universidade do vale do itajaÍ raquel bavaresco …siaibib01.univali.br/pdf/raquel bavaresco...

54
0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ RAQUEL BAVARESCO CIPRIANI UMA INTRODUÇÃO À FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS São José 2008

Upload: vanlien

Post on 30-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

0

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

RAQUEL BAVARESCO CIPRIANI

UMA INTRODUÇÃO À FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

São José 2008

1

RAQUEL BAVARESCO CIPRIANI

UMA INTRODUÇÃO À FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR

DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof.ª Dr.ª Daniela Mesquita Leutchuk de Cademartori

São José 2008

2

RAQUEL BAVARESCO CIPRIANI

UMA INTRODUÇÃO À FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Filosofia Jurídica

São José, 10 de novembro de 2008.

Prof. Dra. Daniela Mesquita Leutchuk de Cademartori Universidade do Vale do Itajaí

Orientador

Prof. Dr. Marcos Leite Garcia Universidade do Vale do Itajaí

Membro

Prof.Daniel Lena Marchiori Neto Universidade Federal de Santa Catarina

Membro

3

Para Gabriel, meu eterno retorno.

4

AGRADECIMENTOS

Este é o momento de agradecer algumas pessoas sem as quais este trabalho

jamais seria concluído, ou melhor, sequer seria iniciado. Pessoas que de longe ou

de perto, foram, e são, essenciais a minha formação tanto humana quanto

acadêmica, aliás, se é que é possível separar uma formação de outra. Neste

sentido, manifesto toda minha gratidão,

aos meus pais, Jaime e Ilda, pela minha vida e pelas oportunidades de

realizá-la através da educação, pela infância tão livre e saudável, por terem-me

assistido e respeitado ao meu momento de alçar vôo e pelos contínuos exemplos de

ética exercitados diariamente em suas condutas;

à professora Daniela, que tão gentilmente acolheu meu trabalho, direcionou

minhas idéias, pelas direções que apontou e por fomentar em mim a vontade de

enfrentar um tema tão complexo;

a Dona Gilda, pelos mimos, pelas palavras e pela suas passagens, ainda que

rápidas, deixam sempre o bom aroma de sua alegria;

ao Gabriel, pela vida que vale a pena ser vivida.

5

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, novembro de 2008.

Raquel Bavaresco Cipriani

6

RESUMO

Este trabalho verificará em que medida a teoria da justiça como eqüidade formulada

pelo filósofo norte-americano John Rawls, se constitui como uma teoria capaz de

fundamentar o Direito. Para alcançar esse resultado, será feita primeiramente uma

breve biografia e exposição das bibliografias do autor, em seguida serão

contextualizadas as correntes morais às quais Rawls se contrapunha –

intuicionismo, perfeccionismo e utilitarismo – bem como as que lhe serviram de base

teórica para elaborar a resposta ao seu problema quanto à justa distribuição de bens

na sociedade: o contratualismo e a teoria moral kantiana. No segundo capítulos

serão apresentados os conceitos fundamentais para entender a justiça como

eqüidade. Por último, com o conhecimento construído no primeiro e segundo

capítulo, será possível fazer uma introdução à fundamentação do direito a partir da

teoria da justiça rawlsiana. Neste momento serão discutidas questões como análise

das decisões sob a ótica da justiça e sob a legitimidade, como essas suas

perspectivas se afastam e como voltam a dialogar com o novo contratualismo,

inaugurado por John Rawls.

Palavra-chave: John Rawls; Justiça como Eqüidade; Fundamentação do Direito

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 09

1. INICIAÇÃO A JOHN RAWLS .......................................................................... 10

1.1 SOBRE O AUTOR E SUAS PRINCIPAIS OBRAS ..................................... 10

1.2 AS BASES TEÓRICAS ............................................................................... 11

1.2.1 Intuicionismo ........................................................................................ 12

1.2.2 Perfecionismo ...................................................................................... 13

1.2.3 Utilitarismo ........................................................................................... 14

1.2.4 Contratualismo ..................................................................................... 17

1.2.5 Teoria moral kantiana ........................................................................... 20

2.CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA RAWLSIANA DA JUSTIÇA COMO

EQÜIDADE .......................................................................................................... 26

2.1 A SOCIEDADE COMO UM SISTEMA EQÜITATIVO DE COOPERAÇÃO 26

2.2 SOCIEDADE BEM-ORDENADA ............................................................. 28

2.3 ESTRUTURA BÁSICA DA SOCIEDADE ................................................ 29

2.4 A CONCEPÇÃO DE PESSOA COMO LIVRE E IGUAL .......................... 30

2.5 POSIÇÃO ORIGINAL E VÉU DA IGNORÂNCIA .................................... 33

2.6 A ESCOLHA DOS PRINCÍPIOS ............................................................. 35

2.6.1 A motivação das partes .................................................................... 35

2.6.2 O critério de racionalidade: a regra maximin .................................... 36

2.7 OS PRINCÍPIOS PRIMEIROS DA JUSTIÇA .......................................... 37

2.7.1 Os quatro estágios de concretização dos princípios da justiça ......... 37

2.8 JUSTIÇA PROCEDIMENTAL: A PRIORIDADE DO JUSTO SOBRE O BEM

..................................................................................................................... 39

3. A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DA TEORIA DE RAWLS .... 41

3.1 UM PROBLEMA URGENTE PARA A FILOSOFIA POLÍTICA .................... 41

3.2 LEGITIMIDADE OU JUSTIÇA? .................................................................. 42

3.3 DEMOCRACIA E JUSTIÇA ........................................................................ 44

3.4 O LIBERALISMO CLASSICO E O NOVO LIBERALISMO .......................... 45

3.5 JUSTIÇA E LEGITIMIDADE ....................................................................... 45

8

3.6 A FUNDAMENTAÇAO MORAL DO DIREITO ............................................ 48

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 49

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 50

9

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, denominado Uma introdução à fundamentação do direito

a partir da teoria da justiça- de John Rawls, tem como finalidade apresentar

pensamento do filósofo norte-americano e apontar em que medida a sua teoria da

justiça como eqüidade pode ser empregada com vistas a fundamentar o Direito.

A hipótese central da pesquisa é que a teoria da justiça proposta por Rawls

apresenta dois princípios escolhidos numa situação eqüitativa que se prestam a

fundamentar o direito para tanto, o trabalho será exposto em três capítulos. No

primeiro momento far-se-á uma breve explanação sobre o filósofo e suas obras,

seguindo-se da apresentação das principais correntes teóricas que o influenciaram

diretamente. A importância de um capítulo introdutório se dá na medida em que se

leva em consideração a afirmação feita por Rawls no início de Uma Teoria da

Justiça1, na qual pretende elaborar uma teoria da justiça que seja “uma alternativa

viável às doutrinas que dominaram por muito tempo nossa tradição filosófica”. Desta

forma, para uma melhor compreensão da teoria rawlsiana é de importância

estratégica ter em mente o porquê, e quais eram as doutrinas a que ele se

contrapunha, bem como quais correntes o influenciaram para a gestação de sua

teoria da justiça.

No segundo capítulo serão apresentados os principais conceitos do

pensamento de Rawls e o modo como se entrelaçam para moldar a teoria da justiça

como eqüidade. Este momento do trabalho será basilar para a compreensão do

capítulo que o sucede, em que postulados serão retomados já com a finalidade de

apontar os rumos de uma fundamentação para Direito. Desse modo, o objetivo do

último ato será apontar caminhos para a reconciliação da Moral com o Direito.

Utilizar-se-á, no presente trabalho, o método dedutivo e a técnica de pesquisa

bibliográfica. Para a elaboração da monografia, será utilizada como obra referencial

a Justiça como Eqüidade: uma reformulação – publicada originalmente em 2002 -

por ser a versão aprimorada e revisada da concepção de justiça de Rawls exposta

primeiramente em Uma Teoria da Justiça (1971) e mais tarde no Liberalismo Político

(1993). 1 Cf. RAWLS, John. Prefácio à edição brasileira. In: _____ Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

10

1. INICIAÇÃO A JOHN RAWLS

1.1 SOBRE O AUTOR E SUAS PRINCIPAIS OBRAS.

Segundo filho de uma tradicional e afortunada família de Baltimore, estado

americano de Maryland, John Bordley Rawls nasceu em 21 de fevereiro de 1921.

Seu pai, William Lee Rawls, foi um notável e influente advogado especialista em

direito constitucional, contudo, foi o envolvimento de sua mãe Anna Abell Rawls,

com o movimento feminista e a constatação de que a população negra de sua

cidade vivia em condições muito inferior que a da população branca que lhe

despertou o interesse para as questões sociais e políticas.2

Em 1943, Rawls é admitido na Universidade de Princetown e é convocado

pelas Forças Armadas a servir na Segunda Guerra Mundial. Após treinamento é

enviado para o Pacífico por dois anos e faz parte das forças que ocuparam o Japão.

Ao retornar para seu país, dá continuidade à formação universitária, e inicia seus

estudos sobre a filosofia moral.

No início da década de 50, depois de dar aulas em Princetown e em Oxford,

vai para Cornell, onde se torna editor do Philosophical Review, onde permanece por

seis anos, até ser convidado para ser professor efetivo no Instituto Tecnológico de

Massachusetts. Recebeu em 1961, convite para lecionar em Harvard e, neste

primeiro decênio escreve três versões preliminares daquela que seria sua grande

obra, A Theory of Justice, publicada em 1971.

Nos anos que se seguiram, Rawls trabalha com afinco nos cursos de ética e

filosofia moral. Dessas conferências e artigos produzidos desde 1978 resultam a

primeira versão de Political Liberalism, publicada em 1993, dois anos depois de sua

aposentadoria de Harvard. O último livro que Rawls escreveu com o objetivo de

publicar foi The law of peoples, em 1999. As demais obras conhecidas que levam o

nome de Rawls, são coletâneas de artigos e cursos ministrados pelo autor, e

revisados para publicação. Rawls falece em 24 de novembro de 2002.

2 Para maior aprofundamento sobre a vida pessoal de John Rawls, recomenda-se a leitura de SILVA, Walter. Uma breve biografia de John Rawls. Grupo de Pesquisa Ética e Justiça. PUC-Campinas, 24 fev 2003. Disponível em <http://br.geocities.com/eticaejustica/texto1.html>. Acesso em: 02 fev. 2008.

11

Enquanto professor em Harvard, John Rawls ministrou vários cursos de

filosofia moral e política, oferecendo cópia de suas conferências a quem desejasse.

Essas anotações de aula circularam livremente durante décadas e foram revisadas

pelo autor em 1979, 1987 e 1991. Rawls não tinha interesse que suas conferências

fossem publicadas, entretanto, achou injusto que somente algumas pessoas

tivessem acesso a elas – ou seja, somente seus alunos e conhecidos destes – e,

como várias eram as versões de seus manuscritos era importante que existisse uma

versão final aperfeiçoada. Então impôs uma condição à publicação: os escritos

“deveriam persistir como simples aulas, isto é, preservar o estilo e o tom das páginas

distribuídas aos estudantes”3 Resultaram da coletânea de conferências e artigos,

revisados pelo autor para publicação: Collected papers (1999), organizado por

Samuel Freeman; Lectures on the History of Moral Philosophy (2000), por Bárbara

Herman, Justice as a fairness: a restatement (2001), por Erin Kelly e Justice et

Démocratie, por Catherine Audard (1993). 4

1.2 AS BASES TEÓRICAS

John Rawls buscou elaborar uma teoria da justiça que fosse uma “alternativa

viável às doutrinas que dominaram por muito tempo nossa tradição filosófica.”5

Assim, para entender a teoria de Rawls se faz importante ter em mente quais eram

tais doutrinas, o porquê de ter se oposto, bem como quais correntes utilizou como

base para elaborar sua Teoria da Justiça.

O filósofo norte-americano sente-se incomodado ao constatar que a teoria

política estava presa entre dois extremos. De um lado, o intuicionismo, que com uma

pluralidade de princípios sem qualquer hierarquia, apelando à intuição para decidir

os diferentes casos que se apresentavam; de outro, o utilitarismo com um único

3 HERMAN, Bárbara. Prefácio da Organizadora. In: RAWLS, John. História da filosofia moral. Bárbara Herman (Org.). Tradução: Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. XIX 4 A relação dos escritos de John Rawls pode ser encontrada em: RAWLS, John. Justiça e democacia. Catherine Audard (Org.). Tradução: Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 385-386 5 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

12

princípio que aceita que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem

maior partilhado por outros. Ambos, frágeis demais para fundamentar uma

democracia constitucional. Na busca de uma alternativa a este quadro, Rawls

encontra na teoria do contrato social e na teoria moral kantiana os fundamentos da

sua concepção da justiça como eqüidade.

1.2.1 Intuicionismo

De acordo com Rawls,

O intuicionismo afirma que em nossos julgamentos sobre a justiça social devemos atingir uma pluralidade de princípios básicos a respeito dos quais possamos apenas dizer que nos parece mais correto equilibrá-los de um modo e não de outro.6

O problema dessa corrente ética - a qual Kymlicka se refere como uma

“mixórdia incoerente de idéias e princípios”7 – aparece quando da colisão entre

princípios que apontam diretrizes contrárias. Não existe, no intuicionismo, qualquer

regra de prioridade entre os vários princípios existentes, de modo que “não cabe

decisão racional quando entram em conflito, porque não dispomos de um critério de

discernimento.”8 Como conseqüência, na resolução do conflito sobre qual princípio

de justiça adotar em determinada situação, apela-se a “um equilíbrio pela intuição,

pelo que nos parece aproximar-se mais do que é justo”. 9

6 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 42 7 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes, 2006. p. 64 8 “[…] no cabe decisión racional cuando entran en conflicto, porque no disponemos de un critério de discernimento;” (Tradução livre). CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. Doxa: Cuadernos de Filosofia del Derecho. n.2. 1985. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2001. pp. 129-144. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15169&portal=4> Acesso em: 14 abr. 2008. p. 133. 9 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 37

13

Segundo Gargarella, “o intuicionismo não nos oferece uma boa orientação

para distinguir intuições corretas de incorretas, nem nos esclarece muito como

distinguir uma mera impressão ou um palpite.” 10

No embate entre intuicionismo e utilitarismo, aquele perde força diante da

apresentação de um único princípio geral como critério decisivo, em detrimento à

apelação para a intuição. Além do utilitarismo, Rawls analisa também o

perfeccionismo porque uma de suas vertentes oferece um princípio único para a

distribuição dos bens auferidos pela cooperação social.

1.2.2 Perfeccionismo

O Dicionário de Filosofia Ferrater Mora apresenta como significado para

perfeição algo que seja o melhor de seu gênero, “algo que atingiu seu fim, enquanto

fim louvável.”11 O perfeccionismo é uma doutrina moral que ao responder a questão

sobre o que é uma vida boa, considera como bem moral a realização de

modalidades grandiosas de excelência de pensamento, imaginação e sentimento.

Essa perspectiva moral “considera como bem moral a elevação ao máximo da

capacidade mais própria do homem.”12 Para Rawls,

A idéia perfeccionista é que algumas pessoas têm direitos especiais porque seus talentos privilegiados as capacitam a se envolver nas atividades mais elevadas que realizam valores perfeccionistas.13

Rawls analisa duas variantes do perfeccionismo, sendo que na primeira delas

um único princípio – o da máxima perfeição das realizações humanas na arte, na

ciência e na cultura – é utilizado para orientar a sociedade e suas instituições e

10 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. Tradução: Alonso Reis Freire. São Paulo, Martins Fontes, 2008. p. 3 11 “Diz-se de algo que é perfeito quando está ‘completado’ e ‘acabado’, de tal modo que não lhe falta nada, mas tampouco nada lhe sobra para ser o que é. Nesse sentido, diz-se que algo é perfeito quando é justa e exatamente o que é.” FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tradução: Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Verbete: perfeição, perfeito p. 564 12 “[…] considera como bien moral la elevación al máximo de la capacidad más propia del hombre.” (Tradução livre). CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. p. 133 13 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. Erin Kelly (Org.). Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 216

14

determinar os encargos dos indivíduos na cooperação social14. Menciona a seguinte

passagem de Nietzsche como símbolo desta vertente perfeccionista:

A humanidade deve trabalhar continuamente para produzir grandes seres humanos singulares – nisso e nada mais consiste sua tarefa...pois a questão é a seguinte: como pode a tua vida, a vida individual, reter o valor mais elevado, a significação mais profunda?...Apenas vivendo para o bem dos mais raros e valores espécimes.15

Na segunda variante desta concepção moral, que de acordo com Rawls é

mais moderada, “aceita-se o princípio da perfeição apenas como um entre vários

padrões de uma teoria intuicionista. O princípio deve ser contraposto a vários outros

com base na intuição.”16 E, como visto no tópico anterior, Rawls, refuta as teorias

intuicionistas por serem incapazes de apresentar um critério racional de escolha.

Assim, depois de analisar duas variantes do perfeccionismo, Rawls chega a

conclusão que o princípio da excelência ou perfeição deve ser rejeitado como um

padrão de justiça social, ou seja, não serve como um princípio político. Ao se pensar

em distribuição da justiça, “em primeiro lugar tem de vir a justiça fundamental.

Depois disso, um eleitorado democrático pode dispor amplos recursos para projetos

ambiciosos voltados para as artes e as ciências se assim o desejar.”17

Passa-se a análise agora de um outro critério de justiça muito criticado por

Rawls, o utilitarismo.

1.2.3 Utilitarismo

Uma das marcas filosofia de Rawls é sua forte oposição ao utilitarismo, em

especial à proposta utilitarista referente à distribuição dos bens18 na sociedade.19 O

14 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 359 15 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 683, nota 50 do Capítulo V. 16 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 359 17 RAWLS, John. Justiça como eqüidade. p. 216 18 Álvaro de Vita, mencionando classificação feita por Elster, 1992, aponta para três tipos de bens relevantes em uma teoria da justiça distributiva: “bens que são passíveis de distribuição, tais como a renda, a riqueza, o acesso a oportunidades educacionais e ocupacionais e a provisão de serviços; bens que não podem ser distribuídos diretamente, mas que são afetados pela distribuição dos primeiros, tais como o conhecimento e o auto-respeito; e bens que não podem ser afetados pela distribuição de outros bens, tais como as capacidades físicas e mentais de cada pessoa.” VITA, Álvaro de. Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 14, n. 39, 1999 . Disponível em: <http://www.scielo.br >. Acesso em: 30 ago 2008. p. 01 19 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 660, nota 09 do Capítulo I.

15

tipo de utilitarismo a que se refere em sua obra é o proposto por Henry Sidgwick, no

livro The Method of Ethics, cuja principal idéia é a de que

a sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa, quando suas instituições mais importantes estão planejadas de modo a conseguir o maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações individuais de todos os seus membros.20

O utilitarismo, ao contrário do intuicionismo, apresenta um critério para

decisão racional nos casos de conflito: o princípio da utilidade, cuja formulação geral

é maximizar a felicidade geral. Como é uma teoria teleológica, o utilitarismo define a

concepção de “bem” antes, e independente, da noção de “justo”, pois a felicidade é

considerada aqui como bem moral e é o fim que orienta as escolhas e a vida do

homem. Uma das conseqüências das teorias teleológicas é que, como o que importa

é o fim a que se pretende chegar – que no utilitarismo é a felicidade – não importa

se esse fim corresponde ao que é justo.21

Kymlicka aponta dois grandes atrativos do utilitarismo como teoria da

moralidade política: i) a promoção da felicidade (entendida como o bem-estar

humano) de forma imparcial, ou seja, independentemente de credo, classe social,

orientação sexual, etc.; ii) o conseqüencialismo, segundo o qual, “uma coisa só é

moralmente boa se torna melhor a vida de alguém.”22 O conseqüencialismo confere

ao utilitarismo uma espécie de teste para verificar tanto a utilidade como a

moralidade das ações e regras, ou seja, algo é bom se for capaz de tornar alguém

feliz, e é errado se for possível demonstrar quem é prejudicado com tal ação.23

Um outro atrativo, apontado por Gargarella consiste na ausência de pré-

julgamento dos desejos e preferências dos indivíduos:

[…] na hora de elaborar suas propostas, o utilitarismo (pelo menos alguma versão interessante dele) sugere considerar as preferências de cada um dos possíveis afetados, independentemente do conteúdo específico das reivindicações particulares de cada um deles. […] O utilitarismo não deixará de fora nenhuma [das] solicitações. Em contrapartida, nos obrigará a perguntar: Qual é a proposta que satisfaz o maior número de interesses? Com esse tipo de atitudes, livres de preconceitos, o defensor do utilitarismo parece marcar outro ponto a seu favor.24

20 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 659. 21 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 27. 22 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes, 2006. p. 13 23 Cf. KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. p. 11-62 24 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 5

16

Aparentemente, proposta utilitarista tem um caráter igualitário, uma vez que

não importará a orientação religiosa ou política, ou seja, qual for a ideologia do

indivíduo proponente das normas, pois o critério para decisão será sempre o da

maior utilidade, entendida como bem-estar.

Quando segue as orientações desta corrente moral, o Estado busca

proporcionar o maior saldo de satisfação individual possível, não importam quais

sejam os objetos desejados, nem a forma como se realizam, apenas a quantidade

de aspirações alcançadas. Aqui, o bem é definido como “a satisfação do desejo

racional”25 e é independente do justo. O que importa, no fim das contas, é o quanto a

sociedade está feliz ou não.

A característica surpreendente da visão utilitarista da justiça reside no fato de que não importa, exceto indiretamente o modo como essa soma de satisfações se distribui entre os indivíduos assim como não importa, exceto indiretamente, o modo como um homem distribui suas satisfações ao longo do tempo. A distribuição correta nos dois casos é aquela que permite a máxima realização.26

É aceitável, entretanto, que cada indivíduo aja de modo a promover e

aumentar seu próprio bem-estar através da busca da satisfação de seus desejos. A

visão utilitarista, contudo, acaba por estender o princípio da maximização das

satisfações às instituições sociais para que dirijam seus fins com vistas a elevar ao

mais alto grau o saldo de realização dos desejos individuais.

Aplicado à teoria política, o princípio utilitarista reza que a limitação coercitiva das liberdades individuais por parte do Estado pode ser considerada como justificada na medida em que suas conseqüências são úteis, i.e. na medida em que o Estado tende a promover o maior bem-estar ou felicidade da coletividade a ele submetida. Ou seja, ainda que a restrição coercitiva das liberdades seja em si mesma um mal necessário, ela estará justificada na medida em que for compensada por um máximo de bem-estar ou felicidade proporcionado para a coletividade. Assim, para o utilitarista, a única razão plausível para justificar a restrição das liberdades, cobrarem obediência às leis e sancionar coerções diante de sua desobediência está em mostrar que isso é mais vantajoso e útil, porque torna a coletividade mais feliz.27

25 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 32-33. 26 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 27-29. 27 ESTEVES, Julio. As críticas ao utilitarismo por John Rawls. In: Ethic@. Revista Internacional de Filosofia Moral, Florianópolis, Florianópolis v.1, n.1, p.81-96, Jun 2002. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/ETHIC1~6.PRN.pdf>. Acessado em: 17 ago. 2008. p. 82

17

É neste ponto, quando o “utilitarismo simplesmente reproduz, em uma escala

‘social’, nossa tendência a aceitar certos sacrifícios presentes, com o objetivo de

obter maiores benefícios no futuro”28 que se iniciam as críticas de Rawls. O risco de

adotar o utilitarismo como princípio norteador da justiça e das instituições é o de não

levar a sério a diferença entre as pessoas. Nessa teoria adota-se concepção daquilo

que é bom a partir dos princípios de escolha racional para um único ser humano, o

observador imparcial (ou legislador ideal) e solidário, e aplica-se este entendimento

a toda a sociedade, como se todos os indivíduos do corpo social tivessem

exatamente os mesmos anseios e planos de vida.

A natureza da decisão tomada pelo legislador ideal não é, portanto, substancialmente diferente da de um empreendedor que decide como maximizar seus lucros por meio da produção desta ou daquela mercadoria, ou da de um consumidor que decide como maximizar sua satisfação mediante a compra deste ou daquele conjunto de bens. Em cada um desses casos há uma única pessoa cujo sistema de desejos determina a melhor distribuição de meios limitados. 29

Rawls funda-se na certeza de que “cada membro da sociedade é possuidor

de uma inviolabilidade fundada na justiça, […], que nem mesmo o bem-estar de

todos os outros pode anular”30 por isso, como anuncia no prefácio de sua obra

prima, parte na empreitada de elaborar uma concepção de justiça alternativa ao

utilitarismo clássico. Por esta busca a um modelo teórico que se contraponha e

supere a matriz utilitarista é possível afirmar que o utilitarismo é uma das correntes

que influenciaram a obra de Rawls. Na justiça como eqüidade, ao contrário do

utilitarismo, a noção de justo precede a de bem e os princípios da justiça acabam

por estabelecer quais satisfações são válidas.31

1.2.4 Contratualismo

O autor de Uma Teoria da Justiça vê o utilitarismo como um fundamento

muito frágil e insuficiente para as instituições da democracia constitucional, e parte

então em busca de uma concepção de justiça capaz de explicar as liberdades e 28 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 7 29 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 29. 30 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 30. 31 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 34.

18

direitos básicos dos cidadãos enquanto pessoas livres. Encontra na teoria clássica

do contrato social as bases para a formulação do seu contramodelo utilitarista:

Meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generaliza e leva a um plano superior a conhecida teoria do contrato social como se lê, digamos, em Locke, Rousseau e Kant.32

As contribuições dos três autores citados por Rawls como compondo a teoria

do contratualismo clássico expressam de diferentes modos uma realidade muito

similar. Em linhas gerais, na proposta de Locke, os indivíduos para fazerem a

transposição do estado de natureza para um estado civil ou político, renunciam

apenas o direito de fazer justiça por si mesmos, celebrando um pacto de sociedade.

Já em Rousseau, as pessoas deixam o estado de natureza ao renunciarem todos

seus direitos naturais e seus bens em favor do corpo político do qual todos

participam. Dito de outro modo, o contrato social é um ato coletivo de renúncia e de

transferência. No pacto social kantiano, a passagem do estado de natureza ao

estado civil é o momento da renúncia a toda a propriedade privada e liberdade

exterior em favor da união das vontades particulares numa vontade comum e

pública.33

Tanto Locke, como Rousseau e Kant, foram antecedidos por Thomas Hobbes

na teoria do contrato social. Contudo, Rawls em momento algum menciona o filósofo

de Malmesbury como fonte contratualista, “apesar da inegável presença de alguns

conceitos deste em sua teoria, principalmente o de estado de natureza”. 34

Foi na tentativa de uma generalização e de “saltar” em busca de uma teoria

da justiça - que segundo ele está a um passo além na abstração - é que Rawls se

apropriou do método que contratualistas modernos utilizaram para expressar sua

teoria política. “O que interessa a Rawls na idéia de contrato […] é o procedimento

através do qual o Contrato Social se impõe como racionalmente necessário e

moralmente legítimo”. 35

32 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 12 33 NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de integração de liberdade e igualdade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 29-30 34 ALVES, Marcelo. A relação entre o estado de natureza hobbesiano e a noção de “posição original” formulada por John Rawls em Uma teoria da Justiça. In: ALVES, Marcelo. Leviatã, o demiurgo das paixões: uma introdução ao contrato hobbesiano. Florianópolis: Letras Contempoâneas, 2001. p. 96 35 ALVES, Marcelo. A relação entre o estado de natureza hobbesiano e a noção de “posição original” formulada por John Rawls em Uma teoria da Justiça. p. 95.

19

Diferentemente das teorias clássicas, na teoria de Rawls não existe um

estado de natureza, um momento que preceda a existência do Estado, pois as

partes contratantes já são membros da sociedade. O contrato social rawlsiano não é

o momento da instituição da sociedade, e por ele também não se objetiva escolher

um governante ou a forma de governo, mas sim definir alguns princípios morais que

guiarão a sociedade.36 Ao retomar o conceito de contrato social, Rawls

[…]não pretende trabalhar com uma teoria contratualista completa, isto é, uma teoria que englobe um sistema ético de princípios para todas as virtudes, mas um sistema de princípios para a justiça.37

A situação correspondente ao estado de natureza postulado pela teoria

clássica do contrato é a posição original (original position), que é meramente

hipotética, onde pessoas livres e racionais escolhem os princípios de justiça que irão

regular e informar a estrutura básica da sociedade (basic structure of society).

O mérito da terminologia do contrato é que ela transmite a idéia de que princípios da justiça podem ser concebidos como princípios que seriam escolhidos por pessoas racionais e que assim as concepções da justiça podem ser explicadas e justificadas.38

Como os princípios de justiça acordados na posição original são resultado de

um consenso, as partes têm conhecimento dos princípios que as demais seguem.

Isso caracteriza a condição de publicidade dos princípios adotados, que também é

sugerida pela doutrina contratualista.39

A característica central do neocontratulismo da justiça como eqüidade é a

prioridade do conceito d justo em relação ao de bem. Esta primazia ocorre porque

“os desejos e aspirações dos seres humanos são restringidos desde o início pelos

princípios de justiça que especificam os limites que os sistemas humanos de

finalidades devem respeitar.”40

36 “[…] o professor em Harvard recupera a noção de contrato social, que é uma categoria originariamente jusnaturalista, para apresentá-lo sob novo formato: não mais como um acordo realizado entre os indivíduos na fundação da sociedade política, mas, sim, como uma formulação racional capaz de renortear as normas sociais, a partir do conceito de justiça eqüitativa. Daí porque Rawls é tido como um neocontratualista contemporâneo.” NUNES, Amandino Teixeira Junior. A teoria rawlsiana da justiça. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 42, n. 168, p. 215-225 out./dez. 2005. p. 223 37 PILON, Almir José. Liberdade e Justiça: uma introdução à filosofia do direito em Kant e Rawls. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002. p.86 38 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 18 39 Cf, RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 18 40 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 34

20

Portanto, a influencia que o contratualismo clássico teve sobre Rawls é

evidente e decisiva, pois a posição original é o que possibilita o desenvolvimento de

uma teoria da justiça como eqüidade.

1.2.5 Teoria moral kantiana

Os escritos sobre a filosofia moral de Kant exercem notável influência sobre a

teoria da justiça rawlsiana. De acordo com Loparic, a filosofia prática kantiana “é

comumente vista como a fonte de inspiração principal da teoria da justiça de

Rawls.”41

O filósofo norte-americano apropria-se de alguns conceitos morais que

remetem à filosofia de Kant, tais como autonomia, imperativo categórico bem como

do modelo do construtivismo42 e os apresenta em sua teoria sob uma nova ótica,

qual seja, a política.43

Rawls discorre sobre o construtivismo ético kantiano - no artigo “O

construtivismo kantiano na teoria moral”, publicado pela primeira vez em 1980 - no

qual funda sua teoria da justiça como eqüidade e mais tarde, no Liberalismo político,

apresentar, ao construtivismo político. Em linhas gerais, aplicado à filosofia moral, o

construtivismo consiste

[…] em um modelo para a abordagem de questões morais, tanto com o intuito de explicitar pressupostos, organizar e tornar coerentes um conjunto de valores e preceitos morais (um modelo de análise), assim como com o intuito de argumentar quanto à validade destes valores e preceitos (um modelo de justificação).44

Para melhor entender o que significa o construtivismo moral é interessante

esboçar uma comparação com o realismo moral. Em tal modelo, os conceitos morais

41 LOPARIC, Zeljko. Sobre a interpretação de Rawls do fato da razão. p. 73-102 In: FELIPE, Sonia Teresinha (Org.). Justiça como eqüidade: fundamentação e interlocuções polêmicas (Kant, Rawls, Habermas). Florianópolis: Insular, 1998. p. 73. 42 Cf. FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. 2005. 106 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005. 43 Cf. PILON, Almir José. Liberdade e Justiça: uma introdução à filosofia do direito em Kant e Rawls. p.40-42 44 FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 8

21

são descritivos, ou seja, apenas descrevem objetos que já existiriam

independentemente da existência do homem:

Haveria algo assim como um ‘reino dos valores’ que seria descrito por nossos conceitos morais, com leis equivalentes ao que tomamos como leis da natureza, que precisariam apenas ser “descobertas”.45

O que fundamentalmente diferencia um modelo do outro é a concepção de sujeito

moral adotada em cada um deles. No caso do realismo moral, como existe uma

ordem moral externa ao homem e independente de sua existência, cabe ao sujeito

moral, passivamente, contemplar essa ordem e descrevê-la. A concepção de pessoa

é limitada, pois ela apenas desvela e então recebe a lei moral.46 “O modo de acesso

a estes valores e leis pode ser, por exemplo, uma ‘intuição racional’, na qual seriam

apreendidas as verdades em relação à moral.”47

Já no construtivismo moral48, os princípios morais – como o nome já sugere –

são construídos, e não percebidos, por isso aqui as qualidades do sujeito moral são

mais complexas, haja visto a necessidade de elaborar os princípios.

[…] no construtivismo a moralidade é entendida como uma resposta da racionalidade humana frente a problemas práticos, ou seja, a moralidade é vista como um produto – ou uma construção – da razão em seu uso prático, não sendo tratada como um conjunto de objetos dados que seriam simplesmente ‘conhecidos’ pela razão teórica, como no caso do realismo moral.49

No entender de Rawls, a importância estratégica da versão kantiana do

construtivismo é que ela apresenta uma concepção particular de pessoa moral,

45 FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 9 46 “Como o conteúdo dos princípios já está fixado, pede-se ao eu [self] simplesmente que seja capaz de saber o que são esses princípios e que seja movido por esse saber. A hipótese básica é que o reconhecimento dos princípios primeiros de justiça como verdadeiros e imediatamente evidentes, suscita, em um ser capaz de ter uma intuição racional disso, um desejo de agir em conformidade apenas com eles.” RAWLS, John. O construtivismo kantiano na teoria moral. In: _____ Justiça e democracia. Catherine Audard (Org.). Tradução: Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 120-121 47 FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 9 48 […] no sentido amplo, o construtivismo moral seria um modelo de justificação, e, enquanto tal, o próprio procedimento precisa ser justificado, de modo que, na medida em que o procedimento é justificado, os princípios que dele decorrem também o são.” FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 11 49 FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 9-10

22

considerada como livre e igual. O que interessa a Rawls é traçar uma relação entre

princípios de justiça e a concepção de pessoa.

A relação buscada é fornecida por um procedimento de construção pelo qual agentes racionalmente autônomos e submetidos a condições razoáveis chegam a um acordo sobre princípios públicos de justiça.50

Na filosofia prática kantiana, de acordo com Rawls, “o principal objetivo de

Kant é aprofundar e justificar a idéia de Rousseau de que liberdade é agir de acordo

com a lei que nós estabelecemos para nós mesmos.”51 Assim, na Fundamentação da

Metafísica dos Costumes, o filósofo alemão, preocupado em justificar a origem da

obrigação moral, afirma que a fonte da lei moral não deve ser buscada “na natureza

do homem ou nas circunstâncias do universo em que o homem se situa, porém, sim,

a priori, exclusivamente em conceitos da razão pura.”52 Ou seja, a lei moral não

precisa nada mais que a razão.53

Assim, os seres racionais, dentre eles os humanos, são capazes de alcançar

uma máxima universal através da razão e agir com base nessas máximas. E quando

age somente com vistas a cumprir essa máxima, sem ser determinado por causas

externas (sem ser determinado por interesse, egoísmo, inclinação), o sujeito estará

agindo de forma autônoma, pois se submete à lei moral que ele mesmo pode

considerar-se autor. 54

De um modo geral, ela [autonomia] significa a capacidade racional de atuar de acordo com leis que o agente dá a si mesmo, mediante as quais ele age independentemente de ser determinado por causas estranhas. Tal ação requer o desígnio da vontade em submeter-se ou obedecer apenas às leis que o sujeito propõe para si. 55

50 RAWLS, John. O construtivismo kantiano na teoria moral. In:_____ Justiça e democracia. p. 111 51 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 281 52 KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro, Ediouro, 199[?] p. 28 53 “[…] todos os conceitos morais têm sua base e origem, completamente a priori, na razão, e isso na razão humana mais vulgar tanto como na mais altamente especulativa.” KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. p. 60 54 Por autônomo, o filósofo alemão entende o ser racional “como livre acerca de todas as leis naturais, obedecendo só àquelas [leis universais] que ele mesmo dá e pelas quais suas máximas possam pertencer a uma legislação universal (à qual ele próprio se submete ao mesmo tempo).” KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. p. 86-87. 55 RAMOS, César Augusto. Coação e Autonomia em Kant: as duas faces de uma faculdade de volição. Ethic@. Revista Internacional de Filosofia Moral, Florianópolis, Florianópolis v.7, n.1, p.45-68, Jun 2008. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et71art4.pdf>. Acessado em: 17 ago. 2008. p. 46.

23

Na teoria moral kantiana, contudo, não é qualquer lei que a razão deve

obedecer. Deve sim é orientar-se por máximas, com origem no próprio agente, que

possam ser convertidas naquilo que Kant chama de imperativo categórico56 ou

imperativo da moralidade.

Por imperativo categórico, Kant entende um princípio de conduta que se aplica a uma pessoa em virtude de sua natureza de ser racional, igual e livre. A validade do princípio não pressupõe que se tenha um desejo ou um objetivo particular.57

Uma das condições de legitimidade do imperativo categórico é que a máxima

legislada pelo indivíduo se transforme em lei universal, significa dizer que deve ter

validade para todos. Outra condição do mandamento da razão destaca a dignidade

humana, sendo o imperativo apresentado desta maneira:

Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca somente como um meio.58

Nesta formulação do imperativo categórico, Kant confere um valor absoluto à

dignidade humana, que significa tratar a si próprio e a outro ser humano sempre

como sendo um fim em si mesmo. É reconhecer que o outro, assim como eu, é livre

e capaz de estabelecer por si as leis para orientar sua própria vida, livre para legislar

e seguir suas próprias máximas. Da leitura da Fundamentação da Metafísica dos

Costumes pode-se afirmar que dignidade é o valor de alguém para além de todo o

cálculo. A concepção de pessoa moral como tendo um valor em si mesma, e não um

valor instrumental, “determina um dos traços substantivos característicos de uma

moral kantiana: a igualdade fundamental entre pessoas morais.”59

Quanto o indivíduo não legisla por si mesmo, quando renuncia o uso

autônomo da razão, seja por passividade, pouca instrução, covardia ou violência

externa, abre-se espaço para a heteronomia60, ou seja, para ser governado por uma

56 “O imperativo categórico seria o que representasse uma ação por si mesma, sem referência a nenhum outro fim, como objetivamente necessária.” KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. p. 63 57 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 277 58 “O imperativo categórico seria o que representasse uma ação por si mesma, sem referência a nenhum outro fim, como objetivamente necessária.” KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. p. 79 59 FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. p. 17 60 Cf. RAMOS, César Augusto. Coação e Autonomia em Kant: as duas faces de uma faculdade de volição. p. 46.

24

lei ou juízo de outrem. E isso é repudiado tanto por Kant como por Rawls61, pois é

em função da autonomia individual, do poder ser sujeito de si e dirigir a própria vida

é que cada indivíduo pode ser considerado autor de suas ações e responsabilizado

por elas.

Rawls admite, em Uma teoria da justiça, que existe uma interpretação

kantiana em sua concepção de justiça que tem por fundamento a idéia de autonomia

em Kant. A partir deste ponto é que se pode vislumbrar a transposição de conceitos

da ordem moral para a política. Da mesma forma que os imperativos categóricos, na

ética kantiana, são objeto de escolha racional, também isso ocorre com os princípios

da justiça na teoria rawlsiana. Tais princípios de justiça são aqueles que

“gostaríamos que todos (inclusive nós mesmos) seguissem se assumíssemos juntos

o ponto de vista geral adequado.”62

O ponto de vista geral adequado proposto por Rawls é a posição original,

uma situação hipotética em que são escolhidos os princípios de justiça que

orientarão a sociedade. O que dá o caráter eqüitativo é o véu da ignorância, outro

recurso utilizado por Rawls, com o objetivo de evitar que informações sobre a vida

(posição social, sexo, idade, etc) dos indivíduos venha interferir na tomada da

decisão quanto a qual ou quais princípios escolher, pois acredita que a ignorância de

cada um quanto a sua situação particular leva a uma certa imparcialidade. Em suma,

a posição original e o véu da ignorância proporcionam uma condição em que todos

podem adotar um ponto de vista em pé de igualdade.

Por serem fruto de uma escolha racional, feita por pessoas livres e

autônomas, num cenário em que todos são igualmente considerados, pode-se dizer

que os princípios da justiça rawlsianos “se apresentam como análogos aos

imperativos categóricos.”63 A diferença é que enquanto as máximas do imperativo

categórico aplicam-se para julgar o agir moral, princípios da justiça escolhidos têm

por objeto a estrutura básica da sociedade.

61 “Kant acredita, julgo eu, que uma pessoa age de modo autônomo quando os princípios de suas ações são escolhidos por ela como a expressão mais adequada possível de sua natureza de ser racional, igual e livre. Os princípios que norteiam suas ações não são adotados por causa de sua posição social ou de seus dotes naturais, ou em vista do tipo particular de sociedade em que vive ou das coisas específicas que venha a querer. Agir com base em tais princípios é agir de modo heterônomo.” RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 276 62 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 575 63 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 277

25

26

2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA RAWLSIANA DA JUSTIÇA COMO EQÜIDADE

2.1 A SOCIEDADE COMO UM SISTEMA EQÜITATIVO DE COOPERAÇÃO

(SOCIETY AS A FAIR SYSTEM OF COOPERATION)

Para dar início à sua idéia de organização política em que prevalece a justiça

como eqüidade, Rawls assume a definição de sociedade como sendo

uma associação mais ou menos auto-suficiente, de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com elas. Suponhamos também que essas regras especifiquem um sistema de cooperação concebido para promover o bem dos que fazem parte dela. Então, embora uma sociedade seja um empreendimento cooperativo, visando vantagens mútuas, ela é tipicamente marcada por um conflito bem como por uma identidade de interesses. 64

Nesse sentido, os indivíduos reúnem-se em sociedade porque através da

cooperação social têm uma vida melhor do que se vivessem isolados e dependendo

somente de si próprios para fazer a manutenção de sua existência. Essa vida melhor

só é possível porque os indivíduos reconhecem regras de conduta e cooperam

buscando promover o próprio bem.65

Dessa cooperação são obtidos vários benefícios, cuja forma como são

distribuídos não passa despercebida pelos membros da sociedade. Todos querem

ter uma participação maior nesta distribuição, e de acordo com sua própria

concepção de bem. É nesse momento, de conflito de interesses quanto à

distribuição dos benefícios e a vantagem mútua da cidadania, que entra em cena a

discussão quanto aos princípios da justiça66 para ordenar a divisão das vantagens e

selar um acordo entre os membros dessa associação.

64 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 04 65 Um importante aspecto da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação é a idéia de vantagem racional (rational advantage), segundo a qual os indivíduos que “cooperam procuram promover do ponto de vista de seu próprio bem.” RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 09 66 Para Rawls, “esses princípios são os princípios da justiça social: eles fornecem os modos de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos bens e encargos da cooperação social” RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 05

27

Esse acordo razoável, para Rawls, pode ser obtido mediante a idéia de cooperação social, que seria a mais adequada para arranjar coerentemente o ideal de uma democracia constitucional, em que os cidadãos são considerados, invariavelmente, como livres e iguais.67

Rawls concebe então a sociedade “como um sistema eqüitativo de

cooperação social que se perpetua de uma geração para a outra”68, e anuncia três

aspectos essenciais da cooperação social69. As regras e os procedimentos que

orientam a cooperação social - chamadas de termos eqüitativos de cooperação (fair

terms of cooperation) – são aceitas e publicamente reconhecidas pelos indivíduos

como adequados para guiar sua conduta e devem ser propostas de tal forma que

aqueles que cooperam concordem com tais termos, ou venham a consentir com eles

desde que os demais também o façam. O pressuposto para a cooperação social é a

idéia de reciprocidade ou de mutualidade.

O terceiro aspecto da cooperação social está na idéia da vantagem ou bem

racional, segundo a qual os indivíduos da sociedade cooperam com vistas a realizar

seu plano de vida de acordo com sua própria concepção de bem. De acordo com

Roosevelt Arraes,

a idéia de bem racional da pessoa, […] está vinculada à auto-estima e à possibilidade de se afirmar e realizar algum projeto de vida, com dignidade, no plano individual e no plano coletivo (das associações, comunidades e relações familiares).70

67 ARRAES, Roosevelt. A idéia e o ideal de sociedade bem-ordenada no Liberalismo Político de John Rawls. 2006. 132 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. p. 60 68 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. Erin Kelly (Org.). Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 07 69 “(a) A cooperação social é algo distinto da mera atividade socialmente coordenada – por exemplo, a atividade coordenada por ordens emanadas de uma autoridade central absoluta. Pelo contrário, a cooperação social guia-se por regras e procedimentos publicamente reconhecidos, que aqueles que cooperam aceitam como apropriados para reger sua conduta. (b) A idéia de cooperação contém a idéia de termos eqüitativos de cooperação: são termos que cada participante pode razoavelmente aceitar, e às vezes deveria aceitar, desde que todos os outros aceitem. Termos eqüitativos de cooperação incluem a idéia de reciprocidade ou mutualidade: todo aquele que cumprir sua parte, de acordo com o que as regras reconhecidas o exigem, deve-se beneficiar da cooperação conforme um critério público e consensual especificado. (c) A idéia de cooperação também contém a idéia da vantagem ou bem racional de cada participante. A idéia de vantagem racional especifica o que os que cooperam procuram promover do ponto de vista de seu próprio bem.” RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 08-09 70 ARRAES, Roosevelt. A idéia e o ideal de sociedade bem-ordenada no Liberalismo Político de John Rawls. p. 62

28

O conceito de da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação é

colocado por Rawls como uma idéia central e organizadora da concepção política de

justiça para um regime democrático. A esta idéia estão associados dois outros

elementos fundamentais: a idéia dos cidadãos que cooperam como pessoas livres e

iguais e a idéia de uma sociedade bem-ordenada. 71

2.2 SOCIEDADE BEM-ORDENADA (WELL-ORDERED-SOCIETY)

Os princípios de justiça que Rawls apresenta não são aplicáveis em quaisquer

sociedades, mas somente em uma sociedade bem-ordenada, na qual cidadãos

livres e iguais estão dispostos a cooperar com a justiça. A principal característica de

uma sociedade organizada é ser “efetivamente regulada por alguma concepção

pública (política) de justiça, seja ela qual for.” 72 Rawls assim a define:

trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem esses princípios.73

Num sentido mais particular, a idéia de sociedade bem-ordenada, remete à

idéia da publicidade, em que “cada membro da sociedade aceita e sabe que todos

os outros aceitam a mesma concepção política de justiça.” 74 Ou seja, os princípios

de justiça que compõem tal concepção são publicamente reconhecidos. Como tais

princípios são instituídos pelos indivíduos, resulta que há na sociedade bem

ordenada um efetivo senso de justiça dos cidadãos, ou seja, há entre os membros

da sociedade um querer agir de acordo com os princípios da justiça.

Os cidadãos de uma sociedade bem-ordenada afirmam a constituição e seus valores políticos tal como se realizam nas instituições, e compartilham o objetivo de fazer justiça um ao outro, como o exigem os arranjos da sociedade.75

Os indivíduos, além de aceitarem os princípios da justiça e terem conhecimento

que todos os demais também conhecem e aceitam tais princípios, reconhecem que

71 Cf. RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 07 72 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 13 73 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 05 74 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 13 75 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 28

29

da mesma forma as instituições sociais atuam ou deveriam atuar de acordo com os

princípios de justiça por todos aceitos.

todos sabem, ou por bons motivos acreditam, que a estrutura básica da sociedade – ou seja, suas principais instituições políticas e sociais e a maneira como elas interagem como sistema de cooperação - respeita esses princípios de justiça.76

2.3 ESTRUTURA BÁSICA DA SOCIEDADE (BASIC STRUCTURE OF SOCIETY)

Uma sociedade que funcione como um sistema eqüitativo de cooperação, ao

considerar as pessoas livres e iguais, culmina em uma sociedade bem-ordenada,

regulada por uma concepção pública de justiça. Assim, os princípios de justiça que

compõem tal concepção têm por objeto a estrutura básica de uma sociedade bem-

ordenada, que de acordo com Rawls

é a maneira como as principais instituições políticas e sociais interagem formando um sistema de cooperação social, e a maneira como distribuem direitos e deveres básicos e determinam a divisão das vantagens provenientes da cooperação social no transcurso do tempo.77

Quando fala em instituições, Rawls refere-se à Constituição política com um

judiciário independente e aos principais acordos econômicos e sociais, bem como da

proteção legal da liberdade de pensamento e consciência, os mercados competitivos, a propriedade particular no âmbito dos meios de produção e a família monogâmica constituem exemplos das instituições sociais mais importantes.78

As instituições têm importante papel na sociedade, pois são elas que formam

os indivíduos, que modelam “a concepção de que as pessoas têm de si mesmas,

bem como o caráter e os fins delas”, pois “constituem-se em esquemas ou filtros que

selecionam os aspectos naturais que serão desenvolvidos”79 na sociedade humana.

São as instituições sociais que acabam por definir os direitos e deveres dos homens

e influenciar seus projetos de vida.

Rawls radica nas Instituições a responsabilidade de assegurar ao cidadão o respeito à sua dignidade como pessoa, que, por sua vez, reafirma o ideal da democracia e do respeito aos valores instituídos pela civilização e pela história burguesa ocidental:

76 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 12 77 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 13 78 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p.8 79 SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 38

30

liberdade, igualdade, responsabilidade, numa palavra, racionalidade, praticada em todas as formas de relações institucionais, no âmbito das quais o homem aprende o exercício da cidadania democrática.80 (grifado como no original)

Na estrutura básica da sociedade existem várias posições sociais e cidadãos

nascidos em condições econômicas e sociais diferentes, cujos planos de vida são

determinados tanto pelo sistema político quanto pelas circunstâncias sociais e

econômicas. Por um acaso da vida, um ser nasce na espécie humana, com um

determinado sexo, em uma determinada classe social, contudo é pela forma como

as instituições distribuem os benefícios da cooperação social que essas

particularidades se transformam em desigualdades que afetam negativamente as

possibilidades de vida das pessoas.81

Assim as instituições sociais favorecem certos pontos de partida mais que outros. Essas desigualdades são especialmente profundas. […] É a essas desigualdades, supostamente inevitáveis na estrutura básica da sociedade, que os princípios da justiça devem ser aplicados em primeiro lugar.82

Objetivo da justiça é então ordenar a forma como as instituições sociais da

estrutura básica da sociedade distribuem direitos e deveres fundamentais bem como

os benefícios advindos da cooperação social.

2.4 A CONCEPÇÃO DE PESSOA COMO LIVRE E IGUAL (FREE AND EQUAL

PERSONS)

Ao elaborar a Uma Teoria da Justiça, Rawls tinha em mente formular uma

concepção de justiça alternativa ao utilitarismo, pois não acreditava que tal corrente

filosófica – que antepõe o bem estar coletivo ao individual - fosse capaz de explicar

as liberdades e direitos básicos dos cidadãos como pessoas livres e iguais.83 Para o

filósofo norte-americano,

80 FELIPE, Sonia T. A concepção pública de justiça em John Rawls. Revista Seqüência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, n. 33, Ano 17, dez. 1996, p. 131 81 “Para Rawls, a distribuição natural não é moral, pois não é justo ou injusto que as pessoas nasçam em alguma posição social específica. O que é justo ou injusto é o modo como as instituições lidam com esses fatos.” SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 39 82 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p.8 83 Cf. RAWLS, John. Prefácio à edição brasileira. _____ Uma teoria da justiça. p. XIV

31

numa sociedade justa as liberdades básicas são tomadas como pressupostos e os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais.84

Em Rawls, como em Kant, há a valorização da dignidade humana, significa

dizer que a teoria da justiça rawlsiana vê cada ser humano como um fim em si

mesmo. Todo e cada membro da sociedade possui direitos fundamentais, dos quais

não podem ser destituídos com vistas a promover o bem comum, o interesse

público.85 Os valores inalienáveis aos quais Rawls se refere são a liberdade e a

igualdade, que dão conduzem então à concepção de pessoa como livre e igual.

Apesar de os homens serem desiguais em sua constituição física, em sua

condição social, pode-se afirmar a existência de igualdade entre as pessoas, porque

todas “têm, num grau mínimo essencial, as faculdades morais necessárias para

envolver-se na cooperação social a vida toda e participar da sociedade como

cidadãos iguais.”86 A igualdade entre as pessoas não poderia ser garantida caso

fossem enfocados os

aspectos econômicos, a pertença aos grupos sociais, nem pelos dotes naturais e pela história de vida. Trata-se de impedir que aspectos arbitrários ou contingentes do ponto de vista moral, como os dotes naturais e a circunstâncias sociais, sejam usados como trunfos na demanda de vantagens econômicas e políticas.87

Nesse sentido, a despeito de diferenças físicas e sociais, a moralidade,

entendida como autonomia, é tomada como fundamento da igualdade, não apenas

por ser algo comum a todos os indivíduos. “Posto que a autonomia procede da

dignidade humana, todos os homens são igualmente dignos, têm igual direito a

decidir e discutir as leis pelas quais são regidos.”88

As faculdades morais às quais Rawls se refere são duas: a capacidade de ter

um senso de justiça (é a capacidade de compreender e aplicar os princípios de

84 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.30 85 “Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular. A justiça nega que a perda de liberdade para alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros.” p. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.30 86 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 27 87 SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 64. 88 “[…] los hombres son desiguales em su constituición sensible (en lo que Rawls llama las ‘loterias’ ‘natural’ y ‘social’) , pero iguales en su capacidad autolegisladora, iguales como seres nouménicos. Puesto que la autonomia procede la dignidad humana, todos los hombres son igualmente dignos, tienen igual derecho a decidir y discutir lãs leyes por las que han de regirse.” (traduçao livre) ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. p. 140

32

justiça política que determinam os termos eqüitativos de cooperação social, e de agir

a partir deles (e não apenas de acordo com eles) e a capacidade de formar uma

própria concepção de bem (é a capacidade de ter, revisar e buscar atingir de modo

racional uma concepção de bem, que é aquilo que uma pessoa considera vida digna

de ser vivida).89

A capacidade de senso de justiça remete à razoabilidade. Para Rawls90, uma

pessoa é razoável quando se dispõe a, além de propor e discutir princípios e termos

eqüitativos de cooperação e submeter-se a eles, reconhecer as proposições feitas

pelos demais cidadãos. Pode-se dizer que razoável é a pessoa que se abre para o

diálogo no que tange às questões de justiça, e que “é capaz de aceitar restrições à

sua própria concepção [de justo e de bem] e implementação de seu bem.”91

Pessoas razoáveis também entendem que devem honrar esses princípios, mesmo à custa de seus próprios interesses se as circunstâncias o exigirem, desde que os outros também devam honrá-los.92

Já a capacidade de formar uma concepção própria de bem remete ao

racional. Por meio da racionalidade é que a pessoa formula o seu plano de vida, de

acordo com sua concepção própria de bem e articula os meios mais eficientes para

realizar o bem que definiu para si. O racional

[…] aplica-se a um agente único e unificado, dotado das capacidades de julgamento e deliberação ao buscar realizar seus fins e interesses peculiarmente seus. O racional aplica-se à forma pela qual esses fins e interesses são adotados e promovidos, bem como à forma segundo a qual são priorizados.93

Quanto ao aspecto da liberdade, Rawls afirma que os cidadãos são vistos

como pessoas livres também em dois sentidos. São livres “na medida em que

consideram a si mesmos e aos demais como detentores da faculdade moral de ter

uma concepção de bem,”94 pois da mesma forma que são capazes de ter uma idéia

particular de bem, também podem rever e modificar essa concepção por motivos

89 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 26 90 “As pessoas são razoáveis em um aspecto básico quando, entre iguais, por exemplo, estão dispostas a propor princípios e critérios como termos eqüitativos de cooperação e submeter-se voluntariamente a eles, dada a garantia de que os outros farão o mesmo.” RAWLS, John. Liberalismo Político. p. 93. 91 SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 66. 92 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 09 93 RAWLS, John. Liberalismo Político. p. 94. 94 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 30

33

racionais e razoáveis. Assim, serão livres no sentido de que “sua identidade pública

ou legal como pessoas livres não é afetada por mudanças que possam ocorrer, no

tempo, na concepção específica que afirmam.” 95 Rawls cita um exemplo que facilita

a compreensão deste aspecto da pessoa como livre:

Por exemplo, quando cidadãos se convertem de uma religião para outra, ou cessam de professar alguma fé religiosa estabelecida, não deixam de ser, para questões de justiça política, as mesmas pessoas de antes.96

O segundo viés sob o qual a liberdade dos cidadãos é considerada diz

respeito a quando “os cidadãos consideram a si mesmos como livres na condição de

fontes de reivindicações legítimas que se autenticam por si mesmas.”97 Ou seja, os

cidadãos sentem que podem fazer reivindicações as instituições com vistas a

promover suas próprias concepções de bem, desde que compatíveis com a

concepção pública de justiça.

Por fim, Rawls afirma que a concepção da pessoa como livre e igual não é

metafísica ou psicológica, mas sim, é em si normativa e política.

O uso político da noção de pessoa significa dizer que os “bens primários” são, agora, definidos não em função dos “fatos naturais da psicologia humana”, e nem de uma concepção metafísica de pessoa, mas “pelas necessidades das pessoas em razão do seu estatuto de cidadãos livres e iguais...”. Esses bens são assegurados aos indivíduos enquanto cidadãos e não por causa das preferências e dos desejos.98

Os princípios de justiça política que farão a distribuição dos bens primários na

sociedade são escolhidos por pessoas livres e autônomas na posição original.

2.5 A POSIÇÃO ORIGINAL (ORIGINAL POSITION) E O VÉU DA IGNORÂNCIA

(VEIL OF IGNORANCE)

O ponto de partida da teoria rawlsiana da justiça é a idéia de uma sociedade

como um sistema eqüitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais. Surge 95 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 30 96 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 30 97 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 32 98 RAMOS, César Augusto. A concepção política de pessoa no Liberalismo de J. Rawls. Cadernos PET-FILOSOFIA/UFPR. Curitiba, n. 4, 2002. Disponível em <http://www.filosofia.ufpr.br/public/pub_cadPET.php> Acessado em: 17 ago. 2008. p. 71-72

34

então o questionamento sobre como devem ser determinados os termos eqüitativos

de cooperação e, nesse sentido, Rawls, depois de refutar que referidos termos

sejam ditados por uma lei divina ou pelo realismo moral, ou pelo jusnaturalismo,

acredita que “eles são estabelecidos por meio de um acordo entre cidadãos livres e

iguais unidos pela cooperação, à luz do que eles consideram ser suas vantagens

recíprocas.”99 Chega assim à idéia de posição original.

A posição original é uma situação puramente hipotética, como Rawls bem

admite, em que pessoas racionais, livres e iguais, deliberam e dentre várias

concepções de justiça, escolhem uma que então organizarão a sociedade,

celebrando assim o contrato social100. Os princípios escolhidos não podem sujeitar-

se às situações e interesses particulares das partes, por isso, a principal

característica da posição original é que

[…] ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou seu status social; além disso, ninguém conhece sua sorte na distribuição dos dotes naturais e habilidades. Também ninguém conhece sua concepção de bem, as particularidades do seu plano de vida racional e nem mesmo os traços característicos de sua psicologia.

Com vistas a evitar que interesses particulares venham a interferir na escolha

dos princípios, as partes também ignoram qual sua posição econômica e orientação

política nessa sociedade. Aliás, não sabem sequer a que geração pertencem. “Na

medida do possível, o único fato particular que as partes conhecem é que a sua

sociedade está sujeita as circunstâncias da justiça e a qualquer conseqüência que

possa decorrer disso.”101

Esse não-saber sobre certos aspectos de si é o que Rawls chama de véu da

ignorância, e é uma espécie de teste intuitivo de eqüidade.”102 O véu da ignorância,

quando limita as informações aos contratantes com relação a sua situação na

sociedade para a qual estão escolhendo os princípios de justiça, forma “um sistema

99 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 20 100 “Rawls imagina uma discussão realizada por indivíduos racionais e interessados em si mesmos, que se propõem eleger – por unanimidade, e depois deliberar entre eles – os princípios sociais que deverão organizar a sociedade. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 21. 101 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.147-148 102 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. p. 79.

35

de decisão capaz de assegurar que os princípios escolhidos garantiriam o melhor

possível para os que, porventura, iriam se encontrar na pior situação social.”103

O véu da ignorância confere a todos os participantes do acordo na posição

original uma situação de igualdade104, “todos os indivíduos são tomados como

pessoas éticas, isto é, como seres racionais, com objetivos próprios e capazes de

um senso de justiça”.105 De acordo com César Augusto Ramos,

[…] o véu de ignorância exclui qualquer interferência heterônoma na ação moral. Nele, os parceiros fazem as suas escolhas como “pessoas racionais, livres e iguais entre elas”. Se as pessoas agem segundo esses princípios, elas agem de forma racional (rational) e a escolha é razoável (reasonable).106

Esta situação eqüitativa entre as partes proporcionada pelo veil na posição

original é o que tornam eqüitativas e justas as escolhas feitas na posição original.

Isto é o que, posteriormente, dará sentido à justiça procedimental pura (pure

procedural justice), segundo a qual, ao seguir-se um procedimento correto ou justo,

o resultado também será correto ou justo.

2.6 A ESCOLHA DOS PRINCÍPIOS

2.6.1 Motivação das partes

Este tópico trata da motivação das pessoas na posição original, e não da

motivação das pessoas na vida quotidiana. Rawls pressupõe que as pessoas na

posição original não têm interesse pelos interesses dos outros, mas sim que o seu

movente é a busca por um certo tipo de bens, os bens primários (primary goods).107

103 SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 70. 104 “Ninguém, do ponto de vista moral, mereceria ser o que é, ter o que se tem na sociedade, em função de fatores aleatórios, ou que não pudessem ser correlatos imediatos da concepção de pessoa tal como admitida na posição original. Os fatores naturais, sociais e históricos não podem ter peso na perspectiva da posição original. Somente seriam aceitos argumentos que pressupusessem as pessoas como morais: livres e iguais.” SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em RAWLS. p. 70. 105 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p.13. 106 RAMOS, César Augusto. A concepção política de pessoa no Liberalismo de J. Rawls. p. 72 107 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.155

36

Bens primários são aqueles que os seres racionais desejariam independente

de qual fosse o seu plano de vida e são de dois tipos: bens primários sociais, os

quais são diretamente distribuídos pelas instituições sociais: direitos e liberdades

básicas, renda e riqueza, e as bases-sociais da auto-estima (self-esteem) e do auto-

respeito (self-respect). Já os bens primários naturais dizem respeito ao vigor,

inteligência, saúde, imaginação, e por isso não têm sua distribuição vinculada às

instituições. 108

Os bens primários sociais são importantes na medida em que são meios para

realizar o plano de vida de cada pessoa. A teoria da justiça de Rawls não tem por

objeto garantir a felicidade de todos ou da maioria dos indivíduos da sociedade, mas

sim, assegurar que todos tenham acesso aos meios necessários para que cada um

realize, de acordo com sua própria concepção de bem e de felicidade, o seu plano

racional de vida.109

2.6.2 O critério de racionalidade: a regra maximin

Rawls prevê que, quando estiverem na posição original, deliberando sobre quais

princípios integrarão a concepção de justiça, as partes, cobertas pelo véu da

ignorância, se depararão com situações de incerteza quanto à escolha que

enfrentam, “no caso de que mais de uma teoria pareça oferecer respostas

inicialmente plausíveis perante os problemas sociais que procuramos evitar.”110

Nesse caso, Rawls propõe um critério de racionalidade para dissolver a dúvida.

Trata-se da “regra maxmin” que tem por princípio maximizar aquilo que iria conseguir

caso terminasse na posição mínima ou pior. Tal regra prescreve que

devemos identificar o pior resultado de cada alternativa disponível e então adotar a alternativa cujo pior resultado é melhor do que os piores resultados de todas as outras alternativas. Para seguir esta

108 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 66 e RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 83-84. 109 “Por isso, quanto a sua concepção sobre a distribuição de recursos, sua preocupação não será a de como distribuir certos bens últimos (a felicidade, o bem-estar), mas a de como distribuir esses ‘bens primários’: bens que são necessários seja qual for o plano de vida que alguém busque.” GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 23. 110 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 22.

37

regra, ao escolher princípios de justiça para a estrutura básica procuramos as piores posições sociais admissíveis quando essa estrutura é efetivamente regulada por aqueles princípios em várias circunstâncias.111

O autor supõe que, como as partes que estão na posição original

desconhecem e sua posição social e outras características individuais, em caso

indecisão irão escolher a alternativa lhes assegure o menor dos piores dos piores

resultados possíveis (the least-worst possible outcome).112

Depois de esclarecida a motivação e o procedimento de escolha dos

princípios de justiça, passa-se agora a exposição dos dois princípios que

caracterizam a concepção rawlsiana de justiça como eqüidade.

2.7 OS PRINCÍPIOS PRIMEIROS DA JUSTIÇA (FIRST PRINCIPLES OF JUSTICE)

Em sua investigação sobre a justiça, Rawls deseja saber quais princípios de

justiça são os mais apropriados para determinar direitos e liberdades fundamentais e

para regular as desigualdades sociais e econômicas das perspectivas de vida dos

indivíduos em uma sociedade considerada como um sistema eqüitativo de

cooperação entre cidadãos livres e iguais. O professor de Harvard chega então aos

dois princípios de justiça, que acredita que serão os escolhidos pelas partes na

posição original, formulados da seguinte forma:

(a) cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos.

(b) as desigualdade econômicas e sociais devem satisfazer duas condições: [i] primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; [ii] e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (o princípio da diferença).113

111 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 137 112 “Os sujeitos em questão não sabem qual é a probabilidade que têm a seu alcance; nem têm um particular interesse em benefícios maiores que o mínimo; nem querem opções que envolvam riscos muito graves.” GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 24. 113 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 60

38

O primeiro princípio enunciado surge como conseqüência da ignorância das

partes na posição original em relação a sua própria concepção de bem. Assim, ao

escolher o princípio da igual liberdade (equal liberty principle), as partes estão

“interessadas em que, seja qual for a concepção do bem que acabem adotando, as

instituições básicas da sociedade não os prejudiquem ou discriminem.”114 Rawls

refere-se apenas às liberdades civis e políticas115 que fornecem condições

essenciais para o adequado desenvolvimento e realização das faculdades morais

das pessoas livres e iguais. O filósofo norte-americano frisa que essas liberdades

não são absolutas, uma vez que podem vir a se chocar umas com as outras,

contudo, o que importa é elas sejam ajustadas de modo a formar um único sistema,

que deve ser o mesmo para todos.116

O segundo princípio desdobra-se em dois, o princípio da igualdade eqüitativa

de oportunidades (fair equality of opportunities) e o princípio da diferença (difference

principle) ou princípio da justiça distributiva. Ambos têm origem na ignorância que as

partes na posição original têm em relação a seus talentos e a sua posição social e

econômica na sociedade real.117

Os dois princípios propostos por Rawls aplicam-se à estrutura básica da

sociedade, entretanto, o primeiro princípio deve ser empregado principalmente na

Constituição da sociedade, escrita ou não. Já o segundo princípio deve estar focado

nas instituições de fundo da justiça social e econômica.118

Pode-se afirmar que os princípios propostos por Rawls são análogos aos

princípios clamados pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

114 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 25. 115 As liberdades iguais listadas por Rawls: “Liberdade política (o direito de votar e ocupar um cargo político) e a liberdade de expressão e reunião; liberdade de consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa que incluem proteção contra a opressão psicológica e a agressão física (integridade da pessoa); o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estado de direito.” RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.65 116 Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p.65 117 Cf. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p. 25. 118 “[…] as instituições de fundo têm de funcionar no sentido de manter a propriedade e a riqueza tão uniformemente partilhados ao longo do tempo quanto o seja necessário para preservar o valor eqüitativo das liberdades políticas e a igualdade eqüitativa de oportunidades entre as gerações. Essas instituições fazem isso por meio de leis que regulam os legados e as heranças de propriedade, e de outros mecanismos tais como impostos, para evitar concentrações excessivas de poder privado.” RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 72

39

2.7.1 Os quatro estágios de concretização dos princípios da justiça.

Os princípios da justiça como eqüidade são adotados e aplicados em uma

seqüência de quatro estágios. O primeiro estágio é o momento da escolha dos

princípios de justiça na posição original, sob o véu da ignorância. Depois de

escolherem tais princípios, as partes retornam para seus lugares na sociedade e

procuram formar uma convenção constituinte. Agora, já sem o véu da ignorância, as

pessoas têm um conhecimento tanto teórico quanto genérico a respeito de sua

sociedade, o que lhes dá condições de “escolher a constituição justa mais eficaz,

que satisfaça os princípios da justiça e seja a mais bem projetada para promover

uma legislação eficaz e justa.” 119

O terceiro estágio é então caracterizado pela promulgação de leis, as quais

devem estar em consonância com o que a constituição admite e com as exigências

dos princípios de justiça inicialmente acordados. Nesse estágio de legislatura “toda a

gama de fatos sociais e econômicos de caráter geral entra em jogo.”120 É assim que

Os diversos institutos legais devem satisfazer não apenas os princípios da justiça, mas também respeitar quaisquer limites estabelecidos na constituição. Por meio desse movimento de avanços e recuos entre os estágios da legislatura e da convenção constituinte, descobre-se a melhor constituição.121

Por fim, no quarto estágio as normas são aplicadas aos casos particulares

pelos governantes e magistrados, e de um modo geral são seguidas pelos cidadãos.

É nesse último estágio que a constituição e as leis são interpretadas pelo

judiciário.122

2.8 JUSTIÇA PROCEDIMENTAL: PRIORIDADE DO JUSTO SOBRE O BEM

Uma das críticas que faz ao utilitarismo é que para esta corrente filosófica o

que importa é que a conseqüência de uma ação proporcione o maior grau de

felicidade geral possível, assim, o bem (a felicidade) antepõe-se a noção de justo.

119RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 213. 120 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 216. 121 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 215. 122 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 68

40

Na teoria da justiça como eqüidade, entretanto, nas questões de justiça importa é

promover antes a justiça do que a felicidade geral. A justiça procedimental pura se

verifica quando

existe um procedimento correto ou justo de modo que o resultado também será correto ou justo, qualquer que seja ele, contanto que o procedimento tenha sido corretamente aplicado.123

No caso da teoria da justiça como eqüidade, o procedimento de escolha dos

princípios na posição original, sob um véu da ignorância remete à justiça

procedimental. No momento da escolha dos princípios, todas as partes são

consideradas como iguais e livres de qualquer interesse externo, são autônomas. A

posição original proporciona um ambiente em que as escolhas ali feitas são

eqüitativas e, ao seguir-se um procedimento correto ou justo, o resultado também

será correto ou justo.

123 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 92.

41

3. UMA INTRODUÇÃO À FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO A

PARTIR DA TEORIA DE JOHN RAWLS

3.1 UM PROBLEMA URGENTE PARA A FILOSOFIA POLÍTICA

Na obra Justiça como Eqüidade, o autor apresenta como uma das funções da

filosofia política colocar em evidência “questões profundamente controversas e

verificar se, a despeito das aparências, é possível descobrir uma base subjacente de

acordo filosófico e moral.”124 Rawls detectou um conflito, aparentemente

irreconciliável, nas sociedades democráticas no que diz respeito às reivindicações

de liberdade e as de igualdade, as quais “são ambíguas, para não dizer equívocas, e

o modo de equilibrá-las nunca foi exposto de forma que mereça a aprovação

geral.”125 Surge então uma meta para a filosofia política responder como é possível

explicar os conceitos de liberdade e igualdade e descrever um modo de ordená-los e

equilibrá-los de maneira que os cidadãos de tais sociedades concordem com eles.

Porém, de acordo com Cortina Orts, para atingir esse objetivo “é preciso submeter à

revisão os fundamentos do direito a partir de uma filosofia moral.”126

As teorias morais até sua época, no entender de Rawls, eram insuficientes ou

frágeis demais para atender essa demanda da filosofia política. O filósofo então

elabora sua teoria da justiça como alternativa às explicações vigentes para as

liberdades e direitos básicos.127 O objeto da justiça social rawlsiana é a forma como

as instituições sociais mais importantes distribuem os deveres e direitos

fundamentais e o modo como dividem os benefícios da cooperação social. Uma vez

124 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 02 125 […] los conceptos de ‘libertad’ e ‘igualdad’ son ambiguos, por no decir equívocos, y el modo de equilibrarlos nunca ha sido expuesto de tal forma que merezca la aprobación general.” (tradução livre) CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. 129. 126 “[…] es preciso someter a revisión los fundamentos del derecho desde una filosofía moral.” (traduçao livre) CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. 130. 127 Cf. RAWLS, John. Prefácio à edição brasileira. _____ Uma teoria da justiça.

42

que distribuição é feita pelos códigos jurídicos estes devem ser submetidos a uma

revisão sob a ótica da justiça, porém, como é possível “dizer nas sociedades

democráticas que um código jurídico é justo, de tal modo que possa ser considerado

criticamente legítimo?”128 Esta pergunta remete à análise dos critérios de

legitimidade e justiça de uma decisão. Desde já, deixa-se claro que Rawls diferencia

questões de ‘legitimidade’ das de justiça, enfatizando estas últimas129.

3.2 LEGITIMIDADE OU JUSTIÇA?

LUCIO LEVI afirma que o significado mais geral do vocábulo “legitimidade”–

cujo verbete correlato é processo legislativo - aproxima-se do sentido de justiça ou

de racionalidade. Em termos políticos, a legitimidade aparece em um sentido mais

estrito, ligada a um atributo do Estado,

[…] que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos.130

Seguindo este autor, pode-se analisar a justiça de uma decisão ou de um

governo apenas sob o aspecto da legitimidade. Admitir essa proposição como

verdadeira implica em aceitar que as decisões tomadas por maioria serão “lei,

sempre que forem respeitados os procedimentos apropriados, o conjunto de regras

que identificam a lei.”131 Rawls, embora não negue que exista uma relação vigorosa

entre processo democrático e justiça132, chama atenção para o fato de que uma

decisão que atenda aos critérios de legitimidade, ainda assim pode ser injusta.

128 “¿Como podemos decir en las sociedades democráticas que un código jurídico és justo, de tal modo que pueda considerar-se criticamente legítimo?” (tradução livre) CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. p. 130 129 Cf. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. Lua Nova: Revista de Cultura e política. São Paulo, v. 57, n. pp. 73-76, 2002. 130 LEVI, Lucio. Verbete “legitimidade”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução: Carmen C. Varriale…[et. al] 4. ed. Brasília, Editora UnB, 1998. p. 675. 131 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 205 132 “Embora a idéia de legitimidade esteja claramente relacionada à justiça, deve-se observar que seu papel especial nas instituições democráticas […] é autorizar um

43

[…] [um regime democrático] pode ser legítimo e de acordo com uma longa tradição originada quando sua constituição foi aprovada pelo eleitorado (o povo)… E no entanto ele pode não ser muito justo, ou muito pouco justo, e assim também suas leis políticas.133

Nesse sentido, o fato de a eleição dos governantes e das leis atenderem aos

critérios do processo democrático sendo escolhidos por maiorias, e portanto

legítimos, não implica que o conteúdo das decisões e das leis seja justo. Para

analisar uma decisão ou o conteúdo de uma norma, é insuficiente fazê-lo verificando

apenas a correção dos procedimentos, tem-se de levar em conta os princípios

substantivos de justiça, ou seja, os valores morais envolvidos. 134

A legitimidade dos atos legislativos depende da justiça da constituição […] e quanto maior é o desvio da justiça, mais provável é a injustiça dos resultados. Para que possam ser legítimas, as leis não podem ser injustas demais. Procedimentos políticos constitucionais podem de fato ser […] puramente procedimentais quanto à legitimidade. Em vista da imperfeição de todos os procedimentos políticos humanos, não pode haver tal procedimento com relação à justiça política, e nenhum procedimento poderá determinar seu conteúdo substantivo. Logo, sempre dependemos de nossos juízos substantivos de justiça.135

Há um limite para a injustiça das decisões e quando estas são muito injustas,

corrompe-se a própria legitimidade do processo democrático, que está alicerçado no

arcabouço constitucional. A partir de certo momento, decisões injustas contaminam

a legitimidade dos atos do governo. Disso, pode-se dizer que os limites da

legitimidade democrática são estabelecidos pela justiça.136 Neste momento é

relevante fazer a distinção entre democracia e justiça para posteriormente

reaproximá-las. procedimento apropriado para tomar decisões quando os conflitos e desacordos na vida política tornam a unanimidade impossível ou raramente esperada.” (Reply to Habermas In: Political Liberalism, 1996, p. 428). Apud. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 74. 133 (Reply to Habermas In: Political Liberalism, 1996, p. 427). Apud. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 74. 134 Cf. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 83. 135 (Reply to Habermas In: Political Liberalism, 1996, p. 429). Apud. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 74-75. 136 “Se quisermos avaliar quão justas são as decisões dos regimes democráticos, olhar para os procedimentos de legitimação das decisões é claramente insuficiente, mesmo quando as consideramos aceitáveis, isto é, dentro da margem de tolerância necessária à sustentação do jogo democrático.” ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 75

44

3.3 DEMOCRACIA E JUSTIÇA

De acordo com Bobbio137, a democracia é uma forma de governo na qual o

poder político é exercido pelo povo (por todo o povo, pela maioria ou por muitos). A

teoria democrática tem caráter normativo (aponta para o que devem ser as

instituições políticas), descritivo e explicativo. Estes dois últimos preocupam-se em

responder como as instituições democráticas funcionam.138

Araújo apresenta como diferença de perspectiva entre a teoria da democracia

e uma teoria geral da justiça o fato de esta última ser eminentemente normativa. A

teoria da justiça tem que tomar parte nas questões que relacionam igualdade e

desigualdade entre pessoas ou grupo de pessoas, e estabelecer quais

desigualdades podem ser moralmente justificadas e quais igualdades são

moralmente injustificáveis. Contudo, a questão que trata igualdade e desigualdade é

multidimensional, o que significa que reconhecer a igualdade em uma dimensão,

não implica estendê-la para os demais níveis.139

Ainda no âmbito das teorias da justiça, há uma preocupação específica no

que se refere à política, qual seja, o exercício poder político. Como as questões

atinentes ao poder político são englobadas pela parte normativa da teoria

democrática, é possível estabelecer uma base de diálogo entre as duas teorias.140

Tanto a justificação do poder político quanto à da justiça (a partir de Rawls) utiliza-se

do procedimento do contrato para firmar, respectivamente, um governo legítimo e

princípios de justiça.

137 Cf. BOBBIO, Norberto. Democracia e ditadura. In: _____. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 138 Cf. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 75 139 Cf. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 75 140 Neste diálogo, entram questões como “quem pode participar e como deve participar das decisões coletivas. Há uma questão de igualdade neste problema? Todos os que são afetados pelas decisões políticas, e são obrigados a obedecê-las, devem participar igualmente dessas mesmas decisões?” Cf. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 76

45

3.4 O LIBERALISMO CLÁSSICO E O NOVO LIBERALISMO

O termo liberalismo será tratado aqui sob o ponto da filosofia política. A

inquietação dos pensadores do liberalismo clássicos dizia respeito à justificação e

extensão do poder político, aos limites do governo.141 Descontentes com a

explicação divina do poder, buscaram “[…] justificar racionalmente a existência do

Estado e de encontrar um fundamento racional para o poder político, para o máximo

de poder do homem sobre o homem […]”.142 A preocupação com os limites da ação

estatal levou liberais clássicos a formular “uma teoria normativa do governo: uma

teoria do governo legítimo.”143 Os principais autores desta teoria,

[…] partem de uma concepção de direitos naturais que serve (1) como um guia para pensar o correto procedimento para construir um governo legítimo; (2) como um delimitador da ação desse governo, uma vez constituído; (3) para formular um conceito de soberania.144

A teoria do contrato social apresentou-se como o mais como o correto

procedimento para justificar o poder145, construir um governo legítimo e limitar a

ação do Estado. A partir do contratualismo, o poder já não pode mais ser justificado

em entidades divinas, pois a autoridade é vista como uma criação dos próprios

indivíduos. Daí dizer-se que a tradição filosófica e política liberal considera primordial

o valor da autonomia da pessoa.146

De acordo com Gargarella, com o advento da teoria do contrato,

questionamentos morais que antes só encontravam respostas na religião, como “o

que a moral exige de nós” e “porque devemos obedecer a certas regras” podem ser

respondidas recorrendo à autonomia: “a moral exige que cumpramos aquela

141 “[…] os liberais consideravam um tema mais urgente e mais ameaçador para a ordem política, a hipertrofia estatal, e procuravam pensar em limites nessa esfera exatamente para reservar um lugar ao sol às liberdades individuais e/ou à propriedade.” ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 77 142 BOBBIO, Norberto. Liberalismo velho e novo. In: _____O futuro da democracia. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 158 143 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 77 144 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 77 145 […] e de um modo particular daquele poder que não tem acima de si nenhum outro poder, ou seja, do poder soberano. BOBBIO, Norberto. Liberalismo velho e novo. p. 158. 146 Cf. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p.14

46

obrigações que nos comprometemos a cumprir” e “a razão pela qual devemos

obedecer a certas regras é porque nos comprometemos a isso.” 147

O ponto central da teoria do governo legítimo no liberalismo clássico é o

conceito de soberania. A comunidade política é pensada como uma nação, em que

os membros se ligam por “laços históricos, afetivos, lingüísticos, de nascimento ou

de lutas políticas comuns.”148 E é esta comunidade que vai justificar o Estado

soberano.

Rawls retoma a teoria do contrato social não para justificar o poder ou um

governo legítimo, mas sim para justificar racionalmente a justiça, que em sua teoria é

resultado de um contrato original entre pessoas racionais. Por este motivo, Araújo149

afirma que “[…] o pensamento de Rawls é um marco na recuperação

contemporânea do pensamento liberal.”

Ao retomar a teoria contratualista, Rawls tirou de foco a soberania do Estado

e nacional, tão cara ao liberalismo clássico, e colocou como questão central o

problema da justiça.

[…] a questão da justiça reduz a importância do problema da soberania e da identidade nacional que a especifica. Quando a justiça passa para o centro da reflexão, é menos importante saber se pertencemos a esta ou àquela nação do que se fazemos parte de uma comunidade que é normatizada por regras de cooperação justas, e se temos um governo que se esforça para conservá-las.150

O problema quando do Estado democrático, fundado pela soberania popular,

é que a vontade da maioria empresta legitimidade às decisões democráticas. A

soberania está ligada à legitimidade, à aprovação pela maioria. As reflexões dos

novos liberais voltam-se para análise do conteúdo normativo, a justiça das decisões

do governo. 151

147 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. p.14 148 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 81 149 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 77 150 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 77 151 ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. p. 81

47

3.5 JUSTIÇA E LEGITIMIDADE

Neste momento, a discussão entre justiça e legitimidade é retomada, sob o

enfoque do novo liberalismo, mostrando que na análise do conteúdo normativo das

decisões são consideradas as questões de justiça e as a legitimidade. Contudo,

agora a legitimidade não é apresentada no sentido de apenas ser decisão da

maioria.

Em Justiça como Eqüidade152, antes de apresentar seus dois princípios de

justiça, Rawls reitera que uma concepção de justiça tem que ser política. Dizer que

uma concepção de justiça é política significa que é, em primeiro lugar, uma

concepção moral elaborada com vistas à estrutura básica da sociedade e restringe-

se à idéia de sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação e à idéia de

cidadãos livres e iguais. E mais, nestas sociedades bem-ordenadas, todos aceitam

os mesmos princípios de justiça. 153

Assim, depois de a concepção de justiça ser afirmada política nos termos

acima, Rawls anuncia o princípio liberal de legitimidade, segundo o qual

[…] o poder político só é legítimo quando é exercido de acordo com uma constituição (escrita ou não), cujos elementos essenciais todos os cidadãos, considerados como razoáveis e racionais, podem endossar à luz de sua razão humana comum. Este é o princípio liberal de legitimidade.154

A partir deste princípio, o Estado não precisa mais emprestar a legitimidade

da vontade da maioria. O poder político passa a ser limitadado por um corpo

constitucional, cujos principais elementos estão fundados em princípios da justiça

racionalmente justificados. Foram, pois, escolhidos consensualmente por pessoas

autônomas, dispostas a cooperar com a justiça, a discutir, revisar e até a

desconsiderar seus juízos morais até chegar a um equilíbrio. E tudo isso feito em

condição de eqüidade, em que todas as partes são consideradas igualmente dignas,

todas têm o mesmo direito de questionar, de decidir e debater as leis pelas quais

serão regidos. Dito de outro modo, o poder político só é legítimo quando fundado na

justiça como eqüidade.

152 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 57 153 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 37 154 RAWLS, John. Justiça como eqüidade: uma reformulação. p. 57

48

3.6 A FUNDAMENTAÇÃO MORAL DO DIREITO

A fundamentação moral do direito é um problema urgente para a filosofia

política na medida em que é o Estado quem empresta ao Direito sua força coercitiva.

Essa questão diz respeito também à Filosofia Jurídica, pois, com a crise do

racionalismo, o Direito vê como insuficiente uma justificação tão somente cunhada

em leis.155 De acordo com Cecília Caballero Lois, o Direito foi reduzido por sua

Teoria Geral à

mera descrição das principais características das normas jurídicas (especialmente a coação) e da posição que ocupam no ordenamento, suprimindo qualquer discussão sobre a fundamentação do direito, posto compreendê-la tarefa estranha à atividade do jurista.156

Neste cenário, em que o principal problema da Filosofia do Direito são as

demandas por legitimidade e justiça, o pós-positivismo aparece com a proposta de

reatar os laços entre o direito e a moral, “a qual penetraria no ordenamento jurídico,

através da Constituição, especialmente, a partir dos direitos fundamentais.”157

A justificação rawlsiana da justiça não admite que certos princípios e deveres

sejam submetidos ao arbítrio da vontade da maioria, pois são dotados de conteúdo

que resulta de um procedimento construtivo racional, em que participaram pessoas

livres e iguais, que no exercício de suas faculdades morais escolheram, em uma

condição apropriada. São os dois princípios da justiça como eqüidade, cuja

existência antecede o arcabouço constitucional, servindo-lhe, portanto, de fonte

normativa.158 Rawls insere os princípios da justiça como eqüidade no ordenamento

jurídico através da seqüência dos quatro estágios de concretização dos mesmos.

Assim, é possível afirmar, a partir da teoria da justiça formulada por John

Rawls, que nas sociedades democráticas um código jurídico é justo, e pode ser

considerado criticamente legítimo quando em seu bojo estiverem presentes normas

que contemplem e não extrapolem as diretrizes dos dois princípios da justiça.

155 Cf. DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008. 156 CABALLERO LOIS, Cecília. Prefácio. In: DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008. p. 9. 157 CABALLERO LOIS, Cecília. Prefácio. p.10. 158 Cf. CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. p. 139

49

CONCLUSÃO

Esta monografia se propôs a fazer uma apresentação da teoria da justiça

como eqüidade do filósofo John Rawls e demonstrar a possibilidade de fundamentar

o Direito a partir dela. No primeiro capítulo que, visou introduzir o leitor em Rawls,

fez sucinta biografia e bibliografia do autor, em seguida, demonstrou quais foram as

matrizes teóricas que o influenciaram na produção de sua teoria. O intuicionismo, o

perfeccionismo e o utilitarismo foram as correntes que se mostraram insuficientes,

na visão do filósofo, para responder sua indagação quanto à justa distribuição dos

bens na sociedade. Mas foi a doutrina do contrato social bem como a teoria moral

kantiana que serviram como base para a elaboração de sua teoria da justiça como

eqüidade. Em função desta teoria, foram retomadas no âmbito da filosofia política as

discussões acerca do contratualismo.

No segundo capítulo foram apresentados os principais conceitos da teoria da

justiça como eqüidade. Todos se relacionam entre si e servem para solidificar a

discussão que ocorreu no terceiro capítulo, que só foi possível a partir do

conhecimento do conteúdo exposto até então. No terceiro capítulo, iniciou-se a

discussão sobre legitimidade e justiça. Até pouco tempo, o conceito de legitimidade

remetia à justiça. Rawls mostrou que, embora sejam próximos, tratam-se de

categorias distintas. O filósofo norte-americano dá enfase à justiça, pois uma

decisão legítima pode ainda ser injusta. Viu-se que decisões muito injustas despem

de legitimidade os atos do governo, e contaminam o governo democrático.

A discussão sobre o liberalismo clássico e o novo liberalismo concluiu-se

que no primeiro o contrato social se serve para explicar a origem do poder político e

limitá-lo. Já no novo liberalismo, o contrato é utilizado para construir a teoria da

justiça e assim fundamentá-la. A questão da soberania popular, tão cara aos liberais

clássicos por emprestar legitimidade às decisões do Governo, perde importância

quando a justiça entra em cena pelo neo-contratualismo.

Por fim, a teoria rawlsiana apresenta o princípio liberal da legitimidade que

vinculará a legitimidade do poder público à observância dos princípios de justiça. Os

mesmos princípios da justiça como eqüidade que fundamentam o poder político

também justificam o Direito.

50

REFERÊNCIAS

ALVES, Marcelo. A relação entre o estado de natureza hobbesiano e a noção de “posição original” formulada por John Rawls em Uma teoria da Justiça. In: _____ Leviatã, o demiurgo das paixões: uma introdução ao contrato hobbesiano. Florianópolis: Letras Contempoâneas, 2001. ARAÚJO, Cícero. Legitimidade, justiça e democracia: o novo contratualismo de Rawls. Lua Nova: Revista de Cultura e política. São Paulo, v. 57, n. pp. 73-76, 2002. ARRAES, ROOSEVELT. A idéia e o ideal de sociedade bem-ordenada no Liberalismo Político de John Rawls. 2006. 132 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. _____. O futuro da democracia. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução: Carmen C. Varriale…[et. al] 4. ed. Brasília, Editora UnB, 1998. CABALLERO LOIS, Cecília. Prefácio. In: DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008. CORTINA ORTS, Adela. La justificacion etica del derecho como tarea prioritaria de la filosofia política. Una discusion desde John Rawls. Doxa: Cuadernos de Filosofia del Derecho. n.2. 1985. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2001. pp. 129-144. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15169&portal=4> Acesso em: 14 abr. 2008. DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de Filosofia do Direito. Caxias do Sul: EDUCS, 2008.

51

ESTEVES, Julio. As críticas ao utilitarismo por John Rawls. Ethic@. Revista Internacional de Filosofia Moral, Florianópolis, Florianópolis v.1, n.1, Jun 2002, p.81-96. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/ETHIC1~6.PRN.pdf>. Acessado em: 17 ago. 2008. FELIPE, Sonia T. A concepção pública de justiça em John Rawls. Revista Seqüência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, n. 33, Ano 17, dez. 1996, p. 129-136. FERREIRA, Samir Dessbesel. O construtivismo kantiano na Teoria da Justiça como Eqüidade de John Rawls. 2005. 106 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005. GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. Tradução: Alonso Reis Freire. São Paulo, Martins Fontes, 2008. HERMAN, Bárbara. Prefácio da Organizadora. In: RAWLS, John. História da filosofia moral. Bárbara Herman (Org.). Tradução: Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins Fontes, 2005. KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Tradução Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro, Ediouro, 199[?] KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea: uma introdução. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2006. LOPARIC, Zeljko. Sobre a interpretação de Rawls do fato da razão. In: FELIPE, Sonia Teresinha (Org.). Justiça como eqüidade: fundamentação e interlocuções polêmicas (Kant, Rawls, Habermas). Florianópolis: Insular, 1998. p. 73-102 FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. (Versão abreviada) Tradução: Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de integração de liberdade e igualdade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. NUNES, Amandino Teixeira Junior. A teoria rawlsiana da justiça. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 42, n. 168, out./dez. 2005. p. 215-225

52

OLIVEIRA, Neiva Afonso. Rousseau e Rawls: contrato em duas vias. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. OLIVEIRA, Nythamar de. Kant, Rawls e a fundamentação de Uma teoria da justiça. In: FELIPE, Sonia T. (Org.). Justiça como eqüidade: fundamentação e interlocuções polêmicas (Kant, Rawls, Habermas). Florianópolis: Insular, 1998. p. 105 – 124. PILON, Almir José. Liberdade e Justiça: uma introdução à filosofia do direito em Kant e Rawls. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002. RAMOS, César Augusto. A concepção política de pessoa no Liberalismo de J. Rawls. Cadernos PET-FILOSOFIA/UFPR, Curitiba, n. 4, 2002. Disponível em <http://www.filosofia.ufpr.br/public/pub_cadPET.php> Acessado em: 17 ago. 2008. _____. Coação e Autonomia em Kant: as duas faces de uma faculdade de volição. Ethic@. Revista Internacional de Filosofia Moral, Florianópolis v.7, n.1, p.45-68, Jun 2008. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et71art4.pdf>. Acessado em: 17 ago. 2008. RAWLS, John. A idéia de razão pública revista. In: _____ Direito dos povos. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2004. _____ História da filosofia moral. Barbara Herman (Org.). Tradução: Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins Fontes, 2005. _____ Justiça como eqüidade: uma reformulação. Erin Kelly (Org.). Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. _____ Justiça e democacia. Catherine Audard (Org.). Tradução: Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2002. _____ Liberalismo Político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. _____ Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em Rawls. Campinas: Alínea, 2003.

53

SILVA, Walter. Uma breve biografia de John Rawls. Grupo de Pesquisa Ética e Justiça. PUC-Campinas, 24 fev 2003. Disponível em <http://br.geocities.com/eticaejustica/texto1.html>. Acesso em: 02 fev. 2008. VITA, Álvaro de. Uma concepção liberal-igualitária de justiça distributiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 14, n. 39, 1999 . Disponível em: <http://www.scielo.br >. Acesso em: 30 ago 2008.