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0 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO CIÊNCIAS CONTABÉIS E TURISMO CURSO DE TURISMO DEPARTAMENTO DE TURISMO NAIRA RAFAELE ANDRADE DA COSTA PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO Niterói 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO CIÊNCIAS CONTABÉIS E TURISMO

CURSO DE TURISMO

DEPARTAMENTO DE TURISMO

NAIRA RAFAELE ANDRADE DA COSTA

PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O

DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA

DO RIO DE JANEIRO

Niterói

2011

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NAIRA RAFAELE ANDRADE DA COSTA

PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O

DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA

DO RIO DE JANEIRO

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito final de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Orientador – Prof. Dr Aguinaldo Cesar Fratucci.

Niterói

2011

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PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O

DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA

DO RIO DE JANEIRO

Por

Naira Rafaele Andrade da Costa

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito final de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________

PROF. Dr. AGUINALDO CESAR FRATUCCI – Orientador

___________________________________________________________

PROF. MSC. RENATO GONZALEZ DE MEDEIROS- Convidado

___________________________________________________________

PROF. DR. MARCELLO DE BARROS TOMÉ MACHADO

Departamento de Turismo - UFF

Niterói, 24 de No de 2011.

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Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos e

ao meu noivo, em gratidão a todo o amor que

eles me dão.

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AGRADECIMENTOS

Não existe objetivo concretizado sem palavras incentivadoras, amor, carinho

e atenção de pessoas que, verdadeiramente, desejam a sua vitória. Se hoje você

está lendo este trabalho, é porque não há sonho que não possa ser realizado. Basta

apenas ter pessoas maravilhosas ao seu lado, determinar e ir em frente.

Agradeço aos meus pais, Carlos Augusto e Naira Jane, por toda a luta em

prol da minha educação e felicidade. Aos meus irmãos, Vinícius, Ívena e Marcus

Paulo, por todo o carinho e amizade. Às minhas avós Iolanda e Alvina, deixo aqui o

meu agradecimento. Orgulho-me de ter uma família tão maravilhosa e unida, que

sempre me apoiou em minhas escolhas profissionais. Muito, muitíssimo obrigada!

Ao meu noivo Thiago, pelos incentivos, carinho e amor. Muito obrigada por

todo o apoio para a realização do meu trabalho. Também agradeço aos meus

sogros, Katia e Wellington, por todo o carinho e acolhimento.

Agradeço ao meu orientador, Aguinaldo Cesar Fratucci. Com certeza este

trabalho não seria tão maravilhoso sem suas orientações. Muito obrigada pela sua

ajuda e atenção.

Ao professor Renato Medeiros, agradeço pelas dicas durante a elaboração do

meu trabalho. E também pela oportunidade de ser monitora de Agenciamento

Turístico. Com isso, pude conhecer o quão maravilhoso é poder ensinar e incentivar

os alunos a serem pessoas brilhantes.

À Adrianna Eu, senhor Gabriel Catarino e Regina Santos, agradeço pela

gentileza de terem aceitado minha proposta de entrevista, recebendo-me com muita

atenção e simpatia. Muito obrigada.

Aos meus amigos, deixo aqui registrado o meu agradecimento! Obrigada por

me incentivarem de forma direta e indireta. Com certeza vocês contribuíram para eu

chegar até aqui.

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Empenhe-se ao máximo.

Faça valer cada dia.

Pergunte a si mesmo hoje e também amanhã:

“Fiz o melhor?”

São essas atitudes que forjam um herói.

Aquele que age dessa forma

É um vencedor.

Daisaku Ikeda

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RESUMO

Em 2009, a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. A partir deste ano, várias propostas foram apresentadas pela prefeitura da cidade, para transformá-la em uma Cidade Olímpica. Uma delas é o projeto Porto Maravilha, voltado para a recuperação e melhoria urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Buscando dinamizar esta região, além de reintegrá-la ao restante da cidade, o projeto visa inserir diferentes funcionalidades na região, como turismo, entretenimento e comércio. Com o advento da globalização, no final do século XX, um ambiente de competitividade formou-se entre as cidades, as quais passaram a buscar diferenciais para se tornarem atrativas. Em meio a isso, vários projetos de intervenção urbana foram elaborados, no intuito de restabelecer o valor econômico perdido das áreas descuidadas. Neste contexto, considerando o seu valor histórico, cultural e econômico, a zona portuária tornou-se alvo de alguns projetos urbanísticos. Entretanto, nenhuma ação foi inteiramente executada. Com isso, os bairros portuários e seus moradores sofrem até hoje com a degradação das estruturas urbanas e com a formação de uma imagem negativa. Atualmente, já são notórias na região algumas intervenções urbanas e ações sociais para a população local. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo compreender as ações do projeto Porto Maravilha, destacando aquelas voltadas para o desenvolvimento turístico e sociocultural da região. Além disso, propõe-se investigar o nível de respeito dado a população local, assim como o seu envolvimento nas ações. Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas, além de entrevistas com agentes sociais envolvidos no projeto. Com a pesquisa, foi possível identificar que a prefeitura e a iniciativa privada são agentes atuantes na execução do projeto, direcionando as ações conforme seus anseios. No entanto, eles procuram abrir espaço para se comunicarem com os demais agentes sociais. Também se observou a importância de se construir uma forte representação comunitária, para que as necessidades da população local sejam defendidas e inseridas no projeto. Neste sentido, o estudo buscou contribuir para as discussões acadêmicas voltadas à compreensão das intervenções urbanas na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Intervenção Urbana. Projeto Porto Maravilha. Marketing de Lugares. Turistificação. Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

In 2009, the city of Rio de Janeiro was chosen to host the 2016 Olympic Games. This year, several proposals were presented by the city council to turn it into an Olympic city. One is the Project Porto Maravilha, facing the recovery and improvement urban of harbor area of Rio de Janeiro. Seeking to boost the region, and reintegrate it with the rest of the city, the project aims to add different features in the region, including tourism, entertainment and shopping. With the advent of globalization, in the late twentieth century, formed a competitive environment among the cities, which started looking for differential to become attractive. Along the way, several urban intervention projects have been developed in order to restore the lost economic value of the neglected areas. In this context, considering its value historical, cultural and economic, the Port Area became the target of some urban projects. However, no action has been fully executed. With this, the port neighborhoods and their residents suffer until today with the degradation of urban structures and the formation of a negative image. Currently, there are already noticeable in the region some urban interventions and social actions for local people. Thus, the present study aims to understand the actions of the project Porto Maravilha, highlighting those aimed at tourism developing and the socio-cultural developing of the region. Moreover, it is proposed to investigate the level of respect given to the local population, as well as their involvement in the actions. For this, were realized literature searches and interviews with social workers involved in the project. With the research, was possible to identify that the municipality and the private sector are active agents in the execution of the project, directing the actions according to their wishes. However, they look for to open space to communicate with the social agents. Also noted the importance of building a strong community representation, to the needs of local people are safeguarded and included in the project. In this sense, the study sought to contribute to the academic discussions aimed at understanding of urban interventions in the Port Area of Rio de Janeiro.

Key-words: Urban Intervention. Project Porto Maravilha. Marketing of Places. Touristification. Rio de Janeiro.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Motivações que conduzem as intervenções em centros urbanos..... 26

Figura 2 Elementos do marketing estratégico de lugar................................... 40

Figura 3 Mapa do Centro da Cidade do Rio de Janeiro ................................. 52

Figura 4A Panorama da Praça XV no século XVI ............................................. 53

Figura 4B Panorama da Praça XV no século XVII ............................................ 53

Figura 5 Panorama da Praça XV em 1790 ..................................................... 55

Figura 6 Panorama da Praça XV em 1870 ..................................................... 58

Figura 7 Panorama da Praça XV em 1910 ..................................................... 60

Figura 8 Panorama da Praça XV em 2002 ..................................................... 64

Figura 9 Mapa da Zona Portuária do Rio de Janeiro ...................................... 65

Figura 10 Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XVII ..................... 66

Figura 11 Panorama do Porto do Rio de Janeiro, no século XVIII ................... 67

Figura 12 Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XIX ...................... 69

Figura 13 Configuração territorial da Zona Portuária, após aterramentos ........ 74

Figura 14 Panorama do Porto do Rio de Janeiro na primeira metade do

século XX .......................................................................................... 76

Figura 15 Evolução do número de turistas procedentes dos Cruzeiros

Marítimos .......................................................................................... 77

Figura 16 Área de abrangência do projeto Porto Maravilha ............................. 87

Figura 17 Setorização das áreas por função proposta ..................................... 88

Figura 18 Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio ..................................... 91

Figura 19 Projeto HarmonizAção ...................................................................... 93

.

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LISTA DE SIGLAS

AEIU Área de Especial Interesse Urbanístico

AMAGA Associação de Moradores e Amigos da Gamboa

CDURP Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio

de Janeiro

CEPAC Certificado de Potencial Adicional de Construção

COI Comitê Olímpico Internacional

FPACBa Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

ISS Imposto Sobre Serviço

MAR Museu de Arte do Rio

OUCRJ Operação Urbana Consorciada do Rio de Janeiro

PPP Parceria Público Privada

SAGAS Projeto de recuperação dos patrimônios dos bairros da Saúde,

Gamboa e Santo Cristo

SESI Serviço social da Indústria

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

VLT Veículo Leve sobre Trilhos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 12

2 ÁREAS CENTRAIS URBANAS BRASILEIRAS: PROCESSOS DE

DETERIORAÇÃO E RECUPERAÇÃO.......................................................

17

2.1 FORMAÇÃO E DETERIORAÇÃO DAS ÁREAS CENTRAIS

BRASILEIRAS..............................................................................................

19

2.2 INTERVENÇÕES URBANAS: FASES E TERMINOLOGIAS ..................... 25

2.2.1 Higienização ............................................................................................... 29

2.2.2 Renovação Urbana...................................................................................... 31

2.2.3 Preservação Urbana ................................................................................... 33

2.2.4 Reinvenção Urbana .................................................................................... 35

2.3 MARKETING DE LUGARES E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO........... 37

2.4 TURISTIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE TERRITÓRIO E TURISMO....... 43

3 CONTEXTO HISTÓRICO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE

JANEIRO: DESENVOLVIMENTO E DETERIORAÇÃO.............................

49

3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CENTRO DO

RIO DE JANEIRO........................................................................................

52

3.1.1 Processo de degradação do Centro do Rio de Janeiro .............................. 61

3.2 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO

DE JANEIRO ...............................................................................................

64

3.2.1 Processo de degradação da Zona Portuária do Rio De Janeiro ................ 75

3.2.2 Intervenções Urbanas na Zona Portuária do Rio De Janeiro ..................... 79

4 REFUNCIONALIZAÇÃO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO 83

4.1 PROJETO PORTO MARAVILHA ................................................................ 86

4.1.1 Ações voltadas para o desenvolvimento social na Zona Portuária ............ 91

4.1.2 Ações voltadas para o desenvolvimento turístico ....................................... 94

4.2 AGENTES SOCIAIS: CDURP, PORTO NOVO E POPULAÇÃO LOCAL ... 96

4.2.1 CDURP e Porto Novo ................................................................................. 96

4.2.2 População local ........................................................................................... 99

4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................... 102

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 105

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REFERÊNCIAS .......................................................................................... 109

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO a .................................... 114

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO b .................................... 115

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO c .................................... 116

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1 INTRODUÇÃO

As áreas centrais das cidades apresentam-se como um relevante local

histórico, econômico e social. Nelas foram desenvolvidas as primeiras

concentrações de atividades comerciais, sociais e políticas, atraindo um

deslocamento acentuado de pessoas. Considerando que a formação de uma

centralidade depende de algumas variáveis, como acessibilidade, os centros não se

formaram necessariamente na área geometricamente central da cidade, como é o

caso da área central do Rio de Janeiro.

Ao considerar a dificuldade de explorar terras mais internas, além da

importância de se instalar próximo ao litoral, para se proteger de invasões e facilitar

o contato com o mundo, a cidade do Rio de Janeiro desenvolveu sua área central

próxima às enseadas da região que hoje conhecemos como Praça XV. Nela

encontrava-se o porto, cenário de importantes acontecimentos para a história do

Brasil, por ser, durante muitos anos, a principal porta de entrada para o país. Assim,

podemos indicar que o Rio de Janeiro desenvolveu-se a partir de seu porto.

Conforme as atividades cresciam no centro do Rio de Janeiro, novas áreas se

urbanizavam. Neste contexto, a Zona Portuária do Rio de Janeiro ganhou notória

relevância. Localizada junto à área central da cidade, próxima ao núcleo histórico da

Praça XV, atualmente compreende os bairros de Saúde, Gamboa, Santo Cristo e

Caju. Devido a sua localização estratégica e condições geográficas favoráveis para

movimentações comerciais marítimas, a região desenvolveu-se com o deslocamento

das atividades portuárias para suas enseadas.

No decorrer do tempo, os bairros da região portuária tornaram-se dotados de

valor histórico, cultural e econômico. Além de abrigar as atividades portuárias, na

região também se desenvolveram indústrias, além de ter sido marcada como local

de instalação do mercado negreiro. No Morro da Providência, localizado na região,

foi formada a primeira favela do Brasil. A região também foi palco das reformas

urbanas do prefeito Pereira Passos, tendo em seu porto a atracação de navios de

carga e de transporte de pessoas.

Sua população se compôs, inicialmente, pela presença de negros e

imigrantes europeus, principalmente portugueses. Eles se instalavam na região para

ficarem próximos às aglomerações de atividades e serviços do centro, considerados

como fontes de trabalho para muitos. Até os dias atuais, algumas manifestações

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culturais ainda são preservadas: a região, marcada pela cultura afrodescendente,

ainda mantém as rodas de samba na Pedra do Sal, no Morro da Conceição. Local

de importância histórica e cultural, ali o sal era comercializado na época colonial,

além de ser considerado o berço do samba. Outra importante manifestação é a festa

anual em comemoração ao dia da Nossa Senhora da Conceição, realizada pelos

moradores do Morro da Conceição, muitos descendentes de portugueses.

Além da preservação do patrimônio imaterial, a Zona Portuária do Rio de

Janeiro apresenta um considerável acervo de patrimônio material, artístico, histórico

e cultural. Construções em diferentes estilos arquitetônicos e de diferentes épocas

são expressivos em algumas áreas de seus bairros. Alguns imóveis são tombados

por lei, favorecendo a manutenção das características consideradas importantes

para a identidade cultural da região.

Em meados do século XX, a área central do Rio de Janeiro sofreu um

esvaziamento considerável de serviços e pessoas, devido a diversos fatores

culturais, políticos e econômicos. Investimentos, antes inseridos na área, passaram

a serem direcionados às novas centralidades. Até este momento, as atividades

portuárias dinamizavam a zona portuária, integrando-a ao restante da cidade.

Porém, a região passa a sentir o reflexo do esvaziamento do centro, e outros fatores,

como obsolescência de seus equipamentos portuários e ascensão de outros meios

de transportes, possibilitaram a construção de um processo de abandono e

degradação da região.

As estruturas da área central, de um modo geral, começaram a se deteriorar.

Edificações, infraestrutura e equipamentos urbanos ficaram em precário estado de

conservação. Mesmo assim, o núcleo central ainda mantinha um número estimável

de empregos, sendo frequentado mais como local de trabalho, por perder um

número notável de moradores e serviços para bairros mais atrativos. Por sua vez, a

zona portuária não deixou de ser local de residência, trabalho e comércio, tendo sua

vida social, econômica e cultural ofuscada pelo seu abandono.

Deste modo, além da deterioração das estruturas concretas, os investimentos

voltados às necessidades básicas de sua população eram poucos, ou até mesmo

nulos. Tal fato contribuiu para os moradores da região sentirem-se excluídos e

desamparados, pelo governo e setor privado. Uma imagem negativa passou a ser

construída pela sociedade carioca. A área ficou considerada como local de

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marginalidade, prostituição, pobreza, insegurança, entre outras denominações

degradantes.

A partir do final do século XX, ao redescobrir o valor econômico, histórico e

cultural das áreas portuárias, diversos projetos de intervenções urbanas foram

planejados, por instituições públicas e privadas, visando valorizar e melhorar os

espaços da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Entretanto, ainda não houve um

projeto que tenha sido executado integralmente. Mas, com a candidatura do Rio de

Janeiro em sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a cidade assume um compromisso

econômico e político para os próximos anos, planejando ações para se transformar

em uma Cidade Olímpica. Os megaeventos são considerados um grande motivador

para transformações urbanas de um lugar, contribuindo para a promoção de uma

imagem positiva e para o aumento de sua competitividade, perante outros lugares.

Neste âmbito, surge o mais recente projeto urbanístico para a zona portuária,

conhecido como Porto Maravilha, lançado em 2009 pela Prefeitura da cidade.

O projeto visa de um modo geral, melhorar a qualidade de vida dos

moradores atuais, valorizando a região para atrair novos moradores e visitantes,

através da inserção de outras funcionalidades, como turismo, cultura e lazer. De

acordo com dados divulgados no Portal Geo (IPP, 2011a), aproximadamente 48.664

moradores residem na região portuária. E, conforme dados disponibilizados pela

empresa Píer Mauá S.A (2011), na última temporada de cruzeiros marítimos (2010-

2011) foram previstos a chegada de aproximadamente 800.000 turistas. Mas, devido

à ausência de atividades turísticas, a região torna-se apenas um local de

desembarque, contribuindo para o deslocamento dos visitantes para áreas

turisticamente mais atrativas, a destacar os bairros da Zona Sul.

Nesse contexto, o presente estudo busca compreender quais são as

implicações do projeto Porto Maravilha para o desenvolvimento turístico da região e,

em especial, para a comunidade local. Com isso, nosso objetivo é analisar o atual

Projeto de Revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, identificando suas

ações, dando ênfase àquelas focadas no desenvolvimento turístico e sociocultural

da região, propondo uma reflexão sobre até que ponto haverá um respeito à

população presente na região.

Partindo deste propósito, tornar-se-á importante pesquisar como estão sendo

planejadas as ações do projeto atual; investigar o nível de relação da população

local, analisando sua participação no planejamento e sua resistência para a

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implantação das intervenções previstas; e se as ações dos gestores do projeto estão

levando em consideração os anseios da população local. Para uma melhor

compreensão, a delimitação geográfica compreendeu a mesma demarcação feita

pelo atual projeto, compreendida pela área da Praça Mauá, os bairros Saúde,

Gamboa e Santo Cristo.

Assim como em outros projetos recentes, o Porto Maravilha utiliza o termo

revitalização para designar as ações planejadas. Sem uma pesquisa sobre a

definição, a palavra nos remete a entender que os projetos que utilizam este termo

referem-se a dar vida a um lugar. Sabendo-se que a região compreendida pelo

projeto ainda apresenta certa vitalidade, mesmo estando abandonada, optamos por

evitar o uso deste termo ao falar sobre o atual projeto. Consideramos que o conceito

de requalificação é mais pertinente para apresentar as intervenções urbanas

pretendidas pelo projeto.

Supondo que o projeto Porto Maravilha possibilite a valorização imobiliária da

região, partimos do pressuposto que a população atual teme por um processo

gradativo de expulsão, visto que sua composição, de um modo geral, é de pessoas

com baixo poder aquisitivo. A partir disso, uma nova população com melhores

condições financeiras se formaria no local, caracterizando um processo de

gentrificação da área. Entendemos também que, ciente da população existente na

região, o projeto deve procurar envolvê-la da melhor maneira possível, a fim de

valorizar suas opiniões. Porém, por ser considerada de baixa renda, supomos que

haverá poucas ações que estimulem a participação da comunidade, nas decisões

sobre a requalificação da Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Para a concepção deste estudo, optamos encaminhá-lo sob a ótica de uma

pesquisa exploratória, de caráter qualitativo. De forma a atingir os objetivos

propostos, em um primeiro momento foram realizadas pesquisas bibliográficas e

documentais, em meio impresso e virtual, para levantamento de dados e

informações, sendo utilizados artigos acadêmicos, livros, notícias, sites

institucionais, entre outras fontes. Posteriormente, foram estruturadas entrevistas, a

fim de investigar a visão de diferentes agentes sociais envolvidos no projeto.

O estudo está estruturado em cinco capítulos, sendo este o primeiro. No

capítulo 2 foi feito uma abordagem teórica do tema, levantando informações que

foram organizadas em subseções. Seguindo a ordem, foram desenvolvidas

discussões acerca do processo de formação e deterioração das áreas centrais das

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cidades brasileiras; os tipos de terminologias e os diferentes períodos de

intervenções urbanas ocorridas a partir da década de 1950, de modo a contornar a

situação de deterioração dos centros urbanos; uso de ferramentas empresarias no

planejamento urbano das cidades, constituindo o marketing de lugares; e, por último,

o processo de turistificação de um espaço, através da apropriação do lugar para o

desenvolvimento turístico.

Para compreendermos a importância histórica e cultural da Zona Portuária do

Rio de Janeiro, apresentamos no capítulo 3, através de fatos históricos, a evolução

urbana da cidade do Rio de Janeiro. Como o presente estudo trata da zona portuária

e sua presença na área central do Rio de Janeiro, as duas áreas foram vistas em

particular. Neste capítulo também foram levantadas informações sobre alguns

projetos planejados para a região, anteriores ao Porto Maravilha.

No capítulo 4 entramos na discussão direcionada ao projeto Porto Maravilha,

identificando suas principais ações, a atuação dos agentes sociais envolvidos no

projeto, assim como identificar como se dá a relação entre eles, através das

informações obtidas nas entrevistas e pesquisas bibliográficas. Por fim, toda a

estruturação do estudo nos levou a constituir as considerações finais, sendo este o

último capítulo.

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2 ÁREAS CENTRAIS URBANAS BRASILEIRAS: PROCESSOS DE DETERIORAÇÃO E RECUPERAÇÃO

As áreas centrais da zona urbana foram, durante longos anos, o ponto mais

importante para as cidades, abrigando as primeiras aglomerações de atividades de

comércio e serviço. Eram apresentadas como o centro principal/tradicional das

cidades, sendo locais de concentração “enorme de capital econômico, social, cultural

e simbólico” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.XXI), com localização diferenciada em

comparação com as demais partes da cidade.

No Brasil, os centros das cidades se estruturaram a partir da segunda metade

do século XIX, quando se observou o processo gradual de urbanização, devido às

mudanças sociais e econômicas que o país passava. Os centros formaram-se como

importantes áreas de produção e consumo, principalmente para os donos dos

recursos econômicos, que continuam controlando a estruturação do espaço de

acordo com seus interesses. A vitalidade da área central dependia da presença das

classes média e alta na região, pois os investimentos e o seu desenvolvimento eram

baseados pela frequência destas parcelas da sociedade.

Segundo Villaça (2009), os centros atingiram sua extensão física máxima por

volta de 1950, quando se observou um processo de congestionamento de atividades

e pessoas nas regiões centrais das cidades brasileiras. Concomitantemente a este

fato, novas áreas da cidade se urbanizavam, cresciam e se expandiam, atraindo a

instalação de residências e comércio, fazendo surgir novos “centros”. Com isso os

centros tradicionais, que até então não possuíam nenhum concorrente, aos poucos

foram perdendo suas atividades e sua força para as novas centralidades que se

formavam nas modernas áreas urbanas, diminuindo consideravelmente o fluxo diário

de pessoas para a região. Neste momento entraram em cena os chamados

subcentros1.

Com o processo de esvaziamento, os centros tradicionais ficaram

abandonados pela classe alta, enquanto a classe baixa se transferia para o local.

Eles passaram a se deteriorar, fato decorrente da diminuição dos investimentos

públicos na região, tanto para manutenção de suas construções quanto de sua

1 “Subcentros são aglomerações diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, que não o

centro principal” (VILLAÇA, 2009, p.293).

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infraestrutura. O centro passou a ser local de marginalidade, violência e

informalidade.

No caso das cidades litorâneas, é importante destacarmos a contribuição da

obsolescência de seus portos para a ociosidade da área central. A atividade

portuária cooperou para a localização e formação dos centros tradicionais dessas

cidades e, por muitos anos, foi importante para a economia brasileira. Mas, com o

desenvolvimento de transportes mais eficientes e modernos, o fluxo de atividades

com navios, para deslocamento de produtos e pessoas, diminuiu-se, ajudando a

tornar a região subutilizada e marginalizada.

As áreas urbanas centrais, no entanto, mesmo estando descuidadas e

degradadas ainda guardam e preservam valor histórico, cultural, econômico e

simbólico. Por ter sido inicialmente uma área valorizada, recebeu um fluxo

considerável de investimentos públicos. Em meio a sua desvalorização, os centros

ainda apresentam infraestrutura urbana instalada e importantes patrimônios

históricos culturais. O que ocorre é que seu valor de uso está ofuscado pelos efeitos

de seu esvaziamento, sendo um “desperdício inaceitável para as cidades”, conforme

menciona Vargas e Castilho (2009).

Com o intuito de recuperar, refuncionalizar, melhorar e valorizar as áreas

centrais deterioradas, vários processos de intervenção urbana são desenvolvidos.

Tal preocupação é observada no Brasil a partir de 1980, tardiamente se comparado

com a América do Norte e Europa, que em 1950 já planejavam intervir em seus

centros (VARGAS; CASTILHO, 2009).

Neste momento, diversas terminologias foram formadas para se referir a este

tipo de prática, tais como requalificação, refuncionalização, regeneração,

revitalização, revalorização, e outros. Cada conceito apresenta objetivo e propostas

diferentes, porém muitas vezes são usados como sinônimos nos projetos de

intervenção urbana, contribuindo para a formação de questionamentos em relação à

sua viabilidade e concretização.

É importante destacarmos que, quando uma área esquecida recebe melhorias

urbanas, ela retoma seu valor e sua atratividade. Com isso, os donos dos recursos

econômicos voltam a investir e residir na área, que em muitos casos é habitada por

uma população menos favorecida economicamente. Desta forma, as intervenções

urbanas em um local podem contribuir para a formação de um processo de expulsão

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espontânea e gradual da população mais pobre do local, conhecido como

Gentrification.

As intervenções urbanas até hoje podem ser verificadas nas áreas centrais,

principalmente quando observam a potencialidade da região para a economia. Nesta

questão, o governo em conjunto com a iniciativa privada revela importante papel nas

transformações urbanas, unindo-se em prol do crescimento econômico e

desenvolvimento urbano. Suas ações passam a serem orientadas com base na

adoção de práticas empresariais, constituindo um planejamento estratégico urbano e

o uso do Marketing de Lugares. Portanto, o centro passa a sofrer melhorias para se

tornar atrativo e comercializado pelos empresários, turistas e pela sociedade.

Uma das maneiras de promover a cidade e ativar sua economia é

privilegiando as atividades turísticas e de entretenimento, como maneira eficiente de

atrair recursos para a região. A turistificação, termo que designa a apropriação dos

espaços pelo turismo, passa a ser uma importante ferramenta para a melhoria e

desenvolvimento de áreas deterioradas, estando inserida nos projetos de

intervenções urbanas de cidades com forte potencial turístico.

Mesmo a cidade sendo tratada como um produto a ser colocado no mercado,

as ações para que isso ocorra amenizam a deterioração da cidade, sendo capaz de

torná-la novamente valorizada. Para compreender melhor como se deu o processo

de degradação e recuperação dos centros urbanos, é essencial levarmos em conta

os motivos que os fizeram ficarem abandonados e assim perderem a sua

importância para outras centralidades.

2.1 FORMAÇÃO E DETERIORAÇÃO DAS ÁREAS CENTRAIS BRASILEIRAS Em diversos estudos, o centro das cidades é apresentado juntamente com

diferentes adjetivos: centro comercial, centro tradicional, centro histórico, centro

antigo, entre outros. De acordo com Vargas e Castilho (2009, p.1) “os centros das

cidades tem sido identificados como o lugar mais dinâmico da vida urbana,

animados pelo fluxo de pessoas, veículos e mercadorias decorrentes da marcante

presença das atividades terciárias”.

Os diferentes setores que compõem uma cidade apresentam um determinado

valor de uso, estabelecidos a partir de diversas variáveis, como sua acessibilidade e

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as relações que cada um constitui com o conjunto restante da cidade. Há aquele em

que sua localização possibilita uma minimização nos gastos de tempo e energia para

o deslocamento das pessoas, superando qualquer distância de outra área. O fácil

acesso de uma área em comparação a outras da cidade contribui para a

estruturação de certa centralidade, possibilitando concentrações de atividades e

serviços. A partir desta aglomeração, um considerável fluxo diário de cidadãos passa

a ser gerado, tanto como portador da força de trabalho para trabalhar, ou como

consumidor para fazer compras e utilizar os serviços. Aquele setor que conseguir

apresentar o maior poder de atração dentro da cidade pode ser considerado como o

seu centro principal.

Assim, os centros das cidades apresentam-se como uma área dotada de valor

social, econômico, simbólico e histórico. Por muito tempo foram considerados como

o principal espaço de aglomeração de poder, empregos, atividades e serviços. É

ideal ressaltarmos que a localização de um centro “é determinada como fruto da

relação entre tempo despendido em deslocamentos, acessibilidade, valor de uso,

valor simbólico” (ALBRECHT, 2008, p.9), não estando necessariamente no ponto

geometricamente central de uma cidade. Uma boa ilustração são os centros urbanos

de cidades litorâneas, como Rio de Janeiro e Salvador, que apresentam sua área

central totalmente fora dos seus centros geométricos, deslocadas para ficarem

próximas de seus portos.

A formação dos centros urbanos brasileiros pode ser observada a partir da

segunda metade do século XIX, quando “o país experimentou notável surto de

progresso e grandes transformações sociais” (VILLAÇA, 2009, p.252), que

contribuíram para o crescente processo de expansão e urbanização de suas

cidades. Foi um momento de notória acumulação de capital no país, com a

expansão da atividade cafeeira, o desenvolvimento de indústrias, de transportes e

do setor de serviços, o fortalecimento da burguesia e das idéias capitalistas, a

substituição do trabalho escravo pelo assalariado e a proclamação da República. É

importante frisar que as modificações observadas neste período tiveram forte

influência européia, seja pela importação dos hábitos de consumo de sua população,

ou pelos acontecimentos que ocorriam naquela época, ressaltando a Segunda

Revolução Industrial e a ascensão da burguesia e do capitalismo industrial.

As cidades que até então mantinham uma importância inferior às áreas

agrárias, iniciaram um processo contínuo de urbanização. Os hábitos de consumo

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da sociedade brasileira começaram a mudar. O que antes era desempenhado no

campo e resolvido pelo patriarca rural se deslocava para áreas urbanas em

desenvolvimento, contribuindo para o surgimento de estabelecimentos como

escolas, salões de belezas, cinema, restaurantes, hotéis, entre outros. Assim

formou-se no Brasil “um novo sistema, com seu centro de gravidade não já em

domínios rurais, mas nos centros urbanos” (HOLANDA,1995 apud ALBRECHT,

2008, p.10).

Os setores das cidades que apresentavam melhor acessibilidade

desenvolveram-se como centros principais, recebendo as primeiras aglomerações

de serviços, empregos e comércio, gerando o deslocamento diário da sociedade

para eles, além da construção de instituições e investimentos públicos e privados.

Conforme explica Villaça (2009), devido à importância política e econômica que a

cidade do Rio de Janeiro possuía, na segunda metade do século XIX, a formação e

desenvolvimento do seu centro deu-se mais cedo que as demais cidades brasileiras.

Em 1860, enquanto a cidade do Rio de Janeiro já abrigava lojas comerciais, em São

Paulo, por exemplo, ainda não tinha “restaurantes, cafés, confeitarias, casas de

banho, bancos, etc.” (BRUNO,1954, apud VILLAÇA, 2009, p.253).

Conforme a cidade crescia, intervenções urbanas tornavam-se indispensáveis

para a sua expansão. As ações eram feitas, principalmente, a partir do centro

principal, contribuindo para o seu desenvolvimento e para a melhoria de sua relação

com as demais partes da cidade. Muito dos investimentos para a implantação dos

serviços básicos, como iluminação, saneamento e transportes urbanos, eram

realizados por grupos privados, através de concessões dadas pelo governo. O bom

exemplo disso foi o desenvolvimento dos trens e bondes no final do século XIX, que

contribuiu para a expansão de novas áreas e para a melhoria na comunicação entre

elas e o centro. Enquanto os bondes se desenvolviam para as áreas mais próximas

ao centro e eram usados pela classe alta, os trens se direcionavam para áreas mais

distantes, sendo transporte usado pelas pessoas mais pobres.

Com tantos investimentos, as terras da área central e em áreas próximas

tinham um alto valor e, com isso, sua apropriação ficava praticamente restrita para

as camadas de mais alta renda da sociedade. O centro principal das cidades passou

a se apresentar como local nobre e valorizado, sendo muito frequentado pela elite

para diferentes finalidades, como profissionais, religiosas, culturais e sociais. As

pessoas abastadas eram o único mercado da época para o comércio central.

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Enquanto isso, a classe popular, mesmo sendo maioria, mantinha-se inibida, sem

qualquer poder de decisão e controle sobre o centro, fixando-se em áreas periféricas

distantes ou, em partes precárias da área central (encostas, margens de rios e

canais, morros, etc.).

A partir de meados do século XX, os centros brasileiros passaram por um

processo de estagnação e saturação, que pode ser observado primeiramente no Rio

de Janeiro, por volta do final da década de 1940, enquanto nas demais cidades foi

notório a partir de 1950 (VILLAÇA, 2009). Segundo Vargas (2006), as causas que

contribuíram para o declínio dos centros tradicionais podem ser melhores

compreendidas ao classificá-las como aquelas de origem externa ou interna ao

centro.

No que se refere às causas internas, observa-se que por volta de 1950 os

centros atingiram sua máxima extensão física, levando a uma acumulação elevada

de pessoas e atividades dentro dos seus limites geográficos (VILLAÇA, 2009). Tal

fato acarretou em péssimas condições de poluição, congestionamentos, valorização

imobiliária, entre outros. Além disso, o passar dos anos favoreceu o surgimento de

problemas com as construções civis e a sua infraestrutura, que começavam a ficar

“antigas” para o período em que se encontravam. Assim, o centro passou a

apresentar um ritmo menos intenso.

Já em relação às causas de origem externa, a expansão das cidades merece

destaque. Com a urbanização de novas áreas, as pessoas que viviam próximas ao

centro começaram a se interessar pelas regiões que ofereciam melhor qualidade de

vida. Junto com o deslocamento de pessoas para os novos bairros, as funções

(comércio, lazer, etc.) que até então eram peculiares aos principais centros

passaram a ser oferecidas em outros locais das cidades, consolidando na década de

1970 os chamados subcentros. Segundo Villaça (2009, p.293), os subcentros:

[...] são uma réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, se igualar; apresenta os mesmos requisitos daquele quanto a otimização de acesso, porém apenas para uma parte da cidade.

Um exemplo interessante de formação de subcentros é o caso da cidade de

São Paulo. Vargas e Castilho (2009) ressaltam que a dinâmica econômica da cidade

produziu um fenômeno de transferência de seu centro econômico principal para

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novas centralidades, em diversos momentos. Além disso, o desenvolvimento dos

meios de transportes foi fundamental para a formação dos subcentros, a destacar o

uso do automóvel e do metrô, que facilitaram o deslocamento para qualquer ponto

da cidade. A difusão do uso de automóveis, por volta de 1960, propiciou uma maior

mobilidade territorial e menor dependência da sociedade em relação aos transportes

coletivos. Por sua vez, o metrô em meados de 1980 passou a ser um importante

transporte público de massa, com grande capacidade e agilidade, contribuindo para

a comunicação entre diferentes pontos da cidade em tempo curto. Tanto no Rio de

Janeiro quanto em São Paulo, conforme as estações do metrô eram construídas, as

áreas, mesmo que longe do centro, tornavam-se acessíveis e atrativas para a

fixação de atividades e serviços, constituindo novos centros.

Diante desse processo de esvaziamento dos centros antigos e de criação de

novas centralidades, a área central começa a se deteriorar. Caracterizando-se como

uma área abandonada pelos donos dos recursos econômicos, o centro perdeu

algumas de suas funções, teve suas estruturas físicas arruinadas e danificadas.

Além disso, sofreu uma desvalorização no valor de seu solo, diminuição

considerável no nível das transações econômicas e dos investimentos privados e

públicos (VARGAS; CASTILHO, 2009). Tal processo teve seu ápice nas cidades

brasileiras por volta de 1980. Neste momento, as camadas populares continuaram a

se transferir para a região central, muitas vezes vivendo em precárias condições. De

acordo com Villaça (2009, p.283), o que ideologicamente considera-se como

decadência do centro pode ser compreendido como “justamente sua tomada pela

maioria da população”.

Deste modo, vemos que a deterioração das áreas centrais não se deu por seu

envelhecimento, mas sim, pelo abandono dos interessados em manter sua

vitalidade. O que primeiro se degradou não foram suas estruturas, mas a sua

localização. Novas centralidades passaram a se tornar muitas vezes mais

importantes do que os centros tradicionais, seja para os cidadãos, como produtores

ou consumidores, e para os investimentos públicos e privados. Isso mostra a relação

entre a presença da elite e a manutenção do centro de uma cidade. Se as camadas

mais favorecidas permanecessem fluindo à região para distintas finalidades, as

áreas centrais seriam conservadas e manteriam sua qualidade (VILLAÇA, 2009;

VARGAS; CASTILHO, 2009; dentre outros.).

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Não se pode generalizar afirmando que todos os serviços e comércios que se

encontravam no centro transferiram-se para os subcentros. Mesmo apresentando

notório esvaziamento, este fato foi feito de modo parcial. Muitas atividades

permaneceram na região, atraindo um considerável fluxo de cidadãos, ajudando a

manter sua vitalidade.

Nessas condições, mesmo um centro estando abandonado, ele jamais

perderá seu valor simbólico, histórico e cultural. Tendo passado por um período de

rejeição e declínio, a partir da segunda metade do século XX, notamos que ao

mesmo tempo iniciou-se um processo de “recentralização” no qual, segundo

Hassenpflug (2007) apud Albrecht (2008, p.12) significou o “redescobrimento dos

aspectos sociais, funcionais e emocionais dos bons centros urbanos”. O governo,

além da iniciativa privada, percebeu que o centro poderia voltar a ser uma

importante fonte econômica para a cidade.

Com isso, diversos tipos de intervenções urbanas foram sendo

implementadas a partir de 1950, com o objetivo de recuperar as áreas deterioradas e

torná-las, novamente, relevantes pontos de aglomeração de pessoas e serviços.

Neste mérito, além dos centros, também entram as antigas áreas portuárias,

ferroviárias e industriais, por estarem, em muitos casos, inutilizáveis e por

apresentarem uma riqueza histórica e cultural. Rio de Janeiro, Recife e Belém, por

exemplo, têm suas áreas portuárias parcialmente desativadas, devido a um

processo de obsolescência de suas estruturas. No entanto, apresentam significativo

patrimônio histórico e grandes áreas públicas subutilizadas, tornando-se alvos de

diversos projetos de melhoria e refuncionalização.

É interessante observarmos que no caso da cidade do Rio de Janeiro, sua

área central é composta pelo seu centro principal e sua zona portuária - contínuas

espacialmente. O Centro histórico do Rio de Janeiro constituiu-se próximo à sua

zona portuária, possibilitando que projetos desenvolvidos para fins de recuperação

de uma determinada área influenciassem também na melhoria da outra área.

Compreender as diferentes nomenclaturas que as ações de recuperação

urbana possuem, além de analisar o contexto histórico em que cada uma se

desenvolveu, torna-se importante para conhecer os projetos desenvolvidos para

tentar resgatar os valores da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Pensando nesta

importância, a seguir estudaremos sobre as terminologias que caracterizam os

projetos de intervenção urbana, e as diferentes fases em que elas se sucederam.

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2.2 INTERVENÇÕES URBANAS: FASES E TERMINOLOGIAS Conforme vimos, o Brasil teve suas cidades expandidas e urbanizadas a partir

da segunda metade do século XIX. Como resultado para a época, áreas com

importância econômica e social se desenvolveram: seus centros urbanos, as zonas

industrializadas, ferroviárias e portuárias. Porém, desde que as cidades

apresentaram um ritmo acelerado de crescimento, a partir da segunda metade do

século XX, iniciou-se um processo gradual de deterioração dessas regiões.

Os centros tradicionais, que até então abrigavam instituições públicas,

serviços e comércio, tornaram-se, a partir deste período, abandonadas e

subutilizadas. Enquanto isso, as áreas ferroviárias, industriais e portuárias,

passaram por um processo de obsolescência e, portanto, foram tornando-se ociosas

e esquecidas. Porém, não podemos esquecer que estas áreas, mesmo deterioradas,

são lugares que atualmente guardam importância histórica, econômica, simbólica e

cultural.

Assim surgiu, por volta de 1950, uma preocupação em recuperá-las,

contribuindo para a formação de diferentes processos de intervenção urbana. Na

figura 1, Vargas e Castilho (2009) citam alguns motivos que contribuíram para a

ocorrência de intervenções nos centros urbanos. É importante ressaltarmos que,

antes deste período, algumas ações podem ter sido já realizadas, porém não pelas

cidades estarem degradadas, mas pelo fato de ter que intervir para elas crescerem,

expandir suas áreas urbanas.

De um modo geral, para compreendermos a necessidade de intervir em uma

área urbana, Vargas e Castilho (2009) fazem uma analogia aos termos da medicina,

em que intervenção e cirurgia são consideradas sinônimas. Então, consideramos

que as intervenções são realizadas para recuperar a saúde ou manter a vida; para

reparar danos causados por acidentes ou para atender aos padrões estéticos e de

infraestrutura exigidos atualmente. Intervir nos centros significa recuperar sua

vitalidade, restaurar suas estruturas degradadas pelo esquecimento e melhorar a

imagem da cidade para inseri-la nos padrões globais.

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Figura 1 - Motivações que conduzem as intervenções em centros urbanos Fonte: Vargas; Castilho (2009, p.6)

Em diferentes períodos da história, as ações foram feitas de maneiras

distintas, sendo principalmente conduzidas conforme interesses do poder público e

privado. Enquanto em um período intervir significava destruir o que estaria

degradado e construir coisas novas, em outros já se pensava em preservar o antigo

e até mesmo usá-los para diversas finalidades. Há também a fase em que se nota

uma miscigenação entre as ações acima citadas, na qual, ao mesmo tempo em que

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se procura preservar o patrimônio existente, projetam-se novas construções de

grande visibilidade.

Neste contexto de diferentes processos de recuperação urbana das áreas

degradadas, surgem várias nomenclaturas com prefixo “re”, tais como renovação,

revitalização, reabilitação, refuncionalização, entre outros. Segundo Vasconcellos e

Mello (2009, p.53), o uso do prefixo nas terminologias indica “alguma coisa que

repete o já existente com uma nova forma” e, ainda que sejam usadas como

sinônimos, elas apresentam suas singularidades.

Renovação urbana foi o primeiro conceito a se formar na década de 1950,

baseado em ações de substituição de formas urbanas antigas por outras mais

modernas. Já os conceitos de revitalização, reabilitação e requalificação surgiram a

favor do reconhecimento do valor histórico e cultural nas ações urbanas, procurando

interferir nas áreas, mas preservando o seu patrimônio. Para Goulart (2005, s.p.),

reabilitação constitui um processo de recuperar uma área urbana que se pretende

proteger, “implicando o restauro de edifícios e a revitalização do tecido econômico e

social, no sentido de tornar a área atrativa e dinâmica, com boas condições de

habitabilidade”. Já requalificação, ou refuncionalização, remete ao processo de

reanimar uma determinada região, introduzindo novamente funções, que por algum

motivo foi interrompida ou não desenvolvida, sejam elas, por exemplo, habitação,

comércio, serviços e cultura. Ao citar o conceito de revitalização, termo muito

utilizado atualmente para os projetos de intervenção urbana, Goulart (2005) ressalta

que sua etimologia sugere um significado errôneo e preconceituoso, de voltar a dar

vida a uma área que não está morta, apenas abandonada. Na verdade, revitalizar

significa readquirir o vigor e a energia de uma área que possui vida, enchendo-a

ainda mais de vitalidade. Porém, seu uso pode provocar questionamentos

desfavoráveis.

É importante ressaltarmos que os investimentos voltados para a recuperação

de áreas centrais deterioradas possibilitam uma valorização de seu solo, acendendo

o interesse do mercado imobiliário para essas áreas. Com isso, é possível

observarmos um processo de retorno ao centro de diversas atividades e de famílias

mais abastadas, seja para morar ou frequentar. A população menos favorecida, que

se encontra instalada no local, passa a se sentir excluída do processo de melhoria

da área valorizada, pois em muitos casos a valorização provoca uma saída forçada.

Esta expulsão pode ser espontânea, quando se dá pela classe social com melhor

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poder aquisitivo, ou expulsão estratégica, quando ocorre a partir de ações de

agentes políticos e privados. De todo modo, este processo é conhecido como

gentrificação (gentrification). Conforme explica Rykwert, (2004) apud Albrecht (2008,

p.20):

O termo designa o fenômeno de substituição de populações de rendas inferiores por populações de rendas superiores, induzida pela valorização imobiliária e/ou simbólica de porções urbanas consideradas de interesse artístico ou histórico [e econômico].

O termo gentrification foi utilizado pela primeira vez no início da década de

1960, difundido pela socióloga inglesa Ruth Glass. Seus estudos analisavam o

processo de repovoamento de antigos e desvalorizados bairros centrais de Londres

pela camada média, que antes eram ocupados pela população da camada popular.

O deslocamento modificou a constância na instalação desta classe social

assalariada nos subúrbios residenciais. Pelo estudo, a autora observou a

transformação da composição social dos residentes das áreas centrais, através de

investimentos, apropriação e reabilitação feitos pelos novos moradores, levando a

expulsão da camada mais pobre desses locais (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006).

Sendo assim, do conjunto de processos de recuperação urbana, consideramos que

todos podem provocar a formação da gentrificação (gentrification).

Para melhor compreender as diferentes práticas de intervenção urbana

ocorridas nas cidades brasileiras, apoiaremos no modelo cronológico elaborado

pelas autoras Vargas e Castilho (2009, p.5), cuja “análise da literatura relativa ao

tema orientou a divisão dos processos de intervenção em centros urbanos em três

períodos principais: Renovação Urbana (1950-1970), Preservação Urbana (1970-

1990) e Reinvenção Urbana (1980-2000)”. É interessante destacar que essa

periodização não é fixa e sequencial. Na realidade, os diferentes tipos de

intervenções ocorreram, em determinados momentos, simultaneamente.

Acrescentaremos a essa discussão as ações precedente a esses períodos,

compreendidas pelos projetos de renovação urbana conhecidos como Higienização

(entre os séculos XIX e XX), considerando ser importante para o presente estudo,

mesmo que tenham sido feitas sob uma cidade em crescimento, e não em

detrimento.

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2.2.1 Higienização

Entre os séculos XVIII e XIX, diversas cidades iniciaram um processo

significativo de crescimento populacional. Neste período, a Revolução Industrial

gerou novas atividades econômicas, inserindo um diferente modo de produção, além

de ter desenvolvido os meios de transportes, como o trem e o navio a vapor. Devido

a falta de uma estrutura política e econômica homogênea e coerente, a expansão

urbana se dava de forma desorganizada e insalubre, conforme observado pelos

comentários de Vasconcellos e Mello (2009, p.55):

O amontoamento, as casas excessivamente altas, a contínua construção de oficinas e fábricas, associadas à falta de saneamento das cidades, às epidemias e às infecções, causadas, inclusive, por falta de covas individualizadas para a população mais pobre.

A população vivia em meio a um “medo urbano” (FOCAULT, 1979 apud

VASCONCELLOS; MELLO, 2009, p.54), sendo mais do que urgente a realização de

intervenções para procurar organizar e conter esta desordem. A principio foi

formulada na Europa a medicina urbana, na segunda metade do século XVIII. Seus

objetivos eram voltados para o tratamento do ambiente em que a população se

encontrava. O estado de saúde pública das cidades era analisado, para a melhoria

das condições de vida das pessoas. Três pontos se destacaram: análise do

amontoamento, confusão e perigo que se encontrava a cidade, controle e

estabelecimento da circulação de água e ar e organização dos diferentes elementos

necessários à vida comum na cidade, como cemitério e esgoto (VASCONCELLOS;

MELLO, 2009).

Com isso, surgiram as primeiras intervenções urbanas para ajudar a conter e

organizar o crescimento desordenado das cidades, em meados dos séculos XIX e

XX. A idéia principal do momento era higienizar as cidades, consertá-las, melhorá-

las, dando-lhes um aspecto novo. Vasconcellos e Mello (2009) explicam que as

intervenções desta época foram os primeiros planos de renovação urbana2, a partir

da análise de suas características de demolição do antigo, para substituição de

2 Segundo Pasquotto (2010), o termo renovação urbana foi criado em 1950, pelo economista Miles

Colean. Mas as características desse tipo de intervenção já eram observadas anteriormente.

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estruturas mais modernas. Exemplos clássicos são as reformas urbanas em Londres

e Paris, em contexto internacional e do Rio de Janeiro, em âmbito brasileiro.

Planejada e executada pelo prefeito Haussmann, em seu mandato entre os

anos de 1851 e 1870, a renovação de Paris foi uma reforma urbana que inspirou

intervenções posteriores, em diversas cidades do mundo. Os objetivos principais

eram modernizar, higienizar e embelezar a cidade que se encontrava insalubre,

através de abertura de longas vias, instalações de infraestrutura básica, parques,

monumentos, novos edifícios, entre outras ações. Para isso, foram necessárias

demolições de grande parte das estruturas existentes em Paris, acarretando na

remoção das camadas populares para fora das áreas renovadas.

O mesmo procedimento ocorreu no Rio de Janeiro entre os anos de 1902 e

1906, no governo do prefeito Pereira Passos. A cidade, que na época era capital do

país, se encontrava totalmente insalubre. Seus moradores viviam em péssimas

condições de saúde, moradia e de infraestrutura básica. Sendo assim, com

influência européia, a reforma urbana teve os mesmos objetivos vistos nas

intervenções em Paris: higienizar, modernizar e embelezar a cidade. Nesta reforma

destacamos a modernização do porto, considerando ser de extrema importância

econômica para o país, por ser o ponto de comunicação entre o Brasil e o restante

do mundo. Várias obras foram realizadas e, assim como em Paris, foram

necessárias muitas demolições para efetuar as mudanças. Em decorrência,

importantes exemplares do patrimônio arquitetônico da cidade foram perdidos. A

classe social menos favorecida, que habitava a área central renovada, foi expulsa,

obrigada a ir morar nos morros próximos ao centro ou em regiões mais periféricas.

Desta forma, podemos dizer que a fase de higienização das cidades teve

como ideal a melhoria das condições insalubres das cidades, a partir de sua

renovação, para facilitar o desenvolvimento e sua expansão urbana. Como exposto

acima, foi um período de grande importância para a modernização do porto do Rio

de Janeiro e da própria cidade, sendo então de notória relevância para o contexto do

presente estudo.

As intervenções ocasionaram pontos negativos. De acordo com Vasconcellos

e Mello (2009), as criticas deste período são construídas por questões sociais e

morfológicas. No que se refere ao plano social, a remoção das pessoas menos

favorecidas para locais fora das áreas renovadas desfaz o laço que elas tinham com

a área, deixando de se sentir parte dela. Ao mesmo tempo, as ações favorecem uma

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camada mais abastada da sociedade, podendo caracterizar a reforma como

elitizada. Já em relação à morfologia, as reformas não se preocuparam com as

estruturas anteriores, arrasando-as em favor de construções mais novas.

Feita esta discussão sobre a higienização das cidades, iremos dar um salto

no tempo. Desta vez, as intervenções a serem analisadas iniciam-se a partir da

segunda metade do século XX, não mais como ações para ajudar na expansão da

cidade, mas sim para recuperá-las de um processo de deterioração. A partir da

década de 1950, diferentes fases de intervenções podem ser identificadas.

2.2.2 Renovação Urbana

O período compreendido entre 1950-1970 teve como intenção principal

“demolir e reconstruir para renovar” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.7). Foi o

momento em que se valorizou o novo, em detrimento da preservação do que era

antigo. Tal fato pode ser constatado em um trecho da carta de Atenas de 1933,

quando descreve que “é necessário saber reconhecer e discriminar nos testemunhos

do passado aquelas que ainda estão bem vivas. Nem tudo que é passado tem, por

definição, direito a perenidade” (IPHAN, 1995 apud VARGAS; CASTILHO, 2009,

p.7).

Na Europa, observamos a conjuntura do pós-guerra, na qual diversas cidades

tiveram suas estruturas físicas bombardeadas e destruídas. Na América do Norte, o

processo de deslocamento de pessoas, comércio e indústrias para o subúrbio

contribuiu para a deterioração de seus centros urbanos. O mesmo ocorreu no Brasil,

quando os centros passaram a apresentar altas taxas de crescimento. Problemas

decorrentes do congestionamento na região contribuíram para um processo de

migração de serviços, comércio e pessoas para outras centralidades, esvaziando o

centro e tornando-o abandonado.

O centro da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a partir do final da década

de 1940 passou por um processo de esvaziamento econômico e social. A classe

média alta passou a se interessar pelas regiões próximas às praias, ao mesmo

tempo em que as empresas transferiam seus escritórios para os novos subcentros,

levando consigo os investimentos públicos e privados. A área central passou a ser

considerado um local arcaico e de moradia para as classes sociais menos

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favorecidas. Procurando reverter esta situação, iniciou-se um processo de

“demolição de grande parte do acervo arquitetônico do passado” (MAGALHÃES,

2002, p.1), em prol de intervenções físicas na região para novas construções,

considerando o seu valor econômico.

Desta forma, as intervenções neste período visavam, principalmente,

reconstruir os centros que passavam por problemas relacionados à deterioração,

seja pelas consequências de guerra ou abandono. Ações que buscassem a

revalorização de seu solo urbano tornaram-se debatidas, incentivando a atuação do

setor de construção civil. O planejamento era conduzido pelo governo e suas ações

sofriam influências de vários grupos de interesses financeiros, além do movimento

modernista europeu, que teve seu ideal repercutido para demais áreas do mundo:

repudiar o passado.

De um modo geral, as principais ações vistas no processo de renovação

urbana foram a implementação de nova infraestrutura; abertura de vias urbanas;

criação de espaços amplos para uso exclusivo de pedestres; construção de edifícios

para fins comerciais, turísticos, culturais e apartamentos para atrair a classe média

alta; desapropriação de edificações já estabelecidas e a demolição de moradias da

população de baixa renda; entre outras (VARGAS;CASTILHO, 2009). É neste

contexto que surgiu, de forma intencional e ordenada, o processo de apropriação

dos espaços para o turismo, denominado como turistificação, o qual também será

discutido neste estudo.

Os projetos elaborados nesse momento de renovação priorizavam a classe

social privilegiada economicamente. As construções foram realizadas com o objetivo

de atrair uma população de alta renda e empresários, possibilitando a arrecadação

de impostos locais e a captação de investimentos que viessem a contribuir

financeiramente para o sucesso das ações. Assim, podemos perceber o desprezo

aos menos privilegiados, perante a essa valorização. A população pobre que residia

na área central foi praticamente obrigada a se deslocar para áreas periféricas, seja

por ter sua moradia destruída ou por formar um sentimento de exclusão e não

pertencimento a “nova cidade”, em favor das ações que estavam sendo feitas

majoritariamente a outra classe social.

No que se refere às criticas levantadas nessa época, algumas são

importantes relatar. As construções nos centros foram feitas de modo que ficassem

isoladas das demais localidades, não havendo uma dinâmica urbana que pudesse

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promover a sua vitalidade no decorrer dos anos. Isso dificultou a atração de pessoas

e investimentos ao local. De acordo com Vargas e Castilho (2009, p.13), havia uma

“falta de visão empresarial dirigida aos planos e projetos realizados”.

A demolição de vários acervos históricos que carregavam uma importante

simbologia gerou grande questionamento no que se refere ao excesso de oferta de

escritórios construídos no lugar deles. Além disso, diversos pontos que foram

demolidos para novas edificações não receberam, durante longo tempo, qualquer

tipo de investimento. Por último, não podemos esquecer a desconsideração com a

população, tanto na participação da elaboração dos projetos quanto da sua

expulsão, em virtude da vinda de uma camada mais elitizada para o local renovado,

contribuindo para o processo de gentrification. Dessa forma, várias reações de

inconformismo foram observadas, levando a formação de uma diferente concepção

de intervenção urbana, entre os anos de 1970 e 1990.

2.2.3 Preservação Urbana A preocupação com a identidade urbana, além do valor histórico e cultural

que as estruturas físicas de um centro urbano possuem, fizeram com que houvesse,

a partir da década de 1970, uma reflexão dos efeitos negativos gerados pelas

diversas demolições ocorridas nos anos anteriores. Desta vez, a destruição perdia

espaço para a preservação do patrimônio, surgindo diferentes processos de

intervenções urbanas, principalmente com as denominações de revitalização,

reabilitação, requalificação e refuncionalização.

Neste contexto, a reestruturação das atividades nas áreas centrais seria feita

com a ajuda das ações de preservação dos patrimônios históricos, que não foram

destruídos em décadas anteriores, através da inserção ou reativação de serviços e

atividades culturais. Conforme Vargas e Castilho (2009, p.16), “utilizaram-se nesse

processo antigas estruturas industriais, estações de trem, armazéns, mercados e

teatros, introduzindo nesses espaços o comércio e os serviços varejistas, as

atividades de lazer e cultura”.

O objetivo das intervenções urbanas desta época centrava-se na conservação

dos patrimônios como “elemento fundamental para o resgate da identidade e da

cidadania” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.19), apresentando-se com forte apelo

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popular. O foco, a princípio, era voltado para a valorização cultural do local,

intervindo em construções que apresentassem valor histórico-cultural para a

sociedade. Em consequência, haveria uma valorização econômica, através do

incentivo ao fluxo de cidadãos, investidores e turistas para as áreas centrais,

considerando que o uso dessas construções contribuiria para sua conservação e

para a dinamização do centro.

Nesta fase, o governo brasileiro ganhou presença nas questões de

intervenções. Em 1979 a presença de entidades públicas ajudou a orientar as

políticas de recuperação dos centros urbanos: Secretaria de Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional e a Fundação Pró-memória. Órgãos de preservação também

passaram a serem vistos com mais importância para a recuperação das áreas

degradadas. Ao mesmo tempo, eram observadas parcerias entre os setores público

e privado, que proporcionaram a privatização de alguns patrimônios através da

transferência da administração pública para as competências privadas.

A cidade de Salvador é um exemplo ideal para ilustrar esta fase, quando

observamos que sua área central e histórica não se encontrava em boas condições

de conservação. Por volta de 1970, foi fundado a Fundação do Patrimônio Artístico e

Cultural da Bahia (FPACBa), estimulando preservar o rico patrimônio histórico

baiano e usá-lo para fins turísticos e culturais. A necessidade de haver um órgão

responsável em administrar a preservação foi observada pela Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), da mesma forma em

que investimentos privados passaram a atuar na área, contribuindo para a sua

revalorização.

As ações desta fase foram importantes para a recuperação de áreas

degradadas, através da preservação do patrimônio histórico-cultural e da valorização

da identidade local. Porém, algumas críticas foram formadas. Em muitos casos os

projetos de preservação eram pontuais, deixando de se preocupar com o entorno

urbano dos edifícios em processo de conservação. Além disso, algumas ações

preocupavam-se em recuperar e preservar apenas a fachada das construções

arquitetônicas, sem considerar a sua estrutura interna. Isso contribuía para a criação

de cenários, para uma artificialidade das áreas que sofriam as intervenções. Com a

revalorização do espaço, o valor do solo na área central aumentou, acarretando,

também neste período, o processo de gentrification, com a expulsão da população

local pelos consumidores de alta renda.

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2.2.4 Reinvenção Urbana

Esta fase é o período compreendido entre as décadas de 1980 até os dias

atuais. Pode-se dizer que seu início teve grande influência do advento da

globalização, que trouxe revoluções nos meios de comunicação, de transportes, na

informática e nos modos de produção, promovendo mudanças nas relações entre

espaço e tempo. As informações passaram a ser difundidas a curto tempo e a

distância entre diferentes partes do mundo se encurtou. Neste contexto, as

atividades econômicas tornaram-se menos dependentes de um espaço físico,

podendo escolher o território que propõe melhores condições para a sua reprodução

e lucratividade. Assim, a visibilidade das cidades passou a ser ponto de extrema

importância para a sua valorização, em meio a tantas outras localidades.

Nesta fase, não somente os centros das cidades, mas também regiões

degradadas devido à obsolescência de suas estruturas, porém com certo valor

econômico, histórico e cultural, passaram a ser alvos das intervenções urbanas. Tais

áreas podem ser representadas pelas zonas portuárias, ferroviárias e industriais de

uma cidade. As intervenções deste período buscam recuperar a base econômica

das cidades, através de ações que valorizam a imagem positiva da região, para a

captação de capitais, pessoas e investimentos. Em sua grande maioria, esses tipos

de intervenções são pontuais e espetacularizadas, procurando refuncionalizar

estruturas, através da implementação de atividades culturais, de entretenimento e

turismo. Vargas e Castilho (2009) descrevem o objetivo das intervenções nos

centros urbanos, neste período:

Promover a reutilização de seus edifícios e a consequente valorização do patrimônio construído; otimizar o uso da infraestrutura estabelecida; dinamizar o comércio com o qual tem uma relação de origem; gerar novos empregos. Em suma, implementar ações em busca da atração de investimentos, de moradores, de usuários e de turistas que dinamizem a economia urbana e contribuam para a melhoria da qualidade de vida, valorizando também a gestão urbana que executa a intervenção. (2009, p.5)

É importante ressaltar que a promoção da cidade feita pelo governo, além de

facilitar a entrada de investimentos, também é uma boa estratégia de ganhar força

política-partidária com a população local, através da divulgação de idéias voltadas a

melhoria e desenvolvimento de sua cidade (SANCHEZ, 1999). A partir disso, mesmo

com tantos outros problemas sociais, grande parcela da sociedade fica encantada

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com a fama que sua cidade adquire com as intervenções. Aqueles que de alguma

forma sofrem interferências negativas devido às ações, a destacar a camada social

de baixa renda, já não se sentem tão inconformados com as intervenções.

Uma das estratégias para alavancar a recuperação urbana, observada nesta

fase, é a disputa das cidades em serem escolhidas como sede de megaeventos,

tratando-os como grandes oportunidades de negócio. A partir disso, o governo, em

parceria com o setor privado, passa a investir em obras de grande visibilidade. O

exemplo mais sintomático disso é o caso da cidade de Barcelona, quando passou a

receber inúmeras intervenções por ter sido escolhida como sede para os Jogos

Olímpicos em 1992. Além das estruturas direcionadas propriamente para a

realização da Olimpíada, outras ações foram realizadas na cidade, voltadas para a

recuperação de áreas deterioradas, como melhorias na acessibilidade, segurança e

instalação de equipamentos de lazer e turismo. O mesmo processo está ocorrendo

atualmente com o projeto de refuncionalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro,

quando a cidade foi escolhida para sediar as Olimpíadas de 2016.

No momento atual, a relação entre o poder público e o setor privado torna-se

mais forte, influenciando no modo de administração de uma cidade. O governo local

passa a gerir a cidade como uma empresa que precisa comercializar seus produtos

da melhor maneira possível, além de tornar essencial a produção de uma imagem

positiva dela. Com isso, observa-se o uso de ferramentas empresariais para obter

sucesso como, por exemplo, a adoção de um planejamento estratégico e o uso do

marketing.

Como em todas as fases vistas, criticas são formadas. A promoção das

cidades costuma mascarar os problemas sociais existentes. Para atrair

investimentos e pessoas, é imprescindível exaltar os pontos positivos e omitir os

negativos. Com o uso das ferramentas de marketing, é possível que isso ocorra,

formando perspectiva redutora da realidade. Outra questão que se constrói é a

formação de uma imagem homogênea da cidade e de sua população, sem

considerar a diversidade de características de seus espaços e de seus cidadãos. É

difícil encontrar na divulgação de uma cidade as áreas habitadas pela população de

baixa renda. Não podemos nos esquecer de que, assim como em todas as fases, as

ações de valorização podem resultar no processo de gentrificação. Por último,

destacamos a prioridade das ações públicas para o desenvolvimento econômico da

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região, favorecendo o deslocamento de recursos para obras de grande visibilidade,

em uma área que carece de estruturas básicas, como hospitais e escolas.

Nos últimos anos, os projetos de intervenção urbana têm ganhado força, ao

considerar serem de extrema importância para o desenvolvimento econômico e para

o posicionamento competitivo de um lugar, no mercado global. O poder público, em

conjunto com a iniciativa privada, cada vez mais se preocupa em melhorar sua

cidade, apoiando-se em ferramentas empresariais na sua gestão. Desta forma, no

mesmo período da Reivenção Urbana, surge a teoria de Marketing de Lugares, que

será explicada a seguir.

2.3 MARKETING DE LUGARES E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

O advento da globalização econômica, por volta da década de 1980,

caracterizou-se pelos incessantes avanços tecnológicos, principalmente nos meios

de comunicação e de transportes. É um momento em que se observa um

encurtamento na distância entre as diversas partes do mundo, contribuindo para a

formação de uma economia globalmente integrada e dinâmica. Isso permitiu que as

atividades econômicas não ficassem tão dependentes em relação a um determinado

espaço físico, favorecendo a formação de uma maior “mobilidade produtiva e

financeira”, além de permitir uma “liberdade de localização” (SÁNCHEZ, 1999,

p.117).

Com a rápida disseminação das novas tecnologias e inovações nos meios de

telecomunicação e transportes, qualquer lugar, independente da sua localização ou

do seu tamanho, entra no ambiente de competitividade da economia global3. Os

lugares passaram a se preocupar com uma excelência e um padrão mais elevado de

desempenho, além de investir na formação de uma imagem positiva para se

tornarem atraentes aos novos investidores e indivíduos. O Brasil, por exemplo, após

um grande período de instabilidade econômica, procurou alimentar novos

investimentos para o seu crescimento econômico em meados da década de 1990.

Para isso, passou a alocar mais recursos para promover sua imagem no exterior,

procurando construir e solidificar a marca Brasil, de forma a atrair novos

investidores, turistas e aumentar sua exportação (KOTLER et al., 2006).

3 Neste ponto, é importante citarmos Kotler et al. (2006), que compreende como lugar (ou local) as

comunidades, cidades, regiões, estados ou até mesmo nações.

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Assim, um ambiente competitivo foi estabelecido entre diferentes localidades

do mundo, tendo o desenvolvimento econômico de cada uma dependente das

vantagens competitivas que poderiam oferecer a mais do que suas concorrentes. A

destacar a competição entre as cidades, os governos locais perceberam a

necessidade de inseri-las no mercado global, passando a repensar nas suas

políticas urbanas. Então, a cidade deveria se posicionar como uma localidade

diferenciada das demais, de forma a atrair capitais novos e manter os já existentes,

além de assegurar um status positivo no contexto da globalização. Conforme

caracterizado por Kotler et al. (2006, p.43), o mercado dinâmico e competitivo

promoveu uma verdadeira “guerra de localidades”.

Da mesma maneira que uma empresa, as cidades precisam fornecer seus

produtos e serviços de forma eficiente e acessível, promovendo valores e uma

imagem que mostrem uma cidade vantajosa aos usuários atuais e potenciais

(KOTLER et al., 1993). Assim, a cidade passou a ser tratada por seu administrador

como um “empreendimento a ser gerenciado” (VARGAS; CASTILHO 2009, p.17),

sendo considerada uma “cidade-empresa do modelo empreendedor” que cada vez

mais compete com outras cidades-empresas (SANCHEZ, 1999, p.118). Práticas

antes restritas ao âmbito empresarial, como elaboração de um planejamento

estratégico de marketing e gerência de produto e marca, passaram a ser adotadas

pelos gestores públicos da cidade, auxiliando na manutenção de seu

posicionamento no mercado global.

Para o desenvolvimento e sucesso de um lugar, em meio a crescente

competitividade, tornou-se essencial avaliar as oportunidades e ameaças do

mercado, assim como analisar suas forças e fraquezas, posicionar sua imagem,

apresentar vantagens competitivas, determinar o público alvo e as estratégias de

marketing para tornar-se atraente. Com isso, o poder público local passou a

substituir o planejamento urbano tradicional por um planejamento mais estratégico e

flexível, que demanda um longo prazo e que é passível de ser adaptado de acordo

com as exigências do mercado mundial.

Nessa corrida extremamente competitiva em busca de investimentos, indústrias, moradores e visitantes, haverá vencedores e perdedores, e os lugares que adotarem e instituírem um planejamento estratégico de marketing se destacarão como fortes concorrentes. (KOTLER et al., 2006, p.1)

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A intenção de um planejamento estratégico para a gestão de uma cidade teve

seu início na década de 1980, nos Estados Unidos4, quando se notou um abandono

das formas tradicionais de planejamento governamental. Em 1987, a idéia chegou à

Europa, mais especificamente na Espanha, com o objetivo de preparar Barcelona

para sediar os Jogos Olímpicos de 1992, resultando na elaboração de grandes

investimentos para sua modernização. A cidade tornou-se modelo de urbanismo e

planejamento estratégico, principalmente para cidades da América Latina

(SANCHEZ, 1999).

A aplicação das ferramentas de marketing para atrair investimentos,

moradores e visitantes, visando o crescimento e desenvolvimento dos lugares,

passou a ser conhecida como Marketing de Lugares, ou City Marketing. Diversos

autores analisaram, a partir do final do século XX, este processo. A destacar Philip

Kotler (1993; 2006), conhecido como o “pai do marketing”, no qual seus estudos, em

conjunto com outros autores, provavelmente foram os primeiros a definir e explicar a

teoria de Marketing de Lugares.

Seguindo a discussão de Kotler et al. (2006), o marketing estratégico de um

lugar envolve uma série de elementos que podem ser verificados a partir da Figura

2. Nela podemos observar que os principais mercados-alvo de um lugar são os

turistas e participantes de convenções, investimentos externos e mercados de

exportação, sedes comerciais e escritórios locais, novos moradores e fabricantes de

bens e serviços. Para atrair e sustentar esses investimentos e investidores

potenciais, além de complementar o desenvolvimento econômico e urbano, dois

fatores são essenciais: a formação de um grupo para a elaboração de um

planejamento estratégico e a definição de estratégias de marketing.

4 A cidade de São Francisco teve o primeiro plano estratégico, a ser articulado em 1982 (SANCHEZ,

1999).

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Figura 2 – Elementos do marketing estratégico de lugar. Fonte: Kotler et al., 2006, p.45.

Na centralidade do esquema feito por Kotler et al. (2006), encontra-se a

estruturação de um grupo responsável pela elaboração do planejamento estratégico,

composto pelo poder público, pela comunidade empresarial e também pelos

cidadãos. Ao grupo, cabe definir e diagnosticar as possíveis oportunidades e

ameaças no mercado, bem como identificar as forças e fraquezas do lugar; entender

o ambiente competitivo; desenvolver as estratégias de marketing para solucionar

problemas da comunidade; e elaborar um plano de ação de longo prazo, que

envolva várias etapas de investimentos e transformações na localidade. É

importante destacarmos que o envolvimento da iniciativa privada neste processo

promove interferências no processo decisório final, visto que a tendência é definir as

ações de acordo com seus interesses. Já em relação à participação de cidadãos,

dificilmente há uma representação forte, que supere aquelas decisões tomadas a

partir da união entre as esferas públicas e privadas.

Para atrair os mercados-alvo, Kotler et al. (2006) afirma que o grupo de

planejamento pode investir em quatro amplas estratégias de marketing: de imagem,

de atrações, de infraestrutura e de pessoas e instituições. O marketing de imagem

refere-se à divulgação das características e benefícios de um lugar por meio de uma

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imagem original e diferenciada, através de um programa de comunicação vigoroso,

para que a imagem seja válida e comunicada em diferentes canais. Uma das metas

desta estratégia é criar uma marca para o lugar.

O marketing de atrações é voltado para o investimento em atrações

específicas, para manter os negócios atuais e atrair os potenciais. As atrações

podem ser os naturais, patrimônios históricos, edifícios famosos, centros de

convenções e exposições gigantescas, ou até mesmo eventos de grande visibilidade

como, por exemplo, as Olimpíadas.

Por sua vez, o marketing de infraestrutura assegura o fornecimento dos

serviços básicos e a manutenção de uma infraestrutura satisfatória e eficaz para

cidadãos, empresas e visitantes. Como exemplos de instalações, equipamentos e

serviços, podemos citar aqueles voltados para a energia, água, saneamento,

telecomunicação, educação, disponibilidade de áreas residenciais, hospitais, etc.

Por último, o marketing de pessoas e instituições é feito para procurar obter

apoio dos cidadãos, líderes e instituições no processo de atração de novas

empresas e investimentos para a comunidade. O objetivo é “promover o seu povo”

(KOTLER et al., 2006, p.80) e ao mesmo tempo trabalhar para torná-lo hospitaleiro e

entusiasmado, de modo que possam atender às necessidades de seus públicos-

alvo.

As ideias de marketing estão cada vez mais sendo utilizadas no

desenvolvimento e planejamento das cidades, tornando-se ferramenta essencial

para a gestão urbana local. Desta forma, quando se pensa a cidade como empresa,

ela também passa a ser vista como uma mercadoria a ser vendida, necessitando de

intervenções para a melhoria de sua propriedade, além da construção de uma

imagem positiva para atrair consumidores, seja este turistas, empresário ou o próprio

cidadão.

O final do século XX é considerado o momento em que cresceu a importância

de readquirir a valorização das áreas abandonadas e deterioradas dos centros

urbanos, com o intuito de torná-las economicamente atrativas. Podemos destacar,

neste âmbito, as regiões portuárias, ferroviárias e industriais que, mesmo estando

em um processo de obsolescência e inatividade, apresentam valor econômico e

histórico. Neste contexto, notamos uma concentração de investimentos visando à

ocupação de seus vazios, a requalificação de espaços e a utilização dos patrimônios

instalados para diferentes funções. O governo local passou a utilizar o Marketing de

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Lugares para orientar sua política urbana, investindo em um bom planejamento

estratégico e em ações estratégicas, que formassem um nível de atratividade

relevante para a cidade:

[As áreas abandonadas] num processo de revitalização, intervenções pontuais de qualidade e inseridas a um planejamento estratégico, tendem a gerar impactos positivos e crescentes sobre o seu entorno – o centro – e a cidade como um todo. Esse processo, bem conduzido e com um correto faseamento, leva à maximização dos investimentos e ao sucesso nos campos econômico, cultural, habitacional, turístico, recreacional, entre tantos outros que se complementam. (DEL RIO, 2001, s.p.)

Com o Marketing de Lugares, existe a possibilidade de tornar as questões

problemáticas, ou características indesejáveis de uma cidade, invisíveis ou

reduzidas aos olhos dos investidores potenciais, através da exaltação de seus

pontos positivos. Uma localidade pode ter sua imagem vinculada a violência e

pobreza, por exemplo. Mas o uso do marketing pode permitir que suas

características positivas omitam o indesejável.

Os meios de comunicação são importantes aliados do governo e de suas

novas políticas de reestruturação urbana. Segundo Sanchez (1999, p.124), “eles não

informam sobre a cidade, eles a refazem à sua maneira, hiper-realizam a cidade

transformando-a num espetáculo”. A incessante divulgação das obras e mudanças

notadas nas cidades ajudam a transmitir um otimismo econômico para novos

investimentos. Concomitantemente a este fato, os meios de comunicação permitem

criar para a maioria da população um sentimento de orgulho, por pertencer à cidade

que está sendo valorizada, e por sentir-se como um participante neste

desenvolvimento.

Não podemos deixar de comentar a parceria público-privada, neste momento

de mudanças na gestão pública das cidades. É notória a forte participação da esfera

privada nas ações e decisões da administração local, revelando o seu interesse no

desenvolvimento de estratégias econômicas e urbanas, visando à competitividade.

Projetos entre o poder local e, principalmente, o mercado imobiliário são relevantes

neste contexto, sendo o primeiro responsável em divulgar as localizações singulares

que são, ou estão sendo, (re)criadas pelo segundo. Sanchez (1999, p.5) afirma que

“há uma clara confluência de interesses entre o governo da cidade e os setores

empresariais”.

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Nos discursos dos planejadores locais, a explicação sobre a inserção das

ferramentas empresariais em suas políticas costuma ser respeitável socialmente,

principalmente porque concebe esperanças de melhoria na vida de seus cidadãos.

Além disso, o governo local discorre que a captação de novos investimentos

contribui para o desenvolvimento urbano e econômico da cidade. Sendo assim,

projetos sociais são determinados ao mesmo tempo em que ações para atrair capital

são definidas. Porém, é válido ressaltarmos que, num mundo cada vez mais

capitalista, as questões relacionadas a crescimento econômico são priorizadas, em

detrimento daquelas relacionadas às questões sociais. Deste modo, notamos que

por mais que o governo apresente projetos sociais, muitos ficam em segundo plano,

priorizando-se, na prática, aquelas ações que envolvam os seus interesses e dos

agentes sociais dominantes: setor privado.

Com isso, os problemas sociais apresentados em uma cidade ficam

ofuscados pela grandeza de projetos pontuais, voltados ao crescimento econômico

local. Em muitos casos, enquanto obras monumentais de grande renome são

colocadas em prática, ainda se mantém o desprovimento das necessidades vitais

básicas como moradia, saúde, educação, emprego entre outras. Sendo assim,

consideramos ser relevante a realização de um planejamento estratégico que

envolva e atenda, também, o cidadão presente no local.

O turismo, por exemplo, tem se mostrado importante dinamizador econômico

e social de uma cidade, passando a fazer parte dos objetivos das intervenções

urbanas atuais. O progresso desta atividade, somado a sua fama no mercado,

possibilitam a atração de turistas e empresas potenciais para o local. Muitos projetos

são realizados a fim de tornar um determinado lugar turisticamente atrativo. Mas,

para isso, devemos considerar algumas questões antes de implantar a atividade,

principalmente quando o território apresenta outras funções como moradia e

trabalho, por exemplo. A próxima seção abordará sobre o processo de turistificação

de um espaço, assim como as considerações relevantes para a sua aplicação.

2.4 TURISTIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE TERRITÓRIO E TURISMO O turismo é um fenômeno extremamente complexo, mutável, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo, em sua totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência (BANDUCCI JR., 2001 apud FRATUCCI, 2008, p.75).

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O turismo dificilmente é compreendido de forma ampla e multidisciplinar,

levando ao seu entendimento de modo parcial. Em muitos casos, seu corpo teórico

costuma ser formulado sob a análise de uma única vertente, principalmente pela sua

dimensão econômica. É evidente que tal dimensão seja interessante para o

entendimento do turismo como uma atividade econômica, geradora de fluxos de

capitais para uma região. Mas, analisar o turismo somente por um único viés nos

leva a uma “compreensão amputada” (BENEVIDES, 2007, p.85) do que realmente

ele é, assim como à formação de uma visão reducionista de sua totalidade.

Aguinaldo C. Fratucci (2008, p.63) defende que o turismo deve ser

compreendido como um “fenômeno sócioespacial contemporâneo, gerador de uma

atividade econômica dinâmica”. Fenômeno social, por sempre estar envolvendo

pessoas, sozinhas ou em grupos. Espacial, por envolver os deslocamentos e as

ações desses agentes para um determinado espaço apropriado para o turismo. E,

gerador de atividade econômica quando passa a propiciar uma receita estimável,

considerando ser mais do que uma prática social, uma prática de consumo da

sociedade capitalista a partir de vários fatores:

Transformações socioculturais, econômicas e tecnológicas como a implantação do trabalho assalariado, do tempo liberado do trabalho remunerado (férias, finais de semana), o desenvolvimento tecnológico dos meios de telecomunicações e de transportes, a mecanização dos processos de produção, a conseqüente diminuição nas jornadas de trabalho e o aumento do tempo livre, além do grande apelo para consumo exacerbado, transformaram o fenômeno turístico em uma importante atividade econômica para a sociedade contemporânea. (FRATUCCI, 2008, p.53)

Nesse entendimento, podemos indicar que o turismo é produzido a partir de

um “complexo jogo de ações, retroações e inter-relações” (FRATUCCI, 2008, p.10),

estabelecido entre diferentes agentes sociais, produtores passivos ou ativos deste

fenômeno/atividade. São eles os turistas, população residente e trabalhadores no

destino receptor, empresários e poder público, todos capazes de intervir, modificar

ou influenciar o turismo. Tais ações e interações se dão em um determinado espaço,

a partir da sua apropriação pelos diferentes agentes sociais, para a fomentação do

turismo, resultando no que conhecemos de turistificação:

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O termo turistificação vem sendo adotado entre os estudiosos do turismo para designar o processo de apropriação de trechos do espaço pelos agentes do turismo para a implantação da atividade turística, pela inclusão de novos fixos e/ou da re-funcionalização de outros já existentes e de novos fluxos e relações que caracterizam o turismo como fenômeno socioespacial contemporâneo. (FRATUCCI, 2008, p.66)

O processo de turistificação de um espaço, de maneira “intencional e

ordenada” (FRATUCCI, 2008, p.66), pode ser observado com grande relevância a

partir da Segunda Guerra Mundial. Com suas estruturas completamente danificadas

pelos bombardeios, alguns países europeus perceberam no turismo uma

oportunidade para reconstruir sua economia e renovar-se urbanisticamente. Sendo

assim, vários projetos de intervenções urbanas foram realizados, privilegiando

determinadas áreas para se tornarem centros turísticos, com infraestrutura urbana e

turística necessárias para atender ao fluxo de visitantes na região.

Décadas depois, o contexto da globalização a partir do final do século XX traz

mudanças para o turismo, sendo “dois fenômenos que caminham em conjunto e

contam com características similares, mas não são um só” (BARROSO, 2008, p.26).

As novas tecnologias, o encurtamento da distância e a ligação entre diferentes

pontos do mundo, entre outras questões, contribuíram para a “expansão das viagens

temporárias motivadas pela busca do lazer, do descanso e das descobertas de

novos lugares e novas culturas” (FRATUCCI, 2008, p.107). Neste contexto, muitos

lugares passaram a ser apropriados pelo turismo.

Conforme pesquisa realizada por Fratucci (2008), o processo de turistificação

de um espaço tem sido tema de trabalhos de muitos estudiosos, desde a primeira

metade do século XX. Autor referência nos estudos deste processo, o geógrafo

francês Jean Remy Knafou (1999) contribui para o entendimento da relação entre

turismo e território, citando três agentes sociais considerados fontes de turistificação

dos lugares e dos espaços: os turistas, o mercado (promotores turísticos) e o poder

público (planejadores e promotores do território).

A turistificação de um lugar a partir dos turistas pode ser entendida pela

prática de deslocamento temporário de pessoas, para um espaço específico

diferente do seu entorno habitual sem, necessariamente, haver um suporte

necessário para o desenvolvimento turístico. É o aumento gradual do número de

turistas para um destino potencial que, com o passar do tempo, favorece o

desenvolvimento turístico da região. Já a turistificação pelo mercado significa a

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inserção de investimentos privados em um espaço privilegiado, ainda não turístico,

para a construção de equipamentos e infraestruturas turísticas, possibilitando a

atração de fluxos de turistas a partir de sua comercialização. Por último, a

turistificação realizada a partir da ação do Estado, sendo este representado pelos

planejadores e promotores do território, únicos agentes de turistificação que,

obrigatoriamente, fazem parte do lugar. O processo ocorre quando os gestores

procuram, através de planos estratégicos, organizar ou reorganizar seu território

para atrair investimentos, capitais e pessoas, seja para recuperar o destino que, por

algum motivo esteja degradado, ou para transformar o território após análise de seu

potencial turístico.5

Já em seus estudos, Benevides (2007) apresenta duas formas básicas de

turistificação de um espaço, “embora passível de um reducionismo esquemático”

(BENEVIDES, 2007, p.92). A primeira forma de turistificação é voltada para lugares

com um determinado grau de urbanização, os quais apresentam certos atributos ou

recursos6 notórios que, quando inventariados, podem vir a serem reaproveitados e

apropriados pelo turismo. Ao mesmo tempo, outros valores e equipamentos são

implementados, de forma a transformar o lugar em um produto turístico para

consumo, produzindo, assim, uma imagem turística. Ainda nesta primeira forma de

turistificar um espaço, Benevides (2007) defende que a turistificação em lugares

praticamente não urbanizados pode contribuir para efetivação de sua urbanização,

após receber suportes necessários para seu desenvolvimento turístico.

Já a segunda forma básica de turistificação é voltada para lugares mais

rurais, que apresentam expressões ambientais, fisiográficas e paisagísticas,

relativamente intocáveis pelo homem. Após o mapeamento do lugar, é possível

identificar os atributos e recursos passíveis de serem aproveitados (ou

reaproveitados) pelo turismo, além de construir infraestruturas que favoreçam o

consumo turístico. Barroso (2008) complementa a discussão afirmando que, neste

caso, a apropriação do espaço para o turismo deve atentar-se para o processo de

urbanização, que pode vir a ocorrer a partir da instalação de equipamentos

turísticos, descaracterizando o elemento natural motivador contido no lugar.

5 De acordo com Fratucci (2008), em muitos casos os gestores locais costumam apresentar o turismo

como solução para os problemas sociais e para o desenvolvimento da região. 6 BENEVIDES (2007) ilustra seu estudo citando como atributos/recursos os valores produtivos,

arquitetônicos, culturais, ambientais, climáticos, fisiográficos e paisagístico que um lugar possui.

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Um mesmo lugar pode apresentar funções diferentes como, por exemplo,

lugar de moradia, de entretenimento, de comércio, de trabalho. Sob esse prisma, a

apropriação do espaço para o turismo pode ser realizado de forma a respeitar as

funções já existentes, implantando a atividade turística sem que esta se torne a

função exclusiva do trecho turistificado. Ainda com base em Barroso (2008),

entendemos que é importante haver um equilíbrio entre as atividades desenvolvidas

para não haver hipertrofia das funções existentes no local.

Teoricamente o processo de turistificação pode ser considerado um meio

relevante para valorizar um espaço, sem desrespeitar ou inferiorizar as atividades e

funções já existentes. Porém, para que isso ocorra de fato, é essencial que o poder

público, como planejador e promotor de seu território, estabeleça políticas e ações

públicas que esclareçam as diretrizes a serem seguidas e, principalmente, que

essas sejam elaboradas sob ciência e compreensão dos demais agentes sociais

produtores do turismo. Caso contrário, o processo pode acarretar diversos

problemas.

Nesta discussão, podemos acrescentar o papel da população residente como

agente social, nos locais apropriados para o turismo. Observamos anteriormente que

os turistas, os empresários e o poder público são agentes articuladores diretos do

desenvolvimento turístico. No que se refere à comunidade receptora, observa-se que

ela apresenta diferentes relacionamentos com o turismo, podendo estimular ou

dificultar o seu desenvolvimento. Com o processo de turistificação, determinada

parcela da população pode sentir-se favorecida, ao ver nesta atividade uma

possibilidade de obtenção de renda para a sua sobrevivência. Neste grupo,

encontramos os trabalhadores diretos do turismo, que se empregam nas empresas e

serviços gerados pela turistificação, e os trabalhadores indiretos, que trabalham em

setores da economia importantes para o turismo, como o de alimentação,

transportes, informática, entre outros.

Já àquela parcela da população que não está tão envolvida diretamente com

o turismo, dificilmente vê a atividade com bons olhos. O espaço turistificado é o seu

local de moradia, onde um forte laço afetivo é formado entre a pessoa e o lugar. São

essas pessoas que convivem com os turistas neste espaço, podendo influenciar na

formação da imagem do destino pelos visitantes. Em muitos casos, quando os

agentes planejadores e produtivos do turismo resolvem turistificar uma determinada

área, dificilmente eles envolvem a população nos processos decisórios. Os

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residentes não têm voz ativa e são convencidos, ou forçados, a se deslocarem para

outras áreas, por terem suas terras apropriadas pelas empresas e serviços

turísticos. Tal fato é decorrente da visão unilateral do turismo pelos empresários e

pelo poder público, que tem no turismo uma fonte de lucratividade e

desenvolvimento econômico.

Conforme visto na discussão sobre Marketing de Lugares, por volta do final

do século XX os gestores públicos, em forte parceria com o setor privado, passaram

a administrar suas cidades como uma empresa, um produto a ser vendido em um

mercado competitivo. O importante naquele momento, e até os dias atuais, era

tornar-se atrativa economicamente e produzir uma boa imagem, para assim

favorecer a atração de investimentos, capital e pessoas para seu território. A partir

desse ponto de vista, as políticas públicas, incluindo aquelas elaboradas para o

turismo, passaram a ser preparadas com base em dimensões econômicas e

mercadológicas.

Assim, a turistificação, junto com os diversos projetos de intervenção urbana,

passou a ser uma opção para refuncionalizar a cidade, especialmente em seus

espaços obsoletos, mas com relevância econômica, histórica e cultural. Neste

contexto podemos destacar as áreas portuárias de diversas cidades do mundo,

tendo como grandes exemplos os projetos de revitalização de Baltimore, Barcelona,

Buenos Aires e Nova York. Atualmente a cidade do Rio de Janeiro também está

iniciando o processo de refuncionalização de sua zona portuária, sendo planejado

para a área a refuncionalização de suas estruturas, visando estimular o seu

desenvolvimento econômico e social. Dentre as ações planejadas, destacam-se

aquelas voltadas para a turistificação da região, podendo ser observado através da

implementação de serviços culturais e de lazer nos discursos de seus planejadores.

Para melhor compreensão das ações que atualmente ocorrem na zona

portuária do Rio de Janeiro, cremos ser relevante fazermos uma análise histórica, de

um contexto mais abrangente para o mais pontual. Desta forma, apresentaremos

primeiramente a formação, o desenvolvimento e deterioração da área central da

cidade do Rio de Janeiro, local onde a zona portuária se encontra. Posteriormente,

focaremos nossa discussão no processo histórico da zona portuária da cidade, para

compreendermos a formação de seu valor histórico, cultural e econômico, assim

como para identificar em que momento se deu a sua deterioração, que é motivo para

a região ser alvo de diversos projetos de melhorias urbanas.

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3 CONTEXTO HISTÓRICO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: DESENVOLVIMENTO E DETERIORAÇÃO

“Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil..

Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil!” (Trecho da marchinha elaborada pelo compositor André Filho, em 1934)

Apesar de cantada em prosa e verso como uma “cidade maravilhosa”, a

cidade do Rio de Janeiro não nasceu maravilhosa. Com áreas extremamente

alagadiças, além da presença de morros, muitas intervenções urbanas foram

necessárias no decorrer de sua história. O objetivo era tornar sua paisagem natural

admirada por seus moradores e visitantes, além de “desenhar um espaço urbano

mais significativo e belo para a cidade” (MACHADO, 2008, p.45).

O Rio de Janeiro apresenta valor histórico relevante para o país. Muitos

acontecimentos ocorreram em sua área central, desde a época Colonial, passando

pelos períodos Imperial e Republicano. A cidade abrigava o principal porto do país,

sendo este o ponto de contato que ligava o Brasil às demais partes do mundo.

Assim, a história da cidade do Rio de Janeiro, em muitos fatos, coincide com a

história do país, conferindo a ela um notório destaque perante as demais cidades

brasileiras.

A evolução urbana do Rio de Janeiro se deu a partir do Morro do Castelo,

elevação próxima a Baía de Guanabara, rodeada de terras alagadas. Mas, com o

crescimento da população e das atividades econômicas, novas áreas além deste

núcleo urbano iam crescendo. A cidade passou a descer o Morro do Castelo e, com

isso, terras próximas a ele iam sofrendo intervenções, para serem introduzidas ao

contexto urbano. Assim, uma nova função passou a representar a cidade,

concedendo-a um caráter mais portuário do que de defesa militar:

A partir do século XVII, a Colina (Morro do Castelo) passou a perder influência diante do comércio marítimo crescente, que transformou o porto e as imediações da atual praça XV em centro administrativo e econômico do Rio colonial. (BARROS, 2002, s.p.)

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A movimentação do porto, localizado inicialmente na Praça XV7, foi de grande

importância para a expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro. Em meados do

século XVIII, com as riquezas advindas das transações marítimas comerciais, o Rio

de Janeiro passou a receber intervenções em seu território, visando melhorar

urbanisticamente e esteticamente a região central, favorecendo a melhoria de sua

função portuária e a sua expansão urbana. Foi também nesta região que, com a

vinda da Família Real em 1808, muitos edifícios arquitetônicos foram erguidos.

O aumento das transações comerciais marítimas possibilitou o

desenvolvimento de áreas próximas ao porto, a destacar a atual Zona Portuária do

Rio de Janeiro. Sua localização próxima a Praça XV, além de sua geografia ser

favorável para atracação de navios, permitiram o deslocamento considerável das

atividades portuárias para seus bairros. Assim, a área central do Rio de Janeiro

passou a ser constituída pelo centro histórico e pela zona portuária, mantendo elas

uma proximidade tanto geográfica como histórica.

O porto encontrava-se disperso, do bairro de Santo Cristo até a região da

Praça XV. Porém, no final do século XIX, as atividades portuárias foram

integralmente deslocadas para a atual zona portuária. A configuração atual da região

deve-se, principalmente, pela reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos,

no início do século XX. Mesmo com algumas intervenções urbanas ocorridas

durante os séculos anteriores, a área central do Rio de Janeiro ainda não se

mostrava moderna e civilizada.

O centro da cidade apresentava-se como um local sujo, propício para a

formação de surtos de epidemias. A miscigenação de cultura e comportamentos,

principalmente entre portugueses e ex-escravos, favorecia a formação de uma

imagem negativa pela elite carioca, a qual adotava no momento hábitos

“modernizante” da Europa. Desta forma, uma transformação urbana e cultural na

cidade tornava-se necessária, de forma a inseri-la no contexto de modernidade da

Europa, além de viabilizar a atração de imigrantes e capital estrangeiro para a

cidade (THIESEN; BARROS, 2009).

Poucos eram os visitantes que desembarcavam na cidade, antes da reforma

de Pereira Passos. Dentre eles, podemos destacar estudiosos e artistas viajantes

que, durante os séculos XVIII e XIX, deslocavam-se temporariamente para o Brasil,

7 Conforme Thiesen e Barros (2009), a região da praça XV era a configuração do que hoje poderia

ser definido como a primeira área portuária do Rio de Janeiro.

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deixando “farta documentação literária e iconográfica das suas viagens” (BELCHIOR

et al, 1987, apud MACHADO, 2002, s.p.). É o caso do artista francês Jean Baptiste

Debret, convidado para participar da missão artística francesa, determinada pela

Coroa Portuguesa. Durante sua estadia de 15 anos no Rio de Janeiro, Debret

retratou em pinturas e textos os costumes, acontecimentos e a composição do povo

brasileiro.

Posteriormente a reforma urbana de Pereira Passos, a paisagem do Rio de

Janeiro se transformou, apresentando-se mais bela e moderna. Os cartões postais

que retratavam a nova situação da cidade passaram a circular pelo mundo,

contribuindo para despertar o interesse de muitas pessoas em conhecer a Cidade

Maravilhosa (MACHADO, 2002).

De acordo com Celso Castro (2006), nas primeiras décadas do século XX, a

cidade do Rio de Janeiro passou a ser o principal centro turístico do país, mostrado

pelos guias de viagem a partir da chegada pela região portuária. O guia inglês South

American Handbook de 1932, por exemplo, informava que a entrada à cidade pelo

porto era um grande espetáculo, seja de dia ou de noite, tendo os morros do

Corcovado e Pão de Açúcar como pontos importantes na cena a ser contemplada. A

Baía de Guanabara era a mais admirada do mundo, e os atrativos turísticos da

cidade, em sua maioria, encontravam-se na sua área central como, por exemplo,

edificações, chafarizes e praças. Posteriormente, os bairros litorâneos da zona sul

da cidade passaram a ter suas praias consideradas como um atrativo turístico

(CASTRO, 2006).

Por sua vez, ao mesmo tempo em que Pereira Passos trazia “ares europeus”

à cidade, introduzindo costumes e hábitos exportados da Europa, os negros,

descendentes de escravos, que residiam principalmente no bairro da Saúde,

mantinham seus valores culturais, influenciando também na formação da cultura

carioca. Na área central surgiu o samba, existiam as rodas de capoeira, misturaram-

se as crenças religiosas de negros e europeus. O sincretismo cultural e racial dos

portugueses com os negros, que antes era apontado pela elite carioca como algo

depreciador, passou a ser considerado como parte das atrações turísticas do Rio de

Janeiro.

A área central do Rio de Janeiro pode ser considerada um espaço

representativo para a cidade, e de um modo mais abrangente, para o país. Durante

longos anos foi a “capital política, administrativa, comercial, financeira e cultural do

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Brasil” (MACHADO, 2002, s.p.). A região possui valor histórico, econômico e cultural,

ora lembrado, ora esquecido. Atualmente, esses valores estão sendo considerados

nos projetos de melhoria da área, após ter passado por um processo de

desvalorização. A contextualização histórica contribuirá para compreendermos a

situação atual da área central do Rio de Janeiro.

3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CENTRO DO RIO DE JANEIRO

A cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565, entre as terras dos morros

Cara de Cão e Pão de Açúcar. Porém, a sua evolução urbana se deu a partir do

Morro do Castelo, situado onde hoje consideramos ser o centro da cidade. Isso se

explica principalmente por questões militares, pelo fato do morro apresentar um bom

sítio defensivo em um período de vários ataques franceses na Baía de Guanabara.

Deste modo, a cidade transferiu-se para a nova região, estabelecendo o primeiro

núcleo urbano do Rio de Janeiro.

Para uma melhor compreensão da localização geográfica do centro da cidade

do Rio de Janeiro, a figura 3 representa a área em questão. O bairro hoje é

considerado a II Região Administrativa do município do Rio de Janeiro, englobando

as áreas do Aeroporto Santos Dumont, Castelo, Centro Histórico, Fátima, Lapa e

Praça Mauá.

Figura 3 - Mapa do Centro da Cidade do Rio de Janeiro Fonte: Adaptado de Legislação Bairro a Bairro – SMU-RJ, 2011.

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Conforme a cidade crescia, terras ao redor do morro eram incorporadas a

malha urbana. Devido a sua proximidade à Baía de Guanabara, transações

comerciais marítimas iam se desenvolvendo na região, conferindo à cidade uma

funcionalidade portuária. A cidade do Rio de Janeiro não apresentava facilidades

para uma considerável expansão urbana, tendo sua geografia complexa, repleta de

morros, densa vegetação, brejos e mangues. Dificuldades eram observadas na

comunicação com áreas mais internas. Poder-se-ia ratificar que, entre os séculos

XVI e XVII (Figura 4 A e B), sua importância restringia-se à área onde hoje

conhecemos como Praça XV, apresentando-se como ponto de contato do Brasil com

as demais partes do mundo. Em sua enseada escoava-se a produção açucareira e

chegavam os escravos da África e mercadorias da Europa.

Figura 4A - Panorama da Praça XV no século XVI.

Figura 4B – Panorama da Praça XV no século XVII. Fonte: Adaptado de Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Por volta do século XVIII, o cenário de dificuldades de expansão foi

gradativamente sendo modificado. Era um período em que as atividades econômicas

do país prosperavam e as transações comerciais marítimas aumentavam, devido a

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comercialização do ouro. O Rio de Janeiro passou a ser, a partir de 1763, a capital

da colônia e seu porto passou a ser o ponto principal de escoamento das pedras

preciosas, exploradas na região de Minas Gerais. Com a forte presença dessas

riquezas, a cidade ganhou importância política e comercial, recebendo inúmeras

obras de melhoramentos (LAMARÃO, 2006).

Aterramentos e desmontes de morros, em prol da expansão urbana,

tornaram-se notórios na área central. Além disso, questões problemáticas da época,

como falta de infraestrutura básica passaram a ser fatores preocupantes para

melhorar a estrutura urbana da cidade. Neste contexto, podemos observar um

processo inicial de modernização do Rio de Janeiro. O vice-rei da época, Dom Luís

de Vasconcelos, foi um dos pioneiros em planejar importantes obras de

melhoramento e embelezamento da cidade. É importante ressaltarmos que as ações

eram progressivas, porém lentas.

Dentre os feitos dessa época, a construção do Passeio Público merece

destaque. O motivo que contribuiu para a sua elaboração foi a grande epidemia de

gripe ocorrida na segunda metade do século XVIII. Muitos passaram a incriminar a

lagoa do Boqueirão da Ajuda, localizada próximo a Lapa, como causadora da

difusão da doença. Conforme Macedo (1991) apud Machado (2008, p.45), “o

Boqueirão da Ajuda oferecia uma vista magnífica, mas a lagoa que ali se encontrava

era repugnante [...]. Mostrava-se de feio aspecto, ás vezes exalava um cheiro

desagradável e, na opinião de muitos, passava por ser um foco de peste”.

Sendo assim, o vice-rei aterrou a lagoa para findar as opiniões de ser ela a

geradora da peste. Na área aterrada, foi criado o “primeiro jardim público das

Américas” e a “primeira área urbanizada do Rio de Janeiro” (MACHADO, 2008,

p.46), sendo projetado em estilo francês pelo melhor escultor da cidade, o senhor

Valentim da Fonseca e Silva, o mestre Valentim. O Passeio Público era frequentado

pela sociedade carioca para fins de lazer, passando a ser admirado por importantes

visitantes da cidade, que por lá passeavam. Além de ter sido importante para o lazer

e turismo, a obra foi de relevante para a expansão urbana da cidade, por ter

desobstruído a ligação do centro com a zona sul.

Outra obra de grande relevância do mestre Valentim foi a construção de um

chafariz, concluída em 1789 (Figura 5), na beira do cais que estava sendo instalado

na área da Praça XV. A obra também fazia parte das ações de remodelação urbana

proposta pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. O objetivo do chafariz, cuja instalação se

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encontra até os dias atuais, era atender ao abastecimento de água dos navios que

atracariam no cais. Devido a baixa profundidade, o cais do mestre Valentim logo se

tornou inoperante, tendo suas terras adiante aterradas para a construção do novo

cais, conhecido como cais do Pharoux8 (IPP, 2011b).

Figura 5 – Panorama da Praça XV em 1790. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Mesmo com algumas ações em prol da melhoria da cidade, elaboradas

principalmente pelo Vice-rei, ela ainda matinha sua área urbana limitada pelos

morros que a cercavam, respectivamente os Morros do Castelo, São Bento, Santo

Antônio e Conceição. A princípio, a área urbana da cidade era composta pelas

freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana, as quais

atualmente se referem a uma parte da área central e portuária da cidade. Por tal

dificuldade de expansão, não havia uma separação das classes sociais. A elite local

e os demais integrantes da população, majoritariamente escravos, conviviam no

mesmo espaço. O que diferenciavam um dos outros eram o tipo de residência e o

modo de se vestir (MACHADO, 2008).

Conforme Abreu (1997, p.35), “só a partir do século XIX é que a cidade do Rio

de Janeiro começa a transformar radicalmente a sua forma urbana e a apresentar

verdadeiramente uma estrutura espacial estratificada em termos de classes sociais”.

Com isso, foi possível assistir a “modificações substanciais tanto na aparência como

no conteúdo da cidade” (ABREU, 1997, p.35).

8 O nome do cais se deu pela popularidade do francês Louis Pharoux, dono de um hotel (também de

mesmo nome) Com autorização do governo, ele realizou melhorias no novo cais, por conta própria, considerando seu uso pelos viajantes que se hospedavam no hotel (CORNEJO; GERODETTI, 2004).

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Nossa discussão sobre as mudanças ocorridas no Rio de Janeiro, a partir do

século XIX, pode ser iniciada em 1808, com a vinda da Família Real portuguesa ao

Brasil. O desembarque ocorreu no dia 7 de Março, no porto do Rio de Janeiro.

Segundo Pontes e Costa (2008, s.p.), “a história da Corte portuguesa no Brasil e,

sobretudo no Rio de Janeiro, é marcada por mudanças de costumes e por uma

reviravolta urbanística, econômica e cultural”.

Durante o período em que a Corte portuguesa residiu no Rio de Janeiro, a

cidade foi alvo de grandes transformações e construções, iniciando sua fase

civilizadora. A maioria das intervenções e obras era feita na sua região central,

sendo este o local onde se concentravam a população e as atividades, naquele

período. A área central tornou-se o marco histórico do desenvolvimento da cidade, e

também do Brasil:

Passada a correria da chegada, chegou a hora de pôr ordem na casa. Afinal, faltava tudo na colônia: biblioteca, moeda, banco, escola, fábrica, imprensa, hospitais. Foram iniciadas então grandes construções e investimentos em infra-estrutura. A base administrativa deveria ser semelhante à que funcionava em Lisboa (PONTES; COSTA, 2008, s.p.).

É interessante observarmos que, mesmo tendo sua povoação concentrada

nas freguesias localizadas no centro, novas freguesias ou aquelas já existentes,

porém consideradas rurais, começaram um processo gradual de expansão. Tal fato

pode ser explicado pela importância que áreas fora do centro passaram a ter pelas

classes mais favorecidas, sendo pouco a pouco povoada por elas. Destacamos,

neste aspecto, as freguesias da área sul da cidade do Rio de Janeiro, que se

localizavam onde atualmente estão os bairros da Glória, Botafogo e Catete; e a

freguesia ao norte, especialmente a de São Cristóvão (ABREU, 1997).

A partir da segunda metade do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro

recebeu ainda mais novas intervenções. Foi o momento em que o país passou por

uma fase próspera, fruto de significativas transformações econômicas, políticas e

sociais. O capital desenvolvido pela atividade cafeeira, os reflexos da Revolução

Industrial – navios a vapor, ferrovias, eletricidade – a ascensão da burguesia, a

presença do capital estrangeiro, entre outros fatores, contribuíram para o

desenvolvimento Da área central e para a expansão urbana da cidade do Rio de

Janeiro.

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Com isso, o centro da cidade ganhou novas funcionalidades, passando a

comportar comércio e serviços, sendo “gradualmente constituído por lojas,

confeitarias, restaurantes, hotéis, escritórios de profissionais liberais, crescente

número de órgãos públicos, etc.” (VILLAÇA, 2009, p.227). A camada abastada era o

principal mercado, junto com os estrangeiros que visitavam a cidade naquela época.

Assim, as áreas centrais demonstravam ser o lócus mais importante da cidade e,

com isso, foram as “primeiras a se beneficiar das benesses urbanísticas modernas”

(ABREU, 1997, p.42).

As obras de melhoramento e embelezamento passaram a ser planejadas com

o propósito de tornar a cidade mais urbanizada e, também, tornar a área central

saudável e bonita. Investimentos em melhorias dos serviços básicos foram postos

em andamento, a destacar a instalação de iluminação a gás em algumas ruas

centrais, esgoto sanitário e o desenvolvimento dos meios de transportes. Porém, a

maioria dessas ações, que caberiam ao poder público realizar, era feita por

investidores estrangeiros, por meio das concessões dadas pelo governo. Como Del

Rio (1991, p.194) expõe, isso se explica porque:

As atividades de grupos privados no controle dos serviços urbanos e infraestrutura eram defendidas como de muito maior dinamismo e efetividade, em relação aos gerenciados pelo Estado. Evidentemente, estes grupos privados possuíam fortes alianças com o capital internacional, principalmente o inglês.

Mesmo com tantas idealizações para o progresso da cidade, as ações não

foram suficientes para torná-la civilizada e moderna. Fato que pode ser observado a

partir do final do século XIX (Figura 6), quando o centro ainda apresentava-se em

péssimas condições e passou a sofrer um esvaziamento parcial pela camada

abastada. Em conseqüência, a camada mais pobre passou a residir na região, em

busca de ficar próxima às aglomerações de comércio e serviço da época.

A população da cidade carioca havia crescido relativamente, contando com a

presença de um grande contingente de imigrantes europeus e ex-escravos, que se

fixavam na cidade em busca de trabalhos assalariados. Enquanto esses tinham a

necessidade de se instalar no centro, para ficarem próximos aos empregos da

cidade, a elite procurava por residências fora desta região, apresentando mais

mobilidade territorial.

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Figura 6 – Panorama da Praça XV em 1870. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Neste contexto, observamos o desenvolvimento de bairros para além da área

central, seguindo os vetores de crescimento que já estavam potencialmente se

formando: para o norte e para o sul. Para isso, alguns fatores foram de extrema

preponderância e merecem ser detalhados, a destacar as intervenções urbanas, o

desenvolvimento dos meios de transportes e a difusão cultural do hábito de banho

de mar, vindo da Europa. Conforme explicado por Del Rio (1991), o centro da cidade

passou a sentir o inicio de seu esvaziamento, uma modificação da dinâmica urbana

quando as residências nobres se deslocaram para são Cristóvão e Flamengo,

abrindo espaço para a instalação de cortiços, casas de cômodos e funções não

habitacionais em seu solo.

Como já mencionado, a cidade do Rio de Janeiro apresentava-se dificultosa

para expandir suas áreas urbanas. Eram muitas áreas alagadiças e montanhosas,

considerados grandes barreiras que deveriam ser modificadas. Assim, desmontes de

morros, construções de túneis, aterramentos de mangues, entre outras intervenções,

passaram a ser realizadas, contribuindo para a abertura de vias urbanizadas em

direção às áreas em expansão.

O incremento dos meios de transportes na cidade do Rio de Janeiro, a partir

de meados do século XIX, também possibilitou a ocupação de áreas até então

longínquas da área central, sendo um fator importante para a expansão urbana do

Rio de Janeiro. Com base nas afirmações de Machado (2008), o processo começou

com o surgimento em escala maior dos ônibus, os quais posteriormente foram sendo

substituídos pelos bondes, por apresentar mais capacidade que o primeiro. A

princípio, eles atenderam a população que se formava próxima a área central: a

parte sul e norte da cidade. Mas no decorrer do tempo, os investimentos das

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companhias responsáveis pelos bondes passaram a direcioná-los para a zona sul,

que se mostrava mais atrativa e com potencial de povoamento. Enquanto isso, o

desenvolvimento do trem se dava em direção as áreas mais distantes da cidade,

passando a ser usado pelas pessoas menos favorecidas, que habitavam os

subúrbios.

Por fim, a difusão do hábito do banho de mar, entre o final do século XIX e

início do século XX, influenciou, consideravelmente, o deslocamento da classe alta

para os bairros da zona sul. A princípio, o banho de mar era considerado uma

prática de fins terapêuticos. Aos poucos, foi tornando-se uma prática de lazer e

modismo, que já vinha acontecendo na Europa. Somado a isso, a desobstrução do

acesso à Copacabana tornava os bairros da zona sul os mais luxuosos e distintos,

sendo preferência para a fixação de moradias pela população mais abastada. Os

serviços e comércios, antes instalados no centro, passaram a ser transferidos

gradativamente para a zona sul. Podemos dizer que, neste contexto, houve também

a transferência do desenvolvimento turístico para o local, a partir da difusão do

turismo de sol e praia, principalmente no mercado europeu.

Assim, o abandono do centro pela elite carioca e pelos serviços e comércio

ocasionou uma diminuição de investimentos e manutenção que o governo fazia na

região. Estes se tornaram mais relevantes nas novas centralidades que se

desenvolviam nos bairros da zona sul. Com isso, o centro passou a ser

caracterizado como um local esquecido, insalubre e feio, com moradias precárias,

ruas sujas, facilitando a formação de grandes epidemias.

As ações para sua melhoria, durante as décadas da segunda metade do

século XIX, não foram suficientes para urbanizar o Rio de Janeiro. A verdade é que

muito se pensou, mas pouco se concretizou. A cidade mantinha uma imagem

negativa no exterior e para a sociedade brasileira, fato problemático para o seu

desenvolvimento e o do próprio país. O Rio de Janeiro, como capital, era a porta de

entrada do Brasil, fazendo com que a imagem do país fosse construída com base no

que era visto a partir do porto da cidade.

Somente a partir do século XX o atraso colonial passa a ser modificado. As

intervenções urbanas radicais, no início deste século, ajudaram a cidade se

desenvolver urbanisticamente. Com elas, o Rio de Janeiro iniciou um processo de

embelezamento, possibilitando transformar sua imagem no exterior, passando então

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a ser digna de estar retratada em um cartão-postal da época (Figura 7). Foi a partir

deste século que a cidade tornou-se potencialmente turística.

O autor que fomentou a remodelação da cidade do Rio de Janeiro, tornando

realidade a sua urbanização, foi o prefeito Pereira Passos, entre os anos de 1902 e

1906. As ações e obras foram realizadas em algumas partes da área central, a

destacar a área portuária. Como exemplos, podemos destacar a abertura da

Avenida Central, atual Rio Branco, além da construção do Teatro Municipal e da

Biblioteca Nacional. Considerando a grande importância que foi dada à região que

abrigava o porto, não detalharemos aqui as ações e obras que foram destinadas,

especificamente, a esta região. Elas serão citadas posteriormente, ao discutirmos

sobre a história da Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro.

Figura 7 – Panorama da Praça XV em 1910. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Após o governo, o Rio de Janeiro apresentava-se com novos ares de

embelezamento e civilização, fruto de grande influência de Paris. Os governos

posteriores procuravam dar continuidade às obras de Pereira Passos, além de

concretizar outras ações para tornar a cidade do Rio de Janeiro cada vez mais

civilizada e bela. Alguns procuravam, até mesmo, investir suas ações no

desenvolvimento turístico. Para isso, além de apoiar a construção de atrativos

turísticos até hoje importantes, realizavam grandes exposições. Essas atraíam um

número considerável de visitantes e possibilitavam expor a imagem da cidade no

exterior, que “definitivamente se transformava em identidade do Brasil” (MACHADO,

2008, p.113). O Rio de Janeiro, além de passar por significativas mudanças em sua

malha urbana, também constituiu neste momento seus principais atrativos turísticos:

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Durante as décadas que sucederam a primeira metade do século XX, muita coisa mudou, e para melhor, tornando o Rio de Janeiro uma cidade turística, com elevado grau de atrações que misturavam natureza e monumentos, semblante presente na Modernidade. (MACHADO, 2008, p.137)

Desta forma, podemos dizer que as intervenções urbanas, observadas até o

final da primeira metade do século XX, foram de extrema importância para a

evolução da cidade, tendo o arrasamento do Morro do Castelo considerado como o

marco da conclusão do “processo de construção da modernidade no Rio de Janeiro”

(MACHADO, 2008, p.113). O desenvolvimento turístico também foi favorecido pelas

ações de embelezamento. Sem dúvidas, o período de Pereira Passos foi o de maior

transformação urbanística do Rio de Janeiro, dando a cidade novos traços.

3.1.1 Processo de degradação do Centro do Rio de Janeiro

Por volta do final da década de 1940, a área central do Rio de Janeiro atingiu

o seu limite físico, com tantas atividades concentradas na região. Ao mesmo tempo

em que se investia no desenvolvimento da área, uma série de problemas passou a

assombrar o valor econômico e histórico que esta região construiu com o tempo.

Como exemplos, destacamos a poluição, o engarrafamento, a falta de

estacionamento, a presença de uma infraestrutura antiga, entre outros. Foi o início

de um processo de esvaziamento da área central do Rio de Janeiro pela classe mais

favorecida, sendo esse um dos motivos para a sua degradação e desvalorização.

A segunda metade do século XX foi marcada por intervenções em algumas

partes da área central da cidade, porém eram mais pontuais. É importante

lembrarmos que desta vez as ações no centro não foram feitas para a expansão

urbana da cidade, mas sim devido ao seu processo de deterioração. Num primeiro

momento, entre os anos de 1950 e 1970, as intervenções urbanas foram guiadas

pelo ideal de demolir o antigo em prol da modernidade. Uma quantidade

considerável do patrimônio construído anteriormente foi posta abaixo, quando então

se inicia uma segunda fase de intervenções, entre as décadas de 1970 e 1990.

Desta vez, a ideia predominante foi a de preservação do acervo que, felizmente,

sobrou para conservar a memória histórica carioca e brasileira.

Entre as décadas de 1940 e 1950, mesmo iniciando um processo de

abandono, o centro ainda mantinha certa importância. Com isso, preocupações em

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torno da sua revalorização foram formadas neste período, sendo alvo de projetos de

renovação urbana dos governos municipais da época. As ações eram caracterizadas

como “arrasa quarteirões”, sendo demolidas várias edificações antigas para a

construção de prédios modernos e abertura de vias urbanas. Neste contexto,

destacamos a inauguração da Avenida Presidente Vargas, em 1944, possível

somente com a desapropriação e demolição de muitos prédios antigos. Mesmo

assim, o centro continuava passando por um processo de abandono, decorrente de

alguns fatores sucedidos nas próximas décadas.

Ao mesmo tempo em que intervenções físicas eram realizadas na área

central, em outros setores da cidade também eram verificadas diversas ações. As

áreas fora do centro tornavam-se cada vez mais valorizadas pela sociedade carioca

de alto status e pelo poder público e privado, como local de moradia, lazer e serviço.

Assim, na década de 1960 observou-se a formação dos chamados subcentros, que

levou ao deslocamento considerável de atividades e serviços, antes instaladas no

centro, para os bairros que há algum tempo já se tornara mais atraente como, por

exemplo, Copacabana. Na mesma década, o Rio de Janeiro perdeu seu posto de

Capital Federal para Brasília, favorecendo a transferência de grande parte da

burocracia federal, que estava no centro da cidade carioca. Com isso, o centro

voltou a perder o seu valor econômico.

A década de 1970 também apresentou fatos importantes que contribuíram

para a diminuição do fluxo de empresas e pessoas para o centro do Rio de Janeiro.

Foi o momento da difusão do automóvel, que passou a exigir a abertura de vias,

possibilitando uma melhor mobilidade da sociedade carioca, principalmente para os

novos subcentros. O desenvolvimento do metrô, uma década após, também

contribuiu para a transferência de pessoas e empresas para as novas centralidades,

pois sendo um meio de transporte rápido e de alta capacidade, tornava fácil a

acessibilidade para outras áreas da cidade. Os investimentos na infraestrutura de

transportes modificaram significativamente a área central, que passou a sofrer mais

demolições para a abertura das vias urbanas.

Por sua vez, a década de 1980 foi marcada por um período de recessão

econômica. Tal fato favoreceu a desvalorização do centro, tendo perdido sua

preferência para os subcentros e para os centros de outros estados do país como,

por exemplo, São Paulo. Os investimentos públicos e privados tornavam-se mínimos

ou até mesmo nulos, pois eles acompanhavam a ascensão das novas centralidades.

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Com isso, o centro deteriorou-se, virando palco de marginalidade e insegurança com

suas estruturas degradadas:

Os constantes vazamentos de esgotos, a escassez de água, a má qualidade da telefonia, a deficiência do sistema de iluminação pública, e a falta se segurança passaram a desqualificar a área e a inibir o crescimento dos investimentos privados. Assim, o processo de decadência do centro do Rio, num círculo vicioso, revelou-se, ao mesmo tempo, causa e conseqüência de diversas alterações ali ocorridas na década de 1980. (MAGALHAES, 2002, p.2)

Mesmo que o centro do Rio de Janeiro tenha apresentado um notório

esvaziamento, este fato ocorreu de modo parcial, visto que ainda havia muitas fontes

de trabalhos no local, o que ajudou a manter sua vitalidade. Como expressado por

Abreu (1997), o crescimento populacional da Zona Sul retirou grande parte das

atividades de serviços, comércio e diversões da área central, mas não foi capaz de

descentralizar as principais fontes de emprego da classe média carioca, que

continuou a se localizar no centro. Então, ao mesmo tempo em que o centro

deteriorava-se, surgia uma preocupação com a sua valorização, iniciando um

processo de planejamento de intervenções que, desta vez, passou a respeitar suas

construções.

Neste contexto, o projeto Corredor Cultural desenvolvido na década de 1980

foi o de maior relevância. As suas ações foram direcionadas para a preservação da

morfologia e do valor cultural do patrimônio arquitetônico de algumas áreas do

centro da cidade, resultando no tombamento de um grande número de edificações.

O projeto atingiu, por exemplo, teatros, museus, prédios históricos, igrejas,

restaurantes e livrarias. Devido ao estado de abandono da região, o objetivo era

tentar torná-la novamente dinamizada, fazendo com que voltasse a receber fluxo de

pessoas além do horário comercial, utilizando-a como local de lazer e

entretenimento. O investimento a partir da cultura levaria a revalorização simbólica

do centro da cidade, mas posteriormente possibilitaria, também, uma revalorização

econômica, com o incremento de investimentos públicos e privados na região.

Assim, a partir das ações do Corredor Cultural, outros projetos de recuperação do

centro da cidade foram desenvolvidos no decorrer do final do século XX, porém nem

todos foram implementados.

Com tantas mudanças urbanas, em meados do século XX, a área central

tornou-se um mosaico de diferentes edificações arquitetônicas, com construções

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coloniais e republicanas dividindo espaço com torres comerciais modernas (Figura

8). Até os dias atuais, a região mantém seu valor histórico, econômico, cultural e

social, sendo considerado como área de atividades e serviços, um importante local

de consumo e produção da sociedade carioca, onde algumas empresas públicas e

privadas ainda fixam suas estruturas físicas e onde se encontram presentes algumas

moradias.

Figura 8 – Panorama da Praça XV em 2002 Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Nessas condições, mesmo um centro estando abandonado, ele jamais

perderá seu valor simbólico, histórico e cultural. O mesmo valor pode ser direcionado

a sua zona portuária, a qual manteve presença relevante em maior parte de toda a

história contada até agora. Não mencionamos no decorrer desta análise, porque ela

merece ser compreendida separadamente, em destaque, pois mais do que a área

central como um todo, a região portuária é o nosso objeto de estudo.

3.2 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO

A Zona Portuária do Rio de Janeiro, localizada na região central da cidade,

compõe-se dos bairros Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Caju, de acordo com a

divisão do Rio de Janeiro em Regiões Administrativas9 (Figura 9). O seu

desenvolvimento se deu no decorrer da história da cidade do Rio de Janeiro, até

9 A Zona Portuária corresponde a I Região Administrativa (R.A) do município do Rio de Janeiro.

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mesmo da história do Brasil, visto ser uma área de grande importância comercial

para a economia do país, desde o tempo colonial.

Figura 9 - Mapa da Zona Portuária do Rio de Janeiro Fonte: Adaptado de Legislação Bairro a Bairro – SMU-RJ, 2011.

A cidade do Rio de Janeiro, por apresentar dificuldades de expansão

decorrentes de suas barreiras geográficas – regiões montanhosas e/ou alagadiças -,

iniciou a sua formação de forma espremida entre os morros do Castelo, São Bento,

Santo Antônio e Conceição, área onde as atividades portuárias primitivas

começaram a se desenvolver. Analisamos que o único espaço da atual região

portuária, que fazia parte desta área “mais habitável”, ficava no Morro da Conceição,

em sua parte próxima a Prainha (atual Praça Mauá). Nesta região encontrava-se a

Pedra da Prainha, posteriormente conhecida como Pedra do Sal, devido a

comercialização do produto, monopólio da Coroa, ser realizado no local.

Segundo Del Rio (1991), existe indício de que já desde o século XVI partes da

região portuária eram ocupadas por capelas nos morros, chácaras e casas de

portugueses pescadores. No decorrer do século XVII, também se presenciou

escravos residindo na região, os quais, sem terem ido para as lavouras açucareiras,

realizavam os primeiros trabalhos de estiva, essenciais para dar dinâmica às

operações portuárias de embarque e desembarque. Lamarão (2006) explica que

dois fatores geográficos foram influenciadores neste processo de ocupação: “a

barreira de montanhas”, que dificultava o acesso para áreas mais internas da cidade

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e com isso levava sua expansão para esta região, e a “acidentada orla marítima”,

cujos sacos formados propiciavam bons pontos para ancorar, caracterizando a

região como adequada para estender atividade comercial marítima até ela (Figura

10).

Figura 10 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XVII. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Em meados do século XVIII, o escoamento do açúcar e seus derivados

entraram em decadência. Neste mesmo período, as atividades econômicas do país,

antes observadas no Nordeste, passaram a prosperar na região Sudeste, tendo em

Minas Gerais a intensificação da atividade mineradora. O porto do Rio de Janeiro, a

princípio localizado na praia D. Manuel, onde atualmente encontra-se a Praça XV,

era o principal ponto de escoamento das riquezas exploradas, além de ser também o

local aonde chegavam os escravos e outras mercadorias vindas da Europa. Isso se

deu pelo motivo da região ser considerada a parte central da cidade, onde por lá já

se realizavam primitivas transações comerciais marítimas10. Neste momento, a

cidade do Rio de Janeiro iniciou seu processo de crescimento demográfico e sua

expansão física (Figura 11).

Com prosperidade econômica decorrente da exploração do ouro, o Rio de

Janeiro ganhou o posto de capital do país em 1763, passando a receber melhorias

no intuito de tornar a cidade, em crescimento, mais bela e modernizada. Muitas das

ações foram notórias no entorno do núcleo central mais desenvolvido, destacando

10

Na figura 11, podemos observar, ao fundo, um aglomerado de construções na Praça XV, onde se encontrava o porto da época. Por sua vez, a zona portuária no início do século XVIII ainda era pouco desenvolvida, mas já possuía algumas construções.

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significativas construções e intervenções como a edificação do Paço Imperial em

1743 e aterramento da Lagoa do Boqueirão em 1779.

Figura 11 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro, no século XVIII. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Com o movimento em prol de melhorias para a nova capital, observamos que

algumas dessas ações também foram significativas para a ocupação e dinamização

da atividade portuária na região de estudo. Destacamos, então, a transferência do

mercado negreiro da Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março, para a região do

Valongo no final da década de 1770. A atividade ficou considerada como

inadequada à região onde estava localizada, visto que a Praça XV passou a

apresentar uma posição considerável dentro do quadro urbano da cidade

(LAMARÃO, 2006). É essencial ressaltarmos que tal transferência possibilitou o

desenvolvimento da atual região portuária, mas ao mesmo tempo contribuiu para a

formação de uma imagem negativa, ao considerar o comércio negreiro algo “sujo”

para a época.

Sendo assim, a partir da segunda metade do século XVIII a atual região

portuária passou a se desenvolver. Conforme as transações comerciais marítimas

cresciam, mais espaço tornava-se preciso para a cidade manter sua função

portuária. Desta forma, regiões no entorno do porto passaram a atuar como sendo

seu complemento, abrigando atividades comerciais e portuárias que perderam

espaço no porto, por não serem tão expressivas quanto às transações de pedras

preciosas vinda de Minas Gerais. No litoral dos atuais bairros portuários,

significativas obras e construções foram desenvolvidas, como aterramentos para

abertura de vias e becos, edificação de trapiches, atracadouros, armazéns,

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estaleiros, entre outros. Com tantas intervenções urbanas, a cidade passou a se

expandir para além das fronteiras de sua ocupação inicial, observando um processo

gradual de deslocamento para o norte da cidade, que também contribuiu

fundamentalmente para a ocupação e caracterização do litoral da atual Zona

Portuária do Rio de Janeiro:

Lísia Bernardes não hesita em afirmar que “a presença das enseadas [...], que gozavam de bons ancoradouros, mais abrigados que os dos arredores do Castelo e onde diversos trapiches se estabeleceram no decorrer do século XVIII” somada à existência de encostas não muito íngremes, onde a instalação era mais fácil que na planície “embrejada”, possibilitou “rápida expansão das construções urbanas nessa faixa costeira durante o século XVIII (LAMARÃO, 2006, p.27).

No final do século XVIII, os espaços entre os Morros da Conceição, do

Livramento e da Saúde se apresentavam densamente povoados e com relevantes

estruturas portuárias. Já nas proximidades do saco do Alferes, a população ainda

era rarefeita. Mas, foi no século posterior que, junto com a evolução urbana da

cidade, os bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo se consolidaram no

desenvolvimento urbano, decorrentes de um acelerado processo de habitação e

comércio, que viriam a caracterizar cada vez mais a região como uma área

potencialmente portuária.

A vinda da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, inseriu o porto na rede

internacional de tráfego marítimo. O rei D.João VI abriu os portos de sua colônia às

nações amigas de Portugal, e o Brasil passou a realizar trocas comerciais com

outros países europeus. Com isso, o comércio de importação e exportação se

acelerou e o porto do Rio de Janeiro passou a receber vários navios, de diferentes

bandeiras. Segundo Lamarão (2006), o número de navios que chegava à Baía de

Guanabara era 778 em 1807, sendo apenas um estrangeiro, enquanto em 1811 o

total de navios já superava 5.000, devido a abertura dos portos. Podemos dizer que

a instalação da Corte no Rio de Janeiro possibilitou relevantes mudanças em âmbito

cultural, econômico e urbanístico.

De acordo com as afirmações de Lamarão (2006) e Del Rio (1991), a cidade

do Rio de Janeiro, mesmo já tendo uma relevante função portuária, tinha um espaço

relativamente pequeno para esta atividade, além de não ter um porto especial para

embarque e desembarque de mercadorias, que se tornava abundante com a

abertura dos portos. Isso passou a mudar quando, em 1809, D.João VI decretou o

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aforamento dos terrenos entre a praia da Gamboa e o saco do Alferes, para a

construção de mais estruturas portuárias, tais como trapiches e armazéns (Figura

12), além de um cais na região do Valongo. Assim, entre a Prainha e o Saco do

Alferes, as atividades portuárias ganharam dinamização, sendo a partir daquele

período uma área onde as transações comerciais marítimas passaram também a

serem feitas, a destacar o embarque do café e o desembarque dos escravos.

Figura 12 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XIX Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Foi nas primeiras décadas do século XIX que a atividade cafeeira na região

do Vale do Paraíba ganhou destaque na economia do país. Em meados da década

de 1830, o café firmou-se como o “principal artigo de exportação do Brasil, estando o

desenvolvimento das atividades portuárias do Rio de Janeiro em estreita ligação

com a intensificação do comércio do produto” (LAMARÃO, 2006, p.38). O café era

armazenado nos trapiches localizados na Prainha (atual Praça Mauá), sendo

escoados por lá mesmo. Ao mesmo tempo, observamos uma considerável

movimentação do mercado negreiro no Valongo, devido ao aumento do número de

escravos que chegavam ao país, para trabalharem nas lavouras de café.

A partir deste contexto, é interessante discutirmos a forte presença dos

negros africanos na história da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Desde os tempos

açucareiros do século XVI e XVII, passando pelo período aurífero do país no século

XVIII e posteriormente a fase cafeeira do século XIX, a mão-de-obra escrava sempre

foi de vital importância para a economia brasileira, tornando o porto bastante

movimentado. Porém, destacamos que muitos escravos, que desembarcavam no

cais do Valongo, ficavam no Rio de Janeiro, trabalhando nas ruas, nas manufaturas,

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nas casas e no porto. A partir de 1831, o comércio negreiro começou a diminuir na

região. Neste ano, o mercado do Valongo foi desativado, devido pressões inglesas

para o fim do tráfico negreiro. Com isso, seus trapiches passaram a serem usados

para depositar mercadorias de exportação e importação. Mesmo assim, a região

ainda mantinha-se como referência do vergonhoso passado de escravidão, e ainda

abrigava um número considerável de escravos. Para apagar esta memória, o cais do

Valongo ganhou obras de embelezamento projetado pelo arquiteto francês

Grandjean de Montigny para, em 1843, receber a futura imperatriz Tereza Cristina, a

qual chegava ao Brasil para se casar com D.Pedro II. Deste modo, a região do

Valongo tornou-se um ambiente urbanizado, com jardins e estátuas, sendo chamado

posteriormente de Praça Municipal, e seu cais denominado cais da Imperatriz.

Importante destacarmos que atualmente, devido as obras do atual projeto de

refuncionalização da zona portuária da cidade, foi redescoberto a 2,5 metros abaixo

do asfalto o cais da Imperatriz e o cais do Valongo. O Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) determinou acompanhar as escavações na

avenida Barão de Tefé, e com isso iniciou-se um trabalho em conjunto, resgatando

objetos que mostram o cotidiano do Rio no século XIX, a destacar uma quantidade

notória da cultura material dos escravos, como diferentes modelos de cachimbos e

adornos femininos (CARDOSO, 2011).

Com as mudanças advindas do sistema capitalista, a partir da segunda

metade do século XIX, o país aos poucos foi modificando seu modo de produção

escravista, enfatizando a mão-de-obra assalariada e favorecendo a vinda de

imigrantes europeus. A população da cidade do Rio de Janeiro neste contexto

aumentou consideravelmente, sendo composta, principalmente, de ex-escravos e

imigrantes em busca de melhores condições de vida na capital. Os bairros da Zona

Portuária passaram a ser local de moradia dessas pessoas menos favorecidas,

contribuindo para a fixação da cultura africana e portuguesa, que até hoje

simbolizam e marcam a identidade de seu povo.

No âmbito internacional, o mundo passava pela Segunda Revolução Industrial

durante a segunda metade do século XIX. Surgiam inovações tecnológicas para a

época, marcada “pela introdução de novas técnicas na produção do aço, pelo

desenvolvimento das indústrias elétricas e de química pesada, e pela grande

expansão e maior rapidez dos transportes marítimos e terrestres, condição e

consequência da notável intensificação do comercio mundial” (LAMARÃO, 2006,

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71

p.53). Neste contexto, o Brasil possuía relevante participação no comércio exterior

através da exportação do café, ao mesmo tempo em que recebia muitos produtos

manufaturados vindos, principalmente, da Inglaterra, sendo esta a potência

econômica mundial da época. O sistema escravista, que perdurou anos na colônia

portuguesa, perde de vez sua posição para o sistema capitalista do momento.

O porto cada vez mais se tornava movimentado com a dinamização do

comércio internacional, porém suas estruturas ainda se encontravam dispersas e a

região em que ele se instalara ainda não se apresentava solidamente portuária e

moderna. Considerando ser a porta principal da cidade e do Brasil, o controle da

função portuária, a partir de 1850, passou a ser alvo de disputas entre grupos

capitalistas. Estes atuavam na cidade através de concessões dadas pelo governo,

para o controle dos serviços básicos como instalação de esgoto, eletricidade,

ferrovias, bondes e, no caso do nosso estudo, estruturação de um porto. Eram

necessárias ações que modernizassem e melhorassem a situação portuária do Rio

de Janeiro, possibilitando sustentar as transações de importação e exportação que

vinham crescendo com o tempo:

Preconizando a construção de cais, molhes, docas, armazéns, o aterro de determinadas áreas, a extensão de ramal ferroviário para este ou aquele trecho do litoral, a introdução de maquinarias nas operações de carga e descarga, esses planos estavam dirigidos para três trechos da orla marítima do Rio: São Cristóvão ao Arsenal de Marinha,incluindo portanto o Saco do Alferes, a Gamboa e a Saúde (...); do Arsenal de Marinha ao Arsenal de Guerra, parte correspondente a à vertente marítima central da cidade, na qual se situavam as principais instalações portuárias; e do Arsenal de Guerra em direção à enseada de Botafogo, passando pelas praias de Santa Luzia e da Glória. (LAMARÃO, 2006, p.56)

Dentre os projetos de melhoramentos para o porto, destacamos a formação

de duas Companhias: a Companhia da Doca da Alfândega e das Docas de D.Pedro

II. A primeira foi fundada para administrar a Doca da Alfândega (onde atualmente

encontra-se o Museu da Marinha), atuando na área entre o Arsenal de Marinha (Ilha

das Cobras) e Arsenal de Guerra (Atual Museu Histórico Nacional). O objetivo era

consolidar a atividade na região e dar andamento nas diversas obras que já vinham

sendo realizadas, porém de forma parcial e lenta. A área era considerada pelo

governo como prioritária em receber melhorias, devido sua localização central de

extrema importância para as operações comerciais marítimas. Porém, a Doca da

Alfândega não funcionava de forma eficiente tendo, por exemplo, pouca extensão de

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cais e baixa profundidade, que impossibilitava a atracação de navios de maior

calado (LAMARÃO, 2006). André Rebouças, engenheiro que esteve à frente dos

melhoramentos do porto, após uma viagem à Inglaterra em 1867, onde conheceu as

Docas da Rainha Vitória, passou a defender o estudo de uma área que atendesse

melhor às funções portuárias da cidade do Rio de Janeiro, para que embarcações de

diferentes calados fossem capazes de ancorar no cais.

Assim, surge a idéia de construir docas nas enseadas entre os bairros Saúde

e Gamboa. Os projetos, então, passaram a ser direcionados para a área

compreendida entre São Cristóvão e o Arsenal de Marinha, sendo uma região

potencialmente portuária, com condições favoráveis para o desenvolvimento da

atividade. Além disso, André Rebouças idealizava a construção de uma estação

ferroviária na região, que fizesse ligação com a Estrada de Ferro D. Pedro II, já

utilizada como via de chegada do café do Vale do Paraíba. Após algum tempo de

solicitação ao governo para a concessão, surge em 1870 a Companhia Docas D.

Pedro II, dando início às obras na região que estamos estudando. Mas, conforme

explica Lamarão (2006), as obras idealizadas por Rebouças não foram integralmente

concretizadas, sendo observadas apenas algumas ações na área do bairro da

Saúde, enquanto nada foi feito no bairro Gamboa. O projeto foi alvo de críticas e

impedimentos, a ressaltar a suspensão de qualquer ação que envolvesse ligação

entre as Docas e a Estrada de Ferro D.Pedro II, além da proibição de

comercialização do café na região, sendo mercadoria exclusiva da Doca da

Alfândega. Os rivais de André Rebouças também enfatizavam os pontos negativos

da região, ressaltando a condição insalubre das construções existentes e a ausência

de vias que permitissem o livre trânsito de mercadorias.

O sonho do engenheiro Rebouças, em construir uma estação marítima,

tornou-se realidade a partir de 1877. O engenheiro Francisco Pereira Passos, diretor

da estrada de ferro desde 1876, em conjunto com a Comissão de Melhoramentos

colocou o projeto em ação. Após estudos que confirmaram o potencial portuário de

Gamboa, que “oferecia espaço para a construção de grandes armazéns, depósitos,

linhas de manobra e desvios; seu ancoradouro, além de bastante profundo, podia

ser aumentado por meio de escavações de baixo custo” (LAMARÃO, 2006, p.72),

também se verificou que a região poderia ser ligada à estação do Campo de

Santana, a baixo custo, em um ramal de pequena extensão. Após ativas obras

inaugurou-se em 1879 o ramal da Gamboa.

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Sendo assim, com a intensificação das atividades portuárias e manufatureiras,

além das intervenções realizadas no decorrer do tempo para expansão urbana do

Rio de Janeiro, a Zona Portuária já estava totalmente integrada ao restante da

cidade, no final do século XIX. Além das estruturas portuárias, algumas fábricas e

escritórios comerciais eram atraídos para a região, sendo erguidas importantes

edificações, como o segundo maior mercado da cidade na Rua da Saúde e o Moinho

Fluminense (DEL RIO,1991). Este último até hoje está presente na região e, para

valorizar o seu entorno, sua fachada receberá obras de restauração.

De início, a composição social da população da região portuária abrangia

tanto uma camada social pobre quanto uma mais abastada. Mas, no decorrer do

tempo essa condição vai mudando. As pessoas de melhor renda gradualmente

foram atraídas para os novos bairros, que estavam se formando ao norte e ao sul da

área central, visto estarem mais acessíveis (devido o desenvolvimento dos bondes e

abertura de vias) e se especializando como áreas mais elegantes para residir

(principalmente a zona sul, quando se difunde o hábito de banho de mar). Outro fator

que também contribuiu para tal deslocamento foi a desapropriação de chácaras para

a intervenção de melhorias na região, contribuindo para o seu esvaziamento por

parte da classe social com melhor poder aquisitivo. Sendo assim, na região

predominou-se uma população menos favorecida, composta principalmente por ex-

escravos e imigrantes europeus, que se fixavam de forma precária em cortiços, em

busca de ficarem próximos ao trabalho assalariado nos armazéns, trapiches e

fábricas, por exemplo. A região também foi o local onde se formou a primeira favela

do país, em 1897, quando os ex-combatentes da Guerra de Canudos construíram

suas moradias no Morro da Providência.

Ao mesmo tempo em que os bairros portuários se desenvolviam, eles eram

considerados insalubres e foco de grandes epidemias. Considerando ser uma área

em que se encontrava o principal meio de contato com o mundo, o porto, sua

condição precária deveria ser retificada. Em meio a tanto desenvolvimento urbano e

econômico, o porto estava com estruturas coloniais atrasadas, “incompatíveis com

os progressos e as exigências da era da navegação a vapor” (LAMARÃO, 2006,

p.140). Isso contribuía para a formação de uma imagem negativa da cidade do Rio

de Janeiro e, de uma forma mais abrangente, do Brasil. Intervenções drásticas eram

necessárias para resolver os problemas do momento. Nesta conjuntura, iniciou-se o

século XX, marcado já em seus primeiros anos por uma relevante reforma urbana no

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Rio de Janeiro. Ela foi realizada pelo engenheiro Pereira Passos, que novamente

entrou em cena, mas desta vez como prefeito da cidade entre os anos de 1902 e

1906.

Seu mandato foi repleto de ações voltadas para o embelezamento,

saneamento e civilização da cidade, sendo elas direcionadas, principalmente, para a

área portuária. Pereira Passos priorizou as intervenções no porto da cidade,

considerando ser uma área economicamente importante e que deveria estar

solidamente estruturada, tanto por ser o ponto de importação e exportação de

mercadorias, desembarque e embarque de pessoas, como também por abrigar

fábricas e prédios comerciais. A prioridade pode ser explicada pelo fato de ajudar a

região a modificar sua má fama construída pela sociedade carioca e pelos visitantes,

sendo considerado um porto sujo, com suas insalubres habitações, surtos de

epidemias que assolavam a população e a forte presença de cidadãos de baixa

renda.

Uma série de obras foi iniciada para a construção do novo porto do Rio de

Janeiro, na região da Gamboa. As ações foram voltadas para o aterramento de todo

um trecho do litoral, provocando o desaparecimento das ilhas e enseadas (Figura

13). Além disso, visando solucionar a dificuldade de contato entre a área portuária e

o núcleo central, foram construídas a Avenida Central, atual Rio Branco e a Avenida

do Cais, atual Rodrigues Alves. Outras ações também tiveram destaques na zona

portuária, como, por exemplo, a finalização do Canal do Mangue.

Figura 13 – Configuração territorial da Zona Portuária, após aterramentos. Fonte: Adaptado de Evolução Urbana - IPP, 2011b.

É importante destacarmos que as intervenções do prefeito Passos não se

preocuparam com a população de baixa renda que se instalava na área central. Para

a construção da Avenida Central e outras ações, por exemplo, foram necessárias

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muitas demolições de cortiços e casas coletivas, acarretando no deslocamento da

camada menos favorecida para outros locais: bairros adjacentes ao centro, ou áreas

periféricas bem distantes. Tal fato pode ser considerado como propulsor para o

povoamento dos morros nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo,

incrementando a expansão das favelas.

Assim, o projeto do prefeito Pereira Passos, visando tornar o porto mais

moderno e funcional, surte efeitos positivos, mas tornar-se-á plenamente implantado

somente na década de 1910, quando a região portuária apresentou-se consolidada.

De porto sujo e pestilento a cidade modifica sua fama para cidade maravilhosa. Com

a remodelação urbana, o Rio de Janeiro definiu sua geografia social, com um núcleo

central financeiro consolidado, bairros de classes mais abastadas próximos a área

central e bairros periféricos, ou favelas próximas ao centro, para as classes menos

favorecidas.

3.2.1 Processo de degradação da Zona Portuária do Rio De Janeiro Após a administração de Pereira Passos, no início do século XX, o porto

parou no tempo. Poucas ações foram direcionadas aos bairros portuários a fim de

manter o processo modernizador do início do século. É evidente que pela sua

importância econômica e sua proximidade ao núcleo central, algumas construções

relevantes foram elaboradas, tendo suas terras ocupadas por atividades ligadas

direta ou indiretamente ao porto, ou usadas pelo poder público. Em 1927, inaugurou-

se a estação de passageiros na Praça Mauá e o elegante prédio que abrigou o

Touring Club, responsável em recepcionar os viajantes que chegavam à cidade. Já

em 1930, inaugurou-se o primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro, sendo conhecido

como edifício A Noite, por abrigar o jornal de mesmo nome (Figura 14).

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Figura 14 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.

Os bairros portuários, no entanto, não acompanhavam o ritmo de

modernização e verticalização do núcleo central e dos novos bairros que se

consolidavam ao norte e ao sul da cidade. Com isso, não recebia os mesmos

investimentos que tais áreas estavam recebendo do poder público e privado. Mesmo

quando o núcleo central encontrava-se totalmente saturado na década de 40, e

passou a se esvaziar de forma parcial, ele ainda era mais valorizado do que a área

de estudo. Neste contexto, a construção da Avenida Presidente Vargas teve papel

relevante para a segregação social, econômica e cultura da área central, pois a

dividiu em duas partes: o centro de negócios “febril” e o centro “próximo a Zona

Portuária”. Enquanto o primeiro recebia investimentos e intervenções urbanas, o

segundo vai perdendo seu valor social e econômico, construindo um intenso

processo de degradação e empobrecimento da população residente (SOARES;

MOREIRA, 2007).

Entre os anos de 1948 e 1949, foi construído o píer engenheiro Oscar

Weinschenk, mais conhecido como Píer Mauá. O objetivo da obra era aumentar a

capacidade do porto para a atracação de transatlânticos, que viriam ao Brasil

trazendo estrangeiros, para a Copa do Mundo de 1950. Mas, as obras não foram

finalizadas a tempo e, devido ao contexto arrasador de final de guerra na Europa,

poucos turistas estiveram no Brasil para assistir aos jogos (CIDADE OLÍMPICA,

2011). Nos anos posteriores, alguns navios atracaram no píer, mas, de um modo

geral, ele ficou abandonado. Somente a partir de 1995 o píer voltou a ser lembrado,

quando a Lei da Cabotagem permitiu aos navios de bandeira estrangeira navegar

pela costa brasileira, realizando escalas entre seus portos. Com isso, o número de

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Cruzeiros Marítimos aportando no píer Mauá aumentou consideravelmente nos

últimos anos (Figura 15).

Figura 15 – Evolução do número de turistas procedentes dos Cruzeiros Marítimos Fonte: PÍER MAUÁ, 2011.

Conforme as décadas do século XX passavam, a Zona Portuária ia perdendo

seu glamour, começando a isolar-se do restante da cidade. Seus bairros começaram

a se desvalorizar, perdendo algumas ocupações comerciais para o centro e

ganhando adensamento populacional. Tal fato pode ser explicado pelo contínuo

deslocamento de pessoas de baixa renda para os morros da região, em busca de

ficarem próximas ao centro financeiro, fonte de trabalho e renda. Inúmeras

edificações passaram a ficar subutilizadas, vazias ou em precário estado de

conservação, conferindo a área uma impressão de abandono.

Nas décadas de 1960 e 1970, outros fatores contribuíram para aumentar a

degradação dos bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Neste período,

observou-se a intensificação do processo de obsolescência dos equipamentos

portuários que, com os avanços tecnológicos, tornavam-se rapidamente arcaicos. Ao

mesmo tempo, construiu-se uma incapacidade operacional às exigências atuais,

limitada pelo seu entorno físico, enquanto maximizava-se a potencialidade de outros

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portos como, por exemplo, de Sepetiba. As atividades de carga e descarga que não

foram para outros portos se deslocaram para o bairro do Caju. Assim, grande parte

dos estabelecimentos ligados direta e indiretamente aos serviços portuários tornou-

se obsoleto. Seus armazéns, por exemplo, ficaram desativados com o surgimento

dos containers, passando a serem usados pelas escolas de samba como local de

produção carnavalesca.

Foi nesta época que também se notou a tendência mundial de diminuição do

transporte marítimo a favor do rodoviário e aéreo, mais flexíveis e rápidos. Exemplo

disso foi a construção da rodoviária Novo Rio, no bairro de Santo Cristo. Seu

funcionamento modificou a circulação de pessoas, gerando um aumento na

utilização da área. Porém não houve alterações visando aprimorar a região para o

novo fluxo. Além disso, muitos brasileiros que desembarcavam na rodoviária, em

busca de melhores condições de vida, passaram a habitar os bairros próximos a ela.

Os bairros passaram a abrigar os migrantes de outras regiões brasileiras, por

exemplo, os nordestinos.

Um fato de extrema importância para tornar a região portuária ainda mais

isolada do restante da cidade foi a construção da Avenida Perimetral na década de

1970, tendo como um dos objetivos ligar a zona norte à zona sul, diminuindo o

tráfego intenso no centro para tal deslocamento. O viaduto, também conhecido como

elevado Juscelino Kubitschek, além de obstruir a visibilidade dos bairros portuários

tornando-os obscuros, contribuiu para a diminuição da conexão deles com os

demais bairros da cidade, favorecendo a acentuação de sua desvalorização.

Desta forma, a Zona Portuária passou a se apresentar como um local

deteriorado, esquecido tanto pelos setores público e privado como pela própria

população carioca. Suas áreas residenciais ficaram caracterizadas como perigosas e

violentas, resididas por pessoas pouco favorecidas, as margens da sociedade. As

áreas de uso não residencial expressaram o descaso e descuido, com o vazio

urbano ou sua subutilização. De acordo com dados divulgados na revista Veja Rio

(MEDINA, 2010), o poder público é dono de quase 75% dos imóveis inutilizados na

região. Isso contribuiu consideravelmente para a degradação observada,

principalmente quando a capital transfere-se para Brasília, na década de 1960,

levando consigo o deslocamento de burocracias antes instaladas na região central

do Rio de Janeiro.

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Nos dias atuais, a situação de abandono e deterioração não se modificou.

Ainda assim, a região possui um forte valor histórico, cultural e simbólico, contando

com um patrimônio inestimável e uma forte identidade cultural afro-brasileira e

portuguesa. O que ocorre é que seus valores foram ofuscados pela sua degradação,

mas ainda mantém-se viva. A população de Saúde, Gamboa e Santo Cristo

preocupam-se em valorizar essas características positivas, procurando preservar a

identidade local através de manifestações populares, como eventos de samba e

lavagem da Pedra do Sal no morro da Conceição, procissões religiosas, entre

outras.

O isolamento da área, ao mesmo tempo em que promoveu sua

desvalorização econômica e social, contribuiu para a preservação de seu patrimônio

material e imaterial. Diante dessas singularidades, a zona portuária passou a ser

alvo de intervenção urbana a partir da década de 1980, momento em que se iniciou

uma preocupação com a preservação da área central da cidade do Rio de Janeiro,

após décadas de demolições. A partir deste momento, até os dias atuais, a região de

estudo recebeu projetos pontuais visando a melhoria de seus espaços. Alguns foram

parcialmente implementados, outros nem saíram do papel, conforme analisaremos a

seguir.

3.2.2 Intervenções Urbanas na Zona Portuária do Rio De Janeiro

Diversos projetos de refuncionalização e renovação foram planejados a partir

da década de 1980, para a área central do Rio de Janeiro. Considerando ser uma

área com certo valor econômico, histórico e cultural, intervenções urbanas foram

tencionadas para o desenvolvimento econômico da região, a partir de questões

voltadas para a cultura, lazer, turismo e preservação do patrimônio material e

imaterial. Com isso, projetos e planos foram propostos para a Zona Portuária do Rio

de Janeiro, procurando contornar sua situação de abandono e descaso, para

aproveitar o valor que ela possui, considerando ser uma região que guarda relevante

característica histórica, cultural e econômica.

No contexto dos diversos planos para refuncionalização da Zona Portuária do

Rio de Janeiro, iremos enumerar alguns. Cremos que muitas ações pontuais foram

projetadas, mas aqui vamos identificar aquelas que foram comentadas nos trabalhos

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pesquisados para o presente estudo. Sendo assim, não estamos pontuando as

ações mais importantes, sabendo-se que todas as intervenções que propõe

melhorias a uma região apresentam o seu valor.

Em 1984 foi desenvolvido o projeto SAGAS11, por um grupo de trabalho

comunitário e institucional. O objetivo era identificar, através de um inventário, o

patrimônio arquitetônico e cultural dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo, que

deveriam ser preservados nas ações de refuncionalização da região. Em 1988 o

projeto torna-se lei de proteção, fixando normas para qualquer intervenção na área

fiscalizada. Dentre as atribuições, a lei determinava a manutenção das

características importantes de sua identidade cultural, a preservação dos bens

culturais e a prévia aprovação para demolições ou construções novas. Diversas

edificações na região foram tombadas com este projeto (SOARES; MOREIRA,

2007).

Na década de 1990, vários planos de renovação e refuncionalização se

desenvolveram para a área portuária, estabelecidos pelo potencial cultural, social e

econômico da região. Visando orientar os planos que vinham sendo elaborados, a

Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente implantou o Plano de

Estruturação Urbana da Área Portuária, em 1992, propondo ser decretado o

tombamento do patrimônio histórico, a definição de áreas de preservação, a

estruturação viária, incentivos ao uso habitacional e alterações de uso de solo

(MOREIRA, 2004). Pelas palavras de Dias (2010):

O plano concebido em 1992 tratava a região como um espaço estratégico de desenvolvimento, tinha por meta atrair novos empreendimentos privados (serviços, comércio, lazer cultural, e habitação para classe média), rompendo o caráter de isolamento dos bairros portuários (melhorias nos sistemas de locomoção) e reintegrando a área à paisagem e ao uso da Baía de Guanabara (lazer, esporte e contemplação). Buscava a valorização e preservação do patrimônio arquitetônico e urbano local, criando uma política para o reaproveitamento de imóveis de valor histórico para fins habitacionais, comerciais ou de serviços (2010, s.p.).

Em relação aos projetos elaborados, porém não implantados, podemos

destacar alguns. A Companhia Docas do Rio de Janeiro em vários momentos

pretendeu desenvolver ações para a região, principalmente focadas para o Píer

11

O termo SAGAS é uma simplificação das iniciais dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo

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Mauá. Num primeiro momento, junto com o Consórcio Píer Mauá, a Companhia

realizou um concurso em 1993, no qual os arquitetos Índio Costa e Sergio Villar

tiveram o projeto escolhido. Nele, foi proposto a construção de um centro de

compras, cultura e lazer no Píer Mauá. Dois anos depois, novo projeto foi elaborado

pela Companhia Docas, desta vez mais focado para o turismo, propondo para o Píer

Mauá e para sua área de entorno a construção de hotéis, centros de convenção e de

compras. Por último, destacamos neste período a criação, pela Prefeitura, do Projeto

Cidade Oceânica do Rio de Janeiro – Centro Internacional de Água e do Mar. O

objetivo era criar um pólo de animação cultural no Porto, construindo centros

comerciais, de serviço e de convenção (MOREIRA, 2004). Contudo, nada foi

implantando.

Neste mesmo período podem ser verificados vários projetos voltados para

reabilitação, recuperação e construção de imóveis em vazios urbanos da área

portuária, que apresentassem potencial habitacional. A Prefeitura da cidade e o

Instituto de Planejamento, por exemplo, desenvolveu o Projeto Oportunidades

Habitacionais, com a finalidade de diagnosticar áreas com potencial habitacional,

assim como sua viabilidade econômica e legal. Com isso, foram iniciadas as obras

de um conjunto residencial no bairro Saúde, em 1996 e concluídas em 2001,

financiadas pela Caixa Econômica Federal. Houve também a criação do Programa

Novas Alternativas em 1996, da Secretaria Municipal de Habitação, o qual se

encontra em ação até os dias atuais.

Por último, citamos dois projetos propostos no início do século XXI,

considerando que suas características podem ser as mais próximas daquelas do

atual projeto de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, conhecido como

Porto Maravilha. Começamos com o Plano de Recuperação e Revitalização da Zona

Portuária do Rio de Janeiro, elaborado em 2001 pelo Instituto Pereira Passos e

coordenado pela Prefeitura da cidade. Em forte parceria público-privada, as ações

propostas visavam o desenvolvimento econômico e social dos bairros,

transformando a área em um pólo multifuncional, além de reintegrá-la à dinâmica do

núcleo central. Para isso, propunham-se ações para a valorização do patrimônio

cultural, atração de investimentos privados para o desenvolvimento de serviços, do

turismo, comércio, atividades de lazer e habitação para classe média, transformação

de vazios urbanos em áreas funcionais e melhorias na acessibilidade de seus

bairros. Dentre as obras projetadas para este período, destacamos a construção do

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Museu Guggenheim no Píer Mauá, as construções da Vila Olímpica da Gamboa e

da Cidade do Samba. As duas últimas foram concluídas. Por sua vez, a construção

do museu no Píer Mauá não saiu do papel, sendo alvo de muitas polêmicas em

virtude dos altos custos para sua elaboração, em detrimento de outras instituições

culturais já existentes.

Em 2006, foi elaborado o projeto “Porto do Rio - Século XXI, Desenvolvimento

e Integração Porto/Cidade”, por representantes públicos e privados que atuam no

setor portuário. As obras seriam custeadas com verbas do governo e da iniciativa

privada, voltadas para melhorias no acesso marítimo, ferroviário e rodoviário, além

de propor a reintegração do porto à cidade. Com isso, foram planejadas algumas

melhorias na infraestrutura urbana dos bairros portuários, abertura de vias de

acesso, drenagem para facilitar a atracação de navios de grande porte. Visando

desenvolver um potencial turístico e de entretenimento na região, o projeto buscou

definir ações voltadas para a implantação, nos armazéns, de lojas, bares,

restaurantes, entre outros estabelecimentos, e a transferência do Terminal de

Passageiros para outro armazém, a fim de liberar um espaço para realização de

feiras e eventos. Todas as ações foram determinadas para terminarem em 2010

(FIRJAN, 2006). De acordo com a coleta de informações e analisando a situação

atual da zona portuária, podemos observar que o projeto também não teve êxito.

Desta forma, podemos observar que os planos de refuncionalização voltados

para a Zona Portuária do Rio de Janeiro não se deram de forma contígua e

ordenada no espaço e no tempo. Elas se apresentaram fragmentadas e pontuais no

decorrer dos anos, com pouco ou nenhum incentivo grandioso para permitir sua

concretização. Até que surge, em 2009, mais um projeto para melhorias urbanas,

denominado de Porto Maravilha. Desta vez com uma grande motivação propulsora,

a escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016,

como veremos a seguir.

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4 REFUNCIONALIZAÇÃO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO

No dia dois de outubro de 2009, em Copenhague (Dinamarca), a cidade do

Rio de Janeiro foi anunciada como sede para os Jogos Olímpicos de 2016. Na

votação final, a cidade disputava a candidatura com Madrid, vencendo com 66 votos,

enquanto a capital espanhola recebera apenas 32. No evento, os representantes

brasileiros vibraram emocionados com o resultado, o qual foi transmitido ao vivo em

telões montados na Praia de Copacabana, levando o público reunido a comemorar

também pela vitória. O Rio de Janeiro será a primeira cidade da América do Sul a

sediar este grande evento.

A conquista das Olimpíadas pode ser considerada um importante motivador

para a execução de transformações urbanas e sociais. Como exposto no “Especial

Rio Olímpíada 2016”, elaborado pela Revista Veja (2009, p.12), “os Jogos Olímpicos

não são mais apenas competições entre atletas. São espetáculos dotados de uma

capacidade única de alavancar economias e transformar cidades”. Eventos de

grande visibilidade, como as Olimpíadas, possibilitam o desenvolvimento urbano e

econômico da cidade, além de sua inserção na economia global. Os projetos

olímpicos, quando bem elaborados, dão a oportunidade de deixar um legado

urbanístico positivo para a cidade-sede, após o evento.

Neste contexto, um exemplo relevante é a transformação da cidade de

Barcelona para sediar as Olimpíadas de 1992. Sendo considerada como um modelo

de reestruturação urbana e inspiração para o Rio de Janeiro, a cidade espanhola

sofreu notórias intervenções para acolher os Jogos Olímpicos, principalmente em

sua zona portuária12. Barcelona conquistou o direito de sediar os Jogos olímpicos

em 1986. Antes desse ano, algumas intervenções urbanas locais já vinham sendo

idealizadas, mas com a vitória na candidatura como sede, os investimentos públicos

e privados se intensificaram na cidade:

12

Seu porto antigo, conhecido como Port Vell, estava degradado e obsoleto desde final dos anos 80. Com as Olimpíadas, houve transformação da área portuária em um amplo espaço multifuncional, com atividades voltadas à cultura, esportes, lazer e negócios. Port Vell passou a ser atração para turistas e moradores, sendo um centro cultural, comercial e turístico.

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O governo local investiu vultosas quantias e implementou projetos urbanísticos de elevada envergadura, redefinindo centralidades e constituindo verdadeiro marco na evolução urbana. Também projetou mundialmente a imagem da cidade, proporcionando efeitos multiplicadores a curto e médio prazo: grande aumento do afluxo de turistas, maior capacidade de atração dos investidores externos etc. (MASCARENHAS, 2008, p.189)

Deste modo, observamos que as ações para o projeto Olímpico não foram

somente direcionadas ao evento em si; muitas consideraram os investimentos na

reestruturação e infraestrutura urbana. Cremos que o objetivo seria deixar um legado

que fosse útil para a cidade, após a realização dos jogos, evitando criar estruturas

que pudessem ficar inutilizadas. De um modo geral, o projeto Olímpico de Barcelona

considerou a refuncionalização de equipamentos obsoletos, melhorias nas

infraestruturas de acesso e de telecomunicações, ênfase nas políticas sociais,

promoção de sua imagem e implantação de equipamentos urbanos voltados para o

esporte, lazer e cultura (MASCARENHAS, 2008).

Na cidade do Rio de Janeiro, as ações voltadas para o seu desenvolvimento

urbano e econômico se intensificaram com a vinda dos Jogos Olímpicos. Várias

áreas da cidade deverão passar por reformulações urbanísticas nos próximos anos,

sendo uma delas a zona portuária, objeto dessa pesquisa. O Projeto de

Revitalização13 da Zona Portuária do Rio de Janeiro, também chamado de Porto

Maravilha, faz parte do conjunto de ações planejadas para tornar a cidade do Rio de

Janeiro uma Cidade Olímpica.

Considerando ser uma área que desde o final do século XX apresenta-se

abandonada e deteriorada, estando desintegrada do restante da cidade, este não é

o primeiro projeto de intervenção urbana direcionado à revalorização de seu espaço.

Isso se dá pelo valor econômico e histórico que a região possui. Mas, mesmo com

tantas propostas, o quadro de descaso nos últimos anos não se reverteu, tendo em

vista que as ações, que conseguiram sair do papel, eram realizadas parcialmente. A

população local sofre com a falta de infraestrutura urbana, de investimentos públicos

e privados na região. Ela passou a não crer na veracidade das propostas

direcionadas a melhoria dos bairros portuários, já que muitas foram planejadas

desde o final do século XX, e nenhuma foi efetivamente executada. Neste cenário de

13

O nome oficial do projeto leva o termo Revitalização. Levando em consideração que sua etimologia designa um significado preconceituoso de dar vida a um lugar que já possui certa vitalidade, além de analisar as ações que estão previstas para a região, consideramos que a melhor terminologia para caracterizar este processo seja Refuncionalização, que iremos adotar nesse trabalho.

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descrença e desconfiança, surge o Porto Maravilha, o mais atual projeto voltado

para a zona portuária.

Desde a cerimônia de lançamento do projeto, em 2009, diversos debates e

seminários foram desenvolvidos, a respeito das intervenções urbanas na zona

portuária. Além disso, os meios midiáticos, a destacar jornais, revistas e internet,

passaram a divulgar incontáveis notícias sobre o Porto Maravilha. Porém, ao mesmo

tempo em que há uma promoção positiva do atual projeto, pudemos observar a

propagação de opiniões desfavoráveis a sua elaboração. A maioria das criticas

foram construídas com base em questões socioculturais, ao considerar que as

modificações urbanas do projeto podem contribuir para tornar a região um pólo

econômico e turístico. Com isso, surgem dúvidas de qual será o nível de respeito

dado à cultura e à população residente naquela área.

A partir deste contexto, tornou-se importante analisarmos como o Projeto de

Revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro tem desenvolvido suas

intervenções na região, destacando as ações focadas no desenvolvimento

sociocultural e turístico. Também, consideramos relevante para o estudo avaliarmos

a percepção da população local, sobre as ações do Porto Maravilha, bem como a

visão dos agentes sociais responsáveis em implantar o projeto.

Para favorecer uma reflexão sobre o assunto tratado, foi feito uma pesquisa

qualitativa de natureza exploratória. A princípio, o levantamento de informações

consistiu em uma pesquisa bibliográfica, através da reunião de estudos acadêmicos,

livros, jornais, revistas e sites. Posteriormente, entrevistas foram estruturadas, a fim

de coletar informações, a partir de visões distintas: dos representantes comunitários,

como agentes sociais indiretos, e da iniciativa privada, como agentes ativos no

projeto. Por intermédio de pesquisa na mídia virtual, foram identificados os principais

agentes sociais do projeto que poderiam contribuir para o conteúdo do presente

estudo.

O contato com os possíveis entrevistadores foi realizado através de correio

eletrônico. Obtivemos retorno de todos, porém foram poucas confirmações. As

entrevistas foram realizadas no período de setembro de 2011, sendo todas gravadas

com o devido consentimento do entrevistado. A amostra compôs-se de quatro

entrevistas. A primeira foi realizada com Adrianna Eu, com cerca de 40 minutos.

Artista plástica e moradora do Morro da Conceição, Adrianna abriu neste ano de

2011 o “Café, o provisório” em seu ateliê-casa, local onde foi feita a entrevista. Seu

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trabalho é voltado para relações sociais, tendo a artista construído uma forte relação

com os moradores locais. A segunda entrevista foi concretizada em forma de um

grupo focal, graças a colaboração do senhor Gabriel Catarino, diretor de

comunicação da Associação de Moradores e Amigos da Gamboa (AMAGA), que

conseguiu agendar, junto com sua entrevista, a presença de Regina Santos,

representante da Concessionária Porto Novo (setor privado)14. A entrevista foi feita

na sede da AMAGA, no bairro da Gamboa, tendo duração de aproximadamente 1

hora e 40 minutos.

4.1 PROJETO PORTO MARAVILHA Com a realização das Olimpíadas em 2016, além da Copa do Mundo de

Futebol em 2014, o poder público aproveita a oportunidade dos megaeventos para

inserir o Rio de Janeiro no competitivo e dinâmico mercado global entre cidades. O

projeto Porto Maravilha, resultado da aliança entre os Governos Municipal, Estadual

e Federal, foi oficialmente lançado em meados de 2009, em uma cerimônia realizada

no Píer Mauá.

A área atingida pelo projeto abrange três bairros da zona portuária por

completo, respectivamente Santo Cristo, Gamboa e Saúde, além de setores dos

bairros de seu entorno, sendo eles São Cristóvão, Centro e Cidade Nova (Figura

16). São cerca de cinco milhões de metros quadrados que receberão as obras, no

qual se distribuem aproximadamente 22 mil habitantes.

14

Para esta entrevista, também foi convocado um representante do poder público, porém, devido a um compromisso profissional, sua participação foi cancelada.

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Figura 16 – Área de abrangência do projeto Porto Maravilha Fonte: CDURP, 2011a, p.3.

A delimitação da área foi definida pelo Município, através da Lei

Complementar 101/2009, sendo caracterizada como Área de Especial Interesse

Urbanístico (AEIU). Esta lei específica criou, em novembro de 2009, a Operação

Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro (OUCRJ):

Uma operação urbana consorciada envolve um conjunto de Intervenções e medidas coordenadas por um município, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, tendo por objetivo alcançar, em área específica, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. O município define, por lei, um perímetro urbano que será objeto das Intervenções para o qual é estabelecido um plano de operações, com a participação da sociedade civil, visando a melhorar a qualidade de vida da área, solucionar problemas sociais, valorizar os imóveis, organizar os meios de transporte local e beneficiar o meio ambiente. (RIO DE JANEIRO, 2011b)

As ações do projeto Porto Maravilha foram divididas em duas fases, cada qual

planejada de maneira diferente. As operações da primeira fase, iniciadas em

meados de 2009, são financiadas com recursos públicos, especialmente das esferas

municipal e federal. Por sua vez, a segunda fase iniciou-se no segundo semestre de

2011, tendo as obras custeadas com recursos privados. Como modelagem

financeira para esta segunda fase, ficou estabelecida a emissão de Certificados de

Potencial Adicional de Construção (CEPAC).

O certificado é um valor mobiliário a ser pago pelos interessados em construir

e/ou modificar o uso do solo na AEIU, em um nível superior ao estabelecido pela

legislação de uso e ocupação do solo em vigor, e respeitando o limite definido

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legalmente pela Operação Urbana Consorciada. Em junho de 2011, os CEPACs

foram leiloados, e todos foram comprados em lote único, por R$ 3,5 bilhões, pela

Caixa Econômica Federal, que criou e controla o Fundo de Investimento Imobiliário

Porto Maravilha. Assim, os títulos serão revendidos no mercado por um preço

superior, e os interessados em investir e intervir na área deverão comprar, do Fundo

Imobiliário, a quantidade de CEPACs conforme a dimensão do empreendimento.

Com o montante arrecadado pela venda, o governo Municipal obtém recursos para

executar as obras planejadas para a efetivação do projeto (BASTOS, 2011).

Acreditando-se na capacidade da zona portuária em ter um uso mais intenso

de suas áreas, as ações do projeto Porto Maravilha voltam-se para a atração e

instalação de mais comércio, moradores, serviços, equipamentos de lazer e cultura,

entre outros. A partir desta análise, podemos ratificar que o projeto Porto Maravilha

procura refuncionalizar a Zona Portuária do Rio de Janeiro, conferindo, ao local,

novas funcionalidades ou melhorando aquelas já existentes. Na figura 17 podemos

observar a delimitação da área e o potencial de seus espaços para uma determinada

função.

Figura 17 - Setorização das áreas por função proposta. Fonte: CDURP, 2011a, p.7.

Através da análise do Registro de Operação Urbana da Região do Porto do

Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2011b), além de consultas em outros materiais

impressos e virtuais, podemos observar que os objetivos do projeto, de um modo

geral, são voltados para questões de infraestrutura, habitação,

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cultura/entretenimento e comércio/serviços. Ressaltamos que as informações a

serem consideradas nesta seção compreenderão identificar as ações que foram

propostas até o presente estudo, as quais muitas podem não terem sido ainda

iniciadas, o que nos leva a não determinar a sua veracidade.

Para atrair novos moradores e investidores, além de oferecer melhor

qualidade de vida à população instalada na região, o projeto Porto Maravilha visa à

recuperação da infraestrutura urbana e de transportes. As propostas abordam a

implantação de novas redes de infraestrutura urbana, com obras direcionadas à

introdução de redes de energia elétrica, gás, água, esgoto, drenagem15, sinalização,

novas vias, arborização, calçamento e telecomunicação. No que se refere a

infraestrutura de transporte, a operação urbana prevê modificações relacionadas a

acessibilidade da região. Foram propostas diversas obras, as quais podem ser

exemplificadas com a transformação da Avenida Rodrigues Alves em uma via

expressa de mão dupla e a construção do Binário do Porto/Via Binária; demolição de

parte do Elevado da Perimetral, entre a Praça Mauá e a Avenida Francisco Bicalho;

novo acesso de veículos de carga ao porto através da Avenida Brasil (obra já

concluída); e construções de túneis e rampas. A prioridade destas ações é voltada

para transportes coletivos, promovendo modificações que favoreçam uma melhor

circulação destes modais.

Na apresentação disponível em site oficial do projeto Porto Maravilha

(CDURP, 2011b), consta que as melhorias na região possibilitarão um aumento da

população local, de 22 mil habitantes para 100 mil. Desta forma, as ações do Porto

Maravilha também objetivam melhorar as condições habitacionais dos bairros

portuários, lembrando que, atualmente, muitos imóveis encontram-se em estado de

degradação. Através do programa Novas Alternativas, da Prefeitura do Rio de

Janeiro, os casarios poderão ser recuperados, tornando-os novamente habitáveis.

Para a região, também foram previstas incentivos fiscais visando o aproveitamento

habitacional dos terrenos disponíveis na zona portuária. Por fim, consta no

documento público (RIO DE JANEIRO, 2011b) que os habitantes, instalados em

áreas de risco, serão remanejados para novas residências em áreas do entorno.

Outro objetivo da refuncionalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro é a

atração de atividades relacionadas ao comércio e serviço. Para isso, incentivos

15

É importante lembrar que, devido às obras de drenagem em março de 2011, na Avenida Barão de Tefé, as escavações resultaram no descobrimento do Cais do Valongo e do Cais da imperatriz.

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fiscais foram estabelecidos, para facilitar a implantação de comércio e serviço na

região. Podemos destacar, por exemplo, a redução da alíquota do Imposto Sobre

Serviços (ISS) para atividades de educação, hotelaria e educação. É evidente que o

desenvolvimento do comércio possibilita a arrecadação de mais impostos e, com

isso, o aumento da atuação pública na região. Neste ponto, ressaltamos também

como importante a atração de sede de grandes empresas para a região.

Por último, o Porto Maravilha calcula ações para o desenvolvimento de

atividades voltadas para a cultura e entretenimento. Foi proposta a formação de um

pólo cultural e de lazer na área onde se localiza a Praça Mauá, destacando a criação

do Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã (Figura 18). Nesse âmbito,

destaca-se o Programa Porto Maravilha Cultural, voltado para a recuperação e

restauração dos patrimônios materiais, sejam eles históricos, artísticos ou

arquitetônicos16. Este programa também valoriza o patrimônio imaterial, assim como

as manifestações culturais, incentivando estudos sobre a memória da região. A partir

disso, o Porto Maravilha Cultural, criado pela Companhia de Desenvolvimento

Urbano da Região do Porto do Rio (CDURP), propõe a exploração econômica

desses patrimônios, porém, respeitando os princípios de sustentabilidade. O Morro

da Conceição é a região onde essas ações serão mais enfatizadas. Nele, por

exemplo, encontramos a Pedra do Sal, símbolo histórico que representa a

comercialização do sal do período colonial, a presença dos escravos na região e a

história do Samba17. Outros patrimônios que também serão recuperados são o

Mictório Público e Jardins Suspensos do Valongo.

16

Conforme exposto na Lei Complementar que instituiu o Projeto Porto Maravilha, três por cento dos CEPACs devem ser destinados à recuperação e preservação dos patrimônios culturais da região. 17

Até hoje ocorre eventos de rodas de Samba na Pedra do Sal.

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Figura 18 - Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio Fonte: Adaptado do site Porto Maravilha - CDURP, 2011b.

4.1.1 Ações voltadas para o desenvolvimento social na Zona Portuária

Ao analisarmos as ações planejadas para a refuncionalização da Zona

Portuária do Rio de Janeiro, é importante destacarmos aquelas voltadas para o

desenvolvimento social da região. Como explicado pela representante da

Concessionária Porto Novo, na entrevista, toda vez que grandes empresas entram

em algumas localidades, a realização das obras acabam impactando a comunidade

como num todo. Disso surge a importância de se criar um departamento voltado

para a responsabilidade social, para trabalhar com o desenvolvimento social de toda

área de abrangência do Porto Maravilha.

Assim, a CDURP criou o Programa Porto Maravilha Cidadão, cuja função é

fomentar e apoiar ações que promovam o desenvolvimento social e econômico da

região. No dia 27 de agosto de 2011, foi realizado na praça da Harmonia, bairro

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Gamboa, a ação social denominada HarmonizAção18 (Figura 19). Foi o primeiro

evento deste programa, promovido pela própria CDURP e pela Concessionária Porto

Novo, sendo esta a responsável em realizar os demais projetos sociais. Foram

oferecidos vários serviços, a destacar os de saúde pública, como vacinação, aferição

da pressão arterial, aplicação de flúor; cadastramento em programas sociais, como

bolsa família; cadastramento em cursos gratuitos de especialização profissional e de

idiomas, como manicure, auxiliar administrativo, garçom, canteiros de obra,

analfabetismo zero, curso de inglês e espanhol. Ainda não há um curso voltado

diretamente para capacitação técnica em turismo e hotelaria.

Os cursos profissionalizantes contribuem para a qualificação dos moradores,

podendo até mesmo ser uma maneira de capacitá-los para atuar no próprio projeto.

A representante da Concessionária Porto Novo afirmou que é essencial o uso da

mão de obra local, mas não adianta os moradores não estarem qualificados. Então,

os vários projetos voltados para a elaboração de cursos profissionalizantes

favorecem a capacitação e inserção da população no mercado de trabalho. Todos os

cursos contam com importantes parcerias, possuem certificações, carga horária

considerável, e uma média de 15 alunos inscritos em cada turma. Os cursos de

inglês e espanhol, por exemplo, são realizados em parceria com a Fundação Darcy

Vargas e o Serviço social da indústria (SESI). O Diretor de Comunicação e Projetos

da AMAGA complementou essa questão, informando que essas ações são um

grande resgate social.

18

Conforme informado na entrevista com a Concessionária Porto Novo, mais de 40 instituições públicas e privadas, que atuam na região, participaram do evento.

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Figura 19 - Projeto HarmonizAção. Fonte: Adaptado de Concessionária Porto Novo (2011) e blog da AMAGA (2011)

A senhora Regina Santos também informou que a Concessionária Porto Novo

não insere projetos sociais prontos nas comunidades. Eles são elaborados e

implementados mediante solicitação e característica de cada localidade. E, os

agentes contratados para a execução das atividades são moradores da região.

Desta forma, a entrevistada ratificou a importância de uma forte liderança

comunitária, pois através dela é possível analisar a demanda de cada localidade. O

senhor Gabriel Catarino, por exemplo, através de seu papel social como

representante da AMAGA, luta em prol do atendimento das necessidades do bairro

Gamboa. Com isso, conseguiu a instalação da primeira academia da Terceira Idade

da Região Portuária, com ajuda de uma abaixo assinado, rampas de acesso para

cadeirantes na praça da Harmonia e a confirmação da construção da primeira

creche municipal do bairro Gamboa, após solicitação à CDURP e à Porto Novo.

Aqui [na Gamboa] não tinha emprego para o morador, escola, não tem emergência no hospital que temos de grande porte [Hospital dos Servidores]. Então estamos pedindo uma série de coisas. Não somente para atender ao bairro da Gamboa, mas para os bairros próximos a ele. A Associação de Moradores está enviando uma demanda social para a CDURP e Porto Novo, para colocar instalações que precisamos como creche, escola politécnica, clinica da família, escola de ensino médio. Outras coisas que solicitamos são ligadas a restauro, infraestrutura, logística de reordenamento urbano.

19

19

Fonte: Entrevista concedida pelo Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, em 12 de setembro de 2011, na Sede da Associação.

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Ao ser questionado se outras ações de mesmo porte seriam ainda realizadas

em 2011, a representante da Porto Novo informou que estavam previstos mais duas

até o final de 2011, mas devido a proporção que o HarmonizAção teve, foi

observado a necessidade de haver tempo considerável para a organização dos

próximos eventos. Então, para o ano de 2012 já estão sendo planejadas ações do

mesmo porte, em outras localidades da Zona Portuária do Rio de Janeiro, de modo a

abranger a participação de toda a população da região.

4.1.2 Ações voltadas para o desenvolvimento turístico

Milhares de turistas chegam ao Rio de Janeiro através de transatlânticos, que

atracam no Terminal Marítimo do Píer Mauá. A movimentação de turistas e cruzeiros

marítimos no porto de passageiros aumenta a cada temporada, injetando bilhões de

dólares na economia da cidade do Rio de Janeiro. Além de ser uma das portas

principais de chegada ao Rio de Janeiro, a área é utilizada para a realização de

diversos eventos, os quais são promovidos em alguns armazéns do Píer Mauá, por

exemplo, Fashion Rio e Art Rio. A Cidade do Samba, no bairro Gamboa, também

atrai milhares de visitantes, no período do carnaval.

Com a realização do projeto Porto Maravilha, a Zona Portuária do Rio de

Janeiro ganha uma oportunidade de desenvolver ainda mais a atividade turística na

região, principalmente na área da Praça Mauá e no Morro da Conceição, que

receberão notáveis melhorias urbanas. Podemos observar que as ações são

voltadas para construções de grande visibilidade, além da reutilização e melhoria

dos patrimônios existentes na região. Para a região da Praça Mauá, haverá um

destaque ao turismo de lazer, no qual estão previstos a implementação de dois

museus de grande atratividade. O Museu do Amanhã, obra assinada pelo arquiteto

espanhol Santiago Calatrava e dedicado ao tema de ciência e tecnologia, está sendo

erguido no Píer Mauá, através da parceria entre a Prefeitura Municipal e a Fundação

Roberto Marinho. Por sua vez, o Museu de Arte do Rio (MAR), também com a

mesma parceria, será instalado no antigo Palacete Dom João VI e no edifício da

Policia Civil. Foram também iniciadas as obras de requalificação dos armazéns

abandonados na região, inserindo diferentes usos como restaurantes, centros

culturais e comerciais, casas noturnas, entre outros.

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Com o Programa Porto Maravilha Cultural, os patrimônios históricos e

culturais presentes nos bairros portuários poderão ter a oportunidade de serem

recuperados, contribuindo para atrair turistas para a região. A maioria dos

patrimônios encontra-se no Morro da Conceição, como a Pedra do Sal, Mictório

Público e o Jardim Suspenso do Valongo. Mas, outros também serão contemplados,

como o Centro Cultural José Bonifácio, localizado no bairro de Gamboa, direcionado

à preservação e pesquisa da cultura afro-descendente. Em precário estado de

conservação, o casarão datado do século XIX recebeu no mês de agosto de 2011

um edital de licitação para a sua recuperação.Não podemos deixar de citar o

redescobrimento do Cais do Valongo e Cais da Imperatriz, com as escavações de

drenagem na Avenida Barão de Tefé. Os objetos achados serão levados para um

determinado museu da região e as escavações serão mantidas, para visitações.

É importante ressaltarmos que não somente atrativos turísticos, mas

construções de equipamentos, como hotéis, restaurantes, centro de convenções, por

exemplo, estão recebendo apoios para serem feitos na região delimitada pelo Porto

Maravilha. Neste contexto, é interessante comentarmos sobre o concurso Porto

Olímpico, elaborado a partir da aceitação do Comitê Olímpico Internacional (COI), de

deslocar partes das instalações olímpicas concentradas no bairro da Barra da Tijuca

para a região portuária. O objetivo do concurso foi escolher a melhor proposta para a

instalação das vilas de árbitros e de mídia não credenciada, do centro de

convenções e empresarial, espaço para equipamentos olímpicos temporários e de

um hotel cinco estrelas na região do Porto. O arquiteto João Pedro Backheuser e

sua equipe, dentre 83 propostas, tiveram o projeto escolhido em junho de 2011.

Posteriormente a Olimpíada de 2016, as construções serão utilizadas para outras

finalidades, a destacar o turismo. Tal fato mostra a importância de se deixar um

legado utilizável, pós-evento.

A região portuária há anos ficou abandonada. Para o turismo, ela teve

importância apenas como local para atracações de cruzeiros marítimos. Com o

gradual processo de apropriação de partes da sua área pelo turismo, o que

conhecemos como turistificação, a zona portuária pode sentir impactos positivos,

mas também negativos. Como debatido na entrevista com Adrianna Eu, moradora

do Morro da Conceição, é muito importante um “planejamento inteligente” por parte

do governo e dos agentes envolvidos, para que a região portuária não sofra tanto

com as ações propostas, e que estas respeitem a população presente.

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4.2 AGENTES SOCIAIS: CDURP, PORTO NOVO E POPULAÇÃO LOCAL O Projeto Porto Maravilha é voltado para a valorização da região portuária da

cidade do Rio de Janeiro, e para sua reinserção à dinâmica da cidade, através de

intervenções urbanísticas que a transforme em um relevante local de moradia,

comércio, trabalho, turismo e lazer. A partir desta valorização, novos moradores,

visitantes, empresários e turistas podem vir a aumentar o fluxo de pessoas e

atividades, nos bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo, estabelecendo, assim, um

novo perfil à região.

Ao definir por lei que o projeto é uma Operação Urbana Consorciada, ficou

instituído que a área delimitada receberia ações visando melhorias sociais e

ambientais. Elas são coordenadas pelo município, contando com a participação dos

moradores, comerciantes locais e proprietários de terras da região, além dos

investidores privados. Sendo assim, o envolvimento de diferentes agentes sociais,

durante o processo de intervenção urbana, leva a formação de um conjunto de

interesses, que deve ser levado em consideração, para que haja um equilíbrio no

atendimento aos distintos grupos.

Destacamos para este estudo três agentes sociais de notória relevância:

poder público, iniciativa privada e população local. Consideramos que todos

representam um forte valor nos processos decisórios dos projetos voltados para

intervenções urbanas. Por isso, cabe aqui procurarmos identificar a atuação e

envolvimento de cada um no processo do projeto Porto Maravilha, assim como

compreender como se dá a relação entre eles.

4.2.1 CDURP e Porto Novo

Os poderes público e privado são importantes agentes sociais ativos na

região delimitada pelo projeto Porto Maravilha. Podemos observar que a relação

entre eles contribuem para as ações se manterem contínuas nos bairros portuários.

Tal relação tornou-se mais forte a partir de uma Parceria Público-Privada (PPP),

estabelecida para que as obras planejadas para a segunda fase fossem executadas

pelo setor privado, mas fiscalizado pelo poder público. A partir dela, os dois setores

passaram a atuar juntos na região.

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A atuação do poder público no projeto Porto Maravilha é representada pela

Companhia de Desenvolvimento da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP). O

órgão foi criado em dezembro de 2009, pela Lei Complementar 102/2009 e é

controlado pelo município. Sendo uma sociedade de economia mista, “a agilidade

característica do setor privado e ao mesmo tempo o cuidado com a probidade

administrativa do setor público” (CDURP, 2010, p.1) são fatores essenciais para a

CDURP cumprir suas responsabilidades.

A CDURP atua como coordenadora do projeto Porto Maravilha, cabendo a ela

promover o desenvolvimento da Região Portuária do Rio de Janeiro. Para isso, o

órgão se responsabiliza em mobilizar e controlar os recursos necessários para a

implementação das intervenções, preparando concessões e administrando o

montante gerado pela venda de CEPACs. As atividades da CDURP iniciaram em

janeiro de 2010, sendo elaborados, a partir desta data, relatórios trimestrais que

descrevem as ações que foram exercidas no período determinado.

Para a continuidade da segunda fase do projeto, a CDURP elaborou um edital

de licitação para a contratação do gerenciamento e execução dos serviços e obras

públicas da região portuária. A concessão administrativa foi formalizada em

novembro de 2010, à Concessionária Porto Novo, vencedora da licitação. Sendo

assim, as obras da segunda fase serão efetuadas pela Porto Novo, e orientadas e

fiscalizadas pela CDURP. Isso mostra a interação entre o poder público e o poder

privado. Em entrevista concedida no mês de agosto de 2011, ao site “Cidade

Olímpica”, feito pela Prefeitura para divulgação das ações voltadas às Olimpíadas, o

Diretor-Presidente da Porto Novo explicou esta parceria:

Na parceria público-privada, o parceiro da Prefeitura assume o compromisso de disponibilizar à administração pública e à comunidade a operação e manutenção dos serviços e obras previamente estabelecidos em contratos. No caso da Porto Novo, a parceria vai desonerar o Município da realização dos serviços e obras de infraestrutura na região, que serão pagos com os Cepacs [...]

20.

Nesse contexto, a atuação do setor privado na região pode ser caracterizada

pela presença da Concessionária Porto Novo. Formada pelas construtoras OAS,

Odebrecht e Carioca Engenharia, entrou em ação no mês de Junho de 2011, e irá

20

A entrevista, na íntegra, encontra-se disponível no site: http://www.cidadeolimpica.com/um-exercito-azul-para-cuidar-da-zona-portuaria-2/. Acessado em 22 de Setembro de 2011.

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atuar na região por um período de 15 anos. Após realização de um levantamento

das necessidades de obras e manutenção, na área delimitada pelo projeto Porto

Maravilha, a Porto Novo estabeleceu um plano de 180 dias, o qual determina que

durante os primeiros seis meses de atuação, as ações serão voltadas para a

resolução dos problemas mais emergenciais da região, como iluminação e limpeza

pública, manutenção de parques e jardins, sinalização e calçamento, entre outros.

Posteriormente aos 180 dias, as ações da concessionária serão direcionadas à

manutenção dos serviços públicos prestados por ela. Conforme divulgado no site da

Concessionária Porto Novo suas responsabilidades são:

Melhorar a pavimentação da região;

Manter ruas e praças limpas e conservadas;

Cuidar da iluminação pública da região;

Realizar a coleta de lixo domiciliar e comercial;

Auxiliar órgãos públicos e concessionárias de serviços na identificação de problemas e interferências nas vias;

Executar as obras de modernização da infraestrutura, paisagismo e reestruturação viárias21.(PORTO NOVO, 2011)

As ações a serem executadas pela Porto Novo têm como finalidade levar a

melhoria da qualidade de vida a todos da região. Além das obras e serviços

públicos, a concessionária também desenvolve ações de responsabilidade social e

ambiental. Para tanto, são desenvolvidas pela concessionária atividades de lazer,

esporte, saúde e cultura, além dos cursos de capacitação e profissionalização dos

moradores locais.

A partir da pesquisa bibliográfica e da realização da entrevista, pudemos

observar que ambos os órgãos buscam divulgar suas ações, em meios impressos e

virtuais, e realizam contatos com os demais agentes sociais. A CDURP utiliza

ferramentas midiáticas virtuais, como site, blog, redes sociais como facebook,

postagem de vídeos institucionais no youtube; elabora reuniões com os moradores e

seus representantes, assim como com órgãos públicos envolvidos no projeto;

participa de seminários, eventos de associações, sindicatos e entidades

empresariais; realiza visitas em organizações sociais que atuam na região. Uma

21

Dentre as obras a serem executadas pela Porto Novo, podemos destacar a construção da via binária (Binário do Porto), constituição do espaço para a implantação do transporte público denominado Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a demolição do elevado da Perimetral, sendo esta a última obra a ser executada.

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questão importante foi a formação de um Conselho Consultivo do projeto, para

avaliar e fiscalizar as ações planejadas, bem como analisar o relatório trimestral feito

pela CDURP. O conselho é composto por um representante da CDURP, três

representantes do município e três representantes da sociedade civil22. Para

ilustrarmos as ações comunicacionais, podemos citar a participação da CDURP no

seminário “Porto Maravilha – Desafios e Problemas”, realizado no salão nobre do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), além da participação em Reuniões

do Conselho Comunitário de Segurança da região portuária.

A Concessionária Porto Novo também possui um site, no qual ela se

apresenta, coloca notícias sobre suas ações e informa um número de telefone para

receber ligações sobre dúvidas, reclamações e sugestões. Ao indagarmos sobre

como é feita a divulgação das oficinas e cursos destinados a população, a

representante da concessionária comentou que o trâmite normal é entrar na

comunidade através das associações de moradores. Depois é que se criam alguns

mecanismos para conseguir atingir a população como num todo. Além das reuniões

feitas em locais públicos como praças, igrejas e quadras, panfletos são distribuídos e

carros de som passam pelas ruas da região. Importante ressaltarmos que a

concessionária também participa de reuniões feitas por organizações atuantes na

região. Desta maneira, a concessionária mantém-se próxima a população local.

4.2.2 População local Na entrevista realizada com a moradora e artista plástica, Adrianna Eu, foi

comentado por ela que as pessoas são a parte mais importante de um lugar. São

elas que carregam a história e mantêm presente as manifestações culturais de uma

região. Por esta razão, assim como os patrimônios materiais estão ganhando

atenção no projeto Porto Maravilha, os moradores locais mereciam receber o mesmo

cuidado.

Uma questão enfatizada nas entrevistas foi o valor simbólico/sentimental,

construído pelas pessoas que, há anos, moram nos bairros da Zona Portuária do Rio

de Janeiro. Em muitos casos, os moradores locais fazem parte da quarta ou quinta

geração de uma família, que se constituiu na zona portuária. Eles levam consigo um

22

O Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, entrevistado para o presente estudo, faz parte deste Conselho Consultivo.

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sentimento de pertencimento à região. Pelo decorrer dos anos, muitas famílias

conhecem os projetos urbanos para melhorias da região, elaborados desde o final

do século XX, os quais não foram executados. Por isso, dúvidas são formadas em

relação a confiança que se deve ter acima das ações do atual projeto

O Diretor de Comunicação da Associação de Moradores e Amigos da

Gamboa, senhor Gabriel Catarino, comentou sobre a incredulidade por parte dos

moradores. Segundo o entrevistado, o abandono da região pelo poder público e

iniciativa privada, ao longo de 50 anos seguidos, além de ações definidas por

políticos em épocas de eleição, mas não concretizadas, ajudaram a formar um povo

descrente das propostas estabelecidas para a região. Adrianna Eu também ressaltou

essa questão, ao dizer que “os moradores estão muito incrédulos ainda se realmente

vai haver essa obra toda, porque já se escuta falar há muito tempo disso e nunca

acontece”.

Através do levantamento de informações, pudemos observar a importância da

formação e consolidação de comissões representativas de moradores.

Considerando que o projeto Porto Maravilha abrange uma área com

aproximadamente 22 mil habitantes, o fortalecimento de uma representação

comunitária pode contribuir para o envolvimento e possível atendimento dos

interesses da população local.

Ao analisarmos sobre o envolvimento da população local nas ações do

projeto Porto Maravilha, além dos benefícios que elas podem trazer aos moradores

atuais, as informações coletadas apresentam posições antagônicas e conflitantes.

De um lado, é defendido que o projeto Porto Maravilha não beneficia a população

local, além de não abrir espaços para a participação nas discussões sobre as ações.

Em notícias obtidas por meio virtual, além da entrevista com a moradora do Morro da

Conceição, podemos observar que muitas críticas são direcionadas à falta de

comunicação com os moradores:

Eu não vi nenhuma reunião feita para a comunidade perguntando qual é o interesse dos moradores, o que eles querem, o que está faltando, quais os problemas, o que pode melhorar, o que incomoda... É sempre uma prepotência achar que (o governo) pode se sobrepor ao interesse de quem mora no lugar.

23

23

Fonte: Entrevista concedida a moradora e artista plástica, do Morro da Conceição, no dia 4 de Setembro de 2011, em sua casa-ateliê.

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Adrianna Eu defendeu que as ações não respeitam os moradores do Morro

da Conceição. Segundo ela, por serem direcionadas ao desenvolvimento turístico da

região, as propostas de construções no Morro da Conceição são para “inglês ver”, e

não para melhorias voltadas para a sua população. Ainda há um receio de a

especulação imobiliária, já notória na região, acarretar na expulsão desses

moradores que, há anos, vivem no bairro.

Por outro lado, o atual projeto de intervenção urbana é considerado como

uma importante ferramenta de resgate social e econômico da zona portuária. As

ações do Porto Maravilha são defendidas como uma possibilidade de melhorias na

qualidade de vida da população local. Além disso, espaços para discussões sobre as

ações do projeto são concedidos à população. O representante da AMAGA explicou

que a resistência de alguns moradores não é pelo fato do projeto ser negativo para a

população, mas sim pelo desconhecimento sobre as ações propostas. Desta forma,

ele defendeu a importância da participação nas reuniões voltadas para o projeto,

para conhecer as ações e defender possíveis modificações nas decisões, de acordo

com os interesses da população:

Acompanhei isso [o projeto] desde o início, assisti às palestras, fui às audiências públicas. A Associação solicitou uma audiência pública dentro do bairro, com a presença dos vereadores, parlamentares, autoridades da Prefeitura, para que se expusesse claramente a todos os moradores, aos empresários locais, aos comerciantes locais, às ONGs que atuam na região, que se abrisse essa verdade para o povo. Todos foram convidados, alguns não foram, mas a verdade foi mostrada e foi dita, com direito de questionamento.

24

Uma situação delicada ocorreu em meados de 2011, envolvendo a população

local e o poder público. Para a construção de um teleférico no Morro da Providência,

principalmente para fins turísticos, algumas casas teriam que ser desapropriadas,

assim como a única praça da região ter que ser demolida para a execução das

obras. De acordo com as notícias divulgadas, as casas foram marcadas sem

explicação, os moradores protestaram contra a construção do teleférico, além de

ressaltarem a falta de informação sobre as ações que iriam ser feitas. A partir desta

situação, pudemos verificar a falta de diálogo entre os agentes sociais, num primeiro

contato. O representante da AMAGA informou que isso foi um ato falho, que

24

Fonte: Entrevista concedida pelo Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, em 12 de setembro de 2011, na Sede da Associação.

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infelizmente ocorreu. Não houve uma reunião popular para estabelecer o diálogo

entre o poder público e os moradores. Com isso, a ação não se apresentou como

uma proposta discutida e viabilizada, que pudesse contar com a participação do

morador.

4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Com base na organização e interpretação das informações coletadas, através

da pesquisa bibliográfica e realização de entrevistas, foi possível levantarmos

algumas questões importantes. Ao analisarmos o contexto histórico da Zona

Portuária do Rio de Janeiro, foi possível identificar a riqueza histórica e cultural da

área. Com o seu abandono, ao mesmo tempo em que houve um processo de

deterioração, a cultura formada no local foi preservada por seus moradores. Os

bairros portuários apresentam um significativo valor histórico e um potencial turístico.

As manifestações culturais, os patrimônios artísticos e históricos, bem como a

memória social formada pela população local, contribuem para a zona portuária

desenvolver o turismo histórico/cultural. No entanto, é imprescindível que a

apropriação de seus espaços pelo turismo seja feito com precaução.

No contexto de globalização e competitividade, o poder público e a iniciativa

privada se unem, em prol de transformar um determinado lugar abandonado,

tornando-o economicamente atrativo. Para isso, utilizam projetos de intervenções

urbanas, modificando a região e tornando-a novamente valorizada. Mas, o fato de

um lugar estar abandonado, não significa que ali não exista mais vida, podendo ser

ainda um local de moradia ou comércio, por exemplo. Com isso, entendemos que o

projeto Porto Maravilha deve respeitar a vitalidade existente na zona portuária. É

essencial que haja um equilíbrio entre as funcionalidades existentes e aquelas a

serem inseridas, para que não haja o desenvolvimento excessivo de algumas, em

detrimento de outras. Além disso, considerando que o projeto abrange uma área

com aproximadamente 22 mil habitantes, é importante haver uma preocupação, por

parte dos poderes público e privados, em informar aos moradores as modificações

que ocorrerão, bem como apontar os benefícios que serão possíveis com a

implementação do projeto.

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As ações do projeto Porto Maravilha realmente estão sendo executadas. Com

elas, os bairros que apresentam uma função relevante de moradia sofrerão

consideráveis modificações, com a inserção de outras funções. Alguns moradores

temem ser expulsos gradualmente, por conta de um processo quase que inevitável

de gentrificação que se prevê para a área, com a vinda de moradores com melhor

poder aquisitivo, e com a transformação da região em um pólo turístico e comercial.

Não podemos negar que as obras, quando finalizadas, possibilitarão

contornar a situação de abandono e deterioração da região, levando dinamização e

integrando-a novamente ao restante da cidade. Porém, algumas mudanças afetarão

os moradores atuais, como situações de desapropriação, especulação imobiliária e

inserção de novas funcionalidades próximas às suas residências. Sendo assim,

observamos que é imprescindível que as ações do projeto Porto Maravilha sejam

trabalhadas com cuidado, procurando atentar-se ao sentimento de pertencimento

formado pela população.

Infelizmente, o poder de decisão da parceria público-privada, fortemente

apoiada pelo capital financeiro globalizado, se sobrepõe ao poder decisório da

população local. Assim, as intervenções urbanas têm maior probabilidade de ocorrer

conforme os desejos dos agentes sociais mais fortes e hegemônicos. Entretanto,

não se pode dizer que a população local deva aceitar as condições impostas pelo

poder público e privado, de maneira passiva. Por isso, salientamos a importância de

estabelecer uma forte representação, para que este possa lutar e defender ações

que favoreçam melhorias para os moradores, de um modo geral.

A estruturação de representações comunitárias pode facilitar o diálogo entre o

poder público/privado e os moradores. As pessoas residentes no local pontuariam as

necessidades da região, enquanto o poder público e iniciativa privada buscariam

adequar o projeto elaborado, às condições pontuadas por seus habitantes. É isso

que ocorre no bairro da Gamboa, como pudemos observar. A AMAGA desde o início

está envolvida com o projeto Porto Maravilha. Com voz ativa, a associação de

moradores mantém contato com a CDURP e a Porto Novo, buscando melhorias ao

bairro através de um consentimento entre as ações definidas e as necessidades da

população.

Cremos que a população local, de um modo geral, deve procurar envolver-se

nas ações do Porto Maravilha e ficar informada sobre os acontecimentos da região.

Com isso, torna-se possível evitar uma visão parcial e preconceituosa, além de

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poder criticar ou sugestionar outras questões para melhorar o projeto. Dizer que o

governo e a iniciativa privada intervêm em uma área abandonada, apenas para

melhorar a qualidade de vida da população, sem interesses econômicos,

infelizmente não é possível. Por isso um questionamento indagável se constrói: uma

região desvalorizada, há anos sofrendo com o abandono e deterioração de suas

estruturas urbanas, o que seria melhor para seus moradores, ser contra a entrada na

região de novas funções, novos moradores e investimentos, mantendo seu estado

de degradação, ou aceitar essas novas funcionalidades, lutando, então, para que as

ações também sejam favoráveis a eles? Eis uma pergunta que merece ser

investigada em pesquisas futuras.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Zona Portuária do Rio de Janeiro está recebendo, atualmente, ações de

melhoria urbana, através do projeto Porto Maravilha. Em 2009, a prefeitura da

cidade, em conjunto com os governos Estadual e Federal, além da presença da

iniciativa privada, lançou este projeto, visando melhorias urbanas para a região. No

ano de 2011, já são notórias algumas ações, principalmente voltadas para questões

sociais e de melhorias na infraestrutura local.

Após décadas de esquecimento, os bairros portuários ficaram degradados,

contribuindo para a formação de uma imagem negativa da região. O projeto atual

não é o primeiro a ser proposto para a zona portuária. Desde o final do século XX,

muitos planos e projetos foram pretendidos para a recuperação do seu valor

econômico, histórico e cultural. No entanto, o Porto Maravilha teve um motivador

diferencial: preparação da cidade do Rio de Janeiro, para as Olimpíadas de 2016.

Com um rico valor histórico, cultural e econômico, a Zona Portuária do Rio de

Janeiro apresenta certo potencial para o desenvolvimento de outras atividades na

região, voltadas, principalmente, para o turismo, lazer e entretenimento, comércio e

serviços. Nesse contexto, este estudo propôs analisar as ações do projeto Porto

Maravilha, enfatizando aquelas direcionadas ao desenvolvimento turístico e

sociocultural da região. Além disso, objetivou avaliar a relação entre os agentes

sociais envolvidos no projeto, enfatizando o envolvimento da população local no

projeto, propondo uma reflexão sobre o nível de respeito dado aos moradores atuais.

Pressupomos neste estudo que as ações do projeto Porto Maravilha

promoveria uma valorização imobiliária da região, fazendo com que a população

local, composta em sua maioria de pessoas com baixo poder aquisitivo, tivesse

fortes receios de um processo gradativo de expulsão. Com o desenvolvimento do

estudo confirmamos que a população divide-se em dois grupos: de um lado alguns

moradores apresentam implicações referentes ao projeto, construindo certo receio

quanto a manutenção de sua vida no local. Por outro lado, há moradores que

apóiam a mudança que ocorrerá na zona portuária, defendendo-a como um resgate

social, sem criar desconfiança de uma possível expulsão.

Outra questão que supomos neste trabalho foi que os poderes público e

privado realizariam poucas ações que estimulassem a participação da população

local, ao considerar ser formada por uma camada de baixa renda. Através deste

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estudo, analisamos que há ações para o envolvimento dos moradores, através de

reuniões, formação de um Conselho Consultivo, disponibilidade de um número de

telefone para contato com o setor privado atuante na região, entre outros. No

entanto, é recomendável reforçar essas ações.

Para uma melhor compreensão e desenvolvimento do estudo, realizamos

inicialmente uma discussão teórica. Reconhecemos que as áreas centrais das

cidades brasileiras iniciaram um processo de esvaziamento, a partir da segunda

metade do século XX, por conta de diferentes fatores. Com a diminuição do fluxo de

pessoas e o deslocamento de investimentos e atividades para outros setores da

cidade, suas estruturas físicas começaram a se deteriorar. Ao mesmo tempo em que

as áreas centrais tornam-se abandonadas, diferentes tipos de intervenções urbanas

passaram a ser planejados para a área, considerando o aproveitamento de seus

valores para o desenvolvimento econômico da cidade.

Neste contexto, pudemos desenvolver uma reflexão acerca das terminologias

usadas e dos diferentes períodos de intervenções urbanas, surgidas a partir de

1950. Identificamos que, enquanto num primeiro momento as ações eram voltadas

para a demolição do antigo em prol do novo, outras, por sua vez, procuraram

preservar e recuperar construções antigas, carregadas de valor histórico e

arquitetônico. Em todas as fases, foi possível analisar que a valorização das áreas

centrais contribui para o retorno de investimentos e pessoas com melhor poder

aquisitivo, podendo haver um processo de expulsão dos cidadãos com baixo poder

aquisitivo, conhecido como gentrificação.

Nas duas últimas décadas do século XX, o fenômeno da globalização fez com

que os lugares, de diferentes partes do mundo, formassem um ambiente de

competitividade. Iniciou-se, então, uma busca de diferenciais competitivos, que

tornassem os lugares atrativos e favorecessem a captação de pessoas e

investimentos. É nesta situação que o poder público local une-se com o setor

privado, construindo parcerias para o desenvolvimento de ações que possibilitariam

“vender” sua cidade. Para isso, o planejamento urbano modifica-se, ao implementar

ferramentas empresariais que contribuíram para o desenvolvimento urbano e

econômico local. O Marketing de Lugares ganha espaço nas ações públicas,

favorecendo a adoção de estratégias para tornar a cidade atrativa.

Dentre várias ações em prol de utilizar os espaços para o desenvolvimento

econômico e urbano, destacamos a turistificação. Notamos que a apropriação do

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turismo envolve diferentes agentes sociais, os quais cada um possui importância.

Dentre eles, podemos destacar a população local, que, de forma passiva, recebe

intervenções em seu espaço de vida e o setor privado e público, agentes que podem

atuar diretamente na modificação de um lugar. Consideramos também a importância

de haver um equilíbrio entre as funções de um local, para que não haja uma

hipertrofia de apenas algumas.

Após a discussão teórica, partimos para o conhecimento do nosso objeto de

estudo: a Zona Portuária do Rio de Janeiro. A principio, de forma abrangente,

desenvolvemos uma contextualização histórica da área central da cidade,

identificando o momento de formação, estruturação e deterioração desta região.

Posteriormente direcionamos nosso estudo para a zona portuária, que fica na área

central da cidade, desenvolvendo um contexto mais específico. Observamos sua

localização, características geográficas, a sua formação histórica e a situação atual

da região. Neste âmbito, pontuamos alguns projetos de intervenção urbana,

propostos para a região portuária, do final da década de 1980 até aquele

antecedente ao atual projeto.

No capítulo seguinte, organizamos as idéias e informações sobre o projeto

Porto Maravilha. Para isso, foi feito o levantamento de dados e informações, tendo

como metodologia de nosso estudo a realização de pesquisa bibliográfica e

elaboração de entrevistas. Com os resultados obtidos, mostramos a delimitação

geográfica do projeto, seus objetivos e características importantes para compreender

o seu andamento. A seguir, expusemos as ações do Porto Maravilha, destacando

aquelas voltadas para o desenvolvimento turístico e para questões sociais da região.

Também identificamos os principais agentes sociais (prefeitura, iniciativa privada e

população local) e o envolvimento e posicionamento de cada um sobre o Porto

Maravilha.

As observações ao longo do texto, embora não tragam conclusões definitivas,

apontam algumas reflexões. Pudemos perceber que a Zona Portuária do Rio de

Janeiro possui um significativo valor histórico e cultural, além de um potencial

turístico, merecendo ser melhorada. O atual projeto de intervenção urbana

amenizará ou até mesmo transformará a situação atual da região. Porém, há ainda

uma resistência por parte de alguns moradores. Com o estudo, observamos que o

papel da Associação de Moradores é muito importante para envolver a população

nas questões do projeto, além de ser mais possível defender as necessidades da

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população. Em uma área com um considerável número de habitantes,

recomendamos que a formação de representações comunitárias seja a melhor forma

de conciliar os anseios da população com aqueles já planejados pelo poder público e

privado.

Para o meio acadêmico, consideramos que o estudo realizado tem

contribuição relevante, através de reflexões formadas a partir de um amplo conjunto

de temas. No entanto, ressaltamos que a pesquisa possuiu limitações, no que diz

respeito ao tamanho de sua amostra, considerada pequena, apesar da importância

das opiniões dos agentes sociais entrevistados. Sendo assim, para futuras

pesquisas no campo de estudo da intervenção urbana da Zona Portuária do Rio de

Janeiro, torna-se importante a realização de mais entrevistas. Levando-se em conta

que nos próximos anos mais ações do projeto Porto Maravilha serão desenvolvidas

na região, cremos que os trabalhos posteriores a este possam vir a dar continuidade

relevante para as discussões e pesquisa sobre a refuncionalização da Zona

Portuária do Rio de Janeiro.

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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO a

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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO b

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APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO c