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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista

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PSICOTERAPIASCOGNITIVA E

CONSTRUTIVISTA

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P974 Psicoterapias cognitiva e construtivista : novas fronteiras daprática clínica [recurso eletrônico] / Cristiano Nabuco deAbreu ... [et al.]. � Dados eletrônicos. � Porto Alegre :Artmed, 2012.

Editado também como livro impresso em 2003.ISBN 978-85-363-2722-8

1. Psicoterapia cognitiva. 2. Psicoterapia construtivista. 3.Psicoterapia � Prática clínica. I. Abreu, Cristiano Nabuco de.

CDU 615.851

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus � CRB 10/2052

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PSICOTERAPIASCOGNITIVA E

CONSTRUTIVISTANOVAS FRONTEIRAS DA PRÁTICA CLÍNICA

2012

CRISTIANO NABUCO DE ABREUMIRÉIA ROSO

(E COLABORADORES)

VERSÃO IMPRESSADESTA OBRA: 2003

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©Grupo A Educação S.A, 2012

CapaGustavo Macri

Preparação do originalElisângela Rosa dos Santos

Leitura FinalClaudia Bressan

Supervisão editorialMônica Ballejo Canto

Projeto e editoraçãoArmazém Digital Editoração Eletrônica � rcmv

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, àARTMED EDITORA LTDA., divisão do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.

Av. Jerônimo de Ornelas, 670 � Santana90040-340 Porto Alegre RS

Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULOAv. Embaixador Macedo Soares, 10.735 � Pavilhão 5

Cond. Espace Center � Vila Anastácio05095-035 São Paulo SP

Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333

SAC 0800 703-3444 � www.grupoa.com.br

IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

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Autores

Corinna Schabbel, psicóloga � The FieldingInstitute � Califórnia.

Cristiana Vallias de Oliveira Lima, psicóloga.

Cristopher Muran, psicólogo � Brief Psycho-terapy Research Program � Beth Israel MedicalCenter; Albert Einstein College of Medicine.

Daniel Boleira Sieiro Guimarães, psiquiatra� Ambulatório de Bulimia e Transtornos Ali-mentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquia-tria do Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo.

Eduardo Simon, psiquiatra � Núcleo de Psico-terapia Cognitiva de São Paulo.

Eliana da Silva Ramos Arruda, psicóloga.

Eliane Falcone, psicóloga � Instituto de Psico-logia da Universidade Estadual do Rio de Ja-neiro.

Flávia Andrade, psicóloga � Núcleo de Psico-terapia Cognitiva de São Paulo.

Francisco Lotufo Neto, psiquiatra � Institutode Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da Universidade de São Pau-lo.

Helene Shinohara, psicóloga � Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro.

Henrique Alvarenga da Silva, psiquiatra � De-partamento de Engenharia Biomédica da Uni-versidade Federal de São João Del-Rei; NúcleoMineiro de Psicoterapias Cognitivas.

Cristiano Nabuco de Abreu (org.), psicólo-go � Ambulatório de Bulimia e TranstornosAlimentares (AMBULIM) do Instituto de Psi-quiatria do Hospital das Clínicas da Faculda-de de Medicina da Universidade de São Pau-lo; Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de SãoPaulo.

Miréia Roso (org.), psicóloga � Ambulatóriode Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto dePsiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculda-de de Medicina da Universidade de São Paulo.

Aaron T. Beck, psiquiatra � PsychopathologyResearch Unit � Department of Psychiatry �University of Pennsylvania.

Admar Cardoso Jr., psicólogo � Centro deAperfeiçoamento Profissional (CEFAP).

Álvaro Pacheco Duran, psicólogo � UNICAMP.

Augusto Zagmutt Cahbar, psicólogo � Sociedadde Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).

Carlos Eduardo Gonçalves Reche, psiquia-tra � Faculdade de Psicologia da Universida-de do Estado de Minas Gerais; Núcleo Minei-ro de Psicoterapias Cognitivas.

Carlos Eduardo Leal Vidal, psiquiatra � Facul-dade de Medicina de Barbacena (Minas Gerais);Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.

Carlos Eduardo Pires e Albuquerque, psicó-logo � Consultores Associados Milton de Olivei-ra; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas

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Jeremy Safran, psicólogo � New School for So-cial Research (New York).

Ivana Lia Rios Costa, psicóloga � Centro deFormação e Aperfeiçoamento Profissional(CEFAP).

Lígia Montenegro Ito, psicóloga � Laborató-rio de Investigações Médicas (LIM 23) do Ins-tituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo.

Lilian Erichsen Nassif, psicóloga � Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas da Universi-dade Federal de Minas Gerais; Núcleo Mineirode Psicoterapias Cognitivas.

Luciane Gonzalez Valle, psicóloga.

Mateo Ferrer Farji, psicólogo � Sociedad deTerapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).

Mariangela Gentil Savoia, psicóloga � Ambu-latório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto dePsiquiatria do Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da Universidade de São Pau-lo; Centro de Atenção Integrada em SaúdeMental (CAISM) da Irmandade da Santa Casade Misericórdia de São Paulo.

Maurits Kwee, psicólogo � Waseda University;Advanced Research Center for Human Sciences.

Myrian Vallias de Oliveira Lima, psicóloga.

Raquel Gonçalves Wanderley, psicóloga �Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.

Simone da Silva Machado, psicóloga � Uni-versidade de Santa Cruz do Sul; Centro de Con-trole de Stress; Núcleo de Estudos e de Atendi-mento em Psicoterapias Cognitivas.

Willem Kuyken, psicólogo � Psychology Depar-tment � Exerter University.

vi Autores

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Sumário

Prefácio ................................................................................................................................. 11Táki Athanássios CordásIntrodução ............................................................................................................................ 13Miréia Roso e Cristiano Nabuco de Abreu

PARTE IAspectos epistemológicos

1. Verdade, conhecimento e emoção nas abordagens cognitivas ...................................... 21Henrique Alvarenga da Silva

2. Cognitivismo e construtivismo ..................................................................................... 35Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso

PARTE IIUm estudo comparativo entre os modelos cognitivo e construtivista

3. Terapia cognitiva: abordagem revolucionária .............................................................. 53Aaron T. Beck e Willem Kuyken

4. Técnicas selecionadas da prática da terapia cognitiva .................................................. 61Helene Shinohara

5. Construtivismo e prática clínica da rebiografia narrativa ............................................. 69Maurits Kwee

6. Técnicas selecionadas da prática da terapia construtivista ........................................... 89Simone da Silva Machado

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PARTE IIIA terapia cognitiva dos transtornos psiquiátricos

7. Fobia social ................................................................................................................ 101Mariangela Gentil Savoia

8. Transtornos alimentares ............................................................................................. 113Daniel Boleira Sieiro Guimarães

9. Transtorno de pânico ................................................................................................. 125Lígia Montenegro Ito

10. Depressão .................................................................................................................. 133Cristiana Vallias de Oliveira Lima

11. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 139Carlos Eduardo Leal Vidal e Raquel Gonçalves Wanderley

12. Dependência química ................................................................................................. 149Flávia Andrade e Eduardo Simon

PARTE IVA terapia construtivista dos transtornos psiquiátricos

13. Fobia social ................................................................................................................ 159Miréia Roso

14. Transtornos alimentares ............................................................................................. 167Augusto Zagmutt Cahbar e Mateo Ferrer Farji

15. Transtorno de pânico ................................................................................................. 181Luciane Gonzalez Valle

16. Depressão .................................................................................................................. 195Álvaro Pacheco Duran

17. Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 203Carlos Eduardo Gonçalves Reche

18. Alcoolismo ................................................................................................................. 215Lilian Erichsen Nassif

PARTE VOs modelos cognitivo e construtivista na terapia de casal

19. Terapia de casal: enfoque cognitivo ........................................................................... 229Myrian Vallias de Oliveira Lima

20. Terapia de casal: enfoque construtivista ..................................................................... 237Corinna Schabbel e Eliana da Silva Ramos Arruda

8 Sumário

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PARTE VINovas fronteiras da prática clínica

21. Modelos de estágios do processo de resolução da ruptura da aliança ......................... 251Jeremy Safran e Cristopher Muran

22. Empatia ..................................................................................................................... 275Eliane Falcone

23. Religião, psicoterapia e saúde mental ........................................................................ 289Francisco Lotufo Neto

24. Construtivismo e cultura organizacional .................................................................... 303Carlos Eduardo Pires e Albuquerque

25. Terapias cognitivas na oncologia ................................................................................ 315Admar Cardoso Jr. e Ivana Lia Rios Costa

26. A pessoa do terapeuta e o processo de mudança em psicoterapia .............................. 325Cristiano Nabuco de Abreu

Sumário 9

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Prefácio

O uso de recursos psicológicos no trata-mento dos quadros psiquiátricos e no auxílio àsuperação da dor e do desconforto humanoremonta à Antigüidade Clássica, provavelmen-te antes da máxima socrática �Noxe te ixum�(Conhece-te a ti mesmo�). Esses procedimen-tos podem ser identificados nas mais diferen-tes formas de apoio, persuasão, confissão reli-giosa, obras literárias e uso de arte.

De maneira sistemática, porém, o início doséculo XX marca o desenvolvimento da psicote-rapia como teoria e prática pelas mãos de trêshomens: Freud, Jung e Adler. Cumpre ressaltarque Adler não recebeu o reconhecimento ime-diato nos círculos psicoterápicos de maneira tãoufanista quanto os dois primeiros, mas sua ên-fase na importância do presente e do futuro empsicoterapia o tornam um pioneiro em aspectosque a terapia cognitivo-comportamental ressal-taria somente décadas depois.

Mais de 700 �marcas� de psicoterapia es-tão no mercado, boa parte delas com corposteóricos rudimentares ou com referenciaisemprestados ou mal copiados de outras linhaspsicoterápicas. Nesse sentido, a pesquisa so-bre a efetividade das psicoterapias encontraobjetores radicais particularmente entre de-terminados redutos psicanalíticos, bem comoproblemas metodológicos importantes, entreeles a escolha do método qualitativo ou quan-titativo.

No entanto, as psicoterapias de orienta-ção comportamental e cognitiva buscaram pre-cocemente sua validação científica e sua eficá-

cia no tratamento de diversos transtornos psi-quiátricos. O mesmo ainda não ocorreu com oconstrutivismo aplicado à psicoterapia. Apesarde sua reconhecida importância na área da edu-cação, somente nas últimas duas décadas co-meçou a ter uma base teórica cada vez maissólida para sustentar a compreensão dos pro-cessos envolvidos na mudança humana e, por-tanto, aplicadas à psicoterapia.

Vale abrir um parênteses neste prefáciopara esclarecer que, quando falamos de tera-pia construtivista, não estamos falando ape-nas a respeito de uma mera vertente da tera-pia cognitiva, mas sim de uma abordagem que,em si mesma, apresenta variantes importan-tes.

Para fins didáticos, as teorias construti-vistas em psicoterapia podem ser divididas emduas variantes, que se diferenciam principal-mente pelo conceito que têm do significado darealidade: o construtivismo radical e o cons-trutivismo crítico. O construtivismo radical temcomo referência a posição idealista, tal comona Filosofia, afirmando que não há realidadealém de nossa experiência pessoal. Nesse sen-tido, o conhecimento não reflete uma necessi-dade ontológica objetiva, e sim a experiênciatal qual a construímos. Sua maior e mais re-cente expressão são os trabalhos de Maturanae Varela e o conceito que utilizam de autopoiese(sistemas que se auto-organizam constante-mente).

O construtivismo crítico não nega a exis-tência de um mundo real, mesmo que não pos-

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samos conhecê-lo diretamente. Nessa perspec-tiva, o indivíduo é um co-criador de sua reali-dade pessoal, ou seja, a realidade externa existeobjetivamente, porém o conhecimento desta ja-mais será objetivo, e sim construído pelo obje-tivo, a partir de suas percepçõs e experiências.Muitos são os autores que partem dessa pers-pectiva teórica para formular suas teorias psi-cológicas construtivistas e, conseqüentemen-te, suas propostas terapêuticas. Alguns dos maisrepresentativos na atual psicologia construti-vista são Michael Mahoney (EUA), VittorioGuidano (Itália), Óscar Gonçalves (Portugal),Jeremy Safran (EUA), Leslie Greenberg (Ca-nadá) e Robert Neimeyer (EUA). Vários outros,entre eles brasileiros e colaboradores deste li-vro, têm contribuído para o desenvolvimentodas teorias e psicoterapias construtivistas. Ou-tro aspecto refletido por este livro é o da inter-disciplinaridade dos estudos cognitivos, o qualtem crescido muito desde os anos 70. O que sechama hoje de ciência cognitiva dissemina suainfluência e busca soluções em áreas tão ex-tensas quanto a natureza do pensamento, das

emoções, da lingüística, da filosofia e da psi-quiatria. Com certeza, a psicoterapia cognitivarege em sua aplicação todas essas áreas dire-tamente relacionadas ao ser humano que bus-ca mudanças � talvez por isso o autor desteprefácio não seja nem psicólogo nem psicote-rapeuta.

Elogios à competência dos organizadores,Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso, edos autores seria redundante uma vez que aimportância científica e didática de seu traba-lho é sobejamente conhecida. Assim, o melhora fazer é agradecer profundamente a todos.Agradecer não apenas pela qualidade técnicaincontestável desta obra, mas também peloexemplo de diletantismo, pois não é possívelusar outro termo para quem busca ensinar ediscutir suas idéias.

Táki Athanássios CordásCoordenador Geral do Ambulatório de Bulimia

e Transtornos Alimentares (AMBULIM) doInstituto de Psiquiatria do Hospital

das Clínicas da Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo.

12 Prefácio

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IntroduçãoMiréia Roso

Cristiano Nabuco de Abreu

A idéia de escrever este livro começou adesenvolver-se a partir de diversas discussõesa respeito de como, enquanto terapeutas cog-nitivos, realizamos nosso trabalho na psico-terapia. É fato que, no Brasil, a formação damaior parte dos terapeutas ainda tem forteinfluência da psicanálise e pode-se conside-rar a terapia cognitiva como uma escola depsicoterapia ainda em expansão. Por isso, osclínicos que optaram por estudá-la e praticá-la ainda carecem de um modelo capaz de iden-tificar sua prática de maneira genuína. É co-mum nos depararmos, em aulas e congressosno Brasil, com questões do tipo: �Será que esteprocedimento que estou realizando com meucliente é realmente compatível com o modelocognitivo?�, �Se opto por aplicar, por exem-plo, técnicas comportamentais comprovada-mente eficazes no tratamento de quadros an-siosos, ainda assim posso considerar a minhaprática como basicamente cognitiva?�, �E se,em alguns casos, priorizo o enfoque das emo-ções, estaria mais identificado com um mo-delo cognitivo construtivista?�. Portanto, aoque tudo indica, estamos em um territóriomesclado por natureza, por terapeutas e peloentendimento destes a respeito do que se con-sidera sacramental dentro de cada autor cog-nitivo.

Acreditamos não ser possível legitimar anossa prática apenas seguindo um modelo teó-rico (na maioria das vezes �importado�), o qual

nos é ensinado e não nos deixa tão confortá-veis ao aplicá-lo (Abreu, 1996). É provável quemuitos leitores, terapeutas cognitivos, já se te-nham questionado a esse respeito, tal como nósjá o fizemos inúmeras vezes. Foi precisamentepor essa razão que optamos por organizar umlivro que pudesse abranger diferentes visõesde terapeutas cognitivos para que, assim, ti-véssemos a oportunidade de vislumbrar nossaprática a partir dos diferentes pressupostos quepossuímos � sejam eles objetivistas ouconstrutivistas.

A TERAPIA COGNITIVA:HISTÓRICO E APLICAÇÕES

A chamada revolução cognitiva teve iní-cio por volta de 1956, quando Skinner come-çou a incluir o comportamento verbal comotema de seus estudos. Isso revelava que osbehavioristas começavam a reconhecer a ne-cessidade de compreender os �processos inter-nos� que governam o comportamento. A fa-mosa �caixa-preta� passava a despertar o inte-resse dos pesquisadores. Os estudos do com-portamento governado por regras são umexemplo disso.

Em 1958, Wolpe introduzia a técnica dadessensibilização sistemática, a qual mostravaque era possível modificar uma resposta deansiedade com procedimentos apenas cogni-

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14 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.

tivos: treinava-se o paciente a relaxar, enquan-to ele imaginava situações geradoras de ansie-dade de modo a inibi-la. Foi a primeira formade terapia verbal alternativa à psicanálise e es-tava baseada nos modelos de aprendizagem.

A conclusão a que se chegava, a partirdesses estudos, era a de não ser mais suficien-te modificar o contexto de maneira a reforçar(positiva ou negativamente) uma resposta queprecisava ser modificada; era necessário con-siderar também de que maneira o indivíduopercebia esse contexto. Em outras palavras, nãoera a situação (ou o contexto) a determinantedo que as pessoas sentiam ou como se com-portavam, e sim o modo como interpretavamtais situações.

Foi exatamente isso que Beck afirmou em1963, quando começou a publicar estudos so-bre a relação entre o pensamento e a depres-são. Alguns anos mais tarde, por volta de 1970,juntamente com Mahoney (1974) e Ellis(1985), influenciados pelo avanço dos estudosna área das ciências cognitivas, deram início àrevolução cognitiva propriamente dita (Abreue Shinohara, 1998). Até hoje, a terapia cogni-tiva tem como pressuposto a idéia de que ossentimentos e os comportamentos do indiví-duo são determinados pelo modo como eleestrutura e interpreta o mundo através de seuspensamentos e de suas crenças.

De maneira geral, a terapia cognitiva co-meçou sendo aplicada no tratamento de trans-tornos psiquiátricos, primeiro através de te-rapia individual e, depois, de terapia em gru-po. Hoje, ela também é aplicada na terapiade casais e de pessoas que buscam tratamen-to mesmo sem apresentar um diagnóstico psi-quiátrico.

Três aspectos principais caracterizam asterapias cognitivas e tornam sua aplicação cadavez mais freqüente:

� Seu caráter breve: procura-se definirum foco e estabelecer objetivos parao tratamento.

� Seu caráter pedagógico: parte do tra-balho consiste em discutir com o clien-te seu quadro clínico, a necessidade damedicação e os efeitos colaterais, bemcomo, sempre que possível, orientar afamília.

� Seu caráter multidisciplinar: a terapiaparticipa de um trabalho em conjuntocom outros profissionais (psiquiatras,enfermeiros, terapeutas ocupacionais,nutricionistas, etc.).

Esses aspectos também justificam suaimportante aplicação em projetos de pesquisa.

A maior parte dos tratados referentes aotratamento psicológico dos transtornos psiqui-átricos reporta-se à terapia cognitivo-compor-tamental (TCC) desses transtornos. Geralmen-te, são descritos �pacotes� de tratamento nosquais se utilizam técnicas comportamentais ecognitivas cujo objetivo é o alivio de sintomasde um determinado transtorno psiquiátrico.Um exemplo é o tratamento do transtorno dopânico. O tratamento desse transtorno, em ter-mos cognitivo-comportamentais, inclui a expo-sição a situações fóbicas de maneira gradual esistemática, o gerenciamento da ansiedadeatravés de técnicas de respiração e relaxamen-to e a modificação de crenças e pensamentoscatastróficos associados ao aumento da ansie-dade em determinadas situações. A eficáciadesse tipo de tratamento foi extensivamentecomprovada em inúmeros estudos no mundointeiro.

O que esse tipo de abordagem oferececomo vantagem? A utilização de técnicas. Note-se que o intuito aqui não é o tratamento doindivíduo como um todo, mas o tratamento deseu transtorno, o que é extremamente válido.Se trabalhamos em uma instituição e precisa-mos oferecer tratamento rápido e eficaz a pes-soas que nos procuram em sofrimento, essaabordagem oferece-nos condições de fazer issocom sucesso. Outra qualidade desse tipo deabordagem é sua fácil aplicação em projetos

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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 15

de pesquisa. A psicologia mereceu o respeitoque tem hoje quando provou que seus méto-dos eram válidos sob um ponto de vista cien-tífico, mesmo que esse ponto de vista tenhasido, até hoje, o positivista (o modelo médicode ciência).

Já a indicação da terapia cognitiva de Beckse dá quando o objetivo principal é o alívio desintomas através da modificação de crenças epensamentos disfuncionais (Ver Capítulo 3).Aqui, a abordagem refere-se ao método cogni-tivo que segue um padrão bem-estruturado, noqual o terapeuta utiliza um roteiro que inclui aorganização da agenda, a revisão e a prescri-ção da lição de casa, a discussão das tarefas eum resumo da sessão no final da mesma. Otrabalho é educativo e está centrado nos pro-blemas do aqui e agora, relevando menor aten-ção às recordações da infância (Bricker, Younge Flanagan, 1993).

O modelo de Beck procura ensinar o pa-ciente a: (1) observar e controlar os pensamen-tos automáticos negativos; (2) reconhecer osvínculos entre cognição, afeto e comportamen-to; (3) examinar as evidências a favor e contrapensamentos automáticos distorcidos; (4) subs-tituir cognições tendenciosas por interpretaçõesmais orientadas para o real e (5) aprender aidentificar e alterar as crenças disfuncionais queo predispõe a distorcer suas experiências. Di-versas técnicas são utilizadas para isso. As maiscomuns são o diário de pensamentos, no qualo paciente registra pensamentos que alteraramsuas emoções ao longo do dia a fim de avaliá-los de maneira mais objetiva, e o questio-namento socrático, através do qual o terapeutaauxilia o cliente na identificação das distorçõesde seus pensamentos e crenças, bem como naassociação destas e do mal-estar que apresen-ta (Beck, 1998).

Esse tipo de abordagem é útil quando apessoa que procura tratamento sente-se con-fortável frente a uma abordagem mais racio-nal, organizada e objetiva. No tratamento detranstornos psiquiátricos caracterizados poruma dificuldade de organização do paciente,

como, por exemplo, a depressão, esse tipo deabordagem mostra-se extremamente útil, namedida em que ensina o paciente a organizarseu tempo e suas prioridades, dando-lhe ins-trumentos para observar-se de maneira maisconcreta.

Finalmente, a abordagem cognitiva-cons-trutivista é indicada quando o objetivo é com-preender a �construção de significados� que oindivíduo realizou ao longo de sua vida e quepode estar causando sofrimento. O foco dessaterapia incide sobre os esquemas emocionaisque orientaram tal �construção�. Por isso, amaior parte das técnicas da terapia construti-vista focaliza as narrativas que o cliente faz desua história de vida e de suas experiências atu-ais. A história de vida tem especial relevância,uma vez que permite a compreensão do modopelo qual tal construção foi sendo realizada.

A abordagem construtivista é utilizadaquando há necessidade de realizar um traba-lho psicoterápico mais amplo e mais profun-do, no qual as mudanças obtidas são muitasvezes mais duradouras. No tratamento dostranstornos de personalidade, nos quais as téc-nicas comportamentais e cognitivas têm-semostrado insuficientes e muitas vezes poucoeficazes, a terapia construtivista poderia serbastante promissora.

Por que promissora e não eficaz? Porqueainda estamos no início do desenvolvimentode uma metodologia que nos permita validarprocedimentos cuja prioridade é o indivíduo esua história, e não a observação externa, o diag-nóstico ou a aplicação de técnicas na realiza-ção de uma psicoterapia científica. Não que odiagnóstico, a generalização de dados ou avalidação de técnicas sejam menos importan-tes; porém, em psicoterapia, isso está longe deser suficiente.

Esperamos que esta obra sirva de pontode partida para novas reflexões e para o apri-moramento e o refinamento dos modeloscognitivos no Brasil e que possamos, no futu-ro, desenvolver um modelo nosso, que atendaàs nossas necessidades.

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16 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.

CONCLUSÃO

Ainda restaram sem uma resposta ques-tões importantes sobre o que determina a in-terpretação que uma pessoa faz das situações,ou mesmo a quais regras esse processo de atri-buição de significados obedece.

Beck, no início de seu trabalho, afirmavaque são os esquemas cognitivos ou as crençasque determinam essa interpretação de um in-divíduo sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas,hesitando a outra ponderação, de onde pro-vêm esses esquemas? Seriam eles apenas deri-vados de uma natureza cognitiva?

Para Beck (1970), os esquemas são estru-turas cognitivas abstratas, formadas segundoregras e pressupostos adquiridos durante o de-senvolvimento, que geram padrões ou temas napercepção que o indivíduo tem de si mesmo ede suas experiências. Todavia, bem sabemos quealgum tempo após publicada, muitos estudio-sos já não aceitavam essa definição como com-pletamente suficiente (Mahoney, 1998).

Mesmo se fosse consenso que o compor-tamento do indivíduo é um reflexo da inter-pretação que ele faz de si mesmo e do mundo,hoje essa interpretação (de mão única) nãopode não ser totalmente validada, pois aneurociência aponta para o fato de que as emo-ções também contribuem para a arquitetura daatribuição de significados (Damásio, 2001).Não seriam, portanto, os esquemas emocionais,construídos desde a infância que antecedemas interpretações cognitivas do indivíduo? Idéi-as dessa natureza foram as responsáveis pelaorigem da concepção construtivista, conformeveremos ao longo dos primeiros capítulos des-te livro.

Portanto, vale relembrar que hoje a tera-pia cognitiva apresenta duas possibilidades decompreensão e intervenção no processo demudança psicológica, e ambas procuram iden-tificar as formas de interpretação que o indiví-duo faz de suas experiências. Quando falamosde terapia cognitiva, é necessário sempre con-siderar o ponto de vista do qual se parte, ou

seja, qual é a conce(o)pção epistemológica ado-tada pelo clínico (Abreu, 2001). Cada um per-mite, de sua própria maneira, diversas possibi-lidades de entendimento, intervenção e objeti-vos terapêuticos (Mahoney, 1998).

Concordamos com a afirmação de Miró(1998) de que explicar a mudança terapêuti-ca, partindo de uma concepção histórica dosujeito, não deveria ser uma limitação para apsicoterapia científica, mas sim um horizonte,certamente mais coerente com as necessida-des encontradas quando se trata de investigarcientificamente os processos de mudança en-volvidos no trabalho psicoterapêutico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, C.N. Panorama actual de la terapia cogniti-va en sudamérica. Conferência apresentada no 1er.Simposio Reginal Sudamericano de Terapia Cogni-tiva, Argentina, 1996.___________ . Psicoterapia construtivista: o novo para-digma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B.(Org.). Atualizações em terapia cognitivo-comporta-mentais. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.62-76.

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PARTE IAspectos Epistemológicos

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Verdade, Conhecimento e Emoçãonas Abordagens Cognitivas

Henrique Alvarenga da Silva

rapêutica, e diversos trabalhos de pesquisa têmsido conduzidos nesse sentido. Como resulta-do disso, a terapia cognitivo-comportamentaltem conseguido mostrar-se eficaz em uma sé-rie de transtornos psiquiátricos e alcançado seulugar tanto na prática clínica quanto nas insti-tuições de ensino.

O construtivismo como forma de psicote-rapia ainda é recente. No Brasil, é mais conhe-cida sua versão piagetiana, utilizada principal-mente na área da pedagogia. Entretanto, nosúltimos anos, sua construção teórica tem cres-cido significativamente e merece ser visitada.

A psicoterapia cognitivo-construtivista fazparte de uma revolução epistemológica no cam-po das ciências cognitivas, assumindo comocaracterística marcante a grande multi-disciplinaridade. Ela surgiu a partir de contri-buições das ciências biológicas, da filosofia, dalingüística, da antropologia, da computação ede vários ramos da psicologia. Fruto especial-mente de questionamentos nas concepçõesbásicas dessas áreas, representa o resultado deuma evolução histórico-científica que culminacom o encontro de diversas disciplinas no quese denomina ciência cognitiva ou, conformeGardner (1996), uma nova ciência da mente.

As idéias filosóficas não são apenas orna-mentos ou comentários parasitas sobre os difí-ceis objetivos da ciência. É inevitável que toda

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nas três últimas décadas, o aparato teó-rico da psicoterapia tem atravessado importan-tes revoluções epistemológicas. A psicoterapiacomportamental incorporou gradualmenteconceitos cognitivos e hoje é usualmente de-nominada de terapia cognitivo-comportamen-tal. Essa nomenclatura evidencia uma fusão deteorias e práticas, além de mostrar que elas têmtido flexibilidade suficiente para suportar con-tínuas reformulações. Flexibilidade essencialpara uma proposta teórica que deseja manter-se atualizada em um momento em que as ino-vações nas ciências do homem e da mente têmsido tão rápidas.

Assim como há alguns anos o comporta-mentalismo e o cognitivismo eram considera-das duas correntes contraditórias, hoje aindapercebemos haver uma distinção entre terapiacognitvo-comportamental e terapia cognitivo-construtivista ou, mais simplesmente, entre te-orias cognitivistas e construtivistas. Acredita-mos que, apesar dessa atual distinção, essasduas propostas têm muito a se beneficiar umada outra.

A terapia cognitiva surgiu, sobretudo, apartir da prática clínica de terapeutas. Seus pro-ponentes e desenvolvedores têm-se preocupa-do de maneira sistemática com sua eficácia te-

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ciência, inclusive a psicologia, comprometa-secom uma posição epistemológica clara, poisnão existe ciência livre de filosofia. E é justa-mente o amplo trabalho filosófico que man-tém unidos os múltiplos programas de pesqui-sa agrupados sob o nome de ciências cogniti-vas. Entretanto, é comum que, em vários ra-mos da ciência, os pressupostos teóricos fun-damentais sejam os mais frágeis. Uma teoriasem alicerces bem-fundamentados é como umedifício erguido sobre areia movediça.

A proposta cognitivo-construtivista fun-damenta-se na concepção de que todo o pro-cesso de construção de significados realiza-sena interface entre a cognição, a emoção e aexperiência, a partir da participação ativa doindivíduo, formando um conjunto de crençasque sustenta o processo de julgamento, a to-mada de decisões e as ações do ser humano.

Este capítulo pretende mostrar como arevolução epistemológica nas ciências naturaisfoi incorporada pela psicologia e traçar umbreve percurso histórico desse processo. Serãodiscutidos os aspectos considerados essenciaisna construção do significado e salientadas al-gumas particularidades da relação terapêuticaoriundas dessa nova abordagem.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAEPISTEMOLOGIA CONSTRUTIVISTA

O resgate histórico dessa evolução torna-se complexo devido à sua não-linearidade,dado o grande isolamento inicial entre essasdisciplinas. Apesar disso, acreditamos que aexposição desse processo, mesmo que simpli-ficada, seja essencial para a sua compreensão.Afinal, as teorias não são criadas em um mo-mento isolado; elas são desenvolvimentos his-tóricos contínuos, em um processo de supera-ção das contradições das teorias precedentes.É essencial ter em mente que as teorias sãoapenas instrumentos, e não respostas aos enig-mas, necessitando estar constantemente em re-novação, e que os verdadeiros avanços na his-tória das ciências acontecem quando seus pa-radigmas são revistos, aprimorados ou substi-tuídos (Kuhn, 2000). Assim, não basta a expo-

sição das teorias; é necessário esclarecer seudesenvolvimento e seus efeitos.

No ocidente, os primeiros modelos acer-ca do funcionamento da mente foram formu-lados por Sócrates, que considerava a razão ea consciência (psyché) como a essência do serhumano. Posteriormente, Platão denomina de�idéias� os conteúdos da consciência, conside-rando existirem fora do mundo físico (Benson,1993). Segundo ele, o conhecimento perten-ceria à �alma�, sendo apenas um �relembrar�.Desde o início do pensamento filosófico gre-go, já estava lançada a idéia de uma dicotomiaentre uma mente não-física e um corpo físico.

No século XVII, Descartes e Galileu fize-ram a distinção precisa entre realidade física,passível de ser descrita pela ciência, e �reali-dade mental da alma�, considerada fora docampo da pesquisa científica (Reale e Antiseri,1990). Ao afastar a mente da ciência, reduzia-se o campo científico e a complexidade dosproblemas, o que facilitava seu desenvolvimen-to inicial. Esse dualismo foi útil durante algumtempo, pois ajudou a afastar a autoridade dosreligiosos sobre os cientistas da época. A revo-lução científica que se iniciava tinha como tra-ço mais característico seu método experimen-tal, buscando suas verdades independentemen-te da metafísica e da fé e tendo como preten-são descrever uma realidade objetiva.

Toda a ciência moderna baseia-se nessanoção da existência de uma realidade objeti-va, regida por leis fixas, coerentes e univer-sais, passíveis de serem conhecidas. O períodomoderno da filosofia foi, em grande parte, do-minado pela idéia básica de que a mente ca-racteriza-se por espelhar a natureza, garantin-do, assim, a representação correta da realida-de (Rorty, 1979). A ciência seria a busca dacerteza, da verdade objetiva. Nesse contexto,a atividade científica seria concebida como adescoberta dessas leis da natureza (da realida-de), e o homem seria apenas um observadorpassivo, capaz de captar fenômenos que ocor-rem sem a sua interferência.

É indiscutível que tal conceito possibili-tou avanços importantes nas ciências naturais,tendo sido bastante eficiente do ponto de vistapragmático. Até recentemente, esse ideal da

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ciência manteve seu caráter dominante. Con-tudo, mesmo muito antes do surgimento dométodo científico, diversos pensadores já sequestionavam sobre a possibilidade de se ad-quirir essa almejada �verdade objetiva�, ques-tionamentos esses que surgiram em diversosmomentos através da história.

No século XVIII, Vico (1999) sugeria quesó era possível conhecer aquilo que se cons-truiu, ou seja, que o conhecimento repousavaem uma relação mútua entre conhecer e fazer.As questões acerca da origem, da essência e dacerteza do conhecimento foram sistematica-mente formuladas pela primeira vez por Lock(1973), em sua obra An essay concerning hu-man understanding. O ramo da filosofia queassim surgia, conhecido como epistemologia,procurava saber se nossas representações in-ternas eram precisas e até que ponto podiamespelhar a realidade externa. Sua preocupa-ção fundamental é entender como se dá o co-nhecimento. As primeiras noções acerca doconhecimento postulavam que a verdade a serconhecida era independente do homem.

Essa independência era a marca registra-da da realidade objetiva. De fato, a discussãosobre os conceitos de �verdade� e de �conheci-mento� derivou em variadas linhas de pensa-mento, as quais se diferenciavam conforme omodo como entendiam a possibilidade de aces-so a essa verdade.

As dificuldades de separação entre o ob-servador (o homem) e o objeto da observaçãoforam expostas pela primeira vez por Kant(1997), em sua obra-prima Crítica da razãopura. No início do século XX, cresceram osquestionamentos relativos às noções de verda-de e objetividade, provocando verdadeiras re-voluções científicas. Gadamer (2001) conside-rava que o conceito de verdade não poderiaser aplicado às ciências humanas. Quase repe-tindo as palavras de Vico (1999), o conhecerpassa a ser definido por Dupuy (1996) como oato de �produzir um modelo do fenômeno eefetuar sobre ele manipulações ordenadas�. Nabiologia, Maturana (1988) e outros teóricosmostraram que o acesso de um organismo àrealidade não é possível em termos absolutos,pois está sempre limitado pela estrutura bioló-gica do organismo que busca conhecer.

Na física, Max Planck desenvolveu a me-cânica quântica, que introduzia a idéia deimprevisibilidade. A ciência começava a se in-teressar por fenômenos que não poderiam maisser explicados por simples relações de causa eefeito. Em decorrência dessa mudança de pers-pectiva, passa a ser descrita como um diálogocom a natureza, as certezas dão lugar a possi-bilidades e probabilidades, e o futuro deixa deser totalmente previsível. Esse movimento, quevem sendo esboçado desde o final do séculoXIX, passa a ser chamado de pós-modernismo.

O processo de transformação dos pressu-postos epistemológicos tem uma história para-lela na psicologia. Em um primeiro momento,enquanto o paradigma dominante era a buscada verdade absoluta, o campo de observaçãoficou restrito aos fenômenos objetivos, ou seja,ao comportamento. Assim, Watson (1919;1920) propôs que uma psicologia científicadeveria restringir-se ao estudo do comporta-mento observável e que toda conduta humanadeveria ser explicada em termos de estímulose respostas aprendidas. As pesquisas sobre oaprendizado, desenvolvidas na Rússia princi-palmente por Pavlov (1927), foram muito bemrecebidas pelos psicólogos nos Estados Unidose ajudaram a promover a teoria comportamen-tal. Skinner (1970; 1995), certamente um dosmais influentes behavioristas do século XX, con-siderava que as diferenças entre as pessoaseram devidas às diferentes histórias de estímuloe reforço.

A versão britânica do comportamenta-lismo surgiu no início da década de 50, deriva-da sobretudo das idéias de Pavlov (1927),Watson (1920) e Hull (1943); nos EstadosUnidos, foi impulsionada pelos estudos deSkinner sobre condicionamento (Rachman,1997). Os problemas dos pacientes eram defi-nidos pura e simplesmente como distúrbios decomportamento, e a solução proposta era umprograma corretivo de condicionamento ope-rante. De acordo com Eysenck (1960), o com-portamento não era considerado um sintoma,e sim o próprio problema.

A terapia comportamental era atrativa porse legitimar em sua posição científica, preten-dendo ser uma ciência objetiva e insistindo nanecessidade de fundamentação empírica. No

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entanto, apesar de seu grande progresso práti-co, houve um declínio crescente em sua pro-dução teórica com o passar dos anos. A partirde 1970, essa estagnação teórica começou a setornar fonte de insatisfação, pois uma série dequestões simplesmente não encontrava respos-tas no âmbito desse paradigma (Rachman,1997). Relações simplistas de causa e efeitomostravam-se cada vez mais insuficientes paraexplicar o comportamento humano: estímulosaparentemente idênticos provocavam respos-tas totalmente inesperadas.

No início da década de 20, Vygotsky cu-nhou o termo mediação para descrever os pro-cessos através dos quais os organismos estabe-lecem as conexões entre os estímulos e as res-postas (Cole, 1994). Entretanto, Vygotsky eLuria aplicaram o conceito de mediação quaseque exclusivamente ao desenvolvimento dosprocessos mentais nas crianças. Aos poucos, anoção de que havia alguma forma de media-ção entre os estímulos ambientais e as respos-tas apresentadas começou a ganhar destaque.Ficava cada vez mais evidente que o homemnão reagia passivamente a estímulos ambien-tais, mas sim de acordo com sua interpretaçãodesses estímulos, os quais podiam ser mais com-plexos do que se imaginava.

Estudos com crianças demonstraram que,já por volta dos seis meses de idade, os estímu-los desencadeadores de respostas comporta-mentais em bebês incluem complexas imagensmentais e, no segundo ano de vida, começa ase desenvolver a capacidade de pensamentosimbólico. Portanto, desde cedo, o bebê passaa responder não a meros estímulos físicos, massim a estímulos que se revestem de significa-ção (Bowlby, 1997).

A nova psicologia emergente deparava-se com um problema: como utilizar a metodo-logia científica se não há mais como observarobjetivamente os fenômenos a serem estuda-dos? A metodologia da ciência moderna mos-trava-se, não apenas insuficiente, mas tambéminadequada ao estudo dos fenômenos mentais.Como todo o acesso que temos aos fenômenossubjetivos de uma outra pessoa passa, inicial-mente, pela própria interpretação desta, a pos-sibilidade de um conhecimento objetivo des-morona.

O papel do observador adquire uma novadimensão, pois não há mais observação despro-vida de interferência. Todo contato com outroser humano provoca inevitavelmente interferên-cia e modifica o objeto da observação. Na inte-ração humana, não há mais somente um obser-vador, e sim um participante do processo.Prigogine (1996), prêmio Nobel de química,admite que, mesmo nas ciências naturais, comona física, existe sempre um vínculo entre o ob-servador e o fenômeno e que todo processo demensuração sofre a interferência do observador.O novo paradigma toma por objeto de investi-gação as relações entre os elementos e o obser-vador, e não o objeto-em-si.

O pensamento, a emoção e as sensaçõesde um ser humano não são passíveis de obser-vação direta, não podendo ser consideradasrealidades objetivas a serem captadas. Depen-dem de sua exteriorização � comunicação � pormeio do discurso. Nas palavras de Ricoeur(1999, p. 27-28):

O que é experienciado por uma pessoa nãopode se transferir totalmente como tal e comoexperiência para mais ninguém. A minha ex-periência não pode se tornar diretamente avossa experiência. No entanto, algo se passade mim para vocês, algo se transfere de umaesfera de vida para outra. Esse algo não é aexperiência enquanto vivenciada, mas a suasignificação. A experiência vivenciada, comovivida, permanece privada, mas seu sentido,a sua significação torna-se pública.

A aceitação do subjetivo como objeto deestudo da ciência tornou viável o surgimento ea incorporação de conceitos cognitivos à entãovigente terapia comportamental. A estru-turação metódica das sessões, sua base empiri-cista e a inclusão de exercícios comportamen-tais facilitaram a absorção acadêmica e profis-sional da nova forma de terapia, denominadade terapia cognitivo-comportamental. Um dosprimeiros focos de atenção das terapias cogni-tivas foi a depressão, por ela envolver elemen-tos cognitivos óbvios e não ter sido tratada comsucesso através da terapia comportamental.

Beck (1967; 1976) e Ellis (1958; 1962)foram os dois teóricos pioneiros e mais influen-

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tes da terapia cognitiva. Segundo eles, os dis-túrbios emocionais são causados por proces-sos cognitivos ou cognições disfuncionais; emoutras palavras, pelos pensamentos ilógicos eirracionais.

Para Ellis, os seres humanos apresentama tendência de pensar irracionalmente, e suaspropostas iniciais de tratamento cognitivo vi-savam à correção dos pensamentos ou das cren-ças disfuncionais através da maximização daracionalidade. A emoção é considerada umaconseqüência do pensamento, e o objetivo daterapia é torná-la mais �adequada� através dacorreção da lógica do pensamento.

Para Beck (1997), a terapia cognitiva fun-damenta-se na noção de que o estado de hu-mor e o comportamento do indivíduo são emgrande parte determinados pelo modo comoele estrutura o mundo. Além disso, consideraque os transtornos emocionais são causados porconstructos cognitivos disfuncionais e que a suacorreção pode proporcionar a melhora clínica.Os terapeutas cognitivos usualmente empre-gam o termo cognições disfuncionais para se re-ferirem às crenças rígidas, excessivas ouinapropriadas mantidas pelos pacientes.

Um importante elemento do modelo cog-nitivo é o conceito de esquemas emocionais.Segundo Beck (1997), estes designam padrõescognitivos relativamente estáveis, responsáveispela regularidade das interpretações do indi-víduo em sua relação com o mundo, com osoutros e consigo mesmo. A importância dascrenças pessoais já foi ressaltada também pelofilósofo espanhol Ortega y Gasset (1982), queas considera como o �extrato básico mais pro-fundo da arquitetura de nossa vida�. Segundoele, o diagnóstico de uma existência humanadeve começar identificando o sistema de suasconvicções e, para isso, sua crença fundamen-tal. Essa distinção entre níveis de crenças émantida e desenvolvida por Aaron Beck e ou-tros terapeutas cognitivos.

Beck (1997) denomina de crenças centraisaquelas mais fundamentais, geralmente desen-volvidas durante a infância, que influenciam osurgimento e a manutenção das crenças inter-mediárias e dos pensamentos automáticos.Uma das etapas essenciais do processo da te-rapia cognitiva consiste precisamente em aju-

dar o paciente a compreender que suas cren-ças são apenas �idéias� e não �verdades�, sen-do, assim, passíveis de modificação.

A terapia cognitiva inicial reconhecia ainfluência do pensamento sobre a emoção, masainda não compreendia que as emoções tam-bém podiam influenciar os pensamentos. Umasérie de estudos mais recentes têm demonstra-do que o estado de humor pode influenciar sig-nificativamente os processos cognitivos envol-vidos na interpretação e na avaliação da expe-riência (Teasdale, 1997).

O PAPEL DAS EMOÇÕES

A definição de termos como emoção, sen-timentos e afetos sempre foi confusa na lite-ratura. É provável que a dificuldade de defi-ni-los e de observá-los objetivamente tenhaservido para que a ciência moderna não sedispusesse a estudá-la e, talvez, para mantera crença de que a emoção seja prejudicial aoraciocínio.

Damásio (2000) faz uma importante dis-tinção ao designar por �emoção� um conjuntode reações corporais e por �sentimentos� a ex-periência mental privada da emoção. Assim,fica claro que a emoção não necessita de umaconsciência para existir ou ser acionada. Porexemplo, quando nos damos conta de queestamos ansiosos, esse estado emocional já estápresente muito antes de percebê-lo. Assim, aemoção e o sentimento fazem parte de umcontinuum funcional em constante relaciona-mento.

A história do estudo das emoções mos-tra uma clara dicotomia. Resumidamente, po-demos dizer que os dois pólos da questão ca-racterizam-se ou por negar sua importânciaou por considerar a emoção fundamental paraa vida.

As teorias que consideram a emoção semfunção ou significado são descendentes dadoutrina estóica. Segundo essa tradição, a na-tureza dotou os animais com o instinto e ohomem com a razão. O ideal estóico conside-ra que o homem deve relacionar-se com seussemelhantes em atitude de total distanciamen-to, seja na política, no casamento ou nas ami-

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zades. De acordo com Zenão, fundador doestoicismo, as emoções são sempre � e só �perturbações do espírito e erros da razão, con-duzem à infelicidade e devem ser destruídas,extirpadas e totalmente erradicadas. É conhe-cida como �doutrina da apatia estóica� a idéiade que a felicidade é apatia, insensibilidade eausência de toda paixão (Reale e Antiseri,1990).

A existência de emoções nos animais pa-rece ter facilitado o surgimento da idéia de quesejam estados biológicos inferiores. A negaçãode sua importância encontrou diversos adep-tos na história, entre eles Descartes, Spinoza,Leibniz e Hegel. Para Descartes, a força da almaconsiste em vencer as emoções.

Por outro lado, diversos pensadores ad-mitiam a importância das emoções. Pascal foium dos pioneiros a dar primazia às �razões docoração, que a própria razão desconhece�, in-sistindo no valor e na função da emoção, queconsiderava como �fonte de conhecimento�.Shaftesbury foi provavelmente quem mais di-fundiu esse ponto de vista, tendo lançado tam-bém o conceito de balança ou equilíbrio dasemoções (Abbagnano, 1999). As teorias cien-tíficas e filosóficas atuais partem da convicçãode que não é possível compreender a existên-cia do homem, seja como organismo, �eu� oupessoa, sem levar em conta a experiênciaemocional.

A negação da emoção pela ciência du-rante tanto tempo é quase incompreensível,dado o fato de que na prática clínica, tantoda psiquiatria quanto da psicologia, nós nosdeparamos diariamente com ela. Até o finaldo século XIX, a emoção quase não tinha es-paço em discussões científicas, muito menosem laboratórios de pesquisa. A partir da se-gunda metade do século XIX, partindo de pa-radigmas que aceitam a subjetividade, as emo-ções voltaram a ganhar espaço em discussõescientíficas.

Um dos primeiros trabalhos científicosimportantes foi o de Darwin (2000), que co-meçou a estudar a expressão da emoção nocorpo dos homens e dos animais. Mais tarde, amesma corrente de investigação psicológica,considerando a estreita correlação entre os es-tados corporais e psíquicos, começou a ver nos

estados somáticos mais do que apenas uma sim-ples �expressão� das emoções. O psicólogoamericano William James e o anatomista di-namarquês Carl Lange, trabalhando indepen-dentemente, propuseram que os estados cor-porais eram responsáveis pela indução dos sen-timentos (Mahoney, 1998). Nessa linha de pen-samento, ficamos tristes porque choramos,sentimo-nos assustados porque trememos. Essateoria somática das emoções, embora hoje con-siderada incompleta, surgiu a partir da neces-sidade de estreitar as relações entre o corpo ea mente.

Nas palavras de James (1976), �sem osestados corpóreos que se seguem à percepção,esta teria forma puramente cognitiva, pálida,descorada e desprovida de calor emocional�.A principal lacuna dessa teoria é que ela nãoexplica a importância das emoções nem suafunção biológica.

Os últimos anos foram decisivos na com-preensão da importância da emoção. A idéiapopular de que ela interfere negativamente nopensamento foi refutada por diversos autores.Damásio (1998; 2000), Gazzaniga et al. (1998)e Bowlby (1990), entre outros, têm demons-trado que as emoções são essenciais nos pro-cessos de tomada de decisão.

Bowlby (1990) propõe que grande partedo que chamamos sentimentos são fases deavaliações intuitivas de um indivíduo sobre seuspróprios estados e desejos para agir, ou sobrea sucessão de eventos ambientais em que elese encontra. Assim, atribuir um sentimento éfazer uma previsão sobre o comportamentosubseqüente. Desse modo, pode-se compreen-der a importância da emoção nos processos deinteração: somente um animal capaz de avali-ar o estado de ânimo de outro estará apto aparticipar da vida social. Se considerarmos quealguém está enfurecido, ou nos afastamos, ounos preparamos para esse confronto de umamaneira diferente daquela quando inferimosque está triste. Portanto, é essencial que pos-samos conhecer não apenas nossas própriasemoções, mas também inferir os estados emo-cionais daqueles que interagem conosco.

Maturana (2001, p. 182) considera aemoção como disposições corporais dinâmicasque especificam os domínios de ações nos quais

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operamos em um instante, ou seja, são as emo-ções que guiam, momento a momento, nossoagir. Além disso, como são as emoções que es-pecificam o domínio de relações a cada mo-mento, é a emoção que define o curso de nos-sas vidas no âmbito individual e cultural:

Ao não compreendermos os fundamentosemocionais do nosso agir, tornamo-nos prisi-oneiros tanto da crença de que os conflitos eproblemas humanos são racionais, quanto dacrença de que as emoções destroem a racio-nalidade e são fonte de arbitrariedade e de-sordem na vida humana.

De um ponto de vista evolucionista, Da-másio (2000) acredita que a razão surge a par-tir da emoção e juntamente com ela. As emo-ções fazem parte de um aparato biológico quevisa à sobrevivência, regulando o estado inter-no do organismo de modo que ele possa estarpreparado para reagir. A maioria das reaçõesemocionais, se não todas, resultam de uma lon-ga história de minuciosos ajustes evolutivos.Entretanto, o impacto maior da emoção só foiatingido na natureza quando esta se tornouconsciente. Ou seja, o ser humano, ao se darconta da emoção, é capaz de refletir, planejare superar a tirania das emoções.

A razão, assim situada, não suprime aemoção, mas trabalha junto com ela. Por isso,os estados emocionais desempenham um im-portante papel nos intrincados processos detomada de decisão, sendo componente essen-cial desses. A razão objetiva, sem emoção, nãoé suficiente para lidar com a complexidade eas incertezas dos problemas pessoais e sociais.Isso não significa que os processos lógicos se-jam desnecessários, mas que ambos, tanto oprocessamento lógico quanto o processamen-to afetivo, agem conjuntamente. O processa-mento consciente das emoções, enquanto sen-timentos, proporciona a ampliação dos meca-nismos de resolução de problemas, isto é, sen-tir as emoções amplia o alcance delas, facili-tando o planejamento de novas formas de ação,mais talhadas para a ocasião.

Segundo a hipótese do �marcador somá-tico�, desenvolvida por Damásio (1998), aemoção reduz o número de opções a serem

analisadas pela consciência, reduzindo, assim,a complexidade do processo e agilizando o tem-po de resposta. Sem essa redução, a quantida-de de variáveis a serem analisadas cognitiva-mente seria excessiva (Mathews, 1997). Semo estímulo e a orientação da emoção, o pensa-mento racional torna-se lento e desintegra-se.Embora as emoções possam dar origem a rea-ções que, cotidianamente, descreveríamoscomo irracionais, sua ausência acarreta preju-ízos maiores. A razão sozinha não é suficientenem apropriada para um organismo que se vêdiante de escolhas. A frase �um sentimentovisceral� atinge um sentido praticamente lite-ral para Damásio. Sem essa experiência visce-ral, corporal, não há como dar valor às opçõesque se apresentam. Como diria James (1967),opções puramente cognitivas seriam �pálidas,descoradas, desprovida de calor emocional�.Podemos agora acrescentar também que, sema emoção, as informações ou as escolhas seri-am desprovidas de �valor�.

Segundo Abbagnano (1999), entende-sepor emoção qualquer estado, movimento oucondição que provoque a percepção de valor(alcance ou importância) que determinada si-tuação tem para sua vida, suas necessidades,seus interesses. Essa definição atual identificaa emoção como o que confere valor e matizaos pensamentos.

A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO

A partir do momento em que os estadosmentais e a emoção passam a ser consideradosobjetos de uma psicologia cognitiva, surge aseguinte questão: como são criados os signifi-cados? Qual a interferência desses significadosna vida de cada um? Através de que processosse realiza a mudança?

Uma psicologia centrada nos significadospode inicialmente causar uma sensação de des-confiança se ainda nos baseamos nas premis-sas da ciência moderna de que há uma causaverdadeira e objetiva para o comportamentodo homem. Adeptos dessa postura objetivistapoderiam alegar que o que as pessoas dizemnão representam as verdadeiras causas de seuscomportamentos, pois estas são inacessíveis à

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consciência. Até mesmo Freud aderiu a essavisão da ciência, que era a mais atual em suaépoca.

Está claro que as pessoas não podem des-crever corretamente a base de suas escolhasnem as tendências que influenciam a distribui-ção dessas escolhas. Porém, não há sentido emdescartar as construções e as explicações pes-soais baseadas na premissa de que não repre-sentam a verdade, pois é o mesmo que consi-derar sem valor as crenças individuais e as nar-rativas de vida de cada um. É justamente esseconteúdo mental que as teorias baseadas naciência moderna descartavam ao serem apli-cadas à psicoterapia. E é também esse conteú-do que as teorias chamadas pós-modernistasvêm trazer de volta à posição de destaque naspesquisas, partindo de premissas completamen-te diferentes. Enquanto a ciência moderna des-cartava esses conteúdos pelo fato de não po-derem ser verificáveis quanto à sua veracida-de, as teorias de base cognitiva, sobretudo asde base cognitivo-construtivista, estão interes-sadas nas influências dessas construções sobrea vida do próprio indivíduo. Podemos dizer quea verdadeira revolução cognitiva deve-se à ên-fase na construção dos significados.

Em uma relação terapêutica, isso signifi-ca considerar de extrema importância a inter-pretação que o próprio paciente tem sobre suasexperiências, sobre seu mundo e sobre si mes-mo. Não se trata mais de descobrir os signifi-cados ocultos, mas de conhecer os processosde sua construção. É evidente que cada um écriador de sua própria rede de significados,sendo participante ativo desse processo. Cons-truir algum sentido a partir da experiência é,antes de tudo, construir alguma forma de coe-rência (Gonçalves, 1998a). Na ausência de umacoerência interna, a vida transforma-se em umcomposto de experiências dissociadas que nãopodem ser compreendidas nem na sua singu-laridade nem na sua seqüência (Gonçalves,1998b). O desenvolvimento de uma estruturanarrativa coerente é condição essencial de so-brevivência psicológica. Se não fôssemos ca-pazes dessa organização, estaríamos perdidosna escuridão de uma experiência caótica(Bruner, 1997).

Um sistema de crenças ou valores é ca-paz de conferir continuidade e coerência àsnossas vidas, porque ajuda-nos a tomar deci-sões e a avaliar a importância das experiên-cias pessoais. Schiller e Dewey alegavam que�as idéias tornam-se verdadeiras na medidaem que nos ajudam a manter relações satisfa-tórias com outras partes de nossa experiên-cia� (apud James, 1967). Ou seja, temos a ten-dência de aceitar melhor aquilo que está deacordo com nossas crenças e, ao aceitar, nóso validamos como verdadeiro. Na vida cotidia-na, �verdadeiro� é apenas um adjetivo quequalifica uma crença, um julgamento ou umfato como sendo coerente com o que já co-nhecemos.

Para Guidano (1988b), conhecer é a cons-trução e a reconstrução contínua de uma reali-dade capaz de dar coerência ao curso da expe-riência. Assim, passo a passo, construímos nos-sos modelos de mundo, nossos modelos men-tais, em grande parte em nível tácito.

De acordo com Greenberg (1996), o des-conforto ou os problemas emocionais resultamde dificuldades na organização das experiên-cias em uma narrativa coerente. Nesse senti-do, Festinger (1975) introduziu o conceito dedissonância cognitiva para se referir às rela-ções discordantes ou contraditórias entrecognições, considerando-a um estado de ten-são psicológica que motiva a busca da reduçãoda contradição. Assim, quanto mais importan-tes forem essas crenças, maior o desconfortoproduzido pela dissonância entre elas. O des-conforto surge quando há contradição entre aexperiência em si e a explicação ou a elabora-ção dessa experiência, ou quando duas ou maiscrenças revelam-se incompatíveis. A dissonân-cia pode ser reduzida pela redução do númeroou da importância das cognições incoerentes.Todavia, o conjunto de crenças de um ser hu-mano não pode ser fácil nem intencionalmen-te modificado por outra pessoa.

No construtivismo, não há uma busca fo-calizada na mudança de crenças; o objetivo nãoé apenas proporcionar novas �crenças funcio-nais�, mas também tornar o cliente conscientede seus processos de atribuição de significado

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e mais capaz de flexibilizar suas construções.Portanto, é imprescindível que tanto os pro-cessos cognitivos quanto os processos emocio-nais participem dessa organização, através deum processo dialético entre pensamento e sen-timento para a construção de significado. É aelaboração cognitiva das emoções e dos senti-mentos que tem o potencial de organizar a ex-periência de unidade entre corpo e mente, com-portamento e cultura.

A síntese dialética construtivista ocorreentre a experiência e a explicação, entre osconceitos e as experiências corporais. Quandoa construção do significado não leva em consi-deração as informações geradas por processosafetivos, ou se deixa guiar por esquemas emo-cionais disfuncionais, não é capaz de proporci-onar coerência e provoca desconforto. Nessaexistência relacional, a natureza auto-inter-pretadora do ser humano toma uma posiçãode destaque, pois ele é, ao mesmo tempo, su-jeito e objeto de sua investigação. No processode relacionamento com diferentes aspectos desua existência, os seres humanos estão sempreà procura de significados, sempre à procura deum sentido (Mahoney, 1988). Alguns autorespropõem, inclusive, considerar o cérebro comoum �dispositivo hermenêutico�.

Todo o processo de conhecer realiza-seem uma relação dialética constante, na qual ascontradições em que se enreda a realidade vãogradualmente sendo superadas. Hegel consi-derava a dialética como a própria natureza dopensamento, o qual se desenvolvia através deuma série de �momentos dialéticos�(Abbagnano, 1999). Sua dialética trata da cons-trução do conhecimento e serve de elo de liga-ção entre todas as teorias construtivistas(Glassmann, 2000).

As perspectivas cognitivo-construtivistasconsideram que o ser humano está continua-mente implicado em um processo ativo de or-ganização emocional e cognitivo da experiên-cia para entender e guiar sua relação com omundo (Greenberg et al., 1996). A síntese or-ganizada resultante desse processo é a própriaexperiência de estar-no-mundo.

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SIGNIFICADO

Diversas correntes de pensamento com-partilham a noção de que não há sentido naidéia de um ser humano na ausência de ummundo no qual ele se insere. Ao mesmo tempoem que a sociedade nasce da interação entreindivíduos, ela retroage sobre ele e modela-o.Podemos dizer que a relação do homem comseu meio é uma relação de co-construção. Pordiferentes ângulos, na biologia, na psicologiae na antropologia, vários pesquisadores con-cordam com o fato de que as evoluções cultu-rais e genéticas são interligadas, em um pro-cesso denominado co-evolução gene-cultura(Wilson, 1999).

Nas tentativas iniciais de se consolidarcomo uma disciplina científica, a psicologiabuscou inicialmente as leis da atividade men-tal na estrutura do organismo. A noção vigen-te era que as respostas e as leis de toda ativi-dade mental poderiam ser encontradas no in-divíduo. Não há dúvida de que essa psicologiado indivíduo tenha contribuído em muito parao conhecimento do ser humano. Entretanto, aorigem social dos processos mentais foi am-plamente ignorada.

O ser humano emerge dessa relaçãodialógica entre os diferentes níveis de sua exis-tência biológica e cultural, não sendo possívelreduzir sua essência a apenas um de seus as-pectos. Schneirla (1972) julga pertinente falarde uma natureza do verme, de uma naturezada formiga ou, até mesmo, de uma naturezado pássaro, mas não de uma natureza huma-na, porque o homem �pode ter toda e qual-quer natureza que permitam as condições desua criação e de sua situação social� (Schneirla,1972, p. 67). Além disso, a razão pela qual osseres humanos não possuem uma natureza psi-cológica específica é que a biologia influi demaneira radicalmente diferente sobre o com-portamento animal e sobre o comportamentohumano. Enquanto a maior parte do compor-tamento animal é determinada diretamentepela biologia, as ações humanas sofrem umainfluência indireta e não-específica da biolo-

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gia. Enquanto nos animais inferiores encon-tram-se grandes repertórios de comportamen-tos relativamente estereotipados, nos mamífe-ros, como regra geral, o padrão adaptativogeral não está inicialmente formado ou estáformado de maneira muito imprecisa.

Para Ortega y Gasset (1982), o homemnão é uma natureza, e sim uma história. Emoutras palavras, �os seres humanos não termi-nam em suas próprias peles� não existe talcoisa como uma natureza humana independen-te da cultura� (Bruner, 1997). Diz-se, então,que o homem é um ente de relação. Para Buber(2000), o fundamento ou a essência de suaexistência é a relação. Heidegger (1996) utili-za o termo Dasein, traduzido para o portuguêscomo ser-no-mundo, para referir-se a um serque se relaciona com o mundo, e não apenasse localiza neste, enfatizando a impossibilida-de de sequer imaginar o homem isolado e in-dependente do mundo.

A natureza essencialmente relacional doser humano baseia-se tanto nos aspectos cul-turais quanto nos aspectos biológicos. Mesmoantes da proposta evolucionista de CharlesDarwin, já havia a noção de que a construçãobiológica de um organismo vivo pautava-se narelação deste com o meio ambiente.

O genoma humano não especifica toda aestrutura do cérebro. Possuímos apenas cercade 30.000 genes, número insuficiente paradeterminar a estrutura e a posição de todas ascélulas em nosso organismo, muito menos nocérebro. Os genes nada mais são do que ape-nas uma receita básica para a construção deum ser humano. O cérebro possui aproxima-damente 1011 neurônios, cada um podendoreceber cerca de 10.000 a 100.000 conexõessinápticas, havendo, assim, um número astro-nômico de possibilidades de configuração des-se sistema (Kandel et al., 1995). A informaçãocontida na complexa rede neuronal excede emmuito a quantidade que pode ser armazenadanos genes (Singer, 1986). Contudo, apesar deas informações genéticas não serem suficien-tes para proporcionar a configuração dessarede, as conexões entre os neurônios não sãorealizadas aleatoriamente, mas seguem uma or-ganização surpreendente.

A capacidade de organização dos sistemasneuronais não se baseia apenas em padrões deativação gerados espontaneamente na própriaestrutura cerebral, pois requer informação ex-terna. É através da experiência, da interação como meio, que o padrão de conexões do sistemanervoso é modelado. Essa interação proporcio-na a informação epigenética necessária para aconstrução dessa estrutura. O sistema nervosoé um órgão estruturalmente dinâmico e seus me-canismos de auto-organização não se confinamaos estágios embriogênicos do desenvolvimen-to, uma vez que ocorrem durante toda a vida(Tononi et al., 1998). A interação é necessáriapara o estabelecimento da configuração dasconexões e também para a manutenção de suaexistência. O cérebro dos mamíferos apresentauma natureza essencialmente construcionista(Purves et al., 1996).

A atividade do organismo na sua relaçãocom o meio, ao longo de sua existência, é quedetermina a forma de um grande número decircuitos e sistemas neuronais. Do ponto devista do desenvolvimento evolutivo de seleçãonatural, o equipamento biológico humano evo-luiu no sentido da flexibilidade, em oposição àrigidez inata de um determinismo biológico.Essa capacidade de remodelação pela experiên-cia proporciona aos animais uma flexibilidademuito maior em sua relação com o meio am-biente.

O aspecto genético é somente um esque-ma geral sobre o qual se desenrola a estrutu-ração humana (da mente) a partir de um sem-número de experiências no decorrer da histó-ria do indivíduo. Podemos dizer que o sistemanervoso central é uma matéria-prima molda-da pela existência. Ele é uma estrutura elabo-rada, com muitas de suas partes já no lugar,porém é a experiência que afina esse �toscoaparelho� até que possa executar um trabalhode precisão (Crick, 1994).

A importância dos eventos ambientaispode ser exemplificada com diversos casos. Porexemplo, a separação de uma ovelha recém-nascida de sua mãe por poucas horas após onascimento impede o desenvolvimento habitualde um comportamento de �brincar� que as ove-lhas normalmente apresentam (Maturana,

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1988). Igualmente, o abandono de criançaspequenas tem profundas conseqüências sobrea formação de sua personalidade e seu modode comportamento, pois a criança é privadade experiências sociais importantes em perío-dos cruciais de seu desenvolvimento. As crian-ças-lobo encontradas em 1922 no norte da Ín-dia são um exemplo marcante desse fato(MacLean, 1977). As duas crianças encontra-das haviam sido criadas por uma família delobos até a idade de cinco e oito anos, respec-tivamente. A mais jovem faleceu pouco tempodepois de serem levadas para os cuidados deuma família missionária; a outra criança, ape-sar de ter vivido cerca de dez anos com essafamília, não aprendeu mais que algumas pou-cas palavras e jamais se sentiu à vontade emum contexto humano. Com o passar do tem-po, embora tivesse aprendido a andar sobre asduas pernas, diante de situações de estresseou urgência, sempre voltava a correr com osquatro membros.

A aplicação consistente da perspectivaevolucionista na compreensão dos processosmentais é bastante recente na história dasneurociências. No início deste século, Durkheim(2001) postulou que os processos básicos damente originavam-se na vida social. Um dosmais importantes trabalhos a respeito dos as-pectos socioculturais do desenvolvimento cog-nitivo foi desenvolvido por Luria (1976) emuma remota região da antiga União Soviética.A psicologia soviética da época já consideravaque a consciência não era algo inato, passivo eimutável, mas sim cunhada e moldada pelaexistência e usada pelo ser humano para guiá-lo na relação com o ambiente, sendo continu-amente reestruturada por essa relação. Essapesquisa demonstrou que a atividade cogniti-va humana não é algo a priori, porque se esta-belece no processo de desenvolvimento histó-rico e social, sendo codificada pela linguagem.Além disso, a evolução sócio-histórica não ape-nas introduz novos conteúdos no mundo men-tal do ser humano, mas também cria novas for-mas de atividade e novas estruturas de funcio-namento cognitivo. De acordo com Vygotsky(1996), o comportamento do homem moder-no não é produto apenas da evolução biológi-

ca, ou resultado do desenvolvimento infantil,mas também produto do desenvolvimento his-tórico. Ao mesmo tempo em que a culturaemerge da ação humana, esta, por sua vez,emerge da cultura. A cultura encontra-se emum processo constante de recriação, na medi-da em que é interpretada e renegociada porseus membros (Bruner, 1998).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos finalizar dizendo que a propos-ta teórica da terapia cognitivo-construtivistatem sido elaborada nas últimas décadas a par-tir da contribuição de diversas áreas e, apesarde recente, tem-se mostrado capaz de reunir,de forma consistente e coerente, uma amplagama de evidências e de experiências sobre osprocessos humanos de mudança.

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Cognitivismo e ConstrutivismoCristiano Nabuco de Abreu

Miréia Roso

do, assim, para o propósito maior deste traba-lho, que é o de ampliar nossa compreensão dosprocessos envolvidos na formação e na mudan-ça do homem na pós-modernidade. Este é umperíodo no qual os significados adquiriram umcaráter quase absoluto de transitoriedade emultiplicidade, o que já nos impede de afir-mar que vivemos em um universo único e sin-gular. Vivemos, sim, mais em um multiversorico, variado e diverso por natureza (Maturanae Varela, 1995).

A seguir, desenvolveremos um paraleloem relação a algumas das concepções que ali-cerçam a teoria e a prática dos diferentes mo-delos cognitivos. Tais comparações não terãocomo intuito principal a elevação da concep-ção mais legítima, e sim o favorecimento dacriação de uma visão mais panorâmica dos con-trastes e das semelhanças existentes entre osmodelos cognitivista e construtivista.

O(S) CONCEITO(S) DE REALIDADE E ACONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS

Cognitivismo

Por muito tempo, acreditou-se que o sa-ber (o conhecimento) era uma resultante dire-ta da realidade ou do mundo externo que, aoincidir sobre nossos sentidos, semelhantementea um raio de luz que incide sobre um antepa-

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao longo dos últimos anos, a psicoterapiae todo o vocabulário simbólico que a definevêm sofrendo uma profunda alteração em seusfundamentos (Mahoney e Albert, 1996). Pro-curando acompanhar as evidentes transiçõeshistóricas e as mudanças verificadas no cam-po das ciências humanas, foram feitas altera-ções significativas na prática clínica, levandoconsigo todas as concepções mais antigas queenvolviam o conceito de mudança psicológica� um dos pontos cardinais do panorama psico-terapêutico.

Essa paisagem veio a gerar a idéia destelivro. Nossa proposta é refletir sobre a multi-plicidade cada vez mais evidente de conceitoscomo realidade, atribuição de significados,epistemologia e, mais pragmaticamente, situ-ar tais debates nas abordagens cognitivas empsicoterapia. Em cada capítulo, o leitor encon-trará paralelos entre a concepção cognitiva tra-dicional � também conhecida como cognitivo-objetivista e, a partir de agora, denominadapor nós de cognitivista � e a concepção cogniti-vo-construtivista, que chamaremos de constru-tivista, abordando as mais variadas técnicas depsicoterapia, o papel e a pessoa do terapeuta,o tratamento de alguns transtornos psiquiátri-cos, as perspectivas futuras e, finalmente, ostemas que abrangem as fronteiras mais recen-tes do campo das ciências humanas, contribuin-

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ro, criava reflexos; estes, quanto mais perfei-tos fossem, mais refletiriam a fonte e, portan-to, mais apurado seria considerado o nossoconhecimento. Nessa concepção epistemológi-ca objetivista, os significados que transitam emnossa mente são entendidos como fruto diretodas representações extraídas da realidade ex-terna, ou seja, no desenvolvimento de nossacognição, exibimos uma inclinação natural pararevelar internamente os significados da exis-tência concreta externa.

A partir dessa idéia (quase platônica) doconhecimento, o saber torna-se cada vez maisverdadeiro na proporção direta da habilidadede uma pessoa em descobrir (se possível, aomáximo) os conceitos já existentes no mundoexterior.1 Um simples exemplo dessa mecâni-ca seria observado ao se indagar a alguém arespeito do significado da palavra pássaro.Rapidamente, veríamos essa pessoa atribuin-do valores como voador, possuidor de penas ede bico, consumidor de insetos, etc. Portanto,testemunharíamos silenciosamente o trabalhoda cognição em sua tentativa de fracionar esseestímulo da realidade externa, classificando-oem conjuntos de símbolos e conceitos para queos mesmos possam ser organizados depois, demodo a estarem em correspondência máximacom o mundo lá de fora. Assim, quanto maiselementos relacionados à categoria pássaropuderem ser coletados, mais completa será adescrição e, conseqüentemente, mais verdadei-ro será o conhecimento adquirido � daí o usoda expressão cognitiva-objetivista para indicara maneira pela qual o conhecimento humanoestrutura-se em nossa cognição, ou seja, aoutilizar premissas empíricas e realistas da cons-trução do conhecimento, evidencia-se a buscacontínua daquilo que objetivamente existe nomundo.2

Em suma, nas concepções cognitivistastradicionais, o significado que transita em nos-sas mentes é basicamente concebido como pro-veniente de um processamento conceitual daconstrução de significados, ou seja, o conheci-mento dos estímulos ocorre através das regrasformais do raciocínio analítico e do pensamentológico. Assim, ao nos defrontarmos com o mun-do, abstrairemos os conceitos possíveis, e nos-so pensamento, em sua atividade, buscará clas-

sificar tais eventos sob categorias como certoou errado, bom ou mau, verdadeiro ou falso(Greenberg, Rice e Elliott, 1996).

Segundo Beck (1964), não é a situaçãoou o contexto que determinam o que as pes-soas sentem, e sim o modo como elas interpre-tam � e pensam � os fatos em uma dada cir-cunstância. E, à medida que se depara comnovas situações, o pensamento tentará extrairas padronizações percebidas de cada aconteci-mento, transformando as similaridades detec-tadas em padrões gerais de interpretação(Festinger, 1975). Tais padrões coordenarão oprocesso de percepção e de atribuição de sig-nificados, também chamado de rotulação, cons-tituindo-se em uma verdadeira rede de signifi-cados em nossa estrutura cognitiva (Vygostky,1991). Conhecidas como esquemas ou crençaspela terapia cognitiva, essas estruturas serãoos padrões orientadores da percepção e da in-terpretação da experiência (Bem, 1973). Amáxima cartesiana �Penso, logo existo� elucidaadequadamente a maneira como nosso pensa-mento opera.3

Nos modelos tradicionais de terapia cog-nitiva, atribuiu-se ao pensamento um caráterdeterminante e à sua disfunção toda uma vari-edade de psicopatologias. Dessa forma, a ra-zão foi elevada à categoria de destaque e a pre-cisão de sua performance deu-nos a chave parao comando de uma boa saúde mental. Daí ori-ginou-se a máxima de que �Viver bem é o re-sultado de um pensar bem (ou corretamente)�(Mahoney, 1998).4

Assim, as concepções cognitivistas desen-volveram as mais diversificadas propostas ecriaram ferramentas de ajuste cognitivo, como,por exemplo, os registros de pensamentos dis-funcionais (Beck, 1995), as técnicas de rees-truturação cognitiva (Beck e Freeman, 1993),o processo de identificação de crenças irracio-nais (Ellis, 1998) e toda uma variedade de téc-nicas que sustentaram � e ainda sustentam � aprática da correção ou da substituição dos pa-drões disfuncionais de pensamento por padrõesmais funcionais de análise e de lógica. Por isso,torna-se fundamental para as referênciascognitivistas objetivistas que as distorções dosignificado não evoluam a ponto de tornarem-se mal-adaptativas.

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Em outras palavras, se o pressuposto epis-temológico é de que o conhecimento é umarepresentação imediata do mundo exterior �dessa realidade que é única �, cabe ao tera-peuta auxiliar o paciente no ajuste, no aperfei-çoamento ou na busca de padrões mais con-vergentes com a existência socialmente estabe-lecida. Dessa forma, o comportamento huma-no normal dependerá, teoricamente, da capa-cidade da pessoa de compreender a naturezado ambiente físico e social em que ela está si-tuada (Beck e Alford, 2000).

Construtivismo

Assim como a revolução cognitiva fez-sepresente e alterou as bases das psicoterapiascomportamentais na época de seu surgimento,os paradigmas construtivistas causaram umasegunda grande revolução na história das abor-dagens comportamentais (Abreu e Shinohara,1998; Mahoney, 1998).

Diferentemente das visões cognitivas obje-tivistas � segundo as quais se entende que a cons-trução do significado ocorre evidentemente demaneira pessoal, porém transmitindo o mundoexterno pelas atividades lógicas do pensamen-to �, as concepções cognitivas construtivistaspressupõem que o ofício da significação encon-tra-se primeiramente subordinado à influênciadas emoções, e não à dialética da razão. Emoutras palavras, é através dos elementos pro-pioceptivos e das estruturas vivenciais (aquelasque interpretam os estímulos pela experiência)que ocorrerá o processo de atribuição de signi-ficados (Thelen e Smith, 1995).

Nessa nova concepção, o funcionamentocognitivo não mais se caracterizará pela sim-ples manipulação automática de símbolos abs-tratos a fim de se atingir um sentido final eúnico, tal como advoga a referência objetivista.Na concepção construtivista, entende-se que amente em funcionamento não só reflete o mun-do exterior, mas também o transpõe, atribuin-do significados que, muitas vezes, não são ori-ginários do estímulo em si. Assim, a realidadeinterna será vista como fundamentalmentederivada do modo pelo qual cada indivíduo

sente emocionalmente o mundo, e não só comoo concebe de maneira racional.

Conforme Kant (1781), a mente não éuma cera passiva por sobre a qual a experiên-cia e a sensação escrevem sua vontade capri-chosa e absoluta; nem tampouco é um meronome abstrato para a série ou o grupo de esta-dos mentais; ao contrário, é um órgão ativoque molda e coordena as sensações em idéias,transformando a multiplicidade caótica da ex-periência em uma unidade ordenada de pen-samento.

O conhecimento, então, diferentementedas referências objetivistas, será compreendi-do como fruto de uma organização pessoal,arquitetada e organizada por cada pessoa. Ado-ta-se como metáfora explicativa desse funcio-namento o chamado princípio da multiplicida-de (que representa, a possibilidade de múlti-plas construções de sentido), e não mais o prin-cípio da correspondência (que contempla ape-nas uma única construção quando utilizadopelas outras concepções epistemológicas).

Para que possamos compreender um pou-co melhor as premissas construtivistas, vale apena nos aprofundarmos na dialética da cons-trução de significados. De uma maneira geral,podemos dizer que existem dois tipos globaise complexos de atribuição de sentido, os quaisretratam a maneira pela qual nosso organis-mo, como um todo, organiza-se em suas tro-cas com o mundo. O primeiro tipo de funcio-namento é chamado de processamento concei-tual e o segundo de processamento vivencial(Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Na primeiraconfiguração, um significado é obtido atravésda correspondência versus o contraste existen-te entre as nossas representações mentais e omundo externo (de forma semelhante àqueladescrita pelos modelos cognitivos objetivistas).Todavia, no processamento vivencial, a possi-bilidade de geração de significado não resideno estímulo em si ou na capacidade do pensa-mento em enxergá-lo, mas na percepçãocorpórea e tácita produzida pelo seu apareci-mento.

Na concepção construtivista, os significa-dos serão construídos obedecendo a essa viade mão dupla, ou seja, extraindo dados do pro-

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cessamento conceitual e do processamentovivencial. Neste último, os significados geradosem nossa consciência advêm da percepção eda leitura dos conteúdos corpóreos, estandoos mesmos em uma condição quase total depré-conceitualidade e inconsciência. Nesse ní-vel, não interpretamos as situações sob o pon-to de vista lógico, e sim sob uma ótica emocio-nal, isto é, os significados que serão produzi-dos por um evento serão fundamentados nosprincípios experienciais das situações. Dessamaneira, uma vez sentida a informação, esseconteúdo será traduzido em aspectos de con-forto ou desconforto e de segurança ou amea-ça da integridade corporal. Um exemplo dissoé a grande maioria das queixas ouvidas pelosprofissionais. Nas mais diversas situações, fre-qüentemente escutamos queixas do tipo: �es-tou me sentindo sufocado(a) com tal situação�,��Aquele lugar me causa um aperto no pei-to�, �Sinto que estou carregando o mundo nascostas��, etc. Portanto, diversas traduções quefazemos dos eventos provêm inicialmente dossinais corporais (também chamados de senso-riais) para que, posteriormente, possam vir aser integrados e, então, explicados por nossoraciocínio analítico.

Assim, primeiro sentimos algo para de-pois podermos pensar sobre seu conteúdo(Greenberg e Safran, 1987). Como imagemexplicativa desse tipo de atividade (e oposta àmáxima cartesiana anteriormente citada), des-creveríamos a metáfora. �Existo, logo penso�5,sugerindo implicitamente que a emoção sem-pre criará �problemas� para o pensamento po-der resolver. O que foi ordenado pela experiên-cia pessoal do indivíduo torna-se verdadeiro econverte-se em um elemento soberano e de-terminante aos seus sentidos (mesmo que, aosolhos dos outros, possa parecer uma miragem).É, portanto, a partir da construção interna queos clientes atribuem os significados à realida-de externa (Greenberg, 1998). Como afirmaGuidano (1994, p. 72), �Somos prisioneiroscapturados na rede de nossas teorias e expec-tativas�. Tal arquitetura pessoal de significa-dos permite ao indivíduo levar consigo não umacópia do mundo externo, mas uma represen-tação ou �mapa� do mundo (o qual não é o

mundo em si) desenhado a partir de sua teoriapersonificada de vida (Mahoney, 1998).

O PAPEL DAS EMOÇÕES

Cognitivismo

O modelo cognitivo objetivista parte doprincípio de que as emoções são derivadas dospadrões de pensamento que, pautados nascrenças, direcionam a maneira como as pes-soas interpretam as situações a que estão ex-postas. Os eventos em si não determinam dire-tamente como alguém se sentirá, mas, antes,são os juízos associados de valor que provoca-rão uma resposta emocional específica. Assim,para que uma emoção possa ser contextualiza-da, o terapeuta cognitivo sempre buscará veri-ficar qual é a avaliação racional da situaçãoque está sendo feita sob o ponto de vista dopaciente (Beck, 1995).

Por isso, embora a emoção seja conside-rada de grande importância para o profissio-nal, sua função é indicar, como um sinalizadormarinho, a presença de pensamentos e/oucrenças a ela associados. Por exemplo, quandoo indivíduo depara-se com situações nas quaisse revela o descontrole emocional, torna-senecessário o exame mais minucioso da crençasubjacente ou mesmo de algum esquema (con-junto de crenças) que esteja servindo a propó-sitos de desadaptação. Em um caso como esse,entende-se que o filtro conceitual ou mesmo alógica pessoal está trabalhando de uma ma-neira incorreta, porque desprovida de lógica,e levando o paciente a um inevitável e contí-nuo processo de sofrimento. A partir disso, er-gue-se uma das premissas cognitivistas centraisde que tal crença é corrigida e submetida a uma(nova) avaliação mais correta da realidade.6

Assim, segundo Beck (1995), a terapiacognitiva normalmente visa a abrandar a afli-ção emocional, corrigindo as possíveis inter-pretações errôneas construídas pelo indivíduo.A emoção, portanto, torna-se disfuncionalquando decorrente de pensamentos irrealistasou absolutistas, interferindo, assim, na capaci-dade do paciente de pensar clara e objetiva-

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mente. Tendo em vista esse referencial tera-pêutico, entende-se que uma reflexão racionale um exame mais realista dos pensamentos (e/ou das crenças) disfuncionais oferecem condi-ções de reparar as emoções em desalinho coma vida de cada um. Este é o parecer que a tera-pia cognitiva objetivista emite a respeito da vidaemocional.

Construtivismo

De modo geral, a concepção cognitivaconstrutivista considera as estruturas emocio-nais um dos alicerces mais importantes paraque a edificação do conhecimento humanopossa acontecer. Segundo vários autores, aemoção, em maior ou menor grau, sempre con-tribuirá para a formação dos significados nosistema psicológico humano. Nesse sentido,seria virtualmente impossível considerar asestruturas cognitivas de significado sem quese agregue, de uma maneira ou de outra, ofuncionamento emocional.

Sem exceção, homens e mulheres de to-das as idades, culturas, graus de instrução eníveis econômicos têm emoções, atentam paraas emoções dos outros, cultivam passatemposque manipulam suas próprias emoções e, emgrande medida, governam sua vida buscandocertas emoções, enquanto procuram evitar ou-tras desagradáveis (Damásio, 2000).

O funcionamento emocional é de impor-tância fundamental para a construção de sig-nificados, pois envolve certas atividades dohipotálamo e da amígdala e sua reação àque-las situações nas quais o organismo é colocadoem condições de risco e de perigo (Damásio,1994). Por isso, quando tais circunstâncias sãodetectadas, certos alarmes emocionais são dis-parados, dando origem às chamadas emoçõesprimárias: a raiva, o medo e a tristeza. Essemecanismo de ação �instantânea�, se podemoschamá-lo assim, habilita-nos, primeiro, a agirpara, somente depois, podermos pensar umpouco mais sobre a condição perturbadora.Imaginem nossos ancestrais em uma floresta,ouvindo um ruído estrondoso que se aproximavelozmente. É mais interessante primeiro cor-rer para depois, em um local mais seguro, po-

der pensar melhor a respeito do que foi aquelaameaça. Tais dispositivos também podem sernotados quando estamos distraídos e uma pes-soa conhecida subitamente aparece. Mesmoque saibamos que o estímulo (no caso, a pes-soa) não é ameaçador, nossa estrutura emocio-nal reagirá instintivamente para nos proteger,produzindo a reação comportamental de re-cuo ou distanciamento, apesar de �sabermos�que nada de mal poderia ocorrer.

Em comparação com a cognição, a emo-ção é biologicamente mais antiga e entendidaatravés de um sistema de ação rápida projeta-do para assegurar a manutenção da vida. As-sim, no modelo teórico construtivista, as emo-ções não são nem racionais nem irracionais, massim adaptativas por natureza. Ao longo dessaexplanação, uma pergunta poderá surgir so-bre as emoções negativas: elas não seriam ru-ins e prejudiciais ao indivíduo que asexperiencia? A réplica a esse questionamentoé interessante, uma vez que, quando se argu-menta a respeito das emoções boas e más (e,principalmente, as más), referimo-nos muitomais ao aspecto fenomenológico e subjetivo devivenciar tal emoção do que a respeito de suafuncionalidade propriamente dita. Pelo fato deexperimentarmos emoções que produzemdesprazer, criamos uma perspectiva de inter-pretação (sociopessoal) de que as emoçõesnegativas e intensas devem ser banidas, poiscolocam em risco nossa integridade psicológi-ca. Todavia, recentes pesquisas afirmam queas emoções não são, como muitas teorias psi-cológicas asseguraram e ainda atestam hoje,intrusas tóxicas que devem ser domesticadasou eliminadas a qualquer custo, e sim impor-tantes mensageiras que nos advertem do peri-go e sinalizam como nos sentimos ou comoexperienciamos determinados contextos ou si-tuações (Greenberg e Paivio, 1997). Seguindoessas mesmas premissas, não são nossos pro-blemas afetivos que nos conturbam por suaexistência, mas a dificuldade que manifesta-mos em compreendê-los em sua totalidade, ouseja, não são as emoções que nos afligem, esim nossa dificuldade em entendê-las. Retor-naremos a esse tópico mais adiante, porémpodemos sintetizá-lo dizendo o seguinte: so-mos, no final das contas, o resultado de nossas

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emoções e de como lidamos com elas, isto é,somos aquilo que sentimos que somos.

Assim, genericamente, diríamos que umadas metas dos modelos construtivistas é auxi-liar os indivíduos na construção de um signifi-cado, utilizando as emoções como ponto departida, desenvolvendo e encorajando umapostura de maior abertura para que essas emo-ções possam ser simbolizadas e, então, finali-zadas em seu significado total. Ao ajudarmosos pacientes a se situarem nesse sistema contí-nuo de integração (razão e emoção), fatalmen-te os sentimentos �indesejados� perdem suanecessidade de expulsão ou de correção tera-pêutica (Greenberg, 2000).

DISFUNÇÃO E PSICOPATOLOGIA

Cognitivismo

Na concepção cognitivista, a psicopato-logia será sempre considerada o resultado decrenças excessivamente disfuncionais ou depensamentos demasiadamente distorcidos que,em atividade, teriam a faculdade de influen-ciar o humor e o comportamento do indivíduo,enviesando sua percepção da realidade (Becke Freeman, 1993). Por isso, sua identificação eposterior modificação são elementos centraispara o tratamento, capazes de promover, se-gundo essa teoria, a redução dos sintomas.

Por exemplo, no modelo de Beck (1976)e de Beck e colaboradores (1979), tais crençassão divididas em básicas (ou centrais) e peri-féricas (ou intermediárias), as quais resultamde pressupostos que desenvolvemos a respeitode nós mesmos, a respeito do mundo e do fu-turo, compondo em seu estágio final a estrutu-ra cognitiva de valores que favorece a forma-ção do que chamamos de experiência pessoal.Essas organizações de significado são necessá-rias para que se possa interpretar o mundocorretamente, pois auxiliam na previsão dasatitudes e no sentido que atribuímos às experi-ências de vida, garantindo o perfeito funcio-namento cognitivo. Entretanto, algumas pre-missas advindas desses mesmos constructos po-dem, em função de alguma circunstância es-pecífica, tornar-se muito repetitivas e, assim,

conservarem-se pouco atualizadas, o que asinduz a uma condição de contraprodução parao indivíduo. Operando, então, em um estadorestritivo de atribuição de significados (porserem antigas), passam a atuar como uma ca-misa-de-força conceitual, gerando avaliaçõesrígidas e absolutistas e criando um sentidodistorcido das situações � o que as tornam ex-tremamente resistentes à mudança e, por isso,classificadas como disfuncionais.

Nesse sentido, muitas vezes as estruturasirracionais expressam-se inicialmente atravésde pensamentos negativos e, com o passar dotempo, são responsáveis pela ativação de emo-ções desadaptativas. De caráter invasivo e ime-diato, os pensamentos negativos automáticos(PNA) têm o poder de transformar a interpre-tação das experiências que uma pessoa desen-volve e, ao se constituírem de uma poderosalente explicativa, afetam significativamente ocomportamento de um indivíduo, gerando osjá conhecidos sintomas. Assim, estabelece-seum verdadeiro efeito dominó: quanto mais sedesenvolverem os sintomas, mais intensos setornarão os PNA, em uma tentativa do orga-nismo de procurar entender ou justificar asemoções presentes pouco compreendidas.Como efeito final, os pensamentos repetitivosvão �gentilmente convidando� os (novos) sig-nificados a se retirarem e, de forma progressi-va, nossa estrutura cognitiva fica povoada pe-las avaliações viciadas de significado, levandoo indivíduo a comportar-se de maneira ilógicae irracional ou, segundo nosso ponto de vista,pouco atualizada, oferecendo condições paraque se estabeleçam os transtornos de persona-lidade.

Um típico exemplo desse processo é umapessoa que possui uma crença central do tipo�Eu sou incapaz�. Isso gerará crenças interme-diárias envolvendo condições de valor (inca-pacidade), como, por exemplo, �Se não enten-der algo de forma completa e perfeita... entãosou burro�. Tal indivíduo, em uma situaçãoqualquer, como em uma sala de aula, por exem-plo, ao confrontar-se com o menor grau de di-ficuldade, será invadido por pensamentos au-tomáticos (e, então, disfuncionais por limita-rem sua perspectiva de avaliação) como: �Issoé muito difícil para mim... eu jamais entende-

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rei isso�. A presença desse pensamento evoca-rá uma reação emocional de tristeza, disparan-do reações fisiológicas de ansiedade e dor deestômago, gerando atitudes e comportamen-tos que virão a culminar na efetiva incapacida-de e na óbvia desistência do curso. Assim, quan-to mais intensos forem os sintomas de descon-forto em uma situação qualquer, maior será aincidência desses mesmo pensamentos auto-máticos disfuncionais, aumentando ainda maisa validade da crença central disfuncional (�Souincapaz�), reforçando novamente os sintomase mantendo indefinidamente o círculo viciosoem atividade.

Portanto, fica evidente que a disfunçãoinstala-se, nos modelos cognitivistas de Beck,a partir e em decorrência de algumas crençascentrais (ou até mesmo periféricas) que, nãoestando suficientemente flexíveis para escla-recer uma determinada situação, fomentam osurgimento dos viéses interpretativos. A visãoda personalidade de cada pessoa levará em con-ta a história evolutiva desses padrões de pen-sar, sentir e agir de cada um. Contudo, nos ca-sos em que a disfunção é estabelecida, tal ten-dência ao ajuste cognitivo apresenta-se demaneira mais lenta do que a velocidade neces-sária para acompanhar a mudança no meio e,assim, serão instituídos verdadeiros atrasos deinterpretação, ou seja, o indivíduo ainda seencontrará preso a certos valores antigos oumesmo �irracionais�. Cognitivamente falando,as crenças disfuncionais deslocam as estrutu-ras mais adaptativas, compostas por crençasmais razoáveis e adaptativas, prevalecendo nosatos finais de significação.

Temos aqui um dos campos mais férteispara a criação de transtornos de personalida-de, uma vez que as crenças ou os esquemasimperativos dominam tiranicamente o horizon-te interpretativo, gerando distorções de enten-dimento e aprisionando o indivíduo em pers-pectivas possíveis naquele momento, poréminsuficientes para a compreensão.

Construtivismo

Na concepção construtivista, as formas deentendimento da psicopatologia apresentam

uma pequena variedade se contrastadas comas modalidades cognitivistas. Para o cogniti-vismo, o pensamento é o grande fiador da cria-ção de significado, ao passo que para o cons-trutivismo as emoções são consideradas umadas composições basais para a edificação desentido e de significado. Desse modo, seria vir-tualmente impossível considerar, no âmbito doconstrutivismo, a formação de significado semque, de alguma maneira, o funcionamentoemocional fosse contemplado.

Uma vez que a participação dos esque-mas emocionais torna-se necessária para asse-gurar o desenvolvimento do indivíduo, todaforma de manifestação afetiva é vista comobasicamente adaptativa e funcional. Como asreações emocionais são as companheiras maisantigas na vida humana (afetando a memória,o humor e a habilidade de realizar tarefas),sua compreensão e sua regulação tornam-seos objetivos mais desejados nessa forma depsicoterapia. Para alguns autores, as disfunçõese os distúrbios emocionais surgem quando aspessoas não se sentem autorizadas a reconhe-cer, sentir ou até mesmo legitimar determina-das emoções (Greenberg e Pascual-Leone,1997; Arciero e Guidano, 2000; Neimeyer,2000).

Assim, as emoções em si não são a fontedo sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensa-mentos, a interpretação ou mesmo o surgimen-to de outras reações emocionais àquelas primei-ras emoções que serão a fonte de grande partedas disfunções psicológicas (Greenberg, Rice eElliott, 1996). Nesse sentido, é inevitável abor-darmos a leitura ou o entendimento do indiví-duo sobre sua experiência quando falamos arespeito das bases da psicopatologia. Por exem-plo, um medo �infantil� apresentado por umadulto nada mais é do que uma reação despro-vida de significado sob a ótica de um adulto,ou seja, muitas vezes sentimos algo que nãonos sentimos autorizados a sentir. Como já dis-semos, as emoções no construtivismo não sãovistas como irracionais ou insensatas, porémsempre adaptativas; por isso, a experiênciaimediata (aquilo que está ocorrendo no mo-mento em termos viscerais e emocionais) sem-pre precederá a experiência reflexiva (a inter-pretação e a avaliação que fazemos do que

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ocorreu), uma vez que primeiro sempre senti-mos algo para depois podermos explicá-lo.

Um indivíduo, então, poderá ficar facil-mente desorientado quando a síntese dessesdois processos (sentir + pensar) apresentar-se disposta de maneira contraditória, incom-patível ou mesmo inconsistente. Assim sen-do, o perigo da instabilidade aparece quandoas construções racionais de significado (a ex-plicação) não levarem em consideração a ex-periência (corporal) imediata que está sendovivida, ou seja, quando vier a ocorrer a faltade simetria entre os níveis, a razão quase sem-pre tenderá a permanecer como uma fonte so-berana de entendimento. Portanto, nãoestamos interessados em corrigir o pensamen-to dos pacientes, e sim em ampliá-lo. Em vá-rios casos de desequilíbrio, veremos os paci-entes começarem a controlar suas emoções natentativa aflita de impor algum significadomais restritivo ou ainda inacabado, mas queesteja de acordo com suas possibilidades (li-mitadas) de compreensão.

Dessa maneira, em uma circunstânciaqualquer, podemos estar mais atentos aos da-dos sensoriais da experiência (sensações cor-porais) ou mais voltados aos aspectos concei-tuais (crenças) da situação (Greenberg e Paivio,1997). Um exemplo da impossibilidade deconstrução de um significado global é facilmen-te observado em um caso de transtorno obses-sivo-compulsivo (TOC). Bem sabemos que umadas caraterísticas mais proeminentes dessequadro é a tendência a uma expressão restritade afeto, possivelmente em função de o indiví-duo ter vivido situações passadas nas quais suaemocionalidade foi punida ou extremamentedesconsiderada. A melhor saída para assegu-rar sua integridade é um distanciamento desuas emoções, pois elas sempre estiveram as-sociadas ao desequilíbrio e à supressão, o queo levará à adoção de um comportamentoritualístico, evitando o aparecimento de possí-veis marolas emocionais. Ao serem evitadas ouaté controladas, nenhuma intercorrência põeem risco o (pseudo) equilíbrio anteriormenteobtido.

Uma pessoa que apresente tal transtornobuscará ininterruptamente, em seu dia-a-dia,

distanciar-se das situações confusas e imprevi-síveis, desenvolvendo comportamentos perfec-cionistas, repetitivos e até mesmo ritualísticos.Esse estreitamento racional, essa miopia psi-cológica, protegerá o paciente das situações nasquais o imponderável é uma possibilidade con-creta e o surgimento de novas emoções trariaas velhas sensações de desorganização, vergo-nha ou ansiedade cujo manejo seria difícil.Portanto, no construtivismo, os sintomas quese fazem presentes em um quadro de TOC ra-ramente seriam vistos como vergonhosos oumesmo indesejáveis, e sim como uma estraté-gia possível, porém não tão viável, de garantiade harmonização emocional.

A patologia, então, estaria relacionada àincapacidade das pessoas de aceitar ou tratarseus sentimentos e suas emoções como neces-sidades básicas que devem ser ouvidas e res-peitadas. Disfuncionais, portanto, não são asemoções, mas o fato de o indivíduo não se sen-tir autorizado a sentir tais conteúdos. Nos qua-dros de descontrole, ele não consegue funcio-nar de maneira integrada, na qual a experiên-cia emocional é acolhida e bem tratada pelopensamento. Esse descompasso funcional fazcom que os moinhos de vento não circulem ou,na melhor das hipóteses, girem apenas commetade das pás.

Com essa postura, procuramos resistir aomáximo à patologização das condutas aparen-temente desadaptativas e descobrir para quepropósito tal pessoa ficou �encalhada� em umaconstrução de significado restritiva, inacabadae limitadora, fazendo com que o processo demudança permaneça em uma condição de es-tagnação e de impasse. É curioso constatar queas técnicas utilizadas aqui não visam a promo-ver a redução dos quadros de organização, pre-ocupação e controle, e sim a incentivar a vivênciadessas emoções presentes e ainda não totalmen-te simbolizadas pela pessoa.7 Uma das suposi-ções nucleares do construtivismo é considerarque, quanto maior o volume de informaçõesdisponibilizadas ao paciente, maior será a pos-sibilidade de (re)construção de significados maisvastos. �Cada possibilidade nova que tem a exis-tência, até a menos provável, transforma a exis-tência inteira� (Milan Kundera).

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O PAPEL DO TERAPEUTA

Cognitivismo

Na abordagem cognitiva, o terapeuta temum papel ativo, colaborativo e educativo, o qualfoi muito bem sistematizado por Judith Beck(1997) e contempla as seguintes atribuições:

1. auxiliar o paciente na identificaçãodos pensamentos automáticos e dascrenças disfuncionais a eles associa-das;

2. propor técnicas de reestruturaçãocognitiva, visando à modificaçãodesses mesmos pensamentos auto-máticos;

3. levantar hipóteses sobre a categoriade crença central (desamparo oupouca amabilidade) da qual os pen-samentos automáticos específicosparecem ter surgido;

4. especificar a crença central prepon-derante;

5. apresentar ao paciente sua hipótesesobre a crença central, solicitando-lhe uma confirmação (ou não);

6. educar o paciente sobre crenças cen-trais em geral e sobre sua crença cen-tral específica, orientando-o amonitorar a(s) operação(ções) desua crença central;

7. começar a avaliar e modificar a cren-ça central junto com o paciente, au-xiliando-o a especificar uma novacrença central mais adaptativa.

Sendo assim, nessa concepção, terapeutae paciente sempre trabalham juntos, planejan-do estratégias, identificando crenças, atuandosobre pensamentos disfuncionais e sobre estra-tégias necessárias para tais ajustes ou corre-ções. Além disso, o terapeuta deve formularhipóteses sobre quais experiências contribuí-ram para o surgimento das crenças � sobre simesmo e sobre os outros � apresentadas pelopaciente, além da história de vida pessoal.

Construtivismo

Na abordagem construtivista, o terapeu-ta possui várias atribuições, cada qual ordena-da dentro de uma prática específica em cadaproposta clínica (como, por exemplo, nos mo-delos pós-racionalistas, experienciais-viven-ciais, narrativos, interpessoais, dos construc-tos pessoais, etc.). Entretanto, na maior partedessas contribuições, é muito clara a idéia deque o clínico também possui um papel ativo,no qual cliente e terapeuta estejam no proces-so de mudança. Diferentemente das aborda-gens objetivistas, o construtivismo não se ba-seia em um processo de correção e de buscados conteúdos ilógicos ou disfuncionais na vidasubjetiva do paciente, e sim de análise, facili-tação e ampliação dos significados restritivosaos quais ele se percebe atrelado.

Nesse sentido, as premissas que norteiamo trabalho incluem a concepção de que tantoaquele que busca ajuda quanto aquele que aoferece são considerados igualmente �especia-listas� nessa procura: o cliente possui um mai-or conhecimento das disposições e limitaçõesde seu sistema de significados (é o �expert� desua própria vida) e o terapeuta oferece instru-mentos facilitadores da mudança. Essa pers-pectiva clínica recusa terminantemente os pa-péis atribuídos ao terapeuta como sendo o�guru�, o �guia� ou mesmo o �professor�, nosquais estariam embutidas as premissas de sa-bedoria e de autoridade. Como conseqüência,a terapia torna-se uma empreitada colaborati-va e respeitosa de revisão do sistema de signi-ficados pessoais a partir do ponto de vista dopróprio indivíduo, e não do clínico.

Para isso, das muitas estratégias utiliza-das, aquela que é adotada como metáfora raize mencionada em quase todas as propostas porfavorecer a maximização da expressão pessoalé a técnica narrativa. É na linguagem que seconstrói o significado, ou seja, é através danarrativa que se consegue sistematizar e orga-nizar a experiência em curso. Segundo Gon-çalves (1998), construir o sentido da experiên-cia é, antes de mais nada, dar coerência a uma

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experiência ainda insípida e sem o significadocompleto.

Embora o exame do funcionamento emo-cional seja enfatizado como uma das formasde trabalho, os métodos puramente expressi-vos ou catárticos não são considerados suficien-temente válidos para que a mudança psicoló-gica possa ocorrer de fato. Assim, quando oindivíduo está engajado em uma atividade deautoria, narrando a sua história, busca preen-cher os sentidos inacabados, concluindo o pro-cesso de simbolização da experiência emocio-nal sempre a partir de seu ponto de vista, enão do profissional de ajuda. Quando esse prin-cípio não é respeitado, predominando a visãodo clínico na especificação da disfunção, ocor-re aquilo que chamamos de resistência passi-va: a dificuldade do cliente de entender a ex-plicação de sua problemática ou mesmo a re-sistência em aderir a certas tarefas que lhe sãoprescritas. Isso se deve ao fato de cliente e pro-fissional não comungarem do mesmo signifi-cado das experiências relatadas, e, nessa situa-ção, o cliente não consegue demonstrar umnível mínimo de comprometimento ou de ade-rência ao processo de ajuda.

No construtivismo, acredita-se na sabe-doria que o sistema vivo possui em sua tentati-va natural de adaptação ao ambiente denomi-nada de autopoiese. Tal dinâmica sempre de-pendeu geneticamente da habilidade de se(re)organizar frente às rápidas mudanças queocorreram ao longo de sua evolução. Assim, asperturbações nascidas �de fora� � no caso, oterapeuta � não têm o poder de interferir de-masiadamente na ordem interna, mas sim ins-tituir novas formas de organização, ou seja, asmudanças estruturais que ocorrem no indiví-duo são precipitadas pelos estímulos, e não ori-ginadas por ele (Maturana e Varela, 1995).Resta, então, ao profissional aproximar-se aomáximo do campo fenomenológico do pacien-te e facilitar a manifestação dos novos proces-sos de adaptação e filtragem, reorganizando ereacomodando de acordo com sua própria eco-logia pessoal (capacidade e flexibilidade deadaptação).

Um olhar de crédito e aceitação do clíni-co, e não de catalogação e prescrição à expe-riência do paciente, induz à diminuição da vi-

gilância interpessoal, fazendo com que o vín-culo desenvolvido entre ambos torne-se um im-portante delineador de trabalho. Assim, quan-to mais rapidamente esse vínculo for construí-do, mais rapidamente os sintomas diminuirão(Horvath e Greenberg, 1994).

O PROCEDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO

Cognitivismo

Uma das principais características da te-rapia cognitiva é seu caráter breve e focal. Des-se modo, o paciente é informado, logo no iní-cio do tratamento, de que a terapia tem umafunção pedagógica destinada a ensiná-lo a de-tectar e reduzir seus sintomas, de maneira que,gradativamente, possa estar habilitado a con-duzir a terapêutica sem a ajuda do profissio-nal. Oferecer ao paciente um folheto impres-so, contendo informações sobre a doença, adisfunção e os princípios gerais da terapia, tor-na-se muito útil para garantir uma maior com-preensão do que foi abordado durante as con-sultas que se seguirão (Ito et al., 1998).

Além disso, as sessões de terapia sempreserão estruturadas. Cada atendimento é inicia-do com a elaboração de uma agenda na qualpaciente e terapeuta sugerem os assuntos quegostariam de incluir, definindo prioridades eorganizando o tempo que será dedicado a cadatópico. Também são incluídos nesse roteiro umresumo dos acontecimentos desde a últimaconsulta, uma revisão da tarefa de casa reali-zada na semana anterior e a programação dasatividades da semana seguinte.

O clínico deve estar atento ao abordar osassuntos incluídos na agenda do dia para queos objetivos de reestruturação cognitiva com opaciente sejam contemplados. Ou seja, em cadaassunto discutido, será possível identificar ospensamentos automáticos e os pressupostosdisfuncionais respectivos, permitindo, assim,que o paciente faça um elenco de suas crençasbásicas e tenha a possibilidade, na medida dopossível, de modificá-las. No final de cada ses-são, deve-se incluir um resumo do que foi dis-cutido de modo a permitir que o paciente sin-tetize e registre claramente os aspectos cen-

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trais debatidos na sessão. Ao se observar essaseqüência de trabalho, o indivíduo conseguesistematizar as lições estudadas naquela ses-são e a utilidade desse aprendizado para as si-tuações futuras (Ito et al., 1998).

A cada sessão, a terapia cognitiva ensinao paciente a colocar em foco seus pensamen-tos e suas crenças disfuncionais, identificando,avaliando e respondendo a cada situaçãodisfuncional. O trabalho com os pensamentosautomáticos é feito solicitando-se o preenchi-mento de um diário elaborado a partir das ob-servações feitas pelo sujeito. Tal material ser-ve como um guia para o planejamento do tra-tamento em que são anotadas as ocorrênciasde sintomas, as mudanças em seu humor e ospensamentos que lhe vieram à mente em umdado momento, além da data e do local.

Uma vez que essa terapia estrutura-se pormeio de um estilo focal, as tarefas escolhidasno início da terapia sempre corresponderão aum alvo que necessite de uma intervenção ime-diata, devendo, sempre que possível, respeitaro grau de capacidade do paciente para executá-las, a fim de não gerar frustrações desnecessá-rias.

Nesse processo psicoterápico, utiliza-seuma variedade de técnicas para mudar o pen-samento, o humor e o comportamento daque-le que busca ajuda. Vale lembrar que todas astécnicas comportamentais e cognitivas objeti-vam modificar os comportamentos e as cren-ças disfuncionais que mantêm os sintomas sem-pre em atividade. Técnicas como identificaçãode pensamentos negativos automáticos e con-seqüente exploração de alternativas, juntamen-te com a análise de erros de lógica, são as fer-ramentas mais utilizadas nesse tipo de terapia.Além disso, o questionamento socrático � ca-racterizado por questões dirigidas pelo tera-peuta de forma a levar o paciente a perceberas incongruências em seus pensamentos e emsuas crenças � também é freqüentemente utili-zado.

Outra característica da psicoterapia cog-nitiva é sua ênfase no presente. O terapeutaprocura fazer a avaliação mais realista possí-vel das situações específicas que são, no mo-mento, as mais aflitivas para o paciente. A aten-ção somente se voltará para o passado quando

o trabalho presente resultar em pouca ou ne-nhuma mudança cognitiva, comportamental ouemocional, ou mesmo quando o clínico julgarimportante entender como e quando as idéiasdisfuncionais originaram-se e como afetam hojeo indivíduo.

Construtivismo

Na concepção construtivista, conformeexplicitamos anteriormente, muitas são as pro-postas de trabalho existentes.8 Para Greenberg,por exemplo, a exploração e a mudança psico-lógica não acontecem apenas através da subs-tituição de esquemas disfuncionais de pensa-mento por esquemas mais funcionais, mas atra-vés da exploração das prováveis contradiçõesexistentes no processo dialético entre a expe-riência (do sujeito) e o conceito (desenvolvidopelo indivíduo após ter vivido a experiência).Ao se integrar essas duas instâncias, a (re)cons-trução de um significado global é favorecida.Sempre vivenciamos algo primeiro para, pos-teriormente, podermos falar algo a esse res-peito. Essa é a premissa da formação do signi-ficado no modelo processual-vivencial. Por issoé que um argumento lógico, por mais verda-deiro que seja, dificilmente mostra-se eficaz noprocesso de mudança. Portanto, se desejarmosproduzir qualquer tipo de alteração mais efeti-va, devemos partir sempre dos níveis emocio-nais e vivenciais das situações para depois po-dermos alterar as premissas lógicas envolvidasem uma determinada situação.

Por exemplo, uma pessoa que chega aoconsultório afirmando deparar-se freqüente-mente com situações desconfortáveis poderá,nesse momento, voltar sua atenção para umdos dois tipos de processamento de informa-ções, isto é, poderá responder mais aos níveisprocessuais (conceituais) do problema ou vol-tar sua atenção aos níveis vivenciais (emocio-nais) da experiência. Tomando como base aidéia de que utilizamos essas duas fontes deinformações ao construirmos os significados,a pessoa poderá, ao descrever essa situação,dizer �Sinto-me muito desconfortável... é comose eu sentisse um forte aperto no peito...�, queé uma descrição basicamente experiencial. Por

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sua vez, se ela considerar tal circunstância soba ótica reflexiva, é muito provável que venha adeclarar: �...Não consigo entender por que mesinto assim... não é certo sentir-me assim... nãohá motivos para isso. Afinal de contas, os adul-tos não devem sentir isso!�, que é uma descri-ção que contempla aspectos mais racionais doque experienciais.

Na primeira descrição, são contempladasas sensações corpóreas (no caso, o �aperto nopeito�), não chegando a se constituir ainda emuma crença. Na segunda descrição, já pode-mos ver indícios da formação de crenças (�...éerrado sentir-se assim... os adultos não devemsentir isso...�). Se essa pessoa for atenta o bas-tante, talvez possa tomar consciência de queuma mesma situação pode evocar dois tiposdistintos de leitura ou de processamento deinformação; contudo, também é possível quenada venha a perceber pelo simples fato de queo �aperto no peito� não indica uma condiçãopsicológica. Nesse caso, ao não considerar, poringenuidade ou por opção, a duplicidade desentido dessa construção, alguns fatos pode-rão ocorrer: se a pessoa for alguém que res-ponde básica e preferencialmente aos signifi-cados conceituais (pensamento), é muito pro-vável que a experiência vivencial não chegue aser alcançada por ela, criando, assim, um obs-táculo à formação do significado mais amplo.

Então, o sentir-se desconfortável mais opensar errado não produzirão um significadoglobal agregado, e a pessoa muito provavel-mente se tornará desorientada. Além disso,quando se confrontar novamente com uma si-tuação como essa, se perceberá frente ao se-guinte dilema: ou sente algo que não conse-gue dar nome (por ser emocionalmente incô-modo), ou nomeia algo terrível de ser reco-nhecido (por exemplo, sei que os adultos nãosentem isso, apesar de sentir-me assim).

Se essa fusão não ocorrer, o processo desimbolização dos episódios de vida na cons-ciência diminuirá progressivamente, desenvol-vendo-se crenças muitas vezes incompatíveis einsuficientes para o entendimento da situação,invalidando-se e restringindo-se a compreen-são das emoções experimentadas. Como a ex-periência sempre precede a explicação, a pes-

soa fica desorientada por não conseguir com-preender a situação como um todo (Greenberg,Rice e Elliott, 1996).

A concepção construtivista entende quenão são os pensamentos e nem mesmo as emo-ções disfuncionais per se que devem ser elimi-nadas e corrigidas, mas o pensamento desen-volvido sobre nossas emoções é que deve serexpandido, ampliado e mais refinado. Portan-to, quando os clientes demostram medos ouangústias, uma postura interessante é permitirque a expressão emocional exista sem desqua-lificá-la ou alterá-la ao se basear em premissasde irracionalidade ou disfuncionalidade porparte do terapeuta: �Não sofremos por nossasemoções, sofremos pelo não entendimento detais emoções� (Guidano, 1994, p. 34). Nessesentido, pode-se auxiliar o paciente no proces-samento de novas sínteses dialéticas de signi-ficado, porém partindo sempre de seu sistemapessoal, e não do sistema do clínico, o qual épossuidor das intervenções mais válidas.

No construtivismo, a aceitação do outrocom todas as suas particularidades e idiossin-crasias é o cerne do processo de mudança(Safran e Muran, 2000). O procedimento dapsicoterapia baseada no construtivismo reali-za, segundo Mahoney (no prelo), o trabalhodos três �Ps�. Assim, nos momentos iniciais doprocesso clínico, objetiva-se enfocar o Proble-ma com todas as suas peculiaridades e varia-ções; em um segundo momento, aprofunda-sea análise dos Padrões gerais, aqueles que man-têm o aparecimento dos problemas e que sãocompostos pelas repetições das dificuldades emquestão; finalmente, desenvolve-se uma aná-lise mais aprofundada dos Processos pelos quaistais padrões e problemas foram sendoconstruídos e manifestados ao longo da vidado indivíduo. Portanto, nesse último nível dotrabalho, busca-se compreender as marés deordem que são seguidas pelas marés de desor-dem � que, por sua vez, são seguidas pelasmarés de ordem e assim sucessivamente �, asquais constituem a história de flutuações emo-cionais na vida daqueles que solicitam ajuda(Mahoney, 1998). A idéia de que existem fasesde �ordem� e �desordem� permeando o desen-volvimento do homem e, portanto, suas possi-

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bilidades de mudança está na base do procedi-mento psicoterápico construtivista. Nessa abor-dagem psicoterápica, a mudança não é enten-dida como um processo linear em contínua ex-pansão, e sim como um movimento no qualocorrem diferentes formas de aberturas e fe-chamentos, todos mantendo as medidas bási-cas de proteção e coerência do sistema. Ne-nhuma é melhor, ambas são necessárias.

Em suma, a psicoterapia construtivistaparte do pressuposto de que �a experiênciahumana não é uma busca pela verdade, mas,ao invés disso, uma infinita construção de sig-nificados� (Gonçalves, 1994, p. 108). Portan-to, as técnicas narrativas de Óscar Gonçalves,a construção da linha da vida de MichaelMahoney ou mesmo a técnica da moviola deVittorio Guidano, entre outras, focalizam a his-tória do desenvolvimento pessoal do indivíduocom seus processos de ordenação e contínuareordenação das experiências pessoais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientarmos que nossasexplicações não se baseiam na premissa daexistência de uma forma mais refinada de sepraticar a psicoterapia cognitiva, mas sim deque ambas as concepções partem de diferen-tes premissas epistemológicas para a sua prá-tica clínica. Acreditamos que, nos modelosobjetivistas, a ênfase no processo de mudançarecai sobre as dimensões conceituais da expe-riência, ao passo que nos modelos construti-vistas reforça-se uma prática mais voltada aosaspectos emocionais da experiência. Essa dife-rença de foco, em nossa opinião, é o divisor deáguas da grande família cognitiva, não exis-tindo, portanto, uma modalidade mais eficien-te, e sim uma ampla variedade de conce(o)p-ções de como ocorre o funcionamento pessoale a construção de sentido para cada um.

A Figura 2.1 ilustra essa preferência tera-pêutica que cada autor cognitivista exibe notrabalho com seus pacientes, partindo da pre-missa de que o processo de mudança será maisbeneficiado se se basear nos aspectos concei-

tuais da experiência � preferidos pelos tera-peutas objetivistas � até chegarmos aos pro-cessos emocionais da experiência � preferidospelos terapeutas construtivistas.

Na Tabela 2.1, é possível observar que aprincipal diferença entre as duas concepçõesestá no enfoque dado à participação dos es-quemas emocionais e, por isso, de sua contri-buição na história de vida e na formação doindivíduo com seus problemas particulares (sin-tomas e/ou queixas). Provavelmente, ospsicoterapeutas cognitivos mais objetivistasidentificaram-se com algumas idéias constru-tivistas, assim como alguns clínicos construti-vistas talvez tenham reconhecido a utilidadede uma postura mais objetiva e pragmáticaadotada pelos cognitivistas. Como dissemos noinício deste capítulo, nossa intenção é refletirsobre as múltiplas possibilidades da teoria eda prática de nossa rica e plural descendênciacognitiva.

Assim, tomando de empréstimo da con-cepção construtivista a idéia de que o homemconstrói, através da sua história, um conheci-mento pessoal sobre si mesmo e sobre o mun-do, podemos afirmar que toda concepção, todoconhecimento e toda compreensão de realida-de serão sempre construções e interpretaçõesfeitas a partir do sujeito que as vivencia, to-mando como ponto de partida sua história pas-sada de interações, as quais inevitavelmentese tornam sua representação maior, seu mapainterno de mundo. Como diria Fernando Pes-soa, �nós fabricamos realidades�. Assim, os di-ferentes capítulos deste livro também refletemas diferentes trajetórias apontadas pelas cons-truções individuais, pessoais e profissionais decada um de seus autores. Por isso, os aspectosque venham a se mostrar divergentes ou atémesmo complementares de ambas as concep-ções cognitivas descritas aqui servem para quecada um de nós, autores e leitores, ampliemosnossa própria construção de realidade e doimpério psicológico que aguarda ser conquis-tado por nós. Esperamos que isso tenha ocor-rido ao longo deste capítulo e que essa expe-riência dialética tenha realmente ampliado oleque de atuação e conhecimento do leitor.

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Figura 2.1 Ênfases no trabalho terapêutico.

Tabela 2.1 Caracterização dos modelos cognitivistas e construtivistas de psicoterapia

Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento

Cognitivista A realidade é externa, po-dendo ser objetivamenteobservada e acessada. É sin-gular, estável e universal.

As emoções são deriva-das dos pensamentos edas imagens mentais,assim como da interpre-tação das situações devida.

As emoções negativasresultam dos padrõesdistorcidos e irracio-nais de pensamento(geradores da patolo-gia).

A ênfase está na eli-minação, no controleou na substituição dospadrões negativos dopensamento. Propõe-se a identificação, se-guida da alteraçãodos padrões irracio-nais por padrões maislógicos e realistas.

Teoria Conceito de Realidade Papel das Emoções Patologia Tratamento

Construtivista A realidade é uma constru-ção sucessiva do próprio in-divíduo para organizar suaexperiência. É múltipla pornatureza.

As emoções são proces-sos primitivos e podero-sos de conhecimentoque refletem a organi-zação e a desorganiza-ção da experiência in-dividual. Influenciam ospensamentos na forma-ção do significado naexperiência.

Os padrões desadap-tativos ou dolorosos daexperiência emocionalrefletem as tentativasindividuais (porém im-perfeitas) de adapta-ção e desenvolvimento.

Fonte: Mahoney, 1998.

A ênfase está na ex-periência e na expres-são apropriada dasemoções, assim comona exploração do seudesenvolvimento (fun-ções passadas e pre-sentes na história devida de cada um).

Fonte: Adaptada de Zagmutt, LecAelier e Silva, 1999.

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NOTAS

1. Curiosamente, na língua portuguesa, utiliza-se o verbo refletir como sinônimo de pensar.(Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Lín-gua Portuguesa. 34ª Edição).

2. Isto obedece à metáfora do princípio da corres-pondência (a realidade externa), conforme pro-posto por Thelen e Smith (1995).

3. Outra metáfora de referência é aquela intitu-lada mundo-na-mente (Thelen e Smith, 1995).

4. Nisso repousa a origem da utilização do termoabordagens cognitivo-racionalistas (Mahoney,1998).

5. Também denominada organismo-no-mundo(Thelen e Smith, 1995).

6. É muito típico ouvirmos terapeutas sugerirema seus clientes que façam os chamados testesde realidade, com o intuito de verificar a au-tenticidade de seus padrões de pensamento.

7. Freqüentemente, o que é referido como umaemoção inclui a reação pessoal do indivíduofrente a tal emoção, assim como seu posicio-namento frente à manifestação. Vale lembrarque muitas pessoas não experienciam a emo-ção em si, mas a conseqüência de sentir-se iná-bil para experienciá-la, como sentir medo desua raiva, vergonha de seus medos ou raiva desuas tristezas, desenvolvendo uma reação �de-fensiva� às emoções primeiras � foco da psico-terapia. Por isso, existe a necessidade de sepa-rar as emoções primárias das secundárias paraque a psicoterapia seja efetiva. Para um apro-fundamento dessas idéias, sugerimos consul-tar Greenberg e Paivio (1997).

8. Optamos por manter a mesma referência teó-rica adotada até então para a descrição da pro-posta de trabalho, de modo que o leitor possater uma visão mais integrada, em vez de ex-pormos um elenco de sugestões construtivis-tas, o que viria inevitavelmente a comprome-ter o entendimento global. Sendo assim, a es-colha dessa proposta foi puramente casual.

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PARTE IIUm Estudo Comparativo entre os

Modelos Cognitivo e Construtivista

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Terapia Cognitiva:Abordagem Revolucionária

Aaron T. BeckWillem Kuyken

suas implicações em qualquer estresse emocio-nal que ele possa estar apresentando.

RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICASDA TERAPIA COGNITIVA

Fui (Beck) um dos pioneiros da teoria eda terapia cognitiva há mais de 30 anos. Trei-nado como psiquiatra no modelo freudiano,tentei analisar a base empírica da teoria dadepressão de Freud quando percebi que ospacientes com depressão sofriam de um fluxoconsciente de pensamentos negativos automá-ticos, tais como: �Minha parceira acha que nãosou bom�, �Isso não vai dar certo�, ou ainda�Meu parceiro está pensando em me deixar�.Em meu primeiro trabalho, percebi que, quan-do ajudava os pacientes a mudarem seu diálo-go interno (seus pensamentos), ajudava-os ase sentirem melhor. Por isso, eles são treina-dos a pensar como cientistas e a abordar pen-samentos como �Isso não vai dar certo� demaneira científica, reunindo evidências queconfirmem ou não tal pensamento. Desde suaconcepção, a terapia cognitiva tem sido cons-tantemente atualizada pelas observações clí-nicas, bem como pelas idéias sobre a psicolo-gia cognitiva e social, e inúmeras pesquisas já

33

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os transtornos mentais representam umrelevante problema de saúde pública. Boa par-te das pessoas que procuram atendimento mé-dico com um problema de saúde apresentamum transtorno mental primário ou secundário.Esses transtornos exigem uma terapia pragmá-tica e padronizada, que possa ser aceita poruma grande variedade de pessoas e que tenhasua eficácia comprovada. A terapia cognitiva,desenvolvida há mais de 30 anos, vem procu-rando responder a esse desafio.

No cerne dessa abordagem terapêutica,de embasamento teórico sólido e de eficáciacomprovada, está uma idéia extremamentesimples. As crenças que temos sobre nós mes-mos, sobre o mundo e sobre o futuro determi-nam o modo como nos sentimos: o que e comoas pessoas pensam afeta profundamente o seubem-estar emocional. Como disse Hamlet, per-sonagem de Shakespeare: �� nada é bom oumau, o pensamento é que torna as coisas as-sim ��. É desse princípio que vem a idéia deque, examinando nossas crenças e, se apropria-do, modificando-as, afetamos diretamente onosso bem-estar emocional. A terapia cogniti-va é um trabalho de exploração conjunta en-tre terapeuta e paciente das crenças deste e de

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foram realizadas testando seus princípios ecomprovando a sua eficácia no tratamento deuma série de transtornos.

PRINCIPAIS PROPRIEDADES DATERAPIA COGNITIVA

A terapia cognitiva tem como base a rea-lidade objetiva, pois ajuda as pessoas na ava-liação de seus pensamentos e de suas ações demaneira clara e realista. Uma pessoa que acre-dita ser basicamente incompetente, por exem-plo, é questionada sobre quais são as caracte-rísticas que alguém precisa apresentar para serconsiderado competente e, então, analisa suascompetências e seus sucessos de acordo comseus próprios padrões.

Ao contrário das errôneas concepções po-pulares sobre a psicoterapia (o divã, o tique-taque do relógio que marca os 50 minutos deterapia), o paciente da terapia cognitiva temmaior chance de ficar sentado frente a frentecom o terapeuta, semanalmente, trabalhandoem um estilo de conversação cooperativa. Alémdisso, a terapia cognitiva tende a ser um traba-lho de curto a médio prazo (em geral, de 16 a20 sessões), cujo objetivo é aliviar o estresse acurto prazo e conferir às pessoas habilidadespara operar mudanças a longo prazo. Em ou-tras palavras, o objetivo é que o paciente tor-ne-se seu próprio terapeuta.

Assim como em outras formas de terapia,o relacionamento entre terapeuta e paciente éimportante e proporciona um veículo para amelhora. O terapeuta deve ser capaz de criarcalor humano e empatia genuínos no relacio-namento, ao mesmo tempo em que mantémum papel ativo de questionamento que visa aoferecer ao paciente as ferramentas necessá-rias para que ele possa mudar seus pensamen-tos e seus comportamentos em uma direçãomais adaptativa. Entretanto, diferentemente deoutras abordagens terapêuticas, o bom relacio-namento entre paciente e terapeuta é conside-rado um ingrediente necessário, mas não sufi-ciente da terapia.

Portanto, a terapia cognitiva é uma for-ma de terapia sistemática, baseada na realida-de objetiva, cooperativa e focal. Focaliza o pro-blema trazido pelo paciente, e sua duração de-pende do tempo necessário para a solução des-se problema ou das dificuldades impostas porrestrições financeiras.

A TEORIA COGNITIVA DAS EMOÇÕES

Desde sua concepção, a terapia cognitivafundamenta-se na teoria cognitiva das emoçõesque está na base de muitos transtornos psiqui-átricos e parte do pressuposto de que as emo-ções de uma pessoa são influenciadas por suapercepção dos acontecimentos. Ou seja, não éo acontecimento em si que determina o que apessoa sente e faz, mas sim o significado queatribui a ele. A maneira como uma pessoa atri-bui significado aos eventos de sua vida é influ-enciada por suas crenças centrais a respeito desi mesma, dos outros e do mundo. Assim, asnossas crenças centrais (por exemplo, �Eu souuma pessoa que sempre está bem�) ativam omodo como percebemos as situações que, porsua vez, determinam nossa reação emocionalàquelas situações. Por exemplo, uma pessoavaloriza determinada amizade porque com-partilhou bons momentos com o(a) amigo(a)e sempre recebeu seu apoio emocional e prá-tico; porém, esse(a) amigo(a) diz que vai acei-tar uma oferta de trabalho em outra parte dopaís. A pessoa, então, reage a esse aconteci-mento com um misto de tristeza � �Vou sentirsaudades dos bons momentos� � e alegria ��Estou contente por meu amigo ter consegui-do esse emprego, é o emprego certo para ele�.Esses pensamentos estão relacionados a cren-ças centrais sobre os outros, como �Amizadeé importante� e �Amigos devem ficar próxi-mos e apoiar emocionalmente as decisões umdo outro�.

Com base em tais crenças, seus pensamen-tos e seus sentimentos determinarão uma rea-ção de ajudar o amigo a preparar a mudança.Esse exemplo ilustra que as crenças e as per-cepções de uma pessoa em relação a determi-

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nada situação desempenham um papel inter-mediário entre os acontecimentos e as subse-qüentes emoções e comportamentos. A litera-tura sobre psicologia social e cognitiva temcontribuído bastante na compreensão dos prin-cípios básicos da teoria cognitiva das emoções.

A TEORIA COGNITIVA DOSTRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS

O modelo cognitivo dos transtornos psi-quiátricos é compatível com o modelo cogniti-vo da emoção normal, porém a diferença estáno fato de que as crenças e as emoções nostranstornos tornam-se disfuncionais. Elas afe-tam o conceito que o indivíduo tem de si mes-mo, tornando-o rígido e inflexível, mantendo,assim, o transtorno psiquiátrico. Beck e seuscolaboradores demonstraram a relação entreos transtornos psiquiátricos e as crenças idios-sincráticas que os caracterizam (Tabela 3.1).As pessoas com transtornos de humor, porexemplo, tendem a ver a si mesmas como pes-soas indefesas e não-merecedoras de amor, omundo como hostil e exigente e o futuro comoirremediável. As pessoas com transtornos deansiedade tendem a ver a si mesmas como vul-neráveis, o mundo como ameaçador e perigo-so e o futuro como incerto.

A TEORIA COGNITIVA DOSTRANSTORNOS DE PERSONALIDADE

Mais recentemente, a teoria cognitivatem-se expandido, procurando descrever e ex-plicar os transtornos de personalidade. Talvezmais atual seja o transtorno da personalidadeanti-social, mas também estão incluídos ostranstornos bordeline, esquivo, narcisista, para-nóide e dependente. Os transtornos de perso-nalidade compreendem uma organização cog-nitiva, afetiva, comportamental e fisiológicarelativamente estável que determina a manei-ra como alguém reage às exigências da vida.Uma pessoa com transtorno da personalidadedependente, por exemplo, pode apresentarcrenças do tipo: �Não posso sobreviver sem aajuda dos outros�. Essa crença faz com que elase torne extremamente dependente dos demais,tanto para obter bem-estar emocional quantopara realizar suas atividades cotidianas. Segun-do a teoria cognitiva, uma característica cen-tral dos transtornos de personalidade é a exis-tência de um conjunto de crenças aprendidasdurante o desenvolvimento, as quais influen-ciam a percepção dos acontecimentos, de modoque os eventos estão sempre confirmando ascrenças mal-adaptativas.

O paciente com transtorno da personali-dade dependente do exemplo anterior, em uma

Tabela 3.1 Teoria cognitiva aplicada a diferentes transtornos psiquiátricos

Transtorno Conteúdo de Pensamento Típico

Depressão Visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro

Transtorno de ansiedade generalizada Medo de risco físico ou psicológico

Transtorno de pânico Medo de acidente físico ou psicológico iminente

Transtorno alimentar Medo descontrolado de não ser fisicamente atraente

Hipocondria Preocupação com distúrbio médico insidioso sério

Transtorno da personalidade anti-social Sensação de ser tratado de maneira injusta e de terdireito à sua parte justa, não importa por quais meios.

Distúrbios médicos nos quais os pacientes apresentam Sensação de dor intolerável e impotência para controlá-laqueixas de dor em graus significativos

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situação na qual está prestes a fazer um exa-me, pode acreditar que este estará além de suacapacidade, uma vez que não encontrou umapessoa forte e confiável que o ajudasse a sepreparar. Nesse caso, pode ser reprovado noexame por não fazer uso de sua capacidadepara estudar e preparar-se adequadamente sema ajuda de ninguém.

PROCESSOS QUE MANTÊM AS CRENÇASCENTRAIS, AS ATITUDES DISFUNCIONAISE OS PENSAMENTOS NEGATIVOSAUTOMÁTICOS

A teoria cognitiva sugere que as crençasmal-adaptativas são perpetuadas através demodos mal-adaptativos de processar informa-ções. As pessoas ansiosas, por exemplo, ten-dem a estar sempre atentas às ameaças doambiente; as pessoas deprimidas tendem a seresponsabilizar por acontecimentos negativos;as pessoas com transtornos de personalidade

tendem a interpretar os acontecimentos comoconsistentes com seus comportamentos e cren-ças mal-adaptativos.

Nesse sentido, a teoria cognitiva identifi-cou vários erros ou distorções no pensamento,que perpetuam tais crenças, como a personifi-cação, a antecipação e o pensamento do tipotudo ou nada. A personificação, comum nopensamento característico da depressão, refe-re-se à tendência excessiva de auto-referência,ou seja, os acontecimentos estão sempre rela-cionados à própria pessoa. Por exemplo, umapessoa deprimida, com baixa auto-estima, podeinterpretar o atraso de um amigo para um en-contro como �Não mereço o tempo dos outros�,em vez de imaginar que o amigo possa ter fi-cado preso no trânsito. A antecipação, erro depensamento comum na ansiedade, refere-se àtendência de imaginar os resultados de acon-tecimentos futuros geralmente de maneira ca-tastrófica. Por exemplo, ao pensar sobre umaapresentação que irá fazer, a pessoa imaginaque desmaiará. O pensamento do tipo tudo

Tabela 3.2 Distorções cognitivas

Distorção Exemplo

Pensamento do tipo tudo ou nada: a pessoa vê as coisas �Meu desempenho não é perfeito; portanto, devo serem preto e branco. um fracasso total.�

Generalização exagerada: a pessoa vê um simples evento �Estou sempre estragando tudo.�negativo como um padrão infindável de derrota.

Filtro mental: a pessoa percebe um detalhe negativo e Ao perceber que engordou um pouco, ela pensa: �Estouestende-o a tudo, tornando todas as percepções da horrivelmente obesa�, ignorando outras partes de suarealidade obscurecidas. vida (tem um sorriso bonito, as pessoas gostam dela,

tem um emprego ou está criando uma família).

Antecipação: a pessoa faz previsões negativas sobre o �Nunca conseguirei um emprego ou um relacionamento.�futuro, sem perceber que tais previsões podem serimprecisas.

Raciocínio emocional: a pessoa assume que as emoções �Estou sem esperanças; logo, as coisas sãonegativas refletem necessariamente o modo dos irremediáveis.�acontecimentos.

Pensamento do tipo deveria: a pessoa tenta motivar-se �Não deveria sentar aqui; eu deveria arrumar a casa.�com �devo� e �não posso�, como se tivesse de ser punidae castigada por alguma coisa.

Personalização: a pessoa vê-se como a causa de algum Se alguém gritar com ela, pensa: �Fiz alguma coisaevento externo negativo, embora não seja responsável errada�, em vez de imaginar que o outro estejapor ele. passando por um momento ruim ou tenha um

temperamento difícil.

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ou nada, freqüentemente encontrado nostranstornos de personalidade, refere-se à ten-dência de pensar dicotomicamente, como sesó fosse possível enxergar as situações embranco e preto, sem nenhuma possibilidadede cinza no meio. Durante um período deestresse intenso, por exemplo, a pessoa en-xerga-o como permanente e irremediável, nãohavendo solução para seus problemas. Por nãoconseguir enxergar um meio-termo, sua úni-ca saída é o suicídio.

A ESTRUTURA DA TERAPIA COGNITIVA:TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS, TÉCNICASCOGNITIVAS E LIÇÃO DE CASA

O objetivo principal da terapia cognitivaé identificar e modificar os comportamentos eas crenças mal-adaptativos. Uma variedade deabordagens terapêuticas podem ser usadas naterapia cognitiva, incluindo técnicas compor-tamentais e cognitivas. O primeiro grupo deabordagens focaliza o comportamento do pa-ciente, partindo do princípio de que o monito-ramento do comportamento e a ativação com-portamental podem levar a ganhos substanci-ais em alguns casos. Pessoas com um quadrodepressivo grave, por exemplo, muitas vezesse tornam retraídas e inativas, piorando aindamais seu estado depressivo. Ao retrair-se, o de-primido percebe-se e rotula-se como �ineficaz�e alimenta sua depressão. Se a terapia temcomo foco aumentar a participação do pacien-te em atividades prazerosas, este pode ser oprimeiro passo no combate à depressão. Ou-tras estratégias comportamentais incluem pro-gramar atividades, dividindo grandes tarefas(por exemplo, arranjar um emprego) em tare-fas menores e mais viáveis (por ex., comprar ojornal com anúncios de emprego, preparar umcurrículo, etc.), e executar técnicas de relaxa-mento, dessensibilização sistemática em rela-ção a situações temidas, dramatização de situ-ações e treino de assertividade.

O segundo grupo de abordagens concen-tra-se nas crenças mal-adaptativas do pacien-te. O questionamento e a exploração cuidado-sa de suas crenças irrealistas e disfuncionais

são realizados a fim de confrontá-las com arealidade, corrigir as distorções e modificar ascrenças mal-adaptativas que perpetuam a an-gústia emocional. A terapia consiste em umaexploração conjunta das crenças da pessoa, oque propicia ao trabalho um espírito de desco-berta guiada, através do qual as construçõesmal-adaptativas da realidade são gradualmenteexploradas. Ao descobrir os significados mal-adaptativos atribuídos às experiências, a vidado paciente pode seguir com um �novo signifi-cado�, mais orientado para a realidade, paraas satisfações e os objetivos da pessoa. Esseprocesso demonstra a relação entre as crençasmal-adaptativas, a angústia emocional e o com-portamento. Um paciente cuja crença era �Eutenho de colocar as necessidades dos outrossempre acima das minhas� sentia-se constan-temente culpado e ressentido. Em conseqüên-cia disso, empenhava-se ainda mais em satis-fazer as necessidades de seus colegas de traba-lho, de seus familiares e de seus amigos, a pontode ficar exausto, perder de vista seus própriosobjetivos e necessidades e, finalmente, sentir-se deprimindo.

O terceiro grupo de abordagens nãoocorre no ambiente do consultório, mas simentre as sessões, pois os pacientes realizammelhor as tarefas de auto-ajuda, chamadas�lições de casa�, as quais possibilitam a conti-nuidade do trabalho no decorrer da semana.O papel do terapeuta assemelha-se ao de umtreinador, orientando e questionando o pa-ciente semana após semana. As tarefas são de-finidas em conjunto e elaboradas sob medidapara o indivíduo, constituindo-se em propos-tas de execução viável, podendo variar desdea sugestão da leitura de um livro pertinenteaté a realização de uma tarefa até então pro-telada (por exemplo, telefonar a um amigopara resolver um conflito velado) e sua moni-torização, ou seja, a observação dos pensa-mentos e das imagens que surgirem durantea preparação para a tarefa (por exemplo, �Meuamigo vai ficar furioso comigo�).

Eu mesmo (Willem Kuyken) tratei deThomas, um homem de 68 anos, casado, commal de Parkinson diagnosticado quatro anosantes. O caso ilustra algumas das característi-

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cas da teoria cognitivo-comportamental e dasabordagens da terapia cognitiva utilizadas, bemcomo o uso da lição de casa. Por causa da do-ença, Thomas tornara-se inseguro e temia areação das outras pessoas em relação a ele emsituações profissionais e sociais, evitando cadavez mais tais situações. Esse comportamentoafetara profundamente o conceito sobre simesmo e o deixara deprimido.

A conceitualização cognitiva dos proble-mas de Thomas sugeriu que, em um nível pro-fundo e central, ele possuía a crença de quesua aceitabilidade como pessoa estava condi-cionada a ser respeitado e considerado com-petente em todas as áreas e o tempo todo. Po-rém, o início e o progresso do mal de Parkinsonhaviam comprometido sua competência naqui-lo que acreditava serem áreas fundamentais,ativando suas crenças sobre a própria aceitabi-lidade. Ele era um marceneiro aposentado, esuas habilidades motoras estavam seriamentecomprometidas. Conseqüentemente, começoua duvidar de seu valor pessoal e de suaaceitabilidade: �As pessoas pensarão que estouno fim da linha (�sou uma pessoa de menorimportância�) se souberem que tenho mal deParkinson�. Como tentava disfarçar a doença eo impacto que ela lhe causava para seus ami-gos e familiares, Thomas começou a evitar di-versas situações sociais. Esse afastamento man-tinha seu temor e exacerbava sua depressão,uma vez que assim desperdiçava as oportuni-dades de checar se suas crenças eram verda-deiras ou não, ou seja, se as pessoas realmenteo �descartariam�.

Thomas compareceu a 16 sessões de te-rapia em um período de 8 meses. Inicialmen-te, as sessões eram semanais, depois passarama ser quinzenais e, finalmente, mensais. As eta-pas da terapia cognitiva foram:

1. educação sobre ansiedade social, de-pressão e modelo cognitivo para seusproblemas;

2. manutenção de um diário de pensa-mentos, sentimentos e comporta-mentos em uma variedade de situa-ções perturbadoras que o ajudou aentender melhor suas crenças e o pa-

pel delas em suas dificuldades psi-cológicas;

3. redução da esquiva de situações ame-drontadoras através de lições de casaem que se expunha gradualmente atais situações; e

4. orientação para que testasse e colo-casse à prova as crenças centrais econdicionais inferidas na terapia.

Quanto aos problemas apresentados,Thomas respondeu bem à abordagem pragmá-tica do �aqui e agora� da terapia cognitiva. Eleidentificou as seguintes estratégias da terapiacognitiva como sendo úteis para lidar com aansiedade social:

1. o uso cuidadoso da autodescoberta;2. o pensamento �e se� (ou seja, per-

guntar-se �e se as conseqüências te-midas realmente acontecessem? Oque elas teriam de tão terrível?�; e

3. a abordagem frontal, que consisteem enfrentar medos de maneira ou-sada e sem acanhamento.

Armado com essas estratégias, Thomasparticipou de uma série de compromissos so-ciais (por exemplo, fazer um discurso na festade despedida de um colega, visitar antigos co-legas de trabalho, participar de várias festas deNatal) para testar o fundamento de suas cren-ças na realidade. Em cada uma dessas ocasiões,seu medo não foi comprovado. Na verdade, emvárias delas, foi surpreendido pelo carinho comque seus amigos e colegas o receberam. Thomasutilizou uma metáfora � a da luta de boxe �para exprimir o que sentia: sentia-se mais ca-paz de enfrentar as situações difíceis, porquepodia jogar à lona seu pensamento negativo.Ao final da terapia, não evitava mais as situa-ções sociais e sua depressão havia melhoradomuito. Por outro lado, o agravamento do malde Parkinson apresentava desafios consideráveis,e, durante muitos anos, Thomas compareceu asessões de reforço que o ajudavam a manter suasaúde psicológica a melhor possível, enquantosua saúde física deteriorava-se.

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Em suma, a terapia cognitiva visa a aju-dar as pessoas a desenvolverem crenças sau-dáveis sobre si mesmas como seres competen-tes e capazes de serem amados, além de con-ferir-lhes habilidades cognitivas e comporta-mentais para viverem suas vidas plenamente.

APLICAÇÃO DA TERAPIA COGNITIVAA DIFERENTES PROBLEMAS DESAÚDE MENTAL

Eu (Beck) e meus colegas estamos apli-cando a terapia cognitiva, no mundo todo, auma grande variedade de problemas de saúdemental em crianças e adultos, como transtor-nos de humor, transtornos de ansiedade, trans-tornos somatoformes, transtornos alimentares,abuso de substâncias e transtornos de perso-nalidade. A terapia cognitiva também vem sen-do usada no hospital geral com o objetivo de:

1. melhorar a adesão à medicação,2. enfrentar problemas de saúde men-

tal secundários à doença ou à enfer-midade e

3. melhorar os resultados do tratamen-to de doença coronária ou fibromial-gia quando associada às terapiasmedicamentosas.

RESULTADOS DE ESTUDOS CONTROLADOS

A terapia cognitiva tem sido submetida ainúmeros estudos controlados, os quais procu-ram responder à seguinte pergunta: As terapi-as psicológicas funcionam? Um desdobramen-to dessa pergunta leva a duas outras: Quaisterapias psicológicas funcionam melhor do queas outras? e Quais os fatores responsáveis pelamudança?.

Após 25 anos de pesquisas cada vez maissofisticadas, estas sugerem que a terapia cog-nitiva é significativamente eficaz no tratamen-to de uma variedade de problemas, como de-pressão, ansiedade generalizada, pânico, trans-torno alimentar, abuso de substâncias, trans-torno somatoforme, e, mais recentemente, noalívio de sintomas da esquizofrenia. As respos-tas para as perguntas sobre qual terapia funci-ona melhor e quais são os fatores responsáveispela mudança ainda não são definitivas, poisdificuldades práticas, metodológicas, estatísti-cas e éticas comprometem os estudos contro-lados em psicoterapia. Com certeza, porém, aterapia cognitiva funciona pelo menos tão bemquanto outras formas de terapia no tratamen-to da maioria dos transtornos de ansiedade ede humor. De modo geral, estudos de metaná-lise de estudos controlados demonstram que aterapia cognitiva é tão eficaz no tratamento dadepressão quanto a farmacoterapia, sendo ain-

Tabela 3.3 Transtornos eficazmente tratados com a terapia cognitiva em estudos controlados

Transtorno Observações

Depressão maior Pacientes internados e externos, com recaída reduzida,quando em comparação com a farmacoterapia

Transtorno de pânico terapia cognitiva > terapia de apoioterapia cognitiva > terapia comportamental e imipramina

Transtornos alimentaresTranstorno obsessivo-compulsivo

Hipocondria terapia cognitiva > tratamento-padrãoTranstorno de ansiedade generalizadaAbuso de substâncias

Esquizofrenia terapia cognitiva > tratamento habitual, mas ambos ostratamentos incluíram medicação antipsicótica

Transtornos médicos: dor crônica, hipertensão, síndromede fadiga crônica, colite, enxaquecas e disfunção sexual

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da mais eficaz na redução de recaídas (30%contra 60%).

O FUTURO

A terapia cognitiva está sendo amplamen-te utilizada na área da saúde e da saúde men-tal em todo o mundo. Vários estudos atuaistêm-se concentrado no uso da terapia cogniti-va no tratamento de doenças clínicas, espe-cialmente no cuidado primário, e no seguimen-to de pacientes com transtornos mentais quenão respondem nem à farmacoterapia nem àpsicoterapia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Técnicas Selecionadas daPrática da Terapia Cognitiva

Helene Shinohara

modo de construção da realidade. Principal-mente através do questionamento, o terapeutapropõe-se a obter informações adequadas queo ajudem a entender a visão de mundo do clien-te e a sua maneira de funcionar. Portanto, eleprecisa aventurar-se nessa descoberta, traba-lhar colaborativamente e estar envolvido comos padrões cognitivos específicos do cliente,funcionando mais como um guia e menos comoum instrutor, questionando em uma atmosferade compartilhamento.

Em seu arsenal técnico, a terapia cogniti-va lança mão tanto de técnicas cognitivas quan-to de técnicas comportamentais e experienciais,tentando modificar os esquemas cognitivos docliente. A interação entre pensamento, senti-mento e comportamento permite a escolha detécnicas que, ao alterarem especificamente umdeles, provoquem mudança nos outros. Depen-dendo do momento da terapia, das caracterís-ticas do cliente ou de determinado objetivo, oterapeuta opta por trabalhar com uma dessastécnicas, na busca contínua por reestruturaçõescognitivas.

TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS

As técnicas comportamentais são empre-gadas, sobretudo, para que o cliente altere al-gum comportamento de seu repertório e pos-

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A terapia cognitiva tem-se destacado nosúltimos 30 anos por sua ênfase na compreen-são da influência do funcionamento cognitivonos transtornos mentais e no desenvolvimentode um conjunto de técnicas terapêuticas efica-zes. Nessa perspectiva, ela tem aberto um ca-minho promissor tanto para o terapeuta quetrabalha com ela quanto para o cliente que delase beneficia. Neste capítulo, algumas técnicassão especificamente selecionadas para ilustrarsua prática.

A terapia cognitiva possui um conjuntode técnicas que visam a influenciar o pensa-mento, o comportamento e o humor; contudo,se aplicadas sem nenhuma compreensão dofuncionamento cognitivo do cliente e de seumodo específico de ver o mundo, cairão emum tecnicismo árido e incapaz de produzir re-sultados satisfatórios.

De modo geral, os objetivos das técnicassão eliciar, examinar, testar e modificar pensa-mentos e emoções, porém o cliente precisaacreditar que a terapia é perfeitamente adap-tável às suas necessidades e à sua história devida (Leahy, 1997). Assim, o terapeuta não éum mero aplicador de técnicas que funcionamindependentemente de uma relação terapêu-tica singular e calorosa.

As técnicas cognitivas visam a criar pon-tos de entrada para a organização cognitivado cliente (Beck et al., 1979) e entender seu

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sa, com isso, reexaminar as crenças sobre simesmo e sobre os eventos, obter evidênciasfactuais para suas conclusões e reformular suasavaliações. As técnicas mais citadas são a ex-posição gradual, a modelação, os experimen-tos comportamentais, o relaxamento, o plane-jamento de atividades, as tarefas graduadas, odesenvolvimento e o treinamento de habilida-des sociais e o auto-reforçamento.

No contexto de condicionamento, ascognições podem ser vistas como estímuloscondicionados, como uma resposta eliciada,como um operante ou como um meio dereforçamento ou punição (McMullin, 1996). Osterapeutas capazes de realizar análises funcio-nais com seus clientes poderão compreendermelhor como determinadas crenças sãomantidas. Acreditar, por exemplo, que �Souuma pessoa muito frágil� pode estar sendo re-forçado positivamente pelas atenções da famí-lia, pelos privilégios concedidos a si mesmo, epode estar sendo reforçado negativamente pelaredução da pressão em se tornar independen-te, pela diminuição da culpa de ser um eternoestudante. Essa mesma crença pode estar sen-do punida com ansiedade, com medo do futu-ro e com o conseqüente afastamento de ami-gos. É importante trabalhar com o cliente paraque ele comece a modificar as contingênciasde seu próprio ambiente.

Os experimentos comportamentais sãouma importante técnica avaliativa, pois testamdiretamente a validade dos pensamentos. Aosugerir um determinado experimento, o tera-peuta tenta buscar elementos que possam con-firmar ou desconfirmar as suposições do clien-te. �Não adianta puxar conversa com meuscolegas, porque eles não me darão atenção� éum bom exemplo de pensamento que pode sertestado. Se o cliente não apresenta déficit emhabilidades sociais, pede-se a ele que se apro-xime de vários colegas durante a próxima se-mana e registre quantos realmente não lhederam atenção. Possivelmente ocorrerá umareformulação do pensamento, pois haverá aomenos uma diversidade nas respostas dos co-legas.

Outra técnica comportamental extrema-mente poderosa é o auto-reforçamento. Em

nossa sociedade, sentimo-nos pouco à vonta-de para parabenizarmos a nós mesmos. Ape-sar de os clientes apresentarem mais facilida-de em se autodepreciar, o terapeuta precisaenfatizar a importância de autodeclaraçõespositivas em relação a algum desempenho oua alguma mudança cognitiva. Elaborar uma lis-ta diária de suas realizações e conquistas opor-tuniza ao cliente perceber aspectos positivospelas quais merece o devido crédito. Além dis-so, quando novas crenças mais realistas são re-forçadas positivamente, a probabilidade desuas ocorrências no futuro aumenta, e o forta-lecimento delas compete com a manutençãodos antigos pensamentos disfuncionais.

TÉCNICAS EXPERIENCIAIS

As técnicas experienciais são indicadaspara estimular as emoções do cliente, bemcomo atingir e trabalhar as crenças centrais(Beck, 1997). Em geral, visam a desenvolverum entendimento diferente da experiência emquestão, ajudando o cliente a reinterpretar de-terminado evento traumático. São citadas orole-playing, a dramatização de uma situaçãoemocionalmente significativa e a visualizaçãode memórias antigas na presença de afeto.

Muitos pensamentos automáticos apare-cem como imagens, e não na forma verbal. Téc-nicas que contenham ambos os aspectos pro-duzem mudanças mais impactantes. Algunsclientes têm facilidade em trabalhar com ima-gens, enquanto outros não; por isso, é precisoestar atento a tal diferença antes da escolhade técnicas de visualização.

O trabalho com memórias de eventos ser-ve para identificar crenças antigas e abordaros aspectos emocionais delas. O cliente é ins-truído a imaginar a situação perturbadora atu-al e usar todos os seus sentidos para que a cenaseja vívida. Ele, então, se concentra no signifi-cado, no tema mais central da imagem, e pro-cura a lembrança de uma situação antiga queo represente. Perguntas guiam o cliente nareavaliação daquele evento, enfatizando-se,sobretudo, os sentimentos relacionados à cren-ça. Ao explorar as raízes de suas crenças, o

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cliente pode desenvolver uma compreensãohistórica de seu funcionamento cognitivo. Aoreavaliar suas experiências, pode resolver difi-culdades derivadas de avaliações distorcidas ouemoções não-expressas.

TÉCNICAS COGNITIVAS

As técnicas cognitivas têm sido aprimo-radas ao longo dos anos, procurando instru-mentar os terapeutas para o trabalho de iden-tificação, análise e reestruturação do sistemade crenças dos clientes. Podemos citar o ques-tionamento socrático, o continuum cognitivo,a técnica do �como se�, a auto-revelação doterapeuta, a minuta da crença central, os con-trastes extremos, a reatribuição, as metáforas,os testes históricos, as técnicas de contestação,os métodos paradoxais, a análise lógica, a téc-nica da flecha descendente, a solução de pro-blemas, a colocação em perspectiva, etc.

A fim de facilitar a explanação sobre astécnicas cognitivas, é melhor situá-las segun-do seus objetivos. Em termos de processo tera-pêutico, podemos observar três momentos notrabalho com o cliente. No primeiro momento,o terapeuta ajuda o cliente a identificar os pen-samentos e as crenças que estão relacionadoscom as emoções e os comportamentos trazi-dos como queixas. Podemos dizer que existemtécnicas que são usadas para descobrir e regis-trar. No segundo momento, o cliente é ajuda-do a analisar os pensamentos para testar a va-lidade ou utilidade deles, segundo a lógica pró-pria do cliente, e não a do terapeuta. Assim, éo cliente que possui o julgamento final sobretal pensamento ser ou não acurado. Uma sériede técnicas facilita e promove tais avaliações.No terceiro momento, o terapeuta acompanhao cliente na identificação e na reformulaçãodas crenças consideradas por ele como disfun-cionais ou irrealistas. São usadas principalmen-te as técnicas de reestruturação cognitiva.

Como sabemos, os pensamentos automá-ticos ocorrem por reflexo, sem raciocínio deli-berado, sendo, portanto, involuntários. Não sãorazoáveis ou funcionais, são emocionalmenteaflitivos e interferem na habilidade do cliente

de realizar determinadas tarefas, embora pa-reçam bastante plausíveis e inquestionáveispara o próprio cliente. A tarefa de solicitaçãode registro desses pensamentos precisa ser pre-cedida de demonstração da relação existenteentre cognição, afeto e comportamento, usan-do de preferência exemplos recentes de situa-ções trazidas pelo cliente. Somente após terentendido a lógica do modelo cognitivo é queo terapeuta garantirá a colaboração do clienteno registro de pensamentos disfuncionais(RPD).

Essa auto-observação deve ser estimula-da já durante a sessão, no momento em que oterapeuta perceber mudanças ou aumento deemoções. Ao perguntar �O que está passandopela sua cabeça agora?�, o terapeuta não sósinaliza a ocasião para tal pergunta, como tam-bém inicia o processo de identificação dos pen-samentos. Em geral, os pensamentos relevan-tes a serem trabalhados estão marcadamenteassociados a sensações desprazerosas. O RPDdeve ser ensinado durante a sessão, utilizan-do-se inicialmente as quatro primeiras colunas(situação, pensamentos, sentimentos e compor-tamentos). Em etapas posteriores, quando ocliente tiver aprendido a questionar a validadeou a utilidade dos pensamentos, ele será ori-entado para o preenchimento das colunas res-tantes (evidências que os apóiam, evidênciasque não os apóiam, pensamentos alternativose reavaliação do humor). Também não precisaser exigida do cliente a anotação das colunasem ordem, já que, geralmente, eles têm maisfacilidade de identificar primeiro as emoções(Greenberg e Padesky, 1999).

Para avaliar os pensamentos identificadosna sessão ou já registrados, é importante que oterapeuta não se esqueça de que eles são rele-vantes e aflitivos para o cliente. Cuidados como questionamento devem ser tomados, sejaporque o terapeuta não pode saber a priori seos pensamentos são ou não disfuncionais ouse contêm parcelas de verdade, seja porquedisputar diretamente o pensamento vai contrao espírito de colaboração.

As perguntas e os comentários do tera-peuta são fruto de sua própria forma de ver omundo, e, portanto, ele deve permanecer vigi-

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lante em relação à sua linha de questionamen-to, evitando colocar idéias na cabeça do clien-te. Muitos são sugestionáveis ou desejam agra-dar ao terapeuta, dando as respostas que elesacreditam serem as mais esperadas.

Blackburn e Twaddle (1996) sugeremque, em vez de o terapeuta interpretar os pen-samentos e os comportamentos do cliente, seupapel é o de levantar questões para que o clien-te faça descobertas por ele mesmo � um pro-cesso de descoberta guiada. Esse questiona-mento socrático facilita o entendimento dascrenças do cliente sem que ele se sinta amea-çado ou julgado ao se revelar para o terapeu-ta. Perguntas sobre evidências a favor e contraaquele pensamento específico, se existem ex-plicações alternativas, o que de pior ou demelhor poderia acontecer, quais as vantagense desvantagens de continuar com ele, são for-mas de avaliar a validade e a utilidade dos pen-samentos.

A técnica de distanciamento, por meioda qual o cliente imagina que uma situaçãoidêntica está acontecendo com um amigo eque ele o está aconselhando, possibilita a apro-ximação com argumentos opostos às suascrenças. Recursos que facilitem outras pers-pectivas acabam sendo poderosos instrumen-tos de mudança.

A técnica de busca de interpretações al-ternativas envolve uma investigação ativa deoutras interpretações ou soluções para os pro-blemas. A primeira interpretação não é neces-sariamente a melhor, mas muitos clientes pren-dem-se a ela como se assim fosse acurada. Es-sas idéias ganham força e nem sempre é fácilmudá-las. Ao contrário, muitas vezes essa in-terpretação inicial é a pior delas, e os clientesprecisam aprender a aguardar até que novasevidências ou informações sejam obtidas. Cos-tumo lembrar aos clientes que os pediatras, aoserem acordados por mães aflitas com a febrealta dos filhos, respondem a elas que terão deaguardar até que algum outro fato apareça eeles possam suspeitar de amigdalite ou cata-pora.

O cliente é orientado a registrar a situa-ção e sua interpretação quando sentir emoções

negativas, por exemplo. Procurará encontrarpelo menos algumas outras interpretações parao mesmo evento, porém também plausíveis.Então, o terapeuta ajuda-o a avaliar qual dasinterpretações tem mais evidência objetiva quea sustente, usando mais a lógica do que as im-pressões subjetivas.

A técnica de reatribuição é empregadaquando o cliente não atribuiu realisticamenteocorrências negativas à sua deficiência pesso-al, seja por falta de habilidade ou esforço. Becke colaboradores (1979) enfatizam que o obje-tivo não é isentar o cliente de responsabilida-de, mas definir a gama de variáveis que contri-buíram para aquele evento. Um gráfico em for-ma de torta provê um auxílio visual de todasessas variáveis e as proporções de influênciaque tiveram naquele resultado.

Mudanças cognitivas mais significativasenvolvem reformulação das crenças subjacen-tes e centrais do cliente, uma verdadeira revo-lução em seu paradigma pessoal. Burns (1980)faz uso da técnica da flecha descendente a par-tir de pensamentos automáticos que parecemdiretamente derivados de crenças relevantes aserem trabalhadas. O terapeuta faz perguntassobre o sentido daquele pensamento supondo-se que seja verdadeiro: �Se isto fosse verdade,então?...�, �O que há de tão ruim em...?�. Per-guntas sobre o significado daquele pensamen-to para o cliente desvendarão crenças inter-mediárias; já perguntas sobre o que o pensa-mento sugere a respeito do cliente indicarãosuas crenças centrais.

McMullin (1996) afirma que as técnicasde contestação baseiam-se na lógica de que,quando o cliente discute repetidamente umacrença, esta se torna progressivamente maisfraca. As raízes dessas técnicas estão na filoso-fia: disputar, desafiar e discutir as idéias. Ascontestações são pensamentos que vão contra,que se opõem a uma crença irracional: �Istonão é verdade!�, �Ninguém aqui está prestan-do tanta atenção assim em mim!�. O terapeutadeve ajudar o cliente a produzir contestaçõesque estejam calcadas em sua própria forma dever o mundo, que sejam realistas e lógicas. Ocliente deve encontrar seu repertório específi-

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co de contestações já que, sendo argumentospresentes na sua própria organização cognitiva,certamente elas serão mais efetivas. É precisoque se procure afirmações alternativas basea-das em evidências concretas: �É impossível es-tar sempre certo�, �Não se pode ser queridopor todos�, etc. Cartões escritos podem funci-onar como lembretes das afirmações a seremusadas em momentos de ativação da crençairracional.

Ao trabalhar com as crenças centrais, aparticipação do terapeuta é muito mais persua-siva, dado que estas são mais rígidas, super-generalizadoras e absolutistas. No entanto, asinferências do terapeuta devem ser considera-das como opiniões, e não como fatos. Beck ecolaboradores (1979) alertam para o fato deque, quando ativada uma crença, o cliente pro-cessa informações que a apóiam, falhando emreconhecer e/ou distorcendo as informaçõesque sejam contrárias. A sugestão de um traba-lho conjunto de revisão das crenças mobiliza oterapeuta e o cliente em uma busca de crençasmais funcionais e menos rígidas.

As perguntas nessa fase podem ser maisinterpretativas, e não somente pedidos de in-formações extras sobre as situações. Estas de-vem desafiar as crenças, possibilitando a reor-ganização e a assimilação das evidências con-traditórias. Por exemplo, o terapeuta pode per-guntar diretamente sobre as crenças, pode for-mular perguntas que busquem alguma relaçãoentre duas crenças, as quais possam conectaro passado com o presente, evidenciar contra-dições ou explicitar diferenças.

CASO CLÍNICO

A seguir, apresento um caso clínico e umaparte de sua sessão na tentativa de ilustrar al-gumas das técnicas discutidas neste capítulo.É importante salientar que se trata apenas deum fragmento de um processo em parte modi-ficado.

Teresa é uma mulher de 30 anos, que foiencaminhada para terapia com as seguintesqueixas: medo intenso de estar infectada com

o vírus HIV, apesar de testes com resultadosnegativos; história de ataques de ansiedade nosúltimos meses disparados por desconfortosabdominais; comportamentos de verificaçãorepetitiva de suas funções fisiológicas; dificul-dade para manter atividade regular de traba-lho e relações estressantes com a mãe e a irmã.

A formulação de seu caso levou em contafatos relevantes do passado, como ter sido con-siderada a filha inteligente, porém rebelde edifícil porque questionava os pais e respondiapara eles. Sua irmã tinha uma história deinternações por depressão, uso de drogas e,mais recentemente, AIDS, sendo consideradaa filha coitada. Também tem um irmão queprocurou ficar o mais afastado possível da fa-mília.

Teresa destacou-se nos estudos, construiuum bom círculo de amigos, casou-se e teve fi-lhos. A previsão de um dos pais sempre foi deque as coisas ruins que aconteciam à sua irmãseriam mais compreensíveis se acontecessemà Teresa. O outro progenitor parecia ter senti-mentos contraditórios em relação às filhas, masmantinha a idéia de que uma era a doente, queprecisava ser poupada e cuidada, enquanto aoutra era a que tinha condições de agüentartudo. Teresa perdeu pessoas próximas por cau-sa da AIDS.

Em um de seus registros, a cliente ano-tou que, em um encontro recente com a irmãaidética, ela pensou: �Como ela está mal�, �Ese isso acontecer comigo?�, �Eu também estoumuito magra�. Sentiu muita ansiedade e cul-pa. Decidiu evitar contato com a irmã, ficouanalisando obsessivamente suas própriaschances de ter contraído o vírus e sofreu des-conforto abdominal. Anotou também que ànoite se pegava lembrando da doença da irmãe das outras pessoas que morreram. Naquelemomento, pensou: �Eu deveria ter sido e estarsendo mais solidária�, �Eu não posso estar beme ela tão mal�, �Mais cedo ou mais tarde sereipunida�. Sentiu novamente muita ansiedade eculpa. Não conseguiu dormir, ficou hipervigi-lante com seu corpo e chorou. Trabalhamos,então, com seus pensamentos e suas crenças.

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TRANSCRIÇÃO

Terapeuta (T): Teresa, nas duas situaçõesanotadas, você se sentiu muito ansiosa e cul-pada.

Cliente (C): É. Eu me sinto assim o tem-po todo, basta eu falar com a minha irmã oulembrar os outros que morreram.

T: E você fica checando se não há já al-gum sinal da doença em você, não é?

C: Sim. Eu tomo conta principalmente domeu intestino, mas também do meu peso. Evi-to comer gordura e açúcar para não sentir ne-nhum mal-estar, nem ter diarréia. Mas acaboemagrecendo e isso também me preocupa...

T: Nós já discutimos sobre o que é ansieda-de e as estratégias que você tem usado para lidarcom ela. Você tem treinado o relaxamento?

C: Tenho, mas ainda não me sinto muitocapaz de esperar a ansiedade baixar sem reali-zar minhas checagens. Tenho tentado pelomenos me concentrar em alguma outra coisaquando me pego vigilante.

T: Bem, voltaremos a isso mais tarde. Va-mos ver o que mais podemos compreender dosseus registros. Como tem sido para você teruma irmã que você teve que internar váriasvezes por causa da depressão e das drogas, teveque correr para evitar suas tentativas de suicí-dio, teve que agüentar suas agressões e agoratem que providenciar cuidados e dinheiro paraseu tratamento?

C: Ah!... Isso é terrível, porque me sintomal de ver ela se acabando, mas o pior é ouvirela ironicamente dizer que sou felizarda pornão ter esses problemas. Então, eu fico real-mente com medo. É como se ela estivesse ro-gando uma praga.

T: Isso tem alguma relação com o que umde seus pais falava para você?

C: Sim. Era como se eu merecesse passarpor situações difíceis. Fico pensando se isso nãovai acabar acontecendo mesmo.

T: Por que é você quem merece?C: Porque eu respondia, não me sujeita-

va às ordens cegamente, não era boazinhacomo queriam no colégio. Apanhei muito. E oengraçado é que eu nem era tão rebelde comodiziam: fumei maconha só uma vez, transei

com pouquíssimos caras, destaquei-me nos es-tudos, cuido bem dos meus filhos...

T: Então, parece-me que você está dizen-do que realmente não merece.

C: É. Eu, na verdade, sou muito mais cer-tinha do que meus irmãos e amigos. Mas eusou muito agressiva às vezes. Tenho raiva de-les e não devia ter. Vou agüentando, mas, derepente, solto tudo. E também tem aquilo deeu não ter ficado junto daquele meu amigoquando ele estava morrendo.

T: Mas você me disse que não sabia queele tinha AIDS.

C: Mas eu devia ter percebido. Ele ema-grecendo, e eu fazendo comentários indelica-dos. No fundo eu sou má!

T: E por isso você tem certeza de que aca-bará sendo punida?

C: Sim. Algo de ruim vai me acontecer.T: Deixe-me ver se entendi. Você é má

porque fica com raiva quando abusam de vocêe também porque não ajuda alguém que vocênão sabe que está doente?!

C: Falando dessa maneira, parece mes-mo absurdo. Mas é difícil não acreditar no queouvi minha vida inteira.

T: Talvez você possa começar a fazer suaprópria avaliação de si mesma.

C: Eu sei que tenho defeitos e qualidadescomo qualquer ser humano. Às vezes erro, àsvezes não percebo as coisas... Eu sei disso, masé difícil mudar.

T: Claro que é difícil, mas não impossí-vel. Você poderia, por exemplo, escrever algumlembrete para usar na hora em que se pegarpensando do outro jeito...

C: É uma idéia. Vou experimentar.

Já conhecendo Teresa há algumas sessões,estava ficando claro seu modo de funcionar.Suas crenças centrais são de que é má e egoís-ta; portanto, sem condições de ser uma pessoade quem se goste. Se as pessoas gostam dela,no mínimo, é porque estão enganadas a seurespeito. Teresa também acredita que não sepode ser feliz em um mundo de dores sem cul-pa e que um dia as histórias se inverterão ealgo de ruim acabará acontecendo com ela.

Suas estratégias de controle das funçõesfisiológicas aliviam temporariamente as preo-

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cupações e a ansiedade de que algo de muitograve está ocorrendo ou virá a ocorrer. Ser exi-gente consigo mesma e desvalorizar-se tam-bém ajudam a diminuir a culpa por ter a saú-de, o casamento, os filhos e a casa que os ou-tros não têm. Por não ser assertiva, acaba fa-zendo para os outros coisas que, muitas vezes,não quer; por ficar com raiva de lhe pediremfavores com freqüência, confirma a crença deque é horrorosa por dentro.

Poder compreender a relação entre suascrenças, seus sentimentos e seus comportamen-tos foi útil para Teresa. Além disso, orientou-me nas sugestões de experimentos comporta-mentais que permitiam avaliar suas crenças,na linha de questionamento a adotar e na es-colha de outras técnicas. A relação terapêuticaera bastante amigável e de confiança mútua.

No decorrer da terapia, mudanças foramsendo percebidas: suas crises de ansiedade di-minuíram, e ela lidava melhor com essa situa-ção; voltou a se alimentar normalmente; deunovo rumo a sua vida profissional; enfrentoualgumas discussões com os pais; passou a darmais limites à irmã e conversou com o irmãosobre as relações familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como o próprio título do capítulo suge-re, tivemos de selecionar, arbitrariamente, al-gumas dentre as múltiplas técnicas da terapiacognitiva, o que não foi tarefa das mais fáceis.Em cada livro, observamos uma variedade in-

crível de técnicas sendo desenvolvidas porterapeutas cognitivistas do mundo todo. Mui-tas aparecem devidamente publicadas pelopróprio autor, e outras surgem a partir dasadaptações feitas nas discussões com colegas.Por esse motivo, as referências exatas, às ve-zes, se perdem.

É necessário que permaneçamos continu-amente nos aperfeiçoando com a ajuda de ma-nuais e compêndios de técnicas da terapiacognitiva, mas principalmente que não nos es-queçamos de usá-las com bom senso e criativi-dade, com perícia e sensibilidade, em um cli-ma de encontro genuíno. Como verdadeirosterapeutas cognitivistas!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. NewYork: Guilford Press, 1979.

BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. PortoAlegre: Artmed, 1997.

BLACKBURN, I.; TWADDLE, V. Cognitive therapy inaction. London: Souvenir Press, 1996.

BURNS, D.D. Feeling good: the new mood therapy.New York: Avon Books, 1980.

GREENBERG, D.; PADESKY, C.A. A mente vencendoo humor. Porto Alegre: Artmed, 1999.

LEAHY, R. Practicing cognitive therapy. New Jersey:Jason Aronson, 1997.

McMULLIN, R.E. Handbook of cognitive therapytechniques. New York: W. W. Norton & Company,1996.

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Construtivismo e Prática Clínicada Rebiografia Narrativa

Maurits Kwee

erentes, inter-relacionados, auto-organizadose análogos de conhecimento tácito e de histó-rias. Uma história tão complexa é mais do quea soma de suas partes. A intervenção, portan-to, não se concentra apenas nos níveis micros-cópicos, como de hábito na reestruturação cog-nitiva. Se indicado, o terapeuta também seempenha em uma mudança nos níveis macros-cópicos, os quais contêm a história da vidaemocional do paciente, de interações contínuascom as pessoas importantes em sua vida, in-clusive consigo mesmo. Durante o processoterapêutico, as mudanças emocionais surgemao conferir novos significados a velhas histó-rias. Em uma jornada de vida, habilita-se o pa-ciente a descobrir novos enredos, contornos emotivos, bem como a construir histórias com-pletas, sadias, abrangentes, coerentes, progres-sivas e estáveis. Ao criar um enredo, a verdadedos eventos do paciente em um determinadotempo e espaço ainda é, necessariamente, umamistura de realidade e ficção. Através da téc-nica de reestruturação (dar novos contornos avelhas histórias), os motivos, os conflitos, osdilemas e as contradições podem ser reajusta-dos ou aceitos de maneira benéfica. É a parteadaptativa e saudável do paciente que é invo-cada. Nessa perspectiva, os transtornos emoci-onais, que se apóiam em sintomas, na resis-tência ao tratamento ou na falta de motiva-

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo discute um método pós-moderno de reconstruir a história de vida pes-soal do paciente, o qual ficou conhecido noconstrutivismo como rebiografia narrativa. Arebiografia narrativa é um método multifun-cional, que pode servir como uma porta deentrada � ou uma avaliação � e como uma te-rapia em si. O procedimento consiste em duaspartes entrelaçadas e mistas: uma patografiareferente a um transtorno e uma biografia queforma o contexto dos sintomas. O princípiocentral, na maneira como tenho utilizado arebiografia narrativa nos últimos 25 anos, éencontrar significado no sofrimento do pacien-te através de um empreendimento cooperati-vo. O significado do transtorno emocional ébuscado em histórias, principalmente de rela-cionamentos em si mesmos e com as pessoasimportantes de sua vida. O terapeuta é um co-construtor que dirige as histórias contadas pelopaciente no processo criativo de descobrir, fa-zer, ponderar e concluir uma narrativa pessoalcurativa. Com esse ponto de vista, as cognições,assim como a ideação irracional, são mais doque pedaços frouxamente conectados de infor-mações digitais explícitas, palavras absolutis-tas e frases que precisam ser questionadas oudiscutidas. São, também, padrões afetivos, co-

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ção, são todos vistos como modos funcionaisde proteger a pessoa do perigo e preservar asua integridade pessoal.

A boa terapia é precisa. Uma sessão não deveconter testes psicológicos desnecessários, mé-todos demorados ou redundantes, técnicassem utilidade, silêncios prolongados e quantomenos retórica melhor. Ela não requer que oterapeuta releve detalhes importantes, nemque deixe passar a profundidade em nome dabrevidade, mas que toda intervenção diga al-guma coisa.

(Lazarus, 1997, p. 31)

UMA PERSPECTIVA PÓS-MODERNA

O pós-modernismo é um ramo filosóficoque surgiu do presente Zeitgeist na virada des-te milênio, não sendo a concepção de um úni-co teórico. Nas ciências sociais, uma perspecti-va pós-moderna adotou o construtivismo, umametateoria que contesta de maneira difusa aspremissas tradicionais como o positivismo, aobjetividade e o racionalismo. Conseqüente-mente, na psicologia, as metáforas derivadasdas ciências naturais foram substituídas pormetáforas derivadas da história, da literaturae da biografia construídas com histórias. Nopensamento narrativo, Verstehen (compreen-são) é tão valiosa e legítima quanto Erklaeren(explicação). Tal noção torna adequado teruma opinião intersubjetiva falsificável da rea-lidade e seguir uma causalidade linear no con-texto de um tipo circular de causalidade. Asformas construtivistas de terapia que lidam coma construção de significado pelo homem comonarrador estão progressivamente ganhandoimpulso e entrando em voga. Nesse campo deação, a realidade é uma construção social re-lativa no que concerne ao contexto: cultura,pessoa, espaço e tempo. Os humanos são serespró-ativos, complexos e auto-organizadores,que possuem a habilidade de comunicar-seatravés de mecanismos de feedback efeedforward. As pessoas são estruturas dinâmi-cas em desenvolvimento, que se encaixam paraformar �todos� mais ordenados natural e so-cialmente e inseridos em sistemas hierárqui-

cos. Os indivíduos constroem sua própria rea-lidade criando e antecipando ativamente, e nãoapenas processando passivamente em um diá-logo interno. A realidade é uma questão defatos e representações cognitivas, assim comouma questão de experiências e significados sub-jetivos. Assim, uma terapia construtivista podeincluir uma abordagem racionalista-empiri-cista, cognitivo-comportamental, com suas téc-nicas comprovadas, freqüentemente necessá-rias no processo de livrar-se dos sintomas.Embora seja consistente com uma hermenêu-tica construtivista, uma mudança de foco paraa aplicação de sentido e de significado não tor-na irrelevante a acumulação e a análise dosfatos. Tal busca por significado não é um subs-tituto que permite ao paciente continuar evi-tando ou agarrando-se aos sintomas. Isso im-plica abrir novos horizontes para uma reava-liação de questões (não-comportamentais)muito diversas, como o simbolismo ou o signi-ficado dos sintomas, o desenvolvimento emo-cional durante a vida, as novas conceitua-lizações do self, os processos experimentais einconscientes, a autoconsciência ou mesmo aespiritualidade. O construtivismo também podefornecer ao terapeuta cognitivo-comportamen-tal, e a outros terapeutas, a base para traba-lhar na mudança da personalidade (Mahoney,1993; Neimeyer, 1995).

O pós-modernismo � inclusive o pós-positivismo e o pós-objetivismo � é uma visãode mundo instigada por filósofos franceses,entre eles Derrida, Foucault e Lyotard. Tal pers-pectiva questiona os valores absolutos dopositivismo lógico, da realidade objetiva e dasgeneralizações científicas que vão além do tem-po, do espaço e da cultura, implicando a rela-tividade, ou seja, a temporaneidade do conhe-cimento do cientista e a impossibilidade desaber tudo sobre alguma coisa. Ao contrário,enfatiza a utilidade (neopragmática) como umcritério para a adequação do conhecimento ci-entífico. Ao incluir o modernismo como umasolução útil, porém insuficiente, para conce-ber a realidade, os pós-modernistas refutam aidéia moderna de que o progresso científico, enão o progresso tecnológico, virá de um maiorconhecimento de como manejar o universo porsi próprio. Como o conhecimento humano de-

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pende do contexto, do espaço e do tempo, eleé necessariamente interpretativo e inerente-mente incapaz de desenvolver um mundo re-conhecível. Não consideramos a realidadecomo um dado objetivo, subjetivo ou mesmointersubjetivo, e sim como um processo com-plexo de construção cognitiva, social e cultu-ral. Os processos cognitivos do indivíduo fa-zem uso do veículo sociocultural da linguagem,central em toda construção da realidade. Se-gundo Gergen (1982) e Gergen e Gergen (1988),as seguintes premissas são eminentes:

1. as representações substituem a rea-lidade;

2. as representações são artefatos dogrupo ou da comunidade social;

3. a reflexão irônica do self é centralpara lidar com as representações;

4. a ironia implica uma perda de fé naautoridade, mesmo na ciência, euma abordagem pluralista dos va-lores humanos.

O pós-modernismo e o construtivismosugerem que a realidade está encarcerada emrepresentações casu quo: redes sociais e indi-viduais de linguagem e textos construídos. Arealidade do indivíduo, definida como umaconstrução sociocultural e lingüística, deixatodas as possibilidades abertas para interpre-tações e valores coexistentes. A realidade dosseres humanos pode ser entendida como todasas suas experiências pessoais ditas ou escritasem um histórico ou um conjunto de histórias.Estas, portanto, refletem processos de constru-ção, desconstrução e reconstrução de experiên-cias significativas e idiossincráticas no tempo.Seus significados dependem do contexto e dasinterpretações de quem as conta, exatamentecomo no ditado �Pimenta nos olhos dos outrosnão arde�. Assim, não existem interpretaçõesabsolutamente corretas. A essência é dar sen-tido à construção de experiências significati-vas de eventos passados, presentes e futurosatravés da linguagem verbal e não-verbal e dacomunicação pessoal. Tal abordagem permiteque o psicoterapeuta não seja mais apenas umespecialista de saúde mental, mas também �como Sócrates � um especialista na irônica sa-

bedoria do não-saber (que é diferente de nadasaber) (Kwee, 1982).

A psicologia pós-moderna é iconoclastaquando rompe com os interesses fixos. Arebiografia narrativa é a reparação da históriade vida emocional do paciente para tornar-seum todo coerente, o qual é mais do que a somade declarações pessoais irracionais fragilmen-te conectadas. Não há crédito, por exemplo,em verdades eternas, leis passíveis de genera-lização do comportamento humano e prescri-ções metodológicas que esperam obter uma lin-guagem pura de observação. Ao contestar avisão de mundo do objetivista, o escopo epis-temológico construtivista supõe que a realida-de definitiva não será encontrada �lá fora�, massim � embora limitada pelo contexto e pelasfronteiras socioculturais � construída dentro dapessoa através da comunicação pessoal. O co-nhecimento tácito (não-consciente e não-ver-bal) também é considerado um processo deorganização importante do saber e da existên-cia. O processo construtivista é um arco circu-lar auto-reflexivo, incluindo uma função linear,em vez de uma função linear, indicando quetoda percepção é uma construção criativa.Construir uma realidade aceitável das experiên-cias de vida de uma pessoa é um processo cri-ativo e heterogêneo que enfatiza as diferençase as distinções, assim como as semelhanças eas analogias. Isso exige uma metodologia não-linear ou uma lógica não-aristotélica, que per-mita várias construções mutuamente não-ex-clusivas ao mesmo tempo. Como seres auto-reflexivos, os humanos são capazes de vincu-lar o tempo através da reflexão sobre os even-tos e de catapultá-los do presente para o pas-sado (e vice-versa) e do presente para o futuro(e vice-versa). Uma questão relevante na psi-coterapia é a construção de inferências sadiasnas realidades clínicas que só podem ser inter-pretações arbitrárias, imagens subjetivas ouopiniões pessoais. Se, no estudo da experiên-cia humana, o observador não puder ser sepa-rado do observado, há de se assegurar um mí-nimo de sanidade. Como abstrair de maneirasadia quando as possibilidades são inúmeras?Pelo menos duas ordens de realidade no pro-cesso de abstração podem ser diferenciadas emqualquer reação emocional. As primeiras or-

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dens são as percepções silenciosas e as descri-ções objetivas do observado. As segundas or-dens referem-se às interpretações e às avalia-ções, principalmente dos significados que atri-buímos às coisas ou aos acontecimentos. É nodomínio dessa segunda ordem que surgem osproblemas emocionais e relacionais. A terapia,então, é a arte de aplicar o relativismo ao subs-tituir uma construção inadequada da realida-de por outra melhor. Um procedimento é re-modelar a visão de mundo do paciente, forne-cendo novas experiências comportamentais,afetivas e cognitivas significativas. Embora anova visão de mundo ainda seja uma outraconstrução passível de avaliação, ela é, no mí-nimo, menos dolorosa (Korzybski, 1933;Watzlawick, 1992).

CONSTRUTIVISMO E PSICOTERAPIA

Várias escolas e abordagens terapêuticasdiferentes podem ser agrupadas sob o títulode novo olhar de um modelo construtivistametateórico. Sob esse ponto de vista, o pacienteé considerado um ser pró-ativo e auto-organi-zado que vive em uma sociedade pluralista deespaço cibernético, consumismo, mobilidade,democracia, liberdade religiosa, enfim, umoceano de opiniões e valores. As crenças tradi-cionais começam a estremecer, e há uma ten-dência crescente que põe em risco os interes-ses socioculturais fixos. Assim, mesmo o conhe-cimento científico é considerado produto de umcontexto, isto é, um determinado tempo e es-paço na história cuja influência depende da ide-ologia e das práticas dominantes. Vivemos emum multiverso de muitas visões de mundo pos-síveis, enquanto o universo bem conhecido estádesmoronando (Maturana, 1988). Ospsicoterapeutas podem precisar de uma abor-dagem que ajude o paciente a desenvolver econstruir suas porções modeladora e constru-tora de significados.

Segundo Neimeyer (1993a; 1995), háquatro abordagens construtivistas à prática clí-nica, as quais compartilham o objetivo de umestilo criativo, reflexivo e exploratório de tra-balhar, em vez de um estilo corretivo, pessi-mista ou diretivo. Tais abordagens são:

1. terapia do constructo pessoal;2. terapia construtivista familiar;3. terapia cognitiva estrutural-evolu-

cionária;4. terapia reconstrutiva narrativa.

A teoria do constructo pessoal de GeorgeKelly considera a terapia uma ciência pessoal.Invocando a metáfora de Korzybski (1933), eleafirma que as pessoas desenham mapas paradelimitar o território. Elas são como cientistasque (in)validam suas hipóteses e acabam porrevisar e atualizar seus mapas a fim de encon-trar a evidência de um mundo em constantemutação. Essa visão é semelhante àquela deJean Piaget (1973), um construtivista avant lalettre, que estava convencido de que as pes-soas nunca conhecerão a realidade como elarealmente é, mas somente como é percebida.As crianças não formam primeiro um modelorepresentativo do mundo, e sim criam ou in-ventam a realidade através da exploração, darealização e da ação. As estruturas cognitivassão continuamente (re)construídas através deuma interação dialética entre os processos deacomodação e de assimilação que se contraba-lançam. Da mesma forma, Kelly (1955) argu-menta que os indivíduos constroem uma com-preensão do mundo pessoal significativa atra-vés do contexto e também de descriçõesestruturadas e basicamente duais do mundo(por exemplo, bom/mau, bonito/feio ou suces-so/fracasso). Modelar e acentuar diferençascontrastantes pode ajudar a estabelecer o sig-nificado. O homem como cientista tenta darsentido, ordenar ou prever experiências pes-soais e sistemas unitários complexos atravésda experimentação comportamental, assimcomo na técnica do papel fixo (DelMonte,1989).

A terapia construtivista familiar começoua surgir nos anos 80, como uma reação à abor-dagem à terapia familiar da teoria dos siste-mas. Recentemente, vários autores criticarama metáfora da família como um sistema auto-estabilizador e a noção de que os sintomas pre-servam a homeostase (Dell, 1985; Hoffman,1985; Goolishian e Anderson, 1987). Ao invésdisso, um processo recorrente no qual todos os

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participantes influenciam-se mutuamente éiminente. Não é o sistema que cria o proble-ma, e sim o problema que constrói o sistema.Pelo fato de que nesse ponto de vista as obser-vações não são independentes do observador,a cognição substitui o comportamento como ofoco central de atenção. Portanto, o objetivoda terapia familiar tornou-se a linguagem: aexploração verbal e não-verbal orquestrada designificados e constructos sobre as pessoas en-volvidas. Uma característica importante dessaabordagem é a elaboração de uma conversa-ção na qual o terapeuta é participante caracte-risticamente neutro na família, o qual testa ashipóteses pelo questionamento circular e, aoproceder desse modo, revela um caleidoscó-pio semântico de significados. Com base naconstrução social da realidade, isso vai alémda analogia cibernética.

Uma forte corrente do construtivismo estácrescendo na tradição cognitiva comportamen-tal. Mahoney (1988; 1995b) observou quemuitos terapeutas cognitivistas querem ser vis-tos como construtivistas, em vez de racionalis-tas. Aparentemente, proponentes supostamen-te racionalistas e objetivistas revelam-se cons-trutivistas. Meichenbaum (1992; 1993) descre-ve três análogos principais para explicar o pa-pel da cognição na mudança comportamental.A revolução cognitiva nos anos 70 iniciou umaevolução no trabalho que começou com o con-dicionamento como a metáfora-guia. As leis deaprendizado, encontradas nos estudos comanimais, foram declaradas aplicáveis ao com-portamento humano. A seguinte metáfora é oprocessamento de informações: a mente é umcomputador que processa as informações epode distorcer a realidade através de erros ir-racionais ou disfuncionais. A metáfora em nossacorrente é a construção da narrativa: os paci-entes são arquitetos e construtores de sua pró-pria realidade. Esta inclui a angústia emocio-nal, considerada um processo de cura ao mes-mo tempo adaptativo e reconstrutor. As cren-ças irracionais podem servir a um objetivo fun-cional. Uma corrente específica concentra-seno desenvolvimento estrutural reconstrutivo dapersonalidade, ocorrendo uma exploração dosprimeiros estágios e dos relacionamentos emo-cionais intensos (afetos, vínculos). O terapeuta

é um co-construtor que assiste a todas as mu-danças relevantes da vida serem abrangidas nanarrativa (Guidano e Liotti, 1983; Guidano,1991). Tal terapia reconstrutiva narrativa fluide fontes como a psicologia clínica,evolucionária, social, cultural e perene (Kweee Holdstock, 1996). O campo da hermenêutica,que abrange a interpretação das escriturasbíblicas, está relacionado a isso. Mais recente-mente, também se refere ao estudo da expe-riência subjetiva ao ler textos sem cunho reli-gioso. A psicologia narrativa (Bruner, 1990;Howard, 1989) e a hermenêutica (Messer, Sasse Woolfolk, 1988) podem lidar de maneira pro-missora com a construção de significados dashistórias biográficas.

O modelo de busca humana por enten-der as situações difíceis da vida implica espe-cialmente a história contada pelos pacientes arespeito de seus sintomas. Uma implicação prá-tica importante de tal analogia narrativa cons-trutiva da cognição é que paciente e terapeutapodem colaborar na reparação reconstrutivade tais narrativas. O terapeuta ajuda o pacien-te ao encorajá-lo a contar, alterar e finalizar ashistórias carregadas de sentimentos. Ao con-tar novamente, o paciente constrói um novomundo assuntivo, o que ajuda a explicar o sig-nificado pessoal de seus sintomas e torna con-cebíveis as etapas necessárias para a mudança(Meichenbaum, 1993). A escolha de técnicasespecíficas pode seguir-se naturalmente a par-tir do conto abrangente e coerente recontado.

PSICOLOGIA NARRATIVA

Um modo especial de construtivismo é aconstrução ou a narração de histórias, o qualpode ser classificado sob o título da psicologianarrativa, uma forma da psicologia cognitivaque, ao mesmo tempo, vai além dela. Ao im-portar uma visão narrativa, pode-se até falarem uma revolução contextual que começa amudar o perfil da psicologia como um todo einicia na psicologia cultural, social e da perso-nalidade (Bruner, 1990; Gergen, 1982; Gergene Gergen, 1988; Howard, 1989; Mair, 1988;Polkinghorne, 1988; Sarbin, 1986). A psicolo-gia narrativa coloca as histórias contadas pe-

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las pessoas a si mesmas e aos outros no centro.As pessoas constroem suas maneiras de ver omundo (realidade e significado) através derelatos narrativos, utilizados como diretrizesimportantes para levar a vida. Isso sugere quea estrutura da vida humana toma uma formanarrativa. Tal perspectiva enxerga a personali-dade, ou individualidade, como uma constru-ção da história de vida, o transtorno emocio-nal como um desvio da história de vida e apsicoterapia como uma reparação da históriade vida (Howard, 1991).

A psicologia narrativa considera todo pen-samento organizado, inclusive a ciência, comouma forma de contar histórias. Segundo Howard(1991), as histórias que a ciência tem para con-tar não são necessariamente mais verdadeirasdo que qualquer outra. Embora as histórias ci-entíficas sejam provavelmente as melhoresanálises que se possa fazer para explicar os re-lacionamentos de causa e efeito, as questõesenvolvidas no significado da vida não são re-solvidas por meios científicos. Como Pavlov ouSkinner podem ajudar em assuntos como di-vórcio, aborto ou eutanásia? O conhecimentocientífico é insuficiente quando a sabedoria tor-na-se necessária. A abordagem narrativa dasciências humanas (doutrina do espírito) é me-nos conhecida do que a abordagem lógico-ci-entífica das ciências naturais (doutrina da na-tureza). As humanidades dão ênfase a uma or-ganização narrativa do funcionamento cogni-tivo, o que difere qualitativamente de uma ma-neira de pensar de proposição abstrata (Bruner,1990). O modo de pensar uma história baseia-se nas imagens, na relatividade e nos análogosdo hemisfério direito do cérebro, ao passo quea ciência exata confia no raciocínio digital dohemisfério esquerdo do cérebro (Vitz, 1990).Esses dois modos de pensar são irredutíveis umao outro, embora seja um ideal do clínico mis-turar o conhecimento do cientista com a sabe-doria do profissional prático. Essa é a melhorgarantia de que se pode responder a pergun-tas tão difíceis quanto o modo como as pesso-as devem viver suas vidas. Como diz Mair(1988, p. 127):

Nós vivemos as histórias e através delas. Elasevocam mundos. Não conhecemos o mundo a

não ser como um mundo de histórias. As his-tórias trazem informações à vida. Elas nosunem e nos separam. Nós habitamos grandesestórias da nossa cultura. Vivemos através dashistórias. Somos vividos pelas histórias denossa raça e pátria.

A sabedoria sobre nós mesmos é perceberos temas e os enredos de nossas próprias narra-tivas e de nossos papéis como protagonistas.Nessas narrativas pessoais, o significado torna-se conhecido no contexto em que as históriasde eventos significativos ocorrem. Uma históriasempre inclui um cenário e personagens comsuas ações, intenções e emoções específicas emum determinado tempo e espaço (Bruner, 1990).Quando uma pessoa organiza sua vida comouma história, torna-se necessária uma recons-trução de experiências. Dessa maneira, o paci-ente junta as peças e forma um todo significati-vo. Na verdade, é isso que acontece tambémquando apreciamos um filme, uma peça de tea-tro, uma novela, um romance ou até mesmo umgibi. Os livros religiosos atraem por conter his-tórias significativas, que servem como diretri-zes a seus adeptos. A existência humana torna-se compreensível quando concebida como umahistória em desenvolvimento. Alguns autores(McAdams, 1995) sugerem que a identidade deuma pessoa � ou devemos dizer sua alma? � éigual à história de sua vida. A qualidade de umahistória de vida depende da coerência, da con-sistência, da clareza, da pungência e do impac-to emocional.

De um ponto de vista psicológico narra-tivo, a psicoterapia é uma arte, tal como pre-parar o vinho. Qualquer bom artista combinaa vocação artística com as habilidades técni-cas. Tal combinação é necessária desde o co-meço, quando o paciente conta sua história:esta é saudável ou doentiamente condiciona-da? No caso de problemas profundamenteinstalados, indica-se um reparo narrativo to-tal, que também se aplica quando a históriade vida contém elementos constrangedores,bloqueadores, limitadores, de negação ououtros que desqualifiquem o indivíduo, pre-judicando sua integridade. O diagnóstico danarrativa é um processo dinâmico e deve con-tinuar até o fim da terapia.

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Segundo Meichenbaum (1993), o repa-ro narrativo concentra-se na sanidade das me-táforas do paciente. Por exemplo, qual o pre-ço emocional que um paciente paga quandofala em �Não deixar pedra sobre pedra� ou�Me comer por dentro�? O terapeuta é um co-laborador reflexivo ao ajudar o paciente a al-terar as imagens autodestrutivas. As históriasdolorosas são reformuladas pela interpreta-ção das reações anormais do paciente comosendo normais em circunstâncias angustian-tes anormais. Ao contar e recontar, os pacien-tes gradualmente passam a compreender osignificado de seus problemas, viabilizando,assim, as possíveis soluções. A recomendaçãoé enfatizar a função dos sintomas e a capaci-dade do paciente de lidar com eles durantetodo o processo narrativo.

PACIENTES COMO NARRATIVAS

A psicologia narrativa vê o paciente comohomo fabulans (contador de histórias). O ver-bo narrare, do latim, significa contar uma his-tória, representar o que aconteceu, retomar,recuperar ou restabelecer. O protagonista, ouseja, o paciente, conta algum fato normalmen-te do passado. Portanto, é sempre uma repro-dução inferida pela interpretação de quem con-ta a história. As histórias contadas em terapiageralmente não são registros de observaçãoobjetiva, mas reconstruções de um aconteci-mento carregadas de sentimentos. Por isso, adefinição de uma história tem várias facetas.Nesse contexto, o interesse é por históriasirrestritas, idiossincráticas e emocionalmentecarregadas � reflexões de indivíduos que pro-curam alívio para seu sofrimento emocional.

De certa forma, os pacientes são a pró-pria história, textos personificados que preci-sam ser compreendidos como um poema(Gergen e Gergen, 1988). As histórias conta-das pelo paciente normalmente são fragmen-tadas, desordenadas, incompreensíveis, fatais,absurdas, frustrantes ou apenas muito tristes,pois, do contrário, não haveria a necessidadede consultar um terapeuta. Muitas vezes, opaciente conta histórias unidimensionais, res-tritas, incoerentes demais para serem ouvidas,

a não ser por um terapeuta. Dar ao paciente aoportunidade de contar é conceder-lhe um es-paço para respirar de maneira socialmente acei-tável. Os pacientes já tentam criar ordem nasrealidades construídas por eles ao criar coesãode tempo e espaço em suas versões altamentesubjetivas dos eventos significativos. Ao con-tar a história toda, o paciente torna-se um atorque participa ativamente de sua própria histó-ria de vida e começa a dar sentido fora do in-fortúnio, criando assim um texto falado ou es-crito.

Se algum texto necessita ou não de cura,isso depende da avaliação que toma a formade análise de texto. O método de análise detexto é a hermenêutica (do grego hermeneuin,que significa �explicar�). A leitura heurística(do grego heuriskein, que significa �encontrar�)precede o processo hermenêutico. A forma deler ou ouvir do terapeuta está voltada para aexploração das representações mentais da re-alidade, ou seja, dos fatos do paciente. Ahermenêutica encontra e coleta as ambigüida-des, as lacunas, os paradoxos, as excentricida-des e as peculiaridades idiossincráticas, reunin-do-os para formar um todo coerente, significa-tivo, que faça sentido. Por exemplo, fazendoperguntas como: Qual é a história de um sin-toma em particular? O que esse sintoma signi-fica? Qual é o seu contexto? Onde se situa?Onde se apóia? Qual é a sua implicação inter-pessoal? O que isso simboliza?, etc., o terapeutavive dentro do paciente para personificar suanarrativa.

Originalmente, a hermenêutica é a espe-cialização na interpretação das escrituras sa-gradas. Porém, foi recentemente ampliada parao estudo de textos seculares. A pergunta es-sencial é: Como a interação do leitor com otexto cria uma rede única de significado? Oleitor moderno alude ao fato de o significadoresidir no texto e estar à espera de ser decodi-ficado pela leitura objetiva. O leitor pós-mo-derno desafia os limites entre a leitura subjeti-va e objetiva. A hermenêutica requer a partici-pação ativa do leitor para estar dentro do tex-to e ter liberdade para entender seja lá o quefor texto (Mahoney, 1995b). É preciso ter umacompreensão do círculo hermenêutico, um pro-cesso cognitivo que opera dialeticamente e que

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requer que as novas partes sejam incorpora-das nos todos existentes. Segundo Gonçalves(1995, p. 202), uma alternativa hermenêuticadesenvolve-se:

(...) de uma textualização baseada na escritae no escritor para uma textualização baseadano ato de escrever; de uma individualidadebaseada na distinção do sujeito/objeto parauma individualidade baseada no projeto; e daepistemologia e ontologia baseadas no abso-lutismo e relativismo para uma alternativadialética.

O terapeuta é um co-construtor que re-presenta o contexto social da história do pa-ciente e que está interessado naquilo que estáoculto. Ao usar táticas não-lógicas (associan-do, calcando, usando evasivas, invertendo, fan-tasiando, simbolizando), terapeuta e pacientebuscam descobertas, significados outros quenão aqueles que trouxeram o problema. Comoesse processo depende de descobertas inespe-radas, descobertas casuais ou golpes de sorte,tal conversa requer uma arte para a qual nãohá um protocolo preciso disponível. O pacien-te é a única pessoa que pode contar qual inter-pretação faz sentido às velhas histórias. En-quanto explora as lacunas no texto, o pacientedescobre os novos significados. Dessa forma, aterapia torna-se a reconstrução do cenário dahistória de vida, uma narrativa na qual o paci-ente é um texto personificado para ser enten-dido, no final, por ele próprio. Como já comen-tava Hegel no século XIX, um self individualnão pode existir antes da interação dialéticacom outros indivíduos. Em outras palavras, aterapia, como um processo dialético entre pa-ciente e terapeuta, é um pré-requisito paraconstruir uma narrativa pessoal curativa.

A NARRATIVA PESSOAL CURATIVA

A narrativa pessoal é um termo cunhadopor Hermans e Hermans-Jansen (1995), cujametáfora baseia-se nos trabalhos de James(1890), Pepper (1942) e Sarbin (1986). Nosestudos do self, James (1890) fez uma distin-ção entre o �Eu� subjetivo que vive a experiên-

cia e o �mim� (�meu�) objetivo que o explica.Sarbin (1986) explica esse ponto ao criar umametáfora do �mim� como o ator e do �Eu� comoo autor. Assim, o �Eu� constrói uma históriaatravés do espaço e do tempo, enquanto o pa-pel principal é representado pelo �mim�. Esteinterage com outras pessoas significativas,como o meu marido, a minha mãe, o meu ami-go, o meu vizinho, etc., antagonistas que fa-zem parte de mim. Esse �mim� que reconta aexperiência do �Eu� é capaz de justificarretoricamente por que alguma coisa foi neces-sária. Aqui, o porquê não se refere à causalida-de, mas sim às razões psicológicas, morais esociais. O �mim� é também capaz de ligar-seao tempo, como se apontando para o futuro.Parafraseando Bruner (1990), quando alguémdiz �Eu sempre fui uma criança muito valen-te�, esse resumo do passado pode ser tomadocomo uma profecia para o comportamento fu-turo.

A narrativa pessoal implica um self quedialoga, que utiliza a conversa consigo mes-mo, pressupondo uma relação entre �Eu� e �eumesmo� (�mim� ou �meu�). Essa conversa in-terior é análoga à conversa externa ao contara história, a qual sempre envolve alguém queconta e alguém que ouve em uma interaçãodinâmica. Segundo Watkins (1986, apudHermans e Hermans-Jansen, 1995, p.10), asconversas imaginárias formam uma grandeparte de nossas construções narrativas:

Mesmo quando estamos visivelmente em si-lêncio, nos pegamos nos comunicando comnossos críticos, nossos pais, nossa consciên-cia, nossos deuses, nosso reflexo no espelho,a foto de alguém de quem sentimos sauda-des, uma imagem de um filme ou de um so-nho, nossas crianças ou nossos animais de es-timação. Quando planejamos visitar nossosamigos, na verdade, nós os vemos e ouvimosem nossa imaginação antes de encontrá-los e,quando partimos, narramos partes da conver-sa. Certamente, as interações imaginárias têmforte influência nas interações reais.

Em virtude da natureza histórica da nar-rativa, contar uma história combina fato e fic-ção. Só é possível entender eventos históricosem um contexto de espaço e tempo, invocan-

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do uma abordagem contextual ou de contex-tualismo (Pepper, 1942). Nessa metáfora, omundo é imaginado como um fluxo contínuoe em constante mutação de vários eventos re-sultantes, todos intrinsecamente interligados.De acordo com o pensador contextual, os even-tos têm várias causas. O foco está na síntese,em vez de na análise dos elementos distintosde um evento. O significado muda de acordocom o seu contexto. Um evento em particularpode ter diferentes significados no tempo, de-pendendo do narrador que conta a história.Contado como uma história, um evento é par-te de um todo padronizado. O self vive em umamultiplicidade de mundos com uma multipli-cidade de autores, cada um contando uma his-tória relativamente independente sobre o mes-mo �mim� em desenvolvimento. Um narradorpode até mesmo contar a mesma história comsignificados contrastantes em diferentes fasesda vida. Fazer com que um paciente conte umahistória originalmente triste de modo a se sen-tir integral é o que a narrativa pessoal curativatenta alcançar.

O processo terapêutico de dar sentidoocorre de uma interação dialética entre o pa-ciente que narra e o terapeuta que interpreta.O terapeuta construtivista é um perito em his-tórias de vida e na tentativa de ajudar adiscernir das narrativas funcionais e disfuncio-nais. Na maioria das vezes, o paciente apre-senta uma história fragmentada, que é o refle-xo do estado e da condição em que ele se en-contra. Porém, conforme a história é contadae recontada, ele encontrará o enredo principalque a torna compreensível.

DA PATOGRAFIA À AUTOBIOGRAFIA

Quando perguntamos aos pacientes a ra-zão de terem vindo à primeira consulta, elesrespondem, sobretudo, contando sobre seussintomas e suas queixas. Em minha prática,trabalho somente com pacientes que sofremde algum transtorno, normalmente um trans-torno de ansiedade que muitas vezes é acom-panhada de depressão. O relato escrito ou oralde um paciente sobre um transtorno psicoló-gico é chamado de patografia. A patografia

não é isolada do contexto, pois faz parte dahistória autobiográfica do paciente ou da nar-rativa pessoal da história de vida. Ela se cons-titui em uma ordenação realizada peloterapeuta da apresentação fragmentada feitapelo paciente de todos os sintomas envolvi-dos em termos topográficos e quantitativos. Énecessário habilidade para classificar os sin-tomas apresentados de modo que sejam co-municáveis (APA, 1994).

Como ligar a patografia à autobiografia?Entre elas, existe uma ligação multifuncional,que procura entender o significado de um even-to em um fluxo de eventos dentro de um todopadronizado pelo espaço e pelo tempo. A me-táfora central que faz a ponte entre as duas é amultifuncionalidade. Função é o termo usadopara designar os inter-relacionamentos entreos fatores antecedentes e subseqüentes (comoo velho esquema S-O-R) como a unidade bási-ca da análise. Na agorafobia, isso pode repre-sentar, por exemplo: uma configuração de es-tímulo S (perceber a rua) e uma condiçãoorganísmica O (�Eu não posso desmaiar�) comoo fator antecedente e um padrão de resposta R(medo e evitação) como o fator conseqüente.Os eventos autobiográficos angustiantes podemser todos fatores antecedentes, ao passo queas condições patográficas são, na maioria dasvezes, fatores conseqüentes.

As conseqüências são mais con-seqüênci-as que se tornam compreensíveis como umafunção dos eventos históricos. A perspectivacontextual pode elucidar determinado sinto-ma como uma reação normal a uma situaçãoanormal. Consideremos a compulsão por lim-peza como função de um trauma de incesto oua depressão como função de uma tristeza pa-tológica. Dependendo de seu contexto, o sig-nificado de determinado sintoma ou de umevento da vida pode ser diferente para o mes-mo indivíduo em períodos diferentes de suavida (Mahoney, 1995c; Spaulding, 1995). Paraconduzir uma terapia completa, os sintomastêm de ser entendidos no contexto de umanarrativa significativa. Por isso, as abordagenspatográficas e biográficas são necessárias paraentender o paciente completamente (Marx,1990; Post, 1994; Verhulst e Tucker, 1995). Asexperiências centrais da vida que marcam a

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exacerbação dos sintomas podem fornecer oselementos necessários para construir uma nar-rativa da história de vida. Uma autobiografiaescrita pode ser a preparação do paciente parauma narrativa oral contada na sessão de tera-pia. A autobiografia é um instrumento versátile introspectivo que pode ser abrangente, tópi-co, estruturado, desestruturado ou uma com-binação de algumas dessas características(Annis, 1967).

Normalmente, a redação da autobiogra-fia é dada como lição de casa. Caso o pacientenão tenha habilidade suficiente de escrita, aautobiografia também pode ser gravada em fitacassete. Essa lição de casa é uma preparaçãopara o processo dialético que ocorrerá na ses-são. O terapeuta pede ao paciente para englo-bar uma ampla variedade de experiências pes-soais, desde seu nascimento até o presente. Talnarrativa da história de vida deve ser abran-gente e inclui assuntos específicos. Um tópicopode pertencer à autobiografia sempre quetocar uma das seguintes emoções: depressão,medo, raiva, tristeza, alegria, amor ou até mes-mo silêncio (Kwee, 1996a). Pode ser um tema,um episódio ou um evento que apresente im-portância emocional, como, por exemplo, ado-ção na infância, trauma de incesto, medo defracassar, medo de ser intimidado, primeirobeijo, desarmonia no casamento, estresse notrabalho, etc. Dessa forma, a patografia torna-se incutida em uma autobiografia que deve sertransformada em uma narrativa pessoal coe-rente e estruturada durante o tratamento(Sommer e Osmond, 1983).

A JORNADA DE VIDA

A abordagem de uma história de vida re-quer uma narrativa cronológica com perspec-tiva evolutiva do tempo de vida e um conheci-mento adequado da psicologia evolucionária.Paciente e terapeuta colaboram como peritosem seus respectivos domínios: viver experiên-cias para o paciente, explicar para o terapeuta.O terapeuta oferece ao paciente novas possibi-lidades para responder e reagir com base emsua especialidade, em seu conhecimento clíni-co e teórico. Ao avaliar o contexto dos sinto-

mas, todas as experiências emocionais signifi-cativas durante o curso de vida do paciente pre-cisam ser examinadas minuciosamente. Exis-tem várias metáforas para a história de vida,como, por exemplo, a metáfora das quatro es-tações, que sugere as várias fases do ciclo davida. A metáfora raiz de uma jornada avançaao caminhar através dos relatos autobiográfi-cos. Uma metáfora de jornada sugere que opaciente é um viajante e que o terapeuta é umacompanhante de viagem com as habilidadesde um guia. Esses papéis implicam que a re-construção da vida como uma jornada ocorreem uma outra jornada na psicoterapia. Con-forme a vida evolui, são necessários novosmapas que sejam terapêuticos e que possamencaixar-se nos territórios em constante muta-ção (Carlsen, 1995).

A metáfora de uma jornada é inclusiva ecentral para compreender a psicologia de de-senvolvimento durante a vida de um indivíduo.Muitas outras metáforas úteis podem derivardesta, como mapa, itinerário, provisão, mo-mento decisivo, barreira, penhasco, colina,deserto, oásis, destino, etc. (Mahoney, 1995b).É importante fazer uma distinção entre o cur-so da vida e o ciclo de vida em uma história devida. Enquanto o curso da vida é uma constru-ção idiossincrática do paciente, o ciclo de vidaé a teoria do terapeuta sobre uma ordemsubliminar daquele curso. Um ciclo de vidaimplica a idéia de seqüências passíveis de defi-nição que completam o ciclo. Embora o cursoda vida de cada indivíduo seja único, todospassam por transições evolutivas semelhantesdurante a vida.

Ao enfatizar o fato de dar significado, oterapeuta construtivista está interessado emidentificar dores crescentes que ocorrem emqualquer história de vida. Lembrar eventos dopassado abriga um processo implícito de es-quecer. O terapeuta construtivista considera asdefesas como um desvio necessário que o pa-ciente tem de fazer para afastar-se do medoantes de poder retornar à estrada principal(Birren e Hedlund, 1987).

As memórias esquecidas podem ser recu-peradas ao longo de diferentes linhas, uma dasquais é a teoria dos esquemas (Neisser, 1967).Vários esquemas foram estudados, como os

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esquemas interpessoais e afetivos e o esquemapessoal. Para entender o processo de relembrareventos e experiências, os esquemas narrati-vos são compulsórios. Um esquema narrativoé uma forma superordenada de representaçãoque tem a capacidade de estruturar, armaze-nar e abarcar experiências como um todo sig-nificativo. Como uma representação estrutu-ralmente organizada de episódios importantesde experiências, um esquema narrativo con-tém inerentemente um tema ou um enredo.Ao reconstruir memórias como uma jornadade vida, um processo de rememorar é ativado(Russell e Van den Broek, 1992). O conceitode estrutura narrativa abre novos prismas paraidentificar o mecanismo de funcionamento dareestruturação narrativa que está pronta parauso prático.

REBIOGRAFIA NARRATIVA

O termo psicoterapia narrativa não é usa-do aqui para evitar a idéia de divulgar aindaoutra escola de terapia. A identificação da rees-truturação narrativa, semelhante à reestrutu-ração cognitiva como mecanismo de funciona-mento subjacente, torna compreensível a apli-cação da rebiografia narrativa como uma téc-nica inovadora. O ecletismo técnico forneceuma estrutura adequada para incluir arebiografia narrativa na prática do psicotera-peuta de qualquer escola. A rebiografia narra-tiva consiste em:

1. reunir a autobiografia do pacientepor escrito ou gravada em fita cas-sete;

2. avaliar e identificar as verdadesemocionais atuais ligadas aos fatoshistóricos;

3. encontrar metáforas, palavras-cha-ve, imagens, fantasias, sonhos, etc.,assinalando os significados pessoaisou interpessoais;

4. fornecer contexto, apontando osmomentos psicológicos cruciais dedeslocamento ou exacerbação dossintomas;

5. descobrir os elos perdidos e as lacu-nas, os eventos e as experiências queestão entrelaçados com os sintomas;

6. explicar que os sintomas são umareação ponderadora para os even-tos desequilibrados da vida;

7. reconstruir a história de vida, atri-buindo novo sentido e significado aantigas histórias em um novo texto.

Esses assuntos ocorrem em um processogradual intricado, no qual aspectos sutis sãoentrelaçados e não podem totalmente ser se-parados. Tipicamente, as narrativas de umajornada de vida contém uma série de crônicassobre os eventos emocionais próprios e inter-pessoais.

A aplicação da rebiografia narrativa re-quer diretrizes que o terapeuta respeita (Whitee Epston, 1990). Para começar, a narrativa dahistória de vida é uma história principalconstruída a partir de histórias menores. Umanarrativa conecta experiências através do tem-po e do espaço, tendo começo e fim. Entre eles,existe um protagonista que se relaciona comvários outros antagonistas. Como ressaltadoanteriormente, a narrativa apresenta um con-texto e um desenvolvimento (um tema, umalinha, um enredo) que leva a um clímax, nor-malmente o início dos sintomas. A princípio, opaciente conta uma história incoerente e, mui-tas vezes, incompreensível. O processo derebiografia é essencialmente uma reconstrução,de modo que o paciente reavalia e interpretanovamente as experiências do passado presen-tes ainda hoje. Durante esse processo de revi-são, a ênfase está na:

1. personificação genuína das expe-riências únicas do paciente pelo te-rapeuta;

2. busca de uma relação entre os even-tos em um determinado período;

3. exploração de todas as possibilida-des e perspectivas concebíveis;

4. preferência de um estado de espíri-to condicionado (por exemplo, pos-sivelmente, talvez, provavelmente,etc.);

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5. descoberta de detalhes ausentes, si-lenciosos ou não, declarados da nar-rativa;

6. busca de significado, oferecendoidéias para fazer sentido (por exem-plo, a identificação);

7. liberdade de construir metáforas deinterpretações múltiplas e de signi-ficados de múltiplos valores.

Como observado por Guidano (1995b),a rebiografia narrativa lida com o relaciona-mento de toda uma vida entre o �Eu�, que tema experiência imediata, e o �mim�, que explicasimbolicamente. A reestruturação de uma me-mória é o resultado de uma mudança na ava-liação feita pelo �mim� sobre o meu �Eu�. Comoboa parte do material apresentado refere-se aopassado, o paciente pode persistir em explica-ções para esse fim gastas pelo tempo. O tera-peuta, então, cria oportunidades para o pacien-te ao tomar uma posição exploratória, inquiri-dora e elaborada. Ele quer entender a dificul-dade que surge para abandonar um antigo sen-tido familiar em troca de um novo significadodesconhecido (Neimeyer, 1993).

Construir envolve um aprendizado social,e ambos têm a novidade como inerente. Issosignifica ver e ouvir alguém fazer ou dizer al-guma coisa que antes não se podia penetrar. Ofeedback interpessoal é o mecanismo mais im-portante para implementar o aprendizado te-rapêutico (Lyddon, 1993). O feedback que che-ga é combinado com o rejeitado ou aceito ecomparado, devendo, portanto, ser construti-vo e compreensivelmente correto para o pa-ciente. De um ponto de vista multimodal, hásete tipos de feedback resumidos no BASIC-ID,que contribuem para o processo de aprendiza-do durante a rebiografia narrativa:

B � o feedback comportamental ou de re-presentação encoraja o paciente a alcançar aeficácia pessoal;

A � o feedback afetivo ou retirado da ex-periência capacita o paciente a apropriar-se desentimentos esquecidos há muito tempo;

S � o feedback sensorial ou empírico refe-re-se à evidência baseada em fatos e em testesobjetivos;

I � o feedback de imagens ou simbólicorefere-se aos significados metafóricos fora daestrutura de referência do paciente;

C � o feedback cognitivo ou conceitualabrange interpretações ou avaliações lógicasque o paciente não costumava ter;

I � o feedback interpessoal oferece ao pa-ciente uma nova experiência que contradiz osantigos padrões;

D � as drogas representam o feedback queaponta as questões biológicas que lidam com asaúde, a doença ou os fatores provocadores dedoenças.

SINTOMAS COMO METÁFORAS

Na verdade, não percebi que estava usan-do a rebiografia narrativa até ler a bibliografiadisponível. Apliquei essa técnica inovadora emum ambiente individual de uma prática parti-cular e em um ambiente de grupo como chefede uma clínica de internos para terapia com-portamental (do tipo multimodal) durante 25anos. A rebiografia narrativa no segundo am-biente será descrita em seguida. O motivo prin-cipal ao aplicar a rebiografia narrativa é a re-paração da história de vida emocional do pa-ciente para tornar-se um todo coerente, o qualé mais do que a soma de declarações pessoaisirracionais fragilmente conectadas. Começoreunindo todas as informações relevantes deforma verbal e escrita estruturada e desestru-turada que se dá como um esforço cooperativoem um ambiente individual. De fato, arebiografia narrativa já ocorre em várias ses-sões durante essa fase preparatória antes dasessão em grupo especial para a rebiografianarrativa. Peço ao paciente para escrever so-bre sua história de vida emocional. Quando estápronto, faço uma entrevista/conversa de apro-ximadamente duas horas com ele e gravo emvídeo. Esse procedimento acontece em um gru-po aberto com 18 pacientes e 6 colegas de tra-balho (um psicólogo clínico, alunos de pós-gra-duação e terapeutas de acompanhamento quetrabalham sob minha supervisão). Depois dis-so, uma cópia do vídeo � o produto mais con-creto do tratamento � é dada ao paciente paraassistir e avaliar em casa, por exemplo, com a

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família. Também é utilizada como base parafuturos reparos terapêuticos e para fins de(re)construção e educação.

A estrutura da sessão em grupo consisteem duas partes, cada uma com duração de 40minutos. Entre essas partes, há uma sessão defeedback de 10 minutos, durante a qual os par-ticipantes do grupo podem falar, perguntar ecompartilhar tudo o que quiserem. Na primei-ra parte, converso com o paciente sobre suapatografia ao mesmo tempo em que uso metá-foras para ligar os sintomas aos seus proble-mas inter e intrapessoais. Na segunda parte,discuto a autobiografia e investigo todas asexperiências emocionais significativas duran-te a vida do paciente. A sessão termina comum período de 30 minutos de feedback de com-partilhamento, durante o qual cada participan-te do grupo tem de dar algo em troca.

Começo a sessão perguntando ao pacien-te sobre os sintomas, que são a única razãopara um paciente ser admitido na clínica. Amaioria dos pacientes sofre de transtornos deansiedade, principalmente transtornos obses-sivo-compulsivos, pânico, fobias e depressões.Então, procuro delinear um esboço dos sinto-mas através de uma descrição formal guiadapelos critérios do DSM-IV (isso leva em tornode 20 minutos). Assim, um paciente pode so-frer de uma transtorno obsessivo-compulsivorelacionado a veneno. Uma visão geral meta-fórica implica no desmascaramento de todosos significados (inter)pessoais possíveis, como,por exemplo, o �sentir-se venenoso� implican-do raiva. Um agorafóbico e um claustrofóbicoque se sente capturado em todos os tipos desituação pode sentir-se prisioneiro no barco deHimeneu, implicando problemas conjugais.Uma pessoa deprimida desistiu de lutar contraos �golpes e espinhos da sorte ultrajante�. Tais(re)interpretações são apresentadas cuidado-samente para testar a receptividade para ou-tros significados. O terapeuta nunca sabe maisou melhor que o paciente, o qual tem a liber-dade de rejeitar ou aceitar um significado. Acei-tar sempre significa dar sentido aos sintomas.

Em seguida, investigo os sintomas, exa-minando primeiro as conseqüências que podemobstruir o progresso terapêutico. Um sintomaé uma função de fatores antecedentes e conse-

qüentes. Os segundos são as respostas emocio-nais e comportamentais em um modelo S-O-Rcognitivo comportamental que prolonguei paraum modelo circular. Concentro-me principal-mente nos chamados ganhos secundários eprimários. O ganho secundário inclui reaçõesrecompensadoras pelos membros da famíliaque tentam ajudar, às vezes, ingenuamente. Porexemplo, controlando-se ou lavando as mãoscompulsivamente pelo acompanhamento deum agorafóbico no ônibus ou fazendo compraspara um paciente depressivo. O ganho primá-rio ocasiona uma redução de reforço da ten-são devido à fuga ou à evitação. Esses ganhoslevam, em última análise, a uma generaliza-ção de condições de estímulos, ou seja, a umaumento nos antecedentes que evocam medoe depressão. Assim, um ciclo é estabelecido, oqual segue uma volta circular causal. A causa-lidade circular abriga características sistêmicasna qual a causa é o efeito e o efeito é a causa.Meus pacientes reconhecem e confirmam umametáfora de ser pego em ciclos viciosos namaioria das vezes.1

Nos 20 minutos subseqüentes, observo deperto o momento psicologicamente mais rele-vante: o início dos sintomas, que pode ter ocor-rido repentina ou gradualmente. No segundocaso, o paciente não está completamente cons-ciente quando o transtorno começa. Um pa-ciente pode contar uma história de ser per-feccionista antes de notar o transtorno obses-sivo-compulsivo atual. Um paciente pode terinclinações ansiosas antes de tornar-se ago-rafóbico. Outro paciente já se sentia triste an-tes de desenvolver depressão. É importantesalientar que o terapeuta não procura fatos his-tóricos, mas está interessado principalmente naimportância emocional ligada a alguma cro-nologia. Se o início é repentino, um períododa vida pode ser apontado freqüentemente, noqual os sintomas são desarticulados. Esse podeser o caso, por exemplo, quando o paciente éestuprado, embora nunca tenha conhecidoansiedades antes. Contudo, as posturas bem-definidas são mais excepcionais do que a re-gra. Um estupro pode ser incestuoso, precedi-do por uma puberdade difícil em casa e umlongo episódio de intimidação na escola. His-tórias aparentemente claras podem ficar con-

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fusas e tornar necessário perguntar o que, onde,quando, quem e como. A busca por anteceden-tes mais importantes utiliza a seguinte metá-fora: os sintomas não caem do céu azul, elessão mais como ervas daninhas que crescem nosolo fértil da miséria emocional, às vezes devi-do à capacidade inadequada de resolver pro-blemas emocionais. Portanto, uma cura sólidadeve, portanto, incluir a resolução de proble-mas de todas as enfermidades emocionais sig-nificativas. Sugiro que os principais problemasemocionais precedem ou acompanham o sur-gimento ou a exacerbação dos sintomas. As ex-periências emocionais menores estão aptas aserem a desarticulação do tipo gota d�água e,posteriormente, podem tornar-se fatores man-tenedores dos sintomas. Os fatores de perso-nalidade também podem não deixar clara aintensidade emocional de algumas dessas ex-periências de modo a se tornarem ocultas.

Paciente e terapeuta podem chegar a umcruzamento perigoso aqui. O paciente defron-ta-se com a escolha por uma metáforaorientadora para os sintomas em relação aoseventos estressantes da vida. Apresentar os sin-tomas pode ser estonteante, de modo que osproblemas emocionais subliminares permane-cem ocultos na consciência. As reações defen-sivas continuam sendo problemas não-resolvi-dos ou insolúveis longe da consciência. Paratranspor tais defesas, o terapeuta � um com-panheiro de viagem experiente � orienta o pa-ciente fazendo uso de metáforas. Minhas me-táforas favoritas são a torre de Pisa e o velhoditado �Não jogue fora os sapatos velhos antesde ter novos�. A torre de Pisa representa umprédio estável, porém torto, que pode desmo-ronar um dia. Ter sintomas é estar em um es-tado de equilíbrio instável: em pé, mas porquanto tempo? Restaurar é arriscado por mui-tas razões. A torre de Pisa, então, não será maisa torre de Pisa. Além disso, a restauração po-deria destruir vergonhosamente o monumen-to. Não é rotineiro que o paciente aceite umnovo significado, em especial quando encon-trou um modus vivendi para conviver com seussintomas mais antigos. Trocar os sapatos ve-lhos por novos que apertam dificilmente é umamelhora. Portanto, o terapeuta estimula uma

troca de narrativa descobrindo de forma cria-tiva melhores perspectivas junto com o pacien-te, se ele muda o significado dos sintomas. Taltroca acontece normalmente quando o pacientepode entender sua patografia em um contextobiográfico. Para promover essa troca, inclui-seum período de 10 minutos de feedback. Todosos participantes do grupo ajudam o paciente aver através de pontos cegos, discutindo, com-partilhando, perguntando ou aconselhando.

Após esse período de feedback, continuoa sessão estruturando os sintomas na autobio-grafia do paciente, o que acarreta incorporaros sintomas no contexto de problemas emoci-onais significativos durante toda a vida. Essaparte dura aproximadamente 40 minutos, du-rante os quais abordo os problemas inter eintrapessoais do paciente na ordem cronológi-ca. Por exemplo, examino os relacionamentosentre pais e filho e entre irmãos quando os sin-tomas desenvolveram-se pouco depois de sairde casa. Quando os sintomas apareceram du-rante o casamento, reviso o comportamento docônjuge e a criação dos filhos. Procuro exami-nar os vínculos significativos durante a vida dopaciente. Entretanto, via de regra, ele não sesocializa com mais de sete pessoas intensamen-te em um certo período de tempo. Outra dire-triz que sigo é que as emoções sempre aconte-cem em uma relação, seja com outros (50%)ou consigo mesmo (50%). Para a maioria dosmeus pacientes, ter um relacionamento consi-go mesmo é uma nova esfera de ação. Explicoessa metáfora dizendo que uma pessoa casa-se, em primeiro lugar, consigo mesma. Quemtomará conta de mim, como adulto, se eu nãotomar? Quem escovará meus dentes? Quem mealimentará? Nós nos encontramos até mesmoem nossos sonhos. A comunicação pessoal en-tre o �eu� e o �mim� continua durante 24 ho-ras por dia. Como uma conversa consigo mes-mo inclui memórias, não existe nenhum tabupara discutir os eventos passados, uma vez queo paciente sente-se perturbado por esses even-tos no presente.

Concluo a rebiografia narrativa com umsegundo período de feedback com duração de30 minutos. A ênfase está no conselho � dadopor todos os participantes do grupo � o qual

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pode tomar várias formas. Prefiro usar umahistória �sábia� ou uma piada que contenhauma mensagem educacional como feedback defechamento (uma coletânea de tais histórias epiadas pode ser encontrada em Kwee, 1996b;Kwee e Ellis, 1998).

A DESCOBERTA DE SENTIDO

Há muito mais a dizer sobre como con-duzo a rebiografia narrativa, mas é impossíveldizer tudo o que acontece durante essas ses-sões. Mais de 200 vídeos estão disponíveis paraobservar os detalhes de minuto a minuto. Umasessão de duas horas pode não parecer especi-almente longa para cobrir a vida toda de umindivíduo; porém, dependendo da habilidadedo terapeuta e da cooperação do paciente, atécnica pode funcionar como uma panela depressão. Aqui, descreverei alguns outros assun-tos relevantes da hermeneuin, a descoberta dosentido ou do significado através da narrativi-zação. Esse processo pressupõe uma visão di-nâmica do significado que � por sua naturezarelativista � estará sempre em movimento.

Como terapeuta co-construtor, tento tra-zer à tona as verdades retiradas da experiên-cia do paciente através do chamado diálogosocrático. Sócrates foi um filósofo grego queviveu no século V a.C. Ele divulgou a filosofiaem que a sabedoria é, em essência, o �não sa-ber�, diferente do não saber nada ou do serignorante. �Não saber� é admitir que cada umtem sua própria verdade, a qual somente podeser conhecida por aquele determinado indiví-duo. Sócrates foi o primeiro médico da almaque usou significados verbais como sua princi-pal ferramenta. Ele estava muito além de seutempo ao proclamar que a verdade é um con-ceito relativo dependente do contexto. Um di-álogo socrático não se destina a justificar osdogmas de alguém, e sim a construir valores,o que é feito ou não é feito e a descobrir quenosso único saber é o �não saber�. Verdadesabsolutas não existem em um mundo cheio decontradições relativas; assim, diferentes nar-rativas sobre a verdade coexistem, dependen-do do narrador (Overholser, 1993; 1995).

Os sintomas são como uma cortina de fu-maça que esconde uma vida emocionalmentedesordenada. Através da rebiografia narrativa,tento integrar a patografia fragmentada,mantida fora da consciência, em um contextoautobiográfico. Traçar linhas entre os eventos eas emoções e os pedaços soltos das histórias écomo construir um mapa que se encaixa emqualquer território em mutação. É impossíveldesenhar o mapa final. Os mapas servem comohipóteses a serem testadas. Por não ser o terri-tório, apenas ter o mapa não equivale a cruzara distância. De onde vem o paciente? Onde elese encontra agora? Onde encontrar seu desti-no? Embora a ênfase esteja na reconstrução dahistória de vida, a rebiografia narrativa não ésomente uma narrativa pessoal, mas tambémum plano de tratamento implícito. Dessa for-ma, além da redução dos sintomas através daprevenção da reação, da exposição in vivo ouda programação de eventos agradáveis, outrasmedidas adequadas são freqüentemente pres-critas. A prescrição depende dos problemas emo-cionais identificados no mapa ou no plano detratamento. Uma perspectiva evolutiva pode re-velar uma abundância de problemas: adoçãoindevida, homossexualidade latente, crise dameia-idade, tristeza patológica, desarmonia con-jugal, etc. A rebiografia narrativa é uma estru-tura epistêmica que busca um contexto para darsignificado a partir dos sintomas, sem excluir aaplicação de técnicas comprovadas e empiri-camente eficazes. Os terapeutas construtivistasnão têm de ser cautelosos ao usar as técnicas,pois elas não funcionam por si mesmas: é oterapeuta quem faz algo com a técnica.

TUDO ISSO IMPORTA?

A rebiografia narrativa também encontraseu uso em ambientes individuais de pacientesnão-hospitalizados. Essa aplicação requer vá-rias sessões e é um tanto longa por natureza.Pode-se considerar que o procedimento para(re)construir uma história de vida ocorre atra-vés de pedaços e pode, portanto, abarcar todoum processo de terapia. A lição de casa é in-tensiva e pode tomar muitas horas do pacien-

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te, por exemplo, para preencher o Questioná-rio Multimodal da História de Vida e para es-crever sua própria história de vida emocional.Em um ambiente de grupo de pacientes inter-nos como o nosso, a rebiografia narrativa acon-tece em uma sessão elaborada que funcionacomo um catalisador.

Em um grupo de pacientes internos, arebiografia narrativa acontece no final da déci-ma segunda semana de um período máximo deadmissão de 36 semanas, constituindo-se naestrutura para a terapia com pacientes internos.É um plano de tratamento que torna o sucessoda aplicação das técnicas possível e é, simulta-neamente, uma técnica em si. O que forma aessência da minha abordagem é a combinaçãodo processo dialético de dar significado criati-vamente e do ecletismo técnico. Assim, emboraa rebiografia narrativa seja uma parte essenci-al, o tratamento completo consiste em mais in-tervenções. Lazarus (1989) descreveu 39 dastécnicas mais usadas, todas praticadas em nos-sa clínica. Além dos grupos da rebiografia nar-rativa para o automonitoramento, são feitos trei-namento de relaxamento, treinamento deassertividade e terapia racional emotiva. Essesgrupos abrangem 50% das atividades, ao passoque os outros 50% consistem em sessões indivi-duais diárias, mais a lição de casa. Durante es-sas sessões, utiliza-se toda a gama de técnicasmultimodais, a maioria de natureza cognitivo-comportamental. Todas as técnicas comprova-damente eficazes na pesquisa empírica são uti-lizadas, como a prevenção de resposta, a expo-sição in vivo, a programação de atividades, bemcomo as estratégias paradoxais, várias táticasde imagens e a técnica da cadeira vazia. Entre-tanto, a rebiografia narrativa foi mais profun-damente elaborada em um ambiente individualapós a sessão plenária ser considerada o guiapara o tratamento completo. Qual é a eficáciade todos esses esforços?

Uma pesquisa prospectiva de acompanha-mento de minha abordagem multimodal de darsignificado é uma maneira de fornecer umaresposta. Primeiro, conduzi um estudo deacompanhamento preliminar de nove meses,revelando que, de acordo com padrões rigoro-sos, a maioria dos 84 pacientes obsessivo-com-

pulsivos crônicos e agorafóbicos teve um efei-to saudável devido a essa abordagem. Subse-qüentemente, um grupo de pesquisadores con-duziu um segundo estudo de acompanhamen-to de até 10 anos (1982-1992) depois da altahospitalar. Esse estudo foi mantido pelo minis-tério da saúde holandês e realizado por pes-quisadores independentes. Um relatório foipublicado em Kwee e Kwee-Taams (1994) e éresumido a seguir. Naqueles 10 anos, eu e meuscolegas (um psicólogo clínico, alunos de pós-graduação e terapeutas de acompanhamento)tratamos 153 pacientes. Essa amostra incluiu97 mulheres e 56 homens com média de idadede 34 anos (SD 9). A maioria deles pertence auma classe socioeconômica média baixa de tra-balhadores com um nível médio de educaçãoe de renda. Os diagnósticos que se aplicam aeles são: transtornos obsessivo-compulsivos(40%), pânico com agorafobia (27%), outrostranstornos de ansiedade (16%), distimia(10%), outros transtornos (7%). A média deduração dos sintomas era de 10 anos (SD 7).

Conduzo as sessões da rebiografia narra-tiva em grupos plenários. Cada paciente retor-na duas vezes durante o período de admissão,após 12 semanas e pouco antes de serem dis-pensados. Para a maioria dos pacientes, essesdois retornos formam o clímax de todo o pe-ríodo de tratamento, cuja média de duração éde 6 meses. Além disso, conduzo outras duassessões de grupos plenários semanalmente paraavaliar o progresso de cada paciente. Um gru-po alude à auto-observação, isto é, ao auto-monitoramento e ao auto-registro do fim desemana (que todos eles sempre passam emcasa). Em outro grupo, discute-se a semana te-rapêutica. Todos os pacientes têm sessões in-dividuais semanalmente com um psicólogo clí-nico, o qual conduz os grupos de terapia racio-nal emotiva, os treinamentos de relaxamentoe a assertividade. Os estudantes graduados eos terapeutas de acompanhamento, que ser-vem de co-terapeutas, fazem sessões compor-tamentais puras diariamente. Sendo responsá-vel pelo início e pelo término das entrevistas,senti a necessidade, desde o começo, de pro-var nossos sucessos e nossos fracassos. É porisso que a pesquisa de resultado e de acompa-

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nhamento tornou-se uma parte intrínseca daprática diária do departamento. O método noestudo de acompanhamento de 10 anos utilizaquestionários para medir os vários alvos paraa terapia de mudança. São eles: o InventárioObsessivo-Compulsivo de Maudsley (Rachmane Hodgson, 1980); o Questionário do Medo(Marks e Matthews, 1979); o Inventário deAnsiedade de Estado-Traço (Van der Ploeg,Defares e Spielberger, 1980); o Inventário daDepressão de Beck (Beck et al., 1961) e a Lis-ta-90 de Verificação de Sintomas (Derogatis,1990; Arrindell e Ettema, 1986).

Esses questionários são preenchidos naadmissão e na alta, além de no acompanha-mento, até 10 anos após a alta. A média doperíodo de espera foi de 16 semanas e a médiado período de tratamento foi de 27 semanas.O Índice de Mudança Confiável (uma versãode computador melhorada daquela projetadapor Jacobson Truax) foi desenvolvido e aplica-do por Hageman e Arrindell (1993). O efeitogeral foi que 75% apresentavam uma melhorasignificativa quando receberam alta e 63% noacompanhamento de 1 a 10 anos após a alta.Respectivamente, 21% e 34% permaneceramsem mudanças, enquanto 4% e 3% parecemter deteriorado. Em geral, o paciente que nãoobteve sucesso é aquele que encontrou ummodus vivendi satisfatório com os sintomas ouque teve recaída na antiga maneira de convi-ver com os sintomas.

Considerando a gravidade e a intensida-de do estado crônico dos sintomas, além dofato de nossos pacientes não terem melhoradodurante o período de espera, apesar da médiade três tratamentos anteriores sem sucesso, taisresultados sugerem que o tratamento multi-modal do paciente interno, as várias técnicas,as sessões individuais e em grupo, incluindo oauge do tratamento � a rebiografia narrativa �foi um empreendimento que valeu a pena.

NOTA

1. Para uma descrição completa desse modelo cir-cular, consultar Kwee e Lazarus (1996).

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Técnicas Selecionadas daPrática da Terapia Construtivista

Simone da Silva Machado

�Ser terapeuta é um desafio em si e para si próprio.�Michael Mahoney

Alguns aportes técnicos não apresentamde forma específica a base ontológica e episte-mológica à qual estão vinculados; algumas ve-zes, nem mesmo seus praticantes têm clarezada importância desses alicerces. Esse fato tor-na tênue os fundamentos que estruturam umatécnica, dificultando alterações que podem serfeitas na mesma e criando pouco espaço paraprofissionais gestores de novas idéias.

É importante salientar que, ao utilizaruma determinada técnica, é fundamental queo terapeuta esteja ciente de que ela faz partede uma rede de conhecimento que interligaontologia, epistemologia, aportes teóricos, con-texto histórico-social da díade terapeuta e clien-te (Mahoney, 1998; Brunner,1997; Schabbel,1999; Machado, 1999b; Guidano,1991), alémde um processo comunicacional existente nes-sa relação (Stemberger, 2000).

A técnica pela técnica não tem sentido,pois, sem um entendimento epistemológico,qualquer estratégia de intervenção enfraque-ce. É como um corpo anêmico, sem vitalidade.Por isso, no processo terapêutico, a técnica éapenas um meio intervencional, importantesim, mas não o principal alicerce do contextoclínico. Segundo Castro (1978), estratégia outécnica é a ação metodológica de uma teoria.Esta, por sua vez, não existe sem uma baseontológica e epistemológica que a fundamen-

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O contexto das psicoterapias cognitivasvem apresentando um trânsito de mudançasextremamente interessante, no qual a ênfasedesloca-se da antiga disputa de paradigmastécnicos para um processo maturacional pelaessência de cada aporte teórico, buscando, as-sim, um entendimento mais consistente do pro-cesso psicoterápico proposto por cada verten-te clínica.

Os estudos atuais apresentam questiona-mentos progressivos em relação à prática clí-nica, enfatizando a importância de um maiorempenho no que tange à inter-relação entremanejo técnico e vinculação teórica consisten-te (Brunner, 1997; Feixas e Villegas, 1998;Ferreira, 1998; Mahoney, 1998; Miró, 1997;Baringoltz, 1998). Nesse cenário, pesquisado-res e terapeutas cognitivistas concordam que,em prol de uma maior consistência científica,não podemos mais conceber uma prática clíni-ca alicerçada somente em intervenções e es-tratégias técnicas. A problemática não está naintervenção ou na técnica em si, mas na utili-zação da técnica por parte de alguns terapeutasque desconhecem que ela está inserida em umcontexto histórico-social e fundamentada emuma visão específica de ser humano.

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te. Portanto, existe aqui uma rede indissolúvel:�ontologia & epistemologia & teoria & contex-to histórico-social & contexto pessoal & técni-cas�. Sendo assim, ao falarmos sobre técnicaspsicoterápicas, estamos necessariamente falan-do da metodologia utilizada no processo tera-pêutico de uma pessoa, que está vivendo umdeterminado momento em sua vida e queexperencia nesse contexto a inter-relação coma prática de uma teoria psicológica, juntamen-te com as diversas singularidades existentes nadíade terapeuta-cliente, formando o que po-deríamos chamar de rede de significados intera-tivos e particulares.1 Essa parceria entre tera-peuta e cliente poderá transitar por diversasintervenções técnicas; porém, sempre estaráimplícita nesse contexto a particularidade darede à qual estão vinculados.

Cabe aqui lembrar uma frase de Mahoney(1998), que diz não ser contra a técnica, massim contra a tecnocracia. A tecnocracia aprisi-ona o setting terapêutico e não oportuniza umaflexibilidade maior na díade terapeuta-clien-te. Muitas vezes com a preocupação excessivade estar aplicando bem a técnica, o terapeutafica preso a comportamentos automatizados erepetitivos, reduzindo significativamente suaspossibilidades interativas (Machado, 1999b).

Surge então uma pergunta: como pode-mos utilizar os benefícios das técnicas, man-tendo nossa capacidade de escolha, argumen-tação e respeitando essa rede de significadosinterativos e particulares? Talvez um possívelcaminho seja o de ampliar o conhecimento doterapeuta em relação à sua escolha teórica etécnica. Um conhecimento consistente e deta-lhado da teoria e do manejo técnico escolhidoseguramente auxiliará o clínico em sua forma-ção profissional. Entretanto, é necessário queessa formação seja aqui entendida como umfenômeno mais amplo do que apenas a repro-dução de uma ação. Formar uma ação é ter acapacidade de realizar uma interlocução cria-tiva e crítica com o conhecimento, e não ape-nas reproduzi-lo. Nesse prisma, a ênfase recaisobre a questão da escolha, pois compreendercomo escolhemos é o primeiro passo para fa-zermos escolhas consistentes. Metaforicamen-te, poderíamos dizer que um viajante primeiro

decide se quer ou não viajar e só depois decidepara onde viajará.

De acordo com Guidano (1991), o obser-vador não é imparcial em sua observação, poissempre existe um processo de auto-referênciana relação que se mantém com a realidade.Sendo assim, no intuito de ampliar seu conhe-cimento em relação à sua escolha teórica e téc-nica, o terapeuta deverá estar ciente de queem seu caminho os locais visitados deverãodisponibilizar a possibilidade de interagir comos fundamentos de uma teoria psicológica, comos aportes técnicos da mesma e com os inter-câmbios necessários entre os profissionais daárea em questão. Simultaneamente a esse pro-cesso, deverá estar atento aos aspectos tácitosde suas escolhas e da própria escolha de serum terapeuta (Abreu, 2000; Fernandez-Alva-rez, 1992; Lamberto, 1998; Machado, 1999b;Mahoney e Neimeyer, 1997; Schabbel, 1999).

Corroborando esse posicionamento, pes-quisas na área de psicoterapia demostraramque a escolha por um determinado viés teóri-co está diretamente vinculada a elementos tá-citos da personalidade de cada terapeuta(Mahoney, 1998; Schabbel, 1999; Baringoltz,1998). Escolhemos um aporte teórico não por-que nossa concepção de ser humano encaixa-se nos fundamentos centrais de uma teoria, massim porque os fundamentos dessa teoria vêmao encontro de nosso entendimento de ser hu-mano, ou seja, de nossa ontologia. Portanto, ocentro dessa escolha é a própria pessoa; é oconhecimento de quem somos que nos alicerçapara fazer essas escolhas.

Teóricos e terapeutas construtivistas enfa-tizam a importância das questões epistemoló-gicas e resgatam a compreensão da pessoa emuma perspectiva pró-ativa de desenvolvimen-to (Abreu, 2001; Fernandez-Alvarez et al.,1997; Gonçalves, 1995; Mahoney e Niemeyer,1997; Fernandez-Alvarez, 1992; Guidano,1991). A idéia de pró-atividade está ligada aprocessos experenciais, ou seja, a pessoa é en-tendida como um organismo integrado e emcontínuo desenvolvimento. O terapeuta é umapessoa e, como tal, deve estar ciente de suaescolha epistemológica e dos intercâmbios pro-venientes desta em sua prática clínica; ocor-

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rendo isso, a utilização de uma técnica estarábem fundamentada.

Ao revisar a literatura referente às psico-terapias construtivistas, encontramos atual-mente autores que integram de forma consis-tente esses intercâmbios, aliando criatividadea claros aportes teóricos no empenho de ela-borar meios narrativos para alcançar fins tera-pêuticos. Com a colaboração desses autores(Feixas e Villegas, 1998; Greenberg, 1996;Guidano, 1993; Mahoney, 1998), estudos vêmsendo ampliados no sentido de auxiliar tantoo terapeuta quanto o cliente na observaçãosistêmica e sistemática dos processo pessoaisdo cotidiano. O método de corrente de cons-ciência (Mahoney, 1998) é um exemplo dessesestudos, pois nele o cliente é convidado a par-ticipar e a seu modo relatar os pensamentos,as sensações corpóreas, as emoções, as ima-gens, as lembranças de uma determinada si-tuação ou do contexto de seu cotidiano. Nesseprocesso, a intervenção do terapeuta é míni-ma; ele participa apenas como um facilitador,utilizando quando necessário intervenções es-tilo feedback.

Na prática construtivista, terapeuta ecliente entendem a linguagem como um pro-cesso comunicanional que vai além do ato defalar e é resgatado em toda e qualquer formade expressão, seja ela verbal, gestual ou tácita.Esse entendimento está alicerçado em umaontologia existencialista e em uma visão epis-temológica de um ser humano essencialmenteconhecedor. É na interação com seu meio feno-menológico que a pessoa significa e ressignificaconstantemente seus valores e saberes. Segun-do Kelly (1969), o ser humano é como um ci-entista que cria hipóteses sobre seu cotidiano,validando-as e invalidando-as durante toda asua vida.

No desenvolvimento humano, cada pes-soa é narrador de sua própria história de vida,a maneira como ela interpreta e interage comas situações de seu cotidiano cria seqüênciassignificativas e constitui um sentido de si mes-ma, enquanto protagonista de sua autobiogra-fia. Baseados nesses conceitos, os terapeutasconstrutivistas organizam sua prática clínica,definindo como eixo central uma abordagem

direcionada ao processo de desenvolvimento econhecimento da cognição humana. A partirde uma perspectiva mais ampla do aspectocomunicacional, buscam favorecer umasintonia com as questões tácitas, algumas ve-zes pouco articuladas no comportamento docliente.

Para Neimeyer (1998), diferentes linha-gens ou tradições do construtivismo tendem aenfatizar abordagens levemente diferentes comrelação à intervenção, sobretudo em nível téc-nico concreto. Como terapeuta e pesquisadoracognitivista, verifico que durante o settingterapêutico cada díade terapeuta-cliente orga-niza implícita (aspectos tácitos, rede de signi-ficados interativos e particulares) e explicita-mente (foco de tratamento, técnicas utilizadas,tempo, etc.) sua forma de experienciar o pro-cesso psicoterápico. Esse contexto complexoestá repleto de possibilidades de estudos e des-cobertas e cabe a nós � professores / pesquisa-dores, psicoterapeutas e estudiosos das inúme-ras vertentes das psicoterapias cognitivas, bemcomo, das ciências da cognição � continuar-mos empenhando nossos esforços conjuntosnessa trajetória de estudos.

Acredito que nossa constante reflexãosobre esse cenário não nos levará a um pata-mar de saber único, e sim a um processo flexí-vel, interativo e permanente de conhecimen-to, pois o saber não está e nem deve estar apri-sionado em verdades absolutas. Saber é talveza possibilidade e a capacidade de termos inú-meras possibilidades de continuar a perguntar.

O PROCESSO TERAPÊUTICOEM PSICOTERAPIACOGNITIVO-CONSTRUTIVISTA

Com o objetivo de tornar mais acessível oprocesso clínico aos leitores, elaborei uma ex-planação da prática em psicoterapias cons-trutivistas fundamentada nos aportes teóricosdessa abordagem terapêutica e em minha ex-periência como terapeuta, professora univer-sitária e supervisora clínica. Optei por realizaruma explanação feita na primeira pessoa; essaescolha não é apenas uma escolha gramatical,

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mas também uma escolha vinculada ao que an-teriormente chamei de rede de significadosinterativos e particulares. Concordo com Ma-honey (1998) quando ele diz que, ao informa-mos uma experiência terapêutica, não estamoscolocando-a como uma única possibilidade, oumesmo ditando regras exatas para a realiza-ção da mesma; apenas estamos descrevendouma experiência significativa para nosso apren-dizado enquanto pessoa e profissional.

Como pesquisadora, acredito que é ainterlocução dessa rede de significados intera-tivos e particulares com o estilo próprio de cadaterapeuta que dará os tons e os subtons queformarão o processo terapêutico. Sendo assim,cada leitor fará uso das informações de acordocom sua própria rede de significados interativose particulares, transitando pela teoria e pelastécnicas a fim de poder acrescentar em suaprática mais questões a serem abordadas.

Neste capítulo, apresentarei uma trajetó-ria de psicoterapia individual com base na abor-dagem construtivista, considerando os proces-sos experienciais de mudanças da cliente, bemcomo algumas das técnicas utilizadas nessecaminho terapêutico.

Os medos de Nice

Nice2 buscou atendimento psicoterápicopor indicação de seu cardiologista. Após meti-culoso exame clínico, ele diagnosticou que asfreqüentes crises de hipertensão e o mal-estarrelatado pela paciente poderiam estar relacio-nados a um alto nível de ansiedade ou a contí-nuos períodos de estresse, já que organicamen-te ela não apresentava nenhuma patologia clí-nica no sistema cardiovascular. Os exames clí-nicos estavam normais para sua idade, na épo-ca tinha 35 anos, porém Nice relatava sentirvertigens, espasmos musculares, falta de ar, pal-pitações constantes, dores de cabeça e muitadificuldade de concentração. Com freqüência,apresentava um aumento em sua pressão arte-rial: 13/8 a 17/11. Em uma dessas crises, suapressão chegou a 19/14, sendo imediatamen-te hospitalizada por dois dias, conforme pres-crição médica.

Antes de indicar um atendimento psicote-rápico para Nice, seu médico realizou, duran-te seis meses, um acompanhamento clínicoquinzenal no intuito de verificar seu estilo devida, seus hábitos alimentares, suas rotinasocupacionais (trabalho, estudos) e suas esco-lhas de lazer. Durante esse período, a históriaclínica da família da cliente também foiinvestigada e, segundo seu médico, não foiencontrado nenhum outro familiar com qua-dro de hipertensão ou mesmo problemas car-díacos. Simultaneamente a esse acompanha-mento, foram prescritos dois medicamentospara o controle da hipertensão, além de ou-tras orientações clínicas de rotina (dietanutricional controlada, exercícios físicos comorientação de profissional de educação física,etc.). Mesmo com todos os cuidados clínicos, oquadro sintomatológico de Nice continuava os-cilando, o que gerou questionamentos a ela eao seu médico. Este, acostumado a um traba-lho interdisciplinar, sugeriu, então, um atendi-mento psicoterápico.

Na primeira consulta psicoterápica, Niceestava bastante ansiosa, demonstrava preocu-pação em descrever com clareza sua história eenfatizava as informações obtidas junto ao seumédico. Nesses momentos, relatava sentir pal-pitações, dificuldades de concentração e suornas mãos, enquanto seus gestos eram tensos e,por várias vezes, inspirava profundamente afim de respirar melhor. Durante sua narrativa,relatava medos constantes quanto ao seu dia-a-dia; o tom de julgamento em relação à suaexposição verbal era evidente e, com freqüên-cia, comentava que, na maior parte do tempoem que conversava com alguém, sempre fala-va de forma confusa. Ela repetia �Eu falo deforma confusa, sou difícil de me fazer enten-der�. Com o objetivo de diminuir sua ansieda-de e proporcionar fluidez no vínculo terapêu-tico, comentei que até aquele momento eu es-tava conseguindo acompanhar seu raciocínio,percebia sua ansiedade, porém acreditava queela estava sendo bastante clara ao expor as si-tuações de seu cotidiano. Comentei tambémque, caso eu tivesse alguma dúvida, pergunta-ria a ela, uma vez que em uma conversa é ne-cessário o investimento de duas pessoas � e nósestávamos fazendo isso.

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Ao fazer esse comentário, optei por utili-zar uma intervenção estilo feedback, que pro-porciona um retorno clarificador ao conteúdotrazido pelo cliente e, ao mesmo tempo, tornamais consciente o conteúdo empático que tran-sita no setting terapêutico. Essa intervençãopode ser extremamente facilitadora em situa-ções de ansiedade, já que em momentos detensão a capacidade de concentração e os pro-cessos de cognição tornam-se mais frágeis, di-ficultando a compreensão da pessoa sobre seucontexto. Acredito ser de vital importância queo terapeuta cognitivista tenha claro, ao fazeruma intervenção, qual o objetivo desta e quaisos processos cognitivos que estão sendo mobi-lizados. Deve estar sempre atento à integra-lidade da linguagem do cliente, buscando com-preender a narrativa como um todo significa-tivo.

No decorrer do primeiro mês de consultacom Nice, várias vezes utilizei esse estilo deintervenção, e percebemos que o processodialógico tornava-se mais tranqüilo para elaquando essas intervenções eram realizadas.Algumas vezes, Nice utilizava-se desse feedbackpara explanar como tinha entendido algumcomentário meu durante a consulta. Aos pou-cos, o vínculo terapêutico fortaleceu-se, e op-tamos por continuar a parceria interdisciplinarcom o médico cardiologista, pois percebíamosque essa unidade poderia vir a auxiliá-la. Aofinal do primeiro mês, concluímos que Niceapresentava índices alternados de ansiedade emedos em geral, mas ainda não caracteriza-vam nenhum transtorno psicológico de acor-do com o DSM-IV. Conversamos sobre essa ava-liação e optamos (terapeuta-cliente) por au-mentar os exercícios de relaxamento muscularprogressivo e introduzir a técnica de relaxa-mento progressivo sonoro (Machado, 1999c).A opção por essas duas técnicas ocorreu comoresultado de uma consulta na qual a ênfase foidiminuir a ansiedade, utilizando durante essaconsulta a estratégia de Resolução de Proble-mas. Nice obteve bons resultados nesse proce-dimento clínico.

No terceiro mês de atendimento, o esta-do de ansiedade de Nice havia reduzido consi-deravelmente. A cliente tinha consciência dospensamentos e das situações que a levavam a

sentir ansiedade e medo, embora apresentassedurante a consulta as seguintes expressões: �Seique não me sinto ansiosa ultimamente, masparece que não posso me sentir assim�, �É en-graçado pensar que eu sou corajosa (rindo umtanto quanto nervosa)�, �Às vezes, fico comuma sensação de será verdade isso�?�. Dian-te dessas indagações, sugeri a ela que escolhes-se uma música que representasse o que vinhaexperienciando nesses momentos, gravasse emuma fita cassete e a trouxesse para a próximasessão. A opção por esse procedimento ocor-reu em função dos resultados positivos que acliente obteve com o relaxamento progressivosonoro e do seu crescente interesse por músi-cas. Sabemos que uma intervenção não se apre-senta sozinha, sendo contextualizada e interli-gada às crenças e aos aspectos tácitos da díadeterapeuta-cliente; sendo assim, estes devem seros pilares nos quais se alicerçará a técnica.

Após ter esclarecido detalhadamente naconsulta os exercícios fortalecedores3, duran-te aquela semana, Nice escolheu em casa umasérie de músicas. Na consulta seguinte, rela-tou que cada vez que ouvia uma delas era comose estivesse ouvindo parte de sua história devida. Durante alguns encontros, constatamosque, tal qual a organização das músicas, a nar-rativa de Nice apresentava-se como um ema-ranhado de expressões, sentimentos e dúvidas.As músicas selecionadas eram de diversos esti-los e, a todo momento que Nice comentava umadelas, eu percebia que era aberta uma redemnemônica ligada à sua história de vida: nãoa uma etapa de vida em particular (a músicanão estava relacionada a uma situação), massim a um estado de questionamento sobre suasescolhas, suas expectativas e seus medos.

Tomando por base a estrutura da teoriado apego (Greenberg, 1996) e a modalidadenarrativa de intervenção (Gonçalves, 1998),sugeri que Nice transcrevesse todas as músicaspara que posteriormente as lêssemos como sefossem cartas. A idéia era dar forma a essa nar-rativa, visualizar em que ponto começava,como era experienciada e onde se encontravaNice naquele momento. Assim, ela teria umaoportunidade de tentar recontar sua históriada maneira como a experienciou. Nice gostouda idéia e, conforme o combinado, trouxe as

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músicas transcritas; junto com as cartas, trou-xe também uma fita gravada com uma novaseqüência musical, e na caixa estava escrito�Agora eu é que canto�. Comentei que haviaachado bem sugestivo o nome e perguntei oque ela queria dizer com aquilo. Falou-me que,ao ouvir, transcrever e reler as músicas, foi or-ganizando uma linha de vida � havíamos rea-lizado uma atividade desse tipo em alguns en-contros anteriores � e colocando as letras dasmúsicas como percepções que tinha ao recor-dar determinados momentos. Nesse processo,Nice foi resgatando sua memória dos eventos,pois anteriormente sentia sua história, mas nãoconseguia ligar os fatos às percepções experien-ciadas. As �cartas� serviram como indicadoresnessa caminhada e, quando resolveu gravar afita na seqüência compreendida de acordo comsua narrativa pessoal, o efeito final acabou sen-do muito interessante.

A seqüência desarmoniosa e rígida queaparecia na primeira fita foi substituída poruma seqüência engajada, sonoramente bela edinâmica; as músicas enlaçaram-se, forman-do um ritmo próprio, o qual ela chamou inici-almente de �os barulhos de Nice� (muito bemapropriado, diga-se de passagem, para a for-ça que aquelas músicas representavam). Erammúsicas intensas, com melodias fortes, orga-nizadas como uma grande orquestra de ins-trumentos e vozes (sambas, rock, jazz, clássi-cos de Wagner que se alternavam harmonio-samente), representando toda a força de vidade Nice. Após trabalharmos mais algumas ses-sões nessa técnica, Nice renomeou sua fita,colocando uma faixa desenhada por ela mes-ma em cortiça com o seguinte dizer �EstiloNice�.

As técnicas de reconstrução de significa-dos fundamentadas nos estudos de Mahoney eNeimeyer (1997), Kelly (1969) e Gonçalves(1998) foram utilizadas como indicadores noprocesso terapêutico de Nice com o objetivode propiciar diferentes prismas de um cenáriopor ela tão conhecido (estado de ansiedade/medo) e, ao mesmo tempo, tão pouco compre-endido.

No sexto mês de atendimento após con-tato com o cardiologista, verificamos � a tera-

peuta, a cliente e o médico ou, como dizia Nice,�o trio� � que ela não apresentava mais sinto-mas de desconforto físico intenso, tinha a pres-são arterial normalizada e mantinha um ritmode vida saudável para sua idade (fazia cami-nhadas freqüentes, tinha uma alimentação sau-dável, praticava aulas de dança). Sendo assim,resolvemos concluir os atendimentos com ocardiologista.

Nice continuava a utilizar os sons paraexercícios de relaxamento e já mantinha umarede de amigos e atividades que lhe dava mui-ta satisfação. Quando em momentos de tensãoou mesmo de tristeza, comum a todos os mor-tais (grifo da cliente), costumava realizar osexercícios ou ouvir sua fita. Superado o cons-trangimento inicial das primeiras consultas, elatelefonava para mim e conversávamos um pou-co; às vezes, até marcava algum horário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história de Nice, no decorrer desses 10meses de tratamento, foi marcada por momen-tos importantes de serem relatados aqui. Inici-almente, em função do quadro clínico que apre-sentava, ela entrou em atendimento psicoterá-pico em busca de uma causa, já que seu focoera saber �Por que eu passo por isso?� (referin-do-se à ansiedade e aos medos). No decorrerdo primeiro mês de atendimento, o objetivoda terapia foi o entendimento e a redução des-ses momentos de angústia, bem como a segu-rança de que ela estaria acompanhada por pro-fissionais que a percebiam como uma pessoaúnica, integral, e que durante o tratamentofariam uma parceria com ela. Essa abordagemfundamentou-se nos aportes da teoria constru-tivista, na flexibilidade que a mesma apresen-ta de podermos transitar por intervenções etécnicas de outras abordagens cognitivistas como objetivo maior de contemplar o self integral-mente. Em função do quadro físico e emocio-nal apresentado pela cliente, optei como eixocentral pela possibilidade de integração de duasvertentes técnicas: a resolução de problemas(terapia cognitiva) e o relaxamento progressi-vo (terapia cognitivo-comportamental), aportes

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técnicos que, a meu ver, são extremamentefacilitadores nas situações em que a ansiedadeestá presente (Beck, Scott e Williams, 1994;Datillo e Freeman, 1995). Paralelamente a es-sas estratégias técnicas, durante os demais en-contros o procedimento terapêutico foi estru-turado nos aportes das teorias de reconstru-ção narrativa, corrente de consciência e teoriado apego, como já mencionado.

No decorrer de sua trajetória terapêuti-ca, a história de Nice foi sendo desvelada aospoucos e, em alguns momentos, de forma bas-tante sofrida. Descendente de uma família deimigrantes, ela fora criada com muitos dogmasa serem seguidos, pois a família tinha concei-tos bastante rígidos em relação à educação eao comportamento social. Quando criança,Nice era considerada muito agitada, estavasempre inventando brincadeiras, algumas de-las bastante arriscadas na opinião de sua famí-lia (subia em árvore, fazia malabarismos decirco, contava histórias de fantasmas, dançavae cantava muito, etc.).

Até os oito anos, tinha o apelido de Saci,porque, segundo ela, era �Um agito só dentrode casa, estava sempre rindo alto e inventan-do novidades�. Durante o processo terapêuti-co, Nice lembrou-se de ter apanhado algumasvezes, porém relatou que isso não lhe preocu-pava; o que realmente a deixava assustada eraquando seus pais a silenciavam, havendo si-tuações nas quais ficaram semanas sem falarcom ela. Nesses períodos, experienciava mui-tos medos e fazia promessas do tipo �Nuncamais eu vou gritar�, �Vou parar de ficar saltan-do de um lado para outro�. Os anos passarame realmente Nice não gritou mais � de umacerta maneira aprendeu a �engolir� sua agita-ção, sua alegria e sua descontração, começan-do a explodir internamente. E foi assim queela chegou à terapia, fechada, com medos ecom freqüentes momentos de ansiedade e des-conforto. Foi através do contato com vozes,sons, ruídos e do conhecimento progressivo dassensações de seu corpo que Nice recontou suahistória e pôde, finalmente, escolher entre pa-rar de gritar internamente e começar a con-versar em alto e bom tom consigo mesma ecom o mundo.

Na última consulta, Nice entregou-meuma fita com várias músicas gravadas e disseque havia feito uma para seu ex-cardiologistae outra para ela também, cada uma com músi-cas que diziam muito a seu respeito e como asvivenciou em seu convívio conosco. Ouvimosjuntas a fita durante a consulta, e pergunteiqual nome ela daria a essa fita. Nice sorriu altoe disse: �Estilo Nice em alta voz! Poderia serdiferente?�. Com certeza, respondi, não pode-ria ser outro nome.

Finalizando este capítulo, gostaria de en-fatizar que toda a iniciativa de estudos, pes-quisas e reflexões sobre o processo psicoterá-pico seguramente fortalecerá o contexto cien-tífico das psicoterapias cognitivas se estiveralicerçada em quatro pilares: o conhecimentoepistemológico, a reflexão crítica, o intercâm-bio de idéias e a flexibilidade de opiniões.

NOTAS

1. Considerando a necessidade de uma nomen-clatura mais específica em relação aos aspec-tos: ontologia / epistemologia / teoria / con-texto histórico-social / díade terapeuta-clien-te/ técnicas, está sendo introduzida pela pri-meira vez no meio científico dos estudos empsicoterapia a expressão rede interativa de sig-nificados particulares. Cabe salientar que a te-mática em si já é bastante discutida entre osestudiosos das ciências humanas, bem comoentre pesquisadores e terapeutas construtivis-tas (Mahoney, 1997; Fernandez-Alvarez et al.,1997; Guidano, 1991), porém não havia até omomento um vócabulo específico para a mes-ma. Sendo assim, o objetivo da presente no-menclatura é facilitar o intercâmbio entreprofissioanis da área em situações em que essetópico esteja sendo abordado.

2. Utilizou-se aqui um nome fictício a fim de pro-teger a identidade da cliente, a qual autorizoua descrição de sua história com o objetivo deampliar os estudos em psicoterapias cognitivas.

3. Nomenclatura utilizada pela autora para indi-car os exercícios extraconsulta, também deno-minados na terapia cognitiva de modelo Beckde tarefas de casa.

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PARTE IIIA Terapia Cognitiva

dos Transtornos Psiquiátricos

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Fobia SocialMariangela Gentil Savoia

se exige do homem um certo arrojamento, aopasso que uma mulher tímida e recatada é maisbem-aceita; talvez isso explique a maior pro-cura de homens para tratamento.

Problemas com álcool são citados em al-guns estudos que abordam a fobia social. Namaioria deles, o início dos sintomas fóbicosprecedeu o início dos problemas com álcool(Mullaney e Trippett, 1979; Schneier et al.,1992; Amies et al., 1983; Lotufo-Neto e Gen-til, 1994). É compreensível o abuso de álcoolnos fóbicos sociais pelo fato de causar desini-bição.

FATORES PREDISPONENTES

A fobia social pode desenvolver-se comoconseqüência de uma ou mais experiências decondicionamento traumático (Barlow, 1988;Öst e Hugdahl, 1981; Hudson e Rapee, 2000).A aprendizagem por modelação é uma daspossibilidades de aquisição de fobia social(Caballo, 1995). Os pais de sujeitos com essetipo de transtorno costumavam evitar situaçõessociais, o que os tornava modelo em situaçõessociais futuras. A relação entre os temores dospais e dos filhos também pode ser resultantede processos de informação, influências gené-ticas ou experiências traumáticas semelhantes.O encorajamento dos pais na sociabilidade dosfilhos gera oportunidades para a aquisição dehabilidades sociais.

Na abordagem cognitivo-comportamental,a fobia social pode ser caracterizada como umaresposta de ansiedade intensa a estímulos so-ciais percebidos como aversivos. Os estímulos �como, por exemplo, falar em público � eliciamansiedade social na maior parte das pessoasafetadas. A ansiedade social decorrente dessesestímulos passa a ser patológica devido à ocor-rência de comportamentos de fuga e esquiva,que impedem a pessoa de desempenhar seuspapéis sociais satisfatoriamente. Isso pode ocor-rer em uma grande variedade de situações decontato interpessoal ou de desempenho, oumesmo ambas, acarretando sofrimento exces-sivo ou interferindo de forma acentuada no dia-a-dia da pessoa. O medo que ela tem, na ver-dade, é de ser avaliada, de se comportar deum modo humilhante ou embaraçoso, persis-tindo sentimentos de incapacidade, desapro-vação e rejeição por parte dos outros.

Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA,1994) para a fobia social incluem os seguintesexemplos: ser incapaz de falar ao se apresen-tar em público, engasgar-se com o alimento aocomer na frente dos outros, ser incapaz de uri-nar em banheiro público, tremer as mãos aoescrever em presença dos outros e dizer coisastolas ou não ser capaz de responder a questõesem situações sociais.

Na maioria das vezes, o início do quadroocorre na puberdade. Na população em geral,a incidência maior é sobre as mulheres; napopulação clínica, sobre os homens. Ainda hoje

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102 Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols.

As crianças propensas à timidez são aque-las temperamentalmente medrosas e inibidasem novas situações, cujos pais fortalecem es-sas reações pelo modo como educam os filhos.Esses pais são percebidos como não-disponí-veis e não-responsáveis, o que gera sentimen-tos de insegurança. Tais sentimentos generali-zam-se para outros relacionamentos e podemproduzir crença complementar de baixa auto-confiança e de incompetência (Falcone, 2000).

A socialização dos papéis sexuais tambémpode estar associada à timidez. É mais apro-priado para as garotas do que para os garotosserem vistas como tímidas. Os pais são maispropensos a advertir seus filhos do que suasfilhas por comportamento tímido e inibido(Bacon e Ashmore, 1985). Crianças e adoles-centes tímidos parecem estar mais propensosa experimentar relações negativas com seuscolegas, possivelmente porque a inibição e oretraimento da criança tímida é percebido pelogrupo de colegas como desviante do compor-tamento social apropriado à idade, sendo res-pondido com negligência, rejeição ou maus-tratos (Hudson e Rapee, 2000).

A compreensão dos aspectos que contri-buem para o desenvolvimento da fobia socialpode ser o primeiro passo para possíveis inter-venções preventivas. Destacamos neste tópicoos aspectos que dizem respeito à história de

vida e, a seguir, faremos referência aos aspec-tos de personalidade.

FATORES DE PERSONALIDADE

Uma questão freqüentemente abordadaé a que diz respeito a fatores de personalida-de: existem traços de personalidade que pre-dispõem à fobia social? Para responder a essapergunta, desenvolveu-se um estudo para ava-liar os traços de temperamento e caráter depacientes fóbicos sociais por meio do Inventá-rio de Temperamento e Caráter, desenvolvidopor Cloninger e colaboradores (1993)1 e vali-dado para o português por Fuentes e colabo-radores (2000). Verificou-se que esses pacien-tes apresentaram diferenças significativas com-parados com a população geral em todos ositens. Os itens que ficaram acima da média fo-ram esquiva ao dano (ED), dependência de gra-tificação (DG), persistência (PE); os itens queficaram abaixo da média foram autodire-cionamento (AD), busca de novidades (BN),cooperatividade (C) e autotranscendência (AT).Esses dados demonstram que as característi-cas de personalidade do fóbico social estãointrinsicamente relacionadas ao medo da ava-liação negativa, uma das cognições mais im-portantes desses pacientes. Resta saber se, ao

Tabela 7.1 Médias e desvio-padrão Cloninger

Item BN ED DG PE AD C AT

Média 19,2 12,6 15,5 5,6 30,7 32,3 19,2

Desvio-padrão 6,0 6,8 4,4 1,9 7,5 7,2 6,3

Tabela 7.2 Inventário de temperamento e caráter dos pacientes fóbicos sociais

Item BN ED DG PE AD C AT

Média 15,15 24,52 23,98 7,35 24,41 28,79 13,10

Desvio-padrão 4,47 5,27 9,19 2,47 9,38 6,44 5,90

Teste T 4,555 - 11,740 - 8,641 - 5,296 4,897 3,163 6,210

P= 0,000

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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista 103

mudar tal cognição, eles modificariam seu com-portamento e, conseqüentemente, seus fatoresde personalidade (Savoia et al., 2000).

Outra questão relacionada à personalida-de diz respeito aos transtornos de personali-dade. Há sobreposição de critérios entre eles ea fobia social, principalmente quanto ao trans-torno evitativo e de dependência (Barros Neto,1996; Savoia et al., 2000). A nosso ver, issodemonstra que os critérios diagnósticos devemser utilizados como referência, e não comodescrições comportamentais. Ao propormosuma intervenção, é imprescindível que reali-zemos uma análise funcional cuidadosa, ten-do em vista que a compreensão dos aspectosque mantêm esses transtornos possibilita me-lhores formas de intervenção terapêutica.

TERAPIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA

A terapia focaliza a extinção da respostade ansiedade nas situações sociais, promovendoa possibilidade de enfrentamento e a mudançada avaliação cognitiva da situação social.

Diversas técnicas comportamentais e cog-nitivas foram propostas e divulgadas como efi-cazes para o tratamento da fobia social, entreelas: a terapia baseada em exposição ao vivo,a terapia de base cognitiva, o treinamento dehabilidades sociais e a terapia comportamen-tal cognitiva em grupo. Das técnicas propos-tas, a exposição ao vivo às situações temidas éa técnica reconhecida como central e eficaz naredução das reações de ansiedade fóbica(Barlow, 1988).

Em nosso meio, Rangé (1984) sugere umtratamento combinado de exposição ao vivo,treino de habilidades sociais e reestruturaçãocognitiva. O treino de habilidades sociais capa-cita o indivíduo com repertórios comportamen-tais adequados para lidar com as diversas situa-ções sociais, o que auxilia na redução da ansie-dade antecipatória. A reestruturação cognitiva,por sua vez, envolve uma análise das interpre-tações catastróficas, da crenças subjacentes e dosexperimentos de teste de realidade.

Stravynsky e colaboradores (1982) com-pararam o treino de habilidades sociais com areestruturação cognitiva, porém não encontra-

ram evidências de contribuição positiva de rees-truturação cognitiva. Butler e colaboradores(1985) compararam a exposição ao vivo com aexposição mais manejo de ansiedade. Ambos osgrupos mostraram diferenças significativasquando comparados com um grupo-controle.Em nosso meio, Emmelkamp e colaboradores(1985) compararam exposição ao vivo, terapiaracional emotiva e treino auto-instrucional. Ogrupo de terapia racional emotiva teve resulta-dos melhores do que o grupo de treino auto-instrucional; já os resultados do grupo de expo-sição foram melhores do que os dos outros doisgrupos combinados. Heimberg e colaboradores(1998) compararam os efeitos de uma interven-ção cognitivo-comportamental com um grupoplacebo. O tratamento placebo consistia emapresentações didáticas sobre vários aspectos deansiedade e discussões grupais sobre situaçõesdifíceis. O grupo de terapia cognitivo-compor-tamental mostrou resultados significativamen-te superiores no pós-tratamento.

Um caso atendido por nós será utilizadocom exemplo das propostas terapêuticas apre-sentadas no decorrer deste capítulo. M., sexomasculino, 33 anos, analista de sistemas, rela-tou como queixa ser tímido, reservado, prefe-rindo trabalhar com máquinas a trabalhar compessoas. Apresentava sintomas de ansiedadesocial como ficar vermelho, sentir palpitação,e ficar branco na hora de falar com as pessoas.

M. é o filho mais velho de uma família dequatro irmãos e tem problemas de relaciona-mento com os pais. O pai abandonou a sua mãequando ele tinha 18 anos. Passou a se sentirresponsável pela família e resolveu assumi-la.Cerca de dois anos depois, o pai retornou e M.sentiu-se sem função na família e excluído.Manifestações de carinho e apreço não eramcomuns em casa durante a sua infância e ado-lescência.

O paciente apresentava um déficit de ha-bilidades sociais e vivia assoberbado de traba-lho por não ter coragem de dizer não ao chefe.Apresentava dificuldades de manter um rela-cionamento amoroso com as mulheres e a fre-qüência média de seus relacionamentos sexuaisera de duas vezes ao mês; tinha pouco amigos,saía com um grupo do trabalho para uma happyhour uma vez por semana. Visitava os pais, que

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moravam na praia, no final de semana e dor-mia o tempo todo.

Exposição ao vivo

Diversos estudos examinaram a eficáciada exposição, em sua forma pura, no tratamen-to da fobia social (Al-Kubaisy et al., 1992;Alstrom et al., 1984; Turner et al., 1994; Wlasloet al., 1990). Esses estudos envolvem algumastécnicas em comum: inicialmente, elabora-seuma lista de situações eliciadoras de ansieda-de fóbica em colaboração com o terapeuta e opaciente e, em seguida, faz-se uma hierarqui-zação dessa lista. O paciente faz uma confron-tação progressiva, sistemática e prolongada dassituações temidas, trabalhando da situação queelicia menor ansiedade para a mais ansiogê-nica. Essa exposição deve provocar sintomasde ansiedade e necessita do engajamento dopaciente. Espera-se que, ao longo do tratamen-to, ocorra uma habituação e o paciente nãotenha respostas de ansiedade frente a essesestímulos sociais e, conseqüentemente, as res-

postas de fuga e/ou esquiva a essas situaçõestambém se extingam.

Como exemplo, podemos citar a hierar-quia, o medo de falar com pessoas, desenvol-vida com M.:

1. pedir informações (sobre a localiza-ção de uma rua, sobre as horas, etc.);

2. pedir favores;3. falar em reuniões de trabalho;4. falar com pessoas estranhas em lu-

gares públicos (por exemplo, na filade um banco);

5. falar em reuniões sociais (com pou-cas pessoas);

6. falar em público.

Uma das formas de avaliar se a exposiçãoestá realmente interferindo no comportamentodo paciente é através da automonitoração. Eleregistra as situações em que se expôs e qual foio seu nível de ansiedade medido pelo SubjectiveDisconfort Schedule (SUDS). No exemplo aci-ma, com relação ao primeiro item (pedir favo-res), tivemos o seguinte registro:

Hora /Local Descrição da situação Nível de ansiedade

Última consulta Perguntei à secretária como 2estavam as nossas contas.

Hora do almoço no dia seguinte Perguntei ao garçom como era 4determinado prato.

Dia 11 Perguntei ao agente de viagens se 2as reservas estavam certas.

Dia 14 (14h no aeroporto de Natal) Perguntei ao motorista de ônibus se 0ele ia para o meu hotel.

Dia 14 (16h no hotel) Perguntei ao recepcionista se 3havia algum ponto turísticonas proximidades.

Dia 14 (18h no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 2uma locadora nas proximidades.

Dia 14 (23h30min no posto Perguntei ao frentista como poderia 1de gasolina) chegar ao aeroporto.

Dia 14 (23h45min no Perguntei ao encarregado qual era 1estacionamento do aeroporto) o horário de fechamento.

Dia 15 (1h30min no hotel) Perguntei ao recepcionista se havia 1algum restaurante aberto.

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Por meio do registro, podemos verificarcom o paciente o nível de ansiedade causadopor determinada situação: no exercício de ex-posição, ela aumenta até um determinado ní-vel, mantendo-se em um platô, e, após um cer-to período de tempo, apresenta um declínio deintensidade. Em geral, na próxima exposição, opaciente iniciará em um nível inferior de ansie-dade em relação à primeira, e assim sucessiva-mente, como podemos observar na Figura 7.1.

A exposição é mais difícil de ser realizadaem pacientes com fobia social do que com ou-tros transtornos ansiosos, tendo sido descrita naliteratura com mais de uma década de atrasoem relação ao emprego da exposição paraagorafobia ou transtorno obsessivo-compulsivo.

2. pedir ajuda a um irmão na decora-ção do apartamento;

3. pedir ao chefe para marcar suas fé-rias;

4. pedir uma revista emprestada à se-cretária do consultório.

Desse modo, procura-se fazer com que opaciente comece a se expor com as pessoas comquem tem menor dificuldade e, gradualmen-te, avance em direção às pessoas com quemtem maior dificuldade. Quanto à duração res-trita de algumas situações, o problema podeser compensado através de um aumento na fre-qüência da exposição (por exemplo, fazer elo-gios várias vezes ao dia) da exposição de for-ma não-sistematizada, ou da realização (porexemplo, falar, cumprimentar, elogiar, partici-par de reuniões, etc.). Boa parte das dificulda-des relativa à exposição é minimizada, confor-me veremos adiante, quando o procedimentoé realizado em grupo. O simples fato de estarem meio a outras pessoas já funciona como umprocedimento de exposição.

A exposição pode ser feita de forma as-sistida. Por exemplo, M. apresentava dificul-dades de ir almoçar com os colegas de traba-lho, porque uma das colegas falava alto de-mais e chamava a atenção de todos no restau-rante, o que o fazia morrer de vergonha. En-tão, a terapeuta saiu com ele em duas ocasiõesnas quais foi testada essa dificuldade. Foram aum café, onde ele pediu um café com espumade leite e a terapeuta pediu um café puro. Aochegar o pedido, a terapeuta solicitou que fos-se colocada espuma no dela também, falandoem tom mais alto do que o usual. Todos escu-tavam a conversa dos dois, que versava sobreamenidades veiculadas na TV. Na saída, duranteo caminho, a terapeuta conversou com ofaxineiro de uma instituição que jogava umquadro no lixo. Pararam em um pub que esta-va para ser inaugurado e conversaram com oproprietário, que prontamente quis mostrar aeles o local. Na outra saída, a terapeuta derru-bou uma estante de revistas. Em nenhuma dassituações, eles foram punidos; ao contrário, noúltimo caso, o dono do café disse que ele tam-bém era um pouco desastrado. O paciente podeverificar que o seu medo era infundado, que

Figura 7.1 Curva de habituação.

A utilização da técnica de exposição emfobia social é mais complexa, uma vez que essetranstorno apresenta características que dificul-tam a utilização do procedimento. A impre-visibilidade de algumas situações sociais quan-to à sua ocorrência (por exemplo, festas) e acurta duração de outras (por exemplo, assinarem público) dificultam a habituação (Butler,1985), pois os pacientes muitas vezes não seesquivam das situações. Sabe-se que a exposi-ção eficaz deve ser feita com freqüência eleva-da e por tempo prolongado. Em parte, o pro-blema pode ser contornado com algumas adap-tações, construindo-se uma hierarquia com umtema comum. Foi solicitado a M., por exemplo,pedir favores (independentemente da situação):

1. pedir uma explicação a um colegade trabalho;

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acidentes acontecem, que solicitar a troca deum pedido, mesmo que estivesse de acordo como solicitado, não era o fim do mundo. M. veri-ficou também que a vergonha que sentiu eramenor do que a vergonha que, na verdade,imaginava sentir, segundo ele em um nível pró-ximo de 1. A partir de então, as tarefas deleeram almoçar com uma amiga espalhafatosa,o que, aliás, foi divertido. Foi solicitado a pro-curar mesas mais centrais do que as escondi-das no fundo do restaurante para ser foco deatenção. Como podemos perceber, em algunscasos o acompanhante terapêutico tem-se mos-trado útil na exposição assistida.

Treino de habilidades sociais

A habilidade social foi definida por Caballo(1993) como o conjunto de comportamentosmanifestados por uma pessoa em um contextointerpessoal que expressa sentimentos, atitu-des, desejos, opiniões ou direitos de um modoadequado à situação, com respeito aos demais.Geralmente, resolve os problemas imediatos dasituação, com probabilidade de minimizar pro-blemas futuros.

O treino de habilidades sociais tem sidoindicado para tratamento da fobia social por-que, em geral, os fóbicos sociais apresentamdéficits de habilidades sociais que dificultamas situações de exposição. Um repertório dehabilidades sociais pode não só facilitar a ex-posição, como também auxiliar na modifica-ção das crenças disfuncionais devido à redu-ção de ansiedade no contato interpessoal. Emuma investigação (Savoia et al., 2000), obser-vou-se que esse treino propiciou aos pacientesum repertório adequado para a exposição eaumentou a confiança deles para enfrentar assituações sociais. Segundo Turner et al. (1995),o treino de habilidades sociais consiste em ummodelo de contracondicionamento.

Malerbi e colaboradores (1999) utilizamcomo instrumento de medida de habilidadessociais a Escala Multidimensional de ExpressãoSocial (EMES-M), desenvolvida por Caballo(1993). Os itens avaliados nessa escala são: fa-lar em público, interagir com superiores, defen-der direitos, expressar sentimentos, aceitar e

fazer elogios, tomar iniciativa em relação ao sexooposto, etc. A média inicial da EMES-M dos pa-cientes estudados foi de 100,5. Após o treino dehabilidades, a média passou a 126,75.

Savoia e Barros Neto (2000) apresenta-ram uma revisão sobre o treino de habilidadessociais para fobia social. Os autores descrevemas classes de resposta que definem habilidadessociais: iniciar e manter uma conversação, fa-lar em público, fazer e aceitar elogios, pedirfavores, expressar sentimentos, defender ospróprios direitos, fazer e receber críticas, recu-sar pedidos, fazer acordos e expressar opini-ões pessoais.

Os componentes da habilidade social in-cluem a comunicação não-verbal e o compor-tamento verbal. Os padrões comportamentaisresultantes desses componentes são o assertivo(que se expressa), o não-assertivo (que evitaconfrontações) e o agressivo (que explode).

O procedimento de treino de habilidadessociais geralmente se inicia por uma avaliaçãominuciosa e detalhada da situação-problema,de forma que possa ser feita uma análise fun-cional. Nesse momento do processo terapêuti-co, descreve-se não só o problema de inabili-dade, mas também as situações em que ele seapresenta e as conseqüências que tem para opaciente. Um dos tópicos importantes a ser in-vestigado na análise funcional é a identifica-

Figura 7.2 Escores de habilidade social.

Escores: 1 � Caballo: 140,57.2 � Grupo fobia social (antes do treino de habilidadessociais): 100,5.3 � Grupo fobia social (após o treino de habilidadessociais): 126,75.

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ção dos pensamentos disfuncionais que podemestar influenciando e desencadeando o com-portamento socialmente inadequado do pacien-te. Os fóbicos sociais têm algumas cognições queos impedem de se engajar em comportamentossociais, por exemplo: preocupação exacerbadade que os outros percebam a sua ansiedade,preocupação com sua atividade autonômica,temor da avaliação negativa, sensação de serinferior ou menos capaz que os demais, aten-ção seletiva para aspectos negativos da situa-ção, fantasias negativas que produzem ansie-dade antecipada, conceitos rígidos sobre a con-duta social apropriada, sensibilidade excessivaà desaprovação e à crítica.

A partir da descrição do que o pacientenormalmente faz nas situações de inabilidadesocial, deve-se avaliar os possíveis comporta-mentos que ele possa ter na situação e tambémconsiderar as limitações impostas pela realida-de. Por exemplo, seria de pouco bom senso serassertivo em um assalto ou ao receber uma in-cumbência desagradável de um superior. Apóso levantamento das possíveis conseqüências acurto e longo prazo das diferentes possibilida-des de ação, decide-se por um determinado com-portamento e passa-se a treiná-lo.

Entre as estratégias para treino de habili-dades sociais, está o ensaio comportamental,que consiste na descrição da situação-proble-ma e na representação do que o paciente nor-malmente faz. Após a escolha da resposta ade-quada, que é dramatizada, pode-se fazer a in-versão de papéis entre terapeuta e paciente e arepresentação exagerada de papéis, terminan-do com o ensaio da resposta escolhida pelopaciente. Quando realizada em grupo, essa téc-nica é mais eficaz, porque os membros do gru-po participam da dramatização, propiciandovárias interpretações da mesma situação e apossibilidade de incluir diversos papéis queuma situação complexa pode oferecer. Porexemplo, quando alguém �fura� uma fila, tem-se a oportunidade de fazer uma fila e treinar ocomportamento adequado para essa situação.Da mesma forma, pode-se criar uma simula-ção de festa no grupo com a representação devárias situações ansiogênicas, como, por exem-plo, conversar, comer e beber, o que não seriapossível em uma terapia individual.

Uma das situações freqüentemente ensai-adas é a de iniciar e manter uma conversação.Os pacientes são orientados no sentido de for-necer informação gratuita e pessoal, em vezde demonstrar um comportamento retraídocom respostas curtas, vagas, que podem serinterpretadas pelo interlocutor como desinte-resse pela conversa.

Os comportamentos treinados em sessãodeverão ser trabalhados também fora dela. Al-gumas vezes, solicita-se ao paciente que façaregistros e observe o seu comportamento; emoutras, solicita-se que emita comportamentosque não fazem parte do seu repertório, comopedir uma informação em um balcão deshopping, por exemplo.

No caso de M., o treino de habilidadessociais envolveu fazer elogios, pedir informa-ções e fazer valer os seus direitos. Com relaçãoao comportamento amoroso, o treino incluiucomportamento não-verbal, treino de paquerae abordagem. Com relação aos pais, treino demanifestar afetividade, programações de lazere também fazer valer os seus direitos. Um dosaspectos da habilidade social que M. não sabiaexpressar era afetividade; por isso, foi solicita-do a dizer o que sentia e mesmo expressá-lofisicamente, como dar um abraço nos pais, nosamigos, nas pessoas em geral.

Reestruturação cognitiva

As cognições que geralmente ocorremcom os fóbicos sociais são: preocupação de queos outros percebam a sua ansiedade; preocu-pação com a atividade autonômica; temor daavaliação negativa; diálogo interno de autover-balizações negativas; atenção seletiva para ossinais socialmente ameaçadores; sensação deser inferior ou menos capaz que os demais; ten-dência a perceber críticas e desaprovações quenão estão realmente presentes; tendência arebaixar a eficácia do próprio comportamen-to; padrões excessivamente elevados para opróprio desempenho; atenção seletiva para osaspectos negativos da atuação; dificuldade emintegrar partes da informação sobre a própriaatuação; percepção de falta de controle sobreo próprio comportamento; memória seletiva da

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informação negativa sobre si mesmo e da pró-pria atuação; fracasso em prestar atenção àsinformações objetivas sobre a própria atuação;fantasias negativas que produzem ansiedadeantecipada; conceitos rígidos sobre a condutasocial apropriada; sensibilidade excessiva à de-saprovação e à crítica; superestimação da pro-babilidade de ocorrência de eventos sociais de-sagradáveis.

A proposta da reestruturação cognitiva éidentificar, dentre as cognições citadas, aque-las que o paciente apresenta. Os pensamentosdisfuncionais ansiogênicos permitem ao tera-peuta identificar as crenças centrais, procedi-mento realizado por meio da automonitoraçãoe do questionamento socrático. Solicita-se aopaciente que faça um registro das situações,dos pensamentos e dos sentimentos para quese possa identificá-los como crenças centrais(perdedor, rejeitado, solitário, inferior, etc.) edistorções cognitivas (personalização, tudo ounada, catastrofização, etc.). A partir dessa iden-tificação, pode-se partir para os procedimen-tos terapêuticos.

Trabalhou-se com M. a técnica de análiseda lógica inadequada para que algumas cogni-ções viessem a ser modificadas. Por exemplo,o cliente relatava não ser capaz de fazer umapalestra em sua empresa, pois os diretores es-tariam presentes e ele temia que o avaliassemcomo incompetente. Levantou-se quais os ar-gumentos lógicos para que tivesse esse pensa-mento através de experiências passadas simi-lares e pôde-se verificar que foi capaz de apre-sentar seminários na faculdade e até mesmoapresentar relatórios em reuniões da empresa,situações nas quais teve um bom desempenho.A partir desse trabalho, o paciente � que rela-tava 90% de certeza de que não seria bem-su-cedido � modificou essa medida para 50%, di-minuindo em muito a sua ansiedade, o que lhepossibilitou enfrentar a situação mais tranqüi-lo e, portanto, obter reforçamentos por seudesempenho. Aliado a esse procedimento, foielaborado um cartão de enfrentamento, no qualas qualidades que apresentou nos semináriose nas reuniões anteriores foram anotadas eguardadas em sua carteira para que pudesselê-lo antes da reunião.

Em um outro momento do processo psico-terápico, trabalhou-se com o chamado teste derealidade. Muitas vezes, M. superestimava aprobabilidade de ocorrência de eventos sociaisdesagradáveis, como em uma festa. Conseqüen-temente, esquivava-se de todas para as quaisera convidado. Solicitou-se a que ele enfren-tasse uma situação e observasse o que realmen-te acontecia. Um amigo convidou-o para ir auma danceteria (iriam os dois, a namorada doamigo e uma amiga que ela apresentaria M.).Habitualmente, ele recusaria esse tipo de con-vite, mas constituía-se como situação ideal doque vínhamos trabalhando. Além disso, M. es-tava freqüentando aulas de dança de salão, poisimaginava que saber dançar era um requisitoimportante para relacionar-se com o sexo opos-to. Então, aceitou o convite; ficou ansioso, éverdade, porém foi menos ansiogênico do queimaginava.

Em alguns outros momentos, precisamosmodificar as idéias de ansiedade dos nossos pa-cientes. M. acreditava que conversar tem porobjetivo uma razão de troca, deve ter conteú-do, �não pode ser papo furado�. Com isso, nãoaumentava o seu círculo de amizades e nãoconhecia pessoas novas. Quando tinha de ini-ciar ou manter uma conversação, sua ansieda-de era exacerbada, pois tinha que falar assun-tos consistentes e profundos. Verificou-se comele o quanto essas idéias eram irracionais echegou-se às seguintes constatações:

1. falar sobre amenidades com os ami-gos é algo natural (como em umahappy hour);

2. perder a chance de conhecer outraspessoas é uma conseqüência dessaidéia infundada;

3. coisas �não-práticas� também fazemparte da vida;

4. aceitar o fato de que jogar conversafora traz descontração.

Outros pensamentos automáticos que eleapresentava eram: �Eu não posso fazer nadaerrado; se o fizer, será uma catástrofe�, �Todosestão me observando e me julgando�. Segun-

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do M., a sensação que tinha era: �O mundo éum tribunal�.

Terapia em grupo

A principal vantagem da terapia em gru-po em relação à terapia individual para o fóbicosocial é que o grupo funciona como uma situa-ção social vivida pelo paciente e observada peloterapeuta. A terapia em grupo facilita o traba-lho de exposição, já que as tarefas podem serensaiadas no grupo, com os membros desem-penhando um papel ou servindo de audiência.As situações temidas e evitadas são recriadasno grupo de forma a sedimentar as cogniçõesrecém-adquiridas na própria sessão, além desubmeter o indivíduo a exercícios de exposi-ção a situações sociais temidas. O grupo é apon-tado como o melhor método de integrar as par-celas cognitiva e comportamental nesse tipode terapia (Heimberg et al., 1998).

De acordo com a revisão de Falcone(1995), entre as vantagens do tratamento dafobia social em grupo foram descritas: maiorvariedade de ensaio comportamental com umnúmero maior de pessoas; generalização maisrápida dos ganhos terapêuticos; maior quanti-dade de feedback efetivo dos desempenhos (re-forço social); maior experiência com um nú-mero maior de situações-problema e mais su-porte para solucioná-las; maior disponibilida-de de modelos múltiplos; intensificação daaprendizagem de discriminação e maior gene-ralização de novos comportamentos de enfren-tamento para uma faixa mais ampla de situa-ções.

Além das vantagens do grupo como re-curso terapêutico, Heimberg (1993) aponta queo grupo também é uma boa maneira de oterapeuta monitorar se o paciente está assimi-lando o tratamento adequadamente. Assim, émuito mais difícil para o terapeuta perceber seo paciente em terapia individual aprendeu ade-quadamente a aplicar suas tarefas cognitivasem situações de vida real, já que o terapeutanão poderá acompanhar a prática comporta-mental. No grupo, essa possibilidade é concre-tizada: o terapeuta pode colocar-se no papel

de espectador, enquanto os pacientes ensaiamas situações sociais ansiogênicas e põem emprática os novos comportamentos sociais apren-didos. Na literatura, há descrições de recursosterapêuticos no manejo da fobia social que sósão possíveis nas terapias em grupo. Albano ecolaboradores (1995) citam um exemplo emque os terapeutas estabeleciam pausas ao lon-go da sessão. Durante essas pausas, aspectosdo tratamento eram revistos informalmente,através de exercícios de �miniexposição� quetinham como alvo déficits sociais específicosde cada membro do grupo; esses exercícioseram compartilhados com o grupo inteiro.

Assim, na presença do terapeuta, o paci-ente pode, durante o ensaio, refutar cogniçõesproblemáticas, perceber a relevância dessascognições em relação à ansiedade e à esquiva(já que elas virão à tona no momento do en-saio, em uma situação �controlada�, mas queserve de treino para a vida real) e enfatizar oimpacto da mudança dessas cognições ou atémesmo a sua extinção para possibilitar respos-tas comportamentais mais adaptativas.

O fato de o grupo ser uma forma de ex-posição contínua a uma situação social (o pró-prio grupo), de facilitar a execução de situa-ções práticas propostas e de possibilitar ao te-rapeuta a supervisão em �tempo real� é enfa-tizado por Dyck (1996). Segundo esse autor,tais situações presenciadas pelo terapeuta têmvalor maior do que aquelas desempenhadaspelo paciente fora das sessões e apenas relata-das ao terapeuta, no caso da terapia individual.Enfim, essa modalidade apresenta uma rela-ção custo-benefício maior que a modalidadeindividual.

Além disso, sempre há a possibilidade dese criar situações através do ensaio comporta-mental (por exemplo, fazer um discurso parao grupo ou realizar uma festa). Quando esseensaio é feito em grupo, é facilitado pela pos-sibilidade de serem representados vários pa-péis em uma mesma situação, tornando-a maispróximo do real.

Embora esse formato de terapia seja omais indicado, dificilmente, no consultório,temos a oportunidade de formar grupos defóbicos sociais, o que é mais fácil em institui-

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ções pelo número de pessoas que nos procu-ram. A partir de todas essas considerações, po-demos concluir que as técnicas podem ser apli-cadas isoladamente ou em conjunto, dependen-do da análise detalhada das dificuldades apre-sentadas por cada paciente; portanto, é impres-cindível que a análise funcional preceda qual-quer intervenção. A automonitoria e as tarefasde casa também são importantes nesse mode-lo terapêutico, o que implica o engajamentodo paciente em seu tratamento.

NOTA

1. O autor apresenta um modelo psicobiológicode temperamento e caráter ao descrever setedimensões de personalidade independentesumas das outras: quatro dimensões de tempe-ramento que envolvem respostas automáticasa estímulos perceptivos (busca de novidades,esquiva ao dano, dependência de gratificaçãoe persistência) e três dimensões de caráter ba-seadas em conceitos, experiências conscientesrepresentadas sob a forma de palavras, ima-gens e relações funcionais (autodireciona-mento, cooperatividade e autotranscendência).

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Transtornos AlimentaresDaniel Boleira Sieiro Guimarães

etc.), motivados por uma preocupação exces-siva com a imagem corporal (APA, 1994).

Sua evolução é crônica e muitas vezesincapacitante, atingindo uma parcela restrita,porém importante, da população: adolescen-tes e mulheres jovens em idade produtiva, sen-do o transtorno alimentar mais comum. Osprejuízos a curto, médio e longo prazo do pon-to de vista físico, nutricional e psicosocial cau-sados por esse transtorno têm sido amplamen-te documentados pela literatura desde a des-crição original de Russell (1979).

Entre as alternativas mais eficazes de tra-tamento, destacam-se as psicoterapias. As lite-raturas norte-americana e européia têm avalia-do principalmente programas de terapia cog-nitivo-comportamental (TCC), bastante viáveisem termos de realização e eficácia (Guimarãeset al., 1998). As abordagens cognitivo-compor-tamentais para bulimia nervosa são explicadasàs pacientes explicitamente, assim como a ra-zão para os procedimentos do tratamento; oobjetivo não é apenas mudar comportamentosalimentares da paciente, mas também modifi-car suas atitudes diante da imagem corporal e,quando relevante, muitas outras distorçõescognitivas fundamentais.

O modelo de tratamento baseia-se na teo-ria desenvolvida por Beck e colaboradores(1982) para tratamento da depressão, adapta-da para o tratamento dos transtornos alimen-tares por autores como Fairburn (1985), comas seguintes características: uso de técnicas

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os distúrbios alimentares, tais como des-critos na CID-10 (OMS, 1993), compreendema bulimia nervosa, a anorexia nervosa e ostranstornos alimentares �atípicos�, isto é, quenão estão incluídos nas duas categorias acima.Os manuais tradicionais sobre esse tema sem-pre enfocam uma descrição clínica, argumen-tos teóricos a respeito do modelo cognitivo,dados sobre sua eficácia no tratamento de qua-dros de bulimia nervosa e discussão sobre umprograma específico que determinado autorutiliza em seu trabalho.

Neste capítulo, mantendo um espírito clí-nico, procurarei abordar os tópicos acima, co-mentando não só a compreensão e os métodosde tratamento, mas também os limites e as di-ficuldades práticas envolvidas.

A BULIMIA NERVOSA E O MODELOCOGNITIVO-COMPORTAMENTAL

A bulimia nervosa é um transtorno psi-quiátrico caracterizado pelo rápido consumode grande quantidade de alimentos em um pe-ríodo limitado de tempo de forma descontro-lada (binge-eating), associado a comportamen-tos direcionados ao controle de peso e com-pensatórios aos episódios (como vômitos auto-induzidos, abuso de laxativos, diuréticos e mo-deradores de apetite, exercícios excessivos,

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como reestruturação cognitiva, automonito-ração de pensamentos relevantes e de compor-tamento; psicoeducação; uso de medidas deautocontrole para estabelecer um padrão re-gular de alimentação; educação alimentar;medidas para eliminar dietas; uso de técnicasde prevenção de recaídas; treinamento em re-solução de problemas e exposição com preven-ção de resposta. Além disso, é um processo ati-vo, com responsabilidades compartilhadas como paciente para a mudança desejada, em que oterapeuta provê informação, auxílio, suporte eencorajamento.

Três estágios são definidos nos programasambulatoriais: no primeiro, a visão cognitivada bulimia nervosa é sublinhada, e técnicascomportamentais são usadas para o pacienterecuperar o controle sobre a alimentação. Nosegundo, enfatiza-se o exame e a modificaçãode pensamentos e atitudes problemáticos. Noterceiro, os procedimentos comportamentaissão usados para evitar qualquer tendência paradietas e modificar preocupações com a ima-gem corporal. Finalmente, o foco é a manu-tenção da mudança.

Existem características psicopatológicasfundamentais que devem ser levadas em con-sideração para o tratamento da bulimia nervo-sa. A principal delas é a presença de idéiassobrevalorizadas concernentes à forma e aopeso corporal. Segundo o modelo cognitivo-comportamental, essas idéias são cogniçõesdistorcidas, presentes de maneira estereotipa-da e automática, que provocam comportamen-tos alimentares igualmente distorcidos, comoa adoção de regras dietéticas rígidas e inflexí-veis, baseadas na realização de jejuns, vômitosautoprovocados, abuso de laxantes, diuréticose moderadores de apetite. Ao ocorrerem trans-gressões desses hábitos alimentares, comoacontece durante os binges, com a ingestão exa-gerada e rápida de alimentos altamentecalóricos, as pacientes agem como se tivesseocorrido um abandono completo do controlealimentar, o que aumenta os sentimentos deimpotência e sofrimento.

Fatores fisiológicos também facilitam aocorrência de binges, principalmente os jejuns

prolongados feitos pelas pacientes e as perdasde eletrólitos, água e nutrientes causadas pe-los comportamentos purgativos. Por isso, umdos objetivos do tratamento é a mudança doshábitos alimentares, a fim de reverter os pre-juízos nutricionais e físicos causados às pacien-tes. Um outro ponto fundamental é a modifi-cação das idéias sobre imagem corporal, asquais determinam a perpetuação desses com-portamentos, o que se consegue apenas pelamodificação e pela correção das distorções cog-nitivas de tais pacientes (ver Quadro 8.1). Ou-tros sintomas, como humor depressivo e ansi-edade, ocorrem de forma secundária ou asso-ciada ao quadro clínico, acarretando a presen-ça de baixa auto-estima, isolamento social, al-teração da concentração, intensas dificuldadesde relacionamento familiar e interpessoal.

Esses fatores ambientais tornam-se osprincipais gatilhos ambientais para que a pa-ciente apresente binges. Eles despertam senti-mentos de culpa, vergonha e insatisfação naspacientes que se vêem ainda mais ameaçadaspela possibilidade de ganhar peso, adotandoos comportamentos purgativos, como modo decompensar os excessos e controlar seu peso.Porém, tal atitude somente agrava o quadroclínico e os sentimentos de fracasso e baixaauto-estima, levando a um novo ciclo de die-tas, binges e técnicas de purgação (Fairburn etal., 1989; Cordás et al., 1998a).

A Figura 8.1 apresenta, esquematicamen-te, o modelo cíclico de manutenção dos sinto-mas de bulimia nervosa, que é a base das con-dutas e técnicas aplicadas. É importante res-saltar que esse modelo foi proposto em um dosprimeiros manuais de tratamento cognitivo-comportamental para transtornos alimentares(Garner e Garfinkel, 1985), como explicaçãoda manutenção do quadro clínico dos sinto-mas da bulimia nervosa, e não como modeloetiológico. Os estudos clínicos atuais, alicerça-dos em pesquisas retrospectivas a respeito daetiologia e da evolução do quadro clínico, apon-tam a prática de dietas como sintoma inicialdo transtorno, embora não esteja estabelecidose por fatores socioculturais, como o �culto àmagreza�, por fatores psicodinâmicos e famili-

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ares, ou até mesmo por fatores genético-bioló-gicos. Os principais autores na área defendemuma etiologia multifatorial decorrente de ques-tões socioculturais, pessoais e biológicas comopredisponentes ao surgimento do transtorno(Cordás et al., 1998b).

Em geral, todos os programas que utili-zam a TCC incluem um diário de automoni-torização do comportamento, o qual servecomo parâmetro para a freqüência dos com-

portamentos alterados e como índice de evo-lução. A automonitorização apresenta a van-tagem de ser um procedimento terapêutico emsi mesmo (Agras et al., 1989), o que pode serconsiderado uma desvantagem em termos de�pureza� metodológica, na medida em que ogrupo placebo utiliza um procedimento consi-derado ativo. Um modelo de diário alimentare instruções para sua utilização são apresenta-dos no Quadro 8.1:

Figura 8.1 Modelo cognitivo de manutenção de sintomas de bulimia nervosa (adaptada de Fairburn (1985).

Quadro 8.1 Instruções para monitoração utilizando diário alimentar

� O propósito da monitoração é permitir um quadro detalhado de seus hábitos alimentares, sendo fundamentalao tratamento. Em um primeiro momento, escrever tudo o que você comeu pode ser inconveniente e irritante,mas logo se tornará automático e de grande valor.

� Um exemplo de folha do diário alimentar é mostrada a seguir. Uma página separada para cada dia deve serusada, indicando dia da semana e data de início. Uma outra coluna deve indicar todas as comidas e líquidosconsumidos durante o dia, devendo ser anotado tão logo seja feita a refeição. Recordar o que você comeualgumas horas antes não é suficiente; por isso, você deve carregar sempre o seu diário de monitoração.Calorias não devem ser anotadas, e sim uma simples descrição do que você comeu. As refeições devem serassinaladas, sendo uma refeição todo �episódio isolado de alimentação que foi controlada, organizada ecomida de forma adequada�.

� Na primeira coluna, você pode especificar o local em que se alimentou e, se for em casa, em qual aposento.Deve apontar com asteriscos ou com um �sim� na coluna �B� (bulimia) se achou que a refeição foi excessiva,anotando tudo de que se alimentou durante binges. Anotar em outra coluna se houve episódios de vômitos, seestava com fome, se fez uso de laxantes, diuréticos ou anorexígenos. Também devem ser anotados pensamen-tos e sentimentos que você julga terem influenciado sua alimentação. Anote seu peso toda vez que for sepesar. Em todas as entrevistas, haverá uma cuidadosa revisão do seu diário. Não se esqueça de levá-lo àconsulta.

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Assim, a existência de diversos fatores queprovocam dificuldades ao longo do tratamen-to psicoterápico para pacientes bulímicas tor-na extremamente complexa a avaliação da efi-ciência clínica do tratamento. Parece ser razo-ável supor que o próprio terapeuta, se for ca-paz de identificar as dificuldades descritas ede lidar com elas, dentro das limitações do tra-tamento de que ele dispõe, será capaz de defi-nir qual é a efetividade do tratamento realiza-do para determinada paciente, no qual diver-sos fatores individuais provocarão diferentesreações no início, ao longo e no final do trata-mento. Wilson (1996), analisando o fato de quemuitos programas de TCC são baseados em ummanual padronizado, que determina técnicasempregadas, tempo e temas das sessões paratodos os pacientes, e de que outros tratamen-

tos são aplicados de uma maneira altamenteindividualizada, não verificou nenhum fatorque pudesse predizer qual paciente adapta-semelhor a cada um desses estilos de tratamen-to. Por isso, defende o estabelecimentoempírico de correlações entre tratamentos eperfis operacionalmente definidos das relaçõesproblemas/paciente a fim de que o melhor tra-tamento disponível para o paciente seja utili-zado, dentre as várias formas de aplicação daTCC.

Desde 1992, o Ambulatório de Bulimia eTranstornos Alimentares (AMBULIM) do Insti-tuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina da Universidade de SãoPaulo oferece tratamento multiprofissional egratuito, tanto em nível ambulatorial quantohospitalar, devido à crescente demanda de pa-

Exemplo de diário alimentar:

Data e horário O que comeu? Fome B V ou Lx O que pensou O que pensouda refeição (quantidade e tipo (0-10) (S/N) (S?N) e sentiu antes e sentiu depois

de alimento) do episódio? do episódio?

Quadro 8.2 Exemplos de distorções cognitivas na bulimia nervosa

� Abstração seletiva: basear uma conclusão em detalhes isolados, ignorando evidências importantes e contradi-tórias. Por exemplo: �O único jeito da minha vida estar sob controle é comendo�, �Sou especial se sou magra�.

� Generalização: extrair uma regra com base em um evento e aplicar a situações diferentes. Por exemplo:�Quando eu comia carboidratos, eu era gorda; então, devo evitá-los para não ficar obesa�.

� Magnificação: superestimação do significado de eventos indesejáveis, motivo pelo qual os estímulos obtémsignificados que não são reforçados pela análise objetiva. Por exemplo: �Ganhei quatro quilos, então nãoposso mais usar shorts�, �Não vou agüentar se alguém comentar que engordei�.

� Raciocínio dicotômico ou do tipo �tudo ou nada�: pensar em termos absolutos ou extremos, sem gradações,apenas certo ou errado. Por exemplo: �Se eu não tiver controle completo, perderei todo o controle�, �Se eunão dominar essa área da minha vida, perderei tudo�.

� Personalização e auto-referência: interpretações egocêntricas de eventos impessoais ou superestimação deeventos relacionados a si própria. Por exemplo: �Duas pessoas riam e conversavam, provavelmente me achan-do pouco atraente; também ganhei dois quilos...�, �Eu me embaraço quando me vêem comendo�.

� Pensamento mágico: acreditar em relação causa-efeito de eventos não-contingentes. Por exemplo: �Se eucomer doce, ele vai virar gordura no meu estômago�.

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cientes com transtornos alimentares em nossomeio (Cordás et al., 1993). O AMBULIM co-meçou a utilizar um modelo de atendimentoambulatorial para bulimia nervosa baseado emtécnicas cognitivo-comportamentais, com du-ração de 12 semanas, desenvolvido e validadopor Cordás (1995), além de abordagenspsicoterapêuticas de base psicanalítica, indivi-dual, grupal e familiar. A iniciativa pioneira doAMBULIM permitiu a elaboração do Progra-ma Ambulatorial de 12 Semanas, uma aborda-gem ambulatorial que utiliza técnicas de TCC,as quais podem ser associadas à farmacoterapiacom sucesso comprovado.

Essas características facilitam sua divul-gação e aplicação em outros serviços que con-tem no mínimo com atendimento médico, psi-cológico e nutricional. Tem duração limitada ebreve (três meses), é de fácil treinamento eexecução, podendo ser efetuado por terapeutasexperientes ou médicos residentes em psiquia-tria. Na pesquisa de Cordás (1995), o progra-ma demonstrou eficácia ao final e após um anodo tratamento. Inclui atendimento nutricional,técnicas de automonitoração (diário alimen-tar), informações, técnicas de reestruturaçãocognitiva e prevenção de resposta. Esse pro-grama necessita de cooperação e participaçãodo paciente nas tarefas de casa, podendo serfeito individualmente ou em grupo.

A prática clínica, quando utiliza-se depsicoterapias como a TCC, baseia-se na cons-trução de uma relação terapêutica entre o pa-ciente e o terapeuta, constituída de confiança,respeito mútuo e colaboração. Os tratamentosque utilizam as técnicas cognitivas tradicional-mente dão maior liberdade de ação ao tera-peuta, que funciona como catalisador e gran-de reforçador das mudanças na paciente � prin-cipais metas do tratamento. A paciente tam-bém adquire, com o tempo, uma autonomiacada vez maior para elaborar e aplicar taismudanças em situações de sua vida, desenvol-vendo novas formas de pensar e resolver seusproblemas, percebidas e postas em prática noprocesso de terapia. No caso da bulimia nervo-sa, observam-se transformações visíveis nomodo como a paciente encara a questão docomportamento alimentar, na sua relação com

a forma e o peso corporal e na educaçãonutricional.

No entanto, podem acontecer diversosproblemas ao longo do tratamento que, se nãoforem considerados, comprometem a sua efi-ciência na prática clínica cotidiana. Guimarãese Ades (1997) discutem essa questão, apon-tando no decurso do tratamento que utilizaTCC quais os problemas mais freqüentementeencontrados e passíveis de serem generaliza-dos para todos os modelos psicoterápicos detratamento em bulímicas. Os autores propõemuma distinção desses problemas de acordo como momento do tratamento em que ocorrem.No início do tratamento, é muito comum o não-engajamento de algumas pacientes que sãoincapazes de cumprir quaisquer preceitos bá-sicos da TCC, o que impede que um tratamen-to formal desse tipo possa sequer ser iniciado.Coker e colaboradores (1993) verificaram naspacientes que não se engajam no tratamento(non-engagers) uma história prévia de depen-dência química, episódios de auto-agressão,abuso de laxativos, maior tempo de duraçãoda doença e maiores escores na Escala Hamil-ton para Depressão, quando comparadas àspacientes que se engajam no tratamento, in-dependentemente do resultado deste. Umachado importante foi a freqüência 10 vezesmaior de transtorno de personalidade border-line nas pacientes non-engagers. Por isso, Wil-son (1996) cita alternativas mais baratas e sim-ples que podem ser tentadas antes de se inici-ar um programa psicoterápico formal para pa-cientes bulímicas, tais como: auto-ajuda ori-entada, mas não-supervisionada (unsupervisedguide-help), programas psicoeducacionais bre-ves em grupo e versões abreviadas de um pro-grama cognitivo-comportamental administra-do por leigos. A TCC, por exemplo, poderia serreservada para casos nos quais essas modali-dades fossem contra-indicadas ou fracassas-sem.

Uma vez iniciado o tratamento, a pacien-te pode apresentar uma resistência à terapia,também chamada de reactância ou não-ade-são. O terapeuta percebe esse problema atra-vés dos mais diversos comportamentos da pa-ciente, como atrasos, não-realização de tare-fas, adiamentos, solicitação de favores pessoais,

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sedução, recusa explícita em cooperar. A resis-tência pode ser fruto de reações do terapeuta:críticas a opiniões da paciente, formalismo,interrupções, hesitação, insegurança, não-pre-enchimento de expectativas, pressão por tare-fas não-cumpridas na TCC (Rangé, 1995). Aresistência também pode ocorrer por receio,tanto da paciente quanto da família, em aban-donar comportamentos e modos de pensar ha-bituais, ou por necessidade de interagir de for-ma diferente entre si e mudar suas atitudes.

Um outro problema importante que sur-ge no decorrer do tratamento é a desmotivaçãoda paciente. Sabe-se que os graus de motiva-ção para psicoterapia são variados e mudamconforme a etapa de tratamento, podendo va-riar de animosidade explícita até negativismo,resistência passiva, neutralidade ou pleno re-conhecimento das dificuldades (Guimarães eAdes, 1997). Rangé (1995) apresenta como va-riáveis importantes para a motivação na psico-terapia o grau de sofrimento e a crença no tra-tamento por parte da paciente; quando embaixos níveis, esses dois fatores podem provo-car desmotivação, resistência ao tratamento emaior possibilidade de abandono. O abando-no pode ser definido como o fato de uma pes-soa deliberadamente se retirar da terapia emalgum momento, seja explicitamente contra aposição do terapeuta, seja implicitamente pelocancelamento de sessões ou sua não-renova-ção. De modo geral, o paciente que abandonao tratamento ainda precisa deste, mesmo apósa última sessão à qual compareceu. Rangé(1995) aponta freqüências de 20 a 57% deabandonos, após a primeira sessão em atendi-mento psiquiátrico, e de 32 a 79%, após al-guns meses de psicoterapia de grupo, o queindica um número significativo de abandonosem todas as formas de práticas psiquiátricas epsicoterápicas. Os abandonos � ou drop-outs �também ocorrem ao ser aplicada a TCC em si-tuações de pesquisa, sendo raro alcançar 100%de conclusão do tratamento pelas pacientes.

O principal problema que ocorre, uma vezque a paciente tenha adesão e complete o tra-tamento, é a não-resposta. As pacientes �não-respondendoras� podem ser de três tipos: a)totalmente refratárias (sem nenhuma respos-ta ao tratamento); b) parcialmente responsivas

(persistem bulímicas, mas com menor grau desintomas) e c) subclínicas (não apresentam sin-tomas suficientes para caracterizar a bulimianervosa, porém persistem com problemas es-pecíficos). Pacientes que apresentam baixo pesoou peso em excesso, que apresentam baixaauto-estima e, principalmente, transtornos depersonalidade (mais comumente os do tipoborderline) têm sido definidas como de piorprognóstico, pois a TCC alcança piores resul-tados (Wilson, 1996). Famílias controladoras,superorganizadas e conflituosas são preditoresde menor redução na freqüência de binges ecognições distorcidas (Blouin et al., 1994). Asprincipais alternativas terapêuticas nesses ca-sos refratários à TCC são o uso associado ouem substituição de medicações como fluoxe-tina, as psicoterapias psicodinâmicas orienta-das para conflitos e dificuldades interpessoais(terapia interpessoal e psicanálise) ou mesmoa realização de um programa de TCC em regi-me hospitalar (Wilson, 1996; Guimarães eAdes, 1997).

Embora o papel da TCC no tratamentoda bulimia nervosa seja fundamental, são ne-cessários mais pesquisa e critérios de avalia-ção dos resultados de programas de atendimen-to para ampliar o alcance e a importância des-sa modalidade de tratamento.

A ANOREXIA NERVOSA E A ABORDAGEMCOGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Uma paciente com anorexia nervosa ca-racteriza-se por apresentar manutenção volun-tária de um peso abaixo de 85% do mínimoesperado para sua estatura e idade; portanto,em geral, apresenta-se em precário estado clí-nico e nutricional. Nosso caso ilustrativo é ode uma jovem, com idade em torno de 20 anose uma história crônica de prática de dietas(muitas vezes motivada por familiares e ami-gas). Realiza jejuns constantes quando se per-cebe �mais gorda que o habitual� ou quandoestá �inchada�, além de recusar deliberadamen-te a alimentação, esquivando-se inclusive docontato social, sobretudo nos horários de re-feição. No decorrer da história, percebe-se alémde sinais de desnutrição, uma ausência prolon-

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gada dos ciclos menstruais (amenorréia). Apaciente parece não se incomodar com tais in-dícios e, apesar do físico frágil, parece bastan-te ativa, chegando a fazer longas caminhadasou ginástica, sempre com a intenção de se sen-tir �leve�.

A partir desse caso típico, podemos pres-supor algumas características importantes paraa abordagem clínica. Trata-se de uma pacienteque mantém um comportamento alimentaranômalo (prática de dietas e jejum) com umprejuízo físico (perda de peso), mas cujo perfilnão corresponde ao de um indivíduo em sofri-mento. A paciente parece inclusive ter a cren-ça de que a manutenção de seus hábitos ali-mentares possa trazer-lhe algum benefício. Ummodelo de compreensão da manutenção daanorexia nervosa é esboçado na Figura 8.2.

Do ponto de vista do tratamento, é fun-damental que a paciente compreenda que seucomportamento cíclico mantém e pode agra-var os sintomas. O elemento-chave para lidarcom esse tipo de paciente é a sua percepçãodos reais danos envolvidos e a sua colabora-ção (e não por simples coação, como já se ten-tou nos moldes originais de tratamentos de re-cuperação) para se obter a meta principal: arestauração de um peso compatível com a nor-malidade e de hábitos alimentares mais sau-dáveis. De acordo com Kleifield e colaborado-res (1996), para se obter uma relação terapêu-tica, é necessário demonstrar respeito pela de-pendência do paciente a seus comportamen-tos, pelo desespero com o qual se apega a eles

e pelo medo de abandoná-los; recordar ao pa-ciente como a doença prejudicou-o; ajudar opaciente a adotar uma expectativa de que po-derá lidar de forma nova, segura e efetiva comsérios problemas vitais. Lidar com pacientesanoréxicos significa saber que, por conta darestrição dos seus conteúdos vivenciais e dasupervalorização da obtenção de um corpomagro, o terapeuta oscilará entre o papel deum apoio e colaborador (para a mudança) ouum grande obstáculo (para se manter magro).

Uma parte considerável dos pacientescomporta-se de um modo que dificulta ou im-possibilita a manutenção do tratamento emregime ambulatorial. Perda de peso, distúrbi-os metabólicos, sintomas depressivos, risco desuicídio e disfunção do ambiente familiar sãocausas freqüentes de internação hospitalar.Nesse sentido, existem locais com equipesmultiprofissionais capacitadas, que contamcom psiquiatras, psicoterapeutas individuais,grupais e familiares, nutricionista e pessoal deenfermagem. Porém, as pacientes também sãoproblemáticas nesse espaço: mesmo em umlocal onde exista vigilância contínua a fim deevitar a perda de peso que a paciente possaprovocar com seus comportamentos, haveráuma dificuldade para evitar que, por força deseus hábitos anteriores, ela resista a ser reali-mentada e retornar a um peso maior. Por mo-tivos fisiológicos, a realimentação não pode sermuito rápida, o que de certa foma pode seraproveitado para a paciente adaptar-se às mu-danças corporais e reinterpretá-las não como

Figura 8.2 Modelo cognitivo da manutenção da anorexia nervosa (adaptada de Kleifield et al. ,1996).

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uma engorda, mas como uma reabilitação comefeitos físicos, cognitivos e emocionais.

De modo geral, os pacientes anoréxicosbeneficiam-se de técnicas mais comportamen-tais no início do tratamento, como restrição douso dos comportamentos para redução de pesoou mesmo purgação, através de vômitos auto-induzidos e uso de laxantes e diuréticos. As re-feições devem ser monitoradas e o consumodeverá obedecer ao cardápio prescrito pelanutricionista. Caso o paciente alimente-se deforma inadequada ou bizarra (separação detipos de alimento, extrema lentidão ou simplesrecusa), um auxiliar ou familiar deverá estarpresente e servir como modelo, discutindo como paciente as suas dificuldades. O contato dopaciente com os alimentos e o aprendizadosobre o conteúdo e o valor nutricional deles éum fator que auxilia a derrubar algumasdistorções e preconceitos, como dividir os ali-mentos em �pesados� e �leves� e contar desne-cessariamente as calorias das refeições. Umanutricionista ou profissional de enfermagempodem ajudar o paciente no processo de pesa-gem para discutir seus temores e seus pensa-mentos logo após. Em um tratamento deinternação total ou parcial, o critério principalde alta é alcançar um peso dentro de um limi-ar saudável e ser capaz de manter esse pesoatravés das mudanças recém-aprendidas, comoa necessidade de rotinas e horários, a adequa-ção do conteúdo alimentar, o uso de técnicasde solução de problemas e a redução de es-tresse.

Na manutenção ambulatorial e no trata-mento com pacientes crônicos, as técnicas cog-nitivas ganham importância, pois ajudam aidentificar pensamentos problemáticos que de-sencadeiem uma preocupação com o peso oua imagem corporais, auxiliam no questiona-mento e no uso de recursos para lidar com essepensamento e, em seguida, apresentam umaalternativa a comportamentos adequados quenão inclua práticas de jejum e restrição de die-ta. A monitoração através do diário alimentaré uma tática importante para checagem dopadrão alimentar e seguimento no domicíliodas estratégias aprendidas.

Os dados de literatura sobre programasexclusivamente cognitivo-comportamentaispara anorexia nervosa são restritos e, por isso,esse modelo é um acessório em um programade recuperação de peso que, muitas vezes, ne-cessitará do espaço de internação parcial outotal.

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ANEXO I

PROGRAMA DE ATENDIMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARABULIMIA NERVOSA DO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES

(AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP

SEMANA 0 � A avaliação pelo médico, exame físico, exames complementares.O paciente recebe o guia de orientação (ANEXO II) e lhe é solicitado o preenchimento do diárioalimentar de avaliação semanal. O contrato terapêutico é realizado.

SEMANA 1 � Tema proposto para discussão: �O que é a doença e suas causas (teoria do �set point�), suascomplicações psicológicas e físicas�, incluindo a exibição de slides ilustrativos.Discussão do diário alimentar. Orientação para suspensão de laxantes, diuréticos e outros recursosdirecionados para evitar o ganho de peso.Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito o que entendeu a respeito de seuproblema e que sentido faz em sua vida o que foi dito.

SEMANA 2 � Discussão do diário alimentar.Discussão da tarefa proposta na semana anterior, retomando a discussão sobre o que é a doençae suas possíveis causas.Relembrados os tópicos do guia de orientação. (Anexo)

SEMANA 3 � Discussão do diário alimentar.Orientação sobre ansiedade, propondo a discussão sobre o que é, como a ansiedade pode estarligada ao seu comportamento alimentar e como é possível lidar com as sensações ansiosas. Treinode relaxamento.Tarefa solicitada para a próxima semana: �deverá trazer por escrito alternativas sobre o que fazerquando sentir-se ansioso ou irritado, em vez de comer�.

SEMANA 4 � Discussão do diário alimentar.Discussão da tarefa proposta para a semana anterior.Discussão de dois temas: �O corpo é tão elástico como se quer (os limites orgânicos, o corpoidealizado)� e as fantasias de que o emagrecimento pode trazer felicidade�.Tarefa solicitada para a próxima semana �trazer por escrito �O que eu vou ganhar se emagrecer?�

SEMANA 5 � Discussão do diário alimentar.Discussão da tarefa proposta na semana anterior.Discussão sobre os vômitos (se ainda presentes), com tentativa de introduzir procedimentos paraprevenção de resposta.Tarefa solicitada para a próxima semana: �trazer por escrito uma lista de dez qualidades que julga ter�.

SEMANA 6 � Discussão do diário alimentar.Discussão da estruturação do tempo livre e da tarefa proposta na semana anterior.Tarefa solicitada para a próxima semana: deverá trazer por escrito um texto com duas colunas, aprimeira citando razões para continuar bulímico e a segunda com razões para abandonar essecomportamento.

SEMANA 8 � Orientação familiar.Discussão do diário alimentar.Discussão da tarefa proposta na semana anterior.Solicita-se a vinda da família ou cônjuge para a próxima semana.

SEMANA 9 � Orientação familiar.SEMANA 10 � Discussão do diário alimentar.

Discussão com o paciente da reunião familiar.SEMANA 11 � Discussão do diário alimentar.

Discussão do tema trazido pelo paciente (tema livre).SEMANA 12 � Discussão a respeito da evolução e das possibilidades de recaída.

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Orientação nutricional

SEMANA 0 � (Pré-Tratamento): Peso.Anamnese alimentar � alimentos que evita, e por que razão. Dietas já realizadas, crenças e tabusalimentares. Orientação reforçando a solicitação médica para a feitura do diário alimentar.

SEMANA 1 � PesoPor meio do diário alimentar, discutir os hábitos e as principais crenças.Orientação dos horários adequados para as refeições, tentando introduzir um padrão alimentarregular.Conceito de fome e saciedade.

SEMANA 2 � PesoAvaliação do diário alimentar, reforçando os horários corretos para as refeições e a reintroduçãopaulatina de alimentos considerados perigosos.ABC da nutrição, explanando a respeito dos constituintes básicos de uma boa alimentação.

SEMANA 4 � PesoAvaliação do diário alimentar, rediscutindo não apenas os horários, mas enfatizando quantidades.Como fazer compras alimentares.

SEMANA 6 � PesoAvaliação do diário alimentar discutindo as possibilidades de substituição de alimentos.

SEMANA 8 � PesoAvaliação do diário alimentar e da lista de substituições, restaurantes e lanchonetes.

SEMANA 12 � Peso diário alimentarDiscussão de uma dieta trazida pelo paciente.Material impresso explicativo sobre princípios nutricionais serão dados no decorrer das sessões.

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ANEXO II

GUIA DE ORIENTAÇÃO PARA PACIENTES COM BULIMIA NERVOSAATENDIDAS NO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM)

DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP

Lembre-se de que isso é muito importantePlaneje antecipadamente o que e quanto você vai comer

1. Pare para pensar durante alguns períodos do dia como você está lidando com seu problema. Algumas dassuas técnicas podem estar funcionando bem. Outras não. É necessário discutir isso com seu médico.

2. Planeje os seus dias antes, logo pela manhã ou na véspera evite longos períodos do comportamento nãoplanejado ou sem atividade definida.

3. Use o diário de comportamento alimentar de maneira mais completa possível, levando-o a todos os lugares.

4. Tente comer sempre acompanhado, nunca só.

5. Não faça nada enquanto estiver comendo, exceto conversar com quem está comendo com você. Não vejatelevisão, não leia; ouvir música é possível, desde que isso não atrapalhe a sua concentração. Concentre-seno que come, mastigue lentamente e degluta seu alimento.

6. Planeje diariamente suas refeições e horários. O esquema usual é de três refeições: café da manhã, almoçoe jantar. Dois lanches entre as refeições podem ser feitos com conteúdo e horários planejados. Lembre-se:jejuar estimula os episódios de bulimia.

7. Combine com sua família, ou se você mesmo faz as compras em sua casa, não acumule um grande estoquee não compre alimentos que você identifica como �perigosos�.

8. Carregue menos dinheiro possível se você costuma comer �demais� fora de casa.

9. Identifique os períodos de maior risco e planeje atividades não-compatíveis com o comer, como encontraramigos, fazer ginástica ou tomar um banho, ler, etc.

10. Evite o mais possível áreas �perigosas� como cozinha, entre as refeições. Se necessário, quando sentir dificul-dades de controle, saia de casa imediatamente.

11. Não se pese mais do que uma vez por semana, se necessário pare de se pesar indefinidamente. Não penseem perder peso nesse momento do tratamento.

12. Se você está pensando muito a respeito de seu peso e de seu corpo, pode ser que você esteja ansiosa (o) oudeprimida (o). Você se sente gorda (o), feia(o) quando encontra dificuldades? Discuta isso com seu médico.

13. Faça exercícios regularmente. Exercícios regulares aumentam o metabolismo basal e ajudam a diminuir oapetite, particularmente, por doces. Exercícios não são para perder peso.

14. Em mulheres, é muito importante estar atenta ao período pré-menstrual e da menstruação.

15. Não beba álcool, pode aumentar seu apetite e diminuir seu controle.

16. Reveja sempre os problemas físicos que a doença causou ou pode lhe causar.

Você se lembra como pode ficar seu rosto?

17. O controle que você está tentando não é fácil, é necessário trabalhar hora após hora, mais do que dia a dia.Uma falha não justifica desistir e entregar-se a uma sucessão de falhas. Você perceberá com o tempo quecada tempo conseguido com alimentação normal reforçará seus hábitos de alimentação saudável.

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Transtorno de PânicoLígia Montenegro Ito

A Figura 9.1 apresenta esquematicamenteo modelo cognitivo-comportamental do TP.

O modelo cognitivo-comportamental dotranstorno de pânico (TP) procura integrar asabordagens biológica e sociopsicológica emseus procedimentos terapêuticos. O ataque depânico, elemento central desse transtorno, éconsiderado uma reação de alerta do organis-mo que pode ocorrer devido a situações exter-nas, percebidas pelo indivíduo como ameaça-doras, ou sem causa aparente, por influênciade fatores biológicos. Possuir história pessoalou familiar de algum transtorno ansioso e sub-meter-se a um período de estresse são fatoresque contribuem para o aumento da ansiedadegeral e facilitam o desencadeamento do pri-meiro ataque.

Com a repetição, esses ataques ficam con-dicionados a desencadeantes externos (locaisou situações) ou internos (pensamentos ousensações corporais) que, avaliados negativa-mente pelo indivíduo, representam sinal deperigo iminente, de morte, de estar enlouque-cendo ou perdendo o controle. Essas sensaçõeslevam a um aumento da ansiedade subjetiva,dos sintomas físicos e das antecipações catas-tróficas, e a pessoa torna-se apreensiva, em vi-gia constante, antecipando os sinais de um novoataque. Ela pode apresentar comportamentosde esquiva e fobias de situações nas quais pen-se que um ataque ocorrerá, de lugares de ondeseja difícil fugir ou escapar, de condições emque não possa receber ajuda imediata em casode necessidade, de sair ou ficar sozinha.

99

Pessoa com predisposição a ter uma reação ansiosa

!Período de estresse

!Ataque de pânico

em situação de perigo de origem biológica

!Ataques de pânico condicionados a

!Estímulos ou Cognições ou

situações externas sensações corporais

!Aumento da vigia Cognições catastróficas

!Ansiedade antecipatória Sintomas físicos

!Transtorno de pânico

!Ansiedade Esquiva fóbica Depressão

generalizada

Farmacodependências Outras complicações

Figura 9.1 Modelo cognitivo-comportamental dotranstorno de pânico (Clark, 1986; Barlow, 1988).

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A terapia cognitivo-comportamental(TCC) do TP é composta por um conjunto deprocedimentos que são utilizados de forma in-tegrada e podem, para fins didáticos, ser sub-divididos entre aqueles que auxiliam o pacien-te a lidar com os sintomas físicos da ansieda-de, como o relaxamento e as técnicas cogniti-vas; e aqueles que visam à redução da esquivafóbica, como a terapia de exposição aos estí-mulos desencadeantes dos ataques de pânico,e à modificação dos pensamentos disfuncionais,como a reestruturação cognitiva (Craske eBarlow, 1993; Lotufo-Neto e Ito, 1997).

O tratamento é breve quando focaliza aredução da ansiedade geral, dos ataques depânico e da esquiva fóbica, com duração emtorno de 15 a 20 sessões. As metas da terapiasão decididas em comum acordo, ou seja, te-rapeuta e paciente trabalham juntos em cola-boração, planejando estratégias para lidar comas dificuldades enfocadas. A auto-aplicação,entre as consultas, das técnicas aprendidas éessencial para o sucesso do tratamento e fun-damental para a manutenção da melhora clí-nica a longo prazo. As sessões são planejadasatravés de uma agenda que contém os alvos eas metas a serem alcançados no dia, os proce-dimentos que serão apresentados, a revisão dediários com as respectivas tarefas de casa, osacontecimentos importantes relacionados aotratamento e o planejamento dos próximospassos. As tarefas de casa são fundamentaispara que o paciente possa praticar os procedi-mentos aprendidos em consulta e verificar ograu de seu aprendizado no manejo da ansie-dade e dos desencadeantes dos ataques de pâ-nico. A utilização de diários que contêm a co-leta acurada e consistente de dados durantetodo o programa de tratamento permite iden-tificar problemas e dificuldades na realizaçãodos exercícios, adaptar as estratégias usadas eavaliar o progresso alcançado.

A primeira etapa da terapia é avaliar to-dos os componentes do transtorno de pânico,como duração, freqüência e principalmente osdesencadeantes do quadro, como fatores deestresse, dificuldades interpessoais, pensa-mentos ansiogênicos, sensações corporais, an-siedade antecipatória, esquiva fóbica, ataquesde pânico limitados, situacionais e espontâ-

neos. Fatores como presença de depressão ououtras patologias associadas, necessidade demedicação antidepressiva e manejo adequa-do de tranqüilizantes devem ser avaliados etratados adequadamente. Problemas decor-rentes de complicações desse transtorno, comoos de origem familiar e conjugal, devem seridentificados e enfocados na fase inicial daterapia. Dificuldades de ordem diversa podemser abordadas rapidamente; porém, se reque-rerem maior tempo e atenção, os pacientesdeverão ser encaminhados para uma psicote-rapia mais abrangente no momento apropri-ado.

Concluída a avaliação, inicia-se a fase deinformação ao paciente de todos os aspectosda doença. O modelo cognitivo-comportamen-tal do TP é apresentado, destacando-se o pa-pel dos pensamentos e dos comportamentosdisfuncionais no desencadeamento de um ata-que de pânico e o papel das técnicas da terapiana modificação dos padrões adquiridos e con-dicionados. Essas explicações são repetidas aolongo do tratamento, sempre que necessário.A repetição é útil para o aprendizado do paci-ente, pois a ansiedade presente no início dotratamento pode prejudicar a atenção e a con-centração.

Nas primeira etapa da terapia, o pacienteé informado sobre a hiperventilação, sua rela-ção com os sintomas físicos do TP, e é treinadoem exercícios de relaxamento muscular(Jacobson, 1938) e de controle da respiração(Barlow e Craske, 1988) para a redução e oalívio da tensão e da ansiedade geral. É impor-tante ressaltar que, para um bom resultadoterapêutico, esses exercícios devem ser prati-cados diariamente, nas mais diversas situações,até que o paciente esteja apto a utilizá-los nassituações desencadeantes de ansiedade ou deataques de pânico. Em geral, duas a três ses-sões podem ser dedicadas a essa abordagemdos sintomas físicos da ansiedade, sendo tam-bém importante nessa fase estimular o pacien-te a desenvolver alguma atividade esportivacomo forma de combater o estresse e a ansie-dade.

A seqüência de procedimentos a ser utili-zada deve respeitar a predominância desintomatologia do indivíduo. No início do tra-

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tamento, é preferível fornecer ao paciente es-tratégias de fácil compreensão e pronta execu-ção, as quais facilitem o restabelecimento dasensação de controle e da autoconfiança. Opaciente deve perceber que grande parte deseus comportamentos e pensamentos estão im-plicados na ativação e desativação de seu sis-tema de alerta e que, com a terapia, é possívelintervir nesse processo. Técnicas cognitivas quebloqueiem expectativas negativas, como frasesprontas escritas ou mentalizadas, sobre o ca-ráter temporário e inofensivo da ansiedade sãoúteis e têm forte efeito quando associadas aosexercícios de relaxamento. No entanto, umavez que um ataque de pânico tenha sidodeflagrado, a melhor conduta é deixá-lo pas-sar sozinho, pois a luta contra o mesmo ape-nas gera mais tensão e prolonga o estado an-sioso.

O confronto dos estímulos desencadean-tes dos ataques de pânico deve ser feito inicial-mente com o paciente imaginando-se nas si-tuações ansiogênicas e descrevendo-as da ma-neira mais real possível. Sentado em uma pol-trona e relaxado, o paciente deve descrever de-talhadamente as sensações físicas, os pensa-mentos catastróficos e os comportamentosadotados na situação, como se estivesse ocor-rendo naquele exato momento. Esse procedi-mento tem a finalidade de evocar o medo e asexpectativas negativas do paciente e, atravésdo enfrentamento, ajudar a reduzir a freqüên-cia e a intensidade da ansiedade antecipatória.Diversas situações de dificuldade devem serconfrontadas na imaginação até que o descon-forto diminua e o paciente sinta que pode tole-rar a prática da exposição interoceptiva e daexposição ao vivo.

Na exposição interoceptiva, tenta-se re-produzir as sensações físicas que desencadei-am ou acompanham o ataque de pânico. Omodo mais fácil de provocá-las é através dahiperventilação e de exercícios como girar emuma cadeira, segurar a respiração com o tóraxcheio de ar, esvaziar o tórax e cruzar os braçosao seu redor, contraindo os músculos para den-tro, correr sem sair do lugar, evocando pensa-mentos catastróficos durante os mesmos. Pede-se para o paciente praticar um exercício poralguns segundos, até a ocorrência de uma sen-

sação física acompanhada de medo, e aguar-dar até que tal sensação desapareça. Esse exer-cício deve ser praticado primeiro na presençado terapeuta e depois como tarefa de casa. Afinalidade desse tipo de exposição é treinar opaciente a enfrentar os sintomas, de forma con-trolada, para que ele esteja apto a lidar comuma crise de ansiedade quando esta ocorrernas diversas situações. Esse tipo de exposiçãodemonstrou ser eficaz na redução dos ataquesde pânico (Ito et al., 1995).

A exposição ao vivo é essencial no trata-mento do medo e dos sintomas de esquiva. Opaciente permanece em contato por tempo pro-longado nas situações temidas até que a ansie-dade diminua, cesse ou habitue. Na aplicaçãodessa técnica, o paciente constrói uma lista comas situações desencadeantes dos ataques depânico descritas em ordem hierárquica, ou seja,começando com a que evoca o menor grau deansiedade e enumerando-as até a de maior in-tensidade, podendo incluir locais físicos, comosupermercados e shopping centers, situações deestresse, como reuniões de trabalho, conflitoem relações interpessoais, pensamentos e sen-sações corporais. A auto-exposição deve ser es-timulada, embora nas primeiras vezes o paci-ente possa ser acompanhado por um familiarou um amigo. O acompanhante, instruído peloterapeuta, deve ter conhecimento sobre a do-ença e os princípios do tratamento; tambémdeve ser firme, porém compreensivo, oferecen-do suporte e lembrando o paciente de que, aoenfrentar a situação, o medo será reduzido.

Durante todas as tarefas de exposição, opaciente deve preencher, em seu diário, o graude ansiedade vivido durante o confronto como estímulo temido e 15 ou 20 minutos após afim de verificar o processo de habituação. Tam-bém deve constar no diário, de maneira siste-mática, a ocorrência de pensamentos associa-dos à ansiedade. O paciente deve reconhecercomo os pensamentos e a conversa consigomesmo podem influenciar negativamente suasemoções (Beck et al., 1979; Beck e Emery,1985) e interferir no processo de habituaçãoda ansiedade.

O terapeuta define os pensamentos ne-gativos automáticos e orienta o paciente aidentificá-los e monitorá-los antes e durante

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uma crise de pânico. Perguntas como �O quevocê conversava consigo mesmo na situação?�,�O que você imaginava que poderia aconte-cer?� podem facilitar a identificação dos pro-cessos cognitivos associados à ansiedade. Astécnicas cognitivas descritas a seguir são en-sinadas ao paciente para serem aplicadas navigência de ansiedade e durante as situaçõesde exposição.

Na sessão, paciente e terapeuta examinamos pensamentos negativos automáticos cole-tados na vigência de ansiedade ao longo deuma semana. O paciente é estimulado a explo-rar alternativas para esses pensamentos, ques-tionando sua veracidade e reduzindo, assim, ocaráter catastrófico dos mesmos. Exemplos re-centes na vida do paciente podem ser avalia-dos, como, por exemplo, alguma situação emque ele previu um resultado desagradável queposteriormente não ocorreu, porque ajudam ailustrar a rigidez do pensamento ansioso. Aseguir, ensina-se o paciente a analisar os pen-samentos como uma hipótese a ser testada, enão como um fato definitivo. Para isso, devereconhecer os principais erros de lógica come-tidos, como chegar a uma conclusão sem terevidências e sem considerar todos os aspectosda situação; fazer uma previsão baseado emum número limitado de eventos passados; con-fundir probabilidade de ocorrência de um even-to com certeza de sua ocorrência; pensar emtermos de tudo ou nada, negando as nuancesou formas intermediárias de acontecimento,etc. A análise dos erros de lógica auxilia napercepção do caráter disfuncional e irreal dospensamentos associados à ansiedade, os quaisproduzem mal-estar e colaboram para a ma-nutenção do quadro.

A abordagem dos processos cognitivosrelacionados à ansiedade também inclui a dis-cussão detalhada dos fatores temidos, exami-nando medidas de atitudes ou comportamen-tos que podem ser tomados e que não foramlevados em consideração anteriormente. Deli-near as conseqüências específicas do aconteci-mento temido facilita a conscientização de quehá alternativas e de que as conseqüências sãomanejáveis, suportáveis e limitadas no tempo.Além disso, deve-se estudar as situações sobreas quais o paciente não tem controle ou res-

ponsabilidade e focalizar aquelas em que podeatuar de maneira mais eficaz, ou que apresen-tem maiores chances de mudança.

No teste de hipótese, o paciente deve exa-minar se uma determinada antecipação é ver-dadeira ou não através de uma experiência pla-nejada, onde tenha condição de sucesso. O pró-prio diário de tarefas de casa pode conter evi-dências de que, apesar dos sintomas de pânicoe ao contrário de suas expectativas negativas,o paciente é capaz de realizar atividades demaneira satisfatória. A auto-sugestão pode serútil para ajudar a lidar com medos, crenças outarefas que desencadeiem ansiedade. O paci-ente deve formular frases que melhorem o seuautocontrole quando se prepara para o con-fronto com uma situação temida, quando sedepara com o estresse e após enfrentar a situ-ação temida. Ele deve lembrar que tem con-trole sobre si próprio, mesmo na vigência deum ataque de pânico: apesar do desconfortoprovocado pela situação, pode, conversandoconsigo mesmo, entrar e conseguir permane-cer na mesma. É o confronto com a situação ea avaliação correta e realista dos sintomas físi-cos e dos pensamentos associados que produzos melhores efeitos terapêuticos.

A parada do pensamento e as técnicas defocalização da atenção têm o objetivo de au-mentar o controle do paciente sobre seus pen-samentos e suas imagens. A ruminação ansio-sa pode ser interrompida com a imaginação dapalavra �PARE!� ou com a visualização de umsinal de trânsito aceso no vermelho. Após ainterrupção, a atenção deve estar voltada paraos detalhes da atividade que está sendo reali-zada. Deve-se evitar a distração com pensamen-tos de que não se está na situação, ou de quenão sente as sensações corporais do pânico. Oideal é perceber as sensações, lidando com ospensamentos catastróficos irrealistas que asacompanham.

Os métodos descritos são aplicados a par-tir do material coletado semanalmente e des-crito nos diários do paciente. A ordem de apli-cação ocorre de acordo com o andamento daterapia, em que a reestruturação cognitiva estárelacionada à modificação de comportamen-tos como medo e esquiva (Clark, 1989). Se oobjetivo estende-se para a modificação das

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�crenças básicas�, que foram adquiridas pre-cocemente na vida do indivíduo e que modu-lam o seu modo de perceber, sentir e lidar como mundo, é necessária uma abordagem cogni-tiva de enfoque mais amplo. Nesse caso, é pre-ciso investigar profundamente a história devida da pessoa para identificar como suas cren-ças formaram-se e consolidaram-se ao longodo tempo.

O tratamento é concluído quando as me-tas tiverem sido atingidas. Alguns sintomas ain-da podem persistir nessa fase, mas não devemcausar prejuízo. O paciente é orientado a darcontinuidade ao emprego das técnicas apren-didas e alertado sobre a possibilidade de reca-ída. É importante que o terapeuta discuta como paciente suas expectativas em relação à ma-nutenção de sua melhora clínica, enfatizandoa aprendizagem de controle dos sintomas e ashabilidades adquiridas ao longo do processode terapia. É útil oferecer um folheto impres-so, contendo os principais passos do tratamen-to e lembretes importantes sobre o manejo dastécnicas, para que possa ser utilizado, se ne-cessário, na recorrência do quadro. Sessões deseguimento ajudam a esclarecer dúvidas dopaciente em relação às tarefas desempenha-das no pós-tratamento e auxiliam no manejodos aspectos de maior dificuldade. Para que aautoconfiança e a independência do pacientesejam estimuladas, as sessões de seguimentodevem ser espaçadas, com periodicidade quin-zenal e depois mensal, até a alta propriamentedita.

No tratamento desse transtorno, a TCCproduz inúmeros benefícios para a grandemaioria dos pacientes, reduzindo significativa-mente os sintomas clínicos. Os ganhos tera-pêuticos obtidos produzem, em geral, aumen-to da autoconfiança, assertividade e auto-esti-ma, melhorando a qualidade de vida dessespacientes. De fato, é comum o relato de esta-bilidade do humor em decorrência da sensa-ção de controle sobre os sintomas ansiosos apósa TCC.

No entanto, algumas dificuldades podemsurgir durante a terapia, as quais devem serabordadas precocemente para que não inter-firam na evolução do tratamento. A TCC teminteração positiva com antidepressivos, mas

seus efeitos podem ser anulados na vigênciade altas doses de benzodiazepínicos e álcool,uma vez que essas substâncias impedem o pro-cesso de habituação e a aquisição de aprendi-zado (Marks, 1987). O paciente que compa-rece à consulta sob o efeito de tranqüilizan-tes deve ser alertado sobre a impossibilidadede realização do trabalho nessas condições.Pacientes com longo tempo de duração da do-ença compreendem o princípio do tratamen-to e aprendem a controlar sua ansiedade du-rante os procedimentos executados na con-sulta, porém são incapazes de reproduzir talatitude ao vivo nas situações temidas. Issopode ocorrer em função de inúmeras variá-veis, como dependência desenvolvida juntoaos familiares, esquiva como um hábito ouainda acomodação à limitação. Essas e outraspossibilidades devem ser enfocadas durantea terapia e analisadas como um obstáculo àmelhora do transtorno.

Procedimentos como a exposição podemser rigorosos e requererem várias tentativas porparte do paciente, até a obtenção do alívio desintomas. Não é raro o paciente despender vá-rios meses de dedicação intensa para comple-tar tarefas mais difíceis. Além disso, a TCC éconsiderada como um tipo de terapia de altademanda, pois exige participação ativa do pa-ciente, através da execução de tarefas prescri-tas, como lição de casa e preenchimento dediários, que funcionam como coleta de infor-mação sobre o problema e orientam o anda-mento da terapia. O terapeuta deve incentivarcada etapa percorrida pelo paciente e a ade-são às técnicas, enfatizando a importância daaquisição da nova aprendizagem no processode enfrentamento do medo. O esforço siste-mático e o desconforto decorrentes da exposi-ção podem, inicialmente, produzir a intensifi-cação momentânea de sintomas de ansiedade,os quais tendem a desaparecer ao longo do tra-tamento. Entretanto, essa reação inicial podeser responsável pela rejeição ao tratamento, in-cluindo abandono e não-adesão. O terapeutadeve antecipar esse tipo de dificuldade para opaciente e mostrar-se disponível a dar supor-te, tanto pessoalmente quanto por meio decontatos telefônicos, sempre que necessário.

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Uma vez que os resultados terapêuticosda TCC tendem a ser específicos aos proble-mas enfocados, a evolução em áreas que nãosão priorizadas no tratamento pode ser restri-ta. Como conseqüência disso, muitos pacien-tes apresentam melhora parcial do quadro, fa-tor que pode estar relacionado a uma recaída.Para esses casos, algumas sessões de reforçopodem auxiliar no restabelecimento daautoconfiança e facilitar a adesão ao retornopara o programa de tratamento.

Após o término da terapia, muitos pacien-tes ainda apresentam sintomas residuais deansiedade, como apreensão, intolerância e im-paciência, que às vezes são interpretados comopresságios de um ataque. Embora tenhamaprendido a impedir a ocorrência de um ata-que de pânico, sentem-se decepcionados e quei-xam-se de não ter atingido a �normalidade�. Oesclarecimento desses sintomas e a discussãosobre o tempo requerido para maior estabili-dade do humor podem oferecer alguma tran-qüilidade, mas uma possível recaída é semprevista com medo, frustração e desânimo.

Estudos recentes têm-se dedicado à inves-tigação dos aspectos envolvidos na resposta aotratamento e ao aperfeiçoamento das técnicascognitivo-comportamentais. Os resultados su-gerem que a gravidade geral da doença, en-volvendo longa duração, disfunção cognitiva,déficits comportamentais graves, dificuldadesinterpessoais, conjugais e familiares, e não ape-nas um aspecto isolado, podem contribuir paraa resposta terapêutica, independentemente dotipo de tratamento utilizado (Basoglu et al.,1988). A comorbidade com outros quadros psi-quiátricos, como alcoolismo, uso de drogas etranstornos de personalidade, também são umobstáculo ao tratamento. Por outro lado, ca-racterísticas como responsabilidade pessoalpara mudança, otimismo em relação a aborda-gens psicoterapêuticas, compreensão e aceita-ção do modelo da TCC podem facilitar a res-posta terapêutica. De qualquer forma, o diag-nóstico preciso, a avaliação detalhada do pro-blema e o exame de critérios como obstáculose aspectos facilitadores devem ser considera-dos na indicação de um paciente para essa abor-dagem terapêutica.

Vale ressaltar que o terapeuta que utilizaos recursos técnicos da abordagem cognitivo-comportamental deve estar atento a outrasáreas de dificuldade do paciente que possamemergir ao longo da terapia e que não consti-tuíam o enfoque principal. A identificação des-ses aspectos e do papel do problema que o trou-xe à consulta deve ser considerada em cadacircunstância particular. É importante ajudaro paciente a reconhecer essas questões e, quan-do necessário, encaminhá-lo a uma terapia psi-cológica mais abrangente para que o proble-ma seja abordado.

Investigações futuras devem identificar ascaracterísticas de pacientes com transtorno dopânico que não respondem especificamente àTCC e determinar como esse tratamento podeser aprimorado. A aplicação de uma terapia,respeitando-se as particularidades de cada casoe procedenco-se à escolha da técnica de acor-do com a predominância sintomatológica, poderesultar em maior efeito terapêutico.

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DepressãoCristiana Vallias de Oliveira Lima

uma pessoa são determinados, em grande par-te, pela forma como ela estrutura o mundo emtermos de suas cognições, abrangendo eventosverbais ou pictóricos no fluxo da consciência.

O modelo cognitivo de Aaron Beck (Becket al., 1997) pressupõe dois elementos bási-cos:

1. Tríade negativa: consiste na tendên-cia da pessoa deprimida a possuiruma visão negativa de si mesma (elase percebe como inadequada, doen-te, incapaz, carente ou fraca); umavisão negativa do presente (não con-segue perceber o valor das ativida-des que realiza, das relações queestabelece, e vê o mundo como fa-zendo exigências exageradas sobresi e apresentando obstáculos insu-peráveis para atingir suas metas devida) e uma visão negativa do futuro(não acredita que a situação atualpossa mudar; por isso, não faz pla-nos para o futuro).

2. Distorções cognitivas: são erros sis-temáticos na percepção e no proces-samento de informações. Na depres-são, essas distorções caracterizam-se como uma estruturação das ex-periências do indivíduo de uma for-ma absolutista, moralista, invariantee irreversível (Beck, 1999).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A depressão é um transtorno de humorque tem como principais sintomas: tristeza,perda de interesse e de prazer, sensação devazio, apatia e falta de energia. Associados aisso, podem surgir sentimento de culpa e pen-samentos negativos, como ser um fardo para afamília e não tem valor como pessoa.

Os indivíduos deprimidos podem tornar-se irritados, ansiosos e excessivamente críticosconsigo mesmos. Sintomas somáticos podemincluir insônia, perda de peso, concentração di-minuída, retardo psicomotor e diminuição dalibido. A desesperança também pode crescer,levando a um desejo de morte, ou seja, a pen-samentos suicidas.

Pesquisas revelam que o tratamento con-jugado de medicação e terapias em especial, achamada terapia cognitiva, é o mais eficaz erápido para uma melhora ou remissão do qua-dro de depressão (Peso et al., 1997; Blackburne Moore, 1997). Para a prevenção de novosepisódios depressivos, a terapia cognitiva é maisefetiva do que o tratamento medicamentoso(Teasdale et al., 1995).

O MODELO COGNITIVO DA DEPRESSÃO

A terapia cognitiva fundamenta-se na pre-missa de que o comportamento e a emoção de

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Mediante a investigação do conteúdo dascognições dos pacientes deprimidos, Beck e co-laboradores (1997) criaram uma tipologia dasdistorções cognitivas:

a) Inferência arbitrária: conclusões tira-das sem evidências reais. Por exem-plo: uma pessoa é chamada pelo che-fe e, ao receber o recado, o primeiropensamento que lhe vêm é: �Vou serdespedido, fiz alguma coisa errada�.

b) Abstração seletiva: fixação em um de-talhe do contexto global, sem consi-derar outros fatores. Por exemplo:uma pessoa vai a uma festa e, ao che-gar, passa por alguma situação cons-trangedora (derrubar um copo de vi-nho no vestido). No dia seguinte, per-guntada sobre a festa, diz que foi pés-sima, não levando em conta que apóso incidente divertiu-se muito. Essapessoa fixou-se apenas no primeiroevento como o �único� negativo danoite.

c) Supergeneralização: estabelecimentode regras e de conclusões gerais base-adas em um ou mais incidentes isola-dos e aplicação do conceito indiscrimi-nadamente a situações relacionadas(ou não). Por exemplo: uma pessoafaz um jantar e percebe que colocousal em excesso na carne; então, elapensa: �Eu não sirvo mesmo pra nada,não faço nada direito�.

d) Maximização e minimização: dificul-dade em avaliar o significado e a mag-nitude do evento. Por exemplo: umaprofessora é escolhida para ser para-ninfa de uma formatura e pensa: �Elesdevem ter me escolhido porque nãome conhecem muito bem�.

e) Personalização: tendência para relaci-onar eventos externos à sua própriapessoa, mesmo que sem base para es-tabelecer tal relação. Por exemplo: umfuncionário cumprimenta um colega deserviço, mas este não lhe diz nada efica com a cabeça abaixada. Então, o

primeiro pensamento que lhe vem àcabeça é: �Ele não deve gostar muitode mim�, embora não haja evidênciassuficientes para chegar a tal conclusão.

f) Classificação dicotômica: tendência apensar em termos de extremos. Porexemplo: �Eu sou um péssimo profis-sional, péssimo pai e péssimo marido�.

As distorções cognitivas permeiam todosos sintomas afetivos, comportamentais emotivacionais da pessoa deprimida. São com-postas por pensamentos automáticos negativos(pensamentos rápidos, breves, de conteúdonegativo, os quais invadem a consciência) e poresquemas disfuncionais (padrões cognitivos es-táveis, adquiridos no decorrer da vida do indi-víduo, desde a sua infância, pelos quais avaliae categoriza suas experiências).

A TERAPIA COGNITIVA

As sessões terapêuticas devem ser estru-turadas, porém com uma flexibilidade maior,ou seja, o terapeuta pode utilizar os 15 minu-tos iniciais da sessão para que o cliente falelivremente de seus sofrimentos e de suas an-gústias e depois retornar aos itens convencio-nais que compreendem:

a) verificar o humor: através de escalascomo o Inventário para Depressão deBeck (Beck et al., 1961) e a Escala Ha-milton para Depressão (Hamilton,1960). O terapeuta também pode criarcom o cliente uma escala individual,levando em conta as características dadepressão desse cliente;

b) fazer uma ponte com a sessão anterior;c) estabelecer uma agenda para a sessão;d) verificar as tarefas de casa;e) conversar sobre os tópicos da agenda;f) definir uma nova tarefa para a semana;g) oferecer feedback e um resumo final

da sessão: através disso, o terapeutaavalia não só os ganhos e as dificulda-des encontradas durante o atendimen-

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to, mas também a compreensão docliente sobre o que foi abordado du-rante a sessão.

Estrutura das sessões

Nas primeiras sessões, realiza-se uma ava-liação do caso, denominada de conceituação,que é uma definição dos problemas do clientesegundo os princípios da terapia cognitiva. Talconceituação fornecerá para o terapeuta umaestrutura para o entendimento do cliente, po-dendo responder a perguntas como: Qual odiagnóstico do cliente? Quais crenças disfun-cionais estão associadas ao quadro de depres-são? Quais reações (fisiológicas, emocionais ecomportamentais) estão associadas ao seu pen-samento? Quais mecanismos cognitivos,afetivos e comportamentais foram desenvolvi-dos para enfrentar as crenças disfuncionais?Quais aprendizagens e experiências antigascontribuíram para o surgimento de seus pro-blemas atuais?.

Dessa forma, o terapeuta começa a cons-truir uma conceituação cognitiva durante seuprimeiro contato com o cliente e continua adefini-la até a última sessão (Beck et al.,1997).Nas depressões, sobretudo naquelas conside-radas graves, é importante que haja inicialmen-te uma preocupação com o alívio de sintomase que as queixas sejam traduzidas em proble-mas solucionáveis para o cliente (definição dosproblemas-alvo). Por exemplo, uma clientechega à sessão com a seguinte verbalização:�Estou achando minha vida uma droga, eu nãofaço nada direito e também me sinto muitosozinha�.

Outro ponto de fundamental importân-cia é o de educar o cliente sobre o modelo daterapia cognitiva e sobre o seu transtorno (nocaso, o depressivo). Isso se dá através de exem-plos trazidos pelo cliente, através de folhetosou da leitura de uma bibliografia indicada peloterapeuta.

Nas sessões intermediárias, deve-se ensi-nar o cliente a observar seus pensamentos au-tomáticos, ensinando-o a identificá-los e dis-

tinguindo-os de suas emoções. Para tanto, uti-lizam-se aquelas situações que foram trazidaspelo cliente em terapia por meio da técnica doregistro de pensamento automático (RPA).Com clientes muito deprimidos, usa-se um RPAmais simplificado, assim como a solicitação demetas menos exigentes (por exemplo, registrardois pensamentos por dia ligados à depressãoe/ou observar os pensamentos durante 30 mi-nutos).

Ao se fazer isso, apresenta-se ao cliente oconceito de distorções cognitivas e algumastécnicas cognitivas (por exemplo, o questiona-mento socrático, o RPA, a reatribuição cogni-tiva), que permitam avaliar a precisão dos pen-samentos automáticos e das bases nos quais osmesmos estão fundamentados. Em um segun-do momento, associam-se as distorçõescognitivas aos esquemas cognitivos mais am-plos. Dados da história pessoal são levantadospara que se tenha um apanhado do desenvol-vimento pessoal do cliente e dos fundamentosde sua identidade. É nessa fase que se reorga-niza a disposição de suas crenças disfuncionais.

A abordagem terapêutica que compreen-de as técnicas a serem utilizadas é escolhidaou mesmo modificada de acordo com as ne-cessidades específicas de cada cliente. Nas de-pressões, o terapeuta concentra-se primeiroem diminuir seu isolamento e tenta engajá-loem atividades que sejam mais construtivas. Al-gumas técnicas comportamentais (por exem-plo, o agendamento de tarefas, a técnica dedomínio e prazer) são usadas com o objetivode produzir mudanças de atitudes negativistas,servindo como experimentos projetados paratestar a validade das hipóteses ou das idéiasque o cliente traz a respeito de si mesmo e domundo.

Todavia, nesse tipo de transtorno, o cernedo trabalho do terapeuta cognitivo baseia-seem algumas técnicas que visam a reestruturara organização cognitiva do cliente, aquela es-trutura que vem apresentando-se de maneiradesfuncional. Descreveremos a seguir algumasdas técnicas citadas.

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Técnicas comportamentais

No agendamento de tarefas (Beck et al.,1997), o cliente anota diariamente o que farádutrante o dia, de preferência de hora em hora(por exemplo: 8h � tomar café / 9h � ver TV /10h � andar). O uso de agendas serve paraneutralizar a perda de motivação, assim comoa inatividade e a preocupação do cliente comidéias depressivas. A técnica permite que elemantenha um certo nível de atividade, porémé importante enfatizar que ninguém realizaefetivamente tudo o que planeja ou, mesmoque não obtenha êxito, deve lembrar que ten-tar cumprir os planos é um dos passos maisimportantes nesse momento. Essa técnica ain-da tem a vantagem de ajudar o cliente a testarseus pensamentos negativos e a extrair evidên-cias concretas para refutar alguns de seus pen-samentos.

A técnica de domínio e prazer (Beck et al.,1997) visa a identificar o fato de que algunsclientes engajam-se em atividades que sentempouco prazer e, freqüentemente, essa falha degratificação é resultante de pensamentos ne-gativos que neutralizam qualquer sentimentode prazer, contribuindo para o estado de de-pressão. O terapeuta, então, pede ao clientepara escrever o grau de domínio e de prazerque está associado às atividades realizadas porele. O termo domínio refere-se a um sentimen-to de realização durante o desempenho de umaatividade específica, e o prazer refere-se aossentimentos agradáveis associados a essa mes-ma atividade. Portanto, ambos podem recebergraus (notas atribuídas) que vão de uma esca-la de 0 até 5 pontos, onde �0� representa omínimo, e �5�, o máximo. Ao utilizar uma es-cala graduada, o cliente é levado a perceber e/ou admitir seus sucessos parciais e a reconhe-cer os pequenos graus de prazer desfrutadosdurante o dia, conforme abaixo exemplificado:

DDDDD PPPPP

Assistir à TV .................... 3 3Andar ............................. 3 1

Técnicas dereestruturação cognitiva

O método socrático (Seeskin, 1987) é umquestionamento sistemático, cujo objetivo é ode desenvolver no cliente um raciocínio autô-nomo, por meio do qual ele possa questionaralgumas de suas evidências, criando, assim,alternativas de pensamentos e novas avaliaçõesdas conseqüências de seu modo de pensar.Enfatizamos o uso de uma avaliação racionalcom a possibilidade de transformar o sofrimen-to pessoal do cliente em movimentos de auto-exploração. Por exemplo, se um cliente afirmana sessão: �Hoje é meu aniversário e ninguémme telefonou... portanto, ninguém gosta demim�, talvez o clínico possa formular algumasperguntas estratégicas: O que seria um bomamigo para você? Como são seus amigos atu-ais (suas características presentes e passadas)?Você sempre consegue preencher esses critéri-os na vida real para encontrar um verdadeiroamigo? Assim, deve-se ter cuidado ao usar oquestionamento socrático no sentido de favo-recer algumas reflexões, e não transformar asessão em um interrogatório pessoal.

Na técnica da reatribuição cognitiva (Beck,1999), o terapeuta e o cliente reexaminam osfatos relevantes para tentar definir a multipli-cidade de fatores externos que contribuírampara a criação da experiência adversa. Os clien-tes deprimidos são mais propensos a desenvol-ver uma autocrítica exacerbada e uma recri-minação pessoal intensa, movimento resultan-te das conseqüências negativas dos eventos queocorreram �fora de seu controle�. Obtendo ummaior grau de objetividade na análise das situ-ações, o cliente pode reavaliar seus pensamen-tos e buscar formas alternativas de evitar assituações ruins, prevenindo suas recorrências.Vejamos o exemplo de um cliente que, afirman-do ter tido gastos excessivos em seu cartão decrédito após uma viagem, chega à sessão an-gustiado e diz:

Cliente (C): Eu não faço nada direito... euestou ferrado. Aquela viagemque fiz foi um grande erro, fuimuito inconseqüente!

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Terapeuta (T): Por que você está sendo tãonegativo e duro com vocêmesmo?

Cliente (C): Aquela viagem que eu fiz comminha esposa aos Estados Uni-dos no mês passado, lembra?Eu paguei tudo no cartão decrédito e agora o dólar subiue estou tendo que pagar mui-to, mas muito mais! Como fuiburro! Aliás, como eu �sem-pre� sou burro!

Terapeuta (T): Você lembra como foi o pro-cesso de decisão da viagem?

Cliente (C): Acho que sim... me lembro deque conversei com minha es-posa e com meu cunhado quetrabalha numa agência de tu-rismo para ver se os preços es-tavam bons.

Terapeuta (T): E quais foram as informaçõesque você obteve?

Cliente (C): Hum... que era um bom perío-do e que o dólar estava bemestável.

Terapeuta (T): Então, você tinha todas as in-formações necessárias paratomar sua decisão, não foi?

Cliente (C): Acho que sim, mas acabei meferrando... como sempre!

Terapeuta (T): Teria algo que você pudesse fa-zer para evitar o que está acon-tecendo agora?

Cliente (C): Acho que não...Terapeuta (T): É... eu também acho que não.

Então, vamos avaliar o porquêde você estar se achando �tão�incompetente?

O terapeuta ajuda o cliente a identificaras possíveis causas de sua dificuldade, enfo-cando o papel de sua autocrítica negativa e,com isso, externando a causa de sua angústia.

Na técnica do registro de pensamentoautomático (RPA), já citada, o cliente aprendea observar, identificar e reestruturar seus pen-samentos automáticos, assim como as emoçõesque estão associadas a eles.

Voltando à estrutura geral da terapia, assessões finais são direcionadas aos ganhosterapêuticos e à prevenção da recaída. No de-correr das sessões, o terapeuta reforça as me-lhoras progressivas do cliente. Se a depressãomelhorou e o terapeuta percebe que o clienteaprendeu as técnicas necessárias para lidar comos aspectos cognitivos e comportamentais doseu transtorno de humor, ele vai preparando ocliente para o término da terapia, ou seja, vairevisando as técnicas aprendidas e enfatizandoque elas poderão ser usadas em diversas situa-ções. Presume-se que o cliente deixe a terapiacom os aspectos fundamentais da terapiacognitiva bem-incorporados para que nas situ-ações de tensão possa rapidamente: a) decom-por os grandes problemas em componentesmenores ou mais manejáveis, b) gerar respos-tas alternativas para os problemas, c) identifi-car, testar e responder aos pensamentos auto-máticos e às crenças disfuncionais e d) usar oRPD. Vale lembrar que, nessa fase, o terapeutavai espaçar as sessões até decidir o momentode término definitivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A terapia cognitiva tem-se mostrado be-néfica para os clientes com depressão, porqueinstrumentaliza-os a serem seus próprios tera-peutas, ensinando técnicas para reestruturarsuas cognições em três diferentes patamares:pensamentos automáticos, distorções cogniti-vas e esquemas (ou crenças). Com isso, ao al-terarmos suas emoções e seus comportamen-tos, podemos muni-los para melhorar sua qua-lidade de vida. Essas mudanças ocorrem emum tempo e em um ritmo diferentes para cadacliente. Algumas vezes, os clientes não respon-dem à terapia cognitiva por diversos motivos:dificuldade em estabelecer um vínculo coope-rativo, dificuldades intelectuais, transtornos depersonalidade associados, piora no quadrodepressivo, etc. No entanto, a terapia cogniti-va enfatiza e valoriza a importância do víncu-lo terapêutico e os aspectos humanos dessainteração, respeitando o cliente como pessoa e

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tentando, sempre que possível, ter uma visãoglobal do paciente e de sua problemática.

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Transtorno Obsessivo-CompulsivoCarlos Eduardo Leal Vidal

Raquel Gonçalves Wanderley

QUADRO CLÍNICO

O TOC caracteriza-se pela presença pri-mária de obsessões ou compulsões persisten-tes e recorrentes, que consomem tempo, cau-sam sofrimento e interferem de forma signifi-cativa nas relações sociais e nas atividades doindivíduo.

As obsessões são idéias, pensamentos,impulsos ou imagens persistentes, experimen-tadas como intrusivas, inadequadas e desagra-dáveis, reconhecidas como produtos da pró-pria mente que o paciente tenta ignorar, supri-mir ou neutralizar com algum outro pensamen-to ou ação. As compulsões são comportamen-tos ou atos mentais repetitivos que o indivíduoé levado a executar com o objetivo de prevenirou reduzir a ansiedade ou o sofrimento, geral-mente em resposta a uma obsessão ou de acor-do com regras que devem ser seguidas rigida-mente (APA, 1994).

Entretanto, a simples presença de com-pulsões e/ou de obsessões não é suficiente paraestabelecer um diagnóstico, sendo necessárioque os sintomas estejam presentes na maioriados dias por, no mínimo, duas semanas conse-cutivas e sejam uma fonte de angústia ou deinterferência nas atividades. Além disso, os sin-

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Embora o transtorno obsessivo-compul-sivo (TOC) esteja recebendo maior atenção re-centemente, quadros clínicos idênticos aos ob-servados hoje foram descritos há mais de 300anos. Essas descrições iniciais focalizaram di-ferentes aspectos da síndrome, refletindo acultura prevalente de cada observador (Insel,1990).

Em uma concepção médica, a primeiradescrição de um quadro obsessivo, na literaturapsiquiátrica, foi realizada por Esquirol em 1838(Jenike, 1995). A partir de então, outros rela-tos foram feitos, variando também com o mo-mento histórico e a orientação teórica predomi-nante. No entanto, essas diferentes perspecti-vas compartilharam um ponto comum: consi-derar o TOC como um dos transtornos mais re-sistentes ao tratamento, sendo invulnerável atoda classe de psicoterapias, por mais prolon-gadas e profundas que fossem (Fernandez,1977). Essa postura perdurou até a década de80, quando o desenvolvimento de novosfármacos e o aprimoramento das técnicas cog-nitivo-comportamentais promoveram o alíviosintomático dos pacientes e melhoraram o prog-nóstico a longo prazo.

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tomas devem ser reconhecidos como própriosdo indivíduo (OMS, 1993). Nesse sentido, valelembrar que outros transtornos, como depres-são e esquizofrenia, podem cursar com sinto-mas obsessivos e que estes podem ser manifes-tações normais em certas fases da vida, comoinfância, gravidez e puerpério (Torres e Smaira,2001).

O TOC pode manifestar-se sob várias for-mas clínicas, sendo mais freqüente a ocorrên-cia simultânea de obsessões e compulsões, em-bora existam pacientes só obsessivos e, maisraramente, só compulsivos (Torres, 2001). En-tre os sintomas mais comuns, são citadas asobsessões de contaminação e agressão e ascompulsões de limpeza e verificação, que têmse mostrado como sintomas universais do TOC,independentemente de diferenças geográficas,históricas, étnicas, culturais e econômicas (Del-Porto, 2001). No Quadro 11.1, estão listadosos sintomas mais comumente observados nospacientes, agrupados em forma resumida, se-guindo-se o modelo apresentado na lista desintomas da Escala de Obsessão e Compulsãode Yale-Brown (Asbahr, 2000).

Em quase todos os pacientes, as obses-sões e as compulsões são múltiplas, com varia-ção na intensidade, no tema ou no tipo de sin-toma com o passar do tempo, observando-sedesde formas mais leves até quadros graves eincapacitantes (Torres, 2001). Esses pacientespodem apresentar períodos de melhora ou pi-ora dos sintomas, mas sem que ocorra remis-são completa na grande maioria dos casos(Miranda e Bordin, 2001; Skoog e Skoog,1999). Na prática, observa-se que determina-das situações ou eventos de vida podem preci-pitar, agravar ou mesmo amenizar a sintoma-tologia.

EPIDEMIOLOGIA

O TOC é uma doença crônica, que atingeigualmente a ambos os sexos e que inicia, namaioria dos casos, na infância ou na adoles-cência, tendo início mais precoce nos homens(Del-Porto, 2001; Hounie et al., 2001; Lensi etal., 1996). O surgimento dos sintomas após os50 anos está geralmente associado a distúrbi-

Quadro 11.1 Principais sintomas observados no transtorno obsessivo-compulsivo

Obsessões

Obsessões de agressão: medo de se ferir ou de ferir os outros, medo de imaginar cenas violentas, medo dedizer obscenidades involuntariamente, medo de roubar ou furtar, medo de ser responsável por algo de terrível queaconteça.

Obsessões de contaminação: preocupação ou nojo por excrementos ou secreções do corpo, preocupaçãocom sujeira ou micróbios, preocupação em ficar doente por contaminação, preocupação excessiva com artigosdomésticos ou com animais.

Obsessões sexuais: pensamentos, imagens ou impulsos sexuais perversos ou proibidos.Obsessões religiosas: preocupação excessiva com sacrilégios, com blasfêmias, com a moralidade, com a

dicotomia certo/errado.Obsessões gerais: necessidade de simetria ou de exatidão; colecionismo; sons, palavras, números ou músicas

intrusivos.

Compulsões

Compulsões de limpeza/lavagem: lavagem excessiva ou ritualizada das mãos, higiene pessoal ritualizada ouexcessiva, limpeza excessiva da casa.

Compulsões de verificação: verificação de fechaduras, fogão, utensílios domésticos; verificar se não feriuoutras pessoas, verificar se não cometeu erros.

Rituais de repetição: reler, apagar ou escrever, necessidade de repetir atividades rotineiras.Compulsões de contagem: objetos, números, palavras e repetição de palavras ou versos que são ditos para o

próprio paciente, sem externá-las.Compulsões gerais: necessidade de tocar, falar, perguntar; necessidade de efetuar listas excessivas.

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os neurológicos (Weiss e Jenike, 2000;Scicutella, 2000).

Até meados da década de 80, o TOC eraconsiderado uma doença rara e, somente apósestudos mais recentes, passou-se a dar maiorimportância ao transtorno e às doenças rela-cionadas a ele (Del-Porto, 2001). Atualmente,apesar das diferenças existentes entre algunsestudos, podemos estimar a prevalência doTOC entre 1 a 3% da população (Stein et al.,1997; Fireman et al., 2001; Araújo, 1998).

Pelo sofrimento que causa ao paciente eaos familiares, bem como pelos prejuízos queacarreta na vida do indivíduo, o TOC repre-senta uma doença de grande importância paraa saúde pública, situando-se entre as 10 doen-ças (de todas as especialidades) que têm mai-or impacto sobre a incapacitação social (Del-Porto, 2001).

ETIOLOGIA

O TOC é uma doença heterogênea, deorigem multifatorial, não havendo uma causaúnica e comprovada que explique sua etiologia(Shavitt et al., 1997). Na sua origem, são con-siderados aspectos genéticos, neuroimuno-lógicos, neuroquímicos, neuroanatômicos eneuropsicológicos, os quais, em separado ouem conjunto, poderiam explicar as diferentesmanifestações clínicas e as respostas distintasaos tratamentos empregados. Nesse sentido, osestudos atuais encaminham-se para a identifi-cação de subgrupos homogêneos de pacientescom TOC, o que pode contribuir para o esta-belecimento de esquemas terapêuticos mais es-pecíficos e eficazes.

Esses subgrupos estão delimitados pela pre-sença de determinadas características, como pre-sença ou não de tiques, idade de início dos sinto-mas, presença de febre reumática e capacidadecrítica do paciente com relação aos seus sinto-mas (Hounie et al., 2001; Shavitt et al., 1997).

COMORBIDADE

A presença de outros transtornos é fre-qüentemente observada em pacientes portado-

res de quadros obsessivos, interferindo no cur-so, na evolução, no prognóstico e na respostaao tratamento (Petribú, 2001). De fato, cercade metade dos pacientes apresentam algumtranstorno comórbido, principalmente depres-são, e um número significativo � 50 a 80% �preenche critérios para algum transtorno depersonalidade (Baer, Jenike e Ricciard, 1990;Joffe, Swinson e Regan, 1988). Em ambos oscasos, mas sobretudo com relação aos trans-tornos de personalidade, a comorbidade asso-cia-se a uma pior resposta ao tratamentofarmacológico e cognitivo-comportamental.Entre os transtornos de personalidade, o queparece estar associado de forma mais consis-tente e com maior resistência ao tratamento éo transtorno de personalidade esquizotípico(Jenike et al., 1986).

TRATAMENTO

Basicamente, são duas as estratégias te-rapêuticas de eficácia demonstrada no trata-mento do TOC: a farmacoterapia com inibido-res de recaptação de serotonina e a terapiacognitivo-comportamental, empregadas emassociação ou isoladamente. Neste capítulo,abordaremos apenas o tratamento psicoterá-pico.

As primeiras abordagens terapêuticasnão-farmacológicas do TOC que se mostrarameficazes foram introduzidas por Meyer, na dé-cada de 60, que utilizou as técnicas de exposi-ção e prevenção de resposta, obtendo bons ín-dices de sucesso (Meyer, 1966; Meyer e Levy,1971). A partir desse trabalho, o aprimoramen-to das técnicas cognitivas e comportamentaislevou a uma melhora considerável no prognós-tico dos pacientes. Na verdade, a terapia cog-nitivo-comportamental (TCC) é considerada otratamento de primeira escolha para o TOC,sendo indicada isoladamente para os casos maisleves e associada à farmacoterapia nos casosmais graves (March et al., 1997). Em algunsestudos, a eficácia do tratamento a longo pra-zo é bem maior com técnicas de exposição doque com psicofármacos (Marks e Sullivan,1988).

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No entanto, um percentual considerávelde pacientes com TOC apresenta sintomasincapacitantes a longo prazo, em que pese otratamento combinado farmacológico e psico-terápico. Nesse sentido, são apontados algunsfatores que poderiam estar relacionados a ummelhor prognóstico e melhores resultados notratamento, como início mais tardio do qua-dro, menor gravidade dos sintomas, ausênciade transtorno de personalidade, curso episó-dico, bom ajustamento social e menor dura-ção da doença (Hounie et al., 2001; Keijsers,Hoodguin e Schaap, 1994). Porém, não há umconsenso sobre quais fatores podem ser efeti-vamente considerados como preditores de boaou má resposta ao tratamento.

Em um estudo envolvendo pacientes comTOC por um período de 40 anos, observou-semelhora sintomática em 83% da amostra, comrecuperação total em 20% e recuperação par-cial com sintomas subclínicos em 28%. Nesseestudo, o início precoce da doença, a presençade sintomas mistos, o baixo nível de funciona-mento social e o curso crônico correlacionaram-se com taxas menores de redução dos sinto-mas (Skoog e Skoog, 1999).

Com relação aos sintomas, as condutasritualísticas parecem ser mais responsivas àstécnicas cognitivo-comportamentais. Mudançasnos pensamentos obsessivos são menos obser-vadas com a TCC. A presença de obsessões deconteúdo sexual ou religioso associa-se a umpior prognóstico a longo prazo (Alonso et al.,2001).

MODELO TEÓRICO DA TERAPIACOGNITIVO-COMPORTAMENTAL

A terapia cognitiva foi desenvolvida nadécada de 60 por Aaron T. Beck, sendo origi-nalmente criada para o tratamento de pacien-tes deprimidos. Desde aquela época, o seumodelo conceitual e os procedimentos técni-cos vêm sendo ampliados e adaptados para umgrande número de condições psiquiátricas(Dobson e Franche, 1999; Beck, 1997).

Em linhas gerais, o modelo cognitivo ba-seia-se na hipótese de que as emoções e os com-portamentos são influenciados pela maneira

como o indivíduo estrutura o mundo, comopercebe e interpreta uma dada situação, atra-vés de seus pensamentos e de suas crenças.Segundo essa teoria, existem dois tipos bási-cos de cognições: os pensamentos automáticos,que são palavras, idéias, imagens ou lembran-ças que as pessoas têm a todo instante e quesurgem espontaneamente, como uma segun-da linha de pensamento; em geral, passamdespercebidos e estão associados a emoçõesintensas e à interpretação dos acontecimentos(Neto e Baltieri, 2001); e os esquemas cognitivosbásicos, que são aprendidos e formados combase nas experiências de socialização, princi-palmente nos primeiros estágios do desenvol-vimento (Dobson e Franche, 1999; Beck, 1997;Wielenska, Araújo, e Bernik, 1998; Neto eBaltieri, 2001).

Um esquema é um corpo de conhecimen-tos armazenados que interage com a codifi-cação, a compreensão e a recordação, guian-do, assim, a atenção, a interpretação e a me-mória. Esses esquemas podem ser entendidoscomo a estrutura básica da pessoa que a colo-ca em relação com o mundo, orientando e or-ganizando sua experiência. Tais esquemas po-dem ser adaptativos, flexíveis e orientados paraa realidade ou, em função da predisposiçãogenética e de experiências negativas, bem comodo significado dessas experiências para o indi-víduo, constituírem-se como esquemas rígidos,desadaptativos e disfuncionais. Em suma, po-demos dizer que a ativação pronunciada des-ses esquemas cognitivos na presença de even-tos estressantes eliciam a formação de pensa-mentos automáticos disfuncionais que podemcontribuir para o surgimento ou a manuten-ção de transtornos mentais. No terreno dapsicopatologia, o modelo cognitivo enfatiza opotencial dos pacientes para perceber e inter-pretar negativamente o ambiente e os fatos queo rodeiam.

Beck e colaboradores (1997) descreveramvários processos cognitivos que podem condu-zir as emoções, os comportamentos e as con-seqüências motivacionais negativas. Nesse pro-cesso, estão incluídos erros como a generali-zação excessiva, a magnificação de um acon-tecimento, a personalização, o pensamentoabsolutista dicotômico, a inferência arbitrária

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e a abstração seletiva. Embora esses processostenham sido descritos inicialmente para a de-pressão, eles podem ser formulados para ou-tros transtornos e devem ser considerados notratamento. A terapia cognitiva enfatiza a iden-tificação e a modificação desses processos e deoutros padrões cognitivos disfuncionais. Em-bora o foco principal da terapia seja o aspectocognitivo, o modelo cognitivo da disfunçãosupõe uma inter-relação entre afeto, compor-tamento e cognição, visando a produzir mu-danças nessas três áreas em uma perspectivaintegradora.

David Shapiro, em 1965, foi o primeiroteórico a discorrer sobre o TOC do ponto devista cognitivo, relatando:

1. um estilo de pensamento rígido, in-tenso e voltado inteiramente para ointerior, como se sua atenção focali-zasse somente o que se passa emsuas idéias;

2. ausência de escolha e vontade pró-pria, na qual todas as regras devemser rigidamente seguidas;

3. perda do senso de realidade, faltan-do uma base na qual ações, emoçõese crenças possam apoiar-se. (Beck eFreeman, 1993).

Nesse tipo de transtorno, sugere-se queos pensamentos intrusivos não tenham umaconotação afetiva automática, porém adquirempropriedades emocionais como resultado daavaliação feita pelo indivíduo, podendo assu-mir afeto positivo, negativo ou neutro. A inte-ração do pensamento intrusivo com as crençasde responsabilidade em indivíduos hiperso-cializados resulta no padrão característico docomportamento compulsivo, que neutraliza talpensamento (Salkovskis, 1994). Os pensamen-tos intrusivos evocam respostas cognitivas soba forma de pensamentos negativos relaciona-dos à responsabilidade ou à culpa por danos àprópria pessoa ou a terceiros (Ito, 1996). Ou-tras características dos pacientes são uma ava-liação exagerada e irrealista dos riscos, a dúvi-da patológica e a sensação de incompletude(Wielenska, Araújo e Bernik, 1998).

Os pensamentos automáticos negativosdesempenham um importante papel, influen-ciando a realização e a manutenção dos ritu-ais compulsivos. Por exemplo, os rituais delimpeza sofrem influência das cognições so-bre contaminação e das antecipações catas-tróficas sobre as conseqüências para si e paraoutros, caso não sejam realizados (Neto eBaltieri, 2001).

Algumas crenças falsas têm sido identifi-cadas como mantenedoras de tais pensamen-tos e compulsões: preciso ter garantias, nãoconsigo suportar a ansiedade/desconforto, nãoposso cometer erros, sou responsável por cau-sar danos, sou culpado por não evitar os da-nos, pensar é o mesmo que agir, é terrível to-mar a decisão errada, toda situação tem umcerto e um errado, devo ter controle sobre tudoe o tempo todo, estou em perigo constante, souresponsável pelos outros, devo ser perfeito(Neziroglu, 1992). A modificação desses esque-mas de pensamento pode aumentar a eficáciaterapêutica, através do emprego de técnicas es-pecíficas, focalizando os pensamentos automá-ticos distorcidos, examinando as evidências queapóiam ou refutam tais pensamentos, modifi-cando as crenças disfuncionais e procurandosubstituir as cognições errôneas por interpre-tações mais adaptativas e orientadas para arealidade (Beck, 1997; Beck e Freeman, 1993).Pacientes com TOC parecem acreditar que omundo é um lugar potencialmente perigoso, oqual precisa ser controlado.

Seis tipos de domínios cognitivos estãoassociados ao TOC:

1. responsabilidade;2. estimativa da ameaça;3. perfeccionismo;4. supervalorização do papel dos pen-

samentos;5. controle sobre os pensamentos;6. tolerância por ambiguidade (Neto e

Baltieri, 2001). No enfoque compor-tamental, considera-se que as obses-sões são estímulos condicionadosadquiridos através dos mecanismosdo condicionamento clássico e ope-rante, provocando ansiedade e des-

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conforto, e que o alívio da ansieda-de reforça o comportamento com-pulsivo (Dobson e Franche, 1999).

A terapia comportamental tem seu fun-damento na teoria da aprendizagem, desen-volvida por Pavlov e Skinner, a qual consideraa ansiedade uma resposta aprendida. As pes-soas parecem desenvolver especificamente oTOC quando elas aprendem que alguns pensa-mentos são perigosos ou inaceitáveis e, aomesmo tempo, querem prevenir-se quanto àssurpresas que esses pensamentos podem cau-sar-lhes, desenvolvendo a ansiedade sobre arecorrência de tais pensamentos. Assim, as es-tratégias que o indivíduo utiliza para livrar-seda ansiedade, se bem-sucedidas, passam a sermantidas (Kerbany & Wielenska, 1999).

Os pacientes geralmente realizam as com-pulsões para aliviar a ansiedade produzida porsuas obsessões. Ou seja, como as repetições dasações e dos rituais produzem um alívio imedi-ato da ansiedade (reforço positivo), eles pas-sam a utilizá-los habitualmente para impedira exposição do suposto risco, certificar-se daausência do perigo e reduzir os sintomas deansiedade. No entanto, nem todas as pessoascom obsessões desenvolvem compulsões.

Os fundamentos básicos das estratégiascomportamentais para o TOC são os princípi-os da extinção e da habituação. A extinçãorefere-se ao processo pelo qual os fatores ouas circunstâncias que reforçam a repetição decomportamentos são removidos. Assim, ospensamentos e/ou os comportamentos quenão são reforçados tendem a diminuir de fre-qüência. Já a habituação relaciona-se à ten-dência biológica cerebral de não focalizar umainformação quando a mesma é continuamen-te presente.

A exposição e a prevenção de resposta sãoconsideradas as técnicas comportamentais de es-colha para os pacientes obsessivos. A técnica deexposição consiste basicamente em colocar opaciente na situação desencadeante da ansie-dade e lá permanecer até que os sintomas físi-cos e as sensações desagradáveis diminuam deintensidade (Beck e Freeman, 1993). A exposi-

ção repetida ao estímulo temido e o impedimen-to do comportamento compulsivo promovem ahabituação, levando à extinção gradual da an-siedade e das obsessões (Salkovskis, 1994; Ito,1996; Neziroglu, 1992).

Atualmente, as técnicas comportamentaissão empregadas junto com a abordagem cog-nitiva. Nesse sentido, o enfoque cognitivo éespecialmente útil nas seguintes condições:

1. no desenvolvimento de estratégiasque podem ser usadas para permitira realização de técnicas comporta-mentais, incluindo estratégias parafacilitar a avaliação, evitar desistên-cias e melhorar a adesão ao trata-mento, bem como maximizar aefetividade da exposição e a preven-ção de resposta;

2. no intuito de tornar as técnicas com-portamentais mais efetivas, com oemprego de modalidades que objeti-vam permitir aos pacientes modifi-car as avaliações negativas dos pen-samentos obsessivos e causar mu-danças mais gerais nas crenças rela-cionadas à responsabilidade;

3. no tratamento em si mesmo, sobre-tudo para pacientes não-responsivosou resistentes à terapia comporta-mental (Salkovskis, 1994).

Antes de iniciar qualquer procedimento,o terapeuta deve proceder a uma análise cog-nitivo-comportamental do paciente, enfocandoos seguintes aspectos (Wielenska, 2001): ava-liação global do funcionamento do paciente,nível de gravidade do TOC, caracterização dossintomas (início, freqüência, duração, eventosantecedentes e conseqüencias do comporta-mento), comorbidade psiquiátrica, tratamen-tos prévios, expectativas em relação à terapia,funcionamento da família e sua relação com ocomportamento ritualístico, explicação dosobjetivos e do tipo de tratamento.

Na primeira avaliação, é fundamental teruma postura acolhedora, empática e pedagó-gica, explicando ao paciente e aos familiares o

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que é o TOC, no sentido de diminuir ou ame-nizar as dúvidas e os preconceitos com relaçãoao transtorno, o que acreditamos já contribuirpara reduzir a ansiedade e a culpa inerentesaos quadros obsessivos, além de favorecer umaaliança terapêutica segura. Os pacientes comTOC geralmente interpretam seus pensamen-tos como indicativos de que ficarão loucos.Outra interpretação errônea é considerar queo pensamento corresponde a um desejo ou auma possível ação. Assim, um pensamentointrusivo sobre ferir ou matar o filho significaque ele realmente vai fazer isso. Os pacientesacreditam que o pensamento é um preditor docomportamento e, sendo assim, tornam-se res-ponsáveis pela prevenção das conseqüências.

Parte do processo também implica mos-trar ao paciente que os pensamentos intrusivosfazem parte do nosso cotidiano, seja como pen-samentos positivos ou mesmo como pensamen-tos negativos sobre situações realmente peri-gosas. Além de ensinar aos pacientes a respei-to do TOC, deve-se ainda apresentar o modelocognitivo-comportamental para o tratamentoe estabelecer objetivos terapêuticos de comumacordo, os quais sejam relevantes e manejá-veis em uma ordem de prioridade.

Formada e assegurada a aliança terapêu-tica, os problemas a serem abordados são mo-nitorados pelo paciente por escrito, no espaçoentre as sessões, de forma a permitir conhecercomo são seus pensamentos e seus sentimen-tos no momento em que ocorre o problema.Após a verificação dos pensamentos automáti-cos descritos, determinam-se as suposições ouos esquemas subjacentes aos vários pensamen-tos automáticos, auxiliando o paciente no en-tendimento de como ele aprendeu o esquemaque utiliza. O trabalho terapêutico consiste,então, em ajudar o paciente com TOC a identi-ficar e compreender as conseqüências negati-vas de tais suposições ou esquemas e a desen-volver modos de refutá-las, de maneira que nãocontrolem os sentimentos e o comportamentodo paciente, acarretando os problemas que otrouxeram à terapia.

Estruturar as sessões é um passo de gran-de importância no trabalho com esses pacien-

tes, devido às características dos obsessivos. Porisso, os pacientes com TOC são forçados a es-colher e abordar um dos problemas específi-cos, além de ajudá-los a estruturar sua vida,até atingir um nível de melhora considerável eaceitável.

Muitas técnicas podem ser úteis, como orelaxamento, uma vez que os pacientes tornam-se mais descansados e menos ansiosos paradesenvolver suas atividades, e as técnicas deinterrupção de pensamentos ou técnicas dedistração, que os ajudam a enfrentar suas pre-ocupações e ruminações crônicas,redirecionando os processos de pensamento.Outra técnica muito utilizada e de grande va-lor para os pacientes com esse transtorno é atarefa gradual, na qual o objetivo é subdividi-do em passos específicos definidos, controlan-do o pensamento e demonstrando que as açõessão realizadas por graus de progresso, não sen-do efetuadas com perfeição ou de modo intei-ramente correto desde o início. Recomenda-seque, ao término da terapia, os pacientes comTOC sejam instruídos a respeito de possíveisrecorrências de um problema, e de como po-dem utilizar sozinhos as técnicas aprendidasdurante o processo terapêutico ou buscar aju-da em sessões adicionais e ocasionais de refor-ço (Beck e Freeman, 1993).

Cabe ressaltar ainda a importância deorientação aos familiares. Os membros da fa-mília de uma pessoa com TOC podem sentirou desenvolver raiva e grande incômodo emrelação ao paciente, ou mesmo se acomoda-rem aos rituais e comportamentos compulsi-vos, produzindo modificações importantes naorganização familiar. O entendimento dos pa-drões de comportamento e do funcionamentoda família na interação com o paciente podeser de grande valia para o sucesso terapêutico.

Finalizando, também consideramos im-portante desmistificar a idéia de que a TCCpromove apenas um alívio temporário, ocor-rendo uma substituição dos sintomas com otempo. Estudos prospectivos de dois ou maisanos de duração mostraram que a melhora nosrituais foi mantida em quase todos os pacien-tes (Wielenska, 2001).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A TCC possui, em todo o seu escopo, fer-ramentas necessárias e extremamente satisfa-tórias para beneficiar a vida dos pacientes comTOC, corrigindo os comportamentos desadap-tados.

A combinação dos dois enfoques ajuda aenfraquecer a conexão entre as situações queestão incomodando e as reações habituais aelas, como confrontar o medo, a depressão, araiva ou os comportamentos de derrota e da-nos a si mesmo; ajuda a ensinar como sentir-se melhor, pensando mais claramente e deci-dindo as ações da melhor maneira; propicia aaprendizagem de como certos pensamentos,moldados pelas experiências anteriores, estãocausando os sintomas, trazendo para o dia-a-dia as distorções incômodas dos comportamen-tos sem nenhuma razão aparente, ou mesmoprovocando reações inconvenientes para simesmo e para as outras pessoas.

No entanto, apesar das evidências, a TCCainda é pouco empregada no nosso meio, tan-to para o TOC quanto para outros transtornosque podem beneficiar-se dessa abordagem.Possíveis causas seriam os preconceitos comrelação à técnica, as dificuldades no manejoda técnica e, por último, talvez como conse-qüência das anteriores, o pequeno número deterapeutas cognitivo-comportamentais existen-tes no Brasil.

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Dependência QuímicaFlávia AndradeEduardo Simon

MOTIVAÇÃO E MUDANÇA

Segundo Miller e Rollnick (1991), a maio-ria dos pacientes é ambivalente a respeito damudança, e a motivação para isso é um estadoque pode flutuar de uma hora para outra.

Os dependentes chegam ao tratamentopor diversos motivos: podem ter sido �força-dos� por familiares ou amigos, podem ter vistosua vida deteriorar-se, etc. Ao iniciarem o tra-tamento, porém, esses pacientes geralmente jáestão estigmatizados e em um ponto no qualjá ocorreram diversos prejuízos e perdas. Se-gundo Washton (1989), cerca de 50% dos de-pendentes de cocaína abandonaram tratamen-tos prévios nas três primeiras semanas.

É importante que o terapeuta identifiqueo estágio de mudança em que se encontra opaciente a fim de possibilitar o uso de técnicasmais adequadas para cada um deles. Prochaskae colaboradores (1992) identificaram cincoestágios para mudança:

� Pré-contemplaçãoNeste estágio, os pacientes não reco-nhecem que têm um problema. Elessão os menos motivados e geralmentesão trazidos pelos familiares.

� ContemplaçãoNeste estágio, os pacientes estão dis-postos a examinar os problemas rela-

ASPECTOS COGNITIVOSNA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A dependência química é vista como umproblema complexo e com vários determinan-tes, incluindo aspectos sociais, genéticos, bio-lógicos, culturais e socioeconômicos. Dentreeles, podemos salientar a história familiar doindivíduo, a pressão cultural do meio em quevive, seus traços de personalidade, os distúrbi-os afetivos que possa apresentar e o grau defacilidade para conseguir a droga. Pensamen-tos ou cognições estão presentes nesses deter-minantes da dependência (Beck et al., 1992).

Existem inúmeras explicações para enten-der o que leva uma pessoa a usar drogas e tor-nar-se dependente. Em geral, o processo dedependência pode ser entendido em termos defórmulas simples, até mesmo óbvias. Uma ra-zão básica para começar a usar drogas ou ál-cool é a busca de prazer. Se não levarmos emconta o fato de o efeito da droga ser prazerosopara o usuário, não estaremos compreenden-do o papel desempenhado por ela para o pa-ciente. A busca da euforia ou do bem-estar quea droga oferece e a possibilidade de comparti-lhar tais sensações com os companheiros deuso são extremamente sedutores (Stimmel,1991). Aliado a isso, há uma grande expectati-va de que a droga será capaz de aumentar acriatividade e o desempenho social.

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cionados à dependência e considerama possibilidade de parar com as dro-gas. Existe uma ambivalência a respei-to da situação: começam a reconhe-cer que pode haver um problema, maspodem não estar fazendo nenhumaação para parar. Estão mais sujeitos aresponder positivamente à confronta-ção e à educação do que aqueles noestágio pré-contemplação.

� PreparaçãoNeste estágio, os pacientes desejam fa-zer mudanças, mas podem ter dificul-dade em como fazê-lo, estando maisdispostos a aceitar ajuda.

� AçãoNa ação, os pacientes fazem um acor-do para mudar e começam a alterar seucomportamento. Essa fase pode serparticularmente estressante, necessi-tando de mais suporte e encorajamen-to por parte do terapeuta (Prochaskaet al., 1992). O paciente está tendoque mudar seu estilo de vida, afastar-se de seus �amigos�, descobrir as cren-ças que perpetuam o uso das drogas emodificá-las.

� ManutençãoOs processos iniciados nos estágiosanteriores continuam durante a ma-nutenção. Conforme Prochaska eDiClemente (1986), a maior parte dospacientes não progride linearmenteatravés dos estágios de mudança. Opaciente, portanto, pode entrar e sair(recair) a qualquer momento. A im-portância desses estágios para o tera-peuta é saber identificar em qual de-les o paciente está inserido quandochega ao tratamento (e depois de seuprogresso) a fim de utilizar as técni-cas e os exercícios mais adequados,bem como engajar o paciente no tra-tamento o mais rápido possível, dimi-nuindo, assim, o risco de abandono.

A TERAPIA COGNITIVA

Mesmo quando abstinente, as crenças doindivíduo sobre si e sobre o mundo dificultamseu retorno à sociedade, resultando em pessi-mismo e falta de motivação. Ele vê seu futurocomo um continuum de fracasso. Ao se vercomo um �perdedor�, qualquer ação que ve-nha a tomar para corrigir a situação será total-mente ineficiente (Beck, 1976). Conseqüente-mente, não tem motivação para formular ob-jetivos e engajar-se em atividades construtivas.Condicionado a essas crenças, o paciente en-volve-se no mesmo comportamento que o aju-dou a gerar suas crenças iniciais, reforçando-as. O resultado, então, é um ciclo vicioso.

No modelo cognitivo da dependência, opaciente não é visto como responsável pelodesenvolvimento do problema, e sim por suamudança, sendo considerado capaz de fazê-loatravés de seu esforço próprio. Assim, a tera-pia cognitiva é baseada no pressuposto de queo paciente é dependente devido ao modocomo constrói a si próprio e o mundo e aomodo como desenvolveu padrões específicosde interpretação (Beck et al., 1992). Na tera-pia, o paciente é ajudado a descobrir, exami-nar e modificar sua tendência de interpretaros eventos de forma negativa, aprendendo ase ver de forma mais positiva, em vez de comouma pessoa sem capacidade e potencial para amudança.

Na terapia cognitiva, a maneira pela qualas pessoas interpretam situações específicasinfluencia seus sentimentos, suas motivaçõese suas ações. As interpretações são modeladasem vários momentos por crenças relevantes quesão ativadas em determinadas situações, como:�Eu ficarei mais relaxado se tomar uma cerve-ja�, �Quando eu cheiro [cocaína], as pessoasgostam mais de mim�. Indivíduos com essascrenças específicas estão mais vulneráveis a setornarem dependentes. Ativadas sob circuns-tâncias preditivas, essas crenças aumentam aprobabilidade da continuação do uso de subs-tâncias (Beck et al., 1985).

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Aliada a isso, a terapia cognitiva procurareduzir o excesso de reações emocionais e decomportamentos autodestrutivos ao modificarpensamentos e crenças mal-adaptativos queprecedem tais reações (Beck, 1976; Beck et al.,1997). Assim, o paciente entra em contato comos problemas que levam a um sofrimento emo-cional e aprende a ter uma visão mais críticasobre a dependência e a busca por prazer oualívio dos sofrimentos. Algumas estratégiascognitivas ajudam a reduzir as fissuras e, aomesmo tempo, a estabelecer um sistema deautocontrole mais forte. Além disso, a terapiacognitiva ajuda o paciente a combater outrostranstornos, tais como a depressão, a ansieda-de e a raiva, os quais estão freqüentementepresentes e mantêm a dependência como umtodo.

A terapia cognitiva pode ser compatívelcom diversas outras modalidades de tratamen-tos: ambulatorial, individual, em grupo, fami-liar, hospitalar, farmacológico e em grupos deauto-ajuda. O que ela tem a oferecer é a ênfa-se 1) na identificação e na modificação de cren-ças que aumentam as fissuras, 2) na atenua-ção do estado afetivo negativo (raiva, ansieda-de e desesperança), 3) no aprendizado de vá-rias técnicas cognitivas e comportamentais, ouseja, não contando somente com a força devontade para ficar e manter-se abstinente e 4)no auxílio aos pacientes para irem além da abs-tinência e realizarem mudanças positivas fun-damentais no modo como vêem a vida e o fu-turo, levando-os a um novo �estilo de vida�(Beck et al., 1992).

AS CRENÇAS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Por definição, os dependentes são pessoascom dificuldades para interromper permanen-temente o uso de drogas (APA, 1994). Elespodem ter começado a usá-las voluntariamen-te e acreditam poder parar quando quiserem.Aos primeiros sinais de problemas decorrentesda dependência (por exemplo, familiares, pro-fissionais, médicos), optam por ignorá-los ou

minimizá-los, atribuindo-os a alguma outrarazão menos importante. Um fator que ajudao paciente a manter o uso da droga é a crençade que a abstinência produzirá efeitos colateraisintoleráveis.

Pessoas com problemas mais adversos navida são mais propensas a se tornarem depen-dentes do que pessoas satisfeitas com a vida(Peele, 1985), muitas vezes por buscarem umalívio temporário para sentimentos como an-siedade, tensão, tristeza ou tédio. Pessoas combaixa auto-estima podem ter a crença de que adroga melhorará seu moral, possibilitando ainserção em um novo grupo social em que oúnico pré-requisito para ser aceito é o uso. Arede de problemas internos e externos que le-vam ao uso e, mais tarde, mantêm o uso com-pulsivo da droga é uma das características maispresentes na dependência. Outras característi-cas como baixa tolerância à frustração, faltade assertividade e baixo controle dos impulsostambém são fatores determinantes.

Peele (1985) diferencia as característicasde um dependente e de um usuário. Segundoele, os dependentes atribuem valores impor-tantes às drogas, ao passo que os usuários oca-sionais dão importância a outros valores, comoa família, os amigos e o trabalho.

Um obstáculo importante para cessar o usoé a rede de crenças disfuncionais que gira emtorno do uso das drogas, como, por exemplo:�Eu nunca serei feliz se não as usar�. Crençascomo essas devem ser consideradas com muitaseriedade, pois o paciente provavelmente, du-rante o curso de sua dependência, interpretoucomo tendo sido este o único momento em quefoi �feliz�. A suspensão da droga é vista comouma privação de satisfação ou uma ameaça aobem-estar funcional (Jennings, 1991).

Alguns pacientes tentam parar por contaprópria; porém, quando surge a fissura e nãoconseguem resistir a ela, podem vivenciar ossentimentos de decepção e sofrimento comosendo intoleráveis, o que gera pensamentos dotipo �Eu não consigo lidar com esse sentimen-to�, o que os deixam ainda mais frustrados etristes.

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Os pacientes geralmente têm um aglome-rado de crenças que se tornam mais fortesquando resolvem interromper o uso de drogas.Elas giram em torno da antecipação da absti-nência, como: �Se eu não usar, não vou conse-guir agüentar a dor�, �Não há nada que valhaa pena�, �O que vou fazer?�, �Vou perder to-dos os meus amigos e acabar só� (Beck et al.,1985). Já outro grupo de crenças gira em tor-no da sensação de desesperança do pacienteem relação às fissuras (Beck e Emery, 1977).Elas fazem com que o paciente acredite quenão conseguirá controlar-se, o que acaba, porsi só, confirmando a crença de que não é capazde superar a dependência.

As crenças também modelam as reaçõesde um indivíduo às reações fisiológicas associa-das à ansiedade e à fissura (Beck et al., 1985).Crenças do tipo �Eu não consigo lidar com aansiedade� influenciam as reações dos pacien-tes a essas sensações.

As crenças ligadas à dependência (asaditivas) parecem derivar de uma ou mais com-binações de crenças centrais. O primeiro gru-po de crenças centrais refere-se à sobrevivên-cia pessoal, ao desempenho, à liberdade e àautonomia, como �Eu sou fraco, inferior, inap-to, fracassado, desconsolado, aprisionado, der-rotado�. O segundo grupo de crenças está li-gado ao vínculo afetivo com outras pessoas oua um grupo, havendo a preocupação de seramado ou aceito e o medo de ser rejeitado.

A mesma constelação de crenças centrais,crenças aditivas e fissuras pode ser aplicada aqualquer fator instigante ou a qualquer droga.A seqüência geralmente procede das crenças cen-trais � como uma visão negativa de si próprio(indesejado, sem esperanças), do ambiente(opressivo) e/ou do futuro (desesperança) �, dossentimentos desagradáveis � como disforia ouansiedade, o que leva o indivíduo propenso aovício experienciar � das fissuras e da depen-dência psicológica nas drogas � como �Eu pre-ciso da cocaína para me sentir melhor� (Becket al.,1992).

Embora as crenças centrais representema base das crenças aditivas, elas podem nãoestar visíveis se o paciente estiver deprimido,deixando as crenças aditivas mais acessíveis.Estas, então, podem ser ativadas por uma se-

qüência específica, sendo as crenças antecipa-tórias as primeiras. No começo, assumem aforma do tipo �Será divertido fazer isso, nãotem problema experimentar�. À medida que opaciente adquire prazer com a droga, ele vairomantizando aquelas crenças preditivas degratificação ou fuga: �Eu terei uma hora depuro prazer... Ficarei menos ansioso ou triste�.Outras crenças são preditivas de aumento desociabilidade ou eficiência, como, por exem-plo: �Terei melhor desempenho no trabalho,serei mais divertido e as pessoas gostarão maisde mim�.

Os pacientes dependerão mais da drogapara contrabalançar os sentimentos de sofri-mento e acabarão criando crenças de �confor-to�, tal como �Eu preciso da cocaína para fun-cionar... não posso continuar sem... não consi-go lidar com a fissura�. A qualidade imperati-va dessas crenças faz com que o paciente acre-dite não haver outra opção, levando-o a inici-ar o processo de desenvolvimento da fissura.

Outro importante ponto é que os depen-dentes têm alguns conflitos quanto a usar ounão as drogas. Em geral, criam crenças per-missivas ou facilitadoras, como �Eu mereço, euconsigo controlar�, �Todo mundo está usando�,�É só hoje�, �Já que estou me sentindo mal,posso usar�. Tais crenças acabam por diminuira culpa do usuário. Um exemplo disso é aque-le paciente que alega estar em um bar comamigos, afirmando ser �grosseria� não aceitaras bebidas servidas à mesa. Em sua opinião,isso tira sua parcela de �culpa� no processo (�Oculpado por minha recaída foi o garçom�). Ofato concreto da recaída é que o paciente esta-va no bar (onde sabia que não poderia estar) ecom amigos (com os quais sabe que não deve-ria estar).

A RECAÍDA

Comumente, o dependente começa a to-mar pequenas decisões que acabam levando auma recaída. Essas decisões são chamadas deDecisões Aparentemente Irrelevantes (DAI)(Marllat e Gordon, 1980). O indivíduo come-ça a preparar lentamente o terreno para umapossível recaída, tomando uma série de DAIs,

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cada uma das quais move o indivíduo um pas-so à frente em direção à perda de controle. Avontade � ou a fissura � pode tomar a formade distorções cognitivas que preparam ou �dão�permissão para uma nova recaída, tais como anegação, a racionalização ou as DAIs. Às ve-zes, o dependente pode não estar totalmenteconsciente da motivação subjacentes às DAIs.São atitudes tão pequenas que aparentam serirrelevantes aos olhos do próprio dependentequanto aos olhos das pessoas próximas. Se asracionalizações conseguem convencer a todos,a DAI é �justificada� sem desencadear quais-quer alarmes de culpa ou vergonha (Marlatt,1982). Como o dependente faz essa �prepara-ção� para a recaída, pode ser capaz de assumira responsabilidade pessoal por esta. Por ter secolocado em uma situação de alto risco, elepode afirmar que foi �sobrepujado� pelas cir-cunstâncias que tornam �impossível� resistir atal recaída (Martlatt, 1985).

Na seqüência, o dependente desenvolveum plano de ação para conseguir a droga econsumi-la. Esse plano consiste em planejarcognitivamente como conseguirá a droga, ondee como comprará (ligar para o traficante, en-contrar-se com ele) e o que precisará fazer paradespistar os familiares ou amigos. Uma vez ela-borado o plano, ele sai em busca de suaconcretização. Como resultado, o pacientepode ter um lapso ou uma recaída. O lapso édefinido como o uso da droga seguido de umnovo período de abstinência, ao passo que arecaída é o retorno ao uso freqüente da subs-tância. Na terapia cognitiva, a recaída é vistacomo uma forma de aprendizado, e não comouma �sem-vergonhice� ou falta de caráter. Oimportante é entender o que e quando aconte-ceu, possibilitando a abordagem na sessão. Arecaída é esperada durante o tratamento e nãorepresenta um insucesso ou um motivo parainterrompê-lo.

O paciente oscila entre usar e não usar adroga durante vários estágios do tratamento.Cada crença pode ser ativada durante diferen-tes circunstâncias ou ao mesmo tempo. A ba-lança entre a força relativa de cada crença emum dado momento e a disponibilidade da dro-ga influenciará a decisão do paciente de usar adroga ou permanecer abstinente (Beck et al.,

1985). Dependendo do grau de desconforto eda capacidade do indivíduo de lidar com ele,pode acabar facilitando o uso da droga comouma forma de alívio. Dependendo do estágioem que se encontra o paciente, esse conflitogera mais desconforto, podendo levá-lo a bus-car a droga como forma de alívio. No estágioda pré-contemplação, por exemplo, quase nãohá desconforto. Entretanto, se o dependenteestá no estágio da ação ou da manutenção, odesconforto pode ser grande. Já o pacientemenos preparado, ou seja, aquele que aindanão lidou com suas crenças básicas e aditivas,pode recair mais facilmente, mesmo que tenhaestabelecido um plano de ação comportamen-tal de prevenção de recaída com o terapeutano início. Na terapia, os pacientes aprendem alidar com esse desconforto e a testar (ereestruturar) suas crenças de que a droga é amelhor maneira de lidar com o mal-estar emo-cional.

A fissura é ativada em uma situação esti-mulante específica e pode aparentar ser um re-flexo a tal estímulo. Contudo, entre o estímuloe a fissura há uma crença de que é ativada pelasituação. Dessa crença deriva um pensamentoautomático. Tal seqüência ocorre tão rapida-mente que, muitas vezes, é vista como um re-flexo condicionado associado ao consumo(O�Brien, 1992). O pensamento automáticoparece ser instantâneo, podendo ser captura-do somente se o paciente aprender a focalizarna seqüência de eventos (Beck et al., 1992).Porém, ao contrário do que muitos dependen-tes pensam, a fissura passa. Isso pode ser umanovidade para muitos dependentes, pois amaioria deles sempre se entregou a ela. As si-tuações que podem ajudar a desencadeá-la sãoalgumas situações internas (emoções) e exter-nas (colher, banheiro, bebida, etc.).

As crenças aditivas e as fissuras geralmen-te são ativadas em situações específicas, quasesempre previsíveis, também chamadas de estí-mulos de situação (Moorey, 1989). Dependen-do do humor e do autocontrole, o risco variaconsideravelmente. O paciente pode ter suces-so ao lidar com uma situação uma vez e, emuma nova ocorrência, pode ter uma recaída.Marlatt e Gordon (1985) chamam essas situa-ções de alto risco.

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Uma importante meta da terapia cogniti-va é ajudar o paciente de duas maneiras: a pri-meira é reduzir a intensidade e a freqüênciadas fissuras ao enfraquecer as crenças subja-centes, e a segunda é ensinar ao paciente téc-nicas específicas para controlar suas fissurasou lidar com elas (Beck et al., 1992). Resumi-damente, o objetivo é reduzir a pressão e au-mentar o controle. O terapeuta também preci-sa lidar com a existência de comorbidades comoutros transtornos psiquiátricos.

Por apresentar concomitantes biológicos,sociais e psicológicos, a dependência químicaé um transtorno muito difícil de ser tratado,normalmente não sendo suficiente a focali-zação nos pensamentos do paciente. A terapiatambém deve intervir no comportamento,como controle de estímulo, treinamento de ha-bilidades sociais, automonitoramento, relaxa-mento e contrato de contingência.

Para corrigir o padrão errôneo de cren-ças que contribuem para a dependência, o te-rapeuta, juntamente com o paciente, designatarefas que esclarecem e testam as interpreta-ções de suas experiências (Beck e Emery, 1977).Terapeuta e paciente examinam a seqüênciade eventos que levam ao uso da droga. Tal se-qüência, explicada anteriormente, revela osvalores que o paciente deposita nas drogas, ouseja, as crenças que tem sobre elas. Ao mesmotempo, o terapeuta ensina o paciente a avaliare considerar as maneiras pelas quais o pensa-mento falho produz estresse e sofrimento (Becke Emery, 1977). Além disso, ajuda a modificaros pensamentos automáticos sobre si e sobre adroga. Através do ensaio e da prática, os paci-entes aprendem a criar um sistema de contro-le ao se deparar com a fissura.

Outra técnica usada é a avaliação de van-tagens e desvantagens a curto e longo prazo.Quando as crenças aditivas são ativadas, ocor-re o bloqueio cognitivo, que inibe a atenção ea consciência sobre as conseqüências a longoprazo do uso de drogas, aumentando os focosnas estratégias instrumentais imediatas, comopegar dinheiro para comprar drogas. Por blo-quear a incongruência, esse fenômeno é cha-mado de bloqueio cognitivo. Essa técnica for-nece informações relevantes sobre as crençasaditivas e básicas do paciente, sendo impor-

tante realizá-la com o paciente para que eleconsiga parar e avaliar as conseqüências doseu uso.

A terapia cognitiva ajuda o paciente aencontrar uma maneira mais satisfatória de li-dar com os problemas e os sentimentos desa-gradáveis sem ter de recorrer às drogas embusca de alívio. Uma das características princi-pais da terapia cognitiva é o uso do questiona-mento socrático, o qual ajuda o paciente a exa-minar áreas de bloqueio, como a freqüência ea quantidade de droga usada, perdas devidoao uso, etc., auxiliando-o a gerar opções e so-luções novas. Tal abordagem interrompe o pa-drão impulsivo de agir do paciente, fazendo-oquestionar e avaliar objetivamente suas cren-ças e suas atitudes (Beck, 1976).

É comum que o paciente dependente vol-te-se para as drogas quando tem algum pro-blema, muitas vezes por não dispor de outraopção. O tratamento precisa ensiná-lo a resol-ver seus problemas sem ter de recorrer às dro-gas. O que parece óbvio para nós pode não serpara ele.

O tratamento também deve focalizar aajuda ao paciente para que encontre outras fon-tes de prazer, pois na sua vida tudo gira emtorno dessa temática. Ele não conhece muitosmeios de obter prazer que não seja através douso das drogas. Amigos e lugares, na grandemaioria, estão no mesmo meio que o seu. Tam-bém é preciso ensinar a agir de forma assertiva.Esta é uma ferramenta importante, já que eletem dificuldade de recusar a droga por inúme-ras razões: pela fissura ou por suas crenças(considerar-se inadequado, fracassado, não im-portante o suficiente, não merecedor de amar,etc.). O importante é que o paciente aprenda ase sentir confortável para conseguir expor suasidéias e seus sentimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação terapêutica desse modeloenvolve associar mais importância na modifi-cação do sistema de crenças do indivíduo doque simplesmente fazer com que ele evite assituações de alto risco. A terapia cognitiva fo-caliza a modificação de cada categoria de cren-

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ças, antecipatória e permissiva, com as cren-ças centrais que potencializam o uso das cren-ças aditivas (Beck et al., 1992). O processo demudança envolve mais do que modificar ascrenças. Terapeuta e paciente devem trabalharjuntos para melhorar o sistema de controle eaprender técnicas para lidar com a dependên-cia, fazendo com que o paciente esteja prepa-rado, tanto do ponto de vista comportamentalquanto cognitivo, para ser capaz de prevenir arecaída.

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PARTE IVA Terapia Construtivista

dos Transtornos Psiquiátricos

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Fobia SocialMiréia Roso

Esse é um ponto polêmico, pois nele seinsere uma das mais importantes discussões dapsicologia moderna. Como já havia assinaladoMiró (1994), como seria possível consideraruma psicoterapia que prioriza o indivíduo e suahistória, não desconsiderando um diagnósticojá validado por uma psicoterapia científica? Éimportante esclarecer que a concepção cons-trutivista, de maneira alguma, invalida a pos-tura científica em psicoterapia, embora o con-ceito de ciência aqui descrito não seja entendi-do nos moldes positivistas de ciência, nos quaisa observação externa, a generalização dos da-dos e a mensuração quantitativa da eficácia detécnicas são os aspectos centrais. Acreditamosque cabe aos psicoterapeutas comprometidoscom a psicoterapia cientifica refletir sobre comoas explicações da ciência são validadas e a pos-sível relação destas com o trabalho clínico(Neimeyer e Raskin, 2000). Essa reflexão énecessária para que não nos limitemos a con-verter a área em tecnologia aplicada, esque-cendo o propósito mais importante da ciência,que é a busca de melhores explicações para asmudanças obtidas pelos seres humanos. Comosalienta Miró, necessitamos de um método quenos permita reconhecer nossa participação, en-quanto psicoterapeutas, na construção das re-alidades em que vivemos. Como não é o pro-pósito deste capítulo discutir as possibilidadese as limitações da psicoterapia enquanto ciên-

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A fobia social é um diagnóstico psiquiá-trico e, como tal, requer critérios objetivos quedescrevam os comportamentos e os sintomasque caracterizam esse quadro. Os manuais declassificação diagnóstica psiquiátrica têm exa-tamente esta função: descrever objetivamenteos diferentes transtornos e definir os critériospara realizar o referido diagnóstico. Os maisutilizados são o DSM-IV-TR (APA, 2002) e aCID-10 (OMS, 1993).

Na concepção construtivista, o foco dotratamento da fobia social volta-se mais paraos processos pelos quais os comportamentos eos sintomas foram sendo �construídos� peloindivíduo ao longo de sua vida do que para osdiagnósticos psiquiátricos cuja ênfase é maisdescritiva, ou seja, a identificação diagnósticaparte sempre do olhar do profissional. Portan-to, nesse enfoque psicoterapêutico, o indivíduoé a fonte maior de conhecimento na compre-ensão de sua patologia, por ser ele capaz deindicar os significados que lhe são restritivos(Abreu e Roso, no prelo). Por isso, os procedi-mentos psicoterápicos construtivistas levammuito mais em conta a história de vida comoum todo, e não apenas o recorte temporáriodessa história, o qual é necessário quando afinalidade é fazer um diagnóstico psiquiátrico(Guidano, 1994).

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cia (e que mereceria um livro à parte), con-cluirei com a seguinte afirmação: explicar ocaminho da mudança terapêutica partindo deuma concepção histórica do sujeito não é umalimitação para a psicoterapia científica, e simum horizonte mais coerente com as necessida-des que encontramos na investigação da práti-ca clínica.

É com esse intuito que o presente capítu-lo foi idealizado. Será descrito um procedimen-to construtivista para o tratamento de um in-divíduo, que chamaremos de N., com o diag-nóstico psiquiátrico de fobia social, e, a partirdesse enfoque, serão discutidas as mudançasobtidas com essa modalidade de intervenção.

O PROCEDIMENTO PSICOTERÁPICOCONSTRUTIVISTA

Como já foi apresentado no Capítulo 2, apsicoterapia de base construtivista realiza, se-gundo Mahoney (no prelo), o trabalho dos trêsPs: nos momentos iniciais do processo clínico,objetiva-se enfocar o Problema com todas assuas peculiaridades e variações. Em um segun-do momento, ocorre o aprofundamento da aná-lise dos Padrões gerais, aqueles que mantêm osurgimento dos problemas e que são compos-tos pelas repetições das dificuldades em ques-tão. E, finalmente, desenvolve-se uma análisemais aprofundada dos Processos pelos quaisos padrões e os problemas foram sendoconstruídos e manifestaram-se ao longo da vidado indivíduo.

O PROBLEMA DA FOBIA SOCIAL [DE N].

N. tem 35 anos, casado e é um jornalistabem-sucedido. Procurou o tratamento há umano, por sentir-se extremamente incomodadocom sua �timidez�. Apesar de seu sucesso pro-fissional, havia recusado várias promoções aolongo de sua carreira por temer as situaçõesnas quais tinha de se expor, como falar empúblico. Sua ansiedade aumentava nessas oca-siões, e ele tremia, gaguejava, ficava verme-lho. Isso o deixava tão perturbado que chega-

va a perder a concentração e sua fala tornava-se confusa e desconexa. Uma maneira de ob-ter mais informações a respeito do problemade N. era procurar experimentar as situaçõesnas quais se sentia ansioso e, assim, observar oque ocorria. Dada a experiência que tive comas técnicas comportamentais, particularmenteas de exposição no tratamento de quadros ansi-osos, optei por utilizar tais recursos. Na concep-ção construtivista, as técnicas são entendidascomo exercícios ritualizados, que podem aju-dar a estimular e estruturar explorações impor-tantes no desenvolvimento pessoal (Mahoney,no prelo). Por isso, é possível utilizar não ape-nas técnicas comportamentais e cognitivas clás-sicas, como também quaisquer outras técnicasque permitam atingir esses objetivos. A dife-rença é que o procedimento psicoterápico nãoprioriza o uso da técnica, pois ela é apenas uminstrumento que pode ser eficaz na reduçãode um determinado sintoma, embora tambémpossibilite obter informações e vivências queobedeçam ao objetivo mais amplo dessapsicoterapia, que é compreender e ampliar osistema de significados que aquele indivíduoorganiza.

Sendo assim, expliquei a N. que umamaneira de verificar o sentido de sua ansieda-de era expondo-se a situações fóbicas. Ele con-cordou, passando a se expor deliberadamenteàs situações nas quais sua ansiedade aumenta-va, ou seja, procurando freqüentar todas asreuniões a que tinha acesso em seu trabalho �elas eram diárias � e falar sempre que tivesseuma opinião a dar. Pedi-lhe que experimentas-se sua ansiedade nessas ocasiões e continuassea vivenciá-las até que a ansiedade apresentas-se qualquer sinal de diminuição. N. seguiu oprocedimento e anotava em um diário tudo quehavia feito e o resultado obtido. A exposiçãoàs situações fóbicas tornou-se um recurso útilde aprendizado, pois, além de prover certa re-dução de sua ansiedade (naturalmente provo-cando uma habituação), também se mostrouum ótimo recurso na experimentação de suasemoções, bem como das possibilidades e daslimitações que elas constituíam. Por isso, co-meçamos a discutir seus sucessos e suas difi-culdades nesses termos, ou seja, cada exposi-

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ção oferecia lições sobre como era N. ao en-frentar seu medo. Uma das características maissignificativas da ansiedade desse cliente eraaumentar nas ocasiões em que ele percebia teruma opinião contrária àquela que estava sen-do compartilhada pelos demais. Mesmo quenão expusesse sua opinião, o simples fato dediscordar �internamente� dos demais o rubo-rizava, provocando um aumento em sua ansi-edade. N. também observou ter sentimentosde vergonha por esse rubor e percebia-se como�bobo e inadequado� nessas situações. A eficá-cia das técnicas de exposição para redução desintomas fóbicos, bastante conhecidas na áreapor seu sucesso, fez com que os sintomas deN., obviamente, melhorassem. Gradativamen-te, foi sentindo-se menos ansioso nas reuniõesprofissionais e começou a emitir algumas de suasopiniões; como conseqüência disso, suas idéiasforam sendo articuladas de modo cada vez maiscoerente, uma vez que a ansiedade interferiamenos em sua concentração e em seu raciocí-nio. Porém, apesar da melhora obtida com esseprocedimento, o objetivo da terapia ainda nãohavia sido atingido, pois ainda não havíamoscompreendido o significado dos problemas deN. Ele ainda se sentia ansioso e desconfortável,recusando novamente uma promoção (que im-plicava dar palestras e participar de reuniõescom a diretoria do Jornal em que trabalhava).Como o problema de N. já parecia bastante cla-ro e detalhado para ele e para mim, decidimosampliar nossa compreensão, passando a anali-sar os padrões gerais relacionados aos sinto-mas fóbicos apresentados.

OS PADRÕES GERAIS DA FOBIA SOCIAL

Ao longo da análise do problema propri-amente dito, N. também já havia observado arelação entre alguns dos aspectos levantadosnas experiências vivenciadas e outras situaçõesde sua vida. Por exemplo, ele se sentia descon-fortável frente a algumas atitudes de sua espo-sa, atitudes das quais também discordava. Nes-sas ocasiões, sentia-se da mesma maneira quenas situações sociais e profissionais, ou seja,percebia-se �bobo e inadequado�. N. descreviaa esposa como uma pessoa fútil, que pensava

ter o direito de impor suas vontades em qual-quer ocasião, falando o que pensava e não me-dindo as conseqüências disso, inclusive peran-te os filhos, o que fazia N. ficar ainda mais cons-trangido. Mesmo assim, sua impressão era ade que ele era inadequado. Na companhia deamigos ou parentes próximos, com quem nãoapresentava nenhum sintoma fóbico, sentia omesmo desconforto quando eles emitiam al-guma opinião da qual discordasse. N. atribuíaa todas essas situações o mesmo significado:discordar significava perceber-se �bobo e ina-dequado�.

Se estivéssemos trabalhando em uma te-rapia cognitiva objetivista, essa seria provavel-mente uma crença a ser modificada, por meiode procedimentos apropriados para isso, con-forme apresentados na parte inicial deste li-vro. Na concepção construtivista, entretanto,o foco não está na modificação das crenças, esim no modo como essa crença foi construídaao longo da vida. Portanto, era preciso desco-brir como N. havia organizado seu sistema designificados de modo a perceber-se assim. En-tão, este era o momento apropriado para inici-ar a terceira etapa da psicoterapia, que consis-te na análise dos processos pelos quais os pa-drões e o problema de N. foram sendoedificados.

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DESIGNIFICADOS NA FOBIA SOCIAL

Para compreender melhor essa fase, énecessário abordar aqui um pressuposto im-portante da concepção construtivista. Segun-do Guidano (1994), o desenvolvimento psico-lógico humano ocorre em função de um pro-cesso constante de ordenação das experiênciasque o indivíduo faz ao longo de sua vida. As-sim, ao vivenciarmos uma circunstância, nossareação emocional abre espaço para que venha-mos a desenvolver uma explicação daqueleepisódio, atribuindo, então, coerência e senti-do à experiência em curso. Logo, sempreexperienciaremos algo primeiro para depoispodermos falar algo a seu respeito. A partirdessa dialética � viver e explicar � é que se ori-ginam os padrões de significado pessoal, pois

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sempre partem da maneira como cada pessoapercebe e narra sua realidade interna. Em ou-tras palavras, o modo como um indivíduo ex-perimenta uma situação é afetado diretamen-te pela forma como narra o devido aconteci-mento.

Para compreender o processo através doqual N. foi construindo os significados de ansi-edade que estavam relacionados ao seu medo(e, conseqüentemente, aos seus sintomas), uti-lizei os recursos da terapia cognitiva narrativa(Gonçalves, 1998). Em síntese, o procedimen-to da terapia narrativa segue uma seqüênciade cinco etapas: recordação, objetivação, subje-tivação, metaforização e projeção. Vejamoscada uma delas.

1. Recordação: pede-se ao cliente queenumere em pedaços de papel a suaidade (de 0 até a idade atual) e queregistre, pelo menos, um episódio deque se lembre e que lhe pareça sig-nificativo para cada ano de sua vida.É importante esclarecer que não seregistrem fatos, mas sim episódios.Por exemplo, se o indivíduo lembra-se que aos 10 anos estava na 4a sé-rie (fato), deve registrar uma cenade que se lembra estando na 4a sé-rie, com todas as características aque tiver acesso no momento (epi-sódio): �Eu estou entrando na salade aula, os colegas estão olhandopara mim, e a professora está per-guntando o meu nome�. Ao longodessa revisão histórica, cliente e te-rapeuta buscam uma coerência nar-rativa, isto é, o tema que se tornarecorrente ao longo dos episódios eque caracteriza a forma como eleconstruiu o conhecimento que temde si mesmo e da realidade, a formacomo �percebe a si mesmo�. O pro-cesso de recordação termina com aidentificação de um episódio, den-tre os vários recordados, que melhorilustre esse tema recorrente e parti-cipativo. Esse episódio é chamado deepisódio prototípico.

2. Objetivação: o indivíduo é levado aexperimentar a multiplicidade darealidade externa através das capa-cidades sensoriais. O objetivo é fa-zer com que ele perceba a comple-xidade e a versatilidade de suas ex-periências do ponto de vista senso-rial: o que vê, o que ouve, além deodores, sabores e percepções táteise cinestésicas que a experiência lheproporciona. Assim, alguns episódi-os são escolhidos, e o cliente é leva-do a recordar essa experiência sen-sorial experimentada em cada umdeles. O mesmo é feito com o episó-dio prototípico. Essa etapa propiciaao indivíduo dar-se conta de que arealidade é um contexto criador deuma grande diversidade de expe-riências, muitas vezes ainda não per-cebidas, uma vez que nossa tendên-cia é a de limitar o foco da percep-ção às informações que reforçam amaneira pela qual atribuímos signi-ficados à realidade (percepção deameaça, tristeza, insatisfação, etc.).

3. Subjetivação: a experimentação éampliada e abarca as experiênciasemocionais e cognitivas inerentes aosepisódios escolhidos. O cliente é en-corajado a experimentar as emoçõese os pensamentos que observou nosdiferentes episódios. Essa etapa visaa capacitá-lo a ampliar e flexibilizaras possibilidades de percepção emo-cional e cognitiva de uma mesmasituação. Dito de outro modo, viveruma realidade múltipla � como anossa � é estar capaz de construirmúltiplas versões dessa realidade.Essa fase termina com a subjetivaçãodo episódio prototípico.

4. Metaforização: as metáforas sãocondensadores de significados. De-pois que o cliente aprofundou-se nadiversidade da experiência sensori-al, cognitiva e emocional, solicita-se a ele que simbolize essas expe-

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riências através da criação de metá-foras, por exemplo, atribuindo sig-nificados metafóricos aos episódiosque escolheu e ao episódio prototí-pico (�Se esse episódio fosse um fil-me ou um livro, que nome ele te-ria?�). A metáfora atribuída ao epi-sódio prototípico é chamada de me-táfora raiz e simbolizará o tema quepermeia toda a construção de signi-ficados ao longo da vida desse indi-víduo. Alguns exemplos de metáfo-ras são: �Em minha vida, estou sem-pre me submetendo aos demais�(metáfora: o capacho); �Percebo quefico sempre dividida entre ser ade-quada às regras e me rebelar� (me-táfora: Dr. Jackil e Mr. Hide�). Ocliente é, portanto, estimulado a dar-se conta do processo de ser �autor�de sua história de vida, uma vez quese limitou a construí-la no âmbitode um tema único, e é convidado aexplorar novas formas de significa-ção.

5. Projeção: pede-se ao cliente que criesuas próprias memórias do futuro.Intencionalmente, ele propõe novasmetáforas para si mesmo e para oseu dia-a-dia, de modo a possibili-tar novas sensações, novas emoções,novas cognições e novos significa-dos às experiências que ainda estãopor vir. Finalmente, é solicitado aconstruir uma metáfora alternativaà metáfora raiz e que, com essa me-táfora em mente, parta para uma(nova) revisão histórica, de modo abuscar em sua vida episódios quepossam ilustrar essa nova forma designificação. O indivíduo percebeque é possível reconhecer no passa-do outros temas, dependendo doponto de vista metafórico de parti-da, e assim encontrar raízes em suahistória que acomodem sua formaalternativa de significar sua realida-de. Além disso, pede-se a ele que

identifique em seu dia-a-dia expe-riências que exemplifiquem a metá-fora alternativa, criando intencional-mente experiências desse tipo.

Para exemplificar o procedimento utiliza-do, e tendo como base a terapia cognitiva nar-rativa, pedi que N. registrasse episódios de quese lembrasse dos 0 aos 35 anos, pelo menosum para cada ano. Então, ele começou a con-tar seus episódios em uma ordem cronológica,de modo que pudéssemos observar juntos comoa construção de sua história foi sendo feita eque tema (ou temas) essa história evidencia-va. Eventualmente, escolhíamos um episódioque lhe parecesse mais significativo, utilizan-do os procedimentos de objetivação e subjeti-vação. Assim, N. relatava o episódio no pre-sente, de olhos fechados, e observava todas ascaracterísticas daquela situação, como sons,cheiros, estímulos visuais, gostos e, mais tar-de, os pensamentos que lhe ocorriam, bemcomo as sensações corporais e a emoção senti-das. Com isso, a experiência daquela situaçãoera ampliada, e N. percebia novas informaçõese significados atribuídos àquela lembrança.Logo foi possível identificar que o tema recor-rente, na maior parte dos episódios em sua vida,era o de sentir-se acuado sempre que reconhe-cia ter uma opinião. Na infância, muitos episó-dios referiam-se a situações vividas com o pai,um homem bem-sucedido e extravagante, queestava sempre chamando a atenção de todos,comprando carros novos e comportando-se demaneira excêntrica. Separou-se da mãe de N.quando ele tinha seis anos, porque ela não su-portou o estilo de vida e o comportamento domarido. A mãe, de origem portuguesa, era donade casa, cuidava dos filhos e gostava de levaruma vida pacata, junto à família. N. descreve-a como uma mulher frágil e triste, porém or-gulhosa; por isso, preferiu a separação às trai-ções.

Após o divórcio, o pai ficava com N. e osirmãos nos finais de semana, que logo se tor-naram grandes atrações em sua vida. Semprehavia uma surpresa ou um programa interes-sante. N. sentia verdadeira paixão e admira-

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ção pelo pai, mas a mãe continuava sendo seuporto seguro � por ser mais constante e estarsempre disponível nos problemas do dia-a-dia.A mãe de N. sentia muito medo de que os fi-lhos, atraídos pelo estilo de vida do pai, deci-dissem um dia vir a morar com ele. Por isso,estava sempre criticando-o e chamando a aten-ção para a sua instabilidade, a sua falta de ro-tina e os seus hábitos boêmios. O medo de per-der os filhos era tão grande, que ela os repre-endia quando mostravam qualquer interesseou afeto pelo pai. N. registrou um episódio emque lembrava ter ganho do pai, aos 10 anos,um carrinho com controle remoto, o qual mos-trava para os amigos com orgulho (na época,esses carros eram caros e raros). A mãe re-preendeu-o na frente dos demais dizendo:�Como você pode ficar tão feliz por estar sen-do comprado pelo seu pai? É isso que vocêvale, um carrinho de brinquedo?�. Esse episó-dio marcante foi rapidamente escolhido comoo episódio prototípico: a proibição de �sentir eexpressar seus sentimentos� era um dos temasrecorrentes de sua vida. N. jamais conseguiu�brigar� com a mãe e dizer o que pensava arespeito do pai, pois também não confiava neleo suficiente para ficar sob seus cuidados. Per-cebeu, então, que, na verdade, sentia-se inca-paz de viver sem a proteção da mãe, ao mes-mo tempo em que desejava ser independentepara poder optar por ficar mais tempo com opai.

A ambivalência entre o desejo de autono-mia e o medo de ficar desprotegido é muitocomum em indivíduos com quadros fóbicos.Segundo Guidano (1994), o contexto familiardo indivíduo que apresenta uma organizaçãofóbica do significado pessoal caracteriza-se porum bloqueio, muitas vezes sutil, da atividadeautônoma de exploração do mundo exterior.Esse bloqueio não é sentido como uma proibi-ção, mas como uma atitude protetora e cuida-dosa. Entretanto, isso faz com que perceba umasuposta debilidade e vulnerabilidade em si mes-mo. Em alguns casos, o bloqueio da autono-mia ocorre em um contexto familiar percebidocomo frágil, no qual a ameaça de uma separa-ção é constante. Um dos cuidadores ou ambossão percebidos como enfermos ou vítimas deum casamento infeliz e, por isso, parecem po-

der sucumbir a qualquer momento. Separar-se do progenitor e explorar a própria autono-mia pode significar perdê-lo e, com isso, ficardesprotegido. A atitude hipercontroladora desi mesmo e da realidade é a estratégia que per-mite alcançar um equilíbrio estável e dinâmi-co frente às necessidades opostas de liberdadee proteção.

Esse tema � desejo de autonomia versusnecessidade de proteção � estava bem-identi-ficado no episódio prototípico de N.; por isso,iniciamos prontamente a etapa de metafori-zação. Ao realizarmos os exercícios, N. esco-lheu como metáfora raiz �O Enforcado�. Essametáfora representava para ele o modo comosentia a dificuldade em expressar suas emo-ções: discordar da mãe ou sentir algo que elanão aprovasse. Percebemos que seu medo deter uma opinião contrária à de alguém era ge-rado exatamente pela emoção despertada nassituações de desproteção, ou seja, era a gera-dora da baixa auto-estima traduzida pela afir-mação �sou bobo e inadequado�.

Ao longo desse processo, a compreensãodo significado que N. foi construindo ao longode sua vida a respeito de si mesmo provocouuma grande sensação de alívio. Alívio por con-seguir dar uma coerência ao longo de sua histó-ria e alívio por sentir-se �autor� dessa história e,portanto, capaz de modificar seu enredo, senecessário. Como afirma Guidano (1994), nãosofremos pelas nossas emoções; sofremos pelonão-entendimento dessas emoções.

Na etapa de projeção, N. criou episódiosalternativos em que se sentia mais seguro paraexpor suas opiniões. Sua metáfora alternativafoi �O Do Contra� e, na revisão de sua história,N. foi capaz de identificar vários episódios emque tinha emitido opiniões contrárias (na es-cola, com os amigos, por exemplo) e nem porisso havia ficado desprotegido ou sozinho. Con-tudo, em um primeiro momento, não havia ain-da focalizado suas lembranças nesses episódi-os alternativos.

N. começou, então, a provocar situaçõesem que tivesse a oportunidade de expor suasopiniões (em ser do contra). Com os amigosou com os colegas, iniciava discussões sobrepolítica, futebol e outros temas freqüentemen-te polêmicos. Nessa fase, seus sintomas de an-

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siedade já haviam atingido a completa remis-são. Em comum acordo com o psiquiatra que oacompanhava, foi sendo retirada a medicaçãoantidepressiva que tomava desde o início daterapia, que durou pouco mais de um ano.Acompanhei-o nessa retirada em consultasquinzenais, que logo passaram a ser mensais.Atualmente, dois anos após o término da tera-pia, tenho contato com N. a cada seis meses,por telefone ou mesmo no consultório. Ele seseparou da esposa, mas mantém um bom rela-cionamento com ela e com os filhos. Assumiuo cargo de diretor em seu jornal e, até hoje,não apresentou mais qualquer sintoma fóbico.

É necessário acrescentar ainda que o pa-pel do terapeuta na psicoterapia construtivistanão foi diretamente abordado na descrição dopresente caso, não por ser menos importante,mas porque o enfoque escolhido foi a descri-ção de um procedimento prático em psicotera-pia. Mesmo assim, procurei descrever o casodeixando clara a postura ativa e colaborativade ambos na exploração da história e da cons-trução de significados de N. Em muitos mo-mentos, eu levantava hipóteses sobre possíveissignificados em sua história das quais ele dis-cordava. Nem é necessário dizer o quanto �dis-cordar de mim� possibilitou uma boa oportu-nidade para lidar com o tema central de suavida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criatividade inerente ao processo de existirresulta da existência de uma infinidade delocais de procura. O reconhecimento de que éa incerteza quanto àquilo que se vai encon-trar que faz do ato de procura um verdadeiroato criativo.

(Gonçalves, 1998)

Conforme apresentado no início deste ca-pítulo, o caso de N. ilustrou o procedimentoutilizado no enfoque construtivista frente a umquadro de fobia social. É importante salientarque tal concepção clínica tem por objetivo,além de modificar os diferentes problemas esintomas apresentados por um indivíduo, com-preender como esses problemas e sintomas fo-

ram sendo construídos, desenvolvidos ao lon-go de sua história. Não se trata, porém, de en-contrar somente a gênese desses problemas ousintomas, uma vez que não é mais possível fa-lar em uma única causa quando se trata detranstornos psicológicos ou psiquiátricos. As-sim, a hipótese da tríade biopsicossocial naetiopatogenia de todos os transtornos psiquiá-tricos é aqui assumida. Compreender como umquadro psicopatológico foi sendo construído navida de um indivíduo ajuda-nos a esclarecer osfatores psicológicos envolvidos no desenvolvi-mento da condição sem, com isso, desmerecerou negar a impôrtancia dos fatores biológicose sociais também envolvidos.

O caso de N. permitiu ainda ilustrar comoas técnicas podem ser utilizadas em uma abor-dagem construtivista. Diversas técnicas, de di-ferentes referenciais teóricos, podem ser utili-zadas como instrumentos que possibilitem ex-perimentar e ampliar os significados atribuí-dos pelo indivíduo às suas experiencias, demodo que ele consiga perceber-se como autorde sua própria história, inclusive da históriaque ainda está por ser escrita.

Finalmente, já que sempre nos compro-metemos com uma postura científica em psi-coterapia e, portanto, com uma reflexão inevi-tável sobre as explicações que são validadascom nosso trabalho, o caso de N. confirma ahipótese de Guidano (1994) sobre a organiza-ção fóbica do significado pessoal. Nessa hipó-tese, o aspecto invariável que caracteriza opadrão de apego familiar de indivíduos comuma organização fóbica do significado pessoalé a inibição indireta da autonomia, que resultatanto de uma atitude superprotetora das figu-ras parentais quanto da percepção dessas mes-mas figuras como bases inseguras. Os sinto-mas de N. refletiram claramente o bloqueio desua autonomia pelo contexto familiar em queviveu. Na medida em que a terapia permitiu-lhe a compreensão desse contexto, ele pôderessignificar suas experiências, ampliá-las e ex-plorar outras possibilidades de as experimen-tar, modificando-se.

Finalmente, em se tratando de uma abor-dagem construtivista, vale a pena lembrar deum pressuposto fundamental a essa abordagemintroduzido por Maturana e Varela (1995) de

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que todo organismo se auto-organiza constan-temente e toda nova experiência é assimiladae integrada em nossa estrutura (processo tam-bém chamado de auto-organizático). Assim, acada nova vivência, o organismo modifica-se,integrando tal episódio em sua estrutura. Sen-do assim, as pessoas que acompanho na clíni-ca também provocam importantes mudançasem minha pessoa. Afinal, como afirma JamesBugental (citado por Mahoney, 1998): �Doisestranhos colocam-se face a face por força deum encontro previamente combinado; seu pro-pósito, lutar com a própria vida; sua meta, so-brepujar as mazelas de um deles; seu risco, queum ou ambos descubram que a vida é repletade dor e ansiedade por um certo período detempo; sua certeza, a de que, se persistirem comboa-fé nessa luta, ambos se modificarão emalguma medida�.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Transtornos Alimentares*

Augusto Zagmutt CahbarMateo Ferrer Farji

parece ser uma tarefa central para o desenvol-vimento da nossa disciplina mudar da óticaatual para uma perspectiva que permita geraruma metodologia capaz de explicar como apessoa que sofre um transtorno mental, emo-cional ou de conduta chegou a ter esse sofri-mento e como se encontra aprisionada nele.Em outras palavras, uma metodologia clínicacujo enfoque esteja nos processos pessoais, enão na doença em si (Guidano, 1995b).

OS TRANSTORNOSALIMENTARES PSICOGÊNICOS

O tema central comum para todos ostranstornos clínicos compreendidos no queGuidano chama de Organização de Significa-do Pessoal (OSP) de Transtornos AlimentaresPsicogênicos (DAP), com diversos perfis desuperfície, é a presença de um sentido de simesmo muito pouco claro e indefinido, quesurge da ambigüidade dos vínculos precocescom os pais.

O aspecto fundamental para compreen-der os desequilíbrios da OSP �do tipo DAP� éa excessiva vulnerabilidade aos juízos exter-

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A PSICOPATOLOGIA HOJE

O programa metodológico que predomi-na nos enfoques clínicos e psicopatológicostradicionais mais importantes não parece darconta suficientemente da complexidade da ex-periência humana. Essa atitude revela-se natendência em reduzir a complexidade e a par-ticularidade de cada quadro clínico a uma des-crição do resultado do processo que deu ori-gem ao transtorno, evitando centrar-se naetiologia do quadro clínico. É como se as con-dutas, as emoções, as imagens, os processosde pensamento, etc., vistos como anormais, in-vadissem de fora a pessoa, definida a prioricomo uma entidade passiva diante da �doen-ça�, transformando-a de sadia em doente. Umametodologia clínica desse tipo, essencialmen-te �a-teórica� e descritiva, fecha-se em si mes-ma como um sistema de arquivos no qual sepode conhecer somente aquilo que já se co-nhece e descobrir aquilo que já foi descoberto.

Isso se contradiz com o critério para con-siderar uma disciplina como científica, ou seja,cumprir com o critério de desenvolver mode-los explicativos falsificáveis, unitários e exaus-tivos (Guidano, 1995a). Conseqüentemente,

*A presente proposta clínica baseia-se na concepção pós-racionalista de psicoterapia.

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nos e a estrutura das diversas estratégias ta-citamente utilizadas para manejar as pertur-bações emotivas encontradas nas instabilida-des dos juízos externos que ameaçam o senti-do de si mesmo estabelecido. Os eventos crí-ticos disparadores dos desequilíbrios clínicosnos DAP são de duas fontes: ou experiênciasde decepção da figura de referência, ou o sur-gimento de situações de exposição social querompam o equilíbrio entre a necessidade ab-soluta de aprovação externa e o medo de serinvadido ou desconfirmado pelos outros sig-nificativos.

O nome OSP de transtornos alimentarespsicogênicos provém dos primeiros trabalhosdo grupo pós-racionalista no Centro de Tera-pia Cognitiva de Roma, em uma pesquisa clí-nica que se estendeu por oito anos (De Marchis,2000). Os pesquisadores perceberam que, portrás do tema das DAP, existia muito mais queuma problemática alimentar e que os transtor-nos alimentares são somente algumas das mo-dalidades de desequilíbrio sofridas pelas pes-soas que apresentam esse modo de organizçãoda experiência pessoal. Em geral, salvo exce-ções, os transtornos clássicos, tais comoanorexia, bulimia e obesidade psicogênica,apresentam-se quase exclusivamente em mu-lheres. Com freqüência, a presença de umtranstorno alimentar em homens, em particu-lar o quadro anoréxico, ocorre quase unicamen-te em homossexuais. A mesma modalidade designificado pessoal é observada nos homens,porém sob a forma de problemas sexuais, so-ciais, profissionais, e para ambos os sexos to-dos os temas que se relacionam ao rendimen-to. O aspecto principal nessa organização é adificuldade estrutural que as pessoas têm parase diferenciar de uma referência externa, poiso caminho evolutivo que leva a esse tipo deOSP segue uma linha comum.

Os vínculos precoces dessas pessoas nor-malmente se caracterizam por uma mãe ambí-gua e contraditória, que oscila em suas atitu-des para com a criança. Essa oscilação da figu-ra de referência interfere na necessidade dacriança de ter um sentido estável e definido desi mesma. Assim, sua única viabilidade é ade-rir completamente às expectativas da mãe,

momento a momento, em um vínculo emara-nhado e confuso (Guidano, 1994), no qual acriança não tem opção de desenvolver um sen-tido autônomo e diferenciado de si mesma fren-te ao mundo. Agregado a isso, some-se um es-tilo familiar que lhe impõe constantemente cri-térios, emoções e sentimentos, confirmandotacitamente sua dependência. Esse tipo de fa-mília não admite critérios autônomos, de modoque coincidir com o outro e agradar-lhe é aúnica forma de amor possível. Por volta doscinco anos, quando a criança deveria ter umaleitura mais amadurecida de seus estados in-ternos, ela encontra-se completamente aderidaao vínculo que é marcado por um emaranha-do a essa figura de referência. Qualquer de-cepção dessa figura idealizada provocará umadesestabilização da própria autopercepção.Quando a coordenação com a figura maternafalhar, como é de se esperar, a criança contaráapenas com as introjeções e os sentimentospessoais elementares, pois nunca foi muitovoltada �para dentro� em função das deman-das familiares. Portanto, as atividades alimen-tares e musculares passam a ser a fonte de seureconhecimento emocional das experiências emcurso e uma das únicas formas de estabiliza-ção de um sentido de si, mesmo angustiante-mente difuso e oscilante.

Nesse caso, os processos de identificaçãoe de diferenciação com os pais, que são pro-cessos complementares nas primeiras fases davida, começam a tornar-se desarmônicos e con-tínuos. Vale lembrar que os processos de iden-tificação permitem à criança orientar-se exter-namente para reconhecer os estados internosdo outro, para poder reconhecê-los em si mes-ma. Como os processos de diferenciação sãoaqueles que afastam a pessoa da fonte de iden-tificação em uma tendência para o mundo in-terno, no qual ocorre um autoconhecimento,para as crianças com DAP, esse segundo pro-cesso de diferenciação sofre interferência desentimentos e critérios impostos pela mãe epela família. Então, a criança desenvolve umaorientação predominantemente externa �quando precisaria ser interna � de seus proces-sos de conhecimento a respeito de si mesma edo mundo (Arciero, 2000). Isso lhe gera uma

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oscilação emocional de esquemas opostos, ouseja, oscilando entre estar ligada externamen-te e estar ligada internamente.

Caso se perceba ligada mais ao mundoexterno, a criança experimentará um sentimen-to de ineficiência pessoal (seu sentido de simesmo não pertence a ela, mas vem do ou-tro). Caso se perceba ligada mais ao mundointerno, obterá um sentido maior de individu-alidade, porém ao preço de um sentimento devazio e de falta de autoconfiança, o que lhecausará uma baixa capacidade de diferencia-ção emotiva. No entanto, como as experiên-cias emotivas são inescapáveis, quando a crian-ça não consegue manejar um bom nível de con-firmação da figura de referência, ela pode usarestratégias que evitem situações que disparemsentimentos de uma autonomia perigosa (ex-ternamente fundada), ou mesmo apresentaratividades destrutivas em que freqüentementepode usar os mesmos componentes motores eviscerais aos que tem fácil acesso para reco-nhecer-se, tais como na atividade alimentar.

Assim, a criança mantém um bom equilí-brio e evita ter a experiência ameaçadora deexperimentar uma percepção confusa e osci-lante de si mesma, ao confiar somente emmarcos de referência externos, nos quais o auto-reconhecimento coincide com as expectativaspercebidas de uma figura de referência à qualprocura corresponder sistematicamente. Talequilíbrio, porém, é rompido na adolescência,com o surgimento do pensamento abstrato e ainevitável relativização dos pais e da família.Este é um momento crítico, que coloca à provaa capacidade para manter um sentido estávelde si mesmo perante a decepção das figurasidealizadas dos pais e da família, que até essemomento sustentavam a sua identidade. Comoa criança não possui outra viabilidade além dese envolver estreitamente com uma figura dereferência, sua estratégia para obter uma per-cepção estabilizada de si é através da obten-ção de vínculos afetivos próximos, alternati-vos à sua mãe, mas dessa vez prevendo a de-cepção com uma série de estratégias em quese exponha o mínimo e que o outro se mostreao máximo, procurando, assim, garantias con-tra essa experiência ameaçadora.

ANOREXIA, BULIMIA E OBESIDADECOMO UM CONTÍNUO ATRIBUICIONAL

A decepção adolescente da pessoa do tipoDAP pode resultar de duas maneiras diferen-tes: ou atribuir a turbulência experimentada auma realidade enganosa e decepcionante emsi mesma, ou atribuir essa experiência negati-va a si mesmo. Em ambos os casos, essa dife-rença atribuicional é muito importante paraentender as diferentes modalidades dos dese-quilíbrios dos transtornos alimentares (Masellie Cheli, 2000). No caso de fazer uma atribui-ção externa, a pessoa tende a ver os outroscomo invasivos e enganosos, desenvolvendo es-tratégias ativas para combater essa realidade.Isso gera uma atitude mais ativa � tanto psico-lógica quanto fisicamente � diante da decep-ção percebida. As estratégias estão centradasem se perceber portador de um modo de serque é visto como inadequado, mas que podeser modificado. É o padrão que subjaz aos trans-tornos anoréxicos, nos quais há uma atividademotora aumentada e uma responsabilizaçãodos demais pela experiência de decepção edesconfirmação, o que é acompanhado por umsentido de luta.

No caso de fazer uma atribuição interna,a pessoa tende a evitar os sentimentos de ine-ficiência e vazio, atribuindo-os a traços negati-vos pessoais específicos que lhe devolvem osentido de controle. Esse é o padrão que dálugar aos transtornos de obesidade, com umaatitude física e psicologicamente passiva; a atri-buição causal é de responsabilidade interna,constitutiva e estável, acompanhada por umsentido de derrota e de inevitabilidade dadesconfirmação e das decepções: �Porque souassim, gorda, e não posso fazer nada. Nasciassim, e não tem remédio�.

Em ambas as situações, a decepção e ossentimentos de vazio e ineficácia são transfor-mados em experiências manejáveis ao assumiruma atitude centrada no temor de uma ima-gem corporal inaceitável. No padrão anoréxico,luta-se ativamente para supercontrolar os im-pulsos biológicos e, assim, recuperar o contro-le sobre um sentido de continuidade experien-cial; no padrão obeso, a atitude para a vivência

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intolerável de decepção é a passividade, emuma estratégia em que há a retomada do con-trole do sentido de continuidade experiencial,circunscrevendo o mal-estar global de si mes-mo a um aspecto específico negativo de si mes-mo, tal como a obesidade. Já o padrão bulímicositua-se em um ponto intermediário, com gran-des oscilações entre fazer atribuições internasou externas de suas experiências discrepantes.Isso pode explicar a particular dificuldade re-lacional que oferecem esses pacientes, tão sis-tematicamente conflitantes, tanto na sua vidapessoal quanto na terapia.

Dessa forma, podemos entender os trêspadrões clínicos como emergindo de umaetiologia comum. As diferenças clínicas obser-váveis podem emergir dos diferentes estilosatribuicionais que apresentam os diversos dese-quilíbrios e que se distribuem em um contínuo,tal como se observa na Figura 14.1.

O MÉTODO TERAPÊUTICO

Guidano propõe direcionar-se ao desen-volvimento de uma teoria exaustiva e unitáriado funcionamento da mente humana, que sejaaceita pela comunidade de especialistas (como

acontece com outras disciplinas mais �duras�)e que possa gerar um enfoque terapêutico úni-co, aplicável a qualquer contexto, tanto indivi-dual com problemática existencial, neuróticaou psicótica, quanto de casal ou de família(Guidano, 1995a).

Em primeiro lugar, o terapeuta pós-racio-nalista não se pergunta �A que quadro corres-pondem os sintomas que vejo?�, e sim �De quemaneira esse sintoma expressa o modo parti-cular com o qual o paciente mantém seu senti-do experiencial?�. Nessa perspectiva, uma in-tervenção terapêutica não tem como objetivocentral desenvolver e aplicar técnicas específi-cas para modificar quadros específicos, porémdesenvolver uma metodologia de intervençãoestratégica orientada a intervir nos processosautoconscientes do indivíduo. De fato, na prá-tica clínica real, tanto nos transtornos alimen-tares quanto em qualquer quadro clínico, o quepodemos ver é uma heterogeneidade sintomá-tica que torna muito difícil realizar a ilusão deaplicar uma técnica específica a um quadro es-pecífico. A complexidade e a plasticidade hu-manas escapam a tal pretensão, geralmentemais real nos textos e nas palavras do que narealidade de nossa prática profissional diária.

Figura 14.1 Estilos atribuicionais nos distúrbios alimentares. Fonte: Maselli e Cheli (2000).

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O terapeuta pós-racionalista não se inte-ressa por diagnosticar anorexia, bulimia ouobesidade de forma transversal, tal como ocor-re nos DSM, porém lhe interessa fazer um diag-nóstico processual que considere o momentode vida do paciente e os elementos dispara-dores e mantenedores dessa sintomatologia(Guidano, 1995b). Por exemplo, no caso ca-racterístico de um desequilíbrio anoréxico, queenvolve uma decepção das figuras parentais(que é em si um aspecto inevitável da expe-riência adolescente), esse acontecimento podedisparar tal sintomatologia como conseqüên-cia de uma ruptura afetiva.

O terapeuta pós-racionalista preocupa-seem gerar as melhores condições possíveis paradisparar uma reorganização pessoal. Essas con-dições podem ser propiciadas no seio de umarelação terapêutica realmente comprometida,entendida como uma disposição permanentedo terapeuta para simular os processos do pa-ciente, representando a forma como este podeestar vivendo-os como observador, e operarsobre esse sistema. As condições consistem emlevá-lo a experimentar eventos afetivamentecarregados e gerar uma condição auto-referen-cial, na qual lhe seja impossível deixar de re-conhecer como próprios os aspectos emotivosque emergem nesse trabalho.

A METODOLOGIA AUTO-OBSERVACIONAL

A auto-observação (Guidano, 1994) é ométodo unitário utilizado na fase de avaliaçãoe na intervenção em si, o qual permite a análi-se dos dois níveis de processamento da infor-mação e da relação que existe entre estes paraa pessoa. A operação na interfase entre expe-riência imediata e a explicação permite ao pa-ciente analisar os acontecimentos de interesseclínico.

Todo problema terapêutico é reconstruídoem termos dos eventos seqüenciais aos quaispode referir-se utilizando uma linguagem ci-nematográfica, uma vez que a unidade de aná-lise nesse método é a imagem � razão pela quala técnica é chamada de moviola1(Guidano,1987). O paciente é conduzido a reconstruir aseqüência de cenas em uma espécie de visão

panorâmica, revisando de trás para frente oevento estudado e detendo-se em pontos críti-cos que se focalizam nos detalhes (zoomingout). Assim, a cena será enriquecida com no-vos detalhes (Guidano, 1987) que não haviamsido atendidos nem considerados pelo pacien-te, e será reinserida na seqüência (zooming in),o que vem a facilitar as distinções de mais de-talhes experienciais nas cenas subseqüentes,aumentando os níveis de flexibilidade e de abs-tração narrativa.

O interesse centra-se em reconstruir aexperiência em curso e a modalidade por meioda qual o cliente refere-se a essas experiências.Treina-se o paciente a focar o trabalho na auto-observação, fazendo-o notar que podem serelaborados dois questionamentos básicos: oporquê do que ocorre, quer dizer, como ele ex-plica o vivido, e como foi vivenciada a situa-ção, à luz dos detalhes experienciais. Junto comeste primeiro tipo de distinção, o paciente élevado a focalizar sua experiência a partir dedois pontos de vista: o ponto de vista subjeti-vo, ou como ocorre a cena em primeira pes-soa, e o ponto de vista objetivo, ao olhar a cenade fora, tal como quando as pessoas comen-tam sobre uma cena de um filme ou de umapeça de teatro, em que os dados manifestadospela personagem caraterizam uma parte da suaexperiência interna.

Uma forma especial de aplicar esse mé-todo é o treinamento em heterorreferencia-lidade � aspecto central utilizado especialmentenos pacientes DAP. O mecanismo de auto-ob-servação consiste em que o paciente conscien-tize-se de como as atitudes, os comentários ouas condutas dos outros mudam o sentido de simesmo (se �a� se comporta assim, o que ocor-re comigo?) e treinar um ponto de vista alter-nativo que tem como objetivo torná-lo inde-pendente do parâmetro externo (se �a� se com-porta assim, o que ocorre então com �a�?).Assim, o paciente vai progressivamente aumen-tando o contato com seus parâmetros de refe-rência internos pouco percebidos até então.

Já na fase de reconstrução da história dodesenvolvimento do paciente, o ponto de vistade análise é duplo. Por um lado, investiga-secomo ele se vê de fora com os olhos de umacriança da mesma idade que corresponde à

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cena reconstruída e, por outro lado, como elese vê de fora nessa cena com os olhos do pre-sente, ou seja, com toda a sua experiência, oseu conhecimento de mundo e os novos pon-tos de vista desenvolvidos no curso vital.

Nesse método, não estamos interessadosem debelar uma �verdade� oculta aos olhos dopaciente, e sim em alcançar maior flexibilida-de e maiores distinções na experiência, dife-renciando a experiência da explicação que aordena e tomando constantemente uma duplaperspectiva, objetiva e subjetiva da sua expe-riência em curso. Isso é feito para se alcançaro reconhecimento de uma gama mais amplade ingredientes experienciais que venham adesafiar a auto-imagem até então estabelecida.

O PROCESSO TERAPÊUTICO

Se considerarmos que qualquer reordena-mento racional cognitivo (nível narrativo ex-plícito) consiste em operar com as regras lógi-co-semânticas para tornar consistente o fluxoda experiência imediata e a continuidade danossa avaliação do mundo e que esse reordena-mento, mais do que representar uma realida-de já dada de acordo a uma lógica de corres-pondência externa, corresponde à construçãoe à reconstrução de uma realidade capaz detornar consistente a experiência em andamen-to, então o objetivo central da estratégia tera-pêutica é guiar o paciente para abordar aspec-tos da experiência que não tenham sido pro-cessados e/ou completamente compreendidos.

Os padrões de autoconsciência (de auto-referência ou de coerência) tendem a ser maisconfirmativos do que exploratórios e, inclusi-ve, capazes de manipular a experiência imedi-ata, à medida que se auto-referencia e reorde-na para, assim, impedir o surgimento na cons-ciência de dados que sejam irrelevantes ou quedesafiem a avaliação de si mesmo ou da situa-ção formalizada até esse momento. Portanto,o processo terapêutico consiste em provocarmudanças progressivas nesses padrões de coe-rência, incrementando, paulatinamente, a com-preensão por parte do cliente do modo comoordena (e reordena) o fluxo da experiência.Dessa forma, amplia-se a compreensão dos

padrões básicos que vem empregando paraauto-referir-se na experiência imediata, o quefinalmente facilita o reconhecimento de outrastonalidades emocionais.

Em síntese, a mudança terapêutica sig-nificativa coincide com uma mudança no ní-vel e na qualidade da autoconsciência. Issocorresponde a um aumento da flexibilidade eda abstração da avaliação do nível explícito(�mim� � aquele que pensa e explica), do níveltácito de experiência (�eu� � aquele que sentee experimenta). Por um lado, esse aumento daflexibilidade vai desafiando a imagem sobera-na (consciente de si mesmo), de maneira queos afetos que se percebem como estranhos eirreais passem a ser avaliados como emoçõespessoais reais e, agora, auto-referidas ao pró-prio sentido de continuidade e unicidade. Poroutro lado, ao modificar o ponto de equilíbriona relação �mim-eu�, o cliente aumenta a suacompreensão de como ocorrem e se manifes-tam os sentimentos oscilantes discrepantes, me-lhorando a sua capacidade de auto-regulaçãoda emotividade, vale dizer, da experiência sub-jetiva (Guidano, 1998).

A auto-observação é o método essencialpara a avaliação e a intervenção terapêutica.Assim, operando na interface entre a experiên-cia imediata (�eu�) e seu reordenamento ex-plícito (�mim�), vão sendo reconstruídos osacontecimentos de interesse terapêutico, faci-litando-se a observação de ambos os níveis deprocessamento e os padrões de coerência darelação existente entre os mesmos.

O terapeuta atua como um perturbadorestrategicamente orientado, estabelecendo ascondições capazes de provocar a reorganiza-ção, mas não controlando nem determinandoo resultado final do processo, sendo que a suameta é orientar o cliente a compreender ospadrões que ele emprega para auto-referir-seem suas experiências imediatas. Mais do queestar centrado em modificar as crenças que ocliente tem, o clínico o guia para perceber comoage para significá-las. Para alcançar esse obje-tivo, é indispensável que o terapeuta conheçaa dinâmica das principais organizações de sig-nificado pessoal, bem como os desafios evolu-tivos que enfrentam em sua progressão ontoge-nética ao longo do ciclo vital.

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Então, utilizando a técnica da moviola(estratégia de auto-observação), o terapeuta,usando os problemas presentes e os eventosem que ocorre a discrepância emocional, pro-move novos níveis de compreensão e possibili-ta que os processos de auto-organização docliente influam no rumo da terapia. Assim, asperturbações emocionais que geram uma mu-dança efetiva em terapia provêm de dois pro-cessos básicos:

1. Um efeito discrepante, derivado dasexplicações do terapeuta, levando-se em conta que tudo o que ele faz,seja mediante uma comunicaçãoverbal e/ou não-verbal, incluindo aestratégia de auto-observação, já éuma forma de explicação para ocliente. Esse efeito discrepante é ca-paz de suscitar uma modificaçãoapreciável do ponto de vista que ocliente mantém de si mesmo. Em-bora as explicações com efeitos dis-crepantes sejam uma solução neces-sária para ativar a perturbação desa-fiante terapêutica, elas não bastamem si para desencadear um efeitoreorganizador.

2. Um nível estável e apreciável decompromisso emocional na relaçãoterapêutica, que impulsiona umacodificação auto-referencial globale imediata do ponto de vista questio-nador (uma perspectiva alternativaà �verdade� sustentada pelo pacien-te), provocando a percepção daspossíveis discrepâncias. Independen-temente do seu conteúdo específi-co, uma nova perspectiva ques-tionadora pode produzir um efeitodiscrepante somente através do ní-vel de auto-referencialidade que seadquire em função da qualidade dareciprocidade emocional estrutura-da até esse momento no contextointerpessoal. Nesse sentido, é bási-ca a qualidade do compromissoemocional do terapeuta naquilo quediz ou faz, evidenciando que parti-cipa de uma relação real, pois isso

representa uma garantia para o pa-ciente de que o terapeuta está dis-posto a cumprir seu oferecimento aoaceitá-lo. Aos olhos do cliente, talfato implica uma possibilidade con-fiável de explicação e experiência al-ternativa de seus problemas atuais.

A ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA

A estratégia terapêutica conta com trêsfases principais: a preparação do contexto clí-nico e interpessoal (fase 1), a construção dodispositivo terapêutico(fase 2) e o impedimen-to da análise evolutiva (fase 3).

Preparação do contexto clínicoe interpessoal (Fase 1)

Dependendo do nível de conhecimentoque o paciente tenha do seu problema e da ati-tude de cooperação, essa fase pode levar deuma a sete sessões. O objetivo central em cons-truir uma relação interpessoal que facilite aexploração da vivência tem o propósito dereformular o problema apresentado pelo pa-ciente para facilitar a utilização da estratégiade auto-observação, ou seja, favorecer que oclínico possa atuar na interface entre experiên-cia/explicação. Nesse sentido, a operação bá-sica consiste em redefinir o problema sob osaspectos �internos� e relacioná-lo, na medidado possível, a seu modo de ser (por exemplo,sentimentos intrínsecos do modus operandi dosujeito que ainda não suficientemente reconhe-cidos ou explicados) e em contraste à defini-ção externa que o cliente normalmente expe-rimenta e apresenta (como sintomas estranhos,idéias de doença ou outras noções vinculadasa aspectos �externos� à sua maneira de ser).

Vejamos um exemplo: Pâmela, uma jo-vem de 16 anos, cursa a 2a série do ensinomédio e é filha única do casal. Seu pai, de 55anos, é publicitário, trabalha com negóciosimobiliários e tem um filho de 22 anos, frutode um outro relacionamento. A mãe, de 44anos, também é publicitária e conheceu o paide Pamela quando foi sua aluna. Em meados

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do verão, oito meses atrás, a jovem começoua fazer uma dieta e, dado seu descontenta-mento com os resultados, consultou umanutricionista. Esta disse-lhe que tem facilida-de para assimilar os alimentos; porém, compaciência e uma dieta alimentar adequada,Pâmela poderia manter-se bem (consideran-do-se as variáveis altura/peso dentro dos pa-drões normais).

A partir dessas orientações, Pâmela co-meçou uma dieta restringindo quase totalmen-te a ingestão alimentar e iniciando, assim, umquadro anoréxico clássico que a levou a per-der de 8 a 10 kg em três meses, com amenor-réia, etc. Juntamente com sua tentativa de nãocomer, começou a ser alterada a relação emo-cional com os pais e em especial com a mãe,que a pressiona a comer, fazendo com que todoo relacionamento gire em torno do tema daalimentação. Diante da clássica pergunta �quaisproblemas a trouxeram aqui?�, a paciente afir-ma que os pais a obrigaram e manifesta umaatitude desafiadora e hostil para com a tera-pia, pois sente que a intenção dos progenito-res era a de lhe fazer subir de peso � o quefaria com que ela viesse a engordar. No decor-rer dessa primeira sessão, começou a evidenci-ar-se, aos olhos da paciente, que, já antes doverão, como também durante essa época, elamanifestava um certo nível de angústia e ten-são (sentia-se confusa, insegura e vazia) ao terque enfrentar situações sociais. O terapeutaanalisa nesse momento suas dificuldades deintegração com o mundo social, o que desper-ta o imediato interesse da paciente em conver-sar sobre as suas dificuldades de enfrentamen-to de tais situações sociais.

O passo seguinte consistiu em reformulara sua dificuldade de relacionamento social emtermos de sensibilidade à avaliação e, para isso,começaram a reconstruir cenas nas quais taldificuldade se manifestava. Nessas cenas,Pâmela percebia-se como muito vulnerável esem controle da imagem que os outros tinhamde si mesma e do seu rendimento social, reco-nhecendo-se permanentemente com �fome� detudo, ou seja, sem personalidade, sem vonta-de e sem motivação. Verifica, inclusive, que osoutros são mais expansivos, que ela raramentetem o que dizer nas situações de convívio. Por

essa razão, antecipa uma atitude excludenteda parte dos outros, que irão rejeitá-la e avaliá-la de forma negativa e, como conseqüência,prefere isolar-se ou participar o menos possí-vel de eventos com pessoas nas quais não con-fia ou com as quais não se sente bem.

O terapeuta tinha especial cuidado de nãodesafiar o ponto de vista sustentado porPâmela, cujo aspecto central em seus sentimen-tos e dificuldades era a falta de aceitação. Doponto de vista clínico, uma das saídas era re-duzir objetivamente os atributos estéticos eintelectuais (provindos do �exterior� da pacien-te), além de promover uma mudança de pers-pectiva (para o �interior�), na qual os proble-mas se relacionavam mais aos aspectos deriva-dos de sua hipersensibilidade aos juízos dosoutros do que à sua aceitação corpórea ou in-telectual. Reformulado dessa maneira, o pro-blema é internalizado, e assim se pode redefinirum palco para que possa acontecer uma auto-observação de uma exploração colaborativaentre o cliente e o clínico.

Ao longo desse processo, que durou cer-ca de três ou quatro sessões, cada vez que oterapeuta indagava a respeito de algum aspec-to específico indicado por ela, a paciente res-pondia vagamente, oferecendo explicações emforma mecânica e consensual ao grupo de re-ferência. A exploração de seus sentimentossempre dava lugar a respostas também muitovagas, tais como �desconforto�, �mal-estar�,�desagrado�, etc., e, apesar de ter consciênciade que esses sentimentos eram mais intensosem situações sociais, ainda não era capaz deexplicar as razões para que isso ocorresse. Es-sas cenas, portanto, transformaram-se no focode atenção da auto-observação da paciente, quepôde reconhecer, a partir dessa estratégia, queas experiências emotivas eram a base da suareticência a se relacionar mais diretamente comos seus companheiros. Vale ressaltar novamenteque a estratégia do terapeuta foi desenvolvidade modo a evitar o confronto dialético com apaciente ou a tentativa de persuadi-la, diretaou indiretamente, no sentido de que o seu pro-blema seria o excesso de peso do juízo externoem sua vida ou mesmo a existência de crençasirracionais. Essa reformulação foi produto dareformulação das próprias experiências

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reconstruídas e reconhecidas pela paciente, oque evitou o risco comum de que os resultadosobtidos fossem somente produto de um acor-do verbal, dada a vaguidão e a disposição asatisfazer desses pacientes devido à suahipersensibilidade ao juízo alheio e, por con-seguinte, também ao possível juízo de seu te-rapeuta.

Dessa maneira, o terapeuta comporta-secomo um perturbador estrategicamente orien-tado ao definir o contexto terapêutico comoum âmbito destinado à compreensão e à inda-gação, e não como um palco no qual o clienteserá tranqüilizado e/ou receberá soluções téc-nicas (que geralmente correspondem ao que ocliente espera obter em terapia). Portanto, asexplicações ou as reformulações discrepantes,que ocorrem em um contexto emocionalinterativo adequado, modificarão o ponto devista do cliente sobre sua problemática. Procu-ra-se, assim, reduzir a discrepância entre a ex-periência e a explicação dessa mesma experiên-cia.

Na busca de tais objetivos, após a pergun-ta �o que a trouxe aqui?�, o terapeuta deveobservar dois aspectos. Em primeiro lugar, for-mular rapidamente uma hipótese a respeito daOSP particular daquele paciente, o que lhepermitirá orientar-se para reformular o proble-ma apresentado e evitar assumir atitudes ino-portunas diante das emoções perturbadoras docliente, como adotar uma atitude crítica e/oupreocupada, pois confirmariam o sentido deestranheza com que ele percebe essas emoções,ou atitudes que se oponham e/ou sejam desa-fiadoras à sua coerência pessoal.

Em segundo lugar, não deve tentar corri-gir nem confirmar as afirmações do cliente, evi-tando entrar em discussões que, em nossa opi-nião, não modificam o que ele experimenta,mas que podem definir o contexto terapêuticocomo competitivo e puramente verbal. Nessaperspectiva, define-se o contexto interpessoalcomo uma colaboração recíproca e o relacio-namento terapêutico como uma ferramenta deindagação, que permite pesquisar ao máximoseu significado pessoal. Assim, terapeuta e pa-ciente, trabalhando conjuntamente, constroemuma compreensão que até esse momento estáausente, procurando construir um ponto de

vista, tanto alternativo quanto comprometido,que desloque o foco da atenção do cliente paraoutros aspectos de si mesmo, até então nãoaccessíveis.

Construção do dispositivoterapêutico (Fase 2)

Essa fase divide-se em duas etapas. Naprimeira etapa, que tem duração de quatro aoito meses, o enfoque é a reordenação da ex-periência imediata. Normalmente, as sessõessão semanais, de modo que o paciente tenhaum papel mais ativo na terapia. Os objetivoscentrais dessa fase são reconstruir o padrão decoerência atual do cliente e os fatores que fa-zem com que seu desequilíbrio possa estar sus-citando os problemas.

No início, pede-se ao cliente que observee anote os acontecimentos significativos dasemana, escolhidos segundo a reformulaçãoinicial do problema. Esses eventos são dividi-dos em seqüências de cenas, analisadas pelométodo de auto-observação. O cliente é trei-nado para distinguir os diferentes aspectos daexperiência subjetiva, até que consiga levar ofoco da atenção a um desses aspectos e recons-truí-lo de diversos pontos de vista. Utilizando-se a técnica da moviola, o cliente é instruído,desde as sessões iniciais, a enfocar em cadacena a diferença entre a experiência e a suaexplicação, tanto durante a cena quanto de-pois dela, e a introduzir a distinção entre o�como� (a experiência) e o �porquê� (de suaexplicação). O �como� está relacionado à cons-trução (os ingredientes) da experiência subje-tiva (por exemplo, padrões dinâmicos da ima-ginação, tendência à ação, sentimentosmultifacetados, sentido de si mesmo experi-mentado, etc.) e também ao modo como ela seproduz, ou seja, a situação ou os acontecimen-tos que geraram a percepção discrepante e oseu reconhecimento pelo sujeito. Nessa etapa,o problema inicialmente proposto como umaatitude conectada ao âmbito externo (um pro-blema objetivo) começa a ser progressivamen-te entendido como conectado ao âmbito inter-no (relacionado com o manejo de certos as-pectos imediatos da experiência subjetiva). Por

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fim, o trabalho da moviola estará orientado aenfocar a discrepância entre a experiência ime-diata e o seu reordenamento explícito, com oobjetivo acordado de reconstruir o padrão decoerência entre ambos os níveis de experiên-cia (experimentar e explicar).

Voltando ao exemplo de Pâmela, consta-tamos que ela atribui sua insegurança socialao fato de �ter engordado fisicamente�, conec-tando mais fortemente ao âmbito externo. Nassessões iniciais, já se havia reformulado o seuproblema em termos de sua permeabilidade aoscomentários e às atitudes dos outros, entre osquais se destacam os da mãe e os de seus pa-res, em especial de suas companheiras, que re-presentam seu modo de ser e de sentir-se comos demais.

A paciente custava a reconhecer o efeitoemocional negativo que lhe geravam os comen-tários de sua mãe e os sentimentos de confu-são que eram experimentados. Passando estae outras cenas através da moviola, Pâmela tor-nou-se cada vez mais capaz de reconhecercomo seus estados afetivos internos (e, inclu-sive, o seu ponto de vista sobre os fatos) iamsendo influenciados e, muitas vezes, determi-nados pela visão e pelas atitudes dos outros.Uma vez que se tornou capaz de perceber taisdistinções, ela começou a ser treinada no exer-cício da heterorreferencialidade em termos dedesassociar o sentido de si mesma dos parâ-metros externos, ou seja, desvincular �quemsinto que sou� de �como os outros me perce-bem�. Nesse treinamento, a ação e a atitudedo outro são tomadas como informações so-bre a outra pessoa, e Pâmela conseguiu dar-seconta de que, nas situações de conflito com amãe, esta tendia a extremar e exagerar sua res-posta emocional de maneira a manipular osseus comportamentos.

Portanto, amplia-se progressivamente ofoco sobre os sentimentos perturbadores e seusvínculos com outros aspectos da experiênciaimediata, fazendo-se com que o cliente com-preenda como todo estado emocional é sem-pre uma construção contínua, que abrange pro-cessos de reconhecimento e auto-referência.Com a reconstrução do modo como o clienteelabora crenças e expectativas a partir da ex-periência imediata (ou seja, a experiência em

andamento), começam emergir os limites dasua auto-imagem atual frente aos padrões deauto-engano (pontos de vista �externos� utili-zados até então como referência de conduta ede ação). Em síntese, esse processo consiste empromover no paciente uma maior independên-cia em seu ordenamento dos significados, par-tindo agora do sentido de si mesmo (�como eume sinto ser�) e não mais de parâmetros exter-nos (�como os outros me vêem�), o que geraum aumento de flexibilidade pessoal.

Alcançada uma certa capacidade deheterorreferencialidade, começou-se a recons-truir as cenas do surgimento do problema dePâmela. Ela estudava em um colégio de altonível socioeconômico e percebia que suas com-panheiras preocupavam-se com aspectos maiscentrados na imagem corporal, o que lhe gera-va uma experiência de não se sentir incluídano grupo. Começa, então, a experimentar umaprofunda sensação de fracasso e de inferiori-dade em relação aos outros, pois nunca haviase preocupado com essas questões anterior-mente. Repetidamente, relata recordações(imagens) nas quais vê a si mesma muito vul-nerável no relacionamento com suas colegas.No final das férias, ao reiniciar o ano escolar,inicia-se o quadro anoréxico, pois desenvolveimagens antecipatórias recorrentes de que seperceberia em desvantagem em comparaçãoaos outros (até mesmo o fato de assistir à tele-visão afetava-lhe, pois Pâmela começou a secomparar com personagens da televisão, sen-tindo-se mais uma vez inferiorizada).

A mudança do foco sobre si mesma atin-gida pela cliente nessa etapa provoca umreordenamento da experiência imediata, poisagora pode reconhecer e auto-referir emoçõese sentimentos anteriormente desatendidos ouexcluídos da consciência. Assim, passamos àetapa seguinte dessa mesma fase, explicitandode que modo os padrões de significado pessoalpermitem a estruturação dos laços afetivos ca-pazes de manter a coerência do sentido atualde si mesma. Na segunda etapa, ocorre a re-construção do estilo afetivo, isto é, trabalha-separa que o cliente alcance uma compreensãodo modo como começa, mantém e termina osvínculos afetivos e, em especial, compreenda arelação existente entre seu estilo afetivo parti-

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cular e sua problemática atual. A experiênciaclínica mostra que as perturbações emocionaisnormalmente coincidem com uma mudançaabrupta da imagem das figuras mais significa-tivas na vida dos clientes, seja por aconteci-mentos percebidos (decepções ou frustrações),seja pelo produto do crescimento pessoal dapessoa, o que os faz mudarem de perspectiva,tal como ocorre na adolescência. Dado que aimagem da figura significativa está intrinseca-mente vinculada à autopercepção e à imagemde si mesmo, uma mudança de percepção dessafigura leva necessariamente à uma reformula-ção da imagem pessoal, pois são unidades co-participativas. A reconstrução, através damoviola, do curso cronológico de aparecimen-to das perturbações, destacando a correlaçãoentre o desequilíbrio percebido e a mudançade imagem do companheiro, ajuda o cliente acompreender que o surgimento de sentimen-tos perturbadores é paralelo, muitas vezes, àmudança de percepção do companheiro. Nes-sa altura, fica cada vez mais evidente que oproblema original coincide com a exclusão desuas percepções pessoais em detrimento dasopiniões externas, levando-o a uma ordenaçãoerrônea dos significados.

Começamos, então, com uma análise de-talhada da história afetiva do cliente, ou seja,buscamos seqüências que contenham cenas sig-nificativas que podem ser submetidas ao es-crutínio da moviola. Ao desenvolver com ospacientes essa técnica, podemos ajudá-los aperceber:

1. As variáveis que subjazem ao �debutsentimental�, já que o início da vidasentimental e afetiva constitui umaespécie de ensaio geral da carreiraamorosa que a pessoa começa e quepermite vislumbrar o conjunto deingredientes básicos para gerar umestilo afetivo específico e definidocom uma pessoa � produto da per-cepção dos olhos do cliente. Da mes-ma forma, todas as relações que ocliente define como significativasserão passíveis dessa mesma recons-trução.

2. A reconstrução dos critérios pelosquais ele pode diferenciar as rela-ções significativas daquelas não-sig-nificativas, na seqüência das relaçõescomo um todo em sua vida. Essescritérios permitem-nos destacar ospadrões de classificação dos casais(seguros ou inseguros) que mais semostram coerentes com o estilo devinculação que gradualmente temsido estruturado como �comum�pela pessoa.

3. O modo como cada relação signifi-cativa formou-se, manteve-se e dis-solveu-se. Conjuntamente, analisa-se como cada relação foi experimen-tada, avaliada e auto-referida peloindivíduo (por exemplo, �Foi umarelação boa, mas muito tensa��).Ao fazermos isso, vamos explici-tando ao cliente seu estilo afetivomais comum, o qual também pro-duz experiências emocionais recor-rentes e capazes de estabilizar ou de-senvolver um sentido atual de simesmo.2 Nessa etapa, obtém-se oreconhecimento dos diferentes esta-dos emocionais ao longo de um vín-culo afetivo e percepção do outrosignificativo como regulador daautopercepção.

No caso de Pâmela, cujo �debut afetivo�ainda não ocorreu, o aspecto mais importan-te no estilo afetivo foi a brusca mudança deimagem em relação à figura paterna, o quecoincide temporalmente com o início do qua-dro clínico. Por isso, mais do que estudar umacarreira afetiva ainda inexistente, o foco re-caiu em como havia sido estruturado o rela-cionamento com o pai e como o desequilíbriodessa imagem se relacionava com o início doquadro clínico.

Apesar de todas as dificuldades relacio-nais normalmente encontradas entre pais, eapesar da pressão da mãe de Pâmela paraenvolvê-la como sua aliada na oposição ao pai,a jovem sempre manteve uma visão do mesmocomo alguém absolutamente incondicional aela, alguém de sucesso e de proteção absoluta.

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Bem-sucedido social e profissionalmente, ad-mirado e reconhecido, ele era uma boa garan-tia de apoio para enfrentar o mundo social.Porém, ao acontecer o fracasso econômico dopai, ele deixa de lhe aparecer como uma figu-ra absoluta de sustentação de sua auto-ima-gem, experimentando-se a si mesma como maisvulnerável diante de seus pares. Dessa forma,Pâmela foi conectando-se ainda mais ao quelhe acontecia internamente, ou seja, à sua ma-neira própria e idiossincrática de se ver e deestruturar as suas relações afetivas com o gru-po. No fim dessa etapa, a paciente já mostravauma melhora na relação com ambos os pais,estava regularizando seus ciclos menstruais etinha atingido um peso de 47 kg (2 kg a menosdo esperado para o seu tamanho). Além disso,conseguimos um desaparecimento quase totaldos problemas sintomáticos ou das perturba-ções originais em relação a esses novos níveisde auto-referência, criando uma nova atitudeem relação à realidade e à descoberta de no-vos âmbitos de experiência.

Empreendimento da análiseevolutiva (Fase 3)

A etapa de reconstrução das experiênciasimediatas da história do desenvolvimento durade três a seis meses. Começa com a identifica-ção dos acontecimentos significativos em ter-mos de estruturar a história evolutiva em rela-ção às cenas que serão posteriormente passa-das pela moviola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devemos considerar que, já no início daterceira fase, o paciente tenha atingido novospontos de vista sobre si mesmo, o que é umacondição necessária para realizar o trabalhoterapêutico, a fim de evitar-se que esse proces-so transforme-se em um simples recontar bio-gráfico. Ao longo da seqüencialização da his-tória de vida, devemos destacar que essas lem-branças costumam ser, na maioria das vezes,vagas e imprecisas, estando sobrepostas entre

si apresentando muito menos detalhes que ascenas das etapas anteriores.

Na execução desse objetivo, o terapeutaencontra-se com a dificuldade de que o pacien-te �construiu� uma versão de sua história devida, enfeitada pelas explicações pontuais, demaneira tal que, ao longo dos anos, explica-ções consistentes são ornamentadas com a ima-gem construída, dando mais riqueza à sua nar-rativa. De qualquer maneira, percebemos queas lembranças de suas relações de apego (aque-las afetivamente significativas) são, no caso,avaliadas e auto-referidas enganosamente, ge-rando explicações discrepantes com a experi-ência que tais lembranças evocam. Devemosconsiderar que, em geral, os pacientes supõemque os fatos sobrepõem-se às explicações, emlugar de haver consciência de que essas expli-cações constroem-se a partir das experiênciasvividas. Nesse sentido, o terapeuta, realizandouma contínua diferenciação entre experiênciaimediata e sua posterior explicação, possibili-ta ao paciente reconhecer as experiências dis-crepantes existentes em sua vida. Portanto, aslembranças que são significativas corres-pondem àquelas que suscitam sensações eemoções que não podem ser explicadas de for-ma exaustiva.

Segundo Balbi (1994), na eleição doseventos significativos a serem reconstruídos,deve-se considerar: (a) o conhecimento dasetapas de desenvolvimento e os problemas es-pecíficos de cada uma das organizações de sig-nificado pessoal; (b) a relação entre a reaçãoemocional e o nível de discrepância entre estae a sua explicação, gerados no paciente porcada uma dessas lembranças, e (c) os modosespecíficos de auto-engano que o terapeuta jáconhece do paciente e os quais também podeantecipar como próprios do processo pessoalque está em jogo em cada lembrança.

O trabalho de recompilação de eventossignificativos da história evolutiva considerasempre as três etapas maturacionais: da in-fância e dos anos pré-escolares (de 0 a 6 anos),da segunda infância (de 7 a 12 anos) e daadolescência e juventude (de 13 a 20 anos).Em cada uma dessas etapas, reconstrói-se pri-meiro uma visão panorâmica, que permite lo-

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calizar os acontecimentos reformulados comosignificativos na trama evolutiva, para depoisfocalizar cada um destes pela técnica damoviola, ocorrendo a reconstrução dos pa-drões vinculares.

No caso de Pâmela, a primeira etapamaturacional está em estreita relação com aseparação de seus pais. Aos 6 anos, recorda-sede eventos como a não-permissão de sua mãepara expressar afeto pelo pai. Um acontecimen-to específico de fácil recordação é quando amãe afirma: �Ele é um desgraçado, não é ca-paz de se preocupar com você�. Em uma dasvisitas ao pai, ela conhece o seu irmão, entãocom 12 anos, cuja existência ela e a mãe igno-ravam. Esse fato foi referido como um episó-dio agradável, pois o irmão recentemente des-coberto era para ela um bom companheiro dejogos quando visitava seu pai.

Em geral, Pâmela lembra a sua infânciacomo muito boa e feliz, apesar desses eventose de sua alegria desaparecer rapidamente quan-do a mãe recomeçava a criticar seu pai. Nessesmomentos, sentia que a mãe conseguiaconvencê-la e acabava por não saber o que eraou não verdade, ficando perplexa, irritada econfusa.

A etapa entre 8 e 12 anos está marcadapelo restabelecimento da relação dos pais, pri-meiro como amigos e depois como um novocasal. Ela percebe que os dois estão mais pre-ocupados em estar bem entre eles e começa asentir que perdeu o privilégio anterior de terum tempo exclusivo com cada um. Começa asentir o pai diferente, como se já não lhe dei-xasse fazer tudo o que ela queria, de forma asatisfazer sua mãe. Por outro lado, afirma gos-tar de que os pais ficassem juntos, porque as-sim deixaria de se sentir diferente perante asamigas e seria mais aceita socialmente.

A fase entre os 13 anos até o presentecaracteriza-se pela relativização da imagem dopai, figura que ela lembra ter idolatrado e ide-alizado. Ao reconstruir cenas dessa fase,Pâmela reconhece que qualquer questionamen-to da imagem do pai era vivido como uma gran-de experiência dolorosa, inaceitável, apresen-tando dificuldade em reconhecer os aspectosnegativos. Embora tivesse a sensação de ser ela

mesma quem vem a descobrir posteriormenteque o pai não era tão perfeito, a sensação desolidão e confusão toma lugar em sua vida.Como sempre considerara o pai como um apoioem oposição à sua mãe, agora estava mais per-dida. Tal condição contribuiu para que se ali-asse à sua mãe em oposição ao pai.

Os eventos que dispararam esses episó-dios ocorreram quando Pâmela estava pres-tes a completar 14 anos e o relacionamentodos pais havia novamente se deteriorado, pro-vocando uma mudança irreversível de suaimagem e surgindo uma série de questiona-mentos a respeito de seu pai. O que ela agorareconhece nessa decepção é que isso lhe ge-rou um duplo sentido de vulnerabilidade: pri-meiro diante de sua mãe e depois diante deseus pares, momento em que surge seu trans-torno alimentar.

NOTAS

1. Moviola é um antigo equipamento utilizado nassalas de projeção, cuja finalidade era editar asdiferentes partes dos filmes (os chamados ro-los) em uma seqüência única.

2. As �figuras significativas� também se modifi-cam com o passar do tempo, isto é, o papelocupado inicialmente pelos pais passa a ser ocu-pado posteriormente pelos melhores amigospara depois ser preenchido pelo cônjuge. As-sim, um verdadeiro continuum relacional éconstituído, daí a importância das figuras sig-nificativas na fase adulta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Transtorno de PânicoLuciane Gonzalez Valle

lar) e os sintomas somáticos atrasados, queresultam em tensão ou estimulação prolonga-da (fraqueza muscular, cólica intestinal, doresde cabeça e pressão sangüínea elevada). Já ossintomas motores podem ser exemplificadospor inquietação e tamborilar dos dedos dasmãos ou dos pés.

Em um quadro de transtorno de pânico,o indivíduo experimenta períodos breves, masintensos, de ansiedade que não estão relacio-nados a qualquer evento específico; portanto,a causa da ansiedade nessas situações é inde-terminada. Esse transtorno é um problema psi-cológico comum, ocorrendo em 1 a 3% da po-pulação mundial, sendo mais habitual em mu-lheres jovens entre a faixa de 20 a 40 anos (APA,2002). Sua característica principal é a presen-ça de ataques de pânico que surgem de repen-te e que se repetem, seguidos ao menos de ummês de persistente preocupação: a de ter ou-tro ataque. O pânico caracteriza-se por senti-mentos intensos de medo, apreensão ou sen-sação de desconforto, acompanhados de sin-tomas físicos, como palpitações, suor frio, tre-mores e falta de ar, em que o indivíduo tam-bém pode sentir tonturas, náuseas e dores ab-dominais. Essa sintomatologia leva à sensaçãode morte ou perda total de controle da situa-ção, tendo início súbito e atingindo seu pontomáximo em poucos minutos. A pessoa tem ain-da a sensação de perigo iminente e o desejoincontrolável de fugir e se proteger.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A ansiedade está presente em muitos denossos comportamentos. Ela é responsável poralertar quando o nosso organismo está em pe-rigo, servindo como impulso e motivação, a fimde preservá-lo. Portanto, quando se instala,ativa mecanismos em nosso cérebro, e o corpoprepara-se para defender-se.

Quando a ansiedade é excessiva ou ino-portuna, por não haver razão para que esteja-mos em alerta, faz com que soframos, tal comoacontece nos chamados transtornos fóbicos(agorafobia, fobia social e específica) e nosestados de ansiedade (transtorno de pânico,transtorno de ansiedade generalizada, trans-torno de estresse pós-traumático, transtornoobsessivo-compulsivo e transtorno de estresseagudo).

Os indícios cognitivos conseqüentes daansiedade incluem preocupação, ruminação edistratibilidade e originam-se do fato de queos indivíduos ansiosos estão sempre esperan-do que algo ruim aconteça a eles, vivem cons-tantemente em estado de alerta e preocupam-se com uma �catástrofe� que está prestes a so-brevir. Os principais sintomas de humor sãotensão, pânico, agitação e apreensão.

Na ansiedade, dois tipos de sintomassomáticos são observados: os sintomas somá-ticos imediatos (sudorese, boca seca, respira-ção curta, freqüência cardíaca acelerada, au-mento da pressão sangüínea e tensão muscu-

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O pânico deve ser sempre definido demaneira bem-distinta de outras manifestaçõespsicológicas, como, por exemplo, fobias e ou-tros transtornos de ansiedade, intoxicações porcafeína e outros estimulantes ou retirada abrup-ta de medicação tranqüilizante (sedativos ehipnóticos). Às vezes, problemas orgânicos,como hipertireoidismo, hiperparatireoidismo,feocromocitoma, doenças do labirinto ecardiopatias, podem ser erroneamente trata-dos como pânico.

VISÃO CONSTRUTIVISTA DOTRANSTORNO DE PÂNICO

No construtivismo, os significados pesso-ais não são fruto somente das crenças ou dosvalores adquiridos; muitas vezes, sua origemestá nas experiências e em suas representaçõescorporificadas. Os significados que criamos, emgeral, partem das estruturas corpóreo-emocio-nais da experiência, e não dos processos es-sencialmente racionais. Isso faz com que este-jamos �contaminados� por características sub-jetivas, e não apenas representativas da reali-dade externa, o que nos incapacita a sermosobservadores neutros.

Esse processo é bem mais amplo do quesimplesmente refletir sobre os significados domundo externo, porque atribuímos muito maissentidos aos eventos do que aqueles já articu-lados �fora de nós�, ou seja, nossa cognição épró-ativa e vai além do que a realidade exter-na revela. Estamos contaminados por nossashistórias e percepções. Nosso mundo interno éoriundo, fundamentalmente, de uma constru-ção pessoal singular, sentida, e não unicamen-te pensada (Greenberg e Elliott, 1997).

Em oposição às visões tradicionais da te-rapia cognitiva objetivista, nas quais os pensa-mentos disfuncionais ou as crenças irracionaislevam-nos às emoções desadaptativas, nas con-cepções construtivistas, as emoções são as es-truturas efetivas da formação de significado,havendo uma excelência representacional doabstrato sobre a forma de perceber a realida-de. O que foi construído como verdadeiro peloindivíduo converte-se em um elemento pode-roso e efetivo aos seus sentidos, mesmo que

aos olhos do terapeuta possam parecer irraci-onais. A partir da construção interna é que osclientes atribuem os significados a tudo o queos circunda. Nossos limites individuais sãopermeados pela rede de nossas teorias e ex-pectativas (Abreu, 2001).

A psicoterapia construtivista procura com-preender e ampliar os padrões de significadosemocionais, mas não acredita que sejam os res-ponsáveis pelo sofrimento emocional. A expe-riência individual é proveniente de um proces-so biologicamente evolutivo, em que a reali-dade que vivemos é interpretada por nós atra-vés de nossa estrutura cognitiva e emocional,e os significados finais são o produto de atri-buições pessoais de caráter abrangente. Atra-vés deles, criamos um mundo onde os signifi-cados não são estabelecidos de maneira uni-versal e abstraídos pela razão, mas sim ummundo pessoal, com um sentido próprio paraaquele que o estrutura. O organismo é ativo àsinterferências do meio e constrói além daquiloque lhe é fornecido (Abreu, 2001).

Por esse motivo, o construtivismo com-preende os transtornos mentais de uma ma-neira distinta das outras abordagens terapêu-ticas, defendendo a idéia de que o transtornosurge para equilibrar a interpretação pessoalda realidade, e não para desordenar o sistemavivo. Portanto, se o �transtorno� for eliminadosubitamente, será criado um caos interno mui-to mais doloroso do que o transtorno em si. Amudança torna-se ainda mais difícil pelo fatode o transtorno ser, momentaneamente, umalicerce básico da dinâmica de significados doindivíduo que, apesar do sofrimento gerado, éa melhor ordenação que estruturas emocionaispuderam atingir em determinada situação peloindivíduo. Todavia, vale lembrar que um orga-nismo humano não conseguirá �construir� umtranstorno mental se as características biológi-cas favoráveis a essa construção não estiverempresentes (Greenberg, 1994).

O construtivismo aceita e respeita a pato-logia como parte integrante do indivíduo emsua tentativa de auto-organização, entenden-do, assim, que ela não deve ser atacada comoum vilão a ser destruído, uma vez que o orga-nismo necessita dessa existência �incompleta�para manter-se ordenado dentro de seus limi-

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tes possíveis, mas não suficientes. ConformeMahoney (1991, p. 43): �A lógica de vida dosindivíduos deve ser honrada, ela pode ser ex-pandida para acomodar novas possibilidadesde experienciar, e ainda, como é o que está àmão, é nela que você deve basear-se no traba-lho psicoterapêutico�.

Segundo Guidano (1994), não devemosmatar o mensageiro sem antes receber suamensagem. Portanto, devemos primeiro com-preender para que serve essa vivência de trans-torno na história de vida do indivíduo a fim deque, posteriormente, possamos (re)construir ossignificados emocionais que abrangem sua dore criar novos caminhos de compreensão.

A desordem e o estresse são aspectos necessá-rios da vida em processo, e o construtivismo éa única perspectiva contemporânea que respeitaa sabedoria do sistema vivo, no que tange àsua história singular de adaptação ao resistir àtentação de patologizar todo transtorno e todadisfunção. (Mahoney, 1991, p. 43)

Tal proposta é baseada em um colabora-tivismo empírico, no qual o psicoterapeuta eo cliente estão unidos em busca de uma ava-liação do papel dos problemas na história devida do cliente e, de forma mais ampla, dacompreensão da dinâmica da ordem e da de-sordem nessa história. Então, visto que o cons-trutivismo respeita a singularidade de cadapessoa, é muito difícil criar um roteiro tera-pêutico preestabelecido de como será a atua-ção do clínico. Nesse sentido, relatarei a des-crição de um caso clínico para ilustrar comoum de meus clientes beneficiou-se dessa mo-dalidade de intervenção. Não pretendo, comessa descrição, criar um roteiro de como sedeve tratar tais casos, já que estaríamos inva-lidando a postura da metateoria construtivis-ta. Minha proposta é contribuir com uma des-crição da atuação terapêutica em um caso detranstorno de pânico.

O PONTO POR PONTO DE UM CASO

João, 30 anos, casado, dois filhos, bem-sucedido profissionalmente, pratica esportes

freqüentemente, experimentou seu primeiroataque de pânico há cinco anos, durante o en-terro da mãe de um amigo. No início do traba-lho terapêutico, os ataques ocorriam em qual-quer situação, até mesmo dormindo, pelo me-nos duas vezes por semana. João vivia ame-drontado com a possibilidade de vir a sentir-semal novamente, mas não aceitava medicar-se,pois havia feito tratamento farmacológico háquatro anos e os ataques voltaram depois deum ano, logo após o final do tratamento. Ex-pliquei-lhe a eficácia e o funcionamento dosmedicamentos, bem como os ganhos que o tra-tamento em conjunto proporcionariam a ele.Embora um pouco resistente, ele acabou acei-tando a minha sugestão.

Fase de estabelecimentodo vínculo terapêutico

Um relacionamento terapêutico pode cri-ar uma importante base interpessoal, na qualo cliente pode vir a explorar e experimentaras suas experiências pessoais com mais segu-rança e confiança. A habilidade do clínico emencorajar e construir uma aliança terapêuticaforte e duradoura torna-se uma importanteferramenta para que bons resultados sejam al-cançados, muito mais eficiente do que a meraaplicação de técnicas específicas, interpreta-ções ou mesmo o uso de arcabouços teóricos(Greenberg e Kahn, 1998).

No primeiro encontro que tive comJoão, ele se demonstrou cansado de sofrer,não agüentando mais estar sempre em aler-ta e sentindo que viria a morrer ou enlou-quecer. Abaixo, descrevo um dos momentosnos quais o vínculo terapêutico começou aser estabelecido:

Cliente (C): Eu não suporto mais a mim mes-mo. Sinto que sou uma bomba-relógio. Nãoacredito que você ou ninguém possa me aju-dar, pois tenho consciência de cada milímetrodo meu corpo e sei bem que a qualquer mo-mento vou me sentir mal novamente. Alémdisso, minha vida é uma porcaria. As pessoasexperimentam essa sensação de morte umavez na vida, eu a sinto semanalmente e não

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posso mais controlar nada em minha própriavida.Terapeuta (T): Apesar de nunca ter sentidoisso, posso imaginar o quanto essa experiên-cia o amedronta e faz com que você se sintauma porcaria.C: É assim que me sinto, um deficiente men-tal, físico e até espiritual. (choro)T: (silêncio) João, embora você diga que nãoacredita em mais nada, eu acho que, se vocêveio até aqui, é porque no fundo ainda quercrer em algo. Eu acredito sinceramente quenós podemos tentar sair dessa.C: Quanto tempo demora para eu ficar bom?T: Não sei, cada pessoa tem uma velocidadeinterna de mudança. E, se eu lhe falasse emprazos, estaria mentindo. E tem mais umacoisa: talvez seja desconfortável em algummomento passar por esse processo de mudan-ça, às vezes você achará que está piorando,outras vezes sentirá que está bem, em outrosmomentos acreditará que estará tendo recaí-das... Infelizmente ou felizmente, eu acreditoque uma das grandes possibilidades de mu-dança ocorre através da criação de um novosignificado para o seu sofrimento.C: O que poderia ser mais desagradável doque acordar e dormir com esta porcaria?T: Esta porcaria não é um ser à parte de você,ela faz parte de você, ela surgiu em sua vidaporque provavelmente foi a única saída quevocê pode construir para manter o equilíbrio,mesmo que talvez não tenha sido a mais ade-quada.C: (silêncio) �Eu acho que posso confiar emvocê, vou lhe dar essa chance.T: Posso fazer uma pergunta antes de iniciar-mos? Me dar essa chance ou nos dar essachance?C: É... nos dar essa chance.

Fase de exploração empáticaou de implicação

No início do trabalho, é necessário des-mistificar o que o cliente �sabe� ou não sobre oseu transtorno e as implicações para sua vida.Indivíduos que vivenciam transtornos do pâni-co normalmente lêem muito sobre o assunto,e, como muitas vezes as informações não sãoprecisas, é preciso esclarecê-lo e informá-lonesse primeiro momento. É fundamental ex-

plicar o que é ansiedade, respostas de luta efuga, como se dá a reação adrenérgica, quaissão as conseqüências físicas dessa alquimia in-terna e sanar todas as dúvidas que possam sur-gir. Também é propício que sejam ensinadasalgumas técnicas de relaxamento e de respira-ção, que podem funcionar como aliadas aocombate das crises.

T: Na verdade, tudo o que você sente é bemreal, pois todas as pessoas também sentem issoem uma situação ameaçadora, como, porexemplo, durante um assalto. Assim, caso aansiedade não existisse, nosso organismo nãopoderia estar tão preservado. O que aconteceé que você percebe sua ansiedade com maiorgrau de intensidade e talvez até sem um mo-tivo aparente... Não é a morte da mãe do seuamigo, o trânsito, a fila do banco ou o fato deestar num avião que proporcionam o seu so-frimento, mas talvez a interpretação feita porvocê... E isso é bom, pois a saída partirá devocê mesmo.C: Então, eu sou prisioneiro da minha inter-pretação dos eventos? É isso?�T: Provavelmente! Por algum motivo, que ain-da não sabemos, você construiu significadosque lhe fazem crer que está constantementesob ameaça.C: E� como você vai me ajudar?T: Não sei ainda, mas juntos tentaremos com-preender a natureza de suas experiências depânico para, posteriormente, ressignificá-las.C: Obrigado por ser clara e honesta comigo...Isso faz com que eu possa acreditar em você.

Uma vez estabelecido o contato com ocliente, concentrei-me em introduzir um mar-co de referência interna, ou seja, selecionei aparte da mensagem que foi expressa mais in-tensamente e que parecia estar mais vívida nanarrativa do cliente (por exemplo, �Minha vidaé uma porcaria�, �Não posso mais controlarnada em minha própria vida�). As melhoresjanelas de intervenção surgem quando se ex-plora a experiência vivencial � emoções � dosacontecimentos.

T: Fale-me de algum momento de sua históriaem que você acredita ter sentido esse mesmomedo.

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C: Quando meu irmão nasceu, eu tinha doisanos. Ele tinha graves problemas respiratóri-os. Sofreu algumas cirurgias, acho que fiqueicom medo de que ele morresse.T: Com dois anos?.....C: É... Na verdade, meus pais me abandona-ram por conta de meu irmão ser muito frá-gil...T: Como é estar abandonado?C: É muito ruim... (diminuindo o tom da voz)T: Então, diga como é sentir-se ruim.C: Sinto um nó apertado na garganta, comose chegasse a me faltar o ar... Dá um medodanado de sentir isso, tem um gosto ruim. Porfavor, me ajude!T: Claro, você não está sozinho (silêncio)...Isto, por acaso, não lhe parece algo semelhantecom o início de uma crise de pânico?C: Sim, mas é mais fraco, embora tenha omesmo gosto.T: É possível que essa sensação, das crises, sejauma velha amiga sua? O que você acha?C: Ah... com certeza! A vida inteira eu sentiesse medo, sempre tive a sensação de quequeria fugir de algo que não sabia o que era.

Fase de iniciação da tarefaou de identificação do indicadore colaboração na tarefa

Acreditamos que, para ocorrerem mudan-ças emocionais, devemos ativar as estruturas designificado geradoras da experiência emocionalno momento do processo psicoterápico, e nãoapenas estimular um processamento passivo deinformações através dos pensamentos. Segun-do Greenberg e Forester (1996), as emoções sãoreações integradoras, de base orgânica, das nos-sas percepções do mundo e de nós mesmos. Elasexistem para integrar o social, o biológico, ocognitivo, o motivacional e o fisiológico em umaresposta complexa, que sintetiza vários níveisde processamento de informações.

Portanto, as emoções são tendências re-lacionais à ação, estabelecidas no sistema deaprendizagem do indivíduo, mantidas atravésde experiências que são adaptativas ou que in-terrompem nossas relações com o ambientequando nos causam desconforto. São formasancestrais de prontidão para a ação que, nopassado, garantiram nossa sobrevivência. Elas

são a base da nossa conexão social, sinalizan-do constantemente nossas relações sociais, so-bretudo as mais íntimas, e avisando-nos cons-tantemente se nossos limites internos estãosendo ou não rompidos, se fizemos algumacoisa errada ou mesmo se tudo está bem e nãoprecisamos fazer nada. Experiências sem emo-ções não são exatamente aquelas que nós, se-res humanos, estamos acostumados a ter, pois,na realidade, são as emoções que nos dão asbases para que estabeleçamos os relacionamen-tos (Greenberg e Kahn, 1998).

Em termos fisiológicos, quando o estímu-lo chega ao cérebro, vai direto às amígdalas;se elas julgarem que se trata de uma ameaça,mandarão mensagens ao corpo todo para ficarem alerta. Só depois que as amígdalas fizeramseu julgamento, o córtex frontal, responsávelpor perceber cognitivamente o perigo, começaa entender que estímulo é aquele. Durante esseprocesso de alertar e entender o estímulo, ocorpo já está se preparando para lutar ou fu-gir. Esse esquema de funcionamento físico com-prova a primazia das emoções no comporta-mento humano (Damásio, 1994).

Quando as emoções agrupam-se em to-nalidades semelhantes, construímos estruturasde sintetização internas que processam, de ummodo pré-consciente, várias fontes de informa-ção cognitiva, afetiva e sensorial, proporcio-nando-nos o sentido pessoal de significado eorganizando nossa forma de agir (Greenberge Kahn, 1998). Ou seja, em um momento denossas vidas, podemos estar condicionadosemocionalmente a responder de uma maneiraenviesada a certas situações.

No processo psicoterapêutico, mobiliza-mos o cliente a experimentar suas estruturaspessoais de um modo emocional e no momen-to presente. Assim, ampliamos seu conhecimen-to sobre a sua forma emocional de reagir, pos-sibilitando que ele a vivencie novamente e que,com nossa ajuda, a mesma assuma uma formadiferente.

A (re)construção de significados no cons-trutivismo é um processo que visa a sintetizarcontinuamente as informações situacionais quesão provenientes das estruturas emocionaispara que depois as estruturas mais racionais elógicas de significado possam completar o sen-

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tido pessoal. A consciência é, então, a arenaonde emoção e razão encontram-se.

T: Então, vamos tentar compreender o que lhefaz impotente perante esse medo.C: (após alguns minutos de silêncio) Eu sem-pre quero controlar tudo. A hora de chegar, apromoção no meu trabalho, a minha felicida-de... Eu não lido com a impotência. (silêncio)T: Repita a sua última frase e veja qual é asensação que ela lhe traz. (Neste momento,eu tentava entrar em contato com as emoçõesque o cliente vivenciava sobre o tema)C: Eu não lido com a impotência. (começa achorar, os músculos da face enrijecem, e pa-rece escorregar pela poltrona ficando maisfrágil)T: Eu sei que isso é muito desconfortável, mastente perceber melhor essa dor... Você conse-guiria descrevê-la para mim?C: Hum-hum... (com voz muito baixa). É umador no peito apertada, chega a dar falta de ar,taquicardia, meu corpo formiga.

Após esse momento, no qual o cliente fo-caliza sua ansiedade, usei como recurso umatécnica comportamental para aliviar o que eleestava experimentando a fim de que a sensa-ção não ficasse insuportável. O objetivo aquinão é provocar uma catarse ou um novo ata-que de pânico (pois isso não é um fim em simesmo), mas fazer com que a percepção sobreas emoções �ruins� permaneça um maior tem-po para que o cliente perceba algum outro de-talhe que possa vir a ser mais significativo di-ante de seus olhos.

C: (depois de alguns momentos em silêncio)Passou... estou cansado disso. Desde peque-no, meus pais me diziam o quanto eu deveriaser bom e parece que eu acreditei nisso. Tal-vez o meu problema não seja só este medo,pois acho que ele parece ser uma conseqüên-cia... aquilo que você já tinha me falado, lem-bra? Sinto-me, às vezes, muito impotente paraser bom o suficiente como sempre esperaramde mim.

Nesse momento, podemos perceber queo cliente começa a demonstrar uma progressi-va alteração de consciência em sua vivência(�Talvez o meu problema não seja só este me-

do...�). É importante notar que não se procuramudar a interpretação da vivência de João atra-vés da inclusão de novas explicações do clíni-co, mas sim a partir de sua percepção da suaprópria reação.

Fase de evocação e ativação oude entrada viva e de preparaçãodo esquema emocional

É sempre de grande valia utilizarmos ou-tras formas de ativação dos esquemas emocio-nais, pois somente um diálogo do tipo socráticoé mais facilmente manipulável pelo cliente, ouseja, distancia-o de suas sensações, pois racio-nalizam-se os sentimentos. Na história de João,ele acrescenta agora em sua descrição o fatode ser controlador; portanto, devemos esfor-çar-nos para encontrar mecanismos que to-quem seus conteúdos emocionais e suas liga-ções com essa explicação.

Sugeri a João que pedisse às pessoas queamava ou considerava, que me escrevessemcartas falando sobre o seu problema. Depois,essas cartas foram lidas na sessão e discutidaspor nós.

Esposa: �João é uma criança crescida. É dócil,mas tenta ser forte. É indeciso, mas quer serseguro o tempo todo. Ele tem medo de mor-rer... Pede muita opinião para o pai dele, issomuitas vezes atrapalha a nossa relação. Eugostaria de falar a ele que eu o amo muito eque estou confiante que vai resolver esse pro-blema.�Pai: �Eu sempre deixei João ser e fazer o quebem entende. Não sei o motivo de ele ser in-feliz, afinal é bem-sucedido e tem uma lindafamília.�Mãe: �João sempre foi muito calado, meio tris-te. Sempre tentei colocá-lo em esportes emgrupo para tentar soltá-lo mais, acho que eleé muito fechado e tímido. Ele está sempre ten-so e só relaxa quando pratica seus esportes.Estou muito preocupada. Outro dia, ele esta-va com dor de garganta e começou a passarmuito mal e eu quis levá-lo ao hospital, poisachei que estava sofrendo um infarto. O mé-dico disse que estava tudo bem e que ele sóestava estressado. Espero que você possa aju-dar o meu menino.�

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Amigo de Infância: �João é uma das pessoasmais fiéis que eu conheci em toda a minhavida. Ele é calado, mas muito amigo. Eu o co-nheço bem e sei que é bastante controlador,está sempre se esforçando para correr o míni-mo de riscos possíveis. Se ele �quebra a cara�fica desesperado, como se tudo tivesse que darcerto o tempo todo. Trabalhamos juntos e sobmuita pressão, mas percebo que a pressão paraele é pior do que para mim. Ele já se cobra osuficiente sozinho, imagine com o nosso dire-tor �no pé�. Percebo também que ele semprequer fazer antes do outro, por exemplo, estasemana eu disse que queria um livro e no diaseguinte ele me deu o tal livro. Ele cuida maisdos outros do que de si mesmo.�

Através da leitura das cartas, tentamosfazer uma exploração desses depoimentos; meucliente e eu procuramos chegar à consciênciados aspectos da experiência dele na visão des-sas pessoas. O objetivo era compreender o quesignificava ser visto dessa forma, o quanto eleconcordava com esses depoimentos, como sevia e os outros o viam e, principalmente, quaisos significados implícitos nos relatos que eleacreditava favorecerem a sua experiência depânico.

O psicoterapeuta deve concentrar-se naintrodução dos marcos de referência internado cliente e tentar sua compreensão, pontuan-do e selecionando a parte da mensagem quefoi expressa de maneira mais intensa e decisi-va para a significação do discurso. É importan-te lembrar que o papel do terapeuta é ativo aofacilitar a reorganização dos esquemas emoci-onais, através da busca constante de contextospessoais. O objetivo não é interpretar o signifi-cado da experiência do cliente, nem tentar mo-dificar as crenças e os esquemas ou mesmodesafiá-los, uma vez que não se pode conhecerdiretamente o mundo subjetivo do cliente. Por-tanto, diríamos que é necessário que o tera-peuta mobilize-o a assumir o papel ativo deinvestigador de suas próprias vivências emoci-onais. Não se pode dirigir ou modificar a expe-riência do outro mediante simples instruções,pois uma pessoa é um sistema auto-organiza-do e �aberto�: somente aquelas informaçõesque mantenham seu sistema pessoal de coe-

rência interna serão mantidos no mundo designificações do indivíduo.

Como a participação dos esquemas emo-cionais é necessária para que o desenvolvimen-to do indivíduo esteja assegurado, toda formade manifestação afetiva é vista como basica-mente adaptativa e funcional. Como as reaçõesemocionais são as companheiras mais antigaspresentes na vida humana (afetando a memó-ria, o humor e a habilidade em resolver tare-fas), sua compreensão e sua regulação tornam-se os objetivos mais desejados nesse tipo depsicoterapia. Para alguns autores, as disfunçõese os distúrbios emocionais surgem quando aspessoas não se sentem autorizadas a reconhe-cer, sentir ou legitimar determinadas emoções(Ver Capítulo 2).

Assim, não são as emoções em si a fontedo sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensa-mentos, a interpretação ou mesmo o apareci-mento de outras reações emocionais a respeitodessas emoções primeiras, que serão a fonte degrande parte das disfunções psicológicas. Nessesentido, é inevitável que abordemos a leituraou o entendimento que o indivíduo faz de suaexperiência ao falarmos de disfunções. Porexemplo, um medo infantil apresentado por umadulto nada mais é do que uma reação despro-vida de significado sob sua ótica, ou seja, mui-tas vezes sentimos coisas que não nos autoriza-mos a sentir. E, assim, considera-se que a expe-riência imediata (aquilo que está ocorrendo nomomento em termos viscerais e emocionais)sempre precederá a experiência reflexiva (a in-terpretação e a avaliação que fazemos do queocorreu), já que primeiro sentimos algo paradepois podermos explicá-lo.

Fase de exploração vivencial ouatender diferencialmente esimbolizar a construção dialética

Um indivíduo poderá torna-se facilmen-te desorientado quando a síntese desses doisprocessos (sentir + pensar) apresenta-se dis-posta de maneira contraditória, incompatívelou mesmo inconsistente. Assim, o perigo dainstabilidade aparece quando as construções

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de significado racionais (a explicação) não le-vam em consideração a experiência (corporal)imediata que está sendo vivida. Quando vier aocorrer falta de simetria entre os níveis, a ra-zão tenderá a permanecer como uma fontesoberana de entendimento. Não estamos inte-ressados em corrigir o pensamento dos pacien-tes, mas sim empenhados em ampliá-los. Emmuitos dos casos de desequilíbrio, veremos queos pacientes começam a controlar as suas emo-ções na tentativa aflita de impor algum signifi-cado mais restritivo ou mesmo ainda inacaba-do, mas que esteja de acordo com as suas pos-sibilidades (limitadas) de compreensão (VerCapítulo 2).

A estratégia do terapeuta, nessa fase, con-siste em facilitar o processo vivencial do clien-te, ajudando-o a focar sua atenção nos dife-rentes aspectos que compõem a sua experiên-cia subjetiva. O foco preferencial da atençãoestimulará uma maior e mais profunda auto-exploração, contribuindo para a edificação deum novo sentido dialético de sua experiênciapara reorganizar os esquemas emocionais cen-trais. Vale lembrar que o objetivo é o clientesimbolizar, na consciência, suas reações subje-tivas imediatas, experimentando e construin-do uma nova visão da experiência de si mesmoe do mundo. Identificamos quatro passos paraobtermos essa nova visão: focar, buscar o sen-tido vivencial, expressar ativamente os signifi-cados e manter o contato interpessoal.

Então, sugeri ao cliente que desenhásse-mos juntos uma linha que representasse suavida. Ela deveria conter marcos, no decorrerdo tempo, dos acontecimentos importantes,bons ou ruins, de sua história. Depois de feitaa linha, com os marcos do nascimento até opresente, pedi que o cliente atribuísse emoçõespara cada evento descrito.

Fase de mudança de esquema oufase de resolução (consciência,compreensão ou reavaliação positiva)

Ao surgir uma experiência nova na ex-ploração vivencial, momento a momento, osesquemas do cliente sobre si e sobre os outroscomeçam a mudar. Pesquisas demonstram que

a mudança é a criação de uma nova consciên-cia, é uma visão nova de si mesmo no mundoou uma visão nova do mundo e dos demais,com maior compreensão e maior auto-aceita-ção do indivíduo. Mahoney (no prelo) cita que,quando o cliente muda, o que efetivamente setransforma não são as suas emoções, seus com-portamentos ou seus sentimentos, e sim suarelação com as emoções, os pensamentos e oscomportamentos.

O cliente percebe como estava valorizan-do e reagindo ao que outras pessoas lhe faziam,no nosso exemplo, o fato de seus pais o ignora-rem. É como se, finalmente, dissesse: �Agoraconsigo me dar conta de como (ou por que) issoacontece comigo�, �Como isso foi sendo gerado(pela repetição) ao longo de minha vida�.

C: As coisas parecem mais leves, mas aindasinto que a relação com meu pai me incomo-da bastante.

Neste momento, então, utilizei-me da téc-nica da �cadeira vazia� para que o cliente am-pliasse a consciência emocional envolvida nessarelação com seu pai:

T: Imagine que nesta cadeira à sua frente estásentado o seu pai.... Diga algo a ele.C: Desculpe pai. (silêncio)T: Desculpas? Fale algo mais para ele.C: Desculpe por eu não ser o que você espera-va que eu fosse.T: Agora troque de cadeira com seu pai, assu-ma o papel dele e prossiga o diálogo.C: (como pai): Eu te desculpo, mas você pre-cisa ser mais forte.T: (Apontei a outra cadeira, sugerindo nova-mente a inversão de papéis.)C: A vida inteira eu quis provar ser forte, es-tou cansado. Você e a mamãe me abandona-ram para cuidarem do meu irmão. Eu tinhaapenas dois anos.C: (como pai) Nós não fizemos nada contravocê. Precisávamos cuidar do seu irmão, vocêpor acaso queria que ele morresse?C: (silêncio) Sim! (choro) Sim, eu queria queele morresse, quem sabe vocês não teriam medeixado tão sozinho! Eu sempre tentei chamaratenção de vocês, mas vocês nunca tinhamtempo para me ouvir, para me abraçar e parame amar!

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Figura 15.1 Descrição da percepção individual (subjetiva) do cliente a respeito dos episódios descritos emsua vida.

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Figura 15.2 Descrição (objetiva) dos acontecimentos em sua vida.

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T: Então, diga a ele que você gostaria de seramado.C: Pai, me ame, por favor. (chorando)C: (como pai) Eu te amo, filho, mas não sei oque você quer mais de mim.C: Quero que me enxergue, me toque, me acei-te... (chorando muito)T: Vamos continuar mais um pouco? Você achaque dá?C: (Diz que sim com a cabeça.)T: Sei que dói, mas é sentindo tudo isso quevocê poderá mudar. Você está com medo e tris-te, fale mais dessa tristeza para seu pai.C: Dói muito ser rejeitado por você, pai. Vocêsempre é distante e cheio das verdades. Euestou abrindo meu peito para você e, mesmoassim, você não amolece.C: (como pai) Não seja ingrato.C: Ingrato, eu?! Eu faço tudo para fazer vocêfeliz, mas nada é o suficiente.

O rosto do cliente contraiu-se, sua voz in-tensificou-se e seu corpo pareceu ficar maior.Esta é uma manifestação corporal de um dospontos centrais para a vida subjetiva do clien-te, é onde as emoções fazem-se presentes deforma mais intensa e, assim, devem ser focadase ampliadas.

T: Focalize o que você está sentindo agora.C: Eu não sei!T: Use uma imagem para falar dessa sensação.C: É um vulcão em erupção. Tem uma forçamuito quente explodindo o meu peito.T: Fale disso para ele.C: Pai, você me dá nojo, você não olha paramim, você não sabe me amar! (o cliente le-vanta-se da cadeira e abre os braços) Eu pre-ciso de ar e de espaço. Saia das minhas cos-tas. Eu não devo nada a você. Sinto raiva, mui-ta raiva! Você quer que eu resolva as suas frus-trações na minha vida. Eu não tenho que agra-dar você. Eu quero me agradar. (choro com-pulsivo)

O cliente sentou-se no chão, encolheu-seem frente à poltrona e ficou em silêncio. Dei-xei-o nesse contato por alguns minutos, apro-ximei-me e sentei-me a seu lado no chão.

T: Você quer um abraço?C: Sim... eu preciso.

Nós nos abraçamos, e o cliente continuouchorando muito por mais um tempo, até seacalmar um pouco.

T: Agora, quero que, à noite e em sua casa,escreva o que aconteceu aqui com você...C: Doeu muito, mas pareço ter tirado 100quilos das minhas costas.

Pós-resolução ou fase deprosseguir (criar uma novaperspectiva de significado)

Esta fase é uma espécie de revisão do queaconteceu e de exploração das implicações dasmudanças alcançadas. É quando o cliente ten-ta criar uma nova perspectiva para o seu mun-do significativo; medita depois da sessão e co-meça, geralmente através de tentativas, a ge-neralizar suas mudanças para outras áreas desua vida fora da terapia.

Os processos de pós-resolução podem to-mar diversos rumos, porém um dos mais co-muns é aquele no qual o cliente passa a levarmais em conta os processos vivenciais, confi-ando mais em suas experiências, fazendo usodas informações emocionais e desenvolvendouma perspectiva �desencarnada� e mais cons-ciente do seu modo usual de construir suas sig-nificações.

Finalmente, fora da terapia, o cliente con-tinua esse processo de colocar em prática mu-danças gerais em suas experiências emocionaise específicas de seu comportamento e inter-relacionamento, experimentando um alíviomaior dos sintomas.

C: Na sessão passada, você me pediu que euescrevesse sobre as coisas que senti. Aqui está.T: Quer ler para mim?C: A vida inteira achei que precisava semprefazer as coisas certas para ser percebido eamado. Por isso, controlava tudo a fim de queas coisas dessem certo. Controlei e controlei aminha vida e ela insistia em me mostrar queesse método não dava certo. O auge do meudescontrole foi percebido nas minhas crisesde pânico. Meu pai sempre me obrigou a serforte e me fez acreditar que isso era uma boacoisa para se fazer. Ele estava errado. A vida

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não é uma obrigação, a vida é um convite anovos caminhos. Podemos errar ou acertar,mas o importante é continuar aprendendo esentindo.Sempre sufoquei a minha raiva por ele ser umpai ausente, pois me sentia culpado de ter rai-va do meu pai. Sufoquei cada milímetro daminha dor, controlei cada sentimento ruim,calei todas as minhas falas...Eu cresci, me tornei o tal homem de sucessoque meu pai queria. Por não querer olhar maispara os meus sentimentos, vivi só pensando.De tanto não sentir, já não sabia mais comofazê-lo. Fui me lembrar de sentir quando opânico apareceu em minha vida.Construí, como você disse, uma gaiola de ouroe pedras preciosas para viver. Por estar presona gaiola preciosa, esqueci que era uma gaio-la que me aprisionava e me fazia cada vez maisdesaprender a voar.Nesse exercício que fizemos juntos, percebitoda a minha raiva contida. Não é raiva só domeu pai, é raiva por não me achar �bom osuficiente�. Agora percebo que não tenho queser �bom o suficiente�. Sabe por quê? Eu ne-cessito ser bom para mim mesmo, isso é umaconquista diária até a minha morte. Morte real,e não essa morte subjetiva que eu criei.Eu não preciso mais do pânico para sentir. Eusinto e sei que me permito sentir.Não sei como agradecer a você por me devol-ver a minha vida. Você é e será sempre a pes-soa que me relembrou o prazer de estar vivo.Obrigado!T: A melhor forma de me agradecer é eu verque cada vez mais você está feliz e perceben-do como ser feliz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências emocionais e as suas mu-danças são um fenômeno central em psicote-rapia. No processo de mudança, o psicotera-peuta usa uma variedade de métodos dirigi-dos à captura de experiências emocionais docliente. Acredita-se que o caminho no qual osindivíduos simbolizam suas experiências atra-vés da linguagem terá um impacto em sua ex-periência emocional, fazendo-o buscar umanova adaptação.

Uma das atitudes que ensinamos a nos-sos clientes é aceitarem os sentimentos e a na-tureza de sua mudança, que eles podem vir eir, aparecer, desaparecer e mudar com o tem-po. O processo natural das emoções pode serrepresentado por um conjunto de fases: emer-gir, dar-se conta, apropriar-se, expressar e fi-nalizar. Isso ajuda as pessoas a aprenderemcomo integrar as emoções que as fazem sofrer,não permitindo que elas se tornem patológi-cas, como no caso do transtorno de pânico, oucriando uma nova saída para aquilo que já nãoé viável à sua forma de existência.

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DepressãoÁlvaro Pacheco Duran

Tais contradições serão ultrapassadas setomarmos o termo depressão não como desig-nativo de um objeto da realidade a respeito doqual devemos descobrir, afirmar e fazer algo �sentido que estaria subjacente ao tema e que éadequado à perspectiva cognitivista � e sim seo tomarmos, adotando o modo construtivistade ver, como designativo de um objeto da cul-tura que serve de ferramenta simbólica paradar significado a certas experiências do vivercoletivo, criando, portanto, possibilidades deação.

DOIS SISTEMAS DE SIGNIFICAÇÃO

No interior da cultura, aí incluída a ciên-cia, um elemento aparentemente idêntico podeser significado de formas diferentes e, em con-seqüência, ter importâncias diferentes, depen-dendo de sua imersão em um ou outro sistemade significados. No caso que nos interessa, se-ria interessante um rápido olhar geral para ossistemas constituídos pelas opções cognitivistae construtivista e para o lugar da depressãoem cada uma.

O pensamento cognitivista, respeitandoos cânones epistemológicos objetivistas de ciên-cia, é compatível com a visão de transtornopsiquiátrico e volta-se para sua remoção. Apartir desse ponto de vista (e não somente des-se), a depressão aparece como um processoexterno ao observador, no observado. Cabe ao

É preciso contornar uma possível contra-dição entre a perspectiva construtivista e o con-ceito de transtorno psiquiátrico entendidocomo categoria nosológica. A contradição es-taria tanto na posição a respeito das possibili-dades e necessidades de categorização � o cons-trutivismo pende claramente para uma visãoidiográfica, e a psiquiatria, em geral, para umavisão nomotética � quanto na dimensão patolo-gizante, intrínseca à psiquiatria e exterior àvisão construtivista.

A segunda contradição é que, ao se colo-car no contexto de um paralelo prático entreterapias, sugere-se uma distinção entre práti-co e algo diferente de prático, talvez teórico, oque contrariaria os termos construtivistas. Nes-ses termos, qualquer fato em relação ao qualpodemos ser práticos, isto é, em relação ao qualpodemos agir com algum grau de eficácia, só éconhecido enquanto inserido em um universosimbólico, uma teoria, explícita ou implícita,que o define como tal em suas relações comoutros fatos também nela definidos, inclusivea ação e seu autor. Assim, o fato, a ação sobreele (prática), bem como o sujeito dessa ação,habitam uma realidade que não é dada exter-namente, mas significada, construída (teoria).Em outras palavras, do ponto de vista constru-tivista, a prática só pode ser discutida no inte-rior do universo simbólico que lhe dá signifi-cação e seria contraditório, portanto, destacá-la desse universo para fins de comparação compráticas referidas a outro universo.

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observador � o terapeuta � conhecer o proces-so e alterá-lo na direção de processos saudá-veis. Nesse caso, o processo patológico (umadistorção cognitiva) produziria os sintomas quejustificariam a intervenção.

O pensamento construtivista, discordandode princípios epistemológicos objetivistas para aciência, pressupõe a natureza proativa dos pro-cessos cognitivos, a existência de uma estruturamorfogênica nuclear e a natureza auto-organi-zadora do desenvolvimento (Mahoney, Miller eArciero, 1995). Desse modo, o construtivismoencara os �transtornos� como não-patológicos,como desdobramentos necessários de modospeculiares de significar a experiência, sendoque a significação da experiência não é enten-dida em termos cognitivos estritos, mas emtermos de uma dinâmica afetivo-cognitiva.Assim, busca promover a autocompreensão,vendo na identificação dos processos constru-tivos que se encontram na base das dificulda-des de viver uma possibilidade de reestrutu-ração pessoal. A partir dessa perspectiva, o ter-mo depressão tem o significado de um proces-so interno1 a um �observador� e tem a funçãode organizar algumas de suas experiências decontato com o mundo exterior. De modo mui-to simplificado, a depressão poderia ser consi-derada como uma categoria de que certas pes-soas lançam mão para entender e tentar atuarsobre certo modo percebido de pensar, sentir eagir de certas outras pessoas. Nesse sentido, adepressão estaria em quem usa a categoria, enão em quem é categorizado. De início, por-tanto, o construtivismo, já por tratar a depres-são � e outros �transtornos� � em termos deobjeto cultural, tira desse objeto a sua presu-mida objetividade naturalista. Além disso, aspropostas teóricas filiadas à epistemologiaconstrutivista não têm dado a ele um papelproeminente como elemento estruturante doconhecimento clínico.

As distinções entre essas abordagens po-dem ser examinadas com referência aos cinconíveis em que, segundo Feixas e Villegas (1993),situam-se as opções terapêuticas: metateóricoou epistemológico, teórico, clínico, estratégi-co e técnico. Opções em um nível delimitariama amplitude de opções possíveis em níveis in-feriores.

A primeira e mais fundamental diferençareside no nível mais geral, metateórico, pois apeculiaridade mais importante do construtivis-mo está em sua opção realizada nesse nível.Tal opção constitui uma ruptura em relação aposturas científicas geralmente mais aceitassobre a natureza e a possibilidade do conheci-mento, inclusive aquelas que dão suporte aocognitivismo: encara o conhecimento comouma criação, destinada a organizar a experiên-cia pessoal, e não como o desvelamento de umarealidade independente de quem conhece.

Nessa abordagem, as opções clínicas, asestratégicas e as técnicas configuram-se porcoerência com o nível mais abrangente, epis-temológico, sem constituírem dimensão defi-nidora por si sós. Assim, no nível teórico, aconstrução do conhecimento aparece, em ge-ral, como vinculada a processos afetivos táci-tos, coerentemente com a perspectiva auto-organizadora adotada. Esta constitui uma dasimportantes diferenças entre as duas aborda-gens, dado o apelo racionalista das explicaçõesteóricas do cognitivismo.

Ao lado da dimensão epistemológica queestaria na base da distinção entre as duas abor-dagens, há uma dimensão ética decorrente.Ontologicamente, acreditamos na existência deuma realidade exterior. Epistemologicamente,porém, partimos do ponto de vista de que o�conhecimento-da-realidade� (aquilo que omundo experimentado é para quem o experi-menta) nunca constitui uma reprodução, nemfiel nem distorcida, da realidade, mas resultasempre de uma construção pessoal, ou melhor,uma co-construção, uma vez que se realizaancorada nas experiências de interação social.Em conseqüência, seremos eticamente cuida-dosos tanto ao julgar aquilo que pensamos sero conhecimento de um paciente quanto ao par-ticipar, como terapeutas, de interações co-cons-trutivas com ele. Nessa perspectiva, nãoestamos em condições de fazer afirmações se-guras sobre a veracidade ou não de seus julga-mentos, percepções e crenças e, em termos éti-cos, não podemos agir corretivamente em fun-ção de tais afirmações.

É importante notar aqui que a referênciaao construtivismo, no singular, é apenas retó-rica, como diz Neimeyer (1997). A análise de

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Grandesso (2000) sobre as epistemologias pós-modernas demonstra a multiplicidade deenfoques e as dificuldades de sistematização.A tentativa de Neimeyer (1995) de identificaras principais metáforas que congregam os cons-trutivistas permite-nos indicar a vertente pre-dominante neste capítulo: a metáfora da tera-pia enquanto desenvolvimento do self, a qualtem o seu foco em estruturas nucleares em evo-lução, aproximando-se das perspectivas dinâ-mica e de desenvolvimento ao longo da vida(life-span).

A CONSTRUÇÃO DA ORGANIZAÇÃOPESSOAL

Guidano (1991), um dos principais repre-sentantes da vertente acima referida e criadorda terapia pós-racionalista, entende o self emuma perspectiva inspirada em Mead e James:como um entrejogo contínuo e circular envol-vendo a experienciação �Eu�, que correspondeao nível do conhecimento tácito, corpóreo, denatureza afetivo-emocional, e a explicação�Mim�, que corresponde ao nível do conheci-mento consciente, de natureza lingüística. Oconhecimento tácito é inquestionável: experi-mentamos afetivamente uma circunstância damaneira como a experimentamos e só pode-mos compreender conscientemente o que ex-perimentamos através de algum tipo de assi-milação ao nosso universo simbólico preexis-tente que, dessa forma, pode alterar-se. Esseentrejogo permite a organização dinâmica con-sistente dos significados da experiência indivi-dual, promovendo o desenvolvimento de dife-rentes organizações de significado pessoal, dasquais é possível identificar quatro tipos princi-pais: organização depressiva, organizaçãofóbica, organização obsessivo-compulsiva eorganização de desordens alimentares.

Tais organizações não se constituem, se-gundo Guidano, em conteúdos de conhecimen-to, mas em processos de ordenação, não ha-vendo, portanto, nenhum tipo de conteúdo deconhecimento que lhes seja específico. Em prin-cípio, são normais, psicóticas ou neuróticas,podendo variar entre essas dimensões depen-dendo da flexibilidade, da resiliência e da

generatividade com que se desenvolvem aolongo da vida.

O processo terapêutico proposto porGuidano volta-se para a análise do desenvolvi-mento pessoal, através da focalização de mo-mentos críticos, afetivamente marcados. Usan-do como recurso básico a �técnica da moviola�,o terapeuta conduziria o paciente no percursode sua história de experiências, solicitandomovimentos de zoom in e zoom out, que per-mitiriam aprofundamentos e distanciamentosdurante os quais os processos complementa-res de experienciar e explicar, bem como a re-lação entre eles, seriam revisitados e revistos,no contexto de um diálogo terapêutico emoci-onalmente impregnado, permitindo uma reor-ganização dos significados da experiência pes-soal, ou seja, uma ressignificação afetivo-cognitiva de si mesmo e de seu mundo.

O modo como pessoalmente entendemosesse procedimento enfatiza uma idéia dereplicação de experiências anteriores que nãoresulta em sua mera reprodução no sentido deviver outra vez o que já foi vivido. Resulta,antes, em uma forma de reexperiência, comuma dimensão de novidade que é o que cria aoportunidade de ressignificação. A possibilida-de do novo é ensejada, em primeiro lugar, porrecursos da própria dinâmica experiencial: aovisitar o passado, partindo do que somos hoje,podemos vivê-lo de outro modo porque as ex-periências intermédias encaminharam-nos paraum novo sentido de nós mesmos e do mundoperante o qual o passado pode ganhar outrosignificado. Em segundo lugar, porque essareexperiência ocorre em um contexto especialem que o terapeuta pode ajudar o paciente aenfocar aspectos da experiência original que,por alguma razão, estavam desfocados e emque, por ser um contexto afetivo, compreensi-vo, de apoio, permissivo (o terapeuta não jul-ga a experiência do paciente, aceita-a) dá con-dições ao paciente de confrontar, com maissegurança, aspectos difíceis que geram descon-forto emocional por contradizerem a coerên-cia já estruturada de significados pessoais. Namedida em que a construção da experiênciasignificativa repousa sobre a dinâmica entre odomínio emocional �Eu� e a auto-imagem cons-ciente �Mim�, uma vez que pensar usualmente

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muda os pensamentos e apenas sentir pode mu-dar emoções, a relação terapêutica busca darcondições para um ressentir da experiênciaoriginal. Parece-nos ser esse um dos sentidosem que Guidano define o terapeuta como um�perturbador estrategicamente orientado�(1991, p. 111).

Esse processo, afetivamente marcado, nãopretende pôr em xeque � e alterar � a corres-pondência entre o modo como o paciente com-preende sua realidade e �a realidade objetiva�,seja em termos da apreensão do mundo, sejaem termos da apreensão de si mesmo, nem pre-tende controlar as emoções perturbadoras dopaciente. Balbi (1994, p. 90) diz que �o objeti-vo da terapia não será a de que o paciente mudesuas crenças, mas que aumente a consciênciado modo como as elabora�. Tal consciência, queinclui a compreensão da dinâmica de suasemoções, é a base de uma reorganização quepermite novas formas de agir e/ou sentir e/oupensar do paciente.

ORGANIZAÇÃO DEPRESSIVA

A idéia de autoconstrução presente nopós-racionalismo de Guidano supõe dois pro-cessos construtivos, de experienciação e deexplicação, que operam no sentido da obten-ção de consistência e continuidade do self. Issoimplica a suposição de um modelo construtivode desdobramento em que cada momento daconstrução decorre do sistema de constructosanteriores em interação com uma perturbaçãopresente. A perturbação será apreendida � ounão � pelo sistema que a significará como umaexperiência e eventualmente ressignificará a simesmo, em algum grau, no processo de apre-ensão. Tanto a significação da experiência pre-sente quanto a ressignificação do sistema ocor-rem sempre dentro de limitações sistêmicas ine-rentes, anteriormente estabelecidas. Dessa for-ma, ao mesmo tempo em que o sistema se cons-trói, em expansão, também se constrange, li-mitando as suas possibilidades de desenvolvi-mento.

Para Guidano (1991), a fase inicial doprocesso construtivo está ligada às relações

iniciais de apego que estabelecem as bases parao referido desdobramento. No caso da organi-zação depressiva, essas relações teriam sidopercebidas pela criança como perdas (morte,separação, negligência ou rejeição), tendocomo conseqüência uma estratégia defensivaque evitaria o contato, bem como as expres-sões de desagrado e afeição. Assim, por umlado, seriam evitados comportamentos que nãoresultariam em apoio e originariam tristeza eraiva, e, por outro, seriam evitadas expressõesemocionais negativas que tornariam a rejeiçãoainda mais provável. Tal estratégia de autocui-dado acabaria por estabilizar a experiência desolidão da criança.

A centralidade da perda resultaria emuma estruturação de �cenas prototípicas�, abs-traídas da experiência da criança, que oscilari-am entre desamparo/tristeza, de um lado, eraiva, de outro, e que se tornariam ingredien-tes básicos da consciência da criança. O �Eu�emergente refletiria a experiência de �estar so-zinho em um mundo totalmente incontrolávele não-confiável, em que esforços e conseqüên-cias são (...) não-relacionados� (Guidano, p. 37).O �Mim� se desenharia em uma auto-imagemnegativa que subestimaria seu valor pessoal esua capacidade de ser amado, percebendo-secomo a causa das experiências de rejeição. Aauto-estima, por sua vez, se basearia em cor-rigir seus aspectos negativos e, assim, seria pos-sível manter um contato aceitável com osoutros.

O desenvolvimento seguinte tenderia aconfirmar e estabilizar o sentido de estar nomundo em termos de perdas, rejeições e fra-cassos inevitáveis �Eu�, bem como o sentidonegativo de si e a auto-atribuição �mim�. Oreconhecimento e a avaliação da experiênciaimediata corrente seriam sempre auto-referi-dos a partir da tensão entre esses dois pólos.

Como já foi dito, essa (ou outra) organi-zação pessoal não pode, em princípio, ser con-siderada como �patológica�. Em uma progres-são positiva, o tema da perda poderia ser con-tinuamente diferenciado e integrado até oponto de ser percebido como uma das cate-gorias de experiência, ao invés de um destinopessoal de rejeição e solidão. Porém, o desen-

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volvimento no processo de significar a expe-riência também poderia ir na direção do enri-jecimento da organização depressiva, deixan-do outras categorias de experiência fora daspossibilidades de significação e estreitando ohorizonte pessoal ao destino do sofrimentoque, em algum momento, poderia vir a serintolerável.

A QUESTÃO DA TÉCNICA

Essas posições constituem um desdobra-mento possível, no nível teórico, dos princípi-os construtivistas metateóricos. Nem por issoexigem decorrentes técnicos específicos: o aten-dimento psicoterápico do depressivo, do pon-to de vista construtivista, realiza-se, em linhasgerais, da mesma forma e busca os mesmosobjetivos que o atendimento de pacientes não-depressivos, ou seja, um processo reconstru-tivo, reorganizativo, do sistema de organiza-ção do significado pessoal, permitindo novasdiferenciações, ampliando e flexibilizando aspossibilidades de significação da experiência.Para isso, é crucial que o terapeuta assista opaciente no exame do processo construtivo emvigência ou, mais que isso, na revivência doprocesso, o que significa olhá-lo criticamentee experimentá-lo afetivamente para poder re-construí-lo. Por outro lado, são múltiplas aspossibilidades de trajeto. O recurso técnico damoviola, procedimento básico da terapia pós-racionalista, constitui uma solução possívelpara o desafio de atingir os objetivos terapêu-ticos, assim como podem ser outros recursospropostos por outros autores ou desenvolvidospelo profissional na construção de seu estilopessoal de desempenho profissional.

É importante salientar que o psicotera-peuta credencia-se para co-participar desse ca-minho de reconstrução não tanto através dedomínio técnico especializado mas, fundamen-talmente, de um bem-articulado, integrado eflexível sistema de organização da sua expe-riência teórico-clínica e pessoal. Isto é, seu prin-cipal equipamento será um pensamento cons-trutivista, e não um repertório de técnicas pa-dronizadas. Poderá até usá-las, mas não será

por meio delas que constituirá sua competên-cia no campo construtivista.

DEPRESSÃO COMO REAÇÃO SECUNDÁRIA

Entre os autores filiados à vertente dapsicoterapia como desenvolvimento do self,Guidano é um dos que dá mais destaque aotermo depressão. Além da importância intrín-seca de seu trabalho, essa é uma das razões daatenção atribuída às suas propostas ao longodeste capítulo. De qualquer forma, ele e osdemais autores não dão tratamento teórico es-pecífico ao tema, embora esteja presente emnível descritivo em seus trabalhos. O nível ex-plicativo seria enfatizado, em cada caso, porprocessos mais gerais de construção da expe-riência.

Greenberg e Paivio (1997), por exemplo,autores de uma proposta muito rica de siste-matização teórica e terapêutica, focalizada noprocesso emocional, referem-se à depressãocomo reação secundária a uma complexa se-qüência cognitivo-afetiva. Segundo eles, a apre-ensão de perda ou falha, em resposta a umevento, gera uma emoção de tristeza/angús-tia, com sua correspondente tendência ao re-traimento, que constitui a resposta emocionalprimária. Em uma resposta depressogênicadisfuncional, essa tristeza/angústia ativa umsentimento de self fraco e mau (esquema emo-cional desajustado baseado em uma históriade perdas ou injúrias), de medo e vergonha,além de pensamentos automáticos. Portanto,a ativação, pela emoção primária, de um es-quema emocional central desajustado é fun-damental para a produção tanto de um con-junto persistente de cognições negativas quantodo sentido de self fraco e mau, característicosda depressão. O esquema emocional preexis-tente constitui a vulnerabilidade à depressão.

Assim, a ativação dos pensamentos nega-tivos (que atuam para manter, e não para pro-duzir a depressão) e do sentido de self fraco emau dá origem à resposta emocional secundá-ria de desamparo e depressão duradoura. Alémdisso, o processo da depressão envolve um se-gundo nível de auto-avaliação, em que o self é

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percebido como mau por estar deprimido, oque resulta em um monitoramento cada vezmais coercitivo e crítico, no sentido de sair dadepressão, o que resulta em novas experiênci-as de fracasso ou desvalorização, por sua vezevocadoras dos mesmos esquemas emocionaisrelacionados a fracasso e perda.

O tratamento da depressão proposto porGreenberg e colaboradores (1996) envolve aintensificação da consciência da experiência dodesamparo � e não a sua evitação � através dodiálogo e das técnicas de sua terapia vivencialque não são específicas à depressão ou a outroproblema clínico, mas são orientadas pelo tipode dinâmica emocional que se revela no pro-cesso terapêutico. Extremamente criativas esimples, como o recurso de pedir ao pacienteque dialogue com �um outro� ou �uma partede si mesmo� que ocupariam uma cadeira va-zia ao lado, tais técnicas buscam colocá-lo emuma condição mais favorável de auto-obser-vação e vivência emotiva.

No caso da depressão, o aprofundamen-to do sentimento de desamparo do pacientetambém promove o acesso a outras emoções,a crenças sobre si e os outros, a desejos e ne-cessidades não-satisfeitas e a medos e barrei-ras para atingi-los. Assim, aumenta a compre-ensão do que está gerando seu desamparo e aconsciência de suas necessidades enquanto pro-vedoras de recursos eventualmente capazes dereestruturá-lo, tais como �uma raiva não ex-pressa, um desejo de contato ou um desejo deviver e gozar a vida� (Greenberg, Rice e Elliott,1996, p. 191).

A FUNÇÃO DA DEPRESSÃO

Temos dirigido a discussão da abordagemconstrutivista da depressão para a ênfase naperspectiva genérica, não-especializada, que,a nosso ver, é característica da abordagem. Noentanto, como já dissemos, o termo depressão,enquanto objeto cultural, revela a existênciade importantes distinções nos processos sociaise individuais de construção tanto do conheci-mento pessoal quanto coletivo.

No aqui-agora do universo lingüístico emque habitamos, é inevitável que ele seja incor-

porado ao nosso sistema de significação. Nãono sentido mecanicista e simplista de que, en-quanto herdeiros culturais, seríamos forçadosa aprender o particular significado que lhe foidado antes e por outros. Mas no sentido deque, no processo de co-construção de nossouniverso pessoal de significados � que é, aomesmo tempo, parte do processo atual de cons-trução da cultura �, estamos envolvidos comuma infinidade de outras experiências de dis-tinção, muitas das quais estão, de alguma for-ma, associadas aos significados desse termo eele acaba, então, sendo necessário para a coe-rência de organização dessas experiências. Asdistinções envolvidas em tristeza, afastamen-to, perda, emoção, valor pessoal, desejo suici-da, ou em alegria, disposição, perseverança,etc., são exemplos do que temos co-construídona nossa cultura e estão semanticamente asso-ciados à depressão. Cada um deles não pode,simplesmente, ser descartado sem causar al-guma desorganização nas relações que os unee que constituem parte de seus significados. Otermo depressão tem sua função nesse univer-so de relações e parece-nos que, do ponto devista construtivista, pode ser descritivamenteútil, permitindo denotar padrões razoavelmen-te consistentes de sentimentos, pensamentos eações que justificam cuidados clínicos.

A partir daí, a problematização dos ter-mos e da relação conhecimento-realidade, queconstitui a peculiaridade metateórica constru-tivista, é trazida para o centro da situaçõesvivenciadas na terapia. Disso decorre uma le-gitimação do cliente em que seu �desvio� ou�transtorno� � sua depressão � não são vistoscomo causa ou manifestação de uma disfunção,nem como algo a ser sumariamente eliminado(Mahoney, 1998). O sintoma � a depressão �seria inerente à lógica do sistema.

COERÊNCIA DO SINTOMA

De acordo com Ecker e Hilley (2000), osconstructos (estruturas de conhecimento) quetêm poder maior e mais amplo sobre o com-portamento e a experiência pessoal são incons-cientes. Segundo eles, o conceito fundamentaldeve ser o da coerência do sintoma: o sintoma

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é produzido como uma característica necessá-ria de uma construção convincente da realida-de e é produzido porque há pelo menos umaconstrução inconsciente em que o sintoma écompelidamente necessário.

Para esses autores, há um padrão hierár-quico da estrutura profunda dos constructos.Em nível inconsciente, temas ontológicos cen-trais seriam a base para o desenvolvimento decertos propósitos de vida que, ainda em nívelinconsciente, se aplicariam a contextos concre-tos e produziriam, então, em nível consciente,as respostas manifestas na forma de pensamen-tos, sentimentos e/ou comportamentos queconstituiriam os sintomas. Tais sintomas seri-am funcionais quando realizassem diretamen-te o propósito de vida inconsciente ou não-fun-cionais quando fossem derivados do modocomo se realiza o propósito de vida.

Além de ilustrarem um modo de estrutu-ração teórica construtivista, essas referênciaschamam a atenção para uma atitude terapêu-tica fundamental que resume, em boa parte, oque procuramos enfatizar: tomar o sintomacomo decorrência de uma necessidade da or-ganização pessoal, não devendo ser tecnica-mente suprimido sem que tal necessidade sejaidentificada e compreendida. Um exemplo,para finalizar, talvez esclareça melhor o queestamos pretendendo dizer.

M. era uma mulher de 35 anos, casada,sem filhos, que relatava bom relacionamentocom o marido quando nos procurou por pro-blemas no trabalho. Tinha sido sempre muitobem-sucedida como professora de bons colé-gios, sendo especialmente benquista por co-legas e diretores. Recentemente contratadapara ocupar um cargo de coordenação poruma escola que buscava escalar os primeirospostos na preferência da classe economica-mente mais alta, vinha apresentando sinto-mas depressivos intensos relacionados à per-cepção de falhas na execução de seu trabalhoe à possibilidade de perder a sua posição. Seussintomas incluíam sobretudo crisesincontroláveis de choro, pensamentosautodepreciativos e de antecipação dos efei-tos negativos de uma futura perda do empre-go. A exploração de sentimentos e pensamen-tos que foram postos em foco durante a parte

mais inicial da terapia permitiu a identifica-ção de emoções (por exemplo, medo e ansie-dade) e pensamentos (por exemplo, de inca-pacidade pessoal e de regras implícitas deauto-avaliação), bem como a composição deum quadro razoavelmente abrangente de seufuncionamento atual (incluindo, por exemplo,o exercício crítico exacerbado e continuadosobre si mesma), do que decorreu umabrandamento praticamente completo dos sin-tomas relatados. No entanto, a continuaçãoda terapia e a exploração cada vez mais apro-fundada dos processos iniciais de construçãode sua experiência levaram a relações maisimportantes e esclarecedoras. Ela sempre ha-via relatado um apego muito forte com a mãe,que a tinha criado sozinha em virtude do fa-lecimento do pai antes de seu nascimento. Amãe era descrita, com admiração, como al-guém de grande competência e muitas virtu-des, além de sempre estar próxima dela. Naparte mais final da terapia, entretanto, noprocesso de percorrer sua historiaexperiencial em busca de sentimentos e emo-ções semelhantes àqueles sentidos em episó-dios mais recentes, indo e vindo da e para ainfância, a narrativa foi tomando outros tonse ficando cada vez mais claro que a �perfei-ção� do relacionamento com a mãe foi, emboa parte, conseguido através de um ajustemuito fino ao que pareciam ser as expectati-vas da mãe e os seus critérios de desempe-nho para a filha e que esse ajuste era respos-ta ao risco sentido de um afastamento da mãecaso a filha se distanciasse desses critérios.Parece que o comportamento afetuoso damãe era, então, percebido como validadordesses esforços de ajuste. A reprodução des-se padrão foi percebida em muitos relacio-namentos subseqüentes e, assim, identificadaa necessidade de manutenção do vínculo. Acrise depressiva só ocorreu em uma situaçãona qual o outro comportou-se no relaciona-mento de um modo percebido como indíciode rompimento do vínculo. A tomada de cons-ciência dessa necessidade de preservação dovínculo afetivo como pervasiva na históriapessoal deu à paciente um outro sentido de sie permitiu um bem-estar psicológico em nívelsuperior ao que inicialmente foi conseguido

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com a simples remissão dos sintomas. Embo-ra os sintomas estivessem associados a falhasde desempenho e pensamentos autogerados,tais falhas e pensamentos eram parte dos pro-cessos de ajuste para evitar a perda que, em-bora nunca ocorrida em sua história, sempreesteve presente em sua organização pessoal.

NOTA

1. A internalidade do processo não o torna pre-dominantemente ou necessariamente idiossin-crático, pois construiu-se com base em seme-lhanças da espécie e ao longo das trocas so-ciais do �observador� com seu meio social, atra-vés de múltiplas negociações e regulaçõesmútuas, o que lhe confere alto grau de gene-ralidade.

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Transtorno Obsessivo-CompulsivoCarlos Eduardo Gonçalves Reche

do TOC de extrema gravidade ou nos casosmais crônicos, tal crítica pode estar rebaixada.Outra diferença é que no TOC os pensamentosobsessivos e o comportamento compulsivo con-duzem a uma extrema ansiedade, o que mui-tas vezes leva o indivíduo a procurar tratamen-to (Sonenreich et al., 1999).

As obsessões apresentam forma e conteú-do extremamente variados. Quanto à forma,podem ser de dúvida, de medo, de ruminaçãoe de impulsos; quanto ao conteúdo, podem serde sujeira, de temas inanimados, de trabalho,de saúde, de finanças, de relacionamentos,entre outros. Muitas vezes se confundem como próprio fluxo normal dos pensamentos(Lotufo Neto et al., 1997), e o mesmo indiví-duo pode apresentar obsessões de mais de umaforma ou de conteúdo diferentes, como umacriança de 10 anos que ora mantinha pensa-mentos de que, se não contasse tudo o que fi-zesse ou imaginasse para sua mãe, esta deixa-ria de amá-la, e ora a idéia de que seria conta-minada se encostasse em qualquer pessoa.

O ato compulsivo tem como característi-ca a repetitividade e a intencionalidade, quepode ou não servir para evitar o pensamentoobsessivo ou as conseqüências que o indivíduoacredita que esses pensamentos podem causar.É geralmente precedido por uma sensação deurgência antes do ato e uma certa resistênciaem executá-lo. A resistência é vencida e segui-da de um alívio momentâneo da ansiedadeapós o ato (Wielenska et al., 1995). Entretan-

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Quanto mais aprendo sobre o distúrbio ob-sessivo-compulsivo, menos certeza tenho deonde termina o verdadeiro distúrbio e ondecomeça o espectro dos estilos, hábitos e pre-dileções compulsivas.

(Rapoport, 1990, p. 177)

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)apresenta uma característica que o distinguedos demais distúrbios psíquicos e, ao mesmotempo, dificulta seu diagnóstico: uma boa partedos indivíduos tem uma ou até mais maniasou costumes com características obsessivas oucompulsivas. As obsessões do cotidiano chegama identificar algumas pessoas, como �José émuito organizado�, �Maria é perfeccionista�.Algumas compulsões também podem fazerparte de nossa vida sem que necessariamentesejam consideradas passíveis de serem diagnos-ticadas e tratadas, como, por exemplo, a fila-telia, um tipo de colecionismo tido como sau-dável.

A principal diferença entre obsessões ecompulsões comuns e a patologia TOC está nocaráter ilógico dos pensamentos ou das con-dutas de um indivíduo, na falta de congruênciadestes com a sua história de vida (Lima, 1996)e na falta de recursos para que essa pessoapossa extingui-los, embora reconheça sua ca-racterística excêntrica. É importante observarque, nos casos de pacientes com manifestações

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to, muitas vezes o ato compulsivo pode nãoaliviar a ansiedade, e sim aumentá-la (Kaplane Sadock, 1997). A menina citada acima pas-sava quase todo o tempo em que estava emcasa correndo atrás da mãe para lhe contar seusatos e seus pensamentos. Se a mãe se escon-desse para não ouvir, ela gritava pela casa, che-gando a gritar a mesma coisa várias vezes atéque sentisse alívio. Para livrar-se das obsessõesde medo de contaminação, tomava vários ba-nhos de longa duração diariamente.

Deve-se estar atento para sinais que po-dem ser indicativos do momento em que oscostumes deixam de ser apenas traços da cul-tura ou da personalidade e passam a ser mani-festações do TOC. Os sinais a serem observa-dos são:

1. Longos períodos de tempo inexplicáveis.2. Fazer coisas repetidas vezes.3. Questionamentos constantes acerca da

própria necessidade de reasseguramento.4. Tarefas simples levando mais tempo que

o usual.5. Atrasos permanentes.6. Preocupação exagerada com detalhes e

coisas menores.7. Reações emocionais extremas a coisas

menores.8. Incapacidade de dormir adequadamente.9. Ficar acordado até tarde para terminar

de fazer coisas.10. Mudança significativa nos hábitos ali-

mentares.11. O dia-a-dia se transforma numa luta.12. Evitação.

(Van Nopper et al., 2000, p. 156)

Pelos sinais citados, é possível verificar seo TOC passa a assumir um espaço e uma im-portância significativos na vida do indivíduoque o apresenta. Como o caso da professoraque levava todos os cadernos de seus alunospara casa e ficava até de madrugada �fechan-do os os e os as� porque, se ficassem �abertos�,poderiam prejudicá-los de alguma forma; oudo estudante que arrumava todos os objetosde seu armário, durante horas, direcionando-os para a cidade onde sua namorada morava,a 500 Km de sua casa, para não correr o riscode perdê-la.

A abordagem terapêutica do TOC foiamplamente divulgada na década de 80, épo-ca do reconhecimento da clomipramina comoeficaz em seu tratamento. Porém, a euforiadaquela época transformou-se hoje em caute-la pela constatação de que, em muitos pacien-tes, o tratamento não elimina os sintomas, ape-nas os alivia, e as recaídas são comuns após asuspensão do tratamento (Sthal,1998).

Quanto ao tratamento psicoterápico, aterapia cognitiva tem uma aplicabilidade limi-tada no tratamento do TOC. A própria litera-tura especializada nessa linha terapêutica evi-dencia um maior emprego de técnicas compor-tamentais, em detrimento da abordagem cog-nitiva isolada (Araújo, 1998; Baer, 1993; LotufoNeto et al., 1997; Salkovskis e Kirk, 1997).Mesmo com a adoção da terapia comportamen-tal exclusiva, surge um outro entrave no trata-mento do TOC: um índice de abandono de tra-tamento e de recusas em segui-lo muito alto.Com isso, entre os pacientes que procuram tra-tamento, menos de 50% apresentam melhora(Salkovskis e Kirk, 1997).

O construtivismo surge como uma possi-bilidade de ampliação dos recursos da terapiacognitiva para o tratamento do TOC. Este capí-tulo abordará a prática clínica da abordagemconstrutivista no TOC. O construtivismo não visaà correção de comportamentos inadequados oupensamentos irracionais. A finalidade precípuaé a de promover uma ampliação nas possibili-dades do cliente, justamente uma das limita-ções do indivíduo com TOC. No entanto, de-pendendo da gravidade dos sintomas, pode-selançar mão de técnicas comportamentais emconjunto, sobretudo no início do tratamento.Alguns pacientes apresentam um comprometi-mento tão grave que vivem praticamente emfunção das obsessões e das compulsões; nessecaso, a escolha do tipo de terapia deve levar emconta o nível de limitação no qual se encontra oindivíduo. Preconiza-se um emprego de terapiacomportamental exclusiva aos mais comprome-tidos, passando para a abordagem cognitivanaqueles que conseguem sair das operaçõesconcretas próprias do TOC mais grave, e o usodo construtivismo para os pacientes melhoradaptados ao trabalho de reconstrução de seusconstrutos (Ito e Lotufo Neto, 2000).

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ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA DOTRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

Nós, seres humanos, não somos racionais. Nós,seres humanos, somos animais que utilizam arazão, a linguagem, para justificar nossasemoções, caprichos, desejos (...) e, nesse pro-cesso, nós os valorizamos porque não perce-bemos que nossas emoções especificam o do-mínio da racionalidade que usamos em nossajustificação.

(Maturana, 1999, p. 186)

O construtivismo entende o indivíduocomo �solucionador de problemas ativo e cons-trutivo� (Gardner, 1996, p. 108). Um indivíduoque se forma, reage e comporta-se não apenascomo receptor e reagente ao meio externo, mastambém como um sujeito participativo na orga-nização e na reorganização de seus própriospadrões de funcionamento, através de suas re-lações com o meio. Nesse sentido, a abordagemconstrutivista valoriza os processos tácitos, ouabstratos ou supraconscientes, e uma visão domundo e da realidade única a cada sujeito. Parao construtivismo, esses processos são predomi-nantes sobre os processos concretos, explícitosou conscientes (Mahoney, 1998).

Os processos tácitos são construídos des-de o nascimento. Do ponto de vista biológico,isso ocorre a partir de um sistema de transmis-são básica entre os neurônios, recebidos gene-ticamente, que controla sistemas de vidavegetativa e determinados traços de tempera-mento (Damásio, 2000). A cada nova experiên-cia vivida, formam-se novos circuitos, comocaminhos de ligação entre os neurônios. Osnovos circuitos só serão gravados e reutilizadosquando necessário, desde que sejam mantidosem segurança os circuitos básicos, adquiridosna evolução humana, e o conjunto de circuitosanteriores.

Cada indivíduo detém uma seqüênciaúnica de experiências e de trocas com o meio ecom a cultura, formando esquemas de circui-tos neuronais que, por sua vez, servirão comobase biológica do self. O controle de escolhade circuitos válidos e rejeitados é feito pelo sis-tema límbico, que coordena as emoções (LeDoux, 1998). Às seqüências de eventos bioló-

gicos correspondem eventos mentais que cons-tituirão o caminho do desenvolvimento psí-quico. Este vai desde a elaboração de respos-tas elementares, as avaliações simples da per-cepção, seguindo-se para avaliações mais com-plexas, as formações de memória e integra-ção de idéias, passando a compor nossos sig-nificados e daí à construção do self (Greenberge Paivio, 1997), visto no construtivismo comoum processo em constante desenvolvimento(Guidano, 1998).

O construtivismo considera a emoçãocomo moduladora de nossa construção de sig-nificados, diferentemente do cognitivismo, emque há um predomínio da razão ou do pensa-mento. Um indivíduo escolhe um caminho, tomauma decisão ou aceita uma mudança se suaemoção assim autorizar. Segundo Maturana(1999, p. 170), �a existência humana se reali-za na linguagem e no racional, partindo doemocional�. Em outras palavras, uma ação éprecedida por uma consulta da razão à emo-ção (ou do processamento conceitual ao pro-cessamento vivencial), a qual permite a reali-zação daquela ação, se o organismo suportá-la. Podemos ainda considerar a emoção comoa interlocutora da realidade externa e inter-na. Essa interlocução constante constrói emantém significados.

Para o construtivismo, a psicoterapiapode ser entendida como um processo inter-pessoal com o objetivo de produzir mudan-ças, e os esquemas emocionais como os res-ponsáveis pelas ações envolvidas nos meca-nismos de mudança. Sendo assim, a psicote-rapia deve constituir-se no processo de ativar,facilitar e reorganizar os esquemas emocio-nais (Greenberg et al., 1996).

CONSTRUTIVISMO E TRANSTORNOOBSESSIVO-COMPULSIVO

No modelo construtivista, os sintomas ouas reações disfuncionais não são interpretadoscomo um foco a ser eliminado pela psicotera-pia, para �melhorar� a conduta do sujeito. Coma postura de legitimação do cliente, o desvio éconsiderado como parte da lógica do seu siste-ma (Duran, 1998). O indivíduo descreve-se

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com sintomas que o identificam como obsessi-vo-compulsivo, com obsessões do tipo pavorde contaminações com coisas sujas e com mi-cróbios, ou dúvidas sobre assuntos com os quaisnão têm nenhuma necessidade de se preocu-par, ou ainda com atos compulsivos, como la-var-se constantemente, ou mesmo com sinto-mas de depressão, como sentir-se desmotivadoou sem energia, que com freqüência aparecemno TOC (OMS, 1993). O terapeuta construti-vista escuta-o empaticamente, evitando correro risco de complementar sua patologia restrin-gindo-o como doente (McNamee e Gergen,1998). A disfunção biológica é valorizada, mascomo uma restrição ou condição da ação (Bru-ner, 1997), e, nesse sentido, a terapia constru-tivista coaduna-se com a intervenção medica-mentosa como facilitadora do processo tera-pêutico (Reche, 2001).

A construção de um funcionamento res-tritivo e ritualístico pode ser entendida comouma tentativa de o indivíduo reorganizar-seinternamente (Abreu e Shinohara, 1998). Suasposições obsessivas protegem-no de uma pos-sível desorganização ou instabilidade insupor-tável, e ele só procura ajuda quando o esque-ma emocional depressivo não se ajusta mais etorna-se incompatível com sua vida de relações.A proteção que o TOC promove não é entendi-da como os mecanismos de defesa da psicaná-lise. O indivíduo incorpora o TOC na sua orga-nização interna; retirá-lo baseado em um ar-gumento de autoridade do terapeuta, que tudosabe, seria semelhante a mostrar-lhe um mun-do do qual ele não faz parte, provocando nocliente um estado de desequilíbrio (Bruner,1997), que, no obsessivo-compulsivo, pode le-var à depressão, com os riscos de suicídio pró-prios dessa patologia (Kaplan e Sadock, 1997).O indivíduo deprimido, quando toma medica-ção para sair de uma depressão grave, apósum breve período de melhora pode chegar aoauto-extermínio (Feijó, 1998). A explicaçãomais freqüente para essa evolução catastróficabaseia-se na correção da lentificação psicomo-tora, ou seja, enquanto está deprimido, ele estátão lentificado que não conseguiria passar daidéia de suicídio ao ato, e o ato suicida tornar-se-ia viável ao ser corrigida a velocidade deseus processos psíquicos. Uma outra forma de

entender o que ocorre com um indivíduo quemelhora da depressão e desiste da própria vidarefere-se à desorganização interna que tal me-lhora pode causar.

No TOC, o indivíduo apresenta limitaçõesna construção de novos significados, suas ati-tudes deixam de ser narrativas, com poucaflexibilização e tendência a uma temática úni-ca (Gonçalves, 1998). Estar aberto a novasexperiências e à produção de narrativas maiscomplexas está vinculado a um funcionamen-to com possibilidade de vivenciar as emoções,o que é proibitivo para o obsessivo-compulsi-vo. Com o arrefecimento das emoções no TOC,o sujeito fecha-se e organiza-se com menorcapacitação à aprendizagem de uma nova for-ma de ver o mundo.

Empregar uma abordagem terapêutica depostura didática e tentar atingir esse sujeitopela razão poderá não fazer ressonância emsuas estruturas mais internas, mantendo suasuperficialidade e reforçando a proteção naqual se coloca. As obsessões e as compulsõestêm justamente a finalidade de impedir a �en-trada� em níveis mais profundos. Muitas ve-zes, aquilo que é interpretado como uma evo-lução favorável pode estar escondendo uma�sofisticação dos rituais e das compulsões� (di-zeres de uma paciente após meses de terapiacomportamental-cognitiva) para que nem oterapeuta e nem o próprio paciente percebama manutenção dos esquemas anteriores, exi-gindo procedimentos terapêuticos que dispo-nham de alto conteúdo emocional para acessarsua organização central.

A PRÁTICA CONSTRUTIVISTA NOTRATAMENTO DO TRANSTORNOOBSESSIVO-COMPULSIVO

O TOC representa para o indivíduo umfuncionamento extremamente angustiante,com perda de referências e constantes sensa-ções de desamparo, pela desestabilização deseus constructos, com sensações constantes deum distanciamento entre os projetos de vida eo modo de existir (Sonenreich et al., 1999).Além disso, há uma certa vergonha por suascondutas e um receio de não ser compreendi-

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do, levando a uma manutenção de seus sinto-mas em segredo.

O terapeuta que se propõe a auxiliar notratamento de alguém nesse estado deve pri-mar por uma relação de respeito, em que com-partilhar seja a palavra-chave. A atitude doterapeuta será a de um colega de vôo em umaviagem que farão juntos. Durante a jornada,haverá períodos de turbulência e insegurançaalternados por períodos de calmaria. O roteiroda viagem será discutido e rediscutido cons-tantemente, mas sempre ficando claro que opiloto é o cliente, ou seja, é ele quem dirigeseu destino. Entretanto, a escuta do terapeutanão será passiva, desconstrutiva (Santos, 1999)ou flexibilizadora, favorecendo a elaboraçãode um roteiro no qual o cliente experimentarámais rotas e caminhos com um leque maior deemoções. O terapeuta ainda o ajudará em umpouso com o horizonte aberto e com possibili-dade de novas decolagens.

Na prática da terapia construtivista, pode-se adotar uma esquematização do processoterapêutico em etapas. É importante observarque o objetivo dessa divisão não é delimitar ocurso da terapia, tornando-a linear ou padro-nizada. As etapas servem para facilitar a per-cepção dos andamentos, estacionamentos eretrocessos naturais e necessários nesse pro-cesso, como uma espécie de mapeamento dovôo que paciente e terapeuta farão juntos. Asetapas na terapia construtivista são: identifi-cação do modelo de funcionamento, significa-ção do modelo, ressignificação e reconstruçãode significados.

Identificação do modelode funcionamento

Esta etapa pode ser dividida em duas fa-ses: a montagem da história do cliente e osentrelaçamentos. Na primeira fase, há umamensagem comum entre as pessoas que pro-curam ajuda em uma psicoterapia. Suas pala-vras iniciais parecem estar camuflando umafala do tipo: �Eu tenho alguma coisa na minhavida que repete, repete, repete... Não sei bemao certo o que é, mas sei que não quero maisisso repetindo-se�.

Nessa primeira fase, o terapeuta terá umpapel de acolhedor e facilitador. Através de umarelação empática, ele se posiciona em uma es-cuta inicialmente mais passiva e auxiliará o cli-ente a montar peças do quebra-cabeça de suahistória, ainda não muito preocupado em fa-zer devolutivas ou intervenções, salvo as queforem necessárias para pontuar para o clientea credibilidade que dá à sua história, indepen-dentemente de sua veracidade. O que importaé que esta é a história que o cliente vivencia eque será o campo a ser trabalhado. O terapeu-ta revisa alguns pontos da história com o clientea fim de confirmar a sintonia dos dois, deixan-do claro como está percebendo o relato da suahistória e se confere com aquilo que o clientequer dizer, validando suas narrativas.

Apesar de o foco do construtivismo ser osubjetivo, essa etapa tende a manter o discur-so no objetivo, no concreto. Nesse momento,quando surgem as emoções, elas tendem a serintensas, porém superficiais, como um pedidode acolhimento e um teste do reconhecimentode sentimentos. O terapeuta levará em conta ofato de que as emoções dos obsessivo-com-pulsivos já são pouco validadas no meio emque eles vivem. Desde o início, o terapeuta de-monstra ao cliente os objetivos e a estruturado processo terapêutico. As tarefas de casa eas técnicas terapêuticas não são colocadascomo uma imposição, mas são discutidas como cliente, ressaltada sua importância e verifica-da a sua aceitação.

Com o modelo médico, ao qual o clientegeralmente está acostumado, e com os meiosde comunicação divulgando cada vez mais re-portagens a respeito dos transtornos psiquiá-tricos, há uma tendência de o cliente manter-se em torno de queixas de sintomas nas pri-meiras sessões e confrontá-las pode represen-tar para ele uma desconfirmação daquilo quesente. O diagnóstico psiquiátrico é acatado peloconstrutivismo e serve também como ponto departida para facilitar a compreensão do qua-dro atual do cliente e traçar planos para o pro-cesso terapêutico. No entanto, o mais impor-tante para o terapeuta construtivista não sãoos sintomas do TOC, ou decorrentes dele, e simcomo isso é impresso na vida do cliente, ou

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seja, o que os sintomas passaram a significarpara ele.

Além de conhecer como o cliente cons-trói sua história, o objetivo dessa etapa é sa-ber a visão que ele tem de si próprio e domundo. Na história do cliente, o terapeutacoleta informações relacionadas ao TOC:quando apareceu, em que circunstâncias, fa-tores agravantes, evolução do quadro, alémde sua vida de relações profissional, social efamiliar. Nesse sentido, podem ser emprega-das técnicas com o objetivo de facilitar a or-ganização da história do cliente, como a dalinha da vida. Essa técnica consiste em colo-car em uma seqüência de fácil visualizaçãodo cliente situações que ele considere marcan-tes em sua vida. Utilizando-se de um quadro-negro ou de uma folha em branco, o terapeu-ta solicita-lhe que cite aleatoriamente os fa-tos que lembrar, sem necessidade de uma or-dem cronológica. Podem ser significativos oseventos lembrados de imediato (nenhumevento é o primeiro a ser lembrado por aca-so) ou os agrupamentos de dados importan-tes em determinadas épocas. É necessárioidentificar a emoção envolvida em cada even-to, voltando-se mais tarde para revê-las.

Na segunda fase, a de entrelaçamentos,o terapeuta percebe um fortalecimento do vín-culo inicial e passa, então, a facilitar para ocliente as conexões de episódios da sua vidaque apresentam características de similitude.As semelhanças podem aparecer em forma decognições ou emoções que ressurgem em even-tos cronologicamente distintos, agrupando-sefatos do passado ou demonstrando-se a liga-ção entre estes e situações atuais descritas.

O indivíduo com TOC tende a estar de-primido quando procura terapia e, portanto,tende a ater-se mais a relatos com predomíniode emoções e pensamentos negativos (Clark eFairburn, 1997). Considerando o estado res-tritivo que o TOC impõe ao cliente, já nessafase, o terapeuta auxilia-o a descrever seus re-latos, fazendo com que ele utilize um maiorespectro de sensações, por exemplo, pergun-tando o que percebeu no momento da situa-ção que descreve, tais como sensações corpo-rais, cores, cheiros ou sentimentos.

Algumas técnicas podem auxiliar o tera-peuta a fazer esses entrelaçamentos, como ada descrição da imagem no espelho (Mahoney,1998): o cliente é colocado em frente a umespelho real ou imaginário e passa a descrevero que vê e o que sente com o que vê. Por exem-plo, no momento em que citar passagens desua infância, o emprego da técnica ajuda-o aperceber a imagem que faz de si quando eracriança, podendo ser interessante uma com-paração com a forma atual de o cliente enxer-gar-se. A técnica do anúncio classificado facili-ta-lhe identificar a evolução que fez de suaimagem. O terapeuta pede para o cliente ima-ginar que vive em um local onde o setor declassificados dos jornais é algo levado muito asério e a forma mais comum de as pessoas ini-ciarem qualquer tipo de relacionamento. Eledeverá, então, escrever em um cartão como sepercebe, sua constituição física, seus gostos,suas qualidades e seus defeitos.

Significação do modelo

Na fase de entrelaçamentos, o cliente já éincentivado a perceber as emoções e ascognições que se repetem em seus eventos im-portantes como elementos constituintes da suaconstrução de significados. Assim, começa aidentificar que mantém essas emoções ecognições negativas como organizadores de suaestrutura, e não como elementos disfuncionais(Abreu e Shinohara, 1998).

O objetivo da significação do modelo éauxiliar o cliente a descobrir qual a finalidadede seu modelo de funcionamento obsessivo-compulsivo. O terapeuta troca o �por quê?�pelo �para quê?�. O �por quê?� conduz a res-postas explicativas, com justificativas racionais,elaboradas com conceitos. O obsessivo-compul-sivo tem uma resposta pronta para dar a simesmo � e a quem for preciso � do porquê deseus rituais.

A senhora N., de 45 anos, lavava as mãose os braços constantemente, apresentando le-sões na pele que causavam febre e levaram àsua internação pelo risco de desenvolvererisipela. Ela tinha uma certeza de que real-

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mente precisava lavar-se muito porque mora-va em uma região com grande concentraçãode pó. Só não conseguia explicar o porquê deseus familiares também não se limparem tan-to e nem o motivo de seu bairro � situado emuma cidade pequena do interior � ser tão sujo.Depois de algum tempo longe de casa, e emuma situação na qual não poderia lavar-se tantoe nem dar os oito banhos diários que dava emseu filho, a senhora N. conseguiu falar à esta-giária de psicologia que a acompanhava nohospital do medo de sujar-se e contaminar seufilho temporão, revelando, assim, sua incapa-cidade para criá-lo e seu desejo de que ele nãotivesse nascido.

Entretanto, nem sempre vai haver umacondição clínica que afastará o indivíduo deseus rituais, como no caso da senhora N., abre-viando o processo terapêutico, embora umamudança de postura do terapeuta, no momen-to adequado, possa desempenhar esse mesmopapel. O �para quê?� desmonta a preparaçãoracional da resposta, levando a conteúdos maisvivenciais, favorecendo uma entrada em estru-turas mais internas (Greenberg e Paivio, 1997),se empregado nessa etapa em que o vínculo jáestá estabelecido.

A atitude do terapeuta passa a ser maisinvasiva, mantendo a empatia necessária. Aqui,a linguagem não-verbal e a expressão corpo-ral são exploradas, pois podem ser sinaliza-dores do surgimento de lembranças significa-tivas: �A linguagem do corpo é muito expressi-va porque freqüentemente traduz o estadoemocional do indivíduo� (Sanvito, 1998, p. 54).Durante as sessões, os momentos mais carre-gados de expressões não-verbais devem ser osmais trabalhados, mantendo-se uma tensãosem, no entanto, buscar-se a catarse, que podefazer o paciente retornar a estruturas mais su-perficiais. O terapeuta deve ter o bom sensode perceber o limite do paciente de manter-sesob tensão.

O cliente é convidado a falar de aconteci-mentos do presente, vividos na semana queantecede a terapia. Durante seus relatos, o te-rapeuta mantém o incentivo da detecção decognições e emoções que possam ser compa-radas à de episódios descritos na primeira eta-

pa. A associação de eventos atuais com ante-riores pelos esquemas emocionais pode serobtida com o emprego de dramatizações(Rangé, 1995). Com isso, o cliente vai criandocondições de fazer esse procedimento sem oauxílio do terapeuta, ou seja, ele passa a per-ceber fora do ambiente terapêutico seus esque-mas emocionais e racionais. Adaptações de téc-nicas da terapia cognitiva, como o registro deatividades diárias (Beck, 1995), podem ser úteispara facilitar esse processo.

Ressignificação

A etapa de ressignificação é caracteriza-da por um revisão que o cliente faz de seumodelo de funcionamento. Nessa altura da te-rapia, ele já identificou esse modelo e o signi-ficado para sua vida até aqui. Teoricamente,então, ele deveria ser capaz de construir novossignificados, mais �saudáveis�, menos �disfun-cionais�. O terapeuta não deve esquecer que opaciente esteve vivendo por algum tempo comseu funcionamento obsessivo e que, de certaforma, estava adaptado a ele, sendo tal modode viver patológico ou não. É importante sem-pre estar atento ao fato de que, por algummotivo, o paciente não procurou ajuda antesou, em outros casos, foi tratado com aborda-gens terapêuticas diferentes, com pouca ounenhuma modificação interna. Nessa etapa,muito freqüentemente surge com maior inten-sidade algo que, se não for trabalhado de ma-neira adequada, dificultará o processo terapêu-tico: a resistência a mudanças

O sofrimento que o TOC promove no in-divíduo é bastante intenso. No entanto, eleaprendeu a viver assim, sua estrutura internaem boa parte foi construída com seus rituais.O indivíduo procura terapia quando seu fun-cionamento depressivo não lhe serve mais,quando seu sistema de construção de signifi-cados encontra-se perturbado (Abreu eShinohara, 1998). Apesar de sua intenção ver-dadeira de abrir mão desse modelo atual, elereagirá como se estivesse em um momento deinércia psíquica e tenderá a manter seus es-quemas anteriores (Reche, 2000). Racional-

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mente, ele estará envolvido no esforço de umamudança, porém �as decisões humanas nuncasão completamente racionais, estando semprecoloridas por emoções, e o pensamento huma-no está sempre encaixado nas sensações e nosprocessos corporais que contribuem para o ple-no espectro da cognição� (Capra, 2001, p. 216).

O construtivismo entende a construção designificados como parte da unidade organiza-da que forma o self. O cliente pode perceber apossibilidade de mudanças que ele vislumbranessa fase como um ameaça ao self e poderádesenvolver condições autoprotetoras (Nei-meyer, 1997). O terapeuta, por sua vez, estaráauxiliando o cliente a perceber seus mecanis-mos de resistência, sendo esperado que a tera-pia estacione ou regrida quando atinja a etapade ressignificação. O terapeuta terá a sensibi-lidade de identificar esses movimentos osci-latórios do processo terapêutico e de reconduzirpacientemente a etapas anteriores, fortalecen-do o cliente a seguir em frente, no seu próprioritmo.

O sentimento de culpa é um dos sinto-mas presentes no TOC mais incorporados àorganização interna do cliente. Entretanto,enquanto se dá conta desse sentimento, elepode aumentar sua culpa ou transportá-la parapessoas ligadas a ele e identificadas como par-ticipantes do seu processo de construção designificados. Então, o terapeuta o ajudará nacompreensão emocional e racional das circuns-tâncias que teriam motivado suas ações e a dooutro, como forma de deixar de atribuir culpa,o que aliviará sua resistência e facilitará aressignificação.

F. é uma secretária de 35 anos, que pro-curou tratamento após ter se envolvido em dí-vidas por comprar compulsivamente. Na ten-tativa de esconder suas compulsões, passou apedir dinheiro a agiotas até perder totalmenteo controle da situação. Durante a terapia, fo-ram constatadas outras compulsões, como ba-nhos demorados, com rituais de limpeza, e al-gumas raras obsessões, como preocupaçõesexcessivas com o corpo. No decorrer do pro-cesso, passou a controlar suas compulsões,apesar de confessar que apenas trocou algu-mas delas por outras mais aceitas socialmente.

F. conseguiu identificar o seu modelo de funci-onamento e percebeu esquemas familiares ob-sessivos, que estariam ligados a uma crença deser perfeita para ser aceita. Contudo, ascompulsões a comprar destoavam de seu modode viver.

Em um determinado momento, quandoa terapia parecia estar correndo muito bem,F. passou a ter reações de extrema raiva, tor-nando-se agressiva na família e no seu traba-lho. Nas sessões que se seguiram a esse perío-do, ela foi detectando que o sentimentosubjacente àquele ódio era de culpa e de medo.O medo remeteu-a à infância e, em uma ses-são, usando a técnica do diálogo das cadeiras(Greenberg et al., 1996), F. assumiu a posiçãodela mesma com cinco anos e também a desua mãe, que nessa época acabara de ter outrofilho. Assumindo o papel da mãe, F. pôde en-tender as dificuldades que ela sentia em cui-dar dos filhos e, no papel dela mesma comocriança, pôde aliviar o medo por sentir-se ama-da pela mãe. Ela já havia percebido, anterior-mente, que fazer tudo certo era a fórmula paraser aceita pela família, mas não o suficientepara ser vista pela mãe, e que a transgressãodo funcionamento familiar, como as compul-sões a comprar, era a saída que ela havia en-contrado para ser parte importante naquelafamília. A raiva também tinha a ver com a cul-pa pelo longo tempo durante o qual esse foi oseu modelo de funcionamento em todas as re-lações sociais, profissionais e afetivas, além dadescoberta das perdas que teve com esse mo-delo que adotou. O contato com tais emoçõespossibilitou uma perspectiva da substituiçãoverdadeira daqueles significados, facilitando areconstrução de seu modelo de funcionamento.

Reconstrução

O indivíduo com TOC tende a apresentaruma forma linear de construir suas estruturase de visualizar seu futuro. Com a identificaçãodo seu modelo de funcionamento, com a des-coberta do significado desse modelo, com oreconhecimento de suas resistências e com apercepção da viabilidade de ressignificação, ele

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passa a ampliar suas possibilidades. As limita-ções que impunha a si próprio deixam de fazersentido e ele inicia uma reconstrução de seussignificados.

Na última etapa da terapia, o terapeutaincentiva o cliente a viver experiências atuais,compreendendo os significados dentro de con-textos, com uma postura de maior flexibilida-de. O cliente passa a ter consciência da emo-ção e da razão, podendo estabelecer um equi-líbrio entre ambas (Greenberg, 1998). A difícilnegociação do término da terapia faz partedessa etapa. No modelo construtivista, os cri-térios envolvidos como definidores do encer-ramento da relação terapêutica não incluemapenas a melhora dos sintomas, mas tambémuma capacitação do cliente de prosseguir seusnovos vôos sem o terapeuta. A terapia devedurar enquanto for geradora de novos signifi-cados (Santos, 1999).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão do tempo passou a ofuscar oobjetivo das terapias, com a proliferação de li-vros e técnicas de auto-ajuda e com a pressãoexercida pelos seguros de saúde. Cada vez mais,as pessoas chegam ao terapeuta com uma per-gunta inicial: �Quanto tempo vai durar estetratamento?�, a qual encobre uma outra ques-tão: �Quanto tempo vou levar para mudar?�.A finalidade última de qualquer processo tera-pêutico é o de promover mudanças. Mas quemudança é essa que o indivíduo deseja?

Uma terminologia própria da engenhariapode ser utilizada para explicar alguns tiposde mudanças. É possível comparar as mudan-ças de um indivíduo com as deformações dosmateriais. Os corpos deformáveis são dividi-dos em plásticos � aqueles corpos que, umavez deformados, não voltam mais à sua formaoriginal � e materiais elásticos � aqueles cor-pos que, ao sofrerem uma deformação, voltamà sua forma de origem ao fim da aplicação daforça que produziu tal deformação.

As mudanças também podem ser dividi-das aqui em: elásticas e plásticas. As mudan-

ças elásticas são aquelas observadas no indiví-duo que vai a um curso de motivação pessoalno final de semana e diz que está completa-mente modificado ao retornar do curso. Porém,no primeiro episódio estressante, cessa a forçaque o motivou, e o indivíduo retorna ao seufuncionamento anterior. Como acontece nosmateriais, as mudanças elásticas são rápidas,fáceis, mas não duram e voltam à forma ante-rior.

As mudanças plásticas ocorrem lentamen-te, com alto teor emocional, com resistências aserem vencidas; no entanto, quando aconte-cem, se não são permanentes, pelo menos sãoextremamente duradouras. Apenas tensõesnovas e de grande intensidade podem fazercom que o indivíduo modifique-se novamente,voltando a ter outro funcionamento, que rara-mente será semelhante àquele do início damudança plástica.

Ainda empregando termos da engenha-ria de materiais, a resistência da estrutura doindivíduo é que determina a sua capacidadede resistir aos esforços solicitantes, sem se rom-per, garantindo a integridade de sua estruturacomo um todo. E, dentre os distúrbios psíqui-cos, o TOC é daqueles que se encontram maisenraizados no próprio funcionamento do indi-víduo, o que aumenta sua resistência as mu-danças. Para ser plástica, uma mudança deveser produto de uma terapia que promova mo-dificações em estruturas internas básicas do in-divíduo, trabalhando com suas resistências.Para serem efetivas, essas mudanças devemproduzir uma sensação de desorganização, dedesconstrução. Não há mudança sem angústia(Mahoney, 1998).

Um indivíduo com TOC já se encontrabastante angustiado. O terapeuta que opta pelaabordagem construtivista deve saber que o ca-minho da reconstrução de significados passapela desestruturação de antigos conceitos epode promover um mal-estar temporário. Porisso, deve estar preparado para um percursodesgastante, embora compensador, em que ovínculo e a empatia serão os princípios orien-tadores do processo terapêutico.

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AlcoolismoLilian Erichsen Nassif

e também entre profissionais da saúde. Se-gundo as teorias explicativas pautadas nessalinha de pensamento, o uso abusivo de qual-quer substância é entendido como um proble-ma de controle de impulsos. O indivíduo comadicção é alguém a quem falta �fibra moral�para resistir às tentações e que não tem con-trole apropriado sobre suas ações. Aoalcoolista falta caráter, moral ou força de von-tade, sendo incapaz de resistir à tentação deconsumir o álcool.

Em contrapartida, no final dos anos 40,Jellinek e seus colaboradores do Centro paraEstudos do Álcool, de Yale, apresentaram umanova visão do problema, que passa a ser con-cebido como doença:

Os comportamentos aditivos estão baseadosem uma dependência física subjacente e aatenção é focalizada sobre fatores fisiológicospredisponentes que se presume ser genetica-mente transmitidos.

(Marlatt & Gordon, 1993, p. 6).

Essa visão de Jellinek foi sancionada em1956, pela Associação Médica Norte-America-na, que oficializou o alcoolismo como umadoença, estabelecendo, então, o modelo médi-co de adicção, o qual teve o mérito de levarinúmeras pessoas a procurar assistência médi-ca, na medida em que absolveu o alcoolista daresponsabilidade pessoal ou da culpa moral porsua condição. Entretanto, ocorre uma clara

O homem que, para esquecer uma infelicida-de, diverte-se ou tenta anestesiar-se pelanarcotização não resolve nenhum problema,não acaba com uma infelicidade; acaba, sim,e simplesmente, com uma conseqüência dainfelicidade: o mero estado afetivo de despra-zer. Quando apenas se diverte ou se narcotiza,o homem �não quer saber de nada�. Tenta fu-gir à realidade. Vai-se refugiar, por exemplo,na embriaguez.

(Frankl, 1989, p. 153)

ALCOOLISMO: DO MODELO MORALAO MODELO DE COMPORTAMENTOADICTIVO

As primeiras informações sobre o uso doálcool datam do ano 6.000 a.C, sendo um doscostumes mais antigos e de maior popularida-de em todas as civilizações. Contudo, o termo�alcoolismo�, proposto pelo médico suecoMagnus Huss, surgiu somente em meados doséculo XIX, popularizando-se de forma a de-signar um importante fenômeno médico e so-cial que, antes mesmo de seu surgimento, vem,há séculos, desafiando a ciência e gerando vá-rias concepções e modelos teóricos que bus-cam sua compreensão.

O modelo moral de adicção é uma visãobaseada em pressupostos religiosos que alcan-çou seu ápice nos Estados Unidos há cerca deum século, mas que, infelizmente, ainda nosdias atuais, pode ser encontrado entre leigos

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contradição nesse modelo, já que, embora acei-tando que a etiologia do alcoolismo esteja alémdo controle ou da responsabilidade do indiví-duo, seu tratamento normalmente requer to-tal abstinência do álcool como única forma deevitar o problema, ou seja, exige do indivíduoexatamente o controle sobre o comportamen-to de beber.

Outra contradição criada por esse mode-lo médico recai, ironicamente, sobre o fato dese ter absolvido o alcoolista da responsabilida-de ou da culpa pelo seu comportamento, comoatribuído a ele no modelo moral. Contudo, aoentender que seu problema com o álcool é oresultado de uma doença, o indivíduo tende aassumir o papel passivo de vítima e a explicaras recaídas como mais um sintoma de uma ine-vitável doença.

Atualmente, os adeptos da teoria daaprendizagem social, da psicoterapia cogniti-va e da psicologia social propõem o modelo decomportamento adictivo como uma abordagemalternativa aos modelos moral e médico. A par-tir desse modelo, os comportamentos adictivossão entendidos como hábitos hiperaprendidose mal-adaptativos que podem ser analisados emodificados a partir do estudo dos seus deter-minantes: antecedentes situacionais e ambien-tais, crenças, expectativas, história familiar eexperiência de aprendizagem anterior com asubstância psicoativa. Da mesma forma, há ointeresse pela definição das conseqüências docomportamento de uso de substâncias, sejamelas reforçadoras (contribuindo para o aumen-to do uso) ou negativas (inibindo o comporta-mento).

Apesar da ênfase na análise do compor-tamento adictivo, esse último modelo não ne-gligencia os aspectos fisiológicos envolvidos noprocesso, mas explica-os como um estado dedoença produzido pelo comportamentoadictivo prolongado. Para os teóricos da área,como Marlatt e Gordon (1993), isso não im-plica que tal comportamento seja uma doençaou um quadro secundário a um transtorno fisi-ológico. Afirmam ainda que a tendência de seenfatizar os fatores fisiológicos nega a possibi-lidade dos comportamentos adictivos seremdeterminados sobretudo pelas expectativas do

indivíduo (antecipação dos efeitos desejadosda ação).

Uma crítica feita ao modelo de compor-tamento adictivo é que o mesmo seria uma re-gressão ao modelo moral, na medida em queresponsabilizaria o indivíduo, culpando-o pelaaprendizagem do seu comportamento. Tal ar-gumento, contudo, baseia-se na falsa suposiçãode que as pessoas são responsáveis pela escolhadas suas experiências passadas de apren-dizagem. Porém, os teóricos comportamentaisdefinem a adicção como:

(...) um padrão de hábito poderoso, um ciclovicioso adquirido de comportamento auto-destrutivo perpetuado pelos efeitos coletivosdo condicionamento clássico (tolerância ad-quirida mediada, em parte, por respostascompensatórias condicionadas aos efeitos no-civos da substância adictiva) e reforçooperante (tanto o efeito positivo do efeitomáximo da droga quanto o efeito negativoassociado ao uso da droga como um meio deescapar ou evitar estados disfóricos físicos e/ou mentais � incluindo aqueles associadoscom os efeitos posteriores negativos do usoanterior da droga).

(Marlatt e Gordon, 1993, p. 10)

Portanto, o fato de um comportamentoadictivo ser explicado como um padrão de há-bito hiperaprendido não significa que o indiví-duo seja responsável por sua aquisição, umavez que outros fatores estão envolvidos, comocondicionamentos clássico e operante, expec-tativas e crenças sobre o efeito de diminuiçãoda ansiedade e antiestressante das drogas, alémda aprendizagem social e da modelagem. En-tretanto, apesar de não ser responsabilizadopelo aprendizado do comportamento adictivo,o indivíduo, nesse modelo, assume um papelativo e a responsabilidade pela mudança dehábitos.

Como se pode perceber, todos esses mo-delos propiciam uma ampliação de perspecti-vas, possibilitando-nos entender o alcoolismosob vários pontos de vista, seja como síndrome,como sintoma comportamental ou ainda comoquestão moral. Ao longo dos tempos, existi-ram várias explicações teóricas para o fenôme-

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no, conforme o modelo que estivesse prevale-cendo na ocasião.

Atualmente, no entanto, existe uma fortetendência em se considerar o problema atra-vés de um enfoque biopsicossocial, o qual pro-põe um entendimento global do indivíduoalcoolista, podendo-se dizer que seria o iníciode um novo modelo de compreensão que, in-clusive, mais se aproxima da nossa compreen-são do alcoolismo. Dessa forma, faremos umadescrição mais aprofundada do mesmo, abor-dando também explicações teóricas de caráterbiológico, de caráter psicológico e outras decaráter social.

ETIOLOGIA: EXPLICAÇÕESTEÓRICAS QUE COMPÕEMO MODELO BIOPSICOSSOCIAL

O conjunto de critérios adotados, tantopara a dependência de substância quanto parao abuso de substância, baseia-se hoje em ummodelo biopsicossocial, segundo o qual múlti-plos fatores (genéticos, psicológicos, socioló-gicos e farmacológicos) contribuem para a for-mação dos quadros clínicos relacionados ao usode substâncias. Conforme Kaplan (1999), nãoé certo dizer que todos os indivíduos que setornam dependentes de uma mesma drogaexperienciam seus efeitos do mesmo modo ousão motivados por fatores iguais. Além disso,em estágios diferentes do processo de depen-dência, diversos fatores podem ter seu nívelde importância alterado.

A disponibilidade da droga, sua aceitação so-cial e a pressão por companheiros podem seros principais determinantes da experimenta-ção inicial com uma droga, mas outros fato-res, tais como personalidade e biologia indivi-dual, provavelmente são mais importantescom relação ao modo como os efeitos de de-terminada droga são percebidos.

(Kaplan, 1999, p. 828)

Além desses últimos fatores mencionados,Kaplan (1999) também aponta para outros quetambém podem interagir no desenvolvimentoda dependência de substância. Em síntese, o

elemento central salientado pelo autor é o pró-prio comportamento de uso da droga, sendoque a decisão de usá-la depende de situaçõessociais e psicológicas imediatas, assim como dahistória de vida da pessoa. O uso da droga eleitadá início a uma seqüência de eventos(prazerosos ou não) que, através de um pro-cesso de aprendizagem, pode resultar em mai-or ou menor probabilidade de que o compor-tamento de uso seja repetido. Além disso, paraalgumas drogas, como, por exemplo, o álcool,o uso inicia também processos biológicos rela-cionados à tolerância e à dependência fisioló-gica. É importante mencionar que, acima dedeterminado limite, a dependência geralmen-te torna-se, por si só, um motivo para o usorecorrente da droga.

Kaplan (1999) considera, ainda, que adecisão de não usar determinada substânciatambém gera conseqüências aversivas ou refor-çadoras, havendo evidências de que, quandoas recompensas pelo não-uso da droga são al-tas, a probabilidade de reincidência do uso éreduzida. No entanto, álcool, barbitúricos,maconha, etc., podem prejudicar significativa-mente as habilidades cognitivas que estariamrelacionadas com essa capacidade de tomardecisões.

Os fatores culturais, sociais e ambientais,tais como comportamento dos companheiros,leis, custo e disponibilidade da substância, po-dem influenciar a experimentação inicial dadroga (incluindo álcool e tabaco) e a continu-ação do seu uso. Um exemplo disso refere-seao fato de que:

quando a disponibilidade do álcool é aumen-tada pelo aumento no número de locais ondepode ser vendido ou quando horários de ven-da são ampliados, o consumo tende a subir.Quando o custo do álcool ou do tabaco é au-mentado em relação aos rendimentos dispo-níveis (por exemplo, pelo aumento de impos-tos) o consumo cai.

(Kaplan, 1999, p. 828)

Os efeitos subjetivos das drogas são, emmuitas circunstâncias, descritos como causa-dores do consumo por produzirem estados in-ternos diferenciados. No caso do álcool, por

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exemplo, seus efeitos, descritos de variadasformas pelos usuários, são relaxantes na mai-or parte dos casos. Essa variabilidade dos efei-tos parece depender da personalidade do usu-ário; contudo, pessoas com problemas relacio-nados ao álcool freqüentemente relatam queeste diminui seus sentimentos de nervosismo eajuda a lidar com os estressores da vida cotidi-ana. Todavia, podemos encontrar várias expli-cações para a etiologia do alcoolismo, em ge-ral não havendo unanimidade entre elas, exis-tindo correntes adeptas das explicações exclu-sivamente biológicas, outras que enfatizam asdescrições psicológicas, ou ainda as quepriorizam os fatores socioculturais.

As teorias biológicas defendem o pressu-posto de que o alcoolismo desenvolve-se devi-do a fatores biológicos inatos do indivíduo. Essahipótese baseia-se na característica da perdade controle sobre o consumo do álcool, apre-sentada pelos alcoolistas, a qual decorreria deuma reação fisiológica em cadeia, iniciada pelaingestão de uma quantidade de álcool que se-ria responsável pelo aumento do consumo des-sa substância. Vários processos fisiológicos fo-ram propostos como explicação do fenômenoda perda de controle, desde alterações do me-tabolismo celular, passando pela inibição decentros cerebrais de controle, até a ativaçãode circuitos neuronais localizados no hipotá-lamo que desencadeariam a compulsão peloálcool.

Adeptos dessa corrente biológica sugeremque fatores genéticos modulam a vulnerabi-lidade ao desenvolvimento do alcoolismo. Nes-se enfoque, uma das características amplamen-te estudadas refere-se ao acúmulo de acetal-deído após a ingestão do álcool. Isso ocorredevido à não-metabolização dessa substânciaem acetato, através da enzima acetaldeídodesidrogenase, cujo nível de atividade é deter-minado geneticamente. Acredita-se que oacúmulo de acetaldeído, após o consumo deálcool, em pessoas com baixa atividade deacetaldeído desidrogenase, provocaria efeitosdesagradáveis, que funcionariam como umadefesa natural do organismo contra o consu-mo excessivo do álcool.

Entretanto, segundo Ramos e Bertolote(1997), as pesquisas sobre a determinação

genética do alcoolismo, apesar de distingui-rem as diferenças biológicas entre dependen-tes e não-dependentes do álcool, admitem quetais diferenças não implicam uma predisposi-ção orgânica ao alcoolismo propriamente dito,mas sim diferentes probabilidades de as pes-soas fazerem uso contínuo do álcool, que écondição necessária, embora não suficiente,para o desenvolvimento do alcoolismo. Sig-nifica que as características biológicas propi-ciam o desenvolvimento da dependência, sen-do mais um fator de vulnerabilidade, mas não-determinante.

BASES PSICOLÓGICAS DAADICÇÃO AO ÁLCOOL

Modelo cognitivo-comportamental

As explicações psicológicas para a gêne-se do alcoolismo, mesmo não negando a im-portância dos fatores biológicos, enfatizam osprocessos psicológicos, descritos à luz dos pre-ceitos de cada referencial teórico, como deter-minantes do desenvolvimento da dependênciade álcool.

As abordagens cognitivo-comportamen-tais, por exemplo, que compõem o modelo decomportamento adictivo, encaram a dependên-cia de substâncias como um padrão de hábitohiperaprendido e mal-adaptativo, passível demodificação a partir da análise e da manipula-ção dos estímulos desencadeadores (situaçõesde alto risco), dos fatores de reforçamento(status especial, aprovação dos amigos, etc.),da função do álcool na vida do indivíduo (re-dução da ansiedade, facilitação da interaçãosocial, etc.) e, mais tarde, do efeito de manu-tenção do consumo através do reforçamentonegativo (alívio de sintomas de abstinência).Aliadas a isso, existem as motivações, as ex-pectativas e as crenças sobre os efeitos do ál-cool, que são comprovadamente formadas emidade anterior ao uso da substância.

Portanto, a ênfase nesse caso recai sobreo estudo dos determinantes dos hábitos adic-tivos, abrangendo antecedentes situacionais eambientais, crenças e expectativas, história fa-miliar individual e experiências de aprendiza-

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do com a substância psicoativa ou atividade.Além dos efeitos da droga sobre a própria ati-vidade, é dada atenção às reações sociais e in-terpessoais experienciadas �pelo indivíduo an-tes, durante e depois de se engajar num com-portamento adictivo. Os fatores sociais estãoenvolvidos tanto no aprendizado inicial de umhábito adictivo quanto no desempenho subse-qüente da atividade, uma vez que o hábito te-nha sido firmemente estabelecido� (Marllat eGordon, 1993, p. 9).

Propôs-se, então, uma categorização desituações de alto risco após a realização de umestudo em que foram analisados 137 episódi-os de recaída, extraídos de três amostras: al-coólicos, adictos em heroína e fumantes de ci-garro. Estão incluídos nessa categorização doisdeterminantes, quais sejam:

1. Determinantes intrapessoais-ambien-tais: estão associados aos fatores in-ternos do indivíduo e/ou às situaçõesambientais não-pessoais, incluindoreações a eventos interpessoais nopassado relativamente distante.

2. Determinantes interpessoais: impli-cam a influência de interação recen-te com outra pessoa que exerce in-fluência sobre o indivíduo.

Ambas as categorias são compostas porsubcategorias. No caso da primeira categoria,podemos citar o enfrentamento de estadosemocionais negativos (frustração e/ou raiva eoutros estados emocionais negativos); o enfren-tamento de estados físicos e fisiológicos nega-tivos (estados físicos associados ao uso anteri-or de substância psicoativa e enfrentamento deoutros estados físicos negativos); a intensifica-ção de estados emocionais positivos; o teste docontrole pessoal e a rendição às tentações ou àcompulsão (na presença de sinalizadores dasubstância ou na ausência de sinalizadores dasubstância). Já na segunda categoria, estão oenfrentamento de conflito interpessoal(enfrentamento de frustração e/ou raiva ouenfrentamento de outro conflito interpessoal),a pressão social (pressão social direta e indire-ta) e a intensificação de estados emocionaispositivos

Modelo psicanalítico

O estudo das características de persona-lidade como fator etiológico do alcoolismo tam-bém tem sido bastante explorado pelos adep-tos da vertente psicológica. Para os psicanalis-tas, a psicopatologia é a principal motivaçãosubjacente tanto para o uso inicial quanto parasua continuação. Eles postulam que, farmaco-lógica e simbolicamente, algumas substânciasajudam o Ego a controlar os afetos dolorososimpossibilitados de serem manejados adequa-damente em decorrência de fragilidades egói-cas apresentados pelo usuário, possibilitando-lhe sedar a angústia de castração. Nesse senti-do, o álcool pode ser utilizado como auxiliarna diminuição do nível de estresse em pessoascom superegos rígidos e autopunitivos. Outrospsicanalistas sugerem a hipótese de que algunsalcoolistas apresentam fixação na fase oral dodesenvolvimento, recorrendo ao álcool paraaliviar suas frustrações, sendo a boca sua prin-cipal fonte de gratificação. Outros argumen-tam ainda que o alcoolista consome a drogaimpulsionado pela sua necessidade de poder,ou mesmo como um protesto hostil contra asociedade, projetando sobre ela o ódio que oalcoolista dispensa a seu pai. Fala-se tambémem uma agressividade sádica e em tendênciasautodestrutivas, implicando um suicídio incons-ciente.

Outras contribuições

Alonso-Fernández (1979) propõe a dis-tinção entre três tipos de bebedores quanto àetiologia, à vivência da alcoolização, ao modode beber e à vinculação do indivíduo com oálcool. São eles: o bebedor excessivo regular,o alcoolista propriamente dito1 e o bebedorenfermo psíquico. Nos três casos, o álcool exer-ce o papel de modificador da realidade, mascom significados diferenciados em cada um dostipos.

O bebedor excessivo regular é aquele queingere cotidianamente uma quantidade de ál-cool suficiente para acarretar riscos à saúde,sem nunca (ou quase nunca) incorrer na em-briaguez, não havendo, inclusive, falta de con-

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trole frente ao consumo do álcool. Entretanto,esse indivíduo tende mais facilmente a desen-volver uma dependência biológica para o ál-cool após muitos anos de consumo.

Quanto à sua etiologia, observa-se quenão há uma personalidade típica dos bebedo-res excessivos regulares, podendo-se encontrartodo tipo de personalidade entre eles, emboraocorra principalmente nos hipertímicos. Assim,os fatores socioculturais adquirem maior rele-vância, através da indução realizada pela mídiae da imitação como um fator gregário, na me-dida em que o ato de beber tem o poder dedesenvolver laços interpessoais. Contudo, cabeà personalidade desses indivíduos a decisão deincorrer no abuso de álcool ou não. Nesse sen-tido, fala-se de uma �personalidade pré-abusiva�, em que participam tanto fatores in-dividuais quanto externos diversos. Para essetipo de usuário, os efeitos do álcool proporcio-nam a vivência de consolidação de um mundoextremamente aprazível e uma sensação debem-estar através dos efeitos euforizantes dasubstância etílica.

Já o alcoolismo propriamente dito mani-festa-se pela embriaguez repetida ou, dizendode outra forma, pela entrega irregular à bebi-da. Estabelece-se desde os primeiros contatosdo indivíduo com o álcool, isto é, antes mesmodo surgimento de uma dependência física e,em geral, em idade cronológica precoce. Ocorreum desejo urgente de consumir álcool, quesurge recorrentemente como uma necessida-de psicológica, delineando-se, então, a depen-dência psíquica que caracteriza o alcoolismoprimário.

O alcoolista propriamente dito encontra-se absorvido por uma �constelação básica depersonalidade�, constituída pelas vivênciasdecorrentes do sentimento de solidão, isola-mento e desesperança, em uma temporalida-de na qual impera o presente anônimo e passi-vo. A ausência de esperança e o sentimento desolidão situam-se como o núcleo básico da per-sonalidade pré-alcoólica, estando esse núcleoenvolto por um fastio e uma indiferença que

podem ser encontrados na descrição dos fenô-menos próprios do �tédio vital�:

O problema do adoecimento toxicômano nãoé a dor mesma, mas a insuportabilidade dador. O sujeito que pode produzir um alcoolis-mo experimenta seu isolamento como insu-portável, por não dispor do suporte individu-al proporcionado pela esperança e os projetosbem-organizados que costumam emanar damesma. (...) Na personalidade pré-alcoolista,a confiança em chegar à meta proposta nãopode se estabelecer porque a conjuntura pre-sente é vivida passivamente e o passado hos-peda muito mais desenganos e fracassos queêxitos.

(Alonso-Fernández, 1979, p. 454).

Desde a infância, o indivíduo propensoao alcoolismo propriamente dito mostra-sepouco afeito ao encontro e ao diálogo. Apre-senta exagerada necessidade de dependência,mas normalmente procura negar essa necessi-dade, assumindo um comportamento de recu-sa ao contato humano e à participação em gru-pos, mantendo uma conduta aparentementeautônoma e independente. Além disso, obser-va-se uma escassa integração da personalida-de, cuja origem pode ser atribuída à repressãode conteúdos psíquicos e ao déficit da capaci-dade de planejamento. Esse déficit, por sua vez,é explicado pela ausência de um sentimentoprospectivo que permite ao indivíduo engajar-se em planos, objetivos, e ter a confiança depoder realizá-los, uma vez que o alcoolista pro-priamente dito vive o presente passivamente eo pretérito reserva-lhe mais desenganos e fra-cassos do que êxitos.

Do ponto de vista existencialista, a partirda teoria de Frankl (1991), o objetivo do ho-mem é o de realizar um sentido e de realizarvalores, e não o de realizar a si mesmo. Ao rea-lizar um sentido, a auto-realização surge espon-taneamente. Porém, essa busca de sentido podeser frustrada, gerando um sentimento de quesua existência não possui um �porquê�. Ele éconfrontado, então, �com um fenômeno que na

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logoterapia2 denominamos vácuo existencial, ovazio interior e a falta de conteúdo, o sentimen-to de perda da existência e do conteúdo da vida�(Frankl, 1991, p. 69).

Portanto, esse sentimento não é uma pa-tologia em si, um mero sinal e sintoma de umaneurose, mas a prova da humanidade da pes-soa: �embora não seja causado por nada pato-lógico, este sentimento bem pode causar umareação patológica, em outras palavras, é po-tencialmente patogênico� (Frankl, 1999, p.121). Para o autor, o alcoolismo seria uma for-ma latente de frustração existencial, traduzi-do pelo sentimento de vacuidade e de falta desentido. No alcoolismo, a busca frustrada desentido dá lugar à busca exagerada do prazer,mas de um prazer �negativo�, ou seja, uma sim-ples libertação do desprazer.

Apesar de todos os esforços em se des-crever uma personalidade própria do alcoolistaque seja, inclusive, responsável pelo desenvol-vimento do quadro mórbido, não há, até omomento, evidências seguras de sua real exis-tência. Pela dificuldade de se realizar estudoslongitudinais que possibilitem o conhecimen-to das características de personalidade de umindivíduo antes do início do consumo do álco-ol, normalmente não se pode distinguir se ossintomas ou as modificações psíquicas preexis-tem ao alcoolismo ou surgem em decorrênciada deterioração produzida pelo consumo alco-ólico. Soma-se a isso o fato de as investigaçõessobre essa questão invariavelmente apresen-tarem distorções ideológicas próprias a cadaabordagem psicológica.

A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E A INFÂNCIA

Conforme Abreu (2001), na teoria doapego ou da vinculação, postulada por Bowlby,a qualidade dos relacionamentos que tivemoscom nossos cuidadores gera representaçõesinternas dessas relações. Introjetadas na estru-tura da personalidade do indivíduo, essas re-presentações atuam como um protótipo paranossas relações sociais na vida adulta. Portan-

to, é de extrema importância o quanto os be-bês aprendem a confiar em suas figuras de vin-culação, considerando-as fontes de segurançae apoio. Sabe-se que a qualidade dos primei-ros vínculos afetivos tem sido preditiva paravários transtornos psicológicos e, segundo talpremissa, Abreu propõe que os usuários de dro-gas provavelmente entendem ter sofrido algumtipo de falha nos cuidados primários; assim, asdificuldades ou as privações vivenciadas a par-tir do vínculo com os cuidadores pode ter ge-rado problemas na idade adulta:

Essas experiências de vinculação insegura cri-am uma brecha para que os drogaditos cons-truam em sua vida significados que, invaria-velmente, contenham regras e premissas queforam extraídas dessas relações e, assim, to-dos os significados finais edificados correrãosobre os trilhos de uma vida emocional mar-cada por uma interpretação que os faz crer naexistência do desrespeito e da desconsidera-ção dos outros sobre sua pessoa.

(Abreu, 2001, p. 159)

Desse modo, é possível perceber o quãocomplexo é o problema da dependência e/oudo abuso de álcool, sendo necessário conside-rarmos vários e diferentes aspectos quando nosreferimos ao seu tratamento:

A noção de dependência não é uma proprie-dade de qualquer elemento isolado, mas é umaabstração inferida a partir das relações entreos elementos de um sistema. Embora seja con-veniente para os médicos e leigos ver a de-pendência como algo localizado dentro de umapessoa (e isso é exigido pelo DSM-IV), qual-quer interpretação que dê demasiada ênfasea um aparte do sistema, quer seja à biologiaou à pessoa, às influências sociais ou ao com-portamento, está deixando de fora parte danatureza da dependência.

(Kaplan, 1999, p. 835)

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A PSICOTERAPIA COGNITIVA

O enfoque objetivista

Tradicionalmente, a dependência de ál-cool tem sido tratada na literatura e na clínicasob o ponto de vista da abordagem cognitivo-comportamental,3 que tem um caráter objeti-vista, ou seja, pressupõe a existência de umarealidade externa passível de ser apreendida eprivilegia o pensamento, entendendo-o comoo aspecto mais importante na determinação dasnossas vivências (Ferreira e Abreu, 1998). Por-tanto, optamos por descrever, ainda que bre-vemente, como tem sido tratada a dependên-cia de álcool sob o enfoque objetivista para queo leitor possa compreender, mais adiante, aproposta do enfoque construtivista.

Em linhas gerais, após a realização de umdiagnóstico do problema e a definição do está-gio de prontidão do indivíduo para o tratamen-to de sua dependência, inicia-se o processo, uti-lizando-se técnicas motivacionais (Laranjeirae Nicastri, 1996). Através delas, damos infor-mações gerais sobre o diagnóstico, esclarecen-do dúvidas, prestando informações que impe-dem a formação de interpretações estig-matizantes, desconstruindo mitos sobre o as-sunto e modificando algumas informações pré-vias do paciente que, muitas vezes, contribu-em para a produção de crenças irreais e pensa-mentos disfuncionais. Outra maneira demotivá-lo a deixar o álcool é estabelecer umparalelo entre os prós e contras do seu uso,discutindo-se os fatores que ajudam a mantê-lo ou que dificultam a sua decisão de parar.

Portanto, o tratamento requer a abstinên-cia total e permanente por parte do paciente.A necessidade da abstinência reside sobretudono fato de que, uma vez estabelecida a depen-dência, ela sempre existirá. Isso deve ser escla-recido ao paciente para se evitar a crença deque, após um período sem o uso da substân-cia, ele poderá retomar seu hábito e saberácontrolar o próprio comportamento.

É importante não se perder de vista osaspectos da saúde física e social do paciente,que, em geral, sofre conseqüências graves emfunção da dependência de substância. Além dotratamento das seqüelas clínicas, é necessário

um trabalho de reabilitação, na medida em quea vida de um usuário pode ser comprometidaem relação aos seus vínculos familiares e so-ciais. Alem disso, há uma tendência do depen-dente de álcool a se afastar das pessoas comquem tem vínculos significativos, pois sua vidapassa a girar em torno da procura pelo álcool.Muitos psicoterapeutas não descartam � e atémesmo incentivam � a participação dos famili-ares no tratamento do dependente.4 Este tam-bém é estimulado a rever seu círculo de ami-zades e a refazer laços antigos ou a criar ou-tros novos, os quais em nada contribuam parao uso do álcool. Em alguns casos, pede-se aopaciente para evitar o contato com as pessoascom quem costumava beber e os locais que fre-qüentava para esse fim. Todas as outras conse-qüências, como perda do emprego, problemaslegais, financeiros, etc., devem ser avaliadasem conjunto com o paciente, procurando-semaneiras viáveis de solucioná-las.

Concomitantemente, enfoca-se a preven-ção das recaídas, que consiste na identificaçãodas situações de riscos, na criação e na práticade comportamentos a serem adotados nessassituações e no estabelecimento de auto-recom-pensas. Para isso, podem ser utilizadas váriastécnicas, como, por exemplo, a automoni-toração, solicitando-se ao paciente que anoteas circunstâncias (Com quem estava? O queestava fazendo? O que estava sentindo?), o ho-rário e o local em que teve o impulso de usar oálcool, discutindo-se as estratégias adotadas eas que poderão ser mais funcionais em ocasi-ões semelhantes. É de extrema importânciaavaliar os pensamentos disfuncionais do pa-ciente que podem surgir nessa automonito-ração, tais como: �Um copo só não vai fazermal�. Da mesma forma, as emoções têm umpapel fundamental na prevenção de recaída,pois estados afetivos desfavoráveis podem con-figurar-se como situações de risco para o usodo álcool.

O paciente deve ser levado a aprenderformas de lidar com a �fissura� (forte sensaçãode compulsão para usar a substância), o que opsicoterapeuta poderá fazer habilitando-o emtécnicas de relaxamento (Caballo, 1996), ouinstruindo-o a adotar a estratégia de abando-nar a situação que elicia a fissura. Também

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deverá haver um aprendizado de novos com-portamentos e habilidades sociais para que opaciente tenha instrumentos que o permitamconstruir novas maneiras de obtenção de pra-zer. A finalidade da terapia cognitivo-compor-tamental, nesse caso, é eliminar o comporta-mento disfuncional, ou seja, a dependência deálcool, e substituí-lo por outros mais funcio-nais, instrumentalizando o paciente com recur-sos e estratégias para enfrentar as situações derisco e adaptar-se a uma nova vida do pontode vista psicossocial.

O enfoque construtivista

O construtivismo oferece-nos uma visãodiferente da visão cognitiva objetivista, porpostular que atribuímos significados pessoaisà realidade, em uma construção contínua denossa individualidade, com o intuito de orde-nar nossa experiência. Os construtivistas ques-tionam a primazia do pensamento sobre a in-terpretação de nossas experiências de vida, porentenderem que nossa percepção emocional,desenvolvida tacitamente, é o fator primordialna construção e na atribuição de significados(Abreu, 2001). Dessa forma, o foco da psicote-rapia recai sobre as emoções, as quais podemfavorecer a adaptabilidade do indivíduo, umavez que são informações importantes que po-dem motivar ações em prol da satisfação dasnossas necessidades, assegurando nossa sobre-vivência. Contudo, não havendo uma compre-ensão adequada do organismo sobre suas emo-ções, pode ocorrer a formação de padrões pa-tológicos de funcionamento, na medida em quehá uma tendência do indivíduo em recorrer àintelectualização das sua vivências emocionais,restringindo o contato consigo mesmo e com asituação presente.

Na visão construtivista, no caso dessetranstorno, o objetivo da psicoterapia diferen-cia-se, apesar de não desconsiderar os riscosque a dependência de álcool pode trazer à vidado indivíduo e de outros, assim como os as-pectos biológicos envolvidos na constituição dapatologia. Portanto, a psicoterapia cognitivo-construtivista não descarta a necessidade daabstinência da substância e as técnicas para a

sua manutenção, mas vai além, ao entenderque existe uma dificuldade do dependente al-coólico em processar os significados de suasvivências emocionais.

Existem duas formas de nos organizarmosfrente ao mundo e de gerarmos significadossobre os acontecimentos.5 Uma dessas formasseria a conceitual (ou reflexiva), que segue asregras formais do raciocínio analítico, classifi-cando e criando conceitos sobre os eventos pornós percebidos, a partir das bases lógicas doentendimento. Como bem nos explica Abreu(2001, p. 156), ao falarmos de processamentoconceitual �nos referimos à maneira pela qualo conhecimento proveniente dos estímulos éprocessado em nossa consciência ao obedeceràs regras formais do raciocínio analítico�. Atra-vés do pensamento, ocorre uma classificaçãodos significados extraídos por nós a partir dasexperiências vividas, de modo a se estabelecerregularidades entre tais significados, que for-marão novos conceitos e atualizarão os anti-gos.

Nossa outra forma de organização de sig-nificados é aquela chamada de vivencial (ouimediata), pela qual os significados gerados nãoseguem os critérios lógicos de avaliação, massão criados através do que sentimos, ou seja,do quanto uma situação parece-nos confortá-vel ou não, segura ou insegura. Diferentemen-te do processamento conceitual, o processa-mento vivencial �suscita informações a partirde �como� as coisas nos chegam, como se fôsse-mos guiados por um �barômetro emocional�(corporal) que é direto e vulnerável àsflutuações emocionais dos acontecimentos (p.ex.: �estou com medo�)� (Abreu, 2001, p. 178).Assim, nesse tipo de processamento, o signifi-cado das situações vividas é produzido atravésda simbolização dos conteúdos tácitos ou im-plícitos, pautados nos princípios emocionais dasexperiências. Ele nos ajuda a garantir a sobre-vivência ao nos proporcionar uma maneiramais adaptativa de reconhecimento, já que asavaliações são mais rápidas e imediatas, secomparadas ao nível conceitual.

Entendemos, pois, que existe uma neces-sidade primordial de integração entre as ma-neiras de processar as experiências em curso.Assim, nossa consciência é entendida como a

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arena na qual se encontram os dois níveis. Atu-almente, os estudos na área da neurociênciaproporcionam bases mais concretas para talentendimento. Damásio (2000), por exemplo,quando fala do surgimento da consciência paraa manutenção da sobrevivência do homem, fazuma diferenciação entre a consciência central,que é um fenômeno estritamente biológico eindependente da memória, do raciocínio e dalinguagem, e a consciência ampliada, que é umfenômeno biológico complexo dependente damemória convencional e operacional e inten-sificada pela linguagem. Aos dois tipos de cons-ciência correspondem, respectivamente, doistipos de self: o central e o autobiográfico. En-quanto o primeiro é uma entidade transitória,o segundo está ligado à idéia de identidade edepende das lembranças sistematizadas dassituações de que a consciência central partici-pou. Portanto, os dois tipo de self estão inter-relacionados e visam à nossa adaptação aomundo, proporcionando-nos uma visão do pas-sado, do presente e do futuro, sem nunca es-quecer que a consciência não pode ser disso-ciada das emoções, pois é ela que permite quea emoção, por intermédio do sentimento, per-meie o processo de pensamento, ao queDamásio (2000, p. 52) acrescenta:

Imagino que a consciência possa ter prevale-cido na evolução porque conhecer os senti-mentos causados pelas emoções era absoluta-mente indispensável para a arte de viver eporque a arte de viver foi um tremendo su-cesso na história de natureza.

Também podemos entender essa idéia atra-vés do conceito de esquemas emocionais, pro-posto por Greenberg e colaboradores (1996),que se refere a uma complexa estrutura desintetização que integra cognição, motivação,afeto e ação. Baseadas nas emoções, essas es-truturas esquemáticas integram automatica-mente a informação proposicional, sensorial eproprioceptiva para produzir um sentido geralou um sentimento. Isso é diferente, portanto,das estruturas puramente cognitivas, que pro-duzem somente pensamentos ou idéias. As es-truturas emocionais também organizam e es-tabilizam nossas reações emocionais de forma

automática. Conforme Greenberg e colabora-dores (1996, p. 23):

Definimos os esquemas emocionais como es-truturas de sintetização interna que proces-sam de um modo pré-consciente uma varie-dade de fontes de informação cognitiva,afetiva e sensorial que nos proporcionam nossosentido pessoal de significado.

É possível perceber, então, que há neces-sidade de um processamento de informaçõesque inclua as emoções. Tal processamento,denominado por Greenberg e colaboradores(1996) de �processamento de informaçãoafetiva�, não é vivido passivamente pelo indi-víduo, e sim ativamente, construindo signifi-cados emocionais a partir de crenças, valores eesquemas emocionais anteriores. Assim, é pre-ciso um direcionamento da atenção para de-terminados aspectos de uma dada vivênciaemocional.

Dessa forma, o objetivo da psicoterapiaconstrutivista é facilitar a mudança emocio-nal a partir da ativação, na terapia, das estru-turas de significado geradas pela experiênciaemocional a fim de que essa experiência pos-sa ser explorada e reorganizada pela cognição.Para tanto, o psicoterapeuta deve oferecernovas direções da atenção do paciente, no quediz respeito às atribuições de significado du-rante o processamento de informação afetiva.Acredita-se que, ao se fazer uma mudança noprocessamento cognitivo/afetivo, haverá umamudança no significado emocional e, conse-qüentemente, uma mudança terapêutica maisefetiva.

No caso dos dependentes de álcool, ve-mos a sua dificuldade em processar os conteú-dos aos níveis vivencial e conceitual, havendouma dissonância entre as emoções e os padrõesracionais, gerando, assim, um padrão desadap-tativo de existência (Abreu, 2001). Os efeitosdo álcool, bem como de outras drogas, favore-cem a diminuição da incompatibilidade entreesses dois níveis e permitem que o indivíduoexperimente determinadas emoções que nãoseriam suportáveis de outra forma, na medidaem que a substância psicoativa diminui a in-

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tensidade dos padrões racionais e �libera� osconteúdos emocionais. É interessante notar queos efeitos do álcool e de outras drogas, ao agi-rem sobre o córtex frontal, provocam o queDamásio (1996) denominou de �miopia parao futuro�, a ponto de só o presente ser proces-sado com clareza, havendo também uma re-dução da capacidade de antecipação de conse-qüências e de julgamento moral. Com o álco-ol, então, é possível sentir e dar significado àsemoções que �sob nossa ótica, portanto,desadaptativo não é o comportamento dedrogar-se, mas a busca sistemática dessa viade expressão como uma tentativa de restitui-ção das emoções (ainda que de maneira restri-ta)� (Abreu, 2001, p. 166).

Ao enfatizar as emoções na produção dostranstornos apresentados pelos pacientes, jáque elas se mostram tão importantes na ma-nutenção da nossa sobrevivência, o psicotera-peuta construtivista, através da relação tera-pêutica, possibilita ao dependente de álcool umvínculo seguro, por meio do qual ele pode ex-perimentar e tomar contato com suas emoções,ressignificando-as (cognitivamente) de formamais adaptativa, em um processo de co-cons-trução. Assim, o terapeuta também participacomo um facilitador de organização de novossignificados que possibilitem a diminuição dadissonância entre os aspectos emocionais e ra-cionais da experiência, a ponto de a droga nãomais ser necessária para esse fim e, por conse-guinte, perder sua função. Para tanto, é im-portante validar os conteúdos emocionais queemergem das experiências singulares do paci-ente e respeitar as construções de significadosque ele próprio poderá fazer ou refazer.

Tais construções podem ser facilitadaspelo terapeuta através das técnicas adotadaspela psicoterapia construtivista, como as nar-rativas, a linha da vida, a moviola, etc. É sem-pre importante, também, a observação da lin-guagem não-verbal do paciente, pois os indi-cadores corpóreos são importantes fontes deinformação dos conteúdos emocionais. Tudoisso tem a finalidade de proporcionar ao de-pendente de álcool, assim como de outras dro-gas, o acesso aos próprios esquemas emocio-nais e uma (nova) simbolização das suas expe-

riências, tornando-o capaz de reorganizar asantigas estruturas esquemáticas, cujos signifi-cados limitantes são aliviados pela ingestão ex-cessiva de bebidas alcoólicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se trata de um tema bastante com-plexo e pleno de variáveis, o tratamento dadependência e do abuso de álcool requer queo terapeuta cognitivo-construtivista conheçabem o problema do ponto de vista fisiológico,social, psicológico, jurídico, econômico, políti-co, etc., procurando sempre ter uma visãosistêmica que permita incluir não só a subjeti-vidade do paciente, mas também os demaiscampos da sua vida, os quais o influenciam esão por ele influenciados.

A prática clínica com esses pacientes de-manda muita disponibilidade e criatividade dopsicoterapeuta, que, portanto, deverá utilizar-se das técnicas, sejam elas cognitivo-compor-tamentais ou cognitivo-construtivistas, quemelhor poderão auxiliar o paciente a encon-trar novas maneiras de expressão e de ressigni-ficação das suas emoções. Entendemos, contu-do, que a psicoterapia para dependentes deálcool, assim como de outras drogas, não devemenosprezar a importância da abstinência, daprevenção da recaída e da reabilitação psicos-social, embora não deva se restringir a isso. Épreciso ir além e realmente possibilitar um pro-cesso de mudança de visão do mundo pelo de-pendente de álcool, ou melhor, �do seu mun-do�, para que a droga perca sua função de pon-te entre ele, seus sentimentos, sua razão e omundo e ele possa encontrar formas mais adap-tativas para viver.

NOTAS

1. Tradução livre do termo espanhol bebedoralcoolómano, utilizado pelo autor.

2. Criada pelo psiquiatra Viktor Frankl, alogoterapia é uma psicoterapia centrada nosentido, isto é, o ser humano é responsável pelosentido potencial de sua vida e precisa realizá-lo, seja através da criação de um trabalho ou

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da realização de uma ação, seja no amor oumesmo na transformação da tragédia pessoalem triunfo.

3. Há, inclusive, pesquisas já realizadas sobre aefetividade da psicoterapia cognitivo-compor-tamental no tratamento desse tipo de trans-torno, conforme Marlatt e Gordon (1993) eMarques (1997), entre outros.

4. Além da participação em psicoterapia de fa-mília, existem grupos de auto-ajuda que po-dem ser indicados aos familiares dos depen-dentes, tais como Al-Anon (cônjuges) e Al-Ateen (filhos).

5. Para um aprofundamento dessas questões, su-gerimos a leitura do Capítulo 3 deste livro.

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PARTE VOs Modelos Cognitivo e Construtivista

na Terapia de Casal

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Terapia de Casal: Enfoque CognitivoMyrian Vallias de Oliveira Lima

intervenção terapêutica, o que se objetiva nãoé necessariamente uma minimização dos agen-tes estressores na vida do casal, mas sim ajudá-los a enfrentar com competência as pressõesresultantes dos acontecimentos negativos ousimplesmente normativos e positivos.

Em geral, observamos que os agentesestressores resultam das interações cotidianasdo casal. Nesse caso, os focos de intervençãosão os padrões de comportamentos causado-res de estresse.

Ao longo de minha prática clínica, tenhoobservado que as principais causas que levamas pessoas a procurarem especificamente tera-pia de casal são, por ordem de freqüência:

1. encaminhamento de outros profis-sionais: médicos, psicólogos, etc.;

2. conflitos gerados por uma comuni-cação inadequada;

3. desconhecimento de necessidades edesejos individuais;

4. divergências quanto a valores básicos;5. dificuldades para lidar com situa-

ções estressoras (baixa resistência àfrustração);

6. encaminhamento dos filhos ou deoutros familiares.

Muitas pessoas não estão contentes con-sigo mesmas, mas nutrem a expectativa de se-rem felizes com o outro ou, o que é mais gra-ve, cobram do outro seu sentido de vida e sua

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

De acordo com Epstein e Schlesinger(1995), �os problemas conjugais estão entreos principais agentes de estresse, juntamentecom os transtornos afetivos�. Na prática clíni-ca, observamos que relacionamentos ruins con-duzem à depressão e à ansiedade, as quais agra-vam dificuldades já existentes na relação. Daía importância, durante a avaliação terapêuti-ca, de serem enfocados os problemas do casale da família, havendo uma sintonia entre psi-quiatras e psicoterapeutas na análise dos ca-sos e em seu encaminhamento.

Nos dias de hoje, há um juízo generaliza-do de que o casamento está falido. De fato,vários eventos pressionam a família, alteran-do-a em suas características: dificuldades eco-nômicas, desemprego, participação crescenteda mulher no mercado de trabalho, problemascom drogas, entre outros. Porém, o maior agen-te desestabilizador advém da incapacidade docasal de enfrentar os agentes de estresse. Éfundamental frisar que nem sempre os agen-tes estressores são acontecimentos maléficos,pois podem fazer parte das mudanças de de-senvolvimento comuns e previsíveis que ocor-rem nos membros da família: melhoria da po-sição econômica, retorno da mulher ao traba-lho ou aumento considerável de seus ganhos,casamento dos filhos, troca do local de resi-dência, crescimento emocional e intelectual deum dos cônjuges, etc. Por isso, quando há uma

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felicidade. Algumas vezes, a procura terapêu-tica ocorre pela dificuldade em optar entre fi-car ou se separar. Além do medo do futuro � asolidão, as dificuldades econômicas, o medoda culpa, o medo de se encarregar sozinha(o)da educação dos filhos � há a dificuldade emaceitar a verdade acerca do outro ou de si mes-mo. Segundo Beck (1998), os problemas maiscomuns no casamento são:

1. o pensamento negativo;2. a oscilação da idealização para a de-

silusão;3. o atrito gerado por perspectivas di-

ferentes;4. a imposição de expectativas e regras

rígidas;5. a estática na comunicação;6. os conflitos ao se tomar decisões

importantes e a quebra do compa-nheirismo;

7. o papel dos �pensamentos automá-ticos�;

8. as distorções e os vieses de pensa-mentos;

9. a hostilidade.

TERAPIA COGNITIVA DE CASAL:BREVE HISTÓRICO E VISÃO GERAL

Beck (1988), em suas pesquisas sobre ouso da terapia cognitiva, demonstrou que oscasais problemáticos apresentam o mesmo tipode distorções cognitivas que os deprimidos eos ansiosos. A partir dessa constatação, procu-rou utilizar a terapia cognitiva com casais. Nela,há uma ênfase nos seguintes elementos: am-biente (história de desenvolvimento e cultu-ra), biologia, afeto, comportamento e cogniçãoe nas interações entre eles.

Segundo Dattilio e Padesky (1995), a te-rapia cognitiva de casal enriquece o modelocomportamental do qual empresta o métodocientifico, o enfoque na mudança dos compor-tamentos e várias técnicas e estratégias, porenfatizar a compreensão do diálogo interno eseu processo. Assim, ajuda os casais a redirecio-narem seus pensamentos, suas atitudes e seucomportamento (Freeman, 1983), a canaliza-

rem suas emoções de forma positiva e a se de-senvolverem como pessoas.

No modelo cognitivo, a resposta emocio-nal e comportamental de uma pessoa a umestímulo externo ou interno é mediada porsua percepção e por sua interpretação do es-tímulo, em lugar de eliciada diretamente pe-las características dos estímulos. Como a sa-tisfação no casamento é um estado subjetivo,é compreensível que, para compreender e mu-dar relações ruins, seja dada atenção aos even-tos cognitivos no casamento (Epstein eSchlesinger, 1995). Beck (1988) delineou osaspectos teóricos e práticos da terapia cogni-tiva de casal, mas foram Dattilio e Padesky(1995) que a sistematizaram. Assim, a tera-pia cognitiva de casal objetiva:

1. o desenvolvimento de habilidadespara resolver problemas;

2. a melhora na comunicação;3. a clarificação de expectativas irreais,

atribuições casuais e interpretaçõeserrôneas;

4. a reestruturação cognitiva indivi-dual;

5. a possibilidade de um espaço para odesenvolvimento emocional de cadacônjuge em respeito à sua individu-alidade.

O desenvolvimento de habilidades pararesolver problemas pode proporcionar um re-curso importante para os casais. Enquanto aexpressividade e a capacidade de escutar per-mitem que os cônjuges troquem informaçõessobre seus pensamentos e suas emoções rela-cionados às próprias experiências pessoais, a re-solução de problemas é um tipo específico decomunicação na qual o casal é mais eficientequando utiliza uma abordagem cognitiva paraidentificar soluções possíveis para os problemas.

As habilidades de comunicação e reso-lução de problemas estão entre os recursosmais importantes que podem ser fortalecidospor meio das intervenções cognitivas. A capa-cidade de um casal trabalhar junto, coopera-tivamente, para identificar e solucionar asfontes de estresse em suas vidas depende de

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sua capacidade de trocar informações eficien-temente.

Os cônjuges também são auxiliados �naavaliação de como suas suposições e seus pa-drões foram moldados por suas experiências epodem examinar se estes foram anteriormen-te realistas ou adequados em suas vidas e ajus-tam-se às circunstâncias atuais de relaciona-mento� (Epstein e Schlesinger, 1995). Os tera-peutas ajudam o casal a reescrever padrões esuposições rígidos, criando perspectivas maisatuais e consistentes com os valores básicos decada pessoa.

A terapia cognitiva de casal não propiciaapenas mudanças superficiais e sintomáticas.Além da ajuda ao cliente para que aprendamétodos para lidar com os problemas do aquie agora, o terapeuta preocupa-se em buscar asfontes dos problemas, ou seja, ele trabalha pri-meiramente com os pensamentos automáticos(idéias, imagens, sentimentos) específicos àsituação e com as suposições subjacentes (re-gras, crenças) que ajudam a organizar as per-cepções e são as raízes dos pensamentos auto-máticos. Em um nível mais profundo, lida comesquemas, crenças básicas inflexíveis eincondicionadas. Por exemplo:

1. Meu marido ainda não chegou parao jantar. Ele não se preocupa comi-go (pensamento automático).

2. Não dá para confiar nos homens(crença).

3. Ninguém nunca gostará de mim (es-quema).

Os esquemas resultam das experiênciaspessoais durante o desenvolvimento e das in-fluências dos pais e do meio. São a base para acodificação, a categorização e a avaliação dasexperiências ao longo do curso da vida (Dattilioe Padesky, 1995).

RELACIONAMENTO ENTRECLIENTE E TERAPEUTA

O relacionamento entre cliente e terapeu-ta deve ser colaborativo e oferecer um espaçono qual o casal possa aprender os processos

para a identificação e a testagem da validadedas crenças pela coleta de evidências adicio-nais. Esse aprendizado não visa apenas à mu-dança das crenças disfuncionais atuais, mas temuma finalidade preventiva, uma vez que o ca-sal muda seu estilo geral de pensamento e, con-seqüentemente, passa a ver os eventos de suavida de forma diferente.

Na maioria das vezes, a tarefa do psicólo-go é reafirmar verdades que o cliente já sabe econfirmar suas conclusões. É preciso ter cui-dado para não querer �proteger� o cliente eincitá-lo a se separar.

ESTRUTURAÇÃO DA TERAPIA

Em geral, as sessões de terapia cognitivade casal são semanais e têm de uma hora auma hora e meia de duração. Sua freqüênciadepende da natureza e da gravidade dos con-flitos do casal. Normalmente, são em númerode 12 a 15 sessões, porém algumas situaçõesrequerem mais. À medida que a terapia pro-gride, podem ser espaçadas, passando a serquinzenais ou mensais.

A entrevista inicial é conjunta. Isso per-mite que se avalie o quanto e como o casal secomunica, pondo em evidência as dificuldadesmaiores de um em relação ao outro. Nessa pri-meira sessão, estabelece-se uma agenda e esti-pulam-se as regras básicas do atendimento, porexemplo, qualquer assunto que seja falado eque magoe o outro, ou que este não alcance osentido, deverá ser esclarecido durante a ses-são. Explica-se o que é a terapia cognitiva decasal e a relevância das tarefas de casa no tra-tamento. É importante que o casal compreen-da que a boa comunicação não significa con-cordância, e sim envolve aprender a falar eouvir de modo que haja compreensão e solu-ção conjunta de problemas (Dattilio e Padesky,1995).

Durante o período de avaliação, caso ocasal tenha filhos, é enriquecedor para o pro-cesso terapêutico trazê-los para uma sessão afim de que coloquem suas percepções e suasdificuldades em relação aos pais e aos irmãos.Não são levantadas só dificuldades, mas tam-bém os aspectos positivos do relacionamento

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familiar. Em uma etapa posterior, os filhos po-dem ser trazidos para uma avaliação dos pro-gressos e feedback para os pais, sendo orienta-dos a não tomar partido de um ou outro, casohaja contendas, e a reforçar as melhorias narelação familiar. De modo geral, eles se sen-tem felizes por serem incluídos, mesmo por-que algumas vezes são os incentivadores paraa procura de terapia. Para os filhos, nunca écolocado só o casal como o foco terapêutico,mas a família como um todo.

Existem algumas regras básicas para ses-sões conjuntas, como, por exemplo, o terapeutadecide quando as sessões conjuntas ocorrerãocom base nas necessidades de cada um dos côn-juges, e quando algumas arestas individuais jáestiverem aparadas, a fim de que as sessõessejam produtivas. Pede-se ao casal para ano-tar, em separado, os eventos perturbadores dasemana e trazê-los para a sessão, evitando dis-cuti-los a sós.

Estabelece-se uma agenda no início dasessão, a partir do rol de problemas e pedidos.Dessa maneira, as necessidades de cada umserão preenchidas. O terapeuta também podelevantar tópicos que considere importantes.Fazem-se turnos e discute-se cada problema porvez. Leva-se cada um a expressar claramente oproblema ao outro e a recolocá-lo se for neces-sário a fim de que seja bem-compreendido.Tanto o problema quanto a emoção provocadapor este deverá ser expressa. Assim, conduz-seo casal a levantar possíveis soluções para o pro-blema apresentado, e o terapeuta só contribuiem último caso. Além disso, reforçam-se os as-pectos positivos do relacionamento, resumem-se os eventos agradáveis que aconteceram naúltima semana e transformam-se as queixas empedidos.

Após a sessão conjunta, é feita uma ses-são individual com cada cônjuge, o que facili-ta observar as mudanças ocorridas nas verba-lizações e na expressão emocional na ausênciado parceiro. Sendo necessário, complementa-se a sessão individual com outras individuaisantes das sessões conjuntas. A terapia conju-gal será um fracasso se não houver o estabele-cimento de um espaço colaborativo através dareestruturação cognitiva. Daí a importância,nos estágios iniciais da terapia cognitiva de

casal, das sessões individuais para alguns ca-sais. De acordo com Abrahams (1983), oenfoque em si mesmos, a construção de expec-tativas positivas em relação à viabilidade docasamento e a construção da credibilidade nacompetência do terapeuta e na utilidade da te-rapia são pré-requisitos essenciais para o su-cesso da terapia cognitiva de casal.

ESTÁGIOS DA INTERVENÇÃOTERAPÊUTICA

História e conceituaçãodos problemas do casal

Para a coleta de dados, além da observa-ção do terapeuta e da análise do conteúdo dassessões, utiliza-se o questionário de Beck(1998) para detectar os estilos de falar e escu-tar, que podem impedir o intercâmbio de idéi-as e informações, e para avaliar a interferênciados problemas psicológicos.

Na sessão inicial, a atenção é centradana obtenção do histórico de vida de cada umdos cônjuges: informações sobre o passado,modo como o casal conheceu-se, detalhes doperíodo de casamento, uniões pré-existentes,número de filhos, casos de doenças. O pro-blema atual é investigado em relação aos sin-tomas (afetivos, fisiológicos, cognitivo e com-portamental), à duração, à similaridade comoutros problemas no passado, às situações nasquais ocorre, às situações que o aumentam ouenfraquecem, aos pensamentos e imagens quevêm à mente nessas situações e o que tem sidofeito para melhorar o problema. São investi-gados: áreas de conflitos, problemas de co-municação, problemas de relacionamento comfilhos e parentes, vida social, problemas se-xuais, problemas individuais que possam ge-rar conflitos. Para se evitar o agravamento darelação do casal, algumas questões são colo-cadas individualmente, como, por exemplo,o uso de álcool ou outras drogas e relaçõesextraconjugais.

Agiliza-se o processo de avaliação pelautilização da escala de Beck. Por meio dela,verifica-se a concordância ou a discordânciaentre os parceiros no que diz respeito à condu-

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ção das finanças familiares, à recreação, à reli-gião, à demonstração de afeto, às amizades, àsrelações sexuais, às convenções sociais, à filo-sofia de vida, à maneira de lidar com os so-gros, aos desejos, aos objetivos e aspectos con-siderados importantes, à duração do tempodespendido juntos, à tomada de decisões, àstarefas domésticas, às atividades, às decisõesprofissionais, etc. Também são avaliados osproblemas no estilo de comunicação, bem comoos psicológicos em relação a estes. É dada aten-ção especial às expressões de amor entre o ca-sal (sentimentos calorosos, expressões de afe-to, carinho, aceitação, tolerância, empatia esensibilidade).

Aumento dos comportamentospositivos no relacionamento

Visa a restaurar uma base positiva para orelacionamento e ajuda a estabelecer uma ex-pectativa positiva para a mudança.

Trabalhar a hostilidade

Logo no início, deve-se cuidar para que ocasal aprenda a expressar descontentamentoou raiva de maneira adequada. O treino deasserção emocional é fundamental.

Identificação e clarificaçãodos pensamentos negativos

O casal é levado a discriminar, testar ecorrigir os seus pensamentos automáticos, deviva voz, durante a sessão e em casa. Algumastécnicas podem ser usadas por cada parceiroseparadamente; outras funcionam melhorquando aplicadas pelo casal. No intervalo dassessões, são usadas anotações diárias dos pen-samentos negativos e posteriores classificaçõesdas distorções. Esses registros são verificadospelo terapeuta.

Quando o casal identifica as situaçõesperturbadoras, é levado a examinar o signifi-cado que atribui a elas. Por exemplo, suponha-mos que o marido respondeu ao telefonema

da mulher de maneira seca. O pensamento delapode ser: �Ele não quer falar comigo�. Em se-guida, pode haver toda uma cadeia de reaçõesdo tipo:

1. Será que ele está zangado comigopor algum motivo? (ansiedade)

2. Ele não tem o direito de agir assimcomigo! (raiva)

3. Meu marido é sempre indelicado.(supergeneralização)

4. Nosso casamento é um fracasso.(catastrofização)

Em lugar de aceitar tais pensamentoscomo verdadeiros, o casal é levado a examiná-los e a procurar por evidências contraditóriasmais lógicas, sendo orientado a fugir das rea-ções agressivas, como retaliação, defesa ouafastamento. Se agir assim, validará as inter-pretações negativas, as quais, por sua vez, po-dem tornar-se convicções fixas.

O cliente é orientado a avaliar a exatidãode suas interpretações ou elaborações e apren-de a distinguir se suas interpretações represen-tam erro de pensamento (distorções cognitivas).

Ensino de habilidades de comunicação

O desenvolvimento da comunicaçãopermeia todo o processo de terapia e utiliza,além dos métodos tradicionais de treino decomunicação, os enfoques cognitivos para aidentificação e o teste de crenças.

Ensino de estratégias para asolução de problemas

O casal é levado a: definir o problema emtermos comportamentais específicos; descobriralternativas de solução; selecionar a alternati-va mais adequada, levando em consideraçãonão só o problema em si, mas também as ca-racterísticas pessoais dos cônjuges; identificare testar crenças que interfiram em seu relacio-namento; implementar a alternativa escolhidae avaliá-la quanto à sua eficácia.

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Identificação e mudança de atitudesdisfuncionais e de suposições centrais

Esta etapa garante a manutenção e a ge-neralização dos ganhos terapêuticos.

Prevenção de recaída

A cada sessão, faz-se uma revisão dos prin-cípios e das estratégias aprendidos, marcando-se consultas follow-up após o término.

RELATO DE UM CASO CLÍNICO

Marta (35 anos) procurou terapia porquequeria adquirir coragem para se separar deJoão (37 anos), com quem se casou muito cedo(17 anos), quando ele ainda trabalhava com opai, que era comerciante. Tiveram dois filhosPedro (17 anos) e Marina (16 anos). O princi-pal problema era o alcoolismo do marido (vá-rios membros da família dele tinham o mesmoproblema), o qual havia recém-chegado de umaclínica, na qual passou três meses, após a saí-da da esposa e dos filhos de casa. Marta o per-cebia como explosivo e insensível, passando aevitar a vida social por pânico de uma possívelrecaída dele. Quando João atrasava-se parachegar ou quando viajava, só conseguia pen-sar que estava bebendo. Na sessão conjunta,João expressou que gostava muito de Marta edos filhos, mas que o exasperava sentir que elanão confiava nele. Sentia-se controlado, o queo irritava. Por outro lado, ela não compreen-dia que, como ex-alcoólico, ele tivesse que fu-gir de certas situações sociais, pois estas difi-cultavam o seu controle. Na sessão individual,João relatou que Marta esquivava-se do rela-cionamento sexual quando zangada. Disse quesempre fora fechado e de poucos amigos emuito trabalho. Durante as sessões, ficou bemclara a dificuldade de comunicação do casal.No transcorrer do diálogo entre os dois, eramfeitos cortes para que percebessem e corrigis-sem os erros.

Inicialmente, o foco terapêutico foi o pro-blema com a bebida e as conseqüências emo-

cionais para o casal. O primeiro exercício con-sistiu em ligar as reações emocionais aos pen-samentos automáticos, ou seja, identificar areação emocional desagradável, relacionada auma determinada situação, e detectar o pen-samento automático que unia os dois. Marta,por exemplo, estava esperando João para ojantar. Ela olhou para o relógio e sentiu raiva.João, por sua vez, que estava a caminho decasa, sentiu-se ansioso.

Situação relevante Reaçãoou evento emocional

Marta observa que RaivaJoão está atrasado.

João percebe que Ansiedadeestá atrasado.

Em seguida, identificam a interpretação da situação relevante(pensamento automático) e o significado simbólico atribuídopor cada um.

Situaçãorelevante Pensamento Reaçãoou evento automático emocional

Marta Ele está Raivaobserva que novamente

João está bebendo.atrasado.

João Marta não Ansiedadepercebe acreditaráque está que eu estavaatrasado. trabalhando.

O casal aprendeu a responder aos pensa-mentos automáticos e a dar uma resposta ra-cional aos pensamentos negativos através deum diálogo interior. Usando o registro do pen-samento automático de Marta:

Reação Pensamento Respostasemocional automático racionais

Raiva Não é justo Há muitoseu esperar. imprevistos no

seu trabalho.Ele não bebe

desde que saiuda clínica.

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Marta e João sofriam muito por anteci-pação às respostas desfavoráveis um do outro.Durante as sessões, eram levados a testar suasprevisões, conversando e expondo seus pensa-mentos e suas emoções. Considerando a previ-são de um ângulo mais objetivo, o medo deuma determinada conseqüência logicamentediminui.

Quando o relacionamento deteriora-se, osparceiros passam a ver um ao outro através deum quadro negativo, que se compõe de traçosdesagradáveis que cada um atribui ao outro.Marta e João não fugiam à regra. Por isso, fo-ram orientados a uma reformulação, ou seja, aconsiderar as qualidades negativas em umenfoque diferente (reverso). Muitas vezes, asmesmas qualidades que atraíram o casal umpara o outro passam a ser vistas como negati-vas. Por exemplo:

Visão negativa Reverso

Ela é Ela se preocupa comcontroladora. o meu bem-estar.

Ele é Ele está esquivando-seanti-social. de uma situação que

o levará a beber.

Foi feito com o casal um exercício práti-co para ajudá-lo a categorizar seus própriospensamentos, utilizando-se os registros trazi-dos e os acontecimentos ocorridos durante asessão. As distorções cognitivas mais comunseram hipergeneralização, leitura mental, pre-dição negativa, personalização e inferência ar-bitrária.

Segundo Freeman (1983), a fonte dasdistorções são sistemas de crenças irracionais,os quais incluem a aprendizagem social e reli-giosa e a internalização de códigos legais. Du-rante o tratamento, primeiro são verificadasas distorções e, posteriormente, as crenças sub-jacentes.

Situação Pensamento Crençarelevante automático Distorção subjacente

João Ele sempre Hipergene- Nuncagritou se zanga ralização serei

comigo. comigo. feliz.

Durante a sessão com os filhos, estes dis-seram que a mãe era muito companheira, po-diam sempre contar com ela, mas era muitopreocupada � tinham que lhe dar conta de to-dos os seus passos. Apesar do problema da be-bida, admiravam muito o pai, considerando-otrabalhador e empreendedor.

Com Marta, foram enfocados individual-mente sua dificuldade de aceitação do pai, ocontrole da sua ansiedade, o maior desenvol-vimento de sua auto-estima e assertividade.Com João, os objetivos foram o fortalecimen-to do autocontrole, a sua maior valorizaçãocomo pessoa e a compreensão da psicologiafeminina. Após l6 sessões, os objetivos do ca-sal foram atingidos. João progrediu muito namaneira de tratar Marta. Ambos melhoraramna discriminação de suas emoções, na valori-zação destas e na expressão adequada para oparceiro. Foi dada atenção especial à assertivi-dade. Marta continuou em atendimento indi-vidual por mais 40 sessões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A terapia cognitiva de casal pode ser uti-lizada não só com casais que estão experien-ciando conflitos e angústias crônicos, comotambém para lidar com os fatores de relacio-namento que contribuem para o funcionamen-to desorganizado em um estado de crise. Ocasal é levado a uma mudança de percepçãodo relacionamento e é encorajado a pensar demaneira clara e direta, o que previne julgamen-tos errôneos e falhas na comunicação.

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Além disso, a terapia cognitiva de casalprocura ensinar aos cônjuges a dinâmica docasamento: como construir planos e tomardecisões em conjunto, como tornar a vida adois mais prazerosa, como compreender as ne-cessidades e as sensibilidades do parceiro, comovencer as resistências que o impedem de me-lhorar seu relacionamento. Passam a reconhe-cer que têm alternativas, e não são simples-mente vítimas, e a se perceberem como pesso-as � com identidade própria, sonhos, necessi-dades.

A terapia cognitiva de casal leva o casal autilizar a crise conjugal como fator de cresci-mento e aquisição de um nível mais satisfatóriode funcionamento. Por suas características ati-vas e estruturadas, ela é eficaz quando certosfatores ameaçam desestabilizar o relaciona-mento do casal (função preventiva) e quandoos casais já estão em crise e desejam readquirira estabilidade. Em se tratando de casais queoptam pela separação, esses adquirem um re-pertório que os capacita a não reincidirem nosmesmos erros em uma relação futura e a lidarcom o estado de separados com segurança etranqüilidade. A terapia cognitiva de casal, fi-

nalmente, contribui para uma melhora no re-lacionamento familiar, uma vez que os paispassam a generalizar seus ganhos para todosos membros.Vários estudos demonstram a efi-cácia da abordagem cognitiva nos problemasconjugais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAHAMS, J.L. Cognitive-behavioral strategies toinduce and enhance a collaborative set in distressedcouples. In: FREEMAN, A. (Ed.). Cognitive therapywith couples and groups. New York: Plenum Press,1983. p.125-155.

BECK, A.T. Para além do amor. Rio de Janeiro: Rosados Tempos, 1998.

DATTILIO, M.F; PADESKY, C.A. Terapia cognitiva comcasais. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1995.

EPSTEIN, N.; SCHLESINGER, R. Problemas conju-gais. In: DATTILIO, F.M.; FREEMAN, A. (Orgs.). Es-tratégias cognitivo-comportamentais para interven-ção em crises. Campinas: Psy II, 1995. v.2, p.343-365.

FREEMAN, A. Cognitive therapy: an overview incognitive therapy with couples and groups. NewYork: Plenum Press, PPS, 1983.

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Terapia de Casal:Enfoque Construtivista

Corinna SchabbelEliana da Silva Ramos Arruda

Pesquisas e observações feitas por tera-peutas comportamentais concluíram que a dis-córdia conjugal contribui para o empobreci-mento da qualidade dos relacionamentos en-tre pais e filhos. Os tratamentos sugeridos paracasais em conflitos basearam-se nos preceitosda teoria da aprendizagem com ênfase no con-dicionamento operante e na teoria de intercâm-bio social (Gordon e Davidson, 1981), mas in-corporando também as teorias da comunica-ção e do desenvolvimento de habilidades naresolução de problemas (Jacobson, 1981;Jacobson e Margolin, 1979).

As intervenções terapêuticas que utilizamfatores cognitivos e comportamentais vêm sen-do utilizadas por terapeutas familiares sistê-micos ao longo dos anos (Satir, 1964); porém,somente no fim dos anos 70, os pesquisado-res clínicos introduziram componentescognitivos como auxiliares na terapêuticacomportamental com casais. Os resultados su-gerem que a reestruturação cognitiva acentuaa efetividade da terapia comportamental tra-dicional (Margolin, Cristensen e Weiss, 1978).Na década de 80, desenvolveu-se o modelo deterapia cognitiva para casais enfatizando a ne-cessidade de incluir na terapêutica o foco tan-to na estrutura cognitiva quanto no comporta-mento de cada um dos parceiros. Foram utili-zadas intervenções oriundas da terapia cogni-

Segundo Platão, em O Banquete, havia numaépoca três espécies de seres: 1º o homem; 2ºa mulher; 3º o andrógeno: o homem-mulher.Eram seres que viviam unidos. Porém ambici-osos, tentaram alcançar os céus, e Zeus, parapunir tamanha ousadia, partiu-os ao meio,pedindo, em seguida, a Apolo, que cicatrizas-se a ferida. Entretanto, as metades sentiamfalta uma da outra e passaram a se procurardesesperadamente. Encontrando-se, abraça-ram-se, chorando, e assim deixaram-se ficar,cheias de saudade e paixão, até morrerem.

Platão

As terapias comportamentais cognitivastêm sido reconhecidas como uma abordagemimportante no atendimento de casais em criseconjugal. Albert Ellis (1977), através dos pre-ceitos do modelo racional emotivo, concluiuque os problemas conjugais não são apenasuma conseqüência do comportamento disfun-cional de um ou de ambos os parceiros; essescomportamentos também recebem influênciade fatores externos, vistos sob aspectos parti-culares de cada um. Tais influências, então,colaboram para a formação de crenças irracio-nais, definidas como pensamentos exagerados,inapropriados, rígidos e ilógicos, que produ-zem decepções e frustrações, além de criar emanter um círculo vicioso de perturbação dasrelações.

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tiva de Beck associadas à terapia sistêmica decasal (Jacobson, 1981; Epstein e Baucom,1989; Dattilio e Padesky, 1990). Na década de90, a terapia sistêmica familiar e de casal en-tra em uma fase importante de transformação,em que a segunda cibernética inspira uma pos-tura epistemológica construtivista.

A ênfase no fato de o terapeuta partici-par da construção de novas crenças revela nãosó o seu papel como co-construtor da realida-de observada, como também provoca oredescobrimento da importância da dimensãohistórica, narrativa e lingüística da terapiasistêmica, que acompanha o processo de mu-dança discursiva, semântica e narrativa, pró-prio a toda psicologia contemporânea. A co-nexão de significado e ação, contexto e signi-ficado, coloca o modelo sistêmico em uma �en-cruzilhada entre os terapeutas que entendema organização familiar como alianças de po-der e comportamento coordenados funcional-mente e aqueles que consideram a famíliacomo sendo um sistema que compartilha cren-ças que dão sentido ao sintoma� (Anderson eGoolishian, 1988, p. 283).

Examinando os antecedentes da terapiade casal sistêmica, cujos primórdios remontamaos anos 40, pudemos perceber que, emborahaja diferenças consideráveis conforme a ope-racionalização do processo terapêutico dianteda perspectiva teórica adotada (estrutural, es-tratégica, narrativa, psicodinâmica, comporta-mental e cognitiva), o objetivo maior comuma todas elas é a mudança no comportamentodos parceiros, visando a uma readequação dadimensão relacional.

O CONTEXTO CLÍNICO

Os terapeutas construtivistas podem va-lorizar a integração, privilegiando as divergên-cias trazidas pelo próprio casal, bem comooperacionalizar os conteúdos da sessão, cons-truindo e experienciando soluções. O trabalhotambém permite focalizar os significados, des-construindo-os e permitindo que as novas sig-nificações surjam, as quais se tornam mais fle-xíveis e operacionais (Combs e Freedman,1994).

Do ponto de vista epistemológico, desvin-culou-se de teorias objetivistas como a teoriageral dos sistemas e a terapia comportamentalcognitiva, adotando conceitos baseados na bi-ologia do conhecimento (Maturana e Varela,1987) e nos modelos de psicoterapia pós-ra-cionalistas que valorizam a dimensão históri-ca, narrativa, lingüística e emocional das inte-rações humanas (Gurman, 1995; Guidano,1994; Mahoney, 1998; Gonçalves, 1998;Greenberg e Johnson, 1988). Considera-se oconhecimento como um processo evolutivo,no qual o organismo, um ser epistêmico1, or-dena e reordena sua experiência para, funda-mentalmente, dar continuidade à vida, man-tendo o sentido de unidade, continuidadeexperiencial e narrativa diante dos desafiosdo ambiente mutável e perturbador. A cons-trução do conhecimento também é conside-rada um processo evolutivo, porém restrito àbiologia e ao caráter subjetivo da experiên-cia, que se inicia com um alto grau de depen-dência, em que o ser humano necessita de umafigura de proteção, tanto para a sobrevivên-cia física quanto para o desenvolvimento deuma identidade emocional estável e conheci-da, a partir de figuras vinculares, para alcan-çar um grau de independência.

Isso significa que a terapia com casais nãodeve e nem pode oferecer soluções fáceis, poisa organização da experiência é pessoal, damesma maneira que a angústia psicológica vi-vida em situações de crise. Assim, é como es-tar no cume de uma montanha diante de umabismo: de um lado, há penhascos e rochas;de outro, o abismo. Em algum lugar, porém,há um caminho de saída mais seguro. A criseforma-se como o nevoeiro, e a pessoa não vê asaída, porque as brumas confundem sua visão.No entanto, se ficar parada, morrerá de frio;logo, terá que fazer algo, buscar uma saída: aterapia (Mahoney, 1998).

A percepção enquanto ação é um fenô-meno cognitivo essencialmente operatório etransformador, em que os objetos perceptivossurgem na convivência e, conseqüentemente,na linguagem. Perceber é detectar as possibili-dades (estruturalmente determinadas) do meiocircundante a partir de correlações sensório-motoras congruentes (Maturana e Mpodozis,

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1987). Os processos de assimilação e acomo-dação incluem, portanto, o experienciado emum espaço conceitual ou pré-conceitual, pro-vocam alterações estruturais no organismo e,em decorrência disso, a diferenciação emocio-nal e a reflexão respaldam uma modalidadede codificar a realidade de acordo com a expe-riência subjetiva, que é reformulada e reorde-nada no nível explicativo-consciente-lingüísticoe que oscila conforme a experiência imediatavivida momento a momento.

A experiência humana emerge de um pro-cesso de regulação contínuo, que alterna oexperienciar e o explicar e constitui-se na práxisdo viver (Maturana e Varella, 1987), em que osubjetivo e objetivo, o falso e o verdadeiro, oreal e o irreal, o certo e o errado constituem osníveis de reordenamento simbólico através dalinguagem. Assim, cada ser é um contador dehistórias que ordena e reordena seu conheci-mento com o intuito de dar consistência às ex-periências vividas (Guidano, 1994; Maturanae Varela, 1987).

Na práxis do viver, desenvolvemos umsentido de EU estável e ajustado conforme suaspossibilidades, o qual produz e mantém umacontinuidade narrativa única. Como narrado-res de nossa própria história, estruturamos umatrama em que se encontram duas experiênciassimultâneas: a linguagem e as emoções. A ten-são gerada entre o falar e o emocionar é partede um processo aberto que integra elementosexternos (família, sociedade e aspectos cultu-rais) e elementos internos do organismo (ex-periência subjetiva e biologia), que não buscauma verdade objetiva, e sim uma realidade quepermita a continuidade do viver em umacorporalidade integrada, um fenômeno com-plexo, originado em nossa percepção e vividonas relações que estabelecemos (Guidano,1994; Varela, Thompson e Rosch, 1992; Varela,1999).

Viver em relação implica a construção deum conhecimento de nós mesmos e do mundocircundante a partir de atividades inter-rela-cionais nas quais se criam e recriam diferentescategorias da experiência intersubjetiva, comoo verdadeiro ou o falso, o real ou o irreal, ocerto ou o errado, o subjetivo ou o objetivo, avivência e a explicação, e assim por diante.

Quando se considera a vida como umanarrativa, o espaço relacional forma-se comoum espaço para os diálogos, com força de ar-gumentação, em que histórias são contadastanto em primeira quanto em terceira pessoa.O que leva alguém a sentir uma forte atração,rejeição ou indiferença em relação às pessoasao redor? O que transforma algumas relaçõesem vínculos amorosos e outras em controvér-sias ou disputas? Sabe-se que cada pessoa cons-trói seu mundo (ou seus mundos) de uma ma-neira única e particular; ao mesmo tempo emque compartilha experiências com os demais,torna as relações possíveis de seremvivenciadas. Sem dúvida, todas são históriasconstruídas e dependentes em sua criação: éna manutenção das histórias que se constituemas experiências e a visão de realidade. Devidoà complexidade das relações, o terapeuta é le-vado a trabalhar com elas levando em consi-deração a experiência humana e o papel decada um no corpo das suas relações.

A partir da experiência imediata, cada umconstrói e desconstrói em busca de novas sínte-ses de reconstrução, que serão questionadas emmomentos de crise, possibilitando as transfor-mações, as reorganizações e as mudanças tera-pêuticas (Maturana e Varela, 1987; Mahoney,1998; Gonçalves, 1998). Assim, o envolvimen-to afetivo de duas pessoas conjuga dois EUS paraconstruir um NÓS. Conjugar tem o significadode unir, ligar e abrange toda e qualquer forma-ção de pares que se unam ou tentem unir-secom pretensões amorosas. O encontro abre umespaço para a construção do NÓS, e, nesse en-contro de subjetividades, pode-se configurar omomento de crise em que três biografias sãoescritas: as autobiografias e a biografia da rela-ção. Trata-se de um processo dialético no qualcada experiência é significada hermeneutica-mente, ou seja, são atribuídas significações pes-soais aos episódios vividos. O conhecimento domundo ocorre através da linguagem e do signi-ficado que se atribui a elas. Nesse sentido, aemoção ocupa um espaço fundamental porpermear a fala (Maturana e Varela, 1987), o queconstitui o humano enquanto autobiografia(Gonçalves, 1998), através de um processo deinterpretação do sentido das palavras. Maturanae Varela (1987) levantam a questão da �biolo-

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gia do amor�, propondo a ênfase na afetividadee na emoção no trabalho terapêutico que cor-responde à legitimação do outro.

O vínculo amoroso é criado e recriado apartir do encontro. O amor é uma emoção queconstitui a corporalidade e que possibilita acei-tar o outro como um legítimo na convivênciacotidiana. Porém, o vínculo amoroso entre EU-TU constrói-se com o que somos, e não com oque queremos ser.

O cotidiano relacional é construído a par-tir da percepção EU-OUTRO, fluindo em emo-ção e em linguagem, tornando possíveis osencontros entre pessoas e elaborando visõesde ser, pertencer e relacionar. A curiosidadepelas diferenças cria e recria o amor, feito depaixão, de cuidado e obrigação, de dependên-cia, de lealdade e competição. Também inter-ferem nas relações amorosas as mudanças designificado ocorridas no contexto, como mu-danças do perfil demográfico, competitivida-de social e diversidade nos modelos de famí-lia, mudanças essas que desafiam, a cada ins-tante, crenças, comportamentos, moral e sen-timentos, os quais, embora apareçam como quedesvinculados de uma época histórica, aindaestão enraizados nos mitos e nas pautas rela-cionais das famílias de origem.

Um par existe e funciona a partir de umainteração única e inigualável, peculiar e exclu-

siva, que surge entre os dois e constitui umaunidade que possui autonomia com caracte-rísticas organizacionais e estruturais próprias.Com o passar do tempo, as vivências em co-mum geram a biografia do par. Os projetos quecompartilham e perseguem, as reconstruçõesque se permitem usar e o modo como éontologicamente significado o amor e a rela-ção nessa biografia do par são elementos cons-titutivos do cotidiano. Se existem e, inclusive,se atrapalham, foram construídos pela dupla enão podem ser vistos como algo externo quepossa ser extirpado com facilidade. Quando umcasal busca auxílio terapêutico, surgem, em umprimeiro momento, expressões com significa-dos bastante desgastados, como �É culpa darotina�, �É ele que não presta atenção no quefaço�, �Ela é implicante o tempo todo�, e tan-tas outras expressões que denunciam o quantoé difícil acomodar à experiência a própria nar-rativa, de forma a sustentar uma vida compar-tilhada com um outro, que também traz a suaprópria narrativa e as próprias dificuldades.Muitas vezes, um problema, inicialmente, é deapenas um; porém, dependendo de como ooutro o aborde ou maneje, passa a ser dos dois,do espaço relacional, do NÓS (ver Figura 20.1).Com a convivência, cada par estabelece umpadrão de interação único, uma narrativa com-partilhada que engloba as características indi-

Figura 20.1 Esquema do processo de construção do NÓS.

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viduais, suas facilidades e suas dificuldades, suaforça e sua fragilidade, suas crenças e seus va-lores para com a relação, criando, assim, umcampo relacional exclusivo daquele par. Esseserá o referencial a ser cuidado em terapia.

O campo relacional também tem uma es-trutura e uma organização que não são apenasa somatória das subjetividades do par, e simuma intersubjetividade criada a partir de ten-sões dialéticas que atendem a três circulari-dades: a lógica ou a auto-referencial, a limi-tante e a reflexiva. Em situações de crise, asinterações cotidianas provocam a busca denovas sínteses, novas construções.

REORGANIZAÇÃO DOS MOMENTOSDE CRISE: A TERAPIA

O modelo ora proposto cuida tanto dotratamento quanto dos resultados, uma vezque a epistemologia construtivista visa, prin-cipalmente, à compreensão da adequação/inadequação de um determinado comporta-mento na dimensão relacional. Propomos tam-bém a alteração do termo casal para par, oque permite o atendimento de pessoas que co-abitam, podendo ser do mesmo sexo ou não,e de pessoas que estariam decidindo quanto àpossibilidade de vir a coabitar. Os termos pare parceria ampliam o significado de co-res-ponsabilidade, pois levam em conta a indivi-dualidade e a co-construção da relação. Alémdisso, apresentam outras duas características:por um lado, quebram a rigidez do contratomatrimonial e, por outro, flexibilizam o con-

trato terapêutico � o setting � por permitirematender à demanda particular de cada casopela inserção de sessões individuais sempreque necessário.

O espaço terapêutico é aqui visto comotriádico (o par e o terapeuta): as narrativasdesenvolvem-se ancoradas em convenções so-ciais, culturais, históricas e lingüísticas dosenvolvidos (Botella, 1999). O terapeuta inclui-se no mesmo contexto, ora como observador eora como co-autor da narrativa. A aliança te-rapêutica resulta da negociação de um fluxode metas e tarefas implícitas à terapia, acresci-da de um vínculo emocional entre os partici-pantes.

O modelo discursivo e contextual do sig-nificado é baseado na linguagem, consideradacomo um mecanismo de apropriação do mun-do externo, através do qual os significados sãoconstruídos, revisitados e reconstruídos na con-versação, no qual os jogos relacionais são cria-dos e recriados a cada novo encontro. A lin-guagem é um jogo, a princípio sem regras, aber-to e criativo. Com o passar do tempo, criam-seregras mais definidas, que formam o espaçoconversacional, um campo de sentido em queos jogos estabelecidos e os significados com-partilhados favorecem a coordenação das açõese os encontros. Por outro lado, os desencontrossão construídos a partir de significados não-compartilhados, de jogos em que as regras sãodesconhecidas para um dos parceiros, criandobloqueios, distorções na comunicação e confli-tos.

Compartilhamos com Neimeyer e Raskin(2000) a idéia da importância da reorganiza-

Figura 20.2 Campo relacional.

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ção subjetiva para que se amplie a compreen-são da narrativa. Daí a necessidade de sessõesindividuais � já que, além do componente re-lacional, as crises desencadeadas são fomen-tadas por discussões continuadas, decorrentesdo fato de que cada um acredita na sua posi-ção e defende-a, preocupando-se mais com aprevalência desta do que com a reconstruçãoda relação. Também há momentos em que apersistência da crise é respaldada por conteú-dos tácitos da família de origem, caso em queum atendimento individual possibilita a des-construção e a compreensão dessa narrativaparticular com a preservação da identidade decada um dos parceiros. Esse tipo de interven-ção é chamado de efeito dominó, pois, traba-lhando uma das partes, reorganiza-se o todo:consideramos que, para se ter a compreensãoda relação como um todo, o trabalho triádicopode, em alguns momentos, criar resistências,hiatos e duplos vínculos desnecessários.

MOMENTOS TERAPÊUTICOS

As vinhetas escolhidas mostram o quantoa narrativa expressa o cotidiano vivido pelo pare o quanto a linguagem e as emoções trazidasestão baseadas na percepção de si, do outro eda rotina de convivência. Além disso, ilustramo quanto os processos são variáveis e factíveisde reorganização, estando correlacionados aocontexto passado e presente, à experiência sub-jetiva e intersubjetiva, os quais facilitam ou di-ficultam o estar no aqui e agora.

Caso 1 � A reconstruçãoC (28 anos, feminino) e D (36 anos,masculino)

Após uma separação de seis meses, vol-tam à terapia por terem tomado a decisão deficarem juntos:

D: Procuramos você de novo porque temos nosencontrado. É como se tivéssemos voltado anamorar. É difícil lidar com isso. Estar comela, amar, mas ter que ir embora de casa todofim de noite...

Terapeuta (T): Você chamou a casa que mora-ram de �sua� casa, é isso?D: Não tinha notado... isso te incomoda, C?C: Não, é isso mesmo. Sempre chamo D paramatar baratas... (risos). Acho que o sexo nosprende muito. Não consigo ficar sem o amordele. Ainda o amo muito...D: Não é só o sexo. É amor mesmo.T: E então, para você C, como é ele �ter� queir embora no final da noite?C: �Às vezes é difícil. Outras, sinceramente,não. Tenho medo de que os problemas cotidi-anos � as discussões por falta de dinheiro, ofato de querermos ter um filho, mas nessascondições... o meu trabalho desgastante, queeu odeio � tirem de novo o encanto do nossodia-a-dia.�T: Tirar o encanto... e então...D: Ela deveria se preocupar mais com nossarelação do que com dinheiro e trabalho. Mesinto cobrado, incompetente...T: Você falou do que ela deveria...D: �(risos) É, touché... eu tenho que entendera angústia dela quando faz contas. E reprogra-mar minha vida profissional.C: Não quero que você se sinta assim... umadroga... mas está difícil... Como pensar emengravidar nessa situação?D: Estamos nós dois muito confusos. Precisoter mais coragem, ser mais empreendedor.Acho triste um problema externo acabar comum amor. Sei lá se o problema é externo. Sósei que a gente se ama.C: Eu me sinto completa com ele. Ele sempreme aceitou como sou. Até quando estou cha-ta, não é amor?T: E você, C, acha que o aceita como ele é?C: (silêncio, sorriso) Sim, agora sim. Mas pre-ciso que ele mostre mais atitude, mais garra,mais vontade de trabalhar, mais ambição. Jáconversamos que eu acho que estar tanto nocentro (espírita) deixou-o assim, sem muitaambição material. E ele concordou...T: Vocês estão falando em problemas exter-nos. Vamos falar um pouco mais sobre isso.D: Não quero falar nisso agora... (silêncio)T: O que você sugere?D: É coisa minha... acho que C entende se euquiser falar só com você ... (silêncio)C: Se ajudá-lo a se entender melhor, eu achoótimo, pois já não agüento mais a ladainha dafamília dele ...

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Caso 2 � Projetos: crise, alternativase decisõesC (20 anos, feminino) e H (30 anos,masculino)

12ª sessão (individual):

H: Estou muito confuso. Escolhi casar-me comC, ela é a mulher da minha vida. Mas se eucasar agora, no ano que vem, estarei perden-do a energia, dinheiro e tempo, e não podereirealizar meu projeto de trabalho... Tenho queestar 100% dedicado ao meu trabalho e achoerrado continuar com ela, estou muito nervo-so e acho que não terei tempo para lhe daratenção. Sou um empresário, não vou ter tem-po para C.T: Será que é só assim que funciona? Ou pre-to ou branco, ou dá para você pensar que estáresolvendo várias coisas em sua vida e apalheta pode ter outras cores de tinta?H: Gostei! Isso que você falou é tudo! Mas ago-ra você me confundiu mais! O que posso fa-zer? Não quero sentir que estou enrolando Ce a fazendo perder tempo comigo. Não seiquanto tempo demora para poder montar meunegócio e poder me comprometer e casar comela. Me sinto culpado. Acho melhor acabar tudo.T: Você quer casar e quer romper a relação...que tal dividirmos com ela suas preocupações,suas dúvidas e sua culpa? Você tem vontadede falar com ela sobre isso?H: E se eu chorar?T: Vai mostrar que é ser humano...

13ª Sessão (conjunta):

H começa relatando o que C refletiu a respei-to de suas dúvidasC: Não entendo. Não sinto que você esteja meenrolando, mas... será que seus pais não co-bram muito ter que casar logo? Será que vocêestá se sentindo culpado?T: Lembro que já discutimos isso antes e quevocê (H) se preocupava muito com sua ima-gem, principalmente por sua mãe e tia acha-rem que você iria enrolá-la. E lembro que Cnão se importou com isso daquela vez...C: Foi... e ainda não vejo assim. Ele me enro-laria se não gostassse de mim e quisesse ficarcomigo. Além disso, não estou correndo con-tra o relógio, quero casar, mas não assim.Quem se cobra é você!

H: Eu não sei. Sinto muita culpa (choro), temmuita coisa da minha família... que droga! Nãoestou enrolando você mesmo! (silêncio)(olhando para C)... Você é linda e pode per-der um tempão comigo me esperando.C: E daí, eu tenho tempo e tenho paciência!T: (falando para H) Você parece mesmo an-gustiado. Está percebendo a disponibilidadede C? Para que continuar sentindo-se ocoelhinho do relógio da Alice? (metáfora játrabalhada anteriormente)H: É que eu não acho justo ela agüentar mi-nhas crises, de raiva, frustração, medo de fa-lhar... (choro)T: Do que vocês precisam agora?C: Do amor dele. E de parar com tanta �para-nóia�.H: De um tempo mesmo (choro). Preciso fi-car sozinho. Para me sentir mais calmo denovo, sem nada, sem você, sem nada que eusinta que me pressione mais.T: E então, C, o que você acha?C: Não quero perdê-lo (choro)... será difícilme afastar dele. Mas se é o que ele quer ago-ra, se é preciso...H: (Choro) É só por um tempo... não sei... tal-vez até eu me aliviar.�

14ª sessão (conjunta)

Após dois meses de interrupção para te-rapia individual.

T: Parece que vocês estão mais centrados, maisfortes. E juntos, como estão?C: Sofri muito, não podia ligar para ele quan-do eu queria, mas ele me ligava e conversáva-mos muito. Penso que soube respeitar o mo-mento dele. Agora estou mais à vontade. Achoque agüentei bem, chorei, me sentia perdida,mas fui forte. Uma heroína.T: Parabéns, C. Você foi mesmo muito forte,teve muita coragem. Como você se sentiu nes-se tempo, H?H: Senti muita falta dela. Vi o quanto ela éimportante. Também dou parabéns, ela é umamulher forte � antes eu não a via assim � merespeitando e me agüentando nas crises. Eutambém segurei muitas crises dela. É, vai dar!Também descobri que não preciso eliminá-lada minha vida para conseguir o que quero.Será que você vai me agüentar agora, C?

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T: Você se acha tão difícil assim de ser �agüen-tado�?(risos)C: Eu respondo: Vamos tentar? Você me testou......T: Vocês estão tomando decisões importantese compartilhando a responsabilidade de assu-mir o que escolheram. Estou realmentegratificada por compartilhar esse momentocom vocês. Em uma palavra, como se perce-bem agora?C: Feliz.H: Seguro. Por que uma palavra só?T: Quer usar outras?...H: Sim... também estou feliz, aliviado, aindacom medo de não poupá-la das crises, masagora acho que o dragão é menorzinho... é sóum lagartinho...

Caso 3 � Ressignificação:liberdade ou amor?B (73 anos, feminino) e M (76 anos,masculino)

5ª sessão (individual):

B: Fui vítima de um carcereiro durante todaa minha mocidade. Na meia-idade, acabeitendo depressões e me trato até hoje, poisminha vida não tem sentido sem ele. Tudo oque faço é para M... tudo em nome dele... esempre foi assim. Para não brigar, me anuleiuma vida toda.�T: Você se deixou ser vítima em nome da�paz�... É isso? Ele também pagava um preço,pois fazia um esforço em se controlar. Mas vocêpermitiu. O que acha que fez para permitir?B: Não sei... acho que sou mesmo submissa(silêncio). É, eu também me sentia segura,protegida, cuidada, preservada! (silêncio) Eume sentia e me sinto até hoje muito amadapor ele. E também o amo. Mas fico triste dever o quanto sou dependente. Confundi amorcom proteção e controle.T: Só você é dependente? Ou o carcereiro tam-bém é preso ao prisioneiro na tentativa demantê-lo assim... controlado?B: Ele é extremamente dependente de mim.Até para tomar seus remédios.

8ª Sessão (conjunta):

M: Não acho que errei. Só tive o cuidado depreservar meu bem mais valioso, meu casa-mento e a mulher que amava, que amo. Isso éser ruim?B: É ser egoísta. Você não via as minhas ne-cessidades: sair, ter minhas amigas e não sóos seus, respirar outro ar que não fosse o seu.T: Como você vê isso, M? A questão não é va-lor pessoal, ser ruim ou ser bom, mas posturase atitudes... Tentar preservá-la requeria da suaparte um grande esforço. O que você sentia?M: É difícil um homem assumir sua fraqueza,mas era medo. Sim, sou medroso mesmo... edaí? Tenho medo de morrer, de viver, de ficardoente, de perder as pessoas. Já perdi muitona vida. Tudo o que conquistei foi com gran-de esforço. Eu não sentia que errava, me acha-va sim um pouco rígido, durão. Mas tambémsou muito carinhoso com B. Ela era linda, eeu tinha medo de perdê-la...B: Você quase me perdeu mesmo por me sufo-car.T: E o ar que respiram agora, como é?M: Hoje eu evoluí, ela pode sair com as ami-gas novas, fazer visitas, ir a aniversários, usara roupa que quiser � ela sabe ser uma senho-ra distinta. Hoje não tenho mais medo, doumais liberdade a ela. Ela foi passar o dia nacasa de campo de uma amiga. Tem feito pe-quenas viagens sem mim.B: Só que hoje sou uma velha... Por isso vocênão tem mais medo. Agora não tem graça essaliberdade. Meu tempo passou.T: Você se distraiu, teve prazer nesses passeios?B: Muito. Adorei. Mas ainda lamento o tempoque passou. Ainda sinto que minha vida nãotem sentido sozinha.T: Você quer dizer como indivíduo? Pessoal-mente não vê sentido?B: Só com M.M: Estou me sentindo um carrasco. Não estouentendendo você, querida. Você se sente bemcom liberdade, mas para mim o principal sen-tido da vida é você!B: Exato! Para mim poderia ser o principal,mas não o único.T: E o que você gostaria de fazer hoje só paravocê, algo que lhe desse prazer, que tivessesentido?

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B: Preciso pensar... (silêncio) Talvez voltar apintar, um curso de arte, sei lá.M: Por que curso? Para sair de casa?B: Talvez para fazer algo diferente longe devocê.Hoje B tem algumas atividades sem M.

Caso 4 � Casamento e ressignificaçãode projetos individuaisP (42 anos, feminino) e N (44 anos,masculino)

T: Qual seria então atualmente o significadode �estar casado� para vocês?P: Eu me sinto relativamente segura, definidasocialmente enquanto mulher casada que temuma família. Por outro lado, me sinto sozinha,sem um companheiro que me acompanhe emtudo, nas situações sociais � vou sempre sozi-nha, na morte de meu avô, quando minha fi-lha foi internada... Sempre foi assim.N: Não sei dizer. Sou companheiro quandoposso... acho que é bom estar casado, porémsinto falta de mais emoção. Parece que P nun-ca está disposta para os meus desejos. Sexual-mente é como se fosse um sacrifício para ela.P: Não é bem assim. Você me ignora o dia todoe depois vem. Quando você quer, geralmenteeu já estou cansada.N: E quando você quer � se é que quer � nun-ca me procura. Estamos mesmo sozinhos.P: Eu me sinto casada fora de casa e em casacom um marido morto. Ele não é marido paramim. É alguém que vive na minha casa comoum hóspede, pior, hóspede agita mais, ele sediverte sozinho. Sei lá o que faz. Deve ter ou-tra... quer saber? Agora não importa mais.N: Você também não é uma mulher para mim.Você também não gosta do que eu gosto, e daí?T: Poderíamos pensar que vocês dois estãocasados com o casamento, e não um com ooutro?P: Exatamente isso. Não tem sentido estarmosjuntos. Mas acho difícil encarar uma separa-ção. Dá tanto trabalho...N: Viu como ela é fria? Só pensa no trabalho.P: Não!... Estou pensando em tudo, até nosofrimento, no sentimento.

N: É, iremos sofrer. Mas... já estamos sofren-do. Eu e você só estamos machucando um aooutro.

Relatam o quanto o sentimento de admi-ração e de amor que sentiam um pelo outrohavia �sumido�, que não era possível resgatarnada disso. Essa situação deu espaço para frus-trações, queixas, decepções e desencantos re-cíprocos. A terapia seguiu para ambos refleti-rem o que precisariam enfrentar caso se sepa-rassem e também caso ficassem juntos, quetransformações seriam necessárias. Após trêssessões, vieram decididos a se separar:

P: É melhor. Eu sou forte e agüento. Desdeque você não me encha... que saia logo de casa.N: Depois sou eu o egoísta?T: Neste momento, vocês pensarão em cons-truir suas vidas separados, mas também po-dem pensar em como ficará o outro. Enfim,como considerar a si próprio e respeitar o ou-tro em seus projetos.N: Derramaremos muitas lágrimas. O pioragora é não ter meus filhos diariamente. Te-nho certeza, agora, de que esta é a melhoropção para todos.

Caso 5 � Casamento, liberdadee biografiaB (55 anos, feminino) e G (58 anos,masculino)

Última sessão (conjunta):

B: Eu me sinto feliz na minha vida... realizada.Nós dois nunca tivemos grandes problemas. Odifícil era lidar com meu filho, mas agora elecasou. Vivemos bem, nos respeitamos e damosmuita liberdade um para o outro.T: E você, G?G: Também. O casamento é bom para mim.Meu porto seguro. Como um herói que sai emaventuras e volta. Me tranqüiliza e tenho li-berdade. Também a deixo solta.B: As pessoas acham que não somos fiéis. Ima-gine! Claro que somos. Nem ligo...

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G: Usamos a liberdade para fazer o que gosta-mos. B nada, joga cartas, pinta, cuida do jar-dim. Eu leio, vou a eventos artísticos. Façocoisas de que ela não gosta e que não aprova,mas não chega a ser um problema.B: Eu não ligo. Mas tem gente que deve ligar.Para mim, ele é homem. Apesar de só ter ho-mossexuais naquele lugar. Só acho que ele seveste de uma forma meio exótica. Podia sermais convencional. É coisa de artista......T: Vocês sentem que estão construindo e rea-lizando seus projetos?G: Sim. Todos. Só quero mais trabalho e maisalívio financeiro.B: É, só falta isso.G: Você foi muito importante para nós dois.Ajudou muito. Repensamos muita coisa. Po-demos procurá-la se for preciso? E tambémpodemos procurá-la sozinhos... se o outro con-cordar?�

Conforme observado, a terapia enfatizasempre o fluxo, o movimento e o estilo de lin-guagem dos clientes. Tanto nas sessões con-juntas quanto nas sessões individuais, as inte-rações visam a ampliar os recursos, ou seja,utilizar todos os elementos que contribuempara tornar a narrativa mais completa, maisconcisa. Isso inclui a maneira de pensar, de sen-tir, as matrizes de aprendizagem individuais,os conteúdos da família de origem e dos ami-gos. Em resumo, tenta mobilizar todos os ele-mentos que constituem a identidade pessoalde cada um e que na relação constroem umNÓS com elementos comuns a cada um, acres-cidos de novos elementos criados juntos, osquais fazem sentido na convivência.

O relacionamento a dois, em alguns ca-sos, pode trazer uma quebra de expectativasou a não-realização de esperanças, de anseiosmútuos e, conseqüentemente, a frustração.Cada um parte para um relacionamento ven-do o outro como se fosse um �mágico�, compoderes de realizar uma série de expectativasque variam muito no tempo, em nível de im-portância e conforme o grau de conscientiza-ção de cada um. Quando o mágico transfor-ma-se em comum, muitos relacionamentosmantêm-se apoiados no lado societário do vín-

culo: manter a casa, pagar as contas, cuidardos filhos, etc. Assim, a relação afetiva ficaexcluída, instala-se a rotina e a vida afetiva esexual do par fica confundida com a adminis-tração da casa e o gerenciamento financeirodo lar. Instalada a rotina, o casal queixa-se, nãoreconhecendo que ambos são os verdadeirosresponsáveis pela construção e pela manuten-ção do cotidiano.

Quando se desenvolve a narrativa do con-flito, ela é contundente. Diante do amor e dasexpectativas frustradas, os valores culturaisconduzem, por um lado, para uma acomoda-ção e persistência ou, por outro lado, a umarenovação individual, que levará cada um a en-frentar o problema de forma a encontrar a al-ternativa que mais lhe convenha e, quase sem-pre, com prevalência do EU em detrimento doNÓS. Não havendo mais um nível satisfatóriode trocas, de reciprocidade, e faltando gratifi-cação nas ações cotidianas, a comunicação frag-menta-se e a convivência torna-se desorgani-zada. Cabe ao terapeuta conduzir seus clien-tes à compreensão da narrativa, utilizando paraisso os elementos comuns ao par e particula-res de cada um que levarão à percepção doproblema, do conflito, da rotina e, por conse-qüência, à narrativa alternativa com uma novacoerência que retoma o argumento principal:a biografia da relação, e não mais a biografiado conflito ou do problema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O construtivismo vem se desenvolvendocomo uma metateoria cuja proposta foge à vi-são moderna que ainda é predominante nasociedade. O ser humano vive uma transiçãoparadigmática, o que significa que, muitas ve-zes, a forma de conceber a terapia não é com-preendida no início do processo. Porém, umavez que se estabeleça o encontro triádico, asparticularidades, as diferenças e as construçõesnarrativas trazidas por cada um dos participan-tes emergem, facilitando o atuar construtivis-ta. Pode-se dizer que, a cada novo encontro,trabalha-se com �a incerteza quanto àquilo quese vai encontrar e que faz do ato de procura

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(estratégias, intervenções, significados) um ver-dadeiro ato criativo�(Gonçalves, 1998, p. 52).A experiência humana, vista como produtoemergente de um processo de regulação queimplica tanto a auto-regulação quanto aheterorregulação, cria padrões que tecem umdiscurso narrativo, o objeto da terapia.

Através de uma orientação evolucionista,o mito de Penélope traz em sua narrativa ametáfora da construção e reconstrução do simesmo (Guidano, 1994). Ela trabalhava con-tinuamente, cumprindo o piedoso dever de te-cer a mortalha para o seu sogro, mas desman-chava às escondidas, no silêncio da noite, o quehavia tecido durante o dia. Em nossa práxisdiária, repetimos a ação criativa de Penélope:o desmanchar às escondidas, no silêncio danoite, constitui a reflexão, o monólogo interi-or que possibilita a reorganização da autobio-grafia e da biografia do par. Mesmo não ha-vendo mudanças observáveis, o tecido é ou-tro. Embora a ênfase seja a terapia de pares,em que linguagem e emoção são consideradaspartes constitutivas do caráter subjetivo eintersubjetivo da experiência humana, a tera-pia prioriza a teleonomia (ausência de um ob-jetivo universal) em detrimento da teleologia,permitindo a construção de um espaço de tra-balho livre e criativo dentro das possibilidadesdo momento. Como metáfora, ser e estar nomundo em narrativa significa escolher e pre-parar o fio, descobrir as cores que temos dis-poníveis, quais espaços serão preenchidos, ospontos escolhidos, que nós serão desfeitos erefeitos ou emendados para compreender e darcontinuidade a essa tapeçaria chamada vida.

NOTA

1. Termo cunhado inicialmente por Piaget (1963).A epistemologia genética é de natureza inter-disciplinar, na tentativa de explicar como o co-nhecimento se desenvolve, já que este não po-deria ser concebido como algo determinado nasestruturas internas do indivíduo, pois estas sãoo resultado de uma construção efetiva e contí-nua da interação do sujeito com seu meio.

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PARTE VINovas Fronteiras da Prática Clínica

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Modelos de Estágios do Processode Resolução da Ruptura da Aliança*****

Jeremy SafranCristopher Muran

gidamente adotados, mas sim o de ajudar osclínicos a desenvolver habilidades de reconhe-cimento de padrões que podem facilitar o pro-cesso de intervenção. Devemos enfatizar que,embora esses modelos tenham valor heurísti-co, eles são supersimplificações de processosmais complexos.

O desenvolvimento dos modelos (Safranet al., 1990; Safran e Muran, 1996; Safran,Muran e Samstag, 1994) é o produto de maisde uma década de pesquisa, a qual tem sido gui-ada pelo paradigma de pesquisa em psicotera-pia desenvolvida por Leslie Greenberg e LauraRice (Greenberg, 1986; Rice e Greenberg, 1984;Safran, Greenberg e Rice, 1988). Essa aborda-gem combina a rigorosa análise de casos úni-cos, usando tanto procedimentos qualitativosquanto quantitativos, com estudos de verifica-ção de modelo que testam hipóteses sobre ospadrões de mudança, usando dados agregados.

Heather Harper (1989a; 1989b) organi-zou as rupturas em dois subtipos: afastamentoe confronto. Nas rupturas de afastamento, opaciente afasta-se ou descompromete-se par-cialmente do terapeuta, de suas próprias emo-

Neste capítulo, vamos destacar dois mo-delos de estágios do processo que podem serusados para entender algumas maneiras carac-terísticas pelas quais as rupturas da aliança te-rapêutica são resolvidas em psicoterapia. Osmodelos de estágios do processo são esquemasque têm sido empiricamente desenvolvidospara retificar os padrões recorrentes de mu-dança que acontecem durante os atendimen-tos (Greenberg, 1986; Rice e Greenberg, 1984;Safran, Greenberg e Rice, 1988). Os pesquisa-dores do processo psicoterápico verificaramque o desenvolvimento de tais esquemas for-nece uma forma útil de modelamento de im-portantes mecanismos de mudança em psico-terapia. Então, o processo clínico pode ser vis-to como uma seqüência de estágios recorren-tes que acontecem em padrões identificáveis.Através da identificação desses estágios e damodelação dos padrões de transição entre eles,os pesquisadores têm desenvolvido mapas quepodem sensibilizar os clínicos para os padrõesque provavelmente ocorrerão no futuro e, as-sim, auxiliar na criação de um bom prognósti-co. O objetivo não é o de oferecer modelos ri-

*Reeditado com a permissão da The Guiford Press (New York) da obra de Safran, J. e Muran, J.C. (2000).Negotiating the therapeutic alliance: a relational treatment manual, Capítulo 5 (p. 140-174).

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ções ou de alguns aspectos do processo tera-pêutico. Tais rupturas podem manifestar-se dediferentes formas. Em alguns casos, é totalmen-te óbvio que o paciente tenha dificuldade emexpressar suas preocupações ou necessidadesno relacionamento � por exemplo, um pacien-te pode expressar suas preocupações de umamaneira indireta ou qualificada. Em outroscasos, o paciente acomoda-se aos desejos quepercebe por parte do terapeuta de tal maneiraque o clínico pode ter dificuldade em reconhe-cer a acomodação do paciente. Não é incomumque paciente e terapeuta formem uma pseudo-aliança que corresponda ao tipo de falsa auto-organização do self descrita por Winnicott(1960). Em tais casos, o progresso terapêuticopode estar acontecendo em um nível, enquan-to a terapia perpetua algum outro aspecto maisredundante (de autodefesa, por exemplo) epouco funcional.

Nas rupturas de confronto, o paciente ex-pressa diretamente a ira, o ressentimento ou ainsatisfação com o terapeuta ou com algumoutro aspecto da terapia. Na Tabela 21.1, ve-mos alguns exemplos das rupturas de afasta-mento e de confronto. Vale lembrar que cada

ruptura começa com uma marca específica(Rice e Greenberg, 1984), através de uma afir-mação do paciente ou de uma ação que sinali-ze o começo do evento em que a ruptura co-meça a ocorrer.

Dessa forma, as rupturas de afastamentoe confronto refletem as diferentes maneiras deenfrentamento da tensão entre suas necessida-des dialeticamente opostas por ação e ligação.Nas rupturas de afastamento, os pacientes lu-tam por relação em detrimento da necessidadepor ação ou autodefinição, ao passo que nasrupturas de confronto, os pacientes negociam oconflito favorecendo a necessidade por ação ouautodefinição e superando a necessidade de re-lação. Provavelmente, diferentes pacientes apre-sentam uma predominância de um tipo de rup-tura sobre outra; essa predominância refletediferentes características dos estilos de enfren-tamento ou adaptação. Entretanto, durante otratamento, ambos os tipos de rupturas podememergir com um paciente, ou ambas as caracte-rísticas de afastamento e confronto podem con-tribuir para um impasse específico.

Os vários estágios dos modelos podem serconceitualizados como diferentes fases críticas

Tabela 21.1 Exemplos de marcas de ruptura

Ruptura de Afastamento Ruptura de Confronto Queixam-se de...

Negação (p. ex., o paciente nega um estado de sentimen-to como raiva que estava manifestamente evidente).

Resposta mínima (p. ex., o paciente responde com respos-tas curtas para dar fim às questões exploratórias do tera-peuta).

Mudança de tópico (p. ex., o paciente explora um assuntoe, então, repentinamente muda o foco para algo que nãotem nada a ver com essa questão ou relaciona-se a elaremotamente).

Intelectualização (p. ex., o paciente discute uma experiên-cia dolorosa de uma maneira intelectualizada ou despren-dida).

Contar uma história (p. ex., o paciente compõe históriasmuito elaboradas para explicar uma simples experiência).

Falar a respeito de outros (p. ex., o paciente gasta umaquantidade de tempo incomum falando a respeito de ou-tras pessoas e do que elas fazem).

A pessoa do terapeuta (p. ex., o paciente ataca a maneirareservada do terapeuta como sendo muito passiva).

A competência do terapeuta (p. ex., o paciente consideraos comentários do terapeuta inúteis e questiona sua capa-cidade).

Atividades da terapia (p. ex., o paciente fica irritado com asquestões do terapeuta relativas aos estados de sentimentointernos e admira-se em voz alta sobre sua relevância).

Ficar em terapia (p. ex., o paciente confronta o terapeutacom dúvidas sobre continuar a terapia).

Parâmetros da terapia (p. ex., o paciente queixa-se da in-conveniência do tempo da sessão).

Progresso em terapia (p. ex., o paciente queixa-se da faltade ganhos significativos no tratamento).

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para que o paciente comprometa-se em dife-rentes pontos no processo de resolução e in-tervenções por parte do terapeuta que possamser facilitadoras. As tarefas dos pacientes nãosão �tarefas� no sentido de ações intencionais,mas significam complexas operações intrapsí-quicas e negociações interpessoais. Os doismodelos que destacamos são análogos aos pro-tótipos na visão de Eleanor Rosch (1988). Ne-nhum estágio é desfavorável no processo deresolução, e os estágios não estão necessaria-mente nas seqüências precisas de previsão.Contudo, esses modelos tendem a captar algoessencial para o processo de resolução em umsentido probabilístico.

UM MODELO DE RESOLUÇÃOPARA RUPTURAS DE AFASTAMENTO

O modelo de resolução para rupturas deafastamento consiste em cinco estágios (Figu-ra 21.1), e cada estágio envolve uma tarefa para

um paciente em particular e intervenções es-pecíficas do terapeuta que observamos seremfacilitadoras. As intervenções específicas quedescrevemos neste capítulo não pretenderamconstituir uma exaustiva lista, sendo apresen-tadas apenas como exemplos.

Estágio 1: marca de afastamento

O primeiro estágio é sinalizado pelo pa-ciente com a marca de afastamento. Por exem-plo, ele concorda com o que o terapeuta diz,acatando sua interpretação de um modoaquiescente. Esse tipo de afastamento muitasvezes é parte de uma representação de papelem que o terapeuta encaixa-se na matriz rela-cional do paciente e responde ao seu compor-tamento submisso ou passivo através de quais-quer indicações (sutis) de preocupação, ouagindo de uma maneira extremamente diretivaou dominante. Por exemplo, no caso em que opaciente responde a uma interpretação de umamaneira concordante, e o terapeuta continuaa construir sua interpretação. Nos termos daCaracterística de Relacionamento PrincipalConflituoso,1 o paciente que marca o afasta-mento pode ser conceituado como uma respostade self, uma maneira característica de respon-der antecipadamente ao fato de não ter satis-feito um desejo fundamental. As ações de en-caixe do terapeuta podem ser conceituadascomo uma resposta do outro.

Estágio 2: desconexão eacompanhamento da marca de ruptura

Neste estágio, o terapeuta começa a daratenção à ruptura e ao estabelecimento de umfoco no aqui-e-agora do relacionamento tera-pêutico. À medida que ele se encaixa na ma-triz relacional do paciente, precisa começar adesenvolver alguma percepção de sua partici-pação nessa mesma matriz. Embora para pro-pósitos heurísticos estejamos discutindo esseprocesso de desconexão como se fosse um dis-creto passo em um caminho linear, é impor-tante ter em mente que o processo de desco-nexão nunca se completa como um todo. Du-

Figura 21.1 Modelo de resolução de ruptura pararupturas de afastamento.

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rante o processo de resolução, terapeuta e pa-ciente circulam para frente e para trás, transi-tando entre o maior e o menor grau de desco-nexão.

Nas situações em que a marca de afasta-mento é particularmente sutil, a percepção doterapeuta de seus próprios sentimentos ou ten-dências de ação pode ser o melhor indicadorde que algo esteja acontecendo que justifiquea exploração. Por exemplo, o terapeuta podeachar que está trabalhando mais duro do queo normal para aconselhar, porém está menosatento às preocupações do paciente do quenormalmente estaria com outros, ignorando,assim, as preocupações do paciente ou mesmolevando-o a aceitar uma interpretação especí-fica. Nas situações em que o paciente afasta-seatravés da dissociação de sentimentos de amea-ça em relação ao terapeuta, este pode perce-ber repentinamente que está perdendo o inte-resse pelo paciente ou que está desviando suaatenção.

Uma vez que o terapeuta comece a per-ceber o ciclo de estar representando, suas ta-refas desconectam-se da prática, e ele começaa explorar os sentimentos que estão sendo evi-tados pelo paciente. Vale lembrar que esses doisprocessos podem ser interdependentes. Porexemplo, um terapeuta que percebe que suaatenção está sendo desviada pode começar ametacomunicar-se mostrando sua experiênciapara o paciente e explorando tal experiência.O terapeuta pode dizer: �Estou percebendo queminha atenção está desviando-se. Não tenhocerteza do que está acontecendo, mas acho quedeve ter algo a ver com um tipo de distânciaque existe em sua voz. Você teria alguma idéiado que esteja acontecendo agora?�. Em respos-ta, o paciente pode reconhecer que está afas-tando-se do terapeuta porque sente-se machu-cado por algo que ele tenha dito. Durante esseestágio, é importante direcionar a atenção dopaciente ao aqui-e-agora da relação terapêuti-ca. Intervenções úteis consistem em afirmaçõescomo: �O que você está experienciando?�, ou�Eu acho que você está se afastando de mim�,ou mesmo �Como você se sente sobre o queestá acontecendo entre nós agora?�.

É importante para o terapeuta manteruma instância curiosa e empática em relação

ao paciente e estar aberto e receptivo a quais-quer sentimentos negativos que venham aemergir. É comum nesse ponto que o pacientefale em termos gerais sobre sentimentos nega-tivos, ao invés de tentar confrontá-los direta-mente com o terapeuta. Por exemplo, o pacien-te pode criticar a profissão de saúde mental e,em resposta, o terapeuta pode considerar útilexplorar a relevância desses sentimentos napresente situação. O terapeuta pode dizer: �Sevocê estiver disposto, gostaria que tentasse dei-xar um pouco mais claro o que está dizendo.Esses conceitos também se aplicam a mim?�.

Essa exploração pode ser conduzida deum modo não-controlado, respeitando qual-quer decisão por parte do paciente e não dis-cutindo sentimentos negativos em relação aoterapeuta no presente contexto. É particular-mente importante com pacientes que tendama ser submissos, pois levar o paciente a explo-rar algo que ele não esteja pronto simplesmenteo convida a maiores níveis de submissão. Oterapeuta deve ter em mente a possibilidadede contribuir com uma nova variação de re-presentação nas suas tentativas de restabele-cer o contato com aqueles pacientes que este-jam afastando-se.

Embora tenhamos destacado o papel doterapeuta no processo de desconexão, não énossa intenção descrever esse processo comoum empreendimento unilateral. Ele invaria-velmente inclui a disposição do paciente emparticipar de um processo de investigação co-laborativa sobre a natureza da matriz intera-tiva. De alguma maneira, o paciente tambémdeve estar disposto e ser capaz de sair rapida-mente da representação para começar a ex-ploração do que está acontecendo na relaçãoterapêutica.

O estágio de desconexão é seguido pordois caminhos paralelos de exploração. O pri-meiro é chamado de caminho experiencial eenvolve a exploração de pensamentos e senti-mentos associados à ruptura (Estágios 3 e 5).O segundo chama-se caminho evitativo e en-volve a exploração dos processos internos e dasoperações defensivas que interferem ou inter-rompem os sentimentos e os pensamentos as-sociados à experiência de ruptura (Estágio 4).O caminho experiencial pode ser subdividido

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em dois estágios sucessivos: Estágio 3 (asserti-vidade qualificada) e Estágio 5 (assertividade).

Estágio 3: assertividade qualificada

Neste estágio, o paciente começa a expres-sar pensamentos e sentimentos associados à ex-periência de ruptura. No entanto, eles estãomisturados com características da marca inici-al de ruptura. Por exemplo, o paciente começaa expressar sentimentos negativos, porém qua-lifica a afirmação negativa e volta atrás (porexemplo, �Estou me sentindo um pouco irrita-do, mas isso não é tão importante�). Ele entraem contato com � e expressa � desejos funda-mentais que são tipicamente auto-assertivos eque muitas vezes estão associados a sentimen-tos de raiva. Contudo, tal conteúdo torna-semuito evocador de ansiedade, e o paciente re-almente se afasta de experienciar tais sentimen-tos.

Diversas intervenções terapêuticas podemser úteis no contexto desse tipo de assertividadequalificada. Elas estão agrupadas sob o nomegeral de assertividade facilitadora, e o princí-pio mais importante é o de empatizar com edemonstrar um genuíno interesse e/ou curio-sidade pelos sentimentos negativos que estãosendo veiculados de maneira indireta. Umaintervenção possível envolve a diferenciação ea exploração de diferentes estados do self.Quando o paciente qualifica suas afirmaçõesou indica que está incerto ou em conflito emrelação a seus sentimentos (negativos), o tera-peuta pode reconhecer ambos os lados e, en-tão, focalizar-se seletivamente nas inquietaçõesdo paciente, ou seja, na dificuldade em reco-nhecer ou articular tais sensações. Por exem-plo, o terapeuta pode dizer: �Entendo que vocêesteja incerto sobre a importância das suas in-quietações. Entretanto, se você estiver dispos-to, eu gostaria de ouvir mais a respeito delas�.Ou ainda: �Parece que você tem duas perspec-tivas nessa questão. Uma parte de você senteque não é muito importante, mas a outra partetem algumas inquietações. Se você estiver dis-posto a ir um pouco mais a fundo, sugiro quetente deixar de lado o sentimento de �não émuito importante� por um momento e possibi-

lite-me ouvir mais da parte que está incomo-dada�.

Outra intervenção muito útil consiste emdar feedback ao paciente sobre a maneira comoele qualifica ou suaviza sua afirmação paraaumentar sua percepção desse processo. Porexemplo, o terapeuta pode afirmar: �Minhasensação é que você começa a expressar algunssentimentos negativos, mas então pára, colo-cando-os de lado. Você percebe isso?�. Se opaciente conseguir tornar-se mais conscientedessa operação defensiva, o terapeuta podecomeçar a explorar os processos internos asso-ciados a tal evitação. Por exemplo, ele podeperguntar: �Você tem noção do risco que cor-reria colocando as coisas de uma maneira não-qualificada?�.

Uma terceira intervenção consiste em su-gerir um experimento de percepção. Ela envol-ve o encorajamento do paciente em experimen-tar sentimentos diretamente expressos comrelação às hipóteses (do terapeuta) que estãosendo diretamente evitadas e, então, atentarpara quais sentimentos são evocados pelo ex-perimento. Em alguns casos, o experimentoprovoca ansiedade, que pode levar a uma ex-ploração dos processos internos associados àevitação. Por exemplo, o paciente diz: �Estoume sentindo um pouco frustrado com a ma-neira como as coisas estão caminhando na te-rapia, mas sei que não existe um remédio má-gico�. O terapeuta, então, responde: �Eu gos-taria de saber se você está disposto a tentardizer alguma coisa como uma forma de expe-rimentar suas sensações. Tente dizer �eu espe-ro mais de você� e veja como se sente�. O pa-ciente poderá responder: �Eu não posso dizerisso�. O terapeuta, então, perguntaria: �Por quenão? O que acontece com você quando pensaem dizê-lo?�. O paciente pode responder: �Eucomeço a me sentir infantil�. Subseqüentemen-te, essa admissão leva a uma exploração da se-veridade do paciente e a uma atitudedesaprovadora em relação às suas própriasnecessidades. Em outros casos, o experimentoajuda a aprofundar a percepção e o reconheci-mento do paciente de sua experiência deevitação. No exemplo anterior, ele poderia, porexemplo, repetir a frase �Eu espero mais devocê� ou alguma variação disso. Então, quan-

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do o terapeuta pergunta �O que você experien-cia quando diz isso?�, o paciente entra em con-tato com o seu desejo negado.

Estágio 4: evitação

Em um típico processo de resolução, aexploração dos procedimentos de ruptura decaminho experiencial torna-se bloqueada deum certo ponto em diante. O bloqueio é indi-cado pelo paciente através de estratégias de en-frentamento, verbalizações defensivas e açõesque funcionam para evitar ou administrar emo-ções associadas à experiência de ruptura. Exem-plos de estratégias de enfrentamento disfun-cionais incluem mudança de tópico, falar emum tom de voz fraco e em termos gerais, aoinvés de assuntos específicos do aqui-e-agorado relacionamento terapêutico. O caminhoevitativo envolve a exploração de crenças, ex-pectativas e outros processos internos que ini-bem o reconhecimento e a expressão de sen-timentos e necessidades associados à experiên-cia de ruptura.

Existem dois subtipos principais: o pri-meiro consiste em crenças e expectativas so-bre a resposta do outro que interfere na ex-ploração do caminho experiencial. Por exem-plo, o paciente que pensa que as expressõesde ira evocam retaliação por parte do outroterá dificuldade em reconhecer e expressar ossentimentos de raiva, enquanto o paciente queacredita que as expressões de vulnerabilidadee necessidade resultarão em abandono terádificuldade em expressar tais sentimentos. Asrespostas do terapeuta mais facilitadoras nessecontexto são a empatia de exploração e sus-tentação. Suponhamos que o paciente criti-que os terapeutas de uma maneira geral, mastenha dificuldade de criticar diretamente seupróprio terapeuta. Nesse caso, o terapeutapode responder: �Percebo que você está fa-lando dos terapeutas em geral, mas não espe-cificamente sobre mim. Qual a sensação dorisco que estaria correndo de falar especifica-mente sobre mim?�. Em outro exemplo, opaciente começa a pedir que o terapeuta sejamais prestativo e então qualifica sua necessi-

dade, por exemplo, �Isto não é muito impor-tante�. O terapeuta responde: �Percebo quevocê está qualificando ou diminuindo sua ne-cessidade. O que você acha que faz com queseja difícil pedir sem qualificar?�.

As explorações desse tipo são melhorconduzidas no momento mais próximo de ocor-rer a evitação. Além disso, elas podem ser di-tas de uma maneira que encoraje o paciente adescobrir sua experiência no momento (porexemplo, �Tenho medo de ofendê-lo�), ao in-vés de uma especulação intelectualmente maisdistante (por exemplo, �Isso se relaciona como meu medo de figuras de autoridade�). Umainstância de empatia sustentada pelo terapeu-ta é fundamental nesse ponto. É importanteque ele não desafie os medos do paciente denenhuma maneira, visto que isso apenas trarádificuldade (para ele e para o cliente) dearticulá-los completamente. Sem tal articula-ção, o paciente perderá a oportunidade de ava-liar seus medos com mais detalhes à luz dasações atuais do terapeuta.

O segundo subtipo de evitação consistenas auto-incertezas ou autocríticas, cuja fun-ção é bloquear a exploração do caminhoexperiencial da ruptura. Por exemplo, o paci-ente que acredita ser infantil por querer ajudae, ao mesmo tempo, não ser capaz de expres-sar suas necessidades ao terapeuta, ou o pa-ciente que acredita ser imaturo por ficar comraiva e achar que terá dificuldade em expres-sar tais sentimentos. Esse tipo de autocríticapode ser entendida no desenvolvimento comorespostas introjetadas ou negativas do outroque foram internalizadas. Isso acontece commais freqüência quando o terapeuta sente-seameaçado pelos sentimentos negativos ou de-sejos que seus pacientes estejam evitando.

Em geral, é útil para o terapeuta ajudar opaciente a diferenciar e explorar diferentesestados do self nesse contexto. O terapeutapode conduzir a atenção do paciente de ma-neira que ele mude para um estado de au-tocrítica quando começa a entrar em contatocom sentimentos de assertividade e ajudá-lo acompor sua experiência como um conflito en-tre duas partes diferentes do self. Ele pode,então, pedir ao paciente que fale diretamente

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de cada aspecto seu, alternando entre a parteque deseja ser assertiva e a parte que críticaesse desejo. Assim, um diálogo pode ser esta-belecido entre os dois aspectos do self que per-mitem ao paciente realmente vir a ter uma ex-periência tangível e integrada. Conforme opaciente explore sua evitação, ganha a percep-ção dos processos que interferem em sua ex-periência e desenvolve a noção de proprieda-de desses processos. Ele pode voltar ao cami-nho experiencial espontaneamente, ou o tera-peuta pode redirecionar a atenção a esse ca-minho uma vez mais. Em geral, um processode resolução envolve uma alternância entre oscaminhos experiencial e evitativo, com a ex-ploração de cada um deles funcionando parafacilitar uma profundidade de exploração dooutro.

Estágio 5: auto-assertividade

Neste estágio, o paciente acessa e expres-sa necessidades fundamentais para o terapeu-ta. Nos termos dessa proposta, esse ato de auto-assertividade seria conceitualizado como a ex-pressão do desejo fundamental. Algumas ve-zes, pode ser difícil para o terapeuta distinguirentre esse tipo de assertividade pessoal e aassertividade anterior, que acontece no Está-gio 3. A auto-assertividade acarreta uma acei-tação da responsabilidade pelas necessidadese pelos desejos do indivíduo, ao invés de umaexpectativa de que o outro automaticamentesaberá quais as necessidades do indivíduo, ouque seja obrigado a satisfazê-las. Portanto, issoimplica um certo grau de individuação do pa-ciente em relação ao terapeuta. Em contraste,a expressão dos desejos e das necessidades noEstágio 3 muitas vezes tem um tom de descul-pa, apologia ou reclamação. Ela é mediada pelaautocrítica ou pela expectativa do paciente deque suas necessidades não serão satisfeitas. Porisso, é mais parecida com a expressão de obri-gação do que a expressão de necessidade(Ghent, 1992; 1993).

Uma vez que o paciente tenha começa-do a ser assertivo e a expressar um desejo fun-damental, convém que o terapeuta responda

de uma maneira empática e não-julgadora.Esse tipo de resposta desempenha um papelimportante, provocando expectativas � tantoconscientes quanto inconscientes � que te-nham sido difíceis para o paciente colocar suaassertividade em primeiro lugar. Um padrãocomum para os pacientes é inicialmente se-rem assertivos de uma forma estruturada porseu esquema relacional característico � porexemplo, um paciente cujo pai era crítico etirano pede ao terapeuta que seja maisconfrontador. Quando a assertividade do pa-ciente é assim, o terapeuta deve tentarempatizar-se com o seu desejo, ao invés deinterpretá-lo imediatamente como uma refle-xão de um esquema relacional antigo. A últi-ma resposta corre o risco de desencorajar opaciente a ser mais assertivo e também podelevá-lo a submergir em seus desejos funda-mentais. Em contraste, quando o terapeutaempatiza com os desejos do seu paciente, aju-da-o a ser mais assertivo de um modo menosestruturado de seu antigo esquema. Nessecaso, o paciente pode realmente ser capaz depedir ao terapeuta que seja mais apoiador.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA

Para melhor ilustrar o modelo de resolu-ção de afastamento delineado na Figura 21.1,exemplificaremos com uma transcrição obtidana quinta sessão de um tratamento.

Elisa, 32 anos, buscou tratamento porcausa de uma falta geral de direção em suavida e por sua dificuldade específica de conse-guir manter um relacionamento afetivo (ro-mântico). Ela descreve uma história anteriorde abandono: seu pai deixou a família quandotinha 8 anos, e sua mãe morreu de câncer quan-do tinha 10 anos. A paciente e sua irmã maisnova foram criadas por uma tia, que não eracasada. Enquanto a irmã casou antes dos 20anos, Elisa continuava solteira e morando comsua tia. A paciente começou a quinta sessãodizendo que sua agenda no trabalho era com-plicada e seria difícil marcar um encontro re-gular.

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Estágio 1: marca de rupturade afastamento

Elisa (E): Será difícil marcarmos algo...Terapeuta (T): Você está querendo dizer quesua agenda está sempre mudando?E: Humm... É isso mesmo.T: Eu posso entender que isso seja mesmo umproblema.E: Dá para fazer algo por correspondência?(risos)T: Não...E: Alguns livros bons para ler? Eu não sei maiso que fazer. Tudo o que posso fazer é ouvir ever quando eu puder... Quando estiver na áreaou algo assim, se pudermos trabalhar dessamaneira.T: Então, talvez você esteja pensando... se sairvocê é livre e, às vezes, poderia fazer uma vi-sita ocasional?E: Sim... você pode fazer assim?T: Humm... não. Não acho que assim possalhe ser útil.E: Bem, você pode pensar em alguma outracoisa que poderia ajudar?T: Eu não estou bem certo do que sugerir. Quetipo de coisa você teria em mente?E: Não sei. Estou apenas perguntando. Eu acha-va que talvez você tivesse um conhecimentomais extenso do que acontece aí fora. Algo quese encaixasse nas minhas necessidades.T: Existem pessoas que têm horários à noite.Talvez o melhor a fazer seria ver se isso seriapossível para você. (Elisa está sendo atendidaapenas em horários diurnos)E: Você pode sugerir alguns nomes para mim?T: Provavelmente eu posso sugerir um ou dois.E: Outro?� Quer dizer que eu teria que falarnovamente sobre mim?T: Acho que sim.E: Não sei... não sei� há sempre um dilema.Algo sempre volta à tona.

Estágio 2: desconexão eacompanhamento da ruptura

T: Estou um pouco curioso e surpreso porque,quando começamos, você sabia que começa-ria num novo emprego.E: Sim, mas eu não sabia exatamente comoseria minha agenda.T: Nada mais lhe ocorre?E: Não. O que você faria se estivesse na mi-nha situação?

T: Para ser franco, não sei�E: Bem, de qualquer maneira, estou apenasfazendo o que é certo... certo para mim nomomento.T: Puxa� eu estou aqui me perguntando oque está acontecendo com você por dentro?E: E eu me perguntando o que você está pen-sando?�T: Eu percebo que estou me sentindo comotendo um tipo de impedimento com você. Issose encaixa em sua experiência?E: Sim, um pouco.T: Você poderia dizer mais alguma coisa?E: Bem, eu não tenho certeza de que você es-teja conseguindo me dar realmente aquilo quepreciso. Talvez isso tenha acontecido já na úl-tima sessão também.

Ao invés de admitir diretamente sua frus-tração com a última sessão, Elisa começa estasessão indicando que sua agenda pode dificul-tar futuros encontros. Ela não diz abertamen-te que quer terminar o tratamento, mas sugereque poderia terminar (por exemplo, pergun-tando sobre terapia por correspondência ou li-vros relevantes) e então pergunta ao terapeu-ta se ele pode acomodar-se à sua agenda irre-gular. Quando o terapeuta descarta essa possi-bilidade, ela continua a buscar a direção doterapeuta em termos de uma possível referên-cia. O terapeuta parece estar encaixado em umarepresentação de papel em que responde à rai-va não-instituída de Elisa e às necessidadesposteriores de acomodação e orientação comirritação e impedimento. Ele finalmente arti-cula sua percepção de que está sendo limitante,começando, assim, o processo de desconexão.Esse procedimento ajuda Elisa a reconhecermais diretamente sua frustração.

Estágio 4: evitação

E: Penso que talvez eu realmente não estejadando uma chance às coisas. Isso acontece co-migo o tempo todo. Eu sempre me questiono.T: Você começa a se sentir frustrada, mas issoparece como você começando a se questionar,é isso?E: Sim.T: É como se houvesse dois lados de você em-penhados numa pequena batalha. Faz sentido?E: Sim.

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Estágio 3: assertividade qualificada

T: Qual desse dois lados você está sentindocomo o mais forte agora?E: Um pouco frustrada... mas talvez eu estejaprecisando.T: Você está aberta a explorar sua frustraçãoum pouco mais?

Estágio 4: evitação

E: Não sei�T: Alguma noção de quais são suas reservas?E: Bem, eu não queria dizer algo que você to-masse de maneira errada.T: O que poderia acontecer se eu tomasse demaneira errada?E: Não sei... Você poderia tomar como algopessoal.T: E o que é que tem se eu tomasse como algopessoal?E: Eu poderia ofendê-lo� (longa pausa e Elisaparece pensativa).T: Alguma noção do que você está experien-ciando agora?

Este segmento vai para frente e para trásna exploração da evitação e da experiência.Depois de começar a expressar sua frustração,Elisa começa a duvidar de si mesma. O tera-peuta intervém apenas ajudando a classificaros dois diferentes estados do self de Elisa (ex-periência versus auto-incerteza) e começandoa explorar o estado que emerge como mais fi-gurativo no momento (frustração). Isso evocaansiedade e também evitação por parte deElisa, o que é subseqüentemente explorado emmaior profundidade. Através desse processo, apaciente é capaz de articular seu medo de ma-chucar o terapeuta e de se expressar direta-mente através de seus sentimentos negativos.

Estágio 5: auto-assertividade

E: Talvez com um pouco de raiva.T: Humm... você poderia colocar alguns dosseus sentimentos em palavras?E: Por que eu deveria me preocupar com osseus sentimentos? Eu não vejo nenhum pro-

gresso! Eu quero saber o que me fará funcio-nar melhor. Como eu gostaria que você medissesse o que me faz parar de ser uma pessoafuncional. Por que sempre estou nesses apu-ros? Eu quero que você me diga o que fazer.T: Ok. Então, vamos ver se estou entendendoo que você está dizendo.E: Como assim?T: Você vai me dizer, por favor, se estou ounão entendendo?! Você está dizendo, �eu que-ro saber o que está acontecendo... o que mebloqueia de fazer o que eu quero, ou de sermais feliz e satisfeita�.E: Sim.T: E �eu quero que você me diga ou que memostre uma maneira�... algo desse tipo. Vocêpoderia dizer um pouco mais a esse respeito?E: Basicamente, eu quero ouvir o que você tempara dizer. Estou expondo os fatos para vocêe acho que você sabe quais são meus insights...Eu quero que você se comprometa e diga-meo que pensa. (Neste ponto, ela faz um gestoempático com a mão).T: (O terapeuta espelha o gesto). Quando vocêfaz esse gesto, que tipo de sentimentos vêmcom ele?E: Eu não sei. É como... �é o seu show� oualgo parecido.T: �É o seu show?�E: Sim... você sabe... a bola está na sua qua-dra.T: Ok... �A bola está na sua quadra�. Isso pa-rece como se o sentimento fosse que eu estou�mandando a bola de volta para sua quadra�,ao invés de me responsabilizar por ajudá-la�É isso?E: Sim... eu acho que é isso.T: O que você está experienciando neste mo-mento?

O processo de articulação explícita do seumedo de ferir os sentimentos do terapeuta es-pontaneamente acabam por ajudar Elisa a en-trar em contato com sua raiva ao sacrificarsuas próprias necessidades. Em resposta àempatia e à exploração do terapeuta, ela fi-nalmente consegue articular explicitamente anecessidade que tem estado implícita em suacomunicação. Prestando atenção ao gesto damão de Elisa, o terapeuta ajuda-a também aarticular sua necessidade (�É seu show� e �Abola está na sua quadra�). O terapeuta, en-tão, empatiza com a experiência básica dessa

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necessidade (�Isto soa como se eu continuas-se mandando a bola de volta para sua quadra,ao invés de realmente responsabilizar-me porajudá-la�).

Estágio 4: evitação

E: Eu sinto vergonha.T: Do que você sente vergonha?E: Bem... Isso parece um pouco ridículo. Équase como admitir que estou derrotada eestou pedindo ajuda�T: Pedindo ajuda? Como assim?E: Como quando se é criança. Indo pedir aju-da às pessoas para indicar um caminho ou algoassim. Você fica um pouco hesitante, talvezum pouco envergonhada, você sabe� inse-gura. Por que elas iriam ajudá-la?

O estado empático do terapeuta pareceter evocado alguma experiência em Elisa denão satisfazer sua necessidade básica e conse-qüente ansiedade e auto-recriminação. Em res-posta à exploração do terapeuta, ela tambémé capaz de começar a articular o medo de aban-dono (embora uma exploração detalhada des-se medo no relacionamento com o terapeutatenha esperado por sessões posteriores). Apósesta sessão, Elisa comprometeu-se novamentecom o tratamento e sua agenda nunca maisapareceu como uma questão impeditiva.

Embora em muitas rupturas de afasta-mento a expressão de sentimentos negativosem relação à terapia ou ao processo terapêu-tico que não tenham sido reconhecidos cons-titua o estágio final do processo de resolução,esse exemplo termina com uma exploraçãopreliminar das necessidades de cuidado dapaciente que sempre foram negadas. Tal ca-racterística emergiu como particularmenteimportante para Elisa, cujas expectativas deabandono desempenharam um importantepapel na perpetuação da oscilação entre a con-fiança ressentida e as necessidades indiretasde cuidado. Ainda que sua raiva tenha emer-gido como uma reação secundária a um dese-jo básico por cuidado, a expressão direta des-sa necessidade constituiu um importante atode auto-assertividade no contexto desse pro-

cesso de resolução, ao invés da expressão in-direta.

UM MODELO DE RESOLUÇÃOPARA RUPTURAS DE CONFRONTO

As rupturas de confronto provavelmentedespertam intensos e perturbadores sentimen-tos de raiva, impotência, culpa e até mesmodesespero nos terapeutas. Enquanto tais senti-mentos são uma resposta comum também àsrupturas de afastamento, muitas vezes o tera-peuta está sendo o objeto de intensa agressãopor um período prolongado de tempo particu-larmente difícil de lidar. Frente a tais sentimen-tos intensos e perturbadores, convém lembrarque o mais importante não são as intervençõesterapêuticas específicas aplicadas, mas todo oprocesso de sobrevivência. Tolerar os sentimen-tos de crítica e raiva dos pacientes é uma tare-fa difícil. É inevitável que o terapeuta respon-da como ser humano com sua própria raiva edefensividade. Todavia, deve estar conscientedos difíceis sentimentos que emergem quandoexperiencia o fato de ele mesmo ser objetodessa agressão e deve estar disposto a reco-nhecer suas contribuições para novas interaçõesno futuro. Sua tarefa é não permitir ou trans-cender os sentimentos de raiva ou defen-sividade, e sim demonstrar uma boa vontadeconsistente para agarrar-se ao paciente e traba-lhar em direção a um entendimento do que estáacontecendo entre ambos diante de quaisquersentimentos difíceis que venham a emergir.

O modelo de resolução de rupturas deconfronto assemelha-se em muitos aspectos aomodelo de resolução para marcas de afasta-mento. Ele começa com a marca de ruptura noEstágio 1 e continua com o processo de des-conexão no Estágio 2. Também inclui os doiscaminhos paralelos de exploração: o caminhoexperiencial e o caminho evitativo. Contudo,difere em outros aspectos. Primeiro, a exten-são com que o paciente apresenta agressão in-tensa, sendo que os processos de desconexão ede sobrevivência da sua agressão durante umlongo período de tempo tornam-se mais cen-trais. Segundo, a ênfase no Estágio 3 recai naelucidação da construção da situação por par-

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te do paciente, ao invés de ajudá-lo a começara ser assertivo e individualista. Por exemplo, opaciente pode começar a colocar em palavrasa maneira como se sente desapontado com oterapeuta. Terceiro, os desejos e as necessida-des emergentes no estágio final geralmenteacarretam um desejo por contato ou cuidado,ao invés de um desejo por individuação. Quar-to, fazemos uma distinção entre a evitação deagressão do paciente (Estágio 4) e sua evitaçãode sentimentos vulneráveis (Estágio 5).

Nesses termos, uma marca de confrontopode ser conceitualizada como uma respostaagressiva de self que é perpetuada por um ci-clo vicioso no qual o paciente acredita que seudesejo por cuidado continuará a não ser satis-feito, que os outros responderão com abando-no, violação ou retaliação e que a única espe-rança de sobrevivência e possível remediaçãoda situação consiste na autoproteção e na ten-

tativa de coação do outro em satisfazer suasnecessidades. Por isso, nos termos de Ghent(1992), apresenta-se ao terapeuta uma expres-são de necessidade que encobre uma necessi-dade básica. Como ilustra a Figura 21.2, a pro-gressão comum na resolução das rupturas deconfronto consiste em um movimento em di-reção aos sentimentos de raiva (Estágio 1), aossentimentos de ser ultrajado, desapontado oumachucado (Estágio 3), para entrar em conta-to com a vulnerabilidade e os desejos básicosde cuidado (Estágio 6).

Estágio 1: marca de ruptura de confronto

As rupturas de confronto começam comouma variante da habitual resposta de self dopaciente. Por exemplo, o paciente tem longoimpedimento de um desejo de ser cuidado e

Figura 21.2 Modelo de resolução de ruptura para rupturas de confronto.

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uma prontidão em perceber o terapeuta comomais um na longa linha de pessoas que falha-rão com ele. Por isso, entra no relacionamentoterapêutico com uma reserva de conhecimen-tos de desapontamento e raiva, esperando seratingido pelas inevitáveis falhas e omissões doterapeuta. Quando as rupturas de confrontoacontecem, pode ser difícil, senão impossível,para o terapeuta evitar responder às necessi-dades e às críticas do paciente defensivamen-te, dando assim a esperada resposta do outro.Como Henry, Schacht e Strupp (1986) têmmostrado, é muito comum que as interpreta-ções do terapeuta transmitam sutis mensagensde censura e depreciação ao paciente, ou con-sistam em complexas comunicações que simul-taneamente transmitam mensagens de ajuda ede crítica.

Estágio 2: desconexão

Quando acontece a desconexão, o proces-so de exploração da matriz interativa torna-sea prioridade do terapeuta. O seu primeiro pas-so no trabalho com a ruptura de confrontoenvolve a desconexão do ciclo vicioso de hos-tilidade e contra-hostilidade que está sendorepresentado pela metacomunicação do pacien-te sobre o confronto atual. Como discutimosno contexto das rupturas de afastamento, em-bora estejamos representando a desconexãocomo um estágio distinto, o processo de reso-lução total envolve um futuro ciclo de ida evolta entre os maiores e menores graus de co-nexão. Durante o processo de desconexão,muitas vezes é importante para o terapeutareconhecer a responsabilidade por sua con-tribuição para a interação. Por exemplo, o te-rapeuta pode dizer: �Penso que o que estáacontecendo é que eu tenho me sentido criti-cado por você e tenho respondido tentandoculpá-lo pelo que está acontecendo na nossainteração�. Também pode ser extremamenteútil nesse contexto que comente a experiên-cia de confronto mútuo. Por exemplo, o tera-peuta pode declarar: �Sinto como se eu e vocêestivéssemos em um poderoso confronto ago-ra: eu tentando responsabilizá-lo por suas

frustrações com a terapia e você tentando in-cutir-me culpa�.

O terapeuta que se sente pressionado aprovar ao paciente que a terapia ajudaria podecomentar sobre o seu dilema, ao invés de res-ponder a essa pressão com tentativas inefetivasde persuasão ou com uma defensividade rai-vosa. Por exemplo, o terapeuta pode pontuar:�Estou me sentindo pressionado a convencê-lode que posso ajudá-lo, mas sinto que nada doque eu diga irá obrigá-lo a isso�. O terapeutaque se sente criticado ou atacado pode comen-tar sobre essa experiência, ao invés de defen-der-se ou contra-atacar. Por exemplo: �Eu mesinto cauteloso em dizer qualquer coisa, por-que sinto-me criticado quando eu tento respon-der às suas questões ou opiniões�. Esse tipo demetacomunicação pode servir para várias fun-ções. Primeiro, pode ajudar o terapeuta a res-tabelecer o espaço interno que está em colap-so. Segundo, pode fornecer ao paciente umfeedback que o ajude a reconhecer os sentimen-tos negativos em relação ao terapeuta que es-tão negados. Terceiro, pode ajudar o pacientea assumir suas ações. Abaixo, descrevemos al-gumas outras possibilidades:

1. Restabelecimento do espaço interno.Quando o terapeuta é objeto de intensa agres-são, pode paralisar-se por seus próprios confli-tos internos relativos aos seus sentimentosagressivos, o que pode tornar impossível suareflexão. Sob tais circunstâncias, é inevitávelque aconteça um colapso no espaço interno ouno espaço analítico, isto é, o tipo de consciên-cia dupla necessária para ser um observador-participante. O simples processo de articula-ção dos aspectos de sua experiência que sejamameaçadores nesse contexto � �dizer o indizí-vel� � pode iniciar o processo de libertação doterapeuta e restaurar o espaço analítico. Talarticulação não envolve a dispensa de senti-mentos hostis em relação ao paciente; mais doque isso, o terapeuta deve tentar articular as-pectos seletivos de sua experiência da situaçãode um modo tão diplomático quanto possível.Muitas vezes, é útil que ele transmita algumanoção de seus sentimentos de conflito sobre asituação. Por exemplo, o terapeuta pode reve-lar: �Estou realmente me sentindo atacado e

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estou lutando para não responder defensiva-mente�, ou �Estou relutante em dizer algo pormedo de provocar outro ataque seu�, ou �Es-tou me sentindo atacado e com um pouco deraiva, mas estou com medo de mostrar minharaiva por medo de aumentar as coisas entrenós�.

2. Fornecer feedback para o paciente. For-necer feedback ao paciente agressivo sobre seuimpacto pode ajudá-lo a começar a ver suacontribuição para a interação. Concordamoscom teóricos como Carpy (1989), Epstein(1977) e Gabbard (1996), que tentam inter-pretar a raiva do paciente como reflexo de umadinâmica interna, visto que a agressão proje-tada pode deteriorar o processo terapêutico.Esse tipo de interpretação sugere que a raivareside apenas no paciente, não no terapeuta, epode funcionar como uma forma de expressaros sentimentos de raiva do terapeuta de umamaneira negada. Porém, dar um feedback des-se tipo nem culpa o paciente pela interação,nem pretende colocar o terapeuta fora da in-teração, pois equilibra-se em algum tipo de si-tuação terapêutica que seja mais neutra. Alémdisso, quando o terapeuta luta com o processode articular selecionados aspectos de seus sen-timentos de dor e conflito sobre uma intera-ção agressiva, o esforço em si transmite ao pa-ciente a mensagem sadia de que sentimentosagressivos não são tão tóxicos assim, poden-do-se falar e lidar com eles explicitamente. Issopode realmente ajudá-lo a se sentir mais con-fortável sobre o completo reconhecimento deseus próprios sentimentos de raiva.

3. Ajudar o paciente a assumir suas ações.As rupturas de confronto ocorrem em termoscontínuos de como � direta ou indiretamente �o confronto inicial é expresso. Quando o con-fronto direto acontece de maneira mais direta,o terapeuta não precisa começar facilitandouma expressão mais direta da necessidade bá-sica ou dos sentimentos negativos. No entan-to, em muitos casos, o confronto inicial estámisturado com características de marca de afas-tamento. Quando isso acontece, o terapeutapode ficar envolvido em uma representação depapel que é particularmente difícil de se ver,

porque o paciente está comunicando-se de ummodo complexo e incongruente. Por exemplo,ele pode criticar a terapia, mas ao mesmo tem-po negar que esteja infeliz com as coisas comosão. Nesse caso, a primeira tarefa do terapeu-ta, como parte do processo de desconexão, étentar esclarecer a natureza da comunicaçãoincongruente que está acontecendo. Esse pro-cesso ajuda o paciente a expressar os sentimen-tos negativos básicos de maneira direta, assu-mindo, assim, suas ações. Por exemplo, o pri-meiro passo no trabalho com um paciente queexpressa sarcasticamente seus sentimentosnegativos em relação ao terapeuta, mas aomesmo tempo age de um modo conciliador, éajudá-lo a reconhecer os sentimentos de raivaque fundamentam o sarcasmo e expressá-losdiretamente.

O primeiro passo no trabalho com o pa-ciente que está implicitamente fazendo exigên-cias do terapeuta é ajudá-lo a fazer as exigên-cias mais explicitamente. Uma intervenção útilpara facilitar esse processo é que o terapeutadescubra o impacto que o paciente tem sobreele. Por exemplo, o terapeuta pode dizer: �Sin-to-me atacado e protegido ao mesmo tempo�,ou �Sinto como se você, de uma maneira mui-to cuidadosa, estivesse tentando fazer com queeu faça mais por você�. Assim como no caso domodelo de afastamento, intervenções desse tipopodem levar a uma exploração da experiênciaassociada à ruptura ou à evitação de tal expe-riência. Também como no caso do modelo deafastamento, essa fase do processo de resolu-ção envolve uma oscilação de ida e volta entreos caminhos experiencial e evitativo.

A transição para o Estágio 3 é facilitadapor diversos processos que acontecem no Es-tágio 2. Por exemplo:

1. O terapeuta pode começar o processode articulação que realmente está acontecen-do na interação e explorar a construção que opaciente faz dele pela metacomunicação sobrea interação, e não pela simples retaliação ouafastamento. Por exemplo, o terapeuta diz:�Tenho a sensação de que tudo o que eu digovocê acha que é da maneira errada. Isso seencaixa em sua experiência?�. O paciente,

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conjecturalmente, reconhece que isso aconte-ce, e o terapeuta pede-lhe que elabore essaexperiência. Ou o paciente pede uma explana-ção de como o terapeuta trabalha, e o terapeu-ta responde: �Embora eu ache importante res-ponder à sua questão, tenho a sensação de quevocê não aceitará nada do que eu diga. Isso seencaixa em sua experiência?�. Em resposta, opaciente reconhece que pode existir algo napercepção do terapeuta. A exploração futurasubseqüentemente ajuda o paciente a articu-lar a construção associada com não achar nadaaceitável (por exemplo, uma sensação de futi-lidade e desesperança).

2. O terapeuta reconhece o impacto dopaciente sobre ele, incluindo quaisquer senti-mentos de vulnerabilidade ou impotência queapresente. Assim, o terapeuta pode diminuir oataque e preparar o terreno para a exploraçãoda construção que o fundamenta.

3. O terapeuta pode ajudar o paciente aconfrontá-lo mais diretamente, caso esteja fa-zendo isso de maneira indireta. Dessa manei-ra, ele desenvolverá uma maior consciência dossentimentos que motivam o confronto, facili-tando, assim, o acesso aos processos de cons-trução básicos.

4. Às vezes, a habilidade do terapeuta emexpressar seus próprios sentimentos de raivade um modo reflexivo ou de reconhecer seuspróprios conflitos em relação ao seus sentimen-tos pode ajudar a estabelecê-lo como pessoareal para o paciente, ao invés de objeto. Alémdisso, em contraste com as tentativas de inter-pretar a raiva do paciente ou de ocultar seuspróprios sentimentos perturbadores, esse tipode reconhecimento pode ajudar o paciente aexperienciar seu próprio poder, dando-lhe anecessária segurança para começar a explorarsua construção básica. Expressando seus sen-timentos negativos e agressivos de um modoregulado, o terapeuta pode desempenhar umimportante papel na desintoxicação da agres-são do paciente em relação a ele, fornecendoum modelo por meio do qual a agressão podeser processada sem ser catastrófica (Carpy,1989; Winnicott, 1965).

5. Quando o terapeuta reconhece sua pró-pria contribuição para a interação, a experiên-cia de que o paciente tenha um sentimento

persecutório ou de ataque pode diminuir. Comoresultado, ele pode sentir menos necessidadede se proteger do ataque, permitindo, então,que comece a explorar sua construção da si-tuação de uma maneira mais diferenciada.

Estágio 3: exploração de construção

A tarefa do terapeuta no Estágio 3 é aju-dar o paciente a começar a revelar sua cons-trução da interação. Por exemplo, a experiên-cia do paciente em relação ao terapeuta é deque este o culpa pelo fato de o tratamento nãoestar progredindo mais rapidamente, ou recu-sa-se a fornecer a direção necessária. A tarefado terapeuta aqui é elucidar as nuances daspercepções do paciente (que, muitas vezes,estão associadas aos sentimentos de raiva, ul-traje ou desapontamento). Esse processo derevelação envolve uma exploração fenomeno-lógica da experiência consciente do paciente euma articulação do que está à margem da cons-ciência, mas não completamente explícito. Elenão envolve interpretações que precisam deinferências sobre as dinâmicas inconscientes.

Como discutimos anteriormente, as inter-pretações da raiva do paciente em termos deagressão negada ou inveja normalmente nãosão úteis nesse estágio. Do mesmo modo, ten-tar desviar a raiva do paciente, interpretando-a como uma resposta à necessidade básica ouà vulnerabilidade, normalmente não é produ-tivo. Como sugerem alguns autores (Gray,1994; Busch, 1995), tentar desviar a experiên-cia consciente do paciente pode ser encaradopor ele como uma atitude não-empática e sempoder. Além disso, tal tentativa pode ser moti-vada, em parte, pelas tentativas do terapeutade sair da linha de fogo e colocar-se de voltano controle. É importante que o pacienteexperiencie qualquer sentimento de raiva, dorou desapontamento como válido, aceitável etolerável, antes que possa começar a exploraros desejos primários que são mais vulneráveispor natureza. O reconhecimento das necessi-dades básica de um tipo mais vulnerável deveemergir de uma maneira orgânica fora do re-lacionamento terapêutico quando o paciente eo terapeuta lutam juntos para trabalhar atra-

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vés de qualquer ciclo agressivo que esteja sen-do explorado.

Quando o terapeuta consegue começar aperceber sua própria contribuição à matrizinterativa, pode ser útil reconhecer essa con-tribuição abertamente. Quando não pode ini-cialmente ver sua contribuição para a situação,deve encorajar o paciente a articular sua per-cepção de como o terapeuta tem contribuído(Aron, 1998). Nesse processo, é importante queo terapeuta esteja aberto a aprender algo novosobre si mesmo e sua contribuição para ainteração, ao invés de pensar no processo comoexclusivamente uma maneira de exploração doprocesso de construção básica do paciente. Essaabertura pode transformar a situação atravésda redução da necessidade do paciente de serdefensivo e fazer com que seja mais fácilverbalizar as sutis percepções que podem serdifíceis de serem articuladas completamentena ausência de uma audiência receptiva.

Por exemplo, em um caso no qual o paci-ente sentia que seu terapeuta era insensível erígido para reformular seu horário ao marcaruma nova sessão, foi importante para o tera-peuta estar aberto ao reconhecimento dessapossibilidade para facilitar a exploração doconceito do paciente de que o terapeuta nãocuidava dele. Tal situação levou a uma explo-ração da descrença do paciente no cuidado daspessoas em geral. Em outro caso, em que a te-rapeuta tinha dado à luz recentemente, foiimportante para ela ouvir e aprender sobrecomo mudou sua conduta em relação ao pa-ciente antes que ele pudesse entrar em conta-to e explorar medos relativos à disponibilida-de emocional dos outros. Quando o pacientearticula as nuances de suas percepções, o tera-peuta começa a entendê-lo a partir de um pontointerno de referência. Quando isso acontece, émenos provável que o terapeuta tome as coi-sas como pessoais e responda defensivamente.Ao mesmo tempo, o paciente começa a se sen-tir entendido e validar-se, e um pouco de suafúria e raiva contidas começam a dissipar-se.Em alguns casos, a habilidade do terapeuta emajudar o paciente a revelar sua construção eempatizar com sua experiência constitui o fimdo processo de resolução. Em outros casos, ascoisas encaminham-se para uma exploração

mais profunda dos desejos básicos de uma na-tureza mais vulnerável (Estágio 6), um pro-cesso que será discutido a seguir.

Estágio 4: evitação de agressão

Durante os Estágios 2 e 3, é importantepara o terapeuta monitorar as mudanças sutisdos estados de self do paciente em uma basefutura. Até mesmo aqueles pacientes que sãomuito agressivos ou hostis com o terapeutaexperienciarão momentos de ansiedade ouculpa em relação à expressão de tais sentimen-tos agressivos e tentarão anular a ofensa quesentem, fazendo isso para justificar suas açõesou tentativas de despersonalizar a situação eneutralizar o perigo sentido.

Se o terapeuta sente-se muito dominadopor sua própria emocionalidade, responderámais intensamente à agressão do paciente,podendo ter dificuldade em trilhar novas mu-danças. Conseqüentemente, perderá uma im-portante oportunidade de explorar um modohabitual de funcionamento do paciente. Estepode ir e voltar em um ciclo entre um estadode raiva em relação ao terapeuta, culpando suaexpressão de agressão, e um estado de raivadetonado pelos sentimentos de culpa que sãoexperienciados como intoleráveis (Horowitz,1987). Nesse tipo de situação, é bastante útilque o terapeuta percorra essas sutis mudançasnos estados de self e ajude o paciente a perce-ber os processos internos que levam a tais mu-danças.

Estágio 5: evitação de vulnerabilidade

Um segundo tipo de evitação que às ve-zes emerge durante a resolução de rupturasde confronto consiste no afastamento defensi-vo dos sentimentos vulneráveis.

Em algumas situações, o paciente come-çará a entrar em contato com sentimentos vul-neráveis e, então, voltará a um estado mais se-guro e familiar de agressão. Quando isso acon-tece, pode ser útil para o terapeuta trilhar amudança e tentar direcionar a atenção do pa-ciente para ela. Por exemplo, o terapeuta pode

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notar: �Minha sensação é de que você entrouem contato com alguma tristeza aqui e repen-tinamente mudou para uma instância maisdura e agressiva. Você teve alguma percepçãodisso?�. Se o paciente for capaz de começar aperceber a mudança, o terapeuta pode explo-rar seus processos internos. Por exemplo, oterapeuta pode perguntar: �Você tem algumanoção do que aconteceu dentro de você umpouco antes da mudança?�. Primeiro, o paci-ente terá dificuldade em começar a perceberesse tipo de mudança. Mesmo quando ele co-mece a perceber mais, continuará a ter dificul-dade em identificar quais são os sentimentosinternos relevantes que a disparam. Entretan-to, com o passar do tempo, ele pode desenvol-ver algumas facilidades ao trilhar suas mudan-ças no estado de self e começar a explorar osprocessos internos que detonam essa mudan-ça (por exemplo, sentimentos de abandono ouautocrítica por ser vulnerável).

Estágio 6: vulnerabilidade

As necessidades primárias e os desejosque fundamentam a agressão do paciente po-dem levar um longo tempo para emergir (me-ses ou anos); em alguns casos mais extremos,eles nunca emergem. Quando o terapeuta de-monstra, consistentemente, durante um ex-tenso período de tempo, uma disposição paralevantar os conceitos que fundamentam aagressão do paciente, tenta entendê-los a par-tir do ponto interno de referência do pacien-te, tem boa vontade em explorar e reconhe-cer sua própria contribuição para a interaçãoe habilidade de sobreviver à agressão do pa-ciente, esses fatores preparam o terreno paraos sentimentos e os desejos vulneráveis queainda não emergiram defensivamente. No iní-cio, eles emergem em forma de reconhecimen-to de um desespero.

Em contraste com os estágios anterioresdo processo de resolução, nos quais o desespe-ro pode emergir de um modo cínico e raivosoque afasta os outros, a partir de agora o rela-cionamento desenvolve-se para um ponto emque existe algo diferente tanto sobre o pacien-te quanto sobre o terapeuta. Com o passar do

tempo, o paciente confia no terapeuta a pontode poder começar a deixá-lo entrar na dor ena tristeza associadas ao seu desespero, e oterapeuta desenvolve-se a ponto de ter umaapreciação mais profunda do paciente comoum todo e é mais capaz de empatizar com seudesespero.

A experiência do terapeuta em tentar cui-dar do paciente em sua dor e em seu desespe-ro pode ser uma nova experiência importantepara aquele paciente que permite, pela pri-meira vez, escapar de seu sentimento de iso-lamento e começar a ter mais compaixão porsi mesmo. Isso, por sua vez, facilita o emergirdas necessidades básicas por cuidado que têmsido negadas. É importante para o terapeutaresponder a quaisquer estados primários e desentimentos mais vulneráveis que apareçamnesse contexto de uma maneira empática evalidadora. Esses sentimentos não devem servistos como necessidades infantis arcaicas, quedevem ser entendidas e renunciadas, ou atémesmo como o desenvolvimento de desejosremobilizados, mas como desejos humanosnormais de cuidado e apoio.

Em alguns casos, pode ser interessanteque o terapeuta gratifique o desejo do pacien-te. Por exemplo, um paciente que sempre tevegrande dificuldade em reconhecer e expressaras necessidades básicas, eventualmente chegoua um ponto na terapia em que começou a en-trar em contato com algumas dessas necessi-dades. Em uma sessão, ele pediu diretamentealguns conselhos ao terapeuta sobre como li-dar com um conflito com um amigo � algo queele nunca havia feito. O terapeuta respondeudando-lhe o conselho e perguntando como elese sentiu. Ele respondeu abrindo-se, contandocomo entrou em contato com a confiança e agratidão em relação ao terapeuta por estar dis-posto a agir em seu favor e com o desejo bási-co de cuidado que motivou tal questão.

Em situações nas quais o terapeuta não écapaz � ou não quer � de gratificar o desejobásico, convém que ele seja empático e com-preensivo enquanto, ao mesmo tempo, deixaclaro quais são os seus limites. Por exemplo,pode ser importante para o paciente reconhe-cer seu desejo de que o terapeuta magicamen-te o transforme e que empatize com esse dese-

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jo, ao invés de invalidá-lo. Ou o terapeuta podenão conceder quando o paciente quer esten-der o tempo da sessão, mas empatiza com odesejo. Ou o terapeuta pode empatizar com odesejo de contato pessoal entre as sessões semconcordar com isso e sem denegri-lo como algomeramente transferencial. Em tais casos, éimportante empatizar com o desejo básico, ador e a frustração que são resultados inevitá-veis de se ter um desejo não realizado. Duran-te esse processo, o paciente gradualmente passaa experienciar seu terapeuta como alguém queestá ali para ele.

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA

Freqüentemente, as rupturas de confron-to são resolvidas durante várias sessões, quan-do o terapeuta e o paciente, gradual e repeti-damente, trabalham nos estágios anteriores doprocesso de resolução, construindo, assim, aconfiança necessária para trabalhar nos está-gios posteriores. Contudo, em alguns casos,esse processo pode levar meses ou anos. Nastranscrições a seguir, ilustramos o processo deresolução de ruptura com revelações feitasdurante várias sessões para a paciente identi-ficada como Joan.

PRIMEIRO EPISÓDIO

Estágio 1: marca de ruptura de confronto

Joan (J): Na semana passada, você meperguntou como eu entendo que a terapia fun-ciona. E você não me deu muito retorno. Eagora é minha vez. Eu quero saber como a te-rapia que você faz se baseia e como me ajuda-rá a resolver meus problemas.

Estágio 2: desconexão

Terapeuta (T): Eu me sinto questionado.J: Você teve sua chance a semana passada. Estasemana é minha. Nós não vamos perder tem-po esta semana!

T: Bem, eu vou tentar te dar uma breve res-posta� Basicamente, a maneira como eu tra-balho envolve trabalhar com você para ajudá-la a tomar consciência dos padrões de auto-proteção presentes nos seus relacionamentoscom as outras pessoas. Normalmente, issoenvolve a exploração dos seus sentimentos epensamentos em situações-problema. Alémdisso, muitas vezes, uma grande quantidadede tempo é gasta ao explorarmos coisas queacontecem em nosso relacionamento e que nosajudam a esclarecer pontos de atrito em ou-tros relacionamentos.J: Mas como isso vai me ajudar?�T: Bem... é difícil responder-lhe de uma ma-neira abstrata.J: Eu não estou interessada numa respostaabstrata. Eu quero uma resposta direta, con-creta.T: Eu gostaria de responder sua questão, masme sinto tão pressionado que é difícil pensarclaramente agora.J: Então, diga algo que me mostre como tra-balharemos para que eu possa ver o que estáacontecendo.T: Veja... mesmo que eu diga... continuo sen-tindo o mesmo tipo de pressão.J: Então, diga algo significativo.T: Eu gostaria, mas me parece que, por maisque eu tente, nada do que eu diga a satisfará.Agora eu estou um pouco confuso.J: Bem, eu não quero desistir.

Ao invés de responder diretamente aoconteúdo da questão de Joan, o terapeutametacomunicou seus sentimento de estar �sen-do questionado�. Isso serve para uma série defunções. Primeiro, o processo de reconhecimen-to de um sentimento desconfortável ajuda areabrir o espaço interno e deixar o terapeutalivre para observar mais claramente o que podeestar acontecendo na interação, em vez de res-ponder inconscientemente ao seu sentimentode pressão. Segundo, começar a descobrir asimplicações relacionais da questão de Joan,como evidenciado por sua resposta �Você tevesua chance a semana passada. Esta semana éminha. Nós não estaremos perdendo tempoesta semana!�. Isso sugere que a questão deJoan não é algo que vem genuinamente de umlugar de abertura e curiosidade, mas da raiva

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pela prova de que o terapeuta pode ajudá-la.Contudo, o terapeuta vê sua questão como umaavaliação, que ele pode estar errado em suasuspeita de que nenhuma resposta será satis-fatória para ela. Além disso, não responder aoconteúdo manifesto da questão pode serexperienciado pela paciente como desrespei-to. Entretanto, a resposta de Joan (�Mas comoisso vai me ajudar?� e �Então, diga algo signi-ficativo�) aprofunda a sensação do terapeutade que nada do que ele diga irá satisfazê-la.Descobrir sua experiência de estar emperradoleva a uma mudança. Joan desiste e começa aexpressar seu medo de não estar sendo ajuda-da. Talvez, exista um elemento de acomoda-ção ou confiança em sua desistência.

Estágio 3: exploração de construção

T: Parece-me que estamos compartilhando umdilema aqui. Minha sensação é de que ambosestamos trabalhando o mais duro que pode-mos, mas que de alguma maneira estamosemperrados, não é mesmo?J: Você não acha que desperdiçamos a sessãoda semana passada?T: Está muito claro para mim o fato de quevocê não ficou feliz com a sessão da semanapassada e é isso que conta.J: Sim...T: Você estaria disposta a me dizer mais sobrecomo foi a sensação de termos uma consultadesperdiçada?J: Nada ainda funciona em minha vida. Quan-do eu desisto, como fiz semana passada, nadamais funciona.T: Humm... o que você está fazendo agora?J: Bem... eu acho que estou desistindo umpouco.T: E como é isso para você?J: Eu começo a me sentir comprometida. Écomo se eu tivesse que me permitir fazer umalavagem cerebral para ser ajudada.T: Isso não parece muito bom.J: Não�T: Entendo� corremos o risco de supersim-plificar. Parece-me que você tem duas estraté-gias básicas para conseguir o que quer daspessoas e sua sensação é a de que nenhumadelas realmente funciona. Uma delas seria sepermitir �fazer uma lavagem cerebral� para

comprometer-se com algo, e a outra é saircomo um touro...J: Isso!� �Dando tiros�� (Risos)T: Dando tiros.J: A primeira estratégia é pior, porque eu aca-bo me machucando e me sinto pior depois.T: Então, sair agredindo os outros (�dando ti-ros�) é, dos males, o menor?J: Sim.T: Ok... eu não sei qual dessas duas estratégi-as é uma alternativa para você, mas estou dis-posto a trabalhar com você para encontrar umaque seja boa. Isso parece vantajoso para você?J: Sim.

O terapeuta começa esse segmento estru-turando a situação em termos mútuos para fa-cilitar o desenvolvimento da aliança (�Nós com-partilhamos um dilema aqui�). Em resposta aessa prova, Joan consegue articular seu dile-ma de ter que escolher entre duas estratégiasque não funcionam para ser ajudada: ou com-prometer-se e permitir-se uma �lavagem cere-bral� ou ser agressiva. Embora isso seja apenaso início, começamos a ter uma pequena noçãodo esquema relacional da paciente. Provandoa experiência de Joan no momento, o terapeutaesclarece que até mesmo essa mudança mo-mentânea de sua instância agressiva é expe-rienciada por ela como um compromisso, mas,empatizando com esse dilema (�Isto não soamuito bem�), ele pode reduzir o obstáculo quetal esquema potencialmente apresenta para osenso de colaboração que está começando adesenvolver. Ele tenta facilitar o desenvolvi-mento de uma aliança, sugerindo uma metaterapêutica que faça sentido para Joan nessecontexto: trabalhar juntos para descobrir umaalternativa para suas atuais estratégias: ou decomprometer-se ou de aproximar-se das ou-tras pessoas (�dando tiros�).

Uma Semana Depois

J: Eu não tive chance de fazer o que imagineique faria, porque estive muito ocupada.T: Desculpe, mas eu não estou entendendo�J: Bem, minhas diferentes táticas. Lembra-se...uma tática não funciona, a segunda também

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não funciona, então ficamos de tentar umaterceira!T: Entendi, você está dizendo que não tema sugestão de outra estratégia que lhe fosseviável.

Estágio 1: marca de ruptura de confronto

J: Ah, sim eu tenho! Apenas não tive chancede fazer porque foi uma semana muito ocu-pada, mas definitivamente vou colocá-la emprática na próxima semana (sorrindo).T: Percebo que você está sorrindo agora. Vocêpercebeu?J: Sim.T: Sim? Qual a sua experiência por trás destesorriso?J: Estou dizendo a você aonde se encontra aestratégia e também não estou dizendo.Sabe� você não terá o melhor de mim.

Esta sessão começa com uma marca deconfronto misturada com características deuma marca de afastamento. O terapeuta facili-ta uma expressão mais direta da agressão dapaciente, chamando a atenção de Joan parauma marca interpessoal � seu sorriso incon-gruente � e explora sua experiência. Em res-posta, ela expressa seus sentimentos agressi-vos e de autoproteção de um modo mais dire-to: �Estou dizendo a você aonde se encontra aestratégia e também não estou dizendo. Sabe�você não terá o melhor de mim�.

Estágio 2: desconexão

T: Humm... é isto...J: Da mesma maneira que não existe uma boarazão para você não ter consertado o bebedorlá fora. (Joan está referindo-se a um bebedorna sala de espera que esteve quebrado por umtempo. Ela perguntou ao terapeuta de passa-gem, no início da sessão, se ele sabia que es-tava quebrado e ele casualmente respondeuque sabia que já estava quebrado há um tem-po.) Você sabia que não estava funcionando enão fez nada. Você não disse ter tentadoconsertá-lo? Puxa vida� você é como todomundo� que deixa tudo para lá. Eu estoudoente e cansada das pessoas me trataremcomo lixo!

T: Espere um pouco! Agora estou me sentin-do como qualquer outro, englobado na massaque deixa tudo para lá.J: Por que não? Você é uma pessoa. Você fazparte da humanidade. Por que não deveria serenglobado na massa?T: Mas eu não estou sentindo que sou tratadocomo uma pessoa. Parece que você está meenglobando na massa.J: Olhe para você! Você é como todo mundo.Você sabia que a coisa não estava funcionan-do há tempos e o que fez a respeito? A mesmacoisa que todo mundo faz. Nada! Você mere-ce ser englobado na massa. Ou, então, façaalguma coisa para que não mereça!T: Estou me sentindo relutante em abrir aboca.J: Sim... bem... você apenas usou uma dasminhas tiradas (parecendo encabulada).

Em resposta à tirada de Joan, o terapeu-ta revelou sua experiência de estar �engloba-do na massa�. Existe algo impessoal no seu ata-que, como se o terapeuta fosse simplesmenteoutro exemplar do objeto perpetrador, em vezde um indivíduo específico com quem ela estábrava por causa de seus atos. Seus comentá-rios, porém, ao invés de ajudar a desconectá-la da interação, enfureceram-na. Todavia,quando o terapeuta comenta sua �relutânciaem abrir a boca� por medo de detonar outratirada, algo acontece e muda.

Estágio 4: evitação de agressão

T: O que está acontecendo com você agora?J: Estou me sentindo nervosa.T: Por que você está nervosa?J: Eu revelei a você meu eu interior e eu seique as pessoas não gostam de obstáculos comoesses. Mas eu realmente não me importo, por-que elas merecem isso.T: Você acha que eu sou um obstáculo paravocê agora?J: Eu sou cuidadosa quando faço isso e o façoapenas para as pessoas que posso manter dis-tantes assim.T: Você não está respondendo à minha per-gunta.J: Eu nunca respondo perguntas (sorrindo).Eu sempre as evito.

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T: Você tem alguma objeção em responder aessa pergunta agora?J: O que eu realmente sinto é inaceitável paraas pessoas.T: Se possível, eu gostaria de personalizar isso.Você acha que o que sente seria inaceitávelpara mim?J: Sim. Eu estou de �saco cheio� do mundo etenho fantasias do que eu gostaria de fazer àspessoas�T: O que você gostaria de fazer comigo?J: Eu não sei. Não é a pessoas específicas nomundo. Bem, é claro, se eu pudesse fazer oque gostaria de fazer com você, eu lhe dariauma porrada e faria você me dar presentes damaneira que eu quero (olha para fora e sorriquando diz isso).T: Você estaria disposta a realmente olhar paramim quando diz isso?J: (Sorrindo) Ao invés de olhar para fora, ondeé mais seguro e mesmo impessoal?T: Você tem noção do que estaria evitando aonão olhar para mim?J: Eu acho que é difícil para mim expressarminha raiva em relação a você e dizer-lhe oque quero, se eu viesse a me referir a vocêcomo uma pessoa. É mais fácil pensar em vocêcomo uma entidade � como uma pertencenteà massa da humanidade que está lá fora.T: Você pode me dizer mais sobre sua dificul-dade em se referir a mim como uma pessoaagora?J: Não sei, mas há algo a fazer com o conheci-mento de que você é como qualquer outrapessoa. Eu não posso depender de ninguém.

Em resposta ao último esforço do tera-peuta de metacomunicar-se, Joan torna-seautoconsciente e ansiosa sobre o impacto deseu ataque ao terapeuta. Ele tenta explorar anatureza de sua evitação, e ela responde deuma maneira generalizada (por exemplo, �Aspessoas não gostam de ser obstáculos� e �Oque eu realmente sinto é inaceitável para aspessoas�). O terapeuta tenta manter a explo-ração baseada no aqui-e-agora da interaçãopara reduzir a possibilidade de intelectua-lização e promover a descoberta experiencial(por exemplo, �Você acha que o que sente se-ria inaceitável para mim?�). Em resposta à in-sinuação global de Joan sobre suas fantasiasagressivas em relação ao mundo, o terapeuta

novamente a redireciona para o aqui-e-agorado relacionamento terapêutico (�O que vocêgostaria de fazer comigo?�).

Quando Joan afasta-se, quando ela rai-vosamente expressa seu desejo de que o tera-peuta lhe dê presentes, o terapeuta volta suaatenção para o afastamento e explora suaevitação. Esta é um ilustração do tipo de mu-dança rápida nos estados de self descritos an-teriormente. Em resposta, Joan pode começara articular a natureza de sua evitação de ma-neira mais completa. Sua afirmação de que émais fácil ver o terapeuta como �uma das mas-sas da humanidade�, e não como uma pessoa,apóia as intuições iniciais do terapeuta sobre�estar englobado na massa�. Ela também su-gere o medo básico de abandono que lhe difi-culta ser mais vulnerável com o terapeuta.

DOIS MESES DEPOIS

Joan chega 10 minutos atrasada para asessão e começa sem dizer nada sobre isso.

Estágio 1: marca de ruptura(confronto misturado comcaracterísticas de afastamento)

J: Eu copiei o que estava escrito no livro asemana passada, mas caiu da minha bolsa eeu não acho.T: O que você quer dizer com �o que tinhaescrito no livro�?J: Eu já falei sobre o livro. (A paciente estáreferindo-se a um livro do qual ela já tinhafalado anteriormente, que fornece uma ava-liação popular de uma psicoterapia bem-su-cedida, embora o terapeuta ainda não tenhacompreendido.) O que há no livro?

Estágio 2: desconexão

T: Estou achando você um pouco crítica agora.J: Você está sempre me fazendo perguntas semsentido. Eu quis dizer exatamente o que eudisse! Ora, o que haveria no livro?T: Eu vou dizer o que estou achando, posso?Estou achando que você...

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J: Eu disse que copiei o que estava no livro. Éum livro sobre psicoterapia!T: Eu vou dizer o que está acontecendo comi-go. Minha experiência é que você está suge-rindo algo e eu tenho...J: Qual a dificuldade? O que �livro� significa?O que �psicoterapia� significa? O que �copiar�significa? Eu não estou entendendo o que étão difícil de entender... �que saco�! Eu estouusando palavras... então por que as pessoastêm dificuldade em me entender? Eu querodizer exatamente o que eu digo! Quando eume explico, as pessoas dizem que eu estou di-vagando e se cansam e não me escutam. Quan-do corto as palavras desnecessárias, elas nãoentendem o que eu digo. Então, o que há nolivro? O que é dito no livro???

Joan começa a sessão de uma maneiracrítica. O terapeuta, quando afirma que ela estásugerindo algo negativo, é genuinamente con-fundido e tenta esclarecer. Joan continua a sercrítica e seus comentários começam a ter umtom de rebaixamento (�O que há no livro?�).Na tentativa de metacomunicar-se, o terapeu-ta reflete a qualidade crítica da comunicaçãoda paciente, mas não diz nada sobre seu tomde raiva rebaixadora ou de sua própria respos-ta afetiva a isso. Talvez ele se sinta muito pres-sionado e ansioso sobre sua própria respostainterna para comentar isso? Em resposta, Joanintensifica seu ataque.

Estágio 2: desconexão

T: Eu não gosto de ser tratado assim.J: Então também não me trate assim! E nãome pergunte o que eu quero dizer! Como éque você não entendeu o que eu quis dizer?!Estou tentando achar o que você não enten-de. A palavra �livro� ou a palavra �copiar�? Oque é que você não entende disso?T: Você está me rebaixando agora e eu nãogosto disso.J: Eu não gosto que você me rebaixe também.E o que você quis dizer com �eu não entendovocê?�.T: Estou receoso em dizer qualquer coisa ago-ra, porque eu...J: O que há para ficar receoso? Por que vocênão pode explicar o que quis dizer com �você

não entende�? A menos que tenha sido ape-nas uma estratégia de terapia!T: Veja... minha sensação é de que qualquercoisa que eu dissesse provocaria você nova-mente, então estou hesitante (silêncio de apro-ximadamente um minuto). Durante esse si-lêncio, pensei em coisas para dizer, mas eume sinto preocupado que você tome de ma-neira errada qualquer coisa que eu diga.J: Qual a diferença? Estou sempre dizendoisso, não é? �Não subestime as pessoas e nãoas trate como idiotas�. Quando eu tento tratá-las como se elas soubessem o que está aconte-cendo, elas dizem que estou jogando�

O terapeuta finalmente direciona o aspec-to hostil da comunicação de Joan e sua pró-pria resposta a ele (�Eu não gosto de ser trata-do dessa maneira� e �Você está me rebaixandoagora e eu não gosto disso�). Começando areconhecer explicitamente alguns de seus pró-prios sentimentos negativos, afirmando-se e co-mentando a hostilidade de Joan, o terapeutacomeça a restabelecer o espaço interno para simesmo, no qual ele pode proceder sua expe-riência mais completamente e estar mais pre-sente na interação com a paciente. Isso podeser entendido como um �ato de liberdade�.Além disso, começando a comunicar alguns dosseus sentimentos negativos para Joan de umaforma modular, ele se restabelece como umsujeito para ela, e não como um objeto. A ha-bilidade de expressar seus próprios sentimen-tos negativos de uma maneira modular tam-bém desempenha um papel de realmente aju-dar Joan a desintoxicar-se de seus próprios sen-timentos negativos. A resposta imediata deJoan é de contraculpa (�Eu não gosto que vocême rebaixe também�) e contínua provocação(�E o que você quis dizer com �eu não entendovocê?��). O terapeuta, percebendo que qual-quer resposta direta manteria ou aumentariao ciclo atual, metacomunica seu dilema (�Mi-nha sensação é de que qualquer coisa que eudissesse provocaria você novamente, então es-tou hesitante�).

Depois, ele quebra o silêncio que se se-gue metacomunicando seu dilema (�Duranteesse silêncio, pensei em coisas para dizer, maseu me sinto preocupado que você tome de ma-

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neira errada qualquer coisa que eu diga�). Issofunciona para prevenir o silêncio de transfor-mar-se numa luta poderosa sobre quem que-brará o silêncio e para reassegurar a Joan queele não está abandonando-a completamente.Sua resposta (�Qual a diferença?�) sugere queela pode experienciar esse comentário comouma tentativa de reasseguramento, e seu tomcomeça a mudar da raiva para a desesperança.

Estágio 3: exploração de construção

T: Parece que nada do que você faz funciona,não é?J: Cada vez mais eu me convenço de que nãoé um sentimento. É um fato.T: Está censurado se você faz e, ao mesmotempo, se você não faz�J: É isso. Então, qual a diferença?T: Você se sente abandonada?J: É claro. Eu venho batendo a cabeça a vidatoda. Eu li ontem no jornal sobre um videnteque previu todo tipo de desastres no passadoe agora ele está prevendo outra queda na eco-nomia e todo tipo de desastres globais. E, vocêsabe, eu acho que ele está certo�T: Que tipo de previsões você está fazendopara si mesma?J: Eu não vou mais me preocupar. Vai ser sem-pre o mesmo lixo (baixando muito a voz).T: É como se fosse um sentimento de desespe-rança?J: É� eu acho.T: E você está se sentindo muito desesperan-çosa sobre as coisas entre nós aqui na terapia,é isso?J: Ah sim!� Eu desisti de nós a semana pas-sada. Após aquela ruptura que você adminis-trou duas semanas atrás, lembra? E depoisvocê jogou tudo fora. Claro, é por isso que eunão me preocupei de fazer um esforço parachegar na hora hoje.T: Então, você se sentiu desesperançosa ao viraqui hoje?J: Bem, eu estava desafiadora... queria veraonde iríamos chegar, mas pensando bem�que diferença faz se eu chego ou não na hora?Dez minutos aqui a mais ou a menos não fa-rão nenhuma diferença.T: Humm... Então você está se sentindo deses-perançosa e desafiadora?J: Sim.

A exploração dos sentimentos de deses-perança de Joan sobre a atual interação leva aum sentimento mais geral de desesperança emrelação ao futuro. Conforme começa a entrarem contato com seus sentimentos de desespe-rança, Joan começa a externalizar os sentimen-tos em termos de um artigo que leu no jornal.O terapeuta redireciona-a a um foco interno e,então, enfoca o relacionamento terapêutico.Em resposta, ela começa a falar de seus senti-mentos de desapontamento sobre não sentirque estão mantendo o progresso que fizeramhá duas sessões e reconhece espontaneamenteque seu atraso na sessão foi uma reflexão desua desesperança e de seu desafio.

Estágio 1: marca de ruptura de confronto

J: Nós já passamos por isso antes e não noslevou a lugar nenhum.

Estágio 3: exploração de construção

T: A você parece fútil?J: Sim. Eu não posso me dar ao luxo de conti-nuar assim, sem fazer nada.T: Eu ouço uma real sensação de desesperono que você está dizendo.J: Acho que sim. Estou afastada do trabalhohá um ano e meio, e as pessoas começam a seperguntar o que há de errado comigo. E te-mos tido sessões importantes, mas eu aindanão sinto as coisas mudando.T: Você está disposta a me falar mais sobreseu sentimento de desespero?

Estágio 5: evitação de vulnerabilidade

J: Não sei. Eu tento não pensar sobre isso.T: O que aconteceria se você explorasse issomais profundamente comigo, agora?J: Eu acho que começaria a me sentir aindamais desesperançosa e então ficaria fraca epatética.T: É muito desconfortável entrar no sentimen-to de desesperança comigo?J: Sim, eu não tenho certeza se confio em vocêestar aqui para mim (voz começa a perder ovigor).

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Estágio 6: vulnerabilidade

T: O que você está experienciando?J: Eu me sinto triste.T: Você pode dizer mais sobre essa tristeza?J: Eu me sinto machucada e sozinha e não seipara que lado ir (começa a soluçar).

Esse estágio inicia com um impasse habi-tual para Joan e o terapeuta, havendo umaexploração da construção de Joan da futilida-de da situação. Como o terreno já havia sidopreparado em sessões anteriores, não foi ne-cessário um extenso processo de desconexãode uma representação de papel, sendo que aexploração moveu-se muito rápido para seussentimentos básicos de desespero. QuandoJoan toca nesses sentimentos, ela primeiro evitaa perspectiva de explorá-los mais completa-mente. Em resposta à prova do terapeuta, elacomeça a entrar em contato com seus senti-mentos de abandono, o que facilita sua habili-dade em acessar os sentimentos básicos devulnerabilidade e a necessidade de cuidado.

NOTA

1. No original, Core Conflictual RelationshipTheme (CCRT).

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EmpatiaEliane Falcone

ma opinião no que diz respeito aos efeitosterapêuticos positivos da empatia (Reisman,1986; Strupp, 1958; Sudland e Barker, 1962;Wogan e Norcross, 1983). O reconhecimentodesses efeitos tem motivado a criação de defi-nições mais detalhadas da empatia e de pro-gramas de treinamento que visam a desenvol-ver essa habilidade no terapeuta (Carkhuff,1969; Egan, 1994).

Este capítulo pretende apresentar, combase em uma revisão da literatura, o conceitoe as etapas da empatia que favorecem a comu-nicação interpessoal. Posteriormente, serão ci-tados exemplos ilustrativos dos diversos tiposde declarações empáticas e não-empáticas quepodem ser manifestadas pelos psicoterapeutas.Finalmente, serão feitos alguns comentáriossobre o papel curativo da empatia e os seuslimites na mudança do cliente.

O CONCEITO DE EMPATIA

O termo �empatia� originou-se do vocá-bulo alemão �einfühlung�, o qual foi utilizadopela primeira vez por Robert Vischer, em 1873,em seu tratado de psicologia da estética e dapercepção formal. A psicologia da estética deVischer incluía uma autoprojeção no objetoartístico. Mais tarde, Titchener (1909, citadoem Wispé, 1992) criou o termo �empatia� comouma versão de �einfühlung�, pensando queseria possível conhecer a consciência de outra

2222

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Estudos que investigaram os efeitos so-ciais da empatia (Brems, Fromme e Johnson,1992; Burleson, 1985; Davis e Oathout, 1987;Ickes e Simpson, 1997; Long e Andrews, 1990)sugerem que as pessoas empáticas despertamnos outros afeto e simpatia, são mais popula-res e ajudam a desenvolver habilidades de en-frentamento, bem como reduzem problemasemocionais e psicossomáticos nos amigos e fa-miliares. Além disso, a empatia é preditiva deajustamento marital, contribuindo para a sa-tisfação no relacionamento conjugal (Davis eOathout, 1987; Ickes e Simpson, 1997). Os in-divíduos empáticos comportam-se de tal ma-neira que tornam as relações mais agradáveis,reduzindo o conflito e o rompimento (Davis,1983). A habilidade de �ler� e valorizar os pen-samentos e os sentimentos das outras pessoasé o que provavelmente torna esses indivíduosmais bem-sucedidos em suas relações pessoaise profissionais (Ickes, 1997).

A empatia manifestada pelo terapeuta eos seus efeitos na mudança do cliente tam-bém têm sido objeto de uma variedade de es-tudos que apontam ser essa habilidade deinteração necessária para a eficácia do trata-mento (Barrett-Lennard, 1993; Carkhuff, 1969;Goldstein e Myers, 1991). Pesquisas que inves-tigaram os aspectos comuns entre terapeutasde diferentes abordagens teóricas verificaramque esses profissionais compartilham a mes-

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pessoa através da imitação interior ou do es-forço da mente. Em outras palavras, a serieda-de, a modéstia, a arrogância, a cortesia e a dig-nidade podiam ser não somente percebidas,como também sentidas, pelo esforço da men-te. Desde então, a empatia tem sido objeto deestudo da psicologia nas áreas evolutiva, so-cial, da personalidade e clínica (Eisenberg eStrayer, 1992).

No campo da psicoterapia, a obra maisrelevante sobre a empatia foi a de Carl Rogers(1951, 1975), segundo o qual o termo �em-patia� significa �perceber o marco de referên-cia interior da outra pessoa com precisão e comos componentes emocionais que lhe pertencem,como se fosse essa pessoa, porém sem nuncaperder a condição de �como se��. Posteriormen-te, após reconhecer que a empatia deveria es-tar baseada em uma ação comportamental(Barkham, 1988), Rogers (1975, p. 4) apre-senta as etapas do processo empático: (a) cap-tar o mundo perceptual da outra pessoa e fa-miliarizar-se com ele, sem julgá-la; (b) comu-nicar ao outro a própria percepção do mundodeste, observando elementos que o outro teme,e (c) verificar com o outro a correção de taispercepções e deixar-se guiar por suas respos-tas deste.

Os estudos sobre empatia têm enfrenta-do problemas conceituais que dificultam astentativas de avaliar e de treinar essa habilida-de. Um desses problemas refere-se às divergên-cias entre alguns pesquisadores, que seguemduas perspectivas diferentes: a perspectivacognitiva e a perspectiva afetiva. A perspectivacognitiva enfatiza a capacidade de uma pes-soa de se colocar no lugar de outra e de enten-der e predizer, de forma acurada, os seus sen-timentos e pensamentos, podendo ou nãoexperimentá-los. A perspectiva afetiva consi-dera que a empatia compreende experimentaruma emoção congruente, porém não necessa-riamente idêntica à da outra pessoa.

Estudos recentes sugerem que a empatiaengloba elementos cognitivos e afetivos. Ocomponente cognitivo é caracterizado pelaadoção de perspectiva, que corresponde, paraalguns autores (Davis et al., 1987; Long eAndrews, 1990; Zillman, 1991), a uma dispo-sição para se colocar no lugar da outra pessoa

e de modificar o próprio comportamento comoconseqüência. Outros autores (Ickes, 1997;Eisenberg, Murphy e Shepard, 1997) conside-ram a adoção de perspectiva como a capacida-de de inferir precisamente os sentimentos e ospensamentos de outra pessoa, sem a necessi-dade de se colocar no lugar dela. Além disso,as pessoas podem tomar conhecimento do es-tado interno de alguém através de associaçõese deduções mentais (Higgins, 1981; Karniol,1982). Um indivíduo, por exemplo, pode en-tender a perspectiva de um indigente ao bus-car informações retidas na memória sobre osefeitos da pobreza, bem como as emoções as-sociadas a uma vida de miséria (Eisenberg etal., 1992).

O componente afetivo da empatia carac-teriza-se por uma tendência a experimentarsentimentos de simpatia, de compaixão e depreocupação com o bem-estar da outra pessoa(Davis et al., 1987). Essa tendência é conheci-da como comportamento prossocial (Mehabiane Epstein, 1972; Thompson, 1992). A visão deque a empatia envolve elementos cognitivos eafetivos favorece uma melhor compreensãosobre o comportamento empático. Feschbach(1992) propõe um modelo cognitivo-afetivo deintegração, no qual a empatia é postulada comouma função de três fatores: (a) uma habilida-de cognitiva para discriminar chaves afetivasnos outros; (b) uma habilidade cognitiva maismadura, que envolve assumir o papel da outrapessoa e (c) uma disposição para responderemocionalmente ou uma habilidade afetiva deexperienciar emoções.

Lennon e Eisenberg (1992) identificaramtrês tipos de reações emocionais frente às emo-ções ou às situações de outra pessoa (especial-mente as negativas). A primeira, chamada demal-estar pessoal, corresponde a uma experiên-cia vicária da emoção de outra pessoa que évivenciada com um sentido de autopreocu-pação. Esse tipo de resposta não gera preocu-pação pelo outro e não medeia uma condutaaltruísta. A segunda, chamada de contágioemocional, refere-se à experiência vicária deum afeto que reproduz a emoção do outro. Aterceira, chamada de preocupação genuínapelo outro ou de simpatia, corresponde a umapreocupação empática ou simpática. Nesse tipo

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de resposta, a preocupação encontra-se maisno outro do que no empatizador, não havendouma correspondência exata entre as emoçõesda díade.

Davis (1983) apresenta um modelo mul-tidimensional, em que a empatia possui trêsfacetas distintas. A primeira delas correspon-de à adoção de perspectiva, compreendidacomo uma tendência cognitiva de se colocarno lugar de outra pessoa e de ver as coisas apartir do ponto de referência dela. Essa facetada empatia também é conhecida comoempatia cognitiva. A preocupação empática,caracterizada por uma tendência a experimen-tar sentimentos de simpatia e compaixão pe-los outros, compreende a segunda faceta daempatia e também é conhecida como empatiaemocional. Finalmente, o mal-estar pessoal,que expressa uma tendência a experimentarsentimentos de desconforto e apreensão napresença do sofrimento de outra pessoa, cor-responde à terceira faceta da empatia. O mal-estar pessoal também é considerado comoempatia emocional, embora os sentimentos dedesconforto e apreensão sejam mais pessoaise egoístas, não constituindo, portanto, senti-mentos pela vítima.

Cada uma das três facetas propostas porDavis parece variar entre as pessoas, ou seja,alguns indivíduos podem apresentar um nívelmais elevado de adoção de perspectiva, en-quanto outros podem manifestar um nível maiselevado de preocupação empática ou de mal-estar pessoal. O papel relativo de cada umadessas facetas parece variar com a situação, aidade e as características pessoais de cada in-divíduo (Feschbach, 1997).

Desse modo, a empatia parece englobartanto um componente cognitivo quanto umcomponente afetivo. O primeiro, conhecidocomo adoção de perspectiva, caracteriza-sepor uma capacidade de compreender a pers-pectiva e os sentimentos dos outros, seja atra-vés de processos inferenciais, de representa-ções armazenadas na memória ou de coloca-ção no lugar da outra pessoa. O segundo,menos elaborado e sofisticado, é conhecidocomo comportamento prossocial e caracteri-za-se por sentimentos de compaixão e simpa-tia pela outra pessoa, além de preocupação

com o seu bem-estar. O contágio emocional eo mal-estar pessoal não correspondem a ma-nifestações empáticas. Essas reações são con-sideradas pré-empáticas e manifestam-se noinício do desenvolvimento, quando a crian-ça ainda não possui respostas cognitivas maiscomplexas (Thompson, 1992).

A adoção de perspectiva e o comporta-mento prossocial não são suficientes para amanifestação do comportamento empático.Algumas pessoas podem ser capazes de com-preender o estado interno de alguém e de sen-tir verdadeiro interesse em ajudar, porém nãomanifestam essa compreensão ou o fazem deforma não-empática. A habilidade empáticatambém consiste em transmitir um reconheci-mento explícito e uma elaboração dos senti-mentos e da perspectiva da outra pessoa, detal maneira que ela se sinta compreendida eque isso a ajude a obter um maior entendimen-to sobre seus sentimentos (Barrett-Lennard,1993; Egan, 1994). Burleson (1985) refere-sea essa habilidade como uma estratégia sensí-vel de consolar. Através da expressão empática,é possível inferir a acuidade da percepção doindivíduo que empatiza (Ickes, Marangoni eGarcía, 1997).

Resumindo, o comportamento empáticopode ser entendido de acordo com o modelocognitivo, em que o componente cognitivo estárelacionado ao processamento da informação,o que inclui atenção, memória, motivação, etc.;o componente afetivo é identificado pelas emo-ções e pelos afetos decorrentes das interpreta-ções; o componente comportamental refere-seàs expressões verbais e não-verbais de enten-dimento empático.

AS ETAPAS DA EMPATIA

O comportamento empático caracteriza-se pela habilidade em compreender precisa-mente os sentimentos e a perspectiva da outrapessoa e de transmitir entendimento de talmaneira que ela se sinta verdadeiramente com-preendida e acolhida. A forma mais elaboradae sofisticada de empatizar conduz a um maiorentendimento na relação, levando à intensifi-cação do afeto e ao alívio da angústia da outra

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pessoa, além de tornar o empatizador maisaceito e com a auto-estima elevada (Barrett-Lennard, 1993; Burleson, 1985). Durante todaa interação, o empatizador expressa compre-ensão e aceitação, tanto de forma verbal quantode forma não-verbal, sendo que cada uma des-sas formas predominará conforme o momentoda interação.

A habilidade empática ocorre em duasetapas. Na primeira etapa, o indivíduo queempatiza está envolvido em compreender ossentimentos e as perspectivas da outra pessoae, de algum modo, experienciar o que estáacontecendo com ela naquele momento. A se-gunda etapa consiste em comunicar esse en-tendimento de forma sensível (Barrett-Lennard, 1993; Greenberg e Elliott, 1997). Acompreensão empática inclui prestar atençãoe ouvir sensivelmente, enquanto a expressãoempática inclui verbalizar sensivelmente. Cadauma dessas etapas será especificada a seguir.

Prestar atenção

Segundo Barrett-Lennard (1993), paraque ocorra empatia, é necessário estar atentode um modo bastante especial. Nesse sentido,prestar atenção em alguém significa estar comesse alguém fisicamente e psicologicamente.A atenção empática é adotada por algumaspessoas com maior freqüência ou sinceridadedo que por outras, sendo que certas pessoas ofazem muito seletivamente. Em geral, os indi-víduos possuem a capacidade que se inclui nes-se repertório, seja ela expressa raramente oufreqüentemente (Barrett-Lennard, 1993). Aatenção empática é apreciada pela outra pes-soa, que se sente mais encorajada a se abrir e aexplorar as dimensões significativas de sua si-tuação-problema (Egan, 1994). Alguns com-portamentos demonstram atenção empática:

1. Fitar diretamente a outra pessoa,adotando uma postura que indiqueenvolvimento e evitando ficar mui-to afastado. A orientação corporaldeve sugerir envolvimento, estarcom o outro. Caso a atitude de fitarprovoque algum tipo de constrangi-

mento, o ideal é posicionar-se emângulo.

2. Adotar uma postura aberta, pois bra-ços e pernas cruzados podem sinali-zar menos envolvimento e disponi-bilidade.

3. Inclinar-se em direção ao outro coma parte superior do corpo (inclinar-sedemais pode intimidar). A inclinaçãodá um sentido de flexibilidade ouresponsividade corporal que aumen-ta a comunicação com o outro.

4. Manter contato visual, evitando des-viar o olhar com freqüência, o quenão significa olhar fixamente. O bomcontato visual sugere interesse emouvir o que o outro tem a dizer. Des-viar o olhar com freqüência sugererelutância ou desconforto em estarcom a pessoa.

5. Adotar uma postura relaxada, o quesignifica não ficar inquieto ou seengajar em expressões faciais dis-traídas. Isso pode levar o outro asupor que o ouvinte está pouco in-teressado.

6. Estar atento às próprias reações cor-porais e emocionais provocadaspelo comportamento da outra pes-soa � observar sentimentos de rai-va, ansiedade, etc. � e os efeitos des-ses sentimentos no próprio corpo,procurando controlar essas mani-festações externas para se dar tem-po de refletir.

Além de demonstrar atenção, o empati-zador deve procurar identificar as mensagensnão-verbais da outra pessoa que expressamemoções. As mensagens não-verbais podemsubstituir, repetir, enfatizar ou contradizer amensagem verbal (Matos, 1997). Estudos mos-tram que, quando as mensagens verbal e não-verbal são contraditórias, o crédito deve serdado à mensagem não-verbal. O rosto é a prin-cipal área sinalizadora de emoções, emborapossa ser melhor controlado. Assim, a verda-deira emoção pode ser identificada pela voz epela parte do corpo situada abaixo do pescoço(Argyle, 1988).

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As mensagens não-verbais que podem sermanifestadas pela outra pessoa englobam ocomportamento corporal (postura, movimen-tos corporais), as expressões faciais (sorrisos,cenho franzido, sobrancelhas arqueadas, lábi-os contraídos), a relação entre a voz e o com-portamento (tom de voz, intensidade, inflexão,espaço entre as palavras, ênfases, pausas, si-lêncios e fluência), as respostas autonômicasobserváveis (respiração acelerada, rubor, pali-dez, dilatação da pupila), as características fí-sicas (altura, peso, compleição) e a aparênciageral (adornos e vestuário).

Ouvir sensivelmente

Ouvir sensivelmente não significa ser ca-paz de reproduzir o que alguém acabou de fa-lar, mas sim dar ao outro a oportunidade deser ouvido em seus próprios termos, sem serjulgado. Significa estar em contato com e co-nhecer a realidade do outro, considerando queessa realidade não é imutável. O ouvir maisprofundo não vem da intenção deliberada depromover mudança em alguém (Barrett-Lennard, 1988). O bom ouvinte é aquele queaprecia a outra pessoa tal como ela é, aceitan-do os seus sentimentos e as suas idéias, taiscomo eles são. Como conseqüência, a pessoasente-se entendida, reconhecida, aceita e va-lorizada. O ouvir empático significa suspendero próprio desejo e julgamento e, ao menos poralguns minutos, existir para a outra pessoa(Nichols, 1995).

O ouvir sensível ou empático provoca efei-tos positivos, tanto para quem ouve quantopara a outra pessoa. Conforme Barrett-Lenard(1988), tais efeitos incluem: cura e crescimen-to pessoal (ser ouvido reduz o medo e aumen-ta o autoconhecimento); enriquecimento dorelacionamento (cada membro da díade tor-na-se aberto a ouvir); redução de tensão e so-lução de problema (a capacidade de ouvir pro-fundamente a outra pessoa e de apreciar a suarealidade é crucial para promover mudança) edesenvolvimento do conhecimento (aumentodo conhecimento da natureza humana).

Convém salientar novamente que, quan-do uma pessoa é ouvida sensivelmente, ela se

sente validada, valorizada, e isso promove auto-aceitação e auto-afirmação (Nichols, 1995). Porisso, em terapia, costuma-se afirmar que o ou-vir empático possui um efeito curativo (Boharte Greenberg, 1997; Bohart e Tallman, 1997).Jordan (1997) afirma que o ouvir empáticoajuda a reduzir a vergonha psicológica. Quan-do envergonhadas, as pessoas sentem dificul-dade de acreditar que aqueles aspectos rejei-tados por elas mesmas sejam aceitos pelos ou-tros e, como conseqüência, sentem-se de fora,desconectadas. Para manter o relacionamen-to, elas sentem que devem ocultar essas partesrepudiadas. Na terapia, o cliente que é ouvidoempaticamente, desenvolve a coragem de seexpor mais. Assim, a experiência de vergonhareduzida aumenta a abertura e a auto-revela-ção. Quando alguém experimenta a presençaempática de outro, torna-se mais empático con-sigo mesmo, reduzindo o autojulgamento se-vero, e com os outros, facilitando o relaciona-mento. Os clientes podem aprender a auto-empatia com os seus terapeutas para reduzir aautocrítica excessiva e desafiar pensamentosdisfuncionais (Safran e Segal, 1990). Além dis-so, eles também podem modelar-se noterapeuta e aprender a ouvir a si mesmos maisempaticamente na solução de problemas(Barrett-Lennard, 1997).

Da mesma forma que ser ouvido promo-ve auto-apreciação, não ser ouvido gera senti-mentos de exclusão, desvalorização e inade-quação. Nas relações interpessoais, existem cir-cunstâncias nas quais o ouvir torna-se difícil.Isso geralmente ocorre quando a outra pessoaé excessivamente detalhista, tornando a con-versa cansativa e desinteressante; é egoísta,fazendo com que o assunto gire apenas em tor-no dela, ou quando o ouvinte está sobrecarre-gado de problemas que dificultam a sua aten-ção; interpreta erroneamente a fala da outrapessoa como algo pernicioso, ameaçador ouenfurecedor; está mais preocupada em contro-lar, instruir ou mudar a outra pessoa e preocu-pa-se em ensaiar o que vai dizer a seguir, emvez de prestar atenção no discurso da outrapessoa (Nichols, 1995).

Em situações de conflito, o ouvir sensíveltambém promove efeitos positivos na intera-ção, à medida que reduz a querela e a probabi-

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lidade de rompimento. Ouvir sensivelmente,demonstrar compreensão e aceitação a umapessoa que está furiosa, tem o poder de redu-zir a sua raiva, tornando-a também mais dis-ponível para ouvir. Da mesma maneira, procu-rar compreender as razões do comportamentode alguém que provocou mágoa e raiva podereduzir esses sentimentos e facilitar um diálo-go de entendimento (Goleman, 1995; Nichols,1995).

As emoções envolvidas nas interações emque há conflito costumam ser contagiosas, es-calando através de uma série de ações e rea-ções que podem levar a um desastre emocio-nal, tal como um rompimento definitivo darelação (Nichols, 1995). Tais manifestações sãoexplicadas pelos estudos sobre sincronia emo-cional (Levenson e Ruef, 1997). As mensagensnão-verbais refletem como a pessoa está ex-pressando o conteúdo da fala (tom e entonaçãoda voz, expressão facial, gestos, etc.) e conta-giam a outra pessoa, como uma orquestração(Goleman, 1995). A crença subjacente envol-vida na interação de conflito é a de que, aoaceitar o argumento do outro, a pessoa estaráreconhecendo o seu erro e perderá a razão. As-sim, ela insiste em manter os seus argumentospara ficar com a última palavra. Nesse tipo deinteração, ambas as partes ficam impedidas deouvir e sentem-se incompreendidas. Se, ao con-trário, a pessoa acredita que abrir mão da pró-pria perspectiva para entender o outro não sig-nifica perder a razão, ela permite que ointerlocutor, ao se sentir ouvido e compreen-dido, disponha-se a ouvir e a compreender.Como afirma Nichols (1995, p. 112), �a qual-quer momento em que você demonstra dispo-sição para ouvir com um mínimo de defensi-vidade, crítica ou impaciência, você está dan-do o presente do entendimento e adquirindo odireito de ter a recíproca�. Assim, a habilidadeem ouvir depende do esforço em resistir ao im-pulso de reagir emocionalmente à posição dealguém que manifesta uma perspectiva muitodiferente. Do contrário, o impulso para tomaratitudes que reduzam ou evitem a emoção domomento torna a pessoa pouco flexível, aumen-tando o conflito na interação.

Uma estratégia para poder ouvir e com-preender melhor a outra pessoa é buscar asmensagens centrais que estão sendo expressasem termos dos seus sentimentos, desejos e pers-pectivas. De acordo com Egan (1994) eGuerney (1987), os comportamentos envolvi-dos no ouvir sensível são:

a) deixar de lado, por alguns instantes,as próprias perspectivas, desejos e sen-timentos e voltar-se inteiramente paraas perspectivas, os desejos e os senti-mentos da outra pessoa;

b) observar e ler os comportamentos não-verbais que a outra pessoa está mani-festando enquanto fala (tom de voz,olhar, postura, gestos, etc.), através dosquais sejam identificadas as emoções;

c) colocar-se no lugar da outra pessoa,buscando identificação com os senti-mentos, as percepções e os desejosdela;

d) elaborar mentalmente uma relaçãoexistente entre o sentimento da outrapessoa, o contexto e o significado des-se contexto para ela.

Verbalizar sensivelmente

A função da verbalização empática é fa-zer com que a outra pessoa sinta-se compreen-dida, além de ajudar a explorar as suas preo-cupações de forma mais completa. Embora asetapas anteriores (prestar atenção e ouvir)possam sinalizar compreensão, aceitação e aco-lhimento, através da comunicação não-verbal(acenar com a cabeça, usar vocalizações bre-ves tais como �sim�, �hum-hum�), a verbali-zação empática é a maneira mais eficiente dedemonstrar compreensão.

Burleson (1985) afirma que algumas pes-soas empregam estratégias altamente sensíveisde conforto verbal, as quais legitimam e ela-boram os sentimentos da outra pessoa, enquan-to outras utilizam estratégias menos sensíveis,as quais tendem a desvalorizar a legitimidadee o significado dos sentimentos do outro. As-

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sim, as estratégias de consolo mais sofistica-das e sensíveis:

a) promovem um maior grau de envolvi-mento com a outra pessoa e com o seuproblema (tentam explicar os senti-mentos e as perspectivas do outro);

b) são mais neutras na avaliação, descre-vem e explicam os sentimentos do ou-tro e as situações que produzem essessentimentos;

c) tendem a focalizar as causas próximasao estado de angústia da outra pessoa(reações cognitivas e afetivas frente acertos eventos);

d) aceitam e legitimam o sentimento dooutro, bem como o seu ponto de vista;

e) contêm uma explicação cognitiva dossentimentos experienciados pela ou-tra pessoa (indivíduos angustiadoscostumam carecer de um entendimen-to dos próprios afetos) e a explicaçãodesses estados afetivos pode ajudá-laa entender ou encontrar uma explica-ção para os próprios sentimentos, dis-tanciando-se mais dos mesmos.

As estratégias de consolo menos sofisti-cadas ou não-sensíveis:

a) focalizam-se no evento em si;b) impõem o próprio ponto de vista;c) desconsideram ou ignoram os sentimen-

tos e a perspectiva da outra pessoa;d) tentam minimizar o problema e/ou

estão mais centradas em dizer ao ou-tro o que fazer ou como sentir-se.

Durante uma situação interpessoal de aju-da, quando alguém está contando um proble-ma, não é raro que o ouvinte procure aliviar osofrimento da outra pessoa, dando um conse-lho ou uma sugestão. Entretanto, nesse mo-mento, a outra pessoa pode estar mais preocu-pada em ter os seus sentimentos e as suas pers-pectivas legitimados. Um conselho ou uma su-gestão não-solicitados provavelmente farão

com que o interlocutor sinta-se incompreen-dido. Outro recurso utilizado pelo ouvinte é ode tentar minimizar o problema, sugerindo queo interlocutor �Não precisa ficar tão preocupa-do� ou que �A situação não é tão grave�. Essetipo de verbalização desvaloriza os sentimen-tos e a perspectiva da pessoa-alvo. Em outrassituações, o ouvinte começa a contar uma ex-periência pessoal semelhante àquela relatadapela outra pessoa para tentar sugerir uma so-lução. Essa estratégia desvia o foco de atençãopara fora dos sentimentos e das perspectivasdo interlocutor (Burleson, 1985; Guerney,1987; Nichols, 1995).

As perguntas também devem ser evitadasdurante a interação empática, porque desviamo foco de atenção da apreciação dos sentimen-tos e das perspectivas da outra pessoa,direcionando a conversação para os pensamen-tos do ouvinte. Algumas perguntas podem serpertinentes para esclarecer algo que já foi dito;porém, quando formuladas para buscar novasinformações, elas se tornam inadequadas.

Durante a verbalização empática, o focode atenção está inteiramente voltado para osentimento e a perspectiva da outra pessoafrente à situação-problema, sem que se façaqualquer julgamento, aceitando e legitimandoos seus sentimentos (Egan, 1994, p. 112). Es-ses podem ser legitimados de forma indireta,quando o empatizador não especifica o senti-mento (por exemplo, �Eu posso imaginar comovocê está se sentindo�, �As coisas não estão indonada bem para você, não é mesmo?�), ou deforma direta, quando o empatizador especifi-ca o sentimento (por exemplo, �Eu percebo queisso está deixando você triste�, �Você deve es-tar se sentindo indignado�). A pessoa sente-seprofundamente compreendida quando oempatizador consegue relacionar o sentimen-to, o contexto e a perspectiva desta. (por exem-plo, �Você se sente triste porque mudar signifi-ca deixar todos os seus amigos�).

Antes de manifestar compreensão sobrea experiência da outra pessoa, deve-se evitardeclarações que sejam socialmente indesejá-veis, como, por exemplo, dizer que ela está�com inveja� ou está �furiosa�. As pessoas são

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inclinadas a não reconhecer nelas mesmas ati-tudes ou sentimentos socialmente indesejáveis(Guerney, 1987). Assim, a empatia básica acon-tece quando o empatizador percebe os senti-mentos da outra pessoa e relaciona esses sen-timentos com a perspectiva e o contexto desta,comunicando o seu entendimento a seguir. Aempatia acurada ocorre quando as percepçõesdo empatizador estão corretas, isto é, quandoelas refletem o mundo tal como a outra pessoavê. Nesse momento, ela responde: �É isso mes-mo!�, ou �Você acertou em cheio!� (Egan, 1994,p. 115).

Após declarar o seu entendimento acercados sentimentos e dos pensamentos de umapessoa, o empatizador pode constatar que nãofoi acurado. Em geral, isso acontece quando aoutra pessoa diz de forma clara que não é exa-tamente aquilo que ela queria dizer, pára defalar e olha em volta, ou tenta completar a falado empatizador. Nesse momento, é importan-te seguir o rastro e aprender com os próprioserros.

Um exemplo de verbalização empáticadirigida a uma pessoa que está triste por nãoter conseguido passar em um concurso públi-co pode ser: �É muito duro estudar tanto paraum concurso e não passar. Eu sei o quanto vocêinvestiu em seus estudos e deve estar sentin-do-se magoado e injustiçado por não ver osseus esforços reconhecidos, não é mesmo?�.Nesse caso, os sentimentos e a perspectiva dapessoa são identificados, validados e relacio-nados. Um exemplo de verbalização não-empática pode ser: �Não há razão para ficardeprimido. Você poderá fazer outros concur-sos�. Nesse tipo de verbalização, o sentimentoe a perspectiva da outra pessoa são desvalori-zados. O indivíduo é considerado inadequadopor �exagerar� em seu sentimento e por �super-valorizar� a importância do concurso.

Em situações em que há conflito, quantomaior é a divergência de opiniões, mais im-portante é reconhecer o que a outra pessoa diz,antes de apresentar o próprio ponto de vista.Quando a outra pessoa sente-se magoada, tor-na-se fundamental demonstrar compreensão eaceitação de seus sentimentos e perspectivas,sem apresentar qualquer justificativa, antes de

se certificar de que ela se sentiu realmente com-preendida e validada.

Nichols (1995, p. 114-115) fornece exem-plos de declarações empáticas em situações deconflito, tais como: �Deixe-me ver se eu enten-di o que você está dizendo. Você sente que ésempre você quem toma a iniciativa para nósnos encontrarmos e que isso faz você querersaber se eu realmente quero estar com você.Estou certo?�, ou �Então, todo esse tempo vocêvem sentindo que eu estou furioso com você eque, por essa razão, deixei de ser afetuoso. Nãoé de admirar que você esteja chateada. Vocêdeve estar se sentindo magoada há bastantetempo�. Declarações desse tipo tendem a re-duzir a ansiedade da outra pessoa, tornando-amais disponível para ouvir e para autoverba-lizar.

Nem sempre a comunicação empáticaocorre através da verbalização. Algumas vezes,o entendimento é comunicado sem haver ne-cessidade de palavras. Para ilustrar essa afir-mação, Egan (1994) cita o olhar de cumplici-dade de uma esposa que vê o marido preso emuma conversação com uma pessoa com a qualele não quer estar. Esse simples olhar pode ex-pressar palavras que reconhecem os sentimen-tos do marido, bem como o desejo de que eleseja retirado diplomaticamente daquela situa-ção. Esse tipo de comunicação é mais comumem relacionamentos mais íntimos, como as re-lações conjugais e as relações de amizade, eenvolvem outras variáveis, além da capacida-de pessoal de inferir os pensamentos e os sen-timentos dos outros.

DECLARAÇÕES TERAPÊUTICASEMPÁTICAS E NÃO-EMPÁTICAS

No contexto de interação terapeuta-pa-ciente, existem várias formas de verbalizarempaticamente. Com base em informaçõesextraídas da literatura (Bohart e Tallman, 1997;Burleson, 1985; Greenberg e Elliott, 1997;Linehan, 1997), será apresentado a seguir umsistema de classificação de verbalizações tera-pêuticas, que pode ser útil para avaliar e trei-nar essa habilidade em terapeutas e profissio-nais de ajuda.

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Verbalizações empáticas

Estão centradas nos sentimentos e naperspectiva do cliente, sem julgar, aceitando elegitimando esses sentimentos e perspectivas.Procuram dar uma explicação cognitiva dossentimentos experienciados pelo cliente, aju-dando-o a atingir uma compreensão mais cla-ra sobre si mesmo.

As respostas empáticas são baixas em in-ferência e focalizam-se no ponto de referênciado cliente (no que está explícito ou implícito).Responder empaticamente requer ouvir o queestá sendo dito ou expresso e focalizar-se noque isso significa � implícita ou explicitamente� para o cliente.

Variedades de verbalizações empáticas

1) O terapeuta transmite um entendimen-to acurado dos sentimentos, dos pensamentos,dos desejos, das suposições e dos comportamen-tos do cliente, tentando chegar a um entendi-mento compartilhado. Esse entendimento ba-seia-se na experiência explícita sentida pelocliente e/ou do que está implicado, mas não si-tuado. O terapeuta procura verificar se o queele disse faz sentido para o cliente, possibilitan-do e aceitando a discordância do mesmo (en-tendimento empático ou reflexão acurada).

Exemplo 1

C: Há momentos em que eu fico tão cansadaem assumir tantos compromissos que eu pen-so em sair um pouco dessa pressão de ter quecumprir tudo. Mas me incomoda o fato dequerer me livrar... de não assumir as minhasresponsabilidades.T: Parece que você pensa: �Na medida em queeu quero me aliviar de tantos compromissos,pressões e obrigações, isso significa que souirresponsável�. Seria algo assim?

Exemplo 2

C: Eu estou triste hoje � eu quero dizer queestou solitária. Eu tenho comido muito e nãosei se estou preenchendo um vazio.T: Hum-hum, sentindo-se vazia.

2) O terapeuta transmite entendimento,usando metáfora, linguagem expressiva, ima-gem evocativa ou falando como o cliente (evo-cação empática).

Exemplo 1

C: Sim, isso não é fácil. É a solidão que estáaqui e eu acho que o que estou procurando éconsolo, que alguém me diga que não tem pro-blema, uma certeza estabelecida, eu suponho.T: Sim, alguém para dizer: �Sim, está tudobem, Cláudia�.

Exemplo 2

C: Como você sabe, meu ambiente tem sidorealmente muito bom, como ter um grupo deapoio, eu estou gostando disso, mas ainda mesinto...T: Quando você conta com você mesma, háum sentimento real de estar sozinha.

3) O terapeuta transmite entendimento,selecionando aquilo que é mais pungente, nãoclaro, idiossincrático ou implícito, naquilo queo cliente diz para promover descoberta de algonovo ou para ver algo de uma nova maneira(exploração empática).

Exemplo 1

C: Eu percebo que estou tomando conta detodo mundo, talvez eu esteja esperando algu-ma coisa de volta.T: Então, você sente como se estivesse dandoe dando e coisas desse tipo. Então, pensa: �Equanto a mim?�.

Exemplo 2

C: Embora eu me sinta contente, porque real-mente tenho amigos agora com quem eu logovou conversar, mas depois, quando estou so-zinha, vem a solidão.T: Há algo sobre estar sozinha agora que émuito difícil.

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4) O terapeuta transmite entendimento,complementando a frase do cliente, quando eleestá fazendo um esforço para explicar o queestá querendo dizer (complementação comu-nicativa).

Exemplo 1

C: Quando ela me deixou, eu me senti comose tivesse levado um... um...T: Um soco no estômago.C: Isso mesmo!

Verbalizações não-empáticas

Tendem a se centrar no evento, no pró-prio ponto de vista, em novas informações ouem teorias, desviando arbitrariamente o focode atenção dos sentimentos e da perspectivado cliente.

Variedades de verbalizaçõesnão-empáticas

1) O terapeuta focaliza-se no evento, ex-plorando os dados a respeito, sem considerarou valorizar os sentimentos e as perspectivasdo cliente, ou faz perguntas para buscar novasinformações, desviando o foco de atenção daapreciação dos sentimentos e das perspectivasdo cliente.

Exemplo 1

C: Ontem, quando encontrei minha amiga acaminho da sala de aula, ela me cumprimen-tou muito rapidamente. Fiquei chateada como fato de ela não me dar atenção.T: Ela estava sozinha ou acompanhada?

Exemplo 2

C: Meu namorado costumava me telefonartodos os dias. Ultimamente, ele telefona umastrês vezes por semana. Eu sei que ele andasobrecarregado com os estudos. Mas, mesmo

assim, estou achando que ele não gosta maisde mim. (O foco de atenção está na angústiaprovocada pela mudança do comportamentodo namorado.)T: Você lembra de ter se sentido rejeitada porseus familiares quando era pequena? (Desviodo foco de atenção para especular uma possí-vel causa para a cliente sentir-se rejeitada �semrazão concreta�.)T: Essa sensação de não ser gostada tem ocor-rido na interação com outras pessoas ou so-mente com o seu namorado?

2) O terapeuta impõe o próprio ponto devista.

Exemplo 1

C: Ontem, o professor de estatística não deuaula e eu aproveitei o tempo para estudar. Sóque alguns colegas começaram a falar alto erir e eu não consegui prestar atenção no queestava lendo. Então, fechei o livro e fiquei demau-humor o resto do dia.T: As pessoas são assim mesmo. Elas só perce-bem que incomodam quando a gente reclama.

3) O terapeuta não se baseia no que ocliente está experienciando, mas sim em teori-as que norteiam a sua abordagem ou em suaprópria perspectiva ou experiência.

Exemplo 1

C: Eu tive um atrito com o meu professor hoje.Eu achava que tinha a resposta certa, mas meuprofessor não me ouviu. Aí, eu fiquei triste.Quando eu contei o fato para minha mãe, elame repreendeu, dizendo que eu não deviaaborrecer os mais velhos, que eu deviarespeitá-los. Fiquei chateada. Pensei que elapudesse me entender. (O foco de atenção dacliente está na angústia provocada pela mãe.)T: Você ficou com raiva de seu professor por-que ele lembrou sua mãe. (Desvio do foco deatenção para uma explicação causal.)T: Eu penso que você se sentiu incompre-endida por sua mãe, do mesmo modo que sesentiu incompreendida por seu professor (en-tendimento empático).

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4) O terapeuta dá uma sugestão ou umconselho sobre como o cliente poderia fazerpara se sentir melhor ou superar determinadoproblema.

Exemplo 1

C: Ontem, na aula de estatística, tive uma dú-vida, mas não tive coragem de perguntar. Acheique o professor pensaria que eu sou burra.T: Você já pensou na possibilidade de pergun-tar a ele particularmente, depois que acabar aaula?

OS LIMITES DA EMPATIA

Embora exista uma concordância entre ospesquisadores sobre o valor da empatia doterapeuta como um poderoso agente de mu-dança, algumas divergências são encontradasquanto ao fato de esta ser suficiente para osucesso do tratamento.

Bohart e Greenberg (1997) propõem que,através da manifestação de empatia, o terapeu-ta ajuda o cliente a sair de uma posição de ava-liação negativa, rejeição ou desaprovação daprópria experiência para uma posição de acei-tação. Assim, a empatia constitui um ingredi-ente central na tentativa de entender como aterapia funciona. Quando o terapeuta mergu-lha no mundo do cliente para tentar entendercomo este o vê, colocando isso em palavras echecando os seus entendimentos, essa atitudeparece ser curativa.

Por outro lado, Goldstein e Myers (1991)consideram que os níveis elevados de demons-tração de empatia na relação terapêutica po-dem ser vistos como uma condição necessária,porém não suficiente para a mudança do clien-te. Beck e colaboradores (1982) consideram aempatia do terapeuta como fundamental paraa aliança terapêutica, pois propicia a utiliza-ção de outras intervenções para atingir um efei-to no tratamento.

Ao tratar pacientes seriamente suicidas,Linehan (1997) aponta um conflito entre fo-calizar o tratamento na mudança do cliente efocalizar o tratamento na empatia. A focaliza-

ção na mudança costuma precipitar o não-cum-primento, o retraimento e até mesmo o aban-dono do tratamento. A focalização na empatiacostuma ser experimentada pelos pacientescomo invalidante, por não atendê-los na suanecessidade imediata de sair da incessante dorpresente. Como uma tentativa de solucionaresse conflito, Linehan desenvolveu uma estra-tégia de tratamento que integra seis tipos devalidação, a qual é fortemente relacionada àempatia, com estratégias de mudança que in-cluem vários procedimentos cognitivos e com-portamentais.

Muitos estudos são necessários para es-clarecer o papel da empatia do terapeuta namudança do cliente. Dada a complexidade dostranstornos psicológicos existentes, a varieda-de do nível de gravidade desses transtornos eas diferenças pessoais de cada cliente, é pro-vável que cada caso solicite maior focalizaçãona empatia ou na mudança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste capítulo foi apresentarum estudo sistematizado da empatia, com osseus componentes cognitivos, afetivos e com-portamentais, além de fornecer informaçõessobre os vários tipos de declarações empáticasque ocorrem na interação terapeuta-paciente.Espera-se que tenha contribuído, através dasdescrições e dos exemplos, para demonstrarcomo um terapeuta pode comportar-se demaneira empática com o seu cliente.

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Religião, Psicoterapia e Saúde MentalFrancisco Lotufo Neto

Os principais argumentos dos que afirmamque a religião é prejudicial são os seguintes:

� gera níveis patológicos de culpa;� promove o autodenegrir-se e diminui

a auto-estima, através de crenças quedesvalorizam nossa natureza funda-mental;

� estabelece a base para a repressão daraiva;

� cria ansiedade e medo através de cren-ças punitivas (por exemplo, inferno,pecado original, etc.);

� impede a autodeterminação e a sen-sação de controle interno, sendo umobstáculo para o crescimento pessoale o funcionamento autônomo;

� favorece a dependência, o conformis-mo e a sugestionabilidade, com o de-senvolvimento da confiança em forçasexteriores;

� inibe a expressão de sensações sexu-ais e abre caminho para o desajustesexual;

� encoraja a visão de que o mundo édividido entre �santos� e �pecadores�,o que aumenta a intolerância e a hos-tilidade em relação �aos de fora�;

2323

No relacionamento entre cultura e saúdemental, a religião é, sem dúvida, uma das va-riáveis mais importantes, porém pouco estu-dada (Tseng, 1999). Examinaremos alguns es-tudos sobre esse tema.

A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃOSOBRE A SAÚDE

A Psiquiatria e a psicologia são ciênciasnovas, praticamente nascidas no século passa-do. Seu relacionamento com a religião tem sidoconturbado, com desconfianças e hostilidadesde ambos os lados. Os escritos de Freud, paida psicanálise, considerando a religião uma ilu-são e o transtorno obsessivo-compulsivo dahumanidade certamente não contribuíram paraum melhor entendimento. Albert Ellis (1983),criador da terapia racional emotiva, em seuestilo contundente, afirmou precipitadamenteser a religião causadora de patologia e neuro-ses. Mais tarde, diante das evidências em con-trário apresentadas por Malony (1988), que es-tudou pacientes da própria clínica de Ellis emostrou que os religiosos apresentavam mai-or progresso e saúde, foi possível reconhecerseu engano.

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� cria paranóia com a idéia de que for-ças malévolas ameaçam nossa integri-dade moral;

� interfere no pensamento racional ecrítico.

Por outro lado, os argumentos dos que con-sideram que a religião tem um impacto positivosobre a saúde são os seguintes:

� reduz a ansiedade existencial ao ofe-recer uma estrutura cognitiva que or-dena e explica um mundo que parececaótico;

� oferece esperança, sentido, significadoe sensação de bem-estar emocional;

� ajuda as pessoas a enfrentarem me-lhor a dor e o sofrimento, através deum fatalismo reassegurador;

� fornece soluções para uma grandevariedade de conflitos emocionais esituacionais;

� soluciona o problema perturbador damorte, através da crença na continui-dade da vida;

� dá às pessoas uma sensação de podere controle, através da associação comuma força onipotente;

� estabelece uma orientação moral quesuprime práticas e estilos de vida au-todestrutivos;

� promove a coesão social;� fornece identidade, satisfazendo a

necessidade de pertencimento, ao uniras pessoas em torno de uma compre-ensão comum;

� fornece as bases para um ritual catár-tico coletivo.

RELIGIÃO MADURA E SAUDÁVEL

Para Pruyser (1968), eminente psicólogoda Clínica Menninger, os componentes de umateologia são idealizados para formar um planode vida que, se praticado, pode trazer alegria esatisfação ao que crê. Toda religião contémesses elementos, e sua integração a um estilode vida é o determinante da relação positivaentre religião e saúde mental. Esses elementos

são multidimensionais, mais complexos que osimples freqüentar um serviço religioso e con-formar-se a certas crenças. Malony (1992), emuma perspectiva cristã, denominou-os �teolo-gia funcional�:

� Consciência de Deus: o grau em que apessoa experimenta uma sensação dedeslumbramento e a sensação de seruma criatura no relacionamento como divino (reverência versus idolatria).

� Aceitação da graça e do amor incon-dicional de Deus: o grau em que a pes-soa vivencia e compreende o amor e abenevolência de Deus (confiança esensação da presença da providênciadivina versus independência e deses-perança exageradas).

� Arrependimento e sentir-se responsá-vel: o grau em que a pessoa assumeresponsabilidade pelos seus própriossentimentos e comportamentos (re-denção, justificação, perdão e mudan-ça versus falta de consciência, irrespon-sabilidade, amargura e vingança).

� Conhecimento da liderança e da dire-ção de Deus: o grau em que a pessoaconfia, espera e vive a direção de Deusem sua vida (fé versus desespero).

� Envolvimento com a religião organi-zada: o grau quantitativo, qualitativoe motivacional em que a pessoa estáenvolvida com a igreja (compromis-so, participação e associação versusisolamento e solidão).

� Vivência da comunhão: o grau em quea pessoa relaciona-se e tem uma no-ção de identidade interpessoal (comu-nhão com outros versus estar centradoem si mesmo e em seu orgulho);

� Senso ético: o grau em que a pessoa éflexível e comprometida com a apli-cação de princípios éticos em sua vidadiária (noção de vocação e de viver osvalores da vida versus perda de senti-do e perda do sentimento de dever).

Malony (1992) acrescentou uma oitavacategoria, uma vez que a pessoa madura doponto de vista religioso deve ser tolerante e

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não ser pré-julgadora: o grau em que ela estácrescendo e abrindo-se a novidades em sua fé(humildade e interesse por mudanças versusmente fechada e autoritarismo).

EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

Quando esse assunto é estudado, as evi-dências são amplamente favoráveis à valoriza-ção da religião no trabalho psicoterápico. Pro-curando deixar os preconceitos de lado, diver-sos cientistas procuraram avaliar em suas pes-quisas a influência da religião sobre a saúdemental. Os resultados, embora não-conclusi-vos, são desafiadores: a religião está associadaao bem-estar, à saúde física, à diminuição damortalidade, ao melhor controle da pressãoarterial, à maior capacidade de enfrentar oestresse, à maior satisfação conjugal e sexual.Em relação à saúde mental, notou-se um mai-or ajustamento pessoal, bem como menos diasde internação em clínicas psiquiátricas.

Koening (1992) revisou extensamente ostrabalhos que relacionam saúde e religião emidosos, observando que:

� O compromisso religioso maduro ededicado, sob a forma de crenças e ati-vidades baseadas na tradição judaico-cristã, está relacionado a um maiorbem-estar e a menores níveis de de-pressão e ansiedade.

� Esses trabalhos operacionalizaram areligião como atividade religiosa or-ganizacional (freqüência à igreja e aoutras atividades relacionadas); ativi-dade religiosa não-organizacional(oração, leitura das escrituras, acom-panhamento de programas religiosospela televisão ou pelo rádio); rituaisreligiosos (sacramentos, leis sobre die-ta, modo de vestir); crenças religio-sas, religiosidade intrínseca e força docompromisso religioso. Além disso,enfatizaram o uso de qualquer umadessas formas de expressão religiosacomo ajuda para enfrentar o estressepsicológico.

� A freqüência à igreja correlaciona-sede maneira consistente a fatores comoajustamento pessoal, felicidade ou sa-tisfação na vida, bem-estar, menor taxade suicídio, menos sintomas de-pressivos, menor ansiedade em rela-ção à morte e melhor adaptação a pe-ríodos de luto em idosos que estãomorando tanto na comunidade quan-to em uma instituição.

� O envolvimento na comunidade reli-giosa provê companhia e amigos deidade parecida e com os mesmos inte-resses; um ambiente que fornece apoiopara amenizar mudanças estressantesna vida; uma atmosfera de aceitação,esperança e perdão; uma fonte práti-ca de assistência, quando necessário;uma visão comum do mundo e umafilosofia de vida.

� Estudos procuraram controlar fre-qüência a cultos, uma vez que, entreidosos, este pode ser um importanteviés, pois freqüenta quem tem boasaúde física, a qual se relaciona sem-pre positivamente com bem-estar. As-sim, a freqüência a serviços religio-sos pode ser apenas um sinal de boasaúde física e nada ter a haver comboa saúde mental. Mesmo quandoisso é controlado, mantém-se a rela-ção entre freqüência a cultos e saúdemental.

Outra área em que a religião é importan-te é no tratamento da dependência de álcool edrogas. Duas são as explicações para o efeitoda religião sobre a supressão do uso de subs-tâncias: a função de controle social que a reli-gião exerce, desencorajando desvios, delin-qüência e comportamentos autodestrutivos, eo desenvolvimento de recursos pessoais (su-cesso acadêmico, valores pró-sociais, compe-tência social) e ambientais positivos (harmo-nia familiar, comunicação entre pais e filhos,apoio dos pais, apoio de outros adultos). Opapel da religião contra o uso relaciona-se tam-bém ao grau em que essas normas sobrepõem-se, ou são contrárias às normas culturais. Ou

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seja, a religião tem maior efeito quando há di-ferentes opiniões na sociedade sobre o uso dasubstância em questão, e menor efeito quandohá acordo com outros mecanismos de controlesocial que desencorajam o uso. Não se sabecomo a religião promove os recursos pessoaise sociais que agem na prevenção.

O exemplo mais bem-sudedido do papelda religião é o movimento internacional dosAlcoolistas Anônimos, que surgiu inspirado poruma reunião religiosa de reavivamento, base-ando-se para estruturar sua organização e seusprincípios. Com freqüência, os AA e outros gru-pos de auto-ajuda iniciam ou encerram suasreuniões com a bela oração de ReinholdNiebuhr: �Senhor, dê-me a serenidade de acei-tar as coisas que não posso mudar, a coragemde mudar aquilo que posso e a sabedoria parasaber a diferença�.

O décimo primeiro passo dos AA diz: �Pro-curamos através da oração e da meditaçãomelhorar nosso contato consciente com Deus,como quer que O entendamos, orando somen-te pelo conhecimento da Sua vontade para nóse pelo poder de levá-la adiante�. Os outros prin-cípios procuram ajudar a pessoa em sua gran-de luta espiritual para sobrepujar a força doalcoolismo e de outros vícios.

É importante salientar que, apesar da ex-tensa literatura disponível sobre o papel da re-ligião no uso de substâncias, esses trabalhosnão estão presentes nas principais revisões so-bre o assunto, tendo, portanto, pouca influên-cia no estabelecimento de políticas sociais, pla-nejamento comunitário ou desenvolvimento deprogramas. Esse esquecimento irresponsáveldeve ser sanado.

RELIGIOSIDADE INTRÍNSECAE COMPROMISSO RELIGIOSO

Alguns autores propõem dois tipos dereligiosidade: a intrínseca e a extrínseca. Nareligiosidade intrínseca, a pessoa realmenteacredita e procura viver sua fé, sendo o prin-cípio motor de sua vida. Na extrínseca, a reli-gião é um meio para atingir outros fins. Porexemplo, uma conversão com finalidade de

casamento, a freqüência ao serviço religiosopor status ou porque é bom para os negócios.Há aqueles ainda que acrescentaram um ter-ceiro tipo: a religião do tipo busca. A religio-sidade intrínseca correlaciona-se sistematica-mente com a saúde e a saúde mental. A reli-giosidade extrínseca é aquela que dá um maunome à religião, pois está relacionada à into-lerância e ao preconceito. Uma medida indi-reta boa da religiosidade intrínseca é o com-promisso religioso, a freqüência com que apessoa pratica os rituais de sua religião (ora-ção, serviços religiosos, literatura, horadevocional, etc.).

Gartner e colaboradores (1991) analisa-ram cerca de 200 artigos recentes e as revisõesprévias e concluíram que o compromisso reli-gioso tem uma relação positiva com os seguin-tes aspectos: saúde física, bem-estar, prognós-tico de doenças, satisfação conjugal, diminui-ção da mortalidade, menores índices de suicí-dio, uso de drogas, uso de álcool, delinqüên-cia, depressão e divórcio.

MECANISMOS ATRAVÉS DOS QUAISA RELIGIÃO INFLUENCIA A SAÚDE

As constatações do benefício da religiãolevaram os cientistas a tentar entender por quea religião age desse modo sobre a saúde. Di-versos mecanismos através dos quais a religiãopode influenciar a saúde física e mental foramencontrados:

Comportamento e estilo de vida

As prescrições bíblicas de 3.000 anos atrássobre dieta, circuncisão, preparo da alimenta-ção, limpeza e sexualidade foram importantespara prevenir infecções, doenças sexualmentetransmissíveis e câncer em um período no qualo conhecimento científico e a medicina preven-tiva ainda não estavam desenvolvidos. O mes-mo pode ser dito das prescrições do Alcorão.Outra recomendação médica freqüente é ocomponente da prática espiritual � o dia se-manal de descanso �, como relaxar o corpo e a

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mente, refrescar e restaurar as forças, adorar aDeus, estabelecer comunhão com a família eos outros fiéis.

Hoje outras doenças são prioritárias, mui-tas delas relacionadas aos estilos de vida con-temporâneos (estresse, dependência de subs-tâncias, alimentação excessiva, comportamen-to sexual). Estes podem ser vistos como viola-ções de leis e práticas espirituais, que prescre-vem moderação no comportamento sexual ealimentar, advertem contra o beber excessivo,contra o perseguir incessante do dinheiro epoder, a competição, as emoções negativas(hostilidade, raiva, ressentimento e culpa),narcisismo e incapacidade de amar. Há umapelo claro à moderação, com implicações im-portantes para a saúde.

Um exemplo da aplicação de princípiossemelhantes ou claramente religiosos à práti-ca médica é o programa de Thorensen e cola-boradores (1985) para ensinar pessoas com do-ença coronariana a modificar seu comporta-mento. Esse programa reduziu consideravel-mente a mortalidade dos seus participantes epropunha:

� aprender a dar e receber amor diaria-mente;

� ver o mundo não como um lugar hos-til que precisa ser combatido, mascomo um lugar que pode ser amoro-so, cooperativo, pacífico e feliz;

� orar (os pacientes julgaram ser a par-te mais valiosa do programa);

� desenvolver humildade e paciência(entrar na fila mais comprida e lentado supermercado, aprendendo a tole-rar e ter prazer na espera);

� modelar o comportamento de amar eaceitar (treino em sorrir);

� deixar de brincar de deus (aprender adeixar de controlar o ambiente e aaceitar suas limitações pessoais).

Nesse programa, o conceito de �graça�,tão caro a Paul Tournier (1965), foi introduzi-do de maneira secular: é sábio e desejável re-ceber as coisas maravilhosas que a vida ofere-ce, as quais não precisam ser ganhas (amor,

serenidade, descanso, riso, alegria, divertimen-to, família, crianças, animais, plantas, beleza,vida); é aconselhável o encorajamento da vidasimples e abundante, através de uma posturade paciência e aceitação com humildade, amor,alegria, serviço desinteressado aos outros eobediência suave aos preceitos espirituais, re-cebendo em troca as bênçãos decorrentes.

Após quatro anos de seguimento, esseprojeto demonstrou 50% de redução na mor-bidade e mortalidade coronariana, melhora quenão ocorreu no grupo-controle.

Apoio social

Pertencer a um grupo religioso e partici-par dele pode trazer conseqüências psicosso-ciais saudáveis que influenciam positivamentea saúde. A religião promove coesão social, sen-sação de pertencimento, incorporação e parti-cipação, sanciona a continuidade dos relacio-namentos, dos padrões familiares e de outrossistemas de apoio. Através do desenvolvimen-to da comunhão e do companheirismo, provêapoio social, modera o estresse e a raiva, bemcomo enfatiza estilos mais reflexivos de lidarcom as situações e de se adaptar aos proble-mas.

O apoio social correlaciona-se com a saú-de e pode atuar de diversas maneiras:

� a aderência a programas promotoresde saúde é favorecida;

� a comunhão regular com os demais écaracterística importante de muitossistemas religiosos, sendo fundamen-tal em momentos de solidão, depres-são e morte de pessoa próxima;

� o processamento cognitivo e as cren-ças influenciam o modo de lidar como estresse, ou seja, as crenças da pes-soa e suas interpretações em relaçãoao sofrimento e à vida são cruciais paraa maneira de lidar com as dificulda-des.

� a experiência religiosa e o companhei-rismo, talvez por vias psiconeuroen-docrinológicas, sirvam para bloquear

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ou inibir o impacto de emoções dele-térias, como a ansiedade e a anomia.

Embora o apoio social seja reconhecidocomo uma conseqüência importante da reli-gião, parece não ser o principal meio atravésdo qual ela exerce sua ação sobre a saúde. Umestudo comparando a religião com freqüenta-dores de clubes que também oferecem apoiosocial mostrou que, mesmo assim, a religiãoera superior. Algo mais existe nela...

Sistema de crenças

As crenças religiosas podem gerar tantopaz, autoconfiança e sensação de propósito navida, quanto culpa, depressão e dúvidas. O efei-to benéfico da religião pode advir de o indiví-duo perdoar a si mesmo e aos outros, desen-volver autoconceitos emocionais mais saudá-veis e doar-se de modo não-egoísta.

Historicamente, a religião é benéfica àsaúde mental por fornecer cognições fora doordinário. Cada vez mais pessoas abandonama religião organizada quando ela perde a suautilidade como instrumento explicativo.

Rituais religiosos

Evidências empíricas da psiquiatria e damedicina de cuidados primários mostram queos rituais estão invariavelmente associados combenefício. Os rituais religiosos públicos e pri-vados são métodos poderosos para manter asaúde mental e para prevenir o início ou a pro-gressão de distúrbios psicológicos. Eles ajudama pessoa a enfrentar sentimentos como terror,ansiedade, medo, culpa, raiva, frustração, in-certeza, trauma e alienação, bem como a lidarcom emoções e ameaças universais e oferecemum mecanismo para delas distanciar-se. Redu-zem a tensão pessoal e a agressividade, os ri-tuais moderam a solidão, a depressão, aanomia, a sensação de não ter saída e a inferio-ridade.

Schumaker (1992) diz que a ausência dereligião priva a pessoa dos benefícios produzi-dos pelos rituais encenados pela maioria, ca-

minhos antiqüíssimos para a saúde psicológi-ca, pois incorporam cognições, filiação social,ação coletiva e catarse.

Oração

A oração é uma das formas mais antigasde intervenção terapêutica e continua sendofreqüentemente utilizada, inclusive pelos mé-dicos (dois terços de uma amostra de 126 mé-dicos relataram rezar pelos seus pacientes).

Byrd (1984) acompanhou por 10 meses393 pacientes admitidos em unidade corona-riana, dividindo-os em dois grupos. Os nomesdos pacientes de um dos grupos foram forne-cidos a participantes de um grupo que se reu-nia sistematicamente para interceder atravésda oração. Em síntese, um grupo de cristãosfora do hospital orou sobre as pessoas de umdos grupos. Os que receberam oração apresen-taram menos edema pulmonar, foram entu-bados com menor freqüência e precisaram demenos antibióticos.

Alguns autores concluem que não orarpelos pacientes é o mesmo que evitar minis-trar uma droga ou um procedimento cirúrgicoeficaz. Recomendam, então, que se siga a tra-dição da medicina, indo ao cerne dos dadosobtidos cientificamente sem contorná-los, nãoimportando o quão desconfortável isso possaser, pois as evidências a favor da eficácia daoração não podem ser ignoradas.

Meditação

Um dos principais objetivos de muitos sis-temas de prática espiritual é propiciar avivência de paz interior em seu sentido maisamplo e profundo. A literatura sobre os bene-fícios da meditação é muito extensa e seus be-nefícios já são reconhecidos por todos.

Confissão

�É somente com ajuda da confissão quesou capaz de me atirar nos braços da humani-dade, livre finalmente do fardo do exílio mo-

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ral�. Essa frase do psiquiatra Jung mostra aimportância da confissão para a saúde. A con-fissão reduz a raiva, aumenta a simpatia e re-duz as repercussões negativas do ato e a cul-pa, tendo um valor catalítico e um efeito po-sitivo no ato de enfrentar os problemas comsucesso, no ajustamento e na evolução tera-pêutica.

Perdão

Está relacionado com a culpa, a vergo-nha e a reconciliação, mas principalmente coma segunda. A vergonha é a realização de queos outros nos estão vendo como realmente so-mos, e não como gostaríamos que nos vissem.O perdão é o reconhecimento de que, na ver-dade, somos mais parecidos com quem nosofendeu do que diferentes.

Conversão

A conversão religiosa e as experiênciasreligiosas intensas parecem ter um efeito be-néfico, reduzindo sintomas patológicos. Nasigrejas, é possível já presenciar mudanças in-tensas na vida de pessoas após a experiênciade conversão.

Exorcismo

Consiste em invocar o nome de Deus paraexpulsar um espírito maligno que se crê habi-tar ou possuir uma pessoa, um local ou umobjeto. Sem levar em consideração a dimen-são espiritual, os mecanismos psicológicos doexorcismo são os seguintes:

� a eficácia apóia-se sobre o efeito place-bo: funciona porque as pessoas acre-ditam que vai funcionar;

� o resultado é influenciado por fatorese processos psicológicos (percepção,crença, expectativa, motivação, dra-matização e reforçamento);

� a doença recebe um nome (possessão),o rótulo é manipulado e um novonome é usado (curado, exorcizado, ex-pulso);

� a falta de cura não é atribuída ao sis-tema terapêutico, quando o tratamen-to não funciona imediatamente, massim ao curandeiro ou ao remédio;

� o vínculo é importantíssimo na rela-ção terapeuta-cliente. Na prática clí-nica, tem sido demonstrado que o ca-lor humano, a empatia e o interessegenuíno produzem melhores resulta-dos. No meio mágico, contam a oni-potência e o carisma do curandeiro (aauto-apresentação como poderoso,autoconfiante e onipotente);

� remissão espontânea de sintomas psi-cológicos;

� o exorcismo permite vivenciar nova-mente uma intensa experiência emo-cional na tentativa de solucionar umproblema psicológico e liberar as emo-ções acumuladas através de uma des-carga catártica.

Liturgia

Envolve a participação ativa e conscienteda assembléia através da leitura de textos sa-grados, louvor através de hinos, salmos ecânticos, oração silenciosa e em grupo, e cele-bração de sacramentos (na religião cristã, há obatismo, a confirmação, a eucaristia, a recon-ciliação, o matrimônio, o sacerdócio e a unçãodos enfermos).

A liturgia apropriada ao momento de vidada congregação ou da família facilita a catarseemocional. O ministro religioso é treinado aplanejá-la de acordo com os períodos de cele-bração ou contrição, seguindo os ritos de pas-sagem (no ocidente, o nascimento, o aprendera ler, o início da adolescência ou da vida adul-ta, a entrada na universidade ou no mercadode trabalho, o casamento, a separação, a apo-sentadoria, a saída dos filhos de casa, a morte,as lembranças dos entes queridos, etc.).

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A bênção

Bênção, passes, imposição das mãos eunção dos enfermos são práticas comuns emdiversas religiões desde a antigüidade. São for-mas, atos ou palavras para comunicar poderàs pessoas em nome de Deus, ou uma expres-são de confiança entre elas. Fazem parte dotrabalho pastoral, e a intenção é transmitir apromessa de força que será encontrada, nãoem quem a expressa, mas em Deus, em nomede quem as palavras estão sendo ditas.

O ato de benzer é uma das práticas maispresentes na nossa medicina folclórica. É umato de súplica, de imploração, de pedido insis-tente aos deuses para que eles se tornem maispresentes, para que tragam boas novas e bene-fícios. É um instrumento para produzir solida-riedade, um elemento que aglutina as pessoas,que repara a tragédia, a dor, a aflição e o sofri-mento.

A direção espiritual

É descrita como um relacionamento quetem por objetivo o desenvolvimento do self es-piritual. Isso inclui a construção de um forterelacionamento com Deus e o desenvolvimen-to de uma vida pessoal plena de sentido. Tomadiferentes formas dependendo das crenças re-ligiosas, mas o diretor espiritual tem em seurepertório de comportamentos o uso de enco-rajamento, apoio e confronto, visando a criarum clima de confiança que conduza o orien-tando a correr riscos e a crescer.

Julian (1992) define o alvo da direçãoespiritual como sendo o de aprofundar o rela-cionamento de uma pessoa com Deus. Ajudara pessoa a prestar atenção à comunicação pes-soal de Deus, e a responder, crescendo em inti-midade com Ele e vivendo as conseqüênciasdesse relacionamento. O foco da direção espi-ritual recai em temas espirituais, a oração, aleitura das escrituras e a literatura religiosa,os exercícios de visualização, o uso de um diá-rio e outras práticas religiosas usadas para au-

mentar a consciência da presença de Deus e orelacionamento com Ele.

Idioma para expressar o estressee promover ajustamento pessoal

A religião pode ser utilizada como um idio-ma para expressar o sofrimento em momentosde desorganização social e insatisfação, atravésde comportamentos que a psiquiatria pode in-terpretar como sendo dissociativos.

Outros mecanismos como técnicas de al-teração de consciência, experiências místicas,experiências de proximidade com a morte, in-fluências superempíricas e sobrenaturais tam-bém são descritas. Há um poder ativo que trans-cende ou existe independentemente do mun-do natural, que escolhe quando e por que aben-çoar ou dotar indivíduos ou grupos de pessoascom saúde. Essa visão de mundo é enfatizadapelas tradições judaico-cristã e islâmica.Enfatiza a transcendência de Deus, a sua pre-sença e o seu poder atuando na natureza e nahistória. Esse poder divino está acima das leisnaturais e não pode ser objeto de escrutíniocientífico e experimentação.

TERAPIAS COM INFLUÊNCIA RELIGIOSAPRATICADAS NO BRASIL

O cadinho religioso que é o Brasil reflete-se nas práticas terapêuticas adotadas. Diver-sas são as psicoterapias com influência religio-sa, algumas aqui criadas, outras importadas,mas com grande penetração; algumas pratica-das por profissionais, outras por leigos. Algunsexemplos são:

Terapia noossofrológica

É mais conhecida pelo nome da clínicaonde é praticada, �Mens Sana�, e pelo seu cri-ador, Frei Albino Aresi, já falecido. Associamétodos psiquiátricos e psicológicos conven-

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cionais e poderes paranormais para diagnósti-co e cura. Após uma triagem médica e umaentrevista psicoterápica, o paciente pode serencaminhado a uma série de serviços, taiscomo:

� Psicorelax: aparelho que produz vibra-ções suaves, por meio das quais o pa-ciente recebe sugestões, musicoterapiae cromoterapia.

� Psicotron: colchão vibratório operadopor pessoa paranormal, chamada desensitiva, que detecta fatos do incons-ciente. Um relatório é preparado e en-caminhado ao terapeuta, o que apres-saria o processo psicoterapêutico ou otornaria mais eficiente.

� Outras técnicas são o pulsotron, a re-gressão de idade, a fisioterapia, a mas-sagem, os medicamentos, a terapiareligiosa e os cursos psicoprofiláticos.

Essa forma de tratamento teve maior di-fusão nas décadas de 60 e 70, com clínicas emalgumas das principais cidades brasileiras. Amorte do seu carismático fundador fez com queperdesse sua força, embora as clínicas conti-nuem funcionando.

Trilogia analítica

Fundada por Norberto Keppe, recebeuprimeiro o nome de psicanálise integral. De-pois, Trilogia, porque pretende a união da ciên-cia, da filosofia e da espiritualidade, e Analíti-ca pois são analisados todas as partes ou fatospara corrigir os erros de cada campo e promo-ver o desenvolvimento de uma ciência maiscompleta. A Trilogia Analítica, segundo o seucriador, unifica a ciência, a filosofia e a teolo-gia; o sentimento, o pensamento e a ação, vi-sando à unificação dos homens, das raças e dasnações.

Psicoterapia Trilógica é o processo deconscientização da dialética errônea, sendo quea recuperação e o desenvolvimento da huma-

nidade dependem dessa percepção. A terapiaadota o método dialético, a união do sentimen-to verdadeiro (amor) com o pensamento ver-dadeiro, chegando à consciência que possibili-tará o agir correto. Além da terapia, o movi-mento idealizado por Keppe propôs uma mai-or influência renovadora sobre a sociedadeatravés de empresas e residências trilógicas.

Alguns conceitos fundamentais são:

� A doença é uma privação da saúde,enquanto as neuroses e as psicoses sãouma atitude e não têm existência pró-pria. As neuroses surgem quando so-mos obrigados a viver uma existênciafantasiosa, em desacordo com nossavontade genuína. Os psicóticos são osque mais desejam poder e vivem es-sas fantasias de grandeza.

� A teomania é a tentativa de sermoscomo deuses, poderosos e ilimitados.Se o grau de idealização que a pessoafaz de si mesma for muito grande, suacensura será muito forte e não terátolerância em admitir seus erros, poisgosta de se crer �Deus ou anjo�. Con-siste no desejo escondido em todos oscorações humanos de ser poderosocomo um Deus.

� Aquilo que não gostamos de perceber,tentamos esquecer, tirar do campo daconsciência, tendo como resultado aalienação. A inconscientização dos sen-timentos de culpa por excesso de cen-sura criam doenças físicas, mentais esociais. A principal razão da negaçãodo sentimento de culpa é a teomania.

A Trilogia Analítica teve boa expansão emSão Paulo, alguns simpatizantes no exterior,sendo que seu fundador e alguns de seus se-guidores mudaram-se para os Estados Unidosna tentativa de divulgar suas concepções. Aoir a um congresso na Europa, dois dos princi-pais líderes do movimento foram detidos pelapolícia americana sob a acusação de evasão dedivisas. Essa detenção teve grande repercus-

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são na imprensa da época e ocasionou perdano vigor do movimento.

Psicotranse

Fundada pelo médico Eliezer Mendes,propõe a cura do equilíbrio energético, utili-zando os processos mediúnicos. Prega o conhe-cimento do manancial incalculável de psicote-rapia das religiões mediúnicas.

Nessa forma de psicoterapia, a esquizo-frenia e a epilepsia são fenômenos parapsi-cológicos que acometem indivíduos em viagenspor universos paralelos. São ocasionadas pordesequilíbrios na captação de energias estra-nhas subconscientes ou exteriores. A terapiaadaptou técnicas de hipnose, parapsicologia,terapia reichiana, regressão de memórias e avidas passadas e terapia primal. Tem forte in-fluência da Umbanda, usando técnicas deindução de transe. Utiliza também o trabalhode sensitivos, que captam a loucura do pacien-te (energias que perturbam o paciente) atra-vés da transidentificação (o sensitivo vivenciaos pensamentos e sentimentos de uma pessoaviva ou morta) e da transmutação (o sensitivoaprende a expressar o que sente, capta e si-multaneamente transforma os distúrbios querecebeu em algo que não lhe deixará resquíci-os energéticos). Por esse processo, o doente éliberto dos males que o acometem. EliezerMendes (1987) propõe também uma açãoprofilática, uma vacinação energética para todotipo de doença.

Terpsicore-transe-terapia

Criada por David Akstein (1994), médi-co psiquiatra e estudioso do fenômeno de tran-se dos cultos afro-brasileiros. Não usa o aspec-to místico ou religioso. Através do transecinético, ocorre liberação emocional e peladessensibilizaão uma restruturação da perso-nalidade e harmonização psicobiossocial.Terpsicore, deusa mitológica da dança, foi omotivo da denominação. Utiliza técnicas de

indução de transe e musicoterapia, integran-do-as no tratamento, que é eminentementenão-verbal (Akstein, 1994).

Nova era

A �Nova Era� é a herdeira atual dos mo-vimentos gnósticos. Algumas ênfases do movi-mento são as idéias de que a humanidade estápróxima de uma transformação econômica,militar, social, e de que problemas políticosserão solucionados através da liberação do po-tencial humano. As idéias em geral são monistasou panteístas. Propõe o abandono de uma vi-são materialista e a vivência de uma nova cons-ciência, que pode ser adquirida ou desenvolvi-da através da meditação, das artes marciais,da hipnose, das drogas, dos trabalhos corpo-rais, etc. O sobrenatural é herdado e pode serdetectado ou utilizado através de telepatia, per-cepção extra-sensorial, transmigração de al-mas, profecias, cura pela fé, energias, vibra-ções, toques terapêuticos, astrologia, tarô, bú-zios, etc. As relíquias e os objetos sagrados têmgrande importância, e seus adeptos colecionamamuletos, pirâmides e cristais (Luz, 1986;1989).

Diversos são os terapeutas que procura-ram integrar seus conhecimentos psicológicoscom essas práticas, o que motivou uma toma-da de posição desfavorável dos Conselhos Fe-derais de Medicina e Psicologia.

Terapia de vidas passadas

Originária dos Estados Unidos, é talvez amodalidade que mais se desenvolveu entre nós,pela grande penetração das religiões mediúni-cas em nosso meio. É a mais bem-organizada,com associações, publicações periódicas e trei-namento de terapeutas.

Pesquisa não só as memórias da vida atu-al, mas também as reminiscências da vida intra-uterina e de vidas pregressas. Nessas memóri-as, surgiriam as causas e os porquês dos sinto-mas e das patologias.

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O procedimento técnico inclui anamnese,focalizando sinais de materiais reprimidos: fra-ses incongruentes, repetidas, desesperos absur-dos, queixas estranhas. Através de indução hip-nótica, processa-se regressão no tempo à pro-cura de momentos em que ocorreram traumas.O material não é interpretado, mas descarre-gado. O paciente é induzido a repetir a emo-ção sentida nos momentos dramáticos da re-gressão até que a angústia desapareça. Trau-mas podem ter ocorrido em diversas vidas ememórias traumáticas podem ser reavivadaspor acontecimentos perinatais, devendo tudoisso ser explorado e trabalhado. As principaisindicações seriam as fobias, a histeria e os sin-tomas psicossomáticos (Pincherle, 1990).

Cura interior

Fundado por Ruth Carter Stapleton, irmãdo ex-presidente norte-americano JimmyCarter, tem grande penetração entre nós nomeio evangélico, mas principalmente nocarismático católico. Enfatiza o papel da ora-ção e da influência do Espírito Santo e a im-portância da cura para a comunidade cristã.Usa algumas idéias de Freud, como as expe-riências da infância que influenciam o com-portamento e o pensamento adulto, e deMissildine, como ajudar as pessoas a identifi-car, compreender, respeitar, aprender a lidarcom a criança do passado.

A cura interior parte dos seguintes pres-supostos: os problemas atuais surgem de me-mórias traumáticas, escuras e dolorosas,enraizadas profundamente na mente, as quaisinfluenciam nosso comportamento e interfe-rem em nossa felicidade. Essas memórias po-dem ser curadas através de experiências como Espírito Santo. Para isso, ajuda-se as pes-soas a encontrar suas memórias dolorosas e aexpressá-las, podendo, então, ser levadas aCristo em oração para que Ele traga cura, res-tauração, amor e perdão. Usa-se louvor, ora-ção, perdão e técnicas de visualização, quan-do se imagina Cristo interferindo na situaçãodolorosa, trazendo amor, perdão, força e li-bertação.

Aconselhamento noutético

Fundado por Jay Adams (1980), pastorfundamentalista norte-americano, tem grandepenetração entre os pastores evangélicos bra-sileiros, que adotam suas idéias e seus méto-dos para realizar aconselhamento. Os pressu-postos são:

� a Bíblia, o Velho e Novo Testamentocontêm tudo o que é necessário paraa vida e para o bem;

� o objetivo do tratamento é mudar omodo como as pessoas vivem, e o pa-drão para a mudança é a Bíblia;

� se a pessoa vive de modo inconsisten-te com o padrão bíblico, ela precisamudar (noutesia); o terapeuta deveconfrontá-la em amor;

� o amor deve ser a verdadeira motiva-ção do terapeuta;

� todos os problemas não-orgânicos têmorigem no pecado, e a vida pecamino-sa é o foco central do aconselhamen-to.

� a pessoa deve converter-se, confessarseus pecados, perdoar e ser perdoa-da, além de escolher alternativas decomportamento que agradem a Deus;

� o objetivo terapêutico é agradar a Deus,e não aliviar sintomas ou problemas.

O autor tem posição radical contra a psi-cologia e psiquiatria tradicionais, achando quesua abordagem é suficiente.

Abordagem muito semelhante é tambémproposta no Irã pelos religiosos muçulmanosfundamentalistas.

Cientologia

Fundada por L. Ron Hubbard, escritornorte-americano de ficção científica, a cien-tologia está presente entre nós, mas com pe-quena influência. Iniciou-se como técnica detratamento, denominada dianética (a ciênciamoderna da saúde mental), mas passou, para

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evitar a pressão da Food and Drug Adminis-tration (FDA), a ser um movimento religioso.As clínicas tornaram-se templos, e os terapeu-tas, sacerdotes.

As pessoas devem passar por uma audi-toria, inicialmente um questionário, depois umaparelho, denominado e-meter. A infelicidadeseria derivada de aberrações mentais (engra-mas) provocadas por traumas precoces. Oshumanos seriam constituídos por espíritos(thetans) expulsos da terra há 75 milhões deanos por um governante galáctico chamadoXenu. O aconselhamento através do e-meterpode quebrar os engramas, melhorando a in-teligência e a aparência.

COMO O SINCRETISMO ENTRE TERAPIAE RELIGIÃO DEVE SER AVALIADO?

Proponho adotar os seguintes critérios(Larson et al., 1998):

� Critério científico: (avaliação dos re-sultados e do processo): descrição dotratamento, se possível com um ma-nual, e especificação dos fatores clíni-cos que serão afetados. Se o tratamen-to funciona, usando desenhos de pes-quisa adequados? Como o tratamen-to compara-se aos outros? Quais sãoos ingredientes clínicos fundamentais?Como interage com variáveis do tipoqualidades do terapeuta e condiçõesinterpessoais? Qual a população-alvo?Como medir as mudanças?, entre ou-tras questões.

� Critério epistemológico: se a terapiaestá aberta a críticas e à evolução, sedialoga com as neurociências e a psi-cologia, se a análise teórica é baseadanos conhecimentos médicos e psico-lógicos.

� Critério ético: se há controle dos tera-peutas, se é possível averiguar fatosapregoados, se o tratamento é paten-teado, se está envolvido em problemaslegais, se funciona como culto totalitá-rio, se explora pacientes e terapeutas.

� Critério administrativo e organizacio-nal: preparo e formação dos tera-peutas, financiamento.

� Critério psicopatológico: sistema teó-rico paranóide, explicações delirantessobre o grupo, a saúde mental de li-derança.

� Critério cultural: sensibilidade cultu-ral, não-elitista, respeito ao conceitode self da comunidade, linguagem sim-bólica adequada, cuidados com opopularesco.

� Critério teológico: insere-se em umatradição teológica.

Nenhuma dessas práticas passa incólumepor tais crivos. Entretanto, as práticas psicote-rápicas convencionais aceitas pelas academiase pelos conselhos regionais e federais tambémnão passam.

O campo da interação religião, saúdemental e psicoterapia está aberto para ser es-tudado. A variável religiosa, por sua enormeinfluência na vida das pessoas, precisa ser le-vada em consideração na compreensão dosproblemas, no entendimento epistemológico dopaciente, na formulação de suas histórias enarrativas. A dimensão religiosa é útil na tera-pêutica, ajudando na formação de imagens emetáforas que podem auxiliar a pessoa a mu-dar e viver plenamente. A religiosidade não-saudável é um sintoma como os outros, queprecisa ser trabalhado e analisado. Assim, aPsicologia e a Psiquiatria não podem relegarmais essas experiências ao segundo plano.

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Construtivismo e Cultura OrganizacionalCarlos Eduardo Pires e Albuquerque

Se você olha uma paisagem e, ao mesmotempo, ouve uma música que o marcou positi-vamente no passado, a tendência é ver belezanessa paisagem. De alguma forma, o cérebro�fixa� as experiências mais marcantes que te-rão influência sobre percepções futuras. A par-tir delas, toda vivência irá sobrepor-se a essasreferências internas. Ou, ainda, toda vivênciaestará, de alguma maneira, contaminada poressas referências.

Uma pessoa hipotética, que não tivesseregistro de nenhuma experiência anterior darealidade externa, talvez um �marciano� visi-tando nosso planeta, ao assistir a um jogo defutebol, ficaria estarrecida. O que ela veria?Pessoas apaixonadas gritando por seu time,discutindo os lances com uma inacreditável�distorção� dos fatos. Ela teria muita dificul-dade de compreender o que estava acontecen-do, talvez por não saber que todas as pessoasestão movidas por seus modelos mentais pú-blicos e pessoais.

OS MODELOS MENTAIS EAS DIFERENÇAS HUMANAS

As pessoas são diferentes em seus mode-los mentais. Ninguém os tem idênticos. Podemexistir semelhanças, o que, aliás, é o que viabi-liza a vida em grupo. Os valores culturais es-tão baseados em modelos mentais semelhan-tes. Porém, quando nos aprofundamos na in-

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OS MODELOS MENTAIS

O termo �modelo mental� foi destacadopor Senge (1990, p. 17), que o definiu como�imagens internas profundamente arraigadasde como o mundo funciona, imagens que noslimitam a maneiras habituais de pensar e agir�.O termo já havia sido tratado há muitos sécu-los pelos filósofos gregos; o conceito, portan-to, não é novo. Já foi chamado de script devida, crenças, padrões mentais e esquemascognitivos, entre outros. O seu significado temalgumas variações, mas na essência é o mes-mo. Esse conceito tem uma importância fun-damental nos estudos do construtivismo, talcomo veremos neste capítulo.

O modelo mental funciona como umareferência para todas as coisas. Ele inevita-velmente interfere na interpretação que aspessoas têm da realidade. Algumas vezes, essainterferência acontece com muita intensida-de, e outras vezes, não. Entre nós e a nossa�realidade� exterior, há uma barreira psicoló-gica, um filtro cognitivo que nos faz interpre-tar tudo com que entramos em contato. Po-demos dizer que a nossa reação ao ambienteé decorrente das percepções internas que te-mos a respeito dos acontecimentos. Assim,esse ambiente, tal qual percebemos, é umacriação dos nossos modelos mentais internos� uma extensão nossa. É como um pano defundo no qual projetamos tudo o que perce-bemos a respeito da realidade.

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teração com alguém, percebemos tamanha so-fisticação, minúcias e detalhes em seus mode-los mentais que ficamos surpresos de consta-tar como é possível que uma pessoa entenda-se com outra.

Sabemos que fortes diferenças de mode-los mentais provocam conflitos entre as pes-soas, entre as organizações e até mesmo entrepaíses. Apesar de as realidades pessoais seremdiferentes, algumas pessoas tendem a encará-las como corretas e únicas, ou seja, como umaverdade absoluta. Todos aqueles que não co-mungam essas verdades estarão errados e de-vem ser ensinados e, se não quiserem apren-der, �eliminados� de algum jeito.

Os modelos mentais não são imutáveis.Assim, não podem ser verdades absolutas. Oque notamos é que os seres humanos são eter-nos construtores desses modelos. Ao receberestimulações do meio ambiente, estão recons-truindo-os a todo momento. São inúmeras asestimulações ambientais possíveis em uma rea-lidade qualquer. Variáveis de contexto comosituação econômica, saúde, projetos de futu-ro, clima, noticiários e inúmeras outras se unema predisposições psicológicas e característicasde personalidade (não menos inúmeras) paraprovocar uma interpretação e conseqüente con-clusão. Todos estamos reconstruindo a reali-dade a cada momento.

LABILIDADE E RIGIDEZNAS ORGANIZAÇÕES

Não somos seres completamente passivos,que recebem estímulos do meio ambiente eagem de acordo com eles. Conforme Mahoney(1998, p. 60), �o construtivismo é uma pers-pectiva epistemológica baseada na asserção deque o indivíduo ativamente cria realidades àsquais ele responde�. Por outro lado, tambémnão somos absolutamente rígidos em nossosmodelos, de forma a não permitir reavaliá-lospelas mudanças que o ambiente traz. Na ver-dade, parece que, quando essa balança pendeexageradamente para um desses lados, encon-tramo-nos em dificuldades.

Se nos conduzimos com extrema flexibi-lidade, como quando sujeitos a uma massivaenxurrada de mudanças, como as que nos en-volve hoje com a chamada globalização, nos-sos valores ficam ameaçados. Segundo Sennett(2000), esse excesso de mudanças provoca umaforte conseqüência em nosso caráter, pois com-promete os valores que são os nossos forma-dores de modelos mentais.

O que se depreende é que os modelosmentais precisam de alguma firmeza. Eles sãoa base para a formação dos valores e promo-vem a identidade cultural. Paradoxalmente,quando a balança pende para o outro lado efazemos de nossos modelos mentais �verdadesabsolutas�, temos grande dificuldade para en-tender as mudanças e promovê-las. É grande areação social atual na procura dessa �estabili-dade� valorativa, na busca por seitas e religiõesque pregam a permanência ou a eternidade dascoisas (Oliveira, 2000). E tais �verdades abso-lutas� dão origem aos dogmas.

É interessante notar que os modelos men-tais criam vida própria. Quando um consultorcom credibilidade faz um diagnóstico muitodetalhado de uma organização, esse diagnós-tico pode acabar criando uma �verdade� pró-pria. A partir dele, passa-se a �forçar� uma per-cepção dessa organização em direção às carac-terísticas desse diagnóstico. O modelo é comoque engessado e todo comportamento, mes-mo que adequado, passa a ser distorcido parafazer sentido em vista do que passou a ser ado-tado como verdade. Se esse consultor afirmaque a organização deve terceirizar seus servi-ços administrativos para se tornarem mais com-petitivos no mercado, então todos os proble-mas que acontecem parecem ser motivadospela não-terceirização.

O mesmo acontece com as pessoas querecebem um �rótulo� de, por exemplo, agres-sivas. Até suas colocações ponderadas passama ser vistas como um disfarce de sua agressivi-dade ou como parte de alguma trama escondi-da. Essas percepções �forçadas� denotam umanecessidade que as pessoas têm de combinar oque elas presenciam com o que acreditam.Agindo assim, o que percebem passa a fazersentido.

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A DINÂMICA DOS MODELOS MENTAIS

Quando uma estimulação externa é mui-to diferente daquela a que estamos familiari-zados, ela pode passar despercebida, gerar forteoposição ou, ainda, ridicularizações. O eleva-do grau de desconfiança gerado nas empresaspela busca de implantação do modelo japonêsna década de 80 é um bom exemplo disso. Olivro Teoria Z (Ouchi, 1980) era a bíblia doadministrador. Ele descrevia como uma admi-nistração devia ser naquela década. A reaçãoda massa trabalhadora era, via de regra, deque �aqui isso não funciona�. Seus modelosmentais não combinavam com os postuladosentão exigidos.

Quando pensamos nos modelos mentaisexistentes nas empresas, constatamos que po-dem servir, por um lado, de grandes dificulta-dores do seu desenvolvimento e, por outro, degrandes facilitadores. Vejamos mais de pertodois exemplos: o modelo mental de alguns fun-cionários com relação ao cliente é de que estecliente �é um chato�. Crenças como essa aindaexistem apesar da grande ênfase que vem sen-do dada ao cliente nos tempos atuais. Essemodelo é certamente um grande dificultadorpara a permanência dessa empresa no merca-do. Outro modelo mental, agora com relaçãoao gerenciamento de pessoal, é o de que deve-mos considerar a participação de todos os en-volvidos para a implantação de um novo ne-gócio e este, por sua vez, pode ser facilitador.

De uma forma geral, o que vai determi-nar se o modelo mental é dificultador oufacilitador talvez seja a sua rigidez ou labilidadeexcessiva em função do contexto como umtodo. O que é bom para um contexto pode serruim para outro e vice-versa. De um jeito oude outro, é necessário o desenvolvimento deuma criticidade tanto para considerar as mu-danças do meio quanto para desconsiderá-las.

Essa transitoriedade ou esse rigor depen-dem da potência como os modelos foramconstruídos na história de cada pessoa ou or-ganização. Essa história é cumulativa. As ex-periências vão sobrepondo-se e adquirindocada vez uma nova face. Portanto, as pessoas

nas organizações constroem os seus modelosmentais, que podem ser rígidos ou lábeis, eesses modelos compõem suas identidades e, porconseqüência, a cultura da organização.

A CONSTRUÇÃO DOS MODELOS MENTAISTRADICIONAIS NAS ORGANIZAÇÕES

Como vimos, os modelos mentais são po-derosos direcionadores de comportamento.Quando rígidos, eles fazem com que as pes-soas repitam, como um disco quebrado, velhospadrões de comportamento em situações quesão novas, o que provocará uma resposta semsintonia com a realidade que está sempremutante. Segundo Mahoney (1998, p. 249):�os indivíduos geralmente tentam recobrar oequilíbrio psicológico por meio de estratégiasfamiliares que foram utilizadas para enfrentaros desafios anteriores da vida�. Assim, sabe-mos que mudar esses modelos mentais não étarefa fácil, pois existe toda uma história cul-tural por trás deles.

A partir da Revolução Industrial, quandoa geração de bens passou da produçãoartesanal para a produção em série, a preocu-pação com a produtividade tornou-se umaconstante. Muitas foram as teorias que busca-ram explicar o comportamento humano a fimde que melhor se atingisse a produtividade.Desde as escolas científicas, clássicas e de re-lações humanas com Taylor (1947), Fayol(1954) e Mayo (1945) até posteriormente comautores mais voltados para o gerenciamentopropriamente dito, como MacGregor (1960)com sua Teoria X e Y, Maslow (1970) com suaPirâmide Motivacional, Herzberg (1966) comHigiene e Motivação, Likert (1961) com o Mo-delo Participativo, Argyres (1964) com seu es-tudo de Competência Interpessoal, dentre ou-tros, a preocupação sempre foi como conse-guir melhores resultados através das pessoas.E isso implica, muitas vezes, lidar diretamentecom os traços culturais e indiretamente comos modelos mentais.

A cultura em que vivemos influencia avisão organizacional. Ao pensar um pouco nas

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origens históricas da cultura ocidental, encon-traremos uma forte influência romana dos sé-culos VII a.C. até III d.C. Os romanos, especia-listas em tática de guerra e conquista, difundi-ram pelo mundo o seu produto � a �pax roma-na�. Para difundir essa �paz�, eles invadiam econquistavam militarmente um povo e procu-ravam não se intrometer em seus negócios in-ternos (como a religião, por exemplo), a me-nos que interferissem na arrecadação dos im-postos, em que eles agiam com uma ferocida-de exemplar. Sua influência difundiu-se deixan-do marcas profundas sobre como se deve lidarcom as pessoas para que elas ajam de acordocom os seus desejos. Constataram que, se co-locadas �em seus devidos lugares�, as pessoasobedeciam piamente às ordens. Por medo deserem punidos, os povos dominados não per-cebiam outra alternativa senão a de se subme-terem. Essa influência era tão marcante que,para alguns historiadores, pertencer à civiliza-ção romana era considerado vantajoso.

Toda essa submissão foi reforçada em ní-vel religioso com a ascensão do Catolicismo Me-dieval, que pregava também a importância daobediência cega àqueles que eram intituladosemissários de Deus, seus dignos representan-tes aqui na Terra. A desobediência às palavrasdos representantes de Deus era chamada depecado e a punição, exemplar, consistia tantonas torturas da inquisição quanto na possibili-dade de enfrentar um inferno escaldante e desofrimentos eternos. Em várias partes do mun-do, o tribunal da inquisição foi um forte exem-plo de imposição que promoveu várias chaci-nas, como bem descrevem Baigent e Leigh(2001): �a Inquisição foi responsável pela tor-tura e morte de centenas de milhares de pes-soas � a maioria inteiramente inocentes...�.

Por ocasião da mudança do modeloartesanal do feudalismo para o de produçãoem série, as empresas emergentes viram-se emuma situação inusitada: como trabalhar comtanta gente junta no mesmo espaço. Para isso,espelhou-se nessas duas organizações que exis-tiram no passado, mas que continuavam exis-tindo no presente. Ambas tinham uma estru-tura muito bem-delineada. O clero católico e aorganização militar contavam � e contam comuma estrutura extremamente rigorosa, com

uma hierarquia milenar e com sua �produtivi-dade� baseada no �manda quem pode, obede-ce quem tem juízo�. Fazendo uma reflexão so-bre o desenvolvimento das organizações bra-sileiras, Oliveira (1997, p. 8) diz: �Ao fazer umaanálise da nossa história, constatamos que docolonizador português herdamos a tradiçãoelitista e autoritária dos valores greco-roma-nos. O colonizador legou-nos ainda o catoli-cismo medieval e a visão elitizante da culturaeuropéia�.

Esse estado de coisas caracterizava a cul-tura de trabalho dominante e acreditava-se queera assim que os resultados aconteciam. O serhumano era visto como um ser que precisavade uma liderança rígida que conduzisse todosos seus passos, eventualmente premiasse e fre-qüentemente punisse. Soma-se a isso o fato deque a cultura social, de uma forma geral, tam-bém mantinha um modelo de educação de fi-lhos rigoroso baseado na disciplina e no medo(confundido muitas vezes com respeito). Omedo, como se sabe, é um poderoso discipli-nador. É muito fácil constatar como a criançaaprende o que fazer e o que não fazer sob ame-aça.

Com esse breve retrospecto histórico, po-demos vislumbrar em muitas das nossas orga-nizações uma cultura caracterizada por mode-los mentais bem-definidos como os abaixo des-critos:

� o ser humano é preguiçoso e indolente;� seu interesse imediato é ganhar di-

nheiro;� ele só está interessado naquilo que lhe

diz respeito diretamente;� uma liderança forte, que mostre aos

indivíduos quem manda, torna-se ne-cessária;

� alguns pensam, planejam e mandam;outros executam e obedecem.

Durante algum tempo, esse modelo cul-tural parece ter funcionado. Para um modeloorganizacional vir a funcionar, ele tem deinteragir com o ambiente. Como o ambientesocial estimulava tais crenças, havia uma con-formidade cultural que legitimava essa situa-

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ção. No entanto, o ambiente tem mudado in-cessantemente e muitas organizações nãoacompanharam essa mudança. Pode-se dizerque algumas continuam ainda com técnicasmedievais de gestão. Grande parte dos geren-tes seguem modelos autoritários, como desta-ca Oliveira (1997, p. 14): �A gerência tornou-se autoritária, centralizada, desconhece técni-cas motivacionais, valoriza o comportamentoburocrático e, conseqüentemente, prioriza aeficiência em detrimento da eficácia�. Quandoa organização não segue os tempos, torna-sedisfuncional ou desajustada. Nesse sentido,deve buscar mudança de seus padrões.

Diante de toda essa realidade histórica,de centenas de anos, parece-nos quase impos-sível superar tais modelos. São séculos demassiva influência. Todo profissional que tra-balha com a mudança tem de estar preparadopara muitos momentos de frustração se nãocompreender profundamente as dificuldadesque o esperam em qualquer projeto. O que sepercebe aqui são verdades pessoais implanta-das por séculos de influência cultural. Parado-xalmente, temos a nosso favor a incrível inqui-etação do ser humano, as mudanças que o meioexterno tem exigido a todo instante, a aspira-ção humana de �vir a ser� e uma inacreditávelplasticidade do cérebro.

A CULTURA ORGANIZACIONAL �IDEAL�

Com a ciência clássica de Newton, a na-tureza passou a ser �desvelada� e com a mate-mática tornou-se possível prever os fenôme-nos e agir sobre eles. Nesse raciocínio, há opressuposto de que existe uma verdade a serdescoberta e de que o método científico con-siste em buscá-la.

Com o objetivo de serem reconhecidascomo ciência, as disciplinas humanas seguiramo mesmo pensamento. Assim, haveria um mo-delo de comportamento que se deveria buscar� um padrão de normalidade � e tudo que sedesviasse desse padrão seria considerado anor-mal ou doentio. As disciplinas organizacionaistambém passaram a buscar padrões tidos comoideais.

Prigoggine (1996) ensina que a ciênciaclássica funciona para modelos simples e nãopara fenômenos complexos. O ser humano éum dos fenômenos mais complexos da nature-za e, portanto, está fora de um raciocínio me-cânico e idealista. Conclui-se daí que não háuma verdade idealizada a se buscar.

A necessidade de superação de modelostradicionais leva em conta que eles podem terperdido sua funcionalidade. Na busca de suasuperação, podemos dizer que não existe ummodelo cultural ideal que possibilitará a to-das as organizações serem bem-sucedidas.Apesar de estar muito difundida na nossa cul-tura a importação de modelos, acreditamosque os modelos �ideais� são aqueles escolhi-dos pela própria cultura da organização. A or-ganização torna-se expert de si mesma, ou seja,elabora seu modelo teórico científico que ex-plica os fenomenos a partir de sua própria ex-periência.

Várias vezes, observamos a dificuldadeque as pessoas têm de aceitar modificaçõesou explicações de seus problemas quando elasvêm de um especialista de fora. Testes e ques-tionários são usados para, a partir de gabari-tos externos (geralmente de outros países,bem-distantes), chegar-se a diagnósticos �ci-entíficos�. Quando esses diagnósticos orga-nizacionais são confeccionados por consulto-res a partir de suas observações, os questio-namentos são inúmeros. As fórmulas milagro-sas de resolução dos problemas alheios mul-tiplicam-se em todos os âmbitos. São receitasde felicidade pessoal e sucesso profissional eorganizacional que funcionam muito bem paraos próprios autores.

Para que seja reconstruída a organizaçãoa partir de uma realidade própria que se mos-tra incompatível com as exigências do ambi-ente, é preciso que se faça um constante diag-nóstico de processo, que haja uma constanteestimulação da criticidade, que ocorra a com-preensão da realidade própria diante do queestá acontecendo no meio ambiente. Em suma,no construtivismo, busca-se promover uma re-forma a partir do �interior� da organização emseu contato com o �exterior�, e não uma refor-ma vinda do �exterior� imposta por um técni-

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co de organizações. Essa segunda alternativaparte do pressuposto de que, se uma determi-nada mudança deu certo em determinadas or-ganizações, dará certo em outras também. Hánessa prática uma desconsideração da constru-ção cultural específica de cada empresa.

Cada organização pode ser consideradacomo uma construção ideológica própria. Elaé dotada de sua própria realidade. A função deum profissional externo à empresa e voltadopara a mudança é muito mais a de um colabo-rador e facilitador da reconstrução em novostermos, que estejam mais sintonizados e sejamfuncionais para com a realidade. A construçãocultural provoca comportamentos compulsivos,persistentes e restringe a capacidade de perce-ber o que não está em seus postulados. Comovimos, a maneira cultural de se lidar com arealidade, tendo por base o pensamentoobjetivista, transforma-a em verdade absolutae faz com que seus membros acreditem nela.Atividades voltadas para repensar a organiza-ção desenvolvem a criticidade e provocam aconsciência do comportamento. Essa consciên-cia do momento da organização leva à possibi-lidade de mudanças.

A partir da compreensão de sua dinâmi-ca interna, a organização pode buscar novosmodelos, mais adequados ao momento em cur-so. Além disso, momentos dedicados a essaexploração consciente provocam um compro-metimento com a empresa. Ao organizar suasvivências, trocar idéias e dividir percepções, aspessoas ficam cada vez mais envolvidas com aempresa.

Essa dinâmica é importante porque asmudanças organizacionais processam-se emgrupo. A mudança de modelos deve ser umamudança que torne possível a convivência con-sigo e com os outros e que desenvolva umaaceitação do outro como um outro diferente.E que, apesar das diferenças, pode-se perse-guir os mesmos objetivos. Contudo, as mudan-ças de modelos não são fáceis e provocam umaangústia em decorrência da perturbação signi-ficativa da realidade construída pela organiza-ção. São momentos de ruptura de padrões an-teriores, em função do surgimento de novos,que propiciam que a ameaça esteja presente.

Quando as pessoas podem apoiar-se umasnas outras, dividir suas ansiedades e seus me-dos, sentem-se mais seguras. Com exercíciosdessa natureza, desenvolvem uma empatiamútua e uma certa cumplicidade, além de res-ponsabilidade pelos desígnios da empresa.Acrescenta-se a isso o fato de que toda mu-dança interfere na identidade das pessoas. Essaidentidade está diretamente ligada aos movi-mentos de que ela participa. Ser funcionáriode uma empresa ocupa grande parte do tempofísico e psicológico das pessoas; portanto, é umforte formador de identidades. Quanto maisessa identidade é trabalhada, mais conscien-tes as pessoas se tornam.

NARRATIVAS HISTÓRICAS NASORGANIZAÇÕES: O PAPEL DAS EMOÇÕES

O ordenamento das experiências e dosmodelos mentais dos funcionários provoca umexercício de �historização� da empresa. As nar-rativas históricas são carregadas de conteúdoemocional e geram um processo de experiên-cia emocional, uma vez que os envolvidos pas-saram por momentos de muita tensão no cur-so de sua história. A energia emocional libe-rada nesses momentos cria condições parauma maior compreensão da importância queé dada às coisas no contexto dessa organiza-ção e também desenvolve a possibilidade decriação de fortes laços afetivos, pois todos di-videm com todos os seus momentos carrega-dos de emoção.

No entanto, trabalhar o aspecto emocio-nal nas empresas gera um outro fator dificul-tador, o qual está implícito no conjunto demodelos mentais incorporados a partir da nos-sa cultura. Desde os gregos, há aproximada-mente 500 a.C., desenvolveu-se uma forte ên-fase no aspecto racional do ser humano. NaIdade Média, houve um reforço dessa raciona-lidade com a negação do corpo, que é onde sesituam as emoções. Estas devem ser firmementecontidas por deturparem a razão e por leva-rem o homem à perdição. O corpo passou a servisto como a sede das paixões mundanas (verCapítulo 1).

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No início do Renascimento, Descartes ela-bora sua famosa máxima: �Penso, logo exis-to�. �Penso�, e não �sinto�. E assim desenvolveseu modelo científico cartesiano, enfatizandoo determinismo e o reducionismo (estudo daspartes para compreender o todo). Tudo muitometódico e analítico. Os iluministas seguiramesse caminho. Enfim, toda a nossa ciência foibaseada nesses postulados racionalistas, fican-do o estudo das emoções para segundo ou úl-timo plano. É muito comum presenciarmospessoas pedirem desculpas por se emociona-rem. A emoção passou a ser motivo de vergo-nha, e, por isso, as pessoas escondem-se quan-do emocionadas.

O que se constata é que toda superaçãode modelos mentais seguirá basicamente osmesmos passos da implantação dos modelosanteriores. Como vimos anteriormente, as emo-ções são as energias vitais que determinam aincorporação dos modelos mentais. Nas pala-vras de Greenberg, Rice e Elliott (1996, p. 86):

A experiência clínica tem demonstrado que oconhecimento intelectual acerca do si-mesmo,ainda que possa resultar num atrativo para osclientes, não produz uma mudança nem pro-funda e nem duradoura. Esse tipo de conheci-mento não afeta as estruturas emocionais quedeterminam o comportamento. Para tanto,consideramos que a chave para a mudança éproporcionada pelos esquemas emocionaisrelevantes para o si-mesmo que se encontramno núcleo do indivíduo. Esses esquemas for-mam-se a partir das interações carregadas deafetividade com o meio ambiente e estão nocentro do bom funcionamento ou mau funci-onamento do organismo. As estruturas emo-cionais são essenciais para guiar e criar a nos-sa experiência vivida.

Superar valores culturais construídos nodecorrer de muito tempo não é tarefa fácil.Profissionais da área de recursos humanos pre-cisam esforçar-se para perceber que as emo-ções estão na base de todas as mudanças. As-sim refletindo, podem ajudar nos processosde desenvolvimento de suas culturas. Sensi-bilizando e esclarecendo esse fato internamen-te em suas empresas, estarão trabalhando poruma cultura mais rica e adaptativa, pois as

emoções estão na base de todo processo deaquisição e manutenção do conhecimento.Sem essa compreensão da emocionalidadecomo uma ferramenta de adaptação, perma-neceremos na mesmice, os novos padrões nãoserão desenvolvidos e continuaremos sendovistos como bons teóricos (no sentido pejora-tivo do termo).

A CONSTRUÇÃO DE VALORES E O FUTURO

É comum pensarmos que o comportamen-to humano é decorrente de experiências pas-sadas que vão acumulando-se e produzindo apersonalidade das pessoas. Com efeito, issoprocede. Somos, em parte, uma resultante denosso passado.

No entanto, não somos só fruto do passa-do. O nosso comportamento também é resul-tante do nosso futuro, ou melhor, da nossa ex-pectativa de futuro. O que queremos está nofuturo e muito do que fazemos no presente épara buscá-lo. Não podemos perder de vistaque o que escolhemos no futuro tem muito aver com o que vivemos no passado. Assim, pas-sado, presente e futuro fundem-se na constru-ção da personalidade.

Se observarmos uma pessoa muito caren-te afetivamente, poderemos constatar que elapassa grande parte de seu tempo em uma bus-ca futura de reconhecimento. Outras envolvem-se em uma insana procura de segurança atra-vés de comportamentos (obsessivos) na buscade ordem. Outras ainda, na ânsia de seremmuito importantes, desmancham-se em favo-res para terceiros.

No comportamento organizacional, sabe-se hoje que muito do que os empregados fa-zem está diretamente ligado ao que se esperadeles (futuro). Aliás, grande parte da angústiaorganizacional está na falta de clareza do quese espera das pessoas. É tão comum ouvirmos�Não sei o que o meu chefe quer de mim...�.Quando a expectativa não é clara, gera inse-gurança.

Em organizações com uma cultura for-talecida, esse problema não ocorre. Os valoressão bem definidos e difundidos entre as pesso-as. Elas têm internalizado o que se espera de-

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las. Assim, se o atendimento ao cliente é umgrande valor em uma empresa, não é precisoescrever isso em lugar nenhum, porque no dia-a-dia, em todas as relações, esse valor torna-sedemonstrado.

Em outras organizações nas quais a cul-tura não está fortalecida, os valores são poucodefinidos, e proliferam os problemas. Se nãoestá claro que se dá muita importância, porexemplo, ao desenvolvimento pessoal, entãoas pessoas não buscarão formas de se desen-volverem. Se não está claro o que se quer, aspessoas irão comportar-se, algumas vezes, con-forme se espera delas � acertando � e, outrasvezes, em desacordo com o que se espera de-las � errando. Então, acertar ou errar passa aser uma loteria.

A construção de uma cultura organiza-cional forte, bem-desenvolvida, requer tempodespendido em atividades que repensem e res-sintam a organização, além de relações maistransparentes e abertas. Exige também um cor-po de direção que sabe o que quer para, emseguida, estimular para baixo e aceitar influên-cias de baixo para cima. Quando isso aconte-ce, a direção é a primeira a agir conforme osvalores desejados.

Embora o comportamento compatívelcom o valor possa começar de uma exigênciadas cadeias hierárquicas superiores, como émuito comum, as pessoas não mudarão seumodo habitual de agir porque veio uma ordemde cima. Não é assim que se constroem valoresculturais fortes.

A CONSTRUÇÃO DE VALORES E A EQUIPE

Na raiz de todo aprendizado de compor-tamento, está um forte componente emocio-nal. Diríamos que todo aprendizado importanteocorre sob forte componente emocional: aqui-lo que se aprende com emoção não se esque-ce. Compreender que o cliente é importantepassa por um aprendizado de que as pessoassão importantes. Exigir de uma hora para ou-tra de alguém que não aprendeu a valorizar ooutro que agora passe a dar atenção ao clienterevela um desconhecimento do cognitivismo

humano. Considerar as pessoas importantespassa pela qualificação que fazemos delas, bemcomo de experiências que vivenciamos juntos.

Quando se trabalha a cultura, vários as-pectos do emocional aparecem. Na históriacomum que as pessoas têm na sua empresa, hámuita experiência traumática e muita experiên-cia vitoriosa. No decorrer do tempo, aparece-ram muitas pessoas significativas e outras nemtanto. Há um universo enorme que só pode sercompreendido por aqueles que passaram 8 a10 horas diárias durante anos e anos juntos. Éessa convivência que gera a emoção pura.

Quando essas pessoas reúnem-se paraexpor seus momentos, estão falando de suaidentidade adquirida nessas organizações. As-sim, se em toda uma vida organizacional oimportante foi a produtividade e quase nenhu-ma importância era dada à segurança indus-trial ou à ecologia, então é preciso abrir mo-mentos para se repensar a nova demanda devalores. A construção desses novos valores pas-sará por uma análise rigorosa das pessoas, sen-do discutidos a importância e os motivos des-ses mesmos valores, ou seja, será oportunizadoespaço para o surgimento de uma ecologiahumana e/ou empresarial.

Não haverá envolvimento para com a cul-tura se as pessoas não estiverem unidas. As-sim, esse envolvimento valorativo também pas-sa pela busca de união dos envolvidos. E esseespírito de equipe só existirá se as pessoas con-siderarem-se e respeitarem-se como seres hu-manos, e não como máquinas ou números decrachás. Sabemos que o ser humano é dotadode sentimentos e emoções; por isso, conside-rar um ao outro como pessoa é qualificar seussentimentos.

A CONSTRUÇÃO DE RÓTULOSEM ORGANIZAÇÕES

Uma forte característica cultural em equi-pes de trabalho que dificultam o desenvolvi-mento da equipe é a facilidade com que as pes-soas colocam-se rótulos, estimulando, assim, aconstrução de suas realidades. O rótulo de umagarrafa é o papel que se coloca por fora, fazen-

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do referência ao que está dentro, embora nãoseja necessariamente o que está dentro. Nasrelações interpessoais, porém, é comum o ró-tulo ser interpretado como uma evidência dapessoa.

Pais desavisados rotulam seus filhos semparar. �Burro�, �moleque�, �esperto�, �cruel�,�bobo�, �trapalhão� e tantos outros. Às vezes,fazem referência ao futuro da criança. �Vocênunca vai dar nada na vida�, �Desse jeito vaiser mesmo um vagabundo�. Essas atribuiçõesgeram expectativas de comportamento e pos-síveis profecias que poderão ser realizadas, umavez que a construção da personalidade do in-divíduo passa pelas expectativas que as pesso-as mais importantes afetivamente lhe atribuí-ram.

O rótulo gera relações específicas. Emestudos feitos em sanatórios, demonstrou-seque pessoas tidas como normais na sociedadee que se aventuraram em experiências nos sa-natórios, passando-se por enfermos, foram con-sideradas doentes mentais pelo corpo clínicodo hospital. Se estavam em um hospital, en-tão, deviam comportar-se como doentes.

Assistimos todo tempo a esse tipo derotulação com relação ao poder. Gerentes quede algum modo construíram ou ajudaram aconstruir uma imagem de �autoritários�, �es-túpidos� ou �mandões�, por mais que se esfor-cem, muitas vezes não conseguem livrar-sedesses estigmas. Um comportamento mais de-licado é interpretado como estratégia para, nofuturo, ter material para se punir alguém. Nãoraras vezes, as pessoas surpreendem-se quan-do têm uma relação mais próxima com essesrotulados: �Eu fazia uma idéia completamentediferente de você! Você é como qualquer umde nós�.

Nas indústrias, é muito comum as rixasentre as áreas de manutenção e operação. Tam-bém todos conhecem o que a administraçãodas empresas pensam a respeito dos diretoresdos sindicatos, bem como os diretores dos sin-dicatos pensam a respeito da administração dasempresas. É comum divisões entre nível supe-rior e níveis técnicos ou administrativos. Emqualquer dos casos, é comum ouvirmos as fra-ses começarem com: �Esse pessoal da... é as-

sim mesmo�. Pura manutenção de rótulos quesó dificultam cada vez mais as interações.

A expectativa que fazemos a partir da-quilo que acreditamos dita o tom de nossa in-teração com os outros. Se queremos construirrealidades organizacionais que nos levem àexcelência dos resultados, devemos trabalharnessa expectativa. O produto japonês antesda �revolução� da Qualidade Total,introduzida por Deming (1982), era conside-rado inferior e até mesmo uma referência deartigo ruim. Por certo, muito trabalho foi ne-cessário para mudar essa imagem. Hoje, sa-bemos que certos rótulos representados pelasmarcas das empresas valem até mesmo maisque as próprias empresas. A ciência domarketing trabalha exaustivamente pela cons-trução de imagens a partir da marca. Um ró-tulo ou marca forte leva as pessoas a acredi-tarem em um produto forte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, o que se espera das pessoasleva a um forte fator desencadeador de com-portamentos. Gerentes que esperam pouco deseus empregados têm empregados medíocres.Gerentes que esperam muito têm empregadosbrilhantes. Um clássico estudo de Rosenthal(1976) mostrou isso claramente. Rosenthal,trabalhando com professores primários, dissea eles que alguns alunos eram superdotadosintelectualmente e outros não. Esses grupos dealunos foram escolhidos aleatoriamente, nãohavendo nenhuma diferença significativa emtermos de inteligência entre os dois grupos. Oresultado foi que os alunos que os professoresaprenderam que eram superdotados intelectu-almente saíram-se melhor nas atividades eeram avaliados muito mais positivamente doque os alunos do outro grupo.

Quando foi dito aos professores que nãohavia diferença entre os dois grupos, eles fica-ram chocados e juraram tratar todos igualmen-te. Porém, uma análise mais atenta mostrouque isso não correspondia à realidade. Aos alu-nos tidos como superdotados, havia mais aten-ção e sobretudo mais reforço. E essa atitude

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era inconsciente por parte dos professores. Elesconstruíram mentalmente uma realidade epassaram a agir de forma que fizesse sentidopara eles.

Acreditar em alguém e demonstrá-lo emo-cionalmente faz a diferença. Se o trato com aspessoas é de acreditar em seu desenvolvimen-to, então as chances de esse desenvolvimentoacontecer aumenta, porque essa crença (quenem sempre é consciente), é acompanhada poruma série de comportamentos validativos. To-dos sabemos que trabalhar com alguém queacredita em nós e demonstra que poderemoster um futuro melhor se nos esforçamos é alta-mente motivador.

Em outro estudo clássico, o psiquiatraFrankl (1987) relata um caso impressionante.Um companheiro seu no campo de concentra-ção perdeu a vontade de viver e passava os diasprostrado, deitado, definhando. Diante daquelequadro, Frankl disse a ele que tivera um sonhoprofético: no dia 30 de março, os aliados oslibertariam e todos os sofrimentos acabariam.

Quando o dia 29 de março chegou, os ali-ados estavam longe e não havia nem sinal delibertação. Esse prisioneiro começou a ter fe-bre alta e, no dia 30, começou a delirar grave-mente, vindo a falecer no dia 31 de março. ParaFrankl, ficou claro que seu companheiro mor-reu de falta de esperança, de perda de fé nofuturo. Em linguagem construtivista, talvezpossamos dizer que morreu porque sua cons-trução ruiu.

O que podemos deduzir de todos essesexemplos é que o ser humano é um incansávelconstrutor de realidades. O tipo de construçãoque faz para si pode determinar seu céu ou seuinferno. Em seminários, às vezes convidamospessoas �tímidas� para apresentarem algumtrabalho. Todas dizem depois que ficaram mui-to tensas e, antes da apresentação, tiverampensamentos como: �Na minha vez de falar,vou dar o maior vexame...�, �Vou ter um bran-co�, �Todos vão rir de mim�. Em todos essesexemplos vivenciais, está a forte presença dasrelações afetivas e da emocionalidade tão exclu-ída. Tanto a cultura quanto os rótulos ditadospor relações interpessoais negativas e as visões

de futuro estão impregnadas de investimentoemocional. Não se constrói uma cultura � nemo futuro � sem relações afetivas interpessoais.

As mudanças culturais devem considerara perspectiva de futuro. Gerar projetos comenergia influencia as pessoas a buscá-los e a seauto-organizarem diante de um ambiente queestimula cada vez de forma diferente. É muitosintomático que a depressão caracterize-se pelaperda de fé no futuro. O deprimido não fazprojetos: ele se prostra, como o colega de in-fortúnio de Frankl, e espera o seu fim. Organi-zações deprimidas revelam seu estado pelo dis-curso de seus empregados. Estão sempre fa-lando do passado, mantendo um modelo men-tal rígido e imutável: �Antigamente é que erabom�, �Depois que fulano ou sicrano saiu, tudopiorou�. O passado é realmente importante,mas como memória referencial e não comodogmatismo impeditivo de novas tentativas.Considerar a experiência passada para tomardecisões do presente é utilizá-la apenas comouma referência.

A nossa busca deve ser a de entender osmodelos mentais dos indivíduos que dão ori-gem à cultura da organização para entender,entre outras coisas, a chamada �resistência àmudança�. Estar ciente de que intervençõespuramente racionais não promovem recons-truções de modelos arraigados, pois estes fo-ram construídos em um contexto no qual aemoção e o afeto estavam sempre presentes.Percebemos que o ambiente é instável e per-turba a organização dos modelos mentais. Issovai exigir uma nova organização que, comovimos, não se dará somente por meio de as-pectos racionais, e sim pelas relações afetivoemocionais.

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Terapias Cognitivas na OncologiaAdmar Cardoso Jr.

Ivana Lia Rios Costa

têm-se desenvolvido nos últimos anos. São re-centes, mas os seus resultados são muito pro-missores.

Neste capítulo, faremos um esboço dascontribuições das terapias cognitivas nos cui-dados aos pacientes oncológicos. O diagnósti-co de câncer é uma experiência devastadorana vida de pacientes e familiares. Por essemotivo é que encontramos nesse público umagrande demanda para suporte psicológico,constituindo-se em um período de mudançassignificativas na vida das pessoas envolvidas.Muito comuns aos pacientes e aos familiaressão as distorções cognitivas que comprometemo engajamento no tratamento e provocam ain-da mais desconforto. O câncer é uma doençaletal, e não cabe aqui uma atitude de otimistastolos. Deveremos intervir de forma objetiva erealista, de acordo com o quadro do paciente,mas nunca deixando de lado a esperança queé, ao nosso ver, o grande mediador de toda equalquer cura.

PSICO-ONCOLOGIA:UM PARADIGMA BIOPSICOSSOCIAL

Desde épocas remotas, houve uma alter-nância nas diversas concepções acerca da saú-de e da doença e, especialmente, sobre o papeldas emoções nos processos de recuperação. Amedicina chinesa, há mais de 5.000 anos, já

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Desde o surgimento das propostas cogni-tivas em psicoterapia, muito se tem pesquisadoe comprovado sobre sua eficiência para o tra-tamento de diversos transtornos, como depres-são e ansiedade (Beck, 1994; Beck, 1997;Dattilio e Freeman, 1998; Scott, 1994). Essesresultados têm incentivado vários pesquisado-res e psicoterapeutas a ampliarem o leque depossibilidades de aplicação das terapias cogni-tivas. Beck (1994) identificou três aspectos paraa extensão da prática psicoterapêutica a umanova área: 1) o sucesso no tratamento de ca-sos clínicos isolados (etapa semelhante à queé relatada sobre os trabalhos dos pioneiros dasterapias cognitivas e da psico-oncologia1); 2)a série clínica, que consiste em um número bas-tante significativo de casos atendidos com su-cesso e que dão margem às primeiras teorias e3) o momento da testagem metódica das teo-rias, levando ao refinamento e à instituição docampo teórico. Nas palavras de Beck (1994,p. x), é �um amplo estudo de resultados, noqual um grande número de pacientes, similar-mente diagnosticados, é distribuído de formaaleatória a grupos cuidadosamente avaliadose comparados com os pacientes em condiçõescontroladas�.

É dessa maneira que as pesquisas relacio-nadas à utilização das terapias cognitivas notratamento de pacientes fisicamente enfermos

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relacionava estados emocionais ao surgimentode inúmeras doenças orgânicas. Entre os gre-gos, Hipócrates (460-377 a.C.) propunha quemente e corpo estariam estritamente relacio-nados. Mais tarde, Nicon de Pérgamo (131-200d.C.), também conhecido como Galeno, apon-tou para uma �inter-relação entre depressão ecâncer� nas mulheres por ele tratadas (Peres eMartins, 2000).

Na Idade Média, a igreja passou a tergrande influência sobre as concepções de saú-de e de enfermidade. Nessa nova concepção,impregnada de crenças religiosas, acreditava-se que os processos orgânicos da enfermidadeeram nada mais do que o resultado da influên-cia de entidades demoníacas ou da puniçãodivina por pecados praticados pelos humanos.A prática médica também passou a ser contro-lada pela igreja, que visava a �curar doentespor meio de tortura do corpo para libertá-losda possessão de espíritos malignos� (Gimenes,1994, p. 37). Nesse período, somente São To-más de Aquino (século XIII) propôs uma visãodiferente desta. Para ele, corpo e mente funcio-navam de forma inter-relacionada, ou seja,como um todo indivisível.

Já no século XVII, Reneé Descartes pro-põe seu modelo, enfatizando que o ser huma-no é formado por duas partes não-intercam-biantes: o res-cogitans, parte abstrata-mente, eo res extensa, parte concreta-corpo. Esse mo-delo foi sendo incorporado pela medicina, oque culminou em uma prática mais voltadapara os processos orgânicos do adoecer, do quepara a pessoa que propriamente adoecia. Nosséculos XVIII e XIX, o desenvolvimento do mi-croscópio, da anatomia, da fisiologia e das téc-nicas cirúrgicas levou ao desenvolvimento domodelo biomédico. Tal modelo propõe que asdoenças são males do corpo, mas sem a media-ção dos aspectos mentais, emocionais e sociais.É um modelo ainda muito difundido nos diasde hoje, em que a tecnologia substituiu a rela-ção médico/paciente pela mecânico/máquina.2

Apesar da força desse modelo, um novoparadigma vem surgindo e ganhando sua pró-pria força a cada vez que o modelo antigo nãoconsegue mais explicar os fenômenos de ma-neira convincente. O paradigma emergentepropõe a inclusão dos aspectos psicológicos e

sociais tanto na etiologia quanto no desenvol-vimento das doenças (Vasconcelos, 2000). Omarco inicial dessa nova concepção é quandoFreud, no final do século XIX, propõe em seusestudos sobre histeria que sintomas físicos po-dem aparecer sem causas orgânicas devido aosprocessos inadequados de expressão emocio-nal (Carvalho e Carvalho, 1998; Gimenes,1994). Freud fez com que a atenção dos médi-cos começasse a se voltar novamente para ospacientes, resgatando uma visão mais integra-da da pessoa enferma (Peres e Martins, 2000).Esse novo modelo reconhece as característicasindividuais dos pacientes, tais como personali-dade, relações sociais e outras juntamente comos processos biológicos, como co-responsáveispelo que se convenciona chamar de saúde edoença.

Com o desenvolvimento da psicologia, dasociologia e de outras ciências, começam a sur-gir movimentos dentro da nova visão, que seconstituem como campos distintos de aplica-ção e pesquisa. São eles: a medicina psicosso-mática, a medicina comportamental e a psico-logia da saúde.

A medicina psicossomática surge a partirdas idéias de Freud, que foram posteriormen-te desenvolvidas por vários médicos, especial-mente Franz Alexander e Franders Dumbar.Utilizando estritamente o referencial psicodi-nâmico, esse movimento �preocupa-se com arelação entre fatores sociais e psicológicos, fun-ções biológicas e fisiológicas, assim como o de-senvolvimento de doenças físicas diversas�(Gimenes, 1994, p. 39).

No início dos anos 70, surge a medicinacomportamental. Esse campo tem como refe-rencial teórico a psicologia comportamental,mas também sofreu influências da fisiologiaexperimental de Feré, Canon e Seley (Vascon-celos, 2000; Gimenes, 1994). Já a psicologiada saúde surge no final da década de 70 e temseu desenvolvimento especificamente no âm-bito da psicologia. Segundo Miyazaki, Domin-gos e Caballo (2001, p. 463) �a novidade dapsicologia da saúde não reside tanto natemática de estudo, mas (...) na aplicação demétodos, modelos e procedimentos da psico-logia científica à área da saúde geral�. Assim,em psicologia da saúde, busca-se a compreen-

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são do papel das variáveis psicossociais no con-texto saúde/doença, tendo como objetivos aprevenção, o manejo e o enfrentamento dadoença.

Sarafino (em Gimenes, 1994, p. 41) des-tacou que �em último plano os três campos ci-tados distinguem-se apenas sob o ponto de vistaorganizacional (e marcos teóricos), porém to-dos partem da opinião de que saúde e doençarefletem a relação dos fatores biológico, psico-lógico e social�.

Como fruto do desenvolvimento do mo-delo biopsicossocial, surge a psico-oncologia.Sua sistematização começa a partir do reconhe-cimento de que a instalação, a manutenção e aremissão do câncer estão intimamente relacio-nadas com os fatores psicossociais (LeShan,1987; Simonton, Simonton e Creighton, 1987;Bizzarri, 2001).

Paralelamente ao desenvolvimento domodelo biopsicossocial, o surgimento e o de-senvolvimento da oncologia como especialida-de médica foi muito importante para a psico-oncologia. Gimenes (1994) destaca três mo-mentos: (1) o desenvolvimento das técnicascirúrgicas para a remoção dos tumores (1890-1920); (2) o desenvolvimento da radioterapiacomo opção de tratamento paliativo (1920) e(3) o advento da quimioterapia na década de40. Essas modalidades de tratamento apresen-tavam, em seu início, uma série de complica-ções, que foram sendo revertidas com os seusrespectivos e contínuos desenvolvimentos téc-nicos e hoje se constituem em formas bastanteeficazes de tratamento. Ao longo das últimasdécadas, tais avanços aumentaram significati-vamente as taxas de sobrevida e de cura. As-sim, a qualidade de vida do paciente, seu bem-estar físico, psicológico e social, e não simples-mente a quantidade, passam a ser um foco depreocupação da equipe de saúde, a qual agoratende a aumentar para além da oncologia e daenfermagem, congregando psiquiatras, psicó-logos, assistentes sociais, entre outros (Carva-lho e Sougey, 1995).

A definição de psico-oncologia varia mui-to de acordo com quem a define, sua formaçãoe seu país de origem. Adotamos aqui a defini-ção proposta por Gimenes por considerarmos

ser a mais ampla e importante. Para a autora(1994, p. 46):

�A psico-oncologia representa a área de inter-face entre a psicologia e a oncologia e utilizaconhecimento educacional, profissional emetodológico proveniente da psicologia dasaúde para aplicá-lo:

1. Na assistência ao paciente oncológico, àsua família e aos profissionais de saúde en-volvidos com a prevenção, o tratamento, areabilitação e a fase terminal da doença.

2. Na pesquisa e no manejo de variáveis psi-cológicas e sociais relevantes para a com-preensão da incidência, da recuperação eda sobrevida após o diagnóstico do câncer.

3. Na organização de serviços oncológicos quevisem ao atendimento integral do paciente(físico e psicológico), enfatizando de modoespecial a formação e o aprimoramento dosprofissionais de saúde envolvidos nas dife-rentes etapas do tratamento.�

Vale destacar que a psico-oncologia, sen-do uma subespecialidade da psicologia da saú-de, abre o campo para contribuições das diver-sas concepções psicológicas (cognitiva, gestalt,logoterapia, etc.), o que não ocorreria caso fos-se vinculada à medicina psicossomática ou àmedicina comportamental. Tal como estas úl-timas, a psico-oncologia propõe-se a trabalharinterdisciplinarmente, contribuindo para amelhoria da qualidade de vida dos pacientesoncológicos.

O CÂNCER E AS EMOÇÕES

Quando falamos dos aspectos emocionaisrelacionados ao câncer, temos duas maneirasde compreendê-los. A primeira, como na me-dicina chinesa e nas visão de Hipócrates eGaleno, propõe que os aspectos emocionais têmum papel tão importante no desenvolvimentodo câncer quanto os aspectos orgânicos. A se-gunda corrente rejeita que as emoções venhama ter algum papel na etiologia do câncer, maspropõe que o diagnóstico, seu tratamento e suasimplicações sociais (discriminação, perda doemprego, status, etc.) podem desencadear gra-ves transtornos psiquiátricos.

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A psiconeuroimunologia do câncer

Muitos clínicos e pesquisadores têm ob-servado ao longo da história a inter-relação dosaspectos emocionais com os processos deadoecimento. Contudo, foi a partir dos traba-lhos do endocrinologista Hans Selye sobre oestresse, realizados na década de 40, que sur-giram as primeiras teorias científicas sobre aintegração mente/corpo. Várias outras áreas,como a psicologia e a sociologia, começam ase interessar e a contribuir para o desenvolvi-mento de pesquisas, tomando por base os tra-balhos de Selye. Surge, então, a psiconeuroi-munologia.

Essa nova ciência estuda �os efeitos dosprocessos psicológicos e neurais sobre as ativi-dade do sistema imune e, conversivamente, dosistema imune sobre o sistema nervoso central�(Deitos e Gaspary, 1996, p. 127). Assim,estressores psicossociais que geram necessida-des adaptativas, que por sua vez geram altera-ções comportamentais e emocionais, provocamalterações neuroendócrinas. Esses eventos têmsido implicados com a predisposição e a pro-gressão de diversas doenças, inclusive as neo-plásicas.

Conforme Vasconcelos (2000), os hormô-nios do estresse (adrenalina, noradrenalina,cortisol e aldosterona) são responsáveis poruma parcela da imunossupressão. Além des-tes, temos ainda os hormônios do estressesecretados pela hipófise, que ativarão todas asglândulas do organismo, sem falar nos pré-hormônios do estresse que são secretados pe-los núcleos hipotalâmicos. Portanto, hoje, deacordo com os recentes avanços das neuro-ciências, sabemos que �células imunológicasproduzem neurotransmissores (...) e que neu-rônios, por sua vez, também secretam imuno-ptídios� (Vasconcelos, 2000, p. 37), possibili-tando a comunicação entre os sistemas nervo-so e imune.

Personalidade e enfrentamento

Há relatos de clínicos que observaram arelação de certos traços de personalidade como adoecimento. Porém, na década de 60 é que

começam a surgir os primeiros estudiosos in-teressados em pesquisar a relação entre os fa-tores de personalidade e câncer (López et al.,1998; Herrera, Rodríguez e Bermúdez, 1999).Kissen e colaboradores (1962; 1969) encon-traram uma relação negativa entre ansiedade,neuroticismo e câncer de pulmão. Em seus tra-balhos, Greer e Morris (1975) observaram umamaior supressão emocional em mulheres comcâncer de mama em comparação com mulhe-res com patologia mamária benigna.

LeShan (1987) assinala que característi-cas como perda do sentido da vida e inabilida-de para expressar sentimentos negativos, comoa raiva, são características dos pacientes onco-lógicos. Temoshok (1992) encontrou, em suaspesquisas, um tipo característico de personali-dade que chamou de tipo C. Suas característi-cas marcantes são dificuldade de auto-afirma-ção, raiva não-expressa, ansiedade reprimidae um profundo sentimento de desesperança.Grossarth-Maticed e colaboradores (1988) en-contraram quatro tipos de personalidade. Otipo 1 é composto por pessoas idealizadoras,dependentes de outras pessoas, que apresen-tam dificuldades de enfrentar o estresse resul-tante da rejeição de pessoas significativas. Otipo 2 procura distanciar-se de pessoas e situa-ções que são fontes de frustração, reagindo comhostilidade por sua falta de assertividade. Otipo 3 é bem parecido com o 2, mas reage comambivalência (idealização versus ódio). O tipo4 é autônomo e reage de forma mais realista asituações de frustração. Os autores verificaramque o tipo 1 está mais predisposto ao câncer,enquanto o tipo 2, às doenças cardíacas. Ostipos 3 e 4 parecem estar protegidos dessasdoenças.

Instrumentos de avaliação da personali-dade como o Inventário Multifásico Minnesotade Personalidade (MMPI) têm sido utilizadosem estudos prospectivos que investigam o hu-mor depressivo e sua relação com o desenvol-vimento do câncer. Stekell e colaboradores (emCarvalho e Sougey, 1995) observaram que ha-via alguma relação entre os níveis de depres-são em indivíduos do sexo masculino e o de-senvolvimento de algum tipo de câncer e mor-talidade em 20 anos de evolução. Hahn e cola-boradores (1988) também utilizaram o MMPI

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para avaliação de 8.932 mulheres e concluí-ram que a depressão é um fator de risco.Eysenck (1988, em Falcone 1995) pondera quea ocorrência do evento não é suficiente paraque haja o estresse, mas também depende dapersonalidade que reage. A essa reação cha-maremos de enfrentamento.

Existem muitos conceitos de enfrenta-mento que partem de diferentes teorias psico-lógicas. Adotaremos aqui a proposta deFolkman e Lazarus, segundo a qual o �enfren-tamento é definido como o conjunto de esfor-ços, cognitivos e comportamentais, utilizadospelos indivíduos com o objetivo de lidar comdemandas específicas, internas ou externas, quesurgem em situações de estresse e são avalia-das como sobrecarregando ou excedendo seusrecursos pessoais� (em Antoniazzi, Dell�Aglioe Bandeira, 1998, p. 276). Os autores dividemo enfrentamento em duas categorias funcio-nais: o enfrentamento focalizado no problemae o enfrentamento focalizado na emoção. Oenfrentamento focalizado na emoção são osesforços para a regulação do estado emocio-nal relacionado ao estresse (por exemplo, di-minuir a tensão corpórea). Podem ser açõescomo fazer uma caminhada, assistir a um fil-me, fumar um cigarro ou consumir bebida al-coólica. Já o enfrentamento focalizado no pro-blema é definido como esforço para modificara situação que deu origem ao estresse, a qualpode ser direcionada internamente � há umaredefinição do elemento estressor (reestrutu-ração cognitiva) � ou externamente � há umaação direta na fonte externa de estresse.

O enfrentamento focalizado tanto no pro-blema quanto na emoção passa por duas for-mas de avaliação. Na avaliação primária, ossujeitos avaliam o risco envolvido na situação,enquanto na avaliação secundária os sujeitosavaliam quais são os recursos existentes e asopções para lidar com a situação. Indivíduosconsiderados maus enfrentadores, como os detipo 1 e tipo C, estão mais propensos a desen-volver câncer pela dificuldade em lidar com assituações estressantes, o que ocasiona a dis-funcionalidade do sistema imunorregulatório.

Também cabe ressaltar que o câncer éuma doença multifatorial. Conforme Moreira(1997), além dos processos imunorregula-

tórios, são variáveis implicadas nesse processoa suscetibilidade individual, os fatores genéti-cos, a idade, o sexo, o tempo de exposição aosagentes carcinógenos (fumo, álcool), que, jun-tamente com a forma como a personalidadereage ao estresse, determinarão o desenvolvi-mento do câncer.

O câncer como um evento estressante

Vimos anteriormente a relação entre per-sonalidade, enfrentamento e câncer. Porém,muitos pesquisadores e clínicos ainda rejeitamtal relação, alegando problemas metodológi-cos nas pesquisas que a fundamentam (Palmei-ra, 1997). Eles propõem que o câncer é o pró-prio estressor.

Para pacientes e familiares, o câncer éuma experiência mais desagradável que outrasdoenças. Inúmeras pesquisas têm evidenciadoque pacientes oncológicos apresentam maio-res índices de transtornos psiquiátricos que apopulação em geral. Derogati, Morrow eFetting (1983, em Deitos e Gaspary, 1997), emsuas pesquisas avaliando a população oncoló-gica com distúrbios psiquiátricos, verificaramque 68% apresentavam transtornos de desajus-tamento, 13% transtorno afetivo maior, 8%transtornos mentais orgânicos, 7% transtornosde personalidade e 4% transtornos de ansie-dade. Cerca de 85% desses pacientes apresen-tavam depressão ou ansiedade como sintomaprincipal.

Morris e colaboradores (1977, em Falcone,1995) verificaram que 25% dos pacientes apre-sentavam transtorno depressivo ou ansiedadeapós mastectomia. Souza e colaboradores(2000) encontraram prevalência de 21,42% dedepressão maior e/ou ansiedade generalizadaem mulheres com câncer de mama. Outrosautores, como Holand e colaboradores (1979,em Scott, 1994), também constataram altosíndices de depressão e ansiedade em pacientescom câncer de intestino. Carvalho e Sougey(1995) encontraram ainda altos índices detranstornos psiquiátricos (mais de 50%) empacientes com algum tipo de câncer, sendo que25% apresentavam depressão.

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Por outro lado, é importante ressaltar quemuitos outros pacientes não chegam a mani-festar nenhum tipo de transtorno psiquiátrico.Simonton e colaboradores (1987) e LeShan(1987) relatam casos de pacientes que, com asua vontade de viver, reverteram prognósticosdesfavoráveis de câncer. Eles observaram queoutro grupo de pacientes com prognósticosmuito favoráveis, mas que aceitavam estoica-mente o câncer, apresentavam alta mortalida-de. Os que apresentavam projetos importantespara o futuro, espírito de luta ou negação al-cançavam sobrevida (e até cura) com boa qua-lidade de vida.

Quanto à depressão em pacientes com cân-cer, temos a tendência de compreendê-la de duasmaneiras distintas: a reação psicológica ao diag-nóstico e aos procedimentos médicos descon-fortáveis e o efeito da medicação e da deterio-ração da própria doença. De qualquer forma,ambas levam à procrastinação do tratamentodesse transtorno. E �mesmo os que não apre-sentam um transtorno mental reconhecido, ne-cessitam de apoio psicológico e compreensãode seu mecanismo adaptativo para ajudá-los emtodas as difíceis etapas por que passarão� (Car-valho e Sougey, 1995, p. 460).

MODALIDADES DE TRATAMENTO:PSICOFARMACOTERAPIA ETERAPIAS COGNITIVAS

Para o tratamento dos transtornos psiquiá-tricos, existem duas modalidades que podemser oferecidas: farmacoterapia e psicoterapia.No tratamento farmacoterápico, existe a van-tagem de que, na falta de um psiquiatra, umoncologista ou outro clínico pode prescrever amedicação, além de existir uma grande varie-dade de drogas com diferentes tipos de princí-pios ativos. Todavia, algumas desvantagens po-dem ser apontadas pelo fato de que, depen-dendo do agente quimioterápico utilizado notratamento, este pode reduzir o espectro dospossíveis princípios ativos (por apresentareminúmeros efeitos colaterais e diversas intera-ções bioquímicas). Por isso, em algumas situa-ções específicas, o tratamento farmacológicopode aumentar a passividade do paciente frente

à sua doença. Vale lembrar que várias pesqui-sas demonstram que os clínicos em geral pou-co diagnosticam os transtornos depressivos e,inclusive, apresentam uma tendência a valorara sintomatologia ansiosa do paciente deprimi-do, prescrevendo mais ansiolíticos do queantidepressivos. Muitas vezes, as doses recei-tadas são subterapêuticas ou ministradas portempo insuficiente (Carvalho e Sougey, 1995).

Relacionamos aqui as terapias cognitivascomo a segunda modalidade possível de trata-mento. Os pacientes que usualmente recebe-mos no serviço de psicologia do Instituto deRadioterapia no qual atuamos3 apresentam asmais diversas queixas, e uma das mais freqüen-tes é sobre o próprio processo radioterápico(Paula Jr., 1998). É muito comum os pacientesque se submetem a essa modalidade de trata-mento fazerem referência aos episódios docésio-137, em Goiânia, e o da usina nuclear deChernobyl, na Rússia, afirmando: �Como umacoisa que mata pode curar um câncer?�. Tra-balhamos com esses pacientes de forma peda-gógica, explicando da maneira que lhes seja amais compreensível o funcionamento da radi-ação e seus benefícios, confrontando semprecom as informações ou crenças distorcidas quepossuem a respeito de sua doença e a respeitodo tratamento em si.

É muito comum os pacientes apresenta-rem distorções cognitivas do tipo �inferênciaarbitrária�, em que as mudanças no comporta-mento de familiares e amigos são interpreta-das como afastamento. Quando proporciona-mos uma análise mais abrangente, novas ex-plicações são geradas, como: �Eles podem nãoestar sabendo como me tratar e com medo deme magoar� ou �Eu posso ter mudado algo naminha forma de me relacionar com eles e, porisso, estão distanciados�. Nesse momento, pro-curamos incentivar nossos pacientes a testa-rem essas novas hipóteses e a procurarem fa-miliares e amigos, travando um diálogo francoe aberto.

Também é muito comum a presença de�catastrofização�, com a tendência à hipervalo-rização dos aspectos negativos da situação. Ocâncer pode ser mortal, mas a maioria dos ti-pos é plenamente tratável com índices de curaaltíssimos. Mesmo assim, vários pacientes de-

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senvolvem crenças de �catástrofe iminente�,gerando mais desconforto para si, para seusfamiliares e para a equipe. Temos alcançadobons resultados com a discussão e a apresen-tação de informações reais sobre o tratamen-to, estatísticas de cura, incentivo ao diálogocom outros pacientes já curados e em final detratamento para encorajamento adicional. Vá-rias outras distorções cognitivas aparecem nomanejo dos pacientes oncológicos e seus fami-liares, e as intervenções variam muito de umpara outro.

Outra grande dificuldade encontradapelo paciente é o manejo de sua dor. Nessecaso, primeiro aplicamos e ensinamos técni-cas de controle que podem ser praticadas emcasa e no trabalho. Outra forma de interven-ção é o uso do registro diário das crenças as-sociadas à dor. Tal registro é feito em um for-mulário, no qual os pacientes registram datae hora em que sentiram dor, descrevendo as-pectos como intensidade, situação, pensamen-to automático associado, emoção e compor-tamento. Uma paciente, por exemplo, relata-va que, mesmo com uma dor intensa, ia aotrabalho normalmente. Porém, seu desconfor-to aumentava consideravelmente quando ti-nha que apresentar sua ficha de produção aoseu superior e seu desempenho caía significa-tivamente apesar de seus esforços, o que adeprimia e envergonhava. Durante uma con-sulta, foi proporcionada uma reflexão sobresua atuação versus produtividade. Após teradmitido que estava fazendo mais do que oesperado, era compreensível e natural que suaprodutividade caísse. Com o uso do questio-namento socrático, chegou a detectar suacrença central de �dominação e orgulho�. Oque mais lhe frustrava, portanto, era o fatode estar sendo ajudada, e não a queda de pro-dução laboral em si. Respostas positivas fo-ram geradas para essa questão e implemen-tadas imediatamente. A paciente também con-cluiu que estava trabalhando em excesso e de-dicando pouco tempo ao tratamento e a simesma. Hoje tem uma carga horária menorna empresa e dedica-se a assuntos ligados aoautocuidado � sua dor pouco a incomoda ago-ra. Muitos pacientes também apresentam náu-sea antecipatória nos dias anteriores à quimio-

terapia, além de episódios de pânico nas ses-sões de radioterapia. Nesses casos, temos uti-lizado a técnica de dessensibilização sistemá-tica com bastante sucesso.

Um estudo muito interessante de Grossar-th-Maticed e colaboradores (1988) parece de-monstrar como a personalidade e o enfren-tamento estão relacionados com o desenvolvi-mento do câncer e como as terapias cognitivaspoderiam atuar de forma preventiva. Em umestudo prospectivo com um grupo de 50 paresde sujeitos predispostos ao câncer, seleciona-dos aleatoriamente e classificados de acordocom as tipologias mencionadas (tipos 1, 2, 3 e4), aplicou-se a terapia cognitivo-comporta-mental somente em um dos indivíduos de cadapar. O grupo tratado, em comparação com oque não se tratou, apresentou redução signifi-cativa da incidência e da mortalidade por cân-cer. Podemos supor que a terapia foi eficienteao possibilitar aos pacientes a modificação decomo enfrentavam os eventos, favorecendouma avaliação adequada e realista das situa-ções e dos recursos para lidar com agentes esituações estressantes. Possibilitou ainda umamelhor avaliação dos recursos pessoais e darede de apoio social. Quando fracas ou ina-dequadas, eram fortalecidas e reavaliadas.Também ajudou na implementação de estra-tégias de enfrentamento ajustando seus focosda maneira mais adaptativa possível, possibi-litando, assim, bons níveis imunorregu-latórios.

Em geral, as terapias cognitivas apresen-tam as seguintes vantagens:

� Ajudam a melhorar a auto-estima dospacientes, a corrigir erros cognitivosque geram distorções sobre si mesmo,sua doença e seu tratamento, ou seja,auxiliá-los a �integrar a evolução dadoença com as novas experiências devida� (Carvalho e Sougey, 1995, p.465), além de gerar novas disposiçõesde enfrentamento.

� Podem ser desenvolvidas individual-mente ou em grupo. A modalidade emgrupo favorece aos pacientes compar-tilhar suas experiências e suas estra-

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tégias de enfrentamento, além demelhorar a sua socialização.

� Não apresentam contra-indicações epodem ser utilizadas técnicas que di-minuem os efeitos negativos do trata-mento (por exemplo, vômito antecipa-tório) e da própria doença (por exem-plo, dor), dispensando ou diminuin-do a ingestão de medicamentos.

� Possibilitam ao paciente espaço de re-flexão e avaliação de prós e contrasdos procedimentos médicos, a avalia-ção de sua própria qualidade de vidade acordo com os critérios que julgarmais importantes e de poder se tornaro �gerente� do seu próprio tratamen-to.

� Podem ser estruturadas com númerolimitado de sessões, o que pode ser po-sitivo em termo de custo/benefício secomparado ao farmacológico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que as terapias cognitivassão eficientes para a redução dos níveis de de-pressão e ansiedade dos pacientes oncológicos.Lidar com o câncer é uma realidade muito durapara o paciente, para sua família e para a equi-pe de saúde, mas essa realidade pode ser ain-da mais sombria se o paciente for deixado àderiva em seu próprio sofrimento e desinfor-mação.

Certa vez, enquanto eu (Admar Cardo-so) visitava uma paciente internada no hospi-tal, deu entrada na mesma enfermaria umasenhora (que chamarei de Sofia) de mais oumenos 48 anos. Estava acompanhada de inú-meros familiares e chorava bastante, requisi-tando a atenção de todos que ali estavam. Bra-dava que iria morrer e que seu caso não tinhasolução. Era um quadro que mobilizava todasas pacientes da enfermaria, o que era muitoruim para todas elas. Observei que a pacientefalava tudo aquilo olhando diretamente paramim.

Tive a oportunidade de conversar comuma das auxiliares de enfermagem presentesque conhecia o caso de Sofia. Ela tinha um tu-

mor de mama muito pequeno, que possibilita-va uma cirurgia bastante conservadora. Apósa cirurgia, ela passaria por algumas aplicaçõesde quimioterapia para prevenir o risco de al-guma metástase. Pareceu-me de início (comoveio a se confirmar no desenrolar) um quadrode catastrofização; porém, como não era mi-nha paciente, achei que não seria adequadofazer alguma intervenção.

Findo o período de visitas, tratei de des-pedir-me da minha paciente e, quando me di-rigia para a saída, que ficava ao lado da camade Sofia, ela disse olhando em meus olhos: �Euvou morrer, não é mesmo, doutor?!�. Como apergunta foi dirigida a mim, tratei logo de res-ponder: �E quem foi que lhe disse isso?� Elaempalideceu. Aquela situação toda acabou fun-cionado como uma tarefa de casa � passar orestante do dia pensando em como havia che-gado àquela conclusão. No outro dia, Sofia re-latou que estava mais tranqüila e que realmenteninguém disse que seu caso era grave, ou mes-mo que poderia vir a falecer. Em um breve pe-ríodo, foi proporcionado a ela avaliar suas ex-pectativas e informações a respeito do câncere dos tratamentos a que poderia ser submeti-da. Suas dúvidas foram sanadas, o que causoumuito alívio, pois as informações que recebeude vizinhos e parentes eram inadequadas (queela morreria, que se sobrevivesse não seria maisatraente para o marido, etc.). Foram minutosmuito bem-aproveitados por ambos. Na ma-nhã seguinte, ela foi operada. Em outros doisencontros casuais no hospital, quando visitavaminha paciente, encontrei Sofia recebendoquimioterapia com a aparência muito serena emostrando-se bastante colaborativa. Relatoualgum incômodo com o tratamento, mas sedizia muito feliz.

Escolhemos apresentar esse caso comoilustração pelo fato de que, em poucos momen-tos, um terapeuta de orientação cognitiva pôdeproporcionar a uma paciente com câncer umsuporte psicológico que se mostrou eficaz emseu seguimento (a paciente não mobilizou maisa equipe de enfermagem e as colegas de enfer-maria, além de demonstrar uma boa adesãoao tratamento, o que, de início, pareceu poucopossível). Nesse caso, o atendimento realiza-do não seguiu a estrutura usual das terapias

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cognitivas (local adequado, agendamento, ses-sões semanais, tempo maior para estabeleci-mento de vínculo, etc.). Se seguidas as premis-sas estruturais, a terapia pode realizar um tra-balho muito mais amplo, possibilitando ao pa-ciente rever sua teia de significados ou avaliarsuas crenças disfuncionais.

NOTAS

1. De acordo com a ortografia da língua portu-guesa, o termo correto seria psiconcologia. Po-rém, adotamos a forma hifenizada por ser amais usual e adotada pela Sociedade Brasilei-ra de Psico-Oncologia (SBPO).

2. O excesso de tecnologia que ora vivenciamosna Medicina tem proporcionado um gradualafastamento do médico e de seu paciente � umprocesso mecânico e desumanizador da Saúde(ver LeShan, 1987).

3. Instituto de Radioterapia São Francisco, emBelo Horizonte (Minas Gerais).

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A Pessoa do Terapeuta e oProcesso de Mudança em Psicoterapia

Cristiano Nabuco de Abreu

posições adotadas inicialmente pelo clínico noprocesso de ajuda diferem daquelas que deve-riam ser adotadas a médio e a longo prazo paraque o processo continuasse a ser efetivo (Abreu,1995). Infelizmente, percebemos que a gran-de maioria dos profissionais posiciona-se demaneira incerta e até desinteressada frente aessas questões, continuando a exibir sempreos mesmos estilos de comportamento do inícioao final do tratamento.

Portanto, a falta de habilidade do clínicoem identificar, sistematizar e criar um contex-to de segurança e facilitação à exploração pes-soal, por exemplo, pode corroborar o apareci-mento de atitudes que criem uma predisposi-ção do cliente em se opor ao ponto de vista doterapeuta (Mallinckrodt, 1996), assim comoinduzir a um relacionamento fracassado e pou-co favorecedor de alterações pessoais.

A RELAÇÃO DE AJUDA: INDO MAISALÉM DO POSICIONAMENTO INTUITIVO

Um conceito mais recente que poderiaexplicitar melhor as trocas que ocorrem na re-lação entre o clínico e o paciente é o da alian-ça terapêutica. Safran, Muran e Samstag (1994)afirmam que a idéia da aliança terapêutica ori-ginou-se no início da literatura psicanalítica e,nos últimos 10 anos, tem-se tornado um tópi-

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Alguns clínicos e teóricos da psicoterapiaacreditam que o relacionamento que se desen-volve entre o terapeuta e o cliente é a essênciade um tratamento efetivo. Outros acreditamque, embora o relacionamento não seja umacondição básica, ele fornece uma significativaalavanca para que sejam implementadas astécnicas terapêuticas utilizadas na promoçãoda mudança no paciente (Beck, 1995). Inde-pendentemente do posicionamento adotado, seo relacionamento é um dos ingredientes essen-ciais da psicoterapia ou um método utilizadopara se chegar a um fim, existe uma notávelconcordância de que a relação indivíduo-pro-fissional desempenha um papel importante notratamento psicológico.

A literatura a respeito dessa(s) habilida-de(s) terapêutica(s) é escassa, e a maioria dosclínicos ainda não é capaz de verbalizar ouoperacionalizar concretamente as bases nasquais sua postura interpessoal é construídafrente aos diferentes tipos de clientes. Emboramuitos profissionais experientes possam intui-tivamente tentar moldar a sua postura relacio-nal com cada um, existem poucas publicaçõesque sistematizem esse processo. Além disso, ademanda exigida pela psicoterapia (em termosde atuação do profissional) é significativamentealterada com o passar do tempo. Ou seja, as

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co de crescente interesse entre os teóricos daclínica e pesquisadores em geral. Outro impor-tante colaborador no desenvolvimento dessaproposta foi Bordin (1979), que sugeriu ser aaliança um aspecto fundamental nas mais va-riadas formas de sucesso em psicoterapia, afir-mando que ela é uma resultante direta do graude concordância estabelecido entre o pacientee o terapeuta a respeito da tarefa, da meta edos vínculos envolvidos no processo clínico.Embora uma aliança positiva não ocorra ime-diatamente após o início da terapia, algumasinvestigações sugerem que seu desenvolvimen-to é necessário antes que se possa esperar qual-quer tipo de êxito no processo de ajuda. As-sim, seria razoável pensar na aliança como umasérie de janelas de oportunidades que vão seabrindo e decrescendo em tamanho a cada ses-são, pedindo por inevitáveis ajustes nos proce-dimentos adotados pelo terapeutas no tratocom seus clientes (Bordin, 1994).

Logo, pode-se concluir que os elementostécnicos jamais deveriam ser isolados dos com-ponentes de relacionamento, pois ambos sãofatores interdependentes e mutuamente catalí-ticos de um bom resultado. Henry e Strupp(1994) sugeriram quatro características princi-pais para que a constituição da aliança de tra-balho possa ocorrer facilmente:

1. O terapeuta age como fomentadordas qualidades humanas.

2. Tais qualidades, uma vez desenvol-vidas, permitem um melhor acessoao cliente, pois está sendo utilizadaa mesma base emocional na qual orelacionamento entre pais e filhos foiestabelecido. Assim, o clínico utilizatal ligação como modelo e ferramen-ta de um processo de mudança.

3. No contexto do relacionamento te-rapêutico, ocorre um novo aprendi-zado experiencial que, antes de maisnada, é aperfeiçoador dos velhos re-lacionamentos, pois através do pro-cesso de desenvolvimento, imitaçãoe identificação com o clínico surgemnovas maneiras possíveis de o clien-te posicionar-se em uma interação.

4. O sucesso é fruto direto desse apren-dizado e dependente das qualidadespreexistentes do paciente que per-mitem, pelo menos, o desenvolvi-mento de um primeiro nível de con-fiança e abertura.

Portanto, tanto o paciente quanto o tera-peuta são considerados co-responsáveis pelaformação de uma boa aliança. Alguns autoreschegam a afirmar que a busca de auxílio atra-vés da psicoterapia pode denotar no passado adificuldade em estabelecer bases relacionaisseguras e estáveis (Holmes, 1993).

Outro importante ponto a ser considera-do é que os tipos de relacionamento (e as pro-blemáticas a eles associadas) que o cliente trazao contexto clínico podem tornar-se, em cer-tos momentos, uma questão secundária (em-bora não sem importância) se comparados aoprocesso de relacionamento estabelecido en-tre o cliente e o terapeuta. Se o clínico posi-cionar-se de maneira insensível, tornando-seimpermeável à leitura das estruturas (com osproblemas subjacentes) que o cliente carrega,o processo de mudança estará seriamente com-prometido. Na maioria das vezes, tal laço tor-na-se muito mais responsável pela mudançapessoal do que aqueles expressos em sua his-tória de vida, independentemente da etiologiaenvolvida no processo terapêutico (Henry eStrupp, 1994).

Contemplamos, então, na psicoterapia autilização da conexão e do relacionamentoentre aquele que busca e aquele que ofereceajuda, um dos elementos autenticamente facili-tadores do processo de mudança. Nesse senti-do, as histórias de relacionamento passadas,tanto as do paciente quanto as do terapeuta,assumem o papel de variáveis altamente rele-vantes no estabelecimento dessa nova relação,determinando significativamente a alta proba-bilidade de resultados benéficos ou destruti-vos para a psicoterapia.

Portanto, recai sobre o profissional de aju-da não somente a responsabilidade de condu-zir o processo de maneira que a aliança venhaa ser estabelecida, mas também a de zelar poruma atmosfera de apoio e de camaradagem,

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integrando a sua história passada para que elase torne um elemento dinamizador e não-limitador. Se o clínico for efetivamente maisamistoso (e não somente aparentar amizade),é provável que o cliente tenda a considerar commais tranqüilidade suas colocações, sentindo-se menos vigiado e, assim, a interação torna-se um elemento fomentador e, por que nãodizer, previsor de bons resultados.

Henry e Strupp (1994) afirmam haver umrelacionamento sistemático entre as reaçõespessoais do terapeuta e a qualidade de suascomunicações, impressões diagnósticas e pla-nos de tratamento. Por exemplo, atitudes ne-gativas em relação ao paciente foram freqüen-temente associadas a comunicações não-empáticas e julgamentos clínicos desfavoráveis.Outros dados sugerem que, quando o clientepercebe seu terapeuta como mais controladore menos sociável, na realidade, o que pode es-tar ocorrendo é que o terapeuta está tratandoseu cliente com muito mais cautela e pontuan-do as reações negativas muito mais incisiva-mente do que as positivas (Multon, Patton eKivlighan, 1996). Portanto, muito mais do quepodemos imaginar, os fatores pessoais do clíni-co contribuem expressivamente para o resul-tado final da psicoterapia.

EM FOCO: O PROFISSIONAL

Quando pensamos no processo terapêu-tico e nos muitos artigos existentes sobre oassunto, percebemos que a ênfase recai qua-se sempre sobre o cliente. Por exemplo, quan-do Rogers (1957) enfoca o processo terapêu-tico, ele utiliza para descrevê-lo alguns con-ceitos como �processo empático�, �referênciapositiva incondicional�, �congruência� e �acei-tação incondicional�. Esses entendimentos,porém, definem quase que exclusivamente apostura do terapeuta, e não o relacionamen-to entre terapeuta e cliente. Ou, se aprofun-darmos nossa análise, notaremos que algunsaspectos definem, em sua maioria, apenas osnossos clientes.

Na literatura existente, não encontrare-mos muita informação sobre a influência mú-tua dos comportamentos do cliente e do tera-

peuta. Tradicionalmente, conhecemos o con-ceito de transferência significando conflitospassados relativos a relacionamentos anterio-res expressos através de pensamentos, atitu-des e comportamentos transferidos ao terapeu-ta. Por outro lado, o conceito complementarde contratransferência sugere que não só os cli-entes experienciarão alguns sentimentos emrelação ao terapeuta, mas também o terapeu-ta experienciará sentimentos em relação aopaciente (Gelso e Carter, 1994). Temos, então,duas forças opostas influenciando os resulta-dos da terapia: cliente de um lado e terapeutade outro (Hermann, 1997). Lazarus (1993)afirma que a pessoa do terapeuta tem sidomuito negligenciada e diversas questões exis-tentes sobre o ambiente criado pelo terapeutaainda não foram respondidas. Por exemplo,devemos encorajar a expressão das emoçõesnegativas de nossos pacientes em todos os ca-sos? Devemos demonstrar nossos sentimentosde aprovação todo o tempo? O que devemosfazer com nossos sentimentos de frustraçãoquando o processo não caminha?

Na literatura (Abreu, 2000; Neimeyer eMahoney, 1997; Safran, 1998a), geralmenteencontramos artigos em que os clientes sãoconsiderados indivíduos com bases singulares,crenças, reações, narrativas, etc., e o terapeu-ta é visto como alguém que deve respeitar ecompreender essa variação pessoal. Mas comopodemos ser tão flexíveis, considerando quetambém temos nossos estilos pessoais? Comopodemos lidar com a diversidade humana sesempre somos os mesmos em nossa singulari-dade? Qual é o limite de nossa maleabilidadepessoal e profissional?

Evidentemente, tentamos desenvolver al-guma flexibilidade, como apontado por Lazarus(1993), quando diz que supostamente deve-ríamos seguir o exemplo do camaleão para aobtenção de um bom resultado na psicoterapia,isto é, adaptarmo-nos a cada situação, ao in-vés de ajustar nossos clientes ao nosso trata-mento. Mas será que não existe limite para isso?Mahoney (1991) também aborda esse tema aoquestionar quais seriam os critérios para nosdefinirmos em equilíbrio e harmonia com nos-sos clientes. Parece-nos haver um grande nú-mero de indicadores a respeito da vida pessoal

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e profissional do clínico que ainda permane-cem obscuros e sem respostas (Mahoney,1998).

A terapia comportamental oferece algu-ma contribuição a esse respeito, por exemplo,afirma que a terapia tem bons resultados quan-do o terapeuta é amigavelmente dominante eo cliente é amigavelmente submisso (De Vo-gue e Beck, 1978). Embora as pessoas submis-sas sejam mais fáceis de tratar em terapia doque as pessoas hostis (Horowitz, Rosenberg eBartholomew, 1993), existe uma bordagemideal para essa questão? Nós realmente sería-mos úteis ao cliente mantendo-o submisso porlongos períodos, como descrito por alguns au-tores?

Nos estudos sobre a aliança propostos porHorvath e Greenberg (1994), vemos que, quan-do ocorrem similaridades entre ambos e o te-rapeuta é capaz de criar uma boa relação como cliente, os resultados serão inevitavelmentepositivos. Outra perspectiva surpreendente su-gere ainda que o terapeuta possua um alto ní-vel técnico, ainda que tal condição não seja umagarantia de que a psicoterapia realmente setornará efetiva, a menos que o terapeuta sejacarinhoso e empático. Assim, os resultadospositivos estão sempre associados aos pacien-tes que descrevem seus terapeutas como cari-nhosos, atenciosos, interessados e respeita-dores.

Para enfatizar a existência dessa co-depen-dência, existe uma importante teoria chamadateoria interpessoal, que, dentre outras coisas,sugere que, quando duas pessoas estão intera-gindo, elas influenciam seus comportamentosmutuamente. O comportamento de uma pes-soa evocará certas reações na outra, isto é, quan-do a pessoa �A� é ríspida com a pessoa �B�, apessoa �B� certamente ficará mal-humorada ouse justificará. O conhecido princípio complemen-tar, que faz parte dessa teoria, tem sido usadopara conceituar o dilema dos depressivos. Quan-do uma pessoa depressiva expõe seu desconfor-to, dando a impressão de submissão e desam-paro, o ouvinte, em muitos casos, reage comatitudes dominadoras no desejo de reduzir odesconforto do depressivo. No entanto, essa re-ação de dominação atrai sentimentos de sub-missão e desamparo, reforçando os sentimen-

tos depressivos nas pessoas já deprimidas(Horowitz, Rosenberg e Bartholomew, 1993).

Entretanto, torna-se óbvio que o vínculodesenvolvido entre o clínico e o cliente é ex-tremamente importante para o processo tera-pêutico e, quanto mais rápido esse vínculo éconstruído, mais rápido os sintomas diminui-rão. Segundo um estudo descrito por Henry eStrupp (1994), os terapeutas que experienciameventos desagradáveis com seus pais na infân-cia são aqueles que expressam mais crítica enegligência com seus pacientes, contribuindopara a criação de um alto nível de comporta-mento interpessoal desafiliativo em suas con-sultas. Além disso, as pesquisas mostraram seresses terapeutas mais hostis e dominadores doque outros, fazendo com que seus clientes de-senvolvessem níveis mais altos de autocríticae, ao mesmo tempo, que toda tentativa de mu-dança viesse associada a sentimentos de cul-pa. Dessa forma, a atitude pessoal do terapeu-ta vem a contribuir de alguma maneira, paraos resultados finais da terapia (Horvath eGreenberg, 1994).

Para apoiar essas suposições, outra pes-quisa mencionada por Dunkle e Friedlander(1996) mostrou que a base negativa estabele-cida na relação terapêutica contribuiu pararesultados pobres no fim do processo, haven-do pouca ou nenhuma mudança pessoal. In-versamente, terapeutas que experienciaramaltos níveis de apoio pessoal e sentiam-se con-fortáveis com a proximidade em suas históriasde vida foram mais capazes de criar um bomvínculo no início do tratamento, raramentemostrando qualquer tipo de hostilidade comos clientes.

Assim, as bases pessoais, tanto do tera-peuta quanto do cliente, interferirão no bomou no mau resultado do tratamento. Podemosconcluir que, se os terapeutas não entendemsuas próprias questões, desenvolvendo umacoerência pessoal, eles acabarão contribuindopara o surgimento dos resultados negativos.E, quando falamos nessas bases pessoais (e nahistória de vida pregressa), é inevitável quepensemos nos modelos internos de trabalho,conforme já amplamente discutido por Bowlby(1969; 1988). Bowlby afirmou que um padrãode resposta interno é desenvolvido de acordo

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com a qualidade do apego (ou vinculação) queuma pessoa experienciou com seus pais na in-fância � conforme a teoria do apego (Multon,Patton e Kivlighan, 1996).

A TEORIA DO APEGO: ALGUMAS NOÇÕES

A teoria do apego sugere que experiênciasinterpessoais durante a infância e a adolescên-cia contribuem para o desenvolvimento de mo-delos internos de trabalho que incluem a repre-sentação mental de si mesmo, dos outros signi-ficativos e do relacionamento entre eles. Umagrande parte da pesquisa sobre o apego estábaseada na suposição de que as separações pro-vocam a ativação do sistema comportamentalde apego. Assim, espera-se que separações (re-ais ou imaginárias) evoquem pensamentos, re-ações emocionais e comportamentos que refli-tam as estratégias passadas (modelo interno detrabalho) das pessoas e a maneira como elasviam (e vêem) o mundo (Mayseless, Danielli eSharabany, 1996). Cada situação que enfrenta-mos na vida é construída com base nesses mo-delos representacionais, ou seja, a informaçãoque recebemos através de nossos órgãos do sen-tido é selecionada e interpretada sempre combase nesses modelos de atuação (Collins, 1996).Se a criança, por exemplo, sente algum tipo demedo nas situações de ameaça, ela procuraráum dos pais e testará suas reações sobre a situa-ção e sobre si mesma, edificando, assim, tais es-truturas de reação.

A teoria propõe a existência de três esti-los gerais referentes às sensações experimen-tadas na ativação do sistema comportamentalde apego em função da disponibilidade mater-na: o apego seguro, o inseguro-evitativo e o in-seguro-ambivalente (Ainsworth et al., 1978).Bebês seguros parecem perceber seus cuidado-res como fontes confiáveis de proteção e segu-rança. Essas crianças buscam ativamente o con-tato com seus cuidadores quando estressadase são prontamente acalmadas e reasseguradaspor esse contato, explorando confiantementeo ambiente. Ao contrário, bebês com padrãode apego inseguro-ambivalente, quandoestressados, mostram comportamento ambi-valente em relação ao cuidador. Tais bebês

buscam contato corpóreo nas situações demedo; todavia, tal aproximação vai acompa-nhada de raiva, resistência e de não-exposiçãoao desejo de aproximação. Finalmente, bebêsque mostram um padrão inseguro-evitativo evi-tarão contato com o cuidador quando estres-sadas, nas situações de ameaça e de estresse,além de mostrarem os níveis mais baixos deexpressividade emocional. Bartholomew(1993) diz que nem os bebês ambivalentes nemos evitativos, quando estressados, parecem usaros cuidadores de maneira bem-sucedida paraganhar segurança. Além disso, ambos os gru-pos de bebês inseguros mostram déficits aousarem suas figuras de apego como uma basede exploração segura.

A relação dessas experiências com a vidado psicoterapeuta é que, na vida adulta, taisestilos de afiliação não desaparecem, e sim ten-dem a se perpetuar nas mais variadas condi-ções (nos relacionamentos afetivos, no enfren-tamento do estresse, nas atitudes profissionais,nas crenças religiosas, na transmissão de valo-res intergeracionais, etc.). Assim, os adultos se-guramente apegados (semelhante ao que ocorrena infância), frente a uma situação estressante,muito possivelmente esperarão ser ajudadosnos momentos de necessidade, pois acreditamque um outro significativo aparecerá e estarádisponível quando venham a necessitar. Então,esses indivíduos facilmente buscarão (sem re-ceios) apoio social para lidar com o estresse.Em contraste, pessoas evitativas, que tiveramexpectativas negativas sobre a disponibilidadedos outros, tenderão a usar suas próprias es-tratégias de enfrentamento, ao invés de bus-car apoio social. Indivíduos ambivalentes bus-carão apoio intensivamente (mais até do queos seguros), mostrando altos níveis de emoçõese ansiedade. Em resumo, os adultos, assimcomo as crianças, exibirão diferentes estilos deapego no trato com seu meio social (Mikulincere Orbach, 1995).

Nessa perspectiva, seria lógico conside-rar que as mesmas tendências aparecessem noambiente terapêutico? Ao assumir a idéia deque os adultos também carregam esses mode-los operacionais, inevitavelmente nos depara-remos por um lado, com a idéia de que os pa-cientes explicitam suas estratégias de ligação

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com seus terapeutas (Multon, Patton e Kivlighan,1996; Bowlby, 1969; 1988). Contudo, se a pre-missa de manutenção dos estilos de vincula-ção estiver correta, talvez o terapeuta tambémdemonstre, por outro lado, alguma flutuaçãoem seu padrão de ligação com o paciente.Mahoney (no prelo) afirma que, ao edificarmosnossa vida, projetamos para o futuro exatamen-te aquelas experiências que somos capazes denos recordar. Assim, uma pessoa somente po-derá imaginar receber afeto na medida em quepode lembrar-se dessa experiência. Como, en-tão, um adulto-terapeuta seria capaz de reco-nhecer � e mesmo favorecer � a manifestaçãode certos aspectos emocionais (confiabilidade,segurança, etc.) necessários a seus pacientesse esses aspectos nunca estiveram presentes emsua história pregressa de ligações? Como umprofissional poderá oferecer-se como uma basesegura para seu cliente se em seu passado nun-ca recebeu isso?

Assim como o cliente explicita suas estra-tégias pessoais no consultório, é muito prová-vel que o profissional de ajuda também mani-feste, de forma não tão neutra, um determina-do padrão de vinculação com seu cliente. Umavez que em sua história de vida o profissionaltambém desenvolveu um certo estilo devinculação, é bem provável que suas caracte-rísticas estejam presentes na nova relação, di-recionando a maneira como esta será estabe-lecida, mesmo que em um contexto �profissio-nal�. De fato, segundo Liotti (1991), há um re-lacionamento sistemático entre as reações pes-soais do terapeuta e a qualidade de suas co-municações, impressões diagnósticas e planosde tratamento. Hesse (1996) sugere que, se oterapeuta tem um modelo interno de trabalho(um padrão de relação) diferente do cliente,provavelmente enfocará aqueles aspectos as-sociados ao seu modelo pessoal, ao invés de omodelo do paciente.

OS MODELOS DE APEGO DO CLÍNICOE AS INTERFERÊNCIAS NO PROCESSOTERAPÊUTICO

Muito pouco foi pesquisado para identifi-car como o modelo de apego do clínico influen-

cia o desenvolvimento do tratamento (Multon,Patton e Kivlighan, 1996). Uma pessoa, porexemplo, que apresenta um modelo evitativodificilmente se aproximará de outras com mo-delos ambivalente e/ou seguro, pois, sendoevitativa, naturalmente rejeitará as tentativasde contato mais presentes nessas outras pes-soas (Horowitz, Rosenberg e Bartholomew,1993). Portanto, vale uma pergunta: se esti-vermos sendo submetidos a uma terapia comum clínico evitativo, como seria o tratamentopor ele oferecido? Como seriam suas idéias esuas visões a respeito das melhores estratégiasde mudança a serem obtidas pelos pacientes?Como seriam suas idéias e suas visões a respei-to das relações afetivas de seu paciente?

A questão é que, possivelmente, como talclínico não teve modelos seguros de apego comseus pais na infância, não terá uma fácil ativa-ção de seu sistema de apego na idade adulta e,obviamente, no ambiente terapêutico. Confor-me já mencionado, separações sistemáticas vi-vidas por uma criança na primeira infânciapodem favorecer o surgimento de determina-das reações psicológicas que serão marcadaspela manifestação de comportamentos de de-sapego e de refração. Dessa maneira, aquelacriança (o clínico de hoje) progressivamenteexcluirá ou se afastará de todas as circunstân-cias que possam vir a ativar os seus sistemasde apego, uma vez que, se ativados, não seri-am � como nunca foram em seu passado � sa-tisfeitos, o que gera desconforto. Então, nessatentativa de proteção do sistema pessoal, esseprofissional excluirá ativamente toda informa-ção que venha a provocar a manifestação desistemas comportamentais de busca de segu-rança e, assim, evitará o seu sofrimento ínti-mo, mantendo-se evitativo às situações de ne-cessidade e de aproximação de seu cliente. Soba ótica do processamento cognitivo, haverásempre uma recusa de toda informação relati-va e associada aos acontecimentos de afiliação.

Esses fatores levam-nos a uma dramáticavariação de cada terapia em função de cadaterapeuta, muito mais pautada nos aspectos�subjetivos� do que poderíamos imaginar. Porexemplo, clínicos efetivos (e seguros) intervie-ram mais com aqueles clientes que mais ne-cessitaram deles, ao passo que os clínicos

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inefetivos (inseguros) intervieram mais comaqueles pacientes que menos necessitaram desua ajuda (Dozier, Cue e Barnett, 1994, p. 798).

Já as introjeções mais positivas afetam ahabilidade do terapeuta em conectar-se emo-cionalmente com o cliente. Segundo Bowlby(1977), as crenças das crianças sobre se elassão merecedoras de cuidado e apoio de outraspessoas são carregadas até a idade adulta. Porisso, terapeutas com mais apoio social � ami-gos, membros da família, colegas � teriam maishabilidade na criação de relacionamentos ínti-mos com seus clientes logo no início da tera-pia. Alguns dados apontaram que o vínculocomponente da aliança foi previsto unicamen-te pela extensão e pela qualidade da rede so-cial do terapeuta, bem como por sua habilida-de em desenvolver relações próximas com ou-tras pessoas. Clientes cujos terapeutas repor-taram mais conforto com intimidade avaliaramo vínculo terapêutico mais favoravelmente(Dunkle e Friedlander, 1996).

Por outro lado, terapeutas que passarampor experiências negativas de apego são os que,muito provavelmente, mostrarão os mais altosníveis de hostilidade em relação aos seus cli-entes (Dunkle e Friedlander, 1996). Assim, taisprofissionais terão maior dificuldade do queaqueles que tiveram uma boa base de se torna-rem uma base segura para seus clientes (Dozier,Cue e Barnett, 1994). Conseqüentemente, apsicoterapia conduzida por esse profissionalterá maiores chances de se tornar inefetiva,marcada por uma aliança pobre, caracteriza-da por altos níveis de hostilidade sutil, expla-nações muito complexas e complementarida-de negativa (Horvath e Greenberg, 1994). Umavez que esses profissionais são clínicosinseguramente apegados, ao responderem às es-tratégias dos clientes, acabam mantendo o ci-clo interpessoal disfuncional, pois as expecta-tivas negativas dos clientes serão sempre su-pridas, validando suas interações desadap-tativas passadas (Safran e Segal, 1991; Safran,1998b).

Todavia, tais considerações não se limi-tam somente ao modelo de apego do clínico,mas também às conseqüências práticas para osplanos de tratamento. Assim, se o terapeuta émuito crítico, estabelecendo excessivas deman-

das para mudança, agindo descuidadamenteem relação às dificuldades que o cliente estejaexperimentando, muito provavelmente esteatribuirá características situacionais negativasao seu terapeuta e à interação como um todo,o que na realidade pode estar ocorrendo defato. Assim, a organização do apego do clínicoestá relacionada diretamente à intensidade e àqualidade de suas intervenções (Dozier, Cue eBarnett, 1994).

Como o clínico não possui um limiar ra-zoável de ativação de seus sistemas de apego,não estará tão sensibilizado às questões debusca de apoio e de segurança. �Se os clientesacreditam, indiferente à exatidão dessa cren-ça, que o terapeuta não está agindo em seusmelhores interesses, transformações pró-tera-pia serão menos prováveis de ocorrer e os clien-tes se comportarão de acordo com como per-cebem seus próprios resultados� (Dolce eThompson, 1989, p. 120).

Da mesma forma, certos processos simi-lares de transformação advindos da terapiatambém ocorrerão a partir da perspectiva doclínico. O terapeuta observará intimamente ocomportamento do cliente, fazendo avaliaçõesde suas características disposicionais, as quais,por sua vez, influenciarão a maneira como oterapeuta procederá em relação ao andamentoda terapia. Ou seja, um cliente não tão moti-vado (ou concordante) será percebido comonão-propenso ou até mesmo pronto para amudança, induzindo o terapeuta a dedicarmenor grau de esforço no sentido de atingircompletamente o problema apresentado(Dolce e Thompson, 1989). Portanto, talvezo cliente não coopere em função de não estarsentindo-se acolhido e respeitado, e não ape-nas por ser �resistente�, como exaustivamen-te apontado na literatura. Assim, o resultadofinal da terapia pode ser considerado, em ge-ral, altamente interdependente quanto à re-lação estabelecida entre o cliente e o terapeu-ta. Esse cenário ilustra que o padrão de inte-ração pode flutuar e, ao mesmo tempo, ofe-rece valiosas perspectivas de progressos dotratamento como um todo.

Muito embora a literatura defenda a idéiade haver uma postura universal com todos osclientes, acreditamos que o terapeuta mais ex-

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periente acesse e observe uma variedade decomportamentos do cliente e procure ajustarseus próprios estilos durante a terapia comoum todo. Segundo Dolan, Arnkoff e Glass(1993), o grau ideal de comparação ou com-plementação entre terapeuta e cliente pode serdiferente nos primeiros estágios da terapia,quando a criação de uma aliança terapêutica éa tarefa essencial do clínico. �Ser um bom ou-vinte, ter interesse e respeito são importantesingredientes para a terapia com todos os clien-tes. Mas, porque os clientes variam em seusestilos interpessoais, os terapeutas deveriamajustar seu próprio estilo para servir às neces-sidades do cliente� (Dolan, Arnkoff e Glass,1993, p. 411). Portanto, são necessários estu-dos futuros para guiar os terapeutas sobre comomelhor fornecer as condições facilitadoras ne-cessárias para ajudar os clientes no processode mudança, ou seja, ajudá-los a remediar seusdéficits em suas habilidades sociais e, indo umpouco mais além, determinar se esse trabalhopode ser feito, com quem e sob quais condi-ções seria melhor realizado.

As pessoas são fortemente influenciadaspelos modelos de trabalho dos outros (porexemplo, expectativas sobre se é provável queos outros forneçam conforto e cuidado se soli-citado); por isso, o apoio social disponível epercebido pode depender da postura adotadapelos clínicos no trato com seus clientes. Logo,as reações dos clientes com suas próprias emo-ções são significativamente influenciadas pe-los níveis de consciência e conforto estabeleci-do com seus terapeutas e sua própria emocio-nalidade (Mahoney, no prelo).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Lazarus (1993, p. 405), um te-rapeuta genuinamente efetivo, para valorizara concordância do tratamento e compensar aspossíveis resistências, precisaria demostrar umaampla variedade de técnicas à sua disposição(isto é, procurar desenvolver um ecletismo téc-nico) e um repertório flexível de estilos de re-lacionamento e posturas para adaptar as dife-rentes necessidades e expectativas dos clien-tes. Isso poderia incluir vários aspectos, mas

também abrangeria questões como o nível deformalidade ou informalidade a ser adotadofrente ao cliente; o grau no qual revelar infor-mações pessoais; a extensão na qual introdu-zir diferentes tópicos da conversação e, no ge-ral, quando e como ser diretivo, apoiador oumesmo reflexivo.

A respeito de nossos relacionamentos, oprincípio complementar torna-se muito maispresente do que o princípio da similaridade,que guia e direciona nossa relação em psicote-rapia. Talvez a escolha dos pacientes em rela-ção aos nossos serviços seja muito mais umaopção por um terapeuta complementar ao seuestilo de apego do que por um profissional queseja similar aos seus padrões de relação.

Nesse sentido, se o clínico não atentarpara essas silenciosas e sutis negociações, pro-vavelmente as expectativas do cliente não se-rão tão satisfeitas, favorecendo a criação de umambiente desconfortável durante o processo deajuda. Os resultados de várias pesquisas suge-rem que, para que sejam obtidos bons resulta-dos no tratamento, a pessoa do terapeuta é tãoimportante quanto a pessoa do cliente. Algunsestudos têm mostrado um relacionamento sis-temático entre a reação pessoal do terapeutacom o cliente, a qualidade de sua comunica-ção, as impressões diagnósticas e os planos detratamento. Reações negativas do cliente ten-dem a ser associadas a comunicações não-empáticas e a julgamentos clínicos desfavorá-veis (Henry e Strupp, 1994).

Acreditamos ser extremamente importan-te que nós, profissionais, possamos desenvol-ver um entendimento mais amplo sobre fato-res considerados inespecíficos na psicoterapia,assim como sobre nossos próprios sistemas deapego e também os de nossos clientes. Mesmoque isso possa ser, à primeira vista, de difícilapreensão, uma boa idéia seria tentar desen-volver uma postura mais flexível para que pu-déssemos, com maior habilidade, adaptarmo-nos aos estilos de apego dos clientes, em vezde esperar inocentemente o oposto.

Para que seja evidenciada a força dessaspremissas em um questionário medindo a for-ça da aliança e do papel do terapeuta, fatoresdescritos como �extremamente importantes�e �muito importantes� por no mínimo 70% de

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pacientes que apontaram seus tratamentos co-mo bem-sucedidos em, pelo menos, duas di-ferentes abordagens terapêuticas (Raue eGoldfried, 1994, p. 139), incluíram:

� a personalidade do terapeuta;� ser ajudado pelo terapeuta a enten-

der seus próprios problemas;� ser encorajado pelo clínico a enfren-

tar gradualmente os fatos que o inco-modavam;

� ser capaz de falar a uma pessoa que osentendia;

� ter alguém que os ajudasse a se en-tender.

Contrário ao que costumávamos apren-der enquanto graduandos, os clínicos não sãopessoas neutras ou imparciais. Portanto, qual-quer definição mais ampla do processo tera-pêutico deve incluir os estilos pessoais do tera-peuta e suas interferências para o processo deajuda. Por um lado, o tratamento terapêuticopode ser benéfico ao cliente, pois ele experien-ciaria um relacionamento que é qualitativa-mente diferente dos relacionamentos viven-ciados na infância, contribuindo para transfor-mar padrões interpessoais mal-adaptativos(Bowlby, 1977; Safran, 1998b; Henry e Strupp,1994). Por outro lado, o processo de ajuda tam-bém pode revelar-se bom para o terapeuta por-que oferece uma base em que o profissionaltambém pode, progressivamente, experienciarnovas formas de vínculos e suas eventuais con-seqüências. As últimas, por sua vez, ampliamos modelos internos do terapeuta e alargam oshorizontes de suas experiências pessoais (mui-to semelhante ao que ocorre nos pacientes).Nesse sentido, é inevitável que tanto os clíni-cos quanto os pacientes deixem a terapia comalgumas estruturas de significados razoavel-mente alteradas. Isso pode ser facilmente veri-ficado, uma vez que o terapeuta vai passandopelos testes e pelas �avaliações� realizadas pelocliente, tornando-se (ou não) uma valiosa fon-te de informação.1

Um terapeuta genuíno reconhece a intersub-jetividade da experiência humana. Isso signi-

fica que, dentre outras coisas, sempre existem�convidados especiais� no consultório. Osclientes sempre trazem com eles seus �outrossignificativos� e o mesmo é verdadeiro paranós como terapeutas. Nossos pais, famílias,amigos, inimigos e professores estão todos lá.Contudo, nós raramente temos consciência desuas presenças e, é claro, isso é adaptativo.Mas também significa que o consultório e orelacionamento terapêutico estão fortementepovoados por memórias, antecipações e per-sonagens do presente cujas maneiras de rela-cionar-se conosco são inegavelmente podero-sos ao influenciar como nos relacionamos comas outras pessoas.

(Mahoney, no prelo)

Tanto o terapeuta quanto o cliente contri-buem para o processo interpessoal (Baringoltz,1998), carregando com eles suas próprias his-tórias, suas crenças e suas emoções � cada umtentando encaixar essa nova situação às suasexperiências anteriores, cada um tentando �atra-ir� o outro para seu papel complementar.

Dessa forma, a vida dos terapeutas e avida de seus pacientes não estão separadas; naverdade, elas estão conectadas. Muitas vezes,os psicoterapeutas fazem uma diferença signi-ficativa na vida de seus clientes, assim comomuitos pacientes fazem alguma diferença navida de nós, terapeutas (apesar disso ser rara-mente assumido). Assim, os clientes não sãoos únicos que mudam na psicoterapia. Osterapeutas também mudam através do seu tra-balho. Não se pode estar inconsciente � dei-xando o envolvimento emocional de lado � deque vivemos muitas vidas e que pessoalmentesomos muito afetados por elas. Por isso, tam-bém nos beneficiamos das histórias de nossospacientes e também nos traumatizamos commemórias que se tornam permanentes e par-tes de nós para o resto de nossas vidas(Mahoney, no prelo).

Essa deveria ser uma das mensagens maisbásicas para todos que se consideram �cuida-dores� em geral. Não se pode estar profunda-mente comprometido (em qualquer profissãoque seja) sem que sejamos profundamente to-cados por ela. Encerramos com a citação deApollo, lembrada por Mahoney (no prelo):

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Todos os fechamentos são aberturas. Todos osfinais são inícios. Tudo depende de nossa pers-pectiva e de nossa posição que nunca são asmesmas. Alguém que nos toca profundamen-te � para melhor ou pior � nunca nos deixacompletamente. Carregamos esse alguém emnosso coração, assim como ele nos carrega noseu. Espaço e tempo não importam. Tempo eespaço nos fornecem as únicas oportunidadesque conhecemos de nos sentirmos vivos. Se-jamos gratos por qualquer vislumbre com oqual somos agraciados. Sejamos sempre gra-tos... você gostaria de dançar?

NOTA

1. Nota-se isso quando os clientes afirmam falar�mentalmente� com seus terapeutas em situa-ções de dificuldade ou de tensão, o que indicao estabelecimento de uma boa e confiante ali-ança de trabalho. No que diz respeito ao outrolado, o do terapeuta, muitas vezes podemosobservá-los mentalmente ensaiando algumasfalas com aqueles clientes mais �resistentes�ou �difíceis�, em uma tentativa de encontrar amelhor maneira de serem eficazes e mais �com-preendidos�.

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