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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL NAIRA ROSANA ALBUQUERQUE RELEVÂNCIA DA MÍDIA ALTERNATIVA NA DEFESA DO JORNALISMO CÍVICO PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO PASQUIM E DA AGÊNCIA PÚBLICA CAXIAS DO SUL 2017

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

NAIRA ROSANA ALBUQUERQUE

RELEVÂNCIA DA MÍDIA ALTERNATIVA NA DEFESA DO JORNALISMO CÍVICO

PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO NO BRASIL: UMA

ANÁLISE DO PASQUIM E DA AGÊNCIA PÚBLICA

CAXIAS DO SUL 2017

NAIRA ROSANA ALBUQUERQUE

RELEVÂNCIA DA MÍDIA ALTERNATIVA NA DEFESA DO JORNALISMO CÍVICO PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO NO BRASIL: UMA

ANÁLISE DO PASQUIM E DA AGÊNCIA PÚBLICA

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Prof.ª Dra. Marlene Branca Sólio.

CAXIAS DO SUL 2017

NAIRA ROSANA ALBUQUERQUE

RELEVÂNCIA DA MÍDIA ALTERNATIVA NA DEFESA DO JORNALISMO CÍVICO PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO NO BRASIL: UMA

ANÁLISE DO PASQUIM E DA AGÊNCIA PÚBLICA

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Aprovado em: _____/_____/_____.

Banca examinadora ___________________________________ Prof.ª Dra. Marlene Branca Sólio Universidade de Caxias do Sul – UCS ___________________________________ Prof.ª Dra. Ramone Mincato Universidade de Caxias do Sul – UCS ___________________________________ Prof.ª Ma. Marliva Vanti Gonçalves Universidade de Caxias do Sul – UCS

Dedico esse trabalho a minha família, coautores da minha história, representação máxima do amor, sem os quais eu nada seria.

AGRADECIMENTOS

São muitos os agradecimentos. Mesmo sendo uma caminhada curta, ela não foi fácil e só foi possível pelos muitos que me sustentaram. Agradeço a minha família, sempre presente. Foi essa matilha que me ensinou a amar, a respeitar e a ser empática. Essas características tornaram esse trabalho possível, e, sobretudo, tornaram esse ser humano possível. Pai, contigo aprendo a ser uma cidadã justa, trabalhadora, correta e digna. Mãe, a minha mãe, contigo aprendo que amor não tem medida, senão não é amor. Aprendo sobre resiliência, sobre resistência, sobre força e sobre ser mulher. Obrigada por ser nossa loba maior. Djhow, contigo aprendo sobre força, sobre proteção e sobre minha escuridão. Obrigada por ser tão parte de mim. Obrigada por sempre voltar e por me trazer de volta sempre que preciso. Nicolau, contigo aprendo sobre leveza. Mano, a mana ainda precisa aprender muito sobre isso, mas a vida é mesmo uma caminhada sem fim. Aprendi também que os filhos crescem rápido demais. Obrigada pelas fraldas. Pedroquinha, contigo aprendo sobre a força do silêncio e que precisamos continuar a busca pelo domínio de nós. Obrigada por, mesmo tão jovem, me ensinar tanto. Jô Lopes, minha irmã, parte de minha alma, contigo aprendo sobre continuidade, sobre amor sereno. Os velhos amigos são nossa prova de existência. Obrigada. Tesouro, contigo aprendo a segurar a mão na tempestade, mesmo que gritando. Aprendo a navegar pela estranheza do outro e seguir junto. Obrigada por todos esses anos de companheiro. Landeloc, minha parte na floresta. ―És parte ainda do que me faz forte‖. Esse trabalho e tantos outros, só foram possíveis porque você sempre esteve aqui. Infinitamente obrigada, meu cúmplice oráculo. Agradeço também minha orientadora Marlene Branca Sólio, que disse que morreria comigo abraçada. Sobrevivemos! Obrigada ao governo do PT, que mesmo com todas as suas ressalvas, possibilitou que uma jovem do interior, filha de um pedreiro e de uma dona de casa, conquistasse seu diploma. Que com minha formação eu possa contribuir, ainda que de forma ínfima, para que cada vez mais os jovens carentes desse país tenham acesso à educação.

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o

sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu

tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo

o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.

Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso

me valerá [...]

I Coríntios 13:1-2

RESUMO

O trabalho Relevância da mídia alternativa na defesa do jornalismo cívico para a consolidação do processo democrático no Brasil: uma análise d‟O Pasquim e da Agência Pública busca respostas à pergunta: “Como o jornalismo cidadão exercido pelas mídias alternativas pode contribuir para a consolidação do processo democrático no Brasil?” Buscou-se analisar, por meio do estudo das palavras-chaves, a importância do jornalismo não hegemônico na construção social e sua relação com a democracia. Para isso, no método optou-se pela dialética, associada ao estudo de caso múltiplo e à análise de conteúdo, essa escolha vai ao encontro as transformações no jornalismo e na sociedade sentidas sobretudo após a sociedade da informação. Através do presente estudo foi possível evidenciar que o jornalismo cívico, a medida que contextualiza e horizontaliza a participação, elucida o leitor, contribuindo à cidadania e à democracia. Palavras-chave: Jornalismo Alternativo. Jornalismo Cidadão. Sociedade da Informação. Democracia.

ABSTRACT

This study Relevance of the alternative media in the defense of civic journalism for the consolidation of the democratic process in Brazil: an analysis of O Pasquim and the Pública Agency seeks answers to the question: "How citizen journalism exercised by the alternative media can contribute to the consolidation of the democratic process in Brazil? "It was sought to analyze, through the study of key words, the importance of non-hegemonic journalism in social construction and its relation to democracy. For this, in the method we opted for the dialectic, associated with the multiple case study and the content analysis, this choice goes to the transformations in the journalism and the society felt mainly after the information society. Through the present study it was possible to show that civic journalism, as it contextualizes and horizontalizes participation, elucidates the reader, contributing to citizenship and democracy.. Palavras-chave: Alternative Journalism. Journalism Citizen. Information Society. Democracy.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..... ........................................................... ..... 18

2.1 O MÉTODO ..... .......................................................................................... ...... 21

2.1.1 As técnicas metodológicas ........................................................................ 29

2.1.1.1 Estudos de Caso Múltiplo .......................................................................... 29

2.1.1.1.1 O Pasquim ............................................................................................... 32

2.1.1.1.2 A Pública ................................................................................................. 37

2.1.1.2 Análise de Conteúdo ................................................................................. 40

3 JORNALISMO NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA ...................................... 48

3.1 O SURGIMENTO DA IMPRENSA NO BRASIL ............................................... 48

3.2 JORNALISMO EMPRESARIAL ....................................................................... 53

3.3 JORNALISMO ALTERNATIVO DOS ANOS 1970 .......................................... 58

4 JORNALISMO CÍVICO E A CONTEMPORANEIDADE .................................... 68

4.1 O DNA DAS NOTÍCIAS ................................................................................... 68

4.2 OS EFEITOS DAS NOTÍCIAS ......................................................................... 73

4.3 JORNALISMO CÍVICO ..................................................................................... 77

5 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E WEBJORNALISMO ................................... 85

5.1 INTERNET E COMUNICAÇÃO EM REDE ...................................................... 85

5.2 WEBJORNALISMO E A WEBNOTÍCIA ............................................................. 88

5.3 DEMOCRATIZAÇÃO NA REDE ...................................................................... 102

6 DEMOCRACIA: UMA NOVA VISÃO DO CONCEITO ....................................... 104

6.1 DEMOCRACIAS .............................................................................................. 104

6.1.1 Estado Liberal e Democracia Representativa ........................................... 106

6.1.2 Socialismo e a Democracia dos Conselhos .............................................. 107

6.1.3 Teoria das Elites e Democracia .................................................................. 108

6.1.4 Democracia na contemporaneidade .......................................................... 109

6.2 A DEMOCRACIA POR VIR ...................................................................... ....... 110

7 ANÁLISE ............................................................................................................. 114

7.1 O PASQUIM ..................................................................................................... 115

7.1.1 Entrevista Leila Diniz .................................................................................. 115

7.1.2 Abaixo ao palavrão ..................................................................................... 117

7.1.3 O Rush da Solidariedade ............................................................................ 119

7.1.4 Entrevista Jânio Quadros ........................................................................... 121

7.2 AGÊNCIA PÚBLICA ........................................................................................ 115

7.2.1 Para justificar assistência militar à ditadura, EUA diziam que tortura era

exceção ................................................................................................................. 126

7.2.2 Dados falsos e omissões marcam Estatuto do Armamento ................... 129

7.2.3 Depois de Belo Monte ................................................................................. 131

7.2.4 Os santos perseguidos ............................................................................... 132

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 134

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 136

12

INTRODUÇÃO

As mudanças tecnológicas das últimas décadas, como a popularização da

internet, a expansão da comunicação em rede e a portabilidade, trouxeram também

grandes transformações sociais, remodelando a arquitetura das relações. A maneira

de viver em sociedade se modificou profundamente. As formas como nos

comunicamos, relacionamos, trocamos informações sofreram significativas

alterações. Esse novo contexto influi diretamente no fazer jornalístico, que muito em

razão da popularização da internet, mas também pelo atual contexto político-

econômico, passa por uma crise de identidade, talvez a maior da sua história.

(BELL, 1974; MATTOS, 2013).

O quarto poder1 não está mais na mão de alguns poucos burgueses2 e

começa, mesmo que a passos muito pequenos, a se disseminar, distribuir e

pertencer à massa, sofrendo um processo de capilarização. Aparentemente, de

forma lenta, um número maior de pessoas começa a ter ciência de seu papel como

agente de mudança social. Assim, a determinação do valor-notícia e a produção da

mesma deixa de ser uma decisão de um pequeno grupo fechado dentro de uma

redação para ser resultado de discussões e embates no local da ação, junto a seus

protagonistas.

Com essa efervescência, os formatos do fazer jornalístico vêm sendo

fortemente questionados e com isso também se questiona o que é jornalismo e a

qual função se propõe. Vive-se um momento de transição, em que o velho fazer não

se sustenta mais, seja financeira, seja ideologicamente. Nesse cenário

aparentemente caótico, as mídias tradicionais são ferozmente atingidas pelos

1 O jargão de quarto poder começou a ser usado para definir a imprensa em meados do século XIX.

Nas sociedades democráticas, a mídia, por seu enorme alcance, seria responsável por fiscalizar os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) denunciando possíveis abusos. Entre as principais atribuições da imprensa estariam às delações de violação dos direitos nos regimes democráticos. Entretanto, o termo é de fato empregado em razão do alto poder de influência e manipulação que os grandes veículos de comunicação inferem na massa, sendo capazes de conduzir a opinião pública. (PALLET, 1986).

2 Referimo-nos, aqui, ao conceito de burguesia apresentado por Marx e Engels , para os quais

burguesia é a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção e exploradores da classe dos trabalhadores assalariados. Nelson Werneck Sodré segue na mesma linha. Para o autor, burguês é o sujeito social dirigente de um processo de desenvolvimento do tipo capitalista, que ocupando as classes dominantes controla ou intenta controlar os interesses do Estado. (SODRÉ, 1999).

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críticos, ruindo por seus problemas de estrutura, alto custo, limitações de enfoque e

ausência de pluralidade na análise de fatos. (CANAVILLAS, 2014; KUCINSKI, 2003).

É inegável que as redes sociais têm facilitado o acesso e a disseminação da

informação, sendo uma das principais responsáveis pela urgência da reformulação

das mídias. Entretanto, o jornalismo cidadão, engajado e ligado ao social não

nasceu como advento da tecnologia.

A história mostra que a imprensa nacional hegemônica teve grande

participação na manutenção do poder por pequenos grupos, contribuindo de forma

indireta para a perpetuação da dominação vigente, responsável por gritantes

injustiças sociais. Com tudo, presente, em maior ou menor escala, nos entremeios

dos regimes de poder, a mídia ―alternativa‖ buscou e busca caminhos de

enfrentamento ao sistema, confrontando-se com todo o tipo de repressão seja ela

física, ideológica ou financeira.

Esse embate causou a perseguição de muitos profissionais, colocou à

margem uma porção de outros, além de promover o fechamento e extinção de

alguns veículos importantes para a formação crítica no País. Durante o regime

militar, por exemplo, o contexto e a sobrevivência desses veículos alternativos eram

tão delicados que dos cerca de 160 jornais nascidos na década de 1970, a metade

não passou de algumas tiragens, fechando ainda no primeiro ano. Vários deles

ficaram apenas nos dois ou três primeiros números. (KUCINSKI, 2003)

Todavia a semente presente na mídia alternativa dos anos 1970 deu frutos e

hoje ressurge sob novos modelos e formatos. É isso que se vê na rede, com a

explosão de grupos jornalísticos coletivos que prometem alavancar a mudança de

paradigma de que o jornalismo necessita. É dessa semente que se nutre esse

trabalho e essa é sua maior justificativa: a busca de entendimento dessa relação

dialética que permeia o jornalismo como um todo, sobretudo o fazer jornalístico

engajado e preocupado com o social, que percebe o jornalista enquanto agente.

Para Martins da Silva (2009), jornalismo é uma atividade de forte vínculo

social, com vocação para o interesse público e que cumpre inevitavelmente um

papel emancipatório. Entretanto, é preciso levar em consideração os paradoxos que

existem e sempre existiram nessa ferramenta de cidadania, pois o jornalismo serve o

meio e é servido por esse, em um processo contínuo de retroalimentação. A primeira

constatação feita por Silva (2010, p. 07), é que ―o jornalismo se trata de uma

atividade mercantil-burguesa a serviço da dominação; a segunda, de que se trata do

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próprio exercício de um dos mais sagrados valores cívicos, a liberdade de

expressão‖. Aqui, liberdade de expressão associada ao dever cívico e

responsabilidade com a transmissão dos fatos e não a atual liberdade de imprensa

exercida pelos meios de comunicação neoliberais que fazem uma seleção e

interpretação dos acontecimentos segundo seus próprios interesses.

O presente estudo acredita que o verdadeiro jornalismo vai muito além do

domínio das ferramentas e formatos, extravasa o meio e veículo e espraia em sua

íntima ligação com a democracia, encontrando terreno fértil de estudo no potencial

de transformação e/ou consolidação dos valores sociais. Partindo desse princípio, se

deduz que o jornalismo não acontece sozinho, é parte do social e está permeado de

atravessamentos. Nesse sentido, Christofoletti (2010), defende que a comunicação e

política têm raízes comuns, trajetórias paralelas e problemáticas particulares.

Em análises empíricas de seu entorno, a acadêmica percebeu que fazer

jornalístico ético, comprometido e plural desenvolve a sociedade, forma o cidadão e

retorna à comunicação como uma crítica mais consciente e fomentadora do

melhoramento contínuo.

Na América Latina, a observação atenta dos meios de comunicação tem se desenvolvido em consonância com a evolução dos processos políticos dos países. Isto é, à medida que as democracias foram se sedimentando no subcontinente, à medida que a estabilidade política foi se naturalizando, a análise da mídia ganhou corpo e se difundiu. (CHRISTOFOLETTI, 2010, p. 01).

Preocupado com essa função civilizatória e educadora do jornalismo, este

trabalho se propõe a refletir sobre o impacto da produção de conteúdo na sociedade

de informação, sobretudo em como o material produzido por profissionais da

comunicação influencia, de forma negativa ou positiva, o desenvolvimento de um

pensamento crítico e atuante do cidadão.

Para dar cabo a essas inquietações foi desenvolvida a presente pesquisa,

que tem por objetivo geral analisar a importância do jornalismo cívico e alternativo

no Brasil e sua contribuição na consolidação do processo democrático nacional.

Acredita-se que para chegarmos a tal realização é preciso aprofundar o estudo de

alguns conceitos como jornalismo alternativo e sua evolução histórica; sociedade da

informação e seus efeitos no modo de consumo da notícia; o modelo industrial de

jornalismo e tensionamento com o jornalismo cívico; a relação entre

desenvolvimento democrático e imprensa crítica como processos que se auto-retro-

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alimentam, fortalecendo o exercício da cidadania e os estágios de uma democracia,

além de verificar como o processo dialético permeia esses processos.

Para o alcance desses objetivos foi necessário reduzir o campo de análise a

fim de tornar possível a realização do projeto. Optou-se por aprofundar o estudo da

―relação existente entre o desenvolvimento do jornalismo cívico executado pelas

mídias alternativas e o processo democrático no Brasil‖.

Inicialmente quatro hipóteses foram levantas. A sociedade da informação

alterou o modo de consumo da notícia. Nesse contexto, o modelo industrial de

jornalismo não se sustenta e o jornalismo cívico desponta como alternativa. Além de

alternativa, o jornalismo cidadão se configura como um meio de enfrentamento e

resistência, fortalecendo uma democracia mais participativa. Quando o jornalismo

contextualiza e oferece condições de análise e reflexão elucida-se o leitor

contribuindo para a consolidação da cidadania. Assim, o desenvolvimento

democrático do País e imprensa crítica são processos que se auto-retro-alimentam.

Para responder a essas hipóteses dois objetos de estudo foram

cuidadosamente selecionados. O primeiro, o maior representante da mídia

alternativa no período do regime militar: O Pasquim. Foi fundado em 1969, por

profissionais de renome insatisfeitos com os rumos político e social do País e o

comportamento da imprensa nacional hegemônica. O veículo alcançou uma tiragem

de 225 mil exemplares, se configurando como um dos maiores representantes do

jornalismo alternativo, a semente do jornalismo cívico.

Mesmo após seu fechamento, sua importância ressoa até os dias atuais e

corrobora o movimento dialético, servindo de inspiração para os que pretendem

seguir na mesma estrada. Caso esse, o do segundo objeto a ser visitado: o portal

digital Pública, Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo. Um coletivo de

profissionais liberais que produzem de forma colaborativa pautas engajadas e de

interesse social, que representam o novo ar para à mídia nacional. A exemplo deste

canal, esses novos formatos vem se consolidando como espaços de consulta,

informação e formação do social, indo além da notícia, oferecendo contexto e

substâncias de análise aos seus leitores, contribuindo diretamente para a

solidificação da democracia no País.

Para estruturar o estudo, a pesquisa foi dividida em cinco capítulos teóricos.

Num primeiro momento, são apresentadas ao leitor as escolhas metodológicas. Em

uma abordagem qualitativa, são abordadas as quatro leis da dialética

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fundamentadas em Paviani (2009), com amparo em Maroni e Lakatos (2011) e

Hauser (2012). Para dar sustentação ao método, duas técnicas foram escolhidas.

Na análise de casos múltiplos são apresentados os objetos segundo as orientações

de Yin (2005) e Lago e Benetti (2008), que também contribuíram teoricamente para

a análise de conteúdo, que contou ainda com os fundamentos de Bardin (2004) e

Grinberg (1987).

Após evidenciar os meios científicos por onde avançou o estudo, no capítulo

―Jornalismo no Brasil: uma breve história‖ apresenta um pequeno apanhado sobre

jornalismo. Começando pelo surgimento da imprensa no Brasil, com aporte de Sodré

(1999); Melo (2003), o capítulo aponta as diferenças do jornalismo empresarial –

modelo americano que se populariza no Brasil a partir da década de 1950 – e o

jornalismo alternativo dos anos de 1970, com Ribeiro (2003); Sodré e Ferrari (1986);

Sousa (2002); Pereira Filho (2004) e Kucinski (2003).

Após essas considerações o capítulo quatro, intitulado ―Jornalismo Cívico e

a contemporaneidade‖ é discutido o que é notícia, como é definido o valor-notícia e

os processos para a confecção do produto noticioso – Sousa (1999; 2002) e

Traquina (2005) – seja na mídia hegemônica e seja no jornalismo alternativo, que

agora aprofundado com os ensinamentos de Rothberg, Christofoletti, Silva passa a

ser tratado como jornalismo cívico.

Ao comparar o jornalismo dos anos 1970 e o da atualidade é preciso

compreender o contexto social, político e econômico específico que envolveu cada

período. Dessa forma, no capítulo cinco, ―Sociedade da Informação‖, com o auxilio

de Castells (2003) discutimos as principais características da sociedade da

informação, aprofundando as características da rede e conceito de webjornalismo ,

segundo nos orientam Canavillas (2014), Sallaverría (2014), Pavlik (2014) e outros.

Não se pode falar em cidadania sem falar de democracia. Por esse motivo,

no capítulo seis, ―Uma nova visão de democracia‖, o que segue é um levantamento

teórico das principais formas de democracia, segundo Bobbio (1986; 1998).

Baseados em Genro Filho (1987), Medistch (1997) buscamos problematizar as

ideologias que permeiam os ambientes democráticos.

Apresentado o aporte teórico necessário para a delimitação dos objetos e

dos contextos que os cercam partimos para análise e a partir dela a validação das

hipóteses que se configuram no último momento da presente pesquisa.

17

É urgente a reflexão sobre tais temas porque ao falar de jornalismo também

se fala de sociedade, também se constrói cidadania. Na atualidade, não cabe pensar

o jornalista como um ―fazedor de matérias‖. É preciso compreender o potencial de

agente social e fomentador de mudanças que traz a profissão, evidenciando que

cabe ao bom profissional a missão de trazer aos seus leitores o maior número

possível de versões, facetas e perspectivas de análise a fim de auxiliá-lo na

construção de seu pensamento crítico, atribuição essa que a mídia clássica parece

ignorar. Dessa forma, entendemos que esse trabalho pode ser relevante e

contributivo.

Percebe-se que em meio a essa crise de identidade que vive o jornalismo

nascem novas ferramentas, em sintonia com a rede, uma nova lógica, repleta de

cargas ideológicas, apesar do esforço da mídia tradicional no sentido de sepultar

esse conceito. As mídias digitais surgem nesse contexto como uma opção de

pluralidade de fontes e versões, horizontalidade e dinamismo e, sobretudo, como

alternativa dialética para o jornalismo, remontando o cenário nacional da mídia

alternativa.

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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo tem entre seus anseios contribuir, ainda que de forma

modesta, para a análise e compreensão do papel do jornalismo cívico na imprensa

brasileira. Por meio desse estudo bibliográfico e análise de dois veículos de

comunicação, desejamos que ele possa servir como material de registro e de

consulta para outros estudantes esperançosos que se aventuram nesse mar

inconstante e por vezes nebuloso que tem sido o jornalismo no Brasil.

Para dar conta de tal propósito é necessário que este trabalho atenda aos

requisitos mínimos de cientificidade, obedecendo aos pressupostos da pesquisa

acadêmica e sendo submetido a uma rigorosa metodologia. Sendo assim, é preciso

entender num primeiro momento o que é ciência e de quais preocupações ela se

cerca, para que a discussão dos objetos avance rumo à cientificidade, deixando para

trás o campo somente das convicções.

O conceito de ciência é uma discussão em aberto. Marconi e Lakatos (2011)

fazem um apanhado de autores na tentativa de melhor definir as atribuições e limites

de um trabalho científico. O conceito mais abrangente é apresentado por Ander-Egg

(apud MARCONI, LAKATOS), que defende a ciência como um conjunto de

conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente,

sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma

natureza.

Da soma e análises desses conceitos surge o embasamento que, por hora,

melhor atende os objetivos aqui propostos:

Desses conceitos emana a característica de apresentar-se a ciência como um pensamento racional, objetivo, lógico e confiável, ter como particularidade o ser sistemático, exato e falível, ou seja, não final e definitivo, pois deve ser verificável, isto é, submetido à experimentação para a comprovação de seus enunciados e hipóteses, procurando-se as relações causais; destaca-se, também, a importância da metodologia que, em última análise, determinará a própria possibilidade de experimentação. (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 23).

Atendendo aos pressupostos teóricos de cientificidade, nos voltamos à

pesquisa em si. A partir de uma problemática encontrada no mundo vivencial - no

presente caso, entender como o jornalismo cívico exercido pelas mídias alternativas

pode contribuir para a consolidação do processo democrático no Brasil - aplicam-se

métodos e técnicas a fim de aferir a viabilidade das hipóteses propostas.

19

Nesse sentido, pesquisa é um procedimento formal, com método de

pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico e se constitui no caminho

para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. (MARCONI;

LAKATOS, 2011, p.139).

Para Minayo (1993, p. 23), ―a pesquisa é uma atividade de aproximação

sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular

entre teoria e dados‖.

Paviani (2009), em consonância com Karl Popper, defende que o problema

científico surge da descoberta de que nosso conhecimento não é suficiente para

descrever e explicar certas situações. Os problemas práticos do mundo cotidiano

passariam, então, por teorizações, experimentações, instrumentalizações para

chegarem à produção de novos conhecimentos. ―Nesse sentido, problema, teoria e

método são três elementos articulados do processo de produção científica. Por isso,

uma das primeiras providências da pesquisa consiste em caracterizar e formular o

problema científico.‖ (PAVIANI, 2009, p. 27).

Neste trabalho o problema de pesquisa estabelecido é: Como o jornalismo

cívico exercido pelas mídias alternativas pode contribuir para a consolidação do

processo democrático no Brasil? Na tentativa de respondê-lo importa compreender a

trama social que envolve o jornalismo brasileiro e, na busca de estabelecer um

caminho para ―verdades parciais‖, como defendido por Marconi e Lakatos, o

presente trabalho se volta ao paradigma qualitativo.

Para Denzin e Lincoln (apud CHIZZOTTI, 2014), a palavra qualitativa implica

na ênfase em processos e significados que não podem ser examinados, nem

medidos, onde as condições contextuais são de extrema importância, mas não são

conhecidas ou controladas. Stake (2006) complementa que na investigação

qualitativa, procura-se compreender as complexas inter-relações na vida real, sendo

essencial que a capacidade interpretativa do investigador não perca contato com o

desenvolvimento do acontecimento.

Segundo Espstein (2009, p. 26) ―os procedimentos qualitativos são

indispensáveis na maior parte das ciências naturais. Em ciências sociais, os

procedimentos quantitativos, às vezes, são menos valorizados por seu caráter

reducionista‖. Entende-se aqui, por pesquisa quantitativa a abordagem de

Richardson (2007, p. 70), que defende a quantificação como uma metodologia que

tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas utiliza-

20

se de técnicas estatísticas, ―desde as mais simples como percentual, média, desvio-

padrão, às mais complexas como coeficiente de correlação, análise de regressão‖. A

metodologia qualitativa difere da quantitativa justamente por não empregar com a

mesma finalidade instrumentos estatísticos, além de apresentar maneira distinta na

forma e coleta de dados.

A metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento, etc. (MARCONI, LAKATOS, 2011, p. 269).

Enquanto no método quantitativo, os pesquisadores valem-se de amostras

amplas e de informações numéricas; no qualitativo as amostras são reduzidas, os

dados são analisados em seu conteúdo psicossocial. A metodologia qualitativa ―é

rica em dados descritivos, tem plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma

complexa e contextualizada‖ (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18). Isso justifica o corpus

delimitado em nossa pesquisa: duas grandes reportagens (Entrevista Leila Diniz e

Entrevista Jânio Quadros) e uma publicação (Abaixo ao palavrão) e uma matéria (O

Rush da Solidariedade) publicadas no semanário O Pasquim e, quatro grandes

reportagens (Estatuto do Armamento, Para justificar assistência militar à ditadura,

EUA diziam que tortura era exceção, Depois de Belo Monte e Os santos

perseguidos), publicadas na Agência de Jornalismo Pública.

Richardson (2007, p. 90) afirma que a pesquisa qualitativa ―pode ser

caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e

características situacionais‖. O método qualitativo considera o entorno. O contexto

no qual o objeto está inserido é preponderante para o desenvolvimento da pesquisa.

A pesquisa qualitativa trabalha

[...] com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO apud MARCONI, LAKATOS,

2011, p. 269).

O jornalismo é uma ciência social, que serve ao meio e é servido por ele,

dessa maneira, o contexto no qual está inserido é preponderante para o

entendimento de seu desenvolvimento, uma vez que condiciona sua atuação.

Certamente, O Pasquim não seria o mesmo veículo se não tivesse existido em um

contexto de ditadura, com forte repreensão política e um conservadorismo limitante.

É possível, inclusive, inferir, que sua linguagem é resultado das necessidades que

21

seu contexto lhe impôs. O mesmo é identificado na Pública, que tem sua lógica de

existência voltada ao social, abordando e aprofundando temáticas que

costumeiramente são ignoradas ou tratadas com pouco cuidado pela mídia

hegemônica. Em um tempo de tantas notícias falsas3 circulando na rede, a Pública

persegue um jornalismo engajado, investigativo e contextualizador, servindo não só

como ferramenta de informação, mas também como exercício da cidadania; sendo

assim, a sociedade na qual está inserida determina sua atuação.

2.1 O MÉTODO

Partindo da ótica qualitativa, em uma perspectiva mais interpretativa,

buscamos métodos científicos que auxiliassem a compreensão da dinâmica que

orienta o jornalismo hoje, fornecendo meios para uma correta delimitação e

categorização do tema. Entendendo aqui, jornalismo sobre seu viés social, como um

produtor de conhecimento e reprodutor de ideologias, condicionado por diversos

fatores e interesses, porém de existência imprescindível à manutenção das

sociedades democráticas.

A busca por caracterizar a complexidade social da qual o jornalismo faz

parte e a constante preocupação de não fornecer dados reducionistas, ou ainda, de

propor verdades fixas em um contexto fluídico, guiou constantemente as escolhas

metodológicas.

3 Fake news (notícias falsas) é um neologismo para se referir a notícias fabricadas que não tem

vinculação com fatos reais. São notícias aparentemente verdadeiras, que em algum grau poderiam ser verdade ou que remontam fatos ou acontecimentos reais para tornarem-se confiáveis. Segundo o historiador Robert Darnton, as fake News sempre existiram e são relatadas pelo menos desde a Idade Antiga, no séc. VI. Entretanto o primeiro pico da produção de notícias falsas, semifalsas aconteceu em Londres do século XVIII, quando os jornais aumentaram sua circulação. (Disponível em: http://www.nybooks.com/daily/2017/02/13/the-true-history-of-fake-news/ Acessado em: 05 nov. 2017). Claire Wardle do First Draft News, site de checagem da Harvard, criou uma lista com sete tipos mais comuns de notícias falsas: - Sátira ou paródia: sem intenção de causar mal, mas tem potencial de enganar; - Falsa conexão: quando manchetes, imagens ou legendas dão falsas dicas do que é o conteúdo realmente; - Conteúdo enganoso: uso enganoso de uma informação para usá-la contra um assunto ou uma pessoa; - Falso contexto: quando um conteúdo genuíno é compartilhado com um contexto falso; - Conteúdo impostor: quando fontes (pessoas, organizações, entidades) têm seus nomes usados, mas com afirmações que não são suas; - Conteúdo manipulado: quando uma informação ou ideia verdadeira é manipulada para enganar o público; - Conteúdo fabricado: feito do zero, 100% falso e construído com intuito de desinformar o público e causar algum mal. (Disponível em: https://firstdraftnews.com/ Acessado em: 05 nov. 2017).

22

De acordo com Paviani (2009), método é o caminho escolhido para o

estudo, a guia científica que o pesquisador irá adotar para melhor cercar o objeto.

No sentido estrito, designa o modo básico de conhecer (como analisar, descrever,

sistematizar, explicar, interpretar, etc.) e, no sentido geral, indica um conjunto de

regras, de instrumentos, de técnicas e procedimentos. Entretanto, o autor traz uma

consideração importante:

[...] de nenhum modo, o método se reduz a um simples instrumento. [...] O verdadeiro método consiste na articulação de um conjunto de elementos que caracterizam determinado processo de conhecer, efetivado numa determinada linguagem e numa concepção de realidade. O método de pesquisa não pode ser adquirido como se fosse uma receita. Ele é construído em cada caso, em cada projeto de pesquisa. (PAVIANI, 2009, p. 62).

Partilhando da posição de Paviani, a presente pesquisa utilizou a dialética

como matriz metodológica e a pesquisa bibliográfica como auxiliar, estabelecendo

as bases em que vai avançar o estudo. Por meio da perspectiva dialética, buscamos

fazer uma profunda reflexão teórica sobre a trajetória do jornalismo alternativo no

Brasil, estabelecendo pontos de ligação entre o fazer jornalístico e o processo

democrático no País.

A pesquisa bibliográfica, método auxiliar, caracteriza-se, também, como

instrumento de análise histórica, uma vez que o estudo desse panorama se torna

determinante no entendimento da trajetória desses veículos. Não é possível analisar

O Pasquim sem antes uma compreensão de como se articulava o estado de

recessão em uma das ditaduras mais duras de que se tem notícia. Seu formato, sua

linguagem, seu apogeu e declínio, enfim, toda a história do semanário sempre

esteve intimamente ligados ao Golpe Militar de 1964. Mesmo em um tempo político

e tecnológico diverso, onde a dinâmica da comunicação se dá diferente da lógica

presente nos anos 1970, a Pública, assim como O Pasquim, se caracteriza como

uma forma de enfrentamento ao que está posto.

[...] o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a organização de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de suas próprias ideias e opiniões. Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico. (STUMPF, 2009, p. 51).

23

A pesquisa bibliográfica serve no presente trabalho como forma de

evidenciar que, mesmo se tratando de objetos que em primeiro momento não

possuem similaridades, compartilham o mesmo propósito: inferir no social a favor do

processo democrático. Cada veículo, a seu tempo, tem características de vanguarda

ao abordar temáticas e formatos relegados pela mídia hegemônica.

A partir das contribuições históricas trazidas ao tema, a pesquisa valeu-se

da dialética para a compreensão dos imbricamentos e complexidades que envolvem

o jornalismo cívico brasileiro.

Por meio da observação histórica, sob o olhar dialético, contempla-se uma

sociedade em constante processo de afirmação e negação e, como produto disso,

em transformação permanente. Os próprios objetos de estudo evidenciam isso,

surgem em contextos políticos delicados com anseios ideológicos de embate e

resistência aos modelos dominantes. O jornalismo, enquanto expressão humana a

serviço do social é sujeito e predicado dessa ação transformadora da sociedade.

Para Paviani (2009), dialética4 é, ao mesmo tempo, uma filosofia e um

método, a diferença estaria no campo de atuação: enquanto a filosofia se acerca da

totalidade, a ciência regionaliza o real e pressupõe um conteúdo empírico.

A dialética, em linhas gerais, vê a realidade como um jogo de contrários, de opostos e, igualmente, sempre considerada a totalidade, através de medições. Os contrários são mediados, isto é, conservados e superados numa nova dimensão. [...] A dialética, finalmente, opõe-se à ordem quantitativa estabelecida como norma. Nesse aspecto, ela se aproxima do método sistêmico da auto-organização. (PAVIANI, 2009, p. 78-80).

Para compreensão do método, é preciso considerar as leis fundamentais

que dele emanam: a) ação recíproca, unidade polar, ―tudo se relaciona‖; b) mudança

dialética, negação da negação ou ―tudo se transforma‖; c) passagem da quantidade

4 [...] o princípio fundador da dialética – que nasce com Heráclito de Éfeso, na Grécia Antiga – é o

reconhecimento de que tudo está em constante processo de mutação. [...] De Heráclito a Hegel, passando por Platão, Sócrates e Aristóteles, a dialética sofreu inúmeras transformações. Nenhuma, contudo, tão radical quanto a proposta de Karl Marx. Enquanto um referencial explicativo do mundo/da realidade, adquiriu grandiosidade com o idealismo de Hegel, relacionando-se à construção de uma nova filosofia do ser. Mais tarde, foi incorporada pelo marxismo, o que faz com que até hoje seja fortemente vinculada ao ideal de construção de um projeto político específico e revolucionário: o socialismo. [...] A passagem da dialética hegeliana à dialética marxista se dá por meio de uma inversão proposta por Marx: de uma filosofia idealista ela se transforma e se alia ao materialismo histórico, integrando-se a um modo de compreender a realidade, o ser e o conhecimento em suas inúmeras contradições. [...] Marx defendendo que a história movimenta-se com base na contradição ou, mais especificamente, na luta de classes – nesse sentido até a realidade é contraditória – se opõe ao absoluto ideal de Hegel. (HAUSER, 2012, p. 30-31).

24

à qualidade ou mudança qualitativa e d) interpretação dos contrários, contradição ou

luta dos contrários.

Na dialética, o mundo é visto em sua complexidade, de forma dinâmica,

sempre em processo de transformação. Nada é estático e tudo está em constante

instabilidade. Engels (1990, p.189), a defende como a ―grande ideia fundamental‖,

onde ―não se pode conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas‖, mas

como um conjunto de processos. Segundo ele, as ideias passam por constantes

mudanças de devir e decadência, em que um desenvolvimento progressivo acaba

por construir a realidade do hoje. Portanto, a primeira lei da dialética trata da análise

dos objetos em movimento e nunca como pontos fixos, onde um processo é sempre

o começo do outro e há uma ação de interdependência5 e infinitude do real.

Seguindo a lógica de Engels, O Pasquim e a Pública fazem parte de um mesmo

processo de contínuo melhoramento do jornalismo. E as fases de cada um dos

veículos: surgimento, desenvolvimento, apogeu (e queda, no caso d‘O Pasquim)

seriam partes naturais do movimento dialético.

Para a dialética nenhum fenômeno pode ser compreendido se encarado

isoladamente. ―[...] Tanto a natureza quanto a sociedade são compostas de objetos

e fenômenos organicamente ligados entre si e dependendo uns dos outros e, ao

mesmo tempo, condicionando-se reciprocamente.‖ (MARCONI; LAKATOS, 2011,

p.83-84). Todas as coisas pertencem a uma mesma totalidade, entendendo-se, aqui,

totalidade do ser ou do mundo de forma diferente do conceito de totalidade dos

fenômenos da ciência. Nesse sentido, os objetos escolhidos no estudo estão

5 Para exemplificar de forma clara a lei da ação recíproca, cita-se aqui o exemplo trazido Marconi e

Lakatos em conformidade com o estudado por Politzer (s.d.: 38-39): ―Determinada mola de metal não pode ser considerada à parte do universo que a rodeia. Foi produzida pelo homem (sociedade) com metal extraído da terra (natureza). Mesmo em repouso, a mola não se apresenta independente do ambiente: atuam sobre ela a gravidade, o calor, a oxidação, etc., condições que podem modificá-la, tanto em sua posição quanto em sua natureza (ferrugem). Se um pedaço de chumbo for suspenso na mola, exercerá sobre ela determinada força, distendendo-a até seu ponto de resistência: o peso age sobre a mola, que também age sobre o peso; mola e peso formam um todo, em que há interação e conexão recíproca. A mola é formada por moléculas ligadas entre si por uma força de atração, de tal forma que, além de certo peso, não podendo distender-se mais, a mola se quebra, o que significa o rompimento da ligação entre determinadas moléculas. Portanto, a mola não distendida, a distendida e a rompida apresentam, de cada vez, um tipo diferente de ligação entre as moléculas. Por sua vez, se a mola for aquecida haverá uma modificação de outro tipo entre as moléculas (dilatação). Diremos que em sua natureza e em suas deformações diversas, a mola se constitui por interação dos milhões de moléculas de que se compõe. Mas a própria interação está condicionada às relações existentes entre a mola (no seu conjunto) e o meio ambiente: a mola e o meio que a rodeiam formam um todo; a entre eles ação recíproca. (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 83-84)

25

imersos em uma complexa teia social, sendo parte integrante de um contexto

complexo formado também por outros agentes, sejam esses individuais ou coletivos.

A busca de compreensão da ascensão e do declínio d‘O Pasquim como um

movimento dialético, por exemplo, permite o entendimento dos movimentos do

jornalismo brasileiro como um todo, que passa na atualidade por uma de suas

maiores crises de identidade. Entretanto, a instabilidade não ronda apenas o fazer

jornalístico, vive-se, hoje, no Brasil uma forte recessão econômica, associada a uma

crise ainda maior de representatividade/legitimidade. (CASTELLS, 2013, s.p.).

Momento esse semelhante ao período pré-ditadura, quando o desequilíbrio

econômico, somado ao enfraquecimento da figura do presidente João Goulart, o

Jango – em muito incentivado pela grande mídia – favoreceram a implantação da

ditadura militar. O golpe de 1964 contou com certa conivência da população, que

informada pelos grandes veículos sequer percebeu o perigo que se instaurava na

República.

Na atualidade a Pública, que ao se alimentar das possibilidades da rede,

lança sobre o jornalismo tradicional uma nova esperança em tempos melhores,

repete a postura d‘O Pasquim na década de 1970.

Como tudo é movimento, a mudança inevitável se constitui como a segunda

lei da dialética.

Se todas as coisas e ideias movem-se, transformam-se, desenvolvem-se, significa que constituem processos, e toda a extinção das coisas é relativa, limitada, mas seu movimento, transformação ou desenvolvimento é absoluto. [...] Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa [...] A negação de uma coisa é o ponto de transformação das coisas em seu contrário. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso se diz que a mudança dialética é a negação da negação. (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 85).

O movimento da negação se converte em algo positivo tanto do ponto de

vista lógico, quanto do ponto de vista prático6. Ao se negar uma afirmação, produz-

6 Para melhor explicar a lei da mudança dialética recorremos a Henri Lefebvre, o primeiro autor a

traduzir, na França, as obras de Marx, Hegel, Engels, Nietszche e Lênin. Segundo ele, na lógica formal o mundo é dividido em posições binárias, ―sim ou não‖, ―verdadeiro ou falso‖ estando, esses, em campos antagônicos. Desse modo, no sistema lógico o entendimento chega a forma sem conteúdo, ―uma árvore é só uma árvore‖ e uma ―não árvore‖ não faz parte da definição do que seria uma árvore. Já para a lógica dialética, também referida por ele como lógica concreta, o ―sim e não‖ são admitidos dentro de um mesmo sistema: ―o real, o conteúdo, apresenta inumeráveis e imprevisíveis matrizes, mudanças e transições, de modo que só raramente ele se deixa encerrar em um dilema.‖ Outra consideração importante de Lefebvre trata sobre a abstração, que na dialética é vista como uma etapa do conhecimento, um dos meios para compreender e modificar o concreto dentro do movimento contínuo. Se num primeiro momento o abstrato nega o concreto e dele se

26

se uma antítese, entretanto como se trata de um processo contínuo, no próximo

passo se nega a própria negação, voltando-se de alguma forma à afirmação. O

modo de pensar dialético implica em um esforço constante da consciência em se

abrir para o novo, o inédito e as contradições que permeiam o campo visual e mental

do sujeito.

Tal lei é facilmente encontrada na trajetória da maioria dos veículos

alternativos. Os idealizadores d‘O Pasquim, insatisfeitos com as práticas

empresariais presentes nas redações em que trabalhavam e movidos pela

necessidade do novo, criam seu próprio jornal. Nesses espaços, negam os antigos

modelos, tratem esses de formatos ou de dinâmicas de atuação. Conforme veremos

mais adiante, um dos motivos que contribuiu para a extinção d‘O Pasquim foi sua

autogestão que não visava o lucro. Como uma resposta aos conglomerados de onde

vinham os fundadores do semanário, a equipe não mantinha rotinas administrativas

e suas escolhas comumente não levavam em consideração a saúde financeira do

negócio, uma vez que O Pasquim nunca foi visto como negócio por seus jornalistas.

Cabe refletir que uma dupla negação na dialética não significa o retorno à

afirmação primitiva, mas sim à construção de uma nova tese, resultando na síntese,

que, ao mesmo tempo, suprime e contém a construção inicial. Dessa forma o jogo

dialético se dá pelos constantes embates entre tese e antítese para o surgimento de

novas sínteses em um processo infinito7, pois para a dialética não há nada definitivo,

absoluto e imutável.

As mudanças inerentes ao processo podem ser contínuas, lentas, ou

descontinuadas e acarretam um aumento da qualidade8. Engels (In: POLITZER,

afasta, no momento seguinte torna a encontra-lo em um nível superior. (LEFEBVRE, 1991, p. 93/117).

7 Para exemplificar de forma clara a lei da mudança dialética, citamos aqui o exemplo trazido Marconi

e Lakatos (2011, p. 85) [...] toma-se um grão de milho. Pra que ele seja o ponto de partida de um processo de desenvolvimento, é posto na terra. Com isso o grão de trigo desaparece, sendo substituído pela espiga (primeira negação – o grão de trigo desapareceu, transformando-se em planta). A seguir, a planta cresce, produz, por sua vez, grãos de trigo e morre (segunda negação – a planta desaparece depois de produzir, não somente o grão, que a originou, mas também outros grãos que podem, inclusive ter qualidades novas, em pequeno grau; mas pequenas modificações, pela sua acumulação, segundo a teoria de Darwin, podem originar novas espécies). Portanto, a dupla negação, quando restabelece o ponto de partida primitivo, ela o faz a um nível mais elevado, que pode ser quantitativa ou qualitativamente diferente (os ambas).

8 Na mudança dialética, as fases se sucedem sob o domínio de forças internas (uma maçã cai ao

chão, vira árvore, que dá flor, que virá maçã e assim continuamente), esse processo denomina-se autodinamismo. Se o dinamismo natural sofre uma intervenção externa, não será uma mudança

27

1979, p. 255) afirma que, ―em certos graus de mudança quantitativa, produz-se,

subitamente, uma conversão qualitativa‖. Desse salto de transformação ao

qualitativo9 trata a quarta lei da dialética.

A Pública exemplifica a evolução da negação dialética. Como n‘O Pasquim,

sobrepõe o fazer jornalístico à expectativa de lucro, entretanto a viabilidade

financeira do portal é foco de atenção dos envolvidos. Como n‘O Pasquim, a gestão

também é descentralizada, as decisões são tomadas de forma horizontal, negando a

hierarquia imposta na maioria dos veículos tradicionais; mas, ao contrário d‘O

Pasquim, a Pública busca financiamentos, sejam eles incentivos governamentais ou

patrocínios de empresas e órgãos com linhas ideológicas similares.

A última lei da dialética discorre sobre a interpenetração dos contrários,

pressupondo que todos os objetos e fenômenos da natureza possuem internamente

suas contradições, contendo suas polaridades negativas e positivas. A luta desses

opostos internos possibilitaria o processo de desenvolvimento10.

dialética, mas sim mecânica (o homem corta a árvore, acrescenta grafite e a transforma em lápis, interferindo no processo da macieira).

9 A mudança qualitativa não é obra do acaso, mas decorrência da mudança quantitativa, a exemplo

da água, que sempre entrará em ebulição em determinadas condições de calor e pressão atmosférica. [...] partindo, por exemplo, de 20º, se começarmos a elevar sua temperatura, teremos, sucessivamente, 21º, 22º, 23º, ... 98º. Durante este tempo, a mudança é contínua. Mas se elevarmos ainda mais a temperatura, alcançamos, 99º, mas, ao chegar a 100º, ocorre uma mudança brusca qualitativa. A água transforma-se em vapor. Agindo ao contrário, esfriando a água, obteríamos, 19º, 18º ... 1º. Chegando a 0º, nova mudança brusca, a água se transforma em gelo. Assim, entre 1º e 99º, temos mudanças quantitativas, acima e abaixo desse limite, a mudança é qualitativa. Assim, a mudança de qualidade não é uma ilusão, mas um fato objetivo, que pode, inclusive, ser previsível, pois obedece a lei natural. Diferentemente das mudanças quantitativas, as qualitativas costumam ser súbitas, aparentes e radicais, pois são a soma de mudanças quantitativas insensíveis e graduais. Vale ressaltar que nem todas as mudanças se dão dessa forma brusca, algumas passagens são graduais, É o caso da transformação de uma língua que sofre pequenas alterações qualificativas ao longo do tempo, ou mesmo do jornalismo que foi aperfeiçoando suas técnicas de disseminação da notícia com o passar dos anos, se usando de outras ciências, como a linguística e a psicologia para conhecer melhores formas de transmitir a mensagem. (MARCONI; LAKATOS, 2011).

10

Para expressar a sua concepção de superação dialética, Hegel usou a palavra alemã aufheben, um verbo que significa suspender. Mas esse suspender tem três sentidos diferentes. O primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar [...]. O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegê-la [...] E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa para um plano superior, suspender o nível. Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo. Para ele a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior. (KONDER, 2003, P.26) Em outras palavras, o que Hegel defende é que a relação entre tese e antítese, que produz a síntese, não é uma relação de anulação ou negação completa, mas de suprassunsão. O termo suprassensão foi utilizada primeiramente por Paulo Meneses para traduzir a expressão alemã Aufheben, utilizada por Hegel em ―A Fenomenologia do Espírito‖. Sua tradução é tida como referência e segundo explicação de Moraes (2005) é a forma mais adequada de expressar o significado da expressão alemã, pois contém em si supra, que quer

28

Segundo Marconi e Lakatos (2011), estudando a contradição como princípio

para o desenvolvimento é possível destacar três pontos: a contradição interna, ou

seja, a realidade é movimento e não há movimento que não seja consequência de

uma luta de contrários internos a contradição inovadora, ou seja, para que haja

transformação, deve haver uma luta entre esses contrários (entre o velho e o novo)

e o último ponto, a unidade dos contrários, ou seja, os opostos coexistem um no

outro, se completando e formando uma unidade indissolúvel (toda negação contém

sua negação). Tanto O Pasquim quanto a Pública deixam perceber embates

contínuos e divergências internas no que trata do rumo dos veículos. Essas

diferenças internas tornam possível o avanço dos ideais.

Chaparro (2001, p.15) defende que jornalismo se nutre do conflito e é feito

por ele, e seria de sua ceara dar conta dessas contradições seja pela notícia e/ou

pelo comentário. O Pasquim exemplifica essas contradições, seja em sua atuação,

seja em sua gestão. Formada basicamente por intelectuais com ideias e ideologias

próprias, o veículo, foi muitas vezes palco de discussões, que ora dificultavam o

processo de administração do negócio, ora ordenavam um novo caminho. (BRAGA,

1991).

Como é possível perceber, as leis dialéticas orientaram a presente pesquisa

desde a coleta e seleção de dados até a sua interpretação, de forma a analisar em

profundidade os objetos e a relação entre imprensa e sociedade.

A dialética nos ensina que os fenômenos trazem em si contradições e que

neles coabitam o negativo e o positivo. É dessa condição e do movimento contínuo

que surgem novos formatos para o fazer jornalístico, como acreditamos, ser o

exemplo d‘O Pasquim e d‘A Pública. Mídias alternativas que, a seu tempo,

ofereceram justamente o que a anterior negava, configurando-se a negação da

negação.

O Pasquim e a Pública surgem como antítese para o jornalismo hegemônico

que já não atende mais, ou ao menos, não de forma satisfatória, necessidades

sociais e informativas. Esses veículos se caracterizariam como uma resposta

dialética do meio, que nega a mídia hegemônica, mas se apropria dela, ou de partes

dizer elevar, ir além ou ultrapassar; assumir, que significa conservar ou manter para si e sumir, que indica negação ou desaparecimento. (HAUSER, 2012, p. 41)

29

dela – alguns formatos, valores notícias, agendamentos – para a construção de si,

num processo contínuo de construção e negação.

Esses meios alternativos ganham força, alimentam o sistema social e são

alimentados por ele, em uma ação recíproca, fomentando o processo democrático,

que se transforma em novo processo. Essa síntese inicial – resultante do salto

qualitativo produzido pelos embates das contrariedades da imprensa – dá vida a um

novo movimento, um novo processo democrático, mais participativo, inclusivo, crítico

e consciente. Esse novo movimento anima a uma nova tese, que traz uma nova

antítese, que produzirá uma nova síntese e assim, subsequentemente em um

processo infindável.

Nesse processo de constante retroalimentação, não podemos esquecer o

contexto atual da rede. O jornalismo hoje se encontra no ciberespaço e isso sem

dúvida tem tornado o movimento dialético mais dinâmico. Para Hauser,

As transformações em termos técnicos têm sido cada vez mais rápidas e radicais, incidindo na cultura e o modo de vida das pessoas. Transformando – e esse é o ponto de interesse – a relação do jornalismo com o seu público. [...] a internet se coloca como um meio com possibilidades contra-hegemônicas e de revitalização do espaço democrático, a sua relação com o jornalismo tem demonstrado que essa pulverização de vozes e informações (nem sempre verificadas) pode ser útil para pensarmos o lugar do jornalismo e dos jornalistas. (HAUSER, 2012, p. 29).

Com a possibilidade de emancipação dos veículos, das fontes e dos leitores,

cria-se um espaço de troca orgânica onde o cidadão, supostamente, possui mais

voz, seja por meio de seus comentários, seja como ator e produtor da notícia,

acelerando o processo de transformação de que o jornalismo tanto necessita.

2.1.1 As técnicas metodológicas

Para balizar a dialética enquanto método, duas técnicas metodológicas

foram escolhidas: estudo de caso múltiplo e análise de conteúdo. Cada técnica, a

sua maneira, contribuiu para o desvelamento dessa conjuntura complexa e cheia de

atravessamentos que é a imprensa nacional, evidenciando momentos de

negação/afirmação da dialética do jornalismo nacional.

Antes de iniciar a análise em si, é preciso conhecer o objeto de pesquisa,

para o que, o estudo de caso adequou-se. Para Yin (2005, p. 32) o pesquisador

―investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,

30

especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão

claramente definidos‖.

2.1.1.1 Estudo de Caso Múltiplos

Uma das vantagens na opção pelo estudo de caso é sua aplicabilidade a

situações humanas, em seus contextos complexos e contemporâneos, associado a

um carácter interpretativo constante, além da possibilidade de se fazer

generalizações, sendo utilizado para a compreensão de fenômenos sociais.

O pesquisador deve estrategicamente optar pelo estudo de caso quando

perceber que o objeto é atravessado por acontecimentos onde não se podem

manipular comportamentos relevantes e sobre o qual ele tem pouco ou nenhum

controle. Nessa técnica, questões do tipo ―como‖ e ―por que‖ devem ser o foco

norteador do estudo.

Segundo Latorre (2003), a investigação no estudo de caso guia-se por

sucessivas etapas de recolha, análise e interpretação da informação dos

métodos qualitativos, com a particularidade de que o propósito da investigação é o

estudo intensivo de um ou poucos casos.

É com base nessas possibilidades interpretativas, por exemplo, que a

presente pesquisa traçou elos entre objetos que, em uma primeira análise, são

diferentes entre si, sobretudo em suas linguagens e formatos de atuação. A técnica

aqui escolhida nos possibilitou associar eixos temáticos e promover agrupamentos

de sentidos com base no contexto, como por exemplo, o uso do asterisco para

identificar a censura d‘O Pasquim e/ou o jornalismo fortemente embasado em dados

da Pública como forma de engajamento.

A natureza do objeto e dos objetivos da pesquisa irá determinar o tipo de

investigação aplicada. Como o objetivo geral do presente trabalho se preocupa em

estabelecer relações entre o jornalismo alternativo dos anos 70; o jornalismo cívico

exercido por algumas mídias colaborativas da contemporaneidade e suas

contribuições para o processo democrático brasileiro, o estudo de caso, confere ao

método a possibilidade de contextualizar O Pasquim e a Pública em sua

complexidade, tanto no contexto histórico, quanto nas nuances subjetivas que

envolvem seu surgimento e desenvolvimento.

31

O estudo de caso abriga, também, possibilidades de quantificação. Stake

(2006) refere que a distinção de métodos qualitativos e quantitativos é uma questão

de ênfase, já que a realidade é uma mistura de ambos, sendo que a escolha

depende mais da natureza do objeto, do que das preferências do pesquisador. Por

esse motivo, números como alcance de público, e alguns dados relativos à

vendagem não serão excluídos no presente trabalho, acreditamos que tais

informações são de relevância para o correto desenho da realidade e do contexto

dos veículos estudados.

Merriam enumera quatro características essenciais da técnica, a saber:

Particularismo: estudo se centra em uma situação, acontecimento, programa ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de análise prática de problemas da vida real; Descrição: o resultado final consiste na descrição detalhada de um assunto submetido à indagação; Explicação: o estudo de caso ajuda a compreender aquilo que se submete à análise, formando parte de seus objetivos a obtenção de novas interpretações e perspectivas, assim como o descobrimento de novos significados e visões antes despercebidas; Indução: a maioria dos estudos de caso utiliza o raciocínio indutivo, segundo o qual os princípios e generalizações emergem a partir da análise dos dados particulares. Em muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses formuladas, o estudo de caso pretende descobrir novas relações entre elementos. (MERRIAM apud DUARTE, 2009, p. 217. Grifo nosso).

A lógica em estudos de casos múltiplos é igual, cada objeto deve ser

cuidadosamente selecionado de forma a prever resultados semelhantes (replicação);

ou produzir resultados contrastantes em razões previsíveis (uma replicação teórica).

Todos os objetos devem receber tratamento semelhante, com igual aplicabilidade, a

fim de validar os resultados. Para isso é necessário que uma rica estrutura teórica

sirva como base para análise.

Como regra, não se trabalha com generalizações universais nas ciências sociais; menos ainda quando se utiliza a análise de conteúdo-método centrado em codificações e definições operacionais individuais, porém replicáveis, que buscam desvendar as pistas de textos, símbolos, sons e imagens. (LAGO; BENETTI, 2008, p. 128).

Ao se tratar do estudo de caso, a replicação também segue um método

específico, que se diferencia de outras técnicas pela sua natureza e objetivo.

Essa lógica de replicação, se aplicada a experimentos ou a estudos caso, deve ser diferenciada da lógica de amostragem comumente utilizada em levantamentos de dados. A lógica de amostragem exige o cômputo operacional do universo ou do grupo inteiro de respondentes em potencial e, por conseguinte, o procedimento estatístico para se selecionar o subconjunto específico de respondentes que vão participar do levantamento. Qualquer aplicação dessa lógica de amostragem aos estudos de caso estaria mal direcionada. Primeiro, os estudos de caso, em geral, não devem ser utilizados para avaliar a incidência dos fenômenos. Segundo, um estudo de caso teria que tratar tanto do fenômeno de

32

interesse quanto de seu contexto, produzindo um grande número de variáveis potencialmente relevantes. (LAGO; BENETTI, 2008, p. 70-71).

Para o presente trabalho, optamos por um estudo de caso múltiplo

exploratório incorporado. Para dar cabo dos objetivos propostos foram utilizadas

fontes documentais como arquivos históricos, referências bibliográficas, material

audiovisual com entrevistas, etc. Segundo Yin (2005) os estudos múltiplos

possibilitam contestar e contrastar as respostas obtidas de forma parcial com cada

caso que se analisa. Já os explanatórios direcionam o estudo para a busca de

informações que possibilitem o estabelecimento de relações de causa-efeito, ou

seja, estabelecem razões que melhor explicam o fenômeno e todas as suas relações

causais. Já os estudos incorporados, ao agregarem várias unidades de análise,

possibilitam o cruzamento de resultados a fim de aferir e balizar as interpretações da

análise. A relevância do caso e a sua generalidade não são provenientes da

estatística, mas sim da lógica: as características do estudo de caso propagam-se a

outros casos pela força de uma lógica explicativa.

O estudo de caso inicia-se pela fase preparatória (exploratória ou piloto), um

momento de pré-análise que reuniu o maior número possível de informações, fontes

e referências sobre o objeto estudado, a fim de corretamente direcionar a aplicação

da técnica em consonância com os objetivos pretendidos.

A fase seguinte foi o trabalho de campo, coleta sistemática dos dados

sempre amparados pelo pergunta norteadora. Feita a coleta partiu-se para a

organização dos registros. A seleção e categorização foram dirigidas pelos objetivos

propostos e possíveis hipóteses.

Antes de darmos sequência ao estudo, se faz necessária uma breve

apresentação de cada um dos objetos (casos).

2.1.1.1.1 O Pasquim

O projeto que daria luz ao Pasquim teve início no fim de 1968, mais

precisamente no mês de setembro, após a morte de Sérgio Porto, conhecido como

Stanislaw Ponte Preta, e responsável pelo Carapuça, tabloide semanal de humor

com grande destaque nacional. Na época, Tarso de Castro fazia sucesso com sua

coluna na Última Hora e foi convidado por Murilo Pereira Reism, da Distribuidora

Imprensa, que editava o Carapuça, para dar continuidade ao trabalho de Stanislaw.

33

Tarso acabou convidando os amigos Sérgio Cabral, Jaguar, e juntos decidiram que

o melhor seria criar um novo veículo. Claudius e Carlos Prósperi foram escalados

para fazer o projeto gráfico.

Segundo Braga (1991), a escolha do nome foi motivo de muitas reuniões

nos bares de Ipanema, nenhum dos idealizadores conseguia chegar a um conceito

que definisse a proposta de independência e irreverência que almejavam. O título

seria dado por Jaguar e seria registrado no nome pessoal do mesmo:

"Que tal Pasquim?", propus. ―Vão nos chamar de pasquim (jornal difamador, folheto injurioso), terão que inventar outros nomes para nos xingar''. A sugestão não suscitou muito entusiasmo, mas como ningúem agüentava mais tanta reunião, acabou sendo aprovada. (JAGUAR, 2006, p. 07).

A primeira edição seria impressa em 26 de junho de 1969, a partir da

primeira redação do semanário, uma sala no prédio da Distribuidora Imprensa. A

equipe, mesmo formada por grandes nomes, era modesta: Tarso de Castro; Sérgio

Cabral; Jaguar; Claudius e Carlos Prósperi, a secretária Nelma Quadros (que era

carinhosamente chamada pelo grupo de ―musa inspiradora d‘O Pasquim‖), e um

boy, Haroldo Zager (que mais tarde se tornaria diretor de arte). ―Três mesas, outras

tantas máquinas de escrever, telefone, a prancheta do Prósperi, um bom estoque de

uísque e estávamos prontos para o que desse e viesse‖. (JAGUAR, 2006, p. 07).

Como o nome e quase tudo o que seria produzido pelo grupo, a escolha do

formato, também, foi uma afronta:

Por que tablóide? Fizemos uma pesquisa entre colegas de jornal e a maioria opinou que o leitor brasileiro não gosta do formato. "Então vai ter que ser tablóide", decidimos. Aliás, ninguém levava fé, achavam que seria mais um jornalzinho de bairro. O lançamento foi no dia 26 de junho de 1969. Cinco meses depois, demos uma festa para comemorar os cem mil exemplares. (JAGUAR, 2006, p. 08).

De acordo com Braga (1991), por irreverência ou não, a forma gráfica d‘O

Pasquim era uma de suas características mais marcantes.

Embora com uma presença importante de texto escrito (contrariamente ao Cartum JS, por exemplo, que era quase só desenho),é bem um jornal de desenhistas e grafistas. A página é construída de um modo visual, tomada como um objeto composto, equilibradamente, de texto, ilustrações, eventuais fotografias. Os artigos são apresentados como um todo, de forma a serem não somente lidos mas vistos. A página é trabalhada graficamente de modo a ser mais que um suporte para uma leitura linear. E os artigos são sempre acompanhados de ilustrações; ou então a página comporta, além de texto, um ou mais cartuns. As entrevistas (são as matérias mais longas) vêm acompanhadas de fotos do entrevistado. [...] Matérias regulares; as entrevistas, as Dicas, as frases de capa. As entrevistas apresentam artistas e outros personagens em evidência. [...] As Dicas são outra invenção do Pasquim. Começaram como uma seção feita por Olga Savary, de dicas

sobre restaurantes e shows. (BRAGA, 1991, p. 27-30).

34

A primeira entrevista lançaria, sem pretensão para tal, um novo formato do

gênero. Jaguar conta que transcreveu do gravador a entrevista de Ibrahim Sued,

porque Tarso e Cabral haviam sumido.

[...] só apareceram na hora de o jornal rodar. Deram uma lida e disseram: "Tem que fazer o copidesque". Eram jornalistas tarimbados, eu só sabia desenhar cartuns. "Copidesque? Que diabo é isso?" Pacientemente, explicaram que era adequar o texto à linguagem jornalística. Mas felizmente não deu tempo, o jornal rodou com a entrevista do jeito que estava. E foi assim que, repito, por acaso, o Pasquim tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro. (JAGUAR, 2006, p. 08).

O descrédito no sucesso do grupo era tão grande, que nem mesmo os

amigos achavam que O Pasquim passaria de alguns números. O primeiro número

traz uma carta de Millôr ao grupo:

―Independente é? Vocês me matam de rir‖. Faz o levantamento das pressões que sofreu em seu livre-pensar no pré e no pós-64. Termina a carta assim: ―Se essa revista for mesmo independente não dura três meses. Se durar três meses não é independente. Longa vida a essa revista!‖ Com um PS profético: ―Não se esqueça daquilo que eu te disse: ―nós, os humoristas, temos bastante importância para ser presos e nenhuma para ser soltos.‖ (BRAGA, 1991, p. 25).

O fato é que O Pasquim já começou estourado. A tiragem inicial de 14 mil

exemplares esgotou na primeira semana e foi preciso duplicar o número. Ao elenco

principal, somaram-se diversos colaboradores, como Henfil, Paulo Francis, Ivan

Lessa, Carlos Leonam e Sérgio Augusto. Além de muitos que faziam participações

especiais, como por exemplo, Ruy Castro e Fausto Wolff.

Assim, sem muito planejamento foi se dando o sucesso d‘O Pasquim. Seus

fundadores em momento nenhum imaginaram a importância nacional que tomaria o

semanário.

Em seus primeiros números, tratou um pouco sobre tudo, basicamente amenidades, sempre travestido de muito humor e critica aos costumes sociais. Entre as temáticas recorrentes estava o futebol; a música (sobretudo samba e chorinho), o cinema, o teatro, etc. ―Do sucesso de Glauber Rocha no Festival da Cannes, do direito de as mulheres tomarem cafezinho no balcão sem ser molestadas (uma das bandeiras de Marta Alencar, a primeira diva da redação). [...] Cabia tudo no Pasquim. Até artigos sérios‖. (SERGIO AUGUSTO, 2006, p. 10-11).

Mesmo iniciado como uma brincadeira, sua existência foi se

complexificando, tanto pela irreverencia de seus gestores, quanto pelas

necessidades político-sociais que lhes eram impostas. Para melhor entender esse

quadro e a relevância d‘O Pasquim, no contexto nacional, nesse estudo, vamos nos

35

servir da divisão utilizada por Braga (1991) que segmenta O Pasquim em seis

períodos.

A primeira fase, chamada por Braga de ―Período Dionisíaco‖ compreende do

nascimento em junho de 1969 (número 01), até a prisão da equipe de produção, no

fim de 1970 (número 80).

Iniciando para durar pouco, sem pesquisa de mercado anterior ao lançamento, o tablóide surpreendeu público e criadores. Estorou. A euforia do sucesso, a criação "a mesa do bar", o charme ipanemense em que a insouciance se mistura com a fossa provocada pela repressão pós-68. Desprezo dos administradores pela administração dos lucros, tudo isso justifica a expressão adotada, definindo o período como dionisíaco. O fim desse período é marcado por uma mudança na direção da emprensa: Tarso de Castro deixa o jornal, Sérgio Cabral passa a ser diretor. Ao mesmo tempo, o Pasquim se rende à evidência dos sérios problemas econômicos e financeiros da empresa. (BRAGA, 1991, p. 16).

A publicidade nunca esteve entre os objetivos pretendidos pelos

idealizadores d‘O Pasquim, sob a justificativa de se manterem livres e assim foi

mesmo em tempos de alta publicitária. De início, as pouquíssimas publicidades eram

bancadas por amigos. No número 2, por exemplo, contava com apenas 4 anúncios,

cerca de 3% da superfície do jornal. No número 5, apenas um anúncio de um quarto

de página para um restaurante e assim vai. Até que a tendência muda a partir do

número 20 que conta com 24% da superfície em publicidade, dezessete

anunciantes, alguns em página inteira.

No Número 11 o jornal publicou o resultado de uma pesquisa feita pelas Shell sobre o Pasquim. Os leitores, que se encontram sobretudo na faixa entre os 18 e os 30 anos (70%), são assíduos, leem regularmente todos os números. E são distribuídos regularmente em todas as camadas sociais, uma parcela substancial delas com bom poder aquisitivo. (BRAGA, 1991, p. 28).

Esses foram os dias mais prósperos d‘O Pasquim. A censura atuava de

forma mais branda. Nessa época publicou uma das entrevistas mais polêmicas da

imprensa nacional. No número 22, a atriz Leila Diniz fala de forma aberta sobre

sexualidade, contando com clareza pontos marcantes de sua vida, tudo com muitos

palavrões. Como já era tradição n‘O Pasquim, não foi copidescada.

A segunda fase corresponde à censura prévia explícita, chamada por Braga

de ―Longa Travessia‖. Este período começa em torno do número 80 e dura até o

número 300, o primeiro a rodar sem censura prévia.

Não por coincidência, é apreendido [número 80]. O diretor, que nesse momento é Millôr Fernandes, se afasta. O nome [faz referência] não somente à travessia do silêncio imposto pela censura prévia, mas também à da lenta recuperação econômica, em constrate com o rítmo eufórico do primeiro período. (BRAGA, 1991, p. 16).

36

É nesse período, em novembro de 1970, que maior parte da redação foi

presa, por conta de uma satiriza com o quadro de Dom Pedro às margens do

Ipiranga. Os militares esperavam que O Pasquim fosse fechado e os leitores

perdessem o interesse no jornal, mas Millôr Fernandes, que escapará da prisão, o

manteve, auxiliado por Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete

Lara, Glauber Rocha e diversos outros.

Mesmo com o fim da censura prévia, existia permanentemente no Brasil, o

medo de falar. Nesse contexto, Braga localiza o terceiro perído d‘O Pasquim:

―Esforço Liberal‖, que vai do número 300 ao 490, de março de 1975 a novembro de

1978. ―Concedida a palavra, até certo ponto livre, mas constantemente ameaçada,

trata-se de lutar pela realização efetiva dessa liberdade democrática‖. (BRAGA,

1991, p. 16).

A Nova etapa é determinada por acontecimentos do final do período anterior.

Com a queda do AI-5, em dezembro de 1978, os horizontes começam a se abrir e a

imprensa em geral começa a tratar questões ligadas a anistia. A imprensa

alternativa se vê obrigada a radicalizar e exercer a verdadeira liberdade. O nome

que Braga dá a esse período, que vai do número 491 ao 559 – novembro de 1978 a

março de 1980 – é ―jornal dos retornados‖.

É o período em que o exercício da liberdade de expressão se faz de maneira mais nítida: O Pasquim passa a palavra aos exilados que agora retornam ao País, aos que saíram das prisões, aos que tiveram seus mandatos cassados. Essa etapa termina também por uma apreensão do número 559. (BRAGA, 1991, p. 17, grifo do autor).

A fase seguinte traz muitas mudanças. Tratar da anistia e do retorno dos

exilados tinha gasto seu potencial informativo, mas segundo Braga, O Pasquim se

concentrara nesse tema e às apreensões se juntam outras dificuldades como:

inflação; custo e cota de papel para imprensa; atentados a bomba; queda de vendas

e de publicidade.

O tablóide nao tem mais a vitalidade de seus começos. Em suas matérias e no renome, o Pasquim ocupa o lugar especial na imprensa brasileira, mas, como empresa, vai mal. Chamamos e esse período, que vai do 559 ao 650, de março de 1980 a dezembro de 1981, de "baixo pique". Nessa época, a editora de livros Codecri, que o jornal havia criado em dias melhores, ajudou economicamente a garantior a continuidade do Pasquim. (BRAGA, 1991, p. 17, grifo do autor).

O período que se segue é chamado de ―tentativas‖ e é marcado pelos

esforços diversificados para dar nova vitalidade ao jornal. Tentou-se de todas as

37

formas, evitar pela segunda vez o naufrágio, entretanto o momento político e cultural

do País é outro. Essa fase que compreende do número 651 ao número 704 – que

traz a entrevista de despedida de Ziraldo e durou de dezembro de 1981 a dezembro

de 1982 –, pode também ser nomeada por Braga segundo a ―cumulação ‗jornalão,

futebol e eleições‘‖.

A partir de janeiro de 1983, o Pasquim continua, com modificações na equipe dirigente e no seu ângulo político, para se adaptar às novas condições do país e sobretudo do Rio de Janeiro. O regime militar, então ainda instalado institucionalmente na área federal, se desagrega por sua incapacidade de enfrentar os problemas econômicos que criou. É obrigado a conviver politicamente com governos estaduais de oposição. Em meio ao desapreço de quase todos, consegue entretando sobreviver até o início de 85. Assim como sobreviver ao regime que foi o principal alvo de sua sátira, o Pasquim vai se mantendo na nova república. (BRAGA, 1991, p. 17, grifo do autor).

O fato é que independentemente do momento, O Pasquim foi crucial para a

imprensa brasileira, não somente por sua atuação política, que aconteceu mesmo

sem o interesse de seus fundadores, mas pela renovação do jornalismo brasileiro.

Suas entrevistas marcaram época, seja pelo formato, pela escolha dos entrevistados

ou pela total liberdade com que temas, até então evitados pela imprensa

hegemônica, eram tratados. As capas eram outro espetáculo à parte. Alguns

exemplos são citados por Braga (1991):

1 - Aos amigos, tudo; aos inimigos, justiça. 10 - Somos contra tudo o que a gente pode ser contra. 12 - Se vocês acham que o Pasquim está ótimo, saibam que ainda estamos dando o pior de nós mesmos. 45 - O Pasquim - um jornal de oposição ao governo grego. 56 - Se alguém pensa que o Pasquim se atemoriza com ameaças e pressões, pode tomar nota de uma coisa: é verdade. (BRAGA, 1991, p. 31-32, grifo do autor).

Segundo Braga (1991, p. 32), O Pasquim renovou a escrita jornalística, a

fala, o desenho e o humor brasileiros, opinião compartilhada também por seus

fundadores. A revolução promovida nesse período irá marcar de tal maneira o

jornalismo nacional que é impossível, na atualidade, pensar em mídia não

hegemônica sem mencionar a importância d‘O Pasquim.

2.1.1.1.2 A Pública

A Pública surge em um contexto totalmente diferente d‘O Pasquim, mas

também como uma alternativa à mídia hegemônica que cada vez mais defende

38

interesses restritos e nega uma informação contextualizada e a serviço da

sociedade.

Fundado em 2011, pelas jornalistas Marina Amaral, Natalia Viana e Tatiana

Merlin, o portal Pública, Agência de reportagem e jornalismo investigativo surgiu

como um coletivo de profissionais que perseguem um jornalismo fomentador da

cidadania. O veículo se define da seguinte forma:

[...] aposta num modelo de jornalismo sem fins lucrativos para manter a independência. Nossa missão é produzir reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público, sobre as grandes questões do país do ponto de vista da população – visando ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e à promoção dos direitos humanos. (PÚBLICA..., 2017).

Os conteúdos são produzidos de forma descentralizada, priorizando a

liberdade de informação e acessibilidade da agência. Todas as reportagens são

livremente reproduzidas por uma rede de mais de 60 veículos, sob a licença creative

commons11. Entre os republicadores estão os maiores portais de notícias do Brasil,

além de parcerias com centros independentes de jornalismo da América Latina, dos

Estados Unidos e Europa e tradicionais expoentes das novas mídias.

Todas as nossas reportagens são feitas com base na rigorosa apuração dos fatos e têm como princípio a defesa intransigente dos direitos humanos. Nossos principais eixos investigativos são: os impactos dos megaeventos esportivos; tortura e violência dos agentes do Estado; mega investimentos na Amazônia; crise urbana; empresas e violações de direitos humanos. (PÚBLICA..., 2017).

Com uma redação em São Paulo e um centro cultural no Rio de Janeiro,

conta com 16 profissionais ligados a ela diretamente, entre diretores, repórteres,

correspondentes e editores. Sua atuação costuma ser financiada por recursos de

fundações (Fundação Ford; Instituto Betty e Jacob Lafer; Aliança pelo Clima e Uso

da Terra, Oak Foundation), ações de crowdfunding e outras doações de leitores.

11

De acordo com o site Infowester, a Creative Commons é: uma entidade sem fins lucrativos criada para promover mais flexibilidade na utilização de obras protegidas por direitos autorais. A ideia é possibilitar que um autor ou detentor de direitos possa permitir o uso mais amplo de suas obras por terceiros, sem que estes o façam infringindo as leis de proteção à propriedade intelectual. (INFOWESTER..., 2017). Para os criadores:As licenças e instrumentos de direito de autor e de direitos conexos da Creative Commons forjam um equilíbrio no seio do ambiente tradicional "todos os direitos reservados" criado pelas legislações de direito de autor e de direitos conexos. Os nossos instrumentos fornecem a todos, desde criadores individuais até grandes empresas, uma forma padronizada de atribuir autorizações de direito de autor e de direitos conexos aos seus trabalhos criativos. Em conjunto, estes instrumentos e os seus utilizadores formam um corpo vasto e em crescimento de bens comuns digitais, um repositório de conteúdos que podem ser copiados, distribuídos, editados, remixados e utilizados para criar outros trabalhos, sempre dentro dos limites da legislação de direito de autor e de direitos conexos. (CREATIVECOMMONS..., 2017).

39

A Agência defende reportagens de fôlego e bem apuradas, que chegam a

tomar meses de trabalho. Esse comprometimento é refletido na escolha de suas

editorias: Direitos Humanos; WikiLeaks; Transparência; Violência Policial;

Internacional; Olimpíada; Amazônia; Empresas; Ditadura; Jornalismo e Meio

Ambiente. Além de uma guia dedicada a matérias especiais, com séries de

reportagens exclusivas, a Pública dedica-se à investigação e checagem de fatos

(fact-checking) por meio do projeto Truco, que integra a International Fact-Checking

Network (IFCN), rede organizada pelo Instituto Poynter que reúne os principais sites

de fact-checking do mundo:

Verificamos falas de políticos e personalidades e informações em circulação na rede para saber se são verdadeiras, sem contexto, contraditórias, discutíveis, exageradas, distorcidas, impossíveis de provar ou falsas. Nosso objetivo é aprimorar o discurso público e a democracia, tornando as autoridades mais responsáveis por suas declarações. Na sua quarta fase, iniciada em fevereiro de 2017, o Truco ampliou o seu radar e passou a verificar afirmações de quaisquer personalidades públicas ou divulgadas na internet, sempre que for encontrada uma frase relevante e que paute o debate na sociedade. (PÚBLICA..., 2017, grifo do autor).

Conforme vê-se mais adiante, o colaborativismo é uma característica

marcante desses novos veículos. Fazer junto é mais importante que o furo de

reportagem. Um dos projetos desenvolvidos pela Pública nesse sentido é o Mapa do

Jornalismo Independente (https://apublica.org/mapa-do-jornalismo/), um infográfico

interativo que reúne os principais portais alternativos de notícia do Brasil. São 79

iniciativas em 12 estados e no Distrito Federal.

Segundo a Pública, a iniciativa, que iniciou em novembro de 2015 e

encerrou sua primeira fase em fevereiro de 2016, atende a um objeto antigo do

grupo.

Era algo que não havia sido feito até então e que se encaixa na nossa missão de fomentar o jornalismo independente no Brasil. O Mapa é uma ferramenta que pode ajudar a entender melhor esse cenário [alternativo] e funcionar como um catálogo para as pessoas interessadas em acompanhar novos meios de comunicação. (PÚBLICA..., 2017).

Para cada portal é oferecido um pequeno resumo sobre o trabalho

desenvolvido e o enfoque costumeiramente abordado, além dos links para acesso e

a pontuação que os leitores deram para esse canal. A página abriga, também, uma

guia onde o leitor pode fazer sua própria seleção de veículos alternativos.

A organização da lista respeitou critérios como nascer na rede; ser fruto de

projetos coletivos e não estar ligado a grandes grupos de mídia, políticos,

organizações ou empresas. Os blogs foram evitados, por geralmente se tratarem de

40

iniciativas individuais, muitas vezes sem cunho jornalístico ou pretensão de se

tornarem veículos autossustentáveis, o que segundo a Pública seria uma das

marcas da nova geração do jornalismo nacional.

Atualmente, a Pública é dirigida por Marina Amaral, Natalia Viana, auxiliadas

por uma equipe de 16 repórteres, editores e fotógrafos, além do conselho consultivo,

formado por profissionais do jornalismo brasileiro. O Conselho é formado por

membros voluntários, não tem poder decisório, e reúne duas vezes por ano.

2.1.1.2 Análise de Conteúdo

Goode e Hatt (apud CHIZOTTI, 2014) ponderam que a falta de uma

estruturação fixa para o estudo de caso pode fazer com que a técnica seja vista com

certo descrédito.

São frequentes as objeções ao estudo de caso como um modo pouco consistente de pesquisa porque o caso não tem um fundamento amostral adequado ou não oferece base para generalizações. Uma segunda objeção refere-se ao risco do pesquisador fiar-se demais em falsas evidências e, dada a singularidade do caso estudado e o envolvimento denso com um caso bem específico, o pesquisador sentir-se senhor da questão, possuidor de muitas certezas, e preterir os requisitos e técnicas indispensáveis à validade e confiabilidade do estudo. (GOODE & HATT, apud CHIZOTTI, 2014, p.137-138).

Para evitar a possibilidade de tais ocorrências, o presente estudo ampara-se

também na análise de conteúdo. Acredita-se que conhecido os objetos, será

possível estabelecer relações entre as duas mídias. Segundo a definição de Lago e

Benetti (2008), a análise de conteúdo jornalístico é um método de pesquisa que:

Recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia a partir de uma amostra aleatória ou não dos objetos estudados com o objetivo de fazer inferências sobre seus conteúdos e formatos enquadrando-os em categorias previamente testadas, mutuamente exclusivas e passíveis de replicação. (LAGO; BENETTI, 2008, p. 126).

Lago e Bentetti evidenciam de modo simples e objetivo, que:

[...] a análise de conteúdo revela-se como um método de grande utilidade na pesquisa jornalística. Pode ser utilizada para detectar tendências e modelos na análise de critérios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos. Serve também para descrever e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos, para avaliar características da produção de indivíduos, grupos e organizações, para identificar elementos típicos, exemplos representativos e discrepâncias e para comparar o conteúdo

41

jornalístico de diferentes mídias em diferentes culturas. (LAGO, BENETTI, 2008, p.123).

Segundo Bardin (2004), são duas as funções básicas da análise de

conteúdo e que a solidificam enquanto técnica comum nas ciências sociais:

- Função heurística: a análise de conteúdo enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão à descoberta. É a análise de conteúdo «para ver o que dá»; - função de «administração da prova». Hipóteses sob a forma de questões ou de afirmações provisórias servindo de directrizes que apelarão para o método de análise sistemática para serem verificadas no sentido de uma confirmação ou de uma informação. (BARDIN, 2004, p. 25).

A partir da década de 50, há um amadurecimento na definição de análise de

conteúdo, sobretudo do ponto de vista metodológico, marcado pela preocupação em

trabalhar com amostras reunidas de maneira sistemática em questionar a validade

do procedimento e dos resultados, verificar a fidelidade dos codificadores e medir a

produtividade da análise. (BARDIN, 2004, p. 16)

Com a ampliação da utilização da metodologia em diversas ciências, surgem

duas concepções, dois modelos de análise. No modelo representacional, o foco se

debruça sobre os itens lexicais, o ponto importante são as palavras e seu número de

ocorrências, o que permite o encontro de indicadores de natureza quantitativa, sem

que se considerem as circunstâncias da mensagem. Já no modelo instrumental, o

fundamental não é aquilo que a mensagem diz à primeira vista, mas como ela

veicula os dados, seu contexto e as suas circunstâncias.

Na análise quantitativa, o que serve de informação é a frequência com que surgem certas características do conteúdo. Na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração. (BARDIN, 2004, p. 18)

Ambos os modelos são úteis ao presente trabalho, seguindo o modelo

representacional será possível determinar a recorrência de certas temáticas na

mídia alternativa. Percebe-se que, por seu caráter combativo, essas mídias

comumente tratam de assuntos pouco explorados pela mídia hegemônica. A

exemplo d‘O Pasquim podemos citar os direitos da mulher, abordado em entrevistas

como a com Leila Diniz ou da campanha para o uso da pílula anticoncepcional,

discussão ignorada pelo conservadorismo da época. Já a Pública se destaca com

suas categorias voltadas à cidadania como direitos humanos, violência policial,

Amazônia e ditadura, entre outros temas de relevância pública.

42

O modelo instrumental foi imprescindível ao analisarmos as produções d‘O

Pasquim, que em um contexto de ditadura, se obrigava a recorrer a metáforas e

outras figuras de linguagem para abordar assuntos sociais proibidos pela censura.

Lago e Benetti (2008), entretanto, ponderam que, atualmente, a análise de

conteúdo tem sido realizada de forma integrativa. As dicotomias da análise quali e

quanti12 são cada vez menos percebidas.

A identificação sistemática de tendências e representações [no jornalismo] obtém melhores resultados quando emprega ao mesmo tempo à análise quantitativa (contagem de frequências do conteúdo manifesto) e a análise qualitativa (avaliação do conteúdo latente a partir do sentido geral dos textos, do contexto onde aparece, dos meios que o veiculam e/ou dos públicos aos quais se destina. [...] promovendo uma integração entre as duas visões de forma que os conteúdos manifesto (visível) e latente (oculto, subentendido) são incluídos em um mesmo estudo para que se compreenda não somente o significado aparente de um texto, mas também o significado implícito, o contexto onde ele ocorre, o meio de comunicação que o produz e o público ao qual ele é dirigido. (LAGO, BENETTI, 2008, p.126).

Segundo as autoras, a análise de conteúdo serve à comunicação como

alternativa à leitura simples do real, confrontando uma sociologia ingênua e para

isso se sustenta sobre dois objetivos: a superação da incerteza (será que a minha

leitura é válida e generalizável?) e o enriquecimento da leitura (uma leitura atenta

aumenta a produtividade e a pertinência). Para dar cabo de tal, é necessário que a

função heurística e de administração de prova sejam levadas em conta. Uma

análise de conteúdo aprofundada enriquece a tentativa exploratória, aumenta a

propensão de descoberta e é um eficaz mecanismo de verificação das hipóteses.

Por ser um conjunto de técnicas, não estando fechado em um modelo fixo e

estruturado, na análise de conteúdo não existe o ―pronto-a-vestir‖. Pelo contrário: as

definições de aplicabilidade serão ditadas pelo campo e pela natureza do objeto.

No presente caso, buscamos por significados ao trabalhar com os eixos

temáticos – por exemplo: no Pasquim há a recorrência de pautas contra o

conservadorismo vigente nos anos 70 e a liberdade de expressão versus censura,

que era tratada de forma velada ou abordada nas entrelinhas das entrevistas. Na

Pública, o exemplo, de problemáticas ambientais, que aprofundam com dados o

12

A análise qualitativa não rejeita toda e qualquer forma de quantificação. Somente os índices é que são retidos de maneira não frequencial, podendo o analista recorrer a testes quantitativos: por exemplo, a aparição de índices similares em discursos semelhantes. Em conclusão, pode dizer-se que o caracteriza a análise qualitativa é o facto de a inferência – sempre que é realizada – ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc.) e não sobre a frequência da sua aparição, em cada comunicação individual. (BARDIN, 2004, p. 109).

43

impacto que algumas atuações empresariais têm sobre o meio ambiente, ou então

na checagem da fala dos principais líderes políticos brasileiros, a fim fomentar nos

leitores sua capacidade questionadora e crítica.

Os significantes também são importantes para corretamente delimitar a

atuação desses veículos. Na Pública, a recorrência de algumas palavras como

empoderamento, enfrentamento, censura, democracia, cidadania, etc. N‘O Pasquim,

o uso de alguns artifícios para burlar a censura prévia ou indicar a existência dela,

como a criação do dicionário de palavrões por Ziraldo, o uso da tarja e do asterisco e

assim por diante. Esses significantes interpretados a partir de seu contexto ganham

cargas simbólicas e por isso significados capazes de identificar os ideais

perseguidos por nossos objetos.

Grinberg (1987, p. 21) afirma ser fundamental o estudo do conteúdo para a

compreensão da comunicação alternativa, definindo este conteúdo sob quatro

aspectos fundamentais: os temas abordados ou o que se considera notícia; a

hierarquização das informações; a classificação e tratamento das informações; e a

linguagem.

Questionar os temas selecionados e abordados pelos veículos, bem como

sua importância e hierarquia, permite-nos compreender o que esses profissionais –

sejam eles proprietários, editores ou jornalistas – pretendem retratar ao público

como realidade ou como acontecimento relevante.

Segundo Grinberg (1987), a maneira como o acontecimento selecionado é

retratado no veículo também diz respeito à forma como o jornal se estrutura, o que

inclui não somente o recorte da realidade, mas também como os fatos são inter-

relacionados ou classificados de modo estanque em representações polarizadas da

realidade. O autor cita o exemplo de um furto a um comércio, que pode ser apenas

um informe policial ou merecer uma especial atenção por retratar o delicado quadro

econômico e social que vive aquela comunidade. É identificando como os conteúdos

são classificados e retratados que podemos ―dar a pauta acerca do caráter de um

meio, do grau em que configura uma opção real ou é, pelo contrário, um eco do

poder, embora disfarçado de ‗alternativa‘‖. (GRINBERG, 1987, p. 21).

Em nossos objetos estão evidenciados alguns comportamentos com relação

à missão que adotam. Neles, assuntos tratados pela mídia hegemônica sem o

devido afinco – geralmente reduzidos a um lead – ganham folego, profundidade e

busca de contextualização. Um bom recorte é a primeira grande reportagem de

44

checagem da Pública, que posteriormente daria origem ao livro virtual ―Truco‖.

Durante o primeiro turno das eleições presidências de 2014, a Pública aferiu a

veracidade de conteúdo dos discursos dos principais candidatos. Tal processo

consistia em verificar e comprovar a veracidade ou não das falas por meio de

provas. O material extrapolou o fazer jornalístico tradicional para se constituir fonte

de consulta e aprofundamento das principais questões políticas que cercavam o

País em 2014.

Grinberg (1987) destaca, também, a importância da linguagem no conteúdo

dos meios de comunicação. A maneira como algo é dito, o seu tratamento, é tão

importante quanto a seleção dos fatos. A imprensa alternativa surge ―quando se faz

necessário gerar mensagens que encarnem concepções diferentes ou opostas às

difundidas pelos meios dominantes‖. (GRINBERG, 1987, p. 24).

Assim, a análise não pretende oferecer apenas a descrição crua dos

conteúdos, mas sim o que esses conteúdos podem ensinar após serem tratados em

relação a outras coisas. As inferências de conhecimento a partir da análise são seu

objetivo maior. Ao falar sobre o tema, Bardin (2004) compara o analista de

comunicação ao arqueólogo e/ou ao etnógrafo, que necessitam interpretar suas

descrições minuciosas, para, de maneira lógica deduzir, a partir daí, um novo

conhecimento.

O que se procura estabelecer quando se realiza uma análise, conscientemente ou não, é uma correspondência entre as estruturas semânticas ou linguísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas (por exemplo: condutas, ideologias e atitudes) dos enunciados. De maneira bastante metafórica, falar-se-á de um plano sincrónico ou plano «horizontal», para designar o texto e a sua análise descritiva, e de um plano diacrónico ou plano «vertical», que remete para as variáveis inferidas. [...] A leitura efectuada pelo analista do conteúdo das comunicações não é, ou não é unicamente, uma leitura «à letra», mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo plano. Não se trata de atravessar significantes para atingir significados, à semelhança da decifração normal, mas atingir através de significantes ou de significados (manipulados) outros «significados» de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc. (BARDIN, 2004, p. 36).

Não se trata, entretanto, de um método estanque, de instrumento único, mas

sim de um leque de ―apetrechos‖. Por esse motivo é uma das técnicas mais

indicadas no estudo em comunicação, por abrir a possibilidade de rastrear uma

civilização por meio de sua excelente capacidade de fazer inferências sobre aquilo

que ficou impresso ou gravado.

45

Bardin (2004) define quatro etapas para a realização da análise de

conteúdo: organização da análise, codificação, categorização e inferência. Segundo

ela, a fase inicial de organização conta com três missões: a pré-analise

(planejamento e sistematização das ideias iniciais, com a escolha dos documentos e

a formulação das hipóteses); exploração do material (codificando-o nas bases

estabelecidas no passo anterior) e o tratamento dos resultados iniciais (seleção,

filtragem e interpretação inicial dos dados).

Quatro regras devem ser observadas no momento da coleta e seleção dos

dados: – regra da exaustividade: não se pode deixar de fora qualquer um dos

elementos por esta ou por aquela razão (dificuldade de acesso, por aparentemente

não interessar) que não possa ser justificável no plano do rigor; esta regra é

completada pela de não-selectividade; – regra de representatividade, segundo a

qual os resultados obtidos para a amostra serão generalizados; – regra

homogeneidade, a qual aponta que os documentos retidos devem obedecer a

critérios precisos de escolha; – regra de pertinência, que determina que os

documentos retidos devem ser adequados, enquanto fonte de informação. (BARDIN,

2004, p. 90-91).

Em seguida, parte-se para a codificação13. Os dados brutos são separados

em unidades de registro14 e contexto15; categorizados sistematicamente, segundo

regras de enumeração, agregação e classificação, de forma que fiquem mais

evidentes as características do material coletado. Em alguns casos, se faz

13

A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. [...] A categorização tem como primeiro objetivo (da mesma maneira que a análise documental) fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos. (BARDIN, 2004, p. 111-112).

14

Unidade de registro é uma unidade de significação a codificar e correspondente ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização e a contagem frequencial. A unidade de registro pode ser de natureza e de dimensões muito variáveis. [...] Efetivamente, executam-se certos recortes a nível semântico, o ―tema‖, por exemplo, enquanto que outros se efectuam a um nível aparentemente linguístico, como por exemplo, a ―palavra‖, ou a ―frase‖. (BARDIN, 2004, p. 98).

15

A unidade de contexto serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cuja as dimensões (superiores às da unidade de registro) são óptimas para que se possa compreender a significação exacta da unidade de registro. Isto pode, por exemplo, ser a frase para a palavra e o parágrafo para o tema. (BARDIN, 2004, p. 100-101). A determinação das dimensões da unidade de contexto é presidida por dois critérios: o custo e a pertinência. É evidente que uma unidade de contexto alargado exige uma releitura do meio, mais vasta. Por outro lado, existe uma dimensão óptima, ao nível do sentido: se a unidade de contexto for demasiado pequena ou demasiado grande, já não se encontra adaptada [...] (BARDIN, 2004, p. 102).

46

necessário o reagrupamento dos dados em um número reduzidos de categorias, que

evidencie as características pretendidas na análise. Essa seleção irá constituir o

corpus, que é o ―conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos

aos procedimentos analíticos. A sua constituição implica, muitas vezes, escolhas,

secções, e regras.‖ (BARDIN, 2004, p. 90).

Bardin (2004) lembra que o critério de recorte na análise de conteúdo é sempre

de ordem semântica, entretanto, às vezes é possível estabelecer uma

correspondência com unidades formais. Parece-nos que o recorte mais adequado à

complexidade discursiva presente nos objetos selecionados seria a unidade de

registro tema. Mais importante que a palavra e seus significantes, é necessária ao

nosso estudo uma unidade de significação16 que apresente as ideias dos

constituintes, seja em enunciados, seja em proposições portadoras de significações.

Os objetos referentes são tratados como temas-eixos17, ao redor dos quais o

discurso se organiza. Nesse ponto, a correta delimitação das unidades de contexto é

determinante para que o objeto seja abarcado em toda a sua universalidade.

Em muitos casos se faz necessário fazer (conscientemente) referência ao contexto próximo ou longínquo da unidade a registrar. [...] no caso de análise de mensagens políticas, palavras como liberdade, ordem, progresso, democracia, sociedade têm necessidade de contexto para serem compreendidas no seu verdadeiro sentido. A referência ao contexto é muito importante para a análise avaliativa e para a análise de contingência. Os resultados são susceptíveis de variar sensivelmente, segundo as dimensões de uma unidade de contexto. (BARDIN, 2004, p. 101).

Levando em consideração os ensinamentos de Bardin (2004) e Grinberg

(1987), o presente estudo dividiu a análise em duas grandes categorias, formadas

pelos eixos temáticos: jornalismo e democracia.

16

[...] uma unidade de significação complexa, de comprimento variável; a sua validade não é de forma linguística, mas antes de ordem psicológica: podem constituir um tema tanto uma afirmação como uma alusão; inversamente, um tema pode ser desenvolvido em várias afirmações (ou proposições). [...] O tema, enquanto unidade de registro, corresponde a uma regra de recorte (do sentido e não da forma) que não é fornecida uma vez por todas, visto que o recorte depende do nível de análise e não de manifestações formais reguladas. Não é possível existir uma definição de análise temática, da mesma maneira que existe uma definição de unidades linguísticas. O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, etc. (BARDIN, 2004, p. 99).

17

Funciona por operações de divisão do texto em unidades, em categorias, segundo reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou a análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos (significações manifestas) e simples.

47

Na categoria jornalismo buscamos evidenciar de que forma o conteúdo

produzido pelo Pasquim e pela Pública pode contribuir para o desenvolvimento e

consolidação do fazer jornalístico, entendido aqui sob a ótica de jornalismo cívico

defendida por Smith (2000); Rothberg (2011) e Silva (2010). Para tal foram

abordados unidades de contexto ligadas a conceitos de resistência; enfrentamento;

desconstrução; cidadania e idealismo.

A categoria democracia seguiu a mesma estrutura, objetivando traçar um

campo lógico nos conteúdos analisados que justifique o compromisso desses

veículos com o processo democrático do país. As unidades de contexto exploradas

foram: resistência; liberdade ou a falta dela; censura; política e desconstrução.

Concluída a categorização, segue-se para a inferência, onde se procura

evidenciar os elementos implícitos nas mensagens analisadas. Qualquer análise de

conteúdo passa pela análise da mensagem, que se configura como o ponto de

partida, o código servirá como um indicador capaz de revelar realidades

subjacentes.

Os resultados em bruto são tratados de maneira a serem significativos (falantes) e válidos. [...] O analista tendo a sua disposição resultados significativos e fieis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas. [...] A análise de conteúdo constitui um bom instrumento de indução para se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou indicadores; referências no texto), embora o inverso – predizer os efeitos a partir de factores conhecidos – ainda esteja ao alcance das nossas capacidades. (BARDIN, 2004, p. 95-130).

Uma análise de conteúdo realizada de forma eficaz oferece ao pesquisador

atento e crítico informações suplementares do texto. Como exemplifica Bardin (2004,

p. 128), um romance de Balzac não nos fala apenas de Balzac, mas também acerca

de seus leitores e suas preferências.

Muitas vezes, os conteúdos encontrados encontram-se ligados a outra coisa, ou seja, aos códigos que contêm, suportam e estruturam estas significações, ou então, às significações ―segundas‖ que estas significações primeiras escondem e que a análise, contudo, procura extrair: mitos, símbolos e valores, todos esses sentidos segundos que se movem com descrição e experiência sob o sentido primeiro. (BARDIN, 2004, p. 129).

Assim, também podem ser percebidos e analisados os textos com alto

cunho ideológico produzido pelo O Pasquim e a Pública. A inferência permite

identificar as variáveis psicológicas do emissor, variáveis sociológicas e culturais,

variáveis relativas à situação da comunicação ou do contexto de produção da

mensagem.

48

49

3 JORNALISMO NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

Para a análise de nosso problema de pesquisa é fundamental passarmos

pelo conceito de jornalismo. Vários são os ângulos de abordagem se quisermos um

estudo aprofundado do conceito. Podemos partir de sua evolução histórica, fixando-

nos, por exemplo, no aspecto da evolução tecnológica, desenhando uma

perspectiva mecanicista; podemos, também, analisar seu enlace com os

desdobramentos políticos e/ou com os desdobramentos econômicos do País. Outra

abordagem possível está no mapeamento das diversas teorias da comunicação.

Todos esses aspectos são importantes e poderiam resultar em preciosos trabalhos

de pesquisa. Importa destacar, porém, que conseguimos vislumbrar um fio condutor

que permeia essas e uma série possível de outras abordagens.

Nosso objetivo maior busca compreender a importância e contribuição do

jornalismo cívico e sua relação com o jornalismo alternativo na consolidação do

processo democrático brasileiro. Para isso, em um primeiro momento é necessário

um aprofundamento teórico e histórico desses conceitos.

3.1 O SURGIMENTO DA IMPRENSA NO BRASIL

É preciso lembrar que a imprensa sempre foi marcada por intensos embates

de poder, sendo muitas vezes aparelho de reprodução dos interesses de pequenos

grupos. No Brasil não é diferente, a censura nasce antes mesmo do

desenvolvimento da própria imprensa. José Marques Melo (2003) explica que a

imprensa brasileira se desenvolveu tardiamente, apenas 14 anos antes da

separação de Brasil e Portugal, a partir da chegada da Corte de D. João VI, em

1808. Ou seja, a imprensa já nasce atendendo a uma necessidade da monarquia e

sob tutela dos poderosos. ―Os seus primeiros momentos são tímidos, porque

controlados pela censura real, destinando-se a reproduzir informações e

documentos de governo‖. (MELO, 2003, p. 21).

A escolha do período, segundo Melo (2003), atende a dois pontos principais:

no entendimento da Coroa Real, a imprensa é desnecessária e socialmente inútil na

colônia, sem contar que o afastamento do povo de alguns assuntos, manteria a

perspectiva colonial de dependência e distante da libertação da coroa. Também do

ponto de vista econômico, o empreendimento era pouco viável, uma vez que não

50

havia capacidade financeira numa nação escravista que sustentasse

economicamente o desenvolvimento de uma imprensa escrita.

[...] as condições da colônia constituíam obstáculo mais poderoso ao advento da imprensa do que os impedimentos oficiais. [...] No dizer de Moreira de Azevedo, ―não convinha a Portugal que houvesse civilização no Brasil. Desejando colocar essa colônia atada ao seu domínio, não queria arrancá-la das trevas da ignorância‖. A ignorância, realmente, constitui imperiosa necessidade para os que exploram os outros indivíduos, classes ou países. Manter as colônias fechadas à cultura era característica própria da dominação. Assim, a ideologia dominante deve erigir a ignorância em virtude. (SODRÉ, 1999, p. 18).

Nesse contexto, há divergências quanto a qual seria a primeira publicação

nacional: se a Gazeta do Rio de Janeiro, que começou a circular em 10 de setembro

de 1808, três meses depois da chegada da Família Real ao Brasil; ou o Correio

Brasiliense, editado em Londres, desde junho daquele ano, por Hipólito José da

Costa (SODRÉ, 1999).

Hipólito da Costa fundou, dirigiu e redigiu o Correio Brasiliense, em Londres,

durante todo o tempo de vida do jornal. O número inaugural desse apareceu a 1º de

junho de 1808, três meses antes da data em que surgiu a Gazeta do Rio de Janeiro

na Corte. A falta de reconhecimento do Correio Brasiliense como um jornal brasileiro

não se dá apenas por sua publicação no exterior, prerrogativa aceitável dado à

censura prévia nacional, mas sim por seu conteúdo. Em tudo Correio Brasiliense se

aproximava do tipo de periodismo que hoje conhecemos como revista doutrinária, e

não jornal. Mais vinculado à tradição do publicíssimo inglês do século XVIII. O

periódico de Hipólito José da Costa produzia conteúdos específicos para um público

seleto e segmentado, constituindo posicionamentos e trazendo a seus leitores

análises sobre os quadros informados, não se atendo unicamente a informação, mas

a reflexão sobre determinado recorte da sociedade imperial da época. (SODRÉ,

1999; MELO, 2003).

Trata-se de publicação essencialmente política, que abriu espaço para a informação de natureza científica quase sempre divulgando fatos e ideias gerados na Europa e considerados relevantes pelo jornalista para a aplicação no Brasil. (MELO, 2003, p. 29).

De fato, a primeira produção nacional, editada e impressa em território

brasileiro surge sob a proteção da coroa, mais do que isso, por iniciativa oficial.

Dessa forma, o retratado em suas folhas não poderia ser de interesse, senão de um

pequeno grupo de privilegiados, ignorando totalmente as necessidades e realidade

da colônia.

51

Jornal oficial, feito na imprensa oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como a dos que o haviam criado. Armitage situou bem o que era a Gazeta do Rio de Janeiro: ―Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em, quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam essas páginas com as efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume‖. (SODRÉ, 1999, p. 20).

Permeados pela disputa do poder e pelo controle real foram os primeiros

anos da imprensa oficial brasileira. Essa servia aos senhores e estava longe de seus

objetivos cumprir com a função magna de informar e contextualizar o cidadão; servia

apenas como instrumento para a perpetuação da dominação.

Na expansão colonialista, cujo auge ocorreu nos séculos XVIII e XIX, os meios de comunicação então existentes convenceram os povos colonizados de que isso ocorria por razões diversas. Eles eram compelidos, por convencimento mais do que pela coação, de que não tinham outra saída: eram colonizados por uma espécie de fatalidade. Daí, nessa fase histórica, preconceitos de duração secular: o preconceito de raça demonstrava aos africanos que eles estavam predestinados, como raça ―inferior‖, no caso dos negros, a trabalhar para os senhores; o preconceito de clima buscava convencer muitos povos de que as regiões tropicais, em que eles vivam, não podiam sediar ―civilizações‖ adiantadas, privativas dos que viviam em climas frios; e assim por diante. [...] Sempre os dominadores asseguravam a todos os que sofriam o domínio de que deveriam aceitar tranquilamente esse amargo destino, por inelutável. (SODRÉ, 1999, p. XIII).

Para Sodré (1999, p. 28), o atraso da imprensa no Brasil, em última análise,

tem uma única explicação, a ausência do capitalismo na colônia. Para o autor só nos

países em que o capitalismo cresceu, a imprensa se desenvolveu, sendo essa, na

visão do autor, uma das justificativas para atual crise do jornalismo. O autor ainda

ressalta os riscos dessa engrenagem para o desenvolvimento da democracia, pois a

imprensa a serviço dos poderosos serve como aparelho de dominação social.

Entre os anos de 1821 e 1822, os princípios libertários do primeiro mundo

começam a insuflar os ânimos na colônia e irão culminar na Independência.

[...] O processo de independência foi longo, tortuoso, cheio de altos e baixos, com avanços e recuos, dependente de muitos fatores. Tudo isso influi na imprensa do tempo; e tudo isso influi a imprensa do tempo. [...] É a medida que se compreendem a necessidade de mobilizar e de unir as classes para a luta contra a dominação lusa que os representantes da classe dominante colonial fazem concessão à liberdade de imprensa. Tal compreensão é lenta, porém, e deve vencer poderosas e antigas resistências de classe. É na medida em que compreendem a necessidade de limitar a Independência que os representantes da classe dominante colonial opõem restrições à liberdade da imprensa. Daí as oscilações, os altos e baixos, os recuos e avanços, acompanhando o desenvolvimento do processo. (SODRÉ, 1999, p. 44-45).

52

Mesmo após a Independência, pouca coisa mudou no cenário da imprensa

nacional. Alteram-se alguns personagens, mas o jogo continua.

É o momento em que a imprensa, recebendo os reflexos da realidade, influi sobre a realidade, porque atravessa fase de liberdade. Trata-se de liberdade concedida; não de liberdade conquistada. A diferença entre a liberdade concedida e a liberdade conquistada reside em que aquela pode ser anulada sem alteração das condições políticas e esta exige, para ser anulada, que sejam alterada as condições políticas, isto é, a correlação de forças. [...] De forma sumária, com esses periódicos se constituiu a imprensa brasileira, na tormentosa fase do processo da Independência que antecedeu e sucedeu imediatamente a sua proclamação: o jornalismo de 1821 e 1822. No ano seguinte, o primeiro da existência brasileira autônoma, o processo continuaria a desenvolver-se, assinalando o predomínio da direita: os que colocavam o problema da liberdade seriam afastados ou liquidados. [...] Continuava o tipo de imprensa áulica: nada do que publicava trazia o timbre brasileiro. (SODRÉ, 1999, p. 46 - 75).

Nesse contexto marcado pelo imperialismo, a disseminação de novos ideais

se dava no reino por veículos não oficiais. A comunicação na colônia era realizada

de forma quase clandestina, por meio de panfletos, gazetas escritas (jornais escritos

à mão), jornais provenientes da Europa contrabandeados, repente, música de

cordel, entre outras.

Comunicações movidas pelo desejo revolucionário de inferir, modificar e

construir o social, sempre estiveram presentes, ainda de forma mais incisiva nos

momentos delicados de nossa história. Com as forças pró-Independência toma

forma no Brasil a primeira corrente alternativa, dezenas de pequenos jornais com

cunho panfletários que ficariam conhecidos como pasquins.

O primeiro periódico que defendeu os interesses brasileiros, quebrando a monotonia da imprensa áulica, começou a circular na Bahia a 4 de agosto de 1821. Foi o Diário Constitucional. Apareceu com intenção de travar luta política

18 nesse sentido, e travou-a. (SODRÉ, 1999, p. 51, grifo do autor).

Tal movimento, como era de se esperar sofreu forte repressão por parte do

Império.

18

A citar outros exemplos desse período Sodré (1999) menciona: A 15 de setembro de 1821, começava a circular, no Rio de Janeiro o Revérbero Constitucional Fluminense, que se tornaria o órgão doutrinário da Independência brasileira. [...] Em Pernambuco, a inquietação política teria reflexos também no aparecimento de periódicos, além da Aurora Pernambucana, desaparecida em setembro de 1821. Na oficina da antiga Casa do Trem, que a Junta Governativa ampliaria, apareceu, a 8 de dezembro, a Segarrcga que, circulando ora uma ora duas vezes por semana. [...] A 13 de dezembro de 1821, começou a circular no Recife também O Relator Verdadeiro, de que apareceram dez números [...] Dirigido pelo padre Francisco Ferreira Barreto, absolutista apaixonado. (SODRÉ, 1999, p. 53-59-60, grifo do autor).

53

Quando da coroação, em dezembro, D. Pedro dispunha de ilimitado poder, o liberalismo estava derrotado, criara-se clima insuportável para a imprensa. E, no desenvolvimento do processo, pelo aprofundamento das contradições, a situação desembocaria no fechamento da Constituinte e na suspensão da liberdade de imprensa. Esse é o período que vai ficar assinalado pelo aparecimento ou desaparecimento de numerosos periódicos, que refletem, e influem nas lutas políticas. É a imprensa do ano da Independência e do ano da Constituinte dissolvida, com a direita em ascensão - a imprensa que luta pela liberdade e que, como no período anterior às cortes, será perseguida e amarrada ao tronco do poder. (SODRÉ, 1999, p. 61).

Mesmo com a perseguição do monarca, a imprensa alternativa brasileira iria

encontrar caminhos para coexistir entre os regimes de poder.

O ano da Independência assinalou o aparecimento de numerosos periódicos, na Corte e nas províncias, caracterizando a tensão política vigente e assinalando as tendências. Vindos do ano anterior, continuavam a circular, na Corte, o Diário do Rio de Janeiro, na sua omissão política; o Revérbero Constitucional Fluminense, em seu destacado papel; O Espelho, mantendo a orientação que o motivara; A Malagueta, que atingiria agora o auge de seu prestígio, [...] no Maranhão, prosseguia O Conciliador; em Pernambuco, a Segarrega, durante todo o ano e, até maio, o Relator Verdadeiro. [...] A 9 de abril de 1822, no Recife, Cipriano José Barata de Almeida iniciava a sua curiosa série de Sentinelas. Era a primeira a Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, que circulou até 16 de novembro. Preso, tirou, a 19 de novembro a Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Atacada e Presa na Fortaleza do Brum por Ordem da Força Armada Reunida [...] (SODRÉ, 1999, p.64-67, grifo do autor).

Assim também foi marcada a imprensa nacional no período da Regência.

Durante a Regência, os jornais pululariam, multiplicando-se, no Rio e nas províncias. Aos que já existem antes do 7 de abril, vieram juntar-se novos, quase todos agressivos, injuriosos, menos preocupados com os problemas gerais do que com as pessoas, espalhando a. confusão e sem o menor respeito pela vida privada de ninguém. [...] Novos jornais, novos pasquins, surgiam todos os dias. Uns duravam semanas, meses; outros vingavam. Os que morriam, ressurgiam às vezes com nome mudado, mas sempre animados do mesmo espírito de intriga, da mesma vocação para a calunia. Em princípio de 1832, havia cerca de cinquenta jornais no Brasil, muitos com as denominações as mais estranhas. Ao lado da Malagueta, da Mutuca, do Jurujuba, aparecia O Filho da Terra, o Republicano da Sempre-viva, o Caramuru e o Carijó, os dois últimos francamente restauradores e obedecendo à inspiração de Martim Francisco e Antônio Carlos. [ . . . ]A imprensa definia-se quanto à orientação, nos três campos, o dos conservadores de direita, embalados no sonho da restauração, o dos liberais de direita, que faziam papel de centro, e o dos liberais de esquerda. (SODRÉ, 1999, p. 122- 123, grifo do autor).

Mesmo com também iniciativas independentes, o fato que o jornalismo que

ganhou destaque e renome no Brasil foi o empresarial, que, por defender os

interesses dos grupos dominantes recebia e recebe apoio do Estado e de grandes

grupos de poder. A imprensa hegemônica nacional, desde seus primórdios até os

dias de hoje, continua a servir aos interesses dos poderosos.

54

3.2 JORNALISMO EMPRESARIAL

O jornalismo se configura como atividade de forte vínculo social e que,

primordialmente, deve servir ao interesse público. Não se pode, no entanto,

esquecer que o ele também é um serviço de consumo. Como Silva (2010, p. 07),

nos lembra ―se trata de uma atividade mercantil-burguesa a serviço da dominação.‖

Ponto de vista partilhado por Sodré (1999, p. X) ao considerar que ―a imprensa

nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento‖.

Até o início do século XVIII, a imprensa mundial reproduzia basicamente o

modelo francês, no qual jornalismo e literatura tinham grande aproximação. ―Os

gêneros mais valorizados eram aqueles mais livres e opinativos, como a crônica, o

artigo polêmico e o de fundo. Os jornais, além disso, funcionavam como instância

fundamental de divulgação da obra literária e de construção de reconhecimento

social dos escritores‖. (RIBEIRO, 2003, p. 147).

Com baixos salários, o jornalismo era comumente exercido por intelectuais

com formação em outras áreas do conhecimento, profissionais que, muitas vezes,

não tinham uma adequada formação à escrita e usavam o exercício da profissão

como canal de defesa de seus propósitos e crenças. A demora de circulação de

qualquer periódico na época também favorecia que a imprensa tivesse caráter mais

opinativo, do que informativo. Quando o jornal chegava às mãos do leitor, os fatos já

eram conhecidos, pois haviam circulado no boca a boca. Restavam ao jornalista os

comentários, análises e reflexões sobre o acontecimento. O jornal não informava,

mas sim, polemizava a questão.

A partir da década de 1940, entretanto, começa a surgir a modernização

técnica e organizacional do jornalismo.

Em poucos anos apareceram as impressoras rotativas, em substituição ao processo de impressão com chapas. Depois vieram as máquinas operadas com teclados, e mais tarde, as linotipos. Também a produção de papel aumentou bastante na época. [...] Todas essas renovações e avanços no campo editorial simplificaram e baratearam, ainda mais, o processo de impressão. (REGO, 1984, p. 17-19).

A partir desse ponto, ocorre a popularização da imprensa. Nos Estados

Unidos, os primeiros passos foram dados pela chamada yellow press, iniciada por

Benjamin Day (New York Sun, 1833) e James Gordon Bennell (New York Herald,

1835), e impulsionada por Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst, no final do

55

XIX, quando imprensa e publicidade passaram a atuar juntas para manter a

sobrevivência do negócio.

Assim também se deu o processo por toda a Europa. Uma onda de

―profissionalização‖ do jornalismo defendia que a imprensa se distanciasse da

literatura e da política, abandonando o lugar de comentário e discussões das

questões sociais, do embate de ideias, abrindo mão da criticidade e do teor

doutrinário, em defesa de uma posição neutra, voltada para a narração dos fatos. A

imprensa deixa de ser definida como um espaço de comentário, de opinião e de

experimentação estilística e passa a ser pensada como um lugar independente, que

privilegia a informação na forma de notícia. (RIBEIRO, 2003).

Há uma profissionalização da redação, com o início da automação de

processos, aumento de salários, definições de cargos e funções e hierarquias mais

definidas. Nessa nova lógica é incorporada uma série de práticas discursivas. Toda

a linguagem jornalística passa por uma sistematização interna que almeja uma

padronização, na busca constante da fidelização de um número cada vez maior de

leitores.

As técnicas americanas impuseram ao jornalismo noticioso um conjunto de restrições formais que diziam respeito tanto à linguagem quanto à estruturação do texto. Inspirado no noticiário telegráfico, o estilo jornalístico passou a ser mais seco e forte. A restrição do código linguístico - com uso de reduzido número de palavras, expressões e regras gramaticais - aumentava a comunicabilidade e facilitava a produção de mensagens. As regras de redação, além disso, supostamente retiravam do jornalismo noticioso qualquer caráter emotivo e participante. Para garantir a impessoalidade (e o ocultamento do sujeito da enunciação), impôs-se um estilo direto, sem o uso de metáforas. Como a comunicação deveria ser, antes de tudo, referencial, o uso da terceira pessoa tornou-se obrigatório. O modo verbal passou a ser, de preferência, o indicativo. Os adjetivos e as aferições subjetivas tiveram que desaparecer, assim como os pontos de exclamação e as reticências. As palavras com funções meramente enfáticas ou eufemísticas deveriam ser evitadas. (RIBEIRO, 2003, p. 148-149).

A partir daí se desenvolvem a pirâmide invertida e o lead que se

estabelecem com força de mandamento. A utilização do lead e a organização da

notícia a partir da pirâmide invertida partem de técnicas desenvolvidas por jornalistas

americanos durante a Guerra Civil dos Estados Unidos entre os anos de 1861 e

1865. O grande desafio desses profissionais residia na limitação de linhas do

telégrafo; assim, foi necessário que se desenvolvessem estratégias para a

transmissão das informações mais importantes primeiro. (SODRÉ; FERRARI, 1986).

Aos poucos, o texto introdutório, rebuscado, normalmente opinativo, que

antecipava a narrativa, popularmente conhecido como "nariz de cera", foi sendo

56

substituído no jornalismo moderno pelo lead. Um parágrafo abre o texto, resumindo

o fato noticioso em um relato conciso, que responde a seis perguntas básicas:

quem?; o quê?; quando?; onde?; como?; e por quê?. Com pequenas alterações o

modelo vem sendo amplamente utilizado até a atualidade. (SODRÉ; FERRARI,

1986).

Nesse período, difundiram-se dogmas até hoje sustentados pela imprensa

convencional como objetividade, imparcialidade, entre outros adjetivos que colocam

o jornalista e o fazer jornalístico a parte dos fatos e do meio que o cercam. O

jornalismo passa a ser reconhecido com um campo para o estabelecimento de

verdades, um ―espelho‖ da realidade, onde as notícias emergem do mundo dos

acontecimentos. (TRAQUINA, 2005).

Nesse período começam a despontar diversas teorias e conjunto de técnicas

sobre o fazer jornalístico. Para o presente estudo, duas linhas parecem acrescer à

pesquisa: o modelo de ―Jornalismo para o Desenvolvimento‖ e o modelo ―Ocidental

de Jornalismo‖.

O Jornalismo para o Desenvolvimento foi amplamente utilizado na América

Latina durante as décadas de 1970 e 1980. Segundo Sousa (2002), os países que

implantaram esse modelo estavam em vias de desenvolvimento e tinham um

passado colonial. Nesse modelo, a informação é vista como riqueza, como motor de

progresso e como fator de hipotética instabilidade:

[...] entende-se que todos os órgãos de comunicação social devem ser usados para a construção da identidade nacional (quando os estados são multi-étnicos), para combater o analfabetismo e a pobreza e para desenvolver o país. Assim, entende-se que os news media devem apoiar as autoridades, pelo que a liberdade de imprensa é registrada de acordo com as necessidades de desenvolvimento da sociedade (existe censura), a informação é tida como sendo propriedade do estado e os direitos à liberdade de expressão são tidos como irrelevantes, face aos enormes problemas de pobreza, doença, subdesenvolvimento, analfabetismo e/ou outros que esse países enfrentam. [...] O jornalismo aparece subordinado aos interesses de uma classe dominante, aquela que governa o país, funcionando de cima para baixo: é o poder autoritário que decide, através dos organismos de censura e outros, o que deve e não deve e o que pode e não pode ser publicado. (SOUSA, 2002, p. 29-32, grifo do autor).

Para alguns teóricos o modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento seria

uma etapa que antecede o modelo Ocidental, modelo que defende a independência

da imprensa.

O campo jornalístico configurar-se-ia, assim, teoricamente, como uma espécie de ágora, ou seja, como uma espécie de espaço público onde se ouviriam e, por vezes, onde se digladiariam as diferentes correntes de opinião. Nestas últimas ocasiões, o jornalismo funcionaria como uma arena

57

pública. Teoricamente, o campo jornalístico funcionaria, assim, como um mercado livre de idéias. (SOUSA, 2002, p. 33).

Segundo o modelo Ocidental de Jornalismo, o pluralismo e a democracia

são benéficos para sociedade e somente uma população informada pode, com

consciência, participar dos processos de tomada de decisão (principalmente com ou

por meio do voto). Essas ideias de uma imprensa livre e do livre acesso à imprensa

foram exportadas para todo o planeta a partir do Ocidente.

Sousa (2002) pondera que no mundo real o livre fluxo de informações não

se dá de forma totalmente justa. Apoiado nos estudos de Chomsky e Herman

(1988), defende que o modelo ocidental pode apresentar aspectos negativos.

[...] já que se faz, predominantemente, dos países ricos (geralmente situados no Hemisfério Norte) para os países pobres (geralmente situados no Hemisfério Sul). [...] quando se reúnem um certo número de circunstâncias, o Modelo Ocidental de Jornalismo funciona, pontualmente, como um Modelo de Propaganda. [...] esse sistema de propaganda é de difícil detecção nos países democráticos, onde os órgãos jornalísticos geralmente são privados e onde a censura formal está ausente, até porque esses órgãos criticam com freqüência o governo e as grandes empresas, surgindo como representantes e garantes da liberdade de expressão e defensores da comunidade. (SOUSA, 2002, p. 33-34).

Para ChomsKy e Herman (apud SOUSA, 2002, p.35), o mercado das ideias

e das informações no jornalismo ocidental não é inteiramente livre e sim um

complexo modelo de propaganda que defende os interesses governamentais e de

grandes poderes econômicos. Segundo eles, a liberdade jornalística, no contexto do

mercado, seria regulada pelas leis da oferta e da procura. Para justificar tal

afirmação, Chomsky e Herman mencionam cinco filtros:

a) Concentração da propriedade com a formação de grandes oligopólios –

a orientação lucrativa das empresas ―facilitando as pressões e a

dependência, impedindo os jornalistas descontentes de obterem

empregos alternativos com facilidade‖;

b) A publicidade como primeira fonte de rendimento – das empresas

jornalísticas (o que levaria as empresas jornalísticas a evitar a

publicação de matérias que seus clientes – entre os quais os diversos

órgãos de governo e a administração pública – possam considerar

indesejáveis);

c) Os meios jornalísticos, burocratizados e rotinizados, têm necessidade

de fluxos contínuos de informação crível. Isso conduziria a confiança

cega em informações dadas por responsáveis dos diversos órgãos do

58

governo, empresas dominantes e outros agentes burocratizados de

produção de informação, como as agências de relações públicas.

d) A audiência como última finalidade – ―a imprensa seria criticada e

abandonada quando atraiçoasse os valores e expectativas mais

profundos do público‖;

e) Anticomunismo como mecanismo de controle – o que levaria o público

a rejeitar vveículos, informações e principalmente perspectivas

alinhadas ao comunismo. (CHOMSKY E HERMAN 1988, apud SOUZA,

2002, p. 35).

Esses filtros atuariam sobre os jornalistas condicionando seu

comportamento, principalmente, em quatro fatores.

1)Recrutamento, pelas empresas, de jornalistas respeitadores dos (pre)conceitos e normas internas, dos constrangimentos organizacionais, das orientações patronais e do mercado, regulado pelas leis da oferta e da procura; 2) Interiorização, pelos jornalistas, das limitações impostas pelos proprietários e pelos poderes político e económico; 3) Auto-censura derivada dos mecanismos não-lineares de controlo; 4) Existência de elementos interactivos e que filtram as notícias, destacando as matérias favoráveis aos interesses do governo e dos grandes interesses económicos privados. Estes filtros actuariam com naturalidade. Assim, os jornalistas não colocariam em causa a sua honestidade profissional e estariam convencidos de que escolhem e interpretam as notícias baseados em critérios jornalísticos desligados de pressões externas. (SOUSA, 1999, p. 15).

No Brasil, o Modelo Ocidental de Jornalismo, chamado na presente

pesquisa, de jornalismo empresarial ganha força a partir da década de 1950,

entretanto, seu precursor foi O Diário do Rio de Janeiro, lançado ainda em junho de

1821. (SODRÉ, 1999).

O crescimento econômico proporcionado pela expansão do comércio e da

indústria e o fortalecimento da cultura do café, associados ao processo de

urbanização – favorecido pela ampliação das linhas de navegação, das estradas de

ferro e da chegada de imigrantes (entre eles gráficos experientes) – fizeram com que

a imprensa se desenvolvesse e alcançasse outro patamar em termos de número de

veículos. Em 1880, por exemplo, no Rio de Janeiro, havia 42 jornais e revistas; em

1881 esse número subiu para 95. (SODRÉ, 1999).

Com a economia em desenvolvimento, a burguesia ascendente nas cidades

e a aristocracia rural passam a investir em jornais prósperos fosse por meio de

publicidade, fosse por outros tipos de financiamento. Ocorre, assim, rápido

desenvolvimento técnico-editorial da imprensa nacional, somado à explosão de

59

veículos, que sob o discurso de imparcialidade, privilegiavam os interesses de seus

progenitores. Uma onda de liberalismo toma conta do jornalismo brasileiro. (BAHIA,

1990)

[Agências de notícias] fizeram da imprensa simples instrumento de suas finalidades: o desenvolvimento da imprensa, em função do desenvolvimento do capitalismo, as gerará; depois de servir à imprensa, serviram-se dela. [...] É fácil avaliar a terrível força da engrenagem que se compõe as agências de notícias, agências de publicidade e cadeias de jornais e revistas, sua influência política, sua capacidade de modificar a opinião, de criar e manter mitos ou de destruir esperanças e combater aspirações. Quando se verifica que essa gigantesca engrenagem é simples parafuso de engrenagem maior, a que pertence, do capitalismo monopolista, ainda mais fácil é estimar o seu alcance e poder. (SODRÉ, 1999, p. 05)

Essa engrenagem empresarial afastou o jornalismo de função cívica e é

esse distanciamento que irá possibilitar a retomada do jornalismo alternativo no

Brasil, sobretudo nos anos que antecedem e durante o período ditatorial.

3.3 JORNALISMO ALTERNATIVO DOS ANOS 1970

Entre os anos de 1964 e 1980, período dominado por forte repressão

ditatorial, nasceram e morreram no Brasil mais de 150 veículos de comunicação.

Esses periódicos faziam frente de oposição à mídia tradicional vigente e ficaram

conhecidos como imprensa alternativa19. Em contraponto à condescendência do

jornalismo empresarial presente em grande parte da mídia da época, os alternativos

faziam duras críticas ao governo, ao país, à organização social e à ideologia

hegemônica, defendendo a volta da democracia e o respeito aos direitos humanos.

Em todos eles [estava presente] a tentativa de se contrapor ao regime e à complacência da grande imprensa, trazendo para as páginas dos jornais a denúncia da violação dos direitos humanos e a prática da tortura nos porões dos quartéis e dos DOI-CODI, a discussão sobre o modelo econômico e a dívida externa, os personagens anônimos dos movimentos populares, a crítica aos costumes e aos valores conservadores da sociedade e das classes médias, os temas ecológicos e feministas, o homossexualismo e o prazer, as drogas, a crítica à corrida nuclear, as comunidades eclesiais de

19

Cabe lembrar que o jornalismo alternativo brasileiro não surgiu apenas no período ditatorial, ele sempre esteve presente na imprensa brasileira, em maior ou menor representatividade, dependendo do contexto no qual se inseria. No período imperial, sobretudo na Regência, o jornalismo brasileiro foi marcado por uma efervescência de jornais alternativos, essa imprensa menor era depreciativamente chamada de ―pasquins‖. Ligados a movimentos de esquerda, esses veículos produziam jornais em formato de folhetos com duras críticas ao governo, trabalhando com a concepção de tribuna ampliada, na qual o jornalista era um ativista político e o jornal, veículos de suas ideias. Esses panfletos, folhetos, pequenos títulos ficaram assim conhecidos por sua distribuição panfletária e agitadora. Eram incontáveis. Editados no Rio de Janeiro, reimpressos nas províncias; fechados em uma cidade, ressuscitam em outra. Perseguidos, censurados, processados, condenados, voltam com nomes diferentes. (BAHIA, 1990; RIBEIRO, 1994).

60

base, a luta armada, a campanha pela Anistia – essas eram as fontes e inspirações de pautas para os jornais alternativos. (PEREIRA FILHO, 2004, p. 66)

Para Kucinski (2003, p. 13-14) a expressão imprensa alternativa caracteriza

uma posição editorial renovadora, independente e polêmica. Esses veículos

cobravam com veemência a restauração da democracia e o respeito pelos direitos

humanos. Destoavam, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela

grande imprensa, opondo-se por princípio ao discurso oficial. Grinberg (1987) afirma

que a diferença primordial e imprescindível ao jornalismo alternativo é a ―opção

frente ao discurso dominante‖. Para ele, a propriedade coletiva; a maior liberdade na

escolha dos temas; a multidirecionalidade das mensagens (meio massivo ou não

massivo) ou a ambivalência nos papeis de emissor/receptor seriam resultantes

dessa oposição primeira.

[...] É alternativo todo meio que, num contexto caracterizado pela existência de setores privilegiados que detêm o poder político, econômico e cultural – nas diversas situações possíveis, desde o sistema de partido único e economia estatizada (Cuba) até os regimes capitalistas de democracia parlamentar e as ditaduras militares – implica uma opção frente ao discurso dominante, opção à qual confluem, em grau variável, os sistemas de propriedade, as possibilidades de participação dos receptores na elaboração das mensagens, as fontes de financiamento e as redes de distribuição, como elementos complementares. (GRINBERG, 1987, p. 18).

Kucinski (2003, p. 25-26), por sua vez, defende que essas características

não seriam complementares, mas sim parte de uma nova lógica de autogestão.

Profissionais cansados dos meandros da comunicação no Brasil - fosse esse

cansaço fruto da opressão do regime; das imposições dos interesses comerciais dos

anunciantes nos veículos (que nada mais eram que empresas da indústria cultural);

ou do falso moralismo pregado pela sociedade conservadora – viram no jornalismo

alternativo uma possibilidade de independência, independência essa muito mais

ligada a liberdade, que a resultados puramente financeiros. Para o autor mais que

resistência e enfrentamento, os alternativos eram uma maneira de ―criar todo um

‗modelo ético-político‘, com formas e estratégias próprias, que se confrontariam com

o sistema dominante da esfera pública burguesa‖. (KUCINSKI, 2003, p. 26).

Para Kucinski (2003, p. 16/21), o surgimento da imprensa alternativa se dá

justamente pela articulação de duas forças: o desejo das esquerdas de protagonizar

profundas transformações no meio social e a dupla oposição ao sistema

representado pelo regime militar e pelas limitações à produção intelectual jornalística

sob o autoritarismo. O autor compara o fenômeno alternativo a mais dois momentos

61

históricos marcantes do jornalismo brasileiro: os pasquins e panfletários da

Regência, que tiveram seu apogeu por volta de 1830 e os jornais anarquistas de

operários entre 1880 a 1920. Em comum os três teriam uma cadeia produtiva

bastante limitada, sem fins mercantis e dura crítica à hegemonia vigente no Estado,

além de dirigirem-se à sociedade civil e as classes subalternas.

Os formatos de escrita desses veículos eram diversos – satíricos, políticos,

feministas, ecológicos, culturais – pois se caracterizam justamente pela liberdade de

imprensa e o não apego, e em muitos casos rejeição, aos moldes e modelos

franceses e norte-americanos que dominavam a produção de notícias no Brasil.

Mesmo com peculiaridades em relação à temática e ao formato – crônicas, artigos

de opinião, charges, entrevistas com fontes a parte a mídia convencional, etc –

―compartilhavam, em grande parte, um mesmo imaginário social, ou seja, um mesmo

conjunto de crenças, significações e desejos, alguns conscientes e até expressos na

forma de uma ideologia, outros ocultos, na forma de um inconsciente coletivo‖.

(KUCINSKI, 2003, p. 16).

Os diferentes modos de fazer dos alternativos eram resultantes de seus

principais objetivos enquanto formadores do social, dividindo-se primordialmente, em

dois grandes grupos. Parte desses veículos tinham um cunho predominantemente

políticos, com raízes nos ideais marxista, de valorização do nacional e do popular

dos anos de 1950, revelando novos personagens do nosso cenário. Defendiam

reivindicações clássicas da esquerda como, por exemplo, o ―caminho da revolução

brasileira‖ e em geral tinham um vocabulário mais pedagógico e dogmáticos. ―Os

jornais alternativos políticos foram os únicos a perceberem os perigos do crescente

endividamento externo, ainda em 1973, e o agravamento das iniquidades sociais.‖

(KUCINSKI, 2003, p. 14).

Outros grupos estavam mais voltados à crítica dos costumes, no embate ao

moralismo vigente e na ruptura cultural. Esses possuíam fortes influências dos

movimentos de contracultura norte-americanos. Rejeitavam a primazia do discurso

ideológico, investiam fortemente contra o moralismo hipócrita da classe média e

foram os responsáveis por introduzirem no Brasil a contracultura. É o caso d‘O

Pasquim, que detonou um movimento próprio de contracultura, transformando as

linguagens do jornalismo e da publicidade.

O Pasquim mudou hábitos e valores, empolgando jovens e adolescentes nos anos 1970, em especial nas cidades interioranas que haviam florescido durante o milagre econômico, encapsuladas numa moral provinciana.[...]

62

Nesse plano mantinha-se nos marcos de uma cultura convencional de esquerda e da crítica intransigente. (KUCINSKI, 2003, p. 15).

Mesmo com raízes existencialistas, esses jornais não se limitavam à

discussão de temáticas culturais; pelo contrário, apresentavam um forte plano de

―contingência política‖ opondo-se ao regime, em algumas vezes, de forma mais

visceral e contundente do que os veículos de ―influência marxistas‖. (SODRÉ, 1999;

KUCINSKI, 2003)

Assim, o jornalismo alternativo fez tradição nas lutas por mudanças

estruturais e de crítica ortodoxa a um capitalismo periférico e ao imperialismo, dos

quais a ditadura era vista como uma representação e era tido como uma imprensa

que se propunha não só a informar, mas a ―politizar‖ e ―organizar os trabalhadores

brasileiros‖. É possível que tal comportamento seja resultante da ideia de que

―nenhuma liberação social ou política poderia ocorrer sem a liberação anterior de

cada indivíduo.‖ (KUCINSKI, 2003, p. 15/16).

Para Pereira Filho (2004), era um jornalismo mais preocupado em discutir e

suscitar a reflexão do que apenas oferecer o serviço de consumo de notícias, indo

além da reportagem convencional.

É verdade que os jornais alternativos guardavam íntima ligação com os grupos e organizações de esquerda da época, que inclusive brigavam e disputavam seu controle. Mas, antes de mais nada, eles eram publicações jornalísticas, preocupadas, acima de tudo, com a reportagem, a leitura e a (re)construção do presente, a notícia, as grandes entrevistas e debates, os personagens do cotidiano, o saber ver, ouvir e depois contar, as matérias de fôlego, o levar a informação a uma população que apenas era abastecida e ―informada‖ pelos veículos da grande imprensa, censurados e/ou alinhados com o regime. Era a tentativa jornalística, sim, de oferecer uma outra visão dos fatos e dos acontecimentos, outras possibilidades de leitura, não submetidas ou submissas à lógica do capital ou da censura. (PEREIRA FILHO, 2004, p. 65).

O valor da imprensa alternativa residia justamente nessa resistência. Para

Smith (2000, p. 51) sua mera existência servia como ―uma força de contenção da

maré da grande imprensa e de oposição aos elementos da cultura promovida pelo

regime‖, sendo que em alguns casos se apresentava ―um padrão de eficácia social

efetiva, exigindo resultados sob a forma de maior conscientização pública ou

mudança social‖.

Para o jornalista Márcio Bueno a imprensa alternativa pode ser dividida em

três etapas. A primeira fase acontece a partir da publicação do AI-5, entre os anos

de 1968 a 1973 e é caracterizada pelo ―milagre econômico‖ e pela dura repressão

política. É nesse contexto que nasce O Pasquim, em 1968. De 1974 a 1979, é a fase

63

de distensão e início da abertura, quando a imprensa alternativa se expande

bastante, pois o governo está começando a se abrir politicamente. A terceira, com

início por volta de 1980, é quando a censura prévia deixa de existir e os exilados

começam a retornar ao país. (BUENO apud PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO, 2005, p. 10).

Para Kucinski os ciclos são muito mais subdivididos e profundamente

ligados ao contexto político e econômico imposto pelo regime. Desde o surgimento

do movimento - essencialmente do impulso jornalístico somado ao apelo

revolucionário dos anos de 1960 e 1970, onde havia supostamente uma revolução

em marcha - até seu declínio - que coincide com a flexibilização da censura e a

abertura – é possível determinar separar os veículos alternativos em seis fases:

1a.) do lançamento do Pif-Paf, em junho de 1964, até o fim da Folha da Semana, em 1966, quando há o ―desmoronamento do universo político do populismo‖; 2a.) a partir de 1967, ―com o imaginário oriundo da revolução cubana‖ e da proposta de uma guerrilha continental, onde destacam-se O Sol, Poder Jovem e Amanhã; 3a.) a partir de fins de 1969, com o desenvolvimento de ―uma das fases mais ricas, incluindo os primeiros semanários de circulação nacional sob o signo da resistência político-cultural, entre os quais O Pasquim e Opinião; 4a.) a partir de 1974, ―quando os primeiros presos políticos com penas já cumpridas reintegram-se à vida civil por meio da imprensa alternativa, os jornais incham e se multiplicam‖, destacando-se Versus e Movimento; 5a.) em 1975, ―com a crise do padrão complacente da grande imprensa, precipitada pelo assassinato de Vladimir Herzog‖, surgem De Fato e Coojornal, ocorrendo simultaneamente a ―diversificação temática e regional da imprensa alternativa‖; 6a.) a partir de 1977, com o nascimento dos jornais ―motivados essencialmente campanha da anistia‖, entre os quais Repórter, Resistência e Maria Quitéria‖. (KUCINSKI, 1991, p. 3-5).

Seu apogeu é registrado, sobretudo, no triênio de 1975 a 1977 quando

aconteceu um grande boom da mídia alternativa, com intensa presença nas bancas

e marcado por uma onda de resistência civil, representada pelos movimentos

populares. Nessa época circulavam mais de vinte jornais alternativos de âmbito

regional e/ou com temáticas específicas e oito grandes veículos nacionais que juntos

somavam 160 mil exemplares por semana.

O que se percebe é que com o avançar da opressão dos militares, os

alternativos diminuem de certa forma seu caráter jornalístico para se tornar ―o

principal espaço de organização política e ideológica das esquerdas‖ fazendo

significativa oposição à ―imprensa capitalista‖.

Nos períodos de maior depressão das esquerdas e dos intelectuais, cada jornal funcionava como ponto de encontro espiritual, como polo virtual de agregação no ambiente hostil e desagregador da ditadura. Pode-se traçar,

64

assim, uma demarcação entre a imprensa convencional e a imprensa alternativa no Brasil pelos seus papéis opostos como agregadores e desagregadores da sociedade civil. (KUCINSKI, 2003, p. 21).

Enquanto a mídia alternativa se tornava cada vez mais combativa, a

imprensa hegemônica, que defendia a ―neutralidade‖ e a ―objetividade‖, após o golpe

de 1964, regride a funções estritamente mercantis. Jornais de grande

representatividade e atividade política contra o Estado populista dos anos de 1950

sofreram uma grande inflexão no seu papel social. A simetria é simbólica, onde

alternativos se transformam em quase partidos gerando sua própria ideologia e

fazendo política, os antigos poderosos se tornam meros vendedores de notícias e

propagandas impressas.

Independente do momento, o fato é que a imprensa nascida nos anos

1970 acabou tendo como função social, sendo palco de uma realização sociopolítica

e responsável pela criação de um espaço público reflexivo.

A viabilidade desses projetos seria ainda mais penosa e incerta não fosse à

disseminação do método simplificado de impressão a frio: offset. A técnica, que

também facilitou o surgimento da imprensa underground nos Estados Unidos a partir

dos anos 1970, permitiu que grandes jornais passassem a oferecer seu tempo

ocioso de impressão a veículos menores. Outro ponto facilitador no cenário

brasileiro foi o sistema de distribuição nacional implantado pela Editora Abril que

estimulou o surgimento de jornais com tiragens a partir de 25 mil exemplares.

Mesmo sendo um facilitador é preciso ponderar que as distribuidoras, além

de impor um pagamento adiantado aos jornaleiros, ficavam com 40% das receitas

das vendas. Eram raros os veículos que conseguiam cobrir suas despesas e custos

operacionais com a vendagem, a maioria não contava com receita publicitária, daí a

―debilidade financeira crônica‖ da imprensa alternativa de distribuição nacional.

Apenas grandes veículos, como O Pasquim alcançaram certa estabilidade

financeira, ―os demais sofriam prejuízo pelo privilégio de uma presença nacional em

banca, o que aponta para a natureza política e não mercantil desses projetos.‖

(KUCINSKI, 2003, p. 18).

Certamente pensar no lucro não estava entre as melhores atribuições dos

protagonistas do movimento alternativo. Orientados pelo desejo de auto-

organização, estavam ancorados na possibilidade de exercício da liberdade de

expressão e não no sucesso comercial. Os representantes do jornalismo alternativo

65

não eram líderes de mercado, nem pretendiam tal. Por essa característica foram

chamados por muitos como a imprensa nanica, sendo esse termo utilizado, muitas

vezes, como sinônimo do primeiro.

Kucinski (2003), entretanto, faz uma diferença: a chamada imprensa nanica

designa a imprensa alternativa com estrutura empresarial modesta e poucos

recursos financeiros. O termo imprensa nanica foi inspirado no formato tabloide,

adotado pela maioria dos veículos alternativos da época, expressão disseminada

principalmente por publicitários.

Enfatiza uma pequenez atribuída pelo sistema a partir da sua escala de valores e não dos valores intrínsecos à imprensa alternativa. Ainda sugeria imaturidade e promessas de tratamento paternal. Já o radical de alternativa contém quatro dos significados essenciais dessa imprensa: o de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 1960 e 1970, de protagonizar as transformações sociais que pregavam. (KUCINSKI, 2003, p. 13).

Esse pensamento ideológico fortemente influenciado pelas ideias leninistas

fez com que muitos veículos pecassem pela falta de atenção à administração do

negócio. Geridos, geralmente, por jornalistas que estavam mais preocupados com a

liberdade de sua fala, do que com a permanência e sustentabilidade do negócio,

muitos jornais acabavam por fechar após alguns números por ausência de verbas.

Talvez tenha sido justamente essa característica de maior desapego ao

monetário que tenha causado a extinção de alguns deles.

[...] O alternativo é diferente não só nas suas ideias contracorrente, também na sua organização, em que predominam o voluntarismo e a cooperação não monetária, e no envolvimento emotivo dos seus jornalistas. No alternativo, jornalistas e intelectuais não são pagos para defender ideias dos outros, são mal pagos para dizer exatamente o que pensam. No alternativo, a notícia não é mercadoria: é valor de uso e não de troca. Não há nada mais anticapitalista do que isso, ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salários e aluguéis, usar alguma publicidade. (KUCINSKI, 2007, s.p.).

Costumeiramente, os jornais alternativos nasciam como coletivos informais e

sociedades por cotas, entretanto era comum que seus integrantes pouco

conhecessem sobre os problemas gerencias desse tipo de empreendimento,

desconhecendo em muitos casos, inclusive, qual era seu percentual de participação

na sociedade. O pouco conhecimento e desinteresse pela gestão, associada a uma

66

notável aversão ao ―espírito capitalista20‖, onde toda acumulação era vista como

roubo.

Tinha como componente básico o repúdio ao lucro e, em alguns jornais, até mesmo o desprezo por questões de administração, organização e comercialização. Paradoxalmente, a insistência numa distribuição nacional antieconômica, a incapacidade de formar bases grandes de leitores assinantes, certo triunfalismo em relação aos efeitos da censura, tudo isso contribuiu para fazer da imprensa alternativa não uma formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só aos ataques de fora como às suas próprias contradições. (KUCINSKI, 2001, p.12).

É verdadeiro afirmar que ser um líder de mercado não estava dentro dos

planos desses idealizadores da nova imprensa da época. O Pasquim, por exemplo,

quando começou a vender mais de 100 mil exemplares por semana poderia ter

comprado a preço de ocasião as gráficas do Grupo Feitler, no Rio de Janeiro, e

Jaguar se recusou porque não queria ―se tornar patrão‖.

Mesmo em seu período de grandes vendas, a imprensa alternativa nunca teve a pretensão de que os leitores trocassem os grandes jornais pelos tablóides que surgiam. Em primeiro lugar, pela impossibilidade concreta – pela falta de uma estrutura administrativa e financeira de estabelecer uma verdadeira competição. Além disso, ela dependia da grande imprensa, nem que fosse para criticar o que saía (ou não saía) nesta. (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2005, p. 20).

Questões relativas à administração e viabilização econômica eram pouco

discutidas, enquanto que discordâncias ideológicas eram motivos de embates

frequentes. Em suas estruturas os veículos defendiam propósitos democráticos e

participativos, mas, eram comumente espaços de luta e disputas para partidos

clandestinos. ―Havia entre as concepções vigentes uma forte inspiração gramsciana,

entendendo os jornais como entidades autônomas, com o principal propósito de

contribuir para a formação de uma consciência crítica nacional‖, entretanto

―seguiam-se rachas‖ e a formação de estruturas mais estáveis não se solidificavam

frente às constantes divergências de seus líderes, geralmente jornalistas,

intelectuais e ativistas de várias vertentes, que entendiam o veículo como um

instrumento de partido. ―Cada grupo procurava ganhar posições na frente

jornalística, para fazer dele seu instrumento de poder, mesmo ao atropelo dos

mecanismos pré-estabelecidos‖. (KUCINSKI, 2003, p. 20)

Se a falta de tino comercial e as discordâncias ideológicas eram um forte

empecilho ao desenvolvimento, certamente a perseguição do regime era muito mais

20

Expressão consagrada por Max Weber, em A ética protestante e o espírito capitalista, traduzido para o português em 1967.

67

danosa. A maioria dos jornais possuía uma tiragem semanal, mas costumeiramente

eram impedidos de circular pela apreensão da censura prévia, algumas edições

eram apreendidas mesmo depois de filtradas. A circulação em si era um assunto

delicado e variava enormemente.

O aparelho militar distinguia os jornais alternativos dos demais, perseguindo-os e submetendo os que julgava mais importantes a um regime especial, draconiano, de censura prévia. Em conformidade com a Doutrina de Segurança Nacional, instituída pela ideologia da guerra-fria, eram considerados pelos serviços de segurança como inimigos: ―Organização de Frente‖ do comunismo internacional, que tinham por tarefas ―isolar o governo‖ e ―difundir o marxismo‖. Editores d‘O Pasquim permaneceram encarcerados por dois meses logo após o AI-5. (KUCINSKI, 2003, p. 14).

A sobrevivência desses novos canais era tão delicada que dos cerca de 160

jornais nascidos na década de 70, a metade não passou de algumas tiragens,

fechando ainda no primeiro ano. Vários deles ficaram apenas ―nos dois ou três

primeiros números‖.

Um fato que atingiu duramente os alternativos foi a série de explosões de bombas em bancas de jornal, em 1980. As detonações atingiam, particularmente, as bancas que vendiam esse tipo de jornais que, temerosas, passaram a recusar sua distribuição. (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2005, p. 24).

Apenas cerca de 25 jornais alternativos dos anos 70 tiveram vida

relativamente longa, de até cinco anos. ―E, mais importante: nenhum deles

sobreviveu com sua forma original ao regime autoritário que combateram‖.

(PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2005, p. 20). É o caso d‘O

Pasquim, que mesmo com seu sucesso de vendas, foi comprado por um de seus

antigos colaboradores e anos depois acabou fechando.

Alguns teóricos como Kucinski ponderam que o fim do jornalismo

alternativos dos anos 70 não se dá em razão, unicamente, do regime ou de suas

preferências administrativas, mas estaria intimamente ligada ao declínio do período

militar, por estarem inseridos na lógica da ditadura.

Sua única razão de existir era a resistência. Não tinham porque sobreviver ao regime militar. [...]A repressão, os sequestros de edições, a censura prévia, os processos políticos, tudo isso precipitava crises latentes dentro dos jornais; raramente foram as causas diretas do seu fechamento. Efetivamente, com a abertura, a grande imprensa não foi só recriando uma esfera pública, como o fez apropriando-se de temas até então exclusivos da imprensa alternativa, e contratando muitos dos seus jornalistas. Opor-se ao governo deixou de ser monopólio da imprensa alternativa. [...] A campanha pela anistia, pelas eleições diretas passaram a ser temas agora amplamente discutidos na grande imprensa, assim como a revisão de casos de seqüestros, assassinatos e desaparecimentos. [...]Além disso, a retomada da atividade política clássica, no âmbito dos partidos e de seus jornais, que após a decretação da anistia saíram da clandestinidade,

68

esvaziou a imprensa alternativa de sua função de espaço de realização sociopolítica. (KUCINSKI, 2003, p. 25-27).

Kucinski menciona ainda que, além da autogestão e da descentralização das

decisões, os modelos de distribuição, também teriam contribuído para o fim dos

alternativos:

Paradoxalmente, a insistência numa distribuição nacional antieconômica, a incapacidade de formas bases grandes de leitores assinantes, certo triunfalismo em relação aos efeitos da censura, tudo isso contribuiu para fazer da imprensa alternativa não uma formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só aos ataques de fora como às suas próprias contradições. (KUCINSKI, 2003, p. 25-27).

Assim, a extinção da mídia alternativa seria assintomática a ditadura,

fazendo parte do natural dos ciclos, que se extinguem findada sua razão causal.

Essa característica é própria do movimento dialético. Desfeito o contexto social que

a abriga perde a razão de existência, porque já ter cumprido com seu papel. Quando

a grande imprensa se apropria de características das menores é prova de que o

movimento de transformação está em curso, mesmo que de maneira muito frágil,

atendendo a uma necessidade de mercado e longe de um princípio ideológico e

pouco ético.

O desaparecimento quase total e repentino da imprensa alternativa parece ter sido premonitório, corroborando a tese de que essa imprensa, por se estabelecer pontes entre organizações e a sociedade, antecipa grandes transformações. (KUCINSKI, 2003, p. 28).

Um contraponto necessário à discussão é que o desafio maior da mídia

alternativa, ou melhor, de todo o jornalismo engajado que não busque atender

unicamente aos interesses comerciais continua sendo ―encontrar soluções não

capitalistas num ambiente totalmente capitalista‖. E complementa que, para os

defensores do jornalismo alternativo a notícia não é um serviço passível de venda,

uma vez que se trata de valor de uso. (KUCINSKI, 2007, s.p.).

69

4 JORNALIMO CÍVICO E A CONTEMPONRANEIDADE

4.1 O DNA DAS NOTÍCIAS

Para entendermos como se dá a veiculação das informações na

contemporaneidade, além de percebermos a mídia hegemônica como conjunto de

oligopólios empresarias, é preciso compreender como se dão a escolha, a seleção e

a montagem do que será notícia. Conhecer os fatores que influenciam e orientam os

valores-notícia é determinante para a compreensão de como a mídia pode contribuir

para a construção da realidade por meio de recortes e enquadramentos dos fatos.

[...] mais que constituir os fatos, o fluxo de notícias nos jornais, na televisão, no rádio, nas revistas e na internet acaba ordenando os fatos. O discurso jornalístico é um fato ordenador daquilo a que chamamos, por algum resíduo de inocência imperdoável, de realidade. Ora, e o que é realidade, senão aquela que é dada pela mídia - ou pelas reações à mídia, o que dá no mesmo? O que é a realidade senão a composição de sentidos e de significados tal como ela pode acontecer nos termos da comunicação social? (GOMES, 2003, p. 12).

Antes de falar em notícia, propriamente dita, cabe conceituar acontecimento,

buscamos fatos do mundo vivencial que constituem corpo para o jornalismo.

Apoiado em teóricos como Rodrigues e Alsina, Sousa (2002, p. 21) define

acontecimento como: ―ocorrências singulares, concretas, observáveis e delimitadas,

quer no tempo, quer no espaço, quer em relação a outros acontecimentos que

irrompem da superfície aplanada dos fatos‖. São fatos que possuem ―carácter de

notoriedade, dentro de um contexto social, histórico e cultural que co-determina essa

notoriedade‖. (SOUSA, 2002, p. 20).

Alsina (1993 apud SOUSA, 2002, p. 24-25) estabelece três elementos

principais para caracterizar um acontecimento jornalístico.

a) ser uma variação no sistema, uma ruptura das normas, uma

anormalidade do cotidiano. A permanência dessa variação

acarretaria a perda da novidade e, por conseguinte, a normalização

do fato, cessando o entendimento da ocorrência como

acontecimento;

b) a comunicabilidade dos fatos21 – só se caracteriza como

acontecimento jornalístico aquilo que é comunicado ou comunicável;

21

Um fato que não é comunicado acaba por não existir. Assim, muitas realidades são suprimidas em detrimento de tantas outras criadas em favor dos interesses dos detentores de poder. Na atualidade,

70

c) a participação do sujeito – os consumidores participam da

construção de sentido das mensagens midiáticas e acabam por

aderir as mesmas em maior ou menor grau, um vez que essas

mensagens poderiam afetá-los – direta ou indiretamente – ou não

sensibiliza-los.

Atento a essas questões, para Sousa (1999), notícias22 são artefatos

linguísticos que buscam representar aspectos da realidade cotidiana.

[...] resultam de um processo de construção e fabrico onde interagem, entre outros, diversos factores de natureza pessoal, social, ideológica, cultural e do meio físico/tecnológico, que são difundidos pelos meios jornalísticos e aportam novidades com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sócio-cultural, embora a atribuição última de sentido dependa do consumidor da notícia. [...] Como Alsina (1993) faz notar, a essa fase há que juntar a circulação e o consumo, sendo essa última a fase decisiva na outorgação final de sentido, já que é a fase em que intervém o consumidor das mensagens mediáticas. (SOUSA, 1999, p. 2).

Ao falar de notícia, Souza faz uma ressalva importante, mesmo que as

notícias retratem a realidade é preciso considerar que ―sua mera existência

contribuem para construir socialmente novas realidades e novos referentes‖.

(SOUSA, 1999, p. 2).

Erbolato (1991, p. 60) defende que os critérios das notícias variam no tempo

e no espaço, de acordo com as empresas jornalísticas. O autor ainda lista uma série

de critérios que devem ser levados em conta na hora de transformar um fato em

notícia: proximidade; impacto; proeminência; aventura e conflito; consequências;

humor; raridade; progresso; sexo e idade; interesse pessoal e humano; importância;

rivalidade; utilidade; oportunidade; expectativa ou suspense; originalidade; culto de

heróis; descobertas e invenções; repercussão; confidências.

Para Sousa, a notícia não acontece de forma isolada, mas a partir da

interação de cinco forças: ação pessoal, ação social, ação ideológica, ação cultural

e ação tecnológica, todas elas modeladas por uma sexta força, a história.

é facilmente percebida a diferença na seleção e nos tratamentos dos acontecimentos dados pela mídia hegemônica e pelas mídias alternativas, como é o caso da Pública, que aborda diversas temáticas que se quer rendem pequenas notas nos veículos tradicionais.

22

As notícias podem subdividir-se em hard news (notícias ―duras‖, respeitantes a acontecimentos) e soft news (notícias ―brandas‖, referentes a ocorrências sem grande importância e que, geralmente, são armazenadas e apenas difundidas quando tal é conveniente para a organização noticiosa). As hot news, notícias ―quentes‖, seriam aquelas que, sendo hard news, se reportam a acontecimentos muito recentes. As spot news são as notícias que dizem respeito a acontecimentos imprevistos. Finalmente, as running stories são notícias em desenvolvimento. (SOUSA,1999, p. 10)

71

As notícias são produtos das pessoas e das suas intenções, por isso a

produção passaria parcialmente por uma ação pessoal. A concepção ética do papel

do jornalista – sua definição de valores morais e princípios do certo e do errado –

será influenciador na construção de conteúdo para os news media. Também a

autoimagem do profissional poderá influenciar enormemente a seleção da

informação e, portanto, é um elemento importante para a configuração da notícia.

Por exemplo, Johnstone, Slawski e Bowman (1972) mostraram que alguns jornalistas se consideravam "neutros", perspectivando as suas profissões como meros canais de transmissão, e que outros se viam como "participantes", acreditando que os jornalistas necessitariam de explorar, esquadrinhar e sacar a informação em ordem a descobrir e desenvolver as histórias. (SOUSA, 2002, p. 42).

Assim, o jornalista seria uma espécie de gatekeepers que seleciona de

forma instantânea as mensagens que passam e se tornam notícias e as mensagens

que não passam.

Não apenas as visões de mundo do jornalista influenciam na construção da

notícia, também o meio no qual o profissional está inserido é de extrema relevância.

Nesse ponto, Souza, apoiado em Schramm (1988) fala sobre o papel das

organizações (que são mais que a simples soma das pessoas que as constituem) e

dos constrangimentos do sistema social (particularmente no meio organizacional)

durante a conformação da notícia.

As organizações noticiosas exercerão, de fato, algum poder sobre os jornalistas, até devido aos mecanismos da contratação, do despedimento e da progressão na carreira. Como à organização interessa, à partida, ter pessoas adaptadas à sua dinâmica interna, percebe-se que o jornalista será sempre constrangido pela política editorial e pela forma de fazer as coisas no órgão de comunicação social para o qual trabalha. (SOUSA, 2002, p. 54-55).

Sousa, partilhando das posições de Chomsky e Herman, ao falar da ação

social menciona o risco de dependência das ―organizações burocratizadas para com

os canais de rotina (conferências de imprensa, tribunais, agências noticiosas, press-

releases‖ (SOUSA, 2002, p. 45).

Para Sousa (2002) o hábito também pode influir no momento da construção

da matéria.

Um jornalista, constrangido pelas formas rotinizadas de avaliar as situações e a sua própria atividade, poderá tender a fabricar informação padronizada (por exemplo, a redigir notícias com base na técnica da pirâmide invertida) e a selecionar sempre como tendo valor noticioso o mesmo tipo de acontecimentos (por alguma razão as conferências de imprensa dos políticos parece ter sempre valor noticioso aos olhos dos jornalistas enquanto, por exemplo, as dissertações e mestrado e doutoramento, por mais relevantes que sejam não parecem ter) sem procurar outras vias de

72

atuação (que poderiam ser, eventualmente, mais eficazes em certas circunstâncias). (SOUSA, 2002, p. 41).

Em consonância com Traquina (1988), Sousa (2002, p. 51) declara que

práxis rotineira, tão necessária à produção continuada no jornalismo, pode distorcer

ou simplificar arbitrariamente o mundo dos acontecimentos.

O jornalismo tende a cair numa atividade burocrática e o jornalista passa a assemelhar-se a um burocrata, o que pode ter conseqüências diretas para as funções socialmente instituídas dos news media, sobretudo para as funções da informação, da vigilância e do controle dos poderes; mas, somente as burocracias podem garantir ao "jornalismo burocrático" fluxos constantes de matéria-prima informativa garantida e minimamente crível, pelo que os órgãos jornalísticos, face à pressão do tempo e devido à escassez relativa de recursos humanos, vão preferir fontes acessíveis, centralizados e sistemáticos, com horários compatíveis, de onde o privilégio dado às instâncias políticas, econômicas, desportivas, ou outras suscetíveis de garantir o fornecimento constante de "acontecimentos", nem que seja o lançamento comunicados. (SOUSA, 2002, p. 51-52).

O fator tempo, sem dúvida, é determinante na opção e adoção de certas

rotinas institucionalizadas nas redações. Como menciona Sousa (2002), ao citar

Schlesinger (1977), um corpo profissional cada vez menor associado a deadlines

cada vez mais apertados forçaria os jornalistas a optar por modelos, formatos e

temáticas já conhecidos.

A pressão do tempo, agudizada pela competitividade, levaria ainda os jornalistas a relatar frequentemente as histórias em situações de incerteza, quer porque nem sempre reúnem os dados desejados quer porque necessitam de selecionar rapidamente acontecimentos e informações. O fator tempo impediria também a profundidade, razão pela qual as notícias se concentrariam no primeiro plano (foreground) em detrimento do plano contextual de fundo (background), o que contribuiria para abolir a consciência histórica. (SOUSA, 2002, p. 47-48).

A limitação de tempo e as rotinas burocratizadas contribuiriam, segundo

Sousa, para a criação e manutenção de uma agenda de assuntos, que acabam por

nortear o posicionamento do veículo.

A previsibilidade das informações e a planificação norteiam, portanto, grande parte dos procedimentos de recolha de informação, pois permitem que, em cada período de trabalho, regulado pela agenda e pelas deadlines, não se comece do nada. (SOUSA, 1999, p. 08).

Wolf pondera que as tecnologias têm fortalecido a agenda settings e cada

vez mais reduzido à área de recorte dos jornalistas.

[...] assiste-se ao fenómeno pelo qual as redacções estão, tecnologicamente, cada vez mais em condições de dar informações em tempo real mas a propósito de um número de assuntos, temas e indivíduos cada vez mais delimitado antecipadamente.‖ (WOLF, 1987, p. 211-212).

73

Ao que Sousa complementa: ―a agenda revela, igualmente, o tipo de

acontecimentos sobre os quais um determinado órgão de comunicação se concentra

de forma mais ou menos estável e, consequentemente, as representações da

realidade que oferece‖. (SOUSA, 1999, p. 08).

As pressões sociais não se originam somente do ambiente organizacional,

mas partem de todo o conjunto social. O processo de newsmaking é afetado por

todo o sistema social no qual a organização se insere. Para Sousa (1999, p. 33) os

poderes exercem vários tipos de forças e pressão sobre a comunicação social a fim

de torná-la ―dócil‖ e ―acomodada‖. Entre elas:

— Rotinas e valores-notícia tendem a excluir da cobertura noticiosa as pessoas de menor prestígio, em favor das poderosas; — As convenções estéticas centram-se nas pessoas; — O poder e os recursos têm uma divisão desigual; [...] — O poder ambivalente do Estado levaria as elites tradicionais a terem um acesso mais facilitado às instituições do Estado e a poderem, assim, controlar ou influenciar com maior peso a comunicação social, mantendo-a dentro das fronteiras do ―aceitável‖. (SOUSA, 1999, p. 33).

Seguindo na mesma linha, a ação cultural percebe a notícia como um

produto inserido em uma cultura e limitado por valores do que é concebível no seio

dessa cultura. ―Isto é, uma dada sociedade, num determinado momento, só

consegue produzir uma determinada classe de notícias‖. (SOUSA, 2002, p. 37). As

notícias seriam ―um produto do sistema cultural em que são produzidas, que

condiciona, quer as perspectivas que se têm do mundo, quer a significação que se

atribui a esse mesmo mundo (mundividência)‖. (SOUSA, 1999, p. 4). O conceito de

frame, de ―enquadramento‖, por exemplo, é útil aqui uma vez que o quadro do que

tem ou não potencial noticioso seria determinado pelas cargas culturais.

A confecção das notícias estaria, também, sujeita a ações ideológicas,

forças de interesse e visões de mundo que, conscientes ou não, assumidos ou não,

dariam coesão aos grupos com linhas de pensamento desigual. Para Sousa, a ação

ideológica atua na percepção e reprodução do mundo vivencial, afetando

diretamente a forma como as notícias são tratadas.

[...] existe uma acção ideológica que se faz sentir sobre as notícias; estas, além do mais, segundo me parece, têm também efeitos ideológicos. Sublinho, igualmente, que no domínio da influência sócio-cultural sobre o processo de construção e fabrico das notícias difundidas pelos meios jornalísticos haveria ainda que enfatizar o papel da história na conformação das notícias. (SOUSA, 1999, p. 3).

74

Louis Althusser (1971) acaba por unir as duas ações ao enfatizar que a

cultura atuaria como veículo da ideologia dominante e hegemônica. Segundo explica

Sousa:

A comunicação social seria apenas um dos vários tentáculos do ―polvo cultural‖ que velava pela manutenção do domínio de uma classe sobre as outras. Os próprios actos culturais mais simples seriam, de algum modo, actos ideológicos. Ele dá conta, por exemplo, da mulher que calça sapatos de salto alto. Para Althusser, essa mulher estaria a executar um acto ideológico que revelava a sua adesão a uma estética machista e, portanto, a uma estética ideológica. [...] ―Para Althusser, tudo é ideologia, e a ideologia é omnipresente e aparentemente omnipotente.‖ (SOUSA, 1999. p.90).

Além dos fatores subjetivos, a notícia estaria sujeita à ação de meios físicos

e tecnológicos, sendo deles dependente. Sousa ainda menciona a força da ação

histórica na confecção da notícia. ―As notícias são produto da história‖. (SOUSA,

1999, p. 3).

4.2 AS NOTÍCIAS E SEUS EFEITOS

Para Sousa (1999), compreender as variantes que atuam sobre a

construção da notícia auxiliaria no entendimento de que a mídia, através do que

veicula interfere no meio, participando ativamente da construção do social. Os

veículos comunicacionais conferem notoriedade pública a determinados

acontecimentos e tal notoriedade tem também um ―peso‖ social.

[...] representam discursivamente, democratizando o acesso às (representações das) mesmas e tornando habitual (ritual?) o seu consumo. Os meios jornalísticos contribuem ainda para dotar essas ocorrências, ideias e temáticas de significação, isto é, contribuem para que a essas ocorrências, ideias e temáticas seja atribuído um determinado sentido, embora a outorgação última de sentido dependa do consumidor das mensagens mediáticas e das várias mediações sociais (escola, família, grupos sociais em que o indivíduo se integra, etc.). Em parte, a acção descrita é exercida porque os meios jornalísticos integram essas representações de determinadas ocorrências, ideias e temáticas, enquanto fragmentos que são, num sistema racionalizado e organizado que globalmente fornece um quadro referencial explicativo do mundo, num processo que poderíamos genericamente designar por construção social da realidade pelos media [...]. (SOUSA, 1999, p. 05).

Sousa (1999), recorre a Berger e Luckmann (1976) para demostrar que os

formatos e gramáticas adotados pelos mass media atuam como mediadores do

processo de construção social da realidade.

75

Os formatos definiriam os conteúdos e, portanto, condicionariam a atenção, as expectativas, a apreensão da informação e a construção de significados por parte do público, já que comportariam a estratégia e a forma de produção, apresentação e interpretação da informação. A gramática específica organizaria logicamente os procedimentos que tornam possível a localização, hierarquização, organização e interpretação dos conteúdos definidos pelos formatos. A distribuição das notícias pelas secções dos jornais, as técnicas jornalísticas de reportação dos acontecimentos na imprensa e o vocabulário específico que esta teria desenvolvido seriam exemplos dos efeitos da adopção mediática de uma gramática específica. (BERGER: LUCKMANN, 1976 apud SOUSA, 1999, p. 123).

Para Altheide e Snow (1979 apud SOUSA, 1999, p. 123) as notícias são

enformadas e se converteriam em esquemas utilizáveis para compreender,

apresentar e interpretar a realidade. Ao que Tuchman (1981 apud SOUSA, 1999, p.

84-85), defende, ―o conteúdo das notícias indica a influência que elas têm no meio

social, já que as notícias seriam comparáveis aos mitos [...] no seu papel explicativo

do mundo e na sua faceta de criadores da consciência social‖. Tuchman ainda

acrescenta que ―em grande medida, são as rotinas produtivas a configurar os

conteúdos da informação e que as notícias têm o condão de nos indicar como

devemos observar e interpretar a realidade‖.

Sousa menciona quatro efeitos do jornalismo sobre a reconstrução social da

realidade. (SOUSA, 1999, p. 84).

a) As organizações noticiosas referenciam o mundo social e definem a

noticiabilidade dos acontecimentos a partir da rede que tecem para

capturar esses acontecimentos. Esta rede privilegia a colocação de

repórteres junto de determinadas instituições e em determinadas áreas

geográficas – um atentado nos USA facilmente será replicado ao

mundo em instantes, enquanto um atentado semelhante na Nigéria não

ganha o mesmo tratamento e destaque.

b) A classificação rotineira das notícias em hard news, hot news, etc. e as

generalizações que o jornalista emprega para dar ou negar

credibilidade prévia a uma fonte de informação fazem com que

somente determinado tipo de ocorrências seja ―transformado‖ em

notícia rapidamente editável. Outras não são publicadas porque não se

inscrevem nos tipos que os jornalistas rotineiramente privilegiam, ou

então, porque o jornalista não confere credibilidade e/ou importância a

certas fontes, mesmo que elas sejam idôneas e efetivamente credíveis.

76

c) Os meios jornalísticos possuem uma função institucionalizada que é a

de prover o público de informação, reservando à notícia a capacidade

de tornar públicos determinados acontecimentos e não outros. Porém,

para Tuchman (1981) a notícia tipifica ou legitima movimentos sociais e

significados, estandardizando formas de ver a realidade.

d) A notícia é uma realidade construída e uma forma de conhecimento.

Após a Segunda Guerra Mundial, quatro linhas teóricas sobre os efeitos dos

meios de comunicação ganharam destaque: o paradigma funcionalista, a sociologia

interpretativa, os estudos críticos de gênese marxista e a chamada Escola

Canadiana.

Para os funcionalistas os meios de comunicação têm enorme poder de influir

o social, sendo capazes de modificar atitudes e opiniões. Do ponto de vista

funcionalista, o leitor seria um mero receptor, suscetível à mídia; logo, essa seria

uma das grandes responsáveis pelo desenho social.

Já os adeptos da teoria sociologia interpretativa defendem que a sociedade

é uma trama complexa, onde diferentes grupos interpenetrantes e interativos seriam

capazes de criar os seus próprios universos simbólicos e os seus mecanismos de

interpretação da realidade. Para eles, a comunicação interpessoal, seria

preponderante nesse processo cognitivo, independentemente de ele ser influenciado

pela comunicação massivamente mediada.

Os marxistas opõem-se aos dois paradigmas anteriores. Para os teóricos

críticos, o Estado23 é um instrumento de dominação a serviço da classe dominante,

assegurando o status dela. ―Os pensadores marxistas viam os meios jornalísticos

nas sociedades capitalistas como parte da infraestrutura económica da sociedade e

como instrumentos ideológicos de perpetuação quer da lógica capitalista do

mercado quer da classe dominante no poder‖. (SOUSA, 1999, p. 87).

Os marxistas consideram ainda que:

[...] as relações sociais surgem das formas de produção e reprodução da vida. A posição dos indivíduos em sociedade é dada pela sua situação no processo produtivo e nas relações que este gera. As ideias da classe dominante são as que prevalecem e a ideologia constitui, de facto, um instrumento para a defesa dos seus próprios interesses e para a reprodução

23

Louis Althusser (1971), com base na proposta de Gramsci, faz uma separação importante entre o aparelho repressivo do aparelho ideológico do Estado. ―O primeiro integraria a polícia, as forças armadas, etc.; o segundo englobaria a comunicação social, as escolas, a família, as igrejas, os partidos políticos, a indústria cultural, etc. A classe dominante exerceria a sua hegemonia sobre a sociedade através do controlo hegemónico desses aparelhos.‖ (SOUSA, 1999, p 89).

77

da estrutura social. (MONTERO, 1993, apud SOUSA, 1999, p 73).

A Escola Canadiana, por sua vez, ―enfatiza o papel dos meios de

comunicação na transformação das sociedades. Para os autores filiados a esta

tradição, mais importante do que ou tão importante como o conteúdo das

mensagens é o veículo que as transporta. (SOUSA, 1999, p 73).

Baseado nos estudos de Montero (1993, p. 112-115), Sousa (1999, p. 121-

122) delimita três linhas de investigação sobre o papel dos meios de comunicação

nos processos de socialização, já que segundo esses autores os medias sempre

exerceriam uma influência sobre a sociedade, ainda que de forma bastante sútil,

sendo sustentadores do status quo.

1) Meios de Comunicação como instituições-agentes de socialização

Os meios de comunicação, institucionalizados, interagem com outras

instituições sociais e modificam os canais e as formas de comunicação. Em alguns

casos a ação comunicativa se sobrepõe a de outras instituições, em outras

instituições modificam a ação midiática. A família e a escola seriam exemplos dessa

interação. Os meios, enquanto agentes socializadores, afetariam a cultura em todas

as suas dimensões.

2) Meios de comunicação como agentes de socialização política

Ao participarem na configuração do conhecimento sobre a política e ao

modelarem uma determinada escala de valores que, por exemplo, podem levar à

participação ou ao desinteresse dos cidadãos, os meios de comunicação actuariam

como agentes de socialização política. Os meios de comunicação poderiam,

inclusive, apresentar conteúdos não políticos que gerem atitudes e comportamentos

com consequências políticas.

3) Acontecimentos críticos e processos de socialização política

Os meios de comunicação atuariam como referentes e definidores de novas

formas de pensar e atuar em situações de crise e ruptura. (SOUSA, 1999, p. 121-

122).

A partir do entendimento dos efeitos que as notícias podem inferir no meio

social é preciso refletir sobre o papel formador dos veículos comunicacionais e seus

jornalistas na construção e fortalecimento de certas ―verdades‖ e leitura do mundo.

Isso sem desvincular a atividade jornalística de seu papel social e civilizatório.

78

Entender o impacto do fato noticioso, irá auxiliar o bom profissional nas escolhas e

orientações no momento da confecção da notícia.

4.3 O JORNALISMO CÍVICO

É por meio da mídia que as estruturas de poder se perpetuam na sociedade.

Para Sousa (1999), os meios jornalísticos são tão relevantes que passam a fazer

parte da estrutura social, política, econômica e cultural.

Em consonância com essas ideias, Montero (1993 apud SOUSA, 1999, p.

113) aponta uma relação direta entre o tipo de sociedade e a estrutura que o

sistema midiático adotou para se adaptar a esse ambiente. Nessa perspectiva, é

inegável que os meios de comunicação atuam enquanto agentes de controle da

difusão e distribuição de conhecimentos.

Meditsch (1992), amparado nos estudos de Adelmo Genro Filho, propõe

uma teoria que explique o jornalismo como ―maneira de conhecer o mundo, uma

forma social de conhecimento, assim como o são a arte e a ciência‖ (p. 26). Para o

autor, o jornalismo vai além da simples comunicação, pois se configura como uma

das maneiras possíveis, dentro do mundo vivencial, de compreender a realidade.

Para Meditsch, o jornalismo como forma de conhecimento, traz o universal a

partir do singular para a percepção individual. A função democrática do jornalismo

residiria na intenção de apresentar a realidade aos diversos público.

[...] todas as formas de conhecimento contribuem para desconstruir o ideal de que há somente uma verdade. [...] é na preservação deste auditório ideal que o Jornalismo encontra uma de suas principais justificações sociais: a de manter a comunicabilidade entre o físico, o advogado, o operário e o filósofo. Enquanto a ciência evolui reescrevendo o conhecimento do senso comum em linguagens formais e esotéricas, o Jornalismo trabalha em sentido oposto. (MEDITSCH, 2004, p. 365 - 371).

Nessa percepção, o papel do jornalismo não seria de um simples

transmissor da informação, um fazer diário das notícias, mas um mediador

responsável pela tradução e reconfiguração de diversos formatos de conhecimento.

Não se pode ignorar que esse papel de mediador e tradutor de diferentes

falas pode aproximar ou afastar dependendo das ideologias e dos interesses

envolvidos. Como já exposto no capítulo DNA das notícias, a transmissão desses

conhecimentos não se dá de forma natural: são produtos de forças de controle e

79

conflito de interesses. Segundo Sousa (1999) é crucial perceber a relação entre a

manutenção do poder e a distribuição de conhecimentos.

A mídia transmite e produz realidades, porém essa realidade retratada não é

completa. Mesmo fazendo parte do social, a mídia não é um reflexo fidedigno desse

e sim o recorte de alguns quadros, sendo que tais recortes geralmente são

orientados pelo interesse dominante, o que favoreceria o atraso crítico do público.

A assunção do referido ponto de vista representa também a rejeição de ―teorias‖ estafadas como a ―teoria‖ do espelho, que vê as notícias como o espelho da realidade [...] Ao invés, parece-me que formulações retóricas como a ―separação‖ entre informação e opinião, entre o ―facto‖ e o ―comentário‖ que os valores jornalísticos clássicos propõem favorecem a construção de uma imagem do jornalismo como espelho da realidade. Se os media agirem, realmente, como agentes de sustentação do statu quo e de amplificação dos poderes, a sua imagem dominante, ao nível do ser humano comum, poderá, por consequência, facilitar perigosamente a manipulação e a desinformação do público. (SOUSA, 1999, p. 05-06).

Assim, a mídia seria responsável por fortalecer e corroborar alguns aspectos

da vida social, em detrimento de outros. Ao que Sousa explica:

[...] as realidades que os news media nos dão a conhecer são realidades mediatizadas por esses mesmos meios. Visto de outro prisma, os meios jornalísticos mediatizam nosso conhecimento das realidades que não conhecemos e propõem-nos, logo à partida, determinadas interpretações para essas mesmas realidades. (SOUSA, 1999, p. 70).

Com Silva (2010, p. 8), não existe jornalismo real e o exercício da profissão

seria sempre uma falsa consciência. Recorrendo a Althusser, ele aponta essa

instituição como um aparelho ideológico de Estado, "disseminador de ilusões da

realidade" embora não possa ser deslocado de sua missão social.

O jornalismo, em sua missão social, transcenderia a relação capital versus

trabalho e também as diferenças étnicas, de gênero, entre outras, sendo assim parte

de sua natureza a defesa da liberdade de expressão e valores como independência,

isenção, objetividade e credibilidade.

Para ele, não se pode, porém, analisar o jornalismo sem evidenciar os

―tentáculos colonizadores do mundo sistêmico [do poder e do dinheiro]‖. O autor

evidencia que o Brasil não se isenta desse quadro: ―[é] um país-vítima dos jogos

neo-coloniais e neo-imperiais,‖ fora desse contexto, agravado por uma democracia e

liberdade não autenticas. (SILVA, 2010, p. 08-09).

Mesmo abarcando essas contradições, próprias da função social e mercantil

que o integram, o jornalismo, segundo Rothberg (2011) seria um dever cívico que

deve atuar como contributivo para a ampliação do processo democrático. Para ele, o

80

jornalismo denominado cívico seria uma tentativa de retorno à noção de esfera

pública, onde o jornalista, com seu trabalho, atuaria na redução das desigualdades

de poder, resultantes da exclusão cognitiva.

Rothberg (2011) menciona, ainda, que por ser uma atividade comprometida

com o aprofundamento e amadurecimento da democracia, há a necessidade de uma

revisão dos valores-notícia que se centrem no público e não nos interesses de

grupos de poder. Segundo ele, é urgente que os jornais voltem a se conectar ao

público pela oferta de uma cobertura diferente, substancial e positiva, fazendo com

que esse se reconecte à política.

O distanciamento dos jornalistas em relação aos assuntos que cobrem, tido pelas práticas habituais como elemento fundamental para proporcionar independência e atingir objetividade e isenção, é rejeitado pelo jornalismo público. Se, no jornalismo tradicional, as pautas são tradicionalmente decididas no âmbito privado das redações, com base na crença de que os critérios de noticiabilidade correspondem a todo o conhecimento necessário para os profissionais da área decidirem o quê e como será noticiado, no jornalismo cívico essa prática será duramente questionada, tornando imprescindível que os profissionais passem a implementar meios de o público participar da definição da agenda da cobertura. (ROTHBERG, 2011, p. 159).

A perspectiva é de que o jornalismo público não se resumiria, apenas, às

―sugestões de pauta‖ vindas do público, mas também à mudança de abordagem.

Trata-se de reorientar a angulação do entendimento do que é pauta para o

jornalismo, uma vez que:

[...] desafia o paradigma da objetividade e vários outros aspectos correlatos do jornalismo dominante. O argumento de que as perspectivas de cidadãos comuns devem guiar a cobertura, por exemplo, está em desacordo com o autoentendimento profissional dominante dos jornalistas de que eles são cães de guarda em vigilância eterna sobre as pretensões do governo. (HASS; STEINER, 2002, p. 325 apud ROTHERB, 2011, p. 160).

Mais além, vão os defensores do jornalismo cidadão que pregam a

democratização não somente do acesso à informação, mas também a sua

produção. Os teóricos dessa corrente partem da premissa de que qualquer cidadão

pode elaborar, editar e veicular material jornalístico, sem inferência de um

profissional da comunicação ou editor. Também chamado de open source

journalism, ou jornalismo de fonte aberta, para Targino (2009), em consonância com

os estudos de Bowman e Willis (2003), o jornalismo cidadão ocorre quando um

cidadão, ou um grupo de cidadãos, assume uma função ativa no processo de

reunião, análise e disseminação de notícias e informação.

O objetivo maior dessa participação é promover informações independentes,

81

confiáveis, precisas, abrangentes, que partam de fontes geralmente ignoradas pela

mídia tradicional.

A vinculação entre o jornalismo cidadão/CMI e o treinamento para atitudes cidadãs também se faz notar na oportunidade ímpar de o homem comum ocupar espaço midiático. [...] Em outras palavras, é o uso ativo da rede como recurso para assegurar e consolidar a democracia, e que confirma a proposição popular ―de que quando os meios não chegam, chegam os cidadãos‖ às trincheiras da divulgação dos fatos e dos acontecimentos, em sua versão mais genuína. (TARGINO et al, 2008, p. 65).

Pavlik (2014) lembra que a falta de formação e conhecimento técnico por

parte dos cidadãos pode induzir a erros, causando problemas comunicacionais. Ele

ressalta à dificuldade da identificação de origem na rede.

[...] as identidades dos jornalistas cidadãos dificilmente podem ser confirmadas, a autenticidade do que é apresentado como fato pode ser colocada em dúvida, seja resultado de um erro acidental ou de uma falha deliberada de informação pelos governos ou outros agentes. (PAVLIK, 2014, p. 168).

Segundo o autor, a função do jornalista vai além da produção, sendo a

apuração e verificação etapas tão importantes quanto a coleta de dados. Pavlik, ao

citar Axel Bruns (2003) menciona que as organizações noticiosas e o público devem

trabalhar em conjunto.

[...] uma nova função tem emergido, a de gatewatcher [...] para descrever o novo papel colaborativo do jornalismo em rede. Na era das redes ou da conexão, o jornalista atua com frequência menos como um tradicional gatekeeper e mais como aquele que examina os fatos para avaliar sua veracidade e boa fé, como um autenticador dos jornalistas cidadãos e curador do que é reportado nas redes sociais. ( PAVLIK, 2014, p. 168).

A diferença entre as duas correntes, jornalismo cidadão e jornalismo cívico,

reside em dois pontos: enquanto no primeiro há independência total do cidadão para

com os meios, o segundo defende uma aproximação entre jornalistas e público a fim

de qualificar o processo democrático.

Sousa (1999) segue nessa linha. Para ele, os meios jornalísticos em certa

medida funcionariam como agentes de vigilância e controle dos poderes. Os

jornalistas seriam mediadores com um papel essencial. ―Parece-me inegável que,

especialmente em sistemas de democracia de partidos assentes em estados de

direito, ou noutros sistemas democráticos, os meios jornalísticos são um instrumento

vital de troca de informações e de estimulação da cidadania‖, (SOUSA, 1999, p. 05),

com o que corrobora Silva (2010), enfatizando que o jornalismo cívico, em seu

objetivo formativo civilizatório, é também responsável pela qualificação crítica do

saber:

82

[...] democratizar o saber científico, de modo que ele não atue na sociedade como um poder autonomizado [mundo sistêmico], mas a serviço dela: "O que se pretende é um novo senso comum com mais sentido, ainda que menos comum". [...] Do jornalismo e dos jornalistas se espera, portanto, zelo por princípios da profissão, mas também valores morais (verdade, objetividade e isenção); e rigor nos procedimentos éticos. O jornalismo é, consequentemente, um campo do dever, da obrigação moral (ética) e, em decorrência, um campo dotado de claros compromissos éticos e uma deontologia própria (decoro profissional circunstanciado ao código de ética de uma categoria). (SILVA, 2010, p. 9).

Silva (2010) declara, ainda, que a notícia não é, ou ao menos não deveria

ser, um produto de consumo de descarte imediato. ―Por se destinar à consciência e

não ao corpo, o valor da notícia terá de ser classificado muito mais como valor de

troca do que como valor de uso‖ (SILVA, 2010, p. 13). Deixando uma provocação:

―Para que serve um jornal? ‗um jornal serve para servir‘‖. (SILVA, 2010, p.15).

Para Rothberg (2010), a consolidação da democracia se dá pela formação

do sujeito político que, contextualizado, seria capaz de atuar no sistema

democrático. Para ele, o desenvolvimento dessa criticidade requer a criação, por

parte da mídia, de quadros temáticos aprofundadores do debate.

Ao abordar os escândalos políticos, Rothberg (2011) analisa o risco que o

jornalismo comercial oferece à democracia, com suas reproduções sensacionalistas,

nas quais a política é caracterizada como enredo novelesco. Para o autor, a mídia

hegemônica produz noticiários com simplificação das notícias privilegiando

enquadramentos de conflito, uma vez que essa estratégia seria eficaz na conquista

de públicos consumidores maiores. O problema é que a repetição de tal frame, sem

uma contextualização, afastaria o cidadão do processo democrático.

[...] a própria política, como negociação de diretrizes e soluções, deve ser assimilada como algo muito além do mero composto de animosidades, histórias de lutas por privilégios e solução de conflitos privados, traços geralmente presentes na caracterização oferecida rotineiramente pelo jornalismo comercial. [...] à medida que o ambiente informacional não apresenta as políticas como resultado de escolhas e compensação entre efeitos, oferece um poderoso incentivo à apatia, à renúncia de uma inserção positiva no sistema democrático. [...] o ambiente informacional de uma democracia precisa, nos termos de Kuklinski et al (2001), oferecer dados para dar suporte às operações mentais capazes de operar tal análise de compensações entre os efeitos das políticas públicas em discussão. Uma linha de ação política deve ser enquadrada nos aspectos de benefícios esperados e contrapartidas necessárias. (ROTHERB, 2010, p. 25-30).

Segundo Rothberg (2011), em sintonia com Nichols (2006) um dos

fundamentos do jornalismo, sobretudo aquele com engajamento público, seria a

afirmação do papel de formação política a ser desempenhado pelos veículos de

83

massa, estimulando um diferente ―relacionamento entre a prática do jornalismo e a

atividade democrática‖ (p.159).

Tanto Rothberg (2011), quanto Silva (2010) assumem que o caminho seria a

contextualização, sendo a alçada do jornalista a produção de informações adicionais

ao fato noticioso, para que dessa forma o que o ―destinatário possa dispor de

elementos para exercer melhor a sua cidadania a partir do fato noticiado o que

somente se torna possível para além dos valores-notícia‖ (SILVA, 2010, p. 18).

Rothberg (2011) declara que a diversidade e a pluralidade de enquadramentos

temáticos superariam as características de fragmentação e superficialidade.

Seria também da alçada do jornalista sempre que possível desenhar a

complexa trama social da contemporaneidade, não considerando somente a

condição da realidade posta, mas também as visões relevantes sobre políticas

sociais e sua implementação. ―A mídia deve reconhecer a diversidade de

interpretações e interesses que caracterizam qualquer sociedade plural e

democrática. Por esse motivo, os jornalistas devem ir além dos enquadramentos das

fontes oficiais, incorporando as perspectivas‖. (ROTHBERG, 2010, p. 28).

Ao abordar a responsabilidade do jornalista na construção da notícia, Pena

(2009) defende um jornalismo de resistência, onde o profissional de comunicação

não apenas medeia, mas é também ator no processo democrático. Para ele, o

jornalismo de resistência seria uma forma de contrapoder exercido pelos jornalistas,

que ao desempenhar funções práticas ligadas ao social resistiriam às concepções

mercadológicas.

Pena (2009) menciona que o jornalista exerce um importante papel na

dinâmica de representações das realidades e construções sociais. As mídias

independentes, sobretudo os coletivos online, como a Pública exercem o jornalismo

de resistência, ao encontrarem, no meio virtual, maneira de difundir suas ideias e

propagar as ideias indo de encontro a lógica neoliberal de gestão na mídia

hegemônica.

Pensamento semelhante ao de Lage (2003) que defende que a cobertura do

jornalismo político não pode estar descolada do contexto em que a notícia está

inserida.

A política, assim como o esporte, admite um tipo de cobertura que não se pode chamar simplesmente de noticiosa. Tanto em política quanto em esporte, cada acontecimento pressupõe algo exterior a ele e que lhe dá sentido: a ―situação política‖, a ―situação no campeonato e no ranking.[...] A política é, portanto um discurso que se reporta à realidade de maneira

84

particular. Nela, mais do que um evento singular importa o estabelecimento do quadro de situação, isto é, a apreensão de um aspecto global de realidade que importa ou pressupõe prognósticos para o futuro. (LAGE, 2003, p. 115-116).

Menciona, ainda, que ao se tratar de política, não se pode ignorar a

ideologia presente, mesmo que nas entrelinhas da suposta objetividade. Para o

autor, a ideologia está presente mesmo quando não aparente.

O Jornalismo é um discurso datado: cada texto parte de um contínuo que reflete o conflito entre os interesses de quem manda e as preocupações e angústias de quem obedece, em cada campo de relações da sociedade: governo e povo, médicos e pacientes, escolas e estudantes, etc‖. (LAGE, 2003, p.35).

Tendo em vista que a notícia é permeada por ideologias e correntes de

interesse, em alinhamento com as teorias de Hass e Steiner (2002), Rothberg (2011,

p. 156) afirma que, ao jornalismo público cabe o enfrentamento das rupturas na

esfera cívica decorrentes do declínio no engajamento do público no processo

democrático. Para ele, os jornalistas tem responsabilidade de despertar e incentivar

o compromisso e a participação dos cidadãos, auxiliando, inclusive, no aumento da

qualidade da vida pública. Rothberg (2011, p. 325).

Em contrapartida, Traquina (2001) menciona que a relação de simbiose

entre o jornalismo e a democracia somente seria possível por meio de uma mudança

fundamental na profissão, o que revitalizaria a vida pública. Com base nas ideias de

Mirrit, Traquina (2001, p. 178-179) destaca os principais desafios do jornalismo

público na contemporaneidade:

1) Ir além da missão de dar notícias para uma missão mais ampla de

ajudar a melhorar a vida pública;

2) Deixar para trás a noção do ―observador despretensioso‖ e assumir o

papel de ―participante justo‖;

3) Preocupar-se menos com as separações adequadas e mais com as

ligações adequadas;

4) Conceber os públicos não como consumidores, mas como atores na

vida democrática, tornando-se assim prioritário para o jornalismo estabelecer

ligações com os cidadãos.

Rothberg salienta que justamente por sua importância na construção e

ampliação da realidade social, o jornalismo não pode existir e agir de forma

autônoma. Assim, o autor não descarta a atuação do Estado no controle das mídias,

85

evidenciando que em democracias maduras há participação do governo na

manutenção de canais públicos a fim de evitar as possíveis falhas da atuação do

livre mercado.

Daí a necessidade da criação de empresas públicas para gerir fóruns de livre circulação de pensamento. Afinal, os direitos nessa área, como em muitas outras da vida em sociedade – assim os reconhece a teoria da democracia participativa –, requerem a construção e a manutenção, pelo Estado, de estruturas apropriadas destinadas a lhes proporcionar existência efetiva, sem a ameaça de coerção proveniente tanto do próprio Estado quanto do mercado. (ROTHBERG, 2011, p. 20).

Assim a manutenção e amadurecimento da cidadania passariam por

diversos agentes, entre eles o Estado e o jornalismo. Nesse processo complexo, o

jornalismo fomenta o processo crítico que no momento seguinte se volta ao próprio

fazer jornalístico como crítica de mídia num ciclo contínuo de retroalimentação e

ampliação do processo democrático. Uma grande aliada nesse contexto tem sido a

popularização do acesso à internet.

86

5 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E WEBJORNALISMO

Os adventos tecnológicos, sobretudo a internet, alteraram, de forma rápida e

contínua, a lógica da comunicação. No Brasil, de acordo com os dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, o número de internautas

ultrapassou 100 milhões24, ou seja, 57,5% da população brasileira navega na rede.

Com a popularização da comunicação em rede, a estrutura emissor –

mensagem – receptor sofre profundas rupturas. Nesse novo contexto, com

constante inserção das mídias sócias no cotidiano, os cidadãos passam a participar

do processo de confecção da notícia, abandonando a posição de leitor/público-alvo

para ser também um agente do processo social, produzindo, assim, uma

comunicação mais plural e livre.

5.1 INTERNET E COMUNICAÇÃO EM REDE

A internet nasce de um processo iniciado na década de 1960 com a criação

do conceito de comunicação em rede entre computadores. Sua efetiva aplicação

global somente se dá na década de 1990, com a criação de protocolos

convencionais que permitem o cruzamento de várias redes em uma comunicação

muito mais abrangente e acessível. (CASTELLS, 2003).

A partir daí, surgem conceitos como sociedade da informação, nos trabalhos

de Alain Touraine (apud GOUVEIA; GAIO, 2004) e Daniel Bell (apud GOUVEIA;

GAIO, 2004) para definir como evolução tecnológica tornou-se quesito importante

nas relações, sobretudo, de poder. A expressão sociedade da informação surgiu no

final do século XX para designar essa nova sociedade que se formou a partir da

globalização, e que segue expandindo-se e alcançando proporções mundiais,

evoluindo e se apoiando em novas tecnologias e na comunicação mediada por

computadores.

Segundo Gouveia e Gaio (2004), a sociedade da informação está baseada

nas tecnologias e comunicação em conjunto, envolvendo a aquisição, o

armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios

eletrônicos, tais como: rádio, televisão, telefone, computador, smartphones, entre

24

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/11/brasil-supera-marca-de-100-milhoes-de-internautas-diz-ibge.html

87

outros. Castells (2003) define rede como um conjunto de nós interconectados,

prática antiga na humanidade, mas que ganhou folego em nosso tempo ao se

transformar em redes de informação energizadas pela internet. Para o autor, três

processos independentes, no final do século XX, contribuíram para uma nova

estrutura social, que ele vai chamar sociedade de rede.

[...] as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica. Sob essas condições, a Internet, uma tecnologia obscura sem muita aplicação além dos mundos isolados dos cientistas computacionais, dos hackers e das comunidades contraculturais, tornou-se a alavanca na transição para uma nova forma de sociedade — a sociedade de rede

25—, e com ela para

uma nova economia. (CASTELLS, 2003, p. 8).

Para Castells (2003), emerge do uso continuado da internet um novo padrão

sociotécnico que abre as portas de um novo tempo comunicacional.

A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a difusão da máquina impressora no ocidente criou o que Mcluhan chamou de a ―Galáxia de Gutenberg‖, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a ―Galáxia da internet‖. O uso da internet como sistema de comunicação e forma de organização explodiu nos últimos anos do segundo milênio. [...] A influência das redes baseadas na internet vai além do número de seus usuários: diz respeito também à qualidade do uso. Atividades econômicas, sociais, políticas e culturais essenciais por todo o planeta estão sendo estruturadas pela internet e em torno dela, como por outras redes de computadores. De fato, ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e em nossa cultura. (CASTELLS, 2003, p. 8).

Em um ambiente de rápida mutação, as redes se tornam ferramentas

extraordinárias, de acordo com Castells (2003) por suas características essências de

flexibilidade e adaptabilidade, alavancando mudanças não apenas na forma se

comunicar, mas também na cultura e economia. Segundo Castells, a proliferação da

rede, com sua horizontalidade e nova lógica de mercado, tem ―desbancando

25

Alguns autores irão usar a definição web ao se referir à rede. O termo é uma tradução inglesa, também utilizada para definir teia. O verbete passou a ser utilizado para designar a rede mundial de computadores a partir da popularização do modelo World Wide Web – WWW (uma ferramenta acadêmica que permitiria aos cientistas compartilhar informações, criada em 1989, pelo cientista britânico Tim Berners-Lee e que deu origem ao modelo de rede que conhecemos hoje, aberto e baseado na neutralidade, onde todos têm o mesmo nível de acesso e a informação é tratada com igualdade. A web significa um sistema de informações ligadas por meio de hipermídia (hiperligações em forma de texto, vídeo, som e outras animações digitais) que permitem ao usuário acessar uma infinidade de conteúdos por meio da internet. No presente trabalho, optamos pelo conceito popularizado por Castells (2003) por acreditar se tratar de um conceito com implicações sociais mais amplas.

88

corporações verticalmente organizadas e burocracias centralizadas e superando-as

em desempenho‖. (CASTELLS, 2003, p. 7).

As tecnologias, por si, não transformam a sociedade, mas ao serem usadas

em contextos sociais, econômicos e políticos, criam uma nova comunidade local e

global, a Sociedade da Informação26. A troca de informações de forma direta e

horizontal acaba por eliminar barreiras de tempo e espaço.

Com o encurtamento de distância a rede favorece o reagrupamento social

em nichos de interesse, criando, o que Castells irá chamar de comunidades online.

O próprio espaço ganha novas definições com a internet, onde alguns conceitos

como limites, distancias deixam de ter o mesmo peso. Há alguns autores que

defendem que a rede sepultou a geografia, ao que Castells refuta. Para ele, a

Internet tem uma geografia própria, feita de redes e nós que processam fluxos de

informação gerados e administrados a partir de lugares diversos. A unidade é a

rede, com arquitetura e a dinâmica múltiplas gerando fontes de significado e função,

ao redimensionar e condicionar os lugares.

Castells (2003) amplia o conceito de sociedade da informação ao explicar

que, na sociedade contemporânea a informação ganha status e poder, tornando-se

elemento central de toda a atividade humana. Para ele (2004), o avanço das

tecnologias de informação fez surgir novas formas de interação humana, mais

simples e econômicas.

A cultura da Internet é uma cultura construída sobre a crença tecnocrática no progresso humano através da tecnologia, praticada por comunidades de hackers que prosperam num ambiente de criatividade tecnológica livre e aberta, assente em redes virtuais, dedicadas a reinventar a sociedade, e aterializada por empreendedores capitalistas na maneira como a nova economia opera. (CASTELLS, 2003, p. 83).

O mundo digital permitiu agrupar todos os tipos de mensagens numa

multimidialidade que inclui som, imagens e informação numa única plataforma. Para

Ward, a internet é baseada no consumo não linear, uma vez que os leitores não

precisam ir da informação um para a dois, da dois para a três e assim,

26 Do ponto de vista tecnológico, a tecnologia da informação é um fator importante. Não deve, porém,

ser confundida com sociedade da informação. Enquanto a tecnologia da informação se preocupa centralmente com a medição, conexão, multiplicação e ampliação de conteúdos, recursos e textos, interessada nos produtores e consumidores dessa informação, a sociedade da informação enfatiza o desenvolvimento de relações socioculturais em conexão com a informação como um fator central. Segundo Acores (2008), sociedade da informação e sociedade do conhecimento também são, por vezes, usadas como sinônimos. No entanto, a sociedade da informação diz respeito às complexas redes de comunicação que viabilizam a troca de informações, enquanto a sociedade do conhecimento pode ligar-se a aspectos de relação/poder.

89

subsequentemente. Quando escolhem a reportagem que lhes interessa, podem ir da

camada quatro à 30 e da 30 para a 50, voltando para a informação um (01) com

liberdade de tráfego. Isso sugere necessidade de repensar o processo da narrativa

tradicional; analisar um texto e reconstruí-lo para um público online e seus padrões

de consumo não-linear. (WARD, 2006, p. 24).

Outro ponto marcante da rede é a rapidez e volatilidade das informações.

Wolton (2003) observa que com esse avanço tecnológico, a comunicação de massa

com propagação de informações abundantes torna-se cada vez mais rápida.

A especificidade das tecnologias de comunicação do século XX com a transmissão do som e da imagem é alcançar todos os públicos, todos os meios sociais e culturais. [...] se há um símbolo da sociedade de hoje, este é realmente o tripé: sociedade de consumo, democracia de massa e mídias de massa. (WOLTON, 2003, p. 29).

Ao mesmo tempo em que essa velocidade, teoricamente, representa o

aumento de produtividade, ela também coloca em xeque alguns conceitos do

jornalismo tradicional. Esse é o caso da precisão e credibilidade. Uma vez que as

produções e fontes estão cada vez mais pulverizadas, se torna cada vez mais

importante e mais difícil a precisa aferição dos fatos.

5.2 WEBJORNALISMO E A WEBNOTÍCIA

A rede transformou a comunicação e afetou de forma definitiva a maneira

de confecção da notícia. A pirâmide invertida tão defendida pelo jornalismo

empresarial, é uma técnica de redação adequada ao jornalismo impresso, mas que

não atende de forma efetiva a liberdade de navegação exigida pela rede.

Canavillas (2014) nos ensina que na Web a disponibilidade espacial é

infinita, não há limitações espaciais para informação e o público pode ser global.

Sendo assim, a hierarquização da notícia, na qual o mais importante vem no início,

seguido por blocos informacionais organizados em forma decrescente de interesse,

não se adequa às novas necessidades. Para o autor, ―as notícias na Web devem

obedecer a arquiteturas abertas e interativas, permitindo uma resposta mais eficaz‖

aos diferentes tipos de leitor, atentando a um ―modelo não linear onde se percebe a

importância da contextualização‖. (CANAVILLAS, 2014, p.10). Com a ―convergência

de texto, som e imagem em movimento, o webjornalismo pode explorar todas as

90

potencialidades da internet, oferecendo um produto completamente novo: a

webnotícia‖ (CANAVILLAS, 2003. p. 63).

Sem uma estrutura rígida, o que define as notícias na web são

características próprias do mundo digital como hipertextualidade, multimedialidade,

interatividade, memória, instantaneidade, personalização e ubiquidade. A atenção a

esses pontos caracterizaria, segundo Canavillas (2003), o webjornalismo27.

A hipertextualidade se refere a um mapa informacional amplo com várias

opções de navegação, onde o texto não sequencial é fragmentado e produzido em

camadas, com links e blocos informacionais ligados por atalhos e

redirecionamentos. Segundo Moraes e Jorge (2011, apud CANAVILLAS, 2014, p.

05) hipertexto28 é ―um modo de organização textual cuja função é unir sentidos‖.

A origem etimológica da palavra ―texto‖ é ―textum‖, que significa tecido ou entrelaçamento. Na Web, o texto aproxima-se deste último significado: mais do que um mero conjunto de palavras ou frases organizadas segundo um conjunto de regras preestabelecidas, o texto transforma-se numa tessitura informativa formada por um conjunto de blocos informativos ligados através de hiperligações (links), ou seja, num hipertexto. [...] defende-se que cada bloco informativo se autoexplique e seja relacional, isto é, tente ajudar o leitor a situá-lo no contexto temático e na macroestrutura do documento. (CANAVILLAS, 2014, p. 4-5).

Para Canavillas (2014) as hiperligações cumprem funções específicas

dentro do hipertexto. Apoiado em Salaverría, o autor define quatro tipos de

hiperligações:

i) documentais: ligação a blocos com informação de contexto existente no arquivo da publicação; ii) ampliação informativa: ligação a blocos de contexto, mas neste caso de informação contextual recente; iii) atualização: como o próprio nome indica, liga a blocos com informações atuais sobre o acontecimento; iv) definição: ligação a blocos de informação mais específica e aprofundada. (CANAVILLAS, 2014, p. 7).

27

Para Canavillas (2003) o webjornalismo e jornalismo online são conceitos diferentes. Jornalismo online seria o jornalismo já praticado pelas organizações noticiosas, apenas transposto para a web, comportamento esse criticado pelo autor. Já o webjornalismo é uma atividade feita para o meio digital que atende as peculiaridades e lógicas de funcionamento da rede.

28 A palavra hipertexto foi utilizada pela primeira vez nos anos 60 por Theodor Nelson, que definiu o

conceito como uma escrita não sequencial, um texto com várias opções de leitura que permite ao leitor efetuar uma escolha. [...] Conklin (1987) define-o como um conjunto de documentos ligados a objetos de uma base de dados através de ligações ativadas por um rato e apresentados num ecrã. Nielsen (1995) destaca a ideia da não sequencialidade do hipertexto e a liberdade de navegação oferecida ao leitor, definindo a hipertextualidade como a possibilidade de usar uma hiperligação para ligar dois nós informativos, normalmente o nó âncora ao nó de destino. Também Landow (1995) sublinha esta ideia de fragmentação do texto (chama-lhe atomização) e as diversas possibilidades de leitura oferecidas, mas alerta para a ameaça do texto se transformar num caos. Codina (2003) salienta igualmente a não sequencialidade de um hiperdocumento, mas introduz a necessidade de uma certa composição interna, embora os seus elementos constituintes possam não ser

homogéneos. (CANAVILLAS, 2014, p. 4-5).

91

Uma das vantagens do hipextexto é descentralidade da notícia, o que dá

autonomia ao leitor, que além de escolher o percurso, pode fazer o aprofundamento

da leitura em diferentes momentos. O hipertexto permite que o ponto de entrada na

leitura seja um bloco informativo mais afastado do bloco inicial.

Outra característica marcante do webjornalismo é a multimidialidade. Lévy

(1999) e Mielniczuk (2001) definem multimídia como a convergência de diversos

suportes de comunicação (imagem, texto e som) em um único produto. Lévy (1999)

destaca, ainda, que uma informação apresentada em mais de um suporte, como

textos, imagens e áudio afeta a visão, a audição, o tato, as sensações

proprioceptivas (cinestésicas). Esses recursos permitem ao leitor uma forma de

leitura diferenciada, típica desse novo universo da web.

Para Salaverría (2014), há uma imprecisão terminológica para essa

combinação de textos, sons e imagens. Por isso, três pontos são mencionados pelo

autor como importantes para a definição do conceito, a multimidialidade enquanto

multiplataforma, enquanto polivalência e como combinação de linguagens.

A primeira acepção se diz respeito à coordenação logística de distintos

meios de comunicação.

Referimo-nos àqueles casos onde distintos meios da mesma empresa jornalística articulam as suas respetivas coberturas informativas para conseguir um resultado conjunto. Nestes casos, fala-se frequentemente de ―coberturas informativas multimédia‖. Para designar este tipo de modalidades de coordenação entre meios também se utilizam termos como ―multiplataforma‖ ou, como é habitual no mundo jornalístico anglo-saxão, cross-media. Ambos aludem à mesma realidade: casos em que distintos meios coordenam as suas respetivas estratégias editoriais e/ou comerciais para conseguir um melhor resultado conjunto. (SALAVERRÍA, 2014, p. 27).

Segundo o autor, outro conceito que se tornou comum nos últimos anos é a

expressão ―jornalista multimídia‖, utilizada para designar aquele profissional que

acumula e desempenha saberes que anteriormente eram executados por outras

profissões. Segundo Salaverría (2014), esse processo de multiplicação de tarefas se

deu em razão de múltiplos fatores entre os quais se destacam

[...] a convergência das tecnologias digitais e a reconfiguração das empresas jornalísticas [...] As inovações tecnológicas simplificaram nos últimos anos as tarefas de captação e edição de conteúdos em qualquer formato, quer seja textual, sonoro ou audiovisual. Atualmente, os dispositivos móveis de gravação facilitam em grande medida este tipo de tarefas. (SALAVERRÍA, 2014, p. 27).

Outro ponto preponderante são as mudanças nas empresas jornalísticas,

que exigem cada vez um profissional multifacetado. ―As empresas procuram poupar

92

custos mediante a implementação de um perfil de profissionais capazes de

desempenhar tarefas que outrora eram realizadas por várias pessoas‖

(SALAVERRÍA, 2014, p. 27-28).

Sallaverría (2014) fala em três polivalências: a que refere-se ao jornalista

que trabalha simultaneamente para veículos e meios distintos; a temática é utilizada

para designar aquele profissional que atua em diferentes linhas informativas, não

restrito a uma editoria e a funcional, que se relaciona especificamente ao conceito

de multitarefa e trata daquele jornalista desempenha várias funções dentro da

mesma redação.

Em um terceiro momento, Salaverría traz o conceito de multimídia como a

combinação de linguagens ou de formatos – texto, som, imagem, vídeo, etc. Essa

concepção, mais usual é a única que consta no dicionário da Real Academia

Espanhola (RAE). Salaverría (2014), faz, ainda, um apanhado de diversos autores29

para justificar que o conceito ainda está em aberto, devido as constantes evoluções

do meio.

[...] não tem qualquer sentido realizar nenhuma enumeração fechada de elementos porque para nos encontrarmos perante uma mensagem multimédia basta que coincidam dois desses elementos, independentemente de quais forem. Por outro lado, tudo indica que num futuro próximo os elementos atuais se vejam enriquecidos por outros. (SALLAVERRÍA, 2014, p. 29).

O autor também pondera que a multimidialidade não surgiu com a internet,

uma vez que já estava presente no exercício radiofônico (multisonoro - palavra

falada, música, som ambiente e efeitos sonoros) e televisivo (multivisual e

multisonora – convergência de imagem estática e em movimento e sons). A Web,

segundo o autor, teria apenas potencializado seu uso.

A Web oferece uma plataforma de enorme versatilidade para a integração de formatos textuais, gráficos e audiovisuais. Não é, portanto, de estranhar

29 Em seu artigo Multimedialidade:Informar para cinco sentidos, Salaverría traz as seguintes

contribuições teóricas: Jacobson (2010), por exemplo, reconhece que multimédia é ―um termo impreciso que no seu sentido mais geral se refere à construção de um relato mediante mais de um meio que é posteriormente publicado na Web‖ (p. 65). Precisamente no início da World Wide Web, Feldman (1994) já descrevia o conceito de multimédia como ―uma integração sem fissuras de dados, texto, imagem de todo o tipo e som num único entorno digital de informação‖ (p. 4). Negroponte (1995), por seu lado, concebeu o conceito como ―uma língua digital de bits‖ (p. 63). Mais recentemente, Abadal e Guallar (2010) voltaram a definir a multimedialidade como ―a utilização conjunta de formas básicas de informação, isto é, texto, som e imagem fixa e animada, no mesmo ambiente e de forma justaposta ou integrada‖ (p. 42). Esta definição foi corroborada, apesar dos contextos de cada caso, por vários autores (Tannenbaum, 1998; Cuenca, 1998; McAdams, 2005; Meso Ayerdi, 2006; Díaz Noci, 2009; Bull, 2010; Guallar et al., 2010; Canavilhas, 2012). (SALLAVERRÍA, 2014, p. 29).

93

que após a irrupção da internet o conceito de jornalismo multimédia tenha alcançado especial protagonismo. (SALLAVERRÍA, 2014, p.32).

Também a interatividade30 é uma das caraterísticas essenciais da

comunicação na Web. Para Rost (2014, p. 53) ―a interatividade é um conceito ponte

entre o meio e os leitores/utilizadores, porque permite abordar esse espaço de

relação entre ambas as partes e analisar as diferentes instâncias de seleção,

intervenção e participação nos conteúdos‖.

Há vários graus para essa capacidade de interação com utilizadores do meio

de comunicação e esses níveis podem ser subdividos em interatividade seletiva ou

interatividade comunicativa. A interatividade seletiva se refere ao grau de seleção e

recepção de conteúdos que dispõe o leitor, ou seja, em que medida o utilizador pode

eleger o ritmo e a sequência das mensagens. Já a interatividade comunicativa faz

referências às possibilidades de comunicação e expressão que o utilizador tem entre

os conteúdos do meio. Através desses canais, o leitor busca expressar-se, ―dialogar,

discutir, confrontar, apoiar e, de uma forma ou de outra, entabular uma relação com

outros (comunicação)‖.

A interatividade implica uma certa transferência de poder do meio par os seus leitores. Poder, por um lado, quanto aos caminhos de navegação, recuperação e leitura que podem seguir entre os conteúdos que oferece. E, por outro lado, relativamente às opções para se expressar e/ou se comunicar com outros utilizadores/as. (ROST, 2014, p. 55).

Rost ainda comenta que a internet tem alargado e simplificado essas zonas

de contato entre jornalistas e leitores, não sendo ―as redes sociais [...] meras

ferramentas, mas novos ecossistemas jornalísticos e metáforas das novas relações,

[...] ambientes que criam novos tipos de interações em torno das notícias‖. (ROST,

2014, p. 72).

Mesmo o conceito de interatividade sendo uma característica positiva dos

media, costumeiramente apresentada como valor agregado e muito utilizada pelo

marketing, Rost, apoiado nos estudos de Domingo (2008) pondera que muitas vezes

a expressão é mais utilizada para a promoção da marca do que para real

participação cidadã.

[...] a cultura de participação está longe de implicar uma horizontalidade total, pelo menos no jornalismo, e colide com as rotinas e os interesses que

30

Há diferentes abordagens da interatividade, em que cada uma delas coincide geralmente com uma disciplina científica. De acordo com Jens Jensen (1998), no campo da informática, a interatividade alude às relações entre as pessoas e os computadores; no da sociologia, refere-se à relação entre indivíduos; e no das ciências da comunicação, sobretudo na tradição dos estudos culturais, tende a analisar os processos entre os recetores e as mensagens dos media.(ROST, 2014, p. 54).

94

governam nas redações. Que os utilizadores tenham maior poder do que antes na construção da atualidade não quer dizer que, como muitas vezes se afirma, tenham alcançado o mesmo poder que os meios de comunicação ou os seus jornalistas. (ROST, 2014, p. 55-56).

De acordo com os estudos de Rost e outros autores, a interatividade nem

sempre é totalmente efetiva porque são os mídias que mantêm o controle dessa

participação, executando o papel de gatekeeping em diversas etapas do processo

de elaboração da notícia e inserção do cidadão na construção da mesma. Para

exemplificar seus apontamentos, Rost (2014, p. 56) cita o comportamento dos

comunicadores nas redes sociais que moderam comentários, ―controlam o que será

publicado, condicionam com as perguntas e opções de resposta nas pesquisas,

abrem a participação a determinados conteúdos e não a outros, selecionam as

fotografias e vídeos que os utilizadores enviam‖.

A quarta característica da Web, segundo Palacios (2014) é a memória.

Cabe, antes de qualquer coisa, diferenciar história de memória. Sodré defende: ―A

história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais

[e] a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a

história uma representação do passado‖ (Sodré, 2009, p. 9). Feita essa

diferenciação percebe-se que o jornalismo sempre ocupou os dois lugares: ― [...]

espaço vivo de produção da atualidade, lugar de agendamento imediato, e

igualmente lugar de testemunhos, produtor de repositórios de registros sistemáticos

do cotidiano, para posterior apropriação e (re)construção histórica‖ (PALACIOS,

2014, p. 90).

Como tratado em outros capítulos, o autor ainda comenta que essa

característica é responsável pela criação da realidade. ―[...] Pode ser tão importante

para a (re)construção histórica aquilo que se publica nos jornais e se diz na rádio e

TV, como aquilo que não se publica, que não se diz: o dito e o interdito, o

permitido e o proibido‖ (PALACIOS, 2014, p. 90, grifo do autor).

Para Palacios a memória está presente de maneira recorrente no fazer

jornalístico quase que de modo natural, seja como um ponto de comparação para o

presente, como analogias e/ou nostalgias, ou mesmo para desconstruir o presente

como está posto. O autor ainda alerta que um olhar mais atento e analítico às

páginas de jornal revelará que o trabalho de memória é uma recorrência na

construção do retrato do presente, cotidianamente produzido pela atividade

jornalística.

95

[...] o jornalismo é memória em ato, memória enraizada no concreto, no espaço, na imagem, no objeto, atualidade singularizada, presente vivido e transformado em notícia que amanhã será passado relatado. Um passado relatado que, no início, renovava-se a cada dia, e com o advento da rádio, da televisão e da Web, tornou-se relato contínuo e ininterrupto, nas coberturas jornalísticas 24x7 (24 horas por dia, sete dias por semana). (PALACIOS, 2014, p. 91).

À medida que as bases de dados foram se inserindo na construção das

notícias, a memória tornou-se, segundo Palacios (2014) uma questão de algoritmos

e buscas automatizadas, comportamento esse que favorece o fluxo contínuo de

informação na atualidade, ao que o autor denomina ―vida em tempo real‖ e irá alterar

substancialmente as formas de perceber e ler o mundo.

Estamos, portanto, testemunhando e vivenciando um fato de imensas proporções, que altera a secular imobilidade das polaridades tradicionais: emissores e receptores. As redes – e a Web em particular – inauguraram formas de comunicação pós-massivas (Lemos, 2007, pp. 121-137), fazendo dos atos de consumir e produzir informação polos de alternância e não, necessariamente, de permanência.[...] A possibilidade de dispor de espaço ilimitado para a apresentação de material noticioso é a maior ruptura resultante do advento da Web como suporte mediático para o jornalismo (Palacios, 2003, p. 24), tendo como efeito, juntamente com a facilidade de produção de conteúdos através de tecnologia digitais amigáveis, a multiplicação dos espaços para a memória em rede, fazendo de cada usuário um produtor potencial de memória, de testemunhos. (PALACIOS, 2014, p. 95).

Palacios (2014, p. 97) comenta, ainda, que a constante digitalização e

indexição de mais e mais arquivos no formato público ―equaliza as condições de uso

da memória não só na produção, mas também na recepção. O usuário final pode

também recorrer ao passado arquivado para, fácil e rapidamente, situar e

contextualizar a atualidade que lhe é apresentada através do fluxo midiático.‖ Há

nessa opção, segundo o autor, um processo de empoderamento no que diz respeito

à construção de contextos para as notícias.

Outra característica marcante e revolucionária da rede é a instantaneidade;

tudo acontecendo e sendo transmitido em tempo real, em uma velocidade cada vez

mais surpreendente. Para Bradshaw, a rapidez sempre foi algo perseguido pelo

jornalismo, já que a notícia se faz daquilo que é novo. A rede só acelerou e

maximizou ainda mais esse processo.

Bradsham (2014, p. 112) comenta que antes da popularização da internet o

repórter tinha certo controle sobre o que seus leitores consumiam e sabiam, mas

que na atualidade, com todos publicando ao mesmo tempo no mesmo espaço, os

ciclos de vida da notícia se tornam muito mais complexos. Nesse processo, o próprio

96

utilizador se torna agente de propagação e por vezes de forma mais veloz que outro

mídia. Brasham justifica que isso ocorre porque na rede, um jornal local também é

global e passa pelas mudanças na produção da notícia.

A instantaneidade em publicação – não mais dependente das máquinas de impressão ou da programação de TV ou rádio – é a mudança mais visível. Historicamente, os processos de produção de notícias têm sofrido restrições por limitações físicas [...] Era como uma linha fabril, com planilhas e prazos de entrega visando entregar o produto na hora determinada. A digitalização e a convergência oferecem novas formas de ganhar dinheiro a partir do mesmo conteúdo, mas também perturba o ritmo da linha de produção. (BRADSHAM, 2014, p. 115).

Os jornalistas tiveram de se adaptar aos novos tempos de cobertura

continuadas e ao vivo e, segundo o Bradsham, ainda ―estão tentando encontrar uma

maneira de combinar a demanda de preencher um boletim de meia hora ou uma

página dupla com o espaço elástico proporcionado pela Web e pelas propriedades

dos dispositivos móveis‖. O teórico ainda menciona que o desafio fundamental é que

a partir de agora as notícias serão produzidas sem as limitações do espaço físico. ―A

captação de notícias, a produção e distribuição podem, agora, ocorrer

simultaneamente – e serem potencializadas. (BRADSHAM, 2014, p. 116).

Entretanto, Pavlik lembra que a velocidade pode ser uma faca de dois

gumes no mundo da distribuição de notícias.

Embora exista grande valor em veicular notícias precisas à velocidade da luz para uma comunidade global, há também o risco de se espalhar rapidamente os erros em reportagens. As bombas na Maratona de Boston em 2013 são um caso a ser destacado. A mídia precipitou-se sobre informações pobremente checadas, resultando em numerosos erros graves nas reportagens. (PAVLIK, 2014, p. 166).

Há também a preocupação com a profundidade e relevância do conteúdo.

Bourdieu (1997), por exemplo, ao analisar a relação da televisão com seu público,

defende que transitam no meio informações rápidas e sem aprofundamento e que

isso contribui para que o espectador não pense, somente absorva. Ele chama essas

ocorrências de ―fatos-ônibus‖.

Os fatos-ônibus são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante [...] Ora, o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas. (BOURDIEU, 1997, p. 23).

Bourdieu complementa ainda que ―tal comportamento jornalístico produz o

vazio político e reduz a vida pública a acontecimentos sem importância dos quais é

97

necessário tirar lições de moral e transformá-los em problemas de sociedade‖.

(BOURDIEU, 1997 p.73).

Outra mudança importante acarretada pela instantaneidade diz respeito ao

consumo. O consumo de notícias, segundo Bradsham (2014) tem sido cada vez

mais regular e contínuo. Para explicar tal comportamento, Bradsham, cita Danah

Boyd (2010, p. 28):

[A audiência] está perifericamente consciente da informação na medida em que esta flui, agarrando-a no exato momento em que é relevante, valiosa, divertida ou perspicaz. Para estar vivendo com, em e em volta da informação [sic]. A maior parte desta informação é informação social, mas algo desta é informação de entretenimento ou notícia ou informação produtiva. (BOYD apud BRADSHAM, 2014, p. 113).

No contexto da hiperconectividade, Bradsham defende que não basta falar

apenas em velocidade.

Imediaticidade seria uma melhor palavra a ser empregada. Esta é uma qualidade que se faz sentir em todas as notícias, em que os usuários podem agora ultrapassar o jornalista e a estória, chegar à testemunha, à cena; ao que está ocorrendo no momento. (BRADSHAM, 2014, p. 116).

As redes sociais adquirem grande relevância, deixando de ser apenas

arremessadores de conteúdo publicado em outra instância e em muitas ocasiões

sendo o primeiro alerta de um evento noticioso, ou seja, a notícia parte da própria

organicidade da rede e não de um meio de comunicação.

Não apenas isso: quando algo que vale a pena ser noticiado acontece, o usuário pode procurar por mais informação; não mais dependemos do meios de comunicação‘, e a instantaneidade do consumo se torna um fator de composição. (BRADSHAM, 2014, p. 118).

Assim, nasce um novo sentido na distribuição. Nele, ao contrário do

impresso, empresas de notícias não controlam a infraestrutura. ―No online, a

distribuição é dominada por duas infraestruturas principais: as ferramentas de busca

e as redes sociais‖. (BRADSHAM, 2014, p. 119).

Necessário mencionar que em produções tão disseminadas a função de

verificação dos fatos por parte dos jornalistas torna-se preponderante. Verificação

essa que deve ser feita quanto ao conteúdo noticioso, quanto ao contexto do

acontecimento e quanto ao código que lhe é subjacente.

Junto da instantaneidade e da produção descentralizada, vem outra

característica da rede: a personalização. Com oferta cada vez maior de fluxos

informativos, as empresas comunicativas precisam encontrar meio de se ligar ao seu

leitor, o que se faz por meio de personalização.

98

De acordo com Lorenz (2014), personalizar é produzir de acordo com as

necessidades individuais dos leitores.

A personalização de experiências informativas pode apresentar várias formas e extensões, sendo a mais habitual deixar o utilizador selecionar os temas mais relevantes para a criação de uma página com base em preferências pessoais. (LORENS, 2014, p. 140).

Entretanto, para o autor, a questão principal não é quanto a como publicar o

conteúdo, já que com os auxílios tecnológicos isso está cada dia mais fácil, mais

rápido e mais simples.

A questão premente em todo o mundo é como manter-se relevante, manter a ética jornalística e encontrar ainda uma forma de refinanciar tais ofertas. A questão é relevante para as empresas de media, com e sem fins lucrativos (públicas). (LORENS, 2014, p. 137).

Lorenz indica seis graus de agregação31 – resposta, alternância de conteúdo

com base na hora do dia, integração significativa, ajuda na decisão, calibração e

algoritmos e adaptação – e que devem ser avaliados para a correta personalização

da notícia e como resposta às novas necessidades das audiências. Segundo Lorenz

(2014, p.138), a ideia principal de agregação é reunir, classificar e filtrar o conteúdo

disponível, incluindo notícias interessantes a fim de encurtar ao máximo o tempo que

um utilizador precisa para encontrar o conteúdo que busca.

Para o presente trabalho, não nos aprofundaremos no conceito de

personalização por acreditar que esse nível de engajamento com o leitor se dá de

forma natural no exercício do jornalismo cívico, que esse se preocupa mais com sua

função social, do que com sua lucratividade.

A última característica da rede, a ubiquidade, nos parece ser a mais

revolucionária, indo ao encontro dos pressupostos do jornalismo Cívico. A expansão

da rede tem proporcionado a disseminação da informação de uma maneira cada vez

31

Os seis graus de agregação propostos por Lorenz são assim explicados: resposta – a possibilidade das páginas se adaptarem a diferentes tamanhos de ecrãs, como a um monitor de PC ou aos tablets e smartphones automaticamente; Alterar com base na hora do dia – apoiado no tempo e nas necessidades do utilizador, o conteúdo adapta-se. Na parte da manhã uma visão geral, à tarde atualizações e contextos, à noite sons e vídeos; Interação significativa – apresentar o conteúdo de novas formas, onde o utilizador pode deixar comentários, aprender algo novo ou escrever ele mesmo o conteúdo; Ajuda na decisão – colocando o leitor na melhor posição possível, baseado em necessidades específicas e nas opções oferecidas; Calibração e algoritmos – a informação altera-se a todo o momento, por isso a calibração, aqui entendida como, inserção de dados frescos assim que disponíveis, adiciona outra camada à personalização; Adaptável para mudar – capacidade de reconfigurar, realinhar e reavaliar fatores que deveriam influenciar os fatores de mudança. (LORENZ, 2014, p. 142-152).

99

mais global, horizontal e participativa, na qual os agentes noticiosos e os cidadãos

compõem a mesma trama de conexão global.

Segundo Pavlik (2014), ubiquidade significa ser encontrado em todo lugar

simultaneamente, uma quase onipresença. Para ele, esse acesso potencial a uma

rede de comunicação interativa em tempo real fortalece a inclusão. ―Quer dizer que

todos podem não apenas acessar notícias e entretenimento, mas participar e

fornecer sua própria contribuição com conteúdos para compartilhamento e

distribuição global‖. (PAVLIK, 2014, p.160).

Amparado nas contribuições de Eric Schmidt e Jared Cohen, da Google, que

defendem que durante a próxima década 5 bilhões de pessoas estarão online, Pavlik

(2014, p. 160) preconiza que a conectividade integral32 irá mudar o futuro.

Transformará o poder, deslocando a influência do estado e de outras instituições organizadas, como a mídia tradicional, em direção aos cidadãos. [...] Esta rede móvel de alta velocidade não apenas permite taxas de transferência maiores de download e upload de vídeos e outros serviços, mas também suporta novas aplicações, como a realidade aumentada. (PAVLIK, 2014, p.160 -161).

Pavlik lembra que numa era de mídia ubíqua os cidadãos e as mídias

profissionais se encontram no mesmo espaço, livres de restrições governamentais

ou tecnológicas. Os processos democráticos são fortalecidos uma vez que essa

poderosa rede ―apresenta uma oportunidade não apenas de envolver os cidadãos

de todo o mundo num debate sobre temas de importância pública, como também

para criar mercados e modelos de receita sustentáveis‖. (PAVLIK, 2014, p.163).

Ao citar Marshall McLuhan (1964), Pavlik menciona que a internet móvel,

está em muitos sentidos, alimentando a concretização da ideia de aldeia global.

Notícias acontecem em toda parte. Com a banda larga ubíqua, especialmente com a tecnologia wireless, a conectividade móvel está redefinindo os preceitos básicos do jornalismo e da mídia. O jornalismo tem a oportunidade de se juntar a esta aldeia global de forma significativa. (PAVLIK, 2014, p.164).

32

Ao mensurar o poder de alcance da rede, Pavlik menciona algumas iniciativas que têm sido tomadas para a popularização do acesso, a exemplo da rede Ob3. [...] iniciativa que está conduzindo a conectividade global de alta velocidade. Ob3 se refere aos ―outros 3 bilhões‖, o número estimado de pessoas que vivem em nações em desenvolvimento, onde os provedores de telecomunicações terrestres têm sido lentos na introdução de conectividade por banda larga, seja fixa ou móvel. A rede vai distribuir sua banda larga por uma constelação formada por cerca de uma dúzia de satélites comerciais. A iniciativa tem o potencial de ajudar a superar o problema de longa data da divisão digital que tem distanciado os níveis de acesso à internet entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento (PAVLIK, 2014, p.163).

100

De acordo com Pavlik, a ubiquidade da rede acarreta ao menos quatro

consequências para o jornalismo no século XXI. A primeira é a emergência do

jornalismo cidadão33, na medida em o surgimento das mídias de comunicação móvel

tem acelerado demasiadamente a ampla participação de cidadãos no processo de

coleta e distribuição de notícias.

Cidadãos equipados com smartphones se tornarão, no século XXI, repórteres continuamente engajados, capturando com seus telemóveis fotografias e vídeos de notícias que acabam de acontecer. Eles usam mídias sociais como YouTube, Facebook e Twitter para compartilhar amplamente suas notícias. Este conteúdo gerado por usuários se tornou tanto um complemento quanto um concorrente à coleta de notícias tradicional e profissional. [...] Ilustrando a importância da reportagem cidadã ubíqua, estão a Primavera Árabe na Praça Tahrir, no Cairo (Egito), e o protesto ―Occuppy Wall Street‖, em Nova Iorque, ambos em 2011. Nos dois casos, cidadãos equipados com dispositivos móveis conectados à rede foram capazes de fornecer, em fluxo contínuo, textos em tempo real e vídeos para todo o mundo. (PAVLIK, 2014, p. 165).

Pavlik defende que o jornalismo cidadão se tornará cada vez mais

onipresente, à medida que as tecnologias wearable34 se tornarem mais acessíveis,

ponto que merece atenção uma vez que a maioria dos jornalistas cidadãos não

possui treinamento formal em apuração e redação de notícias, o que pode facilitar a

ocorrência de erros, resultando em problemas comunicacionais.

A segunda consequência da ubiquidade é o crescimento de novas formas

narrativas geolocalizadas e imersivas. Atualmente, a maioria dos dispositivos

eletrônicos conta com informações de localização via GPS. Isso impacta na

habilidade de etiquetagem de conteúdos midiáticos.

A geolocalização serve diversos propósitos em notícias e materiais midiáticos. Ela permite que o conteúdo seja automaticamente transferido para o Google Earth ou outro software de mapeamento disponível online. Isto capacita outras pessoas em qualquer lugar a acessar o conteúdo pela localização. Reportagens, vídeo de um evento podem ser vistas

33

Cabe aqui mencionar a diferenciação oferecida por William Dutton (2007), da Universidade de Oxford, que sustenta o termo ―indivíduo em rede‖ é superior a jornalista cidadão. Em The Fifth Estate, ele argumenta que falta a muitos cidadãos qualquer treinamento formal como jornalista, tornando ausente a habilidade necessária para fazer jornalismo de verdade. Ao invés disso, quando usam câmeras ou outros dispositivos para recolher notícias, eles o fazem como indivíduos em rede ao invés de repórteres. Seja denominado como jornalismo cidadão ou indivíduos em rede, o potencial e as armadilhas dos conteúdos gerados por usuários permanecem. (PAVLIK, 2014, p.165).

34

Tecnologia Wearable em tradução livre tecnologia para vestir. O Google Glass é um exemplo desta tecnologia e, provavelmente, está na vanguarda de uma série de dispositivos adaptados e conectados suscetíveis de se tornarem ubíquos na próxima década. Apple e Samsung anunciaram aparelhos desta natureza e outras companhias provavelmente irão seguir o exemplo. Estes dispositivos devem incluir câmeras de vídeo e outros sensores para favorecer a captação de notícias, bem como o acesso à internet sem fio e a capacidade de exibir informação. (PAVLIK, 2014, p. 167-168).

101

acompanhadas de um mapa interativo que fornece uma melhor percepção do espaço, usando computadores tradicionais e aplicações web de mapas. [...] Na próxima década, conteúdos ubíquos geolocalizados em mídias móveis e dispositivos adaptados ao corpo provavelmente conduzirão a uma nova forma de jornalismo sem as barreiras impostas pelas tradicionais plataformas de apresentação de notícias. (PAVLIK, 2014, p. 175-176).

A terceira consequência da ubiquidade é o crescimento do Big Data e do

jornalismo orientado por dados.

A conectividade ubíqua possibilitou uma série de novas habilidades que envolvem a coleta de grande volume de informação. Sensores de vários tipos estão conectados à internet, e organizações que vão desde a National Security Agency (NSA) até corporações como o Google estão recolhendo enormes volumes de dados sobre pessoas e outras coisas. Muito deste Big Data está disponível livremente para a mídia e os jornalistas. (PAVLIK, 2014, p. 176).

Esse crescimento do Big Data acarreta de forma indireta a quarta

consequência da ubiquidade da rede, que é o declínio da privacidade e sua

substituição por uma sociedade da vigilância global. De acordo com Pavlik (2014,

p.177) a privacidade está sendo rapidamente corroída, simultaneamente a outras

liberdades civis. Governos por todo o mundo estão empregando uma generalizada,

senão mesmo ubíqua, vigilância de todos os tipos de cidadãos‖.

Para dar conta dessa nova lógica informacional, diversos modelos para a

construção da notícia foram propostos.

Defende-se aqui um modelo convergente em que são usados vários suportes e canais online com potencial para criar laços de proximidade entre o meio e os leitores, e que resultou de dois fatores: a rapidez com que a informação é distribuída no primeiro momento e o nível de personalização que oferece aos leitores. (CANAVILLAS, 2014, p.16).

Entre as proposições oferecidas, três parecem ir ao encontro do presente

trabalho. A arquitetura em fluxo de Paul, o modelo de eixo Black´s Wheel e

Canavillas com a estrutura multilinear arbórea ou Pirâmide Deitada.

O modelo proposto por Canavillas é uma adaptação segundo a rede para a

técnica da pirâmide invertida. Como no modelo base, há uma hierarquização de

importância, mas nesse modelo o hipertexto oferece um relativo grau de liberdade

ao leitor.

Na Pirâmide Deitada, a notícia é organizada por níveis de informação ligados por hiperligações internas (embutidas) que permitem ao leitor seguir diferentes percursos de leitura que respondam ao seu interesse particular. [...] Assim, o mais importante passa a ser a oferta de uma notícia com todos os contextos necessários, sem perder a homogeneidade global do trabalho. (CANAVILLAS, 2014, p.13).

102

Segundo Canavillas, a notícia web teria que obedecer a quatro níveis de

leitura:

a) Unidade Base: resumo do acontecimento; b) Explicação: liga-se ao primeiro nível por uma só hiperligação e completa a informação essencial sobre o acontecimento; c) Contextualização: oferece mais informação sobre cada um dos aspetos fundamentais da notícia, desenvolvendo a informação apresentada nos níveis anteriores; d) Exploração: procura estabelecer ligações com outras informações existentes no arquivo da publicação ou em sites externos. (CANAVILLAS, 2014, p.13-14).

Já na teoria do News Diamond, de Paul Bradshaw (2007) a unidade

informativa não é estática e vai mudando de gênero, obedecendo um fluxo de

escoamento. ―A unidade informativa já não é apenas um texto, mas sim uma

sequência de textos (ou outros elementos) em que a informação se vai tornando

cada vez mais complexa‖. (CANAVILLAS, 2014, p.15).

De acordo com Canavillas (2014), nessa perspectiva a informação parte de

uma unidade simples e concisa, que o autor chama de alerta e vai ganhando corpo e

profundidade até chegar ao nível de contexto máximo, a personalização.

[Na fase alerta] o que se perde em pormenores ganha-se em velocidade de distribuição, que ocorre de imediato. A segunda versão (draft) tem mais desenvolvimentos, e distribuição para o blogue da publicação. Pretende-se mostrar que o assunto está em desenvolvimento. Na fase seguinte (article) o bloco informativo chega ao site da publicação com a informação fundamental sobre o tema. (CANAVILLAS, 2014, p.15).

Maria Laura Martinez e Sueli Ferreira desenvolveram um esquema circular

que chamaram de Black´s Wheel. Nesse modelo, há um elemento central (algo

equivalente ao lead) que funciona como um eixo (veicular) cercado por elementos

secundários, os raios. Esses raios, ligados ao eixo demonstram a hierarquia da

notícia, sujeitos à lógica da rede raios se ligam entre si por meio de hipertextos.

Assim, cada elemento narrativo constitui uma unidade independente e

autoexplicativa, mas que constrói um sentido maior e mais contextualizado quando

inserida no contexto narrativo. A leitura não precisa iniciar obrigatoriamente no bloco

central, nem passar por todas as unidades informativas para que o leitor tenha uma

visão geral do acontecimento, oferecendo grande liberdade de navegação.

(CANAVILLAS, 2014, p. 16).35

35

Além dos aqui mencionados são diversos os modelos de construção da notícia no webjornalismo. A escolha por um ou outro modelo deve levar em consideração o perfil do público e o tipo de notícia, entre outros.

103

5.3 REDE DEMOCRÁTICA

Como já vimos anteriormente, a democratização efetiva da comunicação é

um processo complexo. Ainda assim, é inegável que a popularização da internet

contribuiu de forma contundente para esse processo e, consequentemente, de forma

indireta, para a construção da cidadania.

Cunha (2010) menciona os efeitos democratizantes da rede. Aos que

defendem a profecia do fim do jornalismo mencionando que qualquer um munido de

um celular com câmera, operando um blog na internet, se transformaria em repórter,

o autor pondera:

Uma pequena pausa para reflexão levaria, entretanto, a arrefecer significativamente o entusiasmo diante dessa perspectiva supostamente democratizante – ou, talvez mais precisamente, libertária –, que acena com o ideal do poder pulverizado entre ―todos‖ e esconde ou despreza os mecanismos através dos quais esse mesmo poder se reorganiza nas mãos dos poderosos de sempre, ao mesmo tempo que desconsidera um aspecto fundamental para sustentar a profecia: o caráter específico da mediação jornalística, que é o que legitima socialmente esse tipo de informação e impõe procedimentos necessários para que se lhe exija a indispensável credibilidade. (MORETZSOHN apud CUNHA, 2010, p. 32).

A opinião é compartilhada por Silveira (2009, p. 85), segundo quem a rede

seria nitidamente mais democrática do que o mundo comunicativo dos mass media,

mostrando-se, cada vez mais, como um espaço de participação propicio às

discussões e aprofundamento do debate dos interesses públicos. Para o autor,

―nunca cidadãos comuns produziram tanto conteúdo comunicacional, inclusive de

caráter político, como ocorreu a partir do advento da comunicação em redes digitais

distribuídas‖. (SILVEIRA, 2009, p. 82). Assim, os embates e desacordos também são

proveitosos à democracia e reforçam os avanços da comunicação em rede ao ponto

que questionam papeis e atuações.

Temos, nas redes digitais, a ampliação das possibilidades de os indivíduos se articularem fora dos esquemas tradicionais de organização. Nesse sentido, a internet é uma rede distribuída que afeta as atividades de intermediação simbólica do mundo industrial e coloca a necessidade de reconfiguração das mesmas. Ela aumenta a disputa entre os grupos porque a rede incorpora facilmente novos discursos [...]. (SILVEIRA, 2009, p. 84).

Ramonet (2013) vai além e defende que a comunicação em rede e o poder

da internet seriam um contrapoder à imprensa hegemônica. Para o autor, a internet

intensifica a pluralidade e permite o aparecimento de posicionamentos contrários

aos detentores da comunicação de massa.

104

A internet nos permite voltar a sonhar com a democratização da informação. Pensamos que a informação também deve ser democratizada e, em certa medida, a internet proporciona isso, uma vez que ter um veículo/meio de expressão próprio na rede é relativamente barato e fácil do ponto de vista tecnológico. (RAMONET, 2013, p. 66).

Cabe lembrar que os enfrentamentos também são úteis à manutenção e

desenvolvimento da esfera pública. Marina Dourado, amparada nos estudos de

Habermas defende que a comunicação é um dos espaços para ampliação dos

direitos sociais. Sendo assim, a internet e o jornalismo cidadão seriam capazes de

potencializar a reestruturação de esferas públicas, tornando-as mais abertas e

plurais. Fazendo uso do conceito de ideal democrático de Habermas, Dourado

declara:

A esfera pública deve ser um espaço de debate aberto a todos, no qual as pessoas possam ter igualdade de acesso para a argumentação não influenciada por relações de poder, dependência, autoridade ou hierarquia social, mas sim pela racionalidade e universalidade. Nessa desejável forma de operação, seriam gerados o entendimento e a aproximação das pessoas em uma convivência social democrática em que a sociedade civil passa a ter uma função essencial na decisão, de modo a regular e controlar a esfera de atuação do Estado. (DOURADO, ANO, p. 2).

Nesse contexto, a imprensa seria uma articuladora de debates e diálogos

capazes de influenciar o poder público a fim de fortalecer as relações interpessoais,

as ações políticas, as mudanças sociais e a própria democracia em si. A internet,

por sua vez, motivaria o surgimento de experiências comunicativas democráticas e

comunitárias, por ser capaz de eliminar distâncias e oferecer custos de manutenção

menores. ―É assim que a Internet abre espaço para novas vozes, novos atores

sociais; propõe o pluralismo, a diversidade informacional, a liberdade de acesso e

alternativas concretas à massificação industrial‖. (DOURADO, ano, p. 4).

105

6 DEMOCRACIA: UMA VISÃO DO CONCEITO

6.1 DEMOCRACIAS

Num primeiro momento, uma reflexão sobre democracia suscita princípios

como espaço de discussão da esfera pública; participação dos cidadãos; poder de

escolha; respeito à diversidade; ou, ainda, regime de governo não autoritário, entre

outros conceitos. Entretanto, é preciso ponderar que desde o surgimento da palavra

na Grécia Antiga, o conceito sofreu mutações e se complexificou.

Parece pertinente no presente trabalho uma revisão, ainda que breve, das

principais vertentes democráticas em voga. A partir daí, será possível melhor

compreensão do processo democrático brasileiro, seus atravessamentos e o papel

da imprensa nesse cenário.

De acordo com Zucchini (1998), na teoria das democracias confluem três

tradições históricas: a clássica, também chamada pensamento aristotélico; a

medieval, de origem romana; e a moderna conhecida como teoria de Maquiavel.

Segundo a tradição clássica (pensamento aristotélico), há três formas de

governo: a monarquia – governo de um só; a aristocracia – governo de poucos – e a

democracia – governo do povo. Essas são, segundo Aristóteles, as formas puras de

governo. Para ele, a tirania, a oligarquia e a demagogia são degenerações dessas

primeiras e fruto da corrupção. (ZUCCHINI, 1998).

Na tradição clássica, a ideia de governo popular era associada ao uso da

palavra isonomia – igualdade de leis ou igualdade diante da lei – argumento utilizado

até a atualidade por alguns defensores das amplas democracias.

O termo democracia nem sempre foi utilizado com conotação positiva. Na

tipologia aristotélica, ―o ‗Governo da maioria‘ ou ‗da multidão‘, [...] é chamado

‗politia‘, enquanto Democracia denota o ‗Governo de vantagem para o pobre‘".

(ZUCCHINI, 1998, p.320). A democracia, nesse sentido, estaria em oposição ao

"Governo de vantagem para o monarca" (tirano) e ao "Governo de vantagem para os

ricos" (oligarquia), mas ainda assim seria um regime de poder baseado na aquisição

de benefícios por parte de quem domina.

106

Na teoria clássica, o governo popular era exercido pelos cidadãos, mas nem

todos os homens gozavam do direito à cidadania. Aristóteles subdivide a

democracia, no sentido mais amplo, em cinco formas:

1) ricos e pobres participam do Governo em condições paritárias. A maioria é popular unicamente porque a classe popular é mais numerosa. 2) Os cargos públicos são distribuídos com base num censo muito baixo. 3) São admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos entre os quais os que foram privados de direitos civis após processo judicial. 4) São admitidos aos cargos públicos todos os cidadãos sem exceção. 5) Quaisquer que sejam os direitos políticos, soberana é a massa e não a lei. (ZUCCHINI, 1998, p. 320).

Já a teoria medieval está apoiada na soberania popular, na base da qual há

a contraposição da concepção ascendente a uma concepção descendente da

soberania, conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo, ou

deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior.

O poder de fazer leis, em que se apoia o poder soberano, diz respeito unicamente ao povo, ou à sua parte mais poderosa (valentior pars), o qual atribui a outros não mais que o poder executivo, isto é, o poder de governar no âmbito das leis. (PÁDUA apud ZUCCHINI, 1998, p. 321).

Dos dois poderes fundamentais do Estado — o legislativo36 e o executivo —

o primeiro pertence exclusivamente ao povo (sendo o principal) e o segundo é

delegado pelo povo a outros sob a forma de mandato revogável.

De um lado, portanto, o poder efetivo de instituir ou eleger um Governo diz respeito ao legislador ou a todo o corpo dos cidadãos, assim como lhe diz respeito o poder de fazer leis... Da mesma forma diz respeito ao legislador o poder de corrigir e até de depor o governante, onde houver vantagem comum para isso. (ZUCHINI, 1998, p. 321-322).

Entretanto, a maneira de conceber o poder legislativo não é consenso entre

os autores. ―Para Locke, este deve ser exercido por representantes, enquanto que

para Rousseau deve ser assumido diretamente pelos cidadãos‖. (ZUCCHINI, 1998,

p. 322).

Para Rousseau, os ideais republicanos e democráticos coincidem

perfeitamente.

Rousseau enquanto chama república à forma do Estado ou do corpo político, considera a Democracia uma das três formas possíveis de Governo de um corpo político, que, enquanto tal, ou é uma república ou não é nem sequer um Estado mas o domínio privado deste ou daquele poderoso que tomou conta dele e o governa através da força. (ZUCCHINI, 1998, p. 323).

36

Para Rousseau, ―o poder legislativo, isto é, o poder que caracteriza a soberania pertence ao povo, cuja reunião num corpo político através do contrato social Rousseau chama de república, não de Democracia (que é apenas uma das formas como se pode organizar o poder executivo)‖. (ZUCCHINI, 1998, p. 321).

107

Da aproximação de ambas as correntes nascem as primeiras ideias do

pensamento democrático moderno. Nessa linha se origina ―o intercâmbio

característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais

republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de

Democracia, de república‖. (ZUCCHINI, 1998, p. 319).

Na perspectiva moderna, a república encerra um elemento fundamental da

democracia, na medida em que define toda forma de governo oposta a toda forma

de despotismo (ZUCCHINI, 1998).

Ainda sobre as semelhanças entre república e democracia, Zucchini (1998,

p. 322) menciona John Toland, para quem a república se configura como "a mais

perfeita forma de Governo popular que jamais existiu".

Assim, ao longo de todo o século XIX, o conceito de democracia foi se

desenvolvendo principalmente como resultado do confronto com outras doutrinas

políticas como o liberalismo e o socialismo, por exemplo.

6.1.1 Estado Liberal e Democracia Representativa

Na concepção liberal, o Estado reconhece e garante alguns direitos

fundamentais, como são os da liberdade de pensamento, de religião, de imprensa,

de reunião, etc. Assim, a manifestação concreta dessas liberdades individuais (civis

e políticas) é entendida como participação, configurando-se o exercício da

democracia. A garantia dos direitos individuais tornaria possível uma participação

política guiada pela vontade autônoma de cada indivíduo.

No Estado Liberal, a única forma de democracia compatível seria a

representativa ou parlamentar, ―onde o dever de fazer leis diz respeito, não a todo o

povo reunido em assembleia, mas a um corpo restrito de representantes eleitos por

aqueles cidadãos a quem são reconhecidos direitos políticos‖. (ZUCCHINI, 1998, p.

323-324).

Na concepção liberal, a participação no poder político, máxima

caracterizante do regime democrático, é garantida por meio das muitas liberdades

individuais, reivindicadas e conquistadas pelos cidadãos contra o Estado absoluto.

A participação é também redefinida como manifestação daquela liberdade particular que indo além do direito de exprimir a própria opinião, de reunir-se ou de associar-se para influir na política do país, compreende ainda o direito de eleger representantes para o Parlamento e de ser eleito (ZUCCHINI, 1998, p. 324).

108

Nos regimes representativos, o desenvolvimento da democracia pode se dar

em duas direções (Zucchini, 1998):

a) no alargamento do direito ao voto (que de restrito a algumas classes de

cidadãos passa a ser expandido a todos os cidadãos de ambos os sexos

que atingiram determinada idade (sufrágio universal);

b) na multiplicação dos órgãos representativos (isto é, dos órgãos compostos

de representantes eleitos), que passam da existência única das assembleias

legislativas para órgãos do poder local.

6.1.2 Socialismo e a Democracia dos Conselhos

Em oposição aos pressupostos do Estado Liberal, os teóricos dos socialismo

defendem que o processo democrático precisa contar com reforços da base popular,

sem os quais jamais seria alcançada a profunda transformação social. ―A essência

do socialismo sempre foi a idéia da revolução das relações econômicas e não

apenas das relações políticas, da emancipação social, como disse Marx, e não

apenas da emancipação política do homem‖. (ZUCCHINI, 1998, p. 324).

A exemplo da teoria de Marx e Engels, o sufrágio universal seria apenas o

ponto de partida para o processo democrático. Seu aprofundamento, passaria pela

crítica da democracia apenas representativa; pela consequente retomada de alguns

temas da democracia direta e pela solicitação de que a participação popular

[que] o controle do poder a partir de baixo se estenda dos órgãos de decisão política aos de decisão econômica, de alguns centros do aparelho estatal até à empresa, da sociedade política até à sociedade civil pelo que se vem falando de Democracia econômica, industrial ou da forma efetiva de funcionamento dos novos órgãos de controle (chamados "conselhos operários"), colegial, e da passagem do autogoverno para a autogestão. (ZUCCHINI, 1998, p. 324-325).

Ao propor uma nova forma de democracia, que chamou "autogoverno dos

produtores‖, Marx delimita quatro pontos centrais:

a) [...] O novo Estado da Comuna deve ser "não um órgão parlamentar, mas de trabalho, executivo e legislativo, ao mesmo tempo"; b) [...] a Comuna estende o sistema eleitoral a todas as partes do Estado; c) [...] a Comuna "é composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nas diversas circunscrições de Paris, responsáveis e revogáveis em qualquer momento; d) [...] O novo Estado deveria ter descentralizado, ao máximo, as próprias funções nas "comunas rurais" [...]. (ZUCCHINI, 1998, p. 325).

109

Com base nas inspirações de Marx, Lenin enunciou as diretrizes e bases da

nova Democracia dos conselhos que foram centro do debate entre os principais

teóricos do socialismo na década de 20.

Os socialistas partem do princípio de que na sociedade capitalista houve um

deslocamento dos centros de poder dos órgãos tradicionais do Estado para as

grandes empresas [fato absolutamente claro no momento social, político e

econômico brasileiro]. Assim, os canais para o exercício da cidadania não são

suficientes para impedir os abusos de poder. O novo tipo de democracia, portanto,

―não pode acontecer senão nos próprios lugares da produção‖, movimento esse

exercido ―pelo cidadão trabalhador através dos conselhos de fábrica. O conselho de

fábrica torna-se o germe de um novo tipo de Estado, que é o Estado ou a

comunidade dos trabalhadores em contraposição ao Estado dos cidadãos‖.

(ZUCCHINI, 1998, p. 325).

Partindo desse princípio, o sistema estatal se torna ―uma federação de

conselhos unificados através do reagrupamento ascendente‖, contando assim com

diversos níveis territoriais e administrativos.( ZUCCHINI, 1998, p. 325).

6.1.3 Teoria das Elites e Democracia

Alguns autores são críticos quanto aos modelos democráticos de soberania

popular, sob a justificativa de que tais linhas teóricas são unicamente ideológicas,

estando afastadas da possibilidade real de implantação. Na Teoria das Elites, ―a

soberania popular é um ideal-limite [...] porque em qualquer regime político, qualquer

que seja a ‗fórmula política‘ [...] é sempre uma minoria de pessoas, que Mosca

chama de ‗classe política‘, aquela que detém o poder efetivo‖. (MOSCA apud

ZUCCHINI, 1998, p. 325). Assim, o poder está sempre na mão de uma minoria

(oligarquia).

Joseph Schumpeter (1942) se contrapõe a essa doutrina. Para ele,

Democracia consiste na ―realização do bem comum através da vontade geral que

exprime uma vontade do povo ainda não perfeitamente identificada [...]‖. Ainda

segundo ele, existe democracia onde vários grupos disputam o poder por meio do

voto popular. A conquista do poder em uma democracia é ―resolvida em favor de

quem conseguir obter, numa disputa livre, o maior número de votos‖

(SCHUMPETER apud KUCCHINI, 1998, p. 326).

110

6.1.4 Democracia na contemporaneidade

Considerando a complexidade do conceito de democracia, com o amparo

de Kucchini, nos voltamos para uma definição contemporânea que parece melhor

atender os pressupostos da presente pesquisa.

Um método ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de Governo e para a formação das decisões políticas (ou seja das decisões que abrangem toda a comunidade) mais do que uma determinada ideologia [...] é compatível, de um lado, com doutrinas de diverso conteúdo ideológico [...] (KUCCHINI, 1998, p. 326).

Na teoria política contemporânea mais relacionada a países de tradição

democrático-liberal, a definição de Democracia é delimitada por nove

procedimentos universais: (KUCCHINI 1998, p. 327)

1) A função legislativa (órgão político máximo) deve ser desempenhada por

membros eleitos pelo povo de forma direta ou indireta;

2) Junto ao órgão legislativo supremo devem existir outras instituições

(órgãos de administração local ou chefe de Estado) constituídas por dirigentes

eleitos, tal como acontece nas repúblicas;

3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção (de

raça, de religião, de censo; de sexo, etc.) devem ser eleitores;

4) todos os eleitores devem ter voto igual;

5) todos os eleitores devem ser livres em votar;

6) devem ser livres também no sentido de terem reais alternativas (o que

exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada);

7) vale o princípio da maioria numérica (de acordo com critérios

estabelecidos) , tanto para as eleições de representantes como para decisões do

órgão político supremo;

8) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria;

9) o órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe

do poder executivo, por sua vez, eleito pelo povo.

―Estas regras estabelecem como se deve chegar à decisão política e não o

que decidir‖ (KUCCHINI 1998, p. 327).

Por esta via, utilizando-se o critério jurídico-institucional, podemos separar

os modelos democráticos em regime presidencial e regime parlamentar.

111

[...] Enquanto no regime parlamentar, a democraticidade do executivo depende do fato de que ele é uma emanação do legislativo, o qual, por sua vez, se baseia no voto popular, no regime presidencial, o chefe do executivo é eleito diretamente pelo povo. Em conseqüência disso ele presta contas de sua ação não ao Parlamento mas aos eleitores que podem sancionar sua conduta política negando-lhe a reeleição. (KUCCHINI, 1998, p. 327).

Dahl (1956) define três modelos democráticos: Democracia madisoniana –

consiste sobretudo nos mecanismos de freio do poder e coincide com o ideal

constitucional do Estado limitado pelo direito ou pelo Governo da lei contra o

Governo dos homens; Democracia populista – cujo princípio fundamental é a

soberania da maioria; a Democracia poliárquica – busca condições para a ordem

democrática não em expedientes de caráter constitucional, mas em pré-requisitos

sociais (regras fundamentais) que permitem e garantem a livre expressão do voto, a

prevalência das decisões mais votadas, o controle das decisões por parte dos

eleitores, etc.

Juntamente com a noção comportamental de Democracia que prevalece na

teoria política ocidental, foi difundindo-se outro significado que compreende formas

de regime político de alguns dos países socialistas ou dos países do Terceiro

Mundo, especialmente os africanos (KUCCHINI, 1998. O autor está a referir os

regimes liberais-democráticos, essencialmente formais – nos quais não vigoram ou

não são respeitadas mesmo quando vigoram algumas ou todas as regras que os

fariam democráticos –, e os regimes sociais-democráticos, efetivamente

substanciais – inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento

democrático, com relevo para o igualitarismo (KUCCHINI, 1998, p. 328).

O discurso em torno da Democracia não se resume em definir e redefinir o

conceito, uma vez que não há um modelo perfeito. O que parece é que o modelo

ideal deve levar em consideração a sociedade na qual está inserido (KUCCHINI,

1998).

6.3 A DEMOCRACIA POR VIR

Pensar um escopo de democracia que atenda efetivamente a

contemporaneidade, significa contemplar ―o contraste entre os ideais democráticos e

a democracia real‗". (BOBBIO, 1986, p. 21).

112

Grupos em lugar de indivíduos são os protagonistas da vida política numa sociedade

democrática, na qual não existe mais um soberano, o povo ou a nação mas

indivíduos que adquiriram o direito de participar direta ou indiretamente do governo e

na qual não existe mais o povo como unidade ideal (ou mística), mas apenas grupos

contrapostos e concorrentes, com autonomia relativa diante do governo central. (

(BOBBIO, 1986).

A partir disso, cabe uma reflexão: A democracia representativa deveria

caracterizar-se pela representação política, na qual o representante não pode estar

sujeito a um mandato vinculado a interesses individuais (mandato imperativo), mas

ao interesse da nação. Uma vez eleito, o governante ―torna-se o representante da

nação e deixa de ser o representante dos eleitores [...]‖. (BOBBIO, 1986, p.24),

orientação de prática difícil e duvidosa.

Com base nisso, pode-se ressaltar o modelo neocorporativista. Bobbio

(1986, p. 25) o chama de ―revanche da representação dos interesses sobre a

representação política‖: relação que se instaura na maior parte dos estados

democráticos europeus, entre grandes grupos de interesses contrapostos

(representantes respectivamente dos industriais e dos operários) e o parlamento.

Tal sistema é caracterizado por uma relação triangular na qual o governo, idealmente representante dos interesses nacionais, intervém unicamente como mediador entre as partes sociais e, no máximo, como garante (sic) [garantidor] (geralmente impotente) do cumprimento do acordo. [...] a sociedade neocorporativa como uma forma de solução dos conflitos sociais que se vale de um procedimento (o do acordo entre grandes organizações) que nada tem a ver com a representação política e é, ao contrário, uma expressão típica de representação dos interesses. (BOBBIO, 1986, p. 25-26).

Para além do entendimento da pluralidade social e da onda neoliberal,

presente nas democracias modernas, Bobbio (1986) declara que a teoria

democrática falhou em algumas de suas promessas. Uma das falhas mais

acentuadas trata do poder oligárquico que reina nos governos. ―Se a democracia

não consegue derrotar por completo o poder oligárquico, é ainda menos capaz de

ocupar todos os espaços nos quais se exerce um poder que toma decisões

vinculatórias para um inteiro grupo social‖ (BOBBIO, 1986, p. 27).

O autor chega, assim, a uma terceira promessa não cumprida: a da

promoção da cidadania. O povo não é adequadamente educado para exercer seu

papel de cidadão político.

Nos dois últimos séculos, nos discursos apologéticos sobre a democracia, jamais esteve ausente o argumento segundo o qual o único modo de fazer

113

com que um súdito transforme-se em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de [...] cidadania ativa, direitos do cidadão [...]. Com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática. [...] Nas democracias mais consolidadas assistimos impotentes ao fenômeno da apatia política, que freqüentemente chega a envolver cerca da metade dos que têm direito ao voto. (BOBBIO, 1986, p. 31-32).

Outra promessa não cumprida se refere ao fato de as democracias não

terem conseguido eliminar o poder invisível ou estado duplo, para Bobbio espécie de

governo paralelo – maçonaria, máfia... [ no caso brasileiro, podem ser exemplo os

grandes proprietários rurais, alguns representantes de empresas, a cúpula do tráfico

do narcotráfico e alguns setores de igrejas]. O duplo estado controla o processo

democrático de acordo com interesses individuais.

O autor justifica que tais faltas, também decorrem de três obstáculos do

próprio sistema, que não poderiam ser previstos, porque são consequentes da

transformação da sociedade civil. Na ―medida em que as sociedades passaram de

uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma economia de

mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, aumentaram os

problemas políticos que requerem competências técnicas‖ (BOBBIO, 1986, p. 33),

argumento que dá espaço para a defesa de governos tecnocráticos. No entanto, é

importante argumentar que

Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos (BOBBIO, 1986, p. 33).

Além da tecnocracia, o contínuo crescimento do aparato burocrático se

configurou empecilho ao real avanço democrático. Há uma ligação histórica entre o

estado democrático e estado burocrático. Quanto mais consolidado estiver o

processo democrático, mais burocrático é o sistema. ―Pois o processo de

burocratização foi em boa parte uma conseqüência do processo de democratização‖

(BOBBIO, 1986, p. 34-35).

O último apontamento feito por Bobbio (1986) refere-se ao rendimento do

sistema democrático como um todo, que num primeiro momento (falacioso), poderia

indicar vantagem operacional a um sistema autocrático

[...] estamos aqui diante de um problema que nos últimos anos deu vida ao debate sobre a chamada "ingovernabilidade" da democracia. [...] O estado liberal primeiro e o seu alargamento no estado democrático depois contribuíram para emancipar a sociedade civil do sistema político. Tal

114

processo de emancipação fez com que á sociedade civil se tornasse cada vez mais uma inesgotável fonte de demandas dirigidas ao governo, ficando este, para bem desenvolver sua função, obrigado a dar respostas sempre adequadas. [...]. (BOBBIO, 1986, p. 35-36).

Mesmo delimitando um quadro delicado e complexo, Bobbio conclui que

nem todos ―as promessas não cumpridas e os obstáculos não previstos‖ foram

suficientes para transformar regimes democráticos em regimes autocráticos. ―O

conteúdo mínimo do estado democrático não encolheu: garantia dos principais

direitos de liberdade, existência de vários partidos em concorrência entre si, eleições

periódicas a sufrágio universal, decisões coletivas ou concordadas [...] ou tomadas

com base no princípio da maioria‖ (BOBBIO, 1986, p. 36). Evidentemente, existem

democracias mais e menos sólidas, com regimes mais ou menos vulneráveis, mas

que, ainda assim, conservam a possibilidade do ideal democrático.

O conselho de Bobbio (1986) é que nos tornemos a cada dia mais

conscientes da necessidade de um destino comum‖ e procuremos agir com

coerência, ―através do pequeno lume de razão que ilumina nosso caminho‖ (p. 39),

atentando sempre para os valores democráticos de igualdade e irmandade.

115

7 ANÁLISE

Alçando mão do referencial teórico que nos trouxe até aqui e na busca de

responder a indagação que move essa pesquisa: ―Como o jornalismo cívico exercido

pelas mídias alternativas pode contribuir para a consolidação do processo

democrático no Brasil?‖ nos voltamos à análise dos objetos a fim de comprovar ou

não as hipóteses propostas.

Amparados nas contribuições teóricas de Grinberg (1987) e Bardin (2004)

foram analisadas quatro publicações de cada um dos objetos. No encontro com O

Pasquim são visitadas duas grandes reportagens – Entrevista Leila Diniz e

Entrevista Jânio Quadros – ; a publicação Abaixo ao palavrão –popularmente

conhecida como o Dicionário do Ziraldo – e a matéria O Rush da Solidariedade –

que ficaria conhecida como A Gripe da Redação.

Da Agência Pública, selecionamos duas matérias de checagem – Estatuto

do Armamento e Para justificar assistência militar à ditadura, EUA diziam que tortura

era exceção – e duas matérias especiais – Depois de Belo Monte e Os santos

perseguidos.

A escolha levou em consideração o paradigma qualitativo. Seguindo as

contribuições teóricas de Stake (2006) que defende que a metodologia qualitativa

busca compreender as complexas inter-relações na vida real, sendo essencial que

nesse tipo de metodologia a interpretação do investigador a fim de perceber a

realidade social na qual estão inseridas cada um dos objetos.

Inicialmente, os recortes foram analisados segundo os quatro aspectos

fundamentais de Grinberg (1987): os temas abordados ou o que se considera

notícia, a hierarquização das informações, a classificação e tratamento das

informações e a linguagem.

No momento seguinte recorremos a Bardin (2004) para uma classificação

categorial do conteúdo, tendo como norteador o objetivo geral do estudo: analisar a

importância do jornalismo cívico/alternativo e sua contribuição para a consolidação

do processo democrático brasileiro. Quatro grandes categorias foram definidas:

jornalismo empresarial, jornalismo online- jornalismo alternativo/cívico e democracia.

A partir desses grandes grupos foram estabelecidas subcategorias que

evidenciassem características de um ou outro formato. Para isso, buscou-se

116

unidades de contexto e unidades de registro nos léxicos: censura; resistência;

liberdade ou falta dela; política; cidadania e desconstrução.

7.1 O PASQUIM

7.1.1 Entrevista Leila Diniz

O ―jeito‖ de fazer jornalismo dos integrantes d‘O Pasquim se destacou em

diversos aspectos, entre eles nas entrevistas. Geralmente conduzida por um grupo

de vários entrevistadores (quatro ou mais) os encontros costumavam durar horas,

outro o diferencial era a não realização do copidesque. (BRAGA, 1991).

Entre as matérias que mais obtiveram destaque está a Entrevista com Leila

Diniz, publicada na edição número 22, em novembro de 1969. A reportagem chocou

a sociedade conservadora da época ao falar sobre liberdade sexual e virgindade,

além de conter o uso frequente de palavrões.

A escolha pelo tema não foi casual. Grinberg (1987) lembra que refletir sobre

a temática escolhida pelos veículos nos permite compreender as visões ideológicas

desses profissionais, bem como o recorte de realidade que esses pretendem passar

ao público. O Pasquim nasceu em um regime de repressão, que o impedia abordar

claramente alguns temas, sobretudo os relacionados ao regime. Isso somado a forte

onda conservadora que assolava a maior parte da sociedade – cabe lembrar que de

19 de março a 08 de junho de 1964 milhares de pessoas foram às ruas defender a

intervenção militar na Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Como mencionado em algumas entrevistas, os dirigentes d‘O Pasquim viam

a sociedade brasileira como conservadora, hipócrita e com um falso moralismo

impregnado. A entrevista com uma das atrizes mais famosas do País falando

escancaradamente sobre assuntos velados foi à maneira encontrada por eles de

denunciar essa farsa social.

A temática também reflete outra característica d‘O Pasquim enquanto

veículo alternativo, fortemente influenciado pelos movimentos de contracultura norte-

americanos. A simpatia desses jornalistas por essas temáticas favorecia a defesa de

pautas voltadas à crítica dos costumes e a ruptura cultural, contribuindo para que

levantassem bandeiras como o da liberdade sexual e a igualdade de gênero.

117

No que diz respeito ao texto, a matéria estava expressa em bloco, no

formato ping-pong. Além dos elementos escritos, duas fotografias de Leila, em close,

compunham o espaço. Nas imagens, a entrevistada aparece de roupão e com uma

toalha na cabeça. Em ambas sorrindo com expressão de informalidade. A primeira

imagem abre a reportagem e é seguida por pequeno texto de ambientação, dando o

tom da conversa, que transcorre como um papo entre amigos.

Leila Diniz é chapinha d‟O Pasquim e sua entrevista é mais do que na base

do muito à vontade. Durante duas horas bebeu e conversou com a equipe de

entrevistadores numa linguagem livre e, portanto, saudável. (trecho Entrevista Leila

Diniz)37

A matéria é resultado da decupagem da gravação. Não há copidesque e

nem hierarquização da informação, muito menos classificação ou tratamento das

informações. Tudo o que os entrevistadores e a entrevistada dizem está impresso.

Segundo Grinberg (1987), a maneira como o acontecimento selecionado é

retratado no veículo também diz respeito à forma como o jornal se estrutura. A

aparente falta de tratamento das informações, por parte do veículo fica expressa na

maneira despojada com que a notícia é construída, totalmente em oposição aos

modelos convencionais adotados pela mídia hegemônica, onde as matérias são

construídas a partir do lead, seguindo a estrutura da pirâmide deitada.

Ao abrir mão do copidesque e tirar o paletó e a gravata do jornalismo

brasileiro, nas palavras de Jaguar, o Pasquim realiza um grande movimento de

desconstrução e enfrentamento ao que está posto. (JAGUAR, 2006).

O ―não tratamento‖ das matérias imprime um ar de proximidade, de

igualdade, configurando credibilidade pela transparência da transcrição e não àquela

credibilidade vinculada aos formatos convencionais, onde o jornalista está acima do

seu leitor e a parte aos fatos. Esse comportamento está em alinho com os

pressupostos do jornalismo cidadão, que considera o jornalista apenas mais um

agente social.

O enfretamento provocado por esse grupo não diz respeito apenas ao

jornalismo empresarial travestido de falácias como imparcialidade e objetividade,

mas ao social como um todo. Ao negar os modelos da sociedade, nega a própria

sociedade burguesa dos anos 1970, resistindo a um modelo social que não respeita

37

A fim de facilitar a fazer uma diferenciação necessária e facilitar a leitura, a inclusão dos trechos das reportagens analisadas obedecerá a formatação de Arial, corpo 12, em itálico.

118

as individualidades, que são plurais, mas que busca enquadrar todos em um padrão

socialmente estabelecido, se caracterizando. Assim, essa resistência pode ser lida

como um esforço à cidadania, ao direito de cada um de livre expressão.

A linguagem retrata isso de maneira mais evidente. O vocabulário informal,

com o emprego de muitos palavrões, que em razão da censura, são substituídos

pelo asterisco, evidenciam o quando O Pasquim estava em desacordo com as

restrições impostas pela censura, mesmo ainda não tendo sofrido seu período mais

turbulento.

Em novembro de 1968, o regime militar cometia bárbaros registros de tortura

no Brasil, entretanto a censura prévia era mais branda, uma vez que os militares se

voltavam a questões de cunho político militante e o humor d‘O Pasquim não era

vista como grande ameaça. Entretanto, a trajetória d‘O Pasquim sempre foi marcada

pelo enfrentamento ao reacionário e pela defesa das liberdades individuais, um dos

pilares das democracias modernas.

7.1.2 Abaixo ao palavrão

Com o boom que causou a entrevista com Leia Diniz, a censura prévia

passou a atuar com mais força sobre as publicações d‘O Pasquim. Cada vez mais

cortes sem justificativa ou razão clara sofriam as edições.

Ziraldo cansado de ter suas charges cortadas, algumas delas, segundo ele,

inocentes, cria um novo vocabulário de palavrões. Uma maneira bem humorada e

inteligente de enfrentar a ditadura e o cerceamento da liberdade de imprensa que a

cada número tornava-se mais presente na redação pasquineira.

Há na escolha da temática uma preocupação por parte de Ziraldo em

denunciar que o estado de recessão, que ao cercear liberdades individuais oprime e

priva o cidadão.

O grande destaque da publicação, entretanto é a linguagem humorística. A

maneira como algo é dito, o seu tratamento, é tão importante quanto a seleção dos

fatos. A imprensa alternativa se fortalece, justamente, ―quando se faz necessário

gerar mensagens que encarnem concepções diferentes ou opostas às difundidas

pelos meios dominantes‖. (GRINBERG, 1987, p. 24).

De acordo com Kucinski (2003) muitos veículos alternativos teriam recorrido

a formatos e linguagens diversas, entre elas a sátira e o humor, não só como

119

oposição aos os moldes franceses e norte-americanos que dominavam a produções

brasileiras, mas também como uma maneira possível dentro do regime militar de

exercer a liberdade de imprensa.

A abertura traz uma chamada bastante irônica e de duplo sentido, seguido

por verbetes que lembram palavrões, mas que por sua desconstrução não poderiam

ser cortados. Tratavam-se de palavras que não existiam, logo não constavam nas

listas de restrição dos censores.

A frase de abertura ―Ziraldo faz a convocação:” já se configura como um

enfrentamento ao governo militar. Quem convoca, inclusive sem motivo nenhum, é o

regime. Esse poder não é delegado ao povo, ao cidadão só é concedido o fardo de

seguir leis arbitrárias.

Dentro de uma ditadura o direito civil de manifestação é vetado, ferindo um

dos pilares democráticos. Ziraldo, de forma irônica, atua politicamente numa critica

ao sistema.

Abaixo o palavrão!!! (trecho Abaixo ao palavrão)

[...] Nós reconhecemos que uma boa empolgação ou uma emoção maior

não pode viver sem um palavrão adequado, entretanto há que se respeitar aqueles a

quem o palavrão choca ou contunde. Somos a favor da convivência pacifica e aqui

estamos para propor uma solução para o impasse: acaba-se o palavrão mas que a

língua adote palavras novas tão precisas quanto necessitem a exteriorização de

nossas emoções mais vigorosas . aqui está uma pequena coleção de algumas.

(trecho Abaixo ao palavrão)

Ao se referir à convivência pacífica denuncia justamente o contrário: em uma

ditadura há uma paz aparente, mas estamos sempre restringidos pela guerra da

repressão.

Ainda se referindo ao surgimento da imprensa alternativa dos anos 1970,

Kucinski (2003) reflete sobre que uma das forças de articulação desses ideias é a

dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e pelas limitações à

produção intelectual jornalística sob o autoritarismo.

Mas nem só de censura trata Ziraldo. Os Estados Unidos da América foram

um dos principais apoiadores do regime militar brasileiro, promovendo o

intercâmbios de armas e o treinamento de militares em troca de boas relações

diplomáticas e comerciais. Um das consequências dessa proximidade foi a

valoração da cultura americana, em detrimento da própria pluralidade cultural

120

brasileira. De forma magistral essa ‗negociação de valores‘ é retratada na publicação

de Ziraldo.

Guarde –as para os seus bons (ou maus) momentos e esteja certo de que

você poder responder sempre sim a pergunta: Do you spasquinglish? [...]

Foquiorselfe*(galicimo (muito inglês)) [...]

Cáspite* não sabemos o que significa, convém evitar seu uso, pois pode ser

palavrão (trecho Abaixo ao palavrão)

Novamente Ziraldo descreve o Estado de exceção, onde não há liberdade.

Em entrevistas pós-regime, Ziraldo critica falta de preparo dos censores, que não

sabendo do que se tratava, cortava de forma profilática.

No dicionário, além dos verbetes, todos os verbetes são acompanhados por

desenhos expressivos. Todos os desenhos são homens, vestindo ternos, alguns

com gravata, lembrando as vestimentas usadas no período militar. A expressão

facial dos desenhos carregada de traços que poderiam ser associados a raiva,

domínio e autoritarismo. É possível que seja essa, mais uma brincadeira de Ziraldo

para com os regentes ditatórias.

Para Braga (1991, p. 32), O Pasquim renovou a escrita jornalística, a fala, o

desenho e o humor brasileiros, opinião compartilhada também por seus fundadores.

A revolução promovida nesse período irá marcar de tal maneira o jornalismo

nacional que é impossível, na atualidade, pensar em mídia não hegemônica sem

mencionar a importância d‗O Pasquim.

A contribuição do veículo, entretanto, não se deu só no campo jornalístico,

publicações como essa de Ziraldo movimentavam o social, fomentando discussões

sobre o contexto brasileiro, dessa forma provocando o processo crítico e, por

conseguinte, incentivando a formação intelectual do cidadão e dessa forma

incentivando a volta da democracia. Alinhando-se assim, aos estudos de Meditsch

(2004), que defende o papel do jornalismo não é simplesmente transmitir a

informação, ser um fazer diário das notícias, mas um mediador responsável pela

tradução e reconfiguração de diversos formatos de conhecimento.

7.1.3 O rush da solidariedade

Os constantes deboches publicados pelo Pasquim acabaram por chamar a

atenção dos generais, criando alguns desafetos aos jornalistas. O ponto culminante

121

aconteceria na edição 71, de novembro de 1970, quando Jaguar, utilizando a pintura

Independência ou Morte, de Pedro Américo, realiza uma montagem onde Dom

Pedro grita: Eu quero mocotó!, refrão de uma canção de Erlon Chaves, finalista

do Festival Internacional da Canção de 1970.

A ―brincadeira‖ resultou na prisão de 11 integrantes do jornal por dois meses

e nove dias. Da equipe original restaram Millôr, Marta e Henfil. O intuito dos

censores era obrigar o fechamento d‘O Pasquim por inanição. O número 73 traz

uma explicação aos leitores. Por meio de uma nota, Millôr conta que "uma gripe

generalizada na redação d'O Pasquim", obrigou o afastamento da equipe e, por

conseguinte, a produção colaborativa de alguns números do semanário.

O surto de gripe, de há muito anuncio pelos jornais, tinha atingido o oriente

médio, assolado a Grécia, depois de passar por parte da Itália e pela

Tchecolosváquia. Mas, no território livre da Clarisse indo do Brasil, todos estavam

desprevenidos porque, tudo gente muito saudável, ninguém tinha o menor receio de

ser atingido. De repente, começaram as baixas, um a um os nossos (os meus)

redatores, desenhistas, montadores, todos se achando acima de qualquer resfriado

foram sendo apanhados, primeiro um calafrio, depois um espiro, depois três ou

quatro espirros. Uma verdadeira reação em cadeia. (trecho O Rush da

Solidariedade)

O texto é inteiramente metafórico. A narrativa descritiva é entrecortada por

ironias que criticam o regime e até os próprios pasquineiros, que se achavam livres

da possibilidade de prisão.

Esperávamos já nesta edição, contar com a equipe habitual (a patota) pois

todos os médicos, tomando o pulso e a temperatura geral, afirmavam que nenhum

deles apresentava a menor gravidade [...] Bastaria, para uns, dois ou três dias de

recolhimento, para outros apenas algumas horas e estariam prontos para suas

exaustivas atividades habituais [...] Mas como os dias passaram e os nossos

companheiros não receberam alta (nem baixa ) resolvemos apelar para a

colaboração de alguns dos nossos mais acirrados amigos. [...] Multidão de

escritores, jornalistas, desenhistas, cantores, desportistas, publicistas, banqueiros e

bancários que vinham se oferecer para trabalhar comigo, para votar em mim para

senador da arena ( quem sou eu, amigos?), enfim, para manter acesa a chama d‟O

Pasquim. (trecho O Rush da Solidariedade)

122

A prisão que devia durar alguns dias, a fim único de esclarecimentos, durou

dois meses e nove dias, fazendo com que, da edição 74 a 80, O Pasquim fosse

produzido por amigos e intelectuais próximos ao veículo.

Engraçado notar que essa foi uma das matérias mais ―sérias‖ d‘O Pasquim,

com a presença de um relato conciso e linear, seguindo a estrutura da pirâmide

invertida. É possível que tal hierarquia tenha sido escolhida por dois motivos: a fim

de dar ao leitor a real dimensão dos fatos (não é brincadeira, quase toda a redação

foi presa).

A saída encontrada por Millôr, ao denunciar os abusos da ditadura, é um

brado de resistência e enfrentamento ao sistema ditatorial, que ao lhe limitar a

conduta, abre caminho para a criatividade e reinvenção. Millôr, mesmo com as

dificuldades, não foge a obrigação inerente do jornalismo, a de informar. Assim,

cumpre, com um dos principais papeis da mídia: fortalecer e corroborar alguns

aspectos da vida social, em detrimento de outros. (Sousa, 1999). Ao optar por

reportar, ainda que metaforicamente, Millôr não se cala frente aos militares,

mantendo-se fiel ao leitores e ao seu compromisso com a informação.

7.1.4 Entrevista Jânio Quadros

A entrevista de Jânio Quadros na edição 417, de junho de 1977, quando o

Pasquim comemorava oito anos de circulação, tem um tom diferente, provável

movida pelo enfraquecimento do regime, que aos pouco começa a dar sinais de

cansaço, seja por onda de resistência civil. Na matéria são debatidos assuntos como

política externa, detalhamento da renúncia de Jânio no ano de 1960, autoritarismo,

cidadania, visões políticas e econômicas do ex-presidente sobre o País e sobre o

então presidente Geisel, entre outros.

O encontro ocorreu na casa de Jânio Quadros em São Paulo e durou mais

de oito horas. Boa parte dos relatos consta na versão impressa e como de praxe nas

entrevistas d‘O Pasquim nota-se um forte desapego aos formatos tradicionais de

construção da notícia.

Nesse ponto, havia uma grande fidelidade entre os leitores d‘O Pasquim,

que rotineiramente escreviam ao jornal. Sendo assim a abertura se faz, como quem

conta a um amigo seu último passeio.

123

Para o nosso número de aniversário, já tínhamos tudo arrumado: logotipo

com generoso pavio aceso, número de páginas, esses trecos. Faltava o principal; e

a entrevista? AQUELA entrevista Tinha que ser uma entrevista muito especial para o

oitão. JÂNIO QUADROS! disse alguém e todo mundo jurou que estava pensando

justamente no nome dele. (trecho Entrevista Jânio Quadros)

O segundo parágrafo é constituído por uma descrição ambientada do

escritório e os objetos pessoais no local.

A casa num bairro chic de S. Paulo é imensa - quatro salas, varanda, jardim,

piscina e sabe-se lá quantos quartos - mas Jânio parece ter escolhido o menor dos

cómodos para seu escritório. [...](trecho Entrevista Jânio Quadros)

Após esses dois parágrafos seguem-se as perguntas em ping pong, sem a

apresentação de nenhuma premissa ou lead explicativo. Mesmo se tratando de um

ex-presidente com um governo meteórico e controverso, nada é dito ao leitor, que

tem total autonomia para julgar a conversa que segue.

Em uma aparente anarquia, com ausência de roteiro, os quatro

entrevistadores interferem na pergunta um do outro, tecendo comentários e até

discutindo. Tudo isso é expresso integralmente na reportagem. Há também a

recorrência de afirmações no lugar de perguntas, que sem o copidesque parecem

conversas informais. Inclusive o almoço é comentado, com divulgação do cardápio e

entrevista surgida na hora com a esposa de Jânio, Eloá Quadros.

Jaguar - Pô, multar logo o presidente... é uma espécie de Loteria Esportiva

ao contrário. [...]

Jaguar (tentando impor sua autoridade como presidente dos entrevistadores)

- Dulcinéia! Dulcinéia! (os cães rosnam e Jaguar recua desolado). Nem todos

nascem pra ser presidente do Brasil... [...]

Iza - Imaginem a manchete: MULHER DE GOVERNADOR VÊ DISCO

VOADOR! [...]

Eloá - (da sala) Jânio, está na mesa.[...]

ALMOÇO MENU

Picadinho à moda paulista.

Vagem na manteiga, enfeitada com puré de batatas.

Bolinhos de camarão.

Arroz soltinho.

Feijão bem temperado

124

Vinho chileno: Concha y Toro (1971)

Sobremesa: ameixas em calda.

Frutas (tangerina, caqui, maçãs etc.) (trechos Entrevista Jânio Quadros)

Essa desconstrução, já mencionada nas análises anteriores, não se

configura apenas como uma resposta aos meios hegemônicos, mas seguem uma

lógica do jornalismo participativo, onde o leitor é autônomo, capaz de suas próprias

inferências, sem a necessidade que o jornalista atue como guia do seu processo

crítico.

Segundo Rotherb (2011), trata-se de reorientar a angulação do

entendimento do que é pauta para o jornalismo, uma vez que desafia o paradigma

da objetividade e vários outros aspectos correlatos ao jornalismo dominante. A partir

do entendimento de jornalismo participativo, as perspectivas de cidadãos comuns

devem guiar a cobertura.

Essa preocupação em atender o leitor não é notada apenas na escolha de

um formato de escrita mais livre e intimistas, mas nas próprias perguntas dirigidas ao

entrevistado, que figuram um posicionamento crítico em favor da democracia e da

informação contextualizada. Quem pensou que os meninos do humor estavam para

brincadeira, estavam enganados.

Rothberg (2010) defende que os veículos precisam reconhecer a diversidade

de interpretações e interesses que caracterizam qualquer sociedade plural e

democrática. Por esse motivo, os jornalistas devem ir além dos enquadramentos das

fontes oficiais, incorporando as perspectivas.

Um dos vários momentos em que a preocupação com a democracia fica

evidente é quando Ziraldo pede ao entrevistado sua opinião m relação ao

movimento estudantil. Jânio comenta sobre um dos episódios marcantes de sua

gestão, onde foi registrada uma greve na Universidade Federal de Pernambuco.

Enquanto Jânio explanava seu ponto de vista, é interpelado por Ziraldo, que logo é

seguido por Iza, em um quase interrogatório.

JÂNIO - [...] Mandei tanques para eles, aí vieram conversar comigo, depois

de suspender a greve.

Ziraldo - O senhor crê no direito de greve?

JÂNIO - Ah sim, acho que é sagrado.

Iza - esses tanques fizeram o que?

125

JÂNIO - Mas não sou a favor da irresponsabilidade nem da subversão.

Acredito muito em autoridade. A autoridade emana do povo para ser exercida em

nome dele. [...]

JÂNIO- A censura remonta desde os tempos do Paraíso. [...]

JÂNIO - Sou inteiramente a favor da liberdade de imprensa, mas isso não

exclui a responsabilidade.

Ziraldo: Esse medo da atividade política do jovem é uma obsessão pela

segurança nacional.

A partir daí a problemática avança no que concernem os limites dos direitos

civis e o processo de formação para a cidadania. As visões de Jânio são expressas

na íntegra.

JÂNIO - [...] estudar no Brasil era - e em larga medida ainda é - um privilégio

[....] alguns de meus professores marcaram minha vida de tal maneira que quando

era Presidente da República fui a Curitiba inscrever na Ordem do Mérito a

professora. [...]

JÂNIO - O estudante brasileiro hoje não é melhor nem pior do que o

estudante que eu fui ou que todos fomos. As várias gerações a que pertencemos

não foram melhores nem piores. Considero-os menos dotados em termos políticos

ou sócio-econômicos porque lhes foi vedada a atividade política. [...]

JÂNIO - formação política é a formação do cidadão. Se não se permite a

atividade política nas escolas como se pode esperar a criação de cidadãos?

JÂNIO - [...] O estudante me faz lembrar muito o analfabeto, também

marginalizado. Por que o analfabeto é marginalizado? Entende-se que não tem

consciência cívica, o que não é verdade. O radinho de pilha, o sindicato, a conversa

de esquina, já integraram o analfabeto à vida nacional. Já está conscientizado.

Sempre vi o voto do analfabeto com muita simpatia. Para ser franco, receio menos o

voto do analfabeto do que o de determinadas camadas urbanizadas que estão mais

interessadas em si próprias, no seu status, nas suas vantagens. (trecho Entrevista

Jânio Quadros)

Jânio era um estadista que defendia uma política nacional de austeridade,

suas posições foram amplamente debatidas durante a conversa, com os

entrevistadores concordando ou não com as posições do ex-presidente faziam seus

apontamentos, assim foi discutido sobre a política, ditadura:

[...] JÂNIO - O cerco é ao poder.

126

Ziraldo - E consequentemente é ao povo.

JÂNIO - Sobretudo ao poder

[...] JÂNIO - Era possível governar sim, desde que se dividisse o País em

capitanias entregando cada uma a um grupo político ou econômico.

[...] JÂNIO - Não o será feito enquanto eu viver pois alcançam figuras da

nossa vida pública julgadas "modelares".

Iza - O senhor acabou de se referir à oligarquia. Existe uma escala entre

essas forças?

JÂNIO - Bem, isso reclama uma exposição cuidadosa e criteriosa.

[...] JÂNIO - Bem, a candidatura do Juarez foi arruinada por alguns artigos

do Sr. Carlos Lacerda, publicados na Tribuna da Imprensa.

Jaguar - Como sempre o galinho tava lá.

[...] Ziraldo - Mas foi a maior votação que um presidente já tinha tido até

então.

Ricky - Até então e até agora porque não houve mais eleições diretas.

[...] Iza – E na política externa?

JÂNIO - Resolvi reestabelecer relações diplomáticas com a Rússia.

[...] Iza - Os Estados Unidos, na época, manifestaram algum desagrado em

relação à sua política?

JÂNIO - Sim. Não nos esqueçamos da aventura da Baia dos Porcos. (trecho

Entrevista Jânio Quadros)

Ao que se pode notar nos exemplos citados acima é por traz de uma

suposta anarquia existia um grupo de profissionais altamente preparados e críticos

capazes de mesmo diante de fontes de grande relevância fazer as perguntas certas,

inclusive contra argumentando quando as repostas não são satisfatórias.

O resultado desse trabalho é mais que uma matéria, é, sobretudo, uma aula

sobre história brasileira e conjuntura política. Magistralmente, O Pasquim, dentro de

uma ditadura conseguiu informar e formar os cidadãos brasileiros, fazendo jus à

afirmação de Braga quanto a sua crucial importância ao jornalismo nacional.

7. 2 AGÊNCIA PÚBLICA

127

Diferentemente d‘O Pasquim, a Pública vive um momento de

democratização da informação e liberdade de expressão proporcionada pela rede,

onde, em teoria, todos são livres para emitir opiniões (mesmo que alguns usem esse

espaço democrático para ferir os direitos do outro).

A Pública nasce nesse meio e é constituído por ele, sendo atravessada

pelas características de funcionamento do ciberespaço. Entretanto, a revolução

digital trouxe em primeiro momento algumas incertezas ao fazer jornalístico.

A instantaneidade, por exemplo, uma das características mais acentuadas

da rede fez com que inicialmente se pensasse a Web como espaço de rápido

consumo. Outro arrasto gerado pelo uso inadequado da rede é o aumento

substancial do número de notícias falsas, efeito colateral de todas as possibilidades

de horizontalidade e interatividade pela rede.

O comportamento da Pública reflete uma reação a esses ruídos. Se O

Pasquim precisava recorrer ao humor para poder informar, a Pública, ao contrário,

fala sério, muito sério, para entregar uma informação profunda, contextualizada e de

credibilidade. Conforme veremos nas reportagens analisadas.

7.2.1 Para justificar assistência militar à ditadura, EUA diziam que tortura

era exceção38

De forma declarada, em maior parte de sua existência O Pasquim não podia

falar abertamente sobre o sistema. Tal era a pressão que palavras como ditadura,

tortura, regime não são encontradas em suas publicações, sobretudo entre os anos

de 1968 a 1978 (quando os militares começam a dar sinais de que irão abandonar o

poder).

Com matérias como ―Para justificar assistência militar à ditadura, EUA

diziam que tortura era exceção‖, a Pública cumpre com o papel de informativo e

contextualizador que O Pasquim e todos os veículos da época foram impedidos de

fazer.

A matéria publicada em 7 de Abril de 2013 compõe um especial realizado

pela Agência como marco dos 51 anos do Golpe de 1964. Cabe lembrar que a

Pública conta com uma editoria em seu site dedicado ao tema ditadura. São 37

38

https://apublica.org/2013/04/para-justificar-assistencia-militar-a-ditadura-eua-diziam-tortura-era-excecao/ Acessado em: 25 nov. 2017

128

matérias dedicadas exclusivamente ao assunto, além dos relacionados em outras

editorias. A reportagem, como muitas que estão na editoria Ditadura, está ligado ao

serviço de fact-checking da Agência, que compõe a editoria Truco.

Evidenciando seu compromisso com o aprofundamento democrático, a

matéria realiza uma ampla checagem dos despachos diplomáticos do embaixador

dos EUA em Brasília, John Crimmins, durante os anos de 1977 e 1976. O objetivo é

evidenciar que os Estados Unidos tinham conhecimento dos casos de tortura e

abusos de poder na ditadura brasileira, mesmo assim optaram por manter o apoio

para a compra de armas e treinamento militar no EUA. Ao optar por essa temática a

Agência confirma seu compromisso enquanto produtora de conhecimento. O

jornalismo é, também, lugar de testemunhos, produtor de repositórios de registros

sistemáticos do cotidiano, para posterior apropriação e (re)construção histórica.

(PALACIOS, 2004).

Para dar conta do objetivo, entre os modelos de webnotícia, para as

matérias de checagem, a Pública costuma seguir o modelo Black´s Wheel, de Maria

Laura Martinez e Sueli Ferreira.

Ao elemento central que formada pela premissa, se ligam blocos

informacionais independentes, montando uma estrutura circular.

Os blocos informacionais são sempre abertos com uma das citações de um

dos despachos John Crimmins analisados, seguido pelo posicionamento da agência

informando de forma clara, direta e precisa se aquela informação é verdadeira ou

não. Após o apontamento é feita uma argumentação técnica baseada em dados e

falas de especialistas para a comprovação da posição defendida pela Agência.

Como a tortura é vista como uma prática de uma pequena minoria e não das

forças militares brasileiras como um todo [...] Posicionamento Pública: Mas o

relatório enviado por Crimmins, assim como sua esdrúxula conclusão, são

desmentidos pelos próprios documentos da embaixada encontrados na Biblioteca

Pública de Documentos Diplomáticos dos EUA (PlusD), do WikiLeaks. (Trecho de

um dos despachos)

[...] Mesmo assim, os EUA investiam pesado em armar e treinar os militares

brasileiros (Posicionamento Pública)

[...] Embora a missão americana soubesse bem o que se passava nos

porões da ditadura. (Posicionamento Pública)

129

Tantos os despachos, quanto as verificações possuem informação de

origem, sendo que a maioria conta ainda com hiperlinks para a fonte original, nesse

caso, geralmente documentos oficiais disponíveis na WikiLeaks. Entre os órgãos e

bancos de dados visitados para a confecção da matéria estão: Despachos oficiais e

confidenciais disponíveis na Biblioteca Pública de Documentos Diplomáticos dos

EUA (PlusD), do WikiLeaks; Relatório Sobre as Acusações de Tortura no Brasil, da

Anistia Internacional; o livro ―Habeas Corpus‖, da Secretaria Especial de Direitos

Humanos; e agência de notícias United Press International.

A presença constante de hiperlinks é outra característica da Pública, só na

presente matéria são encontrados 10 hiperlinks de confirmação e aprofundamento

dos dados recolhidos. Além destes são disponibilizados mais quatro links, tanto no

corpo, quanto no final do texto, com matérias relacionadas a temática.

A Pública recorre à hipertextualidade para como indica Canavillas (2014)

criar um mapa informacional amplo com várias opções de navegação, em camadas,

com links e blocos informacionais ligados por atalhos e redirecionamentos.

O jornalismo investigativo vem se tornando uma marca da Pública. Um dos

veículos que melhor sabem explorar a conectividade ubíqua, que possibilitou uma

série de novas habilidades que envolvem a coleta de grande volume de informação.

O tratamento dispensado aos dados pela Pública sustenta um dos pilares do

jornalismo cívico, o de atuar como formador do cidadão.

O jornalismo enquanto forma de conhecimento, traz o universal a partir do

singular para dar a percepção individual. Entre as principais justificações sociais: a

de manter a comunicabilidade entre o físico, o advogado, o operário e o filósofo. A

função democrática do jornalismo residiria na intenção de apresentar a realidade aos

diversos públicos, proporcionando assim, que, além da liberdade para votar, os

cidadãos estejam munidos com o maior número possível de informações para uma

escolha crítica e consciente.

Recordando Palacios (2004) percebemos como o trabalho desenvolvido pela

pública possui um valor documental que ultrapassa sua mera capacidade informativa

pra atuar diretamente no processo democrático. Pode ser tão importante para a

(re)construção histórica aquilo que se publica nos jornais e se diz na rádio e TV,

como aquilo que não se publica, que não se diz: o dito e o interdito, o permitido e

o proibido. (PALACIOS, 2014, p. 90, grifo do autor). Por meio desse tipo de

130

informação contextualizada da Pública é possível avaliar o passado retratado do

passado vivido.

7.2.2 Dados falsos e omissões marcam Estatuto do Armamento39

Também compondo a editoria de checagem, Truco, a matéria Dados falsos

e omissões marcam Estatuto do Armamento, produzida pelos jornalistas Caroline

Ferrari, Maurício Moraes e Patrícia Figueiredo desmonta os principais argumentos

do projeto de lei nº 378/2017, do senador Wilder Morais, que pretende mudar regras

para facilitar a venda, a posse e o porte de armas no País.

Através da temática segurança pública, a agência vai além dos retratos

superficiais de violência retratados pela mídia para trazer ao leitor a complexidade

do tema, que, ao contrário do proposto pelo deputado, não pode ser de fácil e

imediata resolução, a partir da liberação do uso de armas.

O tratamento da matéria atende ao modelo já consolidado pela Pública em

matérias de checagem, abrindo com um trecho do projeto de lei, seguido pela

verificação das informações. No caso do Estatuto do Armamento (como vem sendo

chamado o projeto) o modelo utilizado é News Diamond de Paul Bradshaw, que

atende a um fluxo de escoamento. A unidade informativa já não é apenas um texto,

mas sim uma sequência de textos (ou outros elementos) em que a informação se vai

tornando cada vez mais complexa (CANAVILLAS, 2014, p.15).

O primeiro parágrafo é composto por um pequeno lead que traz a síntese do

projeto.

O senador Wilder Morais (PP-GO) apresentou recentemente uma proposta

para facilitar a fabricação, a comercialização, a posse e o porte de armas no país.

Batizada como Estatuto do Armamento (Projeto de Lei do Senado nº 378/2017), a

iniciativa também elimina a necessidade de cadastrar as armas hoje consideradas

obsoletas e permite que Secretarias de Segurança Pública se responsabilizem pela

emissão de registros – hoje uma atribuição da Polícia Federal. (Trecho Dados falsos

e omissões marcam Estatuto do Armamento)

A abertura do segundo parágrafo já traz um estudo refutando a posição do

deputado.

39

https://apublica.org/2017/10/truco-dados-falsos-e-omissoes-marcam-estatuto-do-armamento/ Acessado em: 25 nov. 2017.

131

Para o parlamentar, armar a população é um modo eficiente de diminuir a

violência. Um estudo sobre as microrregiões brasileiras mostra, no entanto, que o

aumento de 1% na quantidade de armas de fogo faz subir em até 2% a taxa de

homicídios. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – verificou a

justificativa do Estatuto do Armamento e encontrou informações falsas, sem

contexto, discutíveis ou distorcidas em todos os trechos que citavam dados.

Procurado tanto para indicar as fontes usadas como para se posicionar sobre as

conclusões da checagem, o senador não se manifestou.

Os blocos informacionais que seguem são compostos por um trecho do

projeto seguido da situação da informação e como procedeu a checagem. Como no

texto analisado anteriormente a checagem dos fatos se dá por consulta documental

ou a especialistas no assunto, com links redirecionando para o original. Entre os

órgãos consultados para a aferição dos fatos estão, além do projeto do Estatuto de

Armamento (Projeto de Lei nº 378/2017); o Atlas da Violência 2017; o Instituto de

Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea); o Fórum Brasileiro de Segurança Pública;

as Estatísticas Globais de Saúde (ONU) e o FBI. Ironicamente, os dados constantes

no projeto de lei são oriundos de matérias jornalísticas, o que evidencia o quão

pueril e sem embasamento técnico é a PL 378/2017.

Além de contestar as informações, a Pública oferece informações adicionais

para a correta análise dos fatos. Ao justificar porque aquela informação não se

aplica, evidencia qual a maneira correta de expressar e entender o dado oferecido.

Um exemplo dessa atuação está na maneira de apresentar dados relativos a

homicídios.

[...] Segundo o Atlas da Violência 2017, estudo anual realizado pelo Instituto

de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança

Pública, o Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. O número de fato torna o

país “líder mundial em números absolutos de homicídios”, como afirma Morais. O

Brasil, no entanto, está em 9º lugar no ranking mundial de homicídios a cada 100 mil

habitantes. São 30,5 ocorrências a cada 100 mil moradores. [...] A taxa de

homicídios a cada 100 mil habitantes é considerada a estatística mais precisa para

medir os índices de violência em um determinado local. “Há uma dificuldade em

medir a violência com outros números, já que você tem, em muitos lugares,

problemas de subnotificação de crimes e falta de transparência do poder público”,

132

explica o pesquisador Daniel Cerqueira, responsável técnico pelo Atlas da Violência

2017.

Ainda sobre homicídios são apresentados dados sobre índices e números

em vários estados, contextualizando que a segurança pública depende de outros

fatores.

7.2.3 Depois de Belo Monte40

A temática ambiental sempre esteve presente nas pautas da Agência

Pública, sendo uma das bandeiras mais defendidas pelo veículo. Durante os últimos

anos, a Agência tem acompanhado, de forma profunda e contextualizada, os

principais casos de direito ambiental no país, atuando firmemente na defesa e

proteção dos principais ecossistemas do País. Com a implantação da Usina de Belo

Monte não foi diferente. Desde a discussão da implantação e mesmo depois de sua

inauguração a Pública vem acompanhando o caso.

A matéria ―Depois de Belo Monte‖ compõe o especial Amazônia Resiste e

nesse número se volta aos indígenas e ribeirinhos afetados pela implantação da

usina.

A matéria conta as impressões dos repórteres Ciro Barros e Iuri Barcelos,

que após a inauguração da usina visitaram Altamira, uma das cidades mais

atingidas pela barragem.

Seguindo o modelo Black´s Wheel, a abertura da matéria conta com linha de

apoio ampla, seguida por blocos informacionais independentes. No primeiro bloco é

apresentado um balanço geral dos impactos da hidrelétrica na vida dos moradores.

Ao relatar a história do pintor Carlos Alves Moraes, Carlos – indígena Xipaia,

A indígena Maria de Fátima Damasceno Curuaia, entre outros, a Pública conta

também a história de muitos outros na mesma situação, mas por meio da

personificação, torna real os números, os números deixam de ser só números para

representar histórias reais.

O segundo bloco trata sobre moradores urbanos que com as altas

imobiliárias se viram obrigados a mudar-se ou permanecer nas palafitas. A questão

ambiental sempre presente na reportagem se sobressai na descrição da natureza na

40

https://apublica.org/2017/11/depois-de-belo-monte/ Acessado em: 20 nov. 2017.

133

Cachoeira Seca. O terceiro bloco volta-se de forma indireta a questão ambiental ao

relatar os ataques das madeireiras às terras indígenas. No último bloco são

discutidos os imbricamentos das relações entre indígenas e ribeirinhos.

Diferentemente da linguagem técnica e formal das matérias anteriormente

analisadas, Depois de Belo Monte traz uma linguagem mais aproximativa onde as

fontes protagonistas – os moradores – contribuem com falas contundentes sobre a

sua situação. Ao que se percebe, há um esforço por parte dos repórteres para tornar

esses personagens visíveis, com voz e representatividade. Além da utilização de

recursos descritivos para incluir o leitor.

Mesmo com a presença marcante de depoimentos, os dados não são

deixados de lado e conferem credibilidade as descrições dos repórteres. Os dados

são acompanhados por hiperlinks, em sua maioria comprobatório, redirecionando

para fontes oficiais e/ou banco de dados e pesquisas.

7.2.4 Os santos perseguidos41

A última matéria analisada no presente trabalho é a que possui o tom mais

intimista. Os Santos Perseguidos produzida por Gabriele Roza traça um mapa dos

crimes de ódio por intolerância religiosa no Brasil. Números desenham ao leitor o

quadro, além de imprimir credibilidade ao relato. Já as falas personalizam o enredo

aproximando fonte e leitor.

Entre as matérias analisadas, Santos Perseguidos é a que possui o caráter

de valorização do individuo, mais presente. As fontes autoridades aparecem para

dar esclarecimentos, quem narra os fatos, conta a sua própria história são as

pessoas. Personalização é determinante para gerar aproximação e identificação

com o público. Em um tom humano e sensível, sem deixar de ser jornalístico, o texto

de Gabriele Roza mostra que o outro não é tão diverso. Que mesmo em uma

sociedade tão plural, nossa condição humana nos irmana, a dor de Mãe Vivian.

[...] „„O mais triste disso tudo é saber que eles não param” [...]

[...] das 52 denúncias de intolerância religiosa ao Ceplir – de dezembro de

2016 a agosto de 2017 –, 34 foram de pessoas do Candomblé, Umbanda e outras

denominações de religiões de matriz africana.

41

https://apublica.org/2017/11/os-santos-perseguidos/ Acessado em: 20 nov. 2017.

134

Em amarração com as histórias individuais, seguem os dados assombrosos

sobre a violência sentida por algumas crenças religiosas, em maiorias as de afro-

descendência. Esses dados são contextualizados e problematizados, como no caso

do tráfico.

[...] „„Infelizmente, estamos vivendo um outro momento que traficantes estão

perseguindo os terreiros, a lógica agora é uma lógica territorial por conta desses

traficantes‟‟, diz o secretário.

Para fechar a matéria um box de caráter analítico, rememora fatos históricos

[...] „„Hoje, o que o neopentecostalismo faz com os terreiros, a Igreja Católica

fez na Colônia e no Império. A destruição dos terreiros tem essa lógica, de um

passado que se presentifica‟‟, comenta o professor Jayro de Jesus. [...]

[...] Após a abolição, a repressão continuava, e polícia fazia prisões

asseguradas pela Lei da Vadiagem. A Lei punia a manifestações negro-africanas,

como a capoeira, o samba e as práticas religiosas. „„Hoje, eles vão mudando de

lugar para preservar esse culto, assim como lá dentro da senzala‟‟, explica Sandra

Brandão, 47 anos, pedagoga e Presidente da Sociedade Civil do Ilè Așé Opò Afonjá

do Rio – nome que significa Casa de Força Sustentada por Xangô.

Conclui-se com as análises que a Pública ao fazer jornalismo também faz

sociedade, construindo cidadania. Na atualidade, não cabe pensar o jornalista como

um ―fazedor de matérias. É preciso compreender o potencial de agente social e

fomentador de mudanças que traz a profissão, evidenciando que cabe ao bom

profissional a missão de trazer aos seus leitores o maior número de contexto e

pluralidade possível. A Pública tem cumprido de forma satisfatória com esse

objetivo, ao perseguir um jornalismo engajado, investigativo e inovador.

135

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho Relevância da Mídia Alternativa na Defesa do Jornalismo Cívico

para a Consolidação do Processo Democrático no Brasil: uma Análise do Pasquim e

da Agência Pública cumpriu com os objetivos propostos.

O desafio foi difícil. Estudar um conceito tão plural quanto o jornalismo

requer um mergulho bastante profundo para uma pesquisadora ainda tão sem

bagagem. Muitas foram as turbulências enfrentadas nesse processo. O descrédito, o

abandono e o desespero, ao perceber o quão complexo é o cenário que vivemos,

por horas tomaram conta. Ao acompanhar os constantes ataques que vem sofrendo

nossa democracia, às vezes, chegamos a temer o futuro.

Esse foi o primeiro objetivo alcançado, mesmo não listado em projeto. A

esperança de dias melhores encontrada nas leituras e nos muitos teóricos que

defendem a nascitura de um jornalismo cívico. Esperança ainda maior ao evidenciar

que tais sementes desse jornalismo já se reproduzem na rede.

Entre os objetos específicos figuravam o estudo de conceitos ligados ao

jornalismo alternativo e sua evolução histórica; a sociedade da informação e seus

efeitos no modo de consumo da notícia, além de tensionado o modelo industrial de

jornalismo e o jornalismo cívico, que desponta como alternativa.

Ao visitar conceitos relacionados ao surgimento da imprensa alternativa, a

primeira constatação é que a imprensa brasileira já nasce sobre forte censura e a

serviço e domínio dos órgãos oficiais do império. Dessa forma, não é de se

estranhar que até os dias atuais, os grandes veículos de massa continuem nas

mãos de pequenos oligopólios.

Mesmo com interesses individuais se sobrepondo a função social do

jornalismo, sempre existiram em nosso País, em maior ou menor escala,

dependendo do período, veículos intimamente ligados ao jornalismo engajado e

preocupado com sua função civilizatória. Esses veículos cumpriram o papel de

antítese, no movimento dialético na formação da imprensa nacional.

De lá pra cá, o progresso foi contínuo, o que nos permite marcar nossos

objetos como expoentes desse movimento de continua transformação e

aprimoramento do jornalismo. Ambos surgem em contextos políticos delicados com

anseios ideológicos de embate e resistência aos modelos dominantes.

136

É impossível falar de jornalismo brasileiro sem mencionar O Pasquim, pela

revolução que um pequeno grupo de amigos foi capaz de fazer.

O Pasquim é a evidência que mesmo em uma ditadura severa como foi o

Golpe Militar de 1964, a semente dialética persiste e, no momento adequado,

independente das forças contrárias, sua brotação é inevitável.

Já a Pública, cria da rede, com seu trabalho altamente engajado e formativo

luta diariamente para que, mesmo em tempos tenebrosos como os atuais, o País

não volte a viver o período ditatorial que até hoje marca com sangue e dor nossa

história.

O Pasquim e a Pública surgem como antítese para o jornalismo hegemônico

que já não atende mais, ou ao menos, não de forma satisfatória, necessidades

sociais e informativas. Esses veículos se caracterizariam como uma resposta

dialética do meio, que nega a mídia hegemônica, mas se apropria dela, ou de partes

dela – alguns formatos, valores notícias, agendamentos – para a construção de si,

num processo contínuo de construção e negação.

O que se percebe é que de formas diferentes, cada um adequado a seu

tempo, O Pasquim e a Pública, contribuíram efetivamente para o desenvolvimento

de um jornalismo cívico e cidadão. Jornalismo essa mais engajado ao social, que

cumpriu e cumpre de forma preponderante o seu papel na luta por uma democracia

mais efetiva e inclusiva para o Brasil que num processo de auto-retro-alimentação,

fortalece o exercício da cidadania.

A rede, sua estrutura plural e horizontal, tem contribuído de forma efetiva

para o desenvolvimento do jornalismo cívico e para o aprofundamento do processo

democrático. Ao acenar como um espaço mais justo e igualitário altera a arquitetura

das relações sociais abrindo caminho para que todos tenham voz.

Tais percepções só foram possíveis por meio do método que se configurou

como adequado aos objetos. Por meio da observação das leis dialéticas foi possível

aproximar objetos que em primeiro momento pareciam diferentes. A dialética, nos

mostra que tanto O Pasquim, quanto a Pública estão inseridos dentro do mesmo

processo de transformação e movimento contínuo da sociedade.

Ao findar essa etapa acadêmica percebe-se que a imprensa, com o

jornalismo cívico, atua de forma determinante para o desenvolvimento da

democracia, sendo ambos profundamente ligados e um não existe sem a existência

efetiva do outro.

137

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