universidade de lisboa contribuiÇÃo para uma...

606
iii UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO CONTRIBUIÇÃO PARA UMA APRECIAÇÃO JUS-INTERNACIONAL DA INTEGRAÇÃO REGIONAL AFRICANA Marcolino José Carlos Moco Orientador: Prof. Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Direito, na especialidade de Ciências Jurídico-Políticas 2016

Upload: vankiet

Post on 11-Nov-2018

304 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • iii

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    CONTRIBUIO PARA UMA APRECIAO JUS-INTERNACIONAL

    DA INTEGRAO REGIONAL AFRICANA

    Marcolino Jos Carlos Moco

    Orientador: Prof. Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos

    Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em

    Direito, na especialidade de Cincias Jurdico-Polticas

    2016

  • iv

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    CONTRIBUIO PARA UMA APRECIAO JUS-INTERNACIONAL DA

    INTEGRAO REGIONAL AFRICANA

    Marcolino Jos Carlos Moco

    Orientador: Prof. Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos

    Tese especialmente elaborada para a obteno do grau de Doutor em Direito, na especialidade de

    Cincias Jurdico-Polticas

    Jri:

    Presidente:

    Doutor Jos Artur Nunes Duarte Nogueira, Professor Catedrtico e Presidente do Conselho Cientfico

    da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

    Vogais:

    Doutor Wladimir Augusto Correia Brito, Professor Catedrtico

    Escola de Direito da Universidade do Minho;

    Doutora Patrcia Penlope Mendes Jernimo Vink, Professora Auxiliar

    Escola de Direito da Universidade do Minho;

    Doutor Eduardo Manuel Hintze da Paz Fereira, Professor Catedrtico

    Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

    Doutor Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Professor Catedrtico

    Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

    Doutora Maria Jos Reis Rangel de Mesquita, Professora Associada com Agregao

    Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

    Doutor Jos Alberto de Melo Alexandrino, Professor Associado

    Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

    Doutor Fernando Manuel Pereira de Loureiro Bastos, Professor Auxiliar

    Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

    Apoio: Bolsa de estudo da Fundao Calouste Gulbenkian (Servios de Educao Bolsas)

    2016

  • v

  • vi

    PLANO DA DISSERTAO

    INTRODUO

    PARTE I

    INTEGRAO REGIONAL: UM FENMENO FCTICO-JURDICO EURO-

    OCIDENTAL A PROCURA DE POISO EM OUTROS UNIVERSOS DO GLOBO

    CAPTULO I

    EM BUSCA DE UM CONCEITO UNIVERSAL DE DIREITO COMO

    SUBSTRACTO JUS-INTERNACIONAL DE UM EVENTUAL DIREITO

    AFRICANO DE INTEGRAO REGIONAL

    1. Gnese e evoluo do fenmeno jurdico: Uma histria ocidental ou

    um percurso humano?

    2. Crtica das posies cntricas como incurses euro-ocidentais

    paternalistas ou afro-reactivas primrias. Os perigos do imobilismo

    neutral ou mesmstico

    3. Posio adoptada: Valorizao de posies assertivo-realistico-

    localistas na base de uma doutrina humanstico-jurdica africana de

    cariz universalista

    CAPTULO II

    DIREITO INTERNACIONAL PBLICO E DIREITO INTERNACIONAL DE

    INTEGRAO REGIONAL: OS PARADIGMAS OCIDENTAIS (UE E

    MERCOSUL)

    1. Conceptualizao e contextualizao: Em busca de uma teoria

    econmica e poltica unificada de integrao regional

    2. Unio Europeia: o paradigma de todos os paradigmas de integrao

    regional, no sentido estrito, como facto e como direito

    3. MERCOSUL: Como brilhar no meio de uma constelao de blocos de

    integrao econmica?

    PARTE II

    CONSTRUIR UMA COMUNIDADE ECONMICA E POLTICA DE FRICA

    NA BASE DE UM DIREITO DE INTEGRAO REGIONAL: SIM OU NO?

    CAPTULO I

    AS CONCEPES DO DIREITO EM FRICA COMO SUBSTRATO DO DIREITO

    INTERNACIONAL DE INTEGRAO AFRICANA

    1. Enquadramento geo-histrico, antropolgico-cultural e poltico-

    jurdico: Pr-colonialismo, colonialismo e estabilizao ps-colonial

    africana

    2. frica e pluralismo jurdico: a prevalncia formal do Direito positivo

    do tipo ocidental sobre Direitos tradicionais africanos em funo dos

    objectivos estratgicos do Estado moderno em construo e

  • vii

    interferncias perniciosas recprocas. Lugar para a Carta Africana dos

    Direitos Humanos e dos Povos

    CAPTULO II

    O MODELO JUS-INTERNACIONAL DE INTEGRAO REGIONAL AFRICANA

    E SEUS FUNDAMENTOS HISTRICO-ANTROPOLGICOS: NATUREZA

    JURDICA E EFICCIA TELEOLGICA

    1. A evoluo da ordem jus-internacional africana: Da OUA para a UA

    2. O mltiplo sistema institucional internacional e de integrao africana

    3. Natureza jurdica do Direito africano de integrao e sua eficcia no

    plano teleolgico

    4. Em jeito de concluso: Sobre o problema da aplicabilidade do modelo

    do Direito africano de integrao regional e possveis remdios

    PARTE III

    ANGOLA NO PROCESSO DE INTEGRAO AFRICANA E NA

    CONSTRUO DO RESPECTIVO DIREITO REGIONAL E

    CONTINENTAL

    CAPTULO I

    DIREITO INTERNO, COM RELEVNCIA PARA O DIREITO PBLICO (DIREITO

    CONSTITUCIONAL) COMO PRESSUPOSTO DA INSERO JUS-

    INTERNACIONAL E DE INTEGRAO AFRICANA DO ESTADO ANGOLANO:

    FUNDAMENTOS, NATUREZA JURCA E EFICCIA TELEOLGICA

    1. Antecedentes geo-histricos e antropolgico-culturais

    2. Ordem constitucional angolana, insero internacional e integrao

    regional e continental

    CAPTULO II

    OS EFEITOS FORMAIS E MATERIAIS DAS CONCEPES JURDICAS

    AFRICANAS EM ANGOLA, NO MBITO DA SUA INSERO JUS-

    INTERNACIONAL E DE INTEGRAO REGIONAL E CONTINENTAL

    1. Do formalismo proclamatrio realidade fctico-jurca: Os casos

    Arco-ris e de expulso colectiva de cidados estrangeiros

    (africanos) ou o adiamento sine die do pan-africanismo humanista

    2. Angola na SADC e na ECCAS/CEEAC ou como contribuir para o

    marcar passo nos processos de integrao regional e continental

    3. Em jeito de concluso: Natureza jus-idiossincrtica e eficcia

    teleolgica do Direito (interno, internacional e de integrao)

    angolano ou o Direito como carapaa estrutural e regulatria e

    protectora de interesses particulares

    TESES E CONCLUSES

  • viii

    NOTA DE LEITURA

    Em determinados casos, no foi fcil lidar com a questo de exprimir certos

    conceitos em letra maiscula ou minscula. Nomeadamente no que diz respeito ao

    conceito de Direito, esformo-nos por exprimi-lo com letra maiscula, sempre que se

    tratou de nos referimos ideia global de Direito ou a disciplinas j consagradas do

    mesmo, enquanto com o uso da letra minscula nos reportamos a contedos parcelares

    ou a disciplinas que ainda no ganharam a sua autonomia quer curricular quer

    doutrinrio-dogmtica. Confessemos, no entanto, que nem sempre teremos sido

    consequentes.

    Menos complicado ter sido o uso sistemtico de maiscula para Continente,

    sempre que nos referimos, tout court, ao continente africano.

  • ix

  • x

    RESUMO

    A partir da pretenso inicial, expressa no ttulo e tema, este trabalho acaba por

    resultar numa reflexo aturada e solitria (como alis muitos autores o destacam no caso

    das suas teses de doutoramento) que ultrapassou o mero mbito da apreciao jus-

    internacional da integrao regional africana, para desembocar num levantamento

    (pelo menos) de pistas sobre o fenmeno e as concepes do Direito, em geral, e

    particularmente na interaco historicamente inevitvel entre os direitos pblicos

    africano e euro-ocidental.

    Diferentemente da maioria dos trabalhos acadmicos sobre a frica dita moderna

    (tanto por africanos como por outras entidades, que no precisam sequer de exibir

    qualquer tipo de ostensivo eurocentrismo, j minimamente extirpado do mainstream

    formal hodierno), que partem, geralmente, dos pressupostos teortico-formais euro-

    ocidentais, transportados, quase sempre de forma acrtica para o Continente, em

    processos legislativos e noutros aspectos hermenutico-aplicativos do Direito, ns

    seguimos uma metodologia que julgamos singular. Singularidade que no reside sequer

    ou simplesmente na ideia de partirmos de uma pretensa rede de sistemas teortico-

    formais genuinamente africanos, o que, desde logo, conflituaria com a ideia apurada

    de que essa frica moderna uma inveno to recente e prenhe de tenses que

    mal a deixariam criar tais sistemas com alguma consistncia e coerncia. Entendemos

    que a singularidade metodolgica deste empreendimento reside, essencialmente, no

    facto de que tentamos partir da realidade nua e crua da factologia histrica,

    antropolgica e cultural mltipla e diversa dessa frica moderna, que resultou da

    traumtica experincia colonial e ps-colonial, sem no entanto deixarmos de relacion-

    la com o seu passado mais remoto (perante si e perante o resto da Humanidade). Ora, ao

    confrontarmos essa pura realidade africana com as metodologias aplicativas do direito

    moderno (estamos essencialmente no domnio da criao e efetivizao do direito

    pblico, base do nosso objeto de dissertao) de matriz, necessariamente, euro-

    ocidental, embembido no seu extasiante perfume formal-positivista que lhe vem de

    Roma, do Renascimento europeu e do Sculo das Luzes, deparamo-nos com um enorme

    buraco negro, devorador atroz do contedo e do sentido desse tipo de direito, no

    Continente, e desintegrador, ao mesmo tempo, de sistemas tradicionais positivos, no

    sentido da dignidade e da dignificao humana.

  • xi

    Conclumos, pois, que o problema no reside nem na realidade, que e ser

    sempre inelutvel como a fora do vento, nem propriamente na formulao da

    proposio jurdica de cariz euro-ocidental que acompanha essa infiltrao, inicialmente

    exgena, mas que se tornaria ela prpria irreversvel e integradora necessria da

    realidade africana hodierna.

    Propomos, assim, uma nova metodologia de aplicao do direito: olhar para as

    atitudes dos agentes polticos e de outros aplicadores do Direito, acima das estritas

    normas jurdicas formais, perante os imperativos tico-morais que a situao do

    Continente exige.

    Quanto ao que ao direito de integrao regional e continental diz respeito, nem

    sequer o seu contedo e sentido que so absorvidos pelo aludido buraco negro, mas

    antes os das prprias regras adjectivas programadas para a sua criao, autonomizando-

    o de um direito internacional africano, ele prprio vogando em atribulados mares e

    agitados grandes lagos.

    Na frica Austral, particularmente na frica do Sul, com base na presumvel

    sublimao da filosofia tradicional Ubuntu, tentando sustentar uma convivncia na

    multirracialidade e multiculturalidade, no obstante a presso a que est sujeita pelo

    mainstream afrocentrista, encontramos o modelo em que tal buraco negro ,

    aparentemente, diminuto, tendo em conta a preservao dos dois pilares (europeu e

    nativo) em que assenta a sociedade, com reflexos positivos no funcionamento e

    aplicao do Direito, na base de um casamento, aparentemente ideal, entre a tradio e a

    modernidade.

    Enquanto isso, em Angola, estudada como caso mdio da frica Negra,

    encontramos o prottipo de uma sociedade em que o buraco devorador de contedos e

    sentidos jurdicos avassalador, como resultado tanto de uma poltica assimilacionista-

    integracionista colonial, seguida de outra, a do racionalismo marxista-leninista, que

    contribuiu para o acanhamento e desvirtuamento da axiologia nativa ou tradicional,

    completando-se o drama com a diluio dos valores positivos da modernidade

    ocidental, com as prolongadas guerras civis que determinaram, inicialmente, um xodo

    considervel de populaes de origem europeia, como suportes deste outro pilar da

    construo da nao africana moderna, em Angola.

    De todo o modo, podemos nos aperceber de alguns traos de um direito de

    integrao regional africana, reflectidos e sustentados, ao mesmo tempo, no e pela

    emergncia de uma frgil jurisprudncia. Fica a dvida de se saber se esses difanos

  • xii

    traos podero sobreviver virulncia das prximas chuvas e preencher-se de vez o

    vazio lamentado pelos ltimos pan-africanistas como Ki-Zerbo e dem Kodjo.

  • xiii

  • xiv

    PALAVRAS-CHAVES

    Direito e historiografia humana e africana

    Filosofia poltica e jurdica africana

    Direito de integrao em frica e sua efectividade

  • xv

  • xvi

    ABSTRACT

    Starting from the initial intention set out in its title and theme, this work has

    ultimately resulted in a thorough and solitary reflection (a point that many authors

    emphasise regarding their doctoral theses), which went beyond the "assessment based in

    international law of African regional integration", and ended up outlining, at least, the

    phenomenon and the conceptions of law in general, and particularly the historically

    inevitable interaction between African and Euro-Western public law.

    Most academic work on so-called modern Africa tends to start from Euro-Western

    theoretical and formal assumptions that are transported almost always in an uncritical

    manner to the African continent in the legislative process and in other hermeneutic-

    applicative aspects of the law. This is true for work both by Africans and by others,

    even if they do not display the slightest signs of Eurocentrism, something that has

    already started to be removed from the mainstream of todays thinking. Instead, we

    follow a methodology that we believe to be unique. This uniqueness does not reside

    simply in the idea that we are starting from a supposed network of genuinely African

    theoretical-formal systems; such an approach would soon come into conflict with the

    established idea that this modern Africa is an invention so recent and so riven with

    tensions that would barely allow it to create such systems in a coherent and consistent

    manner. Instead, we believe that the methodological uniqueness of this project resides

    essentially in the fact that we try to start from the bare and crude reality of the multiple

    and diverse historical, anthropological and cultural facts of this modern Africa, which

    result from the traumatic colonial and postcolonial experience, but which we also relate

    to its more distant past (both within itself and in relation to the rest of humanity). Now

    when we confront this purely African reality with the applicative methodologies of

    modern law (we are essentially in the domain of the creation and implementation of

    public law, the basis of our object of study) that is necessarily within a Euro-Western

    matrix, suffused with the heady formal-positivist perfume that comes from Rome, from

    the European Renaissance and from the Enlightenment, we find ourselves with a huge

    black hole that swallows up the content and meaning of this type of law on the

  • xvii

    African continent, and at the same time destroys traditional systems that are positive in

    the sense of conferring human dignity.

    We conclude, therefore, that the problem lies neither in the reality, which is and

    will always be as elusive as the wind, nor exactly in the formulation of the Euro-

    Western version of juridical proposition that comes with this infiltration, at first from

    the outside, but which would become irreversible and which would necessarily merge

    into contemporary African reality.

    Thus we propose a new methodology for the application of the law: to study the

    attitudes of political actors and others who apply the law outside of the strict formal

    legal norms when faced with the ethical and moral imperatives that the continents

    situation demands.

    As for law governing continental and regional integration, it is not so much its

    content and meaning that are swallowed up by the supposed black hole, but rather the

    very procedural rules that were meant to allow the creation of such a law and to

    empower it as African international law, are themselves drifting in stormy seas.

    Within Southern Africa, it is in South Africa that we find a model in which the

    black hole is reduced and which takes into account the two pillars (European and

    indigenous) on which the society is constructed. This is presumably on the basis of

    South Africa having enshrined the traditional Ubuntu philosophy in an attempt to

    sustain multiracial and multicultural coexistence despite coming under pressure from

    the Afrocentric mainstream, and this decision has had positive consequences in the

    functioning and application of the law based on an apparently ideal marriage between

    tradition and modernity. Meanwhile, in Angola, taken as a more typical African case,

    we find the prototype of a society in which the black hole that swallows legal content

    and meanings is overwhelming, the result of the assimilationist / integrationist colonial

    policy followed by one of Marxist-Leninist rationalism, which contributed to the

    weakening and distortion of indigenous or traditional axiology. The drama was

    completed with the erosion of the positive aspects of western modernity with the long

    civil wars, which caused the exodus of a large part of the population of European origin

    who could have been a pillar for the construction of a modern African nation in Angola.

    Notwithstanding, we could catch a glimpse of some footsteps of an african

    modern communitarian law, reflected in and sustained by a few and fragile number of

    justice cases. What we can not predict is wether this faint footsteps are capable to resist

  • xviii

    to the turbulent rains coming up, so that the regretted void by the last pan-africanists

    like Ki-Zerbo and Edem Kodjo can be filled up.

  • xix

  • xx

    KEY WORDS

    Law and Human and African Historiography

    African Political and Legal Philosophy

    Integration in Africa and its efetiveness

  • xxi

  • xxii

    PRINCIPAIS SIGLAS E ACRNIMOS

    ACC Associao Construindo Comunidades

    ACUA Acto Constitutivo da Unio Africana

    ALADI Associao Latino-Americana de Integrao

    ALALC Associao Latino-Americana de Livre Comrcio

    ALAO Assembleia Legislativa da frica Oriental

    ALBA-TCP Aliana Bolivariana para as Amricas-Tratado de Comrcio dos Povos

    ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas

    ALCSA Associao de Livre Comrcio Sul-Americano

    AN Assembleia Nacional

    BAI Banco Africano de Investimento

    BCA Banco Central Africano

    BEAC Banco Central da frica Equatorial

    BEI Banco Europeu de Investimento

    CADH Conveno Americana dos Direitos Humanos

    CADHP Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

    CAN Comunidade Andina das Naes

    CCEG Conferncia de Chefes de Estado e de Governo

    CdE Conselho da Europa

    CEA Comunidade Econmica Africana

    CECA Comunidade Europeia do Carvo e do Ao

    CEDEAO Comunidade dos Estados da frica Ocidental

    CEDH Conveno Europeia dos Direitos Humanos

    CEE Comunidade Econmica Europeia

    CEEA Comunidade Europeia de Energia Atmica

    CEEAC Comunidade Econmica dos Estados da frica Central

    CEMAC Communaut Economique e Montaire de lAfrique Centrale

    CFB Caminho de Ferro de Benguela

    CJAI Cooperao Judiciria em Matria de Assuntos Internos

  • xxiii

    CmADHP Comisso Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

    CM Common Market(s)

    CEN-SAD Comunidade dos Estados do Sahel e do Saara

    CCEG Conferncia de Chefes de Estado e de Governo

    CEPGL Comunidade Econmica dos Pases dos Grandes Lagos

    CER Comunidade Econmica Regional

    COMECON Conselho de Ajuda Econmica Mtua

    COMESA Mercado Comum da frica Oriental e Austral

    CONCP Conferncia das Organizaes Nacionalistas das Colnias

    Portuguesas

    CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa

    CRA Constituio da Repblica de Angola

    CU Customs Union

    DIP Direito Internacional Pblico

    EAC East African Community (Comunidade da frica Oriental)

    ECCAS Economic Community of Central African States

    ECOMOG ECOWAS-Monitoring Group

    ECOWAS Economic Community of West African States

    EU Economic Union(s)

    FAS Federation of Africa States

    FLEC Frente de Libertao do Enclave de Cabinda

    FMA Fundo Monetrio Africano

    FNLA Frente Nacional para a Libertao de Angola

    FRAIN Frente Revolucionria Africana

    FRELIMO Frente de Libertao de Moambique

    FTA Free Trade Area

    GAFTA Greater Arab Free Trade Area

    GATT Acordo Geral de Tarifas e Comrcio

    IGAD Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento

    IGADD Intergovernamental Authority on Drought and Development

    MAC Movimento Anti-Colonialista

    MANU Mozambique African National Union

    MARP Mecanismo Africano de Reviso por Pares

  • xxiv

    MDM Movimento Democrtico de Moambique

    MERCOSUL Mercado Comum do Sul

    MFA Movimento das Foras Armadas

    MLSTP Movimento de Libertao de So Tom e Prncipe

    MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola

    NAFTA North American Free Trade Area

    NAI New African Initiative

    NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento de frica

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    OHADA Organization pour lHarmonization en Afrique du Droit des Affaires

    OIF Organizao Internacional da Francofonia

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    ONG Organizao No-Governamental

    ONU Organizao das Naes Unidas

    OUA Organizao de Unidade Africana

    PAIGC Partido para a Independncia da Guin e Cabo Verde

    PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa

    PESC Poltica Externa e de Segurana Comum

    PCSD Poltica Comum de Segurana e Defesa

    PMD Pases Menos Desenvolvidos

    POP Protocolo do Ouro Preto

    PPA Parlamento Pan-Africa

    PTA Preferential Trade Area

    RDC Repblica Democrtica do Congo

    RENAMO Resistncia Nacional Moambicana

    SACU South Africa Customs Union

    SADC Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral

    SADCC Southern African Development Coordinating Conference

    SAI Sistema Andino de Integrao

    SEBC Sistema Europeu de Bancos Centarais

    TA Tratado de Assuno

    TADHP Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos

  • xxv

    TAJDH Tribunal Africano da Justia e Direitos Humanos

    TCEA Tratado da Comunidade Econmica Africana

    TCECA Tratado da Comunidade Europeia do Carvo e do Ao

    TJ Tribunal de Justia

    TJUA Tribunal de Justia da Unio Africana

    TJUE Tribunal de Justia da Unio Europeia

    TLC Tratados de Livre Comrcio

    TS Tribunal Supremo

    TSADC Tribunal da SADC

    TUE Tratado da Unio Europeia

    TFUE Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia

    TUIEPRE Teoria Unificada de Integrao Econmica e Poltica Regional

    UA Unio Africana

    UDEAC Unio Aduaneira e Econmica da frica Central

    UE Unio Europeia

    UMA Unio do Magrebe rabe

    UEMOA Union Economique et Montaire Ouest-Africaine

    UMOA Union Montaire Ouest-Africaine

    UNASUL Unio das Naes Sul-Americanas

    UN-ECA United Nations Economic Commission for Africa

    UNITA Unio para a Independncia Total de Angola

    UPA Unio das Populaes de Angola

    UPNA Unio das Populaes do Norte de Angola

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    WAMZ West African Monetary Zone

  • xxvi

    What I can confess right away is that I have doubts about

    my ability. If I did not have such doubts, I would not qualify as a

    philosopher, for a philosopher is a man or a woman who is

    constantly haunted by a living doubt. There is nothing that he or

    she says that is definitive.

    John Murungi (2013)

  • 1

  • 2

    INTRODUO

    1. Algumas consideraes sobre a deciso de realizar esta pesquisa e

    respectiva dissertao

    O tema, sobre o qual nos propomos pesquisar e tirar algumas concluses, nasceu e

    amadureceu ao longo da feitura do nosso Mestrado em Cincias Jurdico-Polticas, na

    Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em cooperao com a Faculdade

    de Direito da Universidade de Lisboa, entre os anos de 2005 e 2008.

    Com efeito, o ponto de partida ter sido o nosso relatrio, na parte lectiva do

    Mestrado, em Direito Constitucional, que nos levou s suas hodiernas linhas divisrias

    muito tnues com o Direito Internacional, desembocando num direito

    comunitrio/transnacional, especialmente inspirados na experincia da Unio Europeia,

    quando dissertamos sob o tema O problema da Insero Internacional e da Integrao

    Regional dos Estados e a Evoluo do Conceito de Constituio: O caso concreto do

    constitucionalismo angolano.

    Foi, porm, a nossa condio de antigo governante de um pas africano e, antes,

    de algumas das suas parcelas internas (governador de duas provncias e primeiro-

    ministro de Angola, entre 1986 e 1996) , inserido numa das supostas mais dinmicas

    zonas da debutante e atribulada integrao regional africana a SADC (Southern

    African Development Community) , assim como a nossa passagem pela direco do

    Secretariado da CPLP (Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa 1996 a 2000),

    com contactos privilegiados com diversas organizaes internacionais, que constituiu a

    oportunidade do encontro com a matria que estar em evidncia na nossa dissertao, e

    o maior mbil para este trabalho. H que acrescentar a tudo isso a nossa experincia

    como docente de disciplinas de Organizaes Internacionais, na Universidade Lusada

    de Angola, que se transformou no verdadeiro caldeamento de todas as outras citadas

    experincias, especialmente, ao facultar-nos a clarificao da diferena entre as

    instituies de mera cooperao intergovernamental e o conceito de integrao. E, em

    anos ainda mais recentes, dedicmo-nos advocacia, particularmente na defesa dos

    direitos fundamentais de cidados angolanos e na formao de magistrados judiciais e

    do Ministrio Pblico.

  • 3

    A redaco da presente tese acontece, pois, numa fase da nossa mxima

    maturidade humana, que em si constitui uma grande universidade, como se afirma por

    paragens africanas, em cujo universo de oratria, historiografia e filosofia tradicionais

    grafas estamos consideravelmente inseridos. Maturidade, essencialmente, enquanto

    interventores polticos (nos ltimos anos, menos, no sentido estrito da palavra, mas mais

    no largo sentido cvico-poltico, o que retira alguma tenso para conferir maior

    tranquilidade ao empreendimento analtico-reflexivo). E maturidade tambm no

    domnio acadmico, que se consolidou com a investigao e o ensino do Direito;

    investigao que se orientou essencialmente para os problemas de frica como entidade

    sociolgica, antropolgico-cultural, jurdico-polca e institucional, aqui mais almejada

    do que real, a envolver Angola como um nsito objecto do mesmo estudo, devendo-se

    contudo atentar nas suas particularidades, no mbito das mudanas que se operam no

    mundo e no prprio continente africano.

    Assim nasceu, pois, a grande motivao para se abordar um domnio muito vasto

    e sem significativa cobertura precedente, no mbito do tratamento cientfico, mesmo no

    sentido mais amplo possvel1, como alis acontece com muitas matrias africanas. Com

    efeito, aos diversos actores e nos mais variados domnios, pouco tempo sobra para uma

    actividade analtico-reflexiva no nvel de responsabilidade e dificuldade com que nos

    propusemos partir para este empreendimento.

    Em funo da virgindade que se verifica no terreno a abordar, quanto a

    precedentes de vulto, no plano doutrinrio e jurisprudencial de Angola e mesmo em

    todo o universo lusfono africano, de forma geral, em que questes deste mbito,

    inseridas ou relacionadas com o Direito Internacional, no se encontram no centro das

    preocupaes de muitos estudiosos africanos, encontrmo-nos numa situao algo

    paradoxal. Ela consiste, por um lado, na carncia de obras de referncia para abordar o

    tema em causa, o que constitui, em si, uma dificuldade, mas, por outro lado, este facto

    pode constituir motivo para a justificao da seleco de um objecto de abordagem

    sobre o qual incide o trabalho a realizar, que poderia ser definido, por algumas almas

    mais exigentes2, como cientificamente menos preciso. Convimos ns, no entanto, que

    na fase humano-cronolgica em que nos encontramos, como acima referimos, seria um

    redundar em certo desperdcio atermo-nos a um objecto demasiado restritivo. Estamos

    1 Cfr. ECO, Humberto, Que a Cientificidade?, in Como se faz uma Tese em Cincias Humanas?

    (traduo de Ana Bastos e Lus Leito, 1997, da edio original com o ttulo: Como Si Fa Una Tesi Di

    Laurea, 1977), 17. ed., Editorial Presena, 2011, p. 51. 2 Idem, ibidem.

  • 4

    convencidos que, nas nossas condies, so assim melhor alcanadas as exigncias que

    o Decreto-Lei n. 216/92 impe augusta Universidade de Lisboa, entre outras

    instituies do Ensino Superior, em Portugal, para a natureza de trabalhos susceptveis

    de atribuio do grau de doutoramento, a saber, comprovar a realizao de

    contribuies inovadoras para o progresso do conhecimento com alto valor cultural,

    numa determinada rea do conhecimento e a aptido para realizar trabalho cientfico

    independente (art. 17., n. 1).

    2. Enunciao do objecto de estudo, problema ou questo de partida e

    hiptese da pesquisa

    No obstante as ltimas observaes, cuidamos de delimitar minimamente o

    nosso objecto de estudo e anlise.

    Como natural, o objecto de estudo de um trabalho de pesquisa (ou como em

    grande parte ser mais preciso referir de sedimentao conclusiva de toda uma vida

    de observaes no mundo da poltica, da diplomacia e do estudo e ensino do Direito no

    complexo universo africano, atravs, essencialmente da experincia de Angola) aparece

    reflectido ou pode deduzir-se do tema proposto, no caso, Contribuio para uma

    apreciao jurdico-internacional da integrao regional africana.

    Deveremos referir aqui, contudo, que, no mbito da anunciada amplitude da

    abordagem, a ideia (ou, mais precisamente, o conceito de integrao regional para

    cuja teorizao pretendemos deixar alguma contribuio) deve ser entendida numa

    acepo biunvoca, sendo que, por um lado, significar integrao sub-regional, isto ,

    naquele sentido em que ela (a integrao) se refere s diversas regies em que o

    Continente se encontra dividido para esse efeito, enquanto, noutro sentido, significar

    integrao regional referente ao continente africano no seu todo, como uma regio

    mundial, ao lado de outras regies como a Europa, as Amricas e a sia. E, acrescente-

    se, integrao regional como facto e como direito, tal como acontece na Unio Europeia

    (UE), embora, como desde logo se pode presumir, em relao frica, seja apenas uma

    questo de anlise das possibilidades.

    O fulcro do objecto deste trabalho ser justamente a ltima acepo, a de

    integrao regional da frica, em geral, pois a onde se levantam muito mais

    dvidas sobre o seu verdadeiro devir; onde, aparentemente h muito mais por clarificar,

    especialmente, no domnio jurdico-institucional. Na verdade, sabemos de antemo que

    aquilo que, apurado o sentido biunvoco de integrao regional, chamaremos de

  • 5

    integrao sub-regional no seno uma preconizada e jurdico-formalmente garantida

    fase tctico-estratgica para se alcanar a verdadeira e supostamente possvel integrao

    regional africana, como preconizado no Tratado que Estabelece a Comunidade

    Econmica Africana (Tratado de Abuja, de 3 de Junho de 1991, que daqui por diante

    poderemos abreviar por TCEA), instrumento jurdico de relevncia central, concebido

    para regular, de forma gradual, tal processo de integrao. Aparentemente, hoje pouco

    se invoca esse instrumento jurdico, tanto nas actividades e funcionamento das

    instituies sub-regionais vocacionadas para impulsionar esse processo de integrao

    global da frica, como no dia-a-dia da prpria Unio Africana que, at pelo timbre dos

    documentos que sustentaram o seu aparecimento, como sucessora da OUA

    (Organizao de Unidade Africana), parece ter nascido sob a sua gide (do Tratado de

    Abuja). Em contrapartida, embora no consensualmente aceite, parece fazer grande

    impacto e atraco a ideia de substituir de imediato a UA por uma entidade institucional

    de natureza aparentemente diversa j mesmo sob o ponto de vista formal que seriam

    os chamados Estados Unidos de frica (um monstruoso Estado federal).

    Por coincidncia, uma boa parte dos Estados africanos encontra-se a comemorar

    50 ou mais anos da sua independncia poltica. No nos compete fazer aqui o balano

    substantivo de como os sonhos e as esperanas se concretizaram ou no, ou at que

    ponto os africanos, como objecto de proteco do Direito, especialmente, dos Direitos

    Humanos, em que os Direitos dos Povos se transformaram numa particularidade, e que

    supostamente lhes eram negados pelo colonialismo europeu, viram a sua condio

    humana melhorada ou no. O que nos compete, como juristas que nos apresentamos

    neste empreendimento investigativo, aproveitar o ensejo para avaliar, no plano do

    pensamento jurdico, como nesse domnio o Direito pde interagir com a realidade que

    pretende conformar.

    Na verdade, no difcil constatar que, tal como nos outros diversos aspectos

    que ao Direito compete regular a todos , nos seus mais variados nveis, o campo

    jurdico se encontra numa encruzilhada, em frica. , manifestamente, uma entidade

    que tem de operar entre a sua feio moderna, que predomina nas formalidades,

    nomeadamente do plano da estruturao e funcionamento do Estado moderno,

    oficialmente inaugurado a partir da proclamao da independncia poltica e a atraco

    lunar das fortes mars dos mais variados e complexos mundos dos diversos direitos

    costumeiros, aparentemente no compaginados com os mecanismos funcionais do

    chamado Estado-nao moderno.

  • 6

    Chama-nos a ateno que, desde o limiar das independncias e, certamente,

    antes de mais, por culpa do colonizador europeu, que ao introduzir o Continente numa

    desnaturada e algo destemperada modernizao, incentivou uma cultura de

    uniformizao, cunhando realidades to dspares com uma mesma terminologia , no

    h, em relao a nenhum outro continente, ou a qualquer outro lugar assimilvel, um

    discurso em que se fale tanto da necessidade de criao de uma comunidade econmica

    e poltica, com base numa suposta e aparente identidade antropolgico-cultural e

    sociolgica. Comeando, por exemplo, na comparao com a prpria Europa, nunca se

    pensou aqui numa unidade poltica e mesmo econmica de um continente europeu

    inteiro, dos Urais at Pennsula Ibrica e da Escandinvia at a alguma qualquer

    reentrncia terrestre (ilha ou pennsula) mais a sul no Mediterrneo ou Atlntico. Porque

    deve sublinhar-se o projecto Unio Europeia (UE) no foi assim pensado, nem

    casualmente chegou a essa dimenso, onde deve notar-se que at Estados ocidentais

    clssicos, como o Reino Unido, se desengajam de alguns aspectos importantes da

    mesma, como a livre circulao de pessoas e bens e a unio monetria. O mesmo se

    diga, e por maioria de razo, em relao ao continente americano e aos seus sub-

    continentes. Nem estabeleamos, de modo algum, nesta matria, paralelismos com o

    continente asitico, onde a nica terminologia sonante de pendor gregrio de Estados-

    nao se coloca apenas ao nvel da Organizao das Naes Unidas (ONU) e de

    algumas organizaes sub-regionais, como a Asean (Associaton of Southeast Asian

    Nations), em que a soberania de cada Estado-membro nunca minimamente colocada

    em causa. Na verdade, a sia, que parcialmente partilhou, em alguma altura, o mesmo

    destino que a frica na saga anticolonial contra Estados da Europa ocidental, conhecida

    por afro-asiatismo, hoje constituda, a par de Estados menos significativos no

    panorama mundial, por potncias e subpotncias mundiais parte da Rssia, a China, o

    Japo, a ndia, entre outras que realizam o seu destino separado, perante outras

    entidades jurdico-polticas e institucionais a nvel regional e mundial.

    Em contrapartida, a frica ecoa perante o mundo e, qui, como causa e

    consequncia ao mesmo tempo, perante si prpria, como uma entidade nica, mesmo

    quando apresenta realidades to dspares como a chamada frica Branca e a maioritria

    e mais caracterstica chamada frica Negra ou Subsaariana, em que existem tambm

    diferenas entre uma frica sudanesa (Sahel e sub-Sahel) e a que se pode chamar

    frica banta, onde vamos encontrar a particularidade sul-africana. Sem esquecer as

    particularidades do universo niltico e nordestino, onde predomina a ancestral realidade

  • 7

    etope, sem nenhum paralelo no Continente, pelo menos no que diz respeito

    consistncia com que se apresentou perante a invaso colonial, cujo delrio assumiu

    propores rocambolescas, com os ditames avassaladores da Conferncia (unilateral) de

    Berlim de 1884/85. Nesse mbito, a constituda Organizao de Unidade Africana

    (OUA), em 1963, embora de certa maneira homloga da congnere Organizao dos

    Estados Americanos (OEA), de 1948, e do Conselho da Europa (CdE), de 1949, no

    obstante a sua aco se ter circunscrito aos objectivos da concluso dos processos de

    descolonizao e do fim do apartheid e de regimes minoritrios brancos na frica

    Austral, transformou-se, sem dvida na bandeira de mobilizao e smbolo dessa

    unidade que no apresenta, na realidade, nenhum contedo concreto e consistente, em

    termos sequer de mera coordenao de esforos nos domnios econmico, social e

    cultural. E, no domnio poltico, a realidade apresenta-se ainda mais vazia de contedo,

    apenas iludida com o rudo ensurdecedor da proclamao retrica, muito esvaziada com

    o fim do mundo bipolar, determinado pela queda do Muro de Berlim, com o

    subsequente e significativo fim das ideologias, que se incarnaram durante dcadas a fio,

    na chamada Guerra Fria.

    Esse acontecimento trouxe o advento de esperanas numa chamada

    redemocratizao de frica, consubstanciada na remoo generalizada de regimes

    autoritrios que se implantaram logo a seguir s independncias, sob o pretexto de que a

    estrutura monoltica de partido (nico-Estado) era a nica forma vivel para acelerar o

    desenvolvimento e o progresso das novas naes, a formar a partir dos Estados

    constitudos apressadamente e, em vrios casos, numa catadupa vertiginosa. Porm, e

    curiosamente, essa possibilidade de que se esperaria um impulso significativo para o

    relanamento da ideia da unidade pan-africanista transformou-se, em vrias situaes,

    numa caixa de Pandora que tem apresentado uma realidade nacional to ou mais

    discrepante ainda do que aquela que, em alguns casos, se observa entre as diversas

    regies do Continente. At porque esta ltima mais passiva e meramente

    contemplativa, enquanto aquela assume, no raras vezes, formas de incontrolvel

    virulncia.

    Mas uma aco poltica aparentemente balofa ou meramente proclamatria, no

    parou de densificar as formalidades, no sentido de precipitar a propalada unidade

    econmica e poltica, baseada em suposta identidade continental. Assim, ainda no

    estava proclamada a UE (cuja formalizao estava para muito breve, numa trajetria

    projectada para ser concretizada por pequenos passos, a partir da constituio da

  • 8

    CECA Comunidade Europeia do Carvo e do Ao, em 1951) em 1991, a OUA cria a

    Comunidade Econmica Africana (CEA), atravs do Tratado de Abuja, na base de uma

    programao juridicamente assegurada. Porm, esta instituio, no meio de uma

    hiperaco poltica que pode chegar a ser contraproducente, acabou, pelo menos

    aparentemente, por cair no esquecimento; no obstante se terem constitudo, na sua

    base, instituies sem qualquer visibilidade e aparentemente sem qualquer eficcia,

    como o caso do Parlamento Pan-Africano.

    E os entusiasmos no se ficaram por aqui. Verificada a ineficcia da CEA e

    perante aspectos inconclusos das aces projectadas que, no fundamental, previam

    uma estruturao a partir de organizaes regionais apontadas como os pilares da

    Organizao (OUA/CEA) , e ainda perante frustraes decorrentes do fracasso das

    esperanas depositadas nas transformaes desencadeadas pelo fim da Guerra Fria, a

    prpria OUA transforma-se em Unio Africana (UA). A semelhana das designaes

    no dissimula a vontade de seguir o modelo da UE, como j antes a CEA no deixava

    de exprimir, ainda que em mera formalidade, a vontade de seguir o ento j superado

    modelo das Comunidades e da Comunidade Europeia.

    Foi provavelmente este ltimo gesto o que mais incrementou a sensao de

    identidade e de unidade africana, especialmente quando a UA se multiplica em outros

    tantos gestos de mera aco poltico-diplomtica e formaliza a NEPAD (New

    Partnership for Africa Development), sem que se conheam ainda os seus resultados

    sensveis junto das regies africanas, das instituies e de outras regies mundiais e

    dentro dos seus prprios Estados-membros. preciso, desde logo, no deixar de notar

    que a emergncia formal da UA o resultado de uma situao de compromisso a que se

    chegou, perante instncias de um considervel grupo de Estados, especialmente da

    regio do Sahel, em torno da Lbia de Muamar Kadafi de que se devia abandonar o

    modelo de integrao do tipo europeu para se regressar precocemente abandonada

    ideia de Kwame Nkrumah dos anos 50 e 60 do sculo passado, que seria a constituio

    do que se chamariam, como j se referiu, os Estados Unidos de frica. Pelo menos

    aparentemente, Kadafi morre no ano 41. da sua tomada do poder pela fora, na Lbia, e

    uma dcada depois da criao da UA, cuja aparente ineficcia o levava a no deixar de

    insistir na instituio dos EUA (africanos), num acto demonstrativo do quo longe se

    est da criao de condies para que tal proeza possa ter lugar, com alguma

    objectividade. Diga-se ainda que a prpria destituio, por golpe de estado, de um mais

    do que prestigiado Nkruma, no seu Gana, alguns anos depois de ter encabeado o

  • 9

    projecto vitorioso da primeira independncia da frica Negra, j era a clara

    demonstrao de que entre os nossos sonhos e a realidade, por vezes, podem estar

    atravessados muitos anos de distncia, seno mesmo impossibilidades.

    Mas os sonhos so imparveis e, sobretudo, incontrolveis, especialmente num

    continente desprovido de estruturas de referncia mais prximas de certa racionalidade,

    a que, alis, filsofos, como Senghor, atribuem, num sentido imaginado positivo, o dom

    de ver o mundo pelo sentimento e no pela razo; ao que outros consideram, desde logo,

    uma avaliao e generalizao precipitadas. A verdade que estas sensaes e

    percepes, interagindo umas em relao a outras, vo consolidando a ideia de uma

    identidade africana que no se reflete, antes de mais, na estruturao e ou

    funcionalidade das instituies projectadas e, consequentemente, na elaborao de

    polticas efectivas comuns que melhorem as condies do percebido Homo africanus.

    Especialmente como juristas e inevitavelmente como homem africano que somos,

    esta questo genrica que nos assalta: como num continente em que, como em

    nenhum outro, se fala tanto de identidade e unidade, no se efectivam realizaes mais

    concretas e objectivas nos domnios jurdico-poltico e institucional, com reflexos

    positivos, especialmente na condio humana dos seus habitantes? Questo logo

    seguida de outras perguntas numa catadupa que poderia ser interminvel. Onde residir

    o problema? Numa realidade fadada pelo destino a ter de permanecer assim durante

    mais algum tempo j que no acreditamos no eterno imobilismo ou em outros

    factores mal explorados, entre os quais o prprio Direito, que, devendo ser encarado

    como produto da evoluo natural das sociedades, pode inteiramente ser tido tambm

    como uma mola impulsionadora do progresso e desenvolvimento?3

    Naturalmente, no contexto cientfico-disciplinar em que nos encontramos

    inseridos, independentemente da imprescindibilidade relacional com outros aspectos e

    variveis, o Direito apresentar-se- como o campo em que se deve localizar o objecto

    mais concreto da pesquisa e resultante dissertao, numa configurao que poderia

    traduzir-se na seguinte reformulao do tema e ttulo deste trabalho, com feio mais

    filosfico-reflexiva, se assim o quisssemos encarar: Direito e Realidade: O caso

    3 Esta uma opinio muito viva que temos da funo ou da perspectiva teleolgica do direito,

    mxime, do Direito Pblico, nas actuais condies de frica, em que se apresentam necessrias

    determinadas engenharias decisrias, se se pretende superar assimetrias e recuperar tempos supostamente

    perdidos, sem que os nossos passos sejam maiores que o que as nossas pernas podem. Uma perspectiva

    que pode ser alinhada, em algum sentido, com a ideia do Direito como sollen, de Kelsen (v. KELSEN,

    Hans, Teoria Pura do Direito, ttulo original: Reine Rechtslehre, 1960, traduo de Joo Batista

    Machado, Martins Fontes, So Paulo, 2006).

  • 10

    concreto do direito de integrao regional e a realidade africana. No optmos por esta

    designao temtica simplesmente porque temos, antes, a necessidade de apurar e

    comprovar a existncia, hoje por hoje, deste tipo de direito, evoludo a partir das

    diversas perspectivas do Direito Internacional Pblico (DIP). E a existir efectivamente,

    mesmo nos marcos das dificuldades que nos so colocadas pela volubilidade dos

    conceitos em cincias sociais e humanas, indagar da sua possibilidade de transitar ou ter

    transitado j para outras realidades fctico-jurdicas que no a da Europa da UE. E

    isso numa arquitectura conceitual em que, em particular, a experincia do Mercado

    Comum do Sul (MERCOSUL), por ns, com a devida justificao, taxada tambm de

    Ocidental, pela sua matriz, aparece como paradigma particular, no obstante a sua

    manifesta insero ainda no mero plano do Direito Internacional Pblico. E, se existe a

    possibilidade do direito de integrao regional fora do universo dito euro-ocidental,

    indagar ainda se ele pode emergir ou instalar-se no continente africano, para da se

    apurar ou no da sua actual localizao em embrio ou de forma j consolidada,

    concluindo com respostas sobre a sua eficcia ou perspectiva de eficcia, que o que se

    deve esperar sempre de qualquer tipo de direito, na perspectiva moderna, que

    inegavelmente chegou (bem ou mal) ao Continente e domina claramente os aspectos,

    pelo menos formais, do Direito Pblico dos chamados Estados-nao modernos

    africanos, como j referido.

    2.1. Hiptese

    Concluindo esta enunciao do objecto da nossa pesquisa, referiremos que, se,

    como o entendemos, em teses deste nvel devem ser apresentados e resolvidos

    problemas concretos ou apresentadas e respondidas questes, ns nos encontraremos na

    segunda das duas disjuntivas, a que melhor se compagina, alis, com a natureza social e

    humana do Direito e da maioria das disciplinas que lhe so afins e/ou auxiliares. No se

    espere, naturalmente, por respostas taxativas, definitivas, e muito menos com a

    pretenso eventualmente subjacente de excluso de uma mirade de respostas possveis

    de futuras outras reflexes nossas ou de contraditrias de outros estudiosos de matria

    to complexa e inesgotvel.

    Partimos com a hiptese central de que existe uma disfuno no Estado-nao

    moderno africano, que contende com qualquer tipo de direito que se possa conceber

    para realizar o que quer que seja prximo da construo de uma comunidade

    econmica e poltica a que tanto se aspira, em cujo processo ele (o Estado-nao

  • 11

    africano) devia intervir como clula viva. uma disfuno que parece resultar das

    condies dramticas da sua relativamente recente emergncia, de todo em todo

    diferentes das da instituio secular do estado europeu que tem funcionado, com notvel

    eficcia, como clula da construo da EU e do seu prprio direito. Deduzimos, pois,

    que as dificuldades na construo do Estado-nao moderno em frica se reflectem na

    discrepncia acentuada entre a Constituio formal e a constituio real da

    generalidade dos Estados africanos, o que por sua vez se repercute no alinhamento entre

    o processo de integrao formal, previsto no Tratado de Abuja de 1991 e os processos

    materiais em curso nas diversas zonas de integrao continental, bem como no prprio

    envolvimento poltico da Unio Africana. Angola, que, naturalmente, est inserida

    nesses processos, enquadra-se perfeitamente nesse paradigma.

    3. mbito cientfico ou enquadramento terico-disciplinar

    Quanto ao enquadramento terico-disciplinar da pesquisa que nos propomos

    empreender, o mbito do doutoramento em que se insere este trabalho Doutoramento

    em Cincias Jurdico-Polticas no deixa margem para extrapolaes, sem bem que

    suficientemente amplo e muito afim s nossas prprias actividades e compromissos

    profissionais e cvico-polticos, ao longo de toda uma vida.

    Refira-se que no ncleo da plataforma acolhedora do objecto da pesquisa

    encontra-se, naturalmente, a disciplina do Direito, na sua vastido temtica, capaz de

    abarcar, praticamente, todos os aspectos da actividade humana, como modelador de

    comportamentos, ao lado de outras axiologias como a tica e a moral e at as simples

    regras de cortesia entre humanos, naes e outras instituies, e como legitimador de

    iniciativas e atitudes humanas julgadas positivas. Mais concretamente, estamos no

    campo do Direito Internacional Pblico; porm, naquela das suas vertentes que de si se

    autonomiza manifestamente. Referimo-nos, em particular, ao mbito da construo da

    UE, num processo que teve incio com a emergncia do chamado direito comunitrio,

    cujas fontes principais eram essencialmente o Tratado de Paris de 1951, a que mais

    tarde se juntaram o(s) Tratado(s) de Roma de 1957. Na verdade, este direito, na sua fase

    debutante, mal se podia distinguir, quanto mais no seja, do Direito das Organizaes

    Internacionais (DOI). Hoje, porm, depois do Tratado de Lisboa de 2007, ele atingiu, na

    substncia, o verdadeiro patamar de Direito de Integrao Econmica e Poltica de

    nvel regional. Um fenmeno fctico-jurdico que, quanto a ns, e no muito

    diferentemente de vrios estudiosos e pensadores que se tornaram referncias, se

  • 12

    constituiu num verdadeiro direito interno de novo tipo, a par dos direitos internos dos

    Estados-nao de estrutura unitria ou federal, nas suas mais variadas formas, quer

    pensemos nas actuais como nas histricas.

    Conclua-se, contudo, que tanto pela prpria natureza transversal do Direito, como

    tambm em razo do percurso pessoal do dissertante desde o incio referido, a

    dissertao no poder deixar de reflectir um amplo carcter multidisciplinar. Aqui,

    domnios inerentes ao Direito Pblico (DP), mxime o Direito Constitucional, como

    regulador da estruturao e funcionamento do Estado-nao, por sua vez reconhecido

    como a clula de base da integrao regional, chamaro a Cincia Poltica (CP)

    colao. E no podero, naturalmente, outras cincias auxiliares e afins ao Direito,

    como j se referiu acima, deixar de intervir, tais como a Sociologia, a Antropologia

    (especialmente a Cultural) e, last but not least, a Histria Universal, em geral, e da

    frica, em particular, que se apresenta fundamental para a nossa tentativa de esclarecer

    muitos equvocos em que ns prprios nos enredmos durante muito tempo, arrastados

    pelos avassaladores e contaminantes entusiasmos dos nacionalismos pan-africanistas

    dos anos 50, 60, 70 do sculo XX, e at mais tarde, quando sobre o Continente se abateu

    a onda por alguns chamada de redemocratizao de frica, terminada a chamada

    Guerra Fria, em incios da ltima dcada tambm do sculo passado.

    Direito Comparado que no sair muito da sede macro dos sistemas jurdicos (cfr.

    Asceno, OLIVEIRA, 2011, pp. 145 e ss.). Filosofia Geral (Filosofia Poltica) e

    Filosofia do Direito, em particular, so tambm reas do saber que sero chamadas a

    estar presentes. E se o enquadramento histrico que, pela sua abundncia, constituindo-

    se na autntica coluna vertebral da pesquisa e dissertao, pela razo acima aludida,

    poder ser tido por avaliadores como excessivo, talvez a presena da Filosofia, na

    dimenso em que aparece, venha a ser apreciada como redundante. Porm, em face da

    complexidade com que o Direito e suas concepes e percepes se apresenta, nos seus

    mais diversos aspectos no continente africano, esta opo, que merecer mais algumas

    observaes abaixo, vemo-la como mais do que justificvel em momentos de

    enquadramento do objecto, e no s.

    4. Interesse prtico da pesquisa e dissertao

    Se a questo do interesse prtico de uma pesquisa deste nvel se apresenta

    importante em universos geogrficos em que quase j se esgotaram tantas matrias

    como objectos da anlise cientfica, mormente nos seus aspectos mais gerais, como o

  • 13

    caso da Europa ou, mais amplamente, neste espao algo virtual a que se d o nome de

    Ocidente, j no e em relao ao agora algo eufemisticamente chamado mundo em

    desenvolvimento, em que se inclui naturalmente o espao geogrfico continental

    africano, essa questo atinge maior alcance. Se o universo geral das comunidades

    humanas se encontra numa encruzilhada, na qual sucessivas e concomitantes crises

    espelham manifestamente o esgotamento de modelos desenhados em tempos que j se

    apresentam antanhos, este drama particularmente incisivo em frica, pelas razes que

    aqui se tentar aduzir de forma particular e sistematizada para os devidos efeitos,

    embora j conhecidas atravs de diversas outras abordagens.

    Na modernidade africana, que, como referimos acima, se imps algo

    dramaticamente, mas de forma inelutvel, o Direito, na sua dimenso ontolgica

    universal e local, como um receptculo do conjunto de valores e princpios normativos

    com objectivos finalsticos que clarifica e ilumina, acaba por assumir grandes

    responsabilidades no mbito do grande empreendimento da construo do Estado-

    nao, nesta poca de mltiplas encruzilhadas. Por isso, convimos que qualquer que seja

    a mais andina vontade de contribuir neste domnio para a frica, um continente que

    tende a ser sempre absorvido por projectos exgenos, apresenta-se, desde ali, com

    sobejo interesse prtico. Mas neste empreendimento tentamos sair de um labirinto de

    generalidades, num universo dentro do qual, por razes vrias, tudo se tenta iniciar, mas

    pouco escapa do buraco negro de tantas sadas frustradas.

    Pensamos que as questes apontadas na enunciao do obejecto de estudo e

    anlise espelham bem o interesse prtico deste trabalho. Assim o far tambm a parte

    desta introduo geral em que assinalaremos a necessidade de clarificao das posies

    filosficas gerais e do prprio direito em particular, num debate em torno da reviso

    bibliogrfica que efectuamos, com vindicaes das mais diversas, algumas das quais

    nos pareceram francamente promotoras da ideia de imobilismo e conformismo, e por

    vezes at do culto a certa regresso que s agravaria o isolamento de frica e das suas

    comunidades supostamente originrias e romanticamente relembradas.

    Dada a manifesta falta de compndios sobre a problemtica dos fenmenos

    africanos em praticamente todos os ramos do conhecimento em Angola, mais

    concretamente, no que diz respeito ao Direito, Filosofia do Direito e Teoria e

    Metodologia jurdicas, o texto redigido de modo que, alm de procurar alcanar

    primordialmente o objectivo cientfico a que se prope, possa contribuir para a

    superao da lacuna acima referida e nesses domnios. Se no com a pretenso de

  • 14

    esgot-la, ao menos no sentido de abrir algumas pistas e estimular o seu

    aprofundamento.

    Convimos que no seja pretenso algo descabida que as concluses desta pesquisa

    possam eventualmente surpreender-se mesa de anlises de organizaes internacionais

    de cooperao e integrao africana, como a SADC (Southern African Development

    Community) e a prpria UA, de modo que sejam agregadas s instantes de documentos

    de anlises menos condicionadas pelo formalismo e consequente superficialidade da

    produo documental de natureza institucional. O mesmo diria das estruturas

    competentes da Angola institucional e da sua sociedade civil, em domnios afins aos

    problemas aqui analisados. A mesma ideia em relao aos parceiros de Angola e do

    continente africano de forma geral, especialmente Portugal e a UE, o Brasil e o

    MERCOSUL, na sua misso histrica de contribuir para retirar a frica de uma situao

    que, de to complicada, acaba tambm por complicar o presente e o devir de povos que

    tm destinos to entrelaados com os destinos do Continente. E tambm das Naes

    Unidas, que do mesmo modo precisam de enriquecer o reportrio de documentao no

    institucional, na sua busca de encontrar solues mais estruturantes versus a habitual

    panplia de aces de emergncia, para acudir aos agudos problemas africanos nos mais

    variados domnios.

    Mas concluamos que, no plano estrito do pensamento jurdico, esta pesquisa,

    como acima j referido, pretende constituir um estmulo para a reflexo sobre a inter-

    relao entre a realidade e o direito, partindo da hiptese de que, ao admitirmos que este

    ltimo conforma a primeira, no devemos descurar, especialmente no domnio do

    Direito Pblico que, como sabemos, de textura mais positivista , que ele s poder

    ser eficaz se for minimamente deduzido da realidade que pretende conformar.

    5. Objectivos

    Na sequncia de tudo que atrs ficou dito, cabe agora deixar aqui anunciadas as

    metas ou objectivos previamente estabelecidos para a consecuo dos resultados

    pretendidos.

    5.1. Objectivo geral

    O objectivo geral da nossa pesquisa, de que dever resultar a dissertao que se

    segue, contribuir para a determinao da configurao da integrao africana,

    particularmente, a natureza jurdica do seu direito, sua aplicabilidade e eficcia sob os

  • 15

    seus mltiplos aspectos, surpreendendo e compreendendo problemas relacionados,

    decorrentes das diversas dificuldades, em contraposio s aparentes potencialidades do

    Continente, com reflexos bvios na vertente jurdico-institucional. Dessa reflexo

    devero resultar, naturalmente, concluses em que se projectem cenrios de evoluo do

    processo de integrao africana no sentido amplo acima alvitrado.

    5.2. Objectivos especficos

    a) Lanar um olhar crtico e problematizante sobre o Tratado de Abuja de 1991,

    na sua qualidade de projecto formal de natureza jurdico-institucional do processo de

    integrao regional africana, no plano econmico, avaliando as suas oportunidade e

    validade, e confrontando-o com os conceitos, modelos e sistemas tericos de integrao

    regional. Para atingir este objectivo, feito, necessariamente, o confronto entre o

    modelo de integrao projectado para a frica e os processos congneres em outros

    continentes e regies, especialmente o fenmeno da integrao Europeia, que constitui,

    sem margem para dvidas, o paradigma de um processo mais bem-sucedido desta

    natureza, assim como a realidade do processo de integrao no MERCOSUL, que, em

    algum sentido, mais se aproxima, qui, da experincia africana no plano de

    concretizao das metas preconizadas e em afinidades de diversa natureza,

    especialmente a histrico-espacial.

    b) Na linha preconizada no objectivo especfico anterior, debruarmo-nos com

    profundidade crtica sobre os aspectos problemticos do Acto Constitutivo da Unio

    Africana (daqui por diante tambm ACUA), do funcionamento da prpria organizao

    poltica continental (a UA) em conformidade com as normas projectadas nesse seu

    tratado constitutivo, para o aferir pela alegada maior eficcia de modelos institucionais

    alternativos tal como a ideia da eventual constituio dos Estados Unidos de frica.

    Aqui ser tambm a sede da anlise da interconexo entre o ACUA e o projecto de

    Abuja, assim como da existncia cumulativa de vrias instituies e projectos previstos,

    ou no, nos dois referidos actos jurdicos, a nvel continental ou sub-regional, tais como

    a chamada Comunidade Econmica Africana CEA (criada, formalmente, pelo prprio

    Tratado de Abuja), o NEPAD, a Comisso Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,

    o Tribunal de Justia da Unio Africana e o dos Direitos Humanos e dos Povos, os

    tribunais sub-regionais, parlamentos continental e sub-regionais, entre outras

    instituies e projectos.

  • 16

    c) Proceder ao arrolamento e anlise crtico-problematizante do quadro jurdico-

    institucional essencial dos processos de integrao sub-regionais africanos, nos planos

    formal e material, e confront-los com o conjunto de orientaes de natureza jurdico-

    formal do Tratado de Abuja, devendo dedicar-se especial ateno SADC como uma

    das zonas emblemticas de integrao sub-regional e na qual se insere Angola, cujo

    papel deve ser criticamente avaliado e perspectivado como uma das locomotivas de

    integrao dessa zona, ao lado, especialmente, da frica do Sul.

    6. Filosofia do direito subjacente na pesquisa e dissertao

    Se nos damos conta de que, mesmo na Europa, com particular incidncia no

    sistema de direito romano-germnico, o positivismo acentuado nas concepes do

    Direito pode provocar prejuzos sensveis quilo que julgamos dever ser a sua funo

    social e humana, este perigo potencialmente muito maior no continente africano. A

    questo que a vive-se uma situao em que, primordialmente o Direito Pblico,

    preponderante, como o temos referido, na estruturao e funcionamento do Estado-

    nao moderno, de recente acolhimento e aplicao, no mbito da emergncia, muitas

    vezes precipitada, desses Estados.

    neste sentido que seguir esta pesquisa e respectiva dissertao constituir ao

    mesmo tempo partilhar uma certa filosofia de ver a frica e, na especialidade, uma

    filosofia de direito africano, entre muitas que se professam.

    Assim vistas as coisas, significamos que da filosofia geral professada e sua

    correspectiva filosofia poltica, por estarmos a tratar primordialmente com um direito

    pblico, se deduzem uma filosofia e uma metodologia jurdicas, como pensamento que

    deve enquadrar a concepo, a produo e a aplicao do direito. Por isso, dedicamos

    espaos significativos problematizao filosfica j anunciada e aqui particularmente

    justificada.

    Desde logo, veremos, numa curta reviso bibliogrfica, que, em frica, vrias

    correntes se digladiam no domnio filosfico. Numa disputa em que Angola e outros

    pases lusfonos africanos no aparecem suficientemente representados, devido,

    provavelmente, maior assimilao dos valores da Europa dita ocidental, por parte das

    suas elites da intelectualidade moderna, determinada pelo tipo assimilacionista e

    integracionista de colonizao portuguesa, encontramos uma significativa pliade de

    pensadores anglfonos e francfonos africanos nestas matrias. Ocorre-nos que se torna

    indispensvel acompanhar, tanto quanto possvel, esse debate, que vai desde a questo

  • 17

    de se saber se deve mesmo colocar-se o problema de uma filosofia africana, e de um

    pensamento jurdico africano, quando no se apresenta curial, por exemplo, falar-se de

    cincia africana na especialidade, uma vez que a Cincia concebida como sendo

    universal, como universal , alis, a prpria ontologia humana. Da posio adoptada,

    entre vrias, a mais extremada das quais, como j o referimos antes, preconiza uma

    espcie de regresso s origens para uma suposta reposio de tudo quanto fora

    aviltado pelo colonialismo europeu ou ocidental, dependem, em grande parte, na

    forma e no contedo, as respostas a dar s questes colocadas na definio do problema

    da pesquisa.

    Como elemento importante da posio a ser por ns adoptada, adiantamos a

    sugesto da necessidade premente de acompanhar o ensino e a aplicao do Direito, em

    frica, com o debate filosfico sobre os problemas continentais. Isto, no obstante

    estarmos claramente distantes daqueles que consideram a frica como um lugar de

    seres humanos especiais, seja qual for o sentido discriminatrio (pejorativo ou

    vanglorioso), que no sejam as particularidades decorrentes de um processo colonial, ao

    qual, a par dos dramas provocados, repercutidos por inrcia nos tempos que correm, no

    se deve deixar de reconhecer o mrito, j consumado, da emergncia de uma

    modernidade que, por razes mais objectivas do que subjectivas, retardava4 Neste

    sentido, nesta pesquisa e na respectiva dissertao, ressaltada a sublimao da

    filosofia Ubuntu, que, tendo por cultores mais visveis, na Teologia e na Poltica, Tutu

    e Mandela, respectivamente, se constituiu num caso paradigmtico indicativo de que, na

    soluo de muitos problemas humanos, in medio virtus est.

    Adiantemos que a hoje chamada filosofia Ubuntu no mais do que a

    transladao, para um universo multitnico e multirracial que se exprimem

    verdadeiramente num multiculturalismo antropolgico , de princpios e valores

    primordialmente concebidos para posicionar o indivduo dentro do seu cl, tribo ou

    comunidade tnica, no seio dos diversos agrupamentos comunitrios que integram,

    provavelmente, o mais vasto grupo com certa homogeneidade da frica Negra a que no

    incio da segunda metade do sculo XIX, o linguista alemo Wihelm Bleek conferiu a

    designao de bantu peoples. Entretanto, na sua sublimao, o Ubuntism ou

    Unhuism, como tambm passa a ser conhecida essa filosofia na frica Austral, tenta

    4 Como diz Aim Cesaire,[] the great historical tragedy of Africa has been not much that it was

    too late in making contact with the rest of the world, as the manner in which that contact was brougtht

    about; that Europe began to propagate at a time when it had fallen into the hands of most unscrupulous

    financiers and captains of industry (Cfr. MUDIMBE, in The Invention of Africa Gnosis, Philosophy,

    and the Order of Knowledge, Indiana University Press, James Currey, London, 1988, p. 2).

  • 18

    sustentar a convivncia de comunidades culturalmente diversas, num mesmo espao

    geogrfico, depois da abominvel cultura e poltica do apartheid. E, diga-se, com

    reflexos muito positivos no plano do Direito, num casamento que se pode considerar

    relativamente equilibrado entre a modernidade ocidental e o lastro naturalmente

    persistente dos diversos direitos costumeiros tradicionais africanos.

    Resumindo e concluindo, diremos que a nossa posio filosfica, em face desta

    temtica e do Direito em geral, intuda da ideia que ganhou grande visibilidade desde

    a longnqua afirmao do filsofo grego Herclito, segundo a qual ningum se banha

    duas vezes nas guas de um mesmo rio, de certo modo reciclada mais recentemente

    pelo fsico francs Lavoisier quando dizia que na natureza nada se cria e nada se perde,

    mas tudo se transforma. nisso que se funda a nossa rejeio de qualquer

    posicionamento que alvitre, como atrs referido, uma espcie de regresso s origens.

    Como pensava Mandela, o passado irrepetvel. De tal modo que, para dele retirarmos

    utilidade no presente, este mais relativamente controlvel, a fim de tentarmos

    condicionar o futuro a nosso favor, o que se faz perdoar o passado no que teve de ruim

    e dele retirar o que teve de positivo. O Direito, como ferramenta humana que

    acreditamos ser, e que irremediavelmente est inserido na mesma lgica evolutiva da

    natureza e das sociedades humanas em constante interaco, s poder brindar

    resultados positivos para o homem africano cujo conceito se refaz, naturalmente, ao

    longo de sculos, como em toda a parte se este souber explorar as suas virtualidades,

    nunca contra, mas em coordenao ao menos tentada com outras comunidades

    geogrficas e culturais humanas. De fora, a ingenuidade de poder pensar-se que tudo

    isso se possa processar em toque de mgica.

    7. Estrutura formal da tese, modelo de anlise e mtodo de investigao

    Como acontece com boa parte de teses no domnio do Direito e,

    fundamentalmente pelas caractersticas da nossa prpria formao acadmica e humana,

    no nos aventuramos em seguir uma metodologia quantitativa de elaborao e

    apresentao da nossa tese. Assim, acompanhando Max Weber, que diz que a

    sociologia constri conceitos-tipo e procura regras gerais do acontecer5 pela natureza

    afim e auxiliar que aquela disciplina possui em relao ao Direito, no o faremos,

    5 Cfr. WEBER, Max, Conceitos Fundamentais de Sociologia (retirado de Max Weber Wirtschaft

    und Gesellschaft. Grundriss der verstehenden Soziologie, J. C. B. Mohr Tubugen Paul Siebeck

    traduo de Sara Seruya), in Teorias Sociolgicas Os Fundadores e os Clssicos, 7. ed., Fundao

    Calouste Gulbenkian, 2013, p. 600.

  • 19

    contudo, com uma pretenso de base estatstica, grfica e muito menos aritmtica ou

    matemtica. Isso vem ao encontro da nossa ideia, acima anunciada, de que no se

    pretende aqui fixar ideias, conceitos e postulados definitivos, num campo em que

    operamos essencialmente com intuies ditadas, acima de tudo, pela nossa experincia

    humana, acadmica e poltica. J que uma tese, que se apresenta nesta fase da vida, no

    pode subtrair-se sua inevitvel natureza autobiogrfica6, importa acrescentarmos,

    brevemente, que essa experincia comea com o despertar para a observao do que se

    passa em redor, na nossa adolescncia e juventude, nos anos 60 e 70 do sculo passado,

    numa famlia das elites tradicionais bantas, ento muito recentemente colocadas ao

    servio das estratgias de dominao poltica colonial portuguesa, passando pela

    formao iniciada em instituies missionrias crists, at formao em Direito,

    concomitantemente com o exerccio da actividade profissional no ensino, em que se

    deve destacar, antes do Direito, a Histria Universal, para terminar na impactante

    actividade poltico-diplomtica interna e internacional, j nos ltimos anos, em torno do

    funcionamento de uma Angola e de uma frica h muito emancipadas dos poderes

    coloniais. E a tentar posicionar-se em relao ao futuro, no meio de uma mirade de

    encruzilhadas no prprio Continente e no mundo.

    Na introduo sua tese de doutoramento, o poeta, historiador e antroplogo

    Arlindo Barbeitos, tambm um africano de Angola, atesta:

    Se, por vezes, o texto peca por redundncia, admito que o faz porque continuo

    imbudo de uma oralidade cujas tcnicas de exposio exigem que ela se

    desdobre como os anis de uma espiral. Como se a sua ordem interior fosse a da

    circularidade do mito do eterno retorno [].7

    So palavras que assentariam como uma luva em relao ao nosso linguajar no

    texto que se segue, porque, na verdade, como j acima referido, e sem contradizer o que

    dissemos sobre a nossa crena na semelhana essencial de todos os homens e culturas, o

    bantu que somos desde a nascena possui uma comunicabilidade e uma semitica

    prprias que dificilmente podemos disfarar e que se substancia essencialmente numa

    cosmoviso mais sincrtica do que crtica e estratificada da realidade. O que para ns

    no constituiu nenhum embarao, pois sempre defendemos que a diferena nunca

    6 Cfr. ECO, Humberto, ob. cit., pp. 35 a 42.

    7 Cfr. BARBEITOS, Arlindo, Angola Portugal: Representaes de Si e de Outrem ou o Jogo

    Equvoco das Identidades, Kilombelombe, Luanda, 2011.

  • 20

    necessariamente um problema; pelo contrrio, nela podemos encontrar motivos de

    enriquecimento recproco.

    Das reas do saber em que pudemos abordar maior esplio bibliogrfico referente

    a frica releva especialmente a da Histria Universal, de frica e de Angola, em

    particular, de onde intumos mais construes institucionais jurdicas falsificveis do

    que extramos, como compreensvel, doutrina para uma eventual reviso crtica, no

    mbito do nosso objecto de pesquisa. O mesmo se diga, mutatis mutandis, da Sociologia

    e da Antropologia (sobretudo) Cultural.

    H um grande recurso bibliografia jurdica universal, com realce para a

    literatura europeia ou dita ocidental de forma geral, mxime a portuguesa, por

    razes bvias, abordada mais no sentido descritivo do que no crtico ou construtivo,

    tendo em conta a especialidade africana que constituiu o objecto da pesquisa. Os

    aspectos de enquadramento levam-nos a clssicos de vrias matrias que vo desde a

    Filosofia Cincia Poltica, que, de to citados, recitados e traduzidos em vrias

    lnguas, foram dispensados de incluso na nossa bibliografia, tais como todos os mais

    conhecidos filsofos da Antiguidade Greco-Romana, como a dupla Plato e Aristteles,

    o medievo Santo Agostinho, os pr-modernos, os modernos e os j a caminho da

    contemporaneidade e na prpria contemporaneidade, como S. Toms de Aquino,

    Guilherme de Ockham, Maquiavel, Bodin, Grcio, Hobbes, Locke, Montesquieu,

    Rousseau, Kant, Hegel e Marx, entre outros.

    Resumindo, diremos que, por razes justificadas, seguimos um modelo de

    pesquisa e apresentao essencialmente histrico-descritivo, mas ao mesmo tempo

    analtico, indutivo e dedutivo, numa base em que preponderam dados empricos8 j

    testados ou a testar pela historiografia geral humana e do direito em particular.

    7.1. (Pr)viso do contedo das partes da dissertao e concluses gerais

    Aqui chegamos ao espao onde, de forma muito genrica, fornecemos uma

    anteviso da estrutura e contedo das partes da dissertao.

    A dissertao consta de trs partes, numa sequncia que pensamos melhor ajudar

    a concretizar os objectivos preconizados com a pesquisa e exposio do nosso

    pensamento. Apenas algumas palavras introdutrias sobre cada uma dessas partes, que

    8 Cfr. SOUSA, Maria J., e BAPTISTA, Cristina, Como Fazer Investigao, Dissertaes, Teses e

    Relatrios Segundo Bolonha, Pactor, Lisboa, 2013, p. 9.

  • 21

    constaro, invariavelmente, de breves consideraes gerais de sequncia para explicitar

    o contedo de cada uma delas.

    A Parte I ser aquela que podemos considerar de enquadramento primrio, de

    natureza essencialmente filosfica, e, depois, de conceptualizao e contextualizao do

    fenmeno fctico-jurdico de integrao regional.

    Assim, no seu primeiro captulo, traamos brevemente a historiografia da

    emergncia e evoluo da ideia de direito, ao mesmo tempo que problematizamos sobre

    a questo de saber se ela apenas atribuvel ao chamado Ocidente, como por vezes se

    sugere, ou constitui um atributo e uma aquisio de todas as comunidades humanas, e,

    por consequncia, investido do condo da universalidade. Entretanto, o segundo

    captulo dessa parte tem o seu foco na teoria (ou teorias) de integrao regional, e nele

    se procura colmatar algumas julgadas brechas, decorrentes de algum desenvolvimento

    do fenmeno de integrao, que, na nossa particular percepo, no parecem ainda

    cobertas por reflexes precedentes. Este segundo captulo ressulta da anlise dos

    principais aspectos fctico-jurdicos que distinguem a construo da UE e a

    emergncia do MERCOSUL; aspectos que so de interesse prtico para o seu cotejo

    com a nossa esboada teoria unificada de integrao econmica e poltica reginal

    (TUIEPRE), inspirada no discurso poltico pan-africanista que precedeu as

    independncias dos antigos territrios coloniais europeus e ficou retido nos principais

    instrumentos constitutivos de histricas e actuais instituies internacionais e de

    integrao africanas (OUA/CEA e UA/NEPAD).

    A Parte II constitui o epicentro da dissertao. aqui que se responde,

    directamente, s perguntas formuladas volta do problema da pesquisa. H alguma

    problematizao, no primeiro captulo desta parte, para a qual transborda o debate

    filosfico iniciado no primeiro captulo da Parte I, em que se questiona se h ou deve

    haver um pensamento e um direito especificamente africanos, ou se esta apenas uma

    falsa questo. Esta parte comea pelo que podemos intitular de enquadramento

    secundrio, ou seja, uma sntese geo-histrica, antropolgico-cultural e poltico-jurdica

    do Continente, desde o perodo usualmente designado por pr-colonial, passando pelo

    colonialismo, at estabilizao ps-colonial. No Captulo II dessa parte, expomos,

    de modo puramente descritivo, os principais aspectos da estrutura jurdico-institucional

    internacional e de integrao africana actual, para terminarmos num esforo de

  • 22

    determinao da sua natureza jurdica. Mas aqui, ateno, diferentemente do que

    acontece com grande parte de autores euro e afro-ocidentais, a nossa abordagem desvia-

    se dos parmetros meramente formais da natureza do Direito, para se transportar,

    tambm, para o terreno da sua eficcia teleolgica e correspondncia com a realidade

    normada. daqui que vai resultar a questo da necessidade de uma proposta para um

    pensamento e uma metodologia jurdicos eventualmente adequados para a situao

    particular de um continente (regio) que procura construir a sua unidade econmica e

    poltica na base de um direito de integrao, quando mal os seus Estados-

    componentes resolveram o problema da criao do Estado-nao moderno. Ser

    aqui, justamente, que encontraremos o lugar para responder questo fundamental da

    pesquisa, que, aqui chegados, podemos resumir nesta pergunta: haver direito para

    ajudar a frica a encontrar ou construir a comunidade econmica e poltica que

    tanto se deseja ou de que tanto se fala?

    Na Parte III, mais breve, porm concretizadora das questes que se colocam,

    como caso de estudo, tenta-se uma visualizao dos desafios que se apresentam a

    Angola como Estado-nao moderno africano e, ipso facto, uma das clulas vivas pelo

    menos deveria s-lo da construo da to desejada comunidade africana que

    comearia nas zonas da sua prpria insero sub-regional, a saber: a SADC (Southern

    African Development Community) e tambm a Comunidade Econmica dos Estados da

    frica Central (ECCAS/CEEAC Economic Community of Central African

    States/Comunaut conomique des tats de lAfrique Centrale). Temos, pois, a

    pergunta que no cala: onde est o problema? No direito ou na realidade?

    No fim de tudo, as respostas finais, ou seja, as Teses e Concluses. Como

    dissemos, naturalmente falsificveis.

  • 23

  • 24

    PARTE I

    INTEGRAO REGIONAL: UM FENMENO FCTICO-JURDICO EURO-

    OCIDENTAL PROCURA DE POISO EM OUTROS UNIVERSOS DO GLOBO

    8. Consideraes gerais de sequncia

    Como referido na Introduo, este trabalho de investigao apresenta como

    problema fundamental a questo que pode agora resumir-se ao saber-se se,

    necessidade, vrias vezes invocada, de se estruturar poltica e economicamente, o

    continente africano, para maximizar o seu combate pelo progresso e consequente fuga

    perene condenao marginalizao mundial, numa configurao semelhante da

    Unio Europeia, ou mesmo como se chega a alvitrar dos Estados Unidos da

    Amrica, pode ou no corresponder a necessidade de produo de um direito de

    integrao num sentido mais ou menos amplo. Subsequentemente a esta questo

    fundamental, surgem naturalmente questes adstritas e adjacentes, como a de saber se

    este direito j existe como produto endgeno ou exgeno prpria frica, ou se se

    encontra em elaborao e qual a sua natureza e efectividade.

    complexidade que a questo em si mesmo encerra, deve acrescer-se que se

    encontra envolvida numa situao real mais vasta, no momento em que o prprio

    universo mundial se apresenta perante uma srie de encruzilhadas ditadas pelo constante

    e geometricamente acelerado progresso tcnico-cientfico que se repercute de forma

    dramtica na consistncia das instituies humanas. Com efeito, e do nosso ponto de

    vista, os valores e princpios estruturantes do mundo actual, dominado inegavelmente

    pela axiologia poltica, econmica, social e cultural que nos vem do Sculo das Luzes

    do denominado Ocidente, encontram-se suficientemente esgotados para poderem

    corresponder aos desafios que hoje se levantam. Mal refeito da ressaca da sua vitria

    sobre a tentativa comunista ou marxista-leninista de suplantar o liberalismo poltico e

    econmico, o Ocidente oscila hoje entre as anquilosadas paredes do estruturalismo

    moderno e a multiplicidade de materiais ainda desagregados das teorias

  • 25

    desconstrutivistas da ps-modernidade. Como poderia a frica inventada de Mudimbe9

    ou a necessitada de recolonizao de Marzui10

    , com as suas evidentes fragilidades, no

    ressentir-se dessa situao?

    Assim relevadas as questes, fica lquido que o nosso concreto problema,

    localizado essencialmente no domnio da cincia do direito (mais estritamente nas

    cincias jurdico-polticas), no pode ser descontextualizado desta realidade mundial

    concreta em que a concreta frica de hoje se insere.

    Por isso, em sede do anunciado na Introduo sobre o papel desta primeira parte

    da dissertao, ser necessrio deslocarmo-nos, antes de mais, para o ptio-me de toda

    a disciplina comum do Direito, para relembrarmos e actualizarmos noes, conceitos e

    concepes abalizadas ao mundo mutante actual. necessariamente da que partiremos

    para a grande aventura desta dissertao, que consiste em indagar da pertinncia

    (impertinncia) de todos ou de alguns aspectos das concepes exgenas do Direito e,

    concomitante ou alternativamente, da possibilidade (impossibilidade) de elaborao

    (construo) de conceitos e modelos endgenos ao prprio continente nesse domnio.

    Neste empreendimento, o questionamento sobre a aplicao de modelos

    ocidentais do Direito e da Justia realidade africana, ditada pela forma atpica como se

    constri o Estado-nao africano moderno, cuja caracterstica fundamental reside

    manifestamente na sua emergncia como manufactura da efmera ocupao poltica

    pelo colonizador europeu, durante menos de um sculo11

    , ser algo nuclear. Precisa-se,

    lembre-se de novo, de apurar onde reside o problema: na realidade em si ou no direito?

    No direito comum ou no direito particular eventualmente concebido para normatizar a

    construo da almejada comunidade poltica e econmica de frica?

    aqui que o carcter filosfico-reflexivo desta dissertao de natureza

    essencialmente jurdica, porm, inevitavelmente interdisciplinar, se manifestar no seu

    mximo alcance, salientando o problema da teleologia, finalidade ou carcter funcional

    do Direito. Uma questo que, ao que parece, no mbito da aplicao do Direito no

    9 Referncia ao ttulo da obra deste autor (1988).

    10 Referncia proposta do autor, in LAREMONT, Ricardo, e SEGHATOLISLAMI, Tracia

    (editores), Africanity Redifined Collected Essays of Ali A. Mazrui, vol. I, Toyni Falola Series Editor,

    Africa World Press, 2002. 11

    O discurso construdo para a necessidade de mobilizao poltica dos colonizados contra o

    colonizador conseguiu impor a ideia geral de que a colonizao, como ocupao poltica efectiva,

    sistemtica e horizontal da totalidade dos territrios dos actuais Estados africanos, durara entre quatro e

    cinco sculos, o que, como se observar e seria facilmente detectvel , decorria apenas da obnubilao

    da realidade pelos entusiamos revolucionrios.

  • 26

    chamado Ocidente, particularmente no Ocidente romano-germnico do Direito12

    , no

    ter tanta relevncia, dados o seu carcter eminente e justificadamente formalista, no

    sentido de garantir a certeza e a segurana jurdicas, e os imperativos de uma Justia

    vendada, num locus civilizacional de mobilidade vertiginosa, em que o trato material de

    cada caso parece poder comprometer um mnimo de celeridade processual, em sentido

    amplo. Mas, justamente, desta problemtica surge a questo de que os tempos e modos

    acelerados de estruturao ocidental das coisas se implantaram inexoravelmente em

    todas as latitudes e longitudes africanas, num apressado e mal-amanhado casamento

    com os seus ainda muito recentes tempos e modos mais pausados e dispersos. Como

    equacionar a antinomia? Eis a grande questo, muitas vezes referida en passant nas

    abordagens cientficas da politologia, do direito e das mais vastas disciplinas afins, sem

    que lhe seja dedicada a necessria ateno, lacuna que pretendemos tentar preencher

    aqui, no domnio do direito, em geral, e no domnio do eventual direito de integrao

    regional e continental africano, em particular.

    Para o efeito, o segundo captulo desta parte tratar de apurar a existncia de tal

    direito, num modelo de anlise emprico-dedutiva, das teorias (ou teoria geral) de

    integrao econmica e poltica regional e das experincias dos processos de

    integrao na UE e no MERCOSUL.

    12

    Aparentemente, no mundo anglo-saxnico no se faz to premente esse formalismo

    constrangedor, quando aplicado