento em questão. A disposição dos alunos na sala de aula leva

em consideração os temperamentos das crianças, facilitando o processo de ensino-

aprendizagem.

Em geral, o professor terá em sua classe um equilíbrio entre os quatro

temperamentos. Sua arte consistirá em atingi-los todos de maneira igual. Dessa forma, o

conhecimento dos vários temperamentos se faz necessário para que o professor compreenda

seus alunos e seus comportamentos.

Como todo ensino na Pedagogia Waldorf está centrado na relação aluno-professor,

esse último deve ter, entre as inúmeras, as seguintes qualidades:

1) Um conhecimento profundo do ser humano, o que envolve, automaticamente, o

conhecimento da Antroposofia e do desenvolvimento do ser humano através dos

setênios. No entanto, esse conhecimento não é algo definitivo, mas deve ser

constantemente exercitado, através de estudos pessoais e dos seminários para os

professores (seminários para professores que desejam fazer parte de uma escola

Waldorf).

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2) O amor como base do comportamento social em relação aos alunos, que decorre

automaticamente do fundo espiritual da pedagogia Waldorf.

3) Qualidades artísticas, o que significa a presença de uma maleabilidade da fantasia e

da criatividade, características do verdadeiro artista. O professor deve encarar cada

aula como uma obra de arte e, portanto, ter como fonte de inspiração não só os

livros, mas seu próprio mundo interno.

Para finalizar, MORAES (1998) diz que a Educação pautada na Antroposofia, ou

seja, a Pedagogia Waldorf, tem um aspecto da “Educação da Essência” e da “Educação da

Existência”. Dessa primeira é a dimensão utópica, a qual coopera para o desenvolvimento

das potencialidades humanas ainda em devir – e que, portanto, ainda não se encontram

plenamente existindo no aqui e no agora do mundo atual. Da segunda, é o processo de

condução da criança à sua plena integração com o mundo concreto, tanto no sentido de

orientação psico-espacial, quanto no sentido de uma completa socialização.

Desse ponto de vista, a Pedagogia Waldorf, ao menos teoricamente, está no

caminho do meio.

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MÉTODO

"(...) o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais,

ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.

Afinam ou desafinam. (...) Isso que me alegra, montão"9

Guimarães Rosa

9 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. São Paulo: Círculo do Livro, 1984.

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A escolha da pesquisa qualitativa para fundamentar e orientar nosso trabalho está

diretamente relacionada com o resgate da condição de sujeito das pessoas pesquisadas, isto

é, a inclusão da subjetividade (assim como as diferentes vias para chegar a ela) no fazer

ciência humana.

Fazendo uma crítica as crenças que, junto com a ciência, geraram a epistemologia

positivista, REY (2002) ressalta que a ciência não é só racionalidade, é também

subjetividade em tudo o que o termo implica: é emoção, individualização, contradição,

enfim, é expressão íntegra do fluxo da vida humana, que se realiza através de sujeitos

individuais. A representação da ciência como atividade supra-individual, que supõe a não-

participação do pesquisador e o controle de sua subjetividade, ignora o caráter interativo e

subjetivo do nosso objeto (o homem), o qual é condição de sua expressão comprometida na

pesquisa.

Na opinião do autor, a subjetividade é um sistema complexo de significações e

sentidos subjetivos produzidos na vida cultural humana, e ela se define ontologicamente

como diferente dos elementos sociais, biológicos, ecológicos, entre outros, mas que, no

entanto, estão relacionados entre si no complexo processo de seu desenvolvimento. E,

diferentemente da ciência tradicional - que tem como objetivos a predição, a descrição e o

controle -, a abordagem qualitativa no estudo da subjetividade volta-se, exatamente, para a

elucidação e o conhecimento dos complexos processos que constituem essa subjetividade.

O qualitativo na pesquisa psicológica, essencialmente como definição

epistemológica, se define, segundo o autor, pelos processos implicados na construção do

conhecimento, pela forma de se produzir o conhecimento. Assim, a epistemologia

qualitativa é um esforço na busca de formas diferentes de produção de conhecimento em

psicologia que permitam a criação teórica acerca da realidade plurideterminada,

diferenciada, irregular, interativa e histórica, que representa a subjetividade humana.

A epistemologia qualitativa se apóia em três princípios de importantes

conseqüências metodológicas. São eles: 1) o conhecimento é uma produção construtiva-

interpretativa, isto é, o conhecimento não é uma soma de fatos definidos por constatações

imediatas do momento empírico, mas sim uma interpretação do pesquisador; 2) caráter

interativo do processo de produção do conhecimento, enfatizando que as relações

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pesquisador-pesquisado são uma condição para o desenvolvimento das pesquisas nas

ciências humanas, e essencial para a produção de conhecimento; e 3) significação da

singularidade como nível legítimo da produção do conhecimento, ou seja, o conhecimento

científico, a partir do referencial qualitativo, não se legitima pela quantidade de sujeitos a

serem estudados, mas pela qualidade de sua expressão.

Considerando esse último ponto, a atenção ao caráter singular do estudado se

expressa na legitimidade atribuída ao estudo de casos. O curso da pesquisa pressupõe o

estudo de caso não como via de obtenção de informação complementar, mas como

momento essencial na produção de conhecimento. Tal curso não se dá de modo linear,

contínuo e previsível, mas constitui um processo irregular e diferenciado que se ramifica à

medida que o objeto se expressa em toda a sua riqueza.

Outra conseqüência metodológica advinda da epistemologia qualitativa, é o lugar

ativo do pesquisador e do sujeito pesquisado como produtores de pensamento. O sujeito, na

epistemologia adotada é um sujeito ativo, interativo, motivado e intencional, que adota uma

posição em face das tarefas que enfrenta. Do outro lado, o pesquisador, além de ser um

sujeito participante, também ativo, converte-se em sujeito intelectual, o qual utiliza-se da

teoria, não como um conjunto de categorias a priori, mas como instrumento para sua

interpretação e construção do conhecimento.

A consideração da natureza interativa do processo de produção do conhecimento

nos leva a atribuir um valor especial aos diálogos, os quais assumem uma função nova e

imprescindível para a qualidade da informação produzida na pesquisa (além daquela de

favorecer o bem-estar emocional dos sujeitos pesquisados): é fonte essencial para o

pensamento. É no diálogo que se criam várias características que favorecem níveis de

conceituação da experiência (como climas de segurança, tensão intelectual, interesse e

confiança), que raramente aparecem de forma espontânea na vida cotidiana.

Atribuir um caráter interativo no processo de produção de conhecimento, implica

também em compreendê-lo como processo que assimila os imprevistos como situações

significativas para o conhecimento, além da aceitação dos momentos informais que surgem

durante a comunicação, como produtores de informação relevante para a produção teórica.

Desse modo na pesquisa qualitativa, os instrumentos também adquirem lugares

diferenciados do tradicional: passam a ter uma característica interativa, sendo importante as

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conversações que suscita, as expressões do sujeito diante dele, as perguntas que formula

durante sua execução, as características da execução entre outras.

REY (2002) define instrumentos, como todos os procedimentos encaminhados a

estimular a expressão do sujeito estudado. Assim, por exemplo, serão instrumentos de

pesquisa psicológica as lâminas dos testes projetivos, as frases a serem completadas, as

situações de diálogos, as redações, as análises de filmes, os jogos, as situações de execução,

o desenho, as formas de relação grupal e outros.

A reação do sujeito diante dos instrumentos desestruturados inviabiliza o seu

controle sobre a prova, provocando respostas mais aproximadas daquelas que ele produz no

cotidiano. Esse tipo de instrumento facilita a expressão do sujeito em toda a sua

complexidade.

Dessa forma, o autor conclui que, a significação atribuída à comunicação desloca o

centro de atenção dos pesquisadores dos instrumentos para os processos interativo-

construtivos que se constituem dinamicamente no curso da pesquisa. A pesquisa, a partir

dessa perspectiva, deixa de ser uma rota crítica fixada a priori e se converte em processo

interativo que segue os altos e baixos e as irregularidades de toda relação humana.

Para esse trabalho, escolhemos dois instrumentos de investigação: a entrevista

clínica (anamnese) e um teste projetivo, a Prova de Rorschach.

De acordo com TRINCA (TRINCA, 1984, citado por GONÇALVES, 1997), a

investigação diagnóstica tem como objetivo estudar fatos que não estão claramente visíveis

e que, portanto, é necessário um espírito investigador que não se satisfaça apenas com o

que é aparente e que não se apresse em dar explicações aos fenômenos observados.

REY (2002) colaborando com essa compreensão reflete e entende o diagnóstico

psicológico como aquele processo orientado na tentativa de conhecer o sujeito ou espaço

social estudado em sua singularidade, na constituição subjetiva de seus sintomas ou de

qualquer processo ou capacidade que se pretenda estudar. Nesse aspecto o diagnóstico é um

processo de produção de conhecimento diferenciado, que pode ser utilizado na pesquisa

científica. Pesquisa e diagnóstico não têm a princípio nenhuma incompatibilidade; ao

contrário, o diagnóstico é uma pesquisa dirigida ao conhecimento de um caso. Para ele, no

exercício do diagnóstico como processo de conhecimento são legítimos os mesmos

princípios gerais da epistemologia qualitativa: o diagnóstico é um processo de relação

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constituído por meio da comunicação, o qual não representa um reflexo do sujeito estudado

nos termos de um resultado final, mas um processo orientado para produzir conhecimentos

que facilitem a inteligibilidade daquele em termos de nossos recursos conceituais, o que

não significa dissolver o sujeito nas categorias usadas para seu diagnóstico.

A entrevista clínica, para TRINCA (TRINCA , 1984, citado por GONÇALVES,

1997) é o principal recurso para a realização da investigação psicológica, sendo importante

que tanto a entrevista quanto a observação clínica sejam seletivas e focalizem os pontos

relevantes para a elucidação do caso.

REY (2002) ressalva: a entrevista não deve ser usada na perspectiva qualitativa

como um instrumento fechado, na qual a resposta seja utilizada como unidade objetiva de

análise. E, corroborando com a afirmação de Trinca, esse autor defende que ela tem sempre

o propósito de converter-se em um diálogo, em cujo curso as informações aparecem

conforme o sujeito as experimenta em seu mundo real. Através da entrevista surgem

inumeráveis elementos de sentido, sobre os quais o pesquisador não havia pensado, que se

convertem em elementos importantes do conhecimento e enriqueceram o problema inicial

planejado de forma unilateral nos termos do pesquisador.

Alguns fatores levantados por esses dois autores nos levaram a incluir um segundo

instrumento de investigação – no caso, a Prova de Rorschach.

Apesar da ressalva de REY (2002) às técnicas ou testes projetivos, considerando-os

limitados pelos mesmos conceitos de validade, confiabilidade e padronização que guiaram

a construção e uso dos testes objetivos (apesar do esforço para a superação de todos esses

aspectos), concordamos com TRINCA (TRINCA, 1984, citado por GONÇALVES, 1997)

que a utilização de uma técnica projetiva auxilia o diagnóstico, tornando possível o acesso

aos recursos intrapsíquicos. Além de nos propiciar os dados obtidos da sua aplicação, esse

tipo de técnica possibilita, ainda, a observação das manifestações de comportamento do

sujeito frente a uma situação semi-estruturada, a qual exige sua organização para a

realização da tarefa.

Mesmo fazendo essa ressalva a esse tipo de técnica, REY (2002) não a exclui com

uma das formas possíveis de investigação; até mesmo porque, o próprio autor lembra que a

pesquisa sobre a subjetividade expressa sempre uma contradição inerente: a contradição

entre a constituição subjetiva dos fenômenos na personalidade e a representação que o

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sujeito tem desses fenômenos; processos que nem sempre coincidem e que, com freqüência,

são contraditórios. Sendo, portanto as técnicas projetivas uma das formas de se explicitar

essas possíveis contradições.

Dessa forma, através da articulação dos dois instrumentos utilizados no

procedimento da investigação diagnóstica – a entrevista clínica e a Prova de Rorschach –

foi possível ter uma visão mais ampla do fenômeno humano que nos propusemos a

investigar: a dinâmica afetivo-emocional de uma pessoa que passou por um processo

educacional com determinadas características específicas.

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I – Sujeito e procedimento

Dois aspectos influenciaram na escolha da participante desse trabalho: 1) ter

freqüentado um mínimo de cinco anos o Ateliê de Artes Kinder; e 2) estar ainda na cidade,

o que facilitaria o contato.

Há um terceiro aspecto, que não foi determinante para a escolha, mas que contribuiu

de forma secundária, que foi o fato da participante ter como escolha uma profissão

relacionada às artes.

O convite foi feito por telefone e um primeiro encontro foi marcado para a

realização da entrevista. Nesse primeiro encontro, antes de dar início à entrevista, todo o

trabalho – objetivo e procedimento - foi explicado detalhadamente para participante. Um

segundo encontro foi marcado para a aplicação da Prova de Rorschach.

Além desses dois encontros, já previstos como procedimento da pesquisa, foi

necessário um terceiro encontro, no qual foi realizada uma segunda entrevista com o

objetivo de buscar mais informações importantes para a compreensão do fenômeno e que

não foram explicitadas na primeira entrevista.

As entrevistas foram realizadas pela presente autora e a Prova de Rorschach foi

aplicada por uma aluna da graduação (acompanhada pela autora) que já havia passado pela

experiência de aplicação da referida prova.

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Prova de Rorschach

Desde fins do século XIX começam a aparecer com maior freqüência pesquisas que

utilizavam manchas de tinta visando obter dados sobre a imaginação e criatividade. No

entanto foi um psiquiatra suíço, Hermann Rorschach, o primeiro a utilizar-se das manchas

com fins diagnósticos.

A prova de Rorschach pode ser considerada um método de investigação da

personalidade a partir do qual podemos levantar hipóteses quanto a estrutura e dinâmica da

personalidade do indivíduo. Seu material, constituído de manchas ambíguas e pouco

estruturadas, propicia o acesso a conteúdos conscientes e inconscientes. Esta possibilidade

advém da suposição de que quanto mais ambíguo o estímulo é menos provável que

provoque reações defensivas por parte do sujeito (PUC-SP, 1995)

O próprio Hermann Rorschach (PUC-SP, 1995), na época, devido à abrangência e

complexidade do teste, nos alertou para o uso adequado e produtivo do instrumento que

requer por parte do profissional, além de conhecimento técnico, uma base teórica,

experiência profissional e vivência pessoal. Nesse sentido, corroborando com a

epistemologia qualitativa, a relação sujeito-aplicador é primordial para se obter resultados

adequados do instrumento, uma vez que só a técnica de aplicação é insuficiente.

Basicamente o material da Prova de Rorschach (PUC-SP, 1995) se resume a dez

pranchas ou cartões onde estão impressas as manchas de tinta sobre um fundo branco. As

pranchas podem ser: monocromáticas, ou seja, as manchas são em tons de cinza e preto

(pranchas I, IV, V, VI e VII); ou cromáticas, sendo que duas delas, além dos tons de cinza e

preto, apresentam partes vermelhas (pranchas II e III) e outras três são multicoloridas

(pranchas VIII, IX e X).

Do ponto de vista técnico, a aplicação do teste consiste em duas etapas:

a) Associação

b) Inquérito

Na primeira etapa – associação – as pranchas são apresentadas ao sujeito e ele é

orientado a dizer “tudo aquilo que ele vê nas manchas”. As pranchas são apresentadas uma

por vez e suas associações e reações são anotadas literalmente pelo aplicador.

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Na segunda etapa – inquérito – as respostas são retomadas pelo aplicador, que as

repete para o sujeito apresentando-lhe novamente as pranchas. O aplicador faz algumas

perguntas objetivando entender as percepções do indivíduo e esclarecera compreensão das

respostas de acordo com aquilo que o sujeito desejou comunicar assegurando a coleta de

informações importantes e imprescindíveis à classificação e interpretação dos dados.

Basicamente o aplicador procura saber a da localização da resposta na mancha (Onde você

viu...?) e o que determinou a associação do sujeito (O que te fez pensar em...; ou O que lhe

deu impressão de...?).

A aplicação e avaliação da prova de Rorschach foram realizadas de acordo com o

sistema desenvolvido por KLOPFER (1942). De acordo com esse autor (citado por

GONÇALVES, 1997), o material resultante da análise qualitativa e quantitativa da prova

revela uma interação entre os fatores intelectuais e emocionais dos sujeitos. Nessa interação

podemos constatar:

1) O grau e a maneira com os quais o sujeito tenta regular suas experiências e suas

ações;

2) A responsividade emocional aos estímulos provocada pelo meio externo e a

prontidão para essa responsividade;

3) A capacidade mental para solucionar problemas e situações;

4) A capacidade criativa e o uso que é feito desta;

5) Uma análise do nível de inteligência e as capacidades qualitativas dos processos

do pensamento.

No estudo individual do caso os critérios para a escolha dos índices da prova de

Rorschach foram a possibilidade de reconhecimento da: 1) potencialidades afetiva; 2) modo

de funcionamento cognitivo-intelectual; 3) grau de controle do ego ; e 4) nível do

funcionamento mental (nível primário ou secundário).

Para a verificação das potencialidades afetivas, os índices escolhidos foram:

I. Ressonância Afetiva (RA): o resultado dessa equação é obtido através do número de

respostas dadas nas últimas pranchas (VIII, IX e X) sobre o total de respostas dadas. A

porcentagem de respostas às três últimas pranchas, que são completamente cromáticas,

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indica a responsividade geral da pessoa a estímulos do meio. Além disso, serve de valor

comparativo para a confirmação do tipo de exteriorização da afetividade. Os valores

considerados foram:

a) RA < 30% → inibição afetiva

b) 30% < RA < 40% → responsividade normal

c) RA > 40% → impulsividade

II. Exteriorização da Afetividade: o resultado dessa equação é a somatória de respostas

de movimento (Msum) sobre somatória de respostas cromáticas (Csum). A exteriorização

da afetividade indica o tipo de vivência do sujeito, isto é, qual seria o tipo de reação frente

ao impacto emocional provocados pelos estímulos do meio; podendo ser:

a) 2Msum: 1Csum → Introversivo

b) 1Msum: 2Csum → Extratensivo

c) Msum: Csum → Ambigual

Os indivíduos caracterizados como introversivos têm uma vida interior rica,

são reflexivos e criativos. Mantêm contatos humanos mais profundos que numerosos e

demonstram dificuldades na vida social e em adaptar-se à realidade.

Aqueles considerados extratensivos são hábeis em adaptar-se à realidade;

mostram-se mais pragmáticos, com facilidade para concretização de seus objetivos, no

entanto são pouco originais. Ao contrário dos introversivos, mantêm relações superficiais e

em grande quantidade.

A introversão extrema pode indicar, junto com a análise geral dos dados,

uma defesa frente às emoções provocadas pelos estímulos do meio. Em contrapartida, a

extratensão extrema também pode refletir uma defesa que busca ajuda no engajamento total

com a realidade para evitar o contato com a consciência as necessidades afetivo-emocinal.

O indivíduo que apresenta um tipo de vivência ambigual conserva um

equilíbrio entre as características introversivas e extratensivas: tem a habilidade de manter

contatos afetivos profundos e, ao mesmo tempo, tem o domínio do ambiente que o cerca.

Entretanto se esse indivíduo não souber responder aos diferentes movimentos da energia

libidinal de acordo com a exigência desta a ele, ora introversiva ora extratensiva,

possivelmente haverá a presença de conflito emocional.

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III. Tipo de Exteriorização: essa equação refere-se ás proporções relativas à reatividade

emocional ao meio. O tipo de exteriorização da afetividade indica a presença ou não de

exteriorização e o tipo de controle de que o sujeito dispõe para exteriorizar seus afetos. Os

valores considerados foram:

a) FC = 0 e CF + C = 0 → sem exteriorização

b) FC < CF + C → impulsividade

c) FC > CF + C e CF + C > 0 → normal

IV. Organização das Necessidades Afetivas: nesse índice considerou-se duas equações,

usando as repostas de sombredo, difererenciado (FK, Fk e Fc) e indiferenciado (KF, kF e

cF). Esse índice demonstra a presença de sinais de ansiedade e se aquelas são passíveis de

reconhecimento, ou ainda se são tão primitivas que se tornam indiscriminadas. Os valores

considerados foram:

1) (FK + Fk + Fc) : (KF + kF + cF + c), onde

a) 0 : 0 → inconsciência

b) 0 : x, onde x ≠ 0 → consciência

c) y : x, onde x e y ≠ 0 → consciência e inconsciência

2) F : FK + Fc, onde

a) ¾ F < FK + Fc → necessidade de afeto em excesso

b) ¼ a ¾ F = FK + Fc → necessidade de afeto integrada com o resto da

personalidade

c) ¼ F > FK + Fc → necessidade de afeto sub-desenvolvida ou negada e reprimida

As respostas de sombreado nos indicam como os sujeitos manipulam as

necessidades básicas de segurança, de afeição e do sentimento de pertencer a alguém. As

respostas K e KF indicam a presença de ansiedade de natureza vaga: o sujeito está

consciente dessa ansiedade, embora não faça uso de defesas eficazes. A presença de

ansiedade faz parte da vida, no entanto, se há um aumento para 3 no índice dessas respostas

de natureza vaga, e assim excedem as respostas de sombreado diferenciado, podemos supor

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que o grau de ansiedade é alto o suficiente para perturbar o cotidiano do sujeito. A ausência

de respostas dessa natureza indica uma falta de consciência das necessidades afetivas ou a

presença de defesas que protegem o sujeito dessa consciência.

V. Recursos da Personalidade: esse índice é calculado através das respostas de

movimento (M, FM e m). Os recursos da personalidade indicam o tipo de vivência do

sujeito, a capacidade de reflexão, de imaginação e a energia psíquica existentes. Foram

consideradas duas equações:

1) FM : M, onde

a) FM > 2M → necessidade de gratificação imediata

b) M > FM → normal

c) M < FM < 2M → desfavorável

2) M: FM + m, onde

a) 1 ½ M < FM +m → tensão excessiva

b) 1 ½ M ≈ FM + m → impulso vital integrado

O significado das respostas M é bastante complexo e implica basicamente três

conceitos: a) processo imaginativo, isto é, ver na mancha uma cinestesia que não existe; b)

da empatia, isto é, ver na mancha a presença humana; c) da percepção em nível altamente

diferenciado e integrado.

A quantidade de respostas M é indicativa da presença de energia vital. Nos

introversivos, espera-se um mínimo de cinco respostas dessa categoria. Abaixo de três,

podemos supor um rebaixamento da energia vital disponível do indivíduo, ou ainda uma

baixa tolerância do ego aos impulsos arcaicos.

As respostas FM, comparadas com as M, requerem um menor grau de diferenciação

intelectual, não implicam empatia pelos seres humanos e sugerem impulsos que necessitam

de gratificação imediata.

As respostas m indicam tensão e conflito: conflito entre o impulso e metas a longo

prazo e tensão devido ao esforço para inibir o impulso. Em muitos casos, a presença de m

parece indicar uma necessidade de repressão; por outro lado, pode refletir um sentimento de

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desamparo em face de forças ambientais ameaçadoras fora do controle. Sua presença em

número elevado, relativo ao número de respostas evocados em todas as pranchas é um

reflexo de consciência de forças fora do controle do indivíduo, que ameaçam a integridade

da organização de sua personalidade.

Assim, a relação entre a quantidade dessas respostas aliadas ao tipo de

exteriorização dos afetos, analisada em conjunto com outros dados do psicograma, poderá

auxiliar-nos na avaliação da participante.

É freqüente na análise do Rorschach estimar, também, os modos de funcionamento

cognitivo-intelectual e eficiência do sujeito. No entanto, como já foi dito, ao contrário do

tipo de situação apresentada pelos testes usuais de inteligência, uma situação estruturada, a

Prova de Rorschach mostra a performance do sujeito numa situação não estruturada. Assim,

essa estimativa no Rorschach é baseada principalmente no modo de organização do

processo perceptual, que depende dos conhecimentos assimilados durante a experiência de

vida.

Para a estimativa da capacidade intelectual da participante os seguintes aspectos da

performance na prova de Rorschach foram considerados:

I. Grau de Esteriotipia e Identidade: o grau de esteriotipia (calculado através da

proporção de respostas de conteúdo animal) indica a capacidade de concentração, o

controle dos processos de pensamento e a amplitude de interesse que o sujeito apresenta. A

identidade (resultado obtido através da porcentagem de respostas de conteúdo humano)

indica o grau de empatia do sujeito, ou seja, a habilidade do sujeito aceitar ou se identificar

com os outros. Os valores considerados, respectivamente, foram:

1) A%, onde

a) A% < 30 → dispersão do pensamento

b) 30 < A% < 50 → normal

c) A% > 50 → controle rígido do pensamento

2) H%, onde deve ser aproximadamente 20%

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II. Quantidade de respostas (Produção): esse índice é referente ao número total de

respostas dadas pelo sujeito na prova. A produtividade indica a capacidade de produção

intelectual. Os valores considerados foram:

a) R < 15 → baixa produtividade

b)15 < R < 25 → normal

c) R > 25 → excesso de produtividade

A produtividade do indivíduo deve ser avaliada à luz da qualidade dessa produção.

Se a responsividade for baixa, mas estiver associada a um bom número de respostas, cujo

determinante é global do tipo secundário, poderemos supor que a capacidade de produção

intelectual desse sujeito se caracteriza por uma abordagem mais elaborada, que implica

percepção discriminativa e integração das partes, o que lhe possibilita realização e

compreensão de experiências complexas. Entretanto, se o sujeito demonstrar baixa

produtividade, associada a um número exagerado de respostas globais primárias,

poderemos supor uma superficialidade de relacionamento com as experiências do meio que

pode levar a generalizações simplórias.

III. Número de repostas populares e quantidade e qualidade de respostas originais: o

número médio de respostas esperadas para a população brasileira, encontra-se entre 15 e

25, sendo, nesse caso, o número médio de respostas populares igual a cinco. Um grande

número de respostas originais caracteriza o uso livre de recursos e um alto nível de

eficiência intelectual. A escassez de respostas originais principais, com bastante adicionais,

é sinal de cautela e modéstia do indivíduo na exploração de sua capacidade intelectual.

(Respostas populares, de acordo com ADRADOS (1973), são aquelas que estatisticamente

aparecem com grande freqüência nos protocolos, e respostas originais, ao contrário, são

aquelas que, estatisticamente, raramente aparecem – uma em cada 100 pessoas).

IV. Manutenção da Objetividade: esse índice refere-se à porcentagem de respostas

determinadas pelas respostas de forma dada pelo sujeito. A manutenção da objetividade

indica a capacidade de formação de conceitos objetivos. Os valores considerados foram:

a) F% < 20 → objetividade rebaixada

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b) 20 < F% < 50 → manutenção da objetividade normal

c) 50 < F% < 80 → constrição neurótica

d) F% > 80, onde 1) nível formal alto – constrição neurótica

2) nível formal baixo – limitação natural

V. Classificação do nível formal (Dado de Realidade): leva-se em consideração que o

nível formal varia diretamente com a qualidade do funcionamento intelectual. A percepção

acurada (F+) resulta de uma integração das características estruturais do material

estimulador (as manchas) e do significado atribuído pela pessoa, à luz de suas necessidades

presentes e sua experiência passada. Enquanto considera-se que, um nível formal menos (F-

), é devido a um exagero da contribuição pessoal à percepção, às custas de um

reconhecimento adequado da estrutura “realidade”, que é representada pelas manchas,

indicada pela análise estatística da prevalência dessas respostas na população em geral.

A qualidade formal (F+) indica a capacidade de objetivação adequada do indivíduo,

segundo os padrões sociais. Os valores considerados foram:

a) F+% < 75 → sinal de desajuste às normas

b) 75 < F+% < 80 → normal

c) F+% > 80 → rigidez, vida afetiva comprometida

VI. Quantidade e qualidade das respostas globais (G1ª + G2ª): um alto nível da função

intelectual é indicado por um bom número de respostas globais de boa qualidade. Isto

implica num nível formal suficientemente alto para indicar boa diferenciação e organização

da percepção (G2ª), com ênfase no reconhecimento das relações inerentes entre as partes

diferenciadas do material percebido. A implicação inversa é dada por um grande número de

respostas globais não diferenciadas (G1ª) que indicam, ou um baixo nível de capacidade

diferenciação ou uma considerável interferência emocional na eficiência da função.

VII. Quantidade e qualidade das repostas de movimento humano (M+ : M-):

considera-se que a função imaginativa e de empatia revelada pelas respostas M (bem como

suas variações - quanto menos óbvias elas são) é aparentemente característica de

capacidade intelectual superior. A qualidade dessas respostas é importante na interpretação:

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níveis formais menos (representado por M-) tendem a indicar uma séria falta de controle

sobre a função imaginativa – falta esta que, por si mesma, apresenta um sério rebaixamento

da eficiência intelectual.

VIII. Relação de Respostas Globais e Movimento (G : M): pode dar uma indicação da

extensão em que o indivíduo é capaz de mobilizar suas energias criativas ou produtivas

para manter seus interesses intelectuais e ambições. A própria relação em conjunto com a

qualidade das respostas G e M envolvidas, esclarece-nos a respeito do nível de aspiração e

aspectos da personalidade relacionados. Os valores considerados foram:

a) G : M = 2 : 1 → organização, com potencial criativo, para a realização intelectual

b) G > 2M → nível alto de aspiração intelectual

c) G < 2M → potencial criativo sem objetivação adequada.

IX. Variedade de conteúdo: considera-se ótimo um resultado da proporção de respostas

animais (A%) entre 20 e 35, levando-se em consideração a proporção entre as respostas (H

+ A) : (Hd + Ad) e que as respostas de conteúdo estejam espalhadas (no mínimo 25%)

através de pelo menos três outras categorias de conteúdo, fora essas já citadas. Os valores

considerados para a proporção foram:

a) (H + A) < 2(Hd + Ad) → hiper-crítica

b) (H + A) = ½ (Hd + Ad) → normal

X. Tempo médio por reposta (T/R): o tempo médio é calculado pela somatória do tempo

total nas 10 pranchas dividido pelo número de respostas. Os valores considerados foram:

a) T/R > 60s → processo mental lento

b) T/R < 30s → processo mental rápido e apressado

XI. Sucessão: refere-se à ordem em que as categorias de localização são usadas, podendo

ser: 1) sistemáticas, que seria uma ordem de respostas equivalente a G – D – d – Dd ou S,

ou o inverso dessa, Dd ou S – d – D – G (nem todos os quatro tipos de localização precisam

ser usados, mas se forem usados devem seguir essa ordem); ou 2) assistemática, ou seja,

qualquer violação á seqüência sistemática. Assim, a sucessão pode ser classificada em:

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a) sucessão rígida = 10 sucessões sistemáticas e 0 assistemática → rigidez.

b) sucessão ordenada = 7 a 9 sucessões sistemáticas e o resto assistemática →

flexibilidade.

c) sucessão relaxada = 3 a 6 sucessões sistemáticas e o resto assistemática →

enfraquecimento do controle.

d) sucessão confusa = sucessões sistemáticas menor que 3 → indivíduo excêntrico ou

confuso.

Considerando que o conceito de controle é importante na interpretação do

Rorschach, como um critério da efetividade do ajustamento geral à situação de vida (o

indivíduo precisa ter controle suficiente sobre seus impulsos e manipulação dos mesmos, a

fim de ser capaz de evitar perigos apresentados pela situação de realidade e descobrir

modos adequados para satisfazer suas necessidades), quatro equações (ou índices),

especificamente, foram consideradas:

I. Controle Externo:

a) socializado → FC : (CF + C)

b) através do afastamento ou isolamento

Acromáticas : Cromáticas

(FC’+ C’F + C’ + Fc + cF + c) : (FC + CF + C), onde:

Acromática = 2 x cromática → retraimento; hipótese da “criança queimada”

Acromática = ½ cromática → normal

Acromática < ½ cromática → forte reatividade emocional

II. Controle Interno: o sinal principal de controle interno é M, sendo necessário, pelo

menos 3 respostas M para a média das pessoas e pelo menos 5 M para o tipo introvertido.

III. Controle constritivo ou repressivo: uma ênfase exagerada em controle constritivo é

indicada por um F% maior do que 50, com respostas de bom nível formal (F+).

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Por fim, para a constatação do nível do funcionamento mental foi utilizado um

esquema auxiliar proposto por PENNA, (PENNA, 1987, citada por GONÇALVES, 1997).

A autora considera que os elementos introversivos representados pelas respostas de

movimento FM e m são indicadores de energia potencial, com possibilidade de serem

transformadas em energia M integrada e criativa.

M FC

FM CF

No eixo vertical, as respostas de movimento (M e FM) estão relacionadas a

qualidade da energia psíquica no mundo interno, indicando (junto com outras condições,

como cor e sombra) a conscientização e organização dos impulsos primitivos, a orientação

e disponibilidade dos recursos internos, a construção dos valores pessoais e processos

imaginativos; sendo que essa energia vital pode estar orientada para a gratificação imediata

(FM>M) ou para as metas a longo prazo (FM<M).

Já as respostas de cor (ainda no eixo vertical) estão relacionadas ao mundo externo e

demonstram como as pessoas reagem ao impacto emocional das relações interpessoais e

com o mundo em geral. As respostas FC são indicativas de um rápido domínio dos

impactos emocionais e sem perda de responsividade, indicando um funcionamento

emocional que se integra e adapta-se ao meio externo. As respostas CF representam uma

reação de baixo controle ao impacto ambiental, demonstrando impulsividade.

Levando em consideração os dois eixos verticais do psicograma, se houver uma

predominância de respostas FM sobre M, associadas a uma tendência maior para respostas

de cor do tipo CF ou C, superando FC, então, o indivíduo terá uma energia interna

organizada no nível primário do funcionamento mental. Caso contrário, se a predominância

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for de respostas M e FC, o indivíduo terá sua energia interna elaborada no nível do

processo secundário.

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RESULTADO Inicialmente serão apresentados os resultados obtidos nos índices afetivos (ver tabela 1),

classificados e analisados de acordo com KLOPFER (PUC-SP, 1998).

I) Ressonância Afetiva

RA = 36,11% . Esse resultado indica que a participante apresenta uma responsividade

normal aos estímulos afetivos do meio externo.

II) Exteriorização

M : Csum = 7 : 1,5. Essa relação indica que a participante é do tipo introversiva.

III) Tipo de Exteriorização

FC : CF + C = 3,5 : 3. Esse resultado é um sinal de controle sobre a expressão impulsiva da

emocionalidade. A participante é capaz de uma responsividade controlada em relação ao meio

social, respondendo apropriadamente tanto com sentimentos, como com ação. Além disso, é

capaz de respostas profundas e genuínas sob forte impacto emocional, não havendo controle

excessivo nesse caso.

IV) Organização das Necessidades Afetivas

(FK + Fk + Fc) : (KF + kF + cF + c + K + k) = 12 : 5, o que é indicativo de consciência e

inconsciência em relação às suas necessidades afetivas.

F : FK + Fc = 17 : 3. Há indicação de negação, repressão ou necessidade de afeto sub-

desenvolvida.

V) Recursos da Personalidade

M : FM = 7 : 7. Esse resultado nos fala que o impulso vital não está em conflito com o

sistema de valores e vice-versa. Isso pode indicar uma espontaneidade amadurecida da

participante, com um sistema de valores bem desenvolvido, que lhe favorece o controle, mas que

apesar deste controle, o sujeito tende a uma aceitação fácil de seus impulsos, apresentando uma

auto-imagem feliz e fácil.

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M: FM + m = 7 : 19,5. O resultado obtida nessa equação, indica que a tensão é muito forte

para permitir que a participante utilize seus recursos internos para a solução construtiva de seus

problemas cotidianos.

Os resultados obtidos nos índices do funcionamento cognitivo-intelectual e eficiência da

participante podem ser vistos na tabela 2. Esses índices foram, alguns, analisados segundo

KLOPFER (PUC-SP, 1998) e, outros, segundo ADRADOS (1973).

I) Grau de Esteriotipia e Identidade

A% = 22,23%. Esse resultado indica, segundo ADRADOS (1973), di6spersão do

pensamento.

H% = 27,78%. Essa porcentagem sugere bom grau de empatia, ou seja, a participante tem

habilidade em aceitar ou se identificar com os outros.

II) Quantidade de respostas (Produção)

R = 36. De acordo com ADRADOS (1973), o valor encontrado indica um excesso de

produtividade.

III) Número de repostas populares e quantidade e qualidade de respostas originais

Respostas Populares = 5. A participante apresentou um valor médio de respostas

populares, para um número médio de respostas entre 15 e 25 (ADRADOS, 1973).

Respostas Originais = 0. A escassez de respostas originais principais, com bastante

adicionais, é sinal de cautela e modéstia da participante na exploração de sua capacidade

intelectual (ADRADOS, 1973).

IV) Manutenção da Objetividade

F% = 88,89%. Esse resultado indica a hipótese de constrição neurótica: embora a

participante seja intelectualmente capaz de uma resposta mais ricamente diferenciada para o

mundo, ela está inibida para tal resposta, tendo reprimido suas tendências para conhecer e

responder às próprias necessidades interiores e agir de acordo com suas próprias reações

emocionais.

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V) Classificação do nível formal (Dado de Realidade)

F+% = 76,56%. A porcentagem encontrada indica para a capacidade de objetivação

adequada da participante, segundo os padrões sociais (ADRADOS, 1973).

VI) Quantidade e qualidade das respostas globais (G1ª + G2ª)

G1ª : G2ª = 11 : 7. O resultado sugere que a participante apresenta um alto nível da função

intelectual, no entanto com uma considerável interferência emocional na eficiência da função.

VII) Quantidade e qualidade das repostas de movimento humano

M+ : M- = 4 : 3. A relação encontrada indica um rebaixamento da qualidade de algumas

resposta M, que falam em favor da criatividade, rebaixamento provocado provavelmente pela

presença de ansiedade difusa, kF.

VIII) Relação de Respostas Globais e Movimento

G : M = 23 : 7. Essa relação sugere que a participante apresenta um nível de aspiração

nitidamente alto, com uma ambição que supera os recursos criativos que dispõe no momento.

Nessa relação as considerações do nível formal são importantes. Sendo o nível formal

alto e havendo uma produção normal de M com superacentuação de G, tratar-se de um caso de

pessoa de nível superior com um impulso muito grande para realizações, muito embora com um

excesso de realizações, mas às custas satisfações importantes.

IX) Variedade de conteúdo

(H + A) : (Hd + Ad) = 2 : 1. O valor encontrado indica que a participante não apresenta

atitude extremamente crítica.

X) Tempo médio por reposta (ver tabela 3)

T / R = 45,7s. Esse resultado revela que a participante apresenta um funcionamento mental normal.

XI) Sucessão (ver tabela 4)

A participante apresentou uma sucessão confusa, típica de pessoas confusas ou

excêntricas.

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Os resultados encontrados nos índices referentes ao controle da participante, avaliados

segundo KLOPFER (PUC-SP, 1998), podem ser vistos na tabela 5.

I) Controle Externo:

a) socializado → FC : (CF + C) = 3,5 : 3. (Mesmo resultado atribuído ao índice Tipo de

Exteriorização, relado a cima – tabela 1)

b) através do afastamento ou isolamento

(FC’+ C’F + C’ + Fc + cF + c) : (FC + CF + C) = 10 : 7,5. Essa relação indica a presença

de conteúdos afetivos de natureza traumática que precisam ser elaborados.

II) Controle Interno

M = 7. Esse valor sugere que a participante possui recursos internos suficientes para

capacita-la a adiar a ação ganhando controle sobre a expressão externa do comportamento.

Entretanto parte da produção de M (M-) sinaliza a presença de fraqueza de controle dos

processos imaginativos e de sua integração com a realidade.

III) Controle constritivo ou repressivo

F% = 88,89% e F+% = 76,56%. Essas porcentagens encontradas sugerem “constrição

neurótica”: a participante consegue controlar a expressão controlando seus sentimentos, emoções

e impulsos.

O nível de funcionamento mental da participante está indicado no esquema proposto por

Penna (1987), no quadro 1.

A participante apresentou um número de respostas M (7) e FC (8) superior (ou igual no

primeiro caso) às respostas FM (7) e CF (4), indicando um funcionamento mental tanto no nível

primário quanto no nível secundário dos processos psíquicos, com predominância no segundo

nível.

Os valores brutos dos índices de localização estão representados na tabela 6.

I) G% = G1˚ + G2˚ + G/ = 63,89%.

R

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A porcentagem encontrada indica que parece haver uma necessidade compulsiva de fazer

grandes coisas, no sentido intelectual, de super-impor generalizações aos fatos, sendo elas

adequadas ou não. Parece haver uma ambição intelectual hipertrofiada sem a capacidade para

mantê-la, devido a interferências emocionais na sua capacidade para sentir as inter-relações

essenciais que existem entre vários fatos da experiência.

II) D = 4 → D % = 11,11%

Há uma superacentuação em globais vagas e relativamente indiferenciadas – G primária.

Nos faz supor falta de consideração com suas necessidades pessoais e a presença de um núcleo de

conflito importante e ainda não reconhecido.

II) Dd = 8 → Dd% = 22,22%

O valor encontrado indica um interesse diferenciado nos aspectos factuais, mas também

uma insegurança da qual a participante se defende apegando-se a áreas limitadas de segurança

por medo de perder seus pontos de referência se ela as deixar.

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Síntese da história de vida da participante Datas das entrevistas: 22/06/2002 e 23/12/2003

Morgause tem 28 anos, é arquiteta (como o pai), casada e tem dois filhos pequenos,

um com 1 ano e outro de 3 anos de idade. Atualmente mora com o marido e os filhos na

casa de seu pai. O local onde Morgause reside existem três casas. Uma das casas serve

como escritório e trabalho dela e de seu pai. As outras duas casas servem como residência,

uma para o pai e outra para sua família atual.

Morgause é a segunda filha de três irmãs, sendo a diferença de dois anos entre elas.

Considera que sempre foram muito amigas, tendo amigos e atividades em comum quando

crianças e adolescentes, apesar de serem muito diferentes. Sobre essas diferenças ela diz:

“A minha irmã mais velha, é escorpião, ela é um pouco nervosa, é um pouco tensa, extremamente séria, extremamente organizada, perfeita no que faz, corretíssima. Se prende a detalhes, ela é dentista (risos). Um pouco fechada nas suas emoções. As crenças dela, ela é católica, freqüenta a igreja, vai a missa toda semana, casada e tal (...) A vida toda dela ela foi mais séria, das três ela era a mais séria, a única que colocava ordem na bagunça (risos)”. “Eu sou totalmente, sou mais emotiva, mais expansiva, mais rebelde, desorganizada (risos), adorava mexer nas coisas dela (...) Eu sou de câncer e ascendente em aquário, aquário que é assim, meio aéreo. (...) A Vivi (irmã mais nova) é libra e câncer. Então toda viagem que eu faço é com a Vivi (risos), a gente que faz o roteiro, a gente que inventa tudo”. “A mais nova (...), ela é mais insegura, totalmente ar, totalmente fora do mundo, até hoje ela não conseguiu se fixar em nenhuma atividade, já fez faculdade, já fez um monte de coisa, ela não consegue fazer uma atividade por muito tempo, vive voando, cada hora ela que fazer uma coisa, instável, insegura, emotiva. (...) eu acredito que ela é espírita (risos), (...). Faz, freqüenta as coisas dela, acredita, lê, lê muito Chico Xavier, ela gosta tal. (...) vai ter nenê acho que semana que vem, vai ser o Francisco”. Por serem em três, relata que sempre houve uma polaridade: às vezes se relacionava

mais com uma, às vezes com outra. Atualmente diz estar mais próxima da mais velha por

compartilharem uma realidade semelhante: casamento e filhos (a mais nova está morando

no exterior; casou e teve filho apenas recentemente).

Sua família chegou na cidade onde mora atualmente, quando ainda eram crianças;

uma cidade do interior, “muito tranqüila” e que por isso tinham “uma vida muito livre”.

Conta que sua casa vivia cheia de amigas.

Sempre procurou fazer tudo o que desejou dentro dos limites que sua vida foi

impondo. Paralelo a escola, sempre teve uma atividade de arte (proporcionadas pelos pais),

da qual sempre gostou muito. Fez balé, piano, violão e freqüentou o Kinder, um ateliê de

artes na cidade. Começou a freqüenta-lo (ainda quando era NAAC) com 7-8 anos, porque

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na época seu pai realizava o projeto de reforma da casa da idealizadora e fundadora do

ateliê, tornando-se, seu pai e sua mãe, amigos de Igraine. E, quando esta criou o ateliê seus

pais colocaram as três filhas para freqüenta-lo. Morgause considera até a possibilidade de

sua mãe ter sido colaboradora na implantação da escola. Conta:

“(...) foi muito legal, era uma atividade muito legal. Bem semelhante ao que é aqui hoje (referindo-se ao Kinder), tinha tudo, tinha teatro, não tinha música, não me lembro de flauta, só um pouco depois, (...). Tinha teatro, tinha arte, tinha tudo. E sempre foi muito importante na minha formação, não só profissional, mas de caráter, isso que eu acho importante, acho que a escola é fundamental nesse sentido, não pode ser uma coisa somente mecânica, tem que ter uma coisa mais profunda um pouco, de ideais, passar ideal e fazer crescer seres humanos. Eu era bem novinha e como sempre teve esse contato sempre foi uma relação muito maior do que professor e aluno, a gente sempre esteve muito ligado, de amizade e tudo, sempre que eu precisei, a Igraine sempre muito presente, sempre me ajudou muito, me passou muito conhecimento, nossa, me encheu de energia sempre que eu precisei. E eu devo muito isso a ela”. E fala do que foi mais marcante para ela no Kinder: “(...) nessa primeira fase aí de criança eu lembro muito dessa coisa do teatro que a gente fazia, que era uma coisa muito cômica. Tinha um camarim, um milhão de fantasias, e cada um incorporava um tipo físico, a gente treinava e inventava peça e tinha uma seqüência, era uma coisa organizada. Todo dia tinha a parte de arte e parte de teatro, todo dia, então era uma atividade muito legal. O que eu mais me lembro nessa primeira fase foi que a gente apresentava peça. E era muito lúdico, muito gostoso. Sempre o que me passou foi isso, um ambiente muito alegre, de muita felicidade; assim, felicidade em coisa sem ter grandes luxos e fazer uma coisa alegre. E é uma coisa que eu procuro sempre transferir para os meus filhos, tenho lá em casa um quartinho, eu fiz um quartinho da bagunça, então tem tudo, tem tudo, tudo que você pensar tem, tudo que eu acho que é um objeto meio curioso eu ponho lá para eles brincarem, o Gawaine (filho mais velho) ama. Aí é muito engraçado, e são as coisas mais simples, de repente um brinquedo não precisa ser aquele super brinquedo, Uma peneira velha que você não usa mais...”. Durante um período (correspondente ao ginásio) Morgause e suas irmãs precisaram

abandonar as atividades do Kinder por dificuldades financeira. Foi um período em que seus

pais estavam construindo a casa na qual moram até hoje, e nessa época, também, sua mãe

ficou doente, com câncer no seio, precisando se aposentar por invalidez. A mãe de

Morgause faleceu quando ela estava na faculdade.

Sua mãe era professora, e seu pai é arquiteto:

“Então, em casa meu pai é arquiteto, então sempre via ele pra cima e pra baixo falando de coisa de arquitetura (risos), acompanhei o que ele fez e tal. Minha mãe era professora; então a minha mãe era mais metódica, era mais correta, mais certa; professor tem isso, (...) as coisas tem sempre um ciclo, tudo tem horário, então sempre tive que fazer todas as tarefas muito corretas (risos). Ela revisava minha tarefa, tinha tudo isso, porque ela é professora”. Ainda durante o segundo grau, Morgause retomou as atividades no Kinder, já com a

determinação exclusiva de aprender a desenhar para passar no vestibular e cursar

arquitetura. Essa sua escolha foi bastante determinada pela influência do pai, que trabalhava

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em casa, e estava sempre com vários projetos e Morgause acompanhava de perto e “achava

tudo perfeito”. Além disso, teve uma influência da arte através do Kinder que, junto,

deixava a “coisa mais viva”. Ela e mais três amigos freqüentavam o Kinder com o mesmo

objetivo: passar no vestibular. Além disso, os quatro passaram a freqüentar outras aulas de

desenho.

Morgause conseguiu passar no vestibular e começou a cursar arquitetura numa

faculdade fora da cidade. Relata que mesmo entrando na faculdade, ela e seus amigos que

também estavam cursando arquitetura, não se desligaram mais do Kinder. Era, para ela, um

ambiente muito positivo e importante, tanto pessoal como profissionalmente.

Em relação ao aspecto profissional, Morgause diz:

“E na faculdade foi extremamente interessante, porque eu tinha os dois processos: um absolutamente teórico e técnico da faculdade e essa parte de arte do Kinder, a gente podia fazer workshop, um monte de coisa, sempre essa coisa da criação, do ideal, dos conceitos mais simples. Isso tudo tem sempre que estar ativo no seu dia-a-dia, porque para você criar uma coisa nova tem que vir de uma coisa assim, se você não tem essas criações as coisas começam a ficar repetitivas, e isso se refere muito à arquitetura”. Morgause conta, ainda, que muitas das atividades práticas que realizava na

faculdade, relacionada a desenho e observação, ela já desenvolvia no Kinder:

“Tinha uma matéria na faculdade de DO, desenho de observação, que era assim, como você observar o objeto de uma maneira diferente, e é o lado direito do cérebro. Ao invés de você observar a forma, você observar a não-forma: se você está olhando lá e vê aquele forno, você tem que ver a linha que deixa de ser o forno e que é outra coisa (...). Isso era igualzinho, era a mesma coisa, a gente já conhecia essa história do lado direito”. Além disso, eles estudavam no Kinder a arquitetura de geometria sagrada, que são

as construções baseadas na medida áurea e que por isso têm uma harmonia física e são

perfeitas. Estudavam isso através dos livros de Igraine, analisando projetos que são

considerados importantes e especiais no mundo inteiro.

Em relação ao aspecto pessoal Morgause refere-se principalmente a todo

conhecimento esotérico adquirido no Kinder e a influência na formação de seu caráter e

valores. Nessa época, de início de faculdade, já namorava Lancelote - seu atual cônjuge.

Conheceram-se na cidade onde moravam, mas ele já estudava fora, na mesma cidade onde

Morgause passou no vestibular. Era uma pessoa de realidade totalmente diferente da dela,

técnico (ele é formado em engenharia química) e não gostava de arte. Relata que ele é o

oposto dela, mas, no entanto, que nesse oposto sempre teve um complemento:

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“(...) eu vivo voando e ele me põe os pés no chão (...)”.

Morgause conta que Lancelote começou a freqüentar o Kinder com ela e passou a

participar mais de sua vida, tanto em relação ao lado profissional, quanto de suas relações

afetivas.

Passaram a freqüentar juntos o Kinder, participando de grupos de estudos e práticas

(meditação, rituais etc.) da gnose de Samael Aun Weor. Morgause, apesar de atualmente

reclamar de não conseguir colocar em prática o que acredita, tem esse conhecimento, e o

próprio Kinder, como ponto de referência e apoio - para sua vida e para a educação dos

filhos. Morgause diz:

“Tudo que a gente faz aqui, toda a filosofia que existe aqui, isso é muito importante na minha vida. Eu acho que são essas coisas que sempre me deu apoio, sempre me ajudou a relacionar com o futuro, e me ajudou a descobrir o meu caminho”. “(...) a gnose depois que comecei a estuda-la, ela acaba fazendo parte da sua vida, você não consegue separar mais, o que é um conhecimento do resto da vida. Às vezes você não consegue colocar em prática o que você acredita e o que você acredita que é o ideal, mas eu acredito na gnose, acredito que é uma coisa muito profunda (...) Então eu acredito na gnose eu só não consigo vivenciar tão bem como eu gostaria”. Lancelote é cinco anos mais velho que Morgause. Ela relata que ele é super

exigente, trabalhador, correto, fixado num objetivo e “tem uma coisa de vencedor, tem que

vencer na vida a todo custo”. (.... ) Que ele veio de uma família humilde, de quatro irmãos

e seu pai sempre teve que trabalhar muito para sustentar os filhos; que não tinha seu

próprio negócio, que tinha que trabalhar para os outros até muito tarde para conseguir

sustenta-los. Então, conta que Lancelote sempre lutou para nunca ser empregado e abrir seu

próprio negócio. Logo que se formou, voltou para a cidade onde moravam antes de saírem

para estudar e abriu seu próprio negócio.

Emocionalmente, Morgause relata que ele é muito afetivo e sempre a apoiou em

tudo, tanto emocionalmente (principalmente quando sua mãe faleceu, chegando até a ir

morar na sua casa) quanto profissionalmente. Ele gosta de atividade física e esporte

(chegou a ser corredor profissional e a jogar no time oficial da cidade) e, por isso, montou

uma academia em casa: chega do trabalho, come e vai para a academia.

Lancelote não tem grandes amigos, apenas um irmão e três ou quatro amigos (as

outras amizades são superficiais); são amizades sempre ligadas a algum tipo de trabalho.

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Na verdade, ele é mais ligado à família do que aos amigos. No entanto Morgause queixa-se

de que o marido trabalha muito não conseguindo tempo para se relacionar com ela, com os

filhos e, também, com os outros:

“ Hoje, a nossa vida está muito corrida, eu acho, a gente não tem muito tempo pra gente, agente já teve mais. (...) Essa coisa de atividade de meditação, a gente sempre tinha, era muito legal. Eu acho que na verdade é uma fase que a gente está passando, que está difícil de criança, tem sempre essa coisa de que criança vai resolver o casamento, mas no nosso caso complicou um pouco (risos). Porque você acaba tendo muito menos tempo para curtir”.

“ Chega da empresa todo dia oito, nove horas e vai brincar com os meninos. Quer dizer, vamos falar, ele tem que ficar lá até as nove? Não, ele não tem que ficar. Eu acho que é excessivo o trabalho, porque se ele conseguisse realmente trabalhar um pouco menos, ele ia ver os filhos dele crescerem, que ele não consegue; fica muito pouco tempo do dia perto dos filhos. Hoje não é todo dia que ele vai almoçar em casa, quer dizer, é sempre um contato muito rápido (...)”. “(...) e uma das questões minha com ele que a gente estava tentando resolver é a seguinte: já que tem está estabilidade financeira legal, vamos fazer alguma coisa para os outros, legal, bem feita (...) que não seja uma coisa que seja voltada pra você. Então agente está estudando uma coisa legal pra fazer, uma fundação ou fazer projetos sociais legais, sabe, que saia dessa empresa aí (referindo-se a empresa de Lancelote) alguma coisa legal, pra humanidade, que eu acho mais importante (...)”.

Na segunda entrevista, Morgause relata que conseguiu colocar em prática um pouco

desse seu desejo: vinha, durante o ano, realizando atividades artísticas (como as atividades

que tinha no Kinder) para crianças de sete a nove anos, em um artesanato da cidade. Tinha

duas turmas, uma de manhã e outra à tarde, e contava com a colaboração da professora

regular das turmas que relata estar bastante envolvida com o trabalho na época.

Morgause e Lancelote ficaram quatro anos casados sem filhos até nascer o primeiro

que hoje tem três anos. Depois desse primeiro filho, eles começaram a questionar se não

seria bom ter um segundo filho para aquele não crescer sozinho. Ela diz:

“(...) vai ser tão legal ele ter irmãos, se eu não tivesse irmã, imagina, já não tenho mãe, não tenho irmão; a gente não sabe o que a vida traz para gente, quer dizer, então vamos ver se a gente quer realmente ter outro filho ou não... a família está completa (risos)”. E tiveram o segundo filho depois de dois anos do primeiro. Atualmente Morgause

relata enfrentar muita dificuldade para conseguir conciliar sua rotina, de trabalho, de

cuidados consigo mesma, com os cuidados e educação dos filhos:

“(...) depois que nasce o filho, a tua preocupação com ele é tão grande, que as vezes você deixa de preocupar com você mesmo. Não acho bom, acho péssimo isso, acho que é uma falta de estrutura e você deve se corrigir. Você não sabe o que você faz primeiro. E é muito engraçado, na hora que os filhos nascem você deixa de pensar em você, é automático: porque é uma coisa tão pequenininha, tão dependente, tão indefeso,

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que você não sabe nem por onde começa (risos). É intuitivo, na mulher, que tem essa transformação, porque o homem acaba passando por isso tudo como uma outra questão na vida dele, não a mais importante porque não foi o corpo dele que se transformou, a passagem não foi por ele, não é ele que alimenta; então é muito diferente. Acho uma experiência incrível, muito legal; não é fácil, mas eu acho que se é o que você quer então faça bem feito, sabe, então, seja bem feito e a gente se doa para isso, e as outras questões ficam um pouco de lado (risos). Assim que eles tiverem as próprias pernas para poder fazer alguma coisa por eles aí a gente vai cuidar um pouco da gente”. Morgause diz que sua dedicação para com os filhos tem um pouco da influência de

sua mãe. Relata uma lembrança da mãe sempre muito dedicada às filhas, muito afetiva,

sempre fazia o possível e o impossível. E hoje, ela se vê se relacionando da mesma forma

com os filhos. Quando está com algum problema com eles, ela pensa: “o que será que a

minha mãe faria nessa situação?”.

Além disso, relata perceber uma outra influência da sua mãe no seu modo de ser e

que a sente como sendo negativa:

“(...) teve uma parte negativa também, tem uma coisa negativa, porque eu tenho muito isso, e aí a consciência tem muita coisa de culpa: sempre quando eu não consigo fazer uma coisa, eu sempre fico me culpando, ‘mas não é possível, isso tinha que ter acontecido assim, será que eu não deveria ter agido assado’. Tem isso, e isso é da minha mãe. Minha mãe era assim também, uma coisa perfeccionista ao extremo, mais do que você consegue levar as coisas”. Ao contrário da relação com sua mãe, Morgause relata uma relação com pai

delicada. Ele teve uma criação muito séria e é uma pessoa muito séria, difícil e fechada

(igual a seu pai, avô de Morgause). Ela relata que seu pai era ausente do cotidiano da casa

(a não ser financeiramente): trabalhava muito, raramente almoçava em casa e jantava em

horários diferentes. E percebe nela essa influência do pai:

“Profissionalmente tem essa extrema exigência, que é o que eu estou te falando. (...) do meu pai tem uma influência (risos) que não é boa, que é assim: só trabalho. ‘Nossa, eu sou doente’, ele fala, ‘não consigo ficar sem trabalhar’. (...) ele não passa um dia da vida dele sem trabalhar, nem que não tenha nada pra fazer, ele começa inventar alguma coisa, só pra trabalhar. E como eu trabalho em casa, nosso escritório é em casa, eu pego isso; às vezes é meia-noite, ‘nossa, tenho que fazer um negócio pra manhã’. Aí vou lá, deixo tudo lá em casa, ponho todo mundo pra dormir, e vou para o escritório trabalhar. Entende, é uma coisa absolutamente inusitada, porque agora com duas crianças eu tenho que parar, e é aquela luta constante: ‘como é que eu vou deixar de fazer isso’. Não é bom, mas tem”. Morgause relata que seus pais sempre foram pessoas corretas, de princípios morais e

responsáveis com os compromissos. E também conta que eles nunca tiveram um

relacionamento feliz, mas, por outro lado, não tiveram muito tempo para resolverem a vida

deles, porque logo que elas e suas irmãs cresceram (que tinham 12 – 15 anos) sua mãe

adoeceu e eles se prenderam nisso. Morgause acredita até que o câncer de sua mãe veio de

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um desgaste emocional decorrente do excesso de trabalho (em casa, com os cuidados das

filhas e fora, na escola onde trabalhava) e das dificuldades no relacionamento amoroso

mantinha com o marido.

De acordo com Morgause, o câncer de sua mãe começou no seio e logo depois se

espalhou por outras partes do corpo. Ela permaneceu o tempo todo em casa sob os cuidados

da família, sem nenhuma enfermeira. Na época, Morgause e sua irmã mais nova estavam

no colégio e, apesar da mais velha já ter saído de casa para estudar, sempre estavam

presentes.

A mãe se afastou do trabalho e ficava em casa. De tempos em tempos ia fazer a

quimioterapia e nos dias seguintes passava muito mal e vomitava (...era horrível.). Ela

precisou ser internada várias vezes e tinha que fazer transfusão de sangue. Morgause, suas

irmãs e o pai faziam da melhor forma para que ela não sofresse. E Morgause conta que ela

escondia muita coisa (exames que mostravam novas manchas e nódulos) para que eles não

sofressem.

A mãe de Morgause faleceu por volta dos 39, 40 anos, permanecendo doente

durante seis anos Apesar de todo o sofrimento, ela conta que foi uma fase da vida de sua

mãe e de seus relacionamentos (principalmente com as filhas) diferente de tudo aquilo que

ela tinha vivido:

“(...) na hora do desespero, eu acho que dá sempre uma grande mudança na vida. Depois que ela ficou doente ela se aproximou mais dos filhos, da vida dos filhos inclusiva e, na vida dela, ela deu uma guinada totalmente diferente, (...) ela se apegou em religião, freqüentou o grupo de oração essas coisas, mas era uma coisa de tanta fé, tanta força, que eu não sei te explicar. Ela virou professora de catecismo, abriu uma obra do berço que fazia roupinha de nenê para mulher que precisava. (...) Isso foi muito bonito, de ver a luta dela pela vida sabe, ela passava muito mais isso do que a dor da doença. (...) Então era assim, ela era muito forte, ela acordava, fazia as obrigações dela e vivia aquele dia intensamente, era incrível. Lógico, o dia que tomava os remédios era um horror, mas quando tinha força ela vivia. Fazia caminhada quando dava pra fazer, quando dava para ir para o centro tomar um suco ela ia, tomava o suco (risos). Isso foi legal, foi a época que eu mais viajei com ela foi quando ela ficou doente. Acho que ela falou: ‘agora que eu tenho pouco tempo de vida tenho que viver’, e viveu. Mas foi isso (...), teve momentos tristes mas teve essa coisa que ela deixou pra gente bem bonita. Eu acho que nada vem por acaso e ela encarou essa doença como renovação total, mandou ver, batalhou até quando ela pôde. Tinha uma época que não tinha jeito de fazer mais nada e aí parou de fazer quimioterapia e desistiu, porque aí já não dava mais, mas até quando ela pôde ela foi tentando”. Morgause conta que seus pais sempre estiveram juntos, ele foi o único namorado

dela e vice-e-versa. Então, até hoje seu pai é afetado emocionalmente com toda essa

história:

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“(...) e ele ficou com isso entendeu (risos), ele acha que qualquer coisa que ele tem é um câncer, porque é um horror, é uma coisa que te persegue; a pessoa faz o exame, você melhora um pouquinho mas depois volta. É uma loucura, porque não depende de você. As células ficam loucas. E meu pai pegou isso, ele ficou muito mal. Já tem dez anos que ela faleceu esse ano e até hoje ele não arrumou uma nova companheira, e eu acho que ele não arruma (...) foi uma queda na vida dele. A gente vive junto, eu trabalho com ele e tal; a gente tenta ter uma vida legal, fazer alguma coisa alegre pra ele, mas existe um vazio, que eu acho que aí é dele, não tem jeito. Tem os netos aí fazendo uma bagunça incrível, mas a noite ele está sozinho, aí não tem jeito. Então existe, é muito difícil, muito difícil, tem uma depressão, tem tudo, tem remédio, tem tudo (risos), remédio para dormir, pra tudo quanto é coisa tem”. Quando a mãe de Morgause faleceu, ela estava na faculdade, Lancelote (então

namorado) já havia voltado para cidade de origem de ambos e estruturara um negócio na

cidade. Seu pai estava morando sozinho e ela percebia uma condição de abandono do

mesmo quanto aos cuidados consigo mesmo. Sua irmã mais nova estava no exterior. Sobre

toda essa situação, ela diz:

“(...) aí eu já não sabia, o que eu quero dizer, se eu continuava na faculdade ou se eu vinha morar com meu pai. Minha casa estava uma bagunça, porque tinha Vivi (...) Então vários fatores me levaram a vir pra cá, com oportunidades aqui, meu pai tinha uma estrutura aqui, de família de trabalho e tudo, eu tinha uma oportunidade de aprender bastante coisa com ele (...).E isso já tem uns 6 que eu me formei e que estou aqui. Desse tempo pra cá, de formada, tem a adaptação profissional que foi em 2 anos mas que também aconteceu tudo junto: foi a adaptação profissional, voltar para casa, (...) Aí eu acabei casando, fui morar lá junto com o meu pai, juntei tudo e comecei uma vida nova (risos)...Por outro lado foi positivo? Foi. Eu não sei avaliar, eu acho que alguma coisa eu devia ter sido mais, mais forte e não abandonar, sabe. Mas, as coisas foram acontecendo e tem coisa que você acaba não controlando muito; eu acabei sendo uma pessoa muito mais prática do que eu era: as coisas tinham que dar resultado; o trabalho tinha que sair, a casa tinha que acontecer, tinha que tocar, tinha que fazer compra, tinha um monte de coisa, não era brincadeira. Tinha que ajudar meu pai na vida dele, dar uma mão. Então quer dizer, as minhas questões de vida acabaram ficando um pouco de lado”

Morgause demonstra uma certa angústia pela condição de abandono do pai, da irmã

e do namorado, sentiu que poderia estar colaborando mais para que a vida dessas pessoas

que ela tanto ama pudesse ficar um pouco melhor (parece ter consciência de seu papel

como mediadora das relações na família nuclear e da sua presença mais perto do

namorado). Esses fatores acabam por configurar uma situação que pressionou Morgause a

deixar a cidade onde estudava, seus planos de carreira e voltar a sua cidade natal para

organizar sua vida junto às pessoas que eram e ainda são muito importantes para ela.

E, hoje, sua queixa principal é de estar um pouco distante de seus ideais anteriores e

de estar levando uma vida muito corrida. Ela gostaria de “ter uma vida um pouco mais

tranqüila”.

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Tabela 3 - Tempo de Reação e Tempo Final das respostas fornecidas pela participante na aplicação da Prova de Rorschach Tabela 4: Sucessão das respostas quanto sua localização

Prancha Tempo de Reação Inicial

(Tri) Tempo Total

(T)

1 9s 80s

2 25s 105s

3 15s 72s

4 31s 113s

5 21s 88s

6 24s 113s

7 10s 82s

8 20s 270s

9 50s 227s

10 55s 495s

Pranchas Sucessão 1 G1, S - Dd - G/ - G1, S 2 D - D - G1 3 G/ - S - G2, S - Dd, S 4 G2 - Dd 5 G1 - G/ - G1, S 6 G1, S - G1 - G/ - G2 7 G1 - G2, S - G/ 8 G1 - Dd - G2 - G1 - Dd, S 9 G2 - G1 10 G2 - Dd - Dd - D - D, S - Dd, S

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Tabela 5 – Pontuações obtidas nos índices referentes ao controle da participante, avaliados segundo Klopfer (1948)

Controle Externo

Socializado

Controle Externo

através do Afastamento ou

Isolamento

Controle Interno

Controle

Constritivo ou Repressivo

FC : CF + C

Acromáticas : Cromáticas

M

F% / F+%

3,5 : 2 + 1

10 : 7,5

7

88,89% / 76,56%

Quadro 1: Nível do funcionamento mental em esquema proposto por Penna (1987)

M FC

FM CF

7 8

7 4

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DISCUSSÃO

Através dos índices da Prova de Rorschach foi possível constatar que Morgause tem um

funcionamento afetivo do tipo introversivo, ou seja, ela reage às situações por meio da reflexão e

tende a reestruturar o mundo em termos de seus próprios valores e necessidades.

De acordo com JUNG (1991).tanto a introversão como a extroversão estão presentes em

toda a personalidade. Na medida em que a adaptação consciente se move em direção a uma, a

outra opera de uma maneira compensatória se externalizando (no caso do introversivo) de modo

primitivo e inadaptado. Podemos dizer que o introvertido instintivamente se afasta do mundo

externo; as pessoas e os objetos têm um modo peculiar de fazê-lo tropeçar.

Isso nos ajuda a compreender, em parte, porque Morgause tem encontrado bastante

dificuldade em aliar, em seu dia-a-dia, todos os papéis sociais exigidos: esposa, mãe,

profissional, filha, mulher. Apesar de Maria apresentar um funcionamento introversivo, as

condições de sua vida atual têm lhe exigido estar e agir predominantemente no mundo externo:

dois filhos pequenos, o marido, o pai, o trabalho. E como esta não é sua adaptação consciente, ela

não consegue ser eficiente em tudo o que faz e acaba, muitas vezes, “tropeçando” nos afazeres.

Isso acaba gerando cobrança, culpa e angústia exageradas.

Levando em conta as inúmeras tarefas que Morgause considera que deve cumprir, parece-

nos impossível que ela possa realiza-las de modo adequado e satisfatório, pela sobrecarga de

atividades. Fato este comum entre as mulheres que compartilham da mesma condição

socioeconômica e cultural. O modo de elaboração da realidade predominante no funcionamento

mental de Morgause não ajuda para que ela resolva essa condição, já que ela é caracterizada

como introversiva e isso lhe traz um sentimento de inadequação. É possível perceber este

sentimento nos seguintes trechos da sua fala:

Agora você está na faculdade, daqui a pouco você começa a trabalhar, não é você, é você e o mundo. Então o mundo te exige mil coisas, que se você não proporcionar pelo menos a metade delas você não consegue conviver com o mundo. Então a onde termina essa relação e essas exigências de coisas dos outros pra começar as tuas? Onde está esse limite? (...) Talvez alguns projetos que eu tenho feito ultimamente estão muito repetitivos, e eu tenho consciência disso, porque eu não estou conseguindo ter um tempo pra mim de absorver idéias novas para passar para as coisas, sabe. Então eu não consigo, por exemplo, sentar, fazer uma coisa legal sem ter

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que pensar em filho que está chorando, que o outro está doente, que tem que pagar...Você tem que estar um pouco mais livre pra poder fazer coisas legais.

Morgause apresenta uma responsividade normal aos estímulos do meio externo,

demonstrando ter controle sobre a expressão impulsiva da emoção, respondendo

apropriadamente tanto com sentimentos, como com ação. Pode-se dizer, então, que seu impulso

vital está subordinado ao sistema de valores e que a função egóica é capaz de utilizar os recursos

intrapsíquicos para o controle e para a estabilidade emocional.

No entanto, ela demonstra inconsciência (como necessidade de afeto sub-desenvolvida) e

consciência das suas necessidades afetivas, o que pode estar gerando certa ansiedade. Morgause

faz uma na tentativa de manipular suas ansiedades afetivas e objetivar seus problemas através do

esforço instrospectivo utilizando uma capacidade inerente ao seu funcionamento mental,

colocando estes à distância de si mesma para poder encara-los com menos emoção. O excesso de

material inconsciente que provoca angústia esta sendo mantido sob controle através dos

mecanismos de negação e repressão.

Negação, segundo Freud (LAPLANCHE e PONTALIS, 1995) é o “processo pelo qual o

sujeito embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos até então

recalcado, continua a defender-se dele negando que lhe pertença”. E, repressão é definida por ele

como “operação psíquica que tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo

desagradável ou importuno: idéia, afeto etc.”.

Dessa forma, seu domínio emocional frente ao meio externo, esta sendo realizado graças a

essas defesas, pois há indícios de que a tensão é muito forte para permitir que ela utilize seus

recursos internos para a solução construtiva de seus problemas cotidianos.

Consideramos, além disso, que para esta dinâmica permanecer desse modo, contribui o fato

de Morgause não ter elaborado o luto da perda da mãe. E para não entrar em contato com

experiência tão dolorida ela mantém um excesso de atividades no mundo exterior. Ela sente

muita falta da mãe, principalmente em relação à educação dos filhos, ela percebe também que a

superdedicação e exigência consigo mesma é influência de sua mãe:

(...) e aí a consciência tem muita coisa de culpa: sempre quando eu não consigo fazer uma coisa, eu sempre fico me culpando, “mas não é possível, isso tinha que ter acontecido assim, será que eu não deveria ter agido assado (...) eu tinha pena da minha mãe às vezes, ela era muito dedicada pra gente, sempre fazia de tudo, o possível e o impossível. E a gente faz, a gente acaba fazendo igualzinho. (...) a gente sempre tem aquela imagem “o que será que a minha mãe faria

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nessa situação?”. Seu filho tá la doente, você não sabe pra onde você vai correr, você sempre pensa “o que a minha mãe faria?”Agora, ela morreu muito nova...

O desenvolvimento da dinâmica afetivo-emocional atingiu parcialmente o processo

secundário do funcionamento mental. Isso significa que ela consegue transformar parte de suas

necessidades de gratificação em metas de longo prazo, podendo canalizar suas energias de forma

criativa, produtiva e integrada. Entretanto, existe um quantum libdinal significativo que se

concentra no processo primário e, em virtude disso, solicitam realização imediata. As respostas

do tipo FM indicam esse potencial de energia que pode vir a ser elaborado.

Foi possível perceber também que, embora Morgause seja intelectualmente capaz de

respostas mais ricamente diferenciadas para o mundo, ela está inibida para tal resposta, tendo

reprimido suas tendências para conhecer e responder às próprias necessidades interiores e agir de

acordo com suas próprias reações emocionais. Há uma considerável interferência emocional na

eficiência de seu processo cognitivo-inetlectual, o que contribui para a dispersão de seu

pensamento.

Como uma forma de compensar essa interferência, no seu protocolo apareceu um excesso

de produtividade, ou seja, Morgause apresenta um nível de aspiração nitidamente alto, com uma

ambição que supera os recursos criativos de sua personalidade no momento. Essa dinâmica

sustenta a imagem que Morgause tem de si mesma, uma pessoa emotiva, expansiva, rebelde,

desorganizada e aérea:

Eu sou totalmente, sou mais emotiva, mais expansiva, mais rebelde, desorganizada (...) Eu sou de câncer e ascendente em aquário, aquário que é assim, meio aéreo. Morgause demonstrou no seu relato estar passando por um período difícil no casamento.

Ela percebe Lancelote, apesar de afetuoso, muito distante da família, vivendo apenas para o

trabalho. Essa é exatamente a queixa que tem do pai, quando era criança: o pai era distante da

família porque só trabalhava. E Morgause, apesar de mostrar não reconhecer, ou melhor, não

querer olhar, para algumas de suas necessidades internas, demonstra claramente saber do que

necessita através dessa sua fala:

Então quer dizer, as minhas questões de vida acabaram ficando um pouco de lado. (...) e tenho, assim, alguns anseios nesse sentido, que eu gostaria de ter uma vida um pouco mais tranqüila desse aspecto material (...) o dia-a-dia realmente é muito corrido. Ele chega em casa (referindo-

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se à Lancelote) as crianças ainda estão acordadas, aí nós vamos brincar com eles, quando eles vão dormir já são 10 horas da noite (...) Então a gente não está conseguindo ter um costume junto que a gente tinha e era legal. Essa coisa de atividade de meditação, a gente sempre tinha, era muito legal.

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CONCLUSÃO

“Ontem um menino que brincava me falou Que hoje é a semente do amanhã

Para não ter medo que esse tempo vai passar Não se desespere nem pare de sonhar

Nunca se entregue nasça sempre com as manhãs Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar

Fé na vida, fé no homem, fé no que virá Nós podemos tudo, nós podemos mais

Vamos lá fazer o que será”10 Gonzaguinha

10 Música: “Nunca para de Sonhar” (Música de Gonzaguinha)

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Num mundo orientado pela ciência positivista e todos seus determinantes, no qual a

concepção de homem é um ser racional e pensante, quase não há espaço para o homem

emocional muitas vezes, e que não é nem um pouco previsível. Restam aos artistas, aos

sensíveis e aos loucos, que se sentem conectados com as sensações e sentimentos, viverem

e reafirmarem essa manifestação social e individual que permanece, de forma geral no

sistema educacional, subdesenvolvida.

As escolas, de um modo geral, funcionando sob esse paradigma, privilegiam no

ensino todas as características desse tipo de ciência: a produtividade, a objetividade, a

racionalidade, a extratensão etc. É nitidamente um ensino que é orientado para o

desenvolvimento do lado esquerdo do cérebro humano, que é o lado da razão, do verbal e

da forma.

O Ateliê de Artes Kinder, nesse contexto, passa a ter um papel social fundamental, à

medida que cria um espaço para o desenvolvimento de todas as características e potenciais

do homem que são negligenciadas, freqüentemente, no sistema educacional de nosso país

de modo geral. O objetivo do Kinder é justamente desenvolver o lado direito do cérebro, o

lado não-verbal, da não-forma e, portanto, da criatividade e da sensibilidade. Proporciona à

criança o mundo da fantasia e do lúdico, como a Escolinha de Arte de Augusto Rodrigues e

da Escola Waldorf de Rudolf Steiner.

Entretanto, o Kinder, assim como a escola tradicional, traí seus objetivos por

enfatizar em excesso apenas algumas das potencialidades humanas. São modelos

educacionais que se ocupam de pontos extremos, opostos: uma com um ideal de realização

do homem racional, objetivo e extratensivo (escolas tradicionais) e outra com um ideal d

realização do homem sensível, subjetivo e introvertido (Kinder). Dois homens distintos que

não se comunicam.

Como sabemos, o homem não é só emoção ou só razão. Essas duas qualidades

intrinsecamente humanas, coexistem dentro de nós e devem ser desenvolvidas.

Há sim, diferenças de temperamentos ou modo de funcionamento dinâmico-afetivo.

Dessa forma, nosso sistema educacional está, na verdade, criando seres pela metade. Esse

fato pode trazer conseqüências futuras, como por exemplo, adultos encontrando

dificuldades para guiar suas próprias vidas de forma satisfatória; com grandes prejuízos

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tanto na esfera do concreto, da vida prática, do dia-a-dia, ou na esfera do emocional e de

suas necessidades internas.

Há vários métodos e sistemas educacionais, havendo aquele que mais se adequa à

cada indivíduo. Os introversivos, por exemplo, embora se sintam em casa no Kinder podem

precisar de uma educação mais pragmática e objetiva. Naturalmente esse tipo de pessoa já

tem familiaridade com tudo que é interno e subjetivo, com a não-forma; o que precisam é

exatamente o contrário: aprender a lidar com o mundo objetivo, o mundo concreto da

forma. E assim também para aquelas pessoas do tipo extratensiva que se identificam com o

ensino das escolas tradicionais, porque naturalmente funcionam de acordo com aquele tipo

de ensino: racional e objetivo e que tem familiaridade com o mundo concreto da forma.

Tudo que é subjetivo, da esfera do emocional, lhe é estranho, no entanto, por isso mesmo,

pode e deve ser desenvolvido.

Morgause, nossa colaboradora, tem o funcionamento dinâmico-afetivo introversivo,

fazendo-nos pensar que o tipo de educação que teve no Kinder pode ter contribuído para

potencializar sua facilidade em relação ao mundo interno e subjetivo. Conseqüentemente

houve um distanciamento do mundo concreto e objetivo; de um funcionamento pragmático

tão essencial para a organização tanto interna quanto externa. Ela mesma relata apresentar

certa dificuldade em conciliar suas obrigações (de esposa-mulher, mãe, filha e profissional)

com seus ideais e necessidades internas. Por outro lado, o Kinder foi um ambiente no qual

aprendeu a acolher sua capacidade de reflexão e criação. Isto é de extrema importância para

o tipo introversivo que, freqüentemente, se sente deslocado do mundo. Assim o Kinder se

tornou, conforme ela mesma afirma, um lugar de apoio para sua vida de uma forma geral.

O fato de Morgause ter seguido carreira como arquiteta foi fundamental para um

possível equilíbrio entre a sua capacidade de objetivação do mundo (elemento terra, mundo

concreto) e sua capacidade de respostas profundas, criativas e originais (elemento ar,

mundo subjetivo). Mas, no momento ela encontra-se com dificuldade de dar atenção ao

trabalho e de ter momentos de introspecção necessários ao processo criativo, portanto

distante da tentativa de um possível equilíbrio.

Acreditamos que seria importante para Morgause buscar a ajuda de uma

psicoterapia, na linha do psicodrama em grupo ou com enfoque corporal. O Psicodrama ou

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a psicoterapia corporal podem auxiliar Morgause a elaborar o luto da morte da mãe, como

também na elaboração da aceitação de limites e de necessidades pessoais.

Essas linhas possuem características que facilitariam a expressão de Morgause, a

dramatização e a experimentação corporal, já que ela tem recursos internos para

simbolização, e treino na prática meditativa. Morgause apresenta também disposição e

necessidade de convivência grupal o que lhe abre um leque amplo de acesso ao

conhecimento de outros modos de organização emocionais e de outros valores sociais e

morais que poderão vir a enriquecer seu mundo pessoal.

Um trabalho desse tipo pode também vir a proporcionar a Morgause uma melhor

aceitação ao seu tipo de funcionamento, possibilitando que ela venha a diminuir o grau de

exigência consigo mesma e se sinta mais confortável diante das suas capacidades e limites.

E, ela provavelmente, desenvolveria todo seu potencial que ainda não está integrado

conscientemente, mas que está latente.

Com tudo isso, concluímos que a arte só é arte se concretizada e a produção (seja

ela qual for) só existe se houver material interno que lhe sirva de estímulo e impulso

criador. Assim, embora a arte seja um instrumental extremamente rico para o

desenvolvimento do potencial humano, é necessário um conhecimento da técnica bem

fundamentado para expressa-la. Não existe arte sem forma.

Fica uma interrogação: é possível uma educação em que, unindo lado direito e

esquerdo do cérebro, coexistam, lado a lado, o homem racional, reprodutivo e objetivo e o

homem emocional, criador e subjetivo? Essa é a proposta inicial da Pedagogia Waldorf:

unir os opostos através de um ensino artístico, no qual respeita e considera-se o

temperamento de cada indivíduo. STEINER (1988) reconhece que o que propõe é um ideal,

mas também que é possível caminhar em direção ao ideal o que se faz de concreto.

JUNG (1973), nos diz que a grande dificuldade do homem é ser e se aceitar

exatamente o que é por natureza. No entanto, muitas vezes não sabemos, mesmo, como

somos porque o ambiente não nos proporciona esse tipo de conhecimento. E a educação,

então, se torna uma prática não só de ensinar coisas à criança, mas também um processo de

desenvolvimento da personalidade, do caráter, dos valores, das aptidões e do modo de ser.

E o mais fundamental, de auto-conhecimento, “como eu funciono?”. Nesse sentido,

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educação é saúde e, portanto, fundamental na escola a presença de profissionais da área

com esse tipo de olhar.

Como diria STEINER (1987): “Educar é auto-educar-se”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO 1 - Classificação geral dos elementos segundo os critérios para a apuração da Prova de Rorschach de acordo com Bruno Klopfer (1942) LOCALIZAÇÃO G – Global

1. Primária (G1˚) - associação que ocupa a mancha toda e se constitui num conceito único, sem que suas partes possam ser destacáveis ou desmembradas.

2. Secundária (G2˚) - associação onde o sujeito se utiliza da mancha toda, percebendo-a como sendo composta de vários elementos independentes, que se organizam formando um todo.

G/ - associação onde o sujeito se utiliza mais de 2/3 da mancha. D – Detalhe usual Dd – Detalhe inusual S – Espaço DETERMINANTES (forma, cor, sombreado, movimento) I - Forma

1. F+ : Forma definida bem vista 2. F- : forma definida mal vista 3. F+- : forma indefinida

II - Cor (cromática e acromática) Cor Cromática (C) - pranchas II, III, VIII, IX e X.

1. FC: forma definida e cor 2. CF: forma indefinida e cor 3. C: cor sem forma

Cor Acromática (C’, branco, preto e cinza) – pranchas I, IV, V, VI e VII

1. FC’: forma definida e cor acromática 2. C’F: forma indefinida e cor acromática 3. C’: cor acromática sem forma

III - Sombreado (textura, bidimensional, tridimensional) Textura ( c )

1. Fc: forma definida e textura diferenciada 2. cF: forma indefinida e textura 3. c: textura sem forma

Redução e Sombreado bidimensional (k)

1. Fk: redução com forma definida 2. kF: redução com forma indefinida 3. k:: sem forma alguma

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Difusão e Sombreado tridimensional (K)

1. FK: tridimensão ou reflexo 2. KF: difusão com alguma forma 3. K: difusão sem forma

CONTEÚDO (as principais categorias de conteúdo: animal e humano) I - Humano H: figuras humanas inteiras e reais Hd: parte da figura humana (H): figuras humanas desvitalizadas (Hd): partes de figuras humanas desvitalizadas II – Animal A: figuras animais inteiras e reais Ad: parte do corpo do animal (A): animais desvitalizados (Ad): parte de animal desvitalizado MOVIMENTO M: movimento humano FM: movimento animal m: movimento inanimado

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ANEXO 2 – Entrevistas Entrevista 1 Nome: Sexo: Idade: Local de Nascimento: Profissão: Religião: Estado Civil: 1) Levantamento da história de vida - dados sobre a infância (fato relevante quanto ao parto - normal ou não - como, onde, foi

planejada(o), etc.) - educação formal (ensino fundamental, ginasial e universitário); como se sentia - quantos irmãos, idade, profissão, estado civil - como é o relacionamento com eles 2) Sobre a mãe e pai - está viva(o) ou morta(o) - profissão - educação formal e informal - descrição das características emocionais - saúde física e emocional (sono e hábito alimentar) - como é (era) o relacionamento com ela 3) Como era o relacionamento dos pais 4) De que maneira os pais influenciaram suas escolhas de vida 5) Sobre o cônjuge - quantos anos - profissão - características emocionais - saúde física e emocional (sono e hábito alimentar) - como se relaciona com ela, com os filhos e com as pessoas em geral - quais são as expectativas dele frente a vida 6) Como se descreve emocionalmente 7) O que determinou a escolha do Kinder para estudar 8) Quais as lembranças que você tem do Kinder 9) Quantos anos estudou lá

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10) Como avalia a importância do Kinder na sua vida 11) Como foi a escolha das escolas subseqüentes que freqüentou e o que a determinou 12) Como você avaliaria hoje sua trajetória educacional 13) Quais suas expectativas para o futuro 14) Tem alguma informação que considere relevante para nosso trabalho

Entrevista 2

1) Você conhece a gnose? 2) Quais são seus fundamentos? 3) O que a gnose tem a ver com o Kinder? 4) A gnose está inserida na sua vida? De que forma? 5) O que o Kinder tem a ver com a sua vida emocional (geral) e com seu relacionamento

amoroso? 6) Você diz que paralelo ao conhecimento teórico de faculdade você teve o conhecimento

do Kinder: que conhecimento é esse? De que forma era transmitido tal conhecimento? 7) O que está acontecendo agora com o Kinder sob o ponto de vista dos fundamentos

educacionais e gnósticos? 8) Como você descreveria em poucas palavras as características psicológicas das suas

irmãs (como reagem emocionalmente, a emoção predominante, quais crenças que definem seus comportamentos, etc.)?

9) Qual o motivo do falecimento de sua mãe? Por quanto tempo permaneceu doente?

Quem cuidava? 10) Como você se sentiu com a doença e passagem da sua mãe? E seus familiares - irmãs e

pai?

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ANEXO 3 - Consentimento informado A aluna Marina Meirelles Horta do curso de Psicologia da Universidade Federal de São

Carlos vem realizando um estudo de caso, como parte dos requisitos obrigatórios para

obtenção do Diploma de Bacharel em Psicologia.

O objetivo geral deste trabalho é descrever o Ateliê de Artes Kinder, suas atividades e

proposta educativa; sendo o objetivo específico descrever a dinâmica afetivo-emocional de

uma pessoa que freqüentou o Kinder.

Tal objetivo será alcançado através da realização de uma entrevista clínica e aplicação de

um teste projetivo – a prova de Rorschach.

Sua participação é muito importante, mas é necessário que você saiba que: 1) durante a

entrevista, as questões estarão relacionadas à sua vida pessoal, sua família, seu trabalho, e

principalmente às suas vivências no Kinder; 2) a entrevista será gravada e transcrita,

entretanto, apenas uma síntese da história relatada será apresentada no trabalho; 3) seu

depoimento será utilizado apenas neste estudo; 4) você não precisa falar de situações que

lhe tragam constrangimento; 5) não há nenhum risco em participar deste estudo, seu nome e

características possíveis de identificação não serão publicados e 6) os resultados do teste

projetivo poderão ser-lhe apresentados após conclusão do estudo, prevista para agosto de

2004.

Considerando as questões acima, aceitei participar deste estudo, sabendo que minha

participação é voluntária e não remunerada. Recebi uma cópia deste termo e a possibilidade

de lê-lo.

Data das entrevistas: 22/06/2002 e 23/12/2003

Aplicação do Teste Projetivo: 31 de janeiro de 2003

_________________________________ Assinatura da aluna

_________________________________ Assinatura da participante