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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA X ANÁLISE DA CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE HOMICÍDIO OCORRIDOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO: POSIÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. FERNANDA BOZZA DE ALCÂNTARA Florianópolis (SC), novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA X

ANÁLISE DA CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA

CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE HOMICÍDIO OCORRIDOS

EM ACIDENTE DE TRÂNSITO: POSIÇÃO DOUTRINÁRIA E

JURISPRUDENCIAL.

FERNANDA BOZZA DE ALCÂNTARA

Florianópolis (SC), novembro de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA X

ANÁLISE DA CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA

CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE HOMICÍDIO COMETIDOS

NA DIREÇÃO DE VEICULO AUTOMOTOR: POSIÇÃO

DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL.

FERNANDA BOZZA DE ALCÂNTARA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e Processual Penal.

Orientador: Prof. MSc. Marcelo Gomes Silva

Florianópolis, 2009

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AGRADECIMENTO

Agradeço a todos que me ajudaram nesta

nova etapa de minha vida. Em especial: Meu

filho Felipe, meu marido Ricardo, minha

mãe, meu pai, minha irmã e minha amiga

Renata.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu orientador

que tanto me auxiliou nesta jornada

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5

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do

mesmo.

Florianópolis, 30 de novembro de 2009.

Fernanda Bozza de Alcântara

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito

Penal e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada

pela aluna Fernanda Bozza de Alcântara, sob o título Analise da Configuração do

Dolo Eventual e da Culpa Consciente nos Crimes de Homicídio Ocorridos em

Acidente de Trânsito: Posição Doutrinária e Jurisprudencial foi submetida em

[Data] à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de

Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, 2009

Professor. MSC. Marcelo Gomes Silva Orientador

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

CP – Código Penal Brasileiro de 1940

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................X

ZUSAMMENFASSUNG.........................................................................XI

INTRODUÇÃO...................................................................................... 13

CAPITULO 1 ........................................................................................ 15

DO CRIME............................................................................................ 15

1.1 DEFINIÇÃO DE CRIME ....................................................................................15

1.1.1 CONCEITO FORMAL ......................................................................................16

1.1.2 CONCEITO MATERIAL ...................................................................................18

1.1.3 CONCEITO ANALÍTICO ..................................................................................19

1.2 DO FATO TIPICO .............................................................................................20

1.2.1 A CONDUTA HUMANA...................................................................................20

1.2.2 TIPICIDADE ...................................................................................................25

1.3 DA ANTIJURIDICIDADE ..................................................................................27

1.4 DA CULPABILIDADE.......................................................................................32

1.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA .................................................................................32

1.4.2 NORMATIVA PURA........................................................................................33

1.4.3 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA ..........................................................33

CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 35

DOLO E CULPA................................................................................... 35

2.1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO DOLO ...................................................35

2.2 CONCEITO DE DOLO........................................................................................36

2.3 TEORIAS À RESPEITO DO DOLO..................................................................36

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2.3.1 TEORIA DA VONTADE....................................................................................37

2.3.2 TEORIA DA REPRESENTAÇÃO.....................................................................37

2.3.3 TEORIA DO ASSENTIMENTO ........................................................................38

2.4 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O DOLO ...............................................38

2.5 ESPECIES DE DOLO........................................................................................40

2.5.1 DOLO NATURAL E NORMATIVO ...................................................................40

2.5.2 DOLO DIRETO OU DETERMINADO..............................................................41

2.5.3 DOLO EVENTUAL ..........................................................................................43

2.5.4 DOLO ALTERNATIVO ....................................................................................44

2.5.5 DOLO DE DANO OU DE PERIGO..................................................................45

2.5.6 DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO.....................................................46

2.5.7 DOLO GERAL.................................................................................................47

2.6 DA CULPA.........................................................................................................48

2.6.1 CONSIDERAÇÕES..........................................................................................48

2.6.2 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A CULPA............................................49

2.6.3 MODALIDADES DE CULPA ............................................................................54

2.6.4 DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE...............56

CAPITULO 3 ........................................................................................ 58

CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE

NOS CRIMES DE HOMICÍDIO OCORRIDOS EM ACIDENTE DE

TRÂNSITO ........................................................................................... 58

3.1 DO HOMICÍDIO DOLOSO E HOMICÍDIO DE TRÂNSITO: DIFERENÇAS E

SEMELHANÇAS ......................................................................................................58

3.1.1 CONSIDERAÇÕES ....................................................................................58

3.1.2 OBJETIVIDADE JURÍDICA.........................................................................60

3.1.3 SUJEITO ATIVO.........................................................................................61

3.1.4 SUJEITO PASSIVO....................................................................................62

3.1.5 TIPO OBJETIVO.........................................................................................63

3.1.6 TIPO SUBJETIVO.......................................................................................64

3.1.7 CONSUMAÇÃO..........................................................................................65

3.1.8 TENTATIVA ................................................................................................65

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3.2 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA..................................................................................66

3.3 POSICIONAMENTO DE ALGUNS TRIBUNAIS.................................................69

3.3.1 CONFIGURANDO DOLO EVENTUAL ............................................................69

3.3.2 DECISÕES CONFIGURANDO A CULPA CONSCIENTE..............................75

CONCLUSÃO....................................................................................... 81

REFERÊNCIAS .................................................................................... 83

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RESUMO

O presente trabalho monográfico foi elaborado com o intuito

de analisar a configuração do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios

que ocorrem em acidentes de trânsito. Tem-se observado um extremo rigor na

punição do individuo que na direção de veiculo automotor, embriagado, dirigindo

em alta velocidade, com falta ou habilitação vencida, acaba por causando um

acidente com vitima fatal, ou um homicídio. A doutrina diverge a respeito do

assunto. Alguns autores são a favor de punição mais severa, no caso, a pronuncia

do réu por homicídio doloso, caso verificado no caso concreto que este estava

embriagado, em alta velocidade ou envolvido em “racha”. Outros se posicionam

contra tal punição por entenderem que o dolo eventual deve ser analisado em

função da intenção do agente, se ele efetivamente aceitou ou não a produção do

resultado. Alguns Tribunais na Brasil tem analisado esses elementos no caso

concreto pronunciando o réu analisando-se as circunstancias em que o acidente

ocorreu, praticamente presumindo que se dirigia embriagado, em alta velocidade

ou praticando racha, previu e aceitou o resultado, portanto agiu com dolo

eventual. Principalmente o Tribunal de Santa Catarina, em seus últimos julgados

reconheceu o dolo eventual no acidentes de trânsito dada as circunstancias e não

analisando a real intenção do réu, pronunciando-o com fundamento no in dúbio

pro societati, remetendo o caso para análise do Tribunal do Júri. De outra forma,

em alguns casos os tribunais decidiram contra a configuração do dolo eventual

mantendo sentenças que desclassificaram a conduta dolosa para culposa sob o

fundamento de que a embriaguez, alta velocidade ou falta de habilitação por si só

não são elementos configuradores do dolo eventual.

Palavra-chave: Dolo eventual; Acidente de trânsito; In dúbio pro societati,

Tribunal do Júri.

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ZUSAMMENFASSUNG

Diese Monographie wurde erstellt, um die Konfiguration von

Betrug und Schuld bewußt, daß in den Mord an Unfällen in trânsito.Tem gesehen

tritt eine extreme Härte zu bestrafen, den einzelnen zu analysieren, die in Richtung

eines Kraftfahrzeugs, betrunken, Fahren mit hoher Geschwindigkeit, ohne

Qualifikation oder unterlegen ist, schließlich führt zu einem tödlichen Unfall zum

Opfer, oder ein Mord. Die Lehre wird zu diesem Thema anders. Einige Autoren

sind dafür härtere Strafe in dem Fall, die Aussprache des Angeklagten von Mord,

wenn in diesem Fall festgestellt, dass er betrunken war, Beschleunigung oder

daran beteiligt "spaltet". Andere sind gegen eine solche Strafe, weil sie verstehen,

dass ein Fehlverhalten gegen die Absicht des Anbieters abgewogen werden sollte,

wenn er tatsächlich angenommen wird oder nicht die Herstellung von Einkommen.

Einige Gerichte in Brasilien hat diese Elemente in diesem Fall der Beklagte

Antwort durch die Analyse der Umstände, unter denen der Unfall ereignet hat

untersucht, fast davon aus, dass Alkohol am Steuer,

Geschwindigkeitsübertretungen oder das tun zu knacken, sah und akzeptierte das

Ergebnis, so dass jede Handlung, mit der Absicht . Hauptsächlich Gericht von

Santa Catarina, in seinem letzten Versuch erkannte die möglichen Fehler in

Autounfälle unter den gegebenen Umständen und ohne die Analyse der

tatsächlichen Absicht des Beklagten, in Antwort auf der Grundlage dubioser pro

societate in Verweisung des Falles zur Untersuchung analysieren, indem Gericht

Júri.De ansonsten in einigen Fällen die Gerichte entschieden gegen die

Einrichtung jeglichem Fehlverhalten während der freigegebenen Sätze für die

schuldhafte Fehlverhalten der Begründung, dass der Rausch, High-Speed-oder

das Fehlen von Qualifikationen allein nicht Elemente Konfiguratoren der möglichen

Fehlverhaltens.

Stichwort: Schuldig vorsatzes; Verkehrsunfall; In dubiosen pro societate; Hof-

Jury.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto os crimes de

homicídio ocorridos em acidentes de trânsito cometidos em tese com dolo

eventual ou culpa consciente.

Tal estudo tem como objetivo institucional a obtenção do

grau de especialista em Direito Penal e Processo Penal.

O objetivo deste trabalho é apresentar a posição doutrinária

e jurisprudencial de alguns tribunais, a respeito da configuração do dolo eventual

ou da culpa consciente nos crimes de homicídio ocorridos em acidentes de

trânsito.

A escolha do tema se deu em função das recentes decisões

verificadas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que tem reconhecido o dolo

eventual em acidentes de trânsito com vitimas fatais, considerando apenas

circunstâncias objetivas como: embriaguez, alta velocidade, falta de habilitação,

elementos suficientes para fundamentar suas decisões, confirmando sentenças

que pronunciaram o réu ou o condenaram quando da fase do tribunal do júri.

Para tanto, no primeiro foi feita uma análise do crime e seus

elementos para fins de introdução ao tema.

No segundo capítulo foram apresentados mais

profundamente os elementos dolo e culpa para uma maior compreensão do tema.

No terceiro especificadamente, foram diferenças e

semelhanças no que tange aos elementos do homicídio de trânsito em face do

homicídio comum, após, foram apresentados argumentos contra e a favor da

configuração do dolo eventual nos homicídios ocorridos em acidente de trânsito,

para ao final serem apresentadas decisões de alguns Tribunais do Brasil

configurando o dolo eventual e também a culpa consciente.

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O presente trabalho encerra-se com pontos conclusivos

destacados, com estimulação a continuação dos estudos ao tema aqui abordado.

Esta monografia teve como hipóteses:

• A doutrina e a jurisprudência divergem quanto à

configuração do dolo eventual nos crimes cometidos

na direção de veiculo automotor.

• As decisões dos juízes e tribunais no Brasil têm

atribuído, em sua maioria, aos crimes praticados na

direção de veiculo automotor, caráter doloso pelo

simples fato de encontrar-se o agente embriagado ou

ter este extrapolado os limites de velocidade.

• Tais decisões tem sido tendenciosas, considerando

apenas circunstâncias objetivas do fato e não o

aspecto psicológico do agente do delito, atendendo ao

clamor social de punição mais severa aos infratores de

trânsito.

Quanto a metodologia, registra-se que foi utilizado o método

dedutivo.

Como técnica de pesquisa, foi utilizada a documentação

indireta – pesquisa documental, bibliográfica, jurisprudencial e legal.

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CAPITULO I

DO CRIME

1.1 DEFINIÇÕES DE CRIME

O código penal de 1830 trazia segundo Fragoso, em seu art.

2º, §1º, um conceito de crime: “julgar-se-á crime ou delito toda ação ou omissão

contrária as leis penais’. Já o Código Penal de 1890, segundo o autor, também o

definia nos seguintes termos: Art. 7º “Crime é toda violação imputável e culposa

da lei Penal”.1

Atualmente, a definição de crime traz alguma divergência

entre doutrinadores penalistas brasileiros, porém a Lei de Introdução ao Código

Penal traz uma conceituação legal para o crime sem adentrar especificamente

nos elementos que compõe o crime.

Assim, o Decreto - Lei nº. 3914/41traz a definição de crime:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a qual a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente2.

Pode-se observar que tal conceito é estritamente objetivo,

ficando a cargo da doutrina, definir efetivamente os elementos externos, internos

e outras características do crime, auxiliando assim o Magistrado a enquadrar na

norma uma conduta aparentemente considerada ilícita.

A respeito do crime, Dotti comenta: o ilícito penal (crime ou

contravenção) é fruto exclusivo da conduta humana. O CP declara que a causa

1 FRAGOSO, Claudio Heleno. Lições de direito penal: parte geral. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 144. 2 BRASIL. Decreto-Lei nº 3914/41. Lei de introdução do Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3914.htm>. Acesso em: 16/10/2009.

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produtora do resultado(de que depende a existência do crime) é a ação ou

omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.3

Brito Alves faz importantes considerações a respeito do

crime para ao final conceituá-lo:

Assim sendo, entendemos que todo crime é, em primeiro lugar, com profunda anterioridade, um desvalor ético-social, algo pré-existente à norma penal, segundo a concepção ou convicção cultural da sociedade. Restritamente é uma agressão ou repulsa do individuo aos valores do grupo social. Nesta consideração, surge como uma conduta contra a ética e anti-social anteriormente reprovada pela norma de cultura e punível por lei. A desvalorização ético-social do fato punível formalmente é, inegável, é evidente por si mesma. Como conduta (ação ou omissão) humana, reprovada ética e socialmente, punível por lei, inclui, sob tal compreensão, tanto seu aspecto jurídico-penal como cientifico (criminológico), sem contradição essencial alguma, abrangendo o delito como fato positivo e fato jurídico, como fenômeno real e ente normativo. Afinal, em síntese, eis o nosso conceito: Crime é a conduta anti-social, éticamente reprovável, punível por lei.4

Destarte, os penalistas brasileiros desenvolveram conceitos

para o crime de forma a considerá-lo sob o aspecto formal, material e analítico.

1.1.1CONCEITO FORMAL

Por este conceito analisa-se apenas o aspecto externo do

crime, considerando, segundo Mirabete, o aspecto puramente nominal do fato

punível, o fenômeno criminal, o fato visivelmente punível que contraria uma

norma, não adentrando na essência do delito.5

Em outras palavras, trata-se de uma conceituação

puramente normativa, assim, superficial do crime. Não adentrando nas razões que

levaram o legislador a considerar esta ou aquela conduta como criminosa.

3 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 302. 4 ALVES, Roque de Brito.Direito penal: parte geral.1ºvol. Recife: Companhia Editora Pernanbuco, 1973. p. 253. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 91.

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Alguns conceitos formais de diversos penalistas são citados

na obra do Mirabete: “Crime é qualquer legalmente punível” 6 “Crime é uma

conduta (ação ou omissão) contrária ao Direito, a que a lei atribui uma pena”7,

confirmando-se assim a superficialidade do conceito formal.

Nas palavras de Fragoso, sob o aspecto formal: “Crime é

toda ação ou omissão proibida por lei sob ameaça de pena.” 8

Dotti comenta: O crime é o fato definido como tal pela lei. O

conceito assim posto revela, também, um aspecto meramente formal. Ele

identifica e limita o objeto da Criminologia aos fatos que o sistema positivo declara

delituosos.9

Já para o ilustre doutrinador Alves:

A noção formal, jurídica pura, característica da corrente do tecnicismo jurídico, sustenta que o crime reduz-se, somente, ao fato definido, proibido, ou punido por lei. É a conduta humana, positiva ou omissiva, que a lei proíbe através da ameaça de pena. É uma conduta humana tipificada em norma penal.10

De fato tal forma de conceituação é estritamente jurídica,

superficial, que considera apenas a normativa penal, sem considerar outros

aspectos relacionados à essência do crime

Por fim, ensina Prado, o crime sob o aspecto formal “é

definido sob o ponto de vista do Direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente

incrimina (sub specie júri), fixando seu campo de abrangência – função de

garantia (art. 1º. CP).” 11

6MAGGIORE, Giuseppe. Diritto penale. Vol. I.15. ed. Bolonha: Nicola Zanunchelli, 1951, p.189. apud MIRABETE, op. cit., loc.cit. 7 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 2. apud MIRABETE, op. cit., loc.cit. 8 FRAGOSO, 1991, p.148. 9 DOTTI, 2002, p. 299. 10 ALVES, p. 254-255. 11 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol. I. 6. ed. rev., atu. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 235.

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1.1.2 CONCEITO MATERIAL

Nas palavras de Dotti, sob o aspecto material: Crime é a

ação ou omissão que, aos olhos do legislador, contrasta violentamente com

valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça

de pena.12

Assim, a respeito da obtenção de um conceito material ou

substancial, Mirabette ensina que:

Para uns, o tema central do conceito de crime reside no caráter danoso do ato; para outros, no antagonismo da conduta com a conduta moral; e para terceiros, no estado psíquico do agente. Essas conceituações, entretanto, esbarram na dificuldade de sofrer o fenômeno delituoso flutuações no tempo, no espaço, na filosofia política do Estado etc.13

Segundo Noronha a melhor maneira obter um conceito material

de crime é considerando o bem protegido pela lei penal. Sob o aspecto material

ou substancial, para ele: crime é uma conduta humana que lesa ou expões a

perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.14

Através do conceito Material, ao contrário do conceito formal, que

analisa o aspecto externo do crime, considera-se para conceituação do crime, o

intuito do legislador ao definir uma conduta como um ilícito penal.

Fragoso traz uma conceituação do crime sob o aspecto material

ou substancial e faz uma critica a esta forma de conceituar o crime, pois segundo

ele:

Sob o aspecto material, é o crime um desvalor da vida social, ou seja, uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem, ou a um valor da vida social. [...] Esse entendimento repousa sobre uma ficção e evidentemente não corresponde à realidade, pois há infrações penais leves (como a injuria e o dano) que não atingem tais condições de existência do corpo social, as

12 DOTTI, op. cit., p. 299. 13 MIRABETE, 1998, p. 92. 14 MAGALHÃES, Noronha E. Direito penal: introdução e parte geral. Vol 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 94.

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quais, de resto, podem vir a ser afetadas por certos ilícitos penais.15

Alves corrobora com este entendimento, alegando que:

a compreensão substancial ou material, opondo-se ou distinguindo-se da formal, entende o crime como todo fato humano lesivo de um bem ou interesse jurídico, comprometedor das condições de existência, conservação e progresso da sociedade. É, sempre, a violação de um bem jurídico penalmente tutelado; uma ação dirigida contra um valor ou interesse social, penalmente amparado16.

Afirma Prado que o crime sob o aspecto material: “diz

respeito ao conteúdo do ilícito penal-caráter danoso da ação ou seu desvalor

social -, que dizer - o que determinada sociedade, em dado momento histórico,

considera que deve ser proibido pela lei penal.17

Portanto, sob este aspecto, o do crime de homicídio, objeto

central do presente trabalho monográfico, cuja conduta típica é “Matar alguém”,

visa a proteção do bem jurídico “vida”.

1.1.3 CONCEITO ANALÍTICO

Através desta forma de conceituação, segundo Battaglini, o

crime é um “fato humano descrito no tipo legal e cometido com culpa”18.

Afirma Dotti19 que sob este aspecto o crime é “ação ou

omissão típica, ilícita e culpável” complementando que:

Este conceito é também chamado de dogmático, porque decompões os requisitos do fato punível para submetê-los a uma analise individual, porém inseparável da noção de conjunto.Trata-se de uma visão dedutiva e sistemática do fenômeno do delito que se impõe como exigência de segurança jurídica.

15 FRAGOSO, 1991, p. 144-5. 16 ALVES, 1973, p. 255. 17 PRADO, 2006, p. 235. 18 BATTAGLINI, Giulio. Direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 129 apud MIRABETE, 1998, p. 93. 19 DOTTI, 2002, p. 299.

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Segundo Bruno ao discorre sobre a conceituação analítica

do crime:

Assinalou-se que o crime é essencialmente uma ação, isto é, uma manifestação da vontade humana no mundo exterior, mas uma ação antijurídica, isto é, contrária ao direito, uma ação que contrasta com a proibição ou o comando de uma norma jurídica, e ainda uma ação típica, uma ação que realiza uma das descrições do fato punível que de encontra na lei, uma ação que se ajusta a um tipo legal, e finalmente uma ação culpável, isto é, uma ação pela qual deve pesar sobre seu autor a reprovação da ordem jurídica.20

Assim, passou-se a conceituar o crime como a ação típica,

antijurídica e culpável, sendo esta definição aceita tanto pelos doutrinadores

seguidores da Teoria causalista, como pelos adeptos da teoria finalista, como

veremos no item 1.2.2, a diferenciação ocorre apenas quanto a definição de

culpabilidade no que tange.

Esta concepção tridimensional é aceita e cultivada pela

maioria dos penalistas atuais, de fato que o crime é atualmente formado por três

elementos que serão analisados a seguir: fato típico, antijuridicidade e

culpabilidade.

1.2 DO FATO TIPICO

1.2.1 A CONDUTA HUMANA

A conduta é um dos elementos fundamentais do fato típico,

Assim, confirma Bruno afirmando:

A ação é o núcleo do conceito. Todo fato punível é antes de tudo ação, realização da vontade de um homem no mundo exterior. Ação em sentido amplo, ação ou omissão. A ação torna-se objeto de um juízo de valor e se faz penalmente relevante quando apresenta com os atributos da antijuridicidade e tipicidade.21

Vicente Sabino Júnior ao lesionar sobre a conduta nos

ensina:

20 ANIBAL, Bruno. Direito penal: parte geral, introdução - norma penal. Fato Punivel. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 274. 21 BRUNO, 1967, p. 303.

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A norma penal indica, antes de mais nada, como ficou expresso, uma conduta que é nociva para a ordem jurídica. Essa conduta é quase sempre, o fato dirigido para um resultado contrário á finalidade do direito e emana, obrigatoriamente, do homem22.

Portanto, a conduta por ele referida, como elemento do fato

típico, deve ser praticada por um ser humano, deve contrariar o direito e ser

direcionada a um resultado.

A conduta punível pela Direito Penal, conforme Fragoso

pode ser manifestada sob a forma de ação ou omissão, conceituando ação como

uma forma comissiva de praticar a conduta que transgride uma proibição e

omissão como uma transgressão a uma ordem de comportamento ativo.23

O ilustre doutrinador E. Magalhães Noronha, ao discorrer

sobre a conduta, denominando-a diretamente como ação. Para ele a ação pode

ser: positiva ou negativa. Sendo que nas palavras do ilustre mestre:

A ação positiva é sempre constituída pelo movimento do corpo, quer por meio dos membros locomotores, quer por meio de músculos, como se dá com a palavra ou o olhar. Quanto a ação negativa ou omissão, entra no conceito de ação (genus) de que é espécie. É também um comportamento ou conduta e, conseqüente, manifestação externa, que, embora não se concretiza na materialidade de um movimento corpóreo-antes é abstenção desse movimento – por nós é percebida como realidade, como sucedido ou realizado.24

Costa Júnior identifica na conduta coeficientes físico e

psíquico sobre os quais leciona:

Evidencia-se o coeficiente físico da ação numa movimentação corporal. Através dela, transborda o querer intimo. A ação adquire realidade e ingressa no mundo fenomênico, depois de elaborada no mundo intrapsiquico. Essa face externa da ação poderá consistir no movimento dos membros, na simples palavra, ou em outras deslocações parciais do corpo. O coeficiente físico na omissão, ao contrario, reduz-se a um nihil facer(nada fazer) ou a um aliud agere (agir diversamente), desde que não executo quod

22 SABINO JÚNIOR, Vicente. Direito penal. Vol. I. 1. ed. São Paulo: Sugestões literárias, 1967, p. 116. 23 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: A nova parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 153. 24 NORONHA, E. Magalhaes de. Direito penal: introdução e parte geral. Vol. I. 32. ed., rev. e atu. por Adalberto José Q.T. de Camargo aranha. São Paulo: Afiliada, 1997, p. 98.

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debetur (aquilo que deve ser feito). [...] Exige-se para que haja conduta, um mínimo de participação sujetiva: a vontade, que lança a conduta.25

Contudo, três teorias buscam conceituar da melhor maneira

a conduta em uma evolução constante assim como o Direito Penal, conforme se

vê a seguir.

1.2.1.1Teorias a respeito da conduta

Teoria causalista ou naturalista

Por esta teoria, a conduta é considerada um comportamento

humano voluntário desprovido de qualquer tipo de valoração, é apenas um fazer

ou não fazer, não considera a motivação.26

Para os adeptos dessa teoria, o dolo e a culpa estão

inseridos no conceito de culpabilidade.

Destarte, para eles, segundo Mirabete, a culpabilidade é um

vinculo psicológico entre a ação e o resultado, verificando-se a existência de fato

típico (composto de ação, resultado, nexo causa e tipicidade) e antijuridicidade,

examinar-se-á o elemento subjetivo (dolo e culpa em sentido estrito).27

A respeito dessa teoria, Damásio preconiza que a conduta é

concebida como um simples comportamento, sem apreciação sobre a sua ilicitude

ou reprovabilidade.28

Assim, por essa teoria, o dolo e a culpa não poderiam de

forma alguma estar inseridos na conduta, ou seja, na ação humana.

Os doutrinadores Zaffaroni e Pierangeli fazem uma crítica

severa a este sistema que atualmente resta superada, alegando em suma que se

a conduta for algo desprovido de finalidade, ou seja, um simples processo causal,

25 COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 52-3. 26 JESUS, 1999, p. 230. 27 MIRABETE, 1998, p. 91. 28 JESUS, op. cit., p. 230.

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toda essência do direito estará abalada considerando que o direito regula

condutas humanas e não simplesmente fatos.29

Para Dotti:

Esse conceito causal de ação, que também foi desenvolvido pó Radbruch, era fracionado em duas partes constitutivas: o processo causal externo (objetivo e o conteúdo da vontade (subjetivo). Em conseqüência, a ação seria um mero processo causal que desencadeia a vontade, sem levar em consideração se o autor queria ou somente poderia prever (conteúdo da vontade)30

Atualmente esta teoria resta superada, pois considerando os

princípios de direto penal, a conduta deve ser provida de vontade para ser

considerada criminosa.

Teoria Social da ação

A Teoria social da ação foi criada para servir como uma

ponte ou posição intermediária entra a teoria finalista e causal da ação.

Em um primeiro momento tentou-se basear a teoria na idéia de que não é qualquer ação que tem relevância penal, sendo que somente aquelas que têm importância transcendente ao individuo em particular, podem ser objeto de restrição pelo Direito Penal.31

Segundo preconiza Capez, “o conceito social reconhece que

é essencial que a atuação humana implique uma relação valorativa com o mundo

circundante social” sendo conforme o autor “a ação é, portanto, a causação de

um resultado típico socialmente relevante.”32

Mayrink da Costa entende que:

a teoria social da ação é variável em qualquer de suas vertentes, o conceito não é jurídico, é social. Toda ação humana ocorre no mundo físico e tem resultado, mas a restrição de sua relevância

29 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1927, p. 427. 30 DOTTI, 2002, p. 307. 31 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 427. 32 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 120.

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incumbe somente ao legislador, devendo-se investigar a tipicidade da ação33

Assim, confirma o autor que a teoria social comporta as duas

outras teorias, porém de forma que a causalista da teoria social da ação carece

de sentido e a versão finalista é desnecessária, pois a conduta pela teoria finalista

é segundo o autor “necessariamente social e final”.34

Teoria finalista

Por outro lado, para os seguidores da teoria finalista, o dolo

e a culpa integram a conduta, e não a culpabilidade.

Isso, segundo Mirabete se deve ao fato de entenderem a

conduta como uma ação humana voluntária e que, portanto é provida de uma

finalidade praticada com dolo ou culpa em sentido estrito.35

Conforme Damásio, ao comentar a teoria finalista, o dolo

nessa teoria é retirado da culpabilidade, constituindo elemento subjetivo do tipo,

integrando a conduta, e não integrando a culpabilidade como ocorre na teoria

causalista.36

Quanto aos delitos dolosos, a teoria não apresentou maiores

problemas, já com relação aos delitos culposos, pois segundo Bitencourt,

houveram criticas a respeito pois o resultado nos crimes culposos se produz de

forma puramente causal. No entanto esse problema foi superado com a criação

de uma conceituação da conduta nos crimes culposos, pois ainda segundo o

próprio autor: compara-se precisamente a direção finalista da ação com a direção

finalista exigida pelo Direito. O fim pretendido pelo agente geralmente é

irrelevante, mas não os meios escolhidos ou a forma de sua utilização. 37

33 DA COSTA, Alvaro Mayrink.Direito penal: parte geral. Vol I. Tomo I. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 576. 34 Ibid., loc.cit. 35 MIRABETE, 1998, p. 93. 36 JESUS, 1999, p. 234. 37 BITENCOURT,Cesar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 191.

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De qualquer forma dolo e culpa são elementos subjetivos do

crime, sejam integrando o fato típico sendo inseridos na conduta ou integrando a

culpabilidade.

1.2.1.2 Causas que excluem a conduta

Existem casos em que se considera a inexistência de ação,

excluindo, portanto o crime.

Aníbal Bruno afirma:

Sem ação não há crime, e não existe ação quando falta algum dos seus componentes. Praticamente isso ocorre quando, havendo, embora, movimento corporal do agente ou seu comportamento negativo, e mesmo o resultado, falta a vontade, da qual esse conjunto venha a ser a manifestação no mundo exterior.38

Nas palavras de Fragoso:

Inexiste ação se o agente atua sem consciência e vontade. Não há, pois, ação, no caso de coação física irresistível (ex. obrigar alguém, mediante força física irresistível, a vibrar o golpe); no caso de atuação em completa inconsciência (como no caso de sonambulismo ou hipnose) e, ainda, nos atos reflexos que consistem numa reação motora (muscular) ou secretória (glandular), que responde automaticamente a uma excitação sensitiva (ex. a tosse, o espirro, o rubor e a palidez emocionais). 39

No caso da coação física irresistível, o agente atua como

mero instrumento do crime, o verdadeiro autor o utiliza para a prática do crime,

portanto a conduta do coagido não pode ser considerada pra fins de

caracterização de um ilícito penal.

1.2.2 TIPICIDADE

A tipicidade constitui outro elemento do fato típico,

intimamente ligado a conduta, pois, esta para ser considerada como crime deve

estar descrita integralmente no tipo penal.

38 ANIBAL, 1967, p. 303. 39 FRAGOSO, 1991, p. 151.

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Noronha, ao discorrer sobre o tema, lesiona que: Para ser

crime, é mister ser típica a ação, isto é, deve a atuação do sujeito ativo do delito

ter tipicidade. Atuar tipicamente é agir de acordo com o tipo. Este é a descrição da

conduta humana feita pela lei e correspondente ao crime (grifo nosso).40

Por sua vez, Bitencourt define o tipo como “o conjunto dos

elementos do fato punível descrito na lei penal”, acrescentando detalhes

importantes à respeito do tipo:

O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, a ausência de um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva.41:

Nucci conceitua o tipo como uma “descrição abstrata de uma

conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite

concretizar o principio da reserva legal”.42

O próprio autor estrutura o tipo da seguinte forma:

título ou-nomen júris: é a rubrica dada pelo legislador ao delito (ao lado do tipo penal incriminador, o legislador confere à conduta e ao evento produzido um nome, como homicídio simples é a rubrica do modelo de comportamento “matar alguém”). [...] preceito primário: é a descrição da conduta proibida, quando se refere ao tipo incriminador, ou a da conduta permitida, referindo-se ao tipo penal permissivo. Dois exemplos: o preceito primário do art. 121 do CP é “matar alguém”; o preceito primário do tipo permissivo do art. 25 do CP sob a rubrica “legitima defesa”, é repelir injusta e atual agressão, atual e iminente, a direito próprio ou de terceiro, usando moderadamente os meios necessários;

40

E. Magalhaes de Noronha Direito penal: introdução e parte geral, vol. 1, 32. São Paulo. ed. Editora Afiliada. Revisada e atualizada por Adalberto José Q.T. de Camargo aranha , p. 200, 1997, p. 96 41 BITENCOURT, 1999, p. 223. 42 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009, p. 161.

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preceito secundário: é a parte sancionadora, que ocorre somente nos tipos incriminadores, estabelecendo a pena. Ex. no crime de homicídio simples, o preceito secundário é “reclusão de seis a vinte anos”.43

Assim, Zafaronni e Pierangelli esclarecem: a) típica é a

conduta que apresenta a característica especifica de tipicidade (atípica, a que não

apresenta); b) tipicidade é a adequação da conduta a um tipo; c) tipo é a formula

legal que permite averiguar a tipicidade da conduta”44.

Bruno preconiza:

A ausência de tipicidade exclui o crime, seja embora o fato antijurídico e culpável. O fato punível é a realização objetiva de um tipo; se o fato não alcança esta realização, nem sequer se encaminha na realidade a realizá-la, está fora do Direito punitivo. Isso acontece em primeiro lugar em primeiro lugar quando a ação não corresponde de modo algum a um tipo legal. Temos exemplo da hipótese de crime putativo, que, em sentido próprio, se verifica quando o agente pratica um ato que supõe ser criminoso, mas que , na realidade, não é definido na lei como crime.45

Portanto, verifica-se que se em um caso concreto a conduta

não se adéqua ao tipo penal, pode-se afirmar que não há crime.

1.3 DA ANTIJURIDICIDADE

Bruno nos ensina à respeito da antijuridicidade:

É a contrariedade de uma conduta com o direito, causando lesão a um bem jurídico protegido. Trata-se de um prisma que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado).46

Capez nomeia a antijuridicidade como ilicitude alegando que

“é uma contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou

omissão típica tornam-se ilícitas” 47, relembrando que após verificar se a conduta

é típica ou não, verifica se não há uma excludente de ilicitude, sendo que se a

43 Id., ibid., p. 162. 44 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 447. 45 BRUNO, 1967, p. 337. 46

BRUNO, 1967, P. 338 47 CAPEZ, 2003, p. 248.

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conduta não corresponde a nenhuma figura típica, não se indaga se ela é ou não

ilícita ou antijurídica.

Alguns penalistas, como Bruno, subdividem a antijuridicidade

em objetiva e subjetiva. Em sua obra, ao lecionar a respeito do assunto, o autor

afirma:

A antijuridicidade tem que ser considerada no seu aspecto objetivo de relação contraditória entre um fato e uma norma. É este o caráter que lhe é geralmente reconhecido e com êste caráter objetivo é que ela figura na construção tripartida conceito de crime, ao lado da culpabilidade e da tipicidade, adjetivando o conceito de ação. [...] Mas a repulsa a uma concepção subjetiva da antijuridicidade, que conduza apagar os limites entre o ilícito e o culpável, não importa em negar a existência do que alguns autores chamam elementos subjetivos do injusto típico, em negar que a ação possa ser contrária ou conforme o Direito segundo a atitude subjetiva do agente, segundo o sentido que êle atribua ao seu comportamento [...]48

Existem no ordenamento jurídico “tipos permissivos” que

autorizam a conduta neutralizando sua ilicitude, conseqüentemente tornando-a

licita mesmo que típica.

Zaffaroni e Pierangelli, alertam para esse fato nos ensinando

que:

a tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem normativa, ma não implica a antijuridicidade (contrariedade com a ordem jurídica), porque pode haver uma causa de justificação (um preceito permissivo que ampare a conduta. [...] Neste sentido, a atipicidade opera como um indício da antijuridicidade, como um desvalor provisório, que deve ser configurado ou desvirtuado mediante comprovação das causas de justificação.49

Assim, o artigo 23 do Código Penal Brasileiro traz os tipos

permissivos nos seguintes termos:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa;

48 BRUNO, 1967, p. 344 e 346. 49 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 463.

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III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito50

Bitencourt ao discorrer sobre as excludentes afirma:

Não basta que estejam presentes os pressupostos objetivos de uma causa de justificação, sendo necessário que o agente tenha consciência de agir acobertado por uma excludente, isto é, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio. [...] A partir do momento em que se adota uma concepção do injusto que distingue o desvalor da ação do desvalor do resultado, é necessária a presença do elemento subjetivo em todas as causas de justificação, isto é, não basta que ocorra objetivamente a excludente de criminalidade, mas é necessário que o autor saiba e tenha vontade de atuar de forma autorizada, isto é, de forma juridicamente permitida.51

O estado de necessidade é definido na própria legislação, de

forma que:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.52

Neste sentido,Nucci conceitua o estado de necessidade

alegando que “é o sacrifício de um interesse juridicamente protegido, para salvar

de perigo atual e inevitável o direito do próprio agente ou de terceiro, desde que

outra conduta nas circunstancias concretas, não era razoavelmente exigível”53

Bruno manifesta-se sobre o estado de necessidade nos

seguintes termos:

A necessidade pode justificar um fato que realiza a figura do ilícito penal. Uma das formas sob as quais se pode apresentar essa atitude típica, mas necessária , capaz de excluir a ilicitude do fato,

50 BRASIL. Decreto – Lei nº. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 31/10/2009. 51 BITENCOURT,1999, p. 288. 52 BRASIL, 2009. 53 NUCCI, 2009, p. 247.

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é o chamado estado de necessidade, situação em que se encontra o homem que, para salvar de perigo atual e iminente um bem jurídico próprio ou alheio, é obrigado a sacrificar um bem jurídico de outrem No estado de necessidade, há uma colisão de bens ou interesses juridicamente tutelados, que pode ser determinada ou causas diversas – ato humano, fato de animal, forças naturais, ou um acidente, em suma, de qualquer natureza.54

A legitima defesa também é tipificada no Código Penal:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.55

A respeito dessa forma de exclusão da antijuridicidade

Aníbal Bruno afirma:

A posição da legitima defesa no sistema jurídico-penal vigente é a de uma causa de exclusão da antijuridicidade. A ordem jurídica visa a proteção dos bens juridicamente tutelados. E não punir a agressão, mas preveni-la. Quem defende, seja embora violentamente, o bem próprio ou alheio injustamente atacado, não só atua dentro da ordem jurídica mas na defesa da mesma ordem. Atua segundo a vontade do Direito. O seu ato é perfeitamente legitimo.56

Bitencourt faz um importante comentário a respeito da

legitima defesa:

O reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de todas as violações da ordem jurídica, e obejtivando não constranger a natureza humana e violentar-se numa postura de covarde resignação, permite, excepcionalmente, a reação imediata à uma agressão injusta, desde que atual ou iminente, que a dogmática jurídica denominou legitima defesa.57

Já Nucci traz uma conceituação dessa excludente: é a

defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra

direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, os meios

54 ANIBAL, 1967, p. 374. 55 BRASIL, 2009. 56 ANIBAL, 1967, p. 360. 57 BITENCOURT, 1999, p. 303.

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necessários. Trata-se do mais tradicional exemplo de justificação para a prática

de fatos típicos.58

Com relação ao estrito cumprimento de um dever legal,

Bitencout se manifesta no sentido de:

Quem pratica uma ação em cumprimento de um dever imposto por lei não comete crime. Ocorrem situações em que a lei impõe determinada conduta e, em face da qual , embora típica, não será ilícita, ainda que cause lesão a um bem juridicamente tutelado59.

Ressalta-se a expressão “imposto por lei”, esta significa que

só uma norma penal pode impor um dever, caso satisfeito seja considerado uma

excludente da antijuridicidade

Quanto ao exercício regular de um direito, Bitencourt leciona:

O exercício regular de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais ou materiais impostos pelos próprios fins do direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito, e estará, portanto, excluída esta causa de justificação.60

Por fim, Prado apresenta como fundamento do exercício

regular do direito, o princípio do interesse preponderante. Assim, nas suas

palavras:

Em todo caso, conforme destacado quando da analise das anteriores justificantes, a interpretação dessa causa de justificação-exercício regular de um direito - encontra-se restringida pelo principio do respeito à dignidade da pessoa humana. De conseguinte, mesmo que o sujeito atue no legitimo exercício de um direito, sua conduta será ilícita sempre que atentar gravemente contra a dignidade humana.61

Noronha cita como exemplo os esportes como o boxe, luta

livre, jiu-jítsu e futebol, onde eventualmente há emprego de violência, mas não

constitui crime por se fundar em consentimento de quem eventualmente será

58 NUCCI, 2009, p. 247. 59 BITENCOURT, op. cit., p. 310. 60 BITENCOURT, 1999, p. 312. 61 PRADO, 2006, p. 339.

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atingido, e na permissão e regulamentação do Estado. Assim, compridas as

regras do jogo não se pode atribuir ao causador do dano, a pratica de um ilícito

penal.62

1.4 DA CULPABILIDADE

1.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA

Segundo está teoria, a culpabilidade é um liame psicológico

que se estabelece entre a conduta e o resultado, por meio do dolo e culpa”.63

Sobre o tema, Zaffaroni manifesta-se:

Dentro deste conceito, a culpabilidade não é mais do que uma descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer elemento normativo, de uma relação psicológica, nada valorativo, e sim a pura descrição de uma relação.64

Segundo Costa Jr, ao discorrer a respeito da culpabilidade

afirma:

Vislumbrou ela na culpabilidade o liame de natureza psicológica que se pões entre o fato e o agente. Tal nexo apresenta-se em forma de dolo ou culpa. Não basta a previsão (elemento intelectivo) desacompanhada da vontade (elemento volitivo), como não será suficiente a vontade desprovida da previsão65.

A problemática nessa teoria é evidente, pois quando falamos

em dolo não ocorrem maiores problemas haja vista que é um componente

eminentemente psicológico, ocorre que a culpa é um elemento normativo da

culpabilidade, portanto não há como aplicar essa teoria no caso de delito

cometido com culpa.

Esta problemática resta superada pelos adeptos da teoria,

pois segundo Mayrink da Costa, na teoria psicológica, a culpabilidade é uma

“situação subjetiva, radicando no vinculo psicológico entre o autor e o fato (quer 62 NORONHA, 1997, p. 200. 63 CAPEZ, 2003, p. 282. 64 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 605. 65 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.39.

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consciente ou dirigido ao reprovável, ou mero no cumprimento do dever de

cuidado)”66.

Portanto, tanto no dolo ou na culpa o elemento culpabilidade

é de caráter psicológico, pois na culpa, segundo a teoria, em suma, o pensamento

é dirigido a uma conduta reprovável ou a um mero dever de cuidado objetivo.

1.4.2 NORMATIVA PURA

Esta teoria surgiu com a teoria finalista da ação, teve como

percussores Hartmann e Graf Zu Dohna e Welze, como defensor que percebeu a

impossibilidade de se deixar o dolo e culpa integrando a culpabilidade,

desprovendo então a conduta humana sem sentido, ou finalidade.67

Por esta teoria, segundo Costa Jr.:

Não basta que o autor represente e deseje o resultado: será também necessária a consciência do injusto. O agente deverá saber que está a praticar algo errado, pelo qual poderá ser censurado. Não se faz mister que tenha conhecimento preciso da antijuridicidade da conduta, de que saiba que seu ato irá subsumir-se em determinado tipo da Parte Especial. Bastará um conhecimento profano do injusto, como o entende um leigo e não um técnico. Um conhecimento de que está a fazer algo errado, que irá ser reprovado.68

A questão da violação da norma penal, predomina ao

elemento psicológico, atentando-se ao fato de que não é a consciência da

violação de norma especifica, basta, a consciência de que tal conduta é vedada

por uma norma penal.

1.4.3 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA

A Teoria psicológico-normativa foi criada por Reinhard Frank

com a descoberta de elementos normativos e subjetivos do tipo69.

66 Mayrink da Costa, 1991, p. 842 67 CAPEZ, 2003, p. 283. 68 COSTA JR., 2009, p. 98. 69 CAPEZ, 2003, p. 283.

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De fato, a teoria psicológico-normativa foi uma fusão entre

as teorias psicológico e normativa pura.

Por ela, ainda segundo Capez:

Só haverá culpabilidade se o agente for imputável; dele for exigível conduta diversa, houver culpa. Ou se: o agente for imputável; dele for exigível conduta diversa; tiver vontade de praticar um fato, tendo consciência de que este contraria o ordenamento jurídico.70

Costa Jr. manifesta-se nesse sentido:

Desse modo, o elemento psicológicos-normativos da culpabilidade passou a integrar-se de consciência e vontade, rumo a um fim previamente desejado, que se sabe injusto. Não se trata de um entendimento e uma vontade potencial ou estática, como na imputabilidade, mas um processo dinâmico, in firei.71

Destarte, apresentados os elementos do fato criminoso,

serão apresentados de forma mais detalhada o dolo e a culpa em sentido estrito

para maior entendimento do tema.

70 Ibid., loc.cit. 71 COSTA JR., 2009, p. 99.

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CAPÍTULO 2

DOLO E CULPA

2.1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO DOLO

No direito Romano, onde o dolo teve origem, este era

considerado uma “ofensa intencional à lei moral e a Lei do Estado, apresentada

de modo concreto, como o propósito, a intenção de (matar, roubar)” 72

No Medievo, “a influencia canônica se fez notar no sentido

da subjetivização penal, ainda que utilizando a terminologia romana para designar

o dolo-dolus, voluntas, sciens-, e negligentia ou imperitia, para culpa.” 73

Somente a partir “do século XVII, sob influencia da filosofia

de Ilustração, os fundamentos éticos não-juridicos do dolo passaram a dar lugar a

doutrinas propriamente ditas jurídico-penais.” 74

Costa Júnior, afirma que “doutrinas germânicas, hoje

superadas e condenadas na própria Alemanha, eliminam o dolo e a culpa da

culpabilidade, para integra-los no tipo subjetivo. Ou então embutem dolo e culpa

na própria ação deles extraído todo elemento psicológico, para deixar apenas a

essência normativa.75

O autor faz uma critica as teorias psicológica e normativa da culpabilidade já explanadas no item 1.4., posicionando-se contra estas teorias, afirmando que:

Só pode ser censurado o agente que tenha consciência da conduta que pratica. A esta consciência da conduta é que se soma a consciência da ilicitude. Crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Os elementos de desvalor do fato entram na

72 PRADO, 2006, p. 350. 73 Ibid., loc. cit. 74 Ibid., p. 351. 75 COSTA JR., 2009, p. 99.

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antijuridicidade. Os elementos do juízo de desvalor do agente entram na culpabilidade.76

Este é o entendimento do autor que coaduna com a teoria

psicológico- normativa da culpabilidade.

De fato, a teoria que mais se adéqua aos dizeres do Direito

Penal Brasileiro, atualmente, é a teoria psicológica-normativa (vide item 2.4.2).

2.2 CONCEITO DE DOLO

Nucci sabiamente afirma que a respeito da conceituação do

dolo, depende a teoria adotada. Nas palavras do autor:

Preferimos o conceito finalista de dolo, ou seja, é a vontade consciente de realizar a conduta típica. Estamos convencidos de que todas as questões referentes à consciência ou noção da ilicitude devem ficar circunscritas à esfera da culpabilidade. Quando o agente atua, basta que objetive o preenchimento do tipo penal incriminador, pouco importando se ele sabe ou não que realiza algo proibido. Portanto, aquele que mata alguém age com dolo, independentemente de acreditar estar agindo corretamente.77

Para Welzel:

Toda ação consciente é levada pela decisão de ação, ou seja, pela consciência de que se quer – o elemento intelectual-, e a decisão de querer realizá-lo – o elemento volitivo. Ambos elementos juntos, como fatores criadores de uma ação real, constituem o dolo.78

Contudo, a definição do dolo provém de teorias que serão

analisadas no próximo item.

2.3 TEORIAS À RESPEITO DO DOLO

A respeito do dolo, existem três teorias que buscam definir

uma conduta dolosa, identificando-a no caso concreto.

76 Ibid., p. 100. 77 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral e especial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 215. 78 WELZEL, Hans. Direito penal. 1. ed. Campinas: Romana, 2003, p. 119.

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2.3.1 TEORIA DA VONTADE

A primeira é a Teoria da vontade. Por esta teoria, segundo

Mirabete: age dolosamente quem pratica a ação consciente e voluntariamente. É

necessário para sua existência, portanto, a consciência da conduta e do resultado

e que o agente a pratique voluntariamente79.

Portanto, segundo Damásio: Para os partidários dessa

teoria, o dolo exige os seguintes requisitos: a) quem realiza o ato deve conhecer

os atos e sua significação; b) o autor deve estar disposto a produzir o resultado80.

Em outras palavras, por esta teoria, o agente dever ter estar

consciente de que sua conduta é dirigida a um fim ilícito e que provocará um

resultado ao qual deve estar disposto a produzir.

2.3.2 TEORIA DA REPRESENTAÇÃO

A segunda é a Teoria da representação, por essa teoria,

segundo Mirabete, o dolo é uma simples previsão do resultado. Embora se negue

a existência da vontade na ação, o que importa para essa posição é a consciência

de que a conduta provocará o resultado81.

Nos dizeres de Capez, “O dolo é o assentimento do

resultado ocorre, sem, contudo, desejá-lo. Denomina-se teoria da representação,

porque basta ao agente representar (prevê) o resultado para conduta ser

qualificada como dolosa”82

Em fim, por esta teoria, o que importa para caracterização

da conduta dolosa, é simplesmente a visualização do resultado. Basta que o

agente o preveja de forma antecipada a prática da conduta.

79 MIRABETE, 1998, p. 135. 80 JESUS, 1999, p. 284. 81 MIRABETE, op. cit., loc.cit. 82 CAPEZ, 2003, p. 283

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2.3.3 TEORIA DO ASSENTIMENTO

A terceira teoria é a do assentimento ou consentimento,

segundo Damásio essa teoria requer a previsão ou representação do resultado

como certo, provável ou possível, não exigindo que o sujeito queira produzi-lo. É

suficiente seu assentimento83.

Mirabete ao lecionar sobre essa teoria, afirma que:

Para a teoria do assentimento (ou consentimento) faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o queira. Para essa teoria em apreço, portanto, existe simplesmente quando o agente consente em causar o resultado e praticar a conduta84

O Código Penal Brasileiro, em analise ao artigo 18, I, adota a

teoria da vontade e do assentimento, pois define o dolo como a vontade de

realizar-se um resultado ou a aceitação de produzi-lo ou não. Já a teoria da

representação não foi aceita, pois por ela fica igualada a conduta produzida com

culpa consciente (ou com previsão) com o dolo85.

Essa é uma critica á teoria que de fato procede já que

conforme veremos adiante, na culpa consciente também o agente prevê o

resultado, portanto por esta teoria, a culpa consciente seria considerada uma

espécie de dolo, o que não tem fundamento.

2.4 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O DOLO

O dolo é composto por elementos que o identificam. Para

Mirabete, o dolo é composto pela consciência (conhecimento do fato-que constitui

a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar o fato).

A respeito do dolo, Costa Jr faz considerações:

Ao definir o dolo com a expressão “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, deu grande ênfase á vontade, embora nela esteja compreendida a representação.

83 JESUS, 1999, p. 284. 84 MIRABETE, 1998, p. 135. 85 CAPEZ, 2003, p. 186.

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Somente se que aquilo que se representa. Note-se, porém: a vontade (não a representação) constitui a essência do dolo.86

Assim, ainda segundo o próprio autor:

A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base par sua decisão em praticá-la 87

Já Damásio identifica três elementos que caracterizam o

dolo: 1º consciência da conduta e do resultado 2º consciência da relação causal

objetiva entre a conduta e o resultado 3º vontade de realizar a conduta e produzir

o resultado.

Destarte, conforme seu entendimento, o agente tem que ter

a consciência do seu ato a do resultado que ele irá produzir; em segundo lugar

deve ter em mente que de sua conduta surgirá o resultado; e em terceiro entende

que o dolo requer a vontade de concretizar o ato e causar o resultado88.

De qualquer maneira fica claro que para configuração do

dolo deve estar presente basicamente a consciência e vontade. Sem estes

elementos não se pode falar em homicídio doloso e obviamente no caso do

homicídio causado na direção de veiculo automotor este principio também se

aplica.

A respeito do dolo, sob o aspecto cognitivo, Zaffaroni e

Pierangelli afirmam que:

O dolo requer sempre conhecimento efetivo; a mera possibilidade de conhecimento (chamada “conhecimento potencial”) não pertence ao dolo. O “querer matar um homem” (dolo do tipo de homicídio do art. 121 do CP) não se integra com a “possibilidade de conhecer que se causa a morte de um homem”, e sim com o efetivo conhecimento efetivo, a vontade do autor não pode ter o

86 COSTA JR., 2009, p. 99. 87 COSTA JR., 2009, p. 136. 88 JESUS, 1999, p. 385.

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fim de matar um homem e, portanto, não pode ser uma vontade homicida.89

Bitencout corrobora com a idéia afirmando que para se

reconhecido o dolo em uma conduta, deve-se estar presente a consciência

daquilo que se está fazendo. Para ele, essa consciência deve ser atual, ou seja,

presente no momento em que se realiza a conduta.90

2.5 ESPECIES DE DOLO

2.5.1 DOLO NATURAL E NORMATIVO

O dolo natural, segundo Capez:

É o dolo concebido como um elemento puramente

psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer,

desprovido de qualquer juízo de valor, independente de o objeto ser lícito ou

ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se apenas de consciência e vontade,

sem a necessidade de que haja também a consciência de que o fato praticado é

injusto ou errado.91

Já o dolo normativo, o próprio autor comenta que:

É o dolo da teoria clássica, ou seja, da teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. [...] O dolo normativo, portanto, não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um elemento puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de valoração (um querer algo errado).92

Delmanto apresenta uma diferenciação entre o dolo natural e

normativo sob a ótica da teoria finalista e clássica, afirmando:

Dolo natural. Para a teoria finalista – que a reformas de 84

deixou de adotar- o dolo é natural, representado pela vontade e consciência de

89 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 484. 90 BITENCOURT, 1999, p. 91 CAPEZ, 2003, p. 186. 92 Ibid., p. 187.

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realizar o comportamento típico que a lei prevê, mas sem a consciência da

ilicitude (antijuridicidade).[...] Dolo natural para a teoria clássica – que orientou a

redação do CP- dolo não é natural mas normativo, pois contem a consciência da

ilicitude (antijuridicidade)93

Assim, conclui-se que o dolo natural é considerado conforme

a própria nomenclatura condiz, um ato espontâneo, natural, porém desprovido ou

não de vontade ilícita, o que não importa para o dolo natural.

Já no dolo normativo, a consciência da ilicitude é necessária

para sua caracterização, não bastando uma simples vontade.

2.5.2 DOLO DIRETO OU DETERMINADO

Nucci define o dolo direto:

É a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto. Exemplo:; o agente quer subtrair bens da vitima, valendo-se de grave ameaça. Dirigindo-se ao ofendido, aponta-lhe um revólver, anuncia o assalto e carrega consigo os bens encontrados em seu poder. A vontade se encaixa com perfeição ao resultado. 94

Já Capez define o dolo direto como uma manifestação de

vontade, tanto de produzir o resultado como de realizar a conduta.95

Bitencourt ao lecionar sobre o dolo direto afirma que:

No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de sua ação. A vontade do agente é dirigida à realização do fato típico. O objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos colaterais representados como necessários á realização do fim pretendido.96

Destarte, o dolo direto é dividido em duas modalidades: dolo

direto de primeiro e segundo graus.

93DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual e apla. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33. 94 NUCCI, 2008, p. 200-1. 95 CAPEZ, 2003, p. 187. 96 BITENCOURT, 1999, p. 249.

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Zaffaroni e Pierangelli afirmam que:

Chama-se dolo direto aquele em que o autor que diretamente a produção do resultado típico, seja como o fim diretamente proposto ou como um dos meios para obter este fim. Quando se trata do fim diretamente querido, chama-se dolo direto de primeiro grau, e quando o resultado querido como conseqüência necessária do meio escolhido para a obtenção do fim chama-se dolo direto de segundo grau ou dolo de consequências necessárias.97

Segundo Capez:

O dolo de primeiro grau consiste na vontade de produzir as conseqüências primárias do delito, ou seja, o resultado típico inicialmente visado, ao passo que o do segundo grau abrange os efeitos colaterais da prática delituosa, ou seja, as suas conseqüências secundárias, que não são desejadas originalmente, mas acabam sendo provocadas porque indestacáveis do primeiro evento98

O artigo 18 do Código de Processo Penal brasileiro define o

dolo em seu parágrafo 1º, nos seguintes termos: “Art. 18- Diz-se o crime; I-doloso,

quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.” 99

A primeira parte do dispositivo refere-se ao dolo direto, no

qual, segundo Damásio, o agente visa resultado certo e determinado, citando

como exemplo, o agente que desfere golpes de faca na vitima com intenção de

matá-la. Assim, segundo ele, o dolo se projeta de forma direta no resultado

morte.100

Já a segunda parte refere-se ao dolo indireto ou

indeterminado. Esta espécie de dolo se desdobra em duas outras modalidades de

dolo: dolo eventual e dolo alternativo que serão analisadas no próximo item.

97 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 500. 98 CAPEZ, 2003, p. 190. 99 BRASIL, 2009, p. 185 100 JESUS, 1999, p. 286.

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2.5.3 DOLO EVENTUAL

O dolo eventual é uma das duas modalidades de dolo

indireto. Ocorre dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o

resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo.101

Nucci ao lecionar à respeito do dolo eventual afirma:

É a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso, a lei utiliza o termo “assumir o risco de produzi-lo”. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende o que lhe é indiferente.102

Costa Junior também se manifesta à respeito do dolo

eventual:

No dolo eventual, previsto na parte final do dispositivo em analise, o agente assumi o risco da realização do evento. Ao representar mentalmente o evento, o autor aquiesce, tendo uma antevisão duvidosa de sua realização. Ao prever como possível a realização do evento, não o detém. Age mesmo à custa de produzir o evento previsto como possível. Assume o risco, que é algo mais do que ter consciência de corre o risco: é consentir previamente o resultado, caso este venha a ocorrer103.

A respeito do dolo eventual Pedro Krebs preceitua:

É obvio que a simples previsão do resultado não é suficiente para a caracterização do dolo eventual. [...] Assim, podemos concluir que dolo eventual é mais do que uma previsão e menos do que um querer. É, na verdade, a hipótese em que o agente, embora não deseje o resultado, acaba por aceitá-lo104.

101 Ibid., p. 287. 102 NUCCI, 2008, p. 219 103 COSTA JUNIOR, 2006, p. 41. 104 KREBS, Pedro. Teoria jurídica do delito: noções introdutórias: tipicidade objetiva e subjetiva. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2006, p.92.

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Damásio cita como exemplo, no caso de homicídio

envolvendo veiculo automotor, o motorista que avança sobre uma multidão por

estar com pressa de chegar a seu destino. 105

Nesse exemplo fica claro um tipo de homicídio praticado na

direção de veiculo automotor em que o motorista age com dolo eventual, ou seja,

ele está com pressa e pratica uma conduta a fim de chegar o quanto antes em

sua residência prevendo que poderia atropelar alguém e mesmo assim, assumi o

risco do resultado vir a ocorrer.

Capez alerta para o fato de que alguns tipos penais não

aceitam o dolo eventual citando como exemplo o crime de receptação (artigo 18º

do Código Penal), pois se exige para caracterizar certos crimes, circunstâncias

especiais.106

Bastos Júnior cita como exemplo homicídio cometido na

direção de veiculo automotor: o individuo que percebendo uma barreira policial,

portando drogas em seu veiculo, o atira contra os policiais, vindo a matar um

deles.107

Este é um exemplo em que o dolo eventual fica evidente,

pois obviamente que o resultado foi aceito pelo sujeito para livrar-se de uma

prisão em flagrante por porte de substância entorpecente.

2.5.4 DOLO ALTERNATIVO

No dolo alternativo, por sua vez, segundo Damásio, a

vontade do agente se dirige a um ou outro resultado. Ex: o agente desfere golpes

de faca na vitima com intenção alternativa: ferir ou matar.108

105 MIRABETE, 1998, p. 137. 106 CAPEZ, 2003, p. 188. 107 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José. Código Penal.: exemplos práticos-parte geral. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 71 108 JESUS, 1999, p. 287.

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Da mesma forma preconiza Mirabete, quando diz que o dolo

alternativo é aquele em que o agente pretende entre dois resultados, qualquer um

deles.

Na prática não faz diferença se o agente tinha em mente

resultados alternativos, como no dolo alternativo, ou se pretendia assumiu o risco

de produzir um resultado como no dolo eventual. Tal distinção é meramente

doutrinária.

2.5.5 DOLO DE DANO OU DE PERIGO

A doutrina também distingue o dolo de dano com o dolo de

perigo. No dolo de dano, conforme nos ensina Damásio: “o sujeito quer o dano ou

assume o risco de produzi-lo (dolo direto ou eventual). Ex. crime de homicídio

doloso, em que o sujeito quer a morte (dano) e assume o risco de produzi-la.109

Diferente do dolo de perigo, em que o agente não quer

atingir o bem jurídico tutelado, apenas deseja expô-lo a perigo. Neste caso, um

exemplo citado pelo autor é o artigo 130 do Código Penal: Expor alguém, por

meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contagio de moléstia

venérea, de que sabe ou deva saber que está contaminado.“110

Costa Jr. leciona:

O dolo será de dano se o sujeito quis lesar (destruir ou danificar) o bem tutelado. Será de perigo, se pretendeu apenas ameaçá-lo. Há crimes de dano com dolo de perigo, como aqueles preteintencionais, em que o resultado obtido supera o pretendido. Ou então há crime de perigo com dolo de dano, como a difamação e injuria que se aperfeiçoam com a prática do fato ofensivo à reputação, à dignidade ou decoro, independentemente de que a honra venha à ser atingida ou comprometida.111

No primeiro exemplo o autor se refere àqueles crimes em

que o agente pretende com sua conduta atingir um bem jurídico determinado e

acaba expondo outros a perigo. No segundo se refere aos crimes onde o agente

109 JESUS, 1999, p. 289. 110 Ibid., loc. cit. 111 COSTA JR., 2009, p. 102.

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pretende apenas expor um bem jurídico a perigo, mas vai além realmente o

atingindo.

2.5.6 DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO

Conforme leciona Mirabette: dolo genérico é a vontade de

realizar o fato descrito na lei, em núcleo (vontade de matar, de subtrair, de raptar,

etc.).Dolo especifico é a vontade de realizar o fato com um fim especial (fim

libidinoso, de obter vantagem indevida etc.)112

Para Nucci ao falar sobre o dolo genérico e especifico,

afirma que o dolo genérico:

[...] seria a vontade de praticar a conduta típica, sem qualquer outra finalidade especial, e o dolo especifico, que seria o complemento dessa vontade, adicionada de uma especial finalidade. Assim, nos crimes contra a honra, não bastaria ao agente divulgar fato ofensivo à reputação de alguém para se configurar a difamação, sendo indispensável que agisse com dolo específico, ou seja, a especial intenção de difamar, de conspurcar contra a reputação da vitima.113

Nas palavras de Costa Jr.:

O dolo genérico quando o agente deseja apenas o fato descrito na norma penal. Os fins determinados pelo agente e os motivos que o tenham impelido a agir não são normalmente considerados como elementos integrantes do dolo. Entretanto, por vezes o tipo inclui como elemento do crime determinado fim ou escopo. O dolo especifico pode ser considerado como a vontade excedente, que se aglutina no dolo genérico de base. Costuma se chamado tendência ulterior, ou de tendência interna transcendente. No crime de extorsão (art. 158), não basta o constrangimento: faz-se mister, para realização do tipo, o intuito de obter vantagem econômica indevida.114

Ocorre que, para Damásio, seguindo a orientação de Asua,

não existe dolo genérico ou especifico. O dolo é um só, variando de acordo com a

figura típica. Nos termos da orientação, o chamado dolo com intenção ulterior

(dolo especifico), que em si expressa um fim (o rapto é a subtração da mulher

112 MIRABETE, 1998, p. 140. 113 NUCCI, 2008, p. 200. 114 COSTA JR., 2009, p. 102.

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para casar-se com ela ou corrompê-la), assim como o animus que certos delitos

exigem, não propriamente dolos com intenção ulterior, e sim elementos subjetivos

do tipo.115

2.5.7 DOLO GERAL

Por fim, parte da doutrina classifica também o dolo em dolo

geral. Diferente do dolo genérico ensina Mirabete que dolo geral é quando o

agente supondo já ter atingido o que pretendia pratica nova ação sendo esta sim

a causadora do resultado. 116

Damásio denomina o dolo geral como “erro sucessivo”,

citando como exemplo de dolo geral, o agente que dispara uma arma de fogo

contra a vítima, que apenas desmaia, mas continua atirando vindo a efetivamente

matá-la117. Nesse caso ocorreu um homicídio doloso com dolo geral ou “erro

sucessivo”.

Acrescenta Capez que:

O dolo geral abrange toda situação, até a consumação, devendo o sujeito ser responsabilizado por homicídio doloso consumado, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal, por se tratar de um erro meramente acidental. Mais. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente (emprego de veneno), para fins de qualificar o homicídio, e não aquele que, acidentalmente, acabou empregando (asfixia por afogamento)118.

Aqui, um exemplo aplicado ao homicídio cometido na

direção de veiculo automotor, poderia ser: o sujeito querendo matar seu desafeto,

sabendo que ele atravessa tal avenida todos os dias, fica no aguardo até que a

pessoa atravessa e o sujeito passa por cima dele com seu veiculo, e em seguida

atira o suposto cadáver em um córrego que passava perto do local, afogando-o.

Neste caso, o erro é irrelevante para o Direito Penal.

115 JESUS, 1999, p. 290. 116 MIRABETE, 1998, p. 140. 117 JESUS, op. cit. 118 CAPEZ, 2003, p. 190.

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2.6 DA CULPA

2.6.1 CONSIDERAÇÕES

A culpa, nas palavras de Costa Jr.:

É uma conduta humana voluntária, consiste na ação ou omissão praticada sem a devida atenção ou cuidado, da qual deflui um resultado antijurídico previsível, previsto ou não pelo agente, mas que devia e podia ser evitado. [...] É a imprevisão previsível. O fortuito, ao revés, é a imprevisão imprevisível.119

Capez define sabiamente a culpa como “o elemento

normativo da conduta”, acrescentando que:

A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está presente ou não. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geram, abertos, portanto, neles não se descrevem em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: ”se o crime é culposo, a pena será de... ”não descrevendo como seria uma conduta culposa”.120

Acrescenta Bitencourt que a estrutura do tipo de injusto

culposo é diferente da do tipo doloso: neste, é punida a conduta dirigida a um fim

ilícito, enquanto no injusto culposo pune-se a conduta mal dirigida, normalmente

destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre licito. 121

Faz-se necessário ressaltar que o crime punido a titulo é

culpa é de caráter excepcional conforme a regra do art. 18, parágrafo único do

CP.

Art 18 [...]

Parágrafo único: Salvo nos casos previstos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando praticado dolosamente.122

Nesse sentido alertou Costa Jr.:

119 COSTA JR., 2009, p. 102. 120 CAPEZ, 2003, p. 191. 121 BITENCOURT, 1999, p. 122 BRASIL, 2009.

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A punibilidade do crime culposo é admitida excepcionalmente, isto é, quando prevista em tal modalidade. Compõe-se de: conduta voluntária contrária ao dever de atenção ou cuidado, impostos pela norma; e evento involuntário, previsto em lei como criminoso, não previsto, mas que poderia ou deveria sê-lo.123

Contudo, a doutrina identificou no crime culposo elementos

que o caracterizam e diferem dos crimes dolosos.

2.6.2 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A CULPA

2.6.2.1 Da conduta

Um dos elementos que definem a culpa é a conduta.

Conforme nos ensina Damásio:

O fato se inicia com a realização voluntária de uma conduta

de fazer ou não fazer. O agente não pretende praticar um crime nem quer expor

interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano. Falta, porém, com o dever de

diligencia exigido pela norma.124

No tipo culposo, o que importa não é o fim da conduta, mas

as conseqüências anti -sociais que ela venha a causar. 125

Logo, a conduta nos crimes culposos não é dirigida a uma

finalidade criminosa, apenas falta ao agente na pratica de atos do dia a dia a

observância de cuidado objetivo a que deveria ter notado no momento de sua

execução.

2.6.2.2 Inobservância do dever de cuidado objetivo

A inobservância do dever de cuidado objetivo constitui um

dos elementos essenciais da culpa. O cuidado objetivo vem a ser uma conduta

que teria uma pessoa comum nas mesmas circunstancias do sujeito.126

123 COSTA JR., 2009, p. 102. 124 JESUS, 1999. 125 MIRABETE, 1998, p. 141. 126 JESUS, 1999, p. 294.

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Esse elemento refere-se, conforme no ensina Mirabete, a

conduta diversa a que devemos ter no nosso convívio diário na comunidade

social, ainda segundo ele: Quem vive em sociedade não deve, com uma ação

irrefletida, causar dano a bem jurídico alheio, sendo-lhe exigido o dever de

cuidado indispensável a evitar tais lesões. 127

Segundo Bruno:

Ação que desatenta ao cuidado e à atenção adequados, nas circunstancias em que o fato ocorreu, é típica. Se, apesar da observância do cuidado objetivo ocorreu o resultado, não temos crime, mas mero infortúnio, não havendo sequer conduta típica. Se tal resultado era imprevisível para o homo medius, nas circunstâncias, exclui-se desde logo, por igual, a antijuridicidade da ação, porque inexiste, em tal caso, o dever objetivo de cuidado, que não era exigível.128

Com isso, conclui-se que a falta de cuidado objetivo tipifica a

conduta praticada com desatenção e cuidados exigidos àquela situação e que a

previsibilidade, elemento que será analisado adiante está relacionado com a

antijuridicidade da conduta.

2.6.2.3 Previsibilidade do resultado

A previsibilidade é o a possibilidade de ser antevisto o

resultado, nas condições em que o sujeito de encontrava. 129

Para Zaffaroni e Pierangeli, a previsibilidade é um elemento

subjetivo na culpa, devendo ser avaliada caso a caso, considerando as

características subjetivas do agente. 130

Porém, para Damásio, os critérios de aferição da

previsibilidade podem ser objetivou ou subjetivo, assim entende da seguinte

forma:

127 MIRABETE, 1998, P. 142. 128 BRUNO, 1967, p. 221. 129 JESUS, op. cit., p. 295. 130 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1927, p. 519.

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Há dois critérios de aferição da previsibilidade: o objetivo e o

subjetivo. De acordo com o critério objetivo, a previsibilidade deve ser apreciada

não do ponto de vista do sujeito que realiza a conduta, mas me face do homem

prudente e de discernimento colocado nas condições concretas. Nos termos do

critério subjetivo, deve ser aferida tendo em vista as condições pessoais do

sujeito.131

Capez corrobora com a idéia, definindo previsibilidade

objetiva e subjetiva da seguinte maneira:

Previsibilidade objetiva: é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É elemento da culpa. [...] Previsibilidade subjetiva: é a possibilidade que o agente, dadas as condições peculiares, tinha o dever de prever o resultado. Não importa se uma pessoa de normal diligência poderia ter previsto, relevando apenas se o agente podia ou não o ter feito.132

Segundo Bitencourt, o resultado deve ser objetivamente

previsível sendo a constatação obedecer a condições concretas, existentes no

momento do fato e da necessidade objetiva de proteger o bem jurídico, sendo, no

entanto, imprevisível o resultado não haverá delito algum, pois se tratará de mero

acaso, do caso fortuito, que constituem exatamente a negação da culpa. 133

De fato, no homicídio culposo de trânsito, o juiz ao avaliar o

caso concreto, verifica as duas formas de previsibilidade, considerando se a

conduta era previsível por uma pessoa comum, mas também as circunstâncias

pessoais do agente que o impedira e prever o resultado.

Por fim, segundo Fragoso, a previsibilidade objetiva do

resultado é necessária para de estabelecer a antijuridicidade da conduta.134

Assim, se o fato era imprevisível, restará excluída a

antijuridicidade, portanto não haverá crime.

131 JESUS, 1999, p. 296. 132 CAPEZ, 2003, p. 192 e 193 133 BITENCOURT, 1999, p. 264-5. 134 FRAGOSO, 1991, p. 221.

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2.6.2.4 Ausência de Previsão

Existe um liame tênue entre o dolo e a culpa no que tange a

este elemento da culpa. No caso de culpa, a conduta deve ser praticada não

prevendo em hipótese alguma o resultado.135

Nucci esclarece:

a ausência de previsão(culpa inconsciente), ou seja, não é possível que o agente tenha previsto o evento lesivo; ou previsão do resultado, esperando, sinceramente que ele não aconteça (culpa consciente), quando o agente vislumbra o evento lesivo, mas crê poder evitar que ocorra136

Logo, a ausência de previsão é elemento exclusivo da culpa

inconsciente já que na culpa consciente tem-se em substituição o repúdio de

resultado.

2.6.2.5 Resultado involuntário

O resultado é elemento fundamental para caracterização do

delito em sua forma culposa, já que o delito culposo não está tipificado, é uma

decorrência da não observância de um cuidado que gerou uma lesão a um bem

jurídico.

De acordo com Fragoso: o resultado corresponde à lesão do

bem jurídico e tem de estar em relação de causalidade com a ação ou omissão

contrária ao dever de cuidado. Se assim for, o fato não é imputável ao agente.137

Conforme leciona Mirabete:

Em si mesma, a inobservância do dever de cuidado não constitui conduta típica porque é necessário outro elemento do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se a ação contrária ao dever resultar lesão a um bem jurídico. [...] Não haverá crime culposo mesmo que a conduta contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se produziria da mesma forma, independentemente da ação descuidada do agente. Assim, se alguém se atira sob as rodas do veiculo que é dirigido pelo

135 JESUS, 1999, p. 297. 136 NUCCI, 2008, p. 224. 137 FRAGOSO, 1991, p. 223.

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motorista na contra-mão de direção, não se pode imputar a esta o resultado (morte do suicida). Trata-se, no caso, de mero caso fortuito.138

Em suma, sem o resultado não se pode imputar a alguém a

prática de um crime, culposo. Seria inaceitável que uma pessoa pudesse ser

punida criminalmente por praticar uma conduta culposa, dirigindo em alta

velocidade, por exemplo, sem que isso tivesse ocasionado um evento lesivo a

outrem. Claro que neste caso excetuam-se outras formas de punição permitidas

em lei que não a criminal.

2.6.2.6 Tipicidade

Na forma culposa a tipicidade também deve estar presente

assim como nos delitos dolosos, a diferença reside no fato de que a ação culposa

não está descrita como nos crimes dolosos. São tipos abertos que necessitam de

complementação de outra norma 139

Bitencourt preconiza:

O tipo culposo não individualiza a conduta pela sua finalidade e sim porque na forma em que se obtém essa finalidade viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz a própria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por imprudência, negligencia ou imperícia.140

Desta forma, é típica a ação que provocou o resultado

quando se observa que não atendeu o agente ao cuidado e à atenção adequados

às circunstâncias.141

De fato, a conduta culposa não é tipificada pela lei penal, o

Código penal Brasileiro apenas prevê a conduta dolosa, autorizando a punição

daquele que a praticar de forma culposa, ou seja, por negligencia, imprudência ou

imperícia.

138 JESUS, 1999, p. 143. 139 MIRABETE, 1998, p. 145. 140 BITENCOURT, 1999, p. 260. 141 MIRABETE, 1998, p. 145.

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Destarte, a conduta típica culposa seria considerada pela

doutrina aquela que desatender aos cuidados objetivos exigidos para convivência

em sociedade.

2.6.3 MODALIDADES DE CULPA

O Código Penal brasileiro não define de forma expressa o

que vem a ser um crime culposo, apenas prevê que ocorrendo alguma das

modalidades previstas no artigo 18, inciso II, ocorrerá o crime em sua forma

culposa.

Assim, no artigo 18 o Código estabelece que: Diz-se crime: II

- Culposo, quando o agente não deu causa ao resultado por negligencia,

imprudência ou imperícia.142

Neste sentido, Dotti leciona:

A imprudência consiste na inconveniência, falta de cautelas ou de precaução exigíveis nas circunstâncias do atuar concreto; a negligência significa a desatenção ou o desleixo, enquanto a imperícia é a falta de habilitação ou de experiência para desenvolver uma atividade. A primeira hipótese se caracteriza pelo comportamento ativo, a segunda por uma conduta passiva143

Costa Jr também ensina:

A negligência é uma forma de culpa negativa, in ommitendo (o agente não troca as pastilhas gastas do freio). A imprudência é a culpa positiva in agendo: o agente faz o que não deve (imprime velocidade ao veiculo, incompatível com as condições de trafego). Imperícia é a culpa técnica, em que o agente mostra-se inabilitado para o exercício da profissão, embora possa estar credenciado por diploma, que é mera presunção de inocência.144

A Negligência é forma de conduta culposa negativa que

concretiza ante a ausência de cuidados ou indiferença ao ato realizado, neste

caso há uma conduta omissa, ou seja, o agente deixa de fazer algo.145

142 BRASIL, 2009. 143 DOTTI, 2002, p. 315. 144 COSTA JR., 2009, p. 103. 145 JESUS, 1999, p. 298.

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No ver de Bitencourt, quando discorre sobre a negligência:

Negligencia é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação (culpa um ommittendo). É o não fazer o que deveria ser feito. 146

Com relação a imprudência,Capez a define como “a culpa de

quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o

cuidado necessário. Pode ser definida como uma ação descuidada”.147

Damásio ensina:

enquanto na negligencia o sujeito deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe, na imprudência ele realiza uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada. [...] imperícia é a falta de aptidão para pratica para o exercício de arte ou profissão.148.

Capez alerta para o fato de que “se a imperícia advier de

pessoa que não exerce arte ou profissão, haverá imprudência”, citando como

exemplo “um curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual, no lugar de

chamar um médico”149

Portanto, fazendo uma relação com o homicídio culposo,

praticado na direção de veiculo automotor, se o sujeito é um motorista habilitado

para tal profissão, incorre em imperícia caso ocorra um fato devidamente

comprovada sua culpa.

2.6.3.1 Consciente ou inconsciente

Segundo Bitencourt há culpa consciente quando o agente

embora prevendo o resultado espera sinceramente que este não ocorra.150

146 BITENCOURT, 1999, p. 266. 147 CAPEZ, 2003, p. 194. 148 JESUS, op. cit., p. 298. 149 CAPEZ, op. cit., p. 194-5. 150 BITENCOURT, 1999, p. 268.

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A culpa inconsciente corresponde a culpa comum. Nela o

resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. Na culpa consciente o

resultado é previsto, mas o agente espera que ele não ocorra151

Observa-se que em ambas os tipos de culpa o agente repele

o resultado o diferencial está apenas em sua previsão.

A respeito do assunto, Dotti leciona:

A culpa inconsciente é a forma típica do delito culposo. O resultado, embora previsível, não é previsto pelo agente em face da violação do dever de cuidado e atenção a que estava obrigado. A culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à probabilidade do resultado que ele espera não venha a ocorrer, confiando em sua habilidade ou destreza para enfrentar a situação de risco. È também chamada de culpa com previsão e que se aproxima do dolo eventual. Em muitas hipóteses é difícil fixar os limites entre uma e outra situação como ocorre com os crimes de trânsito.152

Desta forma, a culpa consciente por ser confundida com o

dolo eventual, portanto serão necessários maiores esclarecimentos a cerca da

diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente.

2.6.4 DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Existe na prática forense uma enorme dificuldade em se

identificar no caso concreto se o crime praticado por um agente foi cometido com

dolo em sua forma eventual ou culpa consciente.

Isto se deve ao fato de que ambos têm em comum o

elemento previsão do resultado, diferenciando apenas no que tange a aceitação

do resultado.

Assim, Costa Jr. leciona quanto a diferença entre o dolo

eventual e a culpa consciente:

151 JESUS, 1999, p. 299.

152 DOTTI, 2002, p. 315.

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Enquanto no primeiro o agente empresta anuência à realização do evento (consentimento hipotético), preferindo prosseguir na ação, embora se arriscando a produzir o resultado, na culpa consciente o agente não aceita a realização do evento; repele mentalmente o resultado previsto, agindo na esperança ou na persuasão de que o evento não irá verifica-se. Caracteriza-se a culpa consciente porque, ao lado de uma previsão genérica positiva, se coloca uma previsão concreta negativa; o evento não se verificará. No dolo eventual, ao contrário, à previsão genérica positiva segue-se outra, de caracter parcialemten positivo: é possível que o evento se verifique. Inobstante tal previsão, o agente não se detém. Continua a agir, custe o que custar (coûte que coûte).153

Nucci ao tratar desta diferença, comenta:

Trata-se de distinção teoricamente plausível, embora, na prática, seja muito complexa e difícil. Em ambas as situações o agente tem previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente.154

Para Prado, ao lecionar sobre tal diferenciação afirma: [...] o

critério decisivo se encontra na atitude emocional do agente. Sempre que, ao

realizar a ação, conte com a possibilidade concreta de realização do tipo injusto,

será dolo eventual. De outra parte, se confia que o tipo não se realize, haverá

culpa.155

Quanto a caracterização do dolo eventual ou culpa

consciente nos crimes cometidos na direção de veiculo automotor, a doutrina e a

jurisprudência divergem no sentido de caracterizar se uma conduta foi cometida

com culpa consciente ou dolo eventual.

No próximo e último capítulo serão apresentados

argumentos doutrinários e jurisprudenciais, contra e a favor da caracterização do

dolo eventual nos crimes cometido na direção de veiculo automotor, bem como as

modalidades de homicídio que podem ser cometidos na direção de veiculo

automotor para maior compreensão do tema.

153 COSTA JR., 2009, p. 101. 154 NUCCI, 2008, p. 227. 155 PRADO, 2006, p. 367.

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CAPITULO 3

CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE

NOS CRIMES DE HOMICÍDIO OCORRIDOS EM ACIDENTE DE

TRÂNSITO

Nos capítulos anteriores foram explanados elementos do

crime, discorrendo mais profundamente, no segundo capítulo sobre o dolo e

culpa.

O intenso combate travado pelas autoridades públicas na

prevenção aos acidentes de trânsito tem levado a medidas extremas pra evitá-los,

principalmente no que tange a condutas de motoristas que causam a morte de

outrem em acidente de trânsito, praticando condutas de forma perigosa,

colocando em risco a incolumidade física dos demais motoristas e dos pedestres

também.

Neste capítulo, serão apresentadas as diferenças e

semelhanças do homicídio comum, cometido com dolo, em face do homicídio de

trânsito, também apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito

da configuração do dolo ou da culpa nos crimes ocorridos em acidentes de

trânsito.

3.1 DO HOMICÍDIO DOLOSO E HOMICÍDIO DE TRÂNSITO: DIFERENÇAS E

SEMELHANÇAS

3.1.1CONSIDERAÇÕES

Nucci traz em sua obra um conceito básico de crime de

trânsito:

Crime de trânsito: é a denominação dada aos delitos cometidos na direção de veículo automotores, desde que sejam de perigo-abstrato ou concreto-bem como de dano, desde que o elemento subjetivo constitua culpa. Não se admite a nomenclatura crimes de transito para o crime de dano cometido com dolo. Portanto,

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aquele que utiliza o veiculo para, propositalmente, atropelar e matar seu inimigo comete homicídio - e não simples crime de trânsito.156

Até a promulgação da Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997,

atual Código Brasileiro de Trânsito, o Brasil não possuía uma legislação própria

que regulasse os crimes praticados no trânsito.

Esta foi criada com a finalidade de proporcionar aos usuários

do sistema viário, condições seguras de trafego, assegurando o que vem a ser um

direito expressamente proclamado na lei a um trânsito em condições seguras e

trouxe em seu artigo 302 e seguintes, formas de conduta ilícita praticadas na

direção de veiculo automotor.

Anteriormente ao surgimento da lei, os crimes de homicídio

tanto dolosos como culposos, ocorridos em acidente de transito, eram reprimidos

na forma do Código Penal com penas mais brandas que as atuais, pelo artigo 121

do diploma legal.

Atualmente, ocorrendo a morte de alguém em acidente de

trânsito, sendo culposa, será aplicado o Código de Trânsito, em caso de conduta

dolosa, aplicar-se-á o Código Penal.

Ressaltando que em regras os acidentes envolvendo veiculo

automotor ocorrem de forma culposa, eventualmente constata-se forma dolosa

nestes casos.

De fato em um acidente de trânsito é possível a configuração

do dolo eventual, porém a apuração e punição do delito obedecerá a normas do

Código Penal.

Contudo, pode o agente em determinado caso concreto,

assumir os riscos de sua conduta (de se obter o resultado), vindo a provocar um

acidente com vitima fatal, ou simplesmente utilizar seu veiculo como meio de

atingir seu objetivo: “matar alguém”. Neste caso haverá dolo direto.

156 NUCCI, 2008, p. 219

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A seguir serão apresentados os elementos do crime de

homicídio, fazendo um paralelo com o homicídio de trânsito, a fim de demonstrar

as diferenças e semelhanças entre ambos.

3.1.2OBJETIVIDADE JURÍDICA

O crime de homicídio constitui um crime contra a pessoa

previsto no Titulo I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro e vem previsto

neste titulo no capítulo I “Crimes contra a vida”.

Assim sendo, algumas considerações se fazem necessárias

a respeito da objetividade jurídica nos crimes contra a pessoa.

Primeiramente, o titulo I do CP é composto por cinco

capítulos que descrevem os crimes praticados diretamente contra o ser humano.

No geral, o objeto penal tutelado nos crimes contra a pessoa é a integridade

física, mental e moral das pessoas, assim como sua liberdade157. Enfim, tudo

que possa diretamente atingi-la.

A respeito deste assunto, nas próprias palavras de Feur

Rosa:

Nos crimes contra a pessoa, esses bens são considerados em relação a pessoa determinada. Quando a agressão se dirige a pessoas indeterminadas o crime passa a ser para o grupo “dos crimes contra a incolumidade pública”. Se o agente coloca uma bomba num cinema e essa bomba ao explodir mata apenas uma pessoa, o agente responderá apenas por explosão com resultado morte (arts. 251 e 258) e não por homicídio, porque aí houve um dos crimes de “perigo comum” (arts. 250 e ss. do Código Penal), e não crime contra a pessoa.158

Especificadamente no crime de homicídio, o objeto jurídico

tutelado é a vida humana, é a pessoa agredida em seu próprio corpo159 No caso

de homicídio consumado, esta agressão retira a vida da pessoa tingida, ou seja,

da vítima.

157 FEUR ROSA, Antonio Jose Miguel. Direito penal. Parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 27. 158 Ibid., p. 28. 159 Ibid., p. 27.

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Conforme preconiza Damásio ao lecionar sobre a

objetividade jurídica do crime de homicídio:

Tutela-se com o dispositivo o mais importante bem jurídico, a vida humana, cuja proteção é um imperativo de ordem constitucional (artigo 5º, caput, da CF)Tem a vida a primazia entre os bens jurídicos, sendo indispensável a existência de todo direito individual. [..]Protege-se a vida humana extra-terina, considerada esta como a que passa a existir a partir do parto. Na eliminação da vida intra-uterina, há aborto. 160

No que tange a objetividade jurídica, tanto no homicídio

doloso, quando no de trânsito, a objetividade jurídica é a mesma.

3.1.3 SUJEITO ATIVO

O sujeito ativo de um crime, é aquele que o pratica,

reproduzindo uma conduta descrita no tipo penal.

Pelos ensinamentos de Damásio:

O homicídio, que como crime comum que é, pode ser praticado por qualquer pessoa. O ser humano, só ou associado a outros, empregando ou não armas, é sujeito do crime. São excluídos os que atentam contra a própria via, uma vez que nem a tentativa de suicídio é fato punível. A mãe que mata o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, pratica infanticídio (art. 123) e não homicídio.161

Entretanto, nos crimes de trânsito, no caso, o homicídio,

para que o agente seja considerado sujeito ativo, é exigido uma condição especial

para tanto.

Nas palavras de Fukassawa:

Tratando-se de crimes próprios ou especiais, cujos tipos restringem o âmbito da autoria, exige-se que o sujeito ativo tenha uma capacidade especial; no caso, é necessário que ocupe ele uma posição ou condição de fato, ou seja, esteja na direção de

160 JESUS, 1999, p. 62. 161 Ibid., loc.cit.

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veiculo automotor quando da realização típica e causa resultado por negligencia, imprudência ou imperícia.162

Portanto, se o veiculo estiver parado, sem que o agente o

esteja conduzindo, não se pode falar em crime de trânsito.

3.1.4.SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo do crime de homicídio está descrito no

próprio tipo penal do delito. O tipo descreve a conduta “matar alguém”, portanto o

sujeito passivo deste delito conforme a legislação penal brasileira é o “alguém”.

Nota-se que o Código Penal Brasileiro não define regras a

respeito de quem pode ser sujeito passivo em um crime de homicídio, ficando tal

tarefa a cargo da doutrina.

Damásio preconiza:

Figura como sujeito passivo de um crime alguém, ou seja, qualquer ser humano, sem distinção de idade, sexo, raça, condição social etc. O inicio da existência da pessoa humana, a partir do qual pode ser vitima de homicídio, é estabelecido a partir da definição do infanticídio, que nada mais seria do que um homicídio privilegiado especial. Referindo-se a lei, no art. 123, ao fato praticado “durante o parto”, em que a eliminação do nascente já constitui infanticídio, a conclusão é a de que pode ocorrer homicídio a partir do inicio do parto.163

A respeito do sujeito passivo no homicídio de transito,

Fukassawa leciona:

Qualquer pessoa pode ser vitima de homicídio ou lesão corporal culposos. Por pessoa entende-se o ser vivo já nascido, razão porque se o condutor atropela uma pedestre grávida, provocando a morte do feto, haverá um só delito contra aquela. Não há punição autônoma por crime de aborto culposo no nosso sistema penal (o aborto não intencional é punível apenas como resultado agravador do crime de lesão corporal dolosa - art 129, §2ª, V, do Código penal).164

162 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de trânsito. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 117. 163 JESUS, 1999, p. 63. 164

FUKASSAWA, 1998, p. 119.

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63

De fato, o sistema penal Brasileiro, em seu artigo 18,

parágrafo único do Código Penal, determina que a modalidade culposa de uma

conduta deve estar expressamente prevista no artigo correspondente ao delito

pois caso isso não ocorra, não se poderá punir o agente a titulo de culpa.

É o que ocorre no tipo penal do aborto que não prevê a

modalidade culposa.

3.1.5.TIPO OBJETIVO

O tipo objetivo são os meios e formas de execução do crime

de homicídio.

Damásio nos ensina que “a conduta típica é matar alguém,

ou seja, eliminar a vida de uma pessoa humana. Tratando-se de crime de ação

livre, pode o homicídio ser praticado através de qualquer meio, direto ou indireto,

idôneo a extinguir a vida”.165

Quando ao homicídio de trânsito, ocorre uma diferenciação

com relação ao tipo objetivo do homicídio comum.

Assim, ensina Fukassawa:

Haverá realização típica no matar alguém (homicídio) ou ofender a integridade corporal ou a saúde de alguém (lesão corporal), através de conduta comissiva, posto que o autor do fato deverá necessariamente estar desenvolvendo uma atividade, qual seja, estar “na direção de veiculo automotor” [...] Na [...] direção de veiculo automotor significa estar na posição de dirigi-lo, ao volante do automóvel ou ao guidão da motocicleta em condições da pessoa operar os seus mecanismos e estabelecer controle de movimentação e rumo. 166

De fato, a conduta típica nos delitos de trânsito está descrita

no artigo 302, do Código de Trânsito que prevê:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

165 JESUS, 1999, p. 64. 166 FUKASSAWA, 1998, p. 118.

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Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Basicamente, o homicídio de transito é um crime culposo

diferenciando apenas quanto a exigência de que o agente esteja na direção de

veiculo autônomo, ou seja, conduzindo-o, praticando uma conduta com

imprudência, negligencia ou imperícia.

Ainda, a exposição de motivos do Código Penal, assim

proclama “tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta,

quanto estar ciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo

não sobrevirá.”167

No caso, a conduta por ser praticada por culpa consciente

ou inconsciente, pouco importando na realidade para fins de configuração do

homicídio de trânsito.

.3.1.6TIPO SUBJETIVO

Nos delitos de homicídio doloso, o tipo subjetivo corresponde

a forma de conduta dolosa, portanto corresponde ao animus do agente que pode

variar conforme o tipo de dolo.

Porém no geral, conforme os ensinamentos de Costa Júnior:

O dolo de homicídio é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, ou seja,, de matar (animus necandi ou occidend), não se exigindo nenhum fim especial. A finalidade ou motivo determinante do crime pode, eventualmente, constituir uma qualificadora (motivo fútil ou torpe etc.) ou uma causa de diminuição de pena (relevante valor moral ou social etc.). 168

Com relação ao homicídio de trânsito, que constitui

modalidade de homicídio culposo só que praticado na direção de veiculo

automotor, o tipo subjetivo corresponde a culpa stricto sensu, através das

167 FUKASSAWA, 1998, p. 119. 168 COSTA JR., 2009, p. 304.

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modalidades de imprudência, negligência e imperícia, previstas no artigo 18, II do

CP.

Fukassawa faz um alerta, afirmando que:

Se o acidente decorre de culpa exclusiva da vítima, não se poderá falar de comportamento culposo do condutor do automotor. Coisa diversa será se a vitima tiver concorrido com alguma parcela de culpa, quando então não haverá qualquer exclusão de responsabilidade do autor, posto que as culpas não se compensam no direito penal.169

Portanto em caso de culpa exclusiva da vitima em um crime

culposo, haverá uma conduta atípica.

3.1.7CONSUMAÇÃO

A consumação do crime de homicídio, obviamente se dá

com a morte do ser humano vitimado, a questão é definir em que momento a

morte ocorre para fins de consumação do homicídio.

Segundo Costa Jr. “verifica-se com a morte (cessação do

funcionamento cerebral, circulatório e respiratório). Indispensável a prova de

materialidade da morte (exame do corpo de delito).170

A consumação no homicídio de transito se dá da mesma

forma que no homicídio comum, com a morte da vitima.

3.1.8TENTATIVA

Haverá tentativa de homicídio quando o agente iniciada a

execução com o ataque ao bem jurídico vida, não se verifica a ocorrência morte

por circunstâncias alheias a vontade do agente.

Verifica-se na prática a existência de um liame tênue entre a

tentativa de homicídio e a lesão corporal, muitas vezes de difícil constatação.

169 FUKASSAWA, op. cit., p. 121. 170 COSTA JR., 2009, p. 304.

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Sobre a tentativa de homicídio comum, Damásio leciona:

Como não se pode penetrar no foro intimo do agente, a demonstração de que

houve vontade de matar e não a de apenas ferir deve ser deduzida indiretamente

de conjecturas ou circunstancias exteriores (a arma utilizada, a sede das lesões,

etc.).171

No caso de tentativa e, homicídio de transito, relembrando

que trata-se de uma forma culposa de delito, nas palavras de Fukassawa: é

impensável e inadmissível, posto que não há qualquer nexo entre a vontade e o

resultado, mas apenas entre a vontade e a ação empreendida.172

É evidente que não há como configurar uma tentativa em

homicídio de transito, já que, conforme já explanado, a conduta típica no delito

culposo é uma conduta licita, o resultado é decorrente de imprudência,

negligencia ou imperícia, porém a conduta inicial é licita.

Se o agente pratica uma conduta na direção de veiculo

automotor, colocando em risco a vida de outrem, estará praticando, dependendo

do fato, algum dos tipos de perigo previstos no Código Brasileiro de Trânsito ou

até do próprio Código Penal.

Na seqüência será explanado o que pensam a doutrina e a

jurisprudência a respeito do tema.

3.2 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA

Atualmente, acirradas discussões a respeito da configuração

do dolo eventual ou culpa consciente nos crimes de homicídio ocorridos têm

tomado parte da doutrina e jurisprudência no Brasil.

Diante do caso concreto muitas vezes é impossível de

configurar se o motorista envolvido no acidente de trânsito agiu como dolo

eventual ou culpa consciente.

171 JESUS, 1999, p. 66. 172 FUKASSAWA, 1998, p. 120.

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No que tange a posição doutrinaria, parte da doutrina

entende que o dolo eventual é a melhor forma de combate aos acidentes de

trânsito, corroborando com a tese de que deve sim ser configurado, sendo o

agente punido por homicídio doloso sob a forma eventual quando se encontrava,

por exemplo, embriagado ou em alta velocidade.

É fato que muitos acreditam que maior rigor na punição do

individuo que causa um acidente de transito por estarem nas condições citadas

acima.

Guilherme de Souza Nucci, manifesta sua posição à respeito

da configuração do dolo eventual nos crimes cometidos na direção de veiculo

automotor no sentido de que:

As inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o risco da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para eslcarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade sob embriaguez, entre outras. Se apesar disso continua o condutor do veículo a agir dessa forma, estará demonstrando seu desapego à incolumidade alheia, podendo responder por delito doloso.173

Assim, segundo Campos e Sales:

A configuração do dolo eventual exige como pressuposto que o sujeito ativo atue sem vontade de realizar os elementos do tipo penal, pois, se atuar com essa finalidade, haverá dolo direto. Ademais, requer-se que o agente represente a prática do crime apenas como conseqüência possível ou provável, direcionada à realização de finalidade diversa. Exemplo é o motorista que, em desabalada corrida pelas ruas da cidade, para ser pontual em seu trabalho, aceita o risco de atropelar alguém, provocando lesões corporais174.

Alguns doutrinadores, porém declaram de forma expressa

sua rejeição a configuração do dolo eventual nos homicídios causado em acidente

de transito quando o agente estiver embriagado ou em alta velocidade, se apenas

estes elementos estiverem presentes.

173 NUCCI, 2008, p. 220. 174 PIRES, Ariosvaldo de Campos, SALES, Sheila Jorge Selim de. Crimes de trânsito na lei n. 9.503/97. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 88.

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O doutrinador Pedro Krebs faz uma crítica a configuração do

dolo eventual nos crimes cometidos na direção de veículo automotor:

No tocante aos crimes de trânsito, duas hipóteses merecem destaque: quando o motorista dirige seu veículo em alta velocidade ou quando dirige embriagado. Nesses casos, é praticamente impossível estar presente o denominado dolo eventual. Para que ocorra esse elemento psicológico, é preciso que o motorista pense: “embora não queira o resultado morte, não vou desistir da conduta. Se matar alguém, azar da vitima.175

Evidentemente, havendo, dúvida quanto ao conteúdo

psicológico da conduta – sempre de difícil aferição-, prevalecerá a hipótese

menos gravosa da culpa consciente, em face do primado favor libertatis que é a

fonte de todo Estado Democrático de Direito, o qual, em matéria probatória nos

campos penal e processual penal, se traduz na máxima em dúbio pro reo.176

Hungria e Fragoso, citados por Capez, ao comentarem sobre

a dificuldade de se distinguir na prática o dolo eventual da culpa consciente,

afirmam que:

O que deve decidir, em tal caso, são as circunstancias do fato, de par com os motivos do agente. Somente eles poderão demonstrar que o acusado agiu com preversa ou egoística indiferença, consciente de que seu ato poderia acarretar a morte da vitima e preferindo arriscar-se a produzir tal resultado, ao invés de renunciar à prática do ato (dolo eventual); ou se agiu apenas levianamente, na inconsiderada persuasão ou esperança de que não ocorresse o resultado previsto como possível (culpa consciente). Se o fato, com seus elementos sensíveis, é equivoco, ou se há dúvida irredutível, ter-se-á, então, de aplicar o in dúbio pro reo, admitindo-se hipótese menos grave, que é a culpa consciente”177

A seguir será feita uma analise da posição jurisprudencial

frente ao tema, identificando qual o posicionamento dos Tribunais, e em que são

fundamentadas suas decisões.

175 KREBS, Pedro. Teoria jurídica do delito: noções introdutórias: tipicidade objetiva e subjetiva. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2006, p.162. 176 DELMANTO, 2002, p. 33. 177 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de jeneiro: Forense, 1979, p. 15 apud CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. Vol. II. 2. ed. São Paulo: Saraiva, p. 15.

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3.3 POSICIONAMENTO DE ALGUNS TRIBUNAIS

3.3.1 CONFIGURANDO DOLO EVENTUAL

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em alguns

julgados, tem atribuído caráter doloso aos homicídios corridos em acidente de

trânsito, configurando o dolo eventual com base em elementos colhidos no curso

do processo, confirmando a sentença de pronuncia e mesmo em face de dúvida

sobre a intenção do agente, aplicando o in dúbio pro societati remetendo o

processo para apreciação do Tribunal do Júri.

RECURSO CRIMINAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - MATERIALIDADE COMPROVADA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - DOLO EVENTUAL EM TESE CONFIGURADO - PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMÍCIDIO CULPOSO - DÚVIDA QUE SE RESOLVE EM FAVOR DA SOCIEDADE - NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - RECURSO DESPROVIDO. Ora, em regra, os delitos que ocorrem na circulação e condução de veículos automotores nas vias públicas são culposos. Contudo, há aqueles que ultrapassam os limites ponderáveis das normas para a segurança do trânsito, tais como a embriaguez voluntária, a velocidade demasiada e outras que retratam conduta além do risco compatível com a normalidade da disciplina do trânsito. Esses constituem, por conseguinte, uma categoria denominada dolo eventual. [...] Analisando o processado, verifica-se que existem indícios suficientes de que o réu assumiu o risco de produzir o resultado em questão, uma vez que se constatou a embriaguez e a aparente velocidade incompatível com a permitida. [...] No mais, do exame acurado do acervo probatório, não se permite afirmar, com absoluta certeza, qual teria sido o elemento subjetivo que determinou a conduta do agente no evento denunciado, isto é, se o réu agiu assumindo o resultado da sua conduta (dolo eventual), ou se ele se postou com mera culpa, e deve a matéria, por conseguinte, ser decidida pelo Conselho de Sentença, que, na sua soberania, escolherá a hipótese que entender melhor se adequar à realidade fática exposta nos autos.178. (grifo nosso)

A decisão acima foi uma decisão proferida pelo Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, onde o réu foi denunciado por homicídio doloso

178 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2008.014724-7. Curitibanos. Recorrente: José Adelino Gonçalves. Recorrido: Justiça Pública. Relator: Des. Solon d’Eça Neves. j. 10/08/2008. Diário de Justiça.

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previsto no art 121 caput do Código Penal, pois encontrava-se dirigindo

alcoolizado, quando atingiu um ciclista e sua filha vindo a causar a morte do

primeiro e lesão na criança.

Sobrevinda a sentença que o pronunciou, o réu apelou

requerendo a desclassificação para homicídio culposo, porém o Tribunal manteve

a decisão sob os fundamentos acima explanados.

Observa-se no voto proferido que em parte o relator do

processo afirma que existem indícios suficientes para pronunciar o réu devido a

embriaguez e velocidade incompatível, mas que na duvida o Tribunal do Júri deve

decidir.

Neste caso foi aplicado o in dúbio pro societti, na dúvida se

resolve em favor da sociedade. Assim, remeteu o feito para julgamento do

conselho de sentença.

Outras decisões neste sentido, também foram proferidas

pelo mesmo Tribunal:

ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOMICÍDIOS DOLOSOS. LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS, GRAVES E LEVES. CONDUÇÃO DE VEÍCULO DE CARGA COM SISTEMA DE FREIO COMPROMETIDO E COM EXCESSO DE CARGA.TESTEMUNHOS COLETADOS E DEMAIS INDÍCIOS QUE, SOMADOS, DÃO MARGEM À CONFIGURAÇÃO DE DOLO EVENTUAL, TANTO DO MOTORISTA QUANTO DO SÓCIO ADMINISTRADOR, DETERMINANDO A MANTENÇA DA PRONÚNCIA. DÚVIDAS QUE DEVEM SER DIRIMIDAS PELO CONSELHO DE SENTENÇA EM HOMENAGEM AO BROCARDO "IN DUBIO PRO SOCIETATE". 179

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná proferiu

recentemente decisão semelhante:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DUPLO HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÃNSITO. PRONÚNCIA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO EVENTUAL. INVIABILIDADE DE

179 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2008.027037-1, de Descanso. recorrentes Gilmar Turatto e Rosinei Ferrari, e recorrida A Justiça Pública Relator: Des. Irineu João da Silva 06/08/2009. J. Diário de Justiça.

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DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO NESTA FASE PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia exige apenas a demonstração da materialidade do delito e indícios da autoria, vigorando o princípio in dubio pro societate, a fim de que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. 2. Tendo em vista os meios empregados na conduta atribuída ao réu, não se pode afastar, de maneira indubitável, que assumiu o risco de causar o resultado letal, sendo inviável, nesta fase, acolher o pedido de desclassificação para o crime culposo. Existem situações em que se evidencia total desrespeito às regras de trânsito, tais como velocidade excessiva ou inapropriada para o local, embriaguez voluntária, dirigir em via contrária, praticar rachas, entre outras conjeturas nitidamente arriscadas, em que o motorista, ao invés de retomar a regularidade da condução do veículo, prossegue com a prática do ato, demonstrando total desrespeito às regras de trânsito e à incolumidade alheia, de onde se extrai a ilação de que se não quis, ao menos assentiu com o resultado fatal. No caso em julgamento, conforme se verifica dos autos, o acusado não negou tivesse ingerido bebida alcoólica, momentos antes do fato delituoso, admitindo também que fez a ultrapassagem do veículo Vectra, colidindo com a motocicleta das vítimas. Somadas a estas circunstâncias ganha realce o provável local de impacto descrito no croqui de fl. 66 (contramão de direção), havendo, ainda, relatos testemunhais de que dirigia perigosamente, em velocidade incompatível para o local, tendo realizado "cavalo-de-pau", o que pode, ao menos provisoriamente, indicar tenha assumido o risco do resultado.180

Em decisão recente, também proferida pelo Tribunal de

Santa Catarina, este confirma a sentença proferida pelo Tribunal do Juri,

confirmando de que o réu agiu com dolo eventual em acidente de transito por

estar embriagado e não possuir carteira de habilitação para dirigir, nos seguintes

termos:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO DOLOSO SIMPLES E LESÕES CORPORAIS DOLOSAS (ART. 121, CAPUT, E ART. 129, CAPUT, AMBOS DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. NULIDADE. LEITURA DE PEÇAS PROCESSUAIS EM PLENÁRIO. PRÁTICA VEDADA PELA LEI N. 11.689/08, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 478, I, DO CPP. VÍCIO

180 PARANA. Tribunal de justiça do estado do Paraná. Recurso em sentido estrito nº. 567.234-22ª. Vara Criminal da Comarca de Foz Do Iguaçu. recorrente: Marcos Trampusch. Recorrido: Ministério Público do Estado do Paraná. relator: Macedo Pacheco. 10/09/2009.J Diário de Justiça.

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INEXISTENTE. LEI PROCESSUAL QUE ENTROU EM VIGOR APÓS O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL POPULAR. IRRETROATIVIDADE. VALIDADE DOS ATOS REALIZADOS SOB O ENFOQUE DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR. NULIDADE. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. TESE DO DOLO EVENTUAL AMPARADA EM ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO E EM EVIDENTE ESTADO DE EMBRIAGUEZ (16,0 DC/L DE SANGUE). SOBERANIA DOS VEREDICTOS. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO. PEDIDO ALTERNATIVO DE REDUÇÃO DA REPRIMENDA. IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MAJORAÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ora, a versão do apelante está isolada nos autos e a tese de que os crimes que lhe são imputados ocorreram na forma culposa, na modalidade imprudência, não se sustenta. Isso porque há concretos elementos comprovando que a conduta do apelante se insere na figura típica do dolo eventual, pois, no momento da colisão, encontrava embriagado, possuindo 16 (dezesseis) decigramas de álcool por litro de sangue (fls. 15-16), além de não possuir habilitação para conduzir veículo (fl. 17). Como se vê, o Conselho de Sentença expressou a justa e adequada conclusão a que chegaram a maioria dos seus integrantes, ou seja, a de que o apelante agiu com dolo eventual, assumindo o risco de ferir e matar alguém ao conduzir o veículo Monza nas condições acima descritas, não cabendo a este Juízo substituir a decisão de competência do Tribunal Popular.181 (grifo nosso)

Neste caso, o réu foi denunciado por homicídio e lesão

corporal por ter perdido o controle do veiculo e colidido com outro causando a

morte de um passageiro e lesões corporais em mais três.

O Promotor de Justiça assim descreveu a conduta do réu:

No dia 9 de maio de 2005, por volta das 22h40min, no Km 110,3 da Rodovia SC 455, no Município de Campos Novos/SC, o denunciado ADEMIR FOGAÇA DE ALMEIDA, na condução do automóvel GM/Monza, placas LZB 0214, perdeu o controle do automotor e invadiu a pista contrária, colidindo frontalmente com o veículo VW fusca, placas LYV 6624, ocasionando na vítima João Alcides de Lima as lesões corporais descritas no auto de exame

181 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2008.059232-5, de Campos Novos. apelante Ademir Fogaça de Almeida e apelada A Justiça. Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas. 13/10/2009. j. Diário de Justiça.

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de corpo de delito de fl. 19, que foram a cousa eficiente de sua morte, bem como nas vítimas Maria Isabel Ribeiro, Luiz Henrique de Lima e Maicon Ribeiro Klein, as lesões corporais descritas nos laudos periciais de fls. 20/22. O denunciado agiu com dolo eventual, assumindo risco de provocar o malsinado resultado, uma vez que dirigia o automóvel em avançado estado de embriaguez (auto exame de fl. 12), bem como não possuía autorização para conduzir veículo automotor.182

O conselho de sentença do Tribunal do Júri corroborou com

a denuncia do Promotor, condenando o réu ao cumprimento da pena privativa de

liberdade de 7 (sete) anos de reclusão e 1 (um) ano de detenção, pela prática dos

crimes tipificados no art. 121, caput e art. 129, caput (por três vezes), c/c art. 70,

todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime semi aberto.

Em grau de apelação foi alegada entre outras coisas, que a

decisão dos jurados foi manifestamente contrária as provas dos autos.

Porém tal tese não foi acolhida sendo mantida a sentença de

condenação por homicídio e lesões corporais dolosas sob os fundamentos de que

o réu estava embriagado e não possuía habilitação para dirigir.

No mesmo sentido foram proferidas as decisões abaixo:

NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA. JUNTADA AOS AUTOS DE CÓPIA DE ARTIGO TÉCNICO. SITUAÇÃO QUE NÃO PODE SER EQUIPARADA À "PRODUÇÃO OU LEITURA DE DOCUMENTO" OU A DEPOIMENTO PESSOAL. VIOLAÇÃO DO ART. 475 (ATUAL 479) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO CONFIGURADA. EIVA SUSCITADA RELATIVA À INSTRUÇÃO CRIMINAL, QUE DEVERIA TER SIDO ARGÜIDA NOS PRAZOS DO ART. 406, COMO DISPÕE O ART. 571, INCISO I, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, SOB PENA DE PRECLUSÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO. RECONHECIMENTO DE DOLO EVENTUAL. VELOCIDADE EXCESSIVA EMPREGADA. INDÍCIOS DE OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE, SOMADAS, APONTAM PARA A CONFIGURAÇÃO DA REFERIDA FIGURA DOLOSA. DECISÃO DOS JURADOS QUE DEVE SER MANTIDA, PORQUE NÃO DESTOA DA PROVA DOS AUTOS. RECURSO NÃO PROVIDO. E, nesse contexto, tampouco socorre ao apelante a alegada ocorrência de decisão contrária à prova dos autos, pois, ao revés do que afirma o ilustre Procurador de Justiça, os jurados optaram

182 Id., ibid.

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acertadamente pela condenação pela prática de dois crimes de homicídio, em concurso formal, praticados com dolo eventual, havendo prova robusta nos autos no sentido de que atuou desse modo. Não fosse o resultado do auto de constatação, várias testemunhas afirmaram que o acusado dirigia em alta velocidade, algumas mencionando, ainda, que estivesse embriagado, o que seria perfeitamente normal para as circunstâncias, já que estava participando de uma festa há muitas horas, local aonde as pessoas costumam ingerir bebida alcoólica183(grifo nosso)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já proferiu

decisões neste sentido:

Apelação crime. Delitos de lesões corporais graves e gravíssimas. Atropelamentos no trânsito. Dolo eventual. Materialidade, autoria e responsabilidade do réu pela causaçao do sinistro demonstradas. Desclassificação para forma culposa. Inviabilidade. Circunstâncias – falta de habilitação, estado de embriaguez, velocidade imoderada, e tráfego na contra-mão de direção –, que demonstram ter o réu assumido o risco de provocar o resultado verificado. Condenação mantida. Pena. Redução, descabimento. Desfavoráveis ao réu vetores do artigo 59, do Código Penal, justificando o afastamento do mínimo. Concurso formal. Aumento da pena na fração de ¼, devidamente fundamentado. Apelo defensivo improvido. [...] 4. O pleito subsidiário, de desclassificação para a forma culposa, igualmente não merece acolhimento. Isso porque, dadas as circunstâncias – falta de habilitação, estado de embriaguez, velocidade imoderada, e tráfego na contra-mão de direção –, o réu assumiu o risco de provocar o resultado verificado. Quanto ao estado de embriaguez, foram praticamente unânimes as testemunhas neste sentido. No que tange à velocidade elevada, além da comprovação pelos dizeres testemunhais, ainda há as graves lesões sofridas pelos ofendidos, o que denota, indubitavelmente, a violência do choque, e, por conseqüência, a excessiva velocidade. [...] Entendo, portanto, que ao conduzir o veículo nas circunstâncias acima referidas, e no patamar de velocidade em que se encontrava, o réu praticou ato que ultrapassa os limites da culpa, pois, considerando que deveras tênue a linha divisória entre a culpa e o dolo eventual, assumiu o risco de produzir resultado claramente provável.

183 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2009.008262-1, de Capinzal. apelante Charles Fiedler, e apelados a Justiça Pública. Relatora: Relator: Des. Irineu João da Silva 29/10/2009. j. Diário de Justiça.

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Improcede, portanto, o pleito de desclassificação para forma culposa do delito.184

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo do

Poder judiciário no Brasil, de uma de suas primeiras decisões a respeito do

assunto, proclamou que:

“a conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com seu veiculo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada -além de ensejar a possibilidade de reconhecimento de dolo eventual inerente a essa comportamento do agente -, ainda justifica especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o estado responder, grave energicamente, à atitude de quem, em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões corporais “ (HC 71.800-1-RS, 1ª T., rel. Celso de Mello, DJ 20.06.1995, RT 733/478-cuida-se de um dos primeiros acórdãos do Pretório Excelso acerca do tema)185

Esta decisão foi proferida considerando que o agente estava

a praticar o denominado “racha”, sendo nestes casos reconhecido o dolo

eventual, pois se entende que o agente assumiu o risco de tirar a vida de outrem.

3.3.2 DECISÕES CONFIGURANDO A CULPA CONSCIENTE

Em outras decisões o tribunal entendeu não haver dolo

eventual pelo simples fato de o agente estar em alta velocidade, proferindo

decisão que desclassificou a conduta de dolosa para culposa, nos seguintes

termos:

RECURSO CRIMINAL. LEVANTADA DEFICIÊNCIA DE DEFESA, CERCEAMENTO DE DEFESA,NULIDADE DO INTERROGATÓRIO E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DA PROVA. ALEGAÇÕES NÃO COMPROVADAS. PREJUÍZO INOCORRENTE. PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO CRIMINAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAPITULAÇÃO NA DENÚNCIA DA PRÁTICA DE HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CP). DOLO EVENTUAL RECONHECIDO NA PRONÚNCIA. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO.

184 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime. Nº 70031580137. Comarca De Santa Cruz Do Sul. Apelanteneuri Elcido Schmidt . Apelado. Ministerio Público. 24/09/2009. 185 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 71.800-1-RS, 1ª T., rel. Celso de Mello, DJ 20.06.1995.

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INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO, DIVERSO DO DESRESPEITO AO SINAL VERMELHO, QUE DEMONSTRE TER O RÉU ANUÍDO AO RESULTADO MORTE. RECURSO PROVIDO PARA DESCLASSIFICAR O CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO PARA O HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302 DO CTB). RECURSO PROVIDO. À luz do pensamento doutrinário coligido conclui-se que no dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível; prevendo-o, age com o objetivo de atingi-lo ou aceitando o risco de produzi-lo. Assumir o risco, portanto, é muito mais do que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha efetivamente a ocorrer, ou a este se mostrar indiferente.[...]. Afastado o excesso de velocidade e a possibilidade de embriaguês ou da prática de outras condutas perigosas, o que se observa, então, da prova oral produzida, é que o acusado teria desrespeitado o sinal vermelho (conduta definida como infração de trânsito no art. 208 do CTB: "avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória"), ocasionando o acidente. Essa conduta, por si só, malgrado o entendimento do magistrado, não basta para caracterizar o dolo eventual, sendo necessária a agregação de outros elementos verificados na conduta do condutor da motocicleta para demonstrar que, com seu proceder, realmente tivesse assumido o risco de produzir o resultado. No caso, não existem provas nesse sentido, ou seja, não se evidenciou como e em que momento o acusado admitiu e aceitou o risco deproduzir o resultado. Também não há como perscrutar a sua mente para descobrir a motivação que o animava no exato momento em que agiu. Dentro desse contexto, não se pode afirmar que Evaldo Ronchi, ao desrespeitar o sinal vermelho do semáforo, estivesse de acordo com o resultado morte. Não seria razoável supor que o acusado tenha previsto a iminência da entrada de outra motocicleta à sua frente, proveniente de via secundária, oferecendo-se à colisão e às suas repercussões, inclusive com graves riscos à própria integridade corporal. Da mesma forma não seria razoável supor tenha consentido previamente com o resultado morte do outro condutor, prosseguindo com sua trajetória sem hesitação. Assim, não se vê caracterizado o dolo eventual, de sorte que não se pode cogitar de julgamento pelo Tribunal do Júri. Por essa razão, imperiosa a desclassificação para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, descrito no art. 302 do CTB.186

Nesta decisão, o Tribunal entendeu que o fato de o agente

ter infringido o sinal vermelho não é o suficiente para configurar o dolo eventual,

186 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2009.004620-9, de Balneário Camboriú. recorrente Evaldo Ronchi, e recorrida a Justiça. Relator: Des. Torres Marques. j. 29/06/2009. Diário de Justiça.

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desclassificando a conduta de dolosa para culposa, afastando, portanto a

competência do Tribunal do Júri. Porém, afirmou que:

Deve-se verificar se existem elementos objetivos e concretos, na prova dos autos, de que o acusado tenha optado pela possibilidade de provocar a morte da vítima, sem alternativa em sentido contrário, de modo a determinar a competência para julgar a causa ao Tribunal do Júri, por ter agido com dolo eventual. A conduta atribuída ao acusado é de, em alta velocidade, "atravessar o sinal fechado" em cruzamento de avenida de grande movimento. Com relação à velocidade imprimida pelo réu nada ficou demonstrado nos autos. Em seus interrogatórios afirmou que transitava a uma velocidade de 40 a 60 km/h. A testemunha Joel Neves afirmou que "não notou a velocidade da moto do acusado" (fl. 67). A outra testemunha Marcelo Vieira Ramos, na fase inquisitorial disse que "pela avenida do Estado trafegando em alta velocidade surgiu a motocicleta Honda Titan placa AMG-5922 trafegando sentido norte" (fl. 02); em juízo não fez qualquer menção a esse fato, afirmando tão-somente "que o acusado com sua moto transpôs o sinal vermelho por onde ele transitava" (fl. 69). Vê-se, pois, que não existem indícios de que o acusado estava conduzindo a moto em alta velocidade. Gize-se que ele não estava alcoolizado, conforme se depreende do resultado do Teste de Alcoometria de fl. 21, e também não há provas de que tivesse, em momento anterior ao acidente, transgredido outras normas de trânsito187

Portanto, mesmo que decidido pela configuração da culpa

consciente o Relator do processo deixa implícito que se o agente estivesse

embriagado ou em alta velocidade a decisão seguiria outro rumo, pois talvez

fosse configurado o dolo eventual.

Em outras decisões o Tribunal manifestou-se no mesmo

sentido:

EMBARGOS INFRINGENTES OPOSTOS A ACÓRDÃO PROFERIDO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. AGENTE PRONUNCIADO POR HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO EM VIRTUDE DE DIRIGIR EM VELOCIDADE ACIMA DA PERMITIDA PARA O LOCAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE POR SI SÓ NÃO TEM APTIDÃO PARA CARACTERIZAR O DOLO EVENTUAL. CRIMES COMETIDOS COM CULPA CONSCIENTE. ACOLHIMENTO. Ainda que comprovada a circunstância do agente dirigir, no momento do acidente, em velocidade acima da permitida para o

187 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2009.004620-9, de Balneário Camboriú. recorrente Evaldo Ronchi, e recorrida a Justiça. Relator: Des. Torres Marques. j. 29/06/2009. Diário de Justiça

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local, não dispõe de aptidão para caracterizar por si só o dolo eventual, que pressupõe a indiferença daquele para com o resultado que possa advir da respectiva conduta. Nos acidentes de trânsito o que se verifica habitualmente é a ocorrência de culpa consciente, consistente no fato do agente, apesar de prever o resultado, não o aceitar, acreditando com sinceridade que conseguirá evitá-lo, quer em razão de sua experiência, quer de sua boa sorte.188

PROCESSUAL E PENAL - JÚRI - HOMICÍDIO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE REJEITADA - PRAZO CONTADO A PARTIR DA ÚLTIMA INTIMAÇÃO - DOLO EVENTUAL NÃO CONFIGURADO - AGENTE QUE NÃO ADMITIU A OCORRÊNCIA DO RESULTADO - ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADO ESTREME DE DÚVIDA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA - RECURSO PROVIDO - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS Comprovada estreme de dúvida a ausência de dolo eventual, a desclassificação para a forma culposa é medida que se impõe. Excesso de velocidade e embriaguez, por si sós, não configuram dolo eventual.189

DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL PENAL - DUPLO HOMICÍDIO E LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS DECORRENTES DE ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIMES DE TRÂNSITO -RECURSO CRIMINAL OBJETIVANDO A PRONÚNCIA, A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL - SUPOSTO ESTADO DE EMBRIAGUEZ QUE, POR SI SÓ, NÃO IMPLICA EM ACEITAÇÃO DO RESULTADO - AGENTE QUE ACIONA O FREIO ANTES DA COLISÃO - CARACTERIZAÇÃO DE CULPA - RECURSO NÃO PROVIDO190

JÚRI - INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DA SENTENÇA QUE OPEROU A DESCLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PARA O JUÍZO SINGULAR - DOLO EVENTUAL NÃO COMPROVADO NOS AUTOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Embora o relato seja indicativo de que o acusado realmente empregava velocidade superior ao permitido para o local, o que se infere da dinâmica do acidente relatada no Boletim de Ocorrência, tal fato, por si só, não caracteriza a figura do dolo eventual. Nesse contexto, pergunta-se: o acusado, ao trafegar em alta velocidade,

188 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Embargos Infringentes n.2007.040189-4. Rio do Sul. Embargante: Nelso Mees Júnior. Embargada: Justiça Pública. Relator: Des. Sérgio Paladino. j. 31/03/2009. Diário de Justiça. 189 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2007.063865-9, de JoinvilleRelator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. recorrente A Justiça, por seu Promotor, e recorrido Felipe Hansen. 18/07/2008. j. Diário de Justiça. 190 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2007.063865-9, de Joinville. em que é recorrente A Justiça, por seu Promotor, e recorrido Felipe Hansen. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. 18/07/2008. J. Diário de Justiça.

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consentiu previamente em matar alguém? Ou ele levianamente confiou que, mesmo em alta velocidade, poderia controlar o veículo se fosse necessário? Evidentemente, não agiu com dolo. Em verdade, não aprovou ou consentiu previamente com a idéia de matar alguém. Ora, ainda que se tenha presente que o acusado dirigia em velocidade incompatível para o local, não se pode conceber, sequer em tese, que tenha consentido no resultado, que tenha aceitado ou aquiescido com sua ocorrência, que tenha agido por egoísmo e não por leviandade, na convicção de que poderia evitar algum acidente, embora trafegasse em desacordo com as regras básicas do trânsito. Segundo restou provado nos autos, o acusado, à época dos fatos, não registrava nenhum envolvimento com outros crimes de trânsito. Não se vislumbra, nesse contexto, a presença do dolo eventual, elemento indispensável para a afirmação da competência do Tribunal do Júri, haja vista a inexistência de dados mínimos que viabilizem a acusação nessa órbita, sendo inarredável a desclassificação do crime para a modalidade culposa, mantendo-se a decisão atacada.191

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná também já se

manifestou

DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao presente recurso de apelação para desclassificar o crime de homicídio doloso (art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302, do CTN), devendo prosseguir o julgamento. EMENTA: PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU QUE DIRIGINDO EMBRIAGADO COMETE HOMICÍDIO. PRONÚNCIA PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO DOLOSO, DOLO EVENTUAL. DISTINÇÃO INTRINCADA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE, QUE EXIGE CONTROLE MAIS ACURADO NO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA PRONÚNCIA, NOS CRIMES CONTRA A VIDA, EM QUE ENVOLVA ACIDENTE DE TRÂNSITO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO, DIVERSO DA EMBRIAGUEZ, QUE DEMONSTRE TER O RÉU ANUIDO AO DIRIGIR EMBRIAGADO COM O RESULTADO MORTE. RECURSO PROVIDO PARA DESCLASSIFICAR O CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CP) PARA O CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, DO CTN). A complexidade em distinguir o dolo eventual da culpa consciente demonstra a temeridade de se "lavar as mãos", com fundamento no princípio "in dúbio pro societates" submetendo, de

191 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso criminal n. 2002.025102-5, de Itajaí. recorrente a Justiça Pública, por seu promotor, sendo recorrido Valter Luís de Oliveira Relator: Des. Irineu João da Silva. 25/03/2003. J. Diário de Justiça.

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forma automática, o agente de crime cometido contra pessoa no trânsito a julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo imprescindível um controle mais acurado no juízo de admissibilidade da pronúncia nestes casos. - Não basta tão-somente que o agente esteja dirigindo bêbado ao ocasionar o acidente e consequentemente à morte, pois tal fato, por si só, configura quebra do dever de cuidado objetivo exigido pela própria lei de trânsitos (art. 165, do CTB), configurando o crime culposo. É necessário, a configuração de um "plus" que demonstre realmente que o agente anuiu com o resultado e não que este tenha apenas confiando, de forma leviana, que ao dirigir bêbado poderia evitar o resultado (culpa consciente). - A alta velocidade que exceda de forma manifesta as normas de trânsito, constitui o "plus" aliado a embriagues no volante demonstrativos do "motivo egoístico", da torpeza no comportamento, ou melhor, a imprudência de dirigir embriagado, o que por si só já permite a representação do resultado lesivo, somada com a velocidade manifestamente excessiva no trânsito constitui indícios de fundada suspeita de que o agente anuiu, integrou, o risco de lesar o bem jurídico na realização do seu plano concreto, o que ampara a pronúncia de fundada suspeita na configuração do dolo eventual. - Na espécie, embora esteja comprovado que o réu estava dirigindo bêbado, não há indícios de que o réu estava em alta velocidade, que poderia consistir no "plus" demonstrativo do motivo egoístico, da torpeza, do agente que decide, "custe o que custar", agir. Desse modo não havendo elemento concreto que possibilite amparar um juízo de fundada suspeita na configuração do dolo eventual, é de rigor a desclassificação do crime de homicídio doloso (art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302, do CTN). - É de se frisar que aqui não se está a afastar a competência, constitucionalmente assegurada, do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida, o que se faz é, através da distinção do dolo eventual da culpa consciente, com amparo em balizas mais concretas, consistente na necessidade de ficar evidenciado um "plus" que demonstre o agir egoístico, torpe, do motorista embriagado que possa evidenciar que o mesmo anuiu com o resultado morte, afastar a configuração do dolo eventual. 192(grifo nosso)

Nesta decisão, o Relator faz uma critica as decisões que

remetem o caso para julgamento do Tribunal do Júri em nome do in dúbio pro

societati, afirmando que nestes casos o intuito do julgador é “lavar as mãos”,

alegando que por si só a alta velocidade não é suficiente para configurar o dolo

eventual.

192 PARANA. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Recurso Em Sentido Estrito Nº. 0400765-4. Vara Criminal Da Comarca De Guarapuava. Recorrente: Marcos Trampusch. Recorrido: Ministério Público Do Estado Do Paraná. Relator: Mário Helton Jorge. 21/06/2007;.J Diário De Justiça.

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO PRATICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. NÃO-OCORRÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO MANTIDA. Embora a existência do fato e os suficientes indícios de autoria do homicídio tenham sido demonstrados, o dolo eventual, que motivou o enquadramento do fato como doloso contra a vida, não está configurado. É sabido que o dolo eventual em crimes cometidos na direção de veículo automotor é excepcional, sendo regra a modalidade culposa. Tal regramento é uma conseqüência lógica do sistema, porque, via de regra, não se pode conceber que alguém, no trânsito, preveja e aceite a ocorrência do resultado morte. Para que incida o art. 121 da Lei Penal Substantiva é preciso que as peculiaridades do caso concreto divulguem, em tese, a aceitação do resultado pelo autor. Ou seja, uma conduta que, de tão grave, revele intensa reprovabilidade social-jurídica e indiferença quanto a isso e tal situação não ocorreu. Ainda que o condutor estivesse em velocidade pouco acima do permitido, embriagado e sob efeito de maconha, as circunstâncias do caso indicam que agiu com culpa consciente e não dolo eventual, já que tinha a previsibilidade do resultado, mas não o desejava, confiando que nada ocorreria na condução do seu veículo. As vítimas contribuíram em muito para o resultado, na medida em que se deitaram no leito da rua, durante a noite, em momento de intensa circulação de pessoas no local, especialmente atravessando-a, logo após a saída de uma festa. RECURSO IMPROVIDO. 193

Neste julgado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

negou provimento ao recurso da acusação visando a reforma da decisão que

desclassificou a conduta do agente de homicídio doloso para culposo. Alegando

que embora estivesse o agente embriagado em com velocidade acima do

permitido, as vitimas contribuíram para o evento danoso. Portanto, não

entenderam tais indícios com determinantes para configuração do dolo eventual.

Muito embora alguns Tribunais tenham proferido decisões

desclassificaram a conduta do agente envolvido em acidente de trânsito com

morte, de dolosa para culposa, observa-se uma tendência majoritária em

configurar o dolo eventual em caso de embriaguez aliada à alta velocidade

remetendo o julgamento para o tribunal do júri ou mantendo decisões do conselho

de sentença.

193 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso Em Sentdo Estritonº 70029606308 Comarca De Veranópolis Apelado: Claudio Ferreira Da Silva . Apelante Ministerio Público. 08/07/2009.

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CONCLUSÃO

Iniciou-se este trabalho cientifico com uma introdução aos

elementos do crime, discorrendo sobre conceitos e teorias destes.

Foram abordados ainda o dolo e a culpa, apresentando-se

seus elementos e teorias.

Por fim, foram apresentadas posições doutrinárias e

jurisprudências a respeito da configuração do dolo eventual e da culpa consciente

nos crimes de homicídio ocorridos em acidente de trânsito.

Nota-se que o crescimento no número de acidentes com

vitímas fatais tem aumentado proporcionalmente ao aumento da frota de veículos

em circulação nas vias terrestres de todo pais. Com isso aumenta o clamor social

para punições mais severas aos infratores de trânsito, principalmente se

constatada embriaguez, alta velocidade ou sem habilitação.

No curso do presente trabalho verificou-se que a doutrina

diverge quanto ao assunto, sendo alguns são contra a configuração do dolo

eventual nos homicídios praticados na direção de veiculo automotor atentando-se

apenas pra circunstâncias objetivas.

Quanto a jurisprudência, observou-se, dentre os Tribunais

analisados, decisões em ambos os sentidos entendendo pelo dolo eventual e pela

culpa consciente em caso de homicídios em acidente de trânsito, porém em sua

grande maioria, principalmente no Tribunal de Santa Catarina, tem se entendido

que as circunstancias objetivas do caso concreto são determinantes para que seja

configurado o dolo eventual nos acidentes de trânsito, pronunciando o réu em

nome do in dúbio pro societati ou mantendo a decisão do tribunal do júri que o

condena por considerar as circunstanciam objetivas para configurar o dolo

eventual.

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Verificou-se, portanto, que as decisões tem sido majoritárias

no sentido de deixarem de lado o que se entende por dolo eventual e culpa

consciente, para punirem com maior rigor os infratores de trânsito, atendendo

assim, o clamor social por punições mais severas aqueles que praticam condutas

perigosas no trânsito.

Portanto todas as hipóteses levantadas inicialmente foram

confirmadas haja vista o explanado anteriormente.

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______. ______. Recurso Criminal n. 2008.014724-7. Curitibanos. Recorrente: José Adelino Gonçalves. Recorrido: Justiça Pública. Relator: Des. Solon d’Eça Neves. j. 10/08/2008. Diário de Justiça.

______. ______. Recurso Criminal n. 2009.004620-9, de Balneário Camboriú. recorrente Evaldo Ronchi, e recorrida a Justiça. Relator: Des. Torres Marques. j. 29/06/2009. Diário de Justiça.

______. ______. Recurso Criminal n. 2007.063865-9, de Joinville. em que é recorrente A Justiça, por seu Promotor, e recorrido Felipe Hansen. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. 18/07/2008. J. Diário de Justiça.

______. ______. Recurso criminal n. 2002.025102-5, de Itajaí. recorrente a Justiça Pública, por seu promotor, sendo recorrido Valter Luís de Oliveira Relator: Des. Irineu João da Silva. 25/03/2003. J. Diário de Justiça.

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