universidade estadual de campinas faculdade de...

235
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Memória, História, Educação: trilhas sugeridas por um Almanaque Autora: Fátima Faleiros Lopes Orientadora: Eloisa de Mattos Höfling 2002

Upload: others

Post on 09-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Memória, História, Educação: trilhas sugeridas por um Almanaque Autora: Fátima Faleiros Lopes

Orientadora: Eloisa de Mattos Höfling

2002

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

Resumo

Com este trabalho de pesquisa, pretendemos discutir questões relacionadas à produção e circulação do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, SP, 1986. Procuramos apreender alguns dos múltiplos sentidos desta obra, considerada enquanto documento histórico, por intermédio do diálogo estabelecido com os conceitos de História, Memória e Educação. Em relação à produção deste Almanaque interessa-nos investigar o papel da população e do poder público no projeto de escritura da história local, considerando também o contexto comemorativo do 1º centenário de emancipação política no qual esta obra se insere. Interessa-nos apreender determinadas visões de história e de cidade que perpassam seus textos, assim como determinados aspectos pertinentes à sua elaboração, pelos seus diversos autores.

Em relação à circulação do Almanaque, investigamos a sua inserção no universo escolar do município, o que, em última instância, se relaciona à história local e regional no contexto educacional. Procuramos problematizar tais noções, quais sejam, as de história regional e história local, bem como apontar algumas possibilidades que a relação história-memória oferece ao ensino de História. Por fim, consideramos o papel da instituição escolar e do poder público na preservação e democratização da memória social, tendo em vista a construção de identidades e da cidadania, pelos indivíduos, assim como a produção do conhecimento histórico.

Abstract

With this research project we intend to discuss questions related to the production and circulation of The Historical Almanac of Patrocínio Paulista City, 1986. We are seeking to capture some of the multiple meanings of this work, which is considered as an historical document, because of the dialogue it establishes between the concepts of History, Memory and Education. Our interest in relation to the production of this Almanac was the investigation into the role of the people and civic power in the task of the writing of local history, and also to consider the commemorative context of the first centenary of political emancipation which this work is placed in. Our interest is to capture certain visions of history and of the city which run through these texts, and to capture certain pertinent aspects of its creation by its various authors.

In relation to the circulation of the Almanac, we are investigating its presence in the school environment of the municipality which, in the last instance, is related to local and regional history in the educational context. We are not only seeking to problematize notions around regional and local history but also to highlight some possibilities which the relation between history and memory offers the teaching of History. Finally, we consider the role of the schools institutions and of civic power in the preservation and democratization of social memory, while bearing in mind the construction of identities and of citizenship by individuals as well the creation of historical knowledge

iii

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

À Cláudia, pela amizade

Ao Tatá, pelo amor

v

Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

AGRADECIMENTOS

Em alguns momentos, ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, deparamo-nos

com determinadas situações: em algumas delas, pudemos explicitar a determinadas pessoas

nossos sentimentos de gratidão, tendo em vista suas palavras e atitudes tão fundamentais

neste percurso iniciado há anos atrás; em outras situações, não tornamos explícitos nossos

sentimentos, talvez porque aguardávamos este momento final do trabalho, no qual

tentamos, de certa forma, fazer menção a todos que, de modo diversificado, compartilham

do mesmo – sabemos, no entanto, que isto não é tarefa simples, pois corremos o risco de

não contemplar, de forma justa, tantas pessoas. Assim sendo, de forma mais geral – não

sem menos carinho e gratidão – gostaríamos de agradecer:

Aos nossos pais, pela vida que nos proporcionaram. Aos nossos irmãos que,

juntamente com nossos pais, compõem um quadro de referências que nos é tão

fundamental.

Aos amigos – tantos que não é possível nomear neste curto espaço – que, de

diferentes formas colaboraram com este trabalho. Em especial, à Cláudia E. Cury e Cláudia

Denardi, pelo fato de termos vivido, lado a lado, as dores e as delícias da pesquisa

acadêmica.

Aos colegas de trabalho da Escola Comunitária de Campinas que, em diversas

circunstâncias, muito contribuíram para com esta trajetória. Gostaríamos de agradecer, em

especial, à direção e coordenação pedagógicas; aos professores do núcleo de História e à

respectiva coordenadora, Maria Sílvia, pelo incentivo dado desde os primeiros rascunhos

do projeto de pesquisa.

Ao Tatá, que foi um “bom companheiro” nestes anos de trabalho e que muito

colaborou para a concretização de vários de nossos sonhos.

Aos nossos entrevistados: Aloísio, Carlos Alberto, Ivone e Izar, pela possibilidade

de compartilharmos, anos atrás, e rememorarmos, tempos depois, a experiência relativa à

elaboração do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista.

vii

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

Aos professores e diretores das escolas de Patrocínio Paulista, cuja participação foi

fundamental para a realização de uma parte deste trabalho.

Aos funcionários de instituições públicas, bibliotecas e arquivos pelas quais

passamos boa parte deste tempo de desenvolvimento da pesquisa. Em especial à Isabel,

pela atenção, e ao Tales, futuro historiador patrocinense.

A todos os professores que contribuíram para com a nossa formação escolar e

acadêmica.

Ao Luzimar, pela leitura atenta e carinhosa. Ao Celso e ao Rodrigo, pela ajuda na

área da informática e incentivo para o início e término do trabalho.

Finalizando, gostaríamos de ressaltar a especial colaboração das seguintes

professoras – a quem muito agradecemos:

À Profa. Dra. Katia Maria Abud e à Profa. Dra. Maria Carolina Bovério Galzerani:

além de nossa admiração pela postura profissional de ambas, enfatizaríamos a nossa

gratidão pelas observações e palavras de incentivo, extremamente valiosas para a

finalização deste trabalho.

À Profa. Dra. Eloisa de Mattos Höfling, nossa orientadora, pela relação construída

ao longo destes anos, da qual fizeram parte a atenção, o respeito mútuo, a autonomia e o

incentivo. Nosso muito obrigado!

ix

Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

SUMÁRIO

p.

Resumo/ Abstract ---------------------------------------------- iii

Dedicatória------------------------------------------------------- v

Agradecimentos ------------------------------------------------ vii INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------ 1

CAPÍTULO 1: OS ALMANAQUES

1.1 Percorrendo o universo dos almanaques -----------------------------11

1.2 “Cultura de almanaque”? ----------------------------------------------29

CAPÍTULO 2: O ALMANAQUE HISTÓRICO DE PATROCÍNIO

PAULISTA

2.1 Por que almanaque? ----------------------------------------------------37

2.2 “Levantar” a história da cidade: o desenvolvimento do projeto --40

2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70

2.4 Anos depois: leituras do Almanaque ---------------------------------83

CAPÍTULO 3: MEMÓRIA, HISTÓRIA, EDUCAÇÃO: articulações

tecidas a partir de um Almanaque

3.1 O Almanaque nas escolas: o que dizem os professores------------137

3.2 Inserções das noções de história local e regional no ensino de

História: algumas reflexões---------------------------------------------165

3.2 Memória social: preservação-democratização-----------------------189

CONSIDERAÇÕES FINAIS---------------------------------------------202

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

ix

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4
Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

1

INTRODUÇÃO

Patrocínio Paulista, município situado no nordeste do Estado de São Paulo, foi

Distrito da Vila Franca, Província de São Paulo, de 1833 até 1885. A partir de então,

emancipou-se politicamente, denominando-se Vila de Patrocínio do Sapucahy. Cem anos

depois, como fruto das comemorações do 1º centenário de sua emancipação política (1985),

e resultado de um projeto que contou com a participação direta de mais de quarenta pessoas

– das quais fomos uma das integrantes – foi publicado o Almanaque Histórico de

Patrocínio Paulista (1986). Esta obra, ponto de partida e objeto de nossas reflexões, é a

primeira e até hoje a única publicação de caráter mais abrangente sobre variados aspectos

relacionados a Patrocínio Paulista, município em que nascemos e moramos por muitos anos

e ao qual retornamos periodicamente.

Este movimento de retorno se faz pontuado de sensações e percepções – dentre elas,

duas aparentemente contraditórias: impressões de pertencimento e estranhamento. Andar

por ruas conhecidas e reencontrar pessoas com as quais, ao longo dos anos e por motivos

variados, estabelecemos laços, conferem-nos o sentido de identidade e pertencimento. Por

outro lado, observar mudanças nas paisagens que desfiguram o espaço e apagam imagens

originalmente dele construídas e não reencontrar alguns rostos conhecidos de outrora nos

faz sentir percorrendo um lugar nunca antes visitado.

No entanto, se por vezes tais impressões fazem com que repensemos relações de

identidade e alteridade, também suscitam desejos no sentido de, a partir do presente,

tentarmos penetrar nas malhas deste tecido urbano e ressignificar vivências –

conseqüentemente, historicizá-lo. Encontramos alento nas palavras de GAGNEBIN, no

texto em que comenta os ensaios benjaminianos sobre Baudelaire:

“ Se o novo depende muito mais da intensidade do olhar que da pretensa novidade das coisas observadas, isso significa que o observador deve transformar-se sem parar: uma identidade estanque impediria a flexibilidade necessária a uma constante renovação da percepção”.1

? 1 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997, p.145.

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

2

Portanto, é na perspectiva de um olhar que pretende ser múltiplo, já que sofre a ação

do tempo, que pretendemos tratar do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista.

Delimitado o ponto de partida desta pesquisa, explicitaremos ao leitor os caminhos que

fomos percorrendo no desenvolvimento de um trabalho que se vincula à temática da

construção das memórias e da história local e algumas de suas possíveis articulações com a

educação.

Antes de comentarmos cada capítulo, é necessário enfatizar que os conceitos de

história e memória se afiguram enquanto norteadores da pesquisa e, neste sentido, a

referência teórica no tratamento dos mesmos é o trabalho de LE GOFF.2 Este autor afirma

que o conceito de história coloca-nos alguns problemas – seis ao todo, que ele aponta e

discute ( 1996:p.7-16). Apresentaremos alguns deles por considerá-los fundamentais para a

nossa concepção de história, à qual, por sua vez, se vinculam os caminhos trilhados no

desenvolvimento desta pesquisa:

1) Sobre as relações existentes entre a história vivida pelas sociedades humanas e a

ciência histórica. O distanciamento entre ambas favoreceu o desenvolvimento da filosofia

da história e, principalmente nos últimos anos, desenvolveu-se a historiografia. Da crítica

ao fato histórico – “que não é um objeto dado e acabado, pois resulta da construção do

historiador” – à crítica ao documento – “que não é um material bruto, objetivo e inocente,

mas que exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro” – chegou-

se à história-problema. Em decorrência disso, a questão da objetividade e da verdade em

história é colocada numa outra perspectiva; do reconhecimento de “realidades históricas

negligenciadas, nasceu uma história das representações ” – nas suas diversas formas; e,

por fim, o reconhecimento de que “toda história deve ser uma história social ” e, se a

história enquanto gênero literário é algo “menos verdadeiro para o século XX”, não se

pode esquecer que “existe sempre uma escritura da história”.

2) Sobre as relações da história com o tempo. Do tempo “natural”, cuja

domesticação pelos homens é simbolizada pelo calendário, ao tempo vivido pelas

? 2 LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Tradução: Bernardo Leitão et.al. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

3

sociedades – no qual se inserem as “relações entre história e memória”, objeto de um

interesse crescente por parte dos historiadores.

3) Sobre a dialética da história que “parece resumir-se numa oposição – ou num

diálogo – passado/presente (e/ou presente/passado)”. Negando a neutralidade de tal

oposição e afirmando ser esta a expressão de “um sistema de atribuição de valores” ao qual

se vinculam tanto uma “visão pessimista da história”, pautada no conceito de decadência,

quanto a “visão otimista da história a partir da idéia do progresso”, indaga: “Tem pois, a

história um sentido? E existe um sentido da história?” Se nas diversas épocas a visão do

passado se altera, tal oposição “não é um dado natural mas sim uma construção” –

considerando aí a vinculação do historiador com o seu tempo.

Em se tratando do conceito de memória em sua relação com a história – relação esta

que nos é cara para o desenvolvimento deste trabalho – LE GOFF (1996: 13,49,423,476-7)

aponta a introdução de uma outra noção de duração, para além dos “quadros mensuráveis

do tempo histórico”, tais como a cronologia e a periodização. Esta noção trata o tempo na

sua multiplicidade, ao considerar o “tempo vivido”, os “tempos subjetivos ou simbólicos”,

ou seja, “o tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da

memória, que atravessa a história e a alimenta”. O autor se preocupa mais com a memória

coletiva do que com as memórias individuais e, embora se detenha em seu surgimento no

campo das ciências humanas, não prescinde de uma abordagem, mesmo que sumária, do

conceito – polissêmico – no seu âmbito mais global por entender que “o conceito de

memória é crucial”. Para além dos fenômenos da memória nos seus aspectos biológicos e

psicológicos, preocupa-se com as relações entre história e memória. Para elucidar melhor

tais conceitos, afirma: “Tal como o passado não é a história mas o seu objeto, também a

memória não é a história, mas um dos seus objetos e simultaneamente um nível elementar

de elaboração histórica”. Se os indivíduos e as sociedades buscam hoje suas identidades –

quer sejam individuais ou coletivas – não podem relegar um de seus elementos essenciais:

a memória. No entanto, “a memória coletiva não é somente uma conquista, é também um

instrumento e um objeto do poder”. Para LE GOFF, cabe aos historiadores – também

profissionais da memória – “fazer da luta pela democratização da memória social um dos

imperativos prioritários da sua objetividade científica”.

Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

4

Há tempos que a questão da importância da memória coletiva no processo de

constituição de identidades vem sendo colocada. A noção de pertencimento, em seus vários

âmbitos – desde o que nos vincula a um determinado grupo social local até esferas mais

amplas, quando se trata de contextos nacional e mundial – tem sido enfocada como

essencial na constituição, pelos indivíduos, do que denominamos de cidadania

participativa3. Nos últimos anos, tais colocações têm sido constantes, tanto por parte de

setores da sociedade civil – como educadores, por exemplo – bem como por notas e

documentos oficiais, tais como os recentes Parâmetros Curriculares Nacionais4.

O mundo da informação ao alcance do indivíduo não está sendo capaz de evitar uma

situação paradoxal e desalentadora: tornamo-nos, ao mesmo tempo, uma sociedade

desmemoriada que se rende ao fugaz e ao presente contínuo5; à perda de referenciais

político-ideológicos com os acontecimentos globais, já datados, do final dos anos oitenta

do século XX, acrescentou-se a “morte da história”6. Porém, no fluxo contraditório de

inovações e perdas, de reorganizações mundiais e reafirmação de velhos valores, a história

vem se mostrando mais viva do que nunca – seja enquanto fermento para práticas em que a

tradição é reivindicada no seu caráter fundador de representações legitimadoras, tais como

as comemorativas, seja enquanto manancial de possibilidades efetivas de transformação

econômica e social.

Tais considerações delineiam o lugar de onde partimos para desenvolver o projeto

de pesquisa. Somam-se aí as nossas experiências enquanto educadora e a visão de história

enquanto processo e movimento, ou seja, os elementos balizadores dos rumos a serem

trilhados. Por fim, a percepção da circularidade do conhecimento bem como das relações

? 3 Dentre outros, citamos aqui: BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de velhos ., 2 ed., São Paulo: Edusp, 1987; CABRINI, Conceição et al. O Ensino de História: Revisão urgente. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1986.

? 4 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília, MEC/SEF, 1997.

? 5 HOBSBAWM, E. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

? 6 Referimo-nos ao artigo de Fukuyama sobre o fim da história, comentado por FONTANA, Josep. História depois do fim da História. Bauru, S.P.: EDUSC, 1998.p.7.

Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

5

entre ensino-pesquisa, entre saber histórico e saber escolar, são focos animadores porque

sugerem possibilidades de trocas e de mudanças sociais.

Após tais colocações, segue-se a apresentação do trabalho, o qual foi estruturado em

três capítulos, comentados a seguir.

O primeiro capítulo, denominado Almanaques, divide-se em duas partes. Na

primeira, objetivamos compreender o almanaque enquanto “gênero literário e editorial”7 a

partir da pesquisa bibliográfica sobre o assunto. Neste sentido, destaca-se a grande

contribuição dos estudos de três autoras brasileiras que desenvolveram pesquisas com base

no estudo de “almanaques”: CASA NOVA (1996) faz um estudo semiótico dos almanaques

de farmácia (“Biotônico Fontoura” e “A Saúde da Mulher”); GALZERANI (1998) tem

como objeto de análise almanaques campineiros das décadas de 1870 e 1880, tratados

enquanto documentos históricos e na consideração dos referenciais da História Nova em

sua relação com o marxismo; PARK (1999) aborda alguns almanaques farmacêuticos

brasileiros, tendo em vista as suas condições de produção, circulação e práticas de leitura.

Para tentar compreender o universo dos almanaques, buscamos referências teóricas em

CHARTIER (1976,1996,1998), ROCHE (1976) e DARNTON (1987), autores que

discutem a produção literária e a leitura – notadamente a partir do “século do livro”, ou

seja, o século XVIII. Tais pesquisadores consideram a produção do conhecimento histórico

com base em uma relação entre sujeito e objeto que se afasta da separação radical entre os

mesmos proposta pelo positivismo; ao optarem pelo estudo do livro e da leitura, sinalizam

para uma concepção mais ampla de objeto de pesquisa historiográfica, o que implica em

ampliação dos procedimentos metodológicos. Vinculam-se a um movimento da

historiografia francesa preocupada com o sócio-cultural, cujas raízes podem ser

encontradas nas proposições dos fundadores da revista Annales, em 1929. Através das

considerações de autores que discutem o conceito de cultura – notadamente GINZBURG

(1987) – pretendemos tratar o almanaque enquanto produção cultural. Assim sendo, na

? 7 ROGER CHARTIER afirma que “(...) desde o século XVIII ou o século XVII, mesmo antes, o almanaque é um gênero ao mesmo tempo literário e editorial utilizado para difundir textos de natureza extremamente diferente”. Introdução: O livro dos Livros. In PARK, Margareth Brandini. Campinas, SP: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999, p.9,10.( grifos nossos)

Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

6

segunda parte do primeiro capítulo, procuramos levantar alguns aspectos relativos à questão

da qualificação/desqualificação cultural dos almanaques, tendo em vista os múltiplos

sentidos atribuídos a publicações tão diversificadas, inclusas neste “gênero literário e

editorial”, bem como os intercâmbios entre o que seria denominado de “cultura popular” e

“ cultura erudita”.

No segundo capítulo, o foco é centrado no Almanaque Histórico de Patrocínio

Paulista. Por meio da análise de documentos escritos (datilografados e impressos) –

notadamente o referido Almanaque – da massa documental resultante das entrevistas

realizadas com alguns dos atores sociais envolvidos na elaboração deste almanaque e de

algumas imagens iconográficas, temos por objetivo tratar da sua produção: a escolha do

gênero “almanaque”, as condições e/ou motivações iniciais para o empreendimento, a

organização do grupo de trabalho, algumas facilidades e dificuldades na elaboração das

pesquisas, a participação do poder público no projeto, o contexto das comemorações do 1º

centenário.

O uso dos testemunhos orais como fonte de pesquisa, em curso desde décadas

passadas, se insere no próprio debate historiográfico que, ampliado também nas últimas

décadas, acabou por romper com a perspectiva tradicional do objeto da história e,

conseqüentemente, dos problemas e métodos a serem colocados – o que não quer dizer que

haja consenso sobre as novas questões e posicionamentos e nem respostas para todas as

indagações.8 Entretanto, o uso do termo História Oral não é consensual entre os

pesquisadores que trabalham com fontes orais. MONTENEGRO (1997), por exemplo,

prefere falar em depoimentos orais, pois: “... os depoimentos orais caracterizam-se como

parte dos recursos documentais que o historiador pode recorrer sem com isto estabelecer

outra disciplina.”9 Nesse sentido, também surgiram polêmicas à medida que se ampliou o

uso do documento oral como fonte para a pesquisa, pois, no dizer de FERNANDES (1997),

? 8 Sobre esta questão, interessante e polêmica é a crítica à Nova História feita por DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992.

? 9 MONTENEGRO, Antonio Torres. A Invenção do Olhar. In SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von (org.) Os Desafios Contemporâneos da História Oral- 1996 . Campinas, SP: Área de Publicações CMU/UNICAMP, 1997, p.198.

Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

7

“... a memória foi incorporada à história, ao trabalho do historiador...”10 Para os

historiadores que trabalham com a perspectiva de uma representação verdadeira do

passado, tal fonte não é confiável, sendo imprecisa e eivada de subjetividade. Não obstante,

concordamos com FERNANDES (1997:p.160-1):

“Como fonte histórica, o depoimento oral possibilita, quando colocado ao lado de fontes tradicionais, acrescentar a elas, outras representações ou mesmo versões diferenciadas construídas acerca de uma determinada prática social ou de um acontecimento. Além disso, permite trazer à tona, debates e divergências travados (ou obscurecidos) entre atores de determinados grupos sociais e profissionais. O depoimento oral é, ao mesmo tempo, fonte de investigação para o pesquisador e ‘locus’ de reflexão para este e para o próprio depoente, cuja narrativa traduz-se por um processo de reconstrução do passado sob a ótica do presente...”

Estas reflexões nortearam a opção pela realização de entrevistas temáticas e

gravadas, no primeiro semestre de 2000, com alguns dos participantes do projeto de

“levantar” a história da cidade – este, desenvolvido em meados dos anos oitenta. Apoiados

em sua memória, nossos quatro entrevistados expressam pontos de vista extremamente

pessoais nas leituras do passado vivido à luz do tempo presente. Não tivemos a pretensão

de generalizar tais leituras como se constituíssem a única versão daquele momento

histórico, mas contribuir, com nossa análise, para a construção de uma versão que não

prescindisse da pluralidade de vozes.11

O contexto comemorativo do 1º centenário de emancipação política no qual insere-

se a produção desta obra é bastante significativo. Sendo assim, procuramos contemplá-lo –

ainda que não de forma exaustiva por não ser este um dos nossos principais propósitos.

Apontamos algumas das dimensões do “comemorar” implícitas nesta comemoração, em

específico: rememorar, divertir, homenagear, bem como reafirmar imagens heroificadas

que remetem às origens do povoado, por exemplo. Tendo por base o conceito de “invenção

das tradições”, elaborado por HOBSBAWM (1996), discutimos este momento

? 10 FERNANDES, Tania Maria Dias. Os produtos naturais na memória de seus cientistas. In SIMSON, O. R. de M. von (org.) Op. cit., p.159.

? 11 Ver, nos anexos desta dissertação, os roteiros utilizados na realização das entrevistas.

Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

8

comemorativo em conjunção com a produção do Almanaque, ou seja, de uma memória

histórica. Consideramos ainda as contribuições de ABUD (1999), ARRUDA (1999),

CHAUÍ (2000) e FERREIRA(2000) para a nossa abordagem desta questão.

Na parte final do segundo capítulo, os diversificados textos que compõem o

Almanaque – de diversificados autores – são agrupados e subdivididos, tendo em vista

certas características mais ou menos comuns entre eles. As condições de produção deste

livro tocam em questões, tais como o trabalho com as fontes e a relação dos autores com os

temas pesquisados. Por sua vez, nele encontramos, implícitas e/ou explícitas, certas visões

de história e de cidade. Através das leituras que vamos fazendo desta obra, estas questões

vão se impondo e procuramos trazê-las ao leitor deste texto. Mencionamos, em nossa

análise, as imagens iconográficas presentes no Almanaque – reproduções fotográficas, em

maior número – no sentido de que as imagens influenciam muito a forma pela qual as

pessoas percebem a realidade , contendo uma riqueza de significados que vão além da

questão da referência ao “real”. Para tratar deste Almanaque, sentimos necessidade de

entrar em contato com outras obras – outros almanaques, outras obras sobre cidades

surgidas em contextos comemorativos – e, em alguns momentos, fazemos referências a

elas, sempre no sentido de procurar enriquecer a análise desenvolvida sobre o Almanaque

Histórico de Patrocínio Paulista.

O terceiro capítulo intitula-se Memória, História, Educação: articulações tecidas a

partir de um Almanaque. Que leituras podemos fazer deste Almanaque hoje? Leituras

várias! Escutamos o que dizem nossos entrevistados e, quanto às leituras e leitores desta

obra, procuramos estabelecer uma ponte com as escolas de Patrocínio Paulista: o

Almanaque chega até elas? O que poderíamos ouvir dos professores? Além das questões

relacionadas à sua produção, interessa-nos abordar a circulação do Almanaque tendo em

vista o universo escolar local.

Um questionário não muito amplo, por meio do qual os docentes das cinco escolas

do município pudessem se posicionar, foi o procedimento metodológico utilizado para

desenvolver esta parte da pesquisa. Por meio das respostas dos professores, procuramos nos

ater às referências que fazem ao Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista em suas

práticas pedagógicas. O interesse aqui é incorporar, na análise até então desenvolvida, os

Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

9

elementos que tais questionários trouxeram relativos ao nosso objeto de estudo, o

Almanaque, e não fazer destes elementos o foco de nossa análise. Em última instância, as

questões que propusemos a estes professores se vinculam à história local nas suas práticas

pedagógicas. Assim sendo, objetiva-se problematizar a questão da história local e da

história regional, considerando-se algumas críticas que, em linhas gerais, centram-se na

interpretação teórica fragmentária destes conceitos, o que contribui para um ensino

apologético sobre a história local e regional mas, por outro lado, considerando-se a

relevância do estudo da realidade mais próxima, em articulação com contextos históricos

mais amplos, no sentido de uma educação que fortaleça os sujeitos. Neste sentido, objetiva-

se considerar as visões plurais inscritas no Almanaque enquanto potencialidades de trabalho

com história local no processo de ensino-aprendizagem de história. Orientações

educacionais oficiais relativas às últimas décadas do século XX, no Brasil, são utilizadas

por nós como subsídios em nosso objetivo de historicizar as noções de história “local” e

“regional”, visando à sua problematização. AMADO (1990), CERRI (1996,1998),

FONSECA (1993), HÖFLING (1986), PESAVENTO (1990), SAMUEL( 1989-90) e

SILVEIRA (1990) contribuem para com nossa análise por abordarem questões que muito

nos interessam, tais como cidadania, identidade, historiografia e ensino de História.

Por fim, procuramos apontar para o papel importante – neste caso, centramos no

nível municipal – que o poder público e a instituição escolar têm na questão da preservação

e da democratização da memória social. Discutimos esta questão, tendo como referência as

entrevistas realizadas com pessoas envolvidas na elaboração do Almanaque Histórico de

Patrocínio Paulista e autores como BITTENCOURT (1998), MENESES (1999), SILVA,

Z. (1999) e ORIÁ (1998). Procuramos enfatizar a importância da relação memória- história

em relação à produção do conhecimento histórico em seus vários âmbitos.

O percurso de elaboração e de desenvolvimento desta pesquisa se constitui a partir

da relação problematizada entre sujeito-objeto, tendo como fios condutores as

possibilidades proporcionadas pelas dimensões da memória em sua relação com a história e

destas duas em suas articulações com a educação.

Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

10

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

11

CAPÍTULO 1: OS ALMANAQUES “Objeto de inesgotável riqueza, o livro exerce há muito sua fascinação (...) Essa eterna juventude que se enraíza nas origens, porque existem discursos sobre o livro desde seu aparecimento, traduz, no fundo, a surpresa feliz de um mundo estupefato de poder ouvir,

em seu presente, para além dos espaços e dos séculos, tão velhas linguagens”

CHARTIER e ROCHE. O Livro: uma mudança de perspectiva .

1.1 Percorrendo o universo dos almanaques

Os organizadores do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista , ao comentarem

sobre a história deste gênero literário e editorial, se reportam à origem etimológica da

palavra al manach: “o cálculo”, “o cômputo”. E acrescentam:

“Trazido pelos invasores árabes, os almanaques passaram a ser grandemente populares por toda a Europa, contendo já variadas matérias, de caráter literário ou tão só informativo. Vindas com os portugueses para o Brasil, essas publicações repetiram-se com grande êxito no Império e mesmo no período republicano; apenas há poucas décadas, quando outras formas de comunicação alcançaram com mais presteza os distantes e isolados cantos do país é que os almanaques foram cedendo seu lugar. Os exemplares que se conservaram das várias publicações brasileiras constituem hoje, no entanto, uma preciosa memória das épocas. Anúncios, indicadores profissionais, horários e preços dos meios de transporte, tudo assume ímpar valor histórico, por registrar peculiaridades que os ‘documentos oficiais’ não transmitem. Realçada assim a feição histórica dos almanaques, outro nome não poderia ter sido dado a esta obra que almejou, no 1º Centenário de Patrocínio Paulista, fixar os principais acontecimentos da cidade agora secular”.1

Através do levantamento bibliográfico sobre o assunto, pudemos perceber que são

mais amplas – talvez até polêmicas – as origens históricas do Almanaque.2

“A palavra almanaque, de etimologia bastante controvertida, pode ter várias origens: do oriental man, nome primitivo da lua, do copta al , que significa cálculo, e men, memória. Daí, também, almeneg, cálculo para memória: do artigo al, e do

? 1 Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista . Patrocínio Paulista, Prefeitura Municipal, 1986, p.7.

? 2 CASA NOVA, Vera. Lições de Almanaque: um estudo semiótico, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. GALZERANI, Maria Carolina Bovério. O Almanaque, a Locomotiva da Cidade Moderna: Campinas, décadas de 1870 e 1880. Tese de Doutoramento defendida no Departamento de História do IFCH – UNICAMP, 1998. PARK, Margareth Brandini. Histórias e leituras de Almanaques no Brasil, Campinas, S.P.: Mercado das letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999. (Coleção Histórias de Leitura).

Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

12

latim manachus , círculo representando a linha eclíptica dividida em doze partes para os doze signos, e pelo qual os latinos reconheciam o crescimento das sombras a cada mês. Em outra hipótese, do céltico al, mon, aght, que significa a observação de todas as luas. Nossos ancestrais traçavam o curso da lua, para todo o ano, sobre um pedaço de madeira quadrada que eles chamavam almonaght. Ainda, segundo outra opinião, do árabe al, o, e manach, contar.”3

Considera-se que o vocábulo venha do árabe almanakh, lugar onde o camelo se

ajoelha, do latim manachus, circulus, com o sentido de “círculo de um meridiano que

servia para indicar os meses”, além dos termos almanachus, do baixo latim, e almanakon,

do baixo grego, referente a calendários egípcios.4

Ainda sobre a origem etimológica do termo em questão, acrescenta-se a hipótese de

que venha da união do árabe al e do grego men (mês), bem como a palavra almanha, que

nas línguas orientais significa “presente de ano novo”. Em saxão, al-monght ou al-monac,

uma contração para al-mooned, que significa “contendo todas as luas”. Por fim, considera-

se também o celta al-manach, com o significado de “frade (o solitário), ou a obra do

frade”5

Observa-se que as origens do termo “almanaque” sugerem o vínculo estabelecido

entre o homem e as noções de tempo e espaço; demonstram as necessidades humanas de

explicitar referências espaciais e temporais, para uma melhor organização social – daí o

calendário: contagem do mês, das luas, do ano; o cálculo para memória ou, como diz LE

GOFF, “o resultado de um diálogo complexo entre a natureza e a história”. Para este

autor, as relações da história com o tempo é um dos problemas colocados pelo conceito de

história. Do tempo “natural”, cuja domesticação pelos homens é simbolizada pelo

? 3 CASA NOVA, Vera. Lições de Almanaque - um estudo semiótico , p.17. A autora explicita o caráter compilatório da sua investigação, destacando, dentre as obras consultadas, as publicações a seguir: Quid, 1980; Encyclopaedia britannica, v.I; Encyclopédie Larousse XIX siècle; Grande enciclopédia portuguesa-brasileira, v.5; Nouveau Larousse universel; Dictionnaire encyclopédique Quillet.( grifos nossos).

? 4 CASA NOVA, Vera. Op. cit.p.17-18. A autora refere-se às origens apontadas por NASCENTES, Antenor, Dicionário etimológico da língua portuguesa, p.20.

? 5 GALZERANI, Maria Carolina B. op. cit. p.47. A autora se reporta aos estudos de BÒLLEME, Geneviève, em Les almanachs populaires aux XVII et XVIII siècles.

Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

13

calendário, ao tempo vivido pelas sociedades – no qual se inserem as “relações entre

história e memória”, objeto de um interesse crescente da parte dos historiadores.6

O surgimento da imprensa contribuiu no sentido de delinear o formato dos

almanaques bem como para a sua divulgação. LE GOFF (1996) afirma que o primeiro foi

impresso na Alemanha, em 1455; que em 1464 iniciou-se a publicação de almanaques das

corporações e, em 1471, surgiu o almanaque anual. Na bibliografia relativa ao assunto, é

unânime o destaque conferido ao “Le Grand Calendrier Compost de Bergers”, de 1491:

uma obra-prima que serviu de modelo para outros almanaques franceses de épocas

subseqüentes, tal como o “Le Messager Boiteaux”; além do calendário astrológico, ele

trazia conselhos médicos, sugerindo-nos que os primeiros redatores deste tipo de

publicação poderiam ter sido astrólogos e médicos.7

Para CASA NOVA(1996: p.18-19),

“Importante para o estudo da literatura popular na França, o Compost é a expressão de uma mentalidade popular, onde a virtude maior reside no bom exercício das funções naturais e da sã razão, visando o cumprimento do desejo fundamental do homem: viver muito, senão eternamente. A saúde física e a saúde moral são uma mesma coisa, e a sabedoria, sagesse, é ter consciência disso”.

Sobre esta questão da difusão dos padrões morais, a autora acrescenta o “exemplo”

do The Poor Richard’s Almanack, publicação norte-americana datada de 1732, que se

encarregava da difusão da moral em nome dos interesses econômicos e tido como

almanaque modelo. No caso do Brasil, o Almanaque Biotônico Fontoura, “traduziu seus

principais conselhos de conduta”. Tal publicação se inscreve no projeto de reforma e de

civilização do Estado brasileiro, no início do século XX, com vistas à formação de pessoas

sadias, moralmente aptas e úteis para a construção do progresso. De caráter pedagógico e

? 6 LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4 ed. Tradução: Bernardo Leitão et. al. Campinas, S.P. Editora da Unicamp. 1996. p. 524, 7, 12, 13.

? 7 LE GOFF, J. op. cit. p.527; GALZERANI, Maria C. B. op. cit. p. 50; CASA NOVA, V. op. cit. p.18.

Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

14

“esclarecido”, este almanaque serviu bem aos objetivos políticos explicitados, tendo como

personagem de divulgação de tais propósitos o “Jeca Tatuzinho”, de Monteiro Lobato.8

Pode-se afirmar que da Idade Média ao Renascimento tais publicações conheceram

uma considerável expansão, o que, ao menos em parte, deveu-se aos vendedores

ambulantes que as distribuíam por vários cantos da Europa – além do papel da imprensa,

anteriormente comentado. PARK vincula o almanaque popular francês à literatura de

colportage, ou seja, “aquela levada nas cestas dos vendedores ambulantes” e, para além da

França, temos os pliegos de cordel espanhóis e catalães e os chapbooks ingleses. “(...) os

editores de Troyes, na França, dominam, sem deter o monopólio. Há editores nas cidades

de Rouen, Caen, Limoges, Avignon, Champagne, Picardia, Vale do Loire, Lorena,

Borgonha”. ( 999: p. 58)

No entanto, é interessante observar que a expansão decorrente da maior divulgação

e procura por tal tipo de literatura não implicou na aceitação plena de todos os discursos

por ela veiculados. Ou seja, os almanaques não estiveram imunes às interdições. Segundo

GALZERANI ( 1998), Henrique III, em 1579, e o Papa Sixto V, em 1585, dentre outros,

lançaram severas proibições relativas aos prognósticos e predições nos almanaques.

Podemos fazer a leitura de que tais interdições significavam tentativas de afirmação dos

poderes Monárquico e Eclesiástico face a outros poderes, tal como o de Nostradamus que,

em 1550, publicou suas previsões em um almanaque. A partir do século XVIII, tendo em

vista os ideais enciclopedistas, tais publicações se constituíram em veículos de divulgação

dos anseios revolucionários, na França. Posteriormente, mais uma interdição: desta vez foi

Luís Napoleão Bonaparte que tentou tirar de cena os almanaques republicanos. Em síntese,

não se pode separar a cultura escrita “dos gestos violentos que a reprimem”, como afirmou

CHARTIER.9

? 8 O Almanaque Biotônico Fontoura é um dos discutidos por PARK. Para ela, falar e escrever sobre ele “é reapresentar uma teia da qual fazem parte Cândido Fontoura, o Biotônico, Monteiro Lobato, Jeca Tatu, Imprensa, Propaganda e Literatura”. op. cit. p. 104.

? 9 CHARTIER, Roger. A aventura do Livro: do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo Moraes. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p.23. Acrescenta ainda que: “Antes mesmo que fosse reconhecido o direito do autor sobre sua obra, a primeira afirmação de sua identidade esteve ligada à censura e à interdição dos textos lidos como subversivos pelas autoridades religiosas ou políticas”.

Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

15

Pensando neste período histórico, qual seja, o que vai do século XVI ao XVIII, o

almanaque pode ser associado a um tipo de literatura denominada “popular”, quando

levamos em conta alguns pontos: sua difusão nas feiras, pelos vendedores ambulantes ; a

produção de impressos com informação, profecias, conselhos, dentre outros, suprindo a

demanda por este tipo de literatura tanto na área urbana quanto na rural; lidos pelos

alfabetizados, e atingindo um público mais amplo nas leituras em voz alta.

Somos tentados a relacionar a leitura de tais livrinhos a camadas populares

economicamente desfavorecidas e, de certa forma, excluídas do contato com uma literatura

mais erudita. Certos mecanismos, como este, têm se revelado problemáticos nas pesquisas

que tentam, através do livro e sua história, tratar de culturas e mentalidades de grupos

sociais. Neste sentido, CHARTIER E ROCHE( 1976), no texto “O Livro: uma mudança de

perspectiva”, apontam para alguns aspectos que vão além destes esquemas e

enquadramentos prévios e fechados do objeto de pesquisa. Um deles diz respeito ao fato de

que nem todo livro possuído é necessariamente lido e que a leitura não implica

necessariamente na compra, já que o acesso ao livro pode se dar de outras formas. Além

disso, há o fato de que nem sempre o livro é encontrado onde imaginamos encontrá-lo. No

caso,

“O almanaque ‘popular’ parece muito presente entre os notáveis de pequenas vilas provinciais, abastecidos por uma venda ambulante que supre a ausência de livrarias, conduzido freqüentemente até às portas dos castelos. É, pois, permissível imaginar que a clientela dessa literatura, específica em sua forma e em sua temática, é ao mesmo tempo constituída por essa burguesia que não compra o livro erudito e pela população menos abastada das cidades e do campo. Existe lugar entre os excluídos da leitura e os excluídos da cultura para um público médio, incerto em seus contornos porém coerente em suas expectativas”.10

Caso consideremos esta fala, a limitação da leitura ou consumo dos almanaques

exclusivamente a determinado grupo social se inviabiliza. A mesma limitação pode ser feita

aos vendedores ambulantes no que tange à sua freguesia? Para os pesquisadores

anteriormente citados, a loja não era o único meio de venda e difusão do livro já que os

? 10 LE GOFF,J., NORA, P. (orgs.), História: novos objetos. 2.ed.Tradução: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p.108. Ver também pp.105-107.

Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

16

comerciantes forasteiros garantiam sua difusão nas aldeias e burgos – e também nas casas

senhoriais – onde ela não existia. E acrescentam:

“ É, pois, pouco lícito identificar, como acontece freqüentemente, literatura vendida por ambulantes e literatura popular. A clientela dos comerciantes [...] é formada por oficiais civis, togados, médicos, numerosos eclesiásticos e alguns nobres”. (p.105)

Sem nos determos na questão da “ literatura popular”, continuaremos com as

reflexões valiosas destes autores que, considerando as novas perspectivas abertas à história

do livro, centram suas análises nos “séculos de conquista do livro, que são os séculos XVII

e XVIII”. Neste sentido, focalizaremos nossa atenção no que eles apontam como pertinente

ao século XVIII, especialmente na França, e que nos ajuda a compreender melhor o que

concerne à literatura da época, inclusive como e em quais contextos aparecem as

referências aos almanaques.

Segundo CHARTIER e ROCHE (p.100-103), a partir da segunda metade do século

XVII, a ascensão editorial nos países da Reforma se processa conjuntamente à ascensão do

livro civil. O processo de laicização, ou recuo do livro religioso é “lento porém regular” e

decorrente da “longa duração da reforma religiosa” que se “anexa à aurora das Luzes”.

Este é um primeiro ponto que está em correlação com o segundo, qual seja, o progresso das

línguas vernaculares e o recuo do latim, no contexto da “interiorização nos quadros

nacionais”. É também a partir da segunda metade do século XVII, na França, que a

centralização editorial na capital parisiense ganha corpo e vai enfraquecendo a produção de

província. Se esta centralização visava a um maior controle do livro, dentre outros

motivos, não é possível desconsiderar, por sua vez, a produção clandestina da época. A esta

última se vinculam impressões religiosas, protestantes ou jansenistas e, a partir da segunda

metade do século XVIII, os chamados “livros filosóficos”, categoria que abarca uma série

diversa de livros proibidos.

Para além da produção impressa, que parece ir ganhando certo fôlego com o passar

do tempo, CHARTIER e ROCHE chamam a atenção para a relação entre “alfabetização e

leitura” e, neste sentido, “o mundo dos leitores permanece um mundo restrito até muito

para dentro do século XVIII ”. Para eles, poderia ser colocada aí a questão:

Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

17

“Não existem entretanto leituras populares para definir uma cultura dos dominados? A descoberta apaixonada da biblioteca azul e do almanaque pôde sugerir isso; que se imagine uma leitura em voz alta durante as vigílias ou uma ‘leitura’ elementar decifrando as figuras e os signos mais que o texto” (p.108)

No entanto, já expusemos anteriormente as instigantes reflexões destes autores que

subvertem as correlações mais apressadas e mecânicas – especificamente a vinculação da

leitura de almanaques exclusivamente a certos estratos dominados da sociedade.

Em relação às categorias que se afiguram como representativas no contexto da

produção editorial, o século XVIII assiste ao crescimento das ciências e artes, “categoria

de curiosidades múltiplas mas cujo tema unificante é a relação do homem com o mundo

natural ou social”, na definição de CHARTIER E ROCHE (p.103). É o enciclopedismo

que visa à dominação de um “universo dessacralizado” através da classificação e do

inventariado das coisas do mundo. Se a teologia cede terreno à ciência e às artes, por outro

lado, a história, o direito e as belas-letras se mantêm ao longo dos séculos XVII e XVIII.

No que diz respeito aos temas do almanaque – e mesmo à biblioteca azul – há

modificações: se a astrologia “profética, judiciária ou natural que revela os futuros” se

sobressai, no século XVIII são introduzidos no almanaque a “narrativa da atualidade e o

conselho utilitário”. Para os autores, esta mudança de repertório significa o deslocamento

do “fantástico” rumo a “uma sabedoria muito humana” (p.108,109). Esta mutação em

relação à temática do almanaque se prolongará no período subseqüente e a tônica do

científico, da busca da verdade, ganhará muito do espaço anteriormente ocupado por textos

marcados pelo miraculoso das receitas caseiras, pelo divertimento nas leituras em voz alta,

pelas predições que completavam o ciclo instaurado pela medição do tempo nos

calendários. Mais uma vez, o questionamento para refletirmos:

“O problema que se coloca é o dos progressos de tais motivos: a literatura ‘popular’ é adaptação de obras eruditas ou, ao inverso, emerge, às vezes, nas obras dos literatos? Pergunta ainda sem resposta, porém de importância para situar o livro em relação à cultura de maior número de pessoas.” (p. 109)

Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

18

Além deste texto aqui comentado, outras pesquisas também indicam caminhos para

pensarmos esta questão, tais como as de GINZBURG, autor que estabelece outros

parâmetros para a análise dos domínios de uma “cultura popular” e uma “ cultura erudita”,

e sobre isso trataremos posteriormente.

Finalmente, o que evoca o livro enquanto objeto cultural? Tomando como

referência os livros pintados nos quadros pelos artistas, CHARTIER E ROCHE (p.106-110)

procuram apreender alguns dos seus múltiplos significados: o livro associado ao contexto

religioso e humanista; o livro como indicativo de superioridade social; o livro enquanto

objeto que pode encerrar tanto “a perversão da Palavra” quanto “a sedução das vaidades

mundanas”. No século XVIII – e a pintura francesa o demonstra – ao livro podem ser

aplicadas “outras significações de uso ou de representação”. Dentre elas, a “inserção do

livro no universo familiar”, funcionando como “objeto iniciático que conduz aos saberes”,

e o livro enquanto “signo do poder” do conhecimento e o poder das idéias, tal como a

Encyclopédie. Outros sinais, presentes no livro, remetem a outros usos: “o título, a

ilustração, a tipografia”.

No caso da ilustração ou da imagem iconográfica – já que os autores não

estabelecem diferenciações entre os dois termos – a gravura sobre madeira é reservada ao

almanaque e à biblioteca azul e, já no século XVII, o gravador sobre cobre que assina suas

obras vai substituindo o anônimo artesão. Assim, com o século XVIII, a ilustração “torna-

se documentário” em duas escalas. Primeiramente, o predomínio dos livros de pequenos

formatos “conduz a imagem a transformações estéticas” e, numa outra escala, o triunfo da

imagem técnica nos livros de consulta, tal como a Enciclopédia. Em síntese, esta linguagem

imagética pode ser lida enquanto “conjunto de sinais” e enquanto “suporte para

representações ideológicas” (1976:p.110). Tal pressuposto é válido para o estudo e análise

dos almanaques e, dentre a bibliografia específica sobre tais publicações, há autores que se

detêm mais na questão do poder constitutivo das imagens iconográficas, tal como CASA

NOVA, por exemplo. O que CHARTIER E ROCHE chamam a atenção diz respeito às

várias linguagens – para além do texto – inscritas no livro.

Outro pesquisador que se deteve no estudo do mundo literário francês do século

XVIII é ROBERT DARNTON. Percebe-se uma sintonia entre questões colocadas por este

Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

19

autor e os dois pesquisadores anteriormente comentados – mais especificamente quanto a

alguns cuidados que os historiadores devem ter ao tratarem da história literária: a

consideração das fontes diversas e certos limites das pesquisas quantitativas. Mesmo não

sendo o objeto sobre o qual DARNTON se debruçará, seria interessante buscar as

referências que este autor faz a almanaques, ao longo do seu livro Boemia Literária e

Revolução: o submundo das letras no Antigo Regime.11

ROBERT DARNTON cita o Almanach de la Librairie para 1781 enquanto fonte de

informação relativa ao número de livreiros e impressores da época, na França. As edições

do Almanach Royal para 1750 e para 1789 permitem ao autor avaliar a produção de livros e

o número de censores reais do período e foi no Almanach Royal que pôde encontrar as

atribuições oficiais do secretário de polícia Martin. Este era encarregado da Bastilha e de

outros castelos onde estavam encarcerados os prisioneiros do Estado, além de ser

encarregado do comércio de livros proibidos.12 Num outro registro, não oficial, mas

portando a denominação de “almanach”, DARNTON (1987:p.28,212) nos apresenta o

escritor Rivarol e o Le petit almanach de nos grands hommes (1788). Rivarol, ao listar

um grande número de subliteratos, a despeito dos escritores estabelecidos e que haviam

conquistado o le monde (a elite sócio-cultural), aponta para a situação de clandestinidade

em que vivia um número cada vez maior de jovens escritores em Paris, no final do Antigo

Regime. Para DARNTON, tal publicação é mais uma fonte, “talvez anedótica”, mas que

sugere questionamentos para a investigação da vida intelectual no século XVIII.

Percebe-se que o autor, ao se utilizar de almanaques enquanto fontes para o seu

trabalho, procura apreender não só dados objetivos e informes estatísticos mas também

pistas sugestivas quanto ao ambiente literário da época, tanto o oficial e o clandestino

quanto as possíveis imbricações entre estas duas instâncias.

? 11 DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução. O submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

? 12 DARNTON, Robert. op. cit. p.72, 212. Darnton assim define Martin: “ Era o principal funcionário, aquele que qualquer pessoa envolvida com o tráfico clandestino de livros gostaria de conhecer: estava em seu poder fornecer informações sobre os concorrentes, dar avisos sobre as medidas repressivas e assistência quando os livros se enroscassem na engenhoca que mantinha fora da França os livros perniciosos e protegia o monopólio da corporação dos livreiros”. p.72.

Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

20

Seria possível definir o almanaque enquanto portador de informações

exclusivamente oficiais? Como veículo de divulgação de tudo o que transborda das

margens da oficialidade? Ou terá o almanaque adquirido diferentes feições, se

considerarmos a diversidade de contextos históricos atinentes às suas condições de

produção, divulgação e práticas de leituras?

CHARTIER e ROCHE já haviam pontuado que “em um e outro caso, a incerteza

insinua-se no coração da estatística”. DARNTON, por sua vez, criticou os historiadores

quantitativos por não conseguirem responder a questões básicas sobre a leitura e produção

literária do passado, entretanto:

“(...) sociólogos e quantificadores demonstraram, contudo, a importância de interpretar a cultura literária do Ancien Régime em termos não apenas literários. Os livros possuem uma vida social e um valor econômico. Todos os aspectos de sua existência – o literário, o social, o econômico e até o político – juntaram-se, com força máxima, na indústria editorial do século XVIII”. 13

DARNTON faz um estudo de caso, uma micro análise referente ao comércio ilegal

de livros na cidade de Troyes, em um período de cerca de dois anos – sem pretensão de

generalizar a sua análise para toda a França. No entanto, seu estudo é representativo do que

se consumia na localidade em termos de livros proibidos, por volta de 1780-1785. Nos

livros arrolados não se encontra nenhuma referência a almanaques – por si só, seria este um

indicativo de que tais publicações têm sempre um caráter legal e nunca sofrem interdições?

Já vimos que não é bem assim. Entretanto, para o período estudado não há registro de

circulação clandestina dos almanaques em Troyes.

Pesquisas de sociólogos e historiadores tentaram fornecer uma visão global da

leitura e dos gêneros literários na França, em meados do século XVIII, através de fontes,

tais como: “catálogos de bibliotecas particulares, resenhas de livros ou requerimentos

dirigidos ao Estado para colher autorização de publicação” (1987: p.168). Este último tipo

? 13 DARTON, R. op. cit. p.182-183. Através do estudo da atividade editorial, este pesquisador vê possibilidades de desenvolver três hipóteses de trabalho. São elas: a maneira pela qual os livros eram produzidos e distribuídos determinava, em parte, o que os franceses liam; no século XVIII, a produção e distribuição dos livros se dava, basicamente, por dois modos: o legal e o clandestino; a cultura e a política do Antigo Regime foram muito influenciadas por estes modos anteriormente citados.

Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

21

de fonte foi pesquisada por FURET, sendo dividida em duas categorias: requerimentos

denominados permissions publiques , “para livros que percorriam os caminhos rituais da

censura e da burocracia do Estado” e permissions tacites , “para livros não sujeitos aos

certificados formais dos censores de que eram inofensivos à moral, à religião e ao

Estado”.

Chegou-se à conclusão de que as permissions tacites se tornaram uma “saída

paralegal” para que muitas obras do Iluminismo alcançassem o mercado; que os franceses

transportavam escondidos certa quantidade de “livros perversos” ou livros philosophiques

ilegais; que a classificação dos títulos inscritos nos registros de requerimentos poderia gerar

problemas, pois além dos tópicos padronizados – “teologia, jurisprudência, história,

sciences et arts e belles-letres” – havia uma enormidade de subcategorias; que havia o

problema de dados incompletos que dificultava o mapeamento dos exemplares impressos,

das datas, dos locais e dos grupos que faziam a comercialização.14

DARNTON construiu gráficos a partir dos dados de estudiosos, dentre eles FURET,

sobre os padrões de leitura na França, em meados do século XVIII. Neles, não encontramos

uma categoria específica para os almanaques. Já que seria impossível partir da hipótese de

que tal publicação não existia, podemos dizer então que os almanaques pouco circulavam,

raramente eram lidos e impressos?

Tudo leva a crer que não era bem assim, inclusive porque outros estudos nos

colocam frente a outros dados. É o caso de CHARTIER, que apresenta os resultados do

inquérito mais antigo, na França, sobre as práticas de leitura. Elaborado pelo abade

Gregório e respondido no período de 1790 a 1792 por pessoas, tais como clérigos,

profissionais da área administrativa e da justiça, além de citadinos, seus resultados foram

apresentados na Convenção de 1794. Observou-se que os almanaques faziam parte das

obras encontradas em casas de algumas regiões francesas. Quanto às práticas de leitura, há

? 14 DARNTON, R. op. cit. pp.174-176. O estudo de François Furet, comentado por Darnton, é “La ‘librairie’ du royaume de France au 18e. siècle”, in Livre et société dans la France du XVIII ème siècle, I ( Paris e Haia, 1965)

Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

22

indicações das leituras e releituras de almanaques, o que levava as pessoas até a decorarem

certos trechos. 15

E por que não constavam nas bibliotecas públicas e particulares pesquisadas por

aqueles estudiosos analisados por DARNTON? Podemos dizer que talvez esta

classificação dos livros pelos pesquisadores, tendo em vista as cinco categorias

padronizadas, quais sejam, religião, ciências e artes, história, direito e belas-letras, acabou

por esconder de nós os almanaques? Ou que a durabilidade dos livrinhos de pequeno

formato, como os almanaques, era muito pequena, o que fez com que estes não

sobrevivessem e não fizessem parte do acervo das bibliotecas pesquisadas? Seriam muitas

as hipóteses. Mais uma vez, o autor nos adverte sobre um problema:

“ Talvez seja impossível fazer generalizações acerca da cultura literária global do século XVIII na França. Talvez tal cultura sequer tenha existido. Num reino em que, na década de 1780, cerca de 9600000 pessoas possuíam instrução suficiente para assinar o nome, podem perfeitamente ter havido várias camadas culturais. Digamo-lo com mais precisão: diversos públicos leitores. E culturas diversas(...)”. (1987: pp.181-182)

Ainda que os almanaques não apareçam nas listagens de livros proibidos, entre

1780 e 1785, nem nas fontes pesquisadas sobre modos de leitura e gêneros literários em

meados do século XVIII – tendo aqui o trabalho de DARNTON como referência – ainda

assim não podemos ignorá-los. Nem DARNTON os ignorou, já que os utiliza enquanto

fonte – e tanto uma fonte “oficial”, o Almanach Royal , quanto o almanaque de Rivarol e a

sua listagem “extra oficial” dos “proletários literatos”. E, ao apontar para a estratificação

existente no mundo dos literatos, que ia do underground ao philosophe estabelecido, assim

nos diz: “Autores havia que, tendo cultivado um philosophe estabelecido, ou conseguido

inserir uns versos no Almanach des muses, consideravam-se com direitos a viver logo

abaixo de le monde”.16 O que tal fala sugere? Sendo o Almanach des muses uma referência

? 15 A obra de ROGER CHARTIER é A história cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990. Citado por PARK, M. História e leituras de almanaques no Brasil, 1999, p. 31.

? 16 DARNTON, R. op. cit. p. 34-35. CASA NOVA define o Almanaque das Musas como sendo uma espécie de anuário da França do século XVIII que reunia a produção poética do ano e divulgava a nova poesia. “Os almanaques deste tipo multiplicavam-se, apareciam e desapareciam com rapidez. Os mais importantes são os alemães, destacando-se o de Gottingen

Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

23

em termos de produção literária da época, escrever para este almanaque implicava na

aquisição de um pouco mais de status , aproximando o escritor da elite sócio-cultural ?

A divulgação de um formato de almanaque, qual seja, genérico, de caráter

enciclopédico, pode ser articulada, segundo GALZERANI, ao avanço do capitalismo. Do

século XVIII ao XIX, houve uma ampliação do público leitor e um florescimento de tal

gênero editorial que, na França oitocentista, foi também um veículo de divulgação do

ideário positivista. Extremamente pertinente é a sua consideração, a seguir: “Almanaque

visualizado enquanto mercadoria, engendrando ele próprio uma variedade de mercadorias

simbólicas, como se fora uma loja de departamentos(...)"17. Parece que o florescimento e a

diversificação desta modalidade literária no século XIX estão associados às transformações

geradas pelo capitalismo, tanto na área urbana quanto na rural, tanto nos centros “difusores

da civilização” quanto na periferia do sistema.

Às diversas demandas, diversas feições de almanaques: astrológico, anedótico,

literário, propagandístico, específico para determinadas profissões, dentre outros. Neles, as

marcas de cada época, as releituras e apropriações de fragmentos do passado, aliadas às

novas necessidades do tempo presente, a veiculação de saberes e práticas cotidianas

tradicionais às novas práticas e saberes advindos do progresso técnico-científico, o caráter

pedagógico e ideológico. Não poderíamos deixar de mencionar a diversificação do público

e dos modos de leitura como correlata, historicamente, às formas que constituíram e

constituem o gênero literário e editorial conhecido por “almanaque”.

No caso específico do Brasil, os almanaques mais antigos datam ainda do período

colonial: os Almanaques Históricos do Rio de Janeiro, dos anos de 1792 e 1793. Pela

regularidade e duração, destaca-se o Laemmert, “divulgado no Rio de Janeiro, a partir de

1844”.18 Para a Província de São Paulo, o ano de 1856 é emblemático: nele foram

(1770), que, imitando os franceses, divulgava poemas inéditos, contemporâneos . Aí apareceram Goethe , Klopstock, Schiller”. Op. cit. p.20.

? 17 GALZERANI, M.C.B. op. cit. p.56-57. Com base no literato português Eça de Queiróz, a autora articula a penetração do ideário positivista nos almanaques franceses do século XIX à divulgação dos almanaques especial izados relativos às artes e aos ofícios.

? 18 GALZERANI, M.C.B. op. cit. p. 59-60. A autora se reporta a Carlos Penteado de Rezende, in “Notícia Prévia” à reprodução fac-similar do Almanach Litterário de São Paulo para o anno de 1876, abril de 1982, [s/p.].

Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

24

impressos o Almanak administrativo, mercantil e industrial da Província de São Paulo

para o anno de 1857, e o Almanaque Eclesiástico da Diocese de São Paulo.19

No Catálogo dos livros impressos existentes na biblioteca do Arquivo Público de

São Paulo (ano de 1908), encontram-se 36 volumes do Almanak do Ministerio da Guerra,

referentes ao período 1849-1907 – publicados ininterruptamente nos últimos 17 anos. Os 7

volumes do Almanak do Ministerio da Marinha, referentes ao período 1895-1906, também

integram a listagem das publicações oficiais dos Ministérios e da União. Por sua vez, a 4ª

seção do Catálogo é específica para as publicações denominadas “Almanaks diversos”.

Nela, estão listados 70 almanaques e anuários diversos do período de 1873 a 1908:

Almanak da Provincia de S. Paulo, Almanak Sul Mineiro, Almanak Popular Brasileiro,

Annuario do Rio-Grande do Sul, Almanak do Rio-Grande do Sul, Almanak Uberabense,

Almanak de Bragança, Annuario de Bragança, Almanaks de Lorena e do Rio-Novo,

Almanak Illustrado do Lavrador Brasileiro, Almanak Illustrado do Lavrador Paulista,

Almanak da “Tribuna Italiana” etc.20

Por meio deste Catálogo, nota-se que almanaques de conteúdos diversificados

eram publicados com certa regularidade na transição do século XIX para o XX, tanto pela

União como por particulares. Além da regularidade das publicações com as quais os

referidos Ministérios puderam divulgar assuntos e informações oficiais específicas, chama-

nos a atenção a seção de “Almanaks diversos”. Há os relativos a províncias – futuros

Estados. Provavelmente, veículos de divulgação oficial. Juntamente a estes, encontram-se

os destinados ao lavrador. Ilustrados. A imagem facilitaria sua leitura pelos homens do

campo da época, muitos dos quais analfabetos? É possível. Quem os editava? Somente por

este Catálogo não é possível saber, mas, caso fosse o Estado, que modelo de lavrador

visava-se construir? Para instigar ainda mais a curiosidade: o que se pode pensar do

Almanak Popular Brasileiro?

? 19 GALZERANI, M.C.B. op. cit. p.60. Considera-se aqui o estudo da historiadora Ana Maria de Almeida Camargo, “Os primeiros almanaques de São Paulo”, introdução à edição fac-similar dos almanaques de 1857 e 1858, convênio IMESP/DAESP, S.P., Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1983, p.14.

? 20 REPARTIÇÃO DE ESTATISTICA E DO ARCHIVO DO ESTADO. Histórico do Archivo Publico de São Paulo. São Paulo, Duprat & C., 1908.pp.187-190, 217-219.

Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

25

Os almanaques de cidades como Taubaté, Santos, Campinas, dentre outras, nas

últimas décadas do século XIX , evidenciam a expansão deste tipo de literatura no país.

Estes, geralmente, continham calendários, parte histórica e literária, além das informações

úteis, tais como horários de trens, listagem de profissionais e anúncios diversos. Vários

destes exemplares sobre cidades compõem a seção de “Almanaks diversos” do Catálogo de

1908. É interessante que no rol encontram-se os anuários do Rio Grande do Sul e de

Bragança. Por que anuários na seção de almanaques? Isto nos sugere que há similitudes

entre uma e outra publicação? Esta mesma questão é novamente levantada quando uma

série de almanaques são arrolados lado a lado a anuários, a um álbum e vários guias em

artigo do Boletim do Centro de Memória da Unicamp.21 O que tal “classificação” poderia

sugerir? Haveria pontos de contato entre tais publicações? Posteriormente, dando

prosseguimento ao levantamento bibliográfico, outra situação semelhante é encontrada

quando da leitura da obra Os primeiros Almanaques de São Paulo: introdução à edição

fac-similar dos almanaques de 1857-1858, de Ana Maria de Almeida Camargo. No

entanto, a autora esclarece,

“A utilização de critérios rígidos e exclusivos na conceituação do almanaque foi deliberadamente evitada na relação em anexo. O apego a certos indicadores formais acabaria por determinar, no âmbito do universo documental, o abandono de séries bastante significativas. Tanto quanto outros gêneros de publicação, os almanaques sofrem a ação do tempo, atualizam-se, afastam-se de fórmulas tradicionais. Aparecem, sob os rótulos mais diversos (álbum, guia, enciclopédia, memorial, anuário, anais, indicador, folhinha calendário), sem contudo perder sua identidade”.22

Destacado o valor documental de todas estas produções, talvez fosse necessário

fazer uma análise mais apurada quanto às similitudes e/ou diferenças entre obras com “os

rótulos mais diversos”, tais como, no caso, almanaques e anuários A princípio, tratá-las

enquanto sinônimos seria o modo mais prudente? É compreensível o objetivo da autora em

? 21 RAVASCHIO, Maria A. de P. , BISCARO, Bárbara J.M.L., SANTOS, Maria N. Os Almanaques como fonte de informação. I. Campinas e região. Boletim do Centro de Memória - UNICAMP. Campinas, Unicamp, v.1, n.2, p.34-40, jul/dez 1989

? 22 CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Os primeiros Almanaques de São Paulo: introdução à edição fac-similar dos almanaques de 1857-1858. São Paulo: IMESP/DAESP, 1983, p.15.

Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

26

não abandonar, na elaboração de sua listagem, “séries bastante significativas”, mas, por

outro lado, perde-se a dimensão das singularidades próprias a cada uma delas. Ao invés da

afirmação de que os almanaques “aparecem, sob os rótulos mais diversos[...], sem contudo

perder sua identidade”, não poderíamos pensar na variedade de contextos nos quais eles

são produzidos e consumidos – o que, por sua vez, os constitui enquanto um gênero

literário e editorial que comporta textos múltiplos que delineiam suas múltiplas identidades

ao longo da história?23

Em fins dos oitocentos, começaram a ser distribuídas, pelas “pharmacias e

drogarias” do Brasil, publicações que veiculavam anúncios de remédios e de outros

produtos da época, nacionais e estrangeiros, além de conselhos médicos. Somados a isso, o

calendário, as informações sobre o tempo e a agricultura, o horóscopo e as piadas, os dias

dos santos e dos “santos da Pátria”,acabaram por compor o que passou a ser denominado de

“almanaque de farmácia”. Estas publicações anuais, distribuídas gratuitamente pelas

farmácias no final de cada ano, se popularizaram e até hoje fazem parte do cotidiano de

pessoas das zonas urbana e rural.24

È interessante notar que tais publicações se fizeram presentes ao longo do século

XX, seja no formato de “almanaques de farmácia” e no relativo a cidades, seja no já

tradicional e de caráter enciclopédico Almanaque Abril – já com a versão em CD ROM –

? 23 O organizador deste anuário se justifica, nas páginas de apresentação: “A falta de uma guia, annuario ou almanach, que tratasse minuciosamente dos importantes municipios do Pinhal, Itapira, Mogy-mirim e Mogy-guassú, levou-me à confecção e publicação do presente annuário. Realmente, não se comprehende que regiões tão ricas, populosas e commerciaes não tivessem colligidas em livro de fácil consulta, as informações indispensáveis a todos, principalmente aos que mourejam no commercio e na industria (...) ” ( grifos nossos). O responsável pela publicação parece conferir funções similares ao anuário, ao guia e ao almanaque, quais sejam, a de tratarem dos municípios em suas especificidades e divulgarem informações úteis. Por outro lado, observa-se que este referido anuário, ao contrário de vários almanaques, não apresenta o calendário logo nas primeiras páginas, embora apresente, em determinado momento, as estações do ano e os astros. Com parte literária mais reduzida – demonstrando com isso um distanciamento das publicações oitocentistas notadamente “literárias” – este anuário, contudo, apresenta semelhanças com outros almanaques da época quando analisamos o seu conteúdo: esboço histórico-geográfico, relação de profissionais e uma série de informações úteis. Annuario de E.S. do Pinhal, Itapira, Mogy-mirim, Mogy-guassu – 1918. São Paulo: Casa Vanorden, 1918.

? 24 CASA NOVA comenta sobre almanaques de Portugal, no final do século XIX, com fins publicitários e do gênero “de farmácia” . Entretanto, é no Brasil que este último se populariza com rapidez, com destaque para o Pharol da Medicina, datado de 1887, que seria uma espécie de modelo dos almanaques de farmácia posteriores, e o Formulário e Guia Médico, de Chernoviz, “que em 1927 já contava com dezenove edições(...)”. Op. cit. p.22-23.

Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

27

dentre outros. Podemos verificar, através do levantamento bibliográfico, que a

denominação “Almanaque”, no Brasil, se estende para outros conteúdos além dos já

comentados. A título de curiosidade, alguns deles: Almanak administrativo, mercantil e

industrial da província de São Paulo para o ano de 1858; Almanaque bancário de

legislações e informações (1941); Almanaque português de fotografia (1960); Almanaque

do cidadão (1978); Almanaque zero (núcleo de estudos de prevenção da AIDS-1997).

Podemos dizer então que, presente em sociedades orientais e ocidentais, objeto das

práticas dos monges copistas da Idade Média, difundido mais intensamente com o

surgimento da imprensa, o Almanaque parece resistir enquanto publicação ao longo da

história. Quais permanências e mudanças delineiam seus perfis? Onde ele inova e onde

mantém a tradição? Quem são os seus leitores? Quais são os tipos de Almanaques, em

linhas gerais? Que discursos veiculam?

Se, de início, os calendários constituíam a temática dos almanaques, observa-se a

incorporação de outros assuntos nos relativos aos séculos XVII e XVIII, de acordo com os

estudos de Bollème (1965):

“(...) tempo: previsão, eclipses, fases da lua, calendários; festas religiosas; signos astrológicos; anedotas, contos fábulas; conselhos para viver bem; fatos estranhos e admiráveis da natureza, tais como: inundações, tremores de terra; saúde: informações sobre pragas, peste e a fome; conselhos culinários, divertimentos; religião: vida-morte, corpo-alma, orações; provérbios; História: monumentos, igrejas, Hospitais, construções antigas, pequenos trechos curtos recontados.”25

A expansão de certo caráter utilitário dos almanaques, marcado pela divulgação de

informações sobre horários de meios de transporte e dos correios e/ou sobre uma ampla

gama de informações e dados estatísticos sobre as cidades, pode se vincular ao

desenvolvimento capitalista, inclusive no Brasil em fins do século XIX. A análise de GALZERANI (1998) caminha neste sentido, ao estabelecer uma ligação entre tais

publicações e um ideal de leitura e literatura igualmente “modernos” na época: leitura

? 25 PARK, M.B. op. cit. p.59. PARK conclui, ao estudar os Almanaques Renascim Sadol (Brasil, décadas de 1950 e1970), que estes mesmos temas são encontrados nos almanaques brasileiros do período explicitado, variando conforme a época, a ênfase em um ou outro assunto.

Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

28

ligeira, fragmentária e em perfeita sintonia com o novo ritmo dos tempos, ritmo este

marcado pela velocidade impressa na sociedade através da técnica.26

Cabe assinalar a presença de um repertório imagético em tais publicações. A

variedade de figuras e signos iconográficos desde os seus primórdios parece ter mais de

uma função: além do caráter ilustrativo dos textos lidos pelos alfabetizados,

concomitantemente, tal repertório constituiu-se em elemento facilitador da leitura dos

almanaques por parte dos analfabetos e semi-analfabetos.

Conforme PARK (1999: pp. 65,203), o sucesso dos almanaques lunares no

Piemonte, em meados do século XVIII, se relaciona também ao fato de que eles poderiam

ser compreendidos a partir do reconhecimento do dia ou do símbolo da fase lunar – sem a

necessidade de um domínio maior da leitura e escrita pelos “leitores”. No Brasil, o fato do

calendário agrícola do Almanaque Renascim Sadol geralmente aparecer na mesma página

constituiu-se em uma “marca norteadora” capaz de guiar o leitor pouco familiarizado com

a escrita até os textos – neste caso, as figuras não só ilustram o texto, mas ajudam a compô-

lo.

CASA NOVA( 1996), ao fazer um estudo semiótico dos almanaques de farmácia

(Biotônico Fontoura e A Saúde da Mulher), explora muito bem o poder constitutivo das

imagens iconográficas em tais publicações . Nelas, os códigos visuais, interagindo com os

verbais, mostram-se a serviço de um código mais amplo: o moral. Daí o caráter político-

pedagógico das imagens iconográficas e, em última instância, dos almanaques de farmácia.

Estamos tratando, então, de produções literárias e editoriais que são responsáveis

pela difusão de textos diversos, destinados a um público também diversificado – seja ele de

“letrados” e/ou “não letrados”, da área rural e/ou urbana. Em síntese, a ampliação das

temáticas abordadas nos almanaques corresponde a uma ampliação do público leitor; as

alterações, tais como as tipográficas, de acordo com padrões de cada época, e a

incorporação de funções novas, como a de divulgação de anúncios, dentre outros aspectos,

correspondem a fortes indicativos de que “o almanaque se modifica e permanece”, na feliz

afirmação de PARK ( 1999: p.64).

? 26 GALZERANI, M.C.B. Op. cit. pp.71-73. A autora faz uma interessante análise, partindo do artigo

Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

29

Expansão contínua ao longo do século XIX, inclusive no Brasil, chegamos no

século XXI percebendo a grande vitalidade do Almanaque, o que, no dizer de Jean-Yves

Mollier, deve-se à sua “plasticidade”27: formato que se diferencia de outros gêneros, pois

permite sua apropriação tanto pelas grandes empresas quanto pelos produtores de

almanaques populares que ainda trabalham de forma artesanal – como muitas publicações

populares do nordeste brasileiro; contém elementos que evidenciam a dualidade arcaico-

moderno, dualidade que permeia nossa sociedade, e permite sua apropriação para funções

“pedagógicas”.

1.2 “Cultura de almanaque”?

Este movimento de expansão anteriormente comentado, por sua vez, não pode ser

lido de forma linear e progressista, pois corre-se o risco de desconsiderar outras questões,

tais como a da qualificação e desqualificação cultural relativa aos almanaques ao longo do

tempo. Referimo-nos a um outro movimento, ambíguo, que caracteriza estas produções.

GALZERANI detecta certa desqualificação cultural em torno do almanaque já em fins do

século XIX, no Brasil – o que se aprofundou ao longo do século XX. Argumenta que, a

despeito do aumento das tiragens no Brasil a partir de 1870, os almanaques já estavam

sendo classificados por alguns eruditos como obra de “segunda categoria”; a mudança de

sentido conferido ao vocábulo “almanaque” pode ser conferida nos dicionários: definido

enquanto “livro”, no Dicionário de Língua Portuguesa, Lisboa, 1977, e enquanto

“conhecimentos imperfeitos, precários, superficiais”, no Dicionário de L. Portuguesa,

Editora Nova Fronteira, 1986. No entanto, para a autora, o seu não desaparecimento

perante transformações culturais mundiais de grande amplitude é algo a ser

considerado(1998:pp.61-67).

de Carlos Ferreira , publicado no “Almanach Popular de Campinas para o anno de 1879”.

? 27 Colóquio Internacional sobre Almanaque, realizado no Centro de Convenções da Unicamp, nos dias 26 e 27 de outubro de 1999.

Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

30

PARK aponta a necessidade de revermos o rótulo de “cultura de almanaque”,

valendo-se de recente polêmica entre um jornalista e um cineasta famoso, exposta em jornal

de grande circulação no país. O cineasta, em réplica à matéria do jornalista, a ele se referiu

como portador de uma “cultura de almanaque”. Tom depreciativo que a autora busca

superar ao enfatizar o alcance e a importância do almanaque popular de farmácia e de seus

leitores.(1999:p.196-205)

Embora PARK e GALZERANI tratem desta questão da qualificação e

desqualificação cultural do almanaque, é necessário relembrar a especificidade do objeto de

análise de cada autora, dentro de um universo mais amplo de tal gênero. A primeira analisa

almanaques da cidade de Campinas, das últimas décadas do século XIX. Já a segunda se

detém na análise de alguns almanaques de farmácia (de fins do século XIX ao longo do

século XX) e cartas de seus leitores. São publicações que se diferenciam, por mais que

nelas seja possível detectar similitudes. A organização, a autoria e o caráter dos textos bem

como o público a que se destinavam e se destinam serão certamente os mesmos no primeiro

e no segundo caso?

É possível afirmar que a própria variedade de textos e de público leitor acabaram

por compor, historicamente falando, publicações parecidas e diferenciadas, denominadas

“almanaques”, o que pode explicar a qualificação e desqualificação cultural de tal gênero.

Hoje, sabemos que os almanaques sobre cidades e os literários não sobreviveram tal como

existiam no século XIX e, por sua vez, os “de farmácia” e o próprio Almanaque Abril

estão aí e continuam sendo procurados. Um será tido como mais qualificado do que outro?

Por quem? Como e por quem são lidos? A abordagem da qualificação e desqualificação

deve considerar o específico e o geral para este gênero editorial e literário. Assim, talvez

possamos compreender melhor suas transformações e permanências ao longo do tempo.

Outra questão, ainda sobre o que poderia ser chamado de “cultura de almanaque”:

sabemos que textos simples, breves, com informações úteis, vinculadas ao cotidiano, são

encontrados nos almanaques. Não obstante, o contato com alguns outros, como os

almanaques específicos sobre cidades, vez ou outra apontam para um outro tipo de texto:

longo, com linguagem rebuscada, apoiada em documentos escritos que trazem a “verdade”

Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

31

ao leitor, como convém à “boa ciência”. De que “cultura de almanaque” se trata, num caso

e no outro?

Se este tipo de publicação permitiu aos seus articulistas a divulgação de interesses,

concepções e sensibilidades pertencentes a eles, negaram o “outro”, com bem explicita

GALZERANI em sua análise dos almanaques oitocentistas. Para a autora, as práticas

acadêmicas também contribuíram para a “varredura das recordações, das tradições

relativas aos almanaques”: “ (...) autores como Affonso de Freitas, em seu clássico estudo

sobre a imprensa periódica paulistana, dentre outros, não considera os almanaques como

integrantes da categoria” (1998: p.46-47). Não obstante, os trabalhos de CASA NOVA,

GALZERANI, PARK e de outros pesquisadores fora do Brasil – como demonstrou o

Colóquio Internacional sobre Almanaque, Brasil, 1999 – não apontam outros olhares para

estas publicações?

PARK preocupa-se com a qualificação de produto “popular” dada aos almanaques

– geralmente de forma apressada – o que deixa subentendido um sentido de “leitura

menor”. Procura superar a marginalidade imposta a este tipo de literatura, ressaltando “a

importância para o país destes verdadeiros manuais de prescrições, necessários para os

projetos civilizatórios” (1999: p. 202). A discussão do que seria o “popular” e o “erudito”

demandaria múltiplas abordagens, o que não é o nosso objetivo no momento. No entanto,

alguns autores apontam questões importantes, ajudando-nos a analisar estas produções,

considerando tais referenciais conceituais.

CHARTIER, citado por PARK, nos diz da necessidade de considerar, para cada

época e na sua complexidade, os vínculos estabelecidos entre “as formas impostas e as

identidades populares objetivas” e “como as práticas populares foram expressas e como

usaram as inovações”.28 Nesta perspectiva, o principal não é detectar, para cada época, a

preponderância ou não da “cultura popular” e, sim, pensar melhor nos intercâmbios entre o

“erudito” e o “popular” . Daí a ênfase, no caso dos almanaques, nas suas apropriações

efetivas, na produção de sentidos através das práticas de leituras.

? 28 PARK, M.B. op. cit. p.31. A autora se reporta ao texto de Roger Chartier, “Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico”, in: Estudos Históricos”. Rio de Janeiro, v.8, nº16, 1995.

Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

32

GALZERANI situa no século XIX a elaboração do conceito de “cultura popular”

em oposição ao de “cultura” erudita”, como parte da constituição das identidades de classe

da burguesia. “Assim, à tentativa de imposição da unificação dos padrões culturais para

toda a sociedade, acrescenta-se o ideal – também de controle – de colecionar o exótico, o

‘irredutível’, transformando-o em ‘folclórico’, em ‘popular’”. O contexto histórico em que

tais conceitos são elaborados e a óptica burguesa, através da qual as manifestações culturais

do “outro” são apropriadas, visando a objetivos político-ideológicos, são considerados pela

autora, ao analisar o artigo de Carlos Ferreira para o almanaque campineiro de 1879: nele,

o articulista procura caracterizar o “almanach” enquanto fusão de signos eruditos e

populares. (1998: pp.75,76)

LE GOFF (1996) situa os calendários e almanaques enquanto campos privilegiados

de encontro de culturas: a popular e a erudita. “Por um lado, o saber popular, no campo

popular, no campo meteorológico, médico, narrativo, atinge os citadinos e os letrados, por

outro, a ciência dos eruditos penetra nos ambientes populares”. (p.527) Seguindo esta

trilha aberta por CHARTIER e LE GOFF ao considerarem o encontro de culturas diversas,

passamos por GINZBURG.

Em O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela

Inquisição, GINZBURG partiu da análise dos processos inquisitoriais sofridos por

Menocchio, visando a apreender aspectos da vida deste personagem: um homem comum da

Europa pré-industrial. Como ele diz: “(...) acabou desembocando numa hipótese geral

sobre a cultura popular - e, mais precisamente, sobre a cultura camponesa(...)” da época.

Esta hipótese se vincula ao proposto anteriormente por Mikail Bakhtin a respeito das

relações entre a cultura das classes dominantes e as subalternas, na Europa pré-industrial, e

que GINZBURG trata enquanto “(...) um relacionamento circular feito de influências

recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo...”29

Se a cultura popular parece ser definida pelo que ela não é, ou seja, em

contraposição à cultura das classes dominantes, GINZBURG questiona o alcance desta

? 29 GINZBURG, CARLO. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. 1ª reimpressão. Tradução: Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.12-13.

Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

33

subordinação. Assim sendo, dois problemas são postos ao historiador. O primeiro, um

problema ideológico, diz respeito à “persistência de uma concepção aristocrática de

cultura” na qual cabe às classes dominantes a produção de idéias e crenças e às classes

subalternas, a sua incorporação e, mesmo, a sua deformação. O segundo, de ordem

metodológica, é o fato da cultura das classes subalternas ser predominantemente oral, e as

fontes escritas “de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à

cultura dominante”, acabam funcionando como um filtro.(1987: p.18)

GINZBURG se contrapõe a dois autores que estudaram a literatura de cordel:

Robert Mandrou e Geneviève Bollème. O primeiro, por atribuir certa passividade cultural

às classes populares do Antigo Regime e superestimar a influência da literatura, o que

resultou na identificação da “cultura produzida pelas classes populares” à “cultura

imposta às classes populares”. A segunda, por ter construído uma “imagem estereotipada e

adocicada da cultura popular” e a literatura de cordel enquanto “expressão espontânea de

uma cultura popular original e autônoma”. Para GINZBURG, Bakhtin não cometeu tais

equívocos ao tratar da cultura popular através da obra de Rabelais:

“Ao que tudo indica, Gargântua e Pantagruel, que talvez não tenham sido lidos por nenhum camponês, nos faz compreender mais coisas sobre a cultura camponesa do que o Almanach des bergers, que devia circular amplamente pelos campos da França”.30

A visão de mundo das classes populares se contrapõe à das classes dominantes.

Bakhtin reconheceu tal dicotomia e foi além ao considerar as influências recíprocas – ou a

circularidade proposta por GINZBURG – entre as culturas subalterna e hegemônica. Sendo

assim, o autor de O Queijo e os Vermes considera ambíguo o conceito de “cultura

popular”.

Como foi dito, não temos como objetivo tratar da questão do que seria o “erudito”

e o “popular” de modo exaustivo, mas, a partir da bibliografia consultada, trazer as

principais considerações dos autores sobre o assunto com o propósito de situar melhor a

? 30 GINZBURG, C. op. cit. p. 20. O autor define literatura de cordel como: “folhetos baratos, impressos grosseiramente (almanaques, canções, receitas e remédios, narrações de prodígios ou vidas de santos)” p. 18.

Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

34

análise dos almanaques neste universo conceitual. Assim sendo, são muito pertinentes as

inquietações dos autores quanto aos sentidos – unilaterais – atribuídos à literatura

“popular”: seja enquanto literatura imposta pelas classes hegemônicas ou, ao contrário,

como sendo imune às influências externas, portanto manifestação espontânea e autêntica

das classes subalternas. O mesmo é válido para os conceitos de “cultura popular” e

“cultura erudita”, historicamente construídos e fundamentados em ideais de controle da

burguesia e indicativos de uma dicotomia cultural em nome da qual, pretensamente,

verifica-se um ideal unificador dos padrões das classes dominantes.

O questionamento da ambigüidade do conceito de “cultura popular” ganhou fôlego

com o trabalho de GINZBURG e, neste sentido, consideramos suas colocações

extremamente pertinentes por sugerirem trocas e influências recíprocas entre culturas,

conferindo movimento ao curso da história – incluindo aí a própria história dos

almanaques.

Este texto não foi escrito com o objetivo de tratar da evolução do almanaque

enquanto gênero literário e editorial no decurso do tempo e nem para fazer uma leitura da

sua preservação ou deterioração enquanto objeto representativo de práticas culturais, sejam

elas populares ou eruditas. A história deste tipo de publicação nos fez perceber suas

múltiplas feições, o que nos afasta de enquadrá-lo em qualquer um destes dois campos da

cultura, de modo exclusivo.

O almanaque não pode ser pensado enquanto produção e divulgação de saberes

próprios das classes populares, cuja tradição cristalizada se encarregaria de mantê-lo imune

a outras influências culturais. Por exemplo, o almanaque de farmácia contém informações

de caráter geral que também são apropriações e releituras de textos considerados científicos

e eruditos. A conservação do passado tal como ele um dia foi é uma pretensão infrutífera, e

assim é também a tentativa de reconstituí-lo, prescindindo de outros significados

adquiridos com o tempo. Por sua vez, o almanaque não pode ser pensado como produção e

divulgação de saberes exclusivamente eruditos, de forma a se manter impermeável à

penetração de conhecimentos considerados populares. Se a estratégia de apropriação da

cultura do “outro” se vincula ao ideal de controle da sociedade pelos grupos dominantes, aí

também reside um paradoxo, conforme ARANTES:

Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

35

“Pois é justamente manipulando repertórios de fragmentos de ‘coisas populares’ que, em muitas sociedades, inclusive a nossa, expressa-se e reafirma-se simbolicamente a identidade da nação como um todo ou, quando muito, das regiões, encobrindo a diversidade e as desigualdades sociais efetivamente existentes no seu interior”.31

Almanaques apontam para processos e experiências vividas por grupos sociais e a

dinâmica cultural inclui permanências e mudanças. Mais uma vez, concordamos com

ARANTES, que afirma:

“É possível preservar os objetos, os gestos, as palavras, os movimentos, as características plásticas exteriores, mas não se consegue evitar a mudança de significado que ocorre no momento em que se altera o contexto em que os eventos culturais são produzidos” ( 1983: pp. 21,22)

Em suma, à variedade de almanaques acrescentam-se diferentes formas de lê-los. É

assim que podem ser vistos, enquanto portadores de funções que se assemelham às de

oráculo, conselheiro, instrutor ou passatempo e enquanto depositários fiéis de dados e

verdades objetivas. Podem ser tratados, num outro enfoque, enquanto fontes que permitem

a problematização de contextos históricos em que foram e são produzidos, a análise dos

discursos que veiculam e das práticas de leitura que engendram.

O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, publicado em 1986, é a

materialização de um discurso histórico sobre tal município que se funda nas memórias

locais e, ao mesmo tempo, acaba por ser também instituinte de uma memória coletiva.

Sendo assim, tal produção literária é tomada como ponto de partida para nossas reflexões,

já que possibilita a “entrada” em um universo conceitual marcado, dentre outras, pelas

relações entre história e memória32 – relações pretendidas enquanto fios condutores no

? 31 ARANTES, ANTONIO AUGUSTO. O que é Cultura Popular? 5ªed. São Paulo: Editora Brasiliense.1983 (Coleção Primeiros Passos), pp. 14,15.

? 32 Tendo como referência LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: S.P., Editora da Unicamp, 1996.

Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

36

tratamento das questões mais pontuais, quais sejam: contexto histórico no qual se insere a

escritura da história da cidade, algumas especificidades de tal publicação, a questão da

preservação das fontes históricas no município e a história local no âmbito educacional.

Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

37

CAPÍTULO 2: O ALMANAQUE HISTÓRICO DE PATROCÍNIO PAULISTA

“ Foi uma das coisas mais importantes que aconteceram nessa comemoração do Centenário: foi conseguir levantar a história [...] Eles achavam que iriam levantar mas nunca imaginaram que iria dar um mundaréu de coisa daquele. Surpreendeu até... O que é

uma história, né? Espetacular! [...]”

Aloísio de Andrade Freitas - prefeito de Patrocínio Paulista (1983-1988)

2.1 Por que “ almanaque”?

Duas pessoas foram as responsáveis pela organização do Almanaque Histórico de

Patrocínio Paulista. Carlos Alberto Bastos de Matos, natural do Rio de Janeiro, foi uma

delas. Tendo cursado a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, desempenhou a

função de juiz de Direito da Comarca de Patrocínio Paulista de 1982 a 1998, sendo também

professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Franca. O outro

organizador foi Alfredo Henrique Costa, natural de Franca, S.P. Contador, formado em

Direito, foi professor de História e Idéias Políticas e Sociais na UNESP – Franca, e também

lecionou na Faculdade de Direito de Franca. Foi jornalista e diretor do jornal “ Comércio da

Franca” (1955-1973). Faleceu em 1999.

Os organizadores justificam a escolha de tal formato “almanaque”, apoiados em

argumentos que enfatizam a memória preservada no Brasil devido a exemplares deste tipo

de publicação, destacam as peculiaridades de valor histórico neles encontradas – e não nos

“documentos oficiais” – e deixam claro que somente tal nome – “Almanaque” – poderia

ser dado à obra que tem por objetivo “fixar os principais acontecimentos da cidade agora

secular”.1 O Governador do Estado na época, Franco Montoro, na apresentação da obra

em questão, assim se refere aos almanaques:

“A escolha do formato ‘Almanaque Histórico’ foi extremamente feliz. Quanto

devemos da história brasileira a essa antiquíssima tradição que se perde nos

? 1 MATOS, Carlos Alberto Bastos de, COSTA, Alfredo Henrique (org.) Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista , prefeitura Municipal de patrocínio Paulista, Patrocínio Paulista, 1986, p. 7.

Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

38

tempos(...) Os almanaques no confronto com a crônica oficial derramam diante de nossos olhos a vida concreta da sociedade”.

As imagens construídas a respeito do almanaque enquanto receptáculo das

memórias e espelho fiel do tempo vivido aparecem aqui com toda força e sinalizam, em

última instância, a segurança da verdade histórica registrada como incentivo para o

caminhar de um povo no curso da história. No entanto, em que medida os almanaques

denominados históricos se distanciam da “crônica oficial”? Em que medida os escritores,

tais como vários memorialistas locais, ao operarem na construção de discursos e imagens

sobre as localidades, se distanciam dos discursos e imagens ditos “oficiais” ? Quanto de

“oficioso” não contêm diversas publicações não oficiais? Abre-se aqui outra questão que é

a referente ao modo como os almanaques são lidos: enquanto portadores de verdades

absolutas e informações que lhe conferem um caráter “científico” e utilitário? Enquanto

espelho fiel do tempo vivido? Enquanto documento fragmentário do real multifacetado?

Documento que não fala por si só, mas de acordo com as perguntas que para ele fazemos?

Vejamos também as palavras de apresentação da obra do prefeito do município e,

posteriormente, do presidente da câmara, na época da publicação:

“ (...) é com muito júbilo que vemos a publicação do Almanaque que registra todo um passado de glórias da querida Patrocínio Paulista”.

“ Sim, orgulho é o que sentimos pela edição deste ALMANAQUE trazendo em seu interior a história faiscante do doce chão patrocinense. Nossos jovens terão ensejo de conhecer as origens da sua Terra e quão bravos foram seus ancestrais, que gravaram com ingentes lutas e extraordinárias realizações a história de nossa Gente(...)”.

Temos aqui alguns elementos indicativos das suas visões de história: um passado

de grandes feitos e uma história realizada pelos nossos bravos ancestrais; uma história da

vida passada que agora é revelada às outras gerações, com todo o seu brilho – atentemo-nos

para a elaboração metafórica: “a história faiscante do doce chão patrocinense” como

alusão à exploração de diamantes pelos garimpeiros, cuja afluência e estabelecimento no

local darão origem à futura “Vila de Patrocínio do Sapucahy”, em 1885.

Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

39

Ainda em relação a esta questão, qual seja, do porquê de uma publicação no formato

de “almanaque”, temos o relato de Carlos Alberto B. de Matos, um dos organizadores:

“Quem na verdade teve a idéia foi o professor Alfredo Costa. Desde que eu conheci o professor, desde que eu vim prá cá, em 82, ele sempre falava: ‘precisamos fazer um livro sobre a história de Patrocínio’ – e já com esse nome de Almanaque! ‘Os almanaques... precisa ter um nome de Almanaque de Patrocínio Paulista, que é um registro da história...’ É, ele sempre falava... e quando houve lá algumas reuniões para programar os festejos do Centenário, reuniões havidas na Câmara com o prefeito, os vereadores e pessoas da cidade, o senhor Juca [antigo morador da cidade] é que se entusiasmou muito. Eu falei, e aí ele se entusiasmou; eu me lembro dele dizendo lá: ‘a parte da festa deixa que eles fazem, nós vamos fazer é o Almanaque!’ – entusiasmado com a história”.2

Retomando CHARTIER e ROCHE (1976: p.109), o título de um livro é um dos

sinais “que remete a tantos outros usos”, daí ser “suscetível de múltiplas interrogações”.

Estes sinais – dentre eles, o título – “serve de boa avaliação para um história do livro que

não tema aventurar-se às fronteiras de outras disciplinas”. No caso do livro sobre

Patrocínio Paulista, são fortes os indícios de que a tradição histórica do almanaque

enquanto gênero literário e editorial se faz aí presente na justificativa da escolha do título,

principalmente porque a tal gênero estão associadas, dentre outras, imagens de preservação

da memória histórica. Os organizadores deixaram claro, na apresentação da obra: “Os

exemplares que se conservaram das várias publicações brasileiras constituem hoje, uma

preciosa memória das épocas.”

O projeto surgiu com tal gênero pré-estabelecido, conforme Carlos Alberto B. de

Matos, que, por sua vez, atribuiu ao outro organizador, Alfredo Henrique Costa, o fato de

querer fazer um livro sobre a história de Patrocínio Paulista “e já com o nome de

Almanaque”. Infelizmente, Alfredo Henrique Costa nada nos pôde contar sobre estas

publicações: seria ele um leitor de almanaque – e quem sabe, desde a infância? Teria ele já

escrito para algum almanaque? E por que querer fazer um livro sobre uma pequena cidade,

vizinha à sua? O que, por sua vez, é possível afirmar, é que a vontade de Alfredo Henrique

? 2 Entrevista realizada com Carlos Alberto Bastos de Matos, em sua residência, na cidade de Franca/SP , em 1º de abril de 2000.

Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

40

encontrou eco na figura de um recém-chegado ao local: o juiz Carlos Alberto. Juntos,

assumiriam o projeto, que ganhou corpo a partir de 1984.

A seguir, trataremos do desenvolvimento deste projeto, abordando o contexto

histórico no qual ele foi desenvolvido, a participação de moradores, bem como de outros

colaboradores não residentes no local e o papel do poder público naquele momento.

Posteriormente, os textos – não separados do contexto em que foram produzidos – serão

analisados a partir das nossas leituras e também pelas considerações feitas por outros

leitores do Almanaque.

pretende ser analisada a partir da sua elaboração, considerando de 2.2 “ Levantar” a história da cidade: o desenvolvimento do projeto

A idéia de fazer um Almanaque “ganhou corpo”, a partir de 1984, com o estímulo

das comemorações do centenário da cidade que seriam realizadas no ano seguinte. De

acordo com um dos organizadores, em 1984, houve reuniões na Câmara Municipal para a

programação dos festejos. Além dos vereadores, do prefeito e do juiz de Direito, estavam

presentes alguns moradores da cidade, dentre eles o senhor Juca, que se entusiasmou com a

idéia. O prefeito do município, na época, nos diz:

“A idéia de levantar a história da cidade partiu do doutor Carlos Alberto. Ele foi incentivando e demorou até, coitado! Ele demorou quase um ano, tentando e fazendo; começou com umas reuniões aí, preliminares, até que montou uma espécie de uma equipe de trabalho e começamos ver... Foi muito demorado, não pode ser rápido um negócio desse pois cem anos (!) de uma história passada que tinha que ser levantada, então, não é de repente que se faz isso, né? Aí começou.”3

Retomando as frases: “A idéia de levantar a história da cidade (...) cem anos (!) de

uma história passada que tinha que ser levantada(...) O verbo “levantar” sugere a idéia de

trazer à tona, de acordar um passado adormecido; e também a idéia de investigação, de

pesquisa.

? 3 Entrevista realizada com Aloísio de Andrade Freitas, em sua residência. Patrocínio Paulista, 12 de julho de 2000. O senhor Juca, José Geraldo de Andrade, faleceu há alguns anos, o que se t raduz na impossibilidade de ouvi-lo enquanto entusiasta do projeto, desde o seu início. A respeito das reuniões realizadas na Câmara Municipal, não há registros das mesmas nas Atas do período.

Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

41

De acordo com nossos entrevistados, a partir de tais reuniões e do enfatizado

entusiasmo, não só de moradores como o senhor Juca, mas também dos organizadores,

iniciou-se o trabalho que contou, no final, com quarenta e duas pessoas responsáveis pela

escritura dos textos, além dos colaboradores indiretos. E como essa equipe foi organizada?

Quais os critérios para a sua composição? E os temas a serem pesquisados?

Um dos organizadores, Carlos Alberto B. de Matos, atribui a José Geraldo de

Andrade – senhor Juca – o movimento inicial de agregação destes colaboradores:

“E ele que batalhou lá, correu, e foi agregando as pessoas; ele que conhecia pois eu estava há pouco lá [...] e aí ele que foi me indicando: ‘tem fulano que gosta, tem o outro que gosta...’ e ele foi trazendo as pessoas, e aí que foi tomando vulto esta... estas reuniões. [...] Eram pessoas que se interessassem [...] Todos vieram, né? Crianças... a mais velha ali era a Dona Mercedes, que já tinha mais de oitenta, e os mais moços eram os meus filhos”. 4

Por sua vez, Izar Garcia de Andrade, que escreveu sobre cinema e clubes do

município, diz:

“Eu penso que foi mais indicação da Ivone [funcionária do Fórum, na época], eu penso que foi ela; de certo ele [doutor Carlos] quis perguntar quem era do ramo, ela já citou: negócio de música aqui era o Leonardo, a mamãe [Dona Mercedes] ... e que em educação eu poderia atender porque eu era professora, tinha estudado. E eu sei que eu fui indicada para fazer a parte de educação mas no dia que teve a primeira reunião eu tive um curso, então eu não compareci; então, eu não fiquei com a parte de educação (...)”5

O grupo de trabalho foi sendo composto a partir das indicações de moradores do

local – conhecedores da população – e das indicações pessoais dos organizadores. Critérios

tais como afinidades entre profissões exercidas por estes convidados e os temas a serem

pesquisados, bem como o gosto para com “as coisas do passado”, foram considerados na

composição da equipe.

“Foi um convite do doutor Carlos Alberto Bastos de Matos, juiz da época. Ele pediu que eu fizesse a história da Comarca de Patrocínio Paulista porque nós havíamos pedido lá no Tribunal de São Paulo e nem lá não tinha os juízes que

? 4 Entrevista já citada anteriormente.

? 5 Entrevista realizada com Izar Garcia de Andrade, em sua residência. Patrocínio Paulista, 13 de julho de 2000.

Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

42

haviam passado por aqui, os promotores... eles não tinham. Então, foi preciso fazer esse trabalho para poder levantar os juízes”.6

Em relação aos temas a serem pesquisados, inicialmente vamos observar o índice do

Almanaque, ou seja, o que acabou por compô-lo.

ÍNDICE APONTAMENTOS HISTORICO-GEOGRAPHICOS SOBRE PATROCÍNIO DO

SAPUCAHY.........................................Pe. Heriberto Antonio Goettersdorfer................10

A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA (OU “ O DESPREGAR DO RUBI DO

AURIFULGENTE DIADEMA FRANCANO”).............................................................32

TIPOS POPULARES............................Mercedes Garcia de Andrade............................34

REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA... .Antônio Miguel do Nascimento.............35

A ADMINISTRAÇÃO PATROCINENSE NA SEGUNDA

REPÚBLICA................................................J. Nascimento Franco.................................38

O CINEMA E SEUS ADMINISTRADORES........Izar Garcia de Andrade....................51

HISTÓRIA DA COMARCA...................... Ivone Pereira dal Sasso...............................56

DISPERSÃO DO ARRAIAL DE SANTA BÁRBARA DAS

MACAÚBAS..............................................Palmira Luiza Novato Falleiros...................67

FIÉIS, TEMEI!.................................................................................................................71

A GUARDA NACIONAL PATROCINENSE......Custódio Falleiros do Nascimento....72

AQUILO É QUE FOI RESPEITO ............Geraldo Tasso de Andrade Rocha................78

PATROCÍNIO PAULISTA........................Carmelino Corrêa Júnior..............................80

DADOS ATUAIS......................Gabriel, Rafael e Miguel da Silveira Matos..................93

A POLÍTICA PATROCINENSE...João Nério Barbosa e Osmar Henrique Costa Parra.94

? 6 Entrevista realizada com Ivone Pereira Dal Sasso, em sua residência. Patrocínio Paulista, 24 de julho de 2000. Ivone era escrevente no Fórum local.

Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

43

ADEUS ÀS CARROÇAS........................Paulo Geraldo Alves Leite..............................98

O PODER EXECUTIVO.........................Ruben Alvarenga de Andrade.......................102

CORREIOS E TELÉGRAFOS....................Anália Falleiros Conrado..........................109

AUTO-RETRATO DE JORGE FALLEIROS...........Brasil Bandecchi........................111

IMPRENSA..................................................Airton A. Silva.........................................117

ARTES..........................................................Fátima Falleiros Lopes.............................125

OBRAS ASSISTENCIAIS...........................Aparecida Goreti Neroni..........................135

O MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE PATROCÍNIO

PAULISTA...................................................Neuza Machado Vieira.............................141

CLUBE HÍPICO..........Urandi Pascoal Marques e José Cláudio de Figueiredo............167

...NOSSO CHÃO TEM MAIS BRILHANTES..........José Geraldo de Andrade...........168

BANDAS MUSICAIS..................................Urandi Pascoal Marques..........................173

BANCOS E CASAS BANCÁRIAS.............Isa Maria Silveira Matos..........................177

ALGUNS DADOS SOBRE A POPULAÇÃO DE PATROCÍNIO PAULISTA:

1940/1980..............................................Benedito Eufrásio M. Vieira...........................179

JOSÉ ALVES DE SOUZA FALLEIROS JUNIOR ( “ JUQUINHA FALLEIROS”)...182

CENTRO DE SAÚDE DE PATROCÍNIO PAULISTA.......Selma Maria Pessoni.......184

DURA LEX..................................................Carlos Alberto Bastos de Matos...............186

LEGISLATIVO............................................Ruben Alvarenga de Andrade..................188

CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL- PATROCÍNIO PAULISTA.....................198

EU E SAPUCAÍ...........................................Auro Soares de Moura Andrade...............198

UMA PREDESTINADA.............................José Geraldo de Andrade..........................200

A IGREJA E FESTAS RELIGIOSAS........Frei Custódio Guimarães de Miranda e Oraide

Alvarenga de Andrade....................................................................................................201

CLUBES RECREATIVOS..........................Izar Garcia de Andrade.............................221

Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

44

A CIDADE E SEUS NOMES......................Ivaldo Robier Freiria................................224

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PATROCÍNIO

PAULISTA...................................................Célia Teresa Pessoni................................226

EMPRESA TELEFÔNICA........................Anália Falleiros Conrado............................234

APELIDOS PATROCINENSES................Leonardo Falleiros do Nascimento............236

AS COOPERATIVAS PATROCINENSES........José Geraldo de Andrade..................237

IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLÉIA DE DEUS....................................................244

CASAS COMERCIAIS...............................Maria de Lourdes Rocha...........................244

FUTEBOL..................José Cláudio de Figueiredo e Urandi Pascoal Marques.............248

POLÍCIA..............................................José Teixeira Marques......................................254

INDÚSTRIAS......................................Isa Maria Silveira Matos..................................257

HISTÓRIA DAS VIAS PÚBLICAS PATROCINENSES........Hélio Vilhena Moreira,

Nainôra Maria Barbosa de Freitas, Ruben Alvarenga de Andrade, José Amauri do

Nascimento e Fabiano Junqueira de Freitas...................................................................260

CEM ANOS DE ENSINO....................Maria Rosângela do Carmo.............................278

HISTÓRIA DA MÚSICA PATROCINENSE – 1885/1985................................................

...............................................................Leonardo Falleiros do Nascimento.................287

Observa-se que alguns colaboradores escreveram sobre mais de um assunto e cinco

textos não têm os autores explicitados, sendo de responsabilidade dos organizadores.

Heriberto A. Goettersdorfer, Carmelino Corrêa Júnior e Auro Soares de M. Andrade não

eram patrocinenses, mas estiveram ligados, cada um à sua maneira, à cidade; já haviam

falecido na época de realização do Almanaque e a publicação de seus textos deve-se à ação

dos organizadores. O paulistano Brasil Bandecchi foi convidado a escrever sobre o poeta

patrocinense Jorge Falleiros e morreu quando a obra encontrava-se no prelo. José N.

Franco, Geraldo Tasso e Benedito E. M. Vieira não nasceram no município, mas tinham

Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

45

ligações familiares e/ou profissionais, no passado, com o mesmo; Neuza M. Vieira não era

patrocinense, mas desenvolveu um estudo sobre a região. Estes, foram convidados pelos

organizadores a participarem do Almanaque. Observa-se que o restante dos colaboradores

do Almanaque residia no município durante a realização da obra – em sua maioria, eram

nascidos no local. 7

Ao ser indagado sobre como se deu a definição dos temas a serem pesquisados, um

dos organizadores,diz:

“ É, aí foi um pouco difícil porque, não sei se você se lembra, eles queriam muito fazer sobre as famílias. Senhor Juca disse: ‘é preciso fazer das famílias mais importantes....’ Eu disse: ‘não faz isto porque isto dá problema, porque quais são as famílias mais importantes? E depois esse trabalho é um trabalho longo, difícil de fazer, um trabalho genealógico...’ E... e depois isto iria causar ciúmes porque... ‘não colocaram a família tal; não colocaram a minha família que também é antiga, que também é daqui; ah, não colocou porque o meu tio teve um problema no fórum...’ É, depois eles começam a inventar: ‘pois é, o juiz não deixou colocar’, qualquer coisa desse tipo. Eu falei: é muito difícil fazer isso! Então, nesta parte de vultos da cidade ficou restrito aos que eram nomes de rua, se lembra? Porque isto já havia um critério, que era um critério escolhido pela Câmara, pela Prefeitura, pelo poder público que deu nome à rua. Então, a biografia – porque eles queriam biografias de pessoas... – difícil isto; põe um, não põe de outro, qual o critério? E os temas foram sendo indicados por um, por outro... ‘precisa escrever sobre artes, precisa escrever sobre política, as entidades assistenciais, a santa casa, os bancos, as indústrias’...e...[...] mas aí, esses temas foram escolhidos assim: um pensava numa coisa e vinha aí, e também para não deixar a outra parte – o poder Executivo – colocou.... E quanto a esse vultos, resolveu-se obedecer aí a esse critério, que era um critério estabelecido pelo poder público – que bem ou mal ele havia erigido aquelas figuras como vultos – e o que procuramos não colocar lá foi fotografias de pessoas vivas[...] É, não tem fotografias de pessoas vivas, salvo a do senhor Juquinha Falleiros[...] que foi uma exceção porque era um vulto da cidade por tudo o que tinha feito lá pela educação”.8

Notamos aí um conflito inicial na definição do que comporia o Almanaque, o que é

indicativo de concepções um tanto distintas: seja no que se refere a como escrever a história

do município, quanto ao que ressaltar na elaboração de uma memória histórica destinada,

? 7 No Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista encontram-se os dados biográficos de cada colaborador .

? 8 Entrevista realizada com Carlos Alberto Bastos de Matos, 1º de abril de 2000.

Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

46

de certa forma, a presentear os patrocinenses naquele momento dos preparativos do

centenário e – por que não ? – os já falecidos e as gerações futuras.

A sugestão de dar ao Almanaque uma feição biográfica ou genealógica parece ter

sido questionada devido a certa prevenção, por parte dos organizadores, de possíveis

questionamentos e conflitos envolvendo a população local. O cuidado de se pensar uma

escritura da história que evitasse conflitos parece ser preponderante em relação a uma

abordagem da história local que pudesse contemplar os vários sujeitos. Nosso entrevistado

questiona a elaboração de biografias, mas afirma que os “vultos” não ficaram de fora do

livro da cidade, ou seja, se num primeiro momento não se enfatiza as personalidades

enquanto atores privilegiados na construção da história, aceita-se que o poder público tenha

erigido, ao longo da história, certos “vultos”. Estes, por sua vez, reafirmados enquanto tais,

têm suas biografias comentadas. É possível dizer que, neste ponto, é também “pedagógica”

a opção de oferecer aos patrocinenses informações sobre as personalidades que nomeiam as

ruas da cidade.

Manteve-se a parte dedicada ao Executivo, tradição observada em trabalhos

comemorativos e históricos sobre as cidades. No entanto, através do índice, podemos

perceber que tal parte, qual seja, a do poder Executivo, não “abre” a publicação,

diferentemente do que observamos nas seguintes obras analisadas: Almanaque Histórico da

Franca-1943; Álbum de Espírito Santo do Pinhal-1936 e Alvorada Maravilhosa-1974.9 A

? 9 Estas três obras apresentam reproduções fotográficas de chefes do Executivo e outras autoridade,s já nas páginas iniciais. Na primeira obra, temos a imagem de Getúlio Vargas e, a seguir, do prefeito, juiz de direito, representante do Ministério Público, delegado de polícia, interventor federal no Estado de São Paulo. Na segunda, temos primeiramente a reprodução de imagens fotográficas dos representantes do governo municipal e juizes de direito, além de outras pessoas consideradas personalidades locais. Finalmente, na terceira obra, as imagens do prefeito e dos membros da comissão dos festejos do sesquicentenário aparecem após a apresentação dos símbolos: bandeiras do Brasil e de São Paulo, brasão do município e símbolo da administração municipal , na época. Em perfeita sintonia com o ideário da ditadura militar, o editor dedicou uma página à “Revolução” : uma homenagem aos presidentes da ditadura, até 1974, de nítidos efeitos propagandísticos do regime militar. NASCIMENTO, Hygino A. do, MOREIRA, Eufrausino (Org.) Almanaque Histórico da Franca. Obra de compilação histórica do município em seus variados aspectos. Franca S.P. [s.n],1943. CALDEIRA, João Netto, Álbum de Espírito Santo do Pinhal, São Paulo: Organização Cruzeiro do Sul, Bentivegna & Netto, março de 1936. PROCESI, Augusto (Ed.) Alvorada Maravilhosa Ano 1, n.1. São João da Boa Vista, S.P. [s.n], 1974 ( número extra editado para o sesquicentenário).

Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

47

essa parte não foi dada uma ênfase maior do que a outros temas e os organizadores tiveram

a preocupação de não colocarem reproduções fotográficas de pessoas vivas; à exceção

comentada, devem ser acrescentadas duas imagens pequenas e discretas do prefeito e

vereadores da época do centenário, respectivamente, no final – e não no início – das partes

destinadas aos poderes Executivo e Legislativo. E, mais, além do registro dos nomes que

compunham os três poderes em 1985, através de pesquisas, procurou-se elaborar um quadro

geral da composição da Câmara, desde 1885, de todos os agentes municipais e prefeitos, de

todos os juizes e promotores, dentre outros, que passaram pela Comarca, desde 1892.

Voltando à questão dos trabalhos genealógicos e biográficos, estes podem ser

analisados enquanto expressão de certa mentalidade e prática históricas às quais se ligam

interesses sociais e políticos. A historiografia está repleta de produções nesta linha

genealógica e biográfica – cabe-nos refletir sobre os interesses de quem as produz, como as

produz e sobre as maneiras pelas quais podemos lê-las. Na introdução de Documentos

para a História do Vale do Paraíba, o responsável pela publicação assim se posiciona a

respeito da genealogia:

“Eis aí, em substância, o que interessa à verdadeira genealogia, isto é, ao conhecimento biológico do homem através de peculiaridades hereditárias, e não superficialmente, através do critério nobiliárquico, segundo o qual a relação de marquês a conde sobreleva a que vai de pai a filho[...] Estudada com seriedade, à base de elementos precisos, muito pode a genealogia contribuir para o esclarecimento de numerosos fatos históricos, particularmente no que se refere ao determinismo psíquico das várias personagens em ação”.10

? 10 FILHO, Félix Guisard (org.) Documentos para a História do Vale do Paraíba. Atas da Câmara (1780-1798). v.I, São Paulo: Emprêsa Editora Universal, 1943, p.14-15. Por outro lado, recentes pesquisas sobre mapeamento genético apontam para o genoma humano: cerca de 30 mil genes compõem o “livro da vida”. Podemos dizer que tal mapeamento significa um golpe mortal ao determinismo genético, pois: “Tendo constatado que nosso patrimônio genético é relativamente pobre, ou nos reduzimos a vermes ou aceitamos a idéia de que nossa natureza biológica (e não apenas nossa sociedade) depende de nossa interação interna, social e com nosso meio ambiente. Isso altera a biologia e, em grande medida, a ciência em geral: passamos (ou, se preferirem, aceleramos a transição) do elementar para o relacional. Concretamente: o modo como vivemos determina aquilo que somos”. Ou seja, nosso número de genes é muito pequeno para sustentar afirmações de que tais genes individuais determinam, dentre outros, nossa capacidade intelectual e nossos padrões de comportamento. CASTELLS, Manuel. A vida sob custódia. Folha de São Paulo, São Paulo, 01 de abril, 2001. Mais! p.12.

Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

48

A hereditariedade, e não a ação dos sujeitos, é o fundamental para esta visão

determinista da história. Com base neste pressuposto é que o autor aponta a contribuição da

genealogia para os estudos históricos.

Escrever sobre cidades por meio de biografias de personalidades é expressar o

privilégio conferido ao papel de poucos indivíduos na construção da história. Elas estão

presentes, dentre outras produções, no Almanak da Franca para 1902 e Álbum de Espírito

Santo do Pinhal - 1936. 11

Por outro lado, as biografias podem ser fontes importantíssimas para o estudo de

aspectos da história social, a partir da compreensão das relações sócio-culturais e dos

modos de vida dos personagens biografados. Nos últimos tempos, há uma maior

valorização da biografia enquanto gênero literário e editorial e também para as pesquisas no

campo das ciências humanas.12

Podemos dizer que a elaboração do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista

não se pautou, portanto, na escritura de biografias de famílias e personalidades. A temática

a ser pesquisada foi decidida pelos organizadores que, por sua vez, contaram com alguns

moradores locais mais engajados no projeto que sugeriam temas e assuntos que não

poderiam “ficar de fora” do “livro da cidade” !

No entanto, ao folhear o almanaque, encontramos, em específico, duas biografias: a

de José Alves de Souza Falleiros (senhor Juquinha) e da Madre Maria das Neves. Alguns

perfis biográficos compõem os temas relativos aos artistas da cidade e à história das vias

? 11FRANCO, M. ( org.) Almanack da Franca para 1902. São Paulo: TYP. DUPRAT & COMP. , 1902.( cópia de publicação).239p. Este foi o primeiro almanaque de Franca, SP. Curiosamente, mas perfeitamente compreensível, dentre as personalidades biografadas no almanak, o Coronel Estevam Marcolino de Figueiredo aparece com especial destaque devido à sua atuação política, como chefe do partido conservador, na Vila de N. S. do Patrocínio do Sapucahy – lugar onde nasceu – além de Franca e região. CALDEIRA, João Netto, Álbum de Espírito Santo do Pinhal, São Paulo: Organização Cruzeiro do Sul, Bentivegna & Netto, março de 1936. O álbum sobre esta cidade paulista apresenta dados biográficos de nove personalidades.

? 12 Segundo Águeda B. B. Uhle, o pesquisador que trabalha com fontes biográficas deve atentar para a multiplicidade temporal a elas subjacente: o tempo da produção dos fatos, o tempo dos relatos – que se dão a partir de um olhar construído posteriormente em relação ao vivido, e o tempo no qual o pesquisador constrói o seu discurso. É fundamental considerar o lugar no qual se insere o biógrafo ao produzir o seu trabalho. ( anotações de curso, Faculdade de Educação, Unicamp, 08/1997).

Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

49

públicas. Em relação às personalidades que dão nome a ruas, os biografados já eram tidos

como vultos – “escolhidos pelo poder público”, conforme o organizador Carlos Alberto. É

possível afirmar que a superficialidade e profundidade com que são diferentemente

tratados no texto indicam a proeminência sócio-econômica e política de uns em relação a

outros no contexto de suas atuações na localidade, além da maior ou menor fartura de dados

encontrados pelos pesquisadores.

“O doutor Carlos falou: ‘Vamos levantar nomes de ruas’. Por quê? Ele falou: ‘Não, nós precisamos saber quem foi quem!’. Quer dizer, [...] daqui cem anos nós não podemos mais fazer isso aqui em Patrocínio: levantar nome de rua. Porque hoje, nome de rua é aquela família boa de voto que o vereador vai lá, chora no... chora no velório e promete o nome da rua para aquele finado [...] pois antigamente não se dava nome de rua para quem não tivesse alguma coisa a ver com o município, né? Por isso é que eu estou dizendo e então ele me alertou sobre isso: daqui cem anos jamais vai poder se levantar nome de rua de alguma cidade pois hoje virou... na base da política que se dá nome em rua. Quer dizer, tem exceções, não estou dizendo que não mereça, mas...[...] Antigamente quem dava nome de rua era o poder executivo. De oitenta e... oito passou a ser o legislativo que dá nome. Aí a coisa... abriu o leque! Agora, o prefeito pode vetar, mas o prefeito é um político também, como é que ele vai vetar se o trem vem da Câmara, tudo aprovado? Politicamente vai pegar mal pra ele...”13

“Porque dizem que chegou a fazer sorteio aí na prefeitura prá por nome nesses bairros aí; então, cada vereador tinha direito de por cinco nomes, três nomes, não sei como é que é. Acho um verdadeiro absurdo! Por que não foi à escola? Pois os alunos fariam uma pesquisa aí, de colegial, prá saber os vultos históricos da cidade! Não; foram pondo, não é? E se morrer num acidente, uma coisa trágica, aí vai prá história, não é? Um absurdo![...] E vai desaparecendo, os valores vão sendo truncados, não é? Se mandar botar nome de rua aqui de qualquer peão, xoxoró... o povo fica doido, não é? Trocado! E não é só aqui!14

O que hoje significa nomear ruas, para nossos entrevistados, traduz seus pontos de

vista em relação a mudanças que o tempo presente imprimiu neste tipo de homenagem,

geralmente póstuma – porém isto nem sempre é assim. Que atributos – certamente não

consensuais entre os moradores – foram e são hoje necessários para que uma vida “entre na

? 13 Entrevista realizada com Aloísio de Andrade Freitas.

? 14 Entrevista realizada com Izar Garcia de Andrade.

Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

50

história”? E como fazer quando a cidade cresce e novos bairros e ruas ficam à espera de

denominações?

De acordo com a atual Lei Orgânica do Município – Lei nº 1.318/90 – em sua seção

III, sobre as atribuições da Câmara Municipal:

“Artigo 33: Cabe à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município e, especialmente: (...) XVI- autorizar a alteração de próprios, vias e logradouros públicos. Artigo 34: Compete privativamente à Câmara Municipal, exercer as seguintes atribuições, dentre outras: (...) XXIV- antes da aprovação da denominação a próprios, vias e logradouros públicos a Câmara colherá parecer da Comissão honorífica, composta dos ex-Prefeitos domiciliados no Município.(...)” E, nas disposições gerais e transitórias (Título V), temos: “Artigo 179: O Município não poderá dar nome de pessoas vivas a bens e serviços públicos de qualquer natureza. Parágrafo único: para fins deste artigo, somente após um (1) ano do falecimento poderá ser homenageada qualquer pessoa, salvo personalidades marcantes que tenham desempenhado altas funções na vida administrativa do Município, do Estado ou do País”. 15

Se a Constituição de 1988 alterou as regras referentes à nomeação das vias públicas,

por outro lado a lei orgânica do município em questão deixa transparecer que, a princípio,

ex-chefes do executivo, ao comporem uma comissão honorífica, têm poder de escolha dos

homenageados. Observa-se a vinculação do rol de “personalidades marcantes” ao

desempenho de funções administrativas nos seus vários âmbitos.16

? 15 LEI ORGÂNICA do Município de Patrocínio Paulista, S.P. nº 1.318/90 (datada de 27 de março de 1990).

? 16 Também sobre este assunto, temos a reportagem a seguir: uma equipe do jornal “ Folha de S. Paulo” analisou as listas de projetos encerrados e em andamento de cada um dos 55 vereadores da cidade de São Paulo, relativos à legislatura de 1997-2000. O levantamento indicou que, dos projetos aprovados naquela legislatura, “78% se referem a ‘perfumarias’ – nomes de rua, concessão de títulos e medalhas e outras homenagens (...) apenas 11% das propostas aprovadas têm alguma relação, ainda que remota, com as principais prioridades da população paulistana – que, segundo pesquisa Datafolha de julho, são segurança, desemprego, saúde, limpeza, transporte e educação (...) Em meio ao marasmo, o vereador que conseguiu aprovar mais propostas é Toninho Paiva (PFL). Ele teve 115 projetos aprovados, entre apresentados (desta legislatura) e desarquivados (de legislaturas anteriores). Nada menos que 65 (56,5%) serviram para dar nome a ruas. Outros 27 são datas comemorativas (...)” GOIS, Chico de, SILVA, Carlos S. Nomes de rua e homenagens são 78% dos projetos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de setembro de 2000, Olho na Câmara, p.1 -8.

Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

51

Nota-se que a elaboração de biografias de famílias “mais importantes” não foi o

objetivo norteador do projeto. Porém, vários perfis biográficos foram delineados e são

fontes de informação para quem consulta o almanaque. Inclusão de alguns, exclusão de

outros; lembrança, esquecimento; fatores que operam na construção da memória.

Quando indaguei a um dos organizadores: “valeu a pena o empreendimento”? Ele

me respondeu:

“Ah, valeu! Isso aí é uma obra muito bonita, né? Isso aí é um trabalho muito bonito! Assim: bem adequado ao nome ‘Almanaque’; de coisas díspares e também de níveis diferentes. Trabalhos muito bem escritos, outros trabalhos já um pouco piores... A intenção era esta, a intenção era esta... Não era fazer um trabalho de nível acadêmico. Então, tem coisas, como esta do João Nascimento Franco, isto aqui é delicioso de ler, delicioso de ler! E outros trabalhos são assim mais... nem tão bem escritos...[folheia o Almanaque]. Mas se registrou; acho que deu para fazer um apanhado grande”.17

Esta diversidade de textos do Almanaque diz respeito a um trabalho que contou

com vários colaboradores. Estes eram, em sua maioria, moradores locais de idades e

formação escolar variadas que se propuseram a desenvolver temas sobre o município. Os

organizadores tiveram um papel fundamental neste movimento agregador das pessoas – “o

juiz veio te chamar para participar...”18. Ao lado destes, alguns outros colaboradores, não

patrocinenses e residentes em outros municípios, participaram do Almanaque devido a

indicação dos organizadores. No total, 42 pessoas elaboraram os textos.

“E o livro é desnivelado como reflexo disto, propositalmente: trabalhos muito bem escritos, outros trabalhos mais simples... O que nós fizemos foi fazer uma correção de português, às vezes palavras... Agora, quem tinha mais dificuldade para escrever eram os moços porque, Dona Mercedes, por exemplo, mandou um trabalho... perfeito o trabalho! Senhor Custódio, que mandou um trabalho... Senhor Custódio tinha o terceiro ano primário. E os moços... quem a gente tinha que corrigir mais eram os moços, mas nós corrigimos somente os erros assim... de ortografia”.

? 17 Entrevista realizada com Carlos Alberto Bastos de Matos.

? 18 Palavras ouvidas de Marcos de Andrade Lopes, pai desta pesquisadora, em 1984.

Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

52

Tal fato, qual seja, a dificuldade dos colaboradores mais jovens em escreverem seus

textos, não coincide com a decadência da escola pública observada a partir do final dos

anos setenta? Pergunto ao entrevistado, que me responde:“ É, o declínio começa com a

revolução de 64, aí é que começa a piora da escola pública, da escola no geral, né?”. 19

O colaborador Custódio Falleiros, enviou um ofício junto ao texto a ser publicado.

Tal ofício acabou por ser publicado no Almanaque devido a sensibilidade dos

organizadores. Nele, o autor explicita, em tom formal, que a parte da pesquisa que lhe

havia sido confiada estava sendo entregue e justifica o critério adotado na escritura do

texto. Por sua singularidade, abaixo o transcrevemos.

“ Em 14 de fevereiro de 1985.

Meritíssimo Juiz.

Com o presente, tenho a honra de encaminhar a V. Excia., em anexo, o trabalho de pesquisa histórica que me foi confiado, desenvolvido para a ocasião do Centenário da emancipação política de Patrocínio Paulista, qual seja, o relativo aos “Oficiais da Guarda Nacional” com atuação na circunscrição territorial dos municípios de Franca e Patrocínio Paulista ao tempo do Brasil Império e da República.

A Guarda Nacional pode ser considerada como uma milícia sem quartel, composta que era de homens com relevado conceito junto à sociedade e que tinham autonomia na sua área de atuação. Era dividida em SERVIÇO ATIVO e RESERVA, sendo que no presente trabalho somente foram incluídos os oficiais do SERVIÇO ATIVO, já que os oficiais alistados para a RESERVA eram em grande número, e de difícil inclusão em um trabalho que se pretendia conciso, para facilidade de futura publicação.

Custódio Falleiros do Nascimento

Ao M.M. Juiz de Direito da Comarca de

Patrocínio Paulista”20

? 19 Entrevista realizada com Carlos Alberto Bastos de Matos.

? 20 Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, p.72.

Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

53

Estes colaboradores locais passaram a se reunir, geralmente aos sábados à tarde, no

Fórum – especificamente, no Salão do Júri. Era lá que havia a troca de informações e

sugestões; as conversas, as dúvidas e descobertas moveram o grupo de trabalho durante

meses. Hoje, aparecem nas falas de três entrevistados, como lembranças do vivido.

“Uma parte importante é o seguinte: nos dias de reunião, o interesse! Quer dizer, difícil alguém que não levava alguma coisa nova. Então, ficava aquela ansiedade prá chegar na reunião prá mostrar: ‘oh, eu consegui isso...’ Então, você vê a ansiedade do pessoal prá chegar o dia da reunião prá mostrar o que tinha conseguido [...] Principalmente fotos, né? Reunião que era prá demorar uma hora... o pessoal idoso às vezes ficava lá até dez e meia, onze horas, por causa dessas fotos... todo mundo queria ver, e um olha a do outro e olha... Identificar... O sujeito falava: ‘ah, eu sei que esse aqui é meu avô, mas os outros?’ Ah, agora mesmo todo mundo já estava sabendo quem era a equipe que estava na foto... Importante isso aí! Foi muito bom! Agora, se não tiver uma pessoa que coordene, aí é difícil”.

“Foram feitas várias reuniões: aos sábados, à noite[...] Um juntava um pouquinho de um lado, outro juntava um pouquinho do outro[...] Então, foi também uma troca de dados, de informações [...] Por exemplo: um tinha uma foto que não era do trabalho dele, era do trabalho do outro, ele cedia aquela foto. Então, eu achei muito importante, na época, a colaboração entre os membros que participaram...”

“Lembranças boas [...] que constam aí no prefácio. Tumultuadas reuniões lá no Salão do Júri – e que, a rigor, eu teria que ter pedido autorização para o Tribunal para usar o Salão do Júri, né? [risos]. E estas reuniões lá, à tarde, eram muito boas e vinham pessoas de todos os níveis sociais, de idades diferentes, e discutindo coisas... e lembrando de temas que... ‘Oh, precisava falar disso, precisava falar daquilo, não pode deixar de falar isto...’ E troca de informações que eles tinham já coletado: ‘oh, pra você tem isso aqui, tem lá...’ E a gente contava também, que eu tinha esquecido, contava também com um auxílio do senhor Ruben Alvarenga. O senhor Ruben Alvarenga foi secretário da Câmara e da Prefeitura a vida inteira. Então ele tinha – e gostava disto – ele tinha registros, sabia onde tinha os registros lá na Prefeitura, as Atas... Ele praticamente leu todas as Atas da Câmara e xerocopiava todas as coisas...”21

? 21 Entrevistas realizadas, respectivamente, com Aloísio de Andrade Freitas, Ivone Pereira Dal Sasso e Carlos Alberto Bastos de Matos (ano: 2000). O senhor Ruben Alvarenga, comentado pelo último entrevistado, faleceu anos atrás.

Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

54

Esta pesquisadora, como participante do grupo de trabalho, na época com 18 anos,

se recorda de tais reuniões: do fascínio inicial de adentrar as dependências internas do

Fórum, especificamente o Salão do Júri22; da convivência com os idosos que “sabiam de

muitas coisas”; do estabelecimento de relações pessoais com outros moradores.

Certamente, se sentia valorizada por estar ali enquanto componente do grupo, vibrava com

“as descobertas” e enfrentava os desafios de quem nunca havia feito uma pesquisa e nem

sabia por onde começar.

Trabalho da memória que inclui o lembrar e o esquecer. A seletividade no ato do

recordar estaria fazendo preponderar aqui a lembrança dos bons momentos?

Temos também dois outros registros daquele momento histórico. Um deles é a carta

na qual um dos organizadores, Carlos Alberto B. de Matos, convidava os colaboradores-

pesquisadores a participarem de uma destas reuniões no Fórum. Os objetivos da reunião

eram explicitados e mencionava-se a exigüidade do tempo, tendo em vista a finalização dos

trabalhos. O segundo registro é uma reprodução fotográfica de parte do grupo de trabalho,

no respectivo Salão do Júri. (vide nas páginas 55 e 56).

A troca de dados, informações, sugestões etc. entre os participantes deste projeto é

enfatizada por nossos entrevistados. As “reuniões de sábado”, no Fórum, constituíram-se

também em espaço de troca de experiências? Neste sentido, nos reportamos a WALTER

BENJAMIN que, em dois textos, “O Narrador” (1936) e “Experiência e Pobreza”(1933),

discute a problemática da narração. Para ele, o fim da arte de narrar é o fim da troca de

experiências, processo em curso desde a I Guerra Mundial. A figura do narrador pode ser

aquela do viajante, que vem de longe e com algo a contar, mas é também aquele que

“vivendo honestamente do seu trabalho, ficou em casa e conhece as histórias e tradições de

sua terra”. Ele contrapõe a arte de narrar – “da notícia que vinha da distância” espacial

? 22 A leitura de CHAUÍ sobre o modo pelo qual o poder estatal e a lei são figurados no país traz elementos para a reflexão sobre este caráter de inacessibilidade do Poder Judiciário. Diz ela: “Na medida em que o Estado tende a se identificar com o poder Executivo, a lei tende a ser um emaranhado obscuro de manutenção de privilégios e garantia de repressão e o Judiciário aparece como separado, secreto, misterioso, inacessível”. CHAUÍ, M. Debate: Cidadania, cultura e sociedade: o que, como e por que comemorar? PROJETO HISTÓRIA: Revista de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História - PUC-SP, São Paulo, n.20 (Sentidos da Comemoração), p.58-62, abril, 2000.

Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

55

Carta recebida por esta pesquisadora. Patrocínio Paulista, outubro de 1984.

Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

56

Reprodução fotográfica de parte do grupo de trabalho, quando da elaboração do Almanaque, no

Salão do Júri - Fórum de Patrocínio Paulista. Fotógrafo não identificado. (Álbum fotográfico do acervo do

Fórum de Patrocínio Paulista).

Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

57

ou temporal (tradição) – à informação que “coloca a exigência da pronta

verificabilidade”. `A instantaneidade da informação contrapõe a narrativa que não se

exaure. A narrativa, própria das sociedades artesanais,

“Não pretende transmitir o puro ‘em si’ da coisa, como uma informação ou um relatório. Mergulha a coisa na vida de quem relata, a fim de extrai-la outra vez. É assim que adere à narrativa a marca de quem narra, como à tigela de barro a marca das mãos do oleiro(...)” 23

A narrativa aqui diz respeito ao estabelecimento de laços entre narrador e ouvinte, à

possibilidade de renarrações, a não preocupação com as explicações causais fechadas, às

possibilidades de diferentes interpretações por parte do leitor, a um movimento dialético

entre passado-presente que não a simples retomada do passado, à experiência

compartilhada pelas gerações em oposição à fragmentação do tempo e individualização no

capitalismo. BENJAMIN contrapõe o conceito de “experiência” (Erfahrung) – experiências

compartilhadas nas quais a arte de narrar é fundamental – ao conceito de “vivência”

(Erlebnis) – que remete à curta temporalidade da existência individualizada.24

A perda da experiência e o declínio da narração tradicional se relacionam aos

paradoxos da modernidade e, na reflexão benjaminiana, apontam para a necessidade de

? 23 BENJAMIN, Walter. O Narrador: observações sobre a obra de Nikolai Leskow. In Textos Escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas. Traduções de José Lino Grünnewald et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p57 et seq. (Os Pensadores)

? 24 BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza. In Documentos de Cultura/Documentos de Barbárie: Escritos Escolhidos. Seleção e apresentação: Willi Bolle. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1986, p. 195 et seq. Este tema do declínio da experiência e da narração tradicional em Benjamin é discutido em GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A. , 1999. (Coleção Estudos). Para a autora, esta preocupação de Benjamin “(...) diz respeito à estética no sentido etimológico do termo, pois Benjamin liga indissociavelmente as mudanças da produção e compreensão artísticas a profundas mutações de percepções (aisthêsis) coletiva e individual”. E ainda: ressaltar este processo é não compactuar com as interpretações de BENJAMIN que se baseiam em argumentos “moralizantes”, “que nos chamam a voltar para uma continuidade perdida”. Reconhece que, se BENJAMIN não escapa, às vezes, de um “tom nostálgico” , sua “visada teórica” se atém “aos processos sociais, culturais e artísticos de fragmentação crescente e de secularização triunfante, não para tirar dali uma tendência irreversível, mas, sim, possíveis instrumentos que uma política verdadeiramente ‘material ista’ deveria poder reconhecer e aproveitar em favor da maioria dos excluídos da cultura, em vez de deixar a classe dominante se apoderar deles e deles fazer novos meios de dominação”. p.55-56.

Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

58

uma nova história. Nesta, a retomada, pela palavra, de um passado para ele não morrer –

rememoração – coloca em evidência a importância da narração para a constituição do

sujeito da história.

Informar, identificar, juntar, mostrar, trocar, lembrar, discutir são verbos presentes

nos relatos de nossos entrevistados sobre as “reuniões de sábado”, no Fórum. Transitamos

da informação e da identificação, que remetem ao ato de inventariar, à rememoração-

narração como fluxo da memória – constituído pelo lembrar e pelo esquecer – transmitido

pela palavra. A reunião de pessoas – cada uma com suas próprias vivências – em um

espaço público, possibilitava o trocar, o juntar, o discutir, ou seja, possibilitava a busca por

algumas referências coletivas. Esta convivência, em certa medida, possibilitou a troca de

experiências, e consideramos, neste processo, as diferenças etárias entre os participantes –

além de algumas diferenciações sócio-econômicas. Destacamos a preponderância dos bons

momentos nas falas de nossos entrevistados como sinais de uma memória que é seletiva e,

se não há menção alguma a conflitos e embates, não podemos afirmar que o projeto se

desenvolveu sem os mesmos.

O desenvolvimento do projeto de elaboração do Almanaque envolveu trocas de

“dados” e de experiências entre os participantes nas “tumultuadas reuniões lá no Salão do

Juri” – palavras do organizador Carlos Alberto. Outro significado deste projeto diz respeito

ao registro escrito das memórias locais – assunto que permeia os relatos de nossos

entrevistados, a seguir.

Izar Garcia de Andrade, nossa entrevistada, nos fala do empenho de sua mãe, Dona

Mercedes, seja quando da feitura do “livro dos Figueiredo”, quanto à época da elaboração

do Almanaque. No primeiro caso, ela foi ao cemitério: “de túmulo em túmulo, olhando o

nome das pessoas, quando nasceu, quando morreu...” No segundo, contando já com 82

anos, não foi menor o seu empenho,

“E a mamãe participou, viu formar muita coisa e ela interessava, gostava disso. De modo que ela informava pra todo mundo...”

Retomando a análise feita por LE GOFF (1996: p.461-462) sobre a memória, vimos

que a associação entre morte e memória difundiu-se com o cristianismo. Mais tarde, entre o

fim do século XVII e o fim do XVIII,

Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

59

“Enquanto os vivos podem dispor de uma memória técnica, científica e intelectual cada vez mais rica, a memória parece se afastar dos mortos (...) As sepulturas são abandonadas à natureza e os cemitérios desertos e mal cuidados (...) Imediatamente em seguida à Revolução Francesa, assiste-se a um retorno da memória dos mortos na França, como nos outros países da Europa. A grande época dos cemitérios começa, com novos tipos de monumentos, inscrições funerárias e rito da visita ao cemitério. O túmulo, separado da igreja voltou a ser centro de lembrança. O romantismo acentua a atração do cemitério ligado à memória”.

Mercedes, que provavelmente acompanhou tantos nascimentos e mortes ao longo de

sua vida, sabia ser o cemitério um local de memória – ou fonte para a história. A memória

individual de Mercedes se articula a uma função social, ou seja, à transmissão da

informação através da linguagem; memória que opera enquanto fenômeno social já que

depende das relações do indivíduo com os seus grupos de convívio. HALBWACHS

relativiza a ênfase na pureza da memória ao tratar dos quadros sociais da memória, com

base na teoria psicossocial. Ou seja, “amarra a memória da pessoa à memória do grupo; e

esta última à esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade”.25

A memória coletiva, definida por PIERRE NORA, em LE GOFF (1996: p.472-

473), como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do

passado”, passou a exercer uma grande pressão sobre a história. Assim, o alargamento dos

objetos de pesquisa e abordagens, proporcionado pelas discussões teóricas a partir da

denominada História Nova, possibilita o estudo da “história que fermenta a partir dos

‘lugares’ da memória coletiva (...)” Dentre estes lugares , para NORA, estão os “lugares

monumentais como os cemitérios ou as arquiteturas”. LE GOFF (1996:p.13,49), ao tratar

das relações entre história e memória, chama-nos a atenção quanto à introdução de uma

outra noção de duração, para além da cronologia e da periodização. Esta noção trata o

tempo na sua multiplicidade, ao considerar o “tempo vivido”, os “tempos subjetivos ou

simbólicos”, ou seja, “o tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho

tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta”. Ressalta ainda que,

? 25 A discussão sobre memória para M. HALBWACHS, em contraponto com BERGSON, está em BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo. T. A. Queiroz, Editor, Ltda, 1979, p.6 et seq.

Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

60

“Tal como o passado não é a história mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas um dos seus objetos e simultaneamente um nível elementar de elaboração histórica.”

Nossa entrevistada, Izar G. de Andrade, que se responsabilizou por escrever sobre

“cinema e clubes recreativos”, diz:

“Eu andei por causa desse cinema, lá em Franca, procurando um senhor – aliás, acho que foi o primeiro que mexeu com cinema aqui. Nossa Senhora, eu fui parar até numa sessão espírita! [risos]”.

A “informação boca a boca” é vista, por ela, como facilitadora na realização do

trabalho. Por outro lado, considera a ausência de certeza em relação às datas o elemento

dificultador:

“ ... nunca os outros têm a data certa, ninguém sabe, não é? Isso é muito importante numa pesquisa, mas quando não sabia... tudo mais ou menos...Só o Leonardo é que tem as coisas marcadas e as coisas certas”.

Ivone Pereira Dal Sasso, em 1985, era escrevente e incumbida da Secretaria do

Fórum. Escreveu sobre a História da Comarca, além de ter colaborado na revisão do textos

para a publicação e datilografado a maior parte deles. Era preciso investigar o período de

1892 a 1978 para fazer o levantamento dos juízes que haviam passado pela Comarca – já

existiam dos dados de 1978 a 1985. Assim sendo, iniciou-se o trabalho. De acordo com

ela, este levantamento foi feito da seguinte forma:

“pelos processos antigos que são arquivados no Fórum, desde o início da Comarca. Foi manuseado processo por processo. Muitos mesmo, perdi até a conta [...] Então, foi um trabalho imenso![...] Eu fiz sozinha, porque eu trabalhava o período integral, então, nas horas vagas, depois do expediente. Processo por processo, folha por folha, porque, às vezes, no mesmo processo tinham dois ou três juízes. Porque o processo, às vezes, se arrastava dois, três, quatro anos; então, tinha que passar folha por folha porque, às vezes, no início do processo era um juiz, lá pela metade outro e mais para o final era outro. Trabalhoso! Então, eu já aproveitei e fiz de juiz, promotor, oficial de justiça, escrevente, escrivão... porque já aproveitava e pegava tudo...”

Sobre as facilidades encontradas, destaca o livre acesso, enquanto funcionária do

Fórum, aos processos.

Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

61

“ ... e a dificuldade maior é que aquele escrito antigo era todo manuscrito, então, tinha que decifrar às vezes o que estava escrito. Mesmo nos nomes tinha que decifrar; então a dificuldade maior foi isso, e a falta de tempo que eu tinha também[...] e com isso eu acabei decifrando não só isso aí mas muitas coisas [risos] Tinha letra boa de ler, tinha letra que era quase ilegível, então a gente ia juntando assim... Foi um trabalho difícil mas valeu a pena![...] mas eu acho assim, foi trabalhoso para todos, porque todo mundo teve que fazer pesquisa, outros mais, outros menos; mas esse do Judiciário foi ‘de doê’, porque depois me resultou uma alergia no rosto de mexer com aqueles processos antigos...”26

Pelo que podemos apreender das falas de nossas entrevistadas, o processo de

pesquisa envolveu a busca pelas memórias locais. Das memórias resguardadas pela tradição

oral – oralidade esta inserida em um processo dinâmico de ressignificações – às memórias

resguardadas nos arquivos – um dos “lugares topográficos da memória coletiva”, para

NORA, em LE GOFF (1996:p.473). A produção do conhecimento histórico se deu,

alimentado por estas memórias, por meio das perguntas que foram feitas às fontes.

As facilidades e dificuldades na pesquisa são abordados aqui a partir dos pontos de

vista pessoais das colaboradoras-pesquisadoras. De acordo com elas, nota-se que

facilidades e dificuldades permeiam tanto o tratamento de fontes orais quanto manuscritas.

Informação “boca a boca” e livre acesso aos processos são facilitadores no que se refere ao

acesso às fontes. Já o trabalho com estas mesmas fontes não é tão simples para estas

colaboradoras do projeto: como lidar com as datas, que não apresentam “segurança”? Entra

aqui a questão da busca da “verdade” histórica: verdade imóvel, pautada na objetividade

absoluta, na busca de dados em documentos seguros e o registro passivo do fato histórico?

Ou verdade construída pelo historiador através da pesquisa junto a fontes, do diálogo com

os conceitos, da análise e da síntese na construção de uma explicação que, por sua vez, é

passível de reavaliação? Nota-se a decepção de nossa entrevistada quanto a certos dados –

“tudo mais ou menos” – contrariando sua concepção de pesquisa. A outra colaboradora

debateu-se com a seguinte questão: como tornar legível os manuscritos? “Decifração”,

interpretação não só dos nomes próprios e respectivos cargos mas, conseqüentemente,

“decifrando não só isso aí mas muitas coisas [risos] ”. É mencionada a questão do esforço

? 26 Entrevistas realizadas com Izar Garcia de Andrade e Ivone Pereira Dal Sasso, respectivamente.

Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

62

físico em função da coleta de dados e uma situação de risco à saúde no manuseio da

documentação.

Carlos Alberto Bastos de Matos, organizador e juiz naquele momento, destaca os

fatores facilitadores do empreendimento. Primeiramente, a sua condição de juiz, pois “os

arquivos se abrem com facilidade”, tanto os do Fórum, do registro civil, do cartório

eleitoral, quanto os da Câmara e da Prefeitura.

“... e depois, também, convidava e as pessoas vinham porque você está convidando, vêm com mais facilidade, e, depois, também houve a conjugação de ser a época do centenário... É, havia essa sensibilidade aí do momento histórico, então tudo se conjugou...”.

A época, sendo anterior à elaboração da Constituição de 1988, também contribuiu:

“... o serviço forense era muito menor, na época em que cheguei. E depois, a contenciosidade , a litigiosidade aumentou demais. E não só em Patrocínio, em todos os lugares.[...] foi havendo uma consciência maior de direitos e também uma maior facilidade de acesso ao Judiciário por meio de assistência judiciária, coisa que não havia...[...]Então, nos últimos anos em que eu estava lá, já não teria tempo prá fazer o que fiz no Almanaque...”

A condição de juiz, como facilitadora ao acesso às fontes, alude ao acesso à

informação e à memória coletiva. À atual “difusão da comunicação” que “mascara a

centralização da produção”, conforme MENESES27, acrescenta-se o controle da

informação por poucos, o que nos faz lembrar da articulação entre saber e poder na

sociedade disciplinar, tal bem enfatizada por FOUCAULT.28 LE GOFF (1996: p.476-477)

afirma que “a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e

um objeto de poder” e cabe aos “profissionais científicos da memória” tornar “a luta pela

democratização da memória social um dos imperativos prioritários da sua objetividade

científica”. Trata-se da luta pelo direito à memória; luta tão necessária em uma sociedade

? 27MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. In SILVA, Zélia Lopes da (org.). Arquivos, Patrimônio e Memória: Trajetórias e Perspectivas. São Paulo: Editora UNESP: FAPESP, 1999, p.21.

? 28 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder . Organização, introdução e tradução: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

63

autoritária, como a nossa, marcada pelo alargamento do espaço privado e encolhimento do

espaço público. Ao acesso às fontes acrescenta-se o acesso às pessoas que, convidadas pelo

organizador, aderiam – direta ou indiretamente – ao projeto, ou seja, a força das relações

pessoais – e hierarquizadas – aliada à força agregadora do convite – e não da

obrigatoriedade.

É interessante a referência de nosso entrevistado aos períodos anterior e posterior à

Constituição de 1988, demarcando, respectivamente, a menor e a maior consciência dos

direitos e acesso ao Judiciário por parte da população, não só local. Conseqüentemente,

após 1988, verificou-se um aumento do volume de serviço forense, ao contrário do período

anterior, quando havia mais tempo disponível para sua dedicação à história de Patrocínio

Paulista. As marcas da continuidade histórica aqui se mostram, quando, na figura de um

juiz local, encontramos os traços de um historiador diletante – ou historiador-amador – em

íntima relação com as memórias locais. Para LE GOFF (1996:p.71 et seq), o protagonista

da produção historiográfica européia, em fins da Idade Média, era “o protegido dos

grandes”, enquanto no meio urbano aparece o “notário cronista”. No Renascimento, o

historiador é “um membro da alta burguesia no poder” ou “são altos funcionários do

Estado”. No século XVI e início do XVII, os historiadores “distinguem-se explicitamente

dos homens das letras. Muitos são os juristas (...)” Narração, erudição, crônica,

utilitarismo, imaginação, cientificismo, crítica, recordação são elementos que, na

historiografia, se aproximam, se divorciam e/ou se mesclam e podem indicar-nos as

continuidades e descontinuidades no tempo. Neste caso, pensamos no historiador-amador

como “herdeiro da velha estirpe dos memorialistas intuitivos ou autodidatas”, conforme

LEMOS.29 Ou seja,

“(...) os historiadores amadores, que sempre existiram por aí, guardando ou apreendendo empiricamente aquilo que viam e sobretudo o que ouviam dos mais velhos ou liam em antigos escritos. Está claro que existem infinitas nuances entre esses historiadores, não digamos improvisados mas persistentes numa longa busca de informações, ora sem método algum, ora sem rigor à cata da verdade, ora extremamente sérios nos propósitos (...)”

? 29 LEMOS, Carlos. Prefácio. MOURA, Carlos E. M. de (org.). Vida Cotidiana em São Paulo no Século XIX: Memórias, Depoimentos, Evocações. São Paulo: Ateliê Editorial: Fundação Editora da Unesp: Imprensa Oficial do Estado: Secretaria da Cultura, 1998.

Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

64

Carlos Alberto Bastos de Matos começou a exercer sua profissão no município em

1982, assumindo, poucos anos depois, junto a Alfredo Henrique Costa, a organização do

Almanaque Histórico. É interessante observar que ambos os organizadores cursaram a

Faculdade de Direito e inseriram-se na vida pública, tanto em Franca como em Patrocínio

Paulista. No caso de Carlos Alberto Bastos de Matos esta inserção se dá através da atuação

no poder judiciário e da atividade docente e, para Alfredo Henrique Costa, através da

atividade docente e do jornalismo. Estas trajetórias sugerem continuidades ou

descontinuidades possíveis de serem investigadas em outras pesquisas – o que foge de

nossos propósitos neste momento – no que diz respeito “às relações sociais subjacentes à

profissionalização destes intelectuais”, quais sejam, os bacharéis de Direito, nos termos

colocados por ADORNO.30

A dificuldade maior, muito enfatizada pelo organizador Carlos Alberto Bastos de

Matos, foi quanto à publicação. Temos aí uma questão política, envolvendo a Secretaria de

Estado e o município, e nela se insere outra, qual seja, das verbas necessárias para a

finalização do projeto. Sofrendo uma delonga que se arrastou por cerca de seis meses,

finalmente o Almanaque é publicado, em 1986.

“ ... porque ele [o prefeito Aloísio] era do PDS, ele sempre pertenceu ao partido do Maluf, apesar de ter uma postura que era bem adequada ao governo Montoro... tudo correto... mas havia uma certa resistência; prá publicar esta obra foi um custo! ... Porque para achar dinheiro para patrocinar isto....a Caixa Econômica... é difícil chegar nas altas esferas da Caixa Econômica... insistimos lá na Secretaria do Interior... a Imprensa Oficial disse que ia publicar... Esse material todo estava dentro de umas pastas de plástico grandes e eu levei lá na Imprensa Oficial, mas tinha também as fotografias e os documentos que precisavam ser reproduzidos[...] e os originais dos trabalhos[...] E ia lá, conversava com um: ‘não; vai sair!’ Sei

? 30 ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder: o bacharelismo liberal na política brasileira . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Este autor se preocupou em investigar, “(...) sob a ótica sociológica, o processo de formação cultural e profissional dos bacharéis em São Paulo, durante o século XIX, no contexto de emergência da ordem social competitiva na sociedade brasileira e da solidificação do liberalismo econômico e político enquanto ideologia dos estratos dominantes, saídos vitoriosamente da revolução descolonizadora”. Realizou estudo de caso sobre a Faculdade de Direito de São Paulo, “abrangendo o período de 1827 a 1883, com o objetivo de apreender empiricamente a formação desses intelectuais no horizonte mais amplo de organização da cultura brasileira, base sobre a qual se assentaram os princípios lapidares de uma concepção de direitos civis e políticos, durante a vigência do regime monárquico, e da qual se erigiu um modelo singular de cidadania”. p.19

Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

65

que eles ficaram lá nesta enrolação, durante meses [...] E aí, um dia, lá na Imprensa Oficial eu perdi a paciência, falei: ‘não; eu vou levar este material pois vocês não querem publicar mesmo....’ Aí, o rapaz que estava guardando o material não estava lá[...] e aí apareceu essa chave do armário, me devolveram as... porque eu estava preocupado mesmo, porque eu era o responsável por aquilo, tinha fotografias... fotografias únicas! Hoje seria mais fácil tirar xerox colorido destas fotos todas e entregar esse xerox, sai perfeitinho, né?[...] E aí devolveram; devolveram e o senhor Aloísio neste dia disse: ‘não; vamos publicar nós mesmos, a gente arruma verba e publica’.[...] Naquela época era caro publicar... hoje, publicar um livro é coisa barata! [...] mas naquela época era uma coisa cara prá Prefeitura bancar... mas ele conseguiu uma verba da Caixa Econômica e conseguiu uma verba da Secretaria do Interior, mas grande parte quem bancou mesmo foi a Prefeitura, que se interessou...”

Além de destacar o auxílio básico da Prefeitura neste levantamento histórico – “um

veículo, fornecer uma diária prá quem fosse vasculhar essas coisas” – Aloísio de Andrade

Freitas, prefeito naquele momento, reitera a fala anterior, enfatizando a dificuldade na

obtenção de verbas para a publicação do material.

“... fomos tentar conseguir através de doação do governo do Estado: Secretaria do Interior... Primeiramente tentamos a publicação na Imprensa Oficial do Estado: ‘vamos ganhar essa publicação!’ E o doutor Carlos se empenhou diretamente nisso [...] faltou autorização! Eles não receberam autorização para imprimir esse Almanaque; e aí perdemos quase seis meses com isso, lutando, tentando...[...] porque a Secretaria do Interior, que iria autorizar a publicação desse livro na Imprensa Oficial, não autorizou. É, tivemos que partir para uma gráfica particular.”

Num primeiro momento da entrevista, Aloísio de Andrade Freitas diz que a

publicação coube inteiramente à Prefeitura. Quando indago sobre o fato de constar no

Almanaque a colaboração financeira da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da

Caixa Econômica do Estado de São Paulo, diz ele:

“ ... eu não me recordo certinho, mas uma coisa mínima, mínima mesmo. Realmente foi a Prefeitura, foi o município, a maior parte. Eles ajudaram em alguma coisa por isso teve que constar aquilo lá. Porque interessante isso aí: que o governo do Estado às vezes dá um busto de uma obra e aí eles deram o quê? Um caminhão de cimento! Tem que constar aí que teve a participação deles. Então foi o caso, que constou aí a participação deles... E aí, achamos uma ‘válvula de escape’[...] prá Prefeitura não era caro, ficou barato isso aí, na época era dinheiro normal, nada exorbitante, e aí conseguimos, através de, com a venda desses Almanaques, repassar para as instituições de Patrocínio, as filantrópicas[...] na época foi difícil!

Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

66

O que hoje não seria porque tem muita abertura numa prefeitura[...] tem mais escape, mais... não sei se podia jogar isso aí até como...não sei, talvez na área de educação[...] É mais fácil hoje, tem mais ‘válvula de escape’ prá você lançar de cá ou de lá... antigamente não tinha jeito não, dinheiro até que tinha pois na época a Prefeitura não tinha tanto aperto assim, era mais controladinha, mais equilibrada”.31

Pelas falas, percebemos uma questão política a emperrar a finalização do projeto. A

dificuldade de obtenção de verbas e não autorização para a publicação do Almanaque na

Imprensa Oficial parecem ter sido decorrentes do fato de que partidos diferentes , PDS e

PMDB, eram representados respectivamente pelo prefeitura municipal e governo de Estado.

A negociação, no caso, não foi frutífera! E, neste caso, que peso teria, politicamente

falando, a publicação de um “almanaque histórico” de um município da oposição? Teria

sido esta uma questão colocada por agentes do governo do Estado? Terá faltado

“habilidade política” dos interessados na publicação durante as negociações? De acordo

com os relatos, tal negociação durou meses e havia promessas de publicação por parte de

chefe de gabinete do secretário do Interior e de funcionários da Imprensa Oficial. Esses são

alguns dos meandros da política em que a tomada de decisões envolve burocracia, disputa

de poder, valores.

Por outro lado, não observamos nos relatos dos entrevistados uma fala comum

sobre a questão das verbas e dos custos para a publicação. O primeiro afirma que a

publicação, na época, era cara para os cofres da Prefeitura e, apesar de reiterar que esta

“bancou” a maior parte, sugere uma participação efetiva da Caixa Econômica do Estado de

São Paulo e da Secretaria do Estado. O segundo atribui à Prefeitura a origem das verbas e,

posteriormente, afirma que as outras instituições tiveram uma participação mínima – não

sabemos ao certo o montante – e que o custo para a publicação não foi alto. Havia o

dinheiro, mas não havia verba orçamentária específica para tal publicação: como justificar

que ele seria gasto com o Almanaque? A venda dos exemplares com renda destinada às

entidades assistenciais foi a “válvula de escape”. Faz uma crítica aos créditos concedidos

ao governo do Estado de forma desproporcional à sua efetiva colaboração financeira em

? 31 Entrevistas realizadas com Carlos Alberto Bastos de Matos e Aloísio de Andrade Freitas, respectivamente (ano: 2000).

Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

67

obras realizadas, por exemplo, nos municípios. Aqui, novamente, pensamos nas

homenagens tradicionais em que bustos e placas “fixam” nomes, partidos – poderes! – na

história.

Feita a concorrência, o trabalho finalmente foi publicado em Ribeirão Preto em

uma pequena editora – Editora Legis Summa LTDA. De acordo com Carlos Alberto Bastos

de Matos. “o dono tinha muita boa vontade mas nunca tinha feito um livro, fazia outros

papéis...” e os conhecimentos do outro organizador, Alfredo Henrique Costa, que já tinha

sido dono de jornal e havia publicado livros, foram valiosos. A tiragem foi de dois mil

exemplares.

O lançamento da obra é anunciado em jornal sobre o município,

“ALMANAQUE HISTÓRICO DE PATROCÍNIO PAULISTA

Breve lançamento da obra

Está sendo aguardado com ansiedade pelos patrocinenses o ALMANAQUE HISTÓRICO da cidade, obra em vias de ser lançada em noite de autógrafos.

O trabalho de pesquisa histórica dos principais aspectos de Patrocínio Paulista prolongou-se por vários meses, envolvendo dezenas de pessoas ligadas à cidade.

O livro de mais de 300 páginas, com inúmeras ilustrações, está sendo editado às expensas da Prefeitura Municipal ainda como parte das comemorações do Centenário de emancipação política, e terá sua venda toda destinada às entidades assistenciais patrocinenses”.32

A noite de autógrafos se deu em um clube recreativo local, C.R.A.P.A., com a

presença de considerável público. Posteriormente, houve um lançamento no auditório da

Secretaria de Negócios do Interior, em São Paulo, com a presença de vários colaboradores e

de pessoas moradoras na capital – patrocinenses e suas famílias, no geral – dentre outras.

“... lotou o auditório lá na Secretaria[...] E o danado do Secretário não compareceu! Dentro do local de trabalho dele![...] Eu me lembro que o Chopin saiu, desceu no elevador. Eu vi ele passando: ‘não é possível, podia dar uma

? 32 Anúncio publicado em jornal sobre o município . J.L. Promoções e Publicações S/C LTDA. [s.l.] Edição Especial, agosto de 1986, p.1.

Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

68

chegadinha aqui só prá dar um alô, enriquecer o nosso trabalho...’ Cedeu o prédio, foi muito seco, não ofereceu um refresco sequer! Foi difícil, eu era... nunca fui político partidário, nunca, jamais, mas... nunca briguei contra ninguém mas... eu era contra, na política, eu era de outro partido... Talvez seja por isso que ele... sei lá...”33

Retomando a questão da publicação do Almanaque Histórico de Patrocínio

Paulista, relembramos que, a princípio, se pretendia concretizá-la via Imprensa Oficial do

Estado, mediante autorização da Secretaria de Negócios do Interior. Entretanto, as

negociações foram infrutíferas.

Observamos, durante o desenvolvimento da pesquisa, que a Imprensa Oficial foi

responsável por algumas publicações referentes à memória paulista, inclusive almanaques,

em meados dos anos 80. Já comentamos o texto de Ana Maria de Almeida Camargo em Os

primeiros Almanaques de São Paulo: introdução à edição fac-similar dos almanaques de

1857-1858: publicado em 1983, através de um convênio entre IMESP e DAESP (Imprensa

Oficial e Arquivo do Estado). Em 1985, ano em que se pretendia publicar o almanaque de

Patrocínio Paulista, tivemos a publicação da edição fac-similar do Almanak da Província

de São Paulo para 1873 – co-edição: Secretaria da Cultura e IMESP. Nas páginas de

apresentação da obra, palavras do Secretário de Cultura da época, Jorge da Cunha Lima:

“Ao Estado, como lembro sempre, incumbe garantir a produção espontânea da sociedade, o fazer permanente dos homens. Incumbe ainda, estimular a produção setorial, profissional ou amadora. Incumbe finalmente garantir a preservação da natureza e dos bens culturais[...] A tarefa é gigantesca. Não é apenas do estado – é de toda a sociedade. Mas cabe a nós, que eventualmente ocupamos cargos públicos, uma responsabilidade especial no esforço de preservação da memória nacional [...] O Almanak da Província para 1873, preciosa raridade bibliográfica recriada pelo trabalho da Imprensa Oficial e do Arquivo do Estado, faz parte de um projeto maior, de um empenho conjunto no sentido de resguardar um dos momentos mais fascinantes do passado paulista...”

Audálio Dantas, Superintendente da IMESP, na época, afirma a existência de um programa cultural da IMESP,

? 33 Entrevista com Aloísio de Andrade Freitas. Este se refere ao Secretário do Interior, Chopin Tavares de Lima.

Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

69

“(...) feito em sua maior parte dentro do Convênio mantido com a Secretaria de Cultura e o Arquivo do Estado [...] A antiga tradição da IMESP de participar da vida cultural de São Paulo continuará, mais firme nestes dois próximos anos, até porque, no reerguimento da democracia brasileira, que começa agora, encontramos todo um valioso patrimônio a ser recuperado e certamente rediscutido. São velhos jornais, livros e documentos que escaparam à destruição, mas que permanecem escondidos nos arquivos ou em bibliotecas estrangeiras. Trazê-los de volta à luz é um dever inadiável do governo democrático, tenho certeza”.34

Nota-se a articulação, já na época, entre a Secretaria de Cultura e a Imprensa Oficial

no que tange ao desenvolvimento de programas culturais. Teriam sido mais frutíferos os

contatos dos patrocinenses com tal Secretaria?

Outra questão que merece atenção é a da “recuperação do patrimônio” no contexto

do “reerguimento da democracia”. Ou seja, a abertura política e o fim do regime militar

inauguram um outro momento na história do país, conforme vivenciado e explicitado por

Audálio Dantas, em 1985.

É neste contexto político nacional que Patrocínio Paulista comemora seu 1º

Centenário de emancipação política e tal articulação aparece no discurso do presidente da

Câmara Municipal, Daví Faleiros, em sessão solene:

“... Dentro de alguns dias, iniciar-se-á uma nova era para a vida política do Brasil, com a posse do Presidente Tancredo Neves, cuja investidura resgatará o poder político para os civis e para a democracia. Pois bem: estamos certos de que a comemoração deste Centenário corre sob as auras da nova madrugada democrática que raia para o Brasil. Em face disso, creio que todos nós, povo e governo de Patrocínio Paulista, devemos erguer nossas preces a Deus para que nos conserve sempre dignos do passado de nossa gente, e preserve em nosso coração não apenas o amor a esta comunidade, mas também o amor para com São Paulo e para com o Brasil, que queremos sempre forte, generoso e grande. Tenho dito!” 35

? 34 Almanak da Província de São Paulo para 1873 (organizado e publicado por Antonio Jose Baptista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca). Edicção fac-similar. São Paulo, SP: Co-edição Secretaria da Cutura/IMESP, 1985.

? 35 Câmara Municipal de Patrocínio Paulista, S.P. Ata da 1ª Sessão Solene desta Câmara Municipal, realizada aos 10 de março de 1985, comemorativa do 1º Centenário de Patrocínio Paulista., folha 16.

Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

70

2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário

Segundo RAYNAUD,

“Comemoração é a cerimônia destinada a trazer de volta a lembrança de uma pessoa ou de um evento... é um espaço para perpetuar a lembrança e indica a idéia de uma ligação entre os homens, fundada sobre a memória”.36

Em outro registro, ARRUDA afirma:

“As comemorações são manifestações vivas da história. Mas são também dimensões explícitas do lembrar e do esquecer – portanto, da memória. Há momentos históricos de forte exaltação do sentimento comemoracionista”.37

Memória e história em íntima relação com o ato de comemorar, conforme as

definições dos autores. Memória e história também presentes na definição do Presidente da

Câmara Municipal, quando da comemoração do Centenário (sessão solene, 10 de

março/1985):

“(...) esta comemoração evoca as batalhas de nossos antepassados na construção desta cidade, desde os primórdios da Vila colocada sob a égide de Nossa Senhora do Sapucaí. Mas é também um estímulo a todos quantos têm a responsabilidade de mantê-la unida, próspera e feliz”

A evocação das realizações, dos grandes feitos dos antepassados, se dá pelo trabalho

da memória – esta, acionada em função do ritual comemorativo. Por sua vez, a

comemoração tem um duplo papel, pois, ao trazer à tona os frutos desta rememoração –

processo marcado pela seletividade – alimenta a própria história. A história, que se

constitui e se oficializa fundada nos rituais memorialísticos, adquire, nas comemorações, a

função de manter o vínculo – de extrema linearidade – entre o passado, presente e futuro de

um povo.

? 36 RAYNAUD, P. La comemoratión: ilusion ou artifice? Le Debat, nº 78, jan-fev. 1994, p.104-6. Apud FERREIRA, Marieta de M. História Oral, Comemorações e Ética. PROJETO HISTÓRIA : Revista de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História- PUC-SP, São Paulo, n.15 (Ética e História Oral), p.157-164, abril, 1997.

? 37 ARRUDA, José Jobson de A. O Trágico 5º Centenário do Descobrimento do Brasil: Comemorar, Celebrar, Refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999,p.43.

Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

71

As comemorações fazem parte da história humana há muito tempo, mas, de acordo

com ARRUDA (1999:p.8-9),

“(...) foi no final de século XVIII que emergiu a forma moderna de comemoração, e a criação de um novo calendário civil pela Revolução Francesa é seu marco emblemático. Significa o nascimento das comemorações laicizadas, essencialmente diferenciadas em relação às comemorações católicas, mas fundamentadas em seus rituais. As festas cívicas inauguradas pela Revolução Francesa, muito particularmente o culto da humanidade, traduzido na idéia de ‘grande homem’, foram incorporadas por Auguste Comte, reelaboradas e sistematizadas, de modo a criar um arquétipo comemoracionista capaz de fundar um novo calendário de festas cívicas, uma nova hagiografia; em suma, uma renovada construção da memória nacional. Exatamente neste espaço, abria-se um vasto campo de ação para a história entendida em sua dimensão utilitária (...)”

Para o autor, esta dimensão utilitária da história diz respeito, dentre outras, à

evocação ritualizada do passado a partir dos interesses do presente .

HOBSBAWM, ao tratar da invenção das tradições, notadamente no período de

1870 a 1914, situa a invenção das cerimônias públicas. Dentre elas, o Dia da Bastilha,

criado em 1880 pela Terceira República Francesa, adquire especial relevo – “manifestações

oficiais e não-oficiais e festividades populares” compunham a comemoração. Sobre os

aniversários, afirma que, de acordo com o “New English Dictionary”,

“(...) não há indícios anteriores ao século XIX de que os centenários, um ou vários,

e muito menos os aniversários de menos de cinqüenta anos fossem ocasião de

comemoração pública.”38

Este historiador foi responsável pela criação do termo “tradição inventada” ( 1984:

p.9-10).

“O termo ‘tradição inventada’ é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as ‘tradições’ realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgem de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado no tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita e abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual e simbólica, visam inculcar certos valores e normas de

? 38 HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence. (org.) A Invenção das Tradições. Tradução: Celina C. Cavalcanti. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.279,289 ( grifo nosso).

Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

72

comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer uma continuidade com um passado histórico apropriado [...] elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória. É o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira imutável e invariável ao menos em alguns aspectos da vida social que torna a ‘invenção da tradição’ um assunto tão interessante para os estudiosos da história contemporânea”.

Em relação à continuidade com o passado, o autor afirma não ser necessário

inventar tradições, quando “os velhos usos ainda se conservam”. Atribui à ideologia liberal

de transformação social, no século XIX, o rompimento com a tradição e esta, ao deixar de

“fornecer os vínculos sociais e hierárquicos aceitos nas gerações precedentes”, gerou

“vácuos que puderam ser preenchidos com tradições inventadas”. No entanto, os

movimentos que defendem a restauração das tradições – “sejam eles ‘tradicionalistas’ ou

não” – são indicativos de que a continuidade histórica se rompeu. Atento ao fato de que, em

diversas sociedades, o passado “torna-se cada vez menos importante como modelo ou

precedente para a maioria das formas de comportamento humano”, as tradições inventadas

do século XIX e XX tendem a ocupar “um espaço muito menor nas vidas particulares da

maioria das pessoas e nas vidas autônomas de pequenos grupos subculturais do que as

velhas tradições ocupam na vida das sociedades agrárias, por exemplo”.

Outro aspecto de sua análise que merece ser ressaltado aqui diz respeito à vida

pública dos cidadãos ( 1984: p.20):

“ Aliás, a maioria das ocasiões em que as pessoas tomam consciência da cidadania como tal permanecem associadas a símbolos e práticas semi-rituais (por exemplo, as eleições), que em sua maior parte são historicamente originais e livremente inventadas: bandeiras, imagens, cerimônias e músicas.”

Neste ponto, acreditamos que, articulado estritamente a tais símbolos e práticas

ritualísticas, o exercício da cidadania não se constitui no sentido de uma participação

política e social mais ampla do cidadão. Estes símbolos e práticas proporcionam o sentido

de identificação dos homens com sua cidade, sua nação etc. No entanto, a compreensão e o

exercício da cidadania se dão através da complementaridade entre identidade e alteridade;

Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

73

se a identificação, através dos símbolos, trata do “mesmo”, outras práticas – além das

comentadas – devem garantir o reconhecimento da dimensão do “outro”.

Ao historiador, o estudo das tradições inventadas, de acordo com HOBSBAWM,

pode proporcionar o estudo de problemas “que de outra forma poderiam não ser detectados

nem localizados no tempo”; ele contribui para o entendimento das relações humanas com o

passado e para o entendimento do próprio ofício do historiador, já que este profissional

contribui, “conscientemente ou não, para a criação, demolição e reestruturação de

imagens do passado que pertencem não só ao mundo da investigação especializada, mas

também à esfera pública onde o homem atua como ser político”.39

Portanto, tratar das comemorações significa entrar em um campo marcado por

cerimônias oficiais e não-oficiais; por busca de legitimidades políticas e definição de

identidades; por relações humanas com o passado em que memória e história são

instrumentalizadas para atender a objetivos do presente. Neste sentido, ao abordar a

produção do Almanaque Histórico de Patrocínio deve-se considerar o contexto histórico no

qual ele foi produzido, ou seja, sua vinculação com as atividades comemorativas do 1º

Centenário de emancipação política do município. Em que medida o clima de

comemoração influiu na mobilização de parte da sociedade local em torno do projeto?

De acordo com Carlos Alberto Bastos de Matos, um dos organizadores do

Almanaque, o projeto de escrever a história do local surgiu em decorrência da

comemoração do centenário. É possível afirmar que o “clima comemoracionista” influiu

? 39 HOBSBAWM. E. RANGER, T. OP. cit. p.20 et seq. Em contraposição a Hobsbawm, o historiador Peter Burke questiona o termo “invenção da tradição”, centrando suas críticas basicamente em dois pontos: primeiramente, Hobsbawm, mesmo não sendo um romântico, “(...)opera com um conceito de tradição ‘genuína’ ou ‘autêntica’ que diferencia das inventadas no final do século 19 (...) No final do século 19, certas tradições, como o Dia da Bastilha, eram evidentemente novas, mas tradições mais antigas também parecem ter sido inventadas em sua época, talvez no século 18 ou 17(...) Em contraste com Hobsbawm, os autores mais recentes de livros sobre ‘invenção’ fazem pouca ou nenhuma referência à autenticidade, implicando que todas as formas culturais são invenções ” ; em segundo lugar, “(...) ninguém, mesmo no meio de uma revolução cultural, existe em um vácuo cultural (...) as pessoas estão sempre cercadas de tradições e, mesmo quando decidem abolir uma, têm de aceitar outras, pelo menos provisoriamente (...)”. Ao invés de “invenção das tradições”, Burke acha que poderia ser melhor falar em “ reconstrução das tradições”, pois “o que ocorre não é tanto a criação a partir do nada quanto uma tentativa de bricolagem, de dar novos usos a materiais antigos (...)” . Esta questão, evidentemente, merece maiores reflexões, sendo aqui somente apontada. BURKE, PETER. Bricolagem de Tradições. Folha de São Paulo São Paulo, 18 de março de 2001. Mais! p.10-11.

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

74

positivamente no que diz respeito à participação de pessoas da localidade para a realização

do Almanaque, mas, neste ponto, devemos considerar também a força das relações pessoais

nesta mobilização, ou seja, não estamos tratando somente de uma mobilização espontânea

de parte da sociedade local, mas de uma participação estimulada e, em certos casos,

condicionada aos apelos, seja dos organizadores, seja de componentes do grupo de

trabalho. Nosso entrevistado afirmou, conforme vimos anteriormente, que a sua condição

de juiz local facilitou a mobilização do grupo de trabalho e o acesso às fontes. Os outros

entrevistados, cada um à sua maneira, fazem referências à figura do “Doutor Carlos”,

quando se referem ao Almanaque. O apoio oficial ao projeto, tendo em vista o

envolvimento do prefeito da época, é um fator a ser considerado em nossa análise. Em

suma, as comemorações facilitam a mobilização das pessoas, à medida que proporcionam

a busca de identificação das mesmas com o que se comemora – no caso, a cidade e sua

história.

Um ofício circular de novembro de 1984, assinado pelo prefeito da época e

endereçado à Câmara Municipal, explicita outra dimensão dos atos comemorativos, qual

seja, a propaganda da localidade – e do evento a ser comemorado – através do selo

comemorativo:

“Junto ao presente, estamos encaminhando graciosamente certa quantidade de selos adesivos do Centenário de Patrocínio Paulista, solicitando a prestimosa colaboração para maior divulgação colocando-os na correspondência expedida por Vossa Senhoria, quer na parte interna e externa (...)”40

De acordo com HOBSBAWM (1984: p.289), “O valor publicitário dos aniversários

é nitidamente demonstrado pelo fato de que eles freqüentemente ofereceram oportunidade

para a primeira emissão de estampas históricas ou semelhantes em selos postais (...)”.No

caso de Patrocínio Paulista, não se elegeu um “vulto”, uma “personalidade histórica” – e

nem mesmo uma construção, um monumento, uma paisagem local – como imagem

iconográfica usada no selo comemorativo. Sobre uma composição gráfica ao fundo, o nome

? 40 Câmara Municipal de Patrocínio Paulista, ofícios recebidos e arquivados, caixa referente ao ano de 1984, folha 17.

Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

75

do município e os cem anos decorridos dão destaque à administração de Aloísio de

Andrade Freitas:

A título de comparação, vejamos o caso do IV Centenário da cidade paulista de

Santo André (1553-1953): um concurso de desenhos foi instituído pela Câmara Municipal

para a confecção do selo comemorativo. A imagem do fundador, João Ramalho, foi a

escolhida. O mito fundador, reafirmado, colabora para com o sentido de continuidade

histórica em relação ao passado.41

Para LE GOFF (1996:p.464), assim como os selos, moedas e medalhas podem ser

considerados “instrumentos de suporte” apropriados pela comemoração. Na sessão solene

comemorativa do centenário de Patrocínio Paulista, um destes “instrumentos de suporte”

foi utilizado na homenagem prestada aos ex-prefeitos do município:

“(...) Para externar a estes HOMENS o nosso sentimento de gratidão e apreço, ocasião alguma seria melhor que esta em que se comemora o centenário de emancipação política, desta AMADA TERRA. Como os demais Municípios

? 41 GAIARSA, O. OCTAVIANO A cidade que dormiu três séculos: Santo André da Borda do Campo, seus primórdios e sua evolução histórica ( 1553-1960). Santo André, SP, Tipografia Bandeirante, Ltda, 1968. Este trabalho foi premiado pela municipalidade, em concurso instituído em 1960, sendo impresso sob os auspícios da Pref. Municipal.

Page 83: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

76

Brasileiros, nossas arcas estão vazias a espera de uma famigerada reforma tributária, tantas vezes prometida. Nem por esta razão entretanto, deixaríamos de nessa oportunidade externar de forma muito amiga, embora simbólica, nossa gratidão, motivo pelo qual, em nome do POVO PATROCINENSE, ofereceremos como marca deste nosso sentimento, um exemplar da medalha comemorativa do centenário da cidade.”42

O aniversário de emancipação política do local é data comemorativa e, ao mesmo

tempo, emblemática: possibilita aos homens do presente o estabelecimento de elos com o

passado – ou certa memória do passado – através das homenagens. Externar a gratidão a

chefes políticos de variados momentos da história local é também uma forma de garantir a

continuidade histórica na qual o passado é invocado em função dos interesses do presente.

A entrega de medalha comemorativa representa uma ação da administração pública em

função da memória que se quer preservar; representa a materialização de um elo entre o

homenageado e o povo. A evocação do povo confere legitimidade ao próprio ato da

homenagem. A homenagem prestada, por sua vez, torna-se “fato”.

Não encontramos, no arquivo da Prefeitura Municipal, a programação oficial dos

festejos do Centenário. Um folheto de prestação de contas da administração de Aloísio de

Andrade Freitas (1983-1988) menciona o Centenário, relacionando a produção do

Almanaque a outras comemorações programadas na época. Nele, podemos ler:

“ ATRAVESSAMOS O SÉCULO! A passagem da feliz data de cem anos de vida independente serviu para registro da memória patrocinense, até então desprovida de trabalhos históricos publicados. Numa experiência pioneira em todo o Brasil, a própria comunidade – a oitenta e quatro mãos – escreveu sua história. Nasceu daí o “ALMANAQUE HISTÓRICO DE PATROCÍNIO PAULISTA”, obra de mais de 300 páginas prefaciada pelo governador do Estado Prof. André Franco Montoro e editada sob os auspícios da Prefeitura Municipal, que cedeu sua venda, inteiramente, às entidades beneficentes da cidade. A par disso, várias outras comemorações programadas também pela Municipalidade festejaram o 1º centenário: depois da alvorada, majestoso desfile foi realizado na manhã de 10 de março de 1985; à tarde, em histórica sessão solene da Câmara dos Vereadores, prestou-se homenagem a todos os antigos Prefeitos; no correr de vários dias, no estádio municipal transformado em recinto de festas, houve shows populares a meio

? 42 Discurso de Aloisio de Andrade Freitas, Ata da 1ª sessão solene da Câmara Municipal, realizada aos 10 de março de 1985, folha 17.

Page 84: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

77

de parque de diversões; e nas vias públicas patrocinenses foram recolocadas, ao lado das atuais, as placas com suas primitivas denominações”.43

Seria o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista uma experiência pioneira,

conforme o escrito acima? Em quais termos poderíamos considerar este pioneirismo?

Podemos dizer que já se constitui uma “tradição” escrever e publicar obras em função das

comemorações e até que ponto a produção histórica com caráter de participação

comunitária em Patrocínio Paulista indica atitude pioneira no Brasil, até os idos de 1986?.44

Se há pioneirismo na obra de Patrocínio Paulista, este diz respeito ao fato dela conjugar

quatro fatores: a comemoração do centenário da localidade, o formato de Almanaque –

neste caso, chamado de “histórico” – o apoio financeiro da Prefeitura Municipal e a

participação de parte da população, seja direta e indiretamente, no projeto. Reiterando, a

conjugação dos fatores pode conferir pioneirismo à obra, o que não ocorre se

considerarmos os fatores em separado – tanto é que em nosso levantamento bibliográfico

não encontramos outra obra que concentre tais características.45

Em relação à programação dos festejos, observa-se que cerimônias oficiais e

atividades de maior participação popular compuseram o calendário dos festejos.

Rememorar, comemorar, divertir, participar, homenagear, festejar! O que marcou na

memória do povo patrocinense? Como estes festejos são lembrados pelos moradores?

? 43 Folheto de prestação de contas da administração de Aloísio de Andrade Freitas ( 1983-1988), [s.n.t.].

? 44 Estamos de acordo com SAMUEL sobre o caráter “problemático” da noção de comunidade que: “Na história urbana, é pouco mais do que uma ficção conveniente, que só pode ser preservada ao concentrar-se nos eventos cívicos e municipais. Na zona rural, ela freqüentemente leva a uma suposição não justificada de equilíbrio (...)”. Ou seja, mais do que pressupor a existência de equilíbrio, deve-se buscar os diferentes interesses e conflitos no interior desta comunidade. SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In Revista Brasileira de História. São Paulo,, ANPUH/ Marco Zero, vol.9, nº19, p.219-243, set. de 1989/fev. de 1990.

? 45 Mesmo a denominação de Almanaque “Histórico” não indica, neste caso, nenhum pioneirismo. Como exemplo, cito o Almanaque Histórico da Franca. Obra de compilação histórica do Município em seus variados aspectos. Franca S.P. [s.n], 1943. Os seus organizadores são: NASCIMENTO, Hygino A. do, MOREIRA, Eufrausino. Dos vários almanaques consultados durante a pesquisa, este é o que mais se aproxima do de Patrocínio Paulista em termos de temática tratada e de participação de diversos colaboradores.

Page 85: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

78

Imagens fotográficas do “majestoso desfile” da manhã de 10 de março, encontradas

no arquivo da Câmara Municipal, podem acionar a memória de quem vivenciou aquele

momento da cidade em festa, no qual o passado e presente eram representados nos carros

alegóricos.( vide reprodução fotográfica na p.79).

A seleção de temas a serem representados durante o desfile recortava e moldava a

história a ser narrada. O desfile, enquanto prática ritualizada, contribuía para a organização

da memória oficial da localidade. As dimensões teatral, cívica e comunitária deste “desfile”

se entrecruzam e deixam perceptíveis possibilidades de futuros estudos mais aprofundados

sobre o assunto – aqui, brevemente comentado.

Apesar de não mencionados no folheto de prestação de contas da administração, no

período de 1983-1988, serenata e inauguração de um monumento fizeram parte da

comemoração do Centenário, conforme outros registros:

“Muito obrigado, preciso dizer a este extraordinário amigo e ex-Prefeito Leonardo Faleiros do Nascimento, pela maravilhosa e inesquecível seresta com que brindou o povo Patrocinense”46

Em outro registro fotográfico encontrado no arquivo da Câmara Municipal,

observamos a inauguração do monumento erigido em homenagem ao Garimpeiro. A figura

do garimpeiro alude ao início do povoamento local – à fundação! ( vide p.80)

? 46 Discurso de Aloisio de Andrade Freitas, Ata da 1ª sessão solene da Câmara Municipal, realizada aos 10 de março de 1985, folha 18.

Page 86: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

79

Desfile comemorativo do 1º Centenário de emancipação política de Patrocínio Paulista.( 10/03/1985)

Selma Teodoro Furtado – “Rainha do Centenário”. Fotógrafo não identificado.

(Álbum fotográfico do acervo da Câmara Municipal de Patrocínio Paulista).

Page 87: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

80

Inauguração de monumento em homenagem ao Garimpeiro, março de 1985. Fotógrafo não

identificado. (Álbum fotográfico do acervo da Câmara Municipal de Patrocínio Paulista).

Page 88: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

81

Na definição de um dos colaboradores do Almanaque, José Geraldo de Andrade –

Senhor Juca – o garimpeiro é

“ (...) cidadão de todas as terras, nômade por natureza e pelas circunstâncias. Herói anônimo, fundador de ‘currutelas’ (...) que se transformaram em cidades (...) o garimpeiro antes de tudo é um sonhador e um forte (...) Geralmente místico e sobretudo supersticioso, o garimpeiro acredita em sonhos, tanto positivos como negativos, com relação à sorte ou azar para encontrar diamantes. Movido por uma força interior, executa trabalhos que superam a capacidade de um homem comum (...) Deles podemos dizer que são outros Fernão Dias Paes e Anhanguera e trazem dentro de si a chama que alimenta o arrojo, a coragem, a intrepidez e a determinação dos bandeirantes, de ontem e de hoje, rompendo fronteiras, suportando toda a sorte de agruras, no afã de descobrir novos mundos, coisas novas, que dormiam e dormem o sono secular dos tempos.”47

Observa-se uma visão romantizada do garimpeiro tal como a do bandeirante: heróis,

destemidos, desbravadores – sonhadores, por quê não? Garimpeiros... “bandeirantes, de

ontem e de hoje”: imagem reafirmada com a ereção do monumento, alimentando assim o

mito fundador.48

Neste sentido, para ABUD,

“A mitologia bandeirante compõe uma parte essencial da memória coletiva paulista (...) A imagem do Bandeirante representa por excelência a entidade paulista que se tornou símbolo de bravura, arrojo, integridade, progresso, superioridade racial e, até mesmo democracia. Essa imagem foi construída por historiadores, que produziram um conhecimento que fundamentou a crônica popular e que faz parte de nossa memória coletiva (...) O bandeirante mantém até hoje sua força como símbolo paulista, por excelência. Continua sendo bandeirante todo aquele que trabalha pela grandeza de São Paulo, independente de origem nacional, de etnia ou grupo cultural, sem distinção de classe. O símbolo incorporou os desígnios do promissor (sempre promissor) futuro paulista, mostrando-se digno

? 47 ANDRADE, J. G. de “ ... Nosso chão tem mais brilhantes”. Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista , p.170,171. O autor afirma que fala do garimpeiro “com conhecimento de causa, pois fomos garimpeiro e trabalhamos com quase uma centena deles”

? 48 Para CHAUÍ, Marilena, mito fundador é “aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo”. In Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p.9(Coleção História do povo brasileiro)

Page 89: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

82

dos seus ancestrais, vindos nas caravelas de Martim Afonso e depois, andarilho dos sertões brasileiros”.49

Para a autora, ao penetrarem na consciência coletiva tais imagens constituem, por

sua vez, “grande parte do imaginário paulista”, fornecendo a todos “a mesma identidade”

e promovendo “uma forma de apreensão da História”.

O Almanaque, materialização do conhecimento histórico produzido sobre Patrocínio

Paulista, legitima as comemorações do centenário, pois o passado relembrado e

instrumentalizado confere sentidos aos festejos comemorativos no presente. As memórias

locais, selecionadas e organizadas por meio de um registro escrito, remetem a um passado,

recortado, que veio à tona naquele momento histórico. Assim, podemos afirmar que a

produção do Almanaque foi movida pelo clima comemoracionista, dentre outros motivos,

porque o legitimava. A memória histórica registrada, por sua vez, cria, afirma e reafirma

visões sobre o passado local, pois as comemorações são acontecimentos propícios às

reflexões nas quais a história é objeto de interpretações e representações. Neste caso, uma

das facetas desta configuração diz respeito a publicações que são geradas a partir do “ ato

de comemorar”.

O levantamento bibliográfico indicou-nos que variadas obras consideradas

“históricas” sobre municípios brasileiros nasceram nestes contextos comemorativos. Dentre

elas, se afigura a variedade de publicações decorrentes das comemorações do IV

Centenário da cidade de São Paulo, em 1954.50

? 49 ABUD, Kátia M. São Paulo e a construção da identidade nacional. In: FERREIRA, Antonio C, LUCA, Tania R, IOKOI, Zilda G(org.) Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 71et seq.

? 50Algumas obras editadas em função do IV Centenário de São Paulo: CORTESÃO, Jaime. A Fundação da Cidade de São Paulo, capital geográfica do Brasil. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955 (o autor afirma ter escrito a obra em função das referidas comemorações, quando teve também o encargo de organizar a Exposição Histórica de São Paulo); BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1953. (Os editores dizem que a obra é uma contribuição aos festejos, quando sugeriram ao autor “uma biografia completa da cidade”). Vale mencionar a reedição, em função do IV Centenário: MARQUES, Azevedo. Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo (a 1ª edição é de 1879). A influência de tais comemorações ressoa em um município próximo a São Paulo – no caso, Campinas. Aproveitando o foco centrado nesta região do país, o então vereador, Edmo Goulart, escreve o

Page 90: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

83

ARRUDA (1999: p.11 et seq) aponta a “retórica vazia, exibicionismo balofo,

pseudo-realizações”, como sendo os “males atávicos das comemorações”. Por outro lado,

afirma que a utilidade dos centenários está em propiciar o estudo de problemas e a busca de

soluções. Em suma, a reflexão, a leitura crítica do próprio evento comemorado. Destaca a

questão do valor documental ao se referir às publicações, à constituição de acervos

documentais “que dêem às futuras gerações a oportunidade de reavaliar crítica e

cientificamente nosso passado”. No caso de Patrocínio Paulista, a comemoração do

Centenário – “lugar simbólico da memória coletiva”, para NORA – mereceria uma

abordagem mais ampla no sentido de discussão não só dos consensos produzidos por meio

dela, mas também dos possíveis conflitos e tensões que lhes são inerentes.

Enquanto produção do conhecimento histórico local, o Almanaque Histórico

possibilita a reflexão sobre as fontes utilizadas pelos colaboradores-pesquisadores na

elaboração de suas pesquisas; sobre as visões de história e imagens da cidade que

perpassam seus textos; sobre a recepção e circulação desta publicação atualmente, tendo em

vista o público escolar. São estas algumas das trilhas sugeridas por este Almanaque, nas

quais Memória, História e Educação se conjugam.

2.3 Anos depois: leituras do Almanaque

O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista apresenta alguns tipos de textos

que, a grosso modo, poderiam ser agrupados e subdivididos, tendo em vista certas

características mais ou menos comuns entre eles. Assim sendo, a classificação dos textos a

partir destes elementos em comum já pressupõe certa leitura dos mesmos. As condições de

livreto Campinas no ano do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo: “O objetivo dêste livreto é divulgar a grandeza e progresso da terra campineira àqueles que a visitarão durante as festividades do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo . O Autor ”. Uma abordagem interessante sobre o IV Centenário é a de LOFEGO, Silvio L. 1954 - A cidade aniversariante e a memória coletiva: o IV Centenário da cidade de São Paulo. PROJETO HISTÓRIA: Revista de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História- PUC-SP, São Paulo, n.20 (Sentidos da Comemoração), p.301-314, abril, 2000.

Page 91: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

84

produção do Almanaque toca em questões, tais como o trabalho com as fontes e a relação

do autor com o tema pesquisado nesta escritura da história. Por sua vez, na obra

produzida, estão implícitas e/ou explícitas certas visões de história e de cidade. Através das

leituras que fazemos do Almanaque, estas questões vão, ao mesmo tempo, se impondo.

Sobre isso, deter- nos- emos, a seguir, sem a pretensão de esgotar o assunto.

1- TEXTOS SOBRE O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DO

TERRITÓRIO: do povoamento inicial do arraial de Santa Bárbara das Macaúbas à criação

da Vila de Patrocínio do Sapucaí.

1.a Apontamentos Historico-Geographicos sobre Patrocínio do Sapucahy , do

Padre Heriberto Antonio Goettersdorfer.

É o texto que abre o Almanaque e sobre o autor os organizadores escrevem, em nota

de rodapé,

“Austríaco, ordenado em Viena, o autor foi vigário da paróquia de 1º de janeiro de 1905 até janeiro de 1908. Admirável historiador, já antes de findar o primeiro ano de sua estada na cidade (i.e., em 10/12/1905), lançou no Livro Tombo da Igreja Matriz estes minuciosos ‘Apontamentos’, primeiro trabalho sobre a história patrocinense. Os organizadores deste Almanaque tão só atualizaram a ortografia, mas mantiveram a pontuação do original (...)”51

Um padre interessado em conhecer o local e registrar as informações. Etimologia do

nome “Sapucahy”, posição geográfica, hidrografia, orografia, divisas, população,

desenvolvimento histórico da comarca, fazendas mais antigas, fundação da paróquia, Igreja

Matriz, capelas e cemitérios, vigários, coadjutores, fabriqueiros, irmandades e da igreja,

outras notícias da época etc. – nada parece escapar a este “historiador” que, antes de

qualquer academicismo, lembra mais o viajante curioso que, em terras novas, se põe a

perscrutar o até então desconhecido. Por exemplo, no entender de nosso entrevistado,

Carlos Alberto Bastos de Matos:

“(...) ele ia fazendo medições diárias de temperatura – e aí, quando ele fala do clima: ‘o máximo de temperatura durante todo o ano é de ...’ – e deixou em branco – ‘...graus, e o mínimo de... e a média de...’ – e espaço em branco – ‘...graus’.

? 51 Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista , p.10.

Page 92: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

85

Deixou aquela medição que ele tinha feito – que não seria confiável porque era um ano só e poderia ser um ano atípico – então ele deixou pra colocar depois de uma medição de alguns anos (...)”

Além do caráter experimental de suas investigações, tais apontamentos consistem

em estudos a partir de documentos escritos e relatos de moradores locais. Por exemplo,

para falar da fundação da paróquia local, aborda, primeiramente, a paróquia de Franca,

apoiado em dados extraídos do “Almanach Francano para 1901, por M. Franco”.52 Esta

obra, consultada pelo padre Heriberto Goettersdorfer, se assemelha aos almanaques de

Campinas, das últimas décadas do século XIX, analisados por GALZERANI. Em linhas

gerais, o “Almanack Francano” apresenta: calendário, parte literária, informes e dados

administrativos, histórico de Franca, informações úteis, listagem de profissionais e de

proprietários de imóveis, algumas biografias de personalidades locais e anúncios

comerciais. Dentre as personalidades retratadas no almanack, o Coronel Estevam

Marcolino de Figueiredo aparece com especial destaque, tendo em vista a sua atuação

política a começar do local onde nasceu, a Vila de N. S. do Patrocínio do Sapucahy – futura

Patrocínio Paulista – além da vizinha Franca e região.

Para um recém-chegado na região, o “Almanack de Franca” poderia servir de guia,

de fonte de consulta. Por meio dele, divulgava-se uma visão elitista de sociedade na qual as

personalidades – na época, principalmente os fazendeiros – adquiriam especial relevo. No

caso, é através do destaque conferido a um chefe político conservador que Patrocínio do

Sapucahy aparece para o leitor, inclusive para padre Heriberto. Este, na explicitação das

fontes utilizadas para os seus “apontamentos”, afirma (1986:p.20)

“Estas notícias até aqui, tenho-as colhido de diversos moradores velhos deste lugar. O que segue daqui para diante tem melhor cunho de certeza porque se baseia, pela maior parte, nos documentos que oportunamente serão citados”.

? 52 FRANCO, M. ( org.) Almanack da Franca para 1902. São Paulo: TYP. DUPRAT & COMP. , 1901 (cópia de publicação). 239p. Nota-se a diferença de data e de grafia, do original para o escrito no Almanaque de P. Paulista: 1902 e não 1901, almanack e não almanach. Na capa consta o conteúdo deste almanack: “ Contendo varias e uteis informações principalmente sobre o Municipio e Cidade da FRANCA. Alguns retratos, biografias, etc.” Este foi o primeiro almanaque de Franca. Além dele, o levantamento bibliográfico indicou-nos quatro outros elaborados para os seguintes anos: 1912, 1913, 1914 (organizados por Vital Palma) e 1943 (organizado por Hygino Andrade do Nascimento e Eufrausino Moreira).

Page 93: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

86

Sua investigação apoia-se nos relatos orais dos mais velhos. No entanto, para ele,

este tipo de fonte não traz toda a “veracidade” que consta, por sua vez, nos documentos

escritos. Nesta visão, o documento escrito contém a segurança da verdade definitiva; não se

indaga sobre as maneiras pelas quais esta verdade é elaborada, e nem sobre a sua validade.

Além do referido “Almanack da Franca”, são citados o Livro Tombo nº1 e o livro de

receita e despesa, ambos da paróquia de Patrocínio do Sapucahy. É citada como de valiosa

importância a colaboração do chefe da repartição de Estatística e Arquivo de São Paulo no

que se refere ao esclarecimento do vocábulo “sapucahya”, à disponibilização de mapa sobre

as divisas do município e sobre o quantum da população local nas últimas décadas do

século XIX. Neste último caso, as cartas trocadas entre os dois é o meio de acesso a outros

documentos e informações.

Grande parte de seus “apontamentos” é dedicada aos assuntos relacionados à vida

religiosa no município, sugerindo ao leitor percepções de uma vida social intimamente

relacionada às influências do catolicismo. Podemos apreender, por meio dos dados que

poderiam, de forma apressada, tão somente serem considerados “informativos”, certos

práticas sociais da época. Vale destacar a sua relação das “fazendas mais antigas”: das oito,

apenas sete apresentam uma data de fundação “definida”; nas restantes, aparecem as datas

e, posteriormente, a indicação “(?)”. Este assunto gera controvérsias até hoje no município

e, posteriormente, voltaremos a comentá-lo.

Tais “apontamentos” sobre o município no final do século XIX e início do século

XX constam no Livro Tombo, o qual foi “redescoberto” e valorizado enquanto fonte de

pesquisa durante a elaboração do Almanaque, a partir de 1984.

1b- Dispersão do Arraial de Santa Bárbara das Macaúbas

Elaborado por Palmira Luiza Novato Falleiros, historiadora patrocinense, baseia-se

na documentação escrita, explicitada a seguir. Primeiramente, a carta de sesmaria da gleba

e a descrição da região pelo viajante D’Alincourt, por volta de 1818, quando, segundo a

autora, nenhuma menção sobre garimpeiros é feita quando o viajante cruza o solo

Page 94: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

87

patrocinense – o que levanta a hipótese do povoamento local ter acontecido a partir dos

anos 20 do século XIX, e não anteriormente.

Na seqüência, comenta sobre os conflitos entre garimpeiros e fazendeiros, citando

petições de fazendeiros ao governo provincial para a expulsão dos garimpeiros do local. A

seguir, aponta o processo localizado no cartório do 1º Ofício durante a elaboração do

Almanaque – “Summário Crime a ex officio contra os garimpeiros de Santa Bárbara e

Sapucay” – que contém a relação, elaborada por oficial de justiça, dos garimpeiros

encontrados nas margens dos dois rios (1996: p.69): “(...) os homens identificados pelo zelo

do oficial de Justiça podem ser tidos como os primeiros moradores daqui”. Ou seja,

hipoteticamente, poderiam ser os homens que posteriormente se instalaram nas terras onde

hoje se localiza a cidade. Cita a escritura de doação de terras à Nossa Senhora do

Patrocínio, produto de uma subscrição pública, a partir da qual se originou a freguesia.

Nota-se que a autora foi criteriosa ao apontar os documentos pesquisados,

fornecendo ao leitor todas as referências bibliográficas necessárias e, ao optar pela

transcrição de alguns trechos dos mesmos – e não a transcrição na íntegra – deu-se certa

fluência ao texto que, de forma mais breve e sem perder a qualidade, trata desde o

surgimento do povoado até a instalação da vila.

1c- A Emancipação Política ou “O despregar do rubi do aurifulgente diadema

francano”

A cargo dos organizadores, se refere à emancipação política e basicamente é a

transcrição do discurso do Presidente da Câmara de Franca, por ocasião da instalação da

Vila de Patrocínio do Sapucaí – documento único que, de acordo com os organizadores, foi

transcrito no “Livro de Tombo dos Fatos Notáveis”, “até hoje guardado nos arquivos da

Municipalidade”. Um pequeno trecho do documento:

“(...) é certo senhores, que do aurifulgente diadema que inflorava a testa altiva de nossa princesa sertaneja, despregou-se um dos mais belos rubis, uma das mais preciosas pérolas – a paróquia do Sapucaí! Mas, por outra parte, não é menos

Page 95: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

88

certo que a Franca, essa Odalisca formosa dos nossos sertões, não deixa emurchecer em avaro cofre a mimosa flor da felicidade de suas filhas! A Franca, pois, estende-vos braços amigos, alimentando a fagueira esperança de que as antigas relações, os sagrados laços do comércio, família e parentesco vão agora crescer e se apertar de mais em mais, contribuindo ambas essas irmãs para reciprocarem venturas... Ilustre povo do Sapucaí, povo ordeiro, pacífico e laborioso, findou-se hoje a tutela francana; ides entrar na linha gloriosa da comunidade livre; despontou hoje no céu de vossos destinos o arrebol luminoso da liberdade!... Faço sinceros votos à Divina Providência para que ocupeis ponto muito distinto na suntuosa carta da mui nobre Província de São Paulo, e nunca maculeis os foros de vila que vos outorgou nossa heróica Assembléia(...)”53

Franca: “princesa sertaneja”, “Odalisca formosa dos nossos sertões”. Paróquia

de Sapucaí: “um dos mais belos rubis, uma das mais preciosas pérolas”. Palavras

enaltecedoras, componentes do discurso metafórico do Presidente da Câmara de Franca.

Nele, procura-se garantir a continuidade histórica que se funda na manutenção das

tradicionais relações entre ambas as localidades; a liberdade da vila não significa nenhum

tipo de rompimento e, sim, promessa para a manutenção dos compromissos conjuntos; o

sentido unilateral atribuído ao “povo” anula a ação dos vários sujeitos da trama histórica

bem como os conflitos.

1d- Patrocínio Paulista

É parte de uma monografia histórica elaborada em 1950 por Carmelino Corrêa

Júnior – professor, farmacêutico e autor de obras históricas.54 Natural de Pirassununga,

atuou nos municípios de Franca e Patrocínio Paulista e faleceu em 1965. A parte publicada

? 53 Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, 1986, p.33. Este texto foi lido na íntegra por Carlos Alberto Bastos de Matos, como parte de seu discurso, na sessão solene da Câmara Municipal de Patrocínio Paulista, em 10 de março de 1985, conforme “Ata da 1ª Sessão Solene desta Câmara Municipal, realizada aos 10 de março de 1985, comemorativa do 1º Centenário de Patrocínio Paulista”, folhas 15-26.

? 54 Os dados biográficos deste autor, assim como todos os demais que se seguirão, baseiam-se no que foi escrito pelos organizadores e constam no próprio Almanaque. Conforme os organizadores do Almanaque, esta monografia foi escrita em homenagem ao cinqüentenário de Itirapuã, antigo Distrito de Patrocínio Paulista, com a denominação de “Meio Século do Distrito de Itirapuã”. “(...) inédita monografia histórica sobre fatos de Patrocínio Paulista e Itirapuã (...), trabalho arquivado no Museu ‘José Chiachiri’ (Franca), com cópia no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Com gentil autorização de sua família, publicamos aqui os capítulos relativos a Patrocínio Paulista (...)”. Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, p.80.

Page 96: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

89

denomina-se Patrocínio Paulista e é dividida em quatro partes: “Terra virgem”, “O dono da

terra primitiva”, “A primitiva colonização” e “A segunda colonização”.

Em “Terra Virgem” trata do espaço físico, notadamente da Bacia de Santa Bárbara.

Destaca as riquezas naturais: rio Sapucaizinho, “(...) essencialmente diamantífero, talvez

tenha sido a chave da colonização desta zona (...)” e as “terras ubérrimas, das mais

fecundas (...)”. Apoia-se em estudiosos de geologia e, na parte climática, sua comparação

entre as condições atmosféricas de Franca e de Patrocínio Paulista baseiam-se “(...) em

conclusões próprias através de dados obtidos no Posto de Meteorologia de Franca ou por

meio de anotações feitas por nós [...] tudo isto confrontado com os trabalhos de Frei

Germano de Annecy ( 1885-1889), publicados em notas esparsas no jornal francano ‘Nono

Distrito’ (...)”( p.80-82) . O autor, catedrático de Física, nutria interesse pelo conhecimento

e estudo da região, o que o coloca na esteira dos historiadores amadores responsáveis, em

muitas cidades, por monografias históricas que, às vezes, são as únicas existentes nas

localidades. A referência ao Frei Germano de Annecy, ligado à Franca, remete-nos

novamente ao Padre Heriberto, em Patrocínio do Sapucahy, quanto ao interesse de ambos

em registrar conhecimentos do campo das ciências naturais por meio de experimentações.

Em “O dono da terra primitiva” fala sobre os caiapós e das lutas com o invasor

branco até o início do século XIX, conforme interpretação de trecho dos “Documentos

Interessantes” (Vol XI). Interessa-se por apontar certos costumes e a distribuição territorial

destes habitantes primitivos, dos quais, na região, “hoje nada mais resta, apenas notícias de

achados de uma ou outra igaçaba com restos funéreos”.(p.84)

Para tratar da “Primitiva colonização”, o autor se baseia em fontes escritas:

documentos do Arquivo do Estado, cartas que fazem referência à brigas de comarcas e às

famílias mais antigas e também faz referência ao texto sobre as origens de Franca, de

Affonso José de Carvalho.55 Esta parte do texto de Carmelino C. Junior diz respeito à

55 O texto de Affonso J. de Carvalho, denominado Esboço de História e Costumes, foi apresentado pela primeira vez no Almanach de Franca para 1913, organizado por Vital Palma e publicado em 1912, quando o autor era juiz de direito da Comarca. Reaparece, com destaque, no Almanaque Histórico da Franca (1943). Neste último, os organizadores justificam: “(...)abrimos nosso livro com ‘Esbôço de História e Costumes’, daquele emérito jurisconsulto, historiador e literato consumado, a cuja dedicação e interêsse Franca tanto deve. Seja-nos permitido, também, prestar aqui a êsse grado francano pelo coração, nossa modesta, mas ardente e sincera homenagem (...)”

Page 97: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

90

origem do povoamento de Franca e o autor parece não obter uma resposta “definitiva”,

como gostaria. Ao mesmo tempo em que afirma que “Tudo está por se descobrir, tudo

seria hipótese”, tenta se ancorar numa linha evolutiva pré-estabelecida, impessoal e

garantidora da continuidade histórica por meio de categorias consideradas estáveis,

“É verdade que a ordem natural de expansão, ao menos entre nós, foi esta: 1ª Fase de mineração, com rudimentar agricultura; 2ª Fase rudimentar de agricultura e pecuária conjuntas; 3ª Fase agrícola efetiva; 4ª Fase industrial. Teríamos fugido a este real traçado sociológico das coisas? Talvez não (...)” (1986: p.86, grifos nossos)

Onde o povoamento se deu primeiro, em Franca ou Patrocínio Paulista – antigo

distrito de Santa Bárbara das Macaúbas? Novas certezas entremeadas por dúvidas:

“Nós acreditamos piamente que as primeiras migrações das Gerais tenham seguido o roteiro de Noroeste e se estabelecido nestes altos terrenos situados nas margens do rio Santa Bárbara e outros afluentes próximos [...] Ao mesmo tempo voltamos, devido a certos argumentos apresentados, pois os registros de Franca são anteriores aos de S. Bárbara das Macaúbas (...)” (p.86, grifos nossos)

E o interessante é que esta parte do texto termina com o autor considerando – ou

admitindo, na falta de outros documentos escritos – os relatos do Cel. Vilela “que viveu em

Patrocínio do Sapucaí e suas cercanias desde 1858: ‘os primitivos habitantes vieram de

Minas, em parte, e nos ensinaram o caminho destas terras que hoje possuímos’”. (p.87)

Finalmente, “A segunda colonização”. Começam os conflitos entre os

“aposseadores” (fazendeiros) e garimpeiros; outras pessoas chegam das Gerais e de

Piratininga; do povoado à freguesia, até a criação da comarca em 1892. As anotações de

Da. Ana Cláudia do Nascimento Falleiros são utilizadas como fonte para o autor. Neste

ponto, observa-se que os garimpeiros apontados por ela como os fundadores da localidade

NASCIMENTO, H. A do, MOREIRA, E. (org.), op. cit, 1943, p.5,6.( grifos nossos) Vale a pena destacar que os Almanaques, enquanto fonte de consulta para afirmações de cunho “histórico-informativo”, ou seja, enquanto receptáculo de dados , há muito são utilizados: como exemplo, o próprio Affonso J. de Carvalho em seu texto, este reapresentado em 1943, faz referência ao Almanaque Paulista, publicado por José Maria Lisboa, em 1884. ( 1943: p.9 et seq) . Nota-se também a inserção social deste “jurisconsulto, historiador e literato”, a quem os organizadores rendem uma “homenagem” – esta última, prática presente em diversas sociedades, em diversos tempos históricos.

Page 98: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

91

não são os mesmos arrolados no Sumário Crime ex-officio , comentado no texto 1b.56 Em

conclusão,

“Foram estes os segundos colonizadores: os garimpeiros primitivos fizeram o ciclo da mineração e se apoderaram da terra e do gentio. Em seguida surgiu o pastoreio e a agricultura rudimentar que se continuou com a agricultura melhorada, que se inclina para a industrialização, especialmente a agrícola e de laticínios. A primeira colonização partiu de S. Paulo e das Gerais, a segunda, de várias partes, veio-lhe completar os trabalhos. Da mesma estirpe dos bandeirantes oriundos de S. Paulo, invadiram o Brasil inteiro, continuando os feitos de seus antepassados, no retraimento, na virtude e no trabalho fecundo, fator positivo do progresso e do engrandecimento” (p.92, grifos nossos)

Nota-se em sua abordagem histórica sobre a localidade que a análise do meio físico

precede a dos atores sociais e a questão das origens é central. Por uma linha evolutiva – que

vai da mineração à industrialização – abarca-se o passado, chega-se ao presente e

vislumbra-se um futuro rumo ao progresso. Ao destacar a ascendência bandeirante dos

garimpeiros e de outros colonizadores, estes últimos são, à semelhança daqueles

“bandeirantes primeiros”, heroificados. Assim sendo, as relações nem sempre pacíficas

entre garimpeiros e fazendeiros “aposseadores” de terras são dissimuladas nesta busca das

origens: ambos são inseridos na mesma cepa bandeirante e têm a incumbência de continuar

os feitos dos antepassados.

1e- A Cidade e seus nomes

Ao retomar o histórico relativo ao povoamento local através de breve resumo, o

autor ressalta as várias denominações que a localidade recebeu: desde o Distrito de Santa

Bárbara das Macaúbas (1833) até o plebiscito que levou à denominação atual, Patrocínio

Paulista, oficializada em 1949. Dois pontos merecem nossa atenção. O primeiro deles diz

respeito à força do costume para além do oficializado, ou seja, a denominação Garimpo do

Sapucaí nunca chegou a ser oficial mas, por longo tempo, era assim que muitas das

gerações passadas se referiam à localidade. Outra questão é sobre os possíveis embates

entre moradores e forças políticas locais no que diz respeito à alteração do nome do

56 Os organizadores do Almanaque de Patrocínio Paulista fizeram algumas correções do texto, em notas de rodapé, no entanto, não abordam esta questão.

Page 99: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

92

município, Patrocínio do Sapucaí. O autor consulta atas e volante distribuído por ocasião

do plebiscito para alteração da nomenclatura (1948). Futuras pesquisas podem aprofundar

estes dois pontos, aqui indicados.57

2-TEXTOS COM CERTO TOM ANEDÓTICO E OS “CAUSOS”

RESGUARDADOS PELA TRADIÇÃO ORAL

Toques humorísticos que dão “leveza” ao Almanaque e, por sua vez, são também

frestas pelas quais encontramos o outro, o diferente. Assim, os “tipos populares” estão

presentes, dentre outras obras, nos anuários de Espírito Santo do Pinhal, Itapira, Mogy-

mirim e Mogy-guassu (1918) e de Jundiahy (1928). 58

Muitas vezes oriundos das classes populares, são personagens que circulam pelas

cidades, sendo reconhecidos enquanto portadores de determinados caracteres físicos e/ou

psicológicos. Acolhidos por uns e repelidos por outros, os considerados “tipos populares”

geralmente sofrem as troças preconceituosas, vindas de parte da população.

Em Tipos Populares, a autora diz: “Quantas figuras pitorescas ficaram na

memória dos sapucaienses!” Dentre algumas, recorda-se de Queimadinha,

“(...) alvo de chufas impiedosas, exasperava-se com os moleques, respondendo-

lhes: ‘mastigo de porco, petisco de onça! Muita merda, água longe, pouco sabão ou

nenhum...’. Havia o ‘João Corta Vento’, um anormal que ficava nas ruas de

canivetão aberto por ele fabricado, a cortar o vento(...) ”.59

? 57 O autor é o patrocinense Ivaldo Robier Freiria que, em 1984, exercia o cargo de escrivão do Cartório de Registro Civil e anexos da Comarca, acumulando o Cartório Eleitoral.

? 58 Alguns anuários consultados, referentes às primeiras décadas do século XX, se assemelham, em termos de temas abordados, a almanaques sobre cidades do mesmo período. Tanto é que o organizador do Annuario de E. S. do Pinhal, Itapira, Mogy-mirim, Mogy-guassu, Iclerico Gomes, afirma, na apresentação da obra: “A falta de um guia, annuario ou almanach, que tratasse minuciosamente dos importantes municípios (...), levou-me à confecção e publicação do presente annario (...) O organizador parece conferir funções similares ao almanaque, ao guia e ao anuário no que diz respeito à reunião de informações úteis e à divulgação das mesmas. São Paulo: casa Vanorden, 1918. Annuario de Jundiahy: Historico, Literario, Noticioso. num. I, 1928, anno I. Organizado por J. B. Figueiredo e Alceu T. Pontes. Jundiahy, Typ. da “A Comarca”

? 59 Texto de Mercedes Garcia de Andrade, Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, p.34,35.

Page 100: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

93

Em Apelidos Patrocinenses, o autor, Leonardo Faleiros do Nascimento, listou um

número grande de apelidos através dos quais os moradores locais se tratam, atribuindo tal

fato ao ambiente familiar de uma cidade pequena. (1996: p.236)

Os “causos” e anedotas contados pelos moradores locais certamente foram ouvidos

pelos organizadores, especialmente o “doutor Carlos’, que por bons anos foi também

morador da cidade. Em Fiéis, temei!, registra um deles:

“Patrocinense de velha cepa, o Dr. Flávio Rocha era dotado de fino espírito, sagaz e muitas vezes ferino [...] Chegando a Patrocínio Paulista em certa tarde, deixou seu automóvel sem maiores cuidados. Como havia dentro dele alguns objetos, o amigo que o acompanhava alertou-o logo para trancar o veículo. – Trancar? Não, não precisa. Aqui ninguém furta. Não porque não tenham vontade...Têm! É que o padre não deixa”.60

“Causos” de Osório Falleiros da Rocha, o primeiro patrocinense nascido a partir da

emancipação política e responsável por estudos genealógicos locais, são retomados pelo seu

sobrinho em Aquilo é que foi respeito... Sugerem ao leitor modos de vida nos tempos em

que os “lampeões” iluminavam as casas da Praça da Matriz e os rapazes fumavam cigarros

de palha, tais como “Arara” e “Pachola”, vindos de Uberaba.61

De acordo com GALZERANI (1998: p.239), tais narrativas são significativas da

“força da ‘resistência’ cultural das práticas alicerçadas na oralidade”. Traduzem as

experiências fundadas na coletividade e alimentadas pelas práticas narrativas. Arte de

narrar que, para Walter Benjamin, “caminha para o fim”:

“Torna-se cada vez mais raro o encontro com pessoas que sabem narrar alguma coisa direito. É cada vez mais freqüente espalhar-se em volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma faculdade, que nos

? 60 Op. cit. p.71.

? 61 Texto de Geraldo Tasso de Andrade Rocha, op. cit. p. 78,79.

Page 101: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

94

parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou seja: a de trocar experiências”.62

3-TEXTOS COM DADOS GERAIS SOBRE O MUNICÍPIO

Esta parte do trabalho foi realizada por três estudantes do 1º grau, à época, Gabriel,

Rafael e Miguel da Silveira Matos, os mais jovens componentes do grupo de pesquisa. Aí

também se insere o texto do geógrafo Benedito Eufrásio M. Vieira, morador e professor da

UNESP, em Franca, comentando os dados populacionais do município no período de 1940-

1980 e as projeções para o ano 2000.

Considerados enquanto dados atualizados do município na época da publicação do

Almanaque, referem-se a: população de acordo com o censo de 1980; número de eleitores,

nascimentos, óbitos, casamentos e veículos licenciados (período 1982-1984); número de

propriedades agrícolas etc. Dados informativos, “objetivos” e geralmente presentes nos

almanaques.

4- TEXTOS NOS QUAIS OS AUTORES MESCLARAM INFORMAÇÕES

SOBRE OS TEMAS A QUE SE PROPUSERAM ESCREVER COM REMINISCÊNCIAS

E SAUDOSISMO DOS TEMPOS IDOS

4a -... Nosso chão tem mais brilhantes...

“Ao comemorarmos o 1º centenário de nossa cidade, é natural que desperte e cresça em nós o desejo de conhecer nossa história, e dada a pouca informação que temos aumenta a ânsia de descobrir documentos que nos revelem algo sobre os primórdios de nossa Terra, já que sua história não foi ainda escrita. E por esse motivo partimos à busca de subsídios que satisfaçam nossa curiosidade e mesmo a necessidade de tê-los em mãos para que possam abrir as cortinas do passado e desvendar o segredo que nos envolve.”63

? 62 BENJAMIN, Walter. O Narrador: observações sobre a obra de Nikolai Leskow. In Textos Escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas. Traduções de José Lino Grünnewald et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.60. ( Os Pensadores)

? 63 Texto de José Geraldo de Andrade, senhor Juca, p.168.

Page 102: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

95

As comemorações aparecem como estímulo ao conhecimento histórico da cidade,

nas palavras do senhor Juca – aquele que, na visão de nosso entrevistado Carlos Alberto B.

de Matos, foi um dos grandes entusiastas quando da elaboração do Almanaque. O

colaborador anseia a descoberta de documentos que possam “revelar” algo sobre “os

primórdios” para, assim, “abrir as cortinas do passado” e “desvendar o segredo que nos

envolve”. A noção de documento aqui é a de portador de verdades que se revelam ao

pesquisador; de documento que “reflete”, que reproduz a história independentemente do

trabalho interrogativo das fontes pelo pesquisador; documento que mais retrata o

acontecido do que participa de sua elaboração.

O autor explicita as fontes de sua pesquisa: da tradição oral que a ele chegou por

intermédio de pais e avós ao que ele pôde ver quando criança; de estudos de terceiros sobre

a região ao precioso Livro do Tombo da Paróquia – “redescoberto” por ocasião da

elaboração do Almanaque. E assim, nos fala:

“Sem usar a fantasia, sabemos por descobertas arqueológicas na Fazenda Santa Maria, poucos quilômetros acima do rio Sapucaizinho, da existência de um grande ‘cemitério indígena’, que tivemos a oportunidade de conhecer, quando lá estivemos [...] Seria grave omissão falar de Patrocínio Paulista sem dedicar um capítulo especial ao ‘Garimpo do Sapucay’, como nós em criança o conhecemos e o chamávamos. Ainda soa em nossos ouvidos: ‘vim do Garimpo, vou para o Garimpo’...”64

Esta narrativa se aproxima dos escritos dos memorialistas. De acordo com BREFE

(1993):

“O gênero memorialismo – ou memórias – apareceu pela primeira vez na França medieval, tendo como precursores os cronistas Jean de Joinville – fins do século XIII - e Jean Frossart – no século XIV [...] pode-se dizer que o memorialista realiza uma crônica biográfica de uma época, de um momento histórico, ou ainda, de uma sociedade qualquer em que a narrativa e a abordagem das temáticas são definidas e centradas no seu próprio ser ...”65

? 64 Texto de José Geraldo de Andrade, senhor Juca, op. cit. p.168-172.

? 65 BREFE, Ana Cláudia Fonseca. A Cidade Inventada: a paulicéia construída nos relatos memorialistas (1870-1920). Campinas, SP: 1993. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História do IFCH, UNICAMP, p.5.

Page 103: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

96

Aqui, a intenção de registro objetivo – “sem usar a fantasia”, como diz o autor –

mescla-se ao saudosismo em relação ao vivido, ou seja, à própria subjetividade. O

“garimpo” é um marco no qual se apoia sua memória. Memória que, por sua vez seletiva,

influencia na própria história a ser escrita.

Para BREFE (1993: p.8), podemos encontrar vários relatos memorialistas e eles

“... variam estilisticamente de um autor para outro, pois cada um deles tem uma maneira própria de narrar a história da cidade e uma determinada experiência em relação ao passado. Observa-se também que cada memorialista prioriza certos lugares da cidade e dá destaque a aspectos urbanos diferenciados entre si...”

Ao dedicar o trabalho escrito ao garimpeiro, o autor explicita a sua relação com o

tema “garimpo” e alguns atributos daquele primeiro,

“Plagiando em parte Euclides da Cunha, podemos dizer (com conhecimento de causa, pois fomos garimpeiro e trabalhamos com quase uma centena deles) que o garimpeiro antes de tudo é um sonhador e um forte.” (p. 170)

4b- A administração Patrocinense na Segunda República.

J. Nascimento Franco, francano, escreve a partir da sua experiência de juventude

vivida dentro da Prefeitura, onde trabalhava junto a seu pai – este último contratado para

auxiliar o contador local, logo após a Revolução de 30. Apoiado na sua memória, revendo

velhos livros da Prefeitura e da Câmara e considerando relatos de outros atores daquele

momento histórico, o autor escreve um texto, abrangendo os meandros da política local, nos

idos de 1930 a 1937. Alguns trechos:

“ 1- Lembro-me como se fôra hoje[...] a conversa durou umas duas horas e, após a rodada de bolinhos e doces, ficou resolvido que meu pai começaria a trabalhar dentro de dois ou três dias (...)”(p.38)

“5- Os documentos existentes na arquivo da prefeitura não registram acontecimentos excepcionais, naquela época [antes de 1930]. A vida era tranquila e amável [...] Patrocínio (do Sapucahy) funcionava como uma família unida e harmoniosa. Os mais velhos ainda a chamavam de ‘Garimpo’, tal como era conhecida a povoação nos tempos em que se encontravam diamantes até no papo dos frangos (...)” (p.40)

Page 104: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

97

“11- Sufocada a revolução Constitucionalista, na qual Patrocínio se integrou totalmente, teria o município de pagar seu tributo de humilhação e de suportar a ingerência de forasteiros e arrivistas na sua administração [...] Ao reassumir o cargo, José Oscar de Figueiredo agradeceu em nome do povo os bons serviços prestados à comunidade pelo 2º Tenente Luiz Nunes. Numerosas pessoas gradas compareceram ao ato, segundo reza a ata de 14 de Outubro de 1932”. (p.42-43)

As ressonâncias locais de acontecimentos em nível nacional são trazidas ao leitor

pela ótica de quem teve um tipo de vivência no coletivo e de interpretação dos

acontecimentos, na época. Ao escrever sobre o assunto, anos depois, deu-se também, aqui,

um espaço para o trabalho da memória individual.

Em relação ao modo de lembrar, CHAUÍ, na apresentação do trabalho de BOSI, diz

que esta, ao descrever a substância social da memória,

“ (...) nos mostra que o modo de lembrar é individual quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, vai paulatinamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e no como lembra, faz com que fique o que signifique (...)”66

Para o nosso recordador, a cidade, “harmônica” até 1930, sente os sobressaltos

advindos da instalação do governo Vargas. Desalojados do poder, perrepistas

inconformados assistem às ingerências, inclusive de “forasteiros”, que traçam uma outra

ordem na política local. Conflitos ocorreram no período de 1930-1937, conforme o autor.

Em que medida a união e harmonia compuseram a história anterior a 30?

4c- História da Música Patrocinense 1885/1985

“Patrocínio Paulista tem, também na música, muito a contar aos seus filhos. Quantas histórias e quantas fotos evocam um passado cheio de recordações! Hoje, resta a saudade das pessoas que por vocação, ou mesmo mera paixão à boemia, deixaram seus nomes perenemente marcados na memória musical da cidade.” (p.287)

As histórias contadas, relembradas, são frutos do trabalho da memória que, por sua

vez, é acionada também pelas imagens fotográficas sobre o passado. No presente, ecos de

? 66 CHAUÍ, Marilena. Apresentação: Os Trabalhos da Memória. In BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de velhos. São Paulo, T. A Queiróz, Editor, Ltda, 1979. p.XXX.

Page 105: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

98

um saudosismo em relação ao que se passou, ao que se viveu. Para narrar o passado,

especificamente a história da música local, acontecimentos são reinterpretados neste

processo rememorativo; certos nomes são reafirmados como componentes fundamentais da

memória musical da cidade, ao mesmo tempo em que novos nomes são inseridos nesta

narrativa destinada a perpetuar a memória histórica da música patrocinense para as

gerações vindouras.

Das atividades do Maestro Garcia, no início do século XX, das serestas e conjuntos

musicais à música sertaneja, o autor, Leonardo Falleiros do Nascimento, constrói um texto

guiado pela sua vivência musical de seresteiro, de amante da música. Rememora e fixa

nomes de instrumentistas, “(...) vozes que merecem ser lembradas, pois a saudade não

deixa esquecer...” ( p.289). Ao finalizar seus registros, conclui:

“Escrevemos a saudade da música do passado, e assim relembramos o que a história nos deixou. Muitos partiram e lembranças imorredouras deixaram. Outros ficaram a evocar um passado distante. E no crepúsculo de uma tarde tristonha e serena podemos dizer: é a saudade machucando a gente...” ( p.297)

A saudade “machuca”. A saudade se “escreve” a partir das lembranças e

recordações.

5-TEXTOS ELABORADOS POR “PERSONALIDADES”: BRASIL

BANDECCHI E AURO SOARES DE MOURA ANDRADE

5 a- Auto-retrato de Jorge Falleiros

O autor, Brasil Bandecchi, paulistano, faleceu quando o Almanaque estava no prelo,

sendo esta uma das suas últimas produções. O retrato do poeta patrocinense Jorge Falleiros

(1898- 1924) é traçado não só pela enumeração de fatos e datas, em seqüência cronológica

– o que poderia compor uma gélida biografia. Ao trazer seus versos para o corpo do texto o

autor deixa falar a voz do poeta, como se este próprio nos contasse a sua vida. Daí o feliz

título: Auto- Retrato de Jorge Falleiros.

Diz Brasil Bandecchi: “Por longo tempo Jorge Falleiros ficou afastado do seu

torrão natal e, quando a ele voltou, compôs sentido soneto, que assim termina:

‘Venho tão pobre...vê como estou maltrapilho!

Ah! Não mais te conheço a ti que és minha terra,

Page 106: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

99

Não me conhece mais a mim que sou teu filho!’ ”

Diz ainda o autor:

“Corria o ano de 1924 e, em julho, rebentaria o movimento armado chefiado por Isidoro Dias Lopes. São Paulo viveu dias de apreensão e perigo, ouvindo o espoucar de balas e o barulho das botas dos soldados no atropelo das ruas. São Paulo parou para que a tormenta passasse. E o livro de Jorge Falleiros não pode sair naquele ano e, naquele ano, no dia 19 de novembro, o poeta morreu. Em meados de 1925, a Editora Monteiro Lobato publicava Nirvana. (...) A mão piedosa de Silveira Bueno cuidou da edição, fazendo com que o poeta não caísse no esquecimento e que, no seu único livro publicado até hoje, ficasse o perfume da sua alma cantando na harmonia dos seus versos(...)”67

Brasil Bandecchi pouco menciona a cidade natal do poeta. Centra-se na sua

produção intelectual que, para o autor, não se perdeu de vez graças a Silveira Bueno.

5 b- Eu e Sapucaí

Cabe aqui a menção a um texto escrito por um jovem de 19 anos que, ao visitar a

cidade, por ela se “encantou”. Inspirado, escreveu algumas linhas que foram publicadas em

um jornal local (1935) e transcritas, com atualização ortográfica, no Almanaque. Um

pequeno trecho:

“Aqui não é a cidade nervosa e irritante de São Paulo, é a pacatez do campo. Tem a graça do modesto e o encantamento das grandes coisas (...)”

A contraposição da metrópole “nervosa e irritante” à pequena cidade que é “a

pacatez do campo” é, ao mesmo tempo, a contraposição de tempos, espaços, costumes

diferenciados e vivenciados pelo jovenzinho. Em seu registro, por sua óptica, captamos

outras ressonâncias de um modo de vida local, em 1935.

“(...) tem o caboclo cavaleiro, a moçoila de vestido de chita e sandálias compradas no melhor negócio da praça, quando o pai ou o marido veio vender qualquer mantimento da ‘fazendinha’ (...) e eu vejo a pequenina Sapucaí como encantadora violeta escondida num grande jardim florido : – São Paulo.”68

? 67 Brasil Bandecchi, op. cit, p.111,117.

? 68 Texto de Auro Soares de Moura Andrade, op. cit. p. 198,199.

Page 107: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

100

6- TEXTO SOBRE O MEIO AMBIENTE LOCAL

O Meio Ambiente do Município de Patrocínio Paulista

A autora é natural de Morro Agudo (S.P.) e professora da UNESP-Franca. A

geologia, a hidrografia e relevo, o clima e comportamento hídrico, o solo e vegetação

primitiva, a exploração das potencialidades ambientais pelo homem – todos os aspectos

tratados na sua especificidade local – compõem um amplo painel, tratado de forma

aprofundada.

“A gente queria uma coisa leve para um Almanaque e aí conversamos com ela [...] que estudou a vida inteira a região.[...] Depois de algumas semanas, ela entrega um calhamaço cheio de mapas e tudo... e aí ficamos, eu e o professor Alfredo Costa, olhando aquilo lá e falamos: ‘bom, não era bem isso o que a gente queria, era uma coisa mais leve assim como um Almanaque’ [...] mas era um trabalho tão completo sobre a geografia da região em todos os aspectos que resolvemos publicar ...”69

Temos aí um texto acadêmico que, por um lado, se afasta do tipo de texto mais

rápido pretendido pelos organizadores, por outro, legitima o próprio Almanaque,

conferindo-lhe “cientificidade”. Ou seja, se a variedade de assuntos geralmente abarcados

por um almanaque se constitui a partir de textos curtos, ilustrações, poemas, calendários

etc. nem por isso não encontramos em obras deste gênero literário e editorial textos longos:

por exemplo, o “Esboço de Histórias e Costumes”, de Affonso José de Carvalho, no

Almanaque Histórico da Franca, 1943, tem trinta e oito páginas!

Na introdução do texto – ao todo, vinte e seis páginas – a autora explicita alguns de

seus pressupostos epistemológicos e o objetivo principal do texto. (1996: p. 142,143)

“Inúmeras vezes percorri este município para fazer pesquisas de campo com o objetivo de elaborar trabalhos científicos, próprios da minha profissão. Desta vez assumo uma responsabilidade não menor, porém mais abrangente, pois devo transmitir, às pessoas que integram e amam esta unidade administrativa, o conhecimento que possuo [...] A espécie humana, sendo parte integrante deste meio ambiente, dele recebe constante influência, ao mesmo tempo que nele procura satisfazer as suas necessidades vitais, através da chamada ação antrópica [...] Deus é o Criador Supremo do homem e da natureza, tendo-o criado a sua imagem e

? 69 Entrevista realizada com Carlos Alberto Bastos de Matos. A autora do texto a que se refere é Neuza Machado Vieira.

Page 108: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

101

semelhança, dando-lhe o Dom da inventibilidade através das forças do intelecto [...] Aproveitando os recursos naturais, o homem atua sobre o meio ambiente, além de poder transformá-lo, parcial ou totalmente, em seu próprio benefício. Porém, convém lembrar que, tendo a espécie humana forças intelectuais herdadas do seu Criador, deve usá-las para o bem. Portanto, sua ação tem de ser racional, evitando-se a poluição das águas, do ar e do solo, ou seja, evitando-se qualquer distorção introduzida no ciclo da matéria e da energia na matéria [...] Assim, objetiva-se, primordialmente, conscientizar o homem patrocinense de que ele pertence a um meio ambiente que deve ser conhecido para que as suas interrelações sejam harmoniosas e equilibradas, permitindo-lhe usufruir de todas as suas potencialidades e minimizar as suas limitações, aperfeiçoando-o através de aplicação de noções técnico-científicas a ele apropriadas (...)”

O referencial teórico da autora não se pauta pelo determinismo geográfico do meio

sobre o homem – ao qual a teoria do possibilismo se contrapõe. Se as condições concretas

materiais não são suficientes para explicar os fenômenos investigados, afasta-se do

materialismo e se aproxima do espiritualismo.

7- TEXTOS SOBRE O HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS,

POLÍTICAS, EDUCACIONAIS, ASSISTENCIAIS E POLICIAL

No geral, procuram traçar, dentro do tema pertinente, um percurso histórico das

origens à atualidade.

Em História da Comarca, os organizadores destacam, em nota de rodapé, o

“hercúleo” trabalho desenvolvido pela autora.70 Nota-se que a documentação escrita foi

fundamental nesta “reconstituição”. Observa-se entretanto que, na falta de um registro

escrito, aceita-se o relato de uma idosa corroborado pela evidência iconográfica: no trecho

sobre o Ministério Público aparece uma reprodução fotográfica do “Dr. Antonio Pedro” e,

a seguir, os organizadores explicam,

? 70 “(...) não existindo registro das autoridades judiciárias patrocinenses nestes quase cem anos de comarca (dados que nem sequer o Tribunal de Justiça os possui), foi necessário organizar milhares de processos em rigorosa ordem cronológica, serviço que ficou afeto ao escrevente Samuel de Oliveira e que disso cuidou por longos meses. A autora [Ivone P. Dal Sasso], depois, leu-os um a um, identificando as autoridades que neles funcionaram, reconstituindo assim a história desta quase secular comarca”. 1986, p.56

Page 109: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

102

“(...) não se localizou este nome nos feitos pesquisados; no entanto, segundo assegura a sra. Mercedes Garcia de Andrade, dona da fotografia, trata -se do primeiro Promotor de Justiça formado a exercer suas funções na comarca, por volta de 1907”. (p.62)

Ruben Alvarenga de Andrade, que foi Secretário da Prefeitura durante vários anos,

escreveu sobre os poderes Executivo e Legislativo. Faz a relação, cronologicamente

datada, de vereadores, presidentes de Câmara (no primeiro ano de cada legislatura),

intendentes e agentes executivos, prefeitos eleitos e nomeados. Explicita, nos dois textos,

as dificuldades na obtenção de dados relativos aos primeiros anos de vida independente de

Patrocínio Paulista, em face do desaparecimento de Atas até 1902. (1986: p.102,189) “No

entanto, com base em outros documentos encontrados, conseguimos algumas indicações

esparsas até o ano acima (...)”. Não sabemos quais foram estes outros documentos.

Em relação à Polícia, afirma José T. Marques: “para a feitura da história

patrocinense nesse campo, efetuou-se uma pesquisa nos processos criminais arquivados

nos cartórios locais e breves incursões nos poucos documentos existentes na repartição

policial (...)” ( p.255). O vínculo do autor com o tema é evidente: exerceu, na localidade, as

funções de Escrivão de Polícia, Comissário de Menores, juiz de paz e Promotor de Justiça

interino.

Em relação às Igrejas, pequenos textos, a cargo dos organizadores, fazem menção à

Assembléia de Deus e à Congregação Cristã no Brasil (época da fundação no local e atuais

dirigentes). A parte dedicada à Igreja Católica, denominada A Igreja e Festas Religiosas,

ao contrário, ocupa muitas páginas e evidencia a sua influência local desde os primórdios

do povoamento – aliás, como aconteceu em várias outras localidades brasileiras. Escrito

por Frei Custódio G. de Miranda, pároco de Patrocínio Paulista na época da realização do

Almanaque, e pela professora e catequista patrocinense, Oraide A. de Andrade, o texto está

baseado, fundamentalmente, no Livro Tombo, embora este seja mencionado uma única vez,

na parte relativa às Visitas Pastorais. De acordo com Oraide A de Andrade, em conversa

informal (julho de 2000), ficamos sabendo que a ela coube consultar e transcrever trechos

do referido Livro Tombo. Gentilmente, cedeu-nos o seu caderno de anotações.

Page 110: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

103

Podemos observar um trecho deste seu caderno de anotações no qual ela

transcreveu, do Livro Tombo, a parte referente à reforma e à ampliação da Igreja Matriz.

Por sua vez, podemos observar também o texto final elaborado pelos autores sobre este

mesmo assunto, qual seja, a reforma e ampliação da Igreja Matriz. (vide p. 104 e 105).

Cotejamos o trecho transcrito do Livro Tombo sobre a reforma e ampliação da

Igreja Matriz, com o trecho relativo a este assunto, constante no Almanaque. Observa-se a

consulta à fonte, a transcrição do documento, a interpretação do transcrito e a reelaboração

a partir da qual se origina o texto final para compor o Almanaque. Trata-se de um percurso

feito pelos colaboradores-pesquisadores que diz respeito à produção do conhecimento

histórico local. Este percurso, que tentamos compreender, não é evidente para o leitor do

texto final . O texto final publicado no Almanaque permite que o leitor entre em contato

com o evento histórico – construído, conforme observamos; permite a apreensão de dados;

a localização do evento no tempo e o reconhecimento de alguns atores sociais. Além disso,

permite a percepção de um conflito entre os moradores locais em função das diferentes

opiniões sobre o projeto de reforma, ou seja, a alteração do “original”, sobre o qual os

autores não se detêm. Neste ponto, como os eventos históricos são passíveis de

interpretações variadas, encontramos uma pista que pode ainda ser explorada futuramente,

através de outra documentação: fotografias, relatos de moradores da época...71

? 71 Igualmente rica, em termos de possibilidades de outros estudos, é a temática das festas religiosas. Dentre elas, as festividades do 1º Centenário da Paróquia (1974) chamaram particularmente a nossa atenção, tendo em vista o caráter religioso e cívico e a dimensão comunitária nelas presentes.

Page 111: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

104

Oraide A. de Andrade, “ Apontamentos sobre a Paróquia – 1984”, p.43.

Page 112: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

105

Trecho do texto “ A Igreja e Festas Religiosas”, de Frei Custódio G. de Miranda e Oraide A. de

Andrade. Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, 1986, p.215-6.

Page 113: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

106

Cem anos de Ensino aborda a educação, desde final do século XIX até 1984.

Documentação escrita e alguns relatos orais são sinalizados ao leitor, em alguns momentos

do texto. Há situações pitorescas descritas por informantes, mas estes não são identificados

pela autora.

“(...)Parece que o nome do colégio era Colégio N. Senhora da Peregrinação, conforme uma informação, embora outras pessoas entrevistadas não tenham conhecimento dessa denominação [...] Na página 44 do livro do Tombo pertencente à paróquia desta cidade [...] Em 1908 os corretivos físicos foram proibidos pelo código de Posturas do município de Patrocínio do Sapucahy (Lei nº1 de 3 de abril de 1908), em seu Capítulo XVII: [...] tendo sido encontrado um livro-ponto abrangendo o período que vai até 1942, foi possível reconstituir a história dos mestres que deram aula nas escolas rurais patrocinenses (...)72

Ensino particular para meninos e para meninas, colégios religiosos, escolas

municipais, ensino a cargo do Estado, a criação do Ginásio e algumas transformações na

estrutura de ensino até os anos 80 compõem o histórico educacional local: datas, nomes?

Não só! A história da educação local nos diz da lenta e progressiva ampliação do acesso à

“instrução” a partir dos primeiros tempos de república: ecos da adequação às necessidades

impostas pela modernização capitalista. O ideal de progresso justifica a criação de escolas,

bem como certas reformas na estrutura e nos métodos educacionais. Estes processos foram

vivenciados no âmbito local e este texto é uma dentre as variadas formas possíveis de se

contar estas histórias.

Finalmente, em Obras Assistenciais, Centro de Saúde de Patrocínio Paulista, e

Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista tem-se a elaboração de textos que

buscam reconstituir a trajetória de instituições assistenciais desde as respectivas fundações,

diretorias e alguns outros fatos correlatos. Caracterizam-se pela enfoque cronológico e

factual. As atas das entidades foram muito consultadas pelas autoras. 73

? 72 A autora é Maria Rosângela do Carmo, à época, licenciada em História e funcionária do centro de saúde local. 1986, p.278 et seq.

? 73 Ao contrário da aut ora do primeiro texto, Aparecida Goreti Neroni, à época bacharel em Serviço Social e funcionária do centro de saúde, as outras duas autoras, Selma Maria Pessoni e

Page 114: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

107

8- TEXTOS SOBRE FORMAS DE LAZER NO ÂMBITO CULTURAL LOCAL

O Cinema e seus Administradores, Clube Hípico, Bandas Musicais, Clubes

Recreativos, Futebol.

Na leitura destes textos podemos perceber certos hábitos, ou seja, modos de vida em

outros tempos,

“Era a época do cinema mudo e a orquestra do Maestro Garcia fazia o fundo musical (...)” (p.51)

“Antigamente não havia clubes, mas o povo se divertia... Eram as costumeiras reuniões familiares, onde reinava a amizade, o respeito, a alegria... os jovens encontravam-se em casas de família e se divertiam com danças e com brincadeiras de salão, nas ocasiões mais diversas (aniversários, casamentos, bodas, festas religiosas)(...)” ( p.221)

“A diversão obrigatória da população era a banda musical que nos fins de semana e feriados e até durante a semana, à noite, saía da frente do prédio Municipal às 18 hs. E percorria as principais ruas da cidade até a praça onde fazia a retreta no coreto (...)” (p.174)

Ao contrário do permitido, como as reuniões em “casas de família”, no próprio

almanaque encontramos sinais da interdição de “outros” divertimentos, relacionados a

“outros” estratos sociais: o Código de Posturas Municipaes de Patrocinio do Sapucahy,

editado pela Câmara de Vereadores, em 1921, proíbe, no perímetro urbano, “os sambas,

batuques, cateretés, fuzos e outros divertimentos desse gênero, sem licença da policia”. 74

As diferenças sociais se manifestam nas referências aos clubes locais quanto a

fundadores, freqüentadores e algumas das atividades promovidas. Por exemplo, os

Célia Teresa Pessoni, não exerciam atividades profissionais diretamente vinculadas à temática pesquisada.

? 74 In Dura Lex, p.188, a cargo dos organizadores, que caracterizam o referido Código como portador de “( ...) curiosos preceitos da mais variada ordem, tratando de matéria constitucional, administrativa, processual, tributária e, mesmo, penal (!)” (p.187).

Page 115: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

108

“bailes” e os “arrasta-pés” igualmente se referem a danças, mas adquirem aqui conotações

diferenciadas por se ligarem a determinados grupos sociais,

“Atraído pelos valiosos diamantes que aqui se encontraram, José Gomes, de apelido “Zé Cabrinha”, saiu de sua terra. Garimpava ele durante o dia; à noite (...) promovia animados arrasta-pés (...)” (p.222)

“Por volta de 1936, um grupo de jovens, reunidos sob a chefia do Dr. João Pinto Cavalcante, fundaram o ‘Clube 15’ [...] Além dos bailes, os sócios usufruíam, em todas as noites, das dependências do Clube (...)” (p.223)

“CLUBE 60. Assim ficou conhecido o ‘Clube Operário de Recreação e Cultura’, pois o prédio foi inaugurado em 1960. Para a construção, Dr. Cristóvão Barcellos, então vereador, liderou diversas campanhas a fim de que a massa trabalhadora tivesse o seu clube (...)” ( p.222)

“Era velha aspiração de diversos fazendeiros patrocinenses a criação de um clube destinado exclusivamente ao esporte eqüestre” (p.167)

Por outro lado, a leitura destes textos nos faz entrar em contato com as influências

externas – futebol, “estrangeirismos”, II Guerra... – e algumas de suas repercussões na

pequena cidade,

“ Esporte inglês, o futebol chegou no Brasil na virada do século. Patrocínio do Sapucaí não tinha, porém, até o final dos anos 10 uma associação destinada a essa modalidade. Foi então que na tarde de 18 de abril de 1920 alguns patrocinenses [...] reuniram-se no prédio da Municipalidade para a fundação de um ‘Club de Football’ (...)” (p.248)

“Entre os anos de 1941 e 1945 a banda ficou paralisada pois seu Maestro Domingos Púglia foi convocado para combater na Segunda Guerra Mundial. Após o término desta, ele retornou cheio de glórias (...)” ( p.176)

No geral, os autores não explicitam as fontes utilizadas. Há referências a jornais

locais de 1916 e 1918, nos textos sobre cinema e clubes, e de 1922, no texto sobre Futebol.

A autora demonstra certo cuidado na listagem dos responsáveis pela manutenção do

cinema, em determinada fase: após citar sete nomes, conclui: “(...) e talvez outros que a

nossa pesquisa não conseguiu anotar”. (p.53) Provavelmente, atas dos clubes foram

Page 116: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

109

consultadas, embora só uma autora faça referência às atas do Clube 15. Além disso, talvez

outra possível fonte tenham sido os relatos de moradores locais, principalmente os mais

velhos. Os autores do textos sobre futebol afirmam: “Os valorosos João Alberto, Paraguai

(...) [e citam mais dez nomes] ainda se lembram saudosos da memorosa tarde em que

derrotaram o Clube Atlético Paulista (...)” (p.252)75

9- TEXTOS SOBRE IMPLEMENTAÇÕES CONSIDERADAS RELEVANTES

PARA O MUNICÍPIO

Adeus às Carroças é o título sugestivo do texto que aborda a primeira linha de

transporte regular que servia a cidade, a construção de estrada para o trânsito de

automóveis, um acidente envolvendo um ônibus e uma carroça, em 1918, e os primeiros

motoristas patrocinenses. Pela nota de rodapé, de responsabilidade do organizador Carlos

Alberto Bastos de Matos, explicitou-se que o exemplar da “carta de chauffeur”nº 1, de

Elpídio Falleiros de Andrade, estava em poder de Orlando Fernandes de Andrade, que “não

quis cedê-lo, por tempo suficiente para a ilustração deste trabalho histórico”. (p.100) Ao

lado das contribuições de diversos moradores locais, encontramos também o sinal das

possíveis resistências – neste caso, temia o portador do documento a perda do mesmo? Em

relação às fontes, o autor, Paulo Geraldo Alves Leite (Comissário de Menores e funcionário

do Fórum local, na época de elaboração do Almanaque), cita somente o processo

encontrado nos anais forenses sobre o acidente de 1918.

A autora de Correios e Telégrafos e Empresa Telefônica, Anália Falleiros

Conrado, era, após Mercedes Garcia de Andrade, a mulher de idade mais avançada do

grupo de trabalho à época. Sua ligação com os temas é evidente na leitura dos textos: sua

mãe havia sido agente postal na cidade, por vários anos – cargo posteriormente exercido

pela autora, seu pai teve o nome vinculado à telefonia local e, conforme o texto,

? 75 Em relação a autoria dos textos: Izar Garcia de Andrade ( O Cinema e seus Administradores, Clubes Recreativos); Urandi Pascoal Marques (Bandas Musicais); Urandi Pascoal Marques e José Cláudio de Figueiredo (Clube Hípico , Futebol).

Page 117: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

110

“Em setembro do mesmo ano de 1904 foi afinal inaugurada a ligação telefônica para Itirapuã (...) Três anos depois, Francisco Custódio Falleiros, então zelador da empresa, adquiriu da Câmara a parte que esta possuía na linha que ligava a cidade a Franca”. (p.235)

Em relação às fontes, há referências à documentação escrita, como Ata da Câmara

e, possivelmente, embora não explicitadas, lembranças da autora e informações colhidas

nas respectivas empresas, durante a elaboração do Almanaque.

Bancos e Casas Bancárias trata do surgimento da primeira casa de crédito na

localidade, na década de 20, às outras que se seguiram – inclusive transformações como a

relativa à Cooperativa de Crédito de Patrocínio Paulista, posteriormente encampada pelo

Banespa.76 Além da citada Ata da Câmara de 1918, é possível que as outras informações

tenham vindo de moradores locais bem como coletadas nas agências em funcionamento.

Ao lado destas informações, encontramos uma referência ao trabalho feminino nas décadas

de 50 e 60: “Lourdinha Rocha foi a primeira mulher a trabalhar em Banco nesta cidade,

vencendo as resistências da época”. (p.178) Maria de Lourdes Rocha, responsável pelo

texto que comentaremos a seguir – Casas Comerciais – terá sido, neste caso, uma das

informantes e, ao mesmo tempo, pesquisadora?

Relativos a diferentes momentos da história local, sessenta e oito casas comercias e

sete hotéis são arrolados. Diferentemente do observado em alguns almanaques sobre

cidades das primeiras décadas do século XX, não encontramos, neste caso, propagandas

dos estabelecimentos comerciais. 77

O interesse aqui é o “historiar” no sentido de arrolar, de listar. É dada como a mais

antiga casa comercial local a “Casa Américo Rocha”, de 1894 a 1920, do pai da autora.

Não há referências quanto às fontes consultadas. Através de uma leitura que não se prenda

? 76 A autora, Isa Maria Silveira Matos, esposa do organizador Carlos Alberto B. de Matos, assim como três dos seus filhos, se envolveu no projeto de elaboração do Almanaque. Responsabilizou-se também pelo texto relativo a Indústrias

77 Como exemplos de almanaques que têm este interesse propagandístico, sendo também financiados pelos anunciantes: FRANCO, M. ( org.) Almanack da Franca para 1902. São Paulo: TYP. DUPRAT & COMP. ,1902. (cópia de publicação).239p. Almanach dos municipios de S. José do Rio Pardo e Grama, São Paulo: Editora Edanee, 1929, 234p.

Page 118: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

111

somente à listagem cronológica e nominal, podemos fazer um percurso que se estende

desde a época dos secos e molhados até a época dos supermercados: desenrolar do tempo

que indica as mudanças de interesses, de costumes, de conceitos; desenrolar do tempo que

indica as permanências de modos de vida, perceptíveis na sobrevivência de um bazar, de

uma venda...

O texto Indústrias aborda desde o tempo das “indústrias” caseiras, instaladas

inicialmente nas fazendas até as indústrias em funcionamento em 1984. Reproduções de

anúncios de jornal local (1918), referentes à fabricação de açúcar, aguardente e tijolos,

exemplificam estas atividades ligadas a algumas fazendas. “Somente a partir de 1947 é

que se tem notícia de indústrias com registro comercial (...)”. (p.258) Provavelmente, a

listagem de tais indústrias, acrescida dos nomes de proprietários e endereços comerciais, foi

elaborada com base em documentos registrados em cartório. Da “indústria” artesanal à

maquinofatura e, sendo tema correlato à industrialização, a autora mencionou a chegada da

“Luz Elétrica”, em 1914.

Podemos compreender a indústria e a energia elétrica enquanto sinais da

modernidade impressa pelo capitalismo; modernidade extremamente vinculada à chegada

das “novidades” e dos “melhoramentos”; sinais da modernidade e ícones do progresso que,

um pouco mais tardiamente em comparação aos grandes centros políticos e econômicos do

país, chegam a Patrocínio Paulista – antes, ao Sapucahy.

Novamente nos referimos a José Geraldo de Andrade – o senhor Juca – autor de As

Cooperativas Patrocinenses. Este texto foi estruturado de modo a enfocar o surgimento, o

apogeu e a decadência do cooperativismo local. Após a introdução, quando o autor faz

referência às raízes do cooperativismo na Europa e a experiências em diferentes pontos do

globo, chega-se à criação da primeira cooperativa no município, na primeira metade do

século XX.

“Uma prova de que, já naquele tempo, o ideal cooperativista tinha admiradores entre nós, está em nosso pai (...) depois de ter, em sua Fazenda Barranco Alto, fábrica de manteiga (1923-1924) e fábrica de queijo Parmezon ( 1927- 1930), já naquela época possuindo um rebanho leiteiro mestiço holandês, com média de 4 a 5 litros em regime de pasto; não podendo mais continuar com sua fábrica, convidou

Page 119: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

112

seus parentes e fazendeiros para fundarem uma Cooperativa de Laticínios, o que veio a se tornar realidade uma década depois. E, a 30 de setembro de 1941, com a fundação da Cooperativa de Laticínios de Patrocínio do Sapucaí, o grande sonho, embalado há muito pelos produtores rurais de Patrocínio Paulista e Itirapuã, tornou-se realidade (...)” p.239

Os interesses conflitantes entre produtores rurais e grupos mercantis são postos ao

leitor quando se atribui a concretização deste sonho à “luta travada contra a exploração

perpetrada contra o produtor rural” pelos donos de laticínios; comenta-se sobre as

pressões pelas quais passaram os cooperados, nos primeiros tempos. O bom desempenho

desta Cooperativa, para o autor, “foi a semente que gerou mais outras cinco cooperativas”:

Cooperativa Agrícola Mista de Patrocínio do Sapucahy (de 1943, teve vida curta),

Cooperativa Industrial Agro-Pecuária de Patrocínio Paulista (1955), Cooperativa de Crédito

de Patrocínio Paulista (criada em 1956 para “tentar suprir a falta de capital de giro” das

outras Cooperativas existentes). É o período nomeado pelo autor de “O Progresso”. Em “A

Fase Áurea”, temos: Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Patrocínio Paulista (1959),

Cooperativa de Consumo (1961), Cooperativa do Trabalho Rural da Região de Patrocínio

Paulista (1972). “Sem dúvida foi a fase áurea de Patrocínio, que além do sugestivo nome

de ‘Cidade Presépio’, passou também a ser cognominada de ‘A Cidade das

Cooperativas’”. A idéia de unir as 5 Cooperativas (a Agrícola Mista e a de Consumo já

haviam encerrado suas atividades) em uma só não vingou, pois a de Laticínios não aceitou.

Para o autor, inicia-se nesta época a fase por ele denominada de “O Declínio”. “Por uma

questão de estrutura e patrimônio só restaram duas Cooperativas: a de Laticínios e a dos

Cafeicultores”, sendo a segunda encampada pela primeira.

Segundo o autor, para o “progresso” contribuiu o idealismo de um grupo; para o

“declínio”, o descaso do poder público e a falta de espírito cooperativista. Construído com

certa linearidade cronológica, é possível perceber, em certos trechos do texto, determinados

conflitos entre grupos; as contradições entre os próprios cooperados são sugeridas, ainda

que não aprofundadas. Nota-se os ecos, na localidade, de propostas de desenvolvimento

econômico para o país e a criação de uma imagem do município pautada no ideal

cooperativista – “a Cidade das Cooperativas”: esta imagem não se sustentou ao longo do

tempo – embora retomada no “desfile” do centenário, conforme percebermos nos registros

Page 120: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

113

fotográficos da época – mas se justifica plenamente em um momento histórico de busca da

superação da economia local primária, tendo em vista o desenvolvimento das atividades

agro-industriais. A história pessoal do autor vincula-se à história do cooperativismo no

município: além de citar o seu pai, percebe-se sua atuação neste setor, ao lermos o texto.

Não há referências às fontes consultadas e, sim, ao seu envolvimento na produção de um

documentário sobre as 5 Cooperativas na “fase áurea” – fonte para outras pesquisas sobre o

tema.

10- TEXTOS SOBRE O ENGAJAMENTO POLÍTICO DOS PATROCINENSES

Revolução Constitucionalista e A Guarda Nacional Patrocinense

Conforme consulta à “Ata nos arquivos da municipalidade”, o autor aborda o

processo de inscrição dos 26 voluntários patrocinenses, em 1932, “(...) e muitos deles

seguiram para os campos de batalha (...)”.(p.36) A listagem dos respectivos voluntários

finaliza o breve texto. O segundo texto, embora mais longo, caracteriza-se igualmente por

nomear os patrocinenses – neste caso, em relação à participação na Guarda Nacional.

Patrocinenses na Guarda Francana , Oficiais da Guarda Nacional da Comarca de Patrocínio

do Sapucaí e Oficiais nomeados por decretos são listados. Além disso, encerra o texto a

listagem dos “Cidadãos Patrocinenses com notórias patentes da Guarda Nacional, cujas

nomeações ou citações não foram encontradas nos documentos consultados na presente

pesquisa”. O que podemos concluir? O que era de conhecimento do autor, um dos mais

velhos do grupo de trabalho, em 1984, mas não corroborado pela documentação escrita foi

considerado legítimo pelo mesmo. 78

A Política Patrocinense é um texto prodominantemente analítico e menos factual.

O argumento principal é o caráter conservador da política local, tendo em vista

? 78 Antonio Miguel do Nascimento, patrocinense, funcionário municipal e encarregado da merenda escolar, em 1984, escreveu o primeiro texto. Já o segundo teve como responsável o patrocinense Custódio Falleiros do Nascimento, que foi agricultor e trabalhou com beneficiamento e comércio de café, tendo exercido alguns cargos públicos no município.

Page 121: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

114

“A estrutura eminentemente agrária de nossa economia, as marcas ainda recentes do período coronelista, a pequena população e alguns fatores característicos de uma organização semi-provinciana (...)” (p.94)

Alguns acontecimentos são analisados e confirmam este caráter conservador.

Primeiramente, a influência do Cel. Estevam Marcolino de Figueiredo, chefe do partido

conservador local que, logo depois da proclamação da República, encarregou-se de

responder – servindo de secretario ad-hoc – a circular enviada pelo Governo Provisório do

Estado, comunicando a sua instalação. Com base nos escritos de E. Leão Bourroul,

transcreveu-se o documento, qual seja, a resposta da Câmara Municipal de Sapucahy aos

membros do Governo Provisório. Nele, além da adesão ao Governo Provisório e

cooperação para a manutenção da paz e dos direitos de todos os cidadãos, a Câmara e seus

munícipes convidam o Governo Provisório a

“(...) envidar todos os seus esforços junto do Gabinete do novo regime – quanto antes – convocar o corpo eleitoral dos Estados do Brazil e, por um Apelo ao Povo, por meio de um plebiscito, consultá-lo sobre se ratifica ou não a deposição da Dinastia do Senhor Dom Pedro II, e qual a forma de governo que apraz lhe seja dada.

A doutrina do plebiscito é nimiamente democrática, e ao passo que rodeia de todas as garantias as aspirações liberais da nação, salvaguarda por igual os interesses conservadores da sociedade brasileira.

Saúde e fraternidade – Paço da Câmara Municipal da Vila de Nossa .S. do Patrocínio do Sapucaí, em 25 de Novembro de 1889 (...)”.79 (p.96,97, grifos nossos)

Este documento, para os autores do texto do Almanaque Histórico de Patrocínio

Paulista, demonstra um caráter conservador, pois “(...) a proposta de um plebiscito,

ademais, indica a desafeição patrocinense à nova forma de governo” .80

? 79 O colaborador do Almanaque consultou a obra de BOURROUL, E. Leão. Homenagem do povo de Patrocínio do Sapucaí ao seu querido chefe Estevam Marcolino de Figueiredo. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1913. Este mesmo documento é reproduzido – com grafia original – no Almanack Francano para 1902, organizado por Misseno Franco, na parte dedicada à biografia do Cel. Estevam Marcolino de Figueiredo(p.135,136).

80 Op. cit. p.97. O texto contou com o plano e pesquisa de João Nério Barbosa (patrocinense e,

em 1984, estudante de História, na Unesp-Franca) e redação de Osmar Henrique Costa Parra

(francano, morador na cidade, em 1984)

Page 122: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

115

Outros exemplos de conservadorismo: a pequena participação feminina nos cem

anos de vida política e a permanência do município ao situacionismo, quando da reforma

partidária e eleições no começo dos anos oitenta (final da ditadura militar). Além disso,

temos também alguns trechos pitorescos como o a seguir, que se tornou “causo” propício a

ser contado e recontado em uma cidade pequena,

“Trabalhou aqui, por volta de 1945, um promotor de Justiça tido como comunista (...) Nas eleições para a presidência da República após a queda do Estado Novo, o candidato do PCB, Yedo Fiúza, teve um único voto da cidade. Apesar de secretas as votações, Patrocínio do Sapucaí em peso sabia em quem votara o promotor...” (p.98)

Em relação às fontes, é citado E. Leão Bourroul e, provavelmente, foram

consultadas atas da municipalidade, apesar de não explicitadas. Moradores locais, talvez

mais engajados na política local, teriam também colaborado?

11 – TEXTOS SOBRE A EXPRESSÃO LITERÁRIA E ARTÍSTICA

A expressão literária, neste primeiro caso, diz respeito à Imprensa local. Assim

sendo, busca-se refazer um percurso histórico dos jornais patrocinenses desde o início, em

1915, até o último jornal local datado de 1968 e de vida curta. Dos anos 70 até a época da

elaboração da pesquisa, 1984, o município não teve nenhum periódico. O autor, Airton A

Silva, foi tipógrafo e dono de jornal local nos anos cinqüenta. Aponta, ao longo do texto, as

fontes consultadas e as não encontradas:

“‘A Justiça’ circulou por vários anos. Os Arquivos da prefeitura Municipal guardam boa quantidade de exemplares dos anos de 1924 e 1925 [...] Cremos que o único exemplar do seu primeiro número (15.05.1915) é hoje o da coleção de Ruben Goulart de Andrade, residente em São Paulo, e que agora, gentil, o remeteu para ilustrar esta Memória”. (p.119)

“ ‘ O Estevinópolis’ possuía quatro páginas com quatro colunas de dois furos e meio. Não conseguimos muitos exemplares para esta pesquisa, nem logramos apurar a data de seu desaparecimento”. (p.120)

Page 123: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

116

“ Este exemplar, único que restava do jornal [ ‘A Mocidade’], foi visto por nós há alguns anos; lamentavelmente, porém, agora não mais o localizamos”. ( p.121)

“ Não localizamos, é certo, nem mesmo um exemplar de vários jornais de efêmera existência na cidade, mas permaneceram na lembrança de muitos o apimentado e humorístico ‘ A Garganta’, o satírico ‘A Tesoura’ (...)”. (p. 124)

O conflito entre pessoas ligadas ao jornal “O Estevinópolis” e outras ligadas ao “A

Justiça” é comentado:

“O confronto pessoal era iminente. Eis como a veneranda d. Mercedes Garcia de Andrade – num depoimento especialmente escrito para este Almanaque – relata os acontecimentos: (...)”. (p.119)

Do registro escrito ao que se guardou na memória, do encontrado no arquivo

municipal à coleção particular: o percurso histórico que se objetivava foi construído,

ilustrado por alguns dos títulos destes periódicos. Os títulos e subtítulos destes jornais são

instigantes para o pesquisador, embora aqui não sejam analisados. A título de exemplo: “O

Estevinopolis” – “Orgam dedicado aos interesses do municipio” (o título era uma

homenagem a Estevam Marcolino de Figueiredo); “O Progresso” – “Orgam Imparcial,

Litterario e Noticioso” etc.

Em Artes, procura-se justificar a relevância da expressão artística como “(...) parte

das comunidades humanas desde os tempos mais remotos [...] expressão de todo um povo:

de suas lutas, seus anseios, suas realizações” E, em Patrocínio Paulista, as artes

“(...) não poderiam deixar de estar presentes ao longo da história. Queremos, neste trabalho, homenagear patrocinenses que se destacaram em alguma atividade artística, e pessoas que, mesmo não sendo filhos da nossa terra, dedicaram-se no sentido de engrandecer as artes em nossa cidade”. ( p.125)

A intenção do registro das atividades artísticas locais é também a intenção da

homenagem aos que engrandeceram o cenário das artes no município, registrando-os no

“livro da cidade”. Uma abordagem mais crítica do tema, que demandaria um maior

levantamento de fontes, um maior diálogo com conceitos subjacentes à temática – como o

conceito de cultura – cedeu terreno, aqui, a uma leitura mais linear e cronológica que põe

Page 124: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

117

em relevo certos perfis biográficos ao mesmo tempo que peca pela omissão de “outros”

artistas anônimos, por exemplo, no que se refere aos trabalhos artesanais.

E o que seria englobado como “artes” e quais os respectivos artistas? Em primeiro

lugar, “poetas e escritores”, seguindo-se os “músicos”, os “pintores”, o “grupo teatral”,

os “trabalhos artesanais” e, no final, as “festas folclóricas”. Que critérios – inclusive os

subjetivos – nortearam esta leitura da cultura, circunscrita ao tema das artes, e perpassam as

várias expressões artísticas, hierarquizando-as?

Em relação às fontes, há uma única referência ao jornal local “O Município”, de

1924. 81

12- TEXTO SOBRE AS VIAS PÚBLICAS

História das Vias Públicas Patrocinenses foi escrito por cinco colaboradores.82

Ler este texto é entrar em contato com biografias de pessoas que entraram para a história

local oficial e refletir sobre os porquês desta inclusão; é notar que as denominações de

algumas vias públicas passam por alterações normalmente relacionadas às mudanças de

interesses políticos; é relacionar certas reformas das áreas públicas – e também das

paisagens – como “marca das administrações”; é perceber as transformações no espaço e a

expansão da área urbana ao longo do tempo. Exemplos:

? 81 Este texto, escrito por esta pesquisadora, baseou-se fundamentalmente em informações colhidas junto aos familiares de determinados artistas. Várias informações relativas à parte literária e musical vieram da senhora Mercedes Garcia de Andrade; escrevemos carta a um músico, que enviou-nos, de próprio punho, a sua biografia, que foi reproduzida praticamente na íntegra; consultamos exemplares de jornais antigos na Prefeitura Municipal, embora não fazendo as referências bibliográficas devidas. Na parte de trabalhos artesanais, são destacadas duas pessoas, sendo uma delas o nosso avô; alguns moradores locais informaram-nos quanto às festas folclóricas, assunto que poderia ter sido melhor explorado. Recordamo-nos das várias informações recebidas dos componentes do grupo de trabalho, notadamente os mais velhos. Ressaltamos que é de nossa inteira responsabilidade o texto final publicado, inclusive as possíveis incorreções e as omissões já verificadas. Atribuímos a nossa participação no projet o ao fato de, em 1984, termos ingressado no curso de História na Unesp-Franca e também à nossa ligação com as artes enquanto professora de música para crianças e adolescentes.

? 82 A maioria patrocinense e todos moradores na localidade, na época: Hélio Vilhena Moreira (estudante de Direito e oficial maior do cartório de registro de imóveis); Nainôra Maria Barbosa de Freitas (estudante de História da Unesp-Franca e, conforme os organizadores, “incumbiu-se de grande parte das biografias inseridas neste Almanaque” ); Ruben Alvarenga de Andrade

Page 125: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

118

“1- JARDIM CORONEL BATISTA DA LUZ. Antigo ‘Jardim da Praça Nossa Senhora do Patrocínio’, denominação modificada em julho de 1914 para ‘Jardim da Luz’. O nome atual foi dado em janeiro de 1915” (p. 260) [ segue-se a biografia do Cel. Antônio Batista da Luz].

“7- PRAÇA DO CENTENÁRIO. Antiga Praça Carlos Gomes, que passou a se chamar ‘Praça do Centenário’ em 7 de setembro de 1922 (lei nº 29/22) em homenagem aos cem anos de Independência, ocasião em que foram realizados diversos festejos: missa campal, plantação de uma palmeira imperial e inauguração do obelisco, sob o qual foi colocada uma caixa contendo moedas e jornais da época. Na administração do prefeito Leonardo Falleiros do Nascimento a praça sofreu uma remodelação e o obelisco foi substituído. No entanto, seus dizeres permaneceram no novo monumento: 1º Centenário da Independência 1822-1922, P. do Sapucahy” (p.262,263).

“15- RUA BAHIA. Denominação dada pelo decreto nº 697, de 16/12/1981 à antiga rua ‘H’, situada no Bairro Santa Cruz. Estado da região nordeste do Brasil, a Bahia tem como capital a cidade de Salvador (...)” (p.264).

“20- RUA CÔNEGO PEREGRINO. Nome dado pela Câmara em 11/02/1916 à antiga ‘Rua Municipal’, por proposta do vereador Capitão João Villela Filho” (p.265) [segue-se a biografia do homenageado – a mais extensa delas].

Cinqüenta e oito vias públicas são elencadas. No geral, aponta-se a legislação

consultada referente às denominações e alterações feitas ao longo do tempo. Em relação às

biografias, não há referência às fontes consultadas. Seriam os familiares dos

homenageados os principais informantes? Podemos trazer aqui as falas de alguns dos

nossos entrevistados, primeiramente Aloísio de A. Freitas e, posteriormente, Izar G. de

Andrade.

Sobre o “Sargento Tomáz”, denominação de rua: “Olha, foi uma luta para achar

quem foi esse homem, sabe?(...)”

Sobre a informante Mercedes G. de Andrade: “E a mamãe participou, viu formar

muita coisa e ela interessava, gostava disso. De modo que ela informava pra todo mundo.

(secretário da Prefeitura Municipal); José Amauri do Nascimento (estudante de Direito na Unesp-Franca) e Fabiano Junqueira de Freitas (estudante de Psicologia, Uberaba-MG).

Page 126: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

119

A Nainôra ‘morou’ aqui dentro dessa casa, pegando dados; acho que ela fez sobre ruas,

informação de um, de outro (...)”

Não sabemos quais foram as facilidades e dificuldades destes autores, as leituras de

nossos entrevistados sobre aquele momento da pesquisa são visões pessoais, não

conclusivas e exclusivas.

13- TEXTOS QUE SÃO BIOGRAFIAS

O primeiro, a cargo dos organizadores, é a biografia de José Alves de Souza

Falleiros Junior e , o segundo, de autoria de José Geraldo de Andrade, é sobre a Madre

Maria das Neves, Uma predestinada. As biografias, neste caso, enfatizam as ações destes

dois personagens na história e foram inseridas no livro com o intuito da homenagem. Por

outro lado, a sua leitura pode propiciar a compreensão de relações sócio-culturais e de

modos de vida destes personagens biografados.

Além dos textos, já comentados, é necessário mencionar as imagens iconográficas

que constam no livro. A primeira delas, a cargo dos organizadores, é uma reprodução da

página “Eclipses” do Almanach Litterario de São Paulo, de 1885, ano da emancipação

política de Patrocínio Paulista. Justificam: “Ah, sim! Para ser mantida a tradição (...)”

(p.8). A reafirmação do vínculo com a tradição daqueles almanaques que trazem, já nas

primeiras páginas, o calendário é, ao mesmo tempo, a retomada dos sentidos etimológicos

da palavra “almanaque” que ligam o homem ao cálculo, à memória, ao tempo e ao espaço.

Reproduções de mapas sobre o meio ambiente local; reproduções de pinturas: sede

de fazenda e alguns “vultos”; reproduções de volante de alistamento (1932), de Mandado

expedido no processo contra os garimpeiros (1862), de partitura musical do Maestro Garcia

(música de 1894, editada posteriormente); reproduções de títulos de jornais locais e, em

maior número, reproduções fotográficas. Ao lado de cada reprodução, os organizadores

colocaram legenda e informação sobre a procedência. Em relação a este último aspecto, a

procedência, observa-se a colaboração de diversos moradores do local, o que é também

uma forma de participação na feitura do livro.

Page 127: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

120

Algumas reproduções fotográficas referem-se ao “presente”(1984-1985): pessoas

vivas (prefeito e vereadores do momento, José A. de Souza Falleiros Júnior e da primeira

criança nascida no ano do Centenário), prédios públicos e algumas casas particulares que se

vinculam a alguma atividade considerada relevante no passado (por exemplo, a casa onde

funcionou uma escola para meninas no início do século XX), o encontro das águas dos rios

Sapucaizinho e Santa Bárbara (próximo de onde se fixou o primeiro núcleo de

garimpeiros). A grande maioria das reproduções fotográficas referem-se ao passado e

ilustram os textos. Dentre elas: vistas panorâmicas da cidade e do jardim da Igreja Matriz

em diferentes momentos históricos, pessoas consideradas importantes na história local, altar

e pórtico da Matriz antes das reformas, voluntários de 1932 e a festa na chegada dos

pracinhas (1945), Dominguinhos (“tipo popular”), garimpo e garimpeiros, policiais (1937),

prédios públicos e particulares, conjuntos musicais e artistas, o velório, componentes de

irmandades, patrocinenses na praia (início do século XX), meios de transporte e fábricas,

equipes de futebol e corrida eqüestre, autor de texto sobre o município (Carmelino C.

Júnior).

Sobre elas, diz o organizador Carlos Alberto B. de Matos,

“(...) o fotolito é que não saiu bom, os fotolitos saíram péssimos (...) isso aqui está

muito mal, para uma foto isto aqui está muito apagado, né?

Depois desta descrição, alguns aspectos da utilização da fotografia neste trabalho

sobre a história local poderiam ser destacados. Em primeiro lugar, observa-se que as

reproduções fotográficas “ilustram” os textos, mas nem por isso prescindiu-se da

identificação de pessoas e lugares retratados por parte dos colaboradores – notadamente os

mais velhos – e os organizadores. Em segundo lugar, menos do que ilustração e mais como

fonte, o documento fotográfico, junto ao depoimento de uma antiga moradora do local, foi

aceito na ausência da documentação escrita referente ao primeiro promotor de Justiça na

comarca, conforme já comentamos anteriormente. Em terceiro lugar, a utilização das

imagens fotográficas em trabalhos como este tem o seu papel no que se refere ao processo

de rememoração, funcionando como um detonador da memória.

Page 128: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

121

A reprodução fotográfica de melhor qualidade visual é esta vista panorâmica da cidade, na década de

10 do século XX, que foi inserida no final do livro (Coleção Municipal).

Page 129: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

122

Embora a utilização da documentação escrita tenha sido preponderante na

realização do Almanaque, percebe-se a utilização de outras fontes, especialmente os relatos

orais – mesmo que sem o devido rigor metodológico necessário. A importância deste

entrecruzamento de fontes em uma pesquisa está na possibilidade de se obter versões

diferenciadas sobre o mesmo assunto.83

As imagens iconográficas, especialmente as fotografias, podem nos ajudar na

compreensão do passado desde que possamos analisá-las criticamente. Reconhecemos que

tais imagens influenciam muito a forma pela qual nós percebemos a realidade e, sendo

assim, uma questão se coloca: as imagens fotográficas são meros espelhos do real? Que

significados contêm? Ao mesmo tempo em que podem “refletir” o real, elas trazem uma

riqueza de significados que vão além da questão da referência. Por exemplo, no Almanaque

encontramos reproduções fotográficas de vistas panorâmicas da cidade em diferentes

momentos do século XX: trata-se da referência a determinado lugar, em determinados

momentos (o leitor conta com a legenda que identifica o local e a época). No entanto, mais

do que esta identificação, podemos aprofundar nossa leitura interrogando-nos sobre quem

as fotografou e por quais motivos, sobre as pessoas que habitavam a cidade (por exemplo:

os diferentes grupos sociais e seus modos de vida), as permanências e as mudanças em

relação aos diversos tempos históricos, por que foram inseridas no Almanaque... Em

síntese, concordamos com SAMAIN,

“As fotografias não são apenas boas para serem olhadas: são boas para serem pensadas (...) Elas são, também, muito mais que simulacros, muito mais que aparências sensíveis que querem se oferecer como sendo realidade. O que devemos à singularidade da imagem fotográfica – revezada, mais tarde, com o cinema – é de ter sido, há mais de século e meio, uma das principais responsáveis pela sobrevivência de nosso imaginário (...)”84

? 83 DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. Relatos Orais: a participação dos sujeitos na pesquisa histórico-sociológica. Cadernos CERU. São Paulo, n.5, série 2, p.61-67, 1994.

? 84 SAMAIN, Etienne. A “Caverna Obscura”. In Imagens . Campinas, SP, Editora da Unicamp, n. 1, p.50-61,abril de 1994.

Page 130: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

123

Este percurso pelas sendas do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista insere-

se em um “mapa local” que a obra oferece ao leitor. Na voz de um dos organizadores,

Carlos A. B. de Matos, o livro é

“ (...) bem adequado ao nome ‘Almanaque’: de coisas díspares e também de níveis diferentes. Trabalhos muito bem escritos, outros trabalhos já assim um pouco piores... A intenção era esta, a intenção era esta...Não era fazer um trabalho de nível acadêmico (...) mas se registrou, acho que deu para fazer um apanhado grande (...)”

Concordamos com ele quanto a questão da variedade de assuntos que se tentou

abarcar, das diferenças entre os textos e quanto ao âmbito do registro elaborado. Ao

relembrar o contexto comemorativo do 1º centenário de emancipação política local no qual

a obra se insere, retornamos a HOBSBAWM (1984: p.21) no que se refere à toda tradição

inventada que, “na medida do possível, utiliza a história como legitimadora de ações e

como cimento da coesão grupal”. Em alguns casos, para o autor, “o elemento de invenção é

particularmente nítido”, quando a história oficializada “não corresponde ao que foi

realmente conservado na memória popular mas àquilo que foi selecionado, escrito,

popularizado e institucionalizado por quem estava encarregado de fazê-lo”

Já havíamos enfatizado o Almanaque como produção histórica local que, inclusive,

confere legitimidade às comemorações do centenário. Prosseguindo em nossa análise,

observamos que, na sua produção, inclui-se certa dimensão comunitária, pois o trabalho,

afinal, contou com vários colaboradores diretos e indiretos. Analisada em seu conjunto, a

obra oferece uma diversidade temática que remete a uma das definições comuns deste

gênero literário e editorial: o almanaque como o que traz “de tudo um pouco”, ou seja, ao

seu caráter enciclopédico. As narrativas trazem as particularidades de cada autor e algumas

delas puderam ser agrupadas, tendo em vista certos elementos mais ou menos em comum,

na leitura que fizemos.

Se, em parte, conseguiu-se obter um painel diversificado da localidade que inclui

desde uma abordagem aprofundada do meio ambiente da região até “toques” humorísticos,

observamos, por outro lado, certa predominância da “reconstrução” histórica alicerçada na

linearidade temporal das narrativas cronológicas. Alguns autores destacam a “fibra” dos

patrocinenses ou certa visão idealizada das origens e dos fundadores, mas não podemos

Page 131: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

124

afirmar que este é o “tom” encontrado em todos os textos. Neste ponto, diferentemente de

outro Almanaque Histórico consultado, qual seja, o de Franca (1943), no Almanaque

Histórico de Patrocínio Paulista a retórica enaltecedora é bem menos presente. 85

O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista é o resultado de uma seleção

de temas e as perguntas e/ou problemas que os componentes do projeto colocaram às fontes

determinaram os rumos de suas pesquisas e, em última instância, a versão da história local

que se produziu. Relembramos que o trabalho foi desenvolvido por “amadores”, em sua

maioria, não havendo preocupação, por parte dos organizadores, com questões teóricas e

metodológicas de pesquisa e, sim, com o recolhimento e registro de informações e com a

participação de uma parte dos moradores do local.

Em que medida esta produção corresponde “ao que foi realmente preservado na

memória popular”? Esta questão traz algumas implicações. A primeira delas diz respeito ao

fato de que, conforme GINZBURG (1987), geralmente não encontramos o que ficou

conservado na memória popular nos documentos escritos e, sim, no que a tradição oral

preservou. A segunda é que o trabalho da memória tem suas particularidades. Assim

sendo, nota-se que alguns colaboradores-pesquisadores levaram em consideração, nas suas

85 O Almanaque Histórico de Franca (1943) pode ser considerado o “almanaque paradigma” em relação ao de Patrocínio Paulista: contou com dois organizadores e foi escrito por vinte e dois colaboradores; não tem propagandas comerciais; denomina-se “Histórico” e apresenta uma estruturação textual voltada, principalmente, para a “reconstrução histórica” dos respectivos temas. Conforme os organizadores, “(...) distribuímos os assuntos entre várias pessoas, muitas das quais especializadas na matéria de seu encargo no ‘Almanaque’, possibilitando, destarte, maior recolhimento de dados acerca de temas diversos, apesar de no fundo serem igualmente históricos relacionados com a Franca. (...)” ( p. 5,6. Grifos nossos) O texto inicial é o“A Franca- Esbôço de História e Costumes”, do jurisconsulto Affonso José de Carvalho e publicado pela primeira vez no Almanaque de Franca para 1913 (1912) e, além dele, temos: “Esboço Histórico da Franca”- fase de 1913 a 1940, Estatística do Município da Franca, Franca Agrícola, Pecuária em Franca, Indústria e Comércio, Literatura na Franca, Advocacia em Franca, a Imprensa em Franca, a Música em Franca, Belas-Artes em Franca, A Rádio-Difusão em Franca, a Instrução na Franca, a Educação Física em Franca, Franca Judiciária, a Medicina em Franca... E da mesma forma: a Odontologia, o Catolicismo, o Espiritismo, a Legião Brasileira de Assistência, a Geologia, o Rádio Amadorismo, a Construção, a Taquigrafia, a Filatelia, a Luz Elétrica etc. Há também palavras de homenagens e algumas poucas poesias, além de trechos curtos sobre instituições locais e perfis biográficos de personalidades. Até aqui destacamos pontos de contato entre as duas obras. Por outro lado, em relação às imagens fotográficas e diferentemente do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, reproduções fotográficas privilegiam as autoridades – a começar de Getúlio Vargas – logo nas primeiras páginas, e conferem destaque aos colaboradores responsáveis pelos textos.

Page 132: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

125

pesquisas, a dimensão da memória social, mesmo não sabendo, no geral, lidar teórica e

metodologicamente com a mesma; outros, em suas reminiscências, ancoraram-se em

marcos da memória para construir narrativas que são leituras individualizadas de certa

memória de um grupo; a sugestão de temas, por parte de alguns colaboradores

patrocineneses mais engajados no projeto, indica a predileção por determinada memória

local a ser preservada. A memória que inclui alguns e exclui outros diz respeito à afirmação

– e mesmo à reafirmação – de alguns atores privilegiados na construção da história local.

A dimensão pela qual o “outro”, “o diferente” aparece pode nos dizer da leitura que se faz

de “outros” grupos sociais. Neste sentido, sabemos que, quanto maior for a consideração da

memória popular na escrita da história, maior será o contraponto às construções narrativas

que desconsideram as diversas vozes e as contradições inerentes ao processo histórico.

Vejamos alguns dos trechos do Almanaque que são referências a uma memória popular

que, com o livro, ficou registrada:

“Entre os porteiros, Artur Alves Faleiros (“Barão”), Geraldo Villela de Figueiredo e Nério Corradini; Nério, durante várias administrações, esteve à porta do cinema com seu sorriso e sua amabilidade, recebendo os bilhetes dos freqüentadores.” (p.56)

“Estiveram presentes ao longo da história patrocinense festas como cavalhadas, congadas, folia de reis, além das festas tradicionais do calendário católico [...] As festas em louvor aos santos dos escravos (São Benedito, Santa Efigênia, etc.) aconteciam no mês de maio, acompanhadas por um ‘batuque’ em homenagem ao 13 de maio. Porém, foram escasseando, até acabarem.” (p.134-5)

“Ainda sem nome definido, fundou-se a entidade em 26 de novembro de 1979 [...] batizando-se o empreendimento de Centro Comunitário Maria do Rosário [...] [Maria do Rosário] organizou e participou de vários leilões e quermesses efetuados para a reforma da capela de Santa Cruz; os festejos de 13 de maio contavam sempre com sua presença ativa. Fora disso, ganhava a vida fazendo faxinas, torrando café; pessoa caridosa, sentia verdadeiro prazer quando podia auxiliar outros mais necessitados do que ela.” (p.140)

“A Semana Santa, liturgicamente precedida pela Quaresma, é tempo de penitência, jejum e abstinência, etc. Aqui, na antiga Patrocínio do Sapucahy, tinha suas tradições, lendas e superstições, como o lobisomem, a mula sem cabeça.” (p.206-7)

Page 133: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

126

“Antes de 1908, não existiam médicos na cidade e os partos eram feitos pelas ‘curiosas’ Inocência Falleiros, ‘Tia’ Carlota e Alexandrina Marcolina.” ( p.234)

“Por volta de 1952/53, um policial destacado nesta cidade, conhecido na época por Cabo Newton, amante do esporte, começou a treinar e selecionar para a prática do futebol garotos na faixa etária de 13 a 18 anos (...) O JUVENIL possuía uma torcida vibrante, que comparecia em massa ao campo. Tantos foram os títulos e troféus conquistados que – pela sua curta existência – tornou-se um dos clubes mais queridos e populares da história do desporte patrocinense.” (p.251)

Para GINZBURG ( 1987: p.18), a contraposição da cultura popular à cultura das

classes dominantes coloca um problema ideológico ao historiador que diz respeito “à

persistência de uma concepção aristocrática de cultura” na qual as classes dominantes

produzem as idéias e as crenças e as classes subalternas as incorporam e as deformam. A

circularidade cultural proposta pelo autor tem por base, para além das dicotomias, as

influências recíprocas entre as culturas subalterna e hegemônica. Na consideração deste

referencial teórico, procuramos pensar o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista em

correlação com aqueles dois campos da cultura e, assim sendo, podemos perceber que ele

não é representante exclusivo de nenhum deles, embora, predominantemente, tenha se

baseado em documentos escritos e seja uma memória histórica local que dissimula certos

conflitos entre os diversos grupos sociais, ou seja, de certa forma está mais próximo do que

poderíamos chamar de cultura dominante. Se ele divulga conhecimentos considerados

eruditos, como a monografia sobre o povoamento e o texto sobre o meio ambiente, nem por

isso manteve-se impermeável à penetração de certos aspectos da cultura considerada

popular, tais como os causos, os apelidos, por exemplo – ainda que através das variadas

interpretações dos colaboradores e organizadores. Em relação aos atores envolvidos na

tessitura desta obra – e novamente citando GINZBURG ( 1987) – é necessário considerar

que, alguns mais e outros menos, operaram na filtragem de alguns aspectos desta cultura

subalterna e predominantemente oral. A produção de um conhecimento histórico que

permeia mais de um universo cultural bem como a sua recepção pelo leitor compõem um

mesmo movimento – e buscamos apreender seus vários sentidos.

Retomamos a frase do governador do Estado na época, Franco Montoro, na

apresentação da obra: “Os Almanaques no confronto com a crônica oficial derramam

Page 134: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

127

diante de nossos olhos a vida concreta da sociedade”. Acreditar que a obra possa

“derramar a vida concreta da sociedade” ao leitor significa crer na segurança da verdade

histórica definitiva, sem mediações e relativizações; confrontar os almanaques com a

crônica oficial, como se sempre dissessem respeito a coisas muito díspares, é fazer uma

leitura unidimensional deste “mundo” de possibilidades que os almanaques sugerem nos

variados contextos de produção e recepção que encerram; assim sendo, alguns podem se

aproximar mais do que consideramos “oficial”, e outros, menos. No caso do Almanaque

Histórico de Patrocínio Paulista, há a reafirmação de fatos e personagens anteriormente já

considerados oficiais, mas há outras facetas do trabalho de pesquisa: por exemplo, a

sistematização de informações antes dispersas ou até então desconhecidas (criação de

outros eventos) e a incorporação, em certa medida, ainda que não preponderantemente, de

aspectos que permeiam o universo popular local. Se os textos, no geral, trazem a marca do

factual e da cronologia, há particularidades dos autores na forma de narrar: alguns deles se

pautam pelo rigor do texto que se quer objetivo e imparcial, já outros chegam a certa

exposição de pontos de vista pessoais ao leitor. Observa-se, entretanto, que a participação

da Prefeitura Municipal no projeto ficou estampada na capa do Almanaque que, assim

sendo, carrega a marca da história local oficializada. A imagem fotográfica escolhida pelos

organizadores para constar na capa é a da Igreja Matriz, ou seja, reafirma-se a tradição

católica local; remete-se às origens do povoado quando, por influência do Monsenhor

Cândido Rosa, promoveu-se uma subscrição pública para a aquisição de área da Fazenda do

Turvo, doada à Nossa Senhora do Patrocínio e, posteriormente, fundou-se a freguesia.(vide

p.128).

Nunca é demais lembrar que, para além do oficial ou do não oficial, a obra pode ser

analisada enquanto “documento histórico”, como fez GALZERANI (1998:p.5) em relação

aos almanaques oitocentistas campineiros, inspirada, dentre outros, em BENJAMIN. A

autora faz uma “leitura a contrapelo” do documento que possibilita a percepção de

“outras” visões, “outras” práticas sociais e “outras” sensibilidades e não a leitura do

almanaque enquanto “receptáculo de dados estatísticos, de informes históricos vistos como

‘verdadeiros’, como totalmente objetivos” .

Page 135: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

128

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio

( foto Pe. Custódio Guimarães de Miranda, OAR)

Page 136: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

129

A outra questão que se impõe, ao tratar da incorporação ou não da memória popular,

é a relativa à identificação ou não das pessoas com tal escritura da história local. Em que

medida isso se dá ? Quem ou que grupos se identificam – e quando – com esta memória

histórica construída? Onde não há identificação? Para abarcar esta questão em toda a sua

profundidade, necessitaríamos de uma investigação cuja envergadura foge aos nossos

propósitos neste momento, mas vamos abordá-la inicialmente a partir da fala de nossa

entrevistada, Izar G. de Andrade:

“E eu sempre falo para os alunos que toda casa devia de ter [um exemplar do Almanaque]. Um ou outro tem aquele certo orgulho de falar: ‘meu pai está lá’, ‘em tal lugar fala disso’, ‘a minha rua está lá’”.

Ao lado da identificação de alguns, quantos outros não se sentem representados por

meio desta obra? Que relações poderíamos estabelecer entre memória, história e

identidades?

Segundo FERREIRA, as comemorações contribuem na definição de identidades e

das legitimidades políticas e “(...) a identidade está profundamente ligada à memória(...)”.

Se a memória é um elemento importante para a constituição da identidade tanto individual

quanto coletiva, por ser fator de “sentimento de continuidade”, de “reconhecimento e a

valorização de indivíduos ou grupos ”, também “(...) memória e identidade podem ser

perfeitamente negociadas e não são fenômenos que devam ser compreendidos como

essências de uma pessoa ou grupo”.86

Por sua vez, para NIETHAMMER, se a memória está ligada à identidade não

necessariamente a identidade estará ligada à memória, pois

“(...) há outras maneiras de constituir identidades coletivas que não através da memória e, sendo essas [as memórias] simplesmente reprimidas na história da identidade, a qualquer momento podem voltar à luz novamente e oferecer seus serviços àqueles que não gostam de lembrar e ser lembrados.”87

? 86 FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral, Comemorações e Ética. In PROJETO HISTÓRIA: Ética e História Oral. 1997, p.157-8. Ainda conforme a autora, “a História Oral é um método extremamente eficaz para lidar com esta problemática”.

? 87 NIETHAMMER, Lutz. Conjunturas de Identidades Coletivas. In PROJETO HISTÓRIA: Ética e História Oral. 1997, p.134. Em relação à memória, o autor aponta uma mudança de paradigma, em

Page 137: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

130

Em se tratando, então, das maneiras pelas quais construímos nossas identidades,

THOMSON afirma que “(...) as maneiras pelas quais contamos nossas histórias do

passado são uma das formas cruciais pelas quais construímos nossa percepção de quem

somos agora”.88 Além das lutas entre experiências passadas e identidade atual, ou seja,

entre o que aconteceu no passado e o que queremos ser agora, existe a luta entre “(...) as

nossas próprias experiências e lembranças e as histórias públicas”. Para o autor, é preciso

estarmos conscientes de que há “um processo de interiorização destas histórias públicas”,

e que

“(...) qualquer grupo marginalizado pode muito bem, dentro da sua comunidade ou grupo, elaborar suas histórias nos seus próprios termos. Entretanto, essas histórias estarão, freqüentemente ou sempre, em conflito com histórias mais persuasivas de outras pessoas que querem representá-las de formas diversas”. (p.82)

A questão da memória e da construção de identidades é intrínseca à discussão dos

significados plurais do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista. Esta produção do

conhecimento histórico local compõe-se da construção de fatos que, por sua vez,

constituem imagens de história, de cidade, de cidadãos, ou seja, constitui identidades.

GALZERANI (1998:p.17), quando da análise dos almanaques oitocentistas campineiros,

afirma que estes são, ao mesmo tempo, “ressonâncias do universo social” e “ instituintes

do social” . Concordando com esta análise, perguntamo-nos em que medida esta memória

histórica patrocinense – e, por que não, oficial – elaborada no contexto das comemorações

do 1º centenário local define uma identidade coletiva? Em que medida esta definição é

elaborada pela apropriação de recortes do passado assimiláveis no presente? Em que

décadas anteriores e pouco depois da I Guerra Mundial, que está ligada a nomes como Bergson, Zemon, Proust, Freud, Warburg, Benjamim e Halbwachs: “(...)conquanto antes disso a memória fosse em grande parte uma coisa técnica, que deveria ser otimizada em sua precisão e capacidade de retenção (como na mnemotécnica retórica, ou como Skinner e outros nas últimas décadas, o novo interesse introduziu uma avaliação totalmente diferente da memória, não mais como instrumento, mas como órgão central, responsável pela integridade de uma pessoa ou cultura ao longo do tempo, sendo básica à sua especificidade, comportamento e poderes criadores, com dimensões inconscientes e involuntárias, indefinível em suas fronteiras abertas com o corpo, de um lado, e com a cultura, de outro” p.133.

? 88 THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre História Oral e as memórias. In PROJETO HISTÓRIA: Ética e História Oral. 1997, p. 80.

Page 138: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

131

medida há ou não identificação dos indivíduos e dos grupos sociais com esta escritura da

história?

Em relação ao conceito de identidade coletiva, concordamos com NIETHAMMER

(1997:p.137-8) que afirma que o mesmo é “simples demais”. Para ele,

“(...) a identidade deveria ser sempre plural, deveria levar em consideração os muitos lados que devem estar em harmonia nos indivíduos, e quando se trata da coletividade, você precisa passar por estágios intermediários de análise cultural [...] Gosto da diversidade dentro de culturas comuns e gostaria de manter todos esses canais abertos enquanto o conceito de identidade não pode evitar o perigo de que alguém no poder defina o que é essa identidade.(...)”.

A interrogação sobre os lugares sociais e/ou institucionais de elaboração dos

discursos sobre as cidades e a reflexão sobre as imagens por eles construídas e seus

possíveis significados ajudam na compreensão desta estreita correlação entre

representações sociais e concepções de identidade – e procuramos considerar estes aspectos

na análise do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista.

Outras leituras desta obra:

“... toda cidade tem um dono da sua história, é muito comum isso; o sujeito é o historiador e só ele é que fala sobre a história da cidade. E evitou-se isto: de ter um dono da história; a história escrita pela própria comunidade!... [...] E hoje, e agora cada vez mais, esse Almanaque vai ficando raro... E se conseguiu preservar aí a documentação... Claro que tinha muito mais coisa prá fazer, trabalhos muito mais profundos sobre várias coisas, sobre garimpo... e tudo... Mas, pelo menos, tem um registro já, uma fonte para a pesquisa, o que é importante[...] Eu sou encantado com esse trabalho que foi feito...” Carlos Alberto Bastos de Matos.

“... para uma cidade pequena, como aqui, é de uma importância!... pra ficar marcado, não é? Gravar a história do município e daquelas pessoas de valores do município. Porque senão, desaparece, morre...[...] É importante; muitas vezes ele não tem uma pesquisa com muita profundidade mas ele recolhe os dados; e se ele circula diversas vezes, vai pegando outros, não é?...” Izar Garcia de Andrade.

“Eu acho que tem uma importância porque, de certa forma, resgatou a história de Patrocínio – que é uma coisa que ninguém da cidade havia feito, foi preciso vir alguém de fora, que no caso é o doutor Carlos, que tinha interesse, pra fazer...” Ivone Pereira Dal Sasso.

Page 139: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

132

“O município inteiro se empenhou nisso aí, a comunidade patrocinense em si [...] Foi uma das coisas mais importantes que aconteceram nessa comemoração do Centenário: foi conseguir levantar a história! [...] Eles achavam que iria levantar mas nunca imaginaram que iria dar um mundaréu de coisa daquele. Surpreendeu até... O que é uma história, né? Espetacular![...] E o que foi importante durante esse trabalho foi a união do pessoal. Isso aí uniu famílias que às vezes tinha alguma mágoa, alguma coisa, aquelas famílias que às vezes não se davam bem...isso aí fez unir essas famílias em torno do trabalho...”89 Aloísio de Andrade Freitas.

Consideramos o caráter extremamente pessoal destas impressões de nossos

entrevistados, sem pretensão de generalizá-las de forma a serem uma única versão sobre o

projeto e a obra em si. Entretanto, cada uma destas falas são únicas no que revelam dos

entrevistados: suas percepções, juízos de valores, pontos de vista.

A importância do Almanaque, na visão dos entrevistados, deve-se a vários fatores: o

envolvimento da população local no projeto, a constituição de um registro que é fonte de

pesquisa, a história do município e das pessoas de valor que foi resgatada e gravada, um

marco das comemorações do centenário, o imprevisível e surpreendente da história.

Por outro lado, podemos notar algumas críticas feitas ao Almanaque, devido a

incorreções e lacunas. Ao conversar com outra moradora do local, que também colaborou

no projeto, ouvimos suas observações sobre o texto relativo ao meio ambiente,

especificamente a parte de solos. Para ela, é longo demais; o livro traz assuntos “que não

deveria ter; deveria ter mais sobre histórias...”. Outro antigo morador, me diz: “tem um

erro, meu pai sempre dizia que a Fazenda Esmeril foi de propriedade de meu bisavô e lá

não consta...” 90 De nossa parte, fazemos críticas ao que escrevemos sobre as Artes no

município, na parte de artesanato, por exemplo, há lacunas – uma investigação maior era

necessária para dar conta de uma produção que acabou ficando excluída.

De acordo com Izar Garcia de Andrade,

? 89 Entrevistas realizadas, respectivamente com Carlos Alberto B. M. , Izar G. A. ,Ivone P. D. S. , Aloísio A. F. ( ano: 2000)

? 90 Estas conversas mais informais – e não entrevistas – aconteceram no mês de julho de 2000, em Patrocínio Paulista.

Page 140: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

133

“E o Almanaque, para o meu ver, tem uma falha enorme! Por que o que é o nosso município? Um município agrícola; a economia aqui é o gado, o café, cana, arroz, feijão... Quando estava fazendo, eu insisti pois na parte de pecuária muita gente antiga informaria e das coisas atuais tinha o Ricardo aí, que mexia, vacinando o gado, estava muito ao par de saber quantas cabeças, o tipo de gado que tinha... Inclusive, eu achei esquisito algumas pessoas [...] que diziam que o Almanaque era ‘da cidade’, não era pra misturar coisas ‘de roça’, e outras pessoas foram contra e não foi feito... E tem gente que sente, não é? Porque é um município agrícola [...]

Izar critica a ausência de temas relativos à agricultura e pecuária no município –

temas fundamentais, para ela, em um município agrícola. Podemos perceber embates entre

atores do projeto quanto à história a ser escrita. Naquele momento pensava-se em fazer a

história da “cidade”? Mas o “campo” tem grande importância econômica para o

município... Escritura que agrada a uns, desagrada a outros. E a questão: “toda” a história

de Patrocínio Paulista poderia ser escrita e contada no Almanaque?

Sobre a questão do “campo” e da “ cidade”, diz Raymond Williams:

“O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações [...] No entanto, as idéias e imagens do campo e da cidade ainda conservam sua força acentuada [...] O contraste entre campo e cidade é, de modo claro, uma das principais maneiras de adquirirmos consciência de uma parte central de nossa experiência e das crises de nossa sociedade...”91

Para o autor, as imagens poderosas do campo e da cidade “constituem maneiras de

nos colocarmos diante de todo um desenvolvimento social”. Não basta contrastar tais

imagens, mas é preciso examinar suas inter-relações.

“Por exemplo, é significativo que a imagem comum do campo seja agora uma imagem do passado, e a imagem comum da cidade, uma imagem do futuro. Se as isolarmos deste modo, fica faltando o presente. A idéia do campo tende à tradição, aos costumes humanos e naturais. A idéia da cidade tende ao progresso, à modernização, ao desenvolvimento. Assim, num presente vivenciado enquanto tensão, usamos o contraste entre campo e cidade para ratificar uma divisão e um conflito de impulsos ainda não resolvidos, que talvez fosse melhor encarar em seus próprios termos.” ( 1989: p. 397)

? 91 WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na História e na Literatura. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1989, p.387.

Page 141: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

134

O campo e a cidade – e as suas transformações – devem ser tratados sem se perder

de vista o modo de produção capitalista, responsável por tal grau de divisão e

especialização do trabalho que se manifesta também sob outras formas: “a separação do

trabalho mental e braçal, entre administração e execução, entre política e vida social”.

Além do que é dentro de nós que está “o último refúgio” da divisão do trabalho: “na divisão

aparentemente intransponível entre o que queremos e o que julgamos capazes de

fazer”(1989: p.407). Então, para o autor, a necessidade de ultrapassar esta divisão do

trabalho faz parte do mesmo movimento de crítica ao capitalismo.

Sobre a necessidade de correções e discordâncias por parte de moradores a respeito

das informações contidas no Almanaque, diz Carlos Alberto B. de Matos,

Não, que tenha chegado ao meu conhecimento não. Tivemos esse cuidado de não colocar coisas que pudessem ferir suscetibilidades”.

Enfatizou, neste momento, o porquê da opção de não se fazer um trabalho baseado

na elaboração de biografias. E continua:

“... teve uma pessoa que criticou, criticou dizendo que havia engano[...] que quando fala das fazendas colocou tudo errado. É a parte do trabalho do padre Heriberto; então, ele põe os proprietários das fazendas, mas os proprietários das fazendas em 1905. Mas é que ele não tinha lido direito ...”

Talvez seja mais difícil um organizador do trabalho ouvir diretamente uma crítica

ou outra. O que o relato novamente traz é a discordância de moradores em relação aos

proprietários de fazendas – nos dois casos, fazendas das mais famosas do município.

Realmente, padre Heriberto fez suas anotações no Livro do Tombo, tendo por base uma

realidade muito circunscrita, no início do século. Normalmente, estas fazendas

compunham-se de vastas extensões de terras que, já no final dos oitocentos, começaram a

ser desmembradas, geralmente entre familiares. Tal processo ocorre até os dias de hoje, o

que nos forneceria, para cada uma delas, um elenco de proprietários ao longo da história.

Ficam as conclusões: a vontade de ver registrado no “livro da cidade” um nome ou

sobrenome pode ser devido ao que FOUCAULT chamou de “vontade de poder”.

Page 142: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

135

Concluímos também que ainda há muito o que pesquisar no município, inclusive sobre a

questão das terras.

Sobre isso, diz Aloísio de Andrade Freitas,

“... Nunca ouvimos nenhuma crítica. Crítica assim, depois que ...teve algum deslize... mas isso aí... É o que o doutor Carlos falou: ‘como é que vai fazer um negócio cem por cento?’ Fulano iniciou a construção... um exemplo: Zé Milton iniciou a construção do Centro Comunitário. Não foi o Zé Milton, foi o Leonardo Faleiros que iniciou! Então, algum deslize desse tipo passou porque... o doutor Carlos falou: ‘é impossível, Aloísio, como é que nós vamos fazer?’ Não dava, né? Então, tem lá meia dúzia assim mas sem grande importância. Não teve que fazer correção, nem nada, passou por isso mesmo e...mas, no geral, foi perfeito!”

As correções, não feitas, são vistas como necessárias por Izar G. de Andrade:

“Tinha que ter sido feito uma errata e até distribuído; cada um que via: ‘oh, isso aqui não é assim’, ‘oh, nisso aqui teve um engano’; pois nem todo mundo sabe, não é? E distribuía, ao menos para os que estavam aqui, pois muitos livros foram para fora. E muita coisa vai mudando, vêm essas leis... por exemplo: escola, mudou tudo!...”

Durante alguns anos, após a publicação, Carlos Alberto B. de Matos atualizou o seu

exemplar. Complementou vários textos, anexando outras informações aos temas do

Almanaque: dados novos sobre população, notícia da morte de colaboradores, recortes de

jornal...

“ ... brincava... eu falei: já é para o segundo centenário que eu já estou pensando em fazer...[risos]”

Sobre a utilização do Almanaque,

“... e hoje o pessoal utiliza o Almanaque, eu vejo, nas escolas lá, as crianças... e então o Almanaque é disputado hoje lá! E as professoras pedem trabalhos e eles se valem do Almanaque. Esta gincana que fazem por ocasião do aniversário [da cidade], essa caça ao tesouro... tudo com base no Almanaque, informações que tem no Almanaque, então a molecada anda correndo com o Almanaque pela rua para poder descobrir as pistas, né?...” Carlos Alberto B. de Matos.

“... eles começaram a vir muito aqui, pedir... qualquer coisa eles vinham: ‘ah, a Dona Mercedes!’. Vieram,, eu falei: ‘olha gente, a mamãe sabia e eu sei, mas isso

Page 143: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

136

que vocês estão procurando tem no Almanaque! [...] Eu uso muito, mexe e vira e eu estou procurando as coisas lá! [risos]. Mexe e vira, pois agora eu já sei: tem muita coisa que saiu daqui [refere-se à sua casa], mas agora eu já sei que está concentrado lá e sei onde tem os defeitos...”92 Izar Garcia de Andrade.

No primeiro caso, o Almanaque é lembrado enquanto fonte de consulta dos alunos

na realização de trabalhos escolares, bem como das equipes participantes de gincana por

ocasião do aniversário da cidade. No segundo, é feita alusão ao fato de pessoas do local

reconhecerem Dona Mercedes e Izar enquanto “fontes históricas” sobre o município. Tais

pessoas desconheciam o Almanaque? Ou faltava-lhes habilidade para consultar e achar o

procurado no material impresso? Por sua vez, as leituras de Izar fazem com que transite

facilmente pelas trilhas do Almanaque – ele próprio como uma extensão da sua casa.

? 92 Entrevistas realizadas, respectivamente, com Carlos A. B. M. e Izar G. A.( ano: 2000)

Page 144: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

137

CAPÍTULO III- MEMÓRIA, HISTÓRIA, EDUCAÇÃO: ARTICULAÇÕES

TECIDAS A PARTIR DE UM ALMANAQUE

“(...)o momento passado está morto como ‘tempo’, não porém como ‘espaço’; o momento passado já não é, nem voltará a ser, mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma vez que

está sempre aqui e participa da vida atual como forma indispensável à realização social”

Milton SANTOS. Pensando o espaço do homem.

3.1-O Almanaque e as escolas

Leituras e leitores do Almanaque: provavelmente várias, vários. Neste sentido, um

outro enfoque importante diz respeito ao universo escolar local. O Almanaque penetra, faz

parte deste universo? Em que medida isso se dá? O que dizem os professores? E os alunos?

Para tanto, não gostaríamos de ouvir somente um ou outro professor por meio de

entrevistas e, por outro lado, realizar entrevistas com todos seria inviável. Optamos pela

elaboração de um questionário, não muito amplo, através dos quais os professores

pudessem se expressar sobre a história local, nas suas práticas pedagógicas, e também sobre o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista no contexto escolar. Esta consulta

ocorreu em agosto de 2000.

Não pretendemos, desde o início do trabalho, fazer uma análise quantitativa de seus

resultados, mas atentar às “falas” dos professores com vistas a uma melhor compreensão

deste universo escolar e, especificamente, da história local e do Almanaque neste contexto.

Ou seja, as “falas”, as questões apontadas pelos professores através dos questionários não

constituem o foco de análise deste trabalho de pesquisa, mas são elementos

importantíssimos a serem incorporados na análise até então desenvolvida, tendo por eixo da

discussão a produção do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista.

Temos no município as seguintes escolas:

1) Escola Municipal de Educação Infantil “Profª Gercyra de Andrade”

2) Escola Municipal de Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) “ Irmãos Matos”

3) Escola Municipal de Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries e supletivo)

“Professor Luiz Andrade de Freitas”

Page 145: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

138

4) Escola Estadual “Jorge Faleiros” (Ensino Fundamental –5ª a 8ª

séries e Ensino Médio – 1º a 3º anos)

5) Escola de Educação Especial –APAE (1ª a 4ª séries do E.F.)

É importante acrescentar que a municipalização do ensino, na localidade,

abrange a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries).

Os professores de todas estas escolas tiveram contato com o questionário – este

pode ser conferido integralmente, conforme consta nos anexos desta dissertação. No

caso do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) e Ensino Médio, apenas os professores

de História foram consultados.1

Total de questionários deixados nas Escolas: 62

Total de questionários devolvidos: 54

Total de questionários devolvidos e respondidos: 42

Total de questionários devolvidos e não respondidos: 12

Observa-se que:

• Educação Infantil: 63,15% dos questionários foram devolvidos, sendo 25% deles

respondidos e 75% não respondidos.

• Educação Fundamental (1ª a 4ª séries das unidades escolares “Irmãos Matos” e

“Professor Luiz Andrade de Freitas”): 100% dos questionários foram devolvidos,

sendo 94,44% deles respondidos e 5,55% não respondidos.

• Educação Especial: de um total de 2 professores, 1 devolveu o questionário

respondido, ou seja, 50%.

? 1 Encontram-se também nos anexos desta dissertação os dados referentes à população local conforme censo de 2000, além do número de alunos matriculados em cada unidade escolar em 2000.

Page 146: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

139

• Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) e Ensino Médio (1º a 3º anos): 100% dos

questionários foram devolvidos, sendo 80% deles respondidos e 20% não

respondidos

Consideramos importante transcrever algumas das questões e as respostas dadas

pelos professores na medida em que elas são fundamentais para a elaboração deste capítulo

de nossa dissertação, tanto no que diz respeito ao Almanaque no universo escolar quanto às

reflexões que faremos, posteriormente, sobre as noções de história local e regional e a

questão da memória social. Assim, faremos algumas considerações a partir das respostas

dadas pelos professores da Educação Infantil e da Educação Especial e, em seguida, deter-

nos-emos no que dizem os professores do Ensino Fundamental e Médio.2

No caso da EDUCAÇÃO INFANTIL verifica- se o baixo número de professores

que entregaram os questionários respondidos. Vamos ouvi-los.

Os professores afirmam que trabalham com história local. Um deles argumenta que

está no planejamento e é assunto desenvolvido na época do aniversário da cidade; os outros

destacam a importância de as pessoas conhecerem a história de onde vivem. Sobre os temas

trabalhados, apontam: aniversário da cidade, garimpo e garimpeiros, comércio local,

agropecuária (café), retiro e industrialização do leite. Dentre os procedimentos no

desenvolvimento de tais temas, estão: desenvolvimento de projetos e trabalhos

interdisciplinares. O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista aparece como a principal

fonte de consulta dos professores e, em seguida, livros e jornais. Em relação ao acesso ao

Almanaque, todos os professores possuem seus exemplares, alguns alunos também

possuem e os professores indicam a Biblioteca Municipal como forma de acesso. Sobre as

2 Dados específicos sobre cada escola: Escola Municipal de Educação Infantil “ Profª Gercyra de Andrade”: de um total de 19 questionários deixados na unidade escolar, 12 foram devolvidos, sendo 3 respondidos e 9 não respondidos; Escola Municipal de Ensino Fundamental ( 1ª a 4ª séries) “ Irmãos Matos”: de um total de 20 questionários deixados na unidade escolar, 20 foram devolvidos, sendo 19 respondidos e 1 não respondido; Escola Municipal de Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries e Supletivo) “Professor Luiz de Andrade Freitas” : de um total de 16 questionários deixados na unidade escolar, 16 foram devolvidos, sendo 15 respondidos e 1 não respondido; Escola Estadual “Jorge Faleiros” (5ª a 8ª séries e Ensino Médio): de um total de 5 questionários deixados na unidade escolar, 5 foram devolvidos, sendo 4 respondidos e 1 não respondido; Escola de Educação Especial – APAE: de um total de 2 questionários deixados na unidade escolar, somente 1 foi devolvido e respondido.

Page 147: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

140

facilidades para o professor na utilização do Almanaque Histórico como referência

bibliográfica, afirmam que: “ele apresenta todos os assuntos, não necessitando de outras

consultas”; “ele tem um resumo e abrangência de temas fantásticos”. E relação às

dificuldades para o professor, apontam: ele já é desatualizado, “já temos fatos novos a

incluir”; “textos às vezes têm linguagem difícil para as crianças”; precisamos de mais

fotos e ilustrações para trabalhar com crianças pequenas”. Não apontam facilidades para

o aluno em usar o Almanaque como referência bibliográfica, certamente porque os alunos

não o utilizam, mas um professor destaca, como dificuldade, o fato dos alunos não serem

alfabetizados. Dois deles fazem considerações sobre o Almanaque: “Bom e muito

instrutivo”; “Foi uma idéia maravilhosa, digna de aplausos. Agora precisa ser atualizada e

deveríamos ter outros trabalhos semelhantes para termos como comparar, ou trabalhos

aprofundados em um só tema, para que o material de pesquisa seja mais rico”.

Em relação à EDUCAÇÃO ESPECIAL3 a professora afirma trabalhar com

história local em todas as séries, sendo que, na 1ª e 2ª séries, “oralmente, com fatos do dia a

dia”. Argumenta que “fica mais próximo da realidade da criança, onde o interesse é maior,

recuperando outras experiências relacionadas a outros contextos históricos”. Assuntos

tratados: a construção do espaço social, movimentos de população, a história do grupo

familiar do aluno “chamando a atenção para as condições de vida, trabalho e valores

culturais do seu local de origem”. Sobre os procedimentos, afirma trabalhar com todos os

listados, além de outros, como entrevistas e visitas a lugares históricos (Prefeitura

Municipal e Câmara dos Vereadores). Sobre as fontes utilizadas por ela, destaca, em

primeiro lugar, o Almanaque Histórico e, em seguida, mapas, jornal da cidade, livros e

outros. Fontes utilizadas pelos alunos: Almanaque Histórico. Acesso ao Almanaque :

exemplar próprio da professora e para os alunos, a Biblioteca Municipal. Facilidades e

dificuldades para o professor na utilização do Almanaque: no primeiro caso, “ tudo o que

envolve a história do município encontra-se nele, tornando o trabalho mais envolvente e

? 3 Durante uma feira de artesanato com produções dos alunos da APAE, em maio de 2000, foi perguntado a uma professora se ainda existia algum exemplar do Almanaque Histórico à venda, pois, até então, sabíamos que a renda obtida com tal venda era revertida para entidades assistenciais. Ela afirmou que não e, em seguida, falou que seus alunos “adoravam” ver as fotos do Almanaque, especialmente a que mostra o costume dos antigos de retratarem os mortos. Foi a partir desta conversa que a unidade de Educação Especial no município foi incorporada no desenvolvimento desta parte do trabalho de campo

Page 148: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

141

preciso”; não aponta nenhuma dificuldade. Para os alunos, há facilidade em “analisar

mudanças e permanências das condições de vida e de trabalho, dos valores culturais e da

qualidade de vida”. Enquanto dificuldade, afirma que alguns alunos encontram dificuldade

no vocabulário. Considerações sobre o Almanaque: “é indispensável em sala de aula,

como também para todos os patrocinenses...”

Trataremos, a seguir, do ENSINO FUNDAMENTAL ( 1ª a 4ª séries das Escolas

“Irmãos Matos” e “ Professor Luiz Andrade de Freitas”). Todos os 36 questionários foram

devolvidos, sendo 34 deles respondidos. Como os professores se posicionaram a respeito

do que lhes foi perguntado? 4

Trabalha com história local e/ou regional?

Sim: 33 respostas afirmativas Não: 1 resposta negativa

Por quê? Algumas respostas:

- “Trabalho sempre que o assunto vem à tona, ou com o ‘Projeto Cidade’, em março”.

- “Porque faz parte do programa de ensino da série em que leciono”.

- “O indivíduo deve estar inserido na sociedade da qual ele faz parte, desta forma é

necessário que o aluno a conheça e uma das formas é o ensino formal realizado pela

escola”.

- “Porque é de interesse dos alunos”.

- “Porque trabalhamos o aniversário da cidade (1ª série)”.

- “Para que o aluno se localize na história”.

- “Porque acredito na importância da construção de uma consciência sobre a história

local, contribuindo, de certa forma, com a construção da cidadania”.

- “Porque penso que a criança precisa conhecer o lugar onde mora, pois é partindo

desse ponto que ela poderá valorizar o ambiente do qual faz parte. Entretanto, esse

? 4 Algumas destas questões serão apresentadas, neste momento, de forma abreviada em relação ao questionário aplicado. A versão integral encontra-se nos anexos desta dissertação.

Page 149: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

142

assunto é trabalhado somente na véspera da comemoração do aniversário do

município”.

- “Porque os alunos são adultos e se interessam”.

A resposta negativa:

- “ Porque os alunos [supletivo] querem aprender a ler e escrever e o tempo é curto”.

Em qual (quais) série (s) você trabalha com história local e/ou regional?

Todas as séries de 1ª a 4ª são citadas. Apenas dois professores não responderam a

esta questão. Algumas respostas:

- “Em todas as séries do Ensino Fundamental”.

- “De 1ª a 4ª séries, em situações e aprofundamentos diferentes”.

- “Dá para se colocar História em todas as séries, mudando a forma de ministrar os

conteúdos”.

- “Na 2ª, 3ª e 4ª séries”.

- “A partir da 3ª série”.

- “Na 2ª série só uma noção, assim mesmo para falar do aniversário da cidade. 3ª e 4ª

séries”.

- “De 1ª a 4ª, mas na 3ª e 4ª séries o assunto é mais abrangente”.

- “Normalmente é desenvolvido em 3ª e 4ª séries, de maneira formal”.

Gostaria de trabalhar mais com história local e/ou regional?

Sim: 27 respostas afirmativas

Não: 4 respostas negativas

Não respondeu: 3 professores não responderam a esta questão.

Por quê?

Algumas respostas:

Page 150: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

143

- “Não, porque o trabalho já é suficiente para uma 2ª série”.

- “Não, porque o assunto será tratado com maior profundidade nas séries subseqüentes.

Na 1ª série tratamos superficialmente a história local”.

- “Sim, mas falta material (regional)”.

- “Sim, faltam filmes”.

- “Na minha classe só trabalho com assuntos relacionados a história local. É necessário

partir do ambiente do aluno para que possa descobrir as outras histórias, nacional,

continental, mundial, é preciso ter em mente os círculos concêntricos”.

- “Sim, porque é importante conhecermos nossa história. Mesmo não sendo daqui quero

conhecer a história do lugar onde vivo, há mais de 11 anos”.

- “Porque é importante você conhecer a história do seu município e poder levá-la

adiante”

- “Para maior conhecimento não só dos alunos como do professor, pois conhecendo as

nossas próprias raízes descobriremos os nossos antepassados e o passado de nossa

cidade”.

- “Gostaria de trabalhar com aulas mais práticas. Ex: se o aluno não conhece a Usina

Esmeril, que tivessem filmes mostrando toda a beleza natural (rios, serras,

plantações, tradições das fazendas mais antigas), muitas excursões, entrevistas...”

- “Porque acredito que é trabalhando a história local e regional que iremos despertar

em nossas crianças o interesse pela história de nosso país e do mundo, fazendo com

que sejam críticos e que saibam respeitar a memória histórica”.

- “Os alunos se interessam por esses assuntos que estão mais próximos do seu

cotidiano”.

- “Gostaria, porque as crianças têm de conhecer pelo menos a história do seu

município”.

- “Porque ofereceria ao aluno uma visão mais ampla para se formar como cidadão”.

Page 151: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

144

- “É triste o cidadão não saber das riquezas do seu município, de sua história real,

símbolos, conflitos...”.

- “Porque é um assunto em que todos estão relacionados, fazem parte do mesmo”.

- “Porque se trata de uma realidade, mais precisaria mais recursos”.

- “Os alunos devem saber bem sobre a história de sua região para depois ter interesse

sobre a do estado, país, etc.”.

- “Para um melhor conhecimento dos fatos ocorridos no passado”.

Assuntos sobre história local e/ou regional abordados em sala de aula

Os temas apontados pelos professores estão explicitados em ordem decrescente, de

acordo com as respostas obtidas. Entre parêntesis está o número de referências a cada tema:

- histórico do município (12)

- vultos, pessoas ilustres/importantes (9)

- indústrias da cidade (8)

- localização geográfica do município, hidrografia, diamantes/garimpo (7)

- aniversário da cidade (6)

- população, economia (5)

- relevo(4)

- poderes executivo, legislativo, judiciário, agropecuária, comércio, política, vias

públicas, meio ambiente (3)

- datas cívicas, fatos históricos, dirigentes da cidade, dados atuais, agricultura, fauna,

transportes, prefeitos (2)

- monumentos, instituições, direitos dos indivíduos, projetos sociais, fundação e

fundadores das instituições, autoridades, nomes da cidade, fontes históricas, zona

urbana, zona rural, saúde, lazer, profissões do passado e de hoje, vegetação, minérios,

flora, riquezas culturais, figuras conhecidas, origem das antigas famílias, alimentação,

moradia e vestuário, fazendas antigas, escolas, os donos da terra, garimpeiros invasores

Page 152: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

145

(os pioneiros), trajeto casa-escola, nossas raízes e nossas origens, histórico do

indivíduo, atividades econômicas predominantes, desenvolvimento econômico, riquezas

do município, governantes (dos primeiros à atualidade), clima, eleições, serviços

públicos (1)

Procedimentos através dos quais assuntos sobre história local e/ou regional são

trabalhados

Em ordem decrescente:

- discussão sobre assunto pertinente e pesquisa proposta ao aluno

- leitura de texto pertinente

- trabalho interdisciplinar e desenvolvimento de projetos

- outros (visitas e excursões a determinados locais, observação de fotografias antigas,

mapas, montagem de texto coletivo, conversa com avós e pais, atividades orais e

discursivas na 1ª série, relatos dos mais velhos e elaboração de gráficos com os

resultados das entrevistas)

Fontes de consulta e materiais pedagógicos relativos à história local e/ou regional

utilizados pelo PROFESSOR

As respostas estão apresentadas em ordem decrescente. Entre parêntesis está o número

de referências feitas a cada fonte:

- Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista ( 20)

- mapas, pesquisas (7)

- entrevistas (5)

- textos/apostila fornecidos pela escola (4)

- documentos históricos, livros, jornais da cidade (3)

- livros didáticos, entrevistas com pessoas mais experientes que viveram em épocas mais

remotas (2)

Page 153: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

146

- jornais da região, globos, planos, objetos, revista, dados atuais fornecidos pela

Prefeitura, dados históricos, pesquisa com pessoas que conhecem a história do

município, fotos, informativo Coonai, estudo com colegas na escola (1)

Observação: esta questão não foi respondida por 2 professores .

Fontes de consulta e materiais pedagógicos relativos à história local e/ou

regional utilizados pelos ALUNOS

As respostas estão apresentadas em ordem decrescente. Entre parêntesis está o número

de referências feitas a cada fonte:

- Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista (12)

- pesquisas (8)

- entrevistas (5)

- textos dados pelo professor, pesquisa com pessoas que conhecem a história do

município (2)

- debates sobre o assunto, fotos, jornais, parentes mais velhos, estudo em sala de aula,

textos relacionados ao assunto, conversa com pais e avós, apostila, pesquisa com

pessoas importantes (autoridades e famílias tradicionais) (1)

Observação: esta questão não foi respondida por 12 professores.

O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista é utilizado como fonte de consulta:

- 27 professores disseram que o Almanaque é utilizado pelo professor

- 16 professores disseram que o Almanaque é utilizado pelos alunos

- 4 professores disseram que o Almanaque não é utilizado

Observação: esta questão não foi respondida por 4 professores.

Acesso ao Almanaque pelo professor e pelo aluno

Page 154: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

147

As respostas estão apresentadas em ordem decrescente. Entre parêntesis está o número

de referências feitas a cada forma de acesso:

a) pelo PROFESSOR

- possuem um exemplar (11)

- escola possui (9)

- disponível na sala de aula, biblioteca municipal, coordenadora passa os dados (3)

- através do exemplar de um parente próximo (1)

b) pelo ALUNO

- biblioteca municipal (8)

- alguns têm (3)

- biblioteca da escola (2)

- alunos trazem, escola fornece, quase todos possuem, poucos têm (1)

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelo PROFESSOR, como referência

bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Facilidades:

- “Fácil de usar”.

- “É o único meio que possuo”.

- “Linguagem de fácil compreensão”.

- “Dados interessantes sobre famílias de nossos antepassados”.

- “Muito bom”.

- “É muito fácil de usar, muito bom e facilita o trabalho do professor para o estudo de

fatos históricos do município”.

- “Em relatar o assunto”.

- “Bem elaborado”.

Page 155: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

148

- “Linguagem muito fácil, o que propicia uma ótima leitura. Além disso, traz

curiosidades interessantíssimas”.

- “Apresenta todos os passos de nossa história”.

- “É muito fácil pois os assuntos estão separados e tem o índice”.

- “Ter o Almanaque em mãos”.

- “Fácil manuseio, letras grandes, tendo os assuntos abordados separados, facilitando a

compreensão”.

- “Aulas interessantes”.

- “Participação da família”.

- “Fatos bem diversificados”.

- “Obra completa sobre o município”.

- “Encontra tudo o que precisa para 3ª e 4ª séries”.

- “Fácil acesso”.

- “Encontra tudo, relacionado de forma clara”.

- “Bastante completo, fonte rica”.

- “É um almanaque muito bem elaborado, de fácil entendimento. O professor elabora

suas aulas e passa para os alunos com facilidade”.

- “Muito claro, assuntos de fácil entendimento”.

- “Não houve dificuldades – embora tenha pesquisado muito”.

- “Possui ‘todas’ as informações necessárias”.

Observação: 9 professores não responderam este item

Dificuldades:

- “Pequeno número de exemplares nas escolas” (2 referências)

- “Em localizar alguns assuntos ou itens”.

- “Complexo para a 1ª série”.

Page 156: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

149

- “Precisa ser atualizado”.

- “Não tem um exemplar para cada aluno”. (2 referências)

- “Tem que ler bastante. Os assuntos (temas) às vezes não apresentam seqüência.”

- “Nenhuma” (3 referências)

- “Deveria existir números maiores de Históricos nas escolas”.

- “Nem todos têm acesso a eles alunos)”.

- “ (...) crianças muito pequenas (1ª série) ainda não lêem”.

- “ Ás vezes responder perguntas feitas pelos alunos, que não consta [sic] no almanaque”.

Observação: 19 professores não responderam este item

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelos ALUNOS, como referência

bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Facilidades:

- “Ajuda formar bons cidadãos e esclarecidos ”.

- “Conhecem o livro sobre o município”.

- “Fotos ilustram temas trabalhados”.

- “Linguagem acessível”.

- “Para a pesquisa”. (2 referências)

- “Claro e vocabulário competente para todas as idades”.

- “Assuntos confusos mas fáceis de achar no índice”.

- “Para alguns alunos a história relatada no Almanaque causa curiosidade para eles”.

- “Fácil entendimento mas precisa da ajuda do professor para localizar assunto e

explicar melhor alguma dúvida”.

- “Foi fácil o uso do Almanaque”.

- “Linguagem fácil, ótima leitura, traz curiosidades interessantíssimas”.

- “Figuras que chamam a atenção das crianças (1ª série)”.

Page 157: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

150

- “Quando orientados pelo professor não encontram dificuldades”.

- “Sim, com mais facilidades”.

- “Sempre se encontra o assunto pedido”.

- “Alunos gostam de olhar as gravuras antigas”.

- “Adoram ouvir as histórias, ver as fotos e fazer a localização”.

- “Sempre encontra o assunto pedido”.

- “Com o aluno não o indico para pesquisas pois considero-o inadequado para a faixa

etária desta série [2ª série]. Apenas apresento-o à classe para que possam ter

conhecimento de que há um livro sobre a história de seu município. Utilizo as fotos

para ilustrar o texto que eu estou trabalhando e a título de curiosidade”.

Observação: 14 professores não responderam este item

Dificuldades:

- “Poucos possuem” (2 referências)

- “Localizar alguns assuntos”.

- “Dificuldade de acesso a ele”.

- “Complexo para a 1ª série”. (2 referências)

- “Está 15 anos desatualizado”.

- “Crianças não podem manuseá-lo na escola, já que a quantidade de exemplares é

pequena”.

- “Complexo para a 2ª série”.

- “Nem todos os assuntos chamam a atenção dos alunos”.

- “Algumas notícias ficam confusas para os alunos”.

- “Em pesquisar”.

- “Longe da realidade dos alunos”.

- “ Às vezes não conhecem a leitura e escrita”.

Page 158: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

151

- “Às vezes”.

- “ O difícil é que não tem um para cada aluno”.

- “Nenhuma”.

- “A maioria só tem acesso na Biblioteca [municipal] ”.

Observação: 16 professores não responderam este item

Outras considerações sobre o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista

Poucos professores teceram alguma consideração. A seguir, os que fizeram

comentários:

- “Deveria ser de acesso mais fácil”.

- “Deveria ter maior divulgação”.

- “É importante para esclarecer dúvidas e saber valorizar nossas heranças culturais”.

- “Deveria ter nas escolas para facilitar pesquisas”.

- “Necessidade de atualizar os últimos 15 anos.”

- “Muitos professores ainda não conhecem o Almanaque mas deveria ser utilizado para

projetos de 3ª e 4ª séries, principalmente”.

- “Deveriam lançar dados atuais em um complemento ao Almanaque (nova edição)”.

- “Fonte de pesquisa muito boa que foi feita na época. E serve para pesquisa, para

conhecer melhor a história da cidade. Os jovens de hoje só serão cidadãos dignos e

respeitosos se respeitarem entre si e conhecerem um pouco mais das suas origens”.

- “É um livro muito bom, permite ao professor elaborar projetos relacionados à história

do município, proporcionando bons resultados”.

- “Ele é ótimo, não conheço outra fonte de pesquisa escrita. Bom seria termos mais

exemplares na escola”.

- “Excelente material para conhecermos as origens de Patrocínio Paulista”.

- “Na minha opinião ele está completo”.

Page 159: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

152

- “Não posso fazer considerações porque nunca o li todo, só a parte do Histórico da

cidade”.

- “Esta fonte de consulta não é do meu conhecimento e, infelizmente, não tive acesso a

ela”.

Finalmente, o ENSINO FUNDAMENTAL (5ª a 8ª séries) e ENSINO MÉDIO.

A seguir, as respostas dos professores às questões.

Você trabalha com assuntos relacionados à história local e/ou da região?

- A maioria respondeu que sim. Outro disse: “Quando é possível inserí-los nos

conteúdos estudados, sim”.

Por quê?

- “É uma forma de transmitir conhecimento, pois os alunos vivenciam esta história,

se identificam com ela e isto os motiva”.

- “Porque faz parte da História e o aluno descobrirá que a História local faz parte

da História Geral. Perceberá a importância de conhecermos a nossa própria História”.

- “Porque faz parte da História e da História do aluno”.

Gostaria de tratar mais de assuntos relacionados à história local e regional em

suas aulas? Por quê?

As 4 respostas foram afirmativas e, como justificativas, temos:

- “Não trabalho mais porque o número de aulas por série é extremamente pequeno.

Com duas aulas semanais o conteúdo é visto muito rapidamente sem entrar em

detalhes”.

- “É sempre um trabalho motivador e estimulante pois o aluno percebe que todos

fazemos história”.

- “Assuntos ligados à região despertam maior interesse”.

- “Não trabalho mais, pois o tempo é muito pouco. O nº de aulas diminuiu”

Page 160: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

153

Em qual (quais) série (s) você trabalha com assuntos relacionados à história local

e/ou da região?

- “No Ensino Fundamental principalmente 5ª e 6ª séries como forma de traçar

paralelos entre a história local e a do Brasil”.

- “Trabalho mais com 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries”.

- “Trabalho 5ª e 6ª séries”.

- “Em 2000 foi possível falar um pouco no 3º ano do Ensino Médio”.

Assuntos sobre a história local e da região abordados em sala de aula :

- “Sigo a proposta curricular de História”.

- “Coronelismo, Era Vargas, Revolução de 32”.

- “Sigo os conteúdos da proposta curricular de História”.

- “Fundação, pessoas que fizeram história no município (nome de rua, biografias),

ontem e hoje da cidade, produção rural, crescimento urbano, governo local, folclore,

festas regionais, problemas sociais, pobreza, indústria, mão-de-obra, profissões,

poderes públicos, prédios, praça etc.”

Procedimentos através dos quais os assuntos sobre história local e/ou da região

são desenvolvidos em sala de aula:

Os números entre parêntesis se referem ao número de referência feita a cada

procedimento:

- discussão sobre assunto pertinente (4)

- leitura de texto pertinente (3)

- pesquisa proposta ao aluno (3)

- trabalho interdisciplinar ( 3)

- outros (2): “Visitas, passeios, festivais, painéis, jornais murais, fotos, filmes etc”.

- desenvolvimento de projeto (1)

Page 161: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

154

Fontes de consulta, materiais pedagógicos, relativos à história local e/ou regional

utilizados: a) pelo PROFESSOR:

- “Muitas vezes o material é pouco para consulta”.

- “Fotos, artigos de jornais e revistas, filmes, relatos de pessoas que vivenciaram fatos

históricos locais ou regionais, almanaque histórico, documentos, etc.”

- “Almanaque, Jornais, fotografias”.

- “Almanaque, jornais, fotografias, testemunhos orais”.

b) pelo ALUNO:

1 professor não respondeu esta questão.

- “O mesmo da letra A”.( “Almanaque, Jornais, fotografias”).

- “Idem ao anterior”( “Almanaque, jornais, fotografias, testemunhos orais”).

- “Fotos familiares, relatos, pesquisas familiares, almanaque histórico”

O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista é utilizado como fonte de

consulta:

Três professores afirmaram ser de utilização do professor e dos alunos. Outro afirma

ser de utilização somente do professor.

Acesso do professor e dos alunos ao Almanaque:

- “Através da biblioteca da escol , ou particular”.

- “Biblioteca, alguns alunos têm em casa”.

- “ Através da biblioteca ou próprio”.

- “ Possuo uma cópia em casa”.

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelo PROFESSOR, como referência

bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Facilidades:

Page 162: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

155

1 professor não respondeu esta questão.

Dois professores responderam: “conhecimento da história local ”.

Para outro: “ Simples, memória nítida”.

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelo PROFESSOR como referência

bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Dificuldades:

- “A organização dos assuntos não ajuda”.

- “De confirmar fatos, de ser aceito como um documento científico”.

Dois responderam:

- “Falta de dados”.

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelos ALUNOS, como referência bibliográfica

ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Facilidades:

Um professor não respondeu esta questão.

Dois responderam: “ Idem”.(“ conhecimento da história local ”)

Para o quarto: “ Linguagem simples, clara; material de fácil acesso”.

Sobre o uso do Almanaque Histórico, pelos ALUNOS, como referência bibliográfica

ao tratar de assuntos pertinentes à história local

Dificuldades:

Dois professores não responderam esta questão e , para os outros dois: “ Ídem” (“Falta

de dados”).

Outras considerações relativas ao Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista:

Três professores não responderam esta questão. Para o quarto: “Almanaque, como a

própria palavra indica, não traz referências e temas de profundo conhecimento, é

Page 163: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

156

sujeito a informações imprecisas mas atende a pequenas pesquisas. Faltando muita

fonte e ilustração”.

Verifica-se a receptividade dos professores em relação à consulta aos mesmos, via

questionários: 67,74% corresponde aos questionários devolvidos respondidos. Observa-se

uma menor participação dos professores do Ensino Infantil e, ao contrário, a grande

receptividade dos professores ligados ao Ensino Fundamental e Médio. Além do que, a

consulta aos professores da APAE – inicialmente excluída dos nossos propósitos – se

mostrou relevante para nossas análises.

A maioria dos professores de Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) afirma trabalhar

com história local e/ou regional e, ao mesmo tempo, gostaria de trabalhar mais com o

assunto. O mesmo é válido em relação ao Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) e Ensino

Médio, embora aqui já apareça a questão da diminuição do número de aulas como

empecilho ao trabalho.

Enquanto fonte, o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista é muito citado pelos

professores que, também por sua vez, apontam ser este de grande utilização por parte dos

alunos. Nota-se a predominância da fonte escrita em relação a oral, embora sejam

mencionadas tanto a fonte oral quanto a iconográfica, por exemplo. Há que ser destacado o

acesso ao Almanaque: embora haja duas menções à dificuldade de acesso à obra, observa-

se que grande parte dos professores possui o seu exemplar e alguns alunos também

possuem. Vários apontam a Biblioteca Municipal como forma de acesso – principalmente

pelos alunos – a este registro da história local. No entanto, se nos ativermos a algumas

falas, podemos perceber que nem todos os professores conheciam a obra: “Muitos

professores ainda não conhecem o Almanaque mas deveria ser utilizado para projetos de

3ª e 4ª séries, principalmente”. “Esta fonte de consulta não é do meu conhecimento e,

infelizmente não tive acesso a ela”. Vale ressaltar que nem todos os professores são

moradores do município, o que pode ser um dos motivos para o desconhecimento.

Em relação às facilidades na utilização do Almanaque enquanto referência

bibliográfica, para os professores, é bastante enfatizada a qualidade do mesmo: “Bem

elaborado”, “(...) fonte rica”. Somam-se aí a variedade e a abrangência dos assuntos, ou

Page 164: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

157

seja, o seu caráter compilatório – o que, conforme já discutimos, é também uma das

marcas de um almanaque! O almanaque onde se “encontra de tudo”: “Ele apresenta todos

os assuntos, não necessitando de outras consultas”; “Possui ‘todas’ as informações

necessárias”; o almanaque que “retrata” linear e integralmente a história: “Apresenta todos

os passos de nossa história”, “Obra completa”; obra de fácil acesso e, de acordo com um

professor, “É o único meio que possuo”. Por outro lado, a questão da desatualização é

citada algumas vezes como uma das dificuldades no momento de busca de dados e de

informações da atualidade. Podemos relacionar esta busca contínua de informações atuais

ao mundo contemporâneo que, com suas exigências, configura uma cultura do descartável,

do ultrapassado e da velocidade. Este é, por sua vez, um processo em curso há tempos e

movido pelo capitalismo e pela respectiva idéia da modernidade. Além disso, outras

dificuldades bem enfatizadas devem-se ao fato do Almanaque não ter um caráter

especificamente didático: “precisamos de mais fotos e ilustrações para trabalhar com

crianças pequenas”; “não tem um exemplar para cada aluno”; não há organização didática:

“Os assuntos (temas) às vezes não apresentam seqüência”, por exemplo. Por outro ponto

de vista, enquanto “documento” o almanaque apresenta uma dificuldade, qual seja, a “de

confirmar fatos, de ser aceito como um documento científico”. Aqui, a visão do professor

sobre documento tem um tom positivista, já que o documento deve espelhar a verdade,

“confirmar fatos”, falar por si só.

Conforme afirmam os professores, o Almanaque, como referência bibliográfica

para os alunos, apresenta algumas facilidades que, em linhas gerais, é similar ao

comentado no parágrafo anterior. Além das imagens iconográficas, que despertam a

curiosidade dos alunos, podemos destacar outros aspectos enfatizados: “Conhecem o livro

sobre o município”; “Linguagem acessível”; “Fácil entendimento mas precisa da ajuda do

professor para localizar assunto e explicar melhor alguma dúvida”; facilita na análise de

“(...) mudanças e permanências das condições de vida e de trabalho, dos valores culturais

e da qualidade de vida”. De acordo com alguns professores o livro, “(...) traz curiosidades

(...)” e, ao mesmo tempo, “(...) causa curiosidade(...)” nos alunos. Na questão da

linguagem do Almanaque há enfoques divergentes: “Claro e vocabulário competente para

todas as idades”, ou seja, linguagem acessível; outros apontam a complexidade do

vocabulário para determinadas séries. Em relação às dificuldades, aparecem novamente

Page 165: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

158

aspectos que dizem respeito à sua desatualização, à falta de dados e ao fato de nem todos os

alunos possuírem o seu exemplar próprio, o que dificulta o trabalho em sala de aula . Além

disso, há dificuldades em “Localizar alguns assuntos”; ele está “Longe da realidade das

crianças” e, para um professor, há “Dificuldade de acesso a ele”.

O número considerável de referências feitas pelos professores indicando a utilização

do Almanaque pode ser relacionado a alguns fatores: de ser o único material produzido

sobre o município com este caráter de maior abrangência de assuntos; de trazer referências

espaciais, temporais, sócio-econômicas e culturais importantes para o tratamento da história

da localidade; de reunir dados/informações não facilmente encontradas pela população em

outros registros. O acesso a ele não é considerado tão difícil pois é facilmente encontrado

na Biblioteca Municipal, além de algumas escolas e professores, bem como algumas

famílias, possuírem exemplares. Podemos apreender das falas de alguns professores que o

Almanaque, embora muito utilizado como referência, não supre a ausência de materiais

variados e didaticamente mais adequados ao uso escolar.

Novamente abre-se aqui a questão de como este Almanaque é lido e o que se busca

ao trabalhar com ele. Para os limites desta pesquisa, não pretendemos avançar muito no

tratamento destas questões, mas há indícios de algumas leituras variadas. Da leitura

utilitária que busca dados “objetivos”, notadamente os relativos à população atual e

atividades econômicas – o que hoje é motivo da avaliação da obra enquanto

“desatualizada” – a leituras que enfocam questões de mudanças e permanências, de outras

sensibilidades, ou seja, leituras que se aproximam mais da avaliação da narrativa literária

enquanto documento histórico que permite múltiplas interpretações – daí as imagens terem

uma força de atração muito grande, conforme dizem alguns professores. Vejamos, a seguir,

outras leituras. “É importante para esclarecer dúvidas e saber valorizar nossas heranças

culturais”, ou seja, destaca-se a importância do conhecimento e do reconhecimento das

heranças culturais, podemos dizer, da tradição. “Almanaque, como a própria palavra

indica, não traz referências e temas de profundo conhecimento, é sujeito a informações

imprecisas mas atende a pequenas pesquisas. Faltando muita fonte e ilustração”: observa-

se que o conceito de “almanaque’ para este professor pauta-se pela superficialidade e

imprecisão no tratamento dos temas – o Almanaque da localidade, para ele, carrega esta

marca desqualificadora. “Fonte de pesquisa muito boa que foi feita na época. E serve para

Page 166: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

159

pesquisa, para conhecer melhor a história da cidade. Os jovens de hoje só serão cidadãos

dignos e respeitosos se respeitarem entre si e conhecerem um pouco mais das suas

origens”: reconhece-se a importância da fonte de pesquisa bem como o momento de sua

produção; o conhecimento das origens e o respeito mútuo por parte dos jovens são

fundamentais para a formação do que este professor entende por “cidadãos dignos e

respeitosos”.

Os professores elencaram os principais assuntos trabalhados, pertinentes à história

local e/ou regional. Um olhar sobre os mesmos traz um aspecto importante relativo à

própria construção deste conteúdo a ser tratado com os alunos: quais os critérios de escolha

dos temas? O que é valorizado, o que é ignorado? Quais as intenções ou objetivos que

norteiam o tratamento de cada assunto? E as formas pelas quais estes assuntos são

trabalhados com os alunos? Estas e outras questões – inclusive a que diz respeito à

utilização do Almanaque como referência bibliográfica – se correlacionam diretamente aos

conceitos que cada professor tem de educação, de história e da própria história local. Tais

conceitos orientam a construção do conteúdo e as metodologias de trabalho docente. Tendo

em vista os propósitos e os procedimentos relativos à nossa investigação, vamos nos deter

mais na temática apontada pelos docentes e menos nas formas pelas quais esta é trabalhada

em sala de aula.

Em relação aos assuntos trabalhados, veremos, inicialmente, o que dizem os

professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. O histórico do município é o mais

citado. Não temos outras informações a respeito do que consiste este histórico, nem sobre

as formas pelas quais ele é abordado nas aulas. Em segundo lugar, estão os vultos, pessoas

ilustres/importantes, o que nos remete à concepção de quem faz a história: neste caso,

alguns poucos personagens vivos ou aqueles restaurados do passado – figuras ideais –

adquirem especial relevo. Pensamos novamente nos critérios, principalmente os utilizados

pelo poder público ao longo do tempo, de eleição – ou criação – de tais “vultos”, os quais

se fixam na história e através do ensino de história. As indústrias da cidade, ou seja, o setor

secundário da economia se destaca mais do que as outras atividades econômicas. Para um

município fundamentalmente agrícola, as indústrias oferecem a outra face, qual seja, a

imagem da localidade sintonizada com o desenvolvimento e com a modernização. A

localização geográfica do município é muito citada pelos professores das primeiras séries

Page 167: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

160

do Ensino Fundamental, o que faz sentido neste momento de aprendizado básico das

noções de espaço e tempo. Já a hidrografia, o tema diamantes/garimpo, assim como o

relevo, dizem respeito ao espaço “natural” transformado pelo homem, ou seja, colocam a

problemática do meio ambiente, também citada, e um dos Temas Transversais, de acordo

com atuais Parâmetros Curriculares Nacionais: não sabemos quais são as respectivas

abordagens feitas pelos docentes; no caso dos diamantes/garimpo sabemos que é um

assunto extremamente ligado à história local, às origens. Notamos que vários professores

afirmaram trabalhar com a história local em março, quando ocorre a comemoração do

aniversário do município. Acreditamos ser possível desenvolver um trabalho mais

sistemático com história local e não somente em função das comemorações, em

determinado momento do ano. Por sua vez, deve-se ou não trabalhar a data comemorativa

do aniversário da cidade? Para nós, não é somente “descartando” algumas datas, alguns

fatos históricos, que adotaremos uma perspectiva de trabalho que fuja da denominada

“história tradicional”, ou seja, é possível partir destes fatos, destas datas e, de acordo com

os propósitos do professor, ampliar a abordagem no sentido de estimular reflexões mais

críticas sobre os mesmos. A população – rural e urbana – e a economia locais inserem-se

no conteúdo trabalhado sobre o município, assim como os três poderes, a política, as vias

públicas. O tema das vias públicas proporciona um reconhecimento do espaço e, também, a

recuperação da memória dos lugares pelos quais andamos. No entanto, o trabalho seletivo

da memória e o poder de alguns grupos sobre outros colaboram para a fixação de alguns

nomes em detrimento de outros, o que torna imprescindível uma abordagem deste assunto

que não perca de vista tais aspectos citados. Datas cívicas, fatos históricos, dirigentes da

cidade, dados atuais, agricultura, fauna, transportes, prefeitos foram menos mencionados

(cada um deles foi citado apenas duas vezes), assim como monumentos, instituições,

direitos dos indivíduos, projetos sociais, fundação e fundadores das instituições,

autoridades, nomes da cidade, fontes históricas, zona urbana, zona rural, saúde, lazer,

profissões do passado e de hoje, vegetação, minérios, flora, riquezas culturais, figuras

conhecidas, origem das antigas famílias, alimentação, moradia e vestuário, fazendas

antigas, escolas, os donos da terra, garimpeiros invasores (os pioneiros), trajeto casa-

escola, nossas raízes e nossas origens, histórico do indivíduo, atividades econômicas

predominantes, desenvolvimento econômico, riquezas do município, governantes (dos

Page 168: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

161

primeiros à atualidade), clima, eleições, serviços públicos (cada um destes últimos foi

citado só uma vez). Em relação a estes últimos temas, ao lado dos “dados atuais”, ou seja,

do tempo presente, nota-se uma abordagem comparativa das “profissões do passado e do

presente”; ao lado dos “dirigentes da cidade”, “autoridades”, “governantes”, temos também

uma referência aos “direitos dos indivíduos” e aos “projetos sociais” – o que contrasta com

certa predominância da abordagem da memória e da ação de poucos. Um leque muito

amplo é apontado, tanto no que se refere aos aspectos relacionados à natureza quanto os

culturais. Das “origens” e dos “pioneiros” ao atual “trajeto casa-escola” percorrido pelos

alunos; das “instituições” e “serviços públicos” operantes no tempo presente aos

“monumentos”, ou também, “lugares de memória”. O assunto “ figuras conhecidas”

remeteria às “autoridades” do município, às “personalidades” tão idealizadas ou a algumas

“figuras pitorescas” ou “tipos populares”, ou seja, ao outro-diferente, ao não igual?

Evidentemente, o trabalho com temas relacionados à história local pode levantar diversos

questionamentos, alguns dos quais procuramos mencionar tendo em vista os retornos

obtidos com os questionários.

Por sua vez, os assuntos relacionados pelos professores do Ensino Infantil são em

menor número: aniversário da cidade; garimpo e garimpeiros; comércio, agropecuária ,

retiro e industrialização do leite, ou seja, data comemorativa, origens e aspectos

econômicos. Uma abordagem mais diferenciada desta anteriormente comentada, por

privilegiar a “construção do espaço social”, é feita pela professora da Educação Especial:

movimentos de população e a história do grupo familiar do aluno são mencionados e, de

acordo com a docente “ chamando a atenção para as condições de vida, trabalho e valores

culturais do seu local de origem”. Dos professores do Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª) e

Ensino Médio dois afirmam seguir os conteúdos “ da proposta curricular de História”, sem

maiores considerações. Outro aponta o “ Coronelismo, Era Vargas, Revolução de 32”: isso

é indicativo de que o professor, a partir de determinada temática, estabelece vínculos entre

os diferentes contextos históricos – dos mais amplos ao contexto local, ou vice-versa ? Não

sabemos. Por fim, afirma outro docente: Fundação, pessoas que fizeram história no

município ( nome de rua, biografias), ontem e hoje da cidade, produção rural, crescimento

urbano, governo local, folclore, festas regionais, problemas sociais, pobreza, indústria,

mão de obra, profissões, poderes públicos, prédios, praça, etc.” Conteúdo abrangente que,

Page 169: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

162

de acordo com este professor, é trabalhado principalmente na “ (...) 5ª e 6ª séries como

forma de traçar paralelos entre a história local e a do Brasil”.

Sobre os procedimentos através dos quais estes assuntos são trabalhados destacam-

se a discussão e a leitura de texto pertinentes e a pesquisa proposta ao aluno. Na seqüência,

são citados os trabalhos interdisciplinares e desenvolvimento de projetos – principalmente

no Ensino Infantil – e, finalmente, outros procedimentos. No caso da Educação Especial,

“outros” procedimentos são “entrevistas e visitas a lugares históricos (Prefeitura

Municipal e Câmara dos Vereadores)” – ou “lugares de memória”, conforme NORA; para

as primeiras séries do Ensino Fundamental, encontramos uma listagem mais abrangente que

engloba desde as chamadas “visitas” e “excursões” e entrevistas até o uso de material

iconográfico; no Ensino Fundamental (5ª a 8ª) e Ensino Médio há menção a “festivais”,

“painéis”, “jornais murais”, além de “visitas” e “passeios”. Em síntese, procedimentos que

têm por base registros escritos são mais utilizados pelos professores, embora a “discussão”,

ou seja, a expressão oral também seja bem enfatizada. São mencionados os termos

“visitas”, “excursões” e “passeios” e não o que entendemos por “estudos do meio”

enquanto procedimento com determinados e específicos objetivos no processo de ensino-

aprendizagem. Entrevistas e relatos dos mais velhos, tais como pais e avós, são

mencionados, o que nos indica certa valorização da cultura transmitida oralmente.

Assim, como já havíamos comentado, as falas dos professores sugerem-nos indícios

de modos de leitura do Almanaque. Da mesma forma, podemos atentar para o que dizem

estes profissionais a respeito da história local e/ou regional em suas práticas, ou seja, no

contexto escolar. Em relação ao por que trabalhar com história local e/ou regional,

observamos diferentes justificativas – as quais procuramos mapear e expor, logo abaixo.

a) O trabalho é justificado em função do cumprimento do programa curricular pré-

estabelecido: “(...) está no planejamento”; “Porque faz parte do programa da série em

que leciono”.

b) A justificativa se dá em função de data comemorativa, ou seja, de um momento –

celebrativo – em específico: “É assunto desenvolvido na época do aniversário da

cidade”; “Porque trabalhamos o aniversário da cidade (1ª série)”.

Page 170: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

163

c) O trabalho com história local e/ou regional não é previsto, mas aproveita-se para

explorá-lo quando aparecem questões pertinentes: “Trabalho sempre que o assunto vem

à tona(...) ”.

d) O trabalho é justificado a partir da importância do conhecimento da história mais

próxima do aluno bem como do papel da escola neste sentido: “Porque é importante os

alunos conhecerem a história de onde vivem”; “O indivíduo deve estar inserido na

sociedade da qual ele faz parte, desta forma é necessário que o aluno a conheça e uma

das formas é o ensino formal realizado pela escola”. Nota-se que este último professor

reconhece o papel da escola na formação e inserção do aluno na sociedade, embora

demonstre ter clareza de que o ensino formal não é o “único” meio para tal.

e) A justificativa baseia-se na motivação gerada nos alunos a partir de assuntos ligados à

história local e/ou regional:; “Porque é de interesse dos alunos”; “É uma forma de

transmitir conhecimento, pois os alunos vivenciam esta história, se identificam com ela

e isto os motiva”. Observa-se ainda que um segundo professor fala em “transmissão” de

conhecimento e não em “produção” ou “socialização”, por exemplo.

f) O trabalho com a história mais próxima do aluno gera possibilidades de recuperação de

“outras experiências” ligadas a “ outros “contextos históricos”, ou seja, proporciona

caminhos para a exploração e articulação das relações sociais em diversos espaços e

tempos históricos: “(...) fica mais próximo da realidade da criança, onde o interesse é

maior, recuperando outras experiências relacionadas a outros contextos históricos”.

g) A justificativa do trabalho, pelos professores, traz a reflexão sobre o “lugar” da história

local – o que não pode ser ignorado: “Porque faz parte da História e da História do

aluno”; “Porque faz parte da História e o aluno descobrirá que a História local faz

parte da História Geral. Perceberá a importância de conhecermos a nossa própria

História ”.

Por sua vez, quando perguntamos aos professores se gostariam de trabalhar mais com

assuntos relacionados à história local e/ou regional, observamos um maior número de

respostas positivas, embora as justificativas sejam diversas. Novamente, buscamos atentar

para aos significados das “falas” , elaborando algumas conclusões.

Page 171: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

164

a) As justificativas negativas dizem respeito ao trabalho já realizado, e que é suficiente, e

à preponderância de outros conteúdos – e outros objetivos – tendo em vista o pouco

tempo disponível: “Não, porque o trabalho já é suficiente para uma 2ª série”; “ Não,

porque o assunto será tratado com mais profundidade nas séries subseqüentes (...)”;

“Não trabalho mais porque o número de aulas por série é extremamente pequeno.

Com duas aulas semanais o conteúdo é visto muito rapidamente sem entrar em

detalhes”; “Não trabalho mais, pois o tempo é muito pouco. O nº de aulas diminuiu”.

b) Os professores gostariam de tratar mais destes assuntos, porém enfatizam a falta de

materiais pedagógicos de suporte às aulas que possam propiciar diversificados

procedimentos metodológicos: “Sim, mas falta material (regional)”; “Porque se trata

de uma realidade, mais precisaria mais recursos”; “Sim, faltam filmes”; “Gostaria de

trabalhar com aulas mais práticas. Ex: se o aluno não conhece a Usina Esmeril, que

tivessem filmes mostrando toda a beleza natural (rios, serras, plantações, tradições

das fazendas mais antigas), muitas excursões, entrevistas...”.

c) A justificativa do professor baseia-se na idéia dos círculos concêntricos, introduzida no

ensino elementar há algumas décadas: “Na minha classe só trabalho com assuntos

relacionados à história local, é necessário partir do ambiente do aluno para que possa

descobrir as outras histórias, nacional, continental, mundial, é preciso ter em mente os

círculos concêntricos”. O princípio de que o ensino-aprendizagem deve se dar a partir

da realidade mais próxima do aluno pois só assim garantir-se-á o seu interesse por

outros contextos históricos: “Os alunos devem saber bem sobre a história de sua

região para depois ter interesse sobre a do estado, país, etc”. Observamos que não se

trata aqui das possibilidades de articulações entre os diversos contextos históricos mas

de unidades compartimentadas, estanques, que devem ser aprendidas passo a passo.

d) Justificativas que apontam para o conceito de história bem como para os sujeitos da

história, enfatizando a importância do conhecimento histórico: “Porque é importante

você conhecer a história do seu município e poder levá-la adiante”; “ Porque é um

assunto em que todos estão relacionados, fazem parte do mesmo”; “É sempre um

trabalho motivador e estimulante pois o aluno percebe que todos fazemos história”.

Page 172: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

165

e) A história local e/ou regional como conhecimento que desperta interesse não só nos

alunos como no próprio professor: “ Os alunos se interessam por esses assuntos que

estão mais próximos do seu cotidiano”; “Assuntos ligados à região despertam maior

interesse”; “(...) mesmo não sendo daqui quero conhecer a história do lugar onde vivo,

há mais de 11 anos”; “Para maior conhecimento não só dos alunos como do

professor...”.

f) A articulação entre conhecimento da história local e/ou regional e a condição do aluno-

cidadão é justificativa para alguns professores: “Porque ofereceria ao aluno uma visão

mais ampla para se formar como cidadão”; “É triste o cidadão não saber das riquezas

de seu município, de sua história real, símbolos, conflitos...”.

g) O professor argumenta que gostaria de trabalhar mais com tais assuntos, fundamentado

na importância de conhecermos o passado: “Para melhor conhecimento dos fatos

ocorridos no passado”. Notamos que não há o estabelecimento de relações entre

presente-passado e vice-versa.

Desde as primeiras elaborações, o que queríamos era atentar para a inserção ou não

do Almanaque no universo escolar local; atentar para o conhecimento ou não desta

publicação e a questão do acesso a ela. Buscávamos as considerações mais gerais dos

professores quanto ao Almanaque e também as mais específicas, relativas à utilização ou

não desta referência bibliográfica nas suas práticas educativas. Em última instância, as

perguntas que este trabalho investigativo suscitou se relacionam a questões mais amplas

relativas a história local e regional no contexto escolar. Assim sendo, sentimos necessidade

de historicizar tais noções, quais sejam, as de história local e história regional, tendo em

vista diferentes contextos educacionais observados nas últimas décadas do século XX, e

sobre isso falaremos a seguir.

3.2- Inserções da história local e regional no ensino de História:

algumas reflexões

O nosso objetivo não é fazer um estudo amplo, seja de currículo, de procedimentos

metodológicos ou mesmo das variadas questões – políticas, teóricas, etc. – inerentes à

Page 173: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

166

educação e ao ensino de história nas últimas décadas no país. Procuramos apreender as

formas de inserção das noções de história local e regional nos currículos das séries iniciais

em alguns momentos específicos , quais sejam, nos anos 70, com a Reforma Educacional a

partir da Lei 5692/71, e a partir dos anos 80, quando diversas reformulações vêm sendo

feitas em se tratando do ensino de História. Buscamos elementos, a partir destes

referenciais já explicitados, para tratar da questão do ensino de história local e regional

atualmente, tendo em vista as respostas dadas pelos professores das escolas de Patrocínio

Paulista – em maior número vinculados às séries iniciais do Ensino Fundamental.

Acreditamos que, para isso, é necessário considerar a dinâmica que perpassa a construção

do conhecimento histórico e, assim sendo, a busca da historicidade inerente às noções que

nos interessam se faz necessária dentro deste objetivo mais amplo, qual seja, o de tecer

articulações entre memória, história e educação a partir de um Almanaque – obra produzida

em determinada localidade e fonte bastante utilizada por professores e alunos, conforme

pudemos observar.

A Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971 dispôs sobre a Reforma Educacional do

Ensino de 1º e 2º graus, institucionalizando o ensino de Estudos Sociais no 1º grau e o

estudo obrigatório de Educação Moral e Cívica – e “esvaziando”, conseqüentemente, as

disciplinas de História e Geografia. De acordo com FONSECA, para o Conselho Federal de

Educação, conforme Resolução nº 8/71,

“(...) o ensino de Estudos Sociais deveria visar ‘ao ajustamento crescente do educando ao meio cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver mas conviver, dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu desenvolvimento.’ (grifos nossos)” 5

Observamos que a relação proposta entre o aluno e o meio pauta-se pelo

ajustamento do primeiro ao segundo e não por um processo dinâmico em que tal

relacionamento pudesse implicar em atuação do aluno no meio visando à sua

transformação, à sua mudança. Da mesma forma, este ajustamento ao meio “cada vez mais

? 5 FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas, SP: Papirus, 1993, p.41-2. Segundo a autora, a disciplina de Estudos Sociais “(...) foi implantada em todas as séries do 1º grau até 1977, quando então, através da Resolução SE 139/77, se reintroduziu História e Geografia nas 7ª e 8ª séries, porém mantendo-se Estudos Sociais nas 5ª e 6ª séries até 1981, quando se iniciaram os estudos visando à reformulação do currículo de 1º grau e à reimplantação de História e Geografia também nestas últimas séries”. p. 72.

Page 174: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

167

amplo e complexo”, ou seja, uma adequação progressiva a cargo da educação escolar,

deveria ser feita tendo em vista o viver e o conviver do aluno neste mesmo meio, o que

nos faz concluir que tais orientações governamentais afirmam a preferência pela forma

passiva e não questionadora do aluno em relação ao meio no qual estivesse inserido.

Finalmente, destacamos a ênfase no conhecimento do Brasil para legitimar o momento

presente – na perspectiva atual do seu desenvolvimento – voltado para a construção do

progresso, ou seja, uma espécie de etapa final da história até então decorrida.

A partir da Reforma Curricular de 1971, as Secretarias Estaduais de Educação

elaboram os Guias Curriculares para as disciplinas comuns do 1º grau. No caso de São

Paulo, os conteúdos de Estudos Sociais indicados para as primeiras séries são:

“ Série: 1ª e 2ª séries A criança e a sociedade em que vive

A criança e a sua comunidade

1. A comunidade das pessoas

2. Elementos do meio natural da comunidade

3. As necessidades básicas do homem

4. A atividade humana como instrumento de

satisfação das necessidades

Série:3ª e 4ª séries A criança e a sociedade em que vive

A criança e o Estado em que vive

1. O Município

1.1 Aspectos socioeconômicos

1.2 Delimitação geográfica

1.3 Integração urbana e rural

1.4 Esboço da História do Município: origens e evolução

2. Região a que pertence o município

3. O Estado: coordenação entre os Municípios

4. O Estado de São Paulo no contexto brasileiro” 6

? 6 FONSECA, Selva G. op. cit. p.64.

Page 175: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

168

Em relação aos conteúdos de 1ª a 4ª séries, indicados pela Secretaria de Educação

do Estado de São Paulo, achamos extremamente pertinente a análise de FONSECA

(1993:p.65):

“O objeto de estudo das quatro primeiras séries segue a ordenação: 1ª série: a comunidade mais próxima, escola, família; 2ª série: o bairro; 3ª série: o município; 4ª série: o estado. Os guias curriculares de vários estados da federação (nos anos 70) seguem o mesmo esquema como, por exemplo, Rio de Janeiro, Bahia e demais estados do Nordeste. Os argumentos a favor desta seqüenciação têm como referência Piaget, o desenvolvimento cognitivo da criança e o desenvolvimento das noções de espaço/tempo (...) Este esquema tornou-se ‘conteúdo universal’ do ensino de História e Geografia nas quatro primeiras séries. É um fato anterior, inclusive à década de 70, e que persiste como um conteúdo pretensamente objetivo, neutro, insubstituível (...) Há uma fragmentação de conteúdos de uma série para outra (...) das duas primeiras séries para as duas últimas, no caso de São Paulo. Ao definir os temas e subtemas para uma mesma série, os autores acabam por determinar compartimentos segmentados. A escola, a família, o bairro, o município são estudados em seus vários aspectos social/geográfico ou físico/cultural/econômico/humano como se não fossem espaços e dimensões constitutivas da mesma realidade”.

A análise da autora não se esgota nestes pontos acima. Ao contrário, põe-se

igualmente em discussão a forma pela qual são abordadas as relações sociais, o trabalho, a

comunidade, a lógica da identidade, dentre outros. Retomemos algumas questões a partir

deste trecho transcrito.

Primeiramente, em relação às diretrizes metodológicas, a exemplo do que é

proposto no Guia de São Paulo, a fundamentação teórica foi buscada não só em Piaget

(Psicologia do Desenvolvimento), mas também em Jerome S. Bruner (Psicologia da

Aprendizagem). Quanto ao fato deste conteúdo formatado em um esquema amplamente

seguido nas primeiras séries remontar a época anterior a 1971, sabemos que, anos antes, a

idéia dos círculos concêntricos no desenvolvimento dos programas de Estudos Sociais já

estava presente em escolas, tais como as vocacionais. Para estas últimas ,

“A área de Estudos Sociais tem por objeto de estudo o processo de transformação da natureza e da sociedade, ou seja, estuda a presença do Homem no mundo (...) a integração do educando no seu contexto social não significa adaptação ou

Page 176: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

169

ajustamento, mas mudança de comportamento. A partir de uma visão de Si, do Outro e do Mundo, o educando vai situar-se na sociedade em que vive”.7

A ênfase na mudança de comportamento, de certa forma, diferencia-se do

ajustamento do educando ao meio, conforme vimos anteriormente. Outros pontos a serem

destacados, relativos às escolas vocacionais: a relação mais ativa entre educando-educador,

ao contrário do que observa-se-á em outras instituições de ensino, principalmente nos anos

70, e a concepção de Estudos Sociais como área integradora de contéudos de outras

disciplinas, beneficiando-se dos conhecimentos elaborados pelas ciências sociais. Uma das

preocupações do educador, conforme exposto por PANNUTI /Equipe Renov (1981: p.34),

é com a motivação do aluno. Neste sentido, justifica-se o conhecimento do educando como

ponto de partida:

“Uma das primeiras preocupações de um educador interessado em motivar seus educandos é partir dos fatos ou situações que integrem a sua realidade experiencial. Este ponto de vista está embasado na idéia, defendida por Piaget, de que o educando como qualquer outro indivíduo tem a necessidade de explicar e compreender a realidade que o circunda”.

Além de motivado, o aluno poderia perceber mais facilmente “a utilidade” daquele

conteúdo aprendido – conforme explicitado na proposta da Equipe Renov. Podemos

observar a seqüenciação, baseada em Piaget, do aprendizado da realidade mais próxima do

educando até realidades mais amplas – o que já estava em curso em propostas educacionais

anteriores a 1971, a exemplo das escolas vocacionais. A idéia dos círculos concêntricos e o

vínculo entre estudo da realidade próxima e motivação do aluno são dois aspectos

relacionados ao ensino de história local ressaltados por alguns professores de Patrocínio

Paulista, conforme consulta feita aos mesmos no ano de 2000.

Em segundo lugar, em se tratando dos conteúdos das séries iniciais indicados pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e semelhantemente indicados por outras

unidades da federação, corroboramos as críticas de FONSECA aos mesmos. Neste sentido,

enfatizaríamos alguns pontos que, se não passaram despercebidos pela autora, nos

chamaram particularmente a atenção, e deles falaremos a seguir. Percebemos uma

? 7 PANNUTI, Maria Regina Viana (coord.) Estudos Sociais: uma proposta para o professor (Equipe Renov). Petrópolis, RJ, 1981, p.13.

Page 177: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

170

concepção de espaço que não se constitui enquanto espaço social fundado na relação entre

homem e meio. Basta ver que a abordagem dos elementos do meio natural, conforme

indicada no conteúdo das séries iniciais, apresenta-se desvinculada da comunidade das

pessoas. A questão da História do Município, centrada nas origens e evolução, expõe uma

lógica linear e progressista tão nítida que, certamente, constituiu-se em terreno fértil à

proliferação do culto aos personagens heroificados – aos “vultos”. Dentre os assuntos

trabalhados sobre história local e/ou regional e apontados pelos vários professores das

séries iniciais do Ensino Fundamental de Patrocínio Paulista, figuram, em segundo lugar, os

“vultos, pessoas ilustres/importantes”. Concluímos que há continuidades, percebidas na

contemporaneidade, em relação a um certo tipo de visão tradicional e conservadora de

história e de ensino de história cujas raízes, encontradas em tempos mais longínquos, se

fortaleceram durante o período da ditadura militar brasileira. Ainda em relação ao estudo do

histórico do Município nota-se que a temporalidade linear proposta expõe a completa

desarticulação da relação dinâmica entre passado-presente e vice-versa. Quando um

professor, por nós consultado, argumenta que gostaria de trabalhar mais com assuntos

relacionados à história local e regional “para melhor conhecimento dos fatos ocorridos no

passado”, sentimos a ausência de um objetivo maior que estabeleça vínculos entre a

relevância deste conhecimento aprendido e o autoconhecimento de um aluno que

esperamos ser “agente” no presente. Por fim, da localidade à região a que pertence o

município passa-se ao Estado, como se cada um destes espaços/realidades/contextos se

auto-explicassem. 8

Outro ponto que merece ser mencionado, tendo em vista a relação indivíduo-meio

no contexto educacional dos anos 70, diz respeito à inserção da cidadania no objetivo geral

do ensino de 1º e 2º graus. Segundo HÖFLING,

“O artigo 1º da Lei nº 5.692/71 estabelece exatamente o objetivo geral do ensino de 1º e 2º graus que é ‘proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,

8 Embora tenhamos nos detido nos conteúdos indicados para as séries iniciais (1ª a 4ª), observamos que, nos conteúdos indicados para as séries finais (5ª a 8ª) não há nenhuma articulação entre os contextos mais amplos – nacional e mundial – com contextos local e regional , conforme quadros apresentados por FONSECA ( 1993:p.73-4).

Page 178: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

171

qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania’, objetivo este que de algum modo, explícita ou implicitamente, está presente em todos os desdobramentos – fixação de Núcleo Comum, definição de objetivos das matérias, etc. – decorrentes das reformas no sistema educacional propostas pela Lei 5.692”.9

Após a discussão teórica do conceito de cidadania, HÖFLING concluiu que há uma

estreita relação entre cidadania e participação, ainda que não haja um consenso em torno da

questão do exercício da cidadania,

“Seja enquanto abordagem teórica, seja enquanto justificativa para leis que reformam o ensino, seja enquanto objetivo da área de Estudos Sociais, especificamente a preocupação com o exercício da cidadania desemboca na preocupação com a qualidade da participação do cidadão a que se refere, independentemente da perspectiva em que é focalizada. Mesmo que em algumas ocasiões vejamos o exercício da cidadania encarado como ação ajustada, ‘equilibrada’, atuando no sentido de aprimoramento e fortalecimento de situações existentes, ou, diferentemente, como ação questionadora, no sentido de transformação de situações sociais consideradas injustas ou incorretas, as concepções têm sistematicamente como pressuposto a participação social do indivíduo no meio que o cerca”.10

A articulação entre conhecimento da história local e/ou regional e a condição do

aluno cidadão, justificada por alguns professores – “Porque ofereceria ao aluno uma visão

mais ampla para se formar como cidadão”; “É triste o cidadão não saber das riquezas de

? 9 HÖFLING, Eloisa de Mattos. O Livro Didático em Estudos Sociais. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,1986, p.29 (Série Teses).

10 HÖFLING, Eloisa de Mattos. Op. cit. p. 53. Preocupada em detectar se o livro didático de Estudos Sociais estimulava, ou não, a participação do aluno no meio em que vive e qual a natureza desta participação, a autora procedeu a análise de diversos livros a partir de alguns indicadores nos quais a participação constituísse um dado subjacente a todos eles. Destacaríamos um, dentre tais indicadores de análise, o nível de abordagem da realidade, pois, segundo a pesquisadora, o que conhecemos da realidade e a forma pela qual a conhecemos se relacionam profundamente com a perspectiva de nossa atuação em determinada realidade. A conclusão é que, “ O mundo real é apresentado nos livros de maneira estática, estanque, destacando-se aspectos isolados de uma situação sem apresentar ligação entre eles, como se a realidade existisse pela junção, pura e simples, das diferentes partes”. (p.222) Höfling destaca, em sua análise que: a atuação humana aparece de forma individualizada e não como pertinente a uma estrutura social onde os indivíduos ocupam posições diferentes, ou seja, relações sociais mais profundas e posições de classe são omitidas; há explicações unilaterais da realidade, ligadas a certa visão de determinada classe social, que contribuem para a idealização e para a origem de estereótipos pois a realidade não é tratada globalmente; personaliza-se o processo histórico e os movimentos sociais são desvalorizados – em última instância, desestimulam-se ações de transformação social.

Page 179: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

172

seu município, de sua história real, símbolos, conflitos...” – baseia-se em qual/quais

concepções de “cidadão’? Aquele que se ajusta ao meio, fortalecendo “situações

existentes” ou aquele que visa à transformação de “situações sociais consideradas injustas

ou incorretas”, nos termos colocados por HÖFLING ?

Apontamos alguns aspectos relacionados ao contexto educacional brasileiro –

especificamente na década de setenta – que resultaram em profundas marcas na formação

de indivíduos, de cidadãos. Podemos perceber que esta forma de conceber a relação do

homem com a realidade, com a história, de acordo com as diretrizes impostas pelo governo

ditatorial do Brasil e nos moldes anteriormente já comentados, não contribuiu para a

compreensão da multiplicidade e da dinâmica inerentes à realidade histórica na qual nos

inserimos. Por sua vez, a fragmentação e ocultação das diversas relações estabelecidas entre

os homens nos variados tempos e espaços dificultou a aquisição de uma consciência,

através do conhecimento histórico que, efetivamente, favorecesse a ação, a participação do

indivíduo no meio, na história.

Para FONSECA (1993:p.85),

“O conteúdo do ensino de História dos anos 70 registrado nos programas, manuais didáticos e orientações oficiais traz consigo as marcas constitutivas de sua própria historicidade. Por isso, no momento em que – no final dos anos 70 – o processo de organização dos professores de 1º e 2º graus começa a fazer eco no interior do movimento social organizado, a escola e o ensino de História juntamente com o ensino de outras disciplinas aparecem como alvo de críticas e contestações (...) No campo da produção historiográfica acadêmica, vários balanços divulgados apontam, a partir dos anos 70, um repensar de temas, dos pressupostos e das interpretações. Há uma expansão do campo da História através da busca de novos temas e novos documentos (...)”

No contexto da democratização nos anos oitenta, como frutos de diversas

discussões, novas propostas relacionadas ao ensino de História foram elaboradas,

integrando o processo de reforma curricular das Secretarias Estaduais e Municipais de

Educação. Redimensionamentos do papel do ensino de História podem ser observados, por

exemplo, em publicações a cargo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo:

“(...) O conhecimento histórico não se dá sobre algo que está fora de nós, mas sobre nós mesmos. Por isso, mais do que conhecimento, ele é consciência – consciência que temos de nós, no mundo. Da consciência adquirida mediante o conhecimento histórico decorre a participação do indivíduo na sua realidade

Page 180: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

173

concreta, como agente de transformação. Esta participação é direito e dever de todos e ocorrerá à medida que todos estiverem instrumentalizados para pensar criticamente a sociedade. A instrumentalização se dará com a garantia de acesso e de apropriação ao conhecimento científico já elaborado, via reflexão crítica.(...) conhecer a realidade presente não significa somente sistematizar dados da observação (...) significa, também, compreender a realidade na sua historicidade – isto é, compreendê-la como construção do homem ao longo do tempo, portanto, dinâmica, sempre em movimento. O conhecimento da História é, pois, um instrumento fundamental para que nos situemos na realidade e para que percebamos nosso papel como agentes transformadores da sociedade”.11

Contrapondo-se ao “esvaziamento” das disciplinas de História e Geografia, em

decorrência da institucionalização dos Estudos Sociais, a História e o seu ensino são

recolocados enquanto instrumentos fundamentais para os indivíduos se reconhecerem

enquanto agentes de transformação social. Respectivos conteúdos e metodologias são

igualmente problematizados, e deste processo surgirão posteriormente, no caso do Estado

de São Paulo, duas propostas curriculares para o ensino de História – a primeira, em 1986,

e a Segunda, em 1992. Em relação à Proposta de 1986, para o 1º grau,

“As preocupações básicas que orientam a formulação desta proposta encaminham-se para determinadas posturas frente às questões de ensino/aprendizagem, a produção do conhecimento e concepção de história”. 12

São ressaltados os posicionamentos contra: a idéia da escola e do professor como

transmissores do conhecimento, ou seja, a concepção de que a produção do conhecimento

se restringia ao 3º grau, cabendo aos 1º e 2º graus a sua transmissão; a desconsideração das

experiências vividas pelos alunos; o saber a-crítico e as atitudes passivas dos professores e

alunos perante o conhecido; a concepção de história que prescinde das experiências sociais

e reafirma uma visão personalista do fazer histórico.

? 11 ABUD, Katia Maria. O Ensino da História. In Projeto Ipê: atualização e aperfeiçoamento de professores e especialistas em educação por multimeios (História-I). São Paulo, SE/CENP, 1985, p.5. São colaboradores desta publicação: Cecília H. Mate, Maria Candida D. Reis, Nelly Robles R. Bacelar e Salma Nicolau.

? 12 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas(CENP). Proposta curricular para o Ensino de História – 1º grau: 3ª edição preliminar. São Paulo, 1986, p.4. A equipe técnica da CENP, composta de 6 professores, foi assessorada por Déa Ribeiro Fenelon (Puc/SP) e Marcos Antônio da Silva (USP).

Page 181: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

174

A proposição de uma história temática é assim justificada,

“Entendemos que uma proposição em torno de uma história temática não implica a pulverização da História desde que, partindo do pressuposto de que qualquer tema/objeto possibilita a compreensão da contraditória constituição histórica do sistema capitalista, formule um trabalho escolar que não se esgote no tema encarado isoladamente, mas atinja sua expressão no contexto mais amplo das lutas sociais” (p.5)

Para o desenvolvimento desta Proposta alguns pontos fundamentais são

considerados: a recuperação das experiências cotidianas dos indivíduos, colocados na

posição de sujeitos ativos no processo histórico; a relação dialética entre presente-passado,

o que torna possível a apreensão dos múltiplos tempos e espaços; o ensino-aprendizagem

na perspectiva da produção do conhecimento histórico. É preciso mencionar que esta

Proposta foi muito discutida e alvo de diversas polêmicas. Dificuldades e alguns problemas

relativos à sua colocação em prática nas salas de aula foram também explicitadas com o

passar do tempo. No entanto, é notório o corte que produz em relação àqueles orientações

vigentes nos anos 70. Por exemplo, a relação homem-meio, anteriormente discutida, passou

a ser tratada em outros moldes a partir do enfoque da história como prática social e da outra

perspectiva impressa ao ensino-aprendizagem de história. Este último, ao valorizar as

experiências sociais concretas vivenciadas no presente – conflituoso, contraditório –

poderia pornar possível a apreensão de outras realidades pelos alunos bem como o

estabelecimento de um relacionamento crítico e transformador destes sujeitos em relação à

história que permeia os diversos espaços e tempos.

O tema Trabalho deveria ser abordado diferentemente nos blocos: ciclo básico (1ª,

2ª séries), bloco intermediário (3ª, 4ª e 5ª séries) e bloco final (6ª, 7ª e 8ª séries). No ciclo

básico e no bloco intermediário, por exemplo, a realidade vivida pelo aluno é colocada

como ponto de partida. No entanto, diferentemente da abordagem estanque e fragmentada

observada no currículo de Estudos Sociais, neste caso, a realidade vivida – local, mais

próxima, e mesmo as referências a outros contextos – é tratada na perspectiva das noções

básicas de tempo, de diferença e semelhança, de permanência e mudança, de relações

sociais, de grupo social, de história. Observemos o currículo proposto pela CENP,

conforme apresentado por FONSECA(1993:p.99-100):

“ Série: Ciclo Básico Noções a serem desenvolvidas:

Page 182: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

175

(1ª e 2ª séries) - A Noção de Tempo

- A Noção de Diferença e Semelhança

- A Noção de permanência/Mudança

Eixo Temático: O Trabalho “Diferentes formas

de vida – Diferentes formas de trabalhar”

1- Com quem vivemos.

.. 2- Quem encontramos na escola.

3- Os objetos da casa e da escola

4- Como nos relacionamos em casa e na escola

para satisfazer às nossas necessidades.

5- Diferentes necessidades, diferentes atividades

6- Diferentes formas de trabalhar - diferentes

formas de viver – diferenças sociais.

7-Construção de uma História: expressão e registro

Série: 2º bloco Noções a serem desenvolvidas:

(3ª, 4ª e 5ª séries) - Noção de Tempo e Espaço

- Noção de Permanência/Mudança

- Noção de Relações Sociais

- Noção de Diferentes Formas de Vida

Tema: o Trabalho

1- O lugar em que vivemos – formas de vida e

de trabalho

2- O lugar em que vivemos sempre foi assim?

3- Existem outras formas de viver e de trabalhar?

4- Diferentes formas de viver e trabalhar

5- Constituição do mercado de trabalho assalariado

e constituição de um mercado de trabalho

assalariado na sociedade brasileira a partir do

século XIX”

É nesta época, especificamente em 1985, que, no XIII Simpósio da A.N.P.U.H.,

realizado em Curitiba, o tema “ História e Região” é discutido e, a partir daí, uma coletânea

Page 183: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

176

de textos, abordando os diversos ângulos da questão regional, é publicada em 1990. Para

AMADO,

“Tinha que acontecer: à medida em que se multiplicam pelo país os cursos de pós-graduação e os estudos históricos de caráter monográfico, a questão regional se impõe naturalmente, como parte integrante das próprias pesquisas(...) Não por mero acaso, o encontro dos historiadores com a questão regional coincide com o momento em que o conceito de ‘região’ passa por profundas transformações, propostas principalmente pelos geógrafos (...)”. 13

Assim, na análise de AMADO (1990:p.8), tanto o conceito no sentido de “região

natural” composta de um conjunto de elementos naturais sobrepostos e determinantes da

ação humana, quanto o conceito no sentido de um espaço reduzido a indicadores sócio-

econômicos definidos a priori e considerados “neutros” pelo pesquisador, são abandonados

em função de outro tipo de conceituação capaz de proporcionar uma melhor apreensão da

historicidade e das contradições sociais “que impregnam determinado espaço”. Esta outra

conceituação de região, baseada nos pressupostos do materialismo histórico e dialético, será

adotada pelos geógrafos ligados à “geografia crítica”. “Região” passa a ser definida “(...)

como a categoria espacial que expressa uma especificidade, uma singularidade, dentro de

uma totalidade: assim, a região configura um espaço particular dentro de uma

determinada organização social mais ampla, com a qual se articula”.

Observa-se, então, a articulação entre as categorias de espaço e tempo , o que pode

ser traduzido também como uma aproximação entre a Geografia e a História. Ainda no

referido Simpósio, SILVEIRA chamava a atenção para o fato de que,

“Se parece óbvio que a relação História e região é a relação, em última instância, entre temporalidade e espacialidade, esta obviedade não é tão, ou quase nada, óbvia nos estudos históricos no Brasil. Nossa produção historiográfica ignora completamente a problemática em termos de seu tratamento teórico-metodológico. Praticamente, não existem reflexões sistematizadas sobre as várias abordagens que se tem dado à relação Região-História nos trabalhos empíricos, e sobre as implicações epistemológicas e políticas de tais enfoques. (...) a pertinência dessa reflexão teórico-metodológica se coloca quando o discurso oficial dos que dirigem os órgãos de Educação e Cultura desse país vem acentuando, com maior ênfase

? 13 AMADO, Janaína. Apresentação. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In SILVA, Marcos A da (coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília] CNPp, 1990, p.7-8.

Page 184: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

177

desde há 10 anos, a necessidade de regionalização dos currículos e de uma ótica de cultura atenta às peculiaridades regionais”.14

SILVEIRA coloca a necessidade de reflexões teórico-metodológicas sobre a relação

História e Região e respectivas implicações epistemológicas e políticas, ressaltando a

necessidade de serem aprofundados tais questionamentos, tendo em vista também a

problemática da regionalização dos currículos, especificamente no 1º grau, em voga desde

os anos 70. A abordagem do que poderíamos chamar de história local, aquela de âmbito

mais próximo do indivíduo, e da denominada história regional suscita pontos de discussão

tanto sobre o que diz respeito à produção historiográfica quanto ao ensino de História. As

nossas reflexões caminham no sentido de abordar alguns destes pontos por achá-los

cruciais no atual contexto histórico-educacional. Já comentamos sobre concepções de

história e ensino em estreita ligação com as possibilidades de compreensão e participação

dos homens na realidade histórica da qual fazem parte. Observamos deslocamentos teóricos

e políticos dos quais novas propostas educacionais emergiram em meados dos anos 80.

Nesta mesma época, conceitos que hoje são objeto também de nosso interesse eram

rediscutidos, tendo em vista não só a pesquisa acadêmica mas também o ensino de história

em diferentes unidades da federação. PESAVENTO criticava, em 1985, o conceito de

região tal como ele aparecia no ensino de história do Rio Grande do Sul,

“(...) os conteúdos de Estudos Sociais, no Rio Grande do Sul, são introduzidos na seguinte seqüência: a comunidade local (‘o lugar onde moro’), a comunidade maior que representa a região (a terra do Rio Grande do Sul e a sua história) para concluir com a sua inserção no contexto maior, nacional ( o Rio Grande do Sul e o Brasil). Ora, esta solução de conteúdos e sua aplicação nas salas de aula se dá sem uma correlação mais rigorosa com as fases de desenvolvimento do aluno, suas reais possibilidades e interesses (...) Do que é próximo geograficamente – no caso, a comunidade – salta-se para um recuo no tempo e uma dilatação daquele espaço inicial que extrapola de muito o nível das operações mentais concretas em que a criança se encontra nesta fase de desenvolvimento. A este dado, se acrescenta um outro, que é o da introdução da história regional sem que a criança possua um conhecimento do contexto mais amplo. Por exemplo, na 4ª série do 1º grau no Rio

? 14 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e História: Questões de Método. In SILVA, Marcos A da (coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília] CNPp, 1990, p.17.

Page 185: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

178

Grande do Sul, a criança estuda a história do Estado sem que conheça a história do Brasil, o que só será desenvolvido na 8ª série do 1º grau”. 15

PESAVENTO enfatizava, naquele momento, a necessidade de um melhor domínio

das noções de tempo e espaço, pelas crianças, bem como a fragmentação inerente àquela

proposta curricular e vimos que, no caso da Proposta da CENP/SP, em 1986, procurava-se

dar outro tratamento a tais questões. PESAVENTO criticava ainda um certo tipo de história

regional persistente em textos acadêmicos e didáticos no Rio Grande do Sul, qual seja, uma

história tradicional e conservadora que contribuía na preservação dos interesses das classes

dominantes, além de ser “reatualizada” e “patrocinada pelos meios oficiais”. No caso de

São Paulo, o regionalismo se tornou objeto de estudos de alguns pesquisadores. O

regionalismo paulista e o ensino de História como instrumento de sua divulgação e

perpetuação foi analisado por CERRI. Este autor critica a noção de região como categoria

pronta, naturalizada, bem como o regionalismo na perspectiva de um problema político que

favorece o desenvolvimento de preconceitos e contribui para a não compreensão dos

conflitos e problemas sociais. Para CERRI,

“O estabelecimento de uma região como objeto de estudos é sempre algo delicado, pois implica em afirmar um mínimo de homogeneidade no recorte que se estabelece, sempre ‘para fins didáticos’, quando sabemos que a multiplicidade e riqueza inerentes ao real passam ao largo dessa homogeneização. Em se tratando, porém, do discurso ideológico (que sustenta um de seus pés na história), procura-se estabelecer uma homogeneidade ainda mais distante da realidade, na medida em que apresenta uma identidade, interesses comuns definidos pelo ‘pertencimento’ a uma determinada região(...)”.16

? 15 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História Regional e Transformação Social. In SILVA, Marcos A da (coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília] CNPp, 1990, p.70-1.

? 16 CERRI, Luis Fernando. Regionalismo e Ensino de História. In Revista de História Regional. v.1, n.1, inverno de 1996. [on line]. Disponível na Internet: http:// www.uepg.br.. Do mesmo autor, vide: NON DUCOR, DUCO: A ideologia da Paulistanidade e a Escola. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Humanitas Publicações, v.18,n. 36, 115-136, 1998.

Page 186: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

179

A necessidade de reconceituar a “região” é afirmada por estes pesquisadores, seja

nos anos 80 quanto nos anos 90, tendo em vista o ensino e a pesquisa, especificamente, no

caso, relacionados à ciência da História.

No contexto educacional dos anos 90, destacaríamos a outra Proposta Curricular

elaborada no Estado de São Paulo, pela CENP, em 1992, e posteriormente à implementação

de outra política educacional para o país, cujas orientações relativas ao ensino Fundamental

e Médio constam nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). O objetivo da abordagem

que delas faremos, a seguir, continua sendo a busca de subsídios através dos quais podemos

historicizar as noções de história local e regional que, em última instância, dizem respeito à

relação do homem com as categorias de tempo e espaço na perspectiva do ensino de

história, especialmente nas séries iniciais.

Na Proposta de 1992, as autoras avaliavam que as novas abordagens historiográficas

ainda não atingiam profundamente a escola, apesar de serem tomadas pela própria escola

como possibilidades de mudança nas práticas pedagógicas. Devido ao desconhecimento das

mudanças conseqüentemente operadas nas posturas metodológicas, “os conteúdos

continuaram sendo tratados como antes”. O papel da escola – e, em específico, do ensino

de história – na formação de pessoas participativas na sociedade requeria que o aluno

conhecesse e entendesse os processos de produção do conhecimento histórico e, sendo

assim, “o ensino de História deve ser vinculado à vivência do aluno”. Ainda,

“A equação-chave desta Proposta é o processo de ensino-aprendizagem (...) Ensino/pesquisa, ensino/aprendizagem, isto é, produção, difusão, recepção, são momentos diversos de um único processo. Se a Universidade produz conhecimento, a escola de primeiro e segundo graus o socializa, sem que haja uma hierarquização. Não se entende aqui a difusão de conhecimentos como uma atividade inferior à sua produção. Na medida em que o aluno participa ativamente do processo de aprendizagem, adquire a dignidade de sujeito desse mesmo processo, pois o essencial está na sua capacidade de aprender”.17

? 17 SÃO PAULO ( Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta curricular para o ensino de história. 1º grau. São Paulo: SE/CENP, 1992, p.11. Elaboração: Ernesta Zamboni (UNICAMP), Katia Maria Abud (UNESP/Franca). Colaboração: Luiz koshiba ( UNESP/Araraquara), Maria Helena Capelato (USP).

Page 187: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

180

Notamos pontos em comum em relação à proposta de 1986 no que se refere, por

exemplo, à concepção de história como construção na qual atuam diferentes sujeitos; à

opção do trabalho com eixos temáticos à medida que qualquer tema/objeto contém em si a

totalidade do social na relação do todo com as partes e vice-versa; à relação dinâmica entre

presente-passado; à consideração das experiências vividas pelos alunos no seu cotidiano.

Em relação a este último ponto, chama-se a atenção para que o professor não confunda a

consideração de tais experiências com a História do cotidiano, nela permanecendo. Por

outro lado, o enfoque dado, em 1986, à questão da produção do conhecimento histórico

pautava-se pelo rompimento com determinada visão na qual cabia, ao ensino de 1º e 2º

graus, a “ transmissão” de informações e ao 3º grau a “pesquisa”, a “produção do

conhecimento”. É explicitada pelos autores a possibilidade da “ coexistência e mesmo

identidade do ensino/pesquisa”, da produção do conhecimento “em todos os níveis sociais e

graus de escolaridade”.18 Por sua vez, na Proposta de 1992, esta questão da produção de

conhecimento em todos os níveis de escolaridade é, de certa forma, relativizada,

considerando-se o ensino/pesquisa e ensino/aprendizagem “momentos diversos de um

mesmo processo”: a Universidade como produtora de conhecimento e a escola de 1º e 2º

graus como responsável pela sua socialização – e não pela “ transmissão” – , sem a

hierarquização entre os mesmos; a ênfase na participação ativa do aluno no processo de

ensino-aprendizagem como garantidora de sua posição de sujeito neste processo.

O proposto para as séries iniciais tem como base os eixos temáticos (1992: p.15-16),

conforme observamos abaixo.

Ciclo Básico (1ª e 2ª séries)

Eixo temático: A criança constrói a sua história

Sub-temas: 1) Identificação das relações sociais no espaço em que a criança vive

2) Identificação das relações de trabalho existentes no meio em que

a criança vive

3) Identificação da noção de tempo e espaço

3ª e 4ª séries

? 18 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas( CENP). Proposta curricular para o Ensino de História – 1º grau: 3ª edição preliminar. São Paulo, 1986, p.4.

Page 188: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

181

Eixo temático: A construção do espaço social: movimentos de população

No ciclo básico, o ponto de partida para o estudo da História é a realidade mais

próxima vivenciada pelos alunos visando a “(...) prepará-los para conhecerem pessoas e

realidades distantes no tempo e no espaço e serem capazes de lhes atribuir significados

pessoais. Por essa razão o afastamento da realidade que os cerca será gradual”.(p.15)

Têm-se por objetivo explorar conceitos e noções consideradas fundamentais, tal como se

observa nos sub-temas escolhidos, de forma a “(...) concretizar as possíveis inter-relações

existentes nas articulações conceituais”. (p.16).

Nestas séries, é dada continuidade ao objetivo de situar o aluno no lugar onde vive,

aprofundando os conceitos introduzidos nas séries anteriores. A justificativa para a escolha

deste eixo temático é a de que, partindo das histórias das famílias dos alunos, diversos

contextos históricos podem ser abordados, tendo em vista que migrantes internos e/ou

imigrantes estão presentes nestas histórias familiares. Na 3ª série introduz-se o eixo

temático, a partir do local onde a criança vive e estuda. “No lugar onde moramos vivemos a

história da nossa vida e participamos da história. A construção da história do lugar

poderá ser feita a partir dos movimentos de população (chegada dos primeiros moradores,

imigração e emigração) (...)”. ( p.21-2). Na 4ª série, além de aprofundar conceitos

anteriormente trabalhados e enfatizar os conceitos de cultura , relações sociais e trabalho

são introduzidas as questões ambiental e a indígena brasileira. Enquanto, na 3ª série, o

espaço selecionado para localizar historicamente os movimentos de população é o “lugar

onde a criança vive”, na 4ª série, amplia-se este espaço rumo a “regiões do Brasil que

sofrem um grande assédio populacional, como o Centro-Oeste e o Norte” (p.21).

A articulação de espaços, de contextos históricos diferenciados, via estes eixos

selecionados, não se dá de forma mecânica e fragmentada , ao mesmo tempo em que não

existem recortes espaciais definidos a priori, seja a partir de fronteiras político-

administrativas, elementos naturais ou indicadores sócio-econômicos. O local e região não

são explicados por si só, mas através de um processo de ensino-aprendizagem que visa a

articulação de conceitos e contextos históricos de forma a propiciar ao aluno a compreensão

da História, a partir das experiências sociais vividas, das quais ele faz parte de forma ativa.

Page 189: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

182

Em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), especificamente a parte

dedicada aos I e II Ciclos (Ensino Fundamental), chama-nos particularmente a atenção a

ênfase que é dada ao termo “ história local”, diferentemente das duas outras Propostas

anteriormente comentadas em que a questão é abordada mas sem grandes ênfases e

explicitações, seja do “regional”, seja do “local”.

Vejamos a justificativa para a seleção e organização dos conteúdos dos I e II Ciclos,

“A escolha dos conteúdos relevantes a serem estudados, feita neste documento, parte de problemáticas locais em que estão inseridas as crianças e as escolas, não perdendo de vista que as questões que dimensionam essas realidades estão envolvidas em problemáticas regionais, nacionais e mundiais. As informações históricas locais relevantes a serem selecionadas expressam, assim, a intencionalidade de fornecer aos alunos a formação de um repertório intelectual e cultural, para que possam estabelecer identidade e diferenças com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida (...) e, simultaneamente, permitir a introdução dos alunos na compreensão das diversas formas de relações sociais e a perspectiva de que as histórias individuais se integram e fazem parte do que se denomina de História nacional e de outros lugares”.(grifos nossos)19

Considera-se, nesta seleção de conteúdos, o cotidiano da criança no tempo presente

como ponto de partida. Afirma-se que os conteúdos expressos nestes Parâmetros “(...) não

devem ser considerados fixos. As escolas e os professores devem recriá-los a adaptá-los à

sua realidade local e regional”. ( grifos nossos, p.21).

Ao serem elaborados parâmetros curriculares “nacionais” – ponto este muito

criticado por educadores – conseqüentemente, procura-se relativizar esta amplitude,

chamando a atenção do professor para as especificidades e, com isso, demarcando o

“local” e o “regional”. Em última instância evidencia-se, com isso, uma contradição.

? 19 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental – SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais- História. 1997, p.19-20. De acordo com os autores, considera-se, nesta escolha do que e como ensinar história, não só as mudanças historiográficas mas também outras questões, tais como a expansão escolar para um público culturalmente diversificado, as influências dos meios de comunicação, as contribuições pedagógicas – “especialmente da Psicologia social e cognitiva” – e a natureza interdisciplinar de algumas propostas pedagógicas.(p.13) É necessário lembrar que, de acordo com este documento, os conteúdos devem se articular aos Temas Transversais. A Consultoria, para a área de História, foi feita pelos seguintes profissionais: Ângela de Castro Gomes, Circe Bittencourt, Elias Thomé Saliba, Ilana Blaj, Maria Beatriz Borba Florenzano, Modesto Florenzano.

Page 190: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

183

Para o I Ciclo,

Eixo temático: História local e do cotidiano

a) A localidade b) Comunidade indígena

Para o II Ciclo,

Eixo temático: História das organizações populacionais

a) Deslocamentos populacionais

b) Organizações e lutas de grupos sociais e étnicos

c) Organizações políticas e administrações urbanas

d) Organização histórica e temporal

Estabelece-se uma diferenciação entre história “local” e “do cotidiano”. A partir das

experiências cotidianas vivenciadas pelo aluno não se pode abordar a história local? Para os

elaboradores dos Parâmetros, “Os estudos da história local conduzem aos estudos dos

diferentes modos de viver no presente e em outros tempos, que existem ou que existiram no

mesmo espaço”. (p.23) Para o II Ciclo, parte-se do entorno do aluno, visando a ampliar a

percepção das relações estabelecidas na coletividade local e desta para outras coletividades

em diferentes tempos e espaços.

“Assim, só numa dimensão de tempo que se alarga em direção ao passado e numa dimensão de espaço que contempla outras localidades, é que se evidencia as particularidades locais e o que nela existe em comum ou recriado em relação aos outros lugares (...) Assim, a proposta é de que os estudos sejam disparados a partir de realidades locais, ganhem dimensões históricas e espaciais múltiplas e retornem ao local, na perspectiva de desvendá-lo, de descontruí-lo e de reconstruí-lo em dimensões mais complexas” (p.30-31)

Este movimento de ir e vir entre espaços e tempos encontra-se também nas

propostas para o Estado de São Paulo ( 1986/1992), assim como nos Parâmetros (1997).

Notamos sutis diferenças de vocabulário – e os discursos veiculam mais do que simples

vocábulos – no que diz respeito a esta questão. Nas duas primeiras Propostas trata-se da

reflexão a partir das “experiências” vividas pelos alunos rumo a processos históricos mais

amplos, depois retornando às “experiências” vividas de forma crítica. Aqui, a referência

teórica é E. P. Thompson no que diz respeito à recuperação das experiências dos homens,

colocando-os na posição de sujeitos da história. Nos Parâmetros, trata-se da reflexão a

Page 191: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

184

partir das “realidades locais” para se alcançar dimensões históricas mais amplas e, por fim,

retorna-se “ao local” para “desvendá-lo”, “desconstruí-lo”, “reconstruí-lo”. Não há

discussão sobre os possíveis entendimentos dos conceitos de local e regional.

Neste documento, ou seja, nos Parâmetros, faz-se uma distinção entre “saber

histórico” e “saber histórico escolar”. O primeiro, relativo ao campo de pesquisa e

produção de conhecimento do domínio de especialistas, o segundo, relativo ao

conhecimento produzido no espaço escolar (1997:p.14-5),

“Considera-se que o saber histórico escolar reelabora o conhecimento produzido no campo das pesquisas dos historiadores especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando e se apropriando de partes dos resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Neste processo de reelaboração, agrega-se um conjunto de ‘representações sociais’ do mundo e da história produzidos por professores e alunos (...)”.

De acordo com os autores deste documento, é na relação do saber histórico escolar

com o saber histórico é que se “delimitam” os “três conceitos fundamentais”: o de fato

histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. “Os contornos e as definições que são

dados a esses três conceitos orientam a concepção histórica, envolvida no ensino da

disciplina”.(p.15) É nesta relação entre saber histórico e saber histórico escolar que os

métodos de pesquisa da História devem ser transpostos para o ensino, visando a situações

pedagógicas favoráveis ao desenvolvimento intelectual autônomo do aluno.

Conforme os Parâmetros, o desenvolvimento dos conteúdos se baseia no trabalho

com as noções de diferença, semelhança, transformação e permanência. Nota-se a

preponderância das indicações ao que trabalhar em cada série em relação ao como

trabalhar.

Subjacente a esta ênfase ao “local”, ao “regional”, observamos outra questão, qual

seja, a da “formação da identidade social do estudante”, através do ensino de história, o

que se relaciona com o exercício da cidadania (1997:p.13, grifos nossos),

“(...) é primordial que o ensino de História estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas entre as quais as que se constituem como nacionais. Para a sociedade brasileira atual, a questão da identidade tem se tornado um tema de dimensões abrangentes, uma vez que se vive um extenso processo migratório que tem desarticulado formas tradicionais de relações sociais e culturais. Neste

Page 192: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

185

processo migratório, a perda de identidade tem apresentado situações alarmantes, desestruturando valores cujo alcance ainda não se pode avaliar. Dentro dessa perspectiva, o ensino de História tende a desempenhar um papel mais relevante na formação da cidadania, envolvendo a reflexão sobre a atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades e sua participação no coletivo.”

Ao nosso ver, esta relação entre construção de identidades e exercício da cidadania

é extremamente importante e merece cuidado por parte dos educadores. Como afirmou

CERRI ( 1996:p.3), se não existem identidades puras, pois elas são construções sociais,

buscar a construção de identidades a partir de recortes geográficos, dados como prontos,

não é interessante. Considerando ainda que determinados segmentos sociais, ao forjarem

identidades, contribuem para a criação de determinadas imagens que passam a fazer parte

de história oficial e da memória coletiva, como garantir que o ensino de história contribua

para a construção de identidades e o exercício da cidadania? Se a história local tem sua

relevância “porque é um assunto em que todos estão relacionados, fazem parte do mesmo”,

conforme nos diz um professor consultado, como garantir que neste “mesmo” se

compreenda o “eu”, o “outro” – os “outros” de “outros” tempos e espaços – e o “nós” ?

Para ARRUDA (1999:p.45), nas “apropriações identitárias do passado”, o não assimilável

pelo presente, “o que é nocivo para o presente torna-se, simplesmente, ‘cultura da

diferença’, e não ‘alteridade’”. Enquanto retomarmos figuras idealizadas do passado

como vultos, pessoas ilustres, enquanto omitirmos o “outro” de outros tempos, estaremos

contribuindo com qual noção de identidade e de cidadania? Chamou-nos a atenção, no caso

dos temas apontados pelos professores de Patrocínio Paulista, referências feitas ao

“garimpeiro” ( Ensino Infantil e Fundamental). Por outro lado, não foi feita uma única

referência aos caiapós, antigos habitantes do local.

As nossas preocupações, não só com as noções de identidade e cidadania mas

também com o que podemos entender por história local e regional se ligam à questão da

produção do conhecimento, tanto no que diz respeito à historiografia quanto ao ensino de

História.

Ás “armadilhas” – termo usado por AMADO (1990:p.13) – com as quais podemos

lidar, em se tratando da historiografia e do ensino de história local e regional, contrapõem-

Page 193: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

186

se as “possibilidades”. Atitudes etnocêntricas “de quem examina a realidade

exclusivamente a partir dos dados e vivência ao seu alcance” e mitificação de “pessoas e

produções historiográficas dos centros maiores”, de acordo com AMADO (1990:p.13-4), a

“entificação do espaço” que gera “os regionalismos reacionários e os bairrismos” e não

contribui com perspectivas de transformação social, no dizer de SILVEIRA (1990:p.40),

são algumas das “armadilhas” . Por sua vez, ambas as autoras apontam as “possibilidades”.

Para AMADO (1990:p.13-4),

“(...) o estudo do regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da História (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas, a identidade cultural etc.) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade. A historiografia regional tem ainda a capacidade de apresentar o concreto e o cotidiano, o ser humano historicamente determinado, de fazer a ponte entre o individual e o social. Por isso, quando emerge das regiões economicamente mais pobres, muitas vezes ela consegue também retratar a História dos marginalizados, identificando-se com a chamada ‘História popular’ ou ‘ História dos vencidos’. Por todas as razões expostas, a historiografia regional é também a única capaz de testar a validade de teorias elaboradas a partir de parâmetros outros, via de regra, o país como um todo, ou uma região, em geral, a hegemônica. Estas teorias, quando confrontadas com realidades particulares concretas, muitas vezes se mostram inadequadas ou incompletas.”

Somente em relação a um argumento é que divergimos da autora. No nosso ponto

de vista, não é necessário emergir das regiões economicamente mais pobres para a história

regional conseguir retratar a “História dos marginalizados”, mas a partir de qualquer

dimensão, seja local, nacional ou regional, por exemplo: depende do enfoque dado, pelo

historiador, ao seu objeto de pesquisa.

Para SILVEIRA (1990:p.42), a revisão teórico-metodológica da questão regional

resulta em um efeito, para a pesquisa, que diz respeito a

“(...) uma estruturação de Centros de Documentação e pesquisa de História regional, ao possibilitar elementos para a caracterização e delimitação da área de abrangência de tais Centros, o que, inclusive, forneceria indicações dos próprios temas e problemas a serem documentados e pesquisados”.

Page 194: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

187

O que a pesquisadora denomina de “efeito” entendemos também como

“possibilidade” . Posteriormente voltaremos a comentar a questão da documentação, na

ótica da preservação da memória social.

Acreditamos que estas abordagens dos problemas e possibilidades relativos à

historiografia e ensino de história regionais podem ser transpostas ao âmbito local – a

questão da escala, neste caso, pouco conta. Em se tratando do âmbito local, SAMUEL

(1989:p.227, 229) critica a auto-explicação, o tratamento de “entidade distinta e separada”

que alguns historiadores lhe conferem. Para ele, existe“uma dificuldade final à própria

noção de História local ” e,

“Ao invés de considerar a localidade por si mesma como um objeto de pesquisa, o historiador poderá escolher como ponto de partida algum elemento da vida que seja, por si só, limitado tanto em tempo como em espaço mas usado como uma janela para o mundo”.20

Este argumento abre espaço para as possibilidades de uma forma tão interessante,

não só em termos de pesquisa mas também de ensino, que dispensa maiores comentários.

Assim, a partir do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, procuramos abordar

o ensino de história local, considerando suas articulações com a macro-história. Esta

questão nos é cara, pois temos em vista uma educação que fortaleça os sujeitos e atue no

sentido de colaborar, de forma mais efetiva, na construção do que entendemos por

cidadania participativa – e o ensino de história tem uma função importante neste sentido.21

Em relação à importância do ensino de história local, concordamos com algumas

das “falas” dos professores consultados – o que se une aos nossos argumentos. Estes, em

? 20 SAMUEL é um dos responsáveis pelo surgimento do grupo History Workshop, 1966, em Ruskin College, Oxford. Um dos objetivos iniciais era “ (...)animar a los trabajadores y trabajadoras a escribir su propia historia, en lugar de dejar que se perdiera o de aprenderla de segunda mano; de ser productores, más que consumidores; y de utilizar su experiencia y su conocimiento en la interpretacion del passado (...)”. Como resultado desta atividade surgiu, posteriormente em 1976, a revista History Worshop Journal. FONTANA, Josep. El grupo de Hitory Worshop y la “ Historia Popular”. In SAMUEL, Raphael ( ed.) Historia Popular y Teoría Socialista. Barcelona: Editorial Crítica, 1984, p.7-11. ( 1ª Edição em Londres, 1981)

? 21 O nosso entendimento de cidadania participativa se refere ao exercício da cidadania pautado no objetivo de transformação das condições sociais rumo a condições mais dignas e justas de existência.

Page 195: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

188

síntese, são: é importante que o aluno conheça a história mais próxima da sua realidade

e a escola tem um papel importante para a sua formação e inserção na sociedade à qual

pertence – embora o ensino formal não seja o único meio para tal; os temas vinculados à

história local despertam motivação, tanto nos alunos quanto nos professores; o trabalho

com a história mais próxima do aluno gera possibilidades de recuperação de outras

experiências ligadas a outros contextos históricos, ou seja, proporciona caminhos para a

exploração e articulação das relações sociais em diversos espaços e tempos históricos; o

ensino de história tem uma importância para os processos de construção de identidades e da

cidadania participativa e, nestes, a dimensão da história local não pode ser ignorada; o

trabalho com história local pode contribuir para o fortalecimento dos alunos e professores

enquanto sujeitos históricos; a valorização das particularidades e singularidades dos micro

espaços sociais, em diálogo e contraponto com macro-espaços, pode contribuir para o

questionamento de discursos homogeneizadores que se aproximam dos totalitarismos, tão

presentes na contemporaneidade.

Ou seja, existe um “lugar” para a história local – assim como para a regional – que

não pode ser ignorado, mas é necessário que se dê continuidade à sua problematização,

tendo em vista o ensino e pesquisa de História.

Embora tenhamos enfatizado o trabalho com a história local e regional nas séries

iniciais do Ensino Fundamental, acreditamos ser possível trabalhar com a história local no

Ensino Infantil, considerando a faixa etária e o desenvolvimento cognitivo dos alunos, bem

como a história local e regional nas séries posteriores do Ensino Fundamental e Médio,

fazendo as devidas relações entre os níveis micro e o macro de abordagem histórica.

No caso de nossa pesquisa, o Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista – registro

de determinada versão da história local, fundada em determinadas memórias locais – tem

uma inserção no universo escolar local. Considerando este Almanaque como “ documento

histórico”, abrimos possibilidades de explorá-lo, como fonte, no ensino-aprendizagem de

história e na contemplação do que se denomina “história local”. Achamos interessante, para

tal, não se perder de vista alguns pontos, os quais elencaremos.

1- Este Almanaque tem uma historicidade que, ao ser considerada, permite

questionamentos, tais como: Quando foi feito? Por quem e para quê ?

Page 196: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

189

Centenário de emancipação política diz respeito a que? Quais os sentidos de

comemorá-lo? O que se registrou da história local? O que não se registrou?

Toda a história local poderia ser registrada nele? Quais as fontes utilizadas para

esta escritura?

2- Ele contém narrativas, inclusive as iconográficas, que difundem visões de

história e de cidade; narrativas que proporcionam a apreensão de sensibilidades

de outras épocas. É um material rico a ser explorado em sala de aula, permitindo

diversas leituras e enfoques metodológicos: pode ser usado como ponto de

partida para tratar determinado tema; pode propiciar o confronto de versões

sobre determinado assunto quando comparado a outras fontes, como as orais;

pode permitir o desenvolvimento de leituras das imagens iconográficas pelos

alunos; pode ser utilizado no desenvolvimento de projetos interdisciplinares etc.

3- Esta obra não foi escrita para ser “utilizada” didaticamente no sentido de sua

“aplicação” mecânica pelo professor aos alunos; ela não contém as informações

“atualizadas” tal como outras publicações que divulgam dados novos a cada

ano. Ela tem, por sua vez, uma riqueza em termos de narrativas que, para não

ser perdida, necessita ser tratada não mecanicamente e, sim, na dimensão da

produção do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem de História.

Esta dimensão implica em revisão de conceitos e de práticas, por parte do

professor que, por exemplo, trabalha com a idéia de “transmissão” do conteúdo.

3.3 Memória Social: preservação – democratização

Uma questão relativa à produção do conhecimento histórico, em se tratando da

historiografia e do ensino de História, é a das fontes históricas e da memória social. No

nosso caso, interessa-nos abordá-la considerando o eixo de nosso trabalho de pesquisa que

é a produção do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, ou seja, a partir de uma

determinada experiência desenvolvida em âmbito local e cujos desdobramentos em termos

de recepção nas escolas locais já procuramos discutir.

Page 197: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

190

Um dos sentidos da produção deste Almanaque diz respeito ao processo de

“garimpagem”, da corrida às fontes históricas, com vistas à escritura da história local.

Quando perguntamos para um dos seus organizadores, Carlos Alberto Bastos de Matos,

sobre o conhecimento/desconhecimento das fontes históricas locais e condições de

preservação, ouvimos a sua versão a respeito,

“É, não se sabia! Então, foi um trabalho de garimpar na Prefeitura, de ver o que é que tinha lá nos arquivos da Prefeitura; tinha muitos livros, muitas caixas com papéis sem importância, recibos de taxas. Teve que ir tirando tudo da Prefeitura pra ver o que tinha, e, às vezes, sim, encontrava alguma coisa que estava lá por acaso, uma coisa deslocada que estava lá, coisas que pertenciam à escola, um livro de uma escola que estava lá ...Mas não se sabia das entidades, se tinha, se não tinha; do asilo, por exemplo, um dia quando passou lá o provedor, o presidente do asilo, queimou tudo! Mandou fazer uma limpeza e queimou... Então, do asilo não tinha nada, não tinha nenhum documento porque tinha sido queimado; aquela papelada velha e ele, pra mostrar serviço, pra mostrar que estava assumindo, que estava limpando, organizando, mandou queimar todos os arquivos, né? (...) então do asilo tem pouca coisa aqui, da história do asilo, de documento mesmo...Então, era descobrir o que tinha, o que não tinha, né? (...) as atas [atas da Câmara Municipal], está faltando um livro, um livro não se achou (...) da Igreja tinha! Da Igreja tinha um importantíssimo livro de Tombo da Igreja – onde se teria que registrar o que tem na Igreja. Ali, um padre, em 1905, um historiador, um austríaco, resolve escrever uma história ali, lançou páginas e páginas da história no começo do século, bem próximo do surgimento da Vila de Patrocínio (...)”

De certa forma, já havíamos tocado nesta questão das fontes, quando da abordagem

dos textos do Almanaque; pudemos perceber um pouco o que foi utilizado pelos

colaboradores-pesquisadores na elaboração dos seus trabalhos: fontes escritas

(preponderantemente), fontes iconográficas, fontes orais. Nosso entrevistado se detém nas

fontes escritas de arquivos públicos e um elemento que se impõe, a partir desta fala, se

refere à não preservação, à destruição de fontes importantes para o tratamento de

determinados aspectos da história local. Sobre isto, atentemos ainda às suas observações,

“Quando eu cheguei em Patrocínio estavam reformando a cadeia velha e tinha num canto lá umas pedras, uns livros cheios de cupim; e eu me lembro que fui até com os meninos, fomos lá num sábado à tarde e tiramos os livros, estavam assim cheios de cupim, os livros estavam jogados no chão, chão de madeira , no segundo andar, e tinha o ... aquele....aquele.... o oratório .Com cupim também; aí levamos lá um veneno, jogamos, num sábado à tarde, e eu sei que tinha uns bichos empalhados ainda lá também, tudo com cupim ... (...)”

Page 198: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

191

O entrevistado se refere ao início dos anos oitenta, tendo em vista que assume a

função de juiz de Direito no município em 1982. Neste prédio da cadeia velha, em maio de

1985, aconteceu uma exposição de fotos e quadros em comemoração ao centenário de

nascimento do pintor patrocinense Joaquim Garcia Lopes Sobrinho ( Tio Quincas). No

convite, conforme reproduções nas páginas seguintes, o local se denominava “Casa de

Cultura de Patrocínio Paulista”.

Já tivemos, no município, um Museu e, posteriormente, uma Casa de Cultura e o

desaparecimento de ambos suscita interrogações e aparece de forma lacunar na voz de

alguns moradores – inclusive na fala do ex-prefeito Aloísio de Andrade Freitas, quando

indagado sobre esta Casa de Cultura,

[silêncio] Retomamos a questão: “teve um período em que funcionou ali um Casa

de Cultura, não e´? Como é que foi aquilo?”

“Biblioteca? Biblioteca que funcionou lá, era pequenininha. Ela funcionava na prefeitura... ela foi criada no governo do José Milton... eu não sei, tinha qualquer coisa de casa da cultura sim... Aí... ela... foi quando eu assumi a prefeitura e estava ficando muito espremido ali dentro daquele... foi quando resolvemos levar lá pra ... porque lá na cadeia funcionava o fórum, lembra que era o fórum, em cima?(...) e o fórum, quando saiu, aí botamos a biblioteca lá, instalamos lá, embaixo, nas celas, e em cima... Foi, Fátima, em cima era essa Casa da Cultura, sim. Tinha até uma espécie de museu, aquele museu do senhor Juquinha parece que foi levado prá lá... (...) de lá, depois, acho que reformaram ali perto da rodoviária, aquele prédio, e passou prá lá, eu não me lembro mais. Desde que eu saí era lá, funcionava lá, e tinha ainda esse...Foi, foi depois que eu saí que passou prá outro local. Eu até não sei que fim... Bom, aqueles quadros, aquelas coisas, o doutor Carlos trouxe para o fórum, né? E ficou alguma coisa lá, aquele museu do senhor Juquinha, antigo... aqueles...Oratório? É, como é que foi? Tinha um oratório antigo. Esse oratório esteve jogado aí na prefeitura... Esse oratório hoje está no... sindicato? É, acho que é. Sindicato rural. Sindicato rural, pois tem o rural e o dos trabalhadores rurais(...) inclusive tem muita coisa antiga lá, é que o Irineu [presidente do Sindicato dos produtores rurais] gosta disso daí, né? Tem um painel assim, ele colocou uns vidros, tem lá até alguns documentos, muito antigo...”

Page 199: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

192

Convite referente às comemo rações do centenário de nascimento do pintor patrocinense, recebido por esta pesquisadora, em 1985.

Page 200: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

193

Convite referente às comemo rações do centenário de nascimento do pintor patrocinense, recebido por esta pesquisadora, em 1985.

Page 201: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

194

No Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista encontramos uma reprodução

fotográfica do “oratório” mencionado pelos dois entrevistados (1986:p.26), assim

legendado: “Tríptico pertencente à Ermida da Fazenda de Santa Bárbara (doado à

Prefeitura Municipal) – foto de Davi Radesca”. Por que ele foi mencionado no

Almanaque? Por que ele foi mencionado por nossos entrevistados? Há sentidos que são

intrínsecos a este objeto que ultrapassam a dimensão do “objeto” em si, colocando-o na

dimensão de um documento representativo da cultura material local. No entanto, se é

valorizado e destacado no Almanaque (1986), nossos entrevistados aludem à sua situação

de descaso antes e depois da feitura do livro: “(...) e tinha o ... aquele....aquele.... o

oratório. Com cupim também(...)” ; “Tinha um oratório antigo. Esse oratório esteve

jogado aí na prefeitura... Esse oratório hoje está no... sindicato? É, acho que é”. De

patrimônio público, já que doado à Prefeitura Municipal, é transferido para o Sindicato dos

proprietários rurais? Estamos nos atendo aos indícios relativos a este “documento” porque

eles são reveladores de sentidos no que tange ao patrimônio histórico-cultural, ao

patrimônio público, à memória social local.

A questão do Museu Municipal é também representativa de uma “memória

patrocinense” que ressurge das brumas do tempo, nas rememorações de nossos

entrevistados. Para o organizador Carlos Alberto B. de Matos,

“ (...) o senhor Juquinha tinha montado o museu lá na escola, que era o Museu Municipal . O senhor Juquinha era uma pessoa muito respeitada, ligada a todas as famílias e ele conseguiu muita coisa. Aquele museu, dizem que era muito rico, tinha fardamentos da Guarda Nacional, documentos, espadas... E aí o senhor Juquinha aposentou, colocaram uma outra pessoa para tomar conta; depois, precisaram desta pessoa para um outro lugar, fecharam; dali a pouco não tinha mais chave, desapareceu tudo... E aí o senhor Aloísio , nesta reunião falou: ‘a gente tinha que fazer de novo um museu aqui’. E eu falei: Senhor Aloísio, eu acho que não porque este pessoal só tem estes documentos e estas fotos porque não deu para o museu do senhor Juquinha [ele se refere às pessoas que estavam participando da elaboração do Almanaque]; porque o que deu desapareceu tudo, e pessoas foram lá, pegaram, desapareceram com todas as coisas. Então, este é o grande problema, não só de Patrocínio mas de todas as cidades pequenas quando fizeram museus. Teve uma época aí, estimulada pelo governo do Estado, a Secretaria de Cultura fez museus históricos e pedagógicos nas cidades, e reuniu muita coisa . E depois, aquele que era o interessado, que cuidou, desapareceu com o tempo e estes museus acabaram... Todo o material que tinha lá desapareceu e estas cidades pequenas não têm estes... estes equipamentos de controle, né, social... Franca, por exemplo, que tem um museu, foi o pai do Chiachiri, o José Chiachiri, que foi um grande

Page 202: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

195

incentivador e que cuidou disto até morrer, o museu tem até o nome dele, ‘José Chiachiri’. Quando ele faleceu o museu não desapareceu porque Franca já tinha rádios e jornais e aquele museu já tinha uma proteção, de maneira que se quiserem fechar este museu hoje tem uma grita em Franca! Nas cidades pequenas precisa da pessoa que está lá [trabalhando no museu] para o serviço de águas, tira a pessoa de lá e manda para serviço de águas, não é?”

O Museu Municipal que um dia existiu em Patrocínio Paulista aparece associado ao

Senhor Juquinha (José Alves de Souza Falleiros Junior), seu idealizador, o que é

perfeitamente compreensível. Em texto do Almanaque (1986:p.183), a cargo dos

organizadores, registrou-se também a sua atuação: “Preocupado com a preservação da

memória patrocinense, reuniu documentos e peças, criando um Museu Histórico”. Nosso

entrevistado dá a sua versão sobre a constituição e o desaparecimento do Museu em

Patrocínio Paulista e faz, ao mesmo tempo, uma crítica à falta de manutenção do espaço um

dia criado. Sabemos que este é mais um assunto a ser ainda melhor estudado, inclusive no

que tange ao caráter da memória patrocinense que procurou-se preservar com a criação

deste Museu.

O que nos inquieta muito é que, tanto a Casa de Cultura quanto o Museu

Municipal, parecem não ser associados a um patrimônio público que deveria ser preservado

– o que é indicativo do descaso sofrido e do desaparecimento de ambos.

Carlos Alberto B. de Matos alude à falta de equipamentos de controle social,

notadamente meios de comunicação, como facilitadores do desaparecimento de

instituições como museus em cidades pequenas. Outra questão que se impõe, em se

tratando de espaços como museu e casa de cultura, é a das concepções que alicerçam as

suas criações: o que se objetiva com tais espaços? Quais as finalidades? São espaços

pensados a partir de qual, quais noções de memória e de história? A dimensão educativa é

considerada? Em que termos? Refletir sobre estes aspectos é importante se quisermos a

sobrevivência de tais espaços, bem como a sua associação à educação e, no caso, ao ensino

de História.

“Não consideramos que a ação educativa em um museu deva estar centrada apenas nas exposições, mas que estas são os suportes essenciais que permitem e aproximam a relação com o público em geral, e o escolar em particular. O contato com esses documentos materiais, a partir do suporte comunicativo das exposições,

Page 203: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

196

permite-nos inserir questões relativas à constituição de uma memória e da preservação de um passado”.22

Concordamos com os autores e retomamos algumas colocações de professores do

município, em se tratando do trabalho com história local. Ao afirmarem que gostariam de

trabalhar mais com assuntos pertinentes à localidade ressaltam: “falta material”, “gostaria

de trabalhar com aulas mais práticas”; lembramos daquele professor que citou, como

procedimento já utilizado, “visita a lugares históricos (Prefeitura Municipal e Câmara dos

Vereadores)”. A perda de espaços um dia criados tem efeitos negativos, sim, em se

tratando da preservação e democratização da memória social.

A feitura do Almanaque de Patrocínio Paulista , além de gerar a “corrida às fontes”,

conforme comentamos, colocou em relevo a figura do organizador – e juiz de Direito no

município, à época – Carlos Alberto Bastos de Matos, tendo em vista o seu envolvimento

com a história do local. Nossos entrevistados mencionam sua atuação neste campo,

“(...) o doutor Carlos é um historiador nato(...) nós arrumamos depois, nessa época, a galeria de antigos juizes – que no Fórum não tinha também. Através desse trabalho que foi feito, da história da comarca, nós conseguimos localizar as famílias dos antigos juizes – salvo exceção de dois. Galeria de fotos! Tudo através dessa pesquisa que foi feita, desse levantamento que foi feito (...) através do trabalho, o doutor Carlos e eu, nós mandamos correspondência para todas as famílias, depois fazia os quadros e eu e o Paulo, nós montávamos (...) ah, o doutor Carlos montou uma galeria de arte com quadros, a maioria com temas da cidade [no Fórum] (...) Só uns dois que eram doação temporária, cessão temporária, que saíram fora, pelo o que eu sei são dois, mas o restante está lá. Tudo doação: um dava um, outro dava outro, o doutor Carlos deu, o promotor, os pintores mesmo... Então, tem vários quadros lá; na maioria relacionados à Patrocínio Paulista ou então às fazendas da região, sabe? Por exemplo, tem da Fazenda Amarela , tem da Igreja Matriz, tem da Usina do Esmeril, tem do Tio Quinca ... Tem vários do Tio Quincas! Então, foi depois dessa época do Almanaque que foi feito tudo”.(Ivone Pereira Dal Sasso)

“O trabalho que o doutor Carlos fez aqui acho que ninguém, olha... Só se for algum filho de Patrocínio prá fazer o que ele fez porque gente de fora não tem interesse e

? 22 ALMEIDA, Adriana Mortara, VASCONCELLOS, Camilo de Mello. Por que visitar Museus. In BITTENCOURT, Circe (org.) O saber histórico na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1998, p.106-7.

Page 204: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

197

ele teve. Você vê que ele provou realmente que gosta muito da nossa terra, outro não faria isso não, impressionante!” (Aloisio de Andrade Freitas)

“ (...) e o doutor Carlos pôs muito o dinheiro dele nisso, você sabe, não? E faz, e procura isso, e manda fazer, e retratos... dinheiro do bolso dele, ele colaborou muito, monetariamente”. (Izar Garcia de Andrade)

Vale mencionar, ainda, a atuação de Carlos Alberto Bastos de Matos na organização

do arquivo do Fórum, iniciada também em meados dos anos oitenta – o que podemos

comprovar durante a nossa pesquisa de campo em Patrocínio Paulista, em julho de 2000.

De acordo com ele,

“(...) com o correr dos anos, lá pela década de 70, São Paulo já não tinha mais condições de guardar os arquivos lá de Vila Leopoldina... antes tinha tido no Brás... barracões e barracões. E prá dar uma desafogada lá, o que eles fizeram? Pegaram esses processos antigos, separaram pelas comarcas, fizeram uns grandes amarrados e mandaram para as comarcas, que já então os autos não ficavam mais no Tribunal, mas antigamente, até mil novecentos... acho que ...quarenta, ainda era assim: ficavam lá em São Paulo. Eles mandaram esse grandes amarrados e o que é que os cartórios fizeram? Pegaram esses grandes amarrados e colocaram nas estantes; lá em Patrocínio era assim também e aí nós resolvemos arrumar aquilo lá tudo. O que é que fez? Tinha lá os amarrados dos processos, que eram dos arquivos, e não esses grandes pacotes que tinham vindo do Tribunal; desmontamos todos esses maços, desmontamos esses pacotes que tinham vindo do Tribunal e um funcionário, que era o Samuel e trabalhava no Cartório Eleitoral e, portanto, tinha tempo, ele fez pilhas dos processos por ano: processo de 1892, processos... era o ano de abertura do processo... processo de 1893, 1894... pilhas... No começo pilhas pequenininhas, em alguns anos foram crescendo essas pilhas... E aí fichou todos esses processos: nome do autor e nome do réu . E aí amarrou, fez maços do mesmo tamanho, às vezes tinha que juntar no começo dois anos para dar o tamanho do maço e então: maço nº 1, nº 2, nº 3... De forma que estes maços lá estão em ordem cronológica e tem um fichário com nome do autor e nome do réu; de maneira que se eu souber o nome do autor eu vou lá e : ‘meu avô fez alguma coisa aí, cobrou alguém , só queria ver quem é que ele cobrou...’ tem, pelo fichário... ‘ Queria ver do meu bisavô que foi cobrado, foi réu num caso’... acha também pelo fichário... E se não souber nem o nome do autor nem o nome do réu mas souber o ano... (...)”

Retomamos aqui o sentido do historiador diletante, responsável em muitos

municípios pela procura de fontes históricas e pela preservação de memórias locais. No

caso de Patrocínio Paulista, vimos menções, relativas à determinado momento histórico, ao

Page 205: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

198

patrocinense José Alves de Souza Falleiros Junior (senhor Juquinha), e outras menções,

relativas a outro momento histórico, a Carlos Alberto Bastos de Matos.

Para além da atuação de alguns poucos indivíduos, interessa-nos discutir a questão

da preservação do patrimônio histórico- cultural , da preservação da memória, como sendo

intimamente ligada ao exercício da cidadania por todos. Neste sentido, insere-se o papel do

poder público e da instituição escolar – neste último caso, em específico, do ensino de

história. De acordo com BITTENCOURT,

“(...) o ensino de História deve contribuir para libertar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante dos acontecimentos, para que possa entender que cidadania não se constitui em direitos concedidos pelo poder instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes e em suas diversas dimensões. A relação entre História escolar e cidadania nos remete evidentemente às finalidades políticas da disciplina (...)”.23

Concordamos com a autora sobre a necessidade de aprofundar a noção de cidadania

– para além do que denominamos de “cidadania política”, de “formação do eleitor” – tendo

em vista a não “banalização” do termo. Assim (1998:p.22), “O sentido político da questão

da cidadania deve explicitar a relação entre o papel do indivíduo e da coletividade”.

Para ORIÁ,

“Considerar a preservação do patrimônio histórico como uma questão de cidadania implica em reconhecer que, como cidadão, temos o direito à memória, mas também o dever de contribuir para a manutenção desse rico e valioso acervo cultural do país”.24

O poder público e a instituição escolar têm um papel importante no sentido de

contribuir para que os cidadãos conheçam e valorizem este patrimônio. O descaso e a

omissão de ambos em relação a esta questão implica na não contribuição para a construção

? 23 BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In BITTENCOURT, C. (org.) O saber histórico na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1998, p.20.

? 24 ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In BITTENCOURT, C. (org.) O saber histórico na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1998, p.140. Co ncordamos com o conceito de patrimônio histórico utilizado por ORIÁ: além do patrimônio arquitetônico, engloba o patrimônio documental e arquivístico, bibliográfico, hemerográfico, iconográfico, oral, visual, museológico, ou seja, “o conjunto de bens que atestam a História de uma dada sociedade” (p.133).

Page 206: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

199

de identidades e da cidadania pelos indivíduos. Se a memória é uma construção social

fundamental na construção seja de identidades, seja da cidadania, cumpre-nos relembrar a

afirmação de LE GOFF (1986:p.476): “Mas a memória coletiva é não somente uma

conquista, é também um instrumento e um objeto de poder”. Assim, é necessário tratar a

memória em sua dimensão plural, ou seja, afastando-se de determinada concepção que

reforça a memória das classes dominantes.

Alguns autores situam, na década de 80, uma movimentação maior, no Brasil, no

que se refere à questão da memória: a memória relacionada à emergência de movimentos

sociais que dela se utilizam enquanto instrumento de luta e de afirmação de identidades e a

inclusão, na Constituição de 1988, da noção de patrimônio cultural em referência à

memória plural, e não à memória de alguns grupos (ORIÁ, 1998:p.133-5); a constatação do

descaso do poder público perante os “lugares da memória” fez com que surgissem

iniciativas fora dos esquemas oficiais, inclusive iniciativas privadas e sociedades civis,

ligadas à montagem de “novos lugares de guarda da memória” (SILVA, Z. 1999:p.87-90).

MENESES também reconhece que nos últimos anos a memória passou a ser mais

focalizada por diversas áreas do conhecimento; para ele, entretanto, alguns especialistas,

como Terdiman, apontam para uma “crise da memória na sociedade ocidental”.25 Para

MENESES (1999:p.19-24), dentre as dimensões desta crise está a dimensão política,

especificamente no que se refere “às pressões de amnésia vigentes em sociedades como a

nossa, em todas as esferas”, com as quais contribuem a comunicação de massa e a

indústria cultural “que priorizam a experiência do transitório e abominam a memória

longa”. O acúmulo de informação, de forma a descontextualizar a memória coletiva, no

quadro desta “crise da memória”, contribui para a “fragmentação do sujeito e do universo

no qual ele opera” . Então ( 1999:p.27),

“Do exposto conclui-se que a crise da memória, tal como caracterizada, cria uma situação problemática no que diz respeito à documentação e à prática da História. Isto não tem conotação forçosamente negativa (...) conclui-se igualmente a

? 25 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. In SILVA, Zélia Lopes da (org.).Arquivos, Patrimônio e Memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP: FAPESP, 1999, p.11-13. O autor se refere à seguinte obra de TERDIMAN, R: Present past. Modernity and memory crisis. Ithaca: Cornell University Press, 1993.

Page 207: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

200

necessidade de historicizar a memória (...) necessidade, também, de estreitar a solidariedade do trabalho documental (em todas as suas instâncias) e da produção do conhecimento histórico”.

Tanto MENESES quanto LE GOFF atentam para a necessária distinção entre

história e memória , no sentido de que uma não se confunde com a outra, mas se

interrelacionam. Para MENESES (1999:p.21-2), história é

“( ...) é forma intelectual de conhecimento, operação cognitiva. A memória, ao invés, é operação ideológica, processo psíquico-social de representação de si próprio, que reorganiza simbolicamente o universo das pessoas, das coisas, imagens e relações, pelas legitimações que produz (...)”

Para LE GOFF (1996:p. 49),

“Tal como o passado não é a história mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas um dos seus objetos e simultaneamente um nível elementar de elaboração histórica”.

Acreditamos ser necessário recuperar esta relação memória-história no ensino de

história e o trabalho com história local é pleno de possibilidades neste sentido. Os espaços

nos quais habitamos estão impregnados de memórias individuais e coletivas. É um grande

desafio distinguir a lembrança espontânea e a informação da memória no sentido de

elaboração e construção social. Do mesmo modo, constitui um desafio perceber a dimensão

da memória na qual o poder de alguns grupos sociais se sobrepõe em relação a outros. Tais

percepções, no entanto, são necessárias para a valorização da memória em sua pluralidade.

Em sua relação com a memória, a ciência histórica e o ensino de História se fortalecem no

que diz respeito ao alargamento de seus objetos e da noção de tempo bem como à

incorporação da dimensão da subjetividade. Enfatizaríamos, mais uma vez, a necessidade

de não medirmos esforços – sociedade civil e poder público – no que diz respeito à

preservação e à “luta pela democratização da memória social” que, em última instância, se

relacionam à produção do conhecimento histórico, seja no nível acadêmico seja no escolar.

Procuramos, ao longo deste capítulo, tecer nossas considerações sobre estas duas

questões – ensino de história local e democratização da memória social – considerando

alguns elementos que o desenvolvimento desta pesquisa nos trouxe. O Almanaque

Page 208: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

201

Histórico de Patrocínio Paulista e o referido município constituem o nosso ponto de

partida e também o ponto de chegada após um percurso trilhado em outras dimensões.

Page 209: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

202

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um motivo central na origem do projeto desta pesquisa reside na nossa inquietude

com relação à perda da memória social e ao conseqüente esfacelamento das experiências

sociais vividas, o que, por sua vez, repercute na construção, seja de identidades seja da

cidadania pelos indivíduos. Não fortuitamente, optamos por ter como objeto de pesquisa

questões relacionadas à produção e circulação do Almanaque Histórico de Patrocínio

Paulista mas, sim, porque para nós a análise desta obra desvela múltiplos sentidos, alguns

dos quais procuramos apreender por intermédio do diálogo estabelecido com os conceitos

de Memória, História e Educação. Emblemático de determinado momento histórico

comemorado na referida localidade, este Almanaque remete, por sua vez, a outros tempos e

espaços, a outros contextos de produção e de leituras, ou seja, a outros sentidos se

considerado, de forma mais ampla, enquanto “ gênero literário e editorial”. Grande foi a

nossa surpresa ao perceber o universo amplo no qual se inserem os almanaques – universo

que buscamos apreender através da pesquisa bibliográfica – e, igualmente, a surpresa diante

da riqueza de significados que cada produção literária contém em si mesma. Assim, o nosso

olhar se enriqueceu à medida que passamos a considerar o Almanaque Histórico de

Patrocínio Paulista também como referência, na contemporaneidade, a produções culturais

cujas raízes se encontram em tempos longínquos e, no entanto, sobreviventes em suas

reatualizações e modificações; produções culturais nas quais sobrevive uma espécie de

“marca originária”, qual seja, a que estabelece ligações do homem com o espaço e com o

tempo – tempo não só cronológico, mas também e, fundamentalmente, o tempo da memória

que, nas palavras de LE GOFF, “atravessa a história e a alimenta”.

Se os referenciais teóricos da História Nova nos permitiam tratar uma obra literária

como objeto de pesquisa histórica, igualmente nos sinalizavam para as correlações entre o

texto e seus respectivos contextos de produção e circulação. Tendo como referência o

município de Patrocínio Paulista, percebemos uma continuidade no que diz respeito às

comemorações como momentos propícios para construções históricas oficiais que, por sua

vez, colaboram na constituição de uma memória coletiva. Se são problemáticas, nos

contextos comemorativos, algumas apropriações do passado que acabam por definir a

identidade de um povo segundo interesses de grupos dominantes, por sua vez, concordamos

Page 210: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

203

com ARRUDA(1999) quanto à “dimensão crítica e reflexiva” das comemorações, ou seja, a

que diz respeito ao que fomos e ao que queremos ser, à constituição de acervos e

publicações que colaborem para com a continuidade da produção do conhecimento

histórico, em suma, a um outro tipo de relação com o passado no qual este seja abertura

para com o presente. Assim, retomamos as leituras que GAGNEBIN faz da obra de

BENJAMIN:

“Se pode haver uma salvação do passado no e pelo presente, é porque o passado nunca volta como era, na repetição de um pseudo-idêntico. Ao ressurgir no presente, ele se mostra como sendo, ao mesmo tempo, irremediavelmente perdido enquanto passado, mas também como transformado por este seu ressurgir; o passado é outro e, no entanto, semelhante a si mesmo. Por isso a sua imagem não é simples cópia, reprodução do mesmo. É uma imagem dialética, como a chama Benjamin. Dialética porque junta o passado e o presente numa intensidade temporal diferente de ambos; dialética também porque o passado, neste seu ressurgir, não é repetição de si mesmo; tampouco pode o presente, nesta relação de interpelação pelo passado, continuar igual a si mesmo. Ambos continuam a ser passado e presente mas, no entanto, diferentes de si mesmos na imagem fugitiva que, ao reuni-los, indica a possibilidade da sua redenção.”1

As nossas indagações constituíram-se em objetivos norteadores do percurso que

procuramos desenvolver ao longo da pesquisa, considerando, também, a relação dinâmica

com o objeto na qual o sujeito da pesquisa se renova. O contato, seja com o universo mais

amplo dos almanaques, seja com outras produções comemorativas sobre cidades, ajudou-

nos na abordagem do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, sobre o qual centramos

o foco no segundo capítulo. Neste, interessava-nos tratar da sua produção, investigando em

que medida teria havido a participação da população local e do poder público no projeto,

bem como o contexto comemorativo em que se pretendeu escrever a história local. Era

necessário, para isso, ter acesso à fontes que, analisadas, se constituíssem em documentos

para nossa investigação, a começar do próprio Almanaque, abordado como documento

histórico. A opção pelas fontes orais nos permitiu investigar certas questões que nos

? 1 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Por que um mundo todo nos detalhes do cotidiano? (História e cotidiano em Walter Benjamin). In Revista USP: Dossiê Walter Benjamin. São Paulo; n.15, p.40-47, set/out/nov 1992. A autora comenta, especificamente, o texto Schrãnke (Armários), in Infância Berlinense por volta de 1900, e o ensaio de Benjamin sobre Proust. (respectivamente encontrados em Obras escolhidas II e Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987).

Page 211: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

204

interessavam, de forma a fazer contraponto com as fontes escritas e iconográficas a que

tínhamos acesso, além de possibilitar o afloramento de pontos de vista extremamente

pessoais de nossos entrevistados. Procuramos construir uma versão daquele momento

histórico de forma a não generalizar tais ângulos pessoais como se constituíssem uma

verdade absoluta, ou como a única versão possível sobre os fatos – estes, no nosso

entender, são passíveis de múltiplas interpretações. Do mesmo modo, em um segundo

momento, sentíamos necessidade de fazer as nossas leituras dos textos que compõem o

Almanaque, ou seja, explicitarmos determinadas interpretações da obra segundo critérios,

tais como: características mais ou menos comuns que nos permitissem agrupar os textos; a

relação dos colaboradores-pesquisadores com os temas pesquisados, bem como fontes por

eles utilizadas; imagens de cidade e de história possíveis de apreensão nos respectivos

textos. Não tivemos a pretensão de esgotar o assunto mas, sim, fazer as nossas leituras

segundo tais critérios, de forma a permitir que leitores deste trabalho entrassem em contato

com a obra através de nossa maneira de lê-la – à medida que este Almanaque é de grande

importância para nós, era de nossa responsabilidade apresentá-lo ao leitor.

A produção do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, de acordo com a

análise que desenvolvemos, diz respeito a uma escritura da história local fundada em

memórias locais. Estas, se predominantemente baseadas nos registros escritos, também se

manifestam através de algumas vozes que conseguiram ser registradas – considerando aqui

a seletividade da memória dos recordadores e a seletividade dos recortes operados pelos

colaboradores-pesquisadores em suas produções. Observamos que determinados conflitos

sociais são dissimulados ou apenas sugeridos em alguns dos discursos produzidos,

prevalecendo dada leitura de determinados eventos. Por outro lado, há frestas pelas quais

encontramos alguns traços sobreviventes de uma memória popular que se afastaria do

domínio da memória de grupos dominantes, ainda que passando por determinadas

filtragens operadas pelos autores dos textos. Concordamos com um dos organizadores,

quando este afirma que o clima comemoracionista contribuiu para o desenvolvimento do

projeto, embora a força das relações pessoais tenha também, em nossa opinião, contribuído

para a mobilização das pessoas e do próprio poder público. O projeto contou com o apoio,

em específico, do prefeito municipal da época, tanto é que a marca da “publicação oficial”

é estampada na capa do Almanaque. Em relação à participação comunitária no projeto,

Page 212: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

205

achamos necessário relativizá-la, já que, para nós, houve a participação sim, não da

“comunidade patrocinense”, mas de parte da população local. Se, por um lado, o clima das

comemorações do 1º centenário se manifestou em seu caráter celebracionista, marcado por

homenagens, e pela reafirmação da ligação passado-presente-futuro através das referências

às origens e ao desenrolar histórico marcado pela linearidade, há uma “ corrida às fontes”

para que a história fosse “levantada”, ou seja, há uma produção de conhecimento histórico.

É esta uma dimensão importante encerrada no Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista

que procuramos não perder de vista ao longo desta pesquisa.

Acreditávamos que a investigação da inserção, ou não, do Almanaque nas escolas

do município nos proporcionaria uma percepção – certamente delimitada ao universo

escolar local – da circulação desta obra e, assim, optamos por “ouvir” os professores por

meio das questões a eles propostas no questionário. Mais do que dados quantitativos,

consideramos as respostas dos professores fundamentais para tratarmos desta obra no

contexto escolar local e, também, para podermos elaborar algumas reflexões sobre as

noções de história local e regional em suas inserções no ensino de história. Observamos,

primeiramente, o grande número de referências feitas pelos professores quanto à utilização

do Almanaque, o que também creditamos ao fato de ser a única publicação que contém, de

forma mais sistematizada, diversos assuntos sobre a história patrocinense. Foi interessante

perceber uma variedade de comentários sobre a obra, ou seja, referências que retomavam

alguns dos sentidos impressos no almanaque enquanto “gênero literário e editorial”, tais

como seu caráter enciclopédico, a sua desqualificação cultural e também a qualificação

quando tomado como “documento histórico”. Tendo em vista este último sentido que

podemos imprimir à obra, o de “documento histórico” é que apontamos algumas

possibilidades de explorá-lo no ensino-aprendizagem de história e na contemplação do que

se denomina “história local”.

As noções de história local e história regional constam nas orientações educacionais

oficiais atuais, ou seja, nos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes ao ensino de

História nos I e II ciclos do Ensino Fundamental, em íntima relação com a “formação da

identidade social do estudante” e com o “exercício da cidadania”. Entretanto, notamos que

tais noções não são acompanhadas de nenhuma discussão pertinente sobre os seus possíveis

entendimentos: que contornos podem ser dados ao que se denomina de “história local e

Page 213: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

206

regional”? Assim sendo, à nossa necessidade de procurar historicizar tais noções reside

uma preocupação com os enfoques que podem ser dados a elas, no ensino de História:

interpretações que partem do princípio de que são recortes geográficos, econômicos ou

administrativos, definidos a priori, naturalizados, dados como prontos, aos quais os

“educandos” devem se “ajustar”? Interpretações em que estes espaços mais próximos dos

indivíduos são tratados como construções sociais nas quais a consideração das

“experiências sociais vividas” contribui para a atuação humana de forma crítica e

transformadora? Percebemos que estes espaços mais próximos dos indivíduos são

mencionados em orientações oficiais relativas ao ensino de Estudos Sociais, em

determinado momento histórico e, posteriormente, em Propostas de ensino de História para

o 1º grau, elaboradas para o Estado de São Paulo. No entanto, os enfoques são muito

diferentes no primeiro caso e no segundo. Se aparecem atualmente nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de forma a demarcar mais enfaticamente as noções de “local” e

“regional”, a falta de maiores considerações sobre os seus possíveis entendimentos, por

sua vez, não contribui muito para a problematização do papel do ensino de História na

construção de identidades e da cidadania, pelos alunos. As respostas dos professores das

escolas de Patrocínio Paulista, a maior parte vinculada às primeiras séries do Ensino

Fundamental, são instigantes porque demonstram alguns dos múltiplos sentidos atribuídos,

especificamente, à história local em suas práticas pedagógicas: tanto no que se refere à

continuidade de abordagens mais celebrativas, fragmentadas e tradicionais, quanto a outras

abordagens que pressupõem maior consideração das experiências vividas pelos alunos na

articulação dos diferentes contextos históricos. Em suma, achamos necessário que se dê

continuidade a estas reflexões, tanto no âmbito escolar quanto no acadêmico, tendo em

vista a produção do conhecimento histórico e, em última instância, a uma educação que

possa contribuir no enfrentamento da “barbárie” globalizante e esfaceladora das

singularidades e dos sujeitos. Certamente, a educação formal, representada pela escola, tem

os seus limites de atuação na formação dos indivíduos, mas ela contém, por sua vez, um

potencial que pode ser conservador ou transformador, e este deve ser levado em

consideração. No nosso ponto de vista, as reflexões de ADORNO, após a II Guerra, ainda

são extremamente atuais:

“ Para a educação, a exigência que Auschwitz não se repita é primordial (...) Todo o debate sobre parâmetros educacionais é nulo e indiferente em face deste – que

Page 214: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

207

Auschwitz não se repita. Foi a barbárie, à qual toda educação se opõe. Fala-se da iminente recaída na barbárie. Mas ela não é iminente, Auschwitz é a própria recaída; a barbárie subsistirá enquanto as condições que produziram aquela recaída substancialmente perdurarem. Esse é que é o receio todo (...) Torna-se necessário o que, sob este prisma, já denominei ‘volta ao sujeito’. Deve-se conhecer os mecanismos que tornam os homens assim, que os tornam capazes de tais atos, deve-se mostrar esses mecanismos a eles mesmos (...) Do ponto de vista sociológico, eu ousaria acrescentar que nossa sociedade, embora se integre cada vez mais, incuba simultaneamente tendências desagregadoras. Essas tendências desagregadoras sob a superfície da vida civilizada têm progredido extremamente. A pressão do geral predominante sobre toda a particularidade, os indivíduos e as instituições individuais tendem a desintegrar o particular e o individual juntamente com sua capacidade de resistência (...)”2

Tendo como referência os elementos que a nossa pesquisa nos trouxe, a partir do

município de Patrocínio Paulista, acreditamos ser necessário recuperar a relação entre

memória-história no ensino de História, e o trabalho com história local oferece

possibilidades neste sentido. Por sua vez, além da instituição escolar, o poder público tem,

também, um papel fundamental no que se refere à questão da preservação e democratização

da memória social. A omissão dos mesmos repercute, negativamente, no que diz respeito à

construção de identidades e da cidadania, pelos indivíduos, e na produção do conhecimento

histórico em seus vários níveis.

? 2 ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. In COHN, Gabriel ( org.) Theodor W. Adorno: sociologia. Tradução: Flávio R. Kothe, Aldo Onesti, Amélia Cohn. São Paulo: Editora Ática S.A., 1986. p.33-45.

Page 215: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

208

Page 216: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

FONTES IMPRESSAS I

ALMANACH de São José do Rio Pardo e Grama. São Paulo, Edanee,1929. 234 p.

ALVORADA Maravilhosa. Almanaque do Sesquicentenário de São João da Boa Vista ( S.P.) ( 1824/1974). Ano 1, n.1, jul. 1974. São João da Boa Vista, S.P. [s.n.], 1974. 122 p.

CALDEIRA, João Netto. Álbum de Espirito Santo do Pinhal. São Paulo: Organização Cruzeiro do Sul, 1936. 154 p.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Os primeiros almanaques de São Paulo: introdução à edição fac-similar dos almanaques de 1857-1858. São Paulo: Convênio IMESP/ DAESP, 1983.

FIGUEIREDO, J.B. & PONTES, Alceu (Org.). Annuario de Jundiahy: Historico, Literario e Noticioso. Anno I. Jundiahy, Typ. Da “ A Comarca”, s.d.p.

FRANCO, M. ( org.) Almanack da Franca para 1902. São Paulo: TYP. DUPRAT & COMP. , 1902 ( cópia de publicação) 239 p.

GOMES, Iclerico.( org.) Annuario de Espírito Santo do Pinhal, Itapira, Mogy-mirim e Mogy-guassu. São Paulo: Casa Vanorden, 1918.

GOULART, Edmo. Campinas no Ano do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo. 1ª edição, [s.l.], [s.n.], 1954. 26 p.

LUNÉ, Antonio Jose Baptista de, FONSECA, Paulo Delfino. Almanak da Província de São Paulo para 1873. Edição fac-similar. São Paulo, SP: IMESP/ Secretaria de Cultura, 1985.

MATOS, Carlos Alberto Bastos de, COSTA, Alfredo Henrique ( org.). Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, Prefeitura Municipal de Patrocínio Paulista, Patrocínio Paulista, S.P., 1986, 304 p.

NASCIMENTO, Hygino A. do , MOREIRA, Eufrausino ( Org.) Almanaque Histórico da Franca: obra de compilação histórica do Município em seus variados aspectos. Franca, S.P. [s.n.] ,1943.

PALMA, Vital ( Org.) Almanach de Franca:1913. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1912. ( cópia de publicação)195 p.

RAVASCHIO, Maria A. de P., BISCARO, Bárbara J.M.L., SANTOS, Maria N. Os Almanaques como fonte de informação: I. Campinas e região. Boletim do Centro de Memória – UNICAMP. Campinas, SP: UNICAMP, v.1, n.2, p.34-40, jul/dez 1989.

REPARTIÇÃO DE ESTATÍSTICA E DO ARCHIVO DO ESTADO: Histórico do Archivo Publico de São Paulo. São Paulo: Duprat & C., 1908.

Page 217: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

FONTES IMPRESSAS II

CONVITE : programação das comemorações do centenário de nascimento de pintor patrocinense. Data: 21 de maio de 1985.

JORNAL Patrocínio Paulista. J.L. Promoções e Publicações S/C LTDA , [s.l.]. Edição Especial, agosto de 1986, p.1-8.

São Paulo (Estado), Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. PROJETO IPÊ: Atualização e aperfeiçoamento de professores e especialistas em educação por multimeios ( História-I ). 1885, 11p.

São Paulo (Estado), Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE HISTÓRIA- 1º GRAU - 3ª edição preliminar. 1986, 43 p.

São Paulo ( Estado), Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE HISTÓRIA- 1º GRAU., 1992, 51p.

Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. História. Brasília, outubro de 1997.

FONTE DATILOGRAFADA

CÂMARA MUNICIPAL DE PATROCÍNIO PAULISTA. Livro de Atas-1985. Ata da 1ª Sessão Solene desta Câmara Municipal, realizada aos 10 de março de 1985, comemorativa do 1º Centenário de Patrocínio Paulista. Folhas 15-26.

CARTA. Assunto: aviso de reunião dos colaboradores-pesquisadores do Almanaque. Data: 24 de outubro de 1984 Emissor: Carlos Alberto Bastos de Matos

LEI ORGÂNICA MUNICIPAL DE PATROCÍNIO PAULISTA- Estado de São Paulo . Lei nº 1.318/90, Patrocínio Paulista, 27 de março de 1990.

PATROCÍNIO PAULISTA. Adm. Aloísio de Andrade Freitas. Prestação de Contas 1983-1988. [s.n.t.]

OFÍCIO CIRCULAR remetido pela Prefeitura Municipal de Patrocínio Paulista e endereçado à Câmara Municipal de Patrocínio Paulista. Novembro de 1984. Arquivado em 13 de novembro de 1984.

Page 218: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

FONTES ICONOGRÁFICAS

ÁLBUM FOTOGRÁFICO: Desfile comemorativo do 1º centenário de emancipação política de Patrocínio Paulista . Data: 10 de março de 1985. Fotógrafo: não identificado. Pertencente ao acervo da Câmara Municipal de Patrocínio Paulista.

ÁLBUM FOTOGRÁFICO: Ereção do monumento ao Garimpeiro e entrega de medalhas comemorativas aos ex-prefeitos. Data: março de 1985. Fotógrafo: não identificado. Pertencente ao acervo da Câmara Municipal de Patrocínio Paulista.

ÁLBUM FOTOGRÁFICO: fotos diversas e, em específico, foto de parte do grupo de colaboradores-pesquisadores do Almanaque, junto aos organizadores. Data: (1984?) Fotógrafo: não identificado. Pertencente ao acervo do Fórum de Patrocínio Paulista.

FONTES MANUSCRITAS

QUESTIONÁRIOS respondidos pelos professores das escolas de Patrocínio Paulista.

FONTES ORAIS - Entrevistas

1) Entrevistado: Aloísio de Andrade Freitas

Data: 12 de julho de 2000

Local: residência do entrevistado, em Patrocínio Paulista (SP)

2) Entrevistado: Carlos Alberto Bastos de Matos

Data: 1º de abril de 2000

Local: residência do entrevistado, em Franca (SP)

3) Entrevistada: Ivone Pereira Dal Sasso

Data: 24 de julho de 2000

Local: residência da entrevistada, em Patrocínio Paulista (SP)

4) Entrevistada: Izar Garcia de Andrade

Data:13 de julho de 2000

Local: residência da entrevistada, em Patrocínio Paulista (SP)

Page 219: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

BIBLIOGRAFIA

ABUD, Katia Maria. A idéia de São Paulo como formador do Brasil. In FERREIRA, Antonio Celso, LUCA, Tania R. , IOKOI, Zilda G. ( org.) Encontros com a História: Percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo: Editora da UNESP, 1999. p. 71-80.

________ O Ensino da História. In Projeto Ipê: atualização e aperfeiçoamento de professores e especialistas em educação por multimeios. (História-I).São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1985, 11p.

ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. In COHN, Gabriel (org.) Theodor W. Adorno: sociologia. Tradução: Flávio R. Kothe, Aldo Onesti, Amélia Cohn. São Paulo: Editora Ática, S.A., 1986. p.33-45.

ALMEIDA, Adriana Mortara, VASCONCELLOS, Camilo de Mello. Por que visitar museus. In BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 2.ed., São Paulo: Contexto, 1998. p.104-116.

AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In SILVA, Marcos A . da ( coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília]: CNPq, 1990. p.7- 15

ARANTES, Antonio A. O que é Cultura Popular? 5ed. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1983. 83 p. ( Coleção Primeiros Passos, n.36).

ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do Descobrimento do Brasil: Comemorar, Celebrar, Refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1997, 47 p.

BENJAMIN, Walter. O Narrador: observações sobre a obra de Nikolai Leskow. In Textos Escolhidos: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W.Adorno, Jürgen Habermas. Traduções de José Lino Grünnewald et al. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 345 p. ( Os Pensadores)

__________ Experiência e Pobreza. In Documentos de Cultura/Documentos de Barbárie. Escritos Escolhidos. Seleção e apresentação: Willi Bolle. São Paulo; Cultrix/Edusp, 1986.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade:Lembrança de velhos. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1987.

BREFE, Ana Cláudia Fonseca. A Cidade Inventada: a Paulicéia construída nos relatos memorialistas ( 1870-1920) Campinas, S.P. 1993.Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP.

BRUNO, Ernani. História e Tradições da Cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1953.

Page 220: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

BURKE, Peter. Bricolagem de Tradições. In Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 de março de 2001, Caderno Mais! p. 10-11.

CABRINI, Conceição et.al. O Ensino de História: Revisão urgente. São Paulo: Editora Brasiliense S.A, 1986.

CASA NOVA, Vera. Lições de Almanaque: um estudo semiótico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. 160 p.

CASTELLS, Manuel. A vida sob custódia. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de abril de 2001, Caderno Mais! p.12

CERRI, Luis Fernando. NON DUCOR, DUCO: A Ideologia da Paulistanidade e a Escola. Revista Brasileira de História, Saõ Paulo, ANPUH/Humanitas Publicações, v.18, n.36, p.115-136.

________ Regionalismo e Ensino de História. Revista de História Regional, v.1, n.1, inverno de1996.[ online]. Disponível na Internet: http://www.uepg.br

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo de Moraes. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 159 p.

________ Práticas da Leitura. Introdução de Alcir Pécora e tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p.77-105.

________ , ROCHE, Daniel. O Livro: uma mudança de perspectiva. In LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: Novos Objetos. 2.ed. Tradução: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1976. p.99-115.

CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000,103 p.

COELHO, Hercídia Mara Facuri ( coord.) Histórias de Franca . Franca, SP: UNESP-FHDSS: Amazonas Prod. Calçados S/A, 1997,138 p. ( Série História Local 4)

CORTESÃO, Jaime. A Fundação da Cidade de São Paulo, capital geográfica do Brasil. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955.

DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 271 p.

_________ O Grande Massacre dos Gatos e outros episódios da história cultural francesa. Tradução: Sonia Coutinho. Rio de Janeiros: Graal, 1986. 363 p.

DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. Relatos orais: a participação dos sujeitos na pesquisa histórico-sociológica. Cadernos CERU, [s.l. ], [s.n.], n.5, p.61-68,série 2, 1994.

DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Tradução: Dulce da Silva Ramos; Prefácio: Elias Thomé Saliba. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992, 267 p.

FERNANDES, Tania Maria Dias. Os produtos naturais na memória dos cientistas. In SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von ( org.) Os Desafios Contemporâneos

Page 221: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

da História Oral. Campinas, SP : Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997.p.159-172.

FERREIRA, Antonio Celso, LUCA, Tania R. , IOKOI, Zilda G. ( Org.) Encontros com a História: Percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo: Editora da UNESP, 1999. 248 p.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral, Comemorações e Ética. In Projeto História: Ética e História Oral. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC- SP. São Paulo, SP: EDUC, n.15, abril, 1997.p.157-164.

FIGUEIREDO, Haidée et al. Entre moscas e monstros: construindo escalas, refletindo sobre história local. Anais do IV Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História. Ijuí, RS :Unijuí, 2000, 728 p. ( série Eventos Acadêmicos)

FILHO, Félix Guissard ( org,) Documentos para a História do Vale do Paraíba. Atas da Câmara ( 1780-1798). São Paulo: Emprêsa Editora Universal, 1943, v.1.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas, SP: Papirus, 1993. 169p. ( Coleção Magistério, Formação e trabalho pedagógico).

FONTANA, Josep. História depois do fim da História. Bauru, SP: EDUSC, 1998.

_________ El grupo de History Worshop y la “Historia Popular”.In SAMUEL, Raphael (ed.) Historia Popular e Teoría Socialista. Barcelona: Editorial Crítica, S.A.,1984., p.7-11.

FOUCAULT, Michel Microfísica do Poder. Organização e Tradução: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. 295 p.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. 114 p. ( Coleção Estudos).

_________ Sete Aulas sobre Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997. 192 p.

_________ Por que um mundo todo nos detalhes do cotidiano? ( História e cotidiano em Walter Benjamin). In Revista USP: Dossiê Walter Benjamin. São Paulo, n. 15, p.39-47,set/out/nov, 1992.

GAIARSA, A. Octaviano. A cidade que dormiu três séculos: Santo André da Borda do Campo, seus primórdios e sua evolução histórica. ( 1553-1960). Santo André, S.P., Tipografia Bandeirante Ltda, 1968.

GALZERANI, Maria Carolina Bovério. “O Almanaque, a Locomotiva da Cidade Moderna: Campinas, décadas de 1870 e 1880”. Campinas, SP, 1998. Tese de Doutoramento. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP.

GINZBURG, Carlo O Queijo e os Vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução: Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 309 p.

Page 222: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

GOIS, Chico de, SILVA, João Carlos. Nomes de ruas e homenagens são 78% dos projetos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de setembro de 2000. Olho na Câmara, p.1-8.

GONÇALVES, Mildred. R.egina. O Almanaque Histórico: o que escreviam os memorialistas locais. Estudos de História. UNESP, Franca, SP, v.2n.1, 1995, p.19-24.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence. (org.) A Invenção das Tradições. Tradução: Celina C. Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

HÖFLING, Eloisa de Mattos. O Livro Didático em Estudos Sociais. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1986, 260 p. ( Série Teses).

LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: Novos Objetos. 2.ed. Tradução: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1976. 238 p.

MATTOS, Ilmar Rohloff de ( org.) História do ensino da história no Brasil. Rio de Janeiro: Acess, 1998.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Morfologia das Cidades Brasileiras: Introdução ao estudo da iconografia urbana. In Revista USP: Dossiê Brasil dos Viajantes. São Paulo, SP: USP, CCS. n.30, p.144-155, jun./ago. 1996.

________. A crise da Memória, História e Documento; reflexões para um tempo de transformações. In SILVA, Zélia Lopes da (org.) Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP: FAPESP, 1999, p.11-29.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e interdisciplinaridade. A invenção do olhar. In SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von ( org.) Os Desafios Contemporâneos da História Oral. Campinas, SP : Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997. p.197-212.

NIETHAMMER, Lutz. Conjunturas de Identidade Coletiva. In Projeto História Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC- SP. São Paulo,SP: EDUC, n.15, abril, 1997. p.119-134.

ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 2.ed., São Paulo: Contexto, 1998. p.128-148.

PARK, Margareth Brandini. Histórias e leituras de almanaques no Brasil. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999. 216 p. ( Coleção Histórias de leitura)

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História regional e transformação social. In SILVA, Marcos A . da ( coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília]: CNPq, 1990, p.67-79.

PROJETO HISTÓRIA: Ética e História Oral. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC- SP. São Paulo,SP: EDUC, n.15, p.1-293, abril, 1997.

Page 223: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

PROJETO HISTÓRIA: Sentidos da Comemoração. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP.. São Paulo, SP: EDUC, n.20, p.1-371, abril, 2000

SAMAIN, Etienne. A “ Caverna Obscura”: Topografias da Fotografia. Imagens, Campinas, SP: Editora da Unicamp, n.1, p.50-61, abril, 1994.

SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. Revista Brasileira de História., São Paulo, ANPUH/Marco zero, v.9, n.19, p.219-243, set, 1989/fev.1990.

________(ed.) Historia Popular e Teoría Socialista. Barcelona: Editorial Crítica, S.A.,1984.

SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 2ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1986, 60 p.

SILVA, Marcos A . da ( coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília]: CNPq, 1990. 200 p.

SILVA, Zélia Lopes da. O Centro de Documentação e Apoio à pesquisa, um centro de “ Memória local” ? In SILVA, Zélia Lopes da (org.) .) Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP: FAPESP, 1999, p.85-95.

SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Região e História: questão de método. In SILVA, Marcos A . da ( coord.) República em Migalhas: a história local e regional. São Paulo: Marco Zero, [Brasília]: CNPq, 1990. p.17-42.

SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von ( org.) Os Desafios Contemporâneos da História Oral. Campinas, SP : Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997. 361 p.

THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias. In. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC- SP. São Paulo,SP: EDUC, n.15, abril, 1997.p.51-84.

WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na História e na Literatura. Tradução: Paulo Henrique Britto. São Paulo, SP: Companhia das Letras,1989.416 p.

Page 224: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4
Page 225: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

ANEXOS

QUESTIONÁRIO

A- 1) Nome da Escola:

2) Tempo de trabalho no local:

3) Série(s) em que leciona atualmente:

4) Disciplina (s) que leciona:

B- 1) Você trabalha com assuntos relacionados à história local ( do município de Patrocínio Paulista) ou da região? Sim( ) Não( ) Por quê?

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2) Gostaria de tratar mais, em sala de aula, de assuntos relacionados à história local e regional em suas aulas? Sim ( ) Não ( ) Por quê ?

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3) Em qual (quais) série(s) você trabalha com assuntos relacionados à história local e/ou da região?

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4) Liste os assuntos sobre história local e da região que você aborda

em sala de aula:

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 226: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5) Assinale os procedimentos através dos quais os assuntos sobre a

história local e/ou da região são desenvolvidos em sala de aula:

leitura de texto pertinente ( ) discussão sobre assunto pertinente( ) pesquisa proposta ao aluno( ) desenvolvimento de projeto( ) trabalho interdisciplinar ( ) outros ( ) quais?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

6) Quais são as fontes de consulta, os materiais pedagógicos, relativos à história local e regional, utilizados: a) pelo professor:

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) pelos alunos:

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

C – 1) O Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista é utilizado como fonte de consulta :

pelo professor ( ) pelos alunos ( ) não é utilizado ( )

2) De que forma o professor e os alunos têm acesso a tal Almanaque?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3) Sobre o uso do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, pelo professor, como referência bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local:

Facilidades:

Page 227: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Dificuldades:

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4) Sobre o uso do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista, pelos alunos, como referência bibliográfica ao tratar de assuntos pertinentes à história local:

Facilidades:

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Dificuldades:

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5) Outras considerações que queira fazer, relativas ao Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista:

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 228: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

População do município de Patrocínio Paulista – censo de 2000

Urbana: 8.608

Rural: 2.810

Total: 11.418

Alunos matriculados nas escolas do município no ano de 2000

Conforme dados obtidos nas secretarias de cada unidade escolar, temos os seguintes números:

1- Escola Municipal de Ensino Infantil “ Gercyra de Andrade: 465 alunos

2- Escola Municipal de Ensino Fundamental “Professor Luiz Andrade de Freitas”: 448 alunos ( 1ª a 4ª séries e supletivo)

3- Escola Municipal de Ensino Fundamental “ Irmãos Matos”: 650 alunos ( 1ª a 4ª séries)

4- Escola Estadual “ Jorge Faleiros”: 967 alunos do Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª séries) e 542 alunos do Ensino Médio( 1ª a 3ª séries)

5- Escola de Educação Especial -APAE: 13 alunos

TOTAL: 3.085 alunos

Page 229: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

ROTEIROS PARA A REALIZAÇÃO DE ENTREVISTA

Estes são os roteiros utilizados para as quatro entrevistas gravadas. Foram seguidos enquanto “roteiro”, ou seja, permitindo-nos acrescentar ou retomar certas questões quando isto se fez necessário, durante a realização de tais entrevistas. Após as transcrições, enviamos uma cópia para cada entrevistado, solicitando suas leituras e o reenvio das mesmas a esta pesquisadora com as eventuais correções necessárias. Somente a entrevistada Izar Garcia de Andrade nos reenviou o material, com algumas observações.

ROTEIRO 1

Entrevistado: Dr. Carlos Alberto Bastos de Matos

1) Fale-me um pouco de sua chegada e estabelecimento em Patrocínio Paulista.

2) Como surgiu a idéia de fazer um Almanaque Histórico sobre Patrocínio Paulista?

3) Como foi a participação, na realização do mesmo, do professor Alfredo Henrique

Costa ( falecido em 1999) ?

4) Como se deu a definição dos temas a serem pesquisados?

5) Qual foi o critério para a escolha das pessoas que participaram da redação do

Almanaque?

6) Os organizadores ( você e o professor Alfredo Henrique) pré- estabeleceram o formato de “almanaque” antes do início das pesquisas ou a escolha de tal for-

mato se deu posteriormente, já com o material produzido?

7) Por que a denominação de “ almanaque” à publicação em questão?

8) Qual foi a participação da Prefeitura Municipal ( administração de Aloísio de

Andrade Freitas) na época da confecção e publicação do Almanaque?

9) Como se deu a obtenção dos recursos financeiros para a publicação do

Almanaque?

10) Fale-me das fontes utilizadas para a elaboração do Almanaque: quais foram elas, estado de preservação, condições facilitadoras e/ou dificultadoras do acesso às

mesmas.

11) Fale-me da reorganização do arquivo referente às fontes cartoriais, durante o

exercício da sua função de juiz de direito no município.

12) Além da documentação escrita, por que a utilização dos depoimentos orais e

imagens fotográficas na confecção do Almanaque? Qual foi a participação da

população neste sentido?

Page 230: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

13) Verifica-se hoje a necessidade de correções quanto a informações contidas no

Almanaque? Houve algum tipo de discordância, por pessoas da comunidade,

Quanto às informações contidas no Almanaque?

14) Na sua opinião, qual a importância do Almanaque Histórico de Patrocínio

Paulista?

15) Fale-me de suas recordações das tardes de sábado , no Fórum do

município, quando os pesquisadores se reuniam e trocavam impressões sobre as

pesquisas em andamento.

16) Fale-me das dificuldades vivenciadas enquanto organizador do Almanaque.

17) Valeu a pena o empreendimento, enquanto organizador do mesmo?

18) Você permite que eu utilize sua entrevista na minha dissertação de mestrado?

Obrigada.

ROTEIRO 2

Entrevistado: Aloísio de Andrade Freitas

1)O senhor exerceu o cargo de prefeito em Patrocínio Paulista no período de 1983-1986, período correspondente à produção do Almanaque Histórico sobre o município. Conte-me qual foi a participação da prefeitura na elaboração de tal Almanaque:

2) Como se deu a obtenção dos recursos financeiros para a publicação do Almanaque? Qual foi a participação do Estado ( Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Caixa Econômica do Estado de São Paulo) e qual foi a participação da Prefeitura ?

3) Na sua opinião quais foram os elementos facilitadores e dificultadores da produção do Almanaque?

4) Na sua opinião, qual a importância do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista?

Page 231: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

5) Fale-me da Casa de Cultura do Município, no local onde anteriormente era a cadeia.

6) Você permite que eu utilize sua entrevista na minha dissertação de mestrado?

Obrigada.

ROTEIRO 3

Entrevistada: Izar Garcia de Andrade

1) Conte-me sobre sua participação no Almanaque histórico de Patrocínio Paulista :

o convite foi feito pelo Dr. Carlos? Quem escolheu os temas que pesquisou? Em quais fontes a senhora pesquisou?

2)Quais foram as dificuldades e as facilidades para fazer as suas pesquisas?

3)Na sua opinião, qual a importância do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista?

4)Os temas ( históricos, geográficos...) relativos ao município de Patrocínio Paulista são trabalhados nas escolas? ( em caso positivo, como são trabalhados?).

5)Quais elementos são dificultadores e/ou facilitadores da abordagem, pelos professores nas escolas, de tais temas ? Qual a sua opinião sobre este assunto: tais temas devem ou não serem trabalhados em sala de aula? Por quê?

6)As informações contidas no Almanaque chegam, de alguma maneira até as escolas?

7)A senhora permite que eu utilize esta entrevista para a minha dissertação de mestrado?

Obrigada.

Page 232: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4

ROTEIRO 4

entrevistada: Ivone Pereira Dal Sasso

1) Conte-me sobre sua participação no Almanaque histórico de Patrocínio Paulista :

o convite foi feito pelo Dr. Carlos? Quem escolheu o tema que pesquisou? Em quais fontes você pesquisou?

2)Quais foram as dificuldades e as facilidades para fazer as suas pesquisas?

3)Na sua opinião, qual a importância do Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista?

4)Fale-me do trabalho desenvolvido pelo Dr. Carlos, quando da elaboração do Almanaque. E o outro organizador, Alfredo Henrique Costa?

5)A senhora permite que eu utilize esta entrevista para a minha dissertação de mestrado?

Obrigada.

Page 233: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4
Page 234: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4
Page 235: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253503/1/... · 2.3 O Almanaque no contexto das comemorações do 1º Centenário--70 2.4