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Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Humanas e Sociais Departamento de História Programa de Pós-Graduação em História WEDER FERREIRA DA SILVA COLONIZAÇÃO, POLÍTICA E NEGÓCIOS: TEÓFILO BENEDITO OTTONI E A TRAJETÓRIA DA COMPANHIA DO MUCURI (1847-1863) Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo Mariana, Junho de 2009

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Universidade Federal de Ouro Preto

Instituto de Ciências Humanas e Sociais Departamento de História

Programa de Pós-Graduação em História

WEDER FERREIRA DA SILVA

COLONIZAÇÃO, POLÍTICA E NEGÓCIOS: TEÓFILO BENEDITO OTTONI E A TRAJETÓRIA DA COMPANHIA DO MUCURI (1847-1863)

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal de Ouro Preto como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo

Mariana, Junho de 2009

2

WEDER FERREIRA DA SILVA

COLONIZAÇÃO, POLÍTICA E NEGÓCIOS: TEÓFILO BENEDITO OTTONI E A TRAJETÓRIA DA COMPANHIA DO MUCURI (1847-1863)

3

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________

Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo (presidente)

Universidade Federal de Ouro Preto

___________________________________________

Profª. Drª. Andréa Lisly Gonçalves

Universidade Federal de Ouro Preto

____________________________________________

Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães

Universidade Federal Fluminense

4

RESUMO:

Este trabalho pretende analisar o significado político e econômico da trajetória da

Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri, empresa fundada em 1847 que atuou

no propósito de criar uma nova rota comercial em Minas Gerais. Ao longo da década de

1850, seu principal idealizador, o político liberal Teófilo Benedito Ottoni lançou-se no

ambicioso plano de conquista e colonização do vale do Mucuri através da construção de

estradas, de núcleos urbanos, de portos e do incremento da imigração estrangeira. O

estudo da evolução da empresa entre 1847 e 1863 oferece-nos uma boa mostra de como

se movimentavam os interesses políticos e econômicos no complexo cenário do

Segundo Reinado.

Palavras-chave: colonização; política; negócios.

ABSTRACT:

This text intend to examine the political and economical meaning of The Commercial

and Navigation Company of the River Mucuri, which was founded in 1847 and worked

with the purpose of creating a new business rote in Minas Gerais. During the 1850´s, the

liberal politician Teófilo Benedito Ottoni and the company principal idealist undertook

the ambitious plan of conquest and colonization of the Mucuri Valley from the

construction of roads, urban centers, ports and from foreigner immigration to the region.

The study of the company evolution between 1847 and 1863 offer us a good example of

how the political and economical interests surrounded by the complex Second Reign

scenery.

Keywords: colonization; politics; business.

5

À memória de Paulino da Silva Lisboa e de Antônio José dos Santos, conquistadores do Mucuri.

6

“Arrisquei um cento de vezes a minha vida, arruinei a minha saúde e

sacrifiquei os meus interesses.

Foi mister sujeitar-me ao agro viver das mais inóspitas brenhas. Era

somente cada ano quando volvia ao Rio de Janeiro, que eu avaliava o

insano da luta em que estava empenhado. Então, comparando as doçuras

do lar doméstico com a vida agreste das selvas, confesso que me

arrependia do passo temerário. Mas de volta ao Mucuri, a imaginação

predominava, e por entre espinhos via somente flores. [...]

Oh! Que emoções me assaltavam quando a cruzar as veredas dos

selvagens eu era detido aos gritos: ___ Pojirum! Pojirum!” [...]

[Teófilo Benedito Ottoni. Circular de 1860]

7

Figura 1

Detalhe da Karte der Brasiliann Provinz Minas Gerais, encarte de A província Brasileira de Minas Gerais, de H. G. Halfeld e J. J. von Tschudi.

8

AGRADECIMENTOS:

Ao término desta pesquisa, gostaria de prestar meus agradecimentos a

diversas pessoas que por motivos vários contribuíram para o desenvolvimento e

concretização deste trabalho. Em primeiro lugar, gostaria de deixar registrada a minha

imensa gratidão ao meu orientador, o professor Valdei Lopes de Araujo. Agradeço pela

sua generosidade e pela orientação sempre atenta e rigorosa. Ao desenvolver este

trabalho tive a boa fortuna de receber a orientação de um dos principais estudiosos do

tema que pesquiso. Agradeço aos professores Renato Pinto Venâncio, Ronaldo Pereira

de Jesus e Helena Mollo pelas considerações feitas ao meu trabalho durante o período

das disciplinas do programa de pós-graduação. Às professoras Andréa Lisly e Cláudia

Chaves sou grato pelas relevantes sugestões durante os exames de Qualificação.

Registro também meu agradecimento aos colegas do programa de pós-

graduação, principalmente Diego Omar, Welber Santos, Ricardo Oliveira pela troca de

experiência e pelo diálogo sempre fértil. A Vanuza Braga, Keila Carvalho, Janaína

Cordeiro, Daniel Precioso, Henrique Fonseca, Bruno Andrade, Alex Caldas, Júlia

Lettícia Camargos, Rafael Lara e Jonas Lara pela amizade e convivência agradável e

instigante.

Aos colegas da Revista Cadernos de História, Rafael Fani, David Lacerda,

Flávia Varella, Walkíria Oliveira, Eduardo Gerber e aos novos membros do conselho

editorial do periódico, agradeço pelo comprometimento e pelo rico aprendizado.

Aos meus pais, Nair e Idimar, e a toda minha família agradeço pelo apoio

que se mostra sempre fundamental para a continuidade dos meus estudos em terras

distantes do convívio familiar. Por fim, sou grato à Fundação de Amparo à Pesquisa de

9

Minas Gerais (FAPEMIG) pela concessão da bolsa de estudos junto ao programa de

pós-graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto.

10

SUMÁRIO:

Introdução.................................................................................................................12

Capítulo 1 – A Companhia do Mucuri: Modelos e Horizontes............................20

I - As comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha: do sertão ao litoral...................20 II – A gestação da idéia e a divulgação do projeto....................................................38

III – A incorporação da empresa................................................................................55

Capítulo 2 - A Companhia do Mucuri e a Dialética da Colonização....................69 I – O fim do Qüinqüênio Liberal e os seus reflexos na Companhia do Mucuri..........69 II – A conquista do Mucuri e a questão indígena.......................................................78 III – O período da Conciliação e as realizações materiais........................................99 Capítulo 3 - A Formação de Filadélfia e a Colonização Estrangeira..................115

I - A Filadélfia do sertão............................................................................................115 I I – A colonização estrangeira..................................................................................136 Capítulo 4 – O Ocaso do Projeto Mucuri...............................................................144

I – A crise da colonização estrangeira e “a tempestade encomendada”..................144 II – O esgotamento da política de Conciliação e o fim da Companhia do Mucuri....164 Considerações Finais.................................................................................................178 Fontes e Bibliografia.................................................................................................180 I – Fontes....................................................................................................................180 II – Bibliografia..........................................................................................................188 Anexos........................................................................................................................194

I – Apólice da Companhia do Mucuri........................................................................195 II – Organograma da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri.................196 III – Lista dos aforamentos de Filadélfia em 1857.....................................................197 IV – Selo comemorativo do bicentenário de nascimento de Teófilo Ottoni................200

11

ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Detalhe da Karte der Brasiliann Proving Minas Gerais, encarte de “A

província Brasileira de Minas Gerais”, de H. G. Halfeld e J. J. von Tschudi. p.07

Figura 2 – Tabela dos rendimentos provenientes dos impostos recolhidos pelas

Comarcas da província de Minas Gerais, 1850-1860

Figura 3 – Charge de Teófilo Benedito Ottoni.

Figura 4 – Planta da colônia de Filadélfia traçada pelo engenheiro Roberto Schlobach

Figura 5 – Filadélfia em 1860

Figura 6 – Filadélfia em 1859

Figura 7: Apólice da Companhia do Mucuri

Figura 8: Organograma da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri

Figura 9: Selo comemorativo do bicentenário de nascimento de Teófilo Benedito

Ottoni

LISTA DE ABREVIATURAS:

ACC: Associação Central de Colonização

AHIHGB: Arquivo Histórico do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

APEES: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

APM: Arquivo Público Mineiro

IHGB: Instituto Histórico e Geográfico Nacional

REAPM: Revista do Arquivo Público Mineiro

REIHGB: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Nacional

12

INTRODUÇÃO:

A Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri criada em 1847 e

dirigida por Teófilo Benedito Ottoni, foi incorporada em um período em que era

uníssona entre os políticos a idéia de se articular as vastas partes do império do Brasil

através da formação de uma infra-estrutura pautada na construção de estradas

carroçáveis, de vias fluviais, de ferroviárias e da ocupação efetiva do território nacional.

No que diz respeito à província de Minas Gerais, e mais especificamente as comarcas

localizadas no norte e nordeste da província, a criação da empresa ia ao encontro de

antigos anseios de uma elite regional preocupada em criar um caminho alternativo para

acessar a praça comercial do Rio de Janeiro.

O caminho apontado desde o final do século XVIII para a nova rota

comercial localiza-se no chamado Sertão do Leste, região pouco conhecida do

colonizador devido à densidade da floresta tropical e do medo do ataque dos índios

botocudo. Embora o projeto inicial de transpor a Mata Atlântica para acessar o litoral

adjacente já tivesse sido idealizado desde 1798, as tentativas de ocupação mostravam-se

infrutíferas. Somente em 1847, quando os irmãos Ottoni publicam no Rio de Janeiro o

opúsculo Condições para Incorporação de uma Companhia de Comércio e Navegação

do Mucuri,1 é que se tem um empreendimento capaz de ligar o comércio das comarcas

do Serro Frio e do Jequitinhonha ao litoral sul da província da Bahia.

Desse modo, o estudo das atividades empreendidas pela Companhia de

Navegação e Comércio do Mucuri entre os anos de 1847 e 1863 é uma oportunidade

privilegiada para compreendermos melhor como se configurou as políticas econômicas

na província de Minas Gerais e no Império do Brasil voltadas para a criação de estradas,

1 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Condições para Incorporação de uma Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri, precedidas de uma exposição das vantagens da empresa. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Velleneuve e Companhia, 1847.

13

ao incentivo à navegação à vapor, ao incremento à colonização, e, por fim, ao processo

de formação da infra-estrutura do Estado Nacional brasileiro. Além disso, procuraremos

recuperar neste trabalho o significado social, político e econômico da trajetória da

Companhia do Mucuri. Para tanto, recorreremos principalmente à documentação sobre a

empresa produzida pelo seu diretor – Teófilo Benedito Ottoni – pela administração

provincial e central e por viajantes que estiveram na região em 1858 e em 1859.

De acordo com a legislação do período aqui abordado, a estruturação da

Companhia do Mucuri deveria se dar tanto na esfera regional quanto na esfera da Corte.

Dessa forma, privilegiamos em nosso trabalho a relação estabelecida entre a “região” –

a província de Minas e, mais especificamente o vale do Mucuri – e os processos

formadores do “Estado” na capital do Império.2 Assim sendo, foi a partir do contínuo

movimento de análise entre os pares conceituais região/nação que demos vazão ao

nosso trabalho. Dessa forma, foi possível verificar que, em certo sentido, a história da

Companhia do Mucuri desenvolvida entre 1847 a 1863 confundiu-se com a própria

história do Segundo Reinado. Neste sentido, a história da empresa ficou condicionada

tanto às movimentações políticas e econômicas estabelecidas na Corte quanto à

experiência colonizadora empreendida no interior floresta tropical de Minas Gerais

oitocentista.

No primeiro Capítulo – A Companhia do Mucuri: modelos e horizontes –

analisaremos as dificuldades enfrentadas pela elite regional das Comarcas do Serro Frio

e do Jequitinhonha de comercializar com a praça comercial do Rio de Janeiro. Nesta

oportunidade, faremos uma digressão às obras que influenciaram os irmãos Honório e

Teófilo Ottoni a construir um modelo de empresa capaz de alavancar o ambicioso

projeto de conquista e colonização do vale do rio Mucuri. Para tanto, recorreremos ao

2 Andréa Lisly Gonçalves & Valdei Lopes de Araujo. (Orgs.) “Os múltiplos entrelaçamentos entre impérios, Estados e regiões”. In.: ___. Estado, Região e Sociedade: contribuições sobre história social e política. Belo Horizonte: Argentum, 2007. p. 11.

14

relato Viagem às vilas de Caravelas, Viçosa, Porto Alegre, de Mucuri e Peruipe, do

Tenente da armada nacional de Hermenegildo Antônio Barbosa de Almeida e do

relatório produzido em 1837 pelo engenheiro francês Pedro Victor Renault, ambos

publicados em 1846 na Revista Trimensal do I.H.G.B.3 Além desses relatos, também

analisaremos a Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas Gerais, escrita

pelo político mineiro José Eloi Ottoni em 1798.4 Também enfocaremos os estratagemas

utilizados pelos irmãos Ottoni no processo de publicização do projeto Mucuri na corte e

em Minas Gerais através da análise da já citada Condições para Incorporação...e de

vários artigos coligidos do Jornal do Comércio e publicados no livreto Companhia do

Mucuri, de 1856.5 Nesta oportunidade, também analisaremos os esforços e o apoio do

governo provincial mineiro para impulsionar o empreendimento idealizado pelos irmãos

Ottoni. Neste capítulo, observaremos que a presença do Estado no processo de

incorporação de empresas como a Companhia do Mucuri, longe de contrariar os

princípios do liberalismo econômico, mostrou-se fundamental para a concessão de

incentivos, privilégios e monopólios a este tipo de empresa.

No Capítulo 2 - A Companhia do Mucuri e a Dialética da Colonização –

iniciaremos nossa análise destacando a movimentação política que pôs fim ao chamado

Qüinqüênio Liberal e os impactos deste evento na evolução da Companhia do Mucuri.

Veremos que o retorno do partido conservador – duramente criticado pelos deputados

mineiros Cristiano Benedito Ottoni e Teófilo Benedito Ottoni – representou na época

mudanças significativas na “modernização” da legislação brasileira. Assim, a partir de

3 Cf.: Manuel Ferreira Lagos. “Relatório dos trabalhos do Instituto Histórico e Geográfico”. In.: Revista Trimensal de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Série 2. t. 4. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1848. p. 119. 4 José Eloi Ottoni. “Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas Gerais.” [1798]. Anais da Biblioteca Nacional, n.º 30, p.301-316, (1908). 5 Teófilo Benedito Ottoni. A Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Rio de Janeiro: Tip. imp. e const. de J. Villeneuve e Companhia, 1856. In.: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007.

15

1850 os gabinetes conservadores, presididos sucessivamente por Pedro Araújo Lima, na

época Visconde de Olinda e por José da Costa Carvalho, Visconde de Monte Alegre.

Nesta oportunidade, daremos destaque à aprovação de um conjunto de três leis que

beneficiaram os negócios da Companhia do Mucuri. As leis do Código Comercial (Lei

nº. 556, de 25 de junho de 1850); a Lei Eusébio de Queiroz (Lei n.º 581 de 4 de

setembro de 1850); e a chamada Lei de Terras (Lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850)

contribuíram para o surgimento de empresas que passaram a atuar em diversos ramos de

comércio e empreendimento

No entanto, mesmo com a aprovação das referidas leis, seria necessário ao

pleno funcionado da Companhia do Mucuri a árdua tarefa de conquista de regiões da

província de Minas Gerais tidas como “incultas” e “indômitas”, habitadas pelos temidos

índios botocudo. Desse modo, passaremos do exame da aprovação do corpus legislativo

na corte e desviaremos nosso foco de estudo para o interior do vale do Mucuri. Para

isso, será necessária a análise da Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri, publicada por

Teófilo Ottoni 1859 na Revista do I.H.G.B e reeditada em 2002 por Regina Horta

Duarte.6 Este importante relato diz respeito às incursões realizadas por Teófilo Ottoni e

a elite regional do Termo de Minas Novas ao interior da floresta tropical. Neste relato,

Ottoni revelou ao público leitor o estado de violência obervado na região do Mucuri,

fruto da violência causada pelo choque de traficantes de crianças indígenas, os kurucas,

com as tribos autóctones. Ao examinarmos a Notícia...,além de destacar as estratégias

utilizadas por Ottoni na conquista do apoio das tribos botocudo, ressaltaremos a

importância de pessoas como o presidente de província Quintiliano José da Silva e o

fazendeiro Luiz Ferreira da Gama, que coadjuvaram na conquista e colonização dos

sertões do Mucuri. Após esta digressão, retomaremos o estudo da vida política da corte

6 Teófilo Otoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Organização: Regina Horta Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

16

para analisar o período de euforia econômica da chamada política de Conciliação. Ao

assumir a presidência do Conselho e Ministros e o ministério da Fazenda, Honório

Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná, e o seu gabinete ministerial, viabilizaram

uma série de medidas políticas e econômicas que deu impulso às atividades financeiras

e comerciais do país. A partir de então, a empresa organizada pelos irmãos Ottoni

conseguiu subscrever 4 mil ações lançadas, cotadas em 1.200 contos de réis

(1.200:000$000). Animado com o período de euforia financeira, Teófilo Ottoni até

aventou a possibilidade de criar na região do Mucuri uma nova província no Brasil.

A fim de compreender o funcionamento da empresa durante o período da

Conciliação dos Partidos foi necessário para nossa pesquisa recorrermos: aos relatórios

apresentados por Teófilo Ottoni aos acionistas da empresa; às referências à Companhia

do Mucuri nos relatórios do governo provincial mineiro; à Coleção Marquês de Olinda

– localizada no Arquivo Histórico do IHGB (AIHGB) –; e às observações realizadas

pelo cientista suíço Johan Jakob von Tschudi7 e pelo médico alemão Robert Avé-

Lallemant8 em suas viagens pelo Mucuri em 1858 e em 1859.

O terceiro capítulo – A Formação de Filadélfia e a Colonização

Estrangeira – focaremos nossa análise no processo de criação da infra-estrutura da

empresa dirigida por Teófilo. Ao construir estradas carroçáveis, vias fluviais, portos,

empórios e incentivar a imigração estrangeira, a Companhia do Mucuri tornou-se uma

das primeiras empresas a atuar na área de melhoramentos no território nacional.

Filadélfia – povoação planejada pelo engenheiro alemão Robert Schlobach e fundada

por Teófilo Ottoni em 1853 – é tida como primeira “cidade empreendimento” da

7 Johan Jakob von Tschudi. “A província Brasileira de Minas Gerais”. In: H. G. F. Halfeld & J.J. von Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Trad. Myrian Ávila; ensaio crítico e revisão de tradução de Roberto Borges Martins. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. 8 Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe [1859]. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980. (Coleção Reconquista do Brasil. Nova Série. Vol. 19);

17

história urbana de Minas Gerais. A partir desse dado, examinaremos alguns elementos

da história urbana mineira. Para tanto, pesquisamos as referências sobre a construção de

Filadélfia escritas por Teófilo Ottoni e pelo engenheiro Robert Schlobach e noticiadas

nos relatórios do presidente de província de Minas Gerais. Nessa oportunidade, também

recorremos às observações feitas por Tschudi e Lallemant quando visitaram o arraial de

Filadélfia no final da década de 1850. Também se mostraram férteis a análise das

pesquisas de Valdei Lopes Araujo,9 de Sérgio da Mata10 e de José Murilo de Carvalho.11

Ao seu modo, estes três historiadores interessaram-se pelo estudo do projeto urbano

encabeçado por Teófilo Ottoni, desses trabalhos para esta pesquisa.

Após a análise da proto-urbanização do vale do Mucuri e da respectiva

criação da infra-estrutura da empresa, examinaremos a experiência de imigração

estrangeira criada pela Companhia do Mucuri. Veremos que a Memória Sobre Meios de

Promover a Colonização – publicada em Berlim em 1846 por Miguel Calmon du Pin e

Almeida, futuro Marquês de Abrantes12 – foi a referência para Teófilo Ottoni iniciar o

projeto de colonização européia no interior da Mata Atlântica. A partir de 1856 uma

série de acordos entre a direção da Companhia e o governo central proporcionou a vinda

de imigrantes alemães, suíços, belgas, franceses, portugueses e até chineses para o vale

do Mucuri. Ao investigar os relatórios aos acionistas da Companhia e dos relatórios do

presidente de província de Minas Gerais encontramos muitas referências sobre este

9 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni: uma aventura cidadã. Belo Horizonte: Afato, 2003.; __. (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007.; __.Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Uerj. 1998. (Dissertação de Mestrado).;__. “Teófilo Benedito Ottoni: visibilidade e esfera pública no Brasil Oitocentista”. In. PRADO, Maria Emília (org.). O Estado como Vocação: idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Acces, 1999. p. 165-189. 10 Sérgio da Mata. Chão de Deus: catolicismo popular, espaço e proto-urbanização em Minas Gerais, Brasil. Séculos XVIII-XIX. Berlim: Wiss. Verl. Berlim, 2002. 11 José Murilo de Carvalho. “Trajetórias Republicanas”. In.: Revista do APM. Belo Horizonte, ano XLIV, nº. 2. p. 22-35. 12 Visconde de Abrantes [Miguel Calmon du Pin e Almeida]. Memória Sobre os Meios de Promover a Colonização. Berlim: Tipografia de Unger Irmãos, 1846. (fac-simile)

18

processo de imigração estrangeira. Além dessas fontes, analisamos o opúsculo A

Colonização do Mucuri, publicado por Teófilo Ottoni em 1859.13 Nesta obra, o diretor

da Companhia expôs o modelo de colonização adotado pela sua empresa e a

problemática envolvida no engajamento de imigrantes contratados pelos agentes da

Associação Central de Colonização, órgão ligado à recém criada Repartição Geral das

Terras Públicas.

No quarto e último capítulo – O Ocaso do Projeto Mucuri – examinaremos

a série de crises que se abateram sobre a empresa dirigida por Teófilo Ottoni. Como

veremos, o primeiro elemento concorreu para a decadência da Companhia do Mucuri

foram os problemas decorrentes da imigração estrangeira. No final de 1858 a chegada

descontrolada de colonos fez aumentar consideravelmente a demanda por gêneros

alimentícios, provocando um significativo aumento dos gêneros básicos. Este período

também coincidiu com um surto de doenças tropicais que vitimou fatalmente algumas

dezenas de colonos. Não bastassem as doenças e a carestia, no verão de 1859 a

população adventícia também sofreu com uma violenta seca no vale do Mucuri. Neste

período a região recebia a visita do médico alemão Robert Lallemant que não mediu

esforços para retirar todos os imigrantes contratados pela empresa. A presença de

Lallemant no Mucuri produziu um alarde sobre as condições precárias dos imigrantes

estrangeiros. Recorrendo à imprensa nacional e européia, o médico alemão mostrou-se

um cruento opositor de Teófilo Ottoni e do projeto Mucuri. Nesta oportunidade

analisaremos as querelas estabelecidas entre Ottoni, Lallemant e o então ministro da

Guerra Manuel Felizardo de Souza e Melo, patrocinador da viagem do médico alemão.

Após o exame dos debates entre o diretor da empresa e seus opositores, passamos para o

13 OTTONI, Teófilo Benedito. A Colonização do Mucuri. Rio de Janeiro: Tipografia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1859. In: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007.

19

estudo do período em que a empresa entrou em crise aguda. Neste período, uma nova

mudança na composição ministerial teria seus reflexos na trajetória da Companhia do

Mucuri. Com o fim da Política de Conciliação e a ascensão do partido conservador,

tem-se uma reviravolta na política econômica adotada pelos gabinetes da Conciliação.

Ao presidir o Conselho de Ministros e assumir concomitantemente o ministério da

fazenda, o político conservador Ângelo Muniz da Silva Ferraz atuou no processo de

restrição do crédito para as empresas. Neste período, a política adotada por Ferraz

decretou o colapso da Companhia, vetando o empréstimo que a empresa havia captado

em Londres. Sem o referido empréstimo, a Companhia não poderia retomar as

atividades de construção de sua infra-estrutura rodoviária, essencial para o sucesso do

empreendimento e praticamente paralisada devido o esgotamento de todo o capital

arrecadado. Assim sendo, passaremos ao estudo dos momentos finais da empresa,

marcados por intensos debates entre Teófilo Ottoni e a administração do governo central

que culminou na encampação e sucessiva liquidação da Companhia do Mucuri. Por fim,

nas considerações finais deste trabalho, retomaremos brevemente a trajetória da

Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri para analisar os impactos das

atividades desta empresa tanto para a região nordeste de Minas Gerais quanto para a

trajetória política de Teófilo Benedito Ottoni.

20

Capítulo 1 – A Companhia do Mucuri: Modelos e Horizontes

I - As comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha: do sertão ao litoral

Antes de começarmos a traçar os meandros da evolução da Companhia

Navegação e Comércio do Mucuri, faz-se necessário um conhecimento prévio da região

na qual a mesma viria atuar, a saber, as comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha.

Uma incursão a alguns índices econômicos dessas regiões nos auxiliará na compreensão

de ao menos parte dos motivos que levaram os irmãos Honório e Teófilo Benedito

Ottoni a organizar a Companhia do Mucuri. Esta digressão às comarcas do norte e

nordeste de Minas também se presta para posicionar as regiões do Serro, Diamantina e

Minas Novas no cenário da expansão política e econômica que se verificou em meados

do século XIX.

Localizadas na região norte e nordeste da província de Minas Gerais, até o

segundo quartel do século XIX, as comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha contavam

com três cidades – Diamantina, Serro e Minas Novas –, três vilas – Conceição, Santo

Antônio do Grão-Mogol e Rio Pardo – e cinqüenta arraiais, totalizando em média um

contingente populacional que avultava 100 mil habitantes. Excluindo-se o comércio

interno, toda esta vasta região da província de Minas Gerais realizava o seu trato

econômico quase que exclusivamente através da estrada que ligava Diamantina à região

do porto da Estrela, localizado na baía de Guanabara. A falta de um acesso alternativo a

esta região de Minas esteve na ordem do dia dos administradores provinciais. Assim

sendo, os presidentes de província procuraram incentivar a criação de um acesso ao

litoral da Bahia ou do Espírito Santo.

21

Um dos principais relatos sobre o nordeste de Minas foi produzido pelo

naturalista, etnólogo, filósofo e diplomata suíço Johan Jakob von Tschudi. Este

pesquisador, que visitou Minas Gerais em 1858, foi uma figura de grande relevo no

cenário científico e diplomático da Europa. Sua biografia e obras, segundo Roberto

Borges Martins, é ainda pouco disseminada entre nós, sendo mais lembrado nas

questões ligadas à imigração suíça e alemã e nas polêmicas sobre as colônias de parceria

na província de São Paulo. De acordo com Martins, por muito tempo a maior parte da

obra de Tschudi sobre o Brasil teria sido ocultada pelo provincialismo da historiografia

paulista da primeira metade do século XX, que não teria hesitado em mutilar

grosseiramente as Reisen durch Sudämerika (1866-1869) – publicando apenas dois dos

vinte e um capítulos – sem informar esse fato ao público leitor.14

Johan Jakob von Tschudi possuía título de barão e nasceu no Cantão de

Glarus, suíça, em 25 de julho de 1818. Sua abastada família era reputada por antiga

tradição em atividades intelectuais. De acordo com Roberto Borges Martins, um dos

seus antepassados, Giles Tschudi (1502-1572), é considerado o pai da historiografia

suíça, responsável também por levar a lenda de Guilherme Tell ao status de verdade

histórica.

O referido viajante suíço formou-se naturalista entre 1834-38 em Zurique,

Leiden e Paris. Estudou com Louis Agassiz em Neuenburg, tendo contato em sua época

com nomes de grande relevo nas ciências naturais germânicas. Em 1838 recebeu o título

de doutor em filosofia pela Universidade de Zurique. Neste mesmo ano, incorporou-se à

expedição do navio Edmond, cujo roteiro de viagem científica incluía a África,

Austrália, Nova Zelândia, o Pacífico e toda banda oeste das Américas – do Chile à

Califórnia. A sua Fauna Peruana, organizada em Paris, Neuenburg, Berlim e Viena, foi

14 Roberto Borges Martins. “Apresentação”. In: H. G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. p.10-11

22

traduzida para o inglês em 1848. Esta obra – fruto de coleções e manuscritos – foi

produzida em meio a estudos realizados na região da Cordilheira dos Andes, onde

esteve entre 1838 e 1842 em condições adversas. Nas pesquisas sobre a região andina, o

barão suíço dedicou-se integralmente aos estudos zoológicos, botânicos, antropológicos,

arqueológicos, etnológicos e lingüísticos da chamada América pré-colombiana e da

civilização Inca. Por este intenso trabalho, Tschudi foi considerado um dos maiores

especialistas nestes assuntos na Europa do século XIX.

A bordo do navio Teutônia, o naturalista partiu do porto de Hamburgo em

direção ao Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 26 de outubro de 1857. No dia 1º de

janeiro de 1858, Johan Tschudi entrou em Minas Gerais, onde permaneceu por quase

dois meses. De sua viagem por Minas, produziu um rico e importante relato sobre a

sociedade mineira do período, constituindo uma boa síntese dos aspectos geográficos,

históricos, econômicos, administrativos da província mineira no meado do século XIX.

Em sua Die Brasilianische Provinz Minas Geraes – publicada em 1862 para

acompanhar o mapa de Minas no Peterman’s Geographischen Mittheilungen – o

cientista suíço escreveu suas impressões sobre o itinerário de sua viagem, produzindo o

primeiro compêndio sobre Minas.

Ao percorrer a estrada que ligava Diamantina à região de Paraibuna,

Tschudi chegou a relatar que esta seria a principal rota comercial de todo o Império do

Brasil. O movimento da estrada se justificava, em parte, pela mudança da legislação de

concessão de datas no antigo território da intendência dos diamantes. De acordo com

Roberto Borges Martins, no período em que Tschudi visitou o norte e nordeste mineiro,

o antigo arraial do Tejuco experimentava o boom da liberação da lavagem do diamante,

ocorrida desde 1832.15 Assim, a extração diamantina conferia à região um considerável

15 Roberto Borges Martins. “Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século XIX”. In: H. G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. Op. Cit., p.19

23

vigor econômico, o que favorecia as relações comerciais com a maior praça comercial

do país, o Rio de Janeiro.

Embora o intenso movimento de tropas tenha impressionado o viajante

suíço, as críticas às condições das estradas, como era comum entre os viajantes

estrangeiros,16 também se fezeram notar nas impressões de Tschudi. Sobre os meios de

comunicação na província mineira, von Tschudi afirmou que “se o estado das estradas é

um bom critério para se julgar o grau de civilização de um país, Minas não deve receber

uma avaliação muito lisonjeira”.17 Mais adiante, o viajante ameniza suas críticas

afirmando que este julgamento pode ser um pouco atenuado, haja vista as condições

topográficas da província – uma das mais desfavoráveis para a construção e para a

manutenção de estradas. Além das condições geográficas, Tschudi argumentou que a

“violência incomum” das chuvas e a falta de contribuintes aos cofres provinciais (80

pessoas por légua18 quadrada, segundo o viajante), embaraçavam a criação e

manutenção das vias de acesso na Minas oitocentista.19

As condições de transporte das mercadorias também mereceram a atenção

de Tschudi. O viajante noticia que o transporte de mercadorias e de víveres era feito no

lombo de mulas e que passava por tortuosos caminhos que separavam Minas Gerais da

capital do Império. Esta distância, segundo J. J. von Tschudi, fazia com que na estação

chuvosa uma viagem de Diamantina ao Rio de Janeiro pudesse se protelar por até 130

16 Cf.: John Mawe. Viagens ao Interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. p. 137 (Coleção Reconquista do Brasil, vol. 33); Auguste de Saint-Hilaire. Viagens pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975. p. 42. (Coleção Reconquista do Brasil, vol. 4) 17 G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. p. 122. 18 A légua é uma antiga unidade de medida brasileira. Cada légua equivale a 3.000 braças, ou seja, 6.600 metros ou 6.6 quilômetros. 19 J. J. von Tschudi. “A província Brasileira de Minas Gerais”. In: H. G. F. Halfeld & J.J. von Tschudi. Op. Cit., p. 131.

24

dias.20 De acordo com Tschudi, as despesas com o transporte de mercadorias e o tempo

gasto com este transporte aumentariam os custos dos produtos.

Além da obra de J. J. von Tschudi, um livreto publicado pelos irmãos

Honório e Teófilo Benedito Ottoni traz importantes considerações sobre a dinâmica do

norte e do nordeste mineiro em meados do século XIX. Publicada em 1847, a obra

Condições para Incorporação de uma Companhia de Comércio do Rio Mucuri21

compõe uma importante fonte sobre as comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha.

Embora não tragam a fonte dos dados estatísticos que utilizaram na obra, os irmãos

Ottoni procuraram evidenciar ao público leitor a pujança econômica de sua região natal.

Segundo os dados oferecidos por Honório e Teófilo Ottoni, as comarcas do

Serro Frio e do Jequitinhonha importavam cerca de 80 mil alqueires de sal por ano.

Embora não apresentem as cifras, o valor da importação de sal serviu de indexador para

que os irmãos Ottoni pudessem supor que o volume comprado em mercadorias de maior

valor – como louças, ferragens, azeite e vinhos – fosse “bastante considerável”.22 Ainda

de acordo com Honório e Teófilo Ottoni, a dilatada distância que separava as comarcas

do norte mineiro do maior centro comercial do Império sobrecarregava os preços das

mercadorias: as fazendas variavam em 4%; as drogas em 20%; as louças em 45%;e os

molhados em 70%.

Ainda sem citar as fontes, Honório e Teófilo Ottoni, afirmam que o norte

de Minas Gerais exportou no ano de 1844 cerca de 4 mil contos de réis (4.000:000$000)

– ou 12 mil oitavas de ouro – oriundo da extração diamantina e cerca de mil contos de

réis em outros produtos como o algodão – cultivado principalmente na região de Minas

Novas – ouro e couro, o que perfazia, dessa forma, uma soma que avultava a marca de 5

20 Idem. 21 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit 22 Ibid. p. 67.

25

mil contos de réis (5.000:000$000) em exportações. No que se refere às importações,

ainda segundo os irmãos Ottoni, a região comprava em média um valor que avultava

cerca de 4 mil contos de réis por ano. É notável que a soma dessa exportação revelava

um número razoável de movimentações financeiras, o que é considerável para uma

região que se dizia possuir vias de acesso precárias.

Ainda que o trato comercial fosse feito muitas vezes através de atalhos e

outros caminhos extra-oficiais, o volume de arrecadação de impostos de coletoria –

impostos cobrados nos registros ao longo das estradas e das pontes – nos auxilia na

compreensão da movimentação das mercadorias em sua marcha pela província. Os

estudos de Laird Bergad ajudam a lançar luz sobre a vida econômica das comarcas do

Serro Frio e do Jequitinhonha no período aqui analisado. De acordo com Bergad, a

região de Diamantina, ainda foco da mineração de diamantes em Minas Gerais,

continuou sendo um florescente centro comercial e importante mercado consumidor

durante to do século XIX.23

Ao fazer um estudo sobre a contribuição de cada comarca aos cofres

provinciais, é possível observar qual que região que possuía um maior afluxo de

mercadorias. De acordo com os dados apresentados por L. Bergad, o rendimento

proveniente da arrecadação de impostos de coletoria, entre 1851 e 1860, faria com que a

Comarca do Serro Frio figurasse entre aquelas que mais contribuíam à fazenda

provincial.

Desse modo, o volume da arrecadação de impostos de coletoria entre as

comarcas da província de Minas Gerais entre 1850/60 ilustram a posição de destaque da

Comarca do Serro Frio. No período analisado, esta comarca posicionava-se em segundo

23 Laird W Bergad. Escravidão e História Econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Bauru: Edusc, 2004. p. 97.

26

lugar entre suas 17 congêneres provinciais, com uma arrecadação que ultrapassava os

400 contos de réis por ano (ver tabela 1.1). O volume de arrecadação era bastante

considerável, se levarmos em conta que dentre todas as comarcas mineiras apenas três

comarcas – Serro Frio, Muriaé e Paraibuna – apresentavam uma arrecadação superior a

400 contos de réis (400:000$000) por ano.

27

Figura 2: Tabela dos rendimentos provenientes dos impostos recolhidos pelas Comarcas da província de Minas Gerais, 1850-1860 (contos de réis)

Adaptado de: Laird W. Begard. Escravidão e História Econômica: demografia de Minas Gerais, 1720- 1880. Bauru: Edusc, 2004. p.103.

0200

400600

Paraybuna

Serro Frio

Muriaé

Rio Verde

Ouro Preto

Piracicaba

Rio das Mortes

Sapucaí

Baependy

Rio das Velhas

Rio Grande

Indaiá

Paranaíba

Jequitinhonha

Paraná

São Francisco

Jauari

Paracatú

28

Embora os números apresentados acima sejam relativamente expressivos,

o isolamento geográfico do norte de Minas em relação à corte dificultava a importação e

a exportação de produtos entre a região e a capital do Império. Desse modo, o consumo

de manufaturas e víveres nas comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha ficava

prejudicado devido a considerável distância as separavam da praça comercial do Rio de

Janeiro. Este fato foi mencionado no opúsculo dos irmãos Ottoni. Honório e Teófilo

Ottoni evidenciaram este problema ao lamentar que por falta de “meios mais cômodos”

para acessar a corte, o algodão produzido na região de Minas Novas era negociado na

cidade de Barbacena, sede da comarca do Paraibuna.

Diante do quadro de isolamento apresentado, na acepção de Teófilo Ottoni

– em um livreto publicado em 1856 – o encurtamento das distâncias seria fundamental

para o florescimento econômico das comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha:

Sabe-se que as grandes distâncias que se tem de vencer dificultam o comércio, acanham ou condenam ao triste abandono a agricultura, e por conseqüência, torna impossível a riqueza; nunca pois será para os recôncavos centenares de léguas afastados dos pontos comerciais que se conseguirá afluir a emigração, e os naturais do país que por necessidade estabelecidos nesses esquecidos retiros verão as suas forças perdidas, o seu trabalho mal aproveitado e sua pobreza sempre irremediável.

Mas desde que a facilidade das comunicações fizer desaparecer essas desanimadoras distâncias, e aproximar os recôncavos do oceano, os desertos das cidades, os emigrantes não temerão mais internar-se no país, e os habitantes dele se entusiasmarão vendo brotar a riqueza do mesmo solo que d’antes apenas lhes servia para não deixa-los na miséria.24

Nas Condições para Incorporação... os irmãos Honório e Teófilo Ottoni, relatam que à

exceção de algum sal que era transportado por canoas pelo rio Jequitinhonha, toda a

importação de manufaturas vem do Rio de Janeiro atravessando do sul ao norte as

24 Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos....p. 10.

29

comarcas do Paraibuna, Ouro Preto, Piracicaba e Rio das Velhas, haja vista a

dificuldade de acessos com a Bahia.25

Como podemos observar, a construção de mecanismos para abreviar as

distâncias entre o norte e nordeste mineiro e a corte seriam salutar no processo de

expansão econômica das comarcas dessa região, pois o longo caminho que as

mercadorias importadas percorriam aumentava o preço dos bens de consumo, sobretudo

os agrícolas. Da mesma forma, os produtos de exportação também não poderiam ser

comercializados de forma mais eficiente devido a grande distância da corte. Para os

irmãos Ottoni,

[...] as comarcas do norte continuam, pode-se dizer, incomunicáveis, visto que, para pagar uma importação considerável que consomem, não podem exportar pelas estradas atuais senão pedras preciosas, produtos que são ali por esse motivo, além da criação de gados, a única fonte de riqueza.26

Embora exportação de diamantes fosse de fato uma importante fonte de

renda para as comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha, a variação do volume

extraído, principalmente no rio Jequitinhonha, seria mais uma dificuldade enfrentada

pela economia regional. De acordo com Marcos Lobato Martins, a extração diamantina

era uma atividade econômica que apresentava bastante oscilação, pois ao longo do

século XIX, a extração de diamantes comportou-se de forma inconstante, variando da

euforia ao desalento.27

Como já mencionado, a dificuldade em acessar o litoral adjacente, isolava

as comarcas do norte e nordeste mineiro de um acesso mais dinâmico para a

comercialização de produtos. Segundo os dados oferecidos pelos irmãos Ottoni,

25 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit., p. 13. 26 Ibid. p. 05 27 Marcos Lobato Martins. “A crise dos negócios do diamante e as respostas dos homens de fortuna do Alto Jequitinhonha, décadas de 1870-1890”. Estudos Econômicos. V. 38, n.º 3. p. 612. julho-setembro de 2008.

30

cobrava-se em 1844 a quantia de 4 a 5 réis por arroba transportada do Rio de Janeiro

para a cidade de Minas Novas, de sorte que toda a região gastava com o pagamento de

impostos, cerca de 200 contos de réis (200:000$000) anuais.28

Para dar cabo a toda problemática que envolvia o transporte e a

comercialização de produtos nas comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha, um

audacioso projeto foi arquitetado para diminuir o tão mencionado isolamento

geográfico. A idéia seria atravessar o desconhecido vale do Mucuri e atingir o litoral sul

da província da Bahia, oferecendo, assim, uma nova rota comercial à populações de

Minas Gerais. Assim, em 1847, instigados pelas tentativas anteriores de ocupação do

vale do Mucuri, principalmente a partir da administração Costa Pinto (1836-1837), os

irmãos Honório e Teófilo Benedito Ottoni projetaram a construção de uma empresa que

teria como meta a construção de uma via alternativa que transporia a selva tropical

atlântica para conectar as cidades, vilas e arraiais do norte e nordeste de Minas Gerais à

praça comercial do Rio de Janeiro.

Dessa forma, a obra Condições para Incorporação de uma Companhia de

Comércio do Rio Mucuri de 1847, veio a lume com o objetivo de atrair capitais

privados e de chamar a atenção da administração pública para a importância do projeto

Mucuri. Para dar impulso e vigor à economia de uma das regiões mais importantes de

Minas Gerais, a criação da empresa deveria empreender uma verdadeira cruzada às

selvas que guardavam o vale do rio Mucuri, pois a floresta que separava as comarcas,

do Serro Frio e do Jequitinhonha, do litoral era reportada à época por ser uma das áreas

mais incógnitas de toda região sudeste do Brasil.

Para os irmãos Ottoni, esta empreitada seria necessária porque os

moradores do norte e nordeste da província

28 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p. 13. (grifos nossos)

31

[...] suspiram impacientes pela nova era em que, facilitando-se-lhes os meios de transporte, possam seus habitantes ser também agricultores, e tirar vantagens das riquezas vegetais, de que a natureza dotou com mão larga aquele solo.29

A “nova era” mencionada pelos irmãos Ottoni certamente se

personificaria através da criação da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri,

empresa que seria responsável em desenvolver a região norte e nordeste de Minas por

meio de um complexo viário que utilizaria os métodos de transportes rodoviários e de

navegação fluvial e marítima mais sofisticados da época. Dessa forma, os

empreendimentos da Companhia consistiam a abertura de estradas carroçáveis, a

criação de uma via fluvial no rio Mucuri, a navegação de cabotagem entre a Bahia e o

Rio de Janeiro, e a criação de um porto de mar no litoral da Bahia e um porto fluvial em

Santa Clara, em Minas. Além disso, previa-se o povoamento de toda a bacia do rio

Mucuri com a distribuição de glebas ao longo do trajeto da malha viária e fluvial que a

empresa pretendia construir.

Ao lançar mão de seu ambicioso projeto, os irmãos Ottoni evidenciam

elementos que caracterizaram o pensamento que inspirou muitos políticos brasileiros do

século XIX, imbuídos pela idéia de construir uma nação e uma civilização nos trópicos.

No oitocentos, para os construtores da nação brasileira, um dos modelos para gerar o

progresso seria devassar os sertões habitados por povos indígenas e tornar “úteis” as

terras consideradas “incultas”. Dessa forma, o processo civilizador pelo qual o Brasil

deveria passar estaria ligado à capacidade dos nacionais em dominar completamente o

território, para então sorver todas as riquezas que a natureza oferecia à jovem nação

brasileira e utilizá-la para o progresso do país.

29 Ibid. p. 5

32

Em estudo sobre o cientificismo e sensibilidade romântica no Brasil do

século XIX, Márcia Regina Naxara ressalta que o sertão caracterizava-se também por

ser a fronteira entre a civilização e a natureza selvagem, embora às vezes confunda-se

com ela.30 Nesta perspectiva, se por um lado os sertões eram muitas vezes retratados

como locais ermos, incógnitos e indômitos, eram também o locus privilegiado para os

projetos de civilização, pois ali o homem civilizado ainda não havia tocado. Assim, era

na região de fronteira o local em que o futuro estaria aberto às realizações do

pensamento industrioso, civilizado e racional.

É importante ressaltar que este mesmo fenômeno se verificava nas outras

nações do cone-sul. Encontramos na figura do renomado político argentino Domingo

Faustino Sarmiento o exemplo característico dos indivíduos que mobilizaram forças

para imprimir a marcha da civilização em seus países. Em Facundo – publicada no

Chile em formato de folhetim em 1845 – Domingo Sarmiento mostra-se um árduo

crítico do caudilho Juan Manuel de Rosas, acusado por Sarmiento de ser a

personificação do atraso e da barbárie e dos “hábitos ignorantes” herdados do período

colonial. Ao tecer as críticas à sociedade argentina de sua época, Sarmiento propõe um

novo modelo de civilização para seu país. Para tanto, o futuro presidente argentino

defendia a conquista e o povoamento do território de seu país através de um ambicioso

plano de ocupação das fronteiras. Sobre o aproveitamento do solo e dos rios Sarmiento

indaga: “devemos abandonar um solo dos mais privilegiados da América às devastações

da barbárie, manter cem rios navegáveis abandonados às aves aquáticas, que podem

tranqüilamente sulcá-las sozinhas ab initio?”.31

30 Márcia Regina Capelari Naxara. Cientificismo e Sensibilidade Romântica: em busca de um sentido explicativo para o Brasil no século XIX. Brasília: Editora da UnB, 2004. 31 Domingo Faustino Sarmiento. Facundo: civilização e barbárie [1845]. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 52, passim.

33

A exemplo dos territórios argentinos, o vale do rio Mucuri, no Brasil, foi

uma das regiões em que a ação de políticos e de empresários empreendeu esforços para

o aproveitamento econômico do solo e da navegação fluvial. Desse modo, para

fomentar o avanço da civilização sobre as terras do vale do Mucuri – em um processo

que aqui qualificamos de interiorização do império – seria necessário abrir estradas,

devassar e derrubar florestas, desenvolver a navegação fluvial, erguer núcleos de

colonização, criar portos, construir destacamentos militares, catequizar os índios, enfim,

romper os limites dos sertões incultos, transformando-os em áreas aproveitáveis para o

progresso e para a civilização do país. Assim sendo, o território anteriormente pautado

como incógnito passou a figurar como região estratégica para administradores públicos,

burocratas e empresários da província de Minas e da praça comercial do Rio de Janeiro.

Neste sentido, a ocupação do Mucuri com vistas ao desembaraço

econômico do norte e nordeste mineiro, constituiu-se em uma das principais

justificativas para criar-se o projeto da Companhia de Navegação e Comércio do

Mucuri. De acordo com os irmãos Honório e Teófilo Benedito Ottoni, a região centro-

sul da província de Minas já havia superado as dificuldades de acesso à corte ao

dinamizar suas vias comerciais com o Rio de Janeiro. Segundo os irmãos Ottoni, ao

contrário das Comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha, a referida região possuía

meios para se comunicar de forma mais cômoda o “grande mercado” da corte.

Se no início da obra dos irmãos Ottoni as Comarcas do Serro Frio e do

Jequitinhonha são apresentadas como importantes núcleo de importação e de exportação

de produtos, posteriormente, as mesmas são retratadas pelos autores em um estado de

definhamento econômico devido à falta de comunicações cômodas com as principais

praças comerciais do Império. Ao mencionar a dificuldade de acesso à corte, os irmãos

Ottoni concluem que a região que se beneficiaria com as atividades da Companhia

34

encontra-se em estado de retração econômica. Segundo os autores, as Comarcas do

Serro e do Jequitinhonha, por falta de meios para comerciar produtos, “regurgitava” sua

população para outras áreas pelo fato de lhes faltar os meios de vida.32

Numa publicação de 1859, ao ressaltar os benefícios que a Companhia do

Mucuri traria às comarcas do norte e nordeste de Minas, Teófilo Benedito Ottoni

demonstrou aos leitores o já mencionado estado de isolamento da região. De acordo

com o autor, os habitantes da referida região

[...] estavam recalcados nos sertões do norte de Minas, e pediam para sair do isolamento em que jaziam novas vias de comunicação com o oceano, através de 70 léguas de mato virgem. E foi esse o difícil problema que a Companhia do Mucuri se propôs resolver.33

Imaginava-se que os benefícios da empresa do Mucuri seriam incalculáveis

para a população mineira. Em sua famosa Circular de 1860, Teófilo Ottoni explicitou a

importância do empreendimento para a população de sua província natal, que em pouco

tempo poderiam seus produtos rivalizar com os produzidos pelo vale do Paraíba:

“Tratava-se de lhes proporcionar terrenos fertilíssimos e tão vastos que em poucos anos

poderiam vender ao estrangeiro tantos milhões de arrobas de café como o vale do

Paraíba.”34

Para levar a cabo a empresa do Mucuri, Honório e Teófilo Ottoni

consideravam mais prudente e mais racional iniciar a colonização do vale por sua

porção oriental, pelo litoral da Bahia. A partir da vila de São José do Porto Alegre um

32 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit., p.10. 33 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri...Rio de Janeiro: Tipografia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1859. p. 1. In: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007. 34Teófilo Benedito Ottoni. “Circular dedicada aos Srs. Eleitores de senadores pela província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. eleitores de deputados pelo 2º distrito eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LXXVIII, Parte 2. Rio de Janeiro: 1916. p. 364.

35

vapor navegaria rio Mucuri adentro para levar os auxílios de que os colonos careciam.35

Estes trabalhadores seriam afixados no interior de Minas Gerais, ao longo da estrada

que a empresa projetava construir. Dessa forma, a ocupação do vale do Mucuri não foi

iniciada em sua porção Mineira. Dessa forma, três séculos após as primeiras tentativas

de devassamento da região situada entre o sul da Bahia e norte do Espírito Santo, a

mesma seria utilizada novamente como rota para se acessar o interior de Minas Gerais.36

Embora o flanco oriental de Minas Gerais tenha sido devassado desde o

seiscentos, a floresta tropical ainda se mostrava impenetrável. Para o viajante francês

Ferdinand Denis, isto ocorreu por causa das descobertas dos veios auríferos na região

central antiga capitania das Minas do Ouro:

[...] uma coisa notável, na verdade, é que foi no décimo sexto século, através dessas profundas florestas que se adentrou em Minas Gerais. Depois, quando se efetuou o descobrimento da região do ouro e das pedras preciosas as grandes florestas pareceram torna-se a fechar por espaço de dois séculos. Foi esquecido o caminho seguido pelos primeiros exploradores, e se em Minas Gerais se penetrou, foi como é notório, por uma via mui diferente.37

Ao pretender iniciar os trabalhos da Companhia do Mucuri pela costa, os irmãos Ottoni

ocupariam uma área que foi palco das primeiras tentativas do colonizador em ocupar o

interior desconhecido da América portuguesa.

Nos planos dos irmãos Ottoni, a medida que fosse instalada a empresa, a

reação das populações que ocupavam o norte de Minas faria surgir um novo processo de

imigração interno na província. Assim, quando as populações que “superabundam” as

comarcas do norte de Minas pressentirem e comprovarem a fertilidade das matas do

35 Idem. 36 Segundo Capistrano de Abreu, a primeira entrada em busca de minas de ouro e de pedras preciosas teria sido realizada em 1552 “pela expedição Navaro-Espinoza que teria entrado por Caravelas, alcançou as cercanias de Teófilo Otoni, desceu pelo campestre até a Serra do Frio, na Cordilheira do Espinhaço. Cf.:João Capistrano de Abreu. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 85. 37 Ferdinand Denis. O Brasil. vol. 1.Salvador: Livraria Progresso, 1955. p. 410.

36

Mucuri, começariam, então, um movimento de emigração, que aos poucos povoaria as

mais remotas cabeceiras e margens do rio Mucuri.38

Por fim, no que diz respeito àqueles que investissem capitais na empresa,

os idealizadores do projeto Mucuri garantiam lucro rápido e retorno financeiro

garantidos. Assim sendo, Honório e Teófilo argumentavam que “em um futuro muito

próximo as margens do Mucuri, ricas e povoadas dariam um desenvolvimento

considerável à navegação e comércio do porto de São José, e lucros seguros a quem

tiver o exclusivo desta navegação”.39

Como podemos observar até aqui, a colonização do Mucuri se deu no bojo

de uma sociedade voltada para os ideais de civilização presentes na mentalidade de

políticos e de intelectuais do Brasil Imperial, pautados em um pensamento civilizatório

que visava paulatinamente extirpar toda a barbárie que ainda imperava sobre os

territórios não colonizados.40 Para a elite política do século XIX,41 o desenvolvimento

dos meios de comunicação – seja rodoviário, ferroviário ou hidroviário – seria um dos

principais vetores de propagação da civilização país. De acordo com o pensamento do

período, além de proporcionar maior dinamismo, o desenvolvimento dos meios de

transporte seria um termômetro do grau de civilização da nação. Neste sentido, tornou-

se patente a necessidade de aperfeiçoar este setor, que passou a receber o apoio político

e financeiro da administração pública, principalmente a partir do Segundo Reinado.

As políticas públicas para o incremento do setor de transportes podem ser

fartamente observadas nos relatórios emitidos anualmente pelos presidentes de

38 Teófilo Benedito Ottoni. & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit., p.10 39 Ibid. p.12 40 Regina Horta Duarte. “Conquista e Civilização na Minas Oitocentista”. In: Teófilo Benedito Ottoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Org: Regina Horta Duarte. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. p.31 41 Sobre a elite política nacional, Cf.: José Murilo de Carvalho. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

37

província. Como competia às unidades provinciais a construção e a manutenção das

estradas, são férteis nesta documentação as diversas estratégias utilizadas para dar cabo

ao desenvolvimento dos meios de comunicação A fim de se traçar os diversos métodos

para a disseminação das vias de acesso, são recorrentes nos relatórios provinciais a

solicitações junto às câmaras municipais o envio de informações sobre as condições das

estradas e as possibilidades da ampliação da rede de transportes. Neste sentido,

acreditamos que o projeto de incorporação da Companhia do Mucuri é condicionado por

um contexto em que se fazia sentir a necessidade de dotar o país de “vias de acesso mais

cômodas” a fim de promover os melhoramentos e a civilização – conceitos caros à

sociedade oitocentista.

No entanto, a implementação de projetos como o de criar um complexo

viário no interior da floresta tropical não poderia ser obra de espírito aventureiro. Antes

de verem incorporado o almejado projeto, os irmãos Honório e Teófilo Ottoni deveriam

cooptar o apoio dos administradores públicos e de sócios para aglutinar os

investimentos necessários ao árduo trabalho de conquista dos sertões. Assim, a

estratégia traçada pelos irmãos Ottoni pautava-se inicialmente na publicização do

projeto Mucuri através da edição de um livreto. Neste suporte, os idealizadores teriam a

oportunidade de demonstrar ao maior número de pessoas a consistência do ambicioso

plano. Neste sentido, interessa-nos mapear os argumentos utilizados por Honório e

Teófilo Ottoni em sua tentativa de convencer o público sobre a viabilidade da

Companhia do Mucuri. Neste exercício, também serão investigadas a trajetória política

e empresarial de Teófilo Benedito Ottoni, principal responsável pela criação da empresa

do Mucuri.

38

II – A gestação da idéia e a divulgação do projeto

Em suas Notas Históricas do Município de Teófilo Ottoni, Reinaldo Ottoni

Porto ressaltou que em 1847 Honório Ottoni teria entregado ao seu irmão, Teófilo, uma

cópia do relatório da viagem que o engenheiro francês Pedro Victor Renault havia

realizado no rio Mucuri em 1836.42 De acordo com Ottoni Porto, teria sido este o

documento que instigara Teófilo Ottoni a vislumbrar a criação de uma empresa no vale

do rio Mucuri.

O relatório aludido por Reinaldo Ottoni Porto fora produzido em 1837 a

mando do então presidente de província Antônio da Costa Pinto, que governou a

província de Minas Gerais entre os anos de 1836 e 1837.43 Nascido em Paracatu em

1802, Costa Pinto diplomou-se em direito pela Universidade de Coimbra em 1827. No

governo provincial mineiro, o magistrado utilizou a sua influência política para

proporcionar melhoramentos para as comarcas do norte e nordeste da província. Na

tentativa de ver ampliadas as possibilidades comerciais de sua região de origem, Costa

Pinto promoveu a primeira expedição de um engenheiro para estudar as condições de

navegabilidade do rio Mucuri. Para tal, o presidente da província contratou os serviços

do engenheiro francês Pedro Victor Renault. Além de estudar as possibilidades da

implantação de um degredo na região do rio Todos os Santos, principal afluente do rio

Mucuri, Costa Pinto ordenou que se checasse as possibilidades de navegação do rio

Mucuri até a sua foz, na vila de São José.44

42 Reinaldo Ottoni Porto. Notas Históricas do Município de Teófilo Otoni II: a extinta Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri. Teófilo Otoni: Tipografia de O Nordeste Mineiro, 1931. p.36-7. 43 Conforme apontou Francisco Iglésias, o presidente de província Antônio da Costa Pinto seria um dos maiores entusiastas da navegação fluvial em Minas. Cf.: Francisco Iglésias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro. Rio de Janeiro: INL, 1958. p. 168 44 A este respeito, Cf.: Pedro Victor Renault. “Exploração dos Rios Mucuri e Todos os Santos e seus afluentes – feita por ordem do governo da Província pelo engenheiro Dr. Pedro Victor Renault. Org. e col. por León Renault. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial. Ano VIII, fasc. 3 e 4, p. 1056-1057. jul/dez. 1903. Cf.: Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni: uma aventura cidadã. Belo Horizonte: Afato, 2003. p. 33. passim.

39

Além da atuação no processo de melhoramento das possibilidades

comerciais de sua região natal, o empreendimento de Antônio da Costa Pinto na

tentativa de promover a navegação do rio Mucuri, estava em ressonância com as

políticas públicas do governo provincial mineiro.45 Ávidos em empreender a

disseminação de novas vias de comunicação, os presidentes de província de Minas

Gerais explicitaram em seus relatórios apresentados às Assembléias Provinciais a

importância de se expandir os meios de comunicação em Minas. Algumas obras de

melhoramento e o pagamento de subvenções de juros para a construção de estradas

foram criadas de norte a sul da província.46

Além da importância dada à construção e à melhoria das estradas

carroçáveis, os rios também passaram a chamar a atenção dos administradores públicos.

Assim, para efetuar a navegação dos rios, os sucessivos governos provinciais

contrataram engenheiros estrangeiros e nacionais para produzir laudos técnicos e cartas

topográficas sobre as condições de navegabilidade dos rios. La Martinière e Lilais

estudaram o Rio das Velhas, Gerber foi o responsável em produzir um plano de viação

da província no qual se faz considerações sobre as condições de navegabilidade dos rios

Verde, Sapucaí, Jequitinhonha, Pardo, Itabapoana e Mucuri, já Pedro Victor Renault e

ocupou-se com a exploração da bacia do rio Mucuri.

A importância dada à navegação fluvial evidencia-se no relatório enviado

à Assembléia Provincial em 1837. Neste documento, o presidente Antônio da Costa

Pinto ressaltou à assembléia provincial mineira que os rios e os canais são mais úteis à

província que as boas estradas. Na acepção do presidente, ao se fomentar a criação de

rotas fluviais para embarcações à vapor, abrir-se-iam novos meios para a comunicação e

para o transporte de gêneros. Além disso, Costa Pinto argumentava que ao contrário das 45 A este respeito, Cf: Francisco Iglésias. Op. Cit. 46 Cf.: Dermeval José Pimenta. Caminhos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1971.

40

estradas – cuja manutenção era onerosa aos cofres públicos – o transporte fluvial não

precisaria de reparos, daí o interesse em averiguar as condições de navegabilidade dos

rios que banhavam a província.47A importância dada por Costa Pinto à navegação se

explica pela ampla possibilidade de encurtar as distâncias através da navegação à vapor.

O avanço das técnicas trazido pela revolução industrial também fez seus

efeitos na navegação. A partir do final do século XVIII e durante tudo o século XIX o

homem passou a utilizar o vapor como meio de locomoção para os barcos. Após séculos

na dependência das forças da natureza ou da própria força para se locomover por

oceanos, mares e rios, o homem passou utilizar a máquina à vapor como propulsão

náutica. Concomitantemente, tem-se um maior desenvolvimento dos estudos sobre as

correntes marítimas e dos ventos. Além disso, a invenção do cronômetro marinho e o

desenvolvimento dos conhecimentos geográficos contribuíram para revolucionar a

navegação à vapor, que ganharia força ao longo do século XIX.48

O desenvolvimento das técnicas de navegação à vapor teve início nos

Estados Unidos. Em 1819 o país se tornaria o pioneiro na travessia transatlântica por

vapor com o navio Savannah. Contudo, os efeitos da viagem foram relativos, pois dos

32 dias de travessia, o vapor só funcionaria nos três primeiros, sendo necessário o uso

de velas nos 29 dias restantes.49 Somente em 1833 a primeira viagem utilizando

exclusivamente máquinas à vapor foi efetuada, quando o pequeno barco de madeira

Royal William saiu de Quebec e Picton até a ilha de Wight, na Grã-Bretanha.50

47 Antônio da Costa Pinto. Fala dirigida á Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na sessão ordinária do ano de 1837. Ouro Preto: Tipografia do Universal, 1837. p.40. 48 Marcos Guedes Vaz Sampaio. Uma Contribuição da História dos Transportes no Brasil: a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894). São Paulo: Usp, 2006. (Tese de Doutorado). p.22. 49 Arthur Birnie. História Econômica da Europa, 1760-1939. 7ª. ed. Trad. Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1964. p.66. 50 António Mora Ramos. Pequena História dos Transportes. Lisboa: Coleção Educativa, nº. 7. 1960. p. 79

41

Embora o pioneirismo da navegação à vapor seja dos norte-americanos,

deve-se aos ingleses o aprimoramento das técnicas. Utilizando-se das fartas reservas de

carvão e ferro, os engenheiros ingleses passaram a incrementar a navegação à vapor.

Em 1837 Ericsson introduziu o uso da hélice, que substituiu o ineficiente método

anterior. Dessa forma, os vapores ganharam maior propulsão e maior autonomia em

auto-mar.51 Ao longo do século XIX, com o contínuo incremento de novas tecnologias,

o petróleo começou a ser utilizado como combustível para a navegação fluvial. Assim, a

partir de 1897 os navios à vapor foram paulatinamente substituídos. Os motores de

combustão, incrementados por Rudolf Diesel, sucederam a tecnologia da navegação à

vapor.52

No Brasil, este modelo de navegação recebeu os primeiros incentivos

durante o período joanino. Até então, a navegação fluvial no Brasil era quase

exclusivamente realizada por embarcações à vela, remo ou vara. O decreto de 3 de

agosto de 1818 concedia a possibilidade de criação de uma companhia de navegação à

vapor na capitania da Bahia. No ano seguinte, Felisberto Caldeira Brant, o Marques de

Barbacena, mandou vir da Inglaterra um vapor que realizou sua primeira viagem de

Salvador a Cachoeira, no dia 4 de outubro do mesmo ano. Esse empreendimento durou

pouco tempo, pois a ausência de incentivos governamentais e de investimentos levou à

deterioração da única embarcação existente. Após a primeira experiência do projeto do

Marquês de Barbacena, o país somente veio a desfrutar dos serviços de navegação à

vapor com a criação da Companhia Brasileira de Paquetes à Vapor em 1837. 53

No que se refere a Minas Gerais, o relatório do presidente de província

Antônio da Costa Pinto já demonstra o interesse dos administradores provinciais

51 Marcos Guedes Vaz Sampaio. Op. Cit., p. 23. 52 Ibid. p. 35. 53 Ibid. p. 37-39.

42

mineiros no ramo da navegação à vapor. A primeira empresa desse gênero na província

foi a Companhia Brasileira de Colonização e Navegação do Rio Doce. Estabelecido o

contrato com o governo provincial mineiro em 1836, os organizadores desta empresa

prometeram ao governo mineiro ligar Mariana ao Rio de Janeiro em no máximo 15 dias.

Contudo, seis anos mais tarde – no relatório provincial de 1843 – o presidente Francisco

José de Souza Soares Andréa criticava o pífio resultado até então alcançado pela

Companhia. Segundo Andréa, a empresa preocupava-se apenas em extrair a preciosa

madeira dos Sertões do Leste, ao invés de se ocupar com a construção da infra-estrutura

necessária à navegação do Rio Doce. Além disso, o presidente se queixava que toda a

região do Rio Doce estava loteada em várias sesmarias, o que impedia o futuro da

empresa. A insatisfação do governo provincial fica explícita nas palavras do presidente

Andréa: “é melhor cobrirmos esta parte da Carta da província com tintas negras, e não

falarmos mais de rio Doce”.54 Somente em 1847, com o projeto de navegação dos

irmãos Ottoni, é que a província ganharia um novo empreendimento que utilizaria a

navegação à vapor fluvial como meio de locomoção.

Como já foi dito, este empreendimento está intimamente ligado às políticas

públicas da administração Costa Pinto e do relatório produzido pela expedição Renault.

Depois de atravessar o vale do Mucuri enfrentando os ataques dos índios botocudos as

intempéries da floresta tropical, o engenheiro francês concluiu em seu relatório que o rio

Mucuri reunia as condições necessárias à navegabilidade, bastando para isso pacificar

os temidos índios que ocupavam as margens do rio. De acordo com Renault,

54 Francisco José de Souza Soares Andréa. Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do ano de 1843. p. 36-37. Sobre a Companhia do Rio Doce, Cf.: Cláudia Maria das Graças Chaves. Companhias de Comércio e Navegação: uma viagem pelo rio Doce. In.: Anais Eletrônicos do XIV Encontro Regional de História da ANPUH Minas Gerais. Juiz de Fora, 2004; Francisco Iglésias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro. Op. Cit., 168-169; Haruf Espindola Salmen. O Sertão do Rio Doce. Bauru: Edusc, 2005, principalmente o capítulo “A navegação do Rio Doce”.

43

[...] o único obstáculo que se oferece, pois a por uma comunicação por água entre esta tão desgraçada comarca de Minas Novas é o número de bugres que infestam as margens do Mucuri, obstáculo este muito fácil de levantar, consistindo em confiar a um homem de zelo, prudência e capacidade reconhecida a catequização dos selvagens habitantes dessas matas.55

De posse das informações contidas no relatório de Renault e de outros

documentos referentes a tentativas anteriores de ocupação do vale do Mucuri, os irmãos

Ottoni produziram uma obra em que se descreveram com minúcias as potencialidades

dessa região.

No entanto, a idéia de se criar uma empresa cujo propósito seria formar

uma nova rota comercial entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro não teria sido fruto

apenas da leitura do relatório Renault. A busca por uma nova rota comercial para o

norte de Minas era almejada pela elite regional de Diamantina, de Serro Frio e de Minas

Novas, como veremos no capítulo 2. Desse modo, além de incorporar novas porções de

terra aos seus potentados, a elite das Comarcas do Jequitinhonha e do Serro Frio

também estava ávida em ver abreviada a distância que separava estas regiões da Corte.

Por isso, o projeto dos irmãos Honório e Teófilo Ottoni contou tanto com o

auxílio de comerciantes instalados na Corte quanto da elite regional das comarcas

mineiras que se beneficiariam com o projeto Mucuri. Representantes dessa elite, os

próprios idealizadores do empreendimento eram conhecedores das dificuldades de

negociar com a sua região de origem. Sabe-se que com o irmão Honório, Teófilo Ottoni,

dedicou-se ao comércio de importação, com um estabelecimento no Rio de Janeiro – a

Ottoni & Cia. Esta empresa era responsável por manter um comércio de tropas entre a

capital e o interior do império. Além do interior de Minas, os irmãos Ottoni mantinham

55 Pedro Victor Renault. Relatório da Exposição dos rios Mucuri e Todos os Santos...Op. Cit.

44

tropas para o comércio com as províncias da Bahia, do Espírito Santo, de Goiás e do

Mato Grosso, nesta última, com fazendas de gado.56

Assim, o trato com as atividades comerciais entre o litoral e o interior

possibilitou aos irmãos Ottoni perceberem as dificuldades em se estabelecer áreas de

comércio nas regiões distantes da praça comercial do Rio de Janeiro. Dessa forma,

Honório e Teófilo Ottoni percebiam que a falta de vias de acesso ao interior do Brasil e

a precariedade das existentes atravancavam a dinâmica comercial do país e de sua

região de origem. Daí a necessidade de se publicar uma obra cuja intenção seria chamar

a atenção de indivíduos interessados em investir capitais em uma empresa capaz de

facilitar e promover as relações comerciais entre a capital do império e o interior das

províncias de Minas, da Bahia e do Espírito Santo. Foi neste contexto que em 1847 fora

publicado pela tipografia de J. Villeneuve & Cia. o opúsculo Condições para

Incorporação de uma Companhia de Comércio do rio Mucuri.

Acreditamos que o principal objetivo da publicação desta obra seria

produzir uma peça de propaganda em que se exibissem de diversas formas as vantagens

que o vale do Mucuri oferecia aos espíritos empreendedores. Desta maneira, antes de se

criar as atividades da empresa, os irmãos Ottoni preocuparam-se dar visibilidade ao seu

empreendimento – principalmente entre os empresários da Corte.

No entanto, a idéia de criar vias de acesso alternativas ao caminho de Ouro

Preto não surgiu com a publicação do livreto de 1847. Além do relatório de Pedro

Victor Renault, os irmãos Ottoni já haviam entrado em contato com uma outra obra que

sugeriria um caminho comercial alternativo para o norte de Minas por meio da abertura

de estradas através do avanço sobre os sertões do nordeste de mineiro. Estamos nos

56 Maria Cristina Nunes Ferreira Neto. Memória Política e Negócios: a trajetória de Theophilo Benedicto Ottoni. Campinas: Unicamp, 2002. p.77. (Tese de Doutorado)

45

referindo à Memória Sobre o Estado Atual da Capitania de Minas Gerais, escrita em

1798 pelo tio de Honório e Teófilo Ottoni, o político e poeta mineiro José Eloi Ottoni.57

Nascido na Vila do Príncipe em 1764, José Eloi Ottoni iniciou-se nas

primeiras letras no Arraial do Tejuco. Em 1786, após a morte de sua mãe, D. Ana

Felizarda do Prado Leme, completou seus estudos e foi enviado para Lisboa. Na

Europa, José Eloi esteve ainda em Roma, Florença, Milão, Verona, Nápoles e Veneza.

De volta ao Brasil em 1791, estabeleceu-se na Vila do Bom Sucesso do Fanado – atual

Minas Novas – onde atuou por sete anos como professor régio de latim. De volta a

Lisboa em 1798, escreveu a Memória Sobre o Estado Atual da Capitania de Minas

Gerais, dedicada à soberana de Portugal, Maria I. Nesta obra, José Eloi Ottoni

descreveu os malefícios, e as soluções para a queda de produção aurífera na Capitania

das Minas. Embora reconhecesse a importância da mineração para o Erário Régio, a

força do pensamento fisiocrático de José Eloi Ottoni levou-o a apontar os danos que a

mesma causava à economia dos “Mineiros”, pois

[...] extraída aquela porção de ouro, que é compatível com as forças humanas, infalivelmente virão os povos a recair em sua própria desgraça, de nenhum modo podendo ser perenes os lucros da mineração.”58

Em busca de soluções para retirar a capitania das Minas da suposta crise,

José Eloi Ottoni vai diametralmente contra a política de D. Maria, defendendo

abertamente o incentivo ao comércio e a indústria na colônia. Para reverter a crescente

queda na arrecadação do Quinto, o autor aconselha a Sua Majestade o fomento à criação

de empresas agrícolas e comerciais em Minas Gerais. Para José Eloi Ottoni

Os únicos meios mais poderosos de restabelecer e animar a população daquele país, e ainda mesmo fomentar o objeto da mineração, consistem somente, em se promoverem a Agricultura e o Comércio, removendo-se toda a dificuldade

57 José Eloi Ottoni. “Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas Gerais”. Op. Cit. 58 Ibid, p. 305.

46

da importação dos gêneros estranhos, e facilitando-se por conseqüência a exportação dos próprios gêneros.59

Para promover o incremento da economia de sua capitania, a saída

encontrada por José Eloi seria a adoção de duas medidas. A primeira consistia no

incentivo à navegação dos rios Doce e São Francisco. A fim de beneficiar as regiões de

Ouro Preto, Serro Frio e Minas Novas, a segunda medida apontada pelo autor consistia

na abertura de rotas alternativas em direção “às matas do leste”. Com a construção de

“estradas francas” em direção aos portos de mar, Ouro Preto deveria se interligar à da

região de Campos dos Goitacazes, no Rio de Janeiro; enquanto Serro Frio e Minas

Novas aos portos de São Mateus e Porto Seguro.60

A figura de José Eloi Ottoni foi muito importante para a formação de

Honório e Teófilo Ottoni. Em 1826, aos 19 anos, o jovem Teófilo e seu irmão Honório

foram matriculados na Academia da Marinha no Rio de Janeiro. Nesta oportunidade os

irmãos Ottoni foram morar na casa do tio, na época funcionário público radicado na

capital do Império. Acreditamos que a convivência com José Eloi influenciou os jovens

irmãos no processo de criação do projeto Mucuri, pois a estratégia que havia

desenvolvido em sua Memória... assemelha-se aos propósitos da empresa criada por

seus sobrinhos.

Antes de se aventurar na árdua empreitada de conquista dos sertões,

Teófilo Ottoni teria outras experiências na criação de vias comerciais através da

navegação à vapor. Assim, além do relatório de Renault e do manuscrito do tio, Teófilo

Ottoni teria outra oportunidade para se considerar habilitado a construir uma empresa de

comércio e navegação. Como deputado na primeira Legislatura da Assembléia

59 Idem, p. 307. 60 Idem, p. 307-309.

47

Provincial de Minas em 1835, e como deputado geral em 1841, Ottoni pôde tomar

conhecimento da emergência da ramificação das estradas em sua província.

Em 1835 figuras como Teófilo Ottoni, seu irmão Cristiano Benedito

Ottoni, Antônio Paulino Limpo de Abreu, futuro Visconde do Abaeté, e Bernardo

Pereira de Vasconcelos ocuparam seus esforços em apresentar soluções à precária

condição em que se encontravam os meios de transporte em Minas. A falta de vias de

acesso era tão patente que neste mesmo ano, em mensagem à Assembléia Provincial,

Antônio Paulino Limpo de Abreu chamou a atenção para os malefícios que a falta de

rotas comerciais geravam para a economia de Minas ao salientar que “as péssimas

estradas são a chave encantada que de muitos anos fecha os tesouros da Província,

tornando-os quase improdutivos”.61

Dessa forma, entre as discussões que se colocavam na ordem do dia para

o grupo dos primeiros legisladores provinciais estava o projeto de implementação do

plano rodoviário de Minas Gerais, cuja autoria se deve ao então deputado provincial

Bernardo Pereira de Vasconcelos. Apresentado à assembléia em 6 de fevereiro de 1835,

em menos de dois meses o projeto foi transformado na Lei Provincial de 1º de abril do

mesmo ano. A rápida tramitação da lei na assembléia provincial sugere o grau de

urgência de se estabelecer as diretrizes para a construção das estradas de rodagem em

Minas.

O Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais constituiu-se em um

projeto que almejava conectar, através da construção de estradas, as diversas partes da

província ao mesmo tempo em que se procurava interligá-las à corte. Desse modo,

estipulou-se a construção de quatro estradas que ligariam Ouro Preto às vilas e aos

arraiais dispersos ao longo da província. Dessas quatro vias deveriam se construir

61 Antônio Paulino Limpo de Abreu. Mensagem à Assembléia Legislativa de 1835. Ouro Preto. Tipografia Patrícia do Universal, 1835. p. 6.

48

ramais para interligarem as cidades e as vilas à capital da província. Também se previa a

construção de mais quatro estradas carroçáveis partindo de Ouro Preto em direção ao

extremo sul mineiro a fim de facilitar os meios de comunicação com o Rio de Janeiro.

Para facilitar o trânsito de carroças, as estradas deveriam ter

preferencialmente alinhamentos retos, leitos encascalhados e convexos, com largura de

35 palmos.62 Previa-se também a construção de faixas laterais com largura de 60 palmos

cada uma, pontes de pedra ou de madeira de lei, com largura que condicionasse o

trânsito simultâneo de dois carros.63

A Lei Provincial de 1º de abril de 1835 incentivava a participação de

capitais particulares na construção de estradas. Para tal o governo provincial concedia

uma subvenção de 6 a 7% de juros sobre o capital investido, pagos anualmente aos

empresários. Além disso, a administração pública concedia às empresas construtoras de

estradas a arrecadação dos impostos que incidiam sobre os produtos que transitassem

pelas vias por elas construídas. Para impulsionar o referido plano, foi sancionada pelo

então presidente da província, Antônio Paulino Limpo de Abreu, a Lei Provincial nº. 25,

de 2 de abril de 1835. A partir de então se iniciou em Minas a adoção de medidas mais

pragmáticas para interligar a província ao Rio de Janeiro e, por conseqüência, conectar

internamente todas as comarcas de forma mais dinâmica.

Se a experiência na assembléia provincial mineira habilitou Teófilo

Ottoni nas questões referentes ao plano rodoviário de Minas, a atuação do político na

Assembléia Geral foi igualmente importante para capacitá-lo no trato com as questões

ligadas ao desenvolvimento dos transportes no país, mais especificamente a navegação à

vapor. No discurso parlamentar proferido em 7 de julho de 1841, o deputado Teófilo

62 O Palmo era uma unidade de medida muito recorrente no Brasil. Um palmo corresponde a 0,22 m. 63Além destes melhoramentos, o Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais previa ainda a construção de chafarizes para os viajantes e bebedouros para os animais de carga; construção de passagens especiais para pedestres e viajantes nas laterais da estrada e sinalização nos cruzamentos. Cf.:PIMENTA, Dermeval José. Op. Cit. p.39.

49

Benedito Ottoni aconselhava os deputados a aprovar medidas para o fomento da

navegação à vapor a fim de facilitar a comunicação entre a capital do império e o seu

vasto litoral.64 Na mesma ocasião, Ottoni informa que apresentou à Câmara uma

emenda que autorizava o governo a abrir uma estrada que ligaria a comarca do

Jequitinhonha às comarcas de Caravelas e de Porto Seguro. No discurso de 1841, o

político mineiro salientou ainda que a província de Minas deveria se dedicar à

agricultura, e abandonar as “perigosas empresas” de mineração; para tanto, seria

necessário dotar a província de canais por onde se pudesse transpor os produtos

agrícolas de Minas para o litoral da Bahia e do Espírito Santo os seus produtos

agrícolas.65

Utilizando-se de sua excelente retórica, Ottoni argumentou na presença

do futuro Marquês de Sapucaí, Cândido José de Araújo Viana, que

O bom senso dos mineiros os tem levado a colonizar essa rica e fertilíssima mata, que se avizinha do litoral do Império, desde as margens do Paraíba, na Província do Rio de Janeiro, Comarca de Campos dos Goitacazes, até as margens do Jequitinhonha, nas províncias de Minas e Bahia.66

Nesta mesma oportunidade, Ottoni aproveitou a presença do chefe do

gabinete de 1841 e de seu ministro da Fazenda, Miguel Calmon du Pin, futuro Marquês

de Abrantes, para deixar a administração imperial informada sobre a necessidade da

expansão agrícola de Minas em direção à floresta Atlântica que a separava do litoral.

Para tal, o político liberal informou que para cultivar a vasta porção oriental da

província e estabelecer comunicações com outras províncias, os mineiros teriam que

vencer muitas dificuldades, principalmente em relação aos indígenas. Para os deputados

e ministros do Império, Teófilo Ottoni chegou afirmar que além de interessar aos

64 Teófilo Benedito Ottoni. Discursos Parlamentares. Seleção e introdução de Paulo Pinheiro Chagas. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p.223-224. 65 Ibid. 234. 66 Ibid.

50

baianos, aos cariocas e aos capixabas, a ação dos mineiros em ocupar e construir novas

vias de comércio em seu flanco oriental seria, antes de tudo, uma obra de patriotismo.

Por isso, o político liberal argumentava que os encargos dessa empreitada deveriam ter

o apoio irrestrito do Tesouro Nacional.67

Ao analisar o discurso parlamentar da sessão de 7 de julho de 1841,

observamos que Ottoni não fez nenhuma referência ao rio Mucuri, no entanto, o político

liberal já adiantava a justificativa utilizada mais tarde no opúsculo de 1847. Assim,

quando Teófilo Ottoni recebeu do irmão o relatório de Pedro Victor Renault, já sabia

que para viabilizar as comunicações entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro o caminho a

seguir seria o avanço sobre a floresta tropical do nordeste mineiro em direção ao litoral

adjacente:

Hoje, na cidade do Serro, importamos, sobre as costas de bestas do Rio de Janeiro, o sal, fazendas e louça, que podiam ir com uma viagem de 50 léguas, quando, hoje, é de mais de 100; porque é, sem dúvida, que a cidade do Serro é das povoações da província que está mais ao Leste. Do Serro ao litoral distam, talvez pouco mais de dois graus [...] Ora, parece-me que, se fôssemos auxiliados pelo governo, esta parte da província, tão interessante [...], exportaria muitos gêneros, o que hoje não pode exportar por falta de comunicação.68

Podemos notar até aqui que os planos de se criar uma companhia de

navegação e comércio não foram fruto de uma súbita idéia surgida com a leitura do

relatório de Pedro Victor Renault. A atuação de Teófilo Ottoni – ora como político, ora

como comerciante da praça do Rio de Janeiro desde a década de 1820 – lhe conferiu

experiência para dar os fundamentos necessários ao projeto de criação da futura

Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri. Dessa forma, em 1847 o político

liberal já conhecia as dificuldades de comercialização com o norte de Minas e as

possíveis soluções para dar cabo a esta situação.

67 Ibid, p. 235. 68 Ibid, p. 236.

51

No que diz respeito à ocupação das terras do vale do Mucuri, sabe-se que

não foi o projeto dos irmãos Ottoni o primeiro a tentar ocupar o referido vale. Antes do

projeto de Honório e Teófilo Ottoni, figuras como o coronel Bento Lourenço Vaz de

Abreu e Lima em 1816; Francisco Teixeira Guedes, em 1829; o próprio engenheiro

Pedro Victor Renault, em 1836; e o 1º Tenente da armada nacional de Hermenegildo

Antônio Barbosa de Almeida, em 1845, empreenderam expedições para verificar as

possibilidades de se estruturar a efetiva conquista e colonização daquele território.

Conhecedores destas expedições, os irmãos Ottoni procuraram incorporar ao texto de

1847 os relatórios produzidos pelos chefes das duas últimas. Neste sentido, os autores

de Condições para a Incorporação... utilizaram-se estrategicamente os relatos

produzidos sobre as características da região da bacia do Mucuri a fim de conferir status

de veracidade aos dados apresentados ao público, pois das 51 páginas que compõem o

livreto, boa parte foram ocupadas por relatórios e documentos relativos à ocupação do

vale do Mucuri.

A importância dos relatórios de Renault e de Hermenegildo de Almeida foi

bastante substancial para a construção dos argumentos veiculados nas Condições de

Incorporação...Ao se referir aos relatórios acima, os irmãos Ottoni argumentam que

[...] ambas estas peças tem sido impressas diversas vezes e ainda este ano [1847] foram com razão admitidas nas colunas do jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Com os dados que colhemos nestas e n’outras fontes, solicitamos ser autorizados para a incorporação de uma companhia; e quando requeremos nos foi liberalmente e sem menor restrição concedido pelo poder imperial e corpo legislativo geral, pela assembléia e governo provincial de Minas Gerais.69

69 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p. 36.

52

Como podemos observar, a partir dos dados extraídos dos relatos de

expedições ao interior do vale do rio Mucuri70 e da própria experiência dos moradores

das comarcas do norte e nordeste de Minas, os irmãos Ottoni começaram a arquitetar os

planos para a fundação de uma companhia de comércio no vale do Mucuri. Segundo os

autores do livreto de 1847, a comunicação entre as comarcas do Serro Frio e do

Jequitinhonha com a capital do Império em vez de serem feitas por péssimos caminhos,

através de tantas cordilheiras, com muito mais vantagens se efetuariam caminhando

diretamente para o litoral.71

A intensa atividade de homens como Honório e Teófilo Ottoni na capital

do Império, portanto, impulsionou a criação de empreendimentos em todo o país. De

acordo com Valdei Lopes de Araujo a ação de homens como os irmãos Honório e

Teófilo Ottoni no Rio de Janeiro pretendiam

[...] não só conquistar um lugar na sedutora “Babilônia”, mas também afirmar os interesses econômicos e políticos de suas regiões, objetivos claramente associados visto que na maioria das vezes a conquista de posição passava pelo fortalecimento de suas bases originais e vice-versa.72

Este aspecto observado por Araujo, começou a se formar no princípio do século XIX, na

ocasião da transmigração da corte bragantina, conforme já foi explicitado na importante

obra de Alcir Lenharo.73 Seja pelo aumento da demanda interna, seja pela crescente

70 Constam como apêndice da obra Condições para a Incorporação... seis documentos utilizados pelos irmãos Ottoni para adensar os argumentos sobre a relevância da Companhia do Mucuri. Os documentos são assinados por Silvério José da Costa, presidente da câmara de Vila de Minas Novas (16/11/1834); Francisco Teixeira Guedes (18/11/1834); Carta do presidente e vereadores da Câmara Municipal de Gravatá (10/11/1834); João Alves Araújo, Tenente-Coronel do 1º Batalhão da Guarda Nacional (18/11/1834); Pedro Victor Renault (02/04/1847); Victorio Rodrigues e Vital José da Silva, respectivo presidente e secretário da Câmara da vila de São José do Porto Alegre, província da Bahia (11/09/1847) e do próprio Teófilo Ottoni (22/09/1847) 71 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p.4. 72 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Op. Cit. p.29. 73 Alcir Lenharo. As Tropas da Moderação. São Paulo: Símbolo, 1979. (Coleção Ensaio e Memória, 21).

53

necessidade de víveres para abastecer a Corte, nota-se uma aceleração constante das

atividades agrícolas em Minas, sobretudo na região centro-sul da capitania/província.

Com a expansão e a diversificação da economia mineira ao longo do

século XIX, os interesses de grupos ligados ao comércio de abastecimento,

principalmente do centro-sul, passaram a se fazer presentes na capital do Império.

Conforme se dava a expansão e a diversificação das atividades econômicas, verificava-

se paulatinamente a dilatação das esferas de influência dos comerciantes ligados às

atividades de abastecimento na “seara” política do Império.

De acordo com Alcir Lenharo,

O comércio de abastecimento e a fixação de interesses na Corte é que viabilizaram a projeção de seus representantes políticos. Ganhando o mercado, os políticos do abastecimento começaram também a ganhar notoriedade a partir da experiência parlamentar de 1826. Enfrentaram um sistema político fechado, fundamentado sob um regime elitista de nobilitação e selecionada distribuição dos principais cargos administrativos.74

Na acepção de Lenharo, o ofício ligado à propriedade rural e aos negócios

também engendrava práticas políticas, uma vez que para os padrões da época, apenas os

proprietários tinham direitos políticos – além, é claro, de ser o campo da política o

espaço para se realizar os melhores negócios. Dessa maneira, a pressão que procedia do

interior, ao que tudo indica, agia de modo considerável sobre a praça mercantil carioca.

Esta “pressão” fez eclodir uma disputa pelo mercado que se espraiou em discussões no

Senado e na Câmara do Império. O aumento da influência desses setores emergentes foi

tamanho que desde o princípio do oitocentos, comerciantes portugueses e de setores

74 Alcir Lenharo. Op Cit. p. 88. passim. (Coleção Ensaio e Memória, 21).

54

tradicionalmente instalados na corte passaram a desferir ataques serrados aos

empresários “intermediários” que se instalavam na praça comercial carioca. 75

Ao que parece, a pressão empreendida por parte dos setores tradicionais –

comerciantes portugueses e ingleses – não surtiu efeito, pois os setores comerciais

ligados ao abastecimento só aglutinaram cada vez mais força econômica ao longo do

século XIX. Se no princípio do oitocentos os comerciantes “emergentes” dominavam a

produção e a distribuição dos bens de consumo, o próximo passo seria a tentativa de

dominar as vias de escoamento desses produtos. Como veremos no capítulo 2, a partir

de meados do século XIX, os setores que emergiram no cenário político e econômico

nacional atuaram intensamente em diversos projetos ligados à criação de empresas de

transportes de bens e mercadorias. De certo modo, estes personagens pretendiam ter o

controle das rotas de abastecimento, e, por isso, investiram nestes empreendimentos

vultuosas somas em projetos de construção de estradas carroçáveis, de navegação à

vapor e ferroviária. Foi neste contexto que surgiram empresas como a Companhia

Brasileira do Rio Doce, a Companhia União & Indústria, organizada por Mariano

Procópio Ferreira Lage, a Companhia de Navegação à Vapor Bahiana; a Companhia

Oeste de Minas; e a Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri, dirigida por

Teófilo Benedito Ottoni.

A concretização destes novos empreendimentos corrobora com a

proposição de Alcir Lenharo, pois para este autor “a expansão do fluxo de comércio

angariou para os proprietários, comerciantes e tropeiros do interior uma crescente

influência política na corte”.76 Neste sentido, a ação dos irmãos Ottoni configurava-se

em mais uma tentativa das elites regionais mineiras em projetar-se na “sedutora

babilônia”, em vistas a conquista de êxito financeiro e/ou político. 75 Idem, p. 27. passim. 76 Ibid, p. 27.

55

Por observar in loco os benefícios do êxito econômico e político dos

empresários da região centro-sul de Minas Gerais, os irmãos Ottoni pretendiam

expandir este modelo para a sua região de origem, o norte da província. Resta-nos saber,

por ora, quais as estratégias utilizadas por Honório e Teófilo Ottoni para convencer

governo e os empresários a investirem recursos em uma empresa que possuía como

meta a aplicação de capitais em uma das regiões mais remotas e incógnitas de todo o

centro-sul do Brasil.

III – A incorporação da empresa

Para angariar o apoio da administração pública e dos investidores no

processo de incorporação da empresa, os irmãos Honório e Teófilo Ottoni procuraram

expor em sua obra todos os benefícios em se investir na futura Companhia de

Navegação e Comércio do Mucuri. Para tal, foram apresentados aos leitores dados

econômicos, sociais e corográficos sobre a região que abarcaria a empresa do Mucuri.

Para apresentar os dados corográficos, os irmãos Ottoni recorreram às

obras: Viagem pelo Brasil de Spix e Martius; Dicionário Topográfico do Império do

Brasil, do senador José Saturnino da Costa; e Pluto Brasiliensis, de W. L von

Eschwege. Após esboçarem as características topográficas da região do Mucuri os

irmãos Ottoni se questionaram sobre duas questões cruciais para o futuro

empreendimento:

O problema da mudança das vias de comunicação do norte de Minas Gerais fica, à vista do exposto, dependente da solução que possam ter duas seguintes questões:

1º Poderão estabelecer-se fáceis e cômodas vias de comunicação das comarcas do Serro Frio e Jequitinhonha na província de Minas para o Litoral, que lhes fica na mesma latitude?

2º Haverá nesse litoral ancoradouros e portos, dos quais possa estabelecer uma linha de navegação desembaraçada para o Rio de Janeiro?77

77 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p. 04.

56

A este respeito os irmãos Ottoni responderam prontamente que sim. Em

seguida, os autores procuraram argumentar quais eram as causas que levaram a região

do Mucuri a ser tão pouco explorada pelos colonizadores. Segundo os irmãos Ottoni, a

falta de vias entre Minas e o litoral da Bahia e do Espírito Santo se deve principalmente

a dois fatores. O primeiro diz respeito à atividade econômica desenvolvida em Minas.

De acordo com os Ottoni, a atividade mineratória “apinhou” os mineiros nas serras

centrais, dificultando, assim, o interesse em abrir rotas em direção ao leste.

Posteriormente, quando os mineiros passaram a ocupar-se da agricultura, as “preciosas

matas” do leste passaram a interessar agricultores e fazendeiros. No entanto, os

caminhos continuavam fechados por conta dos constantes ataques dos índios botocudos.

Com isso, os irmãos Ottoni demonstraram que seria viável estabelecer vias

de comunicação entre o norte de Minas e o oceano. Para dar maiores provas da

importância de se estabelecer novas vias de comunicação a partir do chamado sertão do

Leste, os irmãos Ottoni extraíram do relatório provincial de 1847 – produzido pelo

presidente Quintiliano José da Silva – as informações necessárias para a construção das

vias de acesso no vale do Mucuri. Neste documento, o presidente de província qualifica

a região do Mucuri como sendo uma das mais promissoras para se comunicar com o

litoral.

Em todo sistema fluvial de Minas é o rio Mucuri um daqueles que no presente oferece as maiores vantagens, não só por sua fácil navegação como pela fertilidade de suas matas e pela salubridade do seu clima. Convencido do quanto convém aproveitar todos os elementos de prosperidade e vendo o estado de decadência em que por falta de meios de exportação se acha a importante comarca do Jequitinhonha, julguei conveniente dar o possível impulso à navegação do Mucuri, tão desejada pelos habitantes daquela comarca, mas em grande parte embaraçada pelos receios que lhes tem inspirado a ferocidade dos índios Giporocas, que em grande multidão habitam aqueles sertões.78

78 Quintiliano José da Silva. Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na sessão ordinária de 1847. Ouro Preto: Tip. Imparcial de B. X. Pinto de Sousa, 1847. p. 45-46.

57

No texto produzido pelos irmãos Ottoni, a imagem produzida sobre o vale

do Mucuri não se afasta das posições emitidas por Pedro Victor Renault, Hermenegildo

José de Almeida e Quintiliano José da Silva. Dessa forma, a região do Mucuri muitas

vezes foi apresentada de forma hiperbólica. Ao potencializar ou diminuir o peso dos

fatores que caracterizavam o Mucuri, os irmãos Ottoni se utilizaram da retórica para

convencer o maior número de leitores.

Nos artigos publicados no Jornal do Comércio durante a década de 1850,

Teófilo Ottoni apresentou o vale do rio Mucuri como um manancial de “imensas,

incalculáveis”. A este respeito, riquezas: “admira como, tão diante dos olhos, escapasse

ele aos descobridores do Brasil, e até bem pouco a nós mesmos”.79

Surpreendentemente, Teófilo Ottoni recorreu à história da colonização

portuguesa para explicar as raízes do abandono daquelas “preciosas matas”. Assim

como o fez Domingo Sarmiento em Facundo,80 o político liberal brasileiro encontra nas

raízes coloniais as causas do não aproveitamento das terras no país. Com isso, para

Teófilo Ottoni a causa do abandono da região do vale do Mucuri encontra-se na

administração manuelina. Segundo Ottoni, ao ficar “fascinado” com as conquistas da

Ásia, el-rei D. Manuel não pôde dar a devida importância à descoberta do Brasil. Assim

sendo, a deficiência administrativa seiscentista teria legado a sorte da região do Mucuri

ao completo esquecimento e ao abandono por séculos.81 Para Teófilo Ottoni, se a região

que se estende de Porto Seguro ao vale do Mucuri não fosse abandonada, poderia

sozinha ter produzido um volume incalculável de riquezas para o país.

79 Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Rio de Janeiro: Tipografia. Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1856. p. 29. In: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri. Op. Cit. 80 Domingo Faustino Sarmiento. Op. Cit. p. 52-53. 81 Idem, p. 25

58

Sobre esta região, a obra publicada em 1847 pelos irmãos Ottoni traz

relatos generosos ao informar que o solo do Mucuri possuía uma “pasmosa” fertilidade.

De acordo com os autores, as plantações experimentadas na borda litorânea do vale

apresentavam um “viço pouco habitual”, se comparadas com outras regiões. Ao darem

exemplos desta fertilidade, Honório e Teófilo Ottoni ressaltaram que das plantações do

vale do Mucuri conseguiu-se produzir de apenas sete pés de mandioca um alqueire82 de

farinha, e que na localidade da Coroa do Liberto, após três anos de plantio, um tal

Francisco Gama teria conseguido colher de três mil pés de café a volumosa quantia de

250 arrobas do produto. As informações sobre a fertilidade atingem tal nível de

detalhamento que os irmãos Ottoni inusitadamente chegaram a relatar que é comum na

região do vale do Mucuri se extrair quatrocentos grãos de milho de uma única espiga.83

Como se percebe, os irmãos Ottoni muniram-se de vários argumentos para

favorecer o projeto de incorporação da Companhia do Mucuri. Se nos relatos anteriores

a 1837 eram as riquezas minerais que figuravam no discurso dos aventureiros, no

projeto de Honório e Teófilo Ottoni seria a agricultura e não a mineração o norte

econômico da região. A importância da atividade agrícola é tal que os autores chegaram

a afirmar que “é a agricultura, e só a agricultura que oferece no Mucuri o prospecto de

futura prosperidade”.84 E advertem àqueles que devassam os sertões à procura de

riquezas minerais:

[...] e para evitar decepções, julgam os empresários de seu dever declarar, a vista de numerosas investigações a que tem procedido, que são destituídas de fundamento essas relações misteriosas que anunciam riquezas minerais naqueles sertões, sendo sua opinião que, se alguém emigrar para o Mucuri com vistas na mineração, cedo lhe virá, e caro lhe custará o arrependimento.85

82 O alqueire é uma antiga unidade de medida de capacidade para secos, equivalente a quatro quartas, ou seja, 36,27 litros. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1996. p. 91. 83 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p. 10 84 Ibid. p. 11. (grifos nosso) 85 A posição dos irmãos Ottoni contrasta com a atividade econômica que se destaca na região do Mucuri. Atualmente, a cidade de Teófilo Otoni (antiga Filadélfia) é reconhecida como maior centro lapidário do

59

Podemos observar no fragmento acima a preocupação dos irmãos Ottoni

em afastar da região do Mucuri legiões de aventureiros que vagavam por toda província

à procura de ouro ou de pedras preciosas. Para muitos políticos do período aqui

analisado, devido às necessidades do país, as terras agricultáveis não poderiam ser

destinadas à mineração. Estudos têm demonstrado que em meados do Oitocentos,

enquanto os Estados Unidos e a Europa experimentavam uma crescente atividade

industrial, o Brasil observava uma crise de abastecimento e de carestia de gêneros

agrícolas. Com isso, as camadas intelectualmente dominantes se mobilizaram em busca

de uma solução para os problemas fundamentais do país. É neste contexto, segundo os

estudiosos do assunto, que surgiu a construção liberal da “vocação agrícola do Brasil”.86

Desse modo “ a agricultura passou a ser o ponto básico do pensamento liberal brasileiro,

que propunha a participação estrangeira e a limitação da ação estatal na economia do

país”.87

É importante destacar que esta posição tomada por muitos políticos

brasileiros do século XIX se deve também à difusão do pensamento fisiocrático no país.

Dessa forma, não foi gratuita a descrição sobre os benefícios da agricultura em

detrimento da mineração. De acordo com Valdei Lopes de Araujo o modelo proposto

por Teófilo Ottoni no processo de incorporação da Companhia do Mucuri foi

claramente agro-exportador. De acordo com Araujo, ao optar pela agricultura, observa-

se no projeto dos irmãos Ottoni uma nítida influência de Thomas Jefferson, sabidamente

agrarista.88

Brasil e um dos principais centros de comércio gemológicos do mundo. A região conta ainda com cerca de 3 mil oficinas ligadas ao comércio minenal, que envolve, atualmente, cerca de 200 mil pessoas. Idem. (grifo dos autores) 86 Maria Yeda Linhares & Francisco Carlos Teixeira da Silva. História da Agricultura Brasileira: combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 16. 87 Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, Op. Cit. p. 162. 88 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Op. Cit. p. 57.

60

No que tange a atração de investidores para a empresa, não bastava apenas

descrever de forma favorável as condições do clima, do solo e da navegação no rio

Mucuri. Habitada por tribos hostis aos colonizadores, o vale do Mucuri não poderia ser

ocupado sem o consentimento da população indígena que habitava a região. Os

botocudos que habitavam as selvas do Mucuri eram caracterizados pela hostilidade aos

exploradores e além disso, provocavam o horror na população brasileira, pois estes

acreditavam que aqueles praticavam a “atroz” antropofagia. Os relatórios do engenheiro

Pedro Victor Renault de 1837 e o de Quintiliano José da Silva, de1847, demonstraram

que o maior embaraço para os empreendedores da navegação do Mucuri eram os

botocudos que “infestavam” a região. Contudo, os irmãos Ottoni procuraram minimizar

o perigo representado pelos índios ao afirmar que

[...] estes desgraçados, reduzidos a um número insignificante, nenhum mal podem fazer: mais numerosos fossem eles e poderiam servir de auxílio, não de embaraço. O que sobre os selvagens do Mucuri dizem os historiadores seria verdadeiro em outras eras, mas não atualmente.89

Em ofício encaminhado à Câmara de São José do Porto Alegre, Teófilo

Ottoni utilizava-se do mesmo argumento ao se referir à suposta ferocidade dos nativos

do Mucuri:

Vim reconhecer por mim mesmo que a suposta ferocidade dos selvagens habitadores das margens do Mucuri, que era proverbial mesmo entre os historiadores e geógrafos, não passa de uma quimera. Por esse lado nenhuma dificuldade se me antolha para a empresa em projeto, pois que depois de sisudo exame, me tenho convencido de que os míseros selvagens aqui, como em muitos pontos do Brasil, carecem antes de proteção do que de repressão.90

De acordo com o fragmento acima, o que afirmavam os historiadores e

geógrafos sobre os índios do Mucuri não poderia ser mais a regra, pois os nativos não 89 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni, Op. Cit. p.12 90 OFÍCIO encaminhado por Teófilo Benedito Ottoni aos Srs. Presidentes e mais vereadores da Câmara Municipal de São José do Porto Alegre. Mucuri, 22 de setembro de 1847. Apud. Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni, Op. Cit. p. 39.

61

representavam mais nenhum entrave à exploração das terras; pelo contrário, poderiam

servir inclusive para os planos da companhia ao se entregarem à agricultura,

abandonando o estado de selvageria e abraçar a civilização.

Uma vez “resolvida” a questão lidada à problemática indígena, os irmãos

Ottoni apresentaram aos leitores algumas condições de acesso ao norte mineiro e a sua

respectiva transformação com a abertura de uma rota alternativa proposta pela

Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri.

De acordo com Honório e Teófilo Ottoni ao invés dos produtos

comprados e exportados pelas comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha percorrem o

longo caminho de “más estradas” que se dilatavam em 160 léguas (cerca de1056

quilômetros) cujo tempo poderia se estender em até 130 dias, a empresa do Mucuri

poderia garantir aos comerciantes e às casas comerciais o transporte de gêneros de

forma muito mais econômica e eficiente.

No projeto da empresa do Mucuri os produtos comercializados pelas

comarcas do norte da província seriam transportados através das rotas de navegação de

cabotagem e fluvial e por estradas de rodagem. Assim, do Rio de Janeiro à região de

Minas Novas, de Serro e de Diamantina, as mercadorias seriam embarcadas em navios à

vapor, cujo itinerário incluiria Vitória e São José do Porto Alegre, foz do rio Mucuri.

Da vila de São José do Porto Alegre, o vapor penetraria no continente através da

navegação do rio Mucuri até a localidade mineira de Santa Clara, lugar onde a

navegação seria interrompida pela presença de uma cachoeira. De Santa Clara os

produtos seguiriam por terra através de estradas carroçáveis até a região de Minas

Novas, que ficava cerca de 40 léguas de Santa Clara.

Se pelo caminho tradicional percorrer-se-ia, por terra, cerca de160 légua,

pela via que se aventava formar seria possível conectar o interior de Minas Gerais ao

62

oceano perfazendo um percurso de apenas 40 léguas. Além da economia de tempo a

empresa do Mucuri também prometia uma drástica redução nos gastos com o transporte

de mercadorias. De acordo com os irmãos Ottoni, pagava-se cerca de 4 (4$000) a 5 réis

(5$000) por arroba de produto transportado do Rio de Janeiro até Minas Novas pela

estrada que ligava Diamantina ao porto da Estrela. Contudo, se a mesma mercadoria

fosse transportada conforme o estipulado pelos idealizadores da Companhia do Mucuri,

o valor dispendido com os transportes se reduziria a ¼ do valor usualmente praticado.

Assim sendo, ao invés de 4$000 a 5$000 réis por arroba, os comerciantes e tropeiros

que destinassem seus produtos para as vias de acesso criadas pela empresa do Mucuri,

pagariam apenas 1$600 réis por arroba. Com tais números, os gastos com os transportes

seriam vertiginosamente reduzidos em cerca de 400 %.91

Além de se munir de informações contidas em relatórios e em documentos

oficiais, o próprio Teófilo Ottoni procurou conhecer in loco as características do vale do

rio Mucuri. Com isso, o político liberal pretendia dar maior legitimidade às informações

no livro que lançou em 1847. No ofício de 22 de setembro encaminhado à Câmara de

São José do Porto Alegre, Ottoni revela a necessidade de oferecer aos futuros sócios

informações mais concretas sobre a região que pretendia instalar a Companhia:

[...] para obter essas informações seguras de que pudéssemos ser garante, deliberei vir eu pessoalmente ao rio Mucuri, e convidei a diversos amigos residentes no Município de Minas Novas, os quais desejavam associar-se a esta empresa, a fim de que também viessem por si examinar o rio e conferenciar comigo na cachoeira de Santa Clara.92

A expedição chefiada por Teófilo Ottoni partiu do Rio de Janeiro no dia 4

de setembro de 1847. A bordo do vapor Princesa Imperial, um grupo composto por 18

91 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni, Op. Cit. p. 14-15. 92 Ofício encaminhado por Teófilo Benedito Ottoni aos Srs. Presidentes e mais vereadores da Câmara Municipal de São José do Porto Alegre. Mucuri, 22 de setembro de 1847. Apud. Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni, Op. Cit. p. 37. passim.

63

negociantes partiram em direção ao interior da floresta tropical, onde encontrariam a

expedição de Minas Novas que partira para o interior do vale do Mucuri no dia 7 de

setembro. Esta segunda expedição, composta ao todo por 28 pessoas, foi liderada pelos

fazendeiros Pedro Viera Ottoni, Manoel Joaquim da Silva, João Furtado de Mendonça,

Feliciano Lopes da Silva e Manoel José de Carvalho. O suporte militar da expedição

ficou a cargo das tropas de soldados pedestres do Jequitinhonha, lideradas pelo tenente

Joaquim Martins Fagundes. O grupo de Minas Novas contava ainda com o engenheiro

João Rodrigues Silva, responsável por arquitetar a planta do rio Mucuri.

Ao se encontrarem na região conhecida como Coroa dos Muris no dia 18

de setembro, ambas as expedições concluíram que o rio Mucuri se prestava para a

navegação fluvial e que sua barra possui ancoradouro “seguro e abrigado” para mais de

200 embarcações.93

Quando Teófilo Ottoni arquitetou as expedições em direção ao interior do

vale do rio Mucuri, o político liberal e seu irmão Honório Benedito Ottoni já haviam

garantido as subvenções, monopólios e privilégios do governo provincial e geral para a

incorporação da Companhia do Mucuri. Conforme a legislação vigente, a negociação

dos empresários mineiros com a administração pública consistia na conquista da

aprovação de leis por parte da assembléia provincial quanto por parte da Câmara dos

deputados e do senado do império. Assim, para obter os monopólios das estradas, a

negociação deveria ser articulada com a administração provincial; já para adquirir os

privilégios da navegação interprovincial e através do litoral, os contratos deveriam

passar pela chancela do governo central.

Em agosto de 1847 foi realizado o contrato com o governo provincial

mineiro. A proposta de ocupação do vale do Mucuri por parte da empresa organizada

93 Ibid, p. 38.

64

pelos irmãos Ottoni fazia eco à política administrativa provincial de Minas Gerais. Nos

relatórios da presidência da província é recorrente o chamado de atenção dos deputados

provinciais sobre a necessidade de se criarem novas vias de acesso em direção ao litoral

adjacente.

Aquém a influência política de Teófilo Ottoni, um outro fator iria somar

créditos para a concessão do auxílio do governo provincial mineiro à Companhia do

Mucuri, pois o ano de 1843 assistiu ao fracasso da já mencionada Companhia Brasileira

de Navegação e Colonização do Rio Doce. Uma vez extinta esta empresa, ficou ao

encargo da Companhia do Mucuri a empreitada de “tornar marítimo” o interior da

província. Desse modo, a administração de Quintiliano José da Silva deu continuidade

aos esforços de ocupar o vale do Mucuri, ao aprovar a Lei Provincial nº. 332 de 19 de

agosto de 1847.

Como benefícios, a província concedeu os monopólios sobre os impostos

de passagem nas estradas que a empresa prometera construir. Além disso, o governo

provincial mineiro se comprometeu a subvencionar a compra de ¼ das ações de

mercado a serem emitidas pela Companhia do Mucuri.

A prontidão dos auxílios à empresa do Mucuri se deu, em parte, devido à

crença difundida de que o nordeste mineiro seria a solução para alavancar a economia

do norte da província. Era essa a tese defendida pela elite do norte mineiro. Diretamente

interessados em expandir suas fortunas para os sertões do vale do Mucuri, a elite

regional das Comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha atuaria como importante

suporte para o projeto dos irmãos Ottoni. Um exemplo inequívoco desse auxílio se

65

encontra no Relatório da Presidência da Província de 1848 durante o governo do

político liberal Bernardino José Queiroga.94

Em seu relatório, Queiroga defendia a tese de que as estradas a serem

construídas pela Companhia do Mucuri

[...] se forem levado a efeito, como se espera, deve mudar a face de todo norte da Província. Na verdade, se se oferecer, como parece provável, às Comarcas do Norte um meio fácil de transporte para os seus inúmeros produtos para o litoral, o comércio, a população e todos os bens sociais substituirão ao estado inativo, e pouco próspero que ora se acham.95

O projeto da Companhia do Mucuri, portanto, foi favorecido pelo

presidente de província por se prestar aos interesses da elite regional das comarcas do

norte e nordeste de Minas. No âmbito das negociações com o governo imperial, Teófilo

Ottoni também recorreria à sua influência política para ajustar o seu projeto colonizador

junto à administração do Gabinete que havia subido ao poder em 22 de maio de 1847.

Esta gestão ministerial destacou-se pelo apoio concedido a empreendimentos ligados à

iniciativa privada, através da liberação de subvenções e privilégios nos ramos da

colonização e criação de companhias de comércio.

Ao ocupar o posto de primeiro presidente do Conselho de Ministros96 –

cargo criado em 1847 pelo Imperador – Manuel Alves Branco, futuro Visconde de

Caravelas97, foi peça fundamental para a o êxito na conquista do apoio político ao

94 Amigo de Teófilo Ottoni, Queiroga era filho de uma poderosa família de fazendeiros instalados próximos à sede da Comarca do Serro Frio. O referido presidente de província nasceu em 1800, na então Vila do Príncipe. Bernardino José Queiroga traçou sua carreira política nos moldes apresentados por José Murilo de Carvalho em sua definição sobre a elite política do Brasil imperial. Foi vereador, deputado provincial, geral e presidente da província de Minas em 1848, quando pôde chamar a atenção da assembléia provincial para a importância de apoiar os projetos viários da Companhia do Mucuri. 95 Bernardino José de Queiroga Júnior. Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais... 1848. p. 14. 96 Segundo José Murilo de Carvalho, com a criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros, o imperador limitou-se a escolher apenas o presidente do Conselho, que, por sua vez, escolhia seus auxiliares em consultas com o chefe do governo. José Murilo de Carvalho. A Construção da Ordem. Op. Cit., p. 47. 97 Manoel Alves Branco, segundo Visconde de Caravelas, era filho de João Alves Branco e de Dona Ana Joaquina Silvestre Branco, nasceu em Salvador em 7 de junho de 1797. O jovem Manoel Alves Branco iniciou a sua carreira acadêmica dedicando-se aos estudos das ciências naturais e matemáticas,

66

projeto da Companhia do Mucuri. Assim, o contrato entre Alves Branco e os

idealizadores da empresa do Mucuri foi articulado em 31 de maio de 1847.

Segundo o próprio Teófilo Ottoni, os privilégios concedidos pelo governo

imperial foram amplos.98 Entre as concessões podemos destacar o exclusivo da

navegação à vapor entre os portos de São José, Salvador e Rio de Janeiro; a

exclusividade da navegação no rio Mucuri e seus afluentes, com exceção apenas das

canoas de pescaria ou de gêneros da lavoura do próprio dono; o direito de marcar fretes

do Rio de Janeiro para Santa Clara a um valor máximo de dois réis e meio (2$500) por

arroba; o direito de cobrar do governo imperial todo valor investido após o vencimento

dos 40 anos de concessão feitos à Companhia do Mucuri, ou a prorrogação de todos os

privilégios por mais 40 anos. Além disso, a administração imperial concedeu à empresa

do Mucuri dez léguas em quadra de terras para a colonização. Para tal, a direção da

Companhia obrigava-se a introduzir 60 casais de colonos em cada légua de terra

concedidas à empresa em um espaço de 10 anos.99

Embora os idealizadores da Companhia do Mucuri tivessem obtido os

privilégios e os monopólios necessários junto ao Gabinete de 22 de maio, a decisão

final, conforme estabelecido em lei, deveria passar pelo crivo das duas casas legislativas

do Império.

abandonando para ingressar no curso de direito da Universidade de Coimbra. Ao retornar ao Brasil, foi nomeado Juiz de Fora de Santo Amaro da Purificação, Bahia, de onde fora removido para o Rio de Janeiro. Na corte, Manoel Alves Branco foi deputado geral, senador, ministro das pastas da Justiça, dos Estrangeiros, do Império e da Fazenda, esta última ocupada por quatro vezes. Também foi convocado pelo imperador a ocupar a cadeira de presidente do Conselho de Ministro, criada pelo decreto nº 523 de 20 de julho de 1847. Pelos serviços prestados à coroa, Foi agraciado pelo imperador com o oficialato da Ordem do Cruzeiro. Político de destaque em seu período Manuel Alves Branco faleceu em Niterói em 13 de julho de 1855. Cf.: Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883. p.7-9. 98Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1856. p. 31. In.: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007. 99 Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Condições para Incorporação de uma Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri...Op. Cit. p. 44-45.

67

Na câmara, de acordo com o disposto nas notícias veiculadas no Jornal do

Comércio, a discussão em torno do contrato teve aprovação unânime. Como era o vice-

presidente da Casa, e “um dos mais fortes e decididos chefes do partido que

predominava no país”, Teófilo Benedito Ottoni pôde intervir de forma direta na

aprovação do contrato celebrado com o Gabinete Alves Branco.100 Além disso, Ottoni

também obteve o apoio do presidente da Casa, o político liberal da cidade de Mariana

José Pedro de Carvalho.

Se na câmara Teófilo Ottoni pôde influenciar de forma mais direta na

aprovação do contrato, no senado o mesmo não ocorreu com a mesma celeridade, pois o

senador e conselheiro de Estado Bernardo Pereira de Vasconcelos fez rígida oposição ao

processo de ratificação do contrato entre os empresários da Companhia do Mucuri e do

Gabinete do Império.

Contrário aos monopólios garantidos pela empresa do político liberal, no

dia 09 de agosto de 1847 o conservador Bernardo Pereira de Vasconcelos recorreu às

páginas do Jornal do Comércio para expressar as suas objeções ao contrato celebrado

entre o Gabinete de 22 de maio e os idealizadores da empresa do Mucuri. Na

documentação consultada não foi possível inferir se Vasconcellos se opunha ao projeto

Mucuri por motivações políticas ou materiais, o fato é que o Conselheiro de Estado

concebia que o contrato celebrado com o governo central não havia sido

convenientemente estudado pelo governo, que concedeu privilégios “extraordinários” à

empresa do Mucuri. O senador mineiro também se queixava de que nenhuma utilidade

poderia se tirar de uma companhia de navegação que pretendia se lançar em terrenos

incultos e ocupados pelo gentio. Vasconcelos ressaltava ainda que o contrato concedido

à Companhia do Mucuri incorria no perigo de fazer com que muitas pessoas fossem

100Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit., p. 32.

68

procurar naquela região riquezas minerais – estas pessoas, portanto, corriam o risco de

abandonar sua indústria e encontrar naquelas terras miséria ao invés de opulência.101

Ottoni afirmava que a posição de Vasconcelos poderia atravancar as negociações com o

senado. Para o político liberal, seria indubitável que se “o distinto estadista e hábil

parlamentar” quisesse embaraçar a discussão não lhe faltariam os meios, que sempre

tinha de sobra nas ocasiões que julgava oportunas para empregá-los.102 De acordo com

Teófilo Ottoni, graças à intervenção de Pedro Araújo Lima, à época Visconde de

Olinda, os debates sobre as concessões à Companhia do Mucuri se viram

desembaraçados. Com isso, a Casa aprovou a resolução anteriormente apreciada pela

Câmara dos deputados. A Companhia do Mucuri, por fim, estava legalmente

incorporada.

Como observamos até aqui, o processo de conquista de apoio político para

a criação da Companhia do Mucuri se deu de forma complexa. O caminho trilhado foi

demonstrar através da imprensa a viabilidade da empresa. Para conseguir apoio à

incorporação da empresa, Teófilo Ottoni procurou aglutinar o apoio de sócios privados

e da administração pública. Dessa forma, o texto publicado em 1847 visava dar mostras

da viabilidade do projeto ao argumentar que o mesmo era um bom negócio além de ser

um esforço patriótico e necessário.103

Contudo, o êxito em captar as concessões governamentais não passaria de

forma ilesa. O entrave observado na posição de Bernardo Pereira de Vasconcelos seria

apenas o prelúdio da intensa trama política que a Companhia de Comércio e Navegação

do Mucuri viria experimentar na década de 1850, como veremos a seguir.

101 Ibid, p. 33 102 Ibid, p.32. 103 Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais; Arquivo Público Mineiro. 2007, p. 19.

69

Capítulo 2 - A Companhia do Mucuri e a Dialética da Colonização

I – O fim do Qüinqüênio Liberal e os seus reflexos na Companhia do Mucuri

Conforme observamos no capítulo anterior, a concretização do projeto da

Companhia do Mucuri, em meados do século XIX, foi marcada por um tortuoso

processo de captação de recursos de diversos setores da sociedade brasileira.

Amplamente divulgado na imprensa do Rio de Janeiro, o projeto arquitetado pelos

irmãos Ottoni captou o apoio de políticos e de fazendeiros da região de Minas Novas,

de Diamantina e do Serro, do Governo provincial mineiro e de políticos e

empreendedores da corte. Este triplo apoio possibilitou à Companhia do Mucuri a

conquista de privilégios, de isenções e de monopólios sobre boa parte do nordeste da

província de Minas. Além disso, a empresa possuía o monopólio de navegação fluvial

do extremo sul da Bahia e o exclusivo da navegação de cabotagem entre o sul dessa

província e o Rio de Janeiro.

Gozando de prestígios políticos, no chamado Qüinqüênio Liberal (1844-

1848), Teófilo Ottoni pôde influenciar politicamente nas concessões oferecidas pelo

governo central e provincial à Companhia do Mucuri. Contudo, meses após ter

conseguido as isenções e os monopólios, a sorte da Companhia do Mucuri ficaria a

cargo das significativas mudanças políticas em curso naquele momento. Em 29 de

setembro de 1848, ocorreu mais uma reviravolta no cenário político nacional –

patrocinada, em parte, pelo próprio Poder Moderador. A falta de articulação política dos

liberais exigia uma nova mudança na Cabeça do Governo – aqui usando uma expressão

cunhada por José Murilo de Carvalho104 – era o fim do chamado Qüinqüênio Liberal.

104 Sobre o Conselho de Estado, Cf.: José Murilo de Carvalho. A Construção da Ordem e o Teatro de Sombras. Rio de Janeiro, Eduufrj; Relume Dumará, 1996. p. 327-358.

70

Devido à falta de unidade e de divergências regionais, as grandes teses

liberais da reforma da Guarda Nacional; a questão das chamadas incompatibilidades dos

magistrados; as reformas no código Comercial; e os debates em torno da lei de 3 de

dezembro de 1841 – Lei do Código do Processo Criminal; entre outras, não foram

votadas e nem debatidas como era necessário. Além disso, dissidências entre a Câmara

e o Ministério e a falta de articulação com os presidentes de província minaram a

credibilidade dos gabinetes liberais. Desse modo, conforme apontou Francisco Iglesias,

“era evidente que o Imperador precisava apelar para os conservadores, uma vez que não

podia mais compor-se com a situação dominante, pela diversidade de vistas e choques

dentro dela”.105

A fragilidade dos gabinetes liberais pode ser observada pelo aspecto

efêmero da composição ministerial dos dois últimos gabinetes. O gabinete organizado

por José Carlos Pereira de Almeida Torres, Visconde de Macaé, durou 75 dias – 8 de

março a 31 de maio de 1848 – e o presidido por Francisco de Paula Souza e Melo durou

pouco mais de quatro meses – 31 de maio a 29 de setembro de 1848.

Ao pedir demissão do cargo de presidente do Conselho de Ministros, Paula

Souza pôs fim ao chamado Qüinqüênio Liberal e abriu caminho para a ascensão do

partido conservador, cuja liderança ficou a cargo de Pedro Araújo Lima, na época

Visconde de Olinda, posteriormente substituído por José da Costa Carvalho, Visconde

de Monte Alegre. A partir de então, os saquaremas ficaram no poder até 6 de setembro

de 1853, período em que se iniciou a chamada “Conciliação”.

No dia 2 de outubro de 1848, três dias após a queda do Gabinete de 8 de

Março, o deputado Teófilo Ottoni fez duras críticas ao processo que levou à dissolução

105 Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. In.: Sérgio Buarque de Holanda (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. vol. 3, t. II (O Brasil Monárquico: reações e transações). São Paulo; Rio de Janeiro: Difel, 1976. p.11.

71

da Câmara e à demissão de Paula Souza do cargo de presidente do Conselho de

Ministros:

[...] as causas dessa dissolução, no meu entender, na minha mente, talvez suspeitosa, eu só encontro nessa facção áulica, que os nobre deputados e sua imprensa tem denunciado, que se interpõe entre a Coroa e o Governo, que não deixa que o sistema constitucional seja uma verdade no Brasil.106

E prossegue mais adiante:

Não foi, pois por falta de confiança do Corpo Legislativo, nem da Coroa, que o Ministério se retirou do poder: foi porque esta facção áulica, que se intromete entre a Coroa e o Ministério, que dirige o País, como diziam os nobres Deputados e a sua imprensa, desde 1844 [...]107

Para o principal idealizador da Companhia do Mucuri, o novo gabinete não

era regular, como não também não lhe pareciam regulares os gabinetes de 23 de março

de 1841 e o de 2 de fevereiro de 1844. Para Teófilo Ottoni, teria sido a chamada facção

áulica que havia articulado a subida dos saquaremas ao poder, o que, de acordo com o

político liberal, contrariaria os desígnios da constituição vigente.

Em discurso inflamado, o deputado mineiro Cristiano Benedito Ottoni,

irmão de Teófilo, também rechaçou a composição do novo gabinete e, por isso,

apresentou a seguinte moção:

Que havendo-se organizado o ministério atual em o dia 29 do mês passado, e havendo tratado com evidente desprezo a representação nacional, deixando de comparecer nesta Câmara para explicar o seu programa político, apesar de ter sido expressamente convidado por duas vezes; a Câmara passa à ordem do dia, retirando os convites não aceitos, protestando altamente contra a desconsideração com que é tratada, e contra tão deplorável infração dos princípios da Constituição.108

A moção apresentada por Cristiano Benedito Ottoni foi aprovada por 62

votos contra 25. O resultado da votação revelava a divergência entre a Câmara –

106 Teófilo Benedito Ottoni. Discursos Parlamentares; seleção e introdução de Paulo Pinheiro Chagas. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p. 440. (Coleção Perfis Parlamentares, vol. 12). 107 Idid. p. 445. 108 Cristiano Benedito Ottoni. Discurso Parlamentar. Apud. Francisco Iglésias. Op. Cit. p. 13.

72

composta em sua maioria por liberais – e o Gabinete de 29 de setembro, sabidamente

conservador. Além das divergências na Câmara, a luta armada em Pernambuco foi fator

que ameaçou a estabilidade da administração do novo gabinete saquarema. A solução

encontrada para contornar a situação foi apresentada no decreto de 19 de fevereiro de

1849. O documento dissolvia a Câmara dos Deputados e convocava uma nova

composição que deveria ser eleita para instalar-se em 1º de janeiro do ano seguinte.

Como as eleições foram organizadas pelo partido que estava no poder,

Teófilo Ottoni, assim como grande parte dos deputados liberais, não conseguiu se eleger

para um novo cargo na oitava legislatura da Câmara Geral. Este fato foi marcante para a

trajetória de Teófilo Ottoni e consequentemente para a trajetória da Companhia do

Mucuri. Na Circular de 1860, o político afirmou que ao abandonar a política pôde se

dedicar ao projeto de colonização do vale do Mucuri, e, assim, procurar um outro

terreno em que pudesse ser útil ao seu país.109

Embora fosse um opositor político do partido que se instalou no poder em

29 de setembro de 1848, a política adotada pelos conservadores auxiliou a Companhia

do Mucuri na saída do domínio das utopias para o dos fatos, haja vista a importância

dada pelo gabinete empossado às questões ligadas aos transportes.

Dentre as medidas anunciadas pelo novo gabinete estava o projeto que

visava interligar as principais províncias do Império – Minas, São Paulo e Rio de

Janeiro. Esta medida tinha por objetivo fazer com que as mercadorias produzidas nessas

regiões acessassem de forma mais rápida os centros consumidores e os portos de mar,

principalmente o da corte.110

109Teófilo Benedito Ottoni. “Circular dedicada aos Srs. Eleitores de senadores pela província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. eleitores de deputados pelo 2º distrito eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LXXVIII, Parte 2. Rio de Janeiro: 1916. p. 362-363. 110 Maria Yedda Linhares & Francisco Carlos Teixeira Silva. História da Agricultura no Brasil: combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.33-35

73

Paralelamente a essas medidas, ao longo do ano de 1850 o gabinete

saquarema fez aprovar um conjunto de três leis para a concretização de

empreendimentos similares à Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri. A

primeira das leis acima referidas foi a de nº. 556, de 25 de junho de 1850. Ela instituía o

Código Comercial brasileiro, que extinguia reminiscências das Ordenações Filipinas da

então ineficiente Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegações, criada durante

o governo de D. João VI.111

Além de conter figuras de relevo como Eusébio de Queiroz112 – na época

ministro da justiça e membro da chamada trindade saquarema113 – a comissão

responsável por formular o Código Comercial também era formada por notáveis

conservadores, como José Clemente Pereira, Nabuco de Araújo, Francisco Inácio de

Carvalho Moreira, e por financistas como Irineu Evangelista de Souza, futuro Visconde

de Mauá.114 De acordo com o importante trabalho de Carlos Gabriel Guimarães, a

presença de comerciantes como Irineu Evangelista entre os responsáveis por formular o

Código Comercial brasileiro reforçou a tese de que a atuação de “empresários” da Praça

Comercial do Rio de Janeiro estava ligada não apenas à defesa dos interesses de uma

111 Sheila de Castro Faria. “Código Comercial”. In. Ronaldo Vainfas (dir.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p.143-145. 112 Natural de São Paulo de Luanda, Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso da Câmara diplomou-se bacharel em direito pela Faculdade de Olinda em 1832. Destacou-se como um dos mais proeminentes e atuantes políticos do Império. Ocupou, pelo partido conservador, cargos de destaque na Câmara e no Senado. Além de atuar decisivamente na criação do Código Comercial brasileiro, Queiroz também foi fundamental para a aprovação da Lei de Terras e para a formulação dos decretos e de leis que regulavam a repressão ao tráfico negreiro no Brasil. Cf.: Keila Grinberg. “Eusébio de Queiroz”. In: Ronaldo Vainfas (dir.). Op. Cit., p.245-246. 113 Além de Eusébio de Queirós, também faziam parte da chamada trindade saquarema os conservadores Joaquim José Rodrigues Torres, Visconde de Itaboraí, na época ministro da Fazenda e Paulino Soares de Souza, visconde do Uruguai. 114 Sobre as biografias dos integrantes da comissão responsável por reformular o Código Comercial de 1850, Cf.: Carlos Gabriel Guimarães. Bancos, Economia e Poder no Segundo Reinado: o caso da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Companhia (1854-1866). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. (Tese de Doutorado). p.19.

74

determinada parte da classe mercantil, mas também a necessidade de legitimação do

Estado Imperial, em vias de consolidação.115

Inspirado nos códigos comercias francês e português e nos trabalhos de

José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairú, a aprovação do Código Comercial foi

fundamental para a regulamentação das transações econômicas-financeira. Esta medida

regulamentou a abertura de instituições bancárias e de empresas de sociedade anônima

no país em um período de grande expansão das atividades financeiras e comerciais em

todo o império.

A Lei n.º 581 de 4 de setembro de 1850, mais conhecida como Lei Eusébio

de Queiroz, também contribuiu largamente para a concretização de empreendimentos

financeiros e de sociedade anônima, como era o caso da Companhia do Mucuri. Em

setembro de 1850 finalmente o país conseguiu aprovar uma lei que proibia

definitivamente o tráfico de escravos para o Brasil. A lei formulada por Eusébio de

Queiroz foi aprovada por uma Câmara francamente conservadora, contudo, sua

aprovação não foi unanimidade, haja visto a oposição dos deputados das províncias

cafeeiras.

Como é largamente difundido pela historiografia que se ocupou em estudar

a história econômica do período, com o fim do tráfico atlântico de escravos, grande

parte dos capitais antes destinados ao chamado “comércio de carne humana” passaram a

ser redirecionados, durante o século XIX, em toda sorte de empreendimentos comerciais

e financeiros. Nas palavras de Francisco Iglesias, “a fortuna disponível encontra-se

pronta para novos investimentos”.116 Desse modo, o espírito empresarial pôde

direcionar seus recursos em empreendimentos como fábricas, estradas de ferro, bancos e

companhias de navegação e de comércio, como foi o caso da Companhia do Mucuri.

115 Idem; Ibidem. 116 Francisco Iglésias. “Vida Polícia”. Op Cit. p. 35.

75

Por outro lado, alguns comerciantes investiram suas fortunas principalmente na

produção agrícola do café destinado a exportação, o que possibilitou o que os

possibilitou multiplicar suas riquezas e ascender na restrita escala social da sociedade

brasileira.117

Além da Lei do Código Comercial e da Lei Eusébio de Queiroz, a Lei de

Terras constituiu-se em um importante elemento legal para o sucesso de

empreendimentos que tinham a terra como fonte de comércio. Com a independência do

Brasil e a conseqüente revogação do instituto de doação de sesmarias, urgia a

necessidade de se criar uma nova política de terras no país. Embora figuras como José

Bonifácio tenham tentado criar essa política, somente em 1842 os Conselheiros de

Estado Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Cesário de Miranda Ribeiro

apresentaram à Câmara um projeto que visava criar uma lei que regulamentasse a posse

e a venda de terras no império. Contudo, uma lei de terras somente foi aprovada com a

promulgação da Lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850.118 Embora os analistas sejam

unânimes em destacar as limitações da aplicação da Lei de Terras, a mesma constituiu-

se em um importante marco para a posse privada da terra no Brasil e para a sua

transformação em mercadoria.119

Ao analisarmos as subvenções concedidas pela administração imperial à

empresa organizada por Teófilo Ottoni, percebemos o quanto a mesma se beneficiou

com a concessão das 10 léguas em quadra de terras na região do vale do Mucuri. No

extenso ofício encaminhado em 1856 ao governo provincial de Minas, Ottoni ressaltou

a importância da Lei de Terras para o incremento do seu projeto: “Tendo-se já

promulgada a Lei das terras a Companhia não podia senão aproveitar-se da concessão

117João Luiz Fragoso. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça comercial do Rio de Janeiro (1790-1830.). 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 365 118 A Lei de Terras foi regulamentada através do Decreto n.º 1.318, de 30 de janeiro de 1854. 119 Sobre os entraves da aplicabilidade da Lei de Terras, Cf.: José Murilo de Carvalho. “A política de terras: o veto dos Barões”. In. Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

76

de 10 léguas quadradas que lhe eram concedidas pelo seu contrato nas margens do

Mucuri para coloniza-las.”120

Como podemos observar até aqui, as leis promulgadas pelos dois gabinetes

conservadores que sucederam o Qüinqüênio Liberal foram fundamentais para dotar o

país de um corpo legislativo que favorecesse o surgimento de diversos tipos de

empreendimentos. Paradoxalmente, a queda do partido de Teófilo Ottoni foi importante

para a consolidação da Companhia do Mucuri, pois a celeridade com que foi aprovado o

conjunto de leis por parte dos conservadores possibilitou uma melhor organização das

atividades comerciais no país. Além disso, com a Lei de Terras, a Companhia do

Mucuri se tornaria mais atraente aos investidores, devido ao valor de mercado que

poderiam atingir as dez léguas em quadro subvencionadas à Companhia do Mucuri por

parte do governo imperial.

No discurso eminentemente político proferido na Câmara dos deputados

em 3 de junho de 1851, Eusébio de Queiroz demonstrou um espírito de euforia que

tomaria conta do setor comercial e financeiro do Brasil durante a década de 1850:

Tendo de apresentar ao corpo legislativo o estado verdadeiramente lisonjeiro a que tem chegado o país, e que se revela por todas as maneiras por que a prosperidade pública pode fazer-se conhecer, já pela espantosa elevação da receita, já pelo desenvolvimento do espírito de empresa que tem entre nós chegado nestes últimos tempos a um ponto de que não havia memória, pois aparecem nada menos de três propostas para a navegação por vapor no rio Amazonas, e ao mesmo tempo 4 ou 5 para iluminação por gás corrente na cidade do Rio de Janeiro, outras para estradas de ferro do Rio para Minas ou São Paulo, e isto quando se trata da navegação do São Francisco e do Mucuri; já pela abundância de capitais, que tem chegado ao ponto por todos nós, pois vemos os bancos conseguirem em poucos dias reunir capitais, que antigamente não se conseguiria no espaço de meses.121

120 Herculano Ferreira Pena. Relatório Provincial de 1856. Ouro Preto: Tipografia do Bom Senso, 1856. Documento Anexo nº. 3 . p 07. 121 Eusébio de Queiroz. “Discursos Políticos”. Apud, Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. Op. Cit. p. 37.

77

Nota-se aqui que Eusébio se referia ao grande número de empresas

privadas que começavam a despontar no cenário nacional. O novo conjunto de leis

aprovado pelos dois gabinetes conservadores que sucederam o Qüinqüênio Liberal

facilitou sobremaneira as realizações materiais nas áreas de transporte, comércio,

navegação à vapor, iluminação pública, estradas de ferro e incorporação de instituições

bancárias.

Foi neste clima de euforia de realizações materiais que, finalmente, as

apólices da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri começaram a ser captadas

pelo nascente mercado de ações. Inicialmente foram lançadas 1.000 ações no valor de

300 mil-réis (300$000) a unidade – mínimo necessário para que a empresa fosse

oficialmente incorporada em 1852. Desse montante, a família Ottoni investiu 210

contos de réis (210:000$000) para subscrever 700 ações, ficando as 300 restantes

divididas entre amigos de Teófilo Ottoni, como Irineu Evangelista de Souza.122

Como podemos verificar, a partir da década de 1850, a empresa arquitetada

pelos irmãos Ottoni, pôde, enfim, se estruturar com maior desenvoltura. Assim sendo, a

partir desse período a dinâmica da Companhia do Mucuri se confundiria com a própria

história política e econômica do império.

Idealizada em 1847, somente em maio1851 a Companhia do Mucuri teve

seus estatutos aprovados. Além da falta de uma legislação que possibilitasse a abertura

da empresa, a Companhia passou por muitos embaraços até o ano da aprovação de seus

estatutos. Em 1849 Teófilo tocaria o projeto sozinho, pois seu irmão Honório Ottoni

havia falecido. Além disso, a terra que foi concedida à empresa localizava-se em um

território habitado pelos temerários índios botocudos, dificultando, assim, o controle e o

acesso à mesma.

122 Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit. p. 46.

78

Embora a movimentação política que colocou fim ao Qüinqüênio Liberal

tenha aprovado as leis que deram consistência ao projeto da Companhia do Mucuri,

faltava ainda uma questão a ser resolvida pelo idealizador da empresa. A região a ser

ocupada pela Companhia era um território pouco conhecido e inóspito ao colonizador.

Assim sendo, a partir da segunda metade do século XIX a experiência de ocupação do

vale do Mucuri mostrou-se um capítulo importante para a história da empresa e também

para a conquista das populações autóctones. Por isso, o processo de ocupação desse

território também nos oferece uma importante mostra do tortuoso processo que

transformou a terra em mercadoria no Brasil.

II – A conquista do Mucuri e a questão indígena

O êxito conquistado na captação de privilégios, isenções e monopólios

para que fossem lançadas no mercado as ações da Companhia do Mucuri não foi o

suficiente para desembaraçar o início das atividades da empresa. Além de questões

burocráticas resolvidas junto à administração provincial e ao governo central, seria

necessário ainda desbravar o vale do rio Mucuri, território caracterizado em sua época

por ser habitado por “grande multidão” de índios ferozes.123

Desse modo, o temor em relação aos índios, a falta de estradas e o aspecto

desconhecido da região do vale do Mucuri pesaram na viabilidade da empresa

idealizada por Teófilo Ottoni e seu falecido irmão – Honório Ottoni. Como já foi

mencionado, políticos de relevo como Bernardo Pereira de Vasconcelos, eram

contrários às concessões feitas à empresa, isso porque acreditavam que seria arriscado

tirar proveito econômico de uma região de terrenos incultos “infestada” pelo gentio.124

123 Quintiliano José da Silva. Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na sessão ordinária do ano de 1846. Ouro Preto, Tipografia Imparcial de B. X. Pinto de Souza, 1846. p. 45. 124Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e

79

Para fazer com que a opinião do renomado senador mineiro não fosse a

regra, Teófilo Ottoni lançou-se no desbravamento do vale do Mucuri no afã de

conquistar a confiança dos índios botocudos, tidos por diversos viajantes estrangeiros e

intelectuais da época como os mais bárbaros silvícolas de todo o Império do Brasil.125

Do desbravamento das terras que seriam incorporadas à empresa do

Mucuri e do conseqüente contato com as populações indígenas surgiram valiosos relatos

sobre o avanço das populações mineira, cabixaba e baiana em seu processo de expansão

para as fronteiras limítrofes do vale do Mucuri. Nos relatórios anuais apresentados aos

acionistas e – principalmente, na Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri, Teófilo Ottoni

realizou importantes observações sobre o processo de ocupação das terras concedidas à

empresa, bem como das populações autóctones que nelas habitavam.

Dos documentos produzidos por Teófilo Ottoni que aludem à ocupação do

vale, a Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri é o mais rico em detalhes. A maior parte

deste relato foi transcrito de um ofício remetido por Ottoni ao presidente da província de

Minas em 1853.126 É importante ressaltar que este documento consiste no principal

relato do período sobre a relação estabelecida entre os conquistadores do Mucuri e a

população autóctone que vivia dispersa pela região. Por ter sido produzida pelo maior

Companhia, 1856. p. 33. In.: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007. 125 Durante o século XIX o termo botecudos, ou botocudos foi largamente utilizado para designar uma série de nações indígenas que habitavam a região mineira conhecida como Sertão do Leste. Esta alcunha foi dada devido ao uso do botoque, adereço ritualístico inserido no lábio inferior da boca do indivíduo. Hoje se sabe que esta prática era recorrente a diversas nações indígenas da região, desse modo, o termo botocudo, como já se sabe, é apenas uma designação genérica. Cf.: Raimundo José da Cunha Matos. Corografia Histórica de Minas Gerais. vol.2. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp. 1981. (Coleção Reconquista do Brasil. v. 61-62); Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco. Op Cit.; John Mawe. Viagens ao Interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo Edusp, 1978.; Auguste de Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975; J. J. von Tschudi . “A província Brasileira de Minas Gerais”. In.: H. G. F Halfeld. & J.J von. Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Trad. Myrian Ávila; ensaio crítico e revisão de tradução de Roberto Borges Martins. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998. 126 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Uerj. 1998. (Dissertação de Mestrado).

80

interessado pela conquista das terras do Mucuri, muitas vezes o seu autor apresenta-se

como portador do lume da civilização que deveria extirpar a barbárie personificada na

própria população indígena.

A pedido de Joaquim Manuel de Macedo, na época secretário do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, a Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri foi concluída

em 1858 e publicada em 1859 na Revista Trimensal do IHGB.127 O documento

produzido por Ottoni constitui-se em um importante relato sobre a ocupação dos sertões

das províncias de Minas, Bahia e Espírito Santo em meado do século XIX. Fruto da

experiência que desenvolveu como diretor da Companhia do Mucuri, na Notícia...,

Ottoni privilegiou três itens para análise: as características e os costumes dos nativos; o

choque entre os indígenas e a população em processo de expansão das fronteiras; e as

estratégias adotada pelo idealizador da Companhia do Mucuri para conquistar o apoio

dos caciques das tribos indígenas que ocupavam a região.

No que diz respeito aos selvagens do Mucuri, Teófilo Ottoni afirmou que

“desde os primeiros anos”, no Serro, já ouvia falar de continuadas narrações sobre os

nativos que viviam nos sertões das Comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha.128 Sobre

tais nativos, o político liberal salienta que tratou seriamente de conhecê-los “para saber

o que deles havia de esperar e temer”.129 De acordo com o idealizador da Companhia do

Mucuri, excluindo alguns detalhes coligidos nas obras de Ferdinand Denis, nada mais

conheciam os historiadores sobre os nativos do Mucuri, senão frases lacônicas do

127 Sobre o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Cf.: Lúcia Maria Paschoal Guimarães. “O Império de Santa Cruz: a gênese da memória nacional”. In.: Alda Heiser & Antônio Augusto Passos Videira. Ciência, Civilização e Império nos Trópicos. Rio de Janeiro: Acces Editora, 2001, v. 1.; Lucia Maria Paschoal Guimarães.“O ‘Tribunal da Posteridade’ ”. In: Maria Emília Prado (org.). O Estado Como Vocação: Idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Acces, 1999.; Lúcia Maria Paschoal Guimarães. “Debaixo da proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889)”. RIHGB; Rio de Janeiro, n. 388, 1995. Manoel Salgado Guimarães. “Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, 1988. p. 5-37. 128 Teófilo Otoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Op. Cit. p. 41. 129 Ibid. p.39.

81

Dicionário Topográfico do Império do Brasil (1834), do senador José Saturnino Pereira

da Costa e do Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil

(1845) de J. R. Milliet de Saint-Adolphe.130 A fim de conhecer as “tradições antigas e

recentes” tanto do lado de Minas Gerais quanto do lado da costa, Ottoni diz ter recorrido

também a antigos relatos de memorialistas do período colonial e de relatos fornecidos

pelas viagens exploratórias de Francisco Teixeira Guedes (1829) e de Pedro Victor

Renault, realizada em 1836.131

Ao ponderar sobre a escassez de dados sobre as populações nativas do vale do

Mucuri, Teófilo Ottoni afirmou que fez uma “vasta colheita” de fatos coevos. O autor

também fez críticas ao que os historiadores apregoam sobre as populações indígenas do

vale do Mucuri. A este respeito, o político liberal enfatizou que muitas asserções que

atravessavam os séculos como verdades históricas tinham menos fundamento do que as

hipóteses que o próprio autor formulara sobre os nativos.132

Após as considerações iniciais sobre a história das tribos indígenas, Ottoni

passou a relatar as condições que encontrou ao viajar para o vale do Mucuri em

setembro de1847. O político liberal deu especial atenção à generalizada e à assustadora

violência decorrente das disputas pelo controle de terra entre os índios e os cristãos.

O conflito generalizado entre índios e conquistadores narrado por Teófilo

Ottoni na Notícia... reforçou a acepção de Manuela Carneiro da Cunha. De acordo com

a autora a “questão indígena” no século XIX deixaria de ser uma questão de mão-de-

obra para se converter principalmente em uma questão de terras. Segundo Cunha essa

generalização, do século XIX e do Brasil como um todo, foi possível porque que nesse

130 Ibid. p. 40- 41. 131 De acordo com Valdei Lopes de Araujo, as idéias do engenheiro Renault versariam sobre a importância de se desenvolver o vale do Mucuri através da navegação do rio Mucuri marcariam profundamente a imaginação de Teófilo Ottoni. Cf.: Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni: uma aventura cidadã. Belo Horizonte: Afato, 2003. p. 38. 132Teófilo Otoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Op. Cit. p.91.

82

período a tônica era a conquista do espaço nacional. Com isso, em regiões como Mato

Grosso e no Paraná e até mesmo em Minas Gerais e Espírito Santo, as rotas fluviais a

serem descobertas e consolidadas exigiam a submissão dos índios da região.133

O domínio das rotas fluviais no Brasil oitocentista ganharia importância

devido à expansão dessa modalidade de transporte através do progressivo dilatamento

da fronteira em direção a regiões as afastadas dos centros urbanos – conforme apregoou

Eusébio de Queiroz em discurso já citado. Além de se tornar uma rota de navegação

fluvial o vale do Mucuri também deveria ser ocupado por colonos nacionais e

estrangeiros que comercializariam seus produtos ao longo das estradas de rodagem

construídas pela Companhia do Mucuri.

Conforme é relatado na Notícia..., a tarefa de “pacificar” os nativos para a

instalação da Companhia não se mostrou uma tarefa de fácil resolução. Entre as várias

tribos que habitavam a região encontravam-se diversos grupos de índios botocudos,

afamados em todo o Império do Brasil por sua hostilidade em estabelecer contatos com

a população nacional. Devido a este fator, o idealizador da Companhia do Mucuri

enfatizou em memória publicada no periódico do IHGB que o modelo de aldeamento

dos “selvagens do Mucuri” não seria pautado na “doutrina da pólvora e da bala”.

Teófilo Ottoni acreditava que com um novo modelo de “catequese” seria mais fácil

tomar posse das 10 léguas em quadra doadas à Companhia no contrato celebrado com o

governo central.

No entanto, conseguir estabelecer contatos com as tribos que hostilizavam

qualquer tipo de relação com a população nacional seria um desafio muito maior do que

imaginaria Teófilo Ottoni. Conforme se relatou na Notícia Sobre os Selvagens do

Mucuri, a região que a Companhia deveria ser instalada encontrava-se em preocupante

133Manuela Carneiro da Cunha (org.). Legislação Indigenista no século XIX. São Paulo: Edusp; Comissão Pró-índio, 1993. p. 4

83

estado de violência: tribos indígenas que habitavam aqueles sertões assombravam os

moradores instalados nas bordas da Mata Atlântica entre as províncias de Minas, da

Bahia e do Espírito Santo.

Em defesa de seu território contra o avanço dos colonizadores, a investida

indígena contra a população que ocupava as margens da floresta tropical provocava em

sucessivas depredações nas fazendas e contínuos assassinatos. Desse modo, o local em

que a empresa do Mucuri deveria se instalar era dominado pelo pânico e pelo medo

constante, devido aos freqüentes ataques provocados por grupos indígenas.

Diante do quadro de violência apresentado na Notícia..., Teófilo Ottoni

surpreendentemente, concluiu que as sucessivas agressões dos índios eram resultado da

forma pela qual estes eram tratados pelos conquistadores do seu território. Segundo

político liberal, “se de tempos em tempos ocorria algum atentado dos selvagens, era este

as mais das vezes filho, ou de sugestões criminosas dos chamados cristãos, ou do

desespero que reagia contra a brutalidade e tirania”.134

De acordo com Ottoni, os “atentados” cometidos pelos indígenas do

Mucuri teriam sua origem na Carta Régia de 1808135, reportada pelo político liberal

como sendo de triste recordação, pois declarava guerra de extermínio aos botocudos,

além de legalizar e estimular a escravização das populações autóctones.136 A violência

134 Teófilo Otoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Op. Cit. p. 42. 135 Teófilo Ottoni se refere à Carta Régia expedida pelo príncipe regente D. João a Pedro Maria Xavier de Athayde e Mello, Governador e Capitão General da capitania de Minas Gerais. Datada de 13 de maio de 1808 a Carta Régia declarava estado de Guerra Justa aos índios botocudos. Sobre a Carta Régia, Cf.: Manuela Carneiro da Cunha (org.). Op. Cit.,. p. 57-60. 136Teófilo Otoni. Notícia..., Op. Cit., p. 45. Em consonância com a Carta Régia de 1808 estava a Memória sobre a civilização dos índios e distribuição das matas oferecida à Sagrada Pessoa d’El Rei Nosso Senhor de José da Silva Lisboa. Nesta obra, o visconde de Cairú propunha que se derrubassem as matas ocupadas pelo gentio. As áreas anexadas ao controle do Estado deveriam ser distribuídas entre os homens ricos. Em contrapartida, estes homens deveriam oferecer empregos agrícolas aos índios, incorporando-os, dessa forma à civilização. Apud, Manuela Carneiro da Cunha. (org.) Op Cit., p.17.

84

dos nativos, de acordo com Ottoni, também era fruto da reação destes ao infame tráfico

de crianças indígenas, os kurucas.137

O documento publicado por Teófilo Ottoni na Revista do IHGB sugere que

o tráfico de crianças indígenas tornou-se uma prática largamente difundida entre os

sertões de Minas, Espírito Santo e Bahia. Esta prática também ganhava impulso com os

sucessivos conflitos entre nações indígenas rivais. De acordo com Ottoni, muitas vezes,

a guerra entre diversas tribos tinha por único fim o tráfico dos kurucas.138

Ao que parece, o tráfico de crianças nativas nos sertões do Mucuri, rio

Doce e São Mateus era realizado de forma indiscriminada. Um exemplo desta prática

está na descrição feita por Ottoni da vila de São José de Porto Alegre, foz do rio

Mucuri. De acordo com o político liberal, cada roceiro da vila possuía um kuruca para

lhe servir como escravo:

São José de Porto Alegre era em 1847 uma aldeia miserável, povoada em máxima parte pelos descendentes dos tupiniquins; município pobríssimo, sem agricultura e sem outro comércio senão o dos kurucas.

Cada um custava cem mil réis. E vinham ao mercado não só os prisioneiros de guerra feitos pelas tribos que comerciavam, como também os meninos destas mesmas tribos, que lhe eram arrancados de mil modos.139

A prática do tráfico de indígenas denunciada por Teófilo Ottoni em sua

Notícia...também chamou a atenção das autoridades do Rio de Janeiro. No Aviso

expedido pelo Ministério do Império de 09 de agosto 1845, relata-se os abusos

cometidos com a prática da venda de crianças:

Constando que, em algumas províncias, tem havido indivíduos que abusando da simplicidade dos Índios, lhes compram os filhos, e não só os

137 Os Kurucas eram crianças indígenas caçadas como presas para serem vendidas pelos invasores de suas terras. Embora a escravidão indígena tivesse sido condenada desde a aprovação do Diretório dos Índios em 1755, a sua exploração como mão-de-obra escrava continuou durante o século XIX. A venda de crianças indígenas é mais um exemplo inequívoco de que a legislação indigenista constituiu-se no período colonial e no monárquico, na maioria das vezes, em letra morta. No período analisado, segundo Warren Dean, um kuruca era comercializado a 100 mil-réis, enquanto um escravo africano era comprado a valor seis vezes mais caro. Cf.: Warren Dean. A ferro e Fogo: a história da devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 169. 138 Manuela Carneiro da Cunha. (org.) Op Cit., p. 49. 139 Idem.

85

conservam em perfeita escravidão, dando-lhes rigoroso trato, mas também os remetem, vendidos, para esta corte, ou de umas províncias para outras.140

Pelo fato das crianças indígenas serem vendidas e escravizadas ilegalmente, o

documento expedido por José Carlos Pereira de Almeida Torres solicitou a todos os

presidentes de província a adotarem “as mais enérgicas medidas” para por fim à

continuação “de tão criminoso procedimento”.

O Aviso expedido pelo Ministério da Justiça em 2 de setembro de 1845

também atestou a preocupação das autoridades com a venda de kurucas. O documento

denuncia a chegada de uma jovem índia ingressa no Rio de Janeiro na lancha Senhora

d’Ajuda. De acordo com o aviso, a nativa teria sido vendida como escrava em São

Mateus, no Espírito Santo e enviada à corte para trabalhar na casa de um tal Francisco

José Martins de Oliveira. Para prevenir a continuação de “tão escandaloso abuso”, o

documento ordena ao juiz de órfãos da Corte que todo indígena ingresso submetido a

trabalho escravo – devido à sua “natural simplicidade” – deveria ser remetido à sua tribo

de origem.141

Sobre o tráfico de crianças indígenas, Teófilo Ottoni posiciona-se

radicalmente contra, ao ressaltar que este tráfico, reputado pelo político como maldito,

era mais hediondo e infame do que o praticado na África. Segundo Ottoni, era essa a

causa de calamidades sem número presenciadas no vale do rio Mucuri.142

Na Notícia..., encontra-se em detalhe a forma pela qual as crianças nativas

eram subtraídas de suas famílias. O modelo adotado era o mais lastimável. Daí a

importância dada pelo político liberal em descrever a forma usada para se apresar os

kurucas.

140 AVISO – Sobre a compra dos filhos dos índios. 09 de agosto de 1845. In.: Manuela Carneiro da Cunha (org.). Op. Cit. p. 199. 141AVISOS - Ministério da Justiça - Sobre o trabalho dos índios em casas de particulares e outras providências. In: Manuela Carneiro da Cunha (org.). Op Cit. p. 200-202. 142Teófilo Otoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Op. Cit. p. 49.

86

Para o político liberal, a conquista da região do Mucuri até então

empreendida, transformou a região em um açougue, não em um lugar de combate. Isso

se deve ao método que Teófilo definiu de capivara. Segundo Regina Horta Duarte, o

nome é uma alusão à caça feita ao roedor homônimo.143 Este método consistia-se numa

estratégia utilizada pelos invasores para aniquilar tribos inteiras. Preocupado em

detalhar como era feita a capivara, Ottoni descreveu minuciosamente como se procede

esta técnica de aniquilamento de tribos indígenas. O modo de dizimação das populações

nativas, segundo o político liberal, produzia uma verdadeira “hecatombe de selvagens”:

Matar uma aldeia! Não passe a linguagem desapercebida. Por mais horrorosa que pareça nada tem de hiperbólica. É uma frase técnica na gíria da caçada dos selvagens

Cerca-se a aldeia de noite – dá-se o assalto de madrugada. É de regra que o primeiro bote seja apoderarem-se os assaltantes dos arcos e flechas dos sitiados que estão amontoados no fogo que faz cada família. [...]

Os srs. Cro e Crahy entendem perfeitamente a metonímia, e recebido o convite, tratam de fazer a empreitada à satisfação que lha encomenda.

Procede-se a matança. Separados os kurucas, e alguma índia moça mais bonita, que formam os

despojos, sem misericórdia faz-se mão baixa sobre os outros, e os matadores não sentem outra emoção que não seja a do carrasco quando corre o laço no pescoço dos enforcados.144

Como podemos observar até aqui a região concedida pelo governo central

à Companhia do Mucuri passava por um processo de turbulência que impedia que se

consolidassem os planos da empresa. A dizimação das populações autóctones; o tráfico

dos kurucas; as guerras interétnicas entre nações indígenas rivais; e os sucessivos

ataques dos nativos às fazendas situadas próximas ao interior da Mata Atlântica

pintavam a história da região com tons funestos. Com este quadro de violência, o

projeto da Companhia do Mucuri se via atravancado, pois como já mencionamos, era

necessário conquistar dos índios a permissão para ocupar as terras concedidas no

contrato estabelecido com a administração central.

143 Regina Horta Duarte. nota nº 8. In: Teófilo Otoni. Notícia... p. 46. 144 Ibid. p. 47.

87

Diante do quadro exposto, qual seria a solução encontrada por Teófilo

Ottoni para cooptar o apoio dos índios e, assim, instalar a Companhia do Mucuri no

interior da selva tropical?

Ao observar in loco o estado de violência em que se encontrava o vale do

rio Mucuri, Teófilo Ottoni convenceu-se de que os ataques dos nativos eram resultado

da violência praticada pelos “cristãos”. A partir dessa dedução, o político liberal

começou a traçar um novo método para conseguir dos nativos o apoio necessário à

instalação da empresa:

[...] acreditava que um sistema de generosidade, moderação e brandura não podia deixar de captar-lhes a benevolência.

A principal dificuldade para a execução, ou ao menos ensaio deste sistema, estava em chamar à prática e convivência os filhos da selva, e em convencê-los de que havia com efeito um novo processo de catequese que não empregava a pólvora e a bala, nem tinha por objetivo roubar-lhes os filhos145

Vislumbrando conquistar a confiança dos nativos, Teófilo Ottoni

organizou, em setembro de 1847, a já mencionada expedição que penetrou no interior

do vale do Mucuri. A primeira frente expedicionária, chefiada pelo político liberal,

partiu do Rio de Janeiro no vapor Princesa Imperial; a segunda foi organizada pelos

principais fazendeiros da região do Termo de Minas Novas, como Feliciano Lopes da

Silva. A expedição contava ainda com o apoio do governo provincial mineiro.

Atendendo a um ofício de Teófilo Ottoni, o presidente Quintiliano José da Silva

ordenou que fossem deslocadas para o Mucuri uma tropa de soldados da Companhia de

Pedestres do Jequitinhonha para auxiliar os trabalhos das duas frentes

expedicionárias.146

145 Ibid. p. 51. 146 Além das forças policiais e da Guarda Nacional, a província de Minas Gerais contava ainda com os auxílios dos Soldados Pedestres. Distribuídos em duas companhias distintas, a do Rio Doce e a do Jequitinhonha, este grupamento militar era responsável em guarnecer os locais de ocupação recente nas regiões limítrofes ao chamado Sertão do Leste, sobretudo nos limites das comarcas do Serro Frio e Jequitinhonha. Quintiliano José da Silva. Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas

88

No que tange aos personagens envolvidos na conquista do vale do Mucuri,

a Notícia... também é reveladora. Nela é possível identificar uma série de indivíduos

que auxiliaram Teófilo Ottoni no projeto da Companhia do Mucuri. Entre esses

indivíduos podemos citar duas figuras que contribuíram de formas distintas e decisivas

para a instalação da empresa no interior da Mata Atlântica. Aqui nos referimos ao

presidente de província Quintiliano José da Silva e ao fazendeiro Luiz Ferreira da

Gama.

Ao presidir a província de Minas entre 1845 e 1847 Quintiliano José da

Silva mostrou-se um entusiasta do projeto de ocupação do vale do Mucuri. Como vimos

no primeiro capítulo, Quintiliano já havia elogiado as condições de navegação do rio

Mucuri, ressaltando a relevância dessa região para o desenvolvimento da “importante”

Comarca do Jequitinhonha.147 É necessário notar também que o projeto de conquista do

Mucuri foi favorecido pela relativa longevidade da administração de Quintiliano, cerca

de três anos. Caracterizados por administrações efêmeras, os governantes provinciais

tinham dificuldades em dar prosseguimento aos projetos, devido às constantes

mudanças na cadeira da presidência. Esta característica da política imperial foi assunto

criticado pelos próprios presidentes de província. Nos relatórios apresentados à

assembléia provincial, encontravam-se várias queixas sobre os males que a

transitoriedade dos governos causavam à administração pública.148 Conforme apontou

Francisco Iglésias,

[...] com tempos tão exíguos, tornava-se impossível administrar. O presidente mal chegava e sabia que não tinha muitos meses para permanecer. Essa

Gerais na sessão ordinária de 1847. Ouro Preto: Tipografia Imparcial de B. X. Pinto de Sousa, 1847. p. 28. 147 Ibid. p. 45-46. 148 Em boa parte dos relatórios apresentados à Assembléia Provincial as queixas são uníssonas em relação à falta de tempo para se tomar conhecimento dos problemas provinciais. A província de Minas, por exemplo, possuiu 122 períodos administrativos e 59 presidentes. Esse número perfaz uma média de 6 meses e 22 dias para cada presidente de província. A este respeito, Cf.:Francisco Iglésias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro (1834-1889). Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958. p. 43-45.

89

certeza já era suficiente para aniquilar qualquer propósito realizador. Ainda que a autoridade vencesse o embaraço e se dispusesse ao trabalho, mal começando a atividade viria a remoção para outra província, ou chegava o tempo de assumir o posto na Câmara ou no Senado.149

Beneficiado pela relativa estabilidade em seu cargo como presidente

provincial, os esforços de Quintiliano para ocupar o vale do Mucuri foram mais

constantes do que a experiência esboçada anteriormente pela administração do

presidente Costa Pinto. Entre os referidos esforços encontram-se o contrato celebrado

com três capuchinhos italianos para atuarem na catequese do gentio que “infestava” o

Mucuri.150 Segundo o relatório da presidência provincial de 1847, o Aviso de 23 de

agosto de 1846, emitido pela Secretaria dos Negócios do Império, colocava à disposição

do presidente da província de Minas os serviços de catequese dos capuchinhos italianos

Luís de Revena, Domingos Casale e Bernardino de Lago Negro. Em 1847, o presidente

noticiou informações sobre os clérigos contratados pela província de Minas: o primeiro,

Luís de Revena, achava-se doente na cidade de Campanha “em uso das águas

virtuosas”, o segundo, Domingos Casale já se encontrava a caminho do interior do vale

do Mucuri e o terceiro, frei Lago Negro, encontrava-se no Seminário de Mariana,

aprendendo o idioma nacional para depois seguir para os sertões do Mucuri.151

O apoio de Quintiliano à Companhia do Mucuri rendeu-lhe elogios por

parte do idealizador da empresa. Para recompensar o apoio do presidente da província,

Ottoni destacou que “as doutrinas humanitárias” adotadas por Quintiliano fariam desse

político um “poderoso apóstolo” de uma catequese “mais cristã”.152

Além de auxiliar o projeto idealizado por Teófilo Ottoni, Quintiliano já

havia atuado nos auxílios militares para a ocupação das fronteiras do vale do Mucuri.

149 Ibid. p. 41. 150 Sobre o processo de catequese do vale do Mucuri, Cf.: Izabel Missagia de Mattos. Civilização e Revolta: os botocudos e a catequese na província de Minas. Campinas: Unicamp, 2002. (Tese de Doutorado). 151 Quintiliano José da Silva. Op. Cit., p. 89. 152Teófilo Otoni. Notícia... Op. Cit. p.58.

90

No início de 1847, o Coronel Honório Esteves Ottoni153, primo de Teófilo Ottoni,

transferiu parte das provisões militares da Companhia de Pedestres do Jequitinhonha

para as margens do rio Preto, onde foi criado Quartel de Santa Cruz. Entre as medidas a

serem adotadas estavam as que solicitavam a abertura de uma picada entre Minas Novas

e o rio Todos os Santos, afluente do rio Mucuri. Com a criação do Quartel de Santa

Cruz, criou-se também um local para o aldeamento indígena e para atender socorrer as

eventuais necessidades da Companhia do Mucuri.154

Se o auxílio administrativo do presidente de província Quintiliano José da

Silva foi fundamental para consolidar o empreendimento da Companhia do Mucuri, não

menos importante foi a atuação do fazendeiro Luiz Ferreira da Gama. Pouco se sabe

sobre esta personagem e sua origem. Na lista de emigrados fornecido pelo Instituto da

Ilha Terceira – região dos Açores – aparece um homônimo que emigrou para o Rio de

Janeiro em 1812.155 Contudo, não podemos afirmar que o homônimo em questão seja o

nosso Luiz Ferreira da Gama.

Segundo a Notícia... Luiz Ferreira da Gama e sua família são apresentados

como os fazendeiros que habitavam a mais remota parte do vale do Mucuri. Segundo

Teófilo Ottoni, por ter conquistado a amizade dos temidos índios jiporocks, Gama

“vivia tranqüilo no centro das matas com sua família”.156 De acordo com Teófilo Ottoni,

teria sido Luiz Ferreira da Gama quem proporcionou o primeiro contato do idealizador

153 Filho de José Eloi Ottoni e de D. Maria Rosa do Nascimento Esteves, Honório Esteves Ottoni nasceu em Minas Novas no final do século XVIII. Em sua atuação política local, tornou-se um dos líderes do partido liberal em Minas Novas, participando ativamente do movimento que levaria a abdicação de Pedro I, em 1831. Em 1824 foi nomeado Diretor dos Índios da Comarca do Jequitinhonha, responsabilizando-se por sua catequese e proteção. Em 1847, por ordem do presidente da província de Minas, o Coronel Honório Esteves Ottoni foi o responsável por transferir o quartel-general da Companhia de Pedestres do Jequitinhonha para próximo do rio Mucuri. Cf.: Laís Ottoni Barbosa Ferreira. Os Ottoni: descendentes e colaterais. Rio de Janeiro: L.O.B. Ottoni, 1998. p. 65-66. 154Teófilo Otoni. Notícia... Op. Cit. p. 58; FALA dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na sessão ordinária de 1847, pelo presidente Quintiliano José da Silva. Ouro Preto: Tipografia Imparcial de B. X. Pinto de Sousa, 1847. p. 45. 155 Instituto Histórico da Ilha Terceira. Lista dos Emigrados das Ilhas dos Açores para o Brasil. Disponível em: http://www.ihit.pt/new/emigranteslistar.php. Acessado em 27 de fevereiro de 2008. 156Teófilo Otoni. Notícia...Op. Cit. p. 52.

91

da Companhia com os índios botocudos. Gozando da confiança adquirida com os

nativos, o fazendeiro procurou aglomerar um grupo de botocudos em torno de sua casa

para receberem miçangas, espelhos e ferramentas.157 Após reunir os nativos, Gama

instruiu Teófilo Ottoni e o Vigário geral de Caravelas, Norberto da Costa e Souza, a

repartir a cada indivíduo o seu quinhão de “presentes”.158

Desse modo, como já dissemos, deve-se a Luiz Ferreira da Gama a

realização do “contato” de Teófilo Ottoni com os índios “selvagens do Mucuri”. A

partir deste contato, Ottoni diz ter captado a “amizade” da nação jiporock, que o passou,

então, a chamá-lo de Capitão Grande. No desfecho do primeiro encontro com a nação

jiporock, conforme é narrado pelo político liberal, ocorreu um fato pitoresco. O cacique

da tribo jiporock ofereceu ao “Capitão Grande”, como forma de reconhecimento pela

“amizade” um casal de kurucas.

Desse acontecimento, Ottoni aproveitou para demonstrar aos leitores da

Notícia...como ele se posicionou corretamente diante do inusitado fato. Segundo o

relato publicado na revista do IHGB, o índio que havia “ganhou” foi enviado para o Rio

de Janeiro, onde foi admitido como aprendiz do Arsenal de Guerra da Marinha, a fim de

ser convertido em “instrumento da civilização dos seus patrícios e parentes”. De acordo

com o autor da Notícia..., o jovem índio faleceu tempos depois, provavelmente por

conta de alguma doença contagiosa.159

Além do jovem índio, Ottoni também foi “presenteado” com uma índia.

Em seu relato sobre os “selvagens do Mucuri”, o político liberal descreve a doação da

157 De acordo com Livro de Caixa da Companhia do Mucuri, “os presentes” custaram ao todo 500 mil-réis (500$000) e foram adquiridas no Rio de Janeiro com o intermédio da já mencionada empresa Ottoni & Cia. APM. Secretaria e Governo, 32. Livro de Caixa da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri. p.6 158 Teófilo Benedito Ottoni. Notícia…p. 53-54. 159 Ibid, p. 54.

92

índia relembrando o episódio da mitologia grega em que Agamenon vai ao sacrifício de

sua filha, Ifigênia:

Um outro, novo Agamenon, trouxe para o sacrifício a sua pobre Ifigênia, e mandou-ma por intermédio da família Gama, dizendo que fazia aquele donativo para eu ficar manso.

Despediu-se da menina chorosa, mas ao mesmo tempo consolava dizendo-lhe que ela ia ganhar muitas coisas bonitas.

Felizmente e em ato sucessivo a minha canoa aportou à casa de Gama a tempo de poder eu restituir a Ifigênia a Agamenon, tranqüilizando-o sobre as atuais disposições dos cristãos.

E foi a Ifigênia dos Jiporoks mais feliz que a dos gregos [...]160

Além da viagem feita em 1847, outra foi organizada para estabelecer

outros contatos com novas tribos botocudo. O Objetivo da expedição realizada em 1852

seria o mesmo da realizada cinco anos antes: tomar posse das terras concedidas pelo

governo central à Companhia do Mucuri.

Mais uma vez, a estratégia utilizada por Teófilo Ottoni não seria diferente

do costumeiramente praticada por ele para estabelecer contato com os índios, daí a

distribuição dos “presentes” aos nativos:

Logo que descobria uma batida de selvagens, mandava dependurar nas árvores, em lugar bem visível para quem passasse, diversos presentes, ora uma foice, ora um machado.161

Contudo, a estratégia de Ottoni apresentou um elemento que chamava

atenção para um detalhe. Nas ferramentas colocadas sobre o galho das árvores, o

político liberal mandava que fossem colocado também o seu cartão de visita impresso

no Rio de Janeiro: “[...] colocava no olho do machado, ou alvado da foice meu cartão de

visita, esperando captar a benevolência com o presente, e com o cartão que certo não

decifrariam, desafiar o sentimento do maravilhoso.162

160 Ibid. p. 53. (grifos nossos) 161 Ibid. p. 61. 162 Idem. Ao que parece, a estratégia de Teófilo Ottoni em colocar seu cartão de visita pretendia fabricar a sua imagem perante os nativos. Esse modelo já havia sido utilizado por Ottoni ao acenar para a população com o seu lenço branco. Sobre a utilização do lenço branco, Cf.: Regina Horta Duarte. Tempo, política e transformação: Teófilo Otoni e seu lenço branco. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XXVIII, n. 1, p. 101-110, 2002.

93

Foi com este mesmo estratagema que o político liberal conseguiu estabelecer os

primeiros contatos com a igualmente temida tribo dos naknenuks. A nova expedição

também foi composta por duas frentes expedicionárias. A primeira partiu da região do

Alto dos bois e foi chefiada pelos fazendeiros Manoel Esteves Ottoni, Augusto Benedito

Ottoni, Silvério José da Costa e Casimiro Gomes Leal. A segunda, chefiada por Teófilo

Ottoni partiu da região de Santa Clara.

No interior de uma das regiões mais afastadas dos núcleos de colonização,

Teófilo Ottoni conseguiu “fazer conferências” com os caciques Poton, Batata e

Timóteo, todos da nação naknenuk. Mais uma vez, a estratégia descrita por Ottoni em

sua Notícia... surpreendeu novamente o leitor pelo detalhe. Eis o estratagema do

idealizador do político liberal:

De Poton me declarei parente, e ele acolheu rindo a demonstração de que éramos. Tirei a demonstração do nome – Poton – que pronunciei – Potoni – e do qual, não sei porque regra de etimologia, extraí – Ottoni.

Aceito o parentesco, disse-me Poton que trouxesse os mais parentes, porque as terras eram muitas e chegavam para todos.

Peguei-lhe pela palavra, e 15 dias depois abria-se por conta de diversos parentes do selvagem uma grande derrubada, que produziu três magníficas fazendas [...] 163 A atuação de Ottoni na empreitada de conquistar das populações

autóctones a permissão para a posse das terras cedidas à Companhia do Mucuri rendeu-

lhe grande prestígio político. Dos naknenuks Ottoni ganhou a alcunha de Pogirun, nome

que o político fez questão de incorporar como pseudônimo. Ao que parece, o nome

Pogirum ganhou fama na corte. Na charge de Henrique Fleiuss, publicada na revista

Semana Ilustrada em 1866 há uma representação que caracteriza a atuação política de

Teófilo Ottoni, onde se lê:

Fósforos, fósforos aperfeiçoados,

que cheiram a Pogirum

depois da explosão!...164

163 Teófilo Benedito Ottoni. Notícia...Op. Cit., p. 62.

94

Figura 3: Charge de Teófilo Benedito Ottoni

Fósforos Pogirum. Charge de Henrique Fleiuss, alusiva à popularidade de Teófilo Ottoni, chamado de Pogirum pelos índios botocudos – Semana Ilustrada, nº 302, 23 de setembro de 1866. Apud. Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni: ministro do povo. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1978.

164 Charge de Henrique Fleiuss. Semana Ilustrada, nº 302, 23 de setembro de 1866. Apud. Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni: ministro do povo. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1978. (vide anexo)

95

No que se refere ao trato com os nativos, a prática adotada por Ottoni

chamava a atenção por se aproximar do que havia preconizado o estadista José

Bonifácio de Andrada e Silva e o sertanista francês Guido Marlière. Em 1916, no

preâmbulo publicado para a segunda edição da Circular de 1860, Basílio de Magalhães

ressaltou que o “trato diferenciado” dado por Ottoni aos indígenas foi fundamental para

atrair “os desgraçados aborígines” para a civilização, e, com isso, integrá-los

definitivamente à “grande Pátria”. Ao expor a experiência do político liberal com os

índios botocudos, Magalhães comparou a atuação de Ottoni com o projeto

anteriormente esboçado por José Bonifácio, a quem Magalhães reportou como

“incomparável estadista”165.

Em seus Apontamentos para Civilização dos Índios Bravos do Império do

Brasil [1823], Bonifácio chamou a atenção para alguns métodos “mais eficazes” para a

integração dos nativos ao Estado nacional.166 Contudo, o próprio Bonifácio já lamentava

a forma pela qual os índios eram captados pela sociedade brasileira. Segundo o

estadista, na relação estabelecida com os nativos, “a sociedade nacional mostrava

apenas os seus vícios e fraquezas, sem comunicar nenhuma de suas virtudes e

talentos.” 167 Para o Patrono da independência do Brasil, os benefícios legais que os

índios deveriam gozar eram pura ilusão, pois “a pobreza que se acham, a ignorância por

165Basílio Magalhães. “A Circular de Theophilo Ottoni”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LXXVIII, Parte 2. Rio de Janeiro: 1916. p.168. Para um estudo dos projetos políticos de José Bonifácio, Cf.: Valdei Lopes de Araujo. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008. 166 José Bonifácio de Andrada e Silva. “Apontamentos para Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil” [1823]. In: Projetos Para o Brasil. Mirian Dolhnikoff (org.) São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 167 José Bonifácio de Andrada e Silva. “Apontamentos para Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil”. Op. Cit. p. 126.

96

falta de educação e as vexações dos diretores e capitães os tornam abjetos e mais

desprezíveis que os mulatos forros”.168

Se levarmos em consideração que durante boa parte do século XIX a figura

do índio era pintada pela idéia da bestialidade, da fereza e da animalidade, ao menos o

projeto de “pacificação” idealizado por Teófilo Ottoni mostrou-se diametralmente

oposto ao do usualmente praticado.169 Ora, até os anos 60 do século XIX a discussão se

travava não em torno dos fins de uma política indigenista, mas sim em torno dos seus

meios: se se deviam exterminar sumariamente os índios; distribuí-los aos moradores –

conforme concebia o projeto de José da Silva Lisboa, visconde de Cairu –; ou se deviam

cativa-los com brandura.170

Um exemplo inequívoco da forma pela qual os índios botocudos eram

concebidos pela sociedade oitocentista pode ser encontrado na obra do médico alemão

Robert Avé-Lallemant. No livro Viagens pelas províncias da Bahia, Pernambuco,

Alagoas e Sergipe, Lallemant adentrou o interior de Minas Gerais para conhecer o

projeto da Companhia do Mucuri. Do encontro com os botocudos surgiu então, uma

peça que chamaria a atenção pelo teor de escárnio e de repulsa em relação aos

“selvagens do Mucuri”.

As impressões racialistas do médico alemão sobre os botocudos também

eram reveladoras na tentativa de se traçar um paralelo entre o projeto de ocupação

proposto por Teófilo Ottoni e a concepção difundida sobre os índios do vale do Mucuri.

Influenciado pelas teorias racialistas em voga na Europa, Lallemant

descreveu seu encontro com os botocudos como sendo a experiência mais estranha que 168 Idem. 169 Esta imagem pode ser demonstrada na resposta de um administrador provincial mineiro. Em 1827, ao ser indagado pelo Visconde de São Leopoldo sobre a índole dos botocudos, o presidente da província de Minas Gerais, Francisco Pereira de Santa Apolônia, respondeu nos seguintes termos: “Permita-me que V. Exª. refletir que de tigres só nascem tigres; de leões, leões se geram; e dos cruéis botocudos (que devoram e bebem o sangue humano) só pode resultar prole semelhante”. Apud. Manuela Carneiro da Cunha (Org.). Op. Cit. p. 5. 170 Idem.

97

já havia tido com grupos humanos. Eis o que diz o médico alemão sobre a mulher

botocudo:

Sem nenhuma expressão feminina no rosto, baixas e gordas, postavam-se ali, com um sorriso meio imbecil, sem o mais ligeiro sinal de vergonha ou acanhamento, apresentando aos olhares toda a frente do corpo, sem pensar no menor disfarce, mesmo o curvar o joelho para dentro, como fez Leonardo da Vinci, ao pintar sua famosa Leda, e Wilkens conta, na sua viagem ao redor do mundo, das mulheres dos Mares do Sul – e essas botocudas nuas ali estavam entre os homens, figuras de mulher na forma mais horrível, mais do que isso, de forma verdadeiramente hedionda.171

E mais adiante:

As caras idiotas, os botoques em constantes movimentos para baixo e para cima, as mamas bambaleantes, a completa nudez das mulheres [...], as grandes cicatrizes nas espáduas e nas costas, resultantes do tratamento brutal dos homens, os pulinhos desajeitados – tudo isso causa uma impressão tão verdadeiramente horrível, que não posso traduzi-la em palavras. O leitor sentirá com certeza, sem que eu precise dizer mais.172

Como podemos observar, a repugnância de Lallemant em relação aos

índios do vale do Mucuri demonstrava que também entre os intelectuais persistia a idéia

da impossibilidade desses indígenas serem úteis aos desígnios da civilização.173 Se

tomarmos então esta proposição como verdadeira, Teófilo Ottoni ao oferecer aos índios

do vale do Mucuri um novo modelo de colonização demonstraria que as idéias

difundidas sobre os índios eram falaciosas e impregnadas de preconceito.

De acordo com o trabalho de Valdei Lopes Araujo, são nos quadros do

jusnaturalismo e do chamado reformismo ilustrado, aos moldes do século XVIII, que

Ottoni irá compreender os costumes indígenas. Por trás da diferença, do exótico, ele

171Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe [1859]. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980. p. 237. 172 Ibid. p. 243. 173 De acordo com Ernest Gellner, o Estado-nação não tolerava a proliferação de subculturas internas, daí a empreitada da difusão dos ideais da chamada “cultura superior”. No caso do Estado nacional português, desde o chamado Diretório Pombalino [1755] – instituído pelo então Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal – já estava previsto na legislação que os índios deveriam se tornar “úteis” ao Estado. Desse modo, a lei instituía que todos eles deveriam ser declarados livres e vassalos do rei. Sobre o processo de instituição. Sobre a tentativa de homogeneização da “cultura superior” por parte do Estado-nação, Cf.: Ernest Gellner. “Advento do nacionalismo e sua interpretação: os mitos da nação e da classe”. In.: Gopal Balakrishnan (Org.). Um Mapa da Questão Nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 107-154.

98

tentará perceber a natureza humana, ou seja, tentará perceber os valores da razão que

permanecem intemporalmente.174 Dessa forma, corroboramos com Araujo, pois

entendemos que o tratamento oferecido por Ottoni aos índios era um dos maiores

trunfos do projeto Mucuri. Com um novo método, Ottoni demonstrou ser possível

conseguir o apoio dos nativos sem ter que os vitimar com toda sorte de sofrimentos,

conforme preconizou José Bonifácio.

A atuação do político liberal no processo de conquista das terras

concedidas à Companhia do Mucuri chamou a atenção do brazilianist Warren Dean. Em

seu livro sobre o processo de desflorestamento e degradação da Mata Atlântica, Dean

chegou a afirmar que a empreitada colonizadora de Teófilo Ottoni teria sido a primeira

em toda a história do Brasil a não fazer uso da força para conquistar o contato com os

nativos. Pela primeira vez foi ordenado aos batedores militares que não atirassem nos

indígenas, ainda que estes atacassem com suas flechas.175

Assim, o entrave personificado na hostilidade dos nativos foi sendo

extirpado pela ação que Ottoni chamou de “catequese conscienciosa”.176 As tribos que

durante toda a década de 1840 assombravam os moradores de Minas, da Bahia e do

Espírito Santo aceitaram serem instalados em aldeamentos próximos aos futuros

núcleos de colonização da Companhia do Mucuri. Ao captar o “apoio” dos índios,

finalmente o político liberal pôde tomar posse das terras concedidas à Companhia do

Mucuri. Assim, a empresa poderia intensificar o processo de ocupação da floresta

tropical e dar cabo ao audacioso processo de ocupação do vale do rio Mucuri.

174Valdei Lopes Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Op. Cit. 175Warren Dean. A Ferro e Fogo: Op Cit., p. 174. 176 Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. DOCUMENTOS do Relatório Provincial de 1854. Ouro Preto: Tipografia do Bom Senso. p. 8.

99

III – O período da Conciliação e as realizações materiais

Após conseguir dos nativos a permissão para ocupar o montante de terras

doada à Companhia do Mucuri, Teófilo Benedito Ottoni começou a colocar em prática

um ambicioso projeto de ocupação da floresta tropical. Como vimos no início desse

capítulo, a década de 1850 foi marcada pela aprovação de uma série de leis que

favoreceram o surgimento de empresas pioneiras na história econômica do país, como

foi o caso da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri.

Assim, na década de 1850 verificou-se um grande avanço das atividades

comerciais e financeiras do país, em especial com o surgimento das sociedades

anônimas e comanditas, bancos e empresas ligadas ao ramo de seguros e de transportes.

Este período de euforia foi marcado pela chamada Era Mauá – momento histórico que,

na acepção de Francisco Iglésias, desencadeou aspirações por empreendimentos

materiais.

Generaliza-se o gosto pela iniciativa, pelos negócios e pelas realizações

materiais. Há também uma preocupação mais objetiva com a agricultura e com a

indústria. A opinião pública é inflamada pela idéia do progresso:

Nos rápidos depoimentos da Coroa, de ministros e da imprensa, vê-se qual a sensação dominante no início da segunda metade do século: a crença no futuro do país, na sua transformação, baseada no desenvolvimento material que superava a ordem arcaica e estagnante. [...] A década dos cinqüenta, de qualquer maneira, ficaria como símbolo do anseio renovador: é ponto de referência na história da construção de um Brasil mais rico e afirmativo.177

As atividades financeiras que se avolumavam no início da década de 1850

ganharam vigor com o gabinete de 6 de setembro de 1853. Organizado pelo político

mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão, Visconde e depois Marquês do Paraná,178 o

177Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. Op. Cit. p. 37-38 178 Honório Hermeto Carneiro Leão nasceu na vila de Jacuí, Minas Gerais em 11 de janeiro de 1801. Filho do rico proprietário rural Nicolau Neto Carneiro Leão, em 1825 formou-se em direito na Universidade de Coimbra. Típico representante da elite política imperial ingressou na magistratura e na política, ocupando cargos na Assembléia Geral do Império (2º, 3º e 4º legislatura), no senado (a partir de

100

gabinete de 06 de setembro de 1853 inaugurarou a chamada Polícia de Conciliação

(1853-1859). Neste período, Pedro II escolheu Honório Hermeto para ensaiar um novo

modelo político que procurou arrefecer as disputas entre luzias e saquaremas, isto é,

liberais e conservadores.

Ao ocupar simultaneamente o cargo de presidente do Conselho de

Ministros e de ministro da Fazenda, o político mineiro Honório Hermeto foi o principal

articulador da chamada Conciliação. Neste novo cenário político conseguiu-se

congregar, no mesmo ministério, liberais do relevo de Antônio Paulino Limpo de

Abreu, José Maria da Silva Paranhos e Luís Pedreira do Couto Ferraz; além de

conservadores do porte de José Tomás Nabuco de Araújo e, mais tarde, João Maurício

Wanderley, o barão de Cotegipe.

No entanto, a política conciliatória do Marquês do Paraná não foi unânime,

pois a figura do presidente do Conselho de Ministros sofreu rija oposição de políticos

ultra-conservadores, como Ângelo Muniz da Silva Ferraz, futuro barão de Uruguaiana.

Em carta datada de 23 de junho de 1854, Ferraz solicitou a Honório

Hermeto que fosse apresentado ao Imperador o seu pedido de demissão no cargo que

ocupava no tesouro público. O motivo de exoneração foi a sua discordância quanto a

nova orientação política do ministério Paraná.179

Em 14 de agosto o Partido Liberal de Pernambuco se opôs ao programa

político articulado por Honório Hermeto. Descontentes com a Conciliação e com a

1842), sendo também indicado para a administração provincial do Rio de Janeiro (1841) e de Pernambuco (1849). A trajetória de Honório Hermeto ilustra bem a intensa movimentação política do Império, pois aspirou inicialmente uma tendência liberal moderada e por isso integrou ao lado de vultos como Evaristo da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcelos o movimento que culminou na abdicação de Pedro I. Fundador e líder do Partido Conservador fez oposição à regência do Padre Feijó e combateu a Maioridade, apoiando a proposta de Bernardo Pereira de Vasconcelos que defendia a regência da princesa Januária. Em 1853 Honório Hermeto consolidou-se como político mais influente do Império até a sua súbita morte três anos mais tarde. Cf.: Joaquim Manoel de Macedo. Ano Biográfico Brasileiro. 3º vol. Rio de Janeiro: Tipografia e Litografia do Imperial Instituto Artístico, 1876. p. 23-24.; Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Imperial. Op Cit. p. 342-344. 179AHIHGB. “Carta de Ângelo Muniz da Silva Ferraz ao Marquês do Paraná”. Lata 748, pasta 02. (Coleção Leão Teixeira).

101

atuação do Marquês do Paraná, no movimento que sacudiu Pernambuco em 1848,180

nove membros do partido liberal pernambucano assinaram uma Circular que fazia

severas críticas à política do “gabinete conciliador”. O documento retratava a política

conciliatória como “um presente de grego”, fruto da “desordem e da anarquia”

introduzida por Paraná: “Este senhor recorreu a um ardil; arvorou a bandeira da

conciliação, como uma grande hospedaria onde inimigos e amigos se deveriam acolher;

conciliação das pessoas, mas não das idéias”.181

Ainda que houvessem dissidências, como a deflagrada pelos liberais de

Pernambuco e por políticos como Ângelo Muniz, à frente do “gabinete responsável” –

aqui reabilitando uma expressão de Francisco Iglésias – Honório Hermeto Carneiro

Leão tornara-se o político mais influente do Império.182 A posição do redator da Gazeta

dos Tribunais ilustrou bem o prestígio que o Marquês do Paraná havia conquistado à

frente da presidência do Conselho de Ministros:

A testa do novo gabinete está um homem de vontade firme, que, pelos seus precedentes, não se desaira de estender a mão ao talento aonde quer que se ache, porque o gabinete nada tem com o tempo passado, os seus membros não se consideram nem como luzias nem como saquaremas, estão todos de acordo em administrar o país segundo as suas necessidades atuais.183

A estabilidade política conquistada com a conciliação de luzias e de

saquaremas possibilitou também a criação de programas econômicos para o país. Na s

pautas do dia estavam a necessidade de modernizar o Brasil através do fomento à

180 As inimizades políticas entre a facção dos liberais pernambucanos e Honório Hermeto Carneiro Leão remontam a 1849, período em que este fora designado para o cargo de presidente da província de Pernambuco para reprimir e colocar fim à chamada Revolução Praieira, iniciada um ano antes a partir de dissidências no interior do Partido Liberal de Pernambuco. 181 AHIHGB. “Circular de 14 de agosto de 1854 do Partido Liberal de Pernambuco sobre a situação do partido e da política conciliatória do Marquês do Paraná”. Lata 385, pasta 24. (Coleção Senador Nabuco). A vigorosa oposição dos pernambucanos ao visconde do Paraná remonta a um período anterior à ascensão de Paraná ao Conselho de Ministros. 182Francisco Iglésias. “Vida política, 1848/1868”. Op. Cit. p. 41. 183 AHIHGB. “Programa do Gabinete de 06 de setembro de 1853, pelo presidente do Conselho, Conselheiro Visconde de Paraná.” Lata 385, Pasta 11. (Coleção Senador Nabuco)

102

empresas do ramo de transporte e imigração, além de incetivar a aplicação chamada Lei

das Terras:

Pelo que toca aos melhoramentos materiais, ocuparão a nossa particular atenção as vias de comunicação e a navegação dos nossos rios. Começaremos com prontidão a dar execução à lei de 18 de setembro de 1850 acerca das terras, procuraremos promover a colonização e a imigração.184

Ao que parece, o cenário político favorável, aliado à nova legislação e ao

fim do tráfico atlântico, provocou uma expansão das iniciativas econômicas e

financeiras do país. O gosto pelas inovações tecnológicas fez surgir empresas de

estradas de ferro como: as railways de São Paulo; as de Recife and São Francisco; as de

Bahia and São Francisco e a Estrada de Ferro D. Pedro II – bem como companhias de

navegação à vapor, como a Imperial, a Bahiana, a Bom Fim, a Amazonas e a Mucuri.

No que tange a Companhia do Mucuri, através do Decreto Legislativo nº.

802 de 12 de agosto de 1851, a câmara e o senado aprovou os estatutos da empresa.185

Em 1852 – sob a forma de sociedade anônima –186 a Companhia conseguiu lançar no

mercado o primeiro lote de mil ações da Companhia, cujo valor unitário equivalia 300

mil-réis (300$000)187. Como já foi dito, dessa leva inicial, a família Ottoni aparece

como principal grupo a alavancar o início dos trabalhos, pois das 1.000 ações lançadas

em 1852, 700 foram subscritas pela família Ottoni, as 300 restantes foram adquiridas

por amigos de Teófilo Ottoni, como Irineu Evangelista de Souza.188

184 AHIHGB. Programa... Lata 385, Pasta 11. (Coleção Senador Nabuco) 185 Decreto n.º 802, de 12 de agosto de 1851. BRASIL. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1852. Tomo XV, Parte II. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1853. p. IX. 186 De acordo com o Código Comercial de 1850 – Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850 – a sociedade anônima ou, companhia por ações, era uma sociedade que só podia estabelecer-se por tempo determinado e com autorização do governo, dessa forma, era, portanto, dependente da aprovação do corpo legislativo (Art. 295). No caso da Companhia do Mucuri, estabeleceu-se um prazo máximo para a sua duração em 80 anos. BRASIL. Código Comercial do Império do Brasil. Anotado com toda legislação do país que lhe é referente... comentado por Sallustiano Orlando de Araujo Costa. 2º. edição. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1869. 187 Ver anexo I. 188 Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit. p.46.

103

De 1852 a 1854, a empresa conseguiu capitalizar o montante de 1.200

contos de réis (1.200:000$000) com a venda de 4.000 apólices.189 Foi esse capital

disponibilizado para tentar fazer do vale do Mucuri um importante entreposto comercial

que articularia as províncias de Minas Gerais, da Bahia e do Espírito Santo à praça

comercial do Rio de Janeiro.

Beneficiada pela política econômica do gabinete da conciliação, a empresa

dirigida por Teófilo Ottoni começaria, finalmente, a investir seus recursos na mata

atlântica do nordeste mineiro, a fim de transformar essa região em uma área de

produção de víveres e de mercadorias. Na primeira assembléia dos sócios, Teófilo

Ottoni ficou responsável pela diretoria da empresa, com sede no Rio de Janeiro. Para

auxiliar o diretor, foram criados os cargos de comissários e de caixeiro da empresa nas

localidades de Filadélfia e Santa Clara na província de Minas, e em São José do Porto

Alegre, na Bahia190.

A fim de compreender o funcionamento da Companhia do Mucuri durante o

período da Conciliação recorreremos aos relatórios apresentados aos acionistas pela

direção da empresa; aos relatórios do governo provincial mineiro; à Coleção Marquês

de Olinda – localizada no Arquivo Histórico do I.H.G.B (AIHGB) –; e às observações

realizadas pelo suíço Johan Jakob von Tschudi e pelo alemão Robert Avé-Lallemant em

suas incursões ao Mucuri nos anos de 1858 e 1859.

A partir da analise desse corpus documental, portanto, é possível afirmar

que a história da empresa dirigida por Ottoni foi o reflexo da história política e

econômica da época da Conciliação. Assim sendo, a viabilidade da empresa, como será

189 Na tentativa de oferecer um valor comparativo para o poder de compra do capital arrecadado pela Companhia do Mucuri, recorremos ao número de escravos adquiridos pela empresa antes da aprovação da Lei Eusébio de Queiroz. Sabe-se que os 27 cativos custaram aos cofres da empresa pouco mais de 32 contos de réis (32:000$000). Daí tem-se que o capital da Companhia do Mucuri poderia comprar pouco mais de 1.000 escravos. 190 Ver anexo II.

104

investigada mais adiante, ficaria à mercê da movimentação política e econômica

encontrada no Brasil da década de 1850.

No que se refere aos acionistas da Companhia do Mucuri, procuramos

investigar quem eram os sócios e qual era o montante de apólices adquiridas pelos

mesmos. Com isso, pretendemos indicar quem eram os verdadeiros patrocinadores do

projeto Mucuri. Após esta análise, procuraremos entender a rotina de trabalho da

Companhia no Rio de Janeiro, e, principalmente, a rotina do vale do Mucuri, lócus da

atuação da empresa.

Na documentação levantada não foi possível oferecer um quadro com os

nomes de todos os sócios da empresa. Contudo, referências importantes sobre essas

personagens foram encontradas de forma dispersa nos relatórios enviados aos acionistas

– numa memória escrita por Teófilo Ottoni em 1856 e em documentos expedidos pelo

governo provincial de Minas. Ao todo conseguimos identificar 42 sócios, destes, foi

possível identificar 15 com o valor de suas respectivas ações, como é possível observar

no Quadro 1.

105

Quadro 1: Sócios da Companhia do Mucuri com valor de ações identificadas

Fonte: Teófilo Benedito Ottoni. A Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1856; Teófilo Benedito Ottoni. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri por Teófilo Ottoni em 15 de outubro de 1857. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1857.; Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860 pelo diretor da companhia Teófilo Benedito Ottoni: Rio de Janeiro: Tipografia do Correio Mercantil, 1860. DOCUMENTOS anexos ao Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais apresentou na sessão ordinária de 1854 o presidente da província Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. Ouro Preto: Tipografia do Bom Senso, 1854.

Nome

Quantidade de ações

Valor/contos de réis

Votos na Assembléia

Antônio Manuel de C. Mello 23 6:900$000 4

Banco Rural e Hipotecário 768 230:400$000 153

Bernardo Ribeiro de Carvalho 20 6:000$000 4

Cristiano Benedito Ottoni 100 30:000$000 20

Francisco José Gonçalves 25 7:500$000 5

Francisco José Ribeiro 5 1:500$000 1

Henrique Pinheiro Leite Basto 12 3:600$000 2

Irineu Evangelista de Souza 100 30:000$000 20

Província de Minas Gerais 1.000 300:000$000 200

João Batista Viana Drummond 100 30:000$000 20

José Agostinho Vieira de Mattos 5 1:500$000 1

José Ignácio Campos da Rocha 10 3:000$000 2

Manoel Ferreira da Silva Couto 35 10:500$000 7

Teófilo Benedito Ottoni 600 180:000$000 120

Thomaz de Aquino Pereira 10 1:500$000 2

Total: 15 3.110 933:000$000 622

106

A análise do quadro acima é importante para lançar luz sobre o processo de

captação das apólices emitidas pela Companhia do Mucuri entre os anos de 1847 e

1854. Neste período, a direção da empresa disponibilizou 4 mil apólices cotadas a 300

mil-réis (300$000) cada. Nele também é possível identificar quais foram os principais

acionistas da empresa dirigida por Teófilo Ottoni.

Os quinze sócios, incluindo o governo provincial mineiro, representam

3.110 apólices das 4.000 lançadas pela companhia. Ao todo o valor dessas apólices

estavam cotadas em 933 contos de réis (933:000$000), isto é, mais de 77% dos 1.200

(1.200:000$000) contos captados pela empresa.

Com a aquisição de um lote de mil ações, o governo provincial mineiro

ocupou a posição majoritária entre os acionistas da empresa idealizada por Teófilo

Ottoni. Em 1854, a Assembléia Provincial de Minas autorizou o presidente de província

Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos a adquirir 1.000 ações da Companhia do

Mucuri, conforme estipulava a Lei Provincial nº. 332 de 03 de março de 1847. A

participação do governo mineiro como principal sócio da Companhia do Mucuri revela

a importância que o empreendimento representava para os administradores desta

província.191 Para a Assembléia provincial e para os presidentes de província, Minas se

beneficiaria duplamente com a Companhia do Mucuri: com os possíveis lucros gerados

pela empresa e, principalmente pelo fato da Companhia ter se comprometido em

colonizar a região do vale do Mucuri com trabalhadores nacionais e estrangeiros.

De acordo com os estatutos da Companhia, cada bloco de 5 ações

equivaleria a 1 voto na Assembléia Geral dos Acionistas, convocada anualmente pelo

diretor da empresa. O artigo 12º do estatuto da Companhia estabelecia que a assembléia

191 Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit. p. 36-37.

107

seria presidida pelo sócio majoritário.192 Desse modo, com a posse de 1.000 ações,

cotadas à época em 300 contos de réis (300:000$000), a província de Minas detinha 200

votos na assembléia, o que possibilitava ao governo mineiro indicar um comissário para

presidir a Assembléia, e, assim, intervir largamente nos negócios da empresa.

O segundo maior investidor da Companhia do Mucuri foi o Banco Rural e

Hipotecário do Rio de Janeiro. Esta instituição – organizada por figuras do relevo de

Irineu Evangelista de Souza, visconde de Mauá; José Pedro da Mota Saião, barão do

Pilar; e João Evangelista Teixeira Leite, o barão de Vassouras – captou 768 ações da

Companhia do Mucuri, cotadas em 240 contos e 400 mil-réis (240:400$000).

O Banco Rural e Hipotecário – assim como o Banco do Brasil, a casa

bancária Mauá MacGregor & Cia. e o Banco Comercial e Agrícola – constituía-se em

um dos principais veículos de concessão de crédito da corte no período aqui

contemplado.193 A participação desta instituição como segundo maior investidor da

Companhia do Mucuri ressaltava a importância que a empresa idealizada por Teófilo

Ottoni possuía na corte. Um outro dado que atesta esta proposição foi a participação do

próprio Banco do Brasil e da Sociedade Bancária Mauá MacGregor & Cia. nos

negócios da Companhia do Mucuri.

Representando um lote de ações cotadas em 180 contos de réis

(180:000$000), Teófilo Benedito Ottoni era o terceiro maior acionista da Companhia do

Mucuri e o maior acionista unitário da empresa. Ao analisar a trajetória financeira do

político liberal a partir da idealização da Companhia do Mucuri em 1847, é possível

notar que Ottoni se tornou um importante negociante da corte. Esta assertiva se

192Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Condições para Incorporação... Op. Cit. p. 19. 193Carlos Gabriel Guimarães. Bancos, Economia e Poder no Segundo Reinado. Op. Cit..; Carlos Gabriel Guimarães. “O Império e os bancos comerciais do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Os casos do banco Mauá MagGregor & Cia., do Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro e do Banco Comercial e Agrícola” . Disponível em http://www.abphe.org..be/congresso1999/Textos/CARL 4B.pdf. Visitado em: 25/29/2008.

108

comprova através de uma série de relações comerciais estabelecidas com Irineu

Evangelista de Souza – sabidamente o maior empreendedor do período aqui

abordado.194

Além de estar associado à Irineu Evangelista na Companhia do Mucuri,

Ottoni também participava ao lado de Mauá na comissão encarregada a aprovar os

estatutos do Banco do Brasil (1851), atuando como secretário da Diretoria. Além deste

empreendimento, Ottoni também foi sócio ao lado de Mauá na Imperial Companhia à

Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis – empresa responsável pela construção da primeira

ferrovia do país. A intensa participação do diretor da Companhia do Mucuri no cenário

econômico da corte rendeu-lhe destaque e prestígio entre os comerciantes de grosso

trato, pois em duas oportunidades (1851 e 1854) Ottoni seria eleito o presidente da

Sociedade dos Assinantes da Praça de Comércio do Rio de Janeiro, além de presidir

entre 1853 a 1855 o Monte Pio Geral.195

Ainda sobre os acionistas da Companhia do Mucuri, é notória a

participação de empresários mineiros, como João Batista Viana Drumond, o barão de

Drumond. Natural de Caeté, o barão de Drumond revelou-se também um importante

empreendedor da corte ao se estabelecer na rua das Violas – um dos pólos de

negociantes de grosso trato da capital do Império. Ao se associar em empreendimentos

do porte da Companhia do Mucuri e da Sociedade Bancária Mauá MacGregor & Cia., a

figura de João Batista se destaca no cenário financeiro das décadas de 1850/60. Em

1856 tornou-se secretário da Companhia de Seguros de Transportes Marítimos e

Terrestres e, no biênio 1858/59, presidiu a Sociedade dos Assinantes da Praça

Comercial do Rio de Janeiro. Além disso, o nome do Barão de Drumond estava ligado à

194 Ao lado de Cristiano Benedito Ottoni, o barão de Mauá captou no mercado 100 ações da Companhia, cujo valor equivalia a quantia de 30 contos de réis (30:000$000). Para uma análise sobre a trajetória de Irineu Evangelista, Cf.: Jorge Caldeira. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.; Carlos Gabriel Guimarães. Bancos, Economia e Poder no Segundo Reinado...Op. Cit. 195 Ibid. p. 159.

109

instalação de companhias de veículos sobre trilhos de ferro na cidade do Rio de Janeiro

e na implantação do zoológico da cidade.196

Além do barão de Drumond, a Companhia do Mucuri contou com o apoio

de ricos proprietários rurais da Comarca do Serro Frio, como foi o caso de Francisco

José de Vasconcelos Lessa – barão de Diamantina – e de Francisco Joaquim de

Menezes, barão de Araçuaí. Este último, segundo Marcos Lobato Martins, era detentor

de uma das maiores fortunas da Comarca do Serro Frio.

A atuação comercial e financeira do barão de Araçuaí é igualmente

reveladora. Em 1867, ano do seu falecimento, Francisco Joaquim de Menezes possuía

um monte-mor avaliado em quase 305 contos de réis (305:000$000), uma das maiores

fortunas da região. Além da Companhia do Mucuri, este rico proprietário também

possuía ações da Companhia União & Indústria – organizada pelo empresário e político

liberal mineiro Mariano Procópio Ferreira Lage – e apólices do Banco do Brasil,

cotadas em 51 contos e 800 mil-réis (51:800$000).197

A atuação do barão de Diamantina e do barão de Araçuaí nos

empreendimentos do Mucuri se justifica pelo interesse que esses grandes proprietários

de terras das comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha tinham em se apossar das

possíveis riquezas que o nordeste mineiro pudesse apresentar. No Relatório aos

acionistas de 1857, o nome do barão de Diamantina apareceu como foreiro em

Filadélfia. Esse dado revela, portanto, o dinamismo de José de Vasconcelos Lessa, pois,

além de detentor de apólices da Companhia do Mucuri, o fazendeiro radicado na

196 Sheila de Castro Faria. “João Batista Viana Drummond”. In Ronaldo Vainfas (dir.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 399-400. 197 A participação de proprietários rurais que fizeram fortuna com a extração mineral e com o comércio de escravos em empreendimentos como a Companhia do Mucuri ilustra a mudança de perfil das atividades econômicas no país ao longo da década de 1850. Em busca de novas fontes de riqueza, “a velha fortuna financiaria a nova”. Jorge Caldeira. Op. Cit. p.225. Fazendeiros como os barões de Diamantina e de Araçuaí, procuraram renovar suas economias investindo em apólices da divida pública e em ações de empresas. Marcos Lobato Martins. “A crise dos negócios do diamante e as respostas dos homens de fortuna do Alto Jequitinhonha”. Estudos Econômicos, São Paulo, 38 (3). jul-set. 2008. p. 630.

110

Comarca do Serro Frio também investia seus recursos na então promissora povoação de

Filadélfia.198

Dispondo da “cooperação” dos indígenas e de um capital de 1.200 contos

de réis (1.200:000$000), a empresa de Teófilo Ottoni finalmente poderia dar cabo a seu

ambicioso projeto. As atividades da empresa começaram efetivamente em 1851. Foi

neste ano que a Companhia começou a empregar capitais na construção de estradas,

núcleos urbanos e de colonização, canais, portos, estalagens e armazéns.

Desse modo, o projeto da Companhia do Mucuri foi um dos pioneiros,

tanto em atividades ligadas à navegação fluvial quanto em atividades ligadas à

construção de estradas. Como já foi mencionado, o projeto principal da empresa visava

oferecer à região das Comarcas do Serro Frio e do Jequitinhonha meios mais cômodos e

dinâmicos para acessar os mercados da corte. Para a concretização do projeto, fez-se

necessário interligar a região de Serro, Diamantina e Minas Novas ao interior do vale do

Mucuri.

Para a navegação de cabotagem entre o litoral do Rio de Janeiro e o da

Bahia, a Companhia adquiriu o vapor Mucury, responsável pela navegação de

cabotagem entre a corte e a vila de São José do Porto Alegre, localizada na foz do rio

Mucuri. Com a criação da navegação de cabotagem realizada pelo vapor Mucury não

beneficiou apenas o comércio da província mineira. No relatório provincial de 1854,

Sebastião Machado Nunes, na época presidente da província do Espírito Santo, relata

que com o vapor Mucury a capital da província teria novamente uma via de acesso ao

Rio de Janeiro pelo litoral.199 Em relação a navegação fluvial, os transportes de

mercadorias e de pessoas eram feitos no pequeno vapor Santa Clara, substituído

198Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit. p. 27. 199 Sebastião Machado Nunes. Relatório apresentado à Assembléia Provincial do Espírito Santo. Em 1854. Vitória: Tipografia de P.A. d’Azeredo, 1854. p. 36.

111

posteriormente pelo vapor Peruípe, conduzido por dois escravos da Companhia200.

Acoplado a duas lanchas de ferro, os vapores fluviais navegavam da foz do Mucuri até a

cachoeira de Santa Clara, em Minas Gerais, onde se seguia por terra em direção ao

interior da província mineira.

No que se refere à construção de vias terrestres, em 1852 já havia sido

iniciada a abertura das primeiras picadas do centro da floresta tropical em direção a

Minas Novas e ao Serro. Um ano mais tarde, iniciou-se a construção das duas estradas

da empresa: a de Santa Cruz ou Alto dos Bois, responsável por ligar Minas Novas a

Filadélfia e a estrada Filadélfia/Santa Clara, construída para interligar o porto de Santa

Clara ao armazém central da Companhia localizado em Filadélfia.

Ao prometer um complexo e moderno sistema de transportes entre Minas

Gerais, Bahia e Espírito Santo a Companhia do Mucuri ganhou destaque no cenário

nacional. Em 1854, ao discursar sobre as querelas em torno do movimento separatista

do sul de Minas, o Honório Hermeto, presidente do Conselho de Ministros, anunciou

que se a província tivesse que ser fragmentada, deveria sê-lo no norte, onde estava em

curso a abertura de estradas a cargo da Companhia do Mucuri.201

O patrocínio do Marquês do Paraná à empresa dirigida por Ottoni revelava

a estreita relação estabelecida entre do presidente do Conselho de Ministros e as

atividades comerciais e financeiras no período da Conciliação.202 A atuação de Honório

Hermeto nos negócios ligados ao fomento da infra-estrutura nacional já chamava a

200 No comando do leme dos vapores fluviais estavam os escravos pai Manoel e pai Antônio, que, segundo o diretor da Companhia, teriam sua alforria concedia após dez anos de “serviços bem prestados”. Ainda segundo Ottoni, a Companhia do Mucuri possuía no total 27 escravos, adquiridos por 31 contos e 596 mil-réis (31:596$000). Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1857.p. 9. (Coleção Assuntos Mineiros) In.: Valdei Lopes de Araujo (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura; Arquivo Público Mineiro, 2007. 201Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit. p. 23-24. 202 Mesmo antes do período da Conciliação Honório Hermeto Carneiro Leão já havia se tornado sócio dos empreendimentos de Irineu Evangelista. Em 1852 o então visconde do Paraná entrou paras o grupo de acionistas da Estrada de Ferro de Petrópolis. Maria Cristina Nunes Ferreira Neto. Op. Cit. p.164.

112

atenção de Joaquim Manuel de Macedo. Ao descrever a biografia do Marquês do

Paraná, o autor do Ano Biográfico Brasileiro ressaltou que a atuação política de

Honório Hermeto era tão pujante que ofuscava o seu envolvimento nas atividades

comerciais e financeiras durante a década de 1850: “O imenso esplendor político do

Marquês do Paraná eclipsa seus grandes serviços administrativos no ministério de 1853

a 1856, como os que prestou à Estrada de Ferro D. Pedro II e à diversas companhias

industriais e de colonização”.203

A opinião do presidente do Conselho de Ministros saltou aos olhos do

diretor da Companhia do Mucuri. Para Teófilo Ottoni a criação de uma nova província,

como havia ocorrido com a criação do Paraná e do Amazonas, daria maior visibilidade

aos projetos da Companhia. Desse modo, Ottoni procurou propagandear na imprensa e

nos relatórios aos acionistas a idéia da criação de uma nova província no império.

De acordo com Ottoni, a nova província deveria abranger a Comarca do

Jequitinhonha e parte das Comarcas de do São Francisco e do Serro Frio em Minas; as

comarcas de Caravelas e Porto Seguro, na Bahia e a Comarca de São Mateus, no

Espírito Santo.204 Na Circular de 1860, o político mencionou que para concretizar o

projeto da nova província, seria necessário “absorver a princesa dos Abrolhos

[Caravelas] na pátria de Tiradentes”.205

Entusiasmado com a idéia da nova província, o político chegou até mesmo

a escrever sobre o nome da nova unidade territorial do Império. Para a nova província

Ottoni sugeriu nomes como Província de Porto Seguro, Província de Santa Cruz,

Província do Mucuri, Província do Jequitinhonha ou Província de Minas Novas. Além

do nome, o político liberal preocupou-se também em cogitar em que cidade seria

203Joaquim Manoel de Macedo. Ano Biográfico Brasileiro. 3º vol. Rio de Janeiro: Tipografia e Litografia Imperial Instituto Artístico, 1876. p. 23-24. 204 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri em 18 de outubro de 1857. Rio de Janeiro Tip. Imp. e Const. De J. Villeneuve, 1857. p. 14-15. 205Teófilo Benedito Ottoni. Circular...Op. Cit. p. 363.

113

instalada a capital do novo governo. Para Ottoni, Caravelas e Minas Novas seriam fortes

candidatas para sediarem a capital da “nova estrela” na constelação das províncias do

Império.206

Por mais utópico que fosse o discurso do diretor da Companhia do Mucuri,

o mesmo noticia no seu relatório anual de 1857 que em 1856 o deputado Antônio

Gabriel de Fonseca Paula Souza – sócio da Companhia do Mucuri – apoiado por um

deputado da região de Minas Novas, apresentou formalmente o projeto de criação da

nova província na câmara dos deputados.207

Além do projeto ter sido apresentado na Câmara, a idéia da nova província

também agradava a vereança das comarcas que integrariam o suposto território.

Contudo, com a morte do Marquês do Paraná em 1856, a idéia perderia o seu mais

poderoso entusiasta. Com a ascensão do Gabinete de 04 de maio de 1857, Pedro de

Araújo Lima, Marquês de Olinda, então presidente do Conselho de Ministros, ponderou

que a proposta deveria ser melhor estudada.208 Ao que parece a posição do Marquês de

Olinda fez esmorecer a idéia da nova província, pois a mesma já não possuía

sustentação política suficiente para ser levada a cabo, e por isso, perdera força a partir

de então.

Quanto aos empreendimentos da empresa, a construção das estradas

mostrou-se um entrave para a Companhia. Para que fosse possível a circulação de carros

de quatro eixos pelas estradas da empresa foram projetadas as vias de comunicação

mais modernas até então construídas no país. No projeto da Companhia as estradas

deveriam possuir 20 palmos de largura, cuja angulação não poderia exceder a inclinação

206Teófilo Benedito Ottoni. Companhia do Mucuri. História da empresa, importância de seus privilégios, alcance dos seus projetos. Op. Cit. p.26. 207 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit.. p.15 208 Ibid.

114

de 5%. Previa-se também a construção de pontes, pontilhões, boeiros, aterros e a

derrubada de três braças de floresta dos dois lados do percurso.

Na construção das vias de comunicação por terra, o diretor da Companhia

do Mucuri deu especial atenção à estrada Filadélfia/Santa Clara. Para construir a

estrada, em 1852 Teófilo Ottoni empreitou os serviços de parentes. À frente da obra de

construção dessa via estava o seu irmão, Augusto Benedito Ottoni, seu primo, Manuel

Esteves Ottoni, e o seu cunhado, Joaquim José de Araújo Maia.209

Vimos até aqui que a conquista da selva tropical exigiu do diretor da

Companhia do Mucuri a utilização de estratagemas que garantiram o apoio das

populações autóctones. Além disso, a empresa se robusteceu através das mudanças

trazidas pelo corpus legislativo de 1850 e pelo período da Conciliação. Resta-nos saber

ainda como se racionalizou a construção das obras de infra-estrutura da Companhia,

bem como entender o significado da instalação de Filadélfia e do processo de imigração

estrangeira no vale do Mucuri.

209 A participação da família Ottoni no empreendimento da Companhia do Mucuri não se resumia a apenas na construção das estradas. Além da estrada, Augusto Ottoni, Manuel Esteves e Araújo Maia aparecem como proprietários de vários fogos no núcleo urbano de Filadélfia. Assim que foi instalada a Companhia, Augusto Benedito Ottoni e sua família instalaram-se em Filadélfia. Além de chefiar a construção da estrada Santa Clara/Filadélfia, o irmão do diretor da Companhia do Mucuri exerceu a função de comissário da Companhia do Mucuri em Filadélfia, além de ocupar o cargo de Diretor dos Índios do Mucuri. Manuel Esteves Ottoni, primo do diretor da Companhia, também serviu à empresa atuando como médico em Filadélfia e em Santa Clara. Joaquim José de Araújo Maia, cunhado de Teófilo Ottoni, instalou-se no Mucuri destinando parte dos seus recursos amealhados em fazendas de café em Valença e Itapemirim para coadjuvar no processo de ocupação deste território, seja através da organização de grupos para a construção das estradas, criação de fazendas ou no trato do comércio entre a capital do Império e o nordeste de Minas. Todos eles possuíam fazendas na região do Mucuri e aforamentos em Filadélfia. Cf. Laís Ottoni Ferreira Barbosa. Os Ottoni: descentes e colaterais. Rio de Janeiro: L.O.B. Ferreira, 1998. p. 270-271; Maria Cristina Nunes Ferreira Neto. Op. Cit p. 182. passim; RELATÓRIO apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri por Teófilo Benedito Ottoni em 15 de outubro de 1857. Op. Cit. p.27-32.; Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe [1859]. Op. Cit.

115

Capítulo 3 - A Formação de Filadélfia e a Colonização Estrangeira

I - A Filadélfia do sertão

Com a venda dos primeiros lotes de apólices, os idealizadores da

Companhia do Mucuri lançaram-se na árdua empreitada de construir a infra-estrutura da

empresa no interior da floresta tropical atlântica. Além das picadas construídas por

aquilo que Ottoni chamou de “a vanguarda do exército de invasão”210, os engenheiros

da Companhia do Mucuri também aproveitaram as antigas rotas criadas há séculos pela

população autóctone e as picadas abertas no interior da selva desde a expedição do

coronel Bento Lourenço em 1816. Esses caminhos foram os primeiros a servirem de

guia para a construção das futuras vias de comunicação entre o norte de Minas ao litoral

adjacente.

Foram abertas picadas em direção à região do Peçanha, próximo ao rio São

Mateus; em direção ao Alto dos Bois, caminho para Calhau (atual Araçuaí), Minas

Novas e Serro. Outras vias também se ramificaram pelo vale do rio Todos os Santos, a

fim de ligar o porto fluvial de Santa Clara aos armazéns centrais da Companhia.

Paralelamente à construção da infra-estrutura da Companhia, a

administração pública criou condições para reunir em aldeamentos a temida população

indígena que vivia dispersa ao longo do vale. Para tanto, foi criada em Filadélfia a

Direção dos Índios do Mucuri, chefiada por Augusto Benedito Ottoni. Para garantir a

segurança dos transeuntes e dos colonos que seriam estabelecidos entre Filadélfia e

Santa Clara, o decreto de 24 de maio de 1854, expedido pelo Ministério do Império,

ordenou a criação de uma Colônia Militar, estabelecida inicialmente no rio São Mateus

e depois transferida para as margens do rio Urucú. O efetivo militar da recém-criada

210 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri...Op Cit., p. 4.

116

colônia era composto por 31 indivíduos , sendo 1 major,1alferes,1 cirurgião, 1 sargento,

1 cabo e 26 soldados).211

No que se refere à empreitada colonizadora promovida pela Companhia do

Mucuri, verifica-se que fora traçado um novo modelo de ocupação urbana em Minas

Gerais. Se a expansão das fronteiras de Minas nos séculos XVIII e XIX se deu através

de um amplo processo de busca de terras minerais e agricultáveis,212 na experiência

colonizadora iniciada em 1847 por Teófilo Benedito Ottoni a terra seria usada como

mercadoria para chamar a atenção de fazendeiros, tropeiros, colonos nacionais e

estrangeiros para uma nova fronteira que se abria na região do Mucuri. No centro desse

novo modelo de empreendimento a Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri se

colocava como responsável pela criação de núcleos urbanos no interior da Mata

Atlântica, como ocorreu com as povoações de Filadélfia e de Santa Clara.

No relatório apresentado aos acionistas em 1857, o diretor da Companhia

informou-lhes sobre o aumento da quantidade de indivíduos que se dirigiam para o

interior do vale do Mucuri. Com isso, a empresa coordenada por Teófilo Ottoni

impulsionou o processo de expansão – já em andamento – nas cercanias do vale.

Segundo Frei Olavo Timmers, desde 1851 Teófilo Ottoni tinha emitido uma circular a

vários fazendeiros da região do Termo de Minas Novas a fim de atraí-los para a região

211 De acordo com o decreto, cada soldado da colônia poderia receber glebas de 100 braças em quadro. Cf.: Herculano Ferreira Pena. Relatório de 1856. Ouro Preto, Tip. do Bom Senso, 1856. p. 11-12. 212 Para uma leitura clássica sobre os primeiros movimentos de expansão das fronteiras em Minas Cf.: Sérgio Buarque de Holanda. “Metais e pedras preciosas”. In.: História Geral da Civilização Brasileira. vol. 2, t. II. Rio de Janeiro; São Paulo: Difel, 1977; Sobre a expansão do comércio e agricultura ver também: Cláudia Maria das Graças Chaves. Perfeitos Negociantes: mercadores das Minas setecentista. São Paulo: Annablume, 1999; Francisco Eduardo Andrade. “A conversão do Sertão: capelas e a governamentalidade nas Minas Gerais. In. Varia História. vol. 23, nº 37. jan-jun, 2007. 151-166. Francisco Eduardo Andrade. Entre a Roça e o Engenho: roceiros e fazendeiros nas Minas Gerais do século XIX. Viçosa: Editora UFV, 2008. Renato Pinto Venâncio. “Comércio e Fronteira em Minas Gerais Colonial”. In: Júnia Ferreira Furtado (Org.) Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.

117

do Mucuri. Para tal, Ottoni ofereceu-lhes terras para serem afazendadas nas imediações

das estradas de rodagem que a empresa construía.213

De acordo com Teófilo Ottoni, ao longo do rio Setúbal – na região

conhecida como Mestre de Campo, distante quatro léguas de Filadélfia – instalaram-se

13 famílias de fazendeiros de “grande força”, todas pertencentes ao núcleo familiar do

quartel-mestre Antônio Coelho da Silva.214 Esse núcleo familiar, segundo Ottoni, era

um dos que se enriquecia no Mucuri – estimava-se que este possuía um patrimônio que

avultava a cifra de 400 contos de réis (400:000$000). Conforme o Relatório anual de

1857, somente os familiares de Coelho da Silva, juntamente com o seu plantel de

escravos, somavam uma população de 400 indivíduos que passaram a habitar a região

do Mucuri.215

A família Gomes Leal constituiu-se em um outro núcleo familiar que se

expandiu em direção ao interior do vale do Mucuri. Os dois chefes dessa família

estabeleceram-se na região de Trindade, localizada ao sul de Filadélfia, onde a

Companhia havia aberto uma picada em 1852 para conectar o interior do vale à região

do Serro.216 De acordo com Teófilo Ottoni, os irmãos João Gomes Leal e Casimiro

Gomes Leal também ampliaram seus negócios através da incorporação da empresa

colonizadora. Como observamos no capítulo anterior, essa família já havia se instalado

nas bordas da Mata Atlântica e já realizava contatos amistosos com os nativos – isso

ainda quando Teófilo Ottoni realizava sua primeira expedição ao Mucuri. Segundo o

213 Frei Olavo Timmers, O.F.M. Teófilo Benedito Ottoni, pioneiro do nordeste mineiro e fundador da cidade de Teófilo Otoni. Divinópolis: Gráfica Santo Antônio, 1969. p. 21. 214 No relatório apresentado ao governo provincial em 1837, o engenheiro francês Pedro Victor Renault informou que Antônio Coelho da Silva, dono da fazenda Conceição, era um rico fazendeiro, possuidor de “mais de cento e tantos cativos”. De acordo com o relatório Renault, Coelho da Silva buscava criar uma estrada até a foz do rio Mucuri, utilizando para tal a antiga picada aberta em 1816 pelo Coronel Bento Lourenço Vaz de Abreu e Lima. Cf.: Pedro Victor Renault. “Exploração dos Rios Mucuri e Todos os Santos e seus afluentes – feita por ordem do governo da Província pelo engenheiro Dr. Pedro Victor Renault. Org. e col. por León Renault. Revista do APM. Op. Cit., p. 1079-1080. 215 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit., p.18. 216 Idem.

118

Relatório anual de 1857, os Gomes Leal pretendiam participar do comércio no Mucuri

fundando fazendas e atuando no mercado de tropas entre Filadélfia e a região de

Trindade.217

Ao analisar a lista dos aforamentos de Filadélfia no ano de 1857, notamos

que várias famílias colaboraram para na ocupação efetiva do vale do Mucuri e da nova

povoação. Além da família Ottoni que possuía cerca de 19% de um total de 132 fogos,

aparecem na lista o fazendeiro Antônio Coelho da Silva e os irmãos Gomes Leal Além

desses, destaca-se também a família Araújo Maia, com quatro fogos e a família Pego,

com dois.218

Para efetivar o projeto de ocupação do Mucuri, tornava-se patente a

necessidade de criar núcleos de colonização. Caso contrário seria impossível usufruir

das terras concedidas pelo governo central. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de

Holanda ressaltou que a importância da edificação de núcleos urbanos é indispensável

para o controle das regiões de conquista – como era o caso do vale do rio Mucuri.

Baseado em Max Weber, o autor afirma que no processo de ocupação de um território, a

urbanização torna-se o mais duradouro e eficiente meio de posse deste território.219 Daí

a necessidade de se construir um núcleo urbano capaz, ao mesmo tempo de servir de

meio para colonização e de servir centro comercial da Companhia do Mucuri.

O primeiro núcleo de povoamento criado pela Companhia do Mucuri foi

batizado com o nome de Filadélfia. Com este nome Teófilo Ottoni fazia uma clara

alusão à homônima norte-americana – o nome já havia sido cogitado pelo diretor da

empresa ainda em 1847. Na Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri, o político liberal

chegou a comparar a sua empreitada com o processo de colonização ocorrido na região

217 Ibid.p.18 218 Ver anexo III. 219 Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. vol. 3. p. 1003. (Coleção Intérpretes do Brasil)

119

da Pensilvânia, Estados Unidos. A semelhança encontrada por Ottoni se dava pelo

exemplo colonizador verificado na região da colônia quaker de Filadélfia,220 onde os

índios foram cooptados a auxiliar no processo de colonização: “Assim começou nos

Estados Unidos a ocupação da Pensilvânia. Sorriu-me a analogia, e aceitando o

auspicioso fausto, tomei posse da minha Filadélfia [...]” 221

Outra explicação possível para o topos pode ser encontrada na própria

história da homônima norte-americana.222 Como se sabe, Filadélfia, durante os anos de

1774 e 1775, reuniu os principais líderes do pensamento liberal norte-americano, esta

cidade, como sabemos foi o centro irradiador das idéias liberais que regeriam a

Revolução Americana de 1776.

Para Valdei Araujo, a origem do nome Filadélfia é dual. Para o historiador,

o primeiro significado da palavra deriva dos ideais de liberalismo norte-americano; o

segundo significado pode ser explicado através da origem etimológica da palavra,

Filadélfia, amor fraterno. O autor indica que a análise etimológica pode ser uma

interpretação viável, isso porque os principais sócios da Companhia do Mucuri eram

parentes de Teófilo Ottoni, daí o caráter familiar e patrimonial da empresa.223 Joaquim

Ribeiro da Costa – autor da Toponímia de Minas Gerais – também sustenta a tese de

que a origem do nome Filadélfia associa-se à etimologia da palavra, o que reforça o

argumento de Araujo.224

De acordo com Valdei Araujo, a atuação de Teófilo Ottoni e a construção

de Filadélfia foi produto da chamada imaginação transformadora. Para o autor, este

fenômeno – característico da passagem do século XVIII para o XIX – não deve ser 220 Teófilo Benedito Ottoni. Notícia Sobre os Selvagens do Mucuri. Op. Cit. p. 62.; Warren Dean. A Ferro e Fogo. Op Cit. p.174 221 Teófilo Benedito Ottoni. Notícia... p. 62. 222 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Op. Cit., p. 57. 223 Ibid. p. 63. 224 Joaquim Ribeiro da Costa. Toponímia de Minas Gerais. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 1997. p. 448

120

confundido com algum tipo de imaginação romântica subjetivamente interiorizada; deve

ser visto, entretanto, como uma vontade de ação e de ordenamento da natureza, quase

como uma forma de compreensão ou fuga das dificuldades de ação nas as sociedades

humanas.225 Assim, “somente o espaço virgem e selvagem lhe possibilitaria dar vazão

ao gesto criador. Criação total, absoluta, são essas as condições para a imaginação

dominar a ação e torná-la possível”.226

Ao investigar o processo de proto-urbanização de Minas Gerais nos

séculos XVIII e XIX, Sérgio da Mata produziu uma tipologia do modo de ocupação

territorial da capitania/província mineira. Para o autor, no que se refere às questões

estritamente econômicas, a formação das cidades mineiras pode ser compreendida a

partir de três modalidades principais: mineração, comércio e cidade-

empreendimento.227Ao analisarmos a trajetória da criação de Filadélfia, observamos que

a mesma não se enquadra nas duas primeiras categorias sugeridas por Sérgio da Mata,

pois foram as atividades da Companhia do Mucuri que deram impulso ao projeto de

construção desta povoação. Conforme o autor,

Em Filadélfia [...] deu-se algo novo. O nascimento desta cidade não correspondeu nem às demandas do homo religiosus nem às do homo ludens. Trata-se do primeiro caso de cidade-empreendimento na história de Minas. Seu espaço urbano associa-se diretamente à empresa capitalista, e não à “loteria” da mineração.228

Neste sentido, acreditamos que a formação da “cidade-empreendimento”,

descrita por Sérgio da Mata, é fruto da imaginação transformadora que emergiu na

passagem do setecentos para o oitocentos, como ressaltou Valdei Araujo.

225 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista...Op. Cit, p. 60. 226 Ibid .p. 60. 227 Sérgio da Mata. Chão de Deus: catolicismo popular, espaço e proto-urbanização em Minas Gerais, Brasil. Séculos XVIII-XIX. Berlim: Wiss. Verl. Berlim, 2002. p. 175. 228 ibid, p. 181.

121

Acreditamos que a escolha do local para a construção do novo núcleo

urbano atesta o que afirmamos a pouco. Para dar fluidez ao comércio das Comarcas do

Serro Frio e do Jequitinhonha, Filadélfia deveria ser construída em local plano, onde

pessoas e mercadorias poderiam ser deslocadas de forma rápida e dinâmica. Assim, o

terreno escolhido para a nova povoação foi uma planície às margens do rio Todos os

Santos, próxima ao rio Mucuri – região que em 1836 já havia sido apontada pelo

engenheiro Pedro Victor Renault como propícia para a construção de uma colônia de

degredados.229

Ao traçar a trajetória de alguns perfis republicanos em Minas Gerais, José

Murilo de Carvalho ressaltou que a modernização e o espírito republicano em Minas

manifestou-se de forma mais contundente através da criação de cidades como Filadélfia,

Belo Horizonte e Brasília.230 Dessa forma, o pioneirismo, o empreendedorismo, o gosto

pela mudança e o gosto pelo progresso seriam fruto do espírito “modernizador e

republicano” presentes nos projetos de Teófilo Ottoni, João Pinheiro e Juscelino

Kubitscheck. Para José Murilo de Carvalho, a construção das cidades de Filadélfia

(1853), Belo Horizonte (1897) e de Brasília (1960) são marcos indeléveis da Minas

moderna.231

Encravada no interior da floresta tropical, Filadélfia constituiu-se no

núcleo urbano “mais interno” da província de Minas Gerais.232 Se em 1847 a região

ainda era pouco conhecida até mesmo dos moradores do Termo de Minas Novas, a

partir de 1853 o vale do rio Mucuri seria palco de um ambicioso projeto de ocupação

territorial pioneiro na história urbana de Minas Gerais.

229 Pedro Victor Renault. “Exploração dos Rios Mucuri e Todos os Santos e seus afluentes...Op. Cit. 230 José Murilo de Carvalho. “Trajetórias Republicanas”. In.: Revista do APM. Belo Horizonte, ano XLIV, nº. 2. p. 32. 231 Idem. 232 José Cândido Gomes. Relatório de Liquidação da Companhia do Mucuri. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1862. p. 34.

122

Nos relatórios emitidos periodicamente para os acionistas da Companhia e

na documentação emitida anualmente pelos presidentes de província, encontramos ricas

referências sobre o processo de proto-urbanização do vale do Mucuri, bem como das

características urbanas da nova Filadélfia. Além dessa documentação, os relatos das

viagens realizadas em 1858 e 1859 por Johan Jokob von Tschudi e Robert Avé-

Lallemant, mostraram-se profícuos devido a sua riqueza de detalhes.233 A análise dessas

fontes demonstram que a história da proto-urbanização de Filadélfia contrastava com o

modelo de ocupação até então estabelecidos nos antigos arraiais auríferos e

diamantinos.234 Neste sentido, a posse do território foi patrocinado pelas atividades do

projeto da “cidade-empreendimento”, do desflorestamento da Mata Atlântica, da

construção de núcleos urbanos, de fazendas, do alinhamento das estradas e da estrutura

hidroviária da Companhia da Companhia do Mucuri.

No relatório da presidência de província de Minas de 1853 encontramos

um ofício encaminhado por Teófilo Ottoni ao então presidente Luiz Antônio Barbosa.

Nesse documento o diretor da Companhia diz “estar firme” no “desideratum” da efetiva

ocupação das terras concedidas à empresa que dirigia.235 Ao descrever as atividades da

Companhia, Ottoni nos fornece o georeferenciamento da região destinada à construção

da nova Filadélfia:

Filadélfia situada entre dois consideráveis confluentes do Todos os Santos, com uma planície de mais de duas léguas levantada toda 3 a 4 braças do nível do rio – é uma belíssima situação, que em breve deve ser o principal centro de todo o comércio do norte de Minas. Aí, como já informei a V. Exc. devem existir os armazéns superiores da Companhia do Mucuri. A salubridade do clima,

233 Para uma importante análise sobre os relatos de viajantes europeus no Mucuri, Cf.: Regina Horta Duarte. “Olhares estrangeiros: viajantes no vale do Mucuri”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 44, p. 267-288. 234 A este respeito, Cf.: Sérgio da Mata. “O espaço do poder”. Revista do APM. Belo Horizonte, ano XLII, n.º2, julho-dezembro de 2006; Cláudia Damasceno Fonseca. Rossios, chãos e terras. Revista do APM. Belo Horizonte, ano XLII, n.º2, julho-dezembro de 2006. 235 Teófilo Benedito Ottoni. Ofício encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa presidente da província de Minas Gerais. In: Luiz Antônio Barbosa. Relatório de 1853. Ouro Preto, Tipografia do Bom Senso, 1853. (Documentos anexos). p. 1.

123

e excelência das terras, que em fertilidade rivalizam com as melhores que há no Brasil [...] me determinarão a considerar desde já aquele ponto como um dos mais importantes para a empresa do Mucuri.236

Para construir os acessos que ligariam o norte de Minas e o litoral à região

de Filadélfia foi necessário derrubar uma densa floresta que ocupava o seu entorno. Para

tal, Teófilo Ottoni confiou tais serviços a amigos e a seus parentes. Dentre estas

personalidades destaca-se, por exemplo, a figura de Francisco José de Vasconcelos

Lessa, futuro barão de Diamantina – já mencionado em nossa exposição. Além de

contribuir para a compra das apólices da Companhia do Mucuri, Vasconcelos Lessa

participava das atividades da empresa dirigida por Teófilo Ottoni desde 1853. Este dado

nos que o projeto do Mucuri obteve um significativo apoio da elite regional de

Diamantina, Serro, Calhau e Minas Novas. Sobre esse aspecto cabe dizer, segundo

Araujo, que fazendeiros e empresários da região das Comarcas do Serro Frio e do

Jequitinhonha na busca de alternativas econômicas, identitárias e políticas

compartilharam um projeto de desenvolvimento regional via agricultura de

exportação,237 daí o apoio de afortunados fazendeiros como Francisco Vasconcelos

Lessa.

No ofício de 23 de março de 1853, o diretor da Companhia revelou os

nomes dos empreiteiros que utilizavam seu plantel de escravos para coadjuvar na

conquista do Mucuri. Neste documento, Ottoni enumera a região que cada um desses

empreiteiros atuaram na derrubada da floresta para o posterior alinhamento das estradas

da Companhia:

[...] os Srs. coronel Francisco José de Vasconcelos Lessa e José Cândido de Castro Lessa – no Poton, os Srs. Joaquim José de Araújo Maia, Augusto Benedito Ottoni – no Felicíssimo o Sr. José Joaquim de Souza – no S. Francisco o Sr. Francisco José de Souza – no S. Jacinto o Sr. Antônio Moreira de Coelho

236 Ibid. p. 2. 237 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit. p. 27. passim.

124

Loureda – além de outros mais distantes do Sr. João Barbosa de Oliveira, e do Sr. Joaquim Pereira da Silva no ribeirão – Quarta-feira – e no Poté.238

No que se refere à racionalização das atividades de infra-estrutura da

empresa, Teófilo Ottoni dividiu os trabalhos em três frentes distintas. Para a primeira

seção, o diretor da Companhia nomeou como “caixa e administrador geral” o seu irmão

Augusto Benedito Ottoni. Como administrador da primeira seção, Augusto Ottoni

deveria planejar quais seriam as picadas abertas em direção à região do Alto dos Bois –

Minas Novas e Calhau – e em direção à região de Trindade – Serro e Diamantina. Além

disso, Augusto Ottoni ficou responsável também pela construção dos armazéns centrais

da Companhia e pela criação de pastagens e de roças de milho no terreno em que seria

formada a futura povoação de Filadélfia. Para o seu auxílio, o diretor da Companhia

contratou os serviços técnicos do engenheiro alemão Roberto Schlobach.239

A segunda seção ocupou-se de alinhar a estrada entre Filadélfia e a

cachoeira de Santa Clara. Na organização dessa obra estava o cunhado de Teófilo

Ottoni, Joaquim José de Araujo Maia; este, auxiliado pelo engenheiro Oscar Henning,

empregou 58 escravos – alugados pela Companhia a um valor unitário de duzentos mil-

réis (200$000) anuais.240

A terceira e última seção, de acordo com diretor da Companhia do Mucuri,

“compreende a superintendência de tudo quanto se faz de Santa Clara até a Vila de São

José do Porto Alegre”.241 Dessa forma, o grupo coordenado pelo Dr. Manoel Esteves

Ottoni deveria construir as instalações da Companhia em Santa Clara e trabalhar na

desobstrução do rio Mucuri que o vapor Santa Clara – construído às margens do rio

238 OFÍCIO encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa... p. 2 239 Ibid. p. 3. 240 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit., p. 43. 241 OFÍCIO encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa...p.3.

125

Mucuri a um custo aproximado de 26 contos de réis (26:000$000)242 – pudesse navegar

livremente. Para a construção dos estaleiros no porto fluvial de Santa Clara e no porto

marítimo de São José de Porto Alegre, foi contratado o mestre Gabriel Ferreira da Cruz,

amigo de Teófilo Ottoni e experiente construtor de estaleiros no Rio de Janeiro.243

Além ser o responsável pela administração do caixa da 2ª e da 3ª seção das

obras empreitadas pela Companhia do Mucuri, Manoel Esteves Ottoni, que era médico,

encarregou-se também de instalar uma botica e um hospital na região de Santa Clara.244

A instalação da referida botica fez-se necessária devido às “febres intermitentes” que

poderiam assolar a região na época das cheias do rio Mucuri. Esta medida visava o

pronto atendimento contra as doenças que poderiam vitimar a população que se

instalavam nas regiões que margeavam o rio Mucuri.

Com os avanços das obras de infra-estrutura no interior da Mata Atlântica,

já era possível traçar a construção do núcleo urbano de Filadélfia. Desse modo, no dia 7

de setembro de 1853, Teófilo Ottoni fundou a primeira povoação mineira concebida sob

aos moldes daquilo que Sérgio da Mata denominou de “cidade-empreendimento”. O

traçado urbano da povoação, como já mencionamos, foi de autoria do engenheiro

alemão Roberto Schlobach, que concebeu o projeto com a ajuda do próprio Teófilo

Ottoni.

242 Em 1853 o engenheiro Cristiano Benedito Ottoni e o engenheiro inglês John Barnet Humphreyis estudaram as condições de navegabilidade do rio Mucuri. O irmão de Teófilo Ottoni ficou responsável em analisar o fluxo das águas do rio, já Humphreyis, em produzir uma planta do rio Mucuri. O engenheiro inglês aconselhou ao diretor da Companhia do Mucuri que o rio deveria ser desobstruído. Para tal serviço, Ottoni contratou os trabalhos de Domingos Viegas Lopes que retirou do rio Mucuri mais de 300 toras de madeira que obstruíam a passagem de navios a vapor. Cf.: OFÍCIO encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa... p. 3-4. 243 OFÍCIO encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa... p. 2. 244 A botica foi abastecida principalmente com quinino, produto utilizado pela farmacopéia do período para o tratamento das “febres intermitentes”. OFÍCIO encaminhado pelo Diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni em 23 de março de 1853 ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Luiz Antônio Barbosa.... p.3

126

Figura 4: Planta da colônia de Filadélfia traçada pelo engenheiro Roberto Schlobach

Fonte: Frei Olavo Timmers, O.F.M. Theophilo Benedicto Ottoni: pioneiro do nordeste mineiro e Fundador da cidade de Teófilo Otoni. Divinópolis: Gráfica Santo Antônio, 1969.

127

No relatório da presidência de província de 1854 encontramos a tradução

do rico relatório que o engenheiro alemão apresentou ao diretor da Companhia do

Mucuri. Nele, Schlobach fez uma análise técnica do traçado urbano de Filadélfia,

detalhando o local, as dimensões dos principais prédios da Companhia e o formato do

arruamento do mais novo núcleo urbano de Minas Gerais. Face à riqueza de detalhes,

cabe aqui reproduzir a descrição do engenheiro um pouco mais detalhadamente:

A Praça do Mercado (A) tem 75 braças de comprimento sobre 50 braças de largura; o seu limite meridional é formado pelos ranchos e armazéns I, II, III; ao sul da praça, marquei em linha reta a ponto VIII; eu penso que a nova estrada de Santa Clara poderá facilmente ser dirigida aí, porquanto o vale (M) ao lado sul do rio oferece uma extensão mui vasta; a rua grande cai perpendicularmente sobre os armazéns e ranchos; em linha reta do norte para o sul encontra uma pequena ponte (X), e desemboca no grande, belo, e largo vale perto da ponte velha. Igualmente ao sul o vale oferece largo e apropriado espaço, se em tempo ulterior for preciso prolongar a rua grande.

Os ranchos II e III tem cada um 10 braças e outro 8. Os armazéns têm 8 braças em quadro; a rua (a) vai desembocar nas montanhas; estas são um tanto íngremes na linha reta da rua, porém tem uma magnífica chapada no cume.

O nº. IV é a casa do empregado (Sr. Augusto), o nº V a olaria que está trabalhando já a algum tempo o morro contíguo tem no cume suficiente espaço para dois ou três edifícios vistosos, de que V. S. está perfeitamente inteirado, marquei ali a Igreja.245

De posse dos dados técnicos apresentados, é possível, portanto,

reiterarmos: a construção de Filadélfia marcou uma nova experiência urbana em Minas

Gerais. Para Teófilo Ottoni a modernização de sua província estaria vinculada também à

transformação do mundo urbano; afastando, assim, o seu projeto daquilo que José

Murilo de Carvalho denominou de paroquialismo da Minas agrária.246 Dessa forma, a

povoação fora concebida, estritamente, aos moldes racionais, onde a espontaneidade

deu lugar ao planejamento; as ruas transversais da nova povoação cortam todas em

ângulo reto, a rua principal. 247

245 Roberto Schlobach. Tradução do relatório apresentado ao Diretor da Companhia do Mucuri.. Filadélfia, 17 de outubro de 1853. In. Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. Relatório de 1854. Ouro Preto, Tipografia do Bom Senso, 1854. p. 11 246 José Murilo de Carvalho. “Trajetórias Republicanas”. Op. Cit., p. 29 247 Sérgio da Mata. Chão de Deus...Op. Cit., p. 181.

128

No relatório do engenheiro Roberto Schlobach, percebemos claramente,

que Teófilo Ottoni influenciou o traçado da nova povoação. O diretor da Companhia do

Mucuri instruiu, portanto, o seu engenheiro para que a Estrada Santa Clara/Filadélfia e

a estrada Poté desembocassem na rua principal e convergissem para a praça central de

Filadélfia – o que facilitaria, assim, a circulação das mercadorias transportadas pelos

carros de quatro eixos, que seriam futuramente construídos nas oficinas de Filadélfia e

de Santa Clara.248

Por se diferenciar dos arraiais mineiros,249 no centro da povoação de

Filadélfia não haveria nenhuma construção de templo religioso, mas sim de os prédios

da administração e os empórios da Companhia do Mucuri. O local destinado à capela

era uma pequena elevação localizada na lateral da chamada Praça do Mercado. Na

figura 4 – uma representação do arraial de Filadélfia de 1860 do colono alemão Albert

Schirmer – é possível observar mais detalhadamente o local reservado para a construção

da capela católica. Embora não estivesse nos propósitos dos idealizadores da “cidade-

empreendimento”, o deslocamento da capela para fora da Praça do Mercado ia ao

encontro do havia sido apregoado pelas Constituições Sinodais do Arcebispado da

Bahia. Essas Constituições – instituídas pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide

em 1708 e publicadas em Coimbra em 1720 – determinavam que nos adros das igrejas

ou das capelas “não se façam feiras, ponham tendas, nem se compre e venda, ou

apregoe coisa alguma [...] e que não façam quaisquer outros contratos, escambos ou

escrituras”.250 Como se sabe, essas determinações religiosas eram largamente

descumpridas, pois os adros das igrejas e das capelas coincidiam com os locais centrais

248 Roberto Schlobach. Tradução do relatório apresentado ao Diretor da Companhia do Mucuri...Op. Cit. 249 Sérgio da Mata. Chão de Deus...Op. Cit. 250 D. Sebastião Monteiro da Vide. Primeiras Constituições Sinodais do Arcebispado da Bahia. Livro XXIX, 738. Coimbra: Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1720. p. 282.

129

da povoação, sabidamente o local em que toda sorte de atividades comerciais eram

feitas.

Figura 5: Filadélfia em 1860

Filadélfia em 1860. Quadro de Albert Schirmer. Prefeitura Municipal de Teófilo Otoni. Apud Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni: ministro do povo. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1978.

130

Com o avanço da urbanização de Filadélfia, a localidade passou a ocupar

maior espaço nas preocupações de Ottoni, que estabeleceu, assim, uma estreita relação

de afinidade com a povoação.251 Em 1854, ao defender a criação de uma nova província

no Império, Teófilo Ottoni chegou a apontar Filadélfia como possível sede da nova

unidade provincial. Embora houvesse apontado Caravelas e Minas Novas como

possíveis sedes para a nova província, o político demonstrava nitidamente a sua

predileção por Filadélfia. Para o diretor da Companhia do Mucuri a singularidade do

traçado urbano da “cidade-empreendimento” favorecia a instalação da nova sede

provincial:

Mas lá surge também com suas pretensões a nascente Filadélfia, e tem tal fé na sua estrela, que já denomina Praça do Governo – um quadrado de 50 braças de lado em uma planície elevada, e em frente a um lanço do rio que vai ficar retilíneo na extensão de 700 braças. O agente da Companhia não tem permissão para aforar terrenos na praça do Governo, porque uma de sua faces está destinada ao palácio da presidência da província, outro para o paço da assembléia provincial, e outra para o paço da câmara municipal.252

Além de ser a capital da suposta província, a estrada que saía de Filadélfia

em direção ao porto de Santa Clara – segundo a visão de Teófilo Otttoni – deveria se

tornar a principal via de escoamento de produção da nova província e dos portos de São

José e de Caravelas, na Bahia. Para tanto, Teófilo Ottoni deveria implementar a

construção de uma estrada de ferro que ligasse São José à Caravelas. Aos acionistas da

Companhia, o diretor da empresa alegava que o Estado deveria incentivar a criação da

nova província, pois o Rio de Janeiro não poderia continuar sendo a única alfândega de

toda a província de Minas Gerais.253

Ao ser postulada como sede de uma capital, em certo sentido, Filadélfia

antecipou Belo Horizonte, com a diferença de que nesta o planejamento urbano

251Valdei Lopes de Araujo. (org.). Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri. Op. Cit. p.27. 251Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p.27. 252Teófilo Benedito Ottoni. A Companhia do Mucuri. História da empresa... Op. Cit. p. 27. 253 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit. p. 15

131

decorreu de esforços governamentais e naquela, o planejamento urbano foi subsidiado

por empreendimentos privados.254

No que se refere à ocupação urbana de Filadélfia, podemos indicar que esta

também apresentou características distintas para os padrões experimentados em Minas

Gerais. Além da população indígena, da população livre e cativa oriunda das comarcas

do Serro Frio e da Comarca do Jequitinhonha, a “cidade-empreendimento” também foi

formada por imigrantes alemães, suíços, austríacos, holandeses, belgas, franceses,

chineses e portugueses.

Um dos principais relatos sobre a diversidade étnica de Filadélfia foi

produzido pelo naturalista, etnólogo, filósofo e diplomata suíço Johan Jakob von

Tschudi.255 Ao observar o caráter diverso da população desse novo núcleo urbano, o

viajante suíço chegou a indicar Filadélfia como um espaço privilegiado para pesquisas

de caráter antropológico:

Os antropologistas [sic] têm em Filadélfia ocasião de fazer os mais belos estudos sobre as raças; ao pé do armazém da companhia, edifício importante na parte meridional da cidade, acham-se dois ranchos espaçosos para os tropeiros vindos do interior, servindo ao mesmo tempo de pousada para todos os que não tiveram morada própria. No rancho que fica do lado leste reside quase que diariamente maior ou menor número de botocudos; o do lado oeste é a estalagem dos chins. [...] No interior do armazém trabalham negros e homens brancos. Segue-se daí que no espaço de apenas 100 braças quadradas se acham representadas as quatro principais raças humanas, e isto nas formas mais extremas.256

Além de descrever os tipos étnicos presentes em Filadélfia, Tschudi

relatou também a organização urbana dessa povoação. De acordo com o viajante, a

cidade contava com 145 casas, das quais pouco mais de 60 eram de sólida construção e

254 Sérgio da Mata. Chão de Deus...Op. Cit. p. 181. 255O viajante chegou em Filadélfia, ainda em fevereiro de 1858. De Filadélfia, seguiu por terra, em companhia de Teófilo Ottoni, até a Colônia Militar do Urucú e Santa Clara. Do porto fluvial de Santa Clara partiram no vapor Peruípe até a foz do rio Mucuri, finalizando, assim, a viagem por Minas Gerais Cf.:Roberto Borges Martins. “Tschudi, Halfeld, Wagner e a geografia de Minas Gerais no século XIX” In.: H. G. F Halfeld & J. J. von Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Op. Cit., p. 19 256 Johan Jakob von Tschudi, Apud Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit., p. 53.

132

de “conveniente arranjo”. O viajante descreveu ainda que as ruas de Filadélfia eram

largas e regulares. Sobre a Companhia do Mucuri, mais especificamente, o naturalista

suíço destacou que o destino desta empresa deveria ser promissor, pois ela estava locada

em terras de extrema fertilidade. Já em relação a Teófilo Ottoni, Tschudi ressaltou que

este era um homem de “profunda instrução científica, grande firmeza de caráter e de

vontade séria e reta”.257

Em janeiro de 1859, cerca de um ano após a passagem do naturalista suíço

J. von Tschudi, outro viajante estrangeiro percorreu a região do Mucuri, estamos nos

referindo ao médico alemão Robert Avé-Lallemant. Robert Christian Berthold Avé-

Lallemant nasceu em Lübeck em 1812 e faleceu na mesma cidade em 1884. Estudou em

Berlim, Paris e Kiel, onde se doutorou em medicina em 1837. Mudou-se para o Rio de

Janeiro por volta de 1838 e aí clinicou por dezessete anos, até 1855. De volta à Europa

engajou-se na expedição científica da fragata Novara em 1857, mas abandonou essa

expedição e retornou ao Rio de Janeiro. De fevereiro a outubro de 1858 excursionou

pelo sul do Brasil e pelo Uruguai, passando pelas províncias do Rio Grande do Sul,

Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Em novembro deste mesmo ano partiu para a Bahia

e, de janeiro a março de 1859, visitou toda a região do Mucuri, indo até Filadélfia. Das

viagens em direção ao nordeste do país, Lallemant escreveu o livro Viagens pelas

Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe de 1859. Nesta obra Lallemant

dedicou várias páginas ao vale do rio Mucuri.258

Assim como o naturalista suíço, o médico Robert Ave-Lallemant também

se impressionou com a diversidade étnica do povoado de Filadélfia. Para Lallemant,

encontrar imigrantes europeus, chineses e africanos no interior da floresta tropical

257 Ibid. p. 50-53. 258 Cf.: Oscar Constatt. Repertório Crítico da Literatura Teuto-Brasileira. Rio de Janeiro: INL, s/d. p. 85-87.

133

produzia um espetáculo singular.259 O médico alemão chegou a comparar o aspecto

arquitetônico de Filadélfia com a estrutura das feitorias européias fundadas na Ásia

central:

Filadélfia situa-se numa vasta clareira, no meio da floresta do alto Mucuri ou do rio Todos os Santos, mais ou menos como uma feitoria européia na China. Uma grande praça quadrangular constitui o cerne da povoação. Aí se ergue a fachada principal dum edifício, semelhante a uma igreja, com dois grandes talheiros aberto dos lados, os armazéns da Companhia. As casas da povoação estendem-se de ambos os lados da praça, por sua vez cortados por algumas ruas de pequenas filas de casas sem continuidade.260

Para o viajante alemão, a singularidade de Filadélfia se devia à

característica peculiar dos mineiros. De acordo com Lallemant, o habitante de Minas

Gerais possuía como característica o gosto de mudar de um lugar para outro. Ao serem

atraídos pelo projeto de Teófilo Ottoni muitos mineiros teriam se instalado em

Filadélfia, região que o médico alemão denominou de Nova Califórnia.261

A cidade-empreendimento construída pela Companhia do Mucuri também

impressionou Lallemant pelo aspecto de suas construções. O viajante ressaltou que não

poderia informar o número exato das casas construídas em Filadélfia, pois um número

considerável de edificações ainda estava em construção, possuíam apenas o telhado,

sustentado apenas por vigas de madeira:

Se tivesse de enumerar as casas de Filadélfia, encontrar-me-ia em grande dificuldade. O diretor mesmo calculava o tamanho da povoação pelos – telhados de telha. E conta de fato muitos desses telhados. Eu queria calculá-lo por todos esses telhados. Ottoni avaliou-os de 140 para cima; estimei-os em muito menos. O fenômeno mais singular, porém, era que grande número desses telhados ainda não tinham casa por baixo, descansando apenas sobre vigas de madeira. Calculei o número de telhados sem casa como metade do total; o diretor orçou-os em 40 ou 50, de maneira que Filadélfia contava de 80 a 100 casas e barracas habitadas, quando lá estive.262

259 Robert Avé-Lallemant. Op. Cit. p. 186 260 Ibid., p. 196. 261 Ibid., p. 197. 262 Ibid., p. 196.

134

Uma ilustração de Filadélfia publicada na Revista Popular em julho de

1859 (Figura 5) ilustra a descrição feita por Lallemant. É possível observar na

imagem vários casebres com telhados, erguidos sob travas de madeira –

provavelmente extraídas a partir do desflorestamento dos arredores da Filadélfia do

sertão.

Figura 6: Filadélfia em 1859

Filadélfia em 1859. In: Revista Popular, ano I, tomo 3, julho de 1859. Apud. Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni: ministro do povo. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1978.

135

A estranheza de Lallemant com a presença de construções forradas por

telhados e sem paredes em Filadélfia, pode ter sido o resultado de uma estratégia dos

dirigentes da Companhia do Mucuri na busca de aumentar visibilidade dos seus

empreendimentos. Acreditamos que os empresários pretenderam construir a maioria das

estruturas descritas pelo médico alemão a fim de antecipar a elevação de Filadélfia a

categoria de distrito de juiz de paz,263 pois a Lei de 11 de março de 1836, emitida pelo

Ministério da Justiça, determinava que para a criação de um distrito de paz não seria

mais necessário a pré-existência de freguesia ou de capela curada, bastava, portanto, que

o lugar apresentasse uma quantidade mínima de 75 fogos.264 Além disso, as construções

irregulares descritas pelo médico alemão consistia em abarracamentos erigidos para

abrigar provisoriamente colonos, proletários e tropeiros que viriam ocupar Filadélfia em

um futuro próximo.265

Sobre este aspecto, ao desenvolver um estudo sobre a visibilidade e a

esfera pública no oitocentos, Valdei Lopes de Araujo teceu observações importantes

sobre o projeto de Filadélfia: para Teófilo Ottoni a povoação da região do Mucuri

representava a negação da cidade-corte. Para Araujo, então, a empreitada do Mucuri

seria a forma encontrada por Teófilo Ottoni para fomentar alternativas de ação política

para o Brasil do século XIX. De acordo com Araujo,

A empresa do Mucuri e a criação da cidade de Filadélfia eram ações políticas. No Mucuri Ottoni pensou construir bases sólidas para a existência de uma sociedade onde suas idéias sobre a vida política pudessem ganhar realidade. [...]

Somente o espaço virgem e selvagem lhe possibilitaria dar vazão ao gesto criador.266

263 Filadélfia foi elevada a distrito de juiz de paz e freguesia pela lei nº. 808 de 3 de julho de 1857. Cf.: Joaquim Ribeiro da Costa. Op. Cit., p. 448. 264 Brasil. Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1833. Ministério da Justiça. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1873. p. 90. 265 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit., p. 4. 266 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista...Op. Cit, p. 60. passim

136

Como podemos observar até aqui, a Companhia do Mucuri – em sua tarefa

titânica de fundar um novo modelo preconcebido de civilização no seio da mata267

dotou a região do Mucuri de navegação fluvial, estradas, estalagens, empórios e núcleos

de colonização. Com a instalação do povoado de Filadélfia e o transporte de víveres e

de mercadorias o propósito original de levar às Comarcas do norte de Minas meio mais

cômodo para acessar o litoral finalmente ganhava corpo. Paralelamente à construção da

infra-estrutura viária e da infra-estrutura comercial da empresa, a Companhia recorreu à

imigração estrangeira para povoar o vale do Mucuri, inaugurando, assim, a primeira

experiência de introdução de colonos estrangeiros em Minas Gerais.

I I – A colonização estrangeira

A idéia de colonizar o país com mão-de-obra estrangeira, ensaiada desde

1819 com a vinda de suíços para a região de Nova Friburgo, ganharia força a partir da

aprovação da Lei Eusébio de Queiroz. Com a aprovação da Lei n.º 581 de 4 de setembro

de 1850 que extinguia o tráfico internacional de escravos o assunto da imigração

estrangeira emergiu na ordem do dia.

Para a elite escravista uma questão central para desenvolvimento do Brasil

era colocada em pauta: “quem virá cultivar a terra do nosso país?”. Para essa parcela da

população, o fim do tráfico atlântico de cativos traria grandes entraves ao progresso da

nação, isso por que faltaria mão-de-obra para as lavouras. Neste sentido, tornou-se

patente a necessidade de angariar proletários, de qualquer parte do mundo e de qualquer

raça, para substituir os escravos de origem africana. Para a burocracia imperial – e para

267 Regina Horta Duarte. Olhares Estrangeiros...Op. Cit., p. 269.

137

boa parte da intelectualidade do período – a vinda de mão-de-obra estrangeira para o

Brasil cumpriria outro objetivo além do já indicado: transformar a imigração em um

instrumento civilizatório do universo rural do país.268

As negociações sobre a vinda de mão-de-obra estrangeira para o Brasil

colaboraram, portanto, com os planos da Companhia do Mucuri. De acordo com Teófilo

Ottoni – “desde os primeiros estudos” para a criação da empresa – mostrou-se patente

que todos os planos da Companhia seriam de pura perda, se ao longo das estradas não se

instalassem povoadores que garantissem o trânsito dos tropeiros e do comércio de

carga.269

A proposta inicial para a povoação da região era atrair os trabalhadores

livres da região do Termo de Minas Novas. No entanto, o esperado afluxo da população

não ocorreu conforme havia preconizado Honório e Teófilo Ottoni no livreto de

1847.270 O rigor do trabalho de desbravar da selva tropical e o temor do ataque dos

índios pôde ter afastado a mão-de-obra necessária à efetiva colonização do vale do

Mucuri. A necessidade de mão-de-obra mostrou-se tão patente que para garantir as

atividades do transporte à vapor e do transporte rodoviário, o próprio Teófilo Ottoni –

destacado por sua aversão à escravidão271 – teve que comprar com os recursos da

Companhia 26 escravos e 1 escrava, e, além disso, alugar o serviço de cativos para

derrubar florestas para a construção de estradas e fazendas.

Além do trabalho escravo, a Companhia do Mucuri também contou com os

jornais de 100 operários oriundos da China. Esses trabalhadores foram granjeados junto

ao governo central através do contrato de 25 de agosto de 1856. Segundo Teófilo 268 Luís Felipe de Alencastro & Maria Luiza Renaux. “Caras e modos dos migrantes e imigrantes”. In: Fernando A. Novais (dir.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 293. passim. (Coleção História da Vida Privada no Brasil, vol. 2) 269Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri..Op. Cit. p. 1. 270 Teófilo Benedito Ottoni. & Honório Benedito Ottoni. Op. Cit. p. 10. 271 Cf.: Márcio Achtschin. A Filadélfia não Sonhada: escravidão no Mucuri do século XIX. Teófilo Otoni: [s/n], 2008.

138

Ottoni, a contratação de trabalhadores chins ou coolies – como eram chamados os

proletários de origem oriental – não cumpria com os objetivos de colonização da

empresa.

No relatório anual de 1857 o diretor da Companhia demonstrou que,

inicialmente, era avesso à contratação dos chins.272 Aos acionistas da empresa, Ottoni

ressaltava que nunca havia considerado os trabalhadores chineses como colonos, mas

sim como “máquinas para substituir os braços escravos”.273 Entretanto, ao observar o

trabalho dos operários chineses durante o ano de 1857, Teófilo Ottoni retratou-se,

argumentando que os proletários do “Celeste Império” eram mais eficientes do que os

trabalhadores escravos:

Se eles adquirem a convicção de que não são temidos; se lhes paga regularmente os seus salários, se não lhes falta com arroz e chá na forma do contrato, entregam-se ao trabalho com boa disposição, e são mais inteligentes do que os pretos; fazem com perfeição os serviços de estrada, e não é mister explicar-lhes duas vezes o que deles se quer.274

Embora o contrato com os chineses fosse temporário e a maioria deles

tenha retornado ao Rio de Janeiro, e, provavelmente, à sua pátria de origem, existem

indícios de que alguns desses jornaleiros haviam fixado residência no vale do Mucuri.

Citando os dados coletados por Frei Olavo Timmers em 1958, Izabel Missagia de

Mattos afirma que os chineses que permaneceram no Mucuri converteram-se ao

cristianismo e se casaram com algumas colonas européias estabelecidas na região da

Colônia Militar do Urucú.275

272 Para muitos fazendeiros, o fim do tráfico negreiro acarretaria apenas no “amarelecimento” dos trabalhadores das fazendas. Acreditavam que em vez dos negros, seriam os chineses quem iriam substituir os braços escravos. Introduzidos no Brasil por negreiros portugueses, cerca de 2 mil chineses aportaram-se no país entre os anos de 1854 a 1856. Cf.: Luís Felipe de Alencastro & Maria Luiza Renaux. “Caras e modos dos migrantes e imigrantes”. Op. Cit. p. 295. 273 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit p. 13. 274 Ibid. p. 13. 275 Izabel Missagia de Matos. Civilização e Revolta: os botocudos e a catequese na província de Minas. Op. Cit., p. 113-114.

139

No que se refere à vinda de mão-de-obra européia, Teófilo Ottoni

considerou mais prudente preparar a região para a chegada dos imigrantes, por isso,

considerou a região do alto vale do Mucuri o local propício para a instalação de

colônias. No discurso parlamentar proferido na Câmara dos Deputados em 20 de julho

de 1861, Ottoni apontou a Memória Sobre Meios de Promover a Colonização, de

Miguel Calmon du Pin e Almeida, o então visconde e futuro Marquês de Abrantes,276

como modelo ideal a ser seguido pela Companhia do Mucuri para arregimentar a

colonização espontânea para a região. De acordo com o discurso parlamentar, a

empresa já procurava a colonização estrangeira desde 1852, ano em que Teófilo Ottoni

iniciou suas negociações com a empresa parisiense Avrial & Irmão a fim de contratar

colonos europeus para ocupar do vale do Mucuri.277

Malgrado as negociações para a vinda de imigrantes estrangeiros

houvessem ocorrido em 1852, o diretor da Companhia do Mucuri considerou que

somente em 1854 a região estaria preparada para principiar o recebimento de imigrantes

europeus. Orientado pela obra de Miguel Calmon du Pin e Almeida, Ottoni procurou

dentre os imigrantes europeus os “trabalhadores morigerados” para que estes o

auxiliassem em seu ambicioso projeto de ocupação dos sertões mineiros. Neste sentido

276 Miguel Calmon du Pin e Almeida nasceu na vila de Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 22 de dezembro de 1794 e faleceu no Rio de Janeiro em 13 de setembro de 1865. Filho de José Gabriel Calmon de Almeida e de D. Maria Germana de Souza Magalhães, casou-se com Maria Carolina da Piedade Bahia, filha de Manuel Lopes Pereira Bahia, o visconde de Meriti. Enviado a Portugal para completar seus estudos, Miguel Calmon formou-se em direito em Coimbra em 1821. Ao retornar ao Brasil em 1822, participou ativamente dos movimentos de independência, ocupando o cargo de primeiro secretário da Assembléia Constituinte quando esta foi dissolvida por Pedro I em 1824 Integrante da chamada elite imperial, participou diretamente da gestão política e administrativa do país, ocupando os cargos de presidente de província, de pastas ministeriais e um assento no senado e no Conselho de Estado. Durante a década de 1830, fundou em sua província natal a Sociedade de Agricultura e Colonização. Devido a sua experiência acumulada nos ministérios da Fazenda e dos Estrangeiros, em 1844 foi nomeado, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ministro Plenipotenciário do Brasil em Berlim, a fim de costurar um acordo comercial com o Zolverein. Nessa oportunidade, o então visconde de Abrantes considerou oportuno escrever a Memória Sobre Meios de Promover a Colonização, publicada em Berlim no ano de 1846. Visconde de Abrantes [Miguel Calmon du Pin e Almeida]. Memória Sobre os Meios de Promover a Colonização. Berlim: Tipografia de Unger Irmãos, 1846. (fac-simile); Teófilo Benedito Ottoni. Discursos Parlamentares. Op. Cit., p. 572. 277 Idem.

140

o diretor da Companhia do Mucuri defendeu o modelo de “imigração espontânea”

sugerida na obra do Marquês de Abrantes:

Nos colonos procurava associados, e não proletários para com quem exercesse a caridade cristã. Se em vez de uma empresa mercantil eu tratasse da fundação de asilos de mendicidade ou casas de misericórdias, era natural que considerasse primeiramente os brasileiros necessitados, porque a caridade bem ordenada principia por casa.

Pareceu-me, pois racional pretender colonos que não trouxessem só suas pessoas, mas também indústria e capital. 278

Assim sendo, Teófilo Ottoni considerou que para emigrar para o vale do

Mucuri o imigrante deveria possuir algum pecúlio para poder participar dos

empreendimentos da Companhia, comprando-lhe, então, as terras da empresa

distribuídas ao longo das estradas pelo mesmo valor que a empresa havia adquirido

junto à Repartição Geral das Terras Públicas. No projeto inicial, Teófilo Ottoni havia

estipulado que para imigrar para o Mucuri, cada trabalhador estrangeiro – excetuando-se

as meninas não núbeis e os menores de 12 anos – deveriam, além de pagar os custos

com os transportes para o Brasil, comprovar, ao chegar no país, que possuía um capital

mínimo de 200 táleres.279 Além disso, os agentes encarregados em arregimentar os

imigrantes na Europa não receberiam comissão imediata pelo seu trabalho e despesa. A

estes comissários a empresa do Mucuri oferecia a metade do montante arrecadado com

a venda dos lotes de terra aos colonos estrangeiros.280

Na história da companhia dirigida por Teófilo Ottoni, o ano de 1855

marcou o ingresso da empresa nos negócios ligados à imigração estrangeira.281 A partir

278 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri...Op Cit., p. 4. 279 Antiga moeda de prata alemã. Apud. Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni...Op. Cit., p.108. 280 José Cândido Gomes. Relatório de Liquidação da Companhia do Mucuri . Op. Cit., p. 40. 281 Além da Companhia do Mucuri, a já mencionada Companhia União & Indústria, empresa do ramo de construção de estradas e de colonização, também diversificou suas atividades ao atrair a colonização estrangeira a partir de 1858 com a fundação da Colônia D. Pedro II. De acordo com J. J. von Tschudi, até 1861 a empresa dirigida por Mariano Procópio havia atraído a mão-de-obra de 1.114 colonos de origem

141

de então, a Companhia do Mucuri passaria a atuar concomitantemente em três

empreendimentos pioneiros no Brasil, a saber, a saber: a navegação à vapor, a

construção de vias de comunicação, e as atividades de imigração estrangeira no país.

Interessados em promover a imigração estrangeira, o governo central e a Companhia do

vale do Mucuri estabeleceram uma série de contratos para subsidiar a vinda de colonos

europeus.

Após o fracasso da tentativa de introduzir colonos lombardos na região do

rio São Mateus – antiga sede da colônia militar localizada a duas léguas de Santa Clara

– começaram, a aportar no vale do Mucuri as primeiras levas de imigrantes europeus. O

primeiro grupo a se estabelecer na região chegou em junho de 1855 a partir de um

acordo entre o diretor da Companhia e o governo central. Tratava-se de 31 famílias –

cerca de 159 indivíduos – originárias da ilha da Madeira. Excetuando uma que desfez o

contrato, todas as famílias foram alocadas na região da colônia militar estabelecida às

margens do rio Urucu.

No dia 27 de junho de 1855 chegaram ao porto de Santa Clara outros

colonos estrangeiros arregimentados para ocupar as terras da Companhia, estes vieram

da Europa para o país devido às negociações do cônsul geral do Brasil, José Francisco

Guimarães, com o governo suíço. Esse grupo era composto por 34 indivíduos suíços

distribuídos em seis famílias, foram instaladas na região do ribeirão São Jacinto e no

vale do rio Todos os Santos.282

Poucos meses após a chegada dos primeiros grupos de imigrantes, Teófilo

Ottoni e o governo central firmaram um contrato que estabeleciam as regras da

colonização estrangeira no vale do Mucuri. No que se refere à colonização estrangeira

alemã, contratados principalmente para a construção da Estrada União & Indústria e para a colonização da região do Paraibuna. H. G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. Op. Cit., p. 127-128. passim 282 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório dirigido aos senhores acionistas da Companhia do Mucuri em 1857. In. Herculano Ferreira Penna. Relatório de 1857. Ouro Preto, Tip. Provincial, 1857. p. 41. (anexo nº 16).

142

na região, este contrato seria o segundo a estipular alguns prazos para que a Companhia

colonizasse as terras cedidas pelo governo, pois, como vimos no capítulo 1, a empresa

organizada por Ottoni comprometeu-se em instalar 60 famílias em cada uma das dez

léguas concedidas pelo governo central ao projeto Mucuri.

No contrato de 20 de dezembro de 1855, assinado com a Repartição Geral

das Terras Públicas, Teófilo Ottoni garantiu a posse de duas léguas em quadro dos

núcleos de colonização que seriam estabelecidos nas regiões de Filadélfia: Santana,

Canoas – às margens do rio Todos os Santos –, Lages – às margens do rio Urucu – e

São Mateus – às margens do rio de mesmo nome. Conforme o referido contrato, a

Companhia do Mucuri compraria as terras devolutas a meio real a braça quadrada,

ficando, então, a cargo do governo os gastos com a medição. Em contrapartida, a

empresa se obrigava a introduzir 144 famílias em cada légua concedida à Companhia.283

A partir de então, Teófilo Ottoni movimentou esforços para garantir o

cumprimento dos dois contratos até então firmados com o governo. No “desideratum”

de “germanizar” o vale do Mucuri, Ottoni contou com a ajuda do alemão Roberto

Schlobach, o mesmo engenheiro responsável pelo traçado urbano de Filadélfia e pelo

alinhamento das estradas da Companhia, como já mencionamos. Os parentes do referido

engenheiro possuíam uma grande casa comercial em Leipizig, a Schlobach &

Morgstern. Interessados no negócio, os comerciantes alemães Hermann Schlobach e

Oto Voigt desembarcaram no vale do Mucuri em 1855 para inspecionar as condições do

local da futura colônia alemã. Enquanto Voigt permaneceu na região permaneceu na

região – próxima ao rio Tamonhec, afluente do Mucuri –, Hermann Scholobach viajou

ao Rio de Janeiro com o intuito de negociar os contratos de imigração com Ottoni

283 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit., p. 23.

143

Teófilo Ottoni – este contrato, portanto, previa o recrutamento de dois mil colonos

alemães, em sua maior parte formados por famílias de agricultores.

Com o contrato firmado com a Scholobach & Morgstern, a companhia do

Mucuri acabou modificando consideravelmente o seu modelo inicial de recrutamento

dos colonos “morigerados”. A principal delas foi a redução de 200 táleres284 por família

do capital exigido por indivíduo, ou seja, reduzia-se, em termo médio, reduzia-se à

quinta parte o valor pecuniário anteriormente firmado para cada imigrante. Estabelecido

o contrato em 1856 a casa Scholobach & Morgstern enviou ao vale do Mucuri uma

remessa de 130 imigrantes alemães. Ao que parece, o valor pecuniário exigido não foi

cumprido, pois, segundo Ottoni, excetuando seis famílias suíças e alemãs – que haviam

trazido consigo um capital estimado em 20 contos de réis (20:000$000) – a grande

maioria dos colonos precisaram do apoio financeiro da Companhia do Mucuri se

instalarem na região. De acordo com o diretor da Companhia, entre 1856 e 1857 – só

em adiantamentos com as passagens para o Brasil e com a aquisição de viveres e de

ferramentas – os imigrantes já haviam consumido cerca de 28 contos de réis

(28:000$000) dos cofres da empresa.

Como é possível observar, a realidade das condições financeiras dos

imigrantes europeus não se mostravam favoráveis ao modelo de colonização

implementado. Diante desse impasse, houve a necessidade de firmar um novo acordo

entre o governo Imperial e a Companhia do Mucuri. No contrato de 31 de dezembro de

1856 com a Repartição Geral das Terras Públicas, a Companhia do Mucuri angariou

284 Na tentativa de apresentar um valor aproximado em réis (r$) para o valor em táler (Crt$), recorremos aos contratos de imigrantes alemães ingressos na província do Espírito Santo entre 1859 e 1860. Nestes contatos, os colonos imigrados para o Brasil maiores de 10 anos recebiam uma subvenção de 60 táleres, concedida pelo governo central. No relatório de liquidação da Companhia do Mucuri o comissário árbitro, José Cândido Gomes, apresenta em réis (r$) o valor dos contratos da mesma espécie. De acordo com Gomes, cada imigrante maior de 10 anos recebia do governo 37$500. Salvo alguma variação cambial, abstrai-se que 200 táleres correspondia em moeda nacional a 125 mil-réis (125$000). Cf. Relação dos contratos de colonos da província do Espírito Santo (1859-1860). Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Disponível em: http://www.ape.es.gov.br/Contrato_de_colonos/Alemaes.htm; José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora da Companhia do Mucuri. Op. Cit. p. 42.

144

junto à administração central um empréstimo de 300 contos de réis (300:000$000)

destinados a subsidiar a locação e a manutenção da imigração estrangeira na região de

Filadélfia do Sertão. O valor estipulado para o ingresso de imigrantes, então, ficou

orçado em 50 mil-réis (50$000) para os indivíduos entre5 e 10 anos de idade e 100 mil-

réis (100$000) para colonos com idade entre 10 e 45 anos. O montante do empréstimo

seria pago paulatinamente à empresa, conforme se procedesse a instalação dos europeus

na região – o prazo máximo estipulado para o pagamento do mesmo seria de 6 anos sem

a cobrança de juros.

Com os empréstimos concedidos pelo governo a empresa de Ottoni

comprometeu, então, em instalar até o dia 31 de dezembro de 1859 três mil imigrantes

europeus nos vales laterais aos afluentes do rio Mucuri. A empresa também deveria

vender aos colonos glebas de terra a um valor variável entre 2 a 4 réis a braça quadrada.

Além do fornecimento instrumentos aratórios e utensílios, o contrato obrigava ainda a

Companhia do Mucuri a ceder sementes para o primeiro ano de plantio dos colonos e

disponibilizar para cada família 1casal de porcos, 3 galinhas e um galo.285

Como podemos observar, os sucessivos contratos estabelecidos entre a

Companhia do Mucuri e o governo central fizeram com que a empresa subsidiasse todo

o processo de contratação de imigrantes estrangeiros na região. Desde sua saída da

Europa até a instalação nas terras cedidas pela Companhia, todo o ônus ficou a cargo da

empresa. Dessa forma, Teófilo Ottoni modificou drasticamente a sua idéia inicial de

colonização espontânea:

[...] em dezembro de 1856 a necessidade de braços para a abertura da estrada de Filadélfia, induziu-me a sair da regra geral que me tinha prescrito. Mandei à Alemanha uma pessoa estimável fazer o engajamento de trabalhadores para a estrada, adiantando-lhes integralmente as passagens e mais despesas.286

285 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório dirigido aos senhores acionistas da Companhia do Mucuri em 1857. In. Herculano Ferreira Penna. Relatório de 1857. Ouro Preto, Tip. Provincial, 1857. p. 47-48. (anexo nº 16). 286 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit., p.6.

145

Se o grupo de colonos suíços e portugueses entusiasmou o diretor da

Companhia do Mucuri a desenvolver a região, em contrapartida a vinda dos imigrantes

arregimentados entre 1857 e 1858 acabou por provocar a desestabilização política e

financeira da empresa. Além da crise financeira iniciada em 1857, no cenário político

nacional temos ainda o fim da Política de Conciliação e uma significativa reestruturação

das leis que regiam as sociedades anônimas no Brasil. A sinergia desses elementos

colocou, então, em xeque todo o projeto da Companhia de Navegação e Comércio do

Mucuri, como poderemos ver, a seguir, no próximo capítulo.

146

Capítulo 4 – O Ocaso do Projeto Mucuri

I – A crise da colonização estrangeira e “a tempestade encomendada”

Com os acordos firmados junto ao Governo central, a empresa organizada

por Teófilo Ottoni se obrigava a povoar toda a região do Mucuri com 3 mil colonos

estrangeiros até o ano de 1859. A cada ano, portanto, a Companhia se comprometia a

introduzir 1.000 colonos europeus. Para tal, em 1857, além da casa Schlobach &

Morgstern, de Leipzig, a Companhia do Mucuri contactou outros comissários – como o

engenheiro prussiano Maurício Horn e uma casa comercial portuguesa – para

arregimentar proletários para a construção das estradas e colonos para ocupar as terras

da empresa.287 Com tais esforços, a Companhia do Mucuri conseguiu introduzir ao

longo do ano de 1857 um grupo de 435 colonos. No final desse período, a imigração

estrangeira na região do Mucuri totalizava 664 indivíduos: 37 suíços, 215 portugueses

da Ilha da Madeira (150 instalados na Colônia Militar do Urucú) e 412 alemães.288

Em relação aos anos anteriores, o fluxo de imigrantes estrangeiros para o

vale do Mucuri aumentou consideravelmente, no entanto, os números apresentados

ainda mostravam-se exíguos, isso se levarmos em consideração os contratos

estabelecidos entre a Companhia e o governo central em 1847 e 1856. A principal

dificuldade no engajamento dos colonos nas condições propostas por Teófilo Ottoni

consistia na concorrência desproporcional dos agentes da recém-criada Associação

Central de Colonização para o Brasil (doravante ACC). Financiado com recursos do

governo central, este órgão criou um pólo de engajamento de colonos estrangeiros com

sede em Paris, sob a direção geral de Henri Beaucourt. O objetivo principal da ACC

287 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit. p. 19. 288 José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora da Companhia do Mucuri. Op. Cit. p. 42.

147

seria recrutar imigrantes europeus para o Brasil “debaixo da proteção do Governo

Imperial Brasileiro”.

Para conseguir o maior número de população adventícia possível, os

agentes da ACC – financiados pelo governo – espalharam-se pela Europa em busca de

indivíduos dispostos a imigrar para o Brasil. Devido à prática de engajamento de

colonos feita pelos agentes da ACC, os comissários da casa Schlobach & Morgstern

queixaram-se ao diretor da Companhia do Mucuri: segundo eles, a sua empresa não

poderia oferecer as mesmas condições de imigração para o Brasil que a ACC divulgava

nos jornais;289 dessa forma e empresa alemã encontrava dificuldades em localizar

colonos dispostos a imigrarem para o Mucuri:

290 Daí a dificuldade de encontrar colonos dispostos a imigrarem para o

Mucuri:

Mal entraram em operações os agentes da Associação Central na Europa, os correspondentes da Companhia do Mucuri avisaram que não poderíamos obter colonos, senão fazendo sacrifícios maiores.291

Além disso, a Companhia do Mucuri recebia do governo central setenta e

quatro mil e novecentos réis (74$900), enquanto a ACC recebia um apoio de cento e

setenta e oito mil e novecentos e sessenta réis (178$960). Devido a esta concorrência, a

empresa organizada por Ottoni encontrava dificuldades para honrar os contratos de

engajamento de colonos para o vale. Em um ofício encaminhado em 25 de maio de

1858 a Pedro Araújo Lima, presidente do Conselho de Ministros,292 Teófilo Ottoni

289 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit., p. 111-112.; Frei Olavo Timmers, OFM. Op. Cit., p. 39-40. 290 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit., p. 111-112.; Frei Olavo Timmers, OFM. Op. Cit., p. 39-40. 291 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit., p. 18 292 Com a morte de Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná, em 3 de setembro de 1856, Pedro Araújo Lima, Marquês de Olinda, continuou a Política de Conciliação ao assumir concomitantemente o Ministério do Império e a presidência do Conselho de Ministros, sucedido, posteriormente, pelo gabinete organizado por Paulino Limpo de Abreu, Visconde de Abaeté. Cf.: Moraes

148

queixou-se dos problemas em relação à concorrência feita pela ACC. O diretor da

Companhia relatou ao Marquês de Olinda que a empresa que dirigia não poderia

cumprir o contrato que a obrigava introduzir mil colonos por ano no vale do Mucuri em

virtude da “concorrência ruinosa” causada pelos agentes da ACC.293

Tornava-se patente, portanto, a necessidade de aumentar o afluxo de

imigrantes europeus para o Mucuri, caso contrário, a Companhia corria sério risco de

perder os privilégios e as concessões oferecidas pelo governo central – principalmente a

perda das 10 léguas em quadro concedidas no contrato de 1847. Para cumprir os

contratos com a administração central e concorrer com os agentes da ACC, Teófilo

Ottoni concedeu aos seus comissários a prerrogativa de antecipar integralmente o valor

das passagens dos imigrantes interessados em colonizar o vale do Mucuri.

A partir dessas mudanças nos critérios para arregimentar colonos para o

Mucuri, a Companhia ficaria seriamente comprometida, pois, desde 1857 a região vinha

recebendo imigrantes qualificados por Ottoni como “onerosos e suspeitos”.294 Além das

dificuldades enfrentadas para a construção das estradas, a Companhia do Mucuri passou

a sofrer também com novos embaraços impostos pela colonização estrangeira. Sobre a

expedição de colonos engajados em Potsdam pelo engenheiro Maurício Horn, o diretor

da Companhia lamentou aos acionistas que a sua escolha “sumamente infeliz”.295

No relatório de 1857, Teófilo Ottoni alegou que muitos jornais da Europa

denunciavam: no grupo de imigrantes engajados por Horn havia indivíduos retirados de

“asilos de mendicidade” e o governo prussiano pagaria de boa vontade a quem os

livrasse de tal gente. Segundo o diretor da Companhia, dos 117 colonos embarcados no

Melo. História do Brasil-Reino e do Brasil Império. t. 2. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982. p. 596-598. 293 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit., p. 18 294 Ibid. p. 6. 295 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1857. Op. Cit., p. 19.

149

porto de Havre na França 13 fugiram para Lisboa, e os 100 que chegaram ao destino

final, quiseram impor à força um aumento de salário.296

Diante deste embaraço, Ottoni viajou do Rio de Janeiro para Santa Clara a

fim de apaziguar o que denominou de “motim”. Com a presença do diretor da

Companhia, os imigrantes concordaram em se estabelecer no Mucuri. Boa parte desses

indivíduos preferiu lotes de terra ao trabalho nas estradas, uns foram alocados como

cocheiros dos carros, 8 foram cedidos ao engenheiro Maurício Horn e 2 foram trabalhar

como ferreiros em Filadélfia. No entanto, um grupo de 16 imigrantes solteiros

recusaram-se a permanecer no Mucuri, portanto, dirigiram-se para a vila de São José,

apossando-se de uma das pranchas de navegação fluvial da Companhia. De acordo com

Teófilo Ottoni, os 4 líderes da agitação foram enviados para a cadeia de Caravelas,

enquanto os 11 restantes foram afastados do Mucuri e oferecidos ao governo provincial

do Espírito Santo para serem empregados no melhoramento do caminho de São Mateus

para o Ribeirão da Pedra.297

Desse contratempo com os imigrantes, Ottoni deduziu: “concluí que seria

um inconveniente antecipar integralmente as passagens para imigrantes solteiros,

sobretudo se eles trazem só o seu braço: o emigrante sem caixa, espingarda e mulher

não serve para colono”.298

O acontecimento narrado por Teófilo Ottoni no relatório anual de 1857

seria apenas o prelúdio das intempéries que a Companhia do Mucuri iria passar durante

os dois próximos anos. Em 1858 o capital de 1.200 contos de réis estava exaurido. Se

por um lado a estrada entre Filadélfia e Santa Clara já era percorrida por mais de 40

carros de quatro eixos – inovação técnica experimentada pela primeira vez no país –

296 Idem; Ibidem. p. 19. 297 Ibid. p. 20. 298 Idem.

150

ainda faltava a infra-estrutura necessária à circulação dos mesmos na Estrada Santa

Cruz, responsável por interligar Filadélfia a Minas Novas.

Para dar continuidade ao processo de colonização estrangeira no Mucuri,

Teófilo Ottoni recorreu à Câmara dos deputados para que estes aprovassem um

empréstimo de 1.200 contos de réis (1.200:000$000) à Companhia. Além disso, a

empresa também recorreu aos auxílios da própria Associação Central de Colonização, a

fim de que a mesma subsidiasse a vinda de imigrantes para o vale do Mucuri.

Com a antecipação das passagens dos colonos e o acordo junto à ACC, a

colonização estrangeira para o vale do Mucuri ganhou maior impulso. Segundo os

dados do relatório de José Cândido Gomes (1862), em 1858 imigraram para o vale do

Mucuri 1.166 indivíduos. No entanto, a chegada em massa desses imigrantes,

principalmente a partir da segunda metade de 1858, trouxe grandes sobressaltos à

Companhia do Mucuri. Ottoni lamentou que nesse período, encontrava-se doente no Rio

de Janeiro, não podendo, portanto, participar do processo de instalação dos indivíduos

engajados simultaneamente pela Schlobach & Morgstern e pela Beaucourt & Cia na

região. Em setembro as embarcações Elise e Capiberibe desembarcaram cerca de 250

colonos engajados pela empresa de Leipzig, tempos depois aportaram em São José as os

navios de colonos recrutados pela Beaucourt & Cia. O navio Christiansund trouxe ao

Mucuri cerca de 180 imigrantes e em dezembro foi a vez da barca Lahore trazer mais

155 colonos.

A chegada dos imigrantes da Associação Central de Colonização foi o

estopim da crise da empresa organizada por Teófilo Ottoni. No opúsculo A Colonização

do Mucuri, publicado em 1859, Ottoni explicou ao público leitor o porquê da realização

do contrato com a ACC e o conseqüente dano causado pelo mesmo.. Segundo o diretor

da Companhia do Mucuri, a necessidade de cumprir o contrato firmado junto à

151

Repartição Geral das Terras Públicas teria o obrigado a receber colonos agenciados pela

Beaucourt & Cia:

Saber esperar, é uma das mais importantes regras de bem viver. Mas o Mucuri pedia colonos, e os depósitos da Ilha do Bom Jesus atopetados, eram uma provocação constante. O expediente venceu os princípios e por deplorável aberração, fantasiei poder transformar em verdadeiros colonos, proletários tomados ao acaso.299

Ao aportarem em Santa Clara, boa parte do grupo de colonos recusava-se a

se dirigir aos lotes de “mato-virgem”, ofertados pela Companhia nas imediações de

Filadélfia. Os imigrantes europeus sentiam-se enganados pelos agentes da ACC, pois

muitos ainda traziam os contratos assinados na Europa e os anúncios impressos pela

ACC que prometiam benefícios que a Companhia do Mucuri não poderia cumprir. Para

Teófilo Ottoni, os agentes da Beaucourt & Cia, contratados pela ACC, seriam os

principais responsáveis pela crise da colonização estrangeira promovida pela

Companhia do Mucuri. No referido opúsculo de 1859, o político liberal tentou

demonstrar aquilo que qualificou de farsa montada pelos agenciadores da Beaucourt &

Cia, apresentando ao público a tradução de um anúncio impresso divulgado pelos

agentes da ACC em Paris sobre as condições de imigração para o vale do rio Mucuri:

Faz-se saber que todas as famílias que quiserem segurar sua prosperidade para o futuro que uma companhia vem de formar-se, tendo por fim mandar para esta terra extravagantemente fértil emigrantes comuns. Lá chegados a companhia cederá a cada um 100.000 braças quadradas de terra já cultivada, como assim morada, lugares para animais e outros pertinências, instrumentos de agricultura e gado de toda a qualidade [...]300

Como veremos mais adiante, a segunda metade de 1858 marcou o ocaso da

Companhia do Mucuri. A partir de então uma série de sobressaltos concorreram para

acelerar a crise do projeto Mucuri. De acordo com o diretor, o afluxo de colonos

299 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri...Op. Cit., p. 18 300 Ibid. p. 23.

152

nacionais e a entrada quase simultânea de 580 imigrantes estrangeiros na região de

Filadélfia, em um curto espaço de tempo, teriam aumentado a demanda por gêneros de

primeira necessidade, tais como farinha, feijão e toucinho.301 Queixando-se de uma

enfermidade, Teófilo Ottoni não pôde solucionar in loco a crise de abastecimento de

Filadélfia. Dessa forma, orientou que seus agentes não enviassem mais colonos para a

região de Filadélfia para que a crise de abastecimento não se agravasse. Do Rio de

Janeiro, então, Ottoni instruiu seus agentes que alocassem os imigrantes nas cercanias

de Santa Clara.

O período de chegada desses imigrantes coincidiu com a época das

enchentes nas partes mais baixas da bacia do rio Mucuri, próximo a Santa Clara. Com o

aumento das águas formava-se na região áreas pantanosas cujo entorno ficava

suscetível às chamadas febres intermitentes, comuns em todos os rios tropicais do país

naquele período. A chegada da estação das águas provocou o flagelo que o diretor da

Companhia sempre temeu. Como rejeitaram as terras da Companhia, os colonos do

Christiansund instalaram-se junto às margens do rio Mucuri, numa região conhecida

como Bela Vista, que fora inundada durante as cheias. O resultado não poderia ser

outro: em dezembro de 1858 boa parte da população de colonos de Bela Vista havia

sido infestada por parasitas. As péssimas condições sanitárias e a ingestão de água ou

alimentos contaminados deflagraram um surto de febre tifóide que vitimou fatalmente

muitos colonos. Para Valdei Araujo, além desta moléstia, a população imigrante

também pôde ter sido vítima da “febre maculosa” transmitida por uma espécie de ácaro,

conhecido popularmente como carrapato-estrela.302

301 Segundo Ottoni o preço do alqueire de farinha elevou-se a 24 mil-réis (24$000) e o saco de feijão a 32 mil-réis (32$000). Teófilo Benedito Ottoni. Relatório de 1860. Rio de Janeiro: Tipografia do Correio Mercantil, 1860. p. 20. 302 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit.,. p.115.

153

Ao tomar conhecimento dos surtos de doenças entre a população

imigrante, Teófilo Ottoni viajou novamente para o Mucuri. Ao chegar à região do sítio

Bela Vista, o diretor da Companhia narrou as condições sanitárias do local:

Indo visitá-los no dia seguinte ao da minha chegada tive de parar defronte do racho, e declarar-lhes que não podia apear-me porque não havia lugar desocupado onde pudesse por o pé. A 50 braças do rancho recendia o cheiro mais nauseabundo.

À vista de tal espetáculo era fácil ser profeta, e eu enunciei aos moradores que uma epidemia era a conseqüência infalível daquela esterqueira. [...]

As imundícies da habitação tinham produzido tal praga de bichos que ninguém podia parar impunemente em torno das duas casas que serviam de depósito provisório para os colonos.303

Como se pode notar no fragmento acima, a falta de saneamento

produziu uma série de agravantes para a saúde da população européia recém-

instalada no vale do Mucuri. Uma das causas mais evidentes da falta de higiene foi a

epidemia de bichos-de-pé que se observavou principalmente nas crianças. Por conta

da falta de médicos na região, os colonos tinham que se deslocar em vapores da

Companhia para receber tratamento na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro

– somente durante o mês de março de 1859 foram tratados na Santa Casa 86 colonos

do Mucuri. Numa correspondência citada por Ottoni, o Dr. Antônio Fernandes

Pereira Portugal – diretor sanitário da Santa Casa de Misericórdia – relatou as

enfermidades que acometiam os colonos:

Notamos que a enfermidade de que sofriam a maior parte destes colonos eram úlceras nos pés e pernas, tendo por causa a grande quantidade de bichos e falta de limpeza, sobretudo nas crianças; os outros achavam-se afetados de febres intermitentes e diarréias.304

Não bastasse o aumento do preço dos produtos em Filadélfia, e as

epidemias decorrentes das cheias do final de 1858, no início de 1859 o Mucuri foi

303Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit.,p. 34. 304 Idem; ibidem. p.35-36.

154

castigado por uma forte seca. A chuva do final de dezembro de 1858 deu lugar a uma

forte estiagem, justamente no período em que os colonos prepararam o solo para o

plantio das primeiras lavouras. A população do navio Christiansund, então, que já sofria

com as moléstias causadas pelas febres intermitentes passaria por uma nova provação.

Teófilo Ottoni narrou de forma dramática a terrível seca que assolou o vale do Mucuri

no verão de 1859 e as suas conseqüências para os imigrantes europeus:

[...] os dois meses consecutivos de sol que debalde se lhes procurava explicar que não eram excepcionais, mas que eles acreditavam ser a estação ordinária todos os anos, assustaram-nos e diminuíram consideravelmente o seu desejo de trabalhar. Viam as próprias árvores silvestres mais novas finando-se todas com o sol – as folhas das bananeiras, e das capoeiras murchando e secando, como sucede em geral na província da Bahia [...] Viram que não vingará à falta de orvalho do céu uma só das plantas exóticas ou do país cujas sementes lançaram na terra.305

À primeira vista, soa-nos anormal uma seca tão intensa em uma região de

floresta tropical, entretanto, lemos em Warren Dean que esta possibilidade não é

estranha a este tipo de bioma. Ao analisar o desflorestamento da Mata Atlântica no

século XIX, Dean ressaltou que nos anos em que a chuva era abundante não reduziam

as safras, mas os anos de seca eram invariavelmente anos de fome. Quando as chuvas

não vinham logo após a estação da queimada, as cinzas simplesmente se dispersavam e

seus nutrientes não incorporavam ao solo.306 Dessa maneira, todo o trabalho na

derrubada da mata e queima das coivaras tornava-se inútil.

Foi exatamente neste período que o médico alemão Robert Ave-Lallemant

percorreu a região e descreveu suas impressões sobre a região do Mucuri e o projeto da

Companhia dirigida Ottoni. Em suas Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco,

Alagoas e Sergipe, Lallemant dedicou três capítulos a sua viagem à bacia do rio Mucuri.

Ao longo do texto, o médico alemão mostrou-se um cruento opositor ao projeto

305 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit.,p. 38. 306 Warren Dean. A Ferro e Fogo. Op. Cit., p. 208.

155

idealizado por Teófilo Ottoni – esta oposição causou grandes estragos, tanto ao projeto

de colonização do vale do Mucuri quanto à imagem do diretor da Companhia.

Ao subir o rio Mucuri no vapor fluvial Peruípe, Lallemant chegou à região

de Santa Clara no final de janeiro de 1859. Nesse período, e durante o mês de fevereiro,

o médico alemão visitou todas as colônias de imigrantes do vale do Mucuri. Segundo o

médico alemão, sua viagem pretendia realizar uma “inspeção imparcial”, embora se

queixasse que a presença constante do diretor da Companhia pudesse comprometer sua

análise.307 Lallemant ressaltou em sua obra que as condições lastimáveis em que se

encontravam os imigrantes eram tamanhas que este fato o levou a tecer “exclamações

apaixonadas” em suas descrições sobre o Mucuri, algo que o médico julgava não

condizente a um viajante que pretendesse narrar ao público leitor os fatos que

observava:

Sei perfeitamente não convir a um viajante que narra calmamente, prorromper de súbito em exclamações apaixonadas. Quando, porém, a vileza humana se mostra tão desmedida, tão inteiramente despudorada, quando espezinha assim todo o direito, toda a justiça, tudo o que é humano, a cólera explode facilmente e gente mais bem educada do que eu exclamaria: “Apre! Como isto é vil, como isto é ignóbil!”308

De fato, em suas descrições sobre as colônias européias no vale do Mucuri,

Robert Lallemant mostrou-se um rijo opositor à figura de Teófilo Benedito Ottoni e a

todo o projeto da Companhia do Mucuri. Para o viajante, encontrar “seus compatriotas”

enfermos no meio da floresta tropical brasileira era algo que não poderia passar

desapercebido em sua obra – daí se explica, em parte, a intransigência com que

descreveu e analisou a região o Mucuri.

Assim como Teófilo Ottoni, o viajante alemão concluiu que muitos

colonos europeus teriam sido ludibriados pelos agentes da Beaucourt & Cia,

307 Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Op. Cit., p. 176. 308 Ibid. p. 180.

156

qualificados por Lallemant como “negociantes de carne humana”. Sobre os colonos

enganados, o médico alemão ressaltou que estes eram um produto de nefando comércio

e que “tinham sido aliciados pelos ignóbeis agentes da Sociedade Central de

Colonização no Rio, sociedade sem cérebro e sem coração do Consórcio Beaucourt e de

seus subagentes, que os procuraram em suas casas para emigrarem para o Brasil”.309

Se a culpa sobre o engajamento de colonos europeus recaía sobre a ACC,

todo o ônus do estado de miséria e de doença dos imigrantes estrangeiros no Mucuri

recaía sobre Teófilo Ottoni e seus parentes. Na experiência política de Teófilo Benedito

Ottoni, nem mesmo o fracasso da Revolução Liberal de 1842 rendeu-lhe tantas injúrias

quanto às desferidas por Robert Avé-Lallemant. Nas páginas das Viagens..., o político

liberal mineiro é rotulado como desumano, ardiloso, desonesto, mentiroso, evasivo e

corrupto. Eis o que relata o médico alemão sobre a Companhia do Mucuri e seu diretor:

Uma sociedade anônima que representava um capital de 1.200 contos de

réis [...], tendo obtido muitos favores e privilégios do governo, permitiu a Ottoni

penetrar, como grande senhor, nas florestas do Mucuri, não, porém, como um

criador, e sim como um elefante que quer trilhar o seu caminho, não lhe

importando pisar homens ou vermes. [...] Em lugar de pedir, o mais depressa

possível, auxílio para os colonos necessitados, a direção mantinha o público

entretido com relatórios evasivos, anedotas sobre botocudos e descrições de

cortejos solenes em Filadélfia. Uma verdade clara, franca, exata, nunca veio a

público; parece-me que a única habilidade digna de nota da direção consistia em

não se saber de nada sobre o Mucuri, que não fosse colorido por ela.310

Além da truculência em relação ao diretor da Companhia, o médico

alemão também criticou os proprietários das fazendas instaladas no vale do Mucuri.

Embora as fazendas de Ernesto Benedito Ottoni e Joaquim José de Araújo Maia

merecessem elogios do médico alemão, o mesmo não o fez – ressaltou que isso se

309 Ibid. p. 162. 310 Ibid. p. 221-222

157

devia ao fato desses fazendeiros serem parentes de Teófilo Ottoni. Desconsiderando

totalmente o patrimônio previamente amealhado por estes fazendeiros, o viajante

ressaltou que enquanto as propriedades dos Ottoni cada vez mais se embelezavam, o

caixa da companhia cada vez mais se extinguia. Em relação à fazenda Itamonhec, de

Ernesto Ottoni, o viajante relatou que não compreendia como um estabelecimento tão

próspero pudesse se contrastar com as colossais dificuldades enfrentadas pelos colonos

europeus.311

Após visitar todas as colônias do Mucuri, Robert Lallemant concluiu que a

região não se prestava à imigração estrangeira. Aos colonos, o médico alemão

aconselhou que abandonassem as terras da Companhia e procurassem meios para

evacuar o Mucuri – para Lallemant, o local ideal para a colonização no Brasil

encontrava-se no sul do país. O viajante autodeclarava-se emissário do governo Imperial

e por isso, espalhou para os colonos alemães o boato de que a Companhia do Mucuri

estava falida e que estes corriam sérios riscos de ficarem abandonados no interior da

selva. Lallemant também prometeu aos imigrantes europeus que iria providenciar junto

ao imperador meios para retirar todos os estrangeiros do “pestilento Mucuri” e

transportá-los para a província de São Pedro.

Segundo Valdei Araujo, os sucessivos embaraços sofridos pela Companhia

do Mucuri repercutiram na corte, onde os inimigos políticos de Teófilo Ottoni se

movimentaram para ampliar seus efeitos, prejudicando ainda mais a imagem da empresa

junto à opinião pública e a seus acionistas.312 Ao que parece, a movimentação salientada

por Araujo surtiu efeitos. Foi o próprio Lallemant quem relatou que “escreveu

seriamente” em fevereiro para Manuel Felizardo de Souza e Melo, então ministro da

311 Ibid. p. 193. 312 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit., p. 115.

158

Guerra.313 No dia 5 de março, o navio de guerra Tietê ancorava no porto de São José

para resgatar os colonos que o médico alemão incitou abandonar a região do vale do

Mucuri.

No dia 5 de março, o navio de guerra Tietê ancorou no porto de São José para resgatar

os colonos, como havia prometido o médico alemão No comando dessa expedição

estava o emissário F. A. Lachmund, um dos agentes da ACC que Ottoni havia

denunciado na imprensa. Lachmund tinha instruções para levar o Tietê a Viçosa e a

Caravelas, onde iria verificar se nessas povoações havia mais algum imigrante que

pretendia abandaram as terras da Companhia. Contudo, a sua presença na região foi

abreviada – este permaneceu menos de 24 horas – pois em Santa Clara o emissário foi

acometido por febre tifóide, doença que o levou a óbito 15 dias depois, no Rio de

Janeiro. Antes de seu falecimento, F. A. Lachmund produziu um relatório sobre a

situação dos colonos do Mucuri e fez duras críticas à Companhia. Embora não tenha

sido publicado, Teófilo Ottoni descredenciou o referido relatório denunciando que o

mesmo teria sido escrito pelo próprio Lallemant.

No Rio de Janeiro, o médico alemão procurou meios para impedir que o

senado aprovasse o empréstimo de 1.200 contos de réis para a Companhia do Mucuri.

Além de atuar no senado, Lallemant também foi a Petrópolis para expor os fatos ao

313 Manoel Felizardo de Souza e Melo nasceu em 8 de dezembro de 1805 na freguesia de Campo Grande, município da Corte. Era filho do major Manuel Joaquim de Souza, natural de Minas Gerais e de D. Luzia Maria de Souza, nascida em Iguaçu. Pouco antes da Independência do Brasil, o jovem Manoel Felizardo partiu para Portugal, onde em 1826 conquistou o título de bacharel em matemáticas pela Universidade de Coimbra. Retornando ao Brasil, ingressou como lente substituto na Academia Militar da Corte. Além da vida política, Manuel Felizardo possuía patente militar, chegando em 1857 ao posto de Brigadeiro. Foi eleito senador em 1848 e ocupou os cargos de ministro da Marinha (1848) e da Guerra (1849 e 1859). Foi nomeado presidente de província do Ceará (1837), Maranhão e Alagoas (1839), São Paulo (1843) e Pernambuco (1857). Em 1854 foi nomeado Diretor da Repartição Geral das Terras Públicas, órgão que passou a ter grande relevância no cenário nacional devido ao interesse pela colonização estrangeira no país. Em 1859 passou a integrar o Conselho de Estado. Membro da chamada burocracia imperial, Manuel Felizardo teve uma intensa vida política no Império. Contudo, sua carreira foi interrompida em 16 de agosto de 1866, data do seu falecimento. Cf.: S. A. Sisson. Galeria de Brasileiros Ilustres (Os contemporâneos). São Paulo: Livraria Martins; Biblioteca de História Brasileira, s/d. p.295-299; Moraes Melo. História do Brasil-Reino e do Brasil Império. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo Edusp, 1982. Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Op. Cit., p. 167.

159

Imperador. . Após o encontro com Pedro II, dois novos relatórios foram produzidos

sobre o Mucuri: o primeiro foi realizado pelo diretor da Colônia do Urucú, José

Feliciano Bueno Mamoré; e o segundo foi realizado por Sebastião Machado Nunes, ex-

presidente da província do Espírito Santo. Os dois relatórios concluíram que muitas das

denúncias feitas por Robert Lallemant eram falsas ou exageradas.314

Outros testemunhos coevos também apontaram para a truculência do

médico alemão. Segundo Roberto Borges Martins, o viajante suíço Johan Jakob von

Tschudi chocou-se frontalmente com Robert Lallemant, a quem acusava de

sensacionalista caluniador e até de impostor.315 Em A Província Brasileira de Minas

Gerais – primeiro compêndio sobre Minas, publicado em 1862 – Tschudi ressaltou que

as informações veiculadas por Lallemant eram expressões da mais odiosa parcialidade.

Para o cientista suíço, as colônias do Mucuri padeciam de diversos problemas que

julgava possíveis de serem resolvidos não fosse o ataque desferido por Lallemant,

ataques estes, qualificados por Tschudi de “pérfidos e inescrupulosos.316

José Cândido Gomes, autor de um importante relatório sobre a Companhia

do Mucuri publicado em 1862, também se ocupou com a querela que envolveu Ottoni e

Lallemant. De acordo com Cândido Gomes, a responsabilidade da Companhia em

relação ao flagelo que se abateu sobre os imigrantes estrangeiros não pode ir além do

fato da imprevidência, pois é inegável que revelando o mal, o diretor da empresa não

poupou esforços para combatê-lo:

Não só deixou de calcular sobre as despesas que um melhor tratamento dos colonos devia trazer-lhe, mas ainda fez sacrifícios de todo o gênero para que nada lhes faltasse; ainda mais o próprio diretor da empresa, e eu irmão o Dr. Ernesto Benedito Ottoni se apresentaram no meio do flagelo, exemplificando assim uma louvável dedicação.317

314 Valdei Lopes de Araujo. A Filadélfia de Theófilo Ottoni. Op. Cit., p. 114-115. 315 Roberto Borges Martins. “Nota 93”. In: H. G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. p. 130. 316 H. G. F. Halfeld & J.J. von. Tschudi. A Província Brasileira de Minas Gerais. Op. Cit., p. 130-132. 317 José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora da Companhia do Mucuri. Op. Cit., p. 44.

160

Embora as posições de Tschudi e Cândido Gomes demonstrem os excessos cometidos

pelo médico alemão, a imagem da Companhia do Mucuri e até mesmo da imigração

européia para o Brasil ficaria marcada. Durante a sua viagem às colônias do Mucuri,

Lallemant enviou dois opúsculos para serem publicados em periódicos europeus.

Publicados na imprensa de Hamburgo, essas peças apresentavam em tom acusatório as

condições dos imigrados alemães no Mucuri. Portando-se como advogado de todos os

imigrantes alemães do país, o autor adverte ao público leitor os perigos de se imigrar

para o império do Brasil. Segundo Oscar Canstatt, os opúsculos Am Mucury. Eine

Waldgeschichte zur Erläuterung, Warnung und Strafe für alle die es angeht (História da

Floresta de Mucuri: explicação, advertência e punição para todos aqueles que por ela se

interessam) e Berichte betreffend die Mucury Kolonie, u.s.w (Relatos sobre a Colônia do

Mucuri),318 ambos publicados em Hamburgo em 1859, foram os principais responsáveis

para promulgação do Édito de Heydt, que restringia a imigração alemã para o Brasil.319

Contrário ao modelo de imigração privada, Lallemant julgava que os seus

compatriotas muitas vezes eram vítimas dos fazendeiros e que a vinda destes para o

Brasil cumpriria a apenas o objetivo de suprir a falta da mão-de-obra escrava. De acordo

com uma nota do revisor das Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas

e Sergipe, o temperamento metediço e intempestivo do médico alemão rendeu-lhe

muitos inimigos, principalmente fazendeiros de Santa Catarina e de São Paulo, onde o

presidente de província recusou-se a recebê-lo, colocando em seu lugar um gaiato.320

Quando Lallemant soube da aprovação no senado do empréstimo à

Companhia criticou duramente João Lins Vieira Cansanção de Sinimbú, futuro barão de

Sinimbú e Miguel Calmon, o Marquês de Abrantes, por terem apoiado a empresa de

318 Agradeço a Walkíria Oliveira pela tradução dos títulos em alemão. 319 Oscar Canstatt. Repertório Crítico da Literatura Teuto-Brasileira. Op. Cit., p. 85-87. 320 Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Op Cit. p. 255. (Nota do Revisor).

161

Teófilo Ottoni, mesmo sabendo das denúncias noticiadas na imprensa do Rio de

Janeiro. Na mesma oportunidade, rotulou Pedro Araújo Lima, o Marquês de Olinda, de

“velho meio surdo” pelo fato de ter discursado a favor do empréstimo à Companhia do

Mucuri.321

Com a aprovação do Decreto Lei 1.011 de 08 de junho de 1859, ratificada

pelo novo presidente do Conselho de Ministros, Antônio Paulino Limpo de Abreu, o

Visconde de Abaeté, a Companhia do Mucuri garantiu os meios para captar um

empréstimo dentro ou fora do Brasil de um capital adicional de 1.200 contos de réis.

Entre outras vantagens, o governo também abonaria os juros de até 7% sobre o capital

investido anualmente pela empresa. Em contrapartida, os privilégios e monopólios de

transporte e de navegação no Mucuri garantidos em 1847 foram reduzidos de 80 para 20

anos. A quarta parte do valor total, 300 contos de réis (300:000$000), foi adquirida

junto à diretoria da Estrada de Ferro D. Pedro II; o valor restante, 900 contos

(900:000$000), foi captado de uma instituição de Londres.

Com esse capital adicional, a empresa organizada por Teófilo Ottoni

ganhou um importante auxílio para continuar os seus trabalhos de colonização e de

infra-estrutura no vale do Mucuri. A aprovação da referida lei revela que o apoio

político a Ottoni era mais forte que as acusações de Robert Lallemant. Com o caixa da

empresa esgotado este montante seria a oportunidade da Companhia do Mucuri de

retomar as suas atividades de infra-estrutura e resvalar-se da crise desencadeada no final

de 1858.

De volta ao Rio de Janeiro, Ottoni procurou livrar-se das acusações feitas

pelo médico alemão. Assim como fez na Circular de 1860, Ottoni procurou mostrar-se

ao público como um homem honesto e de trajetória exemplar. Neste período, publicou o

321 Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas Províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Op. Cit., p. 262-263.

162

opúsculo Colonização do Mucuri (1859), uma memória justificativa em que o político

expôs o modelo de colonização estrangeira adotado por sua empresa e as causas de sua

crise. Neste livreto, Ottoni concluiu que a má índole de muitos imigrantes contribuiu

para os recentes acontecimentos no Mucuri. No entanto, o empresário mineiro ponderou

que a culpa da crise do Mucuri deveria recair sobre a ACC e seus agentes na Europa.

Em relação aos imigrantes engajados pelos agentes da ACC, Ottoni revelou que

Tinham sido muitos recrutados em tavernas e praças públicas de diversas cidades da Europa, – haviam entre eles meretrizes com patente, ex-marinheiros e ex-soldados, mas infelizmente, tais quais eram tinham direito de levantar a voz e declarar que haviam sido atraiçoados e enganados.322

Além do opúsculo A Colonização do Mucuri, no Apenso B do relatório

anual de 1860, Teófilo Ottoni também se esquivou de todas as acusações feitas por

Lallemant. Além de demonstrar que seus parentes e amigos não estavam se

enriquecendo às custas da Companhia, Ottoni descreveu a sua trajetória como

empresário ao longo da década de 1850, destacando a importante posição que alcançou

no cenário financeiro e comercial da corte para demonstrar o quanto eram incorretas as

denúncias contra sua pessoa:

Os acionistas da companhia e o público brasileiro sabem que Teófilo Benedito Ottoni, negociante estabelecido no Rio de Janeiro, presidente da praça do comércio e da principal companhia de Seguros Marítimos e Terrestres ali existente, diretor do Banco do Brasil, tinha uma bela posição e uma fortuna ganha honradamente, e que sacrificou a posição e comprometeu a fortuna para fazer triunfar uma idéia – a empresa do Mucuri.323

Ao final do texto, Ottoni revelou ao público o que o médico alemão não

passava de um impostor, pois, conforme as informações do próprio Marquês de Olinda,

Lallemant não era comissário do governo. Segundo Para Teófilo Ottoni, a virulência das

322 Teófilo Benedito Ottoni. A Colonização do Mucuri. Op. Cit., p. 19. 323 Teófilo Benedito Ottoni. “O Dr. Lallemant no Mucuri”. In. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860 pelo diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni. Rio de Janeiro: Tipografia do Correio Mercantil, 1860. Apenso B, p. 37. (APM. Coleção Assuntos Mineiros).

163

críticas de Lallemant à figura do diretor da Companhia do Mucuri não teria sido por

causa do estado em que encontrou seus compatriotas, mas sim porque Robert Lallemant

seria uma “tempestade encomendada” que representava os interesses do grupo ligado à

Companhia do Jequitinhonha. Assim, Ottoni acusou o médico alemão de ter sido

enviado ao Mucuri a mando do então ministro da Guerra Manuel Felizardo de Souza e

Melo para “anarquizar” as colônias do Mucuri.

De acordo com o relatório de 1861 do Ministério da Agricultura, Comércio

e Obras Públicas, emitido pelo então ministro Manuel Felizardo de Souza e Melo, a

Companhia do Jequitinhonha obteve seu contrato junto à administração pública com a

aprovação do decreto nº 2.242, de 1º de setembro de 1859. O estatuto da empresa foi

sancionado pelo decreto nº.1.044, de 20 de setembro de 1860. De acordo com tais

contratos, a Companhia receberia do governo central auxílios pecuniários de até 7%

sobre o capital investido anualmente pelos seus empresários para criar a navegação à

vapor no rio Jequitinhonha. Devido a atrasos no início das atividades, o governo central

suspendeu o acordo com os empresários ligados à empresa. Ao que parece, a denúncia

de Ottoni sobre o apoio dado por Manuel Felizardo à Companhia do Jequitinhonha

procede, pois no relatório de 1860 o próprio ministro da Agricultura informou à Câmara

dos deputados que mesmo após a suspensão do contrato com a Companhia do

Jequitinhonha trataria de tornar, realizável com recursos dos cofres públicos, um novo

contrato para fomentar a navegação do rio Jequitinhonha.324

Como é possível observar, as denúncias de Robert Lallemant não

interferiram no resultado da votação do empréstimo à Companhia do Mucuri no senado.

Com a aprovação dessa medida, Ottoni ocupou-se em retornar ao vale do Mucuri para

cuidar pessoalmente dos trabalhos da estrada Santa Cruz, responsável por conectar

324Manuel Felizardo de Souza e Melo. Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado à Assembléia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1861. p. 40.

164

Filadélfia a Capelinha, a Minas Novas e a região de Piedade. A crise na empresa

instalada desde meados de 1858 parecia finalmente afastar-se, não fosse duro o golpe

sofrido com as mudanças políticas que suplantou a chamada política de Conciliação.

II – O esgotamento da política de Conciliação e o fim da Companhia do Mucuri

Como vimos no capítulo 2, o início da política de Conciliação,

empreendida por Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, marcou a

década de 1850 com a ampliação das atividades financeiras e comerciais no Brasil. Ao

tomar posse dos cargos de presidente do Conselho de Ministros e do ministério da

Fazenda, o Marquês do Paraná adotou um programa econômico pautado na idéia de

disseminar os melhoramentos necessários ao desenvolvimento do país. Tal iniciativa fez

surgir um boom das atividades econômicas e financeiras como o Banco do Brasil e

empresas do ramo de transporte como a Companhia do Mucuri. Neste período de

euforia, marcado pela emissão de papel moeda pelos bancos e pela ampliação do

crédito, Teófilo Ottoni conseguiu aprovar diversos acordos com o governo central e

provincial para viabilizar as atividades da Companhia do Mucuri e, assim, colocar em

prática seu ambicioso plano de ocupação do nordeste mineiro.

Se a empresa dirigida por Ottoni obteve êxito com a estabilidade política e

financeira trazida à baila pela política de Conciliação, o esgotamento desta política e a

crise financeira de 1857/58 redundaram na crise da Companhia do Mucuri.

Com a morte repentina de Honório Hermeto Carneiro Leão em 1856, os

três gabinetes que o sucederam, tentaram sem muito sucesso manter a unidade política e

a estabilidade econômica alcançada durante a gestão do Marquês do Paraná. A crise

financeira na bolsa de Nova York, resultante da desvalorização das commodities

agrícolas e do vertiginoso aumento da produção de cereais na Rússia, afetou o Brasil no

165

final de 1857 e durante todo o ano de 1858. Os impactos da crise no país chamaram a

atenção de Karl Marx, que escreveu um artigo sobre os impactos da crise no Brasil. Em

artigo publicado The New York Daily Tribune, de 5 de janeiro de 1858, Marx fez um

diagnóstico da crise econômica brasileira:

[...] Em dezembro se protestaram letras vencidas, por um valor de nove milhões, que firmas de café do Rio de Janeiro haviam girado contra Hamburgo, e esta quantidade de protestos motivou um novo pânico. As letras para os fretes açucareiros da Bahia e Pernambuco experimentaram em Janeiro, verossimilmente, um destino similar e provocaram um recrudescimento da crise.325

Com a tribulação, os conservadores reacenderam as rivalidades partidárias

arrefecidas durante o Gabinete Paraná. O ministro da Fazenda do Gabinete Olinda,

Bernardo Souza Franco, futuro barão de Souza Franco, foi duramente atacado. Os

conservadores culparam a política de pluralidade de emissão bancária adotada por

Bernardo Souza Franco como causadora da crise financeira, da queda das exportações

de café e da depressão financeira que levou o país a um processo inflacionário que

depreciou a moeda nacional frente à libra esterlina.326

Esta crise foi um dos principais fatores que concorreram para a demissão

do Gabinete de 4 de maio, organizado pelo Marquês de Olinda, que foi substituído pela

nova composição organizada por Antônio Paulino Limpo de Abreu, futuro Visconde de

Abaeté em 12 de dezembro de 1858.

Instalado a nova composição ministerial, as questões ligadas às leis

eleitorais e às leis financeiras minaram as forças do Gabinete Abaeté que durou menos

de 8 meses – o Gabinete de 12 de dezembro não encontrava apoio na Câmara.327 A

325 Karl Marx. “Crisis en Brasil”. In: Karl Marx & Friedrich Engels. Materiales para la História de America Latina. Córdoba: Cuadernos de Pasado y Presente, 1972. p.345. Apud. Carlos Gabriel Guimarães. Bancos economia e poder no Segundo Reinado: o caso da Sociedade Bancária Mauá MacGregor & Companhia (1854-1866). Op. Cit. p. 215. 326 Carlos Gabriel Guimarães. Bancos economia e poder no Segundo Reinado: o caso da Sociedade Bancária Mauá MacGregor & Companhia (1854-1866). Op. Cit. p. 216-218. 327 Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. Op. Cit., p. 78-79

166

oposição ao Ministério residia principalmente no combate à política de restrição

financeira adotada pelo ministro da Fazenda, Francisco Sales Torres Homem, Visconde

de Inhomirim.328 Ao testemunhar o aumento dos embates contra o gabinete então

implantado, o próprio Pedro de Araújo Lima – que já havia sido vítima de uma oposição

crescente no ministério anterior – ressaltou em um discurso no senado que se assistia às

“exéquias da defunta Conciliação”.329

A aprovação apertada do projeto de Lei nº 50, que instituía restrições às

emissões bancárias teve tramitação áspera na Câmara dos deputados. O resultado da

votação evidenciava a resistência ao Gabinete de 12 de dezembro. Para contornar a

situação, o Gabinete Abaeté tentou dissolver a câmara e convocar novas eleições. Não

encontrando apoio junto ao imperador, estes retiraram-se do poder para que uma nova

composição ministerial fosse formada.

A criação do novo Gabinete, organizado em 10 de agosto de 1859 marcou

o fim da política de Conciliação, criada em 1853. À frente da presidência do Conselho

de Ministros estava Ângelo Muniz da Silva Ferraz, futuro barão de Uruguaiana – um

antigo opositor da política implementada por Honório Hermeto Carneiro Leão.

Ângelo Muniz da Silva Ferraz nasceu em Valença, província da Bahia, em

1812. Em 1834 o jovem Ferraz concluiu o curso de direito pela Faculdade de Olinda,

328 Francisco Sales Torres Homem nasceu no Rio de Janeiro em 29 de janeiro de 1812. Formou-se em Medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Incentivado por Evaristo da Veiga, filiou-se à Sociedade Defensora e passou a colaborar na Aurora Fluminense, jornal de propriedade de Evaristo. Em 1833 seguiu para a Europa onde concluiu o curso de direito na Universidade de Paris. Neste período, integrou-se ao movimento que fundou a revista Niterói, juntamente com Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto Alegre, Pereira da Silva e Cândido Azeredo Coutinho. No Brasil, participou do movimento da Revolução Liberal de 1842, sendo deportado para Lisboa e anistiado dois anos mais tarde. Sob o pseudônimo de Timandro, escreveu o virulento Libelo do Povo, um panfleto de forte inspiração liberal. Mais tarde, aproximou-se da Coroa, apoiando abertamente o regime político colocado em prática por Honório Hermeto Carneiro Leão. Aproximando-se dos conservadores, exerceu diversas funções públicas, dentre as quais a presidência do Banco do Brasil (1858 e 1870) e o Ministério da Fazenda. Indicado pela província do Rio Grande Norte, foi escolhido senador em 1868. Foi sócio do IHGB e do Instituto Histórico de Paris. Destacado político do Império, integrou o Conselho do Imperador e foi comendador da Ordem de Cristo. Em 1872 foi agraciado com o título de Visconde de Inhomirim. Faleceu em Paris em 3 de junho de 1876. Cf.: Lúcia Guimarães. “Francisco Sales Torres Homem”. In. Ronaldo Vainfas. Dicionário do Brasil Imperial. Op. Cit., p. 289-290. 329 Ibid. p. 72-73.

167

onde foi colega de Cansanção de Sinimbú e Nabuco de Araújo. Em 1835 fora nomeado

promotor público em Salvador e entre 1837 e 1843 foi nomeado Juiz de Direito da

Comarca de Jacobina. Eleito em 1838 para a Assembléia Provincial da Bahia, solicitou

ao imperador a anistia a todos os participantes do levante da Sabinada. Em 1842 foi

eleito deputado para a Assembléia Geral. No Rio de Janeiro, Ferraz ocupou vários

cargos públicos como o de Procurador Fiscal do Tesouro e de Inspetor das Alfândegas

da corte. Em 1857 foi nomeado presidente da província de São Pedro do Rio Grande do

Sul. Com a crise do Gabinete Abaeté, Pedro II surpreendeu até mesmo os

correligionários de Ferraz, ao indicá-lo para Presidente do Conselho de Ministros,

encerrando, assim, a chamada Conciliação.330

Além da presidência do Conselho de Ministros, Ângelo Muniz da Silva

Ferraz reservou para si o ministério da fazenda, sendo substituído posteriormente por

José Maria da Silva Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco. Para a pasta dos

Negócios do Império Ferraz nomeou João de Almeida Pereira Filho; para o ministério

da Justiça nomeou João Lustosa da Cunha Paranaguá, futuro Marquês de Paranaguá;

para a pasta dos Estrangeiros nomeou João Lins Vieira Cansanção de Sinimbú; para a

pastadas Guerra nomeou Sebastião do Rego Barros; e a pasta da Marinha nomeou

Francisco Xavier Paes Barreto.

Além de tentar modificar a lei eleitoral aprovada no Gabinete do Marquês

de Paraná, a nova composição ministerial concentrou-se principalmente no combate à

inflação que se generalizava. Para tanto, procurou-se diminuir as emissões dos bancos

para evitar novas especulações. Segundo Francisco Iglésias, os adeptos da emissão e do

grande movimento de capital como instrumento propulsor da economia, vêem o

330 Augusto Vitorino Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883. p. 87-88.

168

pragmatismo de Ângelo Muniz da Silva Ferraz como a morte do espírito de empresa.331

Além de encaminhar o projeto para o senado, Ferraz promoveu um forte ajuste no

sistema bancário e na organização das sociedades anônimas no início de seu governo.

Através do decreto nº 2457, de 5 de setembro de 1859, Ferraz obrigou os

estabelecimentos bancários e as sociedades anônimas a remeteram no primeiro dia de

cada semana, na Corte à Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, e nas

Províncias aos respectivos presidentes, uma demonstração das operações da semana

anterior.

Segundo Carlos Gabriel Guimarães, o ministro Ferraz aplicou um duro

golpe nos defensores da pluralidade bancária, com a promulgação da famosa Lei n.º

1.083, de 22 de agosto de 1860, conhecida como a "Lei dos Entraves". A Lei n.º 1083,

em virtude do seu caráter restritivo, aumentou as dificuldades das casas bancárias e dos

bancos, causando a quebra de diversas empresas. Além disso, a lei possibilitou a

penetração do capital inglês no Brasil, na forma de bancos, companhias de seguro; este

capital concorreu ainda mais para agravar o sistema bancário brasileiro.332

A política econômica do Gabinete Ferraz também selaria o futuro da

Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri. No relatório de 1860, o mais extenso

de todos, Teófilo Ottoni expôs aos acionistas que não imaginava que a nova composição

ministerial pudesse “afetar” a Companhia do Mucuri, uma vez que a empresa já havia

garantido um empréstimo durante o gabinete anterior. Contudo, queixava-se que não

havia no Gabinete Ferraz nenhum político de Minas Gerais. Este fato passou a

preocupar o político liberal, pois acreditava que os interesses da província de Minas

comungavam com os da Companhia que dirigia:

331 Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. Op. Cit., p. 79. 332 Carlos Gabriel Guimarães. Bancos economia e poder no Segundo Reinado: o caso da Sociedade Bancária Mauá MacGregor & Companhia (1854-1866). Op. Cit. p. 226

169

[...] a nomeação dos novos ministros não devia tranquilizar-me. Eu via com pesar posta à margem na organização do ministério toda a sombra de influência da província de Minas, e assim, não havendo no gabinete ministro que representasse os interesses mineiros, eu devia prever tempestades contra a Companhia do Mucuri.333

Poucos dias depois da chegada em Filadélfia, Ottoni apressou-se para

retornar ao Rio de Janeiro a fim de acompanhar de perto a situação da Companhia frente

à nova política econômica adotada pelo Gabinete de 10 de agosto. A preocupação de

Ottoni não foi em vão, em sua política restritiva ao crédito, Ângelo Muniz da Silva

Ferraz modificou consideravelmente a lei que concedia o empréstimo à Companhia do

Mucuri – esta medida seria trágica para a empresa que amargava na crise desde o final

de 1858.

O diretor da Companhia do Mucuri considerou danosas as mudanças

contratuais da Lei 1.011 de 08 de junho de 1859. A principal mudança se refere à

extinção de todos os privilégios de navegação e ao cancelamento da subvenção de juros

de 7% garantida pelo governo; além disso, Ferraz impediu também que o empréstimo

captado pela Companhia na Inglaterra fosse realizado. Reunindo-se várias vezes com o

presidente do Conselho de Ministros e o ministro da Fazenda, Teófilo Ottoni não

conseguiu reverter as alterações contratuais impostas por Ferraz. A discussão sobre a

interpretação da lei que concedia o empréstimo se dirigiu, portanto,ao Conselho de

Estado. Na Consulta de 31 de março de 1860 os conselheiros apoiaram a interpretação

do ministro Ferraz, suplantando, assim, a chance da Companhia de adquirir o

empréstimo conforme ficou estabelecido pelo gabinete anterior.334

333 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860...Op. Cit., p. 7 334 José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora da Companhia do Mucuri. Op. Cit., p. 81.

170

No relatório de 1860, o diretor da Companhia do Mucuri expressou aos

acionistas a sua indignação diante a inflexibilidade do presidente do Conselho de

Ministros:

O dinheiro que está no tesouro pertence à Companhia tanto como o das entradas que fizeram os acionistas, e é por uma escandalosa prepotência que estamos privados do que é nosso. Dos prejuízos, perdas e danos que estamos sofrendo, o responsável é o Exmº. Sr. Conselheiro Ângelo Muniz da Silva Ferraz, que das alturas do seu poder escarnece do nosso direito.335

Para salvar a Companhia do Mucuri do estrangulamento financeiro, restava

a Teófilo Ottoni uma última saída. No início de 1860 o imperador e sua comitiva

realizavam a viagem de volta às províncias do nordeste. De acordo com Ottoni no

retorno para o Rio de Janeiro, a esquadra imperial passaria pelo canal interior dos

Abrolhos, o que o fez concluir que o cortejo imperial passaria em frente aos armazéns

da Companhia do Mucuri em São José do Porto Alegre.

Vislumbrando a possibilidade de apresentar ao imperador a importância

dos empreendimentos que realizava, Ottoni partiu do Rio de Janeiro no vapor Mucuri

para preparar o esperado encontro. Ao chegar em Vitória, o diretor da empresa foi

informado pelo presidente da província do Espírito Santo sobre a possibilidade da

comitiva imperial visitar Caravelas e São José - seria esta a oportunidade de ouro que

Ottoni teria para fazer o imperador visitar os empreendimentos da Companhia. Neste

sentido, Ottoni viajou para a foz do Mucuri para preparar a região para a chegada de

Pedro II. Aos acionistas da empresa, Ottoni informou que a visita do imperador a

Caravelas seria de suma importância, pois na oportunidade, o monarca poderia ser

informado sobre as atividades e os benefícios que a “momentosa empresa” realizava em

Minas Gerais e no sul da Bahia. Para Ottoni, a visita do monarca seria valioso para

superar a crise que se abatia sobre a Companhia. Entretanto, esta seria mais uma

335 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860...Op. Cit., p. 10

171

decepção que o diretor da Companhia iria sofrer. No relatório de 1860 o empresário

mineiro narra melancolicamente a frustração sofrida em Caravelas:

As esperanças eram lisonjeiras por demais, porém, desvaneceram-se todas na tarde do dia 25 de janeiro, na barra de Caravelas, e com mais presteza do que o fumo dos vapores da esquadra imperial, que deslizou-se [sic] veloz por aqueles mares e rápida desapareceu no horizonte.

Mal nos foi dado avistá-la!336

Não bastasse a frustração diante da passagem da esquadra imperial, no

retorno para o Rio de Janeiro, sucumbido por uma violenta tempestade, o vapor Mucuri,

principal veículo da Companhia, naufragou nos rochedos da costa de Guarapari.337 A

partir de então a Companhia não possuía meios operacionais para continuar em

funcionamento. Segundo o diretor da empresa, a mesma já operava com um déficit de

150 contos de réis (150:000$000) e para cumprir os contratos de entrega de

mercadorias, Ottoni foi obrigado a alugar na praça do Rio de Janeiro o vapor Macaense,

de qualidade inferior ao veículo naufragado.338

Mergulhada em uma crise que não se conseguia sanar, a Lei nº 1.114 de 27

de setembro de 1860 autorizou o governo Imperial a encampar o contrato feito com a

Companhia do Mucuri. A lei garantia a indenização do capital investido em ações aos

acionistas da Companhia – para tanto o governo aplicou o empréstimo contraído em

Londres com a referida Lei 1.011 de 08 de junho de 1859 para subsidiar a compra das

ações da empresa.339

Enquanto se decidia o modelo pelo qual se daria a encampação da

empresa, Teófilo Benedito Ottoni voltou ao cenário político nacional após 10 anos de

“abstenção política” após se eleger para a câmara. Segundo Francisco Iglésias, a política

336 Teófilo Benedito Ottoni. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860...Op. Cit., p.16-17. 337 Ibid. p. 34-35. 338 José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora da Companhia do Mucuri. Op. Cit.,p. 38. 339 Ernesto Benedito Ottoni. Relatório que ao ex-diretor da Companhia do Mucuri dirigiu o Dr. Ernesto Benedito Ottoni. Rio de Janeiro: Tip. do Correio Mercantil, 1862. p. 3.

172

de Ferraz, que unificou o partido conservador, fez ressuscitar o partido liberal,

praticamente afastado desde 1848. Assinala-se, então, nas eleições de 1860 o retorno à

Câmara de figuras adversárias do partido do governo, entre elas, Teófilo Benedito

Ottoni.340 Enquanto o destino da Companhia do Mucuri era traçado, Ottoni lançou a

Circular de 1860, provocando entusiasmo e polêmica no cenário político nacional.341

Em sua famosa Circular de 1860, Teófilo Ottoni se ocupou em oferecer ao

público as causas da crise que abateu sobre sua Companhia. Referindo-se a Ângelo

Muniz da Silva Ferraz como “Hércules burlesco”, Ottoni enfatizou que as condições

impostas pelo ministro da Fazenda para conceder o empréstimo aprovado pelo Gabinete

Abaeté eram inaceitáveis. Aos leitores da Circular, o político mineiro revelou que o

ministro dos Negócios do Império, João Almeida Pereira Filho, estava em antagonismo

com o seu colega da Fazenda. Diante do impasse sobre a lei que concedia o empréstimo

à Companhia do Mucuri, a discussão foi parar na Câmara dos deputados, onde os

representantes de Minas Gerais compareceram unanimemente para defender os

interesses de sua província – repete-se, principal acionista da Companhia. Conforme o

texto da Circular, Ferraz contestou a explicação exigida pela deputação mineira,

sugerindo que o ideal seria a encampação do contrato realizado em 1847 entre o

Governo central e os empresários da Companhia do Mucuri.342

No longo discurso proferido na sessão parlamentar de 30 de agosto de

1861 Teófilo Ottoni expôs aos deputados toda a problemática que envolvia o processo

de encampação da Companhia do Mucuri. Ressaltou que o governo central não poderia

abandonar a manutenção das estradas construídas pela Companhia do Mucuri, pois elas

representavam uma importante via de acesso para os moradores da Comarca do

340 Francisco Iglésias. “Vida Política, 1848/1868”. Op. Cit., p.79-80. 341 Valdei Lopes de Araujo. Teófilo Benedito Ottoni: política, historiografia e esfera pública no Brasil oitocentista. Op. Cit., p. 92.; Valdei Lopes de Araujo. “Teófilo Benedito Ottoni: visibilidade e esfera pública no Brasil Oitocentista”. Op. Cit.; 342 Teófilo Benedito Ottoni. Circular dedicada aos Srs. eleitores mineiros...Op. Cit., p. 365.

173

Jequitinhonha, principalmente os que se estabeleceram nas freguesias de Capelinha, de

São Jacinto e de Filadélfia. Nesta oportunidade, o deputado revelou os motivos pelos

quais os acionistas aceitaram a encampação da empresa. De acordo com Ottoni,

preocupados com o destino dos recursos investidos na Companhia, os acionistas

concordaram com a encampação da empresa, conforme queria o ministro da Fazenda

José da Silva Paranhos.343

De acordo com a 21ª cláusula dos estatutos da empresa, enquanto os lucros

da mesma não excederem a 6% anuais sobre o valor total das ações, os acionistas não

poderiam receber nenhuma retribuição. Como ao longo de uma década de atividade a

empresa nunca obteve um lucro superior a 72 contos de réis (72:000$000), a

Companhia foi encampada sem que os acionistas tivessem a oportunidade de receber

algum lucro sobre as ações.

Uma vez definida a encampação da empresa, passou-se para as discussões

que giravam em torno da sua liquidação. Para tanto, seria necessário que a assembléia

dos acionistas da Companhia indicasse um responsável para dirigir o processo de

liquidação. Presidida por Diogo de Vasconcelos – representante do governo provincial

mineiro – a sessão de 12 de fevereiro de 1861 foi unânime em indicar o próprio Teófilo

Ottoni para tomar a frente do referido processo. Dias depois, foi aprovado o decreto nº

2758, de 1º de março que instituía o contrato de liquidação da Companhia do Mucuri.

Neste contrato, todo o ativo e passivo da Companhia passaria para o governo Imperial e

em contrapartida, os acionistas receberiam, sem juros algum, o capital de suas entradas,

isto é, 1.200 contos de réis (1.200:000$000).344

343 Teófilo Benedito Ottoni. Sessão parlamentar de 30 de agosto de 1861. Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 1861. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & C, 1861. p. 344-.345 344 Ernesto Benedito Ottoni. Relatório que ao ex-diretor da Companhia do Mucuri dirigiu o Dr. Ernesto Benedito Ottoni. Op. Cit., p. 3.

174

O referido decreto foi regido por 9 cláusulas. Nelas, os empresários da

Companhia do Mucuri renunciavam-se de todas as isenções, privilégios e concessões

outorgadas pelo governo imperial e provincial em 13 de maio de 1847 e 19 de agosto do

mesmo ano. Renunciavam-se também de todos os bens constantes no inventário da

empresa, realizado em 31 de dezembro de 1860, como móveis, imóveis, semoventes e

dívidas passivas e ativas, além da renúncia de todas as estradas e caminhos que foram

abertos no Mucuri com a entrega de todas as plantas, cartas, desenhos e quaisquer

outros trabalhos técnicos. Em compensação, o governo central repassaria à Companhia

do Mucuri a quantia de 900 contos de réis (900:000$000) referentes ao empréstimo

previamente adquirido em Londres, além de receber do governo mais 300 contos de réis

(300:000$000) em certo número de objetos separados do inventário. Caso a soma destes

bens não formasse essa quantia, o valor seria completado com a venda de terras aos

acionistas ao preço mínimo estabelecido pela Lei de Terras de 1850.345

A liquidação da empresa, conforme a cláusula 7º do contrato seria

realizada por dois comissários árbitros, um indicado pelo governo central e outro pelo

ex-diretor da Companhia do Mucuri. José Cândido Gomes foi o árbitro indicado pelo

então ministro dos Negócios da Agricultura, Manoel Felizardo de Souza e Melo, da

parte dos acionistas, o árbitro nomeado foi o Dr. Ernesto Benedito Ottoni, irmão do ex-

diretor da Companhia. Na hipótese de haver alguma discordância entre os dois árbitros,

a referida cláusula indicaria o presidente de província de Minas Gerais para julgar o

mérito.

Embora não apresentasse provas, o relatório do árbitro José Cândido

Gomes acusou o diretor da Companhia de possíveis deslizes na administração da

empresa. O árbitro do governo questionou, por exemplo, a presença de parentes e

345 Ibid. p. 51; José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora... Op. Cit., p. 83.

175

amigos de Teófilo Ottoni como principais funcionários da empresa. Além disso,

Cândido Gomes criticou o excesso de poder que Ottoni possuía na administração da

Companhia. A posição de José Cândido Gomes e a divulgação do seu relatório por parte

do então ministro da Agricultura, Manoel Felizardo de Souza e Melo, fez acender uma

nova contenda entre Teófilo Ottoni e a administração do governo central. Segundo José

Cândido Gomes,

O Diretor era não só o centro, mas a idéia, a vontade e a forma, a alma enfim da empresa.

Tudo dimanava dele pessoalmente. – Fora dele não existia mais que a ação passiva, e material. [...]

Mas é fato que aos olhos do vulgo a empresa do Mucuri tirava daí uma espécie de encarnação de família, que devia prejudicá-la.346

Para rebater as críticas de Cândido Gomes e a atitude de Manoel Felizardo

que divulgou em seu relatório de 1862 que as posições do árbitro do governo são

“dignos de louvor”,347 Ottoni publicou no mesmo ano um libelo intitulado Breve

Resposta ao Relatório de Liquidação da Cia. do Mucuri, por parte do Governo. Ao

longo das 96 páginas do opúsculo, o ex-diretor da Companhia tenta refutar todas as

acusações feitas contra a sua pessoa, apresentando como testemunho ofícios e cartas de

acionistas da empresa que atestariam a retidão de sua administração. Neste espaço

Ottoni também ajusta as contas com o conselheiro Manuel Felizardo de Souza e Melo,

qualificado pelo ex-diretor da Companhia como seu perseguidor desde o período que

mandou o navio de guerra Tietê para a foz do Mucuri.

Ottoni acusou Manoel Felizardo de “delapidações” praticadas contra o

tesouro público durante a Balaiada e de nepotismo no contrato de conservação da

Estrada Santa Cruz. Ao concluir seu opúsculo, fez críticas virulentas ao seu opositor:

346 José Cândido Gomes. Relatório da Comissão Liquidadora... Op. Cit., p. 85-86. 347 Manuel Felizardo de Souza e Melo. Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado à Assembléia Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1862. p. 52-53.

176

Com tais antecedentes não admira que o Sr. conselheiro Manoel Felizardo de Souza e Melo se fizesse perante as câmaras solidário com as injúrias, e diatribes que mandou escrever contra o ex-diretor da empresa da Companhia do Mucuri. [...]

Não podendo, porém, elevar-se à posição em que estou colocado na estima dos homens de bem, maquina arrastar-me à pocilga onde chafurda.348

No que diz respeito ao processo de liquidação da empresa, o mesmo

desenvolve-se com dificuldades devido às divergências entre os dois árbitros. A

principal delas girava em torno do patrimônio da Companhia do Mucuri. José Cândido

Gomes concluiu que a mesma possuía 959:237$492 em bens, enquanto Ernesto

Benedito Ottoni concluiu que este valor seria cotado em 5.621:367$570.

Dessa forma, o desfecho do processo de encampação da Companhia do

Mucuri só foi resolvida com o Decreto nº 3.132, de 27 de julho de 1863, quando o novo

ministro da Agricultura, Pedro de Alcântara Bellegarde, fez estabelecer um critério

definitivo.

De acordo com o referido decreto, a Companhia do Mucuri renunciaria em

favor do governo uma dívida de quase 96 contos de réis – mais precisamente

95:995$888 – referente aos empréstimos concedidos aos colonos estrangeiros e outros

devedores. Em compensação, o governo concederia a metade do valor da dívida

renunciada (47:997$944) em terras nas margens do rio Mucuri e Todos os Santos que

poderiam ser adquiridas a meio real a braça quadrada.349

Em 1863 a Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri estava

finalmente liquidada. Seus antigos acionistas começaram a restituir os valores

investidos a partir deste período. Falecido em 17 de outubro de 1869, o então senador

Teófilo Benedito Ottoni não viveu para testemunhar os debates sobre as posses

348 Teófilo Benedito Ottoni. Breve Resposta ao Relatório de Liquidação da Cia. do Mucuri, por parte do Governo. Tip. de M. Barreto, Mendes Campos e Comp., 1862 p. 77. 349 BRASIL. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1863. Decreto nº 3.132, de 27 de julho de 1863. Tomo XXVI, parte II. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1863. p. 267-269.

177

concedidas no vale do Mucuri, uma vez que estas se arrastaram em 1898, quando

ocorreu a última assembléia dos antigos sócios. Nesta época havia muita discussão

sobre as terras destinadas ao maior acionista da empresa, o estado de Minas Gerais.

A questão das terras do vale do Mucuri, decorrentes do processo de

liquidação da empresa, só foi finalmente solucionado com o Decreto nº 13.261, de 5 de

janeiro de 1971. Este documento regulamentava a lei que criou o Fundo de

Desenvolvimento Rural, administrado pela Fundação Rural Mineira, a RuralMinas.

Com a criação desse órgão, ficou definido que o estado de Minas receberia 44.662

hectares, 465 ares e 100 centiares de terras, relativo ao processo que liquidou a antiga

Companhia do Mucuri em 1863.350

350 Paulo Pinheiro Chagas. “Nota 260”. Op. Cit., p. 234.

178

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Neste trabalho procuramos analisar a trajetória da Companhia de

Navegação e Comércio do Mucuri e a do seu diretor, o político liberal Teófilo Benedito

Ottoni. O período entre 1847 e 1863 constituiu-se em nosso corte cronológico, onde

examinamos a evolução das atividades da empresa que ganhou notoriedade no cenário

nacional por participar de empreendimentos pioneiros e pela polêmica que envolveu o

seu diretor e os administradores do governo central a partir de 1860. Além disso,

observamos ao longo deste trabalho que uma rede política e econômica local e

“nacional” foi montada para dar sustentação ao projeto Mucuri. Desse modo, ao

estabelecer seus empreendimentos nos sertões da província de Minas Gerais, a atuação

da Companhia chamou a atenção da administração pública. Interessado em ver

expandida a malha viária de Minas Gerais, o governo provincial mineiro tornou-se o

principal acionista da empresa.

Com o capital de 1200 contos de réis, as atividades da companhia dirigida

por Teófilo Ottoni foi responsável por abrir uma nova fronteira na província de Minas

através da criação de estradas, de portos, da fundação de núcleos urbanos e do

incremento da imigração estrangeira para o interior da Mata Atlântica. Com o

implemento dessas medidas, observamos que a partir de 1847 um considerável afluxo

de populações em direção ao interior do vale do Mucuri, território até então rotulado

como “inculto” e “indômito”, habitado pelos índios botocudo.

Interessados na criação de uma rota comercial alternativa e na expansão de

seus negócios, muitos fazendeiros e comerciantes da região de Serro, Diamantina e

Minas Novas lançaram-se no empreendimento do Mucuri, adquirindo apólices da

Companhia e ocupando áreas até então inexploradas. Além disso, fazendeiros

179

estabelecidos nas bordas da floresta tropical encontraram no projeto Mucuri a

oportunidade para estender seu patrimônio fundiário para o interior do vale do Mucuri.

Nesta pesquisa, vimos que a sorte da empresa dependia não apenas do

apoio do governo provincial mineiro e da elite regional, mas também de toda

movimentação política da corte. No período da Conciliação, enquanto Ottoni obteve o

apoio do governo central, a empresa atuou com certa desenvoltura. Com o retorno dos

conservadores em 1859 a empresa deixaria de receber o patrocínio do Ministério e

passou por uma grave crise que resultou na liquidação da Companhia em 1863. Por fim,

para entender o significado social e econômico da Companhia do Mucuri, procuramos

analisar a sua dinâmica local sem perder de vista a complexa evolução política na corte,

lócus privilegiado da atuação dos construtores da nação brasileira do século XIX.

Durante a década de 1850 o vale do Mucuri foi palco de um amplo

processo de colonização. Além da presença da população nacional, de escravos e de

índios, esta experiência histórica fez convergir para o interior da floresta tropical

pessoas de diversas partes do mundo, como foi o caso dos imigrantes europeus e dos

trabalhadores chineses. Este fenômeno, que chamou a atenção de Tschudi e Lallemant,

só foi possível devido à “patriótica” idéia, então em voga, de levar a civilização até os

recônditos mais afastados do Império. Em relação aos colonos estrangeiros, observamos

que suas vidas foram transformadas pela ação daqueles que discutiam qual a melhor

forma para o trato das questões ligadas à imigração. Além disso, vimos que esta

população sofreu com os conflitos políticos em torno de uma política de imigração

precária que os destinavam ao trabalho em regiões insalubres.

Herdeiro das primeiras iniciativas de conquista do Mucuri empreendidas

desde o início do século XIX, a saga colonizadora encabeçada por Teófilo Ottoni

deveria extirpar a barbárie para fazer com que os benefícios da Natureza fossem, então,

180

conquistados pelo pensamento civilizado, racional e industrioso. Para além de um

empreendimento econômico, o projeto Mucuri mostrou-se uma janela para o estudo da

ação de homens que não mediram esforços para construir a nação no Brasil do século

XIX.

Do processo de ocupação até os dias atuais, a região o vale do Mucuri

ficou marcada por disparidades sociais e econômicas e pela ausência de um modelo

sustentável de desenvolvimento. Como se pode observar nitidamente no selo em anexo,

a figura de Teófilo Ottoni e da Companhia do Mucuri ainda servem de modelo para a

busca de projetos político-identitários locais para a promoção do desenvolvimento

regional.

181

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ANEXOS:

Anexo I Figura 7: Apólice da Companhia do Mucuri

Apólice da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri nº 1988, pertencente a João Batista Viana Drumond. Apud. Paulo Pinheiro Chagas. Teófilo Ottoni: ministro do povo. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1978.

196

Anexo II Figura 8: Organograma da Companhia de Navegação e Comércio do Mucuri

Fonte: Teófilo Benedito Ottoni & Honório Benedito Ottoni. Condições para Incorporação de uma Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri, precedidas de uma exposição das vantagens da empresa. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1847.; Relatório do Sr. Dr. Sebastião Machado Nunes sobre as Colônias do Mucuri. In: Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri no dia 10 de maio de 1860 pelo diretor da Companhia do Mucuri Teófilo Benedito Ottoni. Rio de Janeiro: Tipografia do Correio Mercantil, 1860. Apenso C, p. 59. (APM. Coleção Assuntos Mineiros).

Assembléia Geral dos Acionistas

Diretoria

Agência de Filadélfia

Agência de Santa Clara

Caixeiro de Filadélfia

Caixeiro de Santa Clara

197

Anexo III

Relação dos prazos aforados em Filadélfia em 31 de agosto de 1857

N°s. Foreiros Foros recebidos

Laudêmios Foros em diívida

1 Dr. Manoel Esteves Ottoni 8$000 - 4$000 2 Augusto Benedito Ottoni 12$000 2$500 - 3 Barão de Diamantina 12$000 - - 4 Feliciano Lopes da Silva 8$000 - 4$000 5 Joaquim José de Araújo Maia 12$000 - - 6 Antônio José Coelho 8$000 - 4$000 7 Dr. João de Salomé Queiroga 12$000 25$000 - 8 Tristão Vieira Ottoni 12$000 - - 9 Manoel José de Carvalho - - 12$000 10 Martiniano Soares P. Guedes 12$000 - - 11 Em comisso - - - 12 Augusto Benedito Ottoni 12$000 2$500 - 13 José Fernandes de Carvalho 12$000 - - 14 Martinho A. de Miranda Ribeiro - - 12$000 15 Em comisso ( Cia. do Mucuri) 8$000 - - 16 José Antônio de Carvalho 8$000 - 4$000 17 Manoel Pereira de Carvalho 12$000 - - 18 José Leite de Freitas Guimar 12$000 - - 19 Roberto Schlobach 12$000 - - 20 Theodoro José de Castro 4$000 - 8$000 21 Exm. Governo de Minas 8$000 - 4$000 22 Manoel Cardoso Faria 8$000 4$000 23 José de Souza Peixoto 4$000 2$500 8$000 24 Antônio Joaquim César 4$000 - 8$000 25 Felisberto Dias Torres 8$000 - 4$000 26 Manoel Teixeira de Carvalho 8$000 - 4$000 27 D. Clorianá Maria C. Cesar 4$000 - 8$000 28 Honório Esteves Ottoni - - 12$000 29 Honório Esteves Ottoni 4$000 - 8$000 30 D. Teodora de Araujo Maia 12$000 - - 31 Valeriano Esteves de Souza 4$000 - - 32 José Ferreira dos Reis - - 12$000 33 José Antônio da Costa - - 12$000 34 Antônio José Moreira 8$000 - 4$000 35 Honório de Araujo Maia - - 12$000 36 Quintiliano - - 12$000 37 Antônio Coelho da Silva - - 4$000 38 D. Rita dos Reis Massel - - 12$000 39 D. Maria dos Santos Carvalho - - 12$000 40 Desembargador Manoel Machado

Nunes - - 12$000

41 Felipe Alves Macedo 4$000 - 8$000 42 Dr. Antônio Gabriel de P. Fonseca - - 12$000

198

43 Manoel Cavalcanti de Barros 4$000 - - 44 Augusto Lackmer 4$000 - 8$000 45 Companhia do Mucuri - - - 46 Joaquim Vieira de Pina 12$000 - - 47 Dr. Manoel Esteves Ottoni 8$000 12$500 4$000 48 Pio Ferreira de Almeida - - 12$000 49 Camilo Lopes Nisa 8$000 - 4$000 50 José Ferreira de Figueiredo 4$000 - 8$000 51 Francisco Teixeira Ottoni 12$000 17$250 - 52 Joaquim Antônio da Silva 4$000 - 8$000 53 Augusto Benedito Ottoni 12$000 - - 54 Jorge Benedito Ottoni 12$000 - - 55 D. Rosália B. Ottoni Neta 12$000 - - 56 Manoel Ramos dos Santos 4$000 - 8$000 57 João José de Figueiredo Filho 8$000 - 4$000 58 Joaquim José da Fonseca 4$000 - 8$000 59 Guilherme Kunert 8$000 8$750 4$000 60 Carlos Pulfz 8$000 - - 61 Antônio Rodrigues de Oliveira 8$000 - 4$000 62 D. Francisca José Coelho da Silva - - 12$000 63 Joaquim Ezequiel de Macedo 8$000 - 4$000 64 Francisco Teixeira Ottoni 12$000 - - 65 Bernardino da Costa Guedes - - 12$000 66 Maria Alves de Oliveira - - 12$000 67 Cecília da Costa Guedes - - 12$000 68 Manoel Jacinto da Fonseca 4$000 - 8$000 69 José Vieira Novais 8$000 - 4$000 70 D. Camila Cândida da Conceição 4$000 - 8$000 71 Francisco Gomes de Melo 8$000 - 4$000 72 José Vieira Novais de Almeida 8$000 1$000 4$000 73 Venâncio Martins Caldeira 8$000 - 4$000 74 Antônio Coelho da Silva 8$000 17$500 4$000 75 Casimiro Gomes Leal - - 12$000 76 João Gomes Leal - - 12$000 77 Luiz Binagui Brasileiro 8$000 - 4$000 78 Joaquim Xavier de Brito 8$000 - 4$000 79 João José de Araújo 12$000 5$125 - 80 Venâncio Caldeira Brant 8$000 - 4$000 81 Francisco Coelho Barbosa 12$000 3$000 - 82 José Antônio de Faria 4$000 - 8$000 83 Pedro Coelho Barbosa 4$000 - 8$000 84 João Antônio de Menezes - - 12$000 85 Manoel Vieira de Pina 4$000 - 8$000 86 Joaquim Luiz Pêgo 4$000 - 8$000 87 D. Rosa Maria da Conceição 8$000 $750 4$000 88 Vicente Nunes Ferreira 8$000 - 4$000 89 José Cardoso Nunes 8$000 - 4$000 90 Joaquim de Câmara 4$000 - 4$000

199

91 Antônio da Silva Andrade - - 12$000 92 Josefino Caetano da Silva 8$000 - 4$000 93 Honório Esteves Ottoni Neto 8$000 - 4$000 94 Frant Werhlahr 4$000 - 4$000 95 Luiz Pereira Bahia 4$000 - - 96 João Lopes de Souza Rêgo 4$000 - - 97 Francisco Pereira Guedes 4$000 - - 98 Honório Esteves Ottoni - - 12$000 99 Moritz Kind - - 4$000 100 João José de Araújo - - - 101 // // - - 16$000 102 // // - - - 103 // // - - - 104 D. Coleta Rosa do Sacramento 4$000 - - 105 Gustavo de Araújo Maia 4$000 - - 106 Francisco José Leite de Freitas - - 4$000 107 Inácio Botelho Cordeiro 4$000 - - 108 Frederico Rausch 4$000 - - 109 Agostinho José da Costa Ramos 4$000 - - 110 Guilherme Klauss 4$000 - - 111 Dr. Manoel Esteves Ottoni - - - 112 // // - - - 113 // // - - - 114 // // - - - 115 // // - - - 116 // // - - - 117 // // - - - 118 // // - - - 119 // // - - - 120 // // - - - 121 // // - - - 122 Augusto Meng - - 4$000 123 - - 4$000 124 - - 4$000 125 - - 4$000 126 - - 4$000 127 - - 4$000 128 - - 4$000 129 - - 4$000 130 - - 4$000 131 - - 4$000 132 - - 4$000

Total 600$000 98$000 580$000 Fonte: OTTONI, Teófilo Benedito. Relatório apresentado aos acionistas da Companhia do Mucuri por Teófilo Benedito Ottoni em 15 de outubro de 1857. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Companhia, 1857. (documento anexo nº 1)

200

Anexo IV: Figura 9: Selo comemorativo do bicentenário de nascimento de Teófilo Benedito

Ottoni