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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS SHAIANE SILVEIRA DA SILVA UM RETRATO DO HERÓI E DO INIMIGO: A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE DESSES PERSONAGENS PELO CINEMA NORTE-AMERICANO CAXIAS DO SUL 2018

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

SHAIANE SILVEIRA DA SILVA

UM RETRATO DO HERÓI E DO INIMIGO:

A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE DESSES PERSONAGENS PELO CINEMA

NORTE-AMERICANO

CAXIAS DO SUL

2018

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SHAIANE SILVEIRA DA SILVA

UM RETRATO DO HERÓI E DO INIMIGO:

A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE DESSES PERSONAGENS PELO CINEMA

NORTE-AMERICANO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda. Orientador: Prof. Me. Marcelo Wasserman

CAXIAS DO SUL

2018

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SHAIANE SILVEIRA DA SILVA

UM RETRATO DO HERÓI E DO INIMIGO:

A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE DESSES PERSONAGENS PELO CINEMA

NORTE-AMERICANO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia II, do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul. Aprovado em: __/__/____

Banca Examinadora _____________________________________ Prof. Me. Marcelo Wasserman Universidade de Caxias do Sul – UCS _____________________________________ Prof. Me. Carlos Antônio de Andrade Arnt Universidade de Caxias do Sul – UCS _____________________________________ Prof. Dr. Ronei Teodoro da Silva Universidade de Caxias do Sul – UCS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos amigos, colegas, professores e funcionários da Universidade

de Caxias do Sul, onde aprendi muito além de temas teóricos e técnicos, aprendi

sobre diversidade, empatia e a experiência impulsionou o desejo de me tornar

alguém melhor a cada dia. Aprendi a ser motivada pelo conhecimento tanto no

âmbito profissional quando no pessoal, e que essa motivação clareia os momentos

mais obscuros. Por isso agradeço a principal pessoa que me motivou e me deu

condições para estar em uma universidade, minha mãe Reginalda que para mim é

uma guerreira amazona, pois sua força transcende qualquer parâmetro humano.

Sou grata em especial pela colega Lívia, que se tornou família e foi muito

importante como suporte para a construção desse trabalho. Para as colegas e

amigas: Victoria e Roberta, minha sincera gratidão por me auxiliarem nas dúvidas.

Ao professor e orientador Marcelo Wasserman, agradeço por me encorajar durante

o processo assombroso que esse desafio pareceu ser e por sempre me munir de

conteúdo quando me encontrava perdida.

Agradeço a todos os demais amigos e colegas de trabalho que gentilmente

prestaram apoio e palavras de incentivo. Todos nós desejamos deixar nosso legado

no mundo, esse é parte do meu e dedico a vocês. Obrigada.

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RESUMO

O presente trabalho visa compreender o retrato do herói e do inimigo no cinema e entender como é feita a construção desses personagens na indústria cinematográfica norte-americana. O herói e o inimigo são personagens que coexistem em diversas culturas de forma espontânea, servem como modelos da dicotomia bom e mau. O estudo consiste em explorar os mitos, berço desses personagens, o cinema norte-americano e a identidade dos EUA, e identificar quais são os aspectos que esses temas compartilham. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica dentro de publicações e recursos disponíveis na internet. Após a pesquisa, foram eleitas obras cinematográficas da indústria de cinema norte-americana passíveis da análise dos personagens em questão. Ao final desse estudo, é possível observar a forte relação que esses temas possuem com o confronto e o papel do cinema de chamar a atenção da sociedade através de um retrato de si mesma.

Palavras-chave: Cinema / personagem / herói / inimigo / EUA / Hollywood.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cena icônica do filme em estilo teatral: O Sétimo Selo (1957), em que há

a representação da morte ......................................................................................... 15

Figura 2 – Morte do guerreiro Aquiles (Brad Pitt) no filme Troia (2004) .................... 20

Figura 3 – Momento em que Perseu (Harry Hamlin) expõem a cabeça da derrotada

Medusa no filme Fúria de Titãs (1981) ...................................................................... 22

Figura 4 – Frase que compõe as primeiras cenas de abertura do filme O Poderoso

Chefão (1972) dita pelo icônico personagem de naturalidade italiana Don Corleone

(Marlon Brando) ....................................................................................................... 27

Figura 5 – O personagem Benjamin Martin (Mel Gibson) no conflito contra os

britânicos alçando a bandeira das treze colônias no filme O Patriota (2000) ............ 29

Figura 6 – No filme Tão Forte e Tão Perto (2011), a personagem Linda Schell

(Sandra Bullock) vendo pela janela a fumaça do impacto da primeira aeronave que

atingiu uma das torres gêmeas ................................................................................. 33

Figura 7 – Cena do longa A invenção de Hugo Cabret (2012) fazendo referência ao

considerado primeiro filme exibido dos irmãos Lumière chamado “A chegada do trem

na estação”. O movimento do trem projetado na tela, por ser algo novo, causava

susto aos espectadores, que institivamente, temiam serem atropelados. ................ 36

Figura 8 – Hitchcock (1899 – 1980) foi um cinesta que falou abertamente como a

técnica de Kuleshov é importante para a sua carreira, na imagem a célere sequência

do filme Psicose (1960) em que closes montados mostram um assassinado a

sangue frio................................................................................................................. 38

Figura 9 – Apresentação do personagem Hobie Doyle – a esquerda - (Alden

Ehrenreich) enfrentando um inimigo – à direita – no filme Avé, César! (2016) em que

Hobie é um ator que representa um herói dos filmes western da década de 50. ...... 40

Figura 10 – Cena de abertura de Patton. .................................................................. 48

Figura 11 – Caricatura de Patton. ............................................................................. 51

Figura 12 – Patton ao final da guerra abalado por se ver sem propósito. ................. 52

Figura 13 – Dave Severance sendo ouvido por James Bradley. Entre os quadros da

parede a icônica foto conhecida como Raising the Flag on Iwo Jima que se tornou

peça da propaganda norte-americana para prosseguir com a guerra contra o Japão.

.................................................................................................................................. 54

Figura 14 – Foto citada por Severance da execução de um prisioneiro Vietkong.. ... 55

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Figura 15 – Soldados realizando a substituição da bandeira, momento que foi

registrado na foto.. .................................................................................................... 57

Figura 16 – Os três soldados Rene Gagnan, Jonh Bradley e Ira Hayes reproduzindo

a colocação da bandeira em um estádio em Washington. ........................................ 58

Figura 17 – Recepção da chegada do general Kuribayashi à ilha de Iwo Jima.

Imagem pálida, porém com destaque ao vermelho da bandeira do Japão ............... 61

Figura 18 – Shimizu, Saigo e soldado em um dos túneis do monte Suribachi.. ........ 62

Figura 19 – Saigo durante a sua revolta após ver um soldado norte-americano com a

arma de seu general Kuribayashi... ........................................................................... 63

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 METODOLOGIA .................................................................................................... 12

3 PERSONAGEM: HERÓI E INIMIGO ..................................................................... 14

4 EUA E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE ......................................................... 26

5 CINEMA ................................................................................................................. 35

5.1 A ESPECIFICIDADE DO CINEMA ...................................................................... 36

5.2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA ................................................................... 38

5.3 PARADIGMAS E ESTEREÓTIPO NO CINEMA ................................................. 39

5.4 NASCIMENTO DO CINEMA NORTE-AMERICANO ........................................... 41

5.5 AS MÁQUINAS DA INDÚSTRIA DE HOLLYWOOD ........................................... 44

6 ANÁLISE ................................................................................................................ 45

6.1 A IDENTIDADE DOS EUA PERSONIFICADA .................................................... 47

6.2 DOIS LADOS DE UM CONFRONTO .................................................................. 53

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 64

8 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 67

9 SITES ACESSADOS ............................................................................................. 71

10 FILMOGRAFIA .................................................................................................... 74

11 ANEXOS .............................................................................................................. 75

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1 INTRODUÇÃO

A autora do presente trabalho passava as tardes em casa tendo como

companhia os filmes que passavam na televisão e os em formato VHS. Como aluna,

encantava-se em aprender com os filmes e, sempre que surgia uma oportunidade,

realizava vídeos para tornar as apresentações dos trabalhos mais interessantes na

escola. Quando universitária, escolheu o curso de Comunicação Social –

Publicidade e Propaganda, pois leu na sua descrição a possibilidade de atuação no

mercado de trabalho na área de produção audiovisual. Sua jornada acadêmica não

poderia ter um Trabalho de Conclusão de Curso com um tema que fugisse do

audiovisual.

A conexão com o cinema sempre foi muito forte pela sua capacidade de

ensinar contando histórias através de imagem e som. De fato, o cinema é uma arte

que torna possível transmitir o que estiver na imaginação com o objetivo de entreter,

emocionar, chocar e ensinar lições diretas ou através de metáforas e alegorias. O

cinema possui uma narrativa que possibilita ao espectador educar a sua visão

decodificando signos e símbolos, além de ser uma prática social e forma de

conhecer culturas. Isso tudo com uma linguagem visual e sonora que comove e gera

encantamento.

Tendo a certeza da inclusão do cinema neste trabalho, o desafio foi delimitar

qual assunto deveria ser abordado dentro das diversas possibilidades que o tema

proporciona. Todas as emoções que o cinema retrata e provoca têm suas

peculiaridades e complexidades. Em uma pesquisa preliminar o que se destacou foi

o fato de haver uma imersão tão grande a ponto de o espectador torcer pela vitória

de certo personagem e a queda de outro. E, nos filmes, geralmente somos

conduzidos a desejar a queda do vilão1 e a ascensão do herói. A análise de como as

personagens do inimigo e do herói são escritas e como recebem vida através da

atuação, permite identificar as características quistas e os estereótipos usados para

transpor a mesma sensação na tela. Além disso, outra motivação se encaixa nos

estudos antropológicos, no interesse da quebra do modelo de classificação entre

bem e mal e a busca por uma análise mais complexa.

1 Neste estudo, será usado o termo “inimigo”, ou seja, opositor do ponto de vista do personagem

protagonista dos enredos. Essa preferência se dá ao fato de o vilão já definir um personagem com atitudes vis, maldosas, do lado do mal.

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O cinema norte-americano possui muito influência no cenário global, a

indústria distribui seus filmes em cerca de 105 países (MARTEL, 2012). Aliado a

isso, está a cultura patriota dos EUA2, que corrobora, algumas vezes, que os

inimigos do cinema sejam os mesmos rivais do País em questões políticas. Dessa

forma, inicia a jornada de buscar escrever sobre um tema na esfera do cinema em

um contexto rico e interessante para a criação do projeto que concluirá o

encerramento da jornada na graduação de Publicidade e Propaganda.

O presente trabalho aborda um assunto voltado para o debate acadêmico

sobre o papel do cinema norte-americano na concepção do estereótipo do inimigo. A

oportunidade de vivenciar o currículo de Publicidade e Propaganda criou uma nova

percepção diante das obras audiovisuais e motivou a buscar acerca do cenário que

intenciona as origens da sétima arte nos Estado Unidos e, dessa forma, identificar

fatores e interpretar os significados.

O cinema é uma excelente ferramenta de aprendizagem, mesmo na ficção, o

mundo “vem até o espectador” em forma de histórias (BERGER, 1999). No entanto,

como todo instrumento midiático, o cinema pode ser utilizado com fins ideológicos,

nomeadamente por meio do espetáculo (LEBEL, 1972) e tais eventos são retratados

na ótica dos envolvidos na criação da obra.

Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Guerra do Golfo, Guerra Fria, Guerra

ao Iraque, Vietnã e Coréia, todas, foram disputas que tiveram em comum a

participação dos Estados Unidos. Este se trata de um país com potencial bélico em

suas entranhas. E pelo fato de estar entre as potências mundiais e ser um dos

símbolos do capitalismo, são fatores que sustentam algumas rivalidades com outras

nações. Aqui, neste trabalho, será dada atenção à questão de como esses rivais

bélicos são representados nas obras cinematográficas. Para justificar o tema deste

estudo, serão analisados alguns filmes da indústria norte-americana que têm como

temática confrontos travados durante a história. De fato, a produção cinematográfica

norte-americana é a de maior impacto no Ocidente e possui muito interesse das

massas por conta das personalidades envolvidas na indústria, o glamour dos red

carpets e pelo fato de tornar toda a imaginação possível.

O cinema é uma grande máquina composta por diversas engrenagens. A

construção da personagem é fundamental, pois por meio dela, é inserido o herói e o

2 Estados Unidos da América, nome que o país adotou por ser uma união de estados / colônias.

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inimigo na narrativa. Depende de o autor criar nos diálogos e nas ações uma

personalidade que será representada na atuação e que possa ser lida pelo

espectador. Cabe ao diretor escolher uma abordagem e instruir de melhor forma os

atores. A trilha, a montagem e os enquadramentos definem toda a essência de uma

narrativa. Sendo assim, construído por diversos elementos fílmicos, o cinema possui

uma linguagem própria. Portanto, sendo o cinema instrumento de formação cultural

do indivíduo é essencial a reflexão da abordagem utilizada para o retrato do inimigo

e o impacto que causa na concepção do espectador.

Cabe à discussão se o cinema norte-americano está reproduzindo de forma

imprudente ou não os inimigos baseados em suas ideologias, levando em conta a

complexidade das pessoas. Com o auxílio de obras literárias e de outros trabalhos

que envolvem a temática do cinema, construção da personagem, o inimigo, e

estereótipos, será discorrido sobre o seguinte questionamento: “Como o cinema

norte-americano, a partir dos elementos fílmicos, contribui para o retrato do

herói e do inimigo na sociedade?”.

Em vista de responder essa questão, o objetivo geral traçado é refletir sobre o

papel do cinema norte-americano na construção do retrato do herói e do inimigo e

de que forma influência a sociedade. Para isso, são delineados os seguintes

objetivos específicos: a) identificar a origem do herói e do inimigo; b) explorar

questões culturais e de identidade dos EUA; c) verificar a origem da indústria de

cinema norte-americana; d) analisar como são retratados os heróis e os inimigos nos

filmes propostos.

Para alcançar tais objetivos, é necessário um método que corrobore para uma

costura adequada entre os temas propostos e que permita o estudo dentro do

cinema e de suas obras.

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2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho é a análise

bibliográfica de livros, artigos e publicações em torno do tema. A união de diversos

campos de estudo foi considerada para gerar um conteúdo rico. Foram selecionadas

obras do acervo de diversos teóricos renomados como: Stanislavski (1989),

dramaturgo cujo trabalho possui enorme peso para identificar como é feita a

construção dos personagens que o tema da pesquisa abrange; Campbell (2007)

tem respaldo como teórico dos mitos e possui obras consagradas por identificar

padrões entre heróis de diversas culturas; na questão estética, Eco (2007) identifica

como são retratados os heróis e inimigos dentro do estudo do belo e do feio; com os

estudos do campo da política de Schmitt (1992), é possível identificar como os

interesses das nações tornam-se interesses do indivíduo e assim, como ocorre o

fenômeno do inimigo comum a todos; Otto Rank (apud BRANDÃO, 2013), estudioso

da psicanalise, permite ao estudo compreender o comportamento humano em

relação ao outro; com sua pesquisa dentro de identidade e cultura as ideias de

Stuart Hall (2000) complementam a relação de dependência do ser humano com o

outro,

No estudo cinematográfico, Burke (1969) esclarece, graças as suas obras no

campo da literatura, como é realizada a escrita e a questão inerente de se eleger um

ponto de vista para narrar uma história; Barthes (2001) contribui com seus estudos

dentro da fotografia permitindo uma análise avalizada dos fotogramas das obras

audiovisuais; a significação do cinema é abordada por Metz (1972), cujas teorias,

permitem entender o que torna o cinema atrativo; Saussure (1995), especialista em

linguagem outorga analisar o cinema como linguagem e concede em seus estudos,

ferramentas para efetuar tal análise.

Além desses autores, especialistas dentro em seus campos de estudo, outros

teóricos foram apurados à medida que seus estudos colaborassem para a discussão

do tema. Muitos desses agregam outras escolas nos campos de estudo prestando

suas interpretações sob elas.

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Para o estudo das obras, optou-se pela análise fílmica dentro do conceito de

Vanoye (1994), que se divide em duas etapas. A primeira etapa se trata de

decompor ou descrever a obra fílmica e a segunda de estabelecer e compreender as

relações entre os elementos fílmicos decompostos e os interpretar, com ênfase no

retrato do inimigo. A análise fílmica é um estudo qualitativo que será feito de forma

estruturalista-semiótica, preocupando-se com o significado do conteúdo, analisando

o discurso por meio do som e da imagem, assim como destacando fotogramas.

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3 PERSONAGEM: HERÓI E INIMIGO

Em uma sociedade em que há a típica divisão por meio de um modelo

dicotômico – bem e mal – parece ser ignorado o princípio das motivações e a

complexidade dos indivíduos. O herói e o seu inimigo representam extremos desses

lados e, por isso, coexistem junto ao conflito. Uma forma de compreender e perceber

esses extremos é por uma “autoanálise” que a sociedade faz de si mesma através

da dramaturgia.

Desse modo, existem razões que justificam a forma como os personagens

são retratados nos espelhos, fantasiado de entretenimento, da literatura, do teatro e

do cinema. Com isso, o estudo do contexto do personagem que é moldado ora como

herói, ora como inimigo torna-se essencial para se expandir a visão típica e partir

das pontas para o cerne das atribuições.

Pallotini (2013) comenta que o personagem nada mais é do que um disfarce,

uma imitação de traços fundamentais de uma pessoa ou pessoas. O estudo do

personagem interpretado inicia pelo teatro, que tinha a construção do personagem

como fundamental para entendimento da sociedade, pois ele nada mais é do que

um reflexo da percepção do escrito e do agente que o interpreta. Isso só é possível

através da observação e de experiências de vida, como quadros, gravuras,

desenhos, livros, em geral, a exposição que se tem no objeto. Registros do passado

que faz o homem contemplar o presente. Na Figura 1 há o exemplo da

personificação de um ser lúdico, onde não se possui uma referência real, entretanto

é construída através de um figurino diferenciado.

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Figura 1 – Cena icônica do filme em estilo teatral: O Sétimo Selo (1957), em que há a representação da morte.

Fonte: Miranda (2015).

Segundo afirma Constantin Stanislavski (1989), a materialização física de um

personagem a ser criado surge espontaneamente, desde que se tenham

estabelecidos os valores anteriores certos. Ou seja, a caracterização do

personagem obedece a ideias preconcebidas do que existe. Na primariedade, o

espectador identifica pequenas nuances de sua personalidade pelo seu disfarce. De

fato, em um primeiro momento, as primeiras indicações que uma personagem dá

são de seu ser, fisicamente captáveis. Isso ocorre, pois é assim o processo de

conhecimento do ser humano pelo ser humano. Todavia, a essência do personagem

está em sua escrita, linguagem e expressão.

Considera-se, portanto, uma boa personagem, um caractere que seja bem

construído, adequado aos seus fins, que seja conveniente e verossímil e que seja

necessário (ARISTÓTELES apud PALOTTINI, 2013, p. 29). Pode-se dizer também

que uma boa personagem necessita de drama, para haver drama, ação precisa-se

de conflito, posições antagônicas. O conflito é uma condição de existência,

proporciona coerência, lógica interna e veracidade. Torna esse ser de ficção não

apenas um ser que é, mas um ser que poderia ter sido (PALOTTINI, 2013). O

confronto é algo insuperável da natureza humana, para Schmitt (1992) seria algo

pelo qual os indivíduos aplicam o desenvolvimento da sua racionalidade,

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administrando os seus conflitos, construindo um refúgio de ordem dentro do caos.

Todo confronto externo ou interno, dentro da personagem escrita, deve ser uma

construção para um fim. É este fim, alvo-meta, que determina o desenvolvimento do

caráter individual, seu suporte (PALLOTTINI, 2013). Esses indivíduos defenderão

suas posturas através das palavras, sentimentos e emoções. Suas atitudes serão

definitivas em detrimento de suas emoções. Se bem construídas, as personagens

sofrerão mutação em seus pensamentos e ações, visto que são resultados da

evolução fatal da máquina que é o drama (HEGEL apud PALLOTTINI, 2013).

Máquina esta que tem como engrenagens todas as personagens em seu entorno.

O indivíduo contém também o outro e as ações do outro em sua identidade

(HEGEL apud PALOTTINI, 2013) e, por isso, Jonh Truby (2008) aponta que o maior

erro que os escritores cometem ao criar uma personagem protagonista é pensar

nela e em todos os outros personagens como indivíduos separados. O resultado,

segundo ele, não é somente uma personagem central fraca, mas também, torna

seus oponentes e personagens menores, ainda mais fracos. Isso se dá, pois, do

ponto de vista do dramatismo, a linguagem é construída nas relações sociais

estabelecidas, no contexto do convívio coletivo (BURKE, 1969, p. 49). Segundo

Manguel (2001), percebe-se a vida como uma pintura traduzida nos termos da

própria experiência do homem. Conforme Bacon sugeriu, só é possível ver as coisas

para as quais já se possui imagens identificáveis, assim como, só se pode ler em um

idioma cuja sintaxe, gramática e vocabulário já se conhece (BACON apud

MANGUEL, 2001, p 47).

No método desenvolvido por Keneth Burke, conhecido como Terministic

Screens3, o ser humano percebe o mundo por lentes e, dessa forma, quando o foco

está em determinado objeto A, envolve negligenciar um determinado objeto B. O ser

humano necessita por natureza exteriorizar a linguagem em palavras, conforme o

enquadramento que é definido em certa linguagem, ou direção, abordagem tomada,

distancia-o de formas interpretativas que o levam a outras (BURKE, 1969). Dentro

desse raciocínio, considera-se que, na escrita e exteriorização da personagem,

existem elementos – ou termos para Burke – de composição e divisão, que

corroboram para a identificação com as ações e motivações da personagem ou a

total dissociação.

3 Janela de Termos, as palavras eleitas, criando uma terminologia, como suporte da linguagem que

se produz.

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Se a natureza e os frutos do acaso são passíveis de interpretação, de tradução em palavras comuns, no vocabulário absolutamente artificial que construímos a partir de vários sons e rabiscos permitam, em troca, a construção de um acaso ecoado e de uma natureza espelhada, um mundo paralelo de palavras e imagens mediante o qual podemos reconhecer a experiência do mundo que chamamos de real (MANGUEL, 2001, p. 22-23).

Como se percebe, o objetivo do teatro, no início e agora, foi o de oferecer

uma espécie de espelho da natureza, a sociedade a imagem do seu tempo

(PALLOTINI, 2013). Dessa forma, a construção do personagem é passível de uma

inclinação ideológica. Mesmo sendo fruto de uma ficção, ele é criado sob a visão ou

propósito de seu criador. Por isso, muitas vezes, a ação se desenrola a partir de

preconceitos positivistas ou, ainda, de um determinismo cego, que impedem

qualquer dimensão ou profundidade humana. É relevante ser levado em conta que a

história acaba por ser emanada pelo lado vitorioso, pois cala o lado derrotado.

Nesse sentido, a personagem retratada como inimiga, em um espelho da realidade,

será posta na escrita como perversa e com desvio de moral.

Antes de termos recursos para a história ser amplamente difundida, os

exemplos a serem seguidos estavam presentes nos mitos, esses sendo uma fala

colhida pela história (BARTHES, 2001). Percebe-se que, através das épocas, em

todo o mundo habitado, os mitos têm florescido, assim como tem sido a viva

inspiração de todos os demais produtos possíveis das atividades humanas

(CAMPBELL, 2007). Strauss (STRAUSS apud METZ, 1972) alega que o mito é

sempre reconhecido como tal para aqueles a quem é contado, mesmo se tiver sido

traduzido ou até modificado até certo ponto. Os mitos, segundo Brandão (2000),

estão diretamente ligados à religião, que para perpetuar a ordem, criam divindades

(heróis) como uma idealização. Essas divindades não são “realidades”

simplesmente “descobertas” e passivamente contempladas, mas, sobretudo, formas

“impostas” por uma cultura ao próprio mundo. A saga do herói narra a transformação

do tempo profano para o que é outorgado pelo estado e religião (BRELICH apud

BRANDÃO, 2013). O herói possui no mito atributos contraditórios (BRANDÃO,

2013), seja o da luxúria, ganância, seja o instinto pelo sangue, porém sua saga até

seu fim derradeiro, justifica a experiência da consequência pela ação do erro:

A batalha pela libertação, na luta do homem primitivo para alcançar a consciência, esse conflito se expressa através da luta entre o herói

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arquetípico e as potências cósmicas do mal, personificadas em dragões e outros monstros. No desenvolvimento da consciência individual a figura do herói representa os meios simbólicos com os quais o ego emergente ultrapassa a inércia da mente inconsciente e libera o homem maduro do desejo regressivo de voltar ao estado bem-aventurado da infância e um mundo dominado pela figura materna (JUNG apud BRANDÃO, 2013, p. 71).

O herói, segundo Brelich (apud BRANDÃO, 2013), permaneceu nas línguas

modernas, sobretudo, com o sentido de guerreiro, de combatente intrépido. Foi o

termo empestado por Homero para nomear os bravos da Guerra de Troia

(BRANDÃO, 2013 p. 42). Explorando a origem etimológica do herói, pode-se chegar

à definição de que é “o guardião, o defensor, o que nasceu para servir” (BRANDÃO,

2013, p. 15). A origem do herói possui várias teses, Rohde (apud BRANDÃO, 2013)

defende que ele estaria estreitamente ligado aos deuses do mundo subterrâneo.

Originar-se-ia de homens célebres que, após a morte, aproximam-se dos deuses do

submundo pelo seu poder e influência sobre os homens. Já para Usuner (apud

BRANDÃO, 2013) advoga que os heróis têm origem divina. Farnell (apud

BRANDÃO, 2013), em uma teoria conciliatória, une as teses dos estudiosos e afirma

que os heróis seriam tanto seres humanos quanto divindades particulares. Nilson

(apud BRANDÃO, 2013) abraçou a teoria conciliatória de Farnell ao afirmar que os

heróis constituíam um grupo muito heterogêneo. Neste grupo, ele inclui divindades

locais, os ancestrais de grandes famílias, personagens históricas e algumas outras

categorias (BRANDÃO, 2013).

O herói do mito é sempre o exemplo de comportamento e de indivíduo a ser

admirado, é o homem ou a mulher que conseguiu vencer as suas limitações

históricas, pessoais e locais para alcançar suas aspirações, geralmente motivadas

pelo um bem-maior. O herói se torna heroico quando sai de sua zona de conforto e

inicia uma jornada pelas regiões causais da psique, em que encontra dificuldades, e

no processo de percebê-las e erradicá-las ele encontra crescimento. Após sua

aventura, em que encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva, o herói

retorna à sua misteriosa aventura e, transfigurado, tem o poder de trazer benefícios

aos seus semelhantes e ensinar lições de vida (CAMPBELL, 2007).

É fascinante o fato do arquétipo do herói transcender fatores locais, sociais e

culturais, bem como coexistir em diversas tribos com padrões que podem ser

identificados, existe um mesmo perfil que se encaixa em um modelo exemplar.

Pode-se questionar se tal arquétipo nasce pela necessidade de suprir certas

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deficiências psíquicas do homem (BRANDÃO, 2013 p. 20). Angelo Brelich observa

que numa religião tão plástica quanto a grega, embora existam diferenças muito

grandes entre um herói e outro, chega à conclusão de que é possível traçar um

retrato do herói grego, uma estrutura morfológica dos heróis:

Virtualmente todo herói é uma personagem, cuja morte apresenta um relevo particular e que tem relações estreitas com o combate, com a agnóstica, a arte divinatória e a medicina, com a iniciação da puberdade e os mistérios, é fundador de cidades e seu culto possui um caráter cívico; o herói é além do mais ancestral de grupos consanguíneos e representante protótipo de certas atividades humanas fundamentais e primordiais. Todas essas características demonstram sua natureza sobre-humana (BRELICH apud BRANDÃO, 2013, p. 19).

Não é apenas Brelich (apud BRANDÃO, 2013) que identifica o padrão na

narrativa do herói, juntam-se a ele estudiosos, como Campbell (2007), com a teoria

de separação, iniciação e retorno e também Otto Rank (apud BRANDÃO, 2013),

cuja tese é semelhante a de Brelich e será a eleita para guiar este estudo. Os

padrões são identificados logo antes do surgimento do herói, pelo fato de sua origem

ser antecipada em alguma profecia ou pela visão de um oráculo. No seu nascimento

ou fecundação, é comum ocorrerem dificuldades ou complicações. A sua

descendência é nobre ou divina, entretanto algum fator o separa de sua família

biológica e, geralmente, é efetuada sua adoção por humildes. Na infância e

adolescência, já dá mostras de condição e natureza superiores. Após um processo

de descoberta e treinamento, retorna as suas origens e adquire vingança, libertação

ou emancipação. Ocorre o retorno à nobreza através da luta ou pelo casamento. O

herói atinge sua consagração e ganha reconhecimento e por fim chega a seu fim, a

morte, seguidamente de forma trágica. Seu futuro é previsto para que ele seja um

personagem especial, que sempre deve estar preparado para a luta, para os

sofrimentos para a solidão, para a iniciação de mistérios que o levarão ao seu final

derradeiro: a morte, que na realidade o transformará no verdadeiro protetor de sua

cidade e seus concidadãos (BRANDÃO, 2013). A Figura 2 retrata Aquiles, jovem

que se destacava por sua força e invencibilidade até ser atingido por uma flecha em

seu calcanhar, possuindo assim, características únicas.

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Figura 2 – Morte do guerreiro Aquiles (Brad Pitt) no filme Troia (2004).

Fonte: Achilles (2018).

No nascimento, o herói é batizado com um nome que, de certa forma,

profetiza sua história. Como esclarece Luís C. Cascudo, o nome é a essência da

coisa, do objeto denominado. Nada pode existir sem nome, porque o nome é a

forma e a substância vital. No plano vital, as coisas só existem pelo nome

(CASCUDO apud BRANDÃO, 2013, p.32). Nos mitos, ocorre a mudança de nome,

em que o herói recebe de início uma denominação vaga, depois um nome pessoal

conhecido, a seguir um nome pessoal secreto e talvez como acréscimo um nome de

família ou clã (BRANDÃO, 2013).

Com seu crescimento, tomando conta da sua singularidade, começa a se

destacar também por suas características físicas. É sabido que na Grécia era

manifestado um culto ao corpo, a maneira como os jogos olímpicos eram

conduzidos, com os atletas desnudos para que fosse avaliado o físico e as

esculturas da época provam isso. Naturalmente, a retratação do herói é, em sua

maior parte, descrita como um ser de ideal atlético. Todavia, por ser um ser

particular, possuía traços físicos não próximos aos ideias gregos, mas com

anomalias que o destacavam como o gigantismo, nanismo, teriomorfismo e

androginismo (BRANDÃO, 2013).

As características mesmo em forma de anomalias contribuíam de certa forma

para um qualitativo em combate. Quer se trate de trabalhos gigantescos executados

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contra monstros, feras, bandidos, em proveito próprio ou da comunidade, quer se

trate de guerra ou combate singular a razão da existência do herói é a luta

(BRANDÃO, 2013, p. 42). Não é, porém, sob a forma de mito que se manifestava a

convicção de que os heróis efetivamente protegiam as tropas de sua polis, mas essa

persuasão alimentava um culto real e verdadeiro (BRANDÃO, 2013 p. 43). A guerra

nos mitos é enfeitada como uma situação poética em que os heróis enfeitam a luta e

os demais morrem anonimamente. É difícil pensar que essas circunstâncias

correspondem a realidade militar de qualquer época (BRANDÃO, 2013).

O herói possuía um instinto violento, abstraindo a guerra. São poucos que

não tenham cometido ao menos um homicídio cuja motivação pareça secundária por

ser tão contraditória e insignificante e deixa a impressão que o que importa é o

homicídio e não a sua causa. De fato, os heróis possuíam um lado obscuro com

envolvimento em ladroagem, sacrilégio, astúcia desonesta, fraude. É recorrente nos

mitos a violência traduzida sob a forma de adultério, incesto, rapto e estupro de

mulheres. Essas infrações em sã consciência apontam a ambivalência dos heróis, a

oposição da monstruosidade e suas inúmeras qualidades e serviços extraordinários

em favor da comunidade fazem parte da vivência heroica (BRANDÃO, 2013).

O fim do herói é sua morte, é o clímax do conjunto de seus feitos. Segundo

Brelich, ainda não se fez uma estatística e é pena, mas a maioria dos heróis morrem

tragicamente (BRELICH apud BRANDÃO, 2013 p. 63). Mesmo com sua morte, ele

atinge uma imortalidade de cunho espiritual, goza de uma condição divina após a

morte, uma pós-existência ilimitada (BRANDÃO, 2013 p. 65). Ele torna-se um

intermediário entre homens e deuses, após sua morte também é venerado em

santuários, templos ou cultos:

Uma vez que forem heróis, após sua atormentada pelo vale das lágrimas, devem ter passado, na feliz expressão de Brelich “para outra espécie de existência, formalmente semelhante àquela dos deuses”, de onde continuam a exercer influência sobre os acontecimentos humanos (BRELICH apud BRANDÃO, 2013 p. 66).

O herói se torna protagonista dos eventos que o cercam, entretanto, Robert

Mckee (2010) ressalta que a história de um protagonista só pode ser

intelectualmente fascinante e emocionalmente convincente tanto quanto as forças do

antagonismo o fazem ser. O caráter de um personagem é traçado a partir de suas

ações diante dos acontecimentos que estão opostos a seus objetivos. Quanto maior

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a pressão, mais profunda a revelação, mais verdadeira a escolha para a natureza

essencial da personagem (MCKEE, 2010). O herói precisa do inimigo que seja

excepcionalmente bom em atacar as suas maiores fraquezas, isso o fará ser

relevante (TRUBY, 2008). A Figura 3 mostra Perseu que teve como desafio

enfrentar Medusa, um ser que possuía serpentes na cabeça e cujo olhar petrificava.

Para vencê-la Perseu demonstra astúcia utilizando seu escudo como espelho para

não olhar diretamente para a criatura e com sucesso se torna o algoz de Medusa.

Figura 3 – Momento em que Perseu (Harry Hamlin) expõe a cabeça da derrotada Medusa no filme Fúria de Titãs (1981).

Fonte: Collura (2010).

O inimigo é aquele ou aquilo que se deve temer e combater antes que faça

alguma perversidade e cause mal. Durante a construção narrativa, observa-se o

julgamento do inimigo baseado na definição de valores, costumes, ideais em relação

a quem julga.

O homem é um ser incompleto que preenche seu vazio somente quando se defronta com a dualidade amigo-inimigo, pois essa dualidade representa a própria condição humana e sua dimensão política, na medida em que ele é posicionado dentro de uma dessas categorias (SCHMITT apud MURARO, 2015 p. 4).

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Desde a antiguidade, o inimigo foi antes de tudo, o Outro, o estrangeiro (ECO,

2007). E para reforçar a ideia de inimigo há o fenômeno da demonização. Na

literatura, Lovecraft4 em A Coisa cria um ser que representa os temores

inconscientes do homem, sendo, na ficção científica, retratado como um ser

monstruoso, totalmente distante do humano. Retratar o inimigo como feio condiz

com a visão de Platão em A República, que crê na feiura como falta de harmonia e o

contrário da bondade de espírito. Eco ressalta que, no mundo moderno, o inimigo

religioso ou nacional sempre foi representado com feições grotescas ou malignas e

daí surge a caricatura política (ECO, 2007, p. 185).

Para Schmitt (2007), o poder de decidir sobre amigo-inimigo recai apenas

sobre o Estado, enquanto unidade política. Ele implica o direito de exigir aos seus

membros, a disposição para morrer e sem hesitação eliminar os inimigos. O fato de

haver um inimigo público que seja configurado como um ator coletivo gera a visão

de heroísmo do Estado quando confronta o inimigo.

Os conceitos de amigo, de inimigo e de combate recebem seu significado real porque se referem precisamente a real possibilidade da eliminação física. A guerra segue da inimizade. A guerra é a negação existencial do inimigo. Ela é a consequência mais estremada da inimizade. (SCHMITT, 2007, p. 30).

Logo, com a guerra sendo consequência da inimizade, os adversários nesses

conflitos são fortemente difamados. A propaganda de guerra usada para recrutar

soldados e recursos, além de servir para justificar o confronto, usava de artifícios de

difamação ao oponente. Como Quintero expõe, a propaganda era construída para

atingir objetivos tácticos imediatos: receber ativas, mobilizar entusiasmos

espontâneos e desmoralizar o inimigo (QUINTERO, 1993, p. 287). Eram usados e

transformados mitos e preconceitos sobre os adversários e também havia a

intitulada Astrocity propaganda, divulgação de atrocidades cometidas pelo inimigo a

fim de deixá-lo no descrédito, o que podia corresponder ou não à realidade

(QUINTERO, 1993, p. 211). Umberto Eco relata que durante a Primeira Guerra

Mundial, Edgar Bérillon escreveu La Polychésie de la race allemande5, em que

expõe os adversários dizendo que um alemão médio produz uma quantidade maior

4 Grande autor romancista especializado no gênero de terror.

5 O termo Polychésie não possui tradução literal, provavelmente um neologismo criado por Edgar

Bérillon para denominar sua” teoria”.

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de matéria fecal que um francês e que o odor era mais desagradável (ECO, 2007,

p.190).

Diferente da teoria de Schmitt (2007), na qual amigo-inimigo não são termos

considerados como metafóricos ou simbólicos, Beck (apud PRECHT, 2009) possui a

teoria de que a sociedade contemporânea aplica a lógica do bode expiatório, em que

um indivíduo recebe a culpa por uma crise ou conflito. Quando há acordo público de

quem é esse indivíduo, sua neutralização acaba por ser o objetivo simbólico para

cessar ou superar o confronto ou conflito. Tal neutralização na esfera política

colabora para o status heroico do Estado e o descrédito do inimigo. Como ocorreu

em 2011 a morte de Osama Bin Laden, principal culpado pela opinião pública dos

atentados terroristas em 11 de setembro. Mesmo conflito que fortaleceu uma

adversidade religiosa, a do cristianismo e islamismo. No Ocidente, o islamismo é

considerado a doutrina do inimigo, de forma genérica por ligar a crença aos

atentados.

A frequência cíclica dos conflitos religiosos ou pelos interesses do Estado

contribui para a teoria de que é da natureza do homem o confronto e, portanto, a

relação amigo-inimigo. Desmoralizar e descreditar o outro, que está na condição de

adversário, vigora o status heroico e a posição de certeza que exige justificativa. O

temor natural ao desconhecido traz o risco de inventar ou aumentar as justificativas,

e basear-se em inverdades para tal justificativa do inimigo. Pode ser que a

ignorância, a generalização que acarretam a falta de diálogo sejam os motivos para

a existência do inimigo-público e, consequentemente, para o confronto extremado.

Schmitt (2007) chega a definir a interpretação de inimigo como monstruoso e

merecedor de erradicação definitiva, excluindo-o do âmbito da humanidade.

Seguindo a teoria de Burke e enquadrando o inimigo, percebe-se que em

suas perspectivas se consideram heróis em suas motivações e seu propósito. A

simpatia de um herói não garante o envolvimento da audiência, esse aspecto é pura

forma de caracterização, o envolvido emocional é mantido pela cola da empatia

(MCKEE, 1997), ou seja, pode-se considerar boa a personagem que navega entre

os arquétipos de herói e inimigo, pois as personagens podem e devem ser

contraditórias, visto que assim é o ser humano em busca de sua identidade, é de

natureza sintética (HEGEL apud PALLOTTINI, 2013, p 41), e o espectador se

identifica com todas as falhas e contradições pertencentes ao que é humano.

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No próximo capítulo, para o complemento do estudo e na tentativa de

identificar fatores que definem o inimigo, será analisada a construção da identidade

de uma nação e o peso que o “outro” possui nela. O país escolhido é os Estados

Unidos da América.

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4 EUA E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE

Seja na economia, no cinema, seja em conflitos, os EUA formam um país de

destaque. Como afirma Leandro Karnal, em quase todos os universos comparativos,

os EUA são uma nação excepcional (2010, p. 27). A história desse local é marcada

pela busca pela liberdade, igualitarismo, independência e reconhecimento. “Todos

os homens são iguais” é uma das frases mais icônicas de Thomas Jefferson (apud

KELLY, et al, 2013), um dos principais responsáveis pela autoria da declaração de

independência norte-americana. E esse documento assinado em 4 de julho de 1776

ratifica o direito de todos “à vida, à liberdade e à busca pela felicidade”.

Quando os americanos falam em igualitarismo, eles não querem dizer que todos os homens nasceram iguais nem que todos devem viver em pé de igualdade, mas que todos devem ter inicialmente as mesmas chances de utilizar suas aptidões como desejarem. Em favor de seus interesses. A primeira função do governo é velar que o princípio seja respeitado pois ele não pode - e não deve – promover a igualdade absoluta entre os cidadãos (FICHOU apud KARNAL, 2010 p. 28-29).

O povo dos EUA carrega traços patriotas e o orgulho advindo do potencial do

local de permitir viver e conquistar o “sonho americano” 6. Esse espírito contagia até

estrangeiros, que contaminados pela essência do país, aspiram por habitá-lo e,

assim, entram na empreitada de se tornar um imigrante norte-americano. A Figura 4

expressa a fala de um imigrante da Itália para os EUA que vê o país como

responsável por sua ascensão.

6 Termo que faz parte da cultura dos EUA que surge de suas raízes históricas do seu surgimento

composto por povos que abandonavam seus países de origens em busca de mais prosperidade.

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Figura 4 – Frase que compõe as primeiras cenas de abertura do filme O Poderoso Chefão (1972) dita pelo icônico personagem de naturalidade italiana Don Corleone

(Marlon Brando).

Fonte: 20 Most (2017).

Os EUA emanam a perspectiva de quem o habita vive bem e quem passa a

habitá-lo – legalmente – vive melhor. Talvez essa sensação esteja atrelada à sua

formação de que, ao contrário do Brasil que ao ser descoberto passou a ser uma

terra de exploração de recursos, os EUA, por outro lado, foi considerado para os que

ali chegavam uma terra para cultivar e prosperar. A aspiração em comum entre os

indivíduos que povoaram o país os tornou unidade. Stuart Hall (2000) identifica em

seu exame de concepções de identidade em diferentes culturas, que faz parte do

processo de autenticação de uma determinada identidade a descoberta de um

passado supostamente comum.

A identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora...a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação. (RUTHERFORD 1990, apud WOODWARD 2012, p. 19-20).

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Pode-se dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de

produção, uma relação, um ato performativo (HALL, 2000, p. 96). Para a

perpetuação dessa identidade, atualmente, a história da formação dos EUA tem

papel fundamental. A afirmação das identidades nacionais é historicamente

específica, ela está localizada em um ponto específico no tempo (PAIVA, 2006

p.11). Hall pondera: o sujeito fala, sempre, a partir de uma posição histórica e

cultural específica (HALL, 2000 p. 27). É possível identificar esse ponto histórico,

como o processo de independência. Karnal refere-se aos EUA como uma nação

“sem nome” que construiu sua identidade sempre no conflito com o outro, desde o

processo de independência das treze colônias até os dias atuais (2010, p. 11).

Ao afirmar uma determinada identidade, podemos buscar legitimá-la por referência a um suposto e autêntico passado-possivelmente um passado glorioso, mas, de qualquer forma um passado “real” – que poderia validar a identidade que reivindicamos (SILVA, 2004, p. 50).

Um dos primeiros marcos para a união das colônias que formariam o país é a

guerra da independência7. A guerra integra a história dos EUA, ser estadunidense é

estar pronto para difundir o American Way of Life8, eliminar aqueles que são

considerados inimigos, não importa onde estejam (FERREIRA, 2010, p. 193). O

motivo desse primeiro confronto nada mais é que o inimigo britânico comum a todos,

mote para a história do filme O Patriota na Figura 5. A intensidade que é lutar

contra o outro traça a identidade dos EUA (KARNAL, 2010, p. 23). E a partir desse

processo de confronto é firmada a Constituição dos Estados Unidos, aprovada em

1787 e em voga até os dias atuais. Esse documento expressa em quatro de seus

sete artigos o sistema federalista adotado, que rompe as amarras com os britânicos

e garante o poder dividido entre os estados. Mesmo o sistema garantindo o

individualismo das antigas colônias, ele coloca todas em posição de união e unidade

sob a proteção de um governo central. Essa ascensão com base no conflito

corrobora com a observação feita por Karnal de que tradicionalmente busca-se a

identidade individual ou coletiva na oposição dos outros, segundo ele a identidade

se faz num conflito e em oposição a um grupo (2010, p. 21). Os valores constituídos

em uma nação, o que é considerado aceitável, desejável, natural é para Hall (2000)

7 Conflito contra a Grã-Bretanha, com apoio militar francês e espanhol, que inicia pela insatisfação

dos tributos e exigências da colonizadora para com as colônias e encerra com a autonomia dos EUA. 8 Estilo de vida americano.

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inteiramente dependente da definição daquilo que é considerado abjeto, rejeitável,

antinatural, ou seja, do outro.

Figura 5 – O personagem Benjamin Martin (Mel Gibson) no conflito contra os britânicos alçando a bandeira das treze colônias no filme O Patriota (2000).

Fonte: O Patriota (2018).

Para Hall (2000), a identidade é marcada pela diferença e ambas possuem

uma relação de estreita dependência. Afirmar “sou norte-americano”, na verdade, é

parte de uma extensa cadeia de negações. De expressões negativas de identidade

de diferença como “não sou brasileiro”, “não sou britânico”, “não sou francês”, Hall

atenta que a gramática ajuda, mas também esconde (2000, p. 75). A identidade se

constrói a partir das oposições binárias, a identidade de um proporciona condições

para que o outro exista. Cixous argumenta que nesses dualismos um dos temos é

sempre mais valorizado que seu opositor: um é norma e o outro é o “outro”, este,

visto como desviante, de fora, forasteiro (CIXOUS apud HALL, 2000). Derrida

corrobora com o argumento dizendo que a relação entre os dois termos de uma

oposição binária envolve um desequilíbrio necessário de poder entre eles (DERRIDA

apud HALL, 2000, p. 50).

Hall (2000) prossegue apontando que a identidade e a diferença têm que ser

ativamente produzidas. Para Bacon, só pode-se ver as coisas para as quais já se

possui imagens identificáveis, assim como só é possível ler em uma língua cuja

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sintaxe gramatical e vocabulário já se conhece (BACON apud MANGUEL, 2001, p.

27). Ou seja, as coisas são compreendidas conforme são fabricadas dentro do

âmbito cultural e social. A antropóloga Mary Douglas (apud HALL, 2000) aponta que

a definição da diferença é a base da cultura, pois as pessoas ganham sentido por

meio da atribuição de diferentes posições em um sistema classificatório. A

linguagem produz as diferenças, já que se reproduzem através de sistemas

simbólicos. Hall (2000) ilustra esse fato com a observação de que existe uma

associação entre a identidade da pessoa e as coisas que a pessoa usa. Assim a

construção da sociedade é tanto simbólica quando social (2000, p. 10), segundo

Durkheim “sem símbolos, os sentimentos sociais teriam uma existência apenas

precária” (DURKHEIM apud HALL, 2000, p 75).

O idioma, logo por ser um sistema de linguagem, é incluso, e é essencial para

o fenômeno de agrupamento inicial de uma nação. Para Harder (1744-1803), a

língua é fundamental na formação do “eu” e os indivíduos dependem dessa

comunidade nacional para serem felizes. O linguista Saussure (1995) aborda que a

língua é um sistema de signos que exprimem ideias, essencial para a linguagem que

é a soma da língua com a palavra. O signo substitui o conceito e a imagem acústica,

Hall (2000) simplifica usando como exemplo a definição do dicionário, que nela, não

se tem o conceito da “coisa”, mas o encontro com outras palavras, outros signos que

remetem a “coisa”. Assim como a identidade, o signo não é simplesmente um meio

transparente de expressão de algum suposto referente. Em vez disso, é como Hall

expõe, uma forma de atribuição de sentido: arbitrário e indeterminado (2000, p. 91).

Segundo Woodward (2000), é por meio dos sistemas de representações que são

incluídas as práticas simbólicas e de significação, por meio dos quais os significados

são produzidos, posicionando as identidades. São os significados produzidos pelas

representações que constroem o sentido de existência. E, de acordo com Hall (2000,

p.18), todas as práticas de significação que produzem significados envolvem

relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído.

No processo de busca de afirmação da identidade, as diferenças são

percebidas de forma mais evidente e refletem o desejo de variados grupos sociais.

De acordo com Hall (2000), esses desejos envolvem garantir o acesso privilegiado

aos bens sociais, a identidade e a diferença, estão, pois, em estreita conexão com

relações de poder (p. 81). Nas sociedades modernas, Laclau argumenta que há uma

pluralidade de centros e núcleos que são responsáveis pela fixação de determinada

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identidade (LACLAU, 1990, p. 40). A instituição do Estado era vista como

encarnação do poder divino na Idade Média e no Renascimento, possuía uma

postura de dominação. Nessas eras, era compreensível que os indivíduos

idolatrassem o Estado como um pai, que se submetessem a ele como a um patrão

ou que o temesse como um monstro, um Leviatá (HOBBES, 1961 apud KELLY, et

al, 2013). Mais do que a representação do Estado com esse poder político e

eclesiástico simultaneamente, Hobbes (apud KELLY, et al, 2013) acredita que o

estado de natureza do ser humano é terrível e, por isso, precisa ser governado. E

ele, assim como Locke (apud KELLY, et al, 2013), defende um contrato social com o

Estado em que os indivíduos se submetam à autoridade e proteção dessa entidade,

concedendo-lhe o poder.

O poder dos EUA está além do fato de possuir uma perspectiva atraente, de

ser uma espécie de jazida mineral, em que há a certeza de joias preciosas se ali

houver depósito de esforço na lapidação. Há também a imagem de uma nação de

pulso firme, na visão de Karnal (2010), com o patriotismo há contíguo o gosto pelo

conflito, revelando um grande potencial a entrada no universo bélico. Há na lógica

de dominação o fator da violência americana exercida que é, para Karnal, desde o

princípio justificada como legítima defesa e tem aura de fúria sagrada (2010, p. 23).

A ação de um confronto exige um compromisso comum coletivo que para a filósofa

inglesa Margaret Gilbert (apud Hall, 2000), quando isso ocorre, as pessoas agem

como partes de um só corpo, com um único objetivo. Porém, para tal comoção de

uma causa é preciso uma motivação convincente. Aquino (apud KELLY, et al, 2013)

levanta três exigências básicas para uma guerra justa: intenção correta, para ele a

busca pela a paz, em segundo a autoridade do soberano e a última uma causa justa

que beneficie o povo. George Bush, enquanto presidente invocou a teoria da guerra

justa antes da I Guerra do Golfo. Em seu livro Guerras Justas e Injustas, Michael

Walzer (apud KELLY, et al, 2013) sustenta que a guerra, às vezes, é necessária

para a defesa e manutenção de uma forte base ética, porém, o potencial de guerra

que as armas nucleares trazem é uma preocupação e mudam o limite da moralidade

de forma tão drástica que é difícil justificar o conflito.

Esse comportamento é histórico, matar em nome da civilização para reduzir

vizinhos belicosos é algo que unifica o imaginário de romanos e incas a norte

americanos e brasileiros (KARNAL, 2010 p. 17). Karnal acredita que o papel da

guerra foi elidido pelos norte-americanos em sua identidade e não só isso os torna

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uma nação de destaque, como também o fato de terem conseguido tornar quase

que universal a crença nisto, inclusive pelo cinema (2010 p. 24). Em A Arte da

Guerra, Sun Tzu (apud KELLY, et al, 2013) escreve que a guerra e os conflitos

existem para sustentar os valores de justiça e são conduzidos em conformidade com

eles. Dessa forma, o Estado exerce sua capacidade militar quando possui seus

valores danificados ou ameaçados pelo outro. A postura de conflito dos EUA é

justificada pela postura rejeitável do outro.

Outro núcleo social que pode ser destacado pela fabricação e perpetuação de

símbolos que acabam por serem agentes da identidade é a religião. Durkheim

aponta essa organização como um sistema de classificação responsável pela ordem

da vida social, tendo afirmação nas falas e nos rituais (DURKHEIM apud HALL,

2000).

A religião é algo eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas que expressam realidades coletivas; os ritos são uma maneira de agir que ocorre quando os grupos se reúnem, sendo destinados a estimular, manter ou recriar certos estados mentais nesses grupos (DURKHEIM apud HALL, 2004, p. 41).

Hall (2000) solidifica o papel da religião observando que essa instituição

cultural estabelece conceitos e distingue a diferença. O que é definido como

sagrado, aquilo que é “colocado à parte” é definido e marcado como diferente em

relação ao profano. Na verdade, o sagrado está em oposição ao profano, excluindo-

o inteiramente, fronteiras que Hall (2000) aborda serem cruciais para compreender a

identidade. As identidades podem funcionar, reflete Woodward (2000), ao longo de

toda a sua história, como pontos de identificação e apego apenas por causa de sua

capacidade de excluir. Assim, para Bhabha (1994, apud Hall, 2000), as “unidades”

que as identidades proclamam são, na verdade, construídas no interior do jogo do

poder e da exclusão (2000, p 110-111).

Atualmente, percebe-se, nas estruturas políticas e econômicas, o reflexo nas

questões de identidade e nas lutas pela afirmação e manutenção das identidades

nacionais e étnicas (Hall, 2000). A diferença pode ser construída negativamente –

por meio da exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que são definidas

como “outros” ou forasteiros. Nessa dinâmica, o conflito explode. Acerca disso Hall

explica: quando explicitamente ignorado e reprimido, a volta do outro, do diferente, é

inevitável, o reprimido tende a voltar – reforçado e multiplicado (2000, p. 97). O ato

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de oprimir contribui os pensamentos de Paulo Freire (apud KELLY, et al, 2013)

desumaniza as duas partes e que, uma vez libertados, há o risco de os indivíduos

repetirem a injustiça que experimentam e, assim, os oprimidos tornam-se

opressores. O 11 de setembro de 2001, reprodução cinematográfica na Figura 6,

esse fato é pertinente, pois traduz, além da epifania extrema da violência global, um

estremecimento na identidade dos EUA (PAIVA, 2006).

Figura 6 – No filme Tão Forte e Tão Perto (2011), a personagem Linda Schell (Sandra Bullock) vendo pela janela a fumaça do impacto da primeira aeronave que

atingiu uma das torres gêmeas.

Fonte: Extremely (2018).

A razão da identificação das pessoas com determinada identidade trata-se

para Hall (2004) de uma dimensão que, juntamente à simbólica e à social, é

necessária para uma completa conceptualização da identidade. A razão de

identificação envolve fatores psíquicos que podem ou não terem influência com

instâncias persuasivas, que também são calcadas em capacidade técnica e

semântica do persuasor (CASTILLO; SÁNCHEZ apud HALL, 2000, p. 80).

As instituições que exercem posturas persuasivas (empresas, organismo,

partidos políticos, igrejas) influenciam sem atacar em profundidade os valores e

crenças básicos dos indivíduos e grupos (CASTILLO; SÁNCHEZ apud

WOODWARD, 2000, p. 85). A identificação também é relacionada com o gosto do

indivíduo que, segundo Bourdieu, é definido pelas formas pelas quais os indivíduos

se apropriam de escolhas e preferências que são o produto de restrições materiais e

daquilo que ele chama de habitus (apud WOODWARD, 2000, p. 49). Althusser

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denuncia “os aparelhos ideológicos do estado” (2007, p 13) como ferramentas do

estado moderno, que utilizam de meios de comunicação de massa no controle da

opinião pública. Maffesoli (apud PAIVA, 2006) aborda os meios de comunicação

como turbinados pelo Estado com o combustível do capitalismo global, estabelece

outra lógica de cominação (apud PAIVA, p. 2). Hall (2000) aponta a retoma os

conceitos de identificação, principalmente nos Estudos Culturais, mais

especificadamente na teoria do cinema, que, para ele, é uma ferramenta de forte

ativação de desejos inconscientes, relativamente a pessoas ou a imagens, fazendo

como se viu no capítulo anterior, com que seja possível o homem se ver na imagem

ou na personagem apresentada na tela. Paiva (2006) enfatiza o papel dos

audiovisuais e especificamente no cinema norte-americano, na medida em que este

atua há mais de um século contribuindo na formação sensorial e crítica do

imaginário ocidental (PAIVA, 2006, p. 7).

O cinema abre um imenso leque de possibilidade para contemplarmos o espelho especular da cultura excludente, patriarcal, autoritária e racista. O cinema radical contemporâneo, em moldes da micropolítica expõe as nossas vísceras, os nossos preconceitos e as nossas ignorâncias diante de nós mesmo e diante dos outros. (PAIVA, 2006, p. 6).

Paiva (2006) revela que as representações de poder no cinema sinalizam

novos discursos e novas práticas reveladoras dos estilos de subjetividade e

sociabilidade. No próximo capítulo, será realizado um estudo da formação da

“indústria” da sétima arte que os norte-americanos construíram e que hoje é

sinônimo de cinema para as massas.

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5 CINEMA

O cinema é uma arte eficaz em atrair espectadores e presenteá-los com

emoção, ação, entretenimento, cultura e história, provocando um sentimento de

imersão para seu público. Metz (1972) diz que o cinema desencadeia um processo

perceptivo e afetivo de “participação”, pois encontra uma forma de se dirigir ao

espectador em tom de evidência, conquistando credibilidade. Essa crença pode ser

justificada pelo fato do cinema ser uma reprodução da realidade. Cordeiro (apud

FIGUEIREDO, 2015) constata a semelhança com a realidade através de cenários

perfeitos, o detalhe aproximado à vida do cotidiano, as grades dimensões da tela,

imagens nítidas e agora, digitais, que, para ele, proporcionam a sensação de “viver”,

“sentir” e fazer parte da história que se assiste.

A fotografia também é uma representação da realidade, é um momento

congelado desta originando, segundo Barthes (2001, p. 43) uma nova categoria no

espaço tempo, uma condição ilógica do aqui e do outrora. Mas é o movimento para

Metz (1972), característica do cinema, que o faz parecer como atualizado, dessa

forma, apresenta-se com a aparência de um acontecimento atual. Michotte (apud

METZ, 1972) argumenta que o movimento traz o relevo, volume e forma, a saída de

uma estrutura plana – como a fotografia. Edgar Morin (apud METZ, 1972) completa

o pensamento de Michotte dizendo que o movimento gera o sentimento da vida

concreta e a percepção da realidade objetiva. A Figura 7) faz referência ao

considerado primeiro filme exibido dos irmãos Lumière chamado “A chegada do trem

na estação”. O movimento do trem projetado na tela, por ser algo novo, causava

susto aos espectadores, que, institivamente, temiam serem atropelados.

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Figura 7 – Cena do longa A invenção de Hugo Cabret (2011)

Fonte: Hugo (2012).

O teatro, apesar de possuir uma realidade total do espetáculo maior que o

cinema, não permite ao espectador a mesma percepção de realidade da linguagem

cinematográfica. Metz (1972) sugere que isso se dá, pois o teatro é uma simulação

do real com presença física real do ator, fabricando uma personagem que está como

um objeto de oposição ao espectador. Além disso, há várias características no teatro

que podem favorecer a quebra da imersão para o mundo real, como o espaço com

cenários fabricados, intervalos, entre outros. E para Metz (1972), a diegese do

cinema, isto é, elementos que caracterizam e integram a narrativa fílmica, permite ao

cinema ser mais que uma simulação do real e ser um mecanismo que nutre o

imaginário do espectador. Jean Leirens contempla o cinema como “um vazio no qual

o sonho imerge facilmente” (LEIRENS apud METZ, 1972, p. 23) e, por isso, é um

espetáculo que causa uma forte impressão da realidade. O cinema se destaca

perante aos outros meios visuais, pois possui elementos únicos.

5.1 A ESPECIFICIDADE DO CINEMA

Analisando a composição diegética, primeiramente o espaço e tempo,

percebe-se que estão diretamente ligados à narração que, por sua vez, para Metz

(1972), nada mais é do que transpor um tempo para outro tempo ou espaço para

outro tempo. A narração fílmica é realizada pelas imagens, onde o espaço está

sempre presente e tais imagens formam o narrado em uma sequência mais ou

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menos cronológica de significantes que o usuário leva certo tempo para percorrer

(METZ, 1972, p. 32). Tal como afirmou Cordeiro (apud FIGUEIREDO, 2015) são as

imagens em movimento que preservam a memória coletiva da sociedade,

desafiando o esquecimento característico do tempo.

As imagens do fluir do mundo em uma sequência de significantes não

bastam, na visão de Eisenstein (apud METZ, 1972) o sentido não basta é preciso

acrescentar a significação. Jean Mitry (apud METZ, 1972) diz que um filme é a

composição de várias imagens que adquirem significação uma em contato com as

outras. Nesse processo, são as técnicas pertencentes ao cinema de decupagem e

montagem, responsáveis por gerar o contato das imagens e gerar significação. A

decupagem é a separação e categorização das imagens e a montagem é a costura

entre elas.

Supõe-se a priori uma intenção...O espectador entende o que ele acha que a montagem quer fazer-lhe entender. As imagens...estão...ligadas umas às outras...interiormente, pela indução inevitável de uma corrente de significação…A força (da montagem) existe e atua, quer se queria, quer não. É preciso usá-la conscientemente. (KULESHOV apud METZ, 1972, p. 63).

Lev Kuleshov, cineasta russo, foi o primeiro a se atentar e fazer testes que

mostravam que a ordem das imagens na montagem acaba por influenciar na

intenção da cena. O conhecido “efeito Kulesohov” se trata de um teste em que há

três situações: a primeira é a de uma imagem de um homem ao lado de uma

imagem de um caixão proporcionando a intenção de tristeza; a segunda ao lado de

um prato de comida intencionando fome; e a terceira, ao lado de uma mulher deitada

em um divã mostrando o homem como uma pessoa com desejo. Como é possível

observar na Figura 8 a ordem da montagem forma o contexto.

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Figura 8 – Hitchcock (1899 – 1980) foi um cineasta que falou abertamente como a técnica de Kuleshov é importante para a sua carreira, na imagem a célebre sequência do filme Psicose (1960) no qual closes montados mostram um

assassinado a sangue frio.

Fonte: Junio (2018).

Há, todavia, no cinema, um movimento naturalista que defende a não

manipulação das imagens. O cineasta Rossellini (apud METZ, 1972, p. 51), por

exemplo, alega “As coisas estão por aí, por que manipulá-las?”. Esse estilo tem

como argumento o de não expressar uma concentração de atenção sob um objeto e

sim dar oportunidade ao espectador ao invés de impor um olhar. Surge nesse

método o plano sequência, que se dá em uma filmagem única sem cortes. O ritmo

do filme sem montagem acaba sendo afetado, para um bom resultado é explorado

outros elementos da composição diegética. De qualquer forma, o uso ou não da

montagem acaba por ter mais relação com a estilística do filme, ou seja, a escola

adotada, o estilo do cineasta, o gênero cinematográfico, entre outros. A abrangência

de possibilidades no cinema concretiza o seu estudo como uma linguagem.

5.2 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

Gilbert Cohen-Séat (apud Metz, 1972) jornalista, cineasta e acadêmico refuta

que o cinema seja uma linguagem, segundo ele, o filme conta estórias contínuas

que diz muita coisa que poderia ficar a cargo da linguagem das palavras (apud

METZ, 1972). Tendo em vista que a linguagem é tudo aquilo que fala de homem

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para homem, para Metz (1972) pode-se tratar da linguagem das flores, da pintura,

do silêncio e portando a linguagem do cinema. Pela quantidade de significação que

possui uma imagem, ela se torna uma frase, possuindo um conteúdo semântico ou

para Buyssens (apud METZ, 1972), chamado no cinema como substância. Metz

(1972) exemplifica como o menor elemento fílmico traz uma quantidade de

informação que a língua tem que se valer de pelo menos uma frase: uma imagem de

um revólver se traduz na frase “Eis um revolver”, “eis” é necessário para Martinet

como índice de atualização (MARTINET apud METZ, 1972). Saussure (1995)

observa que a sintaxe, o arranjo das palavras em frase, é um aspecto da dimensão

sintagmática da linguagem, outorgando ao cinema ser considerado como tal.

Metz (1972) diz que a linguagem cinematográfica possui níveis específicos de

codificação, construídos pelas combinações, são cinco esses níveis: o 1º sendo o

sistema de construção do espaço adquirindo a compreensibilidade, o que ele chama

de a percepção em si; o 2º nível é o reconhecimento e identificação dos objetos

visuais e sonoros que aparecem na tela; 3º é o conjunto de “simbolismos” e

conotações presentes nos diversos gêneros dos filmes; 4º o conjunto das grandes

estruturas narrativas; e, por fim, o 5º o conjunto dos sistemas específicos do cinema,

que organizam os elementos dos níveis de codificação acima, em um discurso

particular. Essa classificação concorda com a fala de Metz (1972) de que o cinema

só se tornou falado, quando se concebeu a si próprio como linguagem

“suficientemente rica para que as riquezas alheias a enriqueçam” (1972, p. 72).

A linguagem do cinema usa de unidades comutáveis nas imagens em forma

de paradigmas de imagens e, junto a isso, acaba por ocorrer o uso de estereótipos

que, segundo Metz (1972), como que por muito meios de comunicação, são

retomados e modelados no cinema.

5.3 PARADIGMAS E ESTEREÓTIPO NO CINEMA

Rieupeyrout tem seus trabalhos eruditos levantados por Metz (1972) em que

ensinam que existiu uma época forte de paradigmas das imagens. No início do

gênero western, o cow-boy “bom” era sempre caracterizado com a roupa clara e o

“mau” com todo o figurino escuro, assim como demonstra a Figura 9. Metz (1972)

diz que o público nunca se enganava e, segundo ele, isso permite uma comutação

rudimentar sendo a cor clara representando o que é bom e o escuro o que é mal.

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Figura 9 – Apresentação do personagem Hobie Doyle – à esquerda - (Alden Ehrenreich) enfrentando um inimigo – a direita – no filme Avé, César! (2016) em que

Hobie é um ator que representa um herói dos filmes western da década de 50.

Fonte: Netflix (2016).

Sendo o paradigma um recurso, um modelo ou padrão já existente, existe

também o estereótipo que é na verdade um pressuposto sobre comportamentos e

características. Os estereótipos são muito usados em forma de imagem,

principalmente na caricatura, por reforçar e aumentar características. Charges,

histórias em quadrinhos, caricaturas e cartuns, elementos da categoria de humor

gráfico, podem ser divididos entre revolucionários e reacionários. Revolucionário

sendo uma obra que provoca a reflexão a partir das críticas ácidas e reacionário

quando é apenas repetição oriunda de preconceitos e estigmas. Estereótipos

culturais, seja a partir da negação ou da assimilação, foram trabalhados pelos

artistas gráficos, portanto presente nos meios de comunicação sendo um forte

mecanismo de propagação de ideias, inclusive no cinema.

Etimologicamente provém de moldes metálicos com letras (tipos) que serviam

para imprimir várias cópias a partir de uma matriz. Nas ciências sociais, Lippman

(apud BOTTOM, 2012) é o primeiro a utilizar esse termo, como imagens,

representações ou fotografias mentais disparadas face à presença de um indivíduo

associado a uma determinada categoria social. De forma pejorativa, o estereótipo é

um verbete visto como uma visão pré-determinada, equivocada e generalista que

reforça pré-conceitos na sociedade. Para Fernandes (apud SILVA 2010, p. 61), são

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acontecimentos anteriores que exprimem uma memória coletiva a qual os sujeitos

estão descritos, refletindo materialidades que intervêm na sua discursão. Ou seja,

códigos já estabelecidos que criam imagens que admitem mínimas possibilidades de

variação. Santaella (2007, p 290) afirma que as imagens são muito evidentes,

oferecem-se a superfície do olhar, estão em todos os lugares, amplificam-se nos

espaços urbanos, interpretam insistentemente a nossa percepção.

Pêcheux (1999, p. 52) faz observações sobre memória discursiva e semântica

que podem ser relacionadas como os estereótipos são fundados, primeiramente a

memória discursiva é aquilo que diante da leitura se estabelecem implícitos que

propiciam a condição legível, ou seja, o entendimento. Esses implícitos podem ser

vistos como características existenciais temporárias ou culturais que respondem a

uma certa força, ao invés de uma verdade ou falsidade. Não é uma característica

excessivamente distintiva, em todo o caso, podemos dizer que o regulamento de

implícitos é descrito como um código padrão.

Brigham (1971) vê estereótipos como processos psicológicos ativados em um

agente dotado de capacidades cognitivas limitadas, o que, evidentemente, favorece

a formulação de interpretações que tendem a tratá-los como mecanismos

simplificadores da realidade social. Na linguagem imagética, principalmente produtos

feitos para a massa, paradigmas e estereótipos são inevitáveis. Exatamente por

trazerem significados de forma rápida e localizarem o expectador/leitor em certa

cultura ou tempo. Metz (1972) relembra que grandes cineastas evitam os

paradigmas ou estereótipos, pois é preciso cuidado para não ser um reforço de pré-

conceitos e não instigar um regresso para as estórias retratas do cinema.

5.4 NASCIMENTO DO CINEMA NORTE-AMERICANO

No início da década de XX, pós-primeira Guerra Mundial, o cinema nos

Estados Unidos já estava consolidado como entretenimento pelos expectadores e

como negócio para os criadores. A maré econômica era favorável para os estúdios

em Los Angeles, que aproveitaram o momento para adquirir terrenos, instalações,

adereços e contratos com competentes equipes e aclamadas personalidades. Tudo

isso, com extrema responsabilidade corporativa, a produção entrou em uma era de

contabilidade de custos, demonstração de lucros e perdas, orçamentação cautelosa

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e concorrência sanguinária (KNIGHT apud MATTOS, 2006, p. 97). Hollywood era

uma indústria, e essa indústria era sinônimo de cinema pelo mundo.

Seria injustiça afirmar que apenas os fatores econômicos contribuíram para o

sucesso do cinema norte-americano. Já existia o gosto pela tradição teatral, o que

segundo Nicholas Vardac (1949), no livro Stage to Screen, contribui para criar um

“clima de aceitação” para o que estava por vir. Aliado a isso, existia o frescor de

inovações e o encantamento que alcançava através da qualidade das produções.

Em 1930, é concebida a obra considerada uma das primeiras pérolas do cinema dos

Estados Unidos, o filme The Great Train Robbery (O Grande Roubo de Trem),

dirigido por Edwin S. Porter. A obra foi um divisor de águas no sentido de criar um

estilo decididamente cinematográfico, rompendo com as formas e técnicas teatrais.

Porter abriu caminho a toda a arte do corte, a junção de partes de cenas em

diferentes lugares e momentos, obtendo como resultado a formação de uma única e

unificada narrativa, processo que tornaria o produto americano não só aceitável mas

também fascinante e sedutor (MATTOS, 2006, p. 177).

Mas é outro nome que recebe o título de “Pai da Técnica Cinematográfica”,

D.W. Griffith refinou os conceitos de Porter e trouxe para a tela comoção e

sentimento.

Grffith tomou nas mãos a matéria bruta do cinema, da forma que havia evoluído até então e, sozinho, transformou-a em meio de expressão mais íntimo do que o teatro, mais vívido que a literatura, mais comovente do que a poesia. Criou a arte, a linguagem e a sintaxe do cinema. Refinou o close-up, o corte, o ângulo de câmera, dominou-os e fê-los servir aos seus fins. (KNIGHT, 1970 apud MATTOS, 2006, p. 20).

Os ventos invertem a maré econômica e, em 1929, os Estados Unidos se

deparam com uma das maiores crises financeiras da história. No entanto, no mesmo

ano, surge o cinema falado e a crise financeira decorrente acaba por se tornar uma

época de ouro para o cinema. Os acontecimentos da época se transferem para a

tela na forma de questionamento de valores. Já antes, havia consciência do cinema

na missão de educador da sociedade e certo censo de responsabilidade por parte

dos fabricantes que pregavam humanitarismo e debates de interesse social

(ROSENFELD, 1996, p. 178). E com ou sem profundidade no discurso, o cinema

serviu ao início dos anos 30 como meio de refúgio a confusão do povo americano.

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Os grandes gêneros não eludem nenhuma das questões que os cercam a todos os

que procuram seu lugar em um mundo conturbado (VEILLON, 1993, p. 57).

A década de 50 também foi marcante para a história do cinema, entretanto

como uma ruptura na era de ouro que tinha. O surgimento da televisão causou um

alvoroço social e mudou drasticamente os hábitos do público. Somado a esse fator,

ocorria uma forte crise política, econômica e de confiança, com o início da

Investigação de Inquérito sobre atividades antiamericanas (House Un-American

Activities Committee). Outra intervenção esmagadora foi o decreto de lei que institui

que grandes produtoras não controlassem diretamente o circuito de exploração.

Com a perda de domínio do preço das entradas e do tempo de exibição dos filmes,

as companhias tornaram-se frágeis e independentes (VEILLON, 1993, p. 86). O ano

de 1948 alternou de uma média de 80 milhões de espectadores frequentando o

cinema por semana para 62 milhões. Segundo o magazine norte-americano People

Today, em 1953, foram fechados 3.500 cineteatros desde a Segunda Guerra

Mundial até o ano do estudo.

O cinema tenta encontrar na ousadia solução para a crise. Rosenfeld (2002)

narra que os estúdios abalados pelo pânico iniciam uma verdadeira corrida atrás de

novas estrelas dotadas de atrações físicas super sensacionais. Essa é a época de

ascensão das figuras do cinema que utilizavam como artifício a sensualidade, como:

Marilyn Monroe, Sally Forrest, Joanne Dru, Rhonda Fleming e Vanessa Brow. No

final dos anos 50, Hollywood foi pioneira no aproveitamento da redução de impostos,

subsídios e mão de obra barata, deslocando suas produções para outros países.

Essa ação foi responsável pela arrecadação em bilheteria de 1 bilhão e meio de

dólares em 1961. Porém, o acontecimento mais importante para o futuro do cinema

americano foi a aquisição da maioria dos estúdios por companhias com múltiplos

setores de atividades, que foram atraídas pela desvalorização das ações dos

estúdios, acervos, filmes e imóveis (MATTOS, 2006, p. 141).

Nos anos 60 e 70, Hollywood produziu uma quantidade relativamente alta de

filmes ousados e inovadores, esse período é denominado Hollywood Renaissance.

A Hollywood Renaissance foi um produto de contexto social e histórico e da estratégia da indústria para conquistar o público jovem – especificamente a chamada film generation, ou seja, a geração mais educada que cresceu com a televisão, aprendendo a linguagem audiovisual do cinema – que, segundo se pensava, seria receptivo a uma representação áspera e

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interrogativa de aspectos e cultura e sociedades americanas. (MATTOS, 2006, p. 141).

Há diversas engrenagens que movimentam a grande indústria de cinema que

é Hollywood e fazem dela referência no cinema mundial. Frédéric Martel, jornalista,

pesquisador e escritor, tirou os olhos apenas da Hollywood em si e pôs em

Washington para compreender o backstage dos grandes sucessos cinematográficos.

5.5 AS MÁQUINAS DA INDÚSTRIA DE HOLLYWOOD

Jack Valenti (1921-2007), um dos mais célebres promotores da cultura

mainstream, iniciou seu contato com o cinema jovem quando passava as férias

fazendo trabalhos braçais em um cinema de Houston. Lançou-se aos negócios e

após conseguiu uma carreira dentro da imprensa até conhecer e assessorar o

presidente Johnson, que teve seu mandato posterior ao assassinato de Kennedy.

Martel (2012) conta que Valenti era o responsável por atuar na atividade do lobbyng

na Casa Branca no mais alto nível, coordenando a ação parlamentar. O lobista se

afasta do salão Oval em consequência da guerra do Vietnã e aceita dirigir a Motion

Picture Association9 (MPA), exercendo desde então suas habilidades na indústria

cinematográfica. A MPA, sob o comando de Valenti, era a grande responsável pelo

fundraising (coleta de fundos) e, através de sua influência, convidava membros

influentes do congresso para reuniões particulares ou cerimônias como a entrega do

Oscar, conta Martel (2012). Martel (2012) lembra que Valenti também e um dos

maiores coletadores de fundos para financiar campanhas eleitorais, obviamente, de

candidatos que se mostrassem benevolentes à indústria cinematográfica. Jack

Valenti faleceu em 2007 e deixou o comando da MPA sob a luta contra a pirataria e

a batalha (perdida) contra a internet. Foi sucedido por Dan Glickmann, que por sua

vez, anteriormente foi ministro de agricultura de Bill Clinton. Essas fortes

personalidades, ambas com fortes laços na política, têm grande peso no fato que

desde 1990 as indústrias de entretenimento norte-americana ocupam o segundo

lugar nas exportações americanas, depois do setor aeroespacial. Na América Latina,

Martel (2012) encontrou Steve Solot, representante da MPA no Brasil, que disse que

9 Organização que vela pelos interesses da indústria cinematográfica. Dirigida por um conselho

administrativo composto de três representantes de cada um dos seis principais estúdios (Disney, Sony-Columbia, Universal, Warner Bros. Paramount e 20th Century Fox).

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a região não conta em termos de bilheteria, mas se torna cada vez mais importante

em termos de influência e de número de entradas vendidas.

Os sucessos de Hollywood pelo mundo são mostrados por Martel (2012) em

dados: a indústria distribui seus filmes em 105 países aproximadamente, em termos

de rendimento a força está em oito deles: Japão, Alemanha, Reino Unido, Espanha,

França, Austrália Itália e México (em ordem de importância) sem incluir o Canadá.

Os filmes lançados internacionalmente exigem grande investimento, Martel (2012)

destaca atores como Johnny Depp, Brad Pitt, Matt Damon, Tom Cruise, Tom Hanks,

Leonardo DiCaprio, Nicole Kidman, Julia Roberts, Harrison Ford, George Clooney,

Will Smith, que sem algum nome de peso como esses, existe um risco grande

demais. Martel (2012) alerta que não se deve cair na teoria da conspiração e atrelar

esses dados somente aos vínculos com o governo, pois esse fator não explica

realmente o poderio e a importância do cinema americano no mundo. O público

americano somente é responsável pelo gasto anual de cerca de 10 bilhões de

dólares ao ano, lembra Martel (2012).

Na época de ouro do cinema, nas décadas de 1920 a 1940, a indústria de

Hollywood era um sistema centralizado e verticalizado, explica Martel (2012), os

estúdios organizavam todo o processo de produção de um filme. Atualmente,

estima-se que 115 mil pequenas e médias empresas participam da economia

americana do cinema e da televisão, gerando 770 mil assalariados e indiretamente

1,7 bilhões de empregos (MARTEL, 2012). Os recursos financeiros para materializar

uma obra cinematográfica vêm de pré-vendas de direitos, acordos para a televisão

ou produtora de videogames, empréstimos bancários, vendas internacionais, direitos

derivados e o fundraising citado entre filantropos de todo o mundo que financiam os

filmes, não só como investimento, pensa Martel (20102), mas para se misturar um

pouco ao glamour hollywoodiano, a fábrica de sonhos projetados na tela.

Nós amamos o público loucamente, nós o amamos tanto que queremos seduzi-lo em massa, onde quer que esteja e em qualquer parte do mundo – fala dos franceses que desconfiam dos estúdios, do dinheiro e do público, temendo que venham comprometer a sua arte. Conclui com uma célebre frase de efeito de Samuel Goldwyn “o nome dessa indústria não é show art. O nome da indústria é show business” (SEGHERS apud MARTEl, 2012, p. 90).

Com os temas dissecados a respeito de personagens, história e identidade

dos EUA, confrontos e relevância do cinema norte-americano, é possível efetuar

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uma análise fílmica e verificar se o referido cinema está reproduzindo de forma

imprudente os personagens de herói e inimigo, baseando-se em suas ideologias ou

não.

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6 ANÁLISE

Diversos títulos foram considerados para a análise, porém os eleitos foram

“Patton”, “A conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”. Essas três obras retratam

acontecimentos dentro da Segunda Guerra Mundial, que para a melhor

compreensão do estudo, optou-se por destacar um único confronto de forma

deslocada. Outro fator para a escolha dessa guerra é a questão que o cineasta Clint

Eastwood decidiu retratar dois pontos de vista de uma das batalhas. Os filmes “A

Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima” possibilitam ao presente trabalho

compreender a visão de um diretor norte-americano sob dois países que travaram

guerra por conta de suas convicções opostas, sendo um dos países a nação do

cineasta. Clint presenciou essa batalha quando jovem, e esse fato torna o potencial

de sua abordagem ainda mais interessante. Além disso, foi convocado a servir ao

exercício norte-americano quando jovem, assim como o diretor de Patton, Franklin

Schaffner. As experiências desses cineastas com a guerra e o exército permitem

que espelhem a realidade do confronto com particularidades únicas em suas obras.

Ademais esses fatores, as obras cinematográficas eleitas possuem respaldo

da crítica quanto a sua relevância, de forma que, possuem indicações e vitórias em

premiações de grande crédito para a comunidade cinematográfica. “Patton”, “A

conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima” permitem o exercício da análise com

foco no herói e no inimigo, pois são frutos de mentes de renome no cenário

audiovisual e possuem a proposta de explorar as camadas dos personagens em

meio ao confronto.

6.1 A IDENTIDADE DOS EUA PERSONIFICADA

O jornalista brasileiro e crítico de cinema Rubens Ewald Filho (2011) aborda

como é interessante a existência de um público com tanta fidelidade a obras

cinematográficas sobre a segunda guerra mundial. Retomando Berger (1999), uma

das razões é o cinema ser uma excelente ferramenta de aprendizagem através das

histórias reais ou fictícias. Produzido enquanto ainda acontecia a guerra do Vietnã, o

diretor de Planeta dos Macacos Franklin J. Schaffner concebeu o filme Patton em

1970. Com roteiro de Francis Ford Coppola, a obra é uma bibliografia do general

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George Smith Patton, figura militar essencial para o sucesso das tropas norte-

americanas contra a Alemanha na 2ª Guerra. Para Rubens (2011) o filme não possui

a intenção de louvar o general, mas sim a de fazer um retrato autêntico através de

uma visão humana e multifacetada. No Brasil o filme recebeu o subtítulo que

questiona “Rebelde ou Heroi?”, algo inédito e que se deve as camadas retratadas do

protagonista. Patton é um grande premiado com oito prêmios da academia do Oscar

e 2 Globos de ouro, sendo que o Oscar de melhor ator, George C. Scott se recusou

a recebê-lo por não acreditar em premiações.

A primeira cena de Patton, exibida na Figura 10, é icônica por apresentar o

personagem em suas veste militares, realizando um discurso em frente a uma

gigante bandeira dos EUA. Nessa abertura, o público ao qual Patton está se

dirigindo nunca é mostrado, recurso notável de uma apresentação do protagonista

ao expectador onde seu monólogo para uma plateia escusa, retrata sua

personalidade já no início. As palavras em seu discurso corroboram com o estudo

feito sobre o confronto na identidade dos EUA, ele fala “Os americanos adoram

combater por tradição. Todos os verdadeiros americanos adoram o estímulo da

guerra”. Em seu enunciado, Patton demonstra seu patriotismo, fervor pela vitória e o

desejo de derramar o sangue inimigo: “Nenhum desgraçado ganhou alguma vez

uma guerra morrendo pelo país. Venceu-a fazendo os outros idiotas desgraçados

morrerem pelo país deles... Os nazis são o inimigo, carreguem suas armas sobre

eles! Derramem o sangue deles.”.

Figura 10 – Cena de abertura Patton, Rebelde ou Herói? (1970).

Fonte: Patton – 00:01:32.

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Após essa introdução, Patton reaparece já em Marrocos, que por conta de

seu desempenho na operação tocha, foi agraciado pelo sultão com uma medalha

com os dizeres: “Os leões em seus covis tremem diante de sua aproximação.”. Logo

é deslocado para Kasserine, na Tunísia, onde os alemães massacraram 1.800

soldados norte-americanos. Os militares que realizaram o reconhecimento dos

mortos, ao chegarem, presenciaram os locais saqueando os corpos dos soldados:

“Os árabes precisam de comida e roupa. Despem os nossos mortos antes de

podermos enterrá-los”. Nesse recorte e em outros momentos sutis, o filme reflete

sobre a situação emergente dos povos envolvidos indiretamente nos conflitos

travados, principalmente os árabes.

Patton chega a Tunísia e encontra os soldados desalinhados e pouco

disciplinados, o que para ele, foi a razão da derrota na disputa: “Eles não parecem

soldados, nem agem como tal. Por que combateriam como soldados?”. Com uma

postura rigorosa, Patton disciplina os soldados com ameaças e castigos, pois possui

a visão: “Não quero que gostem de mim, mas que combatam por mim.”. O general é

retratado por vezes com uma força sobrenatural, como quando afasta dois aviões

que atacavam sua base apenas com um revólver. No solo da Tunísia relembra a

batalha entre Cartago e Roma, 2.000 anos antes de ele estar pisando ali. Em seu

ideal místico10 de guerreiro, Patton acredita que atravessou as épocas estando

presente em todas as batalhas e transcreve em poesia sua auto definição:

“Através dos trabalhos nos tempos

É a ponta e as ciladas da guerra

Combati e lutei e pereci

Inúmeras vezes sob as estrelas

Como se através de vidro e sombriamente

A discórdia antiquíssima eu vejp

Onde combati com muitos caras e muitos nomes

Mas sempre eu.” – fala do personagem.

“Um guerreiro romântico perdido no presente.”, é assim que o alemão Steiger,

encarregado de investigar Patton, o define. Como vimos, os exemplos a serem

10

Ideal ligado ao misticismo ou ao aspecto mítico (de mito)

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seguidos estavam presentes nos mitos, esses sendo uma fala colhida pela história

(BARTHES, 2001) e Steiger observa o quanto Patton colhe na história esses

exemplos. Os alemães são retratados como estrategistas em seus quarteis

generais, estudando os mapas, como que em um jogo de tabuleiro, quais peças

moverem. Mas assim também é retratado o lado norte-americano, com muito

envolvimento nas formações estratégico, e quando necessário, político. Patton

literalmente lê seu inimigo Rommel em um livro escrito por ele na noite anterior ao

dia da batalha. A tática de Patton na Tunísia é bem sucedida, porém ele fica

frustrado ao saber que Rommel não estava presente. Rommel é um personagem

que aparece poucas vezes, porém mantêm seu simbolismo de nêmeses de Patton,

por ser o general favorito de Hitler. Como vimos, Brandão define o herói, um

guardião, defensor, que nasceu para servir (BRANDÃO, 2013) e Patton se vê dessa

forma. O personagem acredita possuir um propósito em combate como os heróis no

mitos. E como vimos anteriormente, o herói precisa de um inimigo, de preferência

um que seja excepcionalmente bom em atacar as suas franquezas (TRUBY,2008).

Sem Rommel, Patton é um ser incompleto que preenche seu vazio apenas quando

confronta seu inimigo.

A obra cinematográfica por vezes quebra o andamento da história para exibir

noticiários. Essa exibição, como recurso, demonstra a presença da mídia na guerra

e o papel dela de enaltecer os heróis e denigrir os vilões. Um exemplo disso é a o

noticiário que cita o general aliado britânico como “o herói de Al Alamein” que

continuaria na ofensiva contra “a arrogante unidade Africana de Rommel”. Os

adjetivos usados pela imprensa para os aliados são positivos, ao contrário aos

usados para definir o inimigo. Esse recorte fortalece os conceitos expostos no

primeiro capítulo, onde a personagem inimiga tende a ser retratada como perversa e

com desvio de moral.

Por conta de sua forte personalidade, em certo momento a mídia se torna

inimiga de Patton. Em uma ocasião de visita a uma tenta de atendimento médicos

aos soldados feridos, Patton se irrita com um dos soldados que está lá por um abalo

emocional e o reprime verbalmente e fisicamente. O caráter de um personagem é

traçado a partir de suas ações diante dos acontecimentos que estão opostos a seus

objetivos, esse episódio submete Patton a uma pressão e dessa forma se obtém

uma revelação profunda de seu caráter (MCKEE, 210). Esse fato resultou em uma

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caricatura de Patton no jornal, assim como é visível na Figura 11, ele está chutando

o soldado com botas de ferro, e nelas, uma suástica desenhada na sola.

Figura 11- Caricatura de Patton.

Fonte: Patton - 01:32:48.

A partir daí, surgiram uma série de eventos de natureza semelhante, que

noticiados pela mídia, representaram o momento da queda de Patton. Ele é

advertido a pedir desculpas públicas, destituído e por muito pouco não é obrigado a

abandonar tudo e retornar para casa. Nesse momento, o protagonista questiona o

que considerava ser seu propósito, o de estar em guerra: “E a última grande

oportunidade da vida. O mundo inteiro está em guerra, e eu fico de fora?”. Neste

momento sombrio para Patton, suas raízes cristãs, ficam mais evidentes quando

para se contentar com sua situação considera-a “vontade de Deus”.

Porém, Coppola parece seguir o método de Campbell (2007) da jornada do

herói, que após enfrentar dificuldades o protagonista tem sua reascensão. Os

alemães consideravam Patton um grande oponente, e por isso ignoraram as

notícias: “Acredita nos jornais deles? Sacrificariam o melhor comandante por

esbofetear um soldado?”. Por conta disso, os superiores de Patton o mantiveram e

formularam uma invasão fictícia liderada por Patton. Por conta de seu desejo por

estar envolvido em batalha, Patton ficou frustrado, mas logo depois foi convocado

para comandar o 3º exercício na França.

O protagonista, mais comedido por conta dos incidentes anteriores, foi de

fundamental importância para o avanço dos aliados e por fim houve a rendição

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alemã. O investigador alemão Steiger responsável por Patton, queimando

evidências após a rendição, coloca a fotografia do general nas chamas e diz: “Ele

também será destruído, a ausência da guerra o matará”. De fato Patton demonstra

diversas vezes seu amor pelo confronto, e ao final da guerra sua postura antes

imponente ganha certa fraqueza, como é visto na Figura 12.

Figura 12 – Patton ao final da guerra abalado por se ver sem propósito.

Fonte: Patton - 02:47:33.

Apesar de em muitos momentos ser um personagem carismático e que

conquista certa empatia por sua veracidade e total convicção em seus princípios,

Patton coloca vidas de soldados em jogo pela conquista da glória. Assim como os

heróis dos mitos, tem ações questionáveis que seu companheiro de conflito general

Bradley expressa no momento que estavam rumo a Messina: “... o que acontece

com eles? Com o soldado combatente comum. Ele não partilha dos seus sonhos de

glória.”.

O general Patton é realmente, como descrito por Steiger, um guerreiro do

passado preso no presente. E se sua história fosse retratada em épocas anteriores,

seria apenas com louros, é assim que Patton parece pensar e o frustra a ideia de o

final da guerra não ser celebrado como nos livros antigos: com cortejos, músicos e

tesouros. Rubens Ewald Filho (2011) conta que o filme agradou tanto pacifistas

como combativos, porém o cineasta Oliver Stone acusou a obra de influenciar o

presidente Nixon na invasão do Camboja. Com tudo, essa obra cinematográfica e

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questiona o papel de herói do general Patton, permitindo levantar o questionamento

sobre qualquer outro herói.

6.2 DOIS LADOS DE UM CONFRONTO

Para a continuidade do estudo as obras “A conquista da Honra” e “Cartas de

Iwo Jima” destacaram-se por serem fruto da mente do mesmo diretor e a por terem

a proposta de abordar ambos os lados do confronto pela ilha de Iwo Jima, que se

sucedeu durante a segunda Guerra Mundial. As obras, apesar de se tratarem do

mesmo confronto do filme Patton, se deslocam geograficamente, permitindo novas

dimensões de uma mesma guerra com novos heróis e inimigos. Somado a isso, o

filme que representa o lado japonês, possui um elenco da nação retratada e tem seu

áudio original no idioma nativo, preocupação do diretor para que fosse um filme

genuinamente japonês.

A Conquista da Honra é um filme de 2006 baseado no livro homônimo de

James Bradley publicado em 2000. Dirigido por Clint Eastwood, personalidade norte-

americana que iniciou sua fama na indústria cinematográfica principalmente dentro

de filmes do gênero western. Existem cerca de 40 títulos onde é creditado diretor e

já foi agraciado com prêmios da academia quatro vezes, além de outros

reconhecimentos. O confronto de Iwo Jima aconteceu em 1945 quando Clint possuía

15 anos, dessa forma, ele teve uma experiência verdadeira de expectador na época,

fator de grande potencial para agregar valor as obras do confronto. Além disso o

filme carrega o peso do nome de Steven Spielberg em sua produção que tem em

envolvimento com filmes de conflitos aclamados como O Resgate do Soldado Ryan,

A Lista de Schindler, entre outros. Conforme esses fatos, a análise das obras

pareceu pertinente para o objetivo do estudo.

O filme inicia com uma versão a capela da música de 1944 “I‟ll Walk Alone”,

originalmente de Jule Styne e Sammy Cahn. Junto a ela há uma sensação de

solitude que é completada gradativamente com o som da guerra, de um soldado

correndo no chão de enxofre da ilha de Iwo Jima. Esse soldado, que mais tarde

descobrimos que é Jonh “Doc” Bradley, o enfermeiro que junto de outros cinco

soldados, foi eternizado levantando a bandeira dos E.U.A. no solo japonês. Logo

após vemos Bradley em sua velhice acordando supostamente com essa lembrança

da Guerra.

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A montagem do filme A Conquista da Honra não é linear, ela mostra imagens

de acontecimentos e apenas mais tarde dá mais tempo de tela para explicá-los. Eles

acontecem basicamente em três tempos: na batalha em si, quando os três soldados

que hastearam a bandeira retornam ao solo norte-americano e no presente estado

de Bradley, onde seu filho James Bradley está levantando a história. Embora essa

abordagem pareça ter a intenção de gerar certo suspense e gerar revelações no

decorrer do filme, acaba tendo o efeito negativo de confundir o expectador, que

facilmente pode se sentir por vezes perdido em qual época a narração do filme está

e quem são os personagens no momento. É o caso do primeiro entrevistado de

James Bradley, na Figura 13. O personagem é voice over inicial, que exige uma

atenção a lista do elenco para perceber que se trata da versão anciã do capitão

Dave Severance.

Figura 13 - Dave Severance sendo ouvido por James Bradley. Entre os quadros da parede a icônica foto conhecida como Raising the Flag on Iwo Jima que se tornou peça da propaganda norte-americana para prosseguir com a guerra contra o Japão.

Fonte: A Conquista da Honra - 00:03:49.

O personagem do capitão assume em sua narração, inicialmente preenchida

com as imagens do estado desorientado de Jonh “Doc” Bradley, que em eventos

como o de Iwo Jima somos condicionados a criar paradigmas: “Todo imbecil acha

que sabe o que é a guerra. Principalmente aqueles que nunca estiveram em uma.

Gostamos das coisas bem simples, o bem e o mal, os heróis e os vilões.” Porém ele

acrescenta com sua sapiência provinda da experiência no conflito: “Sempre há

muitos de cada lado”. E ele que nos introduz a fotografia icônica de Iwo Jima,

descrevendo-a como uma forma palatável de encarar a violência do confronto: “O

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que vemos e fazemos na guerra, a crueldade. É inacreditável. Mas, de algum jeito,

temos que dar um sentido a isso. Para fazer isso, precisamos de uma verdade fácil

de entender e em muito poucas palavras. E se você conseguir uma foto... A

fotografia certa pode ganhar ou perder uma Guerra”. Para sustentar seu argumento,

Dave menciona a fotografia que marcou a guerra do Vietnã, exibida na Figura 14,

onde um oficial vietnamita assassinando um civil de forma fria e deixando seu corpo

esparramado na rua. Segundo Severance essa foto demonstra que a Guerra estava

perdida.

Figura 14 – Foto citada por Severance da execução de um prisioneiro Vietkong.

Fonte: Bitaites (2018).

A visão de Severance é usada como recurso para expor a situação do país

norte-americano na época: “O país estava falido. As pessoas foram ficando cínicas e

cansadas da guerra.” e complementa como a foto trouxe novamente a esperança

das pessoas “Uma foto, quase sozinha mudou tudo ao redor”. Durante a narração

vemos a foto sendo revelada em um quarto escuro e ganhando repercussão

estampando milhares de exemplares do New York Times chegando nas mãos de

milhares de pessoas.

Após a introdução narrativa e visual da foto, o expectador é redirecionado

para a realidade dos soldados norte-americanos, que mais tarde, estariam em Iwo

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Jima. Embora estivessem em um cenário de guerra, o clima nos acampamentos e

nos navios era descontraído com jogos, música, bebidas e cigarros. Há celebração

prévia em conquistar o solo japonês e com isso uma certa frieza com o risco

eminente de morte. Uma cena que retrata isso é quando um soldado que animado

com os caças norte-americanos cai ao mar e fico implícito que ninguém irá resgatá-

lo e não há nenhuma comoção por parte de seus companheiros, apenas aceitação.

O medo da morte torna o clima bucólico apenas, quando através de fotografias,

encaram o tratamento do inimigo com outros soldados dos E.U.A. O soldado Ira

Hayes, que também posteriormente será revelado como supostamente um dos

participantes da foto icônica, mostra aos companheiros as fotografias de japoneses

decapitando prisioneiros e aterroriza: “É o que fazem com os prisioneiros. Pelo

menos com os sortudos”.

Ao longo do filme, os japoneses visto como inimigos dos EUA., são retratados

de forma rasa, sem profundidade alguma. Suas faces, aparecem ocasionalmente

durante as batalhas atacando os norte-americanos, sendo na maioria da vezes

derrotados. Por vezes são somente representados com a ponta de rifles ou

metralhadoras camufladas que atiram em oposição aos norte-americanos. O

soldado Jonh “Doc” Bradley em certo momento encontra em uma caverna diversos

japoneses que utilizaram granadas para cometeram suicídio pois estava perdendo

território, mas nada é discorrido a partir dessa descoberta. Eles são retratados como

seres de natureza selvagem, o soldado Iggy é encontrado morto por Bradley e seu

estado não é mostrado pela câmera, dando a entender que sua morte fora cruel.

Durante as cenas do conflito a violência é o cerne. Corpos se acumulam no

litoral da ilha e vão se tornando traumas aos olhos dos que ainda se mantem vivos.

Nesse momento o filme sai dos travellings e cenas fixas, substitui por câmeras

nervosas e por vezes embaçadas representando a agonia e o terror da situação. Os

soldados norte-americanos avançavam tentando identificar de onde eram atingidos

já que os inimigos se encontravam camuflados. Embora os japoneses tiveram a

estratégia do elemento surpresa, utilizando túneis e cavernas da região, os norte-

americanos estavam em vantagem de numérica e de material bélico. Sendo assim,

foram dominando o território. Um pelotão foi convocado para escalar um monte da

ilha e se certificar que estava livre de inimigos, um dos soldados levou consigo uma

bandeira a pedido de um oficial superior. Foi nesse momento, que usando como

mastro canos de ferro japoneses disponíveis, eles hastearam a bandeira pela

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primeira vez, como retrata a Figura 15. Do acampamento e dos navios todos

aplaudiram e celebraram pois aquela bandeira hasteada representava a vitória,

mesmo que a batalha não estivesse ainda finalizada. Por provocar o desejo de

posse daquela bandeira em políticos, um dos oficiais superiores ordenou que a

bandeira fosse substituída, para que ele ficasse com ela e foi nessa segunda vez

que a célebre foto foi tirada, não houve comoção ou celebração, era apenas uma

substituição.

Figura 15 - Soldados realizando a substituição da bandeira, momento que foi

registrado na foto.

Fonte: A Conquista da Honra - 01:20:29.

A foto recebeu o título de Raising the Flag on Iwo Jima e recebeu o prêmio

Pulitzer11. Até os dias atuais é incerto os soldados que estava nessa foto, o New

York Times em 2016 chegou a especular que o próprio Jonh Bradley não estava

presente na fotografia. Mas na época do ocorrido a foto precisava de porta-vozes e

soldado Rene Gagnan, que fora colocado como mensageiro por sua falta de

habilidade em batalha, forneceu alguns nomes, dentre os que ainda permaneciam

vivos o de Bradley e Ira Hayes, entre os que não sobreviveram Mike, que inclusive

no filme é morto por acidente com fogo aliado, Franklin e Hank. Com isso, os três

sobreviventes foram instruídos e levados a uma turnê para uma campanha para

incentivar a população a comprar títulos e assim ajudar a guerra financeiramente. O

próprio presidente Truman ao recebê-los disse aos soldados: “Lutaram por uma

montanha no pacífico. Agora precisamos que lutem por uma montanha de dinheiro”.

11

Prêmio concedido pela Universidade de Colúmbia que reconhece a excelência de trabalhos na áreas de jornalismo, literatura e música.

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Os três soldados iniciaram a agenda composta de encontros com

congressistas, jantares com pessoas influentes, eventos públicos com fogos de

artifício e música. A propaganda e a político passou a ser a maior missão daqueles

soldados, reproduziam o feito de forma teatral para plateias assim como se pode

observar na Figura 16. O soldado Ira Hayes, que era nativo norte-americano,

participava da campanha a contragosto, traumatizado pelos eventos da guerra

sentia a culpa de ser tratado como herói, quando sabia que as informações das

identidades dos soldados que levantaram a bandeira não eram totalmente verídicas.

Extravasava seus sentimentos no álcool e quase sempre, comparecia aos eventos

embriagado. Por causar problemas foi expulso da campanha e tece o restante de

seus dias marcados por prisões, trabalhos pesados até ser encontrado morto, sem

haver sequer autopsia. Rene promoveu o seu casamento a mídia e após o final da

campanha tentou tirar vantagem de sua fama, porém nada conseguiu e passou a

sua vida como zelador, James Bradley narra “...ele era o herói de ontem”. Já Jonh

Bradley foi proprietário de uma funerária e sustentou sua família com esse negócio,

demonstrou os traumas em sua velhice, onde tinha alucinações e chamava por seu

amigo e soldado Iggy.

Figura 16 – Os três soldados Rene Gagnan, Jonh Bradley e Ira Hayes reproduzindo a colocação da bandeira em um estádio em Washington.

Fonte: A Conquista da Honra - 01:31:47.

O filme mostra como esse soldados foram conduzidos por seus superiores a

participarem dessas campanha de arrecadação com a justificativa de estavam

fazendo o melhor para seu país e por vezes com ameaças de serem levados

novamente ao confronto. Assim como nos mitos, essa propaganda enfeitou a guerra

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como um situação poética. Mesmo não se considerando heróis, mesmo estando

fragmentados e desestabilizados por tudo que presenciaram em Iwo Jima. O filme

encerra com Jonh Bradley e os companheiros de batalha tendo um momento de

tranquilidade ao nadar na ilha, com a narração de seu filhos “Heróis são algo que

criamos, e algo de que precisamos”. Embora o filme tente promover esses

momentos de comoção ele falha por mostrar soldados coniventes com a situação,

tornando a empatia por eles mais difícil. Os inimigos foram retratados de forma

superficial e as vezes que eram citados seria como adversários cruéis. O método

citado Terministic Screen de Keneth Burke (1969) já advertia que ao dar foto ao

objeto A, naturalmente se negligencia um objeto B. Portanto sendo “A Conquista da

Honra” o retrato do lado norte-americano sobre a batalha de Iwo Jima foi

negligenciado o lado dos japoneses.

Com o objetivo de mostrar de forma densa o lado oposto da batalha, Clint

Eastwood iniciou as gravações de Cartas de Iwo Jima. Em uma entrevista que o

diretor concedeu para a universidade de Berkeley, ele diz que a principal motivação

para a pesquisa foi seu fascínio pelo general Kuribayashi, o líder das tropas

japonesas de Iwo Jima. Esse fascínio é resultado principalmente da situação difícil

que o general enfrentou, de estar em uma missão de conflito onde a chance de

retorno era nula. Além disso, o corpo de Kuribayashi nunca foi encontrado gerando

especulações, algumas, baseadas em depoimentos de prisioneiros da ilha. Clint

visitou o Japão, teve contato com os descendentes do general e pediu permissão de

autoridades do governo japonês para realizar o filme. Afinal, como mencionado

anteriormente, o objetivo era fazer um filme genuinamente japonês, com idioma e

atores nativos do país. Pelo motivo de Clint não dominar o idioma, segundo ele,

contou com bons interpretes para auxiliá-lo. A inspiração para o roteiro foi o livro de

mesmo título que a obra cinematográfica, encontrado durante a etapa de pesquisa.

Os filmes Cartas de Iwo Jima e A Conquista da Honra apenas compartilham a

mesma batalha em sua história, não há o uso de mesmos personagens em duas

perspectivas.

Cartas demonstra desde o princípio a disparidade do clima norte-americano

perante a guerra, os soldados japoneses sabiam que seria uma batalha sangrenta.

Saigo, embora seja retratado com uma personalidade irreverente e que traz certa

leveza para a história, escreve para a sua esposa em suas cartas “Hanako, estarei

cavando a minha sepultura?”. Esse personagem se destoa da disciplina, patriotismo

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e rigor dos outros soldados, ele expressa que não desejava estar ali, era apenas um

padeiro que foi convocado quando sua esposa estava grávida. Saigo é repreendido

por extravasar seu pensamento: “Ilha maldita! Os E.U.A. que fiquem com ela!”. É

nesse momento de repreensão, que enquanto Saigo está sendo castigado por um

superior, que ele conhece o general recém-chegado na ilha Kuribayashi. O general

mostra-se sábio interrompendo o superior que aplicava o castigo dizendo: “Um bom

capitão usa o cérebro e não o chicote”. Kuribayashi nesse momento ganha o

respeito e admiração de Saigo, embora é visto por alguns membros do exército com

desconfiança por ter já morado nos E.U.A. e dessa forma, forma-se uma oposição

as escuras contra ele julgando-o como simpatizante dos norte-americanos.

O filme Cartas de Iwo Jima, diferente da obra A Conquista da Honra, possui

uma linha cronológica mais clara e faz com sutileza, inclusive com o uso de fade,

flashbacks que enriquecem a história. Em um desses flashbacks podemos ver o

general Kuribayashi sendo honrado com um jantar por amigos norte-americanos no

E.U.A. Durante esse evento, surge a questão se os dois países entrassem em

guerra, o general se seguiria as suas convicções ou de seu país, e ele responde:

“Não seriam as mesmas?”. Tal resposta demonstra o patriotismo do general e o

comprometimento prévio com a missão que mais tarde lhe seria atribuída. Também

concorda com a teoria de Schmitt (2007), de que o poder de decidir sobre amigo-

inimigo recai apenas sobre o Estado, enquanto unidade política

Os flashbacks no filme são momentos pontuais onde há trilha sonora, leve e

clássica que proporciona a sensação de compartilhar a nostalgia daquelas

lembranças com os personagens. O restante do filme é praticamente ausente de

trilha, trabalhando muito bem o silêncio e os sons da guerra. Outro elemento da

linguagem cinematográfica dessa obra que merece citação é a sua fotografia, as

cores são frias, pouquíssimo saturadas, exceto o vermelho que quando aparece na

bandeira do Japão, Figura 17, e no sangue derramado ganha sutil destaque. Esse

clima “pálido” reflete a situação sem esperança que o exército japonês se

encontrava.

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Figura 17 - Recepção da chegada do general Kuribayashi à ilha de Iwo Jima.

Imagem pálida, porém com destaque ao vermelho da bandeira do Japão.

Fonte: Cartas de Iwo Jima – 00:06:10.

O general Kuribayashi é informado que não teria suporte aéreo ou marítimo e

que não obteria reforços. Na mensagem que recebeu do QG japonês ele leu:

“Espero que lutem com honra e morram por seu país”. Com as circunstâncias

desfavoráveis a estratégia de Kuribayashi foi a de usar o monte Suribachi como

forte, utilizando suas cavernas e cavando túneis na ilha, na Figura 18 é possível

vislumbrar a estrutura desses túneis. Essa estratégia possibilitou uma camuflagem

inicial para um elemento surpresa. Em um desses túneis, o campeão de hipismo

olímpico que agora lutava no exercício japonês, Baron Nishi, acolhe um norte-

americano ferido pra coletar informações. O soldado dos E.U.A. acaba morrendo por

conta dos ferimentos e Nishi encontra no uniforme do norte-americano uma carta da

mãe dele que lê para os outros soldados, que mais tarde, faz um deles dizer: “Não

sei nada sobre o inimigo...As palavras da mãe dele eram iguais ás da minha.”

Figura 18 - Shimizu, Saigo e soldado em um dos túneis do monte Suribachi.

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Fonte: Cartas de Iwo Jima - 01:14:15.

Clint, em sua entrevista para Berkeley, afirma que o filme é uma mensagem

antiguerra, as pessoas matavam pessoas que não conheciam, pessoas que se não

tivessem naquela situação, poderiam se relacionar. O diretor fala que considera

Cartas de Iwo Jima uma de suas melhores obras e de fato, o filme se constrói

melhor que A Conquista da Honra. A estrutura da obra consegue explorar muito bem

os dilemas de um grande número de personagens. Mostra desde o extremismo dos

japoneses que se suicidavam com granadas como justificava de morrer com honra,

até os que como Saigo e Shimizu que tinham medo da morte e lhes era atrativa a

ideia de dissertar. Shimizu tem sucesso ao fugir do exército japonês e com uma

bandeira branca se rende aos norte-americanos onde é morto por dois soldados que

desobedecem a ordem de seu superior de fazer dele prisioneiro. Esse momento

demonstra de melhor forma o que o filme A Conquista da Honra teve em narrativa,

mas não expressou no conjunto da obra tão bem, que sempre há muitos heróis e

vilões de cada lado.

O filme encerra com Saigo enterrando as cartas dos soldados de Iwo Jima

que faz a costura com pesquisadores encontrando artefatos no início do filme. E,

além disso, Saigo também enterra seu general Kuribayashi, o qual aprendeu a

admirar. É quando um dos soldados pega a arma do seu general, que o antes

apático com a batalha Saigo, tem o instinto de lutar em nome de Kuribayashi mesmo

tendo apenas uma pá na mão, como é capturado na Figura 19. Saigo termina como

prisioneiro dos norte-americanos, ferido, contemplando o pôr do sol na ilha de Iwo

Jima e implicitamente, entende porque aquela terra era solo sagrado para o Japão.

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Figura 19 – Saigo durante a sua revolta após ver um soldado norte-americano com a arma de seu general Kuribayashi.

Fonte: Cartas de Iwo Jima - 02:13:14.

O filme foi muito bem aceito pelo público japonês comenta Clint. O diretor que

cresceu no período da batalha, lembra-se das propagandas espalhadas anti

japoneses e diz “Era assim que as pessoas pensavam naquele tempo... Se fosse há

60 anos atrás os japoneses e americanos teriam suspeitas um dos outros e agora

tudo está diferente.”

Embora seja um filme mundialmente reconhecido como superior12 do que A

Conquista da Honra, Cartas de Iwo Jima teve uma bilheteria inferior com

U$ 13.756.082 milhões nos E.U.A. contra U$ 33.602.376 milhões. Porém na

bilheteria mundial passou o filme da versão norte-americana em cerca de

U$ 2.772.979 e tendo o custo de produção bem menor. Esses dados demonstram

que a versão japonesa não obteve o interesse tanto quando a versão nativa nos

E.U.A.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

12 Cartas de Iwo Jima recebeu a nota 89 do site metacritic.com, reconhecido site que dá nota aos filmes, contra 79 de a Conquista da honra. Além disso, Cartas de Iwo Jima ganhou o globo de ouro de melhor filme estrangeiro e arrecadou dois Oscars por edição de som.

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O presente trabalho surgiu do questionamento “Como o cinema norte-

americano, a partir dos elementos fílmicos, contribui para o retrato do herói e

do inimigo na sociedade?”, em vista de fomentar um debate rico sobre o tema,

estruturou-se uma pesquisa em três capítulos que exploram as estruturas

envolvidas. A partir disso, foi realizada uma análise de obras cinematográficas da

indústria norte-americana com foco na abordagem do herói e inimigo.

O capítulo inicial buscou compreender a concepção da personagem escrita

até sua personificação física através de um ator. Percebe-se que a personagem,

mesmo que fictícia, espelha a realidade. Uma personagem bem sucedida é aquela

necessária para a construção de uma narrativa e que possua fidelidade a aquilo que

é humano, com contradições, angústias, imaginação, sonhos, etc. Como todo o ser

humano, a personagem escrita busca se encaixar no cenário que está inserida, e

suas ações na busca por seu propósito acabam, por vezes, a enquadrando em herói

ou inimigo, a dicotomia do bem e do mal. Buscando o objetivo “a” - identificar a

origem do herói e do inimigo – percebe-se que a personagem é construída e

personificada inicialmente no teatro, porém tem suas raízes escritas nos mitos.

Mesmo em tempos onde não havia contato entre culturas, os mitos escritos em

lugares distintos mostram o padrão da figura do herói. Essa figura era usada,

durante sua busca por seu caráter individual, como exemplo perante as tribos ou

sociedades.

Para um personagem ser visto como herói o confronto é inerente, e, portanto,

necessita de um inimigo. O inimigo é aquele cujo propósito se choca de maneira

oposta com o do herói, exigindo, portanto, para a glória de um, o fracasso do outro.

Sendo assim, a definição do herói tem influência nos princípios do autor e do lado

que a história é contada. O inimigo, para despertar o desprezo do expectador, por

vezes é retratado como monstruoso ou são usados artifícios em vista de

desmoralizá-lo.

Tendo em vista que o confronto é essencial para a existência das figuras

herói e inimigo, buscou-se no segundo capítulo traçar a identidade de uma nação

com fortes vertentes no confronto, os EUA. Além disso, foi visto que a definição de

herói depende do lado que conta a história, assim foi considerado adequado analisar

um lado, ou seja, uma nação. Em vista do objetivo “b” - explorar questões culturais

e de identidade dos EUA - o estudo da construção de identidade dos EUA foi

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comprovado o conflito como agente significativo em sua formação. Com o passar

dos anos, o espírito bélico se manteve presente no país, fruto de um patriotismo

ativo. Percebe-se o esforço dessa nação em conquistar posições privilegiadas em

diversos setores, como no cinema.

Antecedendo as análises fílmicas, o terceiro capítulo proporcionou um

panorama geral do cinema visando o objetivo “c” - verificar a origem da indústria de

cinema norte-americana - Desde seus primórdios, ele atrai o público por sua forte

conexão com a realidade. O movimento, como característica, proporciona a essa

ferramenta ser um espelho de nossa existência e sua linguagem própria permite

manipular o que se conhece para exibir tudo o que se encontrava na imaginação.

Percebe-se que o herói e o inimigo no cinema por vezes são retratados com

paradigmas, com a justificativa de facilitar a compreensão do público. O estudo

preocupou-se em mostrar que os usos de estereótipos também podem ocorrer,

porém tais recursos demonstram a inabilidade do cineasta na narrativa. Durante o

capítulo, o cinema e os EUA se encontram e vemos como o país tornou a sétima

arte um negócio lucrativo, e dessa forma, seus filmes são exportados para o mundo

inteiro. Os norte-americanos souberam aliar bem o encantamento relativo ao cinema

com o atrativo estilo de vida americano, tornando Hollywood uma fábrica de sonhos.

Canalizando a essência do herói, do inimigo, dos EUA e do cinema, o estudo

se direcionou para a análise de obras de diretores norte-americanos que contribuem

para o tema, seguindo o objetivo “d” - analisar como são retratados os heróis e os

inimigos nos filmes propostos. Na escolha dos filmes buscou-se optar por obras

relevantes dentro do cenário cinematográfico, levando em conta premiações e

críticas. Dessa forma, Patton foi o primeiro filme eleito para a análise. Um filme

bibliográfico que apresenta um general patriota e que ama a arte da guerra. Que

possui seus momentos onde é um líder carismático e vitorioso e outros onde erra

drasticamente com atitudes desumanas. O filme é sobre um “herói” americano que o

questiona como herói, que o coloca apenas com um ser complexo, tanto que

recebeu no Brasil o nome: Patton: Rebelde ou Herói? Além disso, a obra é rica por

mostrar o papel e influência da mídia da guerra e sugere uma crítica há ambos os

lados da batalha que lidam com a guerra como um jogo, sem considerar as vidas

dos soldados envolvidos. Porém, recebeu críticas por alguns inclusive de suscitar o

confronto, por conta do espírito do protagonista.

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A segunda e terceira obra eleita, desloca o mesmo confronto no mapa e

possui a proposta de mostrar o lado do EUA e do Japão sobre a batalha de Iwo

Jima. A Conquista da Honra, que retrata o lado norte-americano demonstra a

propaganda americana feita para angariar fundos para ter sucesso na guerra através

de soldados traumatizados. Porém, retrata japoneses de forma rasa como um povo

violento e extremista ao ponto de seus membros se explodirem com granadas. Já

Cartas de Iwo Jima cria personagens muito mais verossímeis, onde heróis e

inimigos se formam pela oposição de interesses de suas nações. Essas obras

possuem intenção anti guerra, de forma mais clara em Cartas de Iwo Jima, que de

forma preocupante não obteve interesse da bilheteria norte-americana. O que

demonstra, de forma geral, falta de curiosidade de o envolvido conhecer o lado da

história de seu antigo oponente.

Conclui-se que o cinema possui influência na concepção do herói e do

inimigo, portanto é preciso sapiência na abordagem. Porém seu papel se encontra

muito mais em gerar o debate e não formar opiniões. Essa é a beleza do cinema,

são os hiatos deixados como gatilhos de debates que diferenciam obras de arte das

ordinárias. O bom cinema cria lacunas para o expectador preencher, aponta

mazelas sociais, pois afinal de contas é um espelho de um mundo que insiste em

gerar conflitos.

A experiência desse estudo proporcionou a esta pesquisadora a amplificação

da visão como expectadora. Percebe-se que a própria noção de herói é dúbia,

levando em conta a tragédia grega onde os heróis cometiam estupros, assassinatos,

incestos, porém ganhavam louros, pois de alguma forma alguns feitos pesavam

mais para o lado heroico da balança. Mesmo quando certo personagem é retratado

como inimigo é necessário a compreensão de suas motivações, isso se dá de

melhor forma, por mérito do roteiro e da construção da personagem. Quais traumas,

quais experiências fizeram com que o personagem pensasse daquela forma e

porque as medidas tomadas lhe pareciam a única solução. Talvez o inimigo sempre

foi visto como ameaça e desta forma, sempre tratado como tal. E aí identificamos

um problema social que é ignorado pela onda da política atual de exclusão, conflito e

punição.

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20 MOST Amazing Preliminary Lines From The Epic Films Which Left A Mark On

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12 jun. 2018.

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9 FILMOGRAFIA

O SÉTIMO SELO. Direção: Ingmar Bergman (Suésia,1957)

O PATRIOTA. Direção: Roland Emmerich (EUA, Alemanha, 2000)

TRÓIA. Direção: Wolfgang Petersen (EUA; Malta, Reino Unido,2004)

FÚRIA DE TITANS. Direção: Desmond Davis ( Reino Unido, USA, 1981)

O PODEROSO CHEFÃO. Direção: Francis Ford Coppola (USA,1972)

TÃO FORTE E TÃO PERTO. Direção: Stephen Daldry (USA,2011)

A INVENÇÂO DE HUGO CABRET. Direção: Martin Scorsese (USA,2011)

PSICOSE. Direção: Alfred Hitchcock ( USA, 1960)

AVE CÉSAR. Direção: Ethan Coen, Joel Coen ( Reino Unido, Japão, USA, 2016)

O GRANDE ROUBO DE TRÊM. Direção: Edwin S. Poter ( USA,1903)

CARTAS DE IWO JIMA. Direção: Clint Eastwood (EUA, 2006)

A CONQUISTA DA HONRA. Direção: Clint Eastwood (EUA, 2006)

PATTON: REBELDE OU HERÓI? Direção: Franklin J. Scaffner (USA, 1970)

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10 ANEXOS

ANEXO A – PROJETO MONOGRAFIA I

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

SHAIANE SILVEIRA DA SILVA

O PAPEL DO CINEMA NA VISÃO DO INIMIGO:

FILMES DA INDÚSTRIA NORTE-AMERICANA QUE CONTRIBUEM PARA A

CONCEPÇÃO DO ESTEREÓTIPO DO INIMIGO NA SOCIEDADE.

CAXIAS DO SUL

2016

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SUMÁRIO

1 SUMÁRIO PROJETO .............................................................................................. 3

2 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5

2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................... 6

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................. 6

3 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 7

4 METODOLOGIA ...................................................................................................... 9

5 PALAVRAS-CHAVE .............................................................................................. 10

5.1 CINEMA NORTE-AMERICANO .......................................................................... 10

5.2 INIMIGO .............................................................................................................. 12

5.3 ESTERIÓTIPO .................................................................................................... 15

6 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 17

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1 SUMÁRIO PROJETO

AGRADECIMENTOS ................................................................................................. X

RESUMO.................................................................................................................... X

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ X

1.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................. X

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................ X

2 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... X

3 METODOLOGIA ..................................................................................................... X

4 A INFLUÊNCIA DO CINEMA NORTE-AMERICANO ............................................. X

5 CONFLITOS TRAVADOS PELOS EUA ................................................................. X

6 CARICATURA POLÍTICA ....................................................................................... X

7 ANÁLISE FILMOGRÁFICA ................................................................................... 44

7.1 FILME 1 ................................................................................................................ X

7.2 FILME 2 ................................................................................................................ X

7.3 FILME 3 ................................................................................................................ X

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... X

7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... X

10 ANEXOS ............................................................................................................... X

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2 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda um assunto interessante para o debate

acadêmico que é o papel do cinema norte-americano na concepção do estereótipo

do inimigo. A oportunidade de vivenciar o currículo de Publicidade e Propaganda

criou uma nova percepção diante das obras e motivou a buscar a história que

intencionou e motivou as origens das artes para interpretar os significados.

Aprendemos sobre vários fatos históricos no cinema, o que fica evidente na

ficção é que o mundo “vem até nós” em forma de histórias (BERGER, 1999). No

entanto, como todo o instrumento, pode ser utilizado com fins ideológicos,

nomeadamente por meio do espetáculo (LEBEL, 1972) e tais eventos são retratados

na ótica dos envolvidos na criação da obra.

Primeira e Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria, Guerra ao Iraque, todas

estas disputas tem em comum a participação dos Estados Unidos. Além do mais,

estar entre as potências mundiais e ser um dos símbolos do capitalismo são fatores

que sustentam algumas rivalidades com o País. O cinema norte-americano é o

cinema de mais impacto no ocidente, sendo assim, seus inimigos políticos são

eleitos para ocuparem o papel dos vilões. Tais representações são feitas através

das atuações e caracterizações estereotipadas das etnias, aqui serão abordadas

dos países China, Rússia, Alemanha, Iraque e da Coreia do Norte, todos esses,

envolvidos em alguma ocasião da história em disputas com os E.U.A. E durante a

trajetória da história do cinema, todos esses países tiverem representantes no papel

de inimigo nos filmes, para reforçar a disputa e combate a eles. Para justificar o

tema do trabalho, serão analisados alguns filmes blockbusters que repetem o padrão

de exteriorização desses grupos étnicos colocados como inimigos.

A construção da personagem é fundamental para a composição de uma

narrativa. Depende do autor criar nos diálogos e nas ações uma personalidade que

será representada na atuação e que possa ser lida pelo espectador. A

caracterização estética através do figurino e maquiagem compõe a construção da

personagem, assim como sotaques, linguagem corporal, etc. Um recurso que se

usado em demasia empobrece as obras, é o uso de estereótipos, ou seja,

generalizações acerca de comportamentos e características. Toda ficção utiliza

desse recurso, afinal para decodificarmos algo utilizamos de códigos que já estão

gravados em nossas mentes, a problemática é quando tal recurso agrega aspectos

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pejorativos a todo um modo de comportamento ou característica. Portanto, sendo o

cinema instrumento de formação cultural do indivíduo é essencial a reflexão do

impacto que causa em nossa concepção de quem deve ser visto como inimigo.

Cabe a discussão se o cinema norte-americano está reproduzindo de forma

imprudente ou não os inimigos baseados em suas ideologias, levando em conta a

complexidade das pessoas. Com o auxílio de obras literárias e outros trabalhos que

envolvem cinema, construção da personagem, inimigo e estereótipo, passaremos a

discorrer do seguinte questionamento: Como o cinema norte-americano, a partir

da construção do personagem, contribui para a concepção do estereótipo do

inimigo na sociedade?

2.1 Objetivo Geral: Refletir qual é o papel do cinema norte-americano na

construção do estereótipo do inimigo e de que forma influência a sociedade.

2.2 Objetivos específicos:

Explorar a influência do cinema norte-americano no ocidente;

Observar questões políticas e ideológicas por trás da construção do

personagem do inimigo;

Observar estereótipos étnicos e estéticos dos vilões no cinema norte-

americano;

Analisar como são retratados os vilões nos filmes propostos e identificar

padrões.

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3 JUSTIFICATIVA

Filha única que passava as tardes em casa com a companhia de filmes

assistidos na televisão e no VHS. Aluna que se encantava em aprender com os

filmes e sempre que surgia oportunidade, realizava vídeos para tornar as

apresentações dos trabalhos mais interessantes na escola. Universitária que

escolheu o curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pois leu na

descrição no mesmo a possibilidade de trabalho no mercado de produção

audiovisual. Essa jornada acadêmica não poderia ter um trabalho de conclusão de

curso com um tema que fugisse do audiovisual.

A conexão com o cinema sempre foi muito forte pela sua capacidade de

ensinar contando histórias através de imagem e som. Uma arte que torna possível

transmitir o que estiver na imaginação com o objetivo de entreter, emocionar, chocar

e ensinar lições diretas ou através de metáforas. O cinema possui narrativa que

possibilita ao espectador educar a sua visão decodificando signos e símbolos, além

de ser uma prática social e forma de conhecer culturas. Tudo com uma linguagem

visual e sonora que comove e gera encantamento.

A inclusão do cinema já era certa na inclusão do trabalho, o desafio foi

delimitar qual assunto abordar dentro das diversas possibilidades que o tema

proporciona. Todas as emoções que o cinema retrata e provoca tem suas

peculiaridades e complexidades. Em uma pesquisa preliminar a que se destacou foi

o medo. E no cinema somos conduzidos a temer o vilão, e percebemos que em

certos há razões ideológicas que justificam a construção desse personagem. A

análise de como a personagem do inimigo é escrita e recebe vida através da

atuação, nos permite identificar as características quistas e os estereótipos usados

para transpor o inimigo na tela.

O cinema que possui maior influência no ocidente é o norte-americano, por

conta de sua popularidade e visibilidade. Aliado a isso, está a cultura patriota dos

E.U.A. que corrobora que os inimigos do cinema sejam os mesmos rivais do País

em questões políticas. Dessa forma, construiu-se um tema na esfera do cinema em

um contexto rico e interessante para a criação do projeto que concluirá o

encerramento da jornada na graduação de Publicidade e Propaganda.

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4 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho é a análise

bibliográfica de livros, artigos e publicações em torno do tema e a análise fílmica

dentro do conceito de Vanoye (1994) que divide em duas etapas. A primeira

decompor ou descrever e a segunda estabelece e compreender as relações entre

esses elementos decompostos e os interpretar, com ênfase da construção do

personagem. A análise fílmica é uma análise qualitativa que será feita de forma

estruturalista-semiótica, preocupando-se com o significado do conteúdo, analisando

o discurso através do som e da imagem destacando fotogramas.

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5 PALAVRAS-CHAVE

5.1 CINEMA NORTE-AMERICANO

Atualmente estendendo tapetes vermelhos as mais célebres personalidades

do planeta para premiar todo o ano as produções mais notórias realizadas pela

conhecida “fábrica de sonhos”, o cinema norte-americano, se utilizasse da

metalinguagem para contar sua jornada até aqui, poderia possuir uma narrativa

fílmica de incontáveis horas de duração. Noi início da década de XX, pós primeira

Guerra Mundial, o cinema nos Estados Unidos já estava consolidado como

entretenimento pelos expectadores e como negócio para os criadores. A maré

econômica era favorável para o estúdios em Los Angeles, que aproveitaram o

momento para adquirir terrenos, instalações, adereços e contratos com competentes

equipes e aclamadas personalidades. Tudo isso, com extrema responsabilidade

corporativa, a produção entrou em uma era de contabilidade de custos,

demonstração de lucros e perdas, orçamentação cautelosa e concorrência

sanguinária (KNIGHT, 1970, p. 97). Hollywood era uma indústria, e essa indústria

era sinônimo de cinema pelo mundo.

Seria injustiça afirmar que apenas os fatores econômicos contribuíram para o

sucesso do cinema norte-americano. Já existia o gosto pela tradição teatral, o que

segundo Nicholas Verdac, no livro Stage to Screen, contribui para criar um “clima de

aceitação” para o que estava por vir. Aliado a isso, existia o frescor de inovações e

o encantamento que alcançava através da qualidade das produções. Em 1930, é

concebida a obra considerada uma das primeiras pérolas do cinema dos Estados

Unidos, o filme The Great Train Robbery (O Grande Roubo de Trem), dirigido por

Edwin S. Porter. A obra foi um divisor de águas no sentido de criar um estilo

decididamente cinematográfico, rompendo com as formas e técnicas teatrais. Porter

abriu caminho a toda a arte do corte, a junção de partes de cenas em diferentes

lugares e momentos, obtendo como resultado a formação de uma única e unificada

narrativa, processo que tornaria o produto americano não só aceitável mas também

fascinante e sedutor (MATTOS, 2006, p. 177).

Mas é outro nome que recebe o título de „Pai da Técnica Cinematográfica”,

D.W. Griffith refinou os conceitos de Porter e trouxe para a tela comoção e

sentimento.

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Grffith tomou nas mãos a matéria bruta do cinema, da forma que havia evoluído até então e, sozinho, transformou-a em meio de expressão mais íntimo do que o teatro, mais vívido que a literatura, mais comovente do que a poesia. Criou a arte, a linguagem e a sintaxe do cinema. Refinou o close-up, o corte, o ângulo de câmera, dominou-os e fê-los servir aos seus fins (KNIGHT,1970, p. 20).

Os ventos invertem a maré econômica e em 1929 os Estados Unidos se

deparam com uma das maiores crises financeiras da história. No entanto, no mesmo

ano surge o cinema falado e a crise financeira decorrente acaba por se tornar uma

época de ouro para o cinema. Os acontecimentos da época se transferem para a

tela na forma de questionamento de valores. Já antes, havia consciência do cinema

na missão de educador da sociedade e certo censo de reponsabilidade por parte

dos fabricantes que pregavam humanitarismo e debates de interesse social

(ROSENFELD, 2002, p. 178). E com ou sem profundidade no discurso, o cinema

serviu ao início dos anos 30 como meio de refúgio a confusão do povo americano.

Os grandes gêneros não eludem nenhuma das questões que os cercam a todos os

que procuram seu lugar em um mundo conturbado (VEILLON, 1993, p. 57).

A década de 50 também foi marcante para a história do cinema, entretanto

como uma ruptura na era de ouro que tinha. O surgimento da televisão causou um

alvoroço social e mudou drasticamente os hábitos do público. Somado a esse fator,

ocorria uma forte crise político, econômica e de confiança, com o início da

Investigação de Inquérito sobre atividades antiamericanas (House Un-American

Activities Committee). Outra intervenção esmagadora foi o decreto de lei que institui

que grandes produtoras não controlasse diretamente o circuito de exploração. Com

a perda de domínio do preço das entradas e do tempo de exibição dos filmes, as

companhias tornaram-se frágeis e independentes (VEILLON, 1993, 86). O ano de

1948 alternou de uma média de 80 milhões de espectadores frequentando o cinema

por semana para 62 milhões. Segundo o magazine norte-americano People Today

em 1953, foram fechados 3500 cine-teatros desde a Segunda Guerra Mundial até o

ano do estudo.

O cinema tenta encontrar na ousadia solução para a crise. Os estúdios

abalados pelo pânico, iniciam uma verdadeira corrida atrás de novas estrelas

dotadas de atrações físicas super sensacionais (Rosenfeld). Essa é a época de

ascensão das figuras do cinema que utilizavam como artifício a sensualidade, como:

Marilyn Monroe, Sally Forrest, Joanne Dru, Rhonda Fleming e Vanessa Brow. No

final dos anos 50, Hollywood foi pioneira no aproveitamento da redução de impostos,

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subsídios e mão de obra barata, deslocando suas produções para outros países.

Essa ação foi responsável pela arrecadação em bilheteria de 1 bilhão e meio de

dólares em 1961, a maior desde 1968. Porém o acontecimento mais importante para

o futuro do cinema americano foi a aquisição da maioria dos estúdios por

companhias com múltiplos setores de atividades, que foram atraídas pela

desvalorização das ações dos estúdios, acervos, filmes e imóveis (MATTOS, 2006,

p. 141).

Nos anos 60 e 70 Hollywood produziu uma quantidade relativamente alta de

filmes ousados e inovadores, esse período é denominado Hollywood Renaissance.

A Hollywood Renaissance foi um produto de contexto social e histórico e da estratégia da indústria para conquistar o público jovem – especificamente a chamada film generation, ou seja, a geração mais educada que cresceu com a televisão, aprendendo a linguagem audiovisual do cinema – que, segundo se pensava, seria receptivo a uma representação áspera e interrogativa de aspectos e cultura e sociedades americanas (MATTOS, 2006, p. 141).

Junto com histórias complexas em roteiros master scenes a história do

cinema norte-americano foi sendo escrita. Com equipamentos cada vez mais

modernos, equipes profissionalizadas, campanhas de marketing de filmes

avassaladoras, o cinema de Hollywood continua a surpreender e encantar o mundo,

sendo referência na sétima arte.

5.2 INIMIGO

O inimigo é aquele ou aquilo que devemos temer e combater antes que faça

alguma perversidade e nos cause mal. Durante a história se observa o julgamento

do inimigo baseado na definição de valores, costumes, ideais em relação a quem

julga.

O homem é um ser incompleto que preenche seu vazio somente quando se defronta com a dualidade amigo-inimigo, pois essa dualidade representa a própria condição humana e sua dimensão política, na medida em que ele é posicionado dentro de uma dessas categorias (MURARO, p.4).

Desde a antiguidade, o inimigo foi antes de tudo, o Outro, o estrangeiro (ECO,

2007, p. 185). E para reforçar a ideia de inimigo há o fenômeno da demonização. Na

literatura, Lovecraft em A Coisa cria um ser que representa nossos temores

inconscientes e na ficção científica é retratado como um ser monstruoso, totalmente

distante do humano. Retratar o inimigo como feio condiz com a visão de Platão na

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República que crê na feiura como falta de harmonia e o contrário da bondade de

espírito. Eco ressalta que no mundo moderno o inimigo religioso ou nacional sempre

foi representado com feições grotescas ou malignas e daí surge a caricatura política

(ECO, 2007, p. 185).

Para Schmitt o poder de decidir sobre amigo-inimigo recai apenas sobre o

Estado, enquanto unidade política (SCHMITT, 2007, p. 26). Ele implica no direito de

exigir aos seus membros a disposição para morrer e sem hesitação eliminar os

inimigos. O fato de haver um inimigo público que seja configurado como um ator

coletivo gera a visão de heroísmo do Estado quando confronta o inimigo.

Os conceitos de amigo, de inimigo e de combate recebem seu significado real porque se referem precisamente a real possibilidade da eliminação física. A guerra segue da inimizade. A guerra é a negação existencial do inimigo. Ela é a consequência mais estremada da inimizade (SCHMITT, 2007, p. 30).

O confronto é algo insuperável da natureza humana, para Schmitt seria algo

pelo qual os indivíduos aplicam o desenvolvimento da sua racionalidade,

administrando os seus conflitos construindo um refúgio de ordem dentro do caos.

Definir o inimigo como monstruoso e merecedor de erradicação definitiva excluindo

do âmbito da humanidade é a ordem para o caos.

Logo, com a guerra sendo consequência da inimizade os adversários nesses

conflitos são fortemente difamados. A propaganda de guerra usada para recrutar

soldados e recursos, além de servir para justificar o confronto, usava de artifícios de

difamação ao oponente. Como Quintero expõe a propaganda era construída para

atingir objetivos tácticos imediatos: receber ativas, mobilizar entusiasmos

espontâneos e desmoralizar o inimigo (Quintero 1999, p.287). Eram usados e

transformados mitos e preconceitos sobre os adversários, também havia a intitulada

Astrocity propaganda, divulgação de atrocidades cometidas pelo inimigo a fim de

deixa-lo no descrédito, o que podia corresponder ou não a realidade (QUINTERO,

1990, p. 211). Umberto Eco relata que durante a Primeira Guerra Mundial, um certo

Berillon escreveu, La Polychésie de la race allemande, onde expõe os adversários

dizendo que um alemão médio produz uma quantidade maior de matéria fecal que

um francês e que o odor era mais desagradável (2007, p.190).

Diferente da teoria de Schmitt onde amigo-inimigo não são termos

considerados como metafóricos ou simbólicos. Beck, citado por Precht possui a

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teoria de que a sociedade contemporânea aplica a lógica do bode expiatório (2009,

p. 16). Onde um indivíduo recebe a culpa por uma crise ou conflito. Quando há

acordo público de quem é esse indivíduo, sua neutralização acaba por ser o objetivo

simbólico para cessar ou superar o confronto ou conflito. Tal neutralização na esfera

política colabora para o status heroico do Estado e o descrédito do inimigo. Como

ocorreu em 2011 a morte de Osama Bin Laden, principal culpado pela opinião

pública pelos atentados terroristas em 11 de setembro. Mesmo conflito que

fortaleceu uma adversidade religiosa, a do cristianismo e islamismo. No ocidente o

islamismo é considerado a doutrina do inimigo, de forma genérica por ligarem a

crença aos atentados.

A frequência cíclica dos conflitos religiosos ou pelos interesses do Estado

contribui para a teoria de que é da natureza do homem o confronto, e portanto, a

relação amigo-inimigo. Desmoralizar e descreditar o outro, que está na condição de

adversário, vigora o status heroico e a posição de certeza que exige justificativa. O

temor natural ao desconhecido trás o risco de inventar ou aumentar as justificativas,

e basear-se em inverdades para tal justificativa do inimigo. Pode ser que a

ignorância, a generalização que acarretam a falta de diálogo sejam os motivos para

a existência do inimigo-público, consequentemente, para o confronto extremado.

5.3 ESTERIÓTIPO

Etimologicamente provém de moldes metálicos com letras (tipos), que

serviam para imprimir várias cópias a partir de uma matriz. Nas ciências sociais

Lippman é o primeiro a utilizar este termo, como imagens, representações ou

fotografias mentais disparadas face à presença de um indivíduo associado a uma

determinada categoria social (LIPPMAN, 1922/2008). De forma pejorativa, o

estereótipo é um verbete visto como uma visão pré-determinada, equivocada e

generalista que reforça pré-conceitos na sociedade. De maneira geral, utilizado para

definir o outro, o estrangeiro. São acontecimentos anteriores que exprimem uma

memória coletiva a qual os sujeitos estão descritos, refletindo materialidades que

intervêm na sua discursão (FERNANDES, 2005, p. 61). Ou seja, códigos já

estabelecidos que criam imagens que admitem mínimas possibilidades de variação.

As imagens são muito evidentes, oferecem-se á superfície do olhar, estão em todos

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os lugares, amplificam-se nos espaços urbanos, interpretam insistentemente a

nossa percepção (SANTAELLA, 2008, p 290).

Pêcheux faz observações sobre memória discursiva e semântica que podem

ser relacionadas como os estereótipos são fundados. Primeiramente a memória

discursiva é aquilo que diante da leitura se estabelecem implícitos que propiciam a

condição legível, ou seja, o entendimento (PÊCHEUX, 1999, p. 52). Esses implícitos

podem ser vistos como características existenciais temporárias ou culturais que

respondem a uma certa força, ao invés de uma verdade ou falsidade. Não é uma

característica excessivamente distintiva, em todo o caso, podemos dizer que o

regulamento de implícitos é descrito como um código padrão.

Os estereótipos são muito usados em forma de imagem, principalmente na

caricatura, por reforçar e aumentar características. Charges, histórias em

quadrinhos, caricaturas e cartuns, elementos da categoria de humor gráfico, podem

ser divididos entre revolucionários e reacionários. Revolucionária sendo obra que

provoca a reflexão a partir das críticas ácidas e reacionário quando é apenas

repetição oriunda de preconceitos e estigmas. Estereótipos culturais, seja a partir da

negação ou da assimilação, foram trabalhados pelos artistas gráficos, portanto

presente nos meios de comunicação sendo um forte mecanismo de propagação de

ideias.

Brigham vê estereótipos como processos psicológicos ativados em um agente

dotado de capacidades cognitivas limitadas, o que, evidentemente, favorece a

formulação de interpretações que tendiam a tratá-los como mecanismos

simplificadores da realidade social (BRIGHAM, 1971). Na linguagem imagética,

principalmente produtos feitos para a massa, estereótipos são inevitáveis.

Exatamente por trazerem significados de forma rápida e localizarem o

expectador/leitor em certa cultura ou tempo. Entretanto o cuidado para ele não

reforçar pré-conceitos e não instigar uma busca posterior mais profunda é um risco

para a ignorância.

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6 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

FRANCIS, Vanoye; GLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio Sobre a Análise Fílmica.

Tradução: Maria Appenzelier. São Paulo: Papirus, 1994 (Coleção Ofício de Arte e

Forma).

LESSA, Renato. Agonia, aposta e ceticismo: ensaios de filosofia política. 1ª ed.

Belo Horizonte: UFMG, 2003.

LUSTOSA, Isabel. Imprensa, humor e caricatura: a questão dos estereótipos

culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,

2001.

PEIXOTO, F. et al. Brecht no brasil: experiências e influencias. 1ª ed. São Paulo:

Paz e Terra, 1987.

REWALD, Rubens. Caos: dramaturgia. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

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ANEXO B – VÍDEO APRESENTAÇÃO

Disponível em: https://vimeo.com/user41954327/review/279738097/718594f757

“Desde a antiguidade, as histórias nos apresentam heróis e inimigos.”

“O cinema surgiu para contar histórias através do movimento.”

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“Os Estados Unidos aprenderam a dominar a arte cinematográfica.”

“Se tornou referência e expôs sua identidade e cultura em suas obras...”

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“...que são assistidas no mundo inteiro.”

“Com o cinema devemos nos permitir questionar, debater....”

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“...e mais do que isso, aprender com a história ali registrada.”

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ANEXO C – CRONOGRAMA