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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EZER WELLINGTON GOMES LIMA UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM FASE DE ALFABETIZAÇÃO Rondonópolis 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EZER WELLINGTON GOMES LIMA

UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM FASE DE

ALFABETIZAÇÃO

Rondonópolis

2014

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EZER WELLINGTON GOMES LIMA

UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM FASE DE

ALFABETIZAÇÃO

Texto destinado ao exame de defesa apresentado

ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus

Universitário de Rondonópolis, linha de pesquisa

Linguagens, Cultura e Construção do

Conhecimento, como exigência para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Cancionila Janzkovski Cardoso

Rondonópolis

2014

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Rod. Rondonópolis-Guiratinga, km 06 MT-270 – Campus Universitário de Rondonópolis -

CEP: 78735-901 - Tel: (66) 3410 4035 – E-mail: [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: “UM ESTUDO SOBRE A ESCRITA INICIAL DE CRIANÇAS SURDAS EM

FASE DE ALFABETIZAÇÃO”

AUTOR: Mestrando Ezer Wellington Gomes Lima

Dissertação defendida e aprovada em 24/03/2014.

Composição da Banca Examinadora:

Presidente Banca/ Orientador Doutor(a) Cancionila Janzkovski Cardoso

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

Examinador Interno: Doutor(a) Raquel Gonçalves Salgado

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

Examinado Externo: Doutor (a) Miguel Claudio Moriel Chacon

Instituição: UNESP/ Marília

Examinado Suplente: Doutor(a) Eglen Silvia Pipi Rodrigues

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

RONDONÓPOLIS, 24/03/2014.

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Para meus pais Roque e Magda, verdadeiros

exemplos de sabedoria e vida.

A eles, por tudo que têm me ensinado:

solidariedade e amor.

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AGRADECIMENTOS

À professora Drª Cancionila Janzkovski Cardoso, pela confiança demonstrada,

amizade e valiosa orientação.

À toda a equipe de professores do Programa de Pós-Graduação em Educação

UFMT/CUR, pelo apoio e sabedoria contagiante.

Aos professores Dr Miguel Claudio Moriel Chacon e Drª Raquel Gonçalves Salgado

pela decisiva contribuição na qualificação desse estudo.

Aos professores, pais e alunos, sujeitos da pesquisa, pela solidariedade e disposição,

abrindo espaço para a investigação. Meus agradecimentos pelo apoio e colaboração.

Aos companheiros de caminhada, em especial, Joselita Silva e Silva, Molise de Bem

Magnabosco, Patrícia Bernardi Rockenbach, Vinícius Bozzano Nunes e Evandro Salvador

pela amizade, assim como os momentos de estudo e bate-papos que ajudaram a moldar esse

trabalho.

Ao querido William Pietro, peça fundamental no delinear desse estudo. Muito

obrigado por estar ao meu lado, SEMPRE!

Aos amigos Derly, Leo, Henrique, Ricardo, Luis, Allan, Pábio, Laila, Morgana,

Vanderleia, Paola, Mara, Renata, entre outros. A torcida de vocês foi muito positiva.

À professora Iracema Dinardi Peixoto, e toda a família CIE, pela acolhida, apoio e

compreensão. Serei eternamente grato!

Ao professor Anderson Simão Duarte por me apresentar a Língua de Sinais, assim

como, toda a magia de sinalizar e vivenciar outra cultura, outra maneira de ver e perceber as

diferenças. Muito obrigado!

Aos meus pais e irmãos pelo amor, carinho e incentivo. Sem vocês, jamais alcançaria

essa vitória.

À minha força maior “Deus”, que me concedeu saúde e disposição para realizar este

trabalho.

Enfim, a todos que contribuíram de diferentes formas para a finalização desse

trabalho, meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

Esta investigação foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Rondonópolis e no interior do Grupo de

Pesquisa ALFALE. Em virtude da grande complexidade que cerca o ensino da Língua

Portuguesa para surdos, a pesquisa teve como objetivo analisar o processo de apropriação da

escrita percorrido pela criança surda, inserida na escola regular, em fase inicial de

escolarização. Nesse contexto, foi necessário apurar o olhar para as ações praticadas em sala

de aula/escola que permitem ao aluno surdo se apropriar da língua escrita, bem como as

condições em que suas necessidades linguísticas são atendidas no contexto social e escolar.

Percebe-se que são raras e pouco divulgadas as propostas metodológicas e/ou literaturas que

estejam direcionadas ao movimento de ensino e aprendizagem de surdos. Esses alunos se

encontram em classes/escolas especiais que atuam em uma perspectiva oralista, a qual

pretende, em última análise, que os alunos surdos se comportem como ouvintes,

decodificando nos lábios aquilo que não podem escutar, falando, lendo e escrevendo a Língua

Portuguesa, ou se encontram, ainda, em escolas regulares, inseridos em classes de ouvintes

nas quais, novamente, espera-se que se comportem como ouvintes, sem que qualquer

condição especial seja propiciada para que tal aprendizagem aconteça. Os sujeitos

investigados foram duas crianças matriculadas no primeiro ciclo do ensino fundamental, em

escola da rede estadual de ensino, no município de Rondonópolis-MT. Para alcançar os

objetivos propostos, foram utilizados os seguintes procedimentos: observação de aulas,

registro de atividades realizadas pelos alunos, entrevistas com professores, pais e alunos,

visando compreender o trajeto pertinente às fases de alfabetização e apropriação inicial da

escrita dessas crianças. Para a fundamentação da pesquisa, além de VYGOTSKY e

BAKTHIN como fundamentais interlocutores no âmbito da linguagem, estão situados outros

autores que contribuíram diretamente nos desdobramentos teórico-metodológicos que

abrangem a alfabetização e o letramento de crianças surdas no sistema educacional inclusivo:

BROCHADO (2003); GÓES (1994, 2002, 2004); LODI (2004); FERNANDES (1999);

QUADROS (1997; 1999; 2004; 2006; 2008); GESUELI (2013), entre outros. Por meio da

pesquisa, foi possível constatar as dificuldades vivenciadas em sala de aula por crianças

surdas, sobretudo pela falta de suporte teórico-metodológico que priorize a escolarização

destes alunos em processo de alfabetização incluídos na escola regular. Mesmo diante da

tentativa dos professores em ensiná-los, ainda existem barreiras que dificultam o apropriar-se

da língua escrita, uma vez que todas as crianças, sem exceção das surdas, necessitam de

conhecimento de mundo para que possam (re)contextualizar o escrito e, daí, derivar o sentido.

Palavras Chave: Alfabetização de surdos. Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS. Ensino da

Língua Portuguesa.

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ABSTRACT

This research was developed in the Graduate Program in Education at the Federal University

of Mato Grosso, Campus Rondonópolis and inside ALFALE Research Group. Due to the

great complexity surrounding the teaching of Portuguese language for the deaf, the research

aimed to analyze the process of appropriation of writing covered by the deaf child, entered the

regular school in early stage of schooling. In this context, it was necessary to establish the

look for deeds done in the classroom / school that allow the deaf student to appropriate the

written language as well as the conditions under which their language needs are met in the

social and educational context. Realize that they are rare and little publicized methodological

and / or literatures that are directed to move teaching and learning of deaf proposals. These

students are in classes / special schools that operate on a oralist perspective, which aims

ultimately, that deaf students behave as listeners, decoding lips what they can not hear,

speaking, reading and writing the English Language or is still located in regular schools

inserted into classes of listeners in which, again, is expected to behave as listeners without any

special condition is afforded for learning occur. The investigated subjects were two children

enrolled in the first cycle of primary education in state school education in the city of

Rondonópolis - MT. Classroom observatio, record activities performed by students,

interviews with teachers, parents and students seeking to understand the relevant phases of

literacy and initial appropriation of writing these children ride: To achieve the proposed

objectives , the following procedures were used . For the foundation of the research , as well

as Vygotsky and Bakhtin as key stakeholders in the framework of language , are situated

other authors who contributed directly to theoretical and methodological developments that

include literacy and literacy of deaf children in inclusive education system : BROCHADO

(2003 ) ; GÓES ( 1994 , 2002 , 2004 ) ; LODI ( 2004); FERNANDES ( 1999); QUADROS (

1997, 1999, 2004 , 2006, 2008 ) ; GESUELI (2013 ) , among others. Through research, we

determined the difficulties experienced in the classroom for deaf children room, especially the

lack of theoretical and methodological support that prioritizes the education of these students

in the literacy process included in the regular school. Even with the attempt of teachers to

teach them, there are still barriers that hinder the ownership of the written language, since all

children without exception deaf, require knowledge of the world so that they can ( re)

contextualize the written and hence derive meaning.

Keywords: Literacy. Brazilian Sign Language - LIBRAS. Teaching Portuguese.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - 14/04/2013 ....................................................................................................... 82

Figura 2 - método para alfabetizar (Abril/2013) ............................................................... 83

Figura 3 - 15/04/2013 ....................................................................................................... 84

Figura 4 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 87

Figura 5 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 87

Figura 6 – Caderno de Sara: 08/04/2013........................................................................... 88

Figura 7 – Jogo: números em Libras -16/04/2013 ............................................................. 91

Figura 8 – Informática /Libras - 18/04/2013 ..................................................................... 92

Figura 9 - Atividade realizada no dia 07/05/2013 ............................................................. 95

Figura 10 - 19/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 97

Figura 11 - 20/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 98

Figura 12 - 22/03/2013(tentativa de escrita) ..................................................................... 98

Figura 13 - 22/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 99

Figura 14 - 27/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................... 99

Figura 15 - 27/03/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 100

Figura 16 - 08/04/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 100

Figura 17 - 08/04/2013 (tentativa de escrita) .................................................................. 101

Figura 18 - 17/04/2013 (Concurso de desenhos – Allan) ................................................ 105

Figura 19 - 03/04/2013 (Páscoa – Allan) ........................................................................ 108

Figura 20 - (AEE) - 08/05/2013 ..................................................................................... 113

Figura 21 - 07/05/2013 (produção AEE) ........................................................................ 116

Figura 22 - 07/05/2013 - Um recorte da figura 20. .......................................................... 117

Figura 23 - 14/05/2013 (produção AEE) ........................................................................ 120

Quadro 1- Caracterização docente. ................................................................................... 21

Quadro 2 - Caracterização dos pais (informantes) ............................................................ 21

Quadro 3 - Relação de horas de observação na escola ...................................................... 24

Quadro 4 - Práticas de Letramento ................................................................................... 73

Quadro 5 - Acertos ortográficos: .................................................................................... 122

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Sumário

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

ORGANIZAÇÃO E TRAJETÓRIA DA PESQUISA ............................................. 17

1.1 Questões da pesquisa .......................................................................................... 17

1.2 Método de Análise ............................................................................................. 19

1.3 Campo e Sujeitos da pesquisa ............................................................................. 20

1.4 Instrumentos e procedimentos ............................................................................ 23

ASPECTOS HISTÓRICOS DA SURDEZ ............................................................... 25

2.1 Reflexões históricas sobre a educação dos surdos ao longo do tempo ................. 25

2.2 Congresso de Milão: Em busca da “NORMALIDADE” ..................................... 29

2.3 Educação dos surdos no Brasil ........................................................................... 34

2.4 Filosofias para escolarização de surdos ............................................................... 35

2.4.1 Oralismo ..................................................................................................... 35

2.4.2 Comunicação total ...................................................................................... 37

2.4.3 Bilinguismo ................................................................................................ 40

SURDEZ E LINGUAGEM ....................................................................................... 43

3.1 A Língua Brasileira de Sinais ............................................................................. 43

3.2 Tecnologia e surdez ............................................................................................ 47

3.3 Cultura e identidade surda .................................................................................. 51

3.4 O cotidiano escolar a serviço da surdez .............................................................. 55

ALFABETIZAÇÃO E SURDEZ .............................................................................. 61

4.1 A criança surda: desafios e possibilidades para a alfabetização ........................... 61

4.2 Metodização ....................................................................................................... 63

4.3 O conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos ....................................... 68

ENSINO DE SURDOS: POSSIBILIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO? .......... 75

5.1 Inclusão: O que dizem professores e pais a respeito? .......................................... 75

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5.2 Método ou metodologias para alfabetizar ........................................................... 81

5.3 Apropriação de escrita em sala de aula ............................................................... 94

5.4 A escrita no espaço AEE .................................................................................. 110

5.5 Apropriações ortográficas ................................................................................. 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 125

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 129

ANEXOS ................................................................................................................. 136

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INTRODUÇÃO

“É na sutileza e na delicadeza de buscar entender o diferente que se encontra

o mais perfeito entendimento do que é ser humano” (ALMEIDA, 2002,

p.85).

A curiosidade em conhecer e/ou desvendar os mistérios da comunicação por meio

das mãos, instigou-me à procura por algo que proporcionasse tal aprendizado. Assim, no

contato com surdos e ouvintes fluentes em língua de sinais, foi possível apreender alguns

sinais e, mais que isso, desenvolver e/ou estabelecer comunicação, com o, até então,

desconhecido.

Com efeito, as experiências pedagógicas vividas com crianças e/ou adolescentes

surdos, em diferentes escolas (pública e privada), definiram, em grande medida, a escolha do

objeto deste estudo, assim como o desejo de lançar um pouco mais de luz nos misteriosos

caminhos da aprendizagem da criança surda em fase inicial de escolarização. De forma mais

subjetiva, nasceu, também, a vontade de, mesmo indiretamente, contribuir para o

estabelecimento de uma relação mais prazerosa entre a criança surda e a escrita. Tais

sentimentos constituíram, então, a motivação necessária para o desenvolvimento deste

trabalho.

Portanto, nos anos1 dedicados ao trabalho direcionado à surdez, percebe-se a grande

dificuldade de comunicação que envolve as relações entre professor e aluno surdo,

principalmente no que se refere às questões ligadas à alfabetização. Esse fato converte-se,

rotineiramente, em objeto de discussão nas atividades de ensino, provocando, assim,

reflexões/ações pouco satisfatórias.

O aluno com surdez é inserido na escola, porém, não existe lá, profissionais

realmente capacitados para atendê-los de forma que tenham êxito em sua trajetória escolar,

percebendo-se muitas falhas na condução de propostas metodológicas, na comunicação, na

socialização, sobretudo, na valorização e identificação de suas habilidades e limitações.

Na visão de Aranha (2004), matricular um aluno com deficiência em classe regular e

deixar somente por conta do professor a administração de seu processo educativo é manter as

1 O autor atuou no ensino de surdos de 2006 a 2013 em escolas da rede pública e privada no município

de Rondonópolis – MT. Durante o período de 2010 a 2012, ministrou a disciplina de LIBRAS nos

cursos de licenciatura da Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT/CUR, e atualmente é

professor, de LIBRAS, no curso de licenciatura em Educação física, da Universidade Federal do Vale

do São Francisco – UNIVASF/Campus Petrolina - PE. Mantém vínculo com a escola inclusiva e o ensino de surdos, por meio de projetos de pesquisa, ensino e extensão. Com o desenvolvimento dessa

pesquisa buscou encontrar respostas para um aspecto, particularmente, pouco investigado na

escolarização de surdos: a aquisição da escrita por crianças surdas em fase de alfabetização.

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condições de segregação do aluno com necessidades especiais e do fracasso do ensino

mascarados pelo índice quantitativo da matrícula.

A autora citada acrescenta que, apesar de as transformações no pensar e nas práticas

sociais não se efetivarem por decreto, as decisões políticas possibilitam que se “desvelem

dificuldades, necessidades, e que se criem espaços e meios que impulsionam a reflexão, o

debate, o estudo e a pesquisa, abuse de soluções criativas e a promoção das mudanças

desejadas” (ARANHA, 2004, p.50).

Tomando por base o trabalho educacional com a pessoa surda, observa-se que a

dificuldade maior ao lidar com a questão da linguagem escrita repousa, ainda, em uma

compreensão limitada a respeito da linguagem e de sua importância em relação ao processo

de ensino e aprendizagem de qualquer aluno. A educação das pessoas com surdez aponta não

só questões referentes aos seus limites e possibilidades como também aos preconceitos

existentes da sociedade para com elas. Além do mais, enfrentam inúmeros entraves para

participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma como se

estruturam as propostas educacionais das escolas.

Em relação à alfabetização/letramento, Soares (2002, p.47) define o letramento como

sendo “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as

práticas sociais que usam a escrita”. Essa perspectiva tem sido preponderante nas discussões

sobre alfabetização no Brasil, voltadas para crianças que não apresentam nenhuma

deficiência. Há um investimento, concomitantemente, em dois processos: o de apropriação do

sistema de escrita alfabética e o de interação/uso da cultura escrita em práticas sociais.

Contudo, propostas metodológicas de ensino para a criança com surdez,

principalmente no processo escolar inicial, ainda baseiam-se no trabalho com ouvintes, ou

seja, um estudo por meio de sons, revelando, assim, total despreparo das escolas na busca de

um ensino igualitário. Em se tratando de exclusão, Strobel2 traz a seguinte contribuição:

Enfrentei muitas dificuldades na escola de ouvintes, reprovei várias vezes e sentia muita vergonha por ser a aluna “mais velha” da sala, como se eu fosse

uma imbecil e tivesse dificuldade de aprendizagem; com este complexo de

inferioridade e de baixa autoestima, me tornei uma adolescente rebelde e

revoltada (STROBEL, 2008, p. 16).

2 Karin Lilian Strobel é doutora em educação, pesquisadora e professora da Universidade Federal de

Santa Catarina-UFSC. Nascida em Curitiba-PR, ficou surda profunda aos quatro dias de vida, quando o uso de um antibiótico excessivamente forte enfraqueceu seus nervos auditivos. Durante os 12

primeiros anos de vida estudou em uma escola para surdos que utilizava o método verbo tonal, mas foi

o contato com a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, que lhe abriu as portas para o mundo e permitiu

a construção de sua identidade. Atuou por 10 anos como assessora pedagógica no Paraná, viajando por todo o estado, a ministrar palestras e cursos sobre educação surda. Foi presidente da Federação

Nacional de Educação e Integração do Surdo-FENEIS.

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Observa-se que muitos alunos com surdez, no contexto escolar, são prejudicados pela

falta de estímulos adequados ao seu potencial cognitivo, socioafetivo, linguístico e político-

cultural, passando a ter perdas consideráveis no desenvolvimento da aprendizagem. Para

discutir metodologias que possam contribuir na escolarização de alunos com surdez, Dorziat

afirma que:

Apesar das diferentes opiniões que dividem e subdividem as metodologias

específicas ao ensino de surdos, em termos de pressupostos básicos, existem três grandes correntes filosóficas: a do Oralismo, da Comunicação Total e do

Bilinguismo (DOZIART, 1997, p. 13).

Historicamente, vários estudos apontam os fracassos e os insucessos, tanto para o

ensino especial, exclusivamente voltado para o atendimento da pessoa surda, como da

inserção desses sujeitos no ensino regular (REVISTA ESPAÇO, v. 07, 1997). Em geral, essa

discussão precede outra, não menos importante, que indica a dificuldade que os surdos têm,

após anos de escolarização, para ler e escrever de forma satisfatória, qualquer que seja o

modelo educacional adotado (Escola especial ou regular).

É fato que as pessoas surdas vêm sendo escolarizadas, mas essa escolarização tem

produzido poucos resultados realmente efetivos. Necessita-se, então, compreender a

concepção de escrita que ainda predomina na maior parte das instituições que atendem a

surdos no Brasil. Dessa investigação, verifica-se que continua a prevalecer uma preocupação

com a alfabetização, ou seja, com o ensino das letras, bem como os processos metodológicos

que contribuem significativamente na apropriação da língua escrita. A respeito, Fernandes

(1999), em seu artigo O som, este ilustre desconhecido, afirma aos educadores, linguistas e

estudiosos da área, que o som deve ser dispensado no processo de letramento, considerando-

se que sua ausência não implica o domínio da língua escrita. A autora dissocia, então, letra e

som, entendendo que esse é o único meio de iniciar o letramento, uma vez que escrita e fala

apresentam funções linguísticas distintas, tanto na estrutura quanto no funcionamento.

Tal discussão mantém-se atual e, por isso, o interesse pela pesquisa na área da

surdez, sobretudo, entre educadores, linguistas, psicólogos, etc., tem crescido, visto que este

tema representa um campo fecundo de debates. Logo, tomou-se como objeto desta pesquisa o

estudo das apropriações e desempenho da produção escrita de alunos surdos em fase inicial de

escolarização, para observar e descrever como está ocorrendo este processo. A razão é a

constatação da importância da linguagem escrita para os surdos interagirem com os ouvintes,

sendo a escola instância principal para tal aprendizagem.

O trabalho com o Português escrito tem sido objeto de estudo da abordagem

educacional bilíngue, que acredita na língua de sinais como a primeira língua a ser adquirida

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pelo surdo e o Português, em sua modalidade escrita, a segunda. Assim, é de se esperar que o

processo de aquisição do Português escrito pelo aluno surdo constitua-se tarefa complexa,

pois, além do trabalho que envolve o ensino da escrita, se está diante do ensino de uma

segunda língua (GESUELI, 1998).

Haja vista que a discussão sobre letramento vem se ampliando e atingindo não

somente a esfera das minorias, mas um contexto sociocultural geral, envolvendo as políticas

educacionais em desenvolvimento (LODI et al., 2002), entende-se que, no campo das práticas

discursivas, o letramento , está vinculado ao sentido, ou seja, vai além da mera decodificação

ou do processo de alfabetização.

No movimento de alfabetização, os alunos surdos devem estar inseridos em um

processo de aprendizagem da leitura e escrita do Português, sua segunda língua. Uma segunda

língua pressupõe uma primeira. No caso dos alunos com surdez, a Língua Brasileira de Sinais

deve ser pressuposto para o ensino da língua portuguesa. Porém, muitas crianças surdas, em

fase inicial de escolarização, frequentam escolas regulares, inseridas no processo inclusivo,

sem o conhecimento da língua de sinais (L1).

Para tanto, toma-se como questão problema da pesquisa: Como acontece o processo

inicial de apropriação da escrita por crianças surdas inseridas em escolas regulares? Dessa

questão emergem outras indagações que merecem destaque, a saber: Que ações estão sendo

praticadas em sala de aula e na escola, para permitir ao surdo a apropriação da língua escrita?

Em que medida as condições linguísticas dos surdos são atendidas no contexto social e

escolar inclusivo?

A motivação básica deste estudo está, portanto, direcionada às questões relacionadas

à área da alfabetização/letramento, podendo contribuir para um posicionamento realmente

efetivo na tomada de decisões referentes a este processo educacional.

Destarte, os objetivos deste estudo são:

1) analisar o processo de apropriação da escrita percorrido pela criança surda,

inserida na escola regular, em fase inicial de escolarização;

2) caracterizar a participação dos sujeitos na interação, em situações de

aprendizagem da língua portuguesa escrita;

3) analisar a produção escrita, nos textos desenvolvidos por crianças surdas;

4) avaliar os processos envolvidos na construção do sistema linguístico geral e

na construção escrita em particular e;

5) verificar aspectos do processo de apropriação da Língua Portuguesa, em

crianças surdas inseridas na escola regular.

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Assim, como forma de organização dos dados selecionados e analisados, o texto está

dividido em seis capítulos.

O primeiro capítulo relata alguns aspectos que circunscreveram a pesquisa, isto é, a

escolha e a organização do tema, a metodologia utilizada, os sujeitos, a constituição do corpus

para análise, bem como as soluções encontradas.

Fundamentado na história que atravessa a vida dos surdos, desde a idade antiga até a

atualidade, tem-se o segundo capítulo, apresentando aspectos relacionados propriamente à

trajetória escolar dos surdos brasileiros, assim como as filosofias educacionais mais utilizadas

e/ou conhecidas (métodos), para escolarização desses sujeitos.

O terceiro capítulo, por seu turno, trata de aspectos que envolvem linguagem, ou

seja, uma reflexão sobre a comunicação gestual, caracterizando sua diferença linguística em

relação à língua oral. Como arcabouço teórico, optou-se pelas inúmeras contribuições de

Bakhtin (1995), o qual afirma que a língua não se constitui somente em um conjunto de

formas (signos) e suas regras de combinação (sintaxe), sendo o significado uma

impossibilidade teórica. Outra questão apresentada nesse momento se refere à tecnologia e

surdez, algo muito discutido na atualidade, devido, principalmente, aos diferentes pontos de

vista em relação ao uso e não uso de aparelhos tecnológicos para captação auditiva.

Concentrando-se em apontar alguns estudos relacionados à alfabetização/letramento

no Brasil, porém, com ênfase ao processo de ensino e aprendizagem de crianças com surdez,

assim como os diferentes métodos existentes e/ou utilizados para a prática da alfabetização

aliada ao conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos, tem-se o capítulo quatro.

Já a análise dos dados, a partir das seguintes categorias: 1) Métodos ou metodologias

para alfabetizar; 2) Apropriação da escrita em sala de aula; 3) Apropriação da escrita no

espaço AEE3; 4) Apropriações ortográficas da Língua Portuguesa, ficou reservada ao quinto

capítulo.

Por fim, o sexto capítulo, está dedicado às considerações finais a respeito desta

investigação.

Para a fundamentação da pesquisa, além de VYGOTSKY e BAKTHIN como

fundamentais interlocutores no âmbito da linguagem, estão situados outros autores que

contribuíram diretamente nos desdobramentos teórico-metodológicos que abrangem a

alfabetização e o letramento de crianças surdas no sistema educacional inclusivo:

3 AEE – Atendimento Educacional Especializado

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BROCHADO (2003); GÓES (1994, 2002, 2004); LODI (2004); FERNANDES (1999);

QUADROS (1997; 1999; 2004; 2006; 2008); GESUELI (2013), entre outros.

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CAPÍTULO 1

ORGANIZAÇÃO E TRAJETÓRIA DA PESQUISA

A trajetória da pesquisa concentra-se em uma exposição detalhada de todos os

procedimentos metodológicos aplicados à presente investigação, Logo, as seções estão

organizadas de forma a retratar o desenvolvimento do estudo.

1.1 Questões da pesquisa

No Brasil, o sistema oficial de ensino garante um atendimento especializado às

pessoas surdas. No entanto, este atendimento é restrito, pela falta de conhecimento por parte

do corpo docente e/ou falta de profissionais especializados na área. Sendo assim, é frequente a

defasagem de conhecimento entre as crianças surdas em relação aos demais alunos, visto que

os problemas de escolarização que envolvem crianças com surdez são visíveis, sendo raras e

pouco divulgadas as propostas metodológicas e literaturas que estejam direcionadas ao

movimento de ensino e aprendizagem da criança surda.

O número de alunos surdos matriculados em classes de ouvintes nas escolas

regulares é crescente (MELETTI, 2010; BUENO, 2010), e, nestes modelos de escolarização,

tais alunos são chamados de surdos incluídos. No entanto, na maioria dos casos, o aluno surdo

é tratado como se pudesse ouvir, sendo obrigado a acompanhar os conteúdos preparados para

ouvintes sem que qualquer condição especial seja propiciada para sua aprendizagem (SILVA;

PEREIRA, 2003).

Nota-se que a inclusão de pessoas com certas limitações, na prática, está longe de ser

satisfatória, pois não atende às reais necessidades desses alunos, acontecendo, por

conseguinte, a evasão escolar ou a repetência, que vai desmotivar a criança. Sobre a inclusão

escolar, os parâmetros curriculares nacionais apontam que:

O movimento nacional para incluir todas as crianças na escola e o ideal de

uma escola para todos vem dando novo rumo às expectativas educacionais

para os alunos com necessidades especiais (...). A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta que representa valores

simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de

oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional favorável (PCN 1999 p.17).

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Sendo assim, os sujeitos surdos encontram-se em classes/escolas especiais que atuam

em uma perspectiva oralista, a qual pretende, em última análise, que o aluno surdo comporte-

se como um ouvinte, decodificando através dos lábios aquilo que não pode escutar, falando,

lendo e escrevendo a Língua Portuguesa. Quando não, encontram-se, ainda, em escolas

regulares, inseridos em classes de ouvintes, nas quais, novamente, espera-se que ele se

comporte como um ouvinte, acompanhando os conteúdos preparados/pensados para crianças

que escutam perfeitamente, sem que qualquer condição especial lhes seja propiciada para que

tal aprendizagem aconteça.

As dificuldades manifestadas pelo surdo, em relação ao processo de ensino e

aprendizagem escolar e em virtude de suas limitações linguísticas – incididas da educação

oralista –, tornaram-se objeto de pesquisa de educadores e/ou profissionais da área

(GOLDFELD, 1997; BOTELHO, 1998; FERNANDES, 1998, 2006; LODI, 2004, 2006;

2010, LACERDA, 2009; QUADROS, 1997, 1999, 2004, 2006, 2008;). Tais dificuldades

relacionam-se a uma compreensão empobrecida dos conteúdos da fala, pois, em sala de aula,

assimilar os conteúdos propostos por meio da oralidade, para o surdo, seria o mesmo que,

para o ouvinte, aprender conceitos abstratos por meio de explicações ministradas em língua de

sinais.

Dessa forma, a inclusão, no caso do indivíduo surdo, apresenta-se de forma limitada,

ou seja, a criança surda, incluída na sala regular, principalmente no processo de alfabetização,

não está conseguindo se apropriar da língua escrita, fato que desperta certa inquietação e

dúvida, pois todas as crianças, também as surdas, necessitam de conhecimento de mundo de

modo que possam (re)contextualizar o escrito e daí derivar o sentido.

No anseio de compreender melhor questões que envolvem a escrita de surdos,

Fernandes (2002) relata a experiência sobre os processos de alfabetização de crianças surdas

cuja fala não estava desenvolvida, contradizendo a tradição oralista e demonstrando que a

criança é capaz de levantar hipóteses sobre a escrita. Góes (2004), por sua vez, afirma que as

dificuldades de escrita de surdos se relacionavam com as condições de interlocução em sala

de aula e que podiam ser entendidas pelo uso híbrido e indiferenciado de suas línguas, no

contexto de comunicação total. Já Quadros (1999), nos diz que o ensino da Língua Portuguesa

para surdos sempre foi baseado no processo de alfabetização de crianças ouvintes e que por

essa razão, os resultados foram considerados um fracasso.

Lodi (2009, p. 49), teorizando sobre a aquisição da escrita de surdos, cita que:

É através da língua de sinais que os alunos surdos poderão atribuir sentido ao

que leem, deixando de ser meros decodificadores da escrita, e é através da

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comparação da língua de sinais com o português que irão constituindo o seu conhecimento do português.

Decerto, quando se discorre sobre a alfabetização de pessoas surdas, normalmente se

pensa na dificuldade do estabelecimento da relação da escrita com o som (grafema/fonema)

para pessoas que não adquirem uma língua oral de forma natural. Analisando assim, as

pessoas surdas deveriam aprender a escrever o Português com base na oralidade, provando,

novamente, que todos os recursos metodológicos, ou grande parte deles, são propostos com a

finalidade de atingir a maioria, de forma que a criança surda que está inserida nesta classe

ouvintista não é percebida, sobretudo, a sua limitação.

1.2 Método de Análise

A partir da questão central de pesquisa e dos objetivos propostos, foi necessário

focalizar o contexto escolar, as interações e o desempenho na língua portuguesa escrita de

aprendizes surdos, buscando os dados regulares e os singulares manifestados pelos sujeitos

envolvidos.

O enfoque adotado nesta pesquisa é, então, de ordem qualitativa – interpretativa, por

centrar-se na produção de interpretações de dados contextualizados e por ser o método que

mais responde à abordagem teórico-epistemológica adotada. Deste modo, de acordo com

Sampieri (2006):

a pesquisa qualitativa dá profundidade aos dados, à dispersão, à riqueza

interpretativa, à contextualização do ambiente os detalhes e às experiências únicas. Também oferece um ponto de vista “recente, natural e holístico” dos

fenômenos, assim como flexibilidade (SAMPIERI, 2006, p. 15).

Ludke e André (2003) corroboram, afirmando que: “o estudo qualitativo é o que se

desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível

e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Conforme os autores, por meio

da pesquisa de cunho qualitativo torna-se possível uma aproximação com o sujeito, a partir de

um trabalho com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,

o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.

No caso desta pesquisa, tal investigação também adquire relevância, por viabilizar o

recolhimento dos dados no contexto em que se encontram os sujeitos, permitindo o contato

direto com a realidade investigada e a compreensão das experiências vivenciadas por alunos e

professores.

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Desse modo, em termos metodológicos, a pesquisa qualitativa consiste em um

trabalho detalhado das informações obtidas sobre o objeto em questão, visto que tal

procedimento se mostra adequado a partir das concepções apresentadas por Bogdan e Biklen

(1994), que concebem as metodologias de pesquisas qualitativas mais pertinentes ao processo

de pesquisa humana. Os autores apontam, portanto, quatro características básicas que

configuram a pesquisa qualitativa:

1) a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o

instrumento principal; 2) é de natureza descritiva[...] os dados recolhidos são em forma de palavras

e imagens, e não de número, o interesse está mais no processo, do que

simplesmente nos resultados ou produtos; 3) a análise dos dados se dá de forma indutiva [...] não se recolhem dados ou

provas com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas

previamente; ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os

dados particulares, que foram recolhidos, vão agrupando; 4) o significado é de importância vital na obra qualitativa. (BOGDAN E

BIKLEN, 1994, p. 47-51).

Dada a natureza da pesquisa, acredita-se ser esta a abordagem mais coerente com o

objeto de estudo, o qual, como já mencionado, incide em aspectos relacionados às

apropriações de escrita de crianças surdas em processo de alfabetização. Além disso,

considera-se a necessidade de se observar o contexto da sala de aula, as práticas

desenvolvidas pelo professor, e a busca de informações sobre o contexto familiar destes

alunos.

1.3 Campo e Sujeitos da pesquisa

Selecionou-se como sujeitos da pesquisa dois alunos surdos em processo de

alfabetização, matriculados em turmas da primeira fase4 do ensino regular, em uma escola

pública do município de Rondonópolis – MT. A intenção é averiguar o trajeto pertinente às

fases de alfabetização e apropriação da escrita inicial dessas crianças.

Portanto, o corpus está restrito às produções escritas, coletadas em sala de aula

regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio da pesquisa de campo.

Pais e professores foram entrevistados com o objetivo de levantar os espaços e

funções da escrita no contexto familiar e escolar de cada um, na tentativa de reconhecer como

4 Escola organizada em ciclo de aprendizagem

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e para que usam a escrita, como possíveis dados de interferência no processo de apropriação

da escrita pelas crianças surdas em questão.

Quadro 1- Caracterização dos docentes envolvidos.

Professora:

Prof.ª M (Allan)

Prof.ª L (Sara)

Prof.ª V (AEE)

Prof.ª T (AEE)

Formação

acadêmica

Pedagogia; Esp. em psicopedagogia

(cursando).

Pedagogia; Esp. em Língua Brasileira de

Sinais (cursando).

Pedagogia; Esp. em Lazer e Recreação;

Esp. em Educação

Especial.

Pedagogia; Esp. Em Psicopedagogia

(cursando).

Situação

funcional

Efetiva

Contratada

Efetiva

Efetiva

Idade

42 anos

Não informada

47 anos

37 anos

Experiência

no

magistério

Desde 2010

(03 anos)

Desde o início de 2013

(Primeiro ano)

Desde 1983

(30 anos).

Desde 2006

(07 anos)

Local onde

iniciou a

carreira

profissional

Escola Estadual

Professora Renilda

Silva Moraes (Rondonópolis-MT)

Escola Estadual

Professora Renilda

Silva Moraes (Rondonópolis-MT)

Escola Municipal de

Arenápolis - PR

Escola Estadual José

Guilherme

(Campinápolis – MT)

Tempo de

experiência

no ensino

de surdos

1ª experiência

1ª experiência

20 anos (1993)

1ª experiência

Número de

pessoas

surdas que

interage

01 (Allan)

01 (Sara)

08 alunos regulares,

além de ex-alunos e

conhecidos, por volta

de 30 surdos.

03 alunos

Abordagem

educacional

utilizada

Oralismo e o

Bimodalismo

Bimodalismo e

LIBRAS

Bimodalismo

Todos os meios

possíveis de

comunicação com

ênfase na LIBRAS.

Fonte: Dados da pesquisa.

Quadro 2 - Caracterização dos pais ou família extensa

Informantes:

Mãe de Allan

Padrinhos de Sara

Idade:

28 anos

43 e 48 anos

Escolaridade

Ensino Médio (completo)

Ensino Fundamental (incompleto)

Profissão:

Apoio Administrativo

Comerciantes

Quantidade de filhos:

Somente Allan (01)

03 filhos

Filhos surdos:

Allan

Somente Sara

Fonte: Dados da pesquisa.

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Sobre os alunos, sujeitos principais da pesquisa, seguem algumas informações5 que

facilitarão e/ou auxiliarão na compreensão do estudo.

Allan é o nome fictício dado a uma criança do sexo masculino, de oito anos de idade,

matriculado na 3ª fase do primeiro ciclo e filho de pais ouvintes. De acordo com o relato

obtido por meio da mãe6, Allan nasceu surdo, porém os exames foram confirmados aos 10

meses de vida pelo BERA7. Foi diagnosticado com surdez neurossensorial profunda, bilateral,

de etiologia, possivelmente, congênita.

A surdez de Allan parece ser de ordem genética, visto que não se trata de um único

caso na família. Duas de suas primas apresentam graus distintos de perda auditiva, sendo um

dos casos, como o de Allan, uma perda severo-profunda. Entretanto, o aspecto genético

apontado neste caso é simplesmente uma suposição familiar, nada havendo sido comprovado,

pois, de acordo com a mãe, “foram dois casos, mas bem diferentes, minha gestação foi bem

tranquila, já a da prima, não foi. Acreditamos que seja genético por conta desse caso na

família” (Mãe de Allan, em entrevista, 15/04/2013).

O caso desse menino desperta muita inquietação, por se tratar de uma criança surda

inserida em uma escola regular e, sobretudo, pelo histórico de idas e vindas até a conquista do

Implante Coclear (IC).

Quando detectada a surdez de Allan, seus pais começaram a procurar algum tipo de

tratamento médico que pudesse, de alguma forma, amenizar sua condição de surdo. Após

inúmeras pesquisas, optou-se pelo IC, com o qual Allan teria a possibilidade de ouvir.

Como em Rondonópolis, sua cidade natal, não havia profissionais especializados na

área, buscaram ajuda na capital. Porém, nada conseguiram, partindo diretamente para o

interior de São Paulo, na cidade de Bauru, onde já havia vários estudos nesta área, além de um

número significativo de crianças surdas implantadas. Entretanto, nada conseguiram; o sonho

parecia cada vez mais distante, porém os pais de Allan não hesitaram em momento algum,

5 Dados da pesquisa obtidos em entrevista com a mãe de Allan e os padrinhos de Sara (Abril/2013).

6 O pai de Allan foi contatado, mas por motivo de trabalho, não pode comparecer à entrevista.

7 É o exame do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico e tem por objetivo avaliar a

integridade funcional das vias auditivas nervosas, desde a orelha interna até o córtex cerebral. Com ele

é possível determinar se existe ou não perda auditiva, assim como precisar seu tipo e grau. Caso exista

perda auditiva é possível saber se ela é decorrente de lesões na cóclea, no nervo auditivo ou no tronco

encefálico. É um teste indolor, não invasivo, que pode ser realizado em crianças e adultos, utilizado também para monitoramento das funções mencionadas em pacientes em estado de coma. São

colocados fones para que o paciente receba os sons e pequenos eletrodos, que irão registrar os

impulsos elétricos gerados como reação aos estímulos sonoros recebidos. O paciente deverá estar deitado, o mais relaxado possível. Em crianças, o exame é realizado durante o sono.

http://www.cemahospital.com.br/especialidades-otorrino-exames/?eFh4fDc5

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sempre buscando informações e/ou recomendações médicas que pudessem conduzi-los ao tão

sonhado IC.

Enfim, foi na cidade de Natal – RN, que conseguiram, por meio do Sistema Único de

Saúde (SUS), a cirurgia para o implante coclear bilateral, conhecido como "ouvido biônico",

bem como a manutenção do aparelho implantado. A cirurgia foi realizada no dia 28 de

outubro de 2008, no Hospital do Coração (OTOCENTRO), pelo Dr. Rodolfo Penna Lima e

sua equipe. Na ocasião da cirurgia, Allan estava com quatro anos de idade.

O nome escolhido para indicar o outro participante desta pesquisa é Sara, uma garota

com surdez neurossensorial bilateral profunda (diagnosticada pelo BERA), com seis anos de

idade, matriculada na rede pública de ensino - cursando a 1ª fase do primeiro ciclo (início do

período de alfabetização). De acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, admite-

se a matrícula no Ensino Fundamental de nove anos, a iniciar-se aos seis anos de idade.

Sara não convive com os pais biológicos, na verdade nunca conviveu. Nasceu

precocemente, ao sexto mês de gestação, apresentando um quadro clínico desanimador e com

poucas expectativas de sobrevivência.

De acordo com os responsáveis por Sara, “Ela nasceu pequenininha, quase morreu.

Ela não escuta, pois seu ouvido não estava formado. Não escuta nada, nada... Quase morreu

ao nascer” (Responsável por Sara, em entrevista, 17/04/2013).

São citados aqui os responsáveis, pois é com eles que Sara vive desde seu

nascimento. “Ela desde que nasceu mora conosco, na verdade, não é nossa filha, somos

padrinhos dela”.

O período desta investigação coincidiu com o primeiro ano de Sara na escola. Ela

não conhece a língua de sinais e se comunica por meio de gestos/pantomima. Os responsáveis

por Sara são proprietários de uma lanchonete e cursaram somente os primeiros anos do

Ensino Fundamental.

1.4 Instrumentos e procedimentos

Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes procedimentos e instrumentos:

1) filmagens na sala de aula, bem como no espaço AEE. As gravações constituem

dezenove arquivos em sala de aula e quatro no espaço AEE, os quais registraram 15 dias de

atividades e observações que se prolongaram por volta de dois meses;

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2) registro no caderno de campo, como notas de observação, no qual constam,

detalhadamente, os diálogos, as atividades e o comportamento das crianças, com vistas à

interpretação e análise do corpus da pesquisa;

3) entrevistas semiestruturadas com: a) a professora de Allan, b) a professora de

Sara, c) as professoras do AEE, d) mãe de Allan e os responsáveis por Sara;

4) Minientrevistas com professores, em momentos de atividades livres;

5) pesquisa documental8, buscando, também, informações em fontes como: exames

de diagnósticos de surdez (do Centro de diagnóstico auditivo de Cuiabá CEDAC – ver

anexo); Relatório de matrícula e acompanhamento – IC - emitido pela Universidade de São

Paulo, por meio do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (CPA – Centro de

Pesquisas Audiológicas – ver anexo); e Fichas de acompanhamento diário – efetuadas pelo

Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Deste modo, a pesquisa de campo e a coleta de dados teve início no mês de abril,

estendendo-se até o mês de maio de 2013. Portanto, ao todo, foram observadas 96 horas de

aulas, conforme o quadro abaixo. Vale ressaltar que o convívio diário com docentes e alunos

foi o maior facilitador para a obtenção das informações desejadas na realização do estudo.

Quadro 3 - Relação de horas de observação na escola

Em sala de aula

Outras atividades

Total

Tempo de inserção

na escola

Allan – 3ª fase

Primeiro ciclo.

30h

20h

50h

Sara – 1ª fase

Primeiro ciclo.

30h

16h

46h

96h

Fonte: Dados da pesquisa

8 Os nomes dos registros/documentos estão apagados como forma de preservar a identidade das

crianças (sujeitos deste estudo).

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CAPÍTULO 2

ASPECTOS HISTÓRICOS DA SURDEZ

2.1 Reflexões históricas sobre a educação dos surdos ao longo do tempo

Na tentativa de contextualizar o cenário educacional, no qual a criança surda está

inserida, é necessário apresentar conceitos históricos que poderão auxiliar as discussões sobre

a linguagem deste povo, buscando encontrar caminhos que melhor possibilitem um

desenvolvimento “realmente” satisfatório. Todavia, a história pode, também, servir de suporte

para analisar criticamente as consequências de cada etapa escolar e/ou desenvolvimento

humano dessas crianças.

A escolarização dos surdos, tanto em relação às metodologias, quanto aos programas

educacionais, faz parte de um contexto que vem sendo construído historicamente. Assim

posto, a história da educação de surdos ela evolui continuamente, apesar de vários impactos

marcantes, não sendo, por isso, de difícil análise e compreensão. No entanto, vive-se

momentos históricos caracterizados por mudanças, turbulências e crises, ademais do

surgimento de oportunidades.

De acordo com Strobel (2006), as pessoas que nasciam com alguma deficiência eram

tidas como merecedoras de um castigo divino. Em alguns lugares do mundo, durante a Idade

Média, os nascidos com deficiências eram tratados indignamente, lançados à morte em

fogueiras (durante a inquisição) ou apedrejados. Muitos eram mortos ao nascerem e outros,

cuja família não tinha coragem, eram escondidos e passavam a vida sem a sociedade saber de

sua existência.

Na Idade Antiga, encontram-se relatos de que, no Egito, segundo as leis judaicas, os

surdos eram apenas protegidos, considerados criaturas privilegiadas, enviadas dos deuses.

Acreditava-se que se comunicavam em segredo com os Deuses e, por este motivo, havia um

forte sentimento humanitário e de respeito que protegia e tripulava aos surdos a adoração. No

entanto, tinham vida inativa, sem direito à educação.

Na China, entre 485-483 a.C., os sujeitos surdos eram lançados ao mar. Eram

sacrificados ao célebre “Deus Teutates” por ocasião da festa do Agárico.

Na Grécia, entre 480-425 a.C., há registros de que as pessoas surdas eram

consideradas incapazes de exercer o raciocínio, sendo tidas como invisíveis e um incômodo

para a sociedade. Eram condenados à morte, lançados abaixo do topo de rochedos de Taygéte,

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nas águas de Barathere, e os sobreviventes viviam como miseráveis escravos ou abandonados,

verdadeiros indigentes. Em Athenas eram rejeitados e largados em praças públicas ou em

campos distantes. Em Esparta, os surdos eram arremessados do topo dos rochedos, sem

nenhuma chance de sobrevivência.

Na Idade Média (476 d. C), aos surdos não era concebido nenhum tratamento digno,

pelo contrário, eram tratados como estranhos, sendo, assim, motivo de curiosidade da

sociedade. Aos surdos ficava expressamente proibido receber a comunhão por “pecados”, por

acreditarem que nos decretos bíblicos havia relatos que eram contra o casamento dessas

pessoas, só sendo permitidos aqueles que recebiam autorização papal. Havia também leis que

vetavam aos surdos o direito de receberem herança, bem como todos os direitos relacionados

à cidadania.

Por volta de 483-527 d.C., em Roma, as pessoas com surdez foram consideradas

pessoas castigadas ou enfeitiçadas, sendo condenadas ao abandono ou morte. Lançados no

Rio Tiger, só se salvavam aqueles que, por algum motivo, conseguiam mostrar-se ainda com

vida, ou aqueles cujas famílias os escondiam. Essa sociedade também fazia destes sujeitos

escravos, obrigando-os a passar toda a vida operando uma roleta circular de um moinho de

trigo (VELOSO, 2009).

Nesse período, tudo de negativo relacionava-se diretamente aos surdos, tratando-se

de uma concepção repleta de preconceito e, sobretudo, de muita ignorância. Como se vê, na

antiguidade os surdos foram percebidos de diversas formas: com piedade e clemência, como

sujeitos castigados pelos deuses e/ou enfeitiçados, sendo repudiados ou sacrificados. Até

mesmo na Bíblia, percebe-se uma posição nula em relação à surdez, pois,

a condição sub-humana dos mudos era parte do código mosaico e foi

reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a única e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar (“no principio

era o verbo”) (SACKS; 1989, p. 31).

No momento histórico referido, percebe-se que os acontecimentos e concepções

acerca do povo surdo estiveram pautados na invalidez, na caridade, no sacrifício e na

dedicação necessária para vencer “grandes adversidades”.

Contudo, segundo Moura (2000), a partir do ano de 1.423, surgem alguns estudos

que desencadearam possibilidades de entender o sujeito surdo e sua capacidade intelectual,

mas de uma forma muito simplificada e curiosa. Sendo assim, passam a ser vistos como

cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma visão assistencial

excludente. Como nessa época não existiam escolas, tampouco algo que assegurasse um

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ensino que pudesse privilegiar esses sujeitos, surgem nomes de alguns professores que

contribuíram de forma precursora, traçando métodos distintos que garantissem ao surdo,

possibilidades em participar, ainda que de forma ingênua, do processo de escolarização.

Os estudos desenvolvidos por Veloso (2010) e Moura (2000) apresentam alguns

desses nomes e suas especificidades. Destarte, Veloso (2010, p. 29-32) cita os seguintes:

Girolamo Cardano (1501-1576), médico filósofo que reconhecia a habilidade do surdo para a

razão. Afirmava que “... a surdez e mudez não é impedimento para desenvolver a

aprendizagem e que o meio melhor dos surdos aprenderem é através da escrita... e que seria

um crime não instruir um surdo”. Ele utilizava a comunicação gestual e escrita com os surdos.

Interessou-se, também, pelo estudo do ouvido, nariz e cérebro.

Melchor de Yebra (1526-1555), monge franciscano, foi o primeiro a escrever um

livro intitulado “Refugium Infirmorum”, que descreve e ilustra um alfabeto manual da época,

publicado sete anos após sua morte. Este era, então, utilizado para finalidades religiosas ao

promover, entre o povo surdo, a compreensão de matérias espirituais.

Pedro Ponce de Léon (1520-1584), que na Espanha fundou a primeira escola para

surdos em um monastério de Valladolid. Inicialmente ensinava latim, grego e italiano,

conceitos de física e astronomia. É considerado como sendo o primeiro professor de surdos da

História e seu trabalho contribuiu em diversos estudos sobre a surdez; utilizava a datilologia

(alfabeto manual), escrita e oralidade.

Juan Pablo Bonet (1579-1623), também na Espanha, educava os surdos por meio de

sinalização, treinamento da fala e o uso do alfabeto datilológico9. Obteve tanto sucesso que

foi nomeado pelo, então, rei Henrique IV como marquês de frenzo. Publicou o primeiro livro

da educação dos surdos em que expunha o método oral, “Reduccion de las letras y arte para

enseñar a hablar a los sordos”, em Madrid, Espanha. Seu método serviu de base para toda a

Europa (Pereire: países de língua de origem latina, Amman: língua alemã, Wallis: Ilhas

britânicas).

Jonh Bultwer (1614-1684) foi o primeiro inglês a desenvolver um método de

comunicação entre ouvintes e surdos. Em 1644, publicou “A Língua Natural da Mão e a Arte

Retórica Manual”, que preconiza a utilização do alfabeto manual, língua de sinais e leitura

labial. Acreditava que a língua de sinais era universal e seus elementos constituídos icônicos.

9 Alfabeto manual ou datilológico: um sistema de representação de letras de um alfabeto, utilizando as

mãos. www.alfabetosurdo.com

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Joahnn Conrad Amman (1669-1724) publicou um livro sobre modelo de educação

para surdos na Alemanha, em nível institucional. Era contra a comunicação gestual,

afirmando que sua prática “atrofiava a mente”.

Samuel Heinicke, (1729-1790) considerado o “Pai do Método Alemão”, Oralismo

Puro, iniciou as bases da filosofia oralista. Em carta, Heinicke narra: “Meus alunos são

ensinados por meio de um processo fácil e lento de fala em sua língua pátria através da voz

clara e com distintas entonações para aumentar suas habilidades de compreensão”.

Charles Michel L’Epée (1712-1789) , reconhecido na história da educação dos

surdos, utilizava os “sinais metódicos”, uma combinação da gramática francesa e a

comunicação gestual. Publicou o primeiro dicionário de sinais e acreditava que, por meio da

comunicação gestual, o sujeito surdo é capaz de constituir sua linguagem natural, um

verdadeiro meio de comunicação e desenvolvimento do pensamento. Fundou 21 escolas para

surdos na França e Europa.

De acordo com Goldfeld (2002), as metodologias de L´Epée e Heinick se

confrontaram e foram submetidas à análise da comunidade científica. Os argumentos de

L´Epée foram considerados mais fortes e, com isso, foram negados a Heinick recursos

financeiros para a ampliação de seu instituto.

Moura (2000), por sua vez, apresenta outro grande nome nesse movimento histórico:

Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851), em Hartford, nos Estados Unidos. Percebendo a

necessidade em conceber uma escola que atingisse os sujeitos surdos, fundou a primeira

escola para surdos dos Estados Unidos. O sucesso imediato da instituição levou a abertura de

outras escolas para educação e o ensino de pessoas surdas. Sabe-se que todos os professores

ouvintes e surdos eram usuários fluentes da língua de sinais.

Desse modo, o século XVIII é considerado o momento de maior evidência na

história da educação dos surdos. Um tempo de grande impulso, na perspectiva quantitativa,

relacionado ao aumento de escolas para surdos, além do destaque e/ou importância ofertada à

língua de sinais. Por meio da comunicação gestual, os surdos podiam aprender e se apropriar

de diversos assuntos e se ocupar de várias funções.

Nesse sentido, Sacks diz que:

Esse período, que agora parece uma espécie de época áurea na história dos

surdos, testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigida por professores surdos, em todo o mundo civilizado, a saída

dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a

rápida conquista de posições de eminência e responsabilidade – escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes

inconcebíveis, tornaram-se subitamente possíveis (SACKS,1989, p. 37).

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Entretanto, na Idade Contemporânea, Jean Marc Gaspard Itard (apud MOURA,

2000), médico cirurgião e psiquiatra alienista francês, foi um dos que mais se destacou na

tentativa de correção dos surdos. Reconhecia que somente a experiência externa servia de

fonte para o conhecimento humano. Dentro dessa concepção, era exigido o desarraigamento

ou a diminuição da surdez para que o surdo tivesse acesso ao conhecimento, alegando que o

que era considerado diferença passou a ser reconhecido como doença e, portanto, passível de

tratamento para sua erradicação e supressão do “mal”.

Moura destaca ainda que:

ele tentava descobrir causas visíveis para a surdez e constatou, como outros

já haviam feito antes dele, que a causa da surdez não podia ser detectada visivelmente. Para realizar seus estudos, ele dissecou cadáveres de surdos e

tentou vários procedimentos: aplicar cargas elétricas nos ouvidos dos surdos,

usar sanguessugas para provocar sangramentos, furar as membranas timpânicas de aluno (sendo que um deles morreu por este motivo). Ele

também fraturou o crânio de alguns alunos e infeccionou pontos atrás das

orelhas deles. Nada disto funcionou, considerando que nada poderia ser feito por ouvidos mortos (MOURA, 2000, p. 25).

Posto isso, a maioria dos pesquisadores, discretamente, se limitou aos registros nos

quais os sujeitos surdos eram vistos como seres “deficientes”, conforme a definição de

“ouvintismo”. Como pronuncia a pesquisadora surda Perlin (2004, p.80): “As narrativas

surdas constantes à luz do dia estão cheias de exclusão, de opressão, de estereótipos”.

Assim, todo este levantamento histórico, ainda que breve, tem como objetivo principal

resgatar informações que tragam elementos concretos de diferentes momentos vividos pelos

surdos. Pois, ao considerar as raízes históricas que permeiam toda a trajetória educacional

deste povo, o que se vê nada mais é que uma imponente divergência quanto aos métodos mais

indicados a serem adotados para ensino dos surdos.

2.2 Congresso de Milão: Em busca da “NORMALIDADE”

Como os surdos não ouviam, e, consequentemente, não falavam, todos os métodos

existentes e adaptados em sua escolarização apresentavam falhas. O discurso do “diferente” já

estava posto e algo precisava ser feito para trazer esse indivíduo à normalidade, tratando-se da

comunicação oral, considerando que a fala viva é o privilégio do homem, o único e correto

veículo do pensamento. Eis que o Congresso de Milão, ocorrido no ano de 1980, apreende tal

ideia, assinalando todas as vantagens da fala e abolindo completamente os sinais.

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Skliar (1996) cita que a França e a Itália tiveram papel preponderante no Congresso

de Milão, sendo que a razão política que parece estar por trás dessas tentativas de oralização

se refere à própria situação da França, que havia se estabelecido como um estado unitário de

caráter centralista. Tal situação se refletia na interferência do estado nos métodos educativos

dos surdos, pois, para ele, era importante que todos tivessem uma identidade comum, ou seja,

a língua falada. A possibilidade de existir um grupo com uma identidade linguística

diferenciada traria certos questionamentos em relação à centralização identitária da França

enquanto país.

Contudo, no ano de 1879, Oscar Claveu, inspetor geral do ministro da educação na

França, foi enviado para visitar instituições oralistas na Alemanha. De acordo com Moura

(2000), Claveau não conhecia a língua de Sinais, mas em seu relatório foi contra,

argumentando que se tratava de uma língua sem gramática e que a Alemanha, sem utilizar a

comunicação gestual, havia conseguido bons resultados orais, alegando que os alunos com

surdez eram educados sob a perspectiva de que as pessoas que usam a comunicação gestual

são inferiores aos demais. Tratava-se de um sistema que procurava assassinar qualquer

semente de uma língua condenada.

A autora comenta ainda que, tendo como base tais dados, Claveau recomendou o

Oralismo, mesmo havendo rumores fortes de militantes adeptos à Língua de Sinais, pois, por

meio da oralidade, os alunos teriam uma forma de comunicação com a sociedade de um modo

geral.

Assim, foi decretado o oralismo na França, gerando grande repercussão mundial,

visto que se tratava de uma decisão ímpar para com a educação de surdos, afinal, advinha do

país, berço da educação com sinais como modelo de educação pública para surdos que

puderam mostrar suas habilidades nas mais diferentes áreas e países, inclusive no Brasil.

Toda essa trajetória de conquistas e avanços, marcados no tempo histórico dos

surdos, de repente se desfaz, pois, no dia 11 de setembro de 1880, houve uma votação sobre o

uso ou não da oralidade na educação dos surdos. Foram obtidos 160 votos, dentre os quais

quatro foram contra e os demais a favor, aprovando-se, então, o uso de métodos orais ,

momento em que ficou estabelecido que a língua de sinais ficaria proibida oficialmente,

alegando que esta destruía a habilidade da oralização dos sujeitos surdos.

Sobre a decisão estabelecida no Congresso de Milão, Widell (1992) cita que:

(...) ficou decidido no Congresso Internacional de Professores Surdos, em

Milão, que o método oral deveria receber o status de ser o único método de

treinamento adequado para pessoas surdas. Ao mesmo tempo, o método de

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sinais foi rejeitado, porque alegava que ele destruía a capacidade de fala das crianças. O argumento para isso era que ‘todos sabem que as crianças são

preguiçosas’, e por isso, sempre que possível, elas mudariam da difícil oral

para a língua de sinais (WIDELL, 1992, p. 26).

Foi colocada a vantagem da fala sobre o sinal para o desenvolvimento intelectual e

psíquico da criança surda, a possibilidade de desenvolvimento de fala nos surdos e a

necessidade de se abolir completamente os sinais, propiciando, assim, a fala como

instrumento único e efetivamente completo. Portanto, o Congresso de Milão marca um tempo

que invade a vida desses sujeitos, reafirmando a necessidade de substituição da língua de

sinais pela língua oral nacional.

Entretanto, para ilustrar esse momento que atravessa a história dos surdos, deve ser

citado Agambem (2005), que o traduz da seguinte forma: “o tempo da história é o cairós em

que a iniciativa do homem colhe a oportunidade favorável e decide no átimo a própria

liberdade”.

O tempo cairós surge para romper a cronologia com o átimo num momento em que

os estudos/métodos voltados ao ensino e aprendizagem das pessoas surdas pareciam emergir

efeitos significativos. Deste modo, entende-se, pela história, uma ruptura cronológica, em que

a grande maioria dos surdos apresentou sérios entraves no processo de escolarização por meio

da oralidade.

Igualmente, Moura (2000) diz:

é a não valorização do surdo enquanto elemento capaz de educar e decidir,

tanto sobre sua própria vida, como com relação à vida daqueles sobre sua tutela. “Uma das consequências do Congresso de Milão foi a demissão dos

professores surdos e a sua eliminação como educadores.” (MOURA, 2000,

p. 48).

Sobre a decisão imposta pelo Congresso de Milão, Skliar (1996) analisa que a

aprovação do oralismo serviu para facilitar o projeto de alfabetização geral (Itália), servindo,

tal decisão, para eliminar a diferença linguística dos surdos, visto que procuravam uma

unidade nacional e linguística. Para o autor, as ciências humanas e pedagógicas aprovaram o

oralismo por respeitarem a concepção filosófica Aristotélica, em que o mundo das ideias,

abstrações e da razão é representado pela palavra, enquanto o mundo do concreto e do

material se representa por meio de sinais. O autor também reforça a ideia da força do clero,

uma vez que, no primeiro momento, rejeitou o oralismo como representante do poderio

alemão, porém, em seguida, percebeu no método uma força importante por motivações

espirituais e confessionais (leia-se, controle).

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No início do século XX, encontram-se os primeiros relatos dos insucessos do

oralismo. Moura (2000) afirma que os surdos, participantes desse processo e que não

progrediam na oralidade, eram considerados deficientes mentais com necessidades especiais,

fato que se observa até os dias de hoje no Brasil, em algumas instituições.

Depois do Congresso de Milão, o conceito de surdez, aliado a algum tipo de

deficiência, defendido pelo modelo médico, passou a ser evidenciado com maior frequência.

Deste modo, o surdo é caracterizado como anormal, sujeito a ser tratado e curado a qualquer

preço e que, na falha do tratamento, carregaria a culpa de não responder aquilo que era

esperado dele.

O fracasso na educação de surdos estava declarado, devido à predominância do

oralismo na concepção do “ser ouvinte”. Nesse período, os surdos tiveram as mãos amarradas,

sendo obrigados a somente se comunicar por meio da oralidade, sem nenhuma preocupação

em compreender como poderiam se apropriar de uma língua fonética, sem o auxílio sonoro. A

preocupação estava, pois, centralizada na normalidade e em uma comunicação conferida a

partir da FALA.

Conhecer a história de surdos não proporciona ajuda apenas para acrescer

conhecimentos, mas também para refletir sobre diversos acontecimentos relacionados à

educação em várias épocas e suas permanências. Pode-se pensar, por exemplo, por que,

atualmente, apesar de se ter uma política de inclusão, o sujeito surdo continua excluído?

Ou seja, o passado determina o presente de um modo criador e, juntamente com o

presente, dá dimensão ao futuro que ele predetermina. Atinge-se, assim, uma plenitude

temporal que é sensível, visível. Benjamin (1985) nos diz que o tempo reflete seu contexto

histórico. O tempo que lhe é contemporâneo e o tempo antigo ainda vivem localizados no

espaço onde se encontram inscritos. Diante da situação atual que vivem os surdos, percebe-se

que houve ruptura em alguma parte da história e que essa ruptura precisa ser revista para que

crianças, adolescentes e jovens surdos tenham o direito a uma vida honrada, pautada no

respeito e na ética.

Um olhar breve para a história de educação de surdos possibilita uma reflexão de

como o sujeito surdo foi tratado e educado através dos tempos, permitindo compreender

atitudes atuais dos profissionais da saúde e da educação, causadores de estereótipos que

permeiam as diferentes representações na educação do povo surdo. “As narrativas surdas

constantes à luz do dia estão cheias de exclusão, de opressão, de estereótipos” (PERLIN,

2004)

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O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vários momentos da história. Ele se transforma em fato histórico postumamente,

graças a acontecimentos que podem estar dele separados por milênios. Com

isso, ele afunda um conceito do presente como um “agora” no qual se

infiltram estilhaços do messiânico (BENJAMIN, 1985, p. 232).

A historicidade que atravessa os tempos de vida dos surdos aponta não só as questões

referentes aos seus limites e possibilidades, como também os preconceitos existentes da

sociedade para com elas, podendo-se ver os destroços da história. A EDUCAÇÃO é o palco

dos acontecimentos históricos que permeiam os principais acontecimentos, porém, existem

vários outros “detalhes” neste curso, que não se impõem de forma tão fulgente.

Anos e mais anos já se passaram e muitos surdos, ainda, são vistos como cidadãos

com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma visão assistencial excluída.

Houve avanços na visão clínica, que fazia das escolas dos surdos espaços de reabilitação de

fala e treinamento auditivo, preocupando-se apenas em ‘curar’ os surdos, que eram vistos

como deficientes, e não em educá-los. Assim, “a deficiência não é algo que emerge com o

nascimento de alguém ou com a enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida

por um grupo social na medida em que este interpreta e trata como desvantagem certas

diferenças apresentadas por determinadas pessoas” (OMOTE, 1994).

Os surdos, de fato, enfrentam inúmeros entraves em participar da sociedade como

um todo, situação decorrente do preconceito e discriminação que a eles é cominado,

atribuindo-lhes o título de pessoas com deficiência, portadoras de necessidades especiais,

sujeitos impossibilitados, incapazes, inapropriados para conviver com a tal

“NORMALIDADE”. Mas, afinal, quem é “NORMAL”?

Na tentativa de compreender melhor esse tempo conflituoso que rege a vida e a

história dos surdos, situa-se Bakhtin e seu conceito de cronótopo, o qual diz que o espaço não

se trata somente de pura geografia e nem mera cronologia. Ele considera que o passado e o

presente permanecem JUNTOS no tempo e espaço. Para o autor:

As características essenciais desta visão são as seguintes: A fusão do tempo (entre o passado e o presente), a marca, nitidamente visível, do tempo

inscrita no espaço, a união indissolúvel do tempo ao acontecimento ao lugar

concreto de sua realização, o vínculo substancial e visível que liga os tempos (o passado no presente e do próprio presente), a necessidade que penetra o

tempo, que liga o tempo ao espaço e os tempos entre si, e finalmente, com

base na necessidade que impregna o tempo especializado, a inserção do futuro que assegura a plenitude ao tempo tal como ele aparece...

(BAKHTIN, 1992, p. 262).

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Dessa forma, o tempo que direciona a história dos surdos trata-se de um passado

longínquo, vivo e presente até hoje. É a fusão entre o passado e o presente que os conjugam

num todo, a julgar pela situação atual da educação de surdos, a qual evidencia que há uma

crise séria entre a cultura surda e a educação, pois, ao traçar a trajetória histórica do povo

surdo e suas diferentes representações sociais, percorre-se os domínios do ouvintismo,

referentes a qualquer situação relacionada à vida social e educacional dos sujeitos surdos.

Como aponta Bakhtin: “Os vestígios autênticos, os indícios da história remetem sempre ao

humano e à necessidade – é onde o espaço e o tempo estão unidos num vínculo indissolúvel”

(BAKHTIN, 1992, p. 259).

2.3 Educação dos surdos no Brasil

Em 1857, no Brasil, fundou-se, no Rio de Janeiro, a primeira escola para surdos, o

Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES10

), dirigida por Ernest Huet, professor surdo

francês, convidado a pedido do imperador Dom Pedro II. A partir daí, os surdos brasileiros

puderam ter acesso à escolarização. Por conseguinte, foi dado início aos primeiros estudos

voltados à construção da língua de sinais no Brasil. Porém, em 1861, Huet deixa o Brasil para

dar continuidade a seus trabalhos, também voltados ao ensino de surdos, no México. Nesse

período, a instituição (INES) passou a ser conduzida por Frei do Carmo, substituído,

posteriormente, por Ernesto do Prado Seixa.

No ano de 1862, assumiu o cargo de diretor do INES o Dr. Manoel Magalhães

Couto, que não tinha experiência alguma na educação voltada à surdez. Sendo assim, em

1868, após inspeção governamental, o INES foi considerado um asilo de surdos. Nesse

cenário de insucessos, eis que surge Flausino José da Gama, ex-aluno do INES, que publicou,

em 1875, a obra “Iconografia dos Sinais dos Surdos”, ou seja, a criação de símbolos, o

primeiro dicionário de língua de sinais no Brasil.

De tal modo, em consequência da imposição do método oralista definido pelo

Congresso de Milão, Goldfeld (2002) afirma que:

Em 1911, no Brasil, o INES, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o

oralismo puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a língua de sinais sobreviveu em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímola de Faria

Doria, com assessoria da professora Alpia Couto, proibiu a língua de sinais

10

O INES, sediado no Rio de Janeiro, é uma instituição educacional de referência na área da surdez. É a primeira escola brasileira criada para o atendimento de alunos surdos. A história do INES representa

a história da educação dos surdos no Brasil.

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oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as proibições, a língua de sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola

(GOLDFELD, 2002, p. 32).

A autora nos diz que, mesmo com as dificuldades em ensinar e, consequentemente,

aprender a partir da filosofia oralista, em 1970 chega ao Brasil a Comunicação Total, filosofia

esta advinda de Ivete Vasconcelos, professora de surdos na Universidade Gallaudet. Na

década seguinte, como uma nova possibilidade para o ensino de surdos, inicia-se, no Brasil, o

bilinguismo, tomando por base as pesquisas sobre a Língua Brasileira de Sinais da professora

linguista Lucinda Ferreiro Brito.

Na atualidade, esses três enfoques de filosofia educacional para surdos convivem no

Brasil, causando inúmeras discórdias e conflitos entre os profissionais que as seguem.

Percebe-se que, entre os anos 1750 e 1880, as diferentes metodologias foram postas em

discussão, na perspectiva de deliberar uma única abordagem considerada a melhor e que,

consequentemente, poderia ser empregada em todas as instituições.

Em síntese, a história dos Surdos, contada pelos não-Surdos, é mais ou

menos assim: primeiramente os Surdos foram “descobertos” pelos ouvintes, depois eles foram isolados da sociedade para serem “educados” e afinal

conseguirem ser como os ouvintes; quando não mais se pôde isolá-los,

porque eles começaram a formar grupos que se fortaleciam, tentou-se dispersá-los, para que não criassem guetos (SÁ, 2004, p. 3).

Perfazendo, portanto, uma leitura dos caminhos e desvios da educação de surdos,

encontra-se uma discussão que perpassa e convive até os dias presentes. Na tentativa de

responder aos desafios educacionais inerentes, a pedagogia busca novas formas para atender

aos anseios dos professores, com uma pergunta abrangente que ressoa até a atualidade: Qual o

método? Qual a filosofia? Qual abordagem apropriada para direcionar o ensino, organizador

da escola? Como clarear a prática pedagógica para o ensino de surdos?

2.4 Filosofias para escolarização de surdos

2.4.1 Oralismo

O método oralista apresenta maior repercussão na história da educação dos surdos,

devido aos seus mais divergentes momentos temporais, que envolvem a súbita ascensão à

queda repentina. Os fatos históricos acima retratados já evidenciaram que, no século XVIII,

havia dois métodos para o ensino de surdos, isto é, o método francês de L´Epée, que se

baseava na língua de sinais, e o método alemão de Heinicke, que enfatizava o

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desenvolvimento da oralização. Contudo, a partir do Congresso de Milão, em 1880, o método

oralista tornou-se dominante.

Sacks (1990) afirma que a educação do surdo reduziu-se ao ensino por meio do

método oral, sendo a língua de sinais banida, professores surdos expulsos e a população surda

excluída das políticas de instituições de ensino, pois representavam uma ameaça para o

desenvolvimento da comunicação oral. Em resultado da imposição oralista, o nível de

aprendizagem do surdo caiu muito abaixo da média dos ouvintes.

O que se apreende dessa discussão é que a filosofia oralista oferece à criança surda

meios que possibilitem o desenvolvimento da linguagem oral, facilitando a integração e/ou

comunicação com a população ouvinte. Amparadas por meios tecnológicos e exercícios

fonoaudiológicos, acredita-se que, desde 1980, com a criação da primeira prótese auditiva,

novas técnicas vêm surgindo, possibilitando ao seu usuário a acuidade auditiva cada vez

melhor.

Goldfeld (2002) apresenta outras metodologias relacionadas à oralização, tais como a

verbo-tonal11

, audiofonatória12

, aural13

e acupédica14

, ambas com algumas diferenças no

aspecto prático. Porém, o autor afirma que a oralidade é a única forma desejável para a

comunicação do surdo, deixando de lado toda e qualquer forma e/ou expressão gestual.

Dorziat (1999), estudando a metodologia de ensino oralista, predominante nos cursos

de formação de grande parte dos professores que ensinam em instituições especializadas para

surdos, afirma que a aprendizagem da fala é o ponto central dessa metodologia. Para a autora,

além das técnicas específicas que são desenvolvidas para o exercício da oralidade, o surdo é

colocado em igualdade em relação ao ouvinte, sendo condicionado a ouvir e,

consequentemente, a falar. Tais habilidades representam: ser inteligente, educado, maduro.

Vários desses estereótipos contribuem para um reforço dos valores ouvintes, sufocando,

11

Método de educação da audição e linguagem que, a partir da estimulação da motricidade, da

afetividade e de todos os canais sensoriais, inclusive e, sobretudo, o canal auditivo, com o objetivo de

criar condições para que a expressão oral aconteça através de uma fala o mais natural possível. 12

O método Perdoncini e/ou audiofonatório foi criado pelo linguista francês, doutor e professor Guy

Perdoncini, na década de sessenta. Esse método foi trazido para o Brasil e adaptado à Língua

Portuguesa pela professora linguista Alpia Couto, presidente da AIPEDA – Associação Internacional Guy Perdoncini, para o Estudo e Pesquisa da Deficiência Auditiva. Segue a abordagem unissensorial,

buscando, por meio de resíduos auditivos, chegar à aquisição da linguagem. 13

Método Aural, desenvolvido por Sanders (USA, 1971), utiliza a abordagem multissensorial, privilegiando a visão e a audição no processo comunicativo. Enfoca o aspecto contextual da

comunicação, utilizando a redundância do discurso como um aliado no início do processo de

reabilitação. Este método estimula o treinamento auditivo e a comunicação visual. 14

Método Acupédico, desenvolvido por Pollack (USA, 1964). Trata-se de uma abordagem que utiliza “somente a pista auditiva na educação do D. A. Esse método tem como objetivo integrar a audição à

personalidade da criança”. (RABELO, 1992, p. 17).

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rasteiramente, formas de expressão da cultura surda. O normal (ser ouvinte) passa a ser o

paradigma, porém, quando o pensamento do ser normal vem à tona, junto dele vem o negativo

de ser surdo, que, para muitos, significa um enfrentamento constante com o desconhecido.

Mesmo em ambientes familiares, nos quais se espera maior compreensão, a comunicação,

quando existe, não passa de simples banalidades do cotidiano. Deste modo,

o oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deterioração dramática

das conquistas educacionais das crianças surdas e no grau de instrução do surdo em geral. Muitos dos surdos hoje em dia são iletrados funcionais. Um

estudo realizado pelo Colégio Gallaudet em 1972 revelou que o nível médio

de leitura dos graduados surdos de dezoito anos em escolas secundárias nos Estados Unidos era equivalente apenas à quarta série; outro estudo, efetuado

pelo psicólogo britânico R.Conrad, indica uma situação similar na Inglaterra,

com os estudantes surdos, por ocasião da graduação, lendo no nível de crianças de nove anos [...] (SACKS, 1990, p. 45).

Portanto, sobre o oralismo, percebe-se que a maior parte dos métodos adotados para

essa prática usa como embasamento teórico linguístico o Gerativismo de Noam Chomsky.

Seguindo a ideia dessa teoria, Couto nos diz que “não é possível ensinar a linguagem, mas

apenas dar condições para que esta se desenvolva espontaneamente a seu próprio modo”

(1991, p. 16). Para a autora, por meio da audição, a criança ouvinte imita seu interlocutor e

assim descobre as regras gramaticais, permitindo transformar e organizar seu pensamento

para expressá-lo. Seguindo as ideias de Chomsky, a criança surda tem propensão biológica

para dominar a língua falada, necessitando apenas de um atendimento especializado, o qual

está baseado no aproveitamento dos resíduos auditivos, nas inúmeras técnicas relacionadas à

discriminação do som, nas vibrações corporais ou por meio da leitura oro-facial, podendo

obter o mesmo sucesso que as crianças ouvintes na aquisição da linguagem.

Em suma, se a criança surda consegue dominar as regras da Língua Portuguesa e

consegue falar, é considerada bem-sucedida. Sendo assim, o oralismo espera que, dominando

a língua oral, o surdo esteja, efetivamente, preparado para integrar-se de forma natural à

comunidade ouvinte.

2.4.2 Comunicação total

Mesmo apresentando resultados bastante modestos, todos os esforços direcionados

para a possibilidade da audição levar à oralização parecem justificar-se pela essencial

importância da linguagem para o ser humano. Contudo, o que transparece, desde o Congresso

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de Milão de 1880, é que as abordagens técnicas ou não, voltadas à linguagem oral, não são as

únicas formas de linguagem.

Partindo do pressuposto que rege a filosofia oralista, cujo objetivo era permitir o

desenvolvimento da linguagem, e como ela nunca conseguiu efetivamente realizá-lo, tornou-

se cada vez mais atraente, de forma que aquele mesmo objetivo pudesse ser alcançado a partir

de outra filosofia educacional, podendo destacar-se não somente a linguagem oral, mas todo e

qualquer meio possível de comunicação, incluindo os sinais.

Na edição de Comunicação total do Centro Internacional de La Sordera: são

declarados os seguintes princípios orientadores dessa filosofia:

Todas as pessoas surdas são únicas e têm diferenças individuais iguais aos

ouvintes. Os programas educacionais efetivos deveriam ser individualizados para satisfazer às necessidades, os interesses e as habilidades do surdo. As

habilidades para comunicar vão ser diferentes para cada pessoa. Menos de

50% dos sons da fala podem ser observados e entendidos quando se lê os lábios. Não há estudos que comprovem que uma criança surda não pode

desenvolver suas habilidades orais. As crianças surdas inventam sinais em

suas primeiras tentativas de comunicar-se em casa e na escola. A

comunicação oral exclusiva não é adequada para satisfazer as muitas necessidades das crianças surdas. Em um ambiente de Comunicação Total

sempre existe a segurança do que se está dizendo. Um sistema de dupla

informação ou interação sempre existe. As crianças podem desenvolver as habilidades de aprendizagem e comunicação oral estando motivadas. As que

não têm essa habilidade desenvolvem outras formas de comunicação. Os

estudos desde 1960 claramente indicam que a criança que cresce em um ambiente de Comunicação Total demonstra mais habilidade para comunicar-

se e tem mais êxito na escola (NOGUEIRA, 1994, p.32).

Assim posto, a filosofia educacional da comunicação total (CICCONE, 1990;

DENTON, 1970; REYMANN & WARTH, 1981 apud FELIPE, 2000) prevê o uso de todos

os meios que possam facilitar a comunicação, desde a fala sinalizada, passando por uma série

de sistemas artificiais, até os sinais. A comunicação total advoga o uso de um ou mais

métodos juntamente com a língua falada, na perspectiva de simplesmente ampliar os canais de

comunicação no ensino de surdos. Trata-se de uma filosofia que se opõe ao oralismo estrito, o

que é propriamente um método.

Um dos aspectos essenciais da comunicação total sustenta-se na ideia de um

entrelaçar da língua falada com a língua sinalizada. Para seus defensores, nada mais é do que

agregar o recuso linguístico natural do surdo (Língua de Sinais) à língua oral, buscando uma

comunicação integral e/ou igualitária. Assim,

sua característica mais importante é que neles a ordem de produção dos

sinais sempre é produzida simultaneamente. Sistemas de sinais podem ser

empregados simultaneamente a língua falada, e permitem transmitir a

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criança surda algumas regras das línguas faladas que aparecerão na escrita que ela deverá aprender. Assim, a estrutura das sentenças construídas por

meio de sistemas de sinais transfere-se mais facilmente à língua escrita do

que a daquelas em língua de sinais (FELIPE, 2000, p. 105).

As experiências mais recentes e práticas educacionais sob a denominação de

comunicação total são restritas aos recursos do bimodalismo. No Brasil, a característica dessa

filosofia, em conjunto com os recursos utilizados por métodos exclusivamente orais, é a

utilização dos sinais extraídos da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), inseridos à estrutura

da Língua Portuguesa, a língua majoritária. Como não existem na língua gestual certos

componentes da estrutura frasal do Português (preposição, conjunção, entre outros), são

criados sinais para expressá-los, como os marcadores de tempo, número e gênero, ambos,

nomeados de Português sinalizado.

Para Brito (1993), com a prática da comunicação total, a intenção de reconhecimento

das línguas de sinais é eliminada, tanto em termos de filosofia, como de implementação, pois

além de artificializar a comunicação, perdem-se de vista as implicações sociais da surdez,

inferiorizando o uso de sinais ao papel de um recurso de ensino que apoia a fala. A opinião de

Marchesi (1995), em relação à prática da comunicação total, é que seus procedimentos

comunicativos serviram mais aos pais e professores ouvintes que aos alunos surdos.

Nesse sentido, Felipe (2000) afirma que:

A conclusão desconcertantemente óbvia é a de que, durante todo o tempo, as crianças não estavam obtendo uma versão visual da língua falada na sala de

aula, mas sim uma amostra linguística incompleta e inconsistente, em que

nem os sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos

plenamente por si sós. Em consequência daquela abordagem, para sobreviver comunicativamente, as crianças estavam se tornando não bilíngues, mas

“hemi-lingues”, sem ter acesso a qualquer uma das línguas plenamente e

sem conhecer os limites entre uma e outra (FELIPE, 2000, p. 109).

A língua de sinais, portanto, não é utilizada de forma plena, como deveria ser. A

Comunicação Total não privilegia o fato de essa língua ser natural, uma comunicação

espontânea na comunidade surda, que sustenta uma cultura própria. Sendo assim, a

comunicação total cria recursos artificiais para facilitar a comunicação e escolarização dos

surdos, que podem provocar uma dificuldade de comunicação entre surdos que dominam

códigos gestuais diferentes. Trata-se de uma descaracterização da língua de sinais.

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40

2.4.3 Bilinguismo

Baseado nos estudos de Quadros (1997, 2006), Goldfeld (2002), Skliar (1999, 2004),

Brito (1993), (Goes, 1996; 2004), dentre outros, pode-se perceber o bilinguismo como uma

proposta de ensino usada por instituições escolares que se propõem a tornar acessíveis à

criança duas línguas no contexto escolar. Pesquisas têm apontado para essa proposta

como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a

língua de sinais como língua natural e pressuposto para o ensino da língua escrita. Trata-se de

um método para o ensino de surdos que se opõe às abordagens educacionais mencionadas

acima.

Goldfeld (2002) diz que a proposta bilíngue surgiu na Suécia e Inglaterra, na década

de 80, porém, consolidando-se na década de 90, quando ganha adeptos em todos os países do

mundo.

Para Skliar (1999, 2004), trata-se de um novo movimento na educação de surdos,

bem como uma possibilidade de resgate cultural, que transcende o aspecto metodológico,

exigindo de seus adeptos uma postura ideológica de superação de práticas que colocam o

surdo em condições de inferioridade.

Assim sendo, propostas educacionais em relação à língua de sinais começam a

ganhar forma a partir do Decreto 6623/2005, o qual regulamentou a Lei da LIBRAS. Por meio

desse decreto, os surdos brasileiros conquistaram o direito ao conhecimento a partir da língua

de sinais, sendo, por conseguinte, a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, sua segunda

língua.

De acordo com Brito (1993), o bilinguismo é uma filosofia educacional que permite

à criança surda o acesso , o mais cedo possível, a duas línguas: LIBRAS (L1) e Português

(L2). Ou seja, o ensino da Língua Portuguesa deve ser ministrado aos surdos da mesma forma

como são tratadas as línguas estrangeiras. Em primeiro lugar, devem ser proporcionadas todas

as experiências linguísticas na primeira língua dos surdos (língua de sinais),

consequentemente terão o arcabouço linguístico necessário para aprender a Língua

Portuguesa, neste caso, como uma segunda língua.

Sánches (1990) declara que:

[...] só a língua de sinais é capaz de desenvolver o centro cerebral da

linguagem nos surdos, o que significa dar a eles reais possibilidades de desenvolvimento cognitivo, afetivo e emocional, ou seja, torná-los

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efetivamente pessoas idênticas às ouvintes, só que falando em outra língua (SÁNCHES, 1990, p. 32).

Desse modo, o bilinguismo busca a construção de uma pedagogia que se apoie na

diferença surda dentro do processo educacional. Trata-se da desconstrução de conceitos

enraizados, há anos, sobre a surdez e a deficiência auditiva, construídos socialmente ao longo

da história.

Algumas instituições escolares que atendem alunos surdos disseminam um discurso

de prática bilíngue totalmente equivocado, quando, na verdade, são espaços oralistas, os quais

simplesmente permitem que os surdos usem a LIBRAS (Quadros, 2006).

Entende-se, então, que uma proposta educacional, além de ser bilíngue, deve ser

bicultural para permitir o acesso rápido e natural da criança surda à comunidade ouvinte e

para fazer que ela se reconheça como parte de uma comunidade surda. Porém, isso somente

será possível quando os educadores e surdos trabalharem em conjunto. Destarte,

A criança nasce imersa em relações sociais que se dão na linguagem. O modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez,

considerando-se que é restrito ou impossível, conforme o caso, o acesso a

formas de linguagem que dependam de recursos da audição. Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce em que há problemas de acesso à

linguagem falada, a oportunidade de incorporação de uma língua de sinais

mostra-se necessária para quem sejam configuradas condições mais

propícias à expansão das relações interpessoais, que constituem o funcionamento nas esferas cognitiva e afetiva e fundam a construção da

subjetividade. Portanto, os problemas tradicionais apontados como

característicos da pessoa surda são produzidos por condições sociais. Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes a surdez, tudo dependendo das

possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em

especial para a consolidação da linguagem (GOES, 1996, p. 38).

A autora observa, pois, de forma bastante adequada, as condições sociais intrínsecas

ao desenvolvimento da criança surda, considerando que a partir da língua de sinais essa

criança terá melhores possibilidades de comunicação e interação social.

Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, Quadros (2004) aponta que a proposta

bilíngue para surdos concebe o seu desenvolvimento baseado em técnicas de ensino de

segundas línguas. Para ela, tais técnicas partem das habilidades interativas e cognitivas já

adquiridas pelas crianças surdas diante das suas experiências naturais com a língua de sinais.

Levando em conta o currículo escolar de uma escola bilíngue, sugere-se que

esse deve incluir os conteúdos desenvolvidos nas escolas comuns. A escola deve ser especial para surdos, mas deve ser ao mesmo tempo, uma escola

regular de ensino. Os conteúdos devem ser trabalhados na língua nativa das

crianças, ou seja, na LIBRAS. A língua portuguesa deverá ser ensinada em

momentos específicos das aulas e os alunos deverão saber que estão

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trabalhando com o objetivo de desenvolver uma língua (QUADROS, 1997, p. 32).

Contudo, a proposta bilíngue deve considerar a situação de que a maioria das

crianças surdas que chegam às escolas são filhos de pais ouvintes e a presença de surdos

adultos como seus principais interlocutores e/ou professores apresenta grandes vantagens

nesse processo, pois a criança, tão logo tenha entrado na escola, é recebida por um membro

que pertence a sua comunidade cultural, social e linguística. Assim, ela inicia a aquisição de

sua língua natural garantindo, possivelmente, o sucesso da proposta bilíngue. Nesses moldes a

escola será o ambiente que oportunizará o desenvolvimento da linguagem dessas crianças.

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CAPÍTULO 3

SURDEZ E LINGUAGEM

3.1 A Língua Brasileira de Sinais

O uso da língua de sinais, pelos surdos, vem sendo reconhecido como um caminho

necessário para a efetiva mudança nas condições oferecidas pela sociedade no contato para

com eles. Apesar de haver várias questões contestáveis perpassando a discussão nessa área,

além de ambiguidades e indefinições nas propostas, percebe-se uma tendência à afirmação da

necessidade desse caminho, principalmente na interação do surdo.

De acordo com Quadros (2006), a LIBRAS é a língua natural15

da comunidade surda

no Brasil, a qual contém regras gramaticais próprias que contribuem para o desenvolvimento

cognitivo da pessoa surda, bem como favorece seu acesso aos conceitos e conhecimentos

existentes na sociedade. Tais discussões extrapolam questões de ordem linguística, pois

incluem também aspectos sociais e culturais.

Sánches (1990) afirma que a comunicação humana é essencialmente diferente e

superior a toda outra forma de comunicação conhecida. Para o autor, todos nascem com os

mecanismos da linguagem específicos da espécie e os desenvolvem normalmente,

independente de qualquer fator racial, social ou cultural.

De acordo com Bakhtin (1995), a língua não se constitui somente em um conjunto de

formas (signos) e suas regras de combinação (sintaxe), sendo o significado uma

impossibilidade teórica. Um signo, aceitando-o provisoriamente, não tem um significado, mas

receberá tantas significações reais em que venha a ser empregado por usuários social e

historicamente localizados. Em uso, a língua é muito diferente do seu modelo teórico.

A língua portuguesa falada no Brasil tem influência das diversas línguas e etnias,

entre elas, as línguas indígenas e as línguas africanas, compondo um Português diferente do

Português de Portugal. Da mesma forma, a língua de sinais, que não é uma língua universal,

15

Entende-se por Língua Natural:

[...] uma realização específica da faculdade de linguagem que se dicotomiza em um sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número

ilimitado de frases. Além disso, a utilização efetiva desse sistema, com fim social,

permite a comunicação entre os seus usuários (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 30).

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tem inúmeras diferenças linguísticas em relação, tanto à língua portuguesa, quanto às demais

línguas de sinais dos mais variados países.

Sendo assim, tais mudanças da língua podem ser compreendidas como construção

histórica de uma língua conviva. Segundo Bakhtin, “a língua vive e evolui historicamente na

comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no

psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1990, p. 124). A língua é dinâmica, a sua

variação é inerente e reflete as variações sociais.

No Brasil, têm-se a Língua Portuguesa e a LIBRAS, de modo que a LIBRAS é a

língua usada pelas comunidades surdas dos centros urbanos brasileiros. Entretanto, as

pessoas, de um modo geral, estão acostumadas a associar a língua com a fala. Assim, quando

a comunicação é evidenciada por meio de sinais, como no caso da LIBRAS, surgem

concepções inadequadas em relação, principalmente, ao status de língua.

Sobre o estatuto linguístico das línguas de sinais, o trabalho de Stokoe16

representou

o primeiro passo nesses estudos. A partir de suas pesquisas, ficou comprovado que as Línguas

de Sinais atendiam a todos os critérios linguísticos de uma Língua Natural quanto ao léxico, à

sintaxe e à capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças (WILCOX, S;

WILCOX, P, 2005).

Para Quadros (1997), a língua de sinais, apesar de apresentar algumas formas

icônicas, é altamente complexa. A autora afirma ainda que o uso dos mecanismos sintáticos

espaciais evidencia a recursividade e complexidade da língua gestual como qualquer outra

língua, sendo possível produzir expressões metafóricas, como poesias, expressões

idiomáticas, utilizando, única e exclusivamente, a língua de sinais.

Dessa forma, as línguas são consideradas naturais quando são próprias das

comunidades inseridas, que as têm como meio espontâneo de comunicação, sendo adquiridas

por meio do convívio social, como primeira língua (materna), ou pelo seu uso desde a

infância.

16

Dr. William C. Stokoe, Jr. (1919 - 2000) foi um estudioso, que pesquisou extensivamente Língua

Gestual Americana enquanto trabalhava na Universidade Gallaudet. No ano de 1960, apresentou uma

análise descritiva da língua de sinais americana revolucionando a linguística na época, pois até então, todos os estudos linguísticos concentravam-se nas análises de línguas faladas. Pela primeira vez, um

linguista estava apresentando os elementos linguísticos de uma língua de sinais. Assim, as línguas de

sinais passaram a serem vistas como línguas de fato.

http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/linguaBrasileiraDeSinaisI/scos/cap18887/1.html

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Pelo fato de a surdez afetar o principal meio de comunicação entre as pessoas,

inviabilizando o acesso à língua falada, logo a linguagem do surdo tem-se estruturado por

meio da língua de sinais, que é natural e que possui estruturas próprias, porém, diferentes das

línguas orais.

As línguas naturais têm a importante função de suporte do pensamento, função esta freqüentemente ignorada por especialistas envolvidos na

educação do surdo que consideram a língua apenas como meio de

comunicação. (...) As Línguas de sinais, por serem naturais e de fácil acesso para os surdos, são extremamente importantes para o preenchimento da

função cognitiva e suporte do pensamento (FERREIRA BRITO, 1993, p. 4).

Skliar (1998) e seus estudos voltados à surdez aponta que, contrariamente aos

ouvintes, os surdos, por possuírem a língua de sinais como língua materna, que é diferente da

língua falada, compartilham com outros surdos experiências de mundo essencialmente

visuais, junto das imagens e movimentos que os cercam.

Nessa mesma perspectiva, Gesueli (2006) lembra que a questão da língua de sinais,

portanto, está intimamente relacionada à cultura surda. Esta, por sua vez, remete à identidade

do sujeito que convive, quase sempre, com duas comunidades (surda e ouvinte).

Assim, de acordo com o Ministério da Educação do Brasil (BRASIL, 2002, v. 2, p.

62),

as garantias individuais do surdo e o pleno exercício da cidadania alcançaram respaldo institucional decisivo com a Lei Federal nº 10.436, de

24 de abril de 2002, em que é reconhecido o estatuto da Língua Brasileira de

Sinais como língua oficial da comunidade surda, com implicações para sua divulgação e ensino, para o acesso bilíngue à informação em ambientes

institucionais e para a capacitação dos profissionais que trabalham com os

surdos.

Quadros (1997) aborda que as línguas, de um modo geral, são naturais interna e

externamente, pois refletem a capacidade intelectual do homem. As línguas de sinais surgiram

da mesma forma que as línguas orais, ou seja, da necessidade específica e natural dos seres

humanos ao usarem um sistema linguístico para expressarem ideias, sentimentos e ações.

Desse modo, Bakhtin (2003) diz que nas palavras encontram-se vozes, às vezes,

infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais, quase imperceptíveis e vozes próximas,

que soam concomitantemente.

Para o autor, a palavra é expressa por alguém e se dirige a alguém, expressão de um

em relação ao outro, pois “Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em

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última análise, em relação à coletividade” (BAKHTIN, 1990. p. 113). Bakhtin afirma, ainda,

que as palavras são ideológicas e portadoras de sentido:

Na realidade, não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas

verdades ou mentiras, coisas boas e más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou

de um sentido ideológico ou vivencial (BAKHTIN, 1990, p. 95).

A LIBRAS está regimentada por regras gramaticais próprias, aplicadas nas práticas

cotidianas, similares a quaisquer línguas orais, atuando como ferramenta de poder e

permitindo ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações discursivas, além de fornecer

subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades frente às imposições (culturais e

outras) do ouvinte (QUADROS, 2006).

É pela palavra que se constroem os significados do que é positivo ou negativo, do

que é ser surdo e o que é ser ouvinte, do superior ao inferior, do dominante ao dominado.

Desse modo, percebe-se que a língua oral representa domínio em relação à língua

gestual, vinculando resultados positivos por ser a língua majoritária, que é linguisticamente

correta, enfraquecendo, por sua vez, a língua de sinais, natural da comunidade surda. Bakhtin

(1926) considera que as palavras articuladas estão impregnadas de qualidades presumidas e

não enunciadas. Esses significados, subjacentes às palavras, auxiliam diretamente na

reprodução de ideologias. Logo:

Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é

verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico

coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também valor ideológico. Tudo que é

ideológico possui valor semiótico (BAKHTIN, 1990, p. 32).

Como língua e identidade não estão desvinculadas se torna interessante à condição

da identidade surda, visto que o sujeito, neste caso, faz uso de uma língua que não é a língua

da maioria que o cerca.

Para Geraldi (1996), os sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros

e sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como produto desse processo.

Contudo, a concepção de língua, assumida nessa situação, estará apoiada na discussão

apresentada por Bakthin (1995), na qual o sujeito não se situa nas extremidades ou na fonte do

discurso e também não se constitui como mero reprodutor de discursos; o sujeito é, antes de

qualquer coisa, um produto dos discursos. É através do discurso que ele se constitui.

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3.2 Tecnologia e surdez

A identificação da surdez como condição patológica, que deve ser superada, orienta

as ações de profissionais e professores envolvidos com tal situação. Desejosos em “curar” a

criança “deficiente”, alegam que o ensino e a aprendizagem, nesses casos, só, realmente,

seriam eficazes a partir da tecnologia aplicada a uma rota fonológica como um caminho

possível, desejável e, sobretudo, necessário para conferir à criança surda o domínio da leitura

e escrita.

As técnicas oralistas aplicadas atualmente se apoiam, em larga escala, no

desenvolvimento tecnológico, com o discurso de que tal abordagem levaria o surdo a

comunicar-se por meio da fala. Sendo assim, os aparelhos de amplificação sonora individuais

e as próteses de implante coclear serviriam como recursos fundamentais para a amplificação

auditiva residual e/ou para a substituição funcional da cóclea (im)perfeita. Entretanto, a

adoção desse tipo de tecnologia exige um treinamento rigoroso para a reabilitação oral, pois

revela sons passíveis de serem percebidos, bem como movimentos orofaciais nunca antes

percebidos.

O discurso promovido e disseminado, relacionado a essa tecnologia, advém,

principalmente, de médicos, fonoaudiólogos e psicólogos, os quais se apoiam na tecnologia

como meio único e, sobretudo, capaz de modificar a resposta auditiva. Com isso, retrocedem

historicamente ao pensamento oralista/desenvolvimento da fala.

Para Silvestre (2007), a tecnologia atrelada à “cura auditiva” não está relacionada à

historicidade perversa que atravessa a vida das pessoas surdas. Conforme a autora, tanto os

aparelhos auditivos, quanto o implante coclear, são mecanismos úteis, inclusive nos meios

educativos, alegando ela que mais de 90% dos surdos nascem de famílias ouvintes e, portanto,

grande parte não tem a língua de sinais como língua materna, além de servir como um

elemento de grande importância para o domínio da língua oral.

Em razão dos entraves e/ou obstáculos para garantir ao surdo o acesso à língua oral,

o implante coclear surge recentemente na história da surdez, pelos adeptos do oralismo, como

ferramenta de grande valia para tornar a fala efetivamente acessível ao surdo.

Sobre isso, Silvestre (2007) afirma o seguinte:

As novas tecnologias para a amplificação acústica, sobretudo implantes

cocleares, para crianças com surdez profunda, e aparelhos auditivos digitais,

para menores graus de perda auditiva, junto com a atenção a tempo,

permitem que a grande maioria da população surda de pouca idade

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(aproximadamente até 8 anos, na Espanha) possa alcançar níveis de aquisição da linguagem oral e escrita muito próximos do normal

(SILVESTRE, 2007, p. 52).

Recentes pesquisas da área médica recomendam o emprego da técnica de implante

coclear a um número cada vez maior de sujeitos surdos. Brito Neto (2000) indica que parte

expressiva da população surda é composta por potenciais aspirantes ao implante coclear.

Pacientes que não alcançam uma discriminação maior que 30% em testes de

reconhecimento de sentenças em apresentação aberta, com a melhor amplificação

auditiva possível, são candidatos a uma segunda alternativa na reabilitação de sua

deficiência auditiva: o implante coclear (BRITO NETO, 2000, p. 02).

Exaltando a iniciativa do Grupo de Implante Coclear da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo em adotar a técnica de implante coclear multicanal em pacientes

com surdez neurosensorial profunda bilateral, Neto cita um estudo de BERRUENCOS

(2000), que estima a existência de 80.000 candidatos ao implante coclear, atualmente, em 11

países da América Latina, com demanda crescente de 800 a 1000 novos candidatos a cada ano

(BRITO NETO, 2000, p. 10).

Na pesquisa, foi analisado o ganho auditivo e o impacto na qualidade de vida de 10

surdos pós-linguais17

, seis meses depois de terem sido submetidos ao implante coclear. Brito

Neto conclui que “o implante coclear [...] oferece aos indivíduos de língua portuguesa com

surdez pós-lingual excelente percepção da fala e reconhecimento de palavras. [...] A

percepção de uma melhora na qualidade de vida foi percebida de forma homogênea entre os

pacientes e familiares” (BRITO NETO, 2000, p. 79).

Para os defensores de tecnologias para a reabilitação auditiva, tais procedimentos são

de grande importância, não apenas no desenvolvimento linguístico, mas também no

socioafetivo da criança surda.

Em relação a posicionamentos de autores contrários ao emprego da técnica do

implante coclear em crianças surdas, Bevilacqua (2001) rebate:

Os pesquisadores e vários profissionais acreditam que os princípios éticos

devem defender os interesses da criança e estes precedem aos interesses

especiais de determinados grupos. Analisando o interesse da criança em relação à identificação com o interesse do grupo, da comunidade surda,

estabelece-se um conflito, uma vez que esses interesses fundamentalmente

éticos teriam que estar acima de qualquer tendência e qualquer interesse de

grupo. A forma que a comunidade científica atualmente tem trabalhado com o implante coclear é a de pensar que os pais têm a responsabilidade de

determinar o que acham de melhor interesse para suas crianças. Então, o

17

Natissurdos ou pré-linguais: ficaram surdos antes de aprender a falar (têm muita dificuldade em aprender a falar); Ensurdecidos ou pós-linguais: ficaram surdos após terem adquirido a linguagem

falada. http://www.asgfsurdos.org.br/?page_id=17

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julgamento da indicação do implante ou não, não passaria pela comunidade surda, mas passaria pela escolha dos pais (BEVILACQUA, 2001, p. 173).

O discurso imperativo que obriga o acesso à palavra de forma plena é,

indiscutivelmente, algo de grande importância no âmbito de debates acerca de propostas

efetivas na escolarização dos surdos. Para os defensores da oralidade, está a “palavra” – como

caminho único para a comunicação – trata-se da “palavra falada”. Assim, a técnica do

implante coclear traria todas as possibilidades para reverter as limitações auditivas.

Na contramão da tecnologia auditiva, Rezende (2010) problematiza a questão do

implante coclear a partir das tramas e/ou relações de poder e saber para a normalização dos

corpos surdos. Fato inquietante que, constantemente, questiona e condena essa forma de

normalizar o surdo, constituída por uma visão clínica e, sobretudo, ouvintista, que ainda

insiste em dominar o mundo da surdez.

Para a autora, esses estudos tecnológicos possibilitam olhar os surdos como

submissos às práticas discursivas que os descrevem como incapazes, deficientes, implantados,

anormais. São reflexões que distinguem os surdos como sujeitos a serem corrigidos pela

medicina, pela biotecnologia e, acima de tudo, pelo implante coclear, enredados ao jogo de

normalização do padrão ouvinte. São os discursos científicos e saberes médicos, ciência à

qual os surdos são submetidos ainda mesmo resistentes, para uma tecnologia de controle dos

corpos surdos.

Em relação ao discurso médico, pautado na possibilidade de converter o silêncio em

som, e o discurso cultural/identitário surdo, Rezende (2010) declara que:

Participei de uma mesa redonda com uma palestrante proveniente de um dos Centros do Implante Coclear. Contrapus a palestra dela que, como é de

praxe, só apresentava os benefícios do implante coclear e os seus avanços. E

apesar de ter apresentado o tema da minha pesquisa anteriormente em outros espaços e momentos, nunca fui tão intensamente vaiada e aplaudida por dois

grupos opostos: de um lado, os profissionais e familiares de surdos

implantados; do outro, os surdos sinalizados e os ouvintes simpatizantes do

movimento surdo. Eu sabia que a minha pesquisa era polêmica, mas só naquele momento a “ficha caiu”. Fiquei abalada! (REZENDE, 2010, p. 39)

A autora, na condição de surda, cita que a imposição do implante coclear é uma

violência, pois inviabiliza a criança surda a se reconhecer como parte de sua própria

comunidade, privando-a de conviver com sua língua natural, além de conhecer e/ou participar

de sua história como parte integrante da sociedade brasileira surda em geral.

Foram 20 anos de controle do meu ser e eu precisava me desvencilhar das

agulhas perversas do oralismo. Redescobri no mais tardar dos meus 21 anos

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de idade, o fervor do meu ser surdo, do meu viver entre as fronteiras com o pisar bem leve, com o palmar suave em língua de sinais. Foi a partir dali que

descobri que podia ir mais além, que podia ser mais do que eu era, que podia

desafiar o Reitor dos meus tempos de Pedagogia, que podia sonhar o melhor

do mundo da educação de surdos; enfim, que eu e meus pares podíamos viver o nosso ser surdo com anseios, embates, resistências, culturas,

experiências e línguas visuais (REZENDE, 2010, p. 31).

Portanto, sobre as questões que permeiam as mais diferentes ideias sobre o implante

coclear, Souza (2007) afirma que os discursos são recheados de falsas promessas, falsa cura,

transformando em realidade a própria falta de audição/linguagem da palavra oral, de modo a

propor que se substitua a surdez (o real) em som, como algo possível de ser concretizado,

materializado, treinado, implantado e, sobretudo, normalizado.

Não se trata do fato de ser melhor ou mais apropriado para uma convivência do surdo

com a sociedade que ouve, trata-se de uma compreensão sobre a surdez e suas

especificidades.

Entretanto, em oposição, tanto ao IC, quanto às práticas oralistas já citadas, a

aplicação da tecnologia em ferramentas de acessibilidade surge como possibilidades para a

acessibilidade. Devido ao crescimento tecnológico, associado aos investimentos em

comunicação e mobilidade, se torna possível identificar caminhos a serem abertos por meio

de equipamentos/tecnologia e softwares. Um exemplo dessa nova realidade é o ProDeaf

Móvel18

, um aplicativo que traduz palavras em Português para a LIBRAS.

De acordo com o site/fabricante, o software tem como objetivo promover a

integração social, criando uma plataforma de comunicação inovadora capaz de derrubar as

possíveis barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes. Cada um dos softwares (ProDeaf)

é adequado para um cenário que promova acessibilidade aos seus usuários. Além disso,

permitem que qualquer tipo de conteúdo disponível em Português se torne acessível em

Libras.

18

O aplicativo ProDeaf Móvel está disponível gratuitamente para Surdos e ouvintes. Com essa ferramenta de bolso pode-se traduzir automaticamente pequenas frases de Português para Libras.

Também é possível escrever as frases (ex.: “eu vou para a praia amanhã”) e as mesmas terão a sua

tradução interpretada.

O aplicativo está disponível para download gratuito em aparelhos com Android (via Google Play), iOS (iPhone/iPad/iPod) e Windows Phone 8 (via Windows Phone Store). Também faz parte do ProDeaf

Móvel o ProDeaf Dicionário de Libras, onde o usuário pode selecionar centenas de palavras em

Português e ver sua representação em Libras, interpretada pelo personagem animado em tecnologia 3D. http://www.prodeaf.net/

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Nossa proposta é oferecer mais acessibilidade para os Surdos. A Federação Nacional para a Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) estima que

apenas um pequeno percentual dos surdos são capazes de entender bem o

português de uma amostra de 10 milhões de deficientes auditivos, segundo o

Censo 2010 (prodeaf, 2014).

A ideia do ProDeaf teve início na Universidade Federal de Pernambuco, a partir de

um grupo de alunos do curso de ciências da computação que, atualmente, se constitui em uma

empresa, a “Proativa Soluções e Negócios”, contando com uma equipe multidisciplinar de

profissionais, integrada por programadores, linguistas, designers, tradutores e Surdos, para a

manutenção e melhorias desta tecnologia.

A chegada do computador aponta para novos horizontes e para a necessidade

de introduzir os alunos no mundo digital. O desafio digital fez com que as

aulas de informática surgissem nas escolas e em outros espaços de ensino. Esse movimento se deu na educação dos ouvintes, e também na dos surdos,

pois se percebia que uma tecnologia visual trazia para essa população um

novo campo de inclusão (STUMPF, 2010, p. 02).

Percebe-se, portanto, que mais importante do que a informação é saber buscar e

trabalhar com ela. O centro do processo educacional devem ser as trocas, as interações,

cooperação entre os pares, as pesquisas, os trabalhos em grupo, todas essas, são habilidades

necessárias para a sociedade do conhecimento que vivenciamos.

Assim, para além da aquisição do conhecimento, tais abordagens privilegiam o

processo de construção do conhecimento do aluno, dando oportunidades de aumentar a

compreensão de conceitos complexos, estimular a imaginação e a criatividade, visando o

desenvolvimento dos processos mentais superiores. Para os surdos, as modificações trazidas

pelas novas tecnologias não foram apenas educativas, sociais e laborais, mas, sobretudo, de

inserção comunicativa em muitas das atividades de vida diária, antes, inacessíveis.

3.3 Cultura e identidade surda

Ao analisar a cultura surda, mormente por meio da história, é possível observar

marcas estereotipadas por diferentes momentos, especialmente os norteados por imposições

da cultura dominante ou dos mais variados discursos que descrevem o povo surdo como

portador de deficiência. Trata-se de um posicionamento agressor contra a cultura surda e,

sobretudo, a desvalorização de suas diferenças.

Olhar a identidade surda dentro dos componentes que constituem as

identidades essenciais com as quais se agenciam as dinâmicas de poder. É

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uma experiência na convivência do ser na diferença (PERLIN e MIRANDA 2003, p. 217).

Em função da falta de audição, o povo surdo convive com inúmeras situações que

apontam diretamente a uma cultura amplamente única e visivelmente distinta em relação à

comunidade falante.

De acordo com Gesser (2006), o discurso de cultura, identidade e constituição de

língua é muito disseminado, inclusive pelos surdos e ouvintes, em muitos ambientes sociais

que discutem e articulam questões próprias a áreas da surdez. Todavia, seria interessante

acrescentar à asserção um plural, admitindo-se que somos permeados, sejamos surdos ou

ouvintes, por múltiplas identidades e culturas. No singular, a afirmação sublinha a ideia do

purismo identitário e cultural.

Strobel (2008) argumenta que, para a comunidade ouvinte que está mais próxima do

surdo, como os parentes, amigos, intérpretes da língua de sinais e professores, o fato de

reconhecer a essência da cultura surda realmente não é uma tarefa fácil, pois acolhem o

conceito unitário da cultura que, para aceitarem a cultura surda, necessitariam de uma

mudança de pensamento, passando a reconhecer a existência de várias culturas,

compreendendo, assim, os diferentes espaços culturais nos quais convivem povos diferentes.

No entanto, a afirmação de que o surdo tem uma identidade e uma cultura própria,

apresenta outra face que é extremamente significativa no processo de afirmação coletiva de

grupos minoritários, que não apenas se exprime no singular, uma, mas também está inscrita

no adjetivo próprio. Trata-se de décadas, as quais os surdos lutam pela plena constituição do

ser surdo, incluindo o direito de viver como surdo, construir e reconstruir seu eu, pautado na

subjetividade que lhe confere um reconhecimento cultural e identitário, e não patológico,

como explica Perlin, através das seguintes palavras: “O encontro surdo-surdo é essencial para

a construção da identidade surda, é como um abrir do baú que guarda os adornos que faltam

ao personagem” (PERLIN, 1998, p. 54).

De acordo com Moura (2000) e Perlin (2004), a maioria dos estudos tem como base

a ideia de que a identidade surda está relacionada a uma questão de uso da língua. Portanto, o

uso ou não da língua de sinais seria aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito,

identidade que só seria adquirida em contato com outro surdo.

Assim sendo, Quadros (2004) afirma que os surdos têm características culturais que

marcam seu jeito de ver, sentir e se relacionar com o mundo, e a cultura do povo surdo

traduz-se de forma visual. Dessa forma, fica impossível pensar na língua de sinais como

elemento constituinte da língua oral (fonética, constituída por sons) ou a partir de sua

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derivação. Caso fosse, seriam pedacinhos de palavras (dicionarizadas) na constituição de

contextos sinalizados sem nenhum sentido, ficando evidente a pouca ou nenhuma participação

da língua oral no processo de significação de linguagem da pessoa com surdez. Por

conseguinte:

A palavra é, por assim dizer, utilizável como signo interior; pode funcionar como signo sem expressão externa. Por isso, o problema da consciência

individual como problema da palavra interior, em geral, constitui um dos

problemas fundamentais da filosofia da linguagem (BAKHTIN, 1995, p. 37).

O sinal19

dicionarizado, quando pensado a partir da Língua Portuguesa, traz um

referencial vazio, oco e sem significação. Porém, contextualizado pelos surdos e/ou usuários

ouvintes proficientes na língua de sinais, se transforma em signo na linguagem. A refração

permite que os signos nunca sejam vistos sempre da mesma forma, não é a transposição do

real (Língua Portuguesa) para o imagético, como se a língua gestual não trouxesse

significação alguma, sempre há possibilidade de sentido e/ou compreensão que também é

semiótica, aquela que está diretamente associada ao signo.

Bakhtin considera alguns fatores que compõem o enunciado, dentre eles emerge o

(querer dizer) intuito, intenções discursivas do locutor. Nesse caso, o sujeito ouvinte

(sociedade majoritária), ao associar a língua de sinais como sendo uma mera cópia da língua

oral, menospreza a capacidade dos surdos (minoria) desenvolverem uma comunicação própria

da comunidade, que é legalmente reconhecida como língua e independente das línguas orais.

Tal afirmação parte tão somente de uma concepção efetivamente ouvintista, que

admite a língua de sinais como sendo gestos/mímicas, sem levar em consideração todo o

processo dialógico existente entre os interlocutores e/ou usuários desta língua.

É impossível desmembrar os sinais dos contextos históricos, das ações diárias e

permanentes, bem como dos fatos e acontecimentos sociais. A língua de sinais advém do dia a

dia, do social, do campo ideológico, pois, segundo Bakthin (1924), um conjunto de signos de

um determinado grupo social forma o universo de sentidos a partir da interação, ou seja:

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto

dialógico (este se estende do passado sem limite e ao futuro sem limites). Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos

passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por

todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de desenvolvimento subsequente, futuro, do diálogo. Em qualquer momento do

desenvolvimento do diálogo, existem massas imensas e ilimitadas de

sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo

19 Elemento léxico das línguas de sinais.

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desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada

absolutamente morto: cada sentido terá uma festa de renovação (BAKHTIN,

2003[1924], p. 410).

O que se pode capturar desse trecho é que a palavra da língua é neutra/dicionarizada.

No entanto, a palavra do enunciado é viva, imbuída da entonação expressiva, é a palavra da

comunicação social.

Bueno (1999) cita que atualmente acontecem diversos debates sobre a comunidade

surda, sua cultura e sua identidade. Tais questões são polêmicas e, quando analisadas pelos

antropólogos, sociólogos, filósofos e professores, levam a interpretações conceituais,

provocando divergências relacionadas à indicação de procedimentos escolares. Grande parte

dos pesquisadores e estudiosos da cultura surda tem se apropriado da concepção de diferença

cultural, defendendo uma cultura surda e uma cultura ouvinte, o que fortalece a dicotomia

surdo/ouvinte.

As mais distintas vozes estão presentes nesses discursos que atravessam a vida dos

surdos, algumas com destaque maior em detrimento da outra, assumindo o caráter de visões

de mundo e/ou percepções acerca do discurso.

As vozes são sociais, são pontos de vistas que estabelecem relações entre

línguas, dialetos territoriais e sociais, discursos profissionais e científicos,

linguagem familiar etc. Cabe à análise do discurso com sua capacidade interdisciplinar, localizar os recursos linguísticos e não linguísticos da

combinação e transmissão das vozes discursivas, que certamente não podem

ser delimitadas unicamente pelo discurso direto, indireto e indireto livre, ou

pelas palavras colocadas entre aspas (BARROS e FIORIN 1994, p. 25).

As vozes não são harmoniosas, nelas aparecem concepções ideológicas que

implicam, necessariamente, o conceito de vozes, constituindo as relações de sentido, ou seja,

sujeitos discursivos, pontos de vistas, discursos profissionais, científicos, dentre outros.

Qualquer palavra que se encontra em determinados discursos refere-se a palavras povoadas de

vozes, que carregam valores, perturbações, dentre outros.

O imaginário popular, por exemplo, é construído com falas do cotidiano que passam

de geração a geração para estabelecer certa ordem econômica e social construída. Segundo

Bakhtin (1990), a palavra registra as menores variações das relações sociais, dos sistemas

ideológicos constituídos e da “ideologia do cotidiano”, na qual se formam e se renovam as

ideologias constituídas.

Para compreender pertinentemente um fato social, é preciso apreendê-lo

totalmente, isto é, tal como uma coisa, mas da qual somos parte integrantes.

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Esta apreensão subjetiva (consciente e inconsciente) significa viver o fato como se fôssemos autóctones e não observá-lo enquanto etnógrafo. A

dicotomia objetivo/subjetivo será ultrapassada pelo processo ilimitado de

objetivação do sujeito (AMORIM, 2004, p. 69).

A escola, por sua vez, precisa dar conta das diferenças que por lá transitam, para,

pelo menos, procurar compreendê-las. Deve reconhecer e identificar, por meio da cultura,

diferentes identidades, sua história, sua subjetividade, sua língua, valorizando e

potencializando as variadas formas de viver e de se relacionar.

Com relação à construção da identidade das pessoas com surdez, Perlin (1998)

afirma sobre a importância do encontro entre surdos, não somente por favorecer as trocas

linguísticas, mas também no campo do simbólico, do conhecimento de mundo. Nessa

perspectiva, tem-se um novo olhar sobre a surdez, não mais como uma doença. Como ressalta

Skliar (1998, p. 11): “a surdez constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida, a surdez é

uma experiência visual, a surdez é uma identidade múltipla e multifacetada”. Nesse contexto, a

identidade e a diferença afirmam-se em uma dimensão subjetiva positiva, refletindo-se na vida, na

participação dos sujeitos pelos seus direitos. Ao mesmo tempo, fica explícito que, partilhando do

mundo, o surdo sofre influência na identidade, afirmando-a, revigorando-a no encontro com o

outro.

3.4 O cotidiano escolar a serviço da surdez

A escola inclusiva, levando em consideração sua capacidade de atender alunos com

surdez em muitas de suas dificuldades, é realmente questionável, afinal, até o presente

momento não tem favorecido seu crescimento e/ou desenvolvimento escolar. Desse modo,

observa-se que o espaço escolar, de um modo geral, independente do ensino dito especial,

vem apresentando pouco ou nenhum sucesso efetivamente.

Lorenzetti (2003) e Poker (2008) apontaram que o simples fato desse aluno

frequentar a sala de aula não é o suficiente, é necessário que seja atendido também nas suas

necessidades. Poker (2008) salientou que tais necessidades implicam em escolas adequadas,

professores competentes e compromissados, os quais saibam trabalhar com o

desenvolvimento da fala, da audição e, principalmente, com a língua de sinais, promovendo a

aprendizagem da leitura e escrita.

As palavras relacionadas à inclusão de surdos, como algo benéfico, soam como

mudanças realmente muito significativas, um empreendimento inovador, uma ação com

característica humanística – preocupação com a(s) diferença(s). Um discurso belo de se ouvir,

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porém apavorante de se ver. De fato, são as situações sociais complexas e circunstâncias

específicas que, imediatamente, se refletem nas formas de linguagem.

As crianças surdas estão sim nas escolas, mas a preocupação em escolarizá-las está

aquém da realidade marcada, pois a equipe de profissionais que participa da comunidade

escolar desconhece o sujeito com surdez, sua forma peculiar de comunicação e expressão,

nomeando-o incapaz, ou melhor, em alguns casos, sujeito desprovido de linguagem (GÓES,

2002).

A educação das pessoas surdas, assim como de qualquer outro cidadão, tem como

meta promover o desenvolvimento intelectual pleno. A apropriação dos saberes acumulados

no decorrer de suas vidas contribui significativamente para que as crianças matriculadas em

suas respectivas escolas tenham acesso ao aprendizado e à demonstração de suas habilidades,

de forma que conquistem oportunidades relacionadas à integração na sociedade, distante da

exclusão.

Glat (1998), Miranda (2003) e Tessaro (2005) apontam a urgência na preparação dos

professores para atender de forma satisfatória todos os alunos e não só aqueles que

apresentam algum tipo de atributo diferencial. Esses autores são enfáticos ao afirmar que a

inclusão só terá efetivo sucesso quando os professores estiverem se sentindo confiantes e

seguros para atuar considerando a heterogeneidade da sala de aula.

Assim, muitas das dificuldades de comunicação que envolvem as relações entre

professor e aluno surdo convertem-se, rotineiramente, em objeto de discussão nas atividades

de ensino, provocando reflexões/ações pouco satisfatórias. O aluno com surdez é inserido na

escola, porém não existem lá profissionais realmente capacitados para atendê-los de forma

que tenha êxito em sua trajetória escolar, percebendo-se muitas falhas na condução de

propostas metodológicas, na comunicação, na socialização e, especialmente, na valorização e

identificação de suas habilidades e limitações (GÓES, 2002).

Sob o ponto de vista da inclusão do surdo no espaço educacional, Rezende (2010) faz

a seguinte declaração:

Quantas vezes saí da sala de aula chorando, batendo porta e assustando meus

colegas, reitoria, coordenação e professores? Queria a atenção de todo

mundo, mesmo que para isso muita gente construísse uma imagem deturpada de mim, considerando-me deficiente e revoltada. O que eu de fato queria era

um ensino diferenciado, de acordo com as minhas peculiaridades

linguísticas. Como eu poderia entender aulas que são inteiramente dependentes da audição? Eu perdia muito, pois não podia participar

ativamente. Exigi o direito de ser atendida de acordo com minha

peculiaridade linguística (REZENDE, 2010, p. 32).

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Desse modo, em acordo com relatos obtidos por meio do documento “Direitos como

cidadãos” (2003), entende-se que todas as pessoas, sem distinção, devem ter acesso à

educação, à saúde e ao trabalho, somados a uma intenção mínima de dignidade de qualquer

sujeito. É necessário, então, atentar para questões centralizadas na distinção do que é de

direito, evitando possíveis situações que privam a dignidade humana.

A igualdade de oportunidades deve ser um eixo norteador de igualdade entre os

sujeitos, no qual todo ser humano, independente das possíveis diferenças, tenha os mesmos

acessos e possibilidades, bem como, a existência de uma política social democrática

preocupada com a sociedade, principalmente com os sujeitos tratados e/ou apontados como

“diferentes”. Eles necessitam de mais independência, menos assistencialismo e elevada

autonomia.

Em alguns casos, a prática pedagógica é interpelada por discursos produzidos e

produtores de significados. Muito mais do que saber quem é o sujeito pedagógico, torna-se

imprescindível discutir qual a correlação de forças que o constrói. Do mesmo modo, as

representações gerais acerca da escolarização de crianças surdas perpassam a relação ensino e

aprendizagem, atualmente disponível nos espaços escolares que recebem crianças surdas (SÁ,

2011). No entanto, tal escolarização apresenta algumas lacunas relacionadas, sobretudo, à

progressão escolar dessas crianças, pois a maioria das instituições que trabalham com surdos

no Brasil está, ainda, intrinsecamente imbricada a uma prática de ensino que, mesmo sem que

se perceba, exclui.

Para Vygotsky (1997), as leis do desenvolvimento da criança com algum tipo de

limitação estão em unidade com as leis fundamentais de desenvolvimento da criança dita

normal, sem constituir comparações, porém sugerindo a ideia de processos compensatórios. A

criança que tem desenvolvimento interposto, algo diferente e/ou defeituoso, não é menos

desenvolvida que seus pares, apenas se desenvolvem de forma distinta, através de formas

próprias para processar o mundo. De forma paradoxal, as dificuldades que as crianças

encontram para a interação social são o que as incitam para a compensação. A socialização

institui o sentimento de menor valia e com ela a necessidade de superação. Melhor dizendo,

essa conjunção do sujeito com o ambiente social e com os meios providenciados pela cultura

impulsionarão as condições para tornar possível o surgimento dos mecanismos de

compensação, próprios para a convivência social. São os processos de compensação que

instituem a grandeza da diversidade na aparição de novas possibilidades de desenvolvimento

das funções psicológicas. Se a sociedade sustenta a ideia da deficiência, cabe a ela, também,

buscar meios de superá-la, pois o organismo apresenta essas possibilidades.

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Dessa forma, são valiosas as afirmações de Vygotsky, dentre as quais destaca-se:

Para a educação da criança mentalmente atrasada, o importante é conhecer

como ela se desenvolve, não é importante a insuficiência em si, a carência, o déficit, o defeito em si, mas a reação que nasce na personalidade da criança

durante o processo de desenvolvimento em resposta à dificuldade com a qual

tropeça e que deriva dessa insuficiência. A criança deficiente não está constituída apenas de defeito e carências, seu organismo se reestrutura como

um todo único. Sua personalidade vai se equilibrando como um todo vai

sendo compensada pelos seus processos de desenvolvimento (VYGOTSKY,

1997, p.134).

Nesse sentido, as qualidades dialógicas, nas diferentes situações de ensino e

aprendizagem, podem significar diferentes possibilidades de desenvolvimento. Sendo assim, a

língua permeia toda e qualquer relação humana e pode estar em toda e qualquer esfera da

comunicação, transmitindo valores e sentidos. Na escola também há todo um jogo de

linguagens para legitimar as ideologias, de modo que se estabeleça como uma instituição

privilegiada para transmitir e construir conhecimentos, por ser um espaço imerso na

sociedade, palco da diversidade social.

Sobre as múltiplas maneirar de olhar e ser olhado diante da diferença, Bianchetti

(2002) aborda o seguinte:

Na relação com os outros, detecto alguns estágios ou graus de

proximidade/trocas: a) desconhecimento (o outro não existe); b) indiferença

(existe, mas não me diz nada); c) (in)tolerância (está presente – física ou efetivamente – e me mobiliza); d) anti/sim-patia (está presente – física ou

afetivamente – e me mobiliza); e) empatia (muda o foco: o decisivo é a

forma como eu olho!) (BIANCHETTI, 2002, p. 5).

Gesueli (2008) afirma que não basta ao surdo o contato ou mesmo a fluência em

língua de sinais. A interação com a comunidade surda e sua discursividade são

imprescindíveis para que os discursos em relação à surdez como diferença circulem e os

saberes já cristalizados no senso comum sobre a surdez, estigmatizada como deficiência,

sejam confrontados com novos discursos críticos, engajados.

Para a autora, a questão que se coloca é da ordem dos discursos, dos saberes,

portanto, da ordem dos poderes, da luta, da resistência. Trata-se de uma questão política pela

qual os surdos devem lutar. Tal discussão teórica perpassa a sociedade, os discursos, o

familiar, até chegar ao sujeito em questão, acompanhando os caminhos pelos quais os

discursos constituíram uma cadeia discursiva, fornecendo aos surdos outro meio para se

identificarem e se constituírem.

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Assim, refletir acerca da surdez e linguagem, se apropriando de alguns conceitos

chave apresentados por Mikhail M. Bakhtin, ainda que rápidos e superficiais, consiste em

fazer uma possível ideia de como o autor aborda a questão da linguagem.

Da mesma forma, conforme sugerido por Vigotsky (1997), acredita-se necessária

uma averiguação prévia sobre o pensamento dos alunos surdos para que, a partir daí, se possa

conduzir os processos de aprendizagem e desenvolvimento com sucesso, em parceria com o

contexto social atual e a realidade particular de cada criança. Essa ação, certamente, ajudará

os profissionais da área a pensarem nas atitudes a serem assumidas durante o processo de

ensino e aprendizagem.

Em relação aos direitos e deveres da pessoa com deficiência, a Constituição da

República Federativa do Brasil (1988, cap. II, artigo 22, XIII, p.36) assegura a cidadania a

todos, sem distinção. Dessa forma, é possível incluir as pessoas surdas como cidadãos

brasileiros, sujeitos com direitos e deveres igualitários, como qualquer outro cidadão. A

Constituição Federal (1988, cap. II, artigo 24, XIV, p.38) também garante a

proteção/integração social às pessoas com deficiência. O mesmo documento (1988, cap. III,

artigo 208, III, p.142) assegura o “atendimento educacional às pessoas com deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino”, garantindo o direito à escolarização.

Sobre as normativas legais estabelecidas pela justiça brasileira, o Estatuto da Criança

e do Adolescente (1990, cap. I, artigo 11, § 1º, p.3) aponta que “(...) a criança e o adolescente

portadores de deficiência receberão atendimento especializado” no que se refere ao Direito à

vida e à saúde.

Referindo-se à educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, cap. IV,

artigo 53, III, p.10), assim como na Constituição de 1988, vê-se a garantia do AEE, “[...]

atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na

rede regular de ensino”.

Na LDB-96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (2002, cap. V, artigo

58, 59 e 60, (§1º ao 3º), 59 (do I ao V) e 60 no parágrafo único, p.17 e 18), estão declaradas

certas leis que asseguram um espaço “ideal” aos portadores de deficiências. São leis que

garantem o acesso dessas pessoas a ambientes escolares, usufruindo de todas as possibilidades

que possam garantir um desenvolvimento pleno em relação ao processo de ensino e

aprendizagem.

Para Mantoan (2003), a constituição de 1988 foi um avanço significativo para a

educação escolar de pessoas com deficiência, porque elege como fundamentos da república a

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cidadania e a dignidade humana, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer formas de discriminação (BRASIL, 2003, p. 6). A autora ainda destaca que:

Quando garante a todos o direito à educação e ao acesso à escola, a

Constituição Federal não usa adjetivos e, assim sendo, toda escola deve

atender aos princípios constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoas em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência (MANTOAN,

2003, p. 36).

Desse modo, a ideia de escola inclusiva teve início com a abertura de suas portas

para receber os que estão fora dela, os excluídos. Porém, ao contrário do que está previsto em

lei, o sujeito surdo está totalmente alheio a esta realidade, pois a escola não está preparada

para recebê-los, tampouco os professores têm o conhecimento suficiente para mediar e/ou

conduzir os saberes que lhes é de direito, além do material didático disponível na escola, que

não é pensado para atender tais diferenças. Enfim, os surdos estão na escola, entretanto

conquistando pouco ou nenhum progresso escolar (BUENO, 1999; GÓES, 2002). Na

ausência da voz, não questiona, o que dificulta na construção de seu potencial intelectual,

justificando o fracasso diante de um aprendizado ineficaz que transparece em diversas

pesquisas que envolvem o sujeito surdo e a escola.

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CAPÍTULO 4

ALFABETIZAÇÃO E SURDEZ

4.1 A criança surda: desafios e possibilidades para a alfabetização

Refletir acerca da alfabetização e/ou movimentos de escolarização que envolvem

anos de discussão traduz as inúmeras indagações que surgem a partir dessa temática, pois é

sabido que, nas últimas décadas, ampliou-se o consenso sobre o lugar central que a educação

ocupa em qualquer estratégia de desenvolvimento social. Inúmeras pesquisas, dentre elas as

de Soares (2000, 2004, 2006), Cardoso (2000; 2003; 2008) e Mortatti (2004), têm buscado

entender as razões do chamado fracasso escolar no que se refere à aprendizagem da leitura e

escrita.

O brasileiro sabe ler e escrever? O que as dificuldades educacionais da população

representam em termo de exclusão social? Tais questões se pautam em aspectos de maior

relevância, cujas respostas podem contribuir ofertando conteúdos e expressões, às vezes,

vagas, como educação de qualidade ou democratização da educação e da cultura. Sabe-se que

os reflexos históricos existentes, referentes à alfabetização no Brasil, dificultam respostas

imediatas a tais indagações, remetendo a problemas nada fáceis de resolver. Trata-se, na

verdade, de aspectos culturais de um povo, de instrumentos simbólicos de que esse povo se

dispõe a pensar, comunicar-se e agir frente a sua realidade. Situações culturais centrais que

estão fortemente associados a um amplo leque de determinantes sociais e econômicos,

influenciados por valores ideológicos.

Sobre o conceito de alfabetização, Soares (2006) afirma que se tem tentado, na

atualidade, atribuir um significado demasiado abrangente à alfabetização, considerando-a um

processo permanente, aquele que se estenderia por toda a vida, que nunca se esgotaria nos

aspectos de aprendizagem de leitura e escrita. A autora considera que, de certa forma, a

aprendizagem da língua materna (oral ou escrita) trata-se de um processo permanente, nunca

interrompido. No entanto, é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua de um

processo de desenvolvimento da língua. Porém, somente o processo de desenvolvimento da

língua, sem dúvida, nunca será interrompido.

Não parece apropriado, nem etimológica nem pedagogicamente, que o termo

alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto

o de seu desenvolvimento: etimologicamente o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o

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código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de

alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na

caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de

leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar (SOARES, 2006, p. 15).

Dessa forma, toma-se alfabetização em seu próprio sentido específico, como um

processo de aquisição do sistema das habilidades de leitura e escrita.

Sobre esse processo, Cagliari (2012) afirma que, antes mesmo de ensinar a escrever,

é preciso saber o que os alunos esperam da escrita, qual julgam ser sua utilidade e, a partir daí,

programar as atividades adequadamente. Para o autor, a escola talvez seja o único lugar onde

se escreve sem motivo algum e certas atividades da escola representam um legítimo exercício

de escrever. Na alfabetização isso pode acarretar problemas sérios para certos alunos.

De acordo com Cagliari (2012), estamos tão habituados a ler e escrever, na nossa

vida diária, que não percebemos que nem todos leem e escrevem como nós, mesmo os que

vivem bem próximos. Em muitas famílias de classe social baixa, escrever pode se restringir

apenas a assinar o próprio nome ou, no máximo, a redigir listas de palavras e recados curtos.

Para quem vive nesse mundo, escrever como a escola propõe pode ser estranhíssimo,

indesejável e inútil. Entretanto, há os que vivem em uma esfera social na qual se leem

revistas, jornais, livros, em que os adultos escrevem frequentemente e as crianças, desde

muito pequeninas, possuem em seu jogo de lápis, canetas, borracha, régua e etc. Estes, de

modo muito natural, percebem o papel da escola e o que nela faz, pois se trata de uma

representação continuada do que já faziam e esperavam que a escola fizesse.

Toda aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas muito antes de ir à escola

adquiriu determinada experiência referente a quantidade, encontrou já várias

operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto, a criança teve

uma pré-história de aritmética, e o psicólogo que ignorasse esse fato estaria cego (Vygotsky, 1991, p. 37).

Portanto, alfabetizar grupos sociais que encaram a escrita como uma simples garantia

de sobrevivência na sociedade é diferente de alfabetizar grupos sociais que veem na escrita

algo além do necessário, uma forma de expressão subjetiva do conhecimento.

E, nesse grupo de brasileiros pertencentes ao montante de analfabetos do país,

encontra-se grande parte da comunidade surda, sujeitos desprovidos do som e, às vezes, da

fala que, por conta de tal condição, encontram-se marginalizados pela sociedade,

considerados, muitas vezes, como impossibilitados de aprender.

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Contudo, compreender o contexto escolar que atravessa a história dos surdos não se

refere só a questões ligadas aos seus limites e possibilidades, como também aos preconceitos

existentes da sociedade para com elas, além do mais, tais pessoas enfrentam inúmeros

entraves para participar da educação escolar decorrentes da perda da audição e da forma como

se estruturam as propostas educacionais das escolas.

É necessário compreender a concepção de escrita que ainda predomina na maior

parte das instituições que atendem surdos no Brasil. Continua a prevalecer uma preocupação

com a alfabetização, ou seja, com o ensino das letras, bem como os processos metodológicos

que contribuem para a apropriação da língua escrita. Fernandes (1999), em seu artigo O som,

este ilustre desconhecido, afirma aos educadores, linguistas e estudiosos da área, que o som

deve ser dispensado no processo de letramento de surdos, considerando-se que sua ausência

não implica o domínio da língua escrita, dissociando letra e som como único meio de iniciar o

letramento, uma vez que escrita e fala apresentam funções linguísticas distintas, tanto na

estrutura quanto no funcionamento.

Deste modo, os sujeitos surdos encontram-se em classes/escolas especiais que atuam

em uma perspectiva oralista, a qual pretende, em última análise, que o aluno surdo comporte-

se como um ouvinte, decodificando nos lábios aquilo que não pode escutar, falando, lendo e

escrevendo a Língua Portuguesa; ou em escolas regulares, inseridos em classes de ouvintes,

nas quais, novamente, espera-se que ele se comporte como um ouvinte, acompanhando os

conteúdos preparados/pensados para crianças ouvintes, sem que qualquer condição especial

seja propiciada para que tal aprendizagem aconteça.

Pensar sobre alfabetização a partir da realidade linguística da pessoa com surdez

requer um (re)conhecimento do sujeito em questão, da sua cultura, da sua capacidade

linguística e cognitiva, a fim de traçar metodologias realmente significativas no processo de

ensino e aprendizagem dessas pessoas, na perspectiva de um ensino coerente com suas

limitações e a possibilidade de assegurar um efetivo progresso escolar que envolva a

apropriação da leitura e, sobretudo, da escrita.

4.2 Metodização

Por meio dos diferentes métodos de alfabetização, é possível visualizar tensas

disputas relacionadas com "antigas" e "novas" explicações para um mesmo problema: a

dificuldade das crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública, pois,

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ao adentrar no mundo público da cultura letrada, tais disputas em torno dos métodos de

alfabetização vêm gerando uma variedade de tematizações, normatizações e concretizações,

caracterizando-se como um importante aspecto, dentre os muitos outros envolvidos, no

complexo movimento histórico de constituição da alfabetização como prática escolar.

De acordo com Mortatti (2004), a partir das duas últimas décadas, a questão dos

métodos passou a ser considerada tradicional e os antigos e persistentes problemas da

alfabetização vêm sendo pensados e praticados, predominantemente, no âmbito das políticas

públicas, partindo de outros pontos de vista, em especial a compreensão do processo de

aprendizagem da criança em fase de alfabetização, de acordo com a psicogênese da língua

escrita. Sendo assim, o que seriam os tais métodos tradicionais e que tipo de ensino de leitura

e escrita pode ser descrito como tradicional?

Igualmente, Mortatti (2004) descreve o método tradicional como aquele

historicamente utilizado no século XIX. Era um método de marcha sintética (da "parte" para o

"todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons

correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas.

Necessitava-se, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes

(método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas

(método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade.

Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas,

ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim,

ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas.

Quanto à escrita, se restringia à caligrafia e à ortografia e seu ensino, através da

cópia, de ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras. Porém, a

autora não descarta a possibilidade de utilizar, na atualidade, alguns aspectos caracterizados

como tradicionais. Em suas pesquisas, ela cita que a questão dos métodos é tão importante

(mas não a única, nem a mais importante) quanto as muitas outras envolvidas nesse processo

multifacetado, que vem apresentando, como seu maior desafio, a busca de soluções para as

dificuldades das crianças em aprender a ler e escrever e dos professores em ensiná-las.

Para Soares (2006), a concepção tradicional de alfabetização apresentada pelos

métodos analíticos ou sintéticos trata-se da aquisição de um sistema convencional da escrita,

onde o aprender a ler é uma decodificação e o escrever codificação.

A aprendizagem mecânica de ler e escrever, sem o apoio de ideias e conhecimentos

adquiridos pela criança sobre a língua escrita, distante de uma real compreensão dos usos e

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funções da linguagem e que não esteja sustentada no interesse em comunicar e compreender,

é, certamente, inútil.

Contrapondo-se aos métodos tradicionais, o pensamento construtivista, relacionado

aos estudos de Piaget, ainda na década de 20, fora elaborado no sentido de compreender os

processos internos de construção do conhecimento humano, buscando sua gênese e compondo

a Epistemologia Genética. Baseado em tais pressupostos e considerando uma abordagem de

importância significativa no campo da alfabetização, o construtivismo foi desenvolvido por

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) em título: A psicogênese da língua escrita20

. Trata-se

de uma teoria que passa a valorizar a forma como a criança desenvolve a aprendizagem em

relação à escrita, a qual é entendida como um sistema de representação.

Em virtude do cenário fracassado da alfabetização, na época, Emília Ferreiro e

colaboradores deixaram de lado as acusações que tentavam buscar um culpado para tal

fracasso e, por meio da pesquisa na escola, perceberam novas possibilidades a partir de um

(re)pensar sobre a alfabetização, deslocando, sobretudo, a investigação do “como se ensina”

para o “como se aprende”. Suas ideias e discussões, quando levadas em prática, reproduzem

mudanças, principalmente nas relações do poder pedagógico. Esse fato acarretou profundas

mudanças na própria estrutura escolar.

Ferreiro e Teberosky (1979) expõem que, antes do ingresso na escola, a criança,

independente da classe social, formula hipóteses relacionadas à leitura-escrita, podendo sua

concepção ser diferente daquela de um adulto alfabetizado. O ato de estabelecer a relação

letra/sons, para um adulto, torna-se muito fácil. Entretanto, com a criança, isto não ocorre, ela

vê a escrita como uma representação simbólica muito antes de perceber a relação

escrita/oralidade. Provavelmente, sabe que a escrita quer dizer algo, embora não perceba,

exatamente, de que maneira os escritos funcionam para a transmissão de mensagens.

Para as autoras, o contato com o objeto escrito desempenha um papel na aquisição do

conhecimento sobre a escrita. Uma proximidade maior ou menor com a escrita e com

indivíduos leitores/escritores explicaria muitas das diferenças relacionadas às questões

socioeconômicas, das quais estas crianças participam.

Na maioria das famílias pobres, porém, os atos de leitura e escrita são raros e/ou

inexistentes, seja porque as pessoas não aprenderam a ler, seja porque suas condições de vida

e de trabalho não exigem o uso da língua escrita. Pode-se inferir que o papel do adulto, nesse

processo, está longe de ser o determinador do início dessa aprendizagem, ou, simplesmente, o

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Origem e desenvolvimento de processos mentais relacionados com a aquisição da leitura e da

escrita.

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de espectador de um processo espontâneo, devendo ser o de estimulador do contato da criança

com o mundo da escrita.

Enfim, a teoria do construtivismo lançou aos docentes o desafio de planejar e

desenvolver aulas através de uma nova compreensão sobre o processo de leitura e escrita,

possibilitando a realização de descobertas do princípio alfabético. O ponto de partida é a

exposição das crianças a situações-problema, sendo desafiadas a criar hipóteses frente a

reflexões sobre a escrita. O intuito é destacar a valorização do diagnóstico prévio do aluno,

considerando seus erros como parte do processo de construção do conhecimento.

Os defensores dessa proposta acreditam que é por meio da imersão da criança nas

práticas sociais de leitura e escrita que a alfabetização efetivamente ocorre, não sendo

necessário o ensino das correspondências fonema-grafema ou da consciência fonológica, pois

isso são consequências advindas da evolução conceitual da criança em processo de

aprendizagem. Assim,

há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de

alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar muito antes, através da

possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há

outras crianças que necessitam da escola para apropriar-se da escrita (Ferreiro, 1999, p. 23).

Para a autora, a criança não inicia seu aprendizado somente ao ingressar na escola; o

contato com a linguagem escrita inicia-se na esfera social. Conforme essa teoria, o

aprendizado está além da mera interação mecânica, pelo contrário, a criança elabora hipóteses

para buscar compreender a escrita. Tal situação emerge a partir do contato com o ler e

escrever. Nessas experimentações, as crianças desenvolvem escritas espontâneas que, por

meio do levantamento de inúmeras e distintas concepções, elaboram construções progressivas

que ampliam seu conhecimento sobre a escrita.

Entretanto, o socioconstrutivismo constitui-se em uma teoria que vem se

desenvolvendo com base nos estudos de Vygotsky e seus seguidores, apoiando-se nos

reflexos da interação social, da linguagem e da cultura na origem e no desenvolvimento do

psiquismo humano. Segundo Vygotsky (1997), o conhecimento não é uma representação da

realidade, mas um mapeamento das ações e operações conceituais que evidenciaram ser

viáveis na experiência do indivíduo. Desse modo, a aprendizagem é um resultado adaptativo

que tem natureza social, histórica e cultural.

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Segundo Kramer (1993, p. 102), a linguagem é percebida por Vygotsky como

expressão, ou seja, para além do signo arbitrário, negando-a enquanto meio e forma

cristalizados.

Igualmente, Cardoso (2000) cita que:

A construção do conhecimento formal exige a constituição de

comportamentos específicos, de formas de ação e interação (práticas) de que,

via de regra, a criança não dispõe ainda em seu repertório, constituído em

seu cotidiano. Desse modo, no espaço de interação entre o sujeito e o conhecimento, gravita o professor, que possui o papel socialmente definido

de transmissor do conhecimento, historicamente interpretado de muitas

formas, de acordo com diferentes referenciais (CARDOSO, 2000, p. 255-256).

Assim, o processo de escrita, na perspectiva sociocontrutivista da aprendizagem

(VYGOTSKY, 1935/1994), atrelada à teoria enunciativa de linguagem (BAKTHIN,

1979/1992), oferece uma contribuição para a construção de uma prática pedagógica que

concebe o processo de ensino e aprendizagem como resultante da interação entre professor

(mediador), aluno (sujeito de sua própria aprendizagem) e objeto de ensino – conhecimentos

linguísticos que se operam nas práticas sociais mediadas pela linguagem. Destarte, a seleção

de textos e/ou atividades direcionadas ao ensino deveria estar alinhada aos pressupostos

teóricos e metodológicos evidenciados. Entretanto, o que se vê são posicionamentos

totalmente diferentes, frente ao que se é proposto e/ou produzido para o ensino da escrita nas

escolas.

Posto isso, torna-se comum, em algumas escolas, alunos não participarem com

empenho do aprendizado da escrita, pois não enxergam nesse espaço algo que lhes seja

realmente útil. Por este e outros motivos, torna-se necessário que o docente faça um

levantamento junto a sua classe, buscando respostas de seus alunos em relação as suas

representações de escrita. Logo, toda criança gosta de ser ouvida, de participar do

planejamento das atividades escolares, principalmente na alfabetização. Assim,

Na teoria vygotskiana, que considera o desenvolvimento como um processo

de interiorização de funções psíquicas interindividuais, a função de ensino

torna-se relevante. Nas palavras de Vygotsky (1984:97), o aprendizado escolar não se deve limitar àquilo que a criança já está apta a aprender no

momento atual, mas, pelo contrário, o ensino deve propor situações que

possibilitem a emergência de novas capacidades intelectuais, atuando na

chamada ‘zona de desenvolvimento proximal’. Esta é entendida como uma fase no desenvolvimento de uma habilidade cognitiva em que a criança

sozinha apresenta apenas parcialmente essa habilidade, mas pode empregá-

la, com sucesso e, eventualmente, internalizá-la, se contar com a assistência e a ajuda de um adulto (CARDOSO, 2000, p. 255).

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Entende-se, então, que o professor tem o papel de estimular, observar, acompanhar,

compreender e potencializar este aprendizado, algo ainda muito preocupante no ensino da

escrita por crianças surdas inseridas no contexto regular de ensino.

Inúmeros métodos, relacionados ao ensino e aprendizagem, são vistos e revistos em

busca de uma progressão escolar significativa em que as crianças, em fase inicial de

escolarização, se apropriem da língua escrita. Porém, dentre os mais distintos métodos de

alfabetização existentes, em sua maioria, o pontapé inicial da alfabetização se dá a partir da

fonética, ou seja, da constituição e identificação do sistema alfabético por meio do som.

Percebe-se, neste caso, uma imensa negligência para com os surdos, pessoas desprovidas do

som e, consequentemente, da língua oralizada; sujeitos analfabetos21

inseridos em escolas

regulares em busca de conhecimento, como qualquer outro aluno; marginalizados e, muitas

vezes, esquecidos.

Moura (2000) descreve que a educação dos surdos sempre esteve voltada à

oralização, sendo estes obrigados a falar, caso contrário, não teriam seu reconhecimento

enquanto cidadãos diante da sociedade. Técnicas, como leitura labial, terapia fonoaudiológica,

são utilizadas na atualidade em busca da normalização. Ou seja, para uma convivência

harmoniosa em uma sociedade ouvintista, é necessário obter o domínio da língua majoritária,

como sendo o único meio eficaz de comunicação.

Por conseguinte, o problema que envolve a alfabetização no Brasil ainda é palco de

muitos conflitos. A utilização dos métodos tradicionais para o ensino perdura até hoje, mesmo

existindo registros e/ou pesquisas que condenam o uso destes como únicos no exercício do

ensino, sobretudo na alfabetização.

4.3 O conceito de letramento aplicado ao ensino de surdos

O termo letramento22

, no Brasil, surge no decorrer do século XX e passa,

gradativamente, a se consolidar, em função de necessidades sociais e, principalmente,

políticas. O conceito de alfabetização já não sustentava o significado a ele inferido, havendo,

pois, uma ampliação desse conceito, a partir das políticas mundiais, como no caso da

21

[...] o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e, também, que não tem

instrução primária (MORTATTI, 2004, p. 38). 22

Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de

suas práticas sociais (SOARES, 2002).

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UNESCO23

. Em benefício dessa nova configuração, eis que surge uma outra designação do

termo: letramento. Assim, no Brasil, e na década de 1980, inicia-se um interesse por estudos

sobre o termo letramento.

Em nosso país, esta palavra passou a ser utilizada nos anos 80 por

pesquisadores da área de Educação e Lingüística, e, gradativamente, vem

ganhando visibilidade em outros espaços sociais. (MORTATTI, 2004, p. 11).

Falar em letramento implica refletir sobre apropriação e os usos sociais da

linguagem. Nas palavras de Magda Soares (2001, p. 36), letramento é o “resultado da ação de

ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou condição que adquirem

um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas

práticas sociais”.

Sabe-se que tal concepção não exclui a necessidade de se aprender a ler e escrever,

mas simplesmente acrescenta que essa necessidade deve ir além da mera codificação e

decodificação da escrita, sendo necessário utilizá-las em suas práticas sociais.

Em relação ao termo letramento e toda significância a ele imposta, Soares (2002)

afirma que o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das

práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo,

alfabetizado e letrado.

Entretanto, nas pesquisas de Harrison (2002) e Lodi (2010) nota-se que os aspectos

que envolvem a escolarização , aquisição da língua escrita e/ou alfabetização de surdos estão,

diretamente, sendo equiparados ao termo letramento. Isto é, a escola e, consequentemente, os

saberes que dela provêm são os únicos caminhos que compõem o sujeito letrado, havendo

uma desvalorização de suas práticas culturais e/ou socioculturais.

A escrita, conforme vem sendo compreendida pela escola, reduz-se a

aquisição de práticas e/ou habilidades como produto completo em si mesmo. Desvinculadas do contexto social, estas práticas de leitura e escrita limitam-

se ao conhecimento gramatical, processo que implica na

decodificação/identificação vocabular, no tratamento de orações descontextualizadas e/ou textos artificiais, elaborados para fins didáticos,

que em nada se assemelham aos diversos gêneros discursivos em circulação

nas práticas sociais não institucionalizadas (LODI, 2010, p. 36).

Para Lodi (2010), o termo letramento está sendo confundido com a noção de

alfabetização, na qual a escrita torna-se instrumento de competências individuais, cujo

objetivo é o sucesso escolar. Dessa forma, ocorre a imposição de normas e de estruturas de

23

Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura.

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poder e saber, da qual decorre o fracasso escolar que recai nos indivíduos, sendo atribuída a

eles a responsabilidade por não responderem ao esperado.

A autora apresenta dois pontos para esse fracasso específicos à surdez: O primeiro

seria o fato de os surdos serem usuários de uma língua – LIBRAS - distinta da língua da

maioria, os ouvintes. A falta de acesso à língua de sinais por todos as surdos, sendo isso,

ainda, privilégio de alguns, faz com que acabem desenvolvendo uma comunicação caseira,

utilizada pela necessidade de estabelecer contato com seus familiares. Porém, estes mesmos

sujeitos, ao serem expostos à comunicação gestual, não a diferenciam, inicialmente, do

português, fazendo o seu uso como mera representação gestual da língua oralizada, “fato que

acarreta a desvalorização da LIBRAS por conceberem-na como uma língua de menos valor

por não ser conhecida e utilizada pelos ouvintes” (Lodi, 2010, p. 37).

Outra questão vista pela autora é o acesso tardio e a demora pela aceitação da língua,

tanto pelos próprios surdos, quanto por seus familiares, o que determina um uso e um

desconhecimento bastante variável. Esse fato é pouco discutido, sobretudo, em experiências

educacionais que primam pelo reconhecimento da LIBRAS e pela inclusão do

intérprete/tradutor em sala de aula.

A língua de sinais está regimentada, linguisticamente, por regras gramaticais

próprias, aplicadas nas práticas cotidianas, similar a quaisquer línguas orais, atuando como

ferramenta de poder e permitindo ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações

discursivas. Ademais, fornece subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades

frente às imposições (culturais e outras) do ouvinte. Mesmo assim, a língua oral representa

domínio em relação à língua gestual, vinculando resultados positivos por ser a língua

majoritária, como única linguisticamente correta, enfraquecendo, por sua vez, a língua de

sinais, natural da comunidade surda. Decorrente dessa desvalorização linguística da língua de

sinais, Lodi cita que:

[...] o fato da não existência de um registro escrito da LIBRAS, acarreta mais

um fator de desvalorização social da língua implicando, muitas vezes, a consideração desta como inferior ou incompleta. Isso pode ser observado nos

trabalhos voltados à pesquisa e ao desenvolvimento de um sistema de

transcrição gráfica das línguas de sinais, como é o caso do Sign Writing (LODI, 2010, p. 37).

Em entrevistas realizadas com professores de surdos, Harrison (2002) constatou que

é possível observar que estes profissionais consideram a importância da LIBRAS para a

formação dos surdos, para que se tornem sujeitos “críticos, formadores de opiniões, bons

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leitores e profissionais”. Porém, ao comentarem sobre o diferencial desta língua, percebe-se

que suas preocupações se concentram no seu uso espacial e gramatical, mais do que no

conteúdo pedagógico propriamente dito. O autor complementa tal discussão, afirmando que,

em momento algum, durante a entrevista, houve referência ou questionamentos com relação à

forma de exposição e tratamento da linguagem escrita e, sobretudo, das práticas de letramento

realizadas em LIBRAS, as quais poderiam servir como base para a apropriação da escrita por

seus alunos surdos.

Tomando por base os aspectos históricos acima citados e relatos de pesquisas que

dão voz a professores inseridos na escolarização de surdos, é possível refletir acerca do que

Lodi (2010) propõe, verificando que a dicotomia permanece, ou seja, o que pode ser dito em

LIBRAS não se relaciona em nada com o processo de escritura em português.

Todavia, é interessante conceber que o ensino da língua portuguesa para o surdo,

sustentado na língua de sinais, traz possibilidades de fomento em toda atividade intelectual

dos sujeitos surdos. Os autores adeptos dessa orientação defendem, em seus estudos, que é

sim, possível, por meio de práticas de letramento, conduzir o aluno surdo à apropriação da

Língua Portuguesa escrita em toda sua complexidade, sem recorrer à oralidade. Evidenciam,

pois, que, por meio da língua gestual, o surdo terá maiores e/ou melhores acessos a novas

descobertas linguísticas. Mas, e quem não tem essa língua?

Para Vygotsky (2000), o ensino da linguagem escrita carece de superação em relação

aos aspectos meramente técnicos e racionais, relacionados ao seu uso. É necessário direção

para o ensino da língua escrita, capaz de conceder, verdadeiramente, ao aprendiz a

apropriação de um sistema completo de linguagem. Para a criança ouvinte, tal sistema é,

inicialmente, uma forma indireta de simbolização, pois, por meio da escrita, a criança chama

os sons das palavras, os quais simbolizam os objetos e fatos. À medida que a criança adquire

o domínio pleno do sistema da escrita, este se converte em um simbolismo de segunda ordem,

remetendo-se diretamente aos significados do mundo real. Desse modo, para Vygotsky, a

escrita constitui, num primeiro momento, um simbolismo de segunda ordem, representando

graficamente a linguagem oral e, posteriormente, aos poucos, a mediação da linguagem oral

vai desaparecendo e a escrita passa a representar diretamente a realidade. Quer dizer, a escrita

passa a representar signos de primeira ordem, os quais simbolizam entidades reais e as

relações estabelecidas entre elas.

De acordo com o autor, é possível evidenciar que tal argumentação teórica confirma

as proposições dos defensores do ensino da Língua Portuguesa para o surdo, amparado na

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língua de sinais, entendendo que é possível conduzir o ensino da escrita de forma

independente da oralidade.

Nessa perspectiva, Fernandes (2003) nos diz que as reflexões relacionadas à surdez

carecem de uma abordagem que não se apoie somente em conceitos e definições validados

pela ciência, bem como na análise dos diversos discursos que fomentam e determinam os

espaços sociais ocupados pela surdez/surdos. Afirma, ainda, que, em todo o discurso estão

agregados valores que repercutem socialmente, o que gera desdobramentos sociais marcados

por vozes de oposição, formado por ideias próprias de uma conjuntura histórica e social.

Sobre a surdez, a autora tenta desvelar as relações de poder que estão em jogo na

veiculação das diferentes concepções acerca do assunto e ganham espaço no debate

acadêmico e social. Seguindo essa lógica, discussões relacionadas à surdez e/ou sujeito surdo

são sempre permeadas por uma correlação de forças entre aquele que é tido como o

representante da regra - o ouvinte (maioria), e aquele que caminha na contramão – o surdo

(minoria). Em geral, o sujeito surdo caminha profundamente na contramão, surgindo, por

meio da opressão sobre a minoria e a imposição na busca da normalidade, uma meta a ser

alcançada. Porém, neste jogo de forças pela busca da uniformidade linguística, algumas vozes

se ergueram em oposição ao discurso oralista, o qual permaneceu e/ou permanece

hegemônico, ganhando força no espaço acadêmico e/ou discussões relacionadas aos direitos

linguísticos e sociais do povo surdo.

Um estudo desenvolvido por Fernandes e Góes (2005), analisando crianças com

surdez profunda, com idade entre 5 e 6 anos, teve como foco aspectos relacionados à leitura e

escrita. Como se tratava de um estudo longitudinal, teve duração de, aproximadamente, 18

meses, e evidenciou a tamanha capacidade exibida pelas crianças investigadas, as quais, se

apoiando na língua de sinais, puderam se relacionar melhor com o Português escrito. Assim,

as autoras afirmam: “[...] chama a atenção o fato de que as crianças ‘transitam’ da língua de

sinais para a escrita e vice-versa, numa elaboração dinâmica, em que os sinais permitem

significar as possibilidades de registro do Português escrito” (2005, p. 5). Em complemento,

observaram que crianças surdas sinalizadoras orientam sua relação com a escrita tendo por

suporte a língua de sinais, que permite a “[...] interpretação do registro visual escrito” (2005,

p. 6).

Segundo Fernandes (2003, p. 92), a construção de uma educação bilíngue para

alunos surdos, que para ela versa em assumir o ensino do português na modalidade escrita

como segunda língua, poderia representar uma estratégia para “[...] reverter práticas de

exclusão, rejeição, preconceito e marginalização a que os surdos estiveram relegados,

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historicamente”. Trata-se de uma sugestão para o ensino da Língua Portuguesa, por meio de

métodos e/ou estratégias já conhecidas, empregadas no ensino de língua estrangeira para

ouvintes, sobretudo aquelas que privilegiam o aspecto visual, sabendo que para os surdos tais

estratégias se sustentariam na língua gestual – língua natural.

Esse aprendizado, todavia, será distinto em sua gênese daquele desenvolvido por crianças ouvintes, pois, uma vez que não haverá referenciais sonoros, os

mecanismos de produção de novas significações ativados não levarão em

conta a combinação de elementos fonéticos, de sílabas, enfim, das unidades menores da escrita, mas serão, desde sempre, baseados em processos

analíticos de construção (FERNANDES, 2003, p. 94).

Fernandes (2003) nos diz que o surdo se apropria da língua portuguesa escrita como

um código ideográfico e não como um sistema alfabético, atribuindo-lhe, assim, um

significado. Dessa forma, a autora propõe cinco aspectos como atribuições necessárias para as

organizações de práticas educacionais envolvendo sujeitos surdos.

1. Contextualização visual do texto. 2. Leitura do texto em LIBRAS

(ativação do conhecimento prévio de elementos lexicais, gramaticais e

intertextuais). 3. Percepção de elementos linguísticos significativos, com

funções importantes no texto, relacionados a sua tipologia e estilo/registro. 4. Leitura individual / verificação de hipóteses de leitura. 5. (Re)elaboração da

escrita com vistas à sistematização de aspectos estruturais (FERNANDES,

2003. p. 150-151).

De acordo com esses princípios, a língua de sinais deve assumir o papel principal na

aquisição da escrita da Língua Portuguesa, sendo a via natural para o surdo organizar seu

pensamento e, assim, adquirir conhecimento.

Sob tal perspectiva, Sueli Fernandes (2006), em seu texto intitulado Práticas de

letramento no contexto da educação bilíngue para surdos, apresenta um quadro comparativo,

com especificidades fundamentais para o aprendizado do surdo em relação à escrita inicial.

Quadro 4 - Práticas de Letramento

Procedimentos adotados na alfabetização Implicações para aprendizagem de alunos surdos

- Parte do conhecimento prévio da

criança sobre a língua portuguesa,

explorando-se a oralidade: narrativas,

piadas, parlendas, trava-línguas, rimas,

etc.

- Não há conhecimento prévio internalizado; a

criança não estrutura narrativas orais e

desconhece o universo folclórico da oralidade.

- O alfabeto é introduzido relacionando-se

letras a palavras do universo da criança:

nomes, objetos da sala, brinquedos, frutas,

etc. Ex: A de abelha, B da bola, O de

ovo...

- Impossibilidade de estabelecer relações letra x

som; a criança desconhece o léxico

(vocabulário) da língua portuguesa, já que no

ambiente familiar sua comunicação restringe-se

a gestos naturais ou caseiros (na ausência da

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língua de sinais).

- As sílabas iniciais ou finais das palavras

são destacadas para a constituição da

consciência fonológica e percepção que a

palavra tem uma reorganização interna

(letras e sílabas).

- A percepção de sílabas não ocorre, já que a

palavra é percebida por suas propriedades

visuais (ortográficas) e não auditivas.

- A leitura se processa de forma linear e

sintética (da parte para o todo); ao

pronunciar sequências silábicas a criança

busca relação entre as imagens acústicas

internalizadas e as unidades de significado

(palavras).

- A leitura se processa de forma simultânea e

analítica (do todo para o todo); a palavra é vista

como uma unidade compacta; na ausência de

imagens acústicas que lhes confiram significado,

as palavras são memorizadas mecanicamente,

sem sentido. Fonte: FERNANDES, Sueli (2006), p. 7. (grifos no original).

Brochado (2003) também traz contribuições nesse sentindo, pois, igualmente aos

demais autores acima citados, oferece dados/resultados sólidos por meio de registros e

episódios nos quais crianças surdas de turmas de 2ª, 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental,

usuárias de LIBRAS, apropriaram-se da escrita sem passar pela oralidade. Por meio da técnica

da vídeo gravação, a autora conseguiu registrar todo o processo de construção textual desses

alunos, podendo concluir, pontualmente, a eficácia da língua de sinais para a aquisição da

língua escrita.

[...] os surdos são capazes de se apropriarem de uma segunda língua, ao

escreverem textos com sentido, sem apoio da oralidade. [...] os aprendizes

surdos demonstraram, pelos textos produzidos, encontrarem-se em estágios de apropriação da escrita da Língua Portuguesa (L2); alguns com usos muito

satisfatórios da escrita da Língua Portuguesa (BROCHADO, 2003, p. 311).

Para a autora, o processo de apropriação da escrita do Português, para o surdo,

apresenta características de aprendizes de segunda língua, considerando a língua de sinais

como primeira língua. A razão é que a Língua Portuguesa para o surdo é um processo de

apropriação de segunda língua e com características semelhantes às dos ouvintes, respeitando

as peculiaridades das modalidades das línguas envolvidas e as especificidades da surdez.

Evidentemente, todas as garantias relacionadas ao ensino de crianças surdas,

principalmente as que se referem ao processo de escrita, retratam claramente a necessidade de

que o ensino da língua de sinais é prioritário, devendo anteceder o ensino da escrita.

Por meio de sua língua natural, a criança surda é capaz de fazer associações entre

língua falada e língua sinalizada, tendo, na comunicação gestual, o arcabouço necessário para

uma nova construção de saberes, além de resultados realmente significativos no processo de

aquisição da escrita.

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CAPÍTULO 5

ENSINO DE SURDOS: POSSIBILIDADES PARA ALFABETIZAÇÃO?

Neste capítulo pretende-se analisar a produção escrita desenvolvida por crianças

surdas em fase de alfabetização, inseridas em escolas regulares. Os dados abaixo revelam

eventos de sua escrita, analisados a partir das seguintes categorias: 1) Método ou

metodologias para alfabetizar; 2) Apropriação de escrita em sala de aula; 3)Apropriação de

escrita no espaço AEE; 4) Apropriações ortográficas da Língua Portuguesa.

Antes, porém, de revelar os dados de escrita, são apresentados depoimentos das

professoras que funcionaram como moldura do quadro de ensino-aprendizagem a ser

discutido. São percepções e problematizações que, de certa forma, condicionam as práticas

pedagógicas desenvolvidas com os sujeitos da pesquisa.

5.1 Inclusão: O que dizem professores e pais a respeito?

Sobre a inclusão, tendo em vista a discussão acerca das representações sobre a surdez

e os surdos, acredita-se ser pertinente e/ou interessante problematizar as formações

discursivas que atravessam a escolarização dos surdos a partir da voz do professor, o

mediador dos saberes do espaço escolar, e dos pais. O intuito é debater e/ou examinar

possíveis questões que constituem o surdo enquanto sujeito pedagógico, incluso ou não na

escola regular.

No entanto, no caso de Allan e Sara, uma das questões mais inquietantes neste estudo

concentra-se na dificuldade em se estabelecer comunicação no espaço da sala de aula, pois,

tanto os colegas, quanto os professores, demonstraram certa ansiedade em relação ao contato

com o outro (criança surda).

Os desafios são diários, a dificuldade é constante e os recursos oferecidos para que

tal situação seja desconstruída apresentam-se, aparentemente, distantes de concretização. De

acordo com o relato das professoras em sala de aula regular, é possível evidenciar tais fatos.

Veja-se, pois, o que diz a professora de Allan:

Eu não domino a língua de sinais. A família do Allan

24 não permite o uso de

Libras na escola, na verdade a família tem o desejo de vê-lo falando como as

24

Nome fictício utilizado para preservar a identidade da criança.

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outras crianças. Como ele é implantado, eu me comunico com ele através da fala, mas às vezes ele não entende, esse é o problema (Professora M –

Entrevista, 17/04/2013).

Entretanto, a professora de Sara, sobre a comunicação em sala de aula, assim relatou:

Eu sou apaixonada pela língua de sinais, além da disciplina ofertada na

graduação, já participei de dois cursos de Libras, (básico e intermediário) e

agora estou cursando uma especialização em Libras e braile. Como ela não

conhece, ainda, a Libras, temos alguns desencontros de comunicação, mas estou trabalhando muito a Libras com ela, tenho certeza que em breve,

juntas, desconstruiremos esta barreira (Professora L – Entrevista,

22/04/2013).

No espaço AEE, as professoras também enfrentam algumas dificuldades em relação

à comunicação com as crianças em questão, porém, por se tratar de um atendimento

individual e/ou direcionado, as dificuldades específicas da criança tornam-se menos

perceptíveis e de outra ordem.

Assim, então, declarou uma das professoras do espaço AEE:

Eu utilizo diferentes formas de comunicação, Libras, gestos contextualizados

e oralidade. Tento, na verdade, estabelecer comunicação. Inclusive, já

conversei com os pais sobre as diferentes maneiras de se estabelecer comunicação. Acredito que entenderam meu recado, e respeitam meu

trabalho (Professora T- Entrevista, 23/04/2013).

Igualmente, a professora V (AEE) afirma, categoricamente:

Eu trabalho a partir da Libras, acredito na filosofia bilíngue e posso,

inclusive, mostrar os resultados dos meus alunos em relação ao processo de

ensino e aprendizagem através da língua de sinais. Inclusive, este ano não

estou mais trabalhando com (Allan), pois os pais não aceitam o ensino da Libras, o que é uma pena. Por esse motivo, está sem interprete de Libras,

tem apresentado bastante dificuldades na execução das tarefas escolares,

enfim, privado de estabelecer comunicação através da sua língua natural. Agora no caso de (Sara), tanto eu, quanto a professora T, estamos

concentradas no ensino da Libras, e ela, vem respondendo muito bem, uma

pena que os pais ainda não procuraram aprender a Libras, isso facilitaria ainda mais o aprendizado dela (Professora V – Entrevista, 06/05/2013).

Portanto, os aspectos que movem a comunicação escolar em função de crianças com

surdez apontam questões que merecem reflexão. Não basta ser uma escola inclusiva para

surdos, de acordo com Dorziat (1998), é necessário buscar meios que facilitem tanto a

participação quanto a aprendizagem desses sujeitos. Assim, os professores, incluindo os da

sala de aula regular, devem conhecer e usar a Língua de sinais e, principalmente, conhecer o

sujeito surdo de forma integral, a fim de lhe proporcionar um ambiente o mais natural

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possível, de modo que possa sentir-se incluso. Para que essa harmonia possa acontecer, é

importante que os docentes trabalhem em conjunto, suprindo as necessidades uns dos outros.

Outra questão, que merece destaque, está vinculada a uma avaliação pessoal da

prática, com a qual os professores, durante a entrevista, contribuíram, relatando suas

experiências pessoais em relação ao ensino da escrita para surdos. Essas falas reúnem

aspectos direcionados às metodologias utilizadas, planejamento das atividades e,

principalmente, sobre os limites e possibilidades para o ensino de surdos.

Desse modo, foram obtidas as seguintes declarações das professoras de Allan e Sara,

respectivamente:

Estou ainda, à procura desses artifícios... A professora V (AEE), que é uma professora aqui na escola que já tem bastante experiência no ensino de

surdos, sempre pede pra que, se caso surgir alguma dificuldade, a procure,

pois no ano passado foi ela que trabalhou com o (Allan). Então, eu sempre vou até lá, procuro o que ela está trabalhando, ou alguma sugestão. Só que

você25

que está observando em sala, não se iluda, ele não é aquela criança

que você está vendo lá, pelo contrário, ele levanta demais do lugar, não

presta atenção na aula, ele quer brincar o tempo todo, quer chamar atenção dos colegas. Oi, estou fazendo palhaçada para me observarem

26! Ele nunca

vai ao cesto de lixo apontar um lápis andando normalmente, ele vai fazendo

gracinha, correndo, aliás, isso acontece também quando quer ir ao banheiro ou beber água, sempre querendo chamar atenção. Ele se dispersa muito... No

entanto, com você lá, ele mudou totalmente, ele pediu até para ler a bíblia,

ele nunca pediu pra fazer aquilo, ele queria passar uma imagem de que está em um ambiente escolar e que está aprendendo. Só que ele não é assim. Isso

pra você ver o quanto ele é esperto! Só que assim, eu também estou

conhecendo o (Allan), tento dialogar com a mãe, quero muito conversar com

a fonoaudióloga dele também, converso com a professora T (AEE) que o atende na sala de recursos, e percebo que, inclusive lá, ele é do mesmo jeito,

inquieto. E sempre quando tento ensinar uma atividade para ele me

responde: Não sei, não sei... Ou seja, não quer tentar aprender. O que observo é que ele sempre quer que o professor mostre a resposta e ele só

copie. Eu não sei se essa é uma prática advinda da escola que ele estudava

antes, se é uma prática da família. Esses dias eu coloquei até um recadinho

em uma das atividades para casa: “A tarefa é para o (Allan) e não para outra pessoa”. Porém, parei e observei, e me parece que o (Allan) não apresenta

um jeito específico de escrever, ele se apresenta com diferentes formas de

escrita, que às vezes dá a impressão de que a produção escrita tenha sido feita por outra pessoa. A mãe também já observou e está trabalhando para

corrigir tal questão. Uma escrita meio deitadinha que não é muito comum em

sua prática escrita diária. Por isso, achei que havia outra pessoa fazendo sua tarefa. Toda criança tende a ser meio preguiçosa pra estudar mesmo, e como

ele acha que tudo a mamãe faz por ele em casa, porque até o simples fato de

trazer a mochila para escola, é desnecessário ‘coitadinho do meu filho vou

levar pra ele’, está prejudicando, porque ele tem que saber o que levar, a organização dele. Então, tudo isso interfere nos estudos. Ele pode vir a

25

Referindo-se ao pesquisador. 26

Referindo-se a Allan.

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pensar que por conta da deficiência, seria um coitadinho, mas ele tem a possibilidade de aprender. Porque, se foi implantado um aparelho, ele tem

que aprender a ouvir, e pra que possa ouvir, para entender o outro, é preciso

desconectar das outras coisas. Daí a gente percebe que isso ele não tem em

sala. Como é possível aprender se não para pra entender os ensinamentos do professor? (Professora M- Entrevista, 17/04/2013)

Eu tenho muito que avançar, eu estou começando agora, é a primeira turma

que eu ensino, é meu primeiro contato com alunos surdos, mas quero muito aprender. Já fiz cursos de Libras, porém, nenhum contato com surdos. Estou

cursando a pós em Libras, (quatro anos de curso). Tenho muita vontade em

trabalhar com o ensino de surdos, mas tenho muito em aprender. Porém, sobre o modo mais adequado para o ensino da escrita, fico me perguntando

diariamente. Como aprender escrever sem o som? Como entender uma

história, um texto? Infelizmente, ainda não tenho respostas, mas quero tentar para que, até o final do ano (2013), ela, (Sara), consiga, pelo menos,

entender algumas palavras simples e relacioná-las aos sinais. Em minha

opinião, a escola não é inclusiva, o professor que é inclusivo. Pois, se o

professor não quiser, não propõe nem desenvolve nada com aquele aluno. No caso dela, só reconhece que o sino do lanche bateu, porque ela vê todo

mundo correndo, não tem nenhuma luz, ou algum elemento de comunicação

para surdos que a ajude em sua independência. A falta de acessibilidade na escola, bem como a questão pedagógica, em minha opinião, ainda é muito

falha. É muito da iniciativa do professor, que compra material, jogos, algo

que facilite e melhore tanto o ensino, quanto a interação/comunicação na

sala de aula (Professora L- Entrevista, 22/04/2013).

O que se apreende desses depoimentos é que a voz do professor é fundamental para

que algo possa ser pensado e/ou repensado em relação à escolarização de surdos. O ensino

inclusivo e/ou a escola inclusiva vive, em seu interior, as contradições das relações de poder,

que determinam os papéis sociais e a conduta, tanto de alunos como de pais e profissionais,

reproduzindo ou enfatizando erroneamente as diferenças que são vistas de forma prejudicial,

quando supervalorizam a hierarquia, a burocracia e a rigidez disciplinar, tornando-se

controladora da essência pedagógica.

De acordo com a professora “M”, do AEE, trata-se de um exercício diário de

aprendizagem, afirmando, absolutamente, que existem possibilidades para um ensino

efetivamente positivo, porém vagaroso, respeitando as dificuldades da criança em

compreender os conteúdos propostos e as dificuldades do professor em compreender o novo.

Com essa ação, é possível desenvolver metodologias que, de fato, venham ao encontro das

necessidades da criança.

Por outro lado, para a professora “L”, o desconhecido esclarece e/ou evidencia um

ensino deficiente, com poucas ou nenhumas possibilidades de progresso, afastando as

possibilidades e potencializando as dificuldades.

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Posto isso, a proposta de inclusão defende uma escola que volte seu olhar para a

criança como um todo, respeitando os três níveis de desenvolvimento, isto é, o acadêmico, o

sócio emocional e o pessoal, de forma a oportunizar à criança uma educação de qualidade

(CORREIA, 1997).

Entretanto, sobre a capacitação dos professores é reservada uma atenção especial

neste estudo no que se refere ao ensino especial. Observa-se que os professores da sala de aula

não se consideram capacitados para atender pessoas com deficiência, sendo, com isso,

motivados a buscar especializações que, imaginariamente, darão conta de toda a diversidade

dos alunos, pois a capacitação eminente trata da forma como lidar com a diversidade em sala

de aula e não, especificamente, com as deficiências num âmbito geral (TESSARO, 2005). Por

outro lado, quando se sentem em apuros durante a ministração das aulas, solicitam, na escola

mesmo, a ajuda de quem trabalha especificamente com os alunos com deficiência, como foi

visto no depoimento da professora M.

Não se deve esquecer, também, das riquezas concentradas no diálogo entre pais e

professores. Sobre isso, as professoras disseram:

Eu converso muito com eles, mostro os materiais que estou usando com ela,

mostro o caderno para que eles entendam como estou conduzindo o trabalho. Procuro sempre mostrar o desenvolvimento dela (Professora L – Entrevista,

22/04/2013)

Eu tenho essa preocupação sim, principalmente de como os pais utilizam a

linguagem em casa, porém o tempo de conversa é fragmentado. Mas a mãe

dele (Allan) é muito presente, conversamos sempre que possível, sobre o desenvolvimento diário dele. Conversamos muito a respeito do desenrolar da

fala, porém, algumas vezes, me preocupo, pelo fato de achar que ele não

esteja ouvindo, e comento com a mãe sobre isso também. Enfim, estamos,

sempre que possível, trocando figurinhas (Professora M – Entrevista, 17/04/2013).

De toda essa experiência, entende-se que as respostas para as questões do

desenvolvimento escolar da criança devem ser procuradas fora da criança, no meio social, nas

relações que ela cria. Os adultos e, em primeiro lugar os pais, têm um papel determinante no

desenvolvimento da criança (GOLDFELD, 2002). A contribuição dos pais, no contato diário

com os professores e/ou a escola, facilitará grandemente o aprendizado, afinal, os pais são as

pessoas que cuidam da criança e que exercem, ou deveriam exercer, o papel de mediadores

entre as pessoas com quem ela não convive intensamente.

Entretanto, o trabalho desenvolvido pela escola, de acordo com a mãe de Allan, está

aquém das expectativas:

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Eu acho que a minha expectativa é bem maior do que a escola possa me oferecer, porque na minha vontade eu queria alguém acompanhando ele para

trabalhar a fala, mas eu não consigo, então é bem maior que a escola pode.

Mas a escola tem me ajudado muito, é um processo necessário, mas é muito

bom também. Alguém que o acompanhasse é o que eu mais queria, eu até conversei com a C

27sobre um intérprete para trabalhar a fala com ele, porque

eu sei a dificuldade que ele está tendo e eu quero correr atrás (Mãe de Allan

– Entrevista, Abril/2013).

É possível, por meio dessa fala, identificar questões que realmente merecem

destaque. Primeiramente, o fato da dificuldade em aprender os conteúdos propostos. Em

seguida, é importante ressaltar a ausência de um profissional, além das professoras do AEE,

que possa auxiliá-lo, o que vem contribuindo de forma negativa para o percurso escolar da

criança. Porém, observa-se que a mãe também se contradiz totalmente, obviamente pela falta

de conhecimento sobre o assunto. Ela solicita, junto à direção da escola, um intérprete de

Libras, mas que o auxilie, não na comunicação gestual, e sim na apropriação da fala.

Por outro lado, a ação dessa mãe denota o quanto o ser humano ainda busca soluções

caseiras para questões amparadas legalmente. Assim, mesmo com a escolha dos pais pelo (IC)

como suporte tecnológico para a aquisição da audição, este ainda não o está favorecendo na

captação do som, gerando, na família, certos conflitos sobre o uso e o não uso da língua de

sinais.

Quanto à realidade de Sara, a respeito da escola, seus pais revelam as palavras

abaixo:

Nós temos muita expectativa com essa escola, tanto é que eu fiquei de

madrugada na fila para conseguir a vaga. A mãe da T28

, que também é surda

e muda, me falou muito bem da escola. A escola está sendo muito bom pra ela, (Sara) era muito agitada, agora ela está bem mais calma, mais tranquila.

Eu quero muito que ela aprenda Libras e, mais adiante, com a ajuda do

intérprete, ela poderá aprender bem melhor (Madrinha de Sara, Abril/2013).

Tomando por base o trabalho educacional para com o sujeito surdo, observa-se que a

dificuldade maior ao lidar com a questão da linguagem continua a repousar em uma

compreensão limitada a respeito da comunicação gestual e de sua importância para com o

processo de ensino e aprendizagem desses alunos. A educação das pessoas com surdez aponta

não só as questões referentes aos seus limites e possibilidades, bem como aos preconceitos

existentes da sociedade para com elas. Além do mais, os sujeitos surdos enfrentam inúmeros

27

Referindo-se à direção da escola. 28

Referindo-se a uma aluna (surda) veterana, da escola em questão.

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entraves para participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição e da forma

como se estruturam as propostas educacionais das escolas.

De acordo com Souza & Góes (1999), na escola inclusiva o aluno surdo é sempre

visto como um sujeito incompleto, porque, muitas vezes, não encontra nenhum outro com

quem possa se identificar, deparando-se com o preconceito ou com o sentimento de pena por

parte dos ouvintes, além de não constituir comunicação.

Para complementar o que até aqui foi exposto, a seguir apresenta-se a análise das

produções escritas, antes anunciadas.

5.2 Método ou metodologias para alfabetizar

Compreender a escrita como um sistema de representação que mediatiza a ação do

homem no mundo e que, portanto, é produzido nas diferentes práticas sociais ao longo da

história é de fundamental importância para o docente que assume a função de ensinar e/ou

promover a aprendizagem desse objeto do conhecimento.

Decerto, diferentes teorias de aprendizagem se propõem a explicar como a criança

aprende: por associação (estímulo – resposta); pela ação do sujeito sobre o objeto do

conhecimento (com base no construtivismo); pela interação do aluno com o objeto do

conhecimento intermediado por outros (sociointeracionismo). Teorias que assumiram uma

prioridade na formação docente em diferentes momentos históricos embasam (ou condenam)

certos métodos e técnicas de alfabetização. Sendo assim, como alfabetizar? Como selecionar,

e organizar os conteúdos?

Durante entrevista com a professora regente da turma de Allan, quando arguida sobre

o(s) método(s) que utilizava para alfabetizá-lo, respondeu:

Penso no silábico, começando com as sílabas depois palavras. Porém as

sílabas complexas ele ainda não domina... Não sei se é o método correto pra ele, na verdade estou buscando entender algo que seja bom pra ele. Sei que o

professor, não pode ficar preso em um único método... Às vezes o que é bom

pra uma criança, não é tão bom para outra, e a sala de aula é extremamente heterogênea, tem criança que tem mais facilidade, outras não (Professora M,

Entrevista, 17/04/2013).

Percebe-se, claramente, na fala da professora certo conhecimento sobre os diferentes

métodos de alfabetização, bem como a importância de não se apegar a somente um método,

referindo-se à heterogeneidade de sua turma. Porém, o fato de se apoiar no silábico como

método de referência inicial pontua certa segurança sobre tal, pois, para ela, pode ser que o

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referido método (silábico) tenha um maior significado e/ou resultados em sua forma subjetiva

de ensinar/alfabetizar.

Figura 1 - 14/04/2013

A ilustração acima (Figura 1) constitui um exemplo da apreensão/preferência pelo

método tradicional. Trata-se de uma tabela silábica dividida em vogais, famílias silábicas e

imagens. No espaço destinado ao nome, a professora de Allan registra: Estudar todos os dias.

Observa-se que o trabalho, a partir do método silábico, preconiza a prática inicial

adotada para o desenvolvimento da escrita de Allan. Evidentemente que é possível aprender a

ler e escrever a partir de métodos mais tradicionais que usam a silabação como carro chefe,

entretanto, atualmente, percebe-se que tal procedimento leva à mera codificação

(representação escrita de fonemas e grafemas) e decodificação (representação oral de

grafemas em fonemas), reduzindo a alfabetização a uma esfera mecânica, sobretudo no

âmbito da surdez, em que alunos desprovidos do som, ou como no caso de Allan (IC), são

capazes de ouvir “parcialmente”.

Sobre o ensino de crianças surdas, atrelado a métodos que priorizam a relação

fonema-grafema, Gesueli (2006) diz o seguinte:

Esse tipo de encaminhamento metodológico adotado pelos professores

alfabetizadores seria um dos principais condicionantes que coloca as

crianças surdas em desvantagem em seu processo de aprendizagem da escrita do português. O primeiro contato sistematizado com a escrita não é

significativo, já que não há como perceber o mecanismo da relação letra-

som. Assim, as crianças surdas começam a copiar o desenho de letras e palavras e simulam a aprendizagem, prática que se perpetua ao longo da vida

escolar (GESUELI, 2006, p. 07).

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Portanto, o professor não é, e precisaria não se supor isso, o detentor do saber. Trata-

se daquele que possibilita às crianças a apropriação deste saber e, em constante confronto com

os seus outros inúmeros saberes, lhes permite construir sua rede de relações. Desse modo,

para que isso ocorra, não se pode dicotomizar vida-aprendizagem.

Quando o professor conhece as concepções que a criança tem a respeito da língua

escrita, pode tornar-se um mediador, propondo atividades e questionamentos que levem a

criança a desestruturar o pensamento, isto é, a duvidar de suas ideias, colocar em conflito suas

certezas sobre os símbolos escritos e, comparando e refletindo, elaborar uma nova hipótese

linguística.

Ferreiro (1990), ao discutir sobre possíveis maneiras de alfabetizar, afirma que o ato

de escrever não está relacionado a transformar o que se ouve em formas gráficas, assim como

ler não equivale a reproduzir com a boca o que os olhos reconhecem visualmente. Para a

autora, a tão famosa correspondência fonema-grafema deixa de ser simples quando se passa a

analisar a complexidade do sistema alfabético.

As imagens a seguir, coladas na parede da classe e com cópias no caderno da criança,

reiteram o tipo de método utilizado pela professora de Allan.

Figura 2 - método para alfabetizar (Abril/2013)

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Figura 3 - 15/04/2013

Neste registro de escrita, realizado no dia 15/04/2013 (Figura 3), encontra-se uma

atividade de cunho tradicional, a qual convida o aluno a, simplesmente, copiar as sentenças:

Vamos ler e copiar as famílias silábicas? Assim, a atividade está organizada em oito

palavras/imagens e as diferentes famílias alfabéticas que as compõem.

Para Allan, o exercício acima apresenta pouco ou nenhum significado/atração, pois

não o conclui. É possível verificar que as famílias correspondentes: cra-cre-cri-cro-cru/ gra-

gre-gri-gro-gru/ tra-tre-tri-tro-tru/ bra-bre-bri-bro-bru estão incompletas e/ou não

executadas. O processo de alfabetização não se constitui, pois, em, apenas, perceber e/ou

memorizar. Para que o desenvolvimento se caracterize com plenitude, torna-se necessária

uma construção cognitiva de natureza conceitual, a qual possibilite compreender não só o que

a escrita representa, mas também suas representações relacionadas à linguagem.

As dificuldades detectadas estão diretamente relacionadas à compreensão

empobrecida dos conteúdos da fala. Em sala de aula, aprender conteúdos via língua oral é,

para o surdo, como seria para o ouvinte aprender conceitos complexos por meio de

explicações apresentadas em uma língua estrangeira, da qual tivesse conhecimento apenas

superficial.

Logo, é importante que o professor, no exercício de sua prática, compreenda a língua

escrita como “um sistema de representação e não como um código de transcrição gráfica”

(Ferreiro 1990). Ademais, a autora complementa que o aluno em processo de alfabetização

tenta compreender leis, normas desse sistema complexo. Dessa forma, torna-se necessário um

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acesso ilimitado de possibilidades para que esse sistema se materialize. Vygotsky (1991, p.

208) afirma que “para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras –

temos que compreender o seu pensamento”.

A presente discussão não está fundamentada em uma análise dos erros e/ou acertos

da professora de Allan. De maneira oposta, os questionamentos acima comprovam que os

métodos regentes da história da alfabetização no Brasil têm seus valores, independentemente

de seus respectivos resultados.

Sobre as possibilidades de comunicação com Allan, sua professora afirma que:

Como eu não domino ainda a LIBRAS, a gente vê essa Linguagem na

faculdade, mas falta a prática e acabamos esquecendo... Porém, quando você

se depara com uma criança surda em sua sala de aula, e você quer que ele entenda o que você está explicando, você vai recorrer... No caso de Allan,

como ele já consegue ler, você escreve no quadro pra ver se ele entendeu,

tento falar mais devagar, pois ele está usando aparelho, então você pensa

assim, pode ser que ele esteja ouvindo, ou procuro fazer gesto. Tento de tudo, de todos os recursos possíveis. Assim mesmo, olho para o semblante

da criança e ele demonstra que não entendeu nada. Daí me questiono, meu

Deus, não pude ajudá-lo em, praticamente, nada (Professora M - Entrevista -17/04/2013).

Não há, então, como ensinar sem que exista uma comunicação entre o aluno e o

professor. O aprendizado de Allan, para sua professora, é uma responsabilidade que preocupa

e assusta. Percebe-se que seu conhecimento sobre a língua de sinais e/ou sobre o sujeito

surdo, ensinados na faculdade, além dos métodos de alfabetização também vistos na

graduação, nem sempre respondem, ou melhor, nem se propõem a responder às questões

cruciais da prática.

Assim, o que parece mais um desabafo da professora desperta um novo olhar em

direção ao sujeito professor, que carece de formação permanente, tanto no aspecto cultural

quanto nas concepções de aprendizagens. Trata-se de um compromisso social, sobretudo de

uma preparação voltada para a diversidade, que, segundo Vygotsky (1991), se aprende nas

interações sociais. A linguagem só tem uma única finalidade: a compreensão.

Sobre essa formação docente e/ou preparação do professor durante o período da

graduação, voltada a atender alunos com deficiência, Chacon (2004), por meio de uma

pesquisa junto a 33 universidades brasileiras, tendo em vista a recomendação feita pelo MEC

(nº 1.793 de 27/12/1994)29

, constatou que a maior parte das universidades pesquisadas não

29

A referida proposta foi encaminhada ao Conselho Federal de Educação em dezembro de 1993, originando a Portaria nº 1.793, de 27 de dezembro de 19944 , publicada no Diário Oficial da União5 –

Seção 1, de 28 de dezembro de 1994, p. 20767, em forma de Recomendação. Considerando a

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havia adotado a disciplina de “Educação Especial” em seus respectivos currículos. Portanto,

mesmo diante da legislação, profissionais da educação estão saindo da graduação sem

conhecer, ainda que de forma superficial, o universo das diferenças existente nas escolas.

Assim,

num curso em que o principal objetivo seja a transmissão do conhecimento

básico em Educação Especial, três aspectos são fundamentais na formação

de qualquer profissão e em qualquer parte do País, quais sejam os aspectos:

ético, político, e a ação profissional junto à pessoa, cujas necessidades são especiais (CHACON, 2004, p. 334).

Posto isso, as reflexões sobre o ensino de qualidade para pessoas surdas estão

pautadas em qual seria a forma mais apropriada para uma aprendizagem significativa. Dorziat

(1997) defende a necessidade de discussões por um viés mais crítico, retratando as principais

correntes utilizadas no ensino de surdos e analisando suas vantagens e desvantagens. Na visão

da autora, as metodologias específicas para o ensino de pessoas com surdez estão basicamente

divididas em: oralismo, comunicação total e bilinguismo. Porém, compete ao professor

desenvolver com qualidade o processo de ensino e aprendizagem para com seu aluno surdo,

tornando-a significativa.

Sobre o processo de aquisição da escrita por crianças, como já citado, Emília

Ferreiro, em seus estudos, vem desenvolvendo teses sobre as hipóteses de pensamento que a

criança pode apresentar a respeito da linguagem escrita. Ela não propõe uma nova pedagogia

ou um novo método, entretanto, suas pesquisas deixam claro que aquilo que leva o sujeito à

reconstrução do código linguístico não é o cumprimento de uma série de tarefas ou o

conhecimento de letras e sílabas, mas uma compreensão do funcionamento do código.

No caso de Sara, sujeito desta pesquisa, suas primeiras atividades escolares estão

relacionadas a uma prática escolar antiga que antecede a alfabetização. São treinos de

necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e de outros profissionais que

interagem com pessoas com necessidades especiais, o texto traz três importantes artigos, assim elaborados:

Art. 1º Recomendar a inclusão da disciplina “aspectos ético-político-educacionais da

normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais”, prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas.

Art. 2º Recomendar a inclusão de conteúdos relativos aos Aspectos Ético- Político-

Educacionais da Normalização e Integração da Pessoa portadora de Necessidades Especiais nos cursos do grupo de Ciências da Saúde (Educação Física, Enfermagem,

Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Terapia

Ocupacional), no Curso de Serviço Social e nos demais cursos superiores, de acordo com

as suas especificidades. Art. 3º Recomendar a manutenção e expansão de estudos adicionais, cursos de graduação

e de especialização já organizados para as diversas áreas da Educação Especial.

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habilidades – coordenação motora, memória, percepção visual, etc. Tais atividades têm como

objetivo principal preparar a criança para o trabalho de leitura e escrita. Contudo, se

comprovadamente a criança pensa na escrita e nos símbolos que se apresentam no mundo que

a rodeia, tal prática poderia ser substituída por um ambiente estimulador no qual ler e escrever

tenham significado e função.

Portanto, apenas alguns exemplos de atividades de Sara, consequentemente, com

pouco ou nenhum significado, são suficientes e esclarecedoras:

Figura 4 – Caderno de Sara: 08/04/2013

Figura 5 – Caderno de Sara: 08/04/2013

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Figura 6 – Caderno de Sara: 08/04/2013

No primeiro dia de observação na turma de Sara, buscou-se, em seu caderno, os

primeiros registros de sua escrita. Suas atividades na sala de aula regular trouxeram, então,

dúvidas e anseios pelo contexto das produções.

As imagens acima registram apenas parte das atividades que já haviam sido

desenvolvidas pela aluna antes mesmo do início desta investigação. Todavia, uma conversa

informal com a professora da turma, foi a fonte para o entendimento razoável sobre as

propostas das atividades já realizadas, suas finalidades e pretensões30

, pois compreender o

universo pedagógico no qual Sara estava inserida naquele exato momento tornava-se o

primeiro grande desafio para a constituição de toda a investigação.

De acordo com a professora de Sara:

Ela não estava matriculada na minha turma, porém, mesmo sendo meu

primeiro ano como professora sempre tive vontade de trabalhar com crianças surdas. A professora regente da turma que ela estava matriculada, mesmo

30

Caderno de Sara (Atividades realizadas anteriormente ao período de observação para coleta de

dados).

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com alguns anos de experiência em alfabetização, nunca trabalhou e nem sabe como trabalhar com crianças surdas. Diante da ansiedade da professora,

conversei com a coordenação pedagógica e me coloquei à disposição para

trabalhar com Sara. Como já disse, não tenho experiência, mas tenho boa

vontade (Professora L – Entrevista).

Quanto à capacitação do professor e/ou sua experiência em relação às diferenças

encontradas na escola, constitui uma questão que merece novamente total reflexão. É

inconcebível que um professor/educador receba em sua sala de aula crianças com algum tipo

de atributo diferencial, as quais necessitam de um atendimento diferenciado dos demais, sem

nenhuma preparação e/ou capacitação profissional para ajudá-los. O efeito dessa insensatez é

que a maioria desses alunos, consequentemente, não apresenta um desenvolvimento dito

“padrão”, ou melhor, apresenta rupturas em seu processo de ensino e aprendizagem.

Inclusive, muitos deles, passam a ser rotulados como alunos com dificuldade de

aprendizagem e/ou considerados como incapazes de serem educados nas escolas regulares.

São reflexos negativos que resultam em altos índices de reprovação e evasão escolar,

afetando, em maior medida, as populações que estão em situação de vulnerabilidade.

Apenas para exemplificar, segundo Sisto (2001), no Brasil a quantidade de crianças

que não se alfabetizam na primeira fase (período de alfabetização) é estimada em 60%. Essa

situação merece atenção e preocupação redobrada e incita ao seguinte questionamento: o que

ocorre nesse processo que faz com que um percentual tão grande de crianças não alcance

sucesso nesta habilidade?

Analisando, em especial, as pessoas surdas, a FENEIS31

(1999) afirma que o surdo

apresenta certos entraves com relação à escolarização, sendo que 74% da população não

chega a concluir sequer o Ensino Fundamental, pois terminam desistindo de frequentar a

escola que os marca como diferentes e/ou especiais, não lhes favorecendo oportunidades que

realmente contribuam em seu progresso e/ou desenvolvimento escolar.

Deste modo, por meio das imagens acima, atentando às metodologias adequadas e/ou

“mais” adequadas para o ensino de crianças surdas, as quais implicam em mudanças de

concepções sobre o sujeito e sua capacidade intelectual, é preciso desconstruir alguns

conceitos que ainda permeiam em certas escolas cuja visão de inclusão está somente

relacionada à integração escolar. Essas instituições apresentam metodologias defasadas, de

cunho adaptativo unilateral, desrespeitando esses alunos e, principalmente, não atendendo

31

Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - http://www.feneis.com.br/pag /index.asp

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suas necessidades específicas. Independente da surdez, cabe ao educador rever suas

metodologias, sendo essencial um repensar de sua prática.

Vê-se que, no caso de Sara, as atividades para ela elaboradas estão inapropriadas

para uma criança com surdez, sem contar a pouca habilidade da professora, como mediadora,

perceptível na condução das atividades propostas. São produções aparentemente sem

significação.

Sobre o(s) método(s) utilizado(s) pela professora de Sara para o ensino de escrita

para surdos, afirma que:

É um desafio diário, falta uma orientação, tenho que ficar buscando sozinha, correndo atrás de material, até encontrar um caminho que julgo ser ideal. No

caso dela pensei como vou ensinar seu nome? Como farei pra que ela

entenda que este é o nome dela, tenho que desenvolver alguma coisa pra que ela consiga entender isso. Tentei vários métodos envolvendo mais a escrita,

mas percebi que foi em vão. Daí, a partir da Libras consegui perceber um

avanço. Em cada atividade proposta para ela, são tentativas, pois todos os

dias é uma batalha, tento, mudo a ideia, até eu perceber que ela consiga entender a proposta. Uma ideia que me surgiu esta semana foi utilizar a

identidade dela, com a foto dela, para que ela realmente consiga entender e

relacionar seu nome à sua imagem. Quando paro para pensar tudo o que deve passar na cabecinha dela... Um monte de letras juntas, sem significado,

é complicado... Tento pensar como ela poderá entender tais questões, cabe

uma reflexão! (Professora L – Entrevista, 22/04/2013)

Diante dos fatos, percebe-se que, para o ensino da leitura e escrita, a professora de

Sara, mesmo com pouca ou nenhuma experiência da prática docente com alunos surdos, está

preocupada com o método mais atraente/adequado para atingir bons resultados neste processo

inicial de alfabetização.

A resposta para essa dificuldade está na teoria de Vygotsky (1984), o qual afirma que

as coisas caminham juntas – a criança, na sua relação com o conhecimento, com as pessoas,

com o mundo, sofre transformações. Contudo, o conhecimento, de maneira geral, tem sido

levado às comunidades escolares de forma imposta e muito fragmentada. Assim, por meio das

atividades, tanto de Allan quanto de Sara, pode-se dizer que a escola procura inserir seu

conteúdo, tão desvinculado da realidade, por meio de atividades sem significação alguma para

surdos e, sobretudo, incorporadas à mera repetição mecânica.

Por conseguinte, refletir sobre o papel do professor no espaço escolar direciona a

outra questão: que peso tem o saber sistematizado, do qual ele é representante, em relação ao

conhecimento espontâneo construído na comunidade?

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As imagens a seguir revelam momentos em que a atividade pedagógica pode ser

agradável e, sobretudo significativa, de modo que os conteúdos pensados para o ensino de

surdos sejam devidamente organizados em uma metodologia que atenda suas necessidades.

Figura 7 – Jogo: Carimbos dos Números em Libras -16/04/2013

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Figura 8 – Informática /Libras - 18/04/2013

Neste episódio, observa-se uma mudança de concepção radical quanto aos métodos

utilizados para o ensino de Sara. O destaque dado a este evento, em comparação ao anterior,

aponta quão significativo é o pensar e o refletir, sobre a prática docente. Os jogos

pedagógicos acima retratados revelam cenas de um aprendizado, dessa vez, com significado

para a criança, pois advêm de algo que é natural, uma valorização contextual espontânea de

uma língua que, sem ao menos ainda conhecer, é natural.

A imagem representada pela figura (7) trata de um conjunto de carimbos de

numerais, os quais sinalizam quantidade e apontam a representação dos numerais em libras.

Na figura (8), por meio da tecnologia, a professora apresenta possibilidades de relacionar o

alfabeto datilológico de Libras ao alfabeto convencional da Língua Portuguesa. Meios de

comunicação e interação pedagógica que “realmente” objetivam, mesmo que de forma

ingênua, traçar possibilidades de um ensino mediado no prazer, brincando e,

consequentemente, aprendendo.

A professora de Sara declara que:

Agora confeccionei um bingo em Libras e Português, para ver se ela começa a entender as diferenças e, em seguida fazer associações. Além disso, quero

ver se ela consegue identificar as letras do alfabeto, tanto em português

quanto em libras, quero ver se ela consegue, brincando, aprender (Professora L – Entrevista, 22/04/2013).

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Note-se que o professor tem condições de, a partir do conhecimento de como a

criança se apropria da linguagem, mediar a construção desse conhecimento nos momentos em

que o aprendiz efetivamente carece de uma intervenção pedagógica.

Para Vygotsky, o desenvolvimento das capacidades intelectuais do homem está

relacionado à linguagem, como fator principal para que esse desenvolvimento ocorra. Desta

forma, a linguagem como um conjunto de símbolos com caráter histórico cultural e social,

enfatiza a importância da informação e da sua interação linguística para a construção do

conhecimento. Essas ideias de Vygotsky ajudam a esclarecer as relações entre pensamento,

linguagem, desenvolvimento e, principalmente, aprendizagem.

Quando há uma mudança no foco de atenção de uma língua (entendida como um

conjunto de regras), detendo-se na comunicação, todo o referencial teórico é modificado,

percebendo-se que o indivíduo não se desenvolve quando domina um conjunto de regras

gramaticais e sim quando está envolvido em um contexto comunicativo.

Contudo, a leitura e a escrita são práticas e/ou resultados de apropriação cultural. O

que se quer dizer é que a escrita é uma manifestação da função simbólica, porém, não é

necessário carga genética alguma para ler e escrever, diferente da fala, que, no sujeito normal,

requer tudo isso para se desenvolver.

O surdo, por sua vez, para estabelecer a fala, utiliza, diferente do ouvinte, o

movimento de suas mãos (comunicação gestual espacial) que, da mesma forma, apresenta

grande complexidade e capacidade para a construção de comunicação. Sendo assim, torna-se

crucial, para o educador, entender tais diferenças.

No acompanhamento dispensado a Sara, a professora consegue mostrar com nitidez

traços de conhecimento e competência, tanto em suas falas quanto em suas ações. É

perceptível sua preocupação com o aprendizado da aluna, sempre muito desejosa, querendo

e/ou buscando novas possibilidades - abordagens pedagógicas - que sejam benéficas ao

aprendizado e, consequentemente, ao progresso de sua discente. Assim, afirma:

Por enquanto trabalho de diversas formas, eu não sei muito a comunicação gestual, porém, uso muitos gestos contextualizados, porque ela vem pra

escola com os gestos, a comunicação que ela aprendeu e usa em casa... Desta

forma, tento entendê-la principalmente através da expressão facial, pra ver se

juntas conseguimos estabelecer algum tipo de comunicação. Eu trabalho imagem, datilologia e o sinal, em seguida junto tudo, pra ver se ela consegue

entender os respectivos significados (Professora L- Entrevista, 22/04/2013).

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A filosofia educacional utilizada pela professora de Sara é bem evidente em sua

prática. Trata-se de um método muito empregado em escolas regulares que atendem surdos, a

“Comunicação total”.

Relembrando o que já foi dito em capítulos anteriores, os métodos e/ou metodologias

relacionadas à comunicação total nada mais são do que aquilo que a própria professora de

Sara apresentou: uma mistura de gestos, sinais, palavras escritas, imagens e etc., na busca de

uma compreensão da Língua Portuguesa. São diferentes caminhos e/ou diferentes

possibilidades, através dos quais o professor tenta estabelecer um elo de comunicação e

propor uma significação para a construção da língua escrita.

Tal abordagem é alvo de críticas, principalmente por pesquisadores que defendem o

bilinguismo, pois afirmam que o ensino para surdos, a partir da comunicação total, os limita

no decorrer do processo de ensino e aprendizagem. Essa afirmação é apoiada no fato de que a

língua de sinais, neste caso, é percebida pelo surdo, como uma tradução da língua escrita,

dando, assim, maior ênfase à língua oral e, em consequência, atribuindo à língua gestual o

status de menor e/ou insuficiente.

Entretanto, o que se quer registrar aqui são os resultados diante do desenvolvimento

escolar de Sara que, em comparação aos de Allan, a cada dia se apresentam de forma bem

mais significativa.

5.3 Apropriação de escrita em sala de aula

Nos episódios selecionados, podem-se observar algumas características da formação

tradicional, além de atitudes em que a professora mostra-se insegura diante da barreira da

comunicação com Sara. No entanto, para a realização das atividades, a professora se apoia em

recursos visuais, com a finalidade de ilustrar e possibilitar a compreensão de alunos surdos,

que é plenamente possível.

Os eventos abaixo revelam, portanto, fases de apropriação da escrita em sala de aula,

tornando-se possível a verificação das estratégias pedagógicas utilizadas para o ensino de

crianças surdas em período de alfabetização.

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Figura 9 - Atividade realizada no dia 07/05/2013

O que dizer desses registros? Criticar a professora pelo uso da repetição no processo

de alfabetização ou parabenizá-la por referenciar a comunicação gestual, dando

sentido/significação às produções de Sara? Sob o ponto de vista da prática pedagógica,

destacando os esforços da professora em questão, que poderia estar em fase de transição de

uma metodologia mais severamente criticada para uma mais elaborada, acredita-se que todo

professor sabe que existem duas espécies de atenção. A primeira é mecânica e aparente, na

qual os alunos olham para o mestre e tentam segui-lo em tudo, porém as explicações não lhes

chegam ao cérebro, de forma que, se interrogados bruscamente, seriam incapazes de

reproduzir a sequência das ideias. A outra atenção é a instintiva e verdadeira, acompanhada

das sinuosidades da explanação, na qual o aluno alegra-se com as dificuldades superadas e,

quando bem orientado, supera toda e qualquer expectativa. Assim, cabe ao professor/educador

perceber quando uma domina ou reprime a outra, sendo capaz de intervir oportunamente para

deter as aparentes dificuldades.

À vista disso, ao lado das tentativas da professora em alfabetizar Sara, através da

imagem representada pela figura (8) a menina torna-se capaz de expressar traços de

personalidade identitária. Compreende-se, então, que a criança surda já assimila o contexto da

atividade proposta, decodificando, por meio da escrita, todo o significado que ela “tenta”

atribuir às mãos. Sara já consegue apreender que a comunicação gestual tem um significado,

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muito modesto ainda. Porém cognitivamente, já alcança uma expressividade considerável, em

relação as suas primeiras produções, afinal, grande parte do universo escolar em que Sara está

inserida não utiliza-se da comunicação gestual (LIBRAS) para constituir comunicação.

Vale lembrar aqui Vygotsky (1991), quando afirma que toda a aprendizagem da

criança na escola tem uma pré-história. Muito antes de estar na escola, a criança já adquiriu

determinada experiência que, no espaço educacional, só se potencializa. Portanto, antes

mesmo de estar na escola, a criança já apresenta certas concepções diante dos assuntos lá

abordados, as quais não podem e nem devem ser ignoradas.

Porém, mesmo que os sinais utilizados para estabelecer comunicação com Sara ainda

não tenham todo o significado cognitivo necessário para uma compreensão total da língua de

sinais, alguma coisa já está sendo cultivada. Tanto é que, se forem observadas as produções

escritas nas imagens acima, fica evidente que, em menos de quinze ou vinte dias, o espaço

escolar e tudo que nele é proposto, para Sara, apresentam outro significado. Durante a

aprendizagem da leitura e da escrita, as crianças têm como ponto de partida o sentido do

mundo e dos objetos que as cercam, porque aprendem pensando, estabelecendo relações sobre

as características da linguagem presentes ao seu redor.

Os estudos de Emília Ferreiro e outros pesquisadores contemporâneos contribuíram

para a prática pedagógica testando e organizando as concepções da criança sobre a linguagem,

mostrando que a alfabetização é um longo processo em que o aprendiz observa, estabelece

relações, organiza conceitos, duvida deles, reelabora, até chegar ao código alfabético usado

pelo adulto. Da mesma forma que o ser humano nasce, passa pela infância e adolescência, até

atingir a idade adulta, a criança apresenta fases ou níveis de desenvolvimento quanto à

construção do pensamento em relação à linguagem escrita.

Sobre a apropriação da escrita por surdos, Brochado (2003) declara que, entre os

estudos sobre a escrita, na área da surdez priorizam-se aqueles que enfocam a compreensão e

a produção da escrita sob pontos de vista diferentes, atrelando-se também a eles a questão da

aquisição de segunda língua, com o objetivo de discutir a apropriação da escrita do Português

por crianças surdas.

Sánchez (1999), a respeito do ensino da leitura e escrita para surdos no período de

alfabetização, salienta as dificuldades encontradas em passar os conhecimentos por falta de

domínio da língua de sinais pelos professores. Destaca que os surdos, teoricamente, têm

possibilidades de serem leitores e escritores competentes, só não podem efetivamente sê-lo

devido às condições do meio familiar e social em que participam.

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É hora de aceitar definitivamente que os surdos, pelo direito de serem surdos, não podem em nenhum caso alfabetizar-se como o fazem os

ouvintes, ou seja, não podem ‘conhecer’ as letras por seus sons, e não podem

ou não lhes será útil poder por este meio repetir sons mais ou menos

parecidos aos da fala para aprender a escrever [...] (SÀNCHEZ, 1999, p. 44).

Portanto, lançado um olhar mais atento aos sinais utilizados – as figuras a seguir,

confeccionadas por Sara, ajudarão nesta análise, sendo possível constatar algumas questões

relacionadas às dificuldades e/ou desafios enfrentados por surdos em suas produções iniciais

sobre a língua escrita.

Figura 10 - 19/03/2013 (tentativa de escrita)

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Figura 11 - 20/03/2013 (tentativa de escrita)

Figura 12 - 22/03/2013(tentativa de escrita)

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Figura 13 - 22/03/2013 (tentativa de escrita)

Figura 14 - 27/03/2013 (tentativa de escrita)

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Figura 15 - 27/03/2013 (tentativa de escrita)

Figura 16 - 08/04/2013 (tentativa de escrita)

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Figura 17 - 08/04/2013 (tentativa de escrita)

Nas figuras acima torna-se possível identificar algumas concepções de Sara a

respeito da escrita alfabética. Ferreiro (2001) nos diz que os indicadores mais claros das

explorações que as crianças realizam para compreender a natureza da escrita são suas

produções espontâneas, entendendo como tal as que não são o resultado de uma cópia

(imediata ou posterior). Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria

escrever certo conjunto de palavras, está oferecendo um valiosíssimo documento que

necessita ser interpretado para poder ser avaliado.

Para Ferreiro (2001), as primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista

gráfico, como linhas onduladas ou quebradas (ziguezague), contínuas ou fragmentadas, ou

então como uma série de elementos discretos repetidos (série de linhas verticais ou bolinhas).

A autora destaca, ainda, a importância de observar a qualidade do traço, a distribuição

espacial das formas, a orientação predominante, garantindo que os aspectos gráficos

estabeleçam as condições da produção escrita. Contudo, os aspectos construtivos têm a ver

com o que se quis representar e os meios utilizados para se criar diferenciações entre as

representações. Assim,

do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendente regular, através de diversos meios culturais, de diversas

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situações educativas e de diversas línguas. Aí, podem ser distinguidos três grandes períodos no interior dos quais cabem múltiplas subdivisões:

Distinção entre o modo de representação icônico e não icônico;

A construção de formas de diferenciação (controle progressivo das

variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo);

A fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e culmina

no período alfabético) (FERREIRO, 2001, p. 19).

Desse modo, por meio da análise das imagens representadas pelas figuras 9, 10, 11,

12, 13, 14, 15 e 16 – produções de Sara – pode-se exemplificar as duas distinções básicas que

traduzem a diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e não figurativas, por um lado, e

a constituição de traços de escrita como objeto substituto, por outro.

Interpretando as imagens, nas de números 9 e 10 Sara registra garatujas, desenhos

não identificáveis. Em seguida, nas ilustrações 11 e 12, é possível identificar perfeitamente a

imagem de um sol, indicando sua maneira de pensar e, sobretudo, de registrá-lo por meio da

linguagem não verbal, com significado (as imagens encontram-se a direita e no alto das

páginas).

Igualmente, as figuras 13, 14, 15 e 16 traduzem símbolos e pseudoletras,

embaralhados com letras. A disposição de tais letras revela um conhecimento social utilizado

para registrar e/ou escrever.

De acordo com Lodi (2010, p. 144), no Brasil, a teoria cognitivista piagetiana,

arcabouço dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1988), foi a base para o desenvolvimento de

alguns trabalhos entre os anos de 1980 e 1990, visando a compreensão dos processos

implicados no ensino e aprendizagem da língua escrita por surdos. A autora cita, também, os

estudos desenvolvidos por Gesueli (1988) e Cruz (1992), os quais buscavam analisar aspectos

relacionados à escrita inicial de crianças surdas. Em ambos os casos, as crianças passavam

pelos níveis descritos por Ferreiro e Teberosky (1980). Entretanto, observou que as crianças

exploraram o contexto visual da escrita de forma distinta ao habitualmente observado em

crianças ouvintes, captando os detalhes que, muitas vezes, são ignorados por ouvintes.

Tendo em vista os estudos de Ferreiro e Teberosky (1988) sobre os diferentes níveis

de desenvolvimento cognitivo da criança em processo de aquisição de escrita, é possível

afirmar que, diante dos fatos, o uso dos aspectos visuais por crianças surdas pode ser

entendido a partir da forma de comunicação por eles utilizada. Nesse sentido, ao associar a

fala à escrita, em se tratando de crianças surdas, variações importantes podem ser observadas,

pois aquelas que apresentam maior domínio da linguagem oral terão maior facilidade na

atribuição de valores sonoros às letras. Em contrapartida, crianças que não fazem uso da

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linguagem oral apresentam maior dificuldade em relacionar escrita ao som, passando a utilizar

o recurso visual para a memorização das palavras.

Contudo, as dificuldades de Sara, bem como o atraso na apropriação do sistema de

escrita32

, são perceptíveis por meio do registro das imagens, que evidenciam as experiências

das práticas educacionais inadequadas, destinadas ao ensino de crianças surdas. A

metodologia adotada pela professora de Sara, mesmo na melhor das intenções, situa-se no

patamar do bimodalismo. De acordo com Quadros (2006), tal prática, mesmo utilizando os

sinais extraídos da LIBRAS, quando inseridos à estrutura da Língua Portuguesa, dificultam a

compreensão da distinção entre uma língua e outra, de modo que na língua gestual não

existem certos componentes da estrutura frasal do Português (preposição, conjunção entre

outros.). Estabelecem-se, assim, lacunas linguísticas de essencial compreensão.

De forma contrária, a sugestão da prática bilíngue para o ensino dessas crianças

facilitaria e possibilitaria uma compreensão da língua escrita por igualdade - comparado à

criança ouvinte - pois, através desta filosofia educativa, permitir-se-ia o acesso da criança

surda, o mais precocemente possível, a duas línguas: a Língua Brasileira de Sinais e a Língua

Portuguesa.

O conceito mais geral de bilinguismo é determinado pela situação sociocultural da

comunidade surda como parte do processo educacional. O fato de serem pressupostas duas

línguas no processo educacional da pessoa surda, a LIBRAS e a Língua Portuguesa, está

inserido num processo educacional. Bilinguismo para surdos atravessa a fronteira linguística e

inclui o desenvolvimento desses sujeitos dentro da escola e fora dela, por uma perspectiva

socioantropológica, de modo que a educação de surdos deve ser pensada em termos

educacionais e não mais em termos de línguas. Nesse contexto, o bilinguismo está sendo

apresentado como um caminho eficiente para a reflexão e análise da educação de surdos.

Assim, a adoção da língua de sinais e dos procedimentos construtivo-interacionistas

é de suma importância na educação de surdos, uma vez que estas crianças chegam à escola

aos cinco, seis anos, ou mais, apresentando ausência, ou um repertório reduzido de

linguagem, pois, a forma de comunicação natural utilizada por elas evidentemente se sustenta

por meio da LIBRAS.

Neste viés, fundamentado nos estudos de Emília Ferreiro, percebe-se a possibilidade

em identificar que a distinção entre desenhar e escrever é de fundamental importância para

um efetivo progresso no âmbito da escrita. O desenho de Sara, por exemplo, pode ser

32

Se considerarmos as proposições de Emília Ferreiro, essas primeiras apropriações reveladas por

Sara ocorrem muito mais cedo em crianças ouvintes.

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considerado como um domínio icônico. Por outro lado, nas produções arbitrárias ou não

icônicas, sua ordenação espacial reproduz um contorno composto por letras convencionais,

mas sem diferenciações interfigurais. No entanto, suas produções caminham de forma

reveladora, porém bastante sossegada, ainda, para construções de efetivo progresso em novas

e/ou futuras produções escritas.

A seguir, são reproduzidos alguns episódios que revelam momentos de produção da

escrita de Allan, nos quais sua professora tenta mediar o momento pedagógico para a

execução das atividades propostas.

Episódio – 01 (Allan) Concurso de desenhos.

Professora: Boa tarde crianças, vamos ficar em silêncio, não perceberam, estamos com

visita! Entrem (Convidando os idealizadores do concurso de desenhos), fique à vontade, viu?

Crianças, eles têm uma surpresa para vocês, prestem atenção!

(Allan inquieto querendo saber do que se trata)

Professora: Sente no seu lugar!

(Apontando com o dedo em direção à carteira de Allan)

Convidados: Boa tarde, tudo bem? Então, somos representantes (de um estabelecimento

comercial do município) e estamos organizando um concurso de desenhos. Vocês deverão

registrar nesta folha algum ponto turístico da cidade, algum local que gostem e/ou ache

bonito, ok? Os melhores desenhos serão premiados, então, caprichem!

(As crianças começaram a aplaudir, gritar e pular de felicidade. Allan, sem saber do que se

tratava, fazia o mesmo, ao observar o comportamento dos colegas, imitava-os).

Professora: Todos entenderam?

Crianças: simmmmm!!!

Professora: Vocês terão até a hora do recreio para terminar o desenho...

(Allan recebe a folha, olha de um lado para o outro, levanta para apontar o lápis próximo ao

lixeiro, senta em sua carteira e começa a trabalhar).

A professora indica a data na lousa e, em seguida, se aproxima da carteira de Allan e diz:

Professora: Você tem que desenhar (apontando o dedo na folha que está sobre a mesa de

Allan) uma paisagem bem bonita de Rondonópolis, um lugar que você gosta muito de

passear, brincar. Entendeu? (Comunicação oral)

(Allan balança a cabeça afirmando que entendeu a atividade e sozinho inicia sua produção):

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Figura 18 - 17/04/2013 (Concurso de desenhos – Allan)

A atividade acima, representada pela figura (18), realizada no dia 17/04, trazia como

objetivo inicial que os alunos produzissem um desenho livre, os quais, em seguida, seriam

analisados, elegendo-se os melhores/destaques para uma premiação. Tratava-se de um

concurso de desenhos, proposto por um estabelecimento comercial do município de

Rondonópolis – MT, em parceria com a escola, no qual os alunos teriam o privilégio de

registrar as belezas da cidade, enfim, algo que pudesse, de alguma forma, representa-la.

Como se vê, pelo “simples” fato da evidente falta de comunicação Allan, sem

entender a proposta da atividade, começa, de modo agitado, a olhar para os lados, em busca

de compreender por meio das produções de seus colegas o que deveria registrar na folha.

Nessas condições, o garoto começa a dar formas a sua atividade.

De tal modo, em seu desenho (figura 18), a criança faz uma relação entre imagem e

escrita, deixando claro que percebe uma necessidade de exemplificar os fatos: a função

instrumental de demonstrar que aprendeu a escrever o que lhe ensinaram. Porém, sua escrita

não está totalmente relacionada a uma tarefa escolar, mas com a função pessoal e interacional,

sentindo ele a necessidade de traduzir seu desenho em escrita alfabética, na tentativa de uma

possível interação com a professora, assim, expressando seus sentimentos.

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Para quem não conhece a natureza da escrita dos surdos, os graus de acessibilidade e

as péssimas condições do ensino imposto declaram a incapacidade da progressão escolar

destas crianças, potencializando a deficiência, a dificuldade de aprendizagem e, sobretudo,

fortalecendo um discurso totalmente equivocado acerca da surdez (GÓES, 2002).

Sendo assim, aos sujeitos que são apontados com “dificuldades de aprendizagem,” o

Conselho Nacional de Educação indica o Ensino Especial. Conforme este mesmo Conselho,

encontra-se nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica a seguinte

definição para a Educação Especial, da qual também decorre o entendimento de um potencial

genético e a ideia de modelo de desenvolvimento.

A Educação Especial é a modalidade de educação escolar entendida como um processo educacional que se materializa por meio de um conjunto de

recursos e serviços educacionais especiais, organizados para apoiar,

complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal e promover o

desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam

necessidades educacionais especiais, diferentes das da maioria de crianças e

jovens, em todos os níveis e modalidades de educação e ensino (Resolução n.º 02/2002 do CNE,).

Nessa direção, a educação inclusiva se sustenta afirmando ansiar fazer efetivo o

direito à educação e a igualdade de oportunidades e de participação. Tais direitos encontram-

se consagrados na Declaração dos Direitos Humanos e são reiterados pela política

educacional. Porém, inúmeras crianças e adultos chamados “especiais” não têm acesso à

educação ou a têm parcial e discriminatoriamente, o que os condena à segregação social, pois

não são considerados em suas singularidades e na ideia da diversidade de processos de

desenvolvimento.

Tudo indica que, pelo fato de Allan conviver com a dificuldade da comunicação

diária, não se conforma simplesmente com o desenho. Compreende que a comunicação

escolar a qual pertence é limitada, apresentando uma necessidade de adicionar legendas

(Tradução do pensamento, da manifestação artística) em suas produções. O garoto possui um

conceito subjetivo de que, somente por meio da escrita, pode haver uma interlocução.

Evidentemente, por não compreender a finalidade da proposta, a atividade de Allan

fugiu totalmente do objetivo. Portanto, utilizando-se de sinais e alguns gestos

contextualizados, Allan diz ao presente pesquisador que sua produção está relacionada a algo

que adora: carros, natureza e doces. Diante das dificuldades, ele tentou traduzir seu

pensamento, utilizando os caminhos que conhecia, inclusive, empregando um vocabulário que

lhe era, certamente, familiar.

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Com a realização da atividade, o que Allan desejava obter, tanto do pesquisador

(observador, curioso por novas descobertas e autor deste estudo) quanto da professora, era

simplesmente aprovação, ou seja: “Veja como sei escrever as palavras que me foram

ensinadas”.

Sua escrita, neste episódio, apresentou significação, que, antes de tudo, carece ser

valorizada, afinal, do seu modo, houve a intenção de expressar-se, buscando maneiras e/ou

possibilidades que evidenciassem tal fato.

Mas, na análise desse registro (figura - 18), observa-se que Allan ainda não tem

domínio dos recursos coesivos da língua escrita, contudo já os utiliza como mais acha

conveniente. Não se pode negar o nível desmedido de tamanha inteligência. Diante da

obscuridade dos fatos, cria mecanismos de comunicação que dão forma ao seu pensamento e

traduzem sua condição escolar fragmentada e descontextualizada diante da diferença.

Um segundo episódio aconteceu da seguinte forma:

Episódio 02 (Allan) Páscoa.

Professora: Boa Tarde, quem sabe me dizer que dia é hoje?

Crianças: três de Abril

(Allan se mostra sempre muito atento ao comportamento de seus colegas e procura imitá-los

em tudo)

Professora: Dia três, muito bem! Quem comeu muito chocolate domingo?

Crianças: eu...

Professora: Quem sabe me dizer o que comemoramos no domingo dia 02 de Abril?

Crianças: A páscoa...

Professora: Muito bem, agora vou entregar uma folha em branco em que vocês irão escrever

como foi a festa de páscoa na casa de vocês!

Um dos alunos: Mas é pra fazer no caderno de produção?

Professora: Não, vou entregar uma folha em branco.

(A professora entrega a folha aos alunos)

Chegando a carteira de Allan, ele sinaliza:

Allan: O que é isso? Fazer o quê?

Professora: Espera um pouco, já volto pra te explicar!

(Allan agitado olha para os lados, tentando buscar alguma pista sobre a atividade)

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A professora vai até a lousa, registra a data e acrescenta a proposta da atividade para que os

alunos copiem. Em seguida, volta até a carteira de Allan e, de forma oral, diz o seguinte:

Professora: Como foi a páscoa na sua casa? Comeu muito chocolate?

(Allan balança a cabeça em sinal de afirmação)

Professora: Tenta escrever aqui (apontando o dedo para a folha) como foi sua páscoa, certo?

Entendeu?

(Allan novamente balança a cabeça afirmando que entendeu a proposta)

Figura 19 - 03/04/2013 (Páscoa – Allan)

A sugestão do texto, representado pela figura (19), novamente apresenta reflexos

bem próximos em comparação à figura (18), tanto no aspecto visual, referindo-se à

composição das imagens, quanto ao vocabulário utilizado, incluindo formato do texto e

colocação das palavras.

O texto acima não é difícil de ser compreendido, porém, novamente foge da proposta

sugerida pela professora: Como foi a festa de páscoa em sua casa? Destarte, merece destaque

o fato de, logo na primeira frase, Allan demonstrar ter compreendido a proposta da atividade:

casa eu ovos de chocolate... Contudo, no decorrer de sua produção escrita, ao acrescentar

palavras “aparentemente” descontextualizadas, foge totalmente ao assunto, na tentativa de,

simplesmente, compor a ideia de um texto.

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Ao lado de sua constante tentativa, é possível afirmar também que a criança busca

compreender o sistema de escrita alfabética, que se mistura aos cortes lúdicos realizados na

escrita, bem nas explorações do espaço em branco. Essa busca, todavia, extrapola os limites

normativos da escrita. Ou seja, nota-se, nesse texto, que a presença da palavra ovos de

chocolate nada mais é que uma cópia33

efetiva de algo e/ou alguém. Como já mencionado na

figura anterior, Allan, quando percebe que não compreendeu o contexto dos fatos,

rapidamente busca pistas que possam dar caminhos/suporte para sua construção. Tanto é que

estas palavras (ovos de chocolate) são as únicas que dão sentido, efetivamente, à proposta da

atividade.

Outro fato que comprova tal hipótese é o simples fato de que, ao ilustrar o texto

escrito, somente as primeiras palavras, se remetem à páscoa, ou seja, além de fugir do

conteúdo estabelecido pela professora, desta vez, Allan não faz nenhuma associação de

ilustração ao texto escrito. Contudo, mesmo em poucas palavras, Allan nos mostra que é

capaz, que tem condições de aprender, e que, de alguma forma, mesmo desalinhadas, as

palavras acima (figura 19) registradas estão escritas corretamente.

Deste modo, quando arguido, Allan demonstra conhecer ortograficamente tais

palavras, compreendendo seus respectivos significados, no entanto, apresenta dificuldades de

relacioná-los em um contexto que tenha sentido. A escrita, neste caso, é perpassada pelas

situações de produção em que é realizada e pelo sentido a ela atribuído, não só pela criança (o

escritor), mas também pelo contexto em que o ensino dessa escrita é conduzido. No caso de

Allan, as práticas metodológicas e/ou métodos utilizados, os recursos de comunicação

aplicados, só dificultam o processo.

Sobre o processo de apropriação da linguagem escrita pela criança, Vygotsky (1991)

propôs o estudo da pré-história da linguagem escrita, salientando pontos importantes, não

lineares, pelos quais incide esse desenvolvimento e sua relação com o aprendizado escolar.

Assim, o autor registra manifestações que partem do uso de gestos como signos visuais,

passando pelo desenvolvimento do simbolismo no brinquedo e no desenho, até chegar ao

simbolismo na escrita, propriamente dito.

Ao enfocar, neste texto, especificamente, a constituição da escrita por sujeitos

surdos, reconhece-se a grande dificuldade que estes indivíduos apresentam nessa modalidade,

33

Cabe informar que parte das considerações apresentadas neste texto, acerca das dificuldades ou não, experimentadas pelo surdo no uso da língua escrita, decorre de observações e reflexões desenvolvidas

pelo pesquisador em seu percurso de observação/coleta.

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que se revela um desafio para eles. E sobre esse processo de escolarização e alfabetização do

aluno surdo, Nogueira (1997) afirma que:

Ser alfabetizado supõe a possibilidade de [...] "decifrar" componentes

ideográficos que rompam com a suposta relação fonética, bem como conhecer a distância entre o escrito e o falado (e no caso dos surdos, também

entre a língua portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS)

(NOGUEIRA, 1997, p. 53).

Outro detalhe importante, que não poderia passar despercebido nas produções de

Allan, são seus desenhos. O sol, o carro e a árvore constituem elementos que podem ser

caracterizados como meios de comunicação e expressão.

Piaget (1971) aponta o desenho como uma das manifestações semióticas, ou seja,

uma das formas através das quais a função de atribuição e significação se expressa e se

constrói. Para o autor, se trata de compartilhar a plasticidade do brincar, constituindo-se em

meio de expressão particular, isto é, “... um sistema de significantes construído por ela e

dóceis as suas vontades” (PIAGET, 1971, p. 52).

Outra condição do desenho é abordada por Vigotsky (1988), referindo-se ao domínio

do ato motor. O desenho é o registro do gesto, constituindo passagem do gesto à imagem,

indicando a intenção prévia e o planejamento da ação.

Assim, em relação ao desenvolvimento da linguagem escrita, o autor propõe “... que

o brinquedo de faz de conta, o desenho e a escrita devem ser vistos como momentos

diferentes de um processo essencialmente unificado...” (VIGOTSKY, 1998, p. 131). Assim o

“... brincar e desenhar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem

escrita” (p. 134).

Portanto, mesmo abordando diferentes aspectos relacionados ao desenho, Piaget e

Vigotsky se aproximam em relação à importância do desenho no processo de

desenvolvimento da criança e à característica de que a desenha o que a interessa,

representando o que conhece sobre determinado objeto.

Do mesmo modo, entende-se, aqui, o desenho como um caminho de autoexpressão

e/ou desenvolvimento da capacidade criativa e representativa da criança.

5.4 A escrita no espaço AEE

O trabalho desenvolvido nas escolas regulares por meio do AEE preconiza, para o

aluno com surdez, um trabalho direcionado as suas necessidades diferenciais, em um período

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adicional de horas diárias e/ou semanal de estudo, indicado para execução do ensino.

Contudo, para que o trabalho com alunos surdos tenha algum êxito, além das questões do

ambiente das salas, da interação/comunicação, Damázio (2007), ao estudar a organização do

ambiente AEE para o atendimento de surdos, apresenta três momentos didático-pedagógicos,

que necessitam ser desenvolvidos nesses espaços:

Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na

escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes conteúdos

curriculares são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se

aos alunos com surdez.

Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino de

Libras na escola comum, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos científicos. Este trabalho é realizado pelo professor

e/ou instrutor de Libras (preferencialmente surdo), de acordo com o estágio

de desenvolvimento da Língua de Sinais em que o aluno se encontra. O

atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua de Sinais.

Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino da

Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades dessa língua

para pessoas com surdez, à parte das aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta área, preferencialmente. O

atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que

o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa (DAMÁZIO, 2007, p. 25).

Damázio (2007, p. 26 -27) nos diz também que, para o aluno com surdez obter

resultados significativos no processo de ensino e aprendizagem, este deverá ser observado por

todos os profissionais que, direta ou indiretamente, trabalham com ele. Esses profissionais

devem, pois, estar atentos aos aspectos de socialização, cognição, linguagem, afetividade,

motricidade, aptidões, interesses, habilidades e talentos. Damázio ressalta, na continuação, a

importância dos registros das observações, a partir de dados colhidos ao longo do processo,

além de avaliá-los relativamente na perspectiva de uma possível análise do desenvolvimento

e/ou desempenho de cada um deles.

Em visita à sala de AEE, a qual Sara e Allan frequenta, foi possível observar alguns

eventos de escrita e/ou do ensino (inicial) desta, lá desenvolvidos. O atendimento de Sara

acontece todas as quartas-feiras das 7h às 11h. Para Allan, o atendimento AEE se dá às terças-

feiras, também das 7h às 11h. Ambos estudam em sala regular, no período vespertino. Desse

modo, o AEE se estabelece no contra turno do ensino regular. Isso justifica o atendimento às

crianças no período matutino.

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No ambiente do AEE, da referida escola, estão em atividade duas professoras, as

quais dedicam-se somente ao ensino de crianças surdas: A professora V e a professora T.

Assim, sobre o trabalho proposto ao ensino da língua escrita para surdos no ambiente AEE,

afirmaram que:

Na questão da alfabetização, eu trabalho a partir do concreto. A palavra isolada para eles não tem sentido algum. Porém, quando utilizo algum

material concreto, ou palavras do cotidiano deles, da realidade deles,

utilizando a contextualização, acredito obter melhores resultados. Um

exemplo: quando trabalho algo sobre o corpo humano, um vídeo, uma imagem... Dalí retiro diferentes sinais, posso explorar questões relacionadas

à saúde, higiene, mas com foco na produção escrita (Professora T, AEE -

Entrevista, 23/04/2013).

Trabalho a partir das dificuldades percebidas. Na questão da escrita, na

maioria dos casos, a dificuldade está na falta de conhecimento do vocabulário. Como não conhecem muitos vocabulários não conseguem

produzir, pois, para essa construção, requer um conhecimento maior. A

estrutura, a montagem das frases no texto, requer um conhecimento de

vocabulário. Percebo, no caso do Allan, que ele tem o conhecimento do sinal, mas na hora de transcrever esse sinal, apresenta muita dificuldade.

Meu trabalho sempre se inicia a partir da primeira língua deles, para depois

trabalhar o português. É um trabalho difícil, pois, cada surdo tem seu tempo próprio de aprendizagem e, na maioria das vezes, queremos que tudo

aconteça no nosso tempo. Esse tempo que nos angustia, de ver que o surdo

deveria estar lá na frente, que está em uma determinada fase, um determinado ano e não tem o conhecimento que você vê como base

(Professora V, AEE – Entrevista, 06/05/2013).

Por meio das falas das professoras, percebe-se que todo o material pedagógico é

adaptado à realidade de cada criança, sempre buscando condições para um melhor ensino. Em

ambos os casos, a Língua de sinais é percebida como meio único para o ensino.

Evidentemente que na fala da professora V é possível identificar tal fato com mais precisão.

Diante de sua experiência no ensino de surdos, alguns termos como língua de sinais como

primeira língua, transcrição de sinal, dentre outros, são visivelmente percebidos, enfatizando

seu conhecimento sobre o ensino de surdos e, sobretudo, sobre a língua de sinais como fator

mediador nesse processo de escolarização/ensino.

As professoras trabalham em conjunto no planejamento das atividades, nos projetos

desenvolvidos na sala, bem como no momento do ensino. No caso da professora V, é seu

último ano na rede educacional de ensino. Devido à aposentadoria, deixará o espaço escolar e,

consequentemente, a sala AEE. Contudo, devido à falta de profissionais capacitados para o

ensino de surdos na cidade34

, a escola percebeu a necessidade de investir na capacitação de

34

Por isso, a professora T participa de cursos de Libras, além de aprender, diariamente, algumas

questões de ordem metodológica, relacionadas ao ensino propriamente de surdos.

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um profissional que estivesse desejoso em participar de forma ativa como professor regente

no espaço AEE.

Sobre o atendimento/ensino de Sara, constatou-se que estão, atualmente, priorizando

o ensino da LIBRAS. Todas as atividades desenvolvidas no espaço AEE, neste caso, limitam-

se ao ensino da língua gestual, acreditando que, somente a partir da aquisição da L1, a criança

surda terá condições de se apropriar de uma segunda língua, o Português.

De acordo com Quadros (1997), a aquisição da Língua Portuguesa pelos surdos

envolve um processo de aquisição de segunda língua - L2. Dessa forma, considerando os

estudos sobre a aquisição de L2, observa-se que há questões internas e externas que

determinam esse processo, o qual pode ser visualizado na imagem abaixo.

Figura 20 - (AEE) - 08/05/2013

Neste evento, representado pela figura (20), Sara está assistindo a um vídeo da

Turma da Mônica sinalizado em língua de sinais. Toda a imagem transmitida na tela é

traduzida, de modo que possa fazer associações entre a imagem conduzida no vídeo e a

comunicação gestual.

Sobre o objetivo da atividade, a professora T relata que:

Busco algo que ela gosta muito. Ela tem paixão pela Turma da Mônica, então, como ela não conhece a Libras, resolvi associá-la a algo que ela goste.

Ou seja, retirar do vídeo alguns sinais que poderão, futuramente, ter algum

tipo de significado. Na verdade são tentativas, busco de alguma forma penetrar em seu pensamento, assim, busco possibilidades que poderão atingir

meu principal objetivo hoje: que ela aprenda a Libras (Professora T, AEE

Entrevista, 23/04/2013)

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Em conversa com os responsáveis, foi constatada essa paixão de Sara por gibis. Seus

pais, que na verdade são padrinhos, como já mencionado, não conhecem a língua de sinais e

estabelecem comunicação com Sara por meio de gestos/mímicas. Porém, durante a entrevista,

quando foi perguntado se eram leitores e/ou que tipo de leitura exercitavam, a resposta foi:

Eu utilizo a escrita somente para tirar os pedidos dos meus clientes na

lanchonete. Quase não escrevo nem leio. Em casa não temos muitos livros.

Temos a Bíblia Sagrada e outros livrinhos lá que nem sei dizer quais são. Mas meu marido adora ler gibis, na verdade ele tem uma coleção de gibis,

ele parece criança, é fascinado por gibis e são muitos mesmo (Mãe da Sara –

Entrevista, Abril/2013).

Novamente verifica-se o quanto o comportamento dos pais influencia a criança. Não

que seja uma regra, mas a alegria estampada nos olhos de Sara ao folhear um gibi e/ou assistir

a um vídeo a ele relacionado comprova que, mesmo sem entendê-lo em relação à escrita

através das imagens, a história pode ser contada. De acordo com a mãe, livros não são

prioridades em seu lar, porém lá existe uma coleção com muitos exemplares de gibis, que

consequentemente, refletem o comportamento desejoso de Sara em relação a esse tipo de

leitura.

As declarações dos pais/responsáveis dos alunos da pesquisa reúnem, porquanto,

dados valiosos sobre a importância da comunicação por meio da língua de sinais ou não.

Assim, os depoimentos trazem a público o processo inicial de humanização dessas crianças

por meio da conquista de uma língua.

Sobre a comunicação estabelecida entre Sara e a família, a mãe declara que:

Então, na verdade criamos alguns gestos (códigos) e através deles nos comunicamos. Sempre sabemos pelo comportamento dela o que está

querendo. Da mesma forma ela, ela é muito inteligente e entende tudo.

Agora sobre a Libras, não sabemos nada, inclusive estamos querendo participar de um curso para aprender, mas colocamos ela nesta escola, pois

ouvimos falar que aqui é muito bom. Na escola ela está aprendendo a Libras

e isso é muito bom, mas em casa mesmo, ninguém sabe, então a

comunicação com ela é sempre com gestos (Pais de Sara – Entrevista, Abril/ 2013).

No caso de Allan, a resposta foi a seguinte:

Ele adora sinalizar, principalmente quando encontra as primas que também

são surdas. É impossível privá-lo dessa comunicação, pois na minha família

tem outros casos de surdez e muitos dos tios, primos conhecem a Libras. Porém, eu optei pelo IC e, por ordem médica, ele deve ser estimulado a falar.

É complicado, pois ele sempre quer sinalizar, tudo pra ele é a Libras, mas em

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casa não, eu falo com ele normalmente. Quero que ele seja estimulado a falar. Na minha concepção, a Língua de sinais, limita o aprendizado da fala e

isso não é bom. Eu optei pelo IC, e não me arrependo. Se um dia, quando for

adulto, achar que o fato de escutar não é bom e escolher a Libras, tudo bem,

mas hoje meu foco é a oralidade (Mãe de Allan – Entrevista, Abril/2013).

A mãe de Allan declara publicamente a proibição da língua de sinais como

instrumento de comunicação com seu filho, afirmando, categoricamente, que se estimulado

nesta língua, que é natural para o surdo, dificultará seu aprendizado oral.

Sobre o posicionamento da família diante da diferença da criança, Chacon afirma

que:

Para alguns pais, ainda que as evidências estejam saltando aos olhos, não

conseguem atribuir as diferenças no desenvolvimento do filho a algum tipo de deficiência, preferindo atribuí-las a características de um dos cônjuges ou

outros membros da família, se irritam quando alguém lhes chama a atenção

para a diferença e podem demorar mais para atender às necessidades do filho. Trata-se de um mecanismo de defesa, denominado negação,

necessário, muitas vezes, para a manutenção da integridade do ego, bem

como para a elaboração e ressignificação da dinâmica das relações familiares (CHACON, 2011, p. 448).

Em resposta à questão da proibição da língua de sinais, as professoras do AEE tem a

seguinte opinião:

É bem difícil trabalhar diante de proibições. Na verdade, nem tenho muita

experiência em relação ao trabalho com a surdez ainda, nem tampouco sou fluente em LIBRAS. O problema é que ele adora sinalizar e me sinto

totalmente sem saber como agir diante desta situação. O fato é que não tem

como ficar perto de Allan sem sinalizar (Professora T. Entrevista,

23/04/2013).

Trabalho com alunos surdos nesta escola há alguns anos e, realmente,

trabalhar com Allan diante de tal proibição, foi algo bastante desconfortante. Minha opinião é bem clara, a língua de sinais é essencial no processo de

ensino e aprendizado de surdos, digo isso por experiência própria, não existe

outro caminho, tanto é que, quando ele aparece aqui na sala de recursos fora

do seu horário, ao se deparar com os outros surdos ele sinaliza o tempo todo, a LIBRAS é natural pra ele, é espontânea. Inclusive, mesmo diante do

impedimento, ele sinaliza muito bem, conhece os sinais e consegue

estabelecer comunicação com os colegas surdos normalmente. Mas respeito a decisão dos pais, nosso trabalho sempre foi muito transparente,

procuramos sempre pensar em conteúdos/metodologias distantes da língua

de sinais, mas a LIBRAS faz parte da vida dele e isso nunca conseguiremos controlar (Professora V. Entrevista, 06/05/2013).

Assim sendo, as imagens abaixo registram o trabalho realizado no espaço AEE, bem

como a fala das professoras diante da condução das atividades com a criança, levando em

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consideração as exigências dos pais em não utilizar a língua de sinais como instrumento

didático e/ou comunicativo, durante o momento de ensino e aprendizagem.

Figura 21 - 07/05/2013 (produção AEE)

A imagem representada pela figura (21) apresentou como objetivo uma construção

textual livre, a partir das imagens acima selecionadas. Contudo, em relação à produção de

Allan, aparentemente, trata-se de um texto totalmente sem nexo, composto por palavras soltas

sem nenhuma informação.

Como a atividade foi conduzida na sala multifuncional (AEE), houve um acesso mais

próximo do pesquisador ao aluno, assim, sobre o texto, por meio da Língua de Sinais, foi feita

a seguinte pergunta: Do que se trata esse texto?

Em resposta, Allan esclareceu35

que,

Fomos pescar, eu, meu pai e meu avô.

35

Trata-se da tradução das sentenças registradas e/ou realizadas pela criança imediatamente após o

término da produção no espaço AEE.

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Chegamos ao rio, e vi dois peixinhos e, rapidamente mostrei para o

meu pai e meu avô.

- Olha lá, tem dois peixinhos...

Meu avô respondeu:

- Não, Allan, isso não é peixe, são sapos (girinos).

Entendi que não eram peixes e novamente perguntei?

- Mas onde estão os peixes?

Ninguém me respondeu...

Pescamos e comemos alguns peixes.

Vale ressaltar que, mesmo sem muito acesso à língua de sinais, Allan sinaliza

perfeitamente. Seus sinais exibem clareza e informam espontaneamente o assunto desejado.

Claro que o texto acima foi transcrito na Língua Portuguesa, conforme o entendimento deste

pesquisador, para facilitar a comparação com a análise da imagem que, visivelmente, registra

os acontecimentos por ele sinalizados.

Figura 22 - 07/05/2013 - Recorte da figura 20.

É interessante observar que há diversos elementos no texto escrito que se fazem

presentes na narrativa em LIBRAS. Percebe-se que o uso da língua de sinais, mesmo proibida,

serve como arcabouço nas construções de Allan.

Nesse sentido, são importantes as palavras de Quadros (2008, p. 25):

[...] a Educação Especial, quando se aproxima das necessidades linguísticas,

culturais, sociais das pessoas revisando permanentemente o seu papel e sua responsabilidade com a inclusão, dá um passo positivo na tarefa imensa de

reverter os quadros dramáticos de exclusão social.

É bem verdade que os textos de Allan são ausentes de conectivos, sem pontuação,

porém, ao entender seu significado, torna-se possível associá-lo a produções bem próprias da

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escrita de crianças surdas. Assim, sobre o modo como o surdo articula a escrita textual,

baseando-me nas proposições de Vygotsky e Bakhtin, assume-se, nesta dissertação, a postura

de que somente por meio da língua(gem) e da relação social é possível a significação do

mundo pelo sujeito.

Em relação ao ensino da escrita, mais especificamente, Brochado (2003) aponta para

o papel dos sinais, que permitem consolidar o interesse pela escrita e fundamentar a

compreensão de suas características e funções sociais. Cabe reiterar que esse papel não está

restrito à viabilização de uma atividade de tradução do texto escrito e vice versa. De fato,

ocorre um jogo de “interpretação e explicitação de significados do texto com base nos sinais”,

mas, para além disso, “é em sinais que as crianças conversam, corrigem-se, negociam e

elaboram sobre a escrita” (BROCHADO, 2003, p. 316).

De acordo com Vygotsky (2002), a comunicação e o desenvolvimento intelectual

iniciais da criança são estimulados pelo adulto e por outras crianças, conduzindo-a em seu

processo de construção da linguagem. Sabe-se que a construção da linguagem acontece por

meio da interação, por meio de um contínuo e efetivo processo de trocas de informações entre

a criança e seus pais/responsáveis. Cada criança constrói seu próprio aprendizado num

processo que vai do externo ao interno, baseado em experiências de fundo psicológico. Sobre

isso Vygotsky (2002) diz que:

[...] uma característica essencial da aprendizagem é que ela cria a zona de

desenvolvimento proximal; isto é, a aprendizagem desperta uma variedade de

desenvolvimentos internos, que só tem condições de funcionar quando a criança está

interagindo com pessoas em seu ambiente e colaborando com seus colegas. Uma vez

internalizados, esses processos tornam-se parte do desenvolvimento independente da

criança (VYGOTSKY, 2002, p. 94).

Contudo, o intelectual observa a linguagem a partir de uma visão social, associando a

linguagem à formação das funções psicológicas superiores, implicando que a formação de

conceitos é efeito de atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas fazem

parte. Entretanto, todas essas partes, tais como associação, atenção, formação de imagens,

inferência ou tendências determinantes, são insuficientes sem o uso do signo ou da palavra,

como meio pelo qual são conduzidas as operações mentais.

Recorrendo novamente à literatura, é possível perceber que muitos autores se

preocuparam demasiadamente em caracterizar as particularidades da escrita dos surdos, bem

como em apontar as dificuldades enfrentadas por esta população, em relação ao ato de

escrever. Vê-se, por exemplo, que as características particulares da escrita do surdo mais

citadas na literatura são: apoio na estrutura gramatical da LIBRAS ou português sinalizado,

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sendo que a construção frasal geralmente é topicalizada36

, não obedecendo à ordem padrão

do português (sujeito, verbo, objeto, complemento); ausência de elementos gramaticais

(plural, artigo, preposições, conjunções); dificuldade de coesão textual, entre outros (CRUZ,

1992; GESUELI, 1996; GÓES, 2002).

Tais considerações despertaram outras questões que permaneceram latentes durante

toda esta análise, a saber: a que tipo de práticas escolares os indivíduos surdos são submetidos

em seu processo de aprendizagem? Que fatores podem determinar o sucesso ou fracasso

escolar do surdo, uma vez que as dificuldades existem sempre, antes mesmo de seu ingresso

na escola?

Em resposta a essas indagações, a professora do espaço AEE afirmou que:

Eu fico frustrada em não poder utilizar a língua de sinais com Allan. Ele é

muito inteligente, pega tudo no ar, mas falta a comunicação. Ele realmente consegue ouvir um pouco, por conta do IC, mas se utilizássemos a Libras,

esse menino iria deslanchar no aprendizado. Primeiro porque ele tem paixão

pela Libras, segundo, porque a partir da Libras ele poderá entender as questões abordadas nas atividades, além de tirar todas as possíveis dúvidas

que eventualmente aparecer (Professora V/ AEE. Entrevista, 06/05/2013).

Diante dos fatos, SKLIAR (1997), baseado nas concepções de Vygotsky, observa

que a aquisição da linguagem possui importante papel no desenvolvimento humano, pois

funciona como “instrumento de regulação cultural e como eixo paradigmático de

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores” (p. 127). Ou seja, por meio da

linguagem é possível estabelecer interação social, regulação cultural, aquisição e propagação

de conhecimentos. Além disso, tem a importante função de organizar o pensamento. Para os

surdos, a aquisição da linguagem passa pela polêmica discussão sobre qual língua deve ser

apresentada inicialmente para essa população como primeira língua: a língua oral ou a língua

de sinais.

Abaixo, outro texto de Allan com as mesmas características do texto representado

acima, na figura (22), apontando, da mesma forma, registros de escrita.

36

Ou seja, aquilo que se quer destacar é deslocado para o início da sentença (Água-peixe-eu).

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Figura 23 - 14/05/2013 (produção AEE)

A imagem representada pela figura (23), segue o mesmo formato de todas as suas

produções. Allan associa a escrita a acontecimentos pessoais. Novamente, utilizando a

LIBRAS, ele diz o seguinte:

Gosto de suco de Laranja.

Mamãe fez pão de queijo (representado por pão de bola).

Eu dei flores para minha mãe porque a amo muito.

Mamãe cozinha muito bem.

Eu gosto de comer tudo o que ela faz.

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Dessa vez, o garoto cria um texto em forma de tópicos/frases, algo típico da

comunicação gestual. Novamente, um texto com características bem distantes do formato

padrão da Língua Portuguesa e, aparentemente, sem nexo. Contudo, como trabalhar tal

diferença linguística para construção de uma língua oral auditiva – Língua portuguesa?

Para Skliar (1997), as línguas orais e a língua de sinais apresentam estrutura

linguística, princípios de organização e propriedades formais similares, estando a principal

diferença entre elas pautada na modalidade de expressão e recepção: auditivo-oral ou viso-

gestual. “A língua oral e a língua de sinais constituem dois canais diferentes, mas igualmente

eficientes para a transmissão e a recepção da capacidade de linguagem; são, de fato,

mecanismos semióticos equivalentes” (p. 125). Contudo, a opção pela natureza da língua a ser

apresentada ao surdo é feita com base nas concepções que cada abordagem educacional

possui sobre a surdez, tanto do indivíduo em si, quanto da linguagem.

Os resultados de Allan refletem características de um ensino inapropriado. A defesa

do oralismo como método único e primordial para o ensino da criança, percebido na fala da

mãe, por influência médica, torna sua produção (escrita) limitada, prejudicando grandemente

seu progresso escolar.

Diante de situações como essa, as críticas ao oralismo estão fundamentadas no fato

de que nem todos os surdos trabalhados por meio desta abordagem pedagógica atingem um

nível satisfatório de domínio da língua oral. Assim, nos casos de (in)sucesso do método, há

graves consequências para os processos de desenvolvimento e aprendizagem em geral. O

futuro desses sujeitos, geralmente, é o encaminhamento para uma abordagem que se utilize de

sinais, porém, muitas vezes, o déficit linguístico já é considerável.

Contudo, não se pode desconhecer, nem tampouco negar, que a integração do surdo

na comunidade ouvinte não é uma questão tão simples, como os métodos oralistas fazem

entender. O sujeito surdo ainda é apontado como diferente/deficiente pelos ouvintes em

inúmeras situações de comunicação, escolar ou profissional, mesmo que apresente um bom

desenvolvimento da língua oral. Para MOURA (1997, p. 339), é importante lembrar que “a

surdez nunca é anulada, não importa os esforços feitos, tanto pelos profissionais como pelos

ouvintes e o surdo continua estigmatizado na sociedade ouvinte”.

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5.5 Apropriações ortográficas

Para demonstrar a possibilidade de apropriação da língua oral escrita pelos sujeitos

surdos, é apresentado o quadro abaixo, contendo os acertos ortográficos referentes às

produções de Allan, mesmo diante das dificuldades percebidas.

Quadro 5 - Acertos ortográficos de Allan.

Atividades Fig-17

(17/04/13)

Fig-18

(03/04/13)

Fig-20

(07/05/13)

Fig-22

(14/05/13)

Acertos

ortográficos

(Allan)

Bala

Eu

Amo

Laranja

Árvore

Luz

Casa

Eu

Ovos

Chocolate

Laranja

Amo

Maçã

Fala

Mamãe

Papai

Água

Peixe

Eu

Bom

Papai

Amo

Ano

Sapo

Não

Pelo

Tudo

Come

Fim

Laranja

Pão

Que

Bola

Come

Você

Bom

Mamãe

Fala

Flor

Não

Mão

Todos

É

Fim

Fonte: Dados da pesquisa (Produções de Allan – 08 anos/3ªfase do Primeiro Ciclo).

As produções de Allan evidenciam que poucas são as palavras que fogem à norma

padrão da Língua Portuguesa, mostrando que o aluno quase não erra na ortografia, sendo

necessário apenas um trabalho mais profundo com ênfase na coerência e coesão textual.

Igualmente, nas produções representadas pela figura 20 e 22, ao observar o texto

escrito associado às imagens, verifica-se certa coerência em relação às outras produções.

Trata-se de um momento que oportuniza a reflexão, a curiosidade e a compreensão do

universo da escrita. Assim, associado a língua de sinais, Allan consegue expressar a ideia

geral do que “tentou” registrar, ou seja, a escrita, neste momento, passa a ter significado,

marca o tema da informação, destaca a ideia principal, além de reconhecer, através da palavra

“fim”, onde começa e termina o texto.

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Vale ressaltar que as produções de maior destaque foram construídas no espaço AEE

e que toda a informação textual foi, igualmente, representada por meio da língua de sinais.

Portanto, sobre o contato inicial de surdos com a escrita, Fernandes (2006) afirma que,

no caso dos surdos, a leitura não ocorrerá recorrendo às relações letra-som

(rota fonológica). Desde os primeiros contatos com a escrita, as palavras

serão processadas mentalmente como um todo, sendo reconhecidas em sua

forma ortográfica (denominada rota lexical), serão fotografadas e memorizadas no dicionário mental se a elas corresponder alguma

significação. Se não houver sentido, da mesma forma não houve leitura

(FERNANDES, 2006, p. 9).

A respeito da importância do aprendizado da escrita, já nos anos iniciais de

escolarização, Vygotsky afirma: “[...] a experiência mundial demonstrou que a aprendizagem

da escrita é uma das matérias mais importantes da aprendizagem escolar em pleno início da

escola, que ela desencadeia para a vida o desenvolvimento de todas as funções que ainda não

amadureceram na criança” (VYGOTSKY, 2001, p. 332).

A questão do acesso à língua de sinais é, então, essencial no atendimento educacional

à criança com surdez, servindo como suporte para a aquisição da habilidade de escrever.

Qualquer ação pedagógica precisa considerar a condição linguística desse tipo de aluno e

oferecer-lhe a Libras como forma de acesso. Entretanto, isso não é observado em várias

experiências escolares em cujas salas de aula atuam profissionais com domínio parcial da

LIBRAS (LEBEDEFF, 2010; QUADROS, 2006).

É possível mencionar, então, que as dificuldades enfrentadas pelos surdos no

aprendizado da leitura e escrita não têm relação com a surdez, pois “as dificuldades de

abstração, quando existem, relacionam-se com experiências linguísticas e escolares

insatisfatórias”. Não há nenhuma limitação cognitiva inerente à surdez, uma vez que “as

conclusões distorcidas vem sendo feitas há muito tempo” (BOTELHO, 2005, p. 53).

Dessa forma, a língua escrita é um recurso semiótico capaz de impulsionar

positivamente o desenvolvimento do pensamento, motivo pelo qual é imprescindível para o

registro, sistematização e armazenamento de ideias, valores, conceitos, formas de ser e agir. É

também um canal aberto ao conhecimento, por meio da prática da leitura. Portanto, levar a

termo uma proposta educacional que não consegue tornar os aprendizes surdos competentes

no manejo da leitura e da escrita é impor-lhes uma condição desvantajosa em relação aos

educandos ouvintes.

Para que a criança surda compreenda a função social da leitura e da escrita,

precisa sentir a necessidade e o prazer de ler e escrever, fato que raramente

se observa entre crianças, jovens e adultos surdos (SILVA, 2009, p. 54).

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De acordo com Vygotsky (1987, p. 108) a relação entre pensamento e linguagem,

entendendo-a como um processo vivo e dinâmico, estabelece a distinção entre dois planos da

fala: o interior (semântico e significado) e o exterior (fonético). Para o autor, esses planos,

embora formem uma verdadeira unidade, possuem leis próprias de movimento. Exemplifica

dizendo que na fala exterior “a criança começa por uma palavra, passando em seguida a

relacionar duas ou três entre si; um pouco mais tarde progride das frases simples para as

complexas e finalmente chega à fala coerente”. O percurso é, portanto, “da parte para o todo”.

Já o significado faz percurso diferente:

A primeira palavra da criança é uma frase completa. Semanticamente, a

criança parte do todo, de um complexo significativo, e só mais tarde começa a dominar as unidades semânticas separadas, os significados das palavras, e

a dividir o seu pensamento, anteriormente indiferenciado, nessas unidades

(VYGOTSKY, 1987, p. 109).

Sendo assim, entende-se que o surdo carece de esforço dobrado para aprender a

escrita da língua Portuguesa, pois não só tem que aprender a modalidade escrita de uma

língua sonoro/auditiva, mas procurar uma estratégia para lidar com o exterior (fonético), ou

seja, lidar com uma língua que não conhece e que não tem as mesmas oportunidades de

conhecê-la como tem um ouvinte, que nasce e cresce internalizando espontaneamente a

estrutura da língua oral dos falantes a sua volta.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação a surdez, é importante situar Skliar (1998, p.13), que a define como

“uma diferença construída histórica e socialmente, efeito de conflitos sociais, ancorada em

práticas de significação e representações compartilhadas entre os surdos”. Assim sendo, a

compreensão sobre surdez ultrapassa os limites biológicos para ser entendida de forma ampla,

histórica e social, não a partir de uma visão unidirecional, mas de uma visão que contemple

olhares múltiplos sobre vários aspectos, buscando uma compreensão capaz de representar, de

forma mais abrangente, os seus significados em diferentes momentos históricos e

conjunturais.

Nessa perspectiva, a pesquisa focalizou as experiências de uma escola pública

regular, concentrando-se nas produções iniciais de escrita de crianças surdas. Assim, a

despeito do muito que se tem a fazer, nos limites deste estudo foi possível alcançar os

objetivos inicialmente traçados e responder às questões que definiram as ações empreendidas

nesta investigação. Igualmente, foi possível verificar que a indicação do uso da língua de

sinais como primeira língua, no processo de ensino e aprendizagem de surdos, não desobriga

a escola de redobrar os esforços para consolidar um ensino cada vez mais eficiente do sistema

convencional de escrita. A comunidade surda brasileira está imersa em um mundo letrado em

Português escrito, portanto, o domínio dessa modalidade linguística confere ao surdo

brasileiro uma autonomia intelectual e social impossível de se alcançar por outra via.

Nesse sentido, Fernandes (2006) aborda que o ambiente de (des)organização

linguística da escola é que (des)organiza o pensamento dos surdos, refletindo na leitura e em

suas produções escritas, que passam a ser marginalizadas pelos próprios professores que lhes

serviram de modelo. Para a autora, trata-se de uma situação considerada gravíssima e que não

pode ser ignorada, tendo em vista que “o universo de interlocutores bimodais dos surdos, no

contexto escolar, é bastante significativo” (FERNANDES, 2006, p. 12).

Neste estudo foram identificadas pelo menos quatro características que singularizam

o modo pelo qual crianças surdas, em fase de alfabetização, realizam ensaios capazes de

conduzi-las à significação e conquista da escrita.

A primeira característica concentra-se nos métodos utilizados para alfabetização de

surdos. No caso de Allan, as abordagens de ensino utilizadas em sala de aula se situam em

uma perspectiva tradicionalista, ou seja, exercícios de ordem fonética que reduzem a

alfabetização a uma esfera mecânica, na tentativa de transformar o que “poderia ouvir” em

formas gráficas. Evidentemente que é possível aprender a ler e a escrever a partir de métodos

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mais tradicionais que usam a silabação como abordagem referencial para o ensino, no entanto,

a questão concentra-se em ensino de surdos, sujeitos desprovidos do som. Logo, pensar em

métodos que realmente possam ir ao encontro das reais necessidades da criança é,

acertadamente, o melhor caminho.

No caso de Sara, percebe-se um progresso em relação à aquisição da escrita, ainda

acanhado, mas bastante promissor. Em suas singelas produções, está registrado o quanto a

língua de sinais, associada à tecnologia disponível na escola, assim como os diferentes jogos,

muitos deles produzidos pela professora, vêm contribuindo de forma eficiente neste processo

inicial de escolarização.

De fato, o ensino de surdos, de um modo geral, revela-se ainda bastante delicado,

mesmo com todo aparato legal em seu favor. Contudo, para oferecer uma educação de

qualidade algumas propostas ancoradas nos princípios da educação bilíngue têm se mostrado

bastante adequadas, visto que proporcionam para este contexto profissionais especializados e

usuários fluentes da LIBRAS, garantindo a presença da língua gestual em um espaço

historicamente monolíngue. De acordo com Brochado (2003), tal abordagem consegue

aproveitar as habilidades compensatórias biológicas desenvolvidas pelo próprio ser humano,

uma vez que o atributo diferencial não inibe o desenvolvimento global, mas cria alternativas

compensadoras que permitem desencadear novos processos cerebrais.

A segunda característica identificada relaciona-se aos registros pictográficos,

surgindo como presença marcante e incontestável nas produções de crianças surdas como

formas de comunicação/expressão. De acordo com Silva (2008), os desenhos cumprem o

papel de eficientes instrumentos simbólicos, capazes de levar a criança surda a recuperar a

imagem mental de conteúdos registrados. O registro pictográfico, para a criança surda, tem

caráter durável, que “resiste e se sobrepõe aos conhecimentos acerca da escrita convencionais

adquiridos por meio do ensino formal” (SILVA, 2008 p. 203).

A terceira característica apreendida por meio desta investigação está fundamentada

no uso da língua de sinais como arcabouço linguístico para a aquisição da língua escrita por

crianças surdas. Basso, Strobel e Masutti (2009) abordam que o ensino da língua de sinais é

uma proposta com fins definidos: o aluno surdo que adquire e aprende a língua gestual no

início de sua escolarização – educação infantil e primeira etapa do ensino fundamental – é

aquele que terá experiências e competência linguística suficiente para não somente acessar o

conhecimento, mas também transformar esse conhecimento de forma crítica e ativa. E mais

do que isso: a língua de sinais é a língua por meio da qual as identidades surdas são

constituídas e a cultura surda se manifesta. Deste modo, os eventos apresentados neste estudo,

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quando mediados a partir da língua de sinais, esclarecem e confirmam tal afirmativa. Tanto

Allan quanto Sara, ao se relacionarem direta ou indiretamente com a LIBRAS, apresentam,

em suas produções, registros efetivamente positivos, comparados ao não uso da língua de

sinais. Não se trata de uma defesa declarada ao uso e o não uso da língua de sinais, trata-se

simplesmente de um esclarecimento evidenciado e/ou percebido nos registros aqui abordados.

É possível vislumbrar a multiplicidade de fatores interferentes em uma prática assim

estruturada e, ao mesmo tempo, mostrar que a língua de sinais pode estar presente no espaço

da sala de aula, colaborando para as relações que envolvem todo o espaço educacional. Não

há prejuízos trazidos pela presença da língua de sinais em sala de aula, ao contrário, ela impõe

uma diversidade que torna a linguagem um objeto constante de reflexão, abrindo

possibilidades para que todos, ouvintes e surdos, se pensem e repensem nas relações com os

objetos de conhecimento (LACERDA, 2000).

A quarta e última característica observada foram os acertos ortográficos apresentados

nas produções de Allan, mesmo diante de toda a dificuldade em estabelecer comunicação.

Independente de metodologias de ensino realmente eficazes, de espaço verdadeiramente

acessível , assim como de pais adeptos da língua de sinais ou da importante presença do

intérprete de LIBRAS, Allan escreve. Mais que isso, seu modesto vocabulário não está jogado

ao acaso, nem tampouco solto ao vento, suas poucas palavras têm significado. Allan escreve

ao seu modo, mas escreve. Isso é o que verdadeiramente importa. Evidentemente que o

espaço AEE, como já citado, possibilita muito mais tal aprendizado, em se tratando de um

atendimento que vem totalmente ao encontro das diferentes necessidades de cada aluno, o que

favorece grandemente o processo de ensino e aprendizagem de crianças com algum tipo de

limitação.

De acordo com Sá (2006), atualmente, estão sendo divulgados trabalhos educacionais

bilíngues, ou com bilinguismo, os quais postulam a língua de sinais como primeira língua e

como eixo fundamental. Os resultados positivos que vêm conseguindo, bem como toda a

discussão que tem sido levantada quanto ao fracasso das abordagens anteriores, têm levado a

que todas as propostas de educação de surdos desejem a adjetivação bilíngue. No entanto, esta

é uma adjetivação incompleta, pois, ainda que desejável, por negar a ideologia oralista

dominante e por pressupor a língua de sinais como primeira língua nada diz quanto à questão

das culturas envolvidas, das identidades surdas, das lutas por poderes, saberes e territórios e,

finalmente, nada deixa definido quanto às políticas para as diferenças.

Ora, quando se opta por interpretar a língua de sinais como primeira língua a

ser considerada no processo educativo dos surdos, tem-se que entender que

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tal proposição, como decorrência, altera toda a organização escolar, os objetivos pedagógicos, a participação da comunidade surda no processo

escolar, bem como nega a necessidade da integração escolar (SÁ, 2006, p.

2).

Vale ressaltar que um dos aspectos mais importantes deste estudo se situa na grande

dificuldade e insegurança dos professores em trabalhar com alunos surdos: os profissionais,

muitas vezes, relatam terem dúvidas se realmente estão conseguindo ensinar e se o surdo

realmente está aprendendo. Outrossim, parece haver uma tendência dos professores em

desenvolver práticas de ensino e aprendizagem centralizados no que avaliam ser as principais

dificuldades do indivíduo surdo: compreensão e produção de sentidos (seja na linguagem oral,

na língua de sinais, seja na escrita), aquisição de vocabulário e aquisição da gramática do

Português na modalidade escrita.

Deste modo, os encontros e desencontros que permeiam o dito fracasso escolar,

sobretudo na alfabetização, registram a necessidade de novas descobertas no campo da

educação, as quais conduzirão a diferentes caminhos e possibilidades. Assim, consciente de

seu papel, o docente pode realizar um trabalho de ação pedagógica com enfoque no

desenvolvimento e construção da linguagem, cuja prática pedagógica se apresente em forma

de propostas de jogos e/ou atividades que permitam à criança pensar e dialogar sobre a

linguagem.

Consequentemente, ao deixar de lado uma metodologia imposta por uma cartilha e

partindo da leitura e do mundo das crianças, o educador passa a mediar e participar do

processo espontâneo de conceitualização da língua escrita. Para que isso ocorra, é necessário,

entretanto, que os atores dessa cena aceitem o desafio de compreender as diferenças como

mútuas e procurarem, verdadeiramente, atuar nesse espaço de contato, assumindo a

diversidade, modificando-o numa multiplicidade de estratégias que não visem a padronizar o

diferente, mas interagir com ele, na plenitude de suas peculiaridades (LACERDA, 2000).

Sendo assim, uma mudança de pensamento frente a esse universo inicia-se com a

desconstrução dos estereótipos que envolvem a surdez, atribuindo-a características que não

condizem com ela. Isso se faz necessário, pois, dessa forma, é dada aos surdos e ouvintes uma

chance de ressignificação da surdez, garantindo àqueles a possibilidade de um desenho

universal efetivamente inclusivo à comunidade surda.

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ANEXOS

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137

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT/CUR/2013

Instrumentos de coleta de dados

Pesquisa:

Entrevista n. ______

QUESTIONÁRIO – DOCENTE

1- IDENTIFICAÇÃO

a) Nome.....................................................................................................................

b) Idade.....................................................................................................................

c) Local e data de nascimento.................................................................................

d) Endereço...............................................................................................................

e) Telefone ......................................................................................................

f) Atividade atual.....................................................................................................

g) Quantos anos trabalha com a Educação..............................................................

2 FORMAÇÃO EDUCACIONAL

a) ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo

b) ( ) Ensino Médio Magistério Incompleto ( ) Ensino Médio Magistério Completo

c) ( ) Ensino Superior Incompleto – Curso................................................................

d) ( ) Ensino Superior Completo: Curso ....................................................................

Instituição formadora .........................................................................................

e) ( ) Especialização - ...............................................................................................

f) ( ) Outros. Qual?....................................................................................................

g) ( ) Mestrado: Área: ............................................................................................

Instituição formadora ......................................................................................

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3. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO

a) Situação funcional................................................................................................

b) Ano em que iniciou sua carreira profissional......................................................

c) Local onde iniciou a carreira profissional...........................................................

d) Escola (as) onde trabalhou...................................................................................

e) Local....................................................................................................................

f) Tempo de experiência como professor (a)...........................................................

g) Tempo de experiência em educação de surdos..................................................

h) Tempo de experiência em educação de surdos nessa instituição.......................

i) Número de pessoas surdas com quem interage..................................................

j) Abordagem educacional utilizada: ( ) Oralização – ( ) Bimodalismo-Português sinalizado

– ( ) Bilinguismo – ( )Todos os meios de comunicação.

4. ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

1. Quais as maiores dificuldades que seu aluno com surdez apresenta na modalidade

escrita da Língua Portuguesa?

2. Aponte o porquê da (s) dificuldade(s) de seu aluno surdo.

3. Você acha importante a interação profissional ouvinte/aluno surdo para o processo de

aprendizagem da língua portuguesa, na modalidade escrita?

4. Que formas de linguagem você usa para interagir com os surdos? ( LIBRAS, leitura

labial, escrita, gestos e expressão corporal, sinais, outra forma).

5. Descreva como você alfabetiza o aluno surdo.

6. Você conhece ou adota um método específico para alfabetizar o surdo?

7. Qual/quais a(s) dinâmica(s) metodológica(s) que você utiliza em sala de aula com

seu aluno surdo?

8. Existe um intérprete em sua sala de aula?

9. De que forma a presença do intérprete contribui com o seu trabalho?

10. É dada alguma orientação aos pais ouvintes de aluno surdos, a respeito do

desenvolvimento linguístico de seus filhos?

11. Quais as soluções que você, como conhecedor da sua prática educativa, sugere para

trabalhar as dificuldades de escrita seu aluno com surdez?

12. Como criar um espaço escolar em que todos os alunos tenham acesso ao que está

sendo dito e aos conteúdos básicos curriculares?

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13. Faça uma avaliação da sua prática docente em relação ao ensino de alunos surdos.

14. Em sua opinião, qual é o modo mais adequado para a aprendizagem da escrita pelo

surdo, uma vez que apresentam o canal auditivo prejudicado?

Local e data da entrevista................................................................................

Assinatura da professora .................................................................................

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Roteiro de entrevista (família)

1. Nome dos pais?____________________________________________________

2. Idade?______________________

3. Escolaridade?________________

4. Profissão?___________________

5. Quantos filhos?______________

6. Quantos destes filhos são surdos?____________________

7. Relate resumidamente o histórico da surdez de seu filho

8. Seu filho conhece/usa Libras?

9. Quem mais da família conhece/usa Libras?

10. Como acontece a comunicação em casa com a família?

11. O que a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, representa para você?

12. Por que é importante seu filho aprender a escrever?

13. Qual a importância da escola para seu filho?

14. O que você e seu filho costumam ler. Você compra alguma revista, gibi, livro ou

jornal? Qual?

15. Para que você usa a escrita?

16. Seu filho tem pouco ou muito contato com leitura e escrita fora da escola?

17. Quais as suas expectativas em relação à escola?

Assinatura/Data:___________________________________________________

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