as culturas sao feitas para dialogar

Upload: cristiana-barreto

Post on 08-Apr-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    1/22

    208

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    2/22

    209

    Os dilemas das Puras misturas

    A exposio Puras misturas anuncia um novo espao museolgico voltado para a cele-brao da diversidade cultural, com foco nas ditas artes populares. Logo na entrada, ainstalao usvel de banquinhos, Viva a diferena!, celebra a diversidade com queum banquinho pode ser concebido, fabricado e usado nos quatro cantos do pas.

    Neste ambiente, os bancos indgenas se sobressaem pela maestria do talho artesanalda madeira e pela beleza de suas formas. Mas, assim vistos, como peas de mobilirio,unidos por sua funo utilitria, o visitante fica alheio aos muitos outros significadossimblicos que os bancos adquirem em suas culturas de origem. O mesmo vale para osoutros bancos, feitos por artesos do Nordeste, por trabalhadores rurais, por operriosda cidade ou por designers da indstria moveleira; a diferena que, para todos estes,h uma familiaridade bem maior do pblico com seus contextos.

    Essa assimetria resume, de certa forma, os desafios e dilemas da proposta museolgicade fazer dialogar, em p de igualdade, universos estticos de diferentes culturas. Seaqui a certeza da incluso das culturas indgenas no gera dvidas afinal os povosindgenas do Brasil so, alm de indgenas, tambm brasileiros , as formas de realizarmuseologicamente esta incluso, a integrao e o dilogo da produo indgena comas demais formas de expresso e arte popular brasileira implicam escolhas complexas,com inmeros desdobramentos no s estticos, mas sobretudo ticos.

    Como construir museologicamente as comparaes ou simetrizaes? Quais concep-es nativas de esttica esto em jogo? Um universalismo possvel? A questo,apesar de muito contempornea, tem uma longa histria e at hoje parece semsoluo. Sally Price55 sublinha a necessidade de criar condies de igualdade para asprodues de diferentes culturas, mostrando no s a produo de artistas indgenas,mas tambm seu prprio discurso esttico.

    Contextualizar, sem pretender ser um museu etnogrfico, ou deixar os objetos falarempor si, sem escamotear as desigualdades histricas e culturais? Como lidar com a autoriaindividual do artista indgena ou popular: como nos moldes de valorao da arte eruditaou por meio da apresentao coletiva de uma identidade tnica ou um grupo de arte-sos? nfase nos objetos ou nas expresses imateriais? O que mais representativo: oobjeto tradicional ou a produo hbrida contempornea?

    Algumas dessas questes se aplicam s artes de todas as minorias ou daqueles gruposcuja produo cultural foi historicamente marginalizada. Outras so dilemas especficosda museologia da produo indgena, por no ser, essa produo, considerada comonossa, mas sim pertencente a um universo outro, o universo de uma genrica cate-goria do imaginrio brasileiro chamada ndios.

    De volta instalao usvel de banquinhos, o observador atento perceber que algunsdesigners se inspiraram nos desenhos e formas das peas indgenas, e tambm quealguns bancos indgenas j foram feitos para o mercado de um artesanato tnico. aque comeam as puras misturas.

    Cristiana Barreto As culturas so feitas para dialogar?

    novas formas demusealizar os objetosetnogrficos.

    55O livro de Price, Arteprimitiva em centroscivilizados (2000),coloca abaixo de forma

    definitiva o fetichismoeuropeu sobre a arteprimitiva, propondo

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    3/22

    210

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    4/22

    211

    Na exposio Puras misturas, tanto no mdulo histrico intitulado Da Misso misso, como no mdulo propositivo Fragmentos de um dilogo, procuramosexplorar alguns desses dilemas, mais com o intuito de debat-los do que de propria-mente resolv-los. Permeando esses dilemas, esteve sempre a inteno de mostrar afluidez de fronteiras entre as artes eruditas e as artes populares, salientando a circula-ridade de processos contnuos de alimentao, apropriao e recriao entre os doispolos para, assim, desconstru-los.

    Muitas das escolhas curatoriais dePuras misturas ancoraram-se na histria e nas experi-ncias pregressas, uma vez que museus e exposies j lidaram com alguns dos dilemasapontados acima, que se tornaram, inclusive, temas clssicos na museologia de conte-dos etnogrficos e antropolgicos. Mas no s as experincias do passado serviramde referncia; tambm procuramos dar conta dos novos significados que as artes ind-genas, a arte popular, a arte urbana e alguns outros gneros hbridos vm adquirindono Brasil do sculo 21, sem perder de vista a proposta geral da nova instituio.

    Ao longo do sculo 20, a produo de grupos e povos mais ou menos distantes da civi-lizao ocidental aos poucos migrou dos tradicionais museus de antropologia para osmuseus de arte. Contudo, aprendemos que nem sempre basta expor, lado a lado, obrasde arte moderna ou contempornea e obras de outras culturas, como tentaram osmodernistas europeus no incio do sculo. No basta colocar em p de igualdade obras

    de arte de diferentes procedncias para tirar de vez as maisculas das palavras Arte eCultura, como o fizeram os surrealistas. preciso estabelecer relaes que iluminem acompreenso de ambas as culturas.

    No Brasil, as exposies de arte muito tardiamente contemplaram as artes indgenas,exibindo-as, seno em p de igualdade com a arte ocidental, ao menos nos mesmosespaos expositivos. A Bienal de So Paulo, a partir de 1963, comeou a se interessarpelas artes pr-colombianas de outros pases, mas peas do Brasil somente ganharamdestaque vinte anos depois, com a exposio Arte plumria do Brasil.56 Outras mostras,como Tradio e ruptura (1984), so feitas de forma anexa ou em paralelo s grandesmostras de artes.

    Foi apenas em 2000, com a gigantesca Mostra do redescobrimento, que se adotou umapostura deliberada de integrar as artes indgenas, desde seus primrdios pr-coloniais,ao universo das artes visuais brasileiras. Prevaleceu a perspectiva histrica das grandesretrospectivas, e as artes indgenas permaneceram confinadas na distante posio dasorigens, ou das razes primordiais. Ficou em aberto a questo de como fazer arelao dessas obras de arte com o presente, de como nacionaliz-las e entend-lasverdadeiramente como parte do universo das artes visuais brasileiras.

    No mundo globalizado do sculo 21, as fronteiras entre quem so os outros e quemsomos ns, que asseguravam as diferenas da nossa sociedade para as antes primi-tivas e agora primeiras, tornam-se fluidas e transitrias. O exemplo da participaoativa de comunidades indgenas na elaborao de seus prprios museus, como o museuKuahi,57 dos povos indgenas do Amap, ou em programas de pesquisa e salvaguardade seu patrimnio, como aconteceu com a pintura corporal e arte grfica dos Wajpi,58so resultantes de um duplo processo de amadurecimento.

    De um lado, as comunidades tradicionais percebem suas tradies estticas como uminstrumento efetivo de afirmao de suas identidades especficas e, de outro, a socie-dade nacional valoriza a complexidade dessas tradies estticas, ancoradas em tradi-es orais, conhecimentos e cosmologias nem sempre visveis e tangveis.

    principalmente da XVI(1981), que conseguiureunir novamente umgrande conjunto depeas arqueolgicas,na exposio intituladaMsica e danano

    antigo Peru.

    57O Museu Kuahi foicriado em 2008 pelospovos indgenas doOiapoque, Amap,com a proposta deintegrar a produoesttica de povos

    indgenas distintos,promovendo atividadesde intercmbio entreas aldeias, instituiesacadmicas e museus.

    56A VII Bienal, em 1963,traz as exposies Artedo Peru pr-hispnico;Argentina, arte antes dahistria e 30 peas deourivesaria do MuseodelOro da Colmbia.Esta bienal abriu

    caminho para outrastentativas como as daVIII (1965), IX (1967) e

    58Em 2003, a Arte Kusiwa pintura corporal e artegrfica dos Wajpi, povoindgena do Amap foi reconhecida comoPatrimnio ImaterialNacional pelo IPHANe como obra-primado Patrimnio Oral eImaterial da Humanidadepela Unesco.

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    5/22

    212

    Fragmentos de um dilogo

    Com o mesmo esprito questionador do surrealismo europeu, o modernismo brasileiroconseguiu subverter a ideologia romntica da identidade nacional, na qual a culturaindgena aparecia sempre alicerada na figura do ndio heri, do bom selvagem, dondio civilizado, tal qual a Iracema, do romance homnimo de Jos de Alencar, ou oPeri, da pera O guarani, de Carlos Gomes.

    Do ponto de vista esttico, o modernismo, ao romper com os cnones da arte acad-mica, prope aproximar as artes eruditas das populares, incluindo os elementos nodomesticados e irreverentes das culturas indgenas e populares em um novo conceitode brasilidade. Assim, vrios artistas plsticos, escritores e msicos se interessaram pelastradies populares, exaltando os hibridismos e as misturas, de certa forma personifi-cadas em Macunama, o rebelde heri nacional que nasce negro, vira ndio e depoisbranco, do romance de mesmo nome escrito por Mrio de Andrade. A produo ind-gena, ainda pouco conhecida, inspirou os modernistas brasileiros das mais variadasformas na msica, nos temas literrios e nas linguagens pictricas.

    Na msica, Villa-Lobos se inspirou nos cantos e danas indgenas para compor poemasmusicais como Amazonas, Uirapuru, Saci Perer e Iara. As lendas amaz-nicas povoaram a nova literatura, como nos poemas de Raul Bopp (Cobra Norato

    (Nheengat da margem esquerda do Amazonas), de1931) ou nas Lendas, crenase talisms da Amaznia, ilustradas por Vicente do Rego Monteiro59. Victor Brecheretrecuperou a linguagem das gravuras rupestres na sua fase marajoara e a poticada expresso corporal indgena dos rituais xinguanos, como na sua Luta dos ndiosKalapalo.

    O dilogo dos modernistas com as artes indgenas (no qual incluram tambm a arterupestre e objetos arqueolgicos, como a cermica marajoara) foi decisivo e pioneiro.Inaugurou um olhar genuinamente interessado na esttica indgena. Ao contrrioda atitude mais etnogrfica, adotada pelos folcloristas da poca, os artistas moder-nistas no s pesquisavam e documentavam, mas tambm criavam em cima do quedescobriam.

    O antroplogo Eduardo Viveiros de Castro sugere que a antropofagia de Oswald deAndrade tenha sido a nica contribuio realmente anticolonialista. Ela jogava osndios para o futuro e para o ecmeno; no era uma teoria do nacionalismo, da volta srazes, do indianismo. Era e uma teoria realmente revolucionria [...] Para ele, Oswaldfoi o grande terico da multiplicidade, e hoje, todo o mundo est descobrindo que preciso hibridizar e mestiar [].60

    Em Fragmentos de um dilogo revisitamos esta atitude pioneira e revolucionria,retomando o dilema antropofgico Tupi or not tupi. Estendemos esse dilogo entreos modernistas e as culturas indgenas at os dias de hoje, em que, no prprio Parquedo Ibirapuera, as linhas modernas do prdio semiesfrico projetado por Oscar Niemeyerdespertam no imaginrio dos frequentadores a imagem bastante estereotipada da ocaindgena. Real ou imaginria, depurada ou estereotipada, a esttica indgena faz partedo universo artstico moderno do brasileiro.

    A antropologia hoje se debate sobre a adequao de considerarmos arte a produoindgena. Trs posies resumem o debate. A primeira v, em nosso desejo de ver aarte de outras culturas esteticamente, isto , julgando o que belo, mais uma vene-rao obsessiva por objetos de arte do que um interesse real nessas outras culturas.61 Asegunda diz que no podemos reservar o conceito de arte apenas tradio ocidentale negar que a produo das chamadas sociedades primitivas possa surgir de atitudes

    Cultura e Pensamento,MinC, n. 11, p. 11-12,jan. 2007.

    anthropological theory.Oxford, ClarendonPress, 1998.

    59Lgendes, croyances ettalismans des Indiens delAmazone. Adaptaode P. L. Duchar tre,

    Ilustraes de Vicentedo Rego Monteiro, Paris,1923.

    60Eduardo Viveiros deCastro em entrevista aPedro Cesarino e SrgioCohn. Revista Azouge-

    Saque/Ddiva, Riode Janeiro: Programa

    61Entre os que defendemeste argumento estoo filsofo francsPierre Bourdieu e o

    antroplogo inglsAlfred Gell, em suaobra pstuma Artand agency: an

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    6/22

    213

    e sentimentos comparveis aos dos artistas europeus.62 A terceira acredita que, assimcomo no passado a arte serviu para marginalizar outros povos e diferenci-los doseuropeus civilizados, hoje ela pode ser usada para inclu-los numa cultura mundial depovos igualmente civilizados.63

    Na base do debate reside o fato de que muitos povos no concebem a arte como umdomnio autnomo; no separam arte de artefatos, no separam o belo do til. Noexistem criaes feitas apenas para serem contempladas. A fruio esttica est em

    todas as esferas da vida, tanto nos objetos rituais como nos do cotidiano. Por isso,antroplogos como Els Lagrou acreditam que somente quando o design vier a suplantaras artes puras ou as belas artes que teremos na sociedade ocidental um quadrosimilar ao das sociedades indgenas.64

    Assim, o design talvez seja a alternativa mais prxima a uma linguagem esttica comums duas culturas. Nas artes indgenas, a pintura corporal, junto com os adornos, no meramente decorativa; elas fabricam a pessoa que pintada, sua identidade em relao sua famlia, sua aldeia e seu mundo em geral. Da mesma forma, so os motivospintados superfcie da cermica que definem sua funo, e o desenho formado natrama dos tranados que lhe d um nome, uma identidade especfica. Aquilo que estna pele ou na superfcie, a roupagem dos seres e das coisas, confere-lhe capacidades eatributos especficos.

    Ao se transpor esses motivos e desenhos para objetos da cultura ocidental, no umacoincidncia que eles imediatamente confiram nova identidade aos objetos. Os tecidostnicos da Arte Nativa Aplicada so um bom exemplo desse processo. A padronagemdos tecidos carrega consigo outra identidade, desperta a ateno para essas culturasindgenas pouco conhecidas, ainda que as roupas, xales e cortinas feitos desses tecidospertenam a contextos distintos. Aqui, o dilogo entre culturas se estabelece pelasmarcas de identidade.

    Os mesmos desenhos que os Kadiwu aplicam sobre seus corpos e vasilhas e que tantoinstigaram antroplogos como Lvi-Strauss e Darcy Ribeiro a decodificar seus signifi-cados foram transpostos para as paredes de Berlim. O projeto da Brasil Arquitetura,vencedor de concurso internacional para a revitalizao de um cinzento bairro da capitalalem, utilizou seis desenhos feitos por ndias Kadiwu para a confeco dos azulejosque dariam cara nova s fachadas do bairro. De novo, aqui, a superfcie ressignifica ocontedo.

    As artes indgenas nos ensinam a aproximar arte e artefato, contemplao e funciona-lidade, lembrando-nos da capacidade esttica, que tem toda criao humana, de agire transformar o mundo. Nessa esfera de aproximaes, os dilogos se tornam possveistambm com outros gneros artsticos hbridos contemporneos, como o grafite e atatuagem. O grafite urbano traz a arte rupestre do passado arqueolgico para os murosda cidade contempornea, assim como as tatuagens tribais transferem os motivos dacermica marajoara para a pele das tribos urbanas.

    Os sentidos dos dilogos so mltiplos. Assim como o design da Arte Nativa Aplicadase apropria dos grafismos indgenas, a arte grfica Kusiwa dos ndios Wajpi se apropriado smbolo da bandeira nacional. Parece haver uma sintonia, ou uma onda de frequ-ncia, em que essas transferncias ocorrem mais facilmente, sem comprometimentos,para criar novas caras para a cultura brasileira.

    Fragmentos de um dilogo aponta para esse tipo de criatividade subjacente s dife-rentes maneiras de sermos brasileiros at ento fora do foco dos museus e exposiesde arte.

    62De acordo com oantroplogo italianoCarlo Severi emAntropologie de lArt.

    Paris: PUF, 1992.

    63Howard Murphy emThe anthropologyof art. CompanionEncyclopedia of

    Anthropology. Londres:Routledge, 1994.

    64Els Lagrou, em seu livroArte indgena no Brasil:agncia, alteridade erelao. Belo Horizonte:

    Editora C/Arte, 2009.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    7/22

    214

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    8/22

    215

    A exposio Puras misturas se encerra com uma amostra do grafite paulistano nasparedes externas do Pavilho, em mais um mdulo intitulado Extramuros,65 dialo-gando com a paisagem do Parque do Ibirapuera.

    Aqui o pblico dialoga estreitamente com os personagens e as paisagens criadas nasparedes, verdadeiras telas delimitadas pelas vigas de sustentao do prdio. Grupos efamlias tiram fotos na frente dos painis, como se eles fossem monumentos de carto--postal. Crianas percorrem com a mo os traos dos desenhos, repetindo os gestos dosartistas, entrando na fantasia do cenrio. esta possibilidade de coexistncia e sobrepo-sio entre dois mundos que no se excluem mutuamente a lio a ser aprendida comnossas puras misturas.

    Ibirapuera, alm, claro, de preocupaesde ordem tcnica coma prpria conservao

    arquitetnica do prdiode Niemeyer.

    65Ao longo do processocuratorial, a inclusodo grafite gerou muitasnegociaes. Surgiram

    ponderaes sobre olugar do grafite (sedentro ou fora e se de

    dentro para fora ouvice-versa), sobre asdiferentes implicaesticas, estticas e

    polticas em se abrirespaos expositivospara o grafite e opixo nos pavilhes do

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    9/22

    216

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    10/22

    217

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento de

    Dados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    11/22

    218

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    12/22

    219

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    13/22

    220

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    14/22

    221

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    15/22

    222

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    16/22

    223

    Entre arte e artefatos

    Para alm das exposies, existem tambm as funes de salvaguarda, preservao econstituio de novos acervos. Algumas colees de artefatos indgenas pertencentes Secretaria Municipal de Cultura foram herdadas pelo novo Pavilho das CulturasBrasileiras, e cabe equipe da nova instituio no s integr-las ao seu acervo, mastambm us-las e ressignific-las, de acordo com a futura programao.

    Testemunhos de prticas de colecionamento diversas, das expedies de Orlando VillasBas ao Xingu pesquisa etnogrfica de Lux Vidal entre os Kayap-Xicrin, uma coleode 250 bonecas karajs doadas pelo escritor Jos Mauro de Vasconcelos reflete a preo-cupao do sculo 20 e que hoje parece estar em vias de superao com a ameaade extino ou decadncia das culturas indgenas.

    Daqui para a frente, o que colecionar? A maioria dos povos indgenas no guarda aspeas produzidas para ocasies rituais. Mscaras, instrumentos musicais, plumrias eoutros adornos, fora da arena em que so utilizados, perdem sua razo de ser. Soencostados e morrem lentamente ou so descartados propositalmente.

    A antroploga Els Lagrou nos lembra que o hbito de fazer peas para ser contem-pladas sem ser usadas simplesmente no existe entre nenhum dos povos indgenas.

    Assim, qualquer proposta de colecionamento seguindo critrios nativos parece deslo-cada em um museu que no indgena.

    Privilegiar a produo contempornea, documentar a revitalizao de culturas indgenaspor meio da retomada de suas tradies estticas, agora conscientemente inseridas nasestruturas da sociedade nacional, so tarefas que cabem bem nova instituio.

    A produo do projeto Artess do Maramara, que rene as mulheres Tiriy eKaxuyana, do Amap, na arte da tecelagem com sementes e miangas um bomexemplo desta produo. Essa uma arte com um vasto repertrio de tcnicas e dese-nhos, e que se mantm viva e dinmica, incorporando novos estilos e usos. O uso dasmiangas na tecelagem das tangas e cintos, ao contrrio do que se poderia supor, bastante tradicional, desde que foram introduzidas no sculo 19 pelos escravos fugidosda Guiana holandesa. Hoje, esta tradio mantida com o uso de miangas tchecas,mais uniformes no tamanho e que propiciam desenhos com contornos mais precisos eregulares. O uso das sementes mais recente, adquirido dos povos vizinhos, os Wayana,o que constitui um desafio s nossas ideias sobre o tradicional e o genuno nas artesindgenas e nas artes populares em geral.

    O uso e incorporao de materiais modernos em artefatos tradicionais causa aindamuita estranheza a um pblico acostumado a associar autenticidade pureza dastradies, negando s culturas minoritrias o direito a se modernizarem, sob o risco dese contaminarem. No entanto, a produo indgena contempornea est repleta deinovaes, no s no uso das matrias-primas, sem, no entanto, comprometer o uso deobjetos na reatualizao de suas identidades indgenas.

    A substituio das plumas por canudos plsticos nos diademas kayaps mantm oesquema de cores tradicionais, com as plumas de araras-vermelhas mais longas nocentro. Os homens continuam envergando ritualmente essa forma de diadema, cujasvariantes e compsitos de cores codificam os privilgios herdados por cada indivduo.

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    17/22

    224

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    18/22

    225

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    19/22

    226

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    20/22

    227

    As culturas so feitas para dialogar, dizia o slogan que, no incio do novo sculo,anunciou a criao de um museu em Paris para abrigar as colees de culturas antesditas primitivas, mas agora reconhecidas como primordiais.66

    Para muitos, o reconhecimento das qualidades estticas das artes dos povos mais oumenos distantes da civilizao ocidental razo de celebrao, sinal de que foramabolidas as fronteiras entre a arte erudita ocidental e as artes dos povos historicamentemarginalizados. Para poucos, a aproximao e a tentativa de equivalncia entre a arte

    ocidental e as artes dos outros povos so apenas mais uma apropriao indevida.

    O que se v hoje no Museu do Louvre, em Paris, na nova ala das artes primordiais,criada em 2002 como prenncio do novo museu, no a arte ps-colonial contem-pornea do Terceiro Mundo, muito menos uma arte que comenta a presena nessemundo do colonizador. O que se v so as mesmas relquias da colonizao, apenasagora descontextualizadas, ou melhor, inseridas em um contexto que no mais o dooutro, mas o nosso, ou melhor, o deles, europeus.

    No Brasil, a fronteira entre ns e outros parece ser mais sutil (mas tambm, svezes, simplesmente mais escamoteada). Aqui, os dilogos entre culturas vm aconte-cendo de forma mais ou menos dinmica, intensa e conflituosa ao longo dos ltimosquinhentos anos. Onde o antropofagismo cultural epidmico e as misturas cada vez

    menos puras, o papel do museu talvez no seja o de promovero dilogo, pois eleacontece cotidianamente nas ruas, nas esferas virtuais, nas sobreposies do grafiteurbano, nos hibridismos musicais, nos saraus literrios da periferia e nas novas lnguasda internet, de forma cada vez menos territorializada espacial e socialmente.

    No Brasil contemporneo, o papel do museu talvez seja mais o de descolecionar edesierarquizar os gneros artsticos, como diria Nstor Canclini,67 e fazer com que opblico se reconhea e se identifique nesta ou naquela mistura, vendo-se como umaparte do grande emaranhado cultural que os dilogos constroem. Descolecionar, nocaso, significa questionar os enquadramentos institucionais da produo erudita, dastendncias conceituais e das vogas do mercado de arte; desierarquizar implica repensara assimetria da reflexo crtica culta versus a espontaneidade da criao popular.

    Pronto, est aberto o dilogo. Puras misturas, por encerrar uma proposta para umnovo espao cultural, um projeto aberto, para ser debatido.

    Afinal, as culturas so feitas para dialogar.

    66Em 2006, a campanhaque anunciava acriao do museu doQuai Branly trazia o

    slogan escrito sobrefotomontagensmostrando grandes

    67CANCLINI, NstorGarca. Culturashbridas: estratgiaspara entrar e sair da

    modernidade. Traduode Helosa P. Cintro eAna Regina Lessa. 2.ed.So Paulo: Edusp, 1998.

    objetos exticoscravados no centrode famosas praasparisienses. A campanha

    respondia ao mal-estarcausado por outra, em2002, que anunciavaa nova ala no Louvre

    dedicada s artesprimordiais (ou artspremiers), na qual umapessoa, diante de um

    objeto extico, dizia:Eu estou no Louvre.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    21/22

    228

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

  • 8/7/2019 As Culturas Sao Feitas Para Dialogar

    22/22

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.

    O Pavilho, quea partir de 1976abrigou a Companhiade Processamento deDados do Municpio.