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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO CIÊNCIAS CONTABÉIS E TURISMO
CURSO DE TURISMO
DEPARTAMENTO DE TURISMO
NAIRA RAFAELE ANDRADE DA COSTA
PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA
DO RIO DE JANEIRO
Niterói
2011
1
NAIRA RAFAELE ANDRADE DA COSTA
PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA
DO RIO DE JANEIRO
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito final de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Orientador – Prof. Dr Aguinaldo Cesar Fratucci.
Niterói
2011
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PROJETO PORTO MARAVILHA: A IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E SOCIOCULTURAL DA ZONA PORTUÁRIA
DO RIO DE JANEIRO
Por
Naira Rafaele Andrade da Costa
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito final de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
PROF. Dr. AGUINALDO CESAR FRATUCCI – Orientador
___________________________________________________________
PROF. MSC. RENATO GONZALEZ DE MEDEIROS- Convidado
___________________________________________________________
PROF. DR. MARCELLO DE BARROS TOMÉ MACHADO
Departamento de Turismo - UFF
Niterói, 24 de No de 2011.
3
Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos e
ao meu noivo, em gratidão a todo o amor que
eles me dão.
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AGRADECIMENTOS
Não existe objetivo concretizado sem palavras incentivadoras, amor, carinho
e atenção de pessoas que, verdadeiramente, desejam a sua vitória. Se hoje você
está lendo este trabalho, é porque não há sonho que não possa ser realizado. Basta
apenas ter pessoas maravilhosas ao seu lado, determinar e ir em frente.
Agradeço aos meus pais, Carlos Augusto e Naira Jane, por toda a luta em
prol da minha educação e felicidade. Aos meus irmãos, Vinícius, Ívena e Marcus
Paulo, por todo o carinho e amizade. Às minhas avós Iolanda e Alvina, deixo aqui o
meu agradecimento. Orgulho-me de ter uma família tão maravilhosa e unida, que
sempre me apoiou em minhas escolhas profissionais. Muito, muitíssimo obrigada!
Ao meu noivo Thiago, pelos incentivos, carinho e amor. Muito obrigada por
todo o apoio para a realização do meu trabalho. Também agradeço aos meus
sogros, Katia e Wellington, por todo o carinho e acolhimento.
Agradeço ao meu orientador, Aguinaldo Cesar Fratucci. Com certeza este
trabalho não seria tão maravilhoso sem suas orientações. Muito obrigada pela sua
ajuda e atenção.
Ao professor Renato Medeiros, agradeço pelas dicas durante a elaboração do
meu trabalho. E também pela oportunidade de ser monitora de Agenciamento
Turístico. Com isso, pude conhecer o quão maravilhoso é poder ensinar e incentivar
os alunos a serem pessoas brilhantes.
À Adrianna Eu, senhor Gabriel Catarino e Regina Santos, agradeço pela
gentileza de terem aceitado minha proposta de entrevista, recebendo-me com muita
atenção e simpatia. Muito obrigada.
Aos meus amigos, deixo aqui registrado o meu agradecimento! Obrigada por
me incentivarem de forma direta e indireta. Com certeza vocês contribuíram para eu
chegar até aqui.
5
Empenhe-se ao máximo.
Faça valer cada dia.
Pergunte a si mesmo hoje e também amanhã:
“Fiz o melhor?”
São essas atitudes que forjam um herói.
Aquele que age dessa forma
É um vencedor.
Daisaku Ikeda
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RESUMO
Em 2009, a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. A partir deste ano, várias propostas foram apresentadas pela prefeitura da cidade, para transformá-la em uma Cidade Olímpica. Uma delas é o projeto Porto Maravilha, voltado para a recuperação e melhoria urbana da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Buscando dinamizar esta região, além de reintegrá-la ao restante da cidade, o projeto visa inserir diferentes funcionalidades na região, como turismo, entretenimento e comércio. Com o advento da globalização, no final do século XX, um ambiente de competitividade formou-se entre as cidades, as quais passaram a buscar diferenciais para se tornarem atrativas. Em meio a isso, vários projetos de intervenção urbana foram elaborados, no intuito de restabelecer o valor econômico perdido das áreas descuidadas. Neste contexto, considerando o seu valor histórico, cultural e econômico, a zona portuária tornou-se alvo de alguns projetos urbanísticos. Entretanto, nenhuma ação foi inteiramente executada. Com isso, os bairros portuários e seus moradores sofrem até hoje com a degradação das estruturas urbanas e com a formação de uma imagem negativa. Atualmente, já são notórias na região algumas intervenções urbanas e ações sociais para a população local. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo compreender as ações do projeto Porto Maravilha, destacando aquelas voltadas para o desenvolvimento turístico e sociocultural da região. Além disso, propõe-se investigar o nível de respeito dado a população local, assim como o seu envolvimento nas ações. Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas, além de entrevistas com agentes sociais envolvidos no projeto. Com a pesquisa, foi possível identificar que a prefeitura e a iniciativa privada são agentes atuantes na execução do projeto, direcionando as ações conforme seus anseios. No entanto, eles procuram abrir espaço para se comunicarem com os demais agentes sociais. Também se observou a importância de se construir uma forte representação comunitária, para que as necessidades da população local sejam defendidas e inseridas no projeto. Neste sentido, o estudo buscou contribuir para as discussões acadêmicas voltadas à compreensão das intervenções urbanas na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Intervenção Urbana. Projeto Porto Maravilha. Marketing de Lugares. Turistificação. Rio de Janeiro.
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ABSTRACT
In 2009, the city of Rio de Janeiro was chosen to host the 2016 Olympic Games. This year, several proposals were presented by the city council to turn it into an Olympic city. One is the Project Porto Maravilha, facing the recovery and improvement urban of harbor area of Rio de Janeiro. Seeking to boost the region, and reintegrate it with the rest of the city, the project aims to add different features in the region, including tourism, entertainment and shopping. With the advent of globalization, in the late twentieth century, formed a competitive environment among the cities, which started looking for differential to become attractive. Along the way, several urban intervention projects have been developed in order to restore the lost economic value of the neglected areas. In this context, considering its value historical, cultural and economic, the Port Area became the target of some urban projects. However, no action has been fully executed. With this, the port neighborhoods and their residents suffer until today with the degradation of urban structures and the formation of a negative image. Currently, there are already noticeable in the region some urban interventions and social actions for local people. Thus, the present study aims to understand the actions of the project Porto Maravilha, highlighting those aimed at tourism developing and the socio-cultural developing of the region. Moreover, it is proposed to investigate the level of respect given to the local population, as well as their involvement in the actions. For this, were realized literature searches and interviews with social workers involved in the project. With the research, was possible to identify that the municipality and the private sector are active agents in the execution of the project, directing the actions according to their wishes. However, they look for to open space to communicate with the social agents. Also noted the importance of building a strong community representation, to the needs of local people are safeguarded and included in the project. In this sense, the study sought to contribute to the academic discussions aimed at understanding of urban interventions in the Port Area of Rio de Janeiro.
Key-words: Urban Intervention. Project Porto Maravilha. Marketing of Places. Touristification. Rio de Janeiro.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Motivações que conduzem as intervenções em centros urbanos..... 26
Figura 2 Elementos do marketing estratégico de lugar................................... 40
Figura 3 Mapa do Centro da Cidade do Rio de Janeiro ................................. 52
Figura 4A Panorama da Praça XV no século XVI ............................................. 53
Figura 4B Panorama da Praça XV no século XVII ............................................ 53
Figura 5 Panorama da Praça XV em 1790 ..................................................... 55
Figura 6 Panorama da Praça XV em 1870 ..................................................... 58
Figura 7 Panorama da Praça XV em 1910 ..................................................... 60
Figura 8 Panorama da Praça XV em 2002 ..................................................... 64
Figura 9 Mapa da Zona Portuária do Rio de Janeiro ...................................... 65
Figura 10 Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XVII ..................... 66
Figura 11 Panorama do Porto do Rio de Janeiro, no século XVIII ................... 67
Figura 12 Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XIX ...................... 69
Figura 13 Configuração territorial da Zona Portuária, após aterramentos ........ 74
Figura 14 Panorama do Porto do Rio de Janeiro na primeira metade do
século XX .......................................................................................... 76
Figura 15 Evolução do número de turistas procedentes dos Cruzeiros
Marítimos .......................................................................................... 77
Figura 16 Área de abrangência do projeto Porto Maravilha ............................. 87
Figura 17 Setorização das áreas por função proposta ..................................... 88
Figura 18 Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio ..................................... 91
Figura 19 Projeto HarmonizAção ...................................................................... 93
.
9
LISTA DE SIGLAS
AEIU Área de Especial Interesse Urbanístico
AMAGA Associação de Moradores e Amigos da Gamboa
CDURP Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio
de Janeiro
CEPAC Certificado de Potencial Adicional de Construção
COI Comitê Olímpico Internacional
FPACBa Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISS Imposto Sobre Serviço
MAR Museu de Arte do Rio
OUCRJ Operação Urbana Consorciada do Rio de Janeiro
PPP Parceria Público Privada
SAGAS Projeto de recuperação dos patrimônios dos bairros da Saúde,
Gamboa e Santo Cristo
SESI Serviço social da Indústria
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
VLT Veículo Leve sobre Trilhos
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 12
2 ÁREAS CENTRAIS URBANAS BRASILEIRAS: PROCESSOS DE
DETERIORAÇÃO E RECUPERAÇÃO.......................................................
17
2.1 FORMAÇÃO E DETERIORAÇÃO DAS ÁREAS CENTRAIS
BRASILEIRAS..............................................................................................
19
2.2 INTERVENÇÕES URBANAS: FASES E TERMINOLOGIAS ..................... 25
2.2.1 Higienização ............................................................................................... 29
2.2.2 Renovação Urbana...................................................................................... 31
2.2.3 Preservação Urbana ................................................................................... 33
2.2.4 Reinvenção Urbana .................................................................................... 35
2.3 MARKETING DE LUGARES E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO........... 37
2.4 TURISTIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE TERRITÓRIO E TURISMO....... 43
3 CONTEXTO HISTÓRICO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO: DESENVOLVIMENTO E DETERIORAÇÃO.............................
49
3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CENTRO DO
RIO DE JANEIRO........................................................................................
52
3.1.1 Processo de degradação do Centro do Rio de Janeiro .............................. 61
3.2 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO
DE JANEIRO ...............................................................................................
64
3.2.1 Processo de degradação da Zona Portuária do Rio De Janeiro ................ 75
3.2.2 Intervenções Urbanas na Zona Portuária do Rio De Janeiro ..................... 79
4 REFUNCIONALIZAÇÃO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO 83
4.1 PROJETO PORTO MARAVILHA ................................................................ 86
4.1.1 Ações voltadas para o desenvolvimento social na Zona Portuária ............ 91
4.1.2 Ações voltadas para o desenvolvimento turístico ....................................... 94
4.2 AGENTES SOCIAIS: CDURP, PORTO NOVO E POPULAÇÃO LOCAL ... 96
4.2.1 CDURP e Porto Novo ................................................................................. 96
4.2.2 População local ........................................................................................... 99
4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................... 102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 105
11
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 109
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO a .................................... 114
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO b .................................... 115
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO c .................................... 116
12
1 INTRODUÇÃO
As áreas centrais das cidades apresentam-se como um relevante local
histórico, econômico e social. Nelas foram desenvolvidas as primeiras
concentrações de atividades comerciais, sociais e políticas, atraindo um
deslocamento acentuado de pessoas. Considerando que a formação de uma
centralidade depende de algumas variáveis, como acessibilidade, os centros não se
formaram necessariamente na área geometricamente central da cidade, como é o
caso da área central do Rio de Janeiro.
Ao considerar a dificuldade de explorar terras mais internas, além da
importância de se instalar próximo ao litoral, para se proteger de invasões e facilitar
o contato com o mundo, a cidade do Rio de Janeiro desenvolveu sua área central
próxima às enseadas da região que hoje conhecemos como Praça XV. Nela
encontrava-se o porto, cenário de importantes acontecimentos para a história do
Brasil, por ser, durante muitos anos, a principal porta de entrada para o país. Assim,
podemos indicar que o Rio de Janeiro desenvolveu-se a partir de seu porto.
Conforme as atividades cresciam no centro do Rio de Janeiro, novas áreas se
urbanizavam. Neste contexto, a Zona Portuária do Rio de Janeiro ganhou notória
relevância. Localizada junto à área central da cidade, próxima ao núcleo histórico da
Praça XV, atualmente compreende os bairros de Saúde, Gamboa, Santo Cristo e
Caju. Devido a sua localização estratégica e condições geográficas favoráveis para
movimentações comerciais marítimas, a região desenvolveu-se com o deslocamento
das atividades portuárias para suas enseadas.
No decorrer do tempo, os bairros da região portuária tornaram-se dotados de
valor histórico, cultural e econômico. Além de abrigar as atividades portuárias, na
região também se desenvolveram indústrias, além de ter sido marcada como local
de instalação do mercado negreiro. No Morro da Providência, localizado na região,
foi formada a primeira favela do Brasil. A região também foi palco das reformas
urbanas do prefeito Pereira Passos, tendo em seu porto a atracação de navios de
carga e de transporte de pessoas.
Sua população se compôs, inicialmente, pela presença de negros e
imigrantes europeus, principalmente portugueses. Eles se instalavam na região para
ficarem próximos às aglomerações de atividades e serviços do centro, considerados
como fontes de trabalho para muitos. Até os dias atuais, algumas manifestações
13
culturais ainda são preservadas: a região, marcada pela cultura afrodescendente,
ainda mantém as rodas de samba na Pedra do Sal, no Morro da Conceição. Local
de importância histórica e cultural, ali o sal era comercializado na época colonial,
além de ser considerado o berço do samba. Outra importante manifestação é a festa
anual em comemoração ao dia da Nossa Senhora da Conceição, realizada pelos
moradores do Morro da Conceição, muitos descendentes de portugueses.
Além da preservação do patrimônio imaterial, a Zona Portuária do Rio de
Janeiro apresenta um considerável acervo de patrimônio material, artístico, histórico
e cultural. Construções em diferentes estilos arquitetônicos e de diferentes épocas
são expressivos em algumas áreas de seus bairros. Alguns imóveis são tombados
por lei, favorecendo a manutenção das características consideradas importantes
para a identidade cultural da região.
Em meados do século XX, a área central do Rio de Janeiro sofreu um
esvaziamento considerável de serviços e pessoas, devido a diversos fatores
culturais, políticos e econômicos. Investimentos, antes inseridos na área, passaram
a serem direcionados às novas centralidades. Até este momento, as atividades
portuárias dinamizavam a zona portuária, integrando-a ao restante da cidade.
Porém, a região passa a sentir o reflexo do esvaziamento do centro, e outros fatores,
como obsolescência de seus equipamentos portuários e ascensão de outros meios
de transportes, possibilitaram a construção de um processo de abandono e
degradação da região.
As estruturas da área central, de um modo geral, começaram a se deteriorar.
Edificações, infraestrutura e equipamentos urbanos ficaram em precário estado de
conservação. Mesmo assim, o núcleo central ainda mantinha um número estimável
de empregos, sendo frequentado mais como local de trabalho, por perder um
número notável de moradores e serviços para bairros mais atrativos. Por sua vez, a
zona portuária não deixou de ser local de residência, trabalho e comércio, tendo sua
vida social, econômica e cultural ofuscada pelo seu abandono.
Deste modo, além da deterioração das estruturas concretas, os investimentos
voltados às necessidades básicas de sua população eram poucos, ou até mesmo
nulos. Tal fato contribuiu para os moradores da região sentirem-se excluídos e
desamparados, pelo governo e setor privado. Uma imagem negativa passou a ser
construída pela sociedade carioca. A área ficou considerada como local de
14
marginalidade, prostituição, pobreza, insegurança, entre outras denominações
degradantes.
A partir do final do século XX, ao redescobrir o valor econômico, histórico e
cultural das áreas portuárias, diversos projetos de intervenções urbanas foram
planejados, por instituições públicas e privadas, visando valorizar e melhorar os
espaços da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Entretanto, ainda não houve um
projeto que tenha sido executado integralmente. Mas, com a candidatura do Rio de
Janeiro em sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a cidade assume um compromisso
econômico e político para os próximos anos, planejando ações para se transformar
em uma Cidade Olímpica. Os megaeventos são considerados um grande motivador
para transformações urbanas de um lugar, contribuindo para a promoção de uma
imagem positiva e para o aumento de sua competitividade, perante outros lugares.
Neste âmbito, surge o mais recente projeto urbanístico para a zona portuária,
conhecido como Porto Maravilha, lançado em 2009 pela Prefeitura da cidade.
O projeto visa de um modo geral, melhorar a qualidade de vida dos
moradores atuais, valorizando a região para atrair novos moradores e visitantes,
através da inserção de outras funcionalidades, como turismo, cultura e lazer. De
acordo com dados divulgados no Portal Geo (IPP, 2011a), aproximadamente 48.664
moradores residem na região portuária. E, conforme dados disponibilizados pela
empresa Píer Mauá S.A (2011), na última temporada de cruzeiros marítimos (2010-
2011) foram previstos a chegada de aproximadamente 800.000 turistas. Mas, devido
à ausência de atividades turísticas, a região torna-se apenas um local de
desembarque, contribuindo para o deslocamento dos visitantes para áreas
turisticamente mais atrativas, a destacar os bairros da Zona Sul.
Nesse contexto, o presente estudo busca compreender quais são as
implicações do projeto Porto Maravilha para o desenvolvimento turístico da região e,
em especial, para a comunidade local. Com isso, nosso objetivo é analisar o atual
Projeto de Revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, identificando suas
ações, dando ênfase àquelas focadas no desenvolvimento turístico e sociocultural
da região, propondo uma reflexão sobre até que ponto haverá um respeito à
população presente na região.
Partindo deste propósito, tornar-se-á importante pesquisar como estão sendo
planejadas as ações do projeto atual; investigar o nível de relação da população
local, analisando sua participação no planejamento e sua resistência para a
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implantação das intervenções previstas; e se as ações dos gestores do projeto estão
levando em consideração os anseios da população local. Para uma melhor
compreensão, a delimitação geográfica compreendeu a mesma demarcação feita
pelo atual projeto, compreendida pela área da Praça Mauá, os bairros Saúde,
Gamboa e Santo Cristo.
Assim como em outros projetos recentes, o Porto Maravilha utiliza o termo
revitalização para designar as ações planejadas. Sem uma pesquisa sobre a
definição, a palavra nos remete a entender que os projetos que utilizam este termo
referem-se a dar vida a um lugar. Sabendo-se que a região compreendida pelo
projeto ainda apresenta certa vitalidade, mesmo estando abandonada, optamos por
evitar o uso deste termo ao falar sobre o atual projeto. Consideramos que o conceito
de requalificação é mais pertinente para apresentar as intervenções urbanas
pretendidas pelo projeto.
Supondo que o projeto Porto Maravilha possibilite a valorização imobiliária da
região, partimos do pressuposto que a população atual teme por um processo
gradativo de expulsão, visto que sua composição, de um modo geral, é de pessoas
com baixo poder aquisitivo. A partir disso, uma nova população com melhores
condições financeiras se formaria no local, caracterizando um processo de
gentrificação da área. Entendemos também que, ciente da população existente na
região, o projeto deve procurar envolvê-la da melhor maneira possível, a fim de
valorizar suas opiniões. Porém, por ser considerada de baixa renda, supomos que
haverá poucas ações que estimulem a participação da comunidade, nas decisões
sobre a requalificação da Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Para a concepção deste estudo, optamos encaminhá-lo sob a ótica de uma
pesquisa exploratória, de caráter qualitativo. De forma a atingir os objetivos
propostos, em um primeiro momento foram realizadas pesquisas bibliográficas e
documentais, em meio impresso e virtual, para levantamento de dados e
informações, sendo utilizados artigos acadêmicos, livros, notícias, sites
institucionais, entre outras fontes. Posteriormente, foram estruturadas entrevistas, a
fim de investigar a visão de diferentes agentes sociais envolvidos no projeto.
O estudo está estruturado em cinco capítulos, sendo este o primeiro. No
capítulo 2 foi feito uma abordagem teórica do tema, levantando informações que
foram organizadas em subseções. Seguindo a ordem, foram desenvolvidas
discussões acerca do processo de formação e deterioração das áreas centrais das
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cidades brasileiras; os tipos de terminologias e os diferentes períodos de
intervenções urbanas ocorridas a partir da década de 1950, de modo a contornar a
situação de deterioração dos centros urbanos; uso de ferramentas empresarias no
planejamento urbano das cidades, constituindo o marketing de lugares; e, por último,
o processo de turistificação de um espaço, através da apropriação do lugar para o
desenvolvimento turístico.
Para compreendermos a importância histórica e cultural da Zona Portuária do
Rio de Janeiro, apresentamos no capítulo 3, através de fatos históricos, a evolução
urbana da cidade do Rio de Janeiro. Como o presente estudo trata da zona portuária
e sua presença na área central do Rio de Janeiro, as duas áreas foram vistas em
particular. Neste capítulo também foram levantadas informações sobre alguns
projetos planejados para a região, anteriores ao Porto Maravilha.
No capítulo 4 entramos na discussão direcionada ao projeto Porto Maravilha,
identificando suas principais ações, a atuação dos agentes sociais envolvidos no
projeto, assim como identificar como se dá a relação entre eles, através das
informações obtidas nas entrevistas e pesquisas bibliográficas. Por fim, toda a
estruturação do estudo nos levou a constituir as considerações finais, sendo este o
último capítulo.
17
2 ÁREAS CENTRAIS URBANAS BRASILEIRAS: PROCESSOS DE DETERIORAÇÃO E RECUPERAÇÃO
As áreas centrais da zona urbana foram, durante longos anos, o ponto mais
importante para as cidades, abrigando as primeiras aglomerações de atividades de
comércio e serviço. Eram apresentadas como o centro principal/tradicional das
cidades, sendo locais de concentração “enorme de capital econômico, social, cultural
e simbólico” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.XXI), com localização diferenciada em
comparação com as demais partes da cidade.
No Brasil, os centros das cidades se estruturaram a partir da segunda metade
do século XIX, quando se observou o processo gradual de urbanização, devido às
mudanças sociais e econômicas que o país passava. Os centros formaram-se como
importantes áreas de produção e consumo, principalmente para os donos dos
recursos econômicos, que continuam controlando a estruturação do espaço de
acordo com seus interesses. A vitalidade da área central dependia da presença das
classes média e alta na região, pois os investimentos e o seu desenvolvimento eram
baseados pela frequência destas parcelas da sociedade.
Segundo Villaça (2009), os centros atingiram sua extensão física máxima por
volta de 1950, quando se observou um processo de congestionamento de atividades
e pessoas nas regiões centrais das cidades brasileiras. Concomitantemente a este
fato, novas áreas da cidade se urbanizavam, cresciam e se expandiam, atraindo a
instalação de residências e comércio, fazendo surgir novos “centros”. Com isso os
centros tradicionais, que até então não possuíam nenhum concorrente, aos poucos
foram perdendo suas atividades e sua força para as novas centralidades que se
formavam nas modernas áreas urbanas, diminuindo consideravelmente o fluxo diário
de pessoas para a região. Neste momento entraram em cena os chamados
subcentros1.
Com o processo de esvaziamento, os centros tradicionais ficaram
abandonados pela classe alta, enquanto a classe baixa se transferia para o local.
Eles passaram a se deteriorar, fato decorrente da diminuição dos investimentos
públicos na região, tanto para manutenção de suas construções quanto de sua
1 “Subcentros são aglomerações diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, que não o
centro principal” (VILLAÇA, 2009, p.293).
18
infraestrutura. O centro passou a ser local de marginalidade, violência e
informalidade.
No caso das cidades litorâneas, é importante destacarmos a contribuição da
obsolescência de seus portos para a ociosidade da área central. A atividade
portuária cooperou para a localização e formação dos centros tradicionais dessas
cidades e, por muitos anos, foi importante para a economia brasileira. Mas, com o
desenvolvimento de transportes mais eficientes e modernos, o fluxo de atividades
com navios, para deslocamento de produtos e pessoas, diminuiu-se, ajudando a
tornar a região subutilizada e marginalizada.
As áreas urbanas centrais, no entanto, mesmo estando descuidadas e
degradadas ainda guardam e preservam valor histórico, cultural, econômico e
simbólico. Por ter sido inicialmente uma área valorizada, recebeu um fluxo
considerável de investimentos públicos. Em meio a sua desvalorização, os centros
ainda apresentam infraestrutura urbana instalada e importantes patrimônios
históricos culturais. O que ocorre é que seu valor de uso está ofuscado pelos efeitos
de seu esvaziamento, sendo um “desperdício inaceitável para as cidades”, conforme
menciona Vargas e Castilho (2009).
Com o intuito de recuperar, refuncionalizar, melhorar e valorizar as áreas
centrais deterioradas, vários processos de intervenção urbana são desenvolvidos.
Tal preocupação é observada no Brasil a partir de 1980, tardiamente se comparado
com a América do Norte e Europa, que em 1950 já planejavam intervir em seus
centros (VARGAS; CASTILHO, 2009).
Neste momento, diversas terminologias foram formadas para se referir a este
tipo de prática, tais como requalificação, refuncionalização, regeneração,
revitalização, revalorização, e outros. Cada conceito apresenta objetivo e propostas
diferentes, porém muitas vezes são usados como sinônimos nos projetos de
intervenção urbana, contribuindo para a formação de questionamentos em relação à
sua viabilidade e concretização.
É importante destacarmos que, quando uma área esquecida recebe melhorias
urbanas, ela retoma seu valor e sua atratividade. Com isso, os donos dos recursos
econômicos voltam a investir e residir na área, que em muitos casos é habitada por
uma população menos favorecida economicamente. Desta forma, as intervenções
urbanas em um local podem contribuir para a formação de um processo de expulsão
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espontânea e gradual da população mais pobre do local, conhecido como
Gentrification.
As intervenções urbanas até hoje podem ser verificadas nas áreas centrais,
principalmente quando observam a potencialidade da região para a economia. Nesta
questão, o governo em conjunto com a iniciativa privada revela importante papel nas
transformações urbanas, unindo-se em prol do crescimento econômico e
desenvolvimento urbano. Suas ações passam a serem orientadas com base na
adoção de práticas empresariais, constituindo um planejamento estratégico urbano e
o uso do Marketing de Lugares. Portanto, o centro passa a sofrer melhorias para se
tornar atrativo e comercializado pelos empresários, turistas e pela sociedade.
Uma das maneiras de promover a cidade e ativar sua economia é
privilegiando as atividades turísticas e de entretenimento, como maneira eficiente de
atrair recursos para a região. A turistificação, termo que designa a apropriação dos
espaços pelo turismo, passa a ser uma importante ferramenta para a melhoria e
desenvolvimento de áreas deterioradas, estando inserida nos projetos de
intervenções urbanas de cidades com forte potencial turístico.
Mesmo a cidade sendo tratada como um produto a ser colocado no mercado,
as ações para que isso ocorra amenizam a deterioração da cidade, sendo capaz de
torná-la novamente valorizada. Para compreender melhor como se deu o processo
de degradação e recuperação dos centros urbanos, é essencial levarmos em conta
os motivos que os fizeram ficarem abandonados e assim perderem a sua
importância para outras centralidades.
2.1 FORMAÇÃO E DETERIORAÇÃO DAS ÁREAS CENTRAIS BRASILEIRAS Em diversos estudos, o centro das cidades é apresentado juntamente com
diferentes adjetivos: centro comercial, centro tradicional, centro histórico, centro
antigo, entre outros. De acordo com Vargas e Castilho (2009, p.1) “os centros das
cidades tem sido identificados como o lugar mais dinâmico da vida urbana,
animados pelo fluxo de pessoas, veículos e mercadorias decorrentes da marcante
presença das atividades terciárias”.
Os diferentes setores que compõem uma cidade apresentam um determinado
valor de uso, estabelecidos a partir de diversas variáveis, como sua acessibilidade e
20
as relações que cada um constitui com o conjunto restante da cidade. Há aquele em
que sua localização possibilita uma minimização nos gastos de tempo e energia para
o deslocamento das pessoas, superando qualquer distância de outra área. O fácil
acesso de uma área em comparação a outras da cidade contribui para a
estruturação de certa centralidade, possibilitando concentrações de atividades e
serviços. A partir desta aglomeração, um considerável fluxo diário de cidadãos passa
a ser gerado, tanto como portador da força de trabalho para trabalhar, ou como
consumidor para fazer compras e utilizar os serviços. Aquele setor que conseguir
apresentar o maior poder de atração dentro da cidade pode ser considerado como o
seu centro principal.
Assim, os centros das cidades apresentam-se como uma área dotada de valor
social, econômico, simbólico e histórico. Por muito tempo foram considerados como
o principal espaço de aglomeração de poder, empregos, atividades e serviços. É
ideal ressaltarmos que a localização de um centro “é determinada como fruto da
relação entre tempo despendido em deslocamentos, acessibilidade, valor de uso,
valor simbólico” (ALBRECHT, 2008, p.9), não estando necessariamente no ponto
geometricamente central de uma cidade. Uma boa ilustração são os centros urbanos
de cidades litorâneas, como Rio de Janeiro e Salvador, que apresentam sua área
central totalmente fora dos seus centros geométricos, deslocadas para ficarem
próximas de seus portos.
A formação dos centros urbanos brasileiros pode ser observada a partir da
segunda metade do século XIX, quando “o país experimentou notável surto de
progresso e grandes transformações sociais” (VILLAÇA, 2009, p.252), que
contribuíram para o crescente processo de expansão e urbanização de suas
cidades. Foi um momento de notória acumulação de capital no país, com a
expansão da atividade cafeeira, o desenvolvimento de indústrias, de transportes e
do setor de serviços, o fortalecimento da burguesia e das idéias capitalistas, a
substituição do trabalho escravo pelo assalariado e a proclamação da República. É
importante frisar que as modificações observadas neste período tiveram forte
influência européia, seja pela importação dos hábitos de consumo de sua população,
ou pelos acontecimentos que ocorriam naquela época, ressaltando a Segunda
Revolução Industrial e a ascensão da burguesia e do capitalismo industrial.
As cidades que até então mantinham uma importância inferior às áreas
agrárias, iniciaram um processo contínuo de urbanização. Os hábitos de consumo
21
da sociedade brasileira começaram a mudar. O que antes era desempenhado no
campo e resolvido pelo patriarca rural se deslocava para áreas urbanas em
desenvolvimento, contribuindo para o surgimento de estabelecimentos como
escolas, salões de belezas, cinema, restaurantes, hotéis, entre outros. Assim
formou-se no Brasil “um novo sistema, com seu centro de gravidade não já em
domínios rurais, mas nos centros urbanos” (HOLANDA,1995 apud ALBRECHT,
2008, p.10).
Os setores das cidades que apresentavam melhor acessibilidade
desenvolveram-se como centros principais, recebendo as primeiras aglomerações
de serviços, empregos e comércio, gerando o deslocamento diário da sociedade
para eles, além da construção de instituições e investimentos públicos e privados.
Conforme explica Villaça (2009), devido à importância política e econômica que a
cidade do Rio de Janeiro possuía, na segunda metade do século XIX, a formação e
desenvolvimento do seu centro deu-se mais cedo que as demais cidades brasileiras.
Em 1860, enquanto a cidade do Rio de Janeiro já abrigava lojas comerciais, em São
Paulo, por exemplo, ainda não tinha “restaurantes, cafés, confeitarias, casas de
banho, bancos, etc.” (BRUNO,1954, apud VILLAÇA, 2009, p.253).
Conforme a cidade crescia, intervenções urbanas tornavam-se indispensáveis
para a sua expansão. As ações eram feitas, principalmente, a partir do centro
principal, contribuindo para o seu desenvolvimento e para a melhoria de sua relação
com as demais partes da cidade. Muito dos investimentos para a implantação dos
serviços básicos, como iluminação, saneamento e transportes urbanos, eram
realizados por grupos privados, através de concessões dadas pelo governo. O bom
exemplo disso foi o desenvolvimento dos trens e bondes no final do século XIX, que
contribuiu para a expansão de novas áreas e para a melhoria na comunicação entre
elas e o centro. Enquanto os bondes se desenvolviam para as áreas mais próximas
ao centro e eram usados pela classe alta, os trens se direcionavam para áreas mais
distantes, sendo transporte usado pelas pessoas mais pobres.
Com tantos investimentos, as terras da área central e em áreas próximas
tinham um alto valor e, com isso, sua apropriação ficava praticamente restrita para
as camadas de mais alta renda da sociedade. O centro principal das cidades passou
a se apresentar como local nobre e valorizado, sendo muito frequentado pela elite
para diferentes finalidades, como profissionais, religiosas, culturais e sociais. As
pessoas abastadas eram o único mercado da época para o comércio central.
22
Enquanto isso, a classe popular, mesmo sendo maioria, mantinha-se inibida, sem
qualquer poder de decisão e controle sobre o centro, fixando-se em áreas periféricas
distantes ou, em partes precárias da área central (encostas, margens de rios e
canais, morros, etc.).
A partir de meados do século XX, os centros brasileiros passaram por um
processo de estagnação e saturação, que pode ser observado primeiramente no Rio
de Janeiro, por volta do final da década de 1940, enquanto nas demais cidades foi
notório a partir de 1950 (VILLAÇA, 2009). Segundo Vargas (2006), as causas que
contribuíram para o declínio dos centros tradicionais podem ser melhores
compreendidas ao classificá-las como aquelas de origem externa ou interna ao
centro.
No que se refere às causas internas, observa-se que por volta de 1950 os
centros atingiram sua máxima extensão física, levando a uma acumulação elevada
de pessoas e atividades dentro dos seus limites geográficos (VILLAÇA, 2009). Tal
fato acarretou em péssimas condições de poluição, congestionamentos, valorização
imobiliária, entre outros. Além disso, o passar dos anos favoreceu o surgimento de
problemas com as construções civis e a sua infraestrutura, que começavam a ficar
“antigas” para o período em que se encontravam. Assim, o centro passou a
apresentar um ritmo menos intenso.
Já em relação às causas de origem externa, a expansão das cidades merece
destaque. Com a urbanização de novas áreas, as pessoas que viviam próximas ao
centro começaram a se interessar pelas regiões que ofereciam melhor qualidade de
vida. Junto com o deslocamento de pessoas para os novos bairros, as funções
(comércio, lazer, etc.) que até então eram peculiares aos principais centros
passaram a ser oferecidas em outros locais das cidades, consolidando na década de
1970 os chamados subcentros. Segundo Villaça (2009, p.293), os subcentros:
[...] são uma réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, se igualar; apresenta os mesmos requisitos daquele quanto a otimização de acesso, porém apenas para uma parte da cidade.
Um exemplo interessante de formação de subcentros é o caso da cidade de
São Paulo. Vargas e Castilho (2009) ressaltam que a dinâmica econômica da cidade
produziu um fenômeno de transferência de seu centro econômico principal para
23
novas centralidades, em diversos momentos. Além disso, o desenvolvimento dos
meios de transportes foi fundamental para a formação dos subcentros, a destacar o
uso do automóvel e do metrô, que facilitaram o deslocamento para qualquer ponto
da cidade. A difusão do uso de automóveis, por volta de 1960, propiciou uma maior
mobilidade territorial e menor dependência da sociedade em relação aos transportes
coletivos. Por sua vez, o metrô em meados de 1980 passou a ser um importante
transporte público de massa, com grande capacidade e agilidade, contribuindo para
a comunicação entre diferentes pontos da cidade em tempo curto. Tanto no Rio de
Janeiro quanto em São Paulo, conforme as estações do metrô eram construídas, as
áreas, mesmo que longe do centro, tornavam-se acessíveis e atrativas para a
fixação de atividades e serviços, constituindo novos centros.
Diante desse processo de esvaziamento dos centros antigos e de criação de
novas centralidades, a área central começa a se deteriorar. Caracterizando-se como
uma área abandonada pelos donos dos recursos econômicos, o centro perdeu
algumas de suas funções, teve suas estruturas físicas arruinadas e danificadas.
Além disso, sofreu uma desvalorização no valor de seu solo, diminuição
considerável no nível das transações econômicas e dos investimentos privados e
públicos (VARGAS; CASTILHO, 2009). Tal processo teve seu ápice nas cidades
brasileiras por volta de 1980. Neste momento, as camadas populares continuaram a
se transferir para a região central, muitas vezes vivendo em precárias condições. De
acordo com Villaça (2009, p.283), o que ideologicamente considera-se como
decadência do centro pode ser compreendido como “justamente sua tomada pela
maioria da população”.
Deste modo, vemos que a deterioração das áreas centrais não se deu por seu
envelhecimento, mas sim, pelo abandono dos interessados em manter sua
vitalidade. O que primeiro se degradou não foram suas estruturas, mas a sua
localização. Novas centralidades passaram a se tornar muitas vezes mais
importantes do que os centros tradicionais, seja para os cidadãos, como produtores
ou consumidores, e para os investimentos públicos e privados. Isso mostra a relação
entre a presença da elite e a manutenção do centro de uma cidade. Se as camadas
mais favorecidas permanecessem fluindo à região para distintas finalidades, as
áreas centrais seriam conservadas e manteriam sua qualidade (VILLAÇA, 2009;
VARGAS; CASTILHO, 2009; dentre outros.).
24
Não se pode generalizar afirmando que todos os serviços e comércios que se
encontravam no centro transferiram-se para os subcentros. Mesmo apresentando
notório esvaziamento, este fato foi feito de modo parcial. Muitas atividades
permaneceram na região, atraindo um considerável fluxo de cidadãos, ajudando a
manter sua vitalidade.
Nessas condições, mesmo um centro estando abandonado, ele jamais
perderá seu valor simbólico, histórico e cultural. Tendo passado por um período de
rejeição e declínio, a partir da segunda metade do século XX, notamos que ao
mesmo tempo iniciou-se um processo de “recentralização” no qual, segundo
Hassenpflug (2007) apud Albrecht (2008, p.12) significou o “redescobrimento dos
aspectos sociais, funcionais e emocionais dos bons centros urbanos”. O governo,
além da iniciativa privada, percebeu que o centro poderia voltar a ser uma
importante fonte econômica para a cidade.
Com isso, diversos tipos de intervenções urbanas foram sendo
implementadas a partir de 1950, com o objetivo de recuperar as áreas deterioradas e
torná-las, novamente, relevantes pontos de aglomeração de pessoas e serviços.
Neste mérito, além dos centros, também entram as antigas áreas portuárias,
ferroviárias e industriais, por estarem, em muitos casos, inutilizáveis e por
apresentarem uma riqueza histórica e cultural. Rio de Janeiro, Recife e Belém, por
exemplo, têm suas áreas portuárias parcialmente desativadas, devido a um
processo de obsolescência de suas estruturas. No entanto, apresentam significativo
patrimônio histórico e grandes áreas públicas subutilizadas, tornando-se alvos de
diversos projetos de melhoria e refuncionalização.
É interessante observarmos que no caso da cidade do Rio de Janeiro, sua
área central é composta pelo seu centro principal e sua zona portuária - contínuas
espacialmente. O Centro histórico do Rio de Janeiro constituiu-se próximo à sua
zona portuária, possibilitando que projetos desenvolvidos para fins de recuperação
de uma determinada área influenciassem também na melhoria da outra área.
Compreender as diferentes nomenclaturas que as ações de recuperação
urbana possuem, além de analisar o contexto histórico em que cada uma se
desenvolveu, torna-se importante para conhecer os projetos desenvolvidos para
tentar resgatar os valores da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Pensando nesta
importância, a seguir estudaremos sobre as terminologias que caracterizam os
projetos de intervenção urbana, e as diferentes fases em que elas se sucederam.
25
2.2 INTERVENÇÕES URBANAS: FASES E TERMINOLOGIAS Conforme vimos, o Brasil teve suas cidades expandidas e urbanizadas a partir
da segunda metade do século XIX. Como resultado para a época, áreas com
importância econômica e social se desenvolveram: seus centros urbanos, as zonas
industrializadas, ferroviárias e portuárias. Porém, desde que as cidades
apresentaram um ritmo acelerado de crescimento, a partir da segunda metade do
século XX, iniciou-se um processo gradual de deterioração dessas regiões.
Os centros tradicionais, que até então abrigavam instituições públicas,
serviços e comércio, tornaram-se, a partir deste período, abandonadas e
subutilizadas. Enquanto isso, as áreas ferroviárias, industriais e portuárias,
passaram por um processo de obsolescência e, portanto, foram tornando-se ociosas
e esquecidas. Porém, não podemos esquecer que estas áreas, mesmo deterioradas,
são lugares que atualmente guardam importância histórica, econômica, simbólica e
cultural.
Assim surgiu, por volta de 1950, uma preocupação em recuperá-las,
contribuindo para a formação de diferentes processos de intervenção urbana. Na
figura 1, Vargas e Castilho (2009) citam alguns motivos que contribuíram para a
ocorrência de intervenções nos centros urbanos. É importante ressaltarmos que,
antes deste período, algumas ações podem ter sido já realizadas, porém não pelas
cidades estarem degradadas, mas pelo fato de ter que intervir para elas crescerem,
expandir suas áreas urbanas.
De um modo geral, para compreendermos a necessidade de intervir em uma
área urbana, Vargas e Castilho (2009) fazem uma analogia aos termos da medicina,
em que intervenção e cirurgia são consideradas sinônimas. Então, consideramos
que as intervenções são realizadas para recuperar a saúde ou manter a vida; para
reparar danos causados por acidentes ou para atender aos padrões estéticos e de
infraestrutura exigidos atualmente. Intervir nos centros significa recuperar sua
vitalidade, restaurar suas estruturas degradadas pelo esquecimento e melhorar a
imagem da cidade para inseri-la nos padrões globais.
26
Figura 1 - Motivações que conduzem as intervenções em centros urbanos Fonte: Vargas; Castilho (2009, p.6)
Em diferentes períodos da história, as ações foram feitas de maneiras
distintas, sendo principalmente conduzidas conforme interesses do poder público e
privado. Enquanto em um período intervir significava destruir o que estaria
degradado e construir coisas novas, em outros já se pensava em preservar o antigo
e até mesmo usá-los para diversas finalidades. Há também a fase em que se nota
uma miscigenação entre as ações acima citadas, na qual, ao mesmo tempo em que
27
se procura preservar o patrimônio existente, projetam-se novas construções de
grande visibilidade.
Neste contexto de diferentes processos de recuperação urbana das áreas
degradadas, surgem várias nomenclaturas com prefixo “re”, tais como renovação,
revitalização, reabilitação, refuncionalização, entre outros. Segundo Vasconcellos e
Mello (2009, p.53), o uso do prefixo nas terminologias indica “alguma coisa que
repete o já existente com uma nova forma” e, ainda que sejam usadas como
sinônimos, elas apresentam suas singularidades.
Renovação urbana foi o primeiro conceito a se formar na década de 1950,
baseado em ações de substituição de formas urbanas antigas por outras mais
modernas. Já os conceitos de revitalização, reabilitação e requalificação surgiram a
favor do reconhecimento do valor histórico e cultural nas ações urbanas, procurando
interferir nas áreas, mas preservando o seu patrimônio. Para Goulart (2005, s.p.),
reabilitação constitui um processo de recuperar uma área urbana que se pretende
proteger, “implicando o restauro de edifícios e a revitalização do tecido econômico e
social, no sentido de tornar a área atrativa e dinâmica, com boas condições de
habitabilidade”. Já requalificação, ou refuncionalização, remete ao processo de
reanimar uma determinada região, introduzindo novamente funções, que por algum
motivo foi interrompida ou não desenvolvida, sejam elas, por exemplo, habitação,
comércio, serviços e cultura. Ao citar o conceito de revitalização, termo muito
utilizado atualmente para os projetos de intervenção urbana, Goulart (2005) ressalta
que sua etimologia sugere um significado errôneo e preconceituoso, de voltar a dar
vida a uma área que não está morta, apenas abandonada. Na verdade, revitalizar
significa readquirir o vigor e a energia de uma área que possui vida, enchendo-a
ainda mais de vitalidade. Porém, seu uso pode provocar questionamentos
desfavoráveis.
É importante ressaltarmos que os investimentos voltados para a recuperação
de áreas centrais deterioradas possibilitam uma valorização de seu solo, acendendo
o interesse do mercado imobiliário para essas áreas. Com isso, é possível
observarmos um processo de retorno ao centro de diversas atividades e de famílias
mais abastadas, seja para morar ou frequentar. A população menos favorecida, que
se encontra instalada no local, passa a se sentir excluída do processo de melhoria
da área valorizada, pois em muitos casos a valorização provoca uma saída forçada.
Esta expulsão pode ser espontânea, quando se dá pela classe social com melhor
28
poder aquisitivo, ou expulsão estratégica, quando ocorre a partir de ações de
agentes políticos e privados. De todo modo, este processo é conhecido como
gentrificação (gentrification). Conforme explica Rykwert, (2004) apud Albrecht (2008,
p.20):
O termo designa o fenômeno de substituição de populações de rendas inferiores por populações de rendas superiores, induzida pela valorização imobiliária e/ou simbólica de porções urbanas consideradas de interesse artístico ou histórico [e econômico].
O termo gentrification foi utilizado pela primeira vez no início da década de
1960, difundido pela socióloga inglesa Ruth Glass. Seus estudos analisavam o
processo de repovoamento de antigos e desvalorizados bairros centrais de Londres
pela camada média, que antes eram ocupados pela população da camada popular.
O deslocamento modificou a constância na instalação desta classe social
assalariada nos subúrbios residenciais. Pelo estudo, a autora observou a
transformação da composição social dos residentes das áreas centrais, através de
investimentos, apropriação e reabilitação feitos pelos novos moradores, levando a
expulsão da camada mais pobre desses locais (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006).
Sendo assim, do conjunto de processos de recuperação urbana, consideramos que
todos podem provocar a formação da gentrificação (gentrification).
Para melhor compreender as diferentes práticas de intervenção urbana
ocorridas nas cidades brasileiras, apoiaremos no modelo cronológico elaborado
pelas autoras Vargas e Castilho (2009, p.5), cuja “análise da literatura relativa ao
tema orientou a divisão dos processos de intervenção em centros urbanos em três
períodos principais: Renovação Urbana (1950-1970), Preservação Urbana (1970-
1990) e Reinvenção Urbana (1980-2000)”. É interessante destacar que essa
periodização não é fixa e sequencial. Na realidade, os diferentes tipos de
intervenções ocorreram, em determinados momentos, simultaneamente.
Acrescentaremos a essa discussão as ações precedente a esses períodos,
compreendidas pelos projetos de renovação urbana conhecidos como Higienização
(entre os séculos XIX e XX), considerando ser importante para o presente estudo,
mesmo que tenham sido feitas sob uma cidade em crescimento, e não em
detrimento.
29
2.2.1 Higienização
Entre os séculos XVIII e XIX, diversas cidades iniciaram um processo
significativo de crescimento populacional. Neste período, a Revolução Industrial
gerou novas atividades econômicas, inserindo um diferente modo de produção, além
de ter desenvolvido os meios de transportes, como o trem e o navio a vapor. Devido
a falta de uma estrutura política e econômica homogênea e coerente, a expansão
urbana se dava de forma desorganizada e insalubre, conforme observado pelos
comentários de Vasconcellos e Mello (2009, p.55):
O amontoamento, as casas excessivamente altas, a contínua construção de oficinas e fábricas, associadas à falta de saneamento das cidades, às epidemias e às infecções, causadas, inclusive, por falta de covas individualizadas para a população mais pobre.
A população vivia em meio a um “medo urbano” (FOCAULT, 1979 apud
VASCONCELLOS; MELLO, 2009, p.54), sendo mais do que urgente a realização de
intervenções para procurar organizar e conter esta desordem. A principio foi
formulada na Europa a medicina urbana, na segunda metade do século XVIII. Seus
objetivos eram voltados para o tratamento do ambiente em que a população se
encontrava. O estado de saúde pública das cidades era analisado, para a melhoria
das condições de vida das pessoas. Três pontos se destacaram: análise do
amontoamento, confusão e perigo que se encontrava a cidade, controle e
estabelecimento da circulação de água e ar e organização dos diferentes elementos
necessários à vida comum na cidade, como cemitério e esgoto (VASCONCELLOS;
MELLO, 2009).
Com isso, surgiram as primeiras intervenções urbanas para ajudar a conter e
organizar o crescimento desordenado das cidades, em meados dos séculos XIX e
XX. A idéia principal do momento era higienizar as cidades, consertá-las, melhorá-
las, dando-lhes um aspecto novo. Vasconcellos e Mello (2009) explicam que as
intervenções desta época foram os primeiros planos de renovação urbana2, a partir
da análise de suas características de demolição do antigo, para substituição de
2 Segundo Pasquotto (2010), o termo renovação urbana foi criado em 1950, pelo economista Miles
Colean. Mas as características desse tipo de intervenção já eram observadas anteriormente.
30
estruturas mais modernas. Exemplos clássicos são as reformas urbanas em Londres
e Paris, em contexto internacional e do Rio de Janeiro, em âmbito brasileiro.
Planejada e executada pelo prefeito Haussmann, em seu mandato entre os
anos de 1851 e 1870, a renovação de Paris foi uma reforma urbana que inspirou
intervenções posteriores, em diversas cidades do mundo. Os objetivos principais
eram modernizar, higienizar e embelezar a cidade que se encontrava insalubre,
através de abertura de longas vias, instalações de infraestrutura básica, parques,
monumentos, novos edifícios, entre outras ações. Para isso, foram necessárias
demolições de grande parte das estruturas existentes em Paris, acarretando na
remoção das camadas populares para fora das áreas renovadas.
O mesmo procedimento ocorreu no Rio de Janeiro entre os anos de 1902 e
1906, no governo do prefeito Pereira Passos. A cidade, que na época era capital do
país, se encontrava totalmente insalubre. Seus moradores viviam em péssimas
condições de saúde, moradia e de infraestrutura básica. Sendo assim, com
influência européia, a reforma urbana teve os mesmos objetivos vistos nas
intervenções em Paris: higienizar, modernizar e embelezar a cidade. Nesta reforma
destacamos a modernização do porto, considerando ser de extrema importância
econômica para o país, por ser o ponto de comunicação entre o Brasil e o restante
do mundo. Várias obras foram realizadas e, assim como em Paris, foram
necessárias muitas demolições para efetuar as mudanças. Em decorrência,
importantes exemplares do patrimônio arquitetônico da cidade foram perdidos. A
classe social menos favorecida, que habitava a área central renovada, foi expulsa,
obrigada a ir morar nos morros próximos ao centro ou em regiões mais periféricas.
Desta forma, podemos dizer que a fase de higienização das cidades teve
como ideal a melhoria das condições insalubres das cidades, a partir de sua
renovação, para facilitar o desenvolvimento e sua expansão urbana. Como exposto
acima, foi um período de grande importância para a modernização do porto do Rio
de Janeiro e da própria cidade, sendo então de notória relevância para o contexto do
presente estudo.
As intervenções ocasionaram pontos negativos. De acordo com Vasconcellos
e Mello (2009), as criticas deste período são construídas por questões sociais e
morfológicas. No que se refere ao plano social, a remoção das pessoas menos
favorecidas para locais fora das áreas renovadas desfaz o laço que elas tinham com
a área, deixando de se sentir parte dela. Ao mesmo tempo, as ações favorecem uma
31
camada mais abastada da sociedade, podendo caracterizar a reforma como
elitizada. Já em relação à morfologia, as reformas não se preocuparam com as
estruturas anteriores, arrasando-as em favor de construções mais novas.
Feita esta discussão sobre a higienização das cidades, iremos dar um salto
no tempo. Desta vez, as intervenções a serem analisadas iniciam-se a partir da
segunda metade do século XX, não mais como ações para ajudar na expansão da
cidade, mas sim para recuperá-las de um processo de deterioração. A partir da
década de 1950, diferentes fases de intervenções podem ser identificadas.
2.2.2 Renovação Urbana
O período compreendido entre 1950-1970 teve como intenção principal
“demolir e reconstruir para renovar” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.7). Foi o
momento em que se valorizou o novo, em detrimento da preservação do que era
antigo. Tal fato pode ser constatado em um trecho da carta de Atenas de 1933,
quando descreve que “é necessário saber reconhecer e discriminar nos testemunhos
do passado aquelas que ainda estão bem vivas. Nem tudo que é passado tem, por
definição, direito a perenidade” (IPHAN, 1995 apud VARGAS; CASTILHO, 2009,
p.7).
Na Europa, observamos a conjuntura do pós-guerra, na qual diversas cidades
tiveram suas estruturas físicas bombardeadas e destruídas. Na América do Norte, o
processo de deslocamento de pessoas, comércio e indústrias para o subúrbio
contribuiu para a deterioração de seus centros urbanos. O mesmo ocorreu no Brasil,
quando os centros passaram a apresentar altas taxas de crescimento. Problemas
decorrentes do congestionamento na região contribuíram para um processo de
migração de serviços, comércio e pessoas para outras centralidades, esvaziando o
centro e tornando-o abandonado.
O centro da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a partir do final da década
de 1940 passou por um processo de esvaziamento econômico e social. A classe
média alta passou a se interessar pelas regiões próximas às praias, ao mesmo
tempo em que as empresas transferiam seus escritórios para os novos subcentros,
levando consigo os investimentos públicos e privados. A área central passou a ser
considerado um local arcaico e de moradia para as classes sociais menos
32
favorecidas. Procurando reverter esta situação, iniciou-se um processo de
“demolição de grande parte do acervo arquitetônico do passado” (MAGALHÃES,
2002, p.1), em prol de intervenções físicas na região para novas construções,
considerando o seu valor econômico.
Desta forma, as intervenções neste período visavam, principalmente,
reconstruir os centros que passavam por problemas relacionados à deterioração,
seja pelas consequências de guerra ou abandono. Ações que buscassem a
revalorização de seu solo urbano tornaram-se debatidas, incentivando a atuação do
setor de construção civil. O planejamento era conduzido pelo governo e suas ações
sofriam influências de vários grupos de interesses financeiros, além do movimento
modernista europeu, que teve seu ideal repercutido para demais áreas do mundo:
repudiar o passado.
De um modo geral, as principais ações vistas no processo de renovação
urbana foram a implementação de nova infraestrutura; abertura de vias urbanas;
criação de espaços amplos para uso exclusivo de pedestres; construção de edifícios
para fins comerciais, turísticos, culturais e apartamentos para atrair a classe média
alta; desapropriação de edificações já estabelecidas e a demolição de moradias da
população de baixa renda; entre outras (VARGAS;CASTILHO, 2009). É neste
contexto que surgiu, de forma intencional e ordenada, o processo de apropriação
dos espaços para o turismo, denominado como turistificação, o qual também será
discutido neste estudo.
Os projetos elaborados nesse momento de renovação priorizavam a classe
social privilegiada economicamente. As construções foram realizadas com o objetivo
de atrair uma população de alta renda e empresários, possibilitando a arrecadação
de impostos locais e a captação de investimentos que viessem a contribuir
financeiramente para o sucesso das ações. Assim, podemos perceber o desprezo
aos menos privilegiados, perante a essa valorização. A população pobre que residia
na área central foi praticamente obrigada a se deslocar para áreas periféricas, seja
por ter sua moradia destruída ou por formar um sentimento de exclusão e não
pertencimento a “nova cidade”, em favor das ações que estavam sendo feitas
majoritariamente a outra classe social.
No que se refere às criticas levantadas nessa época, algumas são
importantes relatar. As construções nos centros foram feitas de modo que ficassem
isoladas das demais localidades, não havendo uma dinâmica urbana que pudesse
33
promover a sua vitalidade no decorrer dos anos. Isso dificultou a atração de pessoas
e investimentos ao local. De acordo com Vargas e Castilho (2009, p.13), havia uma
“falta de visão empresarial dirigida aos planos e projetos realizados”.
A demolição de vários acervos históricos que carregavam uma importante
simbologia gerou grande questionamento no que se refere ao excesso de oferta de
escritórios construídos no lugar deles. Além disso, diversos pontos que foram
demolidos para novas edificações não receberam, durante longo tempo, qualquer
tipo de investimento. Por último, não podemos esquecer a desconsideração com a
população, tanto na participação da elaboração dos projetos quanto da sua
expulsão, em virtude da vinda de uma camada mais elitizada para o local renovado,
contribuindo para o processo de gentrification. Dessa forma, várias reações de
inconformismo foram observadas, levando a formação de uma diferente concepção
de intervenção urbana, entre os anos de 1970 e 1990.
2.2.3 Preservação Urbana A preocupação com a identidade urbana, além do valor histórico e cultural
que as estruturas físicas de um centro urbano possuem, fizeram com que houvesse,
a partir da década de 1970, uma reflexão dos efeitos negativos gerados pelas
diversas demolições ocorridas nos anos anteriores. Desta vez, a destruição perdia
espaço para a preservação do patrimônio, surgindo diferentes processos de
intervenções urbanas, principalmente com as denominações de revitalização,
reabilitação, requalificação e refuncionalização.
Neste contexto, a reestruturação das atividades nas áreas centrais seria feita
com a ajuda das ações de preservação dos patrimônios históricos, que não foram
destruídos em décadas anteriores, através da inserção ou reativação de serviços e
atividades culturais. Conforme Vargas e Castilho (2009, p.16), “utilizaram-se nesse
processo antigas estruturas industriais, estações de trem, armazéns, mercados e
teatros, introduzindo nesses espaços o comércio e os serviços varejistas, as
atividades de lazer e cultura”.
O objetivo das intervenções urbanas desta época centrava-se na conservação
dos patrimônios como “elemento fundamental para o resgate da identidade e da
cidadania” (VARGAS; CASTILHO, 2009, p.19), apresentando-se com forte apelo
34
popular. O foco, a princípio, era voltado para a valorização cultural do local,
intervindo em construções que apresentassem valor histórico-cultural para a
sociedade. Em consequência, haveria uma valorização econômica, através do
incentivo ao fluxo de cidadãos, investidores e turistas para as áreas centrais,
considerando que o uso dessas construções contribuiria para sua conservação e
para a dinamização do centro.
Nesta fase, o governo brasileiro ganhou presença nas questões de
intervenções. Em 1979 a presença de entidades públicas ajudou a orientar as
políticas de recuperação dos centros urbanos: Secretaria de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional e a Fundação Pró-memória. Órgãos de preservação também
passaram a serem vistos com mais importância para a recuperação das áreas
degradadas. Ao mesmo tempo, eram observadas parcerias entre os setores público
e privado, que proporcionaram a privatização de alguns patrimônios através da
transferência da administração pública para as competências privadas.
A cidade de Salvador é um exemplo ideal para ilustrar esta fase, quando
observamos que sua área central e histórica não se encontrava em boas condições
de conservação. Por volta de 1970, foi fundado a Fundação do Patrimônio Artístico e
Cultural da Bahia (FPACBa), estimulando preservar o rico patrimônio histórico
baiano e usá-lo para fins turísticos e culturais. A necessidade de haver um órgão
responsável em administrar a preservação foi observada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), da mesma forma em
que investimentos privados passaram a atuar na área, contribuindo para a sua
revalorização.
As ações desta fase foram importantes para a recuperação de áreas
degradadas, através da preservação do patrimônio histórico-cultural e da valorização
da identidade local. Porém, algumas críticas foram formadas. Em muitos casos os
projetos de preservação eram pontuais, deixando de se preocupar com o entorno
urbano dos edifícios em processo de conservação. Além disso, algumas ações
preocupavam-se em recuperar e preservar apenas a fachada das construções
arquitetônicas, sem considerar a sua estrutura interna. Isso contribuía para a criação
de cenários, para uma artificialidade das áreas que sofriam as intervenções. Com a
revalorização do espaço, o valor do solo na área central aumentou, acarretando,
também neste período, o processo de gentrification, com a expulsão da população
local pelos consumidores de alta renda.
35
2.2.4 Reinvenção Urbana
Esta fase é o período compreendido entre as décadas de 1980 até os dias
atuais. Pode-se dizer que seu início teve grande influência do advento da
globalização, que trouxe revoluções nos meios de comunicação, de transportes, na
informática e nos modos de produção, promovendo mudanças nas relações entre
espaço e tempo. As informações passaram a ser difundidas a curto tempo e a
distância entre diferentes partes do mundo se encurtou. Neste contexto, as
atividades econômicas tornaram-se menos dependentes de um espaço físico,
podendo escolher o território que propõe melhores condições para a sua reprodução
e lucratividade. Assim, a visibilidade das cidades passou a ser ponto de extrema
importância para a sua valorização, em meio a tantas outras localidades.
Nesta fase, não somente os centros das cidades, mas também regiões
degradadas devido à obsolescência de suas estruturas, porém com certo valor
econômico, histórico e cultural, passaram a ser alvos das intervenções urbanas. Tais
áreas podem ser representadas pelas zonas portuárias, ferroviárias e industriais de
uma cidade. As intervenções deste período buscam recuperar a base econômica
das cidades, através de ações que valorizam a imagem positiva da região, para a
captação de capitais, pessoas e investimentos. Em sua grande maioria, esses tipos
de intervenções são pontuais e espetacularizadas, procurando refuncionalizar
estruturas, através da implementação de atividades culturais, de entretenimento e
turismo. Vargas e Castilho (2009) descrevem o objetivo das intervenções nos
centros urbanos, neste período:
Promover a reutilização de seus edifícios e a consequente valorização do patrimônio construído; otimizar o uso da infraestrutura estabelecida; dinamizar o comércio com o qual tem uma relação de origem; gerar novos empregos. Em suma, implementar ações em busca da atração de investimentos, de moradores, de usuários e de turistas que dinamizem a economia urbana e contribuam para a melhoria da qualidade de vida, valorizando também a gestão urbana que executa a intervenção. (2009, p.5)
É importante ressaltar que a promoção da cidade feita pelo governo, além de
facilitar a entrada de investimentos, também é uma boa estratégia de ganhar força
política-partidária com a população local, através da divulgação de idéias voltadas a
melhoria e desenvolvimento de sua cidade (SANCHEZ, 1999). A partir disso, mesmo
com tantos outros problemas sociais, grande parcela da sociedade fica encantada
36
com a fama que sua cidade adquire com as intervenções. Aqueles que de alguma
forma sofrem interferências negativas devido às ações, a destacar a camada social
de baixa renda, já não se sentem tão inconformados com as intervenções.
Uma das estratégias para alavancar a recuperação urbana, observada nesta
fase, é a disputa das cidades em serem escolhidas como sede de megaeventos,
tratando-os como grandes oportunidades de negócio. A partir disso, o governo, em
parceria com o setor privado, passa a investir em obras de grande visibilidade. O
exemplo mais sintomático disso é o caso da cidade de Barcelona, quando passou a
receber inúmeras intervenções por ter sido escolhida como sede para os Jogos
Olímpicos em 1992. Além das estruturas direcionadas propriamente para a
realização da Olimpíada, outras ações foram realizadas na cidade, voltadas para a
recuperação de áreas deterioradas, como melhorias na acessibilidade, segurança e
instalação de equipamentos de lazer e turismo. O mesmo processo está ocorrendo
atualmente com o projeto de refuncionalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro,
quando a cidade foi escolhida para sediar as Olimpíadas de 2016.
No momento atual, a relação entre o poder público e o setor privado torna-se
mais forte, influenciando no modo de administração de uma cidade. O governo local
passa a gerir a cidade como uma empresa que precisa comercializar seus produtos
da melhor maneira possível, além de tornar essencial a produção de uma imagem
positiva dela. Com isso, observa-se o uso de ferramentas empresariais para obter
sucesso como, por exemplo, a adoção de um planejamento estratégico e o uso do
marketing.
Como em todas as fases vistas, criticas são formadas. A promoção das
cidades costuma mascarar os problemas sociais existentes. Para atrair
investimentos e pessoas, é imprescindível exaltar os pontos positivos e omitir os
negativos. Com o uso das ferramentas de marketing, é possível que isso ocorra,
formando perspectiva redutora da realidade. Outra questão que se constrói é a
formação de uma imagem homogênea da cidade e de sua população, sem
considerar a diversidade de características de seus espaços e de seus cidadãos. É
difícil encontrar na divulgação de uma cidade as áreas habitadas pela população de
baixa renda. Não podemos nos esquecer de que, assim como em todas as fases, as
ações de valorização podem resultar no processo de gentrificação. Por último,
destacamos a prioridade das ações públicas para o desenvolvimento econômico da
37
região, favorecendo o deslocamento de recursos para obras de grande visibilidade,
em uma área que carece de estruturas básicas, como hospitais e escolas.
Nos últimos anos, os projetos de intervenção urbana têm ganhado força, ao
considerar serem de extrema importância para o desenvolvimento econômico e para
o posicionamento competitivo de um lugar, no mercado global. O poder público, em
conjunto com a iniciativa privada, cada vez mais se preocupa em melhorar sua
cidade, apoiando-se em ferramentas empresariais na sua gestão. Desta forma, no
mesmo período da Reivenção Urbana, surge a teoria de Marketing de Lugares, que
será explicada a seguir.
2.3 MARKETING DE LUGARES E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
O advento da globalização econômica, por volta da década de 1980,
caracterizou-se pelos incessantes avanços tecnológicos, principalmente nos meios
de comunicação e de transportes. É um momento em que se observa um
encurtamento na distância entre as diversas partes do mundo, contribuindo para a
formação de uma economia globalmente integrada e dinâmica. Isso permitiu que as
atividades econômicas não ficassem tão dependentes em relação a um determinado
espaço físico, favorecendo a formação de uma maior “mobilidade produtiva e
financeira”, além de permitir uma “liberdade de localização” (SÁNCHEZ, 1999,
p.117).
Com a rápida disseminação das novas tecnologias e inovações nos meios de
telecomunicação e transportes, qualquer lugar, independente da sua localização ou
do seu tamanho, entra no ambiente de competitividade da economia global3. Os
lugares passaram a se preocupar com uma excelência e um padrão mais elevado de
desempenho, além de investir na formação de uma imagem positiva para se
tornarem atraentes aos novos investidores e indivíduos. O Brasil, por exemplo, após
um grande período de instabilidade econômica, procurou alimentar novos
investimentos para o seu crescimento econômico em meados da década de 1990.
Para isso, passou a alocar mais recursos para promover sua imagem no exterior,
procurando construir e solidificar a marca Brasil, de forma a atrair novos
investidores, turistas e aumentar sua exportação (KOTLER et al., 2006).
3 Neste ponto, é importante citarmos Kotler et al. (2006), que compreende como lugar (ou local) as
comunidades, cidades, regiões, estados ou até mesmo nações.
38
Assim, um ambiente competitivo foi estabelecido entre diferentes localidades
do mundo, tendo o desenvolvimento econômico de cada uma dependente das
vantagens competitivas que poderiam oferecer a mais do que suas concorrentes. A
destacar a competição entre as cidades, os governos locais perceberam a
necessidade de inseri-las no mercado global, passando a repensar nas suas
políticas urbanas. Então, a cidade deveria se posicionar como uma localidade
diferenciada das demais, de forma a atrair capitais novos e manter os já existentes,
além de assegurar um status positivo no contexto da globalização. Conforme
caracterizado por Kotler et al. (2006, p.43), o mercado dinâmico e competitivo
promoveu uma verdadeira “guerra de localidades”.
Da mesma maneira que uma empresa, as cidades precisam fornecer seus
produtos e serviços de forma eficiente e acessível, promovendo valores e uma
imagem que mostrem uma cidade vantajosa aos usuários atuais e potenciais
(KOTLER et al., 1993). Assim, a cidade passou a ser tratada por seu administrador
como um “empreendimento a ser gerenciado” (VARGAS; CASTILHO 2009, p.17),
sendo considerada uma “cidade-empresa do modelo empreendedor” que cada vez
mais compete com outras cidades-empresas (SANCHEZ, 1999, p.118). Práticas
antes restritas ao âmbito empresarial, como elaboração de um planejamento
estratégico de marketing e gerência de produto e marca, passaram a ser adotadas
pelos gestores públicos da cidade, auxiliando na manutenção de seu
posicionamento no mercado global.
Para o desenvolvimento e sucesso de um lugar, em meio a crescente
competitividade, tornou-se essencial avaliar as oportunidades e ameaças do
mercado, assim como analisar suas forças e fraquezas, posicionar sua imagem,
apresentar vantagens competitivas, determinar o público alvo e as estratégias de
marketing para tornar-se atraente. Com isso, o poder público local passou a
substituir o planejamento urbano tradicional por um planejamento mais estratégico e
flexível, que demanda um longo prazo e que é passível de ser adaptado de acordo
com as exigências do mercado mundial.
Nessa corrida extremamente competitiva em busca de investimentos, indústrias, moradores e visitantes, haverá vencedores e perdedores, e os lugares que adotarem e instituírem um planejamento estratégico de marketing se destacarão como fortes concorrentes. (KOTLER et al., 2006, p.1)
39
A intenção de um planejamento estratégico para a gestão de uma cidade teve
seu início na década de 1980, nos Estados Unidos4, quando se notou um abandono
das formas tradicionais de planejamento governamental. Em 1987, a idéia chegou à
Europa, mais especificamente na Espanha, com o objetivo de preparar Barcelona
para sediar os Jogos Olímpicos de 1992, resultando na elaboração de grandes
investimentos para sua modernização. A cidade tornou-se modelo de urbanismo e
planejamento estratégico, principalmente para cidades da América Latina
(SANCHEZ, 1999).
A aplicação das ferramentas de marketing para atrair investimentos,
moradores e visitantes, visando o crescimento e desenvolvimento dos lugares,
passou a ser conhecida como Marketing de Lugares, ou City Marketing. Diversos
autores analisaram, a partir do final do século XX, este processo. A destacar Philip
Kotler (1993; 2006), conhecido como o “pai do marketing”, no qual seus estudos, em
conjunto com outros autores, provavelmente foram os primeiros a definir e explicar a
teoria de Marketing de Lugares.
Seguindo a discussão de Kotler et al. (2006), o marketing estratégico de um
lugar envolve uma série de elementos que podem ser verificados a partir da Figura
2. Nela podemos observar que os principais mercados-alvo de um lugar são os
turistas e participantes de convenções, investimentos externos e mercados de
exportação, sedes comerciais e escritórios locais, novos moradores e fabricantes de
bens e serviços. Para atrair e sustentar esses investimentos e investidores
potenciais, além de complementar o desenvolvimento econômico e urbano, dois
fatores são essenciais: a formação de um grupo para a elaboração de um
planejamento estratégico e a definição de estratégias de marketing.
4 A cidade de São Francisco teve o primeiro plano estratégico, a ser articulado em 1982 (SANCHEZ,
1999).
40
Figura 2 – Elementos do marketing estratégico de lugar. Fonte: Kotler et al., 2006, p.45.
Na centralidade do esquema feito por Kotler et al. (2006), encontra-se a
estruturação de um grupo responsável pela elaboração do planejamento estratégico,
composto pelo poder público, pela comunidade empresarial e também pelos
cidadãos. Ao grupo, cabe definir e diagnosticar as possíveis oportunidades e
ameaças no mercado, bem como identificar as forças e fraquezas do lugar; entender
o ambiente competitivo; desenvolver as estratégias de marketing para solucionar
problemas da comunidade; e elaborar um plano de ação de longo prazo, que
envolva várias etapas de investimentos e transformações na localidade. É
importante destacarmos que o envolvimento da iniciativa privada neste processo
promove interferências no processo decisório final, visto que a tendência é definir as
ações de acordo com seus interesses. Já em relação à participação de cidadãos,
dificilmente há uma representação forte, que supere aquelas decisões tomadas a
partir da união entre as esferas públicas e privadas.
Para atrair os mercados-alvo, Kotler et al. (2006) afirma que o grupo de
planejamento pode investir em quatro amplas estratégias de marketing: de imagem,
de atrações, de infraestrutura e de pessoas e instituições. O marketing de imagem
refere-se à divulgação das características e benefícios de um lugar por meio de uma
41
imagem original e diferenciada, através de um programa de comunicação vigoroso,
para que a imagem seja válida e comunicada em diferentes canais. Uma das metas
desta estratégia é criar uma marca para o lugar.
O marketing de atrações é voltado para o investimento em atrações
específicas, para manter os negócios atuais e atrair os potenciais. As atrações
podem ser os naturais, patrimônios históricos, edifícios famosos, centros de
convenções e exposições gigantescas, ou até mesmo eventos de grande visibilidade
como, por exemplo, as Olimpíadas.
Por sua vez, o marketing de infraestrutura assegura o fornecimento dos
serviços básicos e a manutenção de uma infraestrutura satisfatória e eficaz para
cidadãos, empresas e visitantes. Como exemplos de instalações, equipamentos e
serviços, podemos citar aqueles voltados para a energia, água, saneamento,
telecomunicação, educação, disponibilidade de áreas residenciais, hospitais, etc.
Por último, o marketing de pessoas e instituições é feito para procurar obter
apoio dos cidadãos, líderes e instituições no processo de atração de novas
empresas e investimentos para a comunidade. O objetivo é “promover o seu povo”
(KOTLER et al., 2006, p.80) e ao mesmo tempo trabalhar para torná-lo hospitaleiro e
entusiasmado, de modo que possam atender às necessidades de seus públicos-
alvo.
As ideias de marketing estão cada vez mais sendo utilizadas no
desenvolvimento e planejamento das cidades, tornando-se ferramenta essencial
para a gestão urbana local. Desta forma, quando se pensa a cidade como empresa,
ela também passa a ser vista como uma mercadoria a ser vendida, necessitando de
intervenções para a melhoria de sua propriedade, além da construção de uma
imagem positiva para atrair consumidores, seja este turistas, empresário ou o próprio
cidadão.
O final do século XX é considerado o momento em que cresceu a importância
de readquirir a valorização das áreas abandonadas e deterioradas dos centros
urbanos, com o intuito de torná-las economicamente atrativas. Podemos destacar,
neste âmbito, as regiões portuárias, ferroviárias e industriais que, mesmo estando
em um processo de obsolescência e inatividade, apresentam valor econômico e
histórico. Neste contexto, notamos uma concentração de investimentos visando à
ocupação de seus vazios, a requalificação de espaços e a utilização dos patrimônios
instalados para diferentes funções. O governo local passou a utilizar o Marketing de
42
Lugares para orientar sua política urbana, investindo em um bom planejamento
estratégico e em ações estratégicas, que formassem um nível de atratividade
relevante para a cidade:
[As áreas abandonadas] num processo de revitalização, intervenções pontuais de qualidade e inseridas a um planejamento estratégico, tendem a gerar impactos positivos e crescentes sobre o seu entorno – o centro – e a cidade como um todo. Esse processo, bem conduzido e com um correto faseamento, leva à maximização dos investimentos e ao sucesso nos campos econômico, cultural, habitacional, turístico, recreacional, entre tantos outros que se complementam. (DEL RIO, 2001, s.p.)
Com o Marketing de Lugares, existe a possibilidade de tornar as questões
problemáticas, ou características indesejáveis de uma cidade, invisíveis ou
reduzidas aos olhos dos investidores potenciais, através da exaltação de seus
pontos positivos. Uma localidade pode ter sua imagem vinculada a violência e
pobreza, por exemplo. Mas o uso do marketing pode permitir que suas
características positivas omitam o indesejável.
Os meios de comunicação são importantes aliados do governo e de suas
novas políticas de reestruturação urbana. Segundo Sanchez (1999, p.124), “eles não
informam sobre a cidade, eles a refazem à sua maneira, hiper-realizam a cidade
transformando-a num espetáculo”. A incessante divulgação das obras e mudanças
notadas nas cidades ajudam a transmitir um otimismo econômico para novos
investimentos. Concomitantemente a este fato, os meios de comunicação permitem
criar para a maioria da população um sentimento de orgulho, por pertencer à cidade
que está sendo valorizada, e por sentir-se como um participante neste
desenvolvimento.
Não podemos deixar de comentar a parceria público-privada, neste momento
de mudanças na gestão pública das cidades. É notória a forte participação da esfera
privada nas ações e decisões da administração local, revelando o seu interesse no
desenvolvimento de estratégias econômicas e urbanas, visando à competitividade.
Projetos entre o poder local e, principalmente, o mercado imobiliário são relevantes
neste contexto, sendo o primeiro responsável em divulgar as localizações singulares
que são, ou estão sendo, (re)criadas pelo segundo. Sanchez (1999, p.5) afirma que
“há uma clara confluência de interesses entre o governo da cidade e os setores
empresariais”.
43
Nos discursos dos planejadores locais, a explicação sobre a inserção das
ferramentas empresariais em suas políticas costuma ser respeitável socialmente,
principalmente porque concebe esperanças de melhoria na vida de seus cidadãos.
Além disso, o governo local discorre que a captação de novos investimentos
contribui para o desenvolvimento urbano e econômico da cidade. Sendo assim,
projetos sociais são determinados ao mesmo tempo em que ações para atrair capital
são definidas. Porém, é válido ressaltarmos que, num mundo cada vez mais
capitalista, as questões relacionadas a crescimento econômico são priorizadas, em
detrimento daquelas relacionadas às questões sociais. Deste modo, notamos que
por mais que o governo apresente projetos sociais, muitos ficam em segundo plano,
priorizando-se, na prática, aquelas ações que envolvam os seus interesses e dos
agentes sociais dominantes: setor privado.
Com isso, os problemas sociais apresentados em uma cidade ficam
ofuscados pela grandeza de projetos pontuais, voltados ao crescimento econômico
local. Em muitos casos, enquanto obras monumentais de grande renome são
colocadas em prática, ainda se mantém o desprovimento das necessidades vitais
básicas como moradia, saúde, educação, emprego entre outras. Sendo assim,
consideramos ser relevante a realização de um planejamento estratégico que
envolva e atenda, também, o cidadão presente no local.
O turismo, por exemplo, tem se mostrado importante dinamizador econômico
e social de uma cidade, passando a fazer parte dos objetivos das intervenções
urbanas atuais. O progresso desta atividade, somado a sua fama no mercado,
possibilitam a atração de turistas e empresas potenciais para o local. Muitos projetos
são realizados a fim de tornar um determinado lugar turisticamente atrativo. Mas,
para isso, devemos considerar algumas questões antes de implantar a atividade,
principalmente quando o território apresenta outras funções como moradia e
trabalho, por exemplo. A próxima seção abordará sobre o processo de turistificação
de um espaço, assim como as considerações relevantes para a sua aplicação.
2.4 TURISTIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE TERRITÓRIO E TURISMO O turismo é um fenômeno extremamente complexo, mutável, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo, em sua totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência (BANDUCCI JR., 2001 apud FRATUCCI, 2008, p.75).
44
O turismo dificilmente é compreendido de forma ampla e multidisciplinar,
levando ao seu entendimento de modo parcial. Em muitos casos, seu corpo teórico
costuma ser formulado sob a análise de uma única vertente, principalmente pela sua
dimensão econômica. É evidente que tal dimensão seja interessante para o
entendimento do turismo como uma atividade econômica, geradora de fluxos de
capitais para uma região. Mas, analisar o turismo somente por um único viés nos
leva a uma “compreensão amputada” (BENEVIDES, 2007, p.85) do que realmente
ele é, assim como à formação de uma visão reducionista de sua totalidade.
Aguinaldo C. Fratucci (2008, p.63) defende que o turismo deve ser
compreendido como um “fenômeno sócioespacial contemporâneo, gerador de uma
atividade econômica dinâmica”. Fenômeno social, por sempre estar envolvendo
pessoas, sozinhas ou em grupos. Espacial, por envolver os deslocamentos e as
ações desses agentes para um determinado espaço apropriado para o turismo. E,
gerador de atividade econômica quando passa a propiciar uma receita estimável,
considerando ser mais do que uma prática social, uma prática de consumo da
sociedade capitalista a partir de vários fatores:
Transformações socioculturais, econômicas e tecnológicas como a implantação do trabalho assalariado, do tempo liberado do trabalho remunerado (férias, finais de semana), o desenvolvimento tecnológico dos meios de telecomunicações e de transportes, a mecanização dos processos de produção, a conseqüente diminuição nas jornadas de trabalho e o aumento do tempo livre, além do grande apelo para consumo exacerbado, transformaram o fenômeno turístico em uma importante atividade econômica para a sociedade contemporânea. (FRATUCCI, 2008, p.53)
Nesse entendimento, podemos indicar que o turismo é produzido a partir de
um “complexo jogo de ações, retroações e inter-relações” (FRATUCCI, 2008, p.10),
estabelecido entre diferentes agentes sociais, produtores passivos ou ativos deste
fenômeno/atividade. São eles os turistas, população residente e trabalhadores no
destino receptor, empresários e poder público, todos capazes de intervir, modificar
ou influenciar o turismo. Tais ações e interações se dão em um determinado espaço,
a partir da sua apropriação pelos diferentes agentes sociais, para a fomentação do
turismo, resultando no que conhecemos de turistificação:
45
O termo turistificação vem sendo adotado entre os estudiosos do turismo para designar o processo de apropriação de trechos do espaço pelos agentes do turismo para a implantação da atividade turística, pela inclusão de novos fixos e/ou da re-funcionalização de outros já existentes e de novos fluxos e relações que caracterizam o turismo como fenômeno socioespacial contemporâneo. (FRATUCCI, 2008, p.66)
O processo de turistificação de um espaço, de maneira “intencional e
ordenada” (FRATUCCI, 2008, p.66), pode ser observado com grande relevância a
partir da Segunda Guerra Mundial. Com suas estruturas completamente danificadas
pelos bombardeios, alguns países europeus perceberam no turismo uma
oportunidade para reconstruir sua economia e renovar-se urbanisticamente. Sendo
assim, vários projetos de intervenções urbanas foram realizados, privilegiando
determinadas áreas para se tornarem centros turísticos, com infraestrutura urbana e
turística necessárias para atender ao fluxo de visitantes na região.
Décadas depois, o contexto da globalização a partir do final do século XX traz
mudanças para o turismo, sendo “dois fenômenos que caminham em conjunto e
contam com características similares, mas não são um só” (BARROSO, 2008, p.26).
As novas tecnologias, o encurtamento da distância e a ligação entre diferentes
pontos do mundo, entre outras questões, contribuíram para a “expansão das viagens
temporárias motivadas pela busca do lazer, do descanso e das descobertas de
novos lugares e novas culturas” (FRATUCCI, 2008, p.107). Neste contexto, muitos
lugares passaram a ser apropriados pelo turismo.
Conforme pesquisa realizada por Fratucci (2008), o processo de turistificação
de um espaço tem sido tema de trabalhos de muitos estudiosos, desde a primeira
metade do século XX. Autor referência nos estudos deste processo, o geógrafo
francês Jean Remy Knafou (1999) contribui para o entendimento da relação entre
turismo e território, citando três agentes sociais considerados fontes de turistificação
dos lugares e dos espaços: os turistas, o mercado (promotores turísticos) e o poder
público (planejadores e promotores do território).
A turistificação de um lugar a partir dos turistas pode ser entendida pela
prática de deslocamento temporário de pessoas, para um espaço específico
diferente do seu entorno habitual sem, necessariamente, haver um suporte
necessário para o desenvolvimento turístico. É o aumento gradual do número de
turistas para um destino potencial que, com o passar do tempo, favorece o
desenvolvimento turístico da região. Já a turistificação pelo mercado significa a
46
inserção de investimentos privados em um espaço privilegiado, ainda não turístico,
para a construção de equipamentos e infraestruturas turísticas, possibilitando a
atração de fluxos de turistas a partir de sua comercialização. Por último, a
turistificação realizada a partir da ação do Estado, sendo este representado pelos
planejadores e promotores do território, únicos agentes de turistificação que,
obrigatoriamente, fazem parte do lugar. O processo ocorre quando os gestores
procuram, através de planos estratégicos, organizar ou reorganizar seu território
para atrair investimentos, capitais e pessoas, seja para recuperar o destino que, por
algum motivo esteja degradado, ou para transformar o território após análise de seu
potencial turístico.5
Já em seus estudos, Benevides (2007) apresenta duas formas básicas de
turistificação de um espaço, “embora passível de um reducionismo esquemático”
(BENEVIDES, 2007, p.92). A primeira forma de turistificação é voltada para lugares
com um determinado grau de urbanização, os quais apresentam certos atributos ou
recursos6 notórios que, quando inventariados, podem vir a serem reaproveitados e
apropriados pelo turismo. Ao mesmo tempo, outros valores e equipamentos são
implementados, de forma a transformar o lugar em um produto turístico para
consumo, produzindo, assim, uma imagem turística. Ainda nesta primeira forma de
turistificar um espaço, Benevides (2007) defende que a turistificação em lugares
praticamente não urbanizados pode contribuir para efetivação de sua urbanização,
após receber suportes necessários para seu desenvolvimento turístico.
Já a segunda forma básica de turistificação é voltada para lugares mais
rurais, que apresentam expressões ambientais, fisiográficas e paisagísticas,
relativamente intocáveis pelo homem. Após o mapeamento do lugar, é possível
identificar os atributos e recursos passíveis de serem aproveitados (ou
reaproveitados) pelo turismo, além de construir infraestruturas que favoreçam o
consumo turístico. Barroso (2008) complementa a discussão afirmando que, neste
caso, a apropriação do espaço para o turismo deve atentar-se para o processo de
urbanização, que pode vir a ocorrer a partir da instalação de equipamentos
turísticos, descaracterizando o elemento natural motivador contido no lugar.
5 De acordo com Fratucci (2008), em muitos casos os gestores locais costumam apresentar o turismo
como solução para os problemas sociais e para o desenvolvimento da região. 6 BENEVIDES (2007) ilustra seu estudo citando como atributos/recursos os valores produtivos,
arquitetônicos, culturais, ambientais, climáticos, fisiográficos e paisagístico que um lugar possui.
47
Um mesmo lugar pode apresentar funções diferentes como, por exemplo,
lugar de moradia, de entretenimento, de comércio, de trabalho. Sob esse prisma, a
apropriação do espaço para o turismo pode ser realizado de forma a respeitar as
funções já existentes, implantando a atividade turística sem que esta se torne a
função exclusiva do trecho turistificado. Ainda com base em Barroso (2008),
entendemos que é importante haver um equilíbrio entre as atividades desenvolvidas
para não haver hipertrofia das funções existentes no local.
Teoricamente o processo de turistificação pode ser considerado um meio
relevante para valorizar um espaço, sem desrespeitar ou inferiorizar as atividades e
funções já existentes. Porém, para que isso ocorra de fato, é essencial que o poder
público, como planejador e promotor de seu território, estabeleça políticas e ações
públicas que esclareçam as diretrizes a serem seguidas e, principalmente, que
essas sejam elaboradas sob ciência e compreensão dos demais agentes sociais
produtores do turismo. Caso contrário, o processo pode acarretar diversos
problemas.
Nesta discussão, podemos acrescentar o papel da população residente como
agente social, nos locais apropriados para o turismo. Observamos anteriormente que
os turistas, os empresários e o poder público são agentes articuladores diretos do
desenvolvimento turístico. No que se refere à comunidade receptora, observa-se que
ela apresenta diferentes relacionamentos com o turismo, podendo estimular ou
dificultar o seu desenvolvimento. Com o processo de turistificação, determinada
parcela da população pode sentir-se favorecida, ao ver nesta atividade uma
possibilidade de obtenção de renda para a sua sobrevivência. Neste grupo,
encontramos os trabalhadores diretos do turismo, que se empregam nas empresas e
serviços gerados pela turistificação, e os trabalhadores indiretos, que trabalham em
setores da economia importantes para o turismo, como o de alimentação,
transportes, informática, entre outros.
Já àquela parcela da população que não está tão envolvida diretamente com
o turismo, dificilmente vê a atividade com bons olhos. O espaço turistificado é o seu
local de moradia, onde um forte laço afetivo é formado entre a pessoa e o lugar. São
essas pessoas que convivem com os turistas neste espaço, podendo influenciar na
formação da imagem do destino pelos visitantes. Em muitos casos, quando os
agentes planejadores e produtivos do turismo resolvem turistificar uma determinada
área, dificilmente eles envolvem a população nos processos decisórios. Os
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residentes não têm voz ativa e são convencidos, ou forçados, a se deslocarem para
outras áreas, por terem suas terras apropriadas pelas empresas e serviços
turísticos. Tal fato é decorrente da visão unilateral do turismo pelos empresários e
pelo poder público, que tem no turismo uma fonte de lucratividade e
desenvolvimento econômico.
Conforme visto na discussão sobre Marketing de Lugares, por volta do final
do século XX os gestores públicos, em forte parceria com o setor privado, passaram
a administrar suas cidades como uma empresa, um produto a ser vendido em um
mercado competitivo. O importante naquele momento, e até os dias atuais, era
tornar-se atrativa economicamente e produzir uma boa imagem, para assim
favorecer a atração de investimentos, capital e pessoas para seu território. A partir
desse ponto de vista, as políticas públicas, incluindo aquelas elaboradas para o
turismo, passaram a ser preparadas com base em dimensões econômicas e
mercadológicas.
Assim, a turistificação, junto com os diversos projetos de intervenção urbana,
passou a ser uma opção para refuncionalizar a cidade, especialmente em seus
espaços obsoletos, mas com relevância econômica, histórica e cultural. Neste
contexto podemos destacar as áreas portuárias de diversas cidades do mundo,
tendo como grandes exemplos os projetos de revitalização de Baltimore, Barcelona,
Buenos Aires e Nova York. Atualmente a cidade do Rio de Janeiro também está
iniciando o processo de refuncionalização de sua zona portuária, sendo planejado
para a área a refuncionalização de suas estruturas, visando estimular o seu
desenvolvimento econômico e social. Dentre as ações planejadas, destacam-se
aquelas voltadas para a turistificação da região, podendo ser observado através da
implementação de serviços culturais e de lazer nos discursos de seus planejadores.
Para melhor compreensão das ações que atualmente ocorrem na zona
portuária do Rio de Janeiro, cremos ser relevante fazermos uma análise histórica, de
um contexto mais abrangente para o mais pontual. Desta forma, apresentaremos
primeiramente a formação, o desenvolvimento e deterioração da área central da
cidade do Rio de Janeiro, local onde a zona portuária se encontra. Posteriormente,
focaremos nossa discussão no processo histórico da zona portuária da cidade, para
compreendermos a formação de seu valor histórico, cultural e econômico, assim
como para identificar em que momento se deu a sua deterioração, que é motivo para
a região ser alvo de diversos projetos de melhorias urbanas.
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3 CONTEXTO HISTÓRICO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: DESENVOLVIMENTO E DETERIORAÇÃO
“Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil..
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil!” (Trecho da marchinha elaborada pelo compositor André Filho, em 1934)
Apesar de cantada em prosa e verso como uma “cidade maravilhosa”, a
cidade do Rio de Janeiro não nasceu maravilhosa. Com áreas extremamente
alagadiças, além da presença de morros, muitas intervenções urbanas foram
necessárias no decorrer de sua história. O objetivo era tornar sua paisagem natural
admirada por seus moradores e visitantes, além de “desenhar um espaço urbano
mais significativo e belo para a cidade” (MACHADO, 2008, p.45).
O Rio de Janeiro apresenta valor histórico relevante para o país. Muitos
acontecimentos ocorreram em sua área central, desde a época Colonial, passando
pelos períodos Imperial e Republicano. A cidade abrigava o principal porto do país,
sendo este o ponto de contato que ligava o Brasil às demais partes do mundo.
Assim, a história da cidade do Rio de Janeiro, em muitos fatos, coincide com a
história do país, conferindo a ela um notório destaque perante as demais cidades
brasileiras.
A evolução urbana do Rio de Janeiro se deu a partir do Morro do Castelo,
elevação próxima a Baía de Guanabara, rodeada de terras alagadas. Mas, com o
crescimento da população e das atividades econômicas, novas áreas além deste
núcleo urbano iam crescendo. A cidade passou a descer o Morro do Castelo e, com
isso, terras próximas a ele iam sofrendo intervenções, para serem introduzidas ao
contexto urbano. Assim, uma nova função passou a representar a cidade,
concedendo-a um caráter mais portuário do que de defesa militar:
A partir do século XVII, a Colina (Morro do Castelo) passou a perder influência diante do comércio marítimo crescente, que transformou o porto e as imediações da atual praça XV em centro administrativo e econômico do Rio colonial. (BARROS, 2002, s.p.)
50
A movimentação do porto, localizado inicialmente na Praça XV7, foi de grande
importância para a expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro. Em meados do
século XVIII, com as riquezas advindas das transações marítimas comerciais, o Rio
de Janeiro passou a receber intervenções em seu território, visando melhorar
urbanisticamente e esteticamente a região central, favorecendo a melhoria de sua
função portuária e a sua expansão urbana. Foi também nesta região que, com a
vinda da Família Real em 1808, muitos edifícios arquitetônicos foram erguidos.
O aumento das transações comerciais marítimas possibilitou o
desenvolvimento de áreas próximas ao porto, a destacar a atual Zona Portuária do
Rio de Janeiro. Sua localização próxima a Praça XV, além de sua geografia ser
favorável para atracação de navios, permitiram o deslocamento considerável das
atividades portuárias para seus bairros. Assim, a área central do Rio de Janeiro
passou a ser constituída pelo centro histórico e pela zona portuária, mantendo elas
uma proximidade tanto geográfica como histórica.
O porto encontrava-se disperso, do bairro de Santo Cristo até a região da
Praça XV. Porém, no final do século XIX, as atividades portuárias foram
integralmente deslocadas para a atual zona portuária. A configuração atual da região
deve-se, principalmente, pela reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos,
no início do século XX. Mesmo com algumas intervenções urbanas ocorridas
durante os séculos anteriores, a área central do Rio de Janeiro ainda não se
mostrava moderna e civilizada.
O centro da cidade apresentava-se como um local sujo, propício para a
formação de surtos de epidemias. A miscigenação de cultura e comportamentos,
principalmente entre portugueses e ex-escravos, favorecia a formação de uma
imagem negativa pela elite carioca, a qual adotava no momento hábitos
“modernizante” da Europa. Desta forma, uma transformação urbana e cultural na
cidade tornava-se necessária, de forma a inseri-la no contexto de modernidade da
Europa, além de viabilizar a atração de imigrantes e capital estrangeiro para a
cidade (THIESEN; BARROS, 2009).
Poucos eram os visitantes que desembarcavam na cidade, antes da reforma
de Pereira Passos. Dentre eles, podemos destacar estudiosos e artistas viajantes
que, durante os séculos XVIII e XIX, deslocavam-se temporariamente para o Brasil,
7 Conforme Thiesen e Barros (2009), a região da praça XV era a configuração do que hoje poderia
ser definido como a primeira área portuária do Rio de Janeiro.
51
deixando “farta documentação literária e iconográfica das suas viagens” (BELCHIOR
et al, 1987, apud MACHADO, 2002, s.p.). É o caso do artista francês Jean Baptiste
Debret, convidado para participar da missão artística francesa, determinada pela
Coroa Portuguesa. Durante sua estadia de 15 anos no Rio de Janeiro, Debret
retratou em pinturas e textos os costumes, acontecimentos e a composição do povo
brasileiro.
Posteriormente a reforma urbana de Pereira Passos, a paisagem do Rio de
Janeiro se transformou, apresentando-se mais bela e moderna. Os cartões postais
que retratavam a nova situação da cidade passaram a circular pelo mundo,
contribuindo para despertar o interesse de muitas pessoas em conhecer a Cidade
Maravilhosa (MACHADO, 2002).
De acordo com Celso Castro (2006), nas primeiras décadas do século XX, a
cidade do Rio de Janeiro passou a ser o principal centro turístico do país, mostrado
pelos guias de viagem a partir da chegada pela região portuária. O guia inglês South
American Handbook de 1932, por exemplo, informava que a entrada à cidade pelo
porto era um grande espetáculo, seja de dia ou de noite, tendo os morros do
Corcovado e Pão de Açúcar como pontos importantes na cena a ser contemplada. A
Baía de Guanabara era a mais admirada do mundo, e os atrativos turísticos da
cidade, em sua maioria, encontravam-se na sua área central como, por exemplo,
edificações, chafarizes e praças. Posteriormente, os bairros litorâneos da zona sul
da cidade passaram a ter suas praias consideradas como um atrativo turístico
(CASTRO, 2006).
Por sua vez, ao mesmo tempo em que Pereira Passos trazia “ares europeus”
à cidade, introduzindo costumes e hábitos exportados da Europa, os negros,
descendentes de escravos, que residiam principalmente no bairro da Saúde,
mantinham seus valores culturais, influenciando também na formação da cultura
carioca. Na área central surgiu o samba, existiam as rodas de capoeira, misturaram-
se as crenças religiosas de negros e europeus. O sincretismo cultural e racial dos
portugueses com os negros, que antes era apontado pela elite carioca como algo
depreciador, passou a ser considerado como parte das atrações turísticas do Rio de
Janeiro.
A área central do Rio de Janeiro pode ser considerada um espaço
representativo para a cidade, e de um modo mais abrangente, para o país. Durante
longos anos foi a “capital política, administrativa, comercial, financeira e cultural do
52
Brasil” (MACHADO, 2002, s.p.). A região possui valor histórico, econômico e cultural,
ora lembrado, ora esquecido. Atualmente, esses valores estão sendo considerados
nos projetos de melhoria da área, após ter passado por um processo de
desvalorização. A contextualização histórica contribuirá para compreendermos a
situação atual da área central do Rio de Janeiro.
3.1 PROCESSO DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CENTRO DO RIO DE JANEIRO
A cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565, entre as terras dos morros
Cara de Cão e Pão de Açúcar. Porém, a sua evolução urbana se deu a partir do
Morro do Castelo, situado onde hoje consideramos ser o centro da cidade. Isso se
explica principalmente por questões militares, pelo fato do morro apresentar um bom
sítio defensivo em um período de vários ataques franceses na Baía de Guanabara.
Deste modo, a cidade transferiu-se para a nova região, estabelecendo o primeiro
núcleo urbano do Rio de Janeiro.
Para uma melhor compreensão da localização geográfica do centro da cidade
do Rio de Janeiro, a figura 3 representa a área em questão. O bairro hoje é
considerado a II Região Administrativa do município do Rio de Janeiro, englobando
as áreas do Aeroporto Santos Dumont, Castelo, Centro Histórico, Fátima, Lapa e
Praça Mauá.
Figura 3 - Mapa do Centro da Cidade do Rio de Janeiro Fonte: Adaptado de Legislação Bairro a Bairro – SMU-RJ, 2011.
53
Conforme a cidade crescia, terras ao redor do morro eram incorporadas a
malha urbana. Devido a sua proximidade à Baía de Guanabara, transações
comerciais marítimas iam se desenvolvendo na região, conferindo à cidade uma
funcionalidade portuária. A cidade do Rio de Janeiro não apresentava facilidades
para uma considerável expansão urbana, tendo sua geografia complexa, repleta de
morros, densa vegetação, brejos e mangues. Dificuldades eram observadas na
comunicação com áreas mais internas. Poder-se-ia ratificar que, entre os séculos
XVI e XVII (Figura 4 A e B), sua importância restringia-se à área onde hoje
conhecemos como Praça XV, apresentando-se como ponto de contato do Brasil com
as demais partes do mundo. Em sua enseada escoava-se a produção açucareira e
chegavam os escravos da África e mercadorias da Europa.
Figura 4A - Panorama da Praça XV no século XVI.
Figura 4B – Panorama da Praça XV no século XVII. Fonte: Adaptado de Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Por volta do século XVIII, o cenário de dificuldades de expansão foi
gradativamente sendo modificado. Era um período em que as atividades econômicas
do país prosperavam e as transações comerciais marítimas aumentavam, devido a
54
comercialização do ouro. O Rio de Janeiro passou a ser, a partir de 1763, a capital
da colônia e seu porto passou a ser o ponto principal de escoamento das pedras
preciosas, exploradas na região de Minas Gerais. Com a forte presença dessas
riquezas, a cidade ganhou importância política e comercial, recebendo inúmeras
obras de melhoramentos (LAMARÃO, 2006).
Aterramentos e desmontes de morros, em prol da expansão urbana,
tornaram-se notórios na área central. Além disso, questões problemáticas da época,
como falta de infraestrutura básica passaram a ser fatores preocupantes para
melhorar a estrutura urbana da cidade. Neste contexto, podemos observar um
processo inicial de modernização do Rio de Janeiro. O vice-rei da época, Dom Luís
de Vasconcelos, foi um dos pioneiros em planejar importantes obras de
melhoramento e embelezamento da cidade. É importante ressaltarmos que as ações
eram progressivas, porém lentas.
Dentre os feitos dessa época, a construção do Passeio Público merece
destaque. O motivo que contribuiu para a sua elaboração foi a grande epidemia de
gripe ocorrida na segunda metade do século XVIII. Muitos passaram a incriminar a
lagoa do Boqueirão da Ajuda, localizada próximo a Lapa, como causadora da
difusão da doença. Conforme Macedo (1991) apud Machado (2008, p.45), “o
Boqueirão da Ajuda oferecia uma vista magnífica, mas a lagoa que ali se encontrava
era repugnante [...]. Mostrava-se de feio aspecto, ás vezes exalava um cheiro
desagradável e, na opinião de muitos, passava por ser um foco de peste”.
Sendo assim, o vice-rei aterrou a lagoa para findar as opiniões de ser ela a
geradora da peste. Na área aterrada, foi criado o “primeiro jardim público das
Américas” e a “primeira área urbanizada do Rio de Janeiro” (MACHADO, 2008,
p.46), sendo projetado em estilo francês pelo melhor escultor da cidade, o senhor
Valentim da Fonseca e Silva, o mestre Valentim. O Passeio Público era frequentado
pela sociedade carioca para fins de lazer, passando a ser admirado por importantes
visitantes da cidade, que por lá passeavam. Além de ter sido importante para o lazer
e turismo, a obra foi de relevante para a expansão urbana da cidade, por ter
desobstruído a ligação do centro com a zona sul.
Outra obra de grande relevância do mestre Valentim foi a construção de um
chafariz, concluída em 1789 (Figura 5), na beira do cais que estava sendo instalado
na área da Praça XV. A obra também fazia parte das ações de remodelação urbana
proposta pelo vice-rei Luís de Vasconcelos. O objetivo do chafariz, cuja instalação se
55
encontra até os dias atuais, era atender ao abastecimento de água dos navios que
atracariam no cais. Devido a baixa profundidade, o cais do mestre Valentim logo se
tornou inoperante, tendo suas terras adiante aterradas para a construção do novo
cais, conhecido como cais do Pharoux8 (IPP, 2011b).
Figura 5 – Panorama da Praça XV em 1790. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Mesmo com algumas ações em prol da melhoria da cidade, elaboradas
principalmente pelo Vice-rei, ela ainda matinha sua área urbana limitada pelos
morros que a cercavam, respectivamente os Morros do Castelo, São Bento, Santo
Antônio e Conceição. A princípio, a área urbana da cidade era composta pelas
freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana, as quais
atualmente se referem a uma parte da área central e portuária da cidade. Por tal
dificuldade de expansão, não havia uma separação das classes sociais. A elite local
e os demais integrantes da população, majoritariamente escravos, conviviam no
mesmo espaço. O que diferenciavam um dos outros eram o tipo de residência e o
modo de se vestir (MACHADO, 2008).
Conforme Abreu (1997, p.35), “só a partir do século XIX é que a cidade do Rio
de Janeiro começa a transformar radicalmente a sua forma urbana e a apresentar
verdadeiramente uma estrutura espacial estratificada em termos de classes sociais”.
Com isso, foi possível assistir a “modificações substanciais tanto na aparência como
no conteúdo da cidade” (ABREU, 1997, p.35).
8 O nome do cais se deu pela popularidade do francês Louis Pharoux, dono de um hotel (também de
mesmo nome) Com autorização do governo, ele realizou melhorias no novo cais, por conta própria, considerando seu uso pelos viajantes que se hospedavam no hotel (CORNEJO; GERODETTI, 2004).
56
Nossa discussão sobre as mudanças ocorridas no Rio de Janeiro, a partir do
século XIX, pode ser iniciada em 1808, com a vinda da Família Real portuguesa ao
Brasil. O desembarque ocorreu no dia 7 de Março, no porto do Rio de Janeiro.
Segundo Pontes e Costa (2008, s.p.), “a história da Corte portuguesa no Brasil e,
sobretudo no Rio de Janeiro, é marcada por mudanças de costumes e por uma
reviravolta urbanística, econômica e cultural”.
Durante o período em que a Corte portuguesa residiu no Rio de Janeiro, a
cidade foi alvo de grandes transformações e construções, iniciando sua fase
civilizadora. A maioria das intervenções e obras era feita na sua região central,
sendo este o local onde se concentravam a população e as atividades, naquele
período. A área central tornou-se o marco histórico do desenvolvimento da cidade, e
também do Brasil:
Passada a correria da chegada, chegou a hora de pôr ordem na casa. Afinal, faltava tudo na colônia: biblioteca, moeda, banco, escola, fábrica, imprensa, hospitais. Foram iniciadas então grandes construções e investimentos em infra-estrutura. A base administrativa deveria ser semelhante à que funcionava em Lisboa (PONTES; COSTA, 2008, s.p.).
É interessante observarmos que, mesmo tendo sua povoação concentrada
nas freguesias localizadas no centro, novas freguesias ou aquelas já existentes,
porém consideradas rurais, começaram um processo gradual de expansão. Tal fato
pode ser explicado pela importância que áreas fora do centro passaram a ter pelas
classes mais favorecidas, sendo pouco a pouco povoada por elas. Destacamos,
neste aspecto, as freguesias da área sul da cidade do Rio de Janeiro, que se
localizavam onde atualmente estão os bairros da Glória, Botafogo e Catete; e a
freguesia ao norte, especialmente a de São Cristóvão (ABREU, 1997).
A partir da segunda metade do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro
recebeu ainda mais novas intervenções. Foi o momento em que o país passou por
uma fase próspera, fruto de significativas transformações econômicas, políticas e
sociais. O capital desenvolvido pela atividade cafeeira, os reflexos da Revolução
Industrial – navios a vapor, ferrovias, eletricidade – a ascensão da burguesia, a
presença do capital estrangeiro, entre outros fatores, contribuíram para o
desenvolvimento Da área central e para a expansão urbana da cidade do Rio de
Janeiro.
57
Com isso, o centro da cidade ganhou novas funcionalidades, passando a
comportar comércio e serviços, sendo “gradualmente constituído por lojas,
confeitarias, restaurantes, hotéis, escritórios de profissionais liberais, crescente
número de órgãos públicos, etc.” (VILLAÇA, 2009, p.227). A camada abastada era o
principal mercado, junto com os estrangeiros que visitavam a cidade naquela época.
Assim, as áreas centrais demonstravam ser o lócus mais importante da cidade e,
com isso, foram as “primeiras a se beneficiar das benesses urbanísticas modernas”
(ABREU, 1997, p.42).
As obras de melhoramento e embelezamento passaram a ser planejadas com
o propósito de tornar a cidade mais urbanizada e, também, tornar a área central
saudável e bonita. Investimentos em melhorias dos serviços básicos foram postos
em andamento, a destacar a instalação de iluminação a gás em algumas ruas
centrais, esgoto sanitário e o desenvolvimento dos meios de transportes. Porém, a
maioria dessas ações, que caberiam ao poder público realizar, era feita por
investidores estrangeiros, por meio das concessões dadas pelo governo. Como Del
Rio (1991, p.194) expõe, isso se explica porque:
As atividades de grupos privados no controle dos serviços urbanos e infraestrutura eram defendidas como de muito maior dinamismo e efetividade, em relação aos gerenciados pelo Estado. Evidentemente, estes grupos privados possuíam fortes alianças com o capital internacional, principalmente o inglês.
Mesmo com tantas idealizações para o progresso da cidade, as ações não
foram suficientes para torná-la civilizada e moderna. Fato que pode ser observado a
partir do final do século XIX (Figura 6), quando o centro ainda apresentava-se em
péssimas condições e passou a sofrer um esvaziamento parcial pela camada
abastada. Em conseqüência, a camada mais pobre passou a residir na região, em
busca de ficar próxima às aglomerações de comércio e serviço da época.
A população da cidade carioca havia crescido relativamente, contando com a
presença de um grande contingente de imigrantes europeus e ex-escravos, que se
fixavam na cidade em busca de trabalhos assalariados. Enquanto esses tinham a
necessidade de se instalar no centro, para ficarem próximos aos empregos da
cidade, a elite procurava por residências fora desta região, apresentando mais
mobilidade territorial.
58
Figura 6 – Panorama da Praça XV em 1870. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Neste contexto, observamos o desenvolvimento de bairros para além da área
central, seguindo os vetores de crescimento que já estavam potencialmente se
formando: para o norte e para o sul. Para isso, alguns fatores foram de extrema
preponderância e merecem ser detalhados, a destacar as intervenções urbanas, o
desenvolvimento dos meios de transportes e a difusão cultural do hábito de banho
de mar, vindo da Europa. Conforme explicado por Del Rio (1991), o centro da cidade
passou a sentir o inicio de seu esvaziamento, uma modificação da dinâmica urbana
quando as residências nobres se deslocaram para são Cristóvão e Flamengo,
abrindo espaço para a instalação de cortiços, casas de cômodos e funções não
habitacionais em seu solo.
Como já mencionado, a cidade do Rio de Janeiro apresentava-se dificultosa
para expandir suas áreas urbanas. Eram muitas áreas alagadiças e montanhosas,
considerados grandes barreiras que deveriam ser modificadas. Assim, desmontes de
morros, construções de túneis, aterramentos de mangues, entre outras intervenções,
passaram a ser realizadas, contribuindo para a abertura de vias urbanizadas em
direção às áreas em expansão.
O incremento dos meios de transportes na cidade do Rio de Janeiro, a partir
de meados do século XIX, também possibilitou a ocupação de áreas até então
longínquas da área central, sendo um fator importante para a expansão urbana do
Rio de Janeiro. Com base nas afirmações de Machado (2008), o processo começou
com o surgimento em escala maior dos ônibus, os quais posteriormente foram sendo
substituídos pelos bondes, por apresentar mais capacidade que o primeiro. A
princípio, eles atenderam a população que se formava próxima a área central: a
parte sul e norte da cidade. Mas no decorrer do tempo, os investimentos das
59
companhias responsáveis pelos bondes passaram a direcioná-los para a zona sul,
que se mostrava mais atrativa e com potencial de povoamento. Enquanto isso, o
desenvolvimento do trem se dava em direção as áreas mais distantes da cidade,
passando a ser usado pelas pessoas menos favorecidas, que habitavam os
subúrbios.
Por fim, a difusão do hábito do banho de mar, entre o final do século XIX e
início do século XX, influenciou, consideravelmente, o deslocamento da classe alta
para os bairros da zona sul. A princípio, o banho de mar era considerado uma
prática de fins terapêuticos. Aos poucos, foi tornando-se uma prática de lazer e
modismo, que já vinha acontecendo na Europa. Somado a isso, a desobstrução do
acesso à Copacabana tornava os bairros da zona sul os mais luxuosos e distintos,
sendo preferência para a fixação de moradias pela população mais abastada. Os
serviços e comércios, antes instalados no centro, passaram a ser transferidos
gradativamente para a zona sul. Podemos dizer que, neste contexto, houve também
a transferência do desenvolvimento turístico para o local, a partir da difusão do
turismo de sol e praia, principalmente no mercado europeu.
Assim, o abandono do centro pela elite carioca e pelos serviços e comércio
ocasionou uma diminuição de investimentos e manutenção que o governo fazia na
região. Estes se tornaram mais relevantes nas novas centralidades que se
desenvolviam nos bairros da zona sul. Com isso, o centro passou a ser
caracterizado como um local esquecido, insalubre e feio, com moradias precárias,
ruas sujas, facilitando a formação de grandes epidemias.
As ações para sua melhoria, durante as décadas da segunda metade do
século XIX, não foram suficientes para urbanizar o Rio de Janeiro. A verdade é que
muito se pensou, mas pouco se concretizou. A cidade mantinha uma imagem
negativa no exterior e para a sociedade brasileira, fato problemático para o seu
desenvolvimento e o do próprio país. O Rio de Janeiro, como capital, era a porta de
entrada do Brasil, fazendo com que a imagem do país fosse construída com base no
que era visto a partir do porto da cidade.
Somente a partir do século XX o atraso colonial passa a ser modificado. As
intervenções urbanas radicais, no início deste século, ajudaram a cidade se
desenvolver urbanisticamente. Com elas, o Rio de Janeiro iniciou um processo de
embelezamento, possibilitando transformar sua imagem no exterior, passando então
60
a ser digna de estar retratada em um cartão-postal da época (Figura 7). Foi a partir
deste século que a cidade tornou-se potencialmente turística.
O autor que fomentou a remodelação da cidade do Rio de Janeiro, tornando
realidade a sua urbanização, foi o prefeito Pereira Passos, entre os anos de 1902 e
1906. As ações e obras foram realizadas em algumas partes da área central, a
destacar a área portuária. Como exemplos, podemos destacar a abertura da
Avenida Central, atual Rio Branco, além da construção do Teatro Municipal e da
Biblioteca Nacional. Considerando a grande importância que foi dada à região que
abrigava o porto, não detalharemos aqui as ações e obras que foram destinadas,
especificamente, a esta região. Elas serão citadas posteriormente, ao discutirmos
sobre a história da Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro.
Figura 7 – Panorama da Praça XV em 1910. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Após o governo, o Rio de Janeiro apresentava-se com novos ares de
embelezamento e civilização, fruto de grande influência de Paris. Os governos
posteriores procuravam dar continuidade às obras de Pereira Passos, além de
concretizar outras ações para tornar a cidade do Rio de Janeiro cada vez mais
civilizada e bela. Alguns procuravam, até mesmo, investir suas ações no
desenvolvimento turístico. Para isso, além de apoiar a construção de atrativos
turísticos até hoje importantes, realizavam grandes exposições. Essas atraíam um
número considerável de visitantes e possibilitavam expor a imagem da cidade no
exterior, que “definitivamente se transformava em identidade do Brasil” (MACHADO,
2008, p.113). O Rio de Janeiro, além de passar por significativas mudanças em sua
malha urbana, também constituiu neste momento seus principais atrativos turísticos:
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Durante as décadas que sucederam a primeira metade do século XX, muita coisa mudou, e para melhor, tornando o Rio de Janeiro uma cidade turística, com elevado grau de atrações que misturavam natureza e monumentos, semblante presente na Modernidade. (MACHADO, 2008, p.137)
Desta forma, podemos dizer que as intervenções urbanas, observadas até o
final da primeira metade do século XX, foram de extrema importância para a
evolução da cidade, tendo o arrasamento do Morro do Castelo considerado como o
marco da conclusão do “processo de construção da modernidade no Rio de Janeiro”
(MACHADO, 2008, p.113). O desenvolvimento turístico também foi favorecido pelas
ações de embelezamento. Sem dúvidas, o período de Pereira Passos foi o de maior
transformação urbanística do Rio de Janeiro, dando a cidade novos traços.
3.1.1 Processo de degradação do Centro do Rio de Janeiro
Por volta do final da década de 1940, a área central do Rio de Janeiro atingiu
o seu limite físico, com tantas atividades concentradas na região. Ao mesmo tempo
em que se investia no desenvolvimento da área, uma série de problemas passou a
assombrar o valor econômico e histórico que esta região construiu com o tempo.
Como exemplos, destacamos a poluição, o engarrafamento, a falta de
estacionamento, a presença de uma infraestrutura antiga, entre outros. Foi o início
de um processo de esvaziamento da área central do Rio de Janeiro pela classe mais
favorecida, sendo esse um dos motivos para a sua degradação e desvalorização.
A segunda metade do século XX foi marcada por intervenções em algumas
partes da área central da cidade, porém eram mais pontuais. É importante
lembrarmos que desta vez as ações no centro não foram feitas para a expansão
urbana da cidade, mas sim devido ao seu processo de deterioração. Num primeiro
momento, entre os anos de 1950 e 1970, as intervenções urbanas foram guiadas
pelo ideal de demolir o antigo em prol da modernidade. Uma quantidade
considerável do patrimônio construído anteriormente foi posta abaixo, quando então
se inicia uma segunda fase de intervenções, entre as décadas de 1970 e 1990.
Desta vez, a ideia predominante foi a de preservação do acervo que, felizmente,
sobrou para conservar a memória histórica carioca e brasileira.
Entre as décadas de 1940 e 1950, mesmo iniciando um processo de
abandono, o centro ainda mantinha certa importância. Com isso, preocupações em
62
torno da sua revalorização foram formadas neste período, sendo alvo de projetos de
renovação urbana dos governos municipais da época. As ações eram caracterizadas
como “arrasa quarteirões”, sendo demolidas várias edificações antigas para a
construção de prédios modernos e abertura de vias urbanas. Neste contexto,
destacamos a inauguração da Avenida Presidente Vargas, em 1944, possível
somente com a desapropriação e demolição de muitos prédios antigos. Mesmo
assim, o centro continuava passando por um processo de abandono, decorrente de
alguns fatores sucedidos nas próximas décadas.
Ao mesmo tempo em que intervenções físicas eram realizadas na área
central, em outros setores da cidade também eram verificadas diversas ações. As
áreas fora do centro tornavam-se cada vez mais valorizadas pela sociedade carioca
de alto status e pelo poder público e privado, como local de moradia, lazer e serviço.
Assim, na década de 1960 observou-se a formação dos chamados subcentros, que
levou ao deslocamento considerável de atividades e serviços, antes instaladas no
centro, para os bairros que há algum tempo já se tornara mais atraente como, por
exemplo, Copacabana. Na mesma década, o Rio de Janeiro perdeu seu posto de
Capital Federal para Brasília, favorecendo a transferência de grande parte da
burocracia federal, que estava no centro da cidade carioca. Com isso, o centro
voltou a perder o seu valor econômico.
A década de 1970 também apresentou fatos importantes que contribuíram
para a diminuição do fluxo de empresas e pessoas para o centro do Rio de Janeiro.
Foi o momento da difusão do automóvel, que passou a exigir a abertura de vias,
possibilitando uma melhor mobilidade da sociedade carioca, principalmente para os
novos subcentros. O desenvolvimento do metrô, uma década após, também
contribuiu para a transferência de pessoas e empresas para as novas centralidades,
pois sendo um meio de transporte rápido e de alta capacidade, tornava fácil a
acessibilidade para outras áreas da cidade. Os investimentos na infraestrutura de
transportes modificaram significativamente a área central, que passou a sofrer mais
demolições para a abertura das vias urbanas.
Por sua vez, a década de 1980 foi marcada por um período de recessão
econômica. Tal fato favoreceu a desvalorização do centro, tendo perdido sua
preferência para os subcentros e para os centros de outros estados do país como,
por exemplo, São Paulo. Os investimentos públicos e privados tornavam-se mínimos
ou até mesmo nulos, pois eles acompanhavam a ascensão das novas centralidades.
63
Com isso, o centro deteriorou-se, virando palco de marginalidade e insegurança com
suas estruturas degradadas:
Os constantes vazamentos de esgotos, a escassez de água, a má qualidade da telefonia, a deficiência do sistema de iluminação pública, e a falta se segurança passaram a desqualificar a área e a inibir o crescimento dos investimentos privados. Assim, o processo de decadência do centro do Rio, num círculo vicioso, revelou-se, ao mesmo tempo, causa e conseqüência de diversas alterações ali ocorridas na década de 1980. (MAGALHAES, 2002, p.2)
Mesmo que o centro do Rio de Janeiro tenha apresentado um notório
esvaziamento, este fato ocorreu de modo parcial, visto que ainda havia muitas fontes
de trabalhos no local, o que ajudou a manter sua vitalidade. Como expressado por
Abreu (1997), o crescimento populacional da Zona Sul retirou grande parte das
atividades de serviços, comércio e diversões da área central, mas não foi capaz de
descentralizar as principais fontes de emprego da classe média carioca, que
continuou a se localizar no centro. Então, ao mesmo tempo em que o centro
deteriorava-se, surgia uma preocupação com a sua valorização, iniciando um
processo de planejamento de intervenções que, desta vez, passou a respeitar suas
construções.
Neste contexto, o projeto Corredor Cultural desenvolvido na década de 1980
foi o de maior relevância. As suas ações foram direcionadas para a preservação da
morfologia e do valor cultural do patrimônio arquitetônico de algumas áreas do
centro da cidade, resultando no tombamento de um grande número de edificações.
O projeto atingiu, por exemplo, teatros, museus, prédios históricos, igrejas,
restaurantes e livrarias. Devido ao estado de abandono da região, o objetivo era
tentar torná-la novamente dinamizada, fazendo com que voltasse a receber fluxo de
pessoas além do horário comercial, utilizando-a como local de lazer e
entretenimento. O investimento a partir da cultura levaria a revalorização simbólica
do centro da cidade, mas posteriormente possibilitaria, também, uma revalorização
econômica, com o incremento de investimentos públicos e privados na região.
Assim, a partir das ações do Corredor Cultural, outros projetos de recuperação do
centro da cidade foram desenvolvidos no decorrer do final do século XX, porém nem
todos foram implementados.
Com tantas mudanças urbanas, em meados do século XX, a área central
tornou-se um mosaico de diferentes edificações arquitetônicas, com construções
64
coloniais e republicanas dividindo espaço com torres comerciais modernas (Figura
8). Até os dias atuais, a região mantém seu valor histórico, econômico, cultural e
social, sendo considerado como área de atividades e serviços, um importante local
de consumo e produção da sociedade carioca, onde algumas empresas públicas e
privadas ainda fixam suas estruturas físicas e onde se encontram presentes algumas
moradias.
Figura 8 – Panorama da Praça XV em 2002 Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Nessas condições, mesmo um centro estando abandonado, ele jamais
perderá seu valor simbólico, histórico e cultural. O mesmo valor pode ser direcionado
a sua zona portuária, a qual manteve presença relevante em maior parte de toda a
história contada até agora. Não mencionamos no decorrer desta análise, porque ela
merece ser compreendida separadamente, em destaque, pois mais do que a área
central como um todo, a região portuária é o nosso objeto de estudo.
3.2 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO
A Zona Portuária do Rio de Janeiro, localizada na região central da cidade,
compõe-se dos bairros Saúde, Gamboa, Santo Cristo e Caju, de acordo com a
divisão do Rio de Janeiro em Regiões Administrativas9 (Figura 9). O seu
desenvolvimento se deu no decorrer da história da cidade do Rio de Janeiro, até
9 A Zona Portuária corresponde a I Região Administrativa (R.A) do município do Rio de Janeiro.
65
mesmo da história do Brasil, visto ser uma área de grande importância comercial
para a economia do país, desde o tempo colonial.
Figura 9 - Mapa da Zona Portuária do Rio de Janeiro Fonte: Adaptado de Legislação Bairro a Bairro – SMU-RJ, 2011.
A cidade do Rio de Janeiro, por apresentar dificuldades de expansão
decorrentes de suas barreiras geográficas – regiões montanhosas e/ou alagadiças -,
iniciou a sua formação de forma espremida entre os morros do Castelo, São Bento,
Santo Antônio e Conceição, área onde as atividades portuárias primitivas
começaram a se desenvolver. Analisamos que o único espaço da atual região
portuária, que fazia parte desta área “mais habitável”, ficava no Morro da Conceição,
em sua parte próxima a Prainha (atual Praça Mauá). Nesta região encontrava-se a
Pedra da Prainha, posteriormente conhecida como Pedra do Sal, devido a
comercialização do produto, monopólio da Coroa, ser realizado no local.
Segundo Del Rio (1991), existe indício de que já desde o século XVI partes da
região portuária eram ocupadas por capelas nos morros, chácaras e casas de
portugueses pescadores. No decorrer do século XVII, também se presenciou
escravos residindo na região, os quais, sem terem ido para as lavouras açucareiras,
realizavam os primeiros trabalhos de estiva, essenciais para dar dinâmica às
operações portuárias de embarque e desembarque. Lamarão (2006) explica que
dois fatores geográficos foram influenciadores neste processo de ocupação: “a
barreira de montanhas”, que dificultava o acesso para áreas mais internas da cidade
66
e com isso levava sua expansão para esta região, e a “acidentada orla marítima”,
cujos sacos formados propiciavam bons pontos para ancorar, caracterizando a
região como adequada para estender atividade comercial marítima até ela (Figura
10).
Figura 10 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XVII. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Em meados do século XVIII, o escoamento do açúcar e seus derivados
entraram em decadência. Neste mesmo período, as atividades econômicas do país,
antes observadas no Nordeste, passaram a prosperar na região Sudeste, tendo em
Minas Gerais a intensificação da atividade mineradora. O porto do Rio de Janeiro, a
princípio localizado na praia D. Manuel, onde atualmente encontra-se a Praça XV,
era o principal ponto de escoamento das riquezas exploradas, além de ser também o
local aonde chegavam os escravos e outras mercadorias vindas da Europa. Isso se
deu pelo motivo da região ser considerada a parte central da cidade, onde por lá já
se realizavam primitivas transações comerciais marítimas10. Neste momento, a
cidade do Rio de Janeiro iniciou seu processo de crescimento demográfico e sua
expansão física (Figura 11).
Com prosperidade econômica decorrente da exploração do ouro, o Rio de
Janeiro ganhou o posto de capital do país em 1763, passando a receber melhorias
no intuito de tornar a cidade, em crescimento, mais bela e modernizada. Muitas das
ações foram notórias no entorno do núcleo central mais desenvolvido, destacando
10
Na figura 11, podemos observar, ao fundo, um aglomerado de construções na Praça XV, onde se encontrava o porto da época. Por sua vez, a zona portuária no início do século XVIII ainda era pouco desenvolvida, mas já possuía algumas construções.
67
significativas construções e intervenções como a edificação do Paço Imperial em
1743 e aterramento da Lagoa do Boqueirão em 1779.
Figura 11 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro, no século XVIII. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Com o movimento em prol de melhorias para a nova capital, observamos que
algumas dessas ações também foram significativas para a ocupação e dinamização
da atividade portuária na região de estudo. Destacamos, então, a transferência do
mercado negreiro da Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março, para a região do
Valongo no final da década de 1770. A atividade ficou considerada como
inadequada à região onde estava localizada, visto que a Praça XV passou a
apresentar uma posição considerável dentro do quadro urbano da cidade
(LAMARÃO, 2006). É essencial ressaltarmos que tal transferência possibilitou o
desenvolvimento da atual região portuária, mas ao mesmo tempo contribuiu para a
formação de uma imagem negativa, ao considerar o comércio negreiro algo “sujo”
para a época.
Sendo assim, a partir da segunda metade do século XVIII a atual região
portuária passou a se desenvolver. Conforme as transações comerciais marítimas
cresciam, mais espaço tornava-se preciso para a cidade manter sua função
portuária. Desta forma, regiões no entorno do porto passaram a atuar como sendo
seu complemento, abrigando atividades comerciais e portuárias que perderam
espaço no porto, por não serem tão expressivas quanto às transações de pedras
preciosas vinda de Minas Gerais. No litoral dos atuais bairros portuários,
significativas obras e construções foram desenvolvidas, como aterramentos para
abertura de vias e becos, edificação de trapiches, atracadouros, armazéns,
68
estaleiros, entre outros. Com tantas intervenções urbanas, a cidade passou a se
expandir para além das fronteiras de sua ocupação inicial, observando um processo
gradual de deslocamento para o norte da cidade, que também contribuiu
fundamentalmente para a ocupação e caracterização do litoral da atual Zona
Portuária do Rio de Janeiro:
Lísia Bernardes não hesita em afirmar que “a presença das enseadas [...], que gozavam de bons ancoradouros, mais abrigados que os dos arredores do Castelo e onde diversos trapiches se estabeleceram no decorrer do século XVIII” somada à existência de encostas não muito íngremes, onde a instalação era mais fácil que na planície “embrejada”, possibilitou “rápida expansão das construções urbanas nessa faixa costeira durante o século XVIII (LAMARÃO, 2006, p.27).
No final do século XVIII, os espaços entre os Morros da Conceição, do
Livramento e da Saúde se apresentavam densamente povoados e com relevantes
estruturas portuárias. Já nas proximidades do saco do Alferes, a população ainda
era rarefeita. Mas, foi no século posterior que, junto com a evolução urbana da
cidade, os bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo se consolidaram no
desenvolvimento urbano, decorrentes de um acelerado processo de habitação e
comércio, que viriam a caracterizar cada vez mais a região como uma área
potencialmente portuária.
A vinda da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, inseriu o porto na rede
internacional de tráfego marítimo. O rei D.João VI abriu os portos de sua colônia às
nações amigas de Portugal, e o Brasil passou a realizar trocas comerciais com
outros países europeus. Com isso, o comércio de importação e exportação se
acelerou e o porto do Rio de Janeiro passou a receber vários navios, de diferentes
bandeiras. Segundo Lamarão (2006), o número de navios que chegava à Baía de
Guanabara era 778 em 1807, sendo apenas um estrangeiro, enquanto em 1811 o
total de navios já superava 5.000, devido a abertura dos portos. Podemos dizer que
a instalação da Corte no Rio de Janeiro possibilitou relevantes mudanças em âmbito
cultural, econômico e urbanístico.
De acordo com as afirmações de Lamarão (2006) e Del Rio (1991), a cidade
do Rio de Janeiro, mesmo já tendo uma relevante função portuária, tinha um espaço
relativamente pequeno para esta atividade, além de não ter um porto especial para
embarque e desembarque de mercadorias, que se tornava abundante com a
abertura dos portos. Isso passou a mudar quando, em 1809, D.João VI decretou o
69
aforamento dos terrenos entre a praia da Gamboa e o saco do Alferes, para a
construção de mais estruturas portuárias, tais como trapiches e armazéns (Figura
12), além de um cais na região do Valongo. Assim, entre a Prainha e o Saco do
Alferes, as atividades portuárias ganharam dinamização, sendo a partir daquele
período uma área onde as transações comerciais marítimas passaram também a
serem feitas, a destacar o embarque do café e o desembarque dos escravos.
Figura 12 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro no século XIX Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Foi nas primeiras décadas do século XIX que a atividade cafeeira na região
do Vale do Paraíba ganhou destaque na economia do país. Em meados da década
de 1830, o café firmou-se como o “principal artigo de exportação do Brasil, estando o
desenvolvimento das atividades portuárias do Rio de Janeiro em estreita ligação
com a intensificação do comércio do produto” (LAMARÃO, 2006, p.38). O café era
armazenado nos trapiches localizados na Prainha (atual Praça Mauá), sendo
escoados por lá mesmo. Ao mesmo tempo, observamos uma considerável
movimentação do mercado negreiro no Valongo, devido ao aumento do número de
escravos que chegavam ao país, para trabalharem nas lavouras de café.
A partir deste contexto, é interessante discutirmos a forte presença dos
negros africanos na história da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Desde os tempos
açucareiros do século XVI e XVII, passando pelo período aurífero do país no século
XVIII e posteriormente a fase cafeeira do século XIX, a mão-de-obra escrava sempre
foi de vital importância para a economia brasileira, tornando o porto bastante
movimentado. Porém, destacamos que muitos escravos, que desembarcavam no
cais do Valongo, ficavam no Rio de Janeiro, trabalhando nas ruas, nas manufaturas,
70
nas casas e no porto. A partir de 1831, o comércio negreiro começou a diminuir na
região. Neste ano, o mercado do Valongo foi desativado, devido pressões inglesas
para o fim do tráfico negreiro. Com isso, seus trapiches passaram a serem usados
para depositar mercadorias de exportação e importação. Mesmo assim, a região
ainda mantinha-se como referência do vergonhoso passado de escravidão, e ainda
abrigava um número considerável de escravos. Para apagar esta memória, o cais do
Valongo ganhou obras de embelezamento projetado pelo arquiteto francês
Grandjean de Montigny para, em 1843, receber a futura imperatriz Tereza Cristina, a
qual chegava ao Brasil para se casar com D.Pedro II. Deste modo, a região do
Valongo tornou-se um ambiente urbanizado, com jardins e estátuas, sendo chamado
posteriormente de Praça Municipal, e seu cais denominado cais da Imperatriz.
Importante destacarmos que atualmente, devido as obras do atual projeto de
refuncionalização da zona portuária da cidade, foi redescoberto a 2,5 metros abaixo
do asfalto o cais da Imperatriz e o cais do Valongo. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) determinou acompanhar as escavações na
avenida Barão de Tefé, e com isso iniciou-se um trabalho em conjunto, resgatando
objetos que mostram o cotidiano do Rio no século XIX, a destacar uma quantidade
notória da cultura material dos escravos, como diferentes modelos de cachimbos e
adornos femininos (CARDOSO, 2011).
Com as mudanças advindas do sistema capitalista, a partir da segunda
metade do século XIX, o país aos poucos foi modificando seu modo de produção
escravista, enfatizando a mão-de-obra assalariada e favorecendo a vinda de
imigrantes europeus. A população da cidade do Rio de Janeiro neste contexto
aumentou consideravelmente, sendo composta, principalmente, de ex-escravos e
imigrantes em busca de melhores condições de vida na capital. Os bairros da Zona
Portuária passaram a ser local de moradia dessas pessoas menos favorecidas,
contribuindo para a fixação da cultura africana e portuguesa, que até hoje
simbolizam e marcam a identidade de seu povo.
No âmbito internacional, o mundo passava pela Segunda Revolução Industrial
durante a segunda metade do século XIX. Surgiam inovações tecnológicas para a
época, marcada “pela introdução de novas técnicas na produção do aço, pelo
desenvolvimento das indústrias elétricas e de química pesada, e pela grande
expansão e maior rapidez dos transportes marítimos e terrestres, condição e
consequência da notável intensificação do comercio mundial” (LAMARÃO, 2006,
71
p.53). Neste contexto, o Brasil possuía relevante participação no comércio exterior
através da exportação do café, ao mesmo tempo em que recebia muitos produtos
manufaturados vindos, principalmente, da Inglaterra, sendo esta a potência
econômica mundial da época. O sistema escravista, que perdurou anos na colônia
portuguesa, perde de vez sua posição para o sistema capitalista do momento.
O porto cada vez mais se tornava movimentado com a dinamização do
comércio internacional, porém suas estruturas ainda se encontravam dispersas e a
região em que ele se instalara ainda não se apresentava solidamente portuária e
moderna. Considerando ser a porta principal da cidade e do Brasil, o controle da
função portuária, a partir de 1850, passou a ser alvo de disputas entre grupos
capitalistas. Estes atuavam na cidade através de concessões dadas pelo governo,
para o controle dos serviços básicos como instalação de esgoto, eletricidade,
ferrovias, bondes e, no caso do nosso estudo, estruturação de um porto. Eram
necessárias ações que modernizassem e melhorassem a situação portuária do Rio
de Janeiro, possibilitando sustentar as transações de importação e exportação que
vinham crescendo com o tempo:
Preconizando a construção de cais, molhes, docas, armazéns, o aterro de determinadas áreas, a extensão de ramal ferroviário para este ou aquele trecho do litoral, a introdução de maquinarias nas operações de carga e descarga, esses planos estavam dirigidos para três trechos da orla marítima do Rio: São Cristóvão ao Arsenal de Marinha,incluindo portanto o Saco do Alferes, a Gamboa e a Saúde (...); do Arsenal de Marinha ao Arsenal de Guerra, parte correspondente a à vertente marítima central da cidade, na qual se situavam as principais instalações portuárias; e do Arsenal de Guerra em direção à enseada de Botafogo, passando pelas praias de Santa Luzia e da Glória. (LAMARÃO, 2006, p.56)
Dentre os projetos de melhoramentos para o porto, destacamos a formação
de duas Companhias: a Companhia da Doca da Alfândega e das Docas de D.Pedro
II. A primeira foi fundada para administrar a Doca da Alfândega (onde atualmente
encontra-se o Museu da Marinha), atuando na área entre o Arsenal de Marinha (Ilha
das Cobras) e Arsenal de Guerra (Atual Museu Histórico Nacional). O objetivo era
consolidar a atividade na região e dar andamento nas diversas obras que já vinham
sendo realizadas, porém de forma parcial e lenta. A área era considerada pelo
governo como prioritária em receber melhorias, devido sua localização central de
extrema importância para as operações comerciais marítimas. Porém, a Doca da
Alfândega não funcionava de forma eficiente tendo, por exemplo, pouca extensão de
72
cais e baixa profundidade, que impossibilitava a atracação de navios de maior
calado (LAMARÃO, 2006). André Rebouças, engenheiro que esteve à frente dos
melhoramentos do porto, após uma viagem à Inglaterra em 1867, onde conheceu as
Docas da Rainha Vitória, passou a defender o estudo de uma área que atendesse
melhor às funções portuárias da cidade do Rio de Janeiro, para que embarcações de
diferentes calados fossem capazes de ancorar no cais.
Assim, surge a idéia de construir docas nas enseadas entre os bairros Saúde
e Gamboa. Os projetos, então, passaram a ser direcionados para a área
compreendida entre São Cristóvão e o Arsenal de Marinha, sendo uma região
potencialmente portuária, com condições favoráveis para o desenvolvimento da
atividade. Além disso, André Rebouças idealizava a construção de uma estação
ferroviária na região, que fizesse ligação com a Estrada de Ferro D. Pedro II, já
utilizada como via de chegada do café do Vale do Paraíba. Após algum tempo de
solicitação ao governo para a concessão, surge em 1870 a Companhia Docas D.
Pedro II, dando início às obras na região que estamos estudando. Mas, conforme
explica Lamarão (2006), as obras idealizadas por Rebouças não foram integralmente
concretizadas, sendo observadas apenas algumas ações na área do bairro da
Saúde, enquanto nada foi feito no bairro Gamboa. O projeto foi alvo de críticas e
impedimentos, a ressaltar a suspensão de qualquer ação que envolvesse ligação
entre as Docas e a Estrada de Ferro D.Pedro II, além da proibição de
comercialização do café na região, sendo mercadoria exclusiva da Doca da
Alfândega. Os rivais de André Rebouças também enfatizavam os pontos negativos
da região, ressaltando a condição insalubre das construções existentes e a ausência
de vias que permitissem o livre trânsito de mercadorias.
O sonho do engenheiro Rebouças, em construir uma estação marítima,
tornou-se realidade a partir de 1877. O engenheiro Francisco Pereira Passos, diretor
da estrada de ferro desde 1876, em conjunto com a Comissão de Melhoramentos
colocou o projeto em ação. Após estudos que confirmaram o potencial portuário de
Gamboa, que “oferecia espaço para a construção de grandes armazéns, depósitos,
linhas de manobra e desvios; seu ancoradouro, além de bastante profundo, podia
ser aumentado por meio de escavações de baixo custo” (LAMARÃO, 2006, p.72),
também se verificou que a região poderia ser ligada à estação do Campo de
Santana, a baixo custo, em um ramal de pequena extensão. Após ativas obras
inaugurou-se em 1879 o ramal da Gamboa.
73
Sendo assim, com a intensificação das atividades portuárias e manufatureiras,
além das intervenções realizadas no decorrer do tempo para expansão urbana do
Rio de Janeiro, a Zona Portuária já estava totalmente integrada ao restante da
cidade, no final do século XIX. Além das estruturas portuárias, algumas fábricas e
escritórios comerciais eram atraídos para a região, sendo erguidas importantes
edificações, como o segundo maior mercado da cidade na Rua da Saúde e o Moinho
Fluminense (DEL RIO,1991). Este último até hoje está presente na região e, para
valorizar o seu entorno, sua fachada receberá obras de restauração.
De início, a composição social da população da região portuária abrangia
tanto uma camada social pobre quanto uma mais abastada. Mas, no decorrer do
tempo essa condição vai mudando. As pessoas de melhor renda gradualmente
foram atraídas para os novos bairros, que estavam se formando ao norte e ao sul da
área central, visto estarem mais acessíveis (devido o desenvolvimento dos bondes e
abertura de vias) e se especializando como áreas mais elegantes para residir
(principalmente a zona sul, quando se difunde o hábito de banho de mar). Outro fator
que também contribuiu para tal deslocamento foi a desapropriação de chácaras para
a intervenção de melhorias na região, contribuindo para o seu esvaziamento por
parte da classe social com melhor poder aquisitivo. Sendo assim, na região
predominou-se uma população menos favorecida, composta principalmente por ex-
escravos e imigrantes europeus, que se fixavam de forma precária em cortiços, em
busca de ficarem próximos ao trabalho assalariado nos armazéns, trapiches e
fábricas, por exemplo. A região também foi o local onde se formou a primeira favela
do país, em 1897, quando os ex-combatentes da Guerra de Canudos construíram
suas moradias no Morro da Providência.
Ao mesmo tempo em que os bairros portuários se desenvolviam, eles eram
considerados insalubres e foco de grandes epidemias. Considerando ser uma área
em que se encontrava o principal meio de contato com o mundo, o porto, sua
condição precária deveria ser retificada. Em meio a tanto desenvolvimento urbano e
econômico, o porto estava com estruturas coloniais atrasadas, “incompatíveis com
os progressos e as exigências da era da navegação a vapor” (LAMARÃO, 2006,
p.140). Isso contribuía para a formação de uma imagem negativa da cidade do Rio
de Janeiro e, de uma forma mais abrangente, do Brasil. Intervenções drásticas eram
necessárias para resolver os problemas do momento. Nesta conjuntura, iniciou-se o
século XX, marcado já em seus primeiros anos por uma relevante reforma urbana no
74
Rio de Janeiro. Ela foi realizada pelo engenheiro Pereira Passos, que novamente
entrou em cena, mas desta vez como prefeito da cidade entre os anos de 1902 e
1906.
Seu mandato foi repleto de ações voltadas para o embelezamento,
saneamento e civilização da cidade, sendo elas direcionadas, principalmente, para a
área portuária. Pereira Passos priorizou as intervenções no porto da cidade,
considerando ser uma área economicamente importante e que deveria estar
solidamente estruturada, tanto por ser o ponto de importação e exportação de
mercadorias, desembarque e embarque de pessoas, como também por abrigar
fábricas e prédios comerciais. A prioridade pode ser explicada pelo fato de ajudar a
região a modificar sua má fama construída pela sociedade carioca e pelos visitantes,
sendo considerado um porto sujo, com suas insalubres habitações, surtos de
epidemias que assolavam a população e a forte presença de cidadãos de baixa
renda.
Uma série de obras foi iniciada para a construção do novo porto do Rio de
Janeiro, na região da Gamboa. As ações foram voltadas para o aterramento de todo
um trecho do litoral, provocando o desaparecimento das ilhas e enseadas (Figura
13). Além disso, visando solucionar a dificuldade de contato entre a área portuária e
o núcleo central, foram construídas a Avenida Central, atual Rio Branco e a Avenida
do Cais, atual Rodrigues Alves. Outras ações também tiveram destaques na zona
portuária, como, por exemplo, a finalização do Canal do Mangue.
Figura 13 – Configuração territorial da Zona Portuária, após aterramentos. Fonte: Adaptado de Evolução Urbana - IPP, 2011b.
É importante destacarmos que as intervenções do prefeito Passos não se
preocuparam com a população de baixa renda que se instalava na área central. Para
a construção da Avenida Central e outras ações, por exemplo, foram necessárias
75
muitas demolições de cortiços e casas coletivas, acarretando no deslocamento da
camada menos favorecida para outros locais: bairros adjacentes ao centro, ou áreas
periféricas bem distantes. Tal fato pode ser considerado como propulsor para o
povoamento dos morros nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo,
incrementando a expansão das favelas.
Assim, o projeto do prefeito Pereira Passos, visando tornar o porto mais
moderno e funcional, surte efeitos positivos, mas tornar-se-á plenamente implantado
somente na década de 1910, quando a região portuária apresentou-se consolidada.
De porto sujo e pestilento a cidade modifica sua fama para cidade maravilhosa. Com
a remodelação urbana, o Rio de Janeiro definiu sua geografia social, com um núcleo
central financeiro consolidado, bairros de classes mais abastadas próximos a área
central e bairros periféricos, ou favelas próximas ao centro, para as classes menos
favorecidas.
3.2.1 Processo de degradação da Zona Portuária do Rio De Janeiro Após a administração de Pereira Passos, no início do século XX, o porto
parou no tempo. Poucas ações foram direcionadas aos bairros portuários a fim de
manter o processo modernizador do início do século. É evidente que pela sua
importância econômica e sua proximidade ao núcleo central, algumas construções
relevantes foram elaboradas, tendo suas terras ocupadas por atividades ligadas
direta ou indiretamente ao porto, ou usadas pelo poder público. Em 1927, inaugurou-
se a estação de passageiros na Praça Mauá e o elegante prédio que abrigou o
Touring Club, responsável em recepcionar os viajantes que chegavam à cidade. Já
em 1930, inaugurou-se o primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro, sendo conhecido
como edifício A Noite, por abrigar o jornal de mesmo nome (Figura 14).
76
Figura 14 – Panorama do Porto do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Fonte: Evolução Urbana - IPP, 2011b.
Os bairros portuários, no entanto, não acompanhavam o ritmo de
modernização e verticalização do núcleo central e dos novos bairros que se
consolidavam ao norte e ao sul da cidade. Com isso, não recebia os mesmos
investimentos que tais áreas estavam recebendo do poder público e privado. Mesmo
quando o núcleo central encontrava-se totalmente saturado na década de 40, e
passou a se esvaziar de forma parcial, ele ainda era mais valorizado do que a área
de estudo. Neste contexto, a construção da Avenida Presidente Vargas teve papel
relevante para a segregação social, econômica e cultura da área central, pois a
dividiu em duas partes: o centro de negócios “febril” e o centro “próximo a Zona
Portuária”. Enquanto o primeiro recebia investimentos e intervenções urbanas, o
segundo vai perdendo seu valor social e econômico, construindo um intenso
processo de degradação e empobrecimento da população residente (SOARES;
MOREIRA, 2007).
Entre os anos de 1948 e 1949, foi construído o píer engenheiro Oscar
Weinschenk, mais conhecido como Píer Mauá. O objetivo da obra era aumentar a
capacidade do porto para a atracação de transatlânticos, que viriam ao Brasil
trazendo estrangeiros, para a Copa do Mundo de 1950. Mas, as obras não foram
finalizadas a tempo e, devido ao contexto arrasador de final de guerra na Europa,
poucos turistas estiveram no Brasil para assistir aos jogos (CIDADE OLÍMPICA,
2011). Nos anos posteriores, alguns navios atracaram no píer, mas, de um modo
geral, ele ficou abandonado. Somente a partir de 1995 o píer voltou a ser lembrado,
quando a Lei da Cabotagem permitiu aos navios de bandeira estrangeira navegar
pela costa brasileira, realizando escalas entre seus portos. Com isso, o número de
77
Cruzeiros Marítimos aportando no píer Mauá aumentou consideravelmente nos
últimos anos (Figura 15).
Figura 15 – Evolução do número de turistas procedentes dos Cruzeiros Marítimos Fonte: PÍER MAUÁ, 2011.
Conforme as décadas do século XX passavam, a Zona Portuária ia perdendo
seu glamour, começando a isolar-se do restante da cidade. Seus bairros começaram
a se desvalorizar, perdendo algumas ocupações comerciais para o centro e
ganhando adensamento populacional. Tal fato pode ser explicado pelo contínuo
deslocamento de pessoas de baixa renda para os morros da região, em busca de
ficarem próximas ao centro financeiro, fonte de trabalho e renda. Inúmeras
edificações passaram a ficar subutilizadas, vazias ou em precário estado de
conservação, conferindo a área uma impressão de abandono.
Nas décadas de 1960 e 1970, outros fatores contribuíram para aumentar a
degradação dos bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Neste período,
observou-se a intensificação do processo de obsolescência dos equipamentos
portuários que, com os avanços tecnológicos, tornavam-se rapidamente arcaicos. Ao
mesmo tempo, construiu-se uma incapacidade operacional às exigências atuais,
limitada pelo seu entorno físico, enquanto maximizava-se a potencialidade de outros
78
portos como, por exemplo, de Sepetiba. As atividades de carga e descarga que não
foram para outros portos se deslocaram para o bairro do Caju. Assim, grande parte
dos estabelecimentos ligados direta e indiretamente aos serviços portuários tornou-
se obsoleto. Seus armazéns, por exemplo, ficaram desativados com o surgimento
dos containers, passando a serem usados pelas escolas de samba como local de
produção carnavalesca.
Foi nesta época que também se notou a tendência mundial de diminuição do
transporte marítimo a favor do rodoviário e aéreo, mais flexíveis e rápidos. Exemplo
disso foi a construção da rodoviária Novo Rio, no bairro de Santo Cristo. Seu
funcionamento modificou a circulação de pessoas, gerando um aumento na
utilização da área. Porém não houve alterações visando aprimorar a região para o
novo fluxo. Além disso, muitos brasileiros que desembarcavam na rodoviária, em
busca de melhores condições de vida, passaram a habitar os bairros próximos a ela.
Os bairros passaram a abrigar os migrantes de outras regiões brasileiras, por
exemplo, os nordestinos.
Um fato de extrema importância para tornar a região portuária ainda mais
isolada do restante da cidade foi a construção da Avenida Perimetral na década de
1970, tendo como um dos objetivos ligar a zona norte à zona sul, diminuindo o
tráfego intenso no centro para tal deslocamento. O viaduto, também conhecido como
elevado Juscelino Kubitschek, além de obstruir a visibilidade dos bairros portuários
tornando-os obscuros, contribuiu para a diminuição da conexão deles com os
demais bairros da cidade, favorecendo a acentuação de sua desvalorização.
Desta forma, a Zona Portuária passou a se apresentar como um local
deteriorado, esquecido tanto pelos setores público e privado como pela própria
população carioca. Suas áreas residenciais ficaram caracterizadas como perigosas e
violentas, resididas por pessoas pouco favorecidas, as margens da sociedade. As
áreas de uso não residencial expressaram o descaso e descuido, com o vazio
urbano ou sua subutilização. De acordo com dados divulgados na revista Veja Rio
(MEDINA, 2010), o poder público é dono de quase 75% dos imóveis inutilizados na
região. Isso contribuiu consideravelmente para a degradação observada,
principalmente quando a capital transfere-se para Brasília, na década de 1960,
levando consigo o deslocamento de burocracias antes instaladas na região central
do Rio de Janeiro.
79
Nos dias atuais, a situação de abandono e deterioração não se modificou.
Ainda assim, a região possui um forte valor histórico, cultural e simbólico, contando
com um patrimônio inestimável e uma forte identidade cultural afro-brasileira e
portuguesa. O que ocorre é que seus valores foram ofuscados pela sua degradação,
mas ainda mantém-se viva. A população de Saúde, Gamboa e Santo Cristo
preocupam-se em valorizar essas características positivas, procurando preservar a
identidade local através de manifestações populares, como eventos de samba e
lavagem da Pedra do Sal no morro da Conceição, procissões religiosas, entre
outras.
O isolamento da área, ao mesmo tempo em que promoveu sua
desvalorização econômica e social, contribuiu para a preservação de seu patrimônio
material e imaterial. Diante dessas singularidades, a zona portuária passou a ser
alvo de intervenção urbana a partir da década de 1980, momento em que se iniciou
uma preocupação com a preservação da área central da cidade do Rio de Janeiro,
após décadas de demolições. A partir deste momento, até os dias atuais, a região de
estudo recebeu projetos pontuais visando a melhoria de seus espaços. Alguns foram
parcialmente implementados, outros nem saíram do papel, conforme analisaremos a
seguir.
3.2.2 Intervenções Urbanas na Zona Portuária do Rio De Janeiro
Diversos projetos de refuncionalização e renovação foram planejados a partir
da década de 1980, para a área central do Rio de Janeiro. Considerando ser uma
área com certo valor econômico, histórico e cultural, intervenções urbanas foram
tencionadas para o desenvolvimento econômico da região, a partir de questões
voltadas para a cultura, lazer, turismo e preservação do patrimônio material e
imaterial. Com isso, projetos e planos foram propostos para a Zona Portuária do Rio
de Janeiro, procurando contornar sua situação de abandono e descaso, para
aproveitar o valor que ela possui, considerando ser uma região que guarda relevante
característica histórica, cultural e econômica.
No contexto dos diversos planos para refuncionalização da Zona Portuária do
Rio de Janeiro, iremos enumerar alguns. Cremos que muitas ações pontuais foram
projetadas, mas aqui vamos identificar aquelas que foram comentadas nos trabalhos
80
pesquisados para o presente estudo. Sendo assim, não estamos pontuando as
ações mais importantes, sabendo-se que todas as intervenções que propõe
melhorias a uma região apresentam o seu valor.
Em 1984 foi desenvolvido o projeto SAGAS11, por um grupo de trabalho
comunitário e institucional. O objetivo era identificar, através de um inventário, o
patrimônio arquitetônico e cultural dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo, que
deveriam ser preservados nas ações de refuncionalização da região. Em 1988 o
projeto torna-se lei de proteção, fixando normas para qualquer intervenção na área
fiscalizada. Dentre as atribuições, a lei determinava a manutenção das
características importantes de sua identidade cultural, a preservação dos bens
culturais e a prévia aprovação para demolições ou construções novas. Diversas
edificações na região foram tombadas com este projeto (SOARES; MOREIRA,
2007).
Na década de 1990, vários planos de renovação e refuncionalização se
desenvolveram para a área portuária, estabelecidos pelo potencial cultural, social e
econômico da região. Visando orientar os planos que vinham sendo elaborados, a
Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente implantou o Plano de
Estruturação Urbana da Área Portuária, em 1992, propondo ser decretado o
tombamento do patrimônio histórico, a definição de áreas de preservação, a
estruturação viária, incentivos ao uso habitacional e alterações de uso de solo
(MOREIRA, 2004). Pelas palavras de Dias (2010):
O plano concebido em 1992 tratava a região como um espaço estratégico de desenvolvimento, tinha por meta atrair novos empreendimentos privados (serviços, comércio, lazer cultural, e habitação para classe média), rompendo o caráter de isolamento dos bairros portuários (melhorias nos sistemas de locomoção) e reintegrando a área à paisagem e ao uso da Baía de Guanabara (lazer, esporte e contemplação). Buscava a valorização e preservação do patrimônio arquitetônico e urbano local, criando uma política para o reaproveitamento de imóveis de valor histórico para fins habitacionais, comerciais ou de serviços (2010, s.p.).
Em relação aos projetos elaborados, porém não implantados, podemos
destacar alguns. A Companhia Docas do Rio de Janeiro em vários momentos
pretendeu desenvolver ações para a região, principalmente focadas para o Píer
11
O termo SAGAS é uma simplificação das iniciais dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo
81
Mauá. Num primeiro momento, junto com o Consórcio Píer Mauá, a Companhia
realizou um concurso em 1993, no qual os arquitetos Índio Costa e Sergio Villar
tiveram o projeto escolhido. Nele, foi proposto a construção de um centro de
compras, cultura e lazer no Píer Mauá. Dois anos depois, novo projeto foi elaborado
pela Companhia Docas, desta vez mais focado para o turismo, propondo para o Píer
Mauá e para sua área de entorno a construção de hotéis, centros de convenção e de
compras. Por último, destacamos neste período a criação, pela Prefeitura, do Projeto
Cidade Oceânica do Rio de Janeiro – Centro Internacional de Água e do Mar. O
objetivo era criar um pólo de animação cultural no Porto, construindo centros
comerciais, de serviço e de convenção (MOREIRA, 2004). Contudo, nada foi
implantando.
Neste mesmo período podem ser verificados vários projetos voltados para
reabilitação, recuperação e construção de imóveis em vazios urbanos da área
portuária, que apresentassem potencial habitacional. A Prefeitura da cidade e o
Instituto de Planejamento, por exemplo, desenvolveu o Projeto Oportunidades
Habitacionais, com a finalidade de diagnosticar áreas com potencial habitacional,
assim como sua viabilidade econômica e legal. Com isso, foram iniciadas as obras
de um conjunto residencial no bairro Saúde, em 1996 e concluídas em 2001,
financiadas pela Caixa Econômica Federal. Houve também a criação do Programa
Novas Alternativas em 1996, da Secretaria Municipal de Habitação, o qual se
encontra em ação até os dias atuais.
Por último, citamos dois projetos propostos no início do século XXI,
considerando que suas características podem ser as mais próximas daquelas do
atual projeto de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, conhecido como
Porto Maravilha. Começamos com o Plano de Recuperação e Revitalização da Zona
Portuária do Rio de Janeiro, elaborado em 2001 pelo Instituto Pereira Passos e
coordenado pela Prefeitura da cidade. Em forte parceria público-privada, as ações
propostas visavam o desenvolvimento econômico e social dos bairros,
transformando a área em um pólo multifuncional, além de reintegrá-la à dinâmica do
núcleo central. Para isso, propunham-se ações para a valorização do patrimônio
cultural, atração de investimentos privados para o desenvolvimento de serviços, do
turismo, comércio, atividades de lazer e habitação para classe média, transformação
de vazios urbanos em áreas funcionais e melhorias na acessibilidade de seus
bairros. Dentre as obras projetadas para este período, destacamos a construção do
82
Museu Guggenheim no Píer Mauá, as construções da Vila Olímpica da Gamboa e
da Cidade do Samba. As duas últimas foram concluídas. Por sua vez, a construção
do museu no Píer Mauá não saiu do papel, sendo alvo de muitas polêmicas em
virtude dos altos custos para sua elaboração, em detrimento de outras instituições
culturais já existentes.
Em 2006, foi elaborado o projeto “Porto do Rio - Século XXI, Desenvolvimento
e Integração Porto/Cidade”, por representantes públicos e privados que atuam no
setor portuário. As obras seriam custeadas com verbas do governo e da iniciativa
privada, voltadas para melhorias no acesso marítimo, ferroviário e rodoviário, além
de propor a reintegração do porto à cidade. Com isso, foram planejadas algumas
melhorias na infraestrutura urbana dos bairros portuários, abertura de vias de
acesso, drenagem para facilitar a atracação de navios de grande porte. Visando
desenvolver um potencial turístico e de entretenimento na região, o projeto buscou
definir ações voltadas para a implantação, nos armazéns, de lojas, bares,
restaurantes, entre outros estabelecimentos, e a transferência do Terminal de
Passageiros para outro armazém, a fim de liberar um espaço para realização de
feiras e eventos. Todas as ações foram determinadas para terminarem em 2010
(FIRJAN, 2006). De acordo com a coleta de informações e analisando a situação
atual da zona portuária, podemos observar que o projeto também não teve êxito.
Desta forma, podemos observar que os planos de refuncionalização voltados
para a Zona Portuária do Rio de Janeiro não se deram de forma contígua e
ordenada no espaço e no tempo. Elas se apresentaram fragmentadas e pontuais no
decorrer dos anos, com pouco ou nenhum incentivo grandioso para permitir sua
concretização. Até que surge, em 2009, mais um projeto para melhorias urbanas,
denominado de Porto Maravilha. Desta vez com uma grande motivação propulsora,
a escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016,
como veremos a seguir.
83
4 REFUNCIONALIZAÇÃO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO
No dia dois de outubro de 2009, em Copenhague (Dinamarca), a cidade do
Rio de Janeiro foi anunciada como sede para os Jogos Olímpicos de 2016. Na
votação final, a cidade disputava a candidatura com Madrid, vencendo com 66 votos,
enquanto a capital espanhola recebera apenas 32. No evento, os representantes
brasileiros vibraram emocionados com o resultado, o qual foi transmitido ao vivo em
telões montados na Praia de Copacabana, levando o público reunido a comemorar
também pela vitória. O Rio de Janeiro será a primeira cidade da América do Sul a
sediar este grande evento.
A conquista das Olimpíadas pode ser considerada um importante motivador
para a execução de transformações urbanas e sociais. Como exposto no “Especial
Rio Olímpíada 2016”, elaborado pela Revista Veja (2009, p.12), “os Jogos Olímpicos
não são mais apenas competições entre atletas. São espetáculos dotados de uma
capacidade única de alavancar economias e transformar cidades”. Eventos de
grande visibilidade, como as Olimpíadas, possibilitam o desenvolvimento urbano e
econômico da cidade, além de sua inserção na economia global. Os projetos
olímpicos, quando bem elaborados, dão a oportunidade de deixar um legado
urbanístico positivo para a cidade-sede, após o evento.
Neste contexto, um exemplo relevante é a transformação da cidade de
Barcelona para sediar as Olimpíadas de 1992. Sendo considerada como um modelo
de reestruturação urbana e inspiração para o Rio de Janeiro, a cidade espanhola
sofreu notórias intervenções para acolher os Jogos Olímpicos, principalmente em
sua zona portuária12. Barcelona conquistou o direito de sediar os Jogos olímpicos
em 1986. Antes desse ano, algumas intervenções urbanas locais já vinham sendo
idealizadas, mas com a vitória na candidatura como sede, os investimentos públicos
e privados se intensificaram na cidade:
12
Seu porto antigo, conhecido como Port Vell, estava degradado e obsoleto desde final dos anos 80. Com as Olimpíadas, houve transformação da área portuária em um amplo espaço multifuncional, com atividades voltadas à cultura, esportes, lazer e negócios. Port Vell passou a ser atração para turistas e moradores, sendo um centro cultural, comercial e turístico.
84
O governo local investiu vultosas quantias e implementou projetos urbanísticos de elevada envergadura, redefinindo centralidades e constituindo verdadeiro marco na evolução urbana. Também projetou mundialmente a imagem da cidade, proporcionando efeitos multiplicadores a curto e médio prazo: grande aumento do afluxo de turistas, maior capacidade de atração dos investidores externos etc. (MASCARENHAS, 2008, p.189)
Deste modo, observamos que as ações para o projeto Olímpico não foram
somente direcionadas ao evento em si; muitas consideraram os investimentos na
reestruturação e infraestrutura urbana. Cremos que o objetivo seria deixar um legado
que fosse útil para a cidade, após a realização dos jogos, evitando criar estruturas
que pudessem ficar inutilizadas. De um modo geral, o projeto Olímpico de Barcelona
considerou a refuncionalização de equipamentos obsoletos, melhorias nas
infraestruturas de acesso e de telecomunicações, ênfase nas políticas sociais,
promoção de sua imagem e implantação de equipamentos urbanos voltados para o
esporte, lazer e cultura (MASCARENHAS, 2008).
Na cidade do Rio de Janeiro, as ações voltadas para o seu desenvolvimento
urbano e econômico se intensificaram com a vinda dos Jogos Olímpicos. Várias
áreas da cidade deverão passar por reformulações urbanísticas nos próximos anos,
sendo uma delas a zona portuária, objeto dessa pesquisa. O Projeto de
Revitalização13 da Zona Portuária do Rio de Janeiro, também chamado de Porto
Maravilha, faz parte do conjunto de ações planejadas para tornar a cidade do Rio de
Janeiro uma Cidade Olímpica.
Considerando ser uma área que desde o final do século XX apresenta-se
abandonada e deteriorada, estando desintegrada do restante da cidade, este não é
o primeiro projeto de intervenção urbana direcionado à revalorização de seu espaço.
Isso se dá pelo valor econômico e histórico que a região possui. Mas, mesmo com
tantas propostas, o quadro de descaso nos últimos anos não se reverteu, tendo em
vista que as ações, que conseguiram sair do papel, eram realizadas parcialmente. A
população local sofre com a falta de infraestrutura urbana, de investimentos públicos
e privados na região. Ela passou a não crer na veracidade das propostas
direcionadas a melhoria dos bairros portuários, já que muitas foram planejadas
desde o final do século XX, e nenhuma foi efetivamente executada. Neste cenário de
13
O nome oficial do projeto leva o termo Revitalização. Levando em consideração que sua etimologia designa um significado preconceituoso de dar vida a um lugar que já possui certa vitalidade, além de analisar as ações que estão previstas para a região, consideramos que a melhor terminologia para caracterizar este processo seja Refuncionalização, que iremos adotar nesse trabalho.
85
descrença e desconfiança, surge o Porto Maravilha, o mais atual projeto voltado
para a zona portuária.
Desde a cerimônia de lançamento do projeto, em 2009, diversos debates e
seminários foram desenvolvidos, a respeito das intervenções urbanas na zona
portuária. Além disso, os meios midiáticos, a destacar jornais, revistas e internet,
passaram a divulgar incontáveis notícias sobre o Porto Maravilha. Porém, ao mesmo
tempo em que há uma promoção positiva do atual projeto, pudemos observar a
propagação de opiniões desfavoráveis a sua elaboração. A maioria das criticas
foram construídas com base em questões socioculturais, ao considerar que as
modificações urbanas do projeto podem contribuir para tornar a região um pólo
econômico e turístico. Com isso, surgem dúvidas de qual será o nível de respeito
dado à cultura e à população residente naquela área.
A partir deste contexto, tornou-se importante analisarmos como o Projeto de
Revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro tem desenvolvido suas
intervenções na região, destacando as ações focadas no desenvolvimento
sociocultural e turístico. Também, consideramos relevante para o estudo avaliarmos
a percepção da população local, sobre as ações do Porto Maravilha, bem como a
visão dos agentes sociais responsáveis em implantar o projeto.
Para favorecer uma reflexão sobre o assunto tratado, foi feito uma pesquisa
qualitativa de natureza exploratória. A princípio, o levantamento de informações
consistiu em uma pesquisa bibliográfica, através da reunião de estudos acadêmicos,
livros, jornais, revistas e sites. Posteriormente, entrevistas foram estruturadas, a fim
de coletar informações, a partir de visões distintas: dos representantes comunitários,
como agentes sociais indiretos, e da iniciativa privada, como agentes ativos no
projeto. Por intermédio de pesquisa na mídia virtual, foram identificados os principais
agentes sociais do projeto que poderiam contribuir para o conteúdo do presente
estudo.
O contato com os possíveis entrevistadores foi realizado através de correio
eletrônico. Obtivemos retorno de todos, porém foram poucas confirmações. As
entrevistas foram realizadas no período de setembro de 2011, sendo todas gravadas
com o devido consentimento do entrevistado. A amostra compôs-se de quatro
entrevistas. A primeira foi realizada com Adrianna Eu, com cerca de 40 minutos.
Artista plástica e moradora do Morro da Conceição, Adrianna abriu neste ano de
2011 o “Café, o provisório” em seu ateliê-casa, local onde foi feita a entrevista. Seu
86
trabalho é voltado para relações sociais, tendo a artista construído uma forte relação
com os moradores locais. A segunda entrevista foi concretizada em forma de um
grupo focal, graças a colaboração do senhor Gabriel Catarino, diretor de
comunicação da Associação de Moradores e Amigos da Gamboa (AMAGA), que
conseguiu agendar, junto com sua entrevista, a presença de Regina Santos,
representante da Concessionária Porto Novo (setor privado)14. A entrevista foi feita
na sede da AMAGA, no bairro da Gamboa, tendo duração de aproximadamente 1
hora e 40 minutos.
4.1 PROJETO PORTO MARAVILHA Com a realização das Olimpíadas em 2016, além da Copa do Mundo de
Futebol em 2014, o poder público aproveita a oportunidade dos megaeventos para
inserir o Rio de Janeiro no competitivo e dinâmico mercado global entre cidades. O
projeto Porto Maravilha, resultado da aliança entre os Governos Municipal, Estadual
e Federal, foi oficialmente lançado em meados de 2009, em uma cerimônia realizada
no Píer Mauá.
A área atingida pelo projeto abrange três bairros da zona portuária por
completo, respectivamente Santo Cristo, Gamboa e Saúde, além de setores dos
bairros de seu entorno, sendo eles São Cristóvão, Centro e Cidade Nova (Figura
16). São cerca de cinco milhões de metros quadrados que receberão as obras, no
qual se distribuem aproximadamente 22 mil habitantes.
14
Para esta entrevista, também foi convocado um representante do poder público, porém, devido a um compromisso profissional, sua participação foi cancelada.
87
Figura 16 – Área de abrangência do projeto Porto Maravilha Fonte: CDURP, 2011a, p.3.
A delimitação da área foi definida pelo Município, através da Lei
Complementar 101/2009, sendo caracterizada como Área de Especial Interesse
Urbanístico (AEIU). Esta lei específica criou, em novembro de 2009, a Operação
Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro (OUCRJ):
Uma operação urbana consorciada envolve um conjunto de Intervenções e medidas coordenadas por um município, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, tendo por objetivo alcançar, em área específica, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. O município define, por lei, um perímetro urbano que será objeto das Intervenções para o qual é estabelecido um plano de operações, com a participação da sociedade civil, visando a melhorar a qualidade de vida da área, solucionar problemas sociais, valorizar os imóveis, organizar os meios de transporte local e beneficiar o meio ambiente. (RIO DE JANEIRO, 2011b)
As ações do projeto Porto Maravilha foram divididas em duas fases, cada qual
planejada de maneira diferente. As operações da primeira fase, iniciadas em
meados de 2009, são financiadas com recursos públicos, especialmente das esferas
municipal e federal. Por sua vez, a segunda fase iniciou-se no segundo semestre de
2011, tendo as obras custeadas com recursos privados. Como modelagem
financeira para esta segunda fase, ficou estabelecida a emissão de Certificados de
Potencial Adicional de Construção (CEPAC).
O certificado é um valor mobiliário a ser pago pelos interessados em construir
e/ou modificar o uso do solo na AEIU, em um nível superior ao estabelecido pela
legislação de uso e ocupação do solo em vigor, e respeitando o limite definido
88
legalmente pela Operação Urbana Consorciada. Em junho de 2011, os CEPACs
foram leiloados, e todos foram comprados em lote único, por R$ 3,5 bilhões, pela
Caixa Econômica Federal, que criou e controla o Fundo de Investimento Imobiliário
Porto Maravilha. Assim, os títulos serão revendidos no mercado por um preço
superior, e os interessados em investir e intervir na área deverão comprar, do Fundo
Imobiliário, a quantidade de CEPACs conforme a dimensão do empreendimento.
Com o montante arrecadado pela venda, o governo Municipal obtém recursos para
executar as obras planejadas para a efetivação do projeto (BASTOS, 2011).
Acreditando-se na capacidade da zona portuária em ter um uso mais intenso
de suas áreas, as ações do projeto Porto Maravilha voltam-se para a atração e
instalação de mais comércio, moradores, serviços, equipamentos de lazer e cultura,
entre outros. A partir desta análise, podemos ratificar que o projeto Porto Maravilha
procura refuncionalizar a Zona Portuária do Rio de Janeiro, conferindo, ao local,
novas funcionalidades ou melhorando aquelas já existentes. Na figura 17 podemos
observar a delimitação da área e o potencial de seus espaços para uma determinada
função.
Figura 17 - Setorização das áreas por função proposta. Fonte: CDURP, 2011a, p.7.
Através da análise do Registro de Operação Urbana da Região do Porto do
Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2011b), além de consultas em outros materiais
impressos e virtuais, podemos observar que os objetivos do projeto, de um modo
geral, são voltados para questões de infraestrutura, habitação,
89
cultura/entretenimento e comércio/serviços. Ressaltamos que as informações a
serem consideradas nesta seção compreenderão identificar as ações que foram
propostas até o presente estudo, as quais muitas podem não terem sido ainda
iniciadas, o que nos leva a não determinar a sua veracidade.
Para atrair novos moradores e investidores, além de oferecer melhor
qualidade de vida à população instalada na região, o projeto Porto Maravilha visa à
recuperação da infraestrutura urbana e de transportes. As propostas abordam a
implantação de novas redes de infraestrutura urbana, com obras direcionadas à
introdução de redes de energia elétrica, gás, água, esgoto, drenagem15, sinalização,
novas vias, arborização, calçamento e telecomunicação. No que se refere a
infraestrutura de transporte, a operação urbana prevê modificações relacionadas a
acessibilidade da região. Foram propostas diversas obras, as quais podem ser
exemplificadas com a transformação da Avenida Rodrigues Alves em uma via
expressa de mão dupla e a construção do Binário do Porto/Via Binária; demolição de
parte do Elevado da Perimetral, entre a Praça Mauá e a Avenida Francisco Bicalho;
novo acesso de veículos de carga ao porto através da Avenida Brasil (obra já
concluída); e construções de túneis e rampas. A prioridade destas ações é voltada
para transportes coletivos, promovendo modificações que favoreçam uma melhor
circulação destes modais.
Na apresentação disponível em site oficial do projeto Porto Maravilha
(CDURP, 2011b), consta que as melhorias na região possibilitarão um aumento da
população local, de 22 mil habitantes para 100 mil. Desta forma, as ações do Porto
Maravilha também objetivam melhorar as condições habitacionais dos bairros
portuários, lembrando que, atualmente, muitos imóveis encontram-se em estado de
degradação. Através do programa Novas Alternativas, da Prefeitura do Rio de
Janeiro, os casarios poderão ser recuperados, tornando-os novamente habitáveis.
Para a região, também foram previstas incentivos fiscais visando o aproveitamento
habitacional dos terrenos disponíveis na zona portuária. Por fim, consta no
documento público (RIO DE JANEIRO, 2011b) que os habitantes, instalados em
áreas de risco, serão remanejados para novas residências em áreas do entorno.
Outro objetivo da refuncionalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro é a
atração de atividades relacionadas ao comércio e serviço. Para isso, incentivos
15
É importante lembrar que, devido às obras de drenagem em março de 2011, na Avenida Barão de Tefé, as escavações resultaram no descobrimento do Cais do Valongo e do Cais da imperatriz.
90
fiscais foram estabelecidos, para facilitar a implantação de comércio e serviço na
região. Podemos destacar, por exemplo, a redução da alíquota do Imposto Sobre
Serviços (ISS) para atividades de educação, hotelaria e educação. É evidente que o
desenvolvimento do comércio possibilita a arrecadação de mais impostos e, com
isso, o aumento da atuação pública na região. Neste ponto, ressaltamos também
como importante a atração de sede de grandes empresas para a região.
Por último, o Porto Maravilha calcula ações para o desenvolvimento de
atividades voltadas para a cultura e entretenimento. Foi proposta a formação de um
pólo cultural e de lazer na área onde se localiza a Praça Mauá, destacando a criação
do Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã (Figura 18). Nesse âmbito,
destaca-se o Programa Porto Maravilha Cultural, voltado para a recuperação e
restauração dos patrimônios materiais, sejam eles históricos, artísticos ou
arquitetônicos16. Este programa também valoriza o patrimônio imaterial, assim como
as manifestações culturais, incentivando estudos sobre a memória da região. A partir
disso, o Porto Maravilha Cultural, criado pela Companhia de Desenvolvimento
Urbano da Região do Porto do Rio (CDURP), propõe a exploração econômica
desses patrimônios, porém, respeitando os princípios de sustentabilidade. O Morro
da Conceição é a região onde essas ações serão mais enfatizadas. Nele, por
exemplo, encontramos a Pedra do Sal, símbolo histórico que representa a
comercialização do sal do período colonial, a presença dos escravos na região e a
história do Samba17. Outros patrimônios que também serão recuperados são o
Mictório Público e Jardins Suspensos do Valongo.
16
Conforme exposto na Lei Complementar que instituiu o Projeto Porto Maravilha, três por cento dos CEPACs devem ser destinados à recuperação e preservação dos patrimônios culturais da região. 17
Até hoje ocorre eventos de rodas de Samba na Pedra do Sal.
91
Figura 18 - Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio Fonte: Adaptado do site Porto Maravilha - CDURP, 2011b.
4.1.1 Ações voltadas para o desenvolvimento social na Zona Portuária
Ao analisarmos as ações planejadas para a refuncionalização da Zona
Portuária do Rio de Janeiro, é importante destacarmos aquelas voltadas para o
desenvolvimento social da região. Como explicado pela representante da
Concessionária Porto Novo, na entrevista, toda vez que grandes empresas entram
em algumas localidades, a realização das obras acabam impactando a comunidade
como num todo. Disso surge a importância de se criar um departamento voltado
para a responsabilidade social, para trabalhar com o desenvolvimento social de toda
área de abrangência do Porto Maravilha.
Assim, a CDURP criou o Programa Porto Maravilha Cidadão, cuja função é
fomentar e apoiar ações que promovam o desenvolvimento social e econômico da
região. No dia 27 de agosto de 2011, foi realizado na praça da Harmonia, bairro
92
Gamboa, a ação social denominada HarmonizAção18 (Figura 19). Foi o primeiro
evento deste programa, promovido pela própria CDURP e pela Concessionária Porto
Novo, sendo esta a responsável em realizar os demais projetos sociais. Foram
oferecidos vários serviços, a destacar os de saúde pública, como vacinação, aferição
da pressão arterial, aplicação de flúor; cadastramento em programas sociais, como
bolsa família; cadastramento em cursos gratuitos de especialização profissional e de
idiomas, como manicure, auxiliar administrativo, garçom, canteiros de obra,
analfabetismo zero, curso de inglês e espanhol. Ainda não há um curso voltado
diretamente para capacitação técnica em turismo e hotelaria.
Os cursos profissionalizantes contribuem para a qualificação dos moradores,
podendo até mesmo ser uma maneira de capacitá-los para atuar no próprio projeto.
A representante da Concessionária Porto Novo afirmou que é essencial o uso da
mão de obra local, mas não adianta os moradores não estarem qualificados. Então,
os vários projetos voltados para a elaboração de cursos profissionalizantes
favorecem a capacitação e inserção da população no mercado de trabalho. Todos os
cursos contam com importantes parcerias, possuem certificações, carga horária
considerável, e uma média de 15 alunos inscritos em cada turma. Os cursos de
inglês e espanhol, por exemplo, são realizados em parceria com a Fundação Darcy
Vargas e o Serviço social da indústria (SESI). O Diretor de Comunicação e Projetos
da AMAGA complementou essa questão, informando que essas ações são um
grande resgate social.
18
Conforme informado na entrevista com a Concessionária Porto Novo, mais de 40 instituições públicas e privadas, que atuam na região, participaram do evento.
93
Figura 19 - Projeto HarmonizAção. Fonte: Adaptado de Concessionária Porto Novo (2011) e blog da AMAGA (2011)
A senhora Regina Santos também informou que a Concessionária Porto Novo
não insere projetos sociais prontos nas comunidades. Eles são elaborados e
implementados mediante solicitação e característica de cada localidade. E, os
agentes contratados para a execução das atividades são moradores da região.
Desta forma, a entrevistada ratificou a importância de uma forte liderança
comunitária, pois através dela é possível analisar a demanda de cada localidade. O
senhor Gabriel Catarino, por exemplo, através de seu papel social como
representante da AMAGA, luta em prol do atendimento das necessidades do bairro
Gamboa. Com isso, conseguiu a instalação da primeira academia da Terceira Idade
da Região Portuária, com ajuda de uma abaixo assinado, rampas de acesso para
cadeirantes na praça da Harmonia e a confirmação da construção da primeira
creche municipal do bairro Gamboa, após solicitação à CDURP e à Porto Novo.
Aqui [na Gamboa] não tinha emprego para o morador, escola, não tem emergência no hospital que temos de grande porte [Hospital dos Servidores]. Então estamos pedindo uma série de coisas. Não somente para atender ao bairro da Gamboa, mas para os bairros próximos a ele. A Associação de Moradores está enviando uma demanda social para a CDURP e Porto Novo, para colocar instalações que precisamos como creche, escola politécnica, clinica da família, escola de ensino médio. Outras coisas que solicitamos são ligadas a restauro, infraestrutura, logística de reordenamento urbano.
19
19
Fonte: Entrevista concedida pelo Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, em 12 de setembro de 2011, na Sede da Associação.
94
Ao ser questionado se outras ações de mesmo porte seriam ainda realizadas
em 2011, a representante da Porto Novo informou que estavam previstos mais duas
até o final de 2011, mas devido a proporção que o HarmonizAção teve, foi
observado a necessidade de haver tempo considerável para a organização dos
próximos eventos. Então, para o ano de 2012 já estão sendo planejadas ações do
mesmo porte, em outras localidades da Zona Portuária do Rio de Janeiro, de modo a
abranger a participação de toda a população da região.
4.1.2 Ações voltadas para o desenvolvimento turístico
Milhares de turistas chegam ao Rio de Janeiro através de transatlânticos, que
atracam no Terminal Marítimo do Píer Mauá. A movimentação de turistas e cruzeiros
marítimos no porto de passageiros aumenta a cada temporada, injetando bilhões de
dólares na economia da cidade do Rio de Janeiro. Além de ser uma das portas
principais de chegada ao Rio de Janeiro, a área é utilizada para a realização de
diversos eventos, os quais são promovidos em alguns armazéns do Píer Mauá, por
exemplo, Fashion Rio e Art Rio. A Cidade do Samba, no bairro Gamboa, também
atrai milhares de visitantes, no período do carnaval.
Com a realização do projeto Porto Maravilha, a Zona Portuária do Rio de
Janeiro ganha uma oportunidade de desenvolver ainda mais a atividade turística na
região, principalmente na área da Praça Mauá e no Morro da Conceição, que
receberão notáveis melhorias urbanas. Podemos observar que as ações são
voltadas para construções de grande visibilidade, além da reutilização e melhoria
dos patrimônios existentes na região. Para a região da Praça Mauá, haverá um
destaque ao turismo de lazer, no qual estão previstos a implementação de dois
museus de grande atratividade. O Museu do Amanhã, obra assinada pelo arquiteto
espanhol Santiago Calatrava e dedicado ao tema de ciência e tecnologia, está sendo
erguido no Píer Mauá, através da parceria entre a Prefeitura Municipal e a Fundação
Roberto Marinho. Por sua vez, o Museu de Arte do Rio (MAR), também com a
mesma parceria, será instalado no antigo Palacete Dom João VI e no edifício da
Policia Civil. Foram também iniciadas as obras de requalificação dos armazéns
abandonados na região, inserindo diferentes usos como restaurantes, centros
culturais e comerciais, casas noturnas, entre outros.
95
Com o Programa Porto Maravilha Cultural, os patrimônios históricos e
culturais presentes nos bairros portuários poderão ter a oportunidade de serem
recuperados, contribuindo para atrair turistas para a região. A maioria dos
patrimônios encontra-se no Morro da Conceição, como a Pedra do Sal, Mictório
Público e o Jardim Suspenso do Valongo. Mas, outros também serão contemplados,
como o Centro Cultural José Bonifácio, localizado no bairro de Gamboa, direcionado
à preservação e pesquisa da cultura afro-descendente. Em precário estado de
conservação, o casarão datado do século XIX recebeu no mês de agosto de 2011
um edital de licitação para a sua recuperação.Não podemos deixar de citar o
redescobrimento do Cais do Valongo e Cais da Imperatriz, com as escavações de
drenagem na Avenida Barão de Tefé. Os objetos achados serão levados para um
determinado museu da região e as escavações serão mantidas, para visitações.
É importante ressaltarmos que não somente atrativos turísticos, mas
construções de equipamentos, como hotéis, restaurantes, centro de convenções, por
exemplo, estão recebendo apoios para serem feitos na região delimitada pelo Porto
Maravilha. Neste contexto, é interessante comentarmos sobre o concurso Porto
Olímpico, elaborado a partir da aceitação do Comitê Olímpico Internacional (COI), de
deslocar partes das instalações olímpicas concentradas no bairro da Barra da Tijuca
para a região portuária. O objetivo do concurso foi escolher a melhor proposta para a
instalação das vilas de árbitros e de mídia não credenciada, do centro de
convenções e empresarial, espaço para equipamentos olímpicos temporários e de
um hotel cinco estrelas na região do Porto. O arquiteto João Pedro Backheuser e
sua equipe, dentre 83 propostas, tiveram o projeto escolhido em junho de 2011.
Posteriormente a Olimpíada de 2016, as construções serão utilizadas para outras
finalidades, a destacar o turismo. Tal fato mostra a importância de se deixar um
legado utilizável, pós-evento.
A região portuária há anos ficou abandonada. Para o turismo, ela teve
importância apenas como local para atracações de cruzeiros marítimos. Com o
gradual processo de apropriação de partes da sua área pelo turismo, o que
conhecemos como turistificação, a zona portuária pode sentir impactos positivos,
mas também negativos. Como debatido na entrevista com Adrianna Eu, moradora
do Morro da Conceição, é muito importante um “planejamento inteligente” por parte
do governo e dos agentes envolvidos, para que a região portuária não sofra tanto
com as ações propostas, e que estas respeitem a população presente.
96
4.2 AGENTES SOCIAIS: CDURP, PORTO NOVO E POPULAÇÃO LOCAL O Projeto Porto Maravilha é voltado para a valorização da região portuária da
cidade do Rio de Janeiro, e para sua reinserção à dinâmica da cidade, através de
intervenções urbanísticas que a transforme em um relevante local de moradia,
comércio, trabalho, turismo e lazer. A partir desta valorização, novos moradores,
visitantes, empresários e turistas podem vir a aumentar o fluxo de pessoas e
atividades, nos bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo, estabelecendo, assim, um
novo perfil à região.
Ao definir por lei que o projeto é uma Operação Urbana Consorciada, ficou
instituído que a área delimitada receberia ações visando melhorias sociais e
ambientais. Elas são coordenadas pelo município, contando com a participação dos
moradores, comerciantes locais e proprietários de terras da região, além dos
investidores privados. Sendo assim, o envolvimento de diferentes agentes sociais,
durante o processo de intervenção urbana, leva a formação de um conjunto de
interesses, que deve ser levado em consideração, para que haja um equilíbrio no
atendimento aos distintos grupos.
Destacamos para este estudo três agentes sociais de notória relevância:
poder público, iniciativa privada e população local. Consideramos que todos
representam um forte valor nos processos decisórios dos projetos voltados para
intervenções urbanas. Por isso, cabe aqui procurarmos identificar a atuação e
envolvimento de cada um no processo do projeto Porto Maravilha, assim como
compreender como se dá a relação entre eles.
4.2.1 CDURP e Porto Novo
Os poderes público e privado são importantes agentes sociais ativos na
região delimitada pelo projeto Porto Maravilha. Podemos observar que a relação
entre eles contribuem para as ações se manterem contínuas nos bairros portuários.
Tal relação tornou-se mais forte a partir de uma Parceria Público-Privada (PPP),
estabelecida para que as obras planejadas para a segunda fase fossem executadas
pelo setor privado, mas fiscalizado pelo poder público. A partir dela, os dois setores
passaram a atuar juntos na região.
97
A atuação do poder público no projeto Porto Maravilha é representada pela
Companhia de Desenvolvimento da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP). O
órgão foi criado em dezembro de 2009, pela Lei Complementar 102/2009 e é
controlado pelo município. Sendo uma sociedade de economia mista, “a agilidade
característica do setor privado e ao mesmo tempo o cuidado com a probidade
administrativa do setor público” (CDURP, 2010, p.1) são fatores essenciais para a
CDURP cumprir suas responsabilidades.
A CDURP atua como coordenadora do projeto Porto Maravilha, cabendo a ela
promover o desenvolvimento da Região Portuária do Rio de Janeiro. Para isso, o
órgão se responsabiliza em mobilizar e controlar os recursos necessários para a
implementação das intervenções, preparando concessões e administrando o
montante gerado pela venda de CEPACs. As atividades da CDURP iniciaram em
janeiro de 2010, sendo elaborados, a partir desta data, relatórios trimestrais que
descrevem as ações que foram exercidas no período determinado.
Para a continuidade da segunda fase do projeto, a CDURP elaborou um edital
de licitação para a contratação do gerenciamento e execução dos serviços e obras
públicas da região portuária. A concessão administrativa foi formalizada em
novembro de 2010, à Concessionária Porto Novo, vencedora da licitação. Sendo
assim, as obras da segunda fase serão efetuadas pela Porto Novo, e orientadas e
fiscalizadas pela CDURP. Isso mostra a interação entre o poder público e o poder
privado. Em entrevista concedida no mês de agosto de 2011, ao site “Cidade
Olímpica”, feito pela Prefeitura para divulgação das ações voltadas às Olimpíadas, o
Diretor-Presidente da Porto Novo explicou esta parceria:
Na parceria público-privada, o parceiro da Prefeitura assume o compromisso de disponibilizar à administração pública e à comunidade a operação e manutenção dos serviços e obras previamente estabelecidos em contratos. No caso da Porto Novo, a parceria vai desonerar o Município da realização dos serviços e obras de infraestrutura na região, que serão pagos com os Cepacs [...]
20.
Nesse contexto, a atuação do setor privado na região pode ser caracterizada
pela presença da Concessionária Porto Novo. Formada pelas construtoras OAS,
Odebrecht e Carioca Engenharia, entrou em ação no mês de Junho de 2011, e irá
20
A entrevista, na íntegra, encontra-se disponível no site: http://www.cidadeolimpica.com/um-exercito-azul-para-cuidar-da-zona-portuaria-2/. Acessado em 22 de Setembro de 2011.
98
atuar na região por um período de 15 anos. Após realização de um levantamento
das necessidades de obras e manutenção, na área delimitada pelo projeto Porto
Maravilha, a Porto Novo estabeleceu um plano de 180 dias, o qual determina que
durante os primeiros seis meses de atuação, as ações serão voltadas para a
resolução dos problemas mais emergenciais da região, como iluminação e limpeza
pública, manutenção de parques e jardins, sinalização e calçamento, entre outros.
Posteriormente aos 180 dias, as ações da concessionária serão direcionadas à
manutenção dos serviços públicos prestados por ela. Conforme divulgado no site da
Concessionária Porto Novo suas responsabilidades são:
Melhorar a pavimentação da região;
Manter ruas e praças limpas e conservadas;
Cuidar da iluminação pública da região;
Realizar a coleta de lixo domiciliar e comercial;
Auxiliar órgãos públicos e concessionárias de serviços na identificação de problemas e interferências nas vias;
Executar as obras de modernização da infraestrutura, paisagismo e reestruturação viárias21.(PORTO NOVO, 2011)
As ações a serem executadas pela Porto Novo têm como finalidade levar a
melhoria da qualidade de vida a todos da região. Além das obras e serviços
públicos, a concessionária também desenvolve ações de responsabilidade social e
ambiental. Para tanto, são desenvolvidas pela concessionária atividades de lazer,
esporte, saúde e cultura, além dos cursos de capacitação e profissionalização dos
moradores locais.
A partir da pesquisa bibliográfica e da realização da entrevista, pudemos
observar que ambos os órgãos buscam divulgar suas ações, em meios impressos e
virtuais, e realizam contatos com os demais agentes sociais. A CDURP utiliza
ferramentas midiáticas virtuais, como site, blog, redes sociais como facebook,
postagem de vídeos institucionais no youtube; elabora reuniões com os moradores e
seus representantes, assim como com órgãos públicos envolvidos no projeto;
participa de seminários, eventos de associações, sindicatos e entidades
empresariais; realiza visitas em organizações sociais que atuam na região. Uma
21
Dentre as obras a serem executadas pela Porto Novo, podemos destacar a construção da via binária (Binário do Porto), constituição do espaço para a implantação do transporte público denominado Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a demolição do elevado da Perimetral, sendo esta a última obra a ser executada.
99
questão importante foi a formação de um Conselho Consultivo do projeto, para
avaliar e fiscalizar as ações planejadas, bem como analisar o relatório trimestral feito
pela CDURP. O conselho é composto por um representante da CDURP, três
representantes do município e três representantes da sociedade civil22. Para
ilustrarmos as ações comunicacionais, podemos citar a participação da CDURP no
seminário “Porto Maravilha – Desafios e Problemas”, realizado no salão nobre do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), além da participação em Reuniões
do Conselho Comunitário de Segurança da região portuária.
A Concessionária Porto Novo também possui um site, no qual ela se
apresenta, coloca notícias sobre suas ações e informa um número de telefone para
receber ligações sobre dúvidas, reclamações e sugestões. Ao indagarmos sobre
como é feita a divulgação das oficinas e cursos destinados a população, a
representante da concessionária comentou que o trâmite normal é entrar na
comunidade através das associações de moradores. Depois é que se criam alguns
mecanismos para conseguir atingir a população como num todo. Além das reuniões
feitas em locais públicos como praças, igrejas e quadras, panfletos são distribuídos e
carros de som passam pelas ruas da região. Importante ressaltarmos que a
concessionária também participa de reuniões feitas por organizações atuantes na
região. Desta maneira, a concessionária mantém-se próxima a população local.
4.2.2 População local Na entrevista realizada com a moradora e artista plástica, Adrianna Eu, foi
comentado por ela que as pessoas são a parte mais importante de um lugar. São
elas que carregam a história e mantêm presente as manifestações culturais de uma
região. Por esta razão, assim como os patrimônios materiais estão ganhando
atenção no projeto Porto Maravilha, os moradores locais mereciam receber o mesmo
cuidado.
Uma questão enfatizada nas entrevistas foi o valor simbólico/sentimental,
construído pelas pessoas que, há anos, moram nos bairros da Zona Portuária do Rio
de Janeiro. Em muitos casos, os moradores locais fazem parte da quarta ou quinta
geração de uma família, que se constituiu na zona portuária. Eles levam consigo um
22
O Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, entrevistado para o presente estudo, faz parte deste Conselho Consultivo.
100
sentimento de pertencimento à região. Pelo decorrer dos anos, muitas famílias
conhecem os projetos urbanos para melhorias da região, elaborados desde o final
do século XX, os quais não foram executados. Por isso, dúvidas são formadas em
relação a confiança que se deve ter acima das ações do atual projeto
O Diretor de Comunicação da Associação de Moradores e Amigos da
Gamboa, senhor Gabriel Catarino, comentou sobre a incredulidade por parte dos
moradores. Segundo o entrevistado, o abandono da região pelo poder público e
iniciativa privada, ao longo de 50 anos seguidos, além de ações definidas por
políticos em épocas de eleição, mas não concretizadas, ajudaram a formar um povo
descrente das propostas estabelecidas para a região. Adrianna Eu também ressaltou
essa questão, ao dizer que “os moradores estão muito incrédulos ainda se realmente
vai haver essa obra toda, porque já se escuta falar há muito tempo disso e nunca
acontece”.
Através do levantamento de informações, pudemos observar a importância da
formação e consolidação de comissões representativas de moradores.
Considerando que o projeto Porto Maravilha abrange uma área com
aproximadamente 22 mil habitantes, o fortalecimento de uma representação
comunitária pode contribuir para o envolvimento e possível atendimento dos
interesses da população local.
Ao analisarmos sobre o envolvimento da população local nas ações do
projeto Porto Maravilha, além dos benefícios que elas podem trazer aos moradores
atuais, as informações coletadas apresentam posições antagônicas e conflitantes.
De um lado, é defendido que o projeto Porto Maravilha não beneficia a população
local, além de não abrir espaços para a participação nas discussões sobre as ações.
Em notícias obtidas por meio virtual, além da entrevista com a moradora do Morro da
Conceição, podemos observar que muitas críticas são direcionadas à falta de
comunicação com os moradores:
Eu não vi nenhuma reunião feita para a comunidade perguntando qual é o interesse dos moradores, o que eles querem, o que está faltando, quais os problemas, o que pode melhorar, o que incomoda... É sempre uma prepotência achar que (o governo) pode se sobrepor ao interesse de quem mora no lugar.
23
23
Fonte: Entrevista concedida a moradora e artista plástica, do Morro da Conceição, no dia 4 de Setembro de 2011, em sua casa-ateliê.
101
Adrianna Eu defendeu que as ações não respeitam os moradores do Morro
da Conceição. Segundo ela, por serem direcionadas ao desenvolvimento turístico da
região, as propostas de construções no Morro da Conceição são para “inglês ver”, e
não para melhorias voltadas para a sua população. Ainda há um receio de a
especulação imobiliária, já notória na região, acarretar na expulsão desses
moradores que, há anos, vivem no bairro.
Por outro lado, o atual projeto de intervenção urbana é considerado como
uma importante ferramenta de resgate social e econômico da zona portuária. As
ações do Porto Maravilha são defendidas como uma possibilidade de melhorias na
qualidade de vida da população local. Além disso, espaços para discussões sobre as
ações do projeto são concedidos à população. O representante da AMAGA explicou
que a resistência de alguns moradores não é pelo fato do projeto ser negativo para a
população, mas sim pelo desconhecimento sobre as ações propostas. Desta forma,
ele defendeu a importância da participação nas reuniões voltadas para o projeto,
para conhecer as ações e defender possíveis modificações nas decisões, de acordo
com os interesses da população:
Acompanhei isso [o projeto] desde o início, assisti às palestras, fui às audiências públicas. A Associação solicitou uma audiência pública dentro do bairro, com a presença dos vereadores, parlamentares, autoridades da Prefeitura, para que se expusesse claramente a todos os moradores, aos empresários locais, aos comerciantes locais, às ONGs que atuam na região, que se abrisse essa verdade para o povo. Todos foram convidados, alguns não foram, mas a verdade foi mostrada e foi dita, com direito de questionamento.
24
Uma situação delicada ocorreu em meados de 2011, envolvendo a população
local e o poder público. Para a construção de um teleférico no Morro da Providência,
principalmente para fins turísticos, algumas casas teriam que ser desapropriadas,
assim como a única praça da região ter que ser demolida para a execução das
obras. De acordo com as notícias divulgadas, as casas foram marcadas sem
explicação, os moradores protestaram contra a construção do teleférico, além de
ressaltarem a falta de informação sobre as ações que iriam ser feitas. A partir desta
situação, pudemos verificar a falta de diálogo entre os agentes sociais, num primeiro
contato. O representante da AMAGA informou que isso foi um ato falho, que
24
Fonte: Entrevista concedida pelo Diretor de Comunicação e Projetos da AMAGA, em 12 de setembro de 2011, na Sede da Associação.
102
infelizmente ocorreu. Não houve uma reunião popular para estabelecer o diálogo
entre o poder público e os moradores. Com isso, a ação não se apresentou como
uma proposta discutida e viabilizada, que pudesse contar com a participação do
morador.
4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Com base na organização e interpretação das informações coletadas, através
da pesquisa bibliográfica e realização de entrevistas, foi possível levantarmos
algumas questões importantes. Ao analisarmos o contexto histórico da Zona
Portuária do Rio de Janeiro, foi possível identificar a riqueza histórica e cultural da
área. Com o seu abandono, ao mesmo tempo em que houve um processo de
deterioração, a cultura formada no local foi preservada por seus moradores. Os
bairros portuários apresentam um significativo valor histórico e um potencial turístico.
As manifestações culturais, os patrimônios artísticos e históricos, bem como a
memória social formada pela população local, contribuem para a zona portuária
desenvolver o turismo histórico/cultural. No entanto, é imprescindível que a
apropriação de seus espaços pelo turismo seja feito com precaução.
No contexto de globalização e competitividade, o poder público e a iniciativa
privada se unem, em prol de transformar um determinado lugar abandonado,
tornando-o economicamente atrativo. Para isso, utilizam projetos de intervenções
urbanas, modificando a região e tornando-a novamente valorizada. Mas, o fato de
um lugar estar abandonado, não significa que ali não exista mais vida, podendo ser
ainda um local de moradia ou comércio, por exemplo. Com isso, entendemos que o
projeto Porto Maravilha deve respeitar a vitalidade existente na zona portuária. É
essencial que haja um equilíbrio entre as funcionalidades existentes e aquelas a
serem inseridas, para que não haja o desenvolvimento excessivo de algumas, em
detrimento de outras. Além disso, considerando que o projeto abrange uma área
com aproximadamente 22 mil habitantes, é importante haver uma preocupação, por
parte dos poderes público e privados, em informar aos moradores as modificações
que ocorrerão, bem como apontar os benefícios que serão possíveis com a
implementação do projeto.
103
As ações do projeto Porto Maravilha realmente estão sendo executadas. Com
elas, os bairros que apresentam uma função relevante de moradia sofrerão
consideráveis modificações, com a inserção de outras funções. Alguns moradores
temem ser expulsos gradualmente, por conta de um processo quase que inevitável
de gentrificação que se prevê para a área, com a vinda de moradores com melhor
poder aquisitivo, e com a transformação da região em um pólo turístico e comercial.
Não podemos negar que as obras, quando finalizadas, possibilitarão
contornar a situação de abandono e deterioração da região, levando dinamização e
integrando-a novamente ao restante da cidade. Porém, algumas mudanças afetarão
os moradores atuais, como situações de desapropriação, especulação imobiliária e
inserção de novas funcionalidades próximas às suas residências. Sendo assim,
observamos que é imprescindível que as ações do projeto Porto Maravilha sejam
trabalhadas com cuidado, procurando atentar-se ao sentimento de pertencimento
formado pela população.
Infelizmente, o poder de decisão da parceria público-privada, fortemente
apoiada pelo capital financeiro globalizado, se sobrepõe ao poder decisório da
população local. Assim, as intervenções urbanas têm maior probabilidade de ocorrer
conforme os desejos dos agentes sociais mais fortes e hegemônicos. Entretanto,
não se pode dizer que a população local deva aceitar as condições impostas pelo
poder público e privado, de maneira passiva. Por isso, salientamos a importância de
estabelecer uma forte representação, para que este possa lutar e defender ações
que favoreçam melhorias para os moradores, de um modo geral.
A estruturação de representações comunitárias pode facilitar o diálogo entre o
poder público/privado e os moradores. As pessoas residentes no local pontuariam as
necessidades da região, enquanto o poder público e iniciativa privada buscariam
adequar o projeto elaborado, às condições pontuadas por seus habitantes. É isso
que ocorre no bairro da Gamboa, como pudemos observar. A AMAGA desde o início
está envolvida com o projeto Porto Maravilha. Com voz ativa, a associação de
moradores mantém contato com a CDURP e a Porto Novo, buscando melhorias ao
bairro através de um consentimento entre as ações definidas e as necessidades da
população.
Cremos que a população local, de um modo geral, deve procurar envolver-se
nas ações do Porto Maravilha e ficar informada sobre os acontecimentos da região.
Com isso, torna-se possível evitar uma visão parcial e preconceituosa, além de
104
poder criticar ou sugestionar outras questões para melhorar o projeto. Dizer que o
governo e a iniciativa privada intervêm em uma área abandonada, apenas para
melhorar a qualidade de vida da população, sem interesses econômicos,
infelizmente não é possível. Por isso um questionamento indagável se constrói: uma
região desvalorizada, há anos sofrendo com o abandono e deterioração de suas
estruturas urbanas, o que seria melhor para seus moradores, ser contra a entrada na
região de novas funções, novos moradores e investimentos, mantendo seu estado
de degradação, ou aceitar essas novas funcionalidades, lutando, então, para que as
ações também sejam favoráveis a eles? Eis uma pergunta que merece ser
investigada em pesquisas futuras.
105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Zona Portuária do Rio de Janeiro está recebendo, atualmente, ações de
melhoria urbana, através do projeto Porto Maravilha. Em 2009, a prefeitura da
cidade, em conjunto com os governos Estadual e Federal, além da presença da
iniciativa privada, lançou este projeto, visando melhorias urbanas para a região. No
ano de 2011, já são notórias algumas ações, principalmente voltadas para questões
sociais e de melhorias na infraestrutura local.
Após décadas de esquecimento, os bairros portuários ficaram degradados,
contribuindo para a formação de uma imagem negativa da região. O projeto atual
não é o primeiro a ser proposto para a zona portuária. Desde o final do século XX,
muitos planos e projetos foram pretendidos para a recuperação do seu valor
econômico, histórico e cultural. No entanto, o Porto Maravilha teve um motivador
diferencial: preparação da cidade do Rio de Janeiro, para as Olimpíadas de 2016.
Com um rico valor histórico, cultural e econômico, a Zona Portuária do Rio de
Janeiro apresenta certo potencial para o desenvolvimento de outras atividades na
região, voltadas, principalmente, para o turismo, lazer e entretenimento, comércio e
serviços. Nesse contexto, este estudo propôs analisar as ações do projeto Porto
Maravilha, enfatizando aquelas direcionadas ao desenvolvimento turístico e
sociocultural da região. Além disso, objetivou avaliar a relação entre os agentes
sociais envolvidos no projeto, enfatizando o envolvimento da população local no
projeto, propondo uma reflexão sobre o nível de respeito dado aos moradores atuais.
Pressupomos neste estudo que as ações do projeto Porto Maravilha
promoveria uma valorização imobiliária da região, fazendo com que a população
local, composta em sua maioria de pessoas com baixo poder aquisitivo, tivesse
fortes receios de um processo gradativo de expulsão. Com o desenvolvimento do
estudo confirmamos que a população divide-se em dois grupos: de um lado alguns
moradores apresentam implicações referentes ao projeto, construindo certo receio
quanto a manutenção de sua vida no local. Por outro lado, há moradores que
apóiam a mudança que ocorrerá na zona portuária, defendendo-a como um resgate
social, sem criar desconfiança de uma possível expulsão.
Outra questão que supomos neste trabalho foi que os poderes público e
privado realizariam poucas ações que estimulassem a participação da população
local, ao considerar ser formada por uma camada de baixa renda. Através deste
106
estudo, analisamos que há ações para o envolvimento dos moradores, através de
reuniões, formação de um Conselho Consultivo, disponibilidade de um número de
telefone para contato com o setor privado atuante na região, entre outros. No
entanto, é recomendável reforçar essas ações.
Para uma melhor compreensão e desenvolvimento do estudo, realizamos
inicialmente uma discussão teórica. Reconhecemos que as áreas centrais das
cidades brasileiras iniciaram um processo de esvaziamento, a partir da segunda
metade do século XX, por conta de diferentes fatores. Com a diminuição do fluxo de
pessoas e o deslocamento de investimentos e atividades para outros setores da
cidade, suas estruturas físicas começaram a se deteriorar. Ao mesmo tempo em que
as áreas centrais tornam-se abandonadas, diferentes tipos de intervenções urbanas
passaram a ser planejados para a área, considerando o aproveitamento de seus
valores para o desenvolvimento econômico da cidade.
Neste contexto, pudemos desenvolver uma reflexão acerca das terminologias
usadas e dos diferentes períodos de intervenções urbanas, surgidas a partir de
1950. Identificamos que, enquanto num primeiro momento as ações eram voltadas
para a demolição do antigo em prol do novo, outras, por sua vez, procuraram
preservar e recuperar construções antigas, carregadas de valor histórico e
arquitetônico. Em todas as fases, foi possível analisar que a valorização das áreas
centrais contribui para o retorno de investimentos e pessoas com melhor poder
aquisitivo, podendo haver um processo de expulsão dos cidadãos com baixo poder
aquisitivo, conhecido como gentrificação.
Nas duas últimas décadas do século XX, o fenômeno da globalização fez com
que os lugares, de diferentes partes do mundo, formassem um ambiente de
competitividade. Iniciou-se, então, uma busca de diferenciais competitivos, que
tornassem os lugares atrativos e favorecessem a captação de pessoas e
investimentos. É nesta situação que o poder público local une-se com o setor
privado, construindo parcerias para o desenvolvimento de ações que possibilitariam
“vender” sua cidade. Para isso, o planejamento urbano modifica-se, ao implementar
ferramentas empresariais que contribuíram para o desenvolvimento urbano e
econômico local. O Marketing de Lugares ganha espaço nas ações públicas,
favorecendo a adoção de estratégias para tornar a cidade atrativa.
Dentre várias ações em prol de utilizar os espaços para o desenvolvimento
econômico e urbano, destacamos a turistificação. Notamos que a apropriação do
107
turismo envolve diferentes agentes sociais, os quais cada um possui importância.
Dentre eles, podemos destacar a população local, que, de forma passiva, recebe
intervenções em seu espaço de vida e o setor privado e público, agentes que podem
atuar diretamente na modificação de um lugar. Consideramos também a importância
de haver um equilíbrio entre as funções de um local, para que não haja uma
hipertrofia de apenas algumas.
Após a discussão teórica, partimos para o conhecimento do nosso objeto de
estudo: a Zona Portuária do Rio de Janeiro. A principio, de forma abrangente,
desenvolvemos uma contextualização histórica da área central da cidade,
identificando o momento de formação, estruturação e deterioração desta região.
Posteriormente direcionamos nosso estudo para a zona portuária, que fica na área
central da cidade, desenvolvendo um contexto mais específico. Observamos sua
localização, características geográficas, a sua formação histórica e a situação atual
da região. Neste âmbito, pontuamos alguns projetos de intervenção urbana,
propostos para a região portuária, do final da década de 1980 até aquele
antecedente ao atual projeto.
No capítulo seguinte, organizamos as idéias e informações sobre o projeto
Porto Maravilha. Para isso, foi feito o levantamento de dados e informações, tendo
como metodologia de nosso estudo a realização de pesquisa bibliográfica e
elaboração de entrevistas. Com os resultados obtidos, mostramos a delimitação
geográfica do projeto, seus objetivos e características importantes para compreender
o seu andamento. A seguir, expusemos as ações do Porto Maravilha, destacando
aquelas voltadas para o desenvolvimento turístico e para questões sociais da região.
Também identificamos os principais agentes sociais (prefeitura, iniciativa privada e
população local) e o envolvimento e posicionamento de cada um sobre o Porto
Maravilha.
As observações ao longo do texto, embora não tragam conclusões definitivas,
apontam algumas reflexões. Pudemos perceber que a Zona Portuária do Rio de
Janeiro possui um significativo valor histórico e cultural, além de um potencial
turístico, merecendo ser melhorada. O atual projeto de intervenção urbana
amenizará ou até mesmo transformará a situação atual da região. Porém, há ainda
uma resistência por parte de alguns moradores. Com o estudo, observamos que o
papel da Associação de Moradores é muito importante para envolver a população
nas questões do projeto, além de ser mais possível defender as necessidades da
108
população. Em uma área com um considerável número de habitantes,
recomendamos que a formação de representações comunitárias seja a melhor forma
de conciliar os anseios da população com aqueles já planejados pelo poder público e
privado.
Para o meio acadêmico, consideramos que o estudo realizado tem
contribuição relevante, através de reflexões formadas a partir de um amplo conjunto
de temas. No entanto, ressaltamos que a pesquisa possuiu limitações, no que diz
respeito ao tamanho de sua amostra, considerada pequena, apesar da importância
das opiniões dos agentes sociais entrevistados. Sendo assim, para futuras
pesquisas no campo de estudo da intervenção urbana da Zona Portuária do Rio de
Janeiro, torna-se importante a realização de mais entrevistas. Levando-se em conta
que nos próximos anos mais ações do projeto Porto Maravilha serão desenvolvidas
na região, cremos que os trabalhos posteriores a este possam vir a dar continuidade
relevante para as discussões e pesquisa sobre a refuncionalização da Zona
Portuária do Rio de Janeiro.
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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO a
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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO b
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APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO c