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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR A METODOLOGIA DO ENSINO NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Por Marcelo Patta do Nascimento Orientador Prof. MS. Nilson Guedes Freitas Niterói 2005

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DOCÊNCIA DO

ENSINO SUPERIOR

A METODOLOGIA DO ENSINO NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

Por Marcelo Patta do Nascimento Orientador Prof. MS. Nilson Guedes Freitas

Niterói 2005

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DOCÊNCIA DO

ENSINO SUPERIOR

A METODOLOGIA DO ENSINO NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

Monografia elaborada como requisito para obtenção do grau Especialista no curso Pós-graduação Lato Sensu em Docência do Ensino Superior. Por Marcelo Patta do Nascimento.

Niterói 2005

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AGRADECIMENTO

Agradeço a todas aquelas, que em certos momentos tornaram possível este trabalho, e um especial ao Professor Nilson Guedes Freitas.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia, a minha mãe Geny , que na sua passagem por este mundo, muito me ajudou a enfrentar os desafios da vida, injetando-me ânimo, sem jamais perde sua generosidade, amor e carinho. Marcelo Patta do Nascimento

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EPÍGRAFE

“Nada se assemelha mais ao pensamento mítico do que a ideologia política. Nas nossas sociedades contemporâneas, o primeiro talvez tenha sido substituído pela segunda.” (C. LÉVI-STRAUSS,Antropologia Estrutural.)

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RESUMO

A ciência econômica é produto da história, isto é, ela se constitui num processo sujeito a crises, interrupções, incertezas, não apenas aberto às injunções dos fatos econômicos e sociais, mas também, comprometido com movimento do pensamento e o jogo vivo das idéias. Sua variante curricular é a exposição num determinado gáp temporal das mesmas teorias garantidas pela ciência, expressão do avanço analítico do seu domínio e historiografia critica da multiplicidade de suas correntes teóricas. Desta forma, delimitando-se a metodologia do ensino no curso de Ciências Econômicas, na disciplina macroeconomias, nas universidades particulares da cidade do Rio de Janeiro, foi argüido o seguinte problema: Será que os métodos de ensino adotados pelas universidades preparam Economista para a realidade brasileira? Nesta pesquisa, foi utilizado como procedimento metodológico pesquisa bibliográfica, tendo como autores principais Ingrid Hahne Rima, Jacques Attali e Marc Guillaume, pois o objetivo geral desta monografia é servir como referência para o desenvolvimento de estudos adicionais em outras instituições de ensino superior. De todo modo, o ensino de economia, sob o pretexto de que às macrodecisões é que são, uma adesão as políticas oficiais, condensa, em doses variadas, conformismo, inclusive porque a produção acadêmica é quase incompreensível ao estudante de graduação. Os cursos de graduação em economia deveriam frisar isto, de modo a aumentar as possibilidades de avanço substantivo na reflexão sobre este problema, pois a ciência econômica está empenhada, atualmente, num processo de reorientação de que muitos pesquisadores tomaram consciência, mas que a maioria dos economistas, ainda recusam reconhecer.

Palavras chaves: Macroeconomia.natureza.acimonoce.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------8

1. AS ORIGENS DA ANÁLISE ECONÔMICA-----------------------------------------11

2. FISIOCRACIA: O INICIO DA ANÁLISE MACROECONÔMICA---------------28

3. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE MACROECONOMIA

NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE ECONOMIA-----------------------------------44

4. ECONOMIA DA NATUREZA E DO MEIO AMBIENTE--------------------------56

5. A IDEOLOGIA DO TEXTO E A CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO CRÍTICO NO CURSO DE ECONOMIA----------------------73

CONCLUSÃO---------------------------------------------------------------------------------82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ----------------------------------------------------85

ANEXOS---------------------------------------------------------------------------------------86

ÍNDICE-----------------------------------------------------------------------------------------93

FOLHA DE AVALIAÇÃO------------------------------------------------------------------95

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INTRODUÇÃO

A ciência econômica tornou-se pouco inteligível ao comum dos profissionais.

Um economista acadêmico altamente treinado, que faz as descoberta cientificas,

dificilmente consegue se comunicar com o economista dotado apenas de formação

básica, para não falarmos do não especialista.A incomunicabilidade com a opinião

publica é total, a não ser no que se refere ao senso comum, um item, aliás, cada vez

mais importante do cardápio acadêmico. Alguém poderia alegar que essa

incomunicabilidade também ocorre em outras ciências. A separação entre criação

cientifica e pratica profissional seria um fator a todas as áreas, no entanto, o quadro,

não é bem este. Um médico de boa formação universitária é perfeitamente capaz de

entender os novos tratamentos e efetuá- los em seus pacientes. Ele pode ler diversas

revistas e ocasionalmente, contribuir com algumas delas. Entretanto, nas ciências

econômicas, o recém formado, dificilmente consegue aplicar, testar ou impugnar os

novos conceitos, torna-se um mero difusor de idéias simplificadas e uma vitima das

fórmulas ideológicas, ocasionando a defesagem entre produção acadêmica e pratica

profissional.

Os cursos de graduação em economia deveriam frisar isto, de modo a aumentar

as possibilidades de avanço substantivo na reflexão sobre este problema, pois a ciên-

cia econômica está empenhada, atualmente, num processo de reorientação de que

muitos pesquisadores tomaram consciência, mas que a maioria dos economistas,

principalmente aqueles que se afirmam profissionais ,ainda recusam reconhecer. Os

manuais clássicos, em especial, continuam descrevendo imperturbavelmente as mes-

mas teorias acadêmicas, adornadas, pôr vezes, para se colocarem ao sabor do dia,

com alguns novos desenvolvimentos que lidam marginal e superficialmente com as

questões que estão na moda .

Até certo ponto, esta pesquisa se delimitou a avaliar a metodologia aplicada no

ensino no curso de graduação de Ciências Econômicas na disciplina Macroeconomia,

nas universidades particulares da cidade do Rio de Janeiro, tendo como metodologia

utilizada a pesquisa bibliográfica. Objetivo geral deste trabalho é servir como

referencia para o desenvolvimento dos estudos adicionais em outras instituições de

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ensino superior. Para tanto foi apresentado como problema o seguinte: Será que os

métodos de ensino adotados pelas universidades preparam Economistas para a

realidade brasileira?; e dada como hipótese que A universidade não deveria separar a

analise da realidade, preparando assim, formandos, capazes de enfrentar problemas

de injustiça e desigualdade sob todas a suas formas, trata-se da pobreza, da

deterioração urbana, dos desequilíbrios naturais, da concentração do poder industrial

e político, do subdesenvolvimento.

Sendo assim, no capitulo 1 – As origens da Análise Econômica, cujo objetivo é

mostrar ao leitor quando e como surgiu a Análise Econômica, baseado nos

pensamentos de Ingrid Hahne Rima, examinaremos o desenvolvimento dos conceitos

e instrumentos de análise que foram moldados no decurso do tempo a fim de explicar

fenômenos econômicos.

Já no capitulo 2 – Fisiocracia: o inicio da Análise Macroeconomia,

evidenciaremos o surgimento da análise macroeconômica. Nessa abordagem,

portanto, é histórica, bem como analítica. Um sentido de historia é essencial à

compreensão e apreciação das teorias do passado e sua sobrevivência como parte da

atual massa de princípios econômicos. Assim como no capítulo 1, esse capítulo foi

baseado em Ingrid Hahne Rima.

No segmento seguinte, Reflexão sobre ensino de Macroeconomia no curso de

Graduação de Economia, com base em Jaques Attali e Marc Guillaume, o objetivo é

propor aos leitores uma reflexão sobre o ensino de macroeconomia no curso de

economia. Neste capitulo refletiremos sobre o recurso da teoria macroeconômica e

sua expressão na estrutura curricular: relação entre teoria e história entre teoria e

matemática, reflexões de caráter especifico sobre experiências acumuladas no

exercício do ensino da disciplina.

No capitulo 4 – Economia da natureza e do meio ambiente, veremos o que se

designa por natureza, em economia. Esse capítulo, fundamentado Jaques Attali e

Marc Guillaume, tem como objetivo alertar sobre a importância da relação natureza-

homem, na Ciências Econômicas. Todavia para a ciência econômica, os problemas

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da natureza são apenas, no que se refere ao essencial, uma expressão das falências do

mercado que ela designa sob o nome de efeitos externos.

Por fim, o 5º capítulo, A ideologia do texto e a construção do conhecimento

critico no curso de economia, com fundamentos em Jaques Attali e Marc Guillaume,

tem como objetivo é refletir sobre praticas didáticas no ensino da economia;

proporcionará uma perspectiva para que se avalie se a Economia contemporânea tem

limitações sérias, e em caso afirmativo de que modo estas poderiam ser melhoradas

bem como, sobre o instrumental de ensino oferecido nas universidades.

E muito comum nas Universidades, o ensino descrever uma parte da ciência

econômica e apresentá- la como uma ciência separável das outras ciências humanas,

da maneira como as ciências físicas são. Assim, esse ensino torna-se um discurso

estreitamente dividido em compartimentos, dogmático e exercendo, por meio de seu

desenvolvimento formal, uma fascinação ilusória, uma apologia do status quo,

ocultando os conflitos e transformando – os em problemas, cujas soluções ela

procura e encontra, por construção.

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1. AS ORIGENS DA ANÁLISE ECONÔMICA

Enquanto que a especulação do homem ao seu meio ambiente possa remontar

aos tempos antigos, o desenvolvimento da Análise Econômica é de origem recente.

Com efeito, a emergência da Economia como campo específico de estudo, antes da

última fase da Renascença, foi visivelmente impossível. Tudo militava contra: a

natureza e a amplitude limitada da atividade econômica, a dominação do Estado e da

Igreja dos costumes e as crenças religiosas e filosóficas que moldavam as atitudes

prevalecentes quanto à atividade humana para a aquisição de riqueza. A atividade

econômica para a satisfação de necessidade, naturalmente, ocorreu em todas as

épocas da histórias humana. E, já que o homem é um animal pensante, é razoável

inferir-se que sempre dirigiu parte de seu pensamento para explicar os aspectos

materiais de sua vida. Por isso, a especulação sobre assuntos econômicos é, sem

dúvida, tão antiga quanto a própria sociedade humana.

Mas a Análise ou a Teoria Econômica tem uma história muito mais recente. Foi

apenas a partir do século XVIII que o conteúdo da especulação do homem sobre os

fenômenos econômicos passou a se desenvolver em termos analíticos e não

meramente filosóficos. Em seus estágios pré-analíticos, a Economia não existia como

campo específico de estudo, tampouco havia instrumentos analíticos com os quais os

pensadores pudessem fazer sondagens em questões econômicas. Dessa forma, não há

ensaios ou tratados que possamos estudar para conhecer as primitivas especulações

do homem sobre seu meio ambiente. As idéias econômicas dos antigos nada têm de

sistemáticas e devem ser extraídas dos escritos de clérigos, legisladores e filósofos.

Apesar de que algumas das idéias tenham sobrevivido até os tempos modernos, não

obstante, ás vezes em forma alterada, o conteúdo do antigo pensamento econômico é

pouco mais do que uma série de observações não correlacionadas e preceitos morais

sobre produção, consumo e trocas, inseridos em escritos devotados principalmente á

Religião, Ética, Política ou Direito. O exame dos motivos pelos quais a indagação em

questões econômicas ocupou posição secundária na especulação intelectual anterior

ao século XVIII é um interessante ponto de partida para uma apreciação do

desenvolvimento histórico da análise econômica.

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Os pensadores da antigüidade tinham interesse apenas limitado por assuntos

econômicos; em conseqüência, sua preocupação com a Política e o papel do Estado é

especialmente importante. O maior dos pensadores gregos acreditava que o propósito

da existência do Homem era levar uma vida boa e que esta só podia ser conseguida

dentro da Cidade-estado (polis). Para um filósofo grego, a Cidade-estado não era

simplesmente uma estrutura legal; era um modo de vida ao qual se vinculava cada

aspecto da existência cotidiana. O indivíduo derivava sua importância da sua relação

com o Estado; era considerado cidadão dependente do Estado, estando em condições

de contribuir para seu bem-estar. Mas o Estado é que era onipotente. Assim, a

atenção dos pensadores gregos era absorvida principalmente pela teoria política,

embora a teoria da Cidade-setado abrangesse muito mais do que política, em seu

sentido mais amplo. Era a um só tempo Ética, Sociologia e Economia, bem como

Ciência Política.

A dedicação dos pensadores gregos à questão da origem e funcionamento do

estado ideal e a subordinação do indivíduo ao Estado limitavam necessariamente o

desenvolvimento da espécie de pensamento econômico que posteriormente emergiu.

Tomemos, por exemplo, a contribuição do grego Xenofonte (cerca de 440-335 a.C.).

Seu trabalho dos meios de Melhorar a Receita do Estado de Atenas começa uma

descrição das vantagens naturais de Atenas como centro comercial que atraía os

estrangeiros. Estes eram considerados como desejáveis porque estavam sujeitos a um

tributo que incidia sobre todos os alienígenas e, portanto, constituía uma fonte de

receita. Da mesma forma os mercadores e armadores eram considerados como

cidadãos superiores porque traziam riqueza à cidade. Assim, Xenofonte recomendou

várias medidas ao Estado, visando encorajar a atividade mercantil em Atenas.

Também frisou a necessidade do aumento da produção de prata e expressou a

opinião de que este metal nunca perderia seu valor. Tais recomendações refletem a

preocupação dominante naquela época: a importância do Estado. Naturalmente,

conquanto a ênfase no Estado como instrumento para atingir um resultado social

ótimo não seja incompatível com a emergência do que passou a chamar-se Economia

Social, isso impede que a economia surja como um corpo de teorias que busca

explicar como podem ser obtidos resultados socialmente ótimos de ausência de uma

autoridade central que dirija a alocação de recursos escassos.

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Para Platão e Aristóteles, a felicidade do Homem só poderia ser conseguida

dentro da Cidade-estado Assim, a investigação sobre uma vida ideal se confundia

com a investigação a respeito do Estado ideal. Mas, depois da desintegração das

Cidades-estados e do surgimento do império de Alexandre e, mais tarde, de Roma, a

concepção do homem como elemento inseparável da Cidade-estado auto-suficiente

foi suplantada por novas escolas de pensamento quando passaram a dissociar-se os

conceitos-padrão de vida ideal e Cidade-estado ideal. Assim começou o divórcio

entre a Política e a Ética, iniciando a abordagem do homem como um ser individual,

e não mais um ser social como parte dependente do todo.

O estoicismo foi a mais influente destas escolas pós-aristotélicas, e foi por seu

intermédio que se introduziu a Filosofia grega no mundo ocidental. O estoicismo,

filosofia primeiramente concebida por Zenão (340-260 a.C.), recebeu sua mais profunda

expressão nas meditações, do Imperador Romano Marcus Aurelius (121-80 a.C.). De

acordo com os estóicos, o universo é sistemático e racional, sendo governado pela lei

da natureza, que abrange tudo. O homem sábio vive de acordo com a natureza; a

razão orienta sua conduta, de modo que suas ações se conformam aos ditames da

necessidade natural. A maior virtude é a resignação à lei natural, através da razão.

“Fica satisfeito com teu negócio e aprende a amar aquilo que foste determinado a

fazer e, até o resto de tua vida, sê completamente resignado, e deixa que os deuses

façam o que quiserem com teu corpo e tua alma”(RIMA, 1987, p.28). Esta é a

essência da filosofia estóica. A crença de que a felicidade é conseguida pela

resignação á inevitável lei da natureza, sugere uma espécie de fatalismo semelhante

aquele que caracteriza a filosofia oriental, e não leva a aperfeiçoamentos da produção

ou da repartição de riqueza.

Enquanto a satisfação das necessidades materiais do homem não se tornou um

objetivo verdadeiramente desejável da atividade humana, a Economia não surgiu

como um campo separado de estudo. Os milhares de anos durante os quais a busca

de riqueza era vista com desprezo, dificilmente produziriam um conjunto sistemático

de princípios dedicados a explicar a sua obtenção. Com efeito, as civilizações antigas

que tiveram filosofias menos materialistas foram precisamente, como era de se

esperar, aquelas em que existiu a mais notável pobreza de idéias econômicas.

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Entre os povos mais antigos, uma atitude negativa em relação à riqueza talvez

esteja mais claramente evidenciada no pensamento dos hindus e dos chineses,

embora esta seja uma característica do pensamento oriental em geral. A filosofia

oriental considera que a felicidade é conseguida através de um estado de mente em

que as necessidades materiais se tornam cada vez menos importantes. Aceita a

pobreza com passividade fatalista e considera a riqueza com relativa indiferença. A

renúncia material da filosofia oriental e sua rejeição ao valor do homem como

indivíduo, fazem com que essa filosofia seja incoerente com o progresso e o

desenvolvimento do pensamento econômico.

Até a Grécia, com sua cultura altamente desenvolvida, não produziu um

conjunto individualizado de pensamento econômico. Isto, porém, não foi porque os

gregos desdenhassem os bens materiais. Pelo contrário, Platão e Aristóteles

acreditavam que uma quantidade mínima de riqueza é essencial a um padrão de vida

honesto. De acordo com Aristóteles, a unidade familial, o lar (oikos) – existe com a

finalidade de satisfazer as necessidades naturais do homem. Suas atividades incluíam

adequadamente a produção e armazenamento das mercadorias necessárias e úteis, e

sua aquisição pela troca para fins de consumo. Não é natural o varejo, que constitui

troca com objetivo de lucro, como acontece com todas as atividades econômicas que

se orientam para a obtenção de riqueza. A menos natural dessas atividades em que

os homens se empenham é a usura. Aristóteles disse que o dinheiro foi para atuar

como meio de troca e nada mais. O dinheiro não pode gerar dinheiro e seu uso para

gerar riqueza é uma perversão de sua função apropriada.

A discussão de Aristóteles sobre a esterilidade do dinheiro e sua condenação da

usura talvez sejam as mais conhecidas e influentes de suas idéias econômica. Sua

importância neste estudo é para realçar que ele considerava como naturais e somente

as atividades que contribuíam para um padrão de vida elevado. As atividades

econômicas são naturais e próprias, mas são meios para um fim e não um fim em si.

A distinção entre o que é próprio e impróprio, natural e não-natural, não é

simplesmente a que decorre dos fatos; é moral. Dentro desta estrutura filosófica o

estudo econômico somente poderia surgir como Ética Aplicada.

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O domínio do escolasticismo durante a Idade Média apresentou uma barreira

semelhante à investigação econômica. A revivência do comércio, da indústria e da

vida citadina durante os séculos XII e XIII esteve associada a diversas práticas que

conflitavam com os ensisamentos cristãos. Assim, Santos Tomás de Aquino, na

summa theológica, dirigiu sua atenção a questões tais como: Será legal vender uma

coisa por mais do que vale? Quais são as obrigações dos compradores e vendedores

no que tange a transações? Será pecado receber juros pelo dinheiro emprestado? Ao

responder estas e outras perguntas que emergiam como resultado de expansão das

atividades comerciais, Santo Tomás examinou o Direito Civil á luz dos ensinamentos

cristãos e dos princípios da lógica aristotélica, então, recentemente redescobertos.

Esta síntese produziu o Direito Canônico, uma doutrina completa e sistemática que

se estendeu a todos os aspectos da vida, inclusive à Economia. A doutrina dos

escolásticos, que eram teólogos católicos da Idade Média, baseava-se na teologia, ou,

mais precisamente, na Ética Cristã. Sua doutrina econômica, embora de natureza

mais sistemática, diferia da Economia moderna por ser de caráter prescritivo, e não

analítico. Seu objetivo, em contraste com a moderna Economia, cujo objetivo é

explicar os fenômenos econômicos, foi lançar um conjunto de regras de conduta.

Os fundamentos da doutrina canônica derivam de vários princípios básicos cujo

exame é útil para a compreensão das razões pelas quais o conjunto de idéias

econômicas que dela se pode extrair era bem diferente da Análise Econômica que

subseqüentemente iria surgir. A hipótese com a qual os pensadores trataram de

assuntos econômicos durante o século XVIII e depois era a de que a conduta humana

fosse guiada pelo interesse individual. Este se manifesta na esfera econômica pelo

desejo e busca de riqueza. Tipicamente, os autores modernos abstraem os aspectos

morais da obtenção de riqueza. Os que, no tempo, se acham em maior proximidade

da Idade Média (como Adam Smith que escreveu durante o último quartel do século

XVIII), geralmente interpretavam os instintos econômicos do homem de maneira a

conciliar o interesse individual com o bem comum. Em contraste, os pensadores

medievais condenaram a busca da riqueza como um fim. Para eles preço de um

vendedor é justo quando não é mais do que ele necessita para sustentar-se em sua

categoria social na vida. Assim, o conceito de justo preço é da Ética cristã, cujo

domínio inibiu a emergência da Economia como disciplina autônoma.

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Não importa a simplicidade ou complexidade das disposições ou técnicas

usadas, a essência da atividade econômica é a utilização dos recursos materiais e

humanos para a satisfação das necessidades. E um fato incontornável serem os

recursos escassos em comparação a seus muitos usos alternativos. A impossibilidade

de satisfazer todas as necessidades representa um problema duplo: primeiro, quais as

necessidades que devem Ter prioridade; e, em segundo lugar, como serão as

necessidades satisfeitas? Em base individual, esses problemas são relativamente

simples. O indivíduo sabe perfeitamente quais as suas preferências por bens,

serviços e lazer e, se tiver liberdade para fazê- lo, usará sua renda monetária ou

trabalho para aquiri- los, em uma ordem que corresponda à sua escala de preferências.

Não é necessário dizer que isto não implica em que as escalas de preferências sejam

racionais, boas ou imutáveis, mas que dentro da limitação de seus próprios recursos o

indivíduo terá de escolher entre suas necessidades e, naturalmente, dirigirá sua

atenção primeiramente às que são, talvez permanentemente, talvez

momentaneamente, mais importantes para ele. Ele avalia a importância relativa de

cada necessidade, e a prioridade que estabelece determina como distribuirá seus

recursos pessoais.

A adaptação dos meios aos fins é muito mais complicada no que concerne à

sociedade como um todo. Eis que, embora ainda reste o problema de escolha, não há

maneira pela qual as necessidades de seus vários membros individuais possam

tornar-se comparáveis. Não obstante, toda sociedade deve estabelecer alguma

prioridade entre os desejos materiais de seus cidadãos, em virtude da escassez de

recursos que impõe universalmente a necessidade de escolha. A característica comum

de todas as sociedades, anteriores ao século XVIII, é que as decisões que deveriam

ter prioridade - e, portanto, a alocação de recursos - eram ditadas pela autoridade

central e reforçadas pela tradição. Já que não se pode comprar a urgência relativa das

diferentes necessidades, qualquer que seja a escolha feita por uma autoridade central

ela tem de ser arbitrária. A intensidade com a qual um determinado grupo ou

indivíduo satisfazia suas necessidade, em relação aos demais, dependia de seu status

na hierarquia social, e este refletia a importância atribuída à sua função pela

sociedade. Desde tempos imemoriais soldados, sábios, clérigos, artesãos, lavradores

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e negociantes têm executado suas funções, mas as diferentes sociedades lhes

conferiram vários graus de status.

Na sociedade feudal da Idade Média, por exemplo, a posição mais destacada era

ocupada pelo senhor feudal, que possuía a terra e tudo quanto nela havia. Ele

garantia a proteção das vidas dos servos e dos homens livres em seu domínio. O

vácuo criado pela queda da parte ocidental do velho Império Romano foi preenchido

pelos senhores feudais que proporcionaram um sucedâneo para a lei e a ordem de um

governo central. Os servos, por sua vez, tinham a obrigação de produzir alimentos e

outros produtos, e servir no exército de seu senhor. Todos tinham na sociedade um

lugar rigidamente regulado e uma função a executar, que a tradição perpetuou de

geração a geração. Cada feudo constituía uma unidade econômica, social e política

auto-suficiente, com caráter distintamente rural. A natureza da produção, distribuição

e consumo era determinada pelas ordens do senhor e pela força da tradição.

Em outras sociedades primitivas, a fonte de autoridade e os critérios, de acordo

com os quais as necessidades recebiam prioridades, eram diferentes. Mas havia uma

semelhança essencial; o principal impulsor da atividade econômica era composto de

tradição e comando, e era um reflexo do padrão filosófico ou teológico para o bem-

-estar social e moral que, então, prevalecia. Tanto os pensadores gregos e romanos,

como os medievais, concentravam-se no problema de organizar a oikos, a cidade-

estado, o latifúndio, ou a casa senhorial, sob a direção do pai da família, o senhor ou

o rei , a fim de promover o bem-estar dos membros da comunidade. A tomada de

decisão econômica estava fora da alçada da ação individual; e o enriquecimento

individual, especialmente sob a forma de usura, era fortemente censurado. Dentro

deste arcabouço não havia terreno para o desenvolvimento da Economia à maneira

pela qual esta é concebida no sentido moderno. Não se exigia explicação para a

maneira pela qual os recursos eram alocados. Era tudo uma questão de lei ou

tradição. Embora houve muita coisa sobre as quais o pensador podia especular, tudo

estava no reino da Ética, Teologia e Política, mas não da Economia. Não foi senão

depois da evolução do sistema de mercado de alocação de recursos que a Economia

surgiu como um campo de estudo separado.

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A essência do sistema de mercado é a liberdade que se dá ao fator produção na

busca de oportunidades de emprego mais lucrativas. Evidentemente, esta modalidade

de alocar recursos não poderia impor-se até que a aprovação do ganho individual

fosse sancionada pela sociedade. Tampouco ela poderia impor-se, senão depois que

os recursos humanos e materiais passassem a existir como agentes de produção.

Naturalmente, a terra, o trabalho e o capital sempre existiram em sentido físico. Mas

não se tornaram agentes de produção enquanto seus serviços não foram postos à

venda. Antes do século XIV, a terra dificilmente era vendida, e certamente, não

existia algo como um mercado imobiliário. De fato, já que a terra era a fonte

principal de riqueza e a base da estrutura social medieval, fazia-se todo o esforço

para garantir que as propriedades fossem preservadas através de costumes tais como

o da primogenitura e o do vínculo. Naturalmente, a Igreja era, isoladamente,

dententora dos maiores latifúndios. A estrutura da sociedade teria ainda de submeter-

-se a profundas mudanças antes que a terra se tornasse comercializada.

Igualmente, não havia um mercado de trabalho enquanto o ser humano não se

libertou da escravatura, da servidão, ou do aprendizado com um mestre da

corporação. Não foi senão depois que o homem teve liberdade para vender seus

serviços em um mercado competitivo que surgiu o trabalho, em sentido econômico.

Nem existia capital na acepção moderna do termo. Embora existissem ferramentas e

equipamentos e se acumulassem fundos, mesmo nas economias mais simples, não

havia incentivos para usá- los afim de criar técnicas de produção mais novas e

eficientes. Na verdade, durante a Idade Média, as guildas regulavam estritamente o

método e a quantidade da produção.

O amanhecer do Renascimento libertou as forças que no final proporcionariam

o clima para o desenvolvimento da Economia como disciplina separada. Os

historiadores não estão em completo acordo a respeito da amplitude de tempo

durante o qual atuaram as muitas e complexas forças que iriam destruir a vida

econômica, política, social e religiosa do feudo. Habitualmente, o início do

Renascimento é considerado como a época da queda de Constantinopla, em 1453,

embora muitos dos eventos dos século XI e XII apregoassem as mudanças que

alcançariam desenvolvimento mais completo nos séculos que vieram depois.

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Igualmente, o fim do século XVII é geralmente considerado como o final do

Renascimento, embora muitas idéias e influências medievais tenham continuado até

o século XVIII. A data precisa desta significativa época na história humana é, porém,

consideravelmente menos importante do que o reconhecimento da tremenda mas

gradativa mudança que ocorreu em cada aspecto da vida humana. Do ponto de vista

econômico e social, foi um período durante o qual o comércio reviveu, surgiram

novas formas de riqueza e passou a existir uma vida citadina dominada por uma

classe social inteiramente nova. Politicamente foi um período que testemunhou o

crescimento de poderosos Estados nacionais; e intelectualmente foi um tempo de

ceticismo, de crescente secularização e de um declínio correspondente da autoridade

da Igreja de Roma. Cada um destes aspectos do Renascimento teve um impacto

sobre as atividades e instituições econômicas. Criando o ambiente dentro do qual

ocorriam os fenômenos econômicos, cada qual também serviu para estimular seu

estudo.

A característica mais dramática do renascimento foi o declínio do sistema

feudal, assinalando o fim do feudalismo. Mais do que qualquer outro fenômeno

econômico, a desintegração do sistema feudal anunciou o Renascimento, isto é, a

aurora dos tempos modernos. Naturalmente, deve-se reconhecer que esse declínio foi

muito gradativo e, se considerarmos o que ocorreu na Europa como um todo,

estendeu-se durante diversos séculos. As causas específicas do declínio do

feudalismo são extremamente complexas. Uma das principais causas teve origem na

expansão do comércio. Houve dois grandes movimentos comerciais entre os séculos

XI e XVI; um centralizava-se ao redor do Mediterrâneo e do Adriático, e o outro nas

costas do norte da Europa acessíveis através do Mar do Norte, e no Báltico. Entre os

dois pontos estava a Europa continental ainda grandemente rural e adormecida nas

instituições do feudalismo que não tinham sofrido alterações. Os catalisadores que

levaram a atividade comercial ao interior do continente foram as Cruzadas no sul da

Europa. Estas introduziram bens novos e exóticos trazidos do Oriente, e a

especialização da produção que se desenvolveu no norte da Europa em decorrência

da distribuição de recursos naturais e o do crescimento da população. No século XI a

Flandres era tão densamente povoada que começou a concentrar-se na produção de

tecidos que exportava a fim de obter matérias-primas e alimentos. Desta forma, a lã

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da Inglaterra e o peixe da Dinamarca e do sul da Suécia se tornaram mercadorias

comuns do comércio inter-regional, centrado em Flandres. Foram criadas grandes

feiras internacionais em confluências de rios ou estradas. O local denominado

Champagne, que é um pequeno principado nas proximidades de Paris, para onde

convergiam as estradas da Flandres, Itália, França e Alemanha, tornou-se o mais

famoso dos diversos oásis comerciais aos quais os comerciantes levavam suas

mercadorias.

As instituições que iriam tornar-se parte integrante do capitalismo começaram a

florescer primeiramente em conjunto com as atividades comerciais da Europa

medieval. A Itália, ou mais especificamente, Veneza, parecia ser o nascedouro das

instituições financeiras do capitalismo. Além de suas diversas indústrias importantes

– entre as quais a do vidro, ainda florescente e famosa até hoje – e seu extenso

comércio, os venezianos tinham instituições financeiras para negociar em letras de

câmbio, fazendo transações a crédito e seguro marítimo. Os florentinos também se

sobressaíam como banqueiros; a Lombard Street em Londres é uma lembrança

moderna da posição dos Lombardos na primitiva história bancária. A família Medici

também se especializava em facilitar o câmbio, isto é, trocando as moedas de um

local para as de outro. Esta atividade era uma conseqüência natural da expansão do

comércio e das feiras medievais. Estas, por atraírem mercadores com diferentes

moedas de toda a Europa, fizeram com que os trocadores proporcionassem

facilidades para a conversão a um certa taxa-padrão. As letras de câmbio eram

usadas no comércio de longa distância porque reduziam a necessidade de embarcar

ouro e prata. Assim, as atividades bancárias dos mercadores-banqueiros do final do

período medieval foram as pioneiras no uso da dívida como um sucedâneo da moeda

– fator que se tornou uma característica essencial da moderna atividade bancária.

Um outro subproduto da expansão do comércio foi o de haver este estabelecido

uma base econômica para a vida citadina, que tinha sido virtualmente destruída com

a desintegração do Império Romano. Originalmente, os senhores feudais

reivindicavam jurisdição sobre as cidades adjacentes a sua terras; mas as atividades

comerciais das cidades não eram coerentes com as restrições inerentes aos

relacionamentos feudais. Como resultado, não era raro que uma cidade comprasse

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uma carta de alforria garantindo liberdade em relação aos senhores feudais. O status

dos habitantes citadinos era singularmente diferente da servidão da maior parte da

população rural, cuja maioria não era de homens livres. A sanção legal à liberdade

individual proporcionada pela alforria das cidades foi um fator adicional que

contribuiu para a destruição das instituições feudais e sua modalidade de

comportamento econômico. Os senhores feudais foram reduzidos a coletar receitas

dos citadinos em troca de liberdade política, e o povo das cidades voltavam suas

aspirações em direção ao ganho econômico através do comércio.

Os mercadores formaram associações voluntárias conhecidas como guildas que

se juntavam em caravanas para maior segurança da mercadoria e dos homens

enquanto seguiam em suas trocas cobrindo grandes distâncias. Várias guildas

regionais se juntaram a fim de formar organizações maiores, conhecidas como

hansas, e guildas nacionais. Estas se tornaram típicas na Inglaterra, enquanto que as

hansas se desenvolveram até os tempos modernos em áreas que, como a Alemanha,

careciam de um governo central forte. A Liga Hanseática foi a mais poderosa e

famosa de todas. A partir do final da Idade Média até a unificação política da

Alemanha, serviu como sucedâneo dos governos centrais ao mesmo tempo que

facilitava o comércio entre as várias regiões da Europa.

Durante a parte final do século XIII, o centro do comércio do norte europeu se

transferiu de Champagne para Bruges, Antuérpia e Amsterdã. Este fato marcou a

transição do mercador viajante para o sedentário como o principal participante no

comércio de longa distância, e foi acompanhado de desenvolvimentos importantes

tanto em organização empresarial e de mercado como em técnicas de operação. Mais

especificamente, a bolsa substituiu a feira como organização vendedoura. As feiras

das épocas anteriores expunham mercadorias de tipos muito variados oferecidas por

artesãos individuais. As bolsas facilitaram a comercialização de artigos que se

prestavam a uma padronização física suficiente, de modo que os bens não

precisavam estar fisicamente presentes. A instituição da bolsa operava sob condições

que se aproximavam da concorrência pura, oferecendo mercadorias homogêneas

através de uma liberdade de acesso aos mercados. Esta característica foi simbolizada

no século XVI pelo prédio da bolsa em Antuérpia, que exibia a inscrição Aberta aos

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mercadores de todas as nações. Isso contribuiu ainda mais para a vitalidade da

atividade econômica.

O intenso crescimento da população da Europa e a excelência de seus recursos

naturais combinados com técnicas de produção mais evoluídas aceleraram expansão

da produção e ampliaram os mercados. Os mercados crescentes possibilitavam a

especialização dos trabalhadores em determinados produtos, adquirindo eles perícias

ocupacionais que os transformavam em artesãos. Esta especialização e a divisão do

trabalho que tende a acompanhá- la resultaram na produção para o mercado,

substituindo a forma mais primitiva de produção que era para autoconsumo, típica

das unidades familiais do sistema feudal. O artesanato medieval é, portanto, um

passo intermediário para a industrialização. Durante o estado mais avançado do

sistema artesanal os artesãos se comprometiam com os mercadores a ceder-lhes seu

produto, dessa forma divorciando-se do consumidor final. Em um estágio posterior,

que se desenvolveu quando o mercado se estendeu ainda mais, os mercadores

compravam o produto diretamente dos trabalhadores que agora trabalhavam por

salários, em lugar de funcionarem como artesãos independentes. Freqüentemente os

mercadores forneciam instrumentos e matérias-primas, coletando e vendendo o

produto final. Este sistema, que é conhecido como produção caseira, ou sistema

caseiro, serviu como passo intermediário no desenvolvimento do sistema fabril e

marca o começo da primeira classe assalariada permanente. Sob o sistema artesanal

medieval não existia tal classe – tipicamente os aprendizes se tornavam artífices que

se desenvolviam e passavam a ser mestres artesãos. No sistema de produção caseira

o capital se tornou fator completamente separado do trabalho – tipicamente

proporcionado pela população rural que trabalhava em suas próprias cabanas. Assim,

a extensão do mercado foi a principal força que conduziu ao declínio do sistema

artesanal medieval em torno do século XIV, assim como dois séculos antes a

expansão do comércio tinha sido a principal força na destruição do sistema feudal.

Ao final do século os últimos vestígios de uma economia rural feudal é que

permaneciam. Muitas ilhas de capitalismo que floresciam no sul e no norte da

Europa estavam às vésperas de expandir-se para uma posição de domínio sobre a

vida econômica européia como um todo. Apenas um pré-requisito essencial do

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capitalismo estava ausente: um padrão ético que fosse compatível com a acumulação.

O padrão ético que ainda prevalecia era ensinado pelos padres da Igreja, cuja atitude

era negativa em relação a atividades empreendidas em busca de riqueza. Era difícil

conciliar os ensinamentos de Santo Tomás de Aquino e de Santo Agostinho com a

necessidade de acumular bens. Para que a produção capitalista continuasse seu

crescimento havia a necessidade de uma ideologia inteiramente nova que sancionasse

moralmente o comportamento típico da acumulação capitalista. A sanção veio dentro

da estrutura de um clima intelectual totalmente novo, algumas vezes mencionado

como Iluminismo, que iria estimular o nascimento não apenas da Filosofia moderna e

da Reforma Protestante, mas também o da ciência moderna. Essencialmente, estes

desenvolvimentos têm uma origem comum, que é a tese de que a razão humana,

como da revelação divina, é suficiente para descobrir a verdade. Esta tese destruiu o

vínculo entre a fé e a razão, e também entre a Teologia e a filosofia – vínculo forjado

durante a Idade Média, em grande parte através dos esforços de Santo Tomás de

Aquino. Para este o conhecimento era o produto não apenas da razão (Filosofia) mas

também da revelação (Teologia). Todos os ramos do conhecimento (Lógica, Ética,

Política e Economia) estavam consolidados num grande conjunto através da

Teologia. Todavia, a união entre a filosofia e a Teologia estava longe de ser

permanente e durante séculos foi questionada até mesmo dentro da própria Igreja.

A conseqüência do divórcio final entre a razão e a fé foi o secularismo e o

ceticismo religioso que iria caracterizar a atividade intelectual desde o século XV até

o século XVII. Em essência, esta revolução intelectual reivindicava do indivíduo

racional e possuidor de vontade própria. Estes princípios se tornaram fundamentais

para a revolução espiritual que foi a Reforma Protestante. O ataque de Martim Lutero

contra o mau uso das indulgências, a veneração de imagens e relíquias e outras

práticas que ele considerava pagãs, é uma expressão de sua ênfase sobre o indivíduo

e do poder da mente humana para descobrir a verdade. Embora a interpretação de

Lutero sobre os ensinamentos cristãos não fosse particularmente simpática á

indústria e ao comércio, os movimentos reformistas de John Calvin, John Knox e os

puritanos o eram muito mais. Com efeito, eles adotaram atitudes tão fortemente

favoráveis à acumulação, através do trabalho útil e do uso judicioso e prudente da

riqueza, que suas opiniões passaram a ser descritas como a Ética Protestante, que

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lançou e encorajou o desenvolvimento do capitalismo no norte da Europa. Pelo

menos esta é a tese proposta por Max Weber, sociólogo e economista alemão, em A

Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

Naturalmente, a hipótese de Weber não conta necessariamente a história toda,

porque o fato de norte da Europa e a Inglaterra estarem geograficamente bem

localizados e terem um clima e recursos conducentes à indústria é, sem dúvida, um

outro fator explicativo de seu desenvolvimento industrial. Mas é certo que aqueles

que se converteram ao protestantismo tinham mentalidade decididamente comercial e

possuíam atributos pessoais que encorajavam a atividade empresarial, e que neste

sentido a Reforma contribuiu para o desenvolvimento capitalista e, assim, para o

pensamento econômico. Sua maior preocupação com os aspectos materiais da vida

resultaram em atitudes para com o trabalho e a aquisição de riqueza

significativamente diferentes das que prevaleciam quando o propósito principal da

vida na terra era a preparação para a vida no além. A acumulação já não mais

considerada como pecado, tornou-se uma virtude; o mercador, já não mais

considerado como anticristão por causa de suas atividades orientadas para o lucro,

pelo contrário lhe cresceu em estatura e passou a ser visto um pilar da igreja

protestante e da comunidade. Seu objetivo de lucro era um fim em si próprio que não

se relacionava de modo algum com suas necessidades materiais ou as de sua família.

Na verdade, a frugalidade e o asceticismo são partes tão integrantes da Ética

Protestante quando o trabalho e a autonomia do indivíduo. Este último principio

estabelecia que nenhum homem poderia ser mantido em servidão. Mas, uma vez

associado com a idéia da dignidade e do valor moral do trabalho que tinham mérito

diante de Deus e, portanto, constituíam um fim em si em vez de significar a

satisfação de necessidades materiais, tal princípio serviu bem ao sistema capitalista,

por ter estimulado a produtividade, a poupança e a acumulação de capital.

O novo intelectualismo trouxe consigo não apenas a busca de novo

conhecimento mas também de novas técnicas para sua aquisição de novas bases para

sua avaliação. Esta foi a revolução intelectual em que a revelação cedeu lugar á

ciência e que iria fomentar o progresso rápido da Botância, Anatomia, Astronomia,

Matemática e Física. A Física newtoniana e o brilho prático de homens como James

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Watt, inventor da maquina a vapor, proporcionaram a base para os progressos

tecnológicos sobre os quais se assenta a capacidade sem precedentes de produção de

riqueza do capitalismo. O ambiente e as instituições do capitalismo estimulavam

novas idéias e facilitavam sua conversão prática em empreendimentos lucrativos.

Há um outro aspecto do desenvolvimento da ciência pura que ocorreu durante o

século do Iluminismo que merece atenção. Estes desenvolvimentos estimularam

indiretamente o estudo sistemático dos fenômenos sociais. Uma vez reconhecido que

o universo físico obedece a certas leis que podem ser descobertas por

experimentação e observação, foi apenas uma questão de tempo até que se

especulasse sobre a aplicação dos mesmos princípios ao universo social para

descobrir as leis que governam os fenômenos sociais.

Ainda mais estímulo à investigação econômica iria surgir do desenvolvimento

das idéias políticas. A Reforma foi uma das principais fontes de tais

desenvolvimentos. A Europa se fragmentou pela divergência religiosa à medida que

protestantes e católicos lutavam pela supremacia. O beneficiário principal desta

disputa foi a monarquia absoluta. Assim como a monarquia substituía os

relacionamentos feudais, a tributação substituía o serviço pessoal como meio de

sustento do Estado. O surgimento do Estado, e a necessidade forçosa que lhe estava

associada, de encontrar o melhor caminho para aumentar sua receita marca o início

de uma moderna Economia Política. Foi esta a era do mercantilismo, durante a qual a

tomada de decisão econômica ainda não estava liberada pelo Estado e a Economia se

encontrava em sua fase pré-analítica. Subseqüentemente a Economia se divorciou da

Política e assim constituiu, afinal, um campo de estudo separado.

O divórcio entre a Economia e a Política exigiu o desenvolvimento dos

conceitos da ordem natural. Estes conceitos se tornaram o veículo para o liberalismo

político e econômico dos fisiocratas e de Adam Smith durante o século XVIII.

Ambos derivam da Filosofia estóica que por fim passou, através dos escritos de

Cícero, para os conceitos legais romanos. De acordo com os juristas romanos a lei

natural é não apenas universal e imutável, como também constitui o fundamento do

Estado, já que existia antes da fundação de qualquer Estado. Assim, o Estado é “(...)

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uma reunião de homens associados em harmonia com a lei”(RIMA, 1987, p.41). Esta

é uma consideração diferente da opinião grega de Estado como conseqüência da

necessidade natural. Dessa forma, os pensadores romanos contribuíram com duas

idéias que iriam afetar profundamente o pensamento político e econômico do futuro:

primeiramente, a idéia do Direito Universal; e, depois, de que o Estado se baseia em

consentimento mútuo. Estas duas idéias proporcionaram o fundamento para a

concepção dos direitos individuais, sem o que o moderno capitalismo não poderia ter

desenvolvido. Embora os pensadores romanos tenham contribuído pouco no que

tange ao desenvolvimento do pensamento econômico, é o Direito Romano com sua

ênfase na propriedade privada e liberdade de contratar que constitui a base para as

doutrinas legais e as instituições do capitalismo. Essas idéias receberam nova

expressão durante o século XVII e refletem um aspecto do novo Weltanschauung, ou

concepção do mundo, que surgiu durante o Renascimento e a Reforma.

O Renascimento e a Reforma deram origem á idéia do homem sem patrão, do

indivíduo autônomo criado à imagem de Deus e, portanto, inerentemente bom, mas

individualmente responsável por sua própria salvação. A idéia do homem possuindo

vontade própria e, portanto, poderes para pensar e fazer as coisas, deu ao homem do

Renascimento uma estimativa de seu próprio valor e importância no esquema das

coisas, fato que teria sido inconcebível para o homem da Idade Média. Assim, ele

desafiou a autoridade intransigente do monarca que dizia governar por direito divino,

porque tal autoridade estava em conflito com a concepção de um indivíduo

autônomo sujeito somente à sua própria consciência e aos ditames da razão correta,

Esta é a concepção do século XVII sobre o Direito Natural, que foi proposta pelo

holandês Hugo Grotius.

A versão secularizada do Direito Natural, de Grotius, foi especialmente

significativa em definir os direitos naturais que a razão demonstra pertencer aos

indivíduos em virtude de sua humanidade. Estes são direitos inalienáveis que não

podem ser ab-rogados por lei e que John Lock mais tarde formulou como o direito á

vida, liberdade e propriedade. As classes comerciais em elevação foram rápidas em

adotar esta filosofia porque ela refletia suas próprias aspirações de crescimento.

Como resultado da melhoria de seu status econômico durante o período do

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mercantilismo, essas classes passaram a questionar os privilégios que se baseavam

em nascimento e posição social. Acreditavam nos direitos do indivíduo à propriedade

e aos frutos de seu próprio trabalho; em falar, escrever, reunir-se e adorar como o

desejassem; acreditavam Ter o direito de um julgamento justo e liberdade da prisão

arbitrária e da punicação cruel ou inusitada. Assim, a mesma classe burguesa que

tinha suportado o absolutismo dos Tudors durante o século XVI, liderou a revolução

gloriosa que culminou por estabelecer a supremacia do Parlamento. Este protesto

contra o poder ilimitado do soberano marcou a primeira vitória do liberalismo sobre

o absolutismo – vitória que mais tarde ecoou na Revolução Americana para a

independência da Grã-Bretanha em 1776, e na Revolução Francesa de 1789.

O crescimento da liberdade política era paralelo a uma maior liberdade

econômica que deu origem a novos problemas e fenômenos econômicos que exigiam

explicação. Mas o objetivo da investigação durante este período foi mais Economia

Política do que análise econômica. A análise puramente econômica não surgiu até

que os fisiocratas se interessassem pelas condições econômicas que prevaleciam na

França durante a década de 1750. Seus escritos marcam o surgimento da Economia

como matéria separada, com instrumento de análise e conceitos próprios.

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2 . FISIOCRACIA: O INÍCIO DA ANÁLISE

MACROECONÔMICA

É bem possível que a reação contra as doutrinas e as práticas restritivas do

mercantilismo tenha sido mais violenta na França do que na Inglaterra. A França

tinha prosperado pouco com as providências estimuladoras de indústria introduzidas

por Jean Baptiste Colbert, porque diferentemente da inglesa, a economia francesa era

basicamente agrária. Acrescente-se a isso o fato de ter sido a riqueza do país drenada

por guerras coloniais infelizes e dispêndios extravagantes na corte, tudo isso

exigindo grandes impostos para sustento. As dificuldades de avaliação da renda

pessoal e a isenção do clero e da nobreza na tributação fizeram com que a carga

caísse quase exclusivamente sobre o proprietário de terras e o camponês. Isso

empobreceu as classes rurais de tal forma que as exigências de reforma se tornaram

cada vez mais insistentes, até que, por fim, os fatos culminaram na Revolução

Francesa.

Mas, antes desta grande explosão, os fisiocratas apresentaram um apelo

eloqüente para que a revolução viesse de cima. Algumas das observações e

recomendações feitas pelos fisiocratas foram antecipadas nos escritos de Pierre

Boisguilber (1647-1707) e Sébastien de Vauban (1633-1707). Ambos os autores

estavam reagindo às condições adversas que prevaleciam na França durante o

período seguinte ao reinado de Luís XIV. Compreensivelmente, punham sua maior

ênfase nas reformas tributárias e na abolição de direitos aduaneiros para as

exportações de cereais. Prenunciando os fisiocratas, Boisguilbert considerava a terra

como a principal fonte de riqueza e criticava a ênfase mercantilista em metais

preciosos. Considerava a riqueza como consistindo na oferta de coisas necessárias e

convenientes que o homem deseja para a satisfação de suas diversas necessidades.

Sustentava ele que o primeiro requisito para a criação de riqueza era a eliminação

das obstruções criadas pelo Homem à harmonia natural, tais como impostos

abusivos, direitos aduaneiros, práticas monopolistas das guildas, extravagâncias da

corte, e grandes dívidas públicas.

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Vauban tornou a reforma tributária seu principal interesse e propôs uma taxa

única de imposto a fim de substituir todos os demais impostos diretos. Infelizmente,

as reformas propostas por Boisguilber e Vauban lhes trouxeram mais desonra do que

consagração. A monarquia absoluta do ancien régime tolerava pouca crítica. Seus

escritos foram suprimidos, mas suas idéias sobreviveram mesmo assim, e muitas

foram incorporadas aos esforços de reforma que mais tarde viriam com fisiocratas.

Os apelos para reforma e até para programas de reforma, como o Projeto para o

Dízimo real que Vauban ofereceu em 1707, aparentemente foram inadequados. O

que se necessitava além disso, era de uma filosofia, de uma análise sistemática que

proporcionasse uma lógica para a reforma, explicando a fonte dos males que

assolavam a economia francesa. Os fisiocratas, ou economistas, como preferiam

chamar-se, iriam suprir essas necessidades.

Em meados do século XVIII já havia sido acumulado uma abundância de idéias

das quais em breve iria surgir uma nova disciplina que ganharia o nome de

Economia. Embora a filosofia grega fosse sua fonte última, seus inícios seriam mais

precisamente encontrados na emergência de ciência moderna, durante o período pós-

- Renascimento. As investigações e pesquisas que culminaram no sistema new-

toniano estimularam indiretamente o surgimento de ciência social. O reconhecimento

de que os eventos físicos obedecem a certas leis tornou razoável investigar se

também haveria leis que governem os eventos humanos, e se seria possível

prescrever maneiras de melhorar o ambiente social com base nestes princípios. Os

fisiocratas investigaram os processos sociais, tendo por alvo descobrir a causação e

um princípio da regularidade, assim como Sir Issac Newton e outros cientistas físicos

tinham feito antes, com respeito a fenômenos naturais, como John Locke tinha

tentado fazer com os fenômenos sociais que examinou.

O sistema fisiocrata está associado principalmente a François Quesnay, médico

de Madame Pompadour e mais tarde de Luís XV; Quesnay, parcialmente em

resultado de suas experiências anteriores com a lavoura e parcialmente em resultado

de sua crença na primazia da natureza, interessou-se pela má situação dos

camponeses franceses e seu relacionamento com os males da França. Dirigiu suas

investigações procurando explicar a natureza e a criação de riqueza, e o

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relacionamento que a modalidade de sua circulação tem em relação ao bem-estar da

economia. Era clara a inferência de que algo devia ser feito em definitivo a fim de

prevenir a diminuição progressiva da riqueza do país, que vinha ocorrendo durante o

longo e malsinado reino dos reis Bourbon. Naturalmente, a idéia da reforma não era

nova. O que tornava o programa fisiocrata singular era, primeiramente, que estava

articulado com um sistema teórico que dizia procurar explicar a criação, circulação e

produção da riqueza da nação; e, em segundo lugar, que se baseava na continuação

da monarquia e da estrutura de classe existente. O termo fisiocracia, primeiramente

usado por Dupont de Nemours, significa regra da natureza. Quesnay aceitava a idéia

de que uma providência divina regulava a existência, constituindo-se numa ordem

natural universal e inerentemente perfeita. A conformidade às leis da ordem natural

assegurarão o máximo de felicidade, ao passo que a infração às leis fixas da natureza

dão origem a conseqüências correspondentemente desastrosas. O homem, como

criatura racional criada por uma providência benevolente, tenderá a conformar-se em

todas as suas atividades a um desígnio que lhe está acima. Esta filosofia sugere que é

desnecessário e indesejável que os governos sejam reguladores. A legislação que se

conforma à natureza é supérflua, e a que está em conflito com a natureza certamente

será derrotada porque, no final, a lei da natureza é suprema. Esta é a base do famoso

ditado, Laissez faire, laissez passer, que iria figurar de modo tão importante no

desenvolvimento subseqüente da teoria econômica. Com isso, inevitavelmente os

fisiocratas convidavam a uma comparação entre a França, como esta se encontrava

sob o governo absoluto de uma monarquia por direito divino, e a França que poderia

estar sob um sistema de perfeita liberdade.

Era tão grande a discrepância entre o ancien régime e o regime ideal que

poderia parecer que a filosofia e as doutrinas fisiocráticas apregoavam a Revolução,

embora não fosse sua intenção alterar o status quo. Pelo contrário, os fisiocratas eram

defensores entusiásticos da monarquia e da nobreza. Para eles, o governo da natureza

não significava viver sem leis, mas sim a ausência de uma legislação desnecessária.

A função do soberano é meramente dar expressão à sabedoria divina que já governa

o universo e, ao proceder dessa maneira, ele seria um déspota absoluto.

Contrariamente à idéia popular de que a tarefa de governar é extremamente

complicada, os fisiocratas sustentavam que na prática haveria relativamente poucas

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coisas para os reis fazerem, porque todas as pessoas razoáveis obedeceriam ao

governo da natureza, desde que a conhecessem. Todo o indivíduo esclarecido

reconheceria que o rei é meramente o instrumento por cujo intermédio são

executadas as leis da natureza. Assim, os fisiocratas tinham o maior desprezo pelo

princípio da liberdade política, porque os representantes eleitos nem sempre podem

ligar os interesses pessoais e grupais da nação inteira. Somente o monarca

hereditário, permanente e sem auto- interesse é que pode harmonizar o interesse de

todos. Por isso, deve ser óbvio que os fisiocratas não eram proponentes de

autogoverno democrático. Tampouco seu apelo era em prol do despotismo

benevolente. Queriam simplesmente um déspota esclarecido que, reconhecendo que

o único caminho para a felicidade é aquiescer ao governo da natureza, desse origem a

uma revolução vinda de cima.

O trabalho de Quesnay e seus discípulos marca o início da Economia como

disciplina. Usando o processo de abstração, foram os primeiros a procurar a

existência de leis gerais de acordo com as quais os fenômeno econômicos se

comportam. Fechando o hiato entre a vontade livre e o Direito Natural que há tanto

tempo dividia a Teologia e a Ciência, estabeleceram o alicerce para o estudo

sistemático de fenômenos sociais em um nível empírico. Filósofos como Descartes,

Hobbes e Hume já tinham abandonado a aceitação de fontes supersenscrias do

conhecimento, sustentando, ao invés, que o conhecimento é obtido após o

nascimento e que os fatos percebidos dessa forma constituem o todo da sabedoria

humana. Os fisiocratas lidavam com fatos, os fatos de uma sociedade doente com os

abusos, já às vésperas da uma revolução; e dessas observações formaram sua teoria

de uma economia funcionando de maneira ideal, que automaticamente tenderia a

conseguir resultados ótimos não fossem os distúrbios introduzidos pelos seres

humanos sem conhecimentos a respeito da ordem natural. Embora o

providencialismo predeterminado (que tornou suas leis econômicas inexoráveis em

sua operação) seja muito diferente da necessidade que se liga às generalizações que

hoje em dia conhecemos como leis econômicas, eles, não obstante, criaram mais

terreno para Adam Smith e todos os que o seguiram e que usaram o método

dedutivo. Também constituíram o primeiro grupo de pensadores cujas idéias eram,

em geral, tão aceitáveis para todos, que a maneira das identidades individuais, com

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exceção de Quesnay, estão perdidas na do grupo como um todo, de modo que eles

são os primeiros pensadores a constituir uma escola de pensamento.

Devemos aos fisiocratas uma análise da produção e da riqueza que, embora

imperfeita, está muito além das opiniões mercantilistas. Estamos lembrados de que

no pensamento mercantilista a riqueza consistia em tesouro, e acreditava-se que

somente o comércio poderia fazer com que nação prosperasse. Diziam os fisiocratas

que a riqueza consiste nos bens produzidos com a ajuda da natureza, em atividades

tais como lavoura, pesca e mineração. Esta linha de pensamento está além da idéia

mercantilista, embora a restrição da riqueza para a produção de indústrias primárias

seja indevidamente estreita. Sua crença de que somente a terra é a fonte de riqueza

levou-os a pensar que apenas o trabalho em ocupações primárias, particularmente na

lavoura, é que é produtivo. Concebiam a economia como compreendendo três

classes: a classe dos proprietários, a dos cultivadores e a dos estéreis. A natureza de

cada uma das classe e seu papel na economia devem ser compreendidos e avaliados

em relação à criação do que os fisiocratas chamaram de produit net, ou produto

líquido. Uma classe somente é produtiva se é capaz de gerar um produto líquido, isto

é, um produto de valor maior do que seus próprios requisitos de subsistência. Os

cultivadores, que são principalmente arrendatários que alugam terras dos

proprietários, são singularmente capazes de fazer isso. Supunha-se que eles e os

demais que trabalham na terra, como os mineiros, pescadores e semelhantes, fossem

os únicos capazes de gerar um produto líquido, porque somente eles têm a vantagem

da assistência da natureza. A natureza, por assim dizer, trabalha juntamente com os

que se acham empenhados em misteres primários. Sua dádiva se manifesta em um

produto líquido que é um verdadeiro superávit em relação aos requisitos de

subsistência da mão-de-obra envolvida. Por outro lado, a classe estréril, que inclui

todos os que não pertencem às duas outras classes, não produz tais excedentes. Por

isso não há superávit associado a seus esforços, e esta é a razão pela qual são

considerados estéreis ou improdutivos.

O status dos proprietários na classificação social de Quesnay não é questão de

acordo comum, e tampouco Quesnay foi coerente em seus escritos anteriores e

posteriores. Em suas exposições anteriores considera os proprietários como estéreis

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porque não estão diretamente empenhados na produção de matérias-primas. Isto

sugere que ele pensava em suas rendas da terra como não ganhas. Mais tarde assumiu

a posição de que os proprietários de terras são pelo menos parcialmente produtivos,

porque mantinham os melhoramentos permanentes feitos na terra e também exerciam

as funções necessárias de governo. Mercier de la Rivière e o Abade Baudeau, dois

dos seguidores mais ardentes de Quesnay, assumiram a posição de que os senhores

de terras são produtivos porque eles ou seus ancestrais suportaram o custo original de

limpar e drenar a terra, e que estes esforços lhes deram um direito aos frutos que

tiveram precedência sobre os dos presentes cultivadores. Seja como for, os fisiocratas

raciocinaram que para preservar o fluxo de produto líquido para o senhorio, os

cultivadores, assim como os artesãos, têm direito apenas à subsistência. Os

fisiocratas consideravam a atividade dos artesãos como muito mais aceitável do que

as dos que se empenhavam em comércio e finanças, porque aqueles agregam valor às

matérias-primas que produzem. As rendas que recebem tendem a se igualar aos

valores que criam, e esses valores são legítimos para trocar por bens agrícolas. Sua

presença na economia é necessária para manter um bom prix pelos bens agrícolas.

Contudo, nem é preciso dizer que a manufatura é desejável somente se ela não

diminui o mercado agrícola ou não inibe o crescimento do capital agrícola.

Já que as indústrias primárias, em particular a agricultura, são a fonte do

produto líquido sobre o qual repousa a prosperidade da nação, a agricultura seria

encorajada acima de tudo em uma economia de funcionamento ideal. Isso exigiria

que as pessoas empenhada em comércio e finanças ficassem circunscritas em um

menor número possível. Os fisiocratas consideravam as atividades destes últimos

com desdém, por pensarem que eles eram incapazes de produzir novos valores,

quaisquer que fossem. Eram julgados como simplesmente empenhados na troca de

valores. Naturalmente, alguns intermediários eram julgados necessários ao

funcionamento da economia; mas, segundo Quesnay, os varejistas estão presentes em

número muito maior do que o necessário à distribuição de bens. Ademais, os grandes

capitalistas mercadores estão empenhados em tráfego que é freqüentemente

especulativo e dirigido a uma balança de comércio favorável, dessa forma auxiliando

artificialmente a canalizar os recursos para a indústria, em detrimento da agricultura.

As rendas que recebem são rendas parasitas que apenas podem representar uma

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dedução do produto líquido. Já que eles próprios não produzem valores, e que os

lavadores e artesãos não recebem mais do que sua subsistência, é certo que são

sustentados pelo produto líquido. Este prejuízo ao sistema econômico é representado

pelo desperdício de grande parte de sua renda em mercadorias de luxo, que são

subsidiadas pelo Estado ou importadas.

2.1 . O Tableau Économique

Os fisiocratas consideravam sua descrição da criação e circulação de riqueza

entre as três classes como sua principal contribuição à ciência da Economia.

Inspirado pelo descobrimento feito por William Harvey da circulação do sangue no

corpo humano, Quesnay construiu uma tabela (O Tableau Économique) que, por

meio de linhas que passam em ziquezague de uma coluna para outra, tem a intenção

de demonstrar a interdependência das classes econômicas que se nutrem e se

sustentam mutuamente por meio de seus dispêndios.

O Tableau Économique é a primeira tentativa para demonstrar a natureza e

consecução de equilíbrio, de um ponto de vista macroeconômico. Retrata uma

economia que se supõe fechada e estacionária; isto é, não há comércio exterior e as

poupanças são iguais às necessidades de reposição de capital. Também se supõe que

há propriedade privada em terras; os proprietários recebem aluguel dos lavradores

que suprem seu próprio capital e empregam o trabalho assalariado de que possam

necessitar. A análise limita-se ao setor agrícola; e o produto líquido, ponto focal da

análise, é explicitamente o volume de produção do setor agrícola. Não se dá atenção

alguma ao setor estéril da economia nem aos empreendimentos individuais ou

organizações financeiras; e todas as trocas são entre classes e não entre indivíduos.

Em suma, o Tableau destina-se a explicar a maneira pela qual o produto líquido é

criado e circulado entre as três classes da sociedade e, por fim, reproduzido no ano

seguinte.

O verdadeiro significado do Tableau surge quando sua teoria pura é articulada

com as propostas fisiocráticas para reforma. A essência da teoria que o Tableau

sustenta e tenta demonstrar é que somente a natureza pode gerar um produto líquido,

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e que uma economia ideal manteria somente as atividades e práticas que não

usurpassem sua criação. A França sob o reinado dos reis dos Luíses estava longe

deste ideal. Sofria de uma variedade de abusos tributários, de impedimentos ao

comércio, tanto em nível nacional como internacional, de uma classe mercantil

desnecessariamente grande, de uma organização agrícola doentia, empreendimentos

industriais monopolistas, e de uma dívida pública sempre em expansão associada a

guerras coloniais fracassadas e aos dispêndios excessivos da corte.

Há muito tempo que na França as propostas para a reforma tributária

constituíram um assunto central. Em país predominentemente agrícola, é óbvio que o

grosso das receitas governamentais tinha de provir da terra, especialmente em vista

da dificuldade em tributar formas de riqueza menos tangíveis. Mas a tradição

isentava o clero e a nobreza do taille, conforme era conhecido o imposto sobre a

terra, desse modo transferindo o grosso dos impostos para o terceiro estado. A carga

que isso impunha aos pobres camponeses miseráveis se tornou intolerável; mas, o

que é pior, as receitas obtidas estavam tão abaixo das necessidades do governo que

foi necessário obter empréstimos públicos, em grande escala, dos especuladores

profissionais e dos financistas. Muitos desses indivíduos se enriqueceram ainda mais

através do privilégio de arrendarem impostos bem como os direitos de comércio em

certas mercadorias. Grande parte da fortuna que acumulavam tendia a ser drenada em

especulação, internamente ou no exterior, ou entesourada. Em qualquer dos casos, os

fisiocratas acreditavam que estas práticas diminuíam a procura de mercadorias

agrícolas e contribuíam para o empobrecimento da agricultura. Todavia, estes

interesses financeiros se tornaram tão essenciais ao soberano que era virtualmente

impossível a homens como Richelieu, Colbert e Turgot introduzirem providências

econômicas na corte.

Os fisiocratas propuseram não apenas a eliminação dos impostos sobre heranças

da terra, mas também toda a complexa conglomeração dos impostos que então

existiam, que deveriam ser substituídos por um impostos único, o impôt unique, ao

qual estariam sujeitos todos os senhores de terras, de acordo com suas respectivas

participações no produto líquido. É desnecessário dizer que esta proposta encontrou

violenta oposição, não somente por causa da carga financeira que teria feito recair

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nos que anteriormente estavam livres de impostos, como também porque isso os

privaria de um símbolo de status de classe que tanto apreciavam. A lógica da

proposta fisiocrata era bastante clara e simples. Somente a terra era capaz de render

um produto líquido, ou superávit, excedente aos requisitos de subsistência daqueles

que trabalhavam nela. O preço de oferta dos serviços dos trabalho tendia a não ser

mais do que o valor que agregavam ao produto; e, conseqüentemente, eram

considerados como incapazes de pagar impostos. Raciocinavam os fisiocratas que

quaisquer impostos que incidissem sobre os trabalhadores, no final recairiam sobre a

única fonte possível de pagamento, qual seja, o produto líquido. Encontramos aqui,

em forma embrionária, nossa moderna teoria de transferência de imposto, de acordo

com a qual, sob certas circunstâncias, os impostos podem se transferidos ao

compradores do produto, sendo acrescentados aos preços que eles pagam, ou

passados de volta aos fatores de produção, se for possível reduzir o pagamento que

fez por eles. Os fisiocratas pensavam nesta transferência de impostos não neste

sentido moderno; associavam-na com a redução do produto líquido que ocorreria se

os impostos incidissem sobre os membros das classes cultivadoras ou estéreis.

Raciocinavam que se fossem cobrados tributos dos trabalhadores da lavoura, isto

implicaria na redução de sua capacidade para financiarem o próximo plantio, dessa

forma reduzindo o produto líquido que se tornaria disponível após a próxima

colheita. Desse modo, a classe proprietária teria de sofrer a carga do imposto. De

maneira semelhante, se o imposto incidisse sobre a classe estéril, isso reduziria suas

compras dos cultivadores, o que iria diminuir o produto líquido. Por isso, os

fisiocratas raciocinavam que seria mais interessante e econômico fazer incidir um

imposto sobre o produto líquido, logo de saída. Fazia-se a sugestão de que este impôt

unique não teria de absorver mais do que um terço do produto líquido. Esperavam os

fisiocratas que se os dispêndios fossem contidos e se fosse aumentada a

produtividade da agricultura, uma incidência tributária desta dimensão seria para

atender às necessidade de receita do estado.

A melhoria da produtividade agrícola era considerada como fundamental para o

bom funcionamento do sistema de imposto único, e foi isto o que os fisiocratas se

propuseram fazer, através da reorganização da agricultura em base mais capitalista.

Tipicamente, a agricultura francesa era feita em pequena escala, cada agricultor-

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arrendatário cultivando uma pequena área, com um mínimo de investimento.

Somente pela introdução da grande culture em lugar da então petite culture é que se

podia aumentar a produtividade agrícola, com o que o produto líquido se elevaria

bastante. Do ponto de vista da estrutura social e econômica, naturalmente isso

significaria que a quantidade relativamente grande de pequenos lavradores-

camponeses seria substituída por relativamente poucos fazendeiros-capitalistas, que

seriam capazes de introduzir métodos mais progressistas de produção, que somente

são viáveis em grande escala. Do ponto de vista de seu impacto sobre a

produtividade, a proposta fisiocrata para a reorganização agrícola faz, sem dúvida,

muito sentido, mas deveria ser evidente que uma providência que prometia converter

uma grande parte dos camponeses famintos de terra em assalariados não tinha a

probabilidade de obter apoio popular.

Os fisiocratas consideravam as atitudes dos comerciantes como improdutivas,

porque julgavam que o comércio meramente envolvia a troca de valores iguais. Em

conseqüência, essas atividades eram consideradas como incapazes de produzir nova

riqueza. Julgava-se ser este o caso que a troca ocorresse em nível interno ou

internacional. Evidentemente, é óbvio o contraste entre esta linha de raciocínio e a

dos mercantilistas. Estes sustentavam que o comércio é a única maneira de aumentar

a riqueza de uma nação e que deveriam ser feitos todos os esforços para conseguir-se

uma balança de comércio favorável. Sob o regime de Colbert, o comércio na França

era estritamente regulado exatamente com esta finalidade em vista. É claro que os

fisiocratas iriam encontrar-se em oposição aos pontos de vista mercantilista e

colbertista, porque estes tinham por alvo conseguir uma balança de comércio

favorável. Em termos do pensamento fiosiocrático, a balança de comércio favorável

não apenas era incapaz de criar qualquer nova riqueza, mas ainda tendia a diminuir a

riqueza a procura de produtos agrícolas. Como, então, podemos explicar o apoio

fisiocrático ao livre comércio? Não é isso incoerente com sua posição de que o

comércio é improdutivo? Afinal de contas, os atuais defensores do livre comércio

baseiam-se em que o comércio aumentaria a riqueza dos países participantes, não por

incrementar seus haveres em ouro, mas por garantir- lhes maior quantidade e melhor

qualidade de bens e serviços do que teriam baseados apenas na produção doméstica.

Mas esta não é a linha de raciocínio seguida pelos fisiocratas, embora seja a primeira

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posição notável sobre o livre comércio, sendo eles considerados como os primeiros

defensores do laissez-faire internacional. Não quer isto dizer que estivessem muito

entusiasmados com o livre comércio como o imaginamos hoje. Ao contrário,

opunham-se às medidas restritivas que, em seu tempo, tipicamente impediam a

movimentação de bens, tanto em âmbito interno como internacional. A exportação de

trigo era proibida, enquanto importações eram permitidas, e um conjunto de

regulamento era aplicado rigidamente aos bens manufaturados. Consideraram tais

restrições incompatíveis com a ordem natural.

Os fisiocratas preocupavam-se também com a taxa de poupança e,

diferentemente da maioria dos pensadores que os iriam seguir, não consideravam a

poupança na economia como desejável, não importando sua fonte ou o uso que dela

se fazia. Viam na moeda algo mais do que a simples roda da circulação, como

pensava Smith. Interessavam-se pelo entesouramento e o impacto que este teria sobre

o bon prix dos produtos agrícolas e, portanto, sobre o produto líquido. A maneira de

viver seguida pelos senhorios, especialmente o rei, como o maior dos possuidores de

terras, e os membros da classe estéril, determinam, portanto, não apenas a atividade

econômica da nação, mas também o nível da riqueza nacional. O conteúdo moral

desta mensagem é óbvio e constitui a base para a maioria das providências de

reforma propostas pelos fisiocratas. Eles, e seus seguidores e admiradores

consideravam que esta demonstração do fluxo circular da moeda e dos bens era de

grande significância. Típica da estima em que se tinha tal fluxo foi a observação de

Mirabeau de que tinha havido três grandes invenções desde que o mundo havia

começado. A primeira, foi a escrita, a segunda a moeda, e a terceira o Tableau

Économique.

2.2 . Críticas as opiniões Fisiacráticas

A negativa fisiocrática de que a moeda é sempre prontamente restaurada na

corrente de renda provocou a crítica de Jean Baptiste Say (1767-1832). Say tinha

considerável experiência em negócios antes de ser nomeado para a cadeia de

Economia Política no Conservatoire des Arts e Metiers e, mais tarde, no College de

France. Assim como os fisiocratas, Say reconhecia que as interrupções no fluxo

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circular são danosas à economia, mas negava que a prosperidade exigia um padrão

de consumo em que uma grande parte dos dispêndios totais fosse para produtos não

processados. Na primbeira edição de seu Traité (1803), Say apresentou sua tese,

posteriormente conhecida como a lei dos mercados, de que é a produção e não o

consumo que ampara a prosperidade. Raciocinava que a produção gera

automaticamente o poder aquisitivo necessário ao consumo. As trocas dos superávits

de cada produtor com os de outros produtores, quando a moeda serve como meio de

troca, e o valor agregado dos bens procurados para compra são exatamente

equivalentes ao valor dos que foram dados em sua troca. Ocasionalmente, é possível

que um grande excesso de um bem a ser produzido não libere o mercado a um preço

satisfatório; mas é impossível produzir um excesso de tudo, já que a procura

agregada de produtos é idêntica à oferta agregada do que foi produzido.

Say usou sua lei dos mercados para criticar os que, como os fisiocratas,

argumentavam que a parcimônia resulta em subconsumo e superprodução, e que o

consumo improdutivo é melhor do que a frugalidade. Pelo contrário, argumentou que

o consumo é um efeito da produção e que é preciso conter o consumo improdutivo

desnecessário porque a poupança é requisito para facilitar a formação de capital. A

Sexta edição de seu Traité enfatizou especificamente a importância da frugalidade

para o progresso da opulência. Conquanto este ponto de vista coincidisse muito com

o de Adam Smith, cuja obra Say empreendeu interpretar para os leitores franceses, a

questão toda do relacionamento entre poupança, investimento e prosperidade devia

pouco depois constituir matéria bastante controvertida. Embora Smith tivesse grande

admiração por muitos aspectos do pensamento fisiocrático, acertadamente

considerava o conceito de riqueza dos fisiocratas com origem somente no setor

agrícola como indevidamente restritivo. Julgava que eles tinham errado muito em

designar os artesãos, fabricantes e mercadores como improdutivos.

Estas críticas, apesar de interessantes e construtivas, indicam que o próprio

Smith fez uma distinção insustentável entre trabalho produtivo e improdutivo. Na

realidade, a idéia de que só o trabalho agrícola é produtivo é um tanto difícil de

compreender, mesmo dentro dos limites do pensamento fisiocrático, já que os

fisiocratas sustentam que é realmente a natureza a fonte do produto líquido e não o

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trabalho. Como podem eles justificar o recebimento do produto líquido pelos

proprietários de terras se eles próprios não são produtivos? Não são eles meros

parasitas usufruindo daquilo que não produziram? O alto respeito em que os

proprietários de terras eram mantidos certamente não evidencia este ponto de vista.

Para eles a existência da propriedade privada era parte da ordem natural e os

senhorios existiam pelo desejo de Deus. Em suma, o direito à propriedade privada é

considerado como uma instituição divina da qual deveria a reivindicação prévia dos

senhorios ao produto líquido. Esta linha de raciocínio parece metafísica para o leitor

moderno, mas ela já foi sugerido pelos autores de um trabalho que atualmente é um

clássico, de que o reconhecimento do fato de que os fisiocratas não conheciam outra

organização da sociedade senão a feudal, pode tê- los persuadido da necessidade de

terras muito à maneira pela qual Aristóteles defendia a escravidão.

2.3 . Contribuições Fisiocráticas ao estudo Macroeconômico Atual

Os fisiocratas se preocupavam tanto com o nível de atividade econômica como

com a alocação de recursos. De acordo com seus pontos de vista, o fator crucial no

que dizia respeito ao nível de atividade econômica é que a continuidade do fluxo

circular fosse mantida por meio de um padrão de consumo apropriado. Não é o

consumo em si o que se requer, pensavam eles, mas a espécie de consumo que fará

com que uma parte suficiente da Renda Nacional seja gasta em produção não

processada.

A moeda era considerada como essencialmente um meio de troca que facilitava

a transferência de bens e serviços entre as três classes. Assim, o Tableau enfatizava a

natureza da troca real, em contraste à monetária, e a importância dos dispêndios para

manter o fluxo circular. Seu realce sobre a interdependência da produção e do

consumo provavelmente serviu de inspiração para a lei de Say, embora esta

enfatizasse a primazia da produção em contraste ao consumo, dessa forma

disputando não somente a importância da produção agrícola em contraste com as

outras espécies de produção, mas também a importância de evitar o entesouramento.

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As doutrinas fisiocratas não atraíram muitos seguidores na Inglaterra, embora

houvesse aspectos de seu pensamento admirados por Smith. Pelo contrário, foram as

opiniões de Adam Smith e Jean Baptiste Say que predominaram na Inglaterra. De

fato, a lei de Say teve tamanha influência que serviu, em todas as finalidades

práticas, para eliminar da especulação teórica a questão do nível de atividade

econômica, e focalizou a atenção quase inteiramente na questão da alocação de

recursos e determinação de preço. Não foi senão até o período da década de 1930 que

houve novamente muito interesse pelo nível de atividade econômica e indagação

sobre o impacto do entesouramento. A este respeito, é interessante notar que

rudimentar como era o conceito fisiocrático do entesouramento, este é

surpreendentemente sugestivo do tratamento keynesiano, qual está relacionado a

reduções na procura efetiva. A abordagem dos fisiocratas era mais realista em

comparação com seus contemporâneos e, mais tarde, com os da escola liberal que

suponham que todas as poupanças sempre são investidas produtivamente.

Também devemos aos fisiocratas sua demonstração do aparecimento de um

excedente, fenômeno que iria ocupar subseqüentemente a atenção não apenas de

Adam Smith e David Ricardo, mas também de Karl Marx. Evidentemente, na

história da produção, o homem deve passar além do estágio da simples subsistência

antes que um excedente de qualquer espécie se torne uma possibilidade. Já que as

mais primitivas e simples das civilizações são fundamentalmente agrárias, é provável

que o primeiro aparecimento de um excedente tenha ocorrido no setor agrícola. Não

é provável que tal economia seja de trocas, e sim uma em que os valores de uso

criados são diretamente destinados.

Embora as trocas descritas no Tableau estejam expressas em termos monetários,

é pela circulação dos valores de uso que as fisiocratas estão interessados. Assim, o

problema de determinar o valor de troca, que havia de avultar tanto no

desenvolvimento posterior do pensamento econômico, era virtualmente ignorado

pelos fisiocratas. Acrescente-se a isso que não havia apreciação dos elementos

subjetivos que afetavam a determinação do valor e do preço. Os preços pelos quais

os bens eram vendidos no mercado eram implicitamente o custo de produção, que

representa um somatório dos custo de subsistência dos que participam em tornar os

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bens disponíveis para venda. Turgot, cujo pensamento nesse sentido foi

consideravelmente mais avançado do que o de seus contemporâneos, compreendia

que havia muitos fatores que um indivíduo devia levar em conta na valoração de um

bem. Mas coube a Étienne de Condillac apresentar uma consideração mais minuciosa

sobre o valor. Para ele o valor não é um atributo da matéria, mas representa o nosso

sentido de sua utilidade, e esta é relativa à nossa necessidade. O valor aumenta ou

diminui com a expansão ou contração de nossas necessidades. Além disso, ele

compreendeu que a escassez, que torna mais difícil a satisfação das necessidades, e a

abundância, que a torna menos difícil, fazem com que os valores de troca sejam

maiores ou menores, dependendo das quantidades disponíveis relativamente à sua

procura. Assim, ele estabelece não meramente a base psicológica do valor, mas

também prevê o que na análise posterior francesa, inglesa e austríaca ficou sendo

conhecido como utilidade marginal ou final, isto é a satisfação adicional associada

com a última unidade de um bem adquirido. Mas levaria aproximadamente uma

centena de anos antes que uma abordagem similar encontrasse seu caminho na

Economia Política britânica.

Embora não possamos aceitar a idéia dos fisiocratas de que o produto bruto de

uma economia consiste apenas em bens agrícolas, nem possamos aceitar seu conceito

de trabalho produtivo, isso não altera a originalidade de sua demonstração da

produção e circulação da produção e da renda para a economia como um todo. Eles

demonstraram conclusivamente que o processo econômico consiste em um fluxo de

bens e um fluxo de renda monetária. Nossos conceitos modernos de Produto

Nacional Bruto e Renda Nacional baseiam-se no reconhecimento do fato de que a

renda total obtida em um dado período de tempo é exatamente equivalente ao valor

do produto total que se obteve. Do mesmo modo, nosso conceito de Produto

Nacional Líquido foi obtido fazendo-se as deduções apropriadas do Produto

Nacional Bruto. Somente a depreciação é deduzida no moderno esquema de

contabilização de renda e produto nacionais, ao passo que Quesnay, deduzindo

também os requisitos de subsistência (isto é, os salários) dos lavradores, concebeu o

produto líquido como representando apenas o superávit disponível para o senhor das

terras, como renda. Entretanto, os fisiocratas, não menos do que os encarregados pela

avaliação do produto nacional dos dias presentes, tinham um conceito destinado a

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chegar aos resultados líquidos do desempenho da economia durante um determinado

período. Talvez seja desnecessário acrescentar que eles não faziam estimativas

quantitativas da espécie que atualmente são compiladas pelo Departamento de

Comércio dos Estados Unidos.

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3 . REFLEÇÕES SOBRE O ENSINO DE MACRO-

ECONOMIA NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE

ECONOMIA

O desenvolvimento extraordinariamente rápido da teoria macroeconômica nos

últimos quinze anos tem suscitado entre os professores de macroeconomia uma

grande inquietação a respeito do que se deve ensinar ao longo da seqüência de cursos

desta disciplina em nível de graduação.

Em concreto, alguns professores exprimem uma visível preocupação com o

conteúdo das ementas dos cursos de macroeconomia. Para tais professores, os cursos

de macroeconomia dados em nível de graduação estariam defasados com relação à

fronteira da teoria econômica moderna (ver anexo I, II e III). Tal defasagem estaria

sendo a responsável por uma suposta má formação dos alunos em nível de

graduação, os quais, ao terminar o curso de economia, não seriam capazes de analisar

cientificamente os problemas econômicos, contentando-se em realizar um discurso

moral a respeito dos referidos problemas.

Dentre as principais dificuldades encontradas argumenta-se que o excesso de

formalização torna os alunos por demais preocupados em entender as deduções

lógicas e que, desta forma, acabem por perder a capacidade de perceber a

aplicabilidade dos modelos ao mundo real.

Normalmente existem duas maneiras de tentar contornar este problema. Na

primeira busca-se ignorar o fato em si, alegando-se que o domínio do instrumental

dos modelos é o ponto mais importante do curso de economia e que é o conhe-

cimento detalhado destes que dará a própria identidade profissional ao aluno. O

grande problema deste enfoque é que, com freqüência, o instrumental macro-micro

fica isolado do restante do curso se perde como referencial de análise. Após o esforço

de compreensão do significado das curvas e expressões matemáticas e conseqüênte

aprovação os alunos simplesmente esquecem os modelos e não os retêm, exceto em

seus pontos mais básicos. A expressão disso é que, se questionados, a média dos

alunos recém-formados só consegue lembrar-se dos mecanismo básico do modelo de

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concorrência perfeito no caso da microeconomia, e dos movimentos das curvas IS-

LM (ver definição logo abaixo) nas políticas fiscal e monetária no caso da

macroeconomia.

Alternativamente, um segundo enfoque cada vez mais usual busca ilustrar a

exposição dos modelos. Ensinam-se os pontos essenciais de cada modelo e

complementa-se o restante do tempo com diversos exemplos de sua aplicabilidade no

mundo real. A principal dificuldade desta abordagem é, sem dúvida, que a grande

maioria dos alunos se atém aos exemplos e perde contato com a seqüência lógica de

raciocínio. Com isso, além de apresentarem claras deficiências na base teórica, os

alunos acabam por não desenvolver a capacidade de abstração que os possibilitaria

isolar as variáveis relevantes para análise de situações do mundo real. Em suma, não

desenvolvem o espírito crítico e sua capacidade de pensar por conta própria.

É preciso ressaltar que, na medida em que se deseje formar um profissional

competente, é necessário compatibilizar os dois enfoques. Assim, ao mesmo tempo

em que o conhecimento minucioso dos modelos micro-macro é fundamental para que

se reconheçam suas limitações e aplicabilidade, também é fundamental que os alunos

sejam treinados a interpretar a realidade com base no instrumental desenvolvido. Não

que isto represente necessariamente uma ampliação da carga horária do curso, mas

sim uma maior harmonização entre as diversas cadeiras. Uma possibilidade é que as

cadeiras de macroeconomia I e II sejam reservadas a esmiuçar um manual. A análise

da formação IS-LM deve ser feita da forma mais cuidadosa possível. Assim, é

essencial que o aluno reconheça que a inclinação da curva IS está ligada à

elasticidade do investimento em relação à taxa de juros bem como ao multiplicador,

e que a inclinação da curva LM reflete a elasticidade da demanda de moeda em

função de taxa de juros. Este exemplo, que a princípio parece trivial, é capaz de

tornar claros alguns pontos importantes.

Primeiramente, o aluno passa a identificar que as hipóteses por trás da

construção são fundamentais no resultado previsto. No caso, que as inclinações

refletirão a eficácia das políticas fiscal e monetária nas variações da renda no curto

prazo. Em segundo lugar, cabe discutir em que medida as variáveis autônomas são

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efetivamente estáveis. O investimento pode ser destacado e seu papel devidamente

analisado, isto é, ele será uma variável volátil ou não? Qual a importância da

formação de expectativas nesta variável? Como estas expectativas se formam: são

racionais, adaptativas? Isto posto, estaria aberto o caminho para visões alternativas

da macroeconomia, preferencialmente em uma macro III. Poderia-se então trabalhar

com a visão novo-clássica cujo manual padrão em português seria o Sachs-Larrain e

se seguiriam, com a construção lógica desta corrente, preços flexíveis, equilíbrio no

mercado de trabalho, função macroeconômica de produção , produção, produto

natural, ciclos econômicos reais etc. Alternativamente ou posteriormente trabalhar-

se-ia com a visão pós-Keynesiana: nível de emprego determinado pela demanda

esperada, a formação das expectativas de longo prazo em contexto de incerteza no

sentido de completo desconhecimento do futuro, a não-neutralidade da moeda etc.

Sendo assim, podemos dividiu a macroeconomia em duas seções: A primeira

seção está dedicada à exposição da chamada macroeconomia convencional, ou seja,

mostra como seria uma seqüência hipotética de cursos de macroeconomia

(macroeconomia I, macroeconomia II e macroeconomia III) segundo a visão

convencional. A Segunda seção está dedicada à apresentação e exposição dos

desenvolvimentos recentes da teoria macroeconômica, bem como dos argumentos os

segundo os quais tais desenvolvimentos teriam tornado obsoletos os cursos de

macroeconomia estruturados com base na visão convencional.

3.1 . A Macroeconomia Convencional

A macroeconomia convencional pode se definida como sendo aquele conjunto

de teorias e modelos macroeconômicos que eram ensinados nas principais faculdades

de economia dos Estados Unidos e da Inglaterra até meados dos anos 70. Esse

conjunto de teorias não é um bloco homogêneo; ele engloba tanto os modelos

Keynesianos tradicionais, como o modelo IS-LM, passando pela curva de phillips na

versão de Friedman-Phelps, até chegar nos modelos dinâmicos de crescimento e

ciclo, como os modelos com base na interação entre multiplicador. Nesse contexto,

uma seqüência possível de cursos de macroeconomia seria a seguinte:

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O curso de macroeconomia I poderia estar dedicado à apresentação do

instrumental keynesiano básico de análise, ou seja, o modelo IS-LM. Com base nesse

instrumental, deveria se mostrar aos alunos que tanto o chamado modelo clássico

como o modelo apresentado por keynes na Teoria Geral (1936) seriam apenas casos

particulares de um modelo mais geral, no qual tanto a política monetária como a

política fiscal teriam impacto sobre os níveis de renda e de emprego de equilíbrio.

Uma vez apresentado o modelo IS-LM, se deveria relaxar a hipótese de preços fixos

(fix price) implícita nesse tipo de análise, apresentando-se ao aluno o modelo

macroeconômico de oferta e demanda agregada. O relaxamento da hipótese de

preços fixos teria como objetivo mostrar ao aluno que o modelo IS-LM nada mais é

do que um modelo que explica os fatores responsáveis pela determinação da

inclinação e da posição da curva de demanda agregada no plano preços-quantidade.

E como tal, é incapaz de, por si só, determinar o nível geral de preços e o nível de

renda de equilíbrio, exceto no caso extremo no qual a curva de oferta agregada é

horizontal (caso Keynesiano fanático). A determinação do nível geral de preços e da

renda de equilíbrio se daria no ponto de intercessão entre as curvas de oferta e

demanda agregadas.

No contexto do modelo estático de demanda e oferta agregada, se mostraria aos

alunos que a curva de oferta agregada seria positivamente inclinada no curto-prazo,

seja devido à rigidez de salários nominais, seja devido à hipótese de que os agentes

formam adaptativamente as suas expectativas a respeito do nível geral de preços. Por

fim, se apresentaria ao aluno a teoria Keynasiana básica a respeito da determinação

da taxa de inflação, ou seja, a curva de phillips, levando-se em conta a crítica de

Friedman, ou seja, a curva de phillips expandida pelas expectativas.

O curso de macroeconomia II seria dedicado à questão dos microfundamentos

da macroeconomia. O modelo estático básico apresentado no curso de macro I se

apóia em uma série de supostos ad-hoc a respeito do comportamento das variáveis

econômicas. Consideremos, a título de exemplo, a função-consumo keynesiana. No

curso de macro I foi postulada a existência de uma relação estrutural entre consumo e

renda corrente disponível. Por que essa relação existe? Se aceitarmos a premissa

metodológica de que o comportamente dos agregados macroeconômicos é o

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resultado das decisões individuais, então devemos explicar os motivos pelos quais

agentes racionais estão dispostos a gastar mais com a aquisição de bens de consumo

à medida que a sua renda corrente disponível aumenta. Esse tipo de comportamento

pode ser perfeitamente obtido num modelo do tipo ciclo da vida/renda permanente

no qual os agentes formam adaptativamente as suas expectativas a respeito da renda

disponível no futuro.

Além da análise dos microfundamentos da demanda de consumo, o curso de

macro II se preocuparia em analisar os microfundamentos da demanda de

investimento, da demanda de moeda e da curva de oferta agregada. Em qualquer um

dos casos, a preocupação do professor da disciplina seria sempre a de procurar razões

na teoria microeconômica convencional para justificar a existência das relações

funcionais postuladas no curso de macro I.

Neste ponto, alguém poderia dizer que o correto seria fazer o contrário, ou seja,

apresentar primeiro os microfundamentos no curso de macro I e em seguida os

modelos macroeconômicos que se obtêm a partir dos mesmos. Não há dúvida de que

esse procedimento seria o logicamente correto. No entanto, tal procedimento teria o

efeito de desestimular o interesse dos alunos pela teoria macroeconômica. Isso

porque eles passariam um semestre fazendo a engenharia dos modelos, o árduo

trabalho de construção dos blocos fundamentais dos modelos macroeconômicos,

antes de obter algum resultado econômico interessante a partir dos mesmos. De fato,

esse é o motivo pelo qual os manuais de macroeconomia em nível de graduação

sempre começaram com a apresentação dos modelos macroeconômicos básico (o

modelo IS-LM ou o modelo de oferta e demanda agregada) antes de abrir esses

modelos para analisar as suas partes componentes. Sendo assim, é didaticamente

preferível apresentar os modelos macroeconômicos básicos em primeiro lugar,

apelando para a intuição e a instrospeção dos alunos para alunos para justificar as

relações funcionais supostas nesses modelos, para, em seguida, apresentar os

microfundamentos.

A seqüência dos cursos de macroeconomia seria encerrado com o curso de

macroeconomia III, o qual estaria dedicado ao estudo da dinâmica econômica, isto é,

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ao estudo dos modelos de crescimento e ciclo. Na parte referente aos modelos de

crescimento, se poderia apresentar os modelos de Harrod-Domar, Solow-Swan e

Kaldor-Pasineti. Esses modelos têm em comum o fato de procurarem responder a

mesma pergunta, qual seja: é possível que uma economia capitalista trilhe uma de

trajetória de crescimento equilibrado estável com pleno emprego da força de

trabalho? O modelo Harrod-Domar diz que não necessariamente. O modelo Solow-

Swan tinha como um dos seus objetivos provar que o equilíbrio pela taxa natural de

crescimento era estável e não instável, como era suposto pelo modelo Harrod-Domar.

Esse também era o objetivo do modelo Kaldor-Pasineti, embora esse resultado tenha

sido apresentado de forma diferente daquela adotada no modelo Solow-Swan. Na

parte dos modelos de ciclo econômico, poderiam se apresentar os modelos neo-

keynesianos com base na interação entre multiplicador e acelerador; ou, em centros

mais heterodoxos, o modelo de ciclo de Michael Kalechi.

3. 2 . Os desenvolvimentos recentes em Macroeconomia

Os desenvolvimentos recentes da teoria macroeconômica têm posto em dúvida a

relevância de um conteúdo programático para as disciplinas de macroeconomia

como o que acabamos de explicitar. Entre os desenvolvimentos recentes da teoria

macroeconômica vale a pena destacar os seguintes: 1. O desenvolvimento e o uso

generalizado da hipótese de expectativas racionais como a forma teoricamente

correta de se conceber a formação de expectavas por parte dos agentes econômicos.

2. Crescente ênfase na necessidade de se analisarem os problemas macroeconômicos

com base em modelos intertemporais, ou seja, modelos onde as decisões que os

agentes econômicos tomam no período t influenciam as decisões que irão tomar no

período t+1. Exemplos desse tipo de modelo seriam o modelos de gerações

sobrepostas e o modelo de agente representativo à la Ramsey. 3. O desenvolvimento

dos modelos de ciclo econômico real, nos quais as flutuações cíclicas do nível de

renda e de emprego são vistas como a resposta ótima dos agentes econômicos à

ocorrência de choques exógenos, quer na tecnologia ou quer nas preferência dos

agentes. 4. O desenvolvimento dos modelos de crescimento endógeno, nos quais se

procura explicar os fatores que determinam a taxa de crescimento da produtividade

do trabalho, a qual era tida como um dado exógeno no modelo Solow-Swan. 5. O

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desenvolvimento da literatura novo-keynesiana a respeito de rigidez nominal, em

particular aquela relacionada com a hipótese de menu-costs, que tenta apresentar as

razões microeconômicas para a existência de preços e salário nominais rígidos.

Os desenvolvimentos 1 e 2 têm colocado em dúvida a relevância e a utilidade

do modelo IS-LM. Isso porque o modelo IS-LM seria incompatível com a própria

hipótese de expectativas racionais, bem como, dada a sua natureza estática, seria

incompatível com uma análise de períodos. Por que o modelo IS-LM seria

incompatível com a hipótese de expectativas racionais? A incompatibilidade surgiria

do fato de que a introdução da hipótese de expectativas racionais no modelo ciclo da

vida-renda permamente destruiria a função consumo keynesiana, uma vez que, nesse

contexto, toda a informação necessária para se determinar o consumo corrente é dada

pelo consumo que foi realizado no período anterior. Em outras palavras, não existe

uma relação estrutural entre o consumo corrente e a renda corrente, tal como aquela

suposta pela função consumo keynesiana. A ausência de uma relação estrutural entre

o consumo e a renda corrente destrói a teoria keynesiana da determinação da renda

de equilíbrio com base no multiplicador e, portanto, a própria lógica de construção da

curva IS.

Paralelamente, a introdução da hipótese de expectativas racionais poria em

dúvida qualquer tipo de análise baseada em modelos estáticos, tal como o modelo IS-

LM. Isso porque a referida hipótese tem como um dos seus corolários a idéia de que

os agentes econômicos vão procurar antecipar a política econômica do governo no

momento em que estão formulando as suas expectativas. Tal fato faria com que os

modelos mais adequados à análise macroeconômica sejam os modelos

intertemporais, nos quais as decisões que os agentes tomam no período t são

influenciadas pelas suas expectativas a respeito de um certo conjunto de variáveis no

período t+1. O modelo IS-LM, devido a sua natureza estática, seria incapaz de

abordar esse tipo de questão.

Os desenvolvimentos 3 e 4, por seu turno, têm questionado a relevância dos

velhos modelos de crescimento e ciclo. No que se refere à explicação das flutuações

cíclicas, se fazem dois tipos de crítica aos modelos do tipo multiplicador-acelerador.

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Em primeiro lugar, a descrição que esses modelos fazem das flutuações cíclicas seria

bastante imprecisa. Isso porque as flutuações obtidas a partir desse tipo de modelo

seriam perfeitamente regulares e simétricas, ao passo que as flutuações

empiricamente observadas seriam de natureza irregular e assimétrica. Em segundo

lugar, a grande maioria dos modelos em consideração seria incapaz de apresentar

uma explicação unificada para a ocorrência de ciclos e crescimento, ou seja, esses

modelos não seriam capazes de realizar a integração entre ciclo e tendência. Tal fato

criaria uma dicotomia entre curto e longo prazo, a qual não seria satisfatória do ponto

de vista teórico.

Os modelos de ciclo real não possuem tais deficiências. De fato, as flutuações

cíclicas são o resultado da ocorrência de um choque exógeno, cujos efeitos são

amortecidos com tempo, o que produz flutuações assimétricas e irregulares. Além

disso, as flutuações cíclicas são obtidas ao se introduzirem elementos estocásticos

nos modelos neoclássicos de crescimento. Sendo assim, é possível se obter uma

explicação teoricamente unificada da ocorrência de ciclos e crescimento, ou seja, as

flutuações cíclicas e o crescimento econômico são explicados pelo mesmo modelo, o

modelo neoclássico de crescimento estocástico.

Já no campo da análise dos determinantes do crescimento econômico, os

modelos de crescimento endógeno teriam um maior poder de explicação do que os

velhos modelos de crescimento ao endogeinizar a determinação da taxa de

crescimento da produtividade do trabalho. Nos modelos Harrod-Domar, Solow-Swan

e Kaldor-Pasineti a taxa de crescimento da produtividade do trabalho era uma

variável exógena, ou seja, não era explicada por fatores internos a esses modelos.

Contudo, nesses modelos o crescimento da renda per-capita no longo-prazo é

determinada pela taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Sendo assim, os

velhos modelos de crescimento não proporcionariam uma explicação teórica para

aquilo que era visto como o motor fundamental do crescimento econômico, ou seja, o

aumento continuo da produtividade do trabalho. Os novos modelos de crescimento,

ao endogeinizar a determinação da taxa de crescimento da produtividade do trabalho,

teriam um maior poder explicativo do que os velhos modelos de crescimento. Tal

fato seria então justificativa para se incluir os modelos de crescimento endógeno nos

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cursos de macroeconomia, mesmo que tal inclusão implique em se deixar de lado o

estudo dos modelos crescimento de Harrod-Domar e/ou Kaldor-Pasineti.

O desenvolvimento 5 apontaria a existência de uma falha teórica fundamental

nos modelos macroeconômicos convencionais, qual seja, a ausência de uma

explicação rigorosa a respeito dos motivos pelos quais os preços e/ou salários

nominais são rígidos. Os modelos estáticos do tipo IS-LM e/ou oferta e demanda

agregada assumem que os preços e salários nominais são rígidos, mas não dão

nenhuma explicação a respeito do porquê dessa rigidez. Considerando que o sistema

econômico funcionaria muito melhor, ou seja, não apresentaria desemprego

involuntário e nem flutuações cíclicas, caso tais rigidezes não existissem, então por

que agentes econômicos racionais não agem no sentido de eliminar essas

imperfeições de mercado? A literatura novo-keynesiana de rigidez nominal procura

dar uma resposta teoricamente satisfatória para esta pergunta. Esses

desenvolvimentos recentes da teoria macroeconômica demandariam uma

reformulação completa do conteúdo programático dos cursos de macroeconomia

dados em nível de graduação. De fato, Fiorencio (1996) defende a idéia de que o

curso de macro I deva começar com a apresentação dos modelos intertemporais, tais

como o modelo de Ramsey, o modelo de gerações sebrepostas e os modelos de

crescimento endógeno. Uma vez apresentados esses modelos básicos, se passaria à

análise dos modelos de decisão individual de consumo, investimento e demanda de

moeda. Um terceiro curso de macroeconomia poderia estar dedicado à discussão dos

modelos de rigidez nominal e rigidez real. Por fim, se sobrasse tempo, poderia se

apresentar o modelo IS-LM como uma curiosidade pré-histórica. Está claro que a

apresentação dos modelos de crescimento Harrod-Domar e Kaldor-Pasineti, bem

como dos modelos de ciclo do tipo multiplicador, estaria totalmente fora de

consideração.

Vale ressaltar, que atualmente, a maioria dos países dispõem de modelos

quantificados e até mesmo complexos de modelos que possuem campos e objetivos

diferentes e se articulam entre si; esses modelos fornecem previsões ou simulações

macroeconômicas a curto, médio e longo prazo, facilitando a preparação das decisões

das empresas e dos poderes públicos. Substituindo a retórica simplista dos modelos

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muito agregados que os precederam, tais modelos trazem-nos um início de resposta

séria aos problemas sérios, dadas as massas em jogo, da regulação econômica e aos

problemas fundamentais do planejamento. Asseguram um certo saneamento dos

debates teóricos, fazendo desaparecer certas representações acadêmicas da realidade

econômica às quais ainda se agarram nostalgicamente certos profissionais da

economia. Há questões clássicas que, assim, perdem seu sentido. Para que poderá

servir, por exemplo, distinguir cuidadosamente os instrumentos da política

econômica e discutir indefinidamente os respectivos papéis dos instrumentos

orçamentários e monetários? Por que razão se obstinar a querer distinguir diferentes

tipos de inflação, por meio dos custos e da procura? Para ser útil, um modelo deve

pormenorizar os meios de ação dos poderes públicos e representar corretamente os

mecanismos que eles põem em jogo, mas as diferenciações clássicas não apresentam,

por si próprias, qualquer interesse.

A generalização dos raciocínios sobre modelos deve, portanto. Provocar uma

verdadeira mutação da macroeconomia, fazer desaparecer problemas acadêmicos e

permitir a evasão do pântano intelectual em que um número excessivo de

economistas ainda está atolado, em especial pelo fato de que o ensino da

macroeconomia ainda não se adaptou à lógica dos modelos. Se certas questões se

esvaírem, para grande desgosto de seus especialistas, novos problemas, estes

verdadeiros, surgirão. Já se viu por exemplo, que a relação de Phillips, sobre a qual

se fundavam mais ou menos implicitamente muitos trabalhos e previsões, era muito

frágil. Foi com base numa reflexão profunda sobre a concorrência internacional que

se foi levado a modificar a lógica keynesiana da determinação da produção interna e

das importações para substituí- la pelo mecanismo de divisão de mercado.

Há outras zonas de incerteza que subsistem: determinação de função, tomada

em consideração das relações entre empresas e sistema bancário e financeiro,

determinação dos preços e dos lucros, movimentos de capitais internacionais etc. Há,

portanto, muitos trabalhos a realizar e lacunas estatísticas a preencher que implicam

uma reorientação das pesquisas. Um dos méritos da abordagem por modelos é ela ter

posto em evidência estas novas questões. Esta abordagem tem uma vantagem

decisiva sobre as outras, não-formalizadas: ela pode melhorar-se em virtude de sua

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própria prática: os modelos revelam, com o decorrer do tempo, suas franquezas, pelo

menos suas fraquezas internas, sendo substituídos por outros modelos. A

formalização coloca nitidamente em evidência, sem ambigüidade, as hipóteses sobre

as quais repousa; quando são contraditadas, as hipóteses devem ser modificadas,

enquanto os raciocínios não-formalizados podem subsistir muito tempo ao abrigo das

ambigüidades que eles alimentaram. Além da transparência, a formalização permite

uma coerência interna rigorosa das deduções, uma rapidez de cálculo que permite,

por si própria, a extensão do modelo e sua junção a modelos mais específicos e mais

pormenorizados.

Enfim, os modelos permitem, em certas condições, por em evidência os

objetivos procurados por aqueles que têm um poder de decisão, mas logo verá que

essa possibilidade de separar a representação das restrições e dos objetivos tem seus

limites. Em contrapartida de todas estas vantagens, é preciso ter cuidado com o novo

conformismo dos modelos e com as manipulações políticas que são inerentes a todo

e qualquer sistema de representação. É claro que os modelos deixam de lado todos os

elementos não-quatificáveis ou ainda não-quatificados, o que conduz muitas vezes à

assimilação, que jamais deixará de ser denunciada, desses elementos aos fatores

secundários. Também é claro que, muitas vezes, esses modelos são construídos com

base num método matemático; o meio matemático torna-se, então, um fim por si

próprio. Contudo devemos admitir que os modelos econômicos ocuparam um lugar

preponderante no debate político.

Já se disse que os sistema de informação e de conceitos resultam de determinada

maneira de ver, a priori, o sistema econômico. Os modelos macroeconômicos, apesar

de seu aperfeiçoamento como instrumentos técnicos, são construídos com base

nesses elementos iniciais e só podem refletir essas mesmas representações. Assim, as

variáveis escolhidas refletem as preocupações dos utilizadores, em todos os países:

crescimento da produção (especialmente da produção industrial), do consumo das

unidades familiares, dos investimentos produtivos, das rendas e dos preços, nível de

desemprego, equilíbrio das finanças públicas das trocas de mercadorias com o

exterior. Essas variáveis são importantes, por certo, mas principalmente para as

empresas e os poderes públicos. A análise macroeconômica poderia ser ampliada a

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outras variáveis e outras preocupações: a distribuição dos ativos e das rendas, a

estrutura do desemprego, as condições de trabalho, as condições econômicas da vida

coletiva e, mais geralmente, todos os elementos fora do mercado e fora do orçamento

que regulam a vida cotidiana de todos. No total, parece que a função técnica dos

modelos, que é essencialmente reduzir a incerteza, se faz acompanhar, infelizmente,

por uma função redutiva da imaginação. Eles refletem demasiado sistematicamente

um ponto de vista único. São unidimensionais.

Os diferentes grupos sociais são conforntados, portanto por uma representação

econômica que não só é desigualmente conforme a suas visões e a seus interesses,

mas que também eles compreendem e dominam desigualmente. Estas representações

macroeconômicas privilegiadas também desempenham um papel de aculturação: da

mesma forma como os colonizadores tentam impor sua cultura e suas representações

aos colonizados, os modelos também exercem um poder sobre as representações dos

participantes sociais, tomando-se um modelo (no sentido de objeto a copiar da

palavra modelo) para essas representações. Finalmente, é preciso concluir que as

máquinas da macroeconomia são máquinas políticas. Se se definir a ciência política

como o estudo do conflito das representações do sistema social, os modelos

macroeconômicos ocupam um lugar crucial nesse campo. A surpreendente fraqueza

da análise econômica do crescimento é uma ilustração central dessa evidente e

necessária reorientação da ciência econômica.

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4 . ECONOMIA DA NATUREZA E DO MEIO

AMBIENTE

Durante muito tempo, entendeu-se, por natureza, uma matéria a sujeitar e a

explorar. Hoje, evocam-se mais, intuitivamente, águas sujas, ar poluído, florestas

devastadas, com a ciência econômica esforçando-se por falar de tudo isso, depois de

não ter conseguido, já não dizemos prever, mas, pelo menos, prevenir essa

emergência. Todavia, seus raciocínios ainda são demasiado rudimentares. Para a

ciência econômica, os problemas da natureza são apenas, no que se refere ao

essencial, uma expressão das falências do mercado que ela designa sob o nome de

efeitos externos. Alguns caminhos de pesquisas, muito mais ricos, contudo, já estão

sendo explorados.

Um agente econômico (consumidor ou produtor) produz economias externas

quando fornece a outros agentes serviços em condições que não permitem

normalmente um pagamento por parte destes. Simetricamente, quando um agente

cria sujeições ou incômodos sem que haja uma compensação para aqueles que os

sofrem, fala-se de desconomias extrnas. Em ambos os casos, utiliza-se o termo de

efeitos externos. Esses efeitos são chamados externos pelo fato de serem exteriores

ao mercado. Deles resultam duas consequências.

O mercado é um mecanismo de exclusão: quem não paga não consome; é por

esses efeitos estarem fora do mercado que é difícil excluir aqueles que se aproveitam

deles ou que os causam sem pagar. O mercado é, ao mesmo tempo, um mecanismo

de avaliação; os efeitos externos deverão ser avalidos segundo outros processos, o

que não deixa de apresentar problemas muito delicados. As contabilidades nacionais,

como se limitaram inicialmente a registrar as trocas de que o mercado fornece uma

avaliação monetária, ignoraram completamente esses efeitos externos. É por isso que

também se fala de efeitos não-quantificados (custos ou benefícios socias não-

quantificados), mas esta noção, que é relativa a um estado histórico das

contabilidades nacionais, não abrange o mesmo conceito que o de efeito externo. Os

efeitos externos podem intervir entre consumidores, entre firmas, entre consumidores

e firmas. Entre consumidores: o consumo individual de cuidados mádicos pode ser a

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fonte de economias externas entre consumidores, reduzindo os riscos de contágio; o

uso de um automóvel está, ao contrário, na origem de importantes custos externos

(perdas de tempo, poluição atmosférica, ruído, acidentes). Por outro lado, o estudo do

consumo mostrou que o bem-estar de um consumidor é, muitas vezes, influenciado

pelos consumos de outro; em particular, certos consumos, por causa de sua função

ostentatória, implicam uma diminuição de satisfação de outros consumidores. Poderá

dizer-se, então, que são a causa de deseconomias externas. Entre firmas: a formação

profissional assegurada por uma empresa a seu pessoal beneficia, muitas vezes,

outras firmas; mas também acontece em muitos casos que a atividade de uma

empresa prejudique a de outras (poluição de água, por exemplo). Entre firmas e

consumidores: nesta rubrica, os exemplos são muito numerosos e constituem em

grande parte aquilo a que nos habituamos a chamar os inconvenientes da

industrialização: poluições industriais de todos os tipos, degradação das paisagens

etc.

Estas intervenções sugerem que os efeitos externos mais importantes estão

ligados à industrialização e à urbanização; assim, podemos agrupar os primeiros sob

o termo poluição e os segundos sob o termo congestionamentos. A poluição analisa-

se numa degradação de certos bens naturais (ar, água, paisagens, fauna, flora etc.) ou

de certas condições naturais (silêncio, clima, condições ecológicas etc.). É fácil

mostrar a importância e a diversidade das poluições de uma economia desenvolvida.

A poluição atmosférica, que tem numerosas causas: a indústria (fábricas químicas,

altos-fornos, centrais térmicas), os meios de transporte, o aquecimento doméstico;

esta poluição ameaça desregular o ciclo do oxigênio. Está ligada à do mar e à da

flora: parece ter sido estabelecido que um país como os Estados Unidos consome

mais oxigênio do que aquele que é produzido por fotossíntese no interior de suas

fronteiras. A América do Norte, portanto, importa oxigênio, graças à circulação

atmosférica. A destruição dos organismos marinhos que fixam o azoto ameaça, por

conseguinte, a margem de oxigênio ainda disponível atualmente. Poluição da água: o

mar (petroleiros, detritos radiativos) e os rios (poluição industrial muito importante e

doméstica pelas lavagens); estas degradações apresentam problemas ecológicos

graves e urgentes; é preciso notar que as limitações da água potável apresentam um

problema de outra natureza, pois está ligado aos mecanismos do mercado: seu

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esgotamento, tal como o de qualquer recurso natural, implica o aumento de seu

preço; estas altas de preços, tornando-se rapidamente muito importantes, poderão ser

um freio decisivo do processo de crescimento, mas, neste caso, a regulação

econômica pelo mercado parece assegurada normalmente. Poluição das paisagens:

implantação anárquica de adifícios e de fábricas, amontoamento dos detritos,

destruição das florestas. Poluição ecológica: desequilíbrios biológios,

desaparecimento de espécies. Os congestionamentos constituem efeitos externos

particulares que podem ser concebidos como uma variação de qualidade de um bem

ou de um serviço em função da taxa de utilização em relação à capacidade máxima.

Assim, uma estrada fornece serviços, o transporte de pessoas e de mercadorias, cujas

qualidade (rapidez, segurança) diminui com a taxa de utilização da auto-estrada.

Mas, em face desses congestinamentos cujas experiência se faz cotidianamente nas

cidades, manifestam-se os efeitos positivos das concentrações urbanas (certos autores

falam de congestionamentos positivos, mas mais vale empregar o termo mais direto

de efeitos de concentração). Assim, a qualidade do serviço ligação telefônica

(indicada pelo número de assinantes acessíveis por um dado custo) aumenta com a

concentração urbana. Este tipo de fenômeno verifica-se mais ou menos em todos os

sistemas de comunicações. Há outra categoria de efeitos positivos do fato de que a

concentração de pessoas permite oferecer uma escolha mais vasta de serviços e de

bens.

Os efeitos externos surgiram discretamente, pela primeira vez, há cerca de 70

anos, na reflexão econômica; que Alfred Marshall deu para introduzir esta noção no

seu curso de economia política é significativo: ele imaginou um avicultor e um

apicultor vizinhos, que graças a suas abelhas e a suas flores, se prestavam

mutuamente um serviço; já não é preciso, hoje, como os exemplos anteriores

mostraram suficientemente, imaginar situações tão pitorescas quanto essa.

Poderíamos até perguntar, razoavelmente, se os efeitos externos não constituirão,

agora, o essencial dos efeitos ligados ao crescimento; com os efeitos internos,

aqueles que são levados em conta pelo mercado, sendo marginais, afinal, em virtude

da sua importância. É por isso que a tentativa de internalizar efeitos cuja importância

não deixa de aumentar já aparece como irrisória. A isso, acrescenta-se uma

dificuldade conceptual que conduz a diferenciar poluição e incômodo.

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Verifica-se, primeiramente, uma grande imprecisão do vocabulário. É difícil,

por certo, separar aquilo que pertence a uma ordem propriamente objetiva daquilo

que é subjuetivo; no entanto, será necessário tentar separar estes dois tipos de

situações, Para tal, chamaremos incômodo a toda a deterioração apreendida pelo

observador e poluição a toda a transformação do meio físico, detectada

objetivamente, não necessariamente apreendida como um encômodo, mas suscetível,

a mais ou menos longo prazo, de ser apreendida como tal pela grande maioria dos

indivíduos.

Assim, um lago muito poluído ou um ar irrespirável é uma poluição apreendida

como um incômodo; o aparecimento de componentes de chumbo ou de mercúrio nos

alimentos ou no ar em doses demasiado fracas para serem percebidas é uma

poluição, não sentida como um incômodo, mas que passaria a sê- lo se a concentração

desses elementos aumentasse. Quando uma transformação objetiva do meio ambiente

não é percebida por quase todos os indivíduos como um incômodo – por exemplo, a

animação e o ruído numa rua podem agradar a alguns e incomodar outros – não há

razão para falar de poluição, mas sim de criação benefícios para os primeiros e de

incômodos para os segundos. Mas é preciso notar um caso importante: os incômodos

podem ser sentidos por todos os membros de uma comunidade sem que qualquer

transformação objetiva do meio ambiente se torne evidente; a modificação das

atitudes e das representações poderá, assim, provocar incômodos sem que haja um

aumento de poluição; mais geralmente, muitas poluições são atenuadas ou

fortalecidas oa nível das representações individuais.

Estes comentários levam a reservar o termo poluição para a análise técnica e a

preferir o trmo incômodo na análise econômica; além de ser de definição mais

precisa, destaca perfeitamente as duas características essenciais do fenômeno: sua

natureza subjetiva e sua natureza conflitual (que o termo poluição tenderia, segundo

uma regra demasiado frequente na ciência econômica, a fazer esquecer). O que

importa para o economista, na realidade, neste domínio ainda mais do que em outros,

é levar em conta as representações que os homens fazem de seu meio ambiente e os

conflitos que delas resultam. Por tal motivo, a noção de incômodo abrange

necessariamente um campo mais vasto do que o das relações entre o homem e a

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natureza e também engloba o dos homens entre si; encontramo-nos, de fato, diante de

um domínio complexo, conflitual, em que se misturam elementos objetivos e

subjetivos. Uma praxiologia torna-se cada vez mais necessário neste campo, pelo

menos por duas razões:

Primeira, graves evoluções irreversíveis da natureza estão ocorrendo (algumas

já se realizaram); no passado, a exploração da natureza pelo homem era

suficientemente limitada para que os ciclos biológicos assegurassem uma certa

regeneração e uma regulação sem excluir uma evolução extremamente lenta das

relações entre o homem e a natureza; a multiplicação dos recursos em processos

artificiais e o caráter maciço das atuais intervenções já não permitem uma tal

regulação. Assim, são necessárias 17 árvores para produzir uma tonelada de papel;

segundo Kneese, a quantidade total de produtos naturais consumidos por habitante e

por ano nos Estados Unidos é de 34 toneladas!

Segunda, não há praticamente qualquer mecanismo de reequilíbrio. Em

economia liberal, o mercado não castiga aquele que destrói a natureza e ninguém tem

as motivações e os meios suficientes para se proteger sozinho de um incômodo que

diz respeito a toda uma coletividade. Na economia socialista, as regras de devolução

do poder e de planejamento não incitam qualquer responsável a proteger a natureza.

Podemos perguntar se os meios de ação devem ser econômicos. Por que razão

não proibir, simplesmente, toda e qualquer atividade que agrida a natureza? Se a

arbitragem política parece legítima, por que intervir a favor de uma tendência

econômica, em vez de modificar essa arbitragem política? Trata-se de um ponto de

vista simples, a priori, mas que é, na realidade, pouco defensável: os responsáveis

políticos tomam decisões sem dispor de todas as informações necessárias, tanto que a

organização econômica filtra as informações de que eles dispõem e modela suas

mentalidades. Por outro lado, proibir só raramente é uma boa solução, já que todo

incômodo é uma questão de grau; finalmente, a restauração do meio ambiente

acarreta custos consideráveis e, para cobri- los, seria necessário efetuar retiradas da

renda nacional em detrimento de outras utilizações; assim, somos levados de novo a

uma das questões centrais da teoria econômica: a alocação dos recursos. O

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economista terá, portanto, de intervir e formular as seguintes perguntas: - quais são

os incômodos, suas vítimas e seus responsáveis? – como suprimi- los ou a que nível

reduzi- los, levando em conta o custo das ações corretivas e os desejos dos agentes

em questão?

A estas perguntas, a teoria e a prática econômicas ainda não dão uma resposta

coerente e satisfatória. Ainda mais grave, as respostas atuais podem ser

manipuladoras, assim, o tema ecológico, apresentado habilmente, pode suscitar em

todo sistema social uma unanimidade ilusória; e, desde que se raciocine nos termos

habituais da macroeconomia, a proteção do meio ambiente constitui um excelente

mito político que oculta os conflitos entre grupos e até mesmo as contradições mais

evidentes do sistema de produção e de propriedade; o slogan Uma só Terra ilustra o

caráter anestesiante de uma macroecologia à escala mundial. Neste contexto, as

reflexões econômicas traduzem muitas vezes, nos países industrializados tanto

capitalistas quanto socialistas, uma recuperação conservadora, sob a forma de uma

extensão a um novo domínio dos métodos mais clássicos de cada prática ideológica:

os defensores dos processos de mercado afirmam que é preciso integrar no mercado

aquilo que não se encontra nele e os partidários da responsabilidade pública

defendem a tese de que é preciso impor novas normas àqueles que causam os

incômodos. Na realidade, estas duas atitudes confundem-se, em último análise, pois

ambas se fundam sobre uma representação aconflitual da sociedade como nas teorias

microeconômica e macroeconômica; é tentador, contudo, neste novos campo para o

economista, abandonar estas representações parciais e abrir novas pistas à pesquisa e

à ação.

Afinal de contas, em que resulta a avaliação e a imputação monetária das

agressões contra a natureza? Numa recuperação ideológica de todo um aspecto da

atividade humana. A ideologia economista, que compartilham, nos dois tipos de

organização social, todos os Estados que fazem da produção material a finalidade de

seu desenvolvimento, tem interesse em defender um tal teoria. A internalização não

conduz a suprimir as causas dos incômodos, mas sim a reparar os incômodos por

processos técnicos, que favoreçam a produção de novos bens mercantis, isto é, o

aparecimento de uma nova indústria antipoluição. Por outro lado, o princípio de

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internalização permite evitar o crescimento dos encargos públicos e reduz a

interesses individuais aquilo que, na realidade, diz respeito a toda a coletividade. –

Nesta concepção, o Estado representa um conjunto de agentes que se supõem serem

informados, capazes de praticar sós todas as arbitragens, iguais em direitos e

autônomos nas suas preferências. Na realidade, nos métodos da avaliação

centralizada, mesmo se nos referirmos em teoria a supostas avaliações individuais

implícitas, trata-se verdadeiramente de um julgamento de valor, de uma concepção

puramente monetária dos interesses entre os quais o Estado deve arbitrar; sugere-se,

assim, que não existe aparelho estatal, com seus próprios objetivos, que ninguém

representa um papel privilegiado na determinação das arbitragens e que nenhum

processo, além do confronto monetário, permitiria efetuar escolhas; por outras

palavras, nesse sistema em que as relações dos homens entre si e com a natureza são

reduzidas a relações de troca, o Estado só serve para forçar os homens a pagar para

que atuem ou não atuem num mercado.

O egoísmo racional que a economia mercantil institucionalizou nas relações

entre os homens estendeu-se, assim, a suas relações com a natureza. O vício criou a

doença; para curar a doença, seria necessário generalizar o vício. Tratar um drogado,

aumentando sua dose, não seria mais dramaticamente inadequado. Dizer que os

industriais vão pagar pela poluição que provocam não equivalerá a esquecer que eles

vão refletir o encargo sobre os consumidores ou os assalariados de modo que não se

saberia, a priori, afirmar quem vai, realmente, suportar o custo da despoluição; em

geral, todo sistema de avaliação monetária, se não for acompanhado por uma

redistribuição fiscal dos encargos e por uma arbitragem dos conflitos, beneficiará

apenas os ricos. Isso nada tem de surpreendente. Se se aplicarem a uma estrutura

econômica monopolista medidas baseadas na concorrência perfeita e na regra do

lucro nulo, é sempre preciso esperar distorções. Assim, não nos devemos surpreender

por as classes sociais mais desfavorecidas não mostrarem interesse pela luta

antipoluição.

Na maioria das vezes, o economista balança sempre entre a tentação do laissez-

faire e a do dirigismo. Finalidade para alguns, passagem obrigatória para outros, o

dirigismo toma formas diversas: da ditadura de uma classe social à administração

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pelo Estado capitalista de setores econômicos não- lucrativos. Em matéria de

economia da natureza, ao lado da descentralização monetária, várias análise

econômicas levam a recomendar o recurso a tais decisões centralizadas. Recordemos

primeiramente que a distinção não é simples. De certo modo, a internalização

também é uma decisão pública, que repousa sobre determinada visão pública dos

critérios de decisão individual. Esse é particularmente o caso quando a internalização

só é parcial e quando a definição do nível ótimo resulta de um cálculo central. Este

exige a formulação de hipótese sobre a natureza dos custos mensuráveis em moeda.

Toda decisão é portanto, em geral, tutelar no sentido em que exige da parte do

poder pública uma certa preferência Por este ou aquele tipo de comportamento

individual. Os códigos que organizam e sancionam nossos comportamento têm

conseqüências econômicas essenciais. Quem negará o caráter econômico das leis

sobre o casamento ou as sucessões? As primeiras ações em matéria de meio ambiente

revestiram-se, de resto, de tal caráter tutelar: no Antigo Testamento, encontramos

regulamentações pormenorizadas. Em 683, o rei Dagoberto já promulgava uma

regulamentação sobre o despejo dos esgotos. Mas, se a norma traduz o desejo de ver

respeitar uma certa representação das preferências individuais, uma tal abordagem

permanece econômica e monetária. Assim, a distinção clássica, introduzida pela

teoria econômica, entre as regras jurídicas, as instituições e seu próprio campo não

faz o menor sentido. Suponhamos, com efeito, que seja possível fixar normas; por

exemplo (certos Estados fazem isto efetivamente), níveis de ruído que não podem ser

ultrapassados, uma quantidade mínima de oxigênio na água ou proibições de

construir em zonas protegidas. O exercício desta atividade tutelar não excluir, por

isso, a análise econômica, em virtude de pelo menos. Três razões: 1/ A fixação de

tais normas acarreta custos (equipamentos antipoluição, redução de atividade) e,

portanto, a reorientação de uma parte do aparelho econômico. Por escolher entre o

objetivo ecológico e o objetivo produção, será preciso conhecer todas as

conseqüências. 2/ É preciso saber como se justifica a fixação da norma e a que

interesses ela serve exatamente. 3/ É preciso estudar como essa decisão é aplicada na

prática.

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A primeira questão, relativamente clássica em economia, é o objetivo de muitos

modelos que estudam as conseqüências de uma fixação de normas sobre a atividade

econômica, em particular sobre o nível relativo dos preços. A segunda obriga o

economista a estudar aquilo que ele ignora muitas vezes, ou seja, o processo

decisório que conduziu à tutelarização. A terceira questão arruína a distinção

internalização/tutelarização. Na realidade, com efeito, a não-aplicação de normas

causa a percepção de multas (a não ser que ela seja autorizada por exceções),

favorecida de modo mais ou menos legal por transferências financeiras entre setor

privado e setor público. Assim, as normas estão à venda; têm um preço, muito mais

complexo de definir no sistema socialista do que no sistema capitalista, muito menos

explícito do que recebe com o princípio poluidor-pagador, mas igualmente real.

Assim, podemos reconduzir o essencial das críticas dirigidas à internalização: Esses

processos ameaçam, dissimulados por uma aparente neutralidade em matéria de

transferências sociais, favorecer os poderosos e seus grupos de pressão. Ameaçam

mesmo ser piores do que isso, pois as multas, muitas vezes, são tão baixas e tão

pouco proporcionais ao nível de poluição que o sistema tutelar é, na realidade, uma

caricatura de política de meio ambiente. Chegam mesmo a servir, por vexes, por

vezes, a objetivos de uma natureza inteiramente diferente. Assim, o abaixamento do

limite fixado pelas autoridades americanas provocou o afastamento da carne de boi

Argentina e de outros produtos de numerosos países subdesenvolvidos.

Simultaneamente, o Brasil convidava abertamente as indústrias muito poluidoras dos

países desenvolvidos a escaparem à taxação destinada a salvaguardar o meio

ambiente, instalando-se nas florestas e nas praias ainda não poluídas de seu território.

Uma das razões – não é, evidentemente, a única – que explica que as normas

estejam à venda por um preço vil é a fragilidade de sua determinação. Acreditar que

a única maneira de tomar em conta eficazmente as exigências ecológicas é confiar ao

poder público a determinação do nível de incômodo admitido e o cuidado de faze-lo

respeitar é uma ilusão muito difundida.

O Estado, na verdade, deveria dispor de todas as informações que escapam aos

agentes econômicos e levar em conta os interesses dos pobres, das gerações futuras e

da natureza. Esta definição parece, para alguns, constituir, só por si, a resposta: a

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ditadura científica solucionaria todos os problemas. Ora, isto supõe realizada uma

preliminar dupla: o conhecimento científico dos níveis ótimos de poluição é possível

e a neutralidade do Estado tem um sentido.

Ora, em muitos casos, o nível ótimo não tem o menor sentido: qual é o nível

ótimo de pureza da água? Do ar? O nível ótimo de ruído? As noções de limpeza, de

pureza e de silêncio são subjetivas e conflituais, não autorizando uma tal definição.

Em outros casos, a impossibilidade resulta de uma ignorância científica. Tomemos o

caso das poluições devidas ao chumbo e ao mercúrio. Seus efeitos não são

discerníveis pelas vítimas e continuam sendo controversos no que se refere aos

especialistas. O chumbo solto pelos automóveis e pelas pinturas é extremamente

difícil de detectar. Muitas vezes, as pretensas medidas de seus efeitos não passavam

de camuflagem de posições políticas tomadas a priori. Assim, na Alemanha

Ocidental, essa poluição foi exagerada com fins propriamente publicitários. Ao

contrário, na Itália, na Grã-Bretanha e na França foi minimizada, já que a limitação

do conteúdo de chumbo criaria dificuldades à indústria petrolífera. Na realidade, o

efeito do chumbo no organismo é extremamente difícil de apreender: depende da

idade da vítima e até mesmo de sua categoria social. Ninguém poderia afirmar qual é

a taxa máxima suportável sem perigo. As estimativas dos especialistas variam de 1 a

15, o que limita consideravelmente o alcance de qualquer fixação de norma:

atualmente, as normas estendem-se de 0,27g por litro, em Nova York, a 0,85g por

litro, na Dinamarca! Quando ao mercúrio, este é vertido nas águas dos lagos ou dos

rios sob diversas formas e fixa-se sob a forma de etilo-mercúrio nos peixes. Pode

provocar efeitos muito graves no cérebro humano, nos ossos, nos músculos, no

fígado, no baço. Resulta mesmo em deformações congênitas. Todavia, não se

conhece de todo o processo de difusão nos rios e nos peixes, nem os limites de

tolerabilidade pelo homem.

A aceleração da degradação da natureza não é um acaso. Deve-se ao tipo de

desenvolvimento das sociedades capitalistas e socialistas mais desenvolvidas. Cada

uma de suas características provoca um tipo de agressão contra o meio ambiente. –

Uma sociedade de competição que supõe a acumulação crescente de bens de

produção, o aumento da produtividade e, portanto, o uso acelerado dos recursos

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naturais disponíveis e o uso de matérias cada vez mais escassas. – Uma sociedade de

consumo na qual os bens mais usuais têm durações de vida cada vez mais breves, o

que provoca a acumulação dos detritos e a estimulação artificial do processo

produtivo. – Uma sociedade de concentração, em que o poder político e capitalista se

concentra, enquanto as unidades de produção criam as condições do

congestionamento, afastam o homem da natureza, pioram os riscos de penúria e de

ruptura do sistema. – Uma sociedade desigualitária, na qual riscos e pobres,

capitalistas e assalariados sofrem muito diferentemente as conseqüências do

crescimento e, em especial, sentem muito diferentemente a degradação do meio

ambiente e das condições de vida: as doenças profissionais , a tristeza do meio

ambiente, as condições deficientes de trabalho afetam mais os pobres do que ricos.

Estes comentários levam a fazer a análise da economia da natureza sob três aspectos

complementares.

4.1 . Economia da natureza e exploração do Terceiro Mundo

Em face desses problemas, as soluções que a teoria econômica propõe só

conduzem a mudanças marginais. Ela baseia-se em categorias vazias de sentido,

distinguem um custo que seria social de um custo que seria privado, sem analisar a

causa da degradação, nem distinguir os grupos sociais efetivamente afetados pela

crise. As soluções que ela propõe ignoram a dimensão global do conflito e o papel da

busca do poder no crescimento industrial. Assim, ela oculta as irracionalidades

fundamentais do desenvolvimento do capitalismo e do socialismo de estado.

Dissimula, igualmente, os aspectos internacionais dessa irracionalidade do

desenvolvimento, que agrava a destruição da natureza pela dominação totalitária do

modelo industrial.

O exemplo da borracha é particularmente significativo. A borracha natural é

fabricada pelo sol, iniciador de uma longa cadeia biológica particularmente limpa, já

que não causa qualquer detrito. A borracha sintética, ao contrário, é elaborada com

base no petróleo, através de uma série de reações químicas complexas a mais de

500ºC, soltando detritos muitos poluidores. Assim, é um absurdo ecológico substituir

a borracha natural pela borracha sintética. Se isso foi feito, as razões foram,

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inicialmente, de ordem militar: nenhum dos beligerantes da Segunda Guerra Mundial

desejava encontrar-se dependente de importações de borracha. Atualmente, a

indústria da borracha faz parte de um dos setores industriais mais poluidores: a

petroquímica. A Malásia e outros países perdem, com isso, todos os seus recursos.

No entanto, ainda são produzidos 3 milhões de toneladas de borracha natural, contra

5 milhões de toneladas de borracha sintética. Suprimir a borracha sintética e voltar à

natural seria, portanto, economicamente possível e ecologicamente de bom senso.

Atualmente, isso já não é politicamente crível. Seria condenar à morte um poderoso

mercado industrial dos países ricos e reduzir a autonomia de fornecimento; seria

trans ferir as fábricas de pneus para os países pobres.

4.2 . Economia da Natureza e propriedade dos meios de produção

Atualmente, o lucro aumenta quase sempre com a poluição produzida. Na

linguagem neoclássica, pode dizer-se que o financiamento das externalidades

representará uma parte crescente da produção por cabeça, se as características atuais

do desenvolvimento forem conservadas. Os custos privados serão cada vez mais

diferentes do custo total e o crescimento do P.N.B., agregação dos valores

adicionados mercantis, significará uma degradação e não uma melhoria. A

socialização dos meios de produção é, então, a única solução, pelo menos para

aqueles setores (cada vez mais numerosos) em que os rendimentos se tornarão

decrescentes pela internalização. O raciocínio neoclássico deveria, portanto, por si

próprio,conduz os economistas liberais a aceitarem o socialismo como inelutável!

Por outro lado, a interdependência crescente das produções e dos consumos de cada

pessoa resulta, também, em admitir a necessidade do socialismo, já não como

instrumento do desenvolvimento, mas sim como etapa superior de organização das

sociedades capitalistas em nível muito alto de desenvolvimento. É certo que essa

socialização inelutável só interviria, sem dúvida, por setores, havendo muit6os

fatores (em especial, o poderio das grandes empresas) que poderão impedi- la ou freá-

la. Isso não evita, contudo, que se trate de um das conseqüências mais claras do fato

de se levarem em conta custo ecológicos na contabilidade das empresas.

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4.3 . Economia da natureza e processos de decisão

A centralização dos poderes estatais e capitalistas, acompanhada pela

concentração dos homens e das unidades de produção, é uma das principais

características das sociedades hiperindustrializadas, com os detentores do poder não

se preocupando com a degradação: o exemplo das leis americanas e soviéticas

confirma-o plenamente. Assim, é fundamental experimentar novos processos de

tomadas de decisão em matéria de meio ambiente e de bens coletivos. Já se disse que

o processo de decisão tem, por si próprio, uma influência sobre as preferências, pois

não devemos ignorar o papel fundamental da informação e da experimentação no que

se refere à formação das preferências. Num novo campo, como o do meio ambiente,

as preferências são particularmente instáveis, a informação é reduzida, e um dos

meios privilegiados de esclarecer os agentes e de alcançar suas preferências é faze-

los participar na decisão. Um processo decisório é um processo de aprendizado, tanto

ao nível da sensibilização às dificuldades e às contradições que aparecem quanto ao

nível da preparação da decisão e ao da arbitragem final. A participação no conjunto

dessas fases – que implica, para ser real, uma profunda descentralização das decisões

– é o primeiro fator da qualidade desse aprendizado. No lado oposto, as decisões que

parecem fundadas sobre critérios neutros, científicos e de aplicação automática – por

exemplo, os critérios da internalização – não têm qualquer poder maiêutico,

esterilizam a imaginação e imobilizam as preferências dos agentes, ou quais,

sentindo-se pouco preocupados com o assunto, permanecem pouco informados e

pouco sensibilizados. Sobre essas preferências imobilizadas, poderão estabelecer-se

situações metastáveis. Já vimos alguns exemplos disso e as súbitas inversões da

opinião pública também o confirmam. Este esforço de participação é tanto mais

necessário quanto existe uma relação de força desigual entre os órgãos de decisão, as

instituições, por um lado, e as coletividades, por outro, que estejam em causa. As

decisões coletivas tendem a tornar-se pura e simplesmente outputs dessas

instituições.

Mais do que ao nível do processo de decisão – que pode ser democrático – é na

formação das preferências que esta relação de força em favor das instituições

representa um papel essencial. Traduz-se por possibilidades muito desiguais de

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tomada de palavra e de produção de discurso. Ao que parece, na verdade, é pelo

discurso e pelas mitologias que ele vincula que se formam as preferências e que

podem conciliar-se o poder preeminente dos centros de decisão e o caráter

formalmente dos centros de decisão e o caráter formalmente democrático dos

processos de decisão. Levando em conta todas as dificuldades que foram encontradas

e limites das abordagens tradicionais, esboçaremos, em conclusão, alguns princípios

gerais que deveriam ser respeitados em todo processo decisório em matéria de meio

ambiente e de bens coletivos.

- Em relação a iniciativa das decisões, um triplo esforço parece, portanto,

necessário: Estabelecer um sistema de informação que forneça um panorama

sintético – mesmo se tiver de ser aproximado – da evolução técnica, de suas

implicações econômicas e sociais e das possibilidades que ela abre.

A coleta da informação sobre as preferências, pode ser feita por diversos meios,

é necessária, principalmente, para a preparação da decisão. No entanto, ao nível da

iniciativa, convém descobrir as principais preferências instáveis, que poderiam

mudar muito rapidamente sob a influência de novas representações ou de

experimentações, como é o caso, por exemplo, das ruas só para pedestres ou da

poluição de um lago. A interpretação das reações a essas experiências é sempre

muito delicada e ainda é preciso realizar muitas pesquisas neste domínio. Uma das

principais funções dos centros de pesquisa em ciências sociais deveria ser, hoje, criar

e difundir representações, discursos utópicos, conceber e animar experiências e

analisar as reações que umas e outras suscitam.

Explorar a informação sintética assim recolhida de cada vez que uma vontade

política se manifesta. A experiência mostra que as administrações dificilmente se

adaptam a novos objetivos e a novas divisões de competências. É por isso que a ação

espontânea das administrações barra a maioria das novas iniciativas que não se

adaptam às estruturas decisórias existentes. Novas instâncias devem ser criadas,

portanto, cada vez que pareça necessário libertar-se dos limites impostos pelas

administrações atuais.

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- No quesito da preparação da decisão, é importante: Localizar exatamente

todos os agentes em questão, aumentar sua informação não só sobre as

conseqüências objetivas das decisões encaradas, mas também sobre as conseqüências

subjetivas e mesmo sobre as preferências dos outros agentes. Além da informação,

estabelecer, cada vez que isso seja possível, processos de experimentação abertos a

todos os agentes em questão. Quando as preferências forem assim estabilizadas o

máximo possível, será preciso revela-las direta ou indiretamente. Os elementos são

reunidos, então, para aplicar os processos de análise de sistema e de racionalização

das opções orçamentárias. Este tipo de análise, tomado no seu sentido amplo e não

no seu sentido estreito de análise de custo-benefício, constitui um quadro de estudo

adequado, sob, pelo menos, três condições:

- que sejam levados em conta todos os fatores psicossociológicos, difíceis de

quantificar, mas, em muitos casos, fundamentais; - que não seja eliminada, a priori,

qualquer solução, mesmo implicando transformações estruturais; - que não seja

ocultado o problema conflitual de avaliação dos benefícios e dos custos para os

diferentes agentes. A análise unidimensional de há alguns anos foi substituída por

análise de multicritérios. Na sua prática atual, essas análise ainda são insuficientes,

pois distinguem pouco os diferentes grupos em questão. Não só se podem tratar os

principais grupos alvos como diferentes critérios, mas pode-se deixar- lhes a

responsabilidade das diferentes valorizações, resultando, assim, numa análise de

multicritérios e de multiagentes, análise essa que prepara a fase final da decisão. – A

esse nível final do processo decisório, várias precauções devem ser tomadas.

Os agentes que participaram nas fases de iniciativa e de preparação da decisão

devem participar igualmente no processo decisório. Já destacamos a importância da

função de aprendizado desse processo e é evidente que a qualidade da participação

nas duas primeiras fases depende muito da participação na terceira. Esta participação

também apresenta o interesse de procurar equilibrar o poder das instituições, cuja

preeminência nos processos de transformação já vimos. Seria necessário, portanto,

combinar sempre as análises de tipo técnico que têm por finalidade reunir a

informação, recensear os meios de ação disponíveis, avaliar seus esforços segundo

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diversos critérios e diversos grupos alvos e uma regra de escolha política que

controle a análise técnica e preste as arbitragens, apoiando-se nela.

O processo decisório deverá ser suficientemente flexível; isto é, encarar em

primeiro lugar a eventualidade de uma reversibilidade, da decisão de cada vez que

isso for possível e que a informação e a experimentação não pareçam suficientes; não

excluir a possibilidade de negociações que, de resto, podem ser preparadas pela fase

anterior e por diversos métodos científicos baseados na análise fatorial. Enfim, ele

próprio, deverá ser submetido a um controle permanente por parte de todos os

agentes interessados a fim de evitar que o processo decisório dê origem a uma

instância que, à medida que se for institucionalizando, decisões em seu próprio

beneficio.

Os problemas do meio ambiente, mais do que todas as outras contradições das

sociedades economicamente desenvolvidas, exigem uma reflexão sobre a autogestão.

Nenhum processo de avaliação centralizada poderá dar o valor de uma floresta, de

uma paisagem e, a fortiori, de uma estrutura cultural. A informação mais minuciosa,

a consulta por métodos tradicionais de sondagem ou de volto não serão suficientes

para isso. As pessoas assim consultadas só constituem, na realidade, um grupo

ocasional; não se conhecem entre si e não confrontam suas experiências, suas

percepções intimas e intuitivas; não podem, portanto, cooperar com o fim de elaborar

uma opinião realmente coletiva. Em compensação, o grupo formado por pessoas

interessadas por seu meio ambiente imediato poderá ser um grupo permanente,

coerente e rico das interações que ocorrem entre seus membros. Isto pelo fato de

cada um de seus membros ser o portador de uma experiência íntima, capital preciso

que pode encontrar para se confrontar e se expressar num grupo permanente, para se

basear numa opinião realmente coletiva. Mas ainda, tais grupos têm a possibilidade

de recolocar em causa as questões habitualmente apresentadas, de inventar novas

soluções e, sobretudo, de pôr em questão o universo das coisas sobre as quais já não

se interroga, a rotina, aquilo que ser evidente.

Assim, impõe-se uma reflexão sobre as relações que existem entre o modo de

existência dos grupos e a formação das preferências e das opiniões que eles emitem.

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Uma autogestão fundada sobre grupos ativos parece ser o único meio de alcançar

decisões coletivas que dominem a complexidade dos problemas apresentados; o

único meio de restabelecer a igualdade entre as pessoas – todas as pessoas têm uma

experiência de seu meio ambiente, embora nem todas tenham, com os meios

tradicionais de hoje, as mesmas possibilidades de se manifestarem – e entre as

pessoas e as instâncias decisórias, que são estruturas permanentes.

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5 . A IDEOLOGIA DO TEXTO E A CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO CRÍTICO NO CURSO DE

ECONOMIA

Os curso de ciências econômicas são, erroneamente, apenas considerados

como modelos constituídos por um conjunto de técnicas e teorias que se organizam e

distribuem em uma estrutura curricular que, diferida no tempo, na medida em que

agrega informações e acumula saber, tende a sofisticar cada vez mais o

conhecimento econômico gerando, assim, um arcabouço teórico que permite a

tomada de decisão, fundada na racionalidade científica. Tais cursos baseiam-se em

uma lógica na qual o corpo teórico se desenvolve por uma linha mestra que

poderíamos chamar de eixo duro, pretendendo esgotar o mainstream, postulações e

axiomas centrais que instruem e dos quais dependem o estudo de Economia. A esse

eixo incorpora-se um conjunto de disciplinas de suporte, quer de caráter

instrumental, quer de cunho histórico e político, que o permeia e tangencia

pleiteando, desse modo, garantir uma interpretação do objeto de nossa ciência à luz

de distintos ângulos.

Se, como nos ensina a ciência da educação, nos basearmos nas modernas teorias

do currículo, daremos conta de que os cursos de economia estão estruturados de

modo correto e eficiente. Contudo, se formos além desses conceitos e examinarmos a

sociologia curricular, seremos forçados a aceitar a tese de que esses cursos incidem

no risco de não possibilitarem a formação autóctone do conhecimento e muito menos

do conhecimento crítico, uma vez que não possibilitam a síntese estruturada das

teorias que o sustentam vis-à-vis a consciência coletiva e o imaginário social que os

cercam. Com efeito, os mecanismos de formação profissional, ou se preferirmos os

processos educacionais, sempre suscitaram debates e reflexões, já que são

considerados o motor fundamental da mudança social e do progresso econômico.

Contudo, pari passu a outras possíveis funções, a educação é a principal responsável

pela reprodução das hierarquias sociais e, portanto, pela manutenção das relações de

dominação por parte da classe hegemônica.

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Nesses termos, a educação, embora apresentada como possuidora de um caráter

universal que a descola dos interesses particulares de grupos ou de classes, de fato

faz reproduzir desigualdades, mitos e símbolos que, impregnados nas práticas

pedagógicas e, notadamente, nas formas de estruturação curricular, legitimam o

poder da classe dominante através de um sistema educacional tradicional,

conservador e imobilista, ao mesmo tempo que também encobre e obscurece o

exercício real de poder daqueles grupos e classes. Assim, há uma clara inversão de

papéis, na qual a escola passa a ser o elemento instituído no sistema produtivo e não,

ao contrário, um elemento instituinte de uma ordem socialmente desejável.

Sem desejar aprofundar a questão, que com efeito não é objetivo dessa reflexão,

não podemos nos furtar a admitir que a prática pedagógica e os aparelhos ideológicos

em que se dá são, sem dúvida, ambientes privilegiados para a formação de

consciência. Neles, contudo, identifica-se um profundo sentimento reacionário,

obstaculando transformações, uma vez que os esquemas ideológicos conservadores

existentes têm a capacidade de aparecer associados a atitudes progressivas ou

inovadoras, assegurando, desse modo, a sua reprodução.

Apesar de a ideologia impregnar todas as práticas e estruturas da sociedade, é

possível perceber o conjunto de fenômenos ideológicos como uma instância

específica do modo de produção capitalista: o nível ideológico da sociedade. O nível

ideológico caracteriza-se por uma complexa articulação interna, com o objetivo de

organizar, difundir, elaborar e conservar a ideologia do grupo dirigente, dado que ela

não surge espontaneamente, e sim como resultado de práticas de classes

historicamente condicionadas. Seja como for, os ingredientes do nível ideológico

poderiam sugerir a existência de uma unidade de classes. No entanto, se admitirmos

a existência na sociedade de grupos e classes conflitantes, essa unidade rompe-se e

aparece a diversidade e o conflito. A diferenciação entre classes e a dominação de

algumas delas passam a ser transparentes em todas as estruturas da sociedade.

O amplo campo que envolve os fenômenos ideológicos foi, como sabemos,

principalmente, estudado por Marx e Engels, e aprofundado por Gramsci. Nesses

estudos, verifica-se que a ideologia estende-se a todas as atividades do grupo

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dirigente, incluindo nelas, inclusive, a ciência, considerada como uma categoria

histórica. Desse modo, podemos distinguir diversos graus qualitativos na ideologia,

que resultam da adaptação das concepções, entidades culturais e aparelhos aos

diversos grupos e classes da sociedade. Parafraseando Gramsci, podemos dizer que a

ciência pura constitui mais elaborada concepção ideológica do mundo.

Assim, entendemos que, ao menos em tese, todas as teorias elaboradas no bojo

da ciência econômica têm pontos de certos, mecanismos corretos e justificáveis; no

entanto, quando postas em prática, ganham vida política e, irremediavelmente,

assumem um caráter ideológico. Por certo, essa linha de raciocínio se fragilizará

quando algum iluminado especialista sugerir que tal apropriação da ciência só seria

possível se nela houvesse embutido um componente maquiavélico, onde ao fim e ao

cabo o aspecto determinante fosse o ganho político e a constituição de hegemonia.

Por óbvio o cientista econômico ao formular um determinado conjunto teórico não

está preocupado com as formas de apropriação de suas teses, porém quem minimiza

a importância da possível manipulação das teorias econômicas por grupos de poder

(independente de sua natureza) o faz ou para manifestar uma justificativa cientifica a

favor de tais grupos ou por ingenuidade típica dos que têm tendência de separar a

teoria e o fenômeno.

A ciência só existe contextualizada. Sua realização, suas verdades teóricas, seus

valores, sua configuração variam segundo condições histórico-sociais que a

envolvem. A teoria econômica não é ( ou não deveria ser ) elaborada para o vazio, ou

para situações hipoteticamente semelhantes, e sim para o mundo real de situações

historicamente definidas, onde interferem, sem dúvida, fatos internos, típicos da

economia stricto sensu, como, também, questões sociais mais amplas que identificam

uma cultura e um momento político. Portanto os componentes maquiavélicos não

existem. Existe, por sua vez, a não neutralidade científica e o exercício da prática

econômica como um ato socialmente localizado. A cientificidade é apresentada como

um símbolo emblemático que se contrapõe à possibilidade de ideologização da teoria

cientifica. De fato, a cientificidade açodada é um equívoco da formação positivista,

na qual a verdade científica é aparentemente, somente, aquela que pode ser provada,

mesmo que por modelos abstratos, distanciados da realidade. Só é científico o que

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possui caráter de verdade científica; as demais argumentações, mesmo que razoáveis

e bem fundamentadas, são menores e despiciendas.

Ocorre que no mundo das relações sociais existem poucas verdades tangíveis

absolutas. O mundo das pessoas, do cotidiano, é movido pela verossimilhança e não

pela verdade. Nesse sentido, a ciência poderia ser a tentativa de conhecer o mundo

tal como o conhecem os sujeitos que o experimentam diariamente e, assim, sua

cientificidade residiria na possibilidade de interpretação das realidades que são

desvendadas. Não há necessidade, salvo por exercício intelectual, de elaboração

teórica de modelos acabados para que se compreenda o fenômeno, mesmo porque

ele, provavelmente, se encontrará em um contexto particular. Podemos, então,

afirmar que qualquer ação econômica, fundada em aspectos teóricos, assume, ao ser

implementada, o caráter de fenômeno social que passa ao mesmo tempo a determinar

e ser influenciado pela verossimilhança da sociedade. Sendo assim, enunciamos

nosso argumento básico: a teoria econômica não tem vida própria. A ciência não

sobrevive da ciência, ela só ganha corpo, existência, quando, ideologizada e retirada

das revistas acadêmicas, é implementada como instrumento político do grupo que

imagina hegemonizar o poder.

Se aceitarmos essa linha de argumentação e a remetermos para dentro da grande

curricular dos cursos de economia, vamos identificar a necessidade de construir, à

margem do corpo teórico nela ministrado, um conjunto de disciplinas que sejam

capazes de interpretar a intencionalidade ideológica expressa na aceitação e

aplicabilidade dessa ou daquela teoria. Claro está que algumas matérias

convencionais como, por exemplo, história do pensamento econômico, são capazes

de levar a cabo tal tarefa, contudo, necessariamente, com sacrifício de alguns

aspectos interpretativos de ordem formal.

A cadeira de leitura surge, então, como uma opção privilegiada de debate e

análise desses fenômenos. No entanto, só possui sentido se estruturada em bases

sólidas, não só econômicas como também metodológicas, políticas e mesmo de

lingüística. Com efeito, não há nenhum novidade nesse tipo de disciplina, sendo

mesmo que diversas universidades dela se utilizam; porém seu uso deve estar

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vinculado, por um lado, ao projeto pedagógico do curso e, por outro, a uma estratégia

didática que envolva o aluno em um processo de compreensão textual o qual em

algum sentido vai para muito além da simples leitura. Dito de outra forma, não basta

saber ler e compreender o conteúdo do que está descrito sequer é suficiente a

interpretação desses conteúdos. A leitura eficaz é aquela que consegue identificar a

intencionalidade do que está escrito, o sentido implícito e as várias leituras que o

texto possibilita.

Para tanto, torna-se necessário: a contextualização da leitura, uma base teórica

anterior e a correta utilização de recursos provenientes da moderna lingüística que

nos aponta, através da teoria da argumentação e da gramática textual, para artifícios e

pistas textuais como os marcadores de derivação, o uso dos verbos performativos, as

manobras discursivas, etc.

Cabe ressaltar que nesse novo conceito a leitura confunde-se com o próprio

processo de conhecimento, ou de descoberta, já que pode ser aplicada tanto à ficção

quanto ao mundo real. Assim, fazemos leitura de tudo à nossa volta. Lemos textos

literários, textos jornalísticos, textos científicos, lemos também anúncios, propaganda

eleitoral, exposições culturais, objetos, economia, pessoas...lemos tudo. Lemos o

mundo. Essa é a nova visão de leitura, de texto. Um texto que faz a ligação do

individuo com o mundo, que prepara para a cidadania, través de uma visão global e

crítica da realidade. Um texto que requer um leitor interativo não só com os assuntos

acadêmicos, mas com o todo que o cerca, projetando-se na realidade virtual. E

também é esse texto no stricto sensu, quer na forma de produção escrita, quer na

produção de leitura, o gerador de diversas preocupações sobre o ensino e, em

especial, nos cursos de economia.

A cadeira de leitura vem ocupando um espaço significativo em quase todos os

cursos, principalmente, nos primeiros períodos, nomeada diversificadamente como

técnica de redação, comunicação oral e escrita, técnica de comunicação ou mesmo

língua portuguesa, fato esse que gera alguma polêmica no ambiente acadêmico,

repleto de tecnicismo e cientificidade, mas que de certa forma nos convida a uma

discussão sobre um novo enfoque para tais cadeiras, aqui não mais configurada como

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a gramática pela gramática e sim como uma disciplina que tem o objetivo de

conscientizar e de instrumentalizar o universitário para a leitura do seu próprio

discurso e dos discursos alheios, de forma crítica, pensante, a fim de que perceba a

relação entre o que aprende nas teorias econômicas e sua realidade circundante.

Sabe-se que, nas visões tradicionais de leitura, o significado dos textos tem sido

representado como sendo inerente à linguagem; os alunos não participam da

construção social do significado, ocupando, portanto, uma posição de objeto no

sentido de que são afetados pelos significados produzidos por outros que têm acesso

ao discurso. Por outro lado, na versão mais atual, a leitura é entendida como

construção do significado, sendo que os alunos ocupam uma posição de sujeito, já

que atuam na produção do sentido, engajando-se com outros discursos dentro de

circunstâncias sócio-históricas. Nessa perspectiva, a leitura deixa de ser um ato

solitário, de decodificação, de aceitação passiva e começa a ser vista como um ato de

construção ativa, de interação verbal entre indivíduos socialmente determinados: o

leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os

outros. Considera-se, portanto, na leitura, tanto a informação impressa na página

quanto a informação que o leitor traz para o texto, ou seja, o significado se torna

possível no processo de interação entre o leitor e o escritor. Em outras palavras,

como já mencionado, saber ler não é apenas considerar o que está dito, mas também

aquilo que não está dito, porém está significando.

Dessa forma, a presença da cadeira de leitura no currículo de economia está

voltada para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno como

produtor e intérprete, especialmente em relação a textos necessários ao seu

desempenho acadêmico e profissional, notadamente em programas de curso que

privilegiam o caráter pluralista do ensino e a heterogeneidade de abordagens teóricas.

Obviamente não há nada de trivial na organização adequada dessa disciplina.

Preliminarmente, considera-se desejável que ela se prolongue por alguns períodos do

curso (imaginamos que, idealmente, deveria abranger os quatro primeiros períodos)

dada a necessidade de familiarizar o estudante com vários tipos de textos, bem como

habitua- lo à leitura. É evidente a existência de uma certa hierarquia de complexidade

textual, e os leitores mais aptos aos textos científicos densos são exatamente aqueles

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que passaram por todos os estágios de sofisticação de leitura. As pistas e a

intencionalidade textuais são muito mais facilmente identificadas nos textos

literários, onde diversas interpretações podem ser pertinentes e válidas, do que em

textos científicos. Assim, é importante que o aluno trave contato primeiro com

aquelas leituras mas simples e aprenda com elas como enfocar e tratar a análise dos

diversos discursos.

Nesses termos, nos primeiros períodos a cadeira de leitura deve concentrar-se

no uso de textos literários tais como: contos, breves romances e até mesmo poesia,

preferencialmente escolhidos, de modo a interagir com outras disciplinas,

ambientando ou construindo abstrações úteis a elas. A título de ilustração,

poderíamos citar o romance O mundo de Sofia, do norueguês Jostein Gaarder, como

um excelente material complementar para disciplinas ligadas ao núcleo de formação

humanística, ou ainda Anarquistas graças a Deus, de Zélia Gattai, para a disciplina

de formação econômica do Brasil, assim como um interminável conjunto de outras

opções. O fundamental é que os textos utilizados sejam, sempre e necessariamente,

definidos pelo conjunto de professores daquela determinada fase do curso.

A cadeira de leitura evolui com a introdução de textos jornalísticos, de

publicidade, passando por resenhas, relatórios gerenciais, relatórios de pesquisa,

artigos acadêmicos e, finalmente, textos científicos, incluindo-se a confrontação

entre textos. A construção do conhecimento e da crítica se dá, nesse caso, pela

constante interação do leitor com o texto propriamente dito e com as informações

extra-texto trazidas à sala de aula quer pelo professor, quer pela própria turma. Desse

modo, o contexto sócio-histórico que ambienta o texto pode ser claramente

explicitado antes da leitura, e os pré-requisitos conceituais e as estratégias de

produção de sentido necessárias à interpretação textual passam a ser de domínio

permanente dos alunos e se consolidam ao longo do curso. Por outro lado, a

elaboração de roteiros e guias de leitura, que visa facilitar a interpretação, permite

aos alunos ter clareza das propostas de leitura e os estimula e desafia a perceber ou

recorrer à intertextualidade, ou seja, fazer uso de outros textos como esclarecedores e

enriquecedores de sentido para a interpretação dos textos apresentados.

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Claro está que não basta apenas subsidiar o aluno para essa nova forma de lidar

com o texto. E nesse sentido, a cadeira de leitura se expande para além de seus

limites, uma vez que professores das demais disciplinas, enquanto mediadores da

aprendizagem, passam a perceber a importância de uma metodologia de ensino

centrada na leitura, considerando o texto como um fenômeno social, através do qual

as pessoas constroem e desconstroem o significado interacionalmente e

intencionalmente, de acordo com seus próprios projetos sócio-políticos.

Se observarmos, num sentido mais amplo, todos somos professores de leitura,

todos construímos, planejamos e operacionalizamos nossas aulas através de textos

orais e escritos. Não há como pensar em ensino e pesquisa se não estivermos

conscientes e dispostos a rever nossos conceitos e posturas. Continuar ensinando de

acordo com a realidade pedagógica já defasada em anos inviabiliza qualquer projeto

de qualificação da formação acadêmica.

Parece-nos certo que curso de economia que responde ao sistema vigente, sem

querer altera-lo, mas tão-somente confirma- lo, assume a leitura enquanto reprodução,

duplicando a visão ideologizada, hierarquizada e autoritária da cultura, incentivando

a recepção passiva e mecânica, fornecendo interpretações prontas e acabadas. Ao

contrário, um curso que pretende a mudança social enfoca a leitura dos textos

propostos como um instrumento de conscientização e questionamento da realidade

em que o leitor se insere.

Na verdade, uma instituição universitária que objetiva estabelecer um ensino

mais produtivo e qualificado para um aluno próximo ao mercado de trabalho e na

plenitude de sua formação como agente social e transformador deve colocar em

pauta reflexão e discussão questões básicas tais como as relações dialéticas

professor-aluno, ensino-aprendizagem, e também valorizar o papel da linguagem, do

texto, como articulador dos diversos conteúdos programáticos, da

interdisciplinaridade, que considera o saber como um todo integrado. Além disso,

numa sociedade em que as desigualdades são tão flagrantes, os pontos aqui

levantados sobre os modelos de linguagem e de leitura, que circulam no meio

acadêmico, necessitam ser tratados com atenção por todos aqueles envolvidos com a

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educação, se é que pretendemos permitir aos alunos de economia aprenderem a

operar na realidade social como agentes determinantes, pois à medida que se

tornarem conscientes das práticas discursivas nas quais estão envolvidos, com

certeza, terão acesso ao discurso emancipatório e, portanto, à cidadania.

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CONCLUSÃO

Com o iniciar do século XXI, especular sobre as perspectivas da teoria

econômica não representa um exercício alucinado de futurologia. Naturalmente, se

pretendêssemos antecipar as linhas teóricas dominantes dentro de trinta ou quarenta

anos, entraríamos no terreno da aventura. Mais dois ou três anos constituem uma

distancia segura a prevenção. Não se pode negar, particularmente, em nossos dias, a

suma importância dos debates sobre a eficiência da economia. É o leigo, o político, o

homem de rua, o estudante de economia e, com maior responsabilidade são os

profissionais da área ao analisar os problemas reais que as economias, buscam

soluções, alicerçando seus pontos de vista em princípios teóricos de múltiplas

facetas. Mas, para uma tomada de posição frente às situações reais que apresentam,

impõe-se a leitura de obras serias sobre o assunto exumadas de distorcidas posições

ideológicas e escritas de forma simples, clara e didática.

Mediante a isso, a presente pesquisa teve como origem o seguinte problema:

Será que os métodos de ensino adotados pelas universidades que preparam

Economistas para a realidade brasileira?; e como hipótese de trabalho: A

universidade não deveria separar a análise da realidade, preparando assim,

formandos capazes de enfrentar os problemas de injustiça e desigualdade sob todas

as suas formas, trata-se da pobreza, da deterioração urbana, dos desequilíbrios

naturais, da concentração do poder industrial e político, do subdesenvolvimento.

Tal questionamento se destinou a discussão de conceitos úteis para a

compreensão do campo em que se situa a macroeconomia. A preocupação central

não é aqui a questionar os diferentes esquemas conceituais e as classificações

usualmente empregadas para a divisão formal da economia enquanto ciência bem

como, não aprofundar discussões sobre problemas metodológicos, relacionados ao

levantamento de hipóteses, a sua verificação, à formalização de leis e de princípios

econômicos e enfim, a construção da teoria econômica. Mas assim, a partir de dada

linha conceitual, selecionar e encaminhar alguns elementos úteis para o estudo

macroeconômico, no intuito, apenas de aproximar a teoria da realidade. Como pode-

se observar, tal hipótese é verdadeira,uma vez que, ao se questionar, um recém

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formado dificilmente consegue aplicar, testar ou impugnar os novos conceitos, torna

um mero difusor de idéias simplificadas e uma vitima das fórmulas ideológicas.

Nas universidades a eficiência e o crescimento da produção ainda constituem o

objeto essencial das teorias. É por isso que, depois de se terem desenvolvido durante

dois séculos, partindo da hipótese de que o ambiente biológico do homem não era

influenciado pelo desenvolvimento econômico, essas teorias dificilmente podem

assegurar uma reconversão radical e que importantes fenômenos do nosso tempo

continuam sem explicação: a inflação, os mecanismos de distribuição das rendas e

dos poderes a interdependência dos fenômenos sociais, políticos e econômicos.

Poucos foram os instrumentos de ação criados para resolver os problemas mais

urgentes: o problema, a poluição, a destruição irreversível da natureza, as condições

deficientes de trabalho.

Com base no tema pesquisado surgem três sugestões para novas pesquisas:

Primeira, O economista como cientista: qual o seu compromisso com o saber e

o fazer pedagógico nas universidades? Atualmente, não se sabe quase nada sobre

esse ponto. Muito poucas pesquisas e ainda menos experiência concretas foram

empreendidas sobre este assunto, o que impede que se possa ter uma opinião

cientificamente fundamentada sobre essa questão, embora ela seja primordial. No

entanto, vale ressaltar que o conhecimento científico não pode ter desenvolvimento

em si, alheio a sociedade, só para o elite, e sim um fim social.

Segunda, Como transformar a universidade brasileira numa instituição

promotora da inclusão social-cultural? Considerando-a como núcleo gerador de

educação e cultura, servindo como elo transformação na realização de práticas que

conduzam a comunidade escolar, na descoberta de um melhor padrão sócio-cultural

que dignifique sua cidadania, assim como, permitindo ao professor e sua turma, um

horário semanal, previsto no planejamento da escola para visitação a associações de

moradores, empresas locais e outras afins, facilitando a integração de forças atuantes

da sociedade, na busca por meio da conscientização e informação, soluções que

amenizem as graves deficiências detectadas na mesma.

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Terceira, Qual é o papel apropriado do economista relativamente à formulação

de política, apenas teoria econômica ou Economia Política? Se seu interesse

apropriado for somente teoria econômica, isto é, se ele se dedicar unicamente à

geração de conhecimento técnico, então a acusação de irrelevância que muitas vezes

tem sido feita contra a economia certamente será feita novamente. Conhecimento

técnico deve estar acoplado a conhecimento normativo para que possa ser usado afim

de alterar ou reduzir os relacionamentos econômicos, e isto nos transfere do campo

da Economia pura para o da Economia política.

Proposto isso, quem sabe, atenderemos uma grande parte da população eu não

usufrui dos benefícios ou confortos trazidos com a expansão da produção; são

pessoas que não completam os estudos, trabalham desde cedo em serviços braçais de

baixa remuneração, não tem assistência medica nem trabalho regular, não desfrutam

das redes de saneamento básico, alimentam-se precariamente, vestem-se como

indigentes e só consomem objetos de segunda mão, que lhes chegam através de

movimentos assistenciais.

Finalizando, pode-se, dizer que a educação formal é fundamental para que

possamos ter forças para a vitória, mas a formação de nosso caráter e a nossa

personalidade é que darão a chance de sermos realmente quem queremos ser. E as

universidades deveriam ser compreender as possibilidades e limites da pratica

educativa dentro de uma sociedade estruturada em classes, vivendo

permanentemente a contradição que possibilite o movimento, objetivando formar

homens com mentabilidade abertas, senso critico, atitude inquisitiva e espírito de

participação na comunidade. O ensino deveria ser o espaço para as pessoas se

realizarem como cidadãos e se tornarem sujeitos do próprio conhecimento. E assim

quem sabe o diploma escolar deixará de ser identificado como um fator de distinção,

como um papel valorizado socialmente e passaria a ser concebido como fruto da

formação de profissionais preparados para enfrentar os desafios que se impõem com

a nova configuração do mercado de trabalho e de cidadãos de seus direitos e deveres.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Attali, Jacques, Guillaume Marc. A Antieconomia. Rio de Janeiro: Fahar

Editores, 1975.

O ensino de economia: questões teóricas e empíricas Textos e palestras

apresentadas no 2° simpósio sobre o Ensino de Economia e no 1° Seminário

Nacional de Informática no Ensino e na Pesquisa de Economia, de 13 a 16 de

outubro de 1997. Rio de Janeiro: Corecon/RJ, 1997.

Rima, Ingrid Hhne. História do pensamento Econômico São Paulo: Editora

atlas S.A, 1987

Rosseti, José Paschoal. Políticos e programas econômicos-7º ed. São Paulo: Atlas

S.A, 1991

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ANEXO I

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ANEXO II

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ANEXO III

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ANEXO IV

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ANEXO V

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ÍNDICE

RESUMO----------------------------------------------------------------------------------------6

SUMÁRIO---------------------------------------------------------------------------------------7

INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------8

1. AS ORIGENS DA ANÁLISE MACROECONOMICA------------------------------11

2. FISIOCRACIA: O INÍCIO DA ANÁLISE MACROECONOMICA---------------28

2.1. TABLEAU ECONOMIQUE--------------------------------------------------------34

2.2. CRÍTICAS AS OPINIÕES FISIOCRÁTICAS-----------------------------------38

2.3. CONTRIBUIÇÕES FISIOCRÁTAS AO ESTUDO

MACROECONÔMICO ATUAL--------------------------------------------------40

3. REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE MACROECONOMIA

NO CURSO DE GRADUAÇÃO DE ECONOMIA-----------------------------------44

3.1. A MACROECONOMIA CONVENCIONAL------------------------------------46

3.2. OS DESENVOLVIMENTOS RECENTES EM

MACROECONOMIA----------------------------------------------------------------49

4. ECONOMIA DA NATUREZA E DO MEIO AMBIENTE--------------------------56

4.1. ECONOMIA DA NATUREZA E EXPLORAÇÃO DO

TERCEIRO MUNDO----------------------------------------------------------------66

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4.2. ECONOMIA DA NATUREZA E PROPRIEDADE

DOS MEIOS DE PRODUÇÃO-----------------------------------------------------67

4.3. ECONOMIA DA NATUREZA E PROCESSOS DE DECISÃO--------------68

5. A IDEOLOGIA DO TEXTO E A CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO CRÍTICO NO CURSO DE ECONOMIA----------------------73

CONCLUSÃO--------------------------------------------------------------------------------82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -----------------------------------------------------85

ANEXOS---------------------------------------------------------------------------------------86

ÍNDICE-----------------------------------------------------------------------------------------93

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-Graduação “Lato Sensu” em Docência Do Ensino Superior

Título do livro: A metodologia do ensino no curso de graduação de Ciências

Econômicas

Data da Entrega:

Avaliação:

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Avaliado por:______________________________________Grau______________.

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