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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTE DE LETRAS ESTRANGEIRAS MODERNAS BACHARELADO EM TRADUÇÃO ROMULO COELHO DE SOUSA AS FÁBULAS DO LIVRO I DE LESSING: TRADUÇÃO COMENTADA A PARTIR DO MODELO DE NORD JOÃO PESSOA PB 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

    CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    DEPARTAMENTE DE LETRAS ESTRANGEIRAS MODERNAS

    BACHARELADO EM TRADUÇÃO

    ROMULO COELHO DE SOUSA

    AS FÁBULAS DO LIVRO I DE LESSING:

    TRADUÇÃO COMENTADA

    A PARTIR DO MODELO DE NORD

    JOÃO PESSOA – PB

    2013

  • AS FÁBULAS DO LIVRO I DE LESSING:

    TRADUÇÃO COMENTADA

    A PARTIR DO MODELO DE NORD

    ROMULO COELHO DE SOUSA

    Trabalho apresentado ao Curso de Bacharelado em

    Tradução, como requisito para a obtenção do título de

    Bacharel em Tradução pela Universidade Federal da

    Paraíba.

    Orientador: Prof. MSc. Daniel Antônio de Sousa Alves

    Co-orientadora: Profa. Dra. Tânia Liparini Campos

    JOÃO PESSOA – PB

    2013

  • Catalogação da Publicação na Fonte.

    Universidade Federal da Paraíba.

    Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

    Sousa, Romulo Coelho de.

    As fábulas do livro I de Lessing: Tradução comentada a partir do modelo

    de Nord./ Romulo Coelho de Sousa. - João Pessoa, 2013.

    63f.

    Monografia (Graduação em Tradução) – Universidade Federal da

    Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

    Orientador: Prof.º Me. Daniel Antônio de Sousa Alves

    1. Estudos da tradução. 2. Tradução comentada. 3. Fábulas. 4. Análise textual. I. Título.

    .

    BSE-CCHLA CDU 81’255.4

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer a todos aqueles que de maneira direta ou indireta contribuíram

    para a realização desse trabalho, pois o simples interesse em saber do seu andamento já servia

    de grande motivação para seguir em frente em sua realização.

  • „Der Langsamste, der sein Ziel nicht aus den Augen verliert,

    geht immer noch geschwinder als der ohne Ziel umherirrt.“

    “O homem lento que não perde de vista seu objetivo é sempre

    mais veloz do que aquele que vaga sem um objetivo. ”

    Gotthold Ephraim Lessing

    http://kdfrases.com/frase/126034http://kdfrases.com/frase/126034http://kdfrases.com/autor/gotthold-ephraim-lessing

  • RESUMO

    Este trabalho consiste em uma tradução comentada de parte da obra Fabeln:

    Abhandlungen über die Fabel especificamente do Livro I (Erstes Buch) de fábulas escritas

    pelo autor alemão Gotthold Ephraim Lessing. Ele tem por objetivo averiguar a aplicabilidade

    do modelo de Nord a um gênero decididamente literário, as fábulas, e apontar através de

    comentários das traduções, quais foram os pontos que apresentaram alguma problemática

    insolúvel ou não prevista pela análise dos fatores recomendados por Nord em seu modelo. A

    utilização de tal modelo visa, dentre outras coisas, identificar as condições de produção do

    texto fonte e sua função no contexto em que foi produzido. A proposta de Nord é que seu

    modelo seja capaz de abarcar as mais diversas situações de tradução, que não deixe de fora

    nenhum tipo de texto ou situação comunicativa. Por apresentar esse caráter generalista é que a

    autora sofre grandes críticas em relação ao uso do modelo na tradução literária.

    Palavras chave: Estudos da Tradução; Tradução comentada; Fábulas; Análise textual;

    Modelo de Nord.

  • ABSTRACT

    This work is commented translation of part of the book Fabeln: Abhandlungen über

    die Fabel specifically Book I (Erstes Buch) of fables written by German author Gotthold

    Ephraim Lessing. It aims to investigate the applicability of Nord’s model to a literary genre,

    in this case fables, and pointing through comments of the translations, which points were

    problematic or not foreseen within the analysis of the recommended factors by Nord in her

    model. The use of such a model intends, among other things, to identify the conditions of

    production of the source text and its function in the context where it was produced. Nord

    proposes that her model should apply to all kinds of translation, without leaving aside any

    kind of text or communicative situation. Because of this general character the author suffers

    major criticism regarding the use of the model in literary translation.

    Keywords: Translation studies; Commented translation; Fables; Textual analise; Nord’s

    model.

  • Sumário

    INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 9

    1. O AUTOR E A OBRA ................................................................................................................................ 11

    1.1. FÁBULAS ............................................................................................................................................... 13

    2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ..................................................................................................................... 16

    2.1. ESTUDOS DA TRADUÇÃO ...................................................................................................................... 16

    2.2. O MODELO DE ANÁLISE TEXTUAL DE NORD ......................................................................................... 19

    2.2.1. FATORES EXTERNOS .................................................................................................................... 23

    2.2.2. FATORES INTERNOS ..................................................................................................................... 24

    3. ANÁLISE DO TEXTO FONTE ..................................................................................................................... 27

    3.1 POLÍTICA DE TRADUÇÃO ....................................................................................................................... 30

    4. TRADUÇÕES E COMENTÁRIOS ................................................................................................................ 32

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 50

    REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 51

    ANEXO A ......................................................................................................................................................... 53

  • 9

    INTRODUÇÃO

    Esta pesquisa se insere na área de Estudos da Tradução e apresenta uma tradução

    comentada das fábulas em prosa de Gotthold Ephraim Lessing, empregando o modelo de

    análise textual voltado para a tradução, desenvolvido por Christiane Nord, como ferramenta

    de análise do texto fonte. Com base nos resultados parte-se para a delimitação da política de

    tradução.

    A tradução comentada constitui uma modalidade de trabalho nos Estudos da Tradução

    em que se utiliza um determinado aparato teórico, teoria ou modelo, em conjunto com uma

    obra literária. A partir de notas ou comentários busca-se analisar elementos, discutir teorias,

    práticas de tradução, apresentar soluções, etc.

    Gotthold Ephraim Lessing foi crítico e dramaturgo alemão. Escritor polivalente,

    iniciou a carreira escrevendo poesias, fábulas e pequenas peças teatrais. Seu trabalho estende-

    se da comédia ao drama, introduziu o verso branco e

    apresentou várias normas relativas à literatura alemã como descreve a entrada presente na

    Infopédia da Editora Porto.

    Apesar do destaque de várias de suas obras na cultura alemã, no Brasil as mais

    difundidas são as de teatro e crítica de arte. Sendo assim, busca-se aproximar os trabalhos

    desse autor do sistema literário brasileiro, dando-lhe visibilidade enquanto fabulista.

    A tradução comentada realizada aqui se refere ao Livro I (Erstes Buch) da obra

    Fabeln: Abhandlungen über die Fabel [Fábulas: Tratados sobre a fábula] de Lessing.

    Embora na mesma obra estejam também os seus ensaios, estes não farão parte da tradução,

    mas servirão como material de consulta já que compõem a obra como um todo. A proposta do

    trabalho é realizar a tradução comentada das fábulas de Lessing, utilizando como suporte o

    modelo de Nord e visando uma discussão em relação a eficiência deste modelo na tradução de

    textos literários.

    Em se tratando do modelo de Nord especificamente, sua proposta é que seja capaz de

    abarcar as mais diversas situações de tradução, que não deixe de fora nenhum tipo de texto

    e/ou situação comunicativa, que não leve em consideração a experiência do utilizador e que

    sirva de maneira recorrente para análise do texto de partida. Visa-se, com essa leitura,

    identificar a priori as condições de produção do texto fonte e sua função no contexto em que

  • 10

    foi produzido e, a partir daí, se assim for requisitado, que se busque na cultura a qual essa

    tradução se destina manter função semelhante ou igual ao do texto fonte.

    Por ter caráter generalista e colocar os textos em igualdade quanto a sua importância,

    Nord sofre suas maiores críticas, advindas dos tradutores literários e estudiosos de literatura

    que consideram que textos literários estão em um patamar diferente daqueles que não se

    caracterizam como literários.

    O trabalho aqui proposto tem por objetivo averiguar a aplicabilidade do modelo de

    Nord a um gênero decididamente literário - as fábulas - e apontar, através de comentários das

    traduções, quais foram os pontos que apresentaram alguma problemática insolúvel ou não

    prevista pela análise dos fatores recomendados por Nord em seu modelo.

    Este trabalho está organizado em cinco seções além desta introdução, a saber: 1) Autor

    e Obra, onde se discutem as características da obra e do autor e os fatores relacionados à

    escolha da obra; 2) Pressupostos teóricos, em que se apresentam os principais autores e teorias

    aos quais esta pesquisa está vinculada; Na descrição do modelo de Nord tem-se uma descrição

    mais acurada dos fatores que compõem o modelo de Nord; 3) Análise do texto fonte, em que

    se realiza a aplicação do modelo a obra escolhida e, logo após, apresenta-se a política de

    tradução com a qual o encargo de tradução foi desenvolvido; 4) Tradução e comentários, em

    que a tradução da obra será apresentada, bem como os comentários suscitados pelo processo

    de tradução e 5) Considerações finais sobre a pesquisa realizada.

  • 11

    1. O AUTOR E A OBRA

    Gotthold Ephraim Lessing nasceu em Kamenz, Saxônia, em 22 de Janeiro de 1729 e

    morreu em Braunschweig no dia 15 de Fevereiro de 1781. Foi poeta, dramaturgo, filósofo e

    crítico de arte alemão, considerado um dos maiores representantes do Iluminismo, conhecido

    também por sua crítica ao anti-semitismo e à defesa do livre pensamento e tolerância

    religiosa. Suas peças e seus escritos teóricos exerceram uma influência decisiva no

    desenvolvimento da Literatura Alemã moderna, da qual é considerado fundador. Dentre seus

    trabalhos mais conhecidos estão as obras Miß Sara Sampson (1752), Minna von Barnhelm

    (1767), Emilia Galotti (1772) e Nathan der Weise (1779).

    De acordo com Sobrinho (2008), naquela época Lessing era um ícone da classe média

    burguesa em ascensão econômica, vivia em uma Alemanha que enfrentava problemas,

    primeiro por ainda não ser de fato uma nação como um todo, prejudicada pelas diversas

    guerras daquele período e pela perda de preferência das rotas marítimas já que as novas rotas

    atlânticas tornaram-se mais atraentes.

    Sofria problemas em relação ao idioma também, pois a língua alemã não era adotada

    em publicações. Mesmo na corte, era somente utilizada para interações com subalternos e

    com o povo em geral. O francês era a língua ligada à sofisticação e às artes.

    Em Sobrinho (2008, p.5), podemos perceber um pouco da situação da época:

    Lessing, seus contemporâneos e, num sentido figurado, o próprio idioma,

    tiveram de lutar pelo reconhecimento de sua posição neste movimento

    ascendente. Sob a égide da Auflklärung [Iluminismo], defendiam o uso da

    razão, e, sobretudo, compartilhavam um ideal de homem inspirado no

    modelo clássico, humanista, que refletisse uma certa “totalidade de caráter”.

    A educação torna-se importante não só para o esclarecimento, mas também

    para a formação de um público leitor, além, é claro, do próprio mercado

    literário.

    Dentre as diversas produções de Lessing estão também a escrita de fábulas, obras que,

    aparentemente, em comparação ao destaque que ele obteve no teatro, são pouco conhecidas e

    muitas vezes deixadas de lado.

    Lessing escreveu as suas primeiras fábulas em 1753. Nessa época, a editora Voss de

    Berlin, publicava os seus escritos em ciclos, ficando da seguinte forma: uma parte de suas

    fábulas em verso (Versfabeln) foi publicada 1753 e suas fábulas em prosa (Prosafabeln) em

    outro ciclo em 1759. Juntamente com as fábulas em prosa Lessing também publicou tratados

  • 12

    sobre as fábulas em que ele discutiu as características, os estilos de diversos autores, como La

    Fontaine, De La Motte, Batteux, Breitinger, etc.

    Essa obra ficou conhecida como Fabeln: Abhandlungen über die Fabel [Fábulas:

    Tratados sobre a fábula]. Nela encontra-se a coleção de fábulas em prosa escrita pelo autor

    denominada Fabeln. Drei Bücher [Fábulas. Três livros]. São essas fábulas que expressam o

    conhecimento de Lessing; elas são o resultado de suas pesquisas e transparecem o seu estilo

    enquanto fabulista.

    Como dito anteriormente, a primeira edição do livro é de 1759; contudo, a versão

    utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa é a edição de 2009, publicada pela editora

    alemã S. Fischer em sua coleção de clássicos e no formato livro de bolso.

    Em relação à obra Fabeln. Drei Bücher, foram encontradas duas traduções para o

    português europeu: uma de João Félix Pereira (1853) e a outra de Henrique O’neil (1880). No

    Brasil, encontram-se cinco das fábulas de Lessing na coletânea Fábulas do Mundo Inteiro

    traduzida por Nair Lacerda. São elas: O leão e a lebre, Júpiter e o cavalo, O ganso, Os

    animais lutando pela precedência e A águia. Essa pouca disponibilidade, que, de certo modo,

    questiona a sua visibilidade no sistema literário brasileiro, aguçou a minha curiosidade e me

    fez investigar um pouco mais sobre o autor e suas fábulas.

    O livro Fábulas. Três livros (Fabeln. Drei Bücher), contém noventa fábulas escritas

    por Lessing, para cada um dos livros trinta fábulas. O primeiro livro (Erstes Buch) foi tomado

    como excerto da obra Fabeln: Abhandlungen über die Fabel [Fábulas: Tratados sobre a

    fábula] para a realização da tradução comentada pelas seguintes razões: 1) o primeiro livro é

    introdutório, logo na primeira fábula o autor expõe o que pode se esperar de suas fábulas e a

    que tipo de público elas se dirigem ; 2) enquanto corpus de pesquisa apresenta material

    suficiente para a averiguação da eficiência do modelo de Nord aplicado a tradução de fábulas,

    3) há intenções de dar segmento a pesquisa dos outros livros em momento posterior e

    adotando outra metodologia.

  • 13

    1.1. FÁBULAS

    Não busco aqui discutir conceitos de maneira exaustiva. Mas, sabendo que orientações

    e caminhos precisam ser dados para que sirvam de guias e auxiliem na compreensão deste

    trabalho, aponto a seguir conceitos, abordagens e métodos que corroboram para o seu bom

    andamento.

    O corpus desta pesquisa é composto por fábulas.

    A fábula é uma narração que se divide em duas partes: a narração

    propriamente dita, que é um texto figurativo, em que os personagens são

    animais, homens, etc.; e a moral, que é um texto temático, que reitera o

    significado da narração, indicando a leitura que dela se deve fazer. A fábula é

    sempre uma história de homens, mesmo quando os personagens são animais,

    (PLATÃO, FIORIN, 2000, p.398 apud MICHELLI, 2007 ).

    Um dos marcos da história das fábulas e referência desse gênero é O Livro de Esopo -

    Fabulário Português Medieval, publicado conforme a um manuscrito do século XV existente

    na Biblioteca Palatina de Vienna da Áustria pelo Dr. J. Leite de Vasconcellos, em 1906

    (Michelli, 2007). Apesar de nem todas as histórias terem sido de fato escritas por ele,

    conforme afirma Vasconcellos (1906) , pois muitas são relatos anteriores ou posteriores ao

    autor, mas por terem traços comuns entre si, foram categorizadas de forma generalista e

    ganharam o nome de esópicas ou, como refere o próprio Vasconcellos, serem “apenas no

    gosto esopiano”.

    Embora normalmente sejam consideradas histórias para crianças por frequentemente

    apresentarem protagonistas animais, seres inanimados e deuses que ganham voz e

    participação direta nas interações, as fábulas são textos para adultos como aponta Cavalcanti

    (2007, p.1): “Engana-se o ouvinte quando alguém conta uma fábula e ele pensa "Lá vem uma

    historinha para criança". A história que vem é um poderoso instrumento argumentativo nas

    mãos (ou na boca?) de quem sabe usá-lo.” O autor em seu trabalho levanta as questões de

    preconceito em torno das fábulas e através de exemplos assevera que as fábulas são para

    adultos.

    Segundo Leite e Oliveira (2012. p.364) , “[...] as fábulas medievais assumiam também

    outro papel, um diferenciador em comparação com as fábulas de Ésopo: o de criticar, através

    da ironia, aquela sociedade.” As fábulas têm a característica de trazer críticas, veladas ou não,

    aos temas de interesse adulto.

  • 14

    As fábulas destacam-se também pelo seu objetivo frequente de orientar o seu público

    em direção a uma conduta socialmente esperada. Mostram, através de suas histórias,

    exemplos de como o homem deve fazer o bem e evitar maus comportamentos. Seria o que

    poderíamos chamar de junção do útil ao agradável; em outras palavras deliciar-se com uma

    narrativa e ao mesmo tempo colher um ensinamento apresentado.

    Utilizando as duas fábulas a seguir Cavalcanti (2007) ilustrou alguns fatores e teceu

    comentários sobre o público a quem as fábulas se destinam:

    1) DIÓGENES E O CALVO

    Diógenes, o filósofo cínico, insultado por um homem calvo, replicou: "Pela

    minha parte, eu jamais recorreria ao insulto; isso nunca aconteceria, pois

    realmente eu aprovo os cabelos que abandonaram um crânio tão ruim!".

    (As fábulas de Ésopo. Trad. Aveleza, 1999,p. 91 apud Cavalcanti 2007)

    2) ZEUS E O PUDOR

    Ao modelar o homem, Zeus injetou nele as diversas inclinações, esquecendo-

    se apenas de incutir-lhe o pudor. Assim, não tendo mais por onde introduzi-

    lo, Zeus ordenou-lhe entrar através do ânus. A princípio o pudor revoltou-se

    com indignação, mas por fim, fortemente pressionado por Zeus, exclamou:

    "Está bem, eu entro por lá, mas na condição de que Eros não entre pelo

    mesmo lugar; se ele entrar, então eu mesmo sairei imediatamente". Disso

    resultou que desde então todos os libertinos são despudorados.

    Esta fábula mostra que aqueles que são presas do amor tornam-se

    impudentes. (As fábulas de Ésopo. Trad. Aveleza, 1999,p. 91 apud

    Cavalcanti 2007)

    Como bem explica Cavalcanti (2007), “Calvície não é um tema infantil, pelo menos

    não experienciado pela própria criança (salvo doença). Insulto, cinismo e preconceito também

    não são boas coisas para se ensinar a uma criança.” Dando continuidade, argumenta em prol

    da necessidade de maturidade para a compreensão e interpretação da fábula Zeus e o pudor e

    conclui, afirmando que as fábulas não são automaticamente infantis, superficiais ou

    educativas, mas que podem o ser, de acordo com o propósito de quem as utiliza.

    É nessa perspectiva que se encontram as fábulas aqui trabalhadas. Nelas estão contidas

    intertextualidades, como as referências à obra de La Fontaine e a pessoas contemporâneas do

    autor. Artifícios que normalmente não são comuns em trabalhos voltados ao público infantil.

  • 15

    Lessing, enquanto fabulista, priorizava a simplicidade das fábulas “ Se reduzirmos

    uma situação particular a uma sentença moralista e a essa situação particular oferecermos uma

    verdade e uma história, na qual se reconheça essa sentença, então essa invenção chamamos de

    fábula.1

    Para ele o mais importante era que a moral sobressaísse a alegoria e que seus leitores

    pudessem por eles mesmos ativarem o seu senso crítico em relação ao que era exposto em

    cada uma de suas fábulas como o próprio Lessing coloca na fábula de abertura de seu

    primeiro livro:

    A aparição

    [...] Excelente meu leitor! Musa alguma para mim apareceu, eu conto apenas

    uma mera fábula de onde você mesmo extraiu a lição. Não sou o primeiro e

    tão pouco serei o último a fazer das suas fantasias uma profecia ou uma

    divina aparição. (LESSING, 1759 [2009 p.12] Die Erscheinung)

    De posse dessas informações a respeito do posicionamento do autor em relação a suas

    fábulas, partirei agora para a próxima etapa, que é dissertar acerca das teorias de tradução que

    contribuíram para execução desse trabalho.

    1 Minha tradução de „Wenn wir einen allgemeinen moralischen Satz auf einen besondern Fall zurückführen,

    diesem besondern Falle die Wirklichkeit erteilen und eine Geschichte daraus dichten, in welcher man diesen Satz anschauend erkennt: so heißt diese Erdichtung eine Fabel.”

  • 16

    2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

    2.1. ESTUDOS DA TRADUÇÃO

    Antes de tratar diretamente da visão da tradução neste trabalho é necessário iniciar

    fazendo referência ao que é considerado um texto. Para tal utiliza-se a noção apresentada por

    Nord (1988, p.16) em que “o texto é uma ação comunicativa, uma combinação de aspectos

    verbais e não verbais, imbuídos de uma função para um determinado propósito comunicativo

    em uma determinada situação”.

    No entanto, para que cheguemos aos reais propósitos deste trabalho é preciso retomar

    algo mais das abordagens dos Estudos da Tradução. O aparato teórico utilizado para a

    composição deste trabalho são a Teoria do Escopo e o Modelo de Análise Textual de Nord.

    As duas abordagens surgiram na Alemanha e se enquadram no que chamamos de

    abordagens funcionalistas da Tradução. Elas foram desenvolvidas em meados da década de

    1980 por Reiß e Vermeer e receberam melhoramentos ao longo dos anos por outros teóricos

    como, por exemplo, Nord.

    Em 1971, Katharina Reiß escreveu o livro Möglichkeiten und Grenzen der

    Übersetzungskritik [Possibilidades e limites da Crítica da Tradução]. Esse livro foi

    considerado por Nord o marco zero nos Estudos da Tradução na Alemanha, como afirma Leal

    (2007). Utilizando-se de uma noção denominada Equivalência Funcional, Reiß propõe uma

    tipologia textual que parte do principio de que as funções dos textos de partida devem ser

    igualadas às dos textos de chegada.

    Em sua tipologia textual, derivada das funções de linguagem de Karl Bühler, quais

    sejam: representação, apelo e expressão, Reiß associa um tipo de texto a cada uma das

    funções de linguagem de Bühler, sendo eles: informativo, apelativo e expressivo

    respectivamente. Cada um desses textos tem como foco o conteúdo, o apelo e a forma e cada

    um deles explora uma dimensão linguística, lógica, dialógica e estética.

    Temos então o seguinte:

  • 17

    Funções de

    Linguagem

    (Bühler)

    Tipo de Texto

    Associado (Reiss)

    Ênfase de cada

    Texto (Reiss)

    Dimensão Linguistica

    Explorada (Reiss)

    Representação Informativo Conteúdo Lógica

    Apelo Apelativo

    (operativo)

    Apelo Dialógica

    Expressão Expressivo Forma Estética

    Fig. 1 Funções de linguagem de Bühler e tipologia textual de Reiß

    Ou seja, cada tipo de texto possui uma característica mais marcante. Ele pode ser mais

    informativo, mais apelativo ou mais expressivo. Em consequência dessas características, Reiß

    sugere, em Leal (2007), que as estratégias de tradução procurem adequar-se à característica

    predominante em cada um dos tipos de texto, mas se adequem sobretudo à função textual.

    É importante observar que essas características co-ocorrem, porém uma delas irá se

    sobressair. Como exemplos desses gêneros de textos temos: artigos, teses, documentos

    (informativos); textos publicitários e propagandas em geral (apelativos) e, por último, prosa e

    poesia literária em geral (expressivos).

    Essa tipologia textual foi uma das contribuições de Reiß, nesse primeiro momento,

    para o desenvolvimento do Funcionalismo Alemão. Ao qual dá segmento nos trabalhos

    subsequentes, dessa vez conjuntamente com seu aluno Vermeer, que apresenta uma

    complementação ao primeiro modelo proposto por Reiss.

    Vermeer, através do artigo “Ein Rahmen für eine allgemeine Translationstheorie”

    [Uma estrutura para uma teoria geral da tradução], busca romper com a noção tradicional da

    teoria linguística da tradução. Para Vermeer o fator determinante da tradução está além do

    linguístico. E é buscando encontrar esses outros fatores que ele elabora a sua Teoria do

    Escopo.

    A Teoria do Escopo, apresentada pela primeira vez por Vermeer (1978), coloca a

    tradução como uma ação humana e, como qualquer ação humana, revestida de uma

    intencionalidade e indubitavelmente com uma finalidade (escopo). Como segundo fator tem-

    se a cultura. No concernente à tradução temos duas culturas envolvidas: uma pertencente a

    situação comunicacional do texto de partida e outra referente ao texto de chegada.

  • 18

    Por cultura entenda-se “[...] a totalidade de normas, convenções e opiniões que

    determinam o comportamento dos membros de uma sociedade e todos os resultados desse

    comportamento, tais como arquitetura, instituições, universidades, etc.)”1 (VERMEER apud

    SNELL-HORNBY 2006,p 55). O autor não deixa de destacar também a importância das

    circunstâncias em que o texto traduzido será recebido.

    Desta forma, temos até o momento os seguintes fatores envolvidos na realização de

    uma tradução: o linguístico, o humano, a cultura e a finalidade. Passa a ser mais adequado

    considerar todos esses fatores envolvidos, mencionados anteriormente, do que apenas o texto

    de partida como fonte de uma tradução. Assim, o texto perde um pouco a sua primazia e passa

    a ser visto como uma oferta de informação, Informationsangebot (REIß e VERMEER 1984,

    p.35, apud Nord, 1988).

    O fator que direciona todo o processo de tradução, segundo essa abordagem, será a

    finalidade do texto. As decisões devem ser tomadas tendo em mente a existência do potencial

    receptor para o qual o texto está sendo traduzido.

    Quando consideramos que a finalidade do texto tem o papel principal, percebemos

    que essa finalidade em um determinado contexto pode ser múltipla. Sendo assim, temos que

    aceitar que para esse texto em questão, diferentes traduções serão adequadas. Isso se deve ao

    fato de que além de conteúdo, estão presentes no texto forma e efeito (REIß e VERMEER,

    1984, p. 126 apud Kilian, 2007).

    Dando primazia à finalidade de um texto, a situação comunicativa de chegada é o que

    ganha destaque. Em outras palavras, as convenções e normas da cultura de partida devem ser

    substituídas por convenções e normas correspondentes na cultura de chegada para produzirem

    o efeito pretendido (REIß; VERMEER, 1984, p. 156 apud Kilian 2007).

    Até aqui evidenciam-se as mudanças de perspectiva provenientes dos autores

    supracitados, primeiramente de uma ênfase nas funções do texto (Reiß) para uma ênfase na

    finalidade (Vermeer).

    Nord, uma das alunas de Reiß, promove uma reaproximação ao texto fonte. Para a

    autora, um texto de chegada que não possui um texto fonte não pode ser considerado uma

    1 Minha tradução de: “ […] the totality of norms, conventions and opinions which determine the behaviour of

    the members of a society, and all results of this behaviour (such as architecture, university institutions, etc.)”.

  • 19

    tradução. Porém, como o ponto primordial da Teoria do Escopo é a cultura de chegada, é

    necessário que se mantenha essa conexão.

    A autora apresenta o conceito de lealdade (Loyalität). Para que as discussões sobre

    lealdade não caiam nos mesmos termos do que se discute em relação à equivalência

    tradutória, a autora explica que se deve ser fiel ao leitor do texto de chegada, priorizando a

    funcionalidade do texto, mas também, deve ser fiel ao texto de partida, pois nele está a

    intenção do autor. Ainda de acordo com a autora essa lealdade não é algo complicado de se

    encontrar. Para ela, quando o tradutor identifica os fatores mencionados pelo seu modelo

    (tratados a seguir na seção 2.3) e a função do texto, o tradutor já está sendo leal, ou seja,

    mantém-se o vínculo com o texto de partida que o conceito pressupõe.

    Na próxima seção apresentarei o modelo na íntegra, seus elementos, principais usos,

    sua sistemática e principais características.

    2.2. O MODELO DE ANÁLISE TEXTUAL DE NORD

    O modelo de análise textual orientado à tradução de Christiane Nord surge como uma

    ferramenta a ser usada por aqueles que lidam com a tradução de uma maneira geral,

    tradutores, intérpretes, estudantes, professores, pesquisadores, etc.

    Tentarei, nos parágrafos seguintes, fazer uma pequena explanação sobre o modelo em

    questão, abordado por Nord em seu livro Text Analyse und Übesetzung – Theoretische

    Grundlagen, Methode und didaktische Anwendung einer übersetzungsrelevanten Textanalyse

    (1988). Explorarei o modelo nos aspectos que serão relevantes à produção deste trabalho;

    contudo, não deixarei de fora o que considero imprescindível para a compreensão do modelo,

    a saber, em ordem de discussão: suas principais características, seus participantes, fatores

    externos e fatores internos.

    Primeiramente é preciso esclarecer que tal modelo é uma ferramenta que não

    determina como a tradução deve ser feita, mas oferece meios de abordar e analisar o texto de

    partida antes de sua tradução. Inicialmente o modelo é aplicado para análise do texto de

    partida; no entanto, é um modelo recursivo, o que dá ao tradutor a liberdade de ir e vir entre

    texto de partida e texto de chegada, possibilitando a comprovação de suas análises e hipóteses

    iniciais e consequentemente a correção quando esta se fizer necessária. O modelo de Nord se

    dirige a um público amplo pelo fato de apresentar características distintas de outros modelos.

  • 20

    O par de idiomas envolvidos no processo de tradutório não precisa ser específico.

    Línguas orientais, nórdicas, latinas ou anglo-saxônicas, em qualquer par de idiomas é possível

    se utilizar o modelo. Com isso, a influência que os idiomas têm em relação a número de

    falantes, se são mais/menos traduzidos, se são predominantes no plano global ou são línguas

    extintas, não são fatores relevantes nesse momento da análise.

    A direção do processo de tradução é outro fator que não apresenta relevância para a

    aplicação do modelo. Os procedimentos de análise são os mesmos tanto para a tradução como

    versão, como é mais conhecido o processo de tradução da língua materna para o idioma

    estrangeiro.

    Não há exigência quanto ao grau de competência do usuário. Tradutores experientes

    ou iniciantes na tarefa de tradução são potencialmente capacitados para o uso do modelo com

    o mesmo grau de habilidade, desde que familiarizados com todos os componentes que a

    análise implica.

    Da mesma forma que o modelo se aplica a qualquer idioma, também se aplica a

    diferentes culturas, considerando que um mesmo idioma é falado em diferentes países, como

    por exemplo, o português, que é falado em diferentes continentes: Europa, América Latina e

    África, e são de certo bem diferentes culturalmente falando.

    Uma das características que mais gerou discussão e críticas à cerca do modelo de Nord

    foi a sua aplicabilidade a qualquer tipo de texto. Como menciona Nord (1988, p. 3) “a

    praticidade e caráter didático inerente ao modelo” e considerando os diversos tipos de textos

    existentes, faz com que os elementos analisados em cada tipo de texto sejam recorrentes,

    permitindo, assim, a aplicação do modelo a todos os tipos de texto, inclusive os literários. Por

    mais que estudiosos da área de literatura e escritores possam requerer uma condição superior

    aos textos literários, são eles em sua essência textos e como tais possuem a mesma

    constituição e por tanto, são passíveis de análise como qualquer outro texto.

    O modelo pensado por Nord auxilia no rastreamento de dificuldades que o tradutor

    geralmente encontra durante o processo de tradução. Nesse caso, a averiguação inicial

    realizada no texto de partida permite ao tradutor rastrear dificuldades estruturais, linguísticas

    ou culturais. Essa sistematização fornece ao tradutor meios de decidir objetivamente qual será

    a solução mais adequada para cada dificuldade, dando-lhe assim transparência em suas

    decisões e possivelmente um ganho de tempo em sua tarefa.

  • 21

    Uma última característica ressaltada por Nord em seu livro está direcionada aos

    professores / instrutores de cursos da área de Estudos da Tradução. Com o uso desse modelo

    outros critérios como os tipos de texto, análises de itens específicos cotextuais e contextuais,

    etc. Podem ser utilizados para a seleção de textos adotados no ensino de tradução.

    Ao longo de seu livro, Nord ressalta que o modelo não é conclusivo ou à prova de

    falhas, ele está aberto a criticas e sugestões, bem como melhoramentos, provenientes dos

    Estudos da Tradução ou de disciplinas afins, como teorias linguísticas e literárias.

    Feitas as asserções sobre as características do modelo de análise textual voltado para a

    tradução de Nord (1988), dissertarei agora sobre os participantes e elementos que, de acordo

    com Nord (1988), constituem o processo de tradução. Entenda-se aqui por processo toda as

    estratégias e procedimentos executáveis durante o ato tradutório e não o processo enquanto

    cognição.

    Antes de nomear e apontar o papel dos participantes, ressalto que estamos lidando com

    um conceito de tradução em que o texto é uma oferta de informação de uma determinada

    situação comunicativa A e que será traduzido para uma determinada situação comunicativa B.

    Para Nord o processo de tradução organiza-se da seguinte forma: produtor do texto de

    partida, emissor do texto de partida, texto de partida, receptor do texto de partida, iniciador,

    tradutor, texto de chegada e receptor do texto de chegada. Esses participantes são

    imprescindíveis para o processo de tradução e cada um possui um papel especifico. No

    entanto, durante o processo, um mesmo componente pode exercer diferentes papéis

    simultâneamente.

    A seguir tem-se os participantes e seus papéis no processo de tradução:

    Produtor do texto de partida: é o sujeito que produz de fato o texto de partida, utiliza-

    se de todo o conhecimento de seu idioma e cultura para a produção do texto. Pode

    haver casos em que não haja autoria de uma pessoa, mas de um grupo, empresas ou

    órgãos.

    Emissor do texto de partida: É aquele que fará uso do texto para algum fim

    determinado. É quem define para essa situação qual a finalidade do texto. Podem

    também ser instituições, empresas, órgãos públicos, etc.;

    Texto de partida: Texto pronto e acabado;

  • 22

    Receptor do texto de partida: Indivíduo idealizado no processo de produção do texto

    como potencial receptor;

    Iniciador: Sujeito que necessita que um texto seja traduzido. É geralmente quem vai

    em busca do tradutor ou agência para a execução da atividade de tradução;

    Tradutor: Sujeito conhecedor da situação comunicativa das duas culturas e do par de

    idiomas em questão que realizará a tradução do texto de partida, baseado na intenção

    do Iniciador e na finalidade do texto. Assume então papel de produtor do texto de

    chegada;

    Texto de chegada: Tradução pronta e acabada de acordo com as normas culturais e

    linguísticas da situação a que se destina;

    Receptor do texto de chegada: Sujeito idealizado no momento da produção da

    tradução.

    Tomando por base o exposto por Nord (1988) pode-se afirmar que o processo de

    tradução consiste em uma situação comunicativa A em que estão presentes elementos como

    um produtor do texto, um emissor, o texto em si, um potencial receptor e um contexto cultural

    para essa situação. Quando esse texto da situação A é traduzido para uma situação B foram os

    papéis do iniciador e do tradutor que tornaram isso possível, o iniciador por ser o motivador e

    o tradutor por ser o executor da tarefa.

    A distinção que a autora faz entre o que chamamos aqui de produtor e emissor do texto

    é a seguinte, “nem todo autor/produtor de um texto é necessariamente quem vai utilizá-lo ou

    enviá-lo a um determinado público, simplesmente há casos em que encomenda-se um texto

    para um determinado fim” (NORD, 1988, p. 47).

    Retomando a situação do parágrafo anterior, pode-se exemplificar a questão da

    simultaneidade dos papéis dos participantes: o produtor e o emissor do texto da situação A

    podem claramente ser a mesma pessoa, assim como essa mesma pessoa pode também assumir

    o papel de iniciador e tradutor desde que apto para a realização da tarefa de tradução.

    Antes do processo de tradução fatores externos e internos devem ser analisados. Eles

    revelam informações importantes sobre as condições de produção do texto fonte, ajudam na

    localização de potenciais problemas, orientam o tradutor em suas estratégias e decisões para a

    realização da tradução.

  • 23

    2.2.1. FATORES EXTERNOS

    Para se descobrir que fatores devemos analisar em um texto, a autora sugere uma série

    de perguntas. Nas respostas às perguntas estão os fatores passíveis de análise. Para os fatores

    externos, de acordo com Alves (2006), as perguntas seriam: Quem transmite? Emissor; Para

    que? Intenção; Para quem? Receptor; De que modo? Canal/Meio; Onde? Local; Quando?

    Tempo; Por que? Motivo; Com qual função? Função do texto. A seguir apresenta-se uma

    breve descrição de cada um dos termos.

    Emissor: Sujeito ou instituição que faz uso de um texto com uma determinada

    intenção/ função em mente. Emissor e produtor podem ser simultaneamente a mesma

    pessoa; contudo, o que determina as diretrizes da produção do texto são as instruções

    fornecidas por esse emissor e as convenções linguísticas e culturais da situação

    comunicativa;

    Intenção: é o que o emissor almeja alcançar com aquele texto. A partir daí pensa-se

    em toda a estruturação do texto, o que escrever e o que não escrever, com que palavras

    etc.

    Receptor: É o sujeito idealizado durante os processos de produção dos textos. Tanto o

    receptor do texto de partida quanto o do texto de chegada devem ser considerados no

    momento da tradução, ainda que o seu background cultural e linguístico seja diferente;

    Meio/Canal: São as delimitações de como será escrito, se será escrito e por qual

    veículo de comunicação o texto será emitido;

    Local: Espaço onde esse texto irá circular, características que possam influenciar na

    produção e divulgação do mesmo. Deve-se considerar não apenas o lugar de produção

    do texto, mas também pensar no local onde se encontra o receptor idealizado;

    Tempo: Momento em que o texto foi produzido. Alguns textos podem pertencer a

    períodos específicos, ou mesmo suas informações podem não ser mais relevantes ou

    atuais;

    Motivo: A motivação do emissor para estabelecer um contato com o público naquele

    lugar, naquele momento, naquela situação como um todo;

    Função do texto: Situação para a qual aquele texto foi produzido, intuito. A

    determinação da função do texto de partida faz com que o tradutor a utilize como meio

    de orientação para a função do texto de chegada, caso não haja nenhuma instrução

    mais específica por parte do iniciador.

  • 24

    Esses fatores estão todos interligados, contribuindo para um bom funcionamento do

    texto, de modo que a identificação dos primeiros fatores no texto, automaticamente, faz com

    que se tenha uma hipótese do que virá a seguir para os fatores internos.

    2.2.2. FATORES INTERNOS

    Dando sequência ao trabalho temos a seguir as perguntas para a identificação dos

    fatores internos. De acordo com Alves (2006), são elas: Sobre o que? Tema; O quê?

    Conteúdo; O que não? Pressuposições; Em que sequência? Construção; Com quais elementos

    não verbais? Com que palavras? Léxico; Com que sentenças? Sintaxe; Com que tom? Marcas

    subjacentes. A seguir uma breve descrição de cada um dos termos.

    Tema: É um dos primeiros fatores a ser identificado. Ele pode ser identificado já a

    partir dos fatores externos pelo título ou tipo de texto. Caso isso não ocorra, elementos

    como o léxico auxiliam na identificação da temática. O tema pode estar presente em

    um único texto ou realizar-se por vários textos com temáticas em comum, como

    coletâneas de contos, fábulas, notícias, etc. Em situações em que vários temas são

    abordados em um mesmo texto, um deles irá ser o predominante e, consequentemente,

    o que deverá ser considerado como principal;

    Conteúdo: Uma análise da superfície textual de maneira sucinta para averiguar

    semântica, léxico, pragmatismo, conotação, elementos culturais, tempo, modo,

    registro, coesão, coerência, etc.;

    Pressuposições: O que está nas entrelinhas do texto, o não dito intencional ou por ser

    aparentemente óbvio. Normalmente ocorre em textos situados culturalmente onde

    emissor e destinatário possuem um maior grau de conhecimento compartilhado;

    Construção: Títulos, subtítulos, argumentações, saudações, desfechos, notas,

    elementos pertencentes à macroestrutura textual. Organização das informações,

    progressão, elementos coesivos, conjunções, estruturas de tema e rema, períodos

    simples ou compostos, estilo, elementos pertencentes à microestrutura do texto;

    Elementos não verbais: Elementos utilizados para complementar dizeres, evitar

    ambiguidades ou enfatizar determinados trechos do texto, normalmente icônicos como

    fotos, ilustrações, emblemas. Em se tratando da linguagem seriam gestos, expressões

    faciais e corporais;

  • 25

    Léxico: Palavras utilizadas no texto, estilo, registro, formação de palavras, figuras de

    linguagem, retórica, aspectos morfológicos, idiomatismos, empréstimos,

    regionalismos, conjunções, advérbios, tempo e modo verbal,etc.;

    Sintaxe: Estruturas das frases, coordenação, subordinação, simples, complexas,

    paralelismo, figuras de linguagem, locuções adverbiais, anáforas, catáforas, elementos

    de coesão e de coerência, etc.;

    Marcas subjacentes: São elementos que não se encaixam nas categorias anteriores, por

    exemplo, uso de itálico, negrito, aspas, parênteses, sublinhado, vírgulas, rimas. Todos

    são elementos que de alguma forma estruturam o texto ou colaboram para definições

    de estilo do produtor ou do texto.

    As análises sintática, semântica e morfológica ocorrem de forma simultânea e, devida

    à análise dos fatores externos, já existe uma expectativa por parte do tradutor a respeito do

    que ele encontrará nessa análise dos fatores internos. Parte dessa expectativa é devido às

    convenções que cada cultura e idioma possuem para a realização de seus textos.

    Para a autora, um texto é aquele que possui uma função e ele só se realiza como tal ao

    chegar a um receptor, seja ele o idealizado no processo de produção ou não. Esse tópico é

    importante, pois sem um texto fonte não existe uma tradução. Porém, as funções desses textos

    de partida e de chegada podem ser distintas, bem como podem ser incompatíveis a intenção

    do produtor do texto e a expectativa que o receptor idealizado possui.

    A análise pressuposta pelo modelo aparenta demandar tempo e ser repetitiva, mas, na

    verdade, ela proporciona um ganho de tempo, pois a localização e identificação dos

    problemas passa a ser sistemática, impedindo assim que elementos do texto passem

    despercebidos pelo tradutor.

    Autores como Leal (2005, 2007), Ferreira (2010), Santos e Accácio (2008) só para

    citar alguns, realizaram trabalhos utilizando gêneros literários e o modelo de Nord, o que é um

    indício de relevância na relação dos dois temas. Desse modo, é pertinente o uso do modelo de

    Nord para a tradução de fábulas.

    A abrangência dos elementos de análise pressupostos pelo modelo de Nord,

    principalmente as marcas subjacentes, fazem com que ele seja indicado também para o uso

    em textos literários, uma vez que o que diferencia basicamente o texto literário do não

    literário é a função estética do primeiro e a função utilitária do segundo, como apontam Fiorin

    e Platão (1984).

  • 26

    São posicionamentos como os de Fiorin Platão (1984. p.351) “Não se pode, num texto

    literário, mudar nenhuma palavra de lugar, suprimir ou acrescentar nenhum pedaço”, que

    suscitam a recusa do uso de modelo de Nord como ferramenta para as traduções dos textos

    literários.

    No entanto, o texto literário é plurissignificativo, ainda utilizando Fiorin e Platão

    (1984), e supõe-se, portanto, passível de diferentes interpretações, de modo que essas

    interpretações estão ligadas ao uso, à finalidade, que se pretende fazer desses textos. Sendo

    assim, percebe-se aí uma justificativa plausível para que o modelo de Nord seja adequado

    para a aplicação a esses textos, pois “No texto literário, o modo de dizer é tão (ou mais)

    importante quanto o que se diz.” (FIORINe PLATÃO 1984, p.353). E ainda que esse modo de

    dizer não seja claramente especificado pelos autores, a junção dos fatores externos e internos

    pressupostos por Nord oferecem opções tangíveis para uma análise desse tipo.

  • 27

    3. ANÁLISE DO TEXTO FONTE

    Nessa etapa serão analisados nas fábulas de Lessing os fatores determinados pelo

    modelo de Nord, começando pelos fatores externos, passando para os internos e, logo após, à

    política de tradução que será adotada com base na análise. Vale aqui ressaltar que, como

    mencionado anteriormente, a versão da obra utilizada para análise é a da Editora S. Fischer de

    2009.

    Fatores externos:

    Emissor: Assumindo o papel de produtor e emissor do texto, temos o próprio autor

    Gotthold Ephraim Lessing e também a editora Fischer, para a edição em questão, pois

    o fato da mesma ter publicado uma obra que foi escrita há tanto tempo, colocá-la em

    sua coletânea de clássicos e no formato de livro de bolso não são ocorrências casuais;

    Intenção do Emissor: Considerando que a obra é o segundo trabalho do autor com

    fábulas, nessa obra o que ele pretendia, aparentemente, era expor o seu trabalho,

    visando o entretenimento do seu público em um primeiro momento. Em segundo

    plano, pretendia mostrar os seus ensaios sobre as fábulas, fato que confirmo

    primeiramente devido aos seus estudos terem sido publicados juntamente com as

    fábulas e do autor requerer de seus leitores autonomia e senso crítico, mas também por

    suas palavras no prefácio da obra, onde afirma que “ele [o leitor] verifica nas fábulas o

    seu gosto e nos ensaios a minha motivação”1 (LESSING, 2009, p. 10). Em relação à

    editora, considero que ela visa, o que é de praxe, o lucro, mas que contribui para um

    cânone literário, quando classifica a obra como clássica.

    Receptor: Público conhecedor de literatura, principalmente fábulas, que saiba

    reconhecer as menções explícitas aos fabulistas famosos. Que não sejam passivos,

    como pode se constatar por outro trecho do prefácio “Rogo apenas para que meus

    leitores não julguem as fábulas sem [ler] os tratados”2 (LESSING, 2009, p. 10);

    Meio/Canal: Através da escrita, coletânea de fábulas em um livro de bolso;

    Local: Frankfurt an Main;

    Tempo: 2009;

    Motivo: Entreter e compartilhar estudos;

    1 Minha tradução de: „Er prüfe also in den Fabeln seinen Geschmack und in den Abhandlungen meine Gründe.“

    2 Minha tradução de: „Ersuche ich bloß meinen Leser, die Fabeln nicht ohne die Abhandlungen zu beurteilen“

  • 28

    Função do Texto: Entretenimento, e apresentar reflexões a respeito das características,

    classificações e maneiras de escrever fábulas;

    Fatores internos

    Tema: Fábulas

    Conteúdo: Conjuntos de histórias que se fazem coerentes por si só, pelo conjunto da

    obra e pelas intertextualidades nela presentes. São também de caráter moral e lúdicas,

    pois se utilizam da personificação de animais e deuses para exemplificar situações

    cotidianas;

    Pressuposições: Conhecimento de Ésopo, Fedro, obra Cláudio Eliano De natura

    Animalium, Fábulas, La Fontaine, Liederhold, Mosheims, Kneller, Pope, Addison,

    grego;

    Construção: A obra é construída da seguinte forma: fábulas enumeradas de 1 a 30,

    contendo entre seis e vinte e três linhas, um a quatro parágrafos, títulos no início de

    cada uma. Algumas contêm referências a fábulas de outros autores, como se fossem

    epígrafes, e notas de rodapé;

    Elementos não verbais: A obra não apresenta nenhuma ilustração, foto ou recurso

    pictográfico;

    Léxico: linguagem padrão, ausência de dialetos, regionalismos, com algumas palavras

    frequentes do vocabulário literário, encontram-se também substantivos, adjetivos,

    advérbios, verbos, conjunções, preposições, substantivações, pretéritos, deverbais,

    arcaísmos, imperativos, superlativos, etc.

    Sintaxe: Sentenças simples, compostas subordinadas e coordenadas, locuções

    adverbiais, elementos de coesão;

    Marcas Subjacentes: Presença de itálicos nas fábulas 1,4,5,7; marcas específicas para

    marcar falas de diferentes personagens em um mesmo parágrafo (˃˃ ˂˂) nas fábulas

    1,7,23; uso de marcações como exclamações, hífens, recursos de linguagem tais como

    sátira, ironia, soberba; fábulas 3, 5, 16, 18, 20, 24, 25 e 26 contém uma espécie de

    epígrafe e referências explícitas ao trabalho de Ésopo e Cláudio Eliano.

    É possível perceber certa recorrência nas respostas à identificação dos fatores. Isso já

    era previsto, pois todos os itens cooperam entre si para a formação de um todo, no caso um

    texto, completo e coerente.

  • 29

    Com base na identificação dos fatores anteriores é que foi traçada a política de

    tradução. A primeira vista averiguou-se quais serão os pontos problemáticos e, a partir deles,

    idealizou-se estratégias para superá-los.

    Ressalto dois fatores a seguir de análise que apresentaram um maior beneficio,

    considerando os textos literários e principalmente trazendo para a proposta deste trabalho que

    é a tradução comentada das fábulas de Lessing.

    O primeiro deles é a pressuposição, a partir desse fator é possível averiguar o que o

    texto apresenta implícita ou explicitamente. Analisando as fábulas de Lessing é possível

    reconhecer de maneira direta as pressuposições do autor. Lessing usa de intertextualidades

    explícitas, menções diretas a outros autores e obras que contribuem para a construção de

    sentido das fábulas. No entanto, pode se constatar também pressuposições que não são

    explicitadas como o desfecho da Fábula 6 O macaco e a raposa, “Escritores da minha nação!

    Devo me explicar mais claramente?”, onde não se sabe a que escritores se refere, mas

    recupera-se a que nação ele se refere, no caso a sua própria Alemanha.

    Juntamente com a pressuposição o segundo fator de grande contribuição é a análise

    das marcas subjacentes. Graças a essa etapa foi possível localizar os momentos em que o

    autor destacou termos e nomes (Pope, Addison, Kneller) através dos itálicos, apresentou

    neologismo (Hermanniade), apresentou pontuação específica como o uso das aspas (>>

  • 30

    3.1 POLÍTICA DE TRADUÇÃO

    O modelo de tradução de Nord prevê que todo texto tem a sua finalidade. Juntamente

    com a finalidade do texto de chegada, através da análise do texto de partida, a partir do

    modelo de Nord, tem-se subsídios necessários para guiar a tradução.

    A partir da análise do texto de partida, foi determinada a finalidade da tradução e as

    estratégias adotadas para o processo tradutório. Apesar de um passo necessário para o inicio

    da tarefa, como já foi dito em parágrafos anteriores, uma das características do modelo de

    Nord é ser recursivo, possibilitando assim que se possa ir e vir entre os textos de partida e

    chegada, realizando ajustes quando necessário. Contudo, as vezes em que foi necessário

    transitar entre os textos foi para a comparação de itens gramaticais e vocabulário, não se

    referindo exatamente ao que já havia sido apurado na análise dos dados.

    Foi mencionado anteriormente que dentre os objetivos, pretende-se dar visibilidade à

    obra de Lessing como fabulista no Brasil. Em função disso, adota-se parte da mesma intenção

    do autor para com a sua obra, isto é, entreter o público.

    Alinhando-me ao conceito de lealdade pressuposto por Nord, realizarei a tradução de

    forma que as características e estilo de Lessing, na medida do possível, se sobressaíam, com a

    finalidade de que o estilo do autor esteja presente nas traduções e que, como foi constatado na

    análise do texto fonte, que as fábulas sirvam também para entreter o público.

    Não pretendo fugir à norma da língua de chegada e tão pouco mostrar-me enquanto

    tradutor, por não ser esse o foco do meu trabalho. O receptor idealizado para essas traduções

    são pessoas que conheçam, ainda que pouco, sobre fábulas, que sejam leitores capazes de

    discernir entre o real e o ficcional e considerar um contexto pragmático, onde ocorrem

    críticas, sátiras e figuras de linguagem.

    Parto da dicotomia apresentada por Schleiermacher (2001, p. 43) em sua conferência

    Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens [Sobre os diferentes métodos de tradução]

    de 1813, onde afirma que o “verdadeiro tradutor, aquele que realmente pretende levar ao

    encontro essas duas pessoas tão separadas, seu autor e seu leitor, pode tomar dois caminhos:

    ou deixa o autor em paz e leva o leitor até ele; ou deixa o leitor em paz e leva o autor até ele”.

    Os caminhos apontados primeiramente por Schleiermacher recebem uma

    nomenclatura dada por Venuti, quando este acrescenta um viés ideológico aos dois métodos

    Venuti (1998) os denomina estrangeirização, quando se leva o leitor da tradução até o autor

  • 31

    do texto fonte, e domesticação, quando se aproxima o autor do texto de partida do leitor da

    tradução. Ambos têm em comum a ideia de que a perspectiva evidencia os elementos do texto

    de partida na tradução seria a mais adequada a ser tomada pelo tradutor.

    Não somente por concordar com ambos, mas também por crer no potencial intelectual

    do público alvo a quem direciono a tradução, assumirei a mesma postura em relação as

    traduções que serão realizadas. Não desejo que seus elementos característicos sejam realçados

    de modo drástico, porém quero que se façam presentes por mim enquanto produtor do texto

    de chegada, mas também pelo empenho prévio que já fora empregado pelo autor do texto de

    partida.

    A tradução será muito semelhante ao texto de partida, os elementos presentes como as

    notas de rodapé, epígrafes e textos em gregos são mantidos na íntegra; a estruturação e ordem

    das fábulas é a mesma. Ressalto como diferencial apenas a presença das Notas de Tradução,

    que não ocorrem em grande quantidade e estão também no rodapé, mas, iniciadas pela sigla

    NT, como é de praxe, para que não se confunda com as que são parte da estrutura do texto de

    partida.

    Informadas as decisões que norteiam o trabalho, o passo seguinte é a apresentação da

    tradução comentada do Livro I de fábulas de Gotthold Ephraim Lessing, baseado na prévia

    análise fornecida pelo modelo de Nord.

  • 32

    4. TRADUÇÕES E COMENTÁRIOS

    A seguir apresento a tradução das fábulas que estão organizadas de acordo com o sumário abaixo, e seus comentários.

    Os textos de partida originais estão no Anexo B.

    Fábulas

    Livro I

    1. A aparição

    2. O hamster e a formiga

    3. O leão e a lebre

    4. O burro e o cavalo de caça

    5. Zeus e o cavalo

    6. O macaco e a raposa

    7. O rouxinol e o pavão

    8. O lobo e o pastor

    9. O cavalo e o touro

    10. O grilo e o rouxinol

    11. O rouxinol e o açor

    12. O lobo guerreiro

  • 33

    13. A fênix

    14. O ganso

    15. O carvalho e o porco

    16. A vespa

    17. O pardal

    18. O avestruz

    19. O pardal e o avestruz

    20. Os cães

    21. A raposa e a cegonha

    22. A coruja e o caçador de tesouro

    23. A jovem andorinha

    24. Merops

    25. O pelicano

    26. O leão e o tigre

    27. O touro e o cervo

    28. O burro e o lobo

    29. O cavalo no xadrez

    30. Ésopo e o burro

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    1. A aparição

    Na mais isolada profundeza da floresta, onde eu por vezes ouvi

    animais falantes, encontro-me próximo a uma calma cascata, tentando dar

    um simples toque de poeticidade ao meu conto de fadas, os quais aparecem

    preferencialmente em La Fontaine, que quase mimou as fábulas. Eu

    ponderei, eu escolhi, eu rejeitei, a testa brilhava e nada aparecia no papel.

    Totalmente insatisfeito levanto-me e veja só! Pela primeira vez estava ela a

    Fabulosa Musa diante de mim.

    Então disse ela sorridente:

    - Pupilo, para quê esse ingrato esforço? A verdade precisa do

    charme da Fábula, mas para que precisa a Fábula do charme da harmonia?

    Tu queres condimentar o condimento. Basta, quando a ficção é do poeta o

    discurso do historiador é genuíno assim como o conhecimento dos sábios.

    Eu queria ter respondido, mas ela desapareceu.

    - Ela desapareceu? Ouço um leitor perguntar e ele prossegue. - Se

    você, provavelmente, queria nos ludibriar, seu encerramento ordinário

    representa a sua incapacidade. Pôr a Musa em sua boca precisamente uma

    fraude habitual.

    Excelente, meu leitor! Musa alguma para mim apareceu, conto

    apenas uma mera fábula de onde você mesmo extraiu a lição. Não sou o

    primeiro e tão pouco serei o último a fazer das suas fantasias uma profecia

    ou uma divina aparição.

    Em sua primeira fábula, denominada A

    aparição, o autor coloca-se como narrador e também

    personagem. Nela percebemos um pouco do que o

    mesmo considera importante para as fábulas e que

    tipo de leitor ele espera para os seus trabalhos.

    Embora pareça uma percepção simples, e talvez

    óbvia, essa característica é um dos pontos de análise

    pressupostos pelo modelo de Nord. Tem-se

    marcadamente o que se pode inferir como sendo parte

    da intenção do autor. Ainda na primeira fábula há

    também a presença do nome de La Fontaine em

    itálico o que é caracterizado como parte dos

    pressupostos da obra e como marca adjacente.

  • 35

    2. O hamster e a formiga

    - Pobres formigas, dizia um hamster, vale a pena tanto esforço já

    que trabalham todo o verão e tão pouco coletam? Talvez devessem ver a

    minha reserva.

    - Escuta, respondeu a formiga, se a sua reserva é maior do que você

    precisa então é certo que os homens escavam até encontrá-lo, esvaziam a

    sua reserva e fazem com que pague com sua vida pela sua torpe avareza.

    3. O leão e a lebre

    Aelianus de natura animalium libr. I. cap. 38. Oρρωδεῖ ὁ ἐλέφας

    κεράστην κριὸν καὶ χοίρου βοήν.1 Idem lib. III. Cap. 31. Aλεκτρυόνα

    φοβεῖται o λέων.2

    Um leão privilegiou uma engraçada lebre com sua amizade.

    - É verdade que vocês leões podem facilmente ser afugentados por

    um mísero galo cantor? Perguntou um dia a lebre.

    - De fato, é uma observação comum que nós grandes animais, em

    geral, temos uma pequena fraqueza. Logo você já deve ter ouvido, por

    exemplo, que o grunhido de um porco desperta calafrios e medo no elefante.

    Respondeu o leão.

    - Sério? Interrompeu a lebre. Agora entendo porque nós lebres

    tememos tanto os cães.

    1O elefante teme o grunhido de um porco e os chifres de um carneiro.

    2 Um galo teme o leão.

    A fábula 2, O hamster e a formiga, corrobora

    para asserção acerca da recepção, pois o uso de

    menções como pagar com a vida por conta de

    avareza, não seria definitivamente voltado para

    qualquer público.

    Na fábula 3, O leão e a lebre, está a primeira

    ocorrência de uma espécie de epígrafe. Escrita em

    grego e com a referência da obra e do capítulo de

    onde foi retirada. Esse tipo de artifício é utilizado ao

    longo do Livro I de fábulas, porém não apresenta uma

    consistência.

  • 36

    4. O burro e o cavalo de caça

    Um burro comete a besteira de apostar corrida com um cavalo de

    caça. A prova terminou de maneira patética e o burro foi ridicularizado.

    - Eu percebo bem agora a razão do resultado, acerca de um mês

    pisei em um espinho e ele ainda me causa dor, dizia o burro.

    Perdoem-me, dizia o orador Liederhold1, se o meu sermão de hoje

    não foi tão completo e edificante, como esperado de um abençoado imitador

    de Mosheim2. Como podem ouvir, tenho uma garganta rouca já há oito dias.

    1 NT: Hans Liederhold, espécie de menestrel contemporâneo de Lessing.

    2 NT: Johann Lorenz von Mosheim ou Johann Lorenz Mosheim era um historiador da Igreja Luterana Alemã.

    Na fábula 4, O burro e o cavalo de caça,

    encontram-se os únicos itens que não são previstos

    pelo modelo de Nord e são primordiais para a

    compreensão da fábula.

    O autor destaca com itálico pessoas que eram,

    provavelmente, conhecidas de seu público e

    possivelmente importantes para aquele período.

    Mesmo não trazendo essa informação em suas notas

    ou prefácio, o destaque da grafia chama a atenção e

    faz com que seja necessário compreender a

    motivação.

    Essa identificação é possível pela análise das

    marcas adjacentes presentes no modelo de Nord e a

    solução foi fazer com que o leitor recupere essa

    informação através das Notas de Tradução (NT).

  • 37

    5. Zeus e o cavalo

    Kάμηλον ὡς δέδοικεν ἵππος, ἔγνω Κῦρός τε καὶ Κροῖσος.

    1

    Aelianus de nat. an. lib. III. cap. 7.

    - Pai dos animais e dos homens, dizia o cavalo ao aproximar-se do trono

    de Zeus, desejam que eu seja uma das mais belas criaturas com a qual você o

    mundo adornou e o meu amor próprio me faz acreditar nisso. Mas não haveria,

    contudo, distintas melhorias?

    - E o que tens em mente por melhorias? Diz-me, tomarei nota, falou o bom

    Deus aos risos.

    - Talvez, inicia o cavalo, eu seria mais fugaz se minhas pernas fossem

    maiores e mais delgadas, um longo pescoço de cisne não me atrapalharia, um peito

    largo aumentaria a minha força. E então como você uma vez determinou a seus

    queridos, os homens, carregar, poderia ter uma sela natural e sobre ela o

    benevolente cavaleiro se poria.

    - Bom, retoma Zeus, aguarde um momento.

    Zeus com sua feição severa enunciou a palavra da criação, brotou vida na

    poeira, aglutinou-se em matéria organizada e de repente estava diante do trono, o

    feio camelo.

    O cavalo olhou, arrepiou e estremeceu diante da horrível abominação. E

    Zeus iniciou:

    - Aqui estão pernas maiores e mais finas, aí está um longo pescoço de

    cisne, um peito largo e uma sela natural. Você deseja cavalo que eu te recrie dessa

    maneira?

    O cavalo ainda tremia.

    - Vai, prosseguiu Zeus, dessa vez és educado sem punição. Portanto

    quando arrependido de sua arrogância, lembra que a nova criação permanece.

    Zeus manteve o olhar no camelo e o cavalo não o olhava sem arrepiar-se.

    1 O temor do cavalo ao camelo vivenciou Ciro e Creso.

  • 38

    6. O macaco e a raposa

    - Diga-me um animal habilidoso que eu não possa imitar.

    Vangloriava-se o macaco frente a raposa. Ela por sua vez revidou:

    - E você diga-me um animal tão infame ao qual lhe ocorreria imitar.

    Escritores da minha nação! Devo me explicar mais claramente?

    7. O rouxinol e o pavão

    Um amigável rouxinol encontrou entre os cantores da floresta uma

    multidão de invejosos, mas nenhum amigo. Talvez eu encontre um amigo

    nas outras espécies, pensou o rouxinol e voou secretamente até o pavão.

    - Belo pavão! Eu admiro você.

    - Eu o admiro também querido rouxinol.

    - Então sejamos amigos, não tenhamos inveja um do outro, você é

    tão agradável à vista quanto eu aos ouvidos.

    Kneller1 e Pope

    2 foram melhores amigos que Pope e Addison

    3.

    1 NT: Godfrey Kneller foi um pintor inglês.

    2 NT: Alexander Pope foi um dos maiores poetas britânicos do século XVIII.

    3 NT: Joseph Addison foi um poeta e ensaísta inglês.

    Na fábula 7, Lessing utiliza novamente o

    recurso de mencionar nomes de pessoas para a

    construção de suas fábulas. Sendo esse um caso que

    já ocorreu em outra fábula traduzida (Fábulas 1 e 4 ),

    utilizaram-se os mesmos procedimentos tradutórios: a

    pesquisa para saber de quem se tratava e o uso de

    notas de tradução para que a informação pudesse ser

    recuperada pelos leitores.

  • 39

    8. O lobo e o pastor

    Um pastor perdeu todo o seu rebanho durante uma terrível epidemia.

    Sabendo disso foi o lobo prestar suas condolências.

    - Pastor, diz ele, é verdade que tão terrível tragédia ocorreu? Que

    todo o seu rebanho pereceu? O querido, obediente e gordo rebanho? Eu

    lamento tanto que choraria lágrimas de sangue.

    - Sou grato, mestre Isegrim1, colocou o pastor, vejo que você tem

    um coração muito piedoso.

    - Isso ele realmente tem, acrescentou o Hylax do pastor, muitas

    vezes ele padece pela tragédia do seu próximo.

    9. O cavalo e o touro

    Sobre um cavalo alvoroçado voava orgulhosamente um garoto

    insolente. Próximo dali gritou um touro selvagem para o cavalo:

    - Humilhante! Por um garoto não me deixaria dominar.

    - Mas eu, que honra me traria derrubar um garoto? Revidou o

    cavalo.

    1 NT: Isegrim (lobo) e Hylax (cão) são nomes dados aos animais nas fábulas alemãs.

    Na fábula 8, o autor resolve utilizar os nomes

    que são dados aos animais nas fábulas alemãs. Essa

    informação seria possivelmente mais fácil de

    recuperar do que as anteriores por estarem presentes

    também em outras fábulas. No entanto, é melhor que

    estejam explicitadas para que a informação não se

    perca.

  • 40

    10. O grilo e o rouxinol

    - Eu lhe asseguro que aos meus cantos não faltam admiradores, dizia

    o grilo ao rouxinol.

    - Não me diga, respondeu o rouxinol.

    Seguiu então o grilo dizendo:

    - Os diligentes ceifadores me ouvem com muito prazer, e são eles as

    pessoas úteis na república humana, e quanto a isso não contestarás?

    - Não contestarei isso, mas por essa razão tu não deverias se

    orgulhar dos aplausos. Às pessoas cujos pensamentos estão apenas em sua

    tarefa devem faltar o requinte. Replicou o rouxinol

    - Não se gabe tão cedo da sua canção e também de nada, pois até

    mesmo o despreocupado pastor, que tão graciosamente toca sua flauta se

    deleita em silêncio.

    11. O rouxinol e o gavião

    Um gavião disparou em direção a um cantante rouxinol.

    - Tu cantas tão bem, teu sabor há de ser excelente!

    Terá sido debochado sarcasmo ou ingenuidade, o que disse o gavião?

    Eu não sei. Mas ontem ouvi dizer: este quarto de mulher, tão

    incomparavelmente vedado, não deve ser um quarto encantador! E isso era

    definitivamente ingenuidade!

  • 41

    12.O lobo guerreiro

    Um jovem lobo vangloriava-se dos grandes feitos de seu pai a uma

    raposa.

    - Meu pai foi um verdadeiro herói! Que coisas terríveis não fez ele

    em toda região! Triunfou sobre mais de duzentos inimigos e, uma a uma,

    mandou suas almas ao Reino da Perdição, um milagre que tenha finalmente

    sucumbido!

    - Só um orador fúnebre enunciaria assim, respondeu a raposa e

    prosseguiu, um historiador imparcial, no entanto, adicionaria que os

    duzentos inimigos sobre os quais ele, um a um, triunfou eram ovelhas e

    burros e o único inimigo ao qual ele sucumbiu fora o primeiro touro que ele

    audaciosamente atacou.

    13. A fênix

    Após centenas de anos contenta-se a fênix em mais uma vez ser

    vista. Ela aparece e todos os animais e pássaros reúnem-se em torno dela.

    Eles a encaram,admiram, ficam maravilhados e elogiam fervorosamente.

    Porém minutos depois, aliados aos melhores olhares misericordiosos,

    suspiram:

    - Pobre fênix! A ela o difícil fado, nem é amada nem tem amigos,

    pois é a única de sua espécie.

  • 42

    14. O ganso

    As penas de um ganso envergonhavam a neve recém-caída.

    Orgulhoso desse maravilhoso presente da natureza, acreditou ele logo ser

    um cisne ao invés do que havia nascido. Ele separou-se de seus semelhantes

    e nadou majestosamente sozinho pelo lago. Em seguida esticou o seu

    pescoço, esse curto traiçoeiro, quis com toda força corrigi-lo, procurou dar

    ao pescoço a gloriosa curva a qual o cisne, digno da reputação de ave de

    Apolo, é dono. Obviamente em vão, seu pescoço era muito duro e todo o

    esforço o tornou um ganso ridículo ao invés de um cisne.

    15. O carvalho e o porco

    Um porco glutão se fartava com os frutos caídos de um alto

    carvalho, enquanto mastigava uma bolota já engolia outra com os olhos.

    - Ingrata criatura! Tu te alimentas dos meus frutos sem sequer me

    dirigir um olhar de gratidão.

    Lamenta do alto o carvalho.

    O porco parou por um momento e grunhiu em resposta:

    - Meus olhares de gratidão não precisam ser externados, salvo se eu

    soubesse que é por minha causa que você deixa suas bolotas caírem.

  • 43

    16. A vespa

    Iππος ἐρριμμένος σφηκῶν γένεσίς ἐστιν.1

    Aelianus de nat. animal. lib. I. cap. 28.

    Podridão e decomposição devastam o soberbo corpo de um cavalo

    que com seu audacioso cavaleiro foi fuzilado. Da ruína de alguns precisa

    sempre a natureza para a existência de outros. E assim voou de dentro do

    cadáver abandonado um enxame de jovens vespas dizendo:

    - Oh! Que divina origem temos nós, o magnífico cavalo, o favorito

    de Netuno, é o nosso criador.

    Essa bizarra arrogância ouviu o atento fabulista e pensou nos

    italianos de hoje, que se imaginam nada menos do que descendentes dos

    antigos imortais romanos, pois nasceram de seus túmulos.

    17. O pardal

    Uma antiga igreja que abrigava incontáveis ninhos de pardal foi

    restaurada e agora apresentava seu novo esplendor. Vieram novamente os

    pardais em busca de suas antigas moradias e encontraram tudo murado.

    - Para que serve então esse grande edifício? Vamos, deixem esse

    monte de pedras inútil! Gritaram eles ao partir.

    1 Um cavalo morto é o genitor da vespa.

    Na fábula 16, o autor faz uma critica explícita

    aos italianos.

    Na fábula 17, a critica é à igreja católica como

    instituição.

  • 44

    18. O avestruz

    1

    - Agora eu quero voar. Gritou o gigante avestruz e toda a população

    de pássaros se pôs ao seu redor em grande expectativa.

    - Agora eu quero voar, gritou ele mais uma vez, estendeu as

    poderosas asas feito um barco com velas içadas e disparou sobre o chão sem

    perder um passo.

    Contemplem, lá uma imagem poética aquelas cabeças não poéticas,

    aqueles que na primeira linha de seus enormes odes orgulhosamente se

    gabam acima das nuvens e estrelas ameaçam se elevar e permanecem

    sempre fiéis a poeira!

    19. O pardal e o avestruz

    - Se orgulhe do seu tamanho e de sua força o quanto quiser, eu sou

    mais pássaro que você, porque você não pode voar e eu posso, embora não

    tão alto e apenas aos arranques. Disse o pardal ao avestruz

    O simples autor de uma divertida canção de bar ou um pequeno

    canto de amor é mais gênio do que um monótono escritor de uma longa

    Hermanniade.2

    1 O grande avestruz é provido de frondosas asas; a natureza não permite que ele decole e se eleve alto no ar. Mas ele corre velozmente abre as asas e quando o vento está

    sob elas, ele plana feito uma vela, no entanto não pode voar. 2 NT: Provocação dirigida ao poeta alemão Friedrich Gottlieb Klopstock, autor da trilogia cujo protagonista recebe o nome de Hermann.

    Fábula 19, apresenta o neologismo

    Hermanniade, criado pelo autor a partir do nome do

    personagem Hermann como forma de crítica aos

    grandes trabalhos que levavam décadas para que

    ficassem pronto. Como por exemplo Friedrich

    Gottlieb Klopstock e sua a obra intitulada Messias a

    qual o autor se dedicou durante 20 anos.

  • 45

    20. Os cães

    .1

    - Como é degenerada a nossa raça nessa terra! Relatava um poodle

    viajante em uma terra distante a qual os homens chamaram de Índia,

    existiam cães autênticos, cães meus irmãos, que não temiam um leão e

    audaciosamente o enfrentavam. Vocês não acreditariam, mas eu vi com

    meus próprios olhos.

    - Eles venciam o leão? Perguntou então ao poodle um sereno cão de

    caça.

    - Vencer? Isso não posso afirmar, pensava apenas no ataque a um

    leão!

    - Se não venceram, então seus gloriosos cães na Índia não são nada

    melhores do que nós, mas em boa parte estúpidos. Concluiu assim o cão de

    caça.

    21. A raposa e a cegonha

    - Conta-me algo sobre as outras terras que você visitou. Pediu uma

    raposa a, viajante assídua, cegonha.

    Em seguida iniciou a cegonha a nomear cada poça e prado úmido

    onde ela saborosos vermes e enormes sapos degustou.

    Por muito tempo você esteve em Paris, qual o melhor lugar para se

    comer? Que vinhos encontrou que eram do seu gosto?

    1 Um cão indiano ataca o leão, o importuna e também o fere, contudo no final ele é vencido.

  • 46

    22. A coruja e o caçador de tesouro

    Certo caçador de tesouro era um homem muito ordinário, arriscava-

    se em ruínas de antigos castelos de nobres ladrões, lá avistou uma coruja

    que capturara e comera um rato magro.

    - Isso é suficiente para o querido filósofo de Minerva? Perguntou o

    caçador de tesouro.

    - Por que não? Só porque gosto de silenciosas reflexões, posso viver

    só de ar? Eu sei, no entanto, que vocês homens exigem isso de vossos

    sábios. Respondeu a coruja.

    23. A jovem andorinha

    - O que estão fazendo? Perguntou uma jovem andorinha às

    ocupadas formigas.

    - Coletamos suprimentos para o inverno, foi a rápida resposta.

    - Que inteligente, também vou fazer isso, disse a andorinha, e logo

    começou a carregar aranhas e moscas mortas para o ninho.

    - Mas para que seria isso? Perguntou finalmente sua mãe.

    - Para quê? Para o duro inverno querida mãe, faça o mesmo, as

    formigas me ensinaram a ter esse cuidado.

    Explica então a mãe:

    - Deixe apenas para as formigas essas pequenas astúcias mundanas,

    o que é o bastante para elas não é o melhor para as andorinhas. Para nós a

    benevolente natureza determinou um destino oportuno. Quando o rico verão

    terminar, nós partiremos daqui, nessa viagem dormiremos e ao chegarmos,

    teremos charcos afáveis onde sem demandas descansaremos até que a nova

    primavera, para uma nova vida, nos desperte.

    Fábula 22, há uma crítica a respeito do quanto

    os seres humanos exigem de seus sábios.

  • 47

    24. Merops

    1

    Preciso perguntar-lhe algo, disse uma jovem águia para uma sábia

    coruja.

    - Dizem que há um pássaro de nome Merops que quando está no ar

    com a cauda para frente e cabeça virada para a terra, pode voar. É verdade?

    - Certamente não, isso é mais uma invenção ridícula dos homens. O

    homem pode ser tal Merops, pois ele voaria com gosto ao céu sem sequer

    por um momento perder a vista da Terra. Respondeu a coruja.

    25. O pelicano

    Aelianus de nat. animal. libr. III. Cap. 30.

    Por crianças bem sucedidas os pais não podem fazer muito, porém se

    um pai tolo retira o sangue do próprio coração para um filho degenerado,

    então o amor se transforma em estupidez.

    Um dedicado pelicano viu seus filhotes definharem, cortou o próprio

    peito com o bico afiado e com sangue reanimou os filhotes.

    - Eu admiro a sua ternura e lamento a sua cegueira.Veja só, você

    chocou com os seus filhos alguns cucos. Gritou a águia para ele.

    Realmente, foi isso mesmo, tinha ele também sido enganado pelos

    ovos do cuco trapaceiro. Teriam algum valor os ingratos cucos, para que

    suas vidas custassem tanto?

    1 Diz o homem que o passáro Merops voa de maneira contrária aos demais, sendo com a cauda para frente e a cabeça para trás.

    A fábula 24 apresenta o primeiro vestígio da

    inconsistência do uso das epígrafes, nela encontramos

    apenas os escritos em grego mas não a referência de

    onde ela foi retirada. Porém esse fato não acarreta

    nenhuma problemática para a compreensão da fábula.

    Na fábula 25 ocorre exatamente o contrário,

    tem-se a referência da obra, mas já não existe os

    escritos em grego, como vinha sendo apresentado

    anteriormente.

  • 48

    26. O leão e o tigre

    Aelianus de nat. animal. libr. II. Cap. 12.

    O leão e a lebre ambos dormem com os olhos abertos. Outrora,

    fatigado de sua grande caçada dormiu o leão na entrada de seu temível

    covil. Saltou por lá um tigre e riu do dorminhoco.

    - Não o destemido leão! Gritava o tigre, ele não dorme com os olhos

    abertos como uma lebre!

    - Como uma lebre? Rugiu e saltou repentinamente o leão na

    garganta do zombador.

    O tigre rolava em seu próprio sangue e o tranquilo vencedor deitou-

    se novamente para dormir.

    27. O touro e o cervo

    Um pesado touro e um fugaz cervo pastavam juntos em um prado.

    - Cervo, no caso do leão nos atacar, vamos ficar unidos como um só,

    juntos podemos bravamente afugentar o leão. Disse o touro.

    - Isso não me deixa a vontade, porque eu deveria entrar em uma luta

    desigual com o leão se posso escapar em segurança? Revidou o cervo.

  • 49

    28. O burro e o lobo

    Um burro encontrou um lobo faminto.

    - Tenha compaixão comigo, eu sou um pobre animal doente, veja

    que espinho tenho no pé, disse o burro trêmulo.

    - Realmente, você me comoveu, continuou o lobo, e eu concordo

    com minha consciência em livrá-lo dessas dores.

    Mal terminou de falar e devorou e burro.

    29. O cavalo no xadrez

    Dois jovens queriam jogar xadrez, devido à falta de um cavalo

    fizeram eles, através de uma marcação, de um simples peão um cavalo.

    - Ei, de onde vens senhor passo a passo? Zombaram

    antecipadamente os outros cavalos.

    Os jovens ouviram a gozação e falaram:

    - Silêncio! Não nos faz ele o mesmo serviço que você faz?

    30. Ésopo e o burro

    O burro disse a ésopo:

    - Se publicares novamente uma historinha sobre mim, então deixa-

    me falar algo racional e significante.

    - Você algo significante! Repetiu ésopo.

    - Como seria isso adequado? Não diria o homem que você seria o

    filósofo e eu o burro?

  • 50

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Ao contrário do que apontam as críticas acerca da aplicação do modelo de Nord às

    obras literárias, para o caso em questão - a tradução de fábulas - o modelo mostrou-se

    adequado e cumpriu com o seu objetivo de sistematização e identificação de itens importantes

    e relevantes para o processo de tradução.

    A aplicação direta do modelo de Nord ao texto de partida foi primordial para a

    execução da tradução comentada.

    Como referido pela própria autora, o modelo não se propõe a ser conclusivo ou à

    prova de falhas. Nas fábulas, por exemplo, encontram-se por isso encontra-se artifícios,

    geralmente utilizados em textos literários, como foi o caso da referência a nomes de pessoas

    sem a devida explicação, que não são previstos por esse modelo e que talvez por nenhum

    outro, por ser algo não frequente.

    A ausência de outros trabalhos que apliquem o modelo à tradução de fábulas dificulta

    a realização de afirmações em caráter comparativo. Mas certamente, com base neste trabalho,

    posso dizer que: a) para esse trabalho o modelo de Nord, por si só, foi satisfatório; b) a

    tradução de fábulas possui os mesmos desafios que qualquer outra tarefa de tradução e, por

    isso, não deve ser subestimada.

    Discordo daqueles que reivindicam um status superior ao texto literário. Acredito, na

    verdade, que, como qualquer outra tradução especializada, se o tradutor já possui experiência

    na área (isso faz com o que) o seu trabalho terá maior fluidez e o tradutor menos problemas

    no decorrer do processo.

    Em relação a Lessing e suas fábulas, fica clara, após as traduções uma tendên