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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
FABIOLA DE OLIVEIRA FERNANDES PINHEIRO
ELEMENTOS DE RELIGIOSIDADE CATÓLICA NA
MÚSICA PARA PIANO DE ALMEIDA PRADO
Salvador
2016
1
Fabiola de Oliveira Fernandes Pinheiro
Elementos de religiosidade católica na
música para piano de Almeida Prado
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música, Escola de Música,
Universidade Federal da Bahia, como
requisito para obtenção do título de
Doutora em Música
Subárea: Execução Musical (Piano)
Orientador: José Maurício Valle Brandão
Salvador
2016
2
F564 Pinheiro, Fabiola de Oliveira Fernandes
Elementos de religiosidade católica na música para piano de Almeida
Prado/Fabiola de Oliveira Fernandes Pinheiro -- Salvador, 2016.
101 f.: il.
Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Música da
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia.
Orientador: Prof. Dr. José Maurício Valle Brandão
1. Música para piano. 2. Catolicismo. 3. Prado, Almeida. I. Título.
CDD 786.2
3
4
No mais, irmãos, tudo que é verdadeiro, tudo que é nobre, tudo que é justo,
tudo que há de puro, tudo que há de amável, tudo que há de louvável, tudo que
seja virtude ou digno de louvor, eis o que deve ocupar vossos pensamentos.
(Filipenses 4:8)
5
PINHEIRO, Fabiola de Oliveira Fernandes. Elementos de religiosidade católica na
música para piano de Almeida Prado. Doutorado em Música. Salvador: UFBA, 2016.
RESUMO
Este trabalho busca investigar o repertório para piano com referências religiosas católicas,
em especial, a música composta por José Antônio Rezende de Almeida Prado (1943-
2010). Para tanto, buscou-se a familiarização com bibliografia referente à área de
Teomusicologia, com vistas a fundamentar a pesquisa presente. As considerações de
cunho analítico, por sua vez, são largamente baseadas em textos de comprehensive
musicianship. Após uma revisão de literatura, foram constatados aspectos como os muitas
vezes tênues limites entre a música designada para o templo (música sacra) e a música
designada para a sala de concertos (música de concerto), bem como numerosos
precedentes na composição de música católica para piano. Por fim, um pequeno porém
significativo recorte de obras pianísticas de Almeida Prado é discutido: Ad Laudes
Matutinas (1972), Poesilúdio n. 11 “Noites de Solesmes” (1985) e Toccata da Alegria
(1996).
PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo, música para piano, Almeida Prado
6
PINHEIRO, Fabiola de Oliveira Fernandes. Elements of catholic religiosity in the
piano music of Almeida Prado. Doctor of Musical Arts. Salvador: UFBA, 2016.
ABSTRACT
This work aims at investigating piano repertoire with catholic religious references,
especially the music composed by José Antônio Rezende de Almeida Prado (1943-2010).
Therefore, it was necessary to become familiar with publications in the area of
Theomusicology as the foundation of the present research. Considerations of analytical
nature are largely based on comprehensive musicianship texts. After a literature review,
comparisons of the tenuous limits between music designated for the temple (sacred
music) and music designated for the concert hall (concert music) have been presented, as
well as an examination of numerous precedents in the composition of catholic music for
piano. To conclude, a small but significant collection of Almeida Prado’s pianistic works
is discussed: Ad Laudes Matutinas (1972), Poesilúdio n. 11 “Noites de Solesmes” (1985)
[Nights of Solesmes] and Toccata da Alegria (1996) [Joy Toccata].
KEYWORDS: Catholicism, piano music, Almeida Prado
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 8
Referencial Teórico ................................................................................................................. 10
Revisão de Literatura .............................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1: ENTRE O SAGRADO E O PROFANO ......................................................... 15
Música no templo .................................................................................................................... 15
Música na sala de concertos .................................................................................................... 20
Música de Almeida Prado ....................................................................................................... 27
Considerações gerais ............................................................................................................... 31
CAPÍTULO 2: MÚSICA CATÓLICA PARA PIANO ........................................................... 32
Liszt ......................................................................................................................................... 35
Messiaen .................................................................................................................................. 37
Almeida Prado ......................................................................................................................... 39
Devoções e Homenagens ..................................................................................................... 41
Peregrinações e Retiros ...................................................................................................... 42
Considerações gerais ............................................................................................................... 47
CAPÍTULO 3: REFERÊNCIAS À ORALIDADE CRISTÃ NA MÚSICA PARA PIANO
DE ALMEIDA PRADO ............................................................................................................ 48
Ad laudes matutinas (1972)..................................................................................................... 49
Poesilúdio n. 11: Noites de Solesmes (1985) .......................................................................... 53
Toccata da Alegria (1996) ...................................................................................................... 59
Considerações gerais ............................................................................................................... 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 67
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 69
ANEXO I: PARTITURAS ........................................................................................................ 79
ANEXO II: CANTOS GREGORIANOS ................................................................................. 97
ANEXO III: PRODUTO ARTÍSTICO .................................................................................. 100
8
INTRODUÇÃO
Aleluia!
Louvai a Deus em seu santuário,
louvai-o no seu majestoso firmamento!
Louvai-o por seus grandes feitos,
louvai-o por sua imensa grandeza!
Louvai-o ao som de trombeta,
louvai-o com harpa e cítara!
Louvai-o com pandeiro e dança,
louvai-o com instrumentos de corda e flautas!
Louvai-o com címbalos sonoros,
louvai-o com címbalos vibrantes!
Tudo que respira louve o Senhor!
Aleluia!
(Salmo 150, Sinfonia Universal)
Esta pesquisa foi inicialmente motivada pela possibilidade de aproximar duas
áreas de interesse: Execução Musical e Teomusicologia.1 Entre estudos de piano e o
envolvimento desta pesquisadora com práticas de música sacra em vários contextos,
paulatinamente foi surgindo e sendo amadurecida a ideia de unir estas duas experiências
em um projeto de pesquisa artística.
Desde tempos imemoriais, a música tem assumido funções utilitárias em cantos e
danças. Corriqueiramente a música serve como um meio para os seus praticantes
atingirem estados alterados de consciência. Dessa forma, o homem poderia alcançar
transcendência e se conectar com o sobrenatural.2
A música de concerto brasileira historicamente realiza referências a várias
expressões espirituais, como as tradições afro-brasileiras, frequentemente em ocasiões em
que se necessite demonstrar uma cultura “genuinamente” nacional. Tais abordagens
incluem visitas a vários contextos socioculturais, frequentemente empregando o folclore.3
O compositor santista José Antônio Rezende de Almeida Prado (1943-2010) declara
sobre sua própria experiência que
O afro-brasileiro não foi uma experiência mística, mas estética. Não tenho
interesse nessas religiões enquanto atos de fé. Acho muito bonito o ritual do
1 Teomusicologia é um termo cunhado pelo etnomusicólogo Jon Michael Spencer para descrever uma área
que estuda as relações entre Música e Teologia (BEGBIE & GUTHRIE, 2011, p. 3). Outro termo, similar,
é Teomusicismo (PIKE, 1953, p. 75). Estes termos, que não são empregados unanimemente entre os
estudiosos, coincidem com o que também é mais tradicionalmente conhecido como Musicologia Litúrgica
ou Teologia Estética. 2 Considerações aprofundadas a respeito das origens da música na humanidade e/ou música e
espiritualidade nos primórdios do homem fogem à proposta deste trabalho. Tais questões são amplamente
estudadas no âmbito de áreas como Antropologia e Etnomusicologia, por autores como Mircea Eliade
(1907-1986) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009). 3 Para mais informações, vide BRANDÃO (2014).
9
Candomblé, as roupas, os temas, o obsessional, os tambores, a ligação com a
terra, muito primitiva. Tudo isso me encantou quando compus ‘Sinfonia dos
Orixás’, ‘Sonata Omulu’. Respeito quem crê em qualquer religião. A
divindade de Jesus está em cada religião. Se Deus está em tudo, o Espírito
Santo também age no Candomblé – para quem crê. No que se refere ao
respeito a todas as religiões, sou ecumênico. (Almeida Prado, apud
MOREIRA, 2002, p. 66)
Com o advento da sociedade pós-moderna, a abordagem do fenômeno religioso
ganha novas perspectivas. A música de concerto, certamente, é impactada por esta nova
pluralidade de possibilidades de vivenciar o mundo. Alguns constatam a presença de uma
verdadeira “contracultura cristã” nas artes contemporâneas (ARNOLD, 2014;
COBUSSEN, 2008; LOPEZ RASO, 2014).
A pós-modernidade do final do século XX, em sua indiferença e relativismo,
em sua insatisfação dentro de uma sociedade do bem-estar – que uma vez
alcançada – não parecia responder a questões como as relacionadas com o
existencial, tem propiciado que certos artistas expressem com uma linguagem
poética e cheia de sensibilidade suas mais profundas inquietudes espirituais, e
que olhem para os templos cristãos e seus santos como uma estimulante
possibilidade e promissor suporte de algo novo. (LOPEZ RASO, 2014, p. 63)
Almeida Prado, um católico praticante, pode ser situado como um valoroso
exemplo desta tendência.4 Tendo sido este compositor também pianista,5 é algo natural
que sua religiosidade utilize o piano como veículo de sua expressão, fazendo com que
muitas de suas obras para este instrumento remetam à sua fé. Assim sendo, este estudo
pretende investigar elementos de religiosidade católica no repertório pianístico de
Almeida Prado, com ênfase em um recorte de obras.
Ao abordar uma inspiração religiosa em uma música secular, algumas perguntas
naturalmente surgem: Como Almeida Prado reflete elementos de sua fé católica em sua
música para piano? Quais estratégias composicionais são utilizadas? Quais as demandas
e implicações interpretativas que o repertório em questão coloca?
Este trabalho busca investigar uma seleção de obras pianísticas representativas da
inspiração religiosa católica de Almeida Prado, com vistas a compreender, apreciar e
fomentar a interpretação de sua música para piano dentro de sua estética composicional
católica. Dessa forma, busca-se identificar e compreender elementos de expressão
religiosa do compositor traduzidos em elementos musicais; compreender as obras
selecionadas para a pesquisa presente, buscando elementos para uma interpretação com
mais propriedade; e apreciar o repertório religioso para piano de Almeida Prado e
valorizá-lo dentro da obra deste compositor, da produção musical contemporânea
brasileira e internacional.
4 É importante ressaltar que, não obstante o fervor de sua fé, o seu envolvimento pessoal com a religião e o
contato constante com religiosos ordenados, Almeida Prado professou o catolicismo como um leigo, não
evidenciando pretensões teológicas mais formalizadas. 5 “Eu amo o piano, eu penso-piano, como Chopin.” (Almeida Prado, apud GROSSO, 1997)
10
O capítulo 1 aborda a questão da sacralidade na música e os muitas vezes tênues
limites estéticos entre a música designada para o templo (música sacra) e a música
designada para a sala de concertos (música de concerto). Almeida Prado é apresentado
como um compositor que transita fluentemente entre as duas propostas.
O capítulo 2 realiza um levantamento não-exaustivo de repertório pianístico
inspirado pela religiosidade cristã/católica. São incluídos também alguns precedentes da
música para piano, como o repertório de cravo e virginal. Esta pesquisa limita-se ao
repertório original para piano solo (ou instrumentos de teclado precursores do mesmo),
excluindo transcrições, música para piano a quatro mãos ou dois pianos, e repertório
concertante (piano e orquestra). Tendo estes precursores em mente, a numerosa produção
de Almeida Prado, foco da pesquisa presente, ganha uma perspectiva histórica.
O capítulo 3 apresenta a temática religiosa transversalmente e aliada a um recorte
diversificado de propostas composicionais e estéticas, em uma pequena - porém
significativa - amostragem da produção pianística de Almeida Prado. Utilizando uma
estética pós-moderna,6 cada uma das obras aqui cotejadas explora a religiosidade de uma
forma distinta e peculiar. As peças selecionadas são Ad Laudes Matutinas (1972),
Poesilúdio n. 11 “Noites de Solesmes” (1985) e Toccata da Alegria (1996).
Este trabalho pretende ser original por apreciar a existência e a peculiaridade
estética de um repertório pianístico com referências religiosas católicas, em especial, a
obra do compositor brasileiro Almeida Prado. São exploradas fronteiras entre Música e
Teologia, entre Execução Musical e Musicologia e entre Execução e Análise. Ainda
assim, é um trabalho escrito sob o ponto de vista de uma pianista. Dessa forma, este
processo de pesquisa artística desagua no recital-palestra oferecido como produto artístico
final para obtenção do doutorado.
Referencial Teórico
Ao longo da história da música, em maior ou menor grau, várias questões estético-
filosóficas sobre música abstrata versus música com referências extramusicais afloraram.
Desde a Antiguidade, diferentes contextos evocam específicos ethos, afetos, sentimentos,
6 Discussões acerca do pós-modernismo musical fogem da proposta deste trabalho, sendo, contudo,
extensivamente discutidas em textos como BUCKINX (1998) e SALLES (2005). “Estes compositores
[Pós-Modernos] não rompem com a tradição como os vanguardistas mas, também, não retornam a ela para
reelaborar sua sintaxe musical. O artista pós-moderno pesquisa novos caminhos a partir da tradição. Procura
apresentar uma proposta nova que supere as polarizações que regeram os movimentos musicais durante
toda a história da música e que se radicalizaram no século XX. Essas polarizações superadas pelos
compositores pós-modernos são, entre outras, as referentes a nacional/universal, tradição/renovação,
ocidental/oriental, tonal/atonal, popular/erudito, forma/conteúdo, temperamento igual/microtonalismo,
funcional/puro. Não se trata de anular esses polos que continuarão existindo na expressão de muitos artistas
e na percepção das audiências, mas a opção por uma ‘outra nova música’, ao lado das músicas que já
existem e continuarão a existir.” (TACUCHIAN, 1998)
11
ou outras terminologias similares. Vários gestos, formas, gêneros foram se estabelecendo
e trazendo significados e sentidos específicos.7 É corriqueira a representação ou ilustração
musical de personagens ou qualidades, a exemplo da técnica de Leitmotiven de Richard
Wagner (1813-1883), os motivos simbólicos na Turangalîla-Symphonie (1946-8) de
Olivier Messiaen (1908-1992) ou o transtonalismo das Cartas Celestes (1974-2010) de
Almeida Prado (1943-2010).8
Sem adentrar profundamente nestas questões, este trabalho, não obstante, não
pode fugir de algumas considerações desta natureza. Tanto na corrente de música abstrata
como na de música programática, elementos ideológicos dos compositores são passíveis
de serem identificados. Entre eles, certamente figuram convicções tão pessoais como a
religiosidade.9 A esse respeito, o compositor escocês James MacMillan (n. 1959) acredita
que
Um debate presente em música tem abordado a questão de se é necessário para
o ouvinte saber, entender ou reconhecer as associações extramusicais, ou pré-
musicais, que foram obviamente importantes para a inspiração do
compositor... Pessoalmente, não importa para mim se o ouvinte em geral não
quer seguir as conexões, especialmente em uma primeira audição. É o produto
musical da inspiração que importa afinal, e apenas ele vai comunicar qualquer
poder, significado, sentimento ou fluência. Há certas coisas que tem escapado
da consciência do público de toda forma, como o Rosário, por exemplo. É
inevitável que muitos ouvintes não seriam familiarizados com as referências
7 “Evidentemente, o problema do significado da música assumiu as mais díspares formas ao longo dos
séculos e, ainda que na substância se reduza sempre ao mesmo âmago, tenta-se reconhecê-lo
frequentemente por detrás das máscaras usadas consoante o contexto histórico, ideológico e filosófico em
que se insere. Duas teses opostas se enfrentam e confrontam diversamente na história do pensamento
musical: por um lado, a dos apologistas de uma concepção ética em latu sensu, segundo a qual a música
incide no nosso comportamento, influencia os nossos sentimentos ou como se dirá em tempos mais
modernos, exprime os nossos sentimentos; por outro, a dos apologistas de uma concepção mais hedonística
da música, segundo a qual a arte dos sons tenderia, antes de mais, a produzir um prazer sensível cujo fim
se esgota em si mesmo, não tendo como finalidade, portanto, produzir conhecimento, transmitir nenhuma
informação, nem exprimir o que quer que seja. Identificam-se imensos matizes nestas duas teses, bem como
muitas posições que poderíamos definir intermédias ou de compromisso. Todavia, este esquema pode ser
útil para identificar no debate histórico as posições extremas, mais facilmente reconhecíveis dado o maior
relevo filosófico que apresentam.” (FUBINI, 1993, pp. 28-29) 8 “Quando da leitura da tese de doutorado de Almeida Prado sobre sua obra Cartas Celestes, é muito clara
a profunda simbologia na retórica da sua linguagem musical. Neste precioso documento encontramos
afirmações que, por exemplo: (1) relacionam acordes com cores: ‘O acorde delta é uma massa sonora de
timbre metálico, dourado’ e ‘O acorde epsilon é feito de ressonâncias de oitavas, produzindo uma vibração
rápida e intensa do semitom si-dó, criando um timbre de intensa luminosidade, como o brilho azul-violeta
de uma estrela’; (2) relacionam intervalos a efeitos luminosos: ‘Pensei na constância do intervalo de sétima
menor, para simbolizar a tênue luz deste belo fenômeno [luz zodiacal]’; (3) e simbolizam fenômenos do
universo através de intervalos: ‘Utilizei o satélite da Terra, a Lua, mostrando-a em suas fases [...] para
cada fase o intervalo invasor se transmuta em: 3ª menor para a Lua quarto-crescente, 3ª maior para a
Lua-Cheia, 2ª maior para a Lua Quarto-Minguante e 2ª menor para a Lua-Nova’” (BARANCOSKI, 2000,
pp. 204-205) 9 A pesquisadora se informou sobre algumas questões sobre simbolismo e significação em música, sendo
consultados textos como BITTENCOURT (2008), CHASIN (2008), COOK (1998, 2001), COTTE (1997),
DENORA (1986) e MILANI & SANTIAGO (2010), entre outros. A despeito de uma breve e superficial
familiarização com alguma bibliografia em áreas como Teoria das Tópicas, Teoria da Intertextualidade,
Semiótica, entre outras, a utilização sistemática de uma ou várias delas fugiria do escopo deste trabalho,
que não pretende ser uma tese em Musicologia.
12
acima, seus simbolismos e seus potenciais para uma encapsularização
musical.
Uma das primeiras críticas [do seu concerto Mysteries of Light], na Pioneer
Press, uma positiva, não obstante aparentava perplexidade por todas as
referências religiosas. O crítico não ouviu falar coisa alguma sobre sua
aplicação, mas isto não aparentava interferir com sua facilidade de se
relacionar com a música. Seus leitores gostariam que ele fosse mais informado
sobre estes assuntos? Eles teriam aprendido mais sobre esta música se ele
fosse capaz de comunicar as conexões entre as orações e a música resultante?
Quem sabe. Mas estive em uma execução com um grupo de amigos
americanos que captou cada referência, simbolismo numerológico e transição,
de todas as citações gregorianas e alusões até a descrição pictórica das
escrituras pela razão de que a coda rápida foi tão curta (...)
Quem obteve mais do concerto então? As pessoas que sabiam seus Rosários,
ou o musicólogo que nada sabia sobre isso? (James MacMillan, apud ARNOLD, 2014, p. 102) 10
Para a pesquisa presente, foram consultadas obras sobre Teomusicologia, com
vistas a informar, contextualizar e fundamentar as obras musicais.11 As considerações de
cunho analítico são largamente baseadas em textos de comprehensive musicianship.12 As
citações extraídas de bibliografia em língua estrangeira foram traduzidas por esta
pesquisadora.
Revisão de Literatura
Almeida Prado tem sido um compositor bastante abordado por músicos-
pesquisadores no Brasil, haja vista a abundância de fontes bibliográficas produzidas nos
10 A tradição católica dita que a oração do Rosário teria sido instituída por São Domingos (1170-1221) após
uma aparição da Virgem Maria em Prouille, França, em 1214. Desde então, o Rosário ganhou lugar de
destaque na devoção mariana, tendo sido promovido por numerosos papas. Consiste em 4 conjuntos de
contemplações, abrangendo os Mistérios Gozosos, Dolorosos, Gloriosos e Luminosos, cada um deles
abordando episódios da vida de Jesus Cristo. Os Mistérios Gozosos são rezados nas segundas-feiras e
sábados; os Mistérios Dolorosos nas terças-feiras e sextas-feiras; os Mistérios Gloriosos nas quartas-feiras
e domingos; os Mistérios Luminosos nas quintas-feiras. Cada conjunto de contemplações contém 5
Mistérios. Cada Mistério consiste em um Pai-Nosso e dez Ave-Marias. É popularmente chamado de
“terço”. 11 Embora esta pesquisadora tenha se familiarizado com bibliografia sobre Teomusicologia, não é o
propósito aprofundar extensivamente, pois este trabalho não visa ser uma tese em Música Sacra, Teologia
ou Ciências das Religiões. Ainda assim, foram consultados textos como ANTUNES (2003, 2004),
ARNOLD (2014), BEGBIE & GUTHRIE (2011), BLACKWELL (1999), CHUA (2014), COBUSSEN
(2008), GARBINI (2009), GODWIN (1995), HAMEL (1995), LOPEZ RASO (2014), PIKE (1953),
SALAMANCA (2002), SALIERS (2007), SARMIENTO (1992), STEFANI (1967) e WOJTYLA (1999). 12 Comprehensive Musicianship (CM) é uma tendência teórica surgida na América do Norte a partir de
meados do século XX. Busca integrar disciplinas tradicionalmente abordadas isoladamente, como
Harmonia, Contraponto, Solfejo, Teclado, etc. Alguns textos consultados para este trabalho incluem
LARUE (2011), COGAN & ESCOT (2013), DUNSBY & WHITALL (2011), entre outros. Para
informações sobre questões de temporalidade em música, em especial em repertórios a partir do século XX,
foram consultados textos como MOURA (2007), KRAMER (1978, 1996), GLOVER (2013), FILLERUP
(2013), HARTMANN (2010), entre outros.
13
últimos anos.13 A quantidade e, principalmente, a qualidade de sua obra, aliados ao fato
de o mesmo fazer parte da história recente, certamente contribuem para tal interesse.14
Apesar de o compositor já ter falecido, felizmente há variadas e confiáveis fontes
primárias disponíveis. Almeida Prado deixou um trabalho doutoral sobre sua própria
práxis composicional (ALMEIDA PRADO, 1985), bem como numerosos registros de
entrevistas, disponíveis em periódicos, sítios eletrônicos e trabalhos acadêmicos.15
A música de Almeida Prado é frequentemente tomada por metáforas e referências
para-musicais. Dentre os assuntos abordados, algumas recorrências incluem a Ecologia,
a Astronomia e a Mística Judaico-Cristã.16
A minha estética é uma estética da cor e da forma, lógico. Mas eu não sou um
compositor que pensa a forma; eu penso timbres, eu penso em cores, ataques,
ressonâncias e a forma virá submetida a esses estímulos de timbres; ela não
vem em primeiro lugar. Se, por exemplo, eu fizer uma sonata que quero que
seja uma sonata ortodoxa com dois temas, com desenvolvimento e
reexposição, ela vai estar subordinada ao gesto do timbre. Se o gesto do timbre
pedir um outro tema que é o segundo tema, ele virá. Se o primeiro tema vier
de maneira completa eu abandono o segundo tema, quer dizer, eu mudo a
estrutura formal por causa do timbre. O timbre é o “rei” da minha música.
(Almeida Prado, apud ROCHA, 2005, p. 131)
É do pictórico que eu parto para chegar ao abstrato e esses títulos coloridos,
poéticos são guias. (Almeida Prado, apud MARIZ, 2005, p. 399)
O nome (...), tudo isso é besteira, contanto que a solidez da estrutura sonora
passe alguma coisa. (Almeida Prado, 1996)
Alguns trabalhos versando sobre suas obras pianísticas com intenções místico-
religiosas incluem SILVA (1994), sobre Le Rosaise de Medjugorje, BANNWART
(2005), sobre os Nove Louvores Sonoros, e YANSEN (2005) sobre as Três Profecias em
forma de Estudos. Além desses textos, várias sonatas para piano com inspiração
programática-religiosa são discutidas por BARANCOSKI (2000) e CORVISIER (2000).
Também relevantes para esta pesquisa são alguns trabalhos sobre a música
vocal/coral com referências católicas de Almeida Prado. São consultados o trabalho sobre
13 Vários desses trabalhos (artigos, dissertações e teses) são citados na presente Bibliografia. 14 “Sua importante produção – seu catálogo conta com mais de 250 itens em um grande número de gêneros
– é largamente dominada por uma imponente quantidade de peças para piano, as quais constituem uma
contribuição única à literatura deste instrumento, e à música contemporânea de uma maneira geral. Esta
contribuição seria provavelmente melhor reconhecida se seu autor não pertencesse a um país ‘periférico’”
(GUIGUE, 2009, pp. 93-102). 15 Almeida Prado teria sido a primeira pessoa a defender uma tese de doutorado em Música no Brasil
(SALLES, 2005, p. 216). 16 “(...) ele [Almeida Prado] jamais escreve a partir de uma especulação abstrata, mas de um poema, de uma
angústia, de uma vivência religiosa, de uma experiência mística, do interesse pelo mundo místico, de
sensações, impressões, sentimentos e fantasias que são transmutadas como som” (Salomea Gandelman, A
obra para piano de Almeida Prado, apud BARANCOSKI, 2000, p. 205)
14
canções religiosas para voz e piano realizado por HASSAN (1996) e o artigo sobre a
Missa de São Nicolau por GUBERNIKOFF (1999).
15
CAPÍTULO 1: ENTRE O SAGRADO E O PROFANO
Música no templo
A Igreja tem igualmente necessidade dos músicos. Quantas composições
sacras foram elaboradas, ao longo dos séculos, por pessoas profundamente
imbuídas pelo sentido do mistério! Crentes sem número alimentaram a sua fé
com as melodias nascidas do coração de outros crentes, que se tornaram parte
da Liturgia ou pelo menos uma ajuda muito válida para a sua decorosa
realização. No cântico, a fé é sentida como uma exuberância de alegria, de
amor, de segura esperança da intervenção salvífica de Deus. (WOJTYLA, 1999: 12)
Desde o Judaísmo, a música cumpriria um papel religioso. Os Salmos, atribuídos
ao Rei David, chegariam ao nosso tempo como herança da importância da música na
liturgia da Igreja.17 Já no início do Cristianismo, São Paulo exortaria os efésios e os
colossenses a empregarem salmos, hinos e músicas espirituais (Efésios 5:19; Colossenses
13:16).18
Os primeiros filósofos cristãos deixariam relatos sobre a importância da música
para a Igreja que serviriam de referência para a prática da música sacra durante séculos.
Quando o Espírito Santo viu que a humanidade estava mal-inclinada em
relação à virtude e que estávamos negligentes na vida justa por causa de nossa
inclinação ao prazer, o que Ele fez? Ele misturou o prazer da melodia com
doutrinas para que através da agradabilidade e suavidade do som nós
pudéssemos despercebidamente receber o que fosse útil nas palavras, de
acordo com a prática de sábios médicos, que, quando dão os goles mais
amargos ao doente, frequentemente besuntam a borda do copo com mel. Por
este propósito essas melodias harmoniosas dos Salmos foram designadas para
nós, para aqueles que são de idade pueril ou completamente jovem em seu
caráter, enquanto na aparência cantam, possam na realidade estar educando
suas almas. Porque dificilmente um único dentre muitos, e até mesmo o
indolente, saiu conservando em sua memória qualquer preceito dos apóstolos
ou dos profetas, mas os oráculos dos Salmos, eles tanto cantam em casa como
disseminam na feira. E se em algum lugar alguém que se enfureça como uma
fera selvagem com raiva excessiva caia sob o feitiço do salmo, ele
imediatamente parte, com a ferocidade de sua alma acalmada pela melodia. (São Basílio, apud STRUNK, 1950, p. 65)
Quando Deus viu que muitos homens eram bastante indolentes, que eles
vinham de má vontade para leituras das Escrituras e não resistiam ao trabalho
que isto envolve, desejando fazer o trabalho mais gratificante e para tirar este
17 Devido à escassez de fontes musicais escritas, não se pode afirmar com certeza se a música sacra dos
primeiros cristãos de fato herda a tradição judaica. No entanto, como muito do Cristianismo desta época
bebia do Judaísmo, ao ponto de alguns considerarem, à época, os seguidores de Jesus como uma seita
judaica, especula-se esta hipótese. 18 Para mais informações sobre práticas musicais nos primórdios do Cristianismo, vide TRIVIÑO
MONRABAL (2006).
16
tédio, Ele misturou melodia com profecia de forma que, deliciado pela
modulação do canto, todos pudessem com muito afã proferir hinos sacros a
Ele. Pois nada eleva tanto a mente, dando-lhe asas e livrando-lhe da terra,
liberando-lhe das correntes do corpo, afetando-lhe com o amor à sabedoria, e
causando-lhe a rejeitar todas as coisas pertencentes a esta vida, como melodia
modulada e o canto divino mensurado. (São João Crisóstomo, apud STRUNK,
1950, p. 67)
Aqui deixe-nos dizer brevemente que hinos declaram o poder e a majestade
do Senhor e continuamente louvam suas obras e favores, algo que todos estes
salmos contenham para tal a palavra “Aleluia” prefixada ou em apêndice. (São
Jerônimo, apud STRUNK, 1950, p. 72)
Aurélio Agostinho, mais conhecido como Santo Agostinho de Hipona (354-430),
foi um dos Padres da Igreja com maior sensibilidade musical. O tratado juvenil
preservado com o título De musica aborda, nos seus primeiros cinco volumes, questões
de métrica e versificação, e no sexto volume, questões psicológicas, éticas e estéticas da
música.19 O livro X de suas Confissões trata, dentre outros assuntos, de problemas de
estética musical.20
Quando me lembro das lágrimas derramadas ao ouvir os cânticos da vossa
igreja nos primórdios da minha conversão à fé, e ao sentir-me agora atraído,
não pela música, mas pelas letras dessas melodias, cantadas em voz límpida e
modulação apropriada, reconheço, de novo, a grande utilidade deste costume.
Assim flutuo entre o perigo do prazer e os salutares benefícios que a
experiência nos mostra. Portanto, sem proferir uma sentença irrevogável,
inclino-me a aprovar o costume de cantar na igreja para que, pelos deleites do
ouvido, o espírito, demasiado fraco, se eleve até aos afetos da piedade.
Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam,
confesso, com dor, que pequei. Nestes casos, por castigo, preferia não cantar.
Eis em que estado me encontro. Chorai comigo, chorai por mim, vós que
praticais o bem no vosso interior, donde nascem as boas ações. Estas coisas,
Senhor, não Vos podem impressionar, porque não as sentis. Porém, ó meu
Senhor e meu Deus, olhai por mim, ouvi-me, vede-me, compadecei-vos de
mim e curai-me. Sob o Vosso olhar transformei-me, para mim mesmo, num
enigma que é a minha própria enfermidade. (Santo Agostinho, Confissões,
XXXIII)
Santo Agostinho também muito refletiu sobre questões de temporalidade. O
tempo, um conceito passível de abordagens científicas, filosóficas, teológicas e artísticas,
não possui, no entanto, consenso sobre uma definição.
Então, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas quando me pedem para explicá-lo, eu não sei. (Santo Agostinho, Confissões, XI)
19 Para considerações sobre o livro VI da obra De Musica, vide AMATO (2008). 20 Para considerações sobre as numerosas implicações musicais ao longo das Confissões, vide MORÃO
(2001).
17
Durante a Alta Idade Média, a música sacra cristã possuía características bastante
distintas da música então praticada no meio profano. Predominantemente monofônica,
guardava uma estreita relação com a prosódia dos textos, em língua latina. A despeito da
existência de iconografia, sobrevivente aos nossos dias, retratando o uso de uma plêiade
de instrumentos, a inclusão dos mesmos no contexto litúrgico era cautelosa e
frequentemente acompanhada de restrições e regras. (COTTE, 1997)
O Ordinário, ou o conjunto das partes fixas da Missa, consistindo nos movimentos
Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei, foi sistematizado por volta do ano de 1014
(STOLBA, 1998, p. 40). Paralelamente à música sacra litúrgica, surgem as primeiras
manifestações de peças morais, um gênero músico-teatral que teve em Santa Hildegard
von Bingen (1098-1179) uma valiosa representante. Polímata e mística, sua Ordo
Virtutum (c. 1151) é a mais antiga obra deste gênero a sobreviver até os dias de hoje.
A partir de meados do século XII, com a Ars Antiqua, foi-se paulatinamente
enriquecendo a textura da música praticada nas igrejas. A técnica do organum trouxe
como consequência a admissão do uso, ainda que discreto e limitado, do órgão, para
auxiliar os cantores na arte da realização dos melismas. Há evidências de que os demais
instrumentos tenham permanecido proibidos por serem, muitas vezes, associados a
música profana. (COTTE, 1997)
A relação palavra-música, que, outrora intimamente interconectados em uma
qualidade declamatória, agora pouco a pouco passava a sofrer influências de gêneros
poéticos populares e de danças vigentes à época (arte trovadoresca) (GARBINI, 2009, pp.
116-118). Em breve nasceria uma nova concepção rítmica que iria desaguar na isorritmia
dos compositores da Escola de Notre-Dame, tendo como principais representantes Léonin
(c. 1140-1190) e Pérotin (séculos XII-XIII).
A partir da Ars Nova (c. 1315 – c. 1375), surge um novo gênero vocal/coral: o
moteto (do francês mots, palavras). Essencialmente contrapontístico ao ponto de vários
textos diversos coexistirem (e frequentemente em diferentes línguas!), este gênero muitas
vezes unia o sacro ao profano. Contemporaneamente, seria também cada vez mais comum
a prática do contrafactum, ou a junção de um texto sacro a uma melodia de origem
profana.21 A técnica da pintura de palavras (wordpainting) também seria um artifício
corriqueiro, atingindo seu ápice no período barroco.
A música da Contra Reforma, em conformidade com o Concílio de Trento (1545-
1563), teve como seu maior representante Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594).
Sua música buscava a maior clareza do texto litúrgico, sendo este enunciado por uma
textura contrapontística mais transparente e “limpa”. Consonante com esta proposta, a
21 Martinho Lutero (1483-1546), que além de religioso foi um músico de consideráveis habilidades, fez uso
da técnica de contrafacta, mesmo enfrentando críticas de descaracterização da liturgia; afirmava que “não
há porque o diabo tenha as melhores melodias” (WEISS & TARUSKIN, 1984, p. 105). J. S. Bach (1685-
1750) seria, posteriormente, um grande advogado desta proposta de Lutero. Transitando fluentemente entre
o sacro e o profano, não hesita em incorporar hinos em sua música “profana” e a dar uma roupagem “sacra”
a melodias populares.
18
música do espanhol Tomás Luis de Victoria (c. 1548-1611) tem tido a sua intensidade
expressiva e caráter místico frequentemente apreciados. Há quem estabeleça um paralelo
entre a Mística de Victoria e a de São João da Cruz (1542-1591) e Santa Teresa d’Avila
(1515-1582), contemporâneos e conterrâneos (CARPEAUX, 1964, p. 23; KIEFER, 1981,
p. 154).
A partir de meados do século XVIII, a música sacra se torna de certa forma
problemática. Abraçando o ideal iluminista, muitas obras sacras desta época demonstram
uma musicalidade “profana”. Compositores dessa época encontram dificuldades em
compor em um estilo “austero” o suficiente para a igreja.22 Muitas vezes não apenas o
caráter era inapropriado, mas também textos litúrgicos eram frequentemente musicados
com gestos considerados operísticos (ROSEN, 1972, pp. 366-375).
Várias obras compostas com propósito (ou pelo menos título e forma) sacro muitas
vezes não apresentam a possibilidade de utilização em contextos litúrgicos, dadas suas
proporções e envergaduras. Exemplos incluem a Missa em si menor BWV 232 de Johann
Sebastian Bach (1685-1750) e a Missa Solemnis op 123 (1823) de Ludwig van Beethoven
(1770-1827), bem como as missas de réquiem compostas por Johannes Brahms (1833-
1897), Hector Berlioz (1803-1869), Gabriel Fauré (1845-1924) e Giuseppe Verdi (1813-
1901). Tais obras tem sido, na grande maioria de suas execuções, limitadas ao contexto
de concertos públicos.
Em meados do século XIX, surge no âmbito da Igreja Católica o movimento
ceciliano, ou Cecilianismo. Com nome homenageando Santa Cecília (século II),
padroeira da música, tal movimento era uma agitação em prol de uma reforma na música
sacra católica. Bebendo do interesse romântico pela pesquisa da música do passado, o
modelo ideal de música sacra era a capella, e a obra de Palestrina, ao lado do canto
gregoriano, eram tidos como perfeitos para o contexto sacro. Como resultado, várias
sociedades cecilianas foram fundadas, visando a difusão destes conceitos, e
eventualmente o documento Motu Propriu “Tra le Sollecitudini” (1903) seria promulgado
pelo Papa Pio X (1835-1914).
O Motu Propriu buscou definir o que viria a ser a “verdadeira música sacra”. O
cantochão, então recentemente reafirmado pelo movimento de Restauração Gregoriana,23
foi definido como supremamente apropriado para a liturgia, com polifonia renascentista
em seguida. Da mesma forma, o órgão de tubos seria preferido acima de todos os demais
instrumentos. Concomitantemente, surgia o Movimento Pastoral de Música Litúrgica,
que foi
22 Tal estilo “austero” na música sacra dos séculos XVIII e XIX frequentemente recorre a arcaísmos como
escrita coral e fugato. Como exemplo, era de praxe, nas missas do barroco tardio, que os movimentos
Gloria, Credo e Agnus Dei concluíssem com fugas corais. 23 Movimento realizado na Abadia de Solesmes, França, a partir da década de 1840. “Este foi um
movimento que visou a reconstituição do canto gregoriano ‘à luz das fontes’, visando restituir-lhe, tanto
quanto possível, o formato original, o que envolveu décadas de pesquisas, comparações entre gerações e
gerações de manuscritos neumáticos, buscas interpretativas etc. Pesquisadores como D. Guéranguer, D.
Gontier, D. Mocquereau, D. Pothier, D. Gajard, D. Cardine, entre outros, são lumes nesse imenso trabalho
de catalogação, comparação, discernimento, determinação e coragem.” (QUEIROZ, 2006, p. 124)
19
Iniciado em 1909 pelo abade beneditino Lambert Beauduin, de Mont-César
(Bélgica). Defendia a renovação da vida litúrgica da Igreja por uma maior
participação dos cristãos nas celebrações e pelo retorno às fontes bíblicas e
patrísticas por meio da pesquisa histórica e teológica sobre a tradição litúrgica.
Considera-se que a pré-história do Movimento situa-se no final do séc. XVIII.
No Brasil, o Movimento foi iniciado no Rio de Janeiro, na década de 1930,
Dom Martinho Michler, beneditino. (...) O Movimento Litúrgico serviu para
retomar o ‘fio da história’ de uma instituição que ao longo de séculos se havia
perdido em conceitos e práticas, sobretudo no aspecto cultual. O Movimento
Litúrgico como instância de produção de conhecimentos significativos, pouco
a pouco, foi impregnando a mentalidade de lideranças eclesiais para uma
possibilidade de sólidas mudanças estruturais. (ALMEIDA, 2014, pp. 20-21)
A encíclica Mediator Dei (1947), promulgada pelo Papa Pio XII (1876-1958),
sugere participação ativa dos fieis na liturgia, nas cerimônias litúrgicas e na rotina de suas
paróquias. Este documento abriria caminho para o aggiornamento do Concílio Vaticano
II (1962-1965), iniciado sob o papado de João XXIII (1881-1963), que daria início a
várias aberturas na Igreja Católica. Uma delas foi a possibilidade de os ritos litúrgicos
serem celebrados não em latim, como era de costume desde a consolidação da Igreja, mas
nas línguas vernáculas de cada povo. Isto decisivamente impactaria a música litúrgica, e
várias novas tendências sacro-musicais viriam a surgir, muitas vezes incorporando
elementos das músicas popular e folclórica de cada país.
O Concílio Vaticano II lançou as bases para uma renovada relação entre a
Igreja e a cultura, com reflexos imediatos no mundo da arte. Tal relação é
proposta na base da amizade, da abertura e do diálogo. Na Constituição
pastoral Gaudium et spes, os Padres Conciliares sublinharam a “grande
importância” da literatura e das artes na vida do homem: “Elas procuram dar
expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à experiência das suas
tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si mesmo e ao mundo; e tentam
identificar a sua situação na história e no universo, dar a conhecer as suas
misérias e alegrias, necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor”.
Baseados nisto, os Padres, no final do Concílio, dirigiram aos artistas uma
saudação e um apelo, nestes termos: “O mundo em que vivemos tem
necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade,
é a que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste
ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração”.
Neste mesmo espírito de profunda estima pela beleza, a Constituição sobre a
sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium lembrou a histórica amizade da
Igreja pela arte e, falando mais especificamente da arte sacra, “vértice” da arte
religiosa, não hesitou em considerar como “nobre ministério” a actividade dos
artistas, quando as suas obras são capazes de reflectir de algum modo a beleza
infinita de Deus e orientar para Ele a mente dos homens. Também através do
seu contributo, “o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado e
a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos homens”.
À luz disto, não surpreende a afirmação do Padre Marie-Dominique Chenu,
segundo o qual o historiador da Teologia deixaria a sua obra incompleta, se
não dedicasse a devida atenção às realizações artísticas, quer literárias quer
plásticas, que a seu modo constituem “não só ilustrações estéticas, mas
verdadeiros ‘lugares’ teológicos”. (WOJTYLA, 1999: 11)
20
A constituição Sacrosanctum Concilium (1963) abriria caminho para músicas
sacras autóctones. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) trataria de
fomentar tais discussões, inclusive subsidiando publicações sobre o assunto.24
Os “esteticistas” exigiam uma música mais elaborada, mais erudita para a
liturgia, em contraposição a um estilo mais popular, mais despojado e
funcional, postulado pelos “pastoralistas”. Estes, liderados pelo grupo da
Comissão Arquidiocesana de Música Sacra (CAMS) do Rio de Janeiro;
aqueles, por um grupo de músicos de formação mais acadêmica, como Padre
José Penalva, Padre Jaime Diniz, Maestro Osvaldo Lacerda. Deve-se aos
pastoralistas o surgimento da nova expressão: “Canto pastoral”. (WEBER, Pe.
José, In MOLINARI, 2009, p. 14)
Música na sala de concertos
Se a Igreja foi ou não a patrocinadora mais sábia – e acho que foi: nela se
cometeram menos pecados musicais – pode-se discutir, mas é certo que foi a
mais rica em formas musicais. Como nos tornamos mais pobres sem os
serviços religiosos com música, sem as Missas, as Paixões, as cantatas
segundo o calendário dos protestantes, sem os motetes, e os concertos sacros
e as vésperas, e tantos outros. Essas não são meras formas mortas, mas partes
de um espírito musical que saiu de uso.
A Igreja sabia o que o Salmista sabia: a música louva ao Senhor. A música é
tão ou mais capaz de louvá-lo do que o edifício da igreja com toda a sua
decoração; é o maior ornamento da Igreja. Glória, glória, glória; a música do
motete de Orlando de Lassus louva a Deus, e essa ‘glória’ especial não existe
na música secular. E não apenas a glória – penso nela primeiro porque a glória
do Laudate, o júbilo da Doxologia estão extintas – mas a oração, e a
penitência, e muitas práticas não podem ser secularizadas. O espírito
desaparece com a forma. Não estou comparando o ‘âmbito emocional’ ou a
‘variedade’ na música sacra e na profana. A música dos séculos dezenove e
vinte – toda secular – situa-se ‘expressiva e emocionalmente’ muito além da
música dos primeiros séculos: Angst em Lulu, por exemplo – sangue, sangue,
sangue – ou a tensão, a perpetuação da epítase na música de Schoenberg. Digo
apenas que, sem a Igreja, ‘abandonados a nossos próprios artifícios’, somos
mais pobres em formas musicais, perdemos muitas destas formas.
(STRAVINSKY & CRAFT, 1999, p. 102)
Grandes compositores figuram entre proeminentes músicos atuantes em contextos
sacros. Principalmente entre os séculos XV e XVIII, boa parte dos músicos profissionais
obtinha sua primeira formação musical em instituições educacionais associadas à igreja.
Dessa forma, não apenas estes artistas têm sido constantemente engajados na liturgia,
como rotineiramente transferem elementos sacros para sua produção profana.
24 Alguns textos são incluídos na Coleção Estudos da CNBB, publicada inicialmente pelas Edições
Paulinas, e na Coleção Liturgia e Música, publicada pela Paulus.
21
Johann Sebastian Bach (1685-1750), possuidor de vasta erudição teológica,
expressava suas convicções religiosas em dedicações e inscrições em suas obras. Os
inícios e fins de suas cantatas contem expressões como J.J. – Jesu, juva (Jesus, ajudai, em
língua latina) e S.D.G. – soli Deo gloria (glória somente a Deus, em língua latina). O
início do Clavier-Büchlein para Wilhelm Friedemann possui a inscrição I.N.J. – in
nomine Jesu (em nome de Jesus, em língua latina) (STOLBA, 1998, p. 312).25
Joseph Haydn (1732-1809) considerava seu talento musical como um dom divino,
e incluía a expressão In nomine Domini (“em nome do Senhor”) no início e a expressão
Laus Deo (Graças a Deus) ao final de suas composições (STOLBA, p. 370). Compôs sua
Sinfonia Hob. 1/26, Passio et lamentatio, para as festividades da Páscoa de 1768 ou 1769.
Um exemplo do estilo Sturm und Drang, esta sinfonia incorpora um cantochão associado
à Paixão de Cristo no primeiro movimento e um canto litúrgico do livro das
“Lamentações” no segundo movimento. Ambas as melodias seriam familiares às plateias
de então (GROUT, 1997, p. 516).26
Além de referências religiosas mais superficialmente óbvias, música de concerto
do período clássico tem sido objeto de diversas interpretações metafísicas e teológicas.
W. A. Mozart (1756-1791) fora estudado tanto por um teólogo protestante, Karl Barth
(1886-1968),27 quanto por um católico, Hans Küng (n. 1928) (SALIERS, 2007, pp. 24-
25).28 Ludwig van Beethoven (1770-1827), especialmente em seus últimos anos, atinge
o sublime e o transcendental em simbolismos oriundos de suas várias convicções e
interesses filosóficos bem como contextos completamente abstratos de exploração
textural e timbrística.29
Quando eu abro meus olhos eu preciso suspirar, porque o que vejo é contrário
à minha religião, e eu preciso desprezar o mundo que não sabe que música é
25 “Há algo que sugira que [Bach] tenha concebido sua música como uma voz para a beleza da criação, ou
mesmo que isso tenha sido intencional. (...) Apesar de o compositor não ter sido um teórico ou teólogo, há
indícios que a noção de música trazendo ao som uma beleza cósmica divina e, portanto, oferecendo insight
sobre as profundezas da sabedoria do mundo, seria tudo menos estranha a ele.” (BEGBIE, In BEGBIE &
GUTHRIE, 2011, pp. 104-106) 26 Na época, era costume que os teatros de opera permanecessem fechados no período da Quaresma e
Semana Santa, o que ocasionava um maior interesse na composição e execução de música instrumental.
Outra obra instrumental de Haydn composta para o mesmo período litúrgico é As últimas sete palavras de
Cristo na cruz, Hob XX: 1, em versões para orquestra (1786), quarteto de cordas (1786) e piano (1787,
arranjo não realizado pelo compositor, mas aprovado pelo mesmo). 27 “Wolfgang Amadeus Mozart. Por que é que este homem é tão incomparável? Por que, para quem é
receptivo, ele produziu em quase todo compasso que ele concebeu e compôs um tipo de música à qual
‘bonita’ não é um epíteto condizente: música que para o verdadeiro cristão não é mero entretenimento, gozo
ou edificação mas comida e bebida; música cheia de conforto e aconselhamento por suas necessidades;
música que não é nunca uma escrava para sua técnica ou sentimental mas sempre ‘emocionante’, livre e
libertadora por ser sábia, forte e soberana?” (Karl Barth, Dogmática da Igreja III/3, apud CHUA, 2014) 28 Mozart era notoriamente conhecido como integrante da Franco-Maçonaria, inclusive produzindo obras
para seus serviços e reuniões. (COTTE, 1997, pp. 131-133, 167-172) 29 “A fé religiosa de Beethoven foi, provavelmente, nos inícios, o Deísmo do século XVIII. (...) Mas essa
fé de Beethoven aprofundou-se mais tarde pelos contatos com a filosofia idealista alemã, sobretudo a de
Kant na interpretação, mais acessível, de Schiller; tampouco se querem excluir influências possíveis do
pensamento de Schelling. Aquele Credo deísta adquiriu profundidade quase (embora só quase) mística. Já
não se trata de religiosidade ‘razoável’, no sentido do século XVIII, mas de fé no inefável. Este inefável,
Beethoven o exprimiu na Missa Solemnis: a solenidade quase bizantina do Kyrie, a Fuga coral (‘Et vitam
venturi saeculi’) no fim do ‘Credo’, o solo do violino no ‘Benedictus’, a remota música guerreira que
acompanha o doloroso ‘Dona nobis pacem’, são cumes da música sacra”. (CARPEAUX, 1964, p. 137)
22
uma revelação superior a toda sabedoria e filosofia... Eu não tenho um único
amigo, preciso viver sozinho. Mas sei bem que Deus está mais próximo a mim
que a outros artistas; eu me associo a Ele sem medo. Eu sempre O reconheci
e entendi, e tenho medo algum por minha música – ela não pode encontrar um
mau destino. Aqueles que a entendem precisam ser livrados por ela de todas
as misérias que os outros arrastam para si. Música, certamente, é a mediadora
entre a vida intelectual e a sensual. (...) Estou certo em dizer que música é a
entrada incorpórea para o mundo superior do conhecimento que compreende
a humanidade mas que a humanidade não pode compreender. (Beethoven,
apud PIKE, 1953, pp. 9-10)
Ao longo do século XIX, com crescentes referências ao passado histórico e/ou
musical, vários compositores evocam sentimentos religiosos em suas músicas.
Frequentemente os associa a procedimentos composicionais considerados “arcaicos”,
como escrita contrapontística (o chamado “estilo austero”). Bach seria, para os
românticos, um dos principais compositores do passado a ser reverenciado, e seu
“descobridor”, Felix Mendelssohn (1809-1847), teria sido o “inventor” do kitsch religioso
em música (ROSEN, 1996, p. 590). Mendelssohn evoca a religião de uma forma geral,
de forma a fazer o ouvinte sentir como se a sala de concertos se transformasse em uma
igreja. A música não expressa religião, porém piedade (ROSEN, 1996, p. 597). Além de
sua música coral, exemplos em sua música instrumental incluiriam a sua Sinfonia em Ré
Maior, No. 5 (1829-1830), apelidada de “Reforma” em homenagem aos 300 anos da
Igreja Luterana.
O modesto e profundamente devoto Anton Bruckner (1824-1896) teria sido “o
maior e o único verdadeiramente católico [dentre os compositores] do século XIX”
(Alfred Einstein, apud WOLFF, 1973, p. 151). Tendo sido durante muitos anos organista
na igreja Sankt Florian, no interior de sua Áustria nativa, tal prática instrumental viria
possivelmente a influenciar sua técnica composicional sinfônica. Cada obra que
compunha era produzida em louvor a Deus; sua Sinfonia No. 9 (1896), deixada
incompleta à época de seu falecimento, possui a dedicatória dem lieben Gott (ao amado
Deus, em língua alemã).30
Hector Berlioz (1803-1869), em sua Sinfonia Fantástica, op 14 (1830), é
possivelmente um dos primeiros compositores a fazer menção do hino medieval Dies
Irae31 numa obra de concerto. No caso, cada aparição do hino traz um significado
específico, nesta monumental obra com conotações programáticas. A partir de por volta
da mesma época, a França presenciaria um revigoramento da prática da música sacra.32
30 Segundo relatos de contemporâneos, Bruckner seria “tão versado nas Escrituras que seria páreo para
qualquer teólogo, no que concerne o conhecimento sobre a Bíblia.” (August Stradal, Erinnerungen an
Anton Bruckner, apud WOLFF, 1973, p. 110). 31 Hino medieval comumente atribuído ao frade franciscano Tommaso da Celano (ca. 1200 – ca. 1265),
baseado na passagem bíblica Sofonias 1, 15-16. É rotineiramente incorporado na missa de réquiem (missa
para os mortos). 32 “A música também sofreu a influência deste retorno ao passado, principalmente na França, e uma das
grandes beneficiadas foi a Igreja Católica, que viu surgir inúmeras escolas de música litúrgica e publicações
diversas sobre o assunto; citemos por exemplo a escola fundada por Choron em 1818 e reaberta em 1853
por Louis Niedermeyer (1802-1861), por decreto imperial (GALLOIS, p. 72), e que teve Saint-Saëns entre
seus professores, e Gabriel Fauré entre seus alunos (CANDÉ, p. 173); esta escola propunha-se a ensinar ‘a
música clássica’ e litúrgica, e será uma das responsáveis pelo florescimento da escola organística francesa
23
César Franck (1822-1890) abriria o caminho para personalidades tão distintas como
Gabriel Fauré (1845-1924), Francis Poulenc (1899-1963), Arthur Honegger (1892-1955)
e Maurice Duruflé (1902-1986), que também explorariam o universo religioso
extensivamente em suas obras.
Na primeira metade do século XX, vários compositores associados à chamada 2ª
Escola de Viena expressariam de uma forma ou de outra suas convicções religiosas.
Exemplos incluem o misticismo judaico de Arnold Schoenberg (1874-1951), as práticas
numérico-cabalísticas de Anton Webern (1883-1945) e a citação do coral “Es ist genug”
como harmonizado por J. S. Bach (Cantata No. 60) no Concerto para violino e orquestra
- “em memória de um anjo” (1935) de Alban Berg (1885-1935).33 Não obstante a
importância histórica desta escola composicional, seriam dois grandes compositores
externos a esta estética que viriam a figurar à frente da produção de música religiosa de
parte significativa do século XX: Igor Stravinsky (1882-1971) e Olivier Messiaen (1908-
1992). Com personalidades artísticas marcadamente diversas, ambos demonstravam uma
vasta e eclética gama de abordagens técnicas e estéticas ao longo de suas extensas
trajetórias, que exerceriam um profundo impacto no meio musical.
A música religiosa de Stravinsky, iniciada em 1926 com o texto do Pai Nosso
em eslavônico eclesiástico, seria retomada neste período com a Sinfonia dos
Salmos e a Missa para coro e sopros. Foi esta, ainda, uma época de
reflorescimento da composição litúrgica em vários países europeus: a Missa
de Stravinsky foi mesmo concebida para execução em igrejas. (GRIFFITHS, 1987, p. 123)
(assim como a Schola Cantorum e outras tantas), com Alexandre Guilmant (1837-1911) e Charles-Marie
Widor (1844-1936), e mais tarde com Eugéne Gigout (1844-1925); lembro que a escola organística francesa
inicia o seu reflorescimento já com César Franck (1822-1890); inúmeros outros organistas e compositores-
organistas vão direta ou indiretamente colher os frutos desta escola (H. Mulet, G. Ropartz, H. Dallier, A.
Cellier, E. Bonnal, apenas para citar alguns). A temática da fé católica vai ainda inspirar obras-primas no
período entre guerras em pleno século XX, com Charles Tournemire, Jéhan Alain, e, posteriormente,
Marcel Dupré e Olivier Messiaen. Apenas uma olhadela nos títulos de diversas composições desses autores
é suficiente para revelar a influência dessa renovação cristã que acompanhou o movimento: Poémes
mystiques, Álbum grégorien, L´Orgue d´Église, 60 Interludes dan la tonalité grégorienne (Gigout);
Symphonie gothique, Symphonie romane, Sinfonia Sacra (Widor); dez coleções intituladas L´Organiste
liturgiste (Guilmant); L´Orgue Mystique (Tournemire) etc. (...) Com todo este movimento, a redescoberta
dos modos eclesiásticos, influenciou por décadas uma série de composições; até meados do século XX,
vamos encontrar hibridismos entre as linguagens tonais e modais, e outras próprias desse século (Alain,
Duruflé, Tournemire, Messiaen – ver Dufourcq, op. cit.).” (QUEIROZ, 2006, pp. 122-123) 33 “(...) parece que nenhum dentre os grandes criadores de música do século XX deixou de se preocupar de
alguma maneira com a cultura popular arcaica, com os ensinamentos esotéricos, e com a sabedoria
pitagórica ou as tradições do Extremo Oriente. Arnold Schönberg (1874-1951) ocupou-se com o misticismo
cristão de Swedenborg e com as ideias do Velho Testamento (Moses und Aron). Seu aluno A. von Webern
(1883-1945) estudou os símbolos numéricos cabalísticos. Outro descobridor da música dodecafônica, que
a compreendia não apenas como princípio ordenador mas também como doutrina cósmica, foi o vienense
Josef Matthias Hauer (1883-1959), um iniciado da Ordem Rosacruz. Ele organizou as doze notas da oitava
temperada de forma circular e, segundo ele, determinados grupos dessas notas (tropos) produziam efeitos
espirituais devido ao modo como haviam sido arranjados. Sua obra foi continuada pelo antroposofista de
Munique Fritz Büchtger (1903-1978), que compôs – valendo-se de uma técnica ‘cósmica’ de doze sons
desenvolvida por ele mesmo – com o intuito de colocar conteúdos gnósticos na música (Das Gläserne Meer,
Das Gesicht des Hesekiel, etc...). ‘Eu acho’, disse Büchtger em uma entrevista, ‘que a música é o reflexo
de uma ordem superior, ... um mundo interior de essência espiritual, no qual cada pessoa vive nas
profundezas do seu inconsciente... O compositor é excepcional no sentido de que mantém uma certa
lembrança também durante o estado de vigília, uma consciência das experiências no nível espiritual dos
sons.’” (HAMEL, 1995, pp. 25-26)
24
[Stravinsky] Sente que a arte contemporânea é caótica assim como foi caótica
a música barroca antes de Bach. Assim como Bach, pretende organizá-la,
endireitá-la; e sente que também hoje em dia o único caminho para tanto é o
da religião. Para o russo exilado no Ocidente, essa religião só podia ser,
mesmo sem conversão formal, a católica romana. A primeira homenagem à
Igreja foi a Symphonie des Psaumes (1930), menos uma sinfonia do que uma
cantata sobre os versículos ‘Exaudi orationem meam’, ‘Expectans expectavi
Dominum’ e ‘Laudate Dominum’ (Salmos 28, 39 e 150), com a afirmação de
que ‘Deus immisit in os meum canticum novum’. Esse Canticum novum é
realmente ‘novo’, bastante áspero e dissonante, mas de perfeita dignidade e
de sincera emoção religiosa. Surpreendente foi a Missa (1948) para coro misto
e orquestra sem violinos; uma das obras mais duras do compositor. E ainda
mais surpreendente o Canticum Sacrum ad honorem Sancti Marci nominis
(1956), de estrutura rigorosamente arquitetônica e, entre todas as obras de
Stravinsky talvez a mais cacofônica: o mestre aderira ao dodecafonismo de
Schoenberg. No entanto a pretensão foi evidentemente a de competir com a
polifonia vocal do século XVI, dos Asola e Giovanni Gabrieli. (CARPEAUX, 1964, p. 292)
Messiaen refletia sua fé católica em praticamente a totalidade de sua produção
composicional.34 Considerado como um verdadeiro teólogo da música, ou até mesmo tão
teólogo quanto músico, Messiaen relaciona-se teologicamente com São Tomás de Aquino
(1225-1274). Para ambos, “Deus é a realidade última, possuindo uma deslumbrante
superabundância de verdade calcada na compreensão dos seres humanos.” (Benitez,
“Messiaen and Aquinas”, apud ARNOLD, 2014, p. 59)
No âmbito teológico, os conceitos de tempo e eternidade, em Messiaen, são
oriundos de três fontes: as escrituras bíblicas, Santo Agostinho de Hipona e São Tomás
de Aquino (em especial, a Suma Teologica). No prefácio de seu Quatuor pour la fin du
temps (1941), Messiaen cita Apocalipse 10, 1-7 (“não haverá mais tempo”).
Um dos fatores que conferem ao Quatuor uma posição tão destacada na obra
de Messiaen é o fato de apresentar e aplicar conceitos de temporalidades que
se farão presentes, de forma mais ou menos explícita, em quase toda a
produção posterior do compositor. O tempo mencionado no referido prefácio
corresponde ao tempo estruturado, cronométrico, que se contrapõe à
eternidade. Para Messiaen, essas duas categorias temporais têm forte
conotação teológica, na medida em que considera o tempo como medida do criado e a eternidade como o próprio Deus.35
34 “É significativo que as primeiras obras de Messiaen tenham sido compostas por volta de 1930, quando
outros compositores também voltavam sua atenção para o divino. (...) Foi esta, ainda, uma época de
reflorescimento da composição litúrgica em vários países europeus (...). Messiaen não participou deste
movimento. Ele foi organista da igreja de Trinité, em Paris, durante a maior parte de sua vida adulta, mas
publicou apenas um breve moteto para fins litúrgicos. Várias de suas obras de concerto, no entanto, evocam
a ordem e as cerimônias rituais.” (GRIFFITHS, 1987, p. 123) 35 “No panorama da música ocidental do século XX, Olivier Messiaen (1908-1992), por meio de sua obra,
de sua atuação como proeminente professor e de seus textos teóricos, evidenciou claramente esse conflito
entre o tempo musical – por ele entendido como o tempo vivido – e o tempo cronológico ou estruturado.
Com fundamentações filosóficas e teológicas, a proposta temporal de Messiaen se apresenta como
alternativa ao tempo linear dominante na música ocidental de tradição tonal e se aproxima dos conceitos de
Duração Vivida e Eternidade. Do ponto de vista composicional, esse direcionamento de Messiaen em favor
do tempo vivido o conduziu a um distanciamento do enquadramento métrico por meio de diversos
25
Com relação às naturezas do tempo e da eternidade, tal qual se projetam na
música de Messiaen, elas se adequam àquelas propostas por [São] Tomás de
Aquino, citadas em destaque no incício do Traité de Rhythme, de Couleur et
d’Ornithologie: “A eternidade é inteiramente simultânea e, no tempo, há um
antes e um depois” (AQUINO apud MESSIAEN, 1994: 7). A simultaneidade é, portanto, a prerrogativa essencial da eternidade.
Outra definição tomada de [São] Tomás de Aquino, segundo a qual “o tempo
responde ao movimento e a eternidade permanece a mesma” (AQUINO apud
MESSIAEN, 1994: 7), complementa a anterior e ilustra a relação dialética que
se estabelece entre elementos lineares que manifestam um tempo evolutivo e
progressivo, e elementos não lineares que, através do cíclico, do estático e do
simultâneo, enfraquecem ou mesmo eliminam o sentido de início e fim, de
fluxo linear e, dessa forma, manifestam a natureza da eternidade. Esses
aspectos se apresentam de diversas maneiras na música de Messiaen, como
ritmos não retrogradáveis (ritmos palíndromos), blocos estruturais autônomos
ou descontínuos e elementos de estase ou que estabelecem estados estacionários. (ALMEIDA, 2013, pp. 28-29)
Para Messiaen, a duração musical não corresponde à duração cronométrica:
“[...] a música não flui em um tempo pré-determinado, em um tempo ‘físico’,
mas ela engendra seu próprio tempo ao qual estende, contrai, colore e
qualifica” (MESSIAEN, 1994a: 24). Movido por esse direcionamento
estético, Messiaen se aproxima de conceitos filosóficos que consideram o
tempo vivido como real e o tempo estruturado como abstração e
artificialidade. Do ponto de vista composicional, Messiaen despreza o
enquadramento métrico tradicional da música ocidental escrita e explica sua
identificação com tradições artísticas e musicais que apresentam tratamentos
rítmico-temporais mais flexíveis, notadamente o cantochão,36 a versificação grega e a rítmica hindu. (ALMEIDA, 2013, p. 23; grifo desta pesquisadora)
Compositores como o italiano Giacinto Scelsi (1905-1988) ou o húngaro György
Ligeti (1923-2006) explorariam aspectos espirituais transversalmente em suas obras.
Ambos produziram, entre outras obras, referências à Luz; o primeiro em In nomine lucis
(1974) para órgão, executada na catedral de Speyer, Alemanha; o segundo, em sua obra
Lux aeterna (1966) para coro misto. Deste compositor húngaro, há ainda um Requiem
(1965) composto expressamente para uso em concerto.
O alemão Karlheinz Stockhausen (1928-2007), que cresceu como católico,
inicialmente explorou sua espiritualidade no contexto desta religião, antes de migrar para
outras filosofias de vida.37
procedimentos composicionais que resultam em uma música amétrica. O entendimento do tempo vivido
como um complexo temporal heterogêneo, espesso, composto de uma pluralidade de tempos próprios, e a
intenção de manifestar musicalmente essa natureza temporal, conferiu à obra de Messiaen uma escritura
rica em simultaneidades e sobreposições temporais.” (ALMEIDA, 2013, pp. 1-2) 36 Dentre os teóricos estudados por Messiaen, figura o monge beneditino Dom Andre Mocqureau (1849-
1930) e seu trabalho Le nombre musical grégorien ou Rhythmique grégorienne (1908), em que o
movimento do cantochão é estudado. (ALMEIDA, 2013, pp. 47-48) 37 “(...) podemos nos trazer, através da música, a um relacionamento com o que não podemos compreender,
com o Sobrenatural, com Deus, com o Espírito que coordena tudo” (Stockhausen, apud COBUSSEN, 2008,
p. 43)
26
Mesmo quando as composições [de Stockhausen] possuem nomes que
reforçam a importância da forma abstrata, como Punkte (1952/62) e Kontra-
Punkte (1952/ 53), Zeitmasse (1955/56), Gruppen (1955/57), Zyklus (1959),
Carré (1959-60), Kontakte (1958-60) e Momente (1962-64/69), elas
frequentemente revelam, em um exame mais próximo, que são governadas por
uma força que forma e transcende espaço e tempo via Geistig-Geistliche.
(PETERS & SCHREIBER, 1999, p. 98)
Propulsionado pelo Festival Nieuwe spirituele muziek, ocorrido em novembro de
1999 em Amsterdam, Holanda, “New Spiritual Music” (Nova Música Espiritual) teria
sido o “último grande movimento no desenvolvimento da história da música do século
XX que simultaneamente marca a transição para o século XXI” (COBUSSEN, 2008, pp.
29-37). Então anunciado como “a solução para a crise na música clássica
contemporânea”, este movimento apresenta o compositor estônio Arvo Pärt (n. 1935)
como seu fundador, incluindo também, entre outros, Giya Kancheli (n. 1935) e o britânico
John Tavener (1944-2013).38
Arvo Pärt professa sua religiosidade cristã ostensivamente em seu estilo
autointitulado tintinnabuli (“pequenos sinos”, em língua latina).39 Sua música é
frequentemente descrita como “uma mistura contemporânea, do Nordeste da Europa, de
música medieval, cânticos da Igreja Ortodoxa e minimalismo - acomodando tudo o que
os proponentes da New Spiritual Music consideram como características essenciais:
tonalidade (ou modalidade), andamentos lentos, stasis, simplicidade, repetição e
tranquilidade.” (COBUSSEN, 2008, p. 111).40
38 James MacMillan pondera que todos os compositores oriundos de países da “Cortina de Ferro” que
vieram após Shostakovich (1906-1975) foram pessoas profundamente religiosas, como Galina Ustvolskaya
(1919-2006), Alfred Schnittke (1934-1998), Sofia Gubaidulina (n. 1931), Arvo Pärt (n. 1935) e Giya
Kancheli (n. 1935) (ARNOLD, 2014, pp. 29-30). 39 Em seus mais diferentes tamanhos e formatos, sinos tem sido notoriamente e amplamente utilizados em
contextos sacro-litúrgicos. Compositores de música de concerto não tardariam a incorporar referências aos
sons destes instrumentos em obras que façam alusão a uma aura religiosa ou mística. “Depois de terem
durante muito tempo preenchido uma função musical, os sinos, no século XVI, tinham sido reservados a
um papel de sinal e também de proteção mágica. Essa função já era desempenhada entre os antigos hebreus
por pequenas campainhas cosidas sob as vestes do Grande Sacerdote: ‘Tu farás o manto do éfode
inteiramente de estofo azul... porás romãs... entremeadas de campainhas de ouro... Quando ele entrar no
santuário diante do Eterno e quando dele sair, ouvir-se-á o som das campainhas e ele de nenhum modo
morrerá’ (Êxodo, XXVIII, 31-35). Os sinos das igrejas cristãs, instalados no interior das mesmas, serviram,
inicialmente, na Idade Média, para sustentarem o canto da comunidade. Em número de quatro (de onde
vem o termo carrilhão, derivado de ‘quatrilhão’), eles davam a nota essencial dos modos eclesiásticos,
bastando assim à sustentação do canto da assembleia. Tal função foi-lhes retirada em 1564 pelo Concílio
de Erlangen (Alemanha) em benefício de missões litúrgicas e mágicas de um valor completamente
diferente; a partir daí, colocados na parte externa das igrejas, eles devem ‘... chamar os fieis... rechaçar os
maus espíritos, dissipar as tormentas, afastar o raio e as tempestades...’. Alguns desses efeitos eram
igualmente esperados (...) do simples canto dos Salmos e da recitação de certas preces.” (COTTE, 1997,
pp. 127-128) 40 “... o estilo tintinnabuli é baseado em um sistema simples de relacionar nas manifestações horizontais e
verticais do som – melodia e harmonia (escalas e tríades arpegiadas) ... O som característico da música
tintinnabuli brota de uma mistura de escalas diatônicas e arpejos triádicos em que stasis harmônica é
sublinhada pela presença constante (real ou implicada) da tríade tônica... a base do estilo tintinnabuli é uma
textura a duas vozes (trabalhando sempre nota contra nota), consistindo de uma voz ‘melódica’ movendo-
se majoritariamente de grau em grau a partir ou em diração um som central (frequentemente, mas nem
sempre a tônica) e uma voz ‘tintinnabuli’ soando as notas da tríade tônica.” (Hillier, Arvo Pärt, apud
COBUSSEN, 2008, p. 114)
27
Na América do Norte, temos como exemplos pós-modernos a obra Black Angels
(1970) para quarteto de cordas amplificado, de George Crumb (n. 1929), e Rainbow Body
(2000), para orquestra sinfônica, de Christopher Theofanidis (n. 1967). A primeira é uma
espécie de parábola, com Deus e o diabo em polarização, e incorpora associações
musicais tais como o diabolus in musica (trítono), o Dies Irae, a sonata Trillo di diavolo
de Giuseppe Tartini (1692-1770), e significações tradicionalmente associadas aos
números 7 e 13.41 A segunda foi inspirada em duas ideias: a fascinação do compositor
por Santa Hildegard von Bingen – de quem cita seu canto Ave Maria, O Auctix Vite - e a
ideia oriunda do budismo tibetano de “corpo arco-íris”, em que quando um ser iluminado
morre fisicamente, seu corpo é diretamente absorvido pelo universo como energia, como
luz. Theofanidis viu no conceito oriental uma perfeita metáfora para a música de Santa
Hildegard (THEOFANIDIS, s/d).
Música de Almeida Prado
Eu fui um dos primeiros compositores a fazer no Brasil missa em português,
porque o Concílio tinha liberado o texto e foi uma experiência interessante.
Mas eu acho que minha obra é mística mesmo sem usar o texto sacro, ela
busca dar a quem a ouve, um estado de contemplação. A minha música tende
a fazer você entrar num clima. Os melhores momentos da minha música são
momentos estáticos de paz, são grandes porções, grandes praias. Ela é new
wave antes da new wave. Eu já fazia música minimalista antes (...) do Philip
Glass eu já fazia muita coisa que agora o pessoal está fazendo. (Almeida
Prado, apud CORVISIER, 2000, p. 11)
Oriundo de uma família católica,42 Almeida Prado receberia um novo impulso em
sua fé a partir de meados da década de 1960. Nesta época, o compositor viveu uma
experiência mística que lhe deixou uma profunda impressão e que o fez intensificar sua
prática religiosa.
Eu estava viajando de ônibus para São Paulo e no meio da estrada da Serra do
Mar eu tive uma visão mística de Deus. Ninguém pode ver Deus! Mas era
como se eu visse através da paisagem da Serra do Mar. Eu pude entender o
abraço que Deus dá no Universo todo, a Sua presença em todas as coisas (...)
neste dia entendi que Ele é, que ele faz existir desde os insetos até as galáxias.
(...) Descobri a Santíssima Trindade. Este sentimento de descoberta de Deus
encheu-me de uma radiante alegria, de um bem-estar. Senti-me iluminado
como se de mim saíssem raios. Esta experiência eu nunca mais esqueci. Ela
41 “Sempre considerei música como uma... substância dotada de propriedades mágicas... Música é
analisável apenas no nível mais mecanístico; os elementos importantes – o impulso espiritual, a curva
psicológica, as implicações metafísicas – são compreensíveis apenas em termos propriamente musicais.”
(George Crumb, apud COBUSSEN, 2007, p. 185) 42 “Minha formação é católica. Meus pais seguiam assiduamente os sacramentos, iam à missa, etc., e minha
irmã Maria Inês tornou-se freira aos 19 anos. Isso me marcou muito – a ida de uma irmã para o convento
marca muito. Depois, lendo o evangelho, meditando, senti que na religião católica eu encontrava a plenitude
do Espírito Santo e o cumprimento de todas as profecias de Jesus.” (Almeida Prado, apud MOREIRA,
2002, pp. 65-66).
28
me fez voltar à religião católica, aos sacramentos, a ler a Bíblia, a ler todos os
grandes místicos como Teresa de Lisieux, São João da Cruz, Thomas Merton.
(...) Duas semanas depois, quando compus o Momento 1 eu ainda estava
inebriado com este momento sereno sem começo nem fim. (Almeida Prado,
apud CORVISIER, 2000, p. 10)
Desde então, enquanto em busca de uma renovação estética,43 várias de suas
composições passariam a evocar elementos de mística judaico-cristã. A sua passagem
pelo Festival de Santiago de Compostela, Espanha, em 1967, propiciou a análise de obras
medievais e renascentistas (MOREIRA, 2002, p. 38). A amizade com o padre Amaro
Cavalcanti de Albuquerque foi benéfica especialmente no sentido em que o último lhe
apresentou várias partituras e gravações de obras contemporâneas e “místicas”.44 Tal
contato teria sido um estopim para a aproximação com a música de Messiaen, de quem
em breve seria aluno, em Paris (1969-1973).45
Eu gostei, sobretudo, em Messiaen, da liberdade que ele tinha “vis-à-vis” a
música contemporânea da época. Ele não seguiu o serialismo de Boulez e nem
Schoenberg. Ao mesmo tempo, ele tinha criado os modos de transposição
limitada, que era uma forma nova. Você faria uma música que não seria serial,
seria, de certa maneira, parente da música tonal, tem o modo maior, menor,
entre outros, e era uma alternativa de um outro caminho que não fosse fazer
Stockhausen, Boulez, Debussy e Berio. E depois, principalmente a temática
religiosa. Eu sendo católico, profundamente católico, sempre me interessou o
mistério divino na música. Isso Bach fez muito, mas Bach está muito longe.
Depois você não tem outro compositor, a não ser esporadicamente Franz Liszt
na parte final, em que ele era abade. Ele estava com as ordens, né. Ele não era
padre, mas tinha as ordens da Igreja. E depois, você não vai ter nenhum
compositor que falasse dos dogmas da Igreja Católica, dos Mistérios, em
43 Almeida Prado havia há pouco decidido procurar um caminho próprio, diferente do nacionalismo
oferecido pelo seu então professor, Camargo Guarnieri (1907-1993). À época, o então jovem santista estava
trabalhando como autodidata, com orientações informais de seu amigo Gilberto Mendes (1922-2016).
(Detalhes pormenorizados sobre a biografia de Almeida Prado fogem à proposta deste trabalho, pois tais
informações já são amplamente disponíveis em numerosas fontes – algumas citadas na presente
Bibliografia.) 44 “(...) a grande influência que exerceu esse sacerdote na minha vida, seja no plano espiritual, seja no
estético” (ALMEIDA PRADO, 1999). Monsenhor Amaro Cavalcanti de Albuquerque Filho (Juiz de Fora,
MG, 25/07/1917 – Rio de Janeiro, RJ, 25/10/2001): “Monsenhor Amaro se destacou no campo da música
sacra e desde 1955 era o coordenador da Comissão de Música Sacra da Arquidiocese do Rio. Há 40 anos
criou e vinha ministrando cursos de canto pastoral realizados no Rio para agentes de paróquias da
Arquidiocese do Rio e de dioceses de todo o país. Por ocasião da 40ª edição do Curso de Canto Pastoral,
Monsenhor Amaro recordou que ‘todos os cursos são marcados pela alegria’ e disse, modestamente, que
os elogios que recebia ‘eram referentes à união de sua equipe’. Durante a visita do Papa João Paulo II ao
Brasil em 1980, Monsenhor Amaro dirigiu o grande coral de 1.500 jovens na missa do Aterro do Flamengo
e os cantos da Missa no Maracanã, onde o Papa ordenou 74 sacerdotes brasileiros. Por ocasião da segunda
vinda do Papa ao Rio, em 1997, no ‘2º Encontro Mundial do Papa com as Famílias’, voltou a dirigir o coral
de 1.000 vozes na missa do Aterro do Flamengo. Em 1984 foi nomeado pelo Papa João Paulo II consultor
da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. Era membro da Ordem dos Músicos
do Brasil. A nível nacional, foi Secretário Nacional de Liturgia e Assessor de Música Sacra da CNBB,
tendo por vários anos exercido o cargo de Secretário do Regional Leste 1, da mesma entidade no Estado do
Rio.” (MOIOLI, 2011) 45 “O que Almeida [Prado] chama de música ‘mística’ é classificada por Messiaen como música religiosa,
ou seja, uma música com temática religiosa que não seja feita exclusivamente para ser executada durante
uma cerimônia ou culto religioso, podendo, portanto, ser também tocada em um concerto.”
(TAFFARELLO, 2010, p. 36)
29
música. (...) O Stravinsky tem. A Sinfonia dos Salmos, tem uma missa. Mas o
Stravinsky não é um compositor de temática religiosa. Ele é místico. Assim
como ele é místico também no Pássaro de Fogo. Eu não sou um compositor
que acha que se eu puser assim, “esse acorde é o anjo-da-guarda, esse acorde
não é”, você seja obrigado a ouvir esse acorde como o anjo-da-guarda. É um
acorde. E pode soar bem ou não. Então eu acho que o que me interessou em
Messiaen foi o porquê que ele se aprofundou tanto nos dogmas da Igreja,
transpondo para a música, de uma maneira constante. Você não tem, a não ser
em Turaganlîla Sinfonie, daquela parte que ele fez o Harawii. Qual outra obra
que ele tem que não é estritamente religiosa? O Catálogo dos Pássaros. Mas,
geralmente, há aquela visão religiosa que está em Vision de l’Amén,
puramente religiosa, e no Vingt Regards de l’Énfant Jésus. Depois ele volta
com a temática religiosa no oratório maravilhoso que é a Transfiguração de
Nosso Senhor Jesus Cristo e, depois, o livro do Santíssimo Sacramento, para
órgão, e as Meditações sobre a Eucaristia. Nunca ninguém tinha feito isso.
Ninguém! Nem Bach. E depois você tem o Mistério da Santíssima Trindade,
para órgão também, que é um monumento da fé católica, e a ópera São
Francisco de Assis. Então isso sempre me inspirava, seguramente. Depois eu
vim a conhecê-lo pessoalmente. Um homem profundamente bom. Um homem
do bem. Um homem que adorava os alunos. A figura dele irradiava essa luz.
Mas a minha música teve um caminho um pouco diferente da de Messiaen.
Porque eu não sou, a esse ponto, somente música religiosa. Tenho algumas
coisas. Tenho a missa, São Nicolau, eu tenho os Louvores Sonoros, eu tenho
um ciclo chamado Cânticos do Carmelo, para canto e piano. Mas não é só isso
que eu faço. Mas eu acho que a influência que Messiaen me deu foi, sobretudo,
rítmica. A maneira de você utilizar o ritmo. Isso Messiaen me deu uma escrita muito benéfica. (Almeida Prado, apud TAFFARELLO, 2010, pp. 276-277)
O legado de Almeida Prado inclui obras de inspiração religiosa assim como obras
sacras. Foi o primeiro brasileiro a compor missa em português, com a Missa da Paz
(1965). Sob a égide do Movimento Pastoral de Música Litúrgica, compôs centenas de
canções, publicadas anonimamente, que hoje pertencem ao “folclore urbano”
(CORVISIER, 2000, pp. 10-11).
Sua extensa produção sacra inclui Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
São Marcos (1967; prêmio APCA), Líber Gênesis (1971, textos do Gênesis), o oratório
Therèse, ou, L'Amour de Dieu (1973, textos de Santa Teresinha do Menino Jesus),
Bendito da Paixão de Jesus de Nazaré (1979; 1º prêmio no Concurso Ars Nova - UFMG)
e a Missa de São Nicolau (1986). Esta última foi considerada pelo próprio compositor
como sua melhor obra.
A Missa São Nicolau, composta no ano de 1985-1986, é um marco na
trajetória de Almeida Prado. De acordo com depoimentos do compositor, ele
teve de se defrontar com limitações pragmáticas que impuseram à composição
uma série de restrições e desafios que, ao serem solucionados, foram colaborando para os contornos estéticos da obra.
Um destes fatores era a forma musical “Missa”, que não deve ser confundida
com o ritual de celebração de uma missa, apesar de seguir a ordem cronológica
e dramática dos momentos. Uma Missa é, normalmente, em forma de cantata
ou oratório, com orquestra, coro e solistas. Cinco movimentos podem ser
considerados o Ordinário da missa ou suas partes fixas: Kyrie, Gloria, Credo,
30
Sanctus e Agnus Dei. A forma musical Missa se consolidou no século XIV e
a primeira missa composta por um único autor foi a Messe de Notre Dame, de Guillaume de Machaut.
O estilo da música religiosa adotada mesmo nos dias de hoje, entretanto,
remete àquele criado pelo compositor Palestrina, no século XVI, para atender
as exigências de compreensibilidade impostas pelo Concílio de Trento. Não
só o texto, como o caráter de cada seção e o tipo de polifonia vocal foram
então definidos.
Almeida Prado optou pela forma de oratório, com quatro cantores solistas,
coro SATB e orquestra, inscrevendo-se na longa tradição de música religiosa.
Podemos rastrear influências que vão desde a Missa Papa Marcelo, de
Palestrina, Missa em si menor de Bach, a Missa Solene de Beethoven, o Requiem de Verdi, até a música religiosa de Messiaen.
(...) o plano da Missa é o exemplo da vontade de uma narrativa dramática que
encontramos nas obras de Almeida Prado. Cada movimento se constrói sobre
centros harmônicos definidos que, grau a grau, guiam a atenção dos ouvintes
do centro de polarização que vai de Dó a Fá. Estes passos ascendentes podem
corresponder a uma marcha espiritual, uma ascese em que o mistério da missa vai se desenrolando.
(...) Outro aspecto importante é o respeito às tradições do rito católico. A
tradição católico-romana palestriniana foi inteiramente respeitada,
principalmente no que diz respeito à clareza na enunciação do texto e à
estrutura retórica de três invocações em cada momento dramático do rito. (GUBERNIKOFF, 1998-1999)
A produção sinfônica de Almeida Prado inclui as obras Estigmas (1975) para
orquestra de cordas, a Sinfonia Apocalipse (1987), e as obras Pai das luzes: abstração
sonora (1992) e Arcos sonoros da catedral Anton Bruckner (1996; prêmio APCA). No
gênero concertante, constam a Fantasia para violino e orquestra (1997; composta em
celebração da visita do Papa João Paulo II ao Brasil), e Salmo 148: louvor universal
(1997), para piano e jazz band.
Em um diálogo intertextual com a forma da missa de réquiem, produziu as obras
Réquiem para a paz: sobre fragmentos do Réquiem de Mozart (1985), para viola e piano,
e o Quarteto de cordas No. 2: requiem sem palavras (1989). Fazendo referência à música
vocal/coral cristã, sua música de câmara inclui o Salmo Final (1972) para violino e piano,
os 4 Corais (1998) para contrabaixo e piano, além de um relevante conjunto de canções
para canto e piano sobre textos bíblicos, textos e orações escritos por santos e orações da
Igreja Católica Romana (HASSAN, 1996).
Encarando as distintas religiões abraâmicas de forma liberal ao ponto de
considerar “judaísmo e cristianismo (...) uma coisa só” (Almeida Prado, apud MOREIRA,
2002, p. 66), Almeida Prado produz a cantata Yerushaláim: Nevé Shalom (1993) e a
Balada B'nai B'rith (1993) para violino e piano.
31
Considerações gerais
Mas, vós sabeis que a Igreja continuou a nutrir grande apreço pelo valor da
arte enquanto tal. De facto esta, mesmo fora das suas expressões mais
tipicamente religiosas, mantém uma afinidade íntima com o mundo da fé, de
modo que, até mesmo nas condições de maior separação entre a cultura e a
Igreja, é precisamente a arte que continua a constituir uma espécie de ponte
que leva à experiência religiosa. (WOJTYLA, 1999: 10)
Em que pese a importância dos aspectos teológicos na sua relação com o tópico
deste trabalho, o foco desta tese é a execução musical, suas derivações e interfaces sobre
a obra pianística de Almeida Prado. Ainda assim, este capítulo abordou a questão da
sacralidade na música e os muitas vezes tênues limites estéticos entre a música designada
para o templo (música sacra) e a música designada para a sala de concertos (música de
concerto). Em ambas as propostas, compositores frequentemente recorrem a suas
convicções e práticas pessoais e/ou profissionais.
Almeida Prado transita fluentemente entre estas duas propostas, a de música sacra
e de música de concerto. Esta versatilidade testemunha a sua profunda fé católica, ao
ponto de quebrar barreiras entre gêneros. Suas obras sacras e suas obras profanas de
inspiração religiosa, mesmo possuindo o denominador comum da inspiração em sua fé -
muitas vezes de forma até quase autobiográfica -, apresentam uma considerável variedade
de propostas composicionais e estéticas.46
46 Autodeclarado “eclético” em diversos depoimentos (ALMEIDA PRADO, 1996, 1999), “(...) Almeida
Prado corresponde aos grandes politécnicos da história da música, àqueles criadores que se recusam a adotar
princípios técnicos estanques, conservando-se livres para tomar a cada momento os recursos necessários.”
(NEVES, 2008, pp. 300-301)
32
CAPÍTULO 2: MÚSICA CATÓLICA PARA PIANO
Comumente, de bom grado, vinculamos a expressão do sentimento religioso,
antes à sonoridade do órgão ou da orquestra que à percussão precisa e à
ressonância limitada do piano. (...) O cravo se prestava ainda menos à tradução
da emoção religiosa; e, na música de piano anterior à de Franck, se vemos
Beethoven se elevar às sublimes regiões onde a alma contemplativa entrevê a
mística concepção de um Ser supremo, ou Liszt afirmar seu catolicismo em
obras que refletem suntuosamente as pompas gloriosas da Igreja Romana, em
nenhuma outra parte encontramos essas queixas de um cromatismo sensível e
meditativo, eco das mais inquietas aspirações humanas, nem esses grandes
planos luminosos sobre que se espalham sonoridades consoladoras.
(CORTOT, 1986, p. 29)
Desde os primórdios dos instrumentos de teclado, existe um repertório que
mantém alguma relação com contextos religiosos.47 Haveria pelo menos três formas
musicais pré-clássicas para instrumentos de teclado derivadas de práticas vocais
religiosas: arranjos de cantochão, arranjos de corais luteranos e transcrições ou imitações
de motetos polifônicos (FERGUSON, 1975, pp. 13-19). Esta última categoria, por sua
vez, daria origem à fuga.48
47 A questão da utilização ou não de instrumentos, mais precisamente de teclado, no contexto do culto
religioso, em que a Igreja assume posições diversas ao longo dos tempos, foge ao escopo deste trabalho.
“Desde que começaram a organizar-se, as igrejas cristãs retomaram mais ou menos as tradições judaicas,
temperando-as de interdições locais ou temporárias ligadas aos hábitos profanos, sendo a preocupação
constante dos legisladores eclesiásticos proibir fosse mesclada com canto litúrgico ‘... uma música lasciva,
militar ou inconveniente’ (texto do Concílio de Malines, 1570). Segundo a evolução dos costumes e dos
usos, essas prescrições ou eram anuladas, ou diminuídas ou, por vezes, agravadas. A história da introdução
do órgão na igreja oferece-nos um exemplo perfeito das hesitações dos liturgistas em tais matérias. Para os
primeiros cristãos, o instrumento (herdeiro do hydraule dos romanos) evocava de maneira sinistra os
mártires dos espetáculos de circo, mas também a pompa imperial de Bizâncio. Quando o cerimonial do
Império, com os incensos, os leques, os trajos (a púrpura dos cardeais, por exemplo, herdada dos senadores
romanos) e o órgão foram retomados pela corte pontifícia, e até nas mais humildes igrejas rurais, para
honrar o Santíssimo Sacramento, o instrumento será chamado a desempenhar uma função litúrgica,
progressivamente ampliada. Ainda no século XII, o cisterciense Aelred de Rielvaulx (+ 1166) lamentava-
se: ‘... do sopro terrível dos órgãos... do zumbido dos foles’. Pouco a pouco o órgão se integra na liturgia.
Colocado no Ocidente (no cimo do grande portal), ele dialoga com os celebrantes localizados no altar (no
Oriente). Por ocasião das missas de órgão, ele toma o lugar dos fiéis, e os versículos se alternam entre os
padres ou os chantres e o instrumento. Neste caso, durante os versículos confiados ao órgão, um clérigo diz
em voz baixa o texto sagrado ‘para que as palavras sejam ditas’. É só mais tarde e paulatinamente que se
instaura o costume de se fazer acompanhar o cantochão no órgão (no século XVIII ainda raramente cada
vez mais no século XIX). Até o século XVIII o órgão só era admitido nos ofícios de esperança ou nos de
júbilo. Era proibido durante os tempos de penitência. Uma liturgia exigente desejava que ele desaparecesse
então da igreja ou permanecesse ali dissimulado. Esta a razão por que certos órgãos antigos têm (ou tiveram)
portas destinadas a encobrir seus tubos nas épocas prescritas do ano eclesiástico. A função de tais anteparos
era puramente simbólica ou ritual, e não como creem ainda muitos fiéis e mesmo alguns padres, a de
protegê-los das intempéries... ou dos ratos!” (COTTE, 1997, pp. 126-127) 48 “É impossível saber exatamente quando a primeira transcrição foi feita; de certo modo uma melodia pré-
histórica tocada numa flauta primitiva foi uma transcrição da voz humana. Transcrições são um processo
evolucionário natural. À medida em que novos instrumentos foram sendo inventados e desenvolvidos,
compositores naturalmente tomaram vantagem de suas novas cores e extensões, readaptando seus trabalhos
e os de outros. Com o piano moderno sendo o instrumento mais versátil na música europeia ocidental, é
33
Entre os compositores tardo-renascentistas ingleses, vários deixaram peças para
virginal baseadas em arranjos de cantochão. A peça In Nomine de John Taverner (1490-
1545), integrante da coletânea Mulliner’s Book (1555), serviria de modelo para várias
outras peças sobre o mesmo cantochão. Na mesma coletânea, encontramos, entre outras,
peças como Eterne Rex Altissime e Te Per Orbem Terrarum de John Redford (c. 1500-
1547) e Christe qui lux e Gloria Tibi Trinitas de William Blitheman (c. 1525-1591).49
Johann Kuhnau (1660-1722) considerava suas Seis Sonatas Bíblicas (c. 1700),
inspiradas em temas do Antigo Testamento, como uma contrapartida ao gênero oratório.
Programáticas, cada sonata como um todo relata uma história, e cada movimento retrata
um episódio ou situação, representando um único afeto, como de praxe na música barroca.
O compositor também incorpora hinos simbolicamente, como “Aus tiefer Not schrei ich
zu dir”50 para a oração dos Israelitas antes do confronto entre Davi e Golias, na Sonata Il
combattimento tra David e Goliath, e “O Haupt voll Blut und Wunden”51 na Sonata
Hezekiah (KIRBY, 1995, p. 35).52
A derradeira trilogia de sonatas de Ludwig van Beethoven, opp 109, 110 e 111,
teve composição simultânea à Missa Solemnis, op 123. O opus 110 foi completado no dia
25 de dezembro de 1821, segundo o seu manuscrito autógrafo. Diferente de outras sonatas
tardias, não traz dedicatória, o que leva à hipótese de uma dedicatória a Jesus Cristo
(SOUZA, 1995, p. 18).53 No Arioso do terceiro movimento, a melodia é semelhante à da
ária para contralto “Es ist vollbracht” da Paixão segundo São João, BWV 245 de Bach.
Já o opus 111 apresenta, em seus dois movimentos, contrastes de opostos dos mundos
real e místico (BRENDEL, 2007, p. 72).
A onda de estudos de música do passado que tomou parte dos compositores do
século XIX parece dar impulso também a um sentimento de religiosidade na música
instrumental. Tais ecos são encontrados por exemplo, no Felix Mendelssohn (1809-1847)
compreensível que tenhamos provavelmente mais transcrições para este do que para qualquer ouro
instrumento.” (HINSON, 1990, p. ix) 49 “Entre os compositores elisabetianos há um número surpreendentemente grande dos que continuam fiéis
ao catolicismo romano, apesar do rigor com que a monarquia impôs a separação da Igreja Anglicana de
Roma; talvez porque as novas formas litúrgicas não concederam à música as mesmas oportunidades de
outrora. No terreno profano cultivam o madrigal, as composições para alaúde e uma espécie de elementar
música pianística: o instrumento é chamado de ‘Virginal’. É uma arte aristocrática, que também sabe
interpretar os cris de la rue, do povo. Nunca foi tão inteiramente esquecida como a música renascentista no
Continente europeu.” (CARPEAUX, 1964, p. 15) 50 Hino escrito em 1524 por Martinho Lutero, baseado no Salmo 130. 51 Hino escrito por Paul Gerhardt (1607–1676) e Johann Crüger (1598–1662). Foi incorporado a obras de
Bach (Paixão segundo São Mateus, BWV 244), bem como Telemann, Mendelssohn, Reger, Liszt, entre
outros compositores. 52 Para sugestões interpretativas sobre a Sonata Il combattimento tra David e Goliath, baseando-se nas
intenções programáticas da obra, vide CORTOT, 1986, pp. 66-67. 53 Indo mais além em uma busca por relações entre a Sonata op 110 de Beethoven e o Messias (1741) de
Handel (1685-1759), “a partir da aceitação de Cristo como centro de um programa para o Opus 110, torna-
se possível ver o dinamismo da fuga como símbolo da subida ao Calvário e a porção final (comp. 105-110),
que Beethoven tão cuidadosamente elaborou, como representante da Crucifixão. Assim, a inserção do
motivo do Messias em um momento de tal significância faz pensar ter Beethoven querido deixar ali um elo
entre as duas obras.” (SOUZA, 1995, p. 24)
34
dos Seis Prelúdios e Fugas, op 35 (1832-7) ou na obra infantil Seis Peças para o Natal,
op 72 (1842), assim como na alusão ao hino medieval Dies Irae no Intermezzo em mi
bemol menor, op 118 n. 6 (1893) de Johannes Brahms (1833-1897). Max Reger (1873-
1918) utiliza o quarto movimento da Cantata BWV 128, “Auf Christi Himmelfahrt
allein”54 como base para suas Variações e Fuga sobre um tema de Bach, op 81 (1904)55
e a canção “Stille Nacht”56 na peça “Weihnachtstraum”, número 9 da coletânea Aus der
Jungenzeit, op 17 (1895).
Na França, as obras-primas Prelúdio, Coral e Fuga (1884) e Prelúdio, Aria e
Final (1886-7) de César Franck (1822-1890) traduzem a escrita organística para o piano.57
Seguindo estes passos, o gênero vocal/coral hino é traduzido em música para piano no
segundo movimento das Trois Pièces (1928) de Francis Poulenc (1899-1963) e no
movimento inicial da Sérénade en La (1925) do russo Igor Stravinsky (1882-1971) – por
volta dessa época, vivendo uma fase “francesa”.
Na Itália, a harmonicamente complexa Sonatina No. 4, “In diem Nativitatis Christi
MCMXVII”, de Ferruccio Busoni (1866-1924), possui em seu único movimento uma
“força solene e poder emocional incomum” (DUBAL, 2004, p. 440). Referências diretas
à tradição musical católica são encontradas nos Três Prelúdios sobre melodias
gregorianas (1919) de Ottorino Respighi (1879-1936).58 Já o ciclo Evangelion (1959) de
Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) narra a história de Jesus ao longo de 28 peças
divididas em quatro partes: “A Infância”, “A Vida”, “As Palavras” e “A Paixão”.
O compositor tcheco Leoš Janáček (1854-1928) inspirou-se em melodias
folclóricas da Moravia para produzir seu ciclo pianístico Po zarostlém chodníčku (1911).
A peça número 4, “A Madonna de Frýdek”, faz referência a uma devoção mariana
bastante popular em seu país. Conhecida como a “Lourdes da Silésia”, Frýdek tem sido
um importante lugar de peregrinação católica desde o século XVII.
Nos Estados Unidos, a peça “From Puritan Days”, número 8 do ciclo New
England Idyls, op 62 (1902), de Edward MacDowell (1860-1908), emprega o hino In
Nomine Domini. Posteriormente, George Crumb (n. 1929) inspirou-se no ciclo de
afrescos de Giotto di Bondone (1267-1337) na Cappella degli Scrovegni (Capela Arena)
em Pádua, Itália, para compor A Little Suite for Christmas, A.D. 1979 (1980). Em 7
movimentos, esta obra ilustra musicalmente a primeira infância de Jesus.
54 Esta cantata fora composta para a Festa da Ascensão, cujas leituras incluía Atos 1, 1-11 e Marcos 16, 14-
20. 55 Intensamente cromática, esta obra é considerada a maior obra de Reger (DUBAL, 2004, p. 589). 56 Canção de autoria atribuída a Franz Gruber (1787-1863), sua letra foi traduzida para inúmeros idiomas
ao redor do mundo. 57 CORTOT, 1986, pp. 28-31, tecendo interessantes comentários e sugestões interpretativas sobre estas
obras, chega a afirmar que Franck inicialmente as concebeu para órgão. 58 Estes prelúdios posteriormente seriam incluídos como os três primeiros movimentos da obra orquestral
Vetrate di chiesa (1925).
35
Liszt
A música apresenta, ao mesmo tempo, a intensidade e a expressão de
sentimentos; é a corporificação e essência inteligível do sentimento; capaz de
ser apreendida por nossos sentidos, os permeia como um dardo... e faz-se
sentir em nossa alma. Se a música clama ser a arte suprema, se o espiritualismo
cristão a transportou, como unicamente merecedora do Céu, para o mundo
celestial, esta supremacia se embasa nas chamas puras da emoção que bate
uma contra a outra de coração a coração, sem o auxílio de reflexão... (Liszt,
Neue Zeitschrift für Musik, apud PIKE, 1953, p. 6)
Franz Liszt (1811-1886) foi alguém que, desde a tenra idade, demonstrava
convicções religiosas. Após uma juventude repleta de interesses amorosos, o compositor-
pianista, já na meia-idade, recebeu ordens eclesiásticas. Sua produção composicional,
além de várias obras sacras, inclui numerosas peças para piano que explicitamente
demonstram intenções programático-descritivas voltadas à sua fé católica. Liszt teria sido
“o inventor da peça para piano inspirada pela religião” (BRENDEL, 2007, p. 262).59
As Seis Consolações (1850) são inspiradas em poesia de Charles-Augustin Saint-
Beuve (1804-1869). Apesar de não possuírem títulos descritivos, carregam um
sentimento “quase-religioso” (DUBAL, 2004, p. 521). Figuram entre suas peças mais
simples tecnicamente, servindo como uma boa introdução a este repertório de Liszt, bem
como ao complexo repertório religioso em geral.
O ciclo Harmonies poétiques et religieuses (1852) foi inspirado por poesia de
Alphonse de Lamartine (1790-1869). Liszt inclui arranjos simples de orações em “Ave
Maria” e “Pater noster”. Em “Miserere (d’après Palestrina)”, o compositor evoca
arcaísmos, por meio de acordes simples, diatonismo e o estilo “puro” associado ao citado
compositor renascentista (KIRBY, 1995, p. 219). A peça “Bénédiction de Dieu dans la
solitude” seria “quase única entre as obras de Liszt, em que expressa este sentimento de
contemplação mística que Beethoven atingiu em seu último período, mas que é raramente
encontrado em outros lugares na música” (Humphrey Searle, apud DUBAL, 2004, p.
523).
As Variações Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen60 (1862) foram compostas após a
morte de Blandine, a filha mais velha do compositor. Liszt baseia-se sobre o ostinato
cromático utilizado no primeiro movimento da cantata homônima de Bach.61 O hino
59 O compositor-pianista franco-judeu Charles-Valentin Alkan (1813-1888) pode ser considerado como um
precursor da música de caráter religioso, tendo sido possivelmente o primeiro compositor de música de
concerto a incorporar em suas obras melodias judaicas. Algumas obras pianísticas: Alleluia op 25, Super
flumina Babylonis op 52, 13 Prières op 64, 11 Pièces dans le style religieux op 72, entre outras. 60 Chorar, Lamentar, Preocupar, Temer 61 Um movimento que, como em diversas obras de Bach, posteriormente seria revisado como o “Crucifixus”
da Missa em si menor. Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen é uma das três cantatas do Kantor de Leipzig para
o terceiro domingo do tempo de Páscoa. Nelas, Bach, fiel à liturgia luterana, baseou-se nas passagens
bíblicas 1 Pedro 2: 11-20 e João 16: 16-23.
36
“Was Gott tut das ist wohlgetan” é citado como conclusão ao ciclo.62 Estas variações
ocupariam “um lugar excepcional ao lado da Sonata em si menor de Liszt” (Alfred Cortot,
apud HINSON, 1990, p. 16).63
O díptico Légendes (1863) foi composto por volta da época em que Liszt recebera
ordens sacras. A inspiração consiste em histórias de dois santos católicos: São Francisco
de Assis (1182-1226) e São Francisco de Paula (1416-1507). Ambas as peças empregam
tópicas que remetem à Natureza: a primeira, pássaros; a segunda, água.64
No extenso ciclo Années de Pelerinage, em três livros (ou anos), várias peças
realizam referências ao universo católico. A peça “Sposalizio” (segundo ano, 1837-1849),
em seu “lirismo espaçoso” (DUBAL, 2004, p. 525), é inspirada pela apreciação da obra
“Lo Sposalizio” (1504) de Raffaello Sanzio da Urbino (1483 –1520), retratando o
casamento da Virgem Maria com São José. Emprega “uma harmonia altamente
sofisticada para criar uma aura de inocência jubilosa e extática” (BRENDEL, 2007, p.
259).
Raffaello Sanzio da Urbino: “Lo Sposalizio”
O terceiro ano do ciclo (1877) é o que contém mais peças com títulos descritivos
que remetem à religiosidade do compositor. Em “Angelus! Prière aux anges gardiens”,
Liszt ouviu os sinos do Angelus soarem suavemente à noite, inspirando-se para retratar
62 “Tudo o que Deus fez está bem feito”, hino composto em 1674 por Samuel Rodigast. 63 Para sugestões interpretativas, vide CORTOT, 1986, pp. 163-164. 64 Tópicas referentes a Natureza frequentemente também aludem ao universo religioso, por vezes emulando
uma concepção panteísta de mundo. Para uma perspectiva recente sobre a inter-relação entre Ecologia e a
Igreja Católica, é oportuna a consulta à encíclica promulgada recentemente pelo Papa Francisco a respeito.
BERGOGLIO, Jorge Mario. Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da
casa comum. Vaticano, 24 de maio de 2015. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-
laudato-si.html> (último acesso: 01/10/2016)
37
este momento musicalmente.65 Neste livro, destaca-se a peça “Les jeux d’eaux à la Villa
d’Este”, inspirada nas famosas fontes existentes em Tivoli, Itália.66 Composta na
tonalidade “mística” de Fá sustenido Maior, “evoca um impressionismo que possui um
som eclesiástico misturado a uma marcada sensualidade que se cresce até um poderoso
clímax” (DUBAL, 2004, p. 527). No compasso 144, Liszt modula a Ré Maior e cita, em
latim, um trecho do Evangelho de São João.67
Le Cento Fontane (“As Cem Fontes”), Villa d’Este, Tivoli, Itália
A suíte Weihnachtsbaum: Arbre de Noël (1876) foi dedicada a sua neta Daniela.
É largamente baseada em canções de Natal. Uma obra tardia, reflete “reminiscências
irônicas do passado, ou de excursões para uma esfera de sentimento infantil” (BRENDEL,
2007, p. 274).
Messiaen
Creio no criador de todas as coisas visíveis e invisíveis... A expressão ‘coisas
invisíveis exerceu em mim uma impressão especialmente profunda. Ela não
engloba tudo? Não se refere ela tanto ao mundo das estrelas como ao mundo
dos átomos, tanto ao mundo dos anjos como ao dos demônios, ao de nossos
próprios pensamentos, e ao de tudo aquilo que nos é desconhecido e, acima
de tudo, ao mundo do possível, que apenas Deus conhece? (Messiaen, Melos,
Mainz: Schott’s Söhne, 1958, apud HAMEL, 1995, p. 38)
Em seu ciclo Vingt Regards sur l’Enfant Jésus (1944), Messiaen ergue não apenas
um dos monumentos pianísticos do século XX, como também deixa um grandioso
65 A Hora do Angelus, ou Toque das Ave-Marias, são orações católicas realizadas ao longo do dia, às 6:00h,
12:00h e 18:00h, relembrando o momento da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria (Lucas 1, 26-
30). 66 Segundo Ferruccio Busoni, esta peça seria “o modelo para todas as fontes musicais que fluíram desde
então” (BRENDEL, 2007, p. 276). 67 “Sed aqua quam ego dabo ei, fiet in eo fons aquae salientis in vitam aeternam” - “Mas o que beber da
água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará
até a vida eterna.” (João 4, 14)
38
testemunho de sua fé católica. O compositor propõe uma série de contemplações sobre o
menino Jesus, inspirando-se em textos de São Tomás de Aquino (1225-1274), São João
da Cruz (1542-1591), Santa Teresa de Lisieux (1873-1897) e Dom Columba Marmion
(1858-1923), além dos Evangelhos e do Missal católico.
Vários personagens descritos em textos bíblicos se fazem presentes: a Virgem, os
Anjos, os Magos, bem como “criaturas imateriais ou simbólicas” (o Tempo, as Alturas, o
Silêncio, a Estrela, a Cruz). Messiaen utiliza motivos simbólicos recorrentes ao longo do
ciclo: Thème de Dieu, Thème de l’Étoile et de la Croix e Thème d’Accords.
Thème de Dieu
Thème d’Étoile et de la Croix
Thème d’Accords
O Tema de Deus é encontrado no “Regards du Père” (I), “Regard du Fils” (V), e
“Regards de l´Esprit de joie” (X), formando assim a Santíssima Trindade, bem como “Par
Lui tout a été fait” (VI) e “Le baiser de l’Enfant-Jésus” (XV). O Tema da Estrela e da
Cruz é explorado ostensivamente no “Regard d’Étoile” (II) e no “Regard de la Croix”
(VII). Messiaen, no prefácio da obra, explica que a Estrela e a Cruz são o mesmo tema
porque uma abre e a outra fecha o período terrestre de Jesus.68
Mais que em todas as minhas obras precedentes, [nos Vingt Regards] eu
busquei uma linguagem de amor místico, uma vez variada, poderosa e terna,
às vezes brutal, numa ordenação multicolorida. (Messiaen, apud DUBAL,
2004, p. 553)
68 Para considerações sobre três Regards (I, II, XVII), vide GUIGUE (2001).
39
Dentro da estética místico-ornitológica de Messiaen, os pássaros são
particularmente especiais por serem “músicos natos” criados por Deus.69 Dessa forma, o
outro grande ciclo para piano solo de Messiaen, Catalogue d’Oiseaux (1956-8), expressa
o profundo amor de Messiaen à natureza como criação divina. Ainda mais experimental
que os Regards, Messiaen leva mais adiante a experimentação timbrística e temporal,
criando um novo senso de forma “em que não mais é baseada nos padrões ocidentais
clássicos mas parece não se relacionar pelo tempo de maneira alguma” (DUBAL, 2004,
p. 553).
Almeida Prado
A música é uma linguagem subjetiva, abstrata. Então, através dessa abstração,
tentei passar uma certa alegoria, uma certa emoção que levasse as pessoas a
uma vibração com Deus. (Almeida Prado, apud HASSAN, 1996, p. 19)
A vasta produção pianístico-religiosa de Almeida Prado inclui desde peças curtas
com propósitos didáticos até monumentais e complexos ciclos. Estas obras percorrem
uma vasta gama de possibilidades técnicas, formais e estéticas. Podemos observar a
evolução do pianismo de Almeida Prado particularmente em três longas e importantes
séries compostas durante considerável parte de sua trajetória artística: os Momentos
(1965-1983), as Sonatas (1965-2004) e as Cartas Celestes (1974-2010).70 Tais séries são,
portanto, testemunhos privilegiados da sua estética. No presente trabalho, os dois
primeiros ciclos frequentemente demonstram claros exemplos do misticismo do
compositor, como será demonstrado a seguir.
O ciclo dos Momentos apresenta alguns dos primeiros exemplos de sua fé aplicada
à sua música para piano. Apesar de, em sua maior parte, apresentar música abstrata,71 o
mesmo contém, em algumas de suas peças, indicações escritas que remetem ao
misticismo do compositor. Expressões de introspecção incluem sereno (Momentos 1, 27,
31), calmo (Momento 5), com amplidão infinita (Momento 4), como uma visão (Momento
23), enquanto que expressões de exaltação são encontradas no Momento 32 (como um
chamado, jubiloso) e no Momento 42 (com júbilo). Luz é indicada em expressões como
luminoso (Momentos 9, 28), cintilante (Momentos 17, 37), fulgurante (Momento 13).
Forças naturais são sugeridas em expressões como como uma espiral de fogo (Momento
19), como uma aurora (Momento 14), solar (Momentos 6, III) e estelar (Momento 34).
69 “É, portanto, sintomático que Messiaen tenha escolhido como temática para sua única ópera – Saint
François d’Assise (1979-1983) – a vida de um santo cuja imagem na simbologia católica é fortemente
relacionada aos pássaros.” (ALMEIDA, 2013, p. 10) 70 Enquanto o ciclo dos Momentos estendeu-se por cerca de duas décadas, decisivas na formação estilística
do compositor, os ciclos das Sonatas e das Cartas Celestes, de maiores dimensões e pretensões, perduraram
até pouco antes do falecimento de Almeida Prado. 71 Com a notável exceção do caderno “Impressões de Cubatão” (1971).
40
Os Momentos 5 e 42 lembram cantos modais comumente realizados em contextos
católicos.72 O Momento 42, subtitulado “Aleluias”, “naturalmente nos direciona a um
ambiente religioso, como o da tradição do ‘Sábado de Aleluia’, onde geralmente
encontramos o cântico, a procissão, e quase sempre o acompanhamento de sinos como
fortes representações desse tipo de evento” (SILVA, 2011, pp. 28-32). O Momento 45
também contém a indicação como um sino.
Explorando as formas de larga escala, são constatados elementos de religiosidade
em quatro de suas sonatas para piano, todas compostas durante a década de 1980. Suas
diversas sonatas para piano que exploram elementos programáticos, enquanto calcadas
em precedentes no sonatismo de Kuhnau, Beethoven, Liszt e Scriabin,73 demonstram
“liberdade na organização dos movimentos, sempre com um marcante caráter de unidade
entre os movimentos de uma mesma obra, e com tendência a transformá-los em seções
de andamentos diversos, mas interligadas para formar uma obra una” (BARANCOSKI,
2000, p. 200). A retórica formal da forma sonata alia-se a um programa, potencializando-
o.
Na eclética Sonata No. 4 (1984), o 3º movimento, “Interlúdio (Choral)”, traz a
inscrição “Jesus, em tuas mãos finalmente encontro a paz”, e é dedicado “a Ele”. Já as
Sonatas No. 6 e 7 fazem parte das chamadas “sonatas programáticas”, e abordam a
temática religiosa de forma ainda mais intensa (CORVISIER, 2000, p. 82).
A Sonata No. 6, “Romanceiro de São João da Cruz” (1984-1985), foi inspirada
no poema “O Cântico Espiritual” do citado carmelita espanhol, descrevendo sua estada
na prisão em Toledo. O poema, por sua vez, foi baseado no “Cântico dos Cânticos”
(CORVISIER, 2000, pp. 109-125). Uma obra cíclica, em 9 movimentos, “o elemento
mais claro aqui proveniente da forma sonata é o uso de dois temas principais muito
contrastantes: o tema da alma e o tema da noite. Embora em constante desenvolvimento
temático, a seção central (IV - Diálogo da alma enamorada da noite) oferece um
desenvolvimento mais amplo e conjunto dos temas, correspondendo ao desenvolvimento
propriamente dito da forma sonata tradicional” (BARANCOSKI, 2000, pp. 201-202).
A Sonata No. 7 (1989), uma das mais importantes da série, foi inspirada no Salmo
19, que aparece citado na própria partitura. Em um movimento e subtitulada “Sonata-
Fantasia”, denota forte caráter improvisatório, “imitando preces e manifestações
dramáticas de louvor” (BARANCOSKI, 2000, p. 203). Sua forma, como o próprio
compositor afirma, é baseada numa estrutura salmodista, em que uma linha recitante,
como as orações do canto gregoriano, serve como refrão entre as seções (CORVISIER,
72 “A melodia por sua vez, possui um forte teor popular, quase folclórico. Há aqui outro tipo de
intertextualidade: a de estilo, que corresponde com o ideal estético de Mário de Andrade, mais
especificamente, o do ‘[...] ‘nacionalismo inconsciente’, ou seja, [onde] o compositor cria temas que
parecem folclóricos [...]’ (CONTIER apud SALLES, 2003, p. 147), mas que não necessariamente provém
de uma fonte folclórica legítima; o compositor não cita literalmente uma melodia popular ou folclórica,
mas se apoia no espírito nelas presente.” (SILVA, 2011, pp. 28-32) 73 A inclusão de Alexander Scriabin (1872-1915) no contexto da pesquisa presente é problemática, uma vez
que este compositor fugiu bastante do conceito de cristianismo tradicional ao se alinhar com ideias
teosóficas bastante em voga em sua época. Para mais informações, vide TOMÁS (1993).
41
2000, pp. 125-133). “A sonoridade desta sonata é muito particular, com influências de
sonoridades orientais e um acentuado espírito místico” (BARANCOSKI, 2000, p. 203).
A Sonata No. 8 (1989), subtitulada “Sonata Breve”, foi originalmente concebida
como uma sonatina devido a sua concisão e economia de elementos musicais. O 2º
movimento, intitulado “Vespers”, foi inspirado no 13º verso do Salmo 65. O 3º
movimento, intitulado “Noturnal”, foi inspirado por um poema de Thomas Merton (1915-
1968), cujo trecho é reproduzido na partitura. O 4º e último movimento, um rondó
intitulado “Auroral”, toma sua inspiração no 8º verso do Salmo 57 (CORVISIER, 2000,
pp. 134-146).
A coletânea Cartilha Rítmica inclui vários exercícios (II. 28, II.29, II.30, II.31,
II.32, II.33, II.34, II.35, IV.9, IV.10), que, em texturas predominantemente em estilo
coral, poderiam bem ser utilizadas em funções litúrgicas, bem como a peça Ad laudes
matutinas (exercício I.9), cujo título remete à primeira oração do dia, de acordo com a
liturgia monástica beneditina. Esta última, a primeira peça pianística de Almeida Prado
cujo título remete a religiosidade católica, é apresentada como um estudo para “figuras e
acentos diversos com ressonâncias” e se utiliza do conceito de obra aberta (mais
precisamente forma modular programada) ao permitir ao intérprete três formas de
ordenação de suas cinco seções.
Devoções e Homenagens
O Antigo Testamento iria inspirar, entre outras obras, O Profeta Daniel (1995) e
Louvor universal: dos rios e dos mares: Salmo 148 (1997). Esta última integra a obra
“Salmo 148 - Louvor Universal” para piano e jazz band, e pode ser tocada separadamente.
O ciclo Itinerário amoroso e idílico ou O livro de Helenice (1976) foi inspirado
no livro do “Cântico dos Cânticos”. É bastante apropriada, para esta homenagem musical
a sua esposa Helenice Audi, a inspiração no livro bíblico que mais intensamente discorre
sobre o amor conjugal. Uma obra lírica em sete movimentos, com elementos cíclicos e
de limitada constelação harmônica, este trabalho evoca arcaísmos como escritas
responsorial e coral (GANDELMAN, 1997, p. 228).74
O Novo Testamento iria inspirar a obra Das parábolas do reino: díptico
evangélico (2001) bem como duas tocatas: a Toccata da Alegria (1996) e a Toccata da
Epifania (2002). A primeira possui como epígrafe um versículo do Evangelho de São
João75 e cita na seção central o primeiro verso do cantochão Hymne: Auctor beate seaculi,
74 Obra bastante aclamada por crítica e público, “seus procedimentos de acumulação de elementos, de
rarefação, suas acelerações, seus crescendos e diminuendos, seus desdobramentos de intenções poéticas,
líricas ou dramáticas em diversos planos, são de primeira ordem e conseguem desvendar na audiência
abismos interiores, antes ignorados.” (Antonio Hernandez, apud MARIZ, 2005, p. 394) 75 “Que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa.” (João 15, 11)
42
em honra ao Sagrado Coração de Jesus. A segunda possui como epígrafe um trecho do
Evangelho de São Mateus.76
Elementos de devoção mariana podem ser identificados em obras como
Fragmento: oração à Virgem Maria do Beato José de Anchieta (1988), Rosa Mystica,
ora pro nobis (1991) e Quarta Estação da Via Sacra: Jesus encontra sua Mãe Santíssima
(2005). Estas obras seguem a temática mariológica iniciada com o ciclo do Rosário de
Medjugorje, porém com pretensões formais mais modestas.
A inspiração no pictórico iria produzir, entre outras obras, o ciclo dos 16
Poesilúdios (1983-1985). A peça n. 11, “Noites de Solesmes” (1985), foi inspirada pelo
óleo sobre tela São Bento (1985), de autoria do ex-monge beneditino Geraldo Porto, e
cita fragmentos da salmodia medieval Dixit Dominus (Salmo 110), ambientados entre
sons de badaladas de sinos. Além destas relevantes referências religiosas, sua estrutura
formal, com alternância de gestos musicais, alude ao estilo responsorial ou antifonal.
A obra As begônias do quintal celeste: estudo sobre cores de acordes alterados
(1993) foi dedicada “aos meus pais, que as cultivam no quintal de sua morada celeste”.
A obra Recordare (1995) foi criada “in memorian minha madrinha Chiquinha”. Constam
ainda de seu catálogo as obras In Paradisum (1974) “in memorian Antonieta Rudge” e
Lacrymosa (1990) “in memorian Cazuza, que soube carregar o estandarte da vida até o
fim. Que sua alma encontre a Face de Jesus, a Paz e a Alegria Eterna”. Digna de menção
também é uma série de Corais para o Ano Litúrgico, para piano solo (1984-1999).
Peregrinações e Retiros
O final da década de 1980 e início de 1990 testemunham a criação de algumas
importantes obras pianísticas inspiradas em experiências pessoais. Após uma estadia em
Medjugorje (antiga Iugoslávia, atual Bósnia e Herzegovina), Almeida Prado produziu os
ciclos Pelerinage (1987), Le Rosaire de Medjugorgje (1987) e Três Profecias em Forma
de Estudos (1988).
Eu nunca deixei de acreditar em Deus, mas em Medjugorjie eu senti a presença
Dele com muita força. Eu passei doze dias lá e tive experiências maravilhosas.
Foi um banho de misticismo. (Almeida Prado, apud HASSAN, 1996, p. 20)
Uma das obras mais importantes de Almeida Prado, e certamente seu magnum
opus religioso-pianístico, Le Rosaire de Medjugorje foi motivado pelas aparições de
Nossa Senhora.77 Obra programática narrando a vida de Jesus Cristo através da oração do
76 “Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que,
chegando, parou sobre onde estava o menino. E vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso
júbilo" (Mateus 2, 9-10) 77 Vale citar que, até o momento da redação deste trabalho, as aparições de Medjugorje, ocorridas na década
de 1980, ainda passam pelo crivo do Vaticano; portanto, ainda não possuem o reconhecimento formal
43
Rosário, inicialmente constava de três partes, “Mystères joyeux”, “Mystères douloureux”
e “Mystères glorieux”, todas compostas em 1987.78 Posteriormente, consonante com a
adição de mais um mistério à esta oração, pelo então Papa João Paulo II (1920-2005) em
2002, o compositor acrescentou os “Mistérios Luminosos”.79
Outro dia eu estava em oração e às vezes tenho uma locução interior (termo
místico usado para designar contatos com o Alto) e Nossa Senhora me disse
que meu tempo no Brasil estava terminando e que eu tinha que ir para outro
lugar. Porque quando fui para a Europa, ano passado [1987], que fui para ficar
um longo tempo. Mas fui parar em Medjugorje e tive que voltar para dar início
a todo este movimento, as imagens que eu trouxe (de Nossa Senhora Rainha
da Paz que aparece a cinco videntes desde 1981) e daí que precisava estar aqui.
Agora as coisas estão indo, andando sem mim e sinto que fechei um capítulo
aqui e tem que abrir outro em outro lugar. É isso, nós somos peregrinos. (...)
Pois então entre a Missa [de São Nicolau], a estréia da Missa, que era em
dezembro de 1987, e o ballet em outubro, eu não tinha o que fazer na Europa.
Estava com dinheiro, mas aí me lembrei de Medjugorje, que eu relutava em
ir, eu tinha medo... (...) Das exigências de Jesus, porque eu não estava vivendo
uma vida de acordo, estava vivendo de um jeito oba oba e eu sabia que isso
não ia me levar a lugar algum. E via Deus como um grande caçador me
espreitando, sabe como uma daquelas redes que se caçam os leões? Porque
Deus é um grande caçador, ele te caça, ele te quer, malgrè, eu ia para cá ele
para lá. Eu sabia que se chegasse lá e ele me pedisse para renunciar a tudo,
todas as ilusões... (...)
Aí começou todo o trabalho, eu senti necessidade de confessar, de procurar
soltar e as coisas que foram dando certo até que durante uma aparição senti a
presença de Maria chegando perto de mim e eu estava no céu - me veio uma
certeza que Deus me ama, como eu sou, e que Deus não é um tirano, que o
céu é uma jubilação, não dá para entender, foram minutos que para mim
pareceram anos. E naquele minuto eu tudo entendi, eu tudo perdoei. E fiquei
tão perturbado que comecei a trabalhar este dom e então comecei a rezar. Ia
para a colina e ficava quatro horas em oração, ia para o quarto rezar, ia andar.
(...)
ouvi a voz de Maria na cruz azul que fica na colina – que ela havia me levado
lá para me entregar a Jesus e que era irreversível, que ela com muito custo
tinha conseguido me levar e que tinha lutado muito com Satanás e que eu não
ia mais decepcioná-la. Não vem a frase, vem uma intuição. Aí, dias depois,
fui rezar numa cruz que é uma cruz de madeira, como tem em Campos de
Jordão e aí Jesus falou: “Dá-me tua vida”. Aí fiquei em pânico, pensei que ia
morrer. E eu disse: “toma Jesus, tudo é teu”. Eu senti uma alegria, uma
completo por parte da Igreja Católica. No entando, Medjugorje já é consolidada no universo do catolicismo
popular contemporâneo. 78 Em 1991, Almeida Prado arranjou os “Mystères joyeux” para órgão e quinteto de metais. 79 Os “Mistérios Luminosos” são dedicados “À querida irmã Maria Ignez, minha homenagem, gratidão,
carinho, amor, admiração pelos 50 anos, bodas de ouro, como vida edificante e religiosa de Missionária de
Jesus Crucificado”
44
jubilação, fiquei inebriado, como se tivesse tomado cinco garrafas de vinho.
Fiquei rejuvenescido. Mas eu não podia por uma tenda e ficar lá e eu tive que
voltar, trabalhar, etc. Fui para Fribourg e levei uma vida entre o retiro e a
solidão, aquela neve e comecei a escrever o Rosário de Medjugorje e fiquei
esperando a Missa de São Nicolau, a estréia da minha Missa. (Almeida Prado,
apud VASCONCELOS, 2007)
Obra cíclica, seus constantes temas de Maria e de Jesus incitam um paralelo com
os Vingt Regards sur l´Enfant Jésus de Messiaen. Não obstante esta comparação com o
mestre francês, Le Rosaire de Medjugorje emprega um idiomatismo próprio, notadamente
no que concerne ao transtonalismo.80 Apesar de ser baseada em uma série dodecafônica
(a “série de Medjugorjie”, como Almeida Prado define), a obra não adere à prática serial
estrita, pois as notas são utilizadas em ordem inteiramente livre. Além disso, alguns
centros tonais específicos fazem referência a passagens e temas principais com relevância
religiosa: a tonalidade de Mi bemol Maior representa luz; a tonalidade de Mi Maior, a
alegria; a tríade de Fá Maior, a Santíssima Trindade, a Eternidade e a Bem-aventurança
(CORVISIER, 2000, pp. 34-36).
Da mesma época consta o tríptico Três Profecias em forma de Estudos (1988).
Cada estudo é inspirado por uma passagem do Antigo Testamento, respectivamente
Zacarias, Baruch e Isaías.81 Como estudos, cada peça explora algum aspecto
composicional e/ou pianístico, como assim é de praxe para o gênero: ressonâncias, ritmos
e texturas. O misticismo religioso é expresso principalmente por meio de atmosferas e
ambientações.
Passaram-se alguns anos, não tantos, quando José Eduardo Martins me pediu
um Estudo, para a série que ele estava encomendando para vários
compositores de Estudos, inclusive Gilberto Mendes, um compositor alemão,
outro Porto-riquenho, não me recordo se o Willy [Correia de Oliveira] também
fez algo. Eu havia recém chegado de Mediugórie. Estando lá conheci uma
vidente chamada Vicka que me disse que o acontecimento de Mediugórie, e
outros acontecimentos, estavam previstos em uma profecia da Bíblia, porque
Mediugórie está localizado entre duas montanhas. Nesta Profecia consta que
80 Transtonalismo é um neologismo criado pelo musicólogo Yulo Brandão para definir o conjunto
idiossincrático de técnicas composicionais de Almeida Prado (MARIZ, 2005, p. 402). “O aparato teórico
do compositor é fértil em expressões originais que designam sistemas ou técnicas composicionais por ele
utilizados. Entre eles, o de transtonalismo pode ser definido de imediato como um sistema harmônico não
rigoroso, tolerante, apto a suportar dinâmicas tonais, atonais ou seriais, e onde qualquer tipo de acorde pode
eventualmente cumprir qualquer função, inclusive cadencial ou pseudo-cadencial.” (GUIGUE &
PINHEIRO, 2002, p. 62). Almeida Prado assim define o Transtonalismo: “uma observância dos harmônicos
resultantes das fundamentais e a incorporação de tudo o que se poderia obter das técnicas contemporâneas,
como o serialismo e o minimalismo, na utilização das manchas sonoras (clusters) e toda a riqueza rítmica
de Messiaen e Villa-Lobos.” “(...) utilização consciente das oitavas, quintas, quartas, terças, sextas e
sétimas do espectro harmônico, ou seja, os harmônicos na sua linha fundamental e, depois, com as notas
superiores livremente usadas.” “(...) eu me utilizava de processos seriais, atonais, como um pensamento de
fixar os acordes, como se fossem ‘tonalidades’, sem o processo típico serial de Schoenberg, que após a
série original, vem a inversão, o retrógrado, e a inversão do retrógrado.” 81 “Levantando de novo os olhos, olhei e vi quatro carros que saíam dentre duas montanhas; estas eram
montanhas de bronze.” (Zacarias 6, 1) “Jerusalém, volta o teu olhar para o Oriente, vê a alegria que te vem
de Deus.” (Baruc 4, 36) “E haverá uma Vereda Pura, que se chamará o Caminho Santo.” (Isaías 35, 8)
45
destas montanhas saíram carros que são os profetas, as profecias, foi quando
eu resolvi fazer um Tríptico de Estudos, onde o primeiro tem por base
ressonâncias do princípio das Cartas Celestes, percebe-se que o piano é uma
grande máquina de ressonâncias, o segundo é de fato um Estudo rítmico,
porque eu coloco os compassos 5/2, 5/4, 5/8 e 5/16 como uma modulação
rítmica de figuras e de valores, e o intérprete não pode acelerar, porque é
necessário tomar por base as quatro semicolcheias que vão ser a subdivisão da
mínima, é uma modulação rítmica, neste caso a dificuldade é você manter a
coerência das figuras. Não é quiáltera, não há nenhuma quiáltera. Ele se
desenrola em uma constante, que volta novamente aos valores do começo, e
termina brilhantemente na codeta. O último Estudo desta série, Profecia nº 3,
é um Tema com Variações. Todo ele tem a armadura de mi maior, porque na
verdade ele é um mi maior livre, mas não é um mi atonal, é um mi maior
mesmo, como Beethoven faz mi maior na Sonata op. 109, há uma lembrança
de Beethoven aqui neste Estudo. O primeiro tema é um coral, a primeira
Variação são trêmulos e trinados, a segunda Variação volta o coral com notas
repetidas também. A Variação três tem um imenso pedal na mão esquerda e
figuras de “triolets”, de tercinas, arpejos e trinados, um festival de trinados,
como existe na op. 109. Ele termina com este arco de quintas justas que vão
subindo, um arco de quintas finalizando em mi maior. Foi dedicado a José
Eduardo que o tocou na Europa, em vários lugares, e quem gravou foi a Ana
Cláudia de Assis em um disco da Unirio chamado “O som de Almeida Prado”
onde ela incluiu estes Estudos como um “Tríptico”. (Almeida Prado, apud
YANSEN, 2005, pp. 40-41)
Formalmente, os dois primeiros estudos são multiseccionais. Enquanto a Profecia
n. 1 é marcada pelo contínuo uso de elementos espectralistas,82 a Profecia n. 2 dá destaque
a um refrão de acordes baseado no modo 3 dos Modos de Transposição Limitada de
Messiaen, em dó, em aceleração métrica (progredindo desde 5/2, a 5/4, 5/8 até 5/16),
marcados como sinos pelo compositor. Já a Profecia n. 3, um tema com três variações,
pelo seu caráter plácido (sugerido desde a indicação Daruj nam mir! - Dai-nos a paz!, em
língua croata), seu centro tonal em Mi, e uso de variações texturais, sugere o movimento
final da Sonata op 109 (1820) de Beethoven, compositor admirado e citado por Almeida
Prado.83
82 “A música espectral, desenvolvida notavelmente pelo compositor Tristan Murail, colega de Almeida
Prado na turma de Olivier Messiaen em Paris nos anos 1970, se particulariza pelo fato que procura encontrar
nas propriedades acústicas do som sua razão dinâmica, e, daí, a estrutura temporal que poderá revestir a
obra. O modo mais simples de conhecer essas propriedades é de obter, por meio de equipamento específico
(normalmente via computador) uma lista do conjunto das freqüências em presença a cada momento no som,
com suas intensidades respectivas. Este censo dá o que é chamado de ‘espectro’ do som. Como os espectros
naturais nunca são fenômenos totalmente estáticos, pois até o espectro instrumental o mais simples se
modifica no tempo, a composição com os espectros implica em levar em conta essas transformações, as
quais agem em retorno sobre o ritmo, a pulsação da música e os processos formais. De fato, a harmonia, a
melodia, o timbre, a intensidade e a forma deixam de existir como entidades separadas, organizadas
segundo sistemas distintos e independentes. Eles são considerados como partes do fenômeno sonoro
global.” (GUIGUE, 2010). Para mais informações, vide DUFOURT (2013), LÉVY (2013), MURAIL
(1992), entre outros textos. 83 “O maravilhoso Beethoven, na Aurora, escreve os últimos compassos em moto confuso, põe o pedal e
deixa. Imagina na época do Beethoven, isso devia soar como um caos.” (ALMEIDA PRADO, 1999). Há
ainda relatos do próprio Almeida Prado sobre sua admiração pelas sonatas tardias para piano do mestre
alemão. Exemplos de intertextualidade na obra de Almeida Prado são vários. Por exemplo, no 1º
movimento da Sonata No. 8 (1989) de Almeida Prado, o 2º tema faz alusão ao início da Sonata op 81ª,
46
A opção por agrupar três estudos levanta a hipótese de um simbolismo
numerológico, haja vista a relevância do número três na teologia cristã, representando
principalmente a Santíssima Trindade. Um arco macro-formal conduz do equilíbrio
instável da primeira peça, a intrigante Profecia n. 1, da intensa instabilidade da segunda,
a enérgica Profecia n. 2 (a mais dissonante do grupo), a uma resolução da sonoridade
global do tríptico na terceira peça, a transparente e contemplativa Profecia n. 3.
Os Nove Louvores Sonoros (1988) foram concebidos após uma experiência
pessoal em uma comunidade carismática católica (GANDELMAN, 1997, pp. 247-250).
A inspiração vem de trechos bíblicos (livros dos Salmos, Oseias e Lucas), orações
católicas (“Ladainha do coração casto e humilde de Jesus” e “Ladainha do Sagrado
Coração de Jesus”) e palavras atribuídas a Nossa Senhora em suas aparições.
E depois, eu compus (...) Nove Louvores Sonoros (...) que é uma lembrança
de tudo aquilo que eu passei - uma espécie de psicanálise musicada sobre tudo
o que passei toda essa experiência mística. (Almeida Prado, apud
VASCONCELOS, 2007)
Um outro significativo conjunto de obras é o decorrente de sua estadia em Israel,
por ocasião de seu trabalho como professor visitante na Academia Rubin em Jerusalém
(1989-1990). Nessa época, tivera “uma forte experiência do Cristo, de Jesus e dos
apóstolos, do começo da Igreja, do judaísmo – judaísmo e cristianismo são uma coisa só”
(Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, p. 66).
Esse período em Jerusalém foi um momento místico muito importante para
mim em que eu redescobri o Evangelho nos lugares por onde Jesus andou. Por
circunstâncias históricas, os lugares estão intactos, então você vê um pastor
no campo em Jerusalém que tem a mesma roupa que usava o pastor do tempo
de Jesus. Sentido isso tudo, eu anotava os temas e fiz um trabalho bem
oriental, bem Médio Oriente, nada brasileiro. Eu gosto muito dessa fase de
Jerusalém. (ALMEIDA PRADO, 1999)
Almeida Prado sentiu, “sobretudo, que estava no cerne, no oco, no centro de uma
experiência bíblica única. Depois disso sou outro” (Almeida Prado, apud MOREIRA,
2002, p. 66). Sente-se impelido a musicar narrativas de suas caminhadas em lugares
sagrados da Terra Santa (CORVISIER, 2000, p. 18). Nascem desta experiência as obras
Três Mosaicos Sonoros (1989), Três Croquis de Israel (1989), Quinze Flashes de
Jerusalém (1989)84 e a Balada No. 2, “Shirá Israel” (1990).
“Les Adieux” (1809-1810), de Beethoven. Por sua vez, HARTMANN (2013) encontra ecos dos
movimentos finais das Sonatas op 109 (1820) e op 111 (1822) do compositor de Bonn no movimento final
da Sonata No. 10, “Das Rosas” (1996), do compositor santista. 84 Em 1991, Almeida Prado orquestrou os Quinze Flashes de Jerusalem.
47
Considerações gerais
Há uma longa tradição de música religiosa para piano, que tivera previamente seus
principais expoentes em Liszt e Messiaen. No Brasil, Almeida Prado certamente figura
como um compositor representativo desta tendência. Continuando uma tradição, mas ao
mesmo tempo utilizando sua linguagem composicional própria, Almeida Prado deixa um
significativo legado de obras pianísticas com referências católicas.
Verifica-se, em uma análise superficial, que uma parcela considerável deste
repertório realiza frequentes referências à religião seja através de elementos para-
musicais - cujas principais fontes seriam textos bíblicos e teológicos, orações, contextos,
personagens, lugares, fatos e acontecimentos associados à religião -, ou elementos
oriundos da música sacra. Neste último caso, são abundantes os artifícios de
intertextualidade. Alguns exemplos, no âmbito da escrita instrumental, incluiriam
arcaísmos como escritas em recitativos e coral (com suas devidas implicações rítmicas e
texturais) ou até mesmo citação, paródia ou alusão ao repertório sacro.
O capítulo seguinte explorará esta religiosidade na música para piano de Almeida
Prado, buscando definir e delimitar o que faz esta música soar como tal. Serão
considerados: a motivação do compositor, seus procedimentos e métodos e seus vínculos
para-musicais. Como exemplos, três obras curtas serão abordadas: Ad Laudes Matutinas
(1972), Poesilúdio n. 11 “Noites de Solesmes” (1985) e Toccata da Alegria (1996).
48
CAPÍTULO 3: REFERÊNCIAS À ORALIDADE CRISTÃ NA MÚSICA PARA
PIANO DE ALMEIDA PRADO
(...) procuro a religiosidade não só nos temas sacros, mas em todas as
manifestações humanas. Ao compor, quero transmitir o que há de mágico e
sagrado nas coisas que nos cercam. Quero descrever o medo, a alegria, o
êxtase, o pânico, o silêncio. Quero dar à religião um sentido de vida universal e atual. (Almeida Prado, apud MARIZ, 2005, p. 396)
Almeida Prado, mesmo sendo considerado “tão pictórico” (Almeida Prado, apud
BARANCOSKI, 2000, p. 199), não deixou de abordar formas tradicionais, porém
investindo-as de sua inventividade própria. A forma de tema com variações assume neste
compositor, muitas vezes, uma ideia de movimento, transitoriedade e/ou transformação.
Em sua música para piano, um dos exemplos mais contundentes seria a quinta
composição, “Via Sacra”, do ciclo Flashes de Jerusalem (1989) – nada mais emblemático
deste conceito, para os cristãos, que este marcante episódio na Paixão de Jesus Cristo.
Outros exemplos incluem a Profecia n. 3 (1988), baseada em Isaias 35, 8 (“E haverá uma
Vereda Pura, que se chamará o Caminho Santo”) e o Louvor Sonoro n. 8, “Coração de
Jesus, esperança dos que morrem em vós” (1988).85
O ciclo dos Momentos teve sua incepção oriunda de experiências religiosas do
compositor. Talvez por esta razão, intuitivamente esta inspiração tenha sido refletida no
desenho formal de 24 dentre as 55 peças do ciclo, que sugerem fortemente efeitos
responsoriais ou antifonais. Esta articulação formal específica segue
um princípio ao qual demos o nome de sintagma, numa interpretação
metafórica do conceito desenvolvido por Ferdinand de Saussure no campo da
linguística. Segundo ele, um sintagma é um ‘conjugado binário em que um
elemento determinante cria um elo de subordinação com um outro elemento,
que é determinado’. Recuperamos desta definição a ideia de uma estrutura
musical baseada num conjugado sequencial de dois elementos, sendo que um
deles é determinado pelo outro, que é determinante. Eventualmente (mas não
sistematicamente), uma relação subjacente pode transparecer em termos de
elementos principal (o determinante) e secundário (o determinado). (GUIGUE
& PINHEIRO, 2002, p. 78)
A alusão a práticas vocais sacras é frequente em repertórios instrumentais que
referenciam a religiosidade, pois “na história da música, duas grandes organizações
texturais - a monofônica e a coral – estabeleceram fortes elos com a prática religiosa”
(GANDELMAN & COHEN, 2006). Almeida Prado produziu, para piano, várias
pequenas peças com texturas corais, como os Corais para o Ano Litúrgico (1984-1999)
e alguns exercícios da Cartilha Rítmica (II. 28, II.29, II.30, II.31, II.32, II.33, II.34, II.35,
IV.9, IV.10). Neste capítulo, será examinada a apropriação de elementos do canto
monódico cristão em sua música para piano, como exemplificado em suas peças Ad
85 Outra obra composta como um ciclo de tema e variações, sua peça pianística Ta’aroa (1971) – termo que
designa uma deusa com dois rostos da Polinésia – foi inspirada em um mito cosmogônico taitiano
(GANDELMAN, 1997, p. 223).
49
laudes matutinas (1972), Poesilúdio n. 11 - Noites de Solesmes (1985) e Toccata da
Alegria (1996).
Ad laudes matutinas (1972)
A peça Ad laudes matutinas (1972), concebida enquanto Almeida Prado ainda
residia em Paris, foi sua primeira obra pianística com referências explicitamente católicas.
O seu título, em língua latina, significa a primeira oração do dia, de acordo com a liturgia
monástica beneditina.86 Originalmente publicada pela Goering Verlag, foi posteriormente
incluída na coletânea Cartilha Rítmica como um estudo para “figuras e acentos diversos
com ressonâncias”.
Estruturada em cinco sessões correlatas, esta peça se utiliza do conceito de obra
aberta (mais precisamente forma modular programada) ao permitir ao intérprete três
formas de ordenação das mesmas (I: A-B-C-D-E; II: A-C-B-D-A-C-E; III: A-E-B-A-D-
A-D-E). A aproximação ao universo religioso sugere a prática gregoriana da
Centonização na concepção formal de uma obra cujo desenho seja oriundo de artifícios
combinatórios.87
A oralidade recitante de uma entonação é expressa através de “repetição de notas
e métrica livre” (GANDELMAN, 1997, p. 225). Não há indicação de fórmula de
compasso, o que compele o executante a eleger a menor figura (fusa) para orientar as
proporções entre as diversas durações.88 Em textura predominantemente monódica ou
86 “Os ofícios, ou horas canônicas, codificados pela primeira vez nos capítulos 8 a 19 da Regra de S. Bento
(c. 520), celebram-se todos os dias, a horas determinadas. Sempre pela mesma ordem, embora a sua
recitação pública só seja geralmente observada nos mosteiros e em certas igrejas e catedrais: matinas (antes
do nascer do Sol), laudas (ao alvorecer), prima, terça, sexta, nonas (respectivamente pelas 6 da manhã, 9
da manhã, meio-dia e 3 da tarde), vésperas (ao pôr do Sol) e completas (normalmente logo a seguir às
vésperas). O ofício, celebrado pelo clero secular e pelos membros das ordens religiosas, compõe-se de
orações, salmos, cânticos, antífonas, responsos, hinos e leituras. A música para os ofícios está compilada
num livro litúrgico chamado Antiphonale, ou Antifonário. Os principais momentos musicais dos ofícios
são o canto dos salmos, com as respectivas antífonas, o canto dos hinos e dos cânticos e a entoação das
lições (passagens das Escrituras), com os respectivos responsórios. Do ponto de vista musical, os ofícios
mais importantes são as matinas, as laudas e as vésperas. As matinas incluem alguns dos mais antigos
cantos da Igreja. As vésperas compreendem o cântico Magnificat anima mea Dominum (“A minha alma
glorifica o Senhor”, Lucas 1, 46-55); e, na medida em que este ofício era o único que desde os tempos mais
remotos admitia o canto polifónico, adquire especial importância para a história da música sacra (...).
Aspecto característico das completas é o canto das quatro antífonas da Santa Virgem Maria, as chamadas
antífonas marianas, uma para cada uma das divisões principais do ano litúrgico: Alma Redemptoris Mater
(“Doce Mãe do Redentor”), desde o Advento até ao dia 1 de Fevereiro; Ave, Regina caelorum (“Salve,
rainha dos céus”), de 2 de Fevereiro à quarta-feira da Semana Santa; Regina caeli laetare (“Alegrai-vos,
rainha dos céus”), da Páscoa até ao domingo da Trindade, e Salve, Regina (“Salve, rainha”), da Trindade
até ao Advento (...)” (GROUT & PALISCA, 1997, pp. 51-52). 87 Centonização (da língua latina cento, “retalho”) é uma técnica composicional baseando-se em fórmulas
e padrões pré-existentes. Este conceito foi primeiramente aplicado à análise do Canto Gregoriano por Dom
Paolo Ferretti, em 1934, baseando-se em ideias oriundas de Teoria Literária. 88 “todos os exercícios da Cartilha estão escritos em notação ortocrônica e (...) apenas quatro ítens - figuras,
acentos diversos com ressonâncias (Ad Laudes Matutinas), quiálteras simultâneas, diminuições e
aumentações de figuras em torno de uma nota pivô e espacialização intervalar e rítmica – não apresentam
fórmulas de compasso explícitas” (GANDELMAN & COHEN, 2005, p. 1494).
50
diafônica no decorrer da peça, as seções A e B (assim delimitadas pelo próprio
compositor) utilizam intervalos de segunda, o que reforça uma metáfora da entonação (ou
recitação) em contexto religioso, utilizando um âmbito registrural limitado, propício à
prática vocal.
seção A
Em paralelo às referências a sua oralidade, o universo católico é lembrado em dois
elementos: pássaros e sinos. Ambos elementos encontram precedentes históricos em
músicas associadas a religiosidade. A citação da ave brasileira araponga,89 nas seções D
e E, lembra a proximidade estética de Almeida Prado ao seu professor Messiaen.
Meu pai era corretor de café e colecionador amador de pássaros. Nas horas
vagas ele caçava passarinhos nas matas da Praia Grande e Itanhaém, e
guardava-os em gaiolas ou em grandes viveiros. Havia vários tipos de sabiás,
tico-tico, cardeal em nossa casa. Eu nasci ouvindo os pássaros, ou seja, tive
uma infância ornitológica tal e qual Messiaen – não absorvi esta influência, já
nasci com ela – mas ouvi os pássaros tropicais e, nesse sentido, diferente de Messiaen. (Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, p. 54)
89 “O Acorde Araponga de Almeida Prado pode ser considerado uma versão ‘nacional’ do Acorde Prometeu
de Scriabin. Sem as pretensões místicas do seu paralelo russo, o Acorde Araponga é definido por Corvisier
como ‘um acorde composto no qual os intervalos são organizados em qualquer combinação de tensões.
Percebe-se que neste acorde a distribuição dos intervalos criam áreas específicas de consonância e
dissonância. As notas Sol#, Dó# e Fá# constituem uma área de consonância na parte grave do acorde, ao
passo que as notas Sol e Fá# constituem uma área dissonante no centro do acorde. Na região aguda outro
intervalo consonante aparece formando uma terça menor [intervalo de classe 3]’ (CORVISIER, 2000, p.
74, tradução nossa) A rigor, trata-se do pentacorde 5-5 (1,6,7,8,9) (...) Contudo, por analogia ao tratamento
dado por Scriabin ao hexacorde 6-34 (Acorde Prometeu), podemos compreender o Acorde Araponga como
uma sonoridade, que se complementa com o heptacorde 7-5 e pode ser transposta ou invertida, sem prejuízo
do seu conteúdo intervalar. Não obstante, é preciso contextualizar cada posição deste conjunto de forma a
não dissociá-lo da proposta inicial ao ponto da total descaracterização de registro, timbre e textura. Deve
sempre se ater à proposta de uma onomatopeia do timbre estridente da Araponga.” (HARTMANN, 2013,
pp. 178-9).
51
“araponga” na seção D
“araponga” na seção E
A presença de “massas densas de clusters (...) com o intuito de filtrá-los, de extrair
da massa sonora um ‘acorde perfeito’” (GUBERNIKOFF, 1999) remete a badaladas de
sinos. Além desses sons, em todas as seções há emprego de ressonâncias liberadas através
de harmônicos naturais executados com toque silencioso das teclas.90 Tal efeito causa a
“criação de atmosfera mística evocativa do efeito de reverberação produzido pelo coro de
monges, no espaço acústico da igreja” (GANDELMAN, 1997, p. 225).
90 Para mais informações sobre esta técnica de execução, vide ANTUNES, 2004, pp. 61-63.
52
seção B
Nesta obra, a questão temporal é ambígua e indeterminada, seja no âmbito formal
(pelas várias possibilidades de combinação das seções), seja métrico (pela não-indicação
de fórmula de compasso), seja harmônico (pelo estaticismo ocasionado pelos limitados
âmbitos de notas empregadas). À época de sua composição, Almeida Prado, ainda
estudante, parece ter fruído das experiências criativas de alguns de seus colegas de
Darmstadt, como a 3e Sonate (1955-1957) de Pierre Boulez (1925-2016) e a Klavierstück
XI (1956) de Karlheinz Stockhausen (1928-2007).91 A escrita de Ad laudes matutinas
remete ao conceito de Momentform e, como tal,92
91 Para mais informações sobre a Klavierstück XI de Stockhausen, vide CARDASSI (2004), LIMA (1998),
entre outros. 92 “Todo momento presente importa, assim como nenhum momento; um dado momento não é meramente
considerado como consequência do prévio e como prelúdio para o seguinte, mas como algo individual,
independente e centrado nele mesmo, capaz de existir por si só. Um instante não precisa ser apenas uma
partícula de duração mensurada. Esta concentração no momento presente – em cada momento presente –
pode fazer um corte vertical, como se fosse, através da percepção temporal horizontal, estendendo para uma
não-temporalidade que chamo de eternidade. Não é uma eternidade que começa no fim do tempo, mas uma
53
Assim como a música tonal é uma ótima expressão musical da linearidade
temporal, peças de massas sonoras, por outro lado, representam fortemente
alguns tipos de não-linearidade. (...) alguns determinantes de baixos graus de
associações contextuais, ao definir a formação de massas sonoras, também
produzem as condições necessárias para o surgimento de uma temporalidade
que, de acordo com alguns autores, evoca o espaço musical e a estase. (MOURA, 2007, p. 80)
Ad laudes matutinas une o passado, em sua escrita remetente à recitação medieval,
e o presente, em sua concepção de obra aberta, para a expressão de uma paisagem sonora
estática, atemporal e contemplativa, como seria esperado do interior de um mosteiro nas
primeiras horas da manhã.
Poesilúdio n. 11: Noites de Solesmes (1985)
O ciclo dos 16 Poesilúdios (1983-1985) consiste em pequenas peças inspiradas
em obras de arte visual. Cada uma delas é dedicada ao criador da respectiva obra. As
peças 6-16, portadoras da palavra noites em seus subtítulos, buscam ainda retratar
musicalmente cada artista.
‘Poesilúdio’ é a metamorfose de um prelúdio. Uma poesia utilizada como base
para um prelúdio, sem que o texto seja interpretado pela voz humana. Em seu
lugar está o instrumento, um pouco como nas ‘Canções sem Palavras’ de
Mendelssohn. (Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, p. 12)
A Quarta Fase, a Pós-Moderna (...) começou com os Poesilúdios e vai até
agora [2001], nesse instante. É uma fase de saturação de todos os mecanismos:
astrológico, ecológico, afro, etc. Após a sexta Carta Celeste, composta em
1982, (...) resolvi fazer colagens, claramente visíveis nos Poesilúdios, uma
total ausência de querer ser coerente, um assumir o incoerente (Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, p. 48)
“Noites” (...) Seriam mistérios (...) e substituindo a palavra mistérios, noites.
Porque existem as “Noches de los jardines de España” do Manuel de Falla,
que são situações de fontes, de jardins não muito nítidos, mas oníricos. As
noites na Espanha têm um sentido muito místico por causa de São João da
Cruz – a noite da alma, na qual você tenta imaginar Deus no escuro da noite,
mas não consegue vê-lo. Tudo isso formou um amálgama e eu continuei os
“poesilúdios” com “Noites”. (Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, pp. 68-
69)
eternidade que está presente em cada momento. Estou falando sobre formas musicais em que aparentemente
nada é menos sub-empregado que a explosão – sim – até mais – que a superação do conceito de duração”
(Stockhausen, apud KRAMER, 1978, p. 179). Não é o foco desta pesquisa discorrer sobre o conceito de
Momentform, sistematizado por Stockhausen em um artigo publicado em Texte zur elektronischen und
instrumentalen Musik (1960). Para discussões sobre questões de temporalidade na Momentform, vide
KRAMER (1978).
54
Neste ciclo, a peça n. 11, “Noites de Solesmes” (1985), foi inspirada pelo óleo
sobre tela São Bento (1985), de autoria de Geraldo Porto, ex-monge beneditino e
posteriormente professor no Instituto de Artes da UNICAMP.93 Solesmes, uma localidade
ao norte da França, é notória por sua abadia beneditina que abriga a Congregação de
Solesmes, responsável pela preservação e divulgação do canto gregoriano desde o início
do século XIX.
Geraldo Porto: “São Bento”
(...) o Poesilúdio n. 11 tem duas texturas: os sinos e o canto gregoriano. Essa
melodia gregoriana é autêntica, é uma salmodia. (...) Perceba que a
ressonância vem escrita [c. 8-9 e 16, na voz inferior]. Na última linha [c. 22-
26], deixe o pedal. (Almeida Prado, apud MOREIRA, 2002, p. 83)
Almeida Prado alude aos sinos de Solesmes ao utilizar sextas menores
sobrepostas, ou o acorde gama, definido como “ressonância imitativa do sino, pela
predominância da sexta menor” (ALMEIDA PRADO, 1985).94 Marcadas inicialmente
com a expressão jubiloso, as badaladas de sinos ocorrem quatro vezes no decorrer da peça
(cc. 1-5, 10-14, 16-20, 22-26), sempre finalizando com ressonâncias das notas tocadas
convencionalmente ao teclado. A métrica irregular da primeira apresentação, 7/8, passa a
5/8, 2/4 e finaliza em 4/4. Na última apresentação, não apenas temos uma rítmica mais
estável mas também o patamar de dinâmica mais suave, indo de p a ppp. Esta estruturação
sugere que, da agitação e energia dos primeiros toques de sinos, progressivamente este
chamado vai se calando e se perdendo, dando a sensação de não finalização à peça.
93 <http://lattes.cnpq.br/1481846689863370> 94 Tendo sido esta pequena peça composta aproximadamente ao mesmo tempo que a sua Missa de São
Nicolau (1986), seria pertinente constatar a atração que a sonoridade e a significação destes instrumentos
exerceram em Almeida Prado. “Sinos suspensos, apesar de aparecerem esporadicamente como solistas, são
o fio condutor dramático da obra [Missa de São Nicolau]. Eles ‘anunciam’ os temas, colaboram na
construção dos pontos culminantes, tocam as notas fundamentais das seções, expõem material intervalar e
escalares de algumas seções. (...) Almeida Prado explora os dois sentidos de sinos: o físico, por suas
qualidades timbrísticas e pela forma de ataque, e a dramático, pelas conotações já consolidadas.”
(GUBERNIKOFF, 1999).
55
cc. 1-5
cc. 10-14
cc. 16-20
cc. 22-26
Após cada apresentação dos trechos jubilosos, seguem trechos marcados como
interiorizado (cc. 6-7, 15) e tempo livre (cc. 8-9, 16, 21). A primeira categoria desses
trechos contrasta registruralmente e em dinâmica com as badaladas de sinos ao explorar
56
registros no grave do instrumento e patamar dinâmico pp e p. No desenrolar da peça, do
mesmo modo como as seções jubiloso paulatinamente perdem sua pujança devido à
estabilização métrica, os trechos interiorizado ganham terreno, progredindo da métrica
5/4 para 7/4. Os trechos interiorizado também exploram a sobreposição teclas brancas
versus teclas pretas, respectivamente nas mãos direita e esquerda, criando uma sonoridade
específica, difusa, e que servirá de ponte e preparação para as seções de tempo livre.
cc. 6-7
c. 15
cc. 8-9
57
c. 16
c. 21
Associado ao canto monofônico, ‘tempo livre’ remete ao gregoriano e (...) ao
recitativo - “estilo de colocação de texto que imita e enfatiza as inflexões
naturais, o ritmo e a sintaxe da fala” (Greenspan, 1986: 683). Tempo livre e
recitativo, estão, pois, intimamente relacionados, cabendo ao solista revelar a eloqüência e a expressividade subjacentes ao texto musical. (...)
Nos (...) segmentos em ‘tempo livre’, não há indicação de fórmula de
compasso e, portanto, o compositor deixa o intérprete livre para decidir se
aplicará alguma modulação métrica intencional na passagem entre as texturas,
isto é, se imprimirá, na performance, alguma relação entre a semínima no
tempo medido e a semínima no tempo livre. Além de ser uma questão de
gosto, a escolha do andamento deve respeitar o estilo da peça e as convenções
de cada período histórico, que podem ser expressas nas relações entre a
fórmula de compasso e as figuras rítmicas. Ora, na ausência da fórmula de
compasso, as semicolcheias sugerem que os segmentos monofônicos sejam
movidos, mas não necessariamente dependentes de uma proporção previamente estabelecida com a semicolcheia do segmento anterior.
Para expressar o “tempo livre”, o compositor escreve com valores rítmicos
tradicionais, claros para a leitura do intérprete, que, a partir do menor valor de
referência do segmento (semicolcheia) estabelece, em um primeiro momento,
as proporções entre as durações. Ao se familiarizar com os grupos rítmicos,
delineados pelo barramento e pelo contorno melódico, ele percebe que
velocidades muito lentas da figura mínima de referência levam a uma
performance ‘soletrada’ e monótona, enquanto as rápidas perturbam a clareza
da elocução dos grupamentos. O intérprete pode descobrir possibilidades de
performance do ‘tempo livre’ imprimindo relações temporais mais ‘frouxas’ -
a ‘negligência estudada’ de Peri -, entre as figuras longas e curtas de cada
grupo e dos grupos entre si. Tal frouxidão pode ser entendida como rubato, se
compreendermos o termo como alteração rítmica dos valores por alongamento
58
ou encurtamento de suas durações (Donington, 1980 (16): 292). O intérprete
pode ainda, a partir de diversos critérios, re-interpretar os grupamentos
sugeridos pelo compositor, promovendo diferenças em relação ao texto
escrito, o que é pertinente quando se busca uma elocução expressiva para o recitativo. (GANDELMAN & COHEN, 2006)
A melodia gregoriana citada por Almeida Prado é a salmodia medieval Dixit
Dominus (Salmo 110). Em modo mixolídio, neste Poesilúdio é oportunamente
apresentada num registro pianístico compatível com vozes masculinas e em textura
monódica, como seria possivelmente executada em contextos litúrgicos. Cantada nas
Vésperas de Domingo, as palavras do Dixit Dominus têm tido importância teológica e
musical ao longo do tempo, tendo sido musicada por diversos compositores.95
Dixit Dominus Domino meo:
Sede a dextris meis, donec ponam inimicos tuos
scabellum pedum tuorum.
Virgam virtutis tuae emittet Dominus ex Sion:
dominare in medio inimicorum tuorum.
Tecum principium in die virtutis tuae in splendoribus sanctorum:
ex utero, ante luciferum, genui te.
Juravit Dominus et non poenitebit eum:
Tu es sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchisedech.
Dominus a dextris tuis; confregit in die irae suae reges.
Judicabit in nationibus, implebit ruinas;
conquassabit capita in terra multorum.
De torrente in via bibet; propterea exaltabit caput.96
Este Poesilúdio alterna trechos marcados jubiloso e interiorizado-tempo livre
numa dinâmica formal de sintagma, como frequentemente encontrado no ciclo dos
Momentos (GUIGUE & PINHEIRO, 2002). São explorados contrastes de registros,
textura, dinâmica e caráter. Estes extremos musicais proporcionam entendimento formal
e percepção temporal peculiares e de certa forma não-tradicionais.
Neste panorama, os Poesilúdios nº 11 Noites de Solesmes (...) tornam-se
interessantes objetos de estudo para averiguação de como o compositor
Almeida Prado trabalhou a questão da Linearidade e não Linearidade,
particularmente nas articulações cadenciais destas peças (se é que elas estão
presentes). Essas peças utilizam recursos como interrupção do discurso,
interpolação/superposição de elementos, utilização sistemática do silêncio e
da ressonância e mudanças abruptas e radicais de textura/dinâmica que
95 Como Monteverdi, Victoria, Alessandro Scarlatti, Vivaldi, Pergolesi e Mozart, entre outros. 96 Disse o SENHOR ao meu Senhor:
Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.
O SENHOR enviará o cetro da tua fortaleza desde Sião, dizendo: Domina no meio dos teus inimigos.
O teu povo será mui voluntário no dia do teu poder; nos ornamentos de santidade, desde a madre da alva,
tu tens o orvalho da tua mocidade.
Jurou o SENHOR, e não se arrependerá: tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque.
O Senhor, à tua direita, ferirá os reis no dia da sua ira.
Julgará entre os gentios; tudo encherá de corpos mortos; ferirá os cabeças de muitos países.
Beberá do ribeiro no caminho, por isso exaltará a cabeça.
59
contribuem para o estabelecimento de continua lineares e não-lineares do
tempo. (...) as sensações subjetivas de estatismo, de não-progressão do tempo
e de não-linearidade podem ser encontradas refletidas nas palavras do próprio
autor sobre sua obra. (HARTMANN, 2010, p. 327)
Toccata da Alegria (1996)
O gênero tocata é associado à igreja desde as suas origens durante a Renascença.
Inicialmente constituída de improvisações realizadas pelo organista antes de um serviço
religioso, ao modo de prelúdio, evoluiu para uma forma livre, multiseccional, podendo se
estender por vários minutos.97 Este gênero tem recebido releituras desde o século XIX
como peças geralmente curtas, virtuosísticas e com uma figuração contínua e motórica.98
Se no princípio da missa não há nenhuma procissão, o prelúdio de órgão serve
para sonorizar o ambiente em um sentido determinado. Se passa de um espaço
neutro a um espaço qualificado. A atenção dos fiéis que entram na igreja é
solicitada e orientada: a música é festividade, comunitarismo, solenidade: se
prepara para a celebração. E está terá seu clima. Um Stimmung próprio,
variável segundo o tempo litúrgico e a categoria da solenidade: a música
introduz neste clima, dá o tom da celebração correta. (STEFANI, 1967, p. 122)
No prefácio da Toccata da Alegria (1996), Almeida Prado indica que esta peça
alude ao caráter de algumas das sonatas de Domenico Scarlatti. O compositor santista
fizera referência a este cravista italiano previamente, em seu Momento 33 (1980), cuja
indicação é “Alegre, um pouco como Scarlatti”.99 Tanto no Momento 33 como na
Toccata da Alegria há um resgate de maneirismos característicos da escrita para teclado
da época em questão.
A indicação no início da partitura, “com muita alegria”, traduz a própria epígrafe
da peça, um versículo do Evangelho de São João: “Que a minha alegria esteja em vós, e
a vossa alegria seja completa.” (João 15, 11). Esta alegria é traduzida pela figuração
97 O prelúdio e a tocata podem ser compreendidos como formas intimamente relacionadas. “O prelúdio foi
originalmente uma improvisação curta executada ao órgão para indicar para o padre ou coro entonante a
nota e ‘tom’ ou modo (...) da música a ser cantada. Peças similares foram posteriormente escritas para o
benefício daqueles que estivessem aprendendo a improvisá-las, ou que não fossem capazes de assim fazer;
e são estas curtas obras que provêm os primeiros exemplos conhecidos de música para teclado que não são
nem uma dança nem dependente de algum modelo vocal. (...) Tais prelúdios podem incluir um ou dois
floreios brilhantes, e que levam por extensão à tocata, mais longa (do italiano toccare, tocar, que em
primeiro lugar era uma obra para teclado em várias seções contrastantes designadas para exibir as variadas
capacidades de um executante e de seu instrumento.” (FERGUSON, 1975, p. 20). 98 Alguns brasileiros a produzirem tocatas para piano: Brasílio Itiberê (1937), Mozart Camargo Guarnieri
(1935), Radamés Gnattali (1944), Claudio Santoro (1954), Bruno Kiefer (1957), Ernst Mahle (1956), Heitor
Alimonda (1945), Ronaldo Miranda (1982), Lindembergue Cardoso (1972), Flávio de Queiroz (1996),
entre outros. Almeida Prado compôs pelo menos quatro obras com este título: a Toccata (1964), a Toccata
da Alegria (1996) e a Toccata da Epifania (2002) - discutidas no presente trabalho, a Toccata dos bem-te-
vis (2001), além do Moto Perpétuo (1998) - peça renomeada como Estudo No. 12. 99 Para mais detalhes, vide GOMES FILHO, 2010, pp. 215-220.
60
motórica e constante, em métrica composta (9/8). Quebrando este padrão ocasionalmente,
gestos escalares reinjetam energia à peça.
Em seguida, são realizados interessantes efeitos de ecos, reverberando a mesma
harmonia e figuração que foram primeiramente apresentados em dinâmica f, mas em
dinâmica p. O compositor indica que o pedal deve ser mantido, fazendo com que o
intérprete aproveite as ressonâncias naturais do instrumento e da sala.
61
Ao longo das páginas 2 a 4, ocorre um crescendo métrico, em que a métrica inicial
de 9/8 é progressivamente expandida, 12/8, 15/8, 18/8, 21/8, 24/8, sendo estas mudanças
intercaladas por gestos escalares. O último deste gesto escalar, nas páginas 4-5, é
expandido de tal forma a “desembocar” na seção central (B). Este crescendo métrico
provoca uma sensação de um progressivo êxtase, ou a Alegria referida no título da peça.
A seção central da peça (B) faz uso do ritmo prosódico do primeiro verso do
cantochão Hymne: Auctor beate seaculi. Este hino de autor desconhecido, em modo
mixolídio, foi composto por volta do século XVIII em estilo reminiscente dos hinos de
Santo Ambrósio. Em honra ao Sagrado Coração de Jesus, é cantado nas Vésperas da Festa
do Sagrado Coração de Jesus, na primeira sexta-feira após a Festa de Corpus Christi.
62
1. Auctor beate saeculi,
Christe Redemptor omnium,
Lumen Patris de lumine,
Deusque verus de Deo.
2. Amor coegit te tuus
Mortale corpus sumere,
Ut novus Adam redderes
Quod vetus ill(e) abstulerat.
3. Ill(e) amor almus artifex
Terrae, marisqu(e) et siderum,
Errata patrum miserans,
Et nostra rumpens vincula.
4. Non corde discedat tuo
Vis ill(a) amoris inclyti:
Hoc fonte gentes hauriant
Remissionis gratiam.
5. Percuss(um) ad hoc est lancea,
Passumqu(e) ad hoc est vulnera,
Ut nos lavaret sordibus
Unda fluent(e) et sanguine.
6. Iesu tibi sit gloria,
Qui Corde fundis gratiam,
63
Cum Patr(e) et almo Spiritu
In sempiterna saecula. Amen.100
O cantochão é apresentado na mão esquerda e harmonizado na mão direita, em
pp, devidamente ambientado em uma textura “impressionista”. O efeito sonoro das
sobreposições de intervalos de 8ª justa e 4ª justa ou 5ª justa (e ocasionalmente trítonos)
lembra a prática medieval do organum paralelo. Segundo o compositor, no prefácio da
obra, esta “aura de ressonâncias modais” remete a um “clima de cores suaves dos vitrais
de uma catedral medieval”.
A recapitulação (A1) segue, a partir da página 10, o mesmo padrão de crescendo
métrico visto na exposição, com a métrica de 9/8 sendo gradualmente expandida para
12/8, 15/8 e 18/8, intercaladas por gestos escalares. O caráter vivo e alegre, que permeia
toda a peça, é finalmente confirmado harmonicamente na coda, ao chegar em Mi Maior,
tonalidade associada, desde Le Rosaire de Medjugorje, à Alegria. A tocata conclui, nas
palavras do compositor, em “luminosa sonoridade, júbilo e esperança em Cristo Jesus”.
100 1. Ó Cristo, autor deste mundo,
que redimis terra e céus,
da luz do Pai sois a luz,
Deus verdadeiro de Deus.
2. O amor vos fez assumir
o nosso corpo mortal,
e, novo Adão, reparastes
do velho a culpa fatal.
3. O vosso amor, que criou
a terra, o mar e o céu,
do antigo mal condoído,
nossas cadeias rompeu.
4. Ninguém se afaste do amor
do vosso bom Coração.
Buscai, nações, nesta fonte
as graças da remissão.
5. Aberto foi pela lança
e, na paixão transpassado,
deixou jorrar água e sangue,
lavando nosso pecado.
6. Glória a Jesus, que derrama
graça do seu coração,
um com o Pai e o Espírito,
nos tempos sem sucessão. Amém.
64
A referência a uma forma neobarroca não ofusca o fato de Toccata da Alegria ser
desenvolvida em uma linguagem composicional contemporânea, tonal livre. O emprego
desta linguagem harmônica causa uma quebra da linearidade temporal nesta peça, por
frustrar expectativas inerentes ao tonalismo tradicional.
Eu seria um [compositor de linguagem] tonal livre e que eu chamo de
harmonia peregrina, que é uma harmonia em que eu estando, por exemplo, em
Dó Maior, para Sol # Maior, para Si Maior, para fá menor, para Ré Maior,
para mi menor, para Sol b e Dó. Quer dizer, eu não penso em dominante,
tônica clichê, posso fazer dominante abaixada em Sol b ir para Dó Maior.
Então eu chamo de harmonia peregrina, que ela vai andando, mas ela começa
e termina em Dó, ou qualquer outro tom. O tonal livre não obedece nem
mesmo esse sentido do peregrino, ele pode começar como um cluster e
terminar em Mi Maior. Ele é bem livre mesmo. (Almeida Prado, apud
COSTA, 1998, p. 195)
Dependente de elevados graus de associações contextuais para emergir, a
tonalidade produz uma música que pode exibir todos os fatores característicos
da linearidade (...): movimento direcionado a objetivos (funções de tônica,
cadências, clímax, pontos culminantes melódicos, diferentes áreas tonais por
meio de modulações); escuta cumulativa (eventos previamente caracterizados,
como motivos e temas, relacionados a outros posteriores); um sistema
hierárquico de periodicidades igualmente divididas (métrica, ritmo divisivo);
eventos e processos convencionados para servir de começos (tônica,
encadeamentos específicos de acordes), prosseguimentos (condução das
vozes, progressões harmônicas envolvendo funções de dominante, cadências
intermediárias) e conclusões (função de tônica, cadências conclusivas); etc.
Verifica-se, todavia, que mesmo alguns dos materiais mais representativos da
tonalidade podem ser arranjados de modo a resultar uma música
predominantemente não-linear. Alegamos que isso seja devido à grande
65
susceptibilidade da substância musical à manipulação temporal por meio de
associações contextuais controladas. (MOURA, 2007, p. 77)
Considerações gerais
Abundam no repertório pianístico obras com clara alusão a práticas vocais, tal
como as Canções sem palavras de Mendelssohn (1809-1847) e os Noturnos de Chopin
(1810-1949), entre numerosos exemplos. Liszt (1811-1886) transcreveu numerosas
obras, incluindo música sacra, como trechos do Requiem (K 626) de Mozart (1756-1791)
e a Ave Maria (D 839) de Schubert (1797-1828).101 Porém, cabe destacar aqui a
peculiaridade estético-religiosa das três pequenas peças de Almeida Prado selecionadas
neste trabalho presente, por fazerem referência à prática musical monódica cristã,
considerada por vezes como a única música litúrgica que “possui de uma só vez a pureza,
a alegria e a leveza necessárias para o voo da alma em direção à Verdade” (Olivier
Messiaen, apud GODWIN, 1995, p. 53).
Almeida Prado recorre, nestas três peças, a alusões timbrísticas do universo
católico.102 O compositor emula sons de sinos nas duas primeiras peças e ecos no interior
de uma igreja em todas elas. Sobre este último efeito, é relevante considerar a importância
do emprego consciente de ressonâncias no pianismo de Almeida Prado, tendo sido
sistematizado pelo compositor como um aspecto timbrístico de seu Transtonalismo,
especificamente no Sistema Organizado de Ressonâncias.103
Na prática do cantochão, a dimensão acústica foi pensada de forma a cuidar
para que o texto entoado soasse sempre nítido e acusticamente limpo. Como
uma igreja românica não tem a acústica de um anfiteatro grego, pode-se pensar
que, para evitar que as sílabas se superpusessem em razão das reverberações
e reflexos acústicos, o estabelecimento das cordas de recitação, da proibição
101 “Eu penso que todas as transcrições devem ser consideradas como adições ou interpretações de quem
transcreve, ao invés da reprodução fiel do original em outro meio... isto tudo pode ser reduzido ao problema
de se o fim justificou os meios, se a disruptura psicológica de uma entidade é contrabalançada com uma
nova expressão vital...” (Egon Petri, apud HINSON, 1990, p. ix)
“Enquanto existirem músicos criativos que possam improvisar e imaginar fundos e configurações, a arte da
transcrição permanecerá eterna.” (Earl Wild, apud HINSON, 1990, p. ix) 102 “É sempre possível, claro, no piano, de aproximar, graças a certos artifícios técnicos, a imagem sonora
de um sino, de um carrilhão, ou, à rigor, um tantã, ou ainda, até, um xilofone. Todavia, Messiaen disse
claramente que o piano é, ‘precisamente por sua falta de personalidade, um instrumento propício à pesquisa
dos timbres, pois o timbre não vem do instrumento mas daquele que toca’ (1986:59, grifos meus). Por
consequência, é imprudente pegar ao pé da letra as referências aos trombones (Regard XIV) ou ao oboé
(XVI), assim como Ravel, embora o escreva, não esperava que o instrumento soasse ‘como um
contrafagote’ no início de Scarbo (3º movimento de Gaspard de la nuit). Parafraseando Debussy, nós bem
sabemos que as harpas não imitam os pavões. Essas evocações instrumentais devem ser entendidas como
meras metáforas destinadas a guiar o executante na sua interpretação da peça. Parece-me impossível de ir
mais adiante e de emprestar ao piano qualidades de timbres que ninguém, sobretudo Messiaen, teve a
intenção de vê-lo assumir.” (GUIGUE, 2001). 103 Para mais informações sobre este aspecto timbrístico do Transtonalismo, que explora conscientemente
configurações texturais diversas, em densidades sonoras variadas, vide ALMEIDA PRADO (1985). Para
sugestões de uso do pedal no Transtonalismo, vide GAZZANEO (2012).
66
de instrumentos acompanhantes e da manutenção da monodimensionalidade
do uníssono, por exemplo, cumprisse, além de outras inúmeras funções inclusive simbólicas, uma função acústica. (CAZNOK, 2003, p. 68)
Em cada uma dessas peças, o compositor realiza tratamento das temporalidades
de forma distinta. O tratamento da questão temporal de forma não-tradicional pode
imputar em uma percepção musical “irreal” e “onírica” tanto por parte dos executantes
como dos ouvintes. Tal ideia remeteria a um estado alterado de consciência propício a
práticas religiosas e/ou místicas.
Estas três peças, ao mesmo tempo em que compartilham ideias composicionais,
servem também como exemplos da trajetória de Almeida Prado ao longo de três décadas,
traçando um perfil desde a experimentação formal até uma releitura de uma forma
barroca.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a Igreja tem necessidade da arte. Pode-se dizer também que a arte
precisa da Igreja? A pergunta pode parecer provocatória. Mas, se for
compreendida no seu recto sentido, obedece a uma motivação legítima e
profunda. Na realidade, o artista vive sempre à procura do sentido mais íntimo
das coisas; toda a sua preocupação é conseguir exprimir o mundo do inefável.
Como não ver então a grande fonte de inspiração que pode ser, para ele, esta
espécie de pátria da alma que é a religião? Não é porventura no âmbito
religioso que se colocam as questões pessoais mais importantes e se procuram
as respostas existenciais definitivas?
De facto, o tema religioso é dos mais tratados pelos artistas de cada época. A
Igreja tem feito sempre apelo às suas capacidades criativas, para interpretar a
mensagem evangélica e a sua aplicação à vida concreta da comunidade cristã.
Esta colaboração tem sido fonte de mútuo enriquecimento espiritual. Em
última instância, dela tirou vantagem a compreensão do homem, da sua
imagem autêntica, da sua verdade. Sobressaiu também o laço peculiar que
existe entre a arte e a revelação cristã. (...) A verdade é que o cristianismo, em
virtude do dogma central da encarnação do Verbo de Deus, oferece ao artista
um horizonte particularmente rico de motivos de inspiração. Que grande
empobrecimento seria para a arte o abandono desse manancial inexaurível que
é o Evangelho! (WOJTYLA, 1999: 13)
Buscou-se, com este trabalho, investigar o universo pianístico católico, com
ênfase em um recorte de obras representativas desta estética em Almeida Prado. Ao ter
contato com bibliografia especializada sobre o assunto, constatamos a extensa lista de
precedentes com que este compositor santista contava. Deste modo, ele deu continuidade
a uma tradição, frequentemente calcando as suas escolhas criativas em práticas já
estabelecidas.
Foram identificados e compreendidos elementos de expressão religiosa traduzidos
em elementos musicais, com vistas à apreciação deste repertório. A Bíblia Sagrada é
frequentemente fonte de inspiração, bem como textos e orações de santos católicos.
A Sagrada Escritura tornou-se, assim, uma espécie de ‘dicionário imenso’ (P.
Claudel) e de ‘atlas iconográfico’ (M. Chagall), onde foram beber a cultura e
a arte cristã. O próprio Antigo Testamento, interpretado à luz do Novo,
revelou mananciais inexauríveis de inspiração. Desde as narrações da criação,
do pecado, do dilúvio, do ciclo dos Patriarcas, dos acontecimentos do êxodo,
passando por tantos outros episódios e personagens da História da Salvação,
o texto bíblico atiçou a imaginação de pintores, poetas, músicos, autores de
teatro e de cinema. Uma figura como a de Job, só para dar um exemplo, com
a problemática pungente e sempre actual da dor, continua a suscitar
conjuntamente interesse filosófico, literário e artístico. E que dizer então do
Novo Testamento? Desde o Nascimento ao Gólgota, da Transfiguração à
Ressurreição, dos milagres aos ensinamentos de Cristo, até chegar aos
acontecimentos narrados nos Actos dos Apóstolos ou previstos no Apocalipse
em chave escatológica, inúmeras vezes a palavra bíblica se fez imagem,
música, poesia, evocando com a linguagem da arte o mistério do ‘Verbo feito
carne’.
68
Tudo isto constitui, na história da cultura, um amplo capítulo de fé e de beleza.
Dele tiraram proveito sobretudo os crentes para a sua experiência de oração e
de vida. Para muitos deles, em tempos de escassa alfabetização, as expressões
figurativas da Bíblia constituíram mesmo um meio concreto de catequização.
Mas para todos, crentes ou não, as realizações artísticas inspiradas na Sagrada
Escritura permanecem um reflexo do mistério insondável que abraça e habita
o mundo. (WOJTYLA, 1999: 5)
A existência e peculiaridade estética de um repertório pianístico com referências
religiosas católicas, em especial, Almeida Prado, levanta questões sobre o
posicionamento do intérprete perante tais obras.
Por isso, quanto mais consciente está o artista do “dom” que possui, tanto mais
se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos
capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só
assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e missão. (WOJTYLA, 1999: 1)
O artista vive numa relação peculiar com a beleza. Pode-se dizer, com
profunda verdade, que a beleza é a vocação a que o Criador o chamou com o
dom do “talento artístico”. E também este é, certamente, um talento que, na
linha da parábola evangélica dos talentos (cf. Mt 25,14-30), se deve pôr a
render.
Tocamos aqui um ponto essencial. Quem tiver notado em si mesmo esta
espécie de centelha divina que é a vocação artística — de poeta, escritor,
pintor, escultor, arquitecto, músico, actor... —, adverte ao mesmo tempo a
obrigação de não desperdiçar este talento, mas de o desenvolver para colocá-lo ao serviço do próximo e de toda a humanidade. (WOJTYLA, 1999: 3)
Para a interpretação com propriedade de repertório que faz alguma referência
para-musical, é essencial buscar a aproximação e familiarização com este dado universo.
Espera-se que esta investigação possa contribuir para o aprofundamento e consolidação
de pesquisas do repertório pianístico com referências religiosas, em especial, católicas.
Ao contribuir para as pesquisas sobre a obra de Almeida Prado, enfocando um
aspecto significativo na sua trajetória pessoal e profissional, espera-se que pianistas se
sintam mais motivados a incluírem em seus programas obras que abracem a temática
religiosa católica, em especial, a obra deste compositor, bem como compositores
contemporâneos sintam-se incentivados a criarem obras que abordem expressões de
religiosidade católica.
69
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79
ANEXO I: PARTITURAS
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
ANEXO II: CANTOS GREGORIANOS
98
Dixit Dominus
99
Auctor beate saeculi
100
ANEXO III: PRODUTO ARTÍSTICO
101
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MÚSICA CATÓLICA PARA PIANO
Johann Sebastian BACH (1685-1750) / Egon PETRI (1881-1962)
Schafe können sicher weiden (Cantata BWV 208)
Franz LISZT (1811-1886)
Années de Pélérinage (1837-1877)
- Sposalizio
- Les Jeux d’Eau à la Villa d’Este
Olivier MESSIAEN (1908-1992)
Vingt Regards sur l’Enfant Jésus (1944)
II. Regard de l’Étoile
XVII. Regard du Silence
José Antônio R. de ALMEIDA PRADO (1943-2010)
Ad Laudes Matutinas (1972)
Poesilúdio n. 11: Noites de Solesmes (1985)
Toccata da Alegria (1996)
Fabiola Pinheiro
piano
Recital-palestra como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Música
Museu de Arte Sacra
Salvador, BA
10 de outubro de 2016
18:00