universidade de lisboa contribuiÇÃo para uma...
TRANSCRIPT
-
iii
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
CONTRIBUIO PARA UMA APRECIAO JUS-INTERNACIONAL
DA INTEGRAO REGIONAL AFRICANA
Marcolino Jos Carlos Moco
Orientador: Prof. Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos
Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em
Direito, na especialidade de Cincias Jurdico-Polticas
2016
-
iv
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
CONTRIBUIO PARA UMA APRECIAO JUS-INTERNACIONAL DA
INTEGRAO REGIONAL AFRICANA
Marcolino Jos Carlos Moco
Orientador: Prof. Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos
Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em Direito, na especialidade de
Cincias Jurdico-Polticas
Jri:
Presidente:
Doutor Jos Artur Nunes Duarte Nogueira, Professor Catedrtico e Presidente do Conselho Cientfico
da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor Wladimir Augusto Correia Brito, Professor Catedrtico
Escola de Direito da Universidade do Minho;
Doutora Patrcia Penlope Mendes Jernimo Vink, Professora Auxiliar
Escola de Direito da Universidade do Minho;
Doutor Eduardo Manuel Hintze da Paz Fereira, Professor Catedrtico
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
Doutor Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Professor Catedrtico
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
Doutora Maria Jos Reis Rangel de Mesquita, Professora Associada com Agregao
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
Doutor Jos Alberto de Melo Alexandrino, Professor Associado
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos, Professor Auxiliar
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Apoio: Bolsa de estudo da Fundao Calouste Gulbenkian (Servios de Educao Bolsas)
2016
-
v
-
vi
PLANO DA DISSERTAO
INTRODUO
PARTE I
INTEGRAO REGIONAL: UM FENMENO FCTICO-JURDICO EURO-
OCIDENTAL A PROCURA DE POISO EM OUTROS UNIVERSOS DO GLOBO
CAPTULO I
EM BUSCA DE UM CONCEITO UNIVERSAL DE DIREITO COMO
SUBSTRACTO JUS-INTERNACIONAL DE UM EVENTUAL DIREITO
AFRICANO DE INTEGRAO REGIONAL
1. Gnese e evoluo do fenmeno jurdico: Uma histria ocidental ou
um percurso humano?
2. Crtica das posies cntricas como incurses euro-ocidentais
paternalistas ou afro-reactivas primrias. Os perigos do imobilismo
neutral ou mesmstico
3. Posio adoptada: Valorizao de posies assertivo-realistico-
localistas na base de uma doutrina humanstico-jurdica africana de
cariz universalista
CAPTULO II
DIREITO INTERNACIONAL PBLICO E DIREITO INTERNACIONAL DE
INTEGRAO REGIONAL: OS PARADIGMAS OCIDENTAIS (UE E
MERCOSUL)
1. Conceptualizao e contextualizao: Em busca de uma teoria
econmica e poltica unificada de integrao regional
2. Unio Europeia: o paradigma de todos os paradigmas de integrao
regional, no sentido estrito, como facto e como direito
3. MERCOSUL: Como brilhar no meio de uma constelao de blocos de
integrao econmica?
PARTE II
CONSTRUIR UMA COMUNIDADE ECONMICA E POLTICA DE FRICA
NA BASE DE UM DIREITO DE INTEGRAO REGIONAL: SIM OU NO?
CAPTULO I
AS CONCEPES DO DIREITO EM FRICA COMO SUBSTRATO DO DIREITO
INTERNACIONAL DE INTEGRAO AFRICANA
1. Enquadramento geo-histrico, antropolgico-cultural e poltico-
jurdico: Pr-colonialismo, colonialismo e estabilizao ps-colonial
africana
2. frica e pluralismo jurdico: a prevalncia formal do Direito positivo
do tipo ocidental sobre Direitos tradicionais africanos em funo dos
objectivos estratgicos do Estado moderno em construo e
-
vii
interferncias perniciosas recprocas. Lugar para a Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos
CAPTULO II
O MODELO JUS-INTERNACIONAL DE INTEGRAO REGIONAL AFRICANA
E SEUS FUNDAMENTOS HISTRICO-ANTROPOLGICOS: NATUREZA
JURDICA E EFICCIA TELEOLGICA
1. A evoluo da ordem jus-internacional africana: Da OUA para a UA
2. O mltiplo sistema institucional internacional e de integrao africana
3. Natureza jurdica do Direito africano de integrao e sua eficcia no
plano teleolgico
4. Em jeito de concluso: Sobre o problema da aplicabilidade do modelo
do Direito africano de integrao regional e possveis remdios
PARTE III
ANGOLA NO PROCESSO DE INTEGRAO AFRICANA E NA
CONSTRUO DO RESPECTIVO DIREITO REGIONAL E
CONTINENTAL
CAPTULO I
DIREITO INTERNO, COM RELEVNCIA PARA O DIREITO PBLICO (DIREITO
CONSTITUCIONAL) COMO PRESSUPOSTO DA INSERO JUS-
INTERNACIONAL E DE INTEGRAO AFRICANA DO ESTADO ANGOLANO:
FUNDAMENTOS, NATUREZA JURCA E EFICCIA TELEOLGICA
1. Antecedentes geo-histricos e antropolgico-culturais
2. Ordem constitucional angolana, insero internacional e integrao
regional e continental
CAPTULO II
OS EFEITOS FORMAIS E MATERIAIS DAS CONCEPES JURDICAS
AFRICANAS EM ANGOLA, NO MBITO DA SUA INSERO JUS-
INTERNACIONAL E DE INTEGRAO REGIONAL E CONTINENTAL
1. Do formalismo proclamatrio realidade fctico-jurca: Os casos
Arco-ris e de expulso colectiva de cidados estrangeiros
(africanos) ou o adiamento sine die do pan-africanismo humanista
2. Angola na SADC e na ECCAS/CEEAC ou como contribuir para o
marcar passo nos processos de integrao regional e continental
3. Em jeito de concluso: Natureza jus-idiossincrtica e eficcia
teleolgica do Direito (interno, internacional e de integrao)
angolano ou o Direito como carapaa estrutural e regulatria e
protectora de interesses particulares
TESES E CONCLUSES
-
viii
NOTA DE LEITURA
Em determinados casos, no foi fcil lidar com a questo de exprimir certos
conceitos em letra maiscula ou minscula. Nomeadamente no que diz respeito ao
conceito de Direito, esformo-nos por exprimi-lo com letra maiscula, sempre que se
tratou de nos referimos ideia global de Direito ou a disciplinas j consagradas do
mesmo, enquanto com o uso da letra minscula nos reportamos a contedos parcelares
ou a disciplinas que ainda no ganharam a sua autonomia quer curricular quer
doutrinrio-dogmtica. Confessemos, no entanto, que nem sempre teremos sido
consequentes.
Menos complicado ter sido o uso sistemtico de maiscula para Continente,
sempre que nos referimos, tout court, ao continente africano.
-
ix
-
x
RESUMO
A partir da pretenso inicial, expressa no ttulo e tema, este trabalho acaba por
resultar numa reflexo aturada e solitria (como alis muitos autores o destacam no caso
das suas teses de doutoramento) que ultrapassou o mero mbito da apreciao jus-
internacional da integrao regional africana, para desembocar num levantamento
(pelo menos) de pistas sobre o fenmeno e as concepes do Direito, em geral, e
particularmente na interaco historicamente inevitvel entre os direitos pblicos
africano e euro-ocidental.
Diferentemente da maioria dos trabalhos acadmicos sobre a frica dita moderna
(tanto por africanos como por outras entidades, que no precisam sequer de exibir
qualquer tipo de ostensivo eurocentrismo, j minimamente extirpado do mainstream
formal hodierno), que partem, geralmente, dos pressupostos teortico-formais euro-
ocidentais, transportados, quase sempre de forma acrtica para o Continente, em
processos legislativos e noutros aspectos hermenutico-aplicativos do Direito, ns
seguimos uma metodologia que julgamos singular. Singularidade que no reside sequer
ou simplesmente na ideia de partirmos de uma pretensa rede de sistemas teortico-
formais genuinamente africanos, o que, desde logo, conflituaria com a ideia apurada
de que essa frica moderna uma inveno to recente e prenhe de tenses que
mal a deixariam criar tais sistemas com alguma consistncia e coerncia. Entendemos
que a singularidade metodolgica deste empreendimento reside, essencialmente, no
facto de que tentamos partir da realidade nua e crua da factologia histrica,
antropolgica e cultural mltipla e diversa dessa frica moderna, que resultou da
traumtica experincia colonial e ps-colonial, sem no entanto deixarmos de relacion-
la com o seu passado mais remoto (perante si e perante o resto da Humanidade). Ora, ao
confrontarmos essa pura realidade africana com as metodologias aplicativas do direito
moderno (estamos essencialmente no domnio da criao e efetivizao do direito
pblico, base do nosso objeto de dissertao) de matriz, necessariamente, euro-
ocidental, embembido no seu extasiante perfume formal-positivista que lhe vem de
Roma, do Renascimento europeu e do Sculo das Luzes, deparamo-nos com um enorme
buraco negro, devorador atroz do contedo e do sentido desse tipo de direito, no
Continente, e desintegrador, ao mesmo tempo, de sistemas tradicionais positivos, no
sentido da dignidade e da dignificao humana.
-
xi
Conclumos, pois, que o problema no reside nem na realidade, que e ser
sempre inelutvel como a fora do vento, nem propriamente na formulao da
proposio jurdica de cariz euro-ocidental que acompanha essa infiltrao, inicialmente
exgena, mas que se tornaria ela prpria irreversvel e integradora necessria da
realidade africana hodierna.
Propomos, assim, uma nova metodologia de aplicao do direito: olhar para as
atitudes dos agentes polticos e de outros aplicadores do Direito, acima das estritas
normas jurdicas formais, perante os imperativos tico-morais que a situao do
Continente exige.
Quanto ao que ao direito de integrao regional e continental diz respeito, nem
sequer o seu contedo e sentido que so absorvidos pelo aludido buraco negro, mas
antes os das prprias regras adjectivas programadas para a sua criao, autonomizando-
o de um direito internacional africano, ele prprio vogando em atribulados mares e
agitados grandes lagos.
Na frica Austral, particularmente na frica do Sul, com base na presumvel
sublimao da filosofia tradicional Ubuntu, tentando sustentar uma convivncia na
multirracialidade e multiculturalidade, no obstante a presso a que est sujeita pelo
mainstream afrocentrista, encontramos o modelo em que tal buraco negro ,
aparentemente, diminuto, tendo em conta a preservao dos dois pilares (europeu e
nativo) em que assenta a sociedade, com reflexos positivos no funcionamento e
aplicao do Direito, na base de um casamento, aparentemente ideal, entre a tradio e a
modernidade.
Enquanto isso, em Angola, estudada como caso mdio da frica Negra,
encontramos o prottipo de uma sociedade em que o buraco devorador de contedos e
sentidos jurdicos avassalador, como resultado tanto de uma poltica assimilacionista-
integracionista colonial, seguida de outra, a do racionalismo marxista-leninista, que
contribuiu para o acanhamento e desvirtuamento da axiologia nativa ou tradicional,
completando-se o drama com a diluio dos valores positivos da modernidade
ocidental, com as prolongadas guerras civis que determinaram, inicialmente, um xodo
considervel de populaes de origem europeia, como suportes deste outro pilar da
construo da nao africana moderna, em Angola.
De todo o modo, podemos nos aperceber de alguns traos de um direito de
integrao regional africana, reflectidos e sustentados, ao mesmo tempo, no e pela
emergncia de uma frgil jurisprudncia. Fica a dvida de se saber se esses difanos
-
xii
traos podero sobreviver virulncia das prximas chuvas e preencher-se de vez o
vazio lamentado pelos ltimos pan-africanistas como Ki-Zerbo e dem Kodjo.
-
xiii
-
xiv
PALAVRAS-CHAVES
Direito e historiografia humana e africana
Filosofia poltica e jurdica africana
Direito de integrao em frica e sua efectividade
-
xv
-
xvi
ABSTRACT
Starting from the initial intention set out in its title and theme, this work has
ultimately resulted in a thorough and solitary reflection (a point that many authors
emphasise regarding their doctoral theses), which went beyond the "assessment based in
international law of African regional integration", and ended up outlining, at least, the
phenomenon and the conceptions of law in general, and particularly the historically
inevitable interaction between African and Euro-Western public law.
Most academic work on so-called modern Africa tends to start from Euro-Western
theoretical and formal assumptions that are transported almost always in an uncritical
manner to the African continent in the legislative process and in other hermeneutic-
applicative aspects of the law. This is true for work both by Africans and by others,
even if they do not display the slightest signs of Eurocentrism, something that has
already started to be removed from the mainstream of todays thinking. Instead, we
follow a methodology that we believe to be unique. This uniqueness does not reside
simply in the idea that we are starting from a supposed network of genuinely African
theoretical-formal systems; such an approach would soon come into conflict with the
established idea that this modern Africa is an invention so recent and so riven with
tensions that would barely allow it to create such systems in a coherent and consistent
manner. Instead, we believe that the methodological uniqueness of this project resides
essentially in the fact that we try to start from the bare and crude reality of the multiple
and diverse historical, anthropological and cultural facts of this modern Africa, which
result from the traumatic colonial and postcolonial experience, but which we also relate
to its more distant past (both within itself and in relation to the rest of humanity). Now
when we confront this purely African reality with the applicative methodologies of
modern law (we are essentially in the domain of the creation and implementation of
public law, the basis of our object of study) that is necessarily within a Euro-Western
matrix, suffused with the heady formal-positivist perfume that comes from Rome, from
the European Renaissance and from the Enlightenment, we find ourselves with a huge
black hole that swallows up the content and meaning of this type of law on the
-
xvii
African continent, and at the same time destroys traditional systems that are positive in
the sense of conferring human dignity.
We conclude, therefore, that the problem lies neither in the reality, which is and
will always be as elusive as the wind, nor exactly in the formulation of the Euro-
Western version of juridical proposition that comes with this infiltration, at first from
the outside, but which would become irreversible and which would necessarily merge
into contemporary African reality.
Thus we propose a new methodology for the application of the law: to study the
attitudes of political actors and others who apply the law outside of the strict formal
legal norms when faced with the ethical and moral imperatives that the continents
situation demands.
As for law governing continental and regional integration, it is not so much its
content and meaning that are swallowed up by the supposed black hole, but rather the
very procedural rules that were meant to allow the creation of such a law and to
empower it as African international law, are themselves drifting in stormy seas.
Within Southern Africa, it is in South Africa that we find a model in which the
black hole is reduced and which takes into account the two pillars (European and
indigenous) on which the society is constructed. This is presumably on the basis of
South Africa having enshrined the traditional Ubuntu philosophy in an attempt to
sustain multiracial and multicultural coexistence despite coming under pressure from
the Afrocentric mainstream, and this decision has had positive consequences in the
functioning and application of the law based on an apparently ideal marriage between
tradition and modernity. Meanwhile, in Angola, taken as a more typical African case,
we find the prototype of a society in which the black hole that swallows legal content
and meanings is overwhelming, the result of the assimilationist / integrationist colonial
policy followed by one of Marxist-Leninist rationalism, which contributed to the
weakening and distortion of indigenous or traditional axiology. The drama was
completed with the erosion of the positive aspects of western modernity with the long
civil wars, which caused the exodus of a large part of the population of European origin
who could have been a pillar for the construction of a modern African nation in Angola.
Notwithstanding, we could catch a glimpse of some footsteps of an african
modern communitarian law, reflected in and sustained by a few and fragile number of
justice cases. What we can not predict is wether this faint footsteps are capable to resist
-
xviii
to the turbulent rains coming up, so that the regretted void by the last pan-africanists
like Ki-Zerbo and Edem Kodjo can be filled up.
-
xix
-
xx
KEY WORDS
Law and Human and African Historiography
African Political and Legal Philosophy
Integration in Africa and its efetiveness
-
xxi
-
xxii
PRINCIPAIS SIGLAS E ACRNIMOS
ACC Associao Construindo Comunidades
ACUA Acto Constitutivo da Unio Africana
ALADI Associao Latino-Americana de Integrao
ALALC Associao Latino-Americana de Livre Comrcio
ALAO Assembleia Legislativa da frica Oriental
ALBA-TCP Aliana Bolivariana para as Amricas-Tratado de Comrcio dos Povos
ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas
ALCSA Associao de Livre Comrcio Sul-Americano
AN Assembleia Nacional
BAI Banco Africano de Investimento
BCA Banco Central Africano
BEAC Banco Central da frica Equatorial
BEI Banco Europeu de Investimento
CADH Conveno Americana dos Direitos Humanos
CADHP Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
CAN Comunidade Andina das Naes
CCEG Conferncia de Chefes de Estado e de Governo
CdE Conselho da Europa
CEA Comunidade Econmica Africana
CECA Comunidade Europeia do Carvo e do Ao
CEDEAO Comunidade dos Estados da frica Ocidental
CEDH Conveno Europeia dos Direitos Humanos
CEE Comunidade Econmica Europeia
CEEA Comunidade Europeia de Energia Atmica
CEEAC Comunidade Econmica dos Estados da frica Central
CEMAC Communaut Economique e Montaire de lAfrique Centrale
CFB Caminho de Ferro de Benguela
CJAI Cooperao Judiciria em Matria de Assuntos Internos
-
xxiii
CmADHP Comisso Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
CM Common Market(s)
CEN-SAD Comunidade dos Estados do Sahel e do Saara
CCEG Conferncia de Chefes de Estado e de Governo
CEPGL Comunidade Econmica dos Pases dos Grandes Lagos
CER Comunidade Econmica Regional
COMECON Conselho de Ajuda Econmica Mtua
COMESA Mercado Comum da frica Oriental e Austral
CONCP Conferncia das Organizaes Nacionalistas das Colnias
Portuguesas
CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa
CRA Constituio da Repblica de Angola
CU Customs Union
DIP Direito Internacional Pblico
EAC East African Community (Comunidade da frica Oriental)
ECCAS Economic Community of Central African States
ECOMOG ECOWAS-Monitoring Group
ECOWAS Economic Community of West African States
EU Economic Union(s)
FAS Federation of Africa States
FLEC Frente de Libertao do Enclave de Cabinda
FMA Fundo Monetrio Africano
FNLA Frente Nacional para a Libertao de Angola
FRAIN Frente Revolucionria Africana
FRELIMO Frente de Libertao de Moambique
FTA Free Trade Area
GAFTA Greater Arab Free Trade Area
GATT Acordo Geral de Tarifas e Comrcio
IGAD Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento
IGADD Intergovernamental Authority on Drought and Development
MAC Movimento Anti-Colonialista
MANU Mozambique African National Union
MARP Mecanismo Africano de Reviso por Pares
-
xxiv
MDM Movimento Democrtico de Moambique
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MFA Movimento das Foras Armadas
MLSTP Movimento de Libertao de So Tom e Prncipe
MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola
NAFTA North American Free Trade Area
NAI New African Initiative
NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento de frica
OEA Organizao dos Estados Americanos
OHADA Organization pour lHarmonization en Afrique du Droit des Affaires
OIF Organizao Internacional da Francofonia
OMC Organizao Mundial do Comrcio
ONG Organizao No-Governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
OUA Organizao de Unidade Africana
PAIGC Partido para a Independncia da Guin e Cabo Verde
PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa
PESC Poltica Externa e de Segurana Comum
PCSD Poltica Comum de Segurana e Defesa
PMD Pases Menos Desenvolvidos
POP Protocolo do Ouro Preto
PPA Parlamento Pan-Africa
PTA Preferential Trade Area
RDC Repblica Democrtica do Congo
RENAMO Resistncia Nacional Moambicana
SACU South Africa Customs Union
SADC Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral
SADCC Southern African Development Coordinating Conference
SAI Sistema Andino de Integrao
SEBC Sistema Europeu de Bancos Centarais
TA Tratado de Assuno
TADHP Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos
-
xxv
TAJDH Tribunal Africano da Justia e Direitos Humanos
TCEA Tratado da Comunidade Econmica Africana
TCECA Tratado da Comunidade Europeia do Carvo e do Ao
TJ Tribunal de Justia
TJUA Tribunal de Justia da Unio Africana
TJUE Tribunal de Justia da Unio Europeia
TLC Tratados de Livre Comrcio
TS Tribunal Supremo
TSADC Tribunal da SADC
TUE Tratado da Unio Europeia
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia
TUIEPRE Teoria Unificada de Integrao Econmica e Poltica Regional
UA Unio Africana
UDEAC Unio Aduaneira e Econmica da frica Central
UE Unio Europeia
UMA Unio do Magrebe rabe
UEMOA Union Economique et Montaire Ouest-Africaine
UMOA Union Montaire Ouest-Africaine
UNASUL Unio das Naes Sul-Americanas
UN-ECA United Nations Economic Commission for Africa
UNITA Unio para a Independncia Total de Angola
UPA Unio das Populaes de Angola
UPNA Unio das Populaes do Norte de Angola
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
WAMZ West African Monetary Zone
-
xxvi
What I can confess right away is that I have doubts about
my ability. If I did not have such doubts, I would not qualify as a
philosopher, for a philosopher is a man or a woman who is
constantly haunted by a living doubt. There is nothing that he or
she says that is definitive.
John Murungi (2013)
-
1
-
2
INTRODUO
1. Algumas consideraes sobre a deciso de realizar esta pesquisa e
respectiva dissertao
O tema, sobre o qual nos propomos pesquisar e tirar algumas concluses, nasceu e
amadureceu ao longo da feitura do nosso Mestrado em Cincias Jurdico-Polticas, na
Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em cooperao com a Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, entre os anos de 2005 e 2008.
Com efeito, o ponto de partida ter sido o nosso relatrio, na parte lectiva do
Mestrado, em Direito Constitucional, que nos levou s suas hodiernas linhas divisrias
muito tnues com o Direito Internacional, desembocando num direito
comunitrio/transnacional, especialmente inspirados na experincia da Unio Europeia,
quando dissertamos sob o tema O problema da Insero Internacional e da Integrao
Regional dos Estados e a Evoluo do Conceito de Constituio: O caso concreto do
constitucionalismo angolano.
Foi, porm, a nossa condio de antigo governante de um pas africano e, antes,
de algumas das suas parcelas internas (governador de duas provncias e primeiro-
ministro de Angola, entre 1986 e 1996) , inserido numa das supostas mais dinmicas
zonas da debutante e atribulada integrao regional africana a SADC (Southern
African Development Community) , assim como a nossa passagem pela direco do
Secretariado da CPLP (Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa 1996 a 2000),
com contactos privilegiados com diversas organizaes internacionais, que constituiu a
oportunidade do encontro com a matria que estar em evidncia na nossa dissertao, e
o maior mbil para este trabalho. H que acrescentar a tudo isso a nossa experincia
como docente de disciplinas de Organizaes Internacionais, na Universidade Lusada
de Angola, que se transformou no verdadeiro caldeamento de todas as outras citadas
experincias, especialmente, ao facultar-nos a clarificao da diferena entre as
instituies de mera cooperao intergovernamental e o conceito de integrao. E, em
anos ainda mais recentes, dedicmo-nos advocacia, particularmente na defesa dos
direitos fundamentais de cidados angolanos e na formao de magistrados judiciais e
do Ministrio Pblico.
-
3
A redaco da presente tese acontece, pois, numa fase da nossa mxima
maturidade humana, que em si constitui uma grande universidade, como se afirma por
paragens africanas, em cujo universo de oratria, historiografia e filosofia tradicionais
grafas estamos consideravelmente inseridos. Maturidade, essencialmente, enquanto
interventores polticos (nos ltimos anos, menos, no sentido estrito da palavra, mas mais
no largo sentido cvico-poltico, o que retira alguma tenso para conferir maior
tranquilidade ao empreendimento analtico-reflexivo). E maturidade tambm no
domnio acadmico, que se consolidou com a investigao e o ensino do Direito;
investigao que se orientou essencialmente para os problemas de frica como entidade
sociolgica, antropolgico-cultural, jurdico-polca e institucional, aqui mais almejada
do que real, a envolver Angola como um nsito objecto do mesmo estudo, devendo-se
contudo atentar nas suas particularidades, no mbito das mudanas que se operam no
mundo e no prprio continente africano.
Assim nasceu, pois, a grande motivao para se abordar um domnio muito vasto
e sem significativa cobertura precedente, no mbito do tratamento cientfico, mesmo no
sentido mais amplo possvel1, como alis acontece com muitas matrias africanas. Com
efeito, aos diversos actores e nos mais variados domnios, pouco tempo sobra para uma
actividade analtico-reflexiva no nvel de responsabilidade e dificuldade com que nos
propusemos partir para este empreendimento.
Em funo da virgindade que se verifica no terreno a abordar, quanto a
precedentes de vulto, no plano doutrinrio e jurisprudencial de Angola e mesmo em
todo o universo lusfono africano, de forma geral, em que questes deste mbito,
inseridas ou relacionadas com o Direito Internacional, no se encontram no centro das
preocupaes de muitos estudiosos africanos, encontrmo-nos numa situao algo
paradoxal. Ela consiste, por um lado, na carncia de obras de referncia para abordar o
tema em causa, o que constitui, em si, uma dificuldade, mas, por outro lado, este facto
pode constituir motivo para a justificao da seleco de um objecto de abordagem
sobre o qual incide o trabalho a realizar, que poderia ser definido, por algumas almas
mais exigentes2, como cientificamente menos preciso. Convimos ns, no entanto, que
na fase humano-cronolgica em que nos encontramos, como acima referimos, seria um
redundar em certo desperdcio atermo-nos a um objecto demasiado restritivo. Estamos
1 Cfr. ECO, Humberto, Que a Cientificidade?, in Como se faz uma Tese em Cincias Humanas?
(traduo de Ana Bastos e Lus Leito, 1997, da edio original com o ttulo: Como Si Fa Una Tesi Di
Laurea, 1977), 17. ed., Editorial Presena, 2011, p. 51. 2 Idem, ibidem.
-
4
convencidos que, nas nossas condies, so assim melhor alcanadas as exigncias que
o Decreto-Lei n. 216/92 impe augusta Universidade de Lisboa, entre outras
instituies do Ensino Superior, em Portugal, para a natureza de trabalhos susceptveis
de atribuio do grau de doutoramento, a saber, comprovar a realizao de
contribuies inovadoras para o progresso do conhecimento com alto valor cultural,
numa determinada rea do conhecimento e a aptido para realizar trabalho cientfico
independente (art. 17., n. 1).
2. Enunciao do objecto de estudo, problema ou questo de partida e
hiptese da pesquisa
No obstante as ltimas observaes, cuidamos de delimitar minimamente o
nosso objecto de estudo e anlise.
Como natural, o objecto de estudo de um trabalho de pesquisa (ou como em
grande parte ser mais preciso referir de sedimentao conclusiva de toda uma vida
de observaes no mundo da poltica, da diplomacia e do estudo e ensino do Direito no
complexo universo africano, atravs, essencialmente da experincia de Angola) aparece
reflectido ou pode deduzir-se do tema proposto, no caso, Contribuio para uma
apreciao jurdico-internacional da integrao regional africana.
Deveremos referir aqui, contudo, que, no mbito da anunciada amplitude da
abordagem, a ideia (ou, mais precisamente, o conceito de integrao regional para
cuja teorizao pretendemos deixar alguma contribuio) deve ser entendida numa
acepo biunvoca, sendo que, por um lado, significar integrao sub-regional, isto ,
naquele sentido em que ela (a integrao) se refere s diversas regies em que o
Continente se encontra dividido para esse efeito, enquanto, noutro sentido, significar
integrao regional referente ao continente africano no seu todo, como uma regio
mundial, ao lado de outras regies como a Europa, as Amricas e a sia. E, acrescente-
se, integrao regional como facto e como direito, tal como acontece na Unio Europeia
(UE), embora, como desde logo se pode presumir, em relao frica, seja apenas uma
questo de anlise das possibilidades.
O fulcro do objecto deste trabalho ser justamente a ltima acepo, a de
integrao regional da frica, em geral, pois a onde se levantam muito mais
dvidas sobre o seu verdadeiro devir; onde, aparentemente h muito mais por clarificar,
especialmente, no domnio jurdico-institucional. Na verdade, sabemos de antemo que
aquilo que, apurado o sentido biunvoco de integrao regional, chamaremos de
-
5
integrao sub-regional no seno uma preconizada e jurdico-formalmente garantida
fase tctico-estratgica para se alcanar a verdadeira e supostamente possvel integrao
regional africana, como preconizado no Tratado que Estabelece a Comunidade
Econmica Africana (Tratado de Abuja, de 3 de Junho de 1991, que daqui por diante
poderemos abreviar por TCEA), instrumento jurdico de relevncia central, concebido
para regular, de forma gradual, tal processo de integrao. Aparentemente, hoje pouco
se invoca esse instrumento jurdico, tanto nas actividades e funcionamento das
instituies sub-regionais vocacionadas para impulsionar esse processo de integrao
global da frica, como no dia-a-dia da prpria Unio Africana que, at pelo timbre dos
documentos que sustentaram o seu aparecimento, como sucessora da OUA
(Organizao de Unidade Africana), parece ter nascido sob a sua gide (do Tratado de
Abuja). Em contrapartida, embora no consensualmente aceite, parece fazer grande
impacto e atraco a ideia de substituir de imediato a UA por uma entidade institucional
de natureza aparentemente diversa j mesmo sob o ponto de vista formal que seriam
os chamados Estados Unidos de frica (um monstruoso Estado federal).
Por coincidncia, uma boa parte dos Estados africanos encontra-se a comemorar
50 ou mais anos da sua independncia poltica. No nos compete fazer aqui o balano
substantivo de como os sonhos e as esperanas se concretizaram ou no, ou at que
ponto os africanos, como objecto de proteco do Direito, especialmente, dos Direitos
Humanos, em que os Direitos dos Povos se transformaram numa particularidade, e que
supostamente lhes eram negados pelo colonialismo europeu, viram a sua condio
humana melhorada ou no. O que nos compete, como juristas que nos apresentamos
neste empreendimento investigativo, aproveitar o ensejo para avaliar, no plano do
pensamento jurdico, como nesse domnio o Direito pde interagir com a realidade que
pretende conformar.
Na verdade, no difcil constatar que, tal como nos outros diversos aspectos
que ao Direito compete regular a todos , nos seus mais variados nveis, o campo
jurdico se encontra numa encruzilhada, em frica. , manifestamente, uma entidade
que tem de operar entre a sua feio moderna, que predomina nas formalidades,
nomeadamente do plano da estruturao e funcionamento do Estado moderno,
oficialmente inaugurado a partir da proclamao da independncia poltica e a atraco
lunar das fortes mars dos mais variados e complexos mundos dos diversos direitos
costumeiros, aparentemente no compaginados com os mecanismos funcionais do
chamado Estado-nao moderno.
-
6
Chama-nos a ateno que, desde o limiar das independncias e, certamente,
antes de mais, por culpa do colonizador europeu, que ao introduzir o Continente numa
desnaturada e algo destemperada modernizao, incentivou uma cultura de
uniformizao, cunhando realidades to dspares com uma mesma terminologia , no
h, em relao a nenhum outro continente, ou a qualquer outro lugar assimilvel, um
discurso em que se fale tanto da necessidade de criao de uma comunidade econmica
e poltica, com base numa suposta e aparente identidade antropolgico-cultural e
sociolgica. Comeando, por exemplo, na comparao com a prpria Europa, nunca se
pensou aqui numa unidade poltica e mesmo econmica de um continente europeu
inteiro, dos Urais at Pennsula Ibrica e da Escandinvia at a alguma qualquer
reentrncia terrestre (ilha ou pennsula) mais a sul no Mediterrneo ou Atlntico. Porque
deve sublinhar-se o projecto Unio Europeia (UE) no foi assim pensado, nem
casualmente chegou a essa dimenso, onde deve notar-se que at Estados ocidentais
clssicos, como o Reino Unido, se desengajam de alguns aspectos importantes da
mesma, como a livre circulao de pessoas e bens e a unio monetria. O mesmo se
diga, e por maioria de razo, em relao ao continente americano e aos seus sub-
continentes. Nem estabeleamos, de modo algum, nesta matria, paralelismos com o
continente asitico, onde a nica terminologia sonante de pendor gregrio de Estados-
nao se coloca apenas ao nvel da Organizao das Naes Unidas (ONU) e de
algumas organizaes sub-regionais, como a Asean (Associaton of Southeast Asian
Nations), em que a soberania de cada Estado-membro nunca minimamente colocada
em causa. Na verdade, a sia, que parcialmente partilhou, em alguma altura, o mesmo
destino que a frica na saga anticolonial contra Estados da Europa ocidental, conhecida
por afro-asiatismo, hoje constituda, a par de Estados menos significativos no
panorama mundial, por potncias e subpotncias mundiais parte da Rssia, a China, o
Japo, a ndia, entre outras que realizam o seu destino separado, perante outras
entidades jurdico-polticas e institucionais a nvel regional e mundial.
Em contrapartida, a frica ecoa perante o mundo e, qui, como causa e
consequncia ao mesmo tempo, perante si prpria, como uma entidade nica, mesmo
quando apresenta realidades to dspares como a chamada frica Branca e a maioritria
e mais caracterstica chamada frica Negra ou Subsaariana, em que existem tambm
diferenas entre uma frica sudanesa (Sahel e sub-Sahel) e a que se pode chamar
frica banta, onde vamos encontrar a particularidade sul-africana. Sem esquecer as
particularidades do universo niltico e nordestino, onde predomina a ancestral realidade
-
7
etope, sem nenhum paralelo no Continente, pelo menos no que diz respeito
consistncia com que se apresentou perante a invaso colonial, cujo delrio assumiu
propores rocambolescas, com os ditames avassaladores da Conferncia (unilateral) de
Berlim de 1884/85. Nesse mbito, a constituda Organizao de Unidade Africana
(OUA), em 1963, embora de certa maneira homloga da congnere Organizao dos
Estados Americanos (OEA), de 1948, e do Conselho da Europa (CdE), de 1949, no
obstante a sua aco se ter circunscrito aos objectivos da concluso dos processos de
descolonizao e do fim do apartheid e de regimes minoritrios brancos na frica
Austral, transformou-se, sem dvida na bandeira de mobilizao e smbolo dessa
unidade que no apresenta, na realidade, nenhum contedo concreto e consistente, em
termos sequer de mera coordenao de esforos nos domnios econmico, social e
cultural. E, no domnio poltico, a realidade apresenta-se ainda mais vazia de contedo,
apenas iludida com o rudo ensurdecedor da proclamao retrica, muito esvaziada com
o fim do mundo bipolar, determinado pela queda do Muro de Berlim, com o
subsequente e significativo fim das ideologias, que se incarnaram durante dcadas a fio,
na chamada Guerra Fria.
Esse acontecimento trouxe o advento de esperanas numa chamada
redemocratizao de frica, consubstanciada na remoo generalizada de regimes
autoritrios que se implantaram logo a seguir s independncias, sob o pretexto de que a
estrutura monoltica de partido (nico-Estado) era a nica forma vivel para acelerar o
desenvolvimento e o progresso das novas naes, a formar a partir dos Estados
constitudos apressadamente e, em vrios casos, numa catadupa vertiginosa. Porm, e
curiosamente, essa possibilidade de que se esperaria um impulso significativo para o
relanamento da ideia da unidade pan-africanista transformou-se, em vrias situaes,
numa caixa de Pandora que tem apresentado uma realidade nacional to ou mais
discrepante ainda do que aquela que, em alguns casos, se observa entre as diversas
regies do Continente. At porque esta ltima mais passiva e meramente
contemplativa, enquanto aquela assume, no raras vezes, formas de incontrolvel
virulncia.
Mas uma aco poltica aparentemente balofa ou meramente proclamatria, no
parou de densificar as formalidades, no sentido de precipitar a propalada unidade
econmica e poltica, baseada em suposta identidade continental. Assim, ainda no
estava proclamada a UE (cuja formalizao estava para muito breve, numa trajetria
projectada para ser concretizada por pequenos passos, a partir da constituio da
-
8
CECA Comunidade Europeia do Carvo e do Ao, em 1951) em 1991, a OUA cria a
Comunidade Econmica Africana (CEA), atravs do Tratado de Abuja, na base de uma
programao juridicamente assegurada. Porm, esta instituio, no meio de uma
hiperaco poltica que pode chegar a ser contraproducente, acabou, pelo menos
aparentemente, por cair no esquecimento; no obstante se terem constitudo, na sua
base, instituies sem qualquer visibilidade e aparentemente sem qualquer eficcia,
como o caso do Parlamento Pan-Africano.
E os entusiasmos no se ficaram por aqui. Verificada a ineficcia da CEA e
perante aspectos inconclusos das aces projectadas que, no fundamental, previam
uma estruturao a partir de organizaes regionais apontadas como os pilares da
Organizao (OUA/CEA) , e ainda perante frustraes decorrentes do fracasso das
esperanas depositadas nas transformaes desencadeadas pelo fim da Guerra Fria, a
prpria OUA transforma-se em Unio Africana (UA). A semelhana das designaes
no dissimula a vontade de seguir o modelo da UE, como j antes a CEA no deixava
de exprimir, ainda que em mera formalidade, a vontade de seguir o ento j superado
modelo das Comunidades e da Comunidade Europeia.
Foi provavelmente este ltimo gesto o que mais incrementou a sensao de
identidade e de unidade africana, especialmente quando a UA se multiplica em outros
tantos gestos de mera aco poltico-diplomtica e formaliza a NEPAD (New
Partnership for Africa Development), sem que se conheam ainda os seus resultados
sensveis junto das regies africanas, das instituies e de outras regies mundiais e
dentro dos seus prprios Estados-membros. preciso, desde logo, no deixar de notar
que a emergncia formal da UA o resultado de uma situao de compromisso a que se
chegou, perante instncias de um considervel grupo de Estados, especialmente da
regio do Sahel, em torno da Lbia de Muamar Kadafi de que se devia abandonar o
modelo de integrao do tipo europeu para se regressar precocemente abandonada
ideia de Kwame Nkrumah dos anos 50 e 60 do sculo passado, que seria a constituio
do que se chamariam, como j se referiu, os Estados Unidos de frica. Pelo menos
aparentemente, Kadafi morre no ano 41. da sua tomada do poder pela fora, na Lbia, e
uma dcada depois da criao da UA, cuja aparente ineficcia o levava a no deixar de
insistir na instituio dos EUA (africanos), num acto demonstrativo do quo longe se
est da criao de condies para que tal proeza possa ter lugar, com alguma
objectividade. Diga-se ainda que a prpria destituio, por golpe de estado, de um mais
do que prestigiado Nkruma, no seu Gana, alguns anos depois de ter encabeado o
-
9
projecto vitorioso da primeira independncia da frica Negra, j era a clara
demonstrao de que entre os nossos sonhos e a realidade, por vezes, podem estar
atravessados muitos anos de distncia, seno mesmo impossibilidades.
Mas os sonhos so imparveis e, sobretudo, incontrolveis, especialmente num
continente desprovido de estruturas de referncia mais prximas de certa racionalidade,
a que, alis, filsofos, como Senghor, atribuem, num sentido imaginado positivo, o dom
de ver o mundo pelo sentimento e no pela razo; ao que outros consideram, desde logo,
uma avaliao e generalizao precipitadas. A verdade que estas sensaes e
percepes, interagindo umas em relao a outras, vo consolidando a ideia de uma
identidade africana que no se reflete, antes de mais, na estruturao e ou
funcionalidade das instituies projectadas e, consequentemente, na elaborao de
polticas efectivas comuns que melhorem as condies do percebido Homo africanus.
Especialmente como juristas e inevitavelmente como homem africano que somos,
esta questo genrica que nos assalta: como num continente em que, como em
nenhum outro, se fala tanto de identidade e unidade, no se efectivam realizaes mais
concretas e objectivas nos domnios jurdico-poltico e institucional, com reflexos
positivos, especialmente na condio humana dos seus habitantes? Questo logo
seguida de outras perguntas numa catadupa que poderia ser interminvel. Onde residir
o problema? Numa realidade fadada pelo destino a ter de permanecer assim durante
mais algum tempo j que no acreditamos no eterno imobilismo ou em outros
factores mal explorados, entre os quais o prprio Direito, que, devendo ser encarado
como produto da evoluo natural das sociedades, pode inteiramente ser tido tambm
como uma mola impulsionadora do progresso e desenvolvimento?3
Naturalmente, no contexto cientfico-disciplinar em que nos encontramos
inseridos, independentemente da imprescindibilidade relacional com outros aspectos e
variveis, o Direito apresentar-se- como o campo em que se deve localizar o objecto
mais concreto da pesquisa e resultante dissertao, numa configurao que poderia
traduzir-se na seguinte reformulao do tema e ttulo deste trabalho, com feio mais
filosfico-reflexiva, se assim o quisssemos encarar: Direito e Realidade: O caso
3 Esta uma opinio muito viva que temos da funo ou da perspectiva teleolgica do direito,
mxime, do Direito Pblico, nas actuais condies de frica, em que se apresentam necessrias
determinadas engenharias decisrias, se se pretende superar assimetrias e recuperar tempos supostamente
perdidos, sem que os nossos passos sejam maiores que o que as nossas pernas podem. Uma perspectiva
que pode ser alinhada, em algum sentido, com a ideia do Direito como sollen, de Kelsen (v. KELSEN,
Hans, Teoria Pura do Direito, ttulo original: Reine Rechtslehre, 1960, traduo de Joo Batista
Machado, Martins Fontes, So Paulo, 2006).
-
10
concreto do direito de integrao regional e a realidade africana. No optmos por esta
designao temtica simplesmente porque temos, antes, a necessidade de apurar e
comprovar a existncia, hoje por hoje, deste tipo de direito, evoludo a partir das
diversas perspectivas do Direito Internacional Pblico (DIP). E a existir efectivamente,
mesmo nos marcos das dificuldades que nos so colocadas pela volubilidade dos
conceitos em cincias sociais e humanas, indagar da sua possibilidade de transitar ou ter
transitado j para outras realidades fctico-jurdicas que no a da Europa da UE. E
isso numa arquitectura conceitual em que, em particular, a experincia do Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL), por ns, com a devida justificao, taxada tambm de
Ocidental, pela sua matriz, aparece como paradigma particular, no obstante a sua
manifesta insero ainda no mero plano do Direito Internacional Pblico. E, se existe a
possibilidade do direito de integrao regional fora do universo dito euro-ocidental,
indagar ainda se ele pode emergir ou instalar-se no continente africano, para da se
apurar ou no da sua actual localizao em embrio ou de forma j consolidada,
concluindo com respostas sobre a sua eficcia ou perspectiva de eficcia, que o que se
deve esperar sempre de qualquer tipo de direito, na perspectiva moderna, que
inegavelmente chegou (bem ou mal) ao Continente e domina claramente os aspectos,
pelo menos formais, do Direito Pblico dos chamados Estados-nao modernos
africanos, como j referido.
2.1. Hiptese
Concluindo esta enunciao do objecto da nossa pesquisa, referiremos que, se,
como o entendemos, em teses deste nvel devem ser apresentados e resolvidos
problemas concretos ou apresentadas e respondidas questes, ns nos encontraremos na
segunda das duas disjuntivas, a que melhor se compagina, alis, com a natureza social e
humana do Direito e da maioria das disciplinas que lhe so afins e/ou auxiliares. No se
espere, naturalmente, por respostas taxativas, definitivas, e muito menos com a
pretenso eventualmente subjacente de excluso de uma mirade de respostas possveis
de futuras outras reflexes nossas ou de contraditrias de outros estudiosos de matria
to complexa e inesgotvel.
Partimos com a hiptese central de que existe uma disfuno no Estado-nao
moderno africano, que contende com qualquer tipo de direito que se possa conceber
para realizar o que quer que seja prximo da construo de uma comunidade
econmica e poltica a que tanto se aspira, em cujo processo ele (o Estado-nao
-
11
africano) devia intervir como clula viva. uma disfuno que parece resultar das
condies dramticas da sua relativamente recente emergncia, de todo em todo
diferentes das da instituio secular do estado europeu que tem funcionado, com notvel
eficcia, como clula da construo da EU e do seu prprio direito. Deduzimos, pois,
que as dificuldades na construo do Estado-nao moderno em frica se reflectem na
discrepncia acentuada entre a Constituio formal e a constituio real da
generalidade dos Estados africanos, o que por sua vez se repercute no alinhamento entre
o processo de integrao formal, previsto no Tratado de Abuja de 1991 e os processos
materiais em curso nas diversas zonas de integrao continental, bem como no prprio
envolvimento poltico da Unio Africana. Angola, que, naturalmente, est inserida
nesses processos, enquadra-se perfeitamente nesse paradigma.
3. mbito cientfico ou enquadramento terico-disciplinar
Quanto ao enquadramento terico-disciplinar da pesquisa que nos propomos
empreender, o mbito do doutoramento em que se insere este trabalho Doutoramento
em Cincias Jurdico-Polticas no deixa margem para extrapolaes, sem bem que
suficientemente amplo e muito afim s nossas prprias actividades e compromissos
profissionais e cvico-polticos, ao longo de toda uma vida.
Refira-se que no ncleo da plataforma acolhedora do objecto da pesquisa
encontra-se, naturalmente, a disciplina do Direito, na sua vastido temtica, capaz de
abarcar, praticamente, todos os aspectos da actividade humana, como modelador de
comportamentos, ao lado de outras axiologias como a tica e a moral e at as simples
regras de cortesia entre humanos, naes e outras instituies, e como legitimador de
iniciativas e atitudes humanas julgadas positivas. Mais concretamente, estamos no
campo do Direito Internacional Pblico; porm, naquela das suas vertentes que de si se
autonomiza manifestamente. Referimo-nos, em particular, ao mbito da construo da
UE, num processo que teve incio com a emergncia do chamado direito comunitrio,
cujas fontes principais eram essencialmente o Tratado de Paris de 1951, a que mais
tarde se juntaram o(s) Tratado(s) de Roma de 1957. Na verdade, este direito, na sua fase
debutante, mal se podia distinguir, quanto mais no seja, do Direito das Organizaes
Internacionais (DOI). Hoje, porm, depois do Tratado de Lisboa de 2007, ele atingiu, na
substncia, o verdadeiro patamar de Direito de Integrao Econmica e Poltica de
nvel regional. Um fenmeno fctico-jurdico que, quanto a ns, e no muito
diferentemente de vrios estudiosos e pensadores que se tornaram referncias, se
-
12
constituiu num verdadeiro direito interno de novo tipo, a par dos direitos internos dos
Estados-nao de estrutura unitria ou federal, nas suas mais variadas formas, quer
pensemos nas actuais como nas histricas.
Conclua-se, contudo, que tanto pela prpria natureza transversal do Direito, como
tambm em razo do percurso pessoal do dissertante desde o incio referido, a
dissertao no poder deixar de reflectir um amplo carcter multidisciplinar. Aqui,
domnios inerentes ao Direito Pblico (DP), mxime o Direito Constitucional, como
regulador da estruturao e funcionamento do Estado-nao, por sua vez reconhecido
como a clula de base da integrao regional, chamaro a Cincia Poltica (CP)
colao. E no podero, naturalmente, outras cincias auxiliares e afins ao Direito,
como j se referiu acima, deixar de intervir, tais como a Sociologia, a Antropologia
(especialmente a Cultural) e, last but not least, a Histria Universal, em geral, e da
frica, em particular, que se apresenta fundamental para a nossa tentativa de esclarecer
muitos equvocos em que ns prprios nos enredmos durante muito tempo, arrastados
pelos avassaladores e contaminantes entusiasmos dos nacionalismos pan-africanistas
dos anos 50, 60, 70 do sculo XX, e at mais tarde, quando sobre o Continente se abateu
a onda por alguns chamada de redemocratizao de frica, terminada a chamada
Guerra Fria, em incios da ltima dcada tambm do sculo passado.
Direito Comparado que no sair muito da sede macro dos sistemas jurdicos (cfr.
Asceno, OLIVEIRA, 2011, pp. 145 e ss.). Filosofia Geral (Filosofia Poltica) e
Filosofia do Direito, em particular, so tambm reas do saber que sero chamadas a
estar presentes. E se o enquadramento histrico que, pela sua abundncia, constituindo-
se na autntica coluna vertebral da pesquisa e dissertao, pela razo acima aludida,
poder ser tido por avaliadores como excessivo, talvez a presena da Filosofia, na
dimenso em que aparece, venha a ser apreciada como redundante. Porm, em face da
complexidade com que o Direito e suas concepes e percepes se apresenta, nos seus
mais diversos aspectos no continente africano, esta opo, que merecer mais algumas
observaes abaixo, vemo-la como mais do que justificvel em momentos de
enquadramento do objecto, e no s.
4. Interesse prtico da pesquisa e dissertao
Se a questo do interesse prtico de uma pesquisa deste nvel se apresenta
importante em universos geogrficos em que quase j se esgotaram tantas matrias
como objectos da anlise cientfica, mormente nos seus aspectos mais gerais, como o
-
13
caso da Europa ou, mais amplamente, neste espao algo virtual a que se d o nome de
Ocidente, j no e em relao ao agora algo eufemisticamente chamado mundo em
desenvolvimento, em que se inclui naturalmente o espao geogrfico continental
africano, essa questo atinge maior alcance. Se o universo geral das comunidades
humanas se encontra numa encruzilhada, na qual sucessivas e concomitantes crises
espelham manifestamente o esgotamento de modelos desenhados em tempos que j se
apresentam antanhos, este drama particularmente incisivo em frica, pelas razes que
aqui se tentar aduzir de forma particular e sistematizada para os devidos efeitos,
embora j conhecidas atravs de diversas outras abordagens.
Na modernidade africana, que, como referimos acima, se imps algo
dramaticamente, mas de forma inelutvel, o Direito, na sua dimenso ontolgica
universal e local, como um receptculo do conjunto de valores e princpios normativos
com objectivos finalsticos que clarifica e ilumina, acaba por assumir grandes
responsabilidades no mbito do grande empreendimento da construo do Estado-
nao, nesta poca de mltiplas encruzilhadas. Por isso, convimos que qualquer que seja
a mais andina vontade de contribuir neste domnio para a frica, um continente que
tende a ser sempre absorvido por projectos exgenos, apresenta-se, desde ali, com
sobejo interesse prtico. Mas neste empreendimento tentamos sair de um labirinto de
generalidades, num universo dentro do qual, por razes vrias, tudo se tenta iniciar, mas
pouco escapa do buraco negro de tantas sadas frustradas.
Pensamos que as questes apontadas na enunciao do obejecto de estudo e
anlise espelham bem o interesse prtico deste trabalho. Assim o far tambm a parte
desta introduo geral em que assinalaremos a necessidade de clarificao das posies
filosficas gerais e do prprio direito em particular, num debate em torno da reviso
bibliogrfica que efectuamos, com vindicaes das mais diversas, algumas das quais
nos pareceram francamente promotoras da ideia de imobilismo e conformismo, e por
vezes at do culto a certa regresso que s agravaria o isolamento de frica e das suas
comunidades supostamente originrias e romanticamente relembradas.
Dada a manifesta falta de compndios sobre a problemtica dos fenmenos
africanos em praticamente todos os ramos do conhecimento em Angola, mais
concretamente, no que diz respeito ao Direito, Filosofia do Direito e Teoria e
Metodologia jurdicas, o texto redigido de modo que, alm de procurar alcanar
primordialmente o objectivo cientfico a que se prope, possa contribuir para a
superao da lacuna acima referida e nesses domnios. Se no com a pretenso de
-
14
esgot-la, ao menos no sentido de abrir algumas pistas e estimular o seu
aprofundamento.
Convimos que no seja pretenso algo descabida que as concluses desta pesquisa
possam eventualmente surpreender-se mesa de anlises de organizaes internacionais
de cooperao e integrao africana, como a SADC (Southern African Development
Community) e a prpria UA, de modo que sejam agregadas s instantes de documentos
de anlises menos condicionadas pelo formalismo e consequente superficialidade da
produo documental de natureza institucional. O mesmo diria das estruturas
competentes da Angola institucional e da sua sociedade civil, em domnios afins aos
problemas aqui analisados. A mesma ideia em relao aos parceiros de Angola e do
continente africano de forma geral, especialmente Portugal e a UE, o Brasil e o
MERCOSUL, na sua misso histrica de contribuir para retirar a frica de uma situao
que, de to complicada, acaba tambm por complicar o presente e o devir de povos que
tm destinos to entrelaados com os destinos do Continente. E tambm das Naes
Unidas, que do mesmo modo precisam de enriquecer o reportrio de documentao no
institucional, na sua busca de encontrar solues mais estruturantes versus a habitual
panplia de aces de emergncia, para acudir aos agudos problemas africanos nos mais
variados domnios.
Mas concluamos que, no plano estrito do pensamento jurdico, esta pesquisa,
como acima j referido, pretende constituir um estmulo para a reflexo sobre a inter-
relao entre a realidade e o direito, partindo da hiptese de que, ao admitirmos que este
ltimo conforma a primeira, no devemos descurar, especialmente no domnio do
Direito Pblico que, como sabemos, de textura mais positivista , que ele s poder
ser eficaz se for minimamente deduzido da realidade que pretende conformar.
5. Objectivos
Na sequncia de tudo que atrs ficou dito, cabe agora deixar aqui anunciadas as
metas ou objectivos previamente estabelecidos para a consecuo dos resultados
pretendidos.
5.1. Objectivo geral
O objectivo geral da nossa pesquisa, de que dever resultar a dissertao que se
segue, contribuir para a determinao da configurao da integrao africana,
particularmente, a natureza jurdica do seu direito, sua aplicabilidade e eficcia sob os
-
15
seus mltiplos aspectos, surpreendendo e compreendendo problemas relacionados,
decorrentes das diversas dificuldades, em contraposio s aparentes potencialidades do
Continente, com reflexos bvios na vertente jurdico-institucional. Dessa reflexo
devero resultar, naturalmente, concluses em que se projectem cenrios de evoluo do
processo de integrao africana no sentido amplo acima alvitrado.
5.2. Objectivos especficos
a) Lanar um olhar crtico e problematizante sobre o Tratado de Abuja de 1991,
na sua qualidade de projecto formal de natureza jurdico-institucional do processo de
integrao regional africana, no plano econmico, avaliando as suas oportunidade e
validade, e confrontando-o com os conceitos, modelos e sistemas tericos de integrao
regional. Para atingir este objectivo, feito, necessariamente, o confronto entre o
modelo de integrao projectado para a frica e os processos congneres em outros
continentes e regies, especialmente o fenmeno da integrao Europeia, que constitui,
sem margem para dvidas, o paradigma de um processo mais bem-sucedido desta
natureza, assim como a realidade do processo de integrao no MERCOSUL, que, em
algum sentido, mais se aproxima, qui, da experincia africana no plano de
concretizao das metas preconizadas e em afinidades de diversa natureza,
especialmente a histrico-espacial.
b) Na linha preconizada no objectivo especfico anterior, debruarmo-nos com
profundidade crtica sobre os aspectos problemticos do Acto Constitutivo da Unio
Africana (daqui por diante tambm ACUA), do funcionamento da prpria organizao
poltica continental (a UA) em conformidade com as normas projectadas nesse seu
tratado constitutivo, para o aferir pela alegada maior eficcia de modelos institucionais
alternativos tal como a ideia da eventual constituio dos Estados Unidos de frica.
Aqui ser tambm a sede da anlise da interconexo entre o ACUA e o projecto de
Abuja, assim como da existncia cumulativa de vrias instituies e projectos previstos,
ou no, nos dois referidos actos jurdicos, a nvel continental ou sub-regional, tais como
a chamada Comunidade Econmica Africana CEA (criada, formalmente, pelo prprio
Tratado de Abuja), o NEPAD, a Comisso Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,
o Tribunal de Justia da Unio Africana e o dos Direitos Humanos e dos Povos, os
tribunais sub-regionais, parlamentos continental e sub-regionais, entre outras
instituies e projectos.
-
16
c) Proceder ao arrolamento e anlise crtico-problematizante do quadro jurdico-
institucional essencial dos processos de integrao sub-regionais africanos, nos planos
formal e material, e confront-los com o conjunto de orientaes de natureza jurdico-
formal do Tratado de Abuja, devendo dedicar-se especial ateno SADC como uma
das zonas emblemticas de integrao sub-regional e na qual se insere Angola, cujo
papel deve ser criticamente avaliado e perspectivado como uma das locomotivas de
integrao dessa zona, ao lado, especialmente, da frica do Sul.
6. Filosofia do direito subjacente na pesquisa e dissertao
Se nos damos conta de que, mesmo na Europa, com particular incidncia no
sistema de direito romano-germnico, o positivismo acentuado nas concepes do
Direito pode provocar prejuzos sensveis quilo que julgamos dever ser a sua funo
social e humana, este perigo potencialmente muito maior no continente africano. A
questo que a vive-se uma situao em que, primordialmente o Direito Pblico,
preponderante, como o temos referido, na estruturao e funcionamento do Estado-
nao moderno, de recente acolhimento e aplicao, no mbito da emergncia, muitas
vezes precipitada, desses Estados.
neste sentido que seguir esta pesquisa e respectiva dissertao constituir ao
mesmo tempo partilhar uma certa filosofia de ver a frica e, na especialidade, uma
filosofia de direito africano, entre muitas que se professam.
Assim vistas as coisas, significamos que da filosofia geral professada e sua
correspectiva filosofia poltica, por estarmos a tratar primordialmente com um direito
pblico, se deduzem uma filosofia e uma metodologia jurdicas, como pensamento que
deve enquadrar a concepo, a produo e a aplicao do direito. Por isso, dedicamos
espaos significativos problematizao filosfica j anunciada e aqui particularmente
justificada.
Desde logo, veremos, numa curta reviso bibliogrfica, que, em frica, vrias
correntes se digladiam no domnio filosfico. Numa disputa em que Angola e outros
pases lusfonos africanos no aparecem suficientemente representados, devido,
provavelmente, maior assimilao dos valores da Europa dita ocidental, por parte das
suas elites da intelectualidade moderna, determinada pelo tipo assimilacionista e
integracionista de colonizao portuguesa, encontramos uma significativa pliade de
pensadores anglfonos e francfonos africanos nestas matrias. Ocorre-nos que se torna
indispensvel acompanhar, tanto quanto possvel, esse debate, que vai desde a questo
-
17
de se saber se deve mesmo colocar-se o problema de uma filosofia africana, e de um
pensamento jurdico africano, quando no se apresenta curial, por exemplo, falar-se de
cincia africana na especialidade, uma vez que a Cincia concebida como sendo
universal, como universal , alis, a prpria ontologia humana. Da posio adoptada,
entre vrias, a mais extremada das quais, como j o referimos antes, preconiza uma
espcie de regresso s origens para uma suposta reposio de tudo quanto fora
aviltado pelo colonialismo europeu ou ocidental, dependem, em grande parte, na
forma e no contedo, as respostas a dar s questes colocadas na definio do problema
da pesquisa.
Como elemento importante da posio a ser por ns adoptada, adiantamos a
sugesto da necessidade premente de acompanhar o ensino e a aplicao do Direito, em
frica, com o debate filosfico sobre os problemas continentais. Isto, no obstante
estarmos claramente distantes daqueles que consideram a frica como um lugar de
seres humanos especiais, seja qual for o sentido discriminatrio (pejorativo ou
vanglorioso), que no sejam as particularidades decorrentes de um processo colonial, ao
qual, a par dos dramas provocados, repercutidos por inrcia nos tempos que correm, no
se deve deixar de reconhecer o mrito, j consumado, da emergncia de uma
modernidade que, por razes mais objectivas do que subjectivas, retardava4 Neste
sentido, nesta pesquisa e na respectiva dissertao, ressaltada a sublimao da
filosofia Ubuntu, que, tendo por cultores mais visveis, na Teologia e na Poltica, Tutu
e Mandela, respectivamente, se constituiu num caso paradigmtico indicativo de que, na
soluo de muitos problemas humanos, in medio virtus est.
Adiantemos que a hoje chamada filosofia Ubuntu no mais do que a
transladao, para um universo multitnico e multirracial que se exprimem
verdadeiramente num multiculturalismo antropolgico , de princpios e valores
primordialmente concebidos para posicionar o indivduo dentro do seu cl, tribo ou
comunidade tnica, no seio dos diversos agrupamentos comunitrios que integram,
provavelmente, o mais vasto grupo com certa homogeneidade da frica Negra a que no
incio da segunda metade do sculo XIX, o linguista alemo Wihelm Bleek conferiu a
designao de bantu peoples. Entretanto, na sua sublimao, o Ubuntism ou
Unhuism, como tambm passa a ser conhecida essa filosofia na frica Austral, tenta
4 Como diz Aim Cesaire,[] the great historical tragedy of Africa has been not much that it was
too late in making contact with the rest of the world, as the manner in which that contact was brougtht
about; that Europe began to propagate at a time when it had fallen into the hands of most unscrupulous
financiers and captains of industry (Cfr. MUDIMBE, in The Invention of Africa Gnosis, Philosophy,
and the Order of Knowledge, Indiana University Press, James Currey, London, 1988, p. 2).
-
18
sustentar a convivncia de comunidades culturalmente diversas, num mesmo espao
geogrfico, depois da abominvel cultura e poltica do apartheid. E, diga-se, com
reflexos muito positivos no plano do Direito, num casamento que se pode considerar
relativamente equilibrado entre a modernidade ocidental e o lastro naturalmente
persistente dos diversos direitos costumeiros tradicionais africanos.
Resumindo e concluindo, diremos que a nossa posio filosfica, em face desta
temtica e do Direito em geral, intuda da ideia que ganhou grande visibilidade desde
a longnqua afirmao do filsofo grego Herclito, segundo a qual ningum se banha
duas vezes nas guas de um mesmo rio, de certo modo reciclada mais recentemente
pelo fsico francs Lavoisier quando dizia que na natureza nada se cria e nada se perde,
mas tudo se transforma. nisso que se funda a nossa rejeio de qualquer
posicionamento que alvitre, como atrs referido, uma espcie de regresso s origens.
Como pensava Mandela, o passado irrepetvel. De tal modo que, para dele retirarmos
utilidade no presente, este mais relativamente controlvel, a fim de tentarmos
condicionar o futuro a nosso favor, o que se faz perdoar o passado no que teve de ruim
e dele retirar o que teve de positivo. O Direito, como ferramenta humana que
acreditamos ser, e que irremediavelmente est inserido na mesma lgica evolutiva da
natureza e das sociedades humanas em constante interaco, s poder brindar
resultados positivos para o homem africano cujo conceito se refaz, naturalmente, ao
longo de sculos, como em toda a parte se este souber explorar as suas virtualidades,
nunca contra, mas em coordenao ao menos tentada com outras comunidades
geogrficas e culturais humanas. De fora, a ingenuidade de poder pensar-se que tudo
isso se possa processar em toque de mgica.
7. Estrutura formal da tese, modelo de anlise e mtodo de investigao
Como acontece com boa parte de teses no domnio do Direito e,
fundamentalmente pelas caractersticas da nossa prpria formao acadmica e humana,
no nos aventuramos em seguir uma metodologia quantitativa de elaborao e
apresentao da nossa tese. Assim, acompanhando Max Weber, que diz que a
sociologia constri conceitos-tipo e procura regras gerais do acontecer5 pela natureza
afim e auxiliar que aquela disciplina possui em relao ao Direito, no o faremos,
5 Cfr. WEBER, Max, Conceitos Fundamentais de Sociologia (retirado de Max Weber Wirtschaft
und Gesellschaft. Grundriss der verstehenden Soziologie, J. C. B. Mohr Tubugen Paul Siebeck
traduo de Sara Seruya), in Teorias Sociolgicas Os Fundadores e os Clssicos, 7. ed., Fundao
Calouste Gulbenkian, 2013, p. 600.
-
19
contudo, com uma pretenso de base estatstica, grfica e muito menos aritmtica ou
matemtica. Isso vem ao encontro da nossa ideia, acima anunciada, de que no se
pretende aqui fixar ideias, conceitos e postulados definitivos, num campo em que
operamos essencialmente com intuies ditadas, acima de tudo, pela nossa experincia
humana, acadmica e poltica. J que uma tese, que se apresenta nesta fase da vida, no
pode subtrair-se sua inevitvel natureza autobiogrfica6, importa acrescentarmos,
brevemente, que essa experincia comea com o despertar para a observao do que se
passa em redor, na nossa adolescncia e juventude, nos anos 60 e 70 do sculo passado,
numa famlia das elites tradicionais bantas, ento muito recentemente colocadas ao
servio das estratgias de dominao poltica colonial portuguesa, passando pela
formao iniciada em instituies missionrias crists, at formao em Direito,
concomitantemente com o exerccio da actividade profissional no ensino, em que se
deve destacar, antes do Direito, a Histria Universal, para terminar na impactante
actividade poltico-diplomtica interna e internacional, j nos ltimos anos, em torno do
funcionamento de uma Angola e de uma frica h muito emancipadas dos poderes
coloniais. E a tentar posicionar-se em relao ao futuro, no meio de uma mirade de
encruzilhadas no prprio Continente e no mundo.
Na introduo sua tese de doutoramento, o poeta, historiador e antroplogo
Arlindo Barbeitos, tambm um africano de Angola, atesta:
Se, por vezes, o texto peca por redundncia, admito que o faz porque continuo
imbudo de uma oralidade cujas tcnicas de exposio exigem que ela se
desdobre como os anis de uma espiral. Como se a sua ordem interior fosse a da
circularidade do mito do eterno retorno [].7
So palavras que assentariam como uma luva em relao ao nosso linguajar no
texto que se segue, porque, na verdade, como j acima referido, e sem contradizer o que
dissemos sobre a nossa crena na semelhana essencial de todos os homens e culturas, o
bantu que somos desde a nascena possui uma comunicabilidade e uma semitica
prprias que dificilmente podemos disfarar e que se substancia essencialmente numa
cosmoviso mais sincrtica do que crtica e estratificada da realidade. O que para ns
no constituiu nenhum embarao, pois sempre defendemos que a diferena nunca
6 Cfr. ECO, Humberto, ob. cit., pp. 35 a 42.
7 Cfr. BARBEITOS, Arlindo, Angola Portugal: Representaes de Si e de Outrem ou o Jogo
Equvoco das Identidades, Kilombelombe, Luanda, 2011.
-
20
necessariamente um problema; pelo contrrio, nela podemos encontrar motivos de
enriquecimento recproco.
Das reas do saber em que pudemos abordar maior esplio bibliogrfico referente
a frica releva especialmente a da Histria Universal, de frica e de Angola, em
particular, de onde intumos mais construes institucionais jurdicas falsificveis do
que extramos, como compreensvel, doutrina para uma eventual reviso crtica, no
mbito do nosso objecto de pesquisa. O mesmo se diga, mutatis mutandis, da Sociologia
e da Antropologia (sobretudo) Cultural.
H um grande recurso bibliografia jurdica universal, com realce para a
literatura europeia ou dita ocidental de forma geral, mxime a portuguesa, por
razes bvias, abordada mais no sentido descritivo do que no crtico ou construtivo,
tendo em conta a especialidade africana que constituiu o objecto da pesquisa. Os
aspectos de enquadramento levam-nos a clssicos de vrias matrias que vo desde a
Filosofia Cincia Poltica, que, de to citados, recitados e traduzidos em vrias
lnguas, foram dispensados de incluso na nossa bibliografia, tais como todos os mais
conhecidos filsofos da Antiguidade Greco-Romana, como a dupla Plato e Aristteles,
o medievo Santo Agostinho, os pr-modernos, os modernos e os j a caminho da
contemporaneidade e na prpria contemporaneidade, como S. Toms de Aquino,
Guilherme de Ockham, Maquiavel, Bodin, Grcio, Hobbes, Locke, Montesquieu,
Rousseau, Kant, Hegel e Marx, entre outros.
Resumindo, diremos que, por razes justificadas, seguimos um modelo de
pesquisa e apresentao essencialmente histrico-descritivo, mas ao mesmo tempo
analtico, indutivo e dedutivo, numa base em que preponderam dados empricos8 j
testados ou a testar pela historiografia geral humana e do direito em particular.
7.1. (Pr)viso do contedo das partes da dissertao e concluses gerais
Aqui chegamos ao espao onde, de forma muito genrica, fornecemos uma
anteviso da estrutura e contedo das partes da dissertao.
A dissertao consta de trs partes, numa sequncia que pensamos melhor ajudar
a concretizar os objectivos preconizados com a pesquisa e exposio do nosso
pensamento. Apenas algumas palavras introdutrias sobre cada uma dessas partes, que
8 Cfr. SOUSA, Maria J., e BAPTISTA, Cristina, Como Fazer Investigao, Dissertaes, Teses e
Relatrios Segundo Bolonha, Pactor, Lisboa, 2013, p. 9.
-
21
constaro, invariavelmente, de breves consideraes gerais de sequncia para explicitar
o contedo de cada uma delas.
A Parte I ser aquela que podemos considerar de enquadramento primrio, de
natureza essencialmente filosfica, e, depois, de conceptualizao e contextualizao do
fenmeno fctico-jurdico de integrao regional.
Assim, no seu primeiro captulo, traamos brevemente a historiografia da
emergncia e evoluo da ideia de direito, ao mesmo tempo que problematizamos sobre
a questo de saber se ela apenas atribuvel ao chamado Ocidente, como por vezes se
sugere, ou constitui um atributo e uma aquisio de todas as comunidades humanas, e,
por consequncia, investido do condo da universalidade. Entretanto, o segundo
captulo dessa parte tem o seu foco na teoria (ou teorias) de integrao regional, e nele
se procura colmatar algumas julgadas brechas, decorrentes de algum desenvolvimento
do fenmeno de integrao, que, na nossa particular percepo, no parecem ainda
cobertas por reflexes precedentes. Este segundo captulo ressulta da anlise dos
principais aspectos fctico-jurdicos que distinguem a construo da UE e a
emergncia do MERCOSUL; aspectos que so de interesse prtico para o seu cotejo
com a nossa esboada teoria unificada de integrao econmica e poltica reginal
(TUIEPRE), inspirada no discurso poltico pan-africanista que precedeu as
independncias dos antigos territrios coloniais europeus e ficou retido nos principais
instrumentos constitutivos de histricas e actuais instituies internacionais e de
integrao africanas (OUA/CEA e UA/NEPAD).
A Parte II constitui o epicentro da dissertao. aqui que se responde,
directamente, s perguntas formuladas volta do problema da pesquisa. H alguma
problematizao, no primeiro captulo desta parte, para a qual transborda o debate
filosfico iniciado no primeiro captulo da Parte I, em que se questiona se h ou deve
haver um pensamento e um direito especificamente africanos, ou se esta apenas uma
falsa questo. Esta parte comea pelo que podemos intitular de enquadramento
secundrio, ou seja, uma sntese geo-histrica, antropolgico-cultural e poltico-jurdica
do Continente, desde o perodo usualmente designado por pr-colonial, passando pelo
colonialismo, at estabilizao ps-colonial. No Captulo II dessa parte, expomos,
de modo puramente descritivo, os principais aspectos da estrutura jurdico-institucional
internacional e de integrao africana actual, para terminarmos num esforo de
-
22
determinao da sua natureza jurdica. Mas aqui, ateno, diferentemente do que
acontece com grande parte de autores euro e afro-ocidentais, a nossa abordagem desvia-
se dos parmetros meramente formais da natureza do Direito, para se transportar,
tambm, para o terreno da sua eficcia teleolgica e correspondncia com a realidade
normada. daqui que vai resultar a questo da necessidade de uma proposta para um
pensamento e uma metodologia jurdicos eventualmente adequados para a situao
particular de um continente (regio) que procura construir a sua unidade econmica e
poltica na base de um direito de integrao, quando mal os seus Estados-
componentes resolveram o problema da criao do Estado-nao moderno. Ser
aqui, justamente, que encontraremos o lugar para responder questo fundamental da
pesquisa, que, aqui chegados, podemos resumir nesta pergunta: haver direito para
ajudar a frica a encontrar ou construir a comunidade econmica e poltica que
tanto se deseja ou de que tanto se fala?
Na Parte III, mais breve, porm concretizadora das questes que se colocam,
como caso de estudo, tenta-se uma visualizao dos desafios que se apresentam a
Angola como Estado-nao moderno africano e, ipso facto, uma das clulas vivas pelo
menos deveria s-lo da construo da to desejada comunidade africana que
comearia nas zonas da sua prpria insero sub-regional, a saber: a SADC (Southern
African Development Community) e tambm a Comunidade Econmica dos Estados da
frica Central (ECCAS/CEEAC Economic Community of Central African
States/Comunaut conomique des tats de lAfrique Centrale). Temos, pois, a
pergunta que no cala: onde est o problema? No direito ou na realidade?
No fim de tudo, as respostas finais, ou seja, as Teses e Concluses. Como
dissemos, naturalmente falsificveis.
-
23
-
24
PARTE I
INTEGRAO REGIONAL: UM FENMENO FCTICO-JURDICO EURO-
OCIDENTAL PROCURA DE POISO EM OUTROS UNIVERSOS DO GLOBO
8. Consideraes gerais de sequncia
Como referido na Introduo, este trabalho de investigao apresenta como
problema fundamental a questo que pode agora resumir-se ao saber-se se,
necessidade, vrias vezes invocada, de se estruturar poltica e economicamente, o
continente africano, para maximizar o seu combate pelo progresso e consequente fuga
perene condenao marginalizao mundial, numa configurao semelhante da
Unio Europeia, ou mesmo como se chega a alvitrar dos Estados Unidos da
Amrica, pode ou no corresponder a necessidade de produo de um direito de
integrao num sentido mais ou menos amplo. Subsequentemente a esta questo
fundamental, surgem naturalmente questes adstritas e adjacentes, como a de saber se
este direito j existe como produto endgeno ou exgeno prpria frica, ou se se
encontra em elaborao e qual a sua natureza e efectividade.
complexidade que a questo em si mesmo encerra, deve acrescer-se que se
encontra envolvida numa situao real mais vasta, no momento em que o prprio
universo mundial se apresenta perante uma srie de encruzilhadas ditadas pelo constante
e geometricamente acelerado progresso tcnico-cientfico que se repercute de forma
dramtica na consistncia das instituies humanas. Com efeito, e do nosso ponto de
vista, os valores e princpios estruturantes do mundo actual, dominado inegavelmente
pela axiologia poltica, econmica, social e cultural que nos vem do Sculo das Luzes
do denominado Ocidente, encontram-se suficientemente esgotados para poderem
corresponder aos desafios que hoje se levantam. Mal refeito da ressaca da sua vitria
sobre a tentativa comunista ou marxista-leninista de suplantar o liberalismo poltico e
econmico, o Ocidente oscila hoje entre as anquilosadas paredes do estruturalismo
moderno e a multiplicidade de materiais ainda desagregados das teorias
-
25
desconstrutivistas da ps-modernidade. Como poderia a frica inventada de Mudimbe9
ou a necessitada de recolonizao de Marzui10
, com as suas evidentes fragilidades, no
ressentir-se dessa situao?
Assim relevadas as questes, fica lquido que o nosso concreto problema,
localizado essencialmente no domnio da cincia do direito (mais estritamente nas
cincias jurdico-polticas), no pode ser descontextualizado desta realidade mundial
concreta em que a concreta frica de hoje se insere.
Por isso, em sede do anunciado na Introduo sobre o papel desta primeira parte
da dissertao, ser necessrio deslocarmo-nos, antes de mais, para o ptio-me de toda
a disciplina comum do Direito, para relembrarmos e actualizarmos noes, conceitos e
concepes abalizadas ao mundo mutante actual. necessariamente da que partiremos
para a grande aventura desta dissertao, que consiste em indagar da pertinncia
(impertinncia) de todos ou de alguns aspectos das concepes exgenas do Direito e,
concomitante ou alternativamente, da possibilidade (impossibilidade) de elaborao
(construo) de conceitos e modelos endgenos ao prprio continente nesse domnio.
Neste empreendimento, o questionamento sobre a aplicao de modelos
ocidentais do Direito e da Justia realidade africana, ditada pela forma atpica como se
constri o Estado-nao africano moderno, cuja caracterstica fundamental reside
manifestamente na sua emergncia como manufactura da efmera ocupao poltica
pelo colonizador europeu, durante menos de um sculo11
, ser algo nuclear. Precisa-se,
lembre-se de novo, de apurar onde reside o problema: na realidade em si ou no direito?
No direito comum ou no direito particular eventualmente concebido para normatizar a
construo da almejada comunidade poltica e econmica de frica?
aqui que o carcter filosfico-reflexivo desta dissertao de natureza
essencialmente jurdica, porm, inevitavelmente interdisciplinar, se manifestar no seu
mximo alcance, salientando o problema da teleologia, finalidade ou carcter funcional
do Direito. Uma questo que, ao que parece, no mbito da aplicao do Direito no
9 Referncia ao ttulo da obra deste autor (1988).
10 Referncia proposta do autor, in LAREMONT, Ricardo, e SEGHATOLISLAMI, Tracia
(editores), Africanity Redifined Collected Essays of Ali A. Mazrui, vol. I, Toyni Falola Series Editor,
Africa World Press, 2002. 11
O discurso construdo para a necessidade de mobilizao poltica dos colonizados contra o
colonizador conseguiu impor a ideia geral de que a colonizao, como ocupao poltica efectiva,
sistemtica e horizontal da totalidade dos territrios dos actuais Estados africanos, durara entre quatro e
cinco sculos, o que, como se observar e seria facilmente detectvel , decorria apenas da obnubilao
da realidade pelos entusiamos revolucionrios.
-
26
chamado Ocidente, particularmente no Ocidente romano-germnico do Direito12
, no
ter tanta relevncia, dados o seu carcter eminente e justificadamente formalista, no
sentido de garantir a certeza e a segurana jurdicas, e os imperativos de uma Justia
vendada, num locus civilizacional de mobilidade vertiginosa, em que o trato material de
cada caso parece poder comprometer um mnimo de celeridade processual, em sentido
amplo. Mas, justamente, desta problemtica surge a questo de que os tempos e modos
acelerados de estruturao ocidental das coisas se implantaram inexoravelmente em
todas as latitudes e longitudes africanas, num apressado e mal-amanhado casamento
com os seus ainda muito recentes tempos e modos mais pausados e dispersos. Como
equacionar a antinomia? Eis a grande questo, muitas vezes referida en passant nas
abordagens cientficas da politologia, do direito e das mais vastas disciplinas afins, sem
que lhe seja dedicada a necessria ateno, lacuna que pretendemos tentar preencher
aqui, no domnio do direito, em geral, e no domnio do eventual direito de integrao
regional e continental africano, em particular.
Para o efeito, o segundo captulo desta parte tratar de apurar a existncia de tal
direito, num modelo de anlise emprico-dedutiva, das teorias (ou teoria geral) de
integrao econmica e poltica regional e das experincias dos processos de
integrao na UE e no MERCOSUL.
12
Aparentemente, no mundo anglo-saxnico no se faz to premente esse formalismo
constrangedor, quando aplicado