universidade candido mendes -ucam projeto a vez … filedireito eclesiástico de marnoco e sousa,...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES -UCAM
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
DIREITO EMPRESARIAL E DOS NEGÓCIOS
SISTEMA JURÍDICO DAS PESSOAS JURÍDICAS
DE CARÁTER ECLESIÁSTICO
Orientador: Prof. Francis Rajzman
Aluno: Alan Pereira da Silva
Turma: K139
RIO DE JANEIRO, AGOSTO DE 2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES -UCAM
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
SISTEMA JURÍDICO DAS PESSOAS JURÍDICAS
DE CARÁTER ECLESIÁSTICO
Apresentação de monografia ao
Instituto a Vez do Mestre como
requisito necessário para a Pós-
Graduação “latu sensu” em Direito
Empresarial e dos Negócios.
RIO DE JANEIRO, AGOSTO DE 2009
3
AGRADECIMENTOS
....ao grande organizador da vida e de
toda existência - o Deus dos céus, aos
amigos, parentes, e a esta instituição
pela oportunidade que nos oferece.
4
DEDICATÓRIA
.....dedica-se in memoriam de Elber, meu
irmão e Josias, meu avó, que já
participam do outro lado da nossa
eternidade; meus pais Sebastião e Marli;
a minha esposa Janaina; meus filhos Alan
e Pedro; minhas irmãs Girlane e Josiane,
pessoas que marcaram e marcam
profundamente minha vida.
5
RESUMO
Ao longo das duas últimas décadas, sobretudo, a partir da vigência da
Constituição de 1988, as entidades eclesiásticas, denominadas por instituições
religiosas ou “Igrejas”, vem abrindo campo nos mais variados seguimentos da
sociedade, algumas, apresentando características que guardam semelhança
com seguimentos empresariais.
Este fato, já observável, como não poderia ser diferente, estimula o
ambiente jurídico à disciplinar às questões que envolvem o funcionamento
dessas instituições.
Daí emerge a relevância deste trabalho, justamente para contribuir no
aperfeiçoamento cognitivo do tema, oferecendo um compêndio das que
normas tabulam as atividades eclesiásticas, mormente, aquelas de
características protestantes instituídas em nosso País.
A pesquisa justifica-se também, porque pretende apresentar análise do
sistema jurídico eclesiásticos, em todos os seguimentos do direito, caso
existente, propondo sugestões no âmbito da realidade proposta.
O autor disporá da leitura de várias obras que versam especificamente
sobre o tema, mormente, Constituição Federal de 1998, Código Civil de 2002,
Demais Normas Gerais, Regulamentos, Decisões Judiciais, Doutrinas e outras
fontes que se fizerem necessárias.
6
METODOLOGIA
Os métodos utilizados para apresentar o problema proposto partem
primeiramente de uma observação do crescimento das instituições religiosas
de seguimento protestante, portanto, situações fáticas que devem ser
analisadas em sua validação prática quanto fenomenologia jurídica que a
disciplina.
Superada esta fase, o autor dispôs da leitura de várias obras que
versam especificamente sobre o tema, com destaque para as seguintes, a
Igrejas na Mira da Lei der Cícero Duarte, A Igreja e o Novo Código Civil de
David Tavares Duarte, Direito Eclesiástico de Alexandre Henrique Gruszynski,
Direito Eclesiástico de Marnoco e Sousa, renomados doutrinadores e juristas,
além da pesquisa a livros de apoio, revistas, matérias editadas em revista e
sites da Internet, jurisprudências, tudo com o objetivo de dar fundamentação à
proposta apresentada. Grande para do material utilizado faz parte da biblioteca
pessoal do autor.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Pessoas Jurídicas de Caráter Eclesiástico e a
Constituição Federal de 1988 16
CAPÍTULO II - A Igreja e o Código Civil 38
CAPÍTULO III – A Igreja e a Lei Penal 57
CAPÍTULO IV – A Igreja e a Lei Trabalhista 60
CONCLUSÃO 68
BIBLIOGRAFIA 69
ÍNDICE 73
FOLHA DE AVALIAÇÃO 75
8
INTRODUÇÃO
É importante fazer-se uma nota preliminar para que se desenvolva este
estudo, qual seja, chamar a atenção para a laicidade instituída pela República
Federativa do Brasil - inciso I do artigo 19 da Magna Carta, embora, ao meu
ver, apresenta um sugestivo conflito com o preâmbulo inserto na carta maior.
Dizem os dispositivos citados:1
Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-
los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles
ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;
Preâmbulo da Constituição Federal de 1988:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Grifos nosso.
1 OLIVEIRA, Cláudio Brandão. Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.
9 A análise do fenômeno da relação Estado/Igreja, remonta-nos aos mais
remotos tempos da civilização, como por exemplo, a cultura do antigo Egito, os
impérios antigos, aos códigos, de Hamurabi2, a Lei das 12 tábuas3 e ao próprio
Decálogo4 ou 10 mandamentos. É inconteste a influência da Igreja nos tempos
medievais. Contudo, a limitação deste estudo não torna possível sintetizar essa
evolução mundial em poucas páginas, mesmo porque o enfoque não pertence,
neste momento, ao objeto desta pesquisa.
Estado laico é Estado leigo, neutro. Como ensina De Plácido e Silva:
“[...] LAICO. Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de
secular, em oposição do de bispo, ou religioso.” (SILVA, 1997, p. 45). O termo
laico nos remete à idéia de neutralidade, indiferença entre relação, Estado e
Religião ou Igreja. Nos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos, pode significar
que:
A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão
muito importante no seu relacionamento com o Estado.
Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O
Brasil enquadra-se inequivocadamente neste último
desde o advento da República, com a edição do
Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a
separação entre a Igreja e o Estado.
2 O Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis já encontrados, e um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento da antiga Mesopotâmia. Segundo os cálculos, estima-se que tenha sido elaborado por Hamurabi por volta de 1700 a.C.. In, Wikipédia, A Enciclopédia livre. Acessado no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Hamurabi , em 07 de Junho de 2009. 3 A Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta). In, Wikipédia, A Enciclopédia livre. Acessado no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas , em 07 de Junho de 2009. 4 Os Dez Mandamentos ou o Decálogo é o nome dado ao conjunto de leis que segundo a Bíblia, teriam sido originalmente escritos por Deus em tábuas de pedra e entregues ao profeta Moisés (as Tábuas da Lei). In, Wikipédia, A Enciclopédia livre. Acessado no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dez_Mandamentos , em 07 de Junho de 2009.
10 O Estado brasileiro tornou-se desde então laico. (...) Isto
significa que ele se mantém indiferente às diversas
igrejas que podem livremente constituir-se (...).5
É histórica a aproximação entre Estado e Igreja. Por diversas
oportunidades os dois confundiram-se, notadamente, desde as mais antigas
civilizações. O Estado Brasileiro não foi uma exceção a este fenômeno, que se
diga, já em sua descoberta foi denominado, Terra de Santa Cruz, segundo
nome dado ao Brasil pelos portugueses, após o seu descobrimento por Pedro
Álvares Cabral, com o objetivo de refletir o sentido da propagação da fé.
A Constituição Brasileira de 1824 consagrava a religião católica como a
oficial do Império, que perdurou até o início de 1891, quando promulgada
primeira Constituição da República. Neste sentido, a Constituição de 1924 no
artigo 5º, citada por Alexandre de Moraes (2004, p. 215) discorria: [...] religião
Catholica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as
outras Religiões são permitidas com seu culto doméstico ou particular, em
casas para isso destinadas, sem forma exterior de templo.
Pinto Ferreira (2000, p. 254) fala da presença da Igreja Católica na
ocasião do Império de Dom Pedro II, quando nos lembra que a Constituição de
1824 só admitia a elegibilidade para o Congresso às pessoas professas no
catolicismo.
Instituída a Constituição da Republica em 1891, o Brasil posiciona-se
como um Estado laico e consagra liberdade de crença e cultos religiosos.
5 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 178
11 Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à segurança individual
e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas
podem exercer pública e livremente o seu culto,
associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observadas as disposições do direito comum.6 Grifos
nosso.
A Constituição de 1934, em seu artigo 113, item 5º, dispõe que as
associações religiosas adquirirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.
Então, estes princípios se perpetuaram nas Constituições posteriores até a
vigente. Desta sorte, após a consolidação da República, o Brasil em momento
algum deixou de ser um Estado laico, ao menos na teoria expressada nas
Constituições da Republica Brasileira.
Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à
segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes: [...]
4) Por motivo de convicções filosófica, políticas ou
religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus
direitos, salvo o caso do art. 111, letra b .
5) É inviolável a liberdade de consciência e de crença e
garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que
não contravenham à ordem pública e aos bons costume.
12 As associações religiosas adquirem personalidade
jurídica nos termos da lei civil.7 Grifos nosso.
A atual carta magna em seu preâmbulo - enunciado prefixo ao texto
constitucional, menciona [...] promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Pinto Ferreira, discorre que [...] o preâmbulo é uma parte introdutória
que reflete ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder
constituinte.8 Nas Constituições brasileiras de 1891 e 1937 não se encontra no
texto de seus preâmbulos, a invocação da proteção de Deus.
João Barbalho ensina que [...] O preâmbulo enuncia por quem, em
virtude de que autoridade e para que fim foi estabelecida tal Constituição. Não
é uma peça inútil ou de mero ornato na construção dela: mas simples palavras
que constituem, resumem e proclamam o pensamento primordial e os intuitos
dos que o arquitetam.9
Em outro sentido, a referência ao Estado Democrático está inserida no
artigo 1º da Constituição atual, notadamente, em suas disposições que
disciplina o exercício dos direitos sociais e individuais, a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, o pluralismo político.
6 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 24 de fevereiro de 1891). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acessado em 03/07/2009. 7 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 16 de julho de 1934). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm. Acessado em 03/07/2009. 8 FERREIRA, Op. cit., p. 03 9 BARBALHO, 1924, p. 03 apud FERREIRA, 1989, p.03.
13 A solidariedade e harmonia social formam arcabouços e explicitadas
nos artigos 3º e 4º da atual Constituição, apontam para a construção de uma
sociedade fraterna e livre de preconceitos e disposta à solução pacífica de
quaisquer controvérsias. E esta moldura de solidariedade e harmonia detém a
proteção denominada como cláusula pétrea, artigo 60, § 4º, I, que menciona
que: [...] Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: I - a forma federativa de Estado;
Se repararmos mais minuciosamente, o ponto do Preâmbulo constitucional
que faz referencia a Deus é o único não reforçado pelo conteúdo constitucional
propriamente dito, a saber, seus artigos, cláusulas e garantias. Além de não
referendado, o artigo 19, I mostra disposição aparentemente conflitante ao
determinar que é:
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a
colaboração de interesse público;
Neste corolário leciona Pontes de Miranda:
[...] estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo:
criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer
postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar
está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens
de entidade estatal, para que se exerça a atividade
religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou
dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou
material dos atos religiosos". 10
10 MIRANDA apud SILVA, J., 2000, p. 253 e 254
14 Portanto, pode-se compreender que o artigo 19, I da Constituição
Federal de 1988, apesar de aparente conflito ante ao preâmbulo constitucional,
o citado artigo, bem como os demais textos constitucionais, se sobrepõem, a
menção preambular "sob a proteção de Deus", por pertencer aos constituintes
e seu caráter ter meramente subjetivo, não alterando assim, a forma laica
constituída pela República brasileira.
Então, nossa atual constituição quando aduz em sua parte introdutória esta
invocação que, se acompanharmos o pensamento de Pinto Ferreira, [...] reflete
ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder constituinte
[...]11 , e não um princípio de tutela religiosa especifica a ponto de afastar a
neutralidade do Estado no que diz respeito ao posicionamento religioso,
valendo assim, sem sobra de dúvidas, a inviolabilidade de consciência e
crença inerentes ao ser humano, por ser a pessoa humana aquela que pode
ou não acreditar em um ser divino e não o Estado.
Como afirma com exatidão o Dr. Roberto Arriada Lorea: [...] O Brasil é
um país laico e a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada
por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado. 12
Em vista do exposto, assim como a constituição vigente aborda a
neutralidade do Estado quanto à liberdade religiosa, também apresenta
diretrizes que principiam a normatização dessas instituições resguardando
seus seguidores em suas manifestações de fé, na forma disciplinada em lei.
Devido estas causas, faz-se então relevante um estudo orientado aos
diversos seguimentos do direito, na tentativa de esclarecer e consolidaras
disposições que normatizam tais instituições, em nosso caso, as instituições
de predominância protestante.
11 FERREIRA, Op. cit. 12 LOREA, Roberto Arriada. O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005. Tendências/Debates, p.03.
15
Sendo este trabalho realizado com grande restrição de tempo em seu
desenvolvimento, optou-se apresentar somente uma dissertação especifica,
devido à atenção para o tratamento do assunto. No primeiro capítulo se fará
uma abordagem mais ampla por tratar das Normas Constitucionais que
emolduram o assunto e nos demais, de maneira mais sintética, serão
elencados os dispositivos infraconstitucionais que disciplinam direta ou
indiretamente o tema.
16
CAPÍTULO I
PESSOAS JURÍDICAS DE CARÁTER ECLESIÁSTICO
E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
1.1 – A Liberdade Religiosa
A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º, consagra o
princípio da isonomia, qual seja, a igualdade perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. O inciso VI do artigo 5º estabelece a liberdade de cultos
religiosos. Pela análise de tais dispositivos, conclui-se com clareza que a
qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro residente no País, é assegurado
sem distinção, de qualquer natureza, dentre outros, o direito [...] inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;13
A liberdade religiosa tem um conteúdo complexo que não compreende
apenas o direito individual, mas abrange direitos coletivos, quando se refere
aos grupos religiosos. Por conseqüência, tem uma dimensão social, por isto
reclama o reconhecimento de direitos não só do indivíduo, mas também, da
Igreja e da coletividade religiosa, nas quais se vivenciam e são praticadas as
convicções pessoais.
A respeito disto disserta Robert Jacques:
A liberdade religiosa é, em primeiro lugar, uma liberdade
‘individual’ dado que consiste, para o indivíduo, em dar ou
não a sua adesão intelectual a uma religião, escolhendo-
a, ou rejeitando-a livremente. [...] Mas é também uma
liberdade ‘coletiva’ no sentido de que não se esgotando
17 na fé ou na crença, dá, necessariamente, origem a uma
‘prática’ cujo livre exercício deve ser garantido14.
Nesta mesma linha Ramón Soriano, que é citado por Iso Chaitz
Scherkerkewitz, conceitua liberdade religiosa como:
[...] o princípio jurídico fundamental que regula as
relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o
direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a
sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas,
sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em
matéria religiosa apenas coadjuvantes e solidários do
princípio básico da liberdade religiosa.15
A liberdade religiosa pesada como direito fundamental, abrange
conforme diz João Tello Magalhães Collaço: [...] o conjunto de regras jurídicas
que asseguram a todos os indivíduos não só a possibilidade de conformar a
sua atitude e ações com o seu pensamento sobre religião, mas ainda, e a
despeito de diferenças neste, o gozo igual de todos os direitos civis e
políticos.16
Destaca-se desta maneira o conceito de que o indivíduo não poderá
ter seus direitos civis e políticos restringidos em razão de sua fé. E este é o
objetivo do texto constitucional se criar o instituto da inviolabilidade de
consciência de consciência e de crença.
Nesse mesmo sentido o constitucionalista José Afonso da Silva
pondera que na liberdade de crença está compreendida:
13 Artigo 5º, VI da CRFB de 1988. 14 JACQUES, Robert. A liberdade religiosa. Consciência e Liberdade. nº 15, Lisboa: 2003. p. 84 15SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 2.
18 [... ] a liberdade de escolha da religião, a liberdade de
aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou direito)
de mudar de religião, mas também compreende a
liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a
liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de
exprimir agnosticismo.17
E isto importa para proteger o individuo, instituição ou coletividade que
tenha crenças religiosas diferentes, sejam impedidos de usufruir direitos
relativo a suas crenças. Neste sentido vale a pena lembrar as inspiradoras
palavras de Rui Barbosa:
Onde há liberdade religiosa como na Constituição
brasileira e na americana, não há, nem pode haver,
questão religiosa. A liberdade e a Religião são sociais,
não inimigas. Não há religião sem liberdade. Nasci na
crença de que o mundo não é só matéria e movimento, os
fatos morais não são um mero produto humano. O estudo
e o tempo me convenceram que as leis do Cosmos sejam
incompatíveis com uma causa suprema, de que todas as
coisas dependem.18
Vale ainda destacar que, entre os diversos conceitos de liberdade
religiosa é relevante o contido na Declaração Dignitatis Humanae sobre a
Liberdade Religiosa, do Papa Paulo VI, em 7 de dezembro de 1965 - do
Concilio Vaticano II:
16COLLAÇO, João Tello Magalhães apud ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002, p. 409. 17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev e atual até emenda constitucional nº 31. São Paulo, Malheiros: 2001. p. 252. 18BARBOSA, Rui apud SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns apontamentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005.
19 A pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta
liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem
estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer
dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de
tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado
a agir contra a própria consciência, nem impedido de
proceder segundo a mesma, em privado e em público, só
ou associado com outros, dentro dos devidos limites.
Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se
funda realmente na própria dignidade da pessoa humana,
como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão
a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade
religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal
modo reconhecido que se torne um direito civil.19
Orientado pelas diversas definições de liberdade religiosa, e em
especial desta última, que provém da própria Igreja Católica, algumas
características devem ser sobressaltadas:
1. A primeira é que a liberdade religiosa, direito fundamental, deve ser
garantida a todo homem, sem exceção;
2. Segundo, o conteúdo e objeto desse direito é a inexistência de qualquer
tipo de coação, seja por parte de indivíduos, grupos e poderes públicos;
3. A terceira é que, a inexistência de coação mencionada se refere à
consciência, culto, organização, expressão;
4. A quarta é que a liberdade religiosa tem seu fundamento na dignidade
da pessoa humana;
5. A quinta, é um direito reconhecido internacionalmente, portanto, deve
ser positivado e posto a termo nas legislações de todos os países;
19 PAULO VI, Papa. Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa. Concílio Vaticano II. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_196512 07_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 1 ago. 2009. p. 3. 51
20 6. Sexta, a liberdade religiosa assim como os demais direitos
fundamentais, é um direito que velado pela lei, a fim de limitar seus
possíveis excessos;
7. A sétima é que a liberdade religiosa deve garantir ao indivíduo o direito
de se auto-determinar no momento em que escolhe sua crença, sem
que seja privação de demais direitos civis e políticos concedidos aos
demais cidadãos.
Uma conseqüência ao princípio da liberdade religiosa será o direito à
liberdade de culto. A liberdade de culto tem proteção corolária a liberdade
religiosa. No caso das crenças religiosas uma das formas de projeção dessa
liberdade religiosa se dá através do culto à divindade.
A liberdade é tão extensiva que até o artigo 217 do Código de Processo
Civil, depreende: [...] Não se fará, porém a citação, salvo para evitar o
perecimento do direito: I – a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto
religioso [...].
Celso Ribeiro Bastos e Samantha Meyer-Pflug, apontam as seguintes
considerações:
A liberdade religiosa, como de resto acontece com todas
as demais liberdades de pensamento, não se contenta
com a sua dimensão espiritual, é dizer, enquanto
realidade ínsita à alma do indivíduo. Ela vai
necessariamente buscar uma externação, que, por sua
vez, demanda um aparato, um ritual, uma solenidade, que
a manifestação do pensamento por si só não requer.20
20 BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha, op. cit., p. 109.
21 Conclui-se que a crença religiosa exige a exteriorização por meio de
algum tipo de ritual, culto à divindade. José Cretella Júnior pondera afirmando
que [...] na realidade, não há religião sem culto, porque as crenças não
constituem, por si mesmo, uma religião. Se não existe culto ou ritual
correspondente à crença, pode haver posição contemplativa, filosófica, jamais
religião. 21
E culto como orienta Dirley da Cunha Júnior, [...] é ato de
veneração ou de homenagem que se presta a uma divindade em qualquer
religião; corresponde aos rituais, às cerimônias e às manifestações na diretriz
indicada pela religião, compreendendo a liberdade de orar e de pregar.22
Pode-se depreender da exposição que os atos próprios de
manifestações exteriores da crença – o culto, não se restringem àqueles
realizados dentro de templos ou igrejas. O ato de culto ou adoração à
divindade se refere àquilo que o indivíduo diz, pratica ou deixa de praticar para
agradar o seu deus. Portanto os rituais, as crenças, atividades rituais,
fidelidade em devolução de dízimos, contribuição pessoais para o bem-estar
de seus semelhantes, reverência diante de imagens, guarda de dias, restrições
na alimentação etc. são exemplos de atos de culto ou adoração.
Para que se garanta esta liberdade de crença e seus corolários, se
torna necessário à positivação do direito da liberdade religiosa. Esta liberdade
vai se referir em termos amplos à possibilidade de criação, organização,
estrutura de igrejas, bem como sua forma de se relacionar com o Estado
democrático de direito e é exatamente esta a proposta inserida no Artigo 5º, VI
da CRFB de 1988.
21 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, v. I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 219.
22 1.2 – O Direito à Objeção de Consciência
Diz o inciso VIII do Artigo 5º da Constituição: [...] ninguém será privado
de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
A objeção ou escusa quase sempre são abordadas apenas
superficialmente nos livros e manuais de Direito Constitucional. Apesar da
objeção de consciência estar relacionada com a liberdade de crença e
consciência, via de regra se resume à recusa à prestação do serviço
militar.Celso Ribeiro Bastos chega a depor que [...] dificilmente se concretizará
em outras situações senão aquelas relacionadas com os deveres marciais do
cidadão.23
No entanto, existem outras situações no seio da sociedade que
estariam protegidas pela objeção de consciência como, por exemplo, a recusa
em participar de aulas práticas em cursos de ciências biológicas que utilizem
animais como cobaias ou a recusa de efetuar atividades seculares em dias
considerados sagrados ou de descanso, como é o caso dos guardadores do
sábado. Alexandre de Moraes deixa isso bem claro ao declarar:
Importante ressaltar que a escusa de consciência se
aplica às obrigações de forma genérica, e não somente
ao serviço militar obrigatório, como bem lembra Jorge
Miranda, ao afirmar que "é garantido o direito à objecção
de consciência nos termos da lei (art. 41, nº 6), e não se
confinando a objecção ao serviço militar, pois pode
abranger quaisquer adstrições colectivas que contendam
com as crenças e convicções".177
22 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 651. 54 23 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, v. II, 2. ed., atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 61.
23
Apenas recentemente a objeção de consciência foi consagrada como
direito do cidadão, muito embora a História aponte acontecimentos que
mencionem a figura deste instituto. No livro conhecido como Escrituras
Sagradas – Bíblia, faz um relato de três hebreus24 (Ananias, Misael e Azarias),
que por imperativo de consciência, desobedeceram à ordem do rei da
Babilônia de se curvarem e adorarem uma estátua de ouro, sendo
imediatamente condenados à morte e lançados em uma fornalha acesa. A
conclusão deste episódio é que extraordinariamente eles, apesar de lançados
na fornalha não sofreram nenhum dano.
Em outra ocasião, após os medos-persas conquistarem o reino da
Babilônia, o rei Dario proibiu que durante trinta dias não se fizessem suplicas e
orações a qualquer dos deuses, sob pena daquele que desobedecesse a
ordem, ser lançado na cova dos leões. Um jovem chamado Daniel, também
por imperativo de consciência, não atendeu tal ordem e prostrou-se orando e
adorando o Deus dos hebreus. 25
Jostein Gaarder26 apresenta Sócrates, como um dos precursores da
filosofia e que deixou um exemplo de objeção por consciência ao preferir a
morte a abrir mão de suas convicções, posta a prova por conveniência do
Estado.
Os conceitos de objeção de consciência não sofrem grandes variações
na doutrina, ocorrendo grande similitude entre os conceitos. Dirley da Cunha
Júnior, sintetiza a materia ao afirmar que é um [...] direito individual que investe
a pessoa de recusar prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as
suas crenças ou convicções.27
24Bíblia Sagrada de Jerusalém – Livro de Daniel, capítulo 3. 25 Op. cit., In Livro de Daniel, capítulo 3. 26GAARDER, Jostein; O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 48. 27 CUNHA JUNIOR, Dirley da, op. cit. p. 652.
24 Sobre o tema, José Carlos Buzanello, evidencia que a objeção de consciência
é um tipo de direito de resistência, considerada como de baixa intensidade
política, isto é, uma espécie de negação parcial das leis por razão de grande
relevância moral. O autor afirma que [...] caracteriza-se por um teor de
consciência razoável, de pouca publicidade e de nenhuma agitação,
objetivando, no máximo, um tratamento alternativo ou mudanças da lei.28
Buzanello, reclama ainda que a objeção de consciência [...] reclama é
a não-ingerência do Estado em assuntos privativos da consciência individual,
que se confunde também com a dignidade humana, agora solidificada como
princípio constitucional. 29
Do explicitado, pode-se dizer que três elementos se destacam na
configuração da objeção de consciência: Uma norma jurídica ou administrativa
que obriga todos os cidadãos, podendo seu cumprimento ser recusado pelo
indivíduo; O fundamento do descumprimento tratar de convicção pessoal do
objetor por razão religiosa, moral ou política; E a não utilização da violência
na realização da escusa.
Então, negar este direito à objeção de consciência ou menosprezá-la
de maneira que se anule seu conteúdo é negar a própria liberdade de
consciência e de crença. Na obra “Uma Teoria da Justiça”, John Rawls,
escreve que o direito de objeção deve ter limite, contudo, tais limites devem ser
apenas os necessários para a própria proteção da liberdade. Ele afirma:
Aqueles que gostariam de negar a liberdade de
consciência não podem justificar sua posição pela
condenação do ceticismo em relação à filosofia e da
indiferença religiosa, nem pelo apelo aos interesses
sociais e questões de Estado. A limitação da liberdade só
28 BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Iuris, 2006. p. 174.
25 se justifica quando for necessária para a própria
liberdade, para impedir uma incursão contra a liberdade
que seria ainda pior.30
Desta maneira, se o indivíduo alega objeção de consciência diante de
uma obrigação a todos impostas e não tem seu pedido respeitado, pode-se
dizer que tal indivíduo não exerce plenamente sua religião sem prejuízos de
ser cerceado de algum outro direito. Ressalva-se aqueles casos em que a
objeção é flagrantemente atentatória à vida, principalmente nos casos em que
os pais a invocam com relação a direito de terceiro, como o exemplo da
transfusão de sangue para os Testemunhos de Jeová.
De outra sorte, o disposto no artigo 15 da Constituição afirma ao vedar
[...] a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
casos de: IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VII; É que a cassação de direitos políticos se
dará no caso da recusa à prestação da atividade alternativa como forma de
punição posterior. Registre-se aqui que se o indivíduo alegar motivo de
consciência para se eximir das obrigações impostas a todas as pessoas não
poderá recusar cumprir prestação alternativa, desde que esta esteja fixada em
lei, e segundo a doutrina, a lei aí referida, se trata de lei em sentido formal - a
lei ordinária.
Assim, em uma sociedade livre e democrática, onde deve prevalecer a
liberdade orientada por lei e, especificamente, a liberdade de crença, conforme
John Rawls, [..] o Estado não pode favorecer nenhuma religião específica e
não se pode vincular sanções ou incapacidades a nenhuma afiliação religiosa
ou ausência dela. Fica rejeitada a idéia de um Estado confessional.31
29 BUZANELLO, José Carlos, op. cit., p. 174. 30 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 233. 31 RAWLS, John, op. cit., p. 233.
26 1.3 – A Imunidade Tributária
Os princípios tributários expressos na Constituição de 1988, que dizem
respeito às imunidades tributárias, aparecem no cenário legislativo, como
forma de proteção ao contribuinte e de incentivo à determinas atividades. Se
de um lado, cria uma contenção do Estado em arrecadar e tributar para mais
recolher, de outro, objetiva o incentivo e proteção a ações importantes para a
sociedade.
No atual momento o estudo da imunidade tributária vem se mostrando
cada vez mais importante, porque as atividades desenvolvidas pelo chamado
Terceiro Setor, composto por segmentos da sociedade civil organizada que
objetivam o avanço da qualidade de vida humana, através da atuação das
Organizações Não-Governamentais - ONGs, Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público - OCIP, Organizações Sociais e, o nosso caso de estudo,
às Organizações Religiosas, vem se destacando no cenário pátrio.
Os denominados Templos de qualquer culto, compreendidos pelo
Código Civil de 2002 de Organizações Religiosas - inciso IV do artigo 44 da Lei
10.406/2002, exercem, historicamente, atividades de grande abrangência
social, mormente, nas áreas assistenciais, auxilio social, atuando, neste
aspecto, como ajudado do Estado, na luta dos problemas sociais existentes.
Portanto, é de vital importância que os poderes Constituídos,
proponham garantias constitucionais. Neste caso o Constituinte de 1988,
outorga imunidade aos Templos de Qualquer Culto, como corolário à liberdade
de crença e de culto e também pela importante colaboração que as instituições
religiosas prestam na atenuação dos padecimentos sociais pelos quais os
cidadãos passam, no caso da assistência os menos favorecidos, em termos
mais gerais aqueles que sofrem qualquer tipo de opressão e que, na fé,
conseguem encontrar respostas para suas aflições.
27 Na medida que o cidadão encontra resposta através destas
organizações, e consegue preencher seus vazios existência, sua dignidade
pode ser restaurada e correndo este evento, um dos princípios fundamentais,
qual seja, aquele inserto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de
1988, toma efeito. Então o Estado não poderia e não pode ficar silente às
organizações que de alguma forma corroboram com os objetivos da nossa
República.
É importante evidenciar que as imunidades não objetivam prestigiar um
ou outro ente ou órgão, ela visa sim à proteção e promoção, através de
fomentos específicos, determinados valores constitucionais expostos da Carta
Magna, o que vale dizer que não é meta do legislador privilegiar grupos ou
pessoas físicas ou jurídicas específicas, mas sim a proteção e a promoção de
valores considerados essenciais para a sociedade.
No que se refere às normas que conferem imunidade tributária, a
interpretação deve ser ampla, no sentido de comportar todas as modalidades
de hermenêutica, além dos princípios gerais contidos na Constituição Federal.
A norma imunizante deve ser aplicada de forma extensiva, e não de forma
restritiva conforme preconizado no artigo 111 do Código Tributário Nacional, ex
vi, vez que este dispositivo se aplica apenas aos casos de isenção e não de
imunidade.
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária
que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias
acessórias.
Esta compreensão nasce do fato de que na isenção ocorre uma
renúncia ao crédito tributário, com isso sua aplicação extensiva onera toda a
sociedade, que arcará com este ônus, enquanto que na imunidade, de forma
28 diferente, não ocorrerá qualquer renúncia, pois falta competência ao legislador
para instituir tributos, inexistindo, assim, prejuízo para a coletividade com o uso
da interpretação extensiva nesta hipótese.
Aliomar Baleeiro, define imunidade tributária como [...] uma exclusão da
competência tributar, proveniente da Constituição [...]32. Pontes de Miranda
considera imunidade tributária a [...] limitação constitucional à competência de
editar regras de imposição33.
Regina Helena Costa destaca a idéia de imunidade tributária como [...] uma
forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na
Constituição, de competência impositiva ou o poder de tributar, quando se
configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas no
Estatuto Supremo.34
Vale ainda a definição de Gustavo Tepedino que afirma que:
[...] ao conceder uma imunidade, a Constituição não está
concedendo um benefício, mas tutelando um valor
jurídico tido como fundamental para o Estado. Daí porque
a interpretação das alíneas do art. 150, VI, da
Constituição Federal de 1988 deve ser ampla e
teleológica, nunca restritiva e literal.35
Considerando as doutrinas expostas, podemos dizer que as regras
da imunidade tributária decorrem, explícita ou implicitamente, da Constituição
Federal e atuam diretamente na esfera de competência dos entes políticos.
32 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.226. 33 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1982, p. 510. 34 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001, p.35.
29
Alguns até defendem, interpretando precedentes do Supremo
Tribunal Federal, que tratam de cláusulas pétreas as imunidades tributárias
colocadas na Constituição Federal na
Seção II, intitulada Das Limitações ao Poder de Tributar, situada no Capítulo I,
denominado Do Sistema Tributário Nacional - Título VI, da Tributação e do
Orçamento. Estas são: as imunidades recíprocas (art. 150, VI, a, parágrafos 2º
e 3º) e as imunidades genéricas, estas subdivididas em imunidades subjetivas
(art. 150, VI, b, c e parágrafo 4º) e imunidades objetivas (art. 150, VI, d).
Para esta corrente, não são cláusulas pétreas somente as
imunidades específicas (art. 153, parágrafos 3º e 4º; art. 155, parágrafo 2º, X,
a, b, c, d; art. 156, parágrafo 2º, I; art. 149, parágrafo 2º, I; art. 184, parágrafo
5º; e art. 195, parágrafo 7º).
Embora alguns afirmem que a norma pende de regulamentação, a
imunidade dos templos de qualquer culto é norma auto-aplicável, por uma
questão de lógica constitucional, já que na imunidade o ente estatal não tem
poderes para instituir tributos, descabendo, assim, defender que este mesmo
ente detenha poderes para estabelecer requisitos regulamentadores da norma
imunizante. Assim, o legislador não pode estabelecer condições para que as
organizações religiosas gozem deste benefício.
Antônio Roberto Sampaio Dória apóia o entendimento:
Ora, as imunidades tributárias enquadram-se sempre na
primeira categorização. São auto-aplicáveis, plenamente
eficazes e insuscetíveis de restrições ou condições a que
a lei ordinária lhe vincule o exercício. Observou
35 TEPEDINO, Gustavo. Aspectos Polêmicos do Tratamento Fiscal Conferido aos Templos e às Entidades de Fins Religiosos. Revista da Procuradoria-Geral da República. N. 5,1994.
30 justamente Rubens Gomes de Souza que a imunidade
decorre diretamente de dispositivos constitucionais.36
É bom esclarecer que a mera exigência administrativa, como, por
exemplo, cadastramento da instituição religiosa perante o Poder Público, com
entrega de seus principais
documentos, não viola a norma constitucional que garante a imunidade. E
neste sentido, é oportuna a transcrição Prof. Bernardo Ribeiro de Moraes: A
Administração Pública Pode exigir do imune que ele comprove a sua condição
de imune. Então não seria uma regra propriamente tributária que estaria
agindo, mas sim uma regra puramente administrativa, o dever do administrado
de atender ao administrador.37
A conceituação de templo traz algumas divergências, das quais trago
duas correntes: a) a restritiva, que admite que a imunidade alcança somente o
local dedicado específica e exclusivamente ao culto religioso; e b) a liberal, que
sustenta que a imunidade abrange os ‘anexos’ do templo, isto é, todos os bens
vinculados à atividade religiosa, como os conventos, as casas paroquiais, as
residências dos religiosos etc., bem como os serviços religiosos em si, isto é,
os atos próprios de culto.
O mestre Sacha Calmon Navarro Coelho (2002, p. 151), posiciona-se na
linha restritiva, ensinando que o templo é o lugar destinado ao culto e hoje os
templos e todas as religiões são comumente edifícios. Nada impede, porém,
que o templo ande sobre barcos, caminhões e vagonetes, ou seja, em terreno
não edificado. Onde que se oficie um culto, aí é o templo.
Como o Estado é laico, as religiões devem ser respeitadas e protegidas,
salvo para evitar abusos. Quando ocorre a tributação objetiva-se evitar que sob
36 SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Imunidades Tributárias e Impostos de Incidência Plurifásica, não Cumulativa, in RDT n.5, p.171. 37 Ribeiro de Moraes, Bernardo. “Imunidades e Isenções como Instrumento de Extrafiscalidade”, in Elementos
31 a capa da fé se pratiquem atos de comércio, se tenha o objetivo de lucro ou
escuso, sem qualquer finalidade assistencial ou de crença. Para o Professor
Sacha Calmon, o templo é imune, não a ordem religiosa, pois esta pode até
gozar de isenção, quanto a seus bens, rendas e serviços, indústrias e
atividades, se caritativas, filantrópicas. Contudo, estes casos, tratam de
matéria de isenção e não imunidade, que dependerá de favor fiscal do
legislador infraconstitucional.
Por outro lado, Aliomar Baleeiro (2003, p. 226), que segue a linha liberal,
rejeitando a identificação entre templo e local de culto, para observar no templo
todo um conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto
religioso, ou a ele vinculados. Para ele, o templo de qualquer culto não é
apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito somente ao imposto
predial do Município, ou ao de transmissão inter vivos, se não existisse a
garantia imunizante prevista na Constituição Federal. Um edifício somente será
considerado templo se complementado pelas instalações ou pertenças
adequadas àquele fim ou se utilizado aquele espaço efetivamente no culto ou
prática religiosa.
Nessa direção, torna o vocábulo “templo” o próprio culto e tudo quanto
vincula o órgão à função, sendo difícil acreditar que o Fisco, em qualquer
âmbito, federal, estadual ou municipal, busque tributar as organizações
religiosas pelos paramentos e acessórios utilizados em suas atividades de
devoção, pois a imunidade dos “templos de qualquer culto” somente produzirá
os efeitos colimados pelo legislador constitucional almejados se for
interpretada de maneira ampla, generosa, sem diferenciações sutis nem
restrições mesquinhas.
Opino pela corrente mais liberal que enxerga no templo todo um
conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso,
ou a ele vinculados, pois analisada a questão empiricamente, não há como
de Direito Tributário, sob a coordenação de Geraldo Ataliba, Ed. RT, 1978, pp. 323 e 324.
32 afastar a idéia, numa visão histórica, de que toda a estrutura de qualquer
organização religiosa visa, ao fim e ao cabo, propiciar a manifestação da
crença professada.
Mas é necessário destacar e não negar que a realidade vem
demonstrando que algumas
religiões, principalmente nas últimas décadas, estão sendo utilizadas por
alguns líderes para seu enriquecimento pessoal, através do desvirtuamento da
garantia constitucional da imunidade. Esta tarefa cabe ao intérprete legal
examinar, à luz do caso concreto, a escrituração
contábil de cada religião para saber se aquele bem ou atividade são realmente
voltados ao exercício do culto religioso.
Na aplicação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, o
intérprete deve verificar, no caso, se a garantia constitucional está em
concordância com outros princípios expressos na Carta Magna, principalmente
da proporcionalidade e da isonomia, decorrendo daí a importância de se limitar
à aplicação de tal benefício somente às finalidades essenciais dos templos
(§4º, art. 150, CF), que conforme entendimento de Regina Helena Costa [...]
são aquelas inerentes à própria natureza da entidade – vale dizer, os
propósitos que conduziram à sua instituição.38
Marco Aurélio Greco, defende que:
[...] o § 4º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988
se preocupa de onde as rendas vêm. Assim, para fins de
aplicação do dispositivo constitucional, não importa a sua
aplicação (...), mas, sim, é preciso identificar se eles
38 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001, p.159.
33 foram gerados por atividades ligadas às suas finalidades
essenciais.39
Assim como demais entidades do chamado Terceiro Setor, dentre as
quais se inserem os templos de qualquer culto, em tese não objetiva o lucro,
uma vez que sua finalidade não é atuação no mercado, mas esforçam-se para
obter uma receita – de superávit, imprescindível à sua sobrevivência.
Mas é comum que as atividades ou operações que dão origem a estas
rendas geralmente não estão relacionadas com suas finalidades essenciais,
até porque o objetivo social das organizações religiosas, além do próprio
exercício do culto, envolve muitas vezes atividades assistenciais e de
promoção social, de forma que as propostas estatutárias de tais entes geram,
na grande maioria de casos, despesas, custos, e não receitas.
Assim se evidencia que a melhor interpretação do tema é aquela que
preconiza a amplitude da expressão rendas relacionadas com as atividades
essenciais, pois desde que as receitas sejam aplicadas na consecução dos
ideais estatutários dos templos religiosos, devem elas receber o cobertor da
norma imunizante, desde que adquiridas licitamente.
Toda a aferição deste procedimento, deve ser observada mediante
análise da escritura contábil pelos órgãos públicos competentes, cabendo à
instituição religiosa, comprovar que investe o superávit porventura existente no
cumprimento de seu objetivo social.
Neste sentido, temos que a imunidade dos templos de qualquer culto,
também denominados organizações religiosas é norma auto-aplicável, por uma
questão de lógica constitucional, pois na imunidade o ente estatal não tem
poderes para instituir tributos, descabendo, assim, defender que este mesmo
ente detenha poderes para estabelecer requisitos
39 Greco, Marco Aurélio. Imunidade Tributária, São Paulo: RT, 1999, p.718
34 em torno do exercício da norma imunizante.
Portanto, fica evidente que a melhor exegese neste tema é aquela que
preconiza a amplitude da expressão rendas relacionadas com as atividades
essenciais, pois desde que as receitas sejam aplicadas na consecução dos
ideais estatutários dos templos religiosos, devem elas receber o benefício da
norma de imunidade tributária, desde que adquiridas licitamente. Entretanto,
há que se destacar que tal interpretação não pode ser levada ao extremo,
porque a execução de atividades econômicas pelos templos de qualquer culto
deve observar o princípio constitucional da livre concorrência, pois não é
concebível que tais instituições concorram desigualmente com a iniciativa
privada, beneficiando-se da imunidade, enquanto o particular fique
completamente sujeito à altíssima carga tributária de nosso País.
A imunidade fiscal da Igreja-Pessoa Jurídica, que é prerrogativa
constitucional, não se confunde com as Pessoas Físicas que as integram, por
isso, não exime as Igrejas e Organizações Religiosas da obrigação de
descontar o Imposto de Renda e Recolher ao Fisco, sendo objetivo quando
menciona que os rendimentos pagos ou creditados, como se caracterizam:
“Sustento Ministerial”, “Rendimento Eclesiástico”, “Provento Pastoral”,
“Prebenda Religiosa”, estão sujeitos a retenção do I.R.R.F - Imposto de Renda
Retido na Fonte.
Daí sua incidência legal, como disciplina o Artigo 167 do Regulamento
do Imposto de Renda 1999:
As imunidades, isenções e não incidências de que trata
este Capítulo não eximem as pessoas jurídicas das
demais obrigações previstas neste Decreto,
especialmente as relativas à retenção e recolhimento de
impostos sobre rendimentos pagos ou creditados e à
prestação de informações (Lei nº 4.506, de 1964, art. 33).
Parágrafo único. A imunidade, isenção ou não incidência
35 concedida às pessoas jurídicas não aproveita aos que
delas percebam rendimentos sob qualquer título e forma
(Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 31).
1.4 – A Interferência do Estado
Considerada tais premissas, quais sejam, laicidade do Estado, liberdade
de consciência e crença, objeção por consciência, se faz necessário indagar
quais as atribuições que cabem ao Estado como ente garantidor da liberdade
religiosa. Poderá o Estado ser silente à religiosidade de seus residentes?
Paulo Pulido Adragão responde este questionamento em três procedimentos
ou funções que julga que o Estado deve observar para essa proteção:
[...] proteger a pessoa na defesa da liberdade individual,
proteger a sociedade civil contra todos os abusos e criar
condições para que as confissões e grupos religiosos,
segundo o seu grau de representatividade, possam
desempenhar coerentemente a sua missão.40
Continua o citado autor, lembrando que ao tempo que se alude às
funções do Estado, se dirige às atenções à própria Lei Fundamental, a saber, à
Constituição. Então, a Constituição deverá desempenhar o papel norteador do
fenômeno social religioso. O próprio Paulo Pulido Adragão, sustenta:
Entre o conjunto de regras aplicáveis à liberdade
individual ou comunitária de culto e às relações do Estado
com as confissões religiosas haverá sempre necessidade
de seleccionar aquelas que, pela sua natureza intrínseca,
40 ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002, p. 429.
36 devem ser transplantadas para o plano superior do
estatuto político do País.41
Mas sabemos que a tutela constitucional da liberdade religiosa é
disciplinada apenas em sua essência, o que trás a indagação da necessidade
ou não de regulamentação infraconstitucional quanto à completude , em todos
os campos de direito, do exercício da liberdade religiosa.
Assim, já no caput do artigo 5º da Constituição vigente se estabeleceu o
que se chama de princípio da igualdade ao dispor que “todos são iguais
perante a lei”, além de garantir a inviolabilidade deste direito e do direito à
liberdade, o que inclui à liberdade religiosa. Para não restar dúvidas sobre isto,
o legislador constitucional elaborou no mesmo artigo a liberdade de
pensamento (inc. IV), a liberdade de consciência e crença (inc. VI), o direito à
objeção ou escusa de consciência (inc. VIII).
O artigo 19, inciso I da Constituição Federal, apenas para lembrar do
que foi dito nas linhas introdutórias, consagra a laicidade do Estado, proibindo
aos entes federativos estabelecer culto, subvencioná-los, embaraçar seu
funcionamento, manter relações, salvo aquelas expressas em lei para
colaborar com o interesse público.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-
los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles
ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;
41 Adragão, Ibidem, loc. cit.
37 Dentre as normas que tratam sobre o fato religioso na Constituição
Federal de 1988, há de se mencionar ainda, o direito ao ensino religioso em
escolas públicas, consagrado no artigo 210.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.
Finalmente a garantia da imunidade tributária dos templos, artigo 150,
inciso VI, alínea b, de que abordei acima, restou explicitada a forma de
assegurar a liberdade de culto, eliminando possíveis empecilhos ao seu
desenvolvimento em razão de obrigações tributárias.
38
CAPÍTULO II
A IGREJA E O CÓDIGO CIVIL
2.1 – A Constituição Jurídica da Organização Religiosa
Como já abordado a Constituição de 1988 dispõe sobre a questão
religiosa de maneira indireta no Artigo 19, inciso I, a declarar que:
[...] É vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com elas ou seus
representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público.
Neste sentido, os comandos diretos ou indiretos do Código Civil de 2002
- Lei 10.406/02, relativos às atividades religiosas, devem ser interpretadas em
harmonia com a Carta Política, especialmente no que diz respeito à vedação
de embaraços ao seu funcionamento, bem como o inciso VI do artigo 5º que
estabelece a liberdade de cultos religiosos, na forma da lei.
Em um primeiro momento, parou dúvidas sobre a aplicação da norma a
ser aplicada às entidades de caráter religioso. Perfez-se então um rumor de
que a norma a ser aplicada seria aquela que dispõe sobre Associações,
ditadas no Artigo 53, denominando-as como a que se constitui “pela união de
pessoas que se organizem para fins não econômicos”.
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de
pessoas que se organizem para fins não econômicos.
39 A norma do texto constitucional de que os entes federativos não podem
“embaraçar” os cultos religiosos e seu funcionamento deve ser interpretada
com certos limites, porque o citado Artigo 19, no inciso I da Carta Política
ressalva na forma da lei, [...] a colaboração de interesse público [...] entre o
Estado e as Igrejas.
Na ocasião posicionou-se Miguel Reale que as Igrejas:
[...] não são associações civis, pois se constituem
livremente de conformidade com os fins que lhes são
próprios e decorrem de seus atos constitutivos
autônomos.
Ressalvada essa independência, é de “interesse público”,
porém, que haja autênticas associações civis
empenhadas na realização de fins religiosos, as quais
não podem ser dominadas por um grupo minoritário que
delas se sirva em benefício próprio.42
O refinado doutrinador porém lecionou que Código Civil:
[...] ao disciplinar a vida das associações e das
sociedades, inclusive das empresas, tem por finalidade
“democratizá-las”, respeitando-lhes sua necessária
autonomia.
[...] Essa diretriz é extensível a todos os tipos de
associações, inclusive as de fins religiosos, sendo,
porém, excluídas das determinações do Código as Igrejas
como tais, sujeitas apenas às normas fundantes e
estruturais de cada culto. Ficam assim preservadas as
42 REALE, Miguel, In. A Igreja e o Código Civil. Disponível em http://www.miguelreale.com.br/.
Acessado em 19/07/2008.
40 peculiaridades das Igrejas no que se refere ao seu livre
funcionamento.
[...] Tudo deve ser feito, em suma, para que a plena
autonomia dos cultos religiosos se desenvolva em
consonância com os objetivos éticos da sociedade civil. 43
Neste corolário observou Reale que o Estatuto Civil não pretende violar
o direito a liberdade, ao culto ou embaraçar o seu funcionamento, mas [...]
para que a plena autonomia dos cultos religiosos se desenvolva em
consonância com os objetivos éticos da sociedade civil. 44
O artigo 44 do Código Civil com alteração do inciso IV, dada pela Lei
10.825 de 22 de Dezembro de 2003, apaziguou o tema, definindo as
organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de
direito privado, passado a ter o seguinte teor:
Artigo 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
Com esta alteração, a norma jurídica das organizações religiosas passa
a ser gerida pelo artigo 45 ao 52 do Código Civil e por analogia pelas diretrizes
civis das Associações.
43 REALE, op. cit. 44 REALE, Ibidem.
41 Neste sentido leciona Cícero Duarte:45
Por quatro motivos vamos pautar a estrutura jurídica das
igrejas pelos mesmos critérios utilizados para as
associações: a) não existe qualquer outro paradigma
legal, de modo que por analogia, deveremos administrar
juridicamente nossas igrejas tais quais uma associação;
b) o novo texto de lei não altera o mundo real, pois igrejas
(na sua grande maioria), continuarão sendo reuniões de
pessoas para fins não econômicos, tal como definido no
artigo 53, do Código Civil; e,
c) em nada foi alterado o Código Civil, na parte geral
referente a toda e qualquer pessoa jurídica, como por
exemplo, a responsabilidade dos administradores,
prevista nos artigos 47 e 50 do Código Civil, que
continuam plenamente aplicáveis às organizações
religiosas.
d) os parâmetros oferecidos pelo legislador,
especialmente no que diz respeito aos requisitos para a
constituição das associações e elaboração dos estatutos
como previsto no artigo 54 do Código Civil, se
apresentam muito saudáveis para serem utilizados pelas
igrejas.
Assim os artigo 45 à 52 do Código Civil estabelecem:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas
de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
45 DUARTE, Cícero. As Igrejas na Mira da Lei. São Paulo: Ed. BomPastor, 2004.
42 respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que
passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a
constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por
defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação
de sua inscrição no registro.
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e
o fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou
instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e
passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à
administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente,
pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o
destino do seu patrimônio, nesse caso.
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos
administradores, exercidos nos limites de seus poderes
definidos no ato constitutivo.
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva,
as decisões se tomarão pela maioria de votos dos
presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo
diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as
decisões a que se refere este artigo, quando violarem a
lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação
ou fraude.
43 Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a
faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado,
nomear-lhe-á administrador provisório.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,
ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou
cassada a autorização para seu funcionamento, ela
subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se
conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver
inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades
aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas
de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o
cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção dos direitos da personalidade.
Não obstante, o parágrafo 1o do Artigo 44 diz que: São livres a criação, a
organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações
religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou
registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. (Incluído
pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
44 Então, as Igrejas, assim como demais Instituições de caráter Religioso,
devem comportar seu Estatuto Social aos princípios gerais de ética,
socialidade, e boa-fé, que permeiam o novo Código Civil, em especial porque
estas constituem a condição de Pessoa Jurídica de Direito Privado. Desta
feita, devem submeter-se, por analogia, a legislação vigente aplicável às
entidades associativas, mormente artigos 52 ss do Código Civil, mesmo
porque, no nosso País não existe uma legislação especifica que regulamente
o funcionamento das organizações religiosas.
O que pretendeu o legislador no novo Código Civil foi prover a nação
brasileira de um instrumento legal que propõe uma melhor organização
administrativa, visando uma maior transparência organizacional,
financeira e patrimonial de todos aqueles, que como as Igrejas e outras
entidades, que são pessoas jurídicas de direito privado, interagem
comunitariamente na sociedade.
2.2 – Principais Questões Relativas à Igreja Abordadas pelo
Código Civil
2.2.1 - A Exclusão do Associado
Especialmente no caso de organizações religiosas que primem pelo
extremo rigor e por uma rígida disciplina, a exclusão de um membro torna-se
assunto de relevância por comportar graves conseqüências para a instituição,
inclusive condenação a pagar compensação por danos morais e até mesmo a
reintegração do membro associado ao rol de associado.
Diz o Código Civil, no artigo 57:
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo
justa causa, obedecido o disposto no estatuto; sendo este
omisso, poderá também ocorrer se for reconhecida a
45 existência de motivos graves, em deliberação
fundamentada, pela maioria absoluta dos presentes
à assembléia geral especialmente convocada para esse
fim.
Parágrafo único. Da decisão do órgão que, de
conformidade com o estatuto, decretar a exclusão, caberá
sempre recurso à assembléia geral.
Note-se que a exclusão deverá sempre ser fundamentada, isto é, o
associado sempre deverá saber porque está sendo excluído, terá amplo
direito de defesa , de forma alguma poderá ter sua intimidade e honra
dilapidada e poderá, ainda, interpor recurso (tanto administrativo quanto
judicial) da decisão desfavorável a ele.
como se sabe a livre manifestação de pensamento e de informação
sofre a devida limitação estabelecida pelo direito à intimidade, à vida privada, à
honra, à imagem das pessoas, as quais lhes socorre o direito fundamental ao
resguardo desses valores primordiais estatuído no inciso X, do artigo 5º da
Carta Magna, a saber: Artigo 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
E tal observação reporta-se ao artigo 5º, XXV, da Constituição Federal
que determina: Art. 5º. XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. Significa dizer que dizer que, todo aquele
excluído do rol de associado de uma organização religiosa sem um justo
motivo ou com violação aos direitos atinentes a dignidade da pessoa, poderá
interpelar em juízo por sua reintegração, bem como compensação por
possíveis danos a sua honra .
Neste entendimento corre a dicção do artigo 186 do Código Civil: Art.
186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
46 violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito. Concorre ainda o artigo 927 do referido Código, em seu
caput: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Maria Celina Bodin de Moraes (2008) , conceitua que dano pessoal é o
dano que atinge e ofende a dignidade humana. Este é o seu posicionamento:
(...) afirmar que o dano moral é ‘dor, vexame, humilhação,
ou constrangimento’ é semelhante a dar-lhe o epíteto de
‘mal evidente’. Através destes vocábulos, não se
conceitua juridicamente, apenas se descrevem
sensações e emoções desagradáveis, que podem ser
justificáveis, compreensíveis, razoáveis, moralmente
legítimas até, mas que, se não forem decorrentes de
‘danos injustos’, ou melhor, de danos a situações
merecedoras da tutela por parte do ordenamento, não
são reparáveis. (...) Se a violação à situação jurídica
subjetiva extrapatrimonial acarreta, ou não, um
sentimento ruim, não é coisa que o Direito possa ou deva
averiguar. O que o ordenamento jurídico pode (e deve)
fazer é concretizar, ou densificar, a cláusula de proteção
humana, não admitindo que violações à igualdade, à
integridade psico-física, à liberdade e à solidariedade
(social e familiar) permaneçam irressarcidas." 46
Profª Renata leciona que [...] A responsabilidade civil tem como foco a
situação em que se encontra a vítima e busca recompor a violência sofrida em
sua dignidade, através da reparação integral.47 Neste sentido propõe que a
46 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 129 47 Vilela, Renata Dantas. Responsabilidade Civil: Universidade Cândido Mendes, Instituto a Vez do Mestre. In: Pós Graduação de Direito Empresarial, 2008, Rio de Janeiro: PowerPoint.
47 reparação precisa adequar-se a condição pessoal da vítima e a “dimensão” do
dano, correspondente este último tanto à sua repercussão social quanto à sua
gravidade e não a condição econômica do ofensor e gravidade da culpa, pois
tais elementos dizem respeito ao dano causado e não ao dano sofrido.48
O dano também precisa ser motivado, o que vale dizer que o magistrado
precisa justificar com acuidade sua decisão no momento da determinação da
verba indenizatória e se possível compor o dano moral sobressaltando cada
uma das ofensas morais sofridas pelo lesionado de forma a abarcar o mais
precisamente possível a dimensão do dano .
Neste sentido, manifestou-se o E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
2006.001.69298 - APELACAO - 1ª Ementa
DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA - Julgamento:
08/08/2007 – SEXTA CAMARA CIVEL IGREJA
EVANGELICA
EXCLUSAO DE MEMBRO
VEICULACAO DE INFORMACAO OFENSIVA
RETRATACAO
INOCORRENCIA
DANO MORAL
Apelação Cível. Ação de indenização por danos morais.
Ofensa à honra. Indevida exclusão de membro da igreja.
Veiculação de informação considerada ofensiva em
boletim dominical. Retratação não ocorrida. Dano moral
configurado. Tem direito à indenização por danos morais
o membro de igreja que foi excluído do seu quadro, sob a
infundada alegação de ferir preceitos bíblicos, pelo fato
de levar ao conhecimento da Assembléia, a prática de
adultério da sua ex-esposa com o Pastor, o que foi
48 Ibid
48 posteriormente confirmado. Portanto, está configurado o
dano moral indenizável, com correta dosimetria.
Desprovimento do recurso. Ementário: 43/2007 - N. 10 -
09/11/2007.49
Portanto, estando caracterizada a violação, notadamente, o dano moral
do associado, quer no procedimento de exclusão, de admissão ou no decorrer
da prática associativa, importará ao ofensor a responsabilização por tal evento
danoso.
2.2.2 - A Admissão do Associado
Como já fundamentado anteriormente a Constituição Federal do Brasil,
em seu artigo 5º, consagra o princípio da isonomia, qual seja, a igualdade
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O inciso VI do artigo 5º
estabelece a liberdade de cultos religiosos. Pela análise de tais dispositivos,
conclui-se com clareza que a qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro
residente no País, é assegurado sem distinção, de qualquer natureza, dentre
outros, o direito [...] inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias;50
No caso da não admissão de determinada pessoa como associado,
é bom lembrar que o critério de recusa a ser adotado não deve ser
estritamente aquele apregoado pela organização religiosa ou sua doutrina
sacra, mas os validados pela norma ditada pelo artigo 5º, e inciso VI da
Constituição Federal de 1988 .
49 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: Disponível em: http://www.tj.rj.gov.br/scripts/weblink.mgw?MGWLPN=DIGITAL1A&PGM=WEBJRP103&PORTAL=1&LAB=JURxWEB&DATA=61585&JOB=27567&INI=11&ORIGEM=1&TOT=46&PALAVRA=DANO%20MORAL%20IGREJA&FLAGCONTA=0, acessado em 18/07/2009. 50 Artigo 5º, VI da CRFB de 1988.
49 Via de regra, as igrejas evangélicas não aceitam como seus
membros casais que vivam em união estável. Do ponto de vista legal, porém,
tal recusa é discutível desde a entrada em vigor da atual Constituição
Federal. Diz a Carta Magna, em seu artigo 226, em seu § 3º: Art. 226. § 3º
Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento. E o artigo 1.723, do Código Civil arremata: É
reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com
o objetivo de constituição de família.
2.2.3 - O Menor como Associado
A questão também deve ser analisada com cautela, sob pena da
igreja sofrer as conseqüências desde a responsabilização civil até nulidade de
seus atos por eventuais descuidos ou omissões. O Código Civil determina que
a maioridade civil - capacidade de exercer os atos da vida civil, tem início
apenas quando a pessoa completa 18 (dezoito) anos de idade.
Antes dessa idade, portanto, juridicamente, o associado menor não
detém capacidade civil para exercer o direito ao voto. Há aqueles que
recomendam o voto do menor somente para as questões que envolvam
assuntos meramente eclesiásticos e não para assuntos que de natureza legal.
Outro fato é a admissão do menor através do batismo - ato espiritual
que representa adesão à fé, qualquer seja a orientação religiosa. O Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê o direito da criança a escolher sua religião,
sendo esse um ato de fé individual, quando tem conseqüências tão
somente religiosa, independente de sua capacitação legal, devendo ter
esse direito respeitado pelos responsáveis legais.
50 Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, artigo 15, inciso III:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade,
ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em
processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos
civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas
leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes
aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso; Grifo nosso.
O batismo nas organizações religiosas tem tão somente a finalidade
espiritual, aplicando-se aí integralmente o previsto no Estatuto da Criança e do
Adolescente, no sentido da opção de fé do menor, que deve ser
respeitada pelos pais, eis que resguardada pelo legislador como
direito fundamental a liberdade religiosa.
Contudo, o Código Civil estabelece que o menor de dezesseis anos,
e o maior de dezesseis e menor de dezoito anos, são, respectivamente,
absolutamente incapaz e relativamente capaz, para os atos da vida civil, sendo
o primeiro representado, e o segundo assistido, por seus pais. Associar-se a
uma Igreja, que é uma pessoa jurídica de direito privado, é um ato da vida
civil, com conseqüências jurídicas para a sociedade civil. desta sorte, o
menor, até completar dezoito anos, necessita da expressa autorização de
seu responsável legal, para associar-se à organização, tornando-se um
associado eclesiástico, sem, contudo, poder votar ou ser votado nas
assembléias deliberativas com implicações jurídicas, com direitos e
deveres previstos no Estatuto Associativo, como contido no Código Civil.
51 2.2.4 - A Dissolução da Associação
O Artigo 61 do Código Civil determina:
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu
patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as
quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do
art. 56, será destinado à entidade de fins não
econômicos designada no estatuto, ou omisso
este, por deliberação dos associados, à instituição
municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou
semelhantes.
Isso significa que o estatuto deve deixar bem claro que, em caso da
dissolução da Igreja, seus membros não terão direito, antes da destinação do
remanescente referida no texto legal anterior, de receber em restituição,
atualizado o devido valor, as contribuições que tiverem prestado ao
patrimônio dessa associação. Sua omissão, neste caso, poderá ter
conseqüências de restituição de dízimos, ofertas e demais doações que
tiverem feito à associação.
De acordo com o § 2º do artigo 60 do Código Civil, não existindo no
Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação
tiver sede; instituição nas condições indicadas neste artigo, o que
remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito
Federal ou da União. Em outras palavras, se o estatuto for silente a
respeito, e não houver instituição de fins semelhantes aos da igreja onde ela
tiver sua sede, o restante de seu patrimônio irá direto para o governo, caso tal
associação venha a ser dissolvida.
52 2.2.5. A Responsabilidade Civil dos Diretores e Membros
O artigo 50 do Código Civil depreende:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,
ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
Este artigo trata da desconsideração da personalidade jurídica, que é
uma teoria jurídica já adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, e que
agora também amplia-se para caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial dos
diretores ou membros da Associação.
2.2.6 - O Dízimo – Entrega Voluntária
Na perspectiva religiosa a entrega do dízimo ou contribuição, é
compromisso espiritual do fiel com Deus sendo esta uma contribuição feita
com amor, desprendimento e generosidade, destinada para o
sustento e propagação da obra de pregação do evangelho de Cristo.
A voluntariedade é a natureza jurídica do dízimo, onde é o fiel
que determina, à luz de suas conveniências pessoalíssimas, num
exercício de fé, espiritualidade e religiosidade, quanto vai contribuir,
entregando este valor para que a Igreja o administre e
preste conta em suas assembléias deliberativas.
53 Destaque-se que em razão das normas protetivas da imagem e da
honra das pessoas, não é permitida a exposição vexatória de pessoas,
daí não ser recomendado, a divulgação de valores contribuídos ou não.
Conseqüentemente a contribuição do fiel, qualquer seja sua confissão de fé, é
espontânea, não devendo, sob qualquer hipótese, ser cobrada, nem mesmo
indiretamente, através do cerceamento do exercício de atividades, cargos
ou funções eclesiásticas, sendo que sua destinação deve estar prevista
em um orçamento aprovado por todos, inclusive com vital atuação do
Conselho Fiscal, contribuindo para pleno exercício dos fins almejados pela
organização.
Os dízimos, ofertas e contribuições dos membros e fiéis estão
constitucionalmente imunes de impostos, entretanto, por normatização legal,
necessitam as Igrejas manter sua contabilidade de acordo com normas
contábeis vigentes para as organizações com fins não econômicos, como
contido no Código Tributário Nacional, ainda disciplinado pelo Conselho
Federal de Contabilidade.
As organizações religiosas podem ser, inclusive, acionadas pelo
Ministério Público para que apresente seus Livros Contábeis, comprovando
que suas atividades eclesiásticas não visam lucro financeiro, além de
obrigatoriamente prestar contas a Receita Federal de suas receitas e
despesas, sob pena de pagamento de multa, através da Declaração Anual de
Imposto de Renda Pessoa Jurídica.
2.2.7 - O Direito de Vizinhança
O Direito de Vizinhança, ditado nos artigos 1.277 a 1.313 do Código
Civil de 2002, em consonância com o Direito de Propriedade, objetiva a
proteção do uso indevido da propriedade, isto porque que o Direito Real de
propriedade é uma relação jurídica real, de um bem com seu proprietário ou
possuidor, ou vice-versa, sendo este direito sobre a coisa, direito potestativo.
54 Face esses elementos, o Direito de Vizinhança, visa proteger o direito
de terceiro à relação real existente entre a coisa e seu possuidor. A norma
positivada no artigo 1.277 do Código Civil, determina:
Art. 1.277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem
o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saúde dos que a
habitam, provocadas pela utilização de propriedade
vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências
considerando-se a natureza da utilização, a localização
do prédio, atendidas as normas que distribuem as
edificações em zonas, e os limites ordinários de
tolerância dos moradores da vizinhança.
Uma questão que deve merecer atenção especial é a que
se refere ao excesso de ruído. No Município do Rio de Janeiro, por exemplo,
ainda vigora a Lei nº 126, de 10 de maio 1977, denominada como Lei do
Silêncio, que dispõe: Art. 1º - Constitui infração, a ser punida na forma desta
Lei, a produção de ruído, como tal entendido o som puro ou mistura de sons,
com dois ou mais tons, capaz de prejudicar a saúde, a segurança ou o
sossego público.
O Artigo 4º da referida norma, abre exceção as Igrejas ou templos
nas seguintes ocasiões e condições:
Artigo 4º : São permitidos – observado o disposto no art.
2º desta Lei – os ruídos que provenham:
I - de sinos de igrejas ou templos e, bem assim, de
instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou
cerimônia religiosa, celebrados no recinto das respectivas
sedes das associações religiosas, no período de 7 às 22
55 horas, exceto aos sábados e na véspera dos dias feriados
e de datas religiosas de expressão popular, quando então
será livre o horário;
Nada obstante, o artigo 2º da Lei nº 126, delimita o nível de ruído de
maneira que não atinja o nível superior a 85 decibéis no ambiente exterior ao
recinto de origem do som.
Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, consideram-se
prejudiciais à saúde, à segurança ou ao sossego público
quaisquer ruídos que:
I - atinjam, no ambiente exterior ao recinto em que têm
origem, nível sonoro superior a 85 (oitenta e cinco)
decibéis, medidos no cursor C do “Medidor de
Intensidade de Som”, de acordo com o método MB-268,
prescrito pela Associação Brasileira de Normas Técnicas;
Processo judicial a respeito do tema já foi discutido no Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro e a organização religiosa não guardou melhor sorte.
2003.001.32915 - APELACAO - 1ª Ementa
DES. BINATO DE CASTRO - Julgamento: 22/06/2004 -
DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL
ACAO DE INDENIZACAO
ENTIDADE RELIGIOSA
POLUICAO SONORA
DANO MORAL
REDUCAO DO VALOR
A PELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. IGREJA. BARULHO
EXCESSIVO NA VIZINHANÇA. PROVA TESTEMUNHAL
CONVINCENTE. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA.
DANO CONFIGURADO. VERBA INDENIZATÓRIA.
56 ARBITRAMEMTO EXCESSIVO PELO JUÍZO
MONOCRÁTICO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE.
RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO,
DESPROVIDO O DO AUTOR. Ementário: 36/2004 - N. 03
- 02/12/2004.51
Por fim a a Lei de Contravenções Penais, no artigo 43, Inciso III,
classifica como “Perturbação do sossego alheio”, “perturbar alguém, o trabalho
ou o sossego alheios (...) III – Abusando de instrumentos sonoros ou sinais
acústicos”.
51 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: Disponível em: http://srv85.tj.rj.gov.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=0003A53C47B52
57
CAPÍTULO III
A IGREJA E A LEI PENAL
3.1 – Responsabilidade Penal da Igreja
A Organização Religiosa, como pessoa jurídica de direito privado, da
mesma forma que outras entidades, está sujeita, através de seus
representantes legais, incidir em delitos penais. Nosso sistema legal de direito
penal, funda-se no princípio, Nullum crimen, nula poena sine legis - Não há
crime, sem lei anterior que o defina.
Determinadas práticas, mormente ação ou omissão de representantes
da organização podem ensejar numa conduta penalmente tipificada com
conseqüências legais.
Como amplamente vergastado a Constituição Federal resguardou a Igreja em
suas manifestações de fé - artigo 5º, inciso VI, Carta Magna de 1988,
entretanto, tal liberdade se restringe às condutas defendidas pelos textos
normativos constitucionais, bem como por aqueles por ele recepcionado.
Os responsáveis legais da Igreja, especialmente seus diretores
estatutários, presidente, vice, secretários, tesoureiros, conselho fiscal,
conselho de ética, devem estar atentos por exemplo para não incorrer na
violação de “divulgação de segredo”, estabelecida no artigo 153 do Código
Penal: Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento
particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou
detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem: Pena - detenção, de
um a seis meses, ou multa.
De igual forma, é crime a divulgação de segredo compartilhado em
função da ocupação exercida, como define o Código Penal no artigo 154:
082266FF21D68458FBA9B5879D2C31A0A2B, acessado em 18/07/2009.
58 Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem.
O legislador penal tipifica como conduta criminosa o ultraje a culto e
impedimento ou perturbação de ato a ele relativo de acordo com o artigo 208
do Código Penal: Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de
crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto
religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena -
detenção, de um mês a um ano, ou multa.
O artigo 238 do referido Código Penal descreve como crime: Atribuir-se
falsamente autoridade para celebração de casamento. (...)"., só realizando
cerimônias religiosas, com efeito civil, com a devida autorização legal.
A Lei das Contravenções Penais, no artigo 27 qualifica como
contravenção: Explorar a credulidade pública mediante sortilégios, predição do
futuro, explicação de sonho, ou práticas congêneres [...].
E, ainda, é necessário atenção para Lei 10.224/2001, denominada a Lei
de Assédio Sexual, que acrescentou ao Código Penal, o texto do artigo 216-A:
Artigo 216-A - Constranger alguém com intuito de obter
vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o
agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função.
[...].
Artigo 226, inciso II, do Código Penal:
A pena é aumentada da Quarta parte: [...] II - se o agente
é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou
59 curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tem autoridade sobre ela.
As organizações religiosas como pessoas jurídicas estão sujeitas à
legislação do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, desta maneira,
em caso de apropriação indébita de cota previdenciária recolhida do
contribuinte (empregado, autônomo, equiparado, etc...), incidirá no tipo penal
do artigo 168-A do Código Penal.
Apropriação indébita previdenciária (Incluído pela Lei
nº 9.983, de 2000)
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as
contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e
forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983,
de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
De igual modo, a sonegação de contribuição previdenciária está
tipificada pelo artigo 337-A da norma Penal:
Sonegação de contribuição previdenciária (Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social
previdenciária e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de
documento de informações previsto pela legislação
previdenciária segurados empregado, empresário,
trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este
equiparado que lhe prestem serviços; (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
60
CAPÍTULO IV
A IGREJA E A LEI TRABALHISTA
4.1 - O Pastor e o Vínculo de Emprego
O tema envolve a seguinte questão: O pastor é empregado da igreja ou
o seu trabalho, sendo sacerdotal, é voluntário?
O debate não envolve apenas a subjetividade do conceito de líder
eclesiástico. De um lado, igrejas e denominações querem evitar processos por
parte de ministros religiosos insatisfeitos com as condições de trabalho; De
outro, pastores temem perder seus cargos sem nenhum direito legal
depois de anos de trabalho dedicados àquela congregação.
Reiteradas decisões do Tribunal superior do Trabalho concordam que a
relação entre o pastor e a igreja, no interesse exclusivo do culto e em sede
eclesiástica, com propósitos unicamente espirituais e vocacional fruto de
resposta a uma chamada interior, bem como sem subordinação jurídica, não
configura vínculo empregatício.
Neste sentido transcrevemos as seguintes jurisprudências do E. Tribunal
Superior do Trabalho:52
Tribunal Superior do Trabalho. 7ª Turma
Título Acórdão do Processo Nº 740-2005-24-5-40
Data 27/08/2008
Ementa AGRAVO DE INSTRUMENTO – PASTOR
EVANGÉLICO – RELAÇÃO DE EMPREGO – NÃO-
CONFIGURAÇÃO – REEXAME DE PROVA VEDADO
52 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO: Disponível em: http://www.lexml.gov.br/busca/search?keyword=v%EDnculo+pastor&f1-tipoDocumento=, acessado em 28/07/2009.
61 PELA SÚMULA 126 DO TST. O VÍNCULO QUE UNE O
PASTOR À SUA IGREJA É DE NATUREZA RELIGIOSA
E VOCACIONAL, RELACIONADO À RESPOSTA A UMA
CHAMADA INTERIOR E NÃO AO INTUITO DE
PERCEPÇÃO DE REMUNERAÇÃO TERRENA. A
SUBORDINAÇÃO EXISTENTE É DE ÍNDOLE
ECLESIÁSTICA, E NÃO EMPREGATÍCIA, E A
RETRIBUIÇÃO PERCEBIDA DIZ RESPEITO
EXCLUSIVAMENTE AO NECESSÁRIO PARA A
MANUTENÇÃO DO RELIGIOSO. APENAS NO CASO DE
DESVIRTUAMENTO DA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO
RELIGIOSA, BUSCANDO LUCRAR COM A PALAVRA
DE DEUS, É QUE SE PODERIA ENQUADRAR A
IGREJA EVANGÉLICA COMO EMPRESA E O PASTOR
COMO EMPREGADO. NO ENTANTO, SOMENTE
MEDIANTE O REEXAME DA PROVA PODER-SE-IA
CONCLUIR NESSE SENTIDO, O QUE NÃO SE ADMITE
EM RECURSO DE REVISTA, NOS TERMOS DA
SÚMULA 126 DO TST, POIS AS PREMISSAS FÁTICAS
ASSENTADAS PELO TRT REVELAM QUE A FUNÇÃO
EXERCIDA PELO RECLAMANTE ESTAVA
ESTRITAMENTE LIGADA À INTIMIDADE DA
CONSCIÊNCIA RELIGIOSA E À ASSISTÊNCIA
ESPIRITUAL DESDE A ADESÃO À FUNÇÃO DE
PASTOR POR LIVRE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE,
NÃO SENDO HIPÓTESE DE VÍNCULO DE EMPREGO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma
Título Acórdão do Processo Nº 3652-2002-900-5-0
Data 02/04/2003
62 Ementa AGRAVO DE INSTRUMENTO – PASTOR
EVANGÉLICO – RELAÇÃO DE EMPREGO – NÃO-
CONFIGURAÇÃO – REEXAME DE PROVA VEDADO
PELA SÚMULA Nº 126 DO TST. O VÍNCULO QUE UNE
O PASTOR À SUA IGREJA É DE NATUREZA
RELIGIOSA E VOCACIONAL, RELACIONADO À
RESPOSTA A UMA CHAMADA INTERIOR E NÃO AO
INTUITO DE PERCEPÇÃO DE REMUNERAÇÃO
TERRENA. A SUBORDINAÇÃO EXISTENTE É DE
ÍNDOLE ECLESIÁSTICA, E NÃO EMPREGATÍCIA, E A
RETRIBUIÇÃO PERCEBIDA DIZ RESPEITO
EXCLUSIVAMENTE AO NECESSÁRIO PARA A
MANUTENÇÃO DO RELIGIOSO. APENAS NO CASO DE
DESVIRTUAMENTO DA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO
RELIGIOSA, BUSCANDO LUCRAR COM A PALAVRA
DE DEUS, É QUE SE PODERIA ENQUADRAR A
IGREJA EVANGÉLICA COMO EMPRESA E O PASTOR
COMO EMPREGADO. NO ENTANTO, SOMENTE
MEDIANTE O REEXAME DA PROVA PODER-SE-IA
CONCLUIR NESSE SENTIDO, O QUE NÃO SE ADMITE
EM RECURSO DE REVISTA, A TEOR DA SÚMULA Nº
126 DO TST, POIS AS PREMISSAS FÁTICAS
ASSENTADAS PELO TRT FORAM DE QUE O
RECLAMANTE INGRESSOU NA RECLAMADA APENAS
VISANDO A “GANHAR ALMAS PARA DEUS” E NÃO SE
DISCUTIU A NATUREZA ESPIRITUAL OU MERCANTIL
DA RECLAMADA. AGRAVO DESPROVIDO.
Nada obstante, tal entendimento não é extensivo aos demais
trabalhadores da organização, desde de que, os elementos consagradores da
relação de emprego estejam presentes. Os elementos caracterizadores da
relação de emprego são essenciais e distintos, que são: A prestação de
63 trabalho por pessoa física a um tomador; a pessoalidade dessa prestação; a
forma não-eventual, a onerosidade (remuneração, salário) e a
subordinação jurídica, sendo o empregado o sujeito que presta o trabalho e o
empregador o sujeito em favor de quem o trabalho é prestado.
Presentes estes elementos o vínculo empregatício esta estabelecido.
Vinculo de emprego é a relação que se estabelece entre o empregado e o
empregador, mediante um contrato de trabalho tácito ou expresso, prevendo
uma prestação de trabalho e uma contraprestação respectiva, cabendo, na
primeira, o direito do empregador de estabelecer as condições e as formas que
pretende ver executadas no trabalho e, na segunda, a prerrogativa do
empregado de gozar dos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição
Federal, de 1988, no Capítulo II, a seguir transcritos53, bem como aqueles
constantes na Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei nº 5.452 de 01
de maio de 1942, aplicáveis ao caso:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
I - relação de emprego protegida contra despedida
arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória,
dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego
involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente
unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
64 previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à
complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os
que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração
integral ou no valor da aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do
diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime
sua retenção dolosa;
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada
da remuneração, e, excepcionalmente, participação na
gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família para os seus dependentes;
XII - salário-família pago em razão do dependente do
trabalhador de baixa renda nos termos da lei;(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide
Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em
turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação
coletiva;
53 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 16 de julho de 1934). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm. Acessado em
65 XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente
aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no
mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del
5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do
salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher,
mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço,
sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde
o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-
escolas;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes
desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em
creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos
coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
18/07/2009.
66 XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações
de trabalho, com prazo prescricional de:
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações
de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para
os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois
anos após a extinção do contrato de trabalho;(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de
dois anos após a extinção do contrato;
b) até dois anos após a extinção do contrato, para o
trabalhador rural; (Revogado pela Emenda Constitucional
nº 28, de 25/05/2000)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo,
idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual,
técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho
a menores de quatorze anos, salvo na condição de
aprendiz;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
67 Quanto à filiação previdenciária o Decreto nº 3.048 de 06 de maio de
1999, descreve o ministro religioso, também denominado pastor, como
segurado obrigatório da Previdência Social, na qualidade de contribuinte
individual.
Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: [...]
V-como contribuinte individual: (Inciso e alíneas com
redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99)
[...]
c) o ministro de confissão religiosa e o membro de
instituto de vida consagrada, de congregação ou de
ordem religiosa; (Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de
9/01/2002)
68
CONCLUSÃO
Como se pode observar o direito positivou uma diversidade de normas,
diretas e indiretas que irão nortear a atividade das organizações religiosas,
enquanto pessoa jurídica de direito privado. O tema é extenso, complexo e
pouco debatido pela doutrina, portanto, carece de aprofundamento.
O que se pretendeu aqui, foi justamente para contribuir no
aperfeiçoamento cognitivo do tema, oferecendo um compêndio das que
normas tabulam as atividades eclesiásticas, mormente, aquelas de
características protestantes instituídas em nosso País, apresentando esta
síntese do sistema jurídico eclesiásticos, em diversos os seguimentos do
direito, propondo-se, dentro das restrições de tempo em seu desenvolvimento,
uma facilitação dos operadores da área eclesiástica na visualização e
compreensão da legislação que envolve a matéria.
Desta forma, optou-se apresentar somente uma dissertação especifica,
devido à atenção para o tratamento do assunto. No primeiro capítulo uma
abordagem mais ampla e com maior validação doutrinária, por tratar das
Normas Constitucionais que emolduram o assunto. Os capítulos seguintes, de
maneira mais objetiva, foram elencados os dispositivos infraconstitucionais que
disciplinam direta ou indiretamente o tema.
69
BIBLIOGRAFIA
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra:
Almedina, 2002.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003.
BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 1996.
______; MEYER-PFLUG, Samantha. Do Direito Fundamental à Liberdade de
Consciência e de Crença. Revista de Direito Constitucional e Internacional. N.
36, jul/set 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2001.
______; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, v. II, 2. ed., atual. São Paulo. Saraiva:
2001.
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lúmen Iuris, 2006.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. I,
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da
Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001.
70 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (De
24 de fevereiro de 1891). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm.
Acessado em 03/07/2009.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador:
Juspodivm, 2008.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 1ª ed. v. I, São
Paulo: Saraiva, 1989.
DUARTE, Cícero. Igreja na Mira da Lei. São Paulo: BomPastor, 2003.
DUARTE, David Tavares. A Igreja e o Novo Código Civil. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003.
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária, São Paulo: RT, 1999.
GRUSZYNSKI, Alexandre Henrique. Direito Eclesiástico. Porto Alegre: Síntese,
1999.
JACQUES, Robert. A liberdade religiosa. Consciência e Liberdade. nº 15,
Lisboa: 2003.
LOREA, Roberto Arriada. O poder judiciário é laico. São Paulo: Folha de São
Paulo, 24 set. 2005.
LAROSA, Marco Antonio; AYRES, Fernando Arduini. Como Produzir uma
Monografia. Rio de Janeiro: Ed. Wak, 2008.
71 MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora
Atlas, 2005.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2. ed. São Paulo:
Revista dos tribunais, 1982.
OLIVEIRA, Cláudio Brandão. Constituição da República Federativa do Brasil.
Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.
PAULO VI, Papa. Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa.
Concílio Vaticano II. Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii
_decl_196512 07_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 1 ago. 2009. p. 3.
51.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria
Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
RIBEIRO DE MORAES, Bernardo. “Imunidades e Isenções como Instrumento
de Extrafiscalidade”, in Elementos de Direito Tributário, sob a coordenação de
Geraldo Ataliba, Ed. RT, 1978, pp. 323 e 324.
SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Imunidades Tributárias e Impostos de
Incidência Plurifásica, não Cumulativa, in RDT n.5.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev e
atual até emenda constitucional nº 31. São Paulo, Malheiros: 2001.
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência: Alguns
apontamentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6896>. Acesso
em: 23 junho. 2009.
72 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O direito de religião no Brasil. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>.
Acesso em: 10 abr. 2009.
SILVA. De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. v. III, Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1997.
SOUZA, Marnoco e. Direito Eclesiástico: Prelecções Feitas ao Curso do 3º
Anno Jurídico de 1908-1909. Coimbra: Typographia França Amado, 1909.
TEPEDINO, Gustavo. Aspectos Polêmicos do Tratamento Fiscal Conferido aos
Templos e às Entidades de Fins Religiosos. Revista da Procuradoria-Geral da
República. N. 5,1994.
73
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I 16
Pessoas Jurídicas de Caráter Eclesiástico e a Constituição Federal de 1988
1.1 – A Liberdade Religiosa 16
1.2 – O Direito à Objeção de Consciência 22
1.3 – A Imunidade Tributária 26
1.4 – A Interferência do Estado 35
CAPÍTULO II 38
A Igreja e o Código Civil
2.1 - A Constituição Jurídica da Organização Religiosa 38
2.2 – Principais Questões Relativas à Igreja Abordadas pelo C.Civil 44
2.2.1 – A Exclusão do Associado 44
2.2.2 – A Admissão do Associado 48
2.2.3 – O Menor como Associado 49
2.2.4 – A Dissolução da Associação 51
2.2.5 – A Responsabilidade do Dirigente e Membros 52
2.2.6 – O Dízimo – Entrega Voluntária 52
2.2.7 – O Direito de Vizinhança 53
74 CAPÍTULO III 57
A Igreja e a Lei Penal
3.1 – Responsabilidade Penal da Igreja 57 CAPÍTULO IV 60
A Igreja e a Lei Trabalhista
4.1 – O Pastor e o Vinculo de Emprego 60
CONCLUSÃO 68
BIBLIOGRAFIA 69
ÍNDICE 73
FOLHA DE AVALIAÇÃO 75
75
FOLHA DE AVALIAÇÃO
NOME DA INSTITUIÇÃO: Universidade Candido Mendes – UCAM: Projeto
A Vez do Mestre: Pós-Graduação “LATU SENSU”
TÍTULO DA MONOGRAFIA: Sistema Jurídico das Pessoas Jurídicas de
Caráter Eclesiástico
AUTOR: Alan Pereira da Silva
DATA DA ENTREGA: 13 de Agosto de 2009.
AVALIADO POR: CONCEITO: