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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE MÁRCIA REGINA DOS SANTOS FLORIANÓPOLIS, 2015

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

MÁRCIA REGINA DOS SANTOS

FLORIANÓPOLIS, 2015

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

SIGNOS DE UM IDEAL:

LIVROS ESCOLARES DE

EDUCAÇÃO MORAL E

CÍVICA EM FLORIANÓPOLIS

NA DÉCADA DE 1970

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO - FAED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

MÁRCIA REGINA DOS SANTOS

SIGNOS DE UM IDEAL:

LIVROS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM

FLORIANÓPOLIS NA DÉCADA DE 1970

FLORIANÓPOLIS – SC

2015

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S237s

Santos, Márcia Regina dos

Signos de um ideal: livros escolares de Educação Moral e

Cívica em Florianópolis na década de 1970 / Márcia Regina dos

Santos. – 2015.

227 p.: il.; 21 cm

Orientadora: Maria Teresa Santos Cunha

Bibliografia: p. 205-216.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa

Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Mestrado em

Educação, Florianópolis, 2015.

1. Educação – Florianópolis. 2. Livros didáticos – Florianópolis. 3. Civismo. 4. Educação moral – Florianópolis.

I. Cunha, Maria Teresa Santos. I. Universidade do Estado de

Santa Catarina. Mestrado em Educação. III. Título.

CDD: 370.981641 – 20.ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

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MÁRCIA REGINA DOS SANTOS

SIGNOS DE UM IDEAL:

LIVROS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM

FLORIANÓPOLIS NA DÉCADA DE 1970

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação do Centro de Ciências

Humanas e da Educação, da Universidade

do Estado de Santa Catarina (UDESC),

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Educação – Área de

concentração: História da Educação.

Linha de Pesquisa: História e

Historiografia da Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa

Santos Cunha.

FLORIANÓPOLIS – SC

2015

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MÁRCIA REGINA DOS SANTOS

SIGNOS DE UM IDEAL:

LIVROS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM

FLORIANÓPOLIS NA DÉCADA DE 1970

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Centro de

Ciências Humanas e da Educação (FAED), da Universidade do Estado

de Santa Catarina (UDESC), como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Educação – Área de concentração: História da

Educação.

Banca examinadora

Orientadora: ___________________________________________

Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC/SC

Membros:

____________________________________________

Profa. Dra. Raquel Discini de Campos

Universidade Federal de Uberlândia – UFU/MG

____________________________________________

Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC/SC

____________________________________________

Profa. Dra. Gladys Mary Ghizoni Teive

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC/SC

Florianópolis/SC, 08 de julho de 2015.

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AGRADECIMENTOS

Todos que contribuem na exploração, identificação e

registro de uma trilha de pesquisa compõem um grupo que

marca de modo indelével o produto que resultará desse

percurso. Expressar gratidão é o mínimo que se pode fazer,

pois as contribuições foram tão valiosas que, somente a partir

delas o trabalho chegou a sua consecução. A maior

contribuição veio sem sombra de dúvidas da minha orientadora

Profª Dra. Maria Teresa Santos Cunha. Profissional que associa

a competência e a gentileza em orientações que se tornam

verdadeiras aulas de vivência acadêmica. Sua disponibilidade e

atenção em todos os detalhes da pesquisa permitiram que o

caminho se tornasse produtivo e agradável. A oportunidade de

comemorar esse momento só foi possível pela brilhante

orientação a qual fui privilegiada em ter.

Meu agradecimento ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina que me

oportunizou ser bolsista PROMOP e CAPES para desenvolver

a minha pesquisa. Aos mestres dos quais tive a honra de ser

aluna, minha inserção num campo de conhecimento novo só foi

possível por meio dos seus ensinamentos. Em especial à Profa.

Dra. Cristiani Bereta da Silva, fundamental no embasamento da

minha pesquisa. À incansável secretária Gabriela que acolhe a

todos os nossos desesperos acadêmicos com muita

competência e paciência. Destaco a Profa. Dra. Gladys Mari

Guizoni Teive e Profa. Dra. Raquel Discini de Campos pela

generosidade de fornecer importantes contribuições ao texto

apresentado na qualificação do trabalho.

Agradeço ao intenso aprendizado nas reuniões do

Grupo de Estudos de História, Cultura Escrita e Leitura

(GEHCEL). Obrigada aos colegas das disciplinas que tive ao

longo do percurso, principalmente à colega Elaine pelas

numerosas mensagens a qualquer hora do dia ou da noite.

Dentre todos, um grupo foi, sem dúvida, essencial. Foram

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cafés, viagens, desabafos, estudos que edificaram o processo e

socorreram as sensibilidades. Obrigada ao grupo virtual mais

presente que eu conheço: “as meninas” Maria Fernanda,

Mariane, Karin, Luciana, Bibiana e Pâmela, juntas fomos mais

fortes!

Meus agradecimentos à minha grande família – os

Santos, os Rodrigues e os Martins – que foi motivadora dessa

jornada, mas, só foi possível chegar até aqui pelo apoio

incondicional de José, Felipe e Eduardo, os homens fortes que

estiveram sempre ao meu lado e entenderam todas as minhas

ausências. Não menos importante, à família escolhida Belle,

Elias, Di e Thunder, que em muitos momentos acreditaram

mais do que eu, foram o combustível dos meus dias de falta de

motivação. Finalmente a todos os companheiros pesquisadores

que tem a ousadia de trabalhar em prol da educação.

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O presente não se detém.

Não poderíamos imaginar

um presente puro; seria nulo.

O presente contém sempre uma partícula

de passado e uma partícula de futuro,

e parece que isso é necessário ao tempo.

Jorge Luís Borges

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RESUMO

SANTOS, Márcia Regina dos. Signos de um ideal: livros

escolares de Educação Moral e Cívica em Florianópolis na

década de 1970. 2015. 233 p.. Dissertação (Mestrado em

Educação – Área: História e Historiografia da Educação).

Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-

Graduação em Educação, 2015.

A presente dissertação problematiza sob quais signos o ideal de

civismo foi elaborado em três livros escolares da disciplina de

Educação Moral e Cívica nos sistemas de ensino de

Florianópolis, na década de 1970, ambiente em que circularam.

O corpo documental da pesquisa foi constituído pelos livros

dos autores Jaldyr Bhering Faustino da Silva e Ayrton Capella

(1º grau), de Benedicto de Andrade (2º grau) e Almiro Petry,

José Odelso Schneider e Matias Marinho Lenz (ensino

superior), bem como o Jornal O Estado, a Revista Educação e

Ensino de Santa Catarina e as legislações que contemplavam a

disciplina. Acerca da moral e do civismo aborda-se a

instituição da obrigatoriedade na educação escolarizada, a

prescrição dos saberes e as formas pelas quais se construiu o

civismo nas peculiaridades de cada livro. O embasamento

teórico estrutura-se sob a História Cultural, fundamentada por

Roger Chartier (1990), com a categoria de análise das

representações que visa a perscrutar como a ideia de civismo

era apresentada pelos três livros e os seus recuos e

aproximações quanto à prescrição oficial. E, em diálogo com

Antonio Castillo Gómez (2002), sob os atributos da cultura

escrita, empreende-se a análise da dimensão material e

simbólica dos livros com o objetivo de por em relevo as

relações que se estabelecem entre sujeitos escolares e as

culturas escritas.

Palavras-chave: Educação Moral e Cívica. Livros Escolares.

Civismo. Cultura Escrita.

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ABSTRACT

SANTOS, Márcia Regina dos. Signs of an ideal: textbooks of

Moral and Civic Education in Florianópolis in the 1970s 2015.

233 p..Dissertation (Master in Education -: History and

Historiography of Education). University of the State of Santa

Catarina. Graduate Program in Education, 2015.

This dissertation discusses under what the ideal of civility signs

was prepared in three textbooks the discipline of Moral and

Civic Education in Florianópolis of education systems in the

1970s, the environment in which they circulated. The

documentary research body was set up by the books of the

authors Jaldyr Bhering Faustino da Silva and Ayrton Capella

(1st degree), Benedicto de Andrade (2nd degree) and Almiro

Petry, Joseph Odelso Schneider and Matthias Lenz Marine

(higher education), as well as the O Estado, the magazine

Education and Teaching of Santa Catarina and the laws that

include discipline. About morality and civility deals with the

institution of mandatory in school education, prescription of

knowledge and the ways in which built civility on the

peculiarities of each book. The theoretical basis is structured

under the Cultural History, founded by Roger Chartier (1990),

with the analysis of the category of representations that aims to

peer as the idea of civility was presented by three books, their

setbacks and approaches on the official prescription. And in

dialogue with Antonio Castillo Gómez (2002), under the

writing culture attributes, undertakes the analysis of the

material and symbolic dimension of books, understood as

school learning instruments in order to put into relief the

relations established between school subjects and written

cultures.

Keywords: Moral and Civic Education. School books. Civility.

Written culture.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo..... 57

FIGURA 2 – Bandeira Nacional .......................................... 86

FIGURA 3 – Os Grandes Vultos ......................................... 99

FIGURA 4 – Os destaques no livro de Silva e Capella ...... 105

FIGURA 5 – O sumário geral do livro de Andrade ........... 109

FIGURA 6 – O sumário da unidade do livro de Andrade . 111

FIGURA 7 – A escrita e o tom de objetividade ................. 120

FIGURA 8 – Livro de Jaldyr Bhering da Silva e Ayrton

Capella (1971) ............................................... 133

FIGURA 9 – Livro de Benedicto de Andrade (1978)........ 140

FIGURA 10 – Estratégias gráficas ...................................... 147

FIGURA 11 – Estratégias gráficas 2 ................................... 148

FIGURA 12 – Livro de Almiro Petry, José Odelso Schneider

e Matias Marinho Lenz (1972, provável 1ª

edição) .......................................................... 149

FIGURA 13 – Capa da provável 2ª edição .......................... 149

FIGURA 14 – Capa da 11ª edição ....................................... 150

FIGURA 15 – A capa da Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina ........................................................ 159

FIGURA 16 – Autoridades na cerimônia de abertura do

Encontro ....................................................... 163

FIGURA 17 – Participantes do Encontro na cerimônia de

abertura ....................................................... 164

FIGURA 18 – O momento do Hino Nacional .................... 165

FIGURA 19 – Jornal O Estado divulga o Encontro ............ 167

FIGURA 20 – Mesa redonda promovida pelo Jornal O Estado

...................................................................... 174

FIGURA 21 – A diplomação dos participantes do Encontro183

FIGURA 22 – Caderno de coleção de recortes (Revista Isto É

de 20 de março de 1985) .............................. 197

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Legislação sobre a Educação Moral e Cívica. 54

QUADRO 2 – Os três livros escolares de Educação Moral e

Cívica ............................................................ 65

QUADRO 3 – Organização gráfica dos livros .................... 103

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

CEE – Conselho Estadual de Educação

CFE – Conselho Federal de Educação

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNMC – Comissão Nacional de Moral e Civismo

CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs

EBSA – Editora do Brasil Sociedade Anônima

EMC – Educação Moral e Cívica

EPB – Estudos de Problemas Brasileiros

ESAC – Economia Solidária e Ação Cooperativa

ESG – Escola Superior de Guerra

FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação e Cultura

OSPB – Organização Social e Política Brasileira

UEEs – União Estadual de Estudantes

UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina

UNE – União Nacional de Estudantes

UNISINOS – Universidade do Vale dos Sinos

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: ESCOLHAS, JUSTIFICATIVAS E

POSSIBILIDADES ..................................................... 23

2 MORAL, CIVISMO E EDUCAÇÃO NA DÉCADA

DE 1970 ........................................................................ 47

2.1 A EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA ESCOLAR ........ 48

2.2 TEXTOS INTRODUTÓRIOS E PRESCRIÇÕES DE

SABERES ..................................................................... 63

2.3 CONTEÚDOS FORMADORES: O QUE SE

ESPERAVA DOS FUTUROS CIDADÃOS ................ 72

2.4 OS VESTÍGIOS DE CIVISMO NOS LIVROS............ 81

2.5 UM PASSADO PRESENTE : BIOGRAFIAS PARA

INSPIRAR UM FUTURO ............................................ 93

3 OS IMPRESSOS EM FOCO: UMA

INTERPRETAÇÃO ................................................. 101

3.1 O LIVRO ESCOLAR COMO ESPAÇO MATERIAL E

SIMBÓLICO ............................................................... 102

3.2 PROFESSORES AUTORES E ESCRITORES .......... 118

3.3 LIVRO PARA O 1º GRAU: OBJETIVIDADE E

SÍNTESE ..................................................................... 132

3.4 LIVRO PARA O 2º GRAU: MOSTRA DE

AUTORES .................................................................. 139

3.5 LIVRO PARA O ENSINO SUPERIOR: TECNICISMO

E MÉTODO ................................................................ 146

4 ECOS DO 1º ENCONTRO DE PROFESSORES DE

EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA ............................. 157

4.1 A REVISTA EDUCAÇÃO E ENSINO DE SANTA

CATARINA .................................................................. 157

4.2 SEÇÃO RECADO: A MATÉRIA DE DESTAQUE FOI

SOBRE O ENCONTRO .............................................. 161

4.3 AS DISCUSSÕES DO ENCONTRO DE

PROFESSORES ......................................................... 168

4.4 O PERFIL DO (A) PROFESSOR (A) DE EDUCAÇÃO

MORAL E CÍVICA .................................................... 175

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4.5 DISCIPLINA OU PRÁTICA EDUCATIVA? .............. 184

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 191

REFERÊNCIAS ............................................................. 203

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1 INTRODUÇÃO: ESCOLHAS, JUSTIFICATIVAS E

POSSIBILIDADES

Na sexta-feira de 12 de setembro de 1969, o Jornal O

Estado1 que circulava em Santa Catarina, estampava em sua

principal manchete de capa: Governo confisca bens, cassa e

demite. Eram os desdobramentos do Golpe Civil Militar de

1964 que ecoavam na sociedade catarinense. O Brasil vivia um

momento político conturbado sob um governo militar que

poderia ser vislumbrado pelo impacto da manchete

apresentada. Tratava-se de atos governamentais contra

cidadãos de diversos segmentos da sociedade, os quais, pelos

princípios vigentes, haviam cometido delitos contra a Lei de

Segurança Nacional (Decreto-lei nº 314/67)2. Nesta mesma

data, outros jornais3 de ampla circulação no país também

1 Jornal fundado em 1915 por Henrique Raupp Júnior e Ulisses Costa, em

Florianópolis. A partir de 1969 passou por um processo intenso de

modernização de maquinário e o incremento de profissionais formados para

trabalhar em sua redação, o que lhe rendeu êxito na produção das décadas

seguintes. Foi o mais longevo e o primeiro a circular em todas as regiões do

estado de Santa Catarina na década de 1970 (BUDDE, 2013). 2 Esse decreto-lei foi criado com base na ideologia da Doutrina de

Segurança Nacional, desenvolvida por militares ex-combatentes da II

Guerra Mundial, provenientes da Escola Superior de Guerra (ESG) e que

tiveram contato com treinamentos militares nos EUA. Na ESG, criada em

1949, foi elaborada uma teoria de direita para intervenção no processo

político nacional que consistia na defesa do “poder nacional” no qual o

sacrifício do “bem-estar” era justificado pela ameaça a “segurança”

(ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985). 3 No dia 12 de setembro de 1969, o jornal Folha de São Paulo trazia em sua

capa uma manchete com título semelhante: Governo inicia o confisco, bem

como o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, que também noticiava na capa:

Governo cassa, demite e aplica a lei do confisco. A dificuldade e

morosidade no levantamento dos últimos acontecimentos impeliam

repórteres e redatores a recorrer ao rádio, que era o meio de comunicação

bastante acessível e de maior versatilidade na questão da circulação de

informações. As inúmeras redações de jornais do país possivelmente

compartilhavam do que era veiculado pelos noticiários de rádio e assim organizavam a informação impressa para divulgar entre seus leitores. É

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estampavam notícias políticas, evidenciando a relevância das

tensões que ocorriam no país. A sociedade enfrentava um

período atípico, com agitações, reformas e adaptações, nas

quais todos os setores sociais de alguma maneira foram

afetados.

No âmbito educacional também houve mudanças. No

mesmo dia da manchete citada, vinha a público o Decreto-lei

nº 869/69 (Anexo 1) que instituía o ensino obrigatório da

disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC) nas escolas, em

todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino do país. O

ambiente nacional noticiado pelo jornal de ampla circulação

em Santa Catarina e a assinatura deste Decreto-lei permitem

estabelecer algumas aproximações entre estes eventos

aparentemente aleatórios. No intuito de perceber essas relações

e outras que possam emergir, este estudo tratará das

significações construídas historicamente sobre o civismo em

três livros da disciplina Educação Moral e Cívica. Esta

pesquisa intenta buscar sob quais signos o ideal de civismo foi

elaborado por três livros escolares no período da ditadura

militar, ambiente em que foram produzidos e utilizados.

Nos anos entre 1964 e 1985, o Brasil vivenciou um

governo que se sustentava em preceitos ditatoriais. Em 1961,

após sete meses da eleição, ocorreu a renúncia até hoje não

satisfatoriamente explicada do presidente Jânio Quadros. O

então vice-presidente João Goulart, que por lei deveria assumir

a presidência, não dispunha da simpatia da ala militar dos

congressistas pelo fato de demonstrar seu posicionamento

progressista e simpatia aos ideais socialistas. Com a renúncia

de Quadros se instalou uma crise política, que parecia

estabilizada pela resolução do Congresso de substituir o

provável que essa prática também ocorresse com a redação do jornal O

Estado. Folha de São Paulo disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/1969/09/12/2/. Acesso em: 15 jan. 2015.

Jornal O Globo disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-

acervo/?navegacaoPorData=196019690912 . Acesso em: 15 jan. 2015.

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sistema presidencialista pelo parlamentarista, fato que limitava

os poderes do presidente. Apoiada por setores legalistas das

forças armadas, a posse aconteceu. Em 1963, João Goulart

promoveu um plebiscito que decidiu pelo retorno do sistema

presidencialista e as direitas, civil e militar, intensificaram a

organização em torno dos projetos de tomada de poder

(CARVALHO, 2014).

Com a proliferação de movimentos rurais, sindicais,

reformistas e antiestadunidenses que causavam a

desestabilização do governo de João Goulart, grupos de

direitistas opuseram-se às reformas de base defendidas pelo

presidente e um golpe de Estado foi deflagrado. Considerável

parcela da população temerosa de uma invasão comunista e de

ter seus interesses atingidos pelas reformas nos setores

agrários, industriais, fiscais e as relações com a economia

americana apoiou o golpe e os militares tiveram êxito em sua

ação (CARVALHO, 2014). O marechal Humberto de Alencar

Castello Branco foi legitimado como presidente da República

por meio de uma eleição indireta conduzida pelo Legislativo e

uma nova configuração social passou a ser estruturada. O

governo estabelecido se sentiu fortalecido para atuar

efetivamente nos diversos segmentos sociais que serviriam de

sustentação aos projetos de instalação no poder, estabilização

social e desenvolvimento econômico.

Em meio às negociações que ocorriam, o segmento

educacional também foi englobado nas estratégias as quais

sedimentavam a base governamental. Os movimentos

estudantis mantinham-se organizados em torno da defesa das

liberdades democráticas e nas reformas de base, contudo a ação

da repressão governamental era comum nestes casos. Diversos

fatores assim como,

a agitação cultural do período e a crise

econômica que se vivia, tudo isso contribuía

para que as tendências de esquerda

encontrassem público entre os estudantes, que

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iam aderindo à militância clandestina no

decorrer do tempo. (RIDENTI, 1993, p. 125).

Para dissipar as articulações, o governo militar buscou

providências num trabalho de contenção: atuar na formação

escolar.

Com um rápido folhear nos exemplares do Jornal O

Estado, do mês de setembro do ano de 1969, foi possível

identificar que várias estratégias de cunho formador, relativas

ao controle e à vigilância de livros e leituras escolares estavam

circulando. O Jornal informava a toda sua comunidade de

leitores sobre as mudanças ocorridas a respeito da produção

dos livros que seriam utilizados nas escolas. O exemplar de

04/09/1969 veiculava com uma pequena notícia intitulada:

Comissão vai disciplinar livros de aula. Tratava-se de

orientações aos autores e editoras que pretendiam publicar seus

livros para uso didático, para que enviassem seus exemplares

com antecedência a fim de contar com tempo hábil para serem

avaliados pela Comissão do Livro Técnico e Didático do

Ministério da Educação e Cultura4. Para além da

decodificação de um sistema puramente mecânico e gráfico

(CASTILLO GÓMEZ, 2003), eram indícios de um trabalho

padronizador dos materiais e, consequentemente, das práticas

relativas ao meio escolar. A palavra disciplinar foi aqui

interpretada em consonância com André Chervel (1990, p. 180)

como exercício intelectual que pretende “dar os métodos e as

regras para abordar os diferentes domínios do conhecimento”,

portanto, encaminhada para a ideia de ordenar ou conter os

conteúdos que circulariam nos sistemas de ensino. O fato de

4 Foi criada pelo Decreto Nº 59.355 de 4 de outubro de 1966, com a

finalidade de incentivar, orientar, coordenar e executar as atividades do

Ministério da Educação e Cultura relacionados com a produção, a edição, o

aprimoramento e a distribuição de livros técnicos e de livros didáticos.

Disponível em:

http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=190815 .

Acesso em: 15 fev. 2015.

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dispor do trabalho de uma comissão avaliativa específica para

livros de uso escolar sinaliza uma preocupação institucional e

política de vigilância e controle sobre o tipo de informação e

sobre os discursos direcionados ao ensino no país.

Como era a semana que antecedia o Dia da

Independência – 07 de setembro, as comemorações alusivas à

data estavam acontecendo em Florianópolis. Outra notícia

também do dia 04/09/1969 anunciava: Semana da Pátria

movimenta a cidade. Era uma reportagem com todos os

detalhes dos preparativos para o dia 07 de setembro, os quais

envolviam atividades nas escolas, desfiles cívicos de diversas

entidades, montagem de ambientes personalizados para os

eventos que aconteceriam, enfim, uma série de atos

precedentes ao grande evento que eram as comemorações pelo

Dia da Independência. A sociedade civil também participava

efetivamente, conforme é possível perceber na notícia do dia

07/09/1969, com a publicação do resultado de um concurso

organizado pela Federação do Comércio de Santa Catarina, o

qual premiava a Loja Copacabana Móveis, tradicional em

Florianópolis, por ter decorado a mais bela vitrine com motivos

patrióticos naquela semana. Toda a cidade era estimulada a

compartilhar de um civismo alicerçado pelo orgulho da pátria.

Dentre várias notícias que demonstravam as relações da

sociedade com a pátria, uma foi considerada especialmente

destacável por vincular-se diretamente ao contexto escolar.

A Assessoria especial de Relações Públicas da

Presidência da República reuniu na manhã de

ontem os jornalistas credenciados nos Palácios

do Planalto e das Laranjeiras, para o

lançamento da campanha cívica “Uma Bandeira

para cada Sala de Aula”. Por determinação do

Presidente Costa e Silva, que aprovou o seu

lançamento para logo após os festejos da

Semana da Pátria, a campanha visa a oferecer a

todos os brasileiros uma alternativa de união,

sob a égide do Símbolo máximo da Pátria. [...]

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28

Ao imaginar a campanha o Presidente Costa e

Silva, pretendeu a entronização no próximo dia

19 de novembro, de uma Bandeira Nacional, ao

lado direito da mesa do professor, em cada sala

de aula do Brasil, seja qual for o grau ou

natureza do ensino nela ministrado. (O Estado,

1969, p. 4).

A relação com a pátria, pela via da exposição de seus

símbolos, estava presente no cotidiano da educação, expressada

em imagens, objetos, vivências distribuídas pelo tempo e

espaço escolares. A prática e o ensino do civismo eram

estimulados pelas políticas educacionais desde a Proclamação

da República e a institucionalização da laicidade do ensino.

Civilizar através da alfabetização, da educação

moral e cívica e do acesso a conhecimentos

científicos básicos, assim como integrar o

imigrante estrangeiro à nação, enfim

nacionalizar, higienizar, ajustar o povo aos

novos valores e aos novos costumes da

sociedade capitalista passou a ser tarefa exigida

da escola primária pública. (TEIVE, 2008, p.

191).

Como ponto de referência do entrecruzamento das

questões políticas, sociais e educacionais em Santa Catarina, a

reforma da instrução pública de 1911, conduzida pelo professor

Orestes de Oliveira Guimarães, um “legítimo representante do

modelo paulista de educação, na época considerado vanguarda

no campo educacional” (TEIVE, 2008, p. 33), foi um

importante marco na valorização das práticas cívicas escolares.

A recente república brasileira demandava de transformações

sociais que conduzissem o país para o progresso desejado pelos

seus idealizadores.

A educação escolar pública é então alçada à

questão nacional prioritária, sendo

responsabilizada pela transformação do povo

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29

em nação, por torná-lo disciplinado, saudável e

principalmente produtivo. (TEIVE, 2008, p.

72).

Ao final do século XIX, no estado de Santa Catarina era

percebido um grande contingente de imigrantes vindos de

diversos países europeus e, a partir do início do século XX,

uma das preocupações governamentais consistiu-se em

promover a integração dos descendentes (ROSSATO, 2014) na

cultura entendida como nacional, uma vez que eram nascidos

no Brasil, mas cultivavam os costumes do país de origem. O

projeto, entre outras coisas, envolvia enfatizar o ensino da

língua pátria e a internalização do civismo, formando uma

geração de cidadãos comprometidos com o desenvolvimento

material de seu país amparada no conhecimento científico, com

retidão de caráter e sentimentos ufanistas.

Naquele momento, a inovação no ensino, a qual

introduziu o método intuitivo ou lições de coisas prévias, o

contato com a prática, com as imagens e com os objetos foram

introduzidos para que os alunos fossem alfabetizados

construindo relações significativas de modo que a apreensão

dos conteúdos promovesse mudanças no modo de agir e

pensar. Era a vanguarda pedagógica apresentada por Orestes

Guimarães ao sistema de ensino catarinense como importante

ferramenta de aglutinação social no início da república

brasileira. Por meio da educação se desenhavam contornos para

um momento de transição do país, no qual se mostrava

presente a preocupação com a formação cívica para amalgamar

o conceito de nação. Entretanto, a situação de fomentar práticas

cívicas e patrióticas estava, naquele momento, exacerbada para

garantir certa ordem social e, assim, a partir de 1964, esta

formação foi vinculada ao contexto de reformulação social

pensado pelo governo militar em busca de apoio e

legitimidade.

Eram previstas ações nas quais todos os setores da

sociedade deveriam ajustar-se à nova realidade política e isso

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envolvia a criação de leis, decretos, estabelecimento de

diretrizes, enfim, construir um aparato que delineasse os rumos

da sociedade e o “novo cidadão” para a “nova pátria”. Já no

primeiro governo, do Marechal Humberto Castello Branco, em

1964/1965 começaram discussões sobre quais estratégias eram

fundamentais para a proposta de civismo e cidadania adequada

à nova fase política e social. Diante dos acontecimentos

emergiu a necessidade de sistematizar, no processo de

escolarização, disciplinas escolares que pudessem dar conta

desta demanda. Segundo o estudo de Filgueiras (2006, p. 20),

“a necessidade de uma Educação Moral e Cívica dos cidadãos

foi tema de projetos educacionais anteriores ao da Ditadura

Militar brasileira”, deste modo, na visão dos ocupantes do

poder no Brasil, os acontecimentos impeliam para que a prática

cívica fosse institucionalizada.

Na década de 1960, a educação no Brasil passou por

inúmeras reformas, iniciando inclusive com a aprovação,

depois de longo período de discussão, da Lei de Diretrizes e

Bases (LDB), Lei nº 4024 em 1961, que apresentou ajustes e

reavaliações no que se refere a currículos e propostas de

ensino. Segundo este documento, o Conselho Federal de

Educação (CFE) deveria indicar até cinco disciplinas

obrigatórias e, aos Conselhos Estaduais de Educação (CEEs),

cabia a competência de complementar com as disciplinas de

caráter optativo que julgassem procedentes aos

estabelecimentos de ensino. O artigo número 38 do documento,

o qual tratava da organização do ensino de grau secundário5,

5 A LDB de 20 de dezembro de 1961 organizava os sistemas de ensino em

grau primário, secundário e superior. O primário correspondia ao que hoje é

a educação infantil e o fundamental I. O secundário era dividido em ginasial

e colegial, correspondentes atualmente ao fundamental II e o ensino médio,

respectivamente. O colegial poderia oferecer ainda o ensino direcionado

para a admissão nos cursos superiores, que era chamado de científico ou

então o ensino técnico em nível secundário, voltado para a formação para o

trabalho.

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apresentava entre outras, a seguinte norma: formação moral e

cívica do educando, através de processo educativo que a

desenvolva6. Um vestígio que permite considerar a

preocupação com esse tipo de ensino era anterior à própria

instituição do Decreto-lei, e, que a disciplina já se encontrava

inserida nos currículos. Para atender as demandas sociais e

políticas provenientes do momento conturbado que o país

vivenciou com o Golpe Civil Militar de 1964, outras

normativas também apareceram no intuito de que a educação,

como um importante elemento da formação dos cidadãos se

alinhasse aos anseios do projeto de governo a ser instituído.

A educação funcionou como relevante via de

legitimação do processo político republicano atendendo às

transformações julgadas necessárias para a adaptação do povo

a uma nova realidade social. As práticas escolares buscavam

fundamentar novas configurações sociais. Assim como no

período republicano inicial, na década de 1960 ocorreram

mudanças nos sistemas de ensino do país para atender às

demandas políticas. Com destaque para o ensino da disciplina

de Educação Moral e Cívica que, era um saber escolar

provindo de várias áreas, com algumas adaptações e releituras,

com conhecimentos ligados aos ideais de reformulação

almejando a formação de um cidadão valoroso e patriota, que

se mostrasse orgulhoso de seu país, preparado para defendê-lo,

bem como para trabalhar pelo seu crescimento.

Conforme foi mencionado, conteúdos de cunho cívico-

patriótico já integravam os sistemas de ensino. A Educação

Moral e Cívica era pulverizada em conteúdos trabalhados por

algumas disciplinas escolares como, por exemplo, História,

Geografia e Canto Orfeônico e, somente em 1969 foi instituída

por Decreto-lei como disciplina obrigatória. Todos os saberes

6 Lei de Diretrizes e Base de 1961 - Lei 4024/61 | Lei nº 4.024, de 20 de

dezembro de 1961. Disponível em:

http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/108164/lei-de-diretrizes-e-

base-de-1961-lei-4024-61. Acesso em: 23 fev. 2014.

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que poderiam contribuir com as questões de formação de

caráter, cidadania, patriotismo e nacionalismo, passaram a

compor esta disciplina que estaria presente nas várias etapas

escolares, desde o ensino chamado primário até o superior.

O Decreto-lei desencadeou uma série de demandas na

estrutura escolar dos sistemas de ensino em todo o país. Seria

preciso capacitar profissionais com formação em áreas afins,

como na História, na Geografia e na Filosofia, para que

assumissem o ensino dos saberes a serem ministrados na

Educação Moral e Cívica. Os programas curriculares deveriam

ser adaptados para comportar as aulas dentro da carga horária e

da seriação. A seleção de conteúdos deveria ser guiada pelos

princípios filosóficos e ideológicos da disciplina. Como

estratégia principal para viabilizar a disseminação dos saberes,

e até mesmo para auxiliar a prática dos professores, fazia-se

necessário pensar uma produção didática que contemplasse as

finalidades apresentadas no Decreto-lei, os possíveis métodos

de desenvolvimento, os conteúdos adequados e também as

maneiras de avaliação... e, tudo isso como a maior urgência.

Nesta clave, a produção e publicação de livros didáticos de

Educação Moral e Cívica foram uma das estratégias utilizadas

para legitimar a disciplina obrigatória e instrumentalizar os

futuros professores em sua atuação.

A iniciativa deste trabalho teve como pano de fundo a

minha própria prática educacional em sistemas de ensino tanto

públicos como privados, donde emergiram algumas questões

que foram rascunhando um projeto de pesquisa. A vivência na

sala de aula, principalmente a partir da década de 2000,

evidencia um enorme desconhecimento – ou talvez descaso (?)

– com relação às questões que envolvem o país, o cidadão, a

cidadania, o patriotismo. É muito comum perceber grandes

manifestações patrióticas, não só no ambiente escolar, mas em

toda a sociedade, em épocas de torneios internacionais de

futebol, nas quais atos como vestir as cores da Bandeira

Nacional ou cantar o Hino Nacional conferem representações

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de amor e respeito ao país. Porém, o que menos se deseja é

relacionar estes atos a ideia de civismo ou patriotismo, já que

tais práticas são desqualificadas e por vezes até renegadas na

sociedade brasileira. Para pensar mais detidamente e discutir

essas e outras questões, elaborei então o objetivo do presente

estudo: identificar as representações de civismo constituídas

em livros escolares de Educação Moral e Cívica e verificar

como se inscrevem no universo da cultura escrita na década de

1970, haja vista ser o período de implementação do Decreto-lei

nº 869/69. A partir da escolha, algumas questões foram

problematizadas: a Educação Moral e Cívica era puramente

uma metódica doutrina? Para quê serviam seus conhecimentos?

Os saberes eram produtores ou produtos de uma sociedade?

Em que medida esses conhecimentos se tornaram

representações coletivas?

Como “é nessa fronteira mutável, entre o dado e o

criado, e finalmente entre a natureza e a cultura, que ocorre a

pesquisa” (CERTEAU, 2011, p. 65), optei por projetar uma

investigação em livros da disciplina. Para isso constituí um

acervo com doações, empréstimos e até mesmo achados em

antiguidades familiares. Os livros não existiam mais nas

estantes das livrarias para serem adquiridos, era necessário

pensar que tipo de lugar ainda guardaria exemplares de algo

extinto e não muito bem lembrado. A primeira estratégia foi

vasculhar os arquivos familiares que ainda conservavam alguns

livros escolares e, pelos motivos mais inusitados, continuavam

ali. Afinal, a disciplina em questão fez parte dos currículos dos

diversos níveis de formação de um tempo próximo e isso

favorece a posse e guarda dos materiais de ensino. Alguns

títulos foram encontrados, contudo tinham sido utilizados em

outro estado e isso implicava no direcionamento da pesquisa.

Outra opção foi visitar bibliotecas que, são sempre um lugar

comum no imaginário de quem pensa em livros fora de uso –

segundo os alunos que não apreciam a leitura, e essa foi mais

uma incursão. A busca na Biblioteca Pública do Estado de

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Santa Catarina foi extremamente fecunda para organizar uma

lista prévia dos livros que teoricamente circularam em

Florianópolis e, assim, perceber os números das edições que

davam indicativos de quanto àqueles livros teriam sido

utilizados, ou pelo menos, produzidos com esse intuito. A

primeira listagem facilitou uma busca mais direcionada aos

acervos de casas especializadas em livros usados, buscando

títulos que poderiam dar o tom do projeto de pesquisa, vale

relatar também que essa busca não foi solitária, obtive

colaborações.

Ao divulgar a ideia para pessoas que pudessem

contribuir para que o projeto tomasse corpo, também contei

com a imensa generosidade de receber doações de exemplares

que tinham sido utilizados e, muito mais do que isso, já vieram

para minhas mãos carregados de sentidos e subjetividades as

quais de fato seriam fundamentais para pensar qual seria a

forma de abordar aqueles objetos, levando em consideração

“que todo percurso científico é feito de escolhas inconscientes,

de encontros imprevistos, do acaso” (CHARTIER, 2011, p.

22). Ao todo foram angariados treze títulos com edições entre a

década de 1960, 1970 e 1980, uma variedade editorial

considerável, pois todos eram de autores diferentes. Com muita

dificuldade, foram selecionados três livros: Educação Moral e

Cívica (1º grau) de Jaldyr Bhering Faustino da Silva e Ayrton

Capella (1971), Educação Moral e Cívica (2º grau) de

Benedicto de Andrade (1978) e Realidade Brasileira: Estudos

de Problemas Brasileiros (Educação Moral e Cívica para

Ensino Superior) de Almiro Petry, José Odelso Schneider e

Matias Martinho Lenz (1972), utilizando como critérios de

escolha a circulação nos sistemas de ensino de Florianópolis, a

autoria de professores e a abordagem sobre cada nível escolar

(1º e 2º graus e Ensino Superior).

Como suporte documental, foram localizados na internet

os documentos oficiais, leis, decretos, pareceres, portarias,

resoluções, necessários para compreender a prescrição da

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disciplina, a instituição da obrigatoriedade e a regulamentação

junto aos sistemas de ensino. Em função da data de edição dos

livros escolhidos, a pesquisa situou-se na década de 1970. Para

contextualizar o diálogo dos documentos com o tempo

histórico, foram feitas consultas à Biblioteca Pública do Estado

de Santa Catarina e ao Arquivo Público Estadual de Santa

Catarina, com o intuito de localizar indícios sobre a disciplina

que estabelecessem diálogo com os livros já arrecadados. E,

como o inusitado também é cotidiano em projetos que

envolvem a pesquisa histórica, o exame desses arquivos

mostrou-se profícuo para enriquecer a produção escrita sobre

os três livros selecionados. Estes documentos apresentaram

mais informações sobre a circulação das prescrições oficiais na

cidade, sobre as práticas sugeridas para a disciplina, sobre o

civismo que se buscava construir, sobre o perfil idealizado dos

professores que trabalhavam com a disciplina e outras questões

que possibilitaram uma interface com o ensino da disciplina em

Florianópolis, onde os três livros circularam, satisfazendo o

desejo pessoal de elaborar uma escrita a partir de experiências

locais com o objeto.

Os livros escolares da disciplina de Educação Moral e

Cívica produzidos na década de 1970 são exemplos da

utilização dos impressos como instrumento de formação

intelectual, ética e moral para os educandos. A disciplina foi

instituída de forma obrigatória atendendo ao processo de

transformação de uma sociedade que vivenciava um sistema

ditatorial, com negociações e resistências. Havia uma

preocupação por parte do governo militar com a afirmação de

um amor e respeito à pátria, considerados pontos de

fundamentação do nacionalismo que unificaria o país. Na

formação cívica transcrita para os materiais didáticos veiculava

as mensagens a partir da compreensão de que

a escrita introduz suas peculiaridades nos

processos de comunicação e de organização

social, portanto, é necessário revelar seu

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potencial para gerar novas formas de pensar e

construir o mundo, o exercício do poder ou

articular as relações humanas.7(CASTILLO

GÓMEZ, 2002, p. 18).

A investigação sobre o civismo dentro desta disciplina

discute sobre a educação daquela época em seu contexto

político-social, e também discorre sobre todo o aparato

material e simbólico que forja as representações entendidas

como instrumentos de ordenação social. Empreender sobre

estas obras faz emergir a relação que os sujeitos estabeleceram

com as temporalidades, com os espaços e com as instituições.

É possível compreender a leitura de mundo de um grupo que

constrói a sua identidade, significando “simbolicamente um

estatuto e uma posição” (CHARTIER, 1990, p. 23).

Compreender como absorveram o passado para revalidá-lo no

presente e, como pretendiam projetar o futuro através do

processo educacional. O estudo dos saberes, das propostas, do

método, todas as manifestações que estão vinculadas à

presença do impresso no ambiente escolar, trazem em si a

peculiaridade de lidar com o material que dialoga com o aluno,

sinalizando usos e apropriações.

O mínimo que se exige de um historiador é que

seja capaz de pensar a história, interrogando os

problemas do presente através das ferramentas

próprias do seu ofício. O mínimo que se exige

de um educador é que seja capaz de pensar a

sua ação nas continuidades e mudanças do

tempo, participando criticamente na renovação

da escola e da pedagogia. (NÓVOA, 2011, p.

9).

7 Tradução livre da autora, do original: “la escritura introduce sus propias

particularidades em los processos de comunicación y de organización

social, de ahí que sea preciso desvelar sus potencialidades para generar

nuevos modos de pensar y construir el mundo, ejercer el poder o articular

las relaciones humanas.” (CASTILLO GÓMEZ, 2002, p. 18).

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Para dar início ao trabalho de pesquisa era necessário

compreender a sistemática da abordagem sobre livros de uso

escolar. O ponto de partida se deu a partir da leitura da obra de

Décio Gatti Júnior (2004) A escrita escolar da História: livro

didático e ensino no Brasil (1970-1990). Apesar de não se

tratar da disciplina de Educação Moral e Cívica, a obra de Gatti

Júnior apresenta uma metodologia de trabalho que pode ser

aplicada à análise de livros de fins didáticos. O seu

procedimento investigativo dá subsídio para o desenvolvimento

do trabalho sobre outras áreas de conhecimento. O autor insere

os livros didáticos de História no contexto sócio histórico do

período, percebendo as transformações das produções no

âmbito editorial, da escrita e dos saberes. Por meio da

utilização de entrevistas, o autor seleciona pontos para

verticalizar a investigação de forma que possibilita ao leitor

construir uma visão ampliada sobre como era a construção e o

ensino do conhecimento. Os assuntos destacados pelos autores,

sua trajetória profissional, a relação com o processo editorial,

todos os elementos destacados a partir da fala dos depoentes

proporcionam consistência à análise dos livros, da disciplina e

dos saberes. As problemáticas levantadas no texto, além de

aprofundarem o estudo sobre o livro didático, entremearam o

contexto político, social e educacional em que as obras estavam

inscritas. É possível vislumbrar o diálogo destes impressos com

os indivíduos, bem como as tensões que envolviam a

construção e o estabelecimento de um saber escolar como a

História. O estudo minucioso de Gatti Júnior entrecruzando

autores, saberes, editoras, Estado, foi considerado iluminador

da pesquisa que se delineava.

Ao buscar obras que pudessem referenciar o estudo,

percebi que muitos títulos tratavam do assunto, porém expondo

e analisando seu caráter ideológico ou explicando práticas que

a constituíram. E não seria esse o meu intuito. Ao realizar um

levantamento bibliográfico na Biblioteca Universitária da

Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC foram

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listados quinze livros com a referência de busca Educação

Moral e Cívica, sendo que apenas cinco tinham sido

produzidos e circulado na década de 2000 com abordagem

sobre os temas de ética e moral no contexto educacional.

Foram também encontrados dois Trabalhos de Conclusão de

Curso e uma Dissertação. Ampliando as possibilidades,

pesquisei o Banco de Teses da Capes com a mesma referência

de busca e encontrei cinco dissertações na área de

conhecimento de Educação8. A busca foi um pouco limitada

pelo fato do sítio eletrônico da instituição encontrar-se em

manutenção e liberar as pesquisas apenas nos anos de 2012 e

2013. Mas a abordagem das dissertações ainda não tinha

aproximação com a linha pensada para o desenvolvimento do

trabalho.

Valendo-me das ferramentas de busca disponibilizadas

na internet, iniciei uma busca generalizada por trabalhos

acadêmicos com o nome da disciplina por referência e após a

leitura de muitos resumos, encontrei duas dissertações e duas

teses na área de conhecimento da Educação que foram muito

valiosas como ponto de partida para iniciar a minha pesquisa.

Eis que me deparei com o primeiro grande impasse da

pesquisa: uma dissertação apresentando a estrutura de trabalho

muito semelhante a que eu havia pensado para o

desenvolvimento da minha pesquisa, inclusive analisando um

título que era comum ao acervo constituído9 por mim até o

momento. Não raro os pesquisadores passam por esta

provação. A ânsia, ou ilusão, de fazer algo com certo grau de

ineditismo, às vezes encobre momentaneamente todo o leque

de possibilidades que um documento apenas pode oferecer.

8 Estes materiais constam do Estado da Arte feito para a consecução da

pesquisa. 9 Tratava-se da dissertação de Juliana Miranda Filgueiras intitulada A

Educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969-1993, defendida

em 2006, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

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Não existe um objeto que, contemplado de

diversos lugares, seja sempre o mesmo. Da

mesma forma, não existe um fenômeno,

acontecimento ou assunto que, considerado de

perspectivas diferentes, não mostre aspectos

antes não visíveis ou, visíveis, mas, não

apreciados. Tudo depende, pois da posição que

adota aquele que olha. (VIÑAO FRAGO, 2008,

p. 15).

Concordando com Antonio Viñao Frago, procurei

avaliar que história eu pretendia contar a partir dos documentos

que disponibilizava e rumando na direção da verticalização da

pesquisa, pensei que – tanto o teórico, quanto o geográfico –

tem relevância na discussão, pois,

é em função destes lugares que se instauram os

métodos, que se delineiam uma topografia de

interesses, que os documentos e as questões que

lhes serão propostas se organizam.

(CERTEAU, 2011, p. 47).

Então esta seria a peculiaridade que guiaria a minha escrita.

A primeira dissertação em foco foi a de Juliana Miranda

Figueiras (2006), intitulada A Educação Moral e Cívica e sua

produção didática: 1969-1993. Este trabalho apresentou um

extenso levantamento de livros didáticos e a trajetória de

implantação da disciplina de Educação Moral e Cívica após o

decreto de sua obrigatoriedade em todos os níveis de ensino –

Decreto-lei nº 869/69, até a sua revogação. As questões

tratadas pela autora privilegiaram o processo que instituiu a

disciplina, as prescrições oficiais, e o campo vinculado à

atuação dos órgãos que estavam incumbidos dessa

implantação. A leitura deste material forneceu subsídios para a

construção da abordagem histórica sobre a instituição da

disciplina. O texto elaborou a classificação de alguns

elementos da materialidade, editoração e conteúdos que me

permitiu vislumbrar aspectos ainda intocados pela análise,

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como por exemplo, a relação do impresso com seu autor. A

autora fez uma ampla exposição de obras que tiveram grande

circulação, na região de São Paulo, local onde foram

encontrados os livros pesquisados. Sem dúvida, o trabalho

alargou os horizontes sobre a disciplina e a produção didática

específica.

A perspectiva sobre as representações de civismo nos

livros escolares abriu muitas possibilidades de correlação. O

envolvimento com questões que vão além das relações

educacionais não podem ser ignoradas para pensar a estrutura

de um elemento cultural. Neste sentido, o diálogo com o estudo

de Dayenne Karoline Chimiti, que recebeu o título de

Educação Moral e Cívica: disciplina e poder disciplinar no

ensino de primeiro grau mato-grossense na década de 1970 foi

muito importante. Em sua dissertação, Chimiti fez uma

discussão densa sobre as questões da reformulação dos sujeitos

para a sociedade do futuro, após o Golpe Civil Militar de 1964,

via Educação Moral e Cívica. Este trabalho apresentou um

referencial significativo sobre o poder disciplinar da Educação

Moral e Cívica e sobre a perspectiva da construção dos sujeitos

que está inscrita no ensino do civismo. O estudo abordou

também os livros didáticos, a organização dos saberes, os

saberes como instrumentos de disciplinarização. A autora

possibilitou a ampliação do olhar sobre o caráter formativo da

disciplina e sobre as representações que a cercam, discutiu sua

função como disciplina escolar e, também, problematizou as

prescrições de conduta como jogos de poder e dominação.

A tese de Cleber Santos Vieira (2008), Entre as coisas

do mundo e o mundo dos livros: prefácios cívicos e impressos

escolares no Brasil republicano foi leitura de extrema

relevância, pois apresentou alguns pontos de intersecção com a

minha pesquisa, quanto à forma de abordagem sensorial que

preconiza o trabalho com as representações. Além disso, o

trabalho realizou uma discussão sobre as funções dos prefácios

como depositários de enunciados de práticas, prescrições de

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ideais e, principalmente, como um protocolo de leitura que dá

indícios de uso. Nesse contexto, o autor discutiu as estratégias

discursivas utilizadas, como os textos dialogavam com seus

interlocutores e a fluência de ideais políticos e sociais que eram

apresentados com a intencionalidade de formação. Como

elemento de análise da materialidade do suporte dos saberes da

Educação Moral e Cívica, as estratégias textuais comunicam

uma forma específica de diálogo com o leitor, que organizam a

leitura formalizando prescrições, instruções, introduções com o

intuito de conduzir a produção de sentidos.

O trabalho com livros permite interfaces peculiares com

este tipo de objeto. Pensar a prática que precede ao objeto é de

certa forma investigar sua produção e os dispositivos

mobilizados para efetivar o produto. No caso de livros

escolares, os eventos do entorno funcionam como agentes

conformadores de um objeto destinado à formação. O

momento histórico da produção tem muito a dizer sobre os

critérios utilizados, as estratégias e formatos escolhidos pelos

produtores. A tese de Katya Mitusuko Zuquim Braghini,

intitulada A “Vanguarda Brasileira”: a juventude no discurso

da Revista Editora do Brasil S/A (1961/1980), apresentou

importantes referências sobre a articulação editorial diante do

momento político da Ditadura Militar, os discursos recorrentes

e a presença de autores de livros escolares como editores do

periódico estudado. A autora trabalhou com as variadas

representações acerca de uma objeto/evento, neste caso a

juventude, inventariando registros no periódico que permitiram

perceber esta diversidade. A percepção de um projeto

formativo implícito nos registros encontrados no periódico

possibilitou interfaces com a utilização do livro escolar como

dispositivo formador e produto social ao mesmo tempo.

A História da Educação abrange vários eixos de

investigação sobre a instituição escolar, as práticas, os sujeitos,

os materiais. A problematização de cada um destes elementos

ajuda a construir um mosaico de temáticas que giram em torno

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da instituição escolar. A partir das leituras de referência foi

possível traçar os caminhos para compreender a dinâmica

própria que tem o uso dos livros e como negociam e se

movimentam no meio escolar.

Para ampliar o olhar sobre a escola e sobre a educação,

as investigações que tem por objeto os livros escolares abrem

caminhos para pensar os avanços e os recuos que ocorreram na

solidificação da instituição escolar como parte constitutiva das

sociedades. Os livros e seus saberes trazem a marca do tempo

impressa em suas páginas e dar a ver esses vestígios,

oportuniza o debate sobre as relações entre o meio escolar, suas

práticas e a sociedade como um todo, o que pode ser

importante para a sistematização de discussões sobre os

fundamentos dos processos educacionais, suas estratégias, suas

negociações com o contexto político e social. O desejo de

contribuir para essas discussões, que viajam no tempo e são

presentes ainda hoje, foi determinante para definir a escolha do

objeto de estudo.

A História Cultural e sua renovação nos estudos sobre

as sociedades se torna o ponto de partida operatório para

proceder à análise das representações elaboradas acerca do

civismo, do cidadão e de sua condição perante a sociedade e a

nação. A ampliação dos objetos de estudo, segundo Chartier

(1990, p. 14), permitiu abordar “os sistemas de parentesco e as

relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as

modalidades de funcionamento escolar, etc.”, e também

possibilitou transformar material de uso escolar em documento

para leitura de uma época.

Tal qual a escolha de uma chave dentro uma “caixa de

ferramentas” (TEIVE, 2009, p. 61), foi escolhida então a

História Cultural, fundamentada por Roger Chartier (1990),

valendo-me da categoria de análise das representações, para

operar este estudo que visa perscrutar como a ideia de civismo

era apresentada pelos três livros, os seus recuos e aproximações

quanto à prescrição oficial, pensando na inserção desses

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objetos escritos na peculiaridade do momento histórico. E,

ainda, em diálogo com Antonio Castillo Gómez (2002), sob os

atributos da cultura escrita, buscando analisar a dimensão

material e simbólica dos livros, entendidos como importantes

instrumentos escolares de aprendizagem, tenho por objetivo

pôr em relevo as relações que se estabelecem entre sujeitos

escolares e as culturas escritas e tangenciar a subjetividade que

sugere a imersão no mundo escrito. Para tanto, dissecar ao

máximo o que a materialidade do suporte pode sugerir,

observando os elementos gráficos, a composição textual, bem

como também a autoria e a proposta editorial, importantes

elementos que encontram na produção dos livros didáticos até

os dias de hoje. Material este, que em sua estrutura física e

simbólica, carregam as inscrições de práticas específicas que se

encontram inseridas num contexto abrangente de uma realidade

datada. As possibilidades de entendimento sobre os eventos se

multiplicam a cada problematização construída. Um material

que aparentemente tem um uso determinado ou limitado

protagoniza inúmeros outros usos que a abordagem cultural

pode dar visibilidade.

Conduzir a história da cultura escrita

escolhendo como pedra angular a história das

representações é, logo, aliar a potência dos

textos escritos através dos quais elas serão lidas

ou ouvidas, com as categorias mentais,

socialmente diferenciadas, impostas por elas e

que são matrizes das classificações e dos

julgamentos. (CHARTIER, 2011, p. 281).

A disciplina de Educação Moral e Cívica, entendida

como parte de uma “determinada realidade social que é

construída, pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 17),

estava em consonância com a política brasileira ditatorial

vigente no momento, nos finais da década de 1960 e durante a

década de 1970. Para situar os livros dentro de um campo de

pesquisa em Educação foi fundamental a discussão de Alain

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Choppin (2004), a qual apresenta as possibilidades e limites

deste tipo de empreendimento. Como os três livros

selecionados para esta pesquisa, compõem uma disciplina e

parte do universo escolar, foi primordial estabelecer o diálogo

com André Chervel (1990), acerca da História das Disciplinas

Escolares. Considerando as disciplinas escolares, de forma

geral, como “um modo de disciplinar o espírito, quer dizer de

lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes

domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”

(CHERVEL, 1990, p. 180), compreende-se que os saberes

organizados nos livros estudados foram norteados por estes

princípios, portanto tem afinidade com o campo de estudos.

Feita a introdução e considerando as questões que serão

abordadas, esta dissertação apresenta-se em três capítulos. O

primeiro capítulo tratará das relações estabelecidas, a partir da

obrigatoriedade da disciplina, entre os projetos institucionais e

os saberes contidos nos três livros. Uma análise do

reconhecimento do Decreto-lei como prática a ser incorporada

nos sistemas de ensino e as perspectivas do ensino da moral e

do civismo que era apresentada nos impressos. O estudo mais

detido possibilitará perceber as aproximações e

distanciamentos da prescrição dos saberes em relação aos

ideais construídos acerca dos cidadãos de um país com futuro

próspero e desenvolvido. Serão evidenciados os elementos que

podem ser operatórios a fim de visibilizar as representações de

civismo e cidadania que circulavam nas suas propostas,

contextualizá-las no período histórico para perceber a presença

do projeto institucional de reconstrução dos cidadãos para o

futuro do país. Para contextualizar a relação dos impressos com

as temporalidades observadas naquele período histórico, foram

destacados elementos textuais que relacionavam os saberes

com a abordagem de passado e futuro.

No segundo capítulo, os livros serão percebidos pela

ótica da cultura escrita. O olhar foi direcionado numa

perspectiva ampliada na qual são impressos vistos como

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produto de um meio social que repercute sobre as

reelaborações que os indivíduos constroem acerca de si e de

sua sociedade. Os documentos escritos receberam nessa fase da

pesquisa um investimento sobre a materialidade dos suportes,

seu lugar de produção e suas propostas de conteúdo aos futuros

leitores/alunos. Na questão da produção dos três livros, o

estudo sobre os professores autores, sobre as peculiaridades das

obras possibilita o entendimento de como cada um dos

impressos reverberou a prescrição oficial, fez a sua leitura do

momento histórico e organizou o ensino no interior da

disciplina.

O terceiro capítulo propõe examinar a articulação entre

o projeto oficial da disciplina como um todo e os ecos deste na

produção do conhecimento nas escolas por meio da análise de

uma reportagem, veiculada pela Revista Educação e Ensino de

Santa Catarina-Edições Azul/EDICOREN (1973). O periódico

dedicou um número todo às notícias sobre o 1º Encontro de

Professores de Educação Moral e Cívica, realizado no Instituto

Estadual de Educação, em Florianópolis no ano de 1973. O

documento apresenta o Encontro como um momento de

aprofundamento de estudos e discussões sobre os fundamentos

disciplina. Era uma oportunidade de aprimoramento das

práticas que deveriam ser estimuladas pelos professores e as

instituições no processo de vinculação dos saberes propostos à

formação dos cidadãos adequados ao futuro do país. A partir

dessa análise foi possível perseguir os indícios do ensino da

disciplina em Florianópolis e região, perceber como o Decreto-

lei estava sendo apresentado pelos sistemas de ensino locais e

observar a proposta formativa para os profissionais que

ministravam Educação Moral e Cívica em nossas escolas.

Como um evento pioneiro, sinalizou as vias em que as práticas

seriam desenvolvidas. A pesquisa estimulada por esse

documento deslocou o ponto de observação sobre o objeto,

inscrevendo um microestudo como parte do vasto campo da

História da Educação.

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2 MORAL, CIVISMO E EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE

1970

A história educacional brasileira está

intimamente associada à história propriamente

dita da sociedade brasileira. Os diferentes

momentos de situações políticas e econômicas,

que tanto marcaram a vida social, influenciaram

radicalmente a educação. Não apenas

influenciaram, mas, sobretudo condicionaram

para manter num futuro próximo ou remoto o

status quo vigente. Não entravam em cogitação

as ideias de mudanças, transformações,

crescimento, e sim, adaptações, acomodações...

(PETRY, SCHNEIDER, LENZ, 1972, p. 273).

A moral e o civismo foram temas recorrentes nos

debates que instituíram currículos e organizaram o espaço

escolar. No Brasil a partir da Proclamação da República esses

debates foram intensificados, amparados nos ideais de

regeneração social e construção de uma sociedade moderna na

qual os homens e mulheres seriam formados sob a luz da

ciência e da razão, em detrimento dos valores míticos e

religiosos. Era uma tendência que circulava desde os

movimentos ocorridos por ocasião da Revolução Francesa. “A

escola leiga substitui a moral religiosa pelo civismo

republicano que se torna a moral prática sobre a qual se

fundamentaria a formação do cidadão” (SOUZA, 1998, p.

173).

A escola republicana além de ser o local da formação

intelectual, configurava-se como formadora dos espíritos no

sentido de contribuir para edificar um cidadão de bom caráter,

de comportamento ameno, conduzido pela honestidade e pela

lealdade. A partir do Golpe Civil Militar de 1964 esses

ensinamentos viriam ao encontro do projeto de normalização

de uma sociedade abalada pela instabilidade político-social. Os

valores aproximavam-se dos ensinamentos cristãos para a vida

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em sociedade e, inseridos na proposta de ensino da moral,

colaboravam para formar indivíduos de fácil governo, com

condutas respeitosas frente aos seus semelhantes, bem como

com as instituições.

Como complementação desta formação dos espíritos dos

alunos, o cultivo do amor incondicional a uma pátria

funcionava como amálgama para um grupo diverso no qual se

pretendia empreender uma nação. Instituir eventos alusivos às

datas de feitos considerados memoráveis para o país, de certa

forma, unia sob o mesmo sentimento pessoas de espaços físicos

e simbólicos distanciados. Promover estudos sobre os homens

que se transformaram em heróis da história brasileira, além de

render-lhes homenagens, dava noção de exemplos a serem

seguidos, de comportamentos que deveriam ser aderidos pelos

jovens estudantes para que no futuro fizessem grandes

contribuições ao seu país. Durante o governo militar o ensino

da moral e do civismo foram atrelados ao controle de um país

que, segundo seus governantes, deveria se fortalecer perante a

ameaça do comunismo (CHIMITI, 2011) que se alastrava no

mundo pós-Segunda Guerra Mundial.

2.1 A EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA ESCOLAR

Os estudos de Teive (2009, p. 65) sobre o currículo e as

vivências constituídas nos primeiros grupos escolares

catarinenses evidenciam a circulação de conhecimentos para

“instruir no sentido de desenvolver e prover de conhecimento a

mente da criança e educar no sentido de desenvolver-lhe o

caráter, a disciplina e as qualidades morais”. No Programa de

Instrução Pública de 1892 já era possível perceber a presença

da formação moral e cívica ao lado da formação instrumental

provinda do ensino de História, Geografia, das Artes, das

atividades físicas e manuais, a qual era reforçada pela prática

de festas, celebrações, desfiles que articulavam a vivência

dessa formação (SOUZA, 1998, p. 241).

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Em Santa Catarina, segundo Teive (2009), no programa

de ensino da Educação Moral e Cívica para os grupos escolares

de 1914, era visualizado o ensino por meio de abordagens

presentes nos conteúdos das diversas disciplinas, sem

necessariamente promover a elaboração de conceitos ou

nomenclaturas. Os saberes eram difundidos no culto aos

símbolos (hino, bandeira, etc.), na alusão aos heróis nacionais,

na incorporação das datas cívicas ao calendário escolar. O

estudo de Cunha (2007), sobre escritas ordinárias escolares em

cadernos de anotações diárias de uma docente em atividade na

década de 1950, assinala a presença da Educação Moral e

Cívica dispersa nas práticas cotidianas de leitura e escrita.

São propostos textos aparentemente mais

longos (fábulas, pequenos contos), o que parece

indicar um índice maior de alfabetização dos

alunos. Tais leituras veiculavam discursos

sobre patriotismo, catolicismo, regionalismo e

incentivavam o amor à pátria e a Deus, o

respeito à família, os valores morais (bondade,

caridade, fé) que estruturavam cada palavra,

cada exercício, cada letra e cada ideia que,

ingenuamente, as crianças copiavam e que

constituíam os pilares da Escola de então.

(CUNHA, 2007, p. 93).

Presume-se que a incorporação desses assuntos aos

conteúdos diários fosse uma prática difundida pelo país, pois os

cadernos diários analisados por Cunha (2007) pertenciam a

uma professora do Rio Grande do Sul. Essas estratégias

pedagógicas faziam-se presentes nas escolas de diversos

tempos e espaços, contribuíam para a formação do pensamento

patriótico e funcionavam como parte da organização do

cotidiano escolar. Os conteúdos estudados privilegiavam

conhecimentos sobre o país com intuito de despertar apego e

orgulho nos futuros cidadãos.

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Os estudos permitem considerar que os festejos

organizados pelas escolas se constituíam em uma prática

comum nesses ambientes desde as primeiras décadas do século

XX e, agregavam um caráter social ao mobilizar as famílias e a

comunidade que participavam assistindo aos desfiles cívicos,

comparecendo às comemorações que a escola convidava e,

provavelmente, colaborando com a preparação prévia dos

alunos. “As festas eram organizadas como complemento da

educação cívica dos alunos e do povo” (TEIVE, 2009, p. 72),

era a construção de uma cultura cívica que ultrapassava os

limites da sala de aula, envolvendo o entorno e disseminando

valores e ideias. O projeto nacionalista era reforçado por meio

da edificação de sentimentos patrióticos, não somente dentro

dos domínios escolares, mas nos espaços das cidades ocupados

por ocasião das comemorações compartilhadas com a

sociedade.

Em outras palavras, as comemorações que

ultrapassam o ambiente escolar são

instrumentos de articulação política que

permitem a construção de uma memória

coletiva, nacionalista, unitarista. [...] Eram

eventos esperados e preparados durante todo o

ano com intuito de demonstrar a grandiosidade

da nação brasileira e o exemplo de cidadão que

deveria ser seguido. (KANTOVITZ;

SCHREIBER, 2014, p. 258).

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Posteriormente, em 1925 a Reforma Rocha Vaz10

, entre

outras providências introduziu a Instrução Moral e Cívica no

currículo das escolas secundárias. A nomenclatura diferenciada

não descaracterizava os objetivos de formação de caráter que

fundamentavam a disciplina. Horta (1994), em seu estudo

sobre a educação no período entre 1930 e 1945, aponta as

tensões que pairavam sobre a permanência ou exclusão da

disciplina nos currículos.

A ênfase na educação moral do cidadão,

traduzir-se-á, inicialmente, pela introdução do

ensino religioso nas escolas. Mais tarde,

enriquecida com ingredientes do civismo e do

patriotismo, servirá para justificar as tentativas

de reintrodução da educação moral e cívica nos

currículos dos diferentes níveis de ensino.

(HORTA, 1994, p. 2).

Em 1931 a Instrução Moral e Cívica, como disciplina

específica, foi retirada dos currículos pela Reforma Francisco

Campos. As Constituições de 1934 e 1937 também assinalaram

negociações quanto à disciplina. A Constituição Promulgada de

1934 retirava a Educação Moral e Cívica dos currículos e

instituía o Ensino Religioso e o Canto Orfeônico com

frequência facultativa na grade de ensino. E, a Constituição

10

Foi uma reforma elaborada por professores do Colégio Pedro II que

reorganizou o currículo, limitando a autonomia didática e administrativa das

instituições, instituiu o sistema seriado obrigatório, abolindo o ensino livre,

e com ele os cursos de preparatórios organizados de forma independente,

impelindo os estudantes a alocarem-se em grande parte nos colégios

particulares que ofereciam maior quantidade de vagas para suprir a

demanda. Disponível em:

http://navegandohistedbr.comunidades.net/index.php?pagina=1219331123_

03 ;

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0123_08.html .

Acesso em: 19 ago. 2014.

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Outorgada de 1937 tornava facultativa a inclusão do Ensino

Religioso nos horários escolares (HORTA, 1994). Os saberes

relativos à disciplina permaneciam então dispersos pela

História, Geografia e Canto Orfeônico.

É importante destacar aqui que no governo de Getúlio

Vargas, a partir de 1930, as políticas de nacionalização do

ensino foram intensificadas. Segundo estudos de Rossato

(2014), já referenciados, Santa Catarina foi alvo de maiores

preocupações devido à presença do elemento estrangeiro

proveniente das famílias de imigrantes que em quantidade

significativa eram alemães e italianos. Ao ser deflagrada a II

Guerra Mundial, as políticas nacionalistas receberam contornos

mais agressivos e os órgãos administrativos educacionais

empenhavam-se em campanhas nas áreas de forte colonização

estrangeira.

Enquanto a questão da língua era estratégia

nacional, o que estava em jogo no estado de

Santa Catarina era a constituição de uma

identidade catarinense, uma vez que este era

constituído por uma população bastante

heterogênea, formada por indivíduos de origem

portuguesa e açoriana, descendentes de

imigrantes europeus (alemães, italianos,

poloneses, ucranianos), grupos herdeiros das

tradições gaúchas, afrodescendentes e

remanescentes de grupos indígenas.

(ROSSATO, 2014, p. 115).

A preocupação com a formação de uma identidade

catarinense pode ser um indício de que o civismo e a moral

permaneciam presentes em grande parte das disciplinas

ministradas. Assim como na reforma da instrução pública de

1911, na qual os grupos escolares catarinenses mantinham

práticas educativas distribuídas nas diversas áreas de

conhecimento que comtemplavam o cultivo da moral e do

civismo, esta prática poderia ainda estar presente. Mesmo que a

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constituição de 1934 tivesse eliminado como disciplina do

currículo, havia possibilidade de continuidade por meio de

ações pedagógicas contidas nas outras disciplinas. Uma vez

que estabelecer vínculos com a pátria brasileira era uma

demanda, incentivar o civismo em diversas atividades escolares

evitava o confinamento dos saberes aos conceitos e teorias.

A constituição da nacionalidade tinha aspectos menos

tolerantes nos discursos de Gustavo Capanema, que presidia o

Ministério da Educação e Saúde. O ministro defendia que as

escolas precisavam oferecer conteúdos nacionais, seguir uma

padronização no ensino e colaborar na “erradicação das

minorias étnicas, linguísticas e culturais” (SCHWARTZMAN;

BOMENY; COSTA, 2000, p. 157). Observa-se que o ensino

era matéria presente nos planejamentos governamentais, porém

numa perspectiva unilateral. Neste sentido, buscava-se

desenvolver uma consciência cívica que superasse as

diversidades e regionalismos. Em 1937, o Conselho Nacional

de Educação encaminhou para a apreciação do ministro o

Plano Nacional de Educação, o qual explicava o tipo de

formação para todas as áreas, inclusive para erigir o

nacionalismo.

A educação moral e cívica era objeto de

regulamentação minuciosa. Ela deveria ser

ministrada obrigatoriamente em todos os ramos

de ensino, sendo que no curso secundário seria

uma atribuição do professor de história do

Brasil. Ela deveria ter uma parte teórica, que

trataria dos fins, da vontade, dos atos dos

homens, das leis naturais e civis, das regras

supremas e próximas da moralidade, das

paixões e das virtudes; e uma prática, que

incluiria desde o estudo da vida de “grandes

homens de virtudes heroicas” até o trabalho de

assistência social, que ensinasse aos alunos “a

prática efetiva do bem”. (SCHWARTZMAN;

BOMENY; COSTA, 2000, p. 199).

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Para ter êxito na construção do nacionalismo as

estratégias passavam pelo ensino da moral e do civismo com a

proposta de internalizar comportamentos e virtudes, as quais

fundamentavam a vida em sociedade. Os valores que

formavam o bom caráter e a responsabilidade eram elementos

que não deveriam se distanciar da apreensão dos conteúdos

científicos das disciplinas escolares. Assim como a escola era o

espaço da formação intelectual, os projetos e regulamentações

oficiais previam também o dever de desenvolver a civilidade e

a ética de cidadãos produtivos e participantes. A legislação

específica relativa à disciplina Educação Moral e Cívica

estabeleceu constantes diálogos com o Conselho Federal de

Educação (CFE) (Quadro 1).

Quadro 1 – Legislação sobre a Educação Moral e Cívica Natureza Número Data Matéria

Decreto 50.505 26 de abril de

1961

Consolida as disposições

relativas à Educação Moral e

Cívica nos estabelecimentos de

ensino.

Parecer 117 30 de abril de

1964

Parecer do CFES sobre o

estabelecimento da educação

moral e cívica nos

estabelecimentos de ensino

secundário.

Parecer 136 5 de junho de

1964

Parecer do CFE com sugestões

de medidas a serem tomadas

pelo Ministério da Educação

para promover o ensino da

Educação Moral e Cívica.

Decreto 58.023 21 de março de

1966

Dispõe sobre a educação cívica

em todo o país e cria o Setor de

Educação Cívica da Divisão de

Educação Extraescolar do

Ministério da Educação e

Cultura.

Parecer 649 10 de outubro

de 1968

Parecer do CFE com restrições

a instituição da obrigatoriedade

de ensino da Educação Moral e

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Cívica.

Decreto-

lei

869 12 de setembro

de 1969

Dispõe sobre a inclusão da

Educação Moral e Cívica como

disciplina obrigatória, nas

escolas de todos os graus e

modalidades, dos sistemas de

ensino do país.

Decreto 68.065 14 de janeiro

de 1971

Regulamentação do Decreto-lei

869/69.

Parecer 94 4 de fevereiro

de 1971

Parecer básico do CFE sobre a

Educação Moral e Cívica.

Portaria 505 22 de agosto de

1977

Diretrizes básicas para o ensino

de Educação Moral e Cívica nos

cursos de 1º e 2º graus, e de

Estudos de Problemas

Brasileiros no ensino superior.

Lei 8.663 14 de junho de

1993

Revogação do Decreto-lei nº

869/69.

Fonte: Produção da autora, 2015, a partir das referências eletrônicas: http://www.lexml.gov.br/ ;

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas_periodo_milit

ar.html ; http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=Art.+1+da+Lei+8663%2F93

Acesso em: 24 set. 2014.

A partir de 1946 iniciaram-se os acalorados debates a

respeito da elaboração de uma nova Constituição e a criação de

uma Lei de Diretrizes e Bases que, foi finalmente aprovada em

1961. Nesse período a educação era percebida como um

suporte para o desenvolvimento almejado para o país e, por

isso era importante manter bases comuns para todas as regiões.

Em 1962, com a criação do Conselho Federal de Educação

(CFE), configurava-se um órgão específico para a regulação

dos expedientes relativos aos currículos. Ao mesmo tempo, a

sociedade se encontrava imersa em problemáticas de ordem

política e social, entendia-se que a presença de uma educação

moral era importante para a contenção dos desvios e distúrbios

ambientados na Guerra Fria pela bipolarização do mundo. A

formação moral era considerada necessária para aplacar a

atuação das entidades estudantis e de classes como, por

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exemplo, a União Nacional de Estudantes (UNE) e as Uniões

Estaduais de Estudantes (UEEs) (FILGUEIRAS, 2006).

Em 1962, por iniciativa do CFE, foi incorporada aos

currículos a disciplina de Organização Social Política

Brasileira (OSPB), considerada suficientemente capaz de

fornecer os conhecimentos necessários à formação cívica nas

escolas. Em 1964, o CFE emitiu o Parecer nº 117/64 em

resposta às entidades cívicas femininas pedindo pela volta de

uma educação moral nas escolas. No documento afirmavam

que OSPB fornecia a formação adequada e conclamavam a

participação da sociedade na formação do civismo

(FILGUEIRAS, 2006). Conferia-se certa pressão pela

instituição definitiva da disciplina nos currículos e resistência

por parte do CFE a esta ideia. Na América Latina circulava o

Movimento de Rearmamento Moral11

, o qual corroborava com

as preocupações das entidades favoráveis à disciplina.

Por fim, após o Golpe Civil Militar, em 1965 o governo

organizou a exposição de motivos nº 180/RP, documento que

considerava a volta da Educação Moral e Cívica sob a

perspectiva de segurança nacional (FILGUEIRAS, 2006). Aos

poucos ocorreu uma ressignificação sobre a necessidade da

disciplina e, em 1966, foi instituído o Decreto nº 58.023/66 que

criou o Setor de Educação Cívica da Divisão de Educação

Extraescolar do Ministério da Educação e Cultura (MEC)12

,

fortalecendo as correntes defensoras de sua volta aos

11

Movimento organizado nos Estados Unidos, a partir de 1921, com

repercussão internacional após a II Guerra Mundial. Chegou ao Brasil por

volta de 1961, como estratégia de resistência à penetração dos ideais

comunistas. Consistia na formação ideológica das várias camadas sociais,

disseminando informações sobre a importância da defesa dos valores

democráticos e os malefícios do contato com as ideias comunistas

propagadas em países alinhados com a URSS durante a Guerra Fria, com o

intuito de formar quadros para combater o comunismo (CHIMITI, 2011). 12

Disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002475.pdf . Acesso

em: 10 out. 2014.

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currículos. Como uma prévia dos trabalhos, em 1967 foi

lançada pela Campanha Nacional de Material Escolar por meio

da Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) a

Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo (Figura 1)

organizada pelo Padre Fernando Bastos de Ávila.

Figura 1 – Capa da Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo

Fonte: ÁVILA, Pe. Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Moral e

Civismo. FENAME, 1967.

O ano seguinte iria subsidiar os elementos negativos,

segundo a visão do governo militar, que fundamentou as

discussões. Em 1968 houve uma proliferação mundial de

manifestações contrárias aos sistemas políticos, às condições

sociais e aos governos. No Brasil, destaque para a Passeata dos

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100 mil no Rio de Janeiro em busca da redemocratização. O

enfrentamento entre forças governamentais e estudantes da

Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP),

causou uma morte e a organização do 30º Congresso da UNE

que estava na clandestinidade, naquele momento demonstrava

o cenário de uma sociedade conturbada e conflituosa. Diante

do contexto que se apresentava no final de 1968, o CFE

discutiu o anteprojeto que propunha a instituição da Educação

Moral e Cívica em caráter obrigatório e, em 1969, vinha à tona

um decreto-lei.

Os parâmetros para o ensino de Educação Moral e Cívica

foram delineados a partir do Decreto-Lei nº 869, de 12 de

setembro de 1969 (Anexo 1), o qual instituía oficialmente a

obrigatoriedade do ensino da disciplina em todos os níveis de

ensino, inclusive na pós-graduação. A disciplina permaneceu

no currículo por 24 anos, até a data de 1993, quando foi

revogada pela Lei nº 8663 de 14 de junho de 1993. A sua

consolidação consolidação esteve intimamente ligada à

hegemonia de um grupo político/social, o qual teve relação

direta com a definição dos caminhos do ensino no Brasil. Por

meio dos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da

Aeronáutica Militar, utilizando-se das atribuições que lhes

conferia o artigo 1º do Ato Institucional nº 2, de 31 de agosto

de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato

Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, o Estado

prescreveu:

Art. 1º É instituída, em caráter obrigatório,

como disciplina e, também, como prática

educativa, a Educação Moral e Cívica, nas

escolas de todos os graus e modalidades, dos

sistemas de ensino no País.

Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-

se nas tradições nacionais, tem como

finalidade:

a) a defesa do princípio democrático, através da

preservação do espírito religioso, da dignidade

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da pessoa humana e do amor à liberdade com

responsabilidade, sob a inspiração de Deus;

b) a preservação, o fortalecimento e a projeção

dos valores espirituais e éticos da

nacionalidade;

c) o fortalecimento da unidade nacional e do

sentimento de solidariedade humana;

d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições,

instituições e aos grandes vultos de sua história.

) o aprimoramento do caráter, com apoio na

moral, na dedicação à família e à comunidade;

f) a compreensão dos direitos e deveres dos

brasileiros e o conhecimento da organização

sócio-político-econômica do País;

g) o preparo do cidadão para o exercício das

atividades cívicas com fundamento na moral,

no patriotismo e na ação construtiva, visando

ao bem comum;

h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao

trabalho e da integração na comunidade13

.

(BRASIL, 1969).

Os dois primeiros artigos do Decreto-lei já destacavam o

caráter formador da disciplina. Ao apresentar as finalidades, o

artigo 2º explica que os preceitos que se seguem estão apoiados

nas tradições nacionais. Hobsbawm (1997) infere em sua obra

que uma tradição pode ser inventada e mais tarde

institucionalizada. Seu estudo analisa quais práticas de natureza

ritual ou simbólica condicionam comportamentos e, pela

repetição, estabelecem uma continuação em relação ao

passado. No caso do Decreto-lei, para justificar os fins

apresentados reportar-se a um passado positivado pela ideia de

unidade nacional, o que confere legitimidade à prescrição e ao

seu cumprimento. Trata-se a situação nova com um parâmetro

13

Todas as citações retiradas dos documentos utilizados para a pesquisa

foram transcritas com correção ortográfica ajustadas aos padrões atuais da

língua portuguesa. Foram preservadas regras gramaticas da época de sua

produção e a pontuação com vistas a preservar a forma e o sentido.

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do passado ao mobilizar a história de vitórias e conquistas de

um povo visando coesão social e legitimação de instituições.

A evocação de elementos religiosos como reguladores

de condutas, referenciava às práticas utilizadas no ensino

confessional relacionando o comportamento do homem em

sociedade às compensações ou punições divinas a que estavam

sujeitos. Apesar de o ensino ser considerado laico a partir da

república, resquícios julgados convenientes do vínculo da

educação com a religião permaneciam presentes. A defesa das

instituições sob a inspiração de Deus sugeria a ritualização das

práticas do patriotismo, em que os homens tinham seu valor

medido pela maior ou menor disposição de amparar sua pátria.

O poder coercitivo dos dogmas religiosos era utilizado como

aglutinador da sociedade.

Para efetivar uma tradição são criados elementos ou

sinais de associação com uma forte carga simbólica e

emocional (HOBSBAWM, 1997). Decretar o culto a esses

elementos converge para ações de repetição que “mantém

sempre à tona as verdades estabelecidas” (KANTOVITZ,

SCHREIBER, 2014, p. 252). A fixação e a presença constante

desses elementos promovem a internalização e o afeiçoamento

às imagens que remetem à pátria, ao lugar de origem. As

escolas deveriam adaptar seus espaços e práticas para propiciar

essa exaltação, fosse com atividades programadas ou mesmo

com exibição pública dos símbolos.

Não menos importante, o artigo 2º do Decreto-lei

discorreu sobre o tipo de cidadania esperada naquele momento.

O cidadão deveria ser pleno conhecedor dos seus deveres e

direitos, estas prescrições garantiam os limites de atuação e

interferência social e política. Colaborar com a ordem, sendo

um indivíduo obediente e cumpridor das leis eram

comportamentos esperados. A apreensão das finalidades do

Decreto-lei possibilitava a formação de sujeitos que se

comprometiam com o crescimento econômico do país,

preservavam as instituições, opondo-se às práticas ditas

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subversivas, era considerada como uma cidadania adequada

para o processo de normalização da sociedade.

O Decreto-lei sinalizava a institucionalização da

disciplina como elemento de base na formação de cidadãos que

atendessem ao momento de mudanças na sociedade: a ditadura

militar. Todas as discussões para instaurar o projeto foram

amparadas pela necessidade de transmitir valores cívicos e

morais considerados apropriados às crianças em idade escolar,

de forma que este conjunto simbólico reverberasse em práticas

condizentes à perspectiva de ordem e disciplina demandada por

aquele momento. A partir de 1969 a Educação Moral e Cívica

lecionada em escolas para os denominados 1º e 2º graus e,

também, no Ensino Superior tornou-se elemento de atuação

governamental nos currículos escolares com o objetivo de

formar condutas e comportamentos.

A complexidade do fenômeno implica que o

seu nascimento não poderia ser fortuito ou

acidental, mas que corresponde às respostas

dadas a uma sociedade face aos grandes

problemas e às grandes crises da sua história,

respostas com fundamento bastante para que se

inscrevam na duração e atravessem as gerações.

(BERSTEIN, 1998, p. 355).

Para construir uma base forte e duradoura o sistema

político se apropriou do saber escolar e administrou esse ensino

na direção da concretização dos seus objetivos: uma sociedade

governável e ordenada, com cidadãos receptivos aos projetos

de desenvolvimento. Uma cultura política14

foi estruturada

14

O termo é aqui entendido sob a perspectiva Berstein (1998, p. 352) para

quem “a cultura política, como a própria cultura, se inscreve no quadro das

normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade

faz de si mesma, do seu passado, do seu futuro” e por Gomes (2007,p. 47),

no qual “ ‘um sistema de representações, complexo e heterogêneo’, mas

capaz de permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo

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dentro dos sistemas escolares como elemento formador e

transformador, “é no conjunto um fenômeno individual,

interiorizado pelo homem, e um fenômeno coletivo, partilhado

por grupos numerosos” (BERSTEIN, 1998. p. 359). Todavia é

importante ressaltar que a construção de uma cultura política

tem caráter plural. Se a prescrição oficial encaminhou para uma

prática fechada e objetiva, não é possível perceber dessa forma

quando ela é significada pelos usos e apropriações do grupo a

que se destina. Todo conhecimento sistematizado em

conteúdos escolares, por si não era garantia de eficiência do

processo. O conjunto de representações constituídas pelos

grupos sociais está sempre sujeito a uma multiplicidade de

interferências que são alheias a previsão de qualquer tipo de

prescrição.

A disciplina passou por algumas adaptações e

complementações como, por exemplo, no grau médio era

concomitante ao ensino de OSPB. O Decreto-lei nº 869/69

inclusive previa a formação em nível superior e de pós-

graduação, com a disciplina chamada de Estudos de

Problemas Brasileiros (EPB), na qual estaria contemplada a

base filosófica, ideológica e pedagógica prescrita para a

Educação Moral e Cívica. Os saberes contidos na disciplina

permaneciam presentes nas etapas da formação escolar,

convergentes à reestruturação política, social e econômica do

governo militar que pretendia solidificar sua estrutura com

mudanças mais profundas nas atitudes dos cidadãos. Desse

modo foi disseminada uma cultura política com o

estabelecimento de critérios e o desenvolvimento de padrões

de comportamento considerados adequados à convivência

naquela sociedade.

A Educação Moral e Cívica já era ensinada nas escolas

num período anterior ao Golpe, porém, não era obrigatória e

(cujo tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade social, em

determinado momento e lugar.”

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em alguns currículos figurava em forma de prática educativa

que constava dispersa em outras disciplinas como, por

exemplo, contemplada nos conteúdos de História ou OSPB.

Muitos livros específicos já circulavam, mas, a partir da

obrigatoriedade houve um maior cuidado com essas produções.

Todo o conhecimento contido nos impressos de Educação

Moral e Cívica era organizado de forma que o leitor

vislumbrasse a relação ideal, segundo os valores da época,

entre o cidadão e sua pátria, sobre o funcionamento do país, os

projetos de desenvolvimento, as problemáticas, funcionando

como agentes de formação política no ambiente escolar. Neste

contexto a escola e os livros escolares foram importantes

subsídios para colaborar com a nova ordem.

2.2 TEXTOS INTRODUTÓRIOS E PRESCRIÇÕES DE

SABERES

O Decreto-lei nº 869/69 estabeleceu uma nova diretriz

educacional para o ensino. É importante pensar que ao se

constituir disciplina escolar um conjunto de saberes eleva-se ao

estatuto de imprescindível àquilo que até então poderia ser

facultativo. “As disciplinas escolares estão no centro deste

dispositivo. Sua função consiste em cada caso colocar um

conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa”

(CHERVEL, 1990, p. 188) e, isso ocorreu com a Educação

Moral e Cívica. Apesar de algumas práticas dispersas já

contemplarem esse ensino antes do Golpe Civil Militar, foi

enfatizado o papel dos saberes e definidas as bases em que

deveriam ser ministrados. No parágrafo único do artigo 2º, o

Decreto-lei anunciava:

Parágrafo único. As bases filosóficas de que

trata este artigo, deverão motivar:

a) a ação nas respectivas disciplinas, de todos

os titulares do magistério nacional, público ou

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privado, tendo em vista a formação da

consciência cívica do aluno;

b) a prática educativa da moral e do civismo

nos estabelecimentos de ensino, através de

todas as atividades escolares, inclusive quanto

ao desenvolvimento de hábitos democráticos,

movimentos de juventude, estudos de

problemas brasileiros, atos cívicos, promoções

extraclasse e orientação dos pais. (BRASIL,

1969).

No Regimento Interno dos Grupos Escolares

Catarinenses de 1914, Teive (2009) identificou as recorrentes

práticas escolares associadas ao civismo. O referido documento

apresentou importantes indícios de que o ensino do civismo era

um princípio que norteava muitos momentos da cultura

escolar15

do período. O estabelecimento de datas

comemorativas em que os Grupos Escolares promoviam

eventos públicos que dispendiam de tempo e organização, toda

a mobilização para os eventos, provavelmente, era parte das

aulas que antecediam essas datas, caracterizando o

envolvimento com as questões cívicas de forma ampliada.

Quando o artigo 2º do Decreto-lei prevê a prática educativa da

moral e do civismo por meio de todas as atividades escolares,

percebe-se a continuidade e a intensificação em relação aos

indícios relativos a 1914.

As bases filosóficas da disciplina deveriam alicerçar o

estudo das diversas áreas de conhecimento e interagir nos

comportamentos dentro e fora da sala de aula, como elemento

15

Entendida aqui como “espaço de movimentos no interior da escola,

seleção e organização de informações” (VALDEMARIN, 2000); como

“complexo simbólico e tecnológico que articula as dimensões básicas do

dizer, do fazer e do agir didático e pedagógico”. (MAGALHÃES, 2008) e

como “processos que ocorrem no interior da escola onde se mesclam

elementos estruturantes e elementos cambiantes” (VIDAL, 2013).

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condicionante da vivência escolar e comunitária. Percebe-se o

intuito de oferecer uma disciplina que norteasse as atividades

sociais para além da escolarização, direcionando pensamentos

e atitudes. O parágrafo único propõe uma formação maciça que

alcance o interior das famílias, afete a conduta dos estudantes

egressos e tenha peso sobre o papel social assumido por todos.

As práticas educativas estabelecidas de forma ampla

extrapolam as legislações educacionais e figuram como

elemento formativo social.

A proposta de formação do cidadão estava contida nas

funções (CHOPPIN, 2004) da disciplina. Sabendo-se que a

escola em sua constituição traz a premissa de preparar aqueles

que assumirão o futuro de um Estado, era fundamental

trabalhar desde muito cedo todas as ideias que amparavam o

regime instituído em 1964 no Brasil. Além da proposta de

formação social, o Decreto-lei ainda previa a criação de um

órgão específico que atuaria na regulação e na produção que

estava vinculada à disciplina. Foi criada, então, no Ministério

de Educação e Cultura, diretamente subordinada ao Ministro de

Estado a Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC),

comprometida com a questão dos livros escolares e, com poder

de avaliação e veto para essas produções. Inseridos no contexto

descrito foram produzidos os três livros analisados por este

estudo.

Quadro 2 – Livros escolares de Educação Moral e Cívica Título Educação Moral

e Cívica

Educação Moral

e Cívica

Realidade

Brasileira -Estudo

de Problemas

Brasileiros

Autor(es) Jaldyr Bhering

Faustino da

Silva; Ayrton

Capella

Benedicto de

Andrade

Almiro Petry; José

Odelso Schneider;

Matias Martinho

Lenz

Carreira

do(s)

autor(es)

Professor/militar

Professor/militar

Professor/militar Professor

Professor

Professor/religioso

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Indicação

de uso

1ª e 2ª séries do

ginásio

1º e 2º graus superior

Edição Provável 1ª 5ª-revisada e

aumentada

Provável 1ª

Editora Laudes Atlas UNISINOS

Local Rio de Janeiro São Paulo São Leopolpo

Impressão Editora Vozes Atlas Meridional EMMA

Ano

publicação

1971 1978 1972

Fonte: Produção da autora, 2015, a partir de: ANDRADE, 1978; PETRY;

SCHNEIDER; LENZ, 1972; SILVA; CAPELLA, 1971.

Os três livros foram publicados na década de 1970,

período em que Gatti Júnior (2004) aponta uma transição

quanto à produção de livros didáticos. O autor avalia que até a

década de 1960 as editoras mantinham um padrão de produção

artesanal, numa época em que as gráficas e editoras não

dispunham de muitos recursos, tanto tecnológicos quanto

materiais. Os editores agregavam múltiplas funções, resultando

numa produção mais lenta e dispendiosa. Em geral, as

produções eram totalmente organizadas por seus autores, no

que diz respeito à delimitação de espaços, escolha de imagens,

organização da materialidade. O autor assegurava certa

paternidade sobre seu livro.

Na década de 1970 foi configurada uma fase transitória,

na qual os livros tiveram sua produção acelerada e os trabalhos

foram fragmentados em especialidades. Ocorreu uma produção

otimizada e com maior qualidade, pois equipes técnicas

assumiam as etapas de produção e as falhas antes indissolúveis

eram solucionadas. A autoria teve suas características

alteradas, pois o autor que antes tinha o domínio sobre a

reprodução de sua obra, a partir de então seria um dos

componentes de um grupo que organizava as obras em meio a

acordos e discussões levando em conta aspectos, além de

pedagógicos, também utilitários, estéticos e econômicos.

Os textos introdutórios dos impressos mostravam-se

ricos em informações sobre a seleção dos conteúdos da

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disciplina e as metodologias prescritas. As questões de

formação ética e moral foram oportunamente transportadas do

discurso cristão ocidental para reforçar as ideologias de

compensação/punição já utilizadas pela igreja. Os

conhecimentos divulgados no meio militar sobre a organização

política, símbolos, datas, vitórias em batalhas e vultos

(personalidades entendidas como socialmente importantes,

tidos como heróis) também se tornaram conteúdo da disciplina

escolar, como uma proposta de aproximação dos alunos com a

pátria, que deveria ser idolatrada.

Para além da subjetividade das ideologias institucionais,

estavam presentes os conhecimentos vindos das áreas da

História e da Geografia. Sob uma perspectiva positivista de

fatos históricos, a disciplina tinha a possibilidade de evidenciar

em seus conteúdos toda a construção histórica que reafirmava a

grandiosidade da pátria. Os conteúdos adaptados da Geografia

eram legitimados na disciplina como subsidiários da instrução

dos alunos sobre os territórios e limites do seu país, as riquezas

e as representações simbólicas de pertencimento, inscritas em

bandeiras e brasões. Áreas como a Sociologia e a Filosofia

também contribuíram para a definição dos conteúdos escolares

com um enfoque que fosse ao encontro das finalidades

pensadas para a disciplina.

Todas as disciplinas, ou quase todas,

apresentam-se sobre este plano como corpus de

conhecimentos, providos de uma lógica interna,

articulados em torno de alguns temas

específicos, organizados em planos sucessivos

claramente distintos e desembocando em

algumas ideias simples e claras, ou em todo

caso encarregadas de esclarecer a solução de

problemas mais complexos. (CHERVEL, 1990,

p. 203).

Os saberes que compunham a disciplina, assim como

nas normativas aplicadas desde a reforma da instrução pública

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de 1911, privilegiavam a formação do caráter e a construção do

civismo, porém, já que a prescrição vinha diretamente dos

órgãos federais e a obrigatoriedade foi imediatamente

instituída, a perspectiva sobre os conteúdos de ensino poderia

manter um foco bem mais ditatorial, cumprindo sua função

ideológica e cultural (CHOPPIN, 2004, p. 553). O senso

comum gerado a respeito do momento político da ditadura

militar, um tanto renegado quando transita pelas questões de

memória, sobrepõe o aspecto doutrinário da Educação Moral e

Cívica ao aspecto disciplinar. A análise dos livros da disciplina

escolar dá a ver os aspectos de aproximação ou distanciamento

entre o período histórico e a elaboração de representações,

possibilitando interfaces entre a escrita, a doutrina, a disciplina

e as possíveis práticas decorrentes deste processo.

Os livros estudados em sua temporalidade são

compreendidos como produtos do seu contexto e, sendo assim,

expressam não só uma mera prescrição de ensino, mas a

relação dos sujeitos de uma época com um instrumento

disseminador cultural. Relação esta que é permeada por tensões

inscritas tanto no material gráfico como nas indicações de uso,

explicitadas em suas apresentações.

A metodologia do ensino de Educação Moral e Cívica

compunha um discurso relativamente uniformizado

normalmente anunciado nas apresentações ou prefácios dos

impressos, geralmente escritas pelos autores, no qual

procuravam motivar os alunos ao estudo e arregimentar os

professores para que efetivassem a proposta. Porém, isso não é

uma regra, pois os textos introdutórios podem ter uma

multiplicidade de propostas (VIEIRA, 2004). No caso dos

livros analisados estes elementos genéricos não se fizeram

presentes, conferindo aos autores uma perspectiva diferenciada

para apresentar suas obras. O livro de Silva e Capella,

simplesmente não teve nenhuma apresentação, na terceira

página proferiu um breve agradecimento e imediatamente

iniciou a primeira unidade na quinta página.

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AGRADECIMENTO:

Ao Professor CELESTINO SACHET, Reitor

da Universidade Para o Desenvolvimento de

Santa Catarina, pelo estímulo e pela revisão dos

textos deste trabalho. (SILVA; CAPELLA,

1971, p. 3).

É possível perceber que os autores estabeleceram redes

de sociabilidade no meio educacional, pois agradeceram ao

reitor da Universidade para o Desenvolvimento de Santa

Catarina16

, atualmente a UDESC, instituição onde não foram

encontrados indícios de que tenham trabalhado. No livro não

consta indicação sobre o número de sua edição, porém, mesmo

que se tratasse de uma edição avançada é curioso que os

autores tenham dispensado a apresentação de sua obra.

Já o livro de Andrade trazia os prefácios à 1ª e 2ª

edições. Apresentando textos objetivos o autor escolheu

discorrer sobre como organizou sua obra.

PREFÁCIO à 1ª edição

Este compêndio foi elaborado de acordo com as

Prescrições sobre Currículos e Programas

Básicos no ensino médio constantes do

documento organizado pela Comissão Nacional

16

Criada pelo Decreto nº 2.802 de 20 de maio de 1965, incorporou a

Faculdade de Educação (1963), instituição considerada de vanguarda, criada

para formar professoras, orientadoras e administradoras escolares. No

governo de Celso Ramos a Universidade Para o Desenvolvimento do Estado

de Santa Catarina foi concebida sob a ótica da “educação como aceleração

do desenvolvimento” (TEIVE; DALABRIDA, 2003, p. 81) e com objetivo

de romper com “o desequilíbrio existente entre o processo de desenvolvimento econômico e o sistema de ensino” (idem). Hoje é chamada

de Universidade do Estado de Santa Catarina, conhecida pela sigla UDESC,

composta de 12 unidades/centros, com 48 cursos de graduação, além da

dedicação à extensão e à pesquisa, na qual oferece curso de pós-graduação

em níveis de mestrado e doutorado, constitui uma das importantes

instituições públicas de ensino superior no estado de Santa Catarina.

Disponível em: http://www.udesc.br/ . Acesso em: 15 fev. 2015.

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de Moral e Civismo, do Ministério de Educação

e Cultura. [...] Não pretendemos ser originais,

de vez que, para a elaboração deste compêndio,

consultamos vários livros que julgamos úteis à

educação moral e cívica da juventude [...].

Também não escrevemos este livro com o

simples objetivo de dizer e recomendar moral e

civismo, mas, sobretudo, para informar, mostrar

a necessidade da formação cívica da juventude,

apoiada em princípios morais, amor à pátria e

ação. (ANDRADE, 1978, p. 17).

Em seu prefácio o autor não fez convocações explícitas

aos leitores, sequer pôs em relevo a importância da disciplina e

o seu ensino. Apenas elaborou uma exposição do método

utilizado e os princípios que conduziram sua escrita, utilizou-se

do plural majestático, demonstrando harmonia com a ideologia

proposta pela disciplina e o diálogo com a bibliografia

consultada.

No Ensino Superior a Educação Moral e Cívica era

nomeada como Estudo de Problemas Brasileiros. Recebia um

enfoque diferenciado, cujas construções de moral e civismo

estavam atreladas ao aprofundamento sobre as questões sociais

e econômicas do país, como forma de colaborar com a

resolução de problemas, promovendo a evolução da sociedade

e o progresso do país. A apresentação, assinada pelo professor

Matias Marinho Lenz, não fazia grandes alusões ao patriotismo

ufanista descrito ao longo do livro do 1ºgrau, mas, apresentava

uma perspectiva com possibilidade crítica de construir ideias e

discutir propostas de melhoria às condições do país.

Pelo estudo da Realidade Brasileira, em suas

várias dimensões, cremos desempenhar uma

das funções da Universidade no processo de

desenvolvimento integral do país: sua função

crítica e criadora. Cabe-nos a tarefa de analisar,

em alto nível, nossa realidade nacional:

constatar fatos, identificar tendências,

conscientizar problemas, confrontar valores,

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71

pensar soluções. Cremos que a expansão mais

adequada de amor a nossa terra e a nossa gente

consistirá na seriedade e honestidade do esforço

de análise e na sinceridade de propósitos de

contribuirmos, com a nossa parte, para a

solução dos problemas brasileiros. (PETRY;

SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 9).

As apresentações dos três livros diferenciavam-se na

gradação da proposta, alinhavando a relação que desejavam

estabelecer com seus leitores. Mas de forma alguma eram

isentas de sentido quanto aos saberes que estavam anunciando.

Com exceção dos autores Silva e Capella, que não escreveram

uma apresentação, os demais estabeleceram o primeiro contato

como protocolos de leitura, os quais preparam o leitor para

fazer sua incursão no texto (CHARTIER, 1990). De forma

discreta, os textos apresentaram a ideia de que o cidadão é

parte da pátria e, portanto, também responsável pelo seu

desenvolvimento e ascensão. O ambiente escolar, no qual os

jovens alunos estavam para cumprir as exigências de um

currículo, era o lugar oficial de formação intelectual cujas

leituras se configuravam num importante elemento de

apreensão ou rejeição de valores e condutas e as apresentações

constituíam esse primeiro olhar, instigante ou não, sobre as

páginas que se seguiam.

Compreendendo a leitura como uma experiência

individual (CHARTIER, 1990), independente da existência de

uma prescrição oficial para o ensino da disciplina de Educação

Moral e Cívica, os conhecimentos que foram apreendidos a

partir do seu estudo tiveram múltiplos direcionamentos e

conotações. As apresentações e introduções mobilizavam o

leitor em torno de um dos objetivos da disciplina: constituir um

cidadão. Faz-se necessário ressaltar aqui que a concepção era

condicionada por ações que contribuíssem positivamente para a

sociedade. Como instrumento formativo cada livro destacou as

características consideradas mais importantes para sensibilizar

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o leitor. Como uma disciplina com funções que lhe atribuíam

os aspectos subjetivos da formação, o primeiro contato da

leitura evidenciava elementos de ordem sensorial ou emotiva.

Escrever aos leitores que os saberes contidos nos livros

vinculavam-se às causas maiores, de nobreza ou

desprendimento, buscava sensibilizar para uma leitura atenta e

aprofundada, a qual tornaria mais eficaz o propósito de moldar

os comportamentos.

2.3 CONTEÚDOS FORMADORES: O QUE SE ESPERAVA

DOS FUTUROS CIDADÃOS?

A circunstância em que foi instituída a obrigatoriedade

da disciplina em todos os níveis dos sistemas de ensino é que

forneceu os contornos da prescrição disciplinar e justificou a

demanda pelo qual o saber foi ensinado nas escolas. A

Educação Moral e Cívica emergiu com este título e como

disciplina obrigatória na cena escolar durante o período da

Ditadura Militar brasileira, momento em que o controle social

estava muito presente em todos os círculos sociais. Naquele

contexto, a escola serviu então como um instrumento de

formação do cidadão cordato, respeitoso e patriota (CUNHA,

2011). Os artigos 1º e 2º do Decreto-lei, anteriormente citados,

dão a ver que as finalidades da disciplina estavam ligadas ao

aspecto civilizador da escola.

No âmbito da escolarização, o impresso escolar

carregava um caráter formador por ser portador dos saberes

que se agregavam à formação intelectual dos alunos,

facilitando assim o seu ingresso nas “cadeias entrelaçadas de

interdependência” (ELIAS, 1993, p. 207), necessárias ao

convívio social. Os conteúdos e a apresentação tinham o

intuito de adestrar para os princípios de organização e higiene

nos primeiros anos de escolarização e, de civilizar e

normatizar nos últimos anos do fundamental e no secundário.

Deste modo, os impressos escolares colaboravam com a

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concretização de projetos governamentais nacionais que, por

meio da educação instituíam práticas e padrões.

Os livros de Educação Moral e Cívica constituem

objetos de estudo para a compreensão de um estatuto social.

Além de fazer circular entre os cidadãos estudantes os ideais

políticos sobre os quais o país estava sendo conduzido, o

caráter civilizador permeava as inúmeras páginas de normas e

condutas. Era uma preocupação fazer chegar até a juventude

de estudantes esses códigos de civilidade que ultrapassavam o

ensino formal e vislumbravam a formação do ser, nos quais se

inscrevia “um cego aparelho automático de autocontrole”

(ELIAS, 1993, p. 196). As lições incorporadas à vivência

poderiam evitar certos tipos de transgressões ao

comportamento esperado, configurando uma sociedade mais

homogênea e gerenciável do ponto de vista do governo

ditatorial militar.

Desde o começo da mocidade, o individuo é

treinado no autocontrole e no espírito de

previsão dos resultados de seus atos, de que

precisara para desempenhar funções adultas.

Esse autocontrole é instilado tão profundamente

desde a tenra idade que, como se fosse uma

estação de retransmissão de padrões sociais,

desenvolve-se nele uma auto supervisão

automática de paixões, um “superego” mais

diferenciado e estável, e uma parte dos

impulsos emocionais e inclinações afetivas sai

por completo do alcance direto do nível da

consciência. (Elias, 1993, p. 202).

As leituras oferecidas no livro de Educação Moral e

Cívica construíam uma relação entre o comportamento

individual e o social. Entendia-se necessário instruir os leitores

a exercer os mais adequados comportamentos, segundo as

exigências sociais do momento. Os saberes da disciplina

adquiriam contornos de adestramento para facilitar a

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organização da vida em sociedade e instituir o respeito ao outro

e às instituições. O amor à pátria estava inscrito na relação com

o outro e com a comunidade, por isso se projetava no

comportamento individual, na grandeza do povo e do país.

Instruir os jovens a terem uma postura/conduta pretensamente

hegemônica sinalizava para a “aculturação dos alunos”

(CHERVEL, 1990, p. 208), formando cidadãos responsáveis e

comprometidos. O governo pelo braço do seu Ministério da

Guerra/Exército atuava efetivamente na educação ao instituir o

ensino obrigatório de uma disciplina de cunho normatizador.

Art. 4º Os currículos e programas básicos, para

os diferentes cursos e áreas de ensino, com as

respectivas metodologias, serão elaborados pelo

Conselho Federal de Educação, com a

colaboração do órgão de que trata o artigo 5º, e

aprovados pelos Ministros da Educação e

Cultura.

Art. 5º É criada, no Ministério da Educação e

Cultura, diretamente subordinada ao Ministro

de Estado, a Comissão Nacional de Moral e

Civismo (CNMC). (BRASIL, 1969).

Era necessário selecionar o que ia constituir os

conteúdos de ensino. Como a organização interna das

disciplinas é, em certa medida, um produto histórico,

relacionada ao princípio de “transmissão cultural” (CHERVEL,

1990, p. 186), os conteúdos deveriam trazer elementos que

enfatizassem a proposta da disciplina, com legitimidade

histórica e que apresentassem uma funcionalidade no meio

social. Observando que os currículos básicos eram elaborados

diretamente pelo governo federal, percebe-se a intenção de

uniformidade na composição dos conteúdos que estariam

sujeitos a avaliação de órgãos reguladores. Havia uma

articulação entre as práticas políticas e as práticas escolares

(SILVA, 2013), aproximando os currículos dos projetos

governamentais de nacionalismo, valendo-se dos materiais de

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75

circulação escolar como disseminadores de ideais. A

preocupação com o envolvimento do sistema educacional com

essa proposta de formação até justificou a criação da Comissão

Nacional de Moral e Civismo (CNMC).

Os textos dos livros dialogavam com seus interlocutores

argumentando de forma veemente sobre a responsabilidade do

mesmo diante das instituições e da preservação da unidade

cultural. Cada indivíduo era considerado como peça importante

de uma engrenagem social ordenada e estável. Antes mesmo de

ser cidadão- pois esta condição estava vinculada à idade de

dezoito anos e ao voto nas eleições -, o aluno deveria

internalizar o compromisso de ser um homem moral e um

homem cívico, conceitos que Andrade (1978, p. 64) explica da

seguinte forma: “Homem moral é aquele que, na prática dos

preceitos morais, se dignifica. Homem cívico é aquele que, no

amor à pátria, a dignifica”.

De forma articulada os autores dispõem seus textos

construindo uma relação peculiar dos alunos com a política do

país, demarcando as práticas a serem incorporadas na vivência

cotidiana. Havia o intuito de direcioná-los à participação, uma

vez que estivessem preparados segundo os preceitos de civismo

daquele momento. José Murilo de Carvalho (2014) entende a

demonstração cívica como a capacidade de mobilização em

torno de questões comuns que identificam e definem os grupos.

O autor assinala a Revolução Constitucionalista de 1932,

ocorrida em São Paulo, como uma “impressionante

demonstração de entusiasmo cívico” (CARVALHO, 2014, p.

104), em que diversos setores da sociedade se articularam pela

defesa da causa constitucionalista, evocando um elo simbólico

com o bandeirantismo mítico dos grandes desbravadores. A

concepção projetada pelo governo ditatorial, em sua proposição

geral teórica não diferia muito da compreendida por Carvalho,

pois ao significar o elo dos alunos com o país esperava-se

despertar uma sensibilidade nacionalista. O entendimento sobre

esses conceitos era esclarecido nos livros de forma simples e

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objetiva: “CIDADÃO é o brasileiro que se encontra no gozo

dos direitos políticos. Guarde esta equação: Brasileiro +

direitos políticos= Cidadão Brasileiro” (SILVA; CAPELLA,

1971, p. 41), ou então, “Cidadão é aquele que participa da vida

do Estado, de um país, tanto civil como política, gozando de

direitos e responsável pelos deveres da cidadania”

(ANDRADE, 1978, p. 66).

O regime ditatorial impunha duras sanções aos direitos

civis e políticos. Os conceitos apresentados por Andrade, bem

como por Silva e Capella, evidenciam as divergências entre a

teoria disseminada nas escolas e prática vivenciada em

sociedade. A violência física e simbólica aplicada pelo governo

militar por meio de Atos Institucionais que autorizavam as

distorções do poder, situavam-se paralelos aos discursos que

circulavam pela Educação Moral e Cívica. Naquele momento

não era possível vivenciar a cidadania ensinada, no entanto,

não era postergada, era disseminada como uma prática social,

mesmo em tempos de exceção.

Carvalho (2014) concebe a cidadania como o usufruto

pleno dos direito civis, políticos e sociais que comporta várias

dimensões. Ao comparar o Brasil com a cidadania constituída

na Inglaterra, a qual teve a sequência de aquisição de direitos

na ordem acima citada, afirma que a solidificação dos direitos

numa sociedade tem uma lógica que, se alterada, afetará a

natureza da cidadania (CARVALHO, 2014). A apreensão da

cidadania num momento de direitos restritos ou tolhidos remete

a uma construção limitada e inconsistente. Era uma cidadania

pré-definida, pensada para atender as demandas do período,

porém sujeita aos diversos níveis de apropriação que poderiam

ir desde a subjetividade da escrita dos autores até a leitura

descomprometida de familiares ou outras pessoas que tivessem

contato com os livros.

Os valores exaltados tinham um protagonismo na

configuração da sociedade.

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Hierarquização dos valores:

1º Valores Religiosos;

2º Valores Éticos;

3º Valores Estéticos;

4º Valores Lógicos;

5º Valores Vitais;

6º Valores Úteis. (ANDRADE, 1978, p. 74).

Escala e Hierarquia de Valores

Há evidentemente uma hierarquia entre os

valores mencionados, que vai crescendo do útil

ao religioso. Assim, entre salvar a própria vida

(valor vital) e perder a honra (valor moral ou

ético), ou abjurar uma verdade religiosa,

muitos, hierarquicamente, preferiram os valores

superiores e desprezaram mesmo o valor vital

fundamental, preferindo a morte. Verificamos

isto na história do cristianismo, que conta

milhares de mártires. Dentro desta escala e

desta hierarquia desaparecem e surgem novos

valores, por que o meio em que vive o homem

apresenta substanciais modificações,

determinando novas necessidades, e os objetos

que satisfazem se constituem em valores.

(ANDRADE, 1978, p. 76).

Os valores hierarquizados pretendiam representar a

evolução do desenvolvimento dos indivíduos, pois era

imprescindível que subjetividades como religião e ética fossem

administradas em busca da homogeneidade. É importante

salientar também que esta não é uma via de mão única, pois, as

“concepções do Estado sobre os cidadãos e a cidadania não são

necessariamente as que circulam no meio social” (VIEIRA,

2008, p. 30). Portanto, os discursos apresentados davam a ver

as prescrições oficiais, mas, a circulação e o uso destes

discursos eram conflituosos e negociavam constantemente com

as manifestações sociais que interagiam com a cultura escolar.

Os jovens estudantes eram imbuídos, por aqueles

ensinamentos, de um compromisso com um futuro próximo, no

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qual o sentido de sua existência só era possível na coletividade.

“A Pátria em que vivemos não será grande e rica, nem seus

filhos serão felizes, por milagre, mas porque cada um cumpre

seus deveres: perante Deus, dentro da Moral, pela Pátria”

(SILVA; CAPELLA, 1971, p. 13). Os conteúdos eram

ilustrados com muitos exemplos que propunham ao leitor

refletir sobre suas atitudes, dando ênfase a dualidade entre o

bem e o mal.

O cumprimento das leis nada mais é do que a

tradução do respeito aos direitos do próximo.

Você já ouviu expressões como estas:

-Não bancar o trouxa!

-Dar um jeitinho!

-Não ser Caxias!

Na prática, estas expressões traduzem uma

intenção de burlar a lei.

Seria o caso de um cidadão que desejando um

emprego, não o atingisse por concurso, como

determina a lei e o obtivesse por influência

política, ferindo a Constituição do Brasil, que

diz serem todos os brasileiros iguais perante a

Lei, com os mesmos direitos e as mesmas

oportunidades. (SILVA; CAPELLA, 1971, p.

21).

Os argumentos veiculavam explícita ou implicitamente

os ideais religiosos e militares que embasavam as metodologias

pensadas para a disciplina. O discurso impresso vinha também

acompanhado de práticas e posturas a serem lidas, decoradas e,

principalmente, internalizadas pelos alunos. Todos os

elementos juntos configuravam parte importante do universo

simbólico que sustentava o projeto de governo militar no

Brasil. Era necessário que os alunos compreendessem que a

melhor forma de construir a sociedade estava sendo ensinada.

A obediência à legislação, de certa forma, inibia práticas

consideradas subversivas que gerassem questionamentos ou

protestos em relação ao poder instituído. O cidadão

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reconhecido e valoroso era aquele que cumpria as leis e

colaborava com a manutenção do padrão de ordem. Esta

condição para a cidadania também balizava a convivência

social.

DEMOCRACIA:

- você pode ter uma propriedade;

-você escolhe o seu emprego;

-você escolhe seu patrão;

-você pode ter uma religião;

-o governo pensa nos interesses do povo.

COMUNISMO:

-todas as propriedades pertencem ao governo;

-o governo escolhe o que você deve fazer;

- o governo é o patrão de todos;

-nega-se Deus e prega-se o materialismo;

-o povo está a serviço do governo. (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 62).

Na década de 1960, em plena bipolarização do mundo

pela Guerra Fria, os governos se preocupavam com a ideia de

uma revolução comunista e isso era energicamente combatido,

principalmente nos países governados por militares. Segundo

Braghini (2010), a Revista da Editora do Brasil (EBSA),

distribuída nas instituições de ensino públicas e privadas,

oferecia conteúdos de apoio à prática docente e, antes mesmo

da década de 1960, divulgava o apoio ao ensino da moral e do

civismo. A publicação veiculava informações sobre a

legislação, considerações sobre livros, discussões de alta

repercussão que circulavam em jornais diários, enfim, era um

informativo que pretendia divulgar utilidades ao meio escolar.

A autora indica a possibilidade de a editora manter contatos

pessoais dentro da ESG, local de aprimoramento da Doutrina

de Segurança Nacional. Essa prática reverberava na produção

de discursos anticomunistas pela revista.

Isso porque os editores da EBSA achavam justo

publicar em suas páginas aquilo que os

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membros da Escola Superior de Guerra (ESG)

passaram a considerar como indicadores da

infiltração comunista no Brasil e de uma

possível ameaça de guerra interna.

(BRAGHINI, 2010, p. 66).

A comparação entre o sistema democrático e o

comunista, elaborada por Silva e Capella, demonstrava

afinidade com o posicionamento da Revista da Editora do

Brasil. O combate ao comunismo e aos posicionamentos

subversivos era um item preferencial na pauta governamental.

O conteúdo evidenciava os propósitos de ter cidadãos

alinhados ao sistema político em pleno vigor. A proteção da

sociedade também era responsabilidade dos cidadãos que

deveriam trabalhar pela sua preservação.

Daí decorre a RESPONSABILIDADE de cada

cidadão em se manifestar de acordo com os

reais interesses nacionais, sem engrossar a

opinião de minorias mais voltadas para a

agitação do que para a solução real dos

problemas. (SILVA; CAPELLA, 1971, p. 27).

O perigo do comunismo ecoava pelos variados veículos

educacionais. O impresso afinado com estas propostas cumpria

seu papel na afirmação aos ideais democráticos em detrimento

das doutrinas esquerdistas.

As estratégias de ensino utilizadas, relatando exemplos

comuns, construindo comparações maniqueístas,

responsabilizando os leitores pelo futuro coletivo, remetem aos

movimentos que articulavam a sociedade nas décadas de 60 e

70. O país se adaptava a um contexto político global da Guerra

Fria, desenvolvendo suas táticas de sobrevivência e

crescimento. A formação para o civismo e a cidadania

compunham práticas sociais inseridas nessas táticas. A

identificação dos conteúdos, a abordagem dos livros escolares

e “sua análise possibilita avaliar a política das organizações, as

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preocupações sociais, os antagonismos e as filiações

ideológicas, além das práticas educativas e escolares”

(BASTOS, 2002, p.153). Como parte do processo, as leituras

que circulavam, especialmente as abordadas por este estudo,

demonstraram na particularidade, uma parcela do todo.

2.4 OS VESTÍGIOS DO CIVISMO NOS LIVROS

ESCOLARES

A PÁTRIA

A pátria não é ninguém; são todos; e cada qual

tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à

palavra, à associação. A pátria não é um

sistema, nem uma seita, nem um monopólio,

nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o

povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço

dos filhos e o túmulo dos antepassados, a

comunhão da lei, da língua, da liberdade. Os

que a servem são os que não a invejam, os que

não a inflamam, os que não conspiram, os que

não sublevam, os que não desalentam, os que

não emudecem, os que não se acovardam, mas

resistem, mas ensinam, mas se esforçam, mas

pacificam, mas discutem, mas praticam a

justiça, a admiração, o entusiasmo.

Rui Barbosa (ANDRADE, 1978, p. 7).

Os livros de Educação Moral e Cívica frisavam a

relação de respeito e amor exacerbado que os cidadãos

deveriam ter pela sua pátria. Essa relação era esculpida pelo

apelo simbólico e por assim dizer sentimental, a qual definia

uma cidadania embasada na “lealdade ao Estado e à

identificação com uma nação” (CARVALHO, 2014, p 18). O

livro de Andrade destinado ao 2º grau, ou seja, a estudantes na

faixa dos 15 aos 18 anos, logo nas primeiras páginas trazia o

texto de um intelectual conhecido e renomado para legitimar os

ideais que povoaram as páginas de ensinamentos cívicos. Com

apelo sensorial Rui Barbosa articulou as palavras para que o

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leitor percebesse o quanto era importante a sua presença

perante o seu país e quão relevante era o peso de suas atitudes

diante daquela que os acolhe em seu seio. Era o prólogo do

civismo.

As maneiras como o civismo era trabalhado nos livros

da disciplina conferiam uma instituição de poder pelo escrito

(CASTILLO GÓMEZ, 2002). Se os leitores, tanto alunos,

professores, ou até familiares, ao decodificar os signos dos

textos fizessem a absorção simples de uma mensagem,

estariam compreendendo um ideal cívico de amor

incondicional à pátria. Se, ao contrário disso, fizessem uma

leitura crítica, de maneira a propor questionamentos para

entender o porquê desse amor, ainda assim estariam sujeitos ao

aspecto emotivo que os inscreve na mensagem do texto como

filhos, habitantes de um lar com uma mãe que os acolhe.

Inúmeras leituras são possíveis e, isso enriquece ainda mais as

possibilidades representadas num texto. As estratégias da

linguagem e do discurso procuravam guiar a leitura utilizando

o escrito como elemento estruturador.

A aplicação do texto ao leitor como uma

relação móvel, diferenciada, depende das

variações, simultâneas ou separadas, do próprio

texto, da passagem à impressão que o dá a ler e

da modalidade da sua leitura. (CHARTIER,

1990, p. 26).

A construção dos ideais que atendiam às prescrições da

disciplina de Educação Moral e Cívica evidenciava o caráter

patriótico nos quais estavam alicerçadas. O fortalecimento do

sentimento de pertencimento era fomentado por um discurso

articulado a propósitos bem mais amplos de unidade territorial

e cultural, selados pelo elo das tradições supostamente

existentes. “Não esqueçam os nossos jovens e gravem bem em

suas consciências que a pátria é a comunidade da terra e da

gente, das instituições e da língua, das tradições e do futuro”

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(ANDRADE, 1978, p. 103). Os conteúdos propunham edificar

um vínculo definitivo entre o indivíduo e o seu lugar de

origem, oferecendo concretude à ideia de pátria. A partir do

momento que fosse tomada esta consciência, estabelecia-se o

limite a que estas aquisições estavam submetidas dentro da

sociedade, onde eram observados mais os deveres do que os

direitos.

Pelo fato de serem leituras institucionalizadas,

produzidas para fim de aprendizado, os livros escolares de

Educação Moral e Cívica inscreveram as marcas de vivências

sociais por portarem saberes de um tempo, são produtor e

produto de uma sociedade, concomitantemente. No momento

de sua produção se propunham a formar a partir de concepções

selecionadas e, ao longo de seu uso, denunciam recuos e

aproximações quanto à sua proposta. Este intervalo que se

instala entre o que foi produzido e o que foi entendido é o

espaço das representações formuladas por um grupo em certo

meio e tempo social.

São estes esquemas intelectuais incorporados

que criam as figuras graças às quais o presente

pode adquirir sentido, o outro tornar-se

inteligível e o espaço ser decifrado. [...]. As

percepções do social não são de forma alguma

discursos neutros: produzem estratégias e

práticas (sociais, escolares, políticas) que

tendem a impor uma autoridade à custa de

outros, por elas menosprezados, a legitimar um

projeto reformador ou a justificar, para os

próprios indivíduos, as suas escolhas e

condutas. (CHARTIER, 1990, p. 17).

O civismo erigido pelos três livros de Educação Moral e

Cívica aqui estudados era a idealização de uma prática no

presente com o intuito de reverberar no comportamento futuro

dos leitores, proposto no texto como uma tendência única

àqueles que esperavam algum tipo de notoriedade, mesmo que

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fosse pelas gerações futuras. Era a criação de uma sensibilidade

para o coletivo utilizando o elemento simbólico de união entre

todos que constituíam a pátria. Os textos impressos exibiam

uma coisa ausente (CHARTIER, 1990), era a presença

simbólica da pátria mãe que contava com seus filhos para

crescer e ser forte. As virtudes cívicas postas em questão

conduziam ao imaginário coletivo de que as ações individuais

tinham uma repercussão maior, que seria sentida por todos.

O Brasil, cuja população é constituída por mais

de 50% de jovens, tem se preocupado com a

educação da juventude e, principalmente, na

formação moral e cívica dessa mesma

juventude, levando em conta os três aspectos

fundamentais de civismo: Caráter, patriotismo e

ação. (ANDRADE, 1978, p. 159).

Os jovens eram o foco da mudança de mentalidade, a

qual estava sendo empreendida e a formação escolar era o

caminho mais próximo para levar os objetivos a cabo. Nesse

sentido os livros de Educação Moral e Cívica, principalmente

nos níveis de 1º e 2º graus, eram atuantes na estruturação

social. A estratégia discursiva, incluindo e instigando o leitor à

ação, funcionava como um elemento de persuasão que

autenticava um discurso e se justificava na projeção de um

futuro.

Civismo é a preparação para a cidadania, isto é,

a preparação do futuro cidadão. Aquele que não

será um mero assistente da vida, pensando

apenas em seus interesses particulares, mas que

participa e se integra: no lar, na escola, na

comunidade, na pátria, no mundo. [...] A Pátria

em que vivemos não será grande e rica, nem

seus filhos serão felizes, por milagre, mas

porque cada um cumpre seus deveres: perante

Deus, dentro da Moral, pela Pátria. (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 13).

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O tema do civismo aparecia tanto diluído ao longo dos

conteúdos como em capítulos ou unidades específicos sobre o

assunto. No livro de Silva e Capella, ao longo das unidades o

tema é recorrente, abordado em vários subtítulos, assim como:

civismo, deveres cívicos, patriotismo, deveres do cidadão, o

valor das Tradições, Símbolos Nacionais, Calendário Cívico-

Histórico. Na unidade em que trata dos Símbolos Nacionais, há

três imagens que representam a bandeira, as armas e o selo.

Destaca-se a imagem da bandeira (Figura 2) que também foi

reproduzida no livro de Andrade. Eram fornecidas todas as

medidas específicas para sua reprodução pelos alunos, além da

nomenclatura de todas as estrelas representantes dos estados da

federação, seguidas de legenda explicativa que indicava a qual

dos estados correspondia cada um dos nomes das estrelas.

As reproduções feitas pelos alunos deveriam seguir

rigorosamente a técnica ensinada pelos professores. Os

trabalhos com a imagem da bandeira era uma atividade que

constava também no livro de Andrade e figurava em destaque,

pois juntamente com a imagem do selo nacional, foram as

únicas reproduzidas em cores no livro do 2º grau. Era

considerado um símbolo nacional de referência, sua exposição

carregava uma simbologia de pertencimento dos brasileiros,

criando uma fisionomia de união de todos diante do “pavilhão

nacional”. O uso nas escolas era comum e alvo até de

divulgação específica como a campanha Uma Bandeira para

cada Sala de Aula (O Estado, 1969, p. 40), aprovada pelo

presidente Costa e Silva com o intuito de que todas as salas de

aula existentes no país ostentassem uma bandeira do lado

direito da mesa do professor, em lugar de destaque, como

símbolo da “pátria mãe” nos sistemas de ensino.

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Figura 2 – Bandeira Nacional

Fonte: SILVA; CAPELLA, 1971, p 76-77.

As medidas correspondiam ao padrão de reprodução

estabelecido por lei específica, poderia ser feita em qualquer

tamanho desde que respeitadas às proporções. A imagem era

sobremaneira detalhada, possibilitando aos alunos esmerar-se

em produzir imagens com maior similitude possível. O ensino

do desenho da bandeira era obrigatório nos estabelecimentos de

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ensino. A disposição das estrelas seguia uma ordem

estabelecida e o tamanho era distribuído em quatro dimensões,

ou grandezas, como indica a figura 2. Além dos critérios para a

reprodução da imagem, o culto à bandeira compreendia rituais,

também prescritos em lei, quanto ao horário de exposição

(hasteamento) e recolha (arriamento), quanto às ocasiões e

locais obrigatórios. O uso era rigoroso e sujeito às penas da lei,

caso fosse negligenciado.

Os textos na unidade sobre os símbolos nacionais, no

livro de Silva e Capella, procuravam estabelecer uma

vinculação simbólica com os leitores remontando

acontecimentos passados ligando o país aos colonizadores

portugueses, um passado monárquico de glórias que repercutia

no uso das simbologias cívicas. A legislação foi transcrita em

suas minúcias, legitimando a importância de tais símbolos no

dia a dia do país. De certa maneira, as representações se

revigoravam com os assuntos colocados em forma de saber

escolar, eram enraizadas nos grupos sociais que recebiam as

informações e as internalizavam de forma que perpetuavam

práticas para as gerações seguintes.

Da mesma forma, o livro de Andrade, também tem o

civismo pulverizado em suas nove unidades, porém, talvez pelo

fato de se tratar de uma produção para alunos do 2º grau (hoje

ensino médio), com outras competências relacionadas ao texto

e à leitura, foram dedicadas três subdivisões no Apêndice

apresentado ao final do livro com informações de natureza

cívica. São elas: I- Hinário Cívico (composto por 14 hinos e

canções), II- Poesia Nossa (composto por 20 poesias com

exaltação aos valores cívicos, morais e religiosos) (Anexo 2) e

III- Calendário Cívico (composto por uma listagem de 13

páginas com datas comemorativas, a origem do nome, a

explicação sobre as razões da comemoração e fatos

considerados explicativos sobre as datas destacadas). Percebe-

se que o Apêndice foi subdividido de forma que organizasse a

grande quantidade de informações selecionadas para constar.

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“A escrita é transmitida a seus leitores ou a seus ouvintes

através dos objetos ou das vozes, cujas lógicas materiais e

práticas é preciso entender” (CHARTIER, 2011, p. 258). Deste

modo, analisando a organização, é possível pensar que houve a

preocupação de disponibilizar todas essas informações como

complementaridade da formação já dada ao longo das nove

unidades, como um subsídio para a futura vida cívica daqueles

alunos, uma formação que persistiria na vida adulta, tendo em

vista que muitos encerrariam seus estudos e ingressariam na

vida profissional.

Utilizando um sistema que lembra a organização dos

preceitos religiosos, Andrade elaborou uma lista que

contemplava os principais critérios, segundo sua seleção, para

que o civismo fosse uma vivência dos cidadãos.

Deveres e Direitos Cívicos

1º- Amar a liberdade [...] é o poder de fazer e

de não fazer, dentro dos limites da lei;

2º- Defender a pátria;

3º- Pagar impostos;

4º- Votar;

5º- Cooperar na política;

6º- Servir no júri;

7º- Respeitar a lei;

8º- Fiscalizar a execução da lei;

9º- Falar bem a sua língua;

10º- Não desdenhar a civilidade. (ANDRADE,

1978, p. 67).

Na leitura do primeiro item observa-se que é

transmitida ao leitor uma proposta de resguardo dos seus

direitos individuais. Ao final do item, ressalta-se a observação

dentro dos limites da lei, então o Estado se faz presente

delimitando a liberdade do cidadão. Os próximos itens se

referem à obrigação do cidadão de contribuir com a estrutura

social que organiza o país. Segundo Roger Chartier (1990, p.

24),

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no ponto de articulação entre o mundo do texto

e o mundo do sujeito coloca-se necessariamente

uma teoria da leitura capaz de compreender a

apropriação dos discursos, isto é, a maneira

como estes afetam o leitor e o conduzem a uma

nova norma de compreensão de si e do próprio

mundo.

Portanto, é necessário pensar a intencionalidade sem a

ilusão do doutrinamento, para, além disso, entender o texto

como elemento de uma realidade datada e contextualizada. Os

livros se valiam de sua autoridade de escolares e de suas

estratégias de pertencimento para comunicar ao interlocutor os

signos sob os quais o civismo deveria ser apreendido.

Possivelmente estavam ali as representações de uma sociedade

em fase de mudança, adaptação e consolidação de propostas de

aprendizagem para a vida adulta, porém, a análise dos escritos

expõe as tensões em torno da formação das estruturas

intelectuais, tanto individuais como coletivas. As relações entre

o mundo do texto e o mundo do leitor (CASTILLO GÓMEZ,

2002) fazem emergir as concepções que a sociedade,

especialmente os sistemas educativos, construía sobre as

prescrições oficiais, enfim, fornecer indícios do pensamento

para um grupo que teve contato com esses livros, que deveria

absorver este saber agora escolarizado.

O Ensino Superior não compartilhava das mesmas

estratégias utilizadas pelos níveis de 1º e 2º graus, haja vista

que a concepção da disciplina se diferenciava a partir do

momento em que a Educação Moral e Cívica no nível superior

chamava-se Estudos de Problemas Brasileiros. A Reforma

Universitária17

, ocorrida a partir de 1968 normatizava a

Educação Superior, dando ênfase ao contexto sócio-político-

econômico da nação brasileira, que tinha a industrialização e a

17

Sobre a Reforma Universitária (RU) e o Ensino Superior no Brasil

consultar Stephanou; Bastos (Orgs.) (2011), o capítulo de Marília Costa

Morosini.

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90

internacionalização da economia como ícones de

modernização. Construída sobre as mesmas bases, porém com

possibilidades ampliadas, até mesmo por estar inscrita nos

currículos universitários, cujas estratégias de ensino tinham

perspectivas variadas, a universidade era ambiente de formação

profissional, ou seja, a formação da vida adulta do cidadão.

O livro de Petry, Schneider e Lenz apresentava de forma

sistematizada a concepção da disciplina, suas finalidades e

objetivos. O plano didático da disciplina, já no início do livro,

esclarecia:

1. Descrição Geral da disciplina

1.1 Estudo de Problemas Brasileiros (EPB) é

uma disciplina que visa complementar, em

nível superior, a formação do cidadão

brasileiro, consolidando e complementando

conhecimentos e atitudes já adquiridos

anteriormente.

3.1 Objetivos Gerais: análise da situação,

tendências e problemas relevantes do

desenvolvimento brasileiro e estímulo de

concepções e atitudes que contribuam para o

desenvolvimento autêntico e integral. (PETRY;

SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 11).

Era uma proposta analítica, extensa, a qual tangenciava

o civismo como pano de fundo das hipóteses desenvolvidas

acerca da resolução ou pelo menos da supressão de algumas

problemáticas enfrentadas pela sociedade da década de 1970.

Esse livro, ao contrário dos outros dois, não promoveu uma

abordagem ampliada sobre o tema do civismo, optando por

apresentar uma série de informações sobre aspectos políticos,

econômicos, sociais e culturais do país, problematizar alguns

indicadores e discutir algumas providências. Essa

invisibilidade não significa propriamente uma ausência. A

proposta de discutir os problemas brasileiros faz mais alusão a

dar conhecimento sobre esses problemas, principalmente os de

cunho político, para que o leitor tenha subsídio para releituras e

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91

discussões. Na apresentação do livro, Matias Martinho Lenz

esclarece: “Por força do próprio nome da disciplina,

preocupou-nos mais a análise dos problemas do que a

enumeração de realizações ou o elogio de méritos e virtudes”

(PETRY, SCHNEIDER, LENZ, 1972, p. 10). Numa

perspectiva diversa, sem promover diretamente as estratégias

de pertencimento e comprometimento, neste livro o civismo

recebeu a conotação mais subjetiva de (in) formar-se para

colaborar com o país.

A palavra civismo não consta nenhuma vez nas 418

páginas do livro, porém nas duas últimas páginas, foi colocado

um Decálogo Cívico. Eram dez mandamentos iniciados com

verbos imperativos com amarás, prezarás, procurarás,

lembrar-te-ás e deverás. Mesmo um tanto descontextualizado o

Decálogo marca a presença dos ideais de formação cívica que

eram inerentes à disciplina. Figurava sem maiores explicações,

ao final das páginas, mas, ele se encontrava ali para cumprir

seu papel informativo e formativo aos leitores. Foram

selecionados três itens que podem demonstrar o tom do escrito.

1. Amarás o Brasil, tua Pátria, com um amor

inteligente e forte. Inteligente, para conhecer

seus problemas e grandezas; forte, para

empenhar-te em prol de seu desenvolvimento e

na defesa de sua soberania. [...]

7. Procurarás conhecer sempre melhor teus

deveres e direitos de cidadão, para observá-los

com maior fidelidade, esforçando-te por

participar da vida de tua cidade, de teu

município, de teu Estado e da Federação. [...]

9. Deverás também te esforçar por conhecer,

sempre melhor os elementos da organização

econômica e dos processos sociais do Brasil,

bem como os sistemas propostos para resolver

os seus problemas, a fim de formar, a respeito

de todos, uma opinião clara e segura. (PETRY;

SCHNEIDER, LENZ, 1972, p. 417).

Page 94: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO … · título de Mestre em Educação – Área de ... delas o trabalho chegou a sua consecução. ... Aos mestres dos quais tive

92

Os itens citados expressam a convocação para

comprometer-se com os assuntos do país. O texto propõe a

ideia de que todos devem ter responsabilidade com as

estruturas político-administrativas existentes no seu entorno,

que é necessário ter conhecimento sobre os trâmites e é

fundamental o envolvimento comunitário, a busca por soluções

e melhorias visando ao desenvolvimento e progresso,

principalmente econômico, segundo as perspectivas do

governo ditatorial. Mesmo permanecendo o texto relegado ao

último suspiro da leitura, mantém sua intensidade,

demonstrando ao leitor que efetivamente fizer esta leitura terá

contato com o mesmo simbolismo disperso ao longo de muitas

páginas dos outros dois livros. “As formas materiais da escrita

ou as competências culturais dos leitores sempre delimitam as

fronteiras da compreensão” (CHARTIER, 2011, p. 280). O

Decálogo Cívico cumpriu a função que visava a engajar o

cidadão que ruma à formação profissional com a realidade do

seu país de forma atuante e comprometida, corroborando com

as propostas dos livros de 1º e 2º graus.

Com abordagens diferenciadas o civismo era um

conceito presente mesmo na ausência de sua grafia. Como uma

das âncoras que amparava a proposta de educação da disciplina

escolar, demarcava o espaço simbólico da construção.

Selecionadas com rigor, as luzes que se projetavam sobre o

conceito destacavam os ângulos mais adequados para moldar o

cidadão obediente, aculturado pela nação e confiante nas

instituições. Era uma prática edificada pelo passional, na qual

se procurava não deixar fissuras em que se proliferassem

questionamentos e contrariedades. Não é possível afirmar que

houve hegemonia na elaboração do civismo junto aos grupos

de leitores dos três livros estudados, mas, compreender que,

quando o conceito extrapola a letra escrita e passa a se instalar

na dimensão das representações, torna-se território movediço

cujos estatutos são historicamente definidos.

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93

2.5 UM PASSADO PRESENTE: BIOGRAFIAS PARA

INSPIRAR UM FUTURO

As relações que os impressos constituíram com o tempo

remetiam a um passado heroico que poderia e deveria ser

revivido, porém, em outros moldes, adquirindo uma “forma

social” (HARTOG, 2013, p. 53). Todas as biografias

destacadas tinham a função de servir como inspiração aos

leitores pela sua exemplaridade. Num período em que era

enfatizada a prospecção do país para o futuro, os exemplos de

heroísmo serviriam como base para esse país. De forma

otimista, o leitor era imbuído da nobre função de também

participar das lutas coletivas no momento em que os planos

governamentais estavam atrelados ao desenvolvimento

econômico e social. Para que isso ocorresse era fundamental

que os jovens estudantes fossem incorporados ao processo. Era

a promessa de um futuro próspero e ordenado, conforme as

indicações da Bandeira Nacional.

Os livros de Educação Moral e Cívica de 1º e 2º graus

traziam capítulos específicos nos quais apresentavam as breves

biografias e os principais feitos de algumas personalidades

nascidas no Brasil ou não. Ao contrário das biografias

apresentadas na Série de leitura graduada Pedrinho de

Lourenço Filho (CUNHA, 2011) que seguiam uma disposição

nos livros, nos quais a biografia era contextualizada pelo tema

tratado. Essa diferença indica que nos níveis de 1º e 2º graus as

biografias tinham sentido edificante e não compunham o

conteúdo como meros exemplos de um tema tratado. Eram

objetos de estudo específicos condensados em espaço próprio,

passíveis de um determinado tempo e métodos pertinentes,

bem como qualquer outro conteúdo.

A doação que os biografados fizeram de suas vidas às

causas maiores era enaltecida e, estava ligada ao ideal de

patriotismo. O destaque era para as virtudes, as quais

justificavam suas personalidades exemplares no contexto da

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94

História do Brasil. Havia a preocupação de afirmar que as suas

participações foram fundamentais em importantes momentos

históricos (FILGUEIRAS, 2006). E, estes fatos sendo

utilizados como um discurso de estímulo e exemplaridade, no

qual o leitor era suscitado a compartilhar das virtudes ditas

heroicas. O estudo de François Hartog (2013), no qual aborda a

temporalidade nas Ilhas de Fidji por meio da relação entre os

habitantes das ilhas e o rei, o exemplo heroico tem um efeito

multiplicador de comportamentos entre os habitantes. Cada

herói ou heroína apresentado nos impressos construía um

estereótipo de coragem, doação, lealdade e patriotismo e, por

isso era muito importante revisitar, conhecer em pormenores e

valorizar suas histórias.

Essa importância de reverenciar o passado ilumina os

diferentes regimes de historicidade (HARTOG, 2013) em que

os impressos estão inseridos. A obra feita com a proposta de

instruir sobre os saberes necessários ao presente dos leitores

reafirma o vínculo com o passado, buscando referenciais para

dar consistência ao ensino dos saberes. Havia a perspectiva de

sanar demandas sociais contemporâneas com a instrução sobre

os valores morais, recorrendo à dialética do tempo passado

para se fazer novamente presente. Da mesma forma, os textos

que convocavam os leitores a serem colaboradores da

construção do país do futuro, faziam uma projeção, bastante

otimista, de um futuro próspero e grandioso. Os livros

transitavam entre os “espaços de experiências e o horizonte de

expectativas” (KOSELLECK, 2006, p. 306), em textos

articulados que qualificavam aquele presente como momento

de aprendizado e formação.

Pensados e produzidos em tempo real, afinal assim que

o Decreto-lei nº 869/69 foi aprovado aumentou muito a

demanda destes materiais, os livros estavam inseridos num

contexto que permite observar as ordens do tempo como as

múltiplas temporalidades que assolam um mesmo objeto

(HARTOG, 2013). A escrita, construída sob essa perspectiva

Page 97: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO … · título de Mestre em Educação – Área de ... delas o trabalho chegou a sua consecução. ... Aos mestres dos quais tive

95

faz a articulação da produção com o tempo em que ela está

sendo feita. Identificando estas caraterísticas subjacentes ao

texto é possível pensar sobre as condições de produção dos

mesmos e sobre a leitura acerca da relação daquela sociedade

com o seu tempo. Os ensinamentos analisados em relação à

temporalidade dão a ver indícios de um tempo que estava em

transição e que as pessoas reagiam de diversas formas

buscando adequação ao momento presente. Os livros escolares,

neste sentido, correspondem a elementos de legitimação e

entendimento sobre as diversas dimensões da transição.

De modo geral, apresentavam elementos textuais de

definição de tempo que eram colocados de forma harmoniosa e

compreensível. As tensões que circulavam na sociedade na

ocasião da produção reverberavam na construção dos textos. O

presente que estava se adaptando, era balizado pela instrução

das atitudes, o passado aparecia na reverência aos heróis e atos

heroicos e o futuro na prospecção do desenvolvimento e do

progresso que, por certo viria, caso fosse observado o

direcionamento.

Era uma tentativa de moldar os comportamentos a partir

dos exemplos heroicos, e com isso conferir ao cidadão comum

o estatuto de personagem político relevante para a história

nacional.

A liturgia cívica da recordação projetava-se no

ensino na forma de hagiografia, no qual o

estudo das realizações de certos personagens

motivaria a formação de indivíduos como eles.

(VIEIRA, 2008, p. 83).

O futuro aparecia em mensagens que permeavam o

conteúdo, evitando confinamentos a uma ou outra parte dos

livros. Repetidas vezes o texto fazia essa alusão à construção

do futuro. O passado aparecia geralmente representando a ideia

de que toda a proposta descrita ao longo do impresso era

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96

possível se fossem seguidos os exemplos colocados pelas

biografias.

O livro de Silva e Capella destacou 59 breves biografias

(Anexo 3), nas quais constavam nomes de pessoas que viveram

em todas as regiões do país e tiveram sua vida ligada a diversos

segmentos como a política, a religião, os movimentos locais e,

é claro, as guerras e conflitos. As biografias, em geral, davam

ênfase à atuação dos indivíduos em prol de causas ligadas à

pátria. Era por honra e patriotismo que suas trajetórias eram

rememoradas como exemplos a serem seguidos e valorizados

pelas gerações futuras. As biografias ocuparam uma unidade

inteira, local onde foram minuciosamente organizadas de forma

cronológica, agrupadas por período político seguindo a divisão

da história brasileira e por área de

desenvolvimento/conhecimento. O sumário foi escrito com a

seguinte disposição:

8ª UNIDADE – O BRASIL ATRAVÉS DAS

BIOGRAFIAS

8.1 – O BRASIL COLÔNIA

8.1.1 – A CONQUISTA DO TERRITÓRIO

8.1.2 – A DEFESA DA TERRA

8.1.3 – A CATEQUESE

8.1.4 – A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA

8.2 – BRASIL IMPÉRIO

8.2.1 – 1º REINADO

8.2.2 – REGÊNCIAS

8.2.3 – 2º REINADO

(1) - Pacificação interna

(2) - Lutas externas

(3) - Abolição da escravatura

(4) - Impulso para o desenvolvimento

(5) - Campanha Republicana

8.3 – BRASIL REPÚBLICA

8.3.1 – A CONSOLIDAÇÃO DA

REPÚBLICA

8.3.2 – A FIXAÇÃO DE NOSSAS

FRONTEIRAS

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97

8.3.3 – A REORGANIZAÇÃO DAS

FINANÇAS

8.4 – CIÊNCIAS, LETRAS E ARTES

8.5 – A MULHER EM NOSSA HISTÓRIA

(SILVA; CAPELLA, 1971, p. 85).

A especificidade de itens desta organização destaca

indivíduos em cada momento entendido como significativo

para a evolução do país. Era uma leitura inspiradora que

sugeria como a atuação individual poderia conquistar

notoriedade a partir do seu envolvimento com causas coletivas

de defesa do território, mudanças políticas ou desenvolvimento

econômico. No contexto educacional, era uma proposta de

exemplaridade para que os futuros cidadãos participassem

efetivamente das problemáticas de sua sociedade. A escrita

como guardiã de um passado e oráculo de um futuro que

estava a ser produzido no momento do contato do leitor com a

leitura.

No último item do sumário da unidade, os autores

abriram espaço para mulheres que também mereceram

destaque, segundo os critérios acima colocados. Os nomes

femininos que foram listados, em geral tiveram sua atuação

ligada às atividades consideradas na época como masculinas,

dando um indício de que o merecimento do destaque estava

relacionado ao potencial de atuar como um homem em

momentos de conflito. Essas mulheres foram identificadas

como participantes de importantes processos de mudança e de

conquista, sendo igualmente homenageadas por seu

desempenho na vida dedicada a uma causa política ou social.

- Maria Quitéria de Jesus

Era uma jovem, filha de pais portugueses do

Recôncavo da Bahia. Seu coração inflamou-se

de patriotismo pela independência. Disfarçada

em trajes masculinos abandonou a casa paterna

e sentou praça como soldado. Tomou parte nas

lutas, em 1822, na Bahia, contra o general

português Madeira, distinguindo-se por sua

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intrepidez e bravura. O Imperador concedeu-lhe

honrarias.

-Maria Francisca da Conceição

Com 13 anos casou-se com um cabo que partia

para a guerra do Paraguai. Com a proibição de

as mulheres seguirem os maridos, disfarçou-se

em homem e marchou ao lado do esposo.

Morto o cabo, em combate, ela resolve

prosseguir lutando e avançou nas primeiras

filas contra Curupaiti. Penetrou no forte entre

os primeiros brasileiros e aí foi ferida. Só no

hospital descobrem-lhe o sexo. Daí para diante

passaram a chamar-lhe: Maria Curupaiti.

(SILVA; CAPELLA, 1971, p. 123).

Apesar de a sociedade conservar fundamentos

patriarcais, pode-se perceber que houve, ao menos, certa

preocupação dos autores de destacar algumas participações de

mulheres nos processos de mudança do país, insinuando suas

presenças na construção de um país forte e unificado. Já no

livro de Andrade, que apresentou 12 breves biografias (Anexo

3), não constava em nenhum dos textos a vida de uma mulher.

O espaço foi dedicado a homens que estiveram ligados em

maioria à política, numa subunidade nomeada como Vultos

Nacionais, organizada em três itens chamados de Os Grandes

Homens Construtores da Nacionalidade, Os Mártires da

Liberdade e Outros Heróis da Nacionalidade. Como a política

era um meio essencialmente masculino e os destaques foram

balizados pelas relações intrínsecas a esse meio, a figura

feminina não teve relevância para estereotipar os heróis

nacionais neste livro.

A historiografia brasileira conferia relevância à

construção dos mitos em torno da vida de homens e mulheres

envolvidos intencional ou aleatoriamente com causas voltadas

ao coletivo (Figura 3). Os eventos eram engrandecidos em

relatos emotivos que vinculavam as personalidades ao

heroísmo.

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99

Figura 3 – Os Grandes Vultos Nacionais

Fonte: SILVA; CAPELLA, 1971, p. 58-59.

A concepção histórica sobre personagens coletivos ou

nomeados beira a glorificação em razão da forma como

atuaram em momentos específicos de mudança e tensões

sociais. A necessidade de apontar ícones no processo histórico

do país valorizava sobremaneira suas trajetórias, exaltando

virtudes e ignorando desvios. As atitudes não consideradas

como exemplares eram ofuscadas pelos benefícios maiores

conquistados. Assim como, por exemplo, com Getúlio Vargas,

“o antigo ditador, que nunca se salientara pelo amor às

instituições democráticas, tornara-se um herói popular por sua

política social e trabalhista” (CARVALHO, 2014, p. 135), os

grandes homens, vultos ou mártires, eram elementos essenciais

à legitimidade histórica.

O passado não era reverenciado no livro de Petry,

Schneider e Lenz. A proposta da disciplina EPB apresentava

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100

uma perspectiva diferenciada sobre a formação moral e cívica,

na qual não cabia o culto ao passado, pois, o foco estava sobre

o debate e a formulação de soluções dos problemas presentes,

pensando no futuro. Os textos do livro não faziam uma

invocação ao passado de glórias, mas, vislumbravam a

construção do futuro por meio da discussão e do estudo. O

tempo está inscrito em uma ordem que transita no prospecto do

porvir, concentrado na mudança do presente como premissa de

evolução para melhor.

Os três livros representam a visão dos autores sobre a

relação da sociedade com seu tempo. A escrita oferece

possibilidades de entendimento sobre o passado e o futuro. O

tempo, atuante sobre as vivências e os eventos, se inscreve na

construção dos saberes da disciplina demonstrando que “a

presença do passado é diferente da presença do futuro”

(KOSELLECK, 2006, p. 311). Esses elementos demarcam e

interferem nas relações do presente dos indivíduos, as quais se

constroem e legitimam também pela escrita e pela leitura.

Constituídos pelas tradições, os futuros cidadãos estabelecem

seu lugar social (CERTEAU, 2011) e definem-se os papéis na

cena principal que é o presente.

São essas condições que atuam no civismo e na

cidadania concebidos, pois, a identificação com as práticas

repetidas ao longo do tempo e o reconhecimento delas viabiliza

uma formação identitária que “se deve a fatores como religião,

língua e, sobretudo, lutas e guerras contra inimigos comuns”

(CARVALHO, 2014, p. 18). Daí a importância de exaltar os

bons exemplos, que empreenderam batalhas comuns e se

dedicaram à defesa da nação. Possivelmente era a estratégia

textual e pedagógica que mais se utilizava de um recurso

considerado socialmente legítimo: educar pelo exemplo.

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101

3 OS LIVROS EM FOCO: UMA INTERPRETAÇÃO

O texto escrito, para além de um sistema de signos que

comunica uma mensagem, deve ser pensado como um produto

do tempo e do espaço. Observado como um agente interativo

que está sempre em metamorfose, recebe significação pelos

olhares, sujeitos, espaços e contextos nos quais transita e, de

certa forma, é legitimado pelas leituras que o decifram. Tão

importante quanto o comunicado do texto, é o valor simbólico,

a proposta, o jogo de poder que se inscreve na escrita. O estudo

de um suporte de escrita vinculado ao processo escolar,

necessariamente precisa levar em conta essa subjetividade,

fazendo uma “desmontagem do texto” (BASTOS, 2002, p.

153) que permita analisar o produto cultural em todas as

instâncias acionadas para sua produção.

Na década de 1960, no Brasil, ampliava-se o processo

de escolarização e buscava-se a democratização da educação de

forma cada vez mais intensificada. A implantação da Ditadura

Militar em 1964, afirmou ainda mais a relação entre o Estado e

a indústria gráfica brasileira e, segundo Gatti Júnior (2011, p.

382), “a década de 1970, por seu turno, foi o momento da

transição desses manuais escolares aos livros didáticos da

atualidade”. As produções para uso escolar foram

incrementadas em sua materialidade valendo-se das tecnologias

gráficas disponibilizadas pelas editoras e modificaram a

relação estabelecida com os alunos leitores. Os livros sofreram

alterações nas questões de formato, organização, caracteres,

cores e estilos, oferecendo outro contato com os conteúdos que,

até a década de 1960 eram produzidos de forma artesanal

(GATTI JR, 2004), sem muitas imagens ou detalhes.

A partir de 1970 os livros didáticos, em certa medida,

organizaram as práticas educativas, mediando o processo de

ensino e a relação entre professores, alunos e conhecimento18

.

18

Sobre a emergência do protagonismo dos livros didáticos, ver GATTI JR

(2004; 2011).

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102

A escola, que já era primordialmente o espaço de apreensão da

cultura escrita, recebeu o incremento da produção didática que,

por sua vez, delineou métodos e práticas pedagógicas

possibilitando fazer interlocuções com esses objetos cada vez

mais presentes nas aulas ministradas.

O trabalho com livros escolares tem a particularidade de

promover um diálogo entre várias instâncias sociais que

extrapolam o ambiente escolar. O estudo desse tipo de objeto

vislumbra vários caminhos de pesquisa que iluminam a

complexidade do universo chamado de cultura escolar.

Pensando na abrangência da expressão e na polissemia de seu

conceito, compreende-se que os livros se inscrevem em cada

prática contida nesse universo, por ser parte do “arquitexto que

visa (in) formar e (com) formar” (MAGALHÃES, 2008, p. 8)

os indivíduos. Os trabalhos de pesquisa que privilegiam objetos

mais específicos são como peças de um quebra-cabeça que, ao

ser montado com faltas, denuncia uma visão ainda incompleta

do todo, demonstrando possibilidades e imaginações. Assim se

constitui o trabalho dos historiadores que ao elegerem seus

impressos para investigar, renunciam a muitos que, certamente

proporcionariam outro formato de peça para ser encaixada em

lugar diferente, mas, ainda assim, faria parte do todo.

3.1 O LIVRO ESCOLAR COMO ESPAÇO MATERIAL E

SIMBÓLICO

Segundo Choppin (2004), a “onipresença” e o “peso

econômico” destes materiais nos sistemas de ensino, conferem-

lhe certo protagonismo no processo de aprendizagem. Desse

modo, os livros constituíram importantes espaços de discussão

e construção de uma cultura escolar com centralidade nas

práticas escritas, utilizando-se destas, como fundamentos de

formação e avaliação.

O texto e o livro percebidos como elementos móveis

atuam de forma intensa no estabelecimento das ideias e dos

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103

discursos. A estratégia organizativa dos conteúdos intenta a

ordenação da leitura, porém, “é também uma fórmula editorial

que dá ao objeto formas próprias” (CHARTIER, 1990, p. 178)

possibilitando assim, a emancipação da leitura em relação aos

intentos editorias. Os elementos tipográficos utilizados

constituem parte da linguagem e mantem uma relação

específica com a decifração. Os materiais impressos

produzidos para o uso escolar habitam o espaço material e

simbólico no qual está situada à escrita e, analisados em suas

especificidades, ampliam o entendimento sobre as

representações elaboradas nesse ambiente e as possíveis

práticas envolvidas no processo da leitura escolarizada.

Apreender a materialidade é, antes, conhecer o

processo de produção, circulação e consumo de

livros, no interior do qual seus elementos, por

exemplo, o tamanho da página, adquire

inteligibilidade. A noção de materialidade, em

suma, remete à materialidade das relações

sociais em que os livros (inclusive didáticos)

estão implicados. (MUNAKATA, 2012, p.

184).

A relação estabelecida entre os livros escolares e seus

leitores comporta uma multiplicidade de perspectivas. Cada

obra utilizou uma estratégia de interlocução que já se

anunciava com a apresentação material dos livros.

Quadro 3 – Organização gráfica Autores SILVA &

CAPELLA

ANDRADE PETRY,

SCHNEIDER E

LENZ

Número de

páginas

130 245 418

Fonte Times New

Roman; tamanho

entre 11 e 12

Variados;

tamanho entre

11 e 12

Datilografada;

tamanho entre 11

e 12

Destaque Caracteres Caracteres Caracteres

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104

maiúsculos. maiúsculos,

negrito

maiúsculos,

negrito, letra

diferente

Imagens 3 3 0

Esquemas

textuais

Formas

geométricas.

Não Formas

geométricas e

gráficos

Exercícios Questionário Trabalhos

práticos

Questões para

debate

Epígrafe Sim Sim Não

Apresentação Não Sim – 2

prefácios

Sim

Instruções de

uso

Não Sim Sim

Sumário Sim (final) Sim (início) Sim (início)

Apêndice Não Sim (3) Sim (2)

Bibliografia Não Sim Sim

Organização

dos conteúdos

8 unidades; 37

subunidades.

9 unidades; 26

capítulos; 52

subcapítulos;

35 subdivisões

de capítulos; 9

divisões das

subdivisões de

capítulos.

10 unidades; 41

capítulos; 48

subcapítulos.

Fonte: Produção da autora, 2015, a partir de ANDRADE, 1978; PETRY;

SCHNEIDER; LENZ, 1972; SILVA; CAPELLA, 1971.

O livro de Silva e Capella apresentou uma materialidade

simplificada, indicativa talvez, de certa pressa na

confecção/impressão. Com 130 páginas, foi aberto com um

suscinto agradecimento e suprimido pela ausência de

apresentação, instruções de uso, apêndices e bibliografia. Em

nenhuma das páginas se encontra impressões coloridas, nem

mesmo nas três imagens que fazem parte dos conteúdos. O

sumário é apresentado no final do livro, organizado em 8

unidades e 37 subunidades, impondo certa ortodoxia ao texto

(CHARTIER, 1990), uma vez que, o sumário no início pode

despertar para a possibilidade de uma leitura aleatória. Um

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105

texto que enfatiza trechos com o uso de letras maiúsculas ou

então alguns esquemas escritos, organizados por formas

geométricas (Figura 4).

Figura 4 – Os destaques no livro de Silva e Capella

Fonte: SILVA; CAPELLA, 1971, p. 30-31.

Os esquemas seguiam uma disposição para facilitar o

ensino pela visualização de mapas conceituais que sistetizavam

o conteúdo. Não foi possível identificar que práticas

pedagógicas eram utilizadas pelos professores a partir desse

tipo de organização material, mas, se vislumbra o método

proposto no qual o conteúdo era apresentado de forma objetiva,

“encaixado” nos esquemas para que os alunos assimilassem e

reproduzissem com maior facilidade. Produzido numa

perspectiva de formalidade, corrobora com a proposta a que se

limita: oferecer de maneira suscinta e didática os conteúdos

comtemplados pela prescrição da lei, não estimulando os

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106

desvios a que o texto está sujeito a partir do momento que é

posto em circulação. Caracterizando uma escrita na qual,

As práticas e usos escolares do escrito

costumam revestir um caráter dirigido,

ordenado e até construtivo. A escola –

entendendo este termo num sentido amplo –

tem uma dupla finalidade dificilmente

conciliável: é o lugar onde se interiorizam os

limites da escrita, os usos correctos e

incorretctos, e onde por sua vez, há que haver

leitores – não ledores – e escritores – não

escreventes nem copistas. (VIÑAO FRAGO,

2001, p. 46).

A materialidade deste livro contém a ambiguidade

simbólica pensada por Viñao Frago, a qual limita e amplia ao

mesmo tempo com a densidade dos conteúdos que obedecem

as imposições da cultura escrita que lhes dá forma e voz. No

capítulo 2 da 1º unidade do livro, nomeado de Homem, Espírito

e Matéria, os autores escreveram sobre as questões da

racionalidade humana e os comportamentos esperados. Ao

afirmar que homens são racionais por possuírem matéria e

espírito, estabelecem as diferenças pelas quais estão

considerando a racionalidade dos homens, comparando-os a

animais. Nessa perspectiva constroem a relação de experiências

que estão vinculadas ao ser matéria e ser espírito.

É importante notar que as necessidades do

homem como matéria, podem ser padronizadas:

-todos os homens podem comer carne;

-todos os homens podem vestir roupa azul.

Tratando-se, porém, do homem como espírito,

ninguém aceitaria que seus sentimentos fossem

padronizados. Você, por exemplo, não aceitaria

que alguém lhe determinasse:

-Não ame, odeie!

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Isto nos leva a uma conclusão: o homem não

quer ser tratado como animal. (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 7).

A prescrição de ensino da disciplina se ampara na base

filosófica cristã, os aspectos que transcendem o mundo

material tem sua regulação nos regimes de

punição/compensação divina, aos quais os seguidores têm

respeito e apreço. Os exemplos construídos pelos autores

chamam a atenção para a possibilidade de padronização

externa e material, em contrapartida, sugere que os impulsos

interiores são livres e, que não é possível resumi-los às amarras

da padronização. No excerto citado não há demarcações,

sublinhados ou negritos que ponham em relevo estes exemplos

dentre os outros que livro trabalha. Na discrição da fluidez dos

textos os autores aprofundam questões limitadas pela economia

da materialidade, mas, ao mesmo tempo, fragilizam os limites

da formação para a homogeneidade, ampliando a elaboração de

olhares e ideias.

Em outro trecho, no capítulo chamado Deveres Cívicos,

os autores tratam do perfil de respeito e responsabilidade

atribuídos os cidadãos cumpridores dos seus deveres. No final

do capítulo, referem-se à relação entre os cidadãos e a pátria.

Assim também a Nação tem problemas.

Normalmente, a sua solução compete à elite

dirigente; no entanto, é inegável que o povo,

através da educação vai adquirindo consciência

cada vez mais profunda da realidade nacional e

as elites dirigentes, não devendo estar

divorciadas do povo, sofrem a influência das

grandes correntes de opinião pública. (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 27).

No item que se dedica a responsabilidade sobre a

solução de problemas nacionais, a argumentação resvala sobre

a ideia de tomada de consciência por parte dos cidadãos e

cobranças ao poder público. São pequenas pistas da formação

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cidadãos críticos e sabedores do seu potencial de pressão sobre

os governos. Sinais da formação de leitores e escritores, em

detrimento dos ledores e copistas. Esses expedientes não

estavam inclusos na proposta de formação cívica prescrita para

a disciplina, pois a intenção recaía sobre a normalização de

conflitos, a dispersão de agrupamentos e o expurgo de ideias

que se aproximassem do comunismo. Nesse sentido percebem-

se os desvios a que está sujeita a escrita nas várias dimensões

de seu estado. “Na medida em que as experiências individuais

são sempre inscritas no interior de modelos e de normas

compartilhadas” (CHARTIER, 1999, p. 91), a leitura e a

própria intencionalidade do autor pode ser desviada pela

fluidez de uma mensagem que ganha autonomia pelas

armadilhas da cultura escrita.

As características de cada um dos três livros

evidenciavam as estratégias de escrita utilizadas pelos autores.

O livro de autoria de Andrade, além de ser mais extenso, com

215 páginas, desenvolveu uma organização extremamente

minuciosa quanto à sistematização dos conteúdos. O sumário

apresentou-se 9 unidades, 26 capítulos, 52 subcapítulos e 9

subdivisões dos subcapítulos, oferecendo informações muito

detalhadas a respeito dos conteúdos que seriam tratados

naquele livro. Cada item a ser localizado no interior do livro

estava o mais específico possível para o direcionamento do

leitor (Figura 5).

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Figura 5 – Sumário geral do livro de Andrade

Fonte: ANDRADE, 1978, p. 10-11.

São interlocuções diferentes, pois, se no livro de Silva e

Capella a procura por uma informação mais específica exigiria

do leitor uma folhear mais atencioso do livro e poderia até

sugerir o interesse por outros itens, já o livro de Andrade

oferecia um diálogo mais objetivo e concentrado na informação

que realmente se desejava encontrar. Estratégias diversas que

ampliavam possibilidades de relações com aqueles conteúdos

organizados pelos textos.

Sendo assim,

Em vez de considerar a evolução da escrita

como um sistema autônomo de sinais, a

perspectiva adotada é a de revelar as

implicações sociais e culturais da entrada no

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110

mundo da escrita19

. (CASTILLO GÓMEZ,

2002, p. 18).

As propostas diferenciadas de apresentação dos

conteúdos nos sumários constituem leituras que permitem

inúmeras produções de sentido diante de conteúdos que,

teoricamente, foram uniformizados pela prescrição da lei. Sem

entrar na análise dos discursos é possível perceber as tensões

que permeiam a escrita e, principalmente, a escrita para uso

escolar. Os sumários tomados como protocolos de leitura e

aprendizado sugerem construções diversas sobre os mesmos

temas e, essa relação extrapola os limites de um uso escolar,

pois vão constituir a formação intelectual dos leitores.

Além de grande especificação na apresentação dos

conteúdos no sumário geral, o livro de Andrade fez uso de

vários elementos gráficos e textuais que organizaram e

direcionaram a leitura. O livro tem epígrafe, dois prefácios,

instruções de uso, três apêndices e bibliografias parciais ao

longo dos conteúdos e geral ao final do livro. O autor utiliza

um recurso não encontrado nos outros livros como estratégia

de síntese pontual sobre a unidade estudada. A nomenclatura

dada também é Sumário, porém, sua localização é ao final de

cada uma das unidades (Figura 6). Na sequência dessa seção do

livro está uma listagem chamada Temas para estudo, com

sugestões de pesquisa e aprofundamento, e os Trabalhos

práticos, compostos de questões de interpretação para o melhor

entendimento sobre os conteúdos da unidade.

19

Tradução livre da autora a partir do original: “en vez de considerar la

evolución de la escritura como si fuera tan sólo um sistema autónomo de

signos, la perspectiva adoptada trata de desvelar las consecuencias sociales y culturales de la entrada en el mundo de lo escrito” (CASTILLO GÓMEZ,

2002, p. 18).

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Figura 6 – Sumário da unidade no livro de Andrade

Fonte: ANDRADE, 1978, p. 126-127.

Todos os elementos podem atuar como produtores de

sentido, uma vez que estão agregados aos discursos propostos

na exposição dos conteúdos. Constituem características que

podem conduzir a relação construída com o leitor e orientar as

formas de aprendizado. As escolhas de organização dos textos

sugerem as práticas, mas, não as definem, pois os usos e

apropriações comportam a fase de menor controle em todo o

processo de aprendizagem.

Da mesma forma o impresso de Petry, Schneider e Lenz,

também faz uso dos mesmos elementos organizativos, com

exceção da epígrafe. Com suas 418 páginas, apresentou um

sumário com 10 unidades, 41 capítulos e 48 subcapítulos.

Oferece um grande volume de conteúdos organizados em

extensos textos, talvez pelo fato de ser direcionado para o

ensino superior, espaço em que a proposta tinha o foco um

pouco mais analítico. O tipo de fonte utilizada é semelhante

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112

aos caracteres produzidos por máquinas de datilografia. Não há

grande variedade nos recursos de grifos ou realce, os mais

utilizados são o negrito para os título e subtítulos e o

sublinhado para informações relevantes.

Como a obra era direcionada ao uso acadêmico no

ensino superior, percebe-se um maior número de elementos

comuns às produções para esse fim. Todos os dados

organizados em quadros e tabelas numerados estão legendados

com título e fonte, comprovando a procedência das

informações. Uma estratégia não presente nos outros livros é o

uso de notas de rodapé. As notas são de caráter explicativo, de

indicações bibliográficas ou das referências utilizadas. Outra

questão é o uso de bibliografias (termo utilizado para as

referências) que, assim como em Andrade, apareciam ao final

de cada unidade. Além dessas, o impresso de Petry, Schneider

e Lenz apresentou ao final das unidades 128 títulos que

serviram como referências gerais para a escrita da obra. Haja

vista que eram três os autores e o volume contém maior

número de páginas, ainda assim, sinaliza uma pesquisa

considerável para a organização deste impresso que leva o

título de Realidade Brasileira: Estudos de Problemas

Brasileiros.

Um ponto de observação para os moldes de ensino dos

conteúdos podem ser os exercícios. Os exercícios compõem o

momento da aprendizagem no qual o protagonismo se desloca

do professor que, em tese, transmite o conhecimento para o

aluno e este vai, em alguma medida, testar se o conteúdo

ministrado foi apreendido da forma esperada, elaborando as

suas respostas às indagações propostas pelos livros nas sessões

de exercícios. Segundo Chervel (1990, p. 204), “o sucesso das

disciplinas depende fundamentalmente da qualidade dos

exercícios aos quais elas podem se prestar”. Dessa forma o

tratamento dispensado a essa parte do conteúdo é a definição

do alcance da meta do ensino.

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113

“Se os conteúdos explícitos constituem o eixo central da

disciplina ensinada, o exercício é a contrapartida quase

indispensável” (CHERVEL, 1990, p. 204). A perspectiva sobre

os exercícios em cada um dos livros se anunciava diversa já

pelo título que a seção recebeu. O livro para o ensino de 1º

grau de Silva e Capella, utilizando o título questionário

explicitava características do ensino mnemônico, no qual as

perguntas devem ser respondidas como uma esperada

reprodução o mais próxima possível do conceito apresentado

nos textos. Esse recurso corrobora com as opções dos autores

em elaborar textos com conceitos mais curtos e objetivos,

talvez pensando na idade dos alunos que iriam manusear o

livro. Diferentemente, os livros de 2º grau e ensino superior

apresentaram possibilidades mais amplas quanto à

interpretação e reelaboração dos conteúdos.

A partir dos títulos trabalhos práticos e questões para

debate os autores Petry, Schneider e Lenz informavam que o

posicionamento dos alunos seria necessários para executar os

exercícios. Não se pode esquecer que as atividades eram

conduzidas pelos professores da disciplina, mas, o tipo de

atividade é indiciário das práticas que podem ter sido geradas a

partir da proposta. É importante frisar que, em qualquer um

dos casos, o que define a prática é o uso que se faz da proposta

e, como esse aspecto não foi foco de estudo neste momento,

considera-se apenas destacar as diferentes abordagens que os

conteúdos receberam para efetivar a fixação dos conteúdos.

Os elementos organizadores dos três livros escolares,

tanto quanto as mensagens, são igualmente relevantes na

relação dos leitores com esses objetos. As interferências

editoriais nessa relação que, por vezes se sobrepõe a relação

entre autor e leitor, delimitam o espaço do diálogo e o

conduzem por meio das estratégias de organização dos textos.

Isso de forma alguma exclui o elo entre o material e o

simbólico. Porém, tanto para o autor quanto para o leitor as

propriedades técnicas ou culturais do livro “permanecem

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114

diferentes, por que eles derivam de modos de percepção, de

hábitos culturais, de técnicas de conhecimento diferentes”

(CHARTIER, 1999, p. 710). Com um grau maior ou menor da

ação dos recursos gráficos, eles constituíram uma parte do

texto que também comunica e que dá forma ao sentido do

escrito.

Os livros estudados nesta pesquisa tiveram seu lugar e

suas interferências na cultura escolar que fornece argumentos

para uma análise em perspectiva comum sem deixar de

observá-los em sua singularidade. Como símbolos da prática

norteadora da vivência escolar – o ensino da escrita, os livros

carregam em si uma grande contribuição neste processo, no

desenvolvimento das práticas, na elaboração dos métodos. São

peças que se articulam com o contexto em que estiveram

inseridas. Tributários e frutos da cultura escrita tem a sua

produção, circulação e apropriação ambientadas nos processos

socioculturais que os absorvem.

Essa forma de comunicação estabelece um vínculo com

as sociedades que a produzem e a utilizam (CASTILLO

GÓMEZ, 2002) e as experiências geradas a partir desse contato

são singularizadas pelos grupos que se apropriam e fazem usos

diversos. Os livros escolares são, assim, produtos de

padronização sujeitos à ação do meio onde circulam que, não

necessariamente permanece restrito à sala de aula, mas as

famílias que manuseiam esses objetos, as bibliotecas que os

hospedam depois do tempo de uso e até outros lugares menos

imaginados. O espaço designado a esses objetos,

aparentemente no âmbito formal da educação, é dilatado pelos

usos que dele são feitos. E essa circulação o faz elemento de

interlocução entre o tempo, os indivíduos e o lugar.

Segundo Certeau (2011, p. 60) “da reunião dos

documentos à redação do livro, a prática histórica é

inteiramente relativa à estrutura da sociedade”. Elaborar uma

pesquisa histórica elegendo como objeto livros escolares

implica na compreensão de que o ambiente que gera uma

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115

demanda produz a materialidade e/ou proporciona a circulação,

está circunscrito ao objeto tanto quanto os discursos dos quais é

portador. E a relação com essas conjunturas e problemáticas é

possível em função do lugar social (CERTEAU, 2011) em que

está configurado. Alocado em dimensões sociais, políticas ou

culturais, o livro escolar estabelece, em diferentes contextos,

formas de existir e de funcionar.

Sendo os livros escolares depositários de prescrições de

ensino, de conduta, de formação, a priori são considerados

suportes de conhecimento. Porém, numa ótica mais deslocada,

não se pode ignorar como foram elaborados, quais escolhas

envolveram sua produção, quais tensões permearam esse

processo. O lugar social em que se inscreve o livro escolar está

igualmente imbricado no percurso, é determinante no momento

da editoração, é fundamental no momento da escrita e da

organização. São elementos que vão desenhando um prospecto

e, como produto final constrói um livro para uso escolar. Todas

as etapas refletem no produto e, estão de alguma forma,

presentes no livro.

O livro Realidade Brasileira: Estudos de Problemas

Brasileiros destinado ao ensino superior foi um impresso

produzido em diálogo direto com a prática docente na

disciplina, pois, já na apresentação os autores esclarecem que

“o texto é fruto de muita pesquisa e de quatro semestres de

experiência didática na cadeira de ‘Realidade Brasileira’, na

UNISINOS” (PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 9), em

São Leopoldo/RS. Além de ter três professores como autores, o

livro apresenta uma elaboração relacionada à prática

desenvolvida por seus autores. É possível pensar que suas 418

páginas tenham muito das aulas de seus autores, as estratégias

de escrita consideradas exitosas, o suprimento das ausências da

bibliografia disponível para a disciplina, enfim, a elaboração da

obra além de atender aos designíos oficiais, também pode ter

procurado atender aos sucessos e deficiências enfrentados por

seus autores em sala.

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116

O grande volume de conteúdos tinha um propósito

ousado, pois, “de acordo com as características acadêmicas da

UNISINOS, a disciplina EPB é concentrada em um semestre,

cm carga de 4 horas/aula semanais” (PETRY; SCHNEIDER;

LENZ, 1972, p.13). No primeiro decênio do governo militar,

muitas questões políticas, econômicas e sociais estavam em

processo de busca de melhoria e, esta disciplina percorria o

mesmo caminho, levando para o ambiente acadêmico algumas

questões selecionadas, com intuito de despertar/construir uma

consciência comum que gerasse soluções e respostas. Os

autores concentraram esforços em reunir no impresso as

questões que consideraram à época problemas brasileiros.

Os tópicos desenvolvidos pelos autores em cada unidade

do livro sinalizavam para algumas das tensões que circulavam

na sociedade brasileira. O histórico de problemas levantados

para figurar na obra traduzia parte dos conflitos percebidos

pelos autores a partir do exercício da docência e de seus

percursos de formação. Não pode ser definida como uma

“escrita engajada”, mas, pode ser lida como uma escolha do

grupo dentre outras possibilidades a serem desenvolvidas.

Importante lembrar que o livro deveria atender às premissas do

Decreto-lei, mas, pensando que foi produzido para circular na

universidade dos seus autores e entre seus pares20

, pode ser

caracterizado como produto de um lugar de práticas

acadêmicas.

O autor Gatti Júnior (2004), em sua pesquisa sobre

livros da disciplina de História nas décadas de 1970 a 1990,

20

O livro utilizado neste estudo foi doação de uma professora, à época de 1º

e 2º graus, que lecionava em uma escola pública e outra confessional em

Florianópolis/SC. Foi recebido pela professora na escola confessional como

material de uso pessoal, fonte de estudo e pesquisa. A UNISINOS é até hoje

uma universidade privada, mantida pela Província dos Jesuítas do Brasil

Meridional, da Companhia de Jesus. Presume-se então que a produção do

impresso de Estudos de Problemas Brasileiros, além de servir ao ensino na

própria universidade, também circulou entre instituições que tivessem

algum tipo de sociabilidade com a mesma.

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117

explica as interfaces da autoria na elaboração das obras.

Relaciona as trajetórias individuais dos autores como espaço

constitutivo dos livros, pois ganham voz nos discursos a partir

do momento que atuam como condicionantes de uma escrita

com um intuito aparentemente único, o ensino de História. As

características específicas de cada produção foram marcadas

pelas negociações entre as ideologias de seus autores, as

estratégias dos editores, o tempo social e as demandas de

mercado. Os três livros que fazem parte desta pesquisa

corroboram as mesmas premissas, identificando-se com as

prescrições e as vivências que os constituíram.

A leitura dos textos de forma precisa estava amparada

pelo olhar contextual que relacionava ideias e práticas. Assim

como infere a historiadora Tânia Regina de Luca (2010, p.

132), a respeito do lugar social da imprensa,

As diferenças na apresentação física e

estruturação do conteúdo não se esgotam em si

mesmas, antes apontam para outras,

relacionadas aos sentidos assumidos pelos

periódicos no momento de sua circulação.

Esse aspecto não pode estar ausente no momento da

análise de livros escolares, os quais também são impregnados

de sentidos dialogando com a materialidade do suporte e com

meio social.

O entendimento sobre o objeto está ligado à circulação

nos grupos. Os sentidos assumidos pelos textos dos livros de

Educação Moral e Cívica encontram significados no tempo e

no espaço de sua produção. A pesquisa, nesse sentido, precisa

construir as pontes entre esses elementos que não tem relação

causal, mas tem uma interdependência. O texto proveniente da

pesquisa histórica “é o lugar do conteúdo sobre a forma”

(CERTEAU, 2011), balizado pelo movimento de reconstrução,

no qual a escrita se faz à base da destruição dos limites da

documentação. É preciso desfazer-se das ideias e conceitos

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118

impostos pelo objeto para vislumbrar novas possibilidades, nas

quais o conhecimento é intrínseco ao meio social que o produz

e por ele é produzido.

3.2 PROFESSORES AUTORES E ESCRITORES

A autoria de livros para uso escolar no Brasil tem uma

trajetória relativamente tardia. No início do século XX, os

autores em geral eram estrangeiros e o que ocorria eram os

trabalhos de tradução (GATTI JR, 2004). Não se pode

desconsiderar que neste tempo a escolarização ainda era

pequena e os níveis de analfabetismo eram altos, portanto, a

demanda para esse tipo de impresso era incipiente. Segundo

Gatti Júnior (2004), até a década de 1960 essa situação não

teve muitas mudanças. Eram autores individuais amigos de

editores, os quais geralmente eram os donos das editoras, uma

produção artesanal que utilizava vocabulários rebuscados,

próximos aos utilizados pela produção científica acadêmica.

Nas décadas de 1960 e 1970 uma nova configuração

gráfica emergiu e modificou o sistema de produção, editoração

e inclusive as relações com os autores. Essa fase foi marcada

pelo aumento de estudantes admitidos nos sistemas escolares,

mudanças nas práticas pedagógicas e também nos materiais

utilizados para o processo de aprendizagem. Os livros para uso

escolar tiveram muita procura e as editoras precisaram

remodelar seus esquemas de produção. Uma mudança

considerada relevante foi a incorporação de uma equipe

editorial que atuaria de forma consistente na organização dos

livros, ampliando o conceito de autoria. As obras não seriam

mais uma produção individual, mas, uma construção

envolvendo vários setores tanto na questão da escrita quanto

gráfica. Os autores dos três livros utilizados nesta pesquisa

pertencem a esse período, onde muitas obras eram

encomendadas e delineadas pelo editor ou financiador. De

forma alguma este aspecto desqualifica as produções, apenas

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contextualiza alguns elementos que podem ser pensados a

partir da nova lógica editorial.

A função de um autor é caracterizar a

existência, a circulação e o funcionamento de

certos discursos dentro da sociedade. [...] A

“função-autor” é o resultado de procedimentos

precisos e complexos, que posicionam a

unidade e a coerência de uma obra (ou conjunto

de obras) em relação à identidade de um sujeito

construído. (CHARTIER, 2012, p 38).

Como a escrita nunca é uma prática desencarnada

(CHARTIER, 1990), é pertinente procurar compreender quem

a fez. Correlacionando com as tendências editoriais, com o

momento político, com o lugar social de onde se fala, ainda

assim a autoria deixa vestígios de suas escolhas, sinaliza suas

intenções e imprime a sua marca ao escrito. O autor é o

elemento que está fora do texto e também o precede

(CHARTIER, 2012, p. 38) e, por isso o seu escrito pereniza o

outro lado de sua existência. Assim como Roger Chartier

(2012) em diálogo com Michel Foucault, a partir da obra de

ficção Borges e eu, discute essas duas instâncias da função-

autor, onde o autor e o indivíduo são distintos, mas intrínsecos,

entende-se que a autoria de livros para uso escolar vivencia

esse deslocamento dos professores autores que fazem

interfaces com elementos como a sociedade, o tempo, a editora,

etc., e constroem sua autoria de forma peculiar. Nesta

perspectiva procurou-se elaborar os itinerários de formação nos

quais se localizaram os autores dos objetos de pesquisa, em

busca de mais vestígios que ajudem a perceber a constituição

dessas escritas, para explorar outras possibilidades dessa

história.

É possível perceber sobre o livro de Silva e Capella, que

seguiu critérios mais lineares de distribuição dos conteúdos,

procurou manter a objetividade na formulação de conceitos,

com frases curtas, e até a própria distribuição gráfica ao longo

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das páginas sugere um caráter sério, sem muitos grifos, sem

cores, apresentando certa formalidade (Figura 7).

Figura 7 – A escrita e o tom da objetividade

Fonte: SILVA; CAPELLA, 1971, p. 18-19.

Observa-se a objetividade com que se constroem os

exercícios, apresentando um modelo típico de questionário

onde as principais indagações são limitadas pela expressão “o

que”. A verificabilidade dos conhecimentos estava associada à

reprodução dos conceitos afirmados no livro e isso deveria ser

feito de forma sintética e concisa. Possivelmente a estratégia

didática levava em conta que o ensino focado em conceitos

mais condensados facilitaria a preensão.

Não se pode somente considerar o gosto pessoal dos

autores, pois, elementos como financiamento da editoração, os

recursos da editora, também são aspectos importantes para a

análise. A partir da análise de sua formação, foi possível

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121

observar os autores do livro para o 1º grau tiveram contato com

formação militar, outra possibilidade é que os moldes adotados

para a obra tinham marcas dessa formação. A escrita contínua,

a pouca utilização de imagens, a ausência de cores ou realces,

expõe a condição simplificada da elaboração do livro. Os

conteúdos escolhidos se restringiram aos itens que

correspondessem às finalidades da disciplina (Anexo 1), com

precisão e objetividade evitaram acréscimos ou manifestações

explícitas das perspectivas pessoais dos autores sobre os

assuntos. Essas características da escrita podem ter relação com

os itinerários de formação dos dois autores, nos quais se

observou transitarem entre os campos militar e educacional.

Jaldyr Bhering Faustino da Silva, nascido no Rio de

Janeiro em 1914, fez os estudos primário e ginasial no Ginásio

Catarinense (nome antigo do Colégio Catarinense de

Florianópolis). Estudou na Escola de Comando do Estado

Maior, foi militar e reformou-se no exército em 1957. Bacharel

em direito pela Universidade Federal do Paraná, foi professor

Catedrático de História do Brasil na Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC). Aposentou-se em 1984, aos 70 anos.

Foi sucessor de Lucas Alexandre Boiteux na Academia

Catarinense de Letras, ocupando a cadeira de número 30, até o

ano de sua morte em 1994. Teve atuação no campo

educacional em Santa Catarina como Secretário Estadual de

Educação na década de 1960. Foi homenageado pela cidade de

São Miguel do Oeste que colocou seu nome em uma de suas

escolas básicas.

Já Ayrton Capella, os documentos examinados até o

término da pesquisa indicaram que teve um percurso

semelhante ao autor anteriormente citado. Estudou no Ginásio

Santa Catarina (hoje Colégio Catarinense) na década de 1930.

Foi coronel do exército, diplomado pela Escola de Comando do

Estado Maior e professor de Estudos de Problemas Brasileiros

também na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

vindo a falecer em março de 2015, em Florianópolis.

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Os dois autores ministraram aulas na disciplina de

Estudos de Problemas Brasileiros na UFSC. Certamente,

ambos eram conhecedores da prescrição oficial que englobava

também a Educação Moral e Cívica, o que aproxima o perfil da

produção de uma encomenda disciplinada, cumpridora do

papel de disseminar o civismo que se pretendia. O livro

proposto para o 1º grau apresentou cinco excertos que trataram

diretamente sobre o civismo e oito sobre cidadania, enquanto

que, o livro para o ensino superior apresentou apenas um

excerto sobre o civismo e dezesseis sobre cidadania. As duas

obras foram escritas balizadas pelas bases filosóficas da

disciplina amparadas na tríade caráter, patriotismo e ação, e

guiadas pelo Decreto-lei nº 869/69, porém, seus autores

enfatizaram pontos dos conteúdos que julgaram serem mais

operatórios para o ensino dos respectivos níveis escolares.

Petry, Schneider e Lenz ao tratarem dos problemas brasileiros,

destacaram mais a cidadania do que o civismo, talvez por

entender que era mais pertinente diante da ementa da disciplina

evidenciar os comportamentos sociais que legitimavam o ser

cidadão.

O livro para o ensino superior diferenciou-se dividindo

as unidades entre os autores, característica não observada na

organização do impresso de Silva e Capella. De certa forma,

conferia-lhes alguma autonomia na escrita, provavelmente

afinada com seus campos de conhecimento. Matias Marinho

Lenz era o coordenador da equipe para a organização do

impresso, porém isso não lhe excluía da divisão para a escrita.

José Odelso Schneider foi o autor que mobilizou em

maior número as questões sobre cidadania nos conteúdos - 11

vezes de um total de 16 ocorrências, nas unidades em que foi

responsável pela escrita. Os temas que lhe foram destinados

eram: Problemas do Desenvolvimento e Subdesenvolvimento,

Realidade Psico-social e Problemas Políticos Brasileiros. Os

tópicos oportunizaram a construção de considerações sobre os

papeis desempenhados na sociedade, os tipos de participação

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política e o usufruto dos direitos assistidos ao cidadão. O uso

de expressões como: “A soberania do povo significa que o

único poder legítimo é o que emana da vontade dos cidadãos”

(PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 251) expunha os

conflitos materializados pela escrita que, impregnada de

subjetividades, motivava análises mais aprofundadas.

As unidades escritas por Schneider foram determinadas

pelo programa da disciplina e incrementadas pelos textos

analíticos, que por vezes alinhavam-se a crítica ao sistema

político e à configuração social. Alguns itens do tópico de

fechamento da Unidade VI, intitulada Problemas Políticos,

nomeado pelo autor Outros Temas de Debate, mostram em

parte o ambiente crítico que era criado.

5- A harmonização da Segurança Individual e

da Segurança Nacional: quais os limites das

garantias constitucionais individuais? Como

assegurar condições propícias para garantir os

direitos fundamentais da pessoa humana,

definidas pela ONU? A Segurança dos direitos

e garantias individuais e a segurança do Estado

não são necessariamente opostos. Podem e

devem ser harmônicos na construção de uma

sociedade brasileira aberta, livre e democrática.

(PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 266).

O item de debate sobre a construção da opinião pública

ponderava,

9- Formação da consciência política e da

opinião pública esclarecida e bem informada:

-o reto uso dos meios de comunicação de

massa, procurando criar uma consciência de

maior responsabilidade social e política entre os

cidadãos;

-liberdade de imprensa: direito e dever a

informar a verdade; coibição dos abusos; é

indispensável para manter um perfeito circuito

de informações entre o Poder Público e os

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cidadãos. (PETRY; SCHNEIDER; LENZ,

1972, p. 267).

Os itens sugeridos para aprofundamento sobre alguns

problemas brasileiros, podem se encaixar nos propósitos da

disciplina se lidos pela perspectiva de justificar as práticas

sociopolíticas do período ditatorial. No entanto, a leitura

também pode ser apropriada pela criticidade aos meios

utilizados pelo governo militar para instituir e manter o sistema

ditatorial. Não se podem afirmar inclinações para a polêmica

ou mesmo para questionamentos contrários à “segurança

nacional”, mas, é possível observar no ensino superior a

proposta de formar acadêmicos com leitura crítica sobre a si e

sobre a sociedade em que estavam inseridos, uma característica

não determinada pela prescrição da disciplina.

A formação e a trajetória profissional do autor sinalizam

para uma perspectiva de escrita oriunda das Ciências Sociais.

Fez bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Faculdade de

Filosofia do Colégio Máximo Cristo Rei - RS em 1970,

graduou-se em Sociologia Política pela Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro em 1966, e em Teologia pela

Pontifícia Faculdade de Teologia Cristo Rei São Leopoldo em

1974. Fez mestrado em Ciências Del Desarrollo pelo Instituto

Latinoamericano de Doctrina y Estudios Sociales em 1970, e

doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade

Gregoriana de Roma em 1990. Atualmente é

professor/pesquisador da Pontifícia Universidade Gregoriana

de Roma e editor da revista Economia Solidária e Ação

Cooperativa - ESAC, da UNISINOS. Suas produções

concentram-se nos seguintes temas: cooperativismo, educação

e desenvolvimento, discriminação, trabalho, educação

cooperativa, teorias sociológicas, sociologia geral, sociologia

do trabalho, sociologia do desenvolvimento e globalização.

Atuou pela oitava vez como professor visitante na Faculdade

de Ciências Sociais da Pontifícia Università Gregoriana -

Roma. Em 2007/2008 lecionou, em italiano, as disciplinas de

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“Educação, cultura e desenvolvimento”, “Planejamento

estratégico”, “Avaliação de Projetos Sociais, cooperação e

sustentabilidade” e “Sociologia do desenvolvimento e

globalização, cooperação e sustentabilidade”21

.

O autor Almiro Petry foi responsável pela escrita das

unidades Realidade Econômica (1), Realidade Econômica (2):

Problemas e Realidade Educacional. Os três títulos que partem

da concepção de uma realidade conferiram autoridade ao autor

para elaborar uma exposição sistemática de dados sobre os

diversos setores do país. Em suas unidades está concentrada a

maioria dos quadros, tabelas e gráficos que ilustram os

conteúdos do impresso. Na unidade Realidade Educacional o

autor constrói um panorama sobre a situação da educação no

país relacionando os dados às políticas públicas e as ações em

prol do ajuste dos sistemas educacionais ás modificações

demográficas, produtivas e mentais pelas quais estava passando

a sociedade brasileira. As análises são igualmente críticas e

apontam com objetividade as fissuras que, a seu ver,

prejudicam o sistema de ensino.

A proliferação das universidades- prestígio,

criam-se faculdades, sem diagnósticos

preliminares, para poder congregar algumas e

fundar uma universidade, instrumento de poder

de políticos locais. Historicamente fomos

levados a isso devido à sociedade escravocrata

e aristocrática que dominou o sistema

educacional brasileiro... As pressões sempre

existiram e sempre continuarão, mas o MEC

não deveria vergar diante de pressões políticas

ou outras. (PETRY; SCHNEIDER; LENZ,

1972, p. 287).

Os jogos de poder que perpassavam as políticas

educacionais foram apontados como entraves ao

21

Informações retiradas do seu Currículo Lattes. Disponível em:

http://lattes.cnpq.br/8503771746335791. Acesso em: 10 out. 2014.

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desenvolvimento de sistemas eficientes e produtivos. O autor

diverge do posicionamento do órgão regulador da educação no

país que cede, possivelmente, aos interesses pontuais. A

unidade se justifica pela finalidade de discutir as problemáticas

contemporâneas daquele momento, mas, transcende ao emitir

os juízos de caráter pessoal, ao posicionar-se quanto à atuação

do MEC, por exemplo. O modo como os conteúdos foram

colocados sugere uma perspectiva interpretativa, na qual há a

possibilidade de construir o conhecimento na interação entre

impresso, alunos e professores. Esse aspecto do impresso

destoa do contexto social referente ao ano de lançamento, em

1972.

O recrudescimento da censura que vinha na esteira de

ações e declarações pelas quais a classe política fortaleceu a

chamada linha dura do regime militar e a atuação da Comissão

do Livro Técnico e Didático do Ministério da Educação e

Cultura indicava uma vigilância sobre as produções para uso

escolar. A UNISINOS era e, é uma instituição privada mantida

pela Província dos Jesuítas do Brasil Meridional, órgão

vinculado à Companhia de Jesus. Há possibilidade de o

impresso, pelo fato de ser produzido e editorado pela própria

universidade, ter sido negligenciado pela censura. E outro

aspecto considerável é que, “por seu poder e influência, a

hierarquia da Igreja foi capaz de oferecer resistência”

(CARVALHO, 2014, p. 169) ao regime, e isso reverberava na

autonomia com que o Decreto-lei seria apropriado pelos

autores.

A escrita de Almiro Petry, também caminha pelo viés

sociológico, pois, graduou-se em Licenciatura em Filosofia, em

Ciências Sociais e em Filosofia Eclesiástica pela Faculdade

Anchieta de São Paulo em 1970. Fez mestrado em Sociologia

Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em

1976, e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do

Vale do Rio dos Sinos em 2006. Atualmente é professor

adjunto II da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e

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suas produções concentram-se principalmente nos seguintes

temas: estrutura fundiária, meio ambiente, ensino público X

ensino privado e modelo de desenvolvimento22

.

Matias Martinho Lenz, além de coordenador do projeto,

foi responsável pela maior parte do impresso. Escreveu a

Introdução, e as unidades nomeadas Problemas Demográficos,

Realidade Científica e Tecnológica, Realidade Religiosa e

Realidade Cultural. A seu respeito, as informações foram

escassas. Pouco foi encontrado sobre sua formação.

Identificou-se um vinculo religioso com a Companhia de Jesus,

onde se tornou padre e membro da Província Brasil

Meridional23

. Algumas notícias esparsas, encontradas no

ambiente virtual, sinalizaram para uma atuação social engajada

e uma militância política que poderia ser percebida na sua

participação em eventos e publicações que discutiam questões

regionais e comunitárias latentes e problemáticas de cunho

político e econômico. Participou de uma Conferência Estadual

em Mato Grosso, no ano de 2004, onde foram discutidos

assuntos relativos à cidadania.24

O documento identificava o

autor como representante do Conselho Nacional de Igrejas

Cristãs (CONIC), formado por igrejas católicas e evangélicas,

que tinha o objetivo de desenvolver ações perante a realidade

brasileira, discutindo a construção da cidadania, os deveres e

direitos dos grupos sociais.

O Boletim informativo do Centro Nacional de Fé e

Política “Dom Helder Câmara” apresentava o nome de Lenz

como colaborador no livro organizado pelo Padre José Ernanne

Pinheiro Resgatar a dignidade política. O autor era

22

Informações retiradas do seu Currículo Lattes. Disponível em:

http://lattes.cnpq.br/3659952482083440. Acesso em: 10 out. 2014. 23

Nomenclatura utilizada na divisão territorial no Brasil para organizar a

atuação dos jesuítas. Disponível em: http://www.jesuita.org.br/jesuitas-

brm/. Acesso em: 10 out. 2014. 24

Disponível em: http://www.mt.gov.br/imprime.php?cid=7359&sid=118 .

Acesso em 10 out. 2014.

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apresentado como Padre jesuíta, Doutor em Ciências Sociais

pela Universidade Gregoriana, em Roma, assessor da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na

“Comissão episcopal do Mutirão para a superação da Miséria e

da Fome”25

. Os indícios apontam que sua atuação na educação

se deu através do trabalho como professor. Sua escrita, no

entanto, aproximava as relações os campos educacional e

social.

As tribos de índios arredios, descobertos ao

longo da Transamazônica tem cultura, como

tem cultura os nossos caboclos do sertão, os

caiçaras do litoral paulista e as populações

faveladas das nossas metrópoles. Civilizar estas

populações, uma meta a perseguir, não equivale

a privá-los de seus valores e tradições culturais,

mas proporcionar-lhes a acesso aos recursos da

ciência e da técnica moderna. [...] Uma cultura

passa a ser civilização quando consegue

resolver, de maneira satisfatória, os principais

problemas de subsistência material e social da

sua população. (PETRY; SCHNEIDER; LENZ,

1972, p. 376).

Acompanhando o viés analítico de Petry e Schneider,

Matias Marinho Lenz expõe o conteúdo referente à unidade

Realidade Cultural de forma ponderada e relativizada.

Aproxima-se da discussão sobre a hegemonia cultural e alerta

para o tratamento aos grupos culturais diversos. Sua

experiência na atuação social e militância política em defesa

dos direitos dos excluídos perpassa sua escrita e dá tom para

tratar dos problemas brasileiros relacionados nas unidades que

produziu. É um exemplo da relação dialética entre a escrita e a

25

Disponível em: http://www.cefep.org.br/ . Acesso em: 10 out. 2014.

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prática que se definem como produtoras e produtos na mesma

proporção.

A formação dos três autores é de certa forma

convergente, porém apresentam especificidades que devem ser

consideradas em relação à sua função-autor. Os itinerários de

formação possibilitam pensar uma atuação de “forma híbrida”

(Campos, 2013, p. 1337) na educação. A pesquisa de Campos

(2013) destaca o trânsito de um intelectual em várias áreas de

conhecimento. Pensando sobre essa perspectiva e considerando

que os itinerários apresentados estão restritos as informações

disponibilizadas ao público, indício que caracteriza uma

construção de si, percebe-se certa medida de hibridismo na

atuação destes autores. A atuação em áreas de conhecimento

que se vinculam facilmente às práticas sociais permitiu aos

autores elaborar diálogos diversificados na obra. Mesmo que

seus itinerários estejam vinculados à educação, o fato de

atuarem sob diversas óticas educacionais – administração,

ensino, pesquisa, autoria, pode ser compreendido como atuação

híbrida dentro do campo educacional. Esse movimento se

inscreve na função-autor, pois, faz parte da complexidade que

perpassa a escrita.

Os três autores do livro de ensino superior tiveram

alguma formação na área das Ciências Sociais e também

contato com instituições confessionais. Seus itinerários

intelectuais e profissionais certamente estão inscritos nas

peculiaridades de suas produções. Pensando com Viñao Frago

(2001, p. 19),

Não há pensamento livre de contexto, flutuando

em estado puro, em abstracto. Neste sentido,

todo o texto é, em simultâneo, texto e contexto;

em si mesmo e nos seus resíduos e vestígios,

nas impregnações e incorporações contextuais

que leva consigo, e nas que incorpora em cada

leitura. O Problema consiste em saber vê-las,

em descobri-las.

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Quanto ao autor do livro para o 2º grau, Benedicto de

Andrade, as informações sobre sua formação foram restritas.

As referências sobre o autor são escassas tanto nas buscas

bibliográficas em estudos sobre a disciplina, em acervos com

documentos do período estudado e mesmo no ambiente virtual.

As informações são provenientes das orelhas do livro escolar

estudado, reproduzidas em outros livros escolares do mesmo

autor. Além de sua patente militar – General Benedicto de

Andrade exerceu o cargo de professor catedrático de

Contabilidade na Academia Militar das Agulhas Negras onde

foi um dos pioneiros da adaptação e aplicação do Sistema

Morrison26

com excelentes resultados. Lecionou a disciplina de

História da Educação no Ginásio e Escola Normal Santa

Ângela e Técnicas Comercias na Escola Técnica do Comércio

Dom Bosco, ambas em Resende, no estado do Rio de Janeiro.

O aspecto peculiar desse autor é a sua produção didática

em diversas áreas de conhecimento. Escreveu para

contabilidade, administração, técnicas comerciais, formação de

cadetes, pedagogia, moral e cívica e talvez outros que não tive

acesso. O autor desempenhou um trânsito intenso entre áreas

nem sempre afins e produziu consideravelmente para o campo

dos livros escolares. Há indícios de que o autor já escrevia na

década de 1940, pois, o livro Cartilha Administrativa- 3ª

edição é de 1949. Os títulos aos quais foi possível acessar, a

maior parte teve número de edição superior à 3ª, percebe-se

então certo êxito na produção bibliográfica deste autor.

A atuação dos autores na elaboração de um livro para

uso escolar atendeu a prescrições, normas e limites, porém,

26

Era um método de ensino criado nos Estados Unidos, em 1926, por Henry

C. Morrison que propunha um currículo que englobasse objetivos nas áreas

cognitivas, afetiva e psicomotora. Com a organização de unidades didáticas

significativamente coesas, o método deveria garantir o domínio sobre o

processo de conhecimento com atividades capazes de expandir a

perspectiva cognitiva (VEIGA, 2006). Disponível em:

https://books.google.com.br . Acesso em: 05 mar. 2015.

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todos se autenticam pela escrita. A particularidade de lidar com

os argumentos projeta cada autor como elemento textual ativo

imerso na obra. Sem desconsiderar a oficialidade do produto,

cada um deles definiu os caminhos a seguir. Com a

objetividade de Silva e Capella ou, com a subjetividade de

Petry, Schneider e Lenz, as finalidades da Educação Moral e

Cívica se efetivavam. Nos limites do Decreto-lei cada autor

produziu sua marca indelével sobre a disciplina, constituindo-

se parte escrita sob forma de autoria.

A elaboração de parte das trajetórias dos autores Silva,

Capella, Petry, Schneider e Lenz indica a autoria de livros

escolares como função eventual em suas carreiras. Inseridos

num período de remodelação da produção editorial no qual se

identifica “um nível de profissionalização cada vez maior”

(GATTI JR, 2004, p. 161), os indícios apontam que esses

autores não tiveram essa função como exclusiva e é possível

considerar de que escreveram para atender a demanda

institucional daquele momento. Outra questão é a possível

descontinuidade na escrita de livros escolares, excetuando-se a

produção de Andrade, não foi encontrado nenhum registro

sobre outras produções didáticas de Petry, Schneider e Lenz,

nem em conjunto, nem individualmente. E, Silva e Capella

tiveram outras duas produções didáticas, uma para a disciplina

de OSPB, intitulada Organização Social e Política do Brasil-

Curso de Civismo (1970), e a outra, Estudos de Problemas

Brasileiros (1972), para o nível superior. Além disso, foi

localizado em acervos pessoais, um único exemplar do livro

História do Brasil- Curso Superior e Professores de Nível

Médio (1967), de autoria individual de Silva.

A escrita como elemento cultural tem uma atuação

dialética a partir do momento que é um registro, um produto e

um marcador social. A escrita dos livros de Educação Moral e

Cívica não configurou protagonismo na carreira dos autores,

mas, esta questão não desqualifica o lugar da produção, haja

vista sua circulação. A esfera educacional em que se situavam

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lhes conferiu legitimidade como autores. Os diálogos múltiplos

estabelecidos com seus leitores foram delineados por

negociações e imposições presentes no processo formativo e a

relação que cada um desenvolveu com sua escrita. A escrita

para uso escolar tem esses efeitos potencializados por estar

inserida num projeto formador. E este é um importante crédito

dos estudos acerca da cultura escrita: não estar preso aos

protocolos e às definições, sempre é possível aproximar-se de

um novo ângulo.

3.3 LIVRO PARA O 1º GRAU: OBJETIVIDADE E SÍNTESE

A leitura extensiva do livro de Silva e Capella dá a ver

as características próprias desta escrita e destes autores. A

apresentação visual discreta visando uma comunicação objetiva

é indiciária de um projeto simplificado que tem função definida

na materialidade que constrói o diálogo. A supressão de

protocolos aliada à economia de recursos gráficos condiciona a

produção de significados, comunicando aos leitores de modo

sintético o que foi prescrito, evitando dualismos e discussões.

As frases curtas e o tom afirmativo estabelecem uma conversa

que não quer ir além do objetivo. Visto que há também as

especificações financeiras, pois, não é possível identificar

como foram mobilizados recursos para a editoração, o

impresso foi identificado com a linearidade de um produto que

visava, sem mais delongas, à transmitir um comunicado,

cumprir uma tarefa.

Muitos dos livros escolares produzidos exibiam nas

primeiras páginas uma cópia do ofício que autorizava a

produção e em alguns casos parabenizava o (s) autor (es) por

seguir tão fielmente os princípios propostos pelo Decreto-lei.

Este não foi o caso do livro de Silva e Capella. Como a obra é

de 1971, quando provavelmente a fiscalização da Comissão

Nacional de Moral e Civismo deveria ser muito atuante,

presume-se que esta obra também deve ter sido plenamente

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aprovada para ser publicada e circular no meio escolar. Além

disso, os dois autores foram integrantes das Forças Armadas, o

que leva a supor que seriam insuspeitos sob a ótica de

segurança pensada para a produção de livros escolares.

O livro estudado foi produzido pela editora Laudes,

situada no Rio de Janeiro, porém há uma anotação na última

página que dá os créditos da impressão à Editora Vozes, de

Petrópolis. Não há indicação do número da edição, mas, sendo

o manual do tipo não consumível - sem espaços definidos para

escrita e interação com o leitor -, é possível que a tiragem não

tenha sido muito numerosa, pois depois de utilizado no ano

letivo poderia ser novamente aproveitado no ano seguinte por

outro aluno.

Figura 8 – Capa do livro de 1º grau

Fonte: SILVA; CAPELLA, 1971.

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134

O formato em que a obra se apresenta é diferente das

produções didáticas mais elaboradas que estavam a surgir com

a transformação do processo editorial emergente na década de

1970 (GATTI JR, 2004). Não dispunha dos recursos gráficos

de imagens e movimento que obras produzidas com fins

didáticos estavam investindo para despertar a atenção dos

alunos leitores. O livro de capa discreta nas cores verde e

branco sugere a sobriedade com que os assuntos serão tratados

em seu interior (Figura 8). A organização do índice, situado no

final das páginas e não no início é um indicativo de que todos

os preceitos indicados pelo Decreto-lei que deveriam ser

tratados pela disciplina foram preocupação destes autores,

nesta obra. A disposição dos assuntos ficou organizada da

seguinte forma:

1ª Unidade – Deus – A Religião – A Moral – O

Civismo;

2ª Unidade – Deveres Morais e Deveres

Cívicos;

3ª Unidade – Nação e Pátria;

4ª Unidade – O Cidadão;

5ª Unidade – As Tradições Brasileiras;

6ª Unidade – Democracia;

7ª Unidade – Os Símbolos Nacionais;

8ª Unidade – O Brasil Através das Biografias

(SILVA; CAPELLA, 1971, p. 129).

Os capítulos estavam organizados para que o estudo

fosse feito de forma ordenada e contínua, iniciando pelas

concepções filosóficas e religiosas que amparavam a disciplina,

seguido de conceitos, identificações e exemplos os quais

seriam úteis à internalização dos conhecimentos propostos.

Abrir o primeiro capítulo falando da importância de

Deus e da religião tinha o intuito de vincular tudo que estava

por ser ensinado naquela leitura, aos ideais cristãos da ética e

da retidão. Isso atendia perfeitamente ao que se apresentava

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logo no segundo artigo do Decreto-lei sobre as finalidades da

disciplina: A defesa do princípio democrático, através da

preservação do espírito religioso, da dignidade

da pessoa humana e do amor à liberdade com

responsabilidade, sob a inspiração de Deus.

(BRASIL, 1969).

A religiosidade constituía um argumento mobilizador

na formação do cidadão. É possível perceber a circulação

destas concepções em suportes de formação docente que

reafirmavam a importância da junção da filosofia cristã ao

processo formativo moral e cívico.

No Brasil, país de formação cristã, vamos

encontrar em todas as constituições, uma

concepção filosófica de linha espiritual

autêntica. Até mesmo a primeira e a terceira

constituição republicana que omitiram o nome

de Deus nos seus preâmbulos, se preocuparam

com uma filosofia cristã. Muitos professores

não perceberam o valor desse pensamento

filosófico e não o aproveitaram com fim

educativo. (Revista Educação e Ensino, 1973,

p. 24).

Os capítulos que seguem elaboravam os conceitos

carregados de simbolismo, alimentando possibilidades de ao

serem internalizados pelos leitores, estabelecerem um elo entre

a vida do indivíduo e a coletividade representada pela pátria, na

qual cada indivíduo deveria oferecer uma contribuição. O

fechamento do livro com a apresentação de breves biografias

de 59 pessoas (Anexo 3) perenizava a exemplaridade a ser

seguida, assunto já tratado no capítulo anterior.

De forma pontual é possível perceber que o índice

abarca o conjunto de saberes fundamentais para que o ensino

da disciplina fosse exitoso. Porém é importante ressaltar que

houve sim uma preocupação por parte dos autores em

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sistematizar os assuntos, mas a preocupação foi menor em

realizar explanações mais ampliadas sobre os itens escolhidos

pelos autores para compor o livro. Analisando que a obra é um

livro de 130 páginas com as dimensões de 13,5 cm X 21 cm e,

que ao longo dos conteúdos são distribuídas seções de

exercícios, algumas unidades tiveram sua quantidade de

páginas bastante economizadas em relação à complexidade dos

assuntos a serem tratados. Por exemplo, a 1ª unidade, intitulada

Deus – A Religião – A Moral – O Civismo ocupou da página 5

a 14 e apresentou 5 sessões de exercícios que continham de 3 a

8 questões. A partir da opção dos autores por abrir a obra com

itens que sugerem um leque variado de abordagens e

possibilidades, é possível pensar que os assuntos tiveram uma

abordagem sintética, com apresentação de conceituação

definida, procurando delimitar a leitura e guiar a forma de

apropriação do leitor. Segundo Chartier (1990), toda leitura

proporciona uma produção de sentidos individual, portanto,

independentemente das prescrições impostas pelo suporte, cada

uma das leituras, em cada circunstância específica, é sempre

singular.

A unidade mais longa do livro é a 8ª, que vai da página

85 até a página 127. Retomando o título desta unidade – O

Brasil Através das Biografias, observando a disposição das

páginas sem nenhuma imagem nesse trecho, percebe-se uma

relevante preocupação em apresentar aos alunos uma vasta lista

de pessoas que tiveram importância (na visão da proposta dos

autores) na configuração do Estado brasileiro.

Uma Nação tem que evoluir dentro de um

conjunto histórico, porque no passado estão

fincadas suas raízes. Desligar-se de suas

tradições significará quebrar o elo de uma

continuidade natural. No entanto, este respeito

à tradição não implica em que fiquemos

parados, olhando para o passado; não vem em

prejuízo da evolução. Temos que viver a

realidade do presente, adaptando-nos às novas

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contingências internas e externas. (CAPELLA;

SILVA, 1971, p. 20).

A apresentação da exemplaridade dos heróis nacionais

era uma fonte de inspiração para envolver-se com questões

importantes, que possibilitassem grandes feitos em favor da

nação. Organizada em 5 subtítulos, a unidade faz referência a

todos os períodos históricos do país, de acordo com a divisão

tradicional da História Política. Os subtítulos são:

8.1 – O Brasil Colônia;

8.2 – Brasil Império;

8.3 – Brasil República;

8.4 – Ciências, Letras e Artes;

8.5 – A Mulher em nossa História (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 130).

Observa-se que o livro dedica grande volume de páginas

ao estudo das biografias que se destacaram na História do

Brasil, numa perspectiva da construção histórica voltada para o

futuro. Foram organizadas breves biografias de 53 homens e 6

mulheres (Anexo 3) por serem consideradas pessoas de grande

importância, principalmente na manutenção do território, na

guarda dos interesses da coroa portuguesa e na consolidação da

república. Foram-lhes atribuídas virtudes cívicas pelas suas

atitudes e considerados heroicos os seus atos.

Olhando para trás, vemos que o caminho foi

áspero e longo. Daqui para o futuro a tarefa é

nossa e, em breve, dos jovens que terão sob sua

guarda o patrimônio legado por nossos

antepassados. (CAPELLA; SILVA, 1971, p.

86).

Ensinar aos alunos como as personalidades conduziram

suas vidas, certamente nomes que estavam em consonância

com a formação do cidadão que se pretendia, pelo seu país, ia

ao encontro dos ideais de progresso pretendidos pelo Estado

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138

naquele momento. Era uma obra para ser utilizada em tempo e

lugar específicos, que articulava estratégias para formar

conceitos e opiniões (CASTILLO GÓMEZ, 2001).

Além dessas particularidades, há outras que o exame da

materialidade do suporte possibilita. Em sua primeira página o

livro traz a indicação das séries para as quais deve ser utilizado.

São elas 1ª e 2ª séries dos ginásios – correspondentes ao sexto e

sétimo anos do fundamental II. Na segunda página o autor

apresenta os agradecimentos a um colega professor e logo

depois já se apresenta a primeira unidade de trabalho. O livro

todo é impresso em letras de mesmo padrão e cor, tendo como

elementos de destaque os esquemas geométricos, os caracteres

maiúsculos, e poucas imagens, também editadas em preto e

branco onde aparecem os símbolos nacionais.

Como os autores professores universitários, da rede de

ensino pública de Santa Catarina, possivelmente trabalharam

na obra para suprir a demanda que se colocava a partir da

obrigatoriedade da disciplina. A ausência de recursos gráficos

mais elaborados pode estar associada à superação desta

demanda. Como anteriormente citado, os autores trabalharam

juntos em outros dois livros também utilizados nos sistemas de

ensino em Florianópolis, na disciplina de Organização Social e

Política Brasileira e de Estudos de Problemas Brasileiros, as

quais também estavam prescritas no Decreto-lei nº 869/69

como saberes a serem ministrados para complementar a

formação proposta pela Educação Moral e Cívica, fato que

pode estar relacionado à necessidade de produção para a área

em Santa Catarina.

Em linhas gerais, o livro conserva uma apresentação

bastante formal, podendo estar relacionada tanto ao padrão

editorial pensado pelos autores como ao orçamento destinado à

produção da obra. O suporte do escrito é sempre uma

possibilidade de pensar a intencionalidade, mais do que isso,

pensar as aproximações entre o autor e sua obra e, esta com

seus leitores. O estudo de Gatti Júnior (2004) é muito

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139

iluminador quando sistematiza a problematização sobre os

livros didáticos e aponta as inúmeras intercorrências que

afetam de alguma forma à produção dos impressos utilizados

na escola. Portanto, independente da intenção ou do uso, o

texto está sempre sujeito a uma instabilidade que ignora a

autoridade do escrito (CHARTIER, 2010). Por vezes o escrito

que insinua ser objetivo, doutrinário, imperativo, estabelece

múltiplas leituras, mesmo que não se tenha decifrado um signo

sequer.

3.4 LIVRO PARA O 2º GRAU: MOSTRA DE AUTORES

O livro de Benedicto de Andrade foi editado e impresso

pela Editora Atlas. O exemplar de 1978 estava na 5ª edição/2ª

tiragem, revisada e aumentada, o que sugere uma circulação

ampliada. Indicado para o uso no 1º e 2º graus, a apresentação

e a escrita tem uma dinâmica diferenciada dos outros dois

livros analisados.

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Figura 9 – Capa do livro de 2º grau

Fonte: ANDRADE, 1978.

A capa do livro apresenta a imagem de um monumento

conhecido como Monumento à Independência27

. Considerada

27

Está localizado às margens do riacho Ipiranga, e foi construído em 1922

para comemorar o centenário da Independência do Brasil. Encontra-se onde

conta-se que D. Pedro I gritou: ‘Independência ou Morte’; proclamando

Brasil livre de Portugal. O monumento é em bronze e granito e foi

idealizado e executado pelo escultor italiano Ettore Ximenes. Para reforçar

ainda mais o significado daquele local como o do nascimento da nação

brasileira, foi instalada uma cripta que funcionaria como Capela Imperial,

construída 1952 para abrigar os restos mortais de D. Pedro I, de sua

primeira esposa, D. Leopoldina, e também de sua segunda esposa, D.

Amélia, todos trasladados de Lisboa O Monumento à Independência

também abriga em seu interior, desde 2001, um espaço de exposições

administrado pela Divisão de Iconografia e Museus do Departamento do

Patrimônio Histórico.. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/patrimonio_histor

ico/adote_obra/index.php?p=4539 . Acesso em: 10 out. 2014.

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um protocolo de leitura, a capa tem como uma de suas funções

exercer sedução sobre o leitor, é um convite à leitura que se

anuncia pelo contato visual. A imagem impressa ostenta o

simbolismo dos grandes atos heroicos e das conquistas do país.

Mesmo sem a identificação do monumento, o cavaleiro com

seu estandarte suscitam imagens medievais de batalhas em

busca do triunfo sobre o inimigo e da glória pela vitória. A

capa sinaliza a perspectiva dos textos organizados para ensinar

e, entre outras coisas, o valor do heroísmo em favor da pátria.

Esse livro lançou mão de elementos textuais

organizativos diversos com o intuito de direcionar a produção

de sentidos. Assim como nas outras obras, as estratégias

gráficas funcionavam como mediadores de leitura e

proporcionavam relações peculiares com os textos. Segundo

Castillo Gómez (2002, p. 20),

seja qual for a perspectiva adotada, se há algo

que distingue a história da cultura escrita em

comparação com outras formas de fazer

história, especialmente em relação à história

cultural, essa é a importância dada à

materialidade dos objetos escritos”28

.

Nessa perspectiva, a análise da estrutura física dos

materiais impressos possibilita o diálogo com as dimensões

subjetiva e simbólica presente nos livros, neste caso, os

escolares. Como já foi apresentados no Quadro nº 2, constavam

epígrafe, 2 prefácios, instruções de uso, sumário, 3 apêndices,

bibliografia e ao final de cada unidade um breve resumo em

tópicos, que o autor nomeou também de Sumário. Foi

elaborado um aparato de elementos delimitadores para

28

Tradução livre da autora, do original: “cualquiera que sea la perspectiva

adoptada, si hay algo que singulariza la historia de la cultura escrita

respecto a otras formas de hacer la historia, en especial respecto a la historia

cultural, eso es la importancia otorgada a la materialidad de los objetos

escritos” (CASTILLO GÓMEZ, 2002, p. 20).

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conduzir a leitura. Mesmo que não fossem todos observados,

um ou outro seriam consultados para guiar o acesso aos

conteúdos. Destaque para o sumário, que foi o mais detalhado

dentre as três obras estudadas.

Quanto à elaboração dos conteúdos, o autor optou por

uma escrita menos formal e mais literária, às vezes até um

tanto poética.

Aquele legislador supremo que estabeleceu as

bases da moral como lei universal, invariável e

necessária, foi também o “Arquiteto do

Universo”.

É perfeita a obra do Criador. Quem olha o céu,

numa noite sem nuvens, tem ocasião de

observar milhares de pontos luminosos que

povoam o espaço. E todos esses pontos

luminosos parecem que estão presos na

abóboda celeste. (ANDRADE, 1978, p. 34).

O mesmo assunto, no livro de Silva e Capella

Tudo que existe no mundo teve um criador. Os

homens, os animais, o céu e a Terra, não

apareceram por acaso. Deus criou o universo e

tudo que nele existe. De todas as coisas criadas

por Deus, o homem é a mais importante,

porque ele é o único ser inteligente. (SILVA;

CAPELLA, 1971, p. 5).

A proposta de Andrade constrói a atenção para a leitura

com outras estratégias. Os conteúdos curriculares eram

abordados de forma contextual, na qual se observa um intenso

diálogo com a história, a literatura e a religiosidade. Ao longo

das páginas, os textos iam tecendo essa conversa sinalizando

uma preocupação com a legitimação do escrito. As questões

sociopolíticas tratadas no livro, em geral eram precedidas por

um histórico que, em alguns casos remetia ao Brasil colonial.

Isso ocorreu, por exemplo, na subunidade Ideais de

brasilidade, na qual o autor remonta ao período das invasões

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francesas para destacar a atuação de colonos e nativos – aos

quais denominava brasileiros – na defesa das terras, lutando ao

lado dos portugueses. O autor utilizava-se do conhecimento

passado sobre o assunto, buscando estabelecer relações com as

questões contemporâneas. Muitos tópicos eram iniciados com o

contexto histórico em que o assunto tratado emergiu (ou

alguma aproximação), para justificar sua importância ou

rechaço perante as práticas individuais e sociais que o livro

propunha.

Uma interessante peculiaridade aparece nas primeiras

páginas onde estão os prefácios à 1ª e 2ª edições. No prefácio à

1ª edição o autor explica

Não pretendemos ser originais, de vez que, para

a elaboração deste compêndio, consultamos

vários livros que julgamos úteis à educação

moral e cívica da juventude, cuja bibliografia

indicamos após cada unidade didática. [...]

Neste compêndio, ao lado de considerações

sobre a matéria, reproduzimos páginas de

educadores, escritores e sociólogos, que visam

a levar os jovens a reflexões para estudos mais

profundos. (ANDRADE, 1978, p. 17).

Ao longo das 245 páginas do livro, Andrade apresenta

38 autores, repetidamente, em inúmeras citações oriundas de

diferentes campos do saber e serviam como exemplos,

complementos ou ilustrações do conteúdo que estava sendo

abordado inscrevendo esta produção didática numa perspectiva

do que hoje poderia se chamar de caráter multidisciplinar.

Algumas produções históricas e literárias foram por vezes

citadas e transcritas para ilustrar os conceitos e ideias expostos

nos conteúdos. Autores como Gilberto Freyre e a obra “Casa

Grande e Senzala”, Monteiro Lobato com “Cidades Mortas”,

José de Alencar com “O Guarani” e Pavel Tigrid com “A

Primavera de Praga” figuraram pelas unidades subsidiando a

escrita de Andrade.

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144

Observando que esta proposta foi explicitada pelo autor

já na 1ª edição do livro, percebe-se a ressignificação da autoria

diante das demandas geradas pela instituição da

obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica. Para além da

leitura teórica de outros autores, Andrade leva integralmente

para o interior do seu texto algumas escolhas. É possível pensar

a tensão inscrita nessa produção a partir da preocupação com a

legislação. O autor apresentou as Diretrizes Básicas para o

ensino de Educação Moral e Cívica, nos cursos de 1º e 2º

graus, e de Estudos de Problemas Brasileiros, nos cursos

superiores (Portaria nº 505, de 22 de agosto de 1977, no

Ministério de Educação e Cultura.), de forma íntegra nas

primeiras páginas do livro. No entanto, em certa medida, a

autoridade de escrita conferida ao autor lhe oportunizou fazer

uma seleção não só dos saberes, mas das áreas de

conhecimento com que lhe pareceu conveniente dialogar. Mais

uma vez são evidenciadas as múltiplas estratégias

desenvolvidas pelos autores para reelaborar a mesma

prescrição.

Eram mobilizados autores que escreviam igualmente

para a área da moral e civismo, a exemplo de Coelho Neto e o

seu “Breviário Cívico”. Outros tinham publicações da

disciplina de OSPB, como Theobaldo de Miranda Santos e

Delgado de Carvalho. Pelas letras de Andrade, nomes que

circulavam nos séculos XIX e primeira metade do século XX

ganharam voz na construção do civismo. Autores estrangeiros

assim como, Arthur Powell Davies, James Mark Baldwin, José

Ingenieros, Ernest Renan, bem como os nacionais Siegfried

Julio Schwantes, Antonio D’Ávila, Djacir Menezes, Ronald de

Carvalho e Antônio de Sampaio Dória compunham a escrita

que recrutava áreas como a teologia, sociologia, psicologia,

pedagogia e outras, sinalizando embasamento aos saberes que

foram elaborados no livro. Alguns excertos exemplificam a

construção desses diálogos.

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145

O sentimento de civismo, latente no homem

moral e, por associação, no homem cívico,

Renan o definiu ‘como têmpera uniforme para

o esforço e homogênea disposição para o

sacrifício. (ANDRADE, 1978, p. 65).

Cada homem, promovendo tudo o que achar

necessário à conservação e desenvolvimento da

sua vida, deve respeitar a mesma esfera de

atividades de seus semelhantes. Daqui nasce a

verdadeira noção de justiça. (A. de Sampaio

Dória – O que o cidadão deve saber)

(ANDRADE, 1978, p. 67).

Quando se atende unicamente à voz do coração,

pátria é o berço; quando prima o interesse

político, pátria é o Estado; quando fala o ideal,

pátria é a humanidade. E, no desenvolvimento

histórico deste sentimento, podemos afirmar

que o berço representa o patriotismo do

passado, a nação o patriotismo do presente, a

humanidade o patriotismo do futuro. (José

Ingenieros - As Forças Morais) (ANDRADE,

1978, p. 125).

Segundo Forquim (1992, p. 38), “toda espécie de

delimitação, quer ela seja material ou simbólica, supõe e induz,

com efeito, relações de poder”. Nesse sentido, se compreende

que a proposta de diálogo confere ao escritor o exercício de

poder que lhe permite oferecer ao leitor somente o que foi

previamente selecionado. A escrita destinada ao ensino dos

saberes escolares está inscrita nessa perspectiva que, mesmo

sob a prescrição homogênea, se expõe a interação de elementos

externos e aleatórios, como a autoria, a edição, o espaço e o

tempo histórico. Forquim (1992) ainda ressalta a ideia de Neil

Keddie afirmando que as disciplinas escolares são o que as

práticas e os usos fazem delas, portanto abordar a disciplina, ou

mesmo o impresso produzido para ela, necessariamente passa

pela leitura das subjetividades.

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A mostra de autores que Andrade promoveu no seu

livro faz pensar sobre questões acerca de legitimidade teórica.

Os diversos campos de conhecimento presentes na escrita

propõem outras interfaces com a moral e do civismo. Os

autores citados provindos de outras áreas, de certa forma,

situavam a disciplina em sintonia com outros saberes e lhe

davam uma aparência interdisciplinar. Não é possível afirmar

que esse fosse o intuito do autor, porém, em relação aos livros

de 1º grau e ensino superior, a grande quantidade de citações

indiretas e literais utilizadas foi uma característica marcante e

peculiar a este autor. Portanto, a perspectiva utilizada pelo

autor não faz uma transgressão explícita, pois, a seleção de

autores e trechos, é provável que atendesse aos limites da

prescrição da disciplina, mas, lhe permitiu alguma autonomia e

diferenciação na estratégia de escrita mobilizada para abordar a

moral e o civismo. Dessa forma o livro mostrou outro tipo de

diálogo/leitura possível sobre os ensinamentos apresentados na

Educação Moral e Cívica.

3.5 LIVRO PARA O ENSINO SUPERIOR: TECNICISMO E

MÉTODO

Na UNISINOS, a disciplina EPB é oferecida no

Ciclo Básico, antes que o aluno ingresse no

Curso Profissional. Esta localização tem a

vantagem de propiciar aos universitários, no

início de seus estudos superiores, uma visão

ampla do Brasil e de seus problemas, o que

poderá tornar mais consciente sua escolha

profissional, e oferecer motivações para o árduo

esforço que o curso superior dele exigirá.

Os problemas, contudo, são analisados em

terminologia própria dos respectivos campos, o

que exigirá um esforço especial de

compreensão por parte dos alunos do básico,

bem como explicações adicionais em sala de

aula. (PETRY, SCHNEIDER, LENZ, 1972, p.

13).

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O excerto retirado da apresentação do livro identifica a

obra como ferramenta na escolha profissional, incentivo a

continuar seus estudos e constituir-se dentro de alguma das

áreas de conhecimento. Alerta-se para o fato da complexidade

dos conteúdos e a mobilização de outros saberes para que o

acadêmico se aproprie dos assuntos tratados na disciplina. Para

tanto, como complemento para ilustrar determinadas

informações o livro apresenta variedade de quadros, tabelas,

gráficos, esquemas (Figuras 10 e 11), numa soma total de 98

utilizações, que permitem a visualização panorâmica dos

conteúdos explicados em extensos textos. O uso recorrente

dessas estratégias gráficas evidenciou as técnicas provindas do

ensino tecnicista funcionando como auxiliares para a apreensão

dos dados e a definição por uma metodologia semelhante à

metodologia científica recorrentemente utilizada na produção

acadêmica atual.

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Figura 10 – Estratégias gráficas

Fonte: PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 174-175.

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Figura 11 – Estratégias gráficas 2

Fonte: PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 178-179.

O livro editado pela Editora da UNISINOS em 1972 e

impresso pela Editora Meridional EMMA, foi produzido até

1993- ano da revogação do Decreto-lei nº 869/69, alcançando

na 11ª edição pela Editora Sulina de Porto Alegre. Não foi

possível identificar se houve alterações relevantes nas questões

quanto a conteúdos ou materialidade. Mas, enquanto a

obrigatoriedade do ensino da disciplina esteve vigente o livro

foi produzido. Pesquisas virtuais indicam que a capa passou

por alterações (Figuras 12, 13,14).

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Figura 12 – Capa do livro de ensino superior

Fonte: PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972.

Figura 13 – Capa da provável 2ª edição

Fonte: http://www.livronauta.com.br/. Acesso em: 14 nov. 2014.

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Figura 14 – Capa da 11ª edição

Fonte:http://www.levyleiloeiro.com.br/. Acesso em: 14 nov. 2014.

A capa da provável 1ª edição do livro de Petry,

Schneider e Lenz apresenta uma aparência um tanto destoante

dos ideais da disciplina de EPB. A cor escolhida, o vermelho,

no período da Ditadura Militar e, até hoje, é portador de fortes

conotações que o associam a bandeira do comunismo. O livro,

em sua apresentação, afirmava estar alinhado às prescrições e

ideologias da disciplina, porém, esse elemento gráfico sugere

um caráter ousado que, possivelmente, passou despercebido

aos órgãos reguladores dos livros que circulavam na época.

Levando em conta o número das edições das imagens

encontradas, é possível pensar aproximações com a evolução

do governo militar e, as tensões sociais que permearam o

período. Partindo de uma capa com cores fortes com um

gráfico ascendente para uma capa com as cores da bandeira

nacional sugerindo tijolos de uma edificação, como se o país

estivesse em fase construção e, os conteúdos seriam os

colaboradores dessa obra. Com alguma distância, a 11ª edição

apresenta uma capa clara com nuances de verde amarelo num

patriotismo estilizado, sugerindo um tempo mais brando.

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Para sistematizar a escrita foi organizada uma equipe de

elaboração do polígrafo29

, conforme consta na assinatura da

apresentação do livro. Os três professores que compunham a

comissão trabalhavam com a disciplina Realidade Brasileira

num período anterior a escrita do livro. O professor Matias

Martinho Lenz era o coordenador da equipe e foi responsável

por 4 unidades do livro, sendo que as outras 6 unidades foram

igualmente divididas entre os outros dois autores. As unidades

seguiam um método organizativo de modo que o assunto a ser

tratado era introduzido com as informações preliminares, os

conceitos pertinentes e o contexto histórico, logo depois uma

abordagem em tópicos de aprofundamento, oferecia glossários

ou apêndices quando o assunto demandava e, por fim, era

reelaborado com questões complementares ou questões para

debate. Cada um dos autores criava seus títulos, mas a

perspectiva sempre acompanhava essa linha de

desenvolvimento.

Nas primeiras páginas, é possível ler a Introdução:

Plano didático da disciplina Estudo de Problemas Brasileiros.

Esta introdução detalha todo o projeto de ensino da disciplina

na UNISINOS, com descrição da disciplina, finalidades,

objetivos, programa, metodologia, avaliação e cronograma.

Todo o programa reafirmava o compromisso com a

normatização e o rigor científico do ensino superior. Com a

carga horária de 4 horas/aula semanais, a projeção de trabalho

era bastante complexa, prevendo atividades múltiplas como

conferências, trabalhos em grupo, pesquisas, com vistas a

enriquecer o ensino dos conteúdos para além das 418 páginas

do livro.

29

Essa nomenclatura possivelmente foi usada em função de o livro abordar

temas diversos alinhados pela perspectiva de serem considerados problemas

brasileiros que, vai ao encontro da definição da palavra que condiz com o

uso no livro: “autor(es) que escreve sobre diversas matérias filosóficas ou

científicas”. Disponível em: http://www.dicio.com.br/poligrafo/ . Acesso

em 05 mai. 2015.

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As unidades compreendiam textos com muitas notas

explicativas que obedeciam a um padrão semelhante aos

trabalhos científicos normatizados pela atual Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Consideravelmente

extensos, os textos agregavam diversas informações que

poderiam auxiliar na aprendizagem dos conteúdos. Recursos

gráficos como tabelas, quadros e gráficos foram muito

utilizados. Ao longo das páginas do livro foram encontradas 8

tabelas, 9 gráficos e 81 quadros. Mesmo sendo a priori

informações complementares, eram destacadas por esses

recursos e tinham sua relevância assinalada, impondo ao leitor

atenção especial aos dados apresentados como condição

importante para efetivar a apreensão do conteúdo. O contato do

leitor com esse tipo de organização textual demandava de

habilidades específicas de leitura. Era preciso empreender uma

leitura analítica, comparar dados, elaborar hipóteses ou

conclusões, uma indicação do nível de complexidade da

proposta.

O tecnicismo recorrente na composição gráfica do livro

dialogava muito com o momento histórico da universidade, que

passava por um período de modernização (MOROSINI, 2011).

Entre outras providências, incorporava técnicas e métodos

provenientes de uma concepção de ensino voltado para o

trabalho, vinculando a lógica educacional à lógica

socioeconômica. Em contra partida, o livro era apresentado

com letras características de uma escrita em máquina

datilográfica, o que não era comum. Isso sugere alguma

limitação editorial e, um descompasso com a modernização da

universidade, mas, também se pode pensar que este expediente

proporcionaria um barateamento dos custos e tornaria a obra de

maior acessibilidade aos alunos.

O livro, assim como os outros dois analisados, não trazia

em suas primeiras páginas nenhum protocolo de autorização de

produção e circulação como algumas obras da disciplina

apresentavam à época. Editado pela própria UNISINOS, uma

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instituição confessional, conferiu aos professores autores a

oportunidade de trabalhar temas divergentes ao poder instituído

pelo governo militar. Apesar de todo o cuidado de produzir um

livro acadêmico que estivesse dentro dos padrões da prescrição

havia a possibilidade de que ocorressem possíveis

transgressões... No subcapítulo intitulado Partidos Políticos:

Organização e Funcionamento, um dos tópicos tratava a

respeito do bipartidarismo que estava vigente naquele

momento em 1972.

Os dois partidos acobertam sob o rótulo das

sublegendas, os velhos grupos partidários. É

um sistema bipartidário artificial e pobre

quanto ao seu conteúdo programático,

constituindo estes aspectos razões muito fortes

para a apatia política do povo brasileiro na

atual conjuntura. (PETRY; SCHNEIDER;

LENZ, 1972, p. 250).

Em outro momento, no capítulo Realidade Cultural,

lia-se a respeito da censura,

A revolta de uma parte da “intelligentsia”

brasileira volta-se contra o clima criado por leis

como a lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967,

chamada Lei da Imprensa e destinada a coibir

os abusos, da liberdade de informação e o

Decreto-lei 1.077, de 26 de janeiro de 1970,

que estabelece a censura prévia de espetáculos

e publicações, com o objetivo de reprimir as

publicações e exteriorizações obscenas. A

Portaria 11-B, de 6.2.70, do Ministério da

Justiça, Alfredo Buzaid, atribuiu aos Delegados

Regionais do Departamento de Polícia Federal

a competência para a “verificação prévia da

existência de material ofensiva à moral e aos

bons costumes”. Austragésilo de Athayde,

Presidente da Academia Brasileira de Letras,

qualificou esta medida “absurda e

contraproducente, por ser medieval”, e por

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sujeitar as obras de arte ao arbítrio de

apreciações subjetivas. Lembrou que a criação

artística sempre exigiu um clima de liberdade.

(PETRY; SCHNEIDER; LENZ, 1972, p. 402).

O excerto sobre o bipartidarismo era de um capítulo

escrito por Schneider, e o sobre a censura à imprensa estava

num capítulo de Lenz. Os assuntos estavam diretamente

relacionados às práticas instituídas a partir do Golpe Civil

Militar de 1964 e, que eram motivos de tensões e resistências

em vários grupos sociais. Carvalho (2014) aponta a Igreja

Católica como referência de resistência ao governo militar no

período, como a UNISINOS era uma entidade ligada a um dos

segmentos católicos – a Companhia de Jesus – é possível que

isso lhe permitisse certo distanciamento dos órgãos de

vigilância governamental, inclusive na questão da produção

didática.

Ambos os autores elaboraram sua escrita sobre os

assuntos que eram muito polêmicos para a época de maneira

que o leitor pudesse construir significados por diversos

caminhos. Da mesma forma que a escrita se insere numa

sociedade ou grupo como um instrumento de poder, a leitura

carrega a dimensão do perigo e da transgressão (CASTILLO

GÓMEZ, 2002). Os usos da escrita não delimitam as formas de

apropriação, uma vez a ideia colocada no papel, a

intencionalidade está sujeita à ação de um contexto sócio

cultural que tem esquemas próprios de compreensão e

elaboração.

Mesmo tratando-se de livro e disciplina pensados para

padronizar comportamentos e homogeneizar ideias, não

significa que as práticas seguiram todas na mesma direção.

Mesmo que reduzidas as reflexões sobre determinados

assuntos, percebe-se o interesse pelo pensar e reelaborar,

práticas que, teoricamente são inerentes à academia. A

peculiaridade neste caso sinaliza para tensões que estavam

presentes nesta escrita e na sua relação com seu tempo.

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Observando que se trata de um livro o qual também não exibia

a autorização do CNMC, mas que, pelo fato de ser uma

produção acadêmica para a academia, supõe-se ter passado por

avaliações prévias, até mesmo por que anuncia a concordância

com a prescrição já em suas primeiras páginas.

Ao final de cada unidade, o autor da mesma listava a

bibliografia consultada para embasar sua escrita. Nas últimas

páginas do livro constam mais 8 páginas de bibliografia geral,

informando uma vasta rede de consulta e aprofundamento

possível para os leitores. Mais do que uma forma de legitimar a

escrita dos conteúdos, mas, a informação de subsídios para que

a formação fosse além do estudo em sala de aula. Mesmo que

os leitores não fizessem as devidas consultas, estavam em

contato com inúmeras referências que poderiam fazer uso,

reforçando a cultura de fundamentação teórica. Diferente em

suas estratégias, o livro de Petry, Schneider e Lenz apresentou

um perfil técnico e metodológico muito vinculado às práticas

entendidas como acadêmicas, demonstrando ser uma produção

com data e público muito bem recortados, sugerindo limites de

uso, e contornos de práticas. Como todo impresso situado

socialmente, independente das múltiplas apropriações, instituiu

sua proposta e perseguiu suas metas, neste caso, o ensino de

Estudo de Problemas Brasileiros.

Os elementos textuais mobilizados pelos autores

ofereceram ao leitor um grande volume de informações para

subsidiar a aprendizagem. Se, de um lado os autores

procuravam evitar a dispersão pelo excesso de conteúdos, por

outro a utilização de recursos como tabelas, gráficos, apêndices

oportunizou aos leitores ampliar as interpretações e (re)

elaborar suas considerações sobre os conteúdos abordados.

Tais expedientes indicam maior investimento em pesquisa e

cuidado com a disponibilização das referências. Na perspectiva

de uma disciplina normativa parece contraditório ampliar o

olhar sobre os problemas brasileiros, mas, como parte do

currículo acadêmico considera-se que o caráter formativo da

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Educação Moral e Cívica, mesmo parecendo tão generalizado,

recebeu outros contornos de ensino de acordo com os

elementos com os quais interagiu. Neste caso o ambiente

acadêmico, os itinerários de formação dos autores e a própria

dinâmica construída sobre a disciplina tiveram importante peso

sobre a elaboração dos saberes no livro de EPB.

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4 ECOS DO 1º ENCONTRO DE PROFESSORES DE

EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

4.1 A REVISTA EDUCAÇÃO E ENSINO DE SANTA

CATARINA

A Revista Educação e Ensino de Santa Catarina era um

periódico direcionado a área da Educação, como o nome

identificava, publicada mensalmente, distribuída em forma de

assinaturas adquiridas antecipadamente. Os documentos

localizados e analisados não permitiram identificar se as

assinaturas eram somente institucionais ou se poderiam atender

ao público individualmente. As informações constantes neste

capítulo foram obtidas a partir do exemplar de janeiro de 1973,

que se encontra depositado no setor de obras raras da

Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina em meio a

outros documentos agrupados sob o tema “Educação”.

A Revista era produzida pela Edicoren que, segundo a

legenda escrita na contracapa significava Edições, Comércio,

Representações e Negócios. A empresa do ramo editorial

estava estabelecida na área central de Florianópolis, na Rua

Felipe Schmidt, na sala nº 6 da Galeria Comasa, local onde se

concentravam, em maioria, estabelecimentos comercias. A

diretoria era composta pelo diretor presidente Dr. J. Luiz

Aguiar, o superintendente Prof. Antônio Alberto Dutra e o

responsável pelo departamento de finanças Dr. Nalton

Venceslau da Costa. As matérias veiculadas pela Revista

possivelmente eram, em parte, provenientes da colaboração de

professores, pois o convite à participação era enfático:

Esta é uma Revista Genuinamente Catarinense,

no interesse dos catarinenses. Professor faça

desta a sua revista de Orientação, informação,

consulta e de transmissão de seus

conhecimentos profissionais.

LEMBRE-SE!!!

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De você depende nosso êxito e nossas

finalidades!

COLABORE! (Revista Educação e Ensino de

Santa Catarina, 1973, p. 3).

O impresso se autodenominava “órgão específico no

Estado”, que se considerava “parte ativa” do ensino em Santa

Catarina e que atuava registrando os acontecimentos “para a

posteridade” (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina,

1973, p. 3). Os assuntos veiculados pela Revista eram

direcionados ao público docente, fato que possibilita algumas

aproximações acerca dos discursos que circulavam e as

representações sobre o ensino e o ser professor (a). Assim

como estavam presentes concepções educacionais do período,

era possível ler um pouco da atuação dos (as) professores (as)

por meio das colaborações escritas que socializavam

conhecimentos, perspectivas e métodos. O periódico

concentrava esforços em abranger vários aspectos da educação,

e,

nesta perspectiva, a imprensa cria um espaço

público através do seu discurso – social e

simbólico – agindo como mediador cultural e

ideológico privilegiado entre o público e o

privado, fixa sentidos, organiza relações e

disciplina conflitos. (BASTOS, 2002, p. 152).

As informações editoriais da Revista não foram

suficientes para observar se a publicação era editada ou

financiada por órgãos governamentais. Não foi encontrada

nenhuma referência à gráfica que imprimiu o periódico, pois,

possivelmente não era produzido no mesmo endereço da

editora que especificava a sala onde funcionava no centro da

cidade. A economia de recursos editoriais sugere uma

produção de menores custos. A apresentação da Revista não

contava com muitos elementos gráficos (Figura 14), sem a

utilização de imagens e cores, compreendendo um

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investimento maior em volume de conteúdos ao longo de suas

28 páginas.

Figura 15 - A capa da Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras

raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

Confeccionada em papel mais espesso do que o das

páginas interiores, a capa da Revista era escrita com letras

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azuis que se destacavam pela fonte e tamanho dos caracteres. O

elemento em destaque, como é possível observar, não é o

título, mas, o nome da editora. Apesar de o tema estar

evidenciado pela expressão “Educação em Santa Catarina –

Expressão Nacional”, o título permanece diminuto acima do

destaque dado à Edicoren, que sinaliza ser o primeiro signo a

ser decodificado pelo leitor, o que pressupõe uma legitimação

da empresa sobrepondo-se ao produto ao qual está se

dedicando.

Internamente era composta por 6 seções organizadas da

seguinte forma:

1 – Recados (espaço reservado para a matéria de destaque na

edição);

2 – Legislação e Ensino (leis, decretos e normativas

transcritas);

3 – Passando a limpo (debates sobre assuntos educacionais

do momento);

4 – Informes (notícias variadas);

5 – Pedagogia (informes sobre regras ortográficas e

gramaticais, significados de palavras, curiosidades da língua

portuguesa);

6 – Vitrine (divulgação de trabalhos, livros, produções

docentes em geral).

A presença da Edicoren na solenidade de encerramento

do 1º Encontro de Professores de Educação Moral e Cívica de

Santa Catarina denota as redes de sociabilidades estabelecidas

pelos integrantes da editora e da Revista junto aos órgãos

públicos e educacionais. Uma fotografia registrou a presença

de J. Luiz Aguiar (diretor presidente da editora) e o Professor

Antônio Alberto Dutra (diretor superintendente da editora) em

conversa com o Professor Nilton Severo da Costa (diretor do

Instituto Estadual de Educação, local do evento). Na

impossibilidade de afirmar relações comerciais entre a

Edicoren e o poder público, intui-se o vínculo social que

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constitui um elemento igualmente relevante para compreender

a produção e a circulação da Revista.

4.2 SEÇÃO RECADO – A MATÉRIA DE DESTAQUE FOI

SOBRE O ENCONTRO

Estivemos lá – vivemos durante cinco dias, o

dia-a-dia dos professores dos mais longínquos

rincões do Estado e do além fronteiras, e,

sentimos que o encontro trouxe benéficos

resultados. Se não conseguisse inculcar nos

jovens professores, uma orientação pedagógica

de base ‘in materiae’– o que não acreditamos -,

trouxe por outro lado o entrelaçamento social-

profissional, o arejamento de ideias, o

alargamento de conceitos, o que por si só já se

justifica. (Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina, 1973, p. 1).

A Revista Educação e Ensino de Santa Catarina

promoveu a cobertura integral de um evento que reuniu

professores (as) de várias localidades do estado, autoridades

institucionais e convidados. A série de matérias produzidas foi

anunciada pelo título Ecos do 1º Encontro de Professores de

Educação Moral e Cívica. Além das notícias específicas do

evento destacadas na seção Recado, as outras seções também

foram organizadas com afinidade ao tema da disciplina. As 28

páginas foram dedicadas a Educação Moral e Cívica e aos

métodos de ensino, legislação, conceitos e finalidades.

O editorial da Revista anunciava que, ao abrir os

trabalhos do ano de 1973 pretendia “gravar para sempre”

(Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 1) os

momentos presenciados pela equipe de reportagem. A edição

especial propôs perenizar os acontecimentos por meio das

imagens e dos relatos. A concepção das verdades absolutas era

muito presente na vivência, instituída pelos sistemas de ensino

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e multiplicada pelos diversos segmentos sociais, inclusive as

mídias escritas.

No período de 15 a 20 de janeiro de 1973 ocorreu em

Florianópolis – capital do estado, o 1º Encontro de Professores

de Educação Moral e Cívica do Estado de Santa Catarina,

uma realização conjunta da Secretaria Estadual de Educação e

o Instituto Estadual de Educação30

. A cerimônia de abertura

ocorreu no Teatro Álvaro de Carvalho31

, situado na área central

da cidade, pontualmente as 09h00min, com cerca de 200

pessoas presentes. Entre os presentes estavam autoridades do

município e estado (Figura 15), como o governador Colombo

Machado de Salles, o Secretário de Educação de Santa Catarina

Professor Carlos Augusto Caminha, o Diretor do Instituto

Estadual de Educação e coordenador do evento Professor

Nilton Severo da Costa, o Secretário de Educação de Goiás

Professor Hélio Umbelino Lobo, bem como técnicos da mesma

30

O Instituto Estadual de Santa Catarina desde a década de 1960 constituiu-

se como órgão descentralizado da Secretaria Estadual de Educação,

subordinado diretamente ao governador do estado. Essa condição conferia à

instituição autonomia financeira, administrativa e inclusive didático-

pedagógica, o que oportunizava assumir um papel de vanguarda no ensino

tornando-se instituição de referência para outros estabelecimentos escolares

que o visitavam para conhecer os currículos, programas de ensino, métodos

que estavam a ser empregados (VIEIRA, 2014). Haja vista o ambiente

mostrava-se propício à novos experimentos educacionais, o Instituto

Estadual de Educação organizou e sediou o Encontro, que representou um

espaço (in) formativo para debater o ensino de Educação Moral e Cívica,

solidificar as bases e socializar as práticas. 31

Na década de 1970 era um espaço de destaque na cidade que recebia

espetáculos teatrais, projeções cinematográficas e solenidades oficiais.

Inaugurado no século XIX, permanece ainda na mesma localização, o

Teatro Álvaro de Carvalho está situado a leste da Praça XV de Novembro,

compondo o denominado Centro Histórico da cidade de Florianópolis, que é

representado pela Praça XV de Novembro e ruas adjacentes (GODOIS,

2011). A escolha desse ambiente para a realização da cerimônia de abertura

do Encontro e a presença de autoridades estaduais e nacionais pode ser lido

como um alinhamento de ideias entre o IEE e o Estado no que tange à

proposta e ao ensino da Educação Moral e Cívica.

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secretaria e titulares e representantes de outras pastas da

organização do estado de Santa Catarina.

Figura 16 – Autoridades na cerimônia de abertura do Encontro

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras

raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

O evento reuniu professores (as) do estado de Santa

Catarina com o intuito de promover estudos em torno da

disciplina de Educação Moral e Cívica, as adequações à

prescrição oficial, a assimilação dos princípios da disciplina e

socializar os trabalhos pedagógicos empreendidos pelos

docentes em suas instituições. O periódico calculou a presença

de cerca de 200 pessoas na abertura, mas, não dá precisão

quanto ao número efetivo de participantes, até mesmo por que

se observaram a presença de autoridades e outras

personalidades que possivelmente não estariam presentes

durantes todas as atividades do evento e também há

possibilidade de que nem todos compareceram à cerimônia. As

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imagens produzidas pelo fotógrafo da Revista (Figuras 16 e

17), na cerimônia, mostram uma parte dos participantes.

Figura 17 – Participantes do Encontro na cerimônia de abertura

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras

raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

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Figura 18 – O momento do Hino Nacional

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras

raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

As imagens parecem mostrar o mesmo ângulo do

Teatro, portanto, dão a ver uma parte do todo. O público é

composto por homens e mulheres, destacando a maior presença

feminina na figura 16. No momento da execução do Hino

Nacional (Figura 17), prática recorrente em cerimônias de

abertura, é possível observar comportamentos diversos.

Algumas pessoas mantem sua boca fechada enquanto

percebem-se outras em movimento de fala, ou canto, nesse

caso. Numa prática que se entende ser em coro, em tese, todos

deveriam ter movimentos de fala ao mesmo tempo. Na

primeira fila, uma mulher se posta com as mãos para trás do

corpo, o que não corresponde ao perfilhamento para cantar o

Hino – com braços e mãos esticados, ao lado do corpo,

segundo práticas disseminadas pelos órgãos militares. Na

minúcia do contexto surgem elementos que desconstroem o

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senso da hegemonia que pairava sobre o momento histórico,

pressupondo atitudes e internalizações diversas quanto aos

cerimoniais cívicos.

Além da cobertura da Revista Educação e Ensino de

Santa Catarina, o evento também foi veiculado pelo jornal

diário O Estado (Figura 18). Referindo-se ao evento como “o

conclave”, o periódico noticiou nos dias 16/01/1973,

19/01/1973 e 21/01/1973, em espaço gráfico privilegiado,

detalhes sobre a organização, os participantes, os temas

tratados e inclusive promoveu uma mesa redonda sobre a

Educação Moral e Cívica entre conferencistas convidados para

o Encontro, com posterior reportagem escrita. A mídia

impressa de ampla circulação de Santa Catarina (BUDDE,

2013) dedicou à terceira página de três edições do jornal, ou

seja, assim que o leitor visualizava a capa do jornal, na

sequência estavam as matérias que informavam a sociedade

consumidora do periódico sobre as discussões empreendidas

acerca da disciplina. O jornal entendido como elemento (in)

formativo (CAMPOS, 2012) promoveu o evento levando aos

seus leitores os acontecimentos considerados principais dos

cinco dias de trabalho. A Revista e O Estado compartilharam

imagens capturadas no evento pelo repórter fotográfico da

Revista, Carlos Alberto Vieira, demonstrando o intercâmbio e

socialização das informações.

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Figura 19 – Jornal O Estado divulga o Encontro

Fonte: Jornal O Estado, jan. 1973. Acervo da Biblioteca Pública do Estado

de Santa Catarina.

A produção de material escrito sobre o Encontro não foi

limitada aos leitores interessados especificamente pelas

notícias sobre a educação. As discussões geradas a partir da

teoria e da prática da moral e do civismo eram assuntos

relevantes na legitimação da construção social do período dos

governos militares. A divulgação das questões tratadas pela

disciplina transcendia o ambiente da escolarização e promovia

o debate em espaços diversos de circulação do jornal,

funcionando como elemento formativo para a população assim

como as comemorações cívicas ocorridas nas comunidades do

entorno escolar desde o início da República (TEIVE, 2009).

Percebe-se que o assunto era do interesse dos grupos sociais

empenhados em estabelecer outros padrões culturais e por isso

tinha espaço numa mídia escrita importante como o jornal O

Estado (BUDDE, 2013).

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A circulação de jornais diários constitui um importante

instrumento disseminador de ideias. O suporte que agrega

assuntos de variados segmentos estabelece um diálogo amplo

onde o leitor tem a autonomia de selecionar somente as leituras

que mais lhe interessam, mas também dispõe de um volume

considerável de informações que proporcionam um panorama

sobre seu tempo e espaço. Segundo Campos (2012),

juntamente com outras instituições – escola, família, etc., a

imprensa configura um instrumento que educa a sociedade

onde valores são realimentados ou criados.

4.3 AS DISCUSSÕES DO ENCONTRO DE PROFESSORES

Na Revista Educação e Ensino de Santa Catarina

foram registradas as impressões de algumas pessoas sobre o

evento. Importante lembrar que esta tinha o intuito de escrever

“para a posteridade”, portanto, as falas, opiniões e críticas

sofriam o filtro da edição, assegurando uma perspectiva

positiva da situação. Quando questionada sobre os temas

apresentados no encontro que eram considerados de maior

relevância, a Professora Dilza Délia Dutra, da Universidade

Federal de Santa Catarina e do Instituto Estadual de Educação,

destacou alguns pontos:

Desumanização tecnicista, face aos valores

eternos do homem;

O papel das universidades e das elites;

Apresentação do projeto do programa da

matéria para o Estado de Santa Catarina;

Debate sobre o projeto e produção das

considerações feitas pelo plenário;

A Grande Opção Brasileira consubstanciada na

Educação Moral e Cívica;

Filosofias e ideologias políticas;

Tóxicos e entorpecentes;

Análise da situação socioeconômica do Brasil.

(Revista Educação e Ensino de Santa Catarina,

1973, p. 6).

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Observam-se temas de ordem genérica a respeito dos

desafios da escola e temas específicos sobre o ensino de

Educação Moral e Cívica. Seguramente todos os temas

convergem para o processo formativo dos alunos, mas percebe-

se a visão ampliada sobre a situação da educação. Assim como

eram preocupações latentes as situações atribuídas diretamente

aos alunos como a falta de valores ou os tóxicos e

entorpecentes, também compunham a pauta as questões

externas ao espaço escolar, que, certamente, atuavam nas

definições administrativa ou ideológica. Discutir aspectos

políticos e econômicos sob a ótica institucional, em certa

medida, constitui os jogos de poder que configuram as escolas

e os sistemas de ensino. As tensões dessa dimensão do

processo educacional poderiam ser minimizadas se amparadas

pela base comum da moral e do civismo.

A primeira palestra foi dada pelo General Moacir de

Araújo Lopes com o tema “A grande opção brasileira

consubstanciada na Educação Moral e Cívica”. O palestrante

proferiu seu discurso e logo após os grupos de trabalho

elaboraram questões que seriam respondidas pelo mesmo. No

segundo dia o representante da Comissão Nacional de Moral e

Civismo Dr. Aloysio Rodrigues Henriques palestrou sobre

“Filosofias e ideologias políticas” e, no período noturno o

Professor Jaldyr Bhering Faustino da Silva, autor de um dos

livros escolares que é objeto deste estudo, abordou o Decreto-

lei nº 869/69. Os assuntos eram expostos pelos convidados e os

participantes tinham oportunidade de elaborar uma

representação na coletividade através de trabalhos em grupos.

De forma alguma essa estratégia formativa eliminava a

sensibilidade criada individualmente, mas, privilegiava o

espaço e o tempo como construtor de um senso comum aos

participantes.

Fazendo suas considerações sobre a relevância do

Encontro, a importância da educação e, principalmente, da

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formação em nível superior, os redatores da Revista

escreveram sobre o ensino universitário:

A universidade deve ser elite não de dinheiro

ou de sangue mas, de inteligência e moral. A

fortuna humana é o saber. O selo da legítima

fabricação humana é a moral. Cabe à

Universidade promover os valores; a Educação

aprimora, não cria. A ignorância, sim, iguala,

ao passo que a inteligência é fator diferencial.

(Revista Educação e Ensino de Santa Catarina,

1973, p. 6).

As frases fazem referência a um dos temas discutidos

no evento. O espaço acadêmico era concebido como o lugar

onde se solidificavam as culturas que deveriam predominar na

sociedade. A reforma universitária de 1968 deu novos

contornos aos objetivos da formação superior que passou a se

caracterizar

pela busca da formação da força de trabalho de

nível universitário com vistas a, de um lado,

atender o capital monopolista e, por outro lado,

aplacar os anseios de mobilidade social das

camadas médias. (MOROSI, 2011, p. 313).

De toda forma, fosse pelos cargos ocupados pelos

egressos ou pelo reconhecimento social, a universidade

preservava o ícone de distinção social designado aos seus

frequentadores. Assim, tida como instituição que preparava os

grupos que estariam à frente de cargos administrativos e

políticos, a universidade formava os quadros detentores do

conhecimento, consequentemente do poder sobre os grupos

externos a esse ambiente.

Entre os temas do Encontro estava a apresentação do

projeto do programa para a disciplina no estado e, uma questão

interessante foram os debates acompanhados de considerações

dos participantes, fato que sugeria uma interação entre a

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Secretaria da Educação e os educadores. Compreendendo que a

redação final do programa seria de cunho oficial, sinalizava-se

um diálogo estabelecido em torno das propostas de ensino. Não

foi possível identificar se a Professora Dilza Délia Dutra

exercia algum cargo junto à administração pública, mas

ressalta-se que o tema foi apontado como relevante por uma

docente demonstrando a valorização do método de construção

do programa.

O Diretor do Instituto Estadual de Educação Professor

Nilton Severo da Costa explicou à Revista como aconteceu o

Encontro:

Os trabalhos realizaram-se dentro de um clima

de interesse, onde cada um dos participantes

opinava a favor ou contra posições tomadas,

consequentemente apresentando sugestões para

possíveis reformulações, levando também em

conta o conteúdo das respostas. (Revista

Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p.

9).

A dinâmica de trabalho consistiu na formação de

grupos para construir as considerações a serem partilhadas com

o grande grupo. Foram organizados 10 grupos de 20

professores (as) orientados por um monitor. Os grupos

recebiam seus temas e tarefas previamente, debatiam, trocavam

experiências e sintetizavam considerações. Os grupos

considerados com melhor desempenho – não foram

identificados os critérios de escolha, recebiam destaque e

honrarias. A Revista atribuiu a iniciativa de promover o evento

ao Professor Nilton Severo da Costa, que contou com uma

equipe técnica da Secretaria da Educação de Goiás para

auxiliar na organização e execução do Encontro, pois o 1º

Encontro Nacional havia acontecido anteriormente em Goiás.

O Professor Nilton caracterizou os objetivos do evento:

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Objetivo geral do Encontro:

- Realizar estudos interpretativos e normativos

do Decreto 869 e da Lei nº 5692, para efetivar

uma programação por série e nível de estudos.

Especificações:

- Estabelecer o entrosamento e o intercâmbio

entre os Professores de Educação Moral e

Cívica;

- Colocar as bases filosófico-constitucionais da

Educação Moral e Cívica;

- Levar os Professores à conscientização em

torno dos princípios que regem o ensino de

Moral e Civismo;

- Analisar os aspectos didático-pedagógicos da

Educação Moral e Cívica;

- Estudar a Educação Moral e Cívica em face à

Lei 5692 de 11 de agosto de 1971;

- A criação da Coordenação de Educação Moral

e Cívica (COMOCI) no estado;

- Analisar as normas relativas a implantação

dos Centro Cívico Escolares, bem como suas

atribuições. (Revista Educação e Ensino de

Santa Catarina, 1973, p. 9).

Os objetivos do Encontro relacionados pelo Professor

Nilton apresentavam como principal foco a elaboração de um

plano de ensino seriado para servir de base às diversas

instituições. O desejo de homogeneizar o ensino da Educação

Moral e Cívica vinha da preocupação sobre as possíveis

apropriações nas várias dimensões do sistema educacional. O

Decreto-lei nº 869/69 instituía a obrigatoriedade e o Decreto nº

68065/71 regulamentava o ensino da disciplina, porém ambos

determinavam aos Conselhos Estaduais de Educação as

questões de formação de professores (as), organização de

horários, escolha de materiais, dessa forma abrindo precedentes

quanto ao ensino mesmo que a base filosófica fosse comum.

Segundo o Professor Nilton “o processo educativo utilizado na

orientação da disciplina apresenta-se falho senão de todo, mas

em muitas partes” (O Estado, 1973, p. 3). A reunião de

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professores (as) que já ministravam a disciplina além de

fortificar as bases de ensino, poderia identificar desvios quanto

aos métodos e aos discursos que na prática circulavam nas

escolas.

É possível que os participantes do evento estivessem

conscientes das expectativas da Secretaria de Educação quanto

à atuação dos docentes no estado, porém, os trabalhos

desenvolvidos nos grupos, os relatos tidos como informais

também estavam sujeitos à observação, já que cada grupo

contava com um monitor durante os trabalhos. Amalgamar o

grupo nas finalidades da disciplina e promover a formação era

atribuição dos Conselhos Estaduais de Educação e sob essa

perspectiva se constituíram os objetivos do Encontro.

Paralelo ao Encontro, o jornal O Estado promoveu uma

mesa redonda (Figura 19) com os professores Nilton Severo da

Costa representando Santa Catarina, Moacyr Caetano

Empinotti, representante da Comissão Nacional de Moral e

Civismo do Rio Grande do Sul e Roberto da Silva Maia,

presidente da Coordenação Estadual de Moral e Civismo de

Goiás (COMOCI), na qual fizeram suas considerações sobre a

situação do ensino da disciplina e as perspectivas futuras.

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Figura 20 – Mesa redonda promovida pelo Jornal O Estado

Fonte: Jornal O Estado, jan. 1973. Acervo da Biblioteca Pública do Estado

de Santa Catarina.

Os convidados foram abordados sobre as fragilidades

no ensino da Educação Moral e Cívica, os problemas na

assimilação dos princípios por parte dos (as) professores (as), a

defasagem na formação docente e a complexidade da

disciplina. Sobre as finalidades, o professor Empinotti

considerou,

Infelizmente a matéria foi deturpada. Era

considerada inútil e depois passou a ser

encarada única e exclusivamente, como uma

questão de segurança. Hoje, essa fase está

superada. O estudante universitário, de modo

particular, demonstra perceber a importância da

EMC. A maioria concorda que a disciplina não

reflete o pensamento de um determinado

Governo com vistas a uma determinada

segurança. Nós só podemos louvar a atitude do

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Governo revolucionário, que ao estabelecer a

disciplina nos currículos das escolas, o fez não

por uma questão de segurança nacional, mas

sim por imposição natural para o

prosseguimento da nossa cultura. (O Estado,

1973, p. 3).

Havia um esforço em instituir a Educação Moral e

Cívica como um campo de conhecimento naturalizado,

estabelecido nos currículos como um saber fundamental e

evidente. A constituição dos conteúdos, a elaboração dos

programas era pensada como instrumento formativo essencial a

constituição do processo civilizacional escolarizado. As

conferências, palestras e debates que nortearam os assuntos

tratados no Encontro aludiam ao caráter normalizador da

disciplina, que era constituída como deveria ser, para o bom

desenvolvimento da sociedade. A representação social da

disciplina se dava pela via da necessidade de unificação diante

dos percalços políticos e sociais que assolavam outros países,

como por exemplos os seguidores de doutrinas socialistas ou

comunistas.

4.4 O PERFIL DO (A) PROFESSOR (A) DE EDUCAÇÃO

MORAL E CÍVICA

Aparentemente Educação Moral e Cívica é uma

disciplina fácil, na realidade, se observa que

torna-se difícil e complexa, exigindo do

professor uma formação e uma técnica toda

próprias de que tem o magistério por uma

verdadeira vocação. [...] Entendo que o

professor dessa disciplina, como deve ser todo

mestre, é acima de tudo responsável pela

formação sadia dos membros da sua

comunidade. (Revista Educação e Ensino de

Santa Catarina, 1973, p. 26).

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A instituição da obrigatoriedade da Educação Moral e

Cívica criou uma demanda docente para ministrar a disciplina.

O Decreto-lei nº 869/69 colocava que a formação de

professores (as) se daria no nível universitário e no curso

normal, para os professores do ensino primário. Até que se

adquirisse número compatível com a necessidade das escolas,

os professores (as) seriam habilitados por um “exame de

suficiência” e, enquanto este não fosse concluído as

responsabilidades sobre o ensino da disciplina ficariam a cargo

do diretor da escola. Sob nenhuma circunstância o ensino

poderia ser negligenciado.

Essa situação, além de mobilizar recursos para efetivar

a formação, desenhou um perfil de docente que representava a

importância da disciplina. Os conhecimentos técnico e

científico por si não traduziam a deferência ao ensino. O (a)

professor (a) precisava transparecer as premissas da disciplina

em suas atitudes e suas vivências, deveria representar a moral e

o civismo. O Parecer do Conselho Federal de Educação abria o

item nº 4 do texto com a seguinte comparação:

O que, no Antigo Testamento, no livro dos

Salmos, o salmista diz a Deus, num gesto de

abandono e de confiança: “Nas tuas mãos está a

minha sorte”, a Educação Moral e Cívica dizer

àquele que vai ensiná-la. A identificação e a

transferência que os alunos de todas as séries e

todos os níveis de ensino, guardadas as

proporções, infalivelmente, operam entre os

fatores “disciplina-professor”, desempenham

um papel de importância decisiva no caso da

Educação Moral e Cívica. (Parecer nº 94/71 de

04/02/1971 do CFE).

Ou seja, o (a) professor (a) de Educação Moral e Cívica

seria responsável por manipular a “sorte” do aluno sob os seus

ensinamentos, o orgulho do acerto e o ônus do erro estavam

sob sua maestria. O Decreto-lei nº 869/69 e o Decreto 68065

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forneciam os termos de formação relativos às condições e ao

currículo mínimo, e o CFE explicava o perfil entendido como

adequado aos docentes. A postura e a retidão de caráter eram

requisitos implícitos ao “exame de suficiência”. As exigências

dirigidas ao comportamento do (a) profissional salientavam-se

sobre o domínio científico dos saberes. O CFE, em seu parecer

que data de dois anos após a implantação da obrigatoriedade,

aponta, inclusive, as intercorrências de entregar a disciplina a

professores (as) que não atendiam os pré-requisitos.

Juntamente com ecos positivos, tem chegado ao

Conselho Federal de Educação, rumores de

reações negativas, que geram sérias apreensões.

As causas deste insucesso parcial, que há de ser

superado, deverão ser procuradas, em primeiro

lugar, pelos responsáveis pela direção dos

estabelecimentos de ensino. O despreparo de

muitos professores, convocados de inopino, e a

improvisação ocorrente em tais circunstâncias

explicarão grande parte do problema

emergente. (Parecer nº 94/71 de 04/02/1971 do

CFE).

O êxito do ensino da Educação Moral e Cívica estava

designado às instituições e em última instância aos professores

(as). As transformações sociais pretendidas pela formação

moral e cívica estavam entregues aos educadores que deveriam

se comprometer com essa responsabilidade. Na mesa redonda

promovida pelo jornal O Estado os convidados

foram unânimes em afirmar que a

improvisação, a má orientação e o despreparo

dos encarregados de lecionar a matéria, são as

causas do insucesso que se arrasta pelos anos.

(O Estado, 1973, p. 3).

Aos professores (as) era atribuído o peso da formação

da sociedade para o país democrático dentro dos limites

ditatoriais. Essa adequação dos cidadãos em maior ou menor

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proporção estava entregue à responsabilidade formativa dos

docentes de Educação Moral e Cívica. Sobre a deficiência na

formação de docentes para a disciplina, os convidados

afirmaram:

Moacyr Empinotti – Acredito que o ensino mal

orientado é fatal a orientação das gerações,

trazendo consequências desastrosas à ordem, à

paz e à segurança de qualquer País.

Nilton Severo – Entendo que a problemática

maior da disciplina é a falta de professores.

Roberto Maia – Temos, por exemplo,

advogados exercendo o cargo de professor de

EMC. Talvez seja justo, mas pergunto: qual a

formação didático-pedagógica que um

advogado tem para ensinar Educação Moral e

Cívica? E os aposentados, requisitados para

ingressar nos quadros de professores da

disciplina? EMC exige flexibilidade de

raciocínio, atualização. (O Estado, 1973, p. 3).

Acreditava-se ser a atuação dos (as) professores (as)

determinante nas transformações social, cultural, mental, e era

diretamente vinculada ao ensino “bem feito” da disciplina. A

formação docente pretendia incutir as bases filosóficas para

que os (as) professores (as) fizessem o mesmo com seus

educandos. Buscava-se um ensino homogêneo com uma

apropriação limitada, conduzida pelo (a) mestre (a). Era

preocupante, naquele momento, a parcela da juventude que

estava mobilizada por questões políticas e sociais. Em seu

estudo, Braghini (2010) aborda os discursos construídos pela

Revista da Editora do Brasil sobre a juventude agremiada em

organizações de resistência ao sistema ditatorial. Eram grupos

que “desalinharam as relações de hierarquia – profissional,

geracional – e tornaram-se insubordinados diante das

autoridades constituídas” (BRAGHINI, 2010, p. 137), portanto,

exemplos a serem repudiados para que não se disseminassem

ideias subversivas. As instituições e os docentes foram

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imbuídos de edificar bases para que esse tipo de

comportamento não se proliferasse. O controle sobre as

condutas estava depositado na Educação Moral e Cívica.

Na seção intitulada Vitrine eram veiculados trabalhos

técnicos, didáticos, históricos, livros e publicações diversas de

docentes do estado catarinense ou pessoas que desejassem

contribuir com o periódico. Nesse número constava o texto do

Professor Selço de Mattos, auxiliar de ensino no departamento

do Conselho de Entidades de Base (CEB) da UFSC no que diz

respeito às geociências e catedrático de estudos da

problemática brasileira. Sobre a atuação docente o Professor

explica,

Acredito que está no primeiro grau a grande

responsabilidade do mestre na formação do

futuro cidadão. Pude observar na minha vida

profissional, iniciada como professor de curso

primário, que a criança vê no professor o

espelho. Procura imitar o tipo de letra de

professor, o modo de vestir e até mesmo a voz.

A criança vê no seu mestre o seu segundo pai,

procura muitas vezes buscar no mestre, na

escola o que não encontra nos pais, no lar. Cabe

aqui o exemplo do mestre, de cidadão, de

dedicação, de pontualidade, de honestidade, de

firmeza de caráter. O exemplo é a vida mestra

no êxito do professor. E como disse Cristo no

Evangelho de São João 13:15 – ‘Eu vos dei o

exemplo, para que, como eu fiz, façais vós

também’. (Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina, 1973, p. 26).

A escrita do Professor Selço de Mattos corrobora com

as concepções pensadas para o profissional que iria ministrar

Educação Moral e Cívica. A questão da exemplaridade que

estava permeada nos conteúdos pelo estudo das biografias de

personalidades consideradas importantes se fazia presente nas

práticas cotidianas da convivência escolar. Havia também a

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vinculação às práticas de cunho religioso, um bom cristão seria

um bom cidadão e, vice-versa. Como portadora e produtora de

discursos a Revista atua na conformação de estereótipos em

torno dos (as) professores (as).

Dessa forma, constitui-se num significativo

dispositivo de educação continuada do

professor, de orientação e direção – intelectual

e moral -, e de conformação de suas práticas

sociais e escolares, construindo um perfil do

sujeito educador e/ou do professor

ideal/idealizado pela sociedade. (BASTOS,

2002, p. 156).

As estratégias formativas para capacitar os (as)

professores (as) de Educação Moral e Cívica ocorreram em

diversas frentes. Como uma disciplina constituída de teoria e

prática não era suficiente à apreensão de conceitos e conteúdos,

mas era necessário dispor de recursos retóricos que

possibilitassem replicar a filosofia em que se amparava a

disciplina. O comportamento e a postura desejados para os

docentes eram alinhavados de forma detalhada em recursos

como a religiosidade e o testemunho. As formas como a

idealização do (a) profissional é dada a ler demonstram os

condicionamentos do discurso.

A argumentação construída para cristalizar os conceitos

não tem uma trajetória linear e concisa. Os textos selecionados

e organizados para cumprir o objetivo formativo ganham

pluralidade pelo ato da leitura. Como exercício de liberdade o

leitor “sabe entender na primeira pessoa o que é posto para

todos” (CHARTIER, 1990, p. 123), desmitificando a

homogeneização das representações e valorizando o espaço da

peculiaridade. Não é possível ignorar as tensões desse

processo. Assolados pela cobrança proveniente das finalidades

da disciplina, professores (as) instrumentalizados (as) pela

formação comum produziam significados individuais que

reverberavam em suas práticas pedagógicas. Assim como se

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observou comportamentos diferenciados na ocasião da

execução do Hino Nacional na cerimônia de abertura do

Encontro, a atuação dos docentes era passível de inovações e

resistências.

O Professor Selço destacou algumas das características

que, a seu ver, não poderiam estar ausentes nos professores de

Educação Moral e Cívica:

1 – Conhecimento do país, principalmente

relacionado com a disciplina;

2 – Interesse, respeito e entusiasmo por sua

Pátria manifestada através de ação e de

atitudes;

3 – Espírito de solidariedade;

4 – Aplicação de métodos dinâmicos,

aproveitando inclusive as iniciativas dos

alunos, empregando-os em tarefas em classe ou

extraclasse que tenham como objetivo o bem

comum e a formação de um ideal de

participação na construção de uma nação em

busca do desenvolvimento e da soberania.

(Revista Educação e Ensino de Santa Catarina,

1973, p. 27).

O ideal cívico permeava o caminho rumo às conquistas

pessoais que estavam inseridas nas coletivas. As manifestações

patrióticas deveriam ser parte da vivência como forma de

estimular novas sensibilidades no ambiente escolar. A prática

dos (as) professores (as) tinha que ser convergente ao processo

maior de crescimento da nação e seu comportamento deveria

reverberar esse pertencimento no qual os alunos seriam

englobados pela formação cívica.

Sobre os (as) professores (as) catarinenses de Educação

Moral e Cívica, em depoimento à Revista a Professora Dilza

Délia Dutra dispensava elogios aos participantes do Encontro.

Dizia que foram reunidos professores (as) de todas as

coordenadorias regionais e, que,

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Os conferencistas de fora foram unânimes na

sua impressão e ulterior avaliação do

professorado catarinense – gente hábil, criativa,

interessada e inteligente. (Revista Educação e

Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 5).

Os adjetivos enumerados pela professora eram

atribuídos com simpatia aos participantes, identificando

características positivas ao educador (a) dessa área. Como

complemento a caracterização exposta, referenciou a

professora: “e tanto melhor é o mestre que mais exige do seu

aluno. O Bom Mestre, diz um axioma eslavo, é aquele que faz

o aluno trabalhar” (Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina, 1973, p. 6).

No encerramento do Encontro os (as) professores (as)

participaram de uma solenidade de entrega de diplomas (Figura

20) onde receberam a qualificação pelo trabalho durante o

evento. Prestigiando os participantes, autoridades como o

secretário da educação participaram da entrega conferindo

legitimidade ao trabalho desenvolvido.

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Figura 21 – A diplomação dos participantes do Encontro

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras

raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

Sobre os (as) professores (as) da disciplina recaía a

grande responsabilidade de obter respostas positivas sobre a

formação dos alunos. Bem como sinaliza o estudo de Cunha

(2002), o estereótipo construído em torno das normalistas,

futuras professoras, e reverberado pelas mesmas, era de uma

carreira vista como um sacerdócio.

Suas funções educativas mesmo quando

exercidas em ocupações remuneradas são

relegadas ao campo das habilidades instintivas

e não significavam profissionalização, mas

antes dever, abnegação. (CUNHA, 2002, p. 85).

Assim era o (a) professor (a) de Educação Moral e

Cívica, a qualificação idealizada se aproximava mais das

características pessoais de comportamento do que do domínio

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sobre a área de conhecimento. O (a) professor (a) era visto

como um mentor de ideias e atitudes, observado e julgado em

todos os espaços de sua sociabilidade. Exigia-se muito

empenho, pois as falhas ou desvios estavam sempre associados

à má atuação do (a) professor (a). O Encontro teve pretensões

de assemelhar as posturas e dissuadir os conflitos para que a

prática acontecesse com expressiva consciência de que o

ensino da Educação Moral e Cívica constituía a base de uma

estrutura social pacífica e promissora.

4.5 DISCIPLINA OU PRÁTICA EDUCATIVA?

Art. 1º É instituída, em caráter obrigatório,

como disciplina e, também, como prática

educativa, a Educação Moral e Cívica, nas

escolas de todos os graus e modalidades, dos

sistemas de ensino no País. (BRASIL, 1969).

A disciplina escolar de Educação Moral e Cívica estava

constituída pela base teórica, a qual sustentava conceitos,

definições e explicações construídas a partir de uma

aglutinação de diversas áreas de conhecimento e, pela parte

prática que incluía a participação em eventos, formalidades e o

desenvolvimento de posturas para a vida em sociedade. A

seleção dos saberes era orientada por premissas facilitadoras

do entendimento sobre a moral e o civismo constituídos

historicamente para promover a convivência e a participação

social daquele período. Os conhecimentos apreendidos como

parte do processo de escolarização, segundo o Parecer nº 94/71

do CFE, eram “sistematizados e progressivos” sujeitos a

instrumentos de mensuração de apreensão como testes e

provas. E as práticas compreendiam a complementação e o

exercício dos conhecimentos adquiridos pelos alunos.

Os dois conceitos que dão nome a disciplina escolar

carregavam a característica da aplicabilidade na vivência por

meio de modificações no comportamento. A presença destes

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saberes no currículo escolar era um dos elementos inscritos na

construção sociocultural da escola em períodos específicos.

Desde o início do período republicano foram saberes

mobilizados para auxiliar no processo formador dos cidadãos.

A perspectiva do ensino trabalhava com as subjetividades que

percorriam o processo educativo e seu êxito consistia na

transformação de mentalidades para gerar novas práticas. Essa

natureza dupla da disciplina era alvo de dúvidas e discussões.

Se olharmos a História da Educação Moral e

Cívica do Brasil, nas últimas décadas,

observamos um certo flutuar no modo de sua

ministração, entre os modelos de disciplina ou

prática educativa. Nas décadas de 30 e 40, por

exemplo, a Educação Moral e Cívica era uma

disciplina. A partir de 1961, com a Lei nº

4024/61 (Lei das Diretrizes e Bases), a mesma

passa a ser encarada como prática educativa.

(Parecer nº 94/71 do CFE).

As discordâncias que pairavam sobre o “como ensinar”

já tinham rendido muitas discussões, sinaliza o Parecer nº

94/71 do CFE. A subjetividade do saber constituído como

escolar era presente na diversidade de entendimentos sobre os

modelos pedagógicos a serem utilizados. O item nº 5 do

Parecer, intitulado Educação Moral e Cívica: Disciplina ou

Prática Educativa?, além de expor a dúvida, buscou construir

considerações para justificar os dois métodos como válidos e

complementares. Comemorou o Decreto-lei nº 869/69, pois

afirmava ser este a resposta objetiva ao dissenso com que a

disciplina vinha sendo tratada.

O processo de escolarização dos saberes mobilizou a

vinculação de atividades que englobassem a formação

intelectual, física e moral dos alunos. Desde o século XVII, os

idealizadores das instituições escolares já admitiam a

domesticação dos movimentos corporais e as atitudes como

“talvez a principal possibilidade de reordenação do corpo

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político da sociedade” (OLIVEIRA, 2007, p. 272). Nessa

perspectiva, assim como investir sobre a educação dos corpos

era igualmente importante preocupar-se com a formação das

mentes, ou das almas, como se refere o Parecer nº 94/71. A

apreensão da moral e do civismo demandava métodos

específicos para que intelecto, corpo e mente fossem

preparados para formular a representação sobre a participação

social que se esperava dos cidadãos do futuro. O “como

ensinar” era dimensionado para ser atuante na transformação

das mentalidades onde se inscrevem

As operações de classificação e hierarquização

que produzem as configurações múltiplas

mediante as quais se percebe e representa a

realidade; em seguida as práticas e os signos

que visam a fazer reconhecer uma identidade

social, a exibir uma maneira própria de ser no

mundo, a significar simbolicamente um status,

uma categoria social, um poder. (CHARTIER,

2011, p. 20)

Dessa forma a compreensão sobre o mundo social era

modificada pela apreensão dos significados que a disciplina

pretendia projetar. Num processo onde se buscava a

normalização de uma sociedade assolada pela instalação da

ditadura militar, instituir os signos da moral e do civismo como

parte da identidade social induzia a uma reorganização das

relações. A elaboração desta identidade não ocorreria pelo

efeito de uma adesão generalizada. Os movimentos de

aceitação e rechaço são inerentes à incorporação da estrutura

social dentro dos indivíduos. No caso da utilização dos livros

escolares, as representações elaboradas pelos alunos sobre si e

sobre a sua sociedade reverberavam nas suas condutas no

ambiente escolar e nas condutas assumidas para a vida de

egresso, foco principal da formação.

A discussão sobre a escolha do método de ensino era

proporcional à complexidade dos conteúdos. Na escola estava

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sendo preparada a sociedade futura e a proposta do ensino de

Educação Moral e Cívica era ser o pilar desta edificação.

Confinar a disciplina aos métodos utilizados por outras áreas

de conhecimento era um risco de fracassar no propósito, por

isso o debate era intenso. Na esfera institucional havia opiniões

que defendiam tanto a questão teórica quanto a prática. Entre

os (as) professores (as) essas divergências possivelmente

também ocorriam. Em seu depoimento à Revista, a Professora

Dilza Délia Dutra fala sobre a relação entre teoria e prática, e o

quanto ambas perpassavam o aprendizado.

Práticas educativas são o método da atualidade.

O homem normal, em qualquer idade ou

situação, é um ser social atuante, e por isso

mesmo tanto mais e melhor aprende quanto

mais orientadamente atua. O Fazer é a técnica

por excelência do aprender. (Revista Educação

e Ensino, 1973, p. 6).

Professor Selço também fez suas considerações:

O que se verificou até o aparecimento do

Decreto-lei 869/69 foi a existência da disciplina

muito mais no papel e na teoria, salvo uma ou

outra unidade escolar ou a imprensa escrita,

falada e televisionada, principalmente nas

ocasiões de festas nacionais, que davam uma

orientação cívica e moral. Faltou moral e

civismo, como disciplina nas escolas,

englobando toda a educação e penetrando nas

demais disciplinas. Com esta ausência,

sentimos na educação nacional a grande falha e

deformação, surgindo até a onda de terrorismo

e indiferença para com a nação. (Revista

Educação e Ensino, 1973, p. 24).

A incorporação de vivências que exercitassem a moral e

o civismo ao cotidiano escolar era imperativa no sentido de

multiplicar comportamentos e configurar novas práticas.

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Segundo Elias (1993), os hábitos são instituídos ou

transformados pelo entrelaçamento de ações entre os

indivíduos/grupos que podem ocorrer de forma amistosa ou

hostil. No caso do convívio escolar, a instituição pré-determina

o cumprimento de normas, porém se o ensino da Educação

Moral e Cívica previa extrapolar os limites escolares e

promover uma formação para a vida, era necessário que as

ações não se dessem apenas pelo rigor institucional. O ensino

pelos métodos da prática educativa atuava modelando as

condutas, despertando sentimentos de dever e trabalho para o

engrandecimento da nação.

As mudanças comportamentais inscritas na cultura

escolar tinham o intuito de reorganizar as relações sociais das

famílias e das comunidades. As práticas educativas visavam à

produção de novas sensibilidades morais e cívicas que, ao

serem disseminadas, se tornariam representações coletivas. O

entendimento sobre a relação indivíduo-instituições-pátria, a

partir de internalizado, condicionaria os impulsos e inibiria

comportamentos tidos como transgressores. Essa era a

perspectiva sobre a qual se amparava o método.

O conflito se instalava ao legitimar ou, como menciona

o Parecer nº 94/71, “lastrear” as práticas. Percebia-se que a

preensão teórica dos conteúdos era tão importante quanto à

edificação de hábitos, pois se acreditava ser válido o

conhecimento autenticado cientificamente.

É verdade que a “Prática Educativa” visa a criar

hábitos. Entretanto, um hábito, no homem, no

plano ético, é muitas vezes o resíduo de um ato

de liberdade inicial, ao qual ele permanece

submetido (Jacques Chevalier). E este ato de

liberdade, lúcido e pessoal, deve fundar-se

sobre noções, sobre conhecimentos, sobre

verdades, que a “Prática Educativa” se revela

insuficiente para transmitir. Por outro lado.

“Disciplina”, visando fundamentalmente à

transmissão de conhecimentos, seria

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incompleta, se não desaguasse na existência, se

não descesse a essa dimensão interior da alma

do educando, onde se formam as disposições da

vontade e onde são tomadas as decisões que

nortearão a vida. (Parecer nº 94/71 do CFE).

A instituição da obrigatoriedade do ensino como

disciplina e como prática educativa em parte resolvia as

tensões, pois atuando nas duas frentes pretendia-se abarcar

todas as dimensões da aprendizagem incorporando a disciplina

ao cotidiano escolar e posteriormente na vida social dos

egressos. A ideia de complementaridade entre os métodos foi

bem vista pelo Parecer nº 94/71 pelo fato de investir

potencialmente na transformação dos comportamentos e

condutas. As considerações sobre o ensino da moral e do

civismo que estavam vislumbradas já no programa da reforma

da instrução pública catarinense de 1911 e no posterior

Regimento dos Grupos Escolares Catarinenses de 1914

(TEIVE, 2004) receberam novos contornos a partir do Decreto-

lei nº 869/69.

Parecia ter sido encontrada uma fórmula ideal para a

eficácia do ensino. A complementação fornecida pela prática

educativa em tese preenchia os espaços de conflito

possibilitados pelos conteúdos. Mas essa era apenas a visão

oficial e singularizada sobre o ensino da Educação Moral e

Cívica. Os usos feitos dos materiais didáticos disponibilizados,

a condução das atividades e a organização das práticas estavam

particularmente delegadas aos professores (as) da disciplina e,

assim como os conteúdos, a noção de prática educativa como

complemento ideal, implicaria em múltiplas apropriações que

fugiam ao alcance das legislações e pareceres. Portanto a

dúvida sobre a escolha do método era essencialmente ligada à

forma de execução das práticas.

As discussões empreendidas sobre a instituição de uma

disciplina-prática espraiavam-se por questões como atitudes

exemplares, o “fazer” para aprender, “criar hábitos”, porém,

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indicações objetivas de como se daria esse processo ainda eram

ausentes. As reportagens editadas pela Revista, principalmente

nas falas dos Professores Nilton e Selço e da Professora Dilza,

reforçaram efetivamente a importância da prática aliada à

teoria. Os participantes da mesa redonda promovida pelo jornal

O Estado compartilhavam da mesma opinião a respeito da

disciplina, “a qual não se constitui apenas de teorias, mas se

baseia principalmente no esforço de engajar os jovens na tarefa

de solucionar problemas comunitários” (O Estado, 1973, p. 3).

O Parecer nº 94/71 do CFE dedicou um tópico específico a

argumentar sobre a complementaridade dos aspectos.

Objetivamente, não consta o registrado de algum método ou

planejamento que exemplificasse como a Educação Moral e

Cívica comportaria ser, ao mesmo tempo, disciplina e prática

educativa. A ideia que se sobressai nas discussões é a de que os

(as) professores (as) arcariam com o ônus de levar esse

processo ao êxito. Segundo o Parecer nº 94/71 do CFE “ao

professor caberá a importante tarefa de procurar esta

alternância e dosar-lhe as percentagens”, ou seja, encontrar

uma justa medida para trabalhar com elementos teóricos e

práticos na ausência de um consenso estabelecido.

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193

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escrita histórica compõe, com um conjunto

coerente de grandes unidades, uma estrutura

análoga à arquitetura de lugares e de

personagens numa tragédia. Mas o sistema

dessa encenação é o espaço onde o movimento

da documentação, quer dizer, das pequenas

unidades, semeia a desordem nessa ordem,

escapa às divisões estabelecidas e opera uma

lenta erosão dos conceitos organizadores.

(CERTEAU, 2011, p. 106).

O texto histórico se constitui nos desvios criados pela

desordem. Antes da chegada do historiador, o passado

permanece intacto, verdadeiro e ordenado. O trabalho de

pesquisa perscruta objetos, acontecimentos e personagens que,

colocados na ordem do tempo, abrem-se para novas

possibilidades de interpretação e entendimento. A intenção é

sempre positiva, entender o que não foi bem explicado ou

descobrir o que estava encoberto, porém, a tarefa é árdua, pois,

é necessário promover a “erosão” do que já estava edificado. A

escrita, como forma de comunicação, distinção, perenidade ou

exercício de poder permanece detentora da autoridade de

produzir ou reproduzir o passado. O que diferencia a

“histórica” das “outras” é estar “institucional e tecnicamente

ligada a uma prática do desvio” (CERTEAU, 2011, p. 89).

Após ser instaurado o Golpe Civil Militar em 1964,

estava inaugurada uma nova fase que demandava novos

cidadãos. Os ideais de nacionalismo que já eram presentes em

produções escolares de períodos anteriores, como durante o

Estado Novo (SILVA, 2013), por exemplo, foram direcionados

para servir de apoio ao estabelecimento e vigência dos ideais

governamentais do período da ditadura militar. Nesta cena,

emergiram providências para sistematizar o ensino nas escolas

como alicerces da nova pátria que estava por ser construída.

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194

O material impresso configurava um importante

subsídio utilizado em sala de aula para a disseminação dos

conhecimentos. Isso tornou necessária a intensificação de uma

produção específica para o uso escolar. Dessa forma, alguns

autores oriundos de outras as áreas de conhecimento passaram

a se especializar na escrita da Educação Moral e Cívica

destinada ao nível intelectual de cada estágio da escolarização.

Como toda produção destinada ao uso escolar, os livros

escolares apresentavam características que estabeleciam o

padrão de uso, os protocolos de leitura, os fins didáticos e as

práticas comuns ao aprendizado. A análise dos três livros

selecionados centrou-se em construir pontes que estabeleçam

comunicação entre os escritos contidos nos livros, o momento

histórico vivido e as sensibilidades supostamente geradas a

partir deste contato.

A escrita resultante desta pesquisa buscou caminhar

pelos desvios que sinalizaram diversos outros caminhos que

estão para ser trilhados. A constituição da Educação Moral e

Cívica como disciplina escolar esteve sobremaneira vinculada

à constituição da nacionalidade no Brasil. O recuo temporal da

pesquisa, investigando legislações e discursos na década de

1960, foi necessário para elaborar a cena que faria da disciplina

um ensino obrigatório em 1969. As demandas sociais e

políticas que, entre idas e vindas, instituíram o ensino dos

valores morais e cívicos reverberaram na formação de várias

gerações que estudaram os conceitos e, possivelmente,

internalizaram as práticas.

A partir da instituição da obrigatoriedade, a Educação

Moral e Cívica passou por adequações aos currículos e a

seriação. Os livros de 1º grau e 2ª graus (relativos aos períodos

do 6º ao 9º ano e ensino médio, respectivamente), foram

construídos sobre a base filosófica da disciplina, organizados

para ensinar inicialmente os valores morais cristãos, bom

caráter, honestidade e bondade. Supostamente apreendidos

esses conhecimentos, na sequência, os livros ofereciam os

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195

conteúdos de teor cívico que se referiam à participação dos

alunos na construção social. Os valores morais postos em

prática seriam o suporte da vida em sociedade.

A partir da análise dos três livros escolares que

protagonizaram este estudo, presumi que a intenção meramente

doutrinária da disciplina presente em muitos imaginários, não

tinha um eco unívoco nas escolas. Os conteúdos ministrados

continham informações sobre a política brasileira que poderiam

ser lidos de muitas formas. O conceito de cidadão era

embasado no direcionamento para a colaboração social, mas,

ao mesmo tempo o conteúdo informava aos “futuros cidadãos”

que também tinham direitos a serem resguardados diante da

pátria que os acolhia como uma “mãe”. O estudo de Ridenti

(1993) considera que nos anos finais da década de 1960 e

início de 1970 cerca da metade dos militantes esquerdistas que

lutavam pela deposição do regime militar eram universitários,

recém-egressos ou secundaristas. Outras significações sobre o

“ser patriota” e o “ser cidadão” já circulavam na sociedade

antes da obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica em 1969.

A partir do Decreto-lei a formação para a cidadania tinha

propósitos normalizadores, porém, não é possível ignorar os

conflitos que já estavam presentes e também se inscreveriam,

mesmo que de forma sutil, nos escritos para uso escolar.

O livro da disciplina de EPB, ministrada no ensino

superior, apresentava um relatório extenso e detalhado sobre as

questões consideradas mais problemáticas da sociedade

brasileira das décadas de 1960 e 1970. O polígrafo organizado

pelos autores Petry, Schneider e Lenz fazia referências a

assuntos enraizados como, por exemplo, o trabalho, a pobreza,

a educação, ou seja, as falhas institucionais e as politicas

públicas precárias estavam à mostra diante dos futuros

profissionais que lidariam com essas situações. Em

contrapartida, assuntos como a repressão aos movimentos

sociais, perseguições, arbitrariedades, os excessos das práticas

policiais, não figuravam como “problemas brasileiros” naquele

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196

momento. Eram realçados os limites da disciplina que

pretendiam formar profissionais engajados com as questões de

crescimento do país, na perspectiva da ordem e do progresso.

Havia fissuras na formação, nas quais se constituíam culturas

políticas plurais (BERSTEIN, 1998) que instrumentalizavam

os cidadãos para se posicionarem diante das mais polêmicas

problemáticas políticas, sociais, econômicas ou culturais.

Um dos objetivos da disciplina era promover a

discussão e construir alternativas. Não é possível afirmar qual

era a estratégia didático-pedagógica de professores que

utilizaram a obra, no entanto, as questões de fixação de

conteúdos eram aprofundamentos, pesquisas e debates, o que

permite pensar que a disciplina poderia propiciar um ambiente

para a formação crítica sobre os assuntos dispostos nos

conteúdos. Esses elementos textuais e implícitos sobre a prática

utilizada nessa disciplina possibilitam considerar que mesmo

diante do contexto ditatorial e do controle sobre as produções

pedagógicas havia dissonâncias com relação ao Decreto-lei, a

começar pelo uso de uma capa vermelha em pleno “combate ao

inimigo interno” (CHIMITI, 2011, p. 23), que consistia em

simpatizantes do regime comunista e até mesmo pelas noticias

e conteúdos ali veiculados.

As representações sobre o civismo, sobretudo a partir

do Decreto-lei nº 869/69, foram dadas a ler numa perspectiva

plural. Os livros de Silva e Capella e Andrade demonstraram

um trabalho intenso no sentido de fixar o reconhecimento e uso

dos símbolos que representavam, e ainda representam o país. O

civismo pretendido estava condicionado à formação do

sentimento de união sob o simbolismo dos signos constituídos

para personificar uma pátria acolhedora. Essa associação à

união de todos sob uma mesma nação contribuiu para a

afirmação de uma identidade de brasileiro que se reconheceria

com facilidade em solenidades ou atos cívicos. O processo de

nacionalização do ensino intensificado no governo de Getúlio

Vargas (SILVA, 2014) reverberava no período da ditadura com

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197

a perspectiva ampliada de reforçar o nacionalismo na

sociedade. Considero que a relação da simbologia com a

questão do nacionalismo pode ser vista como permanência

cultural que possibilitou as gerações futuras compartilhar

dessas identificações visuais e subjetivas.

O fato de o Decreto-lei instituir a Educação Moral e

Cívica como disciplina e prática educativa possivelmente

mobilizou uma dinâmica diferenciada para ensinar. As

celebrações e atividades cívicas desenvolvidas como parte da

vivência escolar demonstrariam o maior ou menor grau de

apreensão dos conceitos cívicos e dessa maneira era possível

perceber se as condutas estavam a se ajustar. A respeito desses

momentos, informalmente identifica-se comentários de toda

natureza feitos por pessoas que tiveram a disciplina. O aspecto

da obrigatoriedade talvez seja o mais relevante para esta

análise. Toda a carga de cobrança que recaía sobre os (as)

professores (as) da disciplina poderia suscitar um tom mais

austero no trato das práticas disciplinares.

Uma das associações recorrentes das práticas

educativas da Educação Moral e Cívica é com eventos

militares. Os desfiles cívicos escolares seguiam a mesma

formação e disciplina. Desse modo, após o fim da ditadura

militar, todas as práticas, comportamentos ou ideias que

tivessem alguma semelhança com a formação militar acabaram

sendo alvo de rechaço em função dos excessos e

arbitrariedades assistidas no período ditatorial. Um dos

resultados disso foi a elaboração de uma nova representação de

civismo que associa as práticas ao período. O civismo erigido

pelos três livros escolares estava balizado pelas perspectivas

militares sobre a educação, o que não invalida as tensões

apresentadas pelos textos e os desvios aos quais a apropriação

estava exposta. Não é possível pensar na disciplina como uma

simples formatação. Presumo que a construção dos conteúdos

demonstra que o espaço da disciplina possibilitou uma via

legitimada para promover as discussões políticas e sociais que

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o período carecia. Os limites da pesquisa não me permitem

discutir se isso ocorreu ou não, mas, a empiria dos documentos

abre mais essa possibilidade entre tantas outras.

Com o fim do período ditatorial, em 1985, aceleraram-

se os movimentos pela redemocratização do país e, aos poucos,

muitas das práticas relativas ao civismo receberam novos

contornos. Os signos que identificavam a nação passaram por

um estágio de valoração pública que há muito não se

identificava. Os movimentos sociais, em especial o “Diretas

já”, que reivindicava eleições diretas para o cargo de

presidente, ressignificaram o estatuto de cidadania e o uso das

simbologias. “Voltou à moda” tornar público o amor pela

pátria e a reverência aos símbolos nacionais. O ato de saber

cantar o Hino Nacional, durante o período ditatorial, era

associado a alinhamento político e constrangia muitos

brasileiros. A transição político-social ocorrida no país em

meados da década de 1980 fez emergir outras sensibilidades

quanto aos atos cívicos. Estudantes que, em tese estudaram

Educação Moral e Cívica e Estudos de Problemas Brasileiros,

estabeleciam uma relação renovada com ícones associados ao

projeto ditatorial durante o seu período de escolarização. O

fenômeno ganhava espaço nos diversos círculos sociais e nas

mídias de ampla circulação, bem como nas revistas semanais.

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199

Figura 22 – Caderno de coleção de recortes

Fonte: Revista Isto É. São Paulo: Editora Abril , 20 mar. 1985.

Acervo pessoal da Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha.

O ensino da Educação Moral e Cívica perdurou até

1993, quando foi revogada a obrigatoriedade pela Lei nº

8663/93. Se por um lado a demora pela revogação do Decreto-

lei nº 869/69 denuncia a morosidade legislativa no país, por

outro faz pensar sobre as adaptações pelas quais o ensino

passou. Se as práticas cívicas estavam associadas à formação

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militar patriótica, como se deram as negociações para que a

disciplina perdurasse nos currículos? É uma das trilhas abertas

pela pesquisa, porém, essa questão contextualiza a perspectiva

de que a disciplina estabeleceu espaço no processo formativo e

novas significações durante o tempo em que existiu.

Entre a nostalgia e a rejeição, alguns debates surgiram

em torno da volta da disciplina após 1993. O estudo de Amaral

(2007) aponta, entre 1997 e 2006, a circulação de 12 projetos

de lei e uma indicação, apresentados por 11 deputados federais

e um senador, argumentando sobre as questões de ética, moral

e civismo como disciplinas escolares. Em linhas gerais, os

legisladores referiram-se ao aprendizado e “resgate de valores

permanentes e imutáveis” (AMARAL, 2007, p. 356), tais

como, ética, família e cidadania. A autora alerta para as

concepções que os autores dos projetos consideram sobre esses

valores numa sociedade plural e diversa como a brasileira. No

limite temporal da pesquisa, o ano de 2006, a autora identificou

apenas um dos projetos de lei ainda em trâmite e, os demais

foram rejeitados e arquivados.

Ao que se refere à crise social de valores percebida por

meio das mídias e da própria vivência, é comum estabelecer

algum tipo de relação com os sistemas educacionais que estão

em vigor. Assim como durante o período ditatorial pensava-se

que a instituição de uma disciplina como a Educação Moral e

Cívica funcionaria para reformular estruturas sociais e

culturais, hoje ocorrem debates próximos a essa ideia que

defendem a articulação de disciplinas escolares como

elementos massificadores de comportamentos. Pondero que em

ambos os casos é necessário perceber que o processo de

instituição de uma disciplina e o processo de apropriação de

conhecimentos é um caminho demasiado longo sujeito a

interferências e obstáculos. Os momentos históricos produzem

conceitos e representações na esteira da multiplicidade

relacional que se estabelece entre sujeitos, situações, objetos e

ideias. Dessa forma as disciplinas e os livros escolares tem

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201

relação específica com o contexto em que se inscrevem, não

são somente produtores, mas, também produtos do tempo e

espaço.

O civismo edificado pelo Decreto-lei nº 869/69

desenvolveu-se de forma plural assim como o conceito recebe

novas perspectivas em relação ao período em que se inscreve.

Na sala de aula do século XXI não é possível aludir aos

deveres e direitos de um cidadão de forma sistemática e

mnemônica. Os saberes que durante a década de 1970 foram

considerados bases para um tipo de sociedade tornaram-se

obsoletos diante da renovação dos discursos. Outras formas de

“ser cidadão” foram configuradas e outros métodos escolares

foram admitidos para suprir essa demanda. A LDB de 1996

apresenta como temas transversais as questões relativas à ética

e a cidadania, com isso propõe novos espaços de aprendizado

para formar cidadãos. A redução da idade permitida para votar

de 18 para 16 anos também constituiu uma formação de

cidadãos possibilitando aos jovens participar do que é

considerado como exercício de cidadania. Embora o direito de

votar aos 16 anos tenha sido uma conquista do movimento

estudantil da década de 1980, estatísticas do Tribunal Superior

Eleitoral indicam uma diminuição pelo interesse em cadastrar-

se como eleitor32

, uma vez que para jovens de 16 e 17 anos é

facultativo. Os movimentos do político, do social e do cultural

são elementos constitutivos das representações que elaboram as

práticas, e estas transitam inscritas em um tempo histórico.

No caso da Educação Moral e Cívica, o recuo temporal

deste estudo demonstrou que não foi uma fabricação e sim uma

32

Disponível em: http://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-

eleitoral/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-2-ano-3/eleitores-

menores-de-18-anos-cada-eleicao-uma-nova-estatistica ;

http://oglobo.globo.com/brasil/somente-25-dos-jovens-com-16-17-anos-

tiraram-titulo-de-eleitor-12935182 . Acesso em 10 abr. 2015.

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202

recriação por parte do governo ditatorial. Os conhecimentos

sobre a moral e o civismo que circulavam em algumas

disciplinas e por ocasião de eventos cívicos foram organizados

de forma a constituir uma disciplina específica que funcionaria

como base filosófica para a vivência escolar. Havia o intento

de transformar a disciplina em alicerce da formação do caráter

para edificar uma sociedade de homens ordeiros, honestos,

comprometidos com o coletivo e, principalmente, com o seu

país.

As providências que envolveram uma legislação

específica – os Decretos 50505/61, 58023/66, 68065/71 e o

Decreto-lei 869/69 – e a construção de um aparato estrutural e

simbólico na forma de comissões e órgãos reguladores, com

seu expoente máximo na CNMC, configuraram os jogos de

poder que atuaram na instituição da disciplina. Porém, os livros

que protagonizaram este estudo demonstraram em sua

materialidade que a prescrição circulou de formas peculiares

pelas mãos de cada autor e editor dos livros escolares. Mesmo

carregando a base ideológica e filosófica impressa nas

apresentações e introduções dos livros, cada texto deu a ler

uma visada particular sobre os conceitos. E, essa observação,

em menor escala, contribuiu para revigorar o olhar sobre o

todo, no qual a disciplina foi associada ao momento tenso da

sociedade brasileira, que assistiu às aulas de Educação Moral e

Cívica em seus bancos escolares em tom de doutrinação

militar.

Os decretos e pareceres são indicativos das intenções de

controle psicossocial sobre a população, mas a produção

bibliográfica admite outros contornos, mesmo quando se trata

de autores com formação militar como os que aqui foram

abordados. Livros escolares são instrumentos formativos e

emancipadores, depende do uso que se faz do mesmo. Os três

livros estudados não apresentaram carimbos ou pareceres de

aprovação da CNMC, no entanto, para o 2º grau e para o

ensino superior continham textos que explicavam a plena

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203

concordância com as prescrições oficiais. Esse aspecto

autenticava o respeito às normas, mas não impedia o

desenvolvimento dos conteúdos de forma analítica e,

denunciava que a vigilância sobre os livros escolares não

ocorreu de forma massiva.

Segundo a Revista Educação e Ensino de Santa

Catarina de janeiro de 1973, um problema relevante com

relação ao ensino de Educação Moral e Cívica era a formação

de professores (as) e, pensando nessa clave, foi organizado o 1º

Encontro de Professores de Educação Moral e Cívica de Santa

Catarina. As notícias sobre o evento forneceram pistas sobre a

disciplina neste estado. Foi possível identificar o peso da

atuação docente no processo, algumas leituras das autoridades

locais sobre este ensino, as sociabilidades que se formavam

nesse diálogo a respeito do ensino da disciplina. Identificou-se

uma ausência de preocupação com problemáticas discentes

locais, não ocorrendo nas reportagens nenhuma preocupação

específica com relação aos jovens estudantes de Santa

Catarina. As questões dos conflitos juvenis foram abordadas de

forma generalizada, ignorando questões pontuais como as

perspectivas de futuro oferecidas pela formação, a escolha de

carreiras, os embates de gênero, a vulnerabilidade social,

situações em geral presentes entre os jovens em período de

escolarização.

Ao final da escrita foi possível construir considerações

sobre o civismo do período ditatorial, voltado à unificação

nacional, com intuito de proteção das instituições sobre as

quais se edificava o governo militar. Os signos disseminados

por meio do processo de escolarização idealizavam uma

sociedade pacífica, cordata, colaborativa e responsável dos

seus deveres para com o progresso do país. Na mesma

proporção da intencionalidade foi possível iluminar algumas

rachaduras na edificação que dão vista para outros ângulos e

questionam os estatutos. A Educação Moral e Cívica

apresentada nos livros escolares de Silva, Capella (1971),

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Andrade (1978), Petry, Schneider e Lenz (1972) mostraram

possibilidades múltiplas de ensino, mobilidade de conceitos e

diferenciados estímulos à apreensão. Cada escrita foi entendida

com um espaço gráfico catalizador de experiências

(CASTILLO, 2002), no qual foram engendradas as

subjetividades acerca do tempo e do espaço vividos. Na

complexidade de uma disciplina escolar os livros

intermediaram sistemas de apreensão que não se permitem

limitar por legislações, portanto evidenciam a relevância do

detalhe.

Este estudo vislumbrou três perspectivas sobre a

disciplina as quais se mostraram coesas pela proposta e

diversas pelas estratégias. Isso me permite pensar que cada um

dos livros construía um civismo peculiar amalgamado pelas

práticas cívicas. Nesse sentido o ideal homogeneizante da

disciplina já era ameaçado na produção didática. Presumo

então que a linearidade discursiva construída pela associação

da disciplina ao regime militar encontra outros vestígios por

meio da investigação dos livros escolares.

Por fim, o que permanece dessa sinuosa trilha de

pesquisa é o meu desejo quase persecutório de entender um

tempo pretérito. O exame de um objeto quase obsoleto, de

conteúdo ultrapassado pelo tempo e pelas novas configurações

sociais apontaram os atalhos e desvios de um caminho que se

desenha pelas guias teóricas e pelos cursos desnaturalizados

dos eventos que sofreram a ação do homem. A exploração

desse ambiente curioso e inusitado é o quê motiva o

pesquisador que, imerso no desconhecido deleita-se com suas

descobertas. Como uma tentativa de perenizar os detalhes da

descoberta faz-se a escrita que, envolve renúncias e escolhas,

mas, no entanto, pretende sinalizar uma parte da trilha que

servirá aos próximos caminhantes.

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ANEXOS

ANEXO 1 – DECRETO-LEI Nº 869/69

Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Dispõe sobre a

inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina

obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidade, dos

sistemas de ensino no País, e dá outras providências.

OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO

EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR, usando das

atribuições que lhes confere o artigo 1º do Ato Institucional nº

12, de 31 te agosto de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º

do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,

DECRETAM:

Art. 1º É instituída, em caráter obrigatório, como

disciplina e, também, como prática educativa, a Educação

Moral e Cívica, nas estolas de todos os graus e modalidades,

dos sistemas de ensino no País.

Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas

tradições nacionais, tem como finalidade:

a) a defesa do princípio democrático, através da

preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa

humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a

inspiração de Deus;

b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos

valôres espirituais e éticos da nacionalidade;

c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento

de solidariedade humana;

d) a culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições,

instituições e aos grandes vultos de sua historia;

e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na

dedicação à família e à comunidade;

f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e

o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do

País;

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g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades

cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação

construtiva, visando ao bem comum;

h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e

da integração na comunidade.

Parágrafo único. As bases filosóficas de que trata êste

artigo, deverão motivar:

a) a ação nas respectivas disciplinas, de todos os titulares

do magistério nacional, público ou privado, tendo em vista a

formação da consciência cívica do aluno;

b) a prática educativa da moral é do civismo nos

estabelecimentos de ensino, através de tôdas as atividades

escolares, inclusive quanto ao desenvolvimento de hábitos

democráticos, movimentos de juventude, estudos de problemas

brasileiros, atos cívicos, promoções extra-classe e orientação

dos pais.

Art. 3º A Educação Moral e Cívica, com disciplina e

prática, educativa, será ministrada com a apropriada

adequação, em todos os graus e ramos de escolarização.

§ 1º Nos estabelecimentos de grau médio, além da

Educação Moral e Cívica, deverá ser ministrado curso

curricular de “Organização Social e Política Brasileira.”

§ 2º No sistema de ensino superior, inclusive pós-

graduado, a Educação Moral e Cívica será realizada, como

complemento, sob a forma de Estudos de Problemas

Brasileiros,” sem prejuízo de outras atividade culturais visando

ao mesmo objetivo.

Art. 4º Os currículos e programas básicos, para os

diferentes cursos e áreas de ensino, com as respectivas

metodologias, serão elaborados pelo Conselho Federal de

Educação, com a colaboração do órgão de que trata o artigo 5º,

e aprovados pelo Ministros da Educação e Cultura.

Art. 5º É criada, no Ministério da Educação e Cultura,

diretamente subordinada ao Ministro de Estado, a Comissão

Nacional de Moral e Civismo (CNMC).

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§ 1º A CNMC será integrada por nove membros,

nomeados pelo Presidente da República, por seis anos, dentre

pessoas delicadas à causa da Educação Moral e Cívica.

§ 2º ApIica-se aos integrantes da CNMC o disposto nos

§§ 2º, 3º, e 5º, do art. 8º da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de

1961.

Art. 6º Caberá, especialmente à CNMC:

a) articular-se com as autoridades civis e militares, de

todos os níveis de govêrno, para implantação e manutenção da

doutrina de Educação Moral e Cívica, de acôrdo com os

princípios estabelecidos no artigo 2º;

b) colaborar com o Conselho Federal de Educação, na

elaboração de currículos e programas de Educação Moral e

Cívica;

c) colaborar com as organizações sindicais de todos os

graus, para o desenvolvimento e intensificação de suas

atividades relacionadas com a Educação Moral e Cívica;

d) influenciar e convocar a cooperação, para servir aos

objetivos da Educação Moral e Cívica, das Instituições e dos

órgãos formadores da opinião pública e de difusão cultural,

inclusive jornais, revistas editôras, teatros, cinemas, estações

de rádio e de televisão; das entidades esportivas e de recreação,

das entidades de casses e dos órgãos profissionais; e das

emprêsas gráficas e de publicidade;

e) assessorar o Ministro de Estado na aprovação dos

livros didáticos, sob o ponto de vista de moral e civismo, e

colaborar com os demais órgãos do Ministério da Educação e

Cultura, na execução das providências e iniciativas que se

fizerem necessárias, dentro do espírito dêste Decreto-Iei.

Parágrafo único. As demais atribuições da CNMC, bem

como os recursos e meios necessários, em pessoal e material,

serão objeto da regulamentação dêste Decreto-lei.

Art. 7º A formação de professôres e orientadores da

disciplina “Educação Moral e Cívica,” far-se-á em nível

universitário, e para o ensino primário, nos cursos normais.

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§ 1º Competirá ao Conselho Federal e aos Conselhos

Estaduais de Educação, adotar as medidas necessárias à

formação de que trata êste artigo.

§ 2º Aos Centros Regionais de Pós-Graduação incumbirá

o preparo de professôres dessa área, em cursos de mestrado.

§ 3º Enquanto não houver, em número bastante,

professôres e orientadores de Educação Moral e Cívica, a

habilitação de candidatos será feita por meio de exame de

suficiência, na forma da legislação em vigor.

§ 4º No ensino primário, a disciplina “Educação Moral e

Cívica” será ministrada pelos professôres, cumulativamente

com as funções próprias.

§ 5º O aproveitamento de professôres e orientadores na

forma do § 3º, será feito sempre a título precário, devendo a

respectiva remuneração subordinar-se, nos estabelecimentos

oficiais de ensino, ao regime previsto no artigo 111 do

Decreto-lei nº ?00, de 25 de fevereiro de 1967.

§ 6º Até que o estabelecimento de ensino disponha de

professor ou orientador, regularmente formado ou habilitado

em exame de suficiência, o seu diretor avocará o ensino da

Educação Moral e Cívica, a qual, sob nenhum pretexto, poderá

deixar de ser ministrada na forma prevista.

Art. 8º É criada a Cruz do Mérito da Educação Moral e

Cívica a ser conferida pelo Ministro da Educação e Cultura,

mediante proposta da CNMC, a personalidades que se

salientarem, em esforços e em dedicação à causa da Educação

Moral e Cívica.

Parágrafo único. A CNMC proporá ao Ministro da

Educação e Cultura as instruções necessárias ao cumprimento

do disposto neste artigo.

Art. 9º A CNMC elaborará projeto de regulamentação do

presente Decreto-lei, a ser encaminhada ao Presidente da

República, por intermédio do Ministro da Educação e Cultura,

no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data da

publicação dêste Decreto-lei.

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Art. 10. Êste Decreto-lei entrará em vigor na data de sua

publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 12 de setembro de 1969; 148º da Independência

e 81º da República.

AUGUSTO

HAMANN RADE

MAKER

GRÜNEWALD

AURÉLIO

DE LYRA

TAVARES

MÁRCIO

DE SOUZA E

MELLO

Tarso Dutra

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ANEXO 2 – HINOS, CANÇÕES E POESIAS DO LIVRO DE

ANDRADE

Lista de hinos e canções do livro de Benedicto de Andrade.

1 – Hino Nacional;

2 – Hino da Independência;

3 – Hino à Bandeira;

4 – Hino da Proclamação da República;

5 – Hino ao Duque de Caxias;

6 – Hino dos Aviadores Brasileiros;

7 – Canção do Marinheiro;

8 – Canção do Expedicionário;

9 – Canção do Brasil;

10 – Prá Frente Brasil;

11 – Hino do Estudante Brasileiro;

12 – Eu te amo meu Brasil;

13 – Canção do Soldado;

14 – Hino do Sesquicentenário da Independência do Brasil.

Lista de poesias do livro de Benedicto de Andrade.

1 – Pátria – Olavo Bilac;

2 – A Pátria – Batista Cepelos;

3 – Saudação à Bandeira – D. Aquino Correia;

4 – Meu Brasil – Olegário Mariano;

5 – Caxias – Bastos Tigre;

6 – Visita à Casa Paterna – Luís Guimarães Júnior;

7 – Canção do Tamoio – Gonçalves Dias;

8 – A Escola – Luís Delfino;

9 – O Livro- João Ramos;

10 – Tiradentes – Bastos Tigre;

11 – O Trabalho – Olavo Bilac;

12 – Minha Mãe – Martins Fontes;

13 – Ser mãe – Coelho Netto;

14 – Anchieta – Olavo Bilac;

15 – A Avó – Olavo Bilac;

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16 – A Mocidade – Olavo Bilac;

17 – O Pai – Erlinda Matty;

18 – As Velhas Árvores – Olavo Bilac;

19 – O Credo – Olavo Bilac;

20 – Ave! Maria! – Fagundes Varela.

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ANEXO 3 – BIOGRAFIAS

Lista de biografados do livro de Jaldyr Bhering Faustino

da Silva e Ayrton Capella.

1 – João Tavares;

2 – D. Felipe de Moura;

3 – Ouvidor Geral Martim Leitão;

4 – Jerônimo de Albuquerque;

5 – Martim Soares Moreno;

6 – Francisco Caldeira Castelo Branco;

7 – Antônio Raposo Tavares;

8 – Fernão Dias Paes Leme;

9 – Bartolomeu Bueno da Silva;

10 – Bartolomeu Bueno;

11 – Domingos Jorge Velho;

12 – D. Manoel Lobo;

13 – Manoel Galvão;

14 – Sebastião da Veiga Cabral;

15 – D. Antônio Felipe Camarão – O índio;

16 – Henrique Dias – O Preto;

17 – Matias de Albuquerque;

18 – Padre Manoel da Nóbrega;

19 – Padre José de Anchieta;

20 – Felipe dos Santos Freire;

21 – Joaquim José da Silva Xavier – O Tiradentes;

22 – Joaquim Bonifácio de Andrada e Silva;

23 – D. Pedro I;

24 – Padre Diogo Antônio Feijó;

25 – D. Pedro II;

26 – Luiz Alves de Lima e Silva – Duque de Caxias;

27 – Joaquim Marques Lisboa;

28 – Francisco Manoel Barroso – Barão do Amazonas;

29 – Marcílio Dias;

30 – Manuel Luiz Osório – Marquês de Herval;

31 – Tenente Antônio João Ribeiro;

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32 – José Bonifácio de Andrada e Silva;

33 – Euzébio de Queiroz;

34 – José Maria da Silva Paranhos;

35 – José Antônio Saraiva;

36 – Joaquim Nabuco;

37 – José do Patrocínio;

38 – Antônio de Castro Alves;

39 – Irineu Evangelista de Souza – Barão de Mauá;

40 – Quintino Bocaiúva;

41 – Marechal Manoel Deodoro da Fonseca;

42 – Marechal Floriano Peixoto – O Marechal de Ferro;

43 – José Maria da Silva Paranhos – Barão do Rio Branco;

44 – Manoel Ferraz de Campos Sales;

45 – Bartolomeu Lourenço de Gusmão;

46 – Alberto Santos Dumont;

47 – Antônio de Castro Alves;

48 – Olavo Guimarães Bilac;

49 – José Maria Machado de Assis;

50 – Rui Barbosa;

51 – Antônio Carlos Gomes.

Mulheres biografadas.

1 – Princesa Imperial D. Isabel Cristina;

2 – Anita Garibaldi;

3 – Ana Nery – Glória, a mãe dos brasileiros;

4 – Clara Camarão;

5 – Maria Quitéria de Jesus;

6 – Maria Francisca da Conceição – Maria Curupaiti.

Lista de biografados do livro de Benedicto de Andrade.

1 – José Bonifácio;

2 – Evaristo da Veiga;

3 – Feijó;

4 – D. Pedro II;

5 – Benjamim Constant Botelho de Magalhães;

Page 229: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO … · título de Mestre em Educação – Área de ... delas o trabalho chegou a sua consecução. ... Aos mestres dos quais tive

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6 – Marechal Manuel Deodoro da Fonseca;

7 – Marechal Floriano Peixoto;

8 – Prudente de Morais;

9 – Manoel Ferraz de Campos Sales;

10 – José Maria da Silva Paranhos – o Barão do Rio Branco;

11 – Felipe dos Santos;

12 – Tiradentes;

13 – Duque de Caxias.