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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES/AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A Psicopedagogia e o Processo de Desenvolvimento Linguístico e
Cognitivo das Crianças
Por: Isabele A. N. da Silva
Orientador(a): Dayana Trindade
Rio de Janeiro
2016
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES/AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A Psicopedagogia e o Processo de Desenvolvimento Linguístico e
Cognitivo das Crianças
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes/AVM como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
Psicopedagogia Institucional
Por: Isabele A. N. da Silva
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por
me conceder raciocínio para
desenvolver este trabalho. Agradeço
também a minha família por suportar
minha “ausência” por todo o tempo que
me dediquei à escrita e conclusão do
mesmo.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os
envolvidos com a Educação Infantil,
alunos, professores, auxiliares,
cozinheiros, faxineiros e equipe
pedagógica.
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METODOLOGIA
A metodologia desse trabalho tem como base um período de experiência
prática de cinco anos com crianças de berçário e maternal, ou seja, crianças de
0 a 4 anos de idade. Nesse período tive o privilégio de observar tanto o
processo de desenvolvimento motor, quanto o linguístico e cognitivo dos bebês
e pude constatar, à luz da teoria de psicólogos como Lev Vygosky e Henri
Wallon, bem como o biólogo Jean Piaget, a importância da afetividade nesses
processos.
Segundo Vygotsky, o choro e o riso estão além do alivio emocional que eles
proporcionam. Servem como meio de contato social e de comunicação.
Vygotsky buscou analisar o desenvolvimento da linguagem das crianças e
constatou que mesmo antes de adquirir recursos fonéticos ela já é capaz de
resolver problemas práticos. Ele chamou essa etapa de fase pré-verbal do
pensamento e está de acordo com o período sensório-motor descrito por Jean
Piaget (1896-1980). É a fase onde a criança apreende o mundo por meio das
sensações e dos movimentos, embora ainda não possua a capacidade da
representação mental e do simbolismo.
O pensador construtivista Jean Piaget (1896-1980) nunca atuou como
pedagogo. Era biólogo e se ocupava do estudo da observação cientifica do
processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano principalmente a
criança. Vem dele a ideia de que o conhecimento se constrói e que o
aprendizado se dá por descobertas que a propria criança faz. O cientista suíço
que revolucionou o modo de encarar a educação de crianças ao mostrar que
elas não pensam como os adultos, constatou que a inteligência depende da
ação do sujeito sobre o objeto, numa espécie de dialogo entre as estruturas
internas e a realidade externa.
Piaget defendeu que a criança não vai à escola só para assimilar
conhecimentos novos, mas para construir a aula junto com o grupo e o
professor. Cada aluno trás consigo uma rica bagagem e a escola é o meio
social onde as experiências poderão ser trocadas. O professor construtivista
parte do que o aluno já sabe, ampliando esse saber.
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Piaget dividiu a construção da inteligência em quatro estágios. São eles:
sensório motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Nesse
trabalho vou destacar o estagio sensório motor que abrange a faixa etária de 0
a 2 anos. Embora alguns educadores não se identifiquem tanto com essa etapa
do desenvolvimento humano, esta é a fase mais importante, visto que interfere
em todas as outras. A concepção do educador infantil com relação a essa faixa
etária também influencia no desenvolvimento cognitivo dos bebês e das
crianças entre 2 e 4 anos. A psicopedagogia atua nas instituições de ensino
prevenindo possíveis défices no desenvolvimento das crianças desde o
berçário até as series posteriores. Se houver uma boa intervenção partindo de
um olhar perceptivo do psicopedagogo, muitas dificuldades de aprendizagem
poderão ser evitadas.
Suponho que conhecer as teorias e possuir um curso de capacitação como a
própria graduação é um requisito formal para se trabalhar em creches e
escolas, mas a ternura, o amor pela profissão e disposição mental para ensinar
com sentido é algo indispensável. O educador infantil precisa ter e demonstrar
afeto por tudo o que diz respeito ao seu trabalho porque aprendizagem não
supõe só inteligência. Quando me refiro ao educador, estou me referindo a
todos que compõem a equipe do berçário e do maternal.
Segundo Piaget, aprendizagem está relacionada à afetividade. A criança
precisa estabelecer um vínculo com quem ensina e com o objeto da
aprendizagem. Um exemplo dessa necessidade é a adaptação. Enquanto a
criança não estabelece um vinculo com uma pessoa da escola, ela não
consegue se adaptar. Muitas vezes esse vínculo não é estabelecido como
professor diretamente, mas com uma auxiliar ou com alguém que está sempre
por perto, oferecendo ajuda à turma. Depois a criança se adapta ao restante da
equipe. Por que isso acontece? Imagine que você está num lugar
desconhecido, cheio de pessoas estranhas e ninguém lhe entende no seu
idioma. É assim que se sente um bebê quando vai à creche pela primeira vez.
Por isso ele chora. O bebê perde todas as referencias adquiridas pelos seus
cinco sentidos. Os cheiros, os sons, as sensações, os sabores e as imagens
são diferentes de tudo o que ele conhecia até então. Sem dúvida, é como
visitar outro país pela primeira vez. O choro tem muitos significados. Nesse
caso é sinal de desconforto total, sensação de não pertencimento. Um adulto
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perdido na cidade fica aflito, chora por dentro, procura ajuda. O bebê chora. Ele
externa seus sentimentos com todo o corpo. Os espasmos, os risos, o choro...
Enfim. São demonstrações do seu estado emotivo. Por meio da emoção que o
bebê comunica o que o afeta. A emoção altera a respiração, os batimentos
cardíacos e o tônus muscular. Henri Wallon (1879-1962) foi responsável por
investigar a emoção geneticamente. Ele constatou que a emoção é a primeira
manifestação de necessidade afetiva do bebê e o elo dele com o meio, tanto
biológico como social, ou seja, quando a pessoa nasce ela é só emoção. Essa
descoberta é vital para os que trabalham com bebês, pois saber que eles não
vão reagir de forma racional às coisas interfere na forma de lidar com as
circunstancias que o envolvem.
Nesse trabalho levantei algumas questões contundentes sobre postura e
concepção dos educadores infantis diante do processo de desenvolvimento
linguístico e cognitivo das crianças de 0 a 4 anos e as possíveis intervenções
que o psicopedagogo pode fazer a fim de contribuir para o bom
desenvolvimento das crianças.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I - O Desenvolvimento Linguístico e Cognitivo das
Crianças 11
CAPÍTULO II - O Papel da Afetividade 22
CAPÍTULO III – O Papel do Lúdico na Construção da Aprendizagem 30
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 40
ANEXOS 41
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INTRODUÇÃO
Até que ponto a concepção do educador infantil interfere no processo de
aquisição da linguagem e do desenvolvimento cognitivo das crianças de 0 a
4 anos? A afetividade é importante nesses processos? É possível mudar
concepções entrincheiradas mediante uma boa intervenção? Essas
questões serão respondidas no decorrer deste trabalho.
Observo que a maioria dos educadores subestimam as capacidades
linguísticas e cognitivas das crianças na faixa etária de 0 a 2 anos. Até
mesmo diretores e coordenadores subestimam essa capacidade quando
contratam auxiliares e recreadoras, ao invés de professores para trabalhar
no berçário e no maternal. Pretendo mostrar o quanto é possível se envolver
mais no trabalho crianças entre 0 e 4 anos, a fim de ajuda-los a aprender
com sentido e significado. Só o olhar de um psicopedagogo capaz de
observar e fazer as intervenções necessárias para mudar a forma que o
professor tem de lidar com a criança de berçário. Só uma boa intervenção
para levar o professor a perceber que trabalhar com bebês é um caminho de
muito aprendizado, para quem ensina e para quem é ensinado.
O trabalho do psicopedagogo é sugerir alternativas, saídas para os diversos
problemas que surgem nas escolas. A partir do vinculo que ele procura
estabelecer com a instituição é que esse profissional vai ajudar a equipe
pedagógica a pensar a prática educativa e testar novas ideias, propostas
mais eficazes, já que aquelas utilizadas não estão mais surtindo o efeito
desejado. A psicopedagogia é versátil no sentido de que ela se baseia na
psicologia antiga e atual, metodologias, técnicas estratégias específicas. A
importância desse novo campo é a capacidade de somar conhecimentos e
transformar a realidade. O psicopedagogo carrega com ele uma pergunta
que desencadeia reflexão: “para que?”. Muitas vezes uma proposta de
ensino não dá certo por que a administração da escola, bem como seus
professores, se acomoda dentro de um currículo e vai como que forçando a
barra durante todo o ano. É necessário fazer refletir sobre o objetivo de cada
atividade. Perceber o que está dando certo ou não e mudar. Com certeza as
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escolas precisam da psicopedagogia para estimular a criatividade e melhorar
a qualidade do ensino tornando-o mais significativo.
O objetivo central desta pesquisa é demonstrar como a base de todo o
processo de aprendizagem é influenciada pela afetividade e como a
concepção o educador infantil interfere no processo de aquisição da
linguagem e do desenvolvimento cognitivo. Quero também identificar quais
as intervenções que o psicopedagogo precisa fazer para que o trabalho
desenvolvido nas turmas de berçário e maternal flua de forma propicia para
o real desenvolvimento cognitivo das crianças.
No capítulo 1, intitulado O Desenvolvimento Linguístico e Cognitivo das
Crianças, falarei da criança de 0 a 4 à luz da teoria do filósofo inatista Noan
Chomsky (1928), considerado o pai da linguística moderna, e também a
teoria do psicólogo evolucionista Lev Vygotsky (1896-1934).
No capítulo 2, denominado O Papel da Afetividade, vou abordar questões
reflexivas sobre postura e concepção dos educadores infantis diante do
trabalho com crianças entre 0 e 4 - embasando o conhecimento na teoria do
cientista suiço Jean Piaget (1896-1980) e do médico, psicólogo e filósofo
francês Henri Wallon (1962).
O capitulo 3, intitulado “O Papel do Lúdico na Aprendizagem” vai abordar a
função dos jogos e das brincadeiras na aprendizagem das crianças e como
isso está relacionado ao desenvolvimento linguístico, cognitivo e afetivo,
conforme o tema central deste trabalho. Surgirão ideias de teóricos antigos e
contemporâneos.
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CAPÍTULO I
O Desenvolvimento Linguístico e Cognitivo das Crianças
A extraordinária capacidade cerebral que possuímos nos dá condições de
estudar e compreender as diferentes linguagens das pessoas em nossa volta,
inclusive as linguagens da natureza e dos animais. O cérebro humano foi
incrivelmente projetado para aprender e aprender para sempre. Nosso cérebro
é uma usina de ideias que não para de funcionar. Quanto mais o estimulamos
mais inteligente ficamos. O que nos limita é que envelhecemos, caso contrário
estaríamos muito além, porque normalmente utilizamos todas as funções
mentais que possuímos. Funções estas que possibilitam a utilização de muitas
formas de linguagens, dando-nos condições de elaborar nosso pensamento, de
compreender temas complexos e ampliar nosso conhecimento. Assim,
construímos nossa historia como indivíduos socialmente integrados.
De acordo com especialistas, dentre eles o linguista Noan Chomsky (1928),
nosso cérebro acha-se geneticamente programado para o desenvolvimento da
linguagem e esta só pode ser explicada a base de uma capacidade de
processamento linguístico inato. Considerado o pai da linguística moderna,
Chomsky foi o primeiro a propor que os seres humanos nascem geneticamente
aptos para o desenvolvimento da linguagem. Ou seja, é inerente ao ser
humano aprender e compreender não só uma língua, mas várias. Assim como
ele, alguns especialistas acreditam que o bebê nasce programado para prestar
a atenção à fala humana, principalmente nos inicios e nos finais das
sequências sonoras e aos sons mais enfáticos. Isso poderia explicar a
gramatica inicial das crianças.
Embora as teorias inatistas estejam apenas no começo, elas são bastante
convincentes. A criança, em pouco tempo, absorve a forma complexa da língua
e isso é considerado um mistério ou verdadeiro milagre.
Em vista de tais capacidades, não é surpresa que um linguista tenha
constatado que as experiências feitas com chimpanzés sobre linguagens de
sinais provam que realmente eles são incapazes de assimilar até mesmos as
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formas mais rudimentares da linguagem humana. Herbert Terrace, psicólogo
da Universidade Columbia educou um chimpanzé batizado como Nim
Chimpsky (homenagem a Noan Chomsky) constatou que o máximo que esses
animais conseguem é repetir gestos que lhe são ensinados ou até reproduzir
uma sequência de sinais. Os chimpanzés não têm capacidades para raciocinar,
selecionar palavras e expressar pensamentos. Nim aprendeu 125 símbolos,
quase todos representando comida e brinquedos. Terrace considerou sua
pesquisa um fracasso. O chimpanzé estava tão condicionado quanto um
cachorro adestrado. Tal experiência está de acordo com a afirmação de René
Descartes (1595-1650) que diz: “Se uma criança for criada entre lobos, ela não
desenvolverá a linguagem. Mas, se voltar ao convívio humano, tudo volta ao
que deveria ser, ela aprende a falar. Já um macaco, mesmo que seja criado
apenas entre humanos, jamais desenvolverá a linguagem, que nele não é
inata”.
Todos nós nascemos com as habilidades necessárias para desenvolver a
fala, mas a linguagem depende de um processo sócio histórico. Nós só
desenvolvemos amplamente essas habilidades no meio, através de outros que
nos estimulem e nos deem um padrão rico para imitarmos. Resumindo, a
capacidade é inata, inerente à espécie humana, mas o desenvolvimento
linguístico é dependente.
Teoricamente, a linguagem é, de fato, parte de um processo cognitivo e ela
acontece simultaneamente. Envolve diversas facetas da inteligência humana
como atenção, percepção, memória, raciocínio, imaginação, pensamento e
discurso. Sendo assim, é praticamente impossível determinar como acontece a
linguagem e a cognição no individuo.
O desenvolvimento cognitivo envolve o raciocínio e o pensamento, que
estão estreitamente ligados à capacidade de utilização da linguagem. O bebê
chega ao mundo com capacidades perceptivas bastante elaboradas. Seus
sentidos aguçados – visão, audição, tato, paladar e olfato – estão prontos para
absorver tudo o que se passa a sua volta. Ele depende totalmente dos adultos
para sobreviver a esse novo ambiente e esse processo que vai torná-lo
independente é bastante longo. Os adultos que estão presentes na vida dele
precisam estar cientes e atentos as suas necessidades para ajudá-lo a
desenvolver o mais amplamente possível.
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“O caminho do objeto
até a criança e desta
até o objeto
passa
por outra
pessoa”. (Lev Vygotsky)
O psicólogo Lev Vygotsky (1896-1934) estudou profundamente a
capacidade dos seres humanos de se comunicar e de usar a linguagem verbal.
Vygotsky criou o conceito de pensamento verbal, que, segundo ele, é a
capacidade de unir a linguagem ao pensamento para organizar a realidade. O
desenvolvimento da linguagem tem forte apoio na motivação para se
comunicar verbalmente com outras pessoas. Motivação que é enriquecida
durante o primeiro ano de vida nas experiências interpessoais com seus pais,
irmãos e educadores. A partir desse momento a criança entra num processo de
comunicação no qual é estimulada a desenvolver métodos que lhe permitem
apreender o mundo. A família tem um importante papel no desenvolvimento da
linguagem da criança. É ela quem lhe oferece o primeiro modelo de linguagem.
Todos os membros da família podem e devem conversar com o bebê.
Mas precisamos diferenciar fala e linguagem. A fala é a capacidade de
articular sons nas palavras. Por exemplo, uma criança de 2 anos pode
facilmente falar os números de 1 a 10 e todos a sua volta achar que ela é
adiantada para a idade. Contudo, essa criança ainda não possui noção alguma
sobre esses números, ou como usa-los ou o que eles representam. Ela ainda
está construindo sua linguagem e não possui capacidades cognitivas
suficientes para entender a função dos números. Na verdade ela está jogando.
Não está contando.
Linguagem é processamento de informações com significado. É quando a
criança já consegue usar os elementos na comunicação e nesse processo,
compreender e ser compreendida.
Crianças em todo o mundo passam pelos mesmos estágios de aquisição da
linguagem, com semelhanças no sentido de ordem e idade. É claro que há
algumas variações no que se refere a velocidade do desenvolvimento inicial da
linguagem.
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É uma evidencia que reforça até certo ponto, a característica inata do
desenvolvimento linguístico.
Balbuciar é um treinamento para a fala. Perceber e reproduzir sons são
processos antecessores à linguagem. Os bebês nascem com sensibilidade a
ritmos e padrões característicos a todos os idiomas inclusive a língua de sinais.
Uma pesquisa revelou que bebês de pais surdos desde cedo começam a
reproduzir os gestos dos pais, imitando a língua de sinais dos seus
progenitores, mesmo sendo ouvintes. Um bebê de 18 meses já é capaz de
reproduzir gestos e expressões faciais dos adultos quando conversam com
eles. Também consegue modificar o discurso de acordo com o ouvinte.
Até mesmo o choro dos bebês tem o mesmo padrão, independente do país
onde nasceram. Se uma criança convive com pessoas que falam duas ou mais
línguas, ela aprenderá as línguas que estiver ouvindo e poderá falar
fluentemente cada uma delas. Rapidamente os bebês discriminam sons da
fala, entonações, selecionam e reagem a sons próprios de sua língua materna
ao mesmo tempo em que esquecem outros. No primeiro ano de vida suas
capacidades de comunicação e cognição encaminham-se para formar
habilidades necessárias e emergentes a situação. As relações entre o bebê e
as pessoas que cuidam dele são repletas de situações favoráveis para a
comunicação. Situações estas que fortalecem os laços afetivos e promovem o
bom desenvolvimento de todas as outras capacidades. Inicia-se um processo
de compreensão, ou seja, quando o bebê corresponde aos pedidos ou
proibições. Inicia-se também a expressão das primeiras palavras entre 11 e 13
meses e em seguida um aumento notável do repertório verbal entre 18 e 20
meses. A partir de então se percebe que a criança começa a tentar dominar a
estrutura da língua, embora com criações próprias (ex.: “Eu fazi”). Segundo
Noan Chomsky, as crianças pequenas usam espontaneamente regras
gramaticais que ninguém lhes ensinou e elas são capazes de entender o
significado de uma frase mesmo sem entender direito todas as palavras.
“A linguagem é um
processo de criação livre.”
(Noan Chomsky)
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Algo notável que acontece quando a criança começa a falar é a repetição ou
treinamento, por assim dizer. É quando a criança repete para si mesma a
palavra varias vezes como se estivesse buscando a pronuncia correta. É
comum presenciar crianças entre 18 e 24 meses falando sozinhas ou
conversando com os brinquedos. Tal exercício a ajuda a internalizar as
palavras.
O processo de aprendizagem evolui a partir de uma relação imitativa onde o
individuo mais experiente, geralmente o adulto ou o professor empresta à
criança um modelo para selecionar e relacionar elementos até que ela consiga
fazer isso de forma mais autônoma. Nessa fase, é importante que ela tenha um
modelo rico para imitar. Tal modelo deve falar com ela de modo claro e
simples. Pronunciar corretamente as palavras, fazer as entonações
necessárias e apropriadas a cada situação e deixar de lado a fala infantilizada
muito comum no ambiente familiar e que muitas vezes se repete no ambiente
escolar. O bebê entende tudo o que o adulto fala. Sabe até quando as pessoas
estão falando dele. O psicopedagogo pode avaliar o nível de linguagem dos
educadores e promover palestras abordando a forma correta de se comunicar
com as crianças. A boa comunicação dá base para uma linguagem bem
desenvolvida. Entre muitos atributos da boa comunicação estão o contato
visual, a clareza, os gestos e expressões faciais e o entusiasmo. Sem esses
atributos a linguagem não atinge seu ápice. Vamos analisar cada atributo?
• Contato visual
Olhar para o grupo e individualmente é fundamental para qualquer
professor que deseja conhecer bem o seus alunos. Contudo, alguns
professores de berçário não se preocupam tanto com isso. Vêm as
crianças como um “campo de trigo”, todas iguais. Esse contato visual
faz diferença na elaboração dos relatórios. O contato visual indica
quando uma proposta esta dando certo ou não. Com os bebês o
professor deve estar atento não somente aos olhos, mas ao corpo
todo. Através do corpo os bebês indicam se o conteúdo esta
interessante ou não. Se o professor não observar as reações e as
expressões, ou seja, se o professor nunca olhar para o grupo de
forma a tentar enxergar as potencialidades e dificuldades, seu
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trabalho final será um fracasso. É necessário demonstrar interesse
genuíno por cada turma, observando suas peculiaridades. Só com
contato visual isso se torna possível.
• Clareza
O professor de Educação Infantil deve sempre falar com clareza. Isso
é importante porque ele esta ajudando as crianças a construírem sua
própria linguagem. Falar com clareza inclui falar de forma simples e
objetiva. Crianças pequenas entendem ordens simples, mas se o
professor der a elas na mesma frase uma ordem com dois
comandos, (ex.: guarda o brinquedo e senta para calçar os sapatos)
tudo pode se tornar confuso. O uso de frases curtas acompanhadas
de gestos e expressões faciais é o mais indicado. No entanto, não se
deve negar ou substituir palavras por achar que as crianças não vão
compreender. Se a fala do professor vier acompanhada de
entusiasmo, gestos e expressões faciais, bem como contato visual, é
mais do que possível a criança entender o que se diz, dentre, é claro,
do contexto em que as palavras estão sendo utilizadas. Lembrando
que não estamos defendendo aqui a capacidade da fala, mas a
construção da linguagem baseada da afetividade, o que resulta em
bom desenvolvimento cognitivo.
• Expressões faciais
Não somos robôs. Quando nos expressamos costumamos usar
gestos e expressões faciais. No entanto, alguns professores pouco
entusiasmados, têm dificuldades em fazer isso. Nesse caso eles
precisam trabalhar essa faceta da linguagem para se comunicar
melhor com a turma. As crianças demonstram preferencia por
adultos que fazem expressões e gestos ao conversarem com elas.
As historias e as musicas se tornam muito mais interessantes.
Alguns contadores de historias, por exemplo, fazem caretas, fingem
que choram ou riem, fazem cara de espanto, mostram a língua e
movimentam os braços, os ombros ou o corpo inteiro para expressar
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ideias e sentimentos. Na verdade usam todos os recursos corporais
para reforçar o que dizem e transmitir sentimentos. São os melhores
com toda certeza na opinião do publico infantil.
• Entusiasmo
O entusiasmo da vida as palavras e cativa a atenção das crianças.
Falar com sentimento ajuda as crianças a se expressarem, a
reagirem a voz do professor. Ao contar uma historia para crianças de
berçário e maternal, por exemplo, é fundamental enfatizar a leitura,
modificar a voz de acordo com os personagens, cantar musicas
relacionadas aos personagens. A fala do professor deve transmitir
emoções, quer seja lendo, falando ou cantando.
A criança tende a se espelhar naquilo que é mais significativo para ela. Se
ela tiver um modelo que olha nos olhos, que fala com entusiasmo, gestos e
expressões faciais e que se expressa com clareza, esse é o modelo que ela vai
levar por toda a vida. Ao imitar, ela demonstra que internalizou o modelo, e
consegue construir com ele a base para uma imagem mental onde ela poderá
reproduzir suas ações. Assim surgem as brincadeiras de faz-de-conta onde por
volta dos 2 anos a criança começa a representar o mundo real. Imita a mãe,
por exemplo, lhe dando comida ou o professor no momento de contar histórias.
A capacidade de imitação e representação está intimamente ligada ao
desenvolvimento da linguagem. Todo esse movimento requer da criança
trabalho cognitivo.
Atividades de leitura são fundamentais. Estimulam a memória, a imaginação
e a oralidade. Todos os dias o professor pode e deve contar historias, mesmo
que seus alunos sejam bem pequenos. Quanto menor a criança maior o
recurso visual. Livros grandes com gravuras chamativas e frases claras que
podem até mesmo ser inventadas dependendo da criatividade do professor.
Expor os alunos maiores às frases bem estruturadas dos livros pode ser uma
maneira de ensiná-los a se expressar bem, tanto ao falar como ao escrever.
Jamais o professor deve omitir ou substituir as palavras das historias, por mais
complexas que pareçam ser. Isso seria como negar conhecimento as crianças.
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Dorothy Butler, autora do livro Babies Need Books (Os Bebês Precisam de
Livros), diz: “A capacidade de raciocínio da pessoa dependerá da qualidade de
sua linguagem. A linguagem é, de fato, o fator mais importante no aprendizado
e no desenvolvimento intelectual.” Saber se comunicar é fundamental para
manter estabelecer vínculos significativos e bons relacionamentos.
É fundamental que o bebê tenha um adulto que corresponda às reações
dele. Ele deve demonstrar que está compreendendo suas reações. A tentativa
de se comunicar quando não correspondida tende a ficar tolhida e pode
resultar num quadro de apatia. O bebê apático simplesmente desiste de tentar
se comunicar. Torna-se um bebê silencioso e com dificuldades de aprender da
mesma forma que os outros que recebem atenção adequada. Nos momentos
de higiene e trocas de fraldas o educador pode conversar com o bebê e avisar
a ele tudo o que vai fazer. Por exemplo, ele pode dizer: “João vai tomar
banho?” “Quem vai dar banho no João? Vou colocar um pouquinho de
shampoo... Cadê a cabeça do João?” O educador não pode esquecer de que
está lidando com outro ser humano, outro corpo. Avisar sempre sobre cada
procedimento vai ajudar o bebê a desenvolver consciência de si, além de
aprender a identificar, com o tempo, as diversas partes do corpo, desenvolver a
fala, adquirir noção de sequência... Enfim. Nomear as partes do corpo e os
objetos, bem como verbalizar as ações são importantes para o
desenvolvimento cognitivo do bebê.
Verbalizar os sentimentos também é fundamental. Entre 0 e 2 anos, o choro
e o riso significam mais do que obter alivio emocional. Servem como meio de
contato social e de comunicação. Mas a criança nessa faixa etária não
consegue dizer o que está sentido. O adulto precisa nomear para ela. Por
exemplo, num caso de mordida, a professora pode dizer: “Joao, eu sei que
você ficou bravo com o Mateus, mas não precisa morder. Ele é seu amigo.
Veja como ele ficou triste. Está doendo.” Quando o adulto apenas repreende a
criança e diz que não pode morder, ele está perdendo uma grande
oportunidade de colaborar significativamente no processo de desenvolvimento
linguístico e cognitivo das crianças envolvidas.
O que Vygotsky chamou de fase pré-intelectual da linguagem está de acordo
com o que Jean Piaget (1896-1980) chamou de estagio sensório-motor, onde a
ação da criança no mundo é feita por meio de sensações e movimentos, sem a
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mediação de representações simbólicas. Nessa fase as crianças dependem
dos sentidos para apreender o mundo. O corpo fala e o bebê se expressa com
o corpo o tempo inteiro, mesmo quando adquire recursos fonéticos.
De acordo com Vygotsky (1934), o maior salto humano foi quando os
indivíduos adquiriram linguagem e capacidade para verbalizar seus
pensamentos. Segundo o teórico, o conhecimento é construído através das
relações humanas. Relações estas que são estabelecidas por meio das
emoções (Wallon, 1962) e da afetividade (Piaget, 1980).
Vygotsky buscou observar o desenvolvimento da criança e constatou que,
mesmo antes de adquirir recursos fonéticos, ela já é capaz de resolver
problemas práticos e de utilizar instrumentos e meios para atingir seus
objetivos. Ela tem toda a noção do que esta acontecendo a sua volta, mas não
domina a habilidade da fala. Por isso é tão comum ocorrerem mordidas nessa
no berçário, principalmente na faixa de 1 a 2 anos começam a disputar o
espaço, os brinquedos e a atenção dos adultos. Uma mordida resume um
sentimento bom ou ruim, uma frase, um problema. Para o bebê a mordida é
como o ponto final, caso o adulto não perceba o que aconteceu e não faça
qualquer intervenção. As mordidas além de serem comuns no berçário são
também uma forma de comunicação. A criança percebe a reação do colega
mordido, a reação dos adultos em volta, toda a mobilização causada pela
mordida. Vygotsky chamou essa fase de pré-verbal do pensamento. A criança
age com intenção. Por exemplo, nessa fase, a criança é capaz de puxar um
cobertor para alcançar seu bichinho de pelúcia que está sobre ele. Então ela
morde e observa a reação do outro. Por diversas vezes observei crianças que
batiam ou mordiam e ficavam paradas vendo o colega chorando. Outras
ficavam assustadas num canto da sala olhando atentamente para a professora.
Assim não era difícil descobrir o autor da agressão. Segundo Vygotsky, a
criança transforma as informações que recebe de acordo com as estratégias de
conhecimentos por ela já adquiridos em situações vividas com outros parceiros
mais experientes. Essa ideia forma o conceito de ZDP (zona de
desenvolvimento proximal). Refere-se a distancia entre o nível de
desenvolvimento atual do individuo e a capacidade de responder orientado por
indicações externas a ele.
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“Todas as funções
superiores são formas
internalizadas
de relações sociais.”
Lev Vygotsky
Vygotsky dedicou anos de estudo para compreender a relação entre
pensamento e linguagem. Ele obteve muito sucesso nessa empreitada. Até
então, outros estudiosos tentavam compreender os dois conceitos de forma
isolada. Contudo, ambos os conceitos constituem o desenvolvimento humano e
sempre será um erro tentar fundamentá-los separadamente. A criança pensa a
partir do repertório que possui. Suas capacidades linguísticas e cognitivas
tendem a se ampliar a partir do contato com o mundo, com a cultura em que
esta inserida. E sempre será possível observarmos a necessidade da criança
de usar corpo para complementar tudo o que quer dizer, visto que o corpo fala
numa linguagem mais transparente do que as palavras. As linguagens do
corpo, ao mesmo tempo em que são complexas, também são inevitáveis e
involuntárias. Na verdade, expressamo-nos com o corpo por toda a vida. A
linguagem gestual ou a mimica, por exemplo, obriga a pessoa a usar todo o
corpo de forma coordenada na expressão de sentimentos e ideias.
As ideias inatistas a respeito da linguagem contrariam Vygostky, mas fazem
todo sentido. Teóricos construtivistas afirmam que a criança, mesmo antes de
adquirir recursos fonéticos já se comunica buscando expressar seu
pensamento e sabe exatamente o que quer dizer. Primeiro ela dá sentido,
depois ela nomeia porque o sentimento e a inteligência antecedem a palavra.
Geralmente as crianças apreciam a musica. A musica é uma forma de
linguagem que estimula e ajuda o desenvolvimento cognitivo. Elas gostam de
dançar e parece que já nasceram com ritmo próprio. É comum ouvir
professores cantando antes, durante e depois das atividades principalmente
nas classes das crianças menores. Embora pareça uma coisa corriqueira, a
musica dentro do ambiente escolar é rica em significados. Ela ajuda a criança a
internalizar a rotina, desenvolve as noções de tempo e espaço, estimula a
linguagem e ajuda a professora a prender a atenção das crianças como grupo.
Contudo, cantar o tempo inteiro não é a melhor saída. Acaba se tornando um
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método que domestica mais do que educa. O psicopedagogo dentro da
instituição escolar pode avaliar como os professores estão fazendo uso da
musica no dia a dia e sugerir que haja mais momentos de conversas com as
crianças. Os bebês precisam de um modelo de linguagem para imitar. Alguns
passam mais tempo na escola do que em casa com a família. Portanto, as
noções de tempo e espaço, padrão de linguagem, ampliação do repertorio
verbal, raciocínio logico... Enfim. São aprendizados inerentes à escola e esta
precisa pensar num planejamento dentro de uma proposta de ensino. Cada
escola tem a sua e todas planejam o que vão ensinar a cada ano. O
psicopedagogo atua pensando na proposta da escola e colabora com a equipe
pedagógica questionando o “como fazer”, sugerindo novas estratégias,
ajudando os professores a repensar a prática. Segundo Vygotsky, ainda que
não se queira ensinar um ser humano, este é observador o suficiente para
aprender. O “outro” tem uma função muito especial na construção da nossa
linguagem e pensamento.
Todo o processo de desenvolvimento linguístico e cognitivo se torna mais
fácil quando há um vínculo entre o sujeito e o objeto de aprendizagem. Esse
será o assunto dos próximos capítulos deste trabalho.
22
CAPÍTULO II
O Papel da Afetividade
De acordo com alguns cientistas, mesmo antes do nascimento, o feto está
consciente do que se passa a sua volta. No 6° mês ele já reconhece a voz de
pessoas mais próximas e aos oito meses de gestação ele já é capaz de reagir
à voz da mãe e corresponder quando ela alisa a própria barriga. Pelo visto, o
feto percebe tudo, as coisas boas e as coisas ruins que acontecem do lado de
fora.
Após o nascimento novas percepções surgem. Conforme ele cresce,
descobre, por meio dos sentidos bem aguçados, a presença do “outro”. No
inicio existe uma relação simbiótica de cuidados e alimentação (M. Maller,
1897-1965). São necessidades vitais. Mas com o tempo o bebê passa a
interagir com as pessoas a sua volta e espera ser correspondido. Quando isso
acontece, estabelece-se um vinculo entre ele, “o outro” e o objeto da
aprendizagem. Nesse sentido Coutinho (2004) reforça que o nascimento da
criança é marcado por um estado de dependência primária, biológica e
psicológica que não cessa com o simples amadurecimento biológico ao longo
da infância, e que o recém-nascido depende totalmente da mãe. Este vínculo é
como uma garantia de sua sobrevivência, pois, para o bebê, viver é receber
calor, proteção e carinho; viver é depender de alguém. Desenvolver e
amadurecer implicam em passar dessa dependência inicial a um grau
progressivo de independência.
O cientista suíço Jean Piaget (1896-1980) foi aquele que mais influenciou
a educação a segunda metade do século 20. Sua grande contribuição foi
estudar o raciocínio logico-matemático que é fundamental na escola, contudo
não pode ser ensinado. Suas descobertas tiveram grande impacto na
pedagogia e demonstraram que a transmissão de conhecimento é limitada. Se
um lado não se pode fazer uma criança aprender o que ela ainda não possui
condições de absorver, por outro lado, mesmo quando ela possui condições,
não vai demonstrar interesse a menos que haja um vinculo com o objeto da
23
aprendizagem. É nesse ponto que entra toda a questão da importância da
afetividade no processo de aprendizagem.
“O conhecimento não pode ser
uma cópia,
visto que é sempre uma
relação entre
objeto e sujeito”. (Jean Piaget)
Afetividade é o vinculo que a criança estabelece com quem ensina e com o
objeto de aprendizagem. Este vínculo vai determinar as emoções que serão
mobilizadas na situação de aprendizagem: alegria, medo, raiva, tristeza, etc.
Inteligência e afeto não se separam na concepção piagetiana. Não existe
aprendizagem que envolva somente um aspecto.
Para Piaget, a inteligência é a capacidade de estabelecer relações entre os
objetos e situações, de compreender e interpretar, de descobrir, inventar e
criar. A inteligência na concepção de Piaget não é um dom, mas uma
construção. Ao agir sobre os objetos e situações, a criança vai construindo
esquemas cognitivos, reconstruindo o mundo ao mesmo tempo em que
constrói sua inteligência. Esquemas cognitivos são ferramentas mentais que
nos permitem apreender a realidade. Tais esquemas não são ensinados, mas
construídos a partir da interação da criança com pessoas significativas (os pais,
irmãos, educadores, amigos, etc.
“A estruturas operativas não
resultam de aprendizagem
nem de programa hereditário inato:
assim não podem nascer senão
de uma construção”. Jean Piaget
Em seus estudos sobre as concepções infantis de tempo, espaço,
causalidade física e velocidade, Piaget criou um campo de investigação que
denominou epistemologia genética, ou seja, uma teoria do conhecimento
24
centrada no desenvolvimento natural da criança. Segundo o suíço, o
pensamento infantil passa por estágios, desde o nascimento até o inicio da
adolescência, quando o individuo atinge a capacidade plena do raciocínio.
Piaget se dedicou a observação cientifica rigorosa do processo de aquisição
de conhecimento pelo ser humano, em especial a criança. Poucos educadores
infantis têm ideia da dimensão das capacidades linguísticas e cognitivas dos
bebês e crianças de 0 a 2 anos. Mas eles precisam ver além das aparências,
ter paciência para esperar os resultados e, mais importante, acreditar nos
bebês. Isso é de máxima importância porque a aprendizagem das crianças
depende desse ponto de vista. O afeto é essencial para todo o funcionamento
do nosso corpo nos dando coragem, motivação, interesse, e contribuindo para
nosso desenvolvimento. E é pelas sensações que o afeto nos proporciona que
sabemos quando algo é verdadeiro ou não. Principalmente para a criança o
afeto é importantíssimo, pois ela precisa sentir-se segura para poder
desenvolver seu aprendizado, e é necessário que o professor tenha
consciência de como seus atos são extremamente significativos nesse
processo, porque essa relação aluno-professor é permeada de afeto, e as
emoções são estruturantes da inteligência do indivíduo (WALLON, (1995).
Algo muito comum é o adulto querer que a criança se torne cada vez menos
dependente dela. Contudo, tudo o que ele faz para acelerar os processos é
negativo e revela suas concepções mais profundas a respeito dessa faixa
etária. Alguns professores se sentem desvalorizados quando são designados
para uma turma de berçário. Como a psicopedagogia pode ajuda-los? Uma
maneira é por leva-los a ajustar seu ponto de vista é por conduzi-los a um
estudo cabal das características das crianças nas suas diferentes faixas
etárias. Considerar as etapas do desenvolvimento descritas por Jean Piaget
Entender que as coisas negativas e positivas que acontecem no berçário vão
interferir talvez por toda a vida dá muito que pensar.
O bebê fala com todo o corpo. Todo educador precisa aprender a interpretar
as reações do bebê: o choro, os gritos, os sorrisos, o agitar dos braços e
pernas simultaneamente. Todas essas reações compõem a comunicação
inicial dos seres humanos. Nós, educadores, já fomos bebê um dia. Não
podemos esquecer-nos disso.
25
As reações do bebê mobilizam o ambiente para suprir o prolongado período
de dependência. Tem algum ser na face da terra mais dependente do que o
bebê humano? É claro que não. Ele precisa de cuidados desde o seu
nascimento e nao apenas pelo alimento, mas pelo aconchego, pelo contato
corpo a corpo, conforme constatou Harry Harlow(1905-1981) em suas
pesquisas com filhotes de macacos rhesus. Ele separou os filhotes de suas
mães e os colocou em jaulas com “mães” substitutas. Uma delas era feita de
arames ligados a uma mamadeira. Se a teoria do “amor interesseiro” de
Sigmund Freud(1856-1939) e John Bowlby (1907-1990) estivesse certa os
filhotes escolheriam a mãe provedora de alimento. Mas, surpreendentemente,
eles passaram a maior parte do tempo com a mãe feita de tecido macio,
felpudo e aconchegante, embora sem mamadeira. Com o tempo, esse vínculo
mostrou-se ainda mais forte quando essas “mães” substitutas além de
aconchegantes passaram a nina-los e a oferecer alimento. Com esses novos
testes, Harlow chegou a conclusão de que talvez a principal função da
amamentação fosse garantir contato corporal com a mãe. Seu trabalho teve
grande impacto na concepção ocidental sobre a maternidade numa época em
que os psicólogos e médicos aconselhavam os pais a não pegarem seus bebês
no colo quando choravam.
Precisa de um adulto para suprir suas necessidades físicas e emocionais.
Além disso, precisa do adulto para lhe mostrar que mundo é esse que ele
acabou de chegar.
O psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962) foi o primeiro a levar
não só o corpo da criança, mas também suas emoções para dentro da sala de
aula. De acordo com Wallon as emoções têm papel central no desenvolvimento
da criança e é mediante elas que o bebê aprende a exteriorizar seus desejos e
suas vontades. Contudo, o ensino tradicional pouco estimula tais
manifestações. Talvez por conta de uma concepção equivocada de que o bebê
só precisa estar limpo e alimentado e, quando chora mesmo estando nessas
condições é porque “pegou manha” por parte da família. Mas a apatia é uma
grande inimiga da aprendizagem e ela se entala a partir de uma concepção que
não tem consideração mútua pelo bebê e suas necessidades emocionais.
Para Wallon, afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser
afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como
26
externas. A afetividade é um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua,
juntamente com a cognição e o ato motor no processo de desenvolvimento e
construção do conhecimento. A afetividade é o motor que move as ações
humanas. Sem ela não há interesse e não há motivação para a aprendizagem.
Wallon defende que a afetividade se expressa de três maneiras: por meio da
emoção, do sentimento e da paixão. A emoção é a primeira expressão de
afetividade. É uma ativação orgânica que não pode ser controlada pela razão.
É quando a criança se encanta com um fantoche e vibra a cada movimento que
ele faz. Seu desejo é que professor repita história varias vezes só para ter o
prazer de ver o personagem e os movimentos que ele produz.
O sentimento, por sua vez, tem caráter cognitivo. É a representação da
sensação e surge quando a pessoa já é capaz de falar sobre o que lhe afeta.
Já a paixão tem como característica o autocontrole. Ela se manifesta quando o
individuo domina o medo, como por exemplo, para sair de uma situação de
perigo.
O psicopedagogo deve observar e ouvir os educadores para saber como
eles estão lidando com sua própria afetividade. Esse é um ponto importante
visto que o comportamento afetivo do professor, a forma de conduzir as aulas e
seus métodos podem gerar emoções de boas ou ruins nas crianças.
Contudo, o professor não é o único responsável pelo sucesso ou insucesso
de um aluno. Mas seu papel como profissional ou como pessoa é vital nesse
processo. (NÓVOA, 1991).
Talvez tenham medo de não alcançar as expectativas da escola com relação
a turma ou talvez não entendam o valor de uma boa rotina que o berçário deve
ter para ser bem sucedido nos próximos anos da educação infantil. Se eles não
confiarem em si mesmos, como as crianças confiarão neles? Confiança é
fundamental para quem ensina e para quem aprende. Sem confiança não há
motivação, não se corre riscos.
Ao contar historias, por exemplo, o professor não está apenas estimulando a
oralidade dos pequenos ou fazendo passar o tempo entre uma atividade e
outra. O momento da história aproxima o grupo e possibilita o contato visual
não apenas com o professor, mas com as outras crianças quando sentam em
roda. Assim como a roda de canto onde todos cantam e reproduzem gestos
27
imitando uns aos outros e o professor. É um momento de cumplicidade, de
jogo, de afetividade.
As turmas menores, principalmente o berçário I e II são turmas que não
expõem claramente os resultados logo no inicio. Muitas vezes o professor só
percebe o quanto as crianças desenvolveram quando o ano esta quase
terminando ou simplesmente quando começa a escrever os relatórios. Mas os
professores mais observadores e que entendem a importância de estimular as
crianças dessa faixa etária, conseguem ver os frutos do seu trabalho muito
antes.
A própria adaptação em si requer do professor interesse nas crianças e
envolvimento com o trabalho desenvolvido com elas. A criança consegue fazer
algo muito extraordinário que é “ler” as emoções dos adultos. Ela percebe
desde uma pegada desajeitada até um franzir de sobrancelhas com relação a
pessoa dela. Sim, ela é uma pessoa, um ser humano que entende, a maneira
dela, tudo o que está acontecendo. E ao entender, reage.
Observo que muitas das vezes o bebê se adapta melhor com uma auxiliar
ou até com uma pessoa externa à sala de aula. O processo de adaptação
coletivo, ou seja, quando é a turma inteira adaptando ao mesmo tempo, deixa o
professor e sua equipe esgotados tanto física quanto emocionalmente. Que
nenhum professor fique aborrecido se um de seus alunos adaptarem-se melhor
com outra pessoa. A criança só vai ficar confortável quando estabelecer um
vínculo com alguém que pertence aquele ambiente. Depois esse alguém, que
geralmente é um coordenador que esta sempre por perto ou um
psicopedagogo, vai mediar a relação da criança com seu professor e os demais
funcionários da turma.
Todo professor de educação infantil tem que aprender a falar a linguagem da
criança pequena. Isso não tem nada a ver com a fala infantilizada que muitos
pais e educadores usam de forma equivocada. Falar a linguagem da criança
pequena é compreender o processo de desenvolvimento, se interessar pelo
que é interessante para ela e proporcionar situações favoráveis para o seu
aprendizado. Precisa entrar no mundo das crianças e até se colocar no lugar
delas para compreendê-las. É fundamental conhecer todo o processo de
desenvolvimento da criança a partir do ponto de vista de alguns teóricos mais
relevantes e saber o que se espera das crianças no berçário e no maternal. Na
28
prática, falar a linguagem da criança é sentar no chão, rolar, engatinhar e
brincar junto com as crianças. O bebê precisa desse tipo de contato com o
adulto para ser encorajado a vencer seus desafios, arriscar novos movimentos
que sozinho ele não seria capaz de realizar. Muitas crianças aceitam passar
em tuneis depois que seus educadores demonstram como fazer. O modelo
está presente em diversas situações. Os bebes aprendem mais e melhor
quando confiam no adulto que está com eles. O professor tem que ser uma
referência para os bebês, alguém em quem possam confiar. Os sentimentos de
medo, angústia, ansiedade e frustração, desgastam as crianças ao passo que
a serenidade e a tranquilidade dos professores auxiliam na redução, ou até
eliminação, desses sentimentos e destravam a atividade cognitiva de acordo
com Dantas, 1994.
Portanto, é importante que a escola promova reuniões pedagógicas com
constância para ajudar seus profissionais a conhecer melhor a faixa etária em
que atuam e estabelecer novas propostas de ensino para substituir tudo aquilo
que não está dando certo.
A afetividade deve ser preocupação dos educadores, por ser um elemento
que interfere no comportamento, no caráter e na atividade cognitiva infantil.
Certa medida de amor ao ensinar confere também certa medida de alegria de
aprender.
Ainda que muito não concordem, a escola é uma extensão do lar e não pode
ficar limitada a fornecer apenas conhecimentos. Ela deve contribuir para a
formação da personalidade dos alunos e favorecer o desenvolvimento
emocional saudável dos mesmos.
Para um desenvolvimento harmonioso é importante atender as
necessidades emocionais da criança. O amor é fundamental. O professor tem
responsabilidade e conhecimento da importância de sua atuação. Ele pode
modificar o comportamento infantil, transformar as condições negativas por
meio das experiências positivas enquanto administra as atividades. Ao
considerar essas facetas da arte de ensino ele consegue estabelecer um
vinculo com a criança e assim pode ajuda-la a vencer suas dificuldades. De
acordo com Rodrigues (1976), os motivos para o ser humano aprender
qualquer coisa são profundamente interiores. Segundo ele, uma criança
aprende melhor e mais depressa quando se sente amada, está segura e é
29
tratada como um ser singular. Por isso a importância da afetividade na relação
aluno-professor para a constituição do ser humano.
A instituição escolar precisa estar atenta a afetividade dos professores e
outros profissionais que constituem o quadro. Não é o caso de se realizar um
rodízio de professores para que eles atuem em todas as faixas etárias da
escola. Mas é observar o perfil de cada um e dar a eles a chance de
experimentar turmas diferentes a cada ano. Permitir também que eles se
coloquem profissionalmente e até mesmo mencionem o desejo de mudar a
faixa etária. Isso é fundamental para o crescimento profissional e abre a mente
deles para novas possibilidades. O psicopedagogo pode ser de grande ajuda
nesse aspecto visto que ele convive mais com os professores e também possui
um olhar focado na aprendizagem.
30
Capitulo III
O Papel do Lúdico na Construção da Aprendizagem
Os jogos e as brincadeiras fazem parte da vida não só das crianças, mas
também dos adultos. As brincadeiras ajudam a criança a representar o mundo
dos adultos e desse modo ela aprende a expressar seus sentimentos e a lidar
com regras e limites. A criança tem uma capacidade extraordinária de superar
desafios. Tal capacidade é aquecida por um fogo: o jogo simbólico.
No primeiro ano de vida, a criança aprende a distinguir entre um sugar que
alimenta (o seio) e um sugar que não alimenta (no vazio ou aplicado a um
objeto). Graças a isso, pode continuar sugando pelo prazer. A partir do
segundo ano, ela aprende a representar, a substituir as coisas pelos sons ou
gestos que lhes correspondem. Mas, igualmente, aprende a usar as
representações para simbolizar, isto é, recriar a seu modo as coisas e pessoas
que lhe são caras. Aprende a jogar ou brincar com a realidade, para
representá-la. No processo de desenvolvimento, essas transformações
separam sua vida em antes e depois.
Por que jogar e brincar pede formas organizadas de expressão? Para repetir
e fazer de conta basta uma pessoa. Mas, ao se desenvolver, a criança não
quer só brincar de - ela quer brincar com. Jogos sempre foram experiências de
troca. Daí a importância de estabelecer contratos, fixar limites de espaço e
tempo, definir objetivos. Realizar um percurso é uma das brincadeiras
preferidas das crianças. Mesmo que não saibam, elas estão representando e
se preparando para repetir outro percurso que nos foi concedido ao nascer.
Percorrer a vida é a tarefa, o problema ou o desejo de todos nós. Não
escolhemos a vida, mas devemos escolher os modos de vivê-la. O caminho
percorrido não volta. O caminho a percorrer deve ser decidido aqui e agora.
Nos jogos, é possível repetir e criar regras, errar e começar de novo. Graças a
isso, o outro percurso ganha sentido e passa a ser vivido com mais liberdade e
responsabilidade.
O aspecto lúdico é fundamental para o desenvolvimento humano. É um
estimulante para a imaginação e a criatividade. O jogo motiva a vontade e o
desejo de aprender coisas novas e dá novos sentidos ao conhecimento
adquirido.
31
As atividades desenvolvidas na pré-escola, tais como a contação de
historias, as parlendas, as musicas... Enfim, promovem vivencias que dão à
criança a oportunidade de desenvolver suas capacidades cognitivas, motoras,
linguísticas e afetivas. Brincando e vivenciando experiências lúdicas a criança
constrói seu próprio conhecimento e também sua identidade.
"O jogo é um tipo de atividade
particularmente poderosa para
o exercício da vida social
e da atividade
construtiva
da criança" (Piaget, 1975)
O brincar é considerado um fenômeno psicopedagógico visto que colabora
para o desenvolvimento integral do ser humano abrangendo o aspecto físico,
moral e emocional. Tais aspectos são facetas da personalidade humana e sua
identidade possibilitando que ele consiga relacionar-se com outros e consigo
mesmo.
Embora as crianças não saibam, o brincar e o jogar são modos de aprender
e se desenvolver. Ao fazer essas atividades, elas vivem experiências
importantes e significativas e isso explica porque gostam tanto de repeti-las e
representá-las.
Por que o jogo e a brincadeira pedem repetição? Esses desafios
proporcionam um prazer funcional em sua realização. Mesmo que seja
cansativo, elas querem continuar jogando e brincando. Há uma relação afetiva,
ou seja, algo que agrada ao corpo e a mente. O medo e a dor se tornam
suportáveis quando o objeto lúdico é interessante. Trata-se, portanto, de uma
experiência que pede repetição por tudo aquilo que representa ou mobiliza.
Graças a isso, aprendemos a conhecer melhor a nos mesmos. Aprendemos
sobre o que gostamos e sobre o que odiamos através das experiências lúdicas.
Jogar e brincar são formas de representação que envolvem profundamente
nossas sensações. E, como consequência, através das variações, repetições e
invenções, damos impulso a nossa própria criatividade. Ao brincar de casinha,
as crianças vivenciam experiências onde buscam compreender os papeis de
32
cada um, as questões sobre tempo e espaço. Tentam compreender porque a
mãe está longe, as tarefas que ela está realizando nesse período em a menina
está na escola. Os meninos, por exemplo, brincam sobre as diversas
profissões e geralmente representam aquelas que mais fazem sentido para
eles. É muito comum vê-los brincando de motorista, empresário, pedreiro.
Brincam de encanador e médico. Contudo, do que eles parecem gostar mais é
das brincadeiras de super-heróis, onde podem ser tudo e mais um pouco. O
jogo simbólico possibilita a criança entender um pouco o mundo dos adultos.
Possibilita estar envolvida, mesmo que em pensamento, com aqueles que são
representados.
Para Macedo (1944) os jogos são valiosos para a aprendizagem. Eles atuam
diretamente no desenvolvimento de estruturas para o conhecer e o viver. Com
os jogos, aprendemos pelo exercício, pelo símbolo e pela regra. Qualquer jogo
se sustenta pelo desejo de querer fazer de novo e tem como característica
maior o prazer funcional, o gosto da repetição. As ações básicas das crianças
se enriquecem graças a essa atividade de olhar por olhar, pegar por pegar,
ouvir por ouvir, cheirar por cheirar.
O jogo como prazer funcional de repetir uma atividade por si mesma
possibilita aprender pela experiência. Graças a isso, as crianças passam a
observar melhor, aperfeiçoar comportamentos e coordenar pontos de vista.
Para tanto, é preciso que vivam em um ambiente rico de possibilidades.
Ensinar, aqui, não é transmitir informações, e sim prover condições, cuidar e se
importar com aquilo que tem valor para o desenvolvimento. Trata-se do valor
da afetividade para aprender. Aquilo que se quer alcançar nos possibilita
enfrentar e superar as dificuldades para chegar lá.
Mesmo que haja reprodução ou imitação, as crianças pequenas estão
desvinculadas do compromisso de repetir um modelo ou referência, pois essa é
uma oportunidade de combinar ou imaginar livremente e viver a magia dessa
felicidade. É um jogo que permite a compreensão, pois, por meio dele, as
crianças podem dizer ou representar, a seu modo, o que pensam e sentem
sobre aquilo que fazem. Jogar, nesse sentido, é uma das condições para
aprender. O melhor de tudo é que elas fazem isso com gosto, intensamente.
33
É por intermédio do outro que as crianças aprendem a argumentar, tomar
decisões, repartir experiências, observar e se colocar. Além disso, aprendem
também a concluir, esperar, respeitar, se concentrar, ganhar e perder em
função do conhecer. O jogo de regras nos ensina a tomar decisões, planejar,
ampliar, fazer algo que tenha sentido e significado.
Seguindo essa linha de pensamento, é importante compreender que vida e
conhecimento não são jogos, mas que as formas de viver e conhecer são. É
por meio deles que exercitamos, simbolizamos e aperfeiçoamos nossas
maneiras de interagir com as pessoas e as coisas e de proceder bem. Quando
o tornar-se lúcido é mediado pelo lúdico, o amor ao conhecimento e às
pessoas encontra realização e sentido.
Segundo Piaget, o jogo é um processo evolutivo que se inicia com os
exercícios funcionais, passa pela fase dos jogos simbólicos, evolui para os
jogos de construção para se aproximar, gradativamente, dos jogos de regras,
que dão origem à lógica operatória. O jogo é uma porta para o atendimento
psicopedagógico, porém é preciso preservar a ludicidade, usando-o como
ponte afetiva e cognitiva com a aprendizagem. O jogo contribui para o
desenvolvimento linguístico e cognitivo à medida que a criança age sobre o
ambiente. Ao ressaltar a importância dos jogos, Piaget citou três tipos de jogos:
jogos motores, jogos simbólicos e jogos de regras.
1.1 Jogos Motores
A criança entre 0 e 2 anos apreende o mundo através de esquemas
perceptivos: olhar, ouvir... E de esquemas motores: chupar, agarrar,
empurrar... Enfim. Surgem os primeiros jogos motores onde a criança
usa os objetos para alimentar seus próprios esquemas sem a intenção
de explorar as características do objeto em si. Por exemplo, de inicio, ela
usa o lápis para chupar. Com o tempo ela observa que o lápis deixa
marcas numa superfície. Assim a criança, fazendo uma combinação de
esquemas aprendeu que o lápis serve para chupar e também para
rabiscar. Então ela passa a criar experiências para ver o que acontece.
São jogos motores onde a criança usa esquemas articulados e
34
sequenciados. Ela agora sacode para fazer cair, empurra para agarrar e
puxa para aproximar. Percebe-se nesse momento que há
intencionalidade na ação e a distinção entre os esquemas-meio e
esquemas-fim. Para Piaget, os jogos motores coincidem com os "afetos
perceptivos", ou seja, com o interesse em praticar os sentidos, que serão
sempre um dos critérios para nossas relações com as coisas e as
pessoas. Ver, tocar, degustar, enfim, sentir e pensar são, de fato, os
ingredientes básicos de qualquer interação.
1.2 Jogos Simbólicos
A segunda forma de jogo - o jogo simbólico - é igualmente importante
para os processos de aprendizagem. Expresso nas brincadeiras e nas
infinitas possibilidades de imaginação ou de fazer de conta, é um meio
de assimilação do mundo. Graças ao símbolo, as crianças pequenas
podem compreender as coisas, atribuir significações a elas e recriá-las
de forma livre e consentida. Elas aprendem a incorporar o mundo do
jeito que lhes interessa.
Por volta dos 2 anos a criança entra no jogo simbólico onde sua mente
reage por meio de imagens mentais. Nessa fase a linguagem vai ter um
papel fundamental. O pensamento da criança é egocêntrico e ela
acredita que pode fazer tudo. Predomina nessa fase os jogos de
imitação e o simbolismo. Nas suas brincadeiras ela começa a
representar os adultos que cuidam dela por exemplo.
Começa a brincar de mãe e filho, aluno e professor... Já é capaz de
pedir silencio aos seus amigos para contar uma historia ou fingir que
dorme e acorda. Ela também imita os animais e demonstra grande
interesse nas diversas espécies. Por volta dos 3 ou 4 anos a criança
começa a criar cenas simbólicas. Ela organiza o jogo simbólico num
espaço e num tempo, determinando papeis e funções aos objetos e
outras crianças. Dramatiza cenas do cotidiano como consultas ao
pediatra, hora da vacina, passeio no parque... Entre outras.
1.3 Jogos de Regras
35
De 4 anos em diante, com um notável equilíbrio entre assimilação e
acomodação, embora com seu pensamento bastante centrado, a criança
já consegue uma maior interação cognitiva tanto com outras crianças
quanto com os adultos. Ela já procura dar conta de ordens e propostas,
contudo, ainda responde com base nas suas imagens sobre os objetos.
Ela não se importa com o obvio ou com as articulações logicas que
possam existir entre uma coisa e outra. Piaget chamou esse período de
intuitivo porque a criança já se da conta do problema e busca resolvê-lo.
Porem, por lhe faltar a capacidade de reversibilidade do pensamento e
constância nos critérios, suas respostas são mais subjetivas do que
objetivas. Predomina a sua “própria logica”. A terceira forma de jogo - o
jogo de regras - requer regras e objetivos definidos e interação com
pessoas e coisas e, para sua ocorrência, as duas formas anteriores são
importantes. O prazer funcional e o faz de conta estão a serviço do
interesse em desenvolver bons procedimentos para ganhar, ir além. Não
é assim também na vida?
Os jogos e as brincadeiras contribuem para a construção da inteligência
desde que sejam usados em atividades lúdicas e prazerosas. Deve haver
também supervisão de um olhar psicopedagógico que questione e intervenha,
mas ao mesmo tempo haver respeito pelas etapas de desenvolvimento
intelectual de cada criança dentro da sua faixa etária.
A boa infância é aquela que permite a criança ser criança e usar todas as
suas capacidades físicas e mentais de forma construtiva. A maneira como o
individuo vive essa fase se reflete por toda a sua vida.
Atividades lúdicas adequadas na psicopedagogia contribuem para que os
alunos obtenham melhores resultados em seu desempenho. Contudo, somente
atividades lúdicas não resolvem o intricado processo educativo. As atividades
lúdicas auxiliam e promovem mudanças, buscando, por parte dos
psicopedagogos interessados, promover transformações e melhores
resultados.
Dessa forma, torna-se fundamental ressaltar que os jogos e brincadeiras são
aliados constantes, e possibilitam às crianças o desenvolvimento das suas
habilidades intelectuais, sociais e físicas, de forma prazerosa e participativa,
36
sendo os jogos e brincadeiras de grande contribuição para o contexto das
dificuldades de aprendizagem.
Na Educação Infantil o psicopedagogo tira proveito dos jogos como grandes
aliados, visando a conscientização das crianças de suas potencialidades,
procurando resgatar seus processos internos de apreensão da realidade nos
aspectos cognitivo, afetivo-emocional, e dos conteúdos, motivados em busca
de uma aprendizagem prazerosa.
Os jogos são recursos imprescindíveis, tanto na avaliação, como na
intervenção psicopedagógica, pois favorecem os processos de aprendizagem e
o desenvolvimento cognitivo do indivíduo.
O psicopedagogo é o profissional que lida com as questões relacionadas ao
processo de aprendizagem e ele tem como missão retirar as pessoas (adultos
e crianças) da sua condição inadequada de aprendizagem, fazendo-as
perceber suas potencialidades. A ludicidade é um encanto para que os
indivíduos se motivem a buscar uma aprendizagem prazerosa, então, temos os
jogos e as brincadeiras como aliados nesta tarefa.
Ivan Cruz (1947) é autor de mais de 150 quadros que retratam as
brincadeiras e jogos infantis que fizeram parte da infância de muita gente.
Essas brincadeiras devem ser resgatadas no ambiente escolar. O
psicopedagogo pode ajudar a escola a elaborar inclusive um projeto voltado
para as brincadeiras e infantis comparando com as brincadeiras atuais e
envolvendo os pais no sentido de colocá-los dentro da sala de aula, a fim de
contar para a criançada sobre suas brincadeiras preferidas da infância.
Cruz(1947) embasa todo o seu trabalho na própria frase que criou: “A
criança que não brinca não é feliz, ao adulto que quando criança não brincou,
falta-lhe um pedaço no coração”. Seu objetivo é divulgar o máximo possível
esse seu resgate ao lúdico, à imaginação, quer incentivar ao máximo o
desenvolvimento real das nossas crianças no feliz mundo das brincadeiras,
fugindo dos custos e problemáticas urbanas que esse público tanto sofre nos
dias atuais, confinadas a play-grounds, ao à frente de computadores, TVs e
videogames, desacostumadas ao convívio coletivo e ao desenvolvimento motor
proporcionado por tais jogos infantis de antigamente.
“É no brincar,
37
e somente no brincar,
que o indivíduo, criança ou adulto,
pode ser criativo e utilizar
sua personalidade,
e é somente sendo criativo
que o indivíduo descobre o eu”.
Winicott (apud Weiss, 2004, p.72)
O jogo tem caráter preventivo e curativo quando bem empregado. O caráter
preventivo vai estimular a criança a agir, elaborando antecipadamente
estratégias para a solução de problemas. O caráter curativo está mais voltado
para as crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem.
Embora o psicopedagogo se utilize dos jogos como recurso para intervir no
processo de aprendizagem, é necessário entender que ele não interpreta, mas
procura compreender e adequar atividades lúdicas às necessidades de cada
indivíduo e o momento que devem ser utilizadas.
O jogo também pode agir na prevenção de reações negativas diante de
problemas simples. Através dos jogos o professor auxilia o aluno a lidar com
suas frustrações, acesso de raiva, medo e comportamentos egocêntricos.
De acordo com Goleman (1997), no livro Inteligência Emocional,
aprendemos sempre melhor quando o assunto a ser estudado nos interessa e
nos dá prazer. Os jogos são fundamentais para despertar o interesse por algo.
Até mesmo os assuntos mais complicados se tornam fáceis de entender
quando vivenciados por meio dos jogos e brincadeiras. Cabe ao
psicopedagogo fazer intervenções de caráter subjetivo, de forma que o
indivíduo vá se percebendo e construindo seu aprendizado.
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CONCLUSÃO
Parece que a ideia de dar aula para crianças que aparentemente precisam
primariamente de cuidados provoca no professor a sensação de estar
“perdendo tempo”, ou de que não está “pondo em pratica” tudo aquilo que
aprendeu na sua formação. Mas isso é um equivoco! Todo o processo de
alfabetização, por exemplo, é embasado pelas experiências vividas desde o
inicio, provavelmente desde o útero, segundo especialistas. Portanto, o que
acontece no berçário de uma escola vai interferir nas séries seguintes. A
questão do vínculo precisa ser mais analisada pelos educadores e a
psicopedagogia é quem vai mediar essa faceta fundamental da aprendizagem.
O aspecto linguístico e cognitivo que envolve toda a aprendizagem precisa ser
pensado em conjunto e é os professores devem se integrar das etapas de
desenvolvimento das crianças. Mesmo que o professor não atue com berçário,
ele precisa entender essa fase para ajudar seu aluno do jardim que tem
dificuldades para prestar atenção numa historia, por exemplo. Ou para ajudar
sua turma de maternal II a segurar o pincel na hora da pintura e esperar a vez
de participar nas atividades individuais. Todos esses comportamentos são
trabalhados desde o berçário assim como a detecção de problemas de
aprendizagem que se não forem diagnosticados cedo podem trazer prejuízos
intelectuais para a criança. O uso dos jogos no processo não pode ser visto
como um mero passatempo. Os jogos são fundamentais no processo de
construção da aprendizagem.
Espero com este trabalho ter levado o leitor a refletir sobre a importância de
repensar a prática pedagógica levando em conta como a criança aprende.
Talvez o educador precise se colocar no lugar da criança pequena para
entende-la.
Esse é o ponto a ser salientado, o comportamento afetivo do professor, a
maneira de organizar as aulas e os métodos e técnicas educacionais que utiliza
nas aulas podem gerar emoções de bem-estar ou mal-estar nos alunos que
ficarão associadas às matérias dadas e/ou ao próprio ensino em si.
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Não se quer dizer com isso, que o professor seja o único responsável pelo
sucesso ou insucesso do aluno, durante sua vida escolar, mas sim que o papel
do professor é de vital importância, seja como pessoa ou como profissional
(NÓVOA, 1991).
40
BIBLIOGRAFIA
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41
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https://novaescola.org.br/conteudo/120/brincar-e-mais-que-aprender Acessado
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