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Pasquim Jurídico é um canal de textos autorais de formato livre e irreverente para divulgar as novas vozes do núcleo universitário, materializando sua expressão.

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Page 1: Pasquim Jurídico

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Page 2: Pasquim Jurídico

Por mais acostumados que estejamos com a normalidade, a realidade sempre nos surpreende. São momentos como esse, na contemplação de um quadro intitulado “A Origem do Mundo” que pegam de surpresa nossa moral e nos colocam frente a frente com nossos mais obscuros valores. Não digo que isso não seja agressivo, ao menos ex-iste uma agressividade frontal nesse bucho peludo, nessa fossa oceânica que te encara até a morte e certo enjoo que te leva a penetrar - o olhar- nesses

lior zalis

caminhos sombrios entrecoxas. Mas de certa forma, para levantar precisamos cair. E esse quadro derruba desde 1866.

Júlio Cortázar, escritor argentino, profetizou “violar é explicar”. A viola-ção é esse preciso desconforto – Coubert já sabia disso – que transforma tudo num espelho de rosto que escolhemos que-brar. Ou não, ou apenas não violamos e deixamos de explicar, esquecendo (O esquecimento tem a assustadora capaci-dade de se converter em fantasma). Mas a violação é o apontamento desses aca-bamentos mal acabados, essas frágeis juntas cansadas, desses apodrecimentos escondidos na nossa consciência.

Não obstante, Coubert também quis nos ensinar que esses mofos que se en-crustam em nossa sociedade são muito mais próximos de nós que imaginamos, são coisas que, se não nos for indicado, vamos manter e manter, deixando a

ponte lá, com sua madeira apodrecida, até a madeira quebrar e dar fim a uma história. Eles sustentam boa parte de nossas crenças, nossos sonhos, nossos amores e desamores, os ódios e nossas revoltas, muitas vezes acabam sendo nossos pés e mãos, até chegar ao nosso pescoço. Pois a transgredir é levar a luz até as assombrosas travessas das dinâmicas do cotidiano.

A violação - e, por favor, não entremos no calabouço das superstições com in-tenções anarquistas - faz parte da nossa dialética entre o passado e futuro, ar-quitetando as novas formas de agir e pensar ou mesmo sendo, per si, a novi-dade. Tudo isso pelo fato de a violação introduzir uma nova dosagem na bal-ança do nosso existir e da nossa ex-istência, redistribuindo pesos e medi-das, reencaminhando e direcionando forças para que alcancemos um novo

equilíbrio. E nada mais justo que de-sequilibrar para depois equilibrar.

(Dizem também que a violação é um fantasma que ronda uma época, fa-zendo sentinela naquilo que se ergue, às vezes pichando muros, às vezes olhando para você - olhar que rasga - ou apenas repousando sua mão em seus sonhos de ônibus, é um fantasma que des-mente e protesta.).

Às vezes, por forças do nosso tempo, somos impelidos a violar. É o presente se impondo sobre nós, é a vontade de mudança do tempo, a as-sustadora consciência coletiva que arrasta até as mais pesadas estátuas. Pois violar é a origem do mundo, é uma atividade criativa, faz parte de nosso organismo social, não podemos ficar alheios a isso.

Somos todos dotados da capacidade de violar, só nos falta o papel e a caneta.

QUE FOI?NUNCA VIU?

“A Origem do Mundo” de Gustave Courbet

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Page 3: Pasquim Jurídico

ANTONIO KERSTENETZKY, UFF

uma polemicaem torno do globo

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A maioria dos leitores do último jornal desta cidade concordará que uma das pa-lavras mais usadas por seus jornalistas é “polêmica”. “Polêmica(o)” foi usada recente-mente para definir o diretor de filmes Roman Polanski, acusado de pedofilia; a discussão em torno da distribuição dos royalties do petróleo; a posição da barraquinha de cachor-ro-quente do Oliveira, no Humaitá; a filmagem de um Harlem Shake por soldados is-raelenses; e o quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet, em que uma vagina aparece proeminentemente representada.

Uma busca no site do New York Times, feita em 12 de março, revela que a última vez em que a palavra polemic (cuja definição em inglês se aproxima da em português) foi usada em um artigo do dia 7. Antes disso, em um no dia 5; antes, só em fevereiro. A mesma busca, se feita no site do Globo, revelará que “polêmica” apareceu em artigos publicados há 8 minutos, há 3 horas, há 4 horas etc.

Por que O Globo tem a necessidade de informar a seus leitores que o assunto tratado é uma polêmica? Para mim, isso pode ser atribuído a uma singular falta de autoconfiança do jornal, que o leva a uma constante necessidade de auto justificação.

O uso indiscriminado da palavra em situações as mais discrepantes – afinal, o que liga as notícias sobre a venda de cachorros quentes e o novo filme de Polanski? – parece simbolizar que, para o O Globo, “polêmica” mudou de significado. Passou a querer dizer, simplesmente, o que os ingleses e americanos chamam de newsworthy. Quando um jornalista descreve seu material como uma “polêmica”, está querendo dizer ao leitor, “isto é uma notícia. Por isso estamos escrevendo sobre ela. Por isso você a está lendo”.

É claro que um bom jornal não tem necessidade de fazer isso. Afinal, se algo é newsworthy, ou merece ser reportado, a reportagem em si serve de justificativa para sua presença no jornal. O Globo precisa explicitar que seus objetos são “polêmi-cas”, diria, porque não confia em sua capacidade de nos convencer deste fato. Eu concordaria com essa hipotética falta de confiança: O Globo é um jornal de matérias curtas – muitas não passam de 4 ou 5 parágrafos – insuficientemente explicadas, em especial se compararmos a bons jornais estrangeiros.

Muitas pessoas atacam o matutino por causa de seu conservadorismo. A questão é: isto não é necessariamente um problema. Há bons jornais conservadores, cuja posição ideológica é clara, e principalmente cujas reportagens são boas, cativando até o público que não concorda com eles. O melhor exemplo é o The Economist, revista inglesa fundada no século XIX. A questão do Globo é sua qualidade de reportagem.

Se o uso exagerado da palavra “polêmica” não for suficiente para legitimar a tese da necessidade de auto justificação, outras ações do Globo a podem embasar.

Em primeiro lugar, destaca-se a cobertura que o Globo dedicou a seu novo proje-to gráfico, revelado no ano passado. Durante mais de uma semana, o jornal separou pelo menos três páginas diárias, além da sessão de cartas dos leitores, para, basica-mente, falar bem de si mesmo. O mérito do projeto gráfico em si, creio, não importa. A experiência da leitura do Globo, afinal, continua a mesma, já que o que mudou foi só a aparência.

Um caso ainda mais ilustrativo foi o editorial apócrifo que o Globo publicou no dia seguinte ao fim do julgamento do Mensalão, (“Volta a farsa do ‘golpe do Men-salão’”, 13/06/12). Esta data, pode-se pensar, seria reservada pelo jornal à discussão editorial do que a instituição O Globo crê ser o aspecto mais importante do caso em pauta. Pois bem – este editorial trata da importância da Imprensa no caso. Mais: apresenta a imprensa como a vencedora na luta contra aqueles que a acusaram de ter inventado o Mensalão, como se neste julgamento o que estivesse em jogo fosse a palavra da Imprensa, ou, mais especificamente, a palavra do próprio Globo.

O Globo não tem ideia do que está fazendo. A auto-congratulação sobre o pro-jeto gráfico; o editorial em que se identifica como parte ofendida num processo em que deveria tomar parte apenas como repórter, no máximo como investigador ou comentarista; o massacre diário da palavra “polêmica” são formas de justificar a posição que herdou, sem merecer, de único diário que sobrou no Rio.

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Sobre o que falamos quando falamos de liberdade de expressão? Se nos deix-armos levar pelos temas abordados des-de que Yoani Sanchez veio por aqui, fal-amos de ideologia, background, filiação e interesses políticos. Temas relevantes, com a exceção de nada disso ter de fato algo a ver com o tema. A conclusão é simples: ou não sabemos o que ela é, ou não ligamos pro que ela seja.

A primeira possibilidade não seria nenhuma surpresa. Confundimos o di-reito de falar livremente com uma neces-sidade de haver relevância ou qualidade no discurso, ou mesmo que ele precise ser responsável e isento de segundas in-tenções. Não é. Se você não tem quali-ficação para exprimir uma opinião, ou se é financiado por quem quer seja, não importa. seu direito de falar besteira está protegido, assim como o direito de out-ros apontarem a sua torrente de cho-rume. A segunda possibilidade é mais assustadora. Ela reconhece a existência de um direito, mas também entende que ele é ponderável em prol de um bem maior. Se for para salvar a revolução, não haveria problemas ocultar alguns de seus percalços. A política degenera em torcida organizada, com o apoio irrestrito acima de tudo, para salvar a idéia, em detrimento da prática em si. A retórica contra a blogueira mistura um pouco dos dois, num medo aonde um fracasso da experiência cubana neces-sariamente implicaria num fracasso do socialismo em geral.

É verdade que a exibição da Yoani pra lá e pra cá, fazendo um tour como se fosse rockstar é só uma cristaliza-ção da sociedade do espetáculo, onde o símbolo de uma oposição vale mais que seu conteúdo. Alguém sabe suas idéias em alguma profundidade, além de ser “contra o regime”? Não seria o primeiro herói do ocidente a passar inquestionado. Entretanto aí mora a maldade de uma ditadura: ela mata o dialogo. A opinião da oposição nunca deve ser questionada oficialmente, em virtude sua própria existência não poder ser reconhecida por um estado ditato-rial. Sendo assim, vale não o conteúdo de um discurso, e sim o barulho feito por ele. quem derruba governos autori-tários não é o debate amplo na socie-dade civil e sim a palavra de ordem, a retórica simplificada ao máximo a fim de ser a mais repetível possível. Não é de se admirar que por aqui no terceiro mundo, quando um caudilho cai, entra outro no lugar.

Quando cuba proíbe que Yoani fale, por mais que seja supostamente besteira, quando a esquerda anacrônica tenta gri-tar o mais alto possível para o outro não ser ouvido, sua existência é justificada pela sua própria existência. Ela torna-se importante só por estar ali. Numa ti-rania, existe apenas preto e branco. Ou você está conosco, ou está contra nós. Ame-o ou deixe-o. Seja lá o que for falar, as palavras da cubana irão repercutir na cabeça de todas as pessoas que não podem fazer o mesmo, mesmo que não signifiquem nada e seu símbolo só será mais blindado. Uma das piores heranças de uma ditadura é dar valor, voluntaria ou involuntariamente, ao que em outro mundo não possuiria valor nenhum.

esse silencio todo me atordoa

BERNARDO KAISER

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martha maria rezende

COMO QUE O PAPEL GANHA DE PEDRA?OU PORQUE A TESOURA E A PRINCIPAL ARMA DO JOGO.

FINALMENTE:

Em recente artigo pela revista ingle-sa “Social Behaviour”, o pesquisador japonês dr. Keiji Nakazawa revelou fi-nalmente uma possível origem para o jogo que conhecemos aqui como “Pedra Papel ou Tesoura”. Muito conhecido não só no Japão mas ao redor de todo o globo, o jogo sempre despertou um imenso interesse em Nakazawa. Esse as-sunto é seu objeto de estudo a quase dez anos e já gerou três artigos acadêmicos.Mesmo que popularmente se acredite que a origem é nipônica, na verdade o jogo foi inventado na China na época da Dinastia Han, que começou em 206a.c e durou cerca de quatro séculos. Esse período foi muito importante para a construção da identidade chinesa, e diversas marcas culturais foram escul-pidas nessa época. E é aí que toda essa história começa a ficar interessante.

Uma das premissas governamen-tais desse período era com que os im-peradores continuassem vivos depois de mortos. Isso significava num real inter-esse no aumento da qualidade de vida da população e, obviamente, em expan-são militar. Com duas características tão distintas servindo de base para o pensa-mento político chinês da época, era ne-cessário deixar claro qual a importância de cada parte nesse todo, fazendo o pos-

sível para equilibrar as tensões entre as diferentes oligarquias existentes.

Foi um general aposentado que então se apresentou ao conselheiro im-perial e lhe explicou o jogo. A ideia cen-tral é apresentar a cada interesse a sua arma de guerra, mostrando que todos podem se destruir, mas também podem ser destruídos, tendo que, dessa forma, cooperar entre si.

De forma bem resumida, é assim que cada parte se relaciona.

Pedra: É a força bruta, a arma mais abundante disposta pela a natureza. Quando o povo se revolta, não é a ar-mas que se dão ao luxo de recorrer, e sim a pedras. Essa era a marca da con-fusão generalizada da época, do caos social, das revoltas sem controle. E isso tem poder de destuir a...

Tesoura: É a metáfora da sabedoria. O resultado da revolução generalizada e sem guias é a destruição do saber cientí-fico, do saber possibilitou o homem de pegar a pedra e a transformar em algo muito mais letal. Nesse sentido, fica evi-dente que o caos social pode até parecer libertador mas seu custo sempre será o retrocesso civilizatório. A única arma para o progresso é a tesoura, tanto que essa ganha do...

Papel: Ou, no caso, a lei. É a lei que controla o povo, podendo abafá-lo, mas esta nunca poderá (ou, no caso, deverá) prejudicar o avanço científico.

A análise feita a partir dessa três constatações é muito interessante. Fica evidente o cenário que o general, cujo nome foi perdido na história, tentou demonstrar. Uma revolta generalizada do povo não tem o poder de acabar com a lei - aqui representando uma estrutura autoritária de poder. Isso porque após o furor do quebra-quebra terminar, outra lei entra no lugar, deix-ano o povo aonde estava.

Quem realmente pode ser um fator de mudança é o avanço tecnólogico, o progresso. Este tem o dever de fazer com que a sociedade caminhe para um melhor bem estar, e se alguma lei entrar em seu caminho será devida-mente... cortada.

É fundamental ressaltar, porém, que os grandes cientistas desse período eram militares, então o general puxou um pouco da sardinha para o seu lado. Mas segundo o dr. Nakazawa, é exatamente pelo jogo ter uma complexidade escon-dida tão grande é que foi possível que ele fosse um sucesso no mundo inteiro.

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Em nosso país muito se debate e se afirma sobre a necessidade eminente de uma reforma política abrangente ca-paz de banir a corrupção e devolver a moralidade à conjuntura política nacio-nal. Porém, muitas vezes essa discussão é rasa e não apresenta um conceito claro que defina o que seja uma refor-ma política consistente. Apresentarei, portanto, três críticas (não me escuso de possíveis polêmicas) à três pontos nodais que julgo precisarmos superar para alcançar a construção de um novo sistema, livre dos vícios do atual, como tanto almejamos. Tentarei ser o mais sucinto possível. Começarei pela crítica mais famosa, o financiamento privado de campanhas. Seus defensores usam o argumento de que o dinheiro do contribuinte tem fi-nalidades mais nobres do que pagar a campanha de candidatos muitas vezes desonestos e que, em sua maioria, iriam perder a eleição, de forma que, o uso de dinheiro público para o financiamento de campanhas, à luz dessa lógica, se apre-sentaria como puro desperdício ou mal uso de dinheiro do Estado. Esse argu-mento tem, deveras, um raciocínio que seduz mas que é, no mínimo, muito pou-co pragmático. É muita inocência acred-itar que o setor privado destina quantias enormes de dinheiro para campanhas de seus respectivos candidatos por pura bonomia ou ideologismo. Empresários não gastam, investem. Seja qual for a origem do dinheiro, seja empreiteiras, indústria do tabaco, indústria de armas ou outra, o valor “doado” se reverte em benefícios muito maiores do que a quan-

tia propriamente dita. Se acham que é desperdício de dinheiro público bancar campanhas eleitorais, deveriam lembrar que é desperdício ainda maior desses re-cursos as fraudes que retribuem ao setor privado o custo de uma eleição. Custo esse que hoje gira em torno de valores exorbitantes mas que, uma vez em mãos do setor público, pode sofrer uma grande redução de valor e de diferença entre os candidatos. Seria extremamente vantajo-so para a democracia uma disputa mais equilibrada entre candidatos com pode-rio financeiro semelhante já que, uma vez limitado o capital, campanhas recairiam obrigatoriamente em um caminho de dis-cussão e debate de ideias, se afastando da ideia arcaica de batalha de panfletos e propagandas. Outro ponto que julgo deletério para o interesse político geral da sociedade é o sistema de reeleição. Política não deveria ser a carreira ou a profissão de ninguém pois, uma vez que o é, políticos são com-pletamente dependentes da máquina pública, inclusive para manter suas vidas pessoais. Qualquer deputado ou afim, cujo sustento de sua família dependa do cargo que ocupa, está escravizado pelo sistema e jamais se levantará contra seu partido, do qual depende para ser eleito, ou contra a opinião majoritária, da qual depende igualmente para não ser politi-camente marginalizado (lembrando que opiniões contra majoritárias tem seu papel fundamental em uma democracia que se julgue legítima). O produto da mistura entre interesses pessoais, inter-esses públicos e dependência do sistema não poderia ser outro a não ser escolhas

viciadas, favorecimento da imoralidade e perpetuação do sistema como está. Claro que existem políticos que são por si só quase que uma personificação do contra majoritário, mas me atenho aqui a uma generalização, um entendimento lato sensu da política. O último elemento ao qual me posi-ciono fortemente contra é a filiação obrigatória dos candidatos. Penso ser absolutamente antidemocrático impedir o registro de uma candidatura indepen-dente, não vinculada a partidos e inter-esses alheios aos do próprio candidato. Impingir um alinhamento ideológico é uma tentativa estéril de padronização de opiniões políticas que, embora pareci-das, sempre terão divergências. Podem-os facilmente apontar alguns corolários diretos disso, a começar pela instrumen-talização partidária vez que, ao compor-tar pessoas com pensamentos diferentes e possivelmente conflitantes, o partido como instituição sofre, necessariamente, um esvaziamento ideológico e deixa de ser um partido propriamente dito para se tornar apenas uma legenda, um re-curso para se galgar posições. Já a muito tempo a concepção dos eleitores sobre os partidos em geral, deixou de susten-tar-se em um projeto político (graças a esse esvaziamento ideológico) e passou a fundamentar-se em figuras fortes de par-tidos específicos, ou seja, partidos não são mais uma convergência ideológi-co, são a identificação com figurões da política tradicional como se fossem eles próprios a representação física das cren-ças de todo um partido. Esse esvazia-mento ideológico e instrumentalização

do que falo quando digo

partidária, sem dúvida, são os pilares das tão famosas alianças espúrias que já fazem parte do vocabulário corriqueiro das trocas de acusações entre oposicion-istas e governistas.O outro corolário da filiação obrigatória é, dentre todos os argumentos que apresentei até agora, o mais verossímil (e mais preocupante) tendo em vista o contexto em que escrevo. Hoje estamos diante de uma juventude extremamente partidarista que chega a níveis de radi-calismo e agressão política, ou seja, uma juventude que faz o caminho inverso do caminho ideal de discussão ampla, gen-eralizada e sem preconceitos políticos. Julgamentos políticos são feitos a todo instante completamente vazios de ar-gumentos minimamente plausíveis ou convenientes, baseados apenas em uma construção quimérica ao redor de um partido já que este não representa mais ideologias específicas. Creio ter conseguido apresentar de for-ma breve algumas de minhas convicções políticas sobre mudanças que acho necessárias e urgentes para desvincular a política do atual sistema que, com o passar do tempo e cada vez mais, a cor-rói e a distancia de um padrão ideal que, de certa forma, abarca a todos em linhas gerais. Misturo um pouco pragmatismo com veleidade política para dizer que nova política seria, portanto, aquela des-vinculada do interesse do setor privado, sem reeleições que engessem o quadro político da atual conjuntura, e aberta aos candidatos independentes como for-ma última de liberdade política.

“nova politica”

5ian schneider

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a conta, por favor.

Existem, dizem, diversas maneiras de se conhecer a fundo o caráter de uma pessoa. Elas vão desde as mais simples, como se esgueirar nas moitas atrás do Gourmet para vê-la comendo, até as mais sofisticadas, como escutas telefônicas e vigilância intensiva vinte quatro horas por dia. Isso sem contar o clássico “revirar as lixeiras em busca de restos de comida”(quem nunca?). Contudo, apenas uma delas é verda-deiramente eficaz e eu, meu caro leitor, preocupado com o sucesso das suas futuras missões de reconhecimento, hei de revela-la em breve, daqui a dois míseros parágrafos! Falta um ainda. Então, sem mais delongas, eis aqui o momento em que lhe entrego a chave para a alma de qualquer pessoa: ob-serve como ela trata o garçom.Porque? Simples, é ele quem traz sua comida. Aliás, isso me lembra que, antes de prosseguirmos, é preciso deixar algo bem claro: comida é sagrada. E a hora da re-feição, evidentemente, a mais importante do dia. Oras, se comida é sagrada, deve-

mos assumir, logicamente, que tal caráter sacro é estendido ao garçom. Pondo de outra maneira, se a comida fosse Zeus, o garçom seria Hermes. Tratar mal o garçom é muito mais do que uma mera falta de educação. É uma falha grave de caráter. Uma pessoa capaz de tratar mal um garçom é um canalha de marca maior, um ci-dadão sem limites ou esteios morais de qualquer tipo, que cometerá qualquer sordidez para obter seus interesses.Além disso, quem trata mal um garçom se mostra inteiramente desprovido de bom senso. Afinal, como ele está em uma posição privilegiada ante a comida, não terá dificuldade nenhuma em, dig-amos, tempera-la. Com um ingrediente bem especial. Que não está no cardápio do restaurante. De nenhum restaurante. Resumindo brevemente, o cidadão que trata mal o garçom é, ao mesmo tempo um mal-educado, um canalha sem caráter e, ainda por cima, insano. Você vai mesmo querer se misturar com este tipo, meu virtuosíssimo, inteligentíssimo, belíssimo e superla-tivíssimo leitor?

jose arcadio

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Morreu (tateava o escuro de um quarto com portas trancadas em busca de um sus-piro: perdeu-se em seu próprio retiro: não se tratava de um defunto de enterro, não houve tiro, o caso era mais grave: havia sido atropelado por um desterro: exilado dentro do seu próprio corpo, país inabitado, no sossego enlouquecedor de um coração que não bate mais: verdadeiro sufoco de grito oco: o seu exílio sequer tinha canção!).

DESERTO SEM MIRAGEM

maria isabel iorio

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o otimista

A luz viaja consigo enquanto ele próprio está parado. Momentos de reflexão são cada vez mais efêmeros e distantes. Seu status quo compartilhado não permite a desconstrução. Afinal sua lógica é objetiva, dificultando sua mente tornar o olhar para o espelho das cores opacas de sua abstração. Movido pela falsa intenção de encontrar as formas de descolorir os contornos pré estabele-cidos de sua existência.

Infelizmente sua viajem é longa. Seus traços germânicos não escondem os aforismos que aprendera desde pequeno. ‘para discutir filosofia da forma própria só temos o alemão como ferramenta, a obra capital da Alemanha’ dizia. Con-tudo, sua mente estava inquieta uma vez que perdurava nos trilhos de con-duzir a matematicidade de Leibniz, tatuando em sua mente um lema digno dos rouxinóis:

“Nós vivemos em um dos melhores mundos possíveis”.

Mas que agora se confrontava com a semente-abóbora de seu aborrecimento momentâneo, com a latrina do pensamento francês e sua opinião sobre o lema. Voltaire.

“Nós vivemos em um dos piores mundos possíveis”.

Arturo se contorcia no espaço que Newton o concedera. O embate era inevitável e sua indignação prepotente estava, de qualquer forma, sendo sufo-cada pela dúvida. Aquela condição pé-trea de antes estava esfarelando sob seus princípios. As verdades relativas que agora eram confrontadas com os fatos faziam que simplesmente todos aqueles

munidos das quatro operações básicas concluíssem que o exercício lógico da desconstrução imperava em sua mente.

Seu coração sangrava, mas suas vísceras estavam expostas então o êxo-do resistia. O vagão em que permanecia possuía uma decoração camaleônica, que em seu primeiro momento havia restaurado as sensações de suas desco-bertas sexuais de sua infância em Dus-seldorf, e agora travestia os cenários lúgu-bres das noites brancas que aquele russo maldito descrevera em tempos passados.

Leibniz reivindicava a humanidade a harmonia e valsava dentro de seu crânio. Voltaire simplesmente existia.

Havia tempo que a última estação fora anunciada, mas Arturo convencio-nara com o fiscal que o estacionamento seria um local mais seguro para descer, seu destino final estava em voga. Estava nostálgico, lembrava-se de Goethe, sua adolescência e das venturas de um amor perdido. Mas rastejava ouvindo a sata-nização de Baudelaire; os amantes de Rimbaud o puxavam pelo colarinho; ‘os russos estão chegando!’ gritou - ou pelo menos fora algo similar, não me recordo muito bem -.

A este momento nada importava mais. A angústia era tamanha que as dúvidas estavam deslocando seu crânio em direção ao maxilar, tudo estava per-dido. Aquele homem-gazela, Viking de Odin das origens rubra e branca des-botava na inconsistência.

Já não me era possível observar quanto escutar direito, após tantos anos nossos sentidos ganham independência

de nosso corpo - nada mais justo eu digo aos meus súditos imaginários - af-inal todos merecem autonomia. Mas eu sentia em meu âmago seus berros estridentes, o ruído de suas unhas imundas roçando a carne de sua face, fincando nas pálpebras maltratadas o intuito de resolver aquela aflição antes de voltar à realidade.

Quem estaria correto, Leibniz ou Voltaire?

Cansado, me levantei desta patética onisciência. Trilhei em sua direção. Os corredores estavam vazios. As paredes alongadas. Toquei em seu ombro. Seus olhos afoitos antecipavam as minho-cas. Um abutre estava tomando forma. Um fedor rastejante impregnava. Seus lábios descascavam palavras vomita-das em um murmúrio intimidador.

- ‘Voltaire diz a verdade. Solte minhas mãos e me devolva esta faca agora. ’

Contrariado com minha razão me aproximei mais. E disse para seus pés o que os meus haviam aprendido após anos me guiando. Voltaire estava certo. E apertei a faca contra seu vulto, o ferro lacerava a jaqueta, os botões caíram em sincronia, uma palidez coloriu o ambi-ente, a lâmina seca fincava a parede enquanto dizia para suas dúvidas as certezas em que minhas vidas passa-das convergiram para o meu não suicí-dio diário.

- Rapaz. Vivemos em um dos piores mundos possíveis, mas ainda esperamos que haja esperança.

Desci do vagão desejando que se recu-perasse logo.

FABIO FERRARI

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ULYS

SES

Um cavalo se debate no fundo do oceano. Forte e marrom. Não era luta contra as águas, mas força dispersa para o nado, o prazer do mergulho que a tudo promove intensidade. Passos no corredor do Plenário. O sol da tarde de Brasília esquentava o concreto liso e geometrizado. O traço da natureza pre-sente na montanha e no contorno das costas dos animais. Vira-se para baixo, vira-se para cima. Ulysses caminha pelo corredor.

Era dia de São Sebastião. 1986. A medida da distância entre os números do relógio de parede ameaçava o tér-mino do encontro. Portas abertas. No salão principal ele adoçava um pouco de café. Coluna curvada. A graxa nos sapatos refletia a luz difusa em um am-biente cheio de fumaça. Olhou para um quadro que não havia observado antes. Abandona o café, segue até o extremo oposto do ponto em que estava. Para di-ante de uma representação pictórica da batalha de Tróia. Guerreiros circundam o animal de madeira. Forte e Marrom. Pequenas e grandes armas resultantes de alguma inteligência já adquirida após as idades da pedra e do metal. Talvez Helena tenha sido a última remanes-cente do matriarcado, conceituada em definitiva posição de ícone fútil pela escrita de um homem. Talvez Ulysses pensasse sobre isso.

As malas estavam prontas para a viagem ao Rio de Janeiro. Por terra,

céu ou mar, estava decidido. O ano de 88 começava aos solavancos, Janeiro parecia de uma pretensão incomum, e o próximo mês exigia entrevistas em ca-nais de televisão, matérias para a mídia impressa, diálogos sobre as reais pos-siblidades de desenvolvimento de uma democracia. Há dois anos o vento im-pulsiona a vela da embarcação, adiante, adiante. Sem a presença da filha de Zeus, o povo brasileiro encarnava a própria mulher, dia a dia a cantar o pileque ho-mérico, o cansaço do cálice do pai. O traço imperativo das armas, das fardas, de alguma inteligência adquirida após o período das iniciais industrializações. Sentando na poltrona do avião, doutor Ulysses pretendia encerrar o ano com algum êxito. No aeroporto carioca jor-nalistas se esticavam entre os colegas de profissão. Avançavam sobre o homem, e o homem, qual uma estátua grega, par-ou diante deles.

“O senhor esteve em Itaqueri?” Perguntou a repórter.

“Por uma semana. Mas voltei.” Respondeu para além dela e seguiu.

No mês de Câncer e das festas com fogueiras, um período mais frio se aproximou. Muito embora não existisse a certeza da fundação de um Estado democrático, ao longe, o mês das cri-anças e de Nossa Senhora Aparecida se revelaria como a inteira confirmação da liberdade presente na infância e no femi-nino. Porém era necessário ultrapassar

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julho, agosto e setembro até chegar aos dias da balança e do escorpião, para que então a justiça fosse feita, e à popula-ção uma nova constituição entregue. Ele rabiscava um círculo em uma folha de papel, transferia a caneta de uma mão para outra, inventando desenhos aleatórios com um toque de cartogra-fia. A técnica de distração parecia um bom remédio justamente por ser livre de qualquer expectativa. Por nada espe-rar daquele momento, foi surpreendido pela sutileza de perceber o mapa do país tal como um coração.

Madrugada. Cinco de outubro. Ele sonhou com Itaqueri da Serra. Passeava pelas ruas, a mão entregue ao guiar de uma mulher negra. Ela era velha, e ele um garoto. Não conseguia escutar a conversa, mas sabia ser de extrema im-portância. A roupa estava suja, a roupa dele estava suja. Um portão de ferro se abriu, lento e onírico. Dentro da casa escuta a voz da mulher a pedir que en-

tre no banho para se dedicar ao exercí-cio de lavar os próprios pés. Obedeceu. Logo mais se sentou. O almoço estava servido. A mãe ajeitava a comida no prato. A consciência fragmentada ca-paz de observar o instante reconhecia a diferença entre a figura materna real, e aquela manifestada ali. Ambas exis-tiam de uma maneira aconchegante, ao sentir isso, aceitou as duas. Uma delas não habitava o outro mundo, e só seria possível, após essa experiência, através da lembrança guardada pelo fragmento; a parte do sonhador incapaz de dormir. Ulysses despertou.

Na manhã daquele dia, antes dos compromissos oficiais, ligou o rádio em sintonia com uma estação popular. Ângela Maria cantava “Os argonautas”. Ele parou de mexer na gravata, gostava da interpretação. O barco, meu coração não aguenta. Tanta tormenta e alegria, o dia, o marco. O porto, não. À espera do sinal do motorista. Estendeu a visão. O

corpo de pé. Brasília a alguns minutos do local em que estava. Diferente das ações cotidianas e tranquilas, a oca-sião se encarregava de impregnar com uma dose de nervosismo. A alteração constante foi suficiente para impedi-lo de contextualizar a canção com a biografia, mas não de senti-la como legítima. Parte dessa legitimidade era brasileira, presente na alma coletiva. A outra parte pertencia a Ulysses, pois o nome de um homem sempre carrega um destino.

A comitiva estava preparada. O planalto central poderia de agora em diante se entender como uma possi-bilidade de expressão pública para to-dos. Erguer uma Constituição Cidadã é um avanço em uma nação dada a um falso patriotismo exploratório. O entendimento de cidadania era de fato a grande conquista. Um democrático ato em prol da liberdade. Na foto-grafia se registra o caráter histórico, nos documentos o cuidado para não

ser esquecida. O vento sacudiu micro-fones, câmeras, gravatas, e chapéus. Era só o vento natural, nada mais. No aniversário de Ulysses, teve bolo, e comemoração. A comida no prato. Os parabéns. Alguém disse: “Sopre a vela”.

Angra dos Reis, 1992. Acompanha-do da esposa, aguardava o helicóptero para o voo agendado. O dia das cri-anças e de Nossa Senhora estava par-ticularmente silencioso. Ele tenta ligar o rádio, não consegue. O som das hélices soa próximo. Mais uma vez deixaria a ilha e avançaria sobre o mar. O casal de mãos dadas caminhou até o heliporto. Dois amigos aguardavam por eles. O piloto pronto para partir. A aeronave suspensa no ar. As águas se moviam na direção da correnteza refletindo a luz do sol, a cor do céu. Ulysses recostou a cabeça na poltrona. Fechou os olhos. Pensou: “Navegar é preciso”.

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thiago maviero

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Entrevista concedida pela Professora Victoria Sulocki, Professora doutora em Teoria do Direito pela PUC/RJ, pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos da mesma universidade e professora da PUC/RJ e de processo penal da EMERJ. Fora do mundo acadêmico e das salas de aula , foi conselheira da OAB e Secretária - geral da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ (CDAP). Atualmente, além de advogada , integra a Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros. Sempre preocupada com as questões que envolvem defesa dos direitos fundamentais e com a necessidade de olhar o direito penal e processual penal com “as lentes da justiça”, a professora Victoria fala da necessidade de sermos agentes transformadores da sociedade.

O que a levou ao direito, levando em conta o fato de já ter cursado Comunicação social?

Nos anos 90, mais especificamente em 1994, fui trabalhar no Governo do Es-tado quando tive contato direto com de-terminadas políticas públicas na área de segurança como por exemplo a instala-ção dos Centros Comunitários de Defesa da Cidadania, levadas a cabo pelo então Governador Leonel Brizola e por seu vice, depois também Governador, Nilo Batista. Vera Malaguti Batista, diretamente ligada aos projetos, foi uma grande incentivado-ra dessa guinada de estudos, quando me voltei para o curso de Direito, cursando-o na Puc-Rio, mesma Universidade na qual havia me formado em Comunicação Social.

Por que a escolha das ciências penais como seu objeto de estudo e vida profissional?

Um pouco da resposta a esta pergunta já foi explicitada acima. No entanto, a seara das Ciências Penais, aí incluindo-se Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia e ciências afins, sempre me interessou por trazer em seu bojo o estudo do poder punitivo e de seus diferentes discursos legitimantes, e também aqueles que deslegitimam o poder penal estatal. A questão do poder punitivo perpassa a própria discussão sobre democracia e autoritarismo, as-sunto que me interessa demais, pois estamos no campo do debate político.

A senhora leciona Direito Penal e Processo Penal. O que essa ex-periência acrescentou à sua vida pessoal e profissional?

Ministrar aulas é uma das atividades que mais gosto. Para mim, é uma ex-periência enriquecedora, pois entendo que o professor não apenas passa conteúdo de matéria para os alunos, mas também aprende com eles. Con-temporaneamente, o desafio do ensino é ainda maior com toda nova tecnolo-

gia à disposição do aluno, e também do professor, e nos obriga a experimentar novas formas de ensinar. De outro lado, o acesso à informação é quase que ilimitado e em tempo real, fazendo com que a troca de informações e conhe-cimento entre aluno e professor seja maior.

A senhora atua em uma função essencial à justiça e que é crucial para defesa e garantia dos direitos daqueles que estão sendo proces-sados e julgados . Desse modo qual foi a situação mais peculiar que ex-pressou grave violação aos direitos e garantias do acusado nos casos em que atuou como advogada?

Nestes últimos anos, se instalou no país o que podemos chamar de “es-tado policial” no qual os direitos fundamentais do cidadão investigado, ou processado, são sistematicamente desrespeitados em nome de uma eficá-cia punitiva. Entendo que a questão das prisões cautelares é onde temos grande parte de violações aos direitos fundamentais, e suas garantias. Para dar um exemplo, podemos pensar no caso em que o indivíduo sofre uma ação penal por um delito de estelionato, em sua forma simples, sendo primário, portanto com a quase certeza de ter ao final, se condenado, uma pena substitu-tiva de restritiva de direito. Qual seria o sentido de se manter este cidadão preso provisoriamente? Nenhum. Essa prisão cautelar fere os princípios da proporcionalidade e da necessidade na aplicação de medidas cautelares.

Ainda em relação aos casos que atuou como advogada, quais foram as dificuldades e desafios que a senhora encontrou?

Os desafios são sempre grandes em qualquer profissão. No caso da advoca-cia, mesmo com apoio da Ordem doa Advogados do Brasil, o profissional liberal está sempre por conta própria, o que faz com que ele tenha que perma-

nentemente estar motivado para atuar. Aliás, manter acesa a paixão pela liber-dade hoje talvez seja um dos maiores desafios, em tempos tão sombrios nos quais o desejo de liberdade foi tolhido a ponto dos discursos dominantes serem o da internação compulsória, das prisões em larga escala, da necessidade de punir mais e mais. Recuperar o dis-curso da liberdade tem sido um grande desafio.

Uma passagem importante na sua carreira foi o Conselho da OAB e a Secretaria - geral da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogati-vas da OAB/RJ (CDAP) . Qual a importância dessa Comissão e do Conselho para os advogados e qual foi a situação mais inusitada que a senhora vivenciou quando atuava nesses órgãos?

A Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB é uma das comissões mais ativas da OAB e que dá permanente respaldo ao advogado para que ele possa atuar sem medo de desa-gradar e sem sofrer coação no exercício de sua profissão. As situações de vio-lação às prerrogativas são as mais di-versas possíveis, mas houve uma época em que os Tribunais faziam revista nos advogados para que estes ingressassem no Fórum. Vários casos constrangedo-res ocorreram, inclusive com detenção de advogados na porta do Judiciário quando estes se recusavam a ser revis-tados. Hoje, graças à atuação da OAB tal situação não persiste.

A senhora é integrante da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Em sua opinião, qual é o principal papel que tal Comissão segue ex-ercendo na sociedade civil?

A Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros se manifesta sobre as questões contemporâneas de direito penal e processual penal, produzindo

victoria sulocki

entrevista a professorarebecca peterli

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pareceres sobre diferentes temas do campo penal. Esses pareceres têm como objeto os projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, bem como PECs, ou qualquer outro tipo de leg-islação. Esses pareceres, se aprovados na Comissão, são encaminhados para o Plenário do IAB para ser discutido e votado. Sendo aprovado, o parecer é encaminhado ao Poder Legislativo e outras instâncias dos Poderes Públicos. Assim, o papel da Comissão é de dar subsídios dogmáticos no processo legis-lativo que tramita nas diferentes Casas Legislativas.

O Código Penal vigente foi criado pelo decreto-lei nº 2.848, em 1940 . Atualmente, tramita no senado o projeto de lei que prevê reformar o Código Penal Brasileiro . O que tem a dizer sobre a legislação penal que vige atualmente ? A senhora acredita que também seja necessária reformar o Código de Processual Penal?

Existe um projeto de Código de Processo Penal tramitando no Con-gresso, assim como de uma nova Lei de Execução Penal e o polêmico projeto de Código Penal. A hemor-ragia legislativa no campo penal que assistimos nestes últimos anos gerou a situação de termos dispositivos conflitantes, com diversas leis penais extravagantes, o que dificulta uma sistematização.

Miguel Reale Júnior em entrevis-ta concedida à revista Consultor Jurídico no dia 21 de agosto de 2012 afirma que “Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto”. Além disso, acres-centa: “E a maior gravidade de todas está na parte geral, porque é uma utilização absolutamente atécnica, acientífica, de questões da maior relevância, em que eles demonstram não ter o mínimo conhecimento de dogmática penal e da estrutura do crime.”

A senhora partilha desse entendi-mento e qual sua avaliação sobre tais alterações propostas pela comissão de juristas?

O Anteprojeto de Código Penal apre-sentado é realmente atécnico, salvo lou-váveis exceções. Diante dos problemas apresentados e das críticas que vem sofrendo, melhor seria a retirada de vez deste projeto e, após muita discussão em audiências públicas, a apresentação de novo projeto. Não dá para fazer um novo Código Penal “a toque de caixa”, pois é uma lei cujo dispositivos nela inseridos devem ser amadureci-dos, levando-se em conta a moderna dogmática acerca da Teoria do Delito. O que vemos hoje é um senso comum teórico, uma política legislativa de

”achismos” com graves consequências na vida dos cidadãos.

O principio da Ultima ratio e sub-sidiariedade do direito penal consa-grado na clássica doutrina é cru-cial para concretização da justiça social manutenção de um Estado democrático de direito , contudo raramente ele é aplicado na solução de casos concretos . O que explica a dificuldade de aplicação desse princípio e as orientações jurispru-denciais e legislativas no sentido da pena como remédio punitivo-dissuasivo?

Em todo Estado Democrático de Direito está presente, em maior ou menor escala, o Estado Policial Auto-ritário. Quanto mais democráticas as instituições e mais efetivos os Direitos Fundamentais, menor o espaço para autoritarismo. O que percebemos hoje é que o Estado Democrático de Di-reito está cedendo espaço justamente para políticas autoritárias, seguindo a crença de que mais punição, maiores penas, criação de novos tipos penais farão regredir os níveis da criminali-dade. O efeito é exatamente o inverso, e perverso, pois ao abrirmos mão de princípios basilares de direito penal,

que tem como função limitar o poder punitivo estatal, ampliamos o Estado Policial.

Os detentos no Brasil são submeti-dos a situações degradantes e estão em locais insalubres e superlotados. Em sua opinião , o sistema prisional brasileiro encontra-se falido ?Caso a resposta seja positiva , quais as razoes que levaram a essa degrada-ção , e qual seria uma solução eficaz para melhorar o quadro do sistema prisional brasileiro? A prisão é um instituto que já surge falido. A pena de prisão traz em si uma contradição insanável que nenhuma das teorias da pena consegue legitimar. No Brasil, já nos aproximamos dos 560.000 presos, sendo aproximadamente 40% de presos provisórios. O Brasil, assim como a América Latina como um todo, foi no início da colonização o que Zaf-faroni chama de imensa “instituição de sequestro”. De lá para cá, a degradação sempre foi a marca do sistema prisional, excludente e exterminador por natureza. Sou muito pessimista em relação quadro do sistema prisional brasileiro e não vejo nenhuma política pública, a não ser iniciativas pontuais em algumas unidades prisionais, no sentido de melhorar estas condições.

Por fim, como o senhora aferiria o desenvolvimento do Direito Penal e Processual no Brasil e que mensagem a senhora deixaria a um estudante de Direito Penal e Processual Penal?

Temos extraordinários juristas que se dedi-cam ao estudo da dogmática jurídica penal e processual penal, com uma produção acadêmica importante e fundamental para os debates necessários neste campo científico. Ao estudante, eu recomendaria desenvolver a capacidade crítica diante das questões que se apresentarem. Nunca aceitem de plano as coisas como certas e imutáveis, sejam curiosos, apaixonados, ousem divergir, sejam agentes de transfor-mação social.

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O meu tempo de gringo é solitário. Ainda quando rodeada de pessoas, in-ternamente acontece um mundo outro; onde minha cultura é respirada como ar e minhas palavras naturais são algo mais que grunhidos aos ouvidos alheios (com Rs e Ss puxadoX). Trata-se, eu diria, de uma interessante experiência de boa solidão, na qual é preciso aceitar: é momento de encarar-se. Desconfio as-sim seja porque vim a estas terras gela-das em busca de Nada Especificamente.

O lugar do não-saber exige que en-ergia seja gasta a cada gesto para com-preender e expressar qualquer coisa, posto que não são mais óbvios os gestos e as formas básicas de se exprimir, cult-urais que são. E não é assim apenas por culpa da língua que fecha a porta para

a compreensão imediata, mas pelo fato de ser o estrangeiro. O outro, o novo, o que veio até aqui (e de longe).

Acontece então que, frente a esta es-tranheza total, de si mesmo e dos out-ros, se aprende a aceitar o inesperado e a dele se apropriar. Compreende-se que não se terá controle, que nada se sabe sobre o outro por simplesmente direcioná-lo o olhar. Está-se sozinho, a receber tudo o que se puder receber, a olhar e a se jogar.

Assim, o que me marca é o fato de que se está a observar. Mais especifi-camente, a observar-se. E, ao fazê-lo, nada fica mais claro do que a minha identidade que se afirma. Porque apropriando-se do novo obrigatório, mesclam-se a realidade do “ser (sub-

UM MES GRINGO

maria izabel varella

stantivo) de fora” e a afirmação inter-na/externa do que já se é, do que já se possui. E a experiência é de se deparar consigo e começar a entender onde se instalarão por dentro cada uma das novidades que passam a te formar a partir de agora.

E então reparo; o que me apa-rece como cume do meu breve viver gringuesco, de apropriação minha de mim mesma, é o fato de que paralela-mente à fagulha de um amor pelo país acolhedor, impõe-se grandiosamente a minha identidade brasileira.

Impõe-se o fato de que aqui o vozeirão do Tim, o samba do Paulinho e a boca grande e linda do Caetano, junto com o amálgama do Mautner não são entendi-dos simplesmente entre os olhares e ouvi-

dos que cresceram para recebe-los e para com eles se encantarem.

E ainda, sinto informar, mas per-cebi que um clichê piegas pode falar a verdade; aqui o sol que escancara o verde da Garonne não é o mesmo que se reflete na água salgada que molha o rio de janeiro.

Se antes de viajar já crescia em mim essa lucidez identitária em relação ao meu país, isso só aumentou no último mês. Minha terra me falta não só pela saudade mas pelo que estou preparada para dela descobrir, pelo quanto espero crescer com ela.

E por isso, bem dentro, bem no silên-cio que ronda o dissecar dos pensamen-tos e dos sentidos, algo me diz que a volta é rica.

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Para o texto deste jornal foi utilizada a fonte Sabon, de Jan Tschicold e para os títulos a fonte Franchise, de Weathersbee Type.O Pasquim Jurídico foi diagramado por Tati Frambach e Daniel Rocha, com ilustrações de Vidi Descaves.

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