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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UFMT FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COORDENAÇÃO DE RADIALISMO AS CARTAS DE JANE VANINI projeto de documentário MAURÍCIO RODRIGUES PINTO Cuiabá MT

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

COORDENAÇÃO DE RADIALISMO

AS CARTAS DE JANE VANINI

projeto de documentário

MAURÍCIO RODRIGUES PINTO

Cuiabá – MT

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2016

MAURICIO RODRIGUES PINTO

AS CARTAS DE JANE VANINI: PROJETO DE DOCUMENTÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Departamento de

Comunicação Social da

Universidade Federal de Mato

Grosso, como requisito para

obtenção de título de Bacharel em

Comunicação Social com

Habilitação em Radialismo.

Orientador: Prof. Dr. Diego Baraldi

de Lima.

CUIABÁ - MT MAIO 2016

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LISTA DE FIGURAS

Figura Legenda Página

Figura 1.1 Jane Vanini, guerrilheira de Cáceres, MT, assassinada pela

ditadura. 06

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AGRADECIMENTOS

A todos os agentes sociais dessa caminhada de transformações.

A Sueli.

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RESUMO

PINTO, Mauricio Rodrigues. As Cartas de Jane Vanini: Projeto de Documentário.

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) constitui-se de um resgate da

trajetória da militante cacerense Jane Vanini. A partir desse realizamos um

projeto experimental de documentário, intitulado “As Cartas de Jane Vanini”. O

projeto foca no período de 1971-1974 no qual Jane, refugiada no Chile

escreveu 37 cartas a parentes e amigos no Brasil. Na parte textual do TCC,

apresentamos os caminhos percorridos na elaboração deste projeto, desde

uma síntese histórica de nossa personagem, passando pelo referencial teórico

que possibilitou a eleição das estratégias de abordagem que se pretende

adotar na feitura do documentário. Para a proposta de realização e montagem

do filme, detivemo-nos nos procedimentos expressivos relacionados aos

modos expositivo, participativo e poético do documentário, conforme

características apontadas por Bill Nichols (2005). O documentário As Cartas de

Jane Vanini também tem como objetivo preencher uma lacuna histórica

relacionada à memória de Jane Vanini, já que ainda não existe nenhum

produto audiovisual (ficcional ou documental) registrando a trajetória dessa

personagem histórica.

Palavras-chave: documentário, ditadura, memórias, desaparecidos, Jane

Vanini, América Latina.

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ABSTRACT

PINTO, Mauricio Rodrigues. The Jane Vanini Letters: Documentary Project.

This Work Course Conclusion (TCC) consists of a rescue of the trajectory of

militant Cacerense Jane Vanini. From this we conducted a documentary

experimental project, entitled "The Jane Vanini Letters". The project focuses on

the 1971-1974 period in which Jane, refugee in Chile wrote 37 letters to

relatives and friends in Brazil. In the textual part of the TCC, we present the

paths taken in the preparation of this project from a historical overview of our

character, through the theoretical framework that enabled the election of

approach strategies that intends to adopt in the documentary making. For the

proposal of directing and editing the film, we stopped in expressive procedures

related to expository modes, participatory and poetic documentary, as

characteristics indicated by Bill Nichols (2005). The documentary The Jane

Vanini Letters also aims to fill a historical gap related to the memory of Jane

Vanini, as yet there is no audiovisual product (fictional or documentary)

recording the trajectory of this historical character.

Keywords: documentary, dictatorship, memories, missing, Jane Vanini, Latin

America.

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EPIGRAFE

Canto a Gabriela Jane Vanini de tu Cáceres querida Jane de tu verde Pantanal Jane de tu Mato Grosso mineral. Gabriela de la Villa Primavera De Lorenzo Arenas de Concepción Compañera amada Brasileña y Chilena Hermana Latinoamericana Éste canto va por ti. O Flor tropical Que Heitor Villalobos cantó sin conocerte: Hola Rosa Amarella o Rosa tao bonita e tao bella o Rosa. Tempraneramente emprendisteis el vuelo Ave amazónica verde olivo Nacisteis en el seno de tu pueblo y te cobijó el regazo, de América Latina. Alondra al viento te posasteis en las luchas populares con el trinar de los cantos ancestrales acunasteis nuestros sueños libertarios en las urbes proletarias fuisteis mujer combatiente flor revolucionaria. Cruzasteis los Andes encumbrados anidasteis en nuestro Chile araucano compartisteis la suerte de los perseguidos militasteis en los pobres del campo y la ciudad Jane comprometida, Jane sin fronteras jane en la memoria Gabriela rojinegra Gabriela de nuestra historia. Como ave libertaria Llegasteis al lado de los obreros sudados y cansados, te arrimasteis al poblador, al campesino explotado, Cuéntanos paloma Torcaza Como se vuela hacia la gloria Cuéntanos roja Lloyca

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Como es la cara de los canallas. Jane flor urbana Gabriela Rosa Latinoamericana. Las balas que rompieron tus alas No eran balas chilenas No eran balas proletarias Eran balas Made in USA Balas Norteamericanas eran balas mercenarias. No es verdad y que lo sepan los que luchan que morías por el amor de un compañero, eso es desconocer tu condición revolucionaria. No volastes a Cuba ni volastes a Chile para buscarte desesperada un mino. Discípula conciente de Marighela de la Acción Liberadora Nacional Militante y del Movimiento de Libera ción Popular insurgente, no fuisteis una simple amante, no es verdad que vinisteis del Brasil a inmolarte como ninfa enamorada. Eso es negar tu convicción ideológica, es hacer de tu muerte una novela rosa. Sabemos que morías por amor, es verdad, por amor a un sueño proletario y latinoamericano. Cuando el compañero de tareas te gritaba: Ríndete Gabriela, ríndete Gabriela, tus vecinos son testigos y recuerdan hora tras hora respondías con metralla. Lo demás es puro cuento, Cuento de parafernalia. No olvidaremos jamás Tu entereza y convicción No olvidaremos jamás tu ejemplo y dignidad Jane mujer activa Gabriela mujer combatiente en la lucha de los explotados eres nuestra Jane armada y consecuente, nuestra Gabriela serás por siempre. Jane de Cáceres y Gabriela de Lorenzo Arenas Te honramos como mujer, Internacionalista y proletaria Como honramos a Tamara Bunke, Como honramos a nuestras Marías Galindo

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A nuestras Arcadias Flores A nuestras Lumis Videla A nuestras Iris Vega A nuestras Anas Luisas Peñailillo A nuestras Rosas amarelas. Tu vuelo verde olivo Seguirá presente en nuestros cielos Toda la gloria del mundo para ti Hermana y camarada que más te puedo cantar Como no sea un canto Latinoamericano: La entrañable transparencia De tu querida presencia. Compañera Jane de Cáceres Gabriela de la Villa Primavera Tus hermanas y hermanos de Chile hoy te honramos: Hasta la victoria siempre compañera. ===== El cobarde le huye a la verdad, porque la mentira es como él. (Salvador, poeta Cubano) Héctor Sandoval Torres

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5

1. Memorial 6

2. Tema e objetivos 9

3. Organização do TCC 10

CAPÍTULO I. NESSAS MAL TRAÇADAS LINHAS - A Trajetória de Jane

Vanini 12

CAPÍTULO II. DELIMITAÇÃO DE PROCEDIMENTOS EXPRESSIVOS PARA

O DOCUMENTÁRIO “AS CARTAS DE JANE VANINI” 16

2.1 Modos do documentário 17

2.1.1 O Modo Expositivo 18

2.1.2 O Modo Participativo 19

2.1.1 O Modo Poético 19

CAPÍTULO III. AS CARTAS DE JANE VANINI - O PROJETO 20

3.1 Proposta de Obra não seriada 21

3.2 Público-Alvo do Projeto 22

3.3 Eleição dos Objetos 22

3.4 Estratégias de Abordagem 24

3.4 Proposta de Roteiro 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS 32

REFERÊNCIAS 36

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Vocês se perguntarão que faço no exterior se me interesso

tanto pelo Brasil. Eu lhes explico: Nós pertencemos a um

continente a quem se chama genericamente por América Latina.

Essa América Latina toda tem as mesmas questões raciais que nós

do Brasil. Fala um idioma muito parecido e que teve também as

mesmas origens. Sofremos as mesmas enfermidades,

analfabetismo, fome, velhice prematura, dentição podre, e

principalmente o nosso inimigo fundamental é o mesmo: o

ianque. Eu sou latino-americana e amo igual ao mestiço, ao

crioulo, ao índio, ao negro, ao asiático, ao branco, que entraram

na mesma formação. E meus irmãos são todos os latino-

americanos e por eles estou disposta a dar até mesmo a única

coisa que realmente possuía: a vida. Digo possuía, pois, uma vez

que uma pessoa contempla as coisas que presenciei e tomei a

decisão que tomei, não possui mais nada além do desejo de mudar

tudo, não importa a que preço.

E como sou latino-americana, dar na mesma estar no Chile ou no

Brasil, ou Venezuela, ou México, ou Bolívia ou qualquer outro,

pois cada país livre apressará a liberdade dos outros. Cada

território liberado é uma frente de luta para prosseguir lutando.

(carta 01). Carta de Jane Vanini, sem assinatura e sem data.

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1 INTRODUÇÃO

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1. Memorial

A história de Jane chegou até mim há pouco tempo. Matogrossense de

nascimento, eu desconhecia por completo a trajetória da cacerense que se

tornou uma guerreira revolucionária. Vivíamos no Brasil as “Jornadas de

Junho”, como ficaram conhecidas as manifestações populares pelo passe livre

e também contra os gastos com a realização da Copa da FIFA, que ocorreram

em 2013. Em meio às notícias que pululavam na grande mídia, canais

alternativos de streaming faziam sua estreia transmitindo ao vivo o confronto

entre a polícia e os manifestantes nos protestos. Não só ao vivo, mas de

dentro, colocando o usuário dessas novas redes de comunicação e informação

no interior da ação. Ao mesmo, tempo canais já conhecidos, como o CMI

(Centro de Mídia Independente), divulgavam artigos relacionados ao que

estava acontecendo nas ruas e também uma série de pequenos artigos que

perguntavam “Você conhece?” e apresentavam um personagem histórico do

país. Foi quando li um desses artigos sobre Jane, cuja chamada era “Jane

Vanini - A Guerrilheira de Cáceres, MT - na luta contra a ditadura”.

Figura 1.1 Jane Vanini, guerrilheira de Cáceres, MT, assassinada pela ditadura.

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Como filho da terra, só a presença de Mato Grosso no título da matéria

foi suficiente para me chamar a atenção. No entanto, minha identificação com a

história de Jane tem mais elementos. Em 2006, fiz meu primeiro trabalho como

profissional de audiovisual. Foi no curta-metragem Parabéns Vitor, de

Leonardo Sant’anna, realizador que havia se graduado na UFMT. Como video-

assist, estreei num set de filmagem. Na trama, jovens contra a ditadura, sonhos

contra a realidade. Durante as filmagens percebi o pouco que conhecia desse

momento histórico brasileiro e, em especial, o quão pouco sabia sobre os

desdobramentos desse período em terras matogrossenses. Embora tenha

nascido nos anos finais da ditadura brasileira, por opção da minha família

pouco percebia ou discutia esse cenário político nacional. À exceção das aulas

de Ensino Moral e Cívico, resquícios de doutrinação militar, era pouca minha

habilidade para identificar a influência ditatorial em Mato Grosso. Era então

também com surpresa que descobria a história de Jane. Despertava de um

transe de décadas.

A descoberta de uma mato-grossense tão envolvida com a luta para a

derrubada da ditatura me animou e avidamente li o relato. Era bastante sucinto.

Os quatro ou cinco parágrafos não poderiam dar conta da história daquela

mulher cuja história, a partir dali, começou a estimular minha curiosidade.

Pesquisando na rede mundial de computadores, rapidamente encontrei mais

informações sobre Jane. Descobri que Vanini era muito conhecida no Chile!

Havia poemas, praças, ruas com seu nome. E foi em um arquivo virtual chileno

que encontrei o trabalho da professora Maria do Socorro de Sousa Araújo. Sua

dissertação de mestrado pela UFMT, “Paixões políticas em tempos

revolucionários: nos caminhos da militância, o percurso de Jane Vanini. (1964 -

1974)”, apresentou-me um fato peculiar e único sobre a militante cacerense, a

saber, as cartas de Jane. No período em que Vanini esteve no Chile, entre os

anos de 1971 a 1974, ela havia escrito 37 cartas à sua família no Brasil,

utilizando os mais diversos subterfúgios para que essas chegassem ao seu

destino. É claro que nem todas chegaram. Essas 37 as quais tive acesso foram

apenas as bem sucedidas.

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A oportunidade de conhecer as cartas que Jane escreveu enquanto

estava fora do Brasil me permitiu vislumbrar em primeiro momento o seu

universo particular. A guerrilheira de Cáceres era também uma mulher como

outra qualquer, com suas vaidades, medos e aspirações. A mesma pessoa que

ardentemente lutava com ambições internacionais também sentia saudade dos

doces de casa, do abraço da irmã e ansiava pela aprovação do pai. Enquanto

envolta por um país em revolução, nos anos em que passou no Chile, Jane se

apaixonou, se deslumbrou, se emocionou como qualquer um de nós poderia se

estivéssemos em sua situação. Todos esses aspectos bastante sutis e

sensíveis da vida de Jane só chegaram até nós através dessas cartas.

Num segundo momento as cartas me mostraram ainda mais. Pude

perceber os detalhes de sua vida e de sua relação com a família, e era

especialmente ali que minha vida se cruzava com a vida de Jane.

Nascido numa família religiosa e conservadora, foi com dificuldade que

me desliguei da igreja e dos valores morais familiares. As angústias de Jane

me eram comuns. Os momentos em suas cartas em que se dirige aos

sobrinhos para lhes explicar suas motivações, ou ainda, quando noutra carta se

dirige ao pai para lhe dizer de sua admiração por ele, falavam de experiências

da minha realidade. Por conta de minhas escolhas também fui ‘exilado’ de

minha família. Vivi essa mesma mistura de sentimentos onde a saudade dos

laços construídos com o tempo se contrapunha a firmeza com que nos

apegamos aos nossos ideais. Jane é, então, e assim a vejo, muito parecida

comigo. Pela força dos ideais em que passamos a acreditar, colocamos uma

distância entre nós e a família, os amigos e mesmo da sociedade em que

nascemos. Ainda assim, sempre nos sentimos a eles unidos, pois fazem parte

daquilo que nos faz ser quem somos.

Na ideologia e na prática, pude reconhecer em Jane uma representante

de seu tempo e um reflexo de uma aspiração pessoal.

No entanto me espantava que eu não era o único a desconhecer até

então a história de Jane Vanini. A guerreira de Cáceres é pouco conhecida no

seu país e mesmo no seu estado de nascimento pouco sabem da relevância e

singularidade de sua trajetória. Pode-se argumentar que o processo de revisão

dos porões da ditadura brasileira é recente e a nossa relação com essa

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memória é bem diferente do que acontece nos nossos vizinhos continentais.

Mesmo assim, outros nomes aparecem na memória brasileira. Por que Jane foi

esquecida? Foi o fato de ter vindo do interior do país? De ser mulher?

O projeto para esse documentário nasce desse encontro com as

memórias de Jane, sobre Jane, e das descobertas que surgiram a partir das

reflexões geradas por esse encontro. Um encontro de sonhadores, frutos de

seus respectivos momentos históricos.

2. Tema e objetivos

Jane Vanini foi uma estudante cacerense que, saída do interior do Mato

Grosso para estudar Ciências Sociais em São Paulo em 1967, envolveu-se

com ações contra a ditadura brasileira instaurada três anos antes. Após ser

localizada pela Operação Bandeirantes, deixou o Brasil e se refugiou no Chile

de 1971 até a data de sua morte, em 6 de dezembro de 1974. Nesse período,

Jane escreveu 37 cartas à sua família. Nessa intensa troca, incomum e

arriscada para o momento histórico, Jane expressa vários sentimentos

(ansiedade, esperança, saudade), ao mesmo tempo em que nos permite

vislumbrar as dificuldades da vida na clandestinidade, bem como os anseios de

mulher e militante revolucionária em uma América do Sul cada vez mais

dominada pela repressão política. O presente Trabalho de Conclusão de Curso

trata-se de um projeto de documentário sobre a trajetória da militante política

Jane Vanini.

Entre os objetivos deste projeto de documentário, pretende-se mostrar a

trajetória de Jane Vanini durante o período da ditadura militar brasileira e

chilena, em especial o período de 1972 a 1974, no qual houve uma intensa

produção epistolográfica por parte de Jane. Também intentamos verificar como

a trajetória e as escolhas de Jane atingiram seus familiares, em especial sua

irmã Dulce (Madrinha, forma carinhosa pela qual Jane se referia à irmã), e

ecoavam o momento histórico do Brasil e da América Latina.

O documentário espera ressaltar a tensão entre a vida pública de Jane

Vanini, enquanto militante no Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), no

Brasil, no Movimiento de Isquierda Revolucionário (MIR), no Chile, e sua vida

privada enquanto mulher, esposa, tia, irmã e filha.

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3. Organização do TCC

Este Trabalho de Conclusão de Curso está organizado em três

capítulos. O primeiro contará de forma sintética a trajetória de Jane, abordando

o contexto histórico em que ela viveu, a atuação na militância política, ações e

viagens de Vanini. O conteúdo deste capítulo integra parte do material com o

qual travamos contato na etapa de pesquisa do projeto de documentário.

O segundo capítulo apresentará algumas considerações mais teóricas a

respeito do campo documentário, principalmente os procedimentos expressivos

relacionados à tipologia dos modos do documentário, na acepção do teórico

norte-americano Bill Nichols (2005), de modo a nos auxiliar na definição das

estratégias de abordagem para nosso projeto de documentário. No capítulo em

questão também apresentamos as principais estratégias de abordagem que

pretendemos utilizar ao nos relacionarmos com os objetos eleitos pelo projeto.

Nesta exposição poderemos observar que os elementos do modo expositivo e

poético aparecem com maior incidência no documentário que pretendemos

realizar.

O terceiro e último capítulo apresentará alguns elementos do projeto do

documentário “As cartas de Jane Vanini”, de acordo com os requisitos

solicitados no edital PRODAV 05/2015, que tem por objetivo a seleção de

propostas de desenvolvimento de projetos de obras audiovisuais seriadas e

não seriadas de longa-metragem e de formatos de obra audiovisual, brasileiros

de produção independente. Os elementos apresentados serão a Proposta de

Obra não seriada, que consiste em uma apresentação da obra de

documentário, incluindo tema, visão original, objetivos, tom, relevância e

conceito unificador do projeto; o Público-Alvo do Projeto, onde identificamos o

público-alvo do projeto, incluindo referências etárias, culturais e sócio-

econômicas dos possíveis espectadores da obra; a Eleição dos Objetos que

apresenta a descrição dos personagens – reais e ficcionais - e objetos –

produtos materiais e imateriais da ação humana, materiais de arquivo,

manifestações da natureza etc. – com os quais a equipe se relacionará para a

realização da obra; as Estratégias de Abordagem, onde são detalhados os

procedimentos narrativos e estratégias de abordagem - entrevistas,

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reconstituições ficcionais, voz sobre imagem, efeitos etc. – através dos quais a

equipe se relacionará com os objetos definidos para a realização do

documentário, incluindo possíveis referências a outras obras audiovisuais ou

artísticas; e o Esboço de Estrutura/Roteiro, onde prospectamos como o

conteúdo de imagem e som do documentário será apresentado ao espectador.

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2 CAPÍTULO I

3 NESSAS MAL TRAÇADAS LINHAS:

A TRAJETÓRIA DE JANE VANINI

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Na década de 1960, diversos lugares apresentam-se encobertos por

cenários de instabilidades, conflitos sociais e depressões políticas. As lutas de

confrontações, as quais são partes desse tempo histórico, surgem com uma

pluralidade de feições políticas e se disseminam como marcas de

descontentamentos com os modelos de sociedades até então experimentados.

As lutas revolucionárias são os movimentos mais significativos dessa época,

cujo caráter de libertação nacional, constrói o pensamento e impulsiona as

atitudes de muitas pessoas.

No Brasil, assim como em outras nações da América Latina, o confronto

político passa pela delimitação de territórios entre a “direita” e a “esquerda” e

se verticaliza, circunstancialmente, com as práticas da luta armada, a partir da

implantação da ditadura militar. Controladas pelos aparatos repressores e,

assim, impedidas de suas ações políticas, profissionais, sociais e culturais,

pessoas de diversas representações sociais, constituídas sobretudo por jovens

das classes médias, ingressam nos contingentes armados de esquerda para

enfrentar o regime militar vigente.1

Com pouco menos de vinte anos, a jovem estudante Jane Vanini se

desloca da cidade de Cáceres, estado de Mato Grosso, para, em São Paulo,

mediante expectativas possíveis, construir outros sentidos de vida. É

importante salientar que, nessa época e no imaginário de muitos jovens

oriundos de comunidades pequenas, a cidade de São Paulo se apresenta

como o espaço que potencializa condições sociais e econômicas capazes de

professar um futuro promissor para todos aqueles que a escolhesse. Ela

representa o discurso e o lugar das aspirações humanas, nos quais “o urbano -

uma extraordinária codificação de comportamentos e de condições gerais da

realização do capitalismo - possui uma expressão material e social que o

1 Em 1964, quando o mundo ocidental, levado pelas estratégias geopolíticas da Guerra

Fria, passava pela bipolarização entre blocos comunista e capitalista, uma crise política expôs a disputa de poder entre as ideias desenvolvimentistas e as reformistas, a qual norteou os bastidores da política brasileira. Justificado por “ameaças externas”, um golpe de estado planejado e efetivado por grupos das Forças Armadas, levou os militares ao comando do Estado brasileiro que instituíram a Doutrina de Segurança Nacional, como instrumento de controle social e institucional. Sob regime militar, entre outras produções, ler ANAIS BNM, disponíveis no arquivo Edgard Leuenroth – IFCH/UNICAMP – ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil Nunca Mais: um relato para a história, 1987 - GORENDER, J. Combate nas Trevas, 1990 – RIDENTI, M. O Fantasma da Revolução Brasileira, 1993.

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aproxima, na experiência contemporânea, da totalidade”.2 É com essa

interpretação que, entre os anos de 1964 e 1965, aproximadamente, Jane

Vanini chega à capital paulista.

Já casada com Sérgio Capozzi, em 1968, os dois se tornam

simpatizantes das ações políticas da Aliança Libertadora Nacional – ALN,3 e

começam a prestar serviços de suporte a essa organização. Em 1970, o cerco

da Operação Bandeirantes – OBAN4 chega à Editora Abril, lugar onde Sérgio

trabalha, e com apoio de um segurança, o casal se refugia num sítio de um

amigo e inevitavelmente é empurrado para a clandestinidade. Num navio

italiano, saindo pelo porto de Santos, os dois chegam, com os nomes de Mário

e Adélia, respectivamente, ao Uruguai, depois seguem para Buenos Aires,

Roma, Praga e Cuba.

Em Havana, entre outras atividades, Adélia é locutora da rádio Havana,

durante seis meses, transmitindo um programa, em português, para o Brasil.

Durante a permanência em Havana, Jane Vanini, Sérgio Capozzi e outros

militantes decidem fundar o Movimento de Libertação Popular – MOLIPO.5 Em

1971, voltam ao Brasil, se estabelecem em Araguaína-Go e, no campo,

recomeçam a luta revolucionária. Ainda no mesmo ano, as emboscadas e as

mortes de militantes levam Jane ao Chile em busca de apoio para sua

organização. Em 1972, Mário vai ao encontro de Adélia com o propósito de

abandonar o movimento porque não acredita mais no sucesso da luta.

2 RIBEIRO, A.C.T. Memória e cidade: afastamentos e simbiose, 2001, p. 359.

3 Organização de esquerda armada de grande projeção política nas ações de guerrilha

urbana, que enfrentou o regime militar no Brasil, entre os anos de 1968 e 1973. Tendo como dirigente mais expressivo a figura de Carlos Marighella, ela surgiu como cisão do Partido Comunista Brasileiro, por considerar que este partido teria se revelado “apático e desnorteado” diante do golpe militar de 1964. 4 Órgão de repressão política, criado em meados de 1969, que integrava militares do

Exército, Marinha e Aeronáutica, Polícia Federal, polícias estaduais e outros organismos de policiamento. Suas atividades de informação e controle político se deram com mais intensidade na “luta contra a subversão”. Ler especialmente FON. A.C. Tortura, a história da repressão política no Brasil, 1979 – ARQUIDIOCESE, 1985, op. cit. 5 Grupo de esquerda armada que surgiu como dissidência interna da ALN, buscando se

firmar como a “cara” socialista do movimento revolucionário, o que deferia da ideia de “libertação nacional” da ALN. O grupo foi composto no final de 1970 com 28 militantes, principalmente lideranças estudantis que se encontravam em Cuba, mas também agregava militantes no Brasil. Entre outras ações, o MOLIPO elaborou um texto teórico intitulado “Fase: Guerrilha Urbana”, que orientava as investidas políticas e de enfrentamentos a partir da criação de “comandos operários” e “comandos estudantis”. Ver ANAIS BNM, Perfil dos Atingido, tomo III, op. cit.

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No ano seguinte, entre discordâncias e desencontros, o casal se separa,

Adélia segue na luta, se transforma em Ana, conhece o jornalista José Tapia

Carrasco – Pepe -, que passa a ser seu segundo marido e ingressa no

Movimiento de Izquierda Revolucionário – MIR.6 Nesse espaço de lutas, ela

aparece participando ativamente da experiência política chilena, a qual se

configura como um tempo de transição do capitalismo para o socialismo e tem

como dirigente, o presidente eleito Salvador Allende, no ano de 1970.

Com o golpe de estado em setembro de 1973, a militante Jane Vanini se

torna clandestina pela segunda vez e, fugindo das perseguições policiais-

militares da ditadura chilena do general Augusto Pinochet Ugart, ela se refugia

na cidade de Concepción, até a noite de 06 de dezembro de 1974, quando as

forças repressoras cessam definitivamente as convicções e os sonhos

revolucionários de Jane - Adélia - Ana - Carmem - Gabriela - Tereza...7

Mesmo com o retorno da militante ao Brasil, durante, aproximadamente,

dois anos, a família Vanini quase não tem notícias de Jane. Nesse espaço de

tempo, as autoridades repressoras invadem e ocupam seu apartamento em

São Paulo, as irmãs assinam termos de depoimentos na OBAN, as famílias são

vigiadas e a militante, juntamente com seu marido, são processados e

condenados pela justiça militar, acusados de crime contra a lei de segurança

nacional.8

6 Grupo de esquerda chilena, de pouca expressão política, cujas ações revolucionárias

são balizadas pelas experiências cubanas incorporadas na formação de seus militantes. Sobre a atuação do MIR, ler DRAGO, T. Chile: um duplo sequestro, 1995, especialmente capítulo XI. 7 Todas essas mulheres que aparecem nos registros são nomes fictícios com que Jane

Vanini assina seus relatos, durante suas vidas clandestinas. 8 Aparato jurídico em vigor durante a ditadura militar no Brasil, que delegava

competência e amplos poderes à Justiça Militar para abertura de processos e julgamentos de crimes por ela considerada contra a segurança do Estado. Segurança Nacional foi definida como a garantia da consecução dos interesses nacionais contra antagonismos, fossem internos ou externos. Ver ANAIS BNM, Perfil dos Atingidos, tomo III, Arquidiocese de São Paulo, 1995.

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4 CAPÍTULO II

5 DELIMITAÇÃO DE PROCEDIMENTOS EXPRESSIVOS

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2.1 – MODOS DO DOCUMENTÁRIO

Bill Nichols (2007, p.27) incita o leitor de sua obra Introdução ao

documentário a imaginar que todo filme é um documentário, por representar e

evidenciar a cultura e a aparência das pessoas numa sociedade real ou

ficcional. Segundo o teórico, ao provocar o leitor a imaginar qualquer produção

cinematográfica como documentária, seria importante distinguir dois tipos de

documentário: o documentário de satisfação de desejos, constituído pelos

filmes que associamos ao campo da ficção e que expressa de forma tangível

“nossos desejos e sonhos, nossos pesadelos e terrores”. Dentro desse mundo

imaginado pelos cineastas em tais filmes (baseados em situações próximas da

realidade ou completamente imaginadas), o espectador pode adotar ou rejeitar

as construções que lhe são apresentadas. Há também o documentário de

representação social, constituído pelos filmes que associamos ao campo da

não-ficção, que representa um mundo que já ocupamos, tornando visível a

matéria de que é feita a realidade social – isso, de acordo com a seleção e a

orientação do cineasta/documentarista.

O projeto As Cartas de Jane Vanini encaixa-se na segunda opção

(documentário de representação social), por não se tratar de uma ficção

imaginada pelo autor do produto, mas por se basear em um recorte da

memória daqueles que tiveram contato, direto ou indireto, com a trajetória de

Jane Vanini e suas percepções sobre o momento histórico da América do Sul.

Nichols (2007, p.27) observa que o documentário está inserido numa

triangulação entre documentarista/sobre quem se fala/para quem se fala,

formando a sentença eu falo deles para você. No entanto, o autor observa que

essa colocação pode ser subvertida, como ele fala deles para nós, que,

segundo Nichols, denuncia uma separação entre depoentes e público. No

trabalho As Cartas de Jane Vanini, crê-se que se trata de alguém falando sobre

sua visão da época da Ditadura e da vida de Jane para nós. Mas este ‘nós’, no

caso deste projeto, não está desvinculado do eles – neste caso, o grupo de

pessoas que dará seu depoimento.

Pode-se ver que esta mídia mostra-se como trabalhosa e onerosa no que

tange ao seu uso técnico: há que se pensar previamente as gravações,

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roteirizando como será a pré-produção, a produção e filmagens em si e a pós-

produção (edição, montagem etc.).

Nichols ainda observa acerca da existência de vários modos de execução

aplicados em diferentes épocas e por diferentes documentaristas. O que

mostra o processo de se fazer documentário não como estático, estanque e

monolítico, mas em constante diversificação. Os modos poético, expositivo,

observativo, participativo, reflexivo e performático são algumas das divisões

propostas por ele. Para este trabalho, podemos encaixar, sob as definições de

Nichols, este projeto com elementos de cunho expositivo, participativo e

poético.

2.1.1 – O MODO EXPOSITIVO

Expositivo é o modo de documentário mais conhecido. Nele o objetivo é

construir uma linha logica e clara de argumentação. A preocupação é com a

defesa de argumentos mais do que com a estética e subjetividade. Aqui

predomina a objetividade e se procura narrar um fato de maneira a manter a

continuidade da argumentação. Para isso, um dos recursos utilizados é o

casamento perfeito entre o dito e o mostrado. É esse o modo predominante no

documentário proposto.

Embora não haja a utilização do recurso da “voz off” para conduzir o

expectador, há sim uma continuidade temporal e o uso de recursos gráficos

para parcamente construir uma linha histórica e lógica da história contada. Há

uma preocupação em expor os fatos numa lógica pré-determinada, um sentido

da história. Mesmo cronologicamente, acompanhamos pelo roteiro os passos

de Jane nessa perspectiva histórica cronológica, começando em 64 até 1974.

A montagem, ainda por vir, mas já visualizada aqui, também reforça esse

modo ao dar continuidade ao argumento proposto. Mesmo ao intercalar modos

diferentes, abrindo mão do tempo e espaço continuo, a montagem procurará

sempre colocar em evidencia uma concepção já existente da trajetória de Jane.

A presença desses elementos expositivos se sobressai no projeto. É

interessante notar que Nichols diz que “o bom senso constitui a base perfeita

para esse tipo de representação do mundo, já que está... menos sujeito à

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lógica do que a crença” (p. 144). Ao escolher a história de Jane era inevitável

também escolher um lado, assumir uma crença, compartilhar ou não seus

ideais. É essa crença, esse ideal que procuramos expor com os elementos de

modo documental.

2.1.2 – O MODO PARTICIPATIVO

O modo Participativo se caracteriza pela interação do documentarista com

o objeto, com o tema. A forma mais recorrente de fazê-lo é colocar o cineasta

em cena. Seja para nos dar a ideia de como é estar numa determinada

situação ou para nos mostrar como se sente o documentarista na mesma

situação e como ele se transforma a partir dessa interação. No entanto, esta

participação ativa não é única de forma de interagir com os presentes em cena.

Nichols diz, “o cineasta pode querer apresentar uma perspectiva mais

ampla, frequentemente histórica em sua natureza. Como pode fazer isso? A

resposta mais comum inclui a entrevista. ...a entrevista representa umas das

formas mais comuns entre cineasta e tema. ” (p.159)

Nas entrevistas a preocupação do documentarista por um instante não é

com o expectador, mas com o entrevistado. O uso das entrevistas, essa forma

especial de encontro, junto com as imagens de arquivo procuram reconstruir

um arcabouço histórico amplo, no qual Jane aparece protagonista, mas

também fruto do mesmo. É aqui, na relação de construção de sentido através

da justaposição de entrevistas e material de apoio que podemos sentir mais

uma vez a participação ativa do cineasta. São suas escolhas parte significativa

do sentido alcançado ao final.

2.1.3 – O MODO POÉTICO

O modo Poético também está presente em momentos do projeto.

Esse modo abre mão de algumas convenções da abordagem

documentarista. A cronologia, a continuidade no tempo e no espaço não

interessam tanto quanto a relação de sentido das imagens apresentadas.

Nichols salienta que esse modo “é particularmente hábil em possibilitar

alternativas de conhecimento para transferir informações diretamente, dar

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prosseguimento a um argumento ou ponto de vista especifico ou apresentar

proposições sobre problemas que necessitam solução. ” (p. 138)

É essa habilidade especifica do modo poético que buscamos. Sua

habilidade de permear as informações e dar continuidade ao argumento já

proposto. Os momentos poéticos de As Cartas de Jane Vanini são inseridos

nesses instantes de tecedura da narrativa, buscando alinhavar os elementos

elencados antes e posteriormente a eles.

Quando colocamos os fatos históricos da vida de Jane no palco estamos

utilizando elementos do real para construir sentidos. A matéria bruta, isto é, o

material histórico, as cartas, as fotos são transformados nas ações de uma

atriz, nas indicações de um cenário de teatro. Também a leitura das cartas por

parte daqueles que as receberam, ou aos quais foram dirigidas, são elementos

poéticos. Bem como a trilha sonora, músicas selecionadas à partir de citações

nas cartas e relevantes ao momento histórico. São todos elementos que dão o

tom e o ritmo da narrativa apresentada.

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22 CAPÍTULO III

23 AS CARTAS DE JANE VANINI - O PROJETO

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3.1 - Proposta de Obra não seriada

Jane Vanini foi uma estudante cacerense que saída do interior do Mato

Grosso para estudar Ciências Sociais em São Paulo em 1967, envolveu-se

com ações contra a ditadura brasileira instaurada três anos antes. Após ser

localizada pela Operação Bandeirantes deixou o Brasil e se refugiou no Chile

de 1971 até a data de sua morte, em 6 de dezembro de 1974. Nesse período,

Jane escreveu 37 cartas à sua família. Nessa intensa troca, incomum e

arriscada para o momento histórico, Jane expressa vários sentimentos

(ansiedade, esperança, saudade) ao mesmo tempo em que nos permite

vislumbrar as dificuldades da vida na clandestinidade, bem como os anseios de

mulher e militante revolucionária em uma América do Sul cada vez mais

dominada pela repressão política.

Os objetivos deste documentário são: 1. Mostrar a trajetória de Jane

Vanini durante o período da ditadura militar brasileira e chilena, em especial o

período de 1972 a 1974, no qual houve uma intensa produção epistolografica

por parte de Jane. 2. Verificar como a trajetória e as escolhas de Jane

atingiram seus familiares, em especial sua irmã Dulce (Madrinha, forma

carinhosa pela qual Jane se referia à irmã), e ecoavam o momento histórico do

Brasil e da América Latina.

O documentário ressalta a tensão entre a vida pública de Jane Vanini,

enquanto militante no Movimento de Libertação Popular (MOLIPO) no Brasil, e

no Movimiento de Isquierda Revolucionário (MIR), no Chile, e sua vida privada

enquanto mulher, esposa, tia, irmã e filha.

O tom do documentário é uma mistura entre a impessoalidade da

abordagem jornalística expositiva, na qual as informações são passadas

através de narração em off, uso de imagens de arquivos, documentos

históricos, entrevistas planejadas e um tom mais dramático e intimista nos

momentos de reconstituição e leitura das cartas de Jane pelos entrevistados,

onde teremos passagens de reflexão e emoção que também constroem a

tônica do filme. Aliás, são os conteúdos das cartas de Jane que farão toda a

costura do documentário. Toda a narrativa e os objetos utilizados serão

estruturados a partir de um encadeamento de leituras dessas cartas. As cartas

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oferecem a cronologia dos fatos, bem como são elementos de transformação

para aqueles que as receberam e leram.

Jane Vanini se destaca nesse contexto histórico. Além de ser uma

mulher engajada num meio predominantemente masculino, Jane também se

diferencia por manter essa linha de contato com sua família por meio da

escritura das cartas em que registra não só suas angustias pessoais mas

também, seus desejos e expectativas enquanto militante revolucionária. É,

portanto, uma personagem importante para a história de sua cidade, estado e

país, bem como uma figura de destaque nos conflitos relacionados ao período

ditatorial brasileiro e chileno. Recebendo homenagens do governo chileno por

ocasião dos 30 anos de sua morte, Jane se tornou uma heroína naquele país,

enquanto que, no Brasil, especialmente em seu estado natal, sua trajetória

ainda carece de maior destaque. Importa também que não há outros

documentários similares sobre o tema até o momento, apenas estudos

acadêmicos sobre a personagem. O tema também tem relevância acadêmica,

podendo servir como referência para pesquisadores, historiadores e cientistas.

3.2. - Público-Alvo do Projeto

O projeto possui além do papel cultural de um produto audiovisual, um

papel histórico ao se lançar a desvelar parte da história da personagem Jane

Vanini. Dessa maneira, e por toda essa importância, temos um público

abrangente: compreendido entre as classes A e E, na faixa etária dos 18 a 80

anos.

3.3. - Eleição dos Objetos

Cartas enviadas por Jane à sua família. O principal objeto do

documentário serão as 37 cartas enviadas por Jane enquanto esteve no Chile.

O conteúdo dessas cartas funcionará como o fio condutor da narrativa. A partir

desse objeto todos os demais serão suscitados e organizados na montagem

final.

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Serão realizadas entrevistas com Dulce Ana Vanini, a “madrinha”, irmã

de Jane à quem 25 cartas foram dirigidas. Dulce era a pessoa mais próxima de

Jane e lhe tratava como filha. Também serão entrevistados Romano e Magali

Vanini, irmãos de Jane, buscando salientar sua relação com a família.

Serão entrevistadas as Prof. Msc. Kátia Gomes da Silva Amaro e Maria

do Socorro de Souza Araujo, ambas autoras de artigos sobre a trajetória de

Jane Vanini pela Universidade Federal de Mato Grosso, visando destacar o

contexto histórico das atividades da militante e quais a particularidades dessa

militância.

Serão realizadas entrevistas com sobrinhos de Jane e pessoas que a

conheceram como Suzana Lisboa (amiga de exilio) e Sergio Capozzi (ex-

marido) com o objetivo de mostrar qual impacto teve a vida e morte da militante

no dia a dia deles.

No Chile, serão entrevistados integrantes do MIR (Movimiento de

Isquierda Revolucionario), visando contar quem era Gabriela, codinome que

Jane adotou quando residiu naquele país. Falaremos também com o jornalista

Arnaldo Perez, que há muitos anos acompanha o caso, com o diretor da revista

Punto Final, que conheceu Jane pessoalmente e também com o advogado que

abriu o caso de Jane.

Em Cuba, serão resgatados os relatos da passagem de Jane pela

capital Havana, onde manteve um programa de rádio diário direto para o Brasil,

no primeiro semestre de 1971 e também onde recebeu treinamento militar para

atuar na guerrilha do Araguaia.

A reconstituição cênica com atores de alguns momentos do cotidiano de

Jane conforme alguns detalhes descritos por ela em suas cartas.

A trilha sonora terá músicas da época de cunho militante, como as da

conhecida cantora chilena Violeta Paja, ou canções citadas nas cartas de Jane

como Mí Viejo, canção do cantor italoargentino Piero

Leitores das cartas. Serão os parentes de Jane que receberam as cartas

e que farão a leitura do conteúdo das mesmas.

Imagens e áudio de arquivo. Fotos, jornais, revistas, figuras, áudios e

outros materiais que serão levantados na pesquisa historiográfica referente ao

período da ditadura e à história de Jane.

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Imagens atuais de lugares por onde Jane passou. Ruas, placas,

Pessoas, Prédios, entre outros.

3.4 - Estratégias de Abordagem

As Cartas de Jane Vanini encaixa-se no campo dos documentários de

representação social (Nichols, 2007, p. 27), por se basear em um recorte da

memória daqueles que tiveram contato, direto ou indireto, com a trajetória de

Jane Vanini e suas percepções sobre o momento histórico da América do Sul.

A proposta é criar uma ponte de ressignificação entre o passado e o

presente. Para isso as entrevistas e as locações nos colocarão no presente

enquanto que a reconstituição cênica, a leitura do conteúdo das missivas de

Jane, os arquivos audiovisuais e os documentos históricos nos remeterão a um

passado próximo. Não só contar a história mas conduzir essa narrativa de

modo que esses dois mundos – o Brasil da década de 60 e o de hoje – possam

se encontrar, sobrepor. Assim, as entrevistas de hoje farão ligações com fatos

do passado ou com uma carta de 40 anos atrás, dirigida à sua jovem sobrinha

de hoje.

A medida que a narrativa avança vai se revelando a intensa e dinâmica

militância de Jane, mas também conhecemos a mulher, a esposa, a filha, a

irmã, a tia Jane Vanini. Todas as facetas dessa personalidade múltipla,

inclusive Gabriela, seu nome militante no Chile. A encenação de alguns

momentos de Jane visam representar as condições de produção das cartas. É

também nos revelam detalhes de sua personalidade como gostos e interesses.

As entrevistas, as encenações, os arquivos, aliados à trilha de músicas da

época, formam um conjunto que resgata a memória de Jane, discute o

momento histórico da América do Sul e nos permite vislumbrar como uma

pessoa pode refletir os valores de uma época, mesmo uma tão conturbada

como o das ditaduras brasileira, argentina, uruguaia e chilena. O objetivo deste

trabalho é desenvolver um projeto para um documentário em longa-metragem

(52 minutos) focado no período em que Jane vivia exilada no Chile e escrevia à

família em Mato Grosso utilizando o modelo PRODAV 05/2015 de formatação

de Propostas de Desenvolvimento de Projeto. Para isso será revista a

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bibliografia disponível sobre Jane Vanini e, com base nela, elaborado um

roteiro para as entrevistas de Dulce Vanini, outros irmãos de Jane e também de

estudiosos do tema e pessoas que a conheceram, como Suzana Lisboa e o ex-

marido Sergio Capozzi. Também será coletado material de arquivo pessoal e

público, como as cartas e fotos enviadas desde o Chile e que hoje se

encontram no acervo do Departamento de História da UNEMAT, campus de

Cáceres.

Alguns filmes de referência são:

• Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski - 2009

• Diario de Uma Busca, de Flávia Castro -2010

• Uma Longa Viagem, Lúcia Murat -2011

• 70 Setenta, de Emilia Silveira - 2014

3.5 – Proposta de Roteiro

ROTEIRO BASE (AS CARTAS DE JANE VANINI)

MOMENTO DESCRIÇÃO TEMPO

créditos Fundo negro, créditos entram em fade in, fade out

PRODUTORA

Em associação com

PRODUTORA ASSOCIADA

Apresentam

abertura No cenário de teatro Jane

escolhe entre seus discos e

coloca a canção “Mi Viejo”

“A partir dos anos 50, a

América Latina passa por um

dos momentos mais

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pra tocar.

Ela caminha até a mesa

com cadeira e senta-se.

Lê um pedaço da carta que

esta na máquina.

turbulentos e obscuros de

história.”

“Guatemala, Paraguai,

Argentina, Brasil, Peru,

Uruguai, Chile, Nicaragua,

Republica Dominicana,

Bolivia”

“Todos tiveram uma

Ditadura!”

“No Brasil, o contestado

número oficial de

desaparecidos é de 475

pessoas.”

“Na Argentina, 30 mil”

“No Chile, 40.280 pessoas

desaparecidas...”

entrevistas As entrevistas comentam sobre a vida de Jane antes de sair

Cáceres, a situação de sua ida para SP, sua entrada nos

movimentos políticos antes do Golpe de 64 e o período pré-

golpe.

arquivo Fotos e filmes do Golpe e

período de repressão militar.

Fotos de Jane Vanini.

Editora Abril (1967)

“Em março de 64, as forças

armadas brasileiras põem

em movimento o golpe que

traria a ditadura civil-militar

que duraria 20 anos.”

“Jane trabalha na Editora

Abril, e à partir de 68 atua

junto à Aliança Libertadora

Nacional (ALN)”

entrevistas As entrevistas comentam sobre o tempo de Jane como

agente da ALN, como era essa militante e a situação

envolvendo sua saída do Brasil.

encenação No cenário do teatro Jane

caminha segurando uma carta

datilografada.

“A OBAN (Operação

Bandeirantes) encontra o

local de trabalho do então

marido de Jane, eles

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Ela pousa a carta sobre a

mesa, coloca um papel na

máquina de escrever e

prepara para escrever o

cabeçalho.

“Santiago, Chile – 23 de

Dezembro de 1971”

decidem sair do Brasil”

“O ano é 1970”

“Depois de passar por

Uruguai, Argentina, Praga

e Cuba, Jane volta ao

Brasil e se junta à ‘A

Guerrilha do Araguaia’em

1971.”

“A ditadura a encontra

novamente e no mesmo

ano Jane segue para o

Chile.”

Entrevistas

arquivos

“A primeira Carta”

As entrevistas comentam sobre o que Jane encontra ao

chegar ao Chile e como isso a afeta.

Trechos de cartas sobre esses primeiros momentos.

Entrevistas no Chile.

Momento histórico do Chile pré-Golpe

Arquivo Imagens do Bombardeio

Pessoas nas ruas

Audio Discurso de Allende

“Colocado em uma

transição histórica, pagarei

com minha vida a lealdade

do povo. E os digo que

tenho a certeza de que a

semente que

entregaremos à

consciência de milhares e

milhares de chilenos não

poderá ser cegada

definitivamente.

Trabalhadores de minha

“mas em 11 de Setembro de

1973 o General Augusto

Pinochet deflagra o golpe

militar”

“O presidente eleito Salvador

Allende dentro do Palácio La

Moneda resiste com mais 30

partidarios”

“Algumas horas depois ele está

morto sobre circunstâncias

questionáveis”

“Começa a mais sangrenta das

ditaduras da América do Sul”

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Pátria! Tenho fé no Chile e

em seu destino.

Superarão outros homens

nesse momento cinza e

amargo onde a traição

pretende se impor. Sigam

vocês sabendo que, muito

mais cedo que tarde, abrir-

se-ão de novo as grandes

alamedas por onde passe

o homem livre, para

construir uma sociedade

melhor."

— Salvador Allende, 11 de

setembro de 1973

Entrevistas

arquivos

No Chile - falam sobre os dias logo após o golpe e da

ditadura chilena.

Trechos das cartas que cometem esse momento.

No Brasil – falam sobre as atividades de Jane nesse período

e suas reações. As preocupações de cá e de lá.

No Chile – falam das atividades realizadas pela resistência e

do envolvimento de Jane.

Fade to black

Arquivos Carta começa a ser escrita na tela.

Entrevistas

Cenas de

Santiago e

Concepción

Local da morte

cemitério

A última carta

O relato da morte de Jane.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Para chegar ao melhor formato do projeto As Cartas de Jane Vanini,

percorri caminhos diversos, com muitos desvios e reviravoltas. Desde o

momento do encontro com a história de Jane até os últimos instantes da

inscrição no PRODAV05/2015, as escolhas nem sempre foram fáceis e as

dificuldades, constantes, variaram em intensidade. No entanto, os percalços do

caminho aprouveram oportunidades de melhora, de lapidação e ‘gestação’ do

projeto final, possibilitando uma considerável melhora no produto desenvolvido.

De início a pesquisa já indicava que uma história bastante densa e

complexa se desenrolava à nossa frente. Os trabalhos de pesquisa realizados

pelas Profs. Mscs. Kátia Gomes da Silva Amaro e Maria do Socorro de Souza

Araujo, ambos pela UFMT, esmiuçaram essa complexidade, facilitando-nos

perceber a multiplicidade de temas na vida de Jane e, por isso mesmo,

dificultando a tomada do recorte histórico que faríamos. Desde quando

acompanharíamos Jane em nosso documentário? Até qual período? Quem

guiaria o espectador, apresentando Jane? O trabalho de pesquisa ajudou a

encontrar nas 37 cartas de Jane o fio condutor dessa história e nos deu

também o preciso corte histórico. Na pesquisa pudemos também encontrar

geograficamente a realização do projeto como um todo. Seguir o trajeto de

Jane nos levaria a viajar pelo Brasil e pelo mundo para encontrar pessoas e

lugares com quem dialogar: nossos entrevistados, nossas locações. O contato

com os entrevistados foi e ainda é um dos mais delicados pontos para a

realização do projeto. Embora muitos dos historiadores e pesquisadores do

tema estejam sempre dispostos a falar sobre o tema, a família de Jane e, em

especial, Dulce Vanini, têm bastante reserva em falar sobre a história de

Vanini. Há alguns anos a notícia da suposta descoberta de seus restos mortais

abalou o emocional familiar e ainda mais quando se verificou anos mais tarde

que havia acontecido um erro na identificação. A família foi assediada pela

impressa, o que os deixou ainda mais receosos de expor a sua intimidade.

Além disso é notável que alguns membros da família mais antiga mantêm certa

desaprovação das escolhas e ideais de Jane. O ex-marido de Vanini, Sergio

Capozzi, também é um detalhe sensível em meio às entrevistas. Nosso contato

nunca se deu diretamente, mas por meio de Suzana Lisboa, uma amiga em

comum do casal.

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De posse de material de referência, era chegada a hora de pensar em

como contá-la e como organizá-la. As reflexões provocadas em sala sobre

essa temática se mostraram essenciais então. Assim como a pesquisa nos

ajudou a identificar os recortes necessários na história e no tempo, o

embasamento teórico permitiu vislumbrar diferentes modos de lidar com o

montante do material recolhido. Tanto no aspecto prático/organizativo como

também nas implicações subjetivas dessas escolhas. Pudemos entender então

que não só a ordem temporal em que os fatos eram apresentados, mas

também que o modo escolhido para interagir com determinado objeto implicaria

em significados diversos. A partir dessa compreensão percebemos a

possibilidade de utilizar procedimentos relacionados a diferentes modos do

documentário (Nichols, 2005) em diferentes momentos da estrutura do

documentário, com a intenção de provocar diferentes afetos, diferentes

percepções em um espectador pretendido pelo filme. Os recortes no tempo e

espaço agora eram acompanhados de modos distintos de apresentação,

contribuindo para a construção de uma interação mais complexa de todos os

objetos levantados na pesquisa prévia.

Munidos com os elementos da pesquisa e com as estratégias

formais/relacionais para o filme, a execução do documentário era o próximo

passo. Aqui chegamos a mais uma daquelas escolhas não fáceis que falamos.

Desenvolveríamos um documentário com a estética guerrilheira, ‘universitária’

ou um documentário com mais recursos para uma produção profissional? A

qualidade do material levantado na pesquisa indicava que tínhamos uma

grande história em mãos e a opção pela produção profissional nos levou à

busca pelo financiamento do filme. De que forma? Financiamento direto?

Editais? Para responder estas perguntas era necessário planejar a execução.

Quantos dias tomariam a produção, quais profissionais estariam envolvidos?

Quais os custos envolvidos?

A resposta a essas dúvidas estavam para além da sala de aula. De

modo que, mais uma vez, as dificuldades vieram para contribuir com a

formação do produto final. Buscando adaptar a ideia do projeto As Cartas de

Jane a diferentes formatos de edital e projetos comerciais, revimos e revisamos

as formas e modos, os objetos e as locações tantas e tantas vezes. A cada

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nova leitura podíamos aperfeiçoar detalhes, costurar fios soltos, o difícil

artesanato audiovisual. A essa altura o projeto já não tinha uma pessoa

envolvida, requeria a presença de produtores, roteiristas. Profissionais que já

tivessem experiência num processo como este. A importância do trabalho

colaborativo e em equipe é mais uma lição aprendida com o caminho desse

projeto. Com mais de dois anos de desenvolvimento, o projeto já recebeu a

colaboração de dezenas de pessoas entre leigos, mestres e profissionais de

diversas áreas. Seja por um conceito estético ou por um detalhe teórico, várias

contribuições se incorporaram ao projeto, tornando-o múltiplo, embora ainda

único.

O projeto foi recentemente classificado na fase de seleção do

PRODAV05/2015 e agora passa pela avaliação de execução. Isso é recebido

por nós como um grande êxito para todos envolvidos com o documentário.

O caminho para chegar até aqui com As Cartas de Jane Vanini pode ser

comparado com o caminho percorrido durante a graduação em Radialismo.

Como tantos outros colegas, encarei dificuldades constantes, tanto pessoais

como aquelas para além de mim, como as institucionais. Mas assim como no

documentário, onde as dificuldades vieram a contribuir no produto final,

acredito que as dificuldades encontradas e contornadas construíram uma

formação não só acadêmica, mas num amplo sentido universitária. Há a

necessidade de parar para a reflexão. Foi a reflexão constante entre a forma e

o conteúdo que aperfeiçoou o projeto. É importante também que o estudante

possa refletir sobre forma e o conteúdo de sua formação acadêmica. Mas este

questionamento também está para além da sala de aula. Cabe a professores e

estudantes tomar nas mãos os caminhos que percorrem na universidade. Em

suas salas de aula.

O projeto As Cartas de Jane Vanini encerra esse caminho com êxito.

Simboliza o termino desse período de aprendizado, esse caminho acadêmico,

mas é também a porta pela qual dei meus primeiros passos como profissional

do audiovisual. Foi nele que construí o roteirista, o produtor, o fotógrafo, o

diretor que hoje sou. Nada sendo um fim em si mesmo, é ele mesmo o início de

outros processos.

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Enfim, eu queria dizer-lhes como o CHÊ: em qualquer que me

surpreenda a morte bem vinda seja desde que uma nova mão se

estenda para empunhar nosso fuzil e que os cantos lutuosos sejam

substituídos pelo repicar da metralhadora e novos gritos de guerra

e de vitória.

(carta 12) Carta de Jane Vanini, datada em 15.09.72, sem assinatura

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REFERÊNCIAS

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Vanini. (1964-1974). Dissertação de Mestrado em História. Cuiabá: UFMT,

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MOURA, Edgar. 50 Anos: luz, câmera, ação. São pauloi, Senac, 1999

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Produção. 3ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.