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Universidade Estadual de Londrina MARCOS ANTONIO DE SOUZA A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO NORTE DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO Londrina, 2008.

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UniversidadeEstadual de Londrina

MARCOS ANTONIO DE SOUZA

A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRONO NORTE DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO

Londrina, 2008.

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MARCOS ANTONIO DE SOUZA

A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRONO NORTE DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Geografia.

Londrina, 2008.

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MARCOS ANTONIO DE SOUZA

A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO NORTE DOPARANÁ: ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Geografia.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________Profª. Drª. Eliane Tomiasi Paulino (orientadora)

Universidade Estadual de Londrina

_____________________________________ Profª. Drª. Ideni Terezinha Antonello Universidade Estadual de Londrina

______________________________________ Profª. Drª. Tânia Maria Fresca Universidade Estadual de Londrina

Londrina, ______, de dezembro de 2008.

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SOUZA, Marcos Antonio de. A territorialização do agronegócio canavieiro no norte do Paraná: estudo de caso. 2008. Monografia (Bacharelado em Geografia) –Universidade Estadual de Londrina.

RESUMO

Nas ultimas três décadas vem ocorrendo no espaço agrário brasileiro uma vertiginosa expansão do agronegócio sucroalcooleiro, motivado primeiramente pela implementação do Proálcool, sendo que na atualidade este avanço se dá no âmbito da produção em larga escala de agrocombustíveis de cana-de-açúcar. O objetivo deste trabalho é analisar a territorialização do agronegócio canavieiro no norte do Paraná, processo este que vem sendo intensificado nos últimos anos pelo aumento no mercado interno e externo da demanda por etanol. Como conseqüência desta expansão, se constata a existência de uma concentração fundiária, com vistas a se auferir a maior renda territorial possível. Por outro lado, o avanço da monocultura canavieira sobre áreas anteriormente ocupadas pelas lavouras policultoras, acaba provocando uma retração na produção de alimentos, além de expandir a fronteira agrícola rumo à ecossistemas ameaçados, como é o caso da Amazônia e do Cerrado, uma vez que as culturas que cedem espaço para a cana-de-açúcar procuram se reterritorializar no espaço agrário brasileiro.Não obstante, há ainda uma precarização das relações de trabalho, expressa na super-exploração do cortador de cana, realidade esta que contradiz com os altos níveis de rentabilidade auferidos pelo agronegócio sucroalcooleiro.Este trabalho faz ainda uma análise histórica do ordenamento territorial do espaço agrário dos municípios em questão, contrapondo a dinâmica da produção do agronegócio canavieiro com os demais cultivos.

Palavras-chave: agrocombustíveis, agronegócio sucroalcooleiro, renda fundiária, insegurança alimentar, concentração fundiária, precarização do trabalho.

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SOUZA, Marcos Antonio de. The territorialization of the sugar agribusiness in northern Paraná: a case study.2008. Monograph (Bachelor of Geography) - State University of Londrina.

ABSTRACTIn the last three decades has occurred within the Brazilian agrarian a dizzying expansion of agribusiness of sugar cane, motivated primarily by the implementation of Proálcool, whereas in actuality this move takes place within the framework of large scale production of agrofuels from sugar cane. The purpose of this study is to analyze the territory of the sugar agribusiness in northern Paraná process which has been intensified in recent years by increased domestic and external demand for ethanol. As a result of this expansion, there is the existence of an agrarian concentration, aiming to earn a higher income area possible. Moreover, the advancement of sugar monoculture on areas previously occupied by plowing several agricultural crops, just causing a shrinkage in food production, in addition to expanding the agricultural frontier towards the threatened ecosystems, such as Amazon and the Cerrado, since crops that give space for the sugar cane is seeking relocate i n brazilian space agrarian. H owever, there is still a precarious social relations of production, expressed in the super-exploitation of the cane cutter, that this reality contradicts with the high levels of return earned by agribusiness of sugar cane. This work is still a historical analysis of agrarian land area of the municipalities concerned, contrasting the dynamics of the agribusiness production of sugar with other agricultural crops.

Key words: agrofuels, agribusiness sugar, ground rent, food insecurity, land concentration, precariousness of work.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Estrutura fundiária brasileira - 2003........................................................15

Tabela 02 - Previsão da demanda por etanol – 2010...............................................22

Tabela 03 - Variação na área colhida – 1990 – 2007...............................................26

Tabela 04- Condição da produção agrícola por produtos selecionados..................28

Tabela 05 - Estrutura fundiária em 1960..................................................................78

Tabela 06 - Uso do solo em 1960.............................................................................78

Tabela 07 - Evolução da área ocupada pela cana entre 1970-1985........................81

Tabela 08 - Evolução da cultura cafeeira entre 1970-1985......................................82

Tabela 09 - Evolução do número de estabelecimentos entre 1970-1995/96...........83

Tabela 10 - Participação da cana-de-açúcar na área ocupada pelas atividades

agropecuárias entre 1970-1985................................................................................84

Tabela 11 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul de 1970 a 1985..........87

Tabela 12 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1980 a 2006............88

Tabela 13 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1970 a 1985..........................89

Tabela 14 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1980 a 2006..........................89

Tabela 15 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1970 a 1985..........................90

Tabela 16 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1980 a 2006..........................90

Tabela 17 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1970 a 1985....91

Tabela 18 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1980 a 2006....92

Tabela 19 - Preço pago por metro de cana cortada na usina Alto Alegre no mês de

setembro de 2008...................................................................................................100

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Evolução da área plantada com cana-de-açúcar -1975- 2006.............. 14

Gráfico 02 - Evolução da área ocupada com algodão no Paraná entre 1990-2006.........52

Gráfico 03 - Evolução da área ocupada com algodão no Brasil entre 1990-2006............................................................................................................................53

Gráfico 04 - Evolução na participação do Paraná na produção nacional de cana-de-açúcar...........................................................................................................57

Gráfico 05 - Tamanho médio cultivado por unidade agroindustrial canavieira no Paraná – 1980-2007..............................................................................................58

Gráfico 06 - Evolução da produção de cana-de-açúcar no Paraná 1980-2006.........59

Gráfico 07 - Área ocupada por culturas selecionadas - 1980....................................61

Gráfico 08 - Área ocupada por culturas selecionadas – 2006...................................61

Gráfico 09 - Evolução da produção de açúcar no Paraná - 1990-2008.....................64

Gráfico 10 - Evolução da produção de álcool no Paraná - 1990-2008......................64

Gráfico 11 - Evolução do número de estabelecimentos agropecuários -1970-1995/96.............................................................................................................83

Gráfico 12 - Evolução das principais culturas agrícolas no município de Guaraci -1980 – 2006...............................................................................................................98

Gráfico 13 - Situação educacional dos cortadores de cana entrevistados................99

Gráfico 14 - Profissões aspiradas pelos cortadores de cana entrevistados............105

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LISTA DE MAPAS E FIGURAS

Figura 01 - Comparação das áreas com aptidão agroclimática para o cultivo da cana-de-açúcar com áreas prioritárias de conservação.............................................20

Figura 02 - Localização Geográfica das Usinas Sucroalcooleiras.............................21

Figura 03 – Localização geográfica da produção canavieira no Paraná...................41

Figura 04 - Localização geográfica das unidades agroindustriais do setor Sucroalcooleiro no estado do Paraná........................................................................56

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALCOPAR Associação de produção de Bioenergia do estado do Paraná

CANASAT Mapeamento da Cana via Imagens de Satélite

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

COOPERSUCAR Cooperativa de Produtores de Cana-de-açúcar de São Paulo

CTC Centro de Tecnologia Canavieira

CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná

EIA Agência de Informação Energética (EUA)

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

PCB Partido Comunista do Brasil

PSF Programa Saúde da Família

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

1 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOBRASIL......................................................................................................................131.1. A expansão do agronegócio canavieiro pós 1970..............................................131.2. O processo de territorialização do capital no agronegócio canavieiro:aspectos conceituais.................................................................................................32

2 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOPARANÁ.....................................................................................................................412.1. Fatores de localização geográfica no agronegócio sucroalcooleiro no Paraná........................................................................................................................422.2. A expansão canavieira........................................................................................54

3 - A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS.............................................................................................................673.1. Antecedentes da formação do espaço agrário dos municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci, Centenário do Sul e Nossa Senhora das Graças.......................67 3.2. Os conflitos fundiários na região: a Revolta Armada de Jaguapitã e a Guerrilha de Porecatu............................................................................................703.3. Ordenamento agrário no período de 1950 a 1970..............................................76

4 – A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS ENTRE 1980-2006.............................................................................814.1. Expansão canavieira versus produção de alimentos..........................................864.2. A expansão do agronegócio canavieiro e as relações de trabalho.....................95

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................109

REFERÊNCIAS........................................................................................................112

ANEXOS...................................................................................................................117

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INTRODUÇÃO

Há cerca de trinta anos o espaço agrário brasileiro vem sendo cenário de

uma voraz expansão do agronegócio canavieiro, cuja origem está no Proálcool. Na

atualidade este negócio vem sendo impulsionado por agentes públicos e privados,

q u e t ê m c o m o p a r â m e t r o a nova geopolítica energética internacional,

potencialmente capaz de incorporar o etanol de cana-de-açúcar como matriz

energética em um cenário em que a diminuição da dependência para com o petróleo

e demais fontes de energia fóssil é um imperativo.

No intuito de se compreender impactos socioambientais inerentes a esse

processo de expansão do agronegócio sucroalcooleiro, essa pesquisa se concentra

em um recorte geográfico específico, correspondente aos municípios de Colorado,

Centenário do Sul, Porecatu, Nossa Senhora das Graças e Guaraci, dado que os

quatro primeiros se inserem na dinâmica da expansão da cana, enquanto que o

último foi englobado no recorte espacial deste trabalho por ser um dos municípios

que servem de base territorial para a força de trabalho empregada nos canaviais.

Este recorte de pesquisa justifica-se pela atualidade do tema, e a

importância de debatê-lo à luz dos impactos sociais, econômicos e ambientais

inerentes à atual conjuntura política e econômica para a produção de

agrocombustíveis, mais especificamente o etanol de cana-de-açúcar.

Trata-se, pois, de um esforço em contribuir para os estudos que já vem

sendo realizados, cujo foco está na forma e na intensidade que estes impactos

podem exercer sobre o conjunto da sociedade. Em particular, este estudo levanta, a

partir do recorte em questão, uma série de hipóteses no intuito de demonstrar que

há um alto custo social vinculado à expansão do agronegócio sucroalcooleiro,

particularmente no que diz respeito à intensificação da concentração fundiária, da

exploração da força de trabalho e dos conflitos sociais no campo, no encarecimento

do preço dos alimentos, sem falar nos aspectos ambientais.

Foram realizados levantamentos bibliográficos, consultas a banco de

dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES),

do CANASAT, além dos Censos Agrícola e Agropecuários realizados entre 1950 e

1995/96 e demais dados divulgados pelo IBGE. Também foi aplicado um

questionário para cortadores de cana no município de Guaraci (anexo), privilegando-

se metodologias qualitativas de investigação, sendo entrevistados dez bóias-frias.

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No primeiro capítulo fazemos uma contextualização do processo de

territorialização do agronegócio sucroalcooleiro nas últimas três décadas,

enfatizando a conjuntura criada após a implantação do Proálcool e as tendências

que emergem junto com a nova geopolítica energética internacional. Considerada

esta conjuntura, são levantadas hipóteses e são feitas projeções,

Ainda neste capítulo há algumas considerações acerca do processo de

territorialização, correlacionando este conceito à sua dimensão econômica da

territorialização do agronegócio sucroalcooleiro.

O segundo capítulo aborda de que forma ocorreu e quais são os impactos

mais visívieis do processo de expansão do agronegócio sucroalcooleiro no estado

do Paraná, atendo-se ainda a fatores de localização geográfica que orientam a

alocação espacial desta atividade econômica. A concentração espacial desta

atividade na porção setentrional do estado é entendida como desdobramento da

combinação convergente de uma série de fatores que lhe conferem vantagens

locacionais.

No terceiro capítulo são discutidos os antecedentes da formação agrária

nos municípios analisados, abordando-se o processo de colonização, os conflitos

agrários, assim como as transformações ocorridas nesta porção territorial desde

meados do século XX.

Já no capítulo quatro o foco é o processo de expansão do agronegócio

sucroalcooleiro nos municípios de Porecatu, Colorado, Nossa Senhora das Graças e

Centenário do Sul. Neles, busca-se identificar os principais impactos da expansão

canavieira, como é o caso da concentração fundiária, a ameaça à soberania

alimentar e a precarização das relações de trabalho.

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1 – A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO BRASIL

Nas últimas três décadas o espaço agrário brasileiro vem sendo cenário

de uma voraz expansão da cultura da cana-de-açúcar, motivada primeiramente pela

criação do Próalcool na década de 1970, e atualmente impulsionada pela nova

geopolítica energética internacional empreendida principalmente pelos Estados

Unidos, pela União Européia e demais paises ditos “desenvolvidos”, que objetivam

reduzir a dependência em relação ao petróleo, mediante a incorporação do etanol à

sua matriz energética. É esse o contexto no qual se insere o processo de

territorialização do agronegócio sucroalcooleiro no Brasil e que, nos últimos anos,

vem sendo alvo de intensos debates, em face de uma série de impactos

socioambientais inerentes a esta expansão, conforme será visto a seguir.

1.1. A Expansão do Agronegócio Canavieiro pós 1970

Na década de 1970 o governo militar brasileiro lança o Proálcool, que

segundo os ideólogos e defensores desta política pública, serviu para diversificar a

matriz energética brasileira e tornar o país menos dependente do petróleo frente a

ocorrência de crises internacionais, como a ocorrida em meados desta década.

O fato é que este programa nada mais foi que uma estratégia engendrada

pelo Estrado brasileiro, que interveio mais uma vez na salvaguarda dos interesses

da oligarquia sucroalcooleira, frente a uma crise e um endividamento do setor que já

vinha se arrastando desde meados da década de 1960.

Na metade dos anos sessenta [...] o aparecimento de uma crise de superprodução [...] apresentou seus primeiros sintomas em meados de 1964, quando as exportações brasileiras foram atingidas por uma queda acentuada nos preços do mercado mundial. A retração no mercado externo coincidiu com o grande aumento da produção brasileira, propiciando a formação de volumosos excedentes que não podiam ser absorvidos pelo mercado interno, também em recessão. (YOSHINAGA, 2006, p.78-79).

Há de se considerar que em meio a retração do mercado externo do

açúcar, desde os anos 1960 já vinha ocorrendo no plano interno uma modernização

do setor produtivo agropecuário, no âmbito do que se convencionou denominar

“modernização conservadora”.

Neste contexto, os agroindustriais do setor sucroalcooleiro contraíram uma

divida considerável para modernizar e implantar novas unidades produtivas pelo

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país, em vista de, nesse momento, o mercado internacional ainda se apresentar

favorável, como aponta Yoshinaga (2006, p.78).

Desta forma, a crise no mercado externo de açúcar se converteu em um

problema ante a capacidade produtiva instalada no Brasil; ademais, o endividamento

no setor sucroalcooleiro era, em grande medida, resultado da ampliação e

modernização pela qual passara o agronegócio canavieiro.

Isto fez com que o Estado brasileiro engendrasse a estratégia do

Proálcool, criado por meio do decreto n° 76.593 de 14 de novembro de 19751. Para

superar a crise do setor sucroalcooleiro, esgotadas as possibilidades de exportação

em parâmetros rentáveis, restava empreender estratégias de criação/fortalecimento

do mercado interno, o que beneficiaria também a indústria automobilística.

Para se ter uma idéia desta expansão, do ano de 1979, quando se inicia a

produção em larga escala de automóveis movidos a etanol no Brasil, até 2006,

houve um incremento de quase 280% na área plantada de cana–de–açúcar,

passando de 2,54 milhões de ha para 7,04 milhões, conforme mostra o gráfico a

seguir.

Gráfico 01: Evolução na área plantada com cana-de-açúcar entre 1975-2006Fonte: IBGE, 2008.

O fato é que esta grande expansão canavieira vem produzindo uma série

de impactos no espaço agrário brasileiro, a começar pela concentração fundiária2.

Isto porque a produção sucroalcooleira se concentra em grandes unidades

1 A criação do Proálcool se deu dois anos depois da primeira crise do petróleo, ocorrida em 1973.2 A esse respeito, cabe ressaltar que a estrutura fundiária brasileira já se apresenta bastante concentrada, conforme demonstra a tabela 01.

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agroindustriais, que tendem a se expandir por determinados pontos do país, e desde

estas coordenadas geográficas, as mesmas acabam por orientar sua expansão

sobre as terras adjacentes.

Tabela 01 – Estrutura fundiária brasileira, 2003.

Grupos de área total

Imóveis % d o s imóveis

Área total (ha)

% de área Área média

Menos de 10

1.388 31,6% 7.616.113 1.8% 5.7

De 10 a 25 1.102.999 26% 18.985.869 4,5% 17,2%De 25 a 50 684.237 16,1% 24.141.638 5,7% 35,3%D e 5 0 a 100

485.482 11,5% 33.630.240 8% 69,3%

De 100 a 200

284.236 6,7% 38.574.392 9,1% 135,6

D e 2 0 0 a 500

198.141 4,7% 61.742.808 14,7% 311,6

D e 5 0 0 a 1.000

75.158 1,8% 52.191.003 12,4% 694,4

De 1.000 a 2.000

36.859 0,9% 50.932.790 12,1% 1.381,8

De 2.000 a 5.000

25.417 0,6% 76.466.668 18,2% 3.008,5

5.0 0 0 e mais

6.847 0,1% 56.164.841 13,5% 8.202,8

Total 4.238.421 100,0% 420.345.382 100,0%Fonte: INCRA apud Oliveira, 2004.

Isso parece reforçar a tese das vantagens técnicas e econômicas da

grande propriedade unificada, como atesta Kautsky (1980), e que neste caso

específico permite racionalizar o processo produtivo, sobretudo porque é

antieconômico transportar cana a longas distâncias.

Some-se a isso o fato de que a fragmentação das áreas cultivadas

subordinadas a uma mesma agroindústria oneraria todo o processo produtivo,

inviabilizando então o lucro máximo pretendido pelo agro-empresário. Desta forma,

pode-s e d i z e r q u e o modus operandi do Complexo Agroindustrial (CAI)

sucroalcooleiro supõe tanto a concentração da propriedade privada quanto a

territorialização em larga escala.

Os resultados mais visíveis, no primeiro momento desta concentração, é o

aniquilamento dos usos anteriormente dados ao solo, agora concentrado ou

vinculado a um único empreendimento agroindustrial. Destoa, portanto, da dinâmica

em que dezenas ou até mesmo centenas de pequenos e médios agricultores

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detinham propriedades nas quais cultivava-se desde sua subsistência até grande

parte dos alimentos consumidos local e extra-localmente.

E isto pode ser atestado nas regiões onde ocorreu e ainda ocorre esta

expansão, conforme será demonstrado posteriormente. Em outras palavras, existem

municípios nos “territórios da agroindústria canavieira” onde quase a totalidade da

sua área agricultável se encontra dedicada à monocultura da cana-de-açúcar,

geralmente subordinada a uma única unidade agroindustrial. E é justamente este

cenário de expansão que torna visível outro impacto no campo oriundo desta nova

geopolítica energética internacional: o rearranjo do espaço agrário brasileiro.

No caso específico da cana-de-açúcar, o Estado foi o grande estimulador

da expansão, via Proálcool, quando a agroindústria canavieira enfrentava uma crise

marcante. Na atualidade, o Estado volta a estimular a produção de agrocombustível,

agora visando o mercado externo, no contexto da nova geopolítica energética

internacional.

Desse modo, o estímulo estatal logo se converte em “conjuntura

favorável” capaz de atrair cada vez mais produtores, consolidando e fortalecendo o

mercado de etanol. Nesse contexto,

[...] a grande exploração do tipo comercial [...] [como é o caso da cana – de – açúcar] tende, quando a conjuntura lhe é favorável, a se expandir e absorver o máximo de terra agricultáveis, eliminando lavouras independentes, proprietários ou não, bem como suas culturas [...] (PRADO JR., 1981, p.31).

Como já constatara nosso interlocutor, em momentos favoráveis, como o

atual, a tendência é de que no intuito de aumentar a margem de lucros, o agricultor

capitalista aumente sua área plantada, caso já se ocupe desta atividade agrícola, ou

abandone aquelas menos lucrativas para se dedicar ao agronegócio canavieiro. Isso

resultará em redefinição dos usos do solo nas regiões aptas à expansão, logo, em

rearranjo do espaço agrário brasileiro.

Caso a cotação do algodão, do milho e da mandioca esteja em baixa, ao

mesmo tempo em que as áreas de pastagem encontram-se degradadas, pouco

produtivas, em contraposição à cotação favorável do etanol, para não dizer do

açúcar, haverá uma migração dos produtores, ainda mais se houver estímulos

creditícios para aqueles que venham a se dedicar à produção agromercantil.

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Esta é uma das razões pelas quais os estados de São Paulo, Paraná,

Mato Grosso do Sul, entre outros, registraram um avanço quantitativo da cultura

canavieira, que avançou sobre áreas anteriormente dedicadas à pecuária leiteira e

de corte, bem como à produção de alimentos e demais culturas do agronegócio.

Neste contexto, não raro pequenos proprietários de terras endividados,

sem políticas públicas adequadas à produção de pequena escala, acabam

vendendo ou alugando suas terras para o agroindustrial canavieiro adjacente, o que

redefinirá o uso deste solo, ora convertido em base territorial da produção de

agrocombustíveis.

Da mesma forma, pequenos e médios proprietários que não se encontram

geograficamente alocados no entorno da agroindústria, mas nas suas proximidades,

acabam se convertendo em fornecedores de cana-de-açúcar, motivados ora pelo

cenário propício ao cultivo desta cultura, ora por esta apresentar-se como única

alternativa aos sucessivos fracassos de suas antigas atividades produtivas,

vulnerabilizadas pelas incipientes políticas públicas.

Nesse contexto, estas propriedades se especializam em vender produtos

“in natura” para complementar a produção agroindustrial, sendo, pois parte

suplementar da matéria-prima de que necessitam as usinas . Como estratégia

complementar, trata-se de um vantajoso negócio para o agroindustrial, que não

necessitará mobilizar investimentos para adquirir terras, nem remunerar a força de

trabalho; tampouco despenderá gastos com insumos ou com a reprodução dos

meios de produção. Ademais, fatores de ordem climática ou econômica que

porventura possam prejudicar o ciclo produtivo são preocupações a cargo do

produtor em questão, que por razões já evidenciadas, encarrega-se de parte da

matéria prima para produção de agrocombustíveis.

Trata-se de uma tendência generalizada, havendo várias associações de

fornecedores de cana que atuam na cadeia produtiva desta agroindústria no estado

de São Paulo (ANDRADE; DINIZ, 2007), entre os quais incluem-se até assentados

da reforma agrária ,que historicamente vem empreendendo uma luta contra o

latifúndio e o agronegócio.

A facção do MST l iderada por José Rainha no Pontal do Paranapanema [...] não participou do “abril vermelho”, mas [anunciou] aos três mil assentados presentes [...] um plano de adesão às oportunidades econômicas que estão sendo abertas pela era do biocombustível. Os assentados forneceriam a matéria prima [...] Rainha anunciou parceria com o agronegócio e empresas

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estrangeiras [...] O projeto tem apoio do presidente [LULA] [...] [mas] não é apoiado pelo MST. (MARTINS, 2007, p.J5).

Esta tendência expansionista, que não poupa sequer assentamentos da

reforma agrária, revela mudanças nos usos do solo em dadas localidades, na quais

outras culturas, como a de alimentos, por exemplo, são penalizadas. Por isso, é

fundamental levar-se em conta o histórico apoio do Estado brasileiro à atividade

agromercantil de exportação, numa lógica do desenvolvimento capitalista marcado

pela.

[...] expansão das culturas de exportação via de regra financiadas com incentivos fiscais oriundos das políticas territoriais do estado que[no caso citado, várias instituições estatais como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa econômica Federal e alguns ministérios apoiaram o referido projeto proposto por Rainha] [...] atuou no sentido de estimular os setores competitivos, deixando praticamente abandonado as culturas que se tem constituído historicamente a alimentação básica dos trabalhadores brasileiros. (OLIVEIRA, 1995, p.37).

No que diz respeito à questão agrária, seria interessante discutir a

questão do valor da terra, do custo social em se produzir etanol, num contexto em

que a terra, esta mercadoria “sui generis”, é tratada como reserva de valor.

Como vimos, em momentos favoráveis para a produção de um

determinado gênero agrícola, se observa o aumento das atividades especulativas,

em face do intento de se auferir renda capitalista da terra em escala ampliada.

Neste contexto a implantação de uma unidade agroindustrial

sucroalcooleira em dada localidade implica também em movimentação no mercado

fundiário, manifestada na compra de propriedades tanto pelo agroindustrial quanto

por especuladores, culminando na “valorização das terras” adjacentes à

agroindústria.

Deste modo, o agricultor capitalista, que tende a expandir seu negócio à

medida que este vai se tornando mais lucrativo, acaba por englobar gradualmente

as áreas contíguas à sua propriedade.

O fato é que esta expansão é absolutamente previsível pelos

especuladores, que acabam adquirindo terras nas adjacências da usina. Isso se

converte em obstáculo à expansão da agroindústria, removido por preços acima da

média, “valorizados” pelas vantagens locacionais monopolizadas pelos

especuladores ou por proprietários fundiários (pequenos, médios ou grandes) que

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preferem arrendar suas terras a cultivá-las, tendo em vista a possibilidade de se

auferir maior renda, a qual pode ser utilizada para comprar mais terras a fim de

valorizar seu capital, ratificando o caráter de reserva de valor que a terra adquiriu

historicamente no Brasil.

Outra estratégia especulativa manifesta-se quando o proprietário, ao ter

acesso a créditos facilitados pelo Estado, investe apenas uma parte destes na

produção, o restante é investido ora no mercado de capitais, ora na compra de mais

terras, ou mesmo bens de consumo, como carros, casas etc.

Tais ações, que com maior ou menor intensidade estão presentes desde

a modernização conservadora, podem insinuar-se com particular intensidade, haja

vista as condições criadas pela nova geopolítica energética internacional. Trata-se

enfim, de custos que combinados com a redução das áreas policultoras, com a

concentração fundiária, com a super exploração da força de trabalho empregada nos

canaviais, parecem por demais expressivos para o país.

Cabe ressaltar que a busca pela inserção do território brasileiro em um

“mercado global de etanol” se dá no âmbito da histórica divisão internacional do

trabalho, que delegou ao Brasil, assim como a vários outros países, a “função” de se

especializar, de se tornar a base territorial de determinados gêneros. No caso dos

biocombustíveis, a tendência é que venha acompanhado de fortes investimentos na

compra de terras, na construção de usinas, na constituição de sociedades

empresariais por parte do capital estrangeiro, acentuando ainda mais a

concentração de terras no país, como apontam alguns estudiosos. Enfim, aprofunda-

se a desnacionalização do solo agricultável, meio essencialmente estratégico para a

segurança alimentar do país.

Ainda assim, alguns teóricos argumentam que a produção de etanol, no

âmbito do agronegócio, seria benéfica para a economia do país, por ser capaz de

gerar empregos, de dinamizar a agroeconomia e de gerar superávits na balança

comercial. Apela-se à conveniência de utilização das vantagens comparativas que o

Brasil possui neste setor, como tecnologia, disponibilidade de terras agricultáveis

propícias, mão – de – obra, a fim de projeção sem concorrentes na produção global

de biocombustíveis. (SILVA, 2006, p.3).

Para tais defensores do agronegócio canavieiro, a expansão da lavoura

da cana – de – açúcar não traria grandes impactos ao espaço agrário brasileiro,

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principalmente no que tange à disponibilidade de terras para os alimentos. O

argumento é justamente a dimensão das terras agricultáveis do Brasil.

Sob a ótica da ocupação do espaço físico, o limite será dado em algum ponto que é impossível prever no momento. A fronteira parece infinita. A cana pode avançar nas áreas hoje cultivadas no Brasil que somam cerca de 60 milhões de hectares, e, quando se pensa em áreas novas a serem ocupadas, 90 milhões de hectares de cerrado estão disponíveis. Assiste-se assim a ramificação da cultura na geografia brasileira no noroeste de São Paulo, Norte do Paraná, Triângulo Mineiro, Sul do Maranhão, Oeste da Bahia, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins [...] (CARVALHO, 2006, p.5).

Observa-se assim que, para o autor “a fronteira parece infinita”. O fato é

que embora exista espaço físico privilegiado, muitas áreas estão geograficamente

localizadas em domínios de ecossistemas ameaçados, como é o caso do Cerrado.

(Figura 01). Como o que prevalece é o critério da rentabilidade, a expansão da cana

– de – açúcar não se limitará aos solos degradados pela pecuária extensiva, embora

se faça crer que esta é a regra na atualidade.

Nesse contexto, cabe ressaltar que o debate agroenergia x rearranjo

espacial requer novos argumentos, pois não parece razoável ter como parâmetro

uma expansão ao limite das áreas agricultáveis, pois isso supõe o esgotamento do

potencial agrícola do país.

Figura 01: Comparação das áreas com aptidão agroclimática para o cultivo da cana-de-açúcar (rosa) com áreas prioritárias de conservação (verde).Fonte: WWF, 2008.

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A discussão a ser feita exige uma mudança de foco, privilegiando a lógica

que orienta a expansão canavieira no país. Isto porque a localização espacial do

cultivo/agroindústria canavieira se dá por uma conjugação de vários fatores que

tornam possível a viabilidade comercial e lucrativa deste empreendimento do

agronegócio, tais como as propriedades biogeoquímicas do solo, ou seja, aptidão

agrícola para tal, fatores climáticos, disponibilidade de mão de obra, canais de

distribuição já constituídos para fluidez de tal produção, seja para o interior do

território, seja para exportação etc.

A lógica da alocação espacial da agroindústria canavieira pode não

coincidir com os fatores conjunturais existentes nas áreas potencialmente

incorporáveis, como temos visto até então.

É o que mostra o mapa da localização geográfica das usinas (Figura 02).

Observa-se que em determinados espaços do território nacional há uma maior

concentração espacial destas unidades agroindustriais do que em outros. Não é por

pura coincidência que 85% da produção de cana se concentra no Centro-Sul, e mais

surpreendente, 60% de toda produção nacional está concentrada em um único

estado, a saber, São Paulo. (AGROANALYSIS, 2005).

Figura 02: Localização Geográfica das Usinas Sucroalcooleiras Fonte: Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico, 2008.

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Portanto, estamos diante do processo de territorialização do capital, o

qual avança sobre áreas tradicionalmente produtoras de alimentos e outros gêneros

agrícolas, como demonstra a lógica de alocação espacial da agroindústria

sucroalcooleira representada na figura anterior.

A discussão não passa, portanto, pelo eventual esgotamento do espaço

físico agricultável do Brasil, embora em alguns municípios isso já ocorra, mas para a

inexistência de uma política estatal de zoneamento agrícola: “[...] no Brasil, o uso do

solo agrícola não é regulado, disciplinado ou limitado, ficando ao livre arbítrio das

forças de mercado a destinação das áreas disponíveis à produção de cana ou de

alimentos” (ANDRADE e DINIZ, 2007, p. 67).

Diante do cenário favorável, nas áreas já incorporadas economicamente,

aumenta-se os canaviais, sem equivalência dos demais cultivos. Nas áreas de

expansão, igual lógica se sobressai, com a fronteira pressionada pela realocação

geográfica de determinadas culturas “engolidas” pela cana, que avançam rumo às

áreas ainda incultas.

Portanto, o argumento de que a substituição de atividades anti-

econômicas pela cana-de-açúcar é benfazeja é inconsistente. Antes, a discussão

dos impactos desta geopolítica energética não pode ficar restrita à superficialidade

de um improvável esgotamento físico do solo agricultável do país. Deve-se

compreender como a lógica do “livre arbítrio das forças de mercado” ordena a

territorialização dessa atividade agrícola em detrimento de outras.

Tabela 02 - Previsão da demanda por etanol - 2010País Demanda Prevista

Brasil 16,9 bilhões de lts

Eua 18 – 20 bilhões de lts

Japão 6 a 12 bilhões de lts

Eu 9 a 14 bilhões de lts

Leste Europeu 1 a 2 bilhões de lts

Total 57 bilhões de litros

Fonte: AGRONALYSIS, 2005, p.35. Org. Marcos Antonio de Souza

Desta forma, a questão é o “quanto expandir”. Atualmente o plantio de

cana-de-açúcar ocupa cerca de 0,6% do território nacional (AGROANALYSIS,

2005), embora os principais promotores da nova geopolítica energética estabeleçam

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em 12% a porção do país apta à cana. A tabela 02 traz uma previsão da demanda

por etanol no ano de 2010, cujos dados podem confrontar-se com as pretensões em

expandir a cultura canavieira.

Diante desse cenário, que inclui países interessados em adicionar o

etanol à sua matriz energética, como Tailândia, Índia, China, México etc. a demanda

de etanol seria de 57 bilhões de litros, em média. Na safra 2006/07 o Brasil produziu

cerca de 21,4 bilhões litros de álcool em mais de 7 milhões de hectares, conforme

apontam os dados do MAPA (2008).

Levando-se em conta a conjuntura atual, as previsões são de amplo

crescimento da área plantada nos próximos anos, devido à demanda que só tende a

aumentar, uma vez que estas projeções foram feitas em 2005, antes de ações

coordenadas em torno da atual geopolítica energética internacional. O quanto

expandir é a questão, ainda mais levando-se em conta que mais de 75% da

produção brasileira é proveniente do Centro-Sul, grande produtor de alimentos,

assim como de outros gêneros agrícolas.

Se com o advento do Proálcool, em 1979, o atendimento da demanda

interna resultou no salto de 2,4 para 11,8 bilhões de litros de álcool produzido em

1986 (ápice da fabricação de veículos a álcool, com 699.183 unidades), com o

conseqüente avanço da área colhida de 2.536.976 ha para 3.944.68 ha, (PINAZZA,

2000, p.33), imagine o que seria substituir 20% do petróleo consumido nos EUA,

como é a meta do governo daquele país, sem contar a demanda do Japão, União

Européia etc.

Considerando que a maior potência do globo consome cerca de 20

milhões de barris diários de petróleo, conforme aponta a Agência de Informação

Energética dos EUA, (EIA, 2007), 20% representariam anualmente cerca de 1,4

bilhões de barris.

Segundo o Centro de Tecnologia Canavieira - CTC - (2002), 0,8t de cana

produzem em etanol o equivalente a um barril de petróleo, o que significa que a

demanda estadunidense gira em torno de 1,1 trilhões de toneladas de cana – de –

açúcar, sendo que na safra 06/07 a produção brasileira foi de cerca de 428,3 bilhões

de toneladas (MAPA, 2008).

Levando-se em conta que o rendimento nesta mesma safra foi de 74,05

toneladas/ ha, IBGE (2007), seriam necessários quase 19 milhões de hectares só

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para atender a demanda estadunidense, desprezando-se a demanda interna e dos

demais países.

Embora não se possa admitir que o Brasil possa produzir 100% do etanol

demandado pelos EUA, até porque aquele país já produz esse agrocombustível em

larga escala, via produção de milho, a simulação também despreza a demanda da

União Européia, China, Índia, Japão, além da própria demanda interna brasileira e

outros potenciais consumidores de etanol.

Cabe ressaltar ainda que esta tendência à monocultura canavieira pode

trazer sérios riscos ao próprio agronegócio, como já demonstra a história dos ciclos

econômicos brasileiros.

É sabido que os países dependentes de um mercado global de etanol não

ficariam dependentes de um eventual monopólio brasileiro. Em outras palavras,

estimular-se-ía outros países a incrementarem este mercado global, o que

pressionaria uma baixa de preços e afetaria diretamente os produtores nacionais.

Por sua vez, aumentaria ainda mais a subjugação dos trabalhadores rurais, uma vez

que os mecanismos de apropriação da mais valia seriam ainda mais rigorosos para

sustentar os lucros do agroindustrial e mantê-lo competitivo nestas novas condições.

Por outro lado, paises importadores poderiam criar mecanismos

protecionistas para determinados países produtores, os quais passariam a contar

com subsídios à produção canavieira, dificultando a posição privilegiada do Brasil

neste mercado.

Numa simulação, os EUA poderiam privilegiar importações de etanol

oriundas do México, que tem tradição na produção de cana – de - açúcar e é

membro do NAFTA, ou ainda poderia atuar no âmbito do Tratado de livre comércio

entre os EUA – América Central e Republica Dominicana (CAFTA-DR ), priorizando

a produção destes países, que possuem acordos econômicos com os EUA e que

possuem condições para a expansão canavieira.

Desta forma, os mecanismos protecionistas e de incentivo à ampliação de

um mercado global deste agrocombustível transcenderiam o raio de atuação dos

paises importadores em suas próprias fronteiras nacionais, atingindo as fronteiras

dos blocos econômicos dos quais fazem parte.

Aumenta-se a oferta mediante esses estímulos, beneficiando a curto

prazo as elites agrárias destes países que adentram essa lógica produtiva, embora

piorem as condições dos trabalhadores rurais. Não obstante, caso isso ocorra, o

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Brasil, líder global desta produção, será pressionado a baixar os custos do processo

produtivo para manter a competitividade, o que supõe a intensificação da exploração

da força de trabalho nacional e dos próprios biomas.

Outro ponto a ser destacado nesta discussão é a questão da segurança

alimentar do país frente a expansão voraz do agronegócio canavieiro.

No Brasil, os sistemas de produção agrícola historicamente estiveram

sujeitos à Divisão Internacional do Trabalho, prevalecendo a monocultura

agroexportadora em detrimento da produção de alimentos. No plano interno, a

exploração agrícola capitalista tem privilegiado a produção de monocultivos

destinados a suprir a necessidade externas, enquanto a produção de alimentos foi

delegada a pequenos proprietários de terras, arrendatários, parceiros, posseiros

etc., que geralmente empregam a família na sua unidade de produção, praticando

majoritariamente a policultura camponesa, como aponta Paulino (1997, p.18).

Desta forma pode-se dizer que as estruturas agrárias do país, que no seu

processo de formação e consolidação tiveram um forte apoio estatal, interferem

diretamente na disponibilidade e acessibilidade dos alimentos.

Desde 1998, embalado por um conjunto de eventos favoráveis e sucessivos, o agronegócio cresceu muito, principalmente em sua orientação para o mercado externo. Um caminho sem reversibilidade. Os investimentos expandiram a área plantada em quase um terço, enquanto as exportações praticamente dobraram. (AGROANALYSIS, 2005, p.13).

Levando-se em conta que a expansão do agronegócio canavieiro implica

redução da área plantada com os principais alimentos consumidos pelos brasileiros,

atingindo inclusive assentamentos da reforma agrária, não se pode descartar

problemas de abastecimento, o que pressionaria os preços, dificultando o acesso da

população à comida, fato já observado no passado.

Devido à avidez do lucro, a principal preocupação desde o início foi plantar cana para o fabrico de açúcar, ficando em segundo plano a produção de gêneros alimentícios de subsistência [...] no período canavieiro, a crise da agricultura de subsistência chegou atingir tão graves proporções que a metrópole teve de intervir através de uma legislação que tornava obrigatório [...] destinar uma parte de seu domínio ao plantio de gêneros alimentícios de subsistência. (ADAS, 1988, p.42).

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Trata-se de uma possibilidade, já confirmada no ciclo açucareiro colonial

no Caribe, no ciclo do Cacau no Nordeste, do café, entre outros ciclos monocultores

e em diferentes regiões do planeta.

A partir do momento em que a monocultura apresenta resultados

lucrativos, estimulados por incentivos fiscais e financiamentos por parte do Estado,

ocorre uma mobilização de recursos materiais e humanos, além de terras, para a

produção agromercantil, ficando a produção de alimentos relegada a segundo plano

e, ainda, sem contar com os mesmo incentivos estatais com os quais conta o

agronegócio em questão.

Daí a necessidade de se refletir sobre os estímulos aos agrocombustíveis,

pois na medida em que a monocultura canavieira avança, o país fica mais

dependente do comércio mundial de alimentos, o qual é dominado por grandes

transnacionais do setor. Isso dificulta ainda mais o acesso da população pobre aos

principais alimentos, contrastando com a grande disponibilidade de terras e mão de

obra que poderia ser mobilizada para suprir a demanda interna.

Esse cenário de expansão do agronegócio, em detrimento da produção

de alimentos, já pode ser observado no país, conforme evidenciam os dados a

seguir.

Tabela 03 - Variação na área colhida – 1990 – 2007Gênero Agrícola Variações

Cana-De-Açúcar +44,4%

Soja +80,2%

Tomate -8,1%

Feijão -8,9%

Batata Inglesa -9,4%

Arroz -24,9%

Fonte: IBGE, 2008

Org. Marcos A. Souza.

Esses dados ratificam nossas ponderações acerca do avanço monocultor

sobre as áreas de produção de alimentos, pois a soja e a cana-de-açúcar

apresentaram uma dinâmica inversamente proporcional às culturas alimentares, que

apresentaram um declínio na área colhida.

Sobre esta questão, Oliveira (2008) pondera que:

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O avanço de um, reflete inevitavelmente no recuo dos outros. Daí a crítica radical de Jean Ziegler [...] que classificou o etanol como “crime contra a humanidade”. A área plantada de cana - de- açúcar na última safra chegou perto de 7 milhões de hectares, e em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, já ocupa a quase totalidade dos solos mais férteis existentes [...] Os dados do IBGE entre 1990 e 2006, revelam a redução da produção de alimentos impostas pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu nesse período mais de 2,7 milhões de hectares.Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, se verifica que neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Esta área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional e 1 milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nesses municípios a produção de 400 mil litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino.

Muitos poderão afirmar que embora possa ser constatada uma

diminuição da área plantada de determinados gêneros alimentícios, nesse período

houve aumento de produtividade, o que compensaria tal decréscimo. Ocorre que

esta mesma produtividade aumentou consideravelmente no caso da soja e da cana-

de-açúcar, paralelamente ao aumento da área plantada.

Considera-se que o país poderia aumentar a oferta de alimentos,

reduzindo seus preços e facilitando o acesso a uma parcela que possui dificuldades

para tal. Isto num contexto em que 72 milhões de brasileiros estão numa situação de

insegurança alimentar, dos quais cerca de 14 milhões passam fome3. (IBGE, 2006,

p.27).

Não obstante, constata-se que se o privilégio dos cultivos voltados

preferencialmente ao mercado externo, sob a hégide da grande exploração

mercantil, embora seja a agricultura familiar4 a que produz a maior parte de alguns

dos principais alimentos consumidos internamente, senão vejamos a tabela 04.

Outros tantos poderão argumentar que entre 1979 e 1986, que

corresponde ao início da produção de carros movidos a etanol em larga escala e ao

ápice desta produção industrial, respectivamente, embora a produção tenha

3 De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Segurança Alimentar publicada em 2006, referente ao ano de 2004, dos 72 milhões de brasileiros que estavam em situação de insegurança alimentar, 16% apresentavam insegurança alimentar moderada, 12,3% leve, e 6,5% grave. Na região Sul, a insegurança alimentar estava presente em 24,5% dos domicílios, sendo que em 14,9%, esta era moderada, 7,3% leve e em 3,5% grave.4 Neste estudo realizado pelo CEPEA (2008), foi considerado como estabelecimento de agricultura familiar aqueles menores de 100 hectares.

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aumentado em cerca de 71%, e a área plantada 55,5% (IBGE, 2007) o preço dos

alimentos não sofreram reajustes significativos.

Há que se retratar que [...] a economia brasileira era fechada e o governo administrava os preços dos produtos considerados relevantes [inclusive do álcool]. Convivia-se com um ambiente que mascarava o livre mercado. (ANDRADE, DINIZ, 2007. p.66).

Desta forma, a existência de uma incipiente e desproporcional política agrícola

voltada para a produção de gêneros que compõe a base alimentar dos brasileiros pode

ser desmontada, trazendo maiores riscos à soberania alimentar do país.

Tabela 04 - Condição da produção agrícola por produtos selecionadosProdutos < 100 hectares

(familiar)>100 hectares

(patronal)Mercado

Relevante

Arroz 29,1 70,9 ExternoBatata 63,2 36,8 InternoCana 12 88 ExternoFeijão 71 29 Interno

Mandioca 85 15 InternoSoja 25,1 75 Externo

Tomate 67,3 32,7 InternoFonte: CEPEA, 2008.

Org. Marcos Antonio de Souza.

Não é demais recordar o fato de que nas antigas áreas dedicadas ao

cultivo da cana - de - açúcar, como é o caso do Nordeste açucareiro, do Haiti, Cuba,

etc declinaram vertiginosamente a produtividade do solo após sucessivos cultivos de

cana-de-açúcar.

[...] hoje se sabe que a perda da fertilidade é um fator importante no mecanismo da erosão e a cana esgota rapidamente a fertilidade dos solos, alterando sua estrutura e diminuindo sua resistência às forças de desagregação. [...] A história da economia canavieira (...) tem sido uma demonstração categórica desta capacidade que tem a cana de dar mui to no pr inc ip io , p / devorar d e p o i s q u a s e t u d o autofagicamente. (CASTRO, 2001, p. 98, 99).

Isto se torna preocupante na medida em que esta expansão se

territorializa e passa a exercer um monopólio sobre as mais promissoras áreas de

aptidão agrícola do país, como é o caso da terra roxa estruturada, no norte do

Paraná.

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Portanto, ao se discutir a relação entre agroenergia e soberania alimentar

se quer destacar não o esgotamento físico do território, mas sim o desdém à

produção de alimentos em prol do agronegócio canavieiro.

Por outro lado, a cultura da cana - de - açúcar, ao empregar agrotóxicos,

provocar desmatamento no processo de expansão, além das sucessivas queimadas,

acaba por esgotar e alterar as propriedades bioquímicas do solo, enfraquecendo e

erodindo-o. Isso faz diminuir significativamente a produtividade destas terras, que

outrora serviam de base territorial da produção de alimentos, o que revela o custo

social de tal expansão.

Outro ponto a ser destacado diz respeito às contratações. O fato é que

historicamente o trabalho nas lavouras canavieiras tem sido considerado desumano,

tento em vista o desgaste físico e mental, assim como as baixíssimas remunerações

pagas aos cortadores de cana, mesmo com o agronegócio canavieiro lucrando cada

vez mais. Isso corrobora o fato de que:

[...] o desenvolvimento agrícola por si só não proporciona elevação compensadora dos níveis de vida e que a obtenção de maior produtividade e de maior renda do capital invertida, não é acompanhada pela elevação dos padrões de vida de população rural. (PRADO JUNIOR, 1981, p. 31).

Sobre os cortadores de cana, há que se advertir sua ligação histórica com

a terra, ora como lavrador, ora como assalariado rural, como aponta Silva (2008,

p.63). Com a crise nas atividades produtivas às quais estavam subordinados, foram

expulsos do campo, de modo que a base física de sua existência, fundada na

residência e no trabalho foi rompida com a “modernização conservadora”. Desde

então, foram convertidos em trabalhadores sazonais, que tem como última opção

vender sua força de trabalho ao agroindustrial canavieiro. (D’INCAO, 1984, p.16).

Com relação a sua origem, estes empreendem verdadeiros fluxos

migratórios, principalmente da região nordeste para o centro-sul do país, onde são

submetidos a condições subumanas; no âmbito do processo de apropriação da

mais-valia, suas condições materiais de existência se assemelham a de escravos do

período colonial. Cabe ressaltar ainda o intenso fluxo migratório pendular destes

trabalhadores, que se deslocam cotidianamente dos seus municípios localizados em

regiões produtoras para a lavoura canavieira.

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O fato é que essa super exploração da força de trabalho tende a

aumentar com a expansão do agronegócio canavieiro, uma vez que o processo de

concentração fundiária, já abordado, faz com que haja maior abundância de mão de

obra, uma vez que expropria ou expulsa o camponês de sua unidade de produção.

No âmbito do mercado de trabalho, isso acaba por rebaixar os salários já baixos, e

submete os trabalhadores a uma exploração cada vez maior.

Em condições de excesso de oferta de mão de obra no mercado de

trabalho, o agricultor capitalista tem a possibilidade de apoderar-se de uma quantia

maior de mais valia, o que conseqüentemente irá aumentar seus lucros, que

poderão ser reinvestidos no incremento e na expansão física de sua produção,

agravando ainda mais a exploração do trabalhador.

Assim, são exigidos níveis de produtividade cada vez maiores, ao mesmo

tempo em que pioram as condições de trabalho e são rebaixados os salários, afinal,

se os trabalhadores, expropriados e sem alternativa para sustentar suas famílias,

não se submetem a essas condições, existe um exército de reserva gigantesco,

pronto a substituí-los. Este é composto majoritariamente por expropriados da terra,

resultado do histórico processo de concentração fundiária que se agrava durante os

ciclos econômicos baseados na exploração agromercantil.

A expansão da produção de agrocombustíveis sobre áreas de policultura

faz com que haja uma expropriação crescente dos trabalhadores destas unidades de

produção, que para se reproduzirem tem de vender sua força de trabalho sob

condições impostas pelo agroindustrial. Aí se manifesta uma contradição gigantesca

entre o lucro cada vez maior do agroindustrial e as péssimas condições materiais de

existência do assalariado rural, num contexto em que:

[...] a cultura da cana – d e – açúcar [intensificada pela nova geopolítica energética internacional] se processa em um regime de autofagia: a cana devorando tudo em torno de si engolindo terras e mais terras, consumindo o humo do solo, aniquilando as pequenas culturas indefesas e o próprio capital humano, da qual sua cultura tira toda a vida. (CASTRO, 2001, p. 99).

Portanto são as condições de super exploração da força de trabalho que

fazem com que o Brasil, no âmbito da divisão internacional do trabalho, ao produzir

etanol, utilize a apropriação de mais valia e a converta em uma vantagem

comparativa. Eis uma das razões pelas quais o país é o mais competitivo do mundo

neste setor econômico

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Esta conjugação de fatores supõe a disponibilidade de milhões de

hectares agricultáveis, em uso ou não, incentivos estatais, além de tecnologia

mundialmente reconhecida e ainda sem competidores à altura.

Isto sem contar com o multitudinário exército de mão – de – obra a ser

explorado, resultado de políticas semelhantes que priorizaram a monocultura

agroexportadora, expropriando milhões de trabalhadores de suas unidades de

produção. Estes migraram forçosamente para as periferias das grandes cidades,

principalmente, e agora retornam ao campo sob a condição de “bóias - frias”, se

submetendo à lógica do capital. Ainda assim, há quem afirme que a expansão da

monocultura, com fins de se produzir agrocombustíveis, trará benefícios para toda a

sociedade.

Embora possa ser lucrativa e rentável temporariamente para o

agronegócio (basta considerar outros ciclos econômicos nacionais baseados na

agroexportação), o fato é que justamente em épocas de maior expansão deste setor,

maior tem sido a exploração e subjugação da força de trabalho. Na atualidade, ela é

equivalente à da escravidão colonial, como apontam alguns estudiosos.

Outra hipótese a ser levantada é que a expansão desordenada da

monocultura canavieira pelo território intensificará conflitos sociais. Isto porque no

Brasil a luta pela terra tem sido uma forma de resistência empreendida pelos

expropriados, visto que como assinala Martins (1995, p.35) parte do campesinato

brasileiro, após ser expulso da sua unidade produção, empreende toda uma luta

para a terra reconquistar.

Estamos, pois diante de um cenário em que o avanço da monocultura

canavieira poderá aprofundar situações de conflito social no campo, pois à

expropriação some-se o avanço sobre áreas onde já existem fortes tensões sociais,

o que por si só ratifica esta colocação.

De acordo com o MAPA (2007) existem cerca de 330 usinas no Brasil, as

quais processam a cana produzida em cerca de 7 milhões de há. Isso representa

uma área média de 21,2 mil ha. por unidade agroindustrial. (IBGE, 2007)

O fato é que os principais conflitos sociais observados no campo

brasileiro estão intimamente ligados à luta pela reconquista de terra retirada do

camponês, em processos não muito diversos do da expansão da cana – d e –

açúcar. Foi o avanço de atividades do agronegócio, em diferentes períodos

históricos, que motivaram contraditoriamente processos de resistência camponesa,

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desde os quilombos, passando pelas ligas camponesas, movimentos regionais

diversos, chegando até o MST e outros movimentos sociais.

Portanto, a nova geopolítica energética internacional, ao buscar

transformar o etanol na mais nova commoditie do agronegócio brasileiro, poderá

absorver e concentrar grandes parcelas de terra, expropriando milhares de

trabalhadores rurais, o que possibilitará, por outro lado, a intensificação da histórica

luta pela terra no Brasil.

1.2. O processo de territorialização do capital no agronegócio canavieiro: aspectos conceituais

Antes de se iniciar a discussão acerca das implicações do processo de

territorialização do capital no agronegócio canavieiro do norte do Paraná, faz-se

necessário realizar algumas considerações que ajudarão a caracterizar e a

compreender algumas peculiaridades deste processo.

Em primeiro lugar, quando se faz referência à territorialização do

agronegócio canavieiro, se está falando do processo pelo qual os grupos detentores

do capital empregado nesta atividade econômica se apropriam física e

(simbolicamente) de uma porção do espaço geográfico, delimitando desta forma sua

área de atuação, ou seja, seu território, conforme elucida Raffestin (1993, p.143).

Contudo isso não significa que este capital exercerá a partir de então um

controle tão somente sobre a base física em que está assentada a sua produção,

quer dizer, sob as áreas de plantações de cana de açúcar, a unidade agroindustrial

onde esta cana é processada (usina), objetos estes que geralmente são propriedade

privada do negócio agroindustrial.

Pelo contrário, esta apropriação territorial vai além destes domínios físicos

privados, compreendendo ainda o controle sobre a força de trabalho necessária a

sua produção, e em muitos casos o aparelho de estado na sua representação local.

Enfim, os limites deste território passam a ser definidos pelo controle de tudo aquilo

que é necessário para a reprodução ampliada do capital do agronegócio canavieiro.

Este processo acaba resultando em um território gestionado e ordenado

por este tipo de capital, o que acaba produzindo formas espaciais e práticas sociais

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bem específicas, produzidas no âmbito desta territorialização, cuja concretude no

visível e no invisível (essência e aparência) são os limites deste território.

E as delimitações destes territórios se dão através de relações de poder,

como aponta Raffestin (1993, p.144), poder este que emana dos grupos detentores

do capital investido no agronegócio canavieiro e que travam uma luta com outras

formas territoriais já existentes. Isto para se apropriarem e subjugarem tudo aquilo

de que necessitam para auferir a máxima renda fundiária possível, ou seja, os solos

(aqui se compreende a fertilidade e a localização dos solos propícios ao cultivo da

cana de açúcar5), a infra-estrutura para circulação de insumos e da produção

canavieira, a força de trabalho necessária para esta produção, e por outro lado,

influindo de forma determinante no comércio, na qualidade de vida da população

local, fatores estes que acabam caracterizando a territorialidade das formas e das

práticas sociais aí existentes.

Isto representa dizer que no interior destes territórios geridos por este

poder econômico, grande parte do que nele ocorre está de uma forma ou de outra

relacionado com o tipo de atividade econômica que territorializou o espaço.

No caso específico do processo de territorialização do agronegócio

canavieiro, há de se considerar que existe uma subordinação da dinâmica urbana

dos municípios que possuem porções de seu território político-administrativo como

base territorial do CAI sucroalcooleiro. O principal motivo desta subordinação se dá

pela dependência econômica destes núcleos urbanos com relação ao capital aí

territorializado.

E como se sabe, o agronegócio canavieiro é uma atividade econômica,

que por sua estrutura de produção se apresenta como sendo altamente

concentradora de terras e renda, daí o fato de que a renda fundiária auferida pelos

agroindustriais capitalistas acaba ficando nas mãos de uma minoria detentora do

capital investido neste negócio, que na maioria das vezes não reside na região da

base territorial da produção, o que significa uma evasão da renda fundiária gerada

pelo agronegócio canavieiro.

Ora, se a riqueza socialmente produzida pelos trabalhadores não fica

nestes municípios, pode-se dizer que a dependência econômica de que se fala, é

uma dependência pelo salário destes trabalhadores, que ao adquirir os gêneros

5 Fatores que possibilitam ao agroindustrial auferir renda diferencial da terra.

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necessários para sua reprodução o colocam sob circulação no comércio local.

Isto pode se comprovado pelo fato de que, é na época das safras que

duram em média 8 meses, que se constata uma maior prosperidade no comércio

local, uma vez que este depende do dinheiro circulante dos assalariados da

agroindústria canavieira, sendo pois geralmente um comércio que existe

primeiramente para suprir as necessidades imediatas destes trabalhadores.

Aí está uma contradição na divisão da renda socialmente produzida:

mesmo explorando a mão-de-obra local, os recursos naturais etc, cujo processo de

territorialização assegura, há uma evasão da renda fundiária para o exterior do

domínio político-administrativo do município. E isto justifica o fato de que mesmo o

agronegócio canavieiro sendo tão rentável, os municípios dos territórios do capital

sucroalcooleiro são extremamente pobres.

Pobres porque sua dinâmica geoeconômica gira em torno da ínfima parte

desta riqueza socialmente produzida que fica nestes municípios sob a forma de

salário pago ao trabalhador para sua reprodução como pessoa.

É desta forma que cai por terra o discurso dos defensores do

agronegócio, que apregoa as benesses da dinâmica econômica dos municípios que

constituem a base territorial do empreendimento agroindustrial canavieiro, como

será demonstrado posteriormente.

Como pode haver esta dinamicidade econômica se o CAI sucroalcooleiro

ao territorializar sua área de atuação subordina os "sistemas de objetos e de ações"

aos interesses da reprodução ampliada do capital aí investido, sendo incompatíveis

com a distribuição da riqueza socialmente produzida?

E como se sabe, a canavicultura de base empresarial é uma atividade

que concentra terras tanto do ponto de vista quantitativo, quanto espacial, fato que

justifica sua territorialização de forma concentrada no entorno da agroindústria, por

razões de ordem da racionalidade econômica capitalista.

Ora, esta concentração espacial, aliada a subordinação massiva de todos

os fatores de produção existentes no local, dificulta a diversidade econômica, (pelo

menos de atividades de grande porte), devido ao monopólio territorial exercido pelo

agronegócio canavieiro, o que por sua vez aumenta ainda mais a dependência deste

município, principalmente no que tange a sua dinâmica econômica.

Subordinação esta que vai além da dependência econômica destes

municípios, uma vez que o agronegócio canavieiro “[...] adota as mais avançadas

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formas de controle social e de domínio ideológico dos trabalhadores” (THOMAZ JR,

2007, p.3), o que por sua vez acaba submetendo a força de trabalho local aos

interesses da reprodução ampliada do capital aí investido.

Primeiramente esse controle social e ideológico deste indispensável fator

de produção que se encontra sob a territorialidade do capital sucroalcooleiro, se

manifesta através de “[...] uma inversão do real no plano ideológico [...]” (OLIVEIRA,

1995, p.62), que configura no processo de alienação capitalista, pelo qual o

trabalhador não consegue enxergar a riqueza socialmente produzida por ele como

fruto de seu trabalho.

O próprio discurso da eficiência produtiva e do “agronegócio que

emprega”, parece funcionar como ferramenta ideológica de subordinação de toda

sociedade, e de forma mais intensa o trabalhador, num contexto onde:

É comum ouvir de um trabalhador que o capitalista tem o direito de obter o lucro, pois ele é o dono do capital. Sendo assim, tem o direito de aumenta – lo, pois sem ele (o capital) não haveria trabalho para os trabalhadores. (OLIVEIRA, 1995, p.62).

Por outro lado não são dispensados outros mecanismos de coerção da

força de trabalho, como as ameaças e o cumprimento das mesmas feitas a

trabalhadores ou lideranças comunitárias que reivindicam melhores condições de

trabalho e de salário.

E como a força motriz destes municípios é a agroindústria canavieira, a

insubordinação a este processo de exploração pode significar a única possibilidade

de trabalho com que contam estes trabalhadores para sustentar a si e a sua família.

Por outro lado, até mesmo a escolaridade da força de trabalho é de certa

forma influenciada pelo tipo de atividade e pela forma de produção que territorializou

este espaço, sendo está de acordo com o nível de automação exigido por esta

atividade, sendo no caso da cana de açúcar baixa, uma vez que grande parte da

demanda por trabalhadores deste setor é para o corte de cana, função esta que não

requer muito ou nenhuma instrução formal.

Por outro lado, as condições de saúde da população desta territorialidade

estão de certa forma subjugadas ao poder de controle do território canavieiro. As

sucessivas queimadas, por exemplo, aumentam a ocorrência de problemas

respiratórios da população local, assim como as péssimas condições de trabalho na

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lavoura, os movimentos repetitivos executados pelos cortadores de cana acabam

por aumentar a incidência de certos tipos de doenças entre os trabalhadores.

Desta forma, pode-se dizer que existe uma relação direta entre estas

doenças com a atividade econômica que territorializou-se em uma determinada

porção do espaço geográfico, influindo assim no modo de vida da população que

habita este território controlado pelo capital sucroalcooleiro.

Se a língua nacional, a coesão étnico-cultural, por exemplo, caracterizam

por assim dizer a territorialidade de um Estado-Nação, o sentimento de

pertencimento do sujeito ao território gerido e ordenado pelo poder econômico se dá

mediante constatação da sua relação direta como dependente ou influenciado por

este poder, principalmente no âmbito das relações sociais de produção, assim como

em outras esferas do seu cotidiano, o que acaba conferindo unidade e

pertencimento na sujeição a um mesmo objetivo territorializado, daí o fato de esta

territorialidade abranger tudo e todos que em um determinado espaço estão sujeitos

a uma mesma estrutura de poder.

Outro ponto fundamenta l para esta anál ise é a questão da

multiterritorialidade que caracteriza o atual estágio da evolução estrutural do

capitalismo. Isto ocorre porque há uma série de dimensionamentos em que se é

possível territorializar vários objetivos distintos sobre uma mesma porção do espaço

geográfico, sendo isto possível devido ao fato de que “[...] o território se apóia no

espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço.” (RAFFESTIN

1993, p.144).

Ora, cada representação de poder territorializa sua área de atuação sob o

espaço e passa a controlar e a exercer este poder segundo a dimensão que requer

o objetivo que territorializou este espaço. Por exemplo, os territórios controlados

pelo setor sucroalcooleiro ocupam uma porção do espaço geográfico que também é

parte do território do estado-nação.

Há neste caso uma sobreposição de territórios, de formas territoriais

distintas, onde cada agente o controla dentro da sua “soberania”, neste caso

especifico o poder político e o poder econômico, cada qual atuando dentro de sua

dimensão, podendo sim ocorrer (quando os objetivos do Estado são confluentes

com os objetivos de classe aí territorializados) a união destes com o intuito de

combinarem sua ação de controle sobre este mesmo espaço geográfico, embora

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que de formas distintas, no intuito de perpetuar a forma territorial que lhes garanta o

poder de controlar estes territórios, cada qual na sua dimensão.

Não obstante ao processo descrito anteriormente, o fato é que via de

regra, agentes do poder econômico de um setor como o canavieiro acabam

exercendo também o controle das políticas de gestão do território do estado-nação

sob a forma de lobbyes, que no âmbito do poder político, exercem um papel de

favorecimento ao grupo econômico os quais representam.

Outro ponto a ser destacado é a questão da não continuidade física do

espaço geográfico que compõe o território do capital do agronegócio canavieiro,

quer dizer, a área delimitada por este setor não é necessariamente uma porção

geográfica contínua, dotada de uma paisagem homogeneizada pelas plantações de

cana de açúcar ou pelos meios necessários para sua produção.

Pelo contrário, se trata de uma série de porções geográficas descontinuas

espacialmente6, embora não na essência que garante a totalidade e a unidade do

território do capital do agronegócio sucroalcooleiro, uma vez que este exerce sua

“soberania” de forma conjunta e não isolada, seguem uma mesma lógica de

expansão e reprodução do capital investido sob uma mesma atividade econômica, e,

sobretudo são mediados nos seus interesses (do capital) por um mesmo Estado,

ocupando um espaço geográfico, mesmo que descontinuo, de um mesmo estado-

nação.

Por outro lado esse território do agronegócio canavieiro, por ser um

empreendimento capitalista, não é controlado por uma única pessoa física ou

jurídica, gestionado como se fosse algo unitário. Neste caso, como o da

territorialização de uma atividade econômica qualquer, cada proprietário privado de

cada unidade agroindustrial delimita sua área de atuação e orienta sua expansão de

forma individual (ainda que seguindo critérios padronizados), sendo regulados tão

somente pelos mecanismos de mercado.

Separados geograficamente através da descontinuidade física do espaço

e pela propriedade privada da terra e dos meios de produção com que conta cada

unidade agroindustrial canavieira de uma gestão única, mas totalidade enquanto

6 As áreas territorializadas pelo agronegócio sucroalcooleiro podem ser até homogêneas quando se leva em consideração a escala regional, dada a existência dos chamados “mares de cana”. O fato é que numa escala nacional, estas territorialidades se encontram geograficamente localizadas em vários pontos do país, separadas por outras ocupações do solo.

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atividade econômica que se expande pelo território de um mesmo estado-nação

seguindo os mesmos critérios.

Totalidade territorial que se expressa, sobretudo pelos mesmos

interesses de reproduzir amplamente o capital investido numa mesma atividade

econômica, que se territorializa e gestiona esse território de forma padronizada

como se fosse um todo.

Deste modo, embora apareçam espacialmente fragmentados em áreas

esparsas pelo território nacional, pode se afirmar que existe um território do capital

sucroalcooleiro, território-totalidade demarcado pelos mesmos meios e para os

mesmos fins, e deve ser concebido como único porque é “[...] uma delimitação em

relação a outros objetivos possíveis” (RAFFESTIN, 1993, p.153), ou seja, um capital

empregado numa mesma atividade econômica, com um mesmo objetivo, o que une

os espaços descontínuos geograficamente por se diferenciarem dos demais que

também se territorializam.

O fato é que se não há dúvida de que várias ilhas e outras áreas a

milhares de quilômetros de um país pertencem a um único estado-nação (Ilhas

Malvinas no Atlântico Sul pertencentes a Inglaterra, O Alaska aos EUA, etc.), não

pode haver dúvida para a unidade territorial destes espaços que se encontram

fragmentados espacialmente.

E não dá para dizer que são manchas, porções espaciais desconexas

entre si, porque na verdade estão interconectadas concreta e abstratamente através

das redes tecidas pelo meio técnico-cientifico-informacional.

Sendo o território segundo Raffestin (1993, p.144), produto das relações

de poder, a constituição do território do capital sucroalcooleiro não se dá de forma

“pacifica”, quer dizer, sem encontrar resistência.

E se há resistência é porque há nessa porção geográfica ambicionada

uma territorialidade já constituída. É nesse contexto que se processa a

desterritorialização de antigas práticas e representações espaciais (uma atividade

econômica, por exemplo) juntamente com uma mudança nas relações sociais de

produção, estas últimas se adaptando as exigências da nova territorialização.

É de fato uma luta travada entre poderes, porque não dizer luta de/entre

classes pela demarcação do território. Cabem as forças enfraquecidas em vias de

desterritorialização, resistirem in loco ao novo poder, que neste caso significa

mesmo em condições adversas, continuar insistindo nas antigas práticas e na

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manutenção mesmo que sob a forma de resquícios, das antigas formas territoriais,

ou seja, o não arrendamento das terras ou a não venda ao agroindustrial

sucroalcooleiro, ou ainda, reterritorializar suas práticas e sua atividade econômica

em outras porções espaciais do território nacional.

Mas o fato é que comumente essa resistência se expressa na

permanência de resquícios das antigas territorialidades em meio ao novo território.

É justamente por isso que nos territórios dominados pelo capital

sucroalcooleiro, por exemplo, onde impera a cana-de-açúcar, e onde o território

passa a ser gestionado e ordenado de acordo com os interesses desta produção,

não se exclui por completo outras formas espaciais, tais como a agricultura

policultora familiar, pastagens, lavouras de soja, milho, entre outras remanescências

da desterritorialização de outras atividades econômicas.

Desta forma,

“[...] o território deve ser apreendido como síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/ modo de produção/ distribuição/circulação/consumo e suas articulações supraestruturais [...] onde o território é produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência [...]. (OLIVEIRA apud PAULINO, 2006, p.15).

Onde hoje é território da cana-de-açúcar, no passado pode ter sido

território do café, das pastagens e assim por diante. Os grupos que controlam

determinado processo produtivo, ao se depararem com uma porção do espaço

geográfico que congrega uma série de fatores necessários à sua produção, tratam

de apropriá-lo e subjugá-lo como o território para a reprodução ampliada do seu

capital.

Não é por pura coincidência que a territorialização sucroalcooleira segue

uma lógica de localização geográfica que é produto da conjugação de vários fatores,

sejam eles de ordem natural (propriedades biogeoquimicas do solo, condições

climáticas, localização quanto ao mercado interno e externo, etc.), econômicas

(facilidades na fluidez da produção, dos insumos etc.), sociais (disponibilidade de

mão-de-obra e possibilidade de explorá-la sem nenhum ou poucos marcos

regulatórios), políticos (infra-estrutura, possíveis incentivos, etc.), dentre outros

possíveis.

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É o capital monopolista travando uma batalha pela melhor localização,

(onde o capital investido seja melhor remunerado) desterritorializando outras

atividades econômicas, num cenário em que:

[ . . . ] são as re lações soc ia is de produção e o processo contínuo/contraditório de desenvolvimento das forças produtivas que dão a configuração histórica especifica ao território [...] a construção do território é contraditoriamente o desenvolvimento desigual, simultâneo e combinado, o que quer dizer: valorização, produção e reprodução. (OLIVEIRA apud PAULINO, p.16, 2006).

É nesse contexto que o poder triunfante nesta disputa por território acaba

por controlar as terras, subjugar os objetos naturais, o comércio local, além de

redefinir o processo de produção do espaço geográfico através de suas demandas

(por máquinas, infra-estrutura, mão-de-obra, etc.), enfim, o capital sucroalcooleiro ao

delimitar a área para o seu objetivo, reserva para si o papel preponderante tanto no

ordenamento quanto na gestão deste território, cuja produção e “[...] a reprodução

do território, deriva da reprodução ampliada do capital.” (OLIVEIRA, 2004, p.40).

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2 - A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO PARANÁ

A cana-de-açúcar não se encontra distribuída de forma homogênea pelo

território brasileiro. Pelo contrário, sua produção se encontra concentrada, sobretudo

na região Centro-Sul, mais especificamente no Sudeste, onde só o estado de São

Paulo é responsável por quase 60% da cana-de-açúcar cultivada no Brasil (MAPA,

2008).

O mesmo ocorre no estado do Paraná, segundo maior produtor nacional

de cana-de-açúcar. Nesse estado existe uma concentração geográfica da área

plantada (assim como das usinas) na porção setentrional, mais especificamente nas

regiões do Norte Pioneiro, Norte Central e Noroeste paranaense que, juntos,

concentram 92,5% da cana cultivada no Paraná, como apontam Shikida e Rissardi

Jr. (2007, p. 23), e se pode observar no mapa a seguir:

Legenda

Figura 03 - Localização geográfica da produção canavieira no ParanáFonte: Canasat, 2008 – Safra 2007/2008.

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Nesse contexto, caberia então debater os fatores e variáveis que geram

essa distribuição territorial da cana-de-açúcar tanto quando se leva em consideração

a escala nacional, e principalmente o Paraná, como será abordado a seguir.

2.1. Os Fatores de Localização Geográfica no Agronegócio Sucroalcooleiro no Paraná.

Anteriormente foi abordado o processo de territorialização do agronegócio

canavieiro a partir da perspectiva da disputa territorial7 envolvendo empresários do

setor sucroalcooleiro com outros interesses de classe no campo.

Assim, a lógica que estaria norteando o processo de territorialização da

canavicultura está diretamente ligado à disputa pela melhor possibilidade de auferir

a maior renda fundiária possível, e isso se define em virtude da melhor localização

geográfica, da fertilidade diferencial dos solos, da topografia e demais variáveis que

interferem na produtividade das lavouras, entre outros.

Em outras palavras, essa disputa se dá pela combinação convergente,

em uma mesma base física, dos fatores naturais (clima, topografia, condições

pedológicas etc), econômicos (infra-estrutura, fluidez, distância dos mercados

consumidores e poder de compra destes, disponibilidade e custo de mão-de-obra

etc) e políticos (favorabilidade das políticas territoriais do Estado, manifestadas na

existência e aplicação da legislação tributária, creditícia, ambiental, trabalhista etc.).

Obviamente trata-se de uma combinação que não se pauta na estabilidade, tendo

em vista as mudanças que se operam nos mercados, no pacto hegemônico, no

controle do aparelho de Estado etc.

Cumpre, pois, atentar para os fatores que explicam o fato de mais de 90%

da cana-de-açúcar cultivada no Paraná encontrar-se nas regiões norte e noroeste

paranaense.

Como se sabe, o clima é um dos principais fatores que influenciam na

localização de uma determinada cultura agrícola, devido a dificuldade de se

minimizar os impactos nos ciclos produtivos dos chamados fenômenos extremos,

como secas acentuadas, precipitações torrenciais e geadas..

7 O foco desta disputa territorial é a tentativa de controle da terra, base de toda atividade econômica e instrumento privilegiado da especulação.

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De acordo com Alfonsi et al. (apud PARANHOS, 1987, p.52), o

desenvolvimento da cana-de-açúcar está intimamente ligado à temperatura do

ambiente em que esta é cultivada, considerando-se ót imo para o pleno

desenvolvimento desta, uma média anual superior a 20°C.

Quando se faz uma análise do mapa climático do estado do Paraná,

pode-se constatar que as maiores médias de temperatura são registradas

predominantemente na porção setentrional do estado, sendo estas mais elevadas no

extremo norte desta porção territorial.

Nesta, a média anual é de 21°C, podendo chegar a mais de 22°C na

região noroeste, como aponta o IAPAR (1994, p.34).

Cabe ressaltar ainda que esta porção territorial, correspondente ao Norte

Pioneiro, ao Norte Central e ao Noroeste do Paraná, apresenta as maiores médias

das temperaturas máximas, sendo estas superiores a 26°C, podendo alcançar

médias anuais de 28°C no Noroeste e em todo o extremo norte da porção

setentrional, na faixa de divisa com o estado de São Paulo.

Por outro lado, estas regiões apresentam ainda as maiores médias anuais

das temperaturas mínimas, variando entre 15°C e 17°C (IAPAR, 1994, p.35).

Não se pode esquecer ainda que o norte e o noroeste paranaense

apresentam a menor incidência de dias com geadas por ano ( geadas estas que

podem inclusive matar a planta durante o período de crescimento ), variando de 2 a

5 dias anuais , em contraste com as demais regiões do estado , que segundo o

IAPAR (1994, p.42) apresentam uma média de 10 a 25 dias de geada por ano .

Ressalte-se que a viabilidade do cultivo da cana-de-açúcar, dadas as

condições técnicas atuais, deixa de existir em áreas com ocorrência superior a sete

dias de geadas por ano, como apontam Koffler e Donzeli (apud PARANHOS, 1987,

p.38).

Outro ponto importante, quando se trata do clima , é a precipitação

pluviométrica. E a cana-de-açúcar possui uma necessidade hídrica que varia entre

1100 mm a 1500 mm (ALFONSI et al., apud PARANHOS, 1987, p.43).

Com relação à precipitação pluviométrica, o Paraná não apresenta áreas

com déficits de precipitação capazes de comprometer as necessidades hídricas da

cana-de-açúcar.

Nesse contexto, a distribuição das precipitações ao longo do ano é

compatível com o desenvolvimento da cultura, que necessita de chuvas mais

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generosas durante o período de crescimento da planta, e de chuvas mais esparsas

durante a maturação, como apontam Alfonsi et al. (apud PARANHOS, 1987, p.46).

Este ótimum na distribuição das precipitações pluviométricas ocorre

também nas regiões canavieiras do norte e noroeste paranaense, onde o período

mais chuvoso corresponde a janeiro e fevereiro (plantio da cana-de-açúcar), e o

mais seco vai de meados de junho até setembro, época de maturação da cana-de-

açúcar .

Esta região de clima temperado e quente, segundo Maack (2002, p.219),

apresenta ainda um índice pluviométrico médio superior a 100 mm mensais, sendo

que no mês de menor ocorrência de precipitações, este índice é superior a 60 mm.

Ainda sobre as exigências climáticas da cana-de-açúcar, há que se

destacar a necessidade de um nível elevado de insolação, uma vez que,

A cana-de-açúcar é considerada uma planta [...] [de] alta eficiência fotossintética e ponto de saturação luminosa elevado. Portanto,quanto maior for a intensidade luminosa, mais fotossíntese será realizada pela cultura, e logicamente, maior o seu desenvolvimento e acúmulo de açucares. (ALFONSI et al. apud PARANHOS, 1987, p.45).

Quanto a esta variável, as áreas canavieiras do norte e noroeste

paranaense apresentam a maior quantidade de insolação do estado do Paraná,

variando de 2400 até 2600 horas anuais na maior parte das áreas cultivadas com

cana-de-açúcar, como apontam os dados do IAPAR (1994, p.39).

Outro fator de ordem natural que pode interferir na escolha da base física

do cultivo da cana-de-açúcar é a topografia do relevo, uma vez que esta condição

pode dificultar ou facilitar a drenagem e a retenção das águas das precipitações, ,

assim como a mecanização da cultura.

A esse respeito, Ross (2006, p.62-63) aponta que as condições do relevo

pode se converter em um elemento facilitador ou dificultador do processo de

ocupação da terra agrícola, senão vejamos:

Até meados do século XX, terras boas eram aquelas que detinham solos naturalmente férteis. Nas últimas décadas, terras boas são aquelas que apresentam relevos planos ou pouco inclinados, com solos com cujas características físicas possibilitem implementar com sucesso as práticas agrícolas em sistemas mecanizados de produção.

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Com relação às condições topográficas das regiões canavieiras do norte

e noroeste paranaense, pode-s e dizer que são uma das mais propicias ao

desenvolvimento da canavicultura, uma vez que apresenta relevos regulares e

suavemente ondulados, o que propicia um índice de mecanização de 82,3%

(BRASIL, 1981, p.52-60).

Por outro lado, a capacidade produtiva do solo pode ser apontada como

um dos principais, senão o principal fator responsável pelo bom desempenho deste

empreendimento agrícola, e que tem assegurado índices elevados de renda

diferencial da terra.

Assim, são as áreas de fert i l idade natural , e que apresentam

características biogeoquímicas compatíveis ao ambiente edáfico da cana-de-açúcar,

as primeiras a serem disputadas pelos agroindustriais do setor sucroalcooleiro.

E monopolizar estes solos, seja através da conversão do agroindustrial

canavieiro em proprietário fundiário, ou mesmo em arrendatário, passa a ser uma

estratégia fundamental para a extração deste lucro extraordinário, que vem a ser a

renda territorial.

Koffler e Donzeli, (apud PARANHOS, 1987, p.20-33), ao investigarem as

áreas aptas à prática da canavicultura no Paraná, indicam que esta ocorre

fundamentalmente nos domínios pedológicos da terra roxa estruturada, do latossolo

roxo e latossolo de textura média.

Sobre esses tipos de solos, os autores apontam que a terra roxa

estruturada, são solos férteis, normalmente profundos e argilosos, o que por sua vez

atende de forma satisfatória as exigências pedológicas para o pleno

desenvolvimento da cana-de-açúcar.

Não obstante, de acordo com Koffler e Donzeli, (apud PARANHOS, 1987,

p.20-33), os latossolos apresentam predominância de características favoráveis à

cultura de cana-de-açúcar, sendo que dentre estes, o latossolo roxo é aquele que se

destaca pelos bons resultados que tem proporcionado à canavicultura.

Isto fez das regiões norte e noroeste do Paraná uma das porções do

espaço geográfico mais disputadas nas últimas duas décadas para se constituírem a

base territorial do agronegócio canavieiro.

A esses fatores de ordem natural somam-se os econômicos, uma vez que

de acordo com Kautsky (1980, p.91), “não são apenas as diferenças de fertilidade

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dos terrenos que constituem a renda fundiária, mas ainda as diferenças de situação,

a distância do mercado”.

Assim, pode-se destacar dois fatores que exercem um grande poder de

atração sob a alocação geográfica de qualquer atividade produtiva: a distância dos

mercados consumidores e o poder de compra aí existente.

No caso específico da cana-de-açúcar, sua expansão se deu com maior

intensidade na década de 1970, quando foi criado o Proálcool, cujo objetivo era criar

uma fonte de energia que reduzisse a dependência do petróleo e ao mesmo tempo

alavancasse o setor açucareiro que estava mergulhado em mais de uma de suas

cíclicas crises.

As ações dirigidas no sentido de prover a demanda dos veículos movidos

a álcool tinham um cunho territorial claro: era preciso buscar localizações próximas à

maior demanda solvável. Eis a razão pela qual o estado de São Paulo,

primordialmente, e a região centro-sul, posteriormente, convertem-se em foco

privilegiado da expansão canavieira.

Desta forma, a expansão da cana se deu primeiramente rumo ao interior

do estado de São Paulo, e à medida que as possibilidades de ampliação das

lavouras iam se esgotando, com a incorporação das áreas de melhores condições

edafoclimáticas e melhor posicionamento em face aos mercados8, buscaram-se

novos vetores de expansão, mesmo que fora dos limites territoriais deste estado.

É nesse contexto que o norte / noroeste paranaense se apresenta, em

meados da década de 1980, como a melhor localização geográfica possível para a

prática da canavicultura.

Assim, as agroindústrias que aí se alocaram, além de contarem com

fatores naturais condizentes com as necessidades da cana-de-açúcar, também

puderam desfrutar da posição geográfica estratégica em relação aos maiores e mais

potenciais mercados consumidores do país.

Cabe ressaltar que o fator força de trabalho não foi um empecilho para a

instalação destes Complexos Agroindustriais Canavieiros no norte e noroeste

paranaense. Tal como ocorreu em todo o espaço agrário brasileiro, a tecnificação da

agricultura ocorrida após meados da década de sessenta expulsou milhões de

trabalhadores de suas unidades de produção e os converteram em um gigantesco

8 De acordo com Moreira (2007, p.41), “em relação à renda diferencial I de localização, o que conta não é uma localização absoluta, mas uma localização em relação aos mercados”.

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exército de assalariados rurais, os chamados “bóias-frias”, que comprovadamente

vende sua força de trabalho por um salário que não garante dignamente sua

reprodução e a de sua família.

O rearranjo territorial que se processava nesta porção territorial do espaço

agrário paranaense, e que sistematicamente desempregava e expulsava esses

trabalhadores, criou as condições necessárias para a subjugação desta força de

trabalho, o que foi favorável à territorialização da agroindústria canavieira.

Ainda analisando a influência dos fatores econômicos sobre a alocação

geográfica do agronegócio sucroalcooleiro, o “valor” da terra também não poderá ser

desconsiderado.

Como o mercado de terras no Brasil é regulado pelo princípio da

“reserva de valor”, quando a possibilidade de auferir renda fundiária se apresenta

em desvantagem em relação à taxa de lucro proporcionada pelo mercado de

capitais , por exemplo, via de regra há um rebaixamento do preço desta mercadoria

“sui generis”, uma vez que os investimentos tendem a migrar para outros setores da

economia.

Este fato pode estar atrelado à expansão das lavouras mecanizadas

nesta região, que passaram a ser uma alternativa à agricultura de base empresarial

diante do declínio da cafeicultura (e conseqüentemente declina também a renda

fundiária) incluindo nesse contexto a expansão da canavicultura no norte do estado

do Paraná.

Outro ponto a ser destacado é a influência que exerce o fator político na

localização geográfica do setor sucroalcooleiro no norte e noroeste paranaense.

Primeiramente porque o Estado, ao desenvolver suas políticas

territoriais9, acaba por criar condições especiais que podem se converter numa

vantagem comparativa, e até mesmo orientar a expansão de uma atividade

econômica em uma determinada porção do espaço geográfico.

A intervenção do Estado, sobretudo via disponibilidade de crédito para o

setor sucroalcooleiro, (e também para outras culturas comerciais,) criou uma

conjuntura favorável à expansão. E em muitos casos, como o da cana, essas

políticas territoriais se valem do aparelho legislador para ampliar o mercado, como é

o caso da lei que obriga o incremento do etanol à gasolina.

9 E o Proálcool efetivamente constituiu-se numa destas políticas territoriais do Estado.

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Outra intervenção do Estado que pode influenciar a localização do

agronegócio canavieiro diz respeito à infra-estrutura, principalmente no que tange à

eletricidade, mesmo porque num primeiro momento esta é fundamental. Somente

quando a usina alcança capacidade produtiva considerável é que ela pode se tornar

auto-suficiente na geração de eletricidade.

Outro fator é a existência de uma boa malha rodoviária / ferroviária, que

pode contar e muito na alocação de um empreendimento, uma vez que a não

existência desta infra-estrutura acaba impedindo a fluidez da produção pelo

território.

Não se pode esquecer ainda que o Estado, nos seus mais diversos níveis

de representação, pode atuar como agente de atração destas agroindústrias, na

medida em que pode se beneficiar da arrecadação de ICMS caso estas se instalem

nos seus limites político-administrativos.

Para tanto, interferem na organização territorial, seja ele a nível municipal,

estadual e até mesmo nacional, produzindo arranjos que os tornem atrativos, por

meio da melhoria da infra-estrutura, doação do terreno, isenção de determinados

tributos por um período de tempo determinado, cessão de máquinas de seu parque

técnico, entre outros.

Ora, caso a combinação de todos estes fatores expostos se

materializarem numa base física, estará concretizada a melhor localização

geográfica para a instalação do agronegócio canavieiro.

E foi justamente a combinação entre fatores naturais, econômicos e

políticos que fizeram com que mais de 90% da cana cultivada no Paraná viesse a se

concentrar geograficamente na porção norte e noroeste.

Outro ponto a ser destacado é o grau de importância que possui cada um

desses fatores geográficos de localização. Isto se faz necessário porque os mesmos

podem variar em cada setor da economia, quer dizer, o que pode ser desnecessário

para a instalação de uma indústria ou um shopping center, como é o caso da

fertilidade natural dos solos, é um fator imprescindível para a agricultura.

Dito de outra forma, a lógica que permeia a alocação geográfica do

empreendimento privilegia, num primeiro momento, as áreas que possuem uma

combinação convergente dos fatores naturais, sem desconsiderar as variáveis

sociais, políticas e econômicas.

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É por esse motivo que as áreas consideradas aptas ao cultivo de cana-

de-açúcar do ponto de vista edafoclimático, mas que estão geograficamente

afastadas dos grandes mercados consumidores, das porções menos privilegiadas

na perspectiva do meio técnico-cientifico-informacional10, além de estarem fora do

raio de atuação das principais políticas territoriais do Estado voltadas para o setor,

tendem a ter uma ocupação tardia pelo agronegócio sucroalcooleiro.

Consideração esta que, Kautsky (1980, p. 90) elucida muito bem ao

sentenciar que “[...] não é o melhor terreno o que se lavra primeiro, mas o mais

acessível.”.

Monopolizar este espaço físico privilegiado de modo a convertê-lo em

fração do território sucroalcooleiro é a garantia da extração de uma renda fundiária

superior às demais localizações, onde esta combinação convergente não se

materializa integralmente.

Desta forma, as frações territoriais do capital sucroalcooleiro no Brasil

estão demarcadas pela combinação favorável do máximo de variáveis positivas

numa mesma porção geográfica, e que primeiramente supõem fatores

irreprodutíveis pelo trabalho humano, a saber, o solo, a insolação, as precipitações

pluviométricas etc.

Diante desta constatação, uma outra questão que deve ser colocada é o

uso do solo por outras culturas em áreas propícias ao cultivo da cana-de-açúcar e

que, por vezes, pode instaurar um conflito pelo monopólio deste solo entre os

distintos interesses de classe no campo.

E compreender a lógica inerente ao uso do solo agrícola é um exercício

fundamental para se discutir os possíveis impactos oriundos da expansão

canavieira, principalmente a competição da canavicultura com as demais culturas (a

de alimentos, por exemplo ), e a expansão da fronteira agrícola rumo a biomas que ,

por consenso universal , deveriam ser protegidos.

Com relação à disputa com outras culturas, inclusive a de alimentos, é

voz corrente entre os defensores do agronegócio que a expansão da cana-de-

açúcar não irá trazer impactos negativos, dado as dimensões geográficas do Brasil e

a existência de milhões de hectares disponíveis, principalmente no cerrado e nas

10 O meio técnico-cientifico-informacional é um conceito trabalhado por Milton Santos.

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demais regiões onde abundam áreas de pastagens degradadas, como sugere

Carvalho (2003, p.05).

Como foi visto anteriormente, existe uma série de fatores que orientam a

localização geográfica da lavoura canavieira, e a combinação entre eles pode não

ser favorável nestas áreas supostamente aptas à sua expansão.

Nesse contexto, a disputa da lavoura canavieira por melhor localização

tende a reordenar o espaço agrário das regiões já inseridas dinamicamente na

economia nacional / in ternacional , uma vez que sua expansão se dá

preferencialmente nas áreas que asseguram maior renda fundiária possível,

independentemente de se tratar de áreas cultivadas com feijão, trigo, milho,

pastagens, soja, mandioca etc, conforme será demonstrado posteriormente.

E o agroindustrial canavieiro não irá medir esforços para conseguir a

melhor localização geográfica possível para um determinado período histórico,

assim como os demais empresários do agronegócio. Muitos poderão, por exemplo,

refutar esta tese, argumentando que o alto grau de desenvolvimento cientifico e

biotecnológico pode “ criar ” condições especiais , como a correção de diversos tipos

de solos , criação de variedades de cana-de-açúcar que se adaptam aos mais

diversos domínios pedológicos e climáticos do país .

Não que isto seja uma inverdade, porque de fato não o é. Ocorre que o

agroindustrial busca num primeiro momento territorializar as porções de espaço

geográfico que naturalmente possuem vantagens comparativas superiores às

demais localidades, a fim de evitar maiores investimentos e, por sua vez, redução da

margem de lucros.

Ora, que capitalista irá imobilizar parte de seu capital na correção de

solos, ou em pesquisa e tecnologia para o desenvolvimento de uma variedade de

cana específica, quando dispõe de ambientes que dispensam tais investimentos?

Isso só faria sentido quando se esgotarem as possibilidades da melhor localização

natural. Enquanto isso não ocorre, a disputa segue a lógica da territorialização das

porções do espaço geográfico que permitem uma maior renda fundiária.

Segundo as leis da física, dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar

no espaço, de modo que as áreas ocupadas por feijão, pecuária, trigo, soja, algodão

etc serão objeto de interesse dos agroindustriais canavieiros, quando localizadas

nos vetores de expansão da cana-de-açúcar.

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E isto irá ocorrer independente da existência de milhões de hectares

vagos ou subaproveitados pela pecuária, mas que não dispõem de vantagens

locacionais para a viabilidade comercial e econômica do agronegócio

sucroalcooleiro.

Levando-se em conta que a única racionalidade que conta é a

racionalidade econômica capitalista, ganha esta disputa por território aquela

atividade que apresentar as melhores possibilidades de extração de renda fundiária

para um mesmo solo.

E é esta mesma lógica de territorialização que atua na expansão da

fronteira agrícola rumo a biomas e ecossistemas fortemente ameaçados, como a

Amazônia e o Cerrado, por exemplo .

Se por um lado os defensores do agronegócio afirmam ser ínfima a

participação da produção de cana na Amazônia, por exemplo , ignoram o fato de

que atualmente não existe o interesse , muito menos a necessidade de se expandir

rumo a esta porção territorial , tendo em vista os próprios fatores locacionais

tratados anteriormente , e que não refletem na atualidade na melhor localização

possível .

Embora o centro-sul do Pará, Rondônia e o estado do Acre possuam

solos favoráveis ao cultivo da cana-de-açúcar (KOFFLER; D O N Z E L I apud

PARANHOS, 1987, p.37), existe uma série de fatores “limitantes” no momento, como

a distância dos mercados, as condições logísticas nem sempre viáveis, em oposição

à abundância de terras na região Centro-Sul do Brasil, onde os fatores locacionais

são mais atrativos, mesmo que estejam ocupadas por outras culturas.

É aí que a expansão canavieira é mais um fator a ameaçar os biomas

indicados. Isto porque estaria se processando um rearranjo territorial no espaço

agrário brasileiro, posto que culturas desterritorializadas pela expansão da cana-de-

açúcar acabariam se reterritorializando em áreas de fronteira, como a Amazônia e o

Cerrado por exemplo..

E o algodão e as pastagens ilustram bem este processo conforme será

abordado posteriormente.

Em outras palavras, ainda que a cana não invada a Amazônia

diretamente, as pastagens, a soja, o milho o farão. E esta invasão indireta ocorrerá

até que a cana-de-açúcar encontre disponível uma localização geográfica superior

que a da região amazônica, por exemplo.

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Se por acaso estas virem a se esgotar, e continuar existindo uma

demanda considerável, aí sim será viável investir na biotecnologia, na correção dos

solos, enfim na adaptabilidade artificial da canavicultura a áreas que atualmente se

apresentam hostis, assim como pode vir a ocorrer o direcionamento das políticas

territoriais do Estado para esta região.

A partir desta situação, a cana-de-açúcar estaria diretamente na linha de

frente da expansão da fronteira agrícola sob estes biomas e ecossistemas, fato que

até o momento não se apresenta de forma viável do ponto de vista da racionalidade

econômica capitalista, embora não se possa isentar o agronegócio sucroalcooleiro

dos danos provocados pela expansão da fronteira agrícola para estas localidades,

uma vez que este comportamento já ocorreu com outras culturas do agronegócio,

como é o caso da soja e a própria cana cultivada no Cerrado mato-grossense, por

exemplo.

Quanto ao rearranjo territorial destas culturas, embora tenha havido uma

expansão extraordinária da cana-de-açúcar nos últimos anos, todas as culturas que

puderam se relocalizar no território não sofreram grandes quebras na produção,

como é o caso do algodão, conforme demonstram os gráficos 2 e 3.

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

1990 1995 1998 2002 2006ton

elad

as

Gráfico 2: Evolução da área ocupada com algodão no Paraná – 1990-2006Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

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-

200

400

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800

1.000

1.200

1.400

1.600

1990 1995 1998 2002 2005

To

ne

lad

as

Gráfico 3: Evolução da área ocupada com algodão no Brasil– 1990-2005.Fonte: MAPA, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

Isto ocorre porque a demanda por estes produtos continuou existindo,

principalmente a externa, e estas culturas não deixaram de ser produzidas no país.

Foram sim desterritorializadas, mas motivados pelos altos rendimentos que seu

cultivo pode oferecer devido a continuidade da demanda, se reterritorializaram,

procuraram se realocar na melhor localização geográfica disponível, mesmo que as

conseqüências disto possam se configurar na destruição das base naturais da

própria vida , além de potencializarem os conflitos fundiários em regiões

conflagradas e monopolizarem dezenas de milhares de hectares de terras em prol

da reprodução ampliada de seu capital .

É nesse contexto da busca e da disputa pela melhor localização

geográfica possível num determinado período histórico, que se explica todo o

rearranjo territorial do espaço agrário brasileiro, em que monopolizar as porções do

espaço geográfico dotadas de uma combinação convergente entre os vários fatores

de localização, significa a possibilidade real de se extrair uma maior renda fundiária.

E ao desfrutar da melhor localização geográfica, classes ou frações de

classe passam a auferir renda em patamares diferenciais, além de controlar a terra,

os recursos naturais, a força de trabalho, as políticas públicas etc, numa

demonstração incontestável de controle e capacidade de ordenação territorial

conforme interesses privados.

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2.2. A Expansão Canavieira

Ao contrário do que ocorreu na região nordeste, o estado do Paraná não

fez parte do ciclo da cana-de-açúcar durante o período colonial. Do ponto de vista

econômico, mesmo na primeira metade do século XX, a produção estadual era

praticamente inexpressiva.

Isto porque este estado somente veio a se constituir como fronteira

econômica no século XIX, ao contrário do Nordeste, que por características

geográficas inalienáveis, sobretudo a localização com relação aos fluxos do e para o

além mar, aliado as condições edafoclimáticas, converteu-se em espaço privilegiado

para a implantação da monocultura açucareira nos moldes conhecidos.

Enfim, a própria localização geográfica do Paraná é um fator não

negligenciável, tendo em vista a posição em relação ao grande mercado consumidor

europeu, que durante o período colonial era o principal e praticamente exclusivo

destino das exportações do açúcar produzido nos trópicos.

A região que congregava as condições naturais, econômicas e sociais

para o pleno desenvolvimento da cultura de cana-de-açúcar no estado do Paraná,

que corresponde geograficamente às faixas de terras localizadas nas regiões norte e

noroeste, principalmente, só seriam ocupadas e teriam expressividade econômica a

partir da segunda metade do século XX, quando se inicia o processo de ocupação e

colonização desta porção territorial.

Como se sabe, a incorporação econômica do norte do Paraná foi um

apêndice da expansão da cultura cafeeira que já se encontrava há quase um século

instalada no vizinho estado de São Paulo, e que predominou no espaço agrário do

norte/noroeste paranaense até meados da década de 1970, sendo que, de acordo

com WESTPHALEN et al (1969, p.223), o Paraná chegou a produzir um terço da

produção mundial de café.

Nesse contexto, a região da Zona da Mata nordestina, que corresponde

ao chamado Nordeste Açucareiro, bem como as diversas “ilhas de produção” da

região sudeste, eram as duas áreas de maior expressividade na produção de cana-

de-açúcar, embora já na década de 1950 já se observasse a instalação de grandes

unidades de produção agroindustrial no estado do Paraná, como é o caso da” Usina

Central” em Porecatu, que já figurou entre as maiores usinas sucroalcooleiras da

América Latina.

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O grande marco na expansão do agronegócio canavieiro pelo estado do

Paraná foi a criação pelo governo militar brasileiro do Proálcool na década de 1970,

cujo objetivo principal era alavancar a agroindústria sucroalcooleira através da

criação de uma demanda interna por etanol diante de uma crise internacional no

preço do açúcar e do endividamento dos agroindustriais canavieiros, como aponta

Yoshinaga (2006, p.78).

Neste mesmo período da década de 1970, ocorria no estado do Paraná,

(assim como no estado de São Paulo) a intensificação de um processo que se

iniciara em meados da década de 1960, que era a substituição das lavouras

cafeeiras por outras culturas.

Nesse contexto, a cana-de-açúcar surge como uma alternativa econômica

à agricultura de base empresarial, e ainda, esta substituição foi favorecida pelos

recursos públicos do estado brasileiro, que começou a atuar nesse sentido já na

década e 1960 no estado de São Paulo, e depois em todo o Centro-Sul:

A expansão da agroindústria canavieira no estado de São Paulo ocorreu conforme o planejamento político engendrado pelo Grupo Executivo de racionalização da Agricultura – G E R C A – cujos estudos realizados desde 1961 apontava que as usinas de açúcar eram as atividades agroindustriais prioritárias para substituir a agricultura cafeeira [...] o Instituto Brasileiro do Café – IBC- firmou convenio com o IAA, visando a coordenação conjunta do programa de erradicação dos antieconômicos cafeeiros. (YOSHINAGA, 2006, p.78)

É a partir destas iniciativas empreendidas pelo Estado brasileiro, cujo

papel histórico no processo de formação econômica nacional privilegiou as formas

de produção agropecuária mercantil, que ocorreu no Paraná uma expansão

vertiginosa da agroindústria sucroalcooleira.

E isso pode se comprovado mediante a ampliação tanto da área plantada

quanto no aumento do número de usinas e destilarias implantadas, sobretudo nas

regiões norte e noroeste paranaense, onde as condições naturais constituem de

forma satisfatória o ambiente edafoclimático da cana-de-açúcar, além do fato de que

a porção setentrional do Paraná se encontra geograficamente na região de maior

frota nacional de automóveis e conseqüentemente o maior mercado consumidor de

etanol, que é o Centro-Sul.

Se na safra de 1978/1979 existiam no Paraná apenas quatro unidades

produtoras de cana moída, em 1986 já eram 26, como aponta Shikida (2001, p.34),

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o que representa um aumento da ordem de 650% em apenas 7 anos. Atualmente

existem 30 usinas e destilarias em operação no Paraná, concentradas

principalmente no norte/noroeste, e se apontam tendências para uma franca

expansão tanto no aumento da área plantada quanto na construção de novas

unidades agroindustriais. (Figura 04).

Figura 04: Localização Geográfica das Unidades Agroindustriais do Setor Sucroalcooleiro no estado do ParanáFonte: ALCOPAR, 2008.

Esta ação coordenada pelo Estado, que atuou no sentido de instituir “[...]

canais de financiamentos para montagem de usinas [...] nas regiões cafeeiras [...]”

(YOSHINAGA, 2006, p. 78), explica o fato de que várias cooperativas cafeeiras do

Norte e do noroeste do estado investiram na implantação de agroindústrias

sucroalcooleiras, como é o caso da COROL, COFERCATU, Nova Produtiva, etc,

como alternativa do declínio do agronegócio cafeeiro, que significava anteriormente

a maior participação da renda destas cooperativas.

Nesse contexto, no período entre 1980-2006, houve uma diminuição de

82,4% na área ocupada pelo café no norte e noroeste paranaense (IPARDES,

2008), passando de 513.757 hectares em 1980 para apenas 89.925 em 2006.

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No que diz respeito à área cultivada no estado do Paraná, desde a

implantação do Proálcool, os dados mostram a passagem de 47.570 ha11 em 1978

para 486.127 ha12 na safra 2006/07, o que equivale a um aumento de cerca de

1021%.

Outro ponto a ser destacado, e que confere importância do estado do

Paraná no cenário do agronegócio canavieiro, é o aumento da participação da

produção paranaense na produção nacional de cana-de-açúcar, que registrou um

aumento de 282% no percentual de participação (gráfico 04), passando de 2,8% da

produção durante a safra 1978/1979 para 7,9% da safra brasileira em 2003/2004,

como apontam Shikida e Rissardi (2007, p.21).

Gráfico 04: Participação do Paraná na produção nacional de cana-de-açúcar. Fonte: ALCOPAR, 2008.

Org. Marcos Antonio de Souza

Quando se verifica uma expansão em proporções tão pronunciadas como

esta, faz-se necessário refletir sobre as conseqüências inerentes à expansão das

principais culturas do agronegócio pelo território nacional, que é a concentração

fundiária. E o estado do Paraná não fugiu à regra, reafirmando o processo de

monopolização do patrimônio fundiário desde os primórdios da formação econômica

do Brasil.

Só para se ter uma idéia desta concentração, em 1986, ano ápice da

fabricação de automóveis movidos a etanol no âmbito do Proálcool, se tinha no

11 Conf. Shikida (2001, p.30).12 Conf. ALCOPAR (2008).

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estado do Paraná uma média de 6 mil hectares de área plantada para cada unidade

agroindustrial.

Na safra 2007/2008 esta média já era de 16.200 hectares por cada

unidade, o que significa um aumento de 270%, num contexto em que “[...] a

presença de grandes complexos agroindustriais [...] produção agropecuária [...]

redefine toda a estrutura no campo.” (OLIVEIRA, 1995, p. 05).

Gráfico 05: Tamanho médio cultivado por cada unidade agroindustrial canavieira no Paraná – 1980-2007. Fonte: ALCOPAR, 2008. Org Marcos Antonio de Souza.

Ora, e quando se fala nesta redefinição da estrutura produtiva se está

falando em novos critérios da gestão do território sujeitando-o a uma nova forma de

produzir, onde o monopólio das terras (através da propriedade privada ou do

arrendamento) passa a desempenhar um papel preponderante no auferimento da

renda fundiária, que é a lógica da racionalidade econômica capitalista no âmbito da

agricultura de base empresarial.

É necessário compreender que esta concentração fundiária é inerente ao

modus operandi do agronegócio, o que representa dizer que o capitalista só investe

no campo para remunerar o seu capital aí investido, ou melhor, reproduzi-lo de

forma ampliada, ao contrário do camponês, que cultiva na terra para retirar dela a

sua subsistência e a de sua família.

Aliada a esta discussão da concentração fundiária há ainda o debate que

envolve a dualidade existente entre a expansão da monocultura canavieira e a

produção dos alimentos para o mercado interno.

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De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e

Social (IPARDES), em 1980 havia 390.545 hectares cultivados com arroz no estado.

Já em 2006 a área havia caído para 59.545 hectares, o que representa uma queda

de 84,7%.

Outro alimento fundamental que compõe a base alimentar do brasileiro é

o feijão. Em 1980 se colheu 815.088 hectares no Paraná, segundo dados do Ipardes

(2008). Por outro lado, em 2006 a área colhida foi de 590.050 hectares, o que

representa um declínio da ordem de 27,6%.

Esta mesma constatação pode se estender batata – inglesa que teve uma

diminuição da área plantada da ordem de 33,4% nesse período, passando de

42.630 hectares em 1980, para 28.384 hectares em 2006 (IPARDES, 2008).

Gráfico 06: Evolução da produção de cana-de-açúcar no Paraná 1980-2006Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza

Por outro lado, a cana-de-açúcar registrou um aumento expressivo na sua

área colhida durante o período analisado (gráfico 06), passando de 57.990 hectares

em 1980 para 432.815 hectares em 2006 (IPARDES, 1980), o que representa um

aumento nesta área colhida de 646%, a taxas de crescimento anual da ordem de

24,8%.

Muitos poderão salientar que esses dados referentes a todo o Paraná são

incoerentes com esta análise, dada a diversidade geoeconômica do estado, num

contexto em que q u a l o otimum de localização geográfica seria a porção

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norte/noroeste paranaense. Em outras palavras, há que se atentar para o discurso

de que o avanço da cana-de-açúcar não poderia estar associado à diminuição das

áreas destinadas à produção de alimentos, como arroz e feijão.

Nesse contexto, nada melhor que tomar as mesmas variáveis observadas

anteriormente, mas agora tendo como foco o território do agronegócio canavieiro,

que corresponde ao Norte Pioneiro, ao Norte Central e ao Noroeste Paranaense.

No ano de 1980 nestas mesorregiões do Paraná, que concentravam

92,5% da cana-de-açúcar plantada no estado (SHIKIDA e RISSARDI JR, 2007,

p.23), a área colhida de arroz foi de 193.370 hectares. Já em 2006, esta mesma

porção territorial colheu 31.020 hectares de arroz (IPARDES, 2008), o que equivale

a uma queda de 83,9%.

Por outro lado, a área colhida de feijão diminuiu vertiginosamente entre

1980 e 2006, conforme indicam os dados do IPARDES. Se em 1980 o

norte/noroeste paranaense colheram juntos 262.254 hectares de feijão, em 2006

esta área foi 58,3% menor, passando para 109.130 hectares.

Já com a cana-de-açúcar ocorreu o inverso. Neste período, a porção

norte/noroeste paranaense apresentou um aumento de 662,2% na área colhida de

cana, passando de 51.189 em 1980 para 394.189 hectares em 2006.

Crescimento ainda maior apresentou a lavoura canavieira na região

noroeste do Paraná, que de apenas 815 hectares em 1980, passou para 190.068

hectares (IPARDES, 2008), o que representa um aumento da ordem de 23.221%.

A título de comparação, vejamos os gráficos 8 e 9, que ilustram bem este

processo de expansão da lavoura canavieira e seus impactos à produção de

alimentos.

Ora, o comparativo entre esses dois gráficos acima, revelam esse

rearranjo territorial do espaço agrário do norte e noroeste paranaense, onde

avançou o agronegócio canavieiro.

Em 1980 as mesorregiões do Norte Pioneiro, o Norte central e o Noroeste

Paranaense cultivaram 506.813 ha de arroz, feijão e cana-de-açúcar. Desse total,

89,9% foram cultivados com arroz e feijão em 1980.

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Gráfico 07: Área ocupada por culturas selecionadas 1980Fonte: IPARDES, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

Gráfico 08: Área ocupada por culturas selecionadas - 2006Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza.

Já em 2006 esta situação se inverte radicalmente. A área ocupada por

arroz, feijão e cana-de-açúcar somavam 534.339 ha, sendo que desse total, a cana

que ocupava em 1980 apenas 10,1% da área plantada com esses três cultivos,

passou a ocupar 73,7%.

Desta forma, esses dados, ao revelar a constatação de que

paralelamente ao crescimento vertiginoso da área colhida de cana-de-açúcar, houve

também uma queda acentuada da área colhida de arroz, feijão, batata inglesa,

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dentre outros gêneros, demonstram não se tratar apenas de uma simples discussão

ideológica atrasada, como quer fazer crer a mídia e os defensores do agronegócio,

que propalam ufanicamente a eficiência produtiva da agricultura de base

empresarial, sem atentar para a super exploração da força de trabalho, os impactos

ambientais, a soberania alimentar, dentre outros fatores.

Pelo contrário, estes comprovam um rearranjo espacial no agrário

paranaense, e de forma mais acentuada na área de territorialização da cana-de-

açúcar no estado, que controla e se expande pela porção que concentra um dos

domínios pedológicos mais férteis do país, e que está sendo utilizado para a

produção de um gênero agroexportador em detrimento da produção de alimentos.

Ora, com uma expansão desta ordem, é óbvio que o espaço agrário local

foi drasticamente impactado: os resultados mais concretos e empiricamente

verificáveis são, num primeiro momento, o predomínio de uma nova cultura na

paisagem, o que significa a destruição de usos que prevaleceram no período

anterior a esta expansão.

E não é difícil de constatar que esta substituição foi orientada pela

rentabilidade, posto que os cultivos alimentares, via de regra, apresentam margem

de lucro incompatíveis com as taxas médias de lucro perseguidas pelo agronegócio,

o que as tornam momentaneamente inviáveis para a agricultura de base

empresarial.

O fato é que no processo de expansão canavieira, estas culturas

“inviáveis”, podem estar geograficamente localizadas em áreas que também são

objeto da pretensão do agroindustrial.

Sabidamente este não irá poupar esforços em controlar a melhor

localização, no intuito de auferir um lucro extraordinário, em face das vantagens aí

contidas (solos mais férteis, menores distâncias a serem percorridas, menor

suscetibilidade a fatores climáticos etc), o que lhe permitirá auferir maior renda

diferencial.

Sobre a competição da lavoura canavieira com a cultura da mandioca,

Sepulcril e Groxco (2007, p. 3) revelam que:

A prática usada pela indústria sucroalcooleira, na disputa do espaço na região, é de arrendamento da terra aos produtores. Para o estabelecimento dos preços [...] se utilizam três critérios: fertilidade dos solos distância da indústria e facilidade de mecanização. [...] a indústria paga por ano entre 30 e 50 toneladas de cana por alqueire

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ao preço de 38 reais (ALCOPAR, 2007). Assim nas áreas mais férteis [...] o preço [...] é de 1900 reais por hectare/ano [...] e os menos férteis (...) 1140 reais por hectare/ano [...] com contratos de no mínimo cinco anos sem correr risco algum[...] os plantadores de mandioca [...] pagam em média 620 reais por hectare para uma safra de dois anos, [...] 310 reais/ha/ano.

Isto demonstra que se torna muito mais vantajoso para os proprietários

fundiários localizados na área estudada pelos autores anteriormente citados

arrendarem suas terras ao empresário do setor sucroalcooleiro, uma vez que isso

lhes permitirá auferir uma renda entre 267% e 512% maior, para a pior e a melhor

localização respectivamente.

Não se pode esquecer ainda do impacto que a expansão da lavoura

canavieira produz no aumento dos custos de produção de várias culturas que estão

no entorno da sua expansão, refletidos não somente no aumento do valor e do

aluguel da terra, mas também na regulação dos preços do frete, disponibilidade da

força-de-trabalho e consecutivo aumento do valor desta mercadoria, assim como o

aumento nos custos relativos a hora trabalhada pelas máquinas, que passam a

operar tendo como marco regulatório os valores comparativos pagos pela

agroindústria canavieira.

Ao mesmo tempo, esta expansão canavieira rumo às terras ocupadas por

outras culturas acaba produzindo um encarecimento no preço, assim como no

aluguel da terra,facilitando assim a especulação imobiliária nas adjacências do

empreendimento agromercantil, e diante do monopólio exercido pelo agroindustrial

sucroalcooleiro, acaba-se dificultando o acesso a terra por parte dos camponeses

policultores.

Um outro ponto que se deve atentar é para o processo já descrito

anteriormente, que retrata a dependência econômica dos municípios para com a

ínfima porção da riqueza socialmente produzida que fica nestes sob a forma de

salário pago aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro.

Isto parece explicar o fato de que estes municípios localizados nas

territorialidades do agronegócio canavieiro são bastante empobrecidos, uma vez que

se constata que os lucros oriundos da obtenção da renda territorial fundiária não fica

nesses municípios da base territorial da produção da agroindústria canavieira.

Não se pode esquecer ainda quando se analisa os impactos da expansão

da cana-de-açúcar pelo território paranaense, ou mesmo brasileiro, o fato de que se

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está diante de uma produção que tende a se expandir em quantidade e velocidade

difíceis de prever, uma vez que a expansão verificada neste período se deu

majoritariamente para atender a demanda interna, criada pelo Proálcool.

No entanto, não se deve desprezar a demanda interna e externa de

açúcar13, senão vejamos os gráficos 9 e 10:

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

1990/91 1993/94 1997/98 2002/03 2007/08

To

ne

lad

as

Gráfico 9: Evolução da produção de açúcar no Paraná 1990-2008Fonte: ALCOPAR, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.

0200.000400.000600.000800.000

1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.000

1990/91 1993/94 1997/98 2002/03 2007/08

met

ros

cúb

ico

s

Gráfico 10: Evolução da produção de álcool no Paraná 1990-2006Fonte: ALCOPAR, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.

13 Apesar de atualmente a mídia, ou os estudiosos do assunto derem uma atenção maior a produção de etanol, não se pode desprezar a produção nacional de açúcar, uma vez que o Brasil é líder mundial neste segmento.

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Este questionamento procede na medida em que as projeções apontam

para uma possibilidade de uma demanda externa gigantesca, motivada por uma

nova geopolítica energética internacional que visa diminuir a dependência do

petróleo. Isso poderá converter o etanol em mais uma commoditie para atender uma

demanda externa que na atualidade ainda é pequena, enquanto que as outras

culturas do agronegócio já trabalham com uma demanda interna e externa bastante

extensa. Se os desdobramentos descritos decorrem da demanda interna, o que não

dizer quando existir concretamente um mercado externo a ser suprido.

Outro ponto que deve ser destacado ao se analisar a diminuição da área

ocupada de arroz e feijão no Paraná é um fato que vem a corroborar o que os dados

censitários já confirmam: são os camponeses, agricultores familiares, que produzem

a maior parte dos alimentos e em pequenas parcelas de terras.

Isto pode ser comprovado ao se levar em conta que durante o ciclo da

lavoura cafeeira no Paraná, as relações sociais de produção predominantes não se

baseavam exclusivamente no pagamento de salário pelo trabalho executado, ou

seja, constata-se no período a vigência de relações pré-capitalistas. Um fazendeiro

cafeicultor, por exemplo, poderia ceder os frutos da primeira colheita ao trabalhador

que “formou” o seu cafezal, acrescido do direito deste último cultivar entre as ruas de

café alguns gêneros alimentícios, como o milho e a mandioca.

Outros tantos tinham o mesmo direito, ao executar os tratos culturais

(capina, “arruamento” etc), podendo estes cultivar entre as ruas, ou nos espaços

vagos e inviáveis para o cultivo do café, como é o caso dos “brejos” e alagados nos

fundos de vale das fazendas, áreas estas propícias ao cultivo de arroz, como

assevera Padis (1981, p.108).

Como a população no campo era majoritária até a chamada

“modernização conservadora”, e os camponeses cultivavam vários produtos

destinados a sua subsistência enquanto trabalhavam para o fazendeiro numa

lavoura voltada para exportação, é óbvio que uma grande quantidade de alimentos

era produzida por estes.

Isto justifica fato de que as transformações ocorridas no espaço agrário do

norte/noroeste paranaense eliminaram tanto o café, quanto uma enorme quantidade

de arroz, feijão, mandioca, dentre outros gêneros alimentícios, desinteressantes

para o setor produtivo do agronegocio até a atualidade.

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As lavouras de soja, cana-de-açúcar, as pastagens etc, que ocuparam

estas áreas, eliminaram por completo esta produção de subsistência, até porque o

trabalhador destas culturas geralmente não se fixa mais no campo, uma vez que o

modus operandi do agronegócio se pauta na extração da renda territorial fundiária

com vistas a reproduzir amplamente o capital aí investido, sendo distinto do

processo de reprodução camponesa ainda persistente no espaço agrário do norte e

noroeste paranaense.

Nesse contexto, da inexpressividade econômica da primeira metade do

século passado, passando pela implantação do Proálcool na década de 1970, que

impulsionou a expansão tanto de novas usinas de álcool e açúcar quanto num

crescimento expressivo da área plantada, o Paraná se consolidou como sendo o

segundo maior produtor de cana de açúcar do país, respondendo por quase 8% da

produção nacional.

Isto em um contexto de conjuntura favorável para a expansão do

agronegócio sucroalcooleiro, motivado tanto pela recuperação do preço do açúcar

no mercado internacional, quanto pela incorporação em larga escala do etanol à

matriz energética brasileira e internacional.

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3. A E X P A N S Ã O D O A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O N OS MUNICIPIOS ANALISADOS

Conforme já foi abordado anteriormente, a porção setentrional do Paraná

até o século XIX não estava integrada ao espaço econômico brasileiro, uma vez que

no início do processo de colonização do território, houve uma maior ênfase na busca

por metais preciosos, extração de madeira nobre e, posteriormente, na produção

açucareira, sobretudo na região Nordeste, por razões também já abordadas.

Por outro lado, a produção de erva-mate, que foi no século XIX uma das

mais importantes atividades econômicas do estado, se concentrava geograficamente

em áreas do sul e do litoral paranaense, como atesta Padis (1981, p.86).

Nesse contexto, somente no final do século XIX e início do XX que se

concretizou a inserção da região norte do Paraná à economia nacional, por meio da

presença de agricultores interessados em cultivar café nessa região, sendo que

Cancian (1981, p.14) descreve os anos iniciais do século XX até a crise de 1929,

c o m o s e n d o u m p e r í o d o d e i n c e n t i v o à p r o d u ç ã o c a f e e i r a.

O fato é que este processo de ocupação só veio a acontecer de forma

mais intensa após a década de 1940, com o avanço da frente pioneira, que

incorporou à economia de mercado capitalista as porções territoriais pouco densas

demográfica e economicamente, ou ainda que apresentassem uma produção de

subsistência e comercialização de excedentes, típica da frente de expansão.

3 . 1 . Antecedentes da formação do espaço agrário dos municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci, Centenário do Sul e Nossa Sra. das Graças.

Após a década de 1920, o governo do estado começou a empreender as

políticas de colonização privada para a porção setentrional do Paraná, que giravam

em torno das concessões destas áreas para grupos imobiliários, os quais

empreenderam o processo de incorporação demográfica e econômica da região

n o r t e d o e s t a d o , p o r m e i o d a c o m e r c i a l i z a ç ã o das te r ras .

Bragueto (1996, p.49) ao caracterizar o processo de colonização do Norte

Novo (região na qual estão inseridos os municípios de Colorado, Porecatu, Guaraci,

Centenário do Sul e Nossa Senhora das Graças), dividiu-o em três períodos, sendo

o primeiro o de 1920 a 1930. Segundo o autor, este período ficou marcado pela

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concessão de significativas porções de terras devolutas para grandes imobiliárias

que as lotearam e as venderam.

Não é demais lembrar que este período a que se refere Bragueto é

caracterizado por Cancian (1981, p14) como sendo a última década de incentivo à

produção cafeeira (1906-1929), daí a importância em se correlacionar a expansão

cafeeira com a inserção econômica do norte do Paraná ao espaço econômico

brasileiro propriamente dito, uma vez que:

Antes dela [a cafeicultura], a agricultura paranaense era quase que de subsistência [...] e se fazia em pequenas propriedades [...] ou nas roças dos “safristas”, lavradores nômades que devastavam a floresta e engordavam porcos nas plantações de cereais, na parte não colhida. (CANCIAN, 1981, p.107).

O fato é que a procura por estes loteamentos na região se deu em

grande parte por colonos e fazendeiros oriundos, sobretudo das regiões cafeeiras

paulistas, demonstrando que o desenvolvimento econômico do norte do Paraná tem

sua gênese na expansão do espaço econômico paulista, por meio do avanço da

frente pioneira em busca da melhor localização geográfica possível naquele

momento histórico.

Sobre esta constatação, Mombeig (1935 apud FRESCA e CARVALHO,

2007, p. 01) revela que apesar desta região pertencer ao Paraná, “[...] não deixa de

ser de facto uma região econômica paulista [...] [até pelo] prolongamento do grande

círculo dos arenitos de Botucatu, que em território paulista formam um solo

particularmente fértil pela decomposição da terra roxa [...]”.

Ora, isto vem ratificar a tese de que a expansão cafeeira ocorreu no norte

do Paraná, inclusive no período da depressão econômica de 1929, quando o

governo brasileiro restringiu a produção cafeeira nos grandes estados produtores,

exceto no Paraná, cuja produção estava abaixo da cota estipulada para esta

restrição, como aponta Westphalen et al. (1969, p.214), o que fez da região norte do

Paraná uma nova fronteira agrícola, mais especificamente para o café.

Isto se deu, em parte, devido à ambiente edafoclimático condizente com a

cultura cafeeira, somado ao fato de que as companhias colonizadoras, principalmente

a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), implementaram e consolidaram

uma infra-estrutura composta por ferrovias e estradas rodoviárias, indispensáveis ao

escoamento da produção, o que também colaborou com a expansão da fronteira,

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como aponta Cesáreo (1991 apud PAZ, 1991, p.42), e que marcaria o segundo

p e r í o d o d e s c r i t o p o r B r a g u e t o ( 1 9 9 6 , p . 4 2 ) , q u e v a i d e 1 9 2 9 -1940.

Cumpre salientar que naquele momento, o processo de ocupação e

colonização descrito ainda não tinha culminado na formação dos municípios de

Porecatu, Centenário do Sul, Guaraci e Nossa Senhora das Graças.

A gênese destes municípios remonta a um período posterior,

caracterizado por Bragueto (1996, p.49) como sendo uma etapa em que o Estado

passaria a ocupar o restante dessa região, por meio da criação de suas próprias

colônias, sendo as áreas ainda não incorporadas ao processo de colonização

repassadas a pequenas companhias colonizadoras particulares:

O governo do estado do Paraná, proprietário ainda de grandes áreas de terras devolutas e de antigas concessões anuladas que retornaram ao seu patrimônio, iniciou também a partir de 1939, diretamente, um programa de colonização das muitas destas áreas no Norte do Paraná. Foram assim de iniciativa oficial [...] as colônias de [...] Jaguapitã (1943), Centenário (1944) [...] (WESTPHALEN et al,1969, p.216).

É nesse contexto que começa o processo de formação econômica e

demográfica dos municípios aqui estudados, uma vez que Colorado e Guaraci se

desmembraram da "Colônia Estadual de Jaguapitã” em 1954 e 1955,

respectivamente. Já o município de Nossa Senhora das Graças, se desmembrou de

Guaraci no ano de 1960.

Com relação ao município de Centenário do Sul, este se origina, assim

como Jaguapitã, do processo de colonização empreendido pelo governo do estado

em 1944, sendo que a única exceção deste processo colonizador empreendido

diretamente pelo Estado é o município de Porecatu, que corresponde a uma

concessão feita a um particular, o qual promoveu o loteamento, sendo “[...] fundado

em 1941, por Ricardo Lunardelli [...] proprietário de uma vasta área de terras, que

dividiu-as em lotes e as vendeu, facilitando assim a aquisição por parte de grande

número de colonos”. (PORECATU, 2008). Desta forma, Porecatu permaneceu

como distrito político administrativo do município de Sertanópolis até 1947, quando

foi emancipado.

No que diz respeito à formação do espaço agrário destes municípios,

temos que considerar, primeiramente, que na Colônia Estadual de Jaguapitã (de

onde desmembraram-se os municípios de Colorado, Guaraci e Nossa Senhora das

Graças), o sistema de colonização praticamente foi similar àquele empreendido pela

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CTNP, pautado na divisão de pequenos lotes vendidos aos colonos (WESTPHALEN

et al., 1969, p.217).

O mesmo procedimento, segundo a autora, não se aplica à Colônia

Estadual de Centenário (atual Centenário do Sul), uma vez que esta foi loteada em

propriedades “[...] onde foram estabelecidas [...] grandes fazendas de café e também

de cana-de-açúcar.” (BRAGUETO, 1996, p.80).

Já no município de Porecatu, o loteamento não privilegiou a pequena

propriedade, uma vez que desde o inicio do processo de colonização deste

município, o foco foi culturas de agroexportação assentadas na grande propriedade

privada, como é o caso da cana-de-açúcar e o café, as principais culturas desde a

época da sua fundação (PORECATU, 2008).

Só para se ter uma idéia desta concentração fundiária que remonta aos

primórdios da formação do espaço agrário municipal, em 1950 Porecatu possuía

apenas 127 propriedades, que juntas, ocupavam uma área de 79.223 hectares, o

que corresponde a média de 624 hectares cada (IBGE, 1950).

Ademais, o município de Porecatu era um dos poucos a praticar a

cafeicultura de forma monocultural (CANCIAN, 1981, p.107), apresentando-se “[...] o

café como ocupação total das terras de espigões menos sujeitos à geadas e as

pastagens nos vales”.

Portanto, desde a origem, Porecatu apresenta uma estrutura fundiária

altamente concentrada, o que foi decisivo para a hegemonia da agricultura de base

empresarial, instalada neste município desde os seus primórdios, como será visto

posteriormente.

3.2. Os conflitos fundiários na região: a Revolta Armada de Jaguapitã e a Guerrilha de Porecatu

O processo histórico de formação do espaço agrário norte paranaense,

especialmente naquelas porções territoriais em que o estado promoveu a

colonização após a década de 1940, foi marcado por intensos conflitos envolvendo a

posse da terra. Foi o que ocorreu, mais especificamente no ano de 1946 em

Jaguapitã (Colônia Estadual de onde desmembraram os municípios de Colorado,

Guaraci e Nossa Senhora das Graças), e em 1950, em Porecatu, englobando

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inclusive algumas áreas do município de Centenário do Sul que, conforme abordado

anteriormente, também fora uma colônia estadual.

Ocorre que “[...] além da colonização particular, espontânea ou dirigida, e

da oficial, houve muitas vezes, a ocupação pura e simplesmente de terras devolutas,

ou pertencentes a particulares ausentes” (WESTPHALEN et al., 1969, p.231).

Ou seja, paralelo aos empreendimentos colonizadores, vários

trabalhadores rurais oriundos de outras regiões do país se estabeleceram nestas

terras, e formaram aí posses, até porque a grande maioria desta porção territorial

estava composta por terras devolutas ou pertenciam a particulares, embora

abandonadas e sem nenhum uso.

Silva (1996, p.29), ao abordar o processo de ocupação pelos posseiros na

região de Porecatu, descreve-a da seguinte maneira: “Soube-se então que aquelas

terras eram de ninguém. E por ser de ninguém, eram de todos. Ali bastava chegar e

ir tomando posse, buscando defender-se como podia dos mais fortes”.

Ora, para o posseiro a terra não é uma mercadoria mediante a qual se

paga uma quantia para ocupá-la, como assevera Martins (1980, p.61):

Posseiro não pode ter acesso a terra e dela é expulso porque não pode pagar por ela [...] [para o posseiro], é o trabalho que legitima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. Este direito está em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista.

Para ele, a terra é um meio necessário para produzir aquilo que ele e sua

família necessitam para sobreviver, daí a lógica do lema: “A terra é de quem nela

trabalha”.

Mas os projetos de colonização empreendidos pelo Estado e pelas

imobiliárias apresentavam-se com objetivos distintos aos dos posseiros aí

estabelecidos, uma vez que o processo de colonização do norte do Paraná, de

acordo com Bragueto (1996, p.49) pode ser caracterizado como sendo uma

colonização do tipo capitalista, num contexto em que o próprio Estado “[...]

proporcionou a incorporação das terras livres ao capital”.

Diante desse antagonismo de objetivos de classes instaurados no campo,

os conflitos que se seguiram nesta porção do espaço agrário paranaense foram, em

grande medida, decorrentes da diferença de significado que a terra possui para os

camponeses (no caso, os posseiros), para o Estado e para os agentes imobiliários.

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Isto num contexto em que para os últimos, a terra se transforma numa

“mercadoria”, cujo acesso só pode se dar mediante a compra e venda, para

posteriormente ser convertida em um meio de produção capaz de reproduzir

amplamente o capital aí investido, por meio da renda territorial.

Aí está a diferença, o antagonismo de que se fala. De um lado as terras

ociosas que passam a ser ocupadas por camponeses, com o objetivo de fazê-las

produzir para tirar daí o seu sustento e o de sua família, e de outro lado, os agentes

colonizadores capitalistas que se apropriam destas terras e a transformam numa

mercadoria.

Mercadoria esta valorizada no mercado de terras, uma vez que estas

posses ocorriam nas áreas propícias à expansão cafeeira, intensificada após 1940,

razão pela qual Cancian (1981, p.14) classifica o período de 1945 a 1970 como de

conjuntura dinâmica para este processo.

E se de fato esses posseiros eram um obstáculo a serem removidos para

prosseguir o processo de “incorporação das terras livres (embora ocupadas) ao

capital”, como assinala Bragueto (1996, p.49), o Estado não pouparia esforços para

expulsá-los destas áreas em favor dos colonizadores, conforme será abordado

posteriormente.

Em meio ao contexto em que se excluía o posseiro do processo de

colonização, surge o primeiro conflito armado nesta região, fato ocorrido em 1946 no

município de Jaguapitã (Colônia Estadual), quando cerca de 1500 famílias, na sua

maioria posseiros, entraram em choque com os proprietários juridicamente

constituídos, sendo que estes últimos empreenderam uma política de expulsão e até

mesmo de despejos violentos contra os primeiros. (WESTPHALEN et al, 1969,

p232).

Não obstante, a revolta dos posseiros passa a ter status de conflito

armado a partir de 1947, quando,

[...] um grupo armado tentou ocupar as terras da Fazenda Guaracy, e os sitiantes reagiram a bala, deixando um saldo de vários mortos e inúmeros feridos. O tiroteio se prolongou por mais alguns dias..Os lavradores enviaram sua famílias para os matos, e permaneceram atocaiados pelos picadões, com o dedo no gatilho, para defender suas posses contra novos assaltos.” (WESTPHALEN et. al, 1969, p.232).

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Diante do recrudescimento do conflito agrário no município de Jaguapitã,

o governo do estado do Paraná interveio, prometendo terras devolutas em outra

colônia estadual, no atual município de Paranavaí, inclusive com moradia14, para

que estes posseiros abandonassem estas áreas.

O fato é que esta promessa não foi cumprida pelo governo, o que levou à

conflagração do conflito armado, uma vez que os posseiros, crentes na promessa do

Estado, prepararam-se para a retirada, desmontando toda a sua estrutura produtiva

enquanto esperavam pela mudança. Ao não se concretizar a transferência, esses

posseiros se viram inclusive diante da escassez e da fome, o que intensificou ainda

mais a sua revolta.

Embora o fim do conflito somente tenha ocorrido no final da década de

1940, conforme será demonstrado posteriormente, o fato é que o Censo Agrícola de

1950 registrava 197 estabelecimentos em situação “terras ocupadas”, totalizando

6.486 hectares (IBGE, 1950).

Não se pode esquecer ainda o fato de que o Estado anulara a concessão

“Alves Almeida” (município de Porecatu), e passara a promover o processo de

colonização da região, incentivando a vinda de colonos de várias partes do país sem

que houvesse uma regularização fundiária em definitivo.

Esta é a razão pela qual os colonos ocuparam tanto áreas no interior das

concessões anuladas, quanto a de supostos proprietários privados, que adquiriram

terras com o intuito de especular, daí a ociosidade. Outros ainda se valeram da

grilagem, com a anuência do Estado, invocando a propriedade de terras que na

verdade nunca lhes pertenceram. (WESTPHALEN et al., 1969, p.233).

Muitos colonos chegaram a comprar tais lotes, mas a ausência de um

marco jurídico tornava praticamente impossível a comprovação de propriedade legal

das terras pelos mesmos. É o que demonstra o depoimento de um desses colonos,

extraído de Silva (1996, p.01): “Quando nós chegamos o sertão era bruto e a

civilização um sonho. Compramos terras, sangramos as mãos, pagamos impostos,

vivemos felizes. E agora nos expulsaram, mas só sairemos mortos.”.

14 De acordo com Westphalen et al... (1969, p. 232), o governo do Estado prometera “dez alqueires para cada família, uma casa de madeira e transporte, caso deixassem a região. Diante da promessa, os lavradores ultimaram suas colheitas, reuniram suas ferramentas, prepararam os ranchos para o desmonte e a remoção, e não plantaram mais nada frente à proximidade da mudança. Mas o governo não consumou a promessa e ficaram lavradores e suas famílias, sem produção, e mesmo sem alimentos.”.

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Por outro lado, o autor retrata que, mediante a propaganda estatal, os

posseiros migravam de várias partes do Brasil15, estabelecendo suas posses na

região de Porecatu, na qual derrubou-se a mata, cultivou-se a terra e construi-se

toda uma infra-estrutura produtiva, como cercas, casas, galinheiros, estábulos etc.

Como já foi assinalado anteriormente, o fato de a região possuir terras

férteis contribuiu para despertar o interesse de grandes cafeicultores, que acabaram

por se instalar ali.

Era comum encontrar-se na região agrimensores medindo terras em nome de seu doutor fulano de tal [...] Em sua ingenuidade as pessoas acreditavam [...] na titulação definitiva [...] Aos poucos os posseiros foram percebendo o engodo em que caíram. Cercas erguiam-se da noite para o dia cortando suas terras. Grandes placas chamavam-se aqui e ali com nomes de fazenda tal, propriedade de fulano de tal [...] deixando os posseiros sem saber o que fazer, uma vez que não possuíam escrituras definitivas [...]. (SILVA, 1996, p.65-66).

Diante de tamanha desordem no processo de ocupação destas áreas, a

tal ponto de Braga e d'Horta (1953, p.45) classificarem a situação como sendo fruto

de “[...] uma verdadeira orgia no Instituto de Terras do Paraná”, o governo do estado,

mais uma vez, a exemplo de Jaguapitã, prometera novos lotes a estes posseiros,

para que estes desocupassem estas terras, sendo que novamente o Estado não

cumpriu esta promessa (WESTPHALEN et al., 1969, p.233).

Num contexto em que o governo do estado não efetiva a concessão de

terras em outras regiões do Paraná a estes posseiros, somado às constantes

ameaças feitas pelos jagunços a serviço de fazendeiros, eclodiu um dos maiores

conflitos armados no âmbito da questão agrária paranaense, inclusive com

repercussão nacional, principalmente após o recurso à luta armada, promovida pelo

Partido Comunista Brasileiro (PCB) em favor dos posseiros.

Não se passaram muitos meses, e aqueles homens pacíficos, com as mãos calejadas nos cabos dos machados e das foices, e no puxar das enxadas [...] sofreram uma mudança radical em relação a seus direitos. Diante da idéia de que a terra por direito, justiça e delegação do Criador pertence a quem nela trabalha, aquelas pessoas ficaram cegas e prontas para enfrentar com todos os meios quem quer que tentasse apoderar-se de suas propriedades [...] todas dispunham de armas para caçar [...] As pessoas foram divididas por águas e bairros [...] A enxada ou a foice na roça se acrescentava a carabina, e ao

15 De acordo com Silva (2006, p. 65-66), as autoridades governamentais propagandeavam pelo Brasil, que as terras ainda disponíveis no Paraná seriam distribuídas gratuitamente aos colonos.

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facão e farnel acompanharia o embornal de munição. (SILVA, 1996, p.88-89).

É desta forma que tem início os conflitos fundiários, ou melhor, a

resistência dos posseiros na região de Porecatu frente ao poder armado dos

grandes interessados em “[...] incorporar essas terras livres ao capital [...]”

(BRAGUETO, 1996, p.49), que se valeram de jagunços16, além do próprio aparelho

repressivo do estado, que enviou centenas de efetivos policiais para a região

conflagrada. Convém ressaltar ainda que esta força policial enviada pelo governo do

estado, “[...] em vez de fazer justiça, cumprindo a palavra dada aos posseiros, ficou

do lado dos grandes, os verdadeiros invasores.” (SILVA, 1996, p.95).

Isto revela claramente a feição do Estado no Brasil17, que historicamente

vem atuando de maneira parcial nos conflitos de classe, favorecendo a manutenção

da estrutura social vigente, o que “[...] denuncia claramente o Estado brasileiro como

um Estado de classe onde [...] a justiça e a polícia estão com freqüência

subordinadas à ordem privada”. (MARTINS, 1980, p. 49-112).

Apesar de os posseiros saírem vitoriosos em vários embates contra os

jagunços e as forças policiais, Westphalen et al. (1969, p.234) afirma que “os

lavradores foram atraídos para o entendimento e desarmados”, sendo que em março

de 1951, o novo governo paranaense empreende a primeira desapropriação por

“interesse social” do país, ao declarar essas terras como sendo de “utilidade

pública”.

Ora, este contexto conflituoso em que se assenta o processo de formação

do espaço agrário dos municípios de Colorado, Guaraci, Nossa Senhora das

Graças, Porecatu e Centenário do Sul18, revelam aquilo que já foi discutido na

primeira parte deste trabalho, que é a disputa motivada por projetos territoriais

distintos. Nesse caso especifico, a luta sangrenta pelo controle da mesma porção do

espaço geográfico é, em suma, a materialização da luta de classes, posto que a

17 A esse respeito, Althusser (2001, p.74) revela que na sociedade capitalista o Estado, através dos seus aparelhos ideológicos e repressores, desempenha um papel que, na essência, consiste em garantir por diversos mecanismos, incluindo a repressão policial “[...] as condições políticas da reprodução das relações de produção[...]”, atuando sempre em favor “[...] da classe dominante que detém o poder do Estado”18 Quanto a localização geográfica dos embates da “Guerrilha de Porecatu”, “ [...] o conflito eclodiu no perímetro formado pelos municípios de Jaguapitã, Guaraci, Centenário do Sul, e Porecatu [...]” (HELLER, 2006, p.56).

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apropriação e demarcação obedece a duas lógicas em confronto: a da terras de

trabalho e a da terras de negócio. (MARTINS, 1981, p.33).

Nos conflitos fundiários de Jaguapitã e Porecatu (e em outras disputas

territoriais) a ausência de neutralidade do Estado é notória, a começar pelo incentivo

à migração de posseiros para áreas de terras devolutas no contexto do que

podemos denominar frentes de expansão, e que antecede à instalação da frente

pioneira. Após “amansar a terra”, tarefa da frente de expansão constituída por

posseiros, se estimulará o uso capitalista do território, e para isso a mediação do

Estado é fundamental, de sorte que os projetos imobiliários descritos inscrevem-se

nessa lógica.

Qualquer óbice a essa ordem, e que se supõe inevitáveis, pois os sujeitos

da ordem anterior perdem seu papel social, será tratada como uma questão de

Estado, o que explica o fato de o governo se valer de seu aparelho repressor em

favor de uma fração de classe identificada com a agricultura mercantil, no caso a

cafeicultura.

Não é demais ressaltar o fato de que a configuração atual do espaço

geográfico nos municípios estudados (assim como qualquer outra localidade), nada

mais é do que um resultado concreto dos processos que foram sucedendo-se, sob a

forma de lutas e contradições, ora materializadas em distintas formas territoriais.

3.3. Ordenamento territorial do espaço agrário dos municípios analisados entre 1950 e 1970

Conforme já foi visto anteriormente, durante o período que vai de 1950 a

1970, a cultura comercial predominante nos municípios estudados era o café.

De acordo com o Censo Agrícola de 1950, havia no município de

Porecatu19 apenas 127 estabelecimentos agropecuários20 que, juntos, ocupavam

uma área de 79.223 hectares, o que representa uma média de quase 624 ha para

cada propriedade.

19 Não é possível proceder a análise de forma detalhada acerca do uso e ocupação do solo dos demais municípios estudados, uma vez que até 1950 os mesmos ainda não haviam sido emancipados de Porecatú. Da mesma forma, é preciso salientar que a área total do município, na ocasião, era muito superior à atual.20 Aqui também se inclui os estabelecimentos agropecuários do município de Alvorada do Sul, uma vez que até 1951, este município ainda não havia se emancipado de Porecatu.

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Esta é uma evidência de que desde a chegada da frente pioneira, foi

imposto o monopólio fundiário no município, a pretexto da implementação das

culturas de larga escala, como o café e a cana de açúcar, com as quais tiveram que

competir as pequenas propriedades, nas nesgas de terras que ainda haviam

restado.

Em termos de uso do solo, em 1950 havia 10.938 hectares ocupados com

café, seguido pela cana-de-açúcar, que naquela ocasião já ocupava 2.467 hectares

da área municipal21. (IBGE, 1950).

Por outro lado, o arroz, o feijão e o milho, cultivados majoritariamente

pelos camponeses no âmbito da subsistência e da comercialização dos excedentes,

somavam 1.792 hectares plantados.

Isto revela o fato de que há um privilégio por parte dos produtores

agrícolas em cultivar nas suas terras produtos que apresentem uma alta

rentabilidade, sendo que esta constatação já se faz presente desde os primórdios da

formação do espaço agrário do município de Porecatu, caracterizado pela produção

mercantil.

É a grande exploração agromercanti l de base terri torial necessariamente extensa [...] [em que] a atividade econômica gira em torno de algum gênero essencial de grande valor comercial, deixando o mais, e particularmente os gêneros necessários àsubsistência da população trabalhadora local, em segundo e apagado plano." (Prado Jr., 1981, p.50).

Esse privilégio às culturas mais rentáveis ficou evidente em Porecatu,

pois como foi visto, enquanto 13.405 hectares foram destinados á agricultura

mercantil (voltada tanto para o mercado interno, quanto para a agroexportação),

apenas 1.792 hectares foram cultivados com milho, arroz e feijão. (IBGE, 1950),

sendo conveniente ressaltar que, para Cancian (1981, p.14), a consolidação

econômica destes municípios coincidiu com o período de expansão dinâmica da

cultura cafeeira (1945-1970).

Cabe lembrar, porém, que em meados da década de 1960 a produção

cafeeira começa a declinar a nível nacional, por conta da queda da cotação deste

produto no mercado internacional, como assevera Yoshinaga (2006 p.72-74).

21 O predomínio destas duas lavouras no município de Porecatu está expresso inclusive no hino municipal, em que se pode encontrar os seguintes versos: “ Teus exuberantes cafezais.Teus lençóis de cana verdejante [...] em parte alguma poderá haver iguais, as tuas duas gigantes chaminés [referencia a já instalada Usina Central] [...]”.

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Nesta mesma década, com exceção de Nossa Senhora das Graças,

todos os municípios estudados já tinham se emancipado, o que torna oportuno

arrolar alguns dados sobre a respectiva estrutura fundiária.

Tabela 05 - Estrutura Fundiária em 1960Municípios Nº. de

PropriedadesÁrea Ocupada

(ha)Área Média

(ha)Centenário do Sul 630 40.308 64Colorado 1.189 33.180 28Guaraci22 931 32.022 34Porecatu 60 31.525 525Fonte: Censo Agrícola de 1960, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.

A tabela 4 quadro evidencia os desdobramentos das diferenças em

termos de colonização privada empregados em cada município. Enquanto que em

Colorado e Guaraci, a divisão dos loteamentos se deu sob a hégide da pequena

propriedade, em Porecatu e Centenário do Sul ocorreu justamente o contrário,

predominando a média e grande propriedade no âmbito da constituição de fazendas

cafeicultoras e canavieiras.

Outro ponto a ser destacado é o uso do solo nesta década:

Tabela 06 - Uso do Solo em 1960Município Lavouras

Permanentes (ha)

Lavouras Temporárias

(ha)

Pastagens(ha)

Centenário do Sul 19.962 3.184 8.259

Colorado 19.029 3.221 5.884

Guaraci 14.285 8.532 8.532

Porecatu 19.920 3.687 5.352

Fonte: Censo Agrícola de 1960, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.

Embora os dados do Censo Agrícola de 1960 não especifiquem o uso do

solo por cultura, é possível ainda assim, notar o predomínio das lavouras

permanentes em detrimento da policultura.

22 Nos dados de Guaraci, estão incluídos os de Nossa Senhora das Graças, que ainda não havia se emancipado ainda.

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Não se pode esquecer ainda o fato de que as plantações de milho, feijão

e arroz desenvolveram-se basicamente como intercalares ao café, fato este que

evidencia muito bem a divisão, entre o agronegócio e o campesinato, uma vez que

estas culturas intercalares eram produzidas tanto pelos colonos, parceiros, quanto

pelos pequenos produtores de café, como aponta Carvalho (1991, p.14).

Se no período entre 1950-1960 o café era o principal produto agrícola

destes municípios, na década de 1970 não foi diferente, embora já em escala

descendente, devido à queda de preços no mercado mundial. É nesse momento que

as lavouras temporárias e as pastagens começam a se expandir em prejuízo das

áreas cafeeiras, conforme será demonstrado a seguir.

No âmbito nacional, o GERCA23 já vinha promovendo uma série de

medidas no intuito de substituir os cafeeiros considerados antieconômicos. De

acordo com Yoshinaga (2006, p.74-78), os empresários já estavam em busca de

alternativas mais viáveis, e a implantação de unidades agroindustriais

sucroalcooleiras nas antigas áreas produtoras de café foi uma delas.

Esse processo torna-se proeminente nos municípios estudados entre o

final da década de 1970 e início dos anos 1980, época em que se intensificou o

processo de tecnificação do espaço agrário brasileiro, como aponta Paulino (2006,

p.4), quando “[...], as bases do uso do solo foram alteradas, emergindo o modelo de

intensificação de lavouras mecanizáveis, em substituição às culturas que

demandavam intensa mão-de-obra.”.

Estas transformações de que tanto se falam, ficou marcada pela adoção

de novos sistemas técnicos na produção agrícola de base empresarial, sendo a

década de 1970, o marco do surgimento dos Complexos Agroindustriais, que

passaram a integrar a produção agropecuária e redefinir toda a estrutura

socioeconômica e política no campo.

Se no início da expansão do capitalismo ocorreu uma separação entre

agricultura e indústria, além da especialização do agricultor nas atividades primárias

no âmbito da divisão social do trabalho (KAUTSKY, 1980, p.283), nesta etapa atual,

marcada pela territorialização do capital, ocorre justamente o contrário:

O desenvolvimento, portanto da agricultura (via industrialização) revela que o capitalista está unificando o que ele separou no início

23 De acordo com Cancian (1981, p.47), o programa básico do GERCA era erradicar dois bilhões de cafeeiros, considerados antieconômicos.

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do seu desenvolvimento: indústria e agricultura. Esta unificação está sendo possível porque o capitalista se tornou também proprietário de terras, latifundiário, portanto [...] onde atualmente indústria e agricultura são parte de um mesmo processo. (OLIVEIRA, 2004, p.42)

Ora, esta mudança na base técnica da produção agrícola acabou levando

à expansão dos Complexos Agroindustriais, e consequentemente, há um incremento

das culturas produzidas com este fim em detrimento das demais, conforme será

abordado posteriormente.

Não obstante a estas profundas transformações, ocorre ainda neste

período, uma expulsão em massa no campo brasileiro, para atender “[...] as

premissas indispensáveis à produção capitalista” (KAUTSKY, 1980, p. 269), nesta

nova etapa do capitalismo no campo, marcado pelo processo de monopolização do

território pelo capital.

A este respeito, Martins (1980, p.54) elucida o fato de que este processo

se deu devido a concentração fundiária que promoveu a expulsão de milhões de

camponeses de suas unidades de produção, sendo que esta constitui “ [...] uma

característica essencial do processo de crescimento do capitalismo, é um

componente da lógica do capital [...] [no qual] uma lei básica do capital é subjugar o

trabalho”.

Subjugação esta que se deu através da concentração fundiária para a

prática da agricultura mercantil, tendo que ocorrer uma substituição dos “[...]

trabalhadores residentes – colonos, parceiros, ou rendeiros – pelos trabalhadores

assalariados associados a maquina [...]” (D’INCAO, 1984, p. 16-17).

Todas essas transformações foram se processando no espaço agrário

dos municípios estudados, ao mesmo tempo em que a cafeicultura ia entrando em

declínio, e novas culturas iam sendo implantadas no âmbito desta nova conjuntura,

como alternativa à agricultura de base empresarial, dentre estas a agroindústria

canavieira (YOSHINAGA, 2006, p.78), que se expandiu de forma mais intensa,

sobretudo após o Proálcool.

E este rearranjo territorial no espaço agrário dos municípios estudados

projeta-se com maior intensidade a partir da década de 1980, quando foram

implantadas várias unidades agroindústrias sucroalcooleiras no Paraná, dentre elas,

a Usina Alto Alegre, em 1978 no município de Colorado e a Destilaria de Álcool da

Cofercatu em 1986.

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4 – A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NOS MUNICÍPIOS ANALISADOS ENTRE 1980-2006

Foi visto anteriormente que a década de 1970 foi marcada pelas

profundas transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro, culminando com a

implantação dos Complexos Agroindustriais, dentre eles o sucroalcooleiro.

Por outro lado, foi visto também como o Estado brasileiro converteu-se

em agente primaz desta expansão, dada a implantação do Proálcool em 1975.

Nesse contexto, “se delineia um claro predomínio das lavouras para

exportação e/ou para o atendimento das agroindústrias [...]” (CANCIAN, 1980,

p.138-139), sendo que a cana-de-açúcar fora uma das que mais se expandiram nos

municípios estudados.

Até a década de 1970, dentre esses municípios, somente Porecatu e

Centenário do Sul produziam cana-de-açúcar com a finalidade de abastecer as

usinas açucareiras, sendo que o primeiro já contava com uma destas unidades

processadoras desde os primórdios de sua fundação.

Tabela 07 - Evolução da área ocupada pela cana entre 1970-1985 Município 1970

(ha)1975(ha)

1980(ha)

1985(ha)

Variação (%)

Centenário do Sul

1.040 2.204 4.724 6.667 +541%

Colorado 20 14 2.567 5.494 +27.370%Porecatu 7.649 6.504 8.908 9.348 +22%Guaraci24 5 - 55 99 +1.180%

Nossa Sra. das Graças

3 - 56 355 +11.733%

Total 8.717 8.722 11.586 15.296 +74,3%Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1985, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.

Em Porecatu, por exemplo, em 1970 a cana já ocupava 7.650 hectares,

ou seja, uma área maior que os 7.290 hectares cultivados com café, que ainda era a

principal cultura comercial da maioria dos municípios do norte do Paraná (IBGE,

1970). Por sua vez, em Centenário do Sul, a lavoura canavieira era a segunda

24 Embora o % da expansão no município de Guaraci e Nossa Senhora das Graças seja astronômico, o fato é que a expansão absoluta foi insignificante para os padrões agroindustriais, uma vez que esta expansão pode estar relacionada ao aumento do autoconsumo de cana-de-açúcar nas propriedades agropecuárias, principalmente para alimentação de animais.

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cultura em termos de área ocupada, registrando 1.040 hectares cultivados, contra

8.782 hectares destinados ao café.

O fato é que a partir da década de 1980, após a implantação da Usina

Alto Alegre, em Colorado, e da destilaria de Álcool, em Porecatu, houve uma

expansão expressiva da cana-de-açúcar em três dos municípios estudados, como

se pode observar na tabela 6.

Trata-se de um cenário em que o cultivo do café e da cana obedeceram a

uma lógica inversamente proporcional, com o primeiro registrando franca retração.

Assim, está evidenciado que neste período a cana-de-açúcar já se

apresenta como uma das alternativas para as propriedades exploradas sob bases

empresariais, sobretudo em Centenário do Sul e Porecatu, o que decorre, ao menos

parcialmente, do arrefecimento dos créditos à cafeicultura e a própria mediação das

cooperativas, que paulatinamente foram mudando o foco nas mediações

estabelecidas com o setor produtivo.

Tabela 08 - Evolução da cultura cafeeira entre 1970-198525

Município 1970(ha)

1975(ha)

1980(ha)

1985(ha)

Variação (%)

Centenário do Sul

8.782 11.019 7.609 1.588 -82%

Colorado 6.584 8.078 7.198 4.434 -33%

Porecatu 7.290 5.492 2.462 967 -88%

Guaraci 2003 3.081 2.552 1.515 -24%Nossa Senhora das Graças

999 2.335 1.694 730 -27%

Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1985, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza

E esta expansão do agronegócio canavieiro, principalmente nos três

municípios em que este processo se deu de forma mais intensa, se deu no âmbito

de uma nova conjuntura, marcada pela “[...] territorialização dos monopólios que

atuam simultaneamente no controle da propriedade da terra, no processo produtivo

no campo e do processo industrial da produção [...]” (OLIVEIRA, 2008),

25 Nota-se que a retração do café se processou de forma mais intensa neste período nos municípios em que houve um avanço maior do agronegócio canavieiro.

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83

caracterizado pela concentração fundiária expressa na redução do número de

estabelecimentos no período que vai de 1970 até o ano de 1996.

Tabela 09 - Evolução do número de estabelecimentos de 1970-1995/96Municípios 1970 1975 1980 1985 1996Centenário do Sul

684 577 567 617 364

Colorado 1.537 588 945 648 629Porecatu 145 74 74 157 70Nossa Srª. das Graças

652 426 264 401 262

Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1995/96, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

1970 1975 1980 1985 1996

de

es

tab

ele

cim

en

tos

Centenário do Sul

Colorado

Porecatu

Nossa Srª. DasGraças

Gráfico 11: Evolução do número de estabelecimentos agropecuários 1970-1995/96.Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1995/96, IBGE. Org. Marcos Antonio de Souza.

Como apontam os dados da tabela 8, há uma clara concentração da

propriedade fundiária, evidenciada pela diminuição do número dos mesmos,

principalmente após a década de 1970, quando da consolidação, nestes municípios,

do CAI sucroalcooleiro.

Convém mencionar ainda o fato de que houve um maior aumento no

tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários nos municípios que mais

incrementaram sua área de produção com cana-de-açúcar, como aponta o IBGE

(1970-1995/96).

Se em 1970, o tamanho médio do estabelecimento agropecuário em

Centenário do Sul era de 55 hectares, em 1996, esta já era 78% maior, ou seja 98

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hectares. Em Colorado este processo de concentração fundiária foi ainda mais

intenso, passando de 29 hectares em 1970 para 62 hectares em 1996, o que

representa um aumento de 145% no tamanho médio desses estabelecimentos.

Até mesmo Porecatu, tradicional produtor canavieiro, e que desde o final

da década de 1940 já produzia cana em larga escala, apresentou neste período um

aumento de 95% no tamanho médio desses estabelecimentos, passando de 197

hectares em 1970, para 385 em 1996.

Já no município de Nossa Senhora das Graças, cuja expansão canavieira

seria um pouco mais tardia, este incremento foi de 137%, uma vez que o tamanho

médio dos estabelecimentos agropecuários passou de 29 hectares, em 1970, para

68 hectares, em 1996.

É interessante ressaltar ainda o aumento da participação da cana-de-

açúcar na área total dos estabelecimentos agropecuários dos três municípios que

apresentaram uma maior expansão do agronegócio canavieiro:

Tabela 10 - Participação da cana-de-açúcar na área ocupada pelas atividades agropecuárias entre 1970-1985Município 1970 1975 1980 1985

Centenário do sul

3% 6% 13,1 17%

Colorado 0,05% 0,04% 7% 14%

Porecatu 26% 25% 35% 37%

Fonte: Censos Agropecuários de 1970-1975, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza

Nesse contexto, estes dados sugerem que esse processo de expansão

da produção voltada para atender as agroindústrias, que se processou também nos

municípios estudados, tem na concentração fundiária uma de suas bases de

sustentação, uma vez que isto se torna indispensável para esta nova fase do

desenvolvimento do capitalismo no campo, marcado pela territorialização do capital.

Processo este que necessariamente age de forma a expulsar o s

trabalhadores do campo para que “[...] a lógica especificamente capitalista se

desenvolva na sua plenitude.” (OLIVEIRA, 2004, p.42), consolidando a concentração

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fundiária como fator determinante para subjugar o trabalho, e desta forma auferir o

lucro máximo (MARTINS, 1980, p.54).

Isto num contexto em que o agroindustrial canavieiro26 é ao mesmo tempo

o proprietário das terras e da unidade de produção industrial, o que faz com que ele

“[...] embolse simultaneamente o lucro da atividade industrial e da agrícola e a renda

da terra gerada por esta atividade [...]”, como elucida Oliveira (2004, p.42).

Não obstante, esta concentração fundiária está “[...] fundamentalmente

determinada pela renda, e renda subjugada ao capital”, como aponta Martins (1995,

p.177). Isto explica o fato de que as atividades econômicas que possibilitam um

auferimento maior de renda fundiária passem a ser praticadas pelo agroempresário

sobre a hégide da grande exploração capitalista, a qual garante uma maior renda

territorial, fato evidente na atividade sucroalcooleira.

Concentração esta que pode tanto se dar por meio da compra de terras,

ou pelo arrendamento destas, sendo que nesta modalidade, “[...] o capitalista não

precisa necessariamente imobilizar capital na compra de terra [...] [o que] permite

que o capitalista preserve totalmente seu potencial econômico para a produção [...]”

(PAULINO, 1997, p.149).

[O processo de territorialização do capital é um] [...] mecanismo distinto da reprodução ampliada do capital, uma vez que esta se dá exclusivamente no circuito propriamente capitalista, através do cálculo em que parte da riqueza produzida pelo trabalho vendido aos proprietários dos meios de produção é convertida em salário eparte irá compor a taxa de lucro (mais-valia). Quando a exploração da terra está pautada nessa relação, estar-se-á diante daterritorialização do capital. Por outro lado, no processo de formação do capital, em que necessariamente concorrem relações não-capitalistas, não é o trabalho que está sujeito aos capitalistas, mas a renda da terra, a qual está contida na produção camponesa. No momento em que essa produção é comercializada a um preço inferior ao valor trabalho ali contido, ocorre a transferência da renda. Essa é a lógica da monopolização do território pelo capital. (PAULINO, 2006, p. 416)

É nesse contexto que o monopólio de um setor, como o canavieiro,

sobres estas grandes extensões de terras, acaba assegurando ao “[...] capitalista o

direito de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra ( MARTINS, 1980,

p.60), que vem a ser a renda fundiária, sujeitada pois ao capital, mediante a junção

26 Lembramos que este processo não está limitado ao setor agroindustrial canavieiro, e o privilegiaremos tão somente por ser este o nosso objeto de investigação.

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do proprietário fundiário e do capitalista, justificando desta forma o caráter

monocultural da produção agrícola canavieira, o que acaba produzindo uma série de

impactos socioambientais, conforme será tratado a seguir.

4.1. Expansão canavieira versus produção de alimentos

Anteriormente foi visto que nas últimas décadas o desenvolvimento do

capitalismo no campo brasileiro assumiu novas feições, em face das mudanças

técnicas e do processo de expulsão/expropriação a que foram submetidos os

camponeses, paralelamente à intensificação da concentração fundiária, como

elucida Martins (1980, p.54).

Destacou-se também que o processo de territorialização do capital possui

vinculação estreita com as potencialidades de apropriação da renda fundiária, o que

tem levado os empresários agrícolas a optarem por culturas que a possibilitem em

maior escala, como é o caso do agronegócio canavieiro, atividade altamente

concentradora de terras, conforme demonstrado anteriormente.

O fato é que a atual conjuntura para a expansão do agronegócio

sucroalcooleiro, com vistas à produção de etanol, abre caminhos para a discussão

sobre os desdobramentos da produção em larga escala de agrocombustíveis para a

produção de alimentos no Brasil.

No plano dos posicionamentos que esta questão encerra, há os que

defendem a expansão do agronegócio canavieiro no país, negando que possa haver

algum impacto à produção de alimentos, pela grandeza territorial e terras

agricultáveis. É o que verificamos em Carvalho (2003, p.05), que aponta as áreas de

pastagens degradadas e terras “disponíveis” no cerrado, como áreas a se expandir.

Por outro, há os que entendem que “o avanço de um se reflete

inevitavelmente no recuo dos outros” (OLIVEIRA, 2008), no âmbito de novos

arranjos impostos pela demanda agroenergética. Nesta linha, a expansão canavieira

viria acompanhada de uma disputa territorial, em vista das possibilidades ampliadas

de auferimento da renda fundiária, sem falar de lucros.

E para tanto, a lógica que nortearia estas disputas seria, conforme

abordado no capitulo II, a busca pela melhor localização geográfica, e que converge

para porções espaciais dotadas de uma série de fatores que potencializam a

rentabilidade.

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É desta forma que não se pode ficar preso somente aos critérios

quantitativos, ou seja, terras aptas à expansão, como acredita Carvalho (2003, p.5).

Antes, há que se analisar também os aspectos qualitativos em questão, e neste

caso, a localização geográfica, fator fundamental de incremento de renda diferencial.

Eis aí uma variável primordial a orientar os rumos da expansão canavieira, ainda

que não exclusivamente, já que os demais cultivos agrícolas partilham da mesma

lógica.

Entretanto, no contexto dos rearranjos territoriais marcados pela

expansão da fronteira agrícola, pode-se afirmar que a primeira vem sobressaindo-

se, provocando um processo de monoculturação que impacta negativamente a

produção de alimentos. É o que se pode verificar nos municípios estudados, senão

vejamos.

Em 1970, o uso do solo em Centenário do Sul estava marcado pelo

predomínio do café, com 8.782 hectares cultivados. Embora a cana de açúcar já

fosse a segunda lavoura, em extensão, ocupando 1.040 hectares, as lavouras de

arroz feijão, mandioca e amendoim, juntas, somavam uma área superior à cultivada

pela cana-de-açúcar, ou seja, 1.073 hectares (IBGE,1970).

Tabela 11 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1970 a 1985 (ha.)Cultura 1970 1975 1980 1985 Variação %Amendoim 538 91 151 56 -89,5%Arroz 315 629 357 184 -41,5%Feijão 207 167 539 64 -70%Cana 1.040 2.204 4.724 6.667 +541%Soja 4 1.010 365 928 +23.100%27

Café 8.782 11.019 7.609 1.588 -82%Milho 2.621 1.498 2.993 3.538 +34,9%Fonte: Censos Agropecuários, 1970-1985 Org. Marcos Antonio de Souza

No ano de 1980, a área ocupada com cana já havia sofrido uma

expansão de cerca de 355%, chegando a 4.173 hectares. Ao mesmo tempo, houve

uma redução de 13,5% da área cultivada com café e de 1,6% na área cultivada com

os alimentos anteriormente citados.

27 Embora a soja apresente uma expansão percentual 46 vezes maior que a cana-de-açúcar nesse período, o fato é que em termos absolutos, a área ocupada pela soja era apenas 14% da área ocupada pela cana.

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Impacto maior no espaço agrário do município foi registrado a partir de

1985, quando da instalação da Usina Alto Alegre, em Colorado, e da Destilaria de

Álcool da Cofercatu, em Porecatu, municípios vizinhos. É o que mostram os dados

apresentados na tabela 10.

Estes dados reforçam a tese de que paralelamente a expansão do

agronegócio canavieiro e sojicultor, houve também, a diminuição da produção de

alimentos, tendência esta também observada no período subseqüente, como mostra

o quadro a seguir:

Tabela 12 - Evolução do uso do solo em Centenário do Sul - 1980 a 2006 Cultura 1980

(ha)1990(ha)

2006(ha)

%

Amendoim 500 - 6 - 99 %Arroz 240 150 6 - 97,5%Feijão 539 1.230 855 + 59%Cana 5.114 6.056 6.356 + 25%Soja 500 2.000 3.210 +542%Café 6.891 1.904 423 -94 %

Fonte: IPARDES, 200828.Org. Marcos Antonio de Souza.

A dinâmica observada em Centenário do Sul também pode ser

constatada em Colorado, que começa efetivamente a produzir cana-de-açúcar em

larga escala a partir do final de década de 1970, quando se dá a instalação de uma

unidade agroindustrial em Alto Alegre, distrito deste município.

A partir de então, constatou-se uma expansão vertiginosa, tanto da cana

quanto da soja, em detrimento da produção de alimentos, conforme revelam os

dados a seguir.

28 Foram utilizados os dados do IPARDES ao invés dos do IBGE para demonstrar a evolução do usos do solo nestes municípios no período 1980-2006, uma vez que o Censo Agropecuário de 1996 não traz esses dados por município, mas por microrregião.Por outro lado, até o mês de novembro de 2008 o Censo Agropecuário de 2006 ainda não tinha sido divulgado.Optou-se por representá-los em tabelas diferentes, uma vez que são produto de metodologias distintas. Este mesmo procedimento se repetirá em todas as análises deste tópico referente ao uso dos solos nos municípios estudados.

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Tabela 13 - Evolução do uso do solo em Colorado - 1970 a 1985

Culturas 1970(ha)

1975(ha)

1980(ha)

1985(ha)

%

Amendoim 808 193 206 128 - 84%Arroz 339 281 191 31 - 91%Feijão 387 221 591 158 - 59%Cana 20 14 2567 5494 + 27.370%Soja 1 174 305 144 +14.300%Café 6584 8078 7198 4434 - 33%Milho 1929 1364 1850 1377 - 29%

Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.

Não obstante, dados do Ipardes relativos a um período mais extenso

(1980 a 2006) revelam uma redução ainda mais significativa da área das demais

lavouras, como se poderá observar na seqüência.

Tabela 14- Evolução do uso do solo em Colorado - 1980 a 2006

Culturas 1980(ha)

1990(ha)

2006(ha)

%

Amendoim 1.130 - 5 -99,5%Arroz 420 50 5 -99%Feijão 1.642 250 20 -99%Cana 3.094 5621 11585 +274%Soja 364 200 1310 +259%Café 6.886 3200 440 - 94 %Milho 2.180 900 717 - 67%Algodão 1.205 3096 4 -99,5%Fonte: Ipardes, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

Porecatu, por sua vez, fora ocupado sob a hégide da produção

monocultora, na qual a cana - de açúcar tinha destaque desde a década de 1950,

em virtude da existência de uma usina açucareira neste município.

Ainda assim, a área ocupada por esta lavoura aumenta cerca de 210%

entre 1950-1970, enquanto que a ocupada com arroz, feijão e milho recua 60%.

Como se pode verificar, esta situação persiste no período de 1970 a 1985, com

especial destaque para a soja, que supera sobremaneira a dinâmica da expansão

canavieira.

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Tabela 15 - Evolução do uso do solo em Porecatu - 1970 a 1985 Culturas 1970

(ha)1975(ha)

1980(ha)

1985(ha)

%

Amendoim 28 - 12 15 - 46 %Arroz 77 134 6 28 - 64 %Feijão 54 12 30 4 - 92 %Cana 7650 6504 8986 9348 + 22%Soja 44 392 924 2236 + 4.982%Café 7290 5462 2462 967 - 88 %Milho 438 498 1238 758 + 73%

Algodão 268 - 60 402 + 50%Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza.

Cumpre salientar que a presença histórica da cana no município demarca

uma dinâmica diferenciada em relação aos demais municípios estudados, sobretudo

porque a sua voracidade, em termos de área incorporada, é contida, sobretudo a

partir da década de 1990, quando o Grupo Atala, que controla a Usina Central de

Porecatu, passa pela primeira das sucessivas crises financeiras desde então

verificadas.

Desde então, a área ocupada com cana se mantém estável, embora isso

não tenha redundado em qualquer recuperação de área para produção de alimentos

até porque esta retração na área colhida pode estar intimamente ligado as

condições climáticas do ano de 2006 (CONAB, 2007) que afetaram negativamente a

produção do agronegócio canavieiro.

Isto pode ser corroborado mediante os dados do Canasat (2008),

que estimam que a safra 2007/2008 seja a maior da história, com uma área total

cultivada de 13.204 hectares.

Tabela 16- Evolução do uso do solo em Porecatu - 1980 a 2006 Culturas 1980

(ha)1990(ha)

2006(ha)

%

Amendoim 50 - - - 100%Arroz 80 100 - -100 %Feijão 100 10 50 - 50%Cana 10086 10609 9656 - 4 %Café 3095 1298 84 - 97 %Soja 1200 2600 3360 180 %Milho 600 400 461 - 23 %

Algodão 250 805 - - 100 %Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza

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Já no Município de Nossa Senhora das Graças, a expansão do

agronegócio canavieiro é um pouco mais tardia, ocorrendo somente no final da

década de 1980 (IPARDES, 2008). É nesse momento que se registra o maior

declínio da produção de gêneros alimentícios, conforme revelam os dados a seguir.

Tabela 17 - Evolução do uso do solo em Nossa Srª. das Graças - 1970 a 1985Culturas 1970

(ha)1975(ha)

1980(ha)

1985(ha)

%

Amendoim 3 - 56 355 + 11.733%Arroz 116 325 38 36 - 69%Feijão 94 143 189 55 -41,5%Cana 3 - 56 355 + 11.733%Soja 1 27 9 81 +8.000%Café 999 2335 1694 728 - 27,1%Milho 688 1646 630 1015 + 47%Algodão 1537 348 542 1974 + 29%Fonte: Censos Agropecuários, IBGE.Org. Marcos Antonio de Souza

Com relação ao município de nossa Senhora das Graças, cabe ressaltar

que apesar de um aumento percentual astronômico, o fato é que a expansão

absoluta da cana de açúcar foi inexpressiva, uma vez que ao que tudo indica, para o

a alimentação dos animais fundamentalmente.

Mas sem dúvida, algumas considerações devem ser feitas. Em oposição

aos demais municípios, em que o agronegócio canavieiro projetou-se no período,

Nossa Senhora das Graças registrou a menor retração absoluta de lavoura cafeeira,

assim como a de alimentos, inclusive registrando um aumento significativo da área

plantada com amendoim. Por outro lado, dentre os municípios analisados, foi aquele

que apresentou o menor índice de expansão da cana-de-açúcar no período.

É somente ao final da década de 1990 que se poderá verificar aí o que já

ocorrera nos demais municípios em que o agronegócio canavieiro avançou: a

diminuição, quando não a extinção, das áreas cultivadas com os principais alimentos

consumidos internamente. Enfim, isso revela uma dinâmica em que alimentos e

monoculturas obedecem a uma lógica inversamente proporcional no que diz respeito

ao controle sobre as terras, logo, ao volume da produção.

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Tabela 17- Evolução do uso do solo em Nossa Sra. das Graças - 1980 a 2006 Culturas 1980

(ha)1990(ha)

2006(ha)

%

Amendoim 308 - 20 - 95%Arroz 160 50 - 100 %Feijão 250 350 130 - 48%Cana 355 1633 5730 + 1514 %Soja 10 250 2500 +24.900 %Café 598 400 89 - 85 %Milho 300 400 550 + 83 %

Algodão 500 17501 85 - 83 %Fonte: IPARDES, 2008.Org. Marcos Antonio de Souza.

Ora, a realidade agrícola de Centenário do Sul, Colorado, Porecatu e

Nossa Senhora das Graças, expressa nos dados, permite afirmar que a relação

entre a expansão do agronegócio sucroalcooleiro e sojicultor e a retração das áreas

policultoras se repete na própria dinâmica dos distintos modos de produzir, e que se

pautam na propriedade privada capitalista da terra, em oposição à propriedade

privada camponesa da terra.

Enfim, há uma clara expansão das culturas que possibilitam um maior

auferimento da renda da terra, em detrimento das demais, o que nos permite

apontar o risco do avanço da cana para a soberania alimentar, como assinala

Paulino (1997, p. 150):

[...] As culturas que compõe a alimentação básica da população não tem se tornado atrativas para os capitalistas justamente em função da renda menor e dos altos riscos quem as caracterizam. Dessa maneira, não são os capitalistas quem produzem a maior parte dos alimentos, mas os trabalhadores que detém os instrumentos de trabalho e a terra [...].

Não raro, a mudança na base técnica da produção agrícola, os oligopólios

que controlam a produção de sementes e insumos, bem como o endividamento

camponês o obriga a vender ou a arrendar sua propriedade ao empresário do setor

sucroalcooleiro, possibilitando assim o aprofundamento do processo de

territorialização do capital.

Ora, quando o agronegócio canavieiro começa a se expandir por esta

porção geográfica do norte do Paraná, estas terras não estavam incultas, pelo

contrário, conforme nos revelam os dados censitários, a produção cafeeira estava

consolidada, em um sistema de produzir que embora fosse controlado pelo

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empresariado rural, comportava a agricultura camponesa, inclusive em tais terras,

pois a concessão de uso era um imperativo para a obtenção do trabalho necessário

aos tratos culturais e demais ciclos da lavoura. Isso sem falar nas terras

camponesas, jurídica e economicamente estabelecidas.

Como foi visto, o declínio da cafeicultura se deu num contexto de

profundas mudanças técnicas, as quais impulsionaram o processo de

territorialização do capital. Na área em estudo, vários fatores favoreceram tal

expansão, senão vejamos:

1. A localização privilegiada do ponto de vista edafoclimático, em

termos das exigências próprias da cana de açúcar;

2. Há uma proximidade com relação aos grandes centros

consumidores, principalmente o estado de São Paulo;

3. A infra-estrutura existente é suficiente para atender as

necessidades da agroindústria canavieira;

4. A mão-de-obra não só é abundante quanto as condições

materiais de sua mobilização no contexto regional favorecem a

super-exploração.

Por tudo isso, as disputas por território são uma constante, de modo que

a orientação da expansão canavieira, como de outra qualquer, não poderia se

processar em qualquer lugar, mas sim onde existe uma combinação convergente

entre fatores de ordem natural, política, econômica e social.

Caso haja outras culturas espacializadas em locais que proporcionam

maior renda fundiária, certamente as disputas territoriais serão mais acirradas,

disputas essas que nem sempre se manifestem na mobilização da força ou

violência, embora isso possa ser verdadeiro.

Estas características descritas anteriormente, e que inseridas na

conjuntura criada pelo Proálcool na década de 1970 e no processo de

territorialização do capital, fizeram com que estas disputas territoriais fossem

expressivas nestes municípios, provocando a retração da policultura camponesa.

Cumpre salientar que esse processo não poderia dar-s e s e m a

intervenção direta do Estado, que atuou no sentido de estimular a concentração das

atividades de alta rentabilidade. Trata-se, pois de considerar o contexto de “[...]

controle do aparelho institucional por um segmento de classe que [...] tem

privilegiado a agroindústria e as culturas voltadas ao mercado externo, em

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detrimento da policultura destinada ao abastecimento do mercado interno [...].”

(PAULINO, 1997, p.18).

É nesses termos que a expansão da monocultura canavieira nestes

municípios se explica, num cenário em que o seu recrudescimento é bastante

provável, em face da atual conjuntura, em que se busca transformar o etanol na

mais nova commoditie do agronegócio brasileiro, com vistas ao mercado externo.

Trata-se, pois, de uma ameaça à propriedade privada camponesa da terra

na região, que vulnerabilizada pelas baixas possibilidades de auferimento da renda,

em vista da própria escala, não raro acaba se convertendo em espaço para a

territorialização do capital, quando arrendada, senão propriedade privada capitalista

da terra, situações que dificilmente permitirão a produção de alimentos.

Isso porque na conversão de áreas policultoras à produção sucroalcooleira toda a

infra-estrutura existente é destruída, como cercas, moradias, pomares. Ademais,

“[...] quem arrendar sua propriedade para o cultivo de cana, terá de gastar um bom

dinheiro se quiser voltar a plantar outra cultura, porque a cana consome rapidamente

muitos nutrientes do solo”, como atesta Moura (2007, p.26).

E esta parece ser uma das estratégias utilizadas pelo agroindustrial

sucroalcooleiro, uma vez que nesta modalidade, o empresário rural não necessita

imobilizar parte do seu capital para efetuar possíveis correções ao solo, por

exemplo.

Quando este solo apresentar níveis de produtividade que já não mais

interessam o agroindustrial, este poderá simplesmente arrendar outras áreas de

terras, ficando o prejuízo por conta do proprietário fundiário.

Esse ônus será transferido aos proprietários fundiários quando arrendam

suas terras para aqueles que, ao empregar métodos inadequados de mecanização

intensiva a produção agrícola, acabam contribuindo para o processo de erosão. Ao

agroindustrial canavieiro não interessa a preservação da terra de outrem. Pelo

contrário, seu objetivo é auferir a maior renda territorial possível.

Quando as propriedades biogeoquimicas do solo já não possibilitem tal

feito, ele simplesmente abandona essas áreas impactadas pelo alto consumo de

nutrientes da cana, além dos fertilizantes aplicados em grande escala e os

processos erosivos. Fatores estes que contribuem para uma perda do equilíbrio

natural do ambiente, e que consecutivamente acaba interferindo nos índices de

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produtividade de outras culturas que possam ser produzidas nesse local

posteriormente.

4.2. A expansão do agronegócio canavieiro e as relações de trabalho

Conforme já foi visto anteriormente, as décadas de 1960 e 1970 foram um

verdadeiro marco para o espaço agrário brasileiro, momento em que ocorre a

intensificação da mecanização das atividades produtivas no campo, da

concentração fundiária e expulsão em massa dos trabalhadores de sua unidade de

produção, mudanças estas que ocorreram no âmbito de um processo que

aprofundou a subjugação da terra e do trabalho ao capital.

E isto não se deu por acaso. Conforme já advertira Kautsky (1980, p.269)

a proletarização da população agrícola e a concentração fundiária são as premissas

indispensáveis da produção capitalista.

Nesta lógica, faz-se necessário que “[...] os trabalhadores se transformem

em trabalhadores livres, isto é, libertos de toda propriedade que não seja [...] a força

de trabalho [...]” (MARTINS, 1981, p.152), uma vez que a partir do momento em que

já não mais possuem acesso à terra e aos meios de produção, não tem outra

alternativa senão vender ao capitalista aquilo que lhe resta, como forma de

sobrevivência:

A certo grau de evolução [...] o trabalhador deixa de ser proprietário de seus meios de produção”. O capitalista se opõe ao trabalhador que perdeu toda propriedade na qualidade de proprietário dos meios de produção. O produtor [...] torna-se um trabalhador assalariado. (Kautsky, 1980, p.80).

Nesse contexto em que o avanço do capitalismo provoca a expulsão dos

trabalhadores, sua proletarização e subjugação aos interesses do capital, surge o

“bóia-fria”, um “[...] trabalhador temporário [com] [...] baixíssima capacidade de

barganhar na venda de sua força de trabalho e consequentemente, recebendo

baixíssimos salários e não tendo a garantia de quaisquer direitos humanos ou

trabalhistas”. (D’INCAO, 1984, p.11).

Nesse período, marcado pela territorialização do capital, a transformação

nas relações sociais de produção vigentes até então é flagrante, pois os colonos,

rendeiros, parceiros etc são expulsos de sua unidade de produção e substituídos por

trabalhadores assalariados, como aponta D’Incao (1974 p.16-17).

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Isto vem ratificar o fato de que “a apropriação capitalista da terra permite

que o trabalho que nela se dá [...] se torne subordinado ao capital”. (MARTINS,

1981, p.162).

Sem acesso à terra e aos instrumentos de trabalho, essa massa de

trabalhadores expropriados, agora nas cidades, passa a disputar as poucas vagas

disponíveis em serviços urbanos. Some-se a isso o fato de não terem, em sua

maioria, a qualificação necessária para tais funções, o que os obriga a aceitar

qualquer trabalho sob quaisquer condições, já que para a sociedade e para si

mesmos são “trabalhadores sem profissão”. (D’INCAO, 1984, p.20-25).

Esta condição passa a ser explorada pelos empresários rurais, uma vez

que este processo de expropriação formou um gigantesco exército de reserva, que

regula as remunerações destes “bóias-frias”, obrigados a se submeterem a jornadas

sobre-humanas, sob péssimas condições de trabalho.

A superpopulação relativa é o fundo sobre a qual se move a lei da oferta e da procura de trabalho. Graças a ela, o raio de ação desta lei se encerra dentro dos limites que convém em absoluto a cobiça e ao despotismo do capital. (MARX apud D’INCAO, 1984, p.87).

Se não se sujeitam a tal situação, existem várias fileiras deste exército

dispostas a enfrentar as condições destacadas. A falta de qualificação para outras

funções contribui para a falta de alternativas, reafirmando um ciclo vicioso de

privações e falta de oportunidades.

É nesse contexto que estão inseridos os cortadores de cana, bóias-frias

sujeitados ao rentável e opulento agronegócio sucroalcooleiro, e que é marcado por

contradições inerentes à própria lógica do capitalismo. Nos municípios analisados,

grande parte da colheita ainda é manual, ainda que algumas máquinas já estejam

em operação.

Paradoxalmente, a despeito da existência de máquinas sofisticadas,

aptas a substituírem de 80 a 100 homens no corte da cana, essa modalidade de

trabalho subsiste, o que exige que se fique atento à lógica subjacente:

Quanto mais baixo os salários, tanto mais difícil a introdução de máquinas [...] No campo os salários são [...] muito inferiores aos da cidade. Por conseguinte, é aí menor a tendência a substituir-se a força de trabalho humano pela máquina. (KAUTSKY, 1980, p.60).

Ora isto nos sugere que se está diante de um processo de super –

exploração dos cortadores de cana da região, uma vez que a irrelevância das

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máquinas em terras mecanizáveis somente pode ser explicada pela ótica dos

custos.

Aliás, no Brasil os êxitos comerciais do agronegócio se devem

essencialmente ao binômio concentração fundiária e abundância de força de

trabalho (PRADO JR., 1981, p.48-50). Daí o sentido da expulsão, para o auferimento

de uma maior renda de terra, combinado à intensificação da apropriação da mais

valia que, juntas, propiciam maior margem de lucros ao empresário rural, No caso do

agronegócio canavieiro, essa dupla fonte de receitas é drenada por um único

agente, que é o agroindustrial. (OLIVEIRA, 2004, p. 42).

Nos municípios analisados estão estabelecidas três agroindústrias

sucroalcooleiras: a Usina Alto Alegre em Colorado, a Usina Central do Paraná e a

Destilaria de Álcool da Cofercatu em Porecatu.

De acordo com os dados de CANASAT (2008), na safra 2008/2009

Porecatu, Colorado, Nossa Senhora das Graças e Centenário de Sul deverão colher

43.072 hectares de cana-de-açúcar, a maioria submetida ao corte manual.

Os bóias-frias que atuam no corte da cana nestes municípios são

provenientes dos próprios, municípios, bem como de cidades vizinhas, como é o

caso de Jaguapitã, Guaraci, Miraselva, Florestópolis, dentre outras.

Guaraci, por exemplo, é um município que nos últimos anos converteu-se

em grande fornecedor de força de trabalho para as agroindústrias. Conforme o

cadastro do Programa Saúde da Família - PSF (2008), há cerca de 500 cortadores

de cana, para uma população economicamente ativa de 2.282 pessoas (IPARDES,

2008).

Antes de aprofundarmos esta análise, algumas considerações são

oportunas. Primeiramente, ao contrário do que ocorreu nos municípios analisados

anteriormente, foram as pastagens29, a soja e a avicultura30 que vieram em

substituição do café e, posteriormente, do algodão em Guaraci ( gráfico 12).

Enfim, as atividades que se territorializaram no espaço agrário

guaracience não necessitam de mão de obra significativa, gerando um excedente de

mão de obra que ao não encontrar trabalho no município, é obrigado a fazê-lo nos

municípios circunvizinhos.

29 Houve nesse período um incremento do rebanho bovino no município, passando de 16.277 cabeças em 1980, para 24.672. (IPARDES, 2008)30 Com relação á avicultura, o número de galináceos passou de 125.525 em 1980 para 865.526 em 2006.(IPARDES, 2008).

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Aliás, durante anos foram empreendidas migrações sazonais de bóias-

frias de Guaraci para a colheita de café em Minas Gerais, assim como a de laranja

no estado de São Paulo.

Não obstante, grande parte dos bóias – frias que ficavam no município

passaram a trabalhar em múltiplas culturas, a maior parte delas fora de Guaraci.

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

1980 1990 2006

hec

tare

s

café

soja

cana

arroz

milho

feijão

algodão

Gráfico 12 - Principais culturas agrícolas no município de Guaraci 1980 – 2006Fonte: Ipardes, 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

O fato é que com a expansão do agronegócio sucroalcooleiro nos

municípios vizinhos, paralelamente ao declínio do algodão e demais culturas

intensivas em mão de obra, esta atividade passou a demandar um número maior de

bóias – frias que, como forma de sobrevivência, tem aí a única alternativa para

vender sua força de trabalho.

Foi o que se pode aferir a partir do questionário aplicado a cortadores de

cana de Guaraci, já que 100% dos entrevistados afirmaram ser pela falta de outras

opções que passaram a desenvolver tal atividade.

Opinião esta externada por estes bóias-frias que condiz com uma dura

rotina cumprida durante a safra, que começa em março e vai até a primeira quinzena

de dezembro, em média.

São pessoas que na sua maioria absoluta apresentam baixa

escolaridade, o que não os impede de atuarem nos tratos culturais e corte da cana,

que não necessita de nenhuma instrução formal. Entrementes, ao não possuírem

qualificação alguma, são ainda menores as possibilidades de inserção em atividades

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produtivas menos degradantes. Eis o perfil educacional dos cortadores de cana

entrevistados em Guaraci:

Gráfico 13: Situação educacional dos cortadores de cana entrevistadosFonte: Pesquisa in loco, setembro de 2008.Org. Marcos Antonio de Souza

.A jornada de trabalho destes cortadores de cana começa logo de

madrugada, quando iniciam o preparo da refeição a ser levada para o trabalho.

Devem estar no “ponto” antes da 5:00 da manhã, quando o transporte que os

conduzirá até o local do corte passa em Guaraci, para onde só retornarão apenas às

5:00 da tarde.

Esses sujeitos saem munidos de seu facão, garrafa d’água, além de uma

mochila na qual carregam a marmita, a capa de chuva, o avental31, um par de luvas

e o “mangote”32, além do óculos para se proteger da cana.Os demais equipamentos

de proteção, a caneleira e a botina com biqueira de aço, assim como o chapéu, a

camisa de manga comprida, já vão no corpo do bóia-fria.

Geralmente esses trabalhadores percorrem longas distâncias antes de

chegarem ao destino, conforme relata um cortador de cana que trabalha na Usina

Alto Alegre:

A gente anda muito e o ônibus saculeja demais. Tem vez que nóis vai cortá cana lá no estado de São Paulo, depois do Panema. Demora muito pra chegar lá, umas duas, até três horas tem veiz. E o pior é que quando a gente chega lá a gente já tá bem cansado. (M.A. O, 37 anos, Cortadora há 2 anos na U.A.A.).

31 Impede que o trabalhador suje a calça e uma parte da camisa de carvão.32 Apóia o braço que apóia/abraça a cana para ser cortada.

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Chegando na lavoura, recebem do fiscal um “eito”, que no caso da Usina

Alto Alegre corresponde a sete “ruas”33 de cana, ou seja, um retângulo com largura

de 9 metros (ALVES,2006 E P.92). Nesta usina, assim como nas demais analisadas,

a medição do trabalho do cortador de cana é feita através do metro linear, isto é, do

comprimento em que trabalhador avançou no corte, no seu eito de 9 metros.

Assim, o trabalhador recebe por quantidade de cana cortada, ou seja, não

possui um salário fixo. Sobre esse sistema de pagamento por produção Alves (2006

p.93) considera que este é: “[...] uma das mais perversas formas de pagamento [...]

como eles trabalham pela subsistência, trabalham cada vez mais para melhorar as

condições de vida, isso provoca o aumento do ritmo de trabalho”.

Não obstante, a remuneração por metro de cana cortada é baixa, o que

faz com ele tenha de se esforçar cada vez mais para receber um salário capaz de

garantir sua reprodução. Vejamos os preços pagos pelo metro de cana cortada entre

agosto e setembro de 200834 aos bóias –frias da Usina Alto Alegre:

Quadro 01 - Preço pago por metro de cana cortada na usina Alto Alegre no mês de setembro de 2008

Dia Preço por metros em R$

Cana cortada em metros

26 0,35 78

27 0,28 122

28 0,28 76

29 0,28 140

30 0,22 102

01 0,30 64

02 0,26 72

03 0,36 76

04 0,30 104

05 0,27 86

06 0,28 91

08 0,27 75

09 0,25 105

33 Ruas são as linhas onde é plantada a cana-de-açúcar.34 Para compreender as diferenças dos valores pagos pelo metro de cana cortada, vide p.101.

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101

10 0,28 88

11 0,33 66

12 0,35 92

15 0,20 95

16 0,36 69

17 0,23 98

18 0,29 124

19 0,33 64

20 0,27 85

22 0,25 77

23 0,53 35

24 0,37 100

25 0,26 87

Fonte: Holerite/Comprovante de corte de cana, Usina Alto Alegre, 2008. Org.Marcos Antonio de Souza.

Diante desses dados, pode-se constatar que o metro de cana cortada foi

remunerado ente agosto e setembro de 2008 a um preço médio de 0,30 centavos.

Por outro lado, o máximo que este bóia-fria (considerado um médio cortador)

conseguiu cortar foram 140 metros, sendo que o mínimo foi 63 metros de cana.

O fato é que para aumentar sua produção, muitas vezes o cortador reduz

drasticamente seu tempo de descanso, inclusive para as refeições.

Olha tem gente que come dentro do ônibus mesmo, durante a viagem pra depois não parar nem pra comer. Outros chegam na roça e comem cedo também [...] eu mesmo parava as 10:30 e era a conta de comer e eu já pegava o facão e ia eito a dentro. Agora o fiscal geral colocou uma ordem que a gente tem de parar para comer uma hora no almoço. Isso é ruim porque a gente ganha menos. (A.P.M. 56 anos-cortador há 11 anos na Usina Alto Alegre).

Ora, este depoimento de um cortador de cana da Usina Alto Alegre,

vem ratificar o exposto anteriormente por Alves (2006 p.93), que considera esta

forma de pagamento perversa e desumana. Ainda mais se for considerada a forma

em que se dá a refeição destes:

Nóis come no sol mesmo. Nem tem nenhuma arve por perto e a cana não tapa o sol não. Tem gente que traz guarda chuva pra fazer sombra, mais eu não trago não, porque não resolve muito, isquenta

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demais. Fica parecendo praia na hora da comida. (J.M.O. 29 anos, cortador de cana há 5 anos na Usina Central do Paraná).

Cabe ressaltar ainda que os cortadores reclamam bastante do preço pago

pelo metro na cana, sendo esta a principal reivindicação destes. O reajuste

comparece como algo que poderia ser melhorado no seu trabalho, como

responderam 100% dos entrevistados.

E esta reclamação pode ser explicada por dois motivos principais. A

primeira delas é o fato de que mantendo os preços baixos, há a necessidade de o

cortador de cana aumentar sua produtividade, dando um lucro maior para o

agroindustrial.

Por outro lado, 90% dos entrevistados disseram desconfiar da metragem e dos critérios que fixam o preço:

Tem veis que a gente acha que rachou de ganhar dinhero, mais depois que a gente fica sabendo quanto foi o preço da cana, aí é ladroage. (A.G.S. cortador de cana há 6 meses na Usina Alto Alegre).

Isto ocorre porque os cortadores de cana sabem a quantidade em metros

que cortaram, mas desconhecem o valor de cada metro, uma vez que esta quantia

não é fixada previamente, mas:

[...] é fixado depois que a cana foi pesada; [...] O valor do metro de cana para cada talhão é atribuída pela usina depois que a cana é pesada em suas balanças, localizadas distantes do eito [...] nas usinas [...]. Como é feito nas usinas pelo seu departamento técnico, esse cálculo é feito sem controle do trabalhador [...] Algumas vezes [...] a medição só é realizada depois que os trabalhadores se retiram do eito. (ALVES, 2006, p. 93).

Não obstante, há uma série de exigências a serem cumpridas pelo

cortador de cana. Não basta simplesmente cortar de qualquer jeito. Silva (1999, p.

201) aponta a necessidade de um corte de qualidade, que seja rente ao solo para

facilitar a rebrotação. É necessário ainda aparar as pontas e transportar a cana

cortada para montes que devem ser feitos, na “rua” central para facilitar o

carregamento feito pelas máquinas.

Um bom cortador de cana na Usina Alto Alegre corta em média 200

metros de cana por dia num eito que tem 9 metros de largura aproximadamente,

levando em consideração as constatações de Alves (2006, p.93 – 94). Assim, esse

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cortador de cana tem de caminhar 6.600 metros e despender o equivalente a 99.999

golpes por dias35.

Além disso, carregam cerca de nove toneladas de cana, fazendo cerca de

600 trajetos e 600 flexões, levando nos braços por uma distância de até 4,5 metros,

cerca de 15 kg.

Fazem ainda mais,

[...] de 30 mil [...] flexões e entorses torácicos para golpear a cana. Perde em média, 8 litros de água por dia, por realizar esta atividade sob sol forte (...) os efeitos da poeira, da fuligem [...] trajando uma indumentária que o protege da cana, mas aumenta sua temperatura corporal. (Alves, 2006, p.94).

Expostos ao calor excessivo, do sol e da indumentária obrigatória,

somando ao esforço excessivo, não é raro passarem mal, desmaiarem e até mesmo

morrerem no “eito”.

Isso pode ser constatado, mediante o fato de que 70% dos bóias -frias

entrevistados relataram já ter passado mal no corte de cana, principalmente sofrido

câimbras e desmaios. O mais surpreendente é que 100% destes presenciaram estas

cenas no seu trabalho:

É normal quando o sol esquenta muito, nego cai e rola no chão de câimbra. Às vezes enrola até a língua ou fica desacordado, tem gente que mesmo com a pressão alta e pobrema de coração vem corta cana. Porque vai faze o que? Passar fome não da né. Tem que dá graças a Deus porque ainda tem esse servicinho. (R.J.S, 46 anos, cortador de cana há 7 anos na Usina Alto Alegre.).

Cabe ressaltar ainda que estas constatações comuns ao ambiente

canavieiro são apenas a ponta visível do iceberg, uma vez que existem uma série de

implicações à saúde física e mental destes cortadores de cana, que somente darão

sinais após vários anos de esforço intenso.

Silva (2005, p.28) ao analisar esta situação, exemplifica os casos das

mortes causadas pelo câncer, que podem ter origem no uso indevido de veneno, ou

mesmo da fuligem que estes respiram durante todo o tempo em que estão cortando

cana, além de doenças respiratórias, alérgicas, da coluna etc, que não sendo

tratadas devidamente pela falta de recursos, acabam trazendo sérias complicações

futuras.

35 Estes cálculos tiveram por base os dados levantados por Alves (2009 p.93-94).

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São seres humanos totalmente subjugados e, porque não dizer, presos

ao trabalho, uma vez que devido ao esforço excessivo em ambiente inóspito, ao

retornarem para suas casas, tem que repousar. Verificou-se que vão dormir por volta

das 20:00 horas, para recuperarem as forças que serão necessárias no novo dia,

que se inicia próximo às quatro da madrugada, em jornadas de seis dias semanais.

E como habitam cidades com poucas opções de lazer, tendem a procurar na bebida

alcoólica, quando não nas drogas ilícitas, a fuga desta dura realidade.

É o que constatou-se em Guaraci, onde 70% dos entrevistados relataram

fazer uso de bebida alcoólica nos dias de folga, geralmente domingos, o que por sua

vez compromete ainda mais sua saúde físico-mental.

Ademais, os níveis de esforço vêm aumentando nos últimos anos, com a

exigência de níveis de produtividade cada vez maiores: como há abundância de

mão-de-obra, a permanência no serviço depende do cumprimento de metas

estabelecidas pelas usinas, somado ao rebaixamento do preço por metro de cana

cortada, o que os obriga ao esforço progressivo.

A partir na década de 1990, houve um grande aumento da produtividade do trabalho. Para garantir seus empregos os cortadores de cana precisavam cortar 10 toneladas de cana por dia aumentando a média de cana cortada para 12 toneladas por dia. Portanto a produtividade média cresceu 100% passando de 6 toneladas/homem/dia na década de 1980 a 12 toneladas de cana por dia na década de 1990 (ALVES, 2006, p.96).

Fato este comprovado nos municípios analisados, uma vez que 80% dos

cortadores de cana entrevistados revelaram que antigamente se ganhava mais

trabalhando menos.

Há assim uma flagrante contradição, somente explicada no âmbito da

lógica do desenvolvimento capitalista. Qual o sentido da crescente precarização das

relações de trabalho, em um contexto de elevados rendimentos auferidos pelo

agronegócio canavieiro? Eis a fórmula da acumulação tão bem explicitada pela

teoria do valor trabalho, e que pode ser vislumbrada na prática: 80% dos

entrevistados relataram ser este o pior dos serviços, o que leva a muitos a aspirarem

novas ocupações. (gráfico 14).

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Gráfico 14: Profissões aspiradas pelos cortadores de cana entrevistadosFonte: Pesquisa in loco, setembro de 2008. Org. Marcos Antonio de Souza.

Recentemente mais de mil trabalhadores entraram em greve na Usina

Central do Paraná, em Porecatu, greve esta motivada por um atraso de 2 meses no

pagamento dos salários. Este episódio, que durou um mês, parece paradoxal, pois a

conjuntura atual é bastante favorável ao agronegocio canavieiro. É ai que se

constata o quão frágil é o propalado desenvolvimento trazido pelo agronegócio, fato

aliás devidamente denunciado por autores como Prado Júnior (1981, p. 31-32),

quando sentenciou que “[...] o desenvolvimento agrícola por si só,,a obtenção de

maior renda [...] não é acompanhada pela elevação dos padrões de vida [...]” dos

trabalhadores.

O episódio da greve na Usina Central do Paraná, em Porecatu, acabou

por desencadear uma ação do Ministério do Trabalho, que flagrou centenas de

trabalhadores em condições análogas a escravidão:

As condições flagradas pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego na Usina Central do Estado [...] estão entre as mais graves encontradas nos últimos tempos no setor sucroalcooleiro. A afirmação foi feita [...] pela auditora fiscal do trabalho Jaqueline Carrijo, coordenadora da ação que resgatou 228 trabalhadores da empresa. [...] o grupo móvel lavrou 153 autos de infração interditou cinco frentes de trabalho – por ausência de sanitários, água fresca e produtos para higienização e apreendeu 39 (dos 43 ônibus irregulares que transportavam trabalhadores) [...]Segundo os fiscais, enxadas, limas e outros instrumentos utilizados no trabalho eram descontados do salário dos trabalhadores. Os cortadores de cana retornavam ao alojamento da empresa – sem luz elétrica nem instalações sanitárias – depois de uma jornada

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excessiva de trabalho de 12 horas, sem direito a repouso. Pessoas aplicavam agrotóxicos sem equipamentos de proteção individual expostos a risco de intoxicação aguda. “Eles iam para suas casas com as roupas contaminadas, colocando em risco a vida de seus familiares, sem nenhuma orientação de como proceder”, destacou

Jaqueline. (REPÓRTER BRASIL, 2008)

Cabe salientar que as condições a que estavam submetidos os

cortadores de cana em Porecatu não representa uma exceção, antes confirma a

regra, evidenciada pelas recorrentes notícias de irregularidades encontradas em

diferentes usinas do país.

Entretanto, as ações do Estado tem surtido alguns efeitos, aliás, é a

fiscalização recente que tem exposto o problema da precarização das condições de

trabalho nos canaviais, fato constatado entre os “bóias-frias” entrevistados,

principalmente os da Usina Alto Alegre de Colorado, que relataram algumas

modificações introduzidas na jornada de trabalho após as autuações lavradas em

Porecatu.

Desde então, fora fixado a parada obrigatória de uma hora para o almoço

e quinze minutos à tarde, medida que não agradou aos trabalhadores, pois isto

significou um rebaixamento de seus salários:

Essa ordem que o fiscal deu não é bom não. Nóis descansa uma hora, só que nóis podia tá cortano cana, aproveitando que o sol não ta muito quente. A gente descansa, só que como nóis ganha pelo tanto que a gente corta, uma hora é muito tempo (...)”. A.J.O (43 anos, V.A.S., cortador há 2 anos na Usina Alto Alegre).

Ora, a usina em questão, assim como as demais, fazem nada mais do

que transferir para os cortadores de cana ônus pelo seu descanso. Como os

trabalhadores recebem por produção, o que era para ser um beneficio acaba se

convertendo em um prejuízo, ratificando o caráter desgastante e desumano desse

regime de contratação, no qual até mesmo as necessidades mais elementares do

corpo humano são subjugadas à máxima do mercado, na qual “tempo é dinheiro”.

Assim, quanto mais se trabalha, mais poderá o empresário extrair mais –

valia. Enfim, trata-s e de uma riqueza produzida pelo cortador de cana que,

contraditoriamente, reforça sua miséria humana e social.

Isto explica a manutenção destas relações sociais de produção no

agronegócio sucroalcooleiro, uma vez que ainda é mais vantajoso ao capitalista

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pagar salários do que arcar com os custos da implantação e manutenção das

máquinas, as quais podem substituir o corte manual.

O fato é que o custo da mecanização é um ônus ao próprio capitalista, ao

passo que as operações manuais apenas o são parcialmente, pois em um contexto

de expressivo exército de reserva, os salários não precisam cobrir sequer os custos

de reprodução da força de trabalho, já que haverá tantos substitutos quanto

necessário aos que foram esgotados no processo produtivo.

Não obstante, a máquina não poderá, por s i só, aumentar a

produtividade, já que durante sua vida útil, a capacidade operacional corresponderá

ao nível técnico do momento em que foi fabricada. Assim, qualquer incremento de

produtividade exigirá o emprego de máquinas mais eficientes, o que supõe

imobilização de capital para a renovação do parque de máquinas o que, aliás, é um

imperativo da produção tecnificada.

Isto não é necessário quando se emprega bóias-frias, por exemplo. Só

para se ter uma idéia, na década de 1950 a produtividade média de um cortador de

cana era de 3 toneladas por dia, passando para 6 toneladas na década de 1980 e

atingindo 12 no final da década de 1990. (Alves, 2006, p.92). Como se pode

depreender, em apenas 20 anos a produtividade média do bóia-fria cresceu 100%,

sem que o agroindustrial investisse um só vintém neste fim, o qual foi alcançado

meramente pela subjugação do trabalho ao capital.

Assim, a manutenção do corte manual, contrastando com o que há de

mais moderno em tecnologia no que diz respeito ao corte mecanizado só se explica

em face de “[...] os próprios empresários rurais em seus cálculos operacionais

perceberem que é mais vantajoso utilizar o bóia-fria para estas tarefas do que a

máquina.” (D’ INCAO, 1984, p.21)

Por outro lado, não se poderá desdenhar os fatores limitantes à

produtividade do bóia-fria, como é o caso da lei que proíbe a queima de cana - de

açúcar. Nesse cenário, certamente a mecanização será mais vantajosa ao

agroindustrial. E isto não deixa de ser alarmante, uma vez que significaria a extinção

de centenas de milhares de postos de trabalho que, embora precários, possibilitam

um retorno monetário mínimo, do qual não podem prescindir aqueles cuja única

moeda de troca capaz de lhe assegurar a sobrevivência é a força de trabalho.

Este é um dos fatos destacados como preocupantes pelos cortadores de

cana entrevistados, dos quais 90% afirmaram temer perder seu trabalho para as

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máquinas, num contexto em que Silva (2005, p.32) sustenta que cada uma delas

poderá eliminar automaticamente até 400 postos de trabalho.

Situação não menos sombria pode ser apontada para a dinâmica

econômica dos municípios inseridos nos territórios do agronegócio canavieiro, uma

vez que estes dependem fundamentalmente da renda salarial gerada pela

agroindústria sucroalcooleira, composta majoritariamente pelos dividendos auferidos

pelos cortadores de cana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a implementação do Proálcool ocorrida na década de 1970, tem

havido uma expansão vertiginosa da cana-de-açúcar no país, sendo que na

atualidade, diante da perspectiva de transformação do etanol na mais nova

commoditie do agronegócio nacional, este processo tem se intensificado ainda mais.

Conforme foi demonstrado ao longo deste trabalho, vários são os

impactos desta expansão, a começar pelo processo de concentração fundiária nas

áreas onde o agronegócio sucroalcooleiro se instala.

Não por acaso, verifica-se a diminuição progressiva do número de

estabelecimentos agropecuários nos municípios analisados, assim como o aumento

expressivo da área média ocupada pela agroindústria canavieira, fato aliás não

restrito à área de estudo, mas ao estado como um todo.

Não obstante, os dados revelam que paralelamente ao processo de

concentração fundiária, houve também o recuo das lavouras policultoras. Basta

considerar que algumas delas, a exemplo do arroz e feijão, praticamente

desapareceram nos municípios analisados.

Por outro lado, ao salientar-se que a expansão do agronegócio

sucroalcooleiro é nociva à produção de alimentos, buscou-se projetar uma leitura

que destoa dos cálculos formais, baseados na mera projeção da fatia a ser ocupada

pela cana, em um cenário de vastidão de terras agricultáveis.

Antes, demonstrou-se que no âmbito do agronegócio, há uma lógica que

impele ao cultivo daquelas lavouras que possibilitam maior auferimento da renda da

terra em um determinado período histórico. É o que se verifica atualmente com a

cana-de-açúcar, que avança sobre as áreas policultoras, fundamentais para o

abastecimento interno de alimentos. .

Trata-se de um debate que muito mais do que uma questão retórica,

envolve uma questão de método, referência aos que argumentam que o avanço da

produção de agrocombustíveis não irá impactar a produção das demais culturas,

como a alimentar, dada a grandeza territorial do Brasil.

O fato é que estas áreas supostamente aptas a tal expansão podem não

adequar-se à lógica locacional da agroindústria sucroalcooleira, conforme

abordamos no primeiro capítulo. Pelo contrário, e o mapa da localização das

unidades agroindustriais no país mostra que existe uma concentração espacial das

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mesmas, confirmando que esta expansão ocorre nas áreas que possibilitam maior

auferimento da renda fundiária, e não sob terras incultas, onde não há uma

combinação convergente de fatores que a potencializam.

Outro argumento utilizado pelos defensores da produção em larga escala

dos agrocombustíveis é o de que esta produção não ameaça os ecossistemas da

Amazônia e do Cerrado, uma vez que a cana-de-açúcar não é expressiva nestes

domínios.

Entretanto, ao avançar sobre áreas em que anteriormente se cultivava o

algodão, a soja, o arroz, as pastagens, há um processo de expansão da fronteira

agrícola rumo a esses ecossistemas, uma vez que a demanda por esses produtos

continua existindo. Assim, mesmo que a cana não se faça presente de forma intensa

nos domínios destes ecossistemas, seu avanço em áreas tradicionalmente

ocupadas acaba por se refletir nestes, com a reterritorialização das atividades

desalojadas.

Cabe ressaltar que ambos os processos tem sido possíveis graças à

inexistência de qualquer mecanismo, por parte do Estado, capaz de regular o uso do

solo agrícola, fazendo-se necessário implantar uma política de zoneamento que

normatize a gestão do território a partir de lógicas outras, além daquelas de

mercado.

Por outro lado, foi visto também que no âmbito da expansão do CAI

sucroalcooleiro, ocorreu o processo de precarização nas relações sociais de

produção, mediante a super-exploração do “bóia-fria” que, nestas duas últimas

décadas, teve que dobrar sua produtividade, a despeito do movimento inversamente

proporcional em seus salários. Isso revela uma das muitas contradições inerentes ao

modo capitalista de produção, em que a opulência do rentável agronegócio

canavieiro contrasta com a miséria e a subjugação do cortador de cana, ora

submetido à condições de trabalho análogas a da escravidão.

Isto mostra que o agronegócio sucroalcooleiro não pode, simplesmente

por sua rentabilidade e pujança econômica, advinda da disponibilidade de terras e

da superexploração da força de trabalho, dinamizar economicamente a região em

que se terrirorializa, visto que há uma evasão da renda socialmente produzida. Isso

porque os empresários do negócio canavieiro geralmente residem longe dos

municípios locus da produção.

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Dito de outra forma, as cidades do agronegócio sucroalcooleiro se

tornaram altamente dependentes não apenas do montante total da renda gerada

pela produção agroindustrial, bem como dos tributos correspondentes, mas sim de

uma fração ínfima da mesma, materializada no salário dos trabalhadores,

majoritariamente cortadores de cana.

Tanto nesta quanto naquelas transformadas em cidades dormitórios de

cortadores de cana, há uma pronunciada estagnação econômica, cuja

“prosperidade” está diretamente relacionada ao período das safras.

Não obstante, esta força de trabalho fortemente sujeitada aos padrões de

acumulação do agronegócio sucroalcooleiro se vê diante de uma ameaça iminente,

que é justamente a mecanização do corte da cana. E este processo, que poderia se

converter em instrumento de libertação das péssimas condições às quais estão

submetidos, poderá ser ainda mais aviltante, confirmada a tendência de perda dos

postos de trabalho.

Como não possuem nenhuma qualificação para se inserir em outras

atividades produtivas, se é que há tantas vagas quanto se sugere, tampouco lhes é

permitido o acesso à terra, o que os fará seguir “errantes”, a procura de quem

compre a sua força de trabalho.

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ANEXOS

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Questionário aplicado a cortadores de cana

Idade: ______________ Sexo: ( ) masc. ( ) fem.

1 - Escolaridade: __________________________________Estado civil Naturalidade

2 - A casa onde mora é: ( ) própria ( ) alugada ( ) cedida

3 - Número de filhos ( ) menores ( ) maiores

4 - Na sua casa há mais pessoas que trabalham no corte da cana?

5 - Há quanto tempo você corta cana? O que você fazia antes?

6 - Quais foram os motivos que levaram você a cortar cana:( a ) Porque considero ser um bom serviço( b ) Pelo bom salário( c ) Pela falta de outras opções

7 - Como você avalia este tipo de serviço?( a ) penoso( b )desgastante( c ) há serviços piores( d )é o pior dos serviços

8 - Você tem expectativa de mudar de profissão? Qual e por quê?

9 - Quantos metros (ou toneladas) de cana você corta por dia?

10 - Como são escolhidos os cortadores? É por capacidade de corte ou há outros critérios? Quais?

11 - Você é considerado um ( ) bom (médio) ( ) fraco cortador de cana?

12 - Como é feita a distribuição dos eitos de cana entre os cortadores? Existe alguma distribuição entre piores e melhores áreas de corte?

13 - De um modo geral, os cortadores são sempre os mesmos?Senão, quais são os principais motivos que levam à dispensa deles pela empresa?

14 - Você é funcionário da usina ou de terceiros? Tem carteira assinada?

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15 - Como fica seu contrato de trabalho no período da entressafra?

16 - Qual é o período da entressafra na região?

17 - O que você faz na entressafra?( a ) trabalha em outras atividades na usina ( como o plantio ou o trato da cana)( b) Trabalha em outras atividades agrícolas fora da usina( c ) Fica desempregado.

18 - A empresa fornece equipamentos de segurança? Quais?

19 - E ferramentas de trabalho?

20 - Qual é o horário da sua jornada de trabalho?

21 - A que horas sai e chega em casa?

22- Qual é o dia de semana que tem folga?

23- Quantas refeições você faz durante o dia de trabalho? Qual o tempo destinado a elas?

24 - A empresa fornece as refeições?

25- O que você faz para recuperar as energias para um novo dia de trabalho?

26 - Quando chove durante o dia o trabalho é interrompido?

27 - Você já passou mal por cansaço ou viu alguém passar mal?Se sim, com que freqüência?

28- Qual é o horário habitual de ir dormir e levantar-se, durante o período do corte?

29- Você acha justo o preço pago pelo metro/tonelada de cana?

30- Um cortador de cana ganha o suficiente para o sustento da família?

Page 120: Universidade Estadual de Londrina...SOUZA, Marcos Antonio de. A territorialização do agronegócio canavieiro no norte do Paraná: estudo de caso. 2008.Monografia (Bacharelado em

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31- Se você corta cana há pelo menos três anos:( a ) Você acha que antigamente se ganhava mais trabalhando menos.( b )Ganhava-se menos se esforçando mais( c ) Não percebeu a diferença.

32- O que você acha que deveria mudar no corte de cana?

33- Você participa de alguma organização que reivindica melhores salários e melhores condições de trabalho?Por que?

34 - Quais são as suas perspectivas de futuro trabalhando no corte de cana?

35- A empresa já possui corte mecânico de cana?

36- Você teme perder seu trabalho para as máquinas?

37- Quanto a sua saúde, você acha que o corte de cana a prejudicou? De que forma?