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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DA UNIVALI – BIGUAÇU
CURSO DE PSICOLOGIA
DANIELE CRISTINA BREIS
USO INDEVIDO DE ANOREXÍGENOS: Aspectos motivacionais para a utilização por pessoas conscientes
das reações adversas aos mesmos.
BIGUAÇU 2007
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DANIELE CRISTINA BREIS
USO INDEVIDO DE ANOREXÍGENOS: Aspectos motivacionais para a utilização por pessoas conscientes
das reações adversas aos mesmos.
Trabalho de Conclusão de Curso, elaborado de acordo com as normas da UNIVALI/Biguaçu, como critério parcial para a formação no curso de Psicologia.
BIGUAÇU 2007
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DANIELE CRISTINA BREIS
USO INDEVIDO DE ANOREXÍGENOS: Aspectos motivacionais para a utilização por pessoas conscientes
das reações adversas aos mesmos.
Este trabalho de Conclusão de Curso foi considerado aprovado, atendendo os requisitos parciais para obter o grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí.
Biguaçu, julho de 2007
Banca Examinadora:
_____________________________________ Prof. Paulo César Nascimento, M.Sc.
Orientador
____________________________________ Prof. Henry Dario Cunha Ramirez, M.Sc.
_________________________________________ Prof. Cristianne Gick Machado, M.Sc.
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“Dedico este trabalho à minha mãe e meus irmãos pela força e empenho
dispensados a mim, não só neste, mas em todos os momentos de minha vida!
Ofereço este trabalho também a meu pai, que sei estar orgulhoso por mais esta
conquista da sua moça.”
Daniele Cristina Breis
Junho de 2007
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AGRADECIMENTOS
“Agradeço minha mãe e Vini pelos sacrifícios para que eu conseguisse vencer esta etapa;
Ao meu namorado por perdoar meus momentos de stress;
Às minhas queridas amiguinhas Patty, Chris e Jana pela força durante esse período;
Ao pessoal do CEBRID (SP) que prontamente atendeu meu pedido e enviou em tempo mínimo os materiais
requisitados;
Aos professores Dario e Cristianne por terem aceitado participar da minha banca e pelas contribuições
oferecidas;
Ao professor Paulinho (orientador) por tentar me manter calma em meus momentos de insegurança;
Às pessoas que se prontificaram a participar da minha pesquisa, já que sem a disponibilidade e boa vontade
delas teria sido difícil acabar a pesquisa em tempo hábil;
E a todos que, mesmo que indiretamente, contribuíram para minha jornada acadêmica.”
Obrigada!!!
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RESUMO
O consumo de anorexígenos em nosso país tem aumentado significativamente. A utilização indevida desses medicamentos vêm aumentando inclusive por parte das pessoas que têm conhecimento de suas possíveis reações adversas. Qual seria a motivação para que uma pessoa fizesse uso indevido desses medicamentos mesmo sabendo dos seus possíveis efeitos? Para responder esta pergunta, realizou-se uma pesquisa com seis mulheres a fim de saber quais os fatores motivacionais envolvidos nesta decisão (sociais, familiares, profissionais, individuais), tipo de uso indevido (automedicação ou prescrição inadequada), forma de obtenção (farmácia com ou sem receita, através de terceiros), padrões de uso (regular ou irregular), efeitos desejáveis e indesejáveis decorrentes da utilização. O resultado obtido foi que apesar de conhecerem as reações adversas que poderiam decorrer da utilização, a vontade de emagrecer rapidamente foi o fator que se destacou na decisão. Grande parte das entrevistadas optou pela automedicação e teve acesso a esses medicamentos nas farmácias mesmo sem receita médica. Mesmo com o aparecimento dos efeitos colaterais, as entrevistadas consideraram que valeu a pena correr os riscos devido os resultados obtidos. Palavras-chave: anorexígenos, uso indevido, drogas.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO_______________________________________________08 2 USO INDEVIDO DE ANOREXÍGENOS__________________________10 2.1 IMAGEM CORPORAL X AUTO-IMAGEM _________________________________ 10 2.2 ASPECTOS SOCIAIS____________________________________________________12 2.2.1 Transtornos Alimentares e Obesidade ____________________________________13 2.2.2 Estratégias de Modificação Corporal _____________________________________14 2.3 ANOREXÍGENOS______________________________________________________ 15 2.3.1 Dependência__________________________________________________________16 2.3.2 Uso Indevido_________________________________________________________ 16 3 METODOLOGIA_____________________________________________18 5.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA______________________________________ 18 5.2 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA E PROCESSO DE SELEÇÃO____________________18 5.3 INSTRUMENTO________________________________________________________19 5.4 PROCEDIMENTOS_____________________________________________________ 20 5.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO_______________________________________________21 4 DISCUSSÃO/RESULTADOS___________________________________ 22 4.1 TIPOS USO INDEVIDO__________________________________________________22 4.2 FORMAS DE OBTENÇÃO_______________________________________________ 23 4.3 MOTIVAÇÕES_________________________________________________________25 4.4 PADRÕES DE USO_____________________________________________________ 28 4.5 EFEITOS DESEJÁVEIS__________________________________________________29 4.6 EFEITOS INDESEJÁVEIS________________________________________________31 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS____________________________________ 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _____________________________ 36 APÊNDICES___________________________________________________39 APÊNDICE A____________________________________________________39 APÊNDICE B_____________________________________________________________41 ANEXO_______________________________________________________ 42 ANEXO 1_________________________________________________________________42
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1 INTRODUÇÃO
No Brasil, o consumo de anorexígenos vem sofrendo significativo aumento. No ano
passado, de acordo com um relatório divulgado pela Junta Internacional de Fiscalização de
Entorpecentes, órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil atingiu a
liderança no consumo de remédios para emagrecer. Estima-se que a utilização dessas
substâncias no país cresceu 500% entre 1997 e 2004. (UnG apud Universia, 2006).
Porém, o que se esta colocando em questão não é a simples utilização dos
anorexígenos, mas a utilização indevida desses medicamentos por quem tem conhecimento
desses possíveis efeitos. Quais são os fatores motivacionais envolvidos nessa decisão?
Autores como Nappo e Carlini, por exemplo, vêm publicando estudos nessa área desde
a década de 70, porém dando ênfase maior para a explicação do que são essas substâncias,
bem como suas reações adversas, e o alto consumo. Resultados de pesquisas científicas sobre
a automedicação/uso indevido e motivação para o uso com conhecimento sobre as reações
adversas pouco foram encontrados. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta relevância
científica, uma vez que acrescenta conhecimentos a esta linha de pesquisa.
Teve-se como objetivo geral, durante a realização da pesquisa, analisar a motivação
para o uso de anorexígenos por pessoas informadas sobre as reações adversas dos mesmos.
Como objetivos específicos destacaram-se: a análise dos fatores sociais que influenciam na
decisão de ingerir tais substâncias; investigação de como esses medicamentos são obtidos;
descrição dos padrões de uso por parte dos sujeitos; identificação de quais os efeitos
desejáveis que se confirmaram após a utilização e a descrição dos efeitos indesejáveis que
decorreram após a utilização.
A metodologia aplicada foi a pesquisa qualitativa. Foram selecionados seis indivíduos
que participaram das entrevistas e nos forneceram os dados para o cumprimento dos
objetivos.
O presente trabalho está dividido da seguinte maneira: primeiro, foi feita uma revisão
bibliográfica sobre o assunto destacando os conceitos mais importantes para a compreensão
do tema. Entre eles: imagem corporal, auto-imagem, transtornos alimentares e obesidade,
anorexígenos e uso indevido. Depois, explicou-se qual a metodologia aplicada para a
realização da pesquisa, bem como os procedimentos realizados e, por último, fez-se uma
discussão com base nos resultados obtidos.
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Com a maior discussão sobre esses temas, pretende-se que os médicos que prescrevem
essas substâncias sem maior análise e preceitos éticos e a sociedade, passem a refletir sobre o
assunto, e que a mudança da prática vista até então possa ser modificada.
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2 USO INDEVIDO DE ANOREXÍGENOS
O presente estudo, conforme abordado anteriormente, tem por objetivo investigar as
possíveis motivações para o uso indevido de anorexígenos. Para tanto, se faz necessário o
desenvolvimento de conceitos tais como: imagem corporal e auto-imagem, aspectos sociais,
transtornos alimentares e obesidade, estratégias de modificação corporal, o que são drogas
anorexígenas, a dependência e o uso indevido desses medicamentos.
2.1 IMAGEM CORPORAL X AUTO-IMAGEM
A imagem corporal é um importante componente do processo de construção da
identidade pessoal, que de acordo com Ibáñez (1990 apud Silva, C. 2006), é basicamente
produzida pela cultura ou sub-culturas que nos socializam; já a identidade cultural é
construída com base no sentido de pertença à comunidade.
Definida como a figura mental que formamos de nosso próprio corpo, a imagem
corporal está intimamente relacionada com os conceitos de auto-imagem e auto-estima, que
serão abordados a seguir. Tais componentes podem influir de maneira direta no
comportamento do indivíduo (ANDRÉ, C., 2006).
Schilder (1994) nos diz que a imagem corporal é a figura que formamos em nossa
mente do nosso corpo, é a forma na qual este se apresenta para nós mesmos. Afirma também
que a imagem corporal não é só uma formação cognitiva, mas o reflexo dos desejos, atitudes
emocionais e interação com os outros indivíduos.
Segundo Doron e Parot (1998, p.409), imagem do corpo é a “representação imaginária
que cada sujeito tem de seu próprio corpo, e que deve ser distinguida do esquema corporal,
cuja base é neurológica”.
A auto-imagem, de acordo com Chaplin (1981, p.54), é “o eu, tal como o indivíduo o
configura ou imagina”. Porém, essa auto-imagem pode ser diferente da imagem que os outros
vêm dessa mesma pessoa.
A aparência do corpo exerce grande influência em nossas vidas, afinal, a forma como nos apresentamos para os outros determina a maneira como nos relacionamos, as oportunidades que temos socialmente, as reações e atitudes dos outros para conosco, bem como nossa vida afetiva e profissional. Porém, não é só a forma como os outros nos vêem que tem grande impacto em nossas vidas; é a concepção que nós temos sobre nossa imagem que exerce maior influência. Além
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do mais, a forma como os outros nos percebem pode ser também bastante destoante daquilo que experenciamos subjetivamente. (STENZEL In: NUNES, APPOLINARIO, GALVÃO e COUTINHO, 2006, p. 73).
A auto-imagem que o indivíduo forma de si mesmo não necessariamente precisa
estar relacionada com o corpo, já que este conceito engloba também características pessoais e
não somente físicas. Por exemplo: considerar-se inteligente ou não, responsável ou dedicado.
Doron e Parot (1998), configuram a imagem de si como:
(...) a representação e avaliação que o indivíduo faz de si mesmo nas diferentes etapas de seu desenvolvimento e nas diferentes situações em que se encontra. Assim, não existe uma, mas múltiplas imagens de si. (...) As imagens de si dependem também do modo com os outros olham e avaliam o indivíduo. (DORON e PAROT, 1998, p.409).
A imagem negativa que o indivíduo pode vir a ter de si mesmo influi de maneira
direta em sua auto-estima. Ela envolve o pensamento que forma a seu respeito, os sentimentos
que surgem a partir daí e seus reflexos nos relacionamentos com outras pessoas. Segundo
Christophe André (2006, p.49), “trata-se não só do olhar que lançamos sobre nós mesmos,
mas das implicações desse juízo sobre a vida cotidiana”.
Ainda que a relação com o próprio corpo não necessariamente tenha relação com a
auto-estima, geralmente é no físico/aparência que se consolidam as insatisfações, que de
acordo com Kathia Natalie (2006, p.65), “ocupa grande parte da vida psíquica e dos
investimentos emocionais das pessoas especialmente das mulheres, mais sensíveis às
cobranças”.
O problema em muitos dos casos, é que o ideal de corpo desejado é inatingível para
determinados biotipos, ou o peso que se deseja eliminar é exageradamente determinado pelo
próprio paciente. São inúmeros os casos de indivíduos que se percebem de maneira fantasiosa,
acreditando que estão muito acima do peso idealizado, quando na verdade não estão tão fora
do peso adequado de acordo com o IMC (Índice de massa corporal – tabela em anexo 1)
(KAKESHITA E ALMEIDA, 2006).
No Brasil, o descontentamento com a imagem que os indivíduos têm sobre seu corpo,
principalmente por parte das mulheres, pode ser facilmente comprovado. Hoje, somos o
segundo país em realização de cirurgias estéticas no mundo. De acordo com Silva (2005),
dados do Instituto Interscience mostram que 90% das mulheres brasileiras sonham em realizar
mudanças em seu corpo.
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Nessa tentativa frenética de buscar um corpo que caiba em sua própria imagem mental de satisfação, as pessoas recorrem a tudo, desde tratamentos cosméticos, adereços de moda, roupas, tatuagens, piercings, dietas da moda, maquiagens, malhação e cirurgias plásticas, a qualquer coisa para tentar reduzir o mal-estar que julgam estar no corpo, mas que, na maioria absoluta dos casos, não tem nada a ver com ele. O mal estar é outro, muito maior e bem mais complexo de ser aplainado (SILVA, 2005, p.23).
A imagem que o indivíduo tem de si, pode ser destruída e reconstruída mediante novas
relações sociais, identificações e emoções. O meio no qual ele está inserido é fator de grande
influência para a formação da auto-imagem, já que os indivíduos tendem a seguir os
modelos/padrões valorizados pela sociedade (VEGGI, LOPES, FAERSTEIN e SICHIERI,
2004).
2.2 ASPECTOS SOCIAIS A sociedade na qual um determinado sujeito vive possui forte influência na sua ação e
pensamento. A mesma “auxilia” na formação da imagem que ele tem de si através dos
padrões por ela determinados, e pressiona quem se desvincula do que ela propõe.
Com o surgimento de meios de comunicação como a televisão, inicia-se o “culto à
imagem”. A partir disso a imagem e o corpo se tornam uma espécie de mercadoria que cada
vez mais adquire um valor em si. Esse “culto à imagem” não é para si, mas para o outro, para
a sociedade.
O ideal de beleza que temos hoje não teria se difundido tanto sem o apoio dos meios
de comunicação que ganham, e muito, com isso. As indústrias da moda, de cosméticos,
alimentícia e farmacêutica, investem muito para que o padrão da mulher Barbie continue
sendo o almejado entre as mulheres, que são suas maiores consumidoras (HERSCOVICI,
1997).
Hoje vive-se em uma sociedade, que de acordo com Fischler (1995), presencia uma
época de “lipofobia”, ou seja, obsessão pela magreza e extrema rejeição pela obesidade. Ao
valorizar a magreza, transforma-se a gordura em símbolo de fracasso e carregada de termos
pejorativos.
A mídia, seja televisiva ou escrita, é uma forte aliada no processo de expansão dos
padrões socialmente aceitos e desqualifica, de alguma forma, os que dela não fazem parte.
Quem não se adequa à regra sofre conseqüências sociais, sendo motivo de deboche, ou
simplesmente desvalorização, e discriminação social. Viverão constantemente sob pressão
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psicológica e sociocultural por este padrão estético. Segundo Rocha-Coutinho (1995), a mídia,
enquanto produtora de um discurso social, não consegue se manter neutra e acaba por (re)
produzir e reforçar imagens existentes na sociedade em um momento histórico particular.
É através das imagens dos corpos perfeitos (tratados digitalmente) das modelos e de outros ícones da cultura pop, da TV e do cinema que um padrão estético - baseado na perfeição, na magreza e na juventude - é disseminado pela mídia e alimentado pela indústria da beleza. Padrão impossível de ser alcançado porque é irreal, virtual. (CANTARINO, 2006).
Como conseqüência desse valor “inalcançável”, admite-se todos os tipos de
estratégias e sacrifícios, muitas vezes frustrados, para se chegar ao corpo ideal. A busca pelo
corpo perfeito, baseado num biotipo de mulheres extremamente magras, pode fazer com que
as pessoas que se deixam influenciar com maior intensidade por esse modelo, venham a
desenvolver algum transtorno alimentar se não conseguirem alcançar naturalmente o corpo
almejado, ou se submetam a tratamentos e cirurgias estéticas invasivas.
2.2.1 Transtornos Alimentares e Obesidade
A utilização de anorexígenos não está diretamente relacionada a um transtorno
alimentar em específico, podendo fazer parte do repertório de um indivíduo que não apresente
nenhum quadro patológico. Porém, considera-se importante abordar este tópico já que a os
indivíduos que apresentam algum dos transtornos alimentares – seja anorexia ou bulimia –
podem ter feito, ou continuam fazendo, uso indiscrimado de anorexígenos.
Transtornos alimentares são comportamentos disfuncionais relacionados ao ato de
comer que afetam principalmente as mulheres. Podem causar sérios prejuízos psicológicos e
sociais.
Os principais transtornos alimentares são anorexia e bulimia. A anorexia está
relacionada ao fato de o indivíduo se submeter a rigorosas dietas devido a uma idéia fixa de
chegar ao corpo ideal. Normalmente vem acompanhada de uma visão distorcida com relação
ao próprio corpo. De acordo com o DSM IV(2002), "a anorexia nervosa caracteriza-se por
uma recusa a manter o peso corporal em um faixa normal mínima". Já a bulimia, de acordo
com o DSM IV(2002), corresponde a "episódios repetidos de compulsões alimentares
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seguidas de comportamentos compensatórios inadequados, tais como vômitos auto-induzidos;
mau uso de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos; jejuns ou exercícios excessivos".
A utilização de anorexígenos está diretamente relacionada a quadros de obesidade.
Esse tipo de tratamento é recomendado para uso exclusivo de pacientes obesos que não
tenham conseguido atingir um peso adequado de maneira convencional ou que apresentem
alguma doença (como no caso de diabetes ou doenças cardíacas). Porém, assim como nos
casos de anorexia e bulimia, muitos pacientes obesos também fazem uso dessas substâncias
sem que tenham passado por devida avaliação médica que ateste a necessidade das mesmas.
A obesidade é o excesso de peso, avaliado à partir do cálculo do IMC (anexo 1) e
demais fatores. Segundo Ballone (2005) "a obesidade em si não significa, obrigatoriamente,
que a pessoa coma muito, significa também, que ela gasta pouco do que come". Pode trazer
para o indivíduo, assim como nos transtornos alimentares, graves conseqüências sociais e
psicológicas. Geralmente ela esta relacionada a quadros de depressão e ansiedade
(VASQUES, MARTINS e AZEVEDO, 2004).
2.2.2 Estratégias de Modificação Corporal
Para alcançar o corpo idealizado, há pessoas que se submetem às mais diversas
estratégias de modificação corporal. As mesmas podem ser desde uma simples tatuagem, até a
uma cirurgia estética para a modificação de alguma parte do corpo.
Essa epidemia de despersonalização e banalização da beleza física sob a forma de um corpo de padrões coletivos parece oferecer satisfação a todos: os participantes, os anunciantes, as clínicas de estética, os fabricantes de cosméticos, as indústrias de alimentos light e diet e de suplementos específicos para ganho de massa muscular (SILVA, 2005, p.23).
Há ainda os que exageram na quantidade de exercícios físicos para alcançar o peso
desejado, os que se submetem a dietas rigorosas que nem sempre surtem efeito, os que fazem
uso exclusivo de alimentos “diet” e “light”, e os que preferem alternativas que os deixam
numa posição mais passiva como a utilização de fórmulas medicinais que prometem ajudar na
eliminação de peso e gordura (SILVA, 2005). É este último aspecto que pretende-se
aprofundar neste estudo, e é o que será abordado no próximo tópico.
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2.3 ANOREXÍGENOS
Anorexígenos são substâncias que têm como resultado, após sua ingestão, a
diminuição/perda do apetite. Porém, junto com esse efeito também podem surgir reações
indesejáveis. De acordo com NAPPO e TABACH (1999, p.52) entre esses efeitos pode-se
destacar: “a dependência, a estimulação do sistema nervoso central, o aumento da pressão
arterial, e ainda, dependendo da dose, o desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia
paranóide como: alucinações e paranóia”.
Utilizados como terapêutica auxiliar no tratamento da obesidade, os anorexígenos logo
ganharam outros mercados. A descoberta de que tais medicamentos ajudariam na perda de
peso fez com que muitas pessoas passassem a utilizá-lo, mesmo não sendo necessário, para
atingir mais rapidamente o peso ideal (NAPPO e TABACH, 1999).
O Brasil já é o maior consumidor deste tipo de substância no mundo, de acordo com
dados divulgados em 2006 pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, órgão
ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) (UNIVERSIA, 2006). O culto à beleza faz
com que a cada dia mais e mais pessoas procurem por esta alternativa em busca do corpo
perfeito (NAPPO e TABACH, 1999).
Segundo Godoy-Matos e Carraro (2006), os anorexígenos comercializados no Brasil
são: Dietilpropiona, Fenproporex e Manzidol. E para manter o controle sob o uso dessas
substâncias, a venda passou a ser controlada. De acordo com a regulamentação, elas só devem
ser vendidas mediante a apresentação de receita médica, e o local de compra deve ter anotado
os dados de quem comprou, do paciente e do médico para que os mesmos sejam repassados
anualmente a DIMED (Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos) (NAPPO,
1992).
Neste ano porém, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está
implementando um sistema on-line para o repasse dessas informações. Desta maneira tentar-
se-à reduzir as fraudes durante o processo de compra e venda de medicamentos tarja preta.
Espera-se que até outubro de 2007 a região sudeste do país já esteja equipada com esse
programa, e quando essas informações forem repassadas, a ANVISA terá em tempo real os
relatórios em mãos (LEONEL, 2007).
Recomenda-se que a utilização dos anorexígenos, mesmo que no tratamento da
obesidade, seja feita em última instância devido ao possível aparecimento de reações
adversas. A primeira tentativa deve ser conciliar exercícios físicos a uma dieta hipocalórica.
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(HALPERN, 1979). Outra recomendação, é a de que o período de utilização dos
medicamentos não seja maior que três meses para evitar a dependência (NAPPO e TABACH,
1999).
2.3.1 Dependência
Como dito anteriormente, a dependência pode ser uma das reações adversas decorrente
do uso de anorexígenos, o que pode ocorrer devido a uma necessidade psíquica ou física.
Aspectos como não atingir o peso ideal, o hábito e sensações de intenso mal estar pela
abstinência, ou a dificuldade para aderir a tratamentos prolongados que exijam compromisso e
tolerância à frustração, é o que levam as pessoas a fazer uso desses medicamentos.
Entre os cuidados a serem tomados é sempre enfatizado que o tempo de uso e a dosagem são fatores importantes para a indução de dependência: três a quatro meses de uso contínuo nas dosagens habituais já podem produzir dependência e síndrome de abstinência segundo a Associação Psiquiátrica Americana (NAPPO; OLIVEIRA e MOROSINI, 1994, p.18-19).
A probabilidade do aparecimento da dependência, bem como das demais reações
provenientes da utilização dessas substâncias, é algo que deve ser alertado pelos médicos ao
fazer a prescrição. A dosagem e a duração do tratamento também é algo que deve ser muito
bem esclarecido ao paciente.
2.3.2 Uso Indevido No presente trabalho entende-se por uso indevido a ingestão de medicamentos
anorexígenos quando não necessário - a utilização destas substâncias por pessoas que
clinicamente não precisariam fazer uso desse tipo de medicação para emagrecer –, e a
ingestão desses medicamentos através da automedicação.
Fundamentado por estudos realizados por Nappo, Oliveira e Morosini (1994), sabe-se
que muitos indivíduos que não precisariam fazer uso de anorexígenos – se entendermos que
não se enquadram no grupo que possui um IMC acima de 30 (trinta), o que caracteriza uma
pessoa como obesa –, fazem uso dessas substâncias com respaldo médico. A partir dessa
pesquisa, que foi realizada em duas capitais brasileiras, verificou-se que a própria classe
médica prescrevia os anorexígenos sem que houvesse real necessidade, que os mesmos
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receitavam esses medicamentos sem requerer os exames necessários e não alertavam seus
pacientes sobre a utilização dessas substâncias. E mais, que muitos deles, ao prescreverem
fórmulas magistrais, determinavam superdosagens ou dosagens não suficientes de substâncias
anorexígenas.
Outra maneira de se conseguir tais medicamentos é através do mercado negro, que
embora não se possa descrever exatamente como funciona, sabe-se que o mesmo existe. A
utilização inadequada de substâncias lícitas não nos deixa ver o real impacto dessas drogas e o
tamanho do problema (CARLINI, 1992).
Diante dos riscos potenciais dessas drogas, utilizá-las para fins estéticos (ou seja, pessoas que clinicamente não são definidas como obesas, mas mesmo assim utilizam-nas desnecessariamente para emagrecer, ignorando alternativas menos agressivas indicadas para esses casos) deveria estar fora de cogitação (NAPPO e TABACH, 1999, p. 52).
O uso indiscriminado dessas substâncias por indivíduos do sexo feminino,
principalmente, é algo que nos remete aos padrões de beleza vigentes atualmente. Os
“sacrifícios” a que as mulheres se submetem para alcançar o corpo idealizado, embora
acabem por prejudicar a saúde, são compensados pelos resultados no corpo que,
provavelmente, são seu maior objetivo (NAPPO e TABACH, 1999).
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3 METODOLOGIA
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Para a realização desta pesquisa optou-se por utilizar o método qualitativo, que de
acordo com Richardson (1999, p. 90) “pode ser caracterizado como a tentativa de uma
compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos
entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou
comportamentos”.
Segundo Bauer e Gaskell (2003, p. 23), “a pesquisa qualitativa evita números, lida
com interpretações das realidades sociais, e é considerada pesquisa soft”. Ela parte do
pressuposto que “todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos
que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que
identificam” (CHIZZOTTI, 2006, p.83)
Essa pesquisa foi de caráter exploratório, que segundo Richardson (1999, p. 146)
“inclui um questionário pouco estruturado e uma amostra não necessariamente representativa.
Os resultados do trabalho permitirão rever o plano de pesquisa para a realização de um estudo
mais profundo do tema”.
3.2 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA E PROCESSO DE SELEÇÃO
Foram entrevistados 6 (seis) indivíduos do sexo feminino, devido ao alto índice de
consumo por parte das mulheres como já mencionado anteriormente, na faixa etária
correspondente entre 18 (dezoito) a 25 (vinte e cinco) anos que fazem, ou já fizeram, uso
indevido de substâncias anorexígenas. Sabe-se que essa faixa etária engloba duas fases de
desenvolvimento distintas: final da adolescência (de dezoito a vinte e um anos) e início da
fase adulta (dos vinte e dois a vinte e cinco anos); porém, considera-se que é na adolescência
que surgem os primeiros sinais de descontentamento e conflitos com o próprio corpo e que
este padrão de comportamento tende a perdurar durante a vida adulta.
Dado o caráter exploratório da pesquisa e que a mesma é de cunho qualitativo, a
amostra escolhida é pequena já que não há necessidade de generalização. Seis sujeitos são
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suficientes para fornecer material para análise (PATTON; 1990). Em pesquisa qualitativa o
número de sujeitos não se dá a partir de um cálculo de confiabilidade, mas do tempo
disponível para a pesquisa e do perfil dos informantes.
... a escolha do campo onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes é proposital, isto é, o pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo e também das condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos. No que se refere aos participantes, nem sempre é possível indicar no projeto quantos e quais serão os sujeitos envolvidos, embora sempre seja possível indicar alguns, bem como a forma pela qual se pretende selecionar os demais. (ALVES-MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER , 1998, p.162).
A escolha das participantes foi através do sistema “bola de neve”, assim, não se pôde
prever precisamente a amostra. Foi eleita uma pessoa, a mesma foi entrevistada e nos indicou
a participante seguinte. Após a segunda entrevista, a participante nos indicou uma terceira
pessoa, e assim sucedeu-se até atingir o número de participantes suficientes para a realização
da pesquisa.
(...) nos casos em que não é possível obter muitas informações prévias sobre o contexto investigado, a técnica da “bola de neve” é de grande utilidade no processo de seleção dos sujeitos. Esta técnica consiste em identificar uns poucos sujeitos e pedi-lhes que indiquem outros e assim sucessivamente, até que se atinja o ponto de redundância (LINCOLN & GUBA apud MAZZOTTI-ALVES e GEWANDSNAJDER, 1998, p. 163).
É importante ressaltar que antes de iniciarmos as entrevistas, todas as participantes
confirmaram o conhecimento sobre as possíveis reações adversas dos anorexígenos. Este
questionamento foi adotado como mais um dos critérios de seleção.
3.3 INSTRUMENTO
Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista semi-estruturada, obedecendo ao
método qualitativo, com cada participante da amostragem (apêndice B). Foram elaboradas
perguntas norteadoras que possibilitaram com que o entrevistado pudesse se expressar como
desejasse, e não apenas respondesse um questionário fechado; e quando necessário, o
pesquisador pôde intervir a fim de esclarecer melhor o que foi apresentado pelos indivíduos
(RUBIN & RUBIN apud MAZZOTTI-ALVES e GEWANDSNAJDER, 1998).
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3.4 PROCEDIMENTOS
Devido o atraso do retorno do Projeto enviado ao Comitê de Ética da UNIVALI, o
cronograma previamente estabelecido para a pesquisa foi prejudicado, já que dependíamos da
aprovação desta Instituição para darmos início a etapa de coleta de dados.
Antes de iniciarmos o processo de entrevista com as integrantes da amostra, houve a
necessidade de realizarem-se treinos de entrevista com a aplicadora. A falta de prática nesta
tarefa poderia invalidar a entrevista com alguma das participantes, seja por falta de
informação, ou por não conseguir se aprofundar em tópicos de maior importância que depois
poderiam nos trazer informações relevantes.
As entrevistas piloto foram realizadas com pessoas que não se enquadravam no perfil
da pesquisa, mas que simularam situações pertinentes ao problema proposto. Foram feitas
quatro entrevistas de treino para que a aplicadora se sentisse confortável e confiante para
aplicar o instrumento com a amostra.
A partir do contato com o primeiro indivíduo, que se prontificou a participar de
imediato quando soube do que se tratava a pesquisa, foi realizada a entrevista individual.
Após a entrevista pediu-se que a mesma indicasse alguma outra pessoa que pudesse participar
da pesquisa, porém, pedimos que ela entrasse em contato com a pessoa primeiro para saber se
havia interesse da mesma. Depois que a pessoa aceitou participar do processo é que
obtivemos acesso às suas informações. Desta maneira, não corremos o risco de expor quem
não tinha interesse na pesquisa.
Esta primeira pessoa entrou em contato com duas garotas, mas apenas uma concordou
em participar. Como a entrevista com essa pessoa indicada demoraria um pouco para
acontecer devido sua disponibilidade, e já estávamos com o tempo curto, começamos a
procurar mais pessoas. Em conversas informais na faculdade, uma pessoa se prontificou a
participar e com ela foi feita a segunda entrevista. Da mesma maneira que procedemos com a
primeira entrevistada, pedimos que ela nos indicasse alguém que pudesse participar e assim
foi feito.
Desta forma, ficamos com duas pessoas iniciais. As demais entrevistas ocorreram
conforme a indicação dos primeiros indivíduos, e cada uma das indicadas apontou mais uma
pessoa com quem realizamos as entrevistas, totalizando seis (6) pessoas.
Para garantir maior confiabilidade dos dados a realização das entrevistas foi
acompanhada por um gravador. Assim, pudemos fazer a transcrição dos dados coletados com
21
maior veracidade. É importante lembrar que antes de iniciarmos a gravação as participantes
foram questionadas e nos deram permissão para que isso fosse feito.
Todos os indivíduos foram informados sobre o objetivo e caráter da pesquisa para que
pudessem optar pela participação, ou não. Os mesmos não receberam nenhum benefício
financeiro para que participassem da coleta de dados, serão mantidos no anonimato e
assinaram um “termo de consentimento livre e esclarecido” (apêndice A), que se encontra
com os pesquisadores, para que os dados da entrevista pudessem ser divulgados.
Todos os indivíduos que participaram da entrevista serão informados oralmente sobre
os resultados da pesquisa, e os que desejarem, receberão um cópia eletrônica do trabalho.
3.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO
A análise de conteúdo, de acordo com Bauer e Gaskell (2003, p.192) “nos permite
reconstruir indicadores e cosmovisões, valores, atitudes, opiniões preconceitos e estereótipos
e compará-los entre comunidades. Em outras palavras, a análise de conteúdo é pesquisa de
opinião pública com os outros meios”. Tem como objetivo “compreender criticamente o
sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou
ocultas” (CHIZZOTTI, 1991, p. 81).
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN apud RICHARDSON, 1999, p. 223).
Os resultados colhidos após a escolha da amostragem e aplicação do instrumento
foram separados em categorias, que nos possibilitarão responder ao problema de pesquisa
apresentado anteriormente. “Deve-se esclarecer que não é uma etapa obrigatória na análise de
conteúdo, mas a maioria dos procedimentos inclui a categorização, pois facilita a análise da
informação” (RICHARDSON, 1999, p. 239).
Essa etapa da categorização e discussão dos dados obtidos podem ser vistos no
próximo capítulo.
22
4 DISCUSSÃO/RESULTADOS
Para realizar a análise e discussão dos resultados obtidos, optou-se por categorizar os
principais pontos discutidos nas entrevistas e que atendem nossos objetivos. Foram
organizadas seis categorias que nos ajudarão a compreender melhor o que foi exposto. Elas
são: tipos de uso indevido, forma de obtenção, motivações, padrões de uso, efeitos desejáveis
e indesejáveis.
Para ilustrar melhor as falas das entrevistadas, elaborou-se quadros síntese que
possibilitam com que a visualização do que foi abordado fique mais fácil.
4.1 TIPOS DE USO INDEVIDO
Subdividiu-se a categoria “tipo de uso indevido” em automedicação e prescrição
inadequada, que foram as duas maneiras de uso indevido presentes nas entrevistas. Como
automedicação entende-se a utilização dos medicamentos por conta própria, sem a orientação
de um profissional da área médica; e como prescrição inadequada, a indicação para a
utilização dos anorexígenos por parte de um médico sem os devidos exames prévios, ou a
indicação para pacientes que não apresentam o IMC >30, faixa em que a utilização dos
anorexígenos é indicada.
TIPO DE USO
Automedicação
• “Meu pai tomava esse remédio, aí eu resolvi tentar”
(B); • “Decidi tomar por conta própria” (D); • “Soube através de uma amiga que umas pessoas
vendiam esses remédios sem receita e fui procurá-los” (E);
• “Não fui a um médico, tomei sem nenhuma
orientação” (F).
INDEVIDO
Prescrição Inadequada
• “Fui ao mesmo médico que uma amiga minha
freqüentava e pedi para tomar um remédio que me ajudasse a emagrecer. Ele só me pesou, viu a altura, mediu a pressão e me deu a receita” (A);
23
• “Fui a uma consulta de rotina no meu clínico geral e comentei que queria perder uns quilinhos. Na hora ele já me falou de um remedinho que eu poderia tomar, sem fazer exames nem nada!” (C)
Durante a pesquisa percebeu-se que as entrevistadas optaram, na sua maioria (4), pela
automedicação. Conheciam pessoas que tomavam tais medicamentos, ou ouviram de terceiros
sobre seus benefícios e resolveram partir para este método mesmo sem orientação médica.
Todas as pessoas da amostra sabiam das possíveis reações adversas provenientes da utilização
de anorexígenos, e mesmo assim decidiram partir para a utilização sem nenhuma supervisão.
De acordo com DUNNING, HEATH e SULS (2006, p.56), “as pessoas em geral não levam
em conta informações sobre os riscos que correm. Porém, se antes de fornecer esses dados
estimularmos sentimentos a respeito do próprio valor, elas serão mais inclinadas a modificar
seu comportamento”.
As demais, em consultas rotineiras a um clínico geral, logo após reclamarem sobre seu
peso receberam a receita de seus médicos sem que uma avaliação completa fosse feita. Este,
inclusive, foi o tema de uma pesquisa realizada por Nappo, Oliveira e Morosini (1994), na
qual se constatou que médicos prescreviam remédios sem maiores avaliações, em casos em
que a utilização de anorexígenos não era necessária, e que quando prescreviam receitas
magistrais a incongruência entre a quantidade e doses das substâncias era gritante.
4.2 FORMA DE OBTENÇÃO
A categoria “forma de obtenção” foi subdividida em: farmácia com receita, em que o
paciente efetua a compra com receita médica; farmácia sem receita, em que o paciente efetua
a compra na farmácia mesmo sem receita médica e; terceiros, que caracteriza os pacientes que
adquirem os medicamentos através de outras pessoas.
Dentre as formas de obtenção citadas pelas entrevistadas, a compra na farmácia sem a
necessidade de uma receita médica foi a mais utilizada. Sendo que, uma das entrevistadas (C)
nos relatou que a compra foi feita numa farmácia de manipulação sem a receita, porém, com o
aval do médico. Ele tinha contato direto com a farmácia na qual indicou a compra, e ele
mesmo, por telefone, passava as informações sobre o medicamento da paciente. Quando ela
chegou à farmácia o remédio já estava pronto; e nos meses seguintes de utilização, o
procedimento era ela ligar para encomendar.
24
Farmácia
com receita
• “É ele me deu a receita na hora e já logo passei na
farmácia” (A)
FORMA DE OBTENÇÃO
Farmácia sem receita
• “O médico mesmo ligou para a farmácia e passou minhas
informações. Quando cheguei o remédio já estava pronto. Quando precisava de mais, era só ligar lá para encomendar” (C);
• “Compro direto na farmácia de manipulação. Sem receita!”
(D) • “Fui direto na farmácia e comprei o remédio” (F)
Terceiros
• “Quando ele ia comprar para ele, ele já aproveitava e
comprava para mim também” (B) • “Eu mesma fui atrás do cara que vendia, era ilegal, e
comprei” (E);
Esse tipo de atuação, tanto por parte do médico, quanto por parte da farmácia é
preocupante. Para acabar com esse tipo de crime, a ANVISA neste ano está vindo com uma
nova proposta sobre o controle e regulamentação dessas drogas. Todas as farmácias devem
enviar um formulário on line sobre a compra e venda dessas substâncias. Na mesma hora em
que as informações forem emitidas a ANVISA terá acesso a elas, e os casos em que houver
suspeitas de fraudes serão investigados. Se confirmadas, os envolvidos poderão sofrer as
penas cabíveis para esta atuação.
Dentre a obtenção através de terceiros, houve o relato de uma pessoa que obtinha o
remédio através de um parente que ia comprar o remédio para si (B). Ele comprava uma
quantidade maior do que a que iria utilizar para que a entrevistada também tomasse. Outro
caso relatado, foi de uma das garotas que comprava de maneira ilegal (E). Ela nos relatou
como funcionava o processo de venda dentro do Mercado Público de Florianópolis. É esse
tipo de distribuição e utilização ilícita de drogas lícitas que vem preocupando cada vez mais
as autoridades envolvidas.
25
4.3 MOTIVAÇÕES
A categoria “motivações”, nosso foco principal nesta pesquisa, foi dividida em sociais,
profissionais, familiares, individuais e outras. Na subcategoria sociais compreende-se as
situações em que o meio social de alguma maneira interfere na decisão de tomar, ou não,
anorexígenos. Esta foi dividida em: motivações sociais de grupo, que engloba os casos em
que o grupo teve influência e; motivações sociais da mídia e modelos de beleza, que engloba a
influência dos meios de comunicações e dos padrões de beleza por ela cultivados. Já a
subcategoria profissionais compreende as situações em que o ambiente de trabalho gerou
alguma influência sobre esta decisão. Dentre eles podemos destacar a manutenção do
emprego e os critérios de seleção adotados por algumas empresas. A subcategoria motivações
familiares abrange as situações em que a cultura familiar é fator de influência sobre a decisão.
As subcategoria individuais engloba a perspectiva do indivíduo frente a situação do
emagrecer, os fatores subjetivos do sujeito. E, finalmente, a subcategoria outras, neste caso,
abrange o desejo do emagrecimento rápido.
Sociais
Grupo
• “Nas festas que eu freqüentava
ninguém me tirava para dançar. Não sentiam interesse por mim” (C);
• “Sempre era deixada de lado
quando meus colegas se reuniam. Nunca fui bonita e era meio gordinha” (F);
Mídia/Modelos de Beleza
• “A mídia, querendo ou não, nos
influencia. Queria ter o corpo das modelos que via nas revistas e TV, assim minha roupa cairia melhor” (A);
MOTIVAÇÕES
Profissionais
Manutenção do Emprego/
Critérios de Seleção
• “No local em que eu trabalho,
todas as vendedoras devem estar sempre bem apresentáveis. Corpo em forma, bem maquiadas etc. Meninas mais gordinhas não conseguem emprego lá” (D);
26
Familiares
Cultura Familiar
• “Minha família, minha mãe
principalmente, pegava muito no meu pé”(E).
Individuais
Subjetivas
• “Minha irmã e primas têm corpo
bonito e achava ruim andar com elas porque eu era a única cheinha do grupo. Se eu emagrecesse não me sentiria mais assim” (B);
MOTIVAÇÕES
Outras
Emagrecimento Rápido
• “Quando tomei foi porque queria
emagrecer para minha formatura. Faltavam 3 meses e essa era uma alternativa que poderia tentar para emagrecer a curto prazo” (A);
• “Decidi tentar porque era uma
maneira rápida de perder os quilos que eu queria até o casamento em que eu seria madrinha” (B);
• “Queria perder rapidamente os
10 kg que eu havia engordado” (C);
• “Optei pelos remédios para que
o processo fosse mais rápido. Não tenho paciência, não gosto de fazer exercícios” (D);
• “Tomei porque queria emagrecer
mais rápido” (E); • “Soube que era uma maneira de
emagrecer rapidamente e decidi tentar” (F)
Dentre as motivações para a utilização de anorexígenos apareceram várias causas. A
não aceitação, ou rejeição, em determinado grupo foi relatado por duas entrevistadas (C e F).
O fato de não terem uma aparência perfeita, que para elas era entendido como não ter o corpo
27
de uma determinada modelo ou atriz, era um motivo complicador para que essas pessoas não
se vissem integradas ao grupo no qual tentavam se inserir.
De acordo com ANDRÉ (2006), o medo de ser rejeitado pelo grupo ou por um
parceiro, as dúvidas que a pessoa gera sobre si mesma e sobre sua aceitação social, fazem
com que ela se vigie o tempo todo e pense que os outros também a estão observando. Ainda
segundo o mesmo autor, nós seres humanos somos sociais por necessidade e estamos
vulneráveis a toda forma de rejeição social.
A imposição da mídia por um modelo de beleza foi outro tópico relatado (A). A mídia
influência tanto a auto-identidade dos indivíduos quanto as suas relações sociais (GIDDENS,
2002). É inegável que os padrões de beleza por ela cultivados geram grande influência nas
pessoas que fazem grandes sacrifícios para se manter na norma, e também nas relações que
essas estabelecem com os demais.
O poder das influências sócio-culturais é enorme. Os meios de comunicação de massa bombardeiam as pessoas com imagens que associam a felicidade à figura esbelta. A mulher mais vulnerável a esta pressão, porque se espera dela, ainda hoje, não tanto que se seja inteligente ou capaz de manter um lar, senão atraente (HERSCOVICI apud SETTINERI, 1997, p. 21).
Dentre motivações profissionais, uma das entrevistadas (D) nos relatou que a empresa
na qual trabalha utiliza como critério de seleção a aparência dos candidatos, e que a
manutenção do emprego também depende deste fator.
A família também foi um dos aspectos levantados (E). A influência que ela exerce
sobre o indivíduo pode ser fator determinante na decisão da utilização dos anorexígenos. A
cultura por ela cultivada intervém diretamente na imagem que este indivíduo passa a ter de si.
Apareceram aspectos subjetivos da escolha também. Algumas situações fizeram com
que uma das entrevistadas tivesse uma auto-estima baixa. O fato de andar com sua irmã e
primas, que segundo ela eram mais bonitas porque eram magras, era algo incômodo (B).
“Assim, a auto-estima seria uma espécie de barômetro social, capaz de refletir sentimentos de
popularidade e de aceitação. Experiências recentes confirmam essa idéia” (ANDRÉ, p.51,
2006).
Porém, antes de tudo o que foi relatado neste tópico, a motivação que apareceu em
primeiro lugar para todas as entrevistadas foi o fato de terem a vontade de emagrecer
rapidamente. Cada uma delas relatou experiências que tiveram com outras tentativas (dietas),
e em que situações a escolha pelo anorexígeno foi feita. Houve relatos da necessidade do
emagrecimento em curto prazo para um evento específico, como casamento e formatura;
28
porque queriam perder os quilos que ganharam com a mesma pressa; porque já fizeram outras
tentativas sem sucesso; porque não têm paciência para fazer exercícios; ou porque com as
demais tentativas os resultados demoram a aparecer.
Isso nos leva a discutir sobre a intolerância a frustração por parte dessas pessoas. As
demais alternativas, frustradas ou com resultados em longo prazo, eram possibilidades que
estavam fora de cogitação naquele momento. A opção que fizeram de utilizar anorexígenos,
foi porque este foi visto como um instrumento para que o desejo do imediatismo fosse
confirmado, mesmo que trouxesse consigo efeitos colaterais. O imediatismo do
emagrecimento, no período do início da utilização, prevalecia aos fatores sintomáticos.
Naquele momento todos os aspectos motivacionais eram mais importantes do que o
desconforto das reações adversas, reações essas que poderiam nem aparecer, ou não eram tão
preocupantes para as participantes.
Vivemos em uma sociedade em que as mudanças ocorrem com muita rapidez, e é essa
a mesma lógica que temos aplicado a nossa vida e a nossas relações (GIDDENS, 2002). Tudo
deve ser o mais prático e rápido o possível.
4.4 PADRÕES DE USO
A categoria “padrões de uso” foi subdivida em regular, ou seja, aqueles que
utilizam/utilizaram por mais de 3 meses sem intervalos – já que este é o tempo máximo
recomendado para a utilização – e; eventual/irregular, que abrange os indivíduos que
tomam/tomaram por um tempo inferior a 3 meses, que tomam apenas em situações
específicas, ou de maneira não regular.
Regular
• “Tomo há 2 anos” (C); • “Estou tomando há 6 meses” (F);
PADRÕES DE USO
Eventual/Irregular
• “Tomei por 3 meses, apenas o tempo para
emagrecer o que eu queria”(A); • “Utilizei apenas por 2 meses” (B); • “Tomo apenas quando acho necessário” (D);
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• “Tomei por conta própria durante 5 meses, mas não continuamente” (E);
A grande maioria das mulheres que participaram do processo de entrevista relatou que
não faz uso contínuo dos anorexígenos. Houve casos inclusive que a entrevistada relatou fazer
uso apenas quando acha necessário (D), ou seja, quando acha que está fora do peso ou quando
aparece algum evento específico. Toma um mês e pára, fica um mês sem tomar. Quando acha
que precisa começa a tomar novamente, e quando perde o que queria pára em seguida, e assim
sucessivamente.
Outro fator importante relatado por essa mesma entrevistada, foi que ela não tomava a
quantidade indicada na embalagem. Como queria emagrecer o mais rápido possível, tomava o
dobro de comprimidos recomendados. Esse aumento na dosagem poderia agravar os fatores
sintomáticos desses medicamentos, mas isto não ocorreu neste caso.
É importante lembrar que esses remédios contêm substâncias que podem levar à
dependência, tanto que é recomendável que a utilização não ultrapasse três meses seguidos.
Uma das entrevistadas (C) toma há dois anos e agora se encontra no período de manutenção,
ou seja, está parando aos poucos para que não sofra os efeitos do remédio com a pausa
abrupta.
Esse período de utilização é preocupante, pois a dependência pode aparecer como uma
das reações adversas dos anorexígenos, como dito anteriormente. Aliás, o medo de largar o
remédio, da dependência, é algo relatado pela própria entrevistada (fala esta que poderá ser
constatada mais adiante no item efeitos indesejáveis).
4.5 EFEITOS DESEJÁVEIS
Os “efeitos desejáveis”, aqueles que eram esperados e demais efeitos positivos que
apareceram em função da utilização dos anorexígenos, foram subdivididos em diretos,
aqueles que provêm da utilização dos anorexígenos, e indiretos, os que surgem como
conseqüência do resultado alcançado com a utilização dos mesmos. Dentre os efeitos diretos
destaca-se o emagrecimento e maior disposição; dentre os indiretos aparece a melhora na
auto-estima do indivíduo, a aceitação no grupo e a conquista de um namorado.
30
Efeitos Diretos
Emagrecimento
• “O resultado da perda rápida de
peso” (A); • “Emagreci rápido e isso foi muito
bom” (B); • “Emagrecimento rápido” (C); • “Emagreço rapidamente o quanto
desejo” (D); • “Perdi os quilos que queria
rapidamente” (E); • “Perda de peso num tempo mínimo”
(F);
EFEITOS
DESEJÁVEIS
Mais Disposição
• “Sinto-me mais disposta para fazer
as coisas” (E);
Efeitos
Melhora Auto-estima
• “Melhorou minha alto estima, passei
a gostar mais de mim” (A); • “Não me sinto mais inferior a elas”
(B); • “Sinto-me mais bonita e acho que as
pessoas percebem isso” (D);
Indiretos
Aceitação Grupo/Namorado
• “O grupo do qual faço parte hoje me
vê de outra maneira. Eles me aceitam. Arranjei até um namorado quando comecei a emagrecer” (C)
• “Fiz novos amigos e arranjei até um
namorado novo depois que emagreci” (F)
Dentre os efeitos desejáveis diretos o emagrecimento novamente foi o fator que mais
apareceu na fala de todas as entrevistadas. Todas elas obtiveram sucesso durante a utilização,
mas isso é algo que não necessariamente pode ocorrer.
31
A melhora da auto-estima foi algo relatado por metade da amostra. O fato de se sentir
mais bonita, em relação de igual pra igual com os outros fizeram com que a auto-estima das
mesmas ficasse mais elevada. Estamos sempre em busca de uma auto-satisfação (GIDDENS,
2002), e quando alcançamos um patamar perto do esperado, consequentemente nossa auto-
estima se eleva.
Para uma das garotas inclusive (B), a baixa auto-estima, o sentimento de inferioridade,
foi um dos fatores de motivação para emagrecimento e a utilização dos anorexígenos. Como
isso se confirmou, o emagrecimento ocorreu e sua auto-estima se elevou, consequentemente o
que a incomodava desaparece e os méritos são dados aos medicamentos.
A aceitação por parte do grupo e a conquista de um namorado apareceram como uma
conseqüência do emagrecimento para duas das garotas (C e F). Nós seres humanos temos a
necessidade de nos relacionarmos com os outros, e a identificação é um fator de grande
importância na “escolha” por um grupo. Quando nos fazemos iguais aos demais, as chances
de aceitação são maiores e o círculo de relacionamentos aumenta.
Como essas meninas relataram que um dos fatores sociais de motivação foi a exclusão,
ou sentimento de não pertencimento a um grupo, e essa situação foi alterada, mais uma vez
esse aspecto se manifesta como um efeito desejável.
Nesse sentido pode-se perceber que os efeitos desejáveis estão diretamente
relacionados com as motivações. Muitos dos aspectos da vida do sujeito se transformaram em
função do emagrecimento através da utilização dos medicamentos.
4.6 EFEITOS INDESEJÁVEIS
Já a categoria “efeitos indesejáveis” ficou subdivida em efeitos colaterais, aqueles
provenientes da utilização de anorexígenos; dependência, uma possível conseqüência da
utilização; e sem efeitos indesejáveis, que engloba as respostas em que os indivíduos alegaram
não haver ou não terem percebido efeitos indesejáveis.
A subcategoria efeitos colaterais engloba os sintomas percebidos pelos indivíduos
durante a utilização dos medicamentos. Ela foi subdivida em efeitos citados e não
especificados, que caracteriza as falas em que os indivíduos admitem terem sentido os efeitos
colaterais, mas não os descrevem; efeitos especificados, em que a fala dos entrevistados
caracteriza a existência e a descrição dos sintomas; e ausência de efeitos colaterais, que
engloba os que não perceberam nenhum efeito.
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Efeitos citados e não especificados
• “Os efeitos colaterais que tive” (A); • “Os efeitos colaterais com certeza são
considerados indesejáveis” (E); • “As reações adversas” (F)
EFEITOS INDESEJÁVEIS
Efeitos colaterais
Efeitos especificados
• “Me sentia bastante deprimida, falta
de ar e insônia” (A); • “Da primeira vez que usei não dormia
mais e tinha fortes dores de cabeça. Já com esse segundo remédio sinto maior agitação durante o dia, mas não tenho tido problemas durante a noite para dormir” (C);
• “Fico mais agitada” (D); • “Tive muitos tremores” (E); • “Percebi que fico mais agitada” (F);
Ausência de efeitos
colaterais
• “Não percebeu nenhum dos efeitos”
(B).
Dependência
_
• “Nos deixam dependentes deles, com
medo de largar e engordar” (C);
Sem efeitos indesejáveis
_
• “No momento não vejo nenhum” (B); • “Acho que não tem” (D);
Nesta categoria efeitos indesejáveis os efeitos colaterais apareceram em primeiro
lugar. No entanto, as pessoas que fizeram parte desta pesquisa já sabiam desses possíveis
efeitos e mesmo assim fizeram uso dos mesmos. “Entretanto, sabemos que as pessoas
geralmente querem baixar de peso com certa urgência, e é freqüente que não meçam as
conseqüências e se aferrem à promessa que lhes vende a ilusão de um corpo esbelto”
(HERSCOVICI apud SETTINERI, p. 26/27, 1997).
33
Segundo HALPERN (p. 151, 1987), “as indústrias farmacêuticas têm trabalhado
bastante no sentido de produzir drogas com poder anorexiante nítido e poucos efeitos
colaterais”. No entanto, todas elas consideraram que os ganhos obtidos pela utilização, ou
seja, o emagrecimento, compensaram tais sintomas.
A dependência foi outro dado levantado. Uma das entrevistadas (C) relatou inclusive o
medo de largar o remédio, pois tem medo de engordar tudo o que perdeu. E isso de fato é
fator de preocupação, até porque a entrevistada já utiliza desse mecanismo há dois anos,
sendo que o tempo recomendável é de apenas três meses.
Dentro da subcategoria efeitos colaterais apareceram sintomas físicos e psíquicos. A
agitação e a insônia decorrentes da utilização de anorexígenos foram os sintomas mais
recorrentes nesta amostra. Apareceram também: depressão, insuficiência respiratória, insônia,
dores de cabeça e tremores. Apenas uma das integrantes da amostra relatou não ter percebido
nenhum efeito colateral (B).
Dentre as entrevistadas, duas delas consideram que não existem, ou não perceberam,
efeitos indesejáveis.
34
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O comércio ilícito de anorexígenos e a aderência por parte de muitos médicos a esta
causa é fator de grande preocupação. É muito fácil conseguir uma receita médica ou comprar
esses medicamentos sem a utilização das mesmas em muitas farmácias, apesar das tentativas
da ANVISA em controlar o processo.
Com a nova determinação da ANVISA sobre a venda de remédios tarja preta, acredita-
se que muitos médicos que têm a prática de prescrever remédios sem maiores cuidados
pensarão mais antes de fazê-lo. A ANVISA terá as informações sobre a quantidade de receitas
emitidas por cada um deles, e se constatado um abuso de prescrição eles poderão sofrer
investigações.
A utilização indevida dos anorexígenos por pessoas que sabiam das reações adversas
dos mesmos era algo pouco discutido. O uso indiscriminado desses medicamentos por
meninas cada vez mais jovens, é algo que gera grande preocupação. A mistura de substâncias
pode acarretar em sintomas físicos e psíquicos sérios. Se a garota já tem qualquer
predisposição para uma determinada doença a mesma pode ser desencadeada em função dos
medicamentos.
As entrevistadas nos relataram sua jornada pela perda de peso e nos contaram as
“loucuras” que já fizeram para chegar ao corpo ideal. Dietas “mirabolantes”, tomar doses
maiores dos remédios do que a recomendada, realização de exercícios físicos sem parar, são
apenas alguns dos exemplos do que essas meninas estão se submetendo a fazer em nome da
beleza.
A ANVISA como órgão regulador tenta controlar a venda abusiva dos medicamentos,
mas, ao mesmo tempo, a mídia com o apoio da indústria farmacêutica, de cosméticos,
alimentícia (diet e light), e demais interessados, produzem uma necessidade de consumo que
faz com que a procura por determinados produtos aumente. Cria-se um modelo de beleza para
que você se entenda como “fora do padrão” e busque as alternativas oferecidas para esse
público.
Nenhuma delas apresentou um transtorno alimentar caracterizado por bulimia ou
anorexia, ou seja, não foram diagnosticadas por seu médicos como alguém com tais
características, mas a auto-imagem que têm de si mesmas por vezes notamos ser bastante
negativa.
35
Apesar do curto espaço de tempo que tivemos para realizar e processar as entrevistas
para posterior discussão, todos os objetivos da pesquisa foram alcançados. O emagrecimento
rápido, somado a fatores sociais, profissionais, familiares e individuais, realmente é o fator de
maior motivação para a utilização desse recurso. Esse é um dado precioso para a Psicologia,
pois apesar de saberem a que estão sendo expostas, essas pessoas aceitam correr os riscos em
nome da beleza.
Será que realmente todos os sacrifícios a que se submetem valem a pena em nome de
um padrão de beleza determinado pela sociedade; padrões esses estimulados pela televisão,
revistas, indústrias de cosméticos e farmacêutica que obtêm lucro com isso? De acordo com
nossa amostra sim! Dizem saber das influências recebidas, dos fatores adversos desses
comportamentos, mas será que tudo isso não é percebido de maneira alienada?
Para trabalhos futuros, seria interessante investigar realmente se todas as informações
que obtêm sobre os medicamentos, e demais estratégias de modificação corporal, foram
apreendidas alienadamente ou conscientemente. Já pararam para pensar realmente que padrão
de beleza é esse a que estão submetidas ou simplesmente aceitam o que a sociedade as impõe?
Outro tema interessante para pesquisa, seria a realização de um novo estudo como o
realizado por Nappo, Oliveira e Morosini (1994) sobre a prescrição inadequada de
anorexígenos. Porém, deste vez, que o estudo seja realizado após a implementação das novas
normas da ANVISA. A expectativa é a de que o número de fraudes diminua, mas será que
isso ocorrerá de fato?
A elaboração de pesquisas nesse sentido aparece não somente como uma possibilidade
de o aluno investigar temas de seu interesse, mas como a oportunidade de aprimorar cada vez
mais seu perfil científico. A busca de literatura, a pesquisa em campo e a análise dos dados
fazem com que novas conclusões surjam e novas dúvidas também, encorajando a realização
de novos trabalhos científicos.
Antes de finalizar, gostaríamos de esclarecer que não somos contra a utilização de
anorexígenos, desde que o consumo seja feito por pessoas que realmente têm necessidade e
que optaram pela aderência a este recurso após serem esclarecidas sobre seus possíveis
efeitos; e que a prescrição seja feita por médicos conscientes e qualificados.
36
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39
APÊNDICES
APÊNDICE A:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após
ser esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine
ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador
responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto - Uso indevido de anorexígenos: Estudo sobre os aspectos motivacionais
para a utilização dessas substâncias por pessoas conscientes das reações adversas dos
mesmos.
Pesquisador Responsável: Paulo César Nascimento
Telefone para contato: 9973-3414
Pesquisador Participante: Daniele Cristina Breis
Telefone para contato: 8409-6802
Declaro estar ciente de que o objetivo desta pesquisa é a análise dos fatores
motivacionais, obtenção e utilização de anorexígenos por mulheres que estão cientes das
reações adversas dos mesmos. Minha tarefa consistirá na participação de uma entrevista
individual, composta de um roteiro tópico, que será gravada, e posteriormente transcrita.
Quanto aos aspectos éticos, as pesquisadoras informam que:
a) Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo, garantindo meu anonimato;
b) A aceitação não implica que sou obrigado a participar da pesquisa. A qualquer
momento posso interromper minha participação, bastando, para isto, comunicar os
pesquisadores;
c) Minha participação é voluntária, não terei direito a remuneração;
40
d) Esta pesquisa é de cunho acadêmico e não visa uma intervenção imediata;
e) Durante a participação, se tiver alguma reclamação do ponto de vista ético, poderei
contatar com a responsável desta pesquisa;
f) A entrevista terá em média 40 minutos. Caso eu sinta qualquer desconforto poderei
interromper minha participação.
g) Não há riscos previsíveis por minha participação;
h) Os resultados obtidos serão analisados somente para fins de pesquisa e estudo.
i) Estou ciente que a minha participação nesta pesquisa beneficiará o estudo dos fatores
motivacionais sobre a utilização de substâncias anorexígenas, e que os resultados
serão de utilidade para os demais estudos na área e para os profissionais da saúde.
j) Ao final da pesquisa, se for de meu interesse, poderei estar recebendo uma cópia
eletrônica dos resultados obtidos.
Nome do Pesquisador: Paulo César Nascimento
Assinatura do Pesquisador: __________________________________________________
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO
Eu, ___________________________________, RG_____________, CPF ____________
abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente
informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os
possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso
retirar meu consentimento a qualquer momento não havendo nenhuma penalidade a ser
aplicada se isto ocorrer.
Local e data: ______________________________________________________________
Nome: ___________________________________________________________________
Assinatura do Sujeito: ______________________________________________________
Telefone para contato: ______________________________________________________
41
APÊNDICE B:
ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1. Dados de Identificação
Iniciais do nome:
Data de Nascimento:
Peso:
Altura:
Profissão:
2. Roteiro Tópico:
- Faz ou fez uso de substâncias anorexígenas?
- Antes da utilização, tinha conhecimento sobre as possíveis reações adversas provenientes da utilização dessa substâncias?
- Por quanto tempo utiliza ou utilizou?
- Forma de obtenção da substância?
- Outras pessoas do seu círculo social também fazem/faziam uso dessas substâncias?
- Quais os motivos que a levaram a fazer uso de tais substâncias?
- Quais os fatores sociais envolvidos em sua decisão?
- Como você se percebe (com relação ao seu corpo)?
- Como pensa que os outros a percebem (com relação ao corpo)?
- Quais os efeitos esperados ao iniciar o consumo?
- Quais os efeitos desejáveis você atribui à utilização dos medicamentos?
- Quais os efeitos indesejáveis que decorreram do uso?
- Você esperava emagrecer apenas utilizando tais medicamentos ou buscou outras alternativas?
- Aliado a medicação, mantinha uma dieta hipocalórica e a execução de exercícios físicos regulares?
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ANEXO ANEXO 1:
Tabela IMC = Peso (Kg)/ altura²
IMC Situação Recomendação < 15 Desnutrição Intervenção Médica
15 – 20 Peso Insuficiente Melhorar Dieta 20 – 25 Peso Saudável Manter Dieta e Atividade Física 25 – 30 Sobrepeso Dieta Hipocalórica e Atividade Física 30 – 40 Obesidade Intervenção Médica
> 40 Obesidade Mórbida Intervenção Médica (Inclusive Medicamentos) Fonte: Colégio Oficial de Farmacêuticos de BADAJOZ. In: NAPPO E TABACH, 1999, p. 53.