universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de …³ria em curso... · 1 universidade da...

180
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA JOSÉ FERNANDES FONSECA NETO MEMÓRIA EM CURSO: CAMINHO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM BELÉM-PA 2012

Upload: ngoduong

Post on 12-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

1

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA

JOSÉ FERNANDES FONSECA NETO

MEMÓRIA EM CURSO:

CAMINHO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM

BELÉM-PA

2012

Page 2: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

2

JOSÉ FERNANDES FONSECA NETO

MEMÓRIA EM CURSO:

CAMINHO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Stricto

Sensu em Comunicação, Linguagens e Cultura, da

Universidade da Amazônia, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge

Martins Nunes.

BELÉM-PA

2012

Page 3: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

2

Page 4: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

3

MEMÓRIA EM CURSO

Caminho Sensível pela Cidade de Belém

por

JOSÉ FERNANDES FONSECA NETO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Stricto Sensu em Comunicação,

Linguagens e Cultura, da Universidade da Amazônia, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre, orientada pelo Prof. Dr. Paulo Jorge Martins Nunes.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Orientador: Prof. Dr. Paulo Jorge Martins Nunes Universidade da Amazônia (UNAMA)

___________________________________ Membro Externo: Prof. Dr. Gutemberg Armando Diniz Guerra. Universidade Federal do Pará (UFPA)

___________________________________ Membro Interno: Profa. Dr. Mariza Mokarzel Universidade da Amazônia (UNAMA)

Aprovado: _________________________

Belém, ____de _________________2012.

Page 5: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

4

Para minha mãe, Dina Oliveira,

pelo companheiro amor

e por iluminar o percurso.

Para outro José Fernandes Fonseca,

meu grande pai e amigo.

Para Daniella, meu amor,

sempre companheira e generosa.

Para Isabel, Teresa e Anna,

minhas filhas, minhas estrelinhas

brilhantes em nossos caminhos futuros.

Para Célia Jacob e Francisco Cardoso,

queridos amigos.

À memória de Alírio e Dina,

sonhadores e construtores de

pontes, vias e estradas.

Page 6: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

5

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Paulo Nunes, meu orientador acadêmico,

pela constante atenção amiga e valiosas

contribuições para o desenvolvimento deste trabalho;

Aos Professores Doutores Mariza Morkazel, Gutemberg Guerra e

Luís Heleno Montoril Del Castilho pelas importantes

análises e observações neste percurso;

Aos professores Graça Landeira (in memoriam),

José Akel Fares, Josse Fares, Jorge Eiró e a

Jonise Nunes e toda equipe do projeto Belém da Memória;

À Universidade da Amazônia - UNAMA

e a todos os amigos (professores, colegas e funcionários)

do Mestrado em Comunicação, Linguagens e

Cultura da UNAMA - Turma 2010.

Page 7: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

6

Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão,

escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas,

nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras [...]

(Ítalo Calvino)

Para o autóctone obter a imagem de sua cidade,

são necessárias motivações diferentes, mais profundas.

Motivações de quem, em vez de viajar para longe, viaja para o passado.

Sempre o retrato urbano do autóctone terá afinidade com o livro de memórias,

não é à toa que o autor passou a infância neste lugar [...]

(Walter Benjamin)

De qualquer forma personalizada, Belém vira personagem,

agindo num certo meio, fadada a proceder de certa maneira.

É uma persona dramática, um modo de falar, de gesticular,

de andar, de comer, deitar, de dormir e sonhar.

Já então a cidade se apresenta, ela mesma, como um conjunto legível,

um texto para nossa leitura reflexiva, silenciosa ou em voz baixa.

(Benedito Nunes)

Page 8: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

7

RESUMO

A cidade, como rico espaço expressivo, é capaz de desenvolver discursos e

produzir em seus cidadãos impulsos cognitivos e afetivos. Propôs-se, neste

estudo, a partir da observação da cidade, associada à análise bibliográfica

relativa ao tema, estabelecer relações entre teorias e práticas da arquitetura e do

urbanismo e conceitos de pensadores que se debruçaram sobre o estudo das

representações da cidade, bem como as relações entre cidade, memória e

linguagens, tendo como objeto um percurso por Belém do Pará. Neste trajeto,

cujo recorte coincide, espacialmente, com o caminho do Círio de Nazaré,

investigou-se de que forma a paisagem urbana materializa e expressa

polifonicamente, algumas relações estéticas, históricas, econômicas e

socioambientais. O referido percurso será interpretado através das linguagens

verbal e visual e representado em um conjunto de quadros sensíveis. Esta leitura

da cidade teve como suporte o arcabouço teórico-metodológico multidisciplinar

traçado pelos seguintes autores: Benjamin, Bolle, Canevacci e Lynch que

fornecem métodos de percepção e representação do espaço urbano; Danto,

Bourriaud, Le Goff, García Canclini, Argan e Rossi que embasam as relações

estabelecidas entre cidade e arte, memória e patrimônio cultural.

Palavras-chave: Cidade. Belém. Memória. Linguagens. Imagem.

Page 9: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

8

ABSTRACT

The city, considered as a rich expressive space, is able to develop speeches and

produce cognitive and affective impulses in their citizens. This study aimed at

establishing, from observation of the city associated with the analysis of the

literature on the topic, relationships between theory and practice of architecture

and urban design and concepts built by thinkers who have focused on the study

of representations of the city, as well as relations between the city, memory and

language, taking a ride through Belém do Pará as object, whose cut coincides

spatially with the route of Cirio de Nazare, we investigated how the urban

landscape embodies and expresses polyphonically, some aesthetic, historical,

economic, social and environmental realtions. That route will be interpreted

through verbal and visual languages and represented in a sensitive frameset.

This reading of the city was to support the theoretical and methodological

multidisciplinary frame by the following authors: Benjamin, Bolle, Canevacci and

Lynch who provide methods of perception and representation of urban space;

Danto, Bourriaud, Le Goff, García Canclini, Argan, and Rossi who underlie the

relations between city and art, memory and cultural heritage.

Keywords: City. Belem. Memory. Languages. Image.

Page 10: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

9

LISTA DE SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Belém da Memória

CAN Centro Arquitetônico de Nazaré

CDP Companhia Docas do Pará

CNPq Conselho Nacional de Apoio e Desenvolvimento da Pesquisa

DPH Departamento de Patrimônio Histórico do Município de Belém

FUMBEL Fundação Cultural de Belém

MABE Museu de Arte de Belém

MEP Museu do Estado do Pará

PMB Prefeitura Municipal de Belém

SECULT-PA Secretaria de Cultura do Estado do Pará

SEURB Secretaria de Obras e Urbanismo do Município de Belém

UFPA Universidade Federal do Pará

UNAMA Universidade da Amazônia

Page 11: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Representação, livre e esquemática, do sítio e do

eixo de expansão da cidade de Belém........................

20

Ilustração 2 ‘Desfile’ da paisagem urbana....................................... 20

Ilustração 3 “Cabeça de Peixe”........................................................ 21

Ilustração 4 Baixada de Belém......................................................... 43

Ilustração 5 Reprodução do primeiro layout para placa do Projeto

Belém da Memória. Registro da carta de Mário de

Andrade a Manuel Bandeira, de 1927, e

representação do Grande Hotel, Belém.......................

57

Ilustração 6 Registro da assinatura do convênio entre a Unama, a

PMB e a Marko Engenharia para viabilização das

primeiras placas do projeto...........................................

60

Ilustração 7 Lançamento da primeira placa do Projeto Belém da

Memória. Centro Arquitetônico de Nazaré. Banho de

Cheiro, Eneida..............................................................

60

Ilustração 8 Alguns dos marcos visuais instalados pelo projeto

Belém da Memória em 1999: 1. Marco Visual da

Praça Felipe Patroni; 2. Detalhe da placa da Praça

Felipe Patroni, Hoje e Amanhã, Rodrigues Pinagé; 3.

Centro Arquitetônico de Nazaré. Banho de Cheiro,

Eneida...........................................................................

61

Ilustração 9 Fotos que registram o estado de conservação de

algumas placas do projeto antes de sua recuperação

ou mudança de localização ocorrida a partir do ano

2008: 1/2 - Praça da República. 3 - Praça do Relógio.

4 - Praça das Sereias. 5 - Praça das Mercês. 6.

Praça do pescador........................................................

63

Ilustração 10 Placa retirada da Praça do Operário em São Brás.

Observa-se uma parte do terreno que o morador

destina a placa e como o gradil contorna o marco

visual.............................................................................

65

Page 12: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

11

Ilustração 11 Placas instaladas a partir de 2008. A partir deste

momento as placas passaram a ser instaladas em

locais que, embora de visibilidade pública, contassem

com a vigília de instituições. Nos exemplos a seguir

percebe-se a melhora de conservação das peças: 1/2

- Fachada do Hilton Hotel. 2/3 - Fachada da Casa da

Linguagem – FCV – Governo do Estado......................

66

Ilustração 12 Mais placas instaladas a partir da mudança de

critérios para escolha da localização das placas. 1 -

Colégio IEP- Governo do Estado do Pará. 2 - Jardim

externo da Farmácia Big Bem, Doca de Souza

Franco. 3 - Memorial dos Povos, PMB-FUMBEL..........

67

Ilustração 13 Mapa do Percurso Analisado........................................ 75

Ilustração 14 Cabeça de Peixe. Síntese gráfica do sítio urbano........ 76

Ilustração 15 Sobrado do Guaraná Soberano. Rua Siqueira

Mendes.........................................................................

82

Ilustração 16 Solar Barão do Guajará. Atual sede do Instituto

Histórico e Geográfico do Pará.....................................

83

Ilustração 17 Palácio dos Governadores. Atual Museu Histórico do

Pará. A construção data de 1772.................................

84

Ilustração 18 Igreja do Carmo, vista pelo Porto do Sal. Ano de

construção: 1766..........................................................

85

Ilustração 19 Igreja de São João. A construção primitiva data de

1622. O prédio atual teve suas obras iniciadas em

1772 e concluídas em 1777.........................................

86

Ilustração 20 Fragmentos urbanos da Cidade Velha I....................... 87

Ilustração 21 Fragmentos urbanos da Cidade Velha II...................... 88

Ilustração 22 Igreja jesuítica de Santo Alexandre......................... 93

Ilustração 23 Púlpito da Igreja de Santo Alexandre........................... 94

Ilustração 24 A Igreja da Sé, finalizada em 1782............................... 95

Ilustração 25 Mercado do Ver-o-Peso................................................ 99

Ilustração 26 Palafita, habitação ribeirinha......................................... 100

Ilustração 27 Praça Siqueira Campos inaugurada 1931. Conhecida

Page 13: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

12

pelos belenenses como Praça do Relógio.................... 101

Ilustração 28 Torre do Mercado de Ferro........................................... 105

Ilustração 29 Mercado Municipal. Vista interna com destaque para

o desenho sinuoso da escada helicoidal......................

109

Ilustração 30 Detalhe do Mercado Municipal. Estrutura interna com

peças pré-fabricadas em estilo art nouveau.................

110

Ilustração 31 Passeio externo da Estação das Docas....................... 112

Ilustração 32 Loja Paris n’América..................................................... 116

Ilustração 33 Círio de Nazaré pela av. Presidente Vargas................. 118

Ilustração 34 Arquitetura da Avenida Presidente Vargas................... 119

Ilustração 35 Torre moderna da avenida Presidente Vargas............. 120

Ilustração 36 Edifício Manuel Pinto da Silva...................................... 121

Ilustração 37 Bar do Parque. Ponto da Boemia................................. 125

Ilustração 38 Pavilhão de Música Santa Helena Magno. Praça da

República......................................................................

123

Ilustração 39 Chafariz das Sereias..................................................... 127

Ilustração 40 Vista da Praça da República......................................... 129

Ilustração 41 Interior do Theatro da Paz............................................ 130

Ilustração 42 Fachada do Teatro Waldemar Henrique....................... 131

Ilustração 43 1 e 2: Prédio do Banco da Amazônia e detalhe do

Hilton Hotel. 3: Grande Hotel........................................

134

Ilustração 44 Túnel de Mangueiras. Largo da Pólvora....................... 136

Ilustração 45 Túnel de Mangueiras.................................................... 137

Ilustração 46 Paisagem.da avenida Nazaré...................................... 134

Ilustração 47 Palacete Bolonha.......................................................... 140

Ilustração 48 Palacete Augusto Montenegro...................................... 144

Ilustração 49 Palacete Passarinho..................................................... 144

Ilustração 50 Fragmentos urbanos. Bairro de Nazaré................................... 145

Ilustração 51 Sede social do Clube do Remo..................................... 146

Ilustração 52 Antigo Arraial de Nazaré............................................... 149

Page 14: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

13

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO: o desenhador e a imagem de Belém....... 14

II FISIOGNOMIA, POLIFONIA E IMAGEM DA CIDADE.........

28

2.1 TRAÇO EXPRESSIVO DA CIDADE...................................... 29

2.2 COMUNICAÇÃO URBANA.................................................... 34

2.3 A CIDADE: uma escultura da sociedade?............................. 36

III CIDADE, ARTE E MEMÒRIA................................................

44

3.1 CIDADE E MEMÓRIA............................................................ 50

IV PROJETO BELÉM DA MEMÓRIA: um exemplo ilustrativo..............................................................................

53

4.1 MEMÓRIA DO PROJETO...................................................... 58 4.1.1 Avaliação do projeto............................................................ 62 4.1.2 Relação de marcos visuais................................................. 68 4.1.3 Principais atividades do projeto........................................ 70

4.2 O PROJETO FUTURO.......................................................... 72

V UM PERCURSO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM....

74

5.1 QUADROS SENSÍVEIS DE BELÉM...................................... 77 5.2 CIDADE VELHA: a Senhora que conta histórias................... 78

5.2.1 Feliz Luzitânia....................................................................... 89 5.3 VER-O-PESO, AS PARTES E O TODO................................ 96

5.3.1 Mercado do homem e do peixe........................................... 102 5.3.2 Mercado de carne, o espaço que se revela....................... 106

5.4 CAMPINA............................................................................... 111 5.4.1 Boulevard Castilhos França: onde se queimam os

fogos..................................................................................... 113

5.4.2 Paris n’América.................................................................... 114 5.5 PRESIDENTE VARGAS: o patamar da modernidade........... 117

5.5.1 Praça da República: “idade do ouro”, ascensão e queda do ciclo da borracha.........................................

122

5.5.2 Theatro da Paz...................................................................... 128 5.5.3 Teatro Waldemar Henrique................................................. 131 5.5.4 Grande Hotel, a saudade do que não vivi.......................... 132 5.5.5 Túnel de Mangueiras........................................................... 135

5.6 AVENIDA NAZARÉ/ IGREJA DE NAZARÉ........................... 138 5.6.1 Palacete Bolonha................................................................. 141 5.6.2 Casarões, bangalôs e exemplares modernistas............... 143 5.6.3 Largo de Nazaré................................................................... 147

5.7 CÍRIO DE NAZARÉ................................................................ 150 CONSIDERAÇÕES FINAIS: contribuições para uma percepção da cidade....................................................................................................

153

REFERÊNCIAS...................................................................................... 157 APÊNDICE: outras imagens do percurso sensível .......................... 161

Page 15: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

14

I - INTRODUÇÃO:

O DESENHADOR E A IMAGEM DE BELÉM

Page 16: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

15

I - INTRODUÇÃO: o desenhador e a imagem de Belém

A cidade é engenho e arte? Um desenho? Um ajuntamento escultórico?

Um livro e seus capítulos? Um espetáculo e seus atos? Ou ainda um

emaranhado campo comunicacional interativo, dinâmico das relações

ambientais, históricas, econômicas e socioculturais do cidadão?

No Atlas, ponto vermelho indica cidade, ou metrópole. Ao me aproximar,

vejo a mancha verde, gigante, sobre a qual este ponto se deita quase sobre a

Linha do Equador. A curiosa vista da infância me fez imaginar, da claraboia do

avião, que a ‘cabeça de um peixe’1 se lançava na água, procurando caminhos

entre estreitas vias de mata (Ilustração 1).

Em outro momento, como por miragem, vi Veneza? Era a imperiosa linha

d’água, a horizontalidade do mar de água doce, dulcíssima, cinza, prateada que

iluminava a silhueta da metrópole em contraste com o local de onde o barco

partira - a Ilha do Combu2.

Residi parte de minha adolescência fora de minha cidade de origem. Na

volta, por curiosidade juvenil, queria andar e reconhecer, ou conhecer minha

localidade. Entretanto, os prazeres das caminhadas não esconderam o divórcio

entre as mazelas da vida cotidiana da cidade e as paisagens, imagens mentais,

afetivas, oníricas talvez, da infância.

Será que é a Santa Padroeira, em seu caminho de cultura e fé, que faz

esta “costura”, religando espaços e pessoas, alimentando e recriando sempre a

identidade do povo e da minha cidade de Belém do Grão Pará?

Adotando como percurso um eixo da cidade de Belém, desenhado por

suas principais ruas e avenidas, segui por diversas vezes o caminho há muitos

anos percorrido pela procissão do Círio de Nazaré3, permitindo-me, entretanto,

1 Associação livre entre esta forma (cabeça de peixe) e a configuração geográfica peninsular do sítio

de implantação da cidade de Belém do Pará. 2 Ilha localizada na margem esquerda do Rio Guamá, em frente à orla de Belém. Possui uma área de

aproximadamente 15 quilômetros quadrados. Sua população é de aproximadamente 200 famílias ribeirinhas, que realizam a pesca artesanal e o extrativismo vegetal. Disponível em: <www.prossiganosestados.pa.gov.br>. Acesso em: 06 abr. 2010. 3 Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém – Procissão católica realizada na capital do Pará

desde 1793. Reúne, anualmente no segundo domingo de outubro, aproximadamente dois milhões de

Page 17: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

16

vagar sem pressa por suas vias paralelas e transversais. No espaço urbano lido,

interpretado e refletido pelos textos e imagens que compõem este trabalho, pude

perceber o caráter, ao mesmo tempo genérico e peculiar, de bairros vizinhos;

percorrer em espaços interiores; estender o olhar que vai de pequenas

manufaturas populares ao horizonte da grande baia do Guajará.

Nesta área formada pelos bairros da Cidade Velha, da Campina e de

Nazaré, justamente os únicos três bairros onde residi em Belém, encontrei

alguns de nossos ícones urbanos mais lembrados - a Igreja da Sé, o Forte do

Presépio, o Ver-o-Peso, o Relógio de Ferro, o Theatro da Paz, a Basílica de

Nazaré - nossos pontos turísticos mais significativos, os principais marcos

históricos do poder político-administrativo, mercados, praças, vias de desfiles,

manifestações e protestos populares, os grandes hotéis e as pequenas pensões,

os prostíbulos e casas noturnas, bancos, lojas, instituições culturais, meios de

comunicação e até as sedes de nossas mais populares agremiações esportivas.

Em outubro, enquanto a cidade estática composta por prédios, sacadas, janelas,

alpendres e calçadas, assiste à passagem do homem multiplicado em mil,

milhões, esse homem vê, em sentido contrário, o desfile de uma cidade

dinâmica, de suas alegorias, de sua paisagem urbana, do grande ajuntamento

escultórico articulado que, por ser escavado, se permite penetrar (Ilustração 2).

Parece não haver dúvida de que a imagem da cidade refletida neste texto

(eixo do percurso Igreja da Sé/Basílica de Nazaré) reúne, mistura e sintetiza uma

série de referências (geográficas, históricas e socioculturais), indispensáveis para

a constituição social da memória e para a formação da identidade na percepção

de grande parte da população da cidade de Belém. Seja por coincidir

espacialmente com o eixo histórico de expansão urbana da cidade (figura1), seja

pela grande concentração de trocas culturais, fluxos e serviços desenvolvidos

neste espaço ou, ainda, por se tratar do cenário de uma das mais significativas

manifestações culturais de nossa região - o Círio de Nazaré.

Esta paisagem condensa, portanto, todos aqueles elementos que segundo

Michael Pollak em referência a Maurice Halbwachs: romeiros em caminhada pelas ruas de Belém. A procissão sai da Catedral de Belém e segue até a Praça Santuário de Nazaré. O percurso total é de 3,6 quilômetros. Fonte: Portal do Círio de Nazaré.

Page 18: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

17

[...] estruturam nossa memória e que a inserem na memória da

coletividade a que pertencemos: [...] os monumentos, [...] o patrimônio

arquitetônico e seu estilo, [...] as paisagens, as datas e personagens

históricas de cuja importância somos incessantemente relembrados, as

tradições e costumes, certas regras de interação, o folclore e a música,

e, por que não, as tradições culinárias. (HALBWACHS apud POLLAK,

1989, p. 3).

Desde quase sempre, me vejo ‘desenhador’ e, hoje, graduado em

arquitetura e urbanismo com Especialização em design, venho seguindo

atividade intimamente ligada ao campo da comunicação visual e das artes

gráficas. Há muitos anos emprego as habilidades e noções adquiridas ao longo

da experiência de vida profissional e acadêmica, tanto em projetos, como na

leitura, reflexão e expressão dos fatos urbanos, especialmente os da cidade de

Belém. Durante o curso de Graduação na faculdade de arquitetura, em estágio

no Departamento de Patrimônio Histórico do município (DFH - FUMBEL)

participei da equipe que realizou o levantamento e a representação gráfica de

todo o conjunto de fachadas da Avenida João Alfredo, antiga Via dos

Mercadores, no centro histórico comercial da cidade4. Ainda na Graduação, fui

bolsista do CNPq, em pesquisa da UFPA que registrou em plantas técnicas e

reproduções em aquarelas diversas edificações remanescentes do período

colonial nas cidades de Óbidos e Bragança (Pará)5. Desde então, ou talvez

desde a infância, mantenho em minha vida, com prazer e labor, estreitas as

relações entre desenho e traço histórico da cidade.

Posso dizer que esta parceria foi significativamente reforçada pelo

cruzamento com outra parceria, idealizada pelos professores de literatura da

Unama, Paulo Nunes e Josse Fares, desta vez firmada entre texto e espaço

urbano - entre a cidade e o olhar da literatura6. Desde os primeiros anos dessa

iniciativa venho tendo a honra e o prazer de fazer parte do Projeto Belém da

Memória7, mais uma vez contribuindo, como retorno, com meu trabalho de

4 Projeto de revitalização urbanística do eixo comercial formado pela Av. Conselheiro João Alfredo e

Rua de Santo Antônio, desenvolvido a partir de 1997 pela Prefeitura Municipal de Belém, 5 Parte dos resultados da pesquisa está na publicação da UFPA “Caderno de Arquitetura 1: Óbidos”

(DERENJI, 1987). 6 FARES & NUNES. Inédito. Mimeo,1998.

7 Projeto de Pesquisa e Extensão da Universidade da Amazônia, em parceria com a Prefeitura

Municipal e empresas e/ou pessoas físicas patrocinadoras. Este projeto, implantado em março de 1999, registra textos literários produzidos sobre a capital do Pará, através de marcos visuais fixados em logradouros públicos e outras formas de divulgação como exposições e publicações.

Page 19: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

18

ilustrador. Registrei, desde então, em técnica de bico de pena, mais de 40

monumentos da cidade de Belém. Eles comporiam, ao lado de textos literários

primorosos que tematizaram a capital do Pará, o projeto gráfico de placas fixadas

em marcos visuais instaladas em praças públicas da cidade.

Promovendo uma boa parceria, o projeto procura valorizar, ao mesmo

tempo, a ‘Cidade das Mangueiras’, veiculando informações históricas e culturais

de nosso sítio - visto que a literatura é uma forma de representação simbólica da

história - e a própria literatura de autores nacionais e regionais sobre nossa

cidade proporcionando o acesso de transeuntes às peças literárias em

logradouros públicos, palcos da multifacetada cena urbana.

Finalmente, há poucos anos, procurei, na própria malha da cidade, uma

via de pesquisa para o Mestrado que agora, finalmente, conduz a esta leitura do

sítio de que aqui trato. Verifiquei, examinado a ‘cabeça de peixe’ - forma do mapa

de Belém - que a maioria de pontos urbanos, citados em diversas épocas pelos

autores do projeto Belém da Memória (que doravante pode ser identificado aqui

como BM), uma vez conectados, por um traçado imaginário, em um ‘jogo de ligar

pontos’, formava a representação de uma via concreta, de ruas, avenidas e

bulevares. Era, justamente, o referido percurso urbano do Círio de Nazaré.

Acredito que isto não se dá por acaso8. Que isto ocorre porque a esta verdadeira

espinha dorsal da cidade, formada pelo eixo Av. Boulevard Castilhos França/Av.

Presidente Vargas/Av. Nazaré e posteriormente prolongada pela Av. Magalhães

Barata/Av. Almirante Barroso/ Br. 316, está superposta uma grande

concentração de fluxos materiais e simbólicos, econômicos e socioculturais.

Persistindo na analogia entre cidade e organismo, trata-se da coluna

vertebral deste complexo demográfico ao qual se articulam os sistemas capazes

de promover a vida ou processos caóticos geradores da falência deste

organismo. Como metáfora ou manifesto das próprias necessidades, físicas ou

simbólicas da sociedade, são sistemas assemelhados aos orgânicos - desde o

nervoso, o circulatório ao excretor - da cultura, religião e poder constituído ao

transporte e saneamento básico, a cidade necessita de equilíbrio interno

consonante com as relações externas e o meio ambiente. Em Belém, o percurso

8 Percepção semelhante pode ser observada em O Entorno da serpente: um discurso do imaginário

tecido em verso e imagens de Josse Fares em Pedras de Encantaria, 2001.

Page 20: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

19

escolhido para observação neste estudo é, historicamente, o maior eixo destas

relações sistêmicas.

A “cabeça de peixe” (Ilustração 3) como metáfora do sítio, do traçado, da

imagem de Belém permite o estabelecimento de várias analogias. A água e o

peixe são elementos essenciais de nosso repertório cultural. Natureza e cultura

se entrelaçam possibilitando a metáfora verbo-visual. A natureza estabeleceu o

limite entre água e terra que desenha o contorno do referido sítio e o homem,

através do tempo, adaptando-se à morfologia natural, gravou as linhas do

traçado que estabelecem o eixo de expansão urbana (Presidente Vargas,

Nazaré, Magalhães Barata, Almirante Barroso) como a coluna mestra, dorsal, e

todas as vias transversais como finas espinhas. Natureza e história dão à cidade

de Belém, a forma, o volume e a estrutura da síntese gráfica do peixe, elemento

mítico, essencial à cultura deste nosso mundo de águas.

Page 21: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

20

Ilustração 1 - Representação, livre e esquemática,

do sítio e do eixo de expansão da cidade de Belém.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Ilustração 2 - ‘Desfile’ da paisagem urbana.

Fonte: desenho do autor, 2010.

Page 22: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

21

Ilustração 3 - “Cabeça de Peixe”. Síntese gráfica do sítio urbano de Belém.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 23: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

22

Na medida em que o percurso foi ao longo de quase quatro séculos,

importante via da expansão histórica do município, atualmente por ele desfila,

também, parte importante da arquitetura, conjuntos históricos da cidade e seus

monumentos, que segundo Jaques Le Goff são “[...] o esforço das sociedades

históricas para impor ao futuro [...] determinada imagem de si próprias” (2003,

p.525-539).

Neste caminho encontram-se hoje amalgamadas à geografia das vias

atuais tanto a geografia do meio ambiente natural quanto, entre outras cidades

perecidas, a aldeia tupinambá que reaparece mestiçada às culturas africanas e

europeias na fisiognomia9 da metrópole contemporânea através do rico e variado

universo de signos, expresso na língua, nos modos, nos hábitos, na música,

dança, nas manufaturas, culinária, no modo de agir e pensar, na fisionomia de

grande parte de nossa população.

A observação do espaço analisado, ao mesmo tempo em que, revela a

enorme riqueza cultural da paisagem urbana mostra ações - algumas vezes

contraditórias, dos poderes: público e privado e do cidadão - que vão desde o

esforço pela conservação ou revitalização, até atitudes explícitas de descaso e

destruição deste patrimônio.

Também pude observar estas atitudes dúbias em relação aos marcos

visuais do projeto Belém da Memória. As placas (inseridas no contexto urbano

com o objetivo de registrar e expressar o afeto à cidade, ação do Núcleo

Cultural/Casa da Memória da Unama e seus parceiros) contam através de seu

estado de conservação/depredação, como veremos adiante, uma história

ambígua de atitudes de descaso e vandalismo e curiosos atos de defesa do

patrimônio público.

O sociólogo Zygmunt Bauman (2009) escreve sobre o aumento, na

contemporaneidade, da quantidade de barreiras, defesas, grades, enfim;

dispositivos arquitetônicos e urbanísticos que fragmentam o espaço urbano e

isolam grupos sociais. Para Bauman (2009), os muros encimados por cercas

9 Para Walter Benjamin, “escrever a história significa dar às datas a sua fisionomia” (BENJAMIN,

2006, p. 518). Desta forma, o conceito de fisiognomia remete à possibilidade de conferir a história um determinado ‘rosto’ ou representação. O conceito de fisiognomia será abordado, em seguida, no cap. II, deste estudo.

Page 24: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

23

elétricas e câmeras de vigilância separam guetos voluntários, habitados por uma

elite conectada ao universo globalizado, de cidadãos condenados a permanecer

fisicamente no universo local. Penso, entretanto, que o momento atual, ao

mesmo tempo, submete os cidadãos ao contato cotidiano e local com mazelas

geradas por movimentos político-econômicos globais, mas, em contrapartida,

permite o acesso das chamadas classes marginalizadas a signos urbanos

variados de circulação internacional, mesmo que de maneira desigual.

Apesar disso, constato em Belém a validade do alerta de Bauman (2009)

de que a arquitetura das cidades torna-se cada vez mais defensiva, viabilizando,

através de todo tipo de barreira física e simbólica, o cultivo de sentimentos de

exclusão, como bem se pode observar na transformação, nos anos 1980, do

antigo Largo de Nazaré em Conjunto Arquitetônico de Nazaré, quando o seu

perímetro passa a ser gradeado. Ao mesmo tempo penso ser válido seu

conselho a planejadores arquitetônicos e urbanos de busca por uma:

[...] estratégia oposta: difusão de espaços públicos abertos,

convidativos, acolhedores, que todo tipo de cidadão teria vontade de

frequentar assiduamente e compartilhar voluntariamente e de bom

grado. (BAUMAN, 2009, p. 50).

Em afirmação que expressa como a configuração do espaço físico pode

contribuir, funcional e simbolicamente, para possibilitar ou dificultar as relações

sociais, o autor conclui:

[...] A fusão que uma compreensão recíproca exige só poderá resultar

de uma experiência compartilhada, e certamente não se pode pensar

em compartilhar uma experiência sem partilhar o espaço. (BAUMAN,

2009, p. 51).

Neste cenário acredito que, o debate sobre o modo como conviver,

estudar, pesquisar e tratar de forma democrática o patrimônio histórico e cultural

deveria interessar a todos os moradores de Belém. Para tanto, é necessário

investigar e informar sobre as relações e contradições históricas estabelecidas

na constituição e na conservação deste patrimônio. Considerando que a memória

é indutora de desenvolvimento socioambiental, a alimentação do processo de

Page 25: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

24

formação e informação do cidadão, em especial das novas gerações, pode

colaborar para sua participação de forma ativa no debate sobre os usos do

espaço coletivo da cidade. Observo, também, que o estudo das cidades,

enquanto complexos polissêmicos, pode contribuir, mesmo que modestamente,

para um Mestrado que aborda o aspecto multidisciplinar da comunicação, das

diversas linguagens e da cultura.

Meu objetivo principal é, assim, analisar como a imagem da cidade de

Belém, através de seus recortes morfológicos, no percurso anteriormente citado,

materializa e expressa polifonicamente10

relações históricas, econômicas e

socioculturais. Para esta leitura e reflexão acerca do espaço da cidade pretendo

entrelaçar, de maneira multidisciplinar, os referenciais: técnico e teórico, histórico

e literário. Finalmente, pretendo levantar, organizar e tratar os dados até agora

produzidos pelo Belém da Memória e relacionar os pontos eleitos pelo projeto no

percurso que estudo, identificando e propondo estratégias e outros produtos

didáticos e midiáticos que possam somar esforços para ampliar o raio de

comunicabilidade deste programa.

Considero, neste trabalho, a arquitetura como linguagem e a cidade, palco

de ações e transformações sociais, políticas e culturais, como rico campo

semântico, capaz de desenvolver discursos e produzir em seus cidadãos

impulsos cognitivos e afetivos.

No âmbito da comunicação urbana este estudo, portanto, debruça-se

sobre a paisagem urbana polifônica em um percurso pela cidade de Belém. Dada

a complexidade do objeto - a própria cidade - que nos comunica através de

diversos elementos, como a paisagem natural, o ambiente construído e as

relações humanas, se faz necessária, tanto quanto possível, uma abordagem

multidisciplinar que utilize pontos de vista divergentes, de caráter teórico e

empírico.

10

Polifonia – Utilizo neste estudo o conceito de cidade polifônica do antropólogo Máximo Canevacci, segundo o qual “[.,.] a cidade se caracteriza pela sobreposição de melodias e harmonias, ruídos e sons, regras e improvisações cuja soma total, simultânea ou fragmentária, comunica o sentido da obra”. Da mesma forma, uma escolha metodológica igualmente polifônica, “de dar voz a muitas vozes”, seria a mais adequada para a representação deste objeto de estudo. (CANEVACCI, 1993, 18). Este conceito de Canevacci evoca o conceito homônimo de Mikail Bakthin, estudioso da linguagem verbal, conforme se esclarece mais adiante no corpo do trabalho.

Page 26: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

25

No conjunto deste pensamento é que trago aqui Walter Benjamin, através

de um ‘álbum de retratos’, conjunto de imagens literárias de capitais europeias

como Berlim e Paris, no qual ele realiza uma extraordinária leitura da grande

cidade, palco da modernidade. O filósofo cunha o termo fisiognomia, que articula

dois termos fisiognomonia (arte de conhecer o caráter das pessoas pelos traços

fisionômicos) e fisionomia (conjunto das feições do rosto). Procura decifrar

através da ‘leitura’ da cidade, espaço de experiência sensorial e intelectual de

seu tempo alguns mitos que cercam a modernidade.

Em seu estudo Fisiognomia da Metrópole Moderna (1994), Wille Bolle,

professor da Universidade de São Paulo, nos proporciona um diálogo imaginário

entre as percepções do escritor alemão e a representação da cena urbana em

escritores brasileiros, agudos observadores da modernidade em uma grande

metrópole da periferia do capitalismo global no século XX.

Passadas várias décadas, a maneira ‘benjaminiana’ de observar e

descrever a experiência da vida urbana moderna ainda me parece valiosa. Neste

trabalho tento perceber e representar a cidade de Belém utilizando como uma

das “estratégias de leitura” a referência à maneira com que Benjamin entrelaça

aspectos importantes, tais como, memória pessoal afetiva, o comportamento

social, a paisagem arquitetônica e o mundo microscópico dos artefatos do

cotidiano, revelando sensíveis imagens de seus espaços e tempo em

transformação, trilhando o caminho do escritor de maneira similar - similar em

relação ao método - jamais em precisão e sutileza.

Outro autor que não poderia deixar de compor este trabalho é Máximo

Canevacci (1993). Ele utiliza o conceito de cidade polifônica, segundo o qual a

“[...] comunicação urbana compara-se a um corpo que canta com uma

multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se

umas às outras, isolam-se ou se contrastam” (p.17). Este conceito, que evoca a

ideia de polifonia narrativa de Bakthin, designaria uma escolha metodológica de

dar “voz a muitas vozes”. Tal enfoque polifônico, criativo e adequado, constitui-se

num modo através do qual se pode representar o mesmo objeto – a

comunicação urbana. Afinal, afirma Canevacci: “[...] A polifonia está no objeto e

no método” (p. 18).

Page 27: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

26

Seguindo esta linha de pensamento, pretendo, a partir da observação da

cidade e de análise bibliográfica relativa ao tema, estabelecer relações entre

teorias e práticas da arquitetura e do urbanismo, fontes literárias e históricas, e

conceitos de pensadores que se debruçam sobre o estudo da comunicação e da

linguagem para aguçar a percepção do significativo trajeto em estudo.

Analiso de um ponto de vista atual que, no entanto, procura aliar história e

memória, alguns aspectos da morfologia urbana - estudo da estrutura, da forma e

das transformações das cidades - como uma das categorias a serem observadas

no processo de análise dos discursos expressos pela comunicação urbana,

reveladores das relações e contrastes de poder, vivenciadas na produção e usos

sociais dos espaços da cidade.

Serão evocadas (apenas evocadas) algumas imagens literárias de autores

consagrados, selecionados pelo projeto Belém da Memória, os quais registraram

de maneira aguçada e revelaram com sensibilidade suas impressões destes

espaços em épocas diversas.

Insistindo na exploração do enfoque polifônico, irei também falar da cidade

através de outra linguagem, através de imagens de ‘desenhador’, do recurso

expressivo (embora pouco usual numa dissertação de mestrado) a que estou

habituado. Quiçá seja capaz de contribuir para percepção, representação e

expressão do espaço urbano, como o previsto em meu projeto.

Em uma paisagem urbana convivem diversas camadas temporais

(harmônicas ou desarmônicas) e diversos espaços em um mesmo tempo e a

imagem resultante é a soma de tudo isto mediado pela memória. Pretendo então,

que as representações visuais possam auxiliar a perceber o caráter múltiplo,

polifônico e fragmentado da realidade urbana e ser mais um dado na

comunicação desta percepção.

Com base no exposto, esta dissertação organiza-se em quatro capítulos,

cuja estrutura está delineada no Sumário.

No capítulo II, apresento os aspectos teóricos fundamentais e o percurso

metodológico utilizado nesta pesquisa. Este capítulo analisa, à luz dos teóricos

Walter Benjamin e Willi Bolle (fisiognomia da metrópole), Máximo Canevacci

Page 28: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

27

(cidade polifônica) e Kevin Linch (imagem da cidade), métodos de percepção e

representação do espaço urbano.

O capítulo III debate conceitos centrais - arte, arquitetura, memória e

patrimônio cultural - para a abordagem do objeto de investigação, a imagem da

cidade de Belém-PA, no recorte espacial anteriormente descrito. Para

apresentação destes conceitos, observo as referências multidisciplinares de

Arthur Danto, Nicolas Bourriaud, Jaques Le Goff, Néstor García Canclini, Giulio

Carlo Argan e Aldo Rossi.

A discussão do capítulo III é estendida ao capítulo IV, dedicado à análise,

como estudo de caso, do Projeto Belém da Memória. Trata-se do registro e

discussão de uma ação concreta no campo da memória, identidade e educação

patrimonial, com inserção física no espaço urbano.

Finalmente, no capítulo V, descrevo e interpreto o já referido percurso por

esta cidade. Pretendo adotar o enfoque polifônico tanto na utilização de pontos

de vista diferentes, quanto na narrativa do trajeto através das linguagens verbal e

visual. Espero elaborar, ao final do caminho, pela montagem de representações

de fragmentos urbanos, um ‘mapa’ qualitativo deste percurso. Este capítulo, em

consonância com a imagem urbana, será apresentado como uma colagem de

quadros sensíveis ou retalhos urbanos - textos e imagens - que somados, espero

que forneçam uma representação multifacetada, embora sistêmica da cidade.

Page 29: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

28

II - FISIOGNOMIA, POLIFONIA E IMAGEM DA CIDADE

Page 30: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

29

II - FISIOGNOMIA, POLIFONIA E IMAGEM DA CIDADE

2.1 - TRAÇOS EXPRESSIVOS DA CIDADE

Na primeira metade do século XX, Walter Benjamin (BENJAMIN apud

BOLLE, 1994) construiu uma rica obra11

que heterodoxamente poderia ser

classificada como filosófica e literária. Nela posso constatar o modo como, com

precisão e sutileza, Benjamin percebe os fios que costuram, ao mesmo tempo,

na experiência da grande cidade, a história, a memória pessoal o imaginário

coletivo e as transformações culturais. Suas “narrativas filosóficas” geram, nos

leitores, imagens nas quais estas esferas da realidade aparecem entrelaçadas.

Entretanto, nestes textos, em similitude, à riqueza e à complexidade das ruas de

uma cidade, ocorrem cruzamentos que são projetados de forma múltipla e sutil.

Benjamim a um só tempo, trata de vários tempos e espaços. Descreve a

cidade, a sua cidade, a memória e o futuro que se anuncia, a modernidade que

se instaura nas metrópoles europeias no espaço entre as duas Grandes Guerras

Mundiais.

As imagens de pensamento de Benjamin, gênero misto entre a prosa

literária e a teoria social e histórica, são, “[...] ao mesmo tempo, um meio de auto-

reflexão e de representação da metrópole moderna, o hábitat que influi sobre as

condições de vida e de trabalho do escritor” (BOLLE, 1994, p. 292).

Benjamin elabora uma leitura e expressão das cidades que articula a

percepção instantânea e memória, fina percepção social e a cor pessoal da

memória afetiva, monumentos urbanos e manufaturas cotidianas do período.

Retalhos urbanos, que ‘colecionados’ através da montagem literária, visto que a

cidade é fragmentada apesar de sistêmica ou orgânica, permitem vislumbrar uma

ideia de um conjunto dinâmico, em rápida transformação. Não é somente

Benjamin, no entanto, que aponta nesta direção. O texto de Benedito Nunes,

11

Relação de Willi Bolle de obras do projeto literário de Benjamin: Livro Contramão (1925-1928), Diário de Moscou (1926-1929), Passagens Parisienses (1927-1929), Metrópole Berlim (1929-1930), Crônica Berlinense (1932), Infância em Berlim por volta de 1900 (1932-1938), Obra das passagens (1927-1940).

Page 31: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

30

dedicado à Belém e transcrito abaixo, ajuda a visualizar a noção de cidade como

articulação de partes de um todo expressivo:

[...] Ao antigo monumento da igreja jesuítica barroca, aos templos de

Landi, à arquitetura civil lusitana dos sobradões, das lojas e botequins

assobradados, à maneira de Lisboa, e às casas de platibanda com

fachada de azulejos e puxada, construídas por mestres de obras

portugueses, acrescentam-se à arquitetura, os lampadários, os relógios

públicos fin de siècle, as ruas calçadas, ajardinadas, arborizadas,

higienizadas, que reconfiguram a estética metropolitana, remoldando

sua fisionomia. É uma fisionomia multíplice – com sua fisiognomonia, os

seus traços expressivos comuns – repartida entre estilos vários, de

tempos ou períodos diferentes, que convivem em um mesmo espaço e

se harmonizam. Belém perderia a face sem o seu barroco, sem as suas

árvores. Mangueiras, igrejas de Landi, Teatro da Paz e até mesmo a

enseada do Ver-o-Peso de tantos cartões postais [...]. (NUNES;

HATOUM, 2006, p. 29).

Como se percebe, o filósofo paraense enfatiza o conjunto arquitetônico

como algo fundamental para compor a face fisionômica - e diversificada - da

cidade.

Em Fisiognomia da Metrópole Moderna, Willi Bolle assinala que:

[...] O objetivo (de Walter Benjamin) comum de todas estas obras era

representar a grande cidade contemporânea como espaço de

experiência, sensorial e intelectual, da Modernidade. Benjamin mostra a

cidade como palco de conflitos sociais, de revolta e revolução, como

espaço lúdico do flâneur contracenando com uma multidão erotizada,

como labirinto do inconsciente individual e coletivo que ele se propõe a

decifrar. (BOLLE, 1994, p. 271-272).

Canevacci (1993, p.19), por sua vez, afirma que o olhar de Walter

Benjamin lançado sobre Paris é “[...] decisivo para a compreensão de qualquer

metrópole atual e suas polifonias comunicativas”. Mais ainda, o autor de A

Cidade Polifônica (1993) considera que a narrativa da capital do século XIX,

realizada por Benjamin através da collage e da justaposição de fragmentos,

antecipa os métodos mais adequados e atuais para representação das cidades.

Neste trabalho pretendo, como já foi dito, “ler” e narrar a cidade de Belém,

observando algumas referências da obra de Benjamin.

Não se deve esquecer de enfatizar que Walter Benjamin trata da cidade do

séc. XIX, a cidade moderna. Mas não só isso: o filósofo alemão descreve a

Page 32: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

31

capital cultural daquele período. Do centro do sistema imperialista, Paris irradia

modelos e padrões estéticos que influenciam, de maneira fundamental, diversas

capitais da periferia global, mundo afora. Com todos os seus prazeres e mazelas,

utopias e pesadelos. É bom lembrar que na época vivia-se em Belém, apelidada

por alguns de a “Paris dos trópicos”, a ilusão de proximidade do centro do

sistema. A cidade era o porto principal de escoamento da produção amazônica

do látex, produto indispensável para expansão da indústria mundial, o que

posteriormente denominou-se ‘Era da Borracha’,

Segundo Paulo Nunes:

[...] a sofisticação da ‘dinastia de gardênia12

’. Implantada pelo intendente

Antônio Lemos, transformou Belém, na virada dos séculos XIX para o

XX, numa cidade próspera, [...] que foi cognominada por alguns

visitantes dentro e fora do Brasil como a ‘Paris n’América’. (NUNES,

2007, p. 159).

Permeava, especialmente em setores de nossa elite, enriquecida pela

economia do látex, a ideia de uma vida urbana glamourosa, moderna e

sofisticada. O objetivo dos setores sociais dominantes e da administração pública

era o reordenamento da cidade com a adaptação do espaço urbano a novos

modelos estéticos e funcionais. Procurou-se inserir a cidade na era da

modernidade, em sintonia com os padrões da sociedade européia, como

demonstra o texto da historiadora Nazaré Sarges:

[...] Da Europa, especialmente da França, é que veio o modelo de

urbanismo moderno, reproduzido em Belém com expressividade durante

a administração do intendente Antônio José de Lemos, através de

construção de boulevards, praças, bosques, asilo, mercados,

calçamento de ruas, bem como de uma rigorosa política sanitarista. [...].

(SARGES, 2010, p. 20).

A lógica da nova ordem econômica, ao mesmo tempo, exigiu ações de

saneamento e embelezamento de diversos espaços da cidade e impôs a

12

“A gardênia era a flor que simbolizava o luxo e a sofisticação de Antônio Lemos. [...] Seus seguidores mais próximos disputavam quem doaria as gardênias para que o intendente de Belém usasse na lapela de seu fato.” (NUNES, 2007, p. 159).

Page 33: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

32

transferência de boa parte da população pobre para espaços distantes do centro

urbano. Sarges (2010) esmiuça este processo na referência a seguir:

[...] Nessa cruzada pela reurbanização da cidade, Antônio Lemos baixou

normas rigorosas, proibindo licenças para construção, reparos ou

concertos de cortiços, alertando os proprietários de prédios próximos à

Praça da República que, na impossibilidade de adequar seus prédios à

nova estética da cidade deveriam vendê-los ou abandoná-los. [...] O fato

é que a reforma da cidade [...] representou o desalojamento da

população pobre e a discriminação espacial das classes sociais, embora

essa população marginalizada pelos mecanismos de controle do Estado,

depois de um certo tempo, tenha voltado a disputar com a elite o espaço

de onde fora anteriormente expulsa. (p. 200-201).

O chamado “ciclo do látex” teve seu declínio a partir de 1910 com a queda

dos preços da borracha, gerada pela concorrência asiática. Deixou, entretanto,

marcas significativas vividas e sonhadas ao longo do século XX e, ainda hoje,

não apenas na fisionomia da cidade como também no imaginário de diversos

setores de sua população. Em A Cidade Sebastiana, o historiador Fábio Castro

aponta para uma melancolia coletiva, em nossa sociedade, que ecoa através de

uma memória que romantizou a “Era da Borracha”, convertendo este passado

em uma utopia reversa que propaga a ilusão, especialmente em setores da elite

econômica, de um retorno aos tempos de esplendor que obscurece a imagem do

presente e a construção do futuro (CASTRO, 2010).

O mito de uma era de progresso e modernidade em nossa capital

periférica também é abordado por Willi Bolle, em sua leitura da cidade de Belém,

a partir do romance Belém do Grão Pará, de Dalcídio Jurandir. Bolle (2008)

também aponta para as contradições em nossa região, marcada por estruturas

de exploração colonialista desde a época da fundação da cidade de Belém, dos

fenômenos de “modernização” como aquele experimentado no auge da

economia da borracha. Com base na observação da cidade e na leitura do

romance de Dalcídio, Bolle (2008) relativiza o contraste entre um período de

esplendor e uma época de decadência:

[...] a queda da borracha no mercado internacional, a consequente crise

econômica e o empobrecimento das famílias [...] talvez tenham sido

apenas fenômenos de fachada, atrás dos quais avultam estruturas

econômico-político-sociais de longa duração, que foram encobertas por

Page 34: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

33

um período que se comprazia na ostentação de seu esplendor. São

estes fenômenos – a permanência de estruturas colonialistas e

escravocratas, o extrativismo desenfreado e a impiedosa exploração da

mão de obra – que mostram que a crise se localiza num nível muito

mais profundo. O tempo da decadência e da crise não existe

isoladamente, isto é: não se limita aos fenômenos aparentes dos anos

1920 e 1950. Ele á permanente e estrutural: iniciou-se na época em que

foram fundados o Estado do Grão-Pará e seu baluarte de defesa, a

cidade de Belém, e se estende até o ano da publicação do romance de

Dalcídio Jurandir e, possivelmente, até o tempo atual [...]. (p.112).

No contexto histórico da modernidade europeia, Benjamin, “leitor” de

Berlim, de Paris e de Baudelaire, evidencia as contradições entre os mitos que

cercam a modernização e o progresso e as reais condições de miséria e

exploração humana como evidencia o texto a seguir:

[...] O século XIX não soube corresponder às novas possibilidades

técnicas com uma nova ordem social. Assim se impuseram as

mediações falaciosas entre o velho e o novo, que eram o termo de suas

fantasmagorias. O mundo dominado por essas fantasmagorias é – com

uma palavra-chave – encontrada por Baudelaire – a Modernidade.

(BENJAMIN apud BOLLE, 1994, p 24).

O método utilizado pelo autor para interpretar e representar sua época,

baseado na collage, na justaposição de retalhos, reúne, em uma montagem

surrealista (BOLLE, 1994), uma constelação de fragmentos urbanos. Em muitos

momentos o autor coleciona e relaciona os resíduos, tudo o que aparentava ser,

na época, de pouca relevância histórica ou secundário: a publicidade, a

fotografia, as mercadorias, a moda, o jogo, o colecionador, a prostituição, o

flâneur, as ruas e galerias. Utiliza, enfim, estes elementos como referência de

percepção e análise crítica, decifrando os traços do presente e indicando o futuro

que se advém.

Assim, não me parece artificial “adaptar” uma fisiognomia benjaminiana na

leitura que se deseja fazer da cidade de Belém, ou de qualquer outra metrópole.

Daí é que se pretende, de algum modo, estabelecer aqui uma fisiognomia, mais

visual do que verbal, da “metrópole equatorial”.

Page 35: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

34

2.2 - A COMUNICAÇÃO URBANA

Máximo Canevacci (1993) compara a comunicação urbana a um coro

formado por múltiplas vozes autônomas, com suas diversas regras, estilos e

improvisações. Para o antropólogo, a cidade deve ser lida e interpretada por

meio de pontos de vista diferentes, de caráter teórico e empírico aplicado. Assim,

Canevacci sustenta que:

[...] por meio da multiplicação de enfoques – os “olhares” ou “vozes” –

relacionados com o mesmo tema, seja possível se avizinhar mais à

representação do objeto de pesquisa, que é, neste caso, a própria

cidade. (p. 18).

O autor define “a cidade polifônica” como uma cidade narrada com

diversas técnicas interpretativas diferentes, como:

[...] a abstração epistemológica da forma cidade e as emoções do

perder-se no urbano, a seleção fotográfica de alguns edifícios

arquitetônicos significativos e a linguagem literária da sua

representação, Lévi-Strauss e Walter Benjamin, Sant’Elia e Guimarães

Rosa, Italo Calvino e Gregory Bateson. (p. 18).

Tendo São Paulo como seu objeto de pesquisa, Canevacci (1993) alia às

interpretações das referências já citadas à sua percepção da comunicação no

espaço urbano daquela cidade para desenvolver, com textos e fotografias, uma

‘cartografia’ expressiva da capital paulistana, somando as diversas ‘vozes’ por

ele selecionadas.

Segundo o conceito de polifonia urbana, diversos elementos perceptíveis

na paisagem nos comunicam de alguma forma, através de todos os sentidos.

Entretanto, é nítida a força do caráter visual na comunicação que ocorre nas ruas

das grandes cidades, em especial no contexto latino americano. Assim é que me

vejo incentivado a citar Nestor García Canclini. Segundo Canclini (2008, p.162),

“[...] Na nossa América latina, onde o analfabetismo começou a ser minoritário há

poucos anos e não em todos os países, não é estranho que a cultura seja

predominantemente visual”. Isto pode ser observado quando se verifica que,

mesmo em letreiros, pichações e cartazes, a grafia da palavra é estilizada,

Page 36: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

35

reveste-se através da forma, da cor e da composição de valores estéticos

manipulados pela linguagem visual.

No espaço diverso e complexo da comunicação visual na cidade são

identificados alguns elementos como:

- Publicidade no Espaço Público: múltiplas formas de comunicação, mídia

exterior, outdoor, luminosos, painéis digitais etc. que possuem permissão legal

para ocupar o espaço público. Isto não elimina o caráter imperativo, quase

autoritário deste tipo de publicidade que nos interpela em nosso trânsito pela

cidade sem que tenhamos, como cidadãos comuns, qualquer poder de decisão.

O fragmento de Benjamin, citado a seguir, alerta para a “nuvem de

gafanhotos”, já em 1928, e profetiza o crescimento desta “praga” no futuro das

metrópoles:

[...] Nuvens de gafanhotos de escrita, que já hoje em dia obscurecem o

sol do pretenso espírito para os habitantes das grandes cidades, tornar-

se-ão mais densas a cada ano que passa. (BENJAMIN apud BOLLE,

1994, p 271).

A vivência em Belém, cidade carente de regulação e controle deste tipo de

publicidade, provavelmente irá fornecer ao leitor inúmeras imagens saturadas e

poluídas. Exemplo ilustrativo é a Rua João Alfredo, no centro comercial, que

outrora tinha uma configuração um tanto europeia.

- Inscrições urbanas, registros marginais: o critério de distinção, em

relação à publicidade, é o fato de que se processam em circunstâncias e

suportes, de certa forma, marginais, fora dos meios institucionais. Pichações,

grafite, inscrições urbanas surgem dos sussurros das periferias sociais e culturais

e se propagam ilegalmente nas “páginas” (muros, paredes, painéis etc.) das

cidades.

- O espaço construído: embora não seja elaborado com finalidade

exclusivamente simbólica, comunicativa, sem que as vezes se perceba, o espaço

construído, nos interpela de diversos pontos de vista. Não é demais lembrar Felix

Guattari (1992, p.158), para quem “[...] Os edifícios e construções de todos os

tipos são máquinas enunciadoras”.

Page 37: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

36

2.3 - A CIDADE: uma escultura da sociedade?

Segundo o pesquisador do urbanismo Kevin Lynch (1982, p.11): “[...] a

cidade é uma construção no espaço, mas uma construção em grande escala,

algo apenas perceptível no decurso de longos períodos de tempo”. Entretanto, os

homens, as atividades e as relações sociais desenvolvidas neste espaço são

mais importantes que suas partes fixas ou imóveis. A cidade é o produto de

múltiplos construtores, que constantemente modificam sua estrutura. Na maior

parte das vezes a percepção que os habitantes têm da cidade não é íntegra, mas

parcial, fragmentada, resultado do processo de superposição entre a percepção

imediata e a somatória de memórias e significações resultantes das relações

estabelecidas ao longo do tempo entre os indivíduos e algumas partes da cidade

(LYNCH,1982).

Para este processo de percepção, e, por que não, de comunicação entre o

ambiente produzido - carregado de significações e resignificações - e o cidadão,

envolvem-se os cinco sentidos. E a imagem é o composto resultante de todos

eles:

[...] Tal como esta página impressa, sendo legível, pode ser

compreendida visualmente como uma estrutura de símbolos

reconhecíveis, assim também uma cidade legível seria aquela cujos

bairros, sinais de delimitação ou vias são facilmente identificáveis e

passíveis de agrupamento em estruturas globais. (LYNCH,1982, p.16).

O caráter de ‘tessitura’ urbana como um texto de narrativa não linear, trama

heterogênea composta de dimensões espaciais e temporais diversas, leva Canclini a

sugerir que seu livro, Culturas Hibridas (2008), seja utilizado como uma cidade:

[...] na qual se entra pelo caminho do culto, do popular ou do massivo.

Dentro, tudo se mistura, cada capítulo remete aos outros, e então já não se

importa mais saber por qual acesso se entrou. (p. 20).

Para este processo de percepção e de comunicação entre o ambiente

produzido (carregado de significações e ressignificações) e o cidadão, envolvem-

se os cinco sentidos, além da imagem que é o composto resultante de todos

eles.

Page 38: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

37

Na formação das imagens do meio ambiente, é o observador que, a partir

de sua visão de mundo e interesses próprios, elege e estrutura, dotando de

sentido aquilo que vê. Portanto, a imagem da cidade pode e deve mudar a partir

da diversidade dos observadores. Podemos relacionar este conceito com a visão

de linguagem como interação social de Bakthin, em que o Outro desempenha um

papel fundamental na constituição do significado. O interlocutor não seria um

elemento passivo no processo de significação. Sua concepção de signo

linguístico é a de signo dialógico, vivo, dinâmico (BRANDÃO, 2004)

Kevin Lynch (1982) estrutura a imagem da cidade a partir de cinco

elementos morfológicos:

1) Vias: “[...] São canais ao longo dos quais o observador se move: ruas,

calçadas, linhas de trânsito, estradas-de-ferro” (LYNCH,1982, p.58). Seriam os

mais importantes elementos estruturantes da percepção ambiental, pois é ao

longo de seu percurso que o indivíduo percebe e organiza os demais elementos

que compõem a paisagem urbana.

Caminhos d’água: em Belém, antigos caminhos também eram os rios e

igarapés. Hoje, apesar de aterrados e soterrados pelo tempo13

, permanecem

como dado fundamental da memória, expresso nas mais diversas formas de

linguagem - “Por este mundo de águas” (ANDRADE,1927, p. xx) “Este rio é

minha rua” (PAULO ANDRÉ E RUY BARATA)14

.

São imagens que, além da palavra, permeiam a produção artística e

cultural ou ainda, o imaginário e a realidade da população da urbe ou ribeirinha.

2) Bairros (critério perceptivo e não administrativo): são partes

razoavelmente grandes da cidade na qual o observador “entra”, e que são

percebidas como possuindo alguma característica comum, identificadora:

13

De acordo com Antônio Rocha Penteado, o desenvolvimento da cidade é marcado na primeira metade do século XIX pelo “[...] aterro do Piry, baixada alagadiça, que desde as origens de Belém, se destacara como importante elemento da geografia urbana [...]” (PENTEADO, 1968, p.113). A presença de áreas alagadas no sítio de Belém, já havia motivado, em 1771, a elaboração de um plano, nunca posto em prática, de abertura de canais em Belém, idealizado pelo engenheiro militar Gaspar João Gronfelts e apresentado ao governador da época, Ataíde Teive (PENTEADO, 1968). 14

Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/paulo-andre-barata/este-rio-e-minha-rua.html>. Acesso em: 14 maio 2012.

Page 39: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

38

texturas, formas, detalhes, símbolos, tipos de edificação, atividades, habitantes

etc. (LYNCH,1982).

Cidade Velha/Cidades Novas: a partir do limite da água Belém nasce na

“Cidade Velha” o bairro de sua fundação e cresce para o interior até construir

inúmeras “Cidades Novas” I,II,III..., que se desenvolvem acompanhando as vias

estruturais da cidade.

A cada articulação dos eixos vai-se penetrando em novos bairros que

também são limites de várias “Beléns” com claros contrastes de qualidade

ambiental. Áreas distantes do centro urbano, ocupadas por grupos de diferentes

padrões socioaquisitivos, têm paisagem absolutamente diferente da imagem que

a cidade apresenta até a primeira légua patrimonial. No entorno de eixos de

expansão como a Br 316 ou a rodovia Augusto Montenegro, Belém tem outra

fisionomia, há muito (tempo e espaço) deixou de ser a cidade das mangueiras e

se assemelha às cidades áridas que crescem a beira de estradas, sem esquinas,

praças, arborização e, principalmente, na minha visão, sem o devido cuidado e o

planejamento que o cidadão merece.

3) Pontos nodais: pontos estratégicos, onde o observador pode entrar.

Funcionam como elementos de articulação entre origens e destinos. Variam em

função da escala do todo que se está analisando podem ser esquinas, praças,

grandes estações, bairros (LYNCH,1982).

Nós desatados: ao longo do percurso a que este trabalho se dedica posso

observar antigos pontos nodais próximos uns aos outros - Largo da Sé, Ver-o-

Peso, Castilhos França esq. com Presidente Vargas, esq. do Ed Manuel Pinto da

Silva. Materialização do tempo em que as pessoas ainda podiam cruzar toda

extensão da cidade a pé ou através da tração animal. Com o crescimento da

cidade, a implantação de novas tecnologias de transporte (bondes e automóveis)

e a expansão da malha viária, os centros são deslocados, distanciados e a

estrutura de pontos nodais e subnodais da urbe é rearticulada.

Page 40: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

39

4) Marcos: elementos de diversas escalas, pontuais: torres, domos,

edifícios, esculturas etc. Sua principal característica é a singularidade, algum

aspecto que é único ou memorável no contexto (LYNCH,1982).

Ver-o-Peso: implantado em área de grande riqueza e complexidade

cultural15

, o galpão de ferro do Mercado de Peixe do Ver-o-Peso tornou-se um

marco na paisagem em que está inserido, no entre-lugar entre o espaço

ribeirinho e o continente urbano. A distância, vejo como seu aspecto exterior

possui características volumétricas e topológicas que o destacam e o diferenciam

do entorno: as verticais, pontiagudas e inusitadas torres metálicas, que imitam

campanários medievais, conferem heterogeneidade à forma do galpão em

contraste com o horizonte da Baia do Guajará e a uniformidade e repetição do

casario; no aspecto topológico percebo a localização “solta”, em área livre, que

permite sua visualização, a partir de diversos pontos de vista (da Praça do

Relógio, do Boulevard Castilhos França, da Baia do Guajará), em contraste à

compactação dos sobrados sem recuos laterais. Complementam o efeito de

contrate a cor e a textura das chapas de ferro azul-acinzentado ao lado de

antigas fachadas, recobertas de azulejos. Ao me aproximar e, finalmente, entrar

no galpão, minha atenção se desloca rapidamente da arquitetura para as

impressões polifônicas provocadas pelos cheiros, sons, sabores, movimento

humano e pelas dimensões, cores e formas das espécies amazônicas de peixes

expostas, postas retalhadas, postas à troca.

5) Limites: são elementos percebidos no encontro entre duas áreas

distintas, gerando interrupções lineares na continuidade. Podem ser permeáveis

à circulação ou não. O excesso de limites que funcionam como barreiras, e não

como fronteiras porosas, pode impossibilitar trocas fundamentais dos pontos de

vista social, cultural e econômico para a cidade (LYNCH,1982).

O grande limite: a vista do mapa de Belém permite constatar grandes

limites que conformam historicamente sua expansão urbana: os mananciais, as

áreas institucionais e um grande limite natural poroso à navegação – a Baia do

Guajará. Aqui a natureza se impõe, a “frente” da cidade é encharcada de água.

15

O Mercado de Ferro do Ver-o-Peso foi inaugurado em 1º de dezembro de 1901.

Page 41: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

40

Rio ou mar para um visitante? Impressiona o volume e limita

inquestionavelmente a vida da urbe e a vida do “além mar”, do ribeirinho. As ilhas

que, politicamente compõem o conjunto do município, até o presente, têm

realidade cotidiana completamente diferenciada do centro de Belém. Isto se

reflete cultural e economicamente na experiência diária dos cidadãos.

Interessante perceber, também, como limites artificiais como galpões, edifícios,

portos, muros e grades cercaram, ao longo do tempo, a orla da cidade. Apesar

da configuração peninsular do sítio de Belém, o indivíduo que percorre a cidade

dificilmente pode desfrutar das vistas do Rio Guamá e da Baia do Guajará.

Intervenções governamentais urbanas recentes objetivam possibilitar o uso da

orla e estas perspectivas à população.

Outros limites: em seu estudo, Lynch (1982) explora limites urbanos

físicos. Na imagem da cidade podemos refletir também sobre os limites

simbólicos. As cidades, especialmente em sociedades marcadas por graves

desigualdades como a nossa, materializam em sua paisagem grandes diferenças

entre “centro” e “periferia” ou entre áreas ocupadas pela elite e áreas destinadas

à população de baixa renda. A oferta de infraestrutura urbana, os serviços

públicos como segurança, saneamento, investimento em esporte, lazer e cultura

geram no espaço urbano um forte contraste de imagem entre “duas ou mais

cidades” que convivem com mútua desconfiança. Os limites entre estes espaços

podem ser delimitados fisicamente como por muros e portarias vigiadas dos

condomínios, clubes sociais ou simbolicamente pelas atitudes, censuras e

valores estéticos expressos pela arquitetura, vestuário, objetos e até mesmo pela

fisionomia população.

Estes limites são bem representados pela brilhante leitura de nossa cidade

feita pelo escritor paraense Dalcídio Jurandir16

. Em Belém do Grão-Pará, a

personagem Alfredo, alter-ego de Dalcídio, transita entre as duas cidades: da Av.

Nazaré à periferia como os bairros do Reduto17

e do Guamá. Neste romance, as

16

Ver tese de Paulo Nunes, defendida, com orientação de Audemaro Taranto Goulart, na PUC-MG, em 2007. Cf. referências deste trabalho. 17

O bairro do Reduto, à época na qual se desenrola a narrativa de Belém do Grão Pará de Dalcídio Jurandir, era um bairro marcado por atividades portuárias e ocupado, em grande parte, pela classe operária. Atualmente, em razão do crescimento da cidade e das transformações urbanas, constitui-se como um dos bairros mais valorizados de Belém, alvo de forte especulação imobiliária.

Page 42: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

41

diferentes facetas da cidade aparecem em consonância com a própria natureza

da personagem que, ele mesmo, filho de mãe negra e de pai de origem

portuguesa, transita e constrói sua identidade entre dois mundos sociais bastante

distintos. Sua primeira moradia em Belém, na Gentil Bittencourt nº 650, situa-se

em um espaço configurado, naquela época, como uma zona de fronteira entre a

cidade das classes marginalizadas e a cidade da elite que, embora decadente

pelo colapso da economia da borracha, ainda aspira pelo status que a

localização da residência na cidade pode conferir (JURANDIR, 2004).

Em Belém, como em outras cidades, a topografia foi fator preponderante

para a ocupação social do solo e, portanto, para delimitação dos limites físicos e

simbólicos. A classe de maior poder aquisitivo e os principais investimentos

públicos concentraram-se nas áreas de cotas topográficas mais elevadas,

justamente na “espinha do peixe” (Av. Presidente Vargas, Av. Nazaré). Os altos

edifícios, construídos a partir da década de 50, geram a vista de uma “muralha”

construída de costas para o rio, justamente na cidade que tanto deve

historicamente a sua relação com as águas. As “bordas” da cidade, áreas de

cotas mais baixas, próximas à água e sujeitas às inundações foram ocupadas

pela população de baixo poder aquisitivo e tratadas sem o devido planejamento e

cuidado do poder público.

As chamadas “baixadas”, apinhadas de moradias de madeira, são um

traço característico de nossa região. Cidade flutuante, suspensa. Conjunto de

traços, planos e volumes em arranjo caótico, palafitas, casebres e estivas se

multiplicam compondo um cenário que, embora insalubre e miserável, produz

algum tipo beleza que advém da espontaneidade, da heterogeneidade de ações

individuais, da textura dos materiais, da proximidade com a água, da

singularidade “regional” desta imagem que incorpora saberes construtivos e

materiais das populações locais amazônicas ou, simplesmente, da brutalidade do

impacto e do “estranhamento” que a visão gera para quem costuma transitar no

“centro da cidade”.

A imagem das baixadas (Ilustração 4) difere radicalmente da imagem das

periferias mais recentes marcada pela monotonia da repetição volumétrica pobre,

de edificações todas iguais. Alguns novos conjuntos habitacionais da cidade

Page 43: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

42

expressam a homogeneização de uma massa com poucas possibilidades de

escolha. Nestes espaços, a monotonia do planejamento arquitetônico e

urbanístico comprime e constrange a diversidade e o espírito humano.

Com o crescimento da cidade, os limites são continuamente redefinidos,

transferidos. Zonas há bem pouco tempo periféricas, como o Igarapé das

Almas18

e o bairro do Umarizal, transformam-se em alvos da especulação

imobiliária e em áreas com o solo urbano de custo mais elevado da cidade. Hoje,

o apartamento no bairro do Umarizal, com vista para a baia do Guajará,

representa o grande sonho de consumo da elite da cidade. A orla de Belém

passa a atrair a atenção do poder público e privado e recebe investimentos

recentes que começam a transformar a imagem da cidade como a Estação das

Docas, o Ver-o-Rio e o Portal da Amazônia19

a ser inaugurado.

18

Igarapé das Almas era a denominação do antigo sítio periférico alagadiço no qual se localiza, atualmente, a área de Belém que possui o mais elevado custo do solo urbano – o entorno da Doca de Souza Franco. 19

Novo trecho da orla de Belém, composto por via e passeios públicos, construído às margens do Rio Guamá pela gestão municipal a ser inaugurado neste ano de 2012.

Page 44: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

43

Ilustração 4 - Baixada de Belém

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 45: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

44

III - CIDADE, ARTE E MEMÓRIA

Page 46: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

45

III - CIDADE, ARTE E MEMÓRIA

Quando se trata de analisar relações entre arte e cidade, parece

necessária a observação do aspecto dinâmico da função e do conceito de

atividade artística. Segundo Bourriaud (2009, p. 21): “[...] a atividade artística

constitui não uma essência mutável, mas um jogo cujas formas, modalidades e

funções evoluem conforme as épocas e os contextos sociais”.

O filósofo Arthur Danto, em Após o Fim da Arte, observa que o

Renascimento teria sido o período no qual o conceito de artista e atividade

artística tornou-se central. Danto considera, valendo-se de análise do historiador

da arte Hans Belting, que as obras ou imagens produzidas pelo Ocidente cristão,

em geral de forte caráter religioso, desempenhavam na vida da comunidade um

papel diferente daquele que as obras de arte passaram a ter quando o “[...]

conceito finalmente emergiu e alguma coisa como relações estéticas vieram a

governar nossas relações com elas. Elas nem eram pensadas como arte no

sentido elementar de serem produzidas por artistas [...]” (DANTO, 2006, p. 5).

Da mesma forma, Danto (2006, p. 5) sugere o passado recente (últimas

décadas do século XX) como momento histórico de outra ruptura ou

descontinuidade “[...] da arte produzida durante a era da arte e a arte produzida

após o término desta”. Importante dizer que Danto (2006) não aponta, entretanto,

para a “morte” da arte, mas para uma forma de narrativa que se completa, uma

história que acaba. “[...] O que havia chegado a um fim era a narrativa, e não o

tema da narrativa” (DANTO, 2006, p. 5).

Embora ainda falte distanciamento histórico para análise, parece que o

sentimento de não pertencer a uma grande narrativa trata-se de um aspecto da

arte contemporânea. Segundo Belting (apud DANTO, 2006, p. 6), a arte

contemporânea “[...] manifesta uma consciência da história da arte, mas não a

leva adiante”. De acordo com Arthur Danto (2006):

[...] A busca incessante pelo novo, o repúdio ao passado é um traço

marcante da modernidade. “A arte contemporânea nada tem contra o

passado, nenhum sentimento de que o passado seja algo de que é

preciso se libertar e mesmo nenhum sentimento de que tudo seja

completamente diferente, como em geral a arte da arte moderna. É

Page 47: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

46

parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado esteja

disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar [...].

O paradigma do contemporâneo é o da colagem...” (p. 7).

Bourriaud (2009), por sua vez, demonstra a influência para as vanguardas

artísticas do século XX do projeto ideológico moderno calcado na esperança no

progresso das técnicas e das liberdades, na transformação da cultura e das

mentalidades em um processo de emancipação dos indivíduos e dos povos.

Entretanto, os acontecimentos históricos do século XX demonstraram que,

melancolicamente, o progresso das técnicas e da “razão” também propiciaram o

estouro de duas grandes guerras, a substituição do trabalho humano pelas

máquinas, a exploração e técnicas de manipulação mais sofisticadas.

Atualmente, as formas de expressão artística não se apresentam mais

como prenúncios de uma inexorável evolução histórica. Hoje a arte não anuncia

ideologicamente “[...] um mundo futuro, mas apresenta modelos de universo

possíveis” (BOURRIAUD, 2009, p.18). A tarefa da arte e da arquitetura pós-

moderna seria a de “aprender a habitar melhor o mundo, em vez de tentar

construí-lo a partir de uma ideia pré-concebida de evolução histórica”

(BOURRIAUD, 2009,p.18).

Trata-se de atuar dentro da realidade existente “[...] sempre se toma o trem

do mundo em movimento” como nos fala Althusser. Ganham relevo as práticas

de bricolagem e reciclagem do dado cultural.

Canclini (2008), por outro lado, observa que, para pensar a

heterogeneidade latinoamericana, complexa articulação de tradição e

modernidade,

[...] é útil a reflexão anti-evolucionista do pós-modernismo [...] Sua crítica

aos relatos onicom-preensivos sobre a história pode servir para detectar

as pretensões fundamentalistas do tradicionalismo, do etnicismo e do

nacionalismo, para entender as derivações autoritárias do liberalismo e

do socialismo. (p.28).

Neste ponto faz-se necessário construir conexões possíveis entre estes

conceitos pós-modernos e as teorias e práticas de valorização do patrimônio

cultural que conduzem a uma tendência mundial observada em diversos espaços

urbanos, de reciclagem e reutilização do patrimônio arquitetônico.

Page 48: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

47

Segundo Le Goff (2003), o fim de uma época de esperança ilimitada no

futuro, originada no Iluminismo, tem significativas relações com o atual momento

de valorização do passado. Naquele período, denominado “Era da Razão”, a

sociedade europeia começa a reorientar a sua visão de mundo, antes voltada

para a “grandeza” ou “majestade” do passado histórico, deslocando suas

atenções para “futuro” e o “progresso”. Por outro lado, a não efetivação do plano

de construção de uma sociedade mais justa e fraterna, dentre outras decepções,

minaram o otimismo contido naquela visão de civilização e progresso.

A independência diante da história e o caráter radicalmente livre e reflexivo

marcam a arte dos últimos anos, implicando uma nova relação entre essa e o

mundo. A arte e suas manifestações assumem uma forma plural, se movem num

amplo espaço de atuação. Para Danto (2006), o momento contemporâneo da

arte, chamado por ele de "momento pós-histórico", é de profundo pluralismo e

total tolerância, em que nada é excluído.

Tendo em vista a abertura do conceito de arte, bem como a condição

histórica dinâmica de seus processos e o questionamento (por vezes advindo do

interior da própria arte) de seus critérios de distinção em relação aos demais

dados da cultura, não procuramos, aqui, no percurso urbano analisado, identificar

fatos urbanos específicos como obras de arte ou processos artísticos escolhidos

e separados por determinado critério de valor no contexto urbano. Procuramos

desenvolver uma análise do trabalho de múltiplos construtores ao longo do

tempo, que é a cidade - materialização e manifesto ético e estético de relações

sócio-culturais.

Por outro lado, a vivência e a percepção, mediada pela memória, do

espaço da cidade de Belém, com sua riqueza de referências culturais e

ambientais, pode ser observada como uma das influências fundamentais no

trabalho de diversos artistas contemporâneos da região. A textura cultural

abundante oferece imagens que podem alimentar a palavra, a colagem, o

“congelamento”, o conceito, a criação de novos significados para a leitura da

cidade pelo homem, gerador de cultura.

Giulio Carlo Argan, nos escritos incluídos na coletânea História da Arte

como História da Cidade, reafirma a identidade entre cidade e arte. Vê o espaço

Page 49: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

48

urbano de uma forma ampla, parte de um todo e que abrange “[...] também os

ambientes das casas particulares; o retábulo do altar da igreja, a decoração do

quarto de dormir ou da sala de jantar, até mesmo o vestuário e o ornamento com

que as pessoas se movem, recitam a sua parte na dimensão cênica da cidade”.

O estudioso também considera as extensões da influência da cidade na zona

rural, já que “[...] O espaço figurativo não é feito apenas daquilo que se vê, mas

de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias” (ARGAN, 1993,

p.73).

A partir do que foi dito, é de se considerar, no caso de Belém, o volume de

objetos e fatos produzidos com rigor profissional e a espontânea e expressiva

criação e construção popular. Das palafitas da periferia ou das casas ribeirinhas

ao fato social do Círio de Nazaré quando o corso pode ser a cena e, a cidade, o

cenário de nosso grande espetáculo teatral.

Espetáculo de cena e cenário de proporções desmesuradas que se

superpõe ou até transcende o espaço da metrópole. Toda a região é envolvida,

incluindo as ilhas e vias do entorno de Belém e dois milhões de atores participam

do desfile. Teatro e peça gigantesca, mas cuidadosa e sofisticada com os

pequenos detalhes como o manto da santa, o arranjo das flores, as oferendas, o

miriti, a culinária. A cada ano se renova o cartaz que traz a Virgem. Ela é

protagonista há mais de dois séculos.

O aspecto teatral do Círio é observado por Eidorfe Moreira (1971, p. 7) nas

linhas transcritas a seguir: “[...] Esse aspecto lúdico, hoje sensivelmente

atenuado, como já assinalamos, tem levado muitos a ver no Círio uma espécie

de carnaval devoto [...]”.

A multidão que se arrasta como uma cobra, a Cobra Grande, talvez, é

prova cabal da maturidade e civilidade da sociedade. Como partes de um grande

corpo, cultura e fé se mimetizam criando matizes no grande corso.

Argan (1993) também alerta a respeito dos perigos que existem para uma

sociedade que considera seus objetos de arte como fragmentos do passado,

desconectados de um contexto atual. O que faz com que se considere como

obras de arte apenas o que está dentro dos museus, o que, consequentemente,

contribui para que cada vez mais os fatos urbanos não sejam vistos como fatos

Page 50: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

49

artísticos. Aí pode-se pensar na flexibilização do conceito atual de museu, aquele

que pode ter em seu espaço expositivo a paisagem externa urbana ou rural

(museu contextual, eco-museu etc.)

Outro estudioso da arquitetura e da cidade, Aldo Rossi (1995), procura

estreitar os laços entre arte e espaço urbano:

[...] Entendo a arquitetura em sentido positivo, como uma criação

inseparável da vida civil e da sociedade em que se manifesta; ela é por

natureza coletiva. Do mesmo modo que os primeiros homens

construíram habitações e na sua primeira construção tendiam a realizar

um ambiente mais favorável à sua vida, a construir um clima artificial,

também construíram de acordo com uma intencionalidade estética. (p.

47).

A intencionalidade estética é, portanto, uma característica estável ou

inseparável da arquitetura e, assim sendo, da constituição coletiva das cidades.

Aldo Rossi (1995) escreve sobre fatos urbanos - igrejas, casa particulares,

monumentos, praças etc. - são singulares, únicos, pedaços de cidades. Podemos

fazer um paralelo com os conceitos de Argan (1993) quando Rossi afirma que:

“[...] na natureza dos fatos urbanos há algo que o torna muito semelhante, e não

só metaforicamente, à obra de arte” (ROSSI, 1995, p. 68). De acordo com o

autor, tal caráter artístico dos fatos urbanos está ligado à sua qualidade e

unicidade. Fatos urbanos são fatos artísticos quando são, coisa humana por

excelência.

A análise de Rossi também articula fatos urbanos e artísticos à memória

coletiva. Para ele, a forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade, e

existem muitos tempos na forma da cidade. A cidade não é por sua natureza,

uma criação que pode ser reduzida a uma só ideia básica.

Para o autor o que enriquece a cidade e os fatos urbanos – tanto antigos,

quanto novos - é a sua constante mutação. Ou seja, os diferentes tempos em um

mesmo núcleo urbano, o que demonstra uma cultura em transformação.

Page 51: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

50

3.1 - CIDADE E MEMÓRIA

A Memória, enquanto fenômeno individual e psicológico, se estrutura como

um conjunto de funções psíquicas que conferem ao homem a capacidade de

armazenamento, conservação e atualização de impressões e informações. Neste

trabalho, analiso a memória como elemento essencial da identidade constituída

pelas relações humanas no lugar. Em História e Memória, Le Goff (2003)

observa a relevância da memória para a sociedade:

[...] num nível metafórico, mas significativo, a amnésia é não só uma

perturbação do indivíduo, que envolve perturbações mais ou menos

graves da presença da personalidade, mas também a falta ou a perda,

voluntária ou involuntária, da memória coletiva nos povos e nas nações,

que pode determinar perturbações graves da identidade coletiva. (p.

421).

Para Denys Cuche (2002, p. 175), a “[...] identidade social de um indivíduo

se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social [...]“.

Importante observar, também, que a dimensão urbana do lugar influencia a

constituição e a afirmação da identidade coletiva. O lugar é o lócus do

intersubjetivo, do coletivo. A memória de uma cidade ou de um lugar é, portanto,

uma memória coletiva.

O espaço urbano é um dos elementos que unem indivíduos e grupos

sociais entre si. A percepção do lugar na paisagem da cidade ancora a memória

dos indivíduos, não permite que suas memórias fiquem perdidas no tempo.

Como já foi dito, no entanto, nas cidades não há um composto de

experiências homogêneas. Uma memória social, que remeta a algum lugar, é

fruto de relações sociais estabelecidas naquele lugar por determinado grupo.

Essas relações têm diversas motivações, naturezas - podem ser de dominação,

de cooperação, de conflito etc. - e variam tanto no tempo quanto no espaço. Uma

mesma cidade abriga inúmeras memórias coletivas.

Tenho em conta também que, segundo Halbwachs (1990), as memórias

coletivas se materializam em registros, em documentos e em formas materiais

inscritas na paisagem. Esses registros transformam memória coletiva em

Page 52: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

51

historiografia e preservam a memória da cidade. São eles que nos possibilitam

uma leitura contextualizada dos fragmentos urbanos remanescentes na

paisagem em constante transformação. Convém lembrar, porém, que, como

afirmou Foucault (2009), estes registros e documentos não são uma matéria-

prima totalmente objetiva. Eles são depoimentos, também, do poder da

sociedade sobre a memória e o futuro.

Mais uma vez, me valho de um alerta de Le Goff (2003):

[...] a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das

forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores da memória e do

esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos

grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades

históricas. Os esquecimentos e silêncios da história são reveladores

destes mecanismos de manipulação da memória coletiva. (p. 422). .

Observamos uma tendência mundial, relativamente recente nas cidades

brasileiras, de preservação da herança cultural do passado. Além do já citado

descrédito da ideia de transformação radical da realidade, baseada na fé

ilimitada nos progressos científicos, podemos apontar outros motivos para este

movimento:

1. Se por um lado, percebemos a homogeneização do espaço global. Se

a intensificação dos fluxos materiais e simbólicos internacionais está

contribuindo para que todos os lugares sejam parecidos, por outro, ela

também vem dando estímulos para que cada lugar, na busca de

individualidade, procure se diferenciar o mais possível dos demais. Ou

seja, a tendência do aniquilamento da singularidade do lugar reforça

como postura contrária a busca desta última. O passado é uma das

dimensões mais importantes da singularidade. Materializado em formas

urbanas, exposto em espaços museográficos, vivo na cultura e no

cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que o suporte mais

sólido a essa postura de diferença venha sendo dado pelo passado.

Page 53: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

52

2. Articulado às razões anteriores, o fator econômico identificado por

Poulot (2008). O estudioso demonstra como o turismo, com as

oportunidades econômicas que gera, faz da interpretação do

patrimônio, e mesmo da sua simulação, um significativo instrumento

para o desenvolvimento socioeconômico local.

A noção de George Yúdice (2004) de cultura enquanto recurso demonstra

que esta segunda perspectiva vai além da simples transformação do patrimônio

cultural em mercadoria:

[...] Debate-se - ou até mesmo, acredita-se - que o investimento

(sensível ao gênero e raça) em cultura fortalecerá a fibra da sociedade

civil, que, por sua vez, serve de hospedeiro ideal para o

desenvolvimento político e econômico. (p. 14).

Experimentamos, recentemente, um período de extensão do patrimônio

paralelo à transformação no conceito de cultura, isso conduz a uma abrangência

para diversidade e horizontalidade na abordagem das manifestações culturais,

populares, eruditas e massivas. O texto de Poulot (2008) demonstra o

aprofundamento das iniciativas de preservação do legado histórico:

[...] o patrimônio tornou-se um sinônimo de vínculo social. O imperativo

da conservação da herança, material e agora também imaterial, assume

a cada instante uma caráter mais geral e mais impositivo, encarado por

dispositivos legislativos e regulamentares que ampliam sem cessar seus

domínios de aplicação. (POULOT, 2008, p. 26).

O Projeto Belém da Memória, iniciativa que entrelaça cidade, arte e

memória, será abordado a seguir como um estudo de caso. Nesta ação concreta,

inserida no espaço urbano, a vivência, a crônica social e o sopro do tempo

passado chegam ao transeunte pelas possibilidades expressivas e criativas da

literatura.

Page 54: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

53

IV - PROJETO BELÉM DA MEMÓRIA:

UM EXEMPLO ILUSTRATIVO

Page 55: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

54

IV - PROJETO BELÉM DA MEMÓRIA: um exemplo ilustrativo

“De qualquer forma personalizada, Belém vira personagem, agindo num

certo meio, fadada a proceder de certa maneira. É uma persona

dramática, um modo de falar, de gesticular, de andar, de comer, deitar,

de dormir e sonhar. Já então a cidade se apresenta, ela mesma, como

um conjunto legível, um texto para nossa leitura reflexiva, silenciosa ou

em voz baixa”.

(Benedito Nunes)

Em 1998, o projeto de pesquisa e extensão Belém da Memória, idealizado

um ano antes pelos professores de literatura da Unama, Paulo Nunes e Josse

Fares, foi lançado. Pretendia, através da veiculação de significativos textos

literários de escritores brasileiros consagrados, garimpados pelos referidos

professores, transmitir as acuradas e sensíveis impressões desta cidade,

percebidas em diversas épocas, às quais foram associadas representações

icônicas da urbe. Mais do que isso, expressava a curiosidade e o afeto por

Belém, tanto pela pena de grandes escritores integrantes da primeira fase do

referido projeto - Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Max Martins, Dalcídio

Jurandir entre outros - quanto pelo corpo docente e administrativo daquela

instituição que concebeu e viabilizou a iniciativa.

Além da valorização crítica de diversos elementos do povo de Belém e seu

patrimônio cultural - dos carregadores da feira do açaí às damas da Belle

Époque; das palafitas ao Paris n’América - que, em conjunto, contraste ou

harmonia, poderiam transmitir uma expressão histórica e estética da cidade,

também procurava, este Projeto, a valorização e a ‘declamação’, de maneira

silenciosa, em locais públicos, de rico acervo literário impresso em placas fixadas

nos marcos visuais a serem instalados em logradouros urbanos elencados pelos

autores e executores do Projeto. Tudo com a devida aprovação da Prefeitura

Municipal de Belém e o apoio de instituições privadas e pessoas físicas dispostas

a apoiar esta iniciativa.

Tive a honra e o prazer de participar da iniciativa como ilustrador e

projetista gráfico. Graças a isso, pude desenhar e, por meio do desenho, ‘ler’ e

representar mais de 40 fragmentos urbanos de minha cidade e ainda observar

Page 56: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

55

admirado mais de 40 imagens literárias compostas por escritores que diziam

aquilo que, por vezes, eu mesmo gostaria de saber dizer.

Lembro ainda de minha primeira leitura, coisa que devo ao projeto, da

famosa carta que Mario de Andrade escreveu em Belém20

, no ano de 1927, ao

amigo Manoel Bandeira. A encantadora descrição da cidade, observada de um

terrace do Grande Hotel, “chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí...” me

trouxe duas fortes impressões: o orgulho/vaidade, talvez provinciana, de

perceber minha cidade elevada, sem constrangimento, ao ponto de uma paixão,

por tão ilustre visitante e, logo em seguida, a decepção, a noção do vazio

deixado pela perda irremediável do Bem – O prédio do Grande Hotel, suprimido

da paisagem urbana “[...] ainda sólido e em condições de funcionamento”

(NUNES; HATOUM, 2006, p. 30). A saudade íntima do que não vi, nem vivi, e

que nunca mais impressionará outro Turista Aprendiz21

.

Foi justamente esta carta o primeiro texto reproduzido, ao lado do bico-de-

pena inicial que retratava o ‘perecido’ Grande Hotel, na primeira placa gravada

no ano 1999 (Ilustração 5). Desde então foram selecionados, ilustrados,

impressos e exibidos pelo projeto, no espaço da cidade, muitos outros textos,

que registram outras primorosas visões de Belém. Este ritual se repetiu por mais

de quarenta vezes do Forte do Presépio, ponto inicial do tecido urbano ao Hotel

Farol na Ilha do Mosqueiro22

.

20

Este texto, a partir de sua “publicação” no BM, foi mais difundido e reconhecido por várias instituições da cidade, as quais passaram a citá-lo. Não que o texto fosse inédito, mas, provavelmente, o alcance do projeto intensificou sua veiculação. Casas comerciais e de entretenimento passaram a usar a carta de Mário, como um modo de demonstração de afeto pela cidade de Belém. 21

Referência a obra de Mário de Andrade O Turista Aprendiz (2002). 22 Ilha fluvial localizada na costa oriental do rio Pará, no braço sul do rio Amazonas, em frente à baía do Guajará. Possui uma área de aproximadamente 212 km² e 17 km de praias de água doce com movimento de maré. A Ilha do Mosqueiro é um distrito administrativo do município de Belém. Disponível em: <www. ecoviagem.uol.com.br>. Acesso em: 10 nov 2011.

Page 57: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

56

Posso perceber que as impressões dos autores elencados para

emprestarem seus textos ao Projeto, felizmente, são muito variadas, dada a

riqueza e complexidade do próprio espaço urbano observado – a cidade de

Belém – e da lente pessoal-afetiva e histórico-social de cada escritor. Tal como a

fisionomia multifacetada de uma cidade surge da composição, equilibrada ou

não, de seus fragmentos urbanos, a ideia de cidade que depreende do projeto é

um composto de fragmentos literários elaborado em épocas distintas, por um

grupo de indivíduos de variados perfis, origens, idades, formações e valores, por

homens e mulheres, paraenses e visitantes, ficcionistas ou, técnicos.

A partir do relato de seu corpo técnico, do filtro de minha própria memória

como integrante do projeto e de pesquisa documental, faço nas páginas

seguintes uma breve narrativa do caminho do projeto, ainda em curso, de sua

concepção ao momento atual.

Page 58: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

57

Ilustração 5 - Reprodução do primeiro layout para placa do Projeto Belém da Memória.

Registro da carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, de 1927, e representação

do Grande Hotel, Belém.

Fonte: elaborado pelo autor, 1999. Projeto Belém da Memória

Page 59: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

58

4.1 - MEMÓRIA DO PROJETO

Em manuscrito de 1998, Josse Fares, após breve descrição da sua

relação pessoal e afetiva com a cidade, escreve que:

[...] o projeto Belém da Memória começou a tomar corpo em 1997

quando fizemos - eu e o Paulo - uma viagem a Paris. Lá, guiados pelos

amigos Naná e Gutemberg, fomos percorrendo a cidade e percebendo

em cada canto os registros de sua memória. Há casas que contam de

seus moradores, mortos durante a 2ª Guerra, há outras que,

orgulhosamente, falam de quem nelas já se abrigou: Picasso, Balzac,

Jorge Amado, Rilke, Rodin. O Pere la Chaise narra a história de amor de

Abelardo e Heloísa, ou resgata fatos da vida de Chopin. Pois é! O Paulo

e eu, turistas aprendizes como Mário de Andrade, ficamos a pensar: Por

que Belém também não grita sua memória?(FARES, 1998, s/p).

Às vezes, a distância nos faz enxergar fatos e imagens da realidade

cotidiana. A ideia dos dois professores, surgida em viagem à Europa, pródiga em

valorizar sua história, tomou corpo em Belém. De volta ao Brasil, estes

professores elaboraram o projeto batizado de “Belém da Memória: a cidade e o

olhar da literatura”23

.

Sua viabilização contou com a força e o empenho dos professores José

Akel Fares (Arquitetura e Urbanismo), Francisco Cardoso (cine Unama), Célia

Jacob (curso de Letras), Ivone Xavier (Assessoria em Projeto e Antropologia),

Abdias Pinheiro (Fotografia) e Jorge Eiró (Casa da Memória) todos da Unama, e

o incondicional apoio da professora Graça Landeira, à época Pró-Reitora de

Administração da Unama, coordenadora do Núcleo Cultural daquela IES.

Cativada pela proposta, Landeira e sua equipe contribuíram de forma significativa

para os esforços por sua viabilização.

Ao corpo do projeto se somaram outros profissionais da instituição das

áreas de letras, arquitetura e fotografia formando uma equipe multidisciplinar.

Nesta altura, ainda sem vínculos profissionais e acadêmicos com a instituição, fui

convidado por José Akel Fares, coordenador do curso de Arquitetura e

23

Inicialmente, o projeto tinha um subtítulo mais extenso, que foi condensado para melhor ser difundido: ”Belém da Memória: a cidade vista pelo olhar da literatura”.

Page 60: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

59

Urbanismo, para contribuir com o desenvolvimento do projeto gráfico dos marcos

visuais e a elaboração de ilustrações.

O passo seguinte deu-se com a parceria firmada com a Prefeitura

Municipal de Belém (PMB) em março de 1999, conforme noticiado no jornal

Comunicado (Ilustração 6). No Palácio Antônio Lemos, sede da Prefeitura, foi

assinado um convênio para a instalação das primeiras 16 placas que contou

também com o apoio de uma empresa privada que financiaria a colocação das

quatro primeiras placas.

Idealizado como um projeto de pesquisa e extensão, a viabilidade do

projeto seria obtida pela articulação de três esferas: o poder público, a academia

e a iniciativa privada.

A Prefeitura permitiria a colocação dos marcos em logradouros públicos,

naquele momento jardins e canteiros das praças de Belém, se estes locais

fossem aprovados, após análise, por seus profissionais da SEURB e do DPH.

A equipe técnica da Unama faria a coordenação dos trabalhos e seria

responsável pela pesquisa, elaboração e seleção de textos e imagens, confecção

das placas e captação dos recursos e proposição dos bens patrimoniais e

localização dos marcos visuais.

Finalmente, empresas privadas ou pessoas físicas interessadas, em

parcerias com a Unama, financiariam os custos do projeto. Em contrapartida, a

justa veiculação de sua identidade visual no rodapé das placas e em todas as

peças gráficas do Belém da Memória.

Em tempo mais curto que o imaginado pela coordenação do BM a

iniciativa prosperou. Após a inauguração de sua primeira placa em 1999,

identificada como - A Festa de Nazaré, texto de Eneida de Morais (Ilustração 7) -

nesse mesmo ano uma exposição na Galeria de Arte da Unama exibia todos os

17 textos e imagens da primeira etapa e celebrava a execução e instalação de

várias placas da primeira etapa do projeto (Ilustração 8).

Page 61: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

60

Ilustração 6 - Registro da assinatura do convênio entre a Unama, a PMB e a Marko

Engenharia para viabilização das primeiras placas do projeto.

Fonte: Jornal Comunicado. Ano XX. n. 982. 22/03/1999.

Ilustração 7 - Lançamento da primeira placa do Projeto Belém da Memória. Centro

Arquitetônico de Nazaré. Banho de Cheiro, Eneida.

Fonte: Jornal Comunicado. Ano XX. N. 997. 5/07/1999.

Page 62: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

61

Ilustração 8 - Alguns dos marcos visuais instalados pelo projeto Belém da Memória

em 1999: 1. Marco Visual da Praça Felipe Patroni; 2. Detalhe da placa da Praça Felipe

Patroni, Hoje e Amanhã, Rodrigues Pinagé; 3. Centro Arquitetônico de Nazaré. Banho

de Cheiro, Eneida.

Fonte: fotografias de Abdias Pinheiro, 2000.

Page 63: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

62

4.1.1 - Avaliação do projeto

Passados os primeiros anos do Projeto, a avaliação da equipe de

pesquisa e extensão é a de que ele teve uma resposta positiva entre a

comunidade o que pode ser percebido pela boa repercussão na mídia, números

de visitantes em exposições, citações em trabalhos acadêmicos e pelo apoio da

iniciativa privada.

Incomodava e ainda incomoda, entretanto, a constatação de que as placas

feitas com o intento de valorizar o patrimônio histórico e, desta forma, somar

esforços para sua conservação e utilização democrática e cidadã passavam logo

a sofrer com suas mesmas mazelas. Estas placas, uma vez inseridas no espaço

público e assim, fazendo parte dele, tornam-se, também, alvos do descaso, do

vandalismo, de atitudes criminosas perante bens e direitos coletivos. Em síntese,

partimos das palavras amorosas à metalinguagem da desilusão.

Então, afirmo que nos dois estados os marcos são representativos da

metrópole atual: conservados e exibindo textos e imagens afetivas da paisagem

urbana; e depredados, como boa parte de uma cidade que submetida à violência

de toda sorte, desrespeita seus cidadãos.

Belém também exibe lixo nas esquinas, muros e fachadas poluídas por

pichações ou, o que é pior, por anúncios publicitários de todos os tamanhos,

calçadas desniveladas - verdadeiras barreiras para as especiais necessidades, a

calma perdida pelo mais alto volume dos carros-sons e a paz arruinada pela

criminalidade urbana. Exibe, ou esconde? Também, e cada vez mais, seu pior

cenário: os guetos voluntários da elite e da classe média protegidos por muros

altos, cerca elétrica e tropa armada onde se assina o definitivo divórcio entre os

sujeitos da comunidade e se contradiz a natureza e a função histórica da polis,

de convívio com as diferenças.

Conforme atestam algumas imagens dos marcos visuais (Ilustração 9)

alguns vidros de proteção e placas foram roubados e muitos marcos foram

pichados. Para alguns se deu um destino criativo, viraram suporte para

amarração de cabos para camelôs, bancas de comida e base divulgação de

peças publicitárias (Ilustração 9).

Page 64: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

63

Ilustração 9 - Fotos que registram o estado de conservação de algumas placas do

projeto antes de sua recuperação ou mudança de localização ocorrida a partir do ano

2008: 1/2 - Praça da República. 3 - Praça do Relógio. 4 - Praça das Sereias. 5 - Praça

das Mercês. 6. Praça do pescador

Fonte: fotografias do autor, 2008.

Page 65: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

64

Retomando a metáfora que compara o sítio urbano de Belém à síntese

gráfica do peixe, percebo curiosamente que, assim como o ser humano devora a

carne do animal e despreza as espinhas, a cidade de Belém, maltratada (e não

somente na “espinha do peixe”), segue sendo devorada e descartada a cada dia,

através de atitudes de desamor do cidadão em relação à cidade que lhe serve de

morada.

Há casos também de agressão involuntária, mas culposa, de motoristas

que não deveriam, mas em nossa cidade, sem constrangimento, sobem nas

calçadas e canteiros. Alguns marcos com fundações em concreto armado

resistiram a carros particulares, mas não a ônibus e caminhões - e assim foram a

nocaute.

Isto ocorreu com a placa da Praça do Carmo. Lá foi registrado um texto de

Bruno de Menezes. Um caminhão, segundo disseram alguns moradores, ao

fazer uma manobra criminosa, destruiu a placa. A família do poeta, no entanto,

ao saber do ocorrido (e que a placa havia desaparecido), escreveu para a

professora Graça Landeira, solicitando a substituição imediata da placa, pois a

família de Menezes considerava aquele marco uma das mais belas homenagens

até então prestada a seu patriarca.

Na história do projeto, uma atitude sui generis merece ser narrada. Notei o

sumiço de uma placa da Praça do Operário em São Brás. A encontrei em perfeito

estado de limpeza e conservação em um terreno particular nas proximidades da

praça. Não se trata de um simples caso de apropriação indébita do patrimônio

público. Talvez indignado com a falta de zelo pelo marco, o(s) morador(es)

resolveu (ram) transportá-lo e implantá-lo (seu peso é estimado em 200 Kg) em

seu jardim com o devido cuidado de desviar o curso de seu muro baixo para trás

da placa. Criou um inusitado nicho para a peça e cedeu por vontade própria, um

espaço de seu terreno ao passeio público (Ilustração 10). Crime ou atitude de

amor pela cidade? Quando o caos prospera na vida cotidiana nos faltam regras e

parâmetros para julgar.

A angústia pela incerteza da vida útil de cada peça plantada nos jardins

públicos ganhou um alento com uma mudança de atitude necessária, em 2008,

na escolha dos logradouros para implantação dos marcos visuais do projeto:

Page 66: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

65

As placas, sorte ou azar, tiveram de deixar a liberdade e o abandono das

praças para serem fixadas em espaços de visibilidade no passeio público com a

permissão de adoção dada, entretanto, a instituições públicas ou privadas. Assim

estão visíveis e protegidas, as peças da fachada da Casa da Linguagem - FCV,

do jardim do IEP, do Memorial dos Povos da PMB, Ver-o-Rio, Estação das

Docas, Feliz Luzitânia, da entrada da Unama, do Hilton Hotel, da área externa da

Big Ben e Hotel Farol entre outras (Ilustração 11/12).

Ilustração 10 - Placa retirada da Praça do Operário em São Brás. Observa-se uma

parte do terreno que o morador destina a placa e como o gradil contorna o marco

visual

Fonte: fotografias do autor, 2009.

Page 67: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

66

Ilustração 11 - Placas instaladas a partir de 2008. A partir deste momento as placas

passaram a ser instaladas em locais que, embora de visibilidade pública, contassem

com a vigília de instituições. Nos exemplos a seguir percebe-se a melhora de

conservação das peças: 1/2 - Fachada do Hilton Hotel. 2/3 - Fachada da Casa da

Linguagem – FCV – Governo do Estado.

Fonte: fotografias do autor, 2010.

Page 68: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

67

Ilustração 12 - Mais placas instaladas a partir da mudança de critérios para escolha da

localização das placas. 1 - Colégio IEP- Governo do Estado do Pará. 2 - Jardim

externo da Farmácia Big Bem, Doca de Souza Franco. 3 - Memorial dos Povos, PMB-

FUMBEL.

Fonte: fotografias do autor, 2010.

Page 69: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

68

4.1.2 - Relação de marcos visuais

O Quadro a seguir registra a relação completa de escritores, textos,

ilustrações e locais de implantação dos marcos visuais do Projeto Belém da

Memória:

Quadro 1 - Relação de Marcos Visuais do Projeto Belém da Memória

Autor Texto Local da Placa Ilustração

01 Benedito Monteiro

“A corda da Fé” Praça Frei Caetano Brandão

A corda do Círio

02 Peregrino Júnior “Carimbó” Praça D. Pedro II Feira do Açaí

03 J.J Paes Loureiro “Sobrados” Praça D. Pedro II, em frente ao Solar

Solar do Barão de Guajará

04 Rodrigues Pinagé “Encanto, Magia” Praça Felipe Patroni (16 com João Diogo)

Fonte do Bosque

05 Bruno de Menezes

“Belém e seu Poema”

Praça do Carmo Igreja do Carmo

06 José Ildone “Trova” Praça do Pescador Mercado Bolonha

07 Tavernard/ Waldemar

“Foi Boto Sinhá” Praça Waldemar Henrique

Palafitas

08 Adalcinda/Edir “Bom dia Belém”

Praça da República, em frente a Assembleia Paraense.

Praça da República

09 Paulo e Rui Barata

“Tronco Submerso” Praça da República, junto ao Bar do Parque

Bar do parque

10 Mario de Andrade “Carta e Manuel Bandeira”

Praça da República ao lado do Theatro da Paz

Grande Hotel

11 Dalcídio Jurandir “Gula da Cidade” Praça da República, em frente ao Ed. Manuel Pinto

Os Elétricos da Belém

12 Age de Carvalho “Os quintais” Praça Batista Campos

Fábrica Palmeira

Page 70: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

69

13 Inácio de Loyola Brandão

“Crônica Quase Concreta”

Av. Nazaré, em frente a Codem

Túnel das Mangueiras

14 Eneida de Moraes

“Banho de Cheiro” Centro Arquitetônico de Nazaré

Arraial de Nazaré

15 Antônio Juraci Siqueira

“Mangueira” Av. Magalhães Barata, em frente ao Museu

Rocinha do Museu

16 Max Martins “Ver-o-Peso” Praça da Poesia, ao largo do Conj. IAPI

Mercado Ver-o-Peso

17 Manoel Bandeira “Belém do Pará” Praça do Operário, São Braz

Relógio do Ver-o-Peso

18 Abílio Couceiro “O Bonde da Rui Babosa”

Rui Barbosa/ Gov. José Malcher (IPHAN)

Bondinho da Rui

19 Augusto Meira Filho

“Belém-Bragança” Campus BR Estrada de Ferro

20 Osvaldo Orico “Soneto à Terra Natal”

Almirante Barroso, Junto ao Bosque

Pórtico do Bosque

21 Alcyr Meira “Cidade Velha” Braz de Aguiar – Junto ao CREA

Casa Rosada

22 Pasquale Cipro Neto

“Um beijo, Belém” Av. Nazaré, em frente ao Gentil

Colégio Gentil

23 Antonio Tavernard

“Primários” Pça. Brasil Palafita

24 Milton Hatoum “Belém é Bíblica? Pça. Colégio Sto. Antônio

Caixa d’ água

25 Rachel de Queiroz

“Sta. Ma de Belém” Nazaré ao lado da Barraca da Santa

Basílica de Nazaré

26 Euclides da Cunha

“Surpresa” Pracinha da Loja Big-Bem Doca

Igreja da Sé

27 Jorge Eiró “Diney Landi?!” Pracinha de S. João Junto ao Fórum

Capela de São João

28 Júlio Verne “A Jangada” Praça das Mercês Igreja das Mercês

29 Carlos Heitor Cony

“Peixe-Boi” Tv. 9 de janeiro ao lado do Museu Goeld

Aquário do Museu Goeldi

30 Vicente Salles “Lição” Em frente ao Theatro da Paz

Theatro da Paz

Page 71: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

70

31 Alonso Rocha “As sereias” Chafariz das Sereias – Praça da Republica

Chafariz das Sereias

32 Ildefonso Guimarães

“Olhares da Cidade” João Alfredo Bondinho João Alfredo

33 Ápio Campos “Trova” Av. Portugal, esquina com João Alfredo

Via dos Mercadores

34 Lindanor Celina “Águas do Guajará” Praça Pedro Teixeira (estação das Docas)

Docas

35 Paulo Chaves “Feliz Lusitânia” Casa das Onze Janelas

Panorâmica Feliz Lusitânia

36 João Carlos Pereira

“As mangueiras de Eneida”

Praça Eneida de Moraes

Mangueiras da Praça

37 Ernesto Cruz “As Ruas do Pinheiro”

Biblioteca de Icoracacy

Chalé Tavares Cardoso

38 Haroldo Maranhão

“Nas Asas da Panair”

Praça do Projeto Ver-o-Rio

Hidroavião

39 Lilia Chaves “Mosqueiro” Pracinha do Hotel Farol

Hotel Farol

40 Jussara Derenji “Museu da UFPA” Museu da UFPA Museu da UFPA

Fonte: elaborado pelo autor.

4.1.3 - Principais atividades do projeto

Além da implantação em logradouros públicos dos marcos visuais, o

projeto de pesquisa e extensão Belém da Memória desenvolveu diversas

atividades no âmbito acadêmico e na comunidade em geral. A seguir relaciono

as mais relevantes:

Exposições

Principais mostras expositivas em espaços de institucionais abertos a

comunidade:

1999 - Galeria de Arte Graça Landeira - Universidade da Amazônia.

Page 72: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

71

2000 - Universidade de Brasília (UNB). Simpósio Internacional Brasil: 500 anos

de Descobrimentos Literários.

2003 - Galeria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

Belém-PA.

2005 - Museu de Arte de Belém - Palácio Antônio Lemos. Prefeitura Municipal de

Belém - FUMBEL.

2007 - Exposição da Casa da Linguagem, Fundação Curro Velho (FCV) -

Governo do Estado do Pará.

2009 - Museu de Arte Sacra - Governo do Estado do Pará.

2009 - Hilton Hotel Belém.

2010 - Boulevard Shopping Belém.

Edições

2001 - Asas da Palavra. V.6, n.12, jul. 2001 – Belém: Unama-PA, 2001

2001 - Álbum editado pela Unama contendo textos, imagens e as reproduções

em serigrafia das 17 placas da primeira etapa do projeto.

Atividades Acadêmicas

Aulas externas e percursos acadêmicos dos alunos de letras, turismo e

arquitetura pela cidade que utilizaram os marcos visuais do projeto como ponto

de referência para o debate acerca da literatura, da cidade e do patrimônio

histórico.

- Palestras, workshops, ciclos de debates, monografias e trabalhos de conclusão

de curso.

Page 73: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

72

4.2 - O PROJETO FUTURO

A Memória do Projeto registra o lançamento de 40 placas, além de todas

as exposições, produtos e atividades já relacionadas. Entretanto, tal como as

cidades que para manter vivo seu patrimônio cultural precisam continuamente

reinventá-lo, não pode, nem deve se acomodar.

Acredito que a coordenação do projeto esteja correta persistindo na

conservação dos marcos que já estão instalados bem como viabilizando outros

meios e produtos didáticos e midiáticos, enfim, novas vias de comunicação,

expressão e, porque não dizer, participação na comunidade.

Aqui proponho algumas alternativas:

1) Dado o sucesso das exposições do projeto, produzir uma mostra

itinerante, se possível interativa que poderia ser levada a circular em

escolas públicas e outras instituições. Nesta mostra, poderia ser

veiculado, além dos textos literários e imagens já existentes,

informações históricas sobre a cidade e os autores do projeto em

linguagem acessível acompanhada também, de palestras e debates,

nos quais os indivíduos da comunidade pudessem participar de forma

ativa expressando também suas leituras, críticas, aspirações e ideais

de cidade.

2) Veicular, sempre que possível, informações históricas e técnicas que

somadas às literárias proporcionem ao usuário do projeto uma

bagagem que possa contribuir para a sua própria leitura do espaço

urbano.

3) No intuito de estimular o envolvimento comunidade/BM, criar

estratégias para ouvir e registrar através de site, blog, debates,

palestras as críticas, dúvidas e opiniões do cidadão a respeito dos

temas centrais do BM: literatura, cidade e memória.

Page 74: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

73

4) Reunir e apresentar o acervo de informações, ao qual se soma parte

desta dissertação, adquiridas nestes anos do programa em um

merecido álbum, organizado pelo corpo acadêmico da Unama (o

primeiro álbum, além de sucinto, traz apenas uma pequena parte do

BM). Este álbum representaria o registro, a meu ver mais duradouro, da

Memória do projeto.

5) Reforçar, através de todo material didático-instrucional ou gráfico de

promoção já citado, a ideia de percurso. Investir na possibilidade de

transformar cada vez mais os marcos visuais em referências de um

caminho por Belém que, como um museu contextual cujo acervo seja a

paisagem urbana da cidade, tenha as placas como ponto de informação

e referência junto a instituições de ensino, associações de comércio,

taxistas, agências de turismo etc.

6) Criar produtos de divulgação e estratégias de marketing, dado o

sucesso dos produtos já circulados, camisetas, cerâmicas, azulejos

decorados, placas etc., que possam tornar o projeto auto-sustentável do

ponto de vista financeiro e ampliar sua divulgação na comunidade.

Page 75: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

74

V - UM PERCURSO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM

Page 76: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

75

V - UM PERCURSO SENSÍVEL PELA CIDADE DE BELÉM

Ilustração 13 - Mapa do Percurso Analisado.

Fonte: desenho do autor.

Page 77: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

76

Ilustração 14 – “Cabeça de Peixe”

Síntese gráfica do sítio urbano de Belém e do percurso analisado

Fonte: desenho pelo autor, 2012.

Page 78: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

77

5.1 - QUADROS SENSÍVEIS DE BELÉM

[...] Se dividirmos os retratos existentes de cidades em dois grupos,

conforme o lugar de nascimento do autor, percebemos que os escritos

por autóctones são minoria. O motivo superficial, o exótico, o pitoresco

só atrai os de fora. Para o autóctone obter a imagem de sua cidade, são

necessárias motivações diferentes, mais profundas. Motivações de

quem, em vez de viajar para longe, viaja para o passado. Sempre o

retrato urbano do autóctone terá afinidade com o livro de memórias, não

é à toa que o autor passou a infância neste lugar [...]. (BENJAMIN apud

BOLLE, 1994, p. 316).

Ler e narrar a cidade da infância é se perder e se achar. A cada momento

de recordação um signo evoca outro signo ou “[...] pede à palavra / outra palavra /

outra [...]” (MAX MARTINS24). A lembrança de um cheiro qualquer, faz estalar o

sabor, que ilumina a imagem congelada, que faz ressoar a canção, que remete

ao lugar, que instala num átimo o antigo sentimento, de um tempo distante, no

hoje e no agora. Conceitos, métodos e técnicas são importantes ferramentas de

análise, mas, se ilude quem despreza o gigantesco universo de possibilidades e

artimanhas da memória afetiva, individual e coletiva. Benjamin (apud

CANEVACCI, 1993, p. 15) exalta a importância de se “perder” em uma cidade

como forma de alcançar “novas possibilidades cognitivas”: “[...] Não saber se

orientar numa cidade não significa muito. Perder-se nela, porém, como a gente

se perde numa floresta é coisa que se deve aprender a fazer” (BENJAMIN apud

CANEVACCI, 1993, p. 13).

Perambulando pela cidade, ou pela memória da cidade, encontramos as

surpresas dos fatos passados que iluminam o presente e os antigos sonhos do

futuro nunca realizado. Prazeres, dores e silêncios. Embaralhamos e até

confundimos os caminhos da cidade com os nossos próprios caminhos. As

imagens que seguem, assim como a cidade - ela própria uma superposição de

camadas históricas - são uma montagem de perspectivas polifônicas, quadros

sensíveis que espero, em conjunto, formem um todo analítico e crítico, embora

expressivo e afetuoso.

24

http://www.culturapara.art.br/Literatura/maxmartins/obras1.htm. Acesso em: 13 fev. 2012.

Page 79: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

78

5.2 - CIDADE VELHA: a Senhora que conta histórias

A cidade é velha no ponto onde estão guardadas suas mais antigas

histórias? Ou a cidade fica velha quando as pessoas deixam de se comunicar

com ela?

As duas coisas. O sítio histórico de Belém, principalmente no que se refere

ao interior do bairro da Cidade Velha responde, física e socialmente, a estas

interrogações. Em Belém existem oficialmente a cidade velha e as cidades

novas, criadas no sentido da interiorização, abrigando, principalmente, uma

população expulsa pela especulação imobiliária do centro da cidade.

A Cidade Velha é esvaziada e idosa, com seus antigos moradores, cenário

que contrasta com a imensa população das cidades jovens e novas. As duas

cidades configuram a metáfora do desequilíbrio que se observa no respeito ou

desrespeito da sociedade com seus velhos e crianças.

Meu ponto de partida é o local da fundação da cidade de Belém em 1616.

A expedição enviada da cidade de São Luiz destinou-se a afastar a ameaça dos

estrangeiros e garantir a posse efetiva da região para a Coroa portuguesa. No

sítio denominado Feliz Luzitânia, em um ponto estrategicamente escolhido para

permitir a vigília dos invasores, foi erguido um forte de madeira, o Forte do

Presépio, em torno do qual surgiu a cidade de Santa Maria de Belém do Grão

Pará (PENTEADO, 1968).

Sangrentos conflitos entre índios e portugueses marcaram os três anos

seguintes à fundação de Belém. Em 1619, os portugueses empreenderam uma

guerra de extermínio dos Tupinambá, que habitavam a região, destruindo

aldeias, matando e capturando escravos25

.

É fundamental assinalar que:

[...] Na Amazônia pré-colombiana estima-se que havia mais de mil etnias

e línguas indígenas diferentes. É unânime entre os cientistas a

afirmação de que as margens do rio Amazonas tenham sido uma das

regiões mais populosas das Américas, com mais de um milhão de

habitantes. (MEIRELLES FILHO, 2006, p.107).

25

Esta guerra teria sido empreendida como reação a uma tentativa dos Tupinambá, de tomada do forte para expulsão dos invasores portugueses (FAUSTO, 2001, p. 44).

Page 80: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

79

Ao longo dos anos, as numerosas sociedades que habitavam as

imediações da, hoje, cidade de Belém foram dizimadas, seja por guerras de

extermínio, seja através da escravidão ou de doenças transmitidas pelos

europeus.

Na área, denominada por sua importância simbólica de “Cidade”, foram

fincadas as principais representações do poder colonial e religioso, o pelourinho

e a cruz, e se concentraram os principais espaços e monumentos onde se

encenavam relações sociais, econômicas e culturais - as igrejas, o forte, a casa

dos primeiros governantes e, ainda antes de 1625, o Ver-o-Peso, posto de trocas

comercias que marcava o limite do sítio urbano (DERENJI, 2009).

A paisagem do atual bairro da Cidade Velha exibe palácios, fortes, igrejas,

ruas, comércios e casarios (Ilustrações 15, 16, 17, 18 e 19) que vão compondo o

ajuntamento que hoje parece velado pelo tempo e o descaso. Em sua

configuração atual persiste o traçado urbano do século XVII. Sem arborização,

ruas e calçadas estreitas seguem um curso livre, orgânico, implantado à “mão

livre”. Ainda restam as badaladas dos sinos, os púlpitos de madeira, referências

de Landi, a graça de São Joãozinho (Ilustração 19), além de outros sinais de

uma época onde as largas paredes de pedra imortalizaram a mão de obra

escrava e indígena.

Na arquitetura ocorre uma somatória de elementos dos séculos XVIII, XIX

e XX (Ilustrações 20 e 21). O casario contracena com gigantescas igrejas e

palácios do século XVIII. Manifestos monumentais das mudanças significativas

ocorridas no período Pombalino. Época na qual as ideias iluministas tornaram-se

referência fundamental nas concepções da elite portuguesa conduzindo a

transformações na paisagem das cidades coloniais (CRUZ, 1973).

A partir de 1751, o governador e capitão geral do Maranhão e Grão Pará,

Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal comanda

o trabalho de técnicos, entre os quais o engenheiro João Geraldo Gronfelts e os

arquitetos Antônio Landi e Felipe Sturm que elaboram propostas urbanísticas e

arquitetônicas inovadoras para os padrões da época (DERENJI, 2009). Diversos

edifícios como palácios e igrejas, marcos físicos e simbólicos do poder, são

reformados ou construídos. Estas construções, monumentais para a época,

como as igrejas da Sé, do Carmo e das Mercês, erguidas dentro de padrões

neoclássicos vigentes em Portugal, ainda hoje nos surpreendem pelo contraste

de escala em relação ao seu entorno.

Page 81: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

80

Quanto à desigualdade em relação à produção e apropriação do

patrimônio cultural, Canclini (2008) observa;

[...] o predomínio numérico de antigos edifícios militares e religiosos em toda a América, enquanto a arquitetura popular se extinguia ou era substituída, em parte por sua precariedade, em parte porque não tinha recebido os mesmos cuidados em sua conservação. (p. 194).

A Cidade Velha é um bom exemplo para o conceito perceptivo de bairro de

Lynch (1980). Toda a área possui características comuns, identificadoras, além

daquelas já citadas de caráter morfológico, nota-se certa sombra, nostalgia ou

valor estético da decadência.

Neste espaço da cidade também se percebe a completa exclusão do

verde, característica apresentada desde o século XVII, materialização do temor e

da dificuldade de convivência com a natureza nos núcleos coloniais. O que

demonstra, talvez, uma relação de medo e aversão à própria floresta e seu povo.

Acompanhando uma tendência mundial de valorização e intervenções de

readequação e reutilização dos centros históricos, o cenário urbano que analiso

nesta pesquisa volta a atrair a atenção do poder público e privado. Percebe-se o

investimento dos órgãos governamentais na restauração de monumentos desta

área da cidade: Forte do Presépio, Projeto Feliz Lusitânia, Museu de Arte Sacra,

Igreja da Sé, Theatro da Paz etc.

Os esforços para revitalização deste espaço poderiam ser, portanto,

analisados pela perspectiva do debate entre modernidade e tradição no contexto

latino americano que elabora Néstor García Canclini. O estudioso argentino tece

considerações a respeito dos usos sociais do patrimônio cultural.

Canclini (2008) assinala que o patrimônio cultural:

[...] conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como

nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos

do passado com tal prestígio simbólico que não cabe discutí-lo. As

únicas operações possíveis – preservá-lo, restaurá-lo, difundi-lo – são a

base mais secreta da simulação social que nos mantém. (p. 60).

O patrimônio seria o “[...] lugar onde melhor sobrevive a ideologia de

setores oligárquicos [...] grupos hegemônicos na América Latina [...] donos

“naturais” da terra e da força de trabalho de outras classes” (CANCLINI, 2008, p.

160)

Page 82: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

81

Ele assinala, ainda, que uma política cultural conservadora costuma

celebrar a redundância. Reduz-se a administração do patrimônio existente e a

reiteração de interpretações estabelecidas.

Canclini (2008) analisa como repensar os usos sociais do patrimônio

cultural. Propõe o patrimônio não como um conjunto de bens estáveis, com

valores e sentidos fixados de uma vez para sempre. Sugere que é possível

introduzir mais liberdade e criatividade nas relações com o patrimônio. Sugere

sua reformulação levando em conta seus usos sociais, com uma visão mais

complexa de como a sociedade se apropria de sua história. Este debate é

fundamental não apenas para os

[...] especialistas do passado. Interessa aos funcionários e profissionais

ocupados em construir o presente, aos indígenas, camponeses,

migrantes e a todos os setores cuja identidade costuma ser afetada

pelos usos modernos da cultura. (p. 203).

Deveria interessar, portanto, aos moradores deste bairro e a toda cidade,

a discussão sobre como pode ser apropriado, de forma democrática, o

patrimônio cultural da cidade de Belém. Podemos indagar se as intervenções

urbanas no centro histórico não estão concentradas apenas pontualmente em

grandes monumentos. Se os novos usos destinados a estes equipamentos

podem ser usufruídos por todo o conjunto da população, em seus diversos

setores. Se as informações fornecidas pela observação da cidade, entendida

como museu a céu aberto, bem como os discursos materializados pelos

monumentos e museus, realmente, informam a população acerca das

contradições sociais e conflitos presentes na constituição e manutenção deste

patrimônio ou silenciam, conferindo pouca importância a aspectos como os

processos históricos que dizimaram ou modificaram as condições de vida das

populações indígenas.

Cabe ressaltar que a melhor maneira de preservar o patrimônio é mantê-lo

vivo, readequar seu uso às necessidades presentes.

Page 83: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

82

Ilustração 15 - Sobrado do Guaraná Soberano. Rua Siqueira Mendes.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 84: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

83

Ilustração 16 - Solar Barão do Guajará. Construção anterior a 1837.

Sede do Instituto Histórico e Geográfico do Pará

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 85: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

84

Ilustração 17- Palácio dos Governadores. Atual Museu Histórico do Pará.

A construção data de 1772.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 86: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

85

Ilustração 18 - Igreja do Carmo, vista pelo Porto do Sal. Ano de construção: 1766.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 87: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

86

Ilustração 19 - Igreja de São João. A construção primitiva data de 1622.

O prédio atual teve suas obras iniciadas em 1772 e concluídas em 1777.

O projeto é de Antônio Landi.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 88: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

87

Ilustração 20 – Fragmentos urbanos da Cidade Velha.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 89: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

88

Ilustração 21 - Fragmentos urbanos da Cidade Velha

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 90: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

89

5.2.1 Feliz Luzitânia

Foi para consolar suas futuras saudades de Belém que Manuel Bandeira

“inventou” este poema. Os versos transcritos a seguir expressam com carinho a

imagem ainda bem conservada do gracioso e lúdico jogo urbano, cujas peças

materiais e simbólicas, quase arquetípicas, são a praça, os sobrados, a igreja e o

forte da Feliz Luzitânia:

Belém do Pará26

- Manuel Bandeira

… BEMBELELÉM!

Viva Belém!

Cidade pomar

(Obrigou a polícia a classificar um tipo novo de

delinqüente:

o apedrejador de mangueiras)

...............................................

Bembelelém

Viva Belém

Nortista gostosa

Eu te quero bem.

...........................................

Me obrigarás a novas saudades

Nunca mais me esquecerei do teu Largo da Sé

Com a fé maciça das duas maravilhosas igrejas

barrocas

E o renque ajoelhado de sobradinhos coloniais

tão bonitinhos

Nunca mais me esquecerei

Das velas encarnadas/Verdes/Azuis

Da doca do Ver-o-Peso

Nunca mais

E foi pra me consolar mais tarde

Que inventei esta cantiga:

Bembelelém

Viva Belém!

Nortista gostosa

Eu te quero bem.

26

Disponível em:< http://poemasdebandeira.blogspot.com.br/2009/04/belem-do-para.html>. Acesso em: 14 fev. 2012.

Page 91: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

90

Ao longo dos séculos foi sendo formado o harmonioso conjunto

urbanístico de grande valor histórico e cultural que hoje conhecemos no entorno

do local de fundação da cidade de Belém, em 1616, a época um ponto de

referência para o domínio português na região. A área, conservada e revitalizada

por intervenções públicas recentes, é pontuada por importantes edificações

históricas que abrigam diversos museus e espaços de lazer e cultura27

.

O atual Forte do Presépio ocupa o mesmo local da paliçada erguida em

madeira no ano de 1616. Recentemente restaurado, permanece como um ponto

de visitação e observação privilegiado do rio, da floresta na margem oposta, do

movimento dos barcos, do Ver-o-Peso, da paisagem natural e histórica da

cidade.

No edifício de onze vãos, dispostos simetricamente, encontra-se hoje o

Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, de arte contemporânea. Construído

para uso residencial passa, a partir de 1768, por adaptações projetadas por

Landi para abrigar um Hospital Militar.

A igreja barroca de Santo Alexandre (Ilustração 22 e 23), mais imponente

monumento jesuíta da Região Norte do País, abriga atualmente o Museu de Arte

Sacra. Foi inaugurada em 1718 ou 1719, mas reformada e ampliada em 1749.

A Igreja da Sé (Ilustração 24) teve suas obras iniciadas na metade do séc.

XVIII, a partir de plantas enviadas de Lisboa. Foi parcialmente inaugurada em

1755 e finalizada em 1782. A obra contaria com a arte e o engenho de Antônio

Giuseppe Landi, arquiteto bolonhês que deixaria sua marca na paisagem urbana

de Belém setecentista registrada em inúmeros monumentos.

As duas igrejas, há quase três séculos dominam o Largo da Sé. Claro

testemunho do grande poder da cruz em outras épocas. O efeito de verticalidade

e variedade que as igrejas produzem é acentuado pela horizontalidade e

27

A área da Praça da Sé e algumas edificações de seu entorno foi objeto de recente intervenção urbana denominada Projeto Feliz Lusitânia, realizada pelo Governo do Estado do Pará de 1998 a 2002. Destaca-se a “[...] inauguração do Museu de Arte Sacra, em 1998, Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas, Jardim de Esculturas Feliz Lusitânia, Museu do Forte do Presépio, dentre outros, em 2002”. (NO ENTREMEIO DA CIDADE VISÍVEL E INVISÍVEL: NÚCLEO CULTURAL FELIZ LUSITÂNIA DE BELÉM DO PARÁ, ROSANGELA MARQUES DE BRITTO, ICA/UFPA. LUIZ CARLOS BORGES, MAST/PPGPMUS, 2010, 19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas “Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010 – Cachoeira – Bahia, p. 2794).

Page 92: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

91

uniformidade da praça, do horizonte e do casario ao redor. Se hoje

impressionam, posso imaginar o efeito desta visão nos homens do século XVIII.

Percebemos o claro contraste visual, no bairro da Cidade Velha, entre a

arquitetura civil colonial (residencial/comercial) e a arquitetura religiosa. O efeito

de verticalidade e heterogeneidade que as igrejas produzem é acentuado pelo

contraste com a horizontalidade e homogeneidade da praça, da linha do

horizonte e do casario ao redor. Em relação à cor aplica-se a categoria plástica

monocromático vs. colorido para representar a oposição entre as superfícies

‘caiadas’ monocromáticas das igrejas e a variada ‘paleta’ dos antigos sobrados.

Vistas na mesma perspectiva - uma quase ao lado da outra - a primeira

impressão do quadro é de duas formas brancas recortadas sobre o plano de

fundo azul celeste. Em seguida, a proximidade entre as igrejas me permite o

prazer da comparação, da percepção do claro contraste do “desenho” - do

barroco ao neoclássico - expressão plástica da “virada” de mentalidade no séc.

XVIII, e da passagem do tempo. Santo Alexandre possui volume robusto e

ornamentação da fachada com grandes figuras que parecem feitas ‘à mão-livre’,

losango e flor, repetidos de maneira intercalada e volutas ‘sem compasso’. Do

ponto de vista atual, apenas atual, Santo Alexandre, me transmite inocência.

Aprecio hoje, o que a manufatura da época, pouco treinada para este exercício,

nos oferece como exemplar de escultura barroca. Na Sé percebo simetria,

variedade, o traço do planejamento e os meios para realizá-lo com precisão.

Uma característica significativa dos conjuntos arquitetônicos, que os

diferenciam dos textos planares (como a pintura, a fotografia e o design gráfico) e

os aproximam das expressões escultóricas é a sua construção e experiência em

quatro dimensões. Um edifício é uma escultura escavada, penetrável, cuja

imagem se transforma, no tempo, a partir do caminhar ou do movimento do olhar

do observador. No centro geométrico do Largo da Sé, em um ‘giro’ de 360º, a

visão das partes me remete ao quebra cabeça, a colagem graciosa, quase lúdica

da cidade.

A base piramidal do forte, seu volume, suas linhas e quinas retas de

pedras fazem o contraste com as igrejas - quase confrontos - de forma, matéria,

cor, função e tempo entre o poder militar e religioso. Neste novo enquadramento

Page 93: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

92

a oposição entre poder religioso e poder militar é expressa pelos contrastes

formais, cromáticos e dos materiais construtivos entre o branco e o marrom, a

pedra e o cal, respectivamente.

Adentro pelas passarelas que transpõem o fosso onde os antigos canhões

apontam para os invasores da ‘boca’ do Amazonas28

.

28

A construção do forte que lhe confere o aspecto atual, foi erguida em 1878. Desde a Praça de Armas, no interior do Forte do Presépio, ao topo da muralha é possível observar a Baia do Guajará. Recente negociação entre o Exército (proprietário do monumento) e o Governo do Estado, permitiu que o forte fosse restaurado. Desde 2002 funciona, no local, o Museu do Encontro, com acervo de cerâmicas tapajônica e marajoara. O local também expõe peças históricas como armamentos, porcelanas e moedas (SOARES, 2009, 110).

Page 94: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

93

Ilustração 22 - Igreja jesuítica de Santo Alexandre.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 95: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

94

Ilustração 23 - Púlpito da Igreja de Santo Alexandre.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 96: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

95

Ilustração 24 - A Igreja da Sé, finalizada em 1782.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 97: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

96

5.3 - VER-O-PESO,

AS PARTES E O TODO

Sentindo o peso do tempo continuamos e vias estreitas do antigo sítio nos

conduzem a uma abertura. Abertura neste caso a diversos horizontes. O

espetáculo do Ver-o-Peso que, apesar do relógio29

(Ilustração 27), não tem hora

para começar ou terminar, nos revela a amplitude geográfica, a linha do

horizonte, a outra margem do rio, a visão da água, som, luz e ação humana.

Abertura também à alteridade, o encontro entre a cultura indígena, africana e

europeia. Negro, índio, ribeirinho (Ilustração 26) ou citadino são atores de

dinâmicas relações ali travadas.

O mercado de peixe (Ilustração 25), a feira livre, o comércio, o ir e vir de

barcos, ônibus, caminhões, carregadores e pedestres, além das rádios, auto-

falantes, placas, anúncios e a “locução” dos vendedores, são o ápice do

fantástico burburinho do sítio, do grande mercado cultural. A arquitetura é

graciosa, delicada, não mais do que os barcos e velas.

29

Ícone da cidade de Belém, este relógio foi fabricado, conforme inscrição em seu interior, pela firma J. W. Benson Ltd, Londres. Está instalado no topo de uma torre de ferro de 12 metros de altura construída pela firma escocesa Walter MacFarlane & Company. A torre, por sua vez, ocupa o centro da Praça Siqueira Campos, conhecida como Praça do Relógio, inaugurada em 1931 na administração do intendente Antonio Faciola (SOARES, 2009, p.126).

Page 98: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

97

A escala é monumental, menos pela arquitetura, mais pela natureza e sua

cultura. Neste ponto, a cidade está na Amazônia, somos gigantes ao mesmo

tempo e impotentes perante a natureza.

Como síntese é também ponto de convergência, ponto de articulação. A

noção de ponto nodal de Kevin Linch (1980): ponto estratégico de articulação

entre origens e destinos,se adéqua perfeitamente ao complexo do Ver-o-Peso.

Ali a dinâmica da comunicação “povo da cidade”, “povo do interior”, se revela

exuberante.

A hibridação cultural deste lugar que nos envolve sinestesicamente é

descrito no texto de Rachel de Queiroz:

Santa Maria de Belém do Grão Pará30

- Rachel de Queiroz

O nome mais belíssimo do mundo. Ah, chegar a Belém não é

chegar apenas: é voltar, é regressar. Chegar é matar saudades da

infância - dos dois anos mais importantes da minha infância. Rever as

mangueiras, rever as avenidas, as antigas casas onde morei. O

Cemitério da Soledade e, defronte, o Cemitério dos Ingleses, onde um

pastor barbadiano tocava órgão [...] Comer pupunha na rua. Ouvir o

doce sotaque de Belém que rivaliza com o carioca em serem os mais

bonitos do Brasil. Comprar fruta no Ver-o-Peso. Ir ao Bosque, comer

tacacá na cuia. Fazer provisão de cheiro-cheiroso [...]

Belém. A cidade não perdeu sua feição antiga apesar da

intromissão de alguns arranha-céus. Tem sobradões e azulejos que, se

não ganham dos da Bahia, rivalizam com os de São Luís, tão falados.

No Ver-o-Peso, o casario e a arquitetura de ferro europeia contracenam

com a geografia amazônica e com o patrimônio cultural de origem popular:

produtos, cheiros, tradições culinárias, hábitos, trocas culturais que já se

desenvolviam naquele sítio muito antes da instalação do Mercado de Ferro.

Segundo Canclini (2008, p 196): “[...] Os produtos gerados pelas classes

populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados

às necessidades presentes do grupo que os fabrica”.

30

Disponível em: <http://www.unama.br:8080/casaDaMemoria/projeto/lib/pdf/basilica.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2012.

Page 99: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

98

Podemos fazer aqui uma relação com os conceitos de Michael Pollak

sobre memórias subterrâneas. Trata-se de memórias que se opõem ao discurso

hegemônico da memória coletiva nacional e “[...] que prosseguem seu trabalho

de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível”, aflorando em

momentos de crise em “sobressaltos bruscos e exacerbados” quando a “memória

entra em disputa” (POLLAK, 1989, p. 3). Este embate se trava pela incorporação

destas memórias silenciadas. É o embate pela afirmação, sobretudo, de

identidades no interior de uma sociedade e nas relações de poder que permeiam

a sociedade humana.

Observa-se, portanto, que em Belém, não são as gigantescas igrejas,

marcos do poder religioso, ou o Theatro da Paz, ícone do luxo da Belle Époque

ou ainda intervenções contemporâneas que são percebidos e eleitos pelo

morador e pelo visitante como o principal símbolo da cidade. O Ver-o-Peso,

acredito, é o elemento com o qual a maior parte da população se identifica

afetivamente.

Page 100: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

99

Ilustração 25 - Mercado do Ver-o-Peso

Fonte: desenho do autor, 2010.

Page 101: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

100

Ilustração 26 - Palafita, habitação ribeirinha.

Fonte: desenho do autor, 2010.

Page 102: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

101

Ilustração 27 - Praça Siqueira Campos inaugurada 1931. Conhecida pelos belenenses

como Praça do Relógio.

Fonte: desenho do autor, 2010.

Page 103: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

102

5.3.1 - Mercado do homem e do peixe

Que encanto tem o Ver-o-Peso?

Seria o aspecto lúdico que teria guardado o encanto da infância naquelas

torres de ferro? Ou a tomada de consciência, na juventude, da fundamental

necessidade de forjar a identidade?

Como desenhador e arquiteto, a importância da observação das

perspectivas, do campo visual aberto, das contraposições de formas e cores, da

morfologia urbana, dos conceitos de planejamento, arte, educação, cultura e

ambiente.

Tudo, mas principalmente a beleza e o prazer de contemplar o Ver-o-Peso,

espaço urbano e natural, onde trocas humanas tão diversas são possíveis,

aparelhadas por sabores, cheiros, texturas, sons e imagens, que invadem o

transeunte cidadão como eu.

A distância observo a contracena do Mercado de Peixe, o primeiro plano, a

água, os barcos, o casario, a presença humana que invade e integra todos os

sentidos e a linha do horizonte que, distante e pacífica, costura toda a

inquietação e o prazer do “agora estar presente” no espetáculo.

O Mercado de Ferro, inaugurado em 1º de dezembro de 1901, com seu

perfil característico marcado por suas quatro torres em escamas de zinco

(Ilustração 28), é o marco visual do sítio, referência mais conhecida da cidade.

Construído pelos engenheiros Bento Miranda e Raimundo Viana na gestão do

intendente Antônio Lemos, possui estrutura metálica que foi importada dos

Estados Unidos. O dinamismo da transformação urbana instaurado durante o

chamado Ciclo da Borracha propicia a incorporação da arquitetura do ferro, de

rápida instalação no tecido urbano, na paisagem da cidade.

No Ver-o-Peso, trocas humanas são aparelhadas por sensações diversas

que envolvem e “invadem” os cidadãos.

Lúcia Teixeira (2009, p.51) escreve sobre a experiência da sinestesia,

fenômeno de associação e interação de impressões provenientes de diferentes

domínios sensoriais num mesmo sujeito: “[...] Ocorre num nível profundo, a

síntese de diferentes ordens sensoriais, que se embaralham, misturam e acabam

por produzir um efeito de imersão no objeto”.

Page 104: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

103

No interior do edifício, um novo texto se apresenta à ‘leitura’. Podemos

pensar na luta entre vida e morte para representar as relações ali cotidianamente

estabelecidas. As relações entre o ciclo da natureza, o homem, as trocas, a vida,

a fome, a pobreza e a morte aparecem de maneira primorosa na representação

verbal do espaço, no poema Ver-o-Peso31

, de Max Martins:

A canoa traz o homem

a canoa traz o peixe

a canoa tem um nome

no mercado deixa o peixe

no mercado encontra a fome

a balança pesa o peixe

a balança pesa o homem

a balança pesa a fome

a balança vende o homem

vende o peixe

vende a fome

vende e come

a fome vem de longe

nas canoas

ver o peso

come o peixe

o peixe come

o homem?

vende o nome

vende o peso

peso de ferro

homem de barro

pese o peixe

pese o homem

o peixe é preso

o homem está preso

presa da fome

ver o peixe

ver o homem

vera morte

vero peso.

31

Disponível em: <http://poesianasaladeleituravirtual.blogspot.com.br/2008/10/ver-o-peso-de-max-martins.html>. Acesso em: 20 abr. 2012.

Page 105: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

104

Como se percebe no poema, no Ver-o-Peso, o ritmo da natureza interfere,

de maneira significativa, na relação de forças entre as práticas humanas. Neste

quadro, síntese da cidade e da região, natureza e cultura se entrelaçam ao longo

dos séculos.

Page 106: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

105

Ilustração 28 - Torre do Mercado de Ferro, inaugurado em 1901.

Fonte: desenho do autor, 2010.

Page 107: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

106

5.3.2 - Mercado de carne, o espaço que se revela

Quem caminha desavisado pelo largo boulevard e passa pelo grande

prédio neoclássico de alvenaria de volume expressivo, mas de ornamentação

discreta, corre o risco, distraído pelo movimento do Comércio, com suas lojas,

camelôs, carros sons de não conhecer o senhor que o habita. Se estiver

previamente avisado de que precisa conhecê-lo ou, simplesmente, se o acaso

lhe presentear com uma vista despretensiosa que lhe permita observar um

pequeno detalhe Art Nouveau de sua estrutura de ferro certamente será atraído e

ficará surpreso e envolto em exuberante renda metálica.

Em 1867, um ‘novo’ mercado municipal foi construído na orla de Belém no

bairro da Campina, região que concentrava atividades portuárias e comerciais.

Originalmente erguido com apenas um pavimento, assim permaneceu até que no

dia 24 de março de 1905 foi construído seu segundo pavimento conforme as

pretensões do intendente Antônio Lemos. Esse observou que sua configuração

modesta não atendia mais às demandas de funcionamento e principalmente ao

desejo da época de conferir monumentalidade e nobreza aos edifícios da

administração municipal.

Em 1906, Antônio Lemos firma contrato com Francisco Bolonha, um dos

mais importantes construtores da época, para instalação de aparadores no pátio

central, confecção e concessão de exploração por 30 anos dos talhos do

mercado. Em 17 de dezembro de 1908 as novas instalações do mercado foram

inauguradas (DERENJI, 2011).

O mercado, então, ganha uma feição similar a que vemos atualmente com

a substituição, no pátio central, dos antigos barracões que abrigavam os talhos

de carnes por quatro pavilhões de ferro. Colunas em ferro fundido com capitel

coríntio, balcões em mármore, iluminação natural dos pavilhões com clarabóias

de vidro Cathedral, marquises de vidro que circundavam o pátio interno, leve

escada helicoidal (Ilustração 29) de acesso à antiga caixa d’água com delicado

rendilhado em ferro fundido, considerada no texto da edição do referido jornal

como um “mimo da arquitetura” (DERENJI, 2011, p. 115).

Page 108: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

107

A reforma de 1908 dotou o mercado das instalações e equipamentos mais

modernos, na época disponíveis, para o bom funcionamento de sua atividade

principal.

A utilização de estruturas de ferro, como já mencionado, segue uma

tendência observada na época em grande parte do Brasil. No caso específico de

nossa região, no auge da economia do látex, seu emprego expressava a

modernidade das obras da época como demonstra o trecho da edição do jornal A

Província do Pará do dia seguinte à inauguração do mercado:

[...] Após a assinatura do termo (de inauguração) o concessionário fez

servir aos presentes uma taça de champagne, tendo Sr. Intendente

Municipal de Belém, empunhando sua taça, proferido algumas palavras,

saudando o engenheiro Bolonha por todos estes melhoramentos com

que acabava de dotar nossa capital às quais agradeceu o Engenheiro

Francisco Bolonha, dizendo que se a alguém cabia essa glória, era

certamente a S. Exc. portanto só a ele deve Belém todos estes

melhoramentos que tornam competidora das mais famosas capitais do

mundo civilizado. (DERENJI, 2011, p. 109).

O material utilizado nos pavilhões de ferro do mercado era proveniente da

fábrica Walter Macfarlene de Glasgow, Escócia, produtora de grande variedade

de peças (Ilustração 30) que podiam ser escolhidas por catálogos disponíveis

aos interessados (DERENJI, 2011).

Passado mais de um século de sua inauguração, a umidade de nossa

região e a falta de manutenção subtraíram da estrutura original alguns elementos

como a claraboia de vidro substituída por telhas cerâmicas, as portas dos boxes,

as balanças na forma de cabeça de boi. Com o passar do tempo ampliou-se o

número de atividades comerciais no mercado (artesanato, polpa de frutas,

alimentação) e, ao mesmo tempo, diminuiu a comercialização de carnes

vermelhas em decorrência da concorrência com outros estabelecimentos como

supermercados e açougues. Recentemente, o mercado foi restaurado pelo

governo municipal com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) (DERENJI, 2011).

Integrante fundamental do conjunto do Ver-o-Peso, o mercado de carne de

ferro verde difere do mercado de peixe, também de ferro, mas azul-acinzentado,

marco visual que se destaca por sua silhueta externa. No Mercado Bolonha é a

Page 109: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

108

imagem de seu interior que prevalece e envolve o observador pela exuberância

da ornamentação Art Nouveau. A paisagem da cidade é mais rica se permite a

surpresa, se reúne e contrapõe a diversidade de vistas - dos espaços interiores

às grandes perspectivas externas. Na comparação entre as duas estruturas há a

oposição semântica exterior vs. interior fundamental para o campo das teorias e

práticas arquitetônicas. O Mercado Bolonha permanece impressionando os

visitantes que já o conhecem, ou que têm a chance de descobri-lo, tal como uma

joia sofisticada e exuberante na sóbria caixa que a abriga.

Page 110: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

109

Ilustração 29 - Mercado Municipal. Vista interna com destaque

para o desenho sinuoso da escada helicoidal de 1908.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 111: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

110

Ilustração 30 - Detalhe do Mercado Municipal. Estrutura interna com peças pré-

fabricadas em estilo art nouveau

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 112: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

111

5.4 - CAMPINA

Muita água corre na Baia do Guajará. A outra margem distante não limita o

horizonte. São as antigas edificações das Docas do Pará que fazem a barragem

visual. O Boulevard Castilhos França é um caminho ladeado pelos Galpões da

Companhia Docas do Pará e por antigos sobrados. A avenida corre em paralelo

à baía em outro eixo de expansão urbana no século XVII, o atual bairro da

Campina. Nesta área, a imagem urbana é estruturada desde estas épocas pela

atividade do comércio. Ali se desenvolveria o porto e, mais tarde, o comércio de

escravos.

Nesta via, podemos aplicar o conceito de limite de Kevin Lynch (1980):

elementos percebidos no encontro entre duas áreas distintas, gerando

interrupções lineares na continuidade. Um paredão formado por grades e

galpões de ferro não permitem ao transeunte a observação da Baía. Trata-se,

portanto de um limite impermeável.

Não seria possível passar por este caminho, um generoso boulevard,sem

notar o belo conjunto formado pelo Convento e Igreja das Mercês. Nesta igreja,

iniciada em 1748, de costas à baia e aberta para o antigo Largo das Mercês

(atual praça Visconde do Rio Branco), destaca-se a curvatura, pouco usual, de

seu corpo central

Acompanhando tendência mundial32

de revitalização e reutilização de áreas

portuárias, antigos galpões de ferro, implantados na segunda metade do século

XIX, desde o ano 2000 abrigam novas e diversas funções, especialmente no

setor de lazer e cultura33

. Este local, denominado Estação das Docas (Ilustração

31), constitui-se em um significativo polo turístico e de atração de outros

investimentos públicos e privados que contribuem, aos poucos, para reciclagem

de grandes sobrados à frente da área portuária.

32

Alguns exemplos significativos desta tendência: Puerto Madero (Buenos Aires); Portos de Singapura, Xangai, Hong Kong, Nova York e Lisboa entre outros. 33

A Estação das Docas foi Inaugurada no ano de 2000. Trata-se de um complexo turístico e cultural que congrega gastronomia, cultura, e eventos em 500 metros de orla fluvial do antigo porto de Belém. São 32 mil metros quadrados divididos em três armazéns e um terminal de passageiros. Disponível em: < www.estacaodasdocas.com.br >. Acesso em: 08 abr. 2010.

Page 113: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

112

Ilustração 31 - Passeio externo da Estação das Docas. Os guindastes externos

foram fabricados nos Estados Unidos, no começo do século 20.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 114: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

113

5.4.1 - Boulevard Castilhos França: onde se queimam os fogos

A via é um boulevard, de um lado os Mercedários34

e inúmeros altos

sobrados portugueses, do outro, galpões, com estrutura de ferro importada da

Europa. Antigo porto da cidade, às margens do gigantesco volume d’água da

Baia do Guajará. É neste trecho do Boulevard Castilho França, entre a feira do

Ver-o-Peso e a “subida” da Presidente Vargas, que os estivadores fazem sua

manifestação anual à Virgem de Nazaré, em emocionante e volumosa queima de

fogos, que marca uma das mais expressivas tradições cirianas.

Neste espaço, colagem de expressões humanas, históricas, culturais e

simbólicas vislumbra-se um movimento de interesse público e privado no que se

refere à readequação de usos e funções do espaço urbano.

Parece que seria impensável, neste trecho, usurpar a população de sua

identidade. Os fogueteiros poderiam, com a proteção da “Santa Mãe”, continuar

prestando suas homenagens à Virgem que, em seu percurso, guarda a nós e a

nossa cultura.

34

Igreja e convento das Mercês – Esta igreja que teve sua construção iniciada em 1748 é marcada pela curvatura, pouco comum nas igrejas de Belém, do corpo central de sua fachada. Possui púlpitos e retábulo atribuídos a Landi. O conjunto localiza-se no bairro da Campina, na Praça Visconde do Rio Branco, antigo Largo das Mercês.

Page 115: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

114

5.4.2 - Paris n’América

As cidades também são feitas de choques e contrastes; sociais, culturais

espaciais e temporais. A torre imponente35

em uma esquina da rua Santo Antônio

com um relógio que se eleva acima dos painéis publicitários (Ilustração 32) pode

passar despercebida pelo transeunte tal o ‘ruído’ desta via comercial do centro

de Belém, tanto visual, gerado pelo caráter impositivo, quase autoritário das

propagandas que cobrem totalmente belas fachadas decadentes e se projetam

sobre o passeio público, quanto sonoro, tamanha a quantidade de “locutores”

que anunciam suas promoções na calçada. O espaço público é o espaço de

ninguém, cada um se aproveita do que pode. A crítica de Benjamin, expressa no

fragmento a seguir, é extremamente atual e aplicável ao cenário da João Alfredo:

[...] O olhar essencial de hoje, o olhar mercantil que penetra no coração

das coisas, chama-se publicidade. Ela desmantela o espaço da

contemplação desinteressada confrontando-nos perigosamente com as

coisas, assim como, na tela de cinema, um automóvel, agigantando-se,

avança vibrando por cima de nós [...] – O que é que, em última instância

torna a publicidade tão superior à crítica? Não é o que diz o luminoso

vermelho – é a poça sobre o asfalto que o espelha, como uma garganta

de fogo. (BENJAMIN apud BOLLE, 1994, p 274).

Ao entrar no edifício, entretanto, o transeunte, livre da poluição externa,

recebe um choque. A escadaria sinuosa monumental em ferro fundido manifesta

o que foi esta loja e este centro comercial em outra época. Em contraste

demonstra a transformação, a mudança e a decadência. Ao mesmo tempo em

que nos revela a memória de uma época que não vivemos; distingue, ilumina de

maneira clara o estado de degradação do espaço urbano e nos mostra com

nitidez a intensidade e a velocidade das transformações culturais. A seguir se lê

um texto de Benedito Nunes (2006) que muito bem ilustra esse fato:

35

A loja Paris n’América foi construída entre os anos de 1906 e 1909. A arquitetura do edifício reproduz claramente a estética e a tipologia das grandes lojas francesas de departamentos. Quase todos os revestimentos e elementos decorativos da casa comercial são importados da Europa (DERENJI, 2009).

Page 116: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

115

[...] No seu antigo contorno, quase que inteiramente desaparecido, antes

ladeada pelo Bon Marché, ainda sobrevive, numa esquina da Santo

Antônio, rua do tradicional bairro comercial, decadente em sua atividade

e descaracterizado arquitetonicamente, a outrora casa de roupas e da

moda europeia, Paris n’América. A loja importava tecidos finos, mas

também importou de lá de onde a moda vinha, a cantaria de pedra de

suas paredes, o relógio, que ainda não deixou de badalar as horas, no

seu topo de ardósia e monumental escadaria em ferro fundido, cujos

degraus e corrimãos, lançados em duas sinuosas curvas, se encontram

à altura de um mezanino. (p. 30).

Page 117: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

116

Ilustração 32 - Loja Paris n’América.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 118: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

117

5.5 - PRESIDENTE VARGAS: o patamar da modernidade

Talvez seja o desnível mais visível do centro da cidade. “A subida da

Presidente Vargas” e o rebuscado e eclético prédio da Companhia Docas do

Pará (CDP) são marcos de uma mudança significativa na imagem visual. Será a

metrópole do Norte que se descortina, traçada em uma larga avenida já

arborizada com as simbólicas mangueiras?

Ao longo da avenida Presidente Vargas, percebemos a predominância da

arquitetura modernista que chegaria a Belém nas décadas de 50 e 60. Nos altos

edifícios públicos e privados, os materiais construtivos do século XX: concreto,

aço e vidro (Ilustrações 33, 34, 35 e 36). São manifestos não mais do poder

religioso, ou militar, são a materialidade do poder econômico dos bancos,

escritórios, hotéis e grandes lojas que comunicam um novo momento

socioeconômico.

Camelôs e carros sons animam também o corso das oportunidades,

usando e abusando da via que, inerte, se submete à violência urbana. Famosas

também são suas transversais, que alimentam o dia e a noite. Programa dos

sexos, que negociando, se procuram e se acham. Das balaustradas da subida da

Presidente Vargas até o marco “moderníssimo” do Edifício Manuel Pinto da Silva

(Ilustração 36) vive-se a cidade grande com todos os encantos e mazelas.

O texto de Canclini (2008) demonstra o quanto o cenário da Praça da

República/ Presidente Vargas é representativo da modernidade latinoamericana:

[...] Como estudar os ardis com que a cidade tenta conciliar tudo que

chega e prolifera e com que tenta conter a desordem: a barganha do

provinciano com o transnacional, os engarrafamentos de carros diante

das manifestações de protesto, a expansão de consumo junto às

demandas de desempregados, os duelos entre mercadorias e

comportamentos vindos de todas as partes? (p.20).

Page 119: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

118

Ilustração 33 - Passagem da procissão do Círio de Nazaré pela Avenida

Presidente Vargas

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 120: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

119

Ilustração 34 - Arquitetura da Avenida Presidente Vargas

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 121: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

120

Ilustração 35 - Torre da av. Presidente Vargas. Prédio dos Correios de 1940.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 122: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

121

Ilustração 36 - Edifício Manuel Pinto da Silva, inaugurado em 1958.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 123: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

122

5.5.1 - Praça da República: “idade do ouro”, ascensão e queda do ciclo da

borracha

O parêntese no tempo se dá no “Largo da Pólvora'”36

ou Praça da

República/Theatro da Paz. Ali o túnel de mangueiras, a sombra, o vento e a

diversidade humana são a primeira cena do sítio. A calçada limita a borda do

palco, espetáculo do tempo. O espigão do grande edifício Manoel Pinto da Silva,

marco da arquitetura moderna é partner da dança de coretos, lagos, jardins e

esculturas que fazem o passo redondilho do Teatro da Paz. Este é o monumento

mais significativo do período de grande impulso econômico, gerado pela

escalada dos preços da borracha no mercado internacional a partir da segunda

metade do século XIX.

Em carta ao pai, em 1904, Euclides da Cunha não esconde a surpresa em

relação ao que ele encontrou em Belém. A narrativa a seguir, cunhada no auge

da economia do látex, nos transporta ao tempo e ao lugar de sua escritura:

Surpresa37

- Euclides da Cunha

Manaus, 30/12/1904

Meu Pai,

...em todos os pontos onde saltei fui gentilmente recebido graças à

influência de seu grande neto Os Sertões. Realmente nunca imaginei

que ele fosse tão longe. No Pará, tive uma lancha especial oferecida

pelo senador Lemos e alguns rapazes de talento. Passei ali algumas

horas inolvidáveis e nunca esquecerei a surpresa que me causou aquela

cidade. Nunca S. Paulo e Rio terão as suas avenidas monumentais

largas de 40 metros e sombreadas de filas sucessivas de árvores

enormes. Não se imagina, no resto do Brasil, o que é a cidade de

Belém, com seus edifícios desmesurados, as suas praças

incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus, cavalheira e

36

Largo da Pólvora é uma das antigas denominações do espaço atualmente ocupado pela Praça da República, no centro de Belém. No local, existiu um paiol de pólvora que lhe nominou durante muitos anos. A Praça da República é composta por três ilhas verdes separadas pelas vias do seu perímetro. A praça reúne uma série de edificações e monumentos históricos com efetivo uso pela população, como: o Theatro da Paz, o Bar do Parque, o Teatro Waldemar Henrique, o Núcleo de Artes da Universidade Federal do Pará, o Pavilhão de Música Santa Helena Magno, o Pavilhão de Música Euterpe, um anfiteatro a céu aberto, o monumento à República e o Chafariz das Sereias com esculturas em ferro fundido de sereias em estilo art nouveau. (SOARES, 2009) 37

Disponível em:<http://www.unama.br:8080/casaDaMemoria/projeto/lib/pdf/cadedral_da_se.pdf>. Acesso em: 12 maio 2012.

Page 124: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

123

generosa. Foi a maior surpresa de toda a viagem. Na volta hei de

demorar-me ali alguns dias (...)

Muitos e muitos abraços a todos.

Receba saudades do filho e amigo,

Euclides

Esta época, como já foi dito, deixou sinais perceptíveis na estrutura da

cidade e em sua arquitetura. A burguesia emergente utiliza a arte e a arquitetura

como manifestos aparentes da promoção social (BASSALO, 1984). Residências

elegantes, símbolos de luxo, sofisticação e modernidade como os Palacetes

Pinho, Montenegro, Bolonha e Passarinho, lojas, livrarias, cafés, restaurantes e

hotéis são construídos a partir de projetos, muitas vezes inspirados em revistas

europeias. Edifícios públicos monumentais são erguidos pela administração

como a nova sede do poder municipal, conhecido como Palacete Azul.

Pela necessidade da rápida transformação do espaço da cidade, a

arquitetura do ferro, cujo processo de montagem diminui o tempo de instalação

no tecido urbano, é incorporada ao cenário daquela que é hoje considerada pelos

especialistas a cidade brasileira que mais conservou as estruturas metálicas

importadas da Europa e dos Estados Unidos.

Nas administrações estadual de Augusto Montenegro (1900 a 1908) e

municipal de Antônio Lemos (1897 a 1912) desenvolve-se uma progressiva

imposição de demolições das construções de palha e barro da área central para

a abertura de vias largas, arborizadas com mangueiras, avenidas, boulevards,

parques e praças.

Evidente exposição de valores eurocêntricos, a importação do gosto

burguês europeu para a Amazônia da borracha caiu no artificial e aparente, pois

não havia correspondência direta e clara entre a estrutura social da região e as

representações estéticas geradas pelo mundo da Europa industrializada. A fase

de euforia econômica deixaria resultados pouco consistentes e duradouros para

o desenvolvimento local (BASSALO, 1984).

Shohat e Stam (2006) demonstram que, ainda hoje,

[...] o eurocentrismo forma uma corrente da qual poucos se dão conta,

um tipo de mau hábito epistêmico presente tanto na produção cultural

Page 125: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

124

dos meios de comunicação quanto na reflexão intelectual sobre essa

cultura. (p.33).

Ainda hoje, a avenida e a Praça da República configuram-se como palco

dos grandes eventos públicos, via/tambor dos apelos e manifestações da

sociedade. Aos domingos, a multidão toma a praça em uma grande feira.

Observa-se a invasão dos produtos chineses, CDs piratas etc. Efeitos visíveis da

globalização, eles chegam a dividir em duas partes o calçadão da praça com as

manufaturas populares. É a mixagem do momento? Canclini (2008) também se

posiciona acerca destes fenômenos:

[...] Como discernir, em meio aos cruzamentos que misturam o

patrimônio histórico com a simbologia gerada pelas novas tecnologias

comunicacionais, o que é típico de uma sociedade, o que uma política

cultural deve favorecer? (p. 197).

Page 126: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

125

Ilustração 37 - Bar do Parque. Ponto da Boemia. Quiosque da Praça da República

situado ao lado Theatro da Paz atribuído ao arquiteto Francisco Bolonha.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 127: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

126

Ilustração 38 - Pavilhão de Música Santa Helena Magno. Praça da República

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 128: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

127

Ilustração 39 - Chafariz das Sereias com

esculturas em ferro fundido em estilo art nouveau.

Fonte: desenho do autor, 2011.

Page 129: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

128

5.5.2 - Theatro da Paz

Joia valiosa e guardada. Esta analogia é evocada pela lembrança deste

monumento arquitetônico. Símbolo de fausto período, exibe a sofisticação de

materiais importados da Europa mas foi erguido aqui, com o esforço da mão de obra

local e requer permanente manutenção. Vive encastoado tendo historicamente

acesso pouco democrático.

Monumento característico do período posteriormente conhecido como “Era da

Borracha”. Palco de grandes temporadas líricas europeias e nacionais, está entre os

mais importantes e tradicionais teatros do Brasil.

O projeto de linhas neoclássicas é de autoria de Tibúrcio Pereira Magalhães.

Inaugurado em 1878, foi inicialmente denominado Theatro Nossa Senhora da Paz

(Ilustração 40).

Sua configuração acompanha as tendências europeias da época. A forma de

ferradura é inspirada no Scala de Milão. A ornamentação luxuosa e sofisticada, que

hoje observamos, é resultado de várias intervenções que moldariam seu interior e

exterior aos padrões da Belle Époque, dotando-o de luxo e requinte. A mais

significativa reforma ocorreria em 1904 durante o governo de Augusto Montenegro.

As influências francesas e o estilo art nouveau são expressivamente adotados. Na

fachada, a fileira de sete colunas é substituída por uma galeria recuada de seis

colunas. São adicionados cinco nichos com bustos representativos da Música,

Poesia, Comédia e Tragédia, além do escudo de armas do Estado no medalhão

central.

No interior do teatro, a sala de espetáculos (Ilustração 41), de excelente

acústica, comporta 1100 lugares. No teto observa-se a representação dos deuses

Apolo e Diana em cenário amazônico, exuberante painel de Domenico de Angelis. O

mobiliário das frisas, camarotes, plateia e varanda é requintado, a Iluminação

suntuosa, o pano de boca, fabricado em Paris, exibe uma alegoria à República.

A casa de espetáculos mantém sua atividade original. Para nossa sorte, a

temporada ainda está aberta ao público.

Page 130: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

129

Ilustração 40 - Vista da Praça da República

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 131: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

130

Ilustração 41 - Interior do Theatro da Paz

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 132: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

131

5.5.3 - Teatro Waldemar Henrique

Experimental, de arena, praticamente no nível do terreno, este espaço é

querido pela categoria dos artistas de teatro.

A fachada principal do prédio (Ilustração 42) apresenta estilo eclético,

decoração art nouveau e seu interior é marcado pelo mezanino de madeira. A

edificação construída no início do século XX já abrigou outras funções, o

espetáculo do teatro só “arrebatou” o edifício em 1979, bravo! As adaptações do

interior foram realizadas com o objetivo de criar um espaço alternativo e

inovador.

Sua escala humana facilita o contato, a interação entre ator e público.

Talvez seja o seu grande charme.

Ilustração 42 - Fachada do Teatro Waldemar Henrique

na av. Presidente Vargas, Praça da República.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 133: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

132

5.5.4 - Grande Hotel, a saudade do que não vivi

Os Quintais38

- Age de Carvalho

...Carrego no corpo a medula da árvore

- bicho de frutos. Batizo a cidade:

Santa Maria de Belém do Grão-Pará.

eu te esquecerei na Praça da República,

longe do Forte e dos canhões,

sem teus ingleses dos alfarrábios da Biblioteca Pública,

perto dos Correios e do funcionário,

na esquina da Riachuelo,

na 1.º de Março,

na zona.

...........................................................

Vagarei pela inexistência da cidade,

por sobre os telhados

(nunca mais pelos da Palmeira,

que recendiam a pão,

e hoje resistem noutra tarde) da cidade,

sobre a vida que transpira na pele da idade

dos meus 20 anos

de poeta,

de aprendiz de arquiteto,

menino de sonho

e ossos no universo de um quintal do Norte.

Nesse poema, Age de Carvalho “vaga” pela “inexistência da cidade” entre

a memória e o esquecimento.

Assim como a Fábrica da Palmeira, lembrada nos versos do

poeta/aprendiz de arquiteto, a perda do Grande Hotel é, também, bastante

destacada entre os bens arquitetônicos suprimidos da paisagem de Belém. É um

desses lugares, citados neste trabalho, que não conheci. No entanto, após ouvir

tantos relatos, chego a sentir sua falta. Na impossibilidade de oferecer a

representação da minha memória presencial, trago aqui a descrição da

configuração física, inicialmente, do Hotel, feita por Benedito Nunes (2006):

38

Disponível em:<http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/para/age_de_carvalho.html>. Acesso em:

Page 134: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

133

[...] Imagine-se, agora, na rua do lado ocidental do Teatro da Paz, no

mesmo Largo da Pólvora (Praça da República), um edifício de quatro

andares, o piso inferior abrindo-se em portas envidraçadas, os balcões

das janelas superiores em ornamentação clássica, culminando em

ambos os lados de um frontão central, em mansardas semelhantes as

da Rue de Rivoli, em Paris, ponham-se-lhe, em sua calçada fronteira,

com as respectivas cadeiras portáteis, mais de uma dezena de

mesinhas de tampo circular de pedra, cada qual cercado por um aro

protetor de metal amarelo, e teremos o Grande Hotel e sua terrasse,

quarto ícone urbano, construído no fim do século, e que, ainda sólido e

em condições de funcionamento, na mesma década de 1970, quando o

arraial de Nazaré acabou, a especulação imobiliária suprimiu de nossa

paisagem urbana. (p. 30).

Na sequência do mesmo trabalho, Nunes (2006) descreve um pouco das

personagens e da cena urbana vivida neste espaço na primeira metade do

século XX.

[...] Na larga terrasse do Grande Hotel, calçada apetrechada de

mesinhas, ponto mundano de reunião de burgueses, barões da

borracha, fazendeiros, jornalistas, políticos e intelectuais,

desembocavam também, os frequentadores dos diversos teatros em

funcionamento no largo da Pólvora, como o Politeama e o Pálace, e das

vesperais e saraus do cinema Olympia, que se instalara ao lado em

1912. Aí onde Mário de Andrade, em 1927, tomaria sorvetes no calor do

final da tartde, passava o eixo urbano de maior movimentação da vida

intelectual e artística, começando pelo Theatro da Paz e terminado no

Largo de Nazaré.

No perímetro do Grande Hotel, antes mesmo que surgissem o edifício e

sua terrasse, era tal a concentração de casas de espetáculos e

diversões (teatros-revista, cafés-concerto, vaudevilles) que a crônica

jornalística da época apelidou, orgulhosamente, o Largo da Pólvora,

com o seu Olympia, de Montmartre paraense. (p. 33).

Como se sabe o Grande Hotel foi ‘apagado’ do espaço da cidade e

exatamente em seu lugar foi erguido um novo edifício para o desempenho da

mesma atividade econômica. O déficit (incluindo o estético) de capital cultural,

resultado da troca, quando comparamos as imagens do Grande Hotel e do edifício

atual é evidente (Ilustração 43). Observando inúmeros exemplos de edificações

históricas restauradas e adaptadas para usos atuais, podemos apenas lamentar esta

perda e imaginar como este edifício poderia ainda, abrigar atividades que

trouxessem retorno econômico, permanecendo como mais uma interessante peça

da coleção urbana do cidadão de Belém.

Page 135: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

134

Ilustração 43 - 1 e 2: Prédio do Banco da Amazônia

e detalhe do Hilton Hotel. 3: Grande Hotel

Fonte: José Fernandes. Projeto Belém da Memória, 1999.

Page 136: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

135

5.5.5 - Túnel de Mangueiras

Na metrópole, os túneis ainda não são de concreto, são verdes,

generosos, naturais (Ilustrações 44 e 45). As mangueiras são quase entidades

nesta cidade de Belém do Grão Pará. Entidade estrangeira que veio para se fixar

definitivamente na localidade39

.

Pouco importa, apesar do susto e dor, que possa um fruto despencar em

nossa cabeça, para-brisas de carros estilhaçados, bueiros entupidos que, por

descaso, criam transtornos ou, até mesmo, a queda de árvores no período mais

intenso da chuva. Nada supera a beleza das “guirlandas”, do “passe-partout”

verde que emoldura e alimenta a cidade. E a sombra protetora que faz o andar

do transeunte ser bêbado a persegui-la.

Não existe quem, que por alguma necessidade não tenha pedido o seu

abrigo. Na chuva, no sol ou pela pura delícia da contemplação ela é majestosa

pela sua forma, cor e textura, mas é graciosa quando tilintam as cigarras ao

entardecer ou deixa passar gotículas de raios de luz que vazam por sua copa.

Tão expressiva que dá nome ou codinome a Belém, “Cidade das

Mangueiras”. A seguir, o escritor Ignácio de Loyola Brandão nos presenteia com

sua leitura dos túneis das mangueiras e da influência das “garras da natureza”

sobre o homem da Belém:

Crônica quase concreta40

- Ignácio de Loyola Brandão

... Estávamos em Belém para uma série de palestras na Amazônia.

Como turistas aprendizes. Bebíamos a liquidez da cidade, absorvíamos

a sua lubricidade solar. Lugar avassalador, imponente, estranho,

sedutor, quente, incoerente [...] O que importa quando se caminha

empapado de suor, envolvido por odores rascantes, atraídos por

nomes? Andando entre túneis de mangueiras, sendo algumas velhas e

carcomidas, não sabemos quanto tempo ainda resistirão.

Entrar em Belém é um mistério. É o se deixar penetrar, aderir ou não,

participar. O princípio é sufocante, nos falta o ar, o mal estar é orgânico,

39

A impressão de um verdadeiro “túnel” formado pelas copas de frondosas mangueiras que ladeiam as avenidas do centro da cidade, um dos traços característicos de Belém, é um legado das ações de arborização e paisagismo, desenvolvidas durante a gestão municipal do intendente Antônio Lemos (1897 a 1912), período que corresponde ao auge da economia da borracha. 40

Disponível em: <http://www.unama.br:8080/casaDaMemoria/projeto/lib/pdf/tunel.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2012.

Page 137: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

136

combatido por um fascínio que acaba vencendo [...] E se nas grandes

cidades nos sentimos esmagados pelos arranha-céus, nesta aqui

percebemos a garra da natureza, o seu domínio que não é somente

físico mas sobrenatural. Natureza que influencia as pessoas, determina

atitudes, meio de vida, comportamento, loucuras e genialidades [...]

porque Belém convida a se abandonar: nenhum limite ao sonho, convite

permanente à invenção [...]

Santa Maria de Belém do Grão Pará. Local de todos os mitos, onde as

lendas se encontram, as histórias se cruzam...

Ilustração 44 - Túnel de mangueiras. Largo da Pólvora/Praça da República.

A Praça da República foi o principal cenário da Belle Époque

Fonte: desenho do autor. Projeto Belém da Memória, 2000.

Page 138: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

137

Ilustração 45 - Túnel de mangueiras do calçadão

da Praça da República. Feira de domingo

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 139: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

138

5.6 - AVENIDA NAZARÉ / IGREJA DE NAZARÉ

O edifício Manuel Pinto da Silva é o marco visual que reorienta o percurso

que segue pela Avenida Nazaré. E é neste ponto de confluência que acontece

um grande desafio de acotovelamentos, durante a passagem da procissão do

Círio de Nazaré. Nesta “quebra” ou articulação da “espinha dorsal”, há uma

parada obrigatória e imagens de celebração e fé, quando, do alto do edifício

branco41

despencam chuvas de papel branco picado como luzes do céu. A

Virgem então, entre túneis de mangueira, segue majestosa pela avenida Nazaré.

A antiga estrada que conduzia ao que era o subúrbio da cidade nos

séculos XVIII e XIX, hoje, é absolutamente central. Grandes residências,

expressão do status de famílias mais abastadas, foram sendo substituídas por

condomínios por toda cidade. Belém experimenta um período de intensa e

repentina verticalização. O casario da Avenida Nazaré sofre mutações e

mutilações. Empresas, escritórios, aos poucos, ocupam a via (Ilustração 46).

A aristocrata família já não enfeita mais seus parapeitos no dia do Círio. O

hábito europeu, usado para reverenciar a passagem da Santa, não é mais

possível.

O fluxo dos anos é sentido no percurso pela via/medula da cidade. O túnel

de mangueiras é também “túnel do tempo”. A vista das transformações na

avenida que confronta repetidos flashs com a justaposição de arranha-céus ao

lado de “casarões da borracha” que sobreviveram na avenida expressa parte das

transformações da urbe. No ponto de chegada de nosso percurso temos a

imagem do conjunto de torres que competem em altura por trás do terreno do

arraial ao lado da Igreja de Nazaré.

O poema de Milton Hatoum transcrito a seguir, descreve o medo da

dissipação das imagens, cheiros e sons de uma memória afetiva, ao mesmo

tempo coletiva e individual, pelas transformações presentes e futuras. Ao tempo

do agora, em que se processam velozes mudanças movidas pela ganância, o

poeta contrapõe um tempo bíblico, mítico, que o próprio nome da cidade evoca.

41

Edifício Manuel Pinto da Silva.

Page 140: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

139

A imagem atual da antiga Estrada de Nazareth poderia expressar o receio e a

esperança do autor:

Belém é Bíblica?42

- Milton Hatoum

Alguém que passou por aqui

Sentiu o calmo andamento do Tempo

E vislumbrou a paisagem do que restou

Do paraíso da infância

Em alguma noite distante

Serei esse passeante

que sonhará contigo.

O tumulto e a ganância do futuro

Vão dissipar teus cheiros misturados

Da Orion das flores do Oceano?

Apagar o riso das moças

vestidas para o olhar?

Teus bosques tuas praças

telhas e igrejas?

Tua altiva belle époque

Ou bela simplesmente?

Tem o inferno do futuro

Que já se insinua no presente

Será a eterna cidade do Círio?

Belém é bíblica?

Assim espero.

42

Texto, até então inédito, produzido pelo autor amazonense para o projeto Belém da Memória.

Page 141: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

140

Ilustração 46 - Paisagem da avenida Nazaré:

antigos casarões ao lado de condomínios verticais

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 142: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

141

5.6.1 - Palacete Bolonha

Exemplo singular da arquitetura residencial da Belle Époque, período no

qual a burguesia emergente utiliza a arte e a arquitetura como manifestos de

promoção social. Os Palacetes Bolonha (Ilustração 47), Pinho, Montenegro, Bibi

Costa, Bolonha e Passarinho entre outros, chamados “Palacetes da Borracha”,

são referências do período. Símbolos de luxo, sofisticação e modernidade.

Residência particular do engenheiro Francisco Bolonha, o palacete,

construído em 1915, expressa o ecletismo, tendência arquitetônica europeia do

séc. XIX e início do séc. XX adotada pela elite de Belém da época.

Em sua abundante decoração convivem azulejos art nouveau, relevos com

temáticas greco-romanas, ardósia importada da Europa, lâminas de cristal nas

janelas, reproduções de mosaicos de Pompeia, mármores, ferro fundido,

materiais que, por vezes, trazem gravadas as iniciais do proprietário.

Admirador de Eiffel, Bolonha viaja com certa frequência à Europa e, como

projetista e construtor bastante atuante, reproduz em construções públicas e

particulares os padrões estéticos europeus do período. (BASSALO, 2008)

Observa-se, também, como marcas características do palacete, a

assimetria, a presença das torres e a acentuada verticalização - ‘castelo rendado’

- que surge inusitadamente na Avenida Governador José Malcher.

Page 143: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

142

Ilustração 47 - Palacete Bolonha (1915) na avenida

Governador José Malcher, bairro de Nazaré.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 144: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

143

5.6.2 - Casarões, bangalôs e exemplares modernistas

Desde a segunda metade do século XIX até o início do século XX,

imponentes sobrados e palacetes residenciais surgem nas ruas e travessas da

cidade. Os modelos estéticos europeus são adotados e a ornamentação eclética

que satisfaz o desejo de luxo e sofisticação da elite da época aparece nas

fachadas de construções de tipologias neoclássicas.

Estas edificações possuíam, em geral, dois pavimentos, porão alto e

alpendre lateral, marcação da fachada pelo ritmo de cheios e vazios, esquadrias

em acapu, ornamentos em frisos em semicírculos e molduras em caneluras,

guarda-corpos da fachada em balaústres, assoalho de madeira em acapu e pau-

amarelo. Ao longo da av. Nazaré, dividindo o espaço com grandes edifícios ainda

restam exemplares desta tipologia arquitetônica (Ilustração 48).

Um salto no tempo e ainda restam os grandes bangalôs, volumes que se

assemelham aos chalés com grandes telhados e ornamentos art nouveau e art

deco como o Palacete Passarinho43

(Ilustração 49).

Entretanto um grande contraste se dá na comparação com monumentos

como sede social do Clube do Remo44

(Ilustração 51) com risco modernista

abusado.

Mas recentemente a sede do tribunal de Contas do Município surge como

um “gigante negro” contrastando com a grandiosidade da torre branca e dos

detalhes ecléticos da atual sede de um banco privado e de outras edificações

antigas do entorno como o prédio da CODEM.

Tudo isto no largo do redondo usado pelo planejamento como uma área de

“respiração” do logradouro.

43

Prédio em estilo eclético, antiga residência da família César Santos Passarinho, situado na avenida Magalhães Barata, prolongamento viário da avenida Nazaré. Atualmente, funciona no local um restaurante. 44

Edifício em estilo modernista que abriga a sede social do Clube do Remo.

Page 145: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

144

Ilustração 48 - Palacete Augusto Montenegro. Construído para ser a residência do

governador do estado entre 1903 e 1909. Atual museu da UFPA

Fonte: desenho do autor, 2012.

Ilustração 49 - Palacete Passarinho na avenida Magalhães Barata.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 146: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

145

Ilustração 50 - Retalhos urbanos. Bairro de Nazaré.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 147: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

146

Ilustração 51 - Arquitetura modernista na Avenida Nazaré.

Sede social do Clube do Remo.

Fonte: desenho do autor, 2012.

Page 148: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

147

5.6.3 - Largo de Nazaré

A recordação do largo de Nazaré, ainda com coreto, barracas e

brinquedos, é deliciosa para os que desfrutaram a experiência deste espaço. Em

uma intervenção urbana recente o arraial foi retirado dali. Em seu lugar foi

construída a Praça Santuário, pátio solar e gradeado.

Na década de 1980, a Diretoria da Festa de Nazaré comandou a completa

reestruturação da área frontal à Igreja de Nazaré. O antigo Largo de Nazaré com

todos os seus encantos foi suprimido. Durante anos, ele foi o local do arraial

profano que complementava as festividades do Círio de Nazaré. Após a reforma,

o arraial foi transferido para um terreno, de localização bem menos destacada,

ao lado da igreja. No local foi erguido o Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN).

Para os da minha geração, não há memória presencial, deste espaço,

anterior a referida transformação urbana. Nos resta, entretanto, a nítida

percepção da saudade dolorosa do perecido Largo de Nazaré nos relatos das

pessoas de outras gerações que frequentaram o arraial, como demonstrado pelo

texto de Benedito Nunes, citado a seguir:

[...] Quando o conheci, o quadrilátero da praça, com barraquinhas de

comida, sortes e divertimentos vários, além de brinquedos mecânicos,

como um carrossel e uma ola giratória, já tinha sido remodelado: em

cada canto um coreto para retretas, no meio o pavilhão de Flora,

colunatas circulares, para recitativos e música, e, na calçada fronteira ao

templo, um relógio de mostrador redondo, encimado por ornamentação

floral a ferro, traço do Art Noveau. Em torno da quadra, prosperavam

casas de espetáculos, cinemas e teatrinhos. Tudo isso desapareceu,

tragado por uma austera e ascética concepção da festa, que vingou a

partir de 1970; sumiram os coretos, o relógio, o pavilhão. Na praça,

agora toda cercada por um gradil, prolongou-se o santuário. No entanto,

era no arraial que estava o juvenil assomo de vida, a impulsividade

dionisíaca, transbordante, ainda hoje, do Círio, como vigorosa forma de

devoção popular. (NUNES; HATOUM, 2006, p. 30).

Entre outras transformações urbanas, a perda do Largo de Nazaré parece

ser uma das mais sentidas. Nos exemplos do Grande Hotel e da Fábrica

Palmeira, a perda do patrimônio arquitetônico, também por muitos lamentada, é

mais expressiva. No Largo de Nazaré, é mais significativa a perda do espaço

Page 149: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

148

popular de convívio, lúdico, e a saudade das atividades humanas é mais

marcante (Ilustração 52).

Também colabora para a mágoa referente à perda do largo de Nazaré a

configuração arquitetônica do CAN. Em substituição a um espaço aberto à

utilização popular, razoavelmente democrático, foi construída uma praça cercada

por um gradil, único exemplar em Belém de praça com esse tipo de isolamento,

somente acessada por um portão ‘aberto’ e ‘vigiado’ pela Igreja.

Kevin Lynch (1980) aponta para o papel negativo desempenhado pelo

excesso de limites impermeáveis nos espaços urbanos. Neste caso, podemos

acrescentar o aspecto simbólico das grades que inibem o livre acesso da

população à praça por todas as laterais. Parecem dizer que o uso do espaço

precisa ser “autorizado” pelo poder que lhe administra. Trata-se de uma

intervenção urbana autoritária, que privilegia a manutenção asséptica do lugar

em detrimento do convívio humano que toda a praça deveria possibilitar.

No lugar dos equipamentos de efetivo uso, destinado à cultura e ao lazer,

foram edificados monumentos ‘modernos’ de apelo simbólico/religioso. A

paisagem árida da praça de altar envidraçado e piso de mármore, além do

referido gradil, sinalizam a autoridade do poder constituído.

Belém também é assim: toda gradeada, são as “cicatrizes” da violência

urbana manifestada. Entretanto, a análise deste percurso nos leva a pensar que

isto não inibe a liberdade de criação de nossa sociedade inserida em um

contexto socioambiental particular e diverso como o amazônico.

No momento da conclusão deste estudo, esperamos novamente outubro45

para que os portões sejam abertos.

45

Todos os anos, no segundo domingo do mês de outubro, acontece a procissão do Círio de Nazaré.

Page 150: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

149

Ilustração 52 - Antigo Arraial de Nazaré

Fonte: representação do autor. Projeto Belém da Memória, 2000.

Page 151: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

150

5.7 - CÍRIO DE NAZARÉ

A Corda da Fé46

- Benedicto Monteiro

A corda

é uma oração de pés e braços

de mãos seguras

em corpo-a-corpo e desespero

mil almas amarradas e libertas

unidas e desunidas em mil cores

mil caras de mil partes

mais de mil portes

mais de mil faces

mais de mil preces

mais de mil pedidos explodindo em êxtase

explodindo em olhos

em poros, pêlos e apelos

.................................................

A corda é um rio que leva na viagem

é água que lava tudo e todos numa chuva.

Nada comove e impressiona mais do que a massa humana viva e

compacta, como um só gigantesco organismo vivo. Sua força brutal em

movimento, invadindo os canais da cidade, em contraste, ilumina e (e)leva a

delicadeza da berlinda. A virgem pura, pequena e poderosa, gravita mágica

sobre uma multidão de pecadores. Mas esta beleza vem do azul ou do chão?

Humilde e dadivoso pode ser o próprio homem e a luz que a imagem irradia são

os feixes luminosos que condensam as melhores ações e intenções deste “mar

de gente”.

Salvas, palmas e cânticos são entoados e, por instantes, o estado de

espírito de graça, que arrepia os pelos do corpo em transe, nos aproxima de

nossos irmãos. Bom seria, com a graça dos homens, se este sentimento não se

esgotasse, em meio às nossas vaidades cotidianas.

46

Disponível em: <http://benedictomonteiro.blogspot.com.br/2010/11/discurso-sobre-corda-debenedicto.html>. Acesso em 14 abr. 2012.

Page 152: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

151

Na Visão Geo-Social do Círio, Eidorfe Moreira observa a importância e a

abrangência da festa:

[...] Pelo fervor e vibração da massa, como pelas proporções que

assume como deslocamento humano no espaço, o Círio transcende aos

aspectos formais de uma procissão, embora por certas aparências

litúrgicas possa ser considerado como tal. A grandeza do espetáculo,

contudo, impõe ao espírito categorias ou qualificações mais amplas.

(MOREIRA, 1971, p. 5).

Somos dois milhões. Se nesta massa há identidade, não faltam diferenças:

espectadores anônimos, estrangeiros perplexos, políticos acenando nos puleiros,

discretos batedores de carteira “fazendo a festa”, flertes, encontros e

reencontros, sinceros agradecimentos, pedidos de perdão, culpas aplacadas, o

exibicionismo da “fé”, machos com corpos colados aos milhares e até os 10

minutos de fama do Homem Caranguejo. Moreira (1971) analisa o exuberante

envolvimento da população com a procissão:

[...] Desde as suas origens [...] a nova procissão se destacou pela sua

extrema popularidade, [...]. A procissão de Nossa Senhora de Nazaré

representa assim o predomínio de uma romaria de origem popular sobre

as fórmulas tradicionais de origem oficial, as procissões ou festas reais,

impostas por lei. Ao contrário destas, que se firmaram em consequência

do prestígio oficial que as cercava, o Círio se impôs por si mesmo, em

virtude da sua popularidade. Em planos diversos e maneiras diferentes,

o Círio e a Cabanagem são os dois maiores exemplos do poder

afirmativo das massas na história paraense. (p. 15).

Elemento marcante da procissão “a corda da fé” é um símbolo

fundamental de união, mas também de luta, resistência e participação popular:

[...] a “Corda” tem grande significação no contexto da procissão. Material

e simbolicamente, é o traço de união entre o povo e a imagem da Santa.

Na história do Círio ela tem sido o ponto crítico das relações entre as

autoridades eclesiásticas e os devotos, havendo mesmo alguns bispos

tentado suprimi-la. [...]. (MOREIRA, 1971, p. 11).

Alguém já disse: “Deus está nos detalhes”. A beleza do espetáculo se

manifesta através do capricho e engenho humano, pelo que o povo cria na

Page 153: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

152

procissão dos séculos. Bastaria um barquinho colorido de miriti, mimosa

maquineta híbrida feita em levíssima madeira regional47

para o nosso lúdico

encantamento. Mas a criatividade do povo não se esgota. “Tenho mais ideia na

cabeça do que letra em jornal” me disse um velho caboclo quando eu era

criança. Além de inúmeros brinquedos tradicionais: reco-reco, serrador,

passarinho, guirlanda, casal de namorados, cobra, etc. surgem os miritis high-

tecs, DVDs, carros, aviões.

Maceração, depuração, combinação, cozimento. O máximo da sofisticação

e do refinamento cultural. Nossa culinária é um continente com rico conteúdo de

técnicas e alquimias. Mistura borbulhante de tempos e lugares ancestrais. A

sedução é sinestésica e polifônica. Depois das orações, maniva, tucupi, jambu,

cheiros e sabores sensuais - quase sexuais - fazem pupilas e narinas dilatar, a

língua tremer e o corpo extasiado suar.

A cidade toda se enfeita, se veste, se reveste, se maquia. Ainda vemos

nos parapeitos dos sobrados poucos lençóis rendados, mas são inúmeros os

outdoors, backdrops, frontlights. Palanques, arquibancadas, cenários, pintura

renovada nas fachadas, arcos, faixas, cartazes, fitas, balões, se misturam às

obras “para inglês ver” do poder público. Por vezes, a produção é excessiva e o

visual se torna carregado.

Uma procissão de santas. A virgem, ela própria uma imagem, na era de

sua reprodutibilidade técnica48

se multiplica. No círio talvez desfilem mais virgens

do que mortais. Multiplicadas em tranfers, silk-screen, plotters as imagens das

santas, (hiper realistas, expressivas, estilizadas em 2 e 3D) ao mesmo tempo

seguem o corso enquanto outras, algumas gigantecas, as observam nas

fachadas dos prédios, em painéis, em cartazes, em arcos etc. Nas telas da TV

aberta, a cabo e pela internet ganham o mundo.

47

O Miritizeiro é uma palmeira, tipicamente amazônica, encontrada em áreas de várzea. Seu nome derivado do tupi guarani significa o que contém água. As sociedades indígenas foram as primeiras a fazer uso do miritizeiro na fabricação de utensílios e brinquedos para as crianças como miniaturas de embarcações, bonecas e animais. Os brinquedos atuais de miriti são resultado de hibridação cultural. Com a chegada dos portugueses estas manufaturas sofreram influência dos brinquedos europeus incorporando mecanismos de articulação entre as partes. (FUNDAÇÃO CURRO VELHO, 2006). 48

Referência a obra de Walter Benjamin, intitulada A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica.

Page 154: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

153

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA PERCEPÇÃO DA CIDADE

Page 155: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

154

CONSIDERAÇÕES FINAIS: contribuições para uma percepção da cidade

Na conclusão de um belo ensaio sobre Belém e sua história, Benedito

Nunes observa a formação de uma nova sociedade, nesta capital, composta por

uma elite econômica, desligada afetivamente do solo urbano, ligada às

especulações de capital e ao lucro individual e, por uma “[...] massa anônima

incrustada numa população de mais de 1.300.000”. A cidade, teme o filósofo,

“com o risco de apagamento dos ícones que guardam a sua memória, garantindo

a continuidade do passado no presente [...] estaria sob a ameaça de perder sua

própria identidade sócio-cultural” (NUNES & HATOUM, 2006, p 40)

A visão da clara degradação da área que corresponde à primeira légua

patrimonial, que, a meu ver, reúne os ícones urbanos que, ao longo dos séculos,

colaboraram, de alguma forma, para construção desta identidade (o povo, o rio,

as mangueiras, o Ver-o-Peso, os sobradões e as igrejas, o legado da Belle

Époque, o Círio de Nazaré) e a má qualidade, estética e funcional, do espaço

urbano produzido em épocas mais recentes, distante desta área central, que

revela uma paisagem árida, dominada pela poluição ambiental, pelo caos viário,

e fragmentada pelas barreiras físicas e simbólicas que materializam a cisão

social e a desconfiança entre as classes sociais parecem dar fundamentos ao

temor do filósofo.

Por outro lado, muitos estudos demonstram o equívoco do pensamento

maniqueísta que considera períodos passados como épocas de Ouro/esplendor

e vê o momento atual com total desconfiança. Nazaré Sarges alerta para o

aspecto elitista da política de reordenamento urbano Lemista durante o auge da

economia do látex (SARGES, 2010). Célia Bassalo demonstra que o período não

trouxe reflexos duradouros para o desenvolvimento local (BASSALO, 1984) e

Fábio Castro analisa a construção pelo imaginário coletivo de uma ilusão que

envolve a chamada “Era da Borracha” e ofusca presente e futuro (CASTRO,

2010). Bolle, que lê Belém também através do texto de Dalcídio Jurandir,

observa que o desenvolvimento da cidade sempre esteve, também, atrelado a

sua própria decadência. Inevitável herança do processo de exploração colonial

Page 156: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

155

em meio ao qual foi fundada e se desenvolveu a custa de empenho e

criatividade, mas também de exploração da mão de obra (BOLLE, 2008).

A cidade é palco e manifesto histórico de sua sociedade. É expressão de

poder e opressão, mas também, de luta e resistência, avareza e ricas trocas,

heranças, temores e esperanças futuras. O que a natureza, a cultura e o tempo

legam como morada urbana às futuras gerações é um grande patrimônio. Este

patrimônio deve ser estudado, avaliado, criticado, mas não deve ser ignorado.

Por mais que grandes boulevards, praças, igrejas e palácios revelem a injustiça

das desigualdades sociais e tenham suprimido da paisagem outros cenários

perecidos (arquitetura popular, sociedades indígenas), eles são o testemunho de

relações sociais que precisam ser conhecidas pela população e fazem parte de

seu capital cultural, estético, econômico. O espaço público deve ser de todos e

seus usos sociais devem ser fruto de decisões democráticas. Neste ponto é que

o legado urbano precisa ser cuidado, democratizado e adaptado às

necessidades atuais.

O cidadão - informado sobre as circunstâncias históricas que definiram a

produção e a utilização do espaço urbano, convidado a ler, refletir e discutir

sobre a imagem física e simbólica da cidade e finalmente com o devido e

esperado acesso aos espaços, aos serviços, à cultura e ao lazer que só a cidade

pode proporcionar - estará muito mais apto a participar de forma cidadã do

debate e das ações para transformação da vida futura.

É necessário educação, informação, crítica analítica e profunda, mas

também participação, envolvimento e afeto.

E aí me coloco como rápido passageiro do tempo nesta corrida de

bastões.

Ao me envolver no projeto Belém da Memória, entrei em contato com

declarações amorosas, delicados relatos de viajantes, autores da criação literária

que sem medo expressam sua incondicional paixão por esta cidade.

Tomei coragem e me aventurei a remexer as histórias que ouvi e sempre

quis entender mais. Contaram-me sempre de uma linda João Alfredo, uma

escultórica caixa d’água, um glamouroso Grande Hotel, além do jeito hospedeiro

Page 157: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

156

e cavalheiro de ser da gente desta cidade que, menos violenta, levava as

pessoas a conversar em roda nas calçadas no final da tarde.

Talvez o que reste, desta imagem, seja pouco, mas este é o meu tempo. E

como outros, posso dizer da textura cultural invasiva, exuberante e sensual, que

faz transpirar diariamente o calor desta terra, deste ponto vermelho no meio da

Amazônia, na linha tórrida do Equador que desde a infância localizo nos mapas

escolares, a minha Belém.

Não me dispus a chorar, a lamentar, mas a contribuir, estudando e

analisando a cidade como arquiteto e cidadão.

Se erros e acertos ocorreram, que novos usos e significados, estamos

dando ou propondo à cidade? Acesso democrático ao espaço público?

Sustentabilidade, como vigilantes guardiões da natureza como fonte de

desenvolvimento humano? Educação e informação gerando consciência, espírito

crítico e responsabilidade para com o nosso tempo e as gerações futuras?

Talvez, atentos a estes elementos, possamos fortalecer valores éticos e estéticos

de uma sociedade mais digna e justa.

Page 158: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

157

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002.

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo:

Martins Fontes, 1993.

BASSALO, Célia Coelho. O “art nouveau” em Belém. Belém: FUNARTE/

SECDET/UFPA, 1984.

______, Célia Coelho. Art noveau em Belém. Brasília: Iphan / Programa

Monumenta, 2008.

BAUMAN, Zigmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2009.

BOLLE, Willi. Belém, porta de entrada da Amazônia - 2008. In: CASTRO, E. et al

(Org.). Cidades na floresta. São Paulo: Annablume, 2008. p. 99 - 147.

______. Fisiognomia da metrópole moderna. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 1994.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

BRANDÃO, Helena. H. Nagamine. Introdução à análise do discurso.

Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da

comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel, 1993.

CASTRO, Fábio Fonseca de. A cidade Sebastiana: era da borracha, memória e

melancolia numa capital da periferia da modernidade. Belém: Edições do Autor,

2010.

CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973.

II vol.

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Tradução de

Viviane Ribeiro. Bauru: Edusc, 2002.

DANTO, Arthur. Após o fim da arte. São Paulo: Edusp, 2006.

Page 159: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

158

DERENJI, Jorge. Mercado Municipal, Belém - 1908. In: LEAL, A. B. et al (Org.).

Mercados de ferro do Brasil. Brasília: Instituto Terceiro Setor, 2011.

DERENJI, Jussara da Silveira. Igrejas, palácios e palacetes. Brasília: Iphan /

Programa Monumenta, 2009.

______. Caderno da Arquitetura 1, Óbidos, Série Arquitetura da Amazônia,

Belém: UFPA - CNPq, 1897.

FARES, Josse. Inédito. Mimeo,1998a.

______; NUNES, Paulo Jorge Martins. Inédito. Mimeo,1998b.

FAUSTO, Carlos. Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia.

São Paulo: EDUSP, 2001.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2009.

FUNDAÇÃO CURRO VELHO (FCV). O saber-fazer a arte do miriti. Belém:

Governo do Estado do Pará, 2006.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2008.

GUATTARI, Félix. Caosmose. Rio de Janeiro: editora 34, 1992.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão-Pará: Belém e Rio de Janeiro: Edufpa e

Casa Rui Barbosa, 2004 [1ª ed.: São Paulo: Martins, 1960].

LE GOFF, Jaques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São

Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1988.

______. Documento/Monumento. In:______. História e memória. Tradução de

Irene Ferreira et al. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 525-539.

LYNCH, Kevin. A boa forma da cidade. Lisboa: Edições 70, 1980.

______. A imagem da cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1982.

Page 160: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

159

MEIRELLES FILHO, João Carlos. Livro de ouro da Amazônia. 5. ed. Rio de

Janeiro: Ediouro, 2006.

MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. Obras reunidas de

Eidorfe Moreira. Belém: Cejup, 1989.

______. Visão geo-social do Círio. Belém: Imprensa Universitária, 1971.

NUNES, Benedito; HATOUM, Milton. Crônica de duas cidades: Belém -

Manaus. Belém: Secult, 2006.

NUNES, Paulo Jorge Martins. Útero de areia, um estudo do romance ‘Belém

do Grão-Pará’ de Dalcídio Jurandir. 179f. 2007. Tese (Doutorado em

Literaturas de Língua Portuguesa) - Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Belo Horizonte.

OLIVEIRA, Ana Cláudia de; TEIXEIRA, Lúcia. Linguagens na comunicaçao:

desenvolvimento de semiótica sincrética. São Paulo: Estação das Letras e Cores,

2009.

PENTEADO, Antônio Rocha. Belém: estudo de geografia urbana. Belém: UFPA,

1968.

POLLAK, Michael. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v.2, n. 3, p. 3-15, 1989.

POULOT, Dominique. Um ecossistema do patrimônio - 2008. In: BENCHERT,

Sarah Fassa; BEZERRA, Rafael Zamorra; CARVALHO, Claudia S. Rodrigues;

GRANATO, Marcus. Um olhar contemporâneo sobre a preservação do

patrimônio material e imaterial. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional,

2008.

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle Époque (1870-

1912). 3. ed. Belém: Paka-Tatu, 2010.

SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica:

multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac e Naif, 2006.

Page 161: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

160

SOARES, Elizabeth Nelo. Largos, coretos e praças de Belém. Brasília: Iphan /

Programa Monumenta, 2009.

YÚDICE, George. A conveniência da cultura: uso da cultura na era global. Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2004.

Page 162: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

161

Page 163: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

162

Page 164: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

163

Page 165: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

164

Page 166: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

165

Page 167: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

166

Page 168: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

167

Page 169: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

168

Page 170: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

169

Page 171: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

170

Page 172: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

171

Page 173: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

172

Page 174: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

173

Page 175: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

174

Page 176: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

175

Page 177: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

176

Page 178: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

177

Page 179: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

178

Page 180: UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA PRÓ-REITORIA DE …³ria em Curso... · 1 universidade da amazÔnia - unama prÓ-reitoria de pÓs-graduaÇÃo e extensÃo programa de mestrado em

179