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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR COMO AGENTES DE LETRAMENTO Por: Luiz Antonio Costa Tarcitano Orientadora Profª. Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR COMO AGENTES DE

LETRAMENTO

Por: Luiz Antonio Costa Tarcitano

Orientadora

Profª. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

OS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR COMO AGENTES DE

LETRAMENTO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Docência do

Ensino Superior

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter conseguido terminar mais esta etapa da minha vida.

À minha professora e orientadora, FABIANE MUNIZ, pelas contribuições,

compreensão e paciência incansável.

A todos os professores da UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES (Instituto A

Vez do Mestre), que possibilitaram o caminhar rumo à pesquisa e à

descoberta.

Aos tantos amigos, que ao caminharem juntos comigo no âmbito da pesquisa,

trouxeram contribuições significativas e importantes para a conclusão deste

trabalho.

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“O que sabemos é uma gota.

O que ignoramos é um oceano.”

Isaac Newton

(1643-1727)

DEDICATÓRIA

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Dedico este trabalho à

minha esposa, pois

sem o incentivo dela

nada disso existiria.

RESUMO

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Tendo em conta que a Universidade tem a responsabilidade de ofertar

ao estudante uma formação que lhe favoreça condições de desenvolver a

leitura e a escrita de forma eficiente, principalmente no que diz respeito à

leitura técnico-científica, que é de suma importância ao futuro desempenho

profissional, discutiremos algumas questões acerca do letramento dos alunos

universitários, percorrendo conceitos e definições sobre essa palavra recém-

chegada ao vocabulário da Educação, examinaremos entendimentos sobre

leitura e escrita nas universidades e refletiremos sobre práticas pedagógicas

de letramento acadêmico nas Instituições de Ensino Superior que abranjam a

leitura e a escrita como eixo norteador das atividades desenvolvidas em sala

de aula. A complexidade dessa questão impõe um enfrentamento das

instituições de ensino, assim como de toda a sociedade, mesmo com a

limitação que esse contexto oferece. Algumas sugestões exitosas foram

proferidas e fazem parte da discussão, manifestando suas possibilidades como

créditos nesta luta essencial, propendendo à constituição de um ser crítico e

transformador, um ente para um novo entendimento.

METODOLOGIA

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A metodologia utilizada na pesquisa alicerça-se na proposta do método

qualitativo, com abordagem descritiva e exploratória, o qual se inscreve por

meio de leituras teóricas e conhecimentos práticos adquiridos pelo autor como

advogado e como professor de Língua Portuguesa e Literatura.

Para o desenvolvimento do trabalho, realizou-se ampla pesquisa à

bibliografia técnica, sites da Internet e publicações não especializadas. Os

princípios que guiaram o processo de pesquisa foram os previstos pelo

"método hipotético-dedutivo", sendo que, o conjunto do trabalho constituiu-se

das seguintes etapas, após o estabelecimento do tema e seus objetivos:

planejamento da pesquisa, levantamento da situação atual, análise da situação

atual, elaboração da dissertação.

Diante das possibilidades do tema, das múltiplas limitações que lhe são

inerentes e em função do tratamento pretendido, imprimiu-se uma visão

analítica baseada, principalmente, em observações acerca do engano de se

pensar que o processo de Letramento dos educandos no Ensino Superior é um

problema apenas do professor de Língua Portuguesa.

Iniciado em outubro/2009, o trabalho culmina em 25 de março de 2010.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I - Conceitos, Definições e Entendimentos 12

CAPÍTULO II - Leitura e Escrita nas Universidades 44

CAPÍTULO III – Letramento Acadêmico 66

CONCLUSÃO 90

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 94

ÍNDICE 100

FOLHA DE AVALIAÇÃO 102

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INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é analisar o letramento na perspectiva do

Ensino Superior Brasileiro, tendo como foco todos os professores

universitários como agentes de letramento e suas práticas em sala de aula.

Hodiernamente, nossa sociedade contempla a discussão acerca da

democratização do ensino nos diversos níveis, sobretudo, os estudos de

condições de acesso e de qualidade.

Um dos paradigmas apontados para assegurar a qualidade da

educação básica ao ensino superior é a questão do papel social de todos os

envolvidos na formação dos indivíduos, principalmente no que concerne à

leitura e à escrita. Bens culturais que devem ser acessados por todos os

cidadãos, de maneira que desenvolvam um grau de letramento que lhes seja

a chancela de participação ativa na sociedade em que vivem.

Dessa forma, o papel do ensino superior na questão supracitada

também tem sido discutido, e para muitos doutrinadores a universidade deve

superar a simples reprodução e repasse de conhecimento e investigar novas

alternativas que permitam o alcance do novo.

A Universidade é lugar de construção do conhecimento científico,

filosófico e artístico, onde os envolvidos são desafiados a buscar o

conhecimento novo de forma crítica, reflexiva e criativa.

Mister se faz refletir sobre o papel intencional do conhecimento como a

única ferramenta dos homens para a construção do sentido de sua ação

individual e coletiva.

É preciso ter em mente que o tipo de ensino adotado pela universidade

é resultante de sua leitura do mundo, das necessidades emergentes de seu

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contexto, que aliada ao seu projeto político pedagógico, vai delinear o tipo de

ensino a ser ministrado.

Nos questionamentos acerca dos desafios do ensino superior, quando

se fala de educação na universidade, busca-se um novo paradigma que

supere as deficiências e lacunas na formação do homem e propicie um ensino

que liberte para criar, elaborar e recriar. Dentre as lacunas, uma questão

decisiva que se encontra no centro das reflexões é o nível de letramento dos

alunos no nível superior, considerado um dos problemas mais sérios com que

se deparam professores e alunos, dificuldades de acesso ao conhecimento

das mais diversas áreas e suas respectivas linguagens.

Há inúmeros fatores que colaboram para a problemática do

letramento dos alunos, dentre os quais alguns devem ser objetos de exame e

ponderação.

Primeiro, a democratização do acesso que a escola tem ocasionado

nas universidades, o ingresso de estudantes nem sempre familiarizados com

os tipos e graus de letramento que o mundo acadêmico propaga e conjectura.

Um segundo fator seria a presença de jovens com uma situação sócio-

econômica e cultural que possibilita pouco tempo para se dedicar aos estudos,

haja vista que a maioria tem jornada de trabalho integral. Por outro lado, a

escola de Ensino Fundamental e Médio, donde normalmente procedem esses

alunos / trabalhadores, não tem conseguido desenvolver apropriadamente as

competências indispensáveis para formação de leitores e produtores de textos.

Entende-se que a situação atual implica superar o momento de

culpabilização. É necessário que haja análise e reflexão das implicações da

situação acima referida, além de construírem-se efetivamente projetos e ações

que contribuam para que o ensino superior não se furte de um contexto social

mais amplo no qual os alunos pertencem. Um ensino que faça ver ao longe,

que pugne pela melhoria de base, democratizando o acesso, com políticas

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públicas sérias e permanentes, transformando-se para manter a qualidade em

todas as etapas da educação.

Este trabalho propõe-se a um breve panorama das idéias acerca de

letramento, as implicações do nível de letramento na formação das ideias,

concepções e crenças dos indivíduos, e apresenta a proposta da relevância do

processo de letramento como atribuição de todos os professores

universitários, em todas as áreas de conhecimento, e sua não exclusividade do

professor de Língua Portuguesa.

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CAPÍTULO I

CONCEITOS, DEFINIÇÕES E ENTENDIMENTOS

1.1 O Que é Letramento?

Letramento é palavra recém-chegada ao vocabulário da Educação e

das Ciências Lingüísticas: é na segunda metade dos anos 80 que ela surge no

discurso dos especialistas dessas áreas. Uma das primeiras ocorrências está

no livro de Mary Kato, de 1986 (No mundo da escrita: uma perspectiva

psicolingüística): a autora, logo no início do livro (p.7), diz acreditar que a

língua falada culta “é consequência do letramento”. Desde então, a palavra

tornou-se cada vez mais frequente no discurso escrito e falado dos

especialistas, de tal forma que, 1995, já figurava em título de livro organizado

por Ângela Kleiman: Os significados do letramento: uma nova perspectiva

sobre a prática social da escrita.

Como constata a professora Magda Soares (2009), novas palavras são

criadas (ou às velhas palavras dá-se um novo sentido) quando emergem novos

fatos, novas idéias, novas maneiras de compreender os fenômenos. Se a

palavra letramento ainda causa estranheza a muitos, outras palavras do

mesmo campo semântico sempre foram familiares: analfabetismo, analfabeto,

alfabetizar, alfabetização, alfabetizado e, mesmo, letrado e iletrado.

Analfabetismo, define o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é o

“estado ou condição de analfabeto”, e analfabeto é o “que não sabe ler e

escrever”; a ação de alfabetizar, isto é, segundo o Aurélio, de “ensinar a ler” (e

também a escrever, que o dicionário curiosamente omite) é designada por

alfabetização, e alfabetizado é “aquele que sabe ler” (e escrever). Já letrado,

segundo o mesmo dicionário, é “aquele versado em letras, erudito”, e iletrado

é “aquele que não tem conhecimentos literários” e também o “analfabeto ou

quase analfabeto”. O dicionário Aurélio não registra a palavra “letramento”.

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Essa palavra aparece, porém, num dicionário de Língua Portuguesa

denominado: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas

Aulete, o verbete “letramento” caracteriza a palavra como “ant”, isto é, “antiga,

antiquada”, e lhe atribui o significado de “escrita”; o verbete remete ainda para

o verbo “letrar” o que, como transitivo direto, atribui a acepção de “invertigar,

soletrando” e, como, pronominal “letrar-se”, a acepção de “adquirir letras ou

conhecimentos literários” – significados bem distantes daquele que hoje se

atribui a letramento.

Certamente, não se buscou a origem da palavra “letramento” no

dicionário publicado por Caldas Aulete. Buscou-se o termo com o sentido que

hoje ele representa. Sem dúvida, da versão para o Português da palavra de

língua inglesa literacy.

Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o

sufixo “-mento”, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser (como,

por exemplo, em “pensamento” resultado da ação de pensar). Portanto:

letramento é o resultado da ação de "letrar-se", se dermos ao verbo "letrar-se"

o sentido de "tornar-se letrado". No Webster’s Dictionary, literacy tem a

acepção de “the condition of being literate”, a condição de ser literate, e literate

é definido como “educated; especially able to read and write”, educado,

especialmente, capaz de ler e escrever. Ou seja, literacy é o estado ou

condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse

conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais,

políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que

seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. Em outras

palavras, do ponto de vista individual, o aprender a ler e escrever – alfabetizar-

se, deixar de ser analfabeto, tornar-se alfabetizado, adquirir a “tecnologia” do

ler e escrever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita – tem

conseqüências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou condição em aspectos

sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo

econômicos; do ponto vista social, a introdução da escrita em um grupo até

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então ágrafo tem sobre esse grupo efeitos de natureza social, cultural, política,

econômica, linguistica. O “estado” ou “condição” que o indivíduo ou o grupo

social passam a ter, sob o impacto dessas mudanças é que é designado

literacy.

É esse, pois, o sentido que tem letramento, palavra criada e traduzida “ao pé

da letra” do inglês literacy. Letramento é, então, o resultado da ação ensinar

ou aprender a ler e escrever; o estado ou a condição que adquire um grupo

social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.

Dispõem-se, talvez, de uma palavra mais “vernácula”: alfabetismo, que o

Aurélio (que não dicionariza letramento, já supracitado) registra, atribuindo a

essa palavra, entre outras acepções, a de “estado ou qualidade de

alfabetizado”. Entretanto, embora dicionarizada, alfabetismo, não é palavra

corrente, e, talvez, por isso, ao buscar uma palavra que designasse aquilo que

em inglês já se designava literacy, tenha-se optado por verter a palavra inglesa

para o português, criando a nova palavra letramento. Curiosamente, em

Portugal tem-se referido o termo literancia, mais próximo ainda do termo inglês.

Vale a pena citar as palavras de António Nóvoa em prefácio que faz à obra

recente de Justino Pereira de Magalhães, porque elas abonam o uso de

literancia e ainda afirmam a diferença entre esse termo e o termo

analfabetismo, esclarecendo o sentido do primeiro: António Nóvoa lamenta que

Portugal tenha fechado “o século XX com níveis intoleráveis de analfabetismo

(talvez da ordem de 15%) e com níveis ainda mais baixos de literancia,

entendida aqui como a utilização social da competência alfabética”.

Como foi dito inicialmente, novas palavras são criadas, ou às velhas palavras

dá-se um novo sentido, quando emergem novos fatos, novas ideias, novas

maneiras de compreender os fenômenos. Tem-se conhecimento, há muito, do

“estado ou condição de analfabeto”, que não é apenas o estado ou condição

de quem não dispõe da “tecnologia” do ler e do escrever; o analfabeto é aquele

que não pode exercer em toda sua plenitude os direitos de cidadão, é aquele

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que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais

de sociedades letradas e grafocêntricas. Já estado ou condição de quem sabe

ler e escrever, quem responde adequadamente às intensas demandas sociais

pelo uso amplo e diferenciado da leitura e da escrita, esse fenômeno só

recentemente se configurou como uma realidade social. Antes, o problema era

apenas o do “estado ou condição de analfabeto” – a enorme dimensão desse

problema impedia a percepção de outra realidade, o “estado ou condição de

quem sabe ler e escrever”, e, por isso, o termo analfabetismo bastava, o seu

oposto – alfabetismo ou letramento – não era necessário. Só recentemente

esse oposto entrou em cena, porque só recentemente enfrentou-se essa nova

realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, mister se faz

saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz

continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento.

Quanto à mudança na maneira de considerar o significado do acesso à

leitura e à escrita, da mera aquisição da “tecnologia” do ler e do escrever à

inserção nas práticas sociais de leitura e escrita, de que resultou o

aparecimento do termo letramento ao lado do termo alfabetização – um fato

que sinaliza bem essa mudança, embora de maneira tímida, é a alteração do

critério utilizado pelo Censo para verificar o número de analfabetos e de

alfabetizados: durante muito tempo, considerava-se analfabeto o indivíduo

incapaz de escrever o próprio nome, nas últimas décadas, é a resposta à

pergunta: “sabe ler e escrever um bilhete simples?” que define se o indivíduo é

analfabeto ou alfabetizado. Ou seja, da verificação de apenas a habilidade de

codificar o próprio nome passou-se à verificação da capacidade de usar a

leitura e a escrita para uma prática social (ler ou escrever um bilhete simples).

Embora essa prática seja ainda bastante limitada, já se evidencia a busca de

um “estado ou condição de quem sabe ler e escrever”, mais que a verificação

da simples presença da habilidade de codificar em língua escrita, isto é, já se

evidencia a tentativa de avaliação do nível de letramento, e não apenas a

avaliação da presença ou ausência da “tecnologia” do ler e escrever.

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A avaliação do nível de letramento e não apenas da presença ou não

da capacidade de escrever ou ler (o índice de alfabetismo) é o que se faz em

países desenvolvidos, em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e

universal, e se presume, pois, que toda a população terá adquirido a

capacidade de ler e escrever. Assim, esses países tomam como critério o

número de anos de escolaridade completados pelos indivíduos. O pressuposto

é que a escola, em 4, 5 ou mais anos, terá levados os alunos não só à

aquisição da “tecnologia” do ler e escrever, mas também aos usos e práticas

sociais da leitura e da escrita, a uma adequada imersão no mundo das letras.

O que interessa a esses países é a avaliação do nível de letramento da

população, não o índice de alfabetização, e frequentemente buscam esse

nível pela realização de censos por amostragem em que, por meio de

numerosas e variadas questões, avaliam o uso que as pessoas fazem da

leitura e da escrita, as práticas sociais de leitura e de escrita de que se

apropriam.

Enfatiza ainda Magda Soares (2009), a importância de se compreender

que é o letramento que estão se referindo os países desenvolvidos quando

denunciam, como têm feito com freqüência, índices alarmantes de illiteracy

(Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália) ou de illettrisme (França) na

população, na verdade, não estão denunciando, como se costuma crer no

Brasil, um alto número de pessoas que não sabem ler e escrever, mas estão

denunciando um alto número de pessoas que evidenciam não viver em estado

ou condição de quem sabe ler e escrever, isto é, pessoas que não incorporam

os usos da escrita e da leitura. Um exemplo é a pesquisa desenvolvida em

2003 nos Estados Unidos pela National Center of Education Statistics,

buscando identificar o nível de forma natural de letramento (prose literacy) do

povo americano com mais de 16 (dezesseis) anos: em primeiro lugar, os

instrumentos utilizados avaliavam as habilidades de ler, compreender e usar

textos em prosa, como editoriais, reportagens, poemas, etc., e de localizar

informações extraídas de mapas, tabelas, quadros de horários, etc., o que

evidencia que o objetivo não foi verificar se os indivíduos sabiam ler e escrever

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– se eram alfabetizados – mas se sabiam fazer uso de diferentes tipos de

material escrito, compreendê-los, interpretá-los e extrair deles informações –

que nível de letramento tinham. Em segundo lugar, a conclusão da pesquisa

foi: Inferior ao Básico (Below Basic): 14% (30 milhões); Básico (Basic): 29%

(63 milhões); Intermediário (Intermediate): 44% (95 milhões) e Proficiente

(Proficient): 13% (28 milhões). Destarte, conclui-se que o analfabetismo não

era um problema entre o povo norte-americano, mas a literacy (a capacidade

de fazer uso da escrita e da leitura), isto é, o letramento, é que constituía o

problema.

A diferença entre alfabetização e letramento fica mais evidente na

área das pesquisas em Educação, em História, em Sociologia e em

Antropologia. As pesquisas que se voltam para o estudo do número de

alfabetizados e analfabetos e sua distribuição (por região, por sexo, por idade,

por época, por etnia, por nível socioeconômico, entre outras variáveis), ou que

voltam para o número de crianças que a escola consegue levar à

aprendizagem da leitura e da escrita, na série inicial, são pesquisas sobre

alfabetização; as pesquisas que buscam identificar os usos e práticas sociais

de leitura e escrita em determinado grupo social, ou buscam recuperar, com

base em documentos e outras fontes, as práticas de leitura e escrita no

passado (em diferentes épocas, em diferentes regiões, em diferentes grupos

sociais) são pesquisas sobre letramento.

Signorini (2006) ainda faz uma última inferência acerca do conceito de

letramento que é aquele indivíduo que pode não saber ler e escrever, mas

ser, de certa forma, letrado. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque

marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a

leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de

jornais, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um

alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando

vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe

leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa

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forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolvendo-se em práticas sociais

de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou,

mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são

lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa

criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e a escrever, mas já

penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada. Esses

exemplos evidenciam a existência deste fenômeno a que tem-se chamado

letramento e sua diferença deste outro fenômeno chamado alfabetização, e

apontam a importância e necessidade de se partir, nos processos educativos

de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita voltados seja para crianças,

seja para adultos, de uma clara concepção desses fenômenos e de suas

diferenças e relações.

1.2 Letramento e Alfabetização

Uma estudante norte-americana, de origem asiática, Kate M. Chong, ao

escrever sua história pessoal de letramento, define-o em um poema. A

tradução do poema, com as necessárias adaptações, é a seguinte:

Letramento não é um gancho

em que se pendura cada som enunciado,

não é treinamento repetitivo

de uma habilidade,

nem um martelo

quebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão

é leitura à luz de vela

ou lá fora, à luz do sol.

São notícias sobre o presidente

o tempo, os artistas da TV

e mesmo Mônica e Cebolinha

nos jornais de domingo.

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É uma receita de biscoito,

uma lista de compras, recados colados na geladeira,

um bilhete de amor,

telegramas de parabéns e cartas

de velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos,

sem deixar sua cama,

é rir e chorar

com personagens, heróis e grandes amigos.

É um Atlas do mundo,

sinais de trânsito, caças ao tesouro,

manuais, instruções, guias,

e orientações em bulas de remédios,

para que você não fique perdido.

Letramento é, sobretudo,

um mapa do coração do homem,

um mapa de quem você é,

e de tudo que você pode ser.

A professora Magda Soares (2009) explica o poema:

Letramento não é alfabetização, esta é um processo de “pendurar” sons

em letras (“ganchos”), costuma ser um processo de treino, para que se

estabeleçam as relações entre fonemas e grafemas, um processo de

desmonte de estruturas lingüísticas (“um martelo quebrando blocos de

gramática”).

Letramento é prazer, é lazer, é ler em diferentes lugares e sob

diferentes condições, não só na escola, em exercícios de aprendizagem. É

informar-se através da leitura, é buscar notícias nos jornais, é interagir com a

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imprensa diária, fazendo uso dela, selecionando o que desperta interesse,

divertindo-se com as tiras de quadrinhos.

Letramento é usar a leitura para seguir instruções, para apoio da

memória, para a comunicação com quem está distante ou ausente. É ler

histórias que nos levam a lugares desconhecidos, sem que, para isso, seja

necessário sair de casa, onde fica-se com os livros nas mãos, é emocionar-se

com as histórias lidas, e fazer, dos personagens, amigos.

Letramento é usar a escrita para se orientar no mundo, nas ruas, para

receber instruções, para montar um aparelho, para tomar um remédio, enfim, é

usar a escrita para não ficar perdido. É descobrir a si mesmo pela leitura e pela

escrita, entender-se lendo e escrevendo, e é descobrir alternativas e

possibilidades, descobrir o que você é.

Destarte, o poema mostra que letramento é muito mais que

alfabetização, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita

e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno, saber a distinção

entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e ter a habilidade de

usá-lo. Ao mesmo tempo em que é fundamental entender que eles são

indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarquia ou cronologia:

pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrário.

O sentido ampliado da alfabetização, o letramento, de acordo com

Magda, designa práticas de leitura e escrita, que circulam na sociedade em

que vivem: ler jornais, revistas, livros, saber ler e interpretar tabelas, quadros,

formulários, carteira de trabalho, contas de água, luz, telefone, saber escrever

e ler cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade, saber preencher um

formulário, redigir um ofício, um requerimento, etc. A entrada da pessoa no

mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia

envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa

saber fazer uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para

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entrar nesse universo do letramento, ele precisa apropriar-se deste hábito. A

alfabetização e o letramento se somam, são complementos. Enquanto que

"alfabetizar significa orientar o aluno para o domínio da tecnologia da escrita,

letrar significa levá-lo ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita".

(Magda Soares).

Grupos indígenas são sociedades ágrafas. Alfabetizar índios significa

dar a eles acesso à tecnologia de leitura e de escrita, o que os torna

alfabetizados, mas não letrados. Introduzir no grupo práticas sociais de leitura

e de escrita, significa mudar seu estado ou condição, ele passa a ser um grupo

diferente nos aspectos cultural, social, político, lingüístico e psíquico.

À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número

cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que,

concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na

escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não

basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, mas não

necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não

necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para

desenvolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem jornais, livros,

revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não

sabem preencher um formulário, sente dificuldade para escrever um simples

telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo

telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de

remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é

minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento

social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de

leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas

alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a

ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno

surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno,

surgiu a palavra letramento.

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Letramento aqui é visto, conceitualmente, como nos aponta Magda

Soares (2009): “o resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever: o

estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como

conseqüência de ter-se apropriado da escrita.” Segundo a mesma autora, o

fenômeno:

(...) é uma variável contínua e não discreta ou dicotômica; refere-se a uma

multiplicidade de habilidades de leitura e de escrita, que devem ser aplicadas a

uma ampla variedade de materiais de leitura e escrita; compreende diferentes

práticas que dependem da natureza, estrutura e aspirações de determinada

sociedade (Soares, 2009).

Logo, percebe-se a natureza complexa do processo, ainda mais quando

se pensa em medir e avaliar, devido à própria dificuldade de se determinar

graus de letramento, já que não é algo pontual e altamente dependente do

contexto, dentre outras características bastante peculiares. No entanto, é algo

sobre o que é necessário pesquisar, principalmente no que se refere à

influência do uso e do papel da escrita na sociedade. Vale ressaltar ainda o

ponto de vista de Marcuschi (2001), que afirma que o letramento envolve as

mais diversas práticas da escrita na sociedade e pode ir de uma apropriação

mínima (identificar um ônibus que deve tomar) até uma apropriação profunda

(a escrita de um romance).

Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra e qual a

sua origem, pode-se refletir acerca da diferença entre letramento e

alfabetização.

Foi necessário criar-se o verbo “letrar” para nomear a ação de levar os

indivíduos ao letramento. Assim, tem-se alfabetizar e letrar como duas ações

distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando,

ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da

escrita, de modo que o indivíduo tornar-se, ao mesmo tempo, alfabetizado e

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letrado. Contudo, uma nova pergunta se impõe: como diferenciar o apenas

alfabetizado do letrado?

É difícil a resposta a essa pergunta, porque letramento envolve dois

fenômenos bastante diferentes, a leitura e a escrita, cada um deles muito

complexos, pois constituído de uma multiplicidade de habilidades,

comportamentos, conhecimentos:

Ler é o conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem

desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Ilíada (em versos)

de Homero. Uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em

quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal, etc.

Assim, ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que

compõem um longo e complexo continuum. Mas, em que ponto desse

continuum, uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada? A partir

de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no

que se refere à leitura?

A leitura é a base do processo de alfabetização e também da formação

da cidadania. Ao ler uma história a criança desenvolve todo um potencial

crítico: pensar, duvidar, questionar.

Etimologicamente, ler deriva do latim "lego” / “legere", que significa

recolher, apanhar, escolher, captar com os olhos. Nesta reflexão, enfatizamos

a leitura da palavra escrita. No entanto, a leitura é uma experiência pessoal, a

qual não depende somente da decodificação de símbolos gráficos, mas de

todo o contexto ligado à história de vida de cada indivíduo, para que este

possa relacionar seus conceitos prévios com o conteúdo do texto, e desta

forma construir o sentido.

A prática da leitura se faz presente em nossas vidas desde o momento

em que começamos a "compreender" o mundo à nossa volta. No constante

desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de

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perceber o mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a realidade

ficcional com a que vivemos, no contato com um livro, enfim, em todos estes

casos estamos de certa forma lendo, embora, muitas vezes, não nos demos

conta.

As tecnologias do mundo moderno fizeram com que as pessoas

deixassem a leitura de livros de lado, isso resultou em jovens cada vez mais

desinteressados pelos livros, possuindo vocabulários cada vez mais pobres.

A leitura é algo crucial para a aprendizagem do ser humano, pois é através

dela que podemos enriquecer nosso vocabulário, obter conhecimento,

dinamizar o raciocínio e a interação. Muitas pessoas dizem não ter paciência

em ler um livro, no entanto isso acontece por falta de hábito, pois se a leitura

fosse um hábito rotineiro as pessoas saberiam apreciar uma boa obra literária,

por exemplo.

A literatura de modo geral amplia e diversifica nossas visões e

interpretações sobre o mundo e da vida como um todo. O hábito de ler deve

ser estimulado na infância, para que o indivíduo aprenda desde pequeno que

ler é algo importante e prazeroso, assim com certeza ele será um adulto culto,

dinâmico e perspicaz.

Num contexto onde a escrita e a leitura fazem parte das práticas cotidianas, a

criança tem a oportunidade de observar adultos utilizando a leitura de jornais,

bulas, instruções, guias para consulta e busca de informações específicas ou

gerais; o uso da escrita para confecções de listas, preenchimento de cheques e

documentos, pequenas comunicações e atos de leitura dirigidos a ela (ouvir

histórias lidas). A participação nessas atividades ou a observação de como os

adultos interagem com a escrita e a leitura gera oportunidades para que a

criança reflita sobre o seu significado para os adultos. (AZENHA, 1999).

“Através da leitura todos se tornam iguais, com as mesmas

oportunidades. A leitura, além de tornar o homem mais livre, possibilita que

ele vá a muitos lugares que sem a leitura jamais iria” (HOFFMANN, 2009).

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A leitura, para uns, é uma atividade prazerosa; para outros, um desafio

a conquistar, que somente será alcançado através de muito incentivo, das

escolas, das famílias e da sociedade. Um bom leitor não é aquele que lê

muitas vezes o mesmo tipo de texto, mas aquele que lê diversos tipos de texto

com profundidade.

Na formação de cada cidadão bem como de um povo, a leitura é de

máxima importância, representando um papel essencial, pois se revela como

uma das vias no processo de construção do conhecimento, como fonte de

informação e formação cultural. Ademais, ler é benéfico à saúde mental, pois é

uma atividade ‘neuroplástica’, ou seja, a atividade da leitura faz reforçar as

conexões entre os neurônios. Para a mente, ainda não inventaram melhor

exercício do que ler atentamente e refletir sobre o texto. A pessoa que lê

conhece o mundo e conhecendo-o terá condições de atuar sobre ele

modificando-o e tornando-o melhor, porque a leitura é o principal aspecto

constituinte do pensamento crítico. O homem que não tem oportunidade de

aprender a ler, certamente será ‘excluído’ da sociedade, ou melhor, não terá a

mesma participação que aqueles que têm essa oportunidade. O hábito da

leitura é de extrema importância na formação intelectual do indivíduo, pois

através dela, cria-se o espírito crítico-social. Ensinar a ler e escrever é

alfabetizar, levar o aluno ao domínio do código escrito, isso feito principalmente

na sala de aula, pois a mesma é o lugar da criação de um vínculo com a

leitura.

Escrever é também um conjunto de habilidades e comportamentos que

se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma

tese de doutorado. Uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma

carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um

ponto de vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto, etc. Assim,

escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos,

conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum. Porém, em

que ponto desse continuum, uma pessoa deve estar, para ser considerada

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alfabetizada? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser

considerada letrada, no que se refere à escrita?

A escrita tem muitos usos práticos: as pessoas, no seu dia-a-dia,

elaboram listas para fazer trocas comerciais, correspondem-se por cartas,

emails, etc.. A escrita, em geral, serve também para registrar a história, a

literatura, as crenças religiosas, o conhecimento de um povo. Ela é, além

disso, um espaço importante de discussão e de debate de assuntos polêmicos.

No Brasil de hoje, por exemplo, são muitos os textos escritos que discutem

temas como a ecologia, o direito à terra, o papel social da mulher, os direitos

das minorias, a qualidade do ensino oferecido aos cidadãos, e assim por

diante.

Não basta à escola ter como objetivos alfabetizar os alunos: ela tem o

dever de criar condições para que eles aprendam a escrever textos adequados

às suas intenções e aos contextos em que serão lidos e utilizados. Muitas

crianças chegam à escola com idéias bastante claras a esse respeito, sabem

que são lidas coisas escritas e não desenhos. Que um livro tem um título, que

lendo pode-se saber o que está dito em um texto.

Hodiernamente, a alfabetização ganha um sentido próprio e específico,

ou seja, a alfabetização passa a ser entendida como um processo de aquisição

da língua escrita e não apenas como aquisição de um código. E não há como

se considerar um processo inicial desvinculado de um processo de

desenvolvimento da escrita. O reconhecimento da escrita como objeto social,

como produção humana, que traz a marca do desenvolvimento histórico da

humanidade e que simboliza uma das formas do homem transformar a

realidade para se comunicar com outros homens, remete justamente para o

entendimento de que o homem, ao se apropriar desse objeto do conhecimento

o transforma, porque a ele imprime seu significado único e pessoal e, ao

mesmo tempo, se transforma, pois, ao apropriar-se, desenvolve-se.

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Nosso sistema de escrita funciona segundo um princípio alfabético: a

quantidade de letras de uma palavra corresponde, a grosso modo, ao número

de sons que compõem a palavra. Entender o princípio alfabético não é o

mesmo que conhecer os sons das letras. Uma criança pode saber que ao

símbolo escrito “E” corresponde ao som [e], que ao símbolo “L” corresponde ao

som [l], mas, mesmo assim, ela pode não ter compreendido o mecanismo que

permite formar uma palavra escrita.

Algumas crianças chegam à escola com a compreensão do princípio

alfabético. Outras pensam que o número de letras de uma palavra é igual ao

número de sílabas de uma palavra, enquanto outras, sequer entenderam que

as letras escritas tem relação com os sons das palavras. Devemos lembrar

sempre que as crianças não chegam à escola com o mesmo nível de

compreensão que do seja ler e escrever.

Para ensinar a escrever é preciso, para começar, que o professor queira

saber o que o aluno tem a dizer sobre o assunto a respeito do qual pediu que

ele escrevesse e que acredite que esse aluno tem realmente alguma coisa a

dizer. Para acreditar que o aluno tem algo a dizer é preciso que o professor se

perceba como alguém que também tenha algo a dizer, isto é, o texto escrito

pelo professor é pré-requisito para que o aluno escreva o seu texto. O

professor só pode provar a seus alunos que escrever faz sentido se conseguir

mostrar-lhes que, tal como ler, escrever é produzir sentido, que o autor do texto

é o primeiro leitor a ser atingido pelos efeitos de sentido provocados por seu

esforço de mobilização dos recursos expressivos historicamente construídos

na língua, para pôr uma certa ordem na vida e no mundo.

É preciso reverter a tradicional crença de que somos todos incapazes

de escrever, substituindo-a pela convicção natural de que somos todos

capazes de escrever para descobrirmos o que somos capazes de dizer a

respeito do assunto de que estamos tratando. Essa capacidade brota do

trabalho de escrever (e não de uma inspiração iluminada) e do diálogo do texto

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resultante desse trabalho com os seus leitores, e esse diálogo só faz sentido

se for para subsidiar uma ou mais reescritas do texto, com a finalidade de

construir, a respeito do assunto, a clareza possível nesse momento histórico,

pelo qual passa o autor do texto. É necessário que o professor seja criterioso e

examine esses textos para orientar, minuciosamente, as reescritas que vão

qualificá-los. Orientar a reescrita não é apenas adequar o conteúdo às

verdades estabelecidas pela ciência, nem a forma do texto ao modo

consagrado de escrever nessa área de conhecimento, mas é principalmente,

levar o autor do texto a repensar a pertinência dos dados com que está

lidando, a coerência da tese que apresenta, a adequação entre dados e tese,

em fim, levá-lo a perceber lacunas nas informações de que dispõe e a se

perguntar para que vai servir o que está escrevendo.

Ensinar a escrever é uma tarefa de uma escola disposta a olhar para

frente e não para a repetição do passado que nos trouxe a escola que temos

hoje. Trabalhar com o texto implica trabalhar com a incerteza e com o erro e

não com a resposta certa, porque escrever é produzir e não reproduzir velhas

certezas, pois as certezas nos deixam no mesmo lugar. É o erro que nos leva

na direção do novo.

Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo

das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto

social e cultural. Por isso, talvez seja preciso usar a palavra letramento no

plural – letramentos.

Alfabetização é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever. A

alfabetização se ocupa da aquisição da escrita, por um indivíduo ou grupo de

indivíduos. É o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das

habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia,

técnicas para exercer a arte e ciência da escrita. A alfabetização é um

processo no qual o indivíduo assimila o aprendizado do alfabeto e a sua

utilização como código de comunicação. Esse processo não se deve resumir

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apenas na aquisição dessas habilidades mecânicas (codificação e

decodificação) do ato de ler, mas na capacidade de interpretar, compreender,

criticar e produzir conhecimento. A alfabetização envolve também o

desenvolvimento de novas formas de compreensão e uso da linguagem de

uma maneira geral.

Ela tem sido entendida tradicionalmente como um processo de ensinar e

aprender a ler e escrever, portanto, alfabetizado é aquele que lê e escreve. O

conceito de alfabetização para Paulo Freire (2001) tem um significado mais

abrangente, na medida em que vai além do domínio do código escrito, pois,

enquanto prática discursiva possibilita uma leitura crítica da realidade,

constitui-se como um importante instrumento de resgate da cidadania e reforça

o engajamento do cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da

qualidade de vida e pela transformação social. O autor defende a idéia de que

a leitura do mundo precede a leitura da palavra, fundamentando-se na

antropologia: o ser humano, muito antes de inventar códigos lingüísticos, já lia

o seu mundo. A alfabetização de qualquer indivíduo é algo que nunca será

alcançado por completo, ou seja, não há um ponto final. A realidade é que

existe a extensão e a amplitude da alfabetização no educando, no que se diz

respeito às práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Nesse âmbito,

muito estudiosos discutem a necessidade de se transpor os rígidos conceitos

estabelecidos sobre a alfabetização, e assim, considerá-la como a relação

entre os educandos e o mundo, pois, este está em constante processo de

transformação.

Alfabetizar letrando é o desafio da alfabetização. Além desse

conhecimento, o alfabetizador precisa entender que alfabetização é um

processo complexo que inicia antes da alfabetização escolar, assumindo-se a

escrita pela dimensão simbólica e enfatizando os seus usos sociais. Por meio

da mediação do adulto, a criança vai identificando a natureza da linguagem

escrita, porém a qualidade das interações é que vão determinar as concepções

que a criança apresenta sobre a linguagem escrita. É função da escola dar

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continuidade a esse trabalho, de forma sistematizada, pelo contato com as

diversas práticas sociais que participa.

A alfabetização e o letramento, são fundamentos da educação e devem

ser encarados como essenciais para que as crianças atinjam um nível

satisfatório de compreensão do mundo. É isso que a alfabetização e o

letramento fazem, além de demonstrar os signos e símbolos, faz com que

compreendamos o mundo em que vivemos.

A alfabetização não precede o letramento, os dois processos podem ser

vistos como simultâneos, entendendo que no conceito de alfabetização estaria

compreendido o de letramento e vice-versa. Isto será possível se a

alfabetização for entendida além da aprendizagem grafofônica e que em

letramento inclui-se a aprendizagem do sistema de escrita. A conveniência da

existência dos dois termos, que embora designem processos

interdependentes, indissociáveis e simultâneos, são processos de natureza

diferente, uma vez que envolve habilidades e competências específicas,

implicando, com isso, formas diferenciadas de aprendizagem e em

conseqüência, métodos e procedimentos diferenciados de ensino.

Assim, a participação dos alunos em experiências variadas com

leitura e escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de

material, a habilidade de codificação e decodificação da língua escrita, o

conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da fala sonora

para a forma gráfica da escrita implica numa importante revisão dos

procedimentos e métodos para o ensino, uma vez que cada fase desse

processo exige procedimentos e métodos diferenciados, pois cada educando e

cada grupo de alunos necessitam de formas diferenciadas na ação

pedagógica.

A proposta de alfabetizar letrando rompe definitivamente com a divisão

entre o ‘momento de aprender’ e o ‘momento de fazer uso da aprendizagem’.

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Estudos lingüísticos propõem a articulação dinâmica e reversível entre

‘descobrir a escrita’ (conhecimento de suas funções e formas de

manifestação), ‘aprender a escrita’ (compreensão de regras e modos de

funcionamento) e ‘usar a escrita’ (cultivo de suas práticas a partir de um

referencial culturalmente significativo para o sujeito).

No alfabetizar letrando, se resgata o papel do professor como mediador,

recuperando sua figura de elo entre o educando e a matéria de conhecimento,

interferindo no processo sem desviá-lo nem desvirtuá-lo. A interação aluno-

conteúdo é um diálogo aluno-mundo mediado pelo professor e por outras

pessoas. Nesse contexto, faz-se necessária uma retomada do papel do

professor alfabetizador cujo desafio é letrar os alunos por meio do trabalho

com atividades de leitura e escrita, executadas no plano da prática social,

portanto em situação de dialogicidade.

Essa nova forma de alfabetizar letrando requer do professor que ele

perceba as necessidades de sistematizar o uso, refletindo com o aluno sobre

este, para garantir que ele saiba usar os objetos de escrita presentes na

cultura escolar. Na verdade, o medo existe por não se saber como proceder.

Buscam-se receitas, mas a má notícia é que elas não existem; e a boa notícia

é que há indicações de caminhos, e que cada um poderá descobrir o seu.

Antes do professor querer exercer esse papel de "professor-letrador" é

necessário que ele se conscientize e busque ser letrado, domine a produção

escrita, as ferramentas de busca de informação e seja um bom leitor e um bom

produtor de textos. Mas para que se torne capaz de letrar seus alunos, é

preciso que conheça o processo de letramento e que reconheça suas

características e peculiaridades.

Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e

a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita;

substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por

jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e

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criando situações que tornem necessárias e significativas praticas de produção

de textos.

Como já foi dito acima, os alunos já vem para a escola com seus

conhecimentos, que não é só o professor que tem algo a ensinar. É certo que

o professor além de ter algo a ensinar também aprende muito com os alunos e,

por isso, deve deixar que eles participassem cada vez mais investigando e

chegado as suas próprias conclusões, o professor é mais um auxiliador do

conhecimento dos alunos. Alfabetizar letrando é quando o professor

compreende o universo de seu aluno e aplica todo o seu conhecimento e

sabedoria com base nessa realidade.

Magda Soares (2009) ainda acrescenta que diante das diversas

transformações com as quais convivemos, a escola precisa, mais do que

nunca, fornecer ao estudante os instrumentos necessários para que ele

consiga buscar, analisar, selecionar, relacionar e organizar as informações

complexas do mundo contemporâneo.

1.3 Letramento: Avaliações e Medições

O permanente desafio, enfrentado mundialmente para a universalização do

letramento – do acesso pleno às habilidades e práticas de leitura e de escrita –

está intimamente relacionado com um outro desafio: o de avaliar e medir o

avanço em direção a esta meta. Dados tornam-se, assim, necessários tanto

para evidenciar se os objetivos estão sendo alcançados como para estabelecer

políticas e controlar programas de alfabetização e letramento. Por essa razão,

desde escolas até instituições estão continuamente buscando dados e

produzindo índices e estatísticas sobre níveis de domínio de habilidades de

leitura e de escrita e de uso de práticas sociais que envolvam a escrita, por

meio de avaliações e medições. (SOARES, 2009, p.63).

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A autora relata com esta afirmação que, para que se obtenham os

dados estatísticos sobre o letramento, encontram-se muitos problemas

técnicos, conceituais, ideológicos e políticos.

Analisados em escalas, os mais urgentes são os problemas que, de

certa forma, dependem da tomada de decisões que resultam nos

procedimentos de avaliação, são os problemas de natureza técnica.

Os problemas conceituais também são urgentes, segundo a autora, e

um desses problemas está em definir o letramento muito antes mesmo de

tabular dados e produzir estatísticas sobre o termo letramento.

Uma questão central precisa ser respondida: Que letramento é esse que

se busca avaliar ou medir? A avaliação e medição do letramento têm que se

fundamentar numa definição precisa do fenômeno; contudo essa definição

será possível?

Um segundo problema conceitual, intimamente ligado com o primeiro, é

a escolha dos critérios a serem usados para a avaliação e medição em

contextos escolares, em censos demográficos e em pesquisas por

amostragem. Que critérios são utilizados para avaliá-lo em cada uma dessas

situações? (SOARES, 2009, p. 64).

Soares aborda o termo letramento denominando-o como um fenômeno

multifacetado e complexo, sob a argumentação de que é impossível uma única

definição do letramento.

A autora discute a avaliação e a medição do letramento abordando os

conceitos escolares, os censos demográficos e as pesquisas por amostragem.

Nessas definições buscam-se apontar os pressupostos equivocados que foram

utilizados para a definição dos critérios para se planejar como será executada

esta avaliação e medição. Para finalizar esta parte do estudo, são reunidos os

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argumentos favoráveis à avaliação e medição do letramento como sugestões

para evitar os conflitos que possam surgir referentes à necessidade de uma

avaliação e à dificuldade para atender à realização desta tarefa. Soares conclui

enfatizando os aspectos que trazem, na definição do letramento, sua medição

e avaliação.

Como já exposto anteriormente, não é fácil definir o letramento devido à

sua condição de estar associado a questões culturais. No entanto, faz-se

necessário uma condição essencial para a sua avaliação e medição. Para que

esse processo em torno do letramento ocorra, é necessário que se determinem

critérios a serem utilizados para distinguir os termos: letrados, iletrados, bem

como estabelecer diferentes níveis de letramento.

Por ausência dessa condição, as avaliações e medições provindas de

censos populacionais, como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

(Enade), que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(Sinaes) e foi criado em 2004 pela Lei nº. 10.861, de 14 de abril de 2004,

fornece um diagnóstico do Ensino Superior no Brasil, com o objetivo de avaliar

o desempenho dos estudantes com relação aos conteúdos programáticos

previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, o

desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao

aprofundamento da formação geral e profissional, e o nível de atualização dos

estudantes com relação à realidade brasileira e mundial, integrando o Sinaes,

juntamente com a avaliação institucional e a avaliação dos cursos de

graduação. É o primeiro sistema de avaliação da Educação Superior em

escala nacional, porém, seus resultados são um tanto vagos, ou seja, estas

pesquisas são realizadas por amostragem, o Inep/MEC constitui a amostra dos

participantes a partir da inscrição, na própria instituição de ensino superior, dos

alunos habilitados a fazer a prova, por este motivo, os dados são imprecisos.

Os problemas de obtenção desses dados apresentam, porém, sérios

problemas de natureza técnica, conceitual, ideológica e política.

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Qualquer processo de avaliação ou medição exige uma definição

precisa do fenômeno a ser avaliado ou medido. Sem dúvida, a maior parte das

controvérsias em torno de levantamentos e pesquisas sobre níveis de

letramento têm sua origem na dificuldade de formular uma definição precisa e

universal desse fenômeno e na impossibilidade de delimitá-lo com precisão.

Essa dificuldade e impossibilidade devem-se ao fato de que o letramento cobre

uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e

funções sociais; o conceito de letramento envolve , portanto, sutilezas e

complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição. Isso

explica porque as definições de letramento diferenciam-se e até antagonizam-

se e contradizem-se, cada definição baseia-se em uma dimensão de

letramento que privilegia. Confrontem-se esses dois autores:

“Para estudar e interpretar o letramento (...) três tarefas são

necessárias. A primeira é formular uma definição consistente que permita

estabelecer comparações ao longo e através do espaço. Níveis básicos ou

primários de leitura e escrita constituem os únicos indicadores ou sinais

flexíveis e razoáveis para responder a esse critério essencial (...) o letramento

é, acima de tudo, uma tecnologia ou conjunto de técnicas usadas para a

comunicação e para a decodificação e reprodução de materiais escritos ou

impressos, não pode ser considerado nem mais nem menos que isso”. (Graff,

1987, p. 18-19 apud Soares, 2009, p. 66)

“As tentativas de definição (de letramento) estão quase sempre baseadas em

uma concepção de letramento como um atributo dos indivíduos; buscam

descrever os constituintes do letramento em termos de habilidades individuais.

Mas o fato mais evidente a respeito do letramento é que ele é um fenômeno

social (...) O letramento é um produto de transmissão cultural (...) Uma

definição de letramento (...) implica a avaliação do que conta como letramento

na época moderna em determinado contexto social.... compreender o que é o

letramento envolve, inevitavelmente, uma análise social ....” (Scribner, 1984,

p. 7-8 apud Soares, 2009, p. 66)

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Subjacente a essas definições estão as duas principais dimensões do

letramento: a dimensão individual e a dimensão social. Quando o foco é posto

na dimensão individual, o letramento é visto como um atributo pessoal,

parecendo refletir a simples posse individual de tecnologias mentais

complementares de ler e escrever. Quando o foco se desloca para a dimensão

social, o letramento é visto como um fenômeno cultural, um conjunto de

atividades sociais de uso da língua escrita. Na maioria das definições atuais de

letramento, uma ou outra dessas duas dimensões é priorizada.

Mesmo que apenas sob a perspectiva da dimensão “individual”, é difícil

definir letramento, devido à extensão e diversidade das habilidades individuais

que podem ser consideradas como constituintes do letramento.

Uma primeira fonte de dificuldade, que atinge o cerne mesmo da

questão, é que o letramento envolve dois processos fundamentais: ler e

escrever, nas palavras de Smith:

Ler e escrever são processos freqüentemente vistos como imagens espelhadas

uma da outra, como reflexos sob ângulos opostos de um mesmo fenômeno: a

comunicação através da língua escrita. Mas há diferenças fundamentais entre

as habilidades e conhecimentos empregados na leitura e aqueles empregados

na escrita, assim como há diferenças consideráveis entre os processos

envolvidos na aprendizagem da leitura e os envolvidos na aprendizagem da

escrita (Smith, 1973, p. 117, apud Soares, 2009, 68 e 69).

Apesar dessas diferenças fundamentais, as definições de letramento

frequentemente tomam a leitura e a escrita como uma mesma e única

habilidade, desconsiderando as peculiaridades de cada uma e as

dessemelhanças entre elas.

À luz dessas considerações, considerando-se o grande número de

habilidades e capacidades cognitivas e metacognitivas que constituem a leitura

e a escrita, a natureza heterogênea dessas habilidades e aptidões, a grande

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variedade de gêneros de escrita a que elas devem ser aplicadas, fica claro que

é extremamente difícil formular uma definição consistente de letramento, ainda

que nos limitássemos a formulá-la considerando apenas as habilidades

individuais de leitura e escrita.

As competências que constituem o letramento são distribuídas de

maneira contínua, cada ponto ao longo desse contínuo indicando diversos

tipos e níveis de habilidades, capacidades e conhecimentos, que podem ser

aplicados a diferentes tipos de material escrito. Com isso, tem-se que o

letramento é uma variável contínua, e não discreta ou dicotômica. Portanto, é

difícil especificar uma linha divisória que separaria o indivíduo letrado do

indivíduo iletrado.

Contudo, as definições de letrado e iletrado apresentadas pela

UNESCO em 1958, com o propósito de padronização internacional das

estatísticas em educação, são uma tentativa de fazer tal distinção:

É letrada a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever com

compreensão uma frase simples e curta sobre sua vida cotidiana.

É iletrada a pessoa que não consegue ler nem escrever com

compreensão uma frase simples e curta sobre a sua vida cotidiana. (UNESCO,

1958, p.4 apud Soares, 2009, p. 71).

Aqueles que priorizam, no fenômeno do letramento, a sua dimensão

social, argumentam que ele não é um atributo unicamente ou essencialmente

pessoal, mas é, sobretudo, uma prática social: letramento é o que as pessoas

fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e

como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e

práticas sociais.

Contudo, os conceitos de letramento que enfatizam sua dimensão social

fundamentam-se ou em seu valor pragmático (na necessidade de letramento

para o efetivo funcionamento na sociedade) ou em seu poder revolucionário

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(em seu potencial para transformar relações e práticas sociais injustas). Ambas

evidenciam a relatividade do conceito de letramento, porque as atividades

sociais que envolvem a língua escrita dependem da natureza e estrutura da

sociedade e dependem do projeto que cada grupo político pretende implantar,

elas variam no tempo e no espaço. Graff (1987) afirma que o significado e

contribuição do letramento não pode ser pressuposto, ignorando-se o papel

vital do contexto socio-histórico, nas palavras dele:

O principal problema, que retarda muitíssimo os estudos sobre o letramento,

seja no passado ou no presente, é o de reconstruir os contextos de leitura e de

escrita: como, quando, onde, por que e para quem o letramento foi transmitido;

os significados que lhe foram atribuídos; as demandas de habilidades; os níveis

atingidos nas respostas a essas demandas; o grau de restrição social à

distribuição e difusão do letramento; e as diferenças reais e simbólicas que

resultaram das condições sociais de letramento entre a população. (Graff, 1987

apud SOARES,1998,p.72).

È, assim, impossível formular um conceito único de letramento

adequado a todas as pessoas, em todos os lugares, em qualquer tempo, em

qualquer contexto cultural ou político. Contudo, isso não quer dizer que não

haja necessidade de uma definição geral e comum a todos. Uma definição

geral e amplamente aceita é necessária, especialmente quando se pretende

avaliar e medir níveis de letramento.

Na ausência de uma definição precisa que permita determinar os

critérios a serem utilizados para distinguir pessoas letradas de iletradas, ou

para estabelecer diferentes níveis de letramento, as avaliações de letramento

realizadas, quer através de censos populacionais, quer de pesquisas por

amostragem universitária ou por disciplinas (como é o caso de Enade),

produzem dados imprecisos.

No caso da avaliação e medição do letramento em censos

populacionais, o problema a ser enfrentado é que, apesar de o letramento não

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ser algo que as pessoas têm ou não têm, ele é um contínuo, variando do nível

mais elementar ao mais complexo de habilidades de leitura e escrita e de usos

sociais. Em levantamentos censitários, questões práticas exigem que o

letramento seja tratado como uma variável discreta e não contínua. Como um

dos propósitos do censo demográfico é fornecer informações estatísticas sobre

letramento e analfabetismo, os instrumentos de avaliação não podem deixar de

determinar um ponto de cisão no contínuo do letramento que distinga pessoas

letradas de iletradas, e não podem deixar de usar a enganosa dicotomia

“alfabetizado”, “letrado”, versus “analfabeto”, “iletrado”.

Tradicionalmente, os levantamentos censitários coletam dados sobre o

letramento através de um de dois processos: a autoavaliação e a informação

sobre a conclusão, ou não, pelo informante, de uma determinada série escolar.

Países em desenvolvimento optam pela coleta de dados através do

processo de autoavaliação. Os países desenvolvidos, ao contrário, utilizam-se

de dados sobre o nível de escolarização da população; considera-se

necessária a conclusão de um certo número de anos de escolarização formal

para caracterizar a população letrada, porque a vida social exige habilidades e

práticas de letramento em inúmeras e diferentes ocasiões, a educação

fundamental básica para todos já foi atingida, e os sistemas escolares são

rigorosamente organizados.

Entretanto, tanto a autoavaliação quanto informações acerca de

escolarização são problemáticos para a coleta de dados a respeito de

letramento. Ambas levam a conclusões equivocadas, permitindo apenas uma

medida bastante precária do letramento.

Avaliar o letramento por meio de levantamento das competências reais

de uma amostra representativa da população, é uma alternativa para

assegurar uma aferição mais precisa da extensão e qualidade do letramento

na população.

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O levantamento por amostragem avalia e mede com um pouco mais de

profundidade tanto as habilidades de leitura e de escrita, através de provas e

testes, quanto os usos cotidianos dessas habilidades, através de questionários

estruturados. Além disso, como pesquisas por amostragem sobre o letramento

quase sempre levantam dados também sobre a formação educacional em

geral e sobre as características socioeconômicas e culturais do grupo familiar,

elas permitem que se analisem as relações entre as habilidades e práticas

sociais de leitura e de escrita e outros fatores, tais como: idade, sexo, raça,

renda, residência rural/urbana, meio cultural e religião. Desse modo, pesquisas

de letramento por amostragem fornecem dados não apenas para a estimativa

dos níveis de letramento, mas também, para a formação de políticas

educacionais e a implementação de programas governamentais.

Este estudo, embora pretendendo esclarecer a questão da avaliação e

medição do letramento em suas relações com a conceituação e definição

desse fenômeno, traz, na verdade, mais problemas que soluções. A discussão

feita evidencia que avaliar e medir o letramento é uma tarefa altamente

complexa e difícil, ela exige uma definição precisa de letramento, indispensável

como parâmetro para a avaliação e a medida, mas qualquer tentativa de

resposta a essa exigência traz sérios problemas epistemológicos. Em síntese,

o letramento é um fenômeno de muitos significados. Uma única definição

consensual de letramento é totalmente improvável.

Entretanto, isso não elimina a necessidade ou a importância da

avaliação e medição do letramento, única forma de obter dados sobre esse

fenômeno, dados que são necessários para fins teóricos e práticos. Pelos

menos três argumentos justificam a necessidade de definir índices de

letramento através de amostragens: é um dos indicadores básicos do

progresso de um país ou de uma comunidade; são extremamente úteis para

fins de comparação entre país ou entre comunidades e o fato de que os

índices de avaliação e medição do letramento são imprescindíveis tanto para a

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formulação de políticas quanto para o planejamento, a implementação e o

controle de programas, não apenas de letramento, mas também programas de

bem-estar social, em geral.

As considerações acima conduzem a um paradoxo: de um lado, a

importância e necessidade de avaliação e medição do letramento, para fins

teóricos e práticos; de outro lado, a impossibilidade de atender ao pré-requisito

para a sua avaliação e medição, ou seja, a formulação de uma definição

precisa que possa ser usada como parâmetro.

De início, é preciso reafirmar que o letramento não pode ser avaliado e

medido de forma absoluta. Como não é possível descobrir uma definição

indiscutível e inequívoca de letramento. Assim, o que é possível e necessário

para realizar qualquer avaliação ou medição do letramento é formular uma

definição ad hoc desse fenômeno a ser avaliado ou medido e, a partir daí,

construir um quadro preciso de interpretação dos dados em função dos fins

específicos em um determinado contexto. Seria, assim, uma definição

operacional, um tanto arbitrária, porém necessária para atender aos requisitos

práticos de procedimentos de avaliação e medição. Desse modo, haverá

tantas estratégias operacionais para a medição do letramento quantos

programas para sua avaliação e medição. O reconhecimento dos múltiplos

significados de letramento conduz a uma diversidade de definições

operacionais, cada uma respondendo aos requisitos de um determinado

programa de avaliação ou medição.

Assim,, a questão crucial, em processos de avaliação ou medição do

letramento, é determinar de modo claro a definição operacional em que esses

processos deverão basear-se e construir instrumentos para a coleta de

informações em função dessa definição.

Em contextos escolares, esse procedimento é facilitado pelo fato de

que, as escolas podem avaliar e medir habilidades e competências em pontos

diferentes do contínuo que é o letramento, e em diversos momentos durante o

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processo de escolarização. Desse modo, as Universidades podem atuar com

várias e diferentes definições operacionais de letramento, cada uma sendo

utilizada para a avaliação ou a medição de determinadas habilidades e práticas

em estágios específicos do Ensino Superior. O problema aqui, é o de evitar

que o letramento seja definido de modo vago e medido com critérios diferentes

em cada universidade, sistema de ensino ou região.

Enquanto que em contextos universitários é possível avaliar o

letramento repetidas vezes e progressivamente e, portanto, é possível atribuir-

lhe várias e diferentes definições operacionais, um levantamento censitário

nacional, realizando-se através de uma única situação de avaliação e de um

único instrumento de avaliação, tem de necessariamente basear-se em uma

única definição de letramento.

O conjunto de problemas envolvidos na definição, avaliação e medição

do letramento equipara-se a um conjunto correspondente de problemas

associados à interpretação dos dados coletados. O ponto principal é que

enfrentar ambos esse conjuntos de problemas não é apenas uma questão

conceitual, mas também uma questão ideológica e política. O letramento é,

pelo menos nas modernas sociedades industrializadas, um direito humano

absoluto, independentemente das condições econômicas e sociais em que um

dado grupo humano esteja inserido.

Algumas indagações devem ser propostas à reflexão. Se letramento não

pode ter uma definição absoluta e universal, será que o direito humano ao

letramento deve ter significados diferentes em sociedades diferentes? Será

que a avaliação e medição do letramento e a interpretação dos dados

coletados deveriam ser condicionadas às condições de uma determinada

sociedade?

Não há respostas “técnicas” para essas indagações, elas se inserem no

campo das normas e dos valores.

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CAPÍTULO II

LEITURA E ESCRITA NAS UNIVERSIDADES

2.1 Formação de Leitores Proficientes

A leitura é uma atividade de um elevado grau de importância para a vida

do homem em sociedade. Em virtude disso, muitas discussões têm surgido em

torno de sua importância para a formação de leitores e de cidadãos críticos,

bem como em torno da prática de ensino nas Universidades. Isso se justifica

devido ao fato de que a leitura possibilita ao homem a inserção e participação

ativa no meio social e, por isso, essa prática deve ser desenvolvida desde cedo

e, primordialmente, no âmbito escolar.

Delmanto (2009) ressalta que a escola deve ter a preocupação cada vez

maior com a formação de leitores, ou seja, a escola deve direcionar o seu

trabalho para práticas cujo objetivo não seja apenas o ensino de leitura em si,

mas desenvolver nos alunos a capacidade de fazer uso da leitura (com

também, da escrita) para enfrentar os desafios da vida em sociedade e, a partir

do conhecimento adquirido com essa prática e com suas experiências,

continuar o processo de aprendizado e ter um bom desempenho na sociedade

ao longo da vida.

Nesse sentido, compreende-se que a leitura é um processo que não

está limitado apenas ao âmbito escolar ou somente um meio para obter

informações, mais do que isso, a ela deve ser uma prática que todos possam

usá-la na própria convivência com o meio social. Entretanto, o que observamos

é que, em muitas escolas, a leitura ainda é desenvolvida a partir da influência

de muitos modelos tradicionais ou concepções errôneas de leitura. Solé (1996)

discorre sobre essa problemática e esclarece que:

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O problema do ensino de leitura na escola não se situa no nível do método,

mas na própria conceituação do que é leitura, da forma em que é avaliada

pelas equipes de professores, do papel que ocupa nos Projeto Curricular da

escolar, dos meios que se arbitram pra fortalecê-la, naturalmente, das

propostas metodológicas que se adotam para ensiná-la. Solé (1996, p.33)

O posicionamento da autora esclarece e ratifica o que dissemos

anteriormente que muitas concepções ultrapassadas ainda perduram no

método de ensino das escolas, principalmente pelo fato de muitos professores

ainda estarem atrelados a práticas de leitura equivocadas. Esse fato, por sua

vez, nos leva a acreditar que o ensino de leitura pautado nessas concepções

acaba limitando as possibilidades de formação de bons leitores, capazes de

interagir com as diversas estratégias de leitura. Na visão de Kleiman (2004), a

aprendizagem do aluno no âmbito escolar está baseada, fundamentalmente,

na escola e, por essa razão, a leitura deve proporcionar uma interação entre o

interlocutor e o autor do texto, ou seja, é necessário que se ensine o educando

a compreender o texto escrito.

Desse modo, vê-se que é preciso adotar métodos, criar situações que

possibilitem aos alunos a capacidade de desenvolverem diferentes

capacidades de leitura. Sobre isso, Delmanto (2009) considera que devemos

ensinar, além da decodificação, a compreensão, apreciação do texto, assim

como a relação do leitor com o texto. A autora acrescenta que se os

educadores propuserem atividades visando a esses objetivos, os alunos serão

capazes não apenas de localizar informações, mas de relacionar e integrar as

partes do texto, de refletir sobre os seus sentidos – captando as intenções

informações implícitas, de perceber relações com outros contextos, assim

como de gerar mais sentidos para o texto e de valorar os que leem de acordo

com seus próprios critérios. (DELMANTO, 2009).

Essa concepção revela o tratamento que deve ser dado ao ensino de

leitura em sala de aula: a leitura deve ser vista como um processo de

construção de significados. Diante disso, vemos a necessidade de a escola

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oferecer possibilidades de transformação, objetivando a formação de leitores

críticos e conscientes de sua realidade.

Nessa perspectiva, entende-se que o ensino de leitura deve ir além do

ato monótono que é aplicado em muitas escolas, de forma mecânica e muitas

vezes descontextualizado, mas um processo que deve contribuir para a

formação de pessoas críticas e conscientes, capazes de interpretar a

realidade, bem como participar ativamente da sociedade.

Através de uma nova concepção de leitura podemos construir e

reconstruir conceitos que servirão para a nossa formação enquanto sujeitos

sociais. Leffa (1996), ao propor uma definição de leitura, afirma que:

A leitura é um processo feito de múltiplos processos, que ocorrem tanto

simultânea como sequencialmente; esses processos incluem desde habilidades

de baixo nível, executadas de modo automático na leitura proficiente, até

estratégias de alto nível, executadas de modo consciente. . Leffa (1996, p. 17-

18).

Diante desses esclarecimentos, entende-se que a leitura é um processo

amplo no qual o leitor precisa dispor de diversas estratégias para chegar à

compreensão do texto. Em outras palavras, a leitura não estaciona na mera

decodificação, tendo em vista que essa concepção, como mostra Kleiman

(1997), dá lugar a leituras dispensáveis, pois não modifica a visão do aluno em

nada. Assim, Leffa (1996) pretende esclarecer que o leitor dispõe de diversas

estratégias para construir o significado do texto e por essa razão, a leitura não

deve envolver somente o leitor ou o texto, mas a interação entre o leitor e o

texto para, enfim, se produzir o sentido do texto.

Outro aspecto relevante que Leffa (1996) ressalta é que, além das

competências essenciais para a leitura, o leitor precisa ter a intenção de ler

determinado texto. Na concepção do autor, "essa intenção pode ser

caracterizada como uma necessidade que precisa ser satisfeita, a busca de

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um equilíbrio interno ou a tentativa de colimação de um determinado objetivo

em relação a um determinado texto." (LEFFA, 1996, p. 17).

Diante desse pressuposto, infere-se que a leitura não é uma prática

isolada, e para que ela ocorra de forma satisfatória, faz-se necessário que o

leitor defina, no momento da leitura, os seus objetivos, e assim, possa chegar

ao sentido do texto.

Na opinião de Kato (1987), estabelecer objetivos para a leitura é um dos

meios que compõem o ato de ler. A autora menciona o fato de que estabelecer

metas durante a leitura, além de ser um modo de chegar a uma melhor

compreensão do texto, é também um caminho para uma leitura madura, traçar

objetivos são, portanto, estratégias conscientes e, típicas de um leitor maduro,

proficiente.

Kleiman (2004) também partilha desse ponto de vista e ressalta que ao

ler, todo leitor tem objetivos, propósitos específicos e que ao estabelecer

metas para a leitura, o leitor terá uma compreensão maior do texto e, além

disso, será capaz de lembrar melhor os detalhes relacionados a seus objetivos,

ou seja, lembrará mais e melhor aquilo que leu especialmente as informações

e/ou metas que pretendia encontrar no texto. Assim, Kleiman (2004, p.30)

ratifica esse posicionamento quando afirma que "há evidências inequívocas de

que nossa capacidade de processamento e de memória melhoram

significativamente quando é fornecido um objetivo para uma tarefa."

Seguindo esse ponto de vista, a autora complementa que "a leitura que

não surge de uma necessidade para chegar a um propósito não é

propriamente leitura" (KLEIMAN, 2004, p.35). Diante disso, compreendemos

que muitas vezes a leitura realizada no âmbito escolar acaba se tornando uma

atividade desmotivadora, mecânica que não leva a nenhum aprendizado, tendo

em vista que os objetivos traçados por outrem para a leitura de um

determinado texto, muitas vezes, não satisfazem o interesse de todos e acaba

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tornando o ato de ler desinteressante. Assim, entendemos que a escola deve

propor aos alunos, durante as aulas de leitura, textos que despertem o

interesse da turma, a fim de que esta possa definir objetivos para a leitura

daquele texto e, em consequência disso, sejam induzidos a ler outros textos.

Solé (1996, p. 22) se inclui nessa mesma concepção sobre o ato de ler,

quando define leitura como "um processo de interação entre leitor e o texto;

neste processo, tenta-se satisfazer os objetivos que guiam sua leitura". Essa

afirmação ratifica o que discutimos anteriormente, já que esclarece que no ato

da leitura, deve haver o envolvimento de um leitor ativo que examina e reflete

sobre o texto, assim como deve existir um objetivo para guiar a leitura (seja por

lazer, obter informações, ou até mesmo seguir instruções para a realização de

uma atividade). Desse modo, acreditamos que a interpretação que fazemos de

um texto depende dos objetivos que temos naquela leitura, assim, é possível

que diferentes leitores com finalidades diferentes possam construir sentidos

diferentes ao lerem o conteúdo de um mesmo texto.

Acredita-se que a capacidade de estabelecer objetivos é de fundamental

importância no ato de ler, é, acima de tudo, de acordo com Kleiman (2004),

uma estratégia metacognitiva, uma vez que, o leitor terá a capacidade de

controlar e condicionar o próprio conhecimento, pois permite avaliar sua

capacidade, bem como refletir sobre o próprio conhecimento.

Além desses aspectos já apresentados, Kleiman (2004) explica que o

conhecimento prévio é outro elemento preponderante no ato de ler, ou seja, é

um dos caminhos para se chegar à compreensão do texto. Para a autora, "a

compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de

o conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o

conhecimento adquirido ao longo da vida". (KLEIMAN, 2004, p.13)

A esse respeito, Leffa (1996, p. 10) ressalta que "a verdadeira leitura só

é possível quando se tem um conhecimento prévio", pois não lemos "apenas a

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palavra escrita mas também o próprio mundo que nos cerca". Assim,

compreendemos que para o autor, o sentido de um texto não está em si

mesmo, mas sofre influências do conhecimento de mundo de que o leitor

dispõe, e a partir disso, atribui significado ao texto. Esses esclarecimentos

revelam que, na prática de leitura, o leitor não lê letra por letra, mas faz uso de

seus conhecimentos prévios, e, à proporção que vai lendo, vai fazendo

antecipações e inferências sobre o conteúdo do texto.

É por essa razão que Kleiman (2004) mostra que em alguns textos,

inicialmente incompreensíveis, só são possíveis de serem compreendidos

quando o conhecimento prévio é ativado. A autora salienta que, nesse caso, o

texto permanece o mesmo, o que ocorre é uma modificação na compreensão

ocasionada pela ativação do conhecimento já adquirido, isto é, "devido à

procura na memória (que é nosso repositório de conhecimentos) de

informações relevantes para o assunto, a partir de elementos formais

fornecidos no texto". (KLEIMAN, 2004)

A partir desses esclarecimentos, podemos compreender que a ativação

do conhecimento prévio constitui num fator essencial para a compreensão do

texto, uma vez que se trata do conhecimento que o leitor tem sobre um

determinado assunto que lhe permite fazer inferências que permite fazer

relações com as diferentes partes do texto e, assim, construir o sentido do

texto como um todo.

Kato (1987) confirma e finaliza esses esclarecimentos a respeito do

conhecimento prévio, explicando que para o entendimento do texto envolve o

conhecimento de mundo do leitor e suas experiências. A autora elucida que a

leitura de um texto não é realizada apenas com base nos contexto lingüístico

imediato, mas compreende informações extra textuais, ou seja, a leitura

envolve o conhecimento de mundo do leitor que, por sua vez, contribui para

dar sentido ao texto.

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O ato de ler envolve muito mais do que uma mera decodificação das

palavras ou extração de informação, é, na verdade, um processo múltiplo que

envolve diversos fatores – como os objetivos e o conhecimento prévio

abordados – que, por sua vez, capacita o leitor a desenvolver habilidades

próprias de leitores proficientes.

2.2 Modelo Interativo de Leitura e suas Implicações

Pedagógicas

Modelos teóricos de leitura, alguns dos quais tiveram influência sobre a

prática pedagógica, têm sido gerados pela pesquisa básica e aplicada

(SINGER e RUDDELL, 1985; SMITH, 1989; KLEIMAN, 1989a, 1989b, 1995,

1999). Kleiman distingue-se por sua clareza e precisão teóricas, que caminham

par a par com trabalhos de pesquisa aplicada que visam a contribuir para a

melhoria do ensino universitário no Brasil. A autora faz uma distinção entre

modelos pré-interativos de leitura, ou unidirecionais, e modelos interativos,

posicionando-se a favor destes últimos. Modelos interativos são aqueles que

levam em conta a interrelação entre sistemas cognitivos e lingüísticos do leitor

no momento em que este busca compreender os sentidos do texto. Kleiman

(1989a, p. 31) adverte que a interação a que se refere não é aquela que se dá

entre o leitor, determinado pelo seu contexto, e o autor, através do texto, mas

sim do interrelacionamento – ou interação – de diversos níveis de

conhecimento do sujeito-leitor, desde o conhecimento gráfico até o

conhecimento do mundo.

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela

utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o

conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de

diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o

conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E

porque o leitor justamente utiliza diversos níveis de conhecimento que

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interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se

dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor

não haverá compreensão (KLEIMAN, 1989).

Inicialmente, o estudante deve saber que o conhecimento prévio sobre o

tema ou assunto da leitura é fator essencial para a compreensão. A maioria

dos docentes focaliza o polo da produção da leitura e trata o texto como uma

totalidade independente, que fala por si e traz todos os elementos necessários

à compreensão. De fato, não é assim. Não apenas o conhecimento do tema

em si, mas algo mais, que é pomposamente chamado conhecimento do mundo

– um vasto complexo de saberes oriundos de diferentes fontes (SMITH, 1989;

SINGER e RUDDELL, 1985; KLEIMAN, 1989a, 1989b) além de conhecimentos

lingüísticos, são importantes para a compreensão da leitura. Sendo assim,

muitas das dificuldades de leitura observadas nos alunos fundamentam-se nas

lacunas de capital cultural.

Conforme à pesquisa de Batista (1998), é bom lembrar que entre os que

escolhem a carreira do magistério o pertencimento a famílias letradas não é a

regra. Isto, no entanto, não quer dizer que estejam fadados a serem maus

leitores. Embora não seja possível prever ou avaliar com exatidão em que

medida as aulas, leituras, discussões, atividades extracurriculares

proporcionadas pela universidade contribuem para o alargamento do capital

cultural, é lícito prever que este tem probabilidades de aumentar ao longo do

curso universitário. Assim, os alunos tenderiam a tornar-se leitores mais aptos,

pelo menos na sua área de especialidade, à medida que se aproximam do final

dos cursos. O ensino de boa qualidade não apenas informa sobre assuntos

específicos, mas gera curiosidades, descobertas, encontros produtivos com

indivíduos, idéias e conceitos que alargam o conhecimento de mundo dos

estudantes. O ensino rotineiro e estreito, que inclui uma certa indigência de

leituras, aprisiona as pessoas nas suas próprias rotinas e reproduz a escassez

de capital cultural.

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Os estudantes que atribuem suas dificuldades de leitura à própria

“pobreza de vocabulário” devem ser alertados para o fato que o conhecimento

lingüístico necessário para a compreensão dos textos envolve mais do que o

conhecimento do significado de palavras isoladas. Graças ao conhecimento da

sintaxe, o leitor processa o texto, como diz Kleiman (1989b) agrupando as

palavras em unidades ou fatias maiores, também significativas, denominadas

constituintes da frase. Para criar significados a partir da percepção das

palavras, o leitor utiliza seu conhecimento prévio sobre a forma pela qual as

frases são organizadas na língua em que o texto está escrito. O leitor cuja

língua materna é o Português, sabe, por exemplo, que o artigo precede o

nome, este concorda com o adjetivo, o verbo concorda com o sujeito e assim

por diante. Em textos simples, o conhecimento da sintaxe usada na língua oral

é suficiente para a compreensão.

As dificuldades lingüísticas aparecem quando os estudantes lidam com

textos complexos do ponto de vista do conteúdo e da forma. Conteúdo e forma

estão interrelacionados e diante dos textos difíceis, o simples conhecimento de

itens lexicais e gramaticais isolados, ou a consulta ao dicionário, não são

suficientes para dar conta da tarefa de leitura (CARVALHO e SILVA, 1996).

A questão da legibilidade dos textos científicos foi tema de uma mesa

redonda realizada na reunião da ANPEd de 2000. Discutiu-se se é possível

tornar claro o conhecimento, resultante da pesquisa, para o público leitor,

especialmente para os professores que lêem textos sobre educação

produzidos pelos docentes universitários. Os debatedores adotaram posições

distintas.

Garcia posicionou-se francamente a favor de que os intelectuais falem e

escrevam para serem compreendidos, especialmente se desejam mudar a

sociedade:

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Michael Apple e Paulo Freire são os primeiros em que penso, pois tudo

que falaram e escreveram sempre esteve comprometido com a compreensão

de todos e todas e não apenas dos que já sabem porque falam a mesma língua

– a linguagem falada pelos acadêmicos” (GARCIA, 2001).

Follari (2001, p. 48) disse que a linguagem do cientista não pode ser

simplificada a ponto de igualar-se, em matéria de clareza, com a fala comum:

(...) simplificar a exposição (a forma) é simplificar o significado (conteúdo). Já é

hoje bem sabido que o significado não precede à forma, isto é, não existe

significado diferente da modalidade de sua exposição (...). Se retraduzimos a

ciência a uma modalidade inteligível, é óbvio que já não dizemos o mesmo.

O autor considera que é preciso diferenciar o conhecimento realmente

científico, “em sua mais genuína exposição de especificidade epistêmica, de

sua versão light acomodada às possibilidades de compreensão relativamente

massivas” (FOLLARI, 2001, p. 49).

Moreira (2001, p. 115), partilhando o ponto de vista de Michael Apple,

coloca-se a favor da simplicidade e da clareza textuais e indaga:

Complexificar a análise significa, necessariamente, tornar a linguagem mais

sofisticada, os textos mais herméticos? Como garantir uma linguagem clara

sem sacrificarmos as sutilezas teóricas e políticas de nossas idéias, sem nos

rendermos à superficialidade, ao senso comum? Como evitar linguagem que

não mistifique, que não acabe desacreditando, tanto na escola como na

academia, o trabalho teórico que desenvolvemos em nossos estudos e em

nossas publicações?.

As questões colocadas por Moreira são um desafio para os acadêmicos

e pesquisadores / autores cujos trabalhos freqüentemente são lidos por nossos

estudantes.

Ao tratar da legibilidade dos textos, na mesma mesa-redonda, Soares

(2009) trouxe à baila as instruções oferecidas pela revista Ciência Hoje aos

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autores que pretendem ter seus textos publicados. As regras recomendam a

busca de simplicidade, concisão e clareza, a explicitação de conceitos básicos

que podem não ser de conhecimento do público em geral, o recurso a

analogias para aproximar conceitos teóricos da realidade do leitor, o cuidado

de evitar palavras difíceis e jargões, além de aberturas de texto atraentes, com

“depoimentos de impacto, temas de interesse, imagens fortes ou toques de

humor”.

Como se vê, os que escrevem para o grande público criam suas

próprias normas para garantir a legibilidade dos textos. Acho que seria o caso

das revistas científicas lembrarem aos que escrevem para o público acadêmico

(incluindo nossos estudantes) que a complexidade lingüística do discurso

científico, de que fala Follari (2001), é determinada pela complexidade das

idéias e conceitos; mas o modo arrevesado de escrever nem sempre exprime

idéias complexas. Ser complexo ou profundo e, ao mesmo tempo, claro e

objetivo, é o grande desafio; infelizmente alguns autores preferem usar

linguagem barroca e tortuosa, termos raros, neologismos em quantidade e

construções sintáticas inusitadas para dizer coisas simples, que não são

compreendidas nem pelos próprios pares.

Voltando à questão do conhecimento prévio considerado facilitador da

leitura, uma palavra final sobre o conhecimento de estruturas textuais, cuja

importância foi enfatizada por Pearson e Camperell (1985) e Kleiman (1989b).

Uma pesquisa coordenada por Andrade (2002) procura compreender de que

maneira os estudantes da UFRJ constroem e utilizam seus conhecimentos

sobre gêneros textuais presentes na formação inicial docente universitária –

como artigos científicos, fichamentos, monografias, comunicações e pôsteres

em congresso, relatórios, resenhas, resumos, trabalhos de fins de curso e

outros – os quais por sua vez constituem-se a partir de outros gêneros pré-

existentes. Provavelmente, uma preparação sistemática para a leitura e escrita

destes gêneros textuais pouparia aos alunos muita frustração e tempo perdido

em tentativas e erros.

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2.3 Política de Leitura no Ensino Superior

Não há um modo correto de ler, na universidade ou fora dela, mas pode-

se discutir o que procura o leitor na leitura. Os estudantes universitários, por

um lado, fazem leituras obrigatórias para atender a exigências professorais,

preparar exames, seminários, trabalhos e provas, visando a conquista de um

diploma. No entanto, como lembra Marcoin (1993), leem também com outras

finalidades: estudar aquilo que lhes agrada, procurar seu caminho numa

habilitação pouco especializada, aproximar-se do mundo dos criadores.

No contexto universitário francês, Marcoin (1993) indaga se é realmente

necessário criar uma pedagogia de leitura – isto é, buscar um enquadramento,

um apoio pedagógico, um método para a leitura dos estudantes. Ou será que a

história de leitura de cada um e o modo de relacionar-se com os textos são,

por definição, absolutamente únicas e pessoais, não devendo ser objeto de

interferências externas? O autor conclui que “cada um reconhecerá que a

leitura põe em jogo a sujeição e a liberdade, o método e a invenção. Mas,

simultaneamente, o método se faz e se desfaz sempre, ele é a própria

invenção, e não aplicação de uma receita” (MARCOIN, 1993).

Reconhece-se a imprevisibilidade dos percursos de leitura e acredita-se

que para os grandes leitores uma das grandes aventuras intelectuais é

descobrir autores e livros que remetem a outros, formando uma teia, um

amálgama e não uma estrada linear balizada por terceiros. Estes leitores não

precisam de métodos pedagógicos. A história de leitura de cada um deles –

suas preferências, seus livros inesquecíveis, suas rejeições – pode ser traçada

de trás para frente, nunca ao inverso. Há uma dose de acaso, invenção e

descoberta nestas histórias.

Ainda assim, deve-se estar a favor de uma pedagogia da leitura devido

à existência de outros tipos de leitores e, principalmente, por causa da

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necessidade de leituras obrigatórias, não eleitas pelos estudantes, contudo

necessárias e importantes para sua formação. Pergunta-se: depois do cumpri -

mento dos rituais pedagógicos relacionados com os textos – localizá-los,

reproduzi-los, resumi-los, “fichá-los”, discuti-los – os alunos são capazes de

organizar conhecimentos, distinguir e relacionar autores? Podem tirar

conclusões, criticar, argumentar, formar opiniões em relação a teorias, escolas

e linhas de pensamento? Não se pode avaliar o que foi alcançado em

centenas de horas de leitura – talvez só o leitor possa fazê-lo. Mas como

ajudá-los a tirar partido do tempo empregado em atividades de leitura

realizadas dentro e fora da sala de aula? Qual é a contribuição do professor

universitário em favor de percursos de leitura mais integrados?

Os reflexos dessas leituras são importantes, mas essas contribuições

não devem ser vistas apenas como obrigação exclusiva dos professores de

Língua Portuguesa. Por exemplo, um professor de história, que traz trechos da

Ilíada para tratar do tema das guerras. O professor de física, que leva textos de

ecologia, sobre fontes de energia, para pensar sobre um conceito da sua

disciplina. Enfim, as práticas de leitura são também práticas profissionais

quando o professor leva textos para introduzir qualquer conceito relevante para

a sua área. Por outro lado, por que o professor de português não pode levar

um texto de história para sua aula? Quem disse que tem que ser só literatura

ou gramática? Isso é um reflexo do professor-leitor, do que se tem chamado

agente de letramento: um professor universitário que consegue fazer um

planejamento de aula e pensar: “bom, o que eu posso levar para os

graduandos lerem, para que entendam melhor esse conceito?”.

Uma pesquisa-ação da qual participaram Sabine Vanhulle e outros

buscou uma pedagogia da leitura para fazer uma ponte entre a formação dos

estudantes, futuros professores, e a prática de ensino nas Universidades.

A base teórica principal é Vygotsky, a noção de zona de

desenvolvimento proximal e o pressuposto segundo o qual toda aprendizagem

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possui uma dimensão social que influencia o desenvolvimento mental

individual, inclusive o domínio de operações cognitivas de alto nível. Os

procedimentos metodológicos usados com os estudantes universitários

incluem círculos de leitura literária e acadêmica, criação coletiva e individual de

textos, trocas entre pares, organização de portfolios de escrita e leitura e

transposições didáticas destes instrumentos para turmas de ensino superior

nas quais são realizados os estágios de formação (Vanhulle, 2000).

Visando a compreender a leitura e a escrita na universidade como duas

faces do processo de letramento dos futuros professores, está prevista uma

articulação entre a pesquisa apresentada no presente artigo e o estudo de

Andrade (2002) sobre a forma pela qual os estudantes apreendem os gêneros

textuais que circulam na universidade.

As dificuldades são maiores para os alunos dos cursos noturnos, que

trabalham o dia todo e leem, quando e se possível, na condução, ou durante o

fim de semana. Considerando esta contingência, seria muito útil que as

universidades oferecessem um programa de bolsas de estudos para

estudantes de baixa renda que freqüentam cursos de licenciatura, diurnos e

noturnos, para que estudassem em condições favoráveis e se tornassem

melhores professores.

A solução de deixar os futuros professores entregues às próprias

dificuldades tem sido nefasta, pois que favorecemos o círculo vicioso a que

chegou o Brasil, último colocado em provas internacionais de compreensão de

leitura para alunos de 15 a 16 anos, de 32 países (Jornal do Brasil, 2001).

Sabe-se que à dificuldade de acesso a textos impressos soma-se o fato de que

boa parte dos estudantes não possui computadores e nem todas as unidades

acadêmicas dispõem de laboratórios de informática conectados à internet, o

que gera uma nova forma de exclusão do circuito da informação.

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Neste trabalho, refletiu-se acerca da assimetria entre mestres e alunos

no que se refere aos modos de pensar a leitura e argumentou-se que os

alunos enfrentam na universidade problemas comuns de acesso aos materiais

de leitura, além de diferentes graus de dificuldade na compreensão dos textos

exigidos pelos professores; trazem informações, hábitos e crenças sobre o ato

de ler e uma trajetória anterior de leituras que vão influenciar a forma pela qual

reagem aos textos propostos na universidade.

Uma obrigação urgente das universidades é promover, a bem da

qualidade de ensino, a atualização das bibliotecas universitárias, a instalação

de salas de leituras confortáveis e funcionais; às editoras universitárias cabe

cuidar também da edição e distribuição de títulos destinados ao público

universitário, a preços acessíveis.

Quanto aos professores, seria desejável que desenvolvessem uma

consciência de seu papel de produtores de leitura. Mudam os leitores, mudam

os suportes de textos, mas a leitura para fins de estudo não é tarefa fácil:

continua a ser, como disse Paulo Freire (1992), um processo amplo, exigente

de tempo, de sensibilidade, de método, de rigor, de decisão e de paixão de

aprender.

O papel social da escrita variou igualmente no decurso da evolução de

uma civilização sempre mais complexa. Os primeiros empregos da escrita

foram pobres, imediatos e práticos; é preciso naturalmente compreender, na

prática, os empregos mágicos cuja necessidade já não sentiu. Assim, o

amuleto ao lado da mensagem, as contas comerciais, o contrato, a inscrição

tumular.

2.4 Produção Escrita no Ensino Superior

Geralmente, o que ocorre nas Universidades é o trabalho com a escrita

em forma de atividade para casa ou teste de avaliação, com pouquíssimo

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espaço para o trabalho com a escrita pessoal, ou seja, aquela escrita

desenvolvida por prazer, pelo gosto de falar sobre determinado assunto e de

marcar voz na sociedade. Se encararmos essa atividade somente como forma

de avaliação e não como momento de desenvolvimento e de contato com a

língua, a linguagem estará apenas sendo testada, mas não desenvolvida.

Nessa perspectiva, constata-se que há uma visão bastante

“conservadora e tradicionalista”, que norteia a prática pedagógica da produção

de texto e a sua efetivação: a que não considera, na maioria das vezes, o que

o aluno tem a dizer realmente e trata a escrita a partir de modelos que

simplesmente seguem manuais didáticos. Assim, não sabemos se podemos

falar em interlocução, tendo em vista a maneira como ainda se trabalha a

produção de texto nas escolas, um verdadeiro martírio para alunos e

professores que vêem a repetição dos mesmos temas (GERALDI, 1999), e

centralização pedagógica nos conteúdos (SUASSUNA, 1995). A idéia que

temos é de que não existe para o aluno qualquer objetivo a ser alcançado com

o texto.

Na realidade, para esse aluno, a redação pode representar qualquer

outro aspecto, menos uma situação comunicativa, porque acredita que seu

texto não passa de um cumprimento de tarefa para qual foi designado e, mais

intrigante ainda, para qual não se sente preparado. Na situação escolar

existem relações muito rígidas e bem definidas. O aluno é obrigado a escrever

dentro de padrões previamente estipulados e, além disso, o seu texto será

julgado, avaliado. A partir daí, o aluno estabelece o que realmente parece

interessante dizer em sua redação, até porque o único interlocutor de seu texto

já é bastante conhecido, o professor. É o que esse autor chama de “figura

estereotipada”, que determina o uso da linguagem pelo aluno. Se a redação

escolar, como tem sido proposta há algum tempo, não representa

oportunidade de diálogo entre interlocutores, propor um novo tratamento a

essa habilidade na escola é um caminho necessário, aliás, imprescindível. Se

a escola, até então, visava à produção de texto de forma quase monológica, o

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caminho pela interação resgata o aluno de um ato solitário e lhe concede a

oportunidade de realizar uma atitude solidária, levando-o a construção de um

texto que possa aproximar-se de seus objetivos em relação ao(s) outro(s).

A concepção de linguagem, nascida nas últimas décadas, a partir de

correntes lingüísticas como a Lingüística da Enunciação, Análise do Discurso e

Sociolingüística é que adota a linguagem como mecanismo que serve para os

diferentes sujeitos interagirem e produzirem sentido. A interação não privilegia

apenas o código lingüístico, ou seja, o uso da língua para a tradução do

pensamento ou a transmissão de informações, ela considera que a linguagem

é uma forma de ação e de atuação sobre o interlocutor (TRAVAGLIA, 2000).

Destaca-se a situação em que se produz o discurso, as condições de produção

desse discurso, em um contexto sócio-histórico e ideológico. Suassuna (1995)

afirma que a linguagem é antes de qualquer coisa um modo de vida social,

definindo os indivíduos que interagem entre si e com o mundo. Dessa forma,

não se pode separar a linguagem de seu uso efetivo, concreto e social. Esse

uso efetivo é resultado da troca lingüística entre sujeitos socialmente

organizados. Como bem aponta Bakhtin:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema

abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem

pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social de

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A

interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN,

1995: 123).

Dentro dessa concepção de linguagem não é o signo, nem a frase o

objeto de estudo, e sim o texto. O trabalho com o texto é que faz professor e

aluno ocuparem-se efetivamente com o uso da língua, pois o texto é a própria

prática da linguagem, e tentar entender os seus mecanismos estruturais e dar-

lhe significado aumentam “as possibilidades de uso exitoso da língua”.

(GERALDI, 1996).

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A partir dessa concepção, há decididamente uma necessidade de

mudança de postura, sobretudo por parte de todos os professores, em relação

ao ensino e sua consequente produção escrita. O objetivo desse ensino é

desenvolver a competência discursiva do aluno, oferecendo-lhe a oportunidade

de usar a linguagem nas mais diversas situações e contextos, de modo torná-

lo um leitor competente, um conhecedor dos mecanismos gramaticais e

lingüísticos, um autor de textos. Para tanto, a mediação entre aluno e objeto da

escrita é tarefa do professor. Sobre isso, Garcez afirma:

O processo interativo da atividade baseia-se no pressuposto de que o

conhecimento é mediado pelo par mais desenvolvido, que serve de suporte

temporário e ajustável, funcionando numa zona sensível à aprendizagem, e que

leva o estudante a usar as estratégias de forma independente. O professor

explica, esclarece, instrui, define regras que asseguram a competência mínima

esperada, modela, monitora, estimula e elogia o progresso, sempre com um

papel crítico e positivo. (GARCEZ, 1998)

Se a concepção interacionista pressupõe o sujeito inserido no momento

histórico- discursivo, isso significa que a produção de texto deve ir além das

tipologias textuais sacralizadas. Para tanto, cabe ao professor tornar mais

democrático o acesso do aluno a diversidade de textos, geralmente

encontrados no dia-a-dia. Daí a necessidade de um trabalho sistemático e

contínuo com os gêneros discursivos e com as tipologias textuais, trabalho

esse que, certamente, irá conferir à prática escolar uma aproximação do aluno,

sujeito do seu dizer, às situações comunicativas cotidianas. Quanto à interação

a partir dos gêneros, Araújo (2003) afirma que:

O aspecto convencionalizado de uma interação escrita é reconhecido

como fazendo parte de um gênero particular. Assim, ao interagir no texto, os

produtores devem ter não só conhecimento das normas e convenções desse

texto (gênero textual), estabelecido pela comunidade discursiva, mas também,

dentre outras coisas, sobre a consciência da audiência a quem o texto se

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destina e uma habilidade para refletir e explorar essa consciência sobre como o

texto deve ser escrito. (ARAÚJO, 2003).

Partindo, então, do pressuposto de que as situações de interação verbal

efetivam-se por meio de gêneros discursivos e das tipologias textuais, numa

relação interlocutiva, em que aluno e professor se coloquem como sujeitos e

como parceiros na produção discursiva (EVANGELISTA, 1998), o estudante

passa a adquirir segurança, independência para ser, ao mesmo tempo,

produtor e leitor de seu texto, consciente da importância desses dois papéis.

Ainda sob essa perspectiva teórico-metodológica da interação, convém

ressaltar o tratamento dado pelo professor ao texto do aluno. Cumpre-se

obtemperar que há diferenças entre avaliar e corrigir, considerando-se esta

última como uma etapa da primeira. A correção precede a avaliação, por

oportunizar ao aluno a reflexão sobre o próprio texto, seja através de

sugestões do professor ou dos colegas de turma. A correção pode ser feita de

diversas maneiras. Os tipos de correção apresentados pela autora são: a) a

correção indicativa; b) a correção resolutiva; e c) a correção classificatória, que

orienta o presente trabalho, pois, quando realizada esse tipo de correção, os

erros são identificados de forma não-ambígua. Ela pode ser feita tanto pelo

próprio professor, que sugere as modificações, quanto pelo próprio aluno, por

orientação do professor, que interpreta apenas parcialmente os objetivos e as

estratégias do dizer do aluno, sem se sobrepor a eles. A autocorreção auxilia o

aluno a se expressar e garante que o novo texto mantenha esses objetivos e

essas estratégias.

A correção, quando trabalhada no método classificatório, auxilia a

concentração e a reflexão do universitário sobre o que está bem e o que é

problemático em seu texto, baseada em algum parâmetro em vigor. Esse tipo

de correção permite ao aluno, também, o trabalho da reflexão partindo de suas

próprias impressões. Em se tratando de avaliação, Cabral (1994) defende que

ela pode ter caráter formativo, desde que não se restrinja à fase terminal do

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processo, ou seja, não deve ser realizada somente depois do texto pronto,

acabado, como irrevogável, para não correr o risco de inibir e desmotivar o

aluno. A avaliação, portanto, é válida quando tratada como um dos momentos

de ensino-aprendizagem. Para que se realize esse tipo de avaliação, impõe-se

um trabalho de acompanhamento contínuo do aluno, de modo que o professor

leve o estudante à reflexão sobre seu texto, sobre o modo como abordou o

tema, os argumentos utilizados e a amarração das idéias. Essa atividade

possibilita ao aluno colocar-se na condição de leitor do seu próprio texto. Com

isso, antes mesmo de o professor fazer as observações, o aluno será levado a

perceber o que gostaria de manter na sua produção, o que seria melhor excluir

e os pontos que precisariam de maiores esclarecimentos. Certamente, esse

procedimento não trará resultados instantâneos, mas impulsionará o educando

a adquirir segurança sobre seu posicionamento.

Esse momento de auxiliar o graduando a refletir sobre sua escrita é,

entretanto, ainda pouco comum entre os professores das diversas disciplinas

na graduação. Sem cair no perigo da generalização, a prática mostra que são

cometidos sempre os mesmos erros, o que, de acordo com Cabral (1994),

acarreta na equivocada tese dos dons, como se o domínio da escrita fosse

algo inato, ou seja: alguns têm predisposição a escrever, enquanto outros

estão fadados à inibição e ao insucesso toda vez que se depararam com a

“missão” de produzir um texto, seja em que disciplina for.

Assim, para se chegar ao estágio de interlocução a partir do texto do

aluno, são importantes os caminhos anteriormente citados, apontados por

Garcez (1998), bem como a função formativa da avaliação, defendida por

Cabral (1994), os quais garantem ao produtor do texto a autonomia para

verificar por si próprio as falhas e as boas construções da escrita.

A forma como a escola vem tratando a prática de produção escrita,

quase sempre visando apenas à atribuição de uma nota, invariavelmente, tem

levado professores do ensino superior e pesquisadores à constatação de um

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quadro insatisfatório de alunos que chegam aos cursos de graduação

despreparados para essa prática, deixa de focar a produção de texto como

uma atividade de linguagem em que o aluno realmente se sinta sujeito do seu

dizer e tenha conhecimento de formas diferenciadas para transmitir o que tem

a dizer. Assim, a partir do conceito de gênero discursivo proposto, em especial

os elementos que o compõem (tema, conteúdo proposicional e estilo); da visão

sócio-interacionista, para quem os gêneros de discurso são textos constituídos

por segmentos de estatutos diferentes: segmentos de exposição teórica, de

relato, de diálogo, de narração etc., mister se faz levar os alunos à consciência

de sua condição de sujeitos-autores de gêneros discursivos diversificados,

sobretudo os de caráter acadêmico, enfatizados especificamente na disciplina

alvo da pesquisa e estimulá-los à compreensão de que a produção escrita não

é um ato isolado, uma vez que resulta das leituras que realizam dos textos com

os quais se deparam dentro e fora do ambiente escolar.

Acredita-se, pois, que o individuo que escreve com desenvoltura,

expondo suas idéias com coerência e unidade textual, terá percorrido outros

saberes anteriores a este, tais como aquisição de um espírito crítico,

competências para filtrar e equilibrar o cientifico e o popular; e, por fim, o saber

que o faz entender aquilo que se lê.

Apresenta-se existência de um caminho possível e viável. Trata-se do

percurso da reinvenção do professor universitário enquanto agente facilitador

de saberes no tocante à reformulação de seus mecanismos didáticos, que não

terá significado algum se não palmilharem pelo caminho do prático, do criativo

e da construção mútua da cognição; nesta perspectiva, o Letramento,

enquanto instrumento imprescindível para produção de um texto, cria no

estudante o fascínio pelo mundo da leitura com vistas à produção de uma

cosmovisão.

Portanto, é importante entender que letramento e escrita são fenômenos

indissociáveis e que acontecem concomitantemente, e mais, que o labor da

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docência superior criativa deve ser o de criar condições reais de leitura e

escrita e uma política de estímulo, com vistas à inclusão nas práticas que

favoreçam a apropriação do letramento sob a justificativa de que ele

favorecerá o individuo no sentido de elevar seu nível de consciência crítica

frente ao mundo em que vive, dando-lhe possibilidade de participação na vida

política, atributo inerente a todo cidadão livre; e no bom desempenho na

produção escrita, usufruindo com segurança dos gêneros textuais, dando-lhe

inserção nas práticas sociais simples e complexas das esferas em que

frequenta.

CAPÍTULO III

LETRAMENTO ACADÊMICO

3.1 Produção e Recepção do Letramento nas Universidades

A partir da década de 70, as modificações das práticas de leitura

tornaram-se mais aparentes. Tal fenômeno, atribui-se a dois fatores:

permissão dos trabalhos em grupo na universidade, inovação didática que se

generalizou rapidamente, e a popularização das fotocópias como novos

suportes de textos. Hoje as fotocópias são intensivamente usadas pelos

estudantes universitários, e não apenas no Brasil, como demonstraram Viala e

Glaber (1993), da Universidade de Paris.

Em consonância com a abertura política dos anos de 1980, o material

de leitura disponível no campo da educação cresceu à larga. Revistas

acadêmicas e livros propagaram-se em grande quantidade, e uma produção

contínua de teses e dissertações foi gerada pela pesquisa educacional. Houve

mais liberdade de escolha para o leitor universitário – fosse ele aluno ou

professor – e estímulo à leitura crítica, ao mesmo tempo em que as exigências

qualitativas em relação à leitura dos estudantes tornaram-se maiores. O

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professor universitário passou a ter como leitor ideal, ou leitor modelo, alguém

que lê intensamente, está familiarizado com gêneros variados e,

principalmente, interpreta o que lê. Mas o estudante concreto, o leitor real,

quem é e como reage a essas expectativas?

Há um déficit de conhecimento sistemático sobre o leitor real, conquanto

sejam muitos os clamores dos docentes universitários sobre a leitura e a

escrita de seus alunos. No quadro universitário atual, é indispensável

problematizar a questão e encontrar caminhos para o letramento dos futuros

profissionais. Aqui, usa-se o termo letramento em sentido mais restrito do que

aquele proposto por Kleiman (1995) e Soares (2009), tal como o fez Vanhulle

(2000) no contexto de formação para o magistério referindo-se a:

(...) um domínio o mais amplo possível da língua escrita, em termos de

produção e/ou recepção de textos complexos, sejam estes provenientes de

gêneros sociais, como a literatura, os escritos de idéias e de informação, ou

dos gêneros acadêmicos (textos que devem ser lidos ou produzidos segundo

as matérias estudadas, e obedecendo a regras de leitura ou de construção

particulares – notas de aula, manuais, monografias de fim de curso, preparação

de aulas para estágio etc).( Vanhulle ,2000, p. 48)

Vanhulle defende mudanças na formação de professores de língua

materna, com a participação conjunta das faculdades de educação e de letras.

Seu ponto de vista está coberto de razão, mas a proposta tem que ser

alargada para incluir todos os licenciandos, futuros professores das várias

disciplinas do ensino, pois a questão dos usos da língua não compete apenas

aos que vão ensinar Língua Portuguesa.

Para a área de Educação (e Ciências Humanas em geral), a leitura é um

dos principais instrumentos de formação, mas nem todos os estudantes são

suficientemente autônomos para dar conta das complexas tarefas de leitura do

ensino superior. Existem professores que tentam orientar individualmente os

alunos em dificuldade para ler e escrever os gêneros de textos próprios da vida

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universitária: notas de aula, fichamentos, resumos, resenhas, artigos,

relatórios, monografias, dissertações, teses etc. No entanto, nas universidades

do Rio de Janeiro não há qualquer iniciativa institucional no sentido de dar

apoio e orientação àqueles a quem Batista (1998) denominou leitores incertos.

Apesar das queixas comuns dos docentes, os problemas permanecem na

sombra, já naturalizados.

Apresentando resultados de pesquisa com professores de Português de

Minas Gerais, Batista (1998) afirma que muitos deles são, nas respectivas

famílias, os primeiros indivíduos a usufruírem uma longa escolaridade. Seu

capital cultural é modesto, tiveram pouco acesso a livros e jornais, raramente

freqüentaram bibliotecas. Foi na escola que se formaram como leitores,

portanto, foram expostos à didatização da leitura que reina nas instituições

escolares. Na vida profissional, esses professores vão repetir os modelos de

leitura a que foram submetidos, ou seja, adotarão práticas escolares que

valorizam o conteúdo dos textos, enquanto que as práticas não-escolares

acentuam a gratuidade, o desinteresse e a autonomia do leitor.

Os alunos em referência – futuros profissionais – têm as mesmas

condições sociais e sofrem as conseqüências alinhadas por Batista? Que

leitores recebe-se e que leitores estão se formando nas Universidades?

No Brasil, a farta produção acadêmica atual sobre leitura na escola tem

em mira, em geral, as práticas de leitura e os leitores do ensino fundamental,

ou, mais raramente, do ensino médio. A vasta faixa de leitores que

compreende professores e estudantes do ensino superior permanece pouco

explorada. Pouco se pesquisa sobre os embates travados entre professores

que prescrevem e cobram leituras, e alunos que as devolvem aos mestres nos

seminários, aulas e provas. Afinal, o que lêem, como lêem, para que lêem os

universitários? Qual é a contribuição dos professores para a introdução dos

alunos ao mundo dos textos da sua especialidade? Quais são as expectativas

e exigências docentes e discentes?

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Nos últimos anos, foram poucos os trabalhos apresentados na

Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPEd), tendo por objeto a

leitura na universidade; dentre estes, destaca- se o estudo de Corrêa (1999)

sobre práticas e representações de leitura de alunos e professores do curso de

pedagogia de uma universidade federal. Apoiado em Roger Chartier, e

trabalhando no campo da história cultural, Corrêa recusa as dicotomias leitor-

não leitor, alfabetizado-analfabeto, e propõe-se a estudar os contrastes que

ajudam a compreender os leitores em suas diferenças. Trata-se de aquilatar

competências e normas, assim como as expectativas e interesses que

norteiam os atos de leitura de diferentes grupos. Chartier demarca dois polos,

entre os quais existe uma tensão operatória: o polo da produção de leitura e o

da recepção. As categorias de análise de Chartier foram acomodadas por

Corrêa, para quem o professor universitário, ainda que trabalhando com textos

de outrem, é, de certa forma, cultivador de leitura, pois seleciona os textos,

estabelece a seqüência de leituras, propõe estratégias de interpretação e

decide quais os trabalhos a serem produzidos pelos alunos. Os alunos situam-

se no polo da recepção – pelo menos até o momento em que se tornarem

professores.

Não obstante o fato de os professores universitários entrevistados por

Corrêa (1999) afirmem que os alunos lêem pouco e mal, o autor comprovou

que os futuros pedagogos leem os textos propostos, além de muitos outros.

Há, no entanto, diferenças nas práticas de leitura de docentes e discentes. O

leitor ideal do professor é aquele que lê com assiduidade e prazer; conhece a

chamada grande literatura e as obras teóricas que dão a base das disciplinas

do currículo. O leitor real estudado por Corrêa, leu o que lhe foi imposto como

obrigação e dever na escola básica, assim como lerá os textos necessários

para a elaboração de trabalhos e provas. Pode-se chamá-lo leitor escolar, mas

não de não leitor. Seu repertório de leitura ao ingressar na universidade inclui

textos obrigatórios no ensino básico (clássicos da literatura brasileira e

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paradidáticos) e obras que não gozam de prestígio no mundo acadêmico,

como best-sellers, revistas e jornais, a Bíblia e textos religiosos em geral.

A lógica dos mestres que esperam dos alunos uma leitura de alto nível,

contato com textos profundos, de cunho teórico, e conhecimento da chamada

grande literatura entra em choque com as inclinações, gostos e hábitos dos

alunos. Há entre os grupos docente e discente grandes diferenças de opiniões

sobre o que é leitura que valha a pena.

Investigando sobre a leitura de futuros professores franceses, alunos do

Instituto Universitário de formação de mestres, Anne Marie Chartier, constatou

que se trata de grandes leitores, pois leem em média 2,5 livros por mês, mas

julgam-se inseguros em suas leituras, ao mesmo tempo acham que lhes falta

tempo para ler e que perdem tempo lendo. “Com ou sem razão, muitos têm a

sensação de que o proveito que tiram de suas leituras é pequeno, incerto,

aleatório” (CHARTIER, 1999).

Será que o mesmo sentimento de ineficácia da leitura assalta os

estudantes brasileiros? E como procedem os mestres em relação à leitura dos

estudantes?

Num artigo sobre leitura na universidade, Carvalho e Silva (1996)

sustentam que, para os docentes, a competência em leitura é (ou deveria ser)

“natural” no estudante de nível superior, portanto não lhes caberia orientar os

alunos sobre procedimentos de interpretação de texto. Devido à sua extensa e

variada história de leitura, os professores discorrem acerca dos textos, fazendo

inferências e extrapolações, interpretando nas entrelinhas, e tirando

conclusões que às vezes escapam aos alunos. Nem sempre os docentes

oferecem aos estudantes orientação sobre os autores dos textos, os

interlocutores a quem se dirigem e com quem dialogam, os objetivos, o

contexto sócio-histórico e as condições de produção dos escritos. Nestas

circunstâncias, as aulas de discussão de textos – um dos recursos didáticos

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mais correntes nos cursos de graduação e pós-graduação – transformam-se

num monólogo em que o professor doa aos alunos a própria interpretação. As

recomendações de Carvalho e Silva, de natureza didática, incluem a adoção

de contratos de leitura com os alunos, que teriam mais liberdade na escolha

dos textos e definiriam seus próprios objetivos de leitura.

Nossos estudantes vivem às voltas com a inadequação crônica de

bibliotecas e de salas de leitura e o alto custo dos livros. Uma das soluções

encontradas para democratizar o acesso à leitura foram as fotocópias,

popularmente chamadas de cópias xerox. O custo relativamente baixo das

fotocópias e a existência de serviços de copiadoras em praticamente todas as

instituições de nível superior modificaram profundamente as práticas de leitura.

O livro-texto, que até os anos 1960 funcionava como guia para

acompanhar determinada disciplina, perdeu importância e tornou-se comum a

leitura de capítulos, ou fragmentos destes, que são guardados nas pastas de

textos dos professores, localizadas nas copiadoras, à disposição dos

estudantes. Não que os professores tenham deixado de indicar livros:

habitualmente, fornecem bibliografias mais ou menos extensas, algumas delas

também disponíveis nas respectivas pastas xerox. Há, no entanto, grandes

diferenças entre as bibliografias professorais – documentos que indicam a

filiação teórica do professor, os livros que publicou, a variedade de autores

com quem dialoga, e até mesmo seu próprio percurso de leituras – e os textos

que propõe para leitura dos alunos, encontrados nas pastas de fotocópias.

A cultura da xerox que se instalou firmemente no ambiente universitário

– e não apenas no Brasil – favoreceu a diversidade de leituras e tornou

possível o acesso a material antes inacessível. Graças a elas, os leitores

reproduzem textos que não são emprestados nas bibliotecas, como obras de

referência, livros raros e esgotados, revistas em geral, exemplares de coleções

etc. Como qualquer suporte de texto, as fotocópias não são boas nem más em

si e podem ser extremamente úteis em muitas situações. No entanto, apoiar-se

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excessivamente nas fotocópias, em detrimento dos livros, pode dificultar a

formação de um percurso de leitura integrado e coerente. Capítulos isolados,

separados da obra original, tornam-se de compreensão difícil, deixando os

alunos muito dependentes da explicação ou interpretação do texto dada pelo

professor. Freqüentemente, as fotocópias são fornecidas sem referências

bibliográficas, assim como lhes faltam as demais informações importantes

(sumário, apresentação, notas sobre os autores etc.) disponíveis nas obras

originais. Fotocópias acumuladas pelos estudantes, sem ordenação, sem um

sistema de arquivamento, cedo se transformam numa pilha de papéis inúteis.

Embora baratas, não são gratuitas, e a despesa mensal que acarretam é

considerada elevada pelos estudantes de baixa renda, numerosos nos cursos

de licenciatura. As dificuldades financeiras dos estudantes e a inadequação

das bibliotecas podem ser os principais motivos pelos quais nós, professores

brasileiros, nos rendemos à cultura da xerox, mas há outros, como lembrou

Anne Marie Chartier.

Comentando que os estudantes franceses do Instituto Superior de

formação de professores fazem uso intensivo de fotocópias, a autora observou

que estas são uma solução encontrada pelos docentes para homogeneizar a

leitura dos alunos, face à enxurrada de publicações: “Compreende-se porque

os professores, de uma forma ilegal, continuam a recorrer a cópias de artigos

ou resumos de obras distribuídos e às vezes lidos durante a aula, única

maneira de constituir referências verdadeiramente partilhadas em um universo

intelectual onde a concorrência editorial, ao aumentar indefinidamente a

multiplicidade dos títulos, torna a produção terrivelmente repetitiva e efêmera”

(CHARTIER, 1999, p. 92).

Seja como for, com vantagens e desvantagens, as fotocópias estão

enraizadas nas práticas de leitura do ensino de graduação, afetando-as

significativamente. E quais são estas práticas? O procedimento mais comum

dos docentes – tanto na Faculdade de Educação quanto em outras unidades –

é marcar a leitura para determinada data, ocasião em que os alunos serão

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convidados a interpretar e criticar determinado texto, no mínimo indicando as

idéias principais, expondo suas dúvidas e conclusões. Pode ocorrer também

que o professor traga um texto para ser lido durante a aula, individualmente,

em duplas ou em pequenos grupos de alunos.

Em qualquer das situações, muitos não participam da discussão, seja

por não terem lido e/ou compreendido o texto, seja por não saberem

exatamente o que o professor deseja ou que comentários julga pertinentes.

Outro procedimento docente para garantir a leitura é a exigência de

elaboração de um “resumo”, “fichamento” ou “resenha” (a definição de cada

um destes gêneros varia de um professor para outro). Também baseados em

leituras são os chamados seminários ou pesquisas de alunos: dado um tema

(oferecido pelo professor, ou de escolha dos alunos) os estudantes devem

consultar a bibliografia, ler textos, organizar as informações e apresentá-las

aos colegas. Seja como for, a leitura foi e continua sendo atividade

indissociável da condição de estudante universitário

3.2 Letramento e Práticas Sociais

Conforme se observou, explicar e definir letramento não constitui tarefa

fácil, principalmente se este for compreendido como um fenômeno complexo,

por indicar a orientação e a constituição de pessoas marcadas pela história,

por aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. O letramento, na

perspectiva de uma teoria social, representa um conjunto de práticas sociais

capazes de serem realizadas pelas pessoas, segundo Barton e Hamilton

(2000).

Esses autores explicam que a noção de práticas sociais viabiliza uma

discussão fecunda ao estabelecer ligação entre atividades de leitura e escrita e

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estruturas sociais. É nas práticas sociais que o letramento tem uma função ou

um papel. Street (2003) destaca que há uma dimensão do poder conferida aos

processos de leitura e escrita como integrante dos significados culturais

concedidos a esses processos. Nesse sentido, práticas de letramento

representam unidades básicas dessa teoria caracterizada pelo social. Essas

práticas fazem referência "aos modos culturais em geral de utilização da

linguagem escrita pelos quais as pessoas fazem uso em suas vidas" (Barton e

Hamilton, 2000, p. 7). No entanto, as práticas de letramento não são unidades

observáveis de comportamento, já que envolvem valores, atitudes, sentimentos

e relações sociais. Incluem, ainda, o julgamento das pessoas sobre letramento,

construções e discursos do letramento, como falam sobre e como constroem

sentidos com e para o letramento.

Se as práticas, no sentido de maneiras culturais de utilização do

letramento, são unidades que não podem ser observadas, na sua totalidade,

em pequenas atividades e tarefas, os eventos de letramento, outro decisivo

conceito na teoria de caráter social, representam episódios observáveis, os

quais se formam e se constituem por essas práticas. Eventos são atividades

em que o letramento tem uma função, são ocasiões em que o texto escrito faz

parte da natureza das interações dos participantes e de seus processos

interpretativos.

Por meio dos eventos de letramento, é possível observar e analisar a

linguagem socialmente situada, como destaca Gee (1999). Para este autor, os

sentidos das palavras, frases, textos são sempre situados e são regulados

pelos reais contextos em que estão inseridos. Nessa perspectiva, o uso da

língua demanda a revelação de identidades situadas dos indivíduos,

denominando a isso, segundo o autor, de kits de identidade. Estes revelam as

formas de falar, ouvir, escrever, ler, agir, interagir, acreditar, valorizar e sentir.

Nem sempre, entretanto, há essa compreensão de uso da língua

socialmente situada por parte dos participantes dos eventos de letramento, o

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que pode ocasionar a exclusão deles, mesmo que não direta e informada, em

contextos específicos. Um dos motivos apresentados por Gee (2001) ao fato

de muitas pessoas não conseguirem se inserir e desempenhar funções em

determinados contextos se deve a uma não-exposição a certas atividades em

períodos anteriores da vida. Gee (2001) denomina que o indivíduo que não

consegue se inserir ou não se sente inserido em determinados contextos.

Para se inserir em certas práticas sociais (Gee, 2001), é essencial a

imersão em contextos específicos de uso da língua, participar de processos de

socialização, o que não significa receber instrução formal como condição

necessária. O letramento, nessa direção, é construído por indivíduos e grupos

como parte da vida diária. Segundo Comber e Cormack (1997), o que conta

como letramento não é um conjunto de habilidades e conhecimentos imutáveis

e universais. Ao contrário, varia muito de acordo com fatores como lugar,

instituição, proposta, período da história, modelos culturais, circunstâncias

econômicas e relações de poder.

A possibilidade de ter acesso, inserir-se em novas e diferentes práticas

sociais têm o intento não somente de adaptação a contextos diversos. A

grande função, nas abordagens de Comber e Cormack (1997), é provocar

mudanças, por meio da exposição cultural. Essas mudanças têm o intuito de

fazer com que os indivíduos, sujeitos da história, tenham condições de

transformar a própria consciência ingênua em consciência crítica. Inclui o saber

analisar como o letramento é usado nos contextos, como é ensinado e como é

aprendido.

Uma ferramenta indispensável é a metalinguagem ou

metaconhecimento, nas palavras de Gee (1999). Falar sobre, descrever e

explicar são atividades que auxiliam as pessoas a analisar os eventos de

letramento, para, então, terem possibilidades de fazer escolhas nesses

eventos. A consequência pode ser a mudança em certos aspectos desses

eventos e das próprias ações, das formas de pensar, ser e agir, quando da

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interação consciente e constante com diferentes participantes, com

conhecimentos e textos que integram os eventos. Nesse movimento, é

indispensável o confrontar a realidade que se apresenta, com aquilo que

realmente se quer. Assim, abrem-se espaços para as pessoas construírem

suas próprias práticas letradas, disseminar seus valores, crenças e não apenas

receberem instruções de forma passiva, de maneira acrítica. Faz sentido,

dessa forma, a defesa pela formação de sujeitos críticos, autônomos, mais

conscientes e reflexivos.

Estendendo essas reflexões ao contexto acadêmico, algumas condições

são necessárias para que se viabilize a formação dos sujeitos com essas

características, tão promulgadas nos dias atuais. Segundo Vieira (2006), o

professor precisa estar predisposto a tentar mudanças, ser capaz de provocá-

las e ter oportunidades para realizá-las. Vieira (2006) considera a autonomia

dos alunos como uma competência em constante evolução e entende a

educação como espaço de transformação social.

Nessa direção, mais produtivo que abordar conceitos, eventos e

possibilidades de acontecimentos futuros no ambiente acadêmico é

oportunizar reflexão a partir do vivido, com vistas a mudanças diversas,

viabilizadas nas e pelas interações.

O uso da língua, conforme Gee (2001), expressa ação num mundo

material e social. Os sentidos se constroem nos contextos, em práticas sociais

situadas. O meio acadêmico, mais propriamente o ensino superior, por sua

vez, apresenta muitas particularidades que o distinguem de outros, como o

ensino fundamental e o médio. Em virtude de práticas de letramento que são

próprias do meio acadêmico, muitos alunos podem se sentir distantes,

inicialmente, de propostas advindas de professores, por não dominarem as

linguagens sociais recorrentes nesse meio. Logo, conhecer, em certa medida,

quem são os alunos que ingressam no ensino superior e possíveis fatores

sociais que os constituem pode contribuir para que as práticas de letramento

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acadêmico não sejam símbolos, apenas, de imposições, mas de negociações

e de reflexões, em benefício da formação pessoal e profissional dos

universitários em formação.

Apesar dos Parâmetros Curriculares Nacionais proporem o privilégio da

dimensão comunicativa e do desenvolvimento de competências no âmbito oral

e no escrito, além da conseqüente redefinição do papel da literatura,

explicitamente ao serviço do desenvolvimento de capacidades de leitura,

muitos outros lugares de recriação do discurso oficial se observam, se

considerado o processo de apropriação pelos professores.

Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos

aprendem através de práticas de leitura e de escrita: em História, em

Geografia, em Ciências, mesmo na Matemática, enfim, em todas as

disciplinas, os alunos aprendem lendo e escrevendo. É um engano pensar que

o processo de letramento é um problema apenas do professor de Português:

letrar é função e obrigação de todos os professores. Mesmo porque em cada

área de conhecimento a escrita tem peculiaridades, que os professores que

nela atuam é que conhecem e dominam. A quantidade de informações,

conceitos, princípios, em cada área de conhecimento, no mundo atual, e a

velocidade com que essas informações, conceitos, princípios são ampliados,

reformulados, substituídos, faz com que o estudo e a aprendizagem devam

ser, fundamentalmente, a identificação de ferramentas de busca de informação

e de habilidades de usá-las, através de leitura, interpretação, relacionamento

de conhecimentos. E isso é letramento, atribuição, portanto, de todos os

professores, de toda a escola.

É claro que o professor de Português tem uma responsabilidade bem

mais específica com relação ao letramento: enquanto este é um "instrumento"

de aprendizagem para os professores das outras áreas, para o professor de

Português ele é o próprio objeto de aprendizagem, o conteúdo mesmo de seu

ensino.

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Por isso, um lugar constante de recriação frente à proposta do novo

programa diz respeito à centralidade do texto literário. Tanto nas planificações

anuais quanto nos planos de aula, esse texto apresenta-se como núcleo

estruturador dos blocos temáticos, fazendo derivar todas as atividades com

outros tipos de textos utilitários ou não-literários. É determinante o papel do

manual de Português (livro didático), pois, segundo Dionísio et al. (2005), este

instrumento de trabalho excluía, ao longo dos anos, o trabalho com outros

textos que não fossem os literários.

Nos planos de aula, acrescenta-se o trabalho de leitura pela

interpretação, análise e discussão de textos. Como afirmam Dionísio et al.

(2005), esse trabalho simboliza apenas o ato de ler, mais que aprender. Após

paráfrase dos textos propostos para leitura, o enfoque recai sobre a

materialidade estrutural e sobre a organização dos elementos textuais. A

escrita aparece no espaço de fim de lição ou extralição, com a função de

aplicar conhecimentos anteriormente adquiridos e de reproduzir modelos. A

oralidade mostra-se como citação nos planos de aula ou em meio ao

questionário sobre os textos para leitura.

Na voz dos professores, os fatores que dificultam o desenvolvimento

pleno do programa de letramento são: número insuficiente de aulas, dimensão

das turmas, características e competências em déficit dos alunos, falta de

condições materiais e recursos didáticos das escolas. Sobre o programa, os

professores assim o caracterizaram: ambicioso, extenso, desgastante, com

demasiados conteúdos, que exige muito esforço dos professores e alunos.

Conforme Dionísio et al. (2005), o que parece haver é a falta de formação dos

professores quanto ao uso das novas terminologias e operacionalização das

competências. Os autores acrescentam:

Pelos problemas por todos apontados, percebem-se alguns dos lugares

problemáticos deste novo paradigma, especificamente, o da transformação das

aulas, de qualquer disciplina, em lugar de aprendizagem de processos verbais

e a conseqüente abertura da aula a outros textos que não os específicos da

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disciplina. Não colocando, aparentemente, a leitura nenhum problema, o que

nestes documentos fica configurado é a dificuldade que têm os professores de

ministrarem suas aulas para além daquilo que atrás se viu com os seus 'planos

de aula'. (Dionísio et al., 2005, p. 173).

Portanto, considerar muitas das ocorrências presentes no trabalho de

Dionísio et al. (2005) elucida o funcionamento de práticas de letramento no

meio acadêmico em análise na pesquisa que aqui se apresenta.

O letramento característico do meio acadêmico refere-se, nessa direção,

à fluência em formas particulares de pensar, ser, fazer, ler e escrever, muitas

das quais são peculiares a esse contexto social. De acordo com Klemp (2004),

letramento acadêmico pode ser definido como um processo de

desenvolvimento contínuo de conhecimentos sobre como interagir com as

diferentes formas de textos nesse meio. Ser academicamente letrado significa

que um aprendiz tem um repertório de estratégias efetivas para compreender e

usar as diferentes linguagens, especializadas e contextualizadas, no domínio

acadêmico. Ainda, indica os papéis sociais (pelo menos desejáveis) de alunos

e professores, as finalidades de os alunos estarem neste domínio e as

relações estabelecidas com o conhecimento e com o saber.

Acrescenta-se a essas abordagens o enfoque de que muitos dos

eventos de letramento presentes no meio acadêmico são recorrentes em

outros contextos sociais, sejam em atividades orais ou escritas. Logo, não dá

para negar que o ensino superior, incluindo professores e alunos, tem o

compromisso de destinar esforços a atividades cujas habilidades estejam

subjacentes ao letramento acadêmico. Assim, abrem-se possibilidades de

atuação mais efetiva, reflexiva e crítica aos alunos em formação, em situações

sociais diversas.

Focando a formação de professores, acredita-se, de acordo com

Comber (2006), que o trabalho de ensinar abarca diferentes aspectos. O

primeiro tem relação com o aspecto pedagógico, o qual precisa ser viabilizado

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aos alunos-professores para que saibam tomar decisões sobre quando intervir,

quando modelar, quando reensinar, enfim, planejar constantemente de acordo

com as respostas e as eventualidades. O segundo aspecto, o discursivo, tem o

cuidado de mostrar o que e como dizer e escrever, a fim de que aos alunos

sejam dados espaços para pensar, ouvir, contribuir, com o apoio de estratégias

metacognitivas e metalingüísticas. Um outro aspecto é o relacional, que revela

o respeito ao potencial dos alunos, a sua vida e aos conhecimentos. O aspecto

institucional também precisa entrar em jogo, uma vez que, aos professores,

cabe o desafio de aproveitar os recursos da vida dos alunos, introduzir o que

as escolas disponibilizam, conhecendo ativamente as políticas, práticas das

escolas e trabalhando de maneira ética o que é oferecido nas instituições.

A sugestão de Comber (2006) é que alunos e professores iniciantes

precisam de muitos recursos teóricos sobre pedagogia, aprendizagem, cultura

e oportunidades para desenvolver uma identidade profissional associada a

repertórios de práticas sociais, que sejam constantemente revisadas.

Os estudos de Comber (2006) indicam o quão complexo é se referir ao

letramento acadêmico, posto que diferentes práticas sociais são necessárias

para que ocorra uma formação de qualidade aos educandos. A interação

constante entre os participantes, sejam professores, alunos ou outros

profissionais, no contexto acadêmico, mostra-se como ponto decisivo para a

constituição de sujeitos letrados que se querem críticos, reflexivos e

autônomos.

É acreditando no poder da interação que Amorim (2002) defende que os

sujeitos fazem emergir vozes que provêm de diferentes situações e de

diferentes concepções de professores, uma vez que foram institucionalizados

em diferentes períodos de formação. Assinala, dessa forma, que a teoria das

vozes constitui, para ela, "um sistema de categorias de análise com o qual se

torna possível uma leitura crítica dos textos em Ciências Humanas". É com

apoio em Amorim (2002) que se quer melhor compreender o lugar dos outros

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presentes nas falas dos alunos, do objeto, um já falado, e do próprio sujeito

que fala sobre si e sobre sua formação letrada, na condição de futuro

profissional

Como afirma Gee (1999), estudos realizados na Grã-Bretanha indicam

que o sucesso de sujeitos em fase escolar está relacionado diretamente com a

classe social deles e com a preparação para o letramento no período anterior à

entrada na escola. As experiências trazidas de casa e da comunidade local

são decisivas para consolidar as diferenças de classe social. As habilidades

desenvolvidas em práticas letradas no meio familiar são a base para o sucesso

escolar, pois muitas delas são constituídas por habilidades requeridas pela

escola. Esse contato prévio pode facilitar a inserção dos alunos no meio

escolar/acadêmico, a tomada de decisão e as ações contínuas, como também

a falta desse contato pode excluir, mais rapidamente, a tentativa de os alunos

se fazerem presentes nesse meio.

Portanto, os sentidos atribuídos ao ler, ao escrever, às práticas letradas,

comprovam ser regulados pelos contextos sociais (Gee, 1999) em que os

alunos se inseriram. Com apoio de alguns desses indícios, antes do ingresso

no Ensino Superior, acredita-se ser mais contextualizado e significativo

analisar outros aspectos do letramento acadêmico em contexto universitário.

É vigente a concepção do escrever bem como escrever gramaticalmente

correto. O uso da língua, em contextos socialmente situados (Gee, 1999), ou a

dimensão comunicativa e as competências no âmbito oral e escrito, segundo

Dionísio et al. (2005), não se mostram como focos de preocupação ou mesmo

de compreensão por parte dos alunos. Uma voz institucional, prescritiva e

autoritária, que indica a gramática normativa e suas regras, como o caminho

único e certo para se aprender uma língua, parecem dimensionar as falas e

expectativas dos alunos de qualquer carreira.

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Esse pensamento reforça as abordagens de Comber (2006): o trabalho

de ensinar, desde a formação inicial dos professores, engloba vários aspectos

tais como o pedagógico, o discursivo, o relacional e o institucional. Esses

aspectos necessitam ser explicitados aos alunos, para que melhor conduzam

suas práticas de aprendizagem. Incluem, neste caso, os conhecimentos da e

sobre a gramática, mas não podem simbolizar, o lugar central de estudo no

que concerne ao letramento. A esse respeito, Comber (2006) defende que o

essencial é "possibilitar ao aluno um trabalho significante de identidade, ao

mesmo tempo em que permite a ele adquirir novos repertórios de práticas

letradas." Logo, mais significativo que apenas repetir ou reproduzir discursos

metalinguísticos seria oportunizar aos alunos assumirem o papel de indivíduos

letrados, em práticas significativas ao seu contexto escolar. Assim,

oportunizariam maior credibilidade e segurança na função profissional em

construção.

Os alunos universitários têm a consciência de que falam e escrevem

mal. Essa tensão, desencadeada nos alunos, indica uma constituição letrada

em conflito. Motivo que explica esse cenário parcial de desencontros, entre

anseios dos alunos e procedimentos pedagógicos em qualquer curso, é a não-

inserção dos alunos em práticas significativas, capazes de desenvolver nelas

identidades socialmente situadas (Gee, 2001). Corroborando esse dado, Freire

(1991) já esclarecia "a gente se faz educador, a gente se forma como

educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática".

Os modos culturais de uso da língua (Barton e Hamilton, 2000)

certamente muito encaminham os pensamentos dos alunos universitários.

Vários fatores sociais mostram ser constitutivos das ações, percepções e

juízos de valor dos alunos. Um exemplo corrente é a legitimação dos textos

literários, com destaque para os livros, como instrumentos de leitura.

Outro fator decisivo é a ocorrência de eventos de letramento, em

contextos escolares/acadêmicos, marcados por exigências avaliativas,

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institucionais, havendo um apagamento de funções sociais de uso e

funcionamento dos textos. As críticas a essas exigências ficam mais evidentes

quando se defrontam com as cobranças da profissão, do ser professor. Nesse

sentido, os conhecimentos sobre/de leitura e produção escrita no contexto

universitário passam a ser contestados. É a voz da profissão sobressaindo-se:

eis outro fator determinante para que o letramento acadêmico seja mais bem

avaliado em alguns aspectos. Ficam as evidências na tentativa de provocar

mudanças, de construir outros sentidos às práticas letradas no meio

acadêmico brasileiro.

3.3 Letramento Crítico na Docência do Ensino Superior

Freire (2001), ao nos dizer que “a leitura do mundo precede a leitura da

palavra”, revela que muito antes de aprender a ler o texto, a pessoa já faz

leitura do contexto em que vive. Essa premissa básica freireana nos remete a

pensar num processo de formação de professores que vise à leitura de mundo

e a sua tomada de consciência, possibilitadas pelo processo de letramento

crítico para a docência. O termo letramento precisa, no entanto, ser

ressignificado e, ao mesmo tempo, transportado para o processo de formação

de professores, visto que esse processo, conforme já descrito anteriormente,

compreende aprendizagens específicas para o exercício da docência,

ultrapassando uma simples alfabetização relativa às competências e

habilidades necessárias para o exercício profissional.

Entre outras coisas, o letramento reivindica, do futuro professor, uma

leitura crítica do fenômeno educacional, no mesmo sentido atribuído por Freire

(2001), ao apontar só ser possível a leitura crítica de um texto quando há

compreensão das relações que existem entre o texto e o contexto. O

letramento implica, ainda, um comprometimento do professor com uma

educação emancipadora de seus alunos.

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Discussões acadêmicas sobre processos de formação de professores

acabam por culminar em mudanças nos cursos de formação de professores

em todo país, as quais, por exigências legais, são contempladas em

documentos oficiais como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996,

as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação de Professores,

as DCNs de cada curso, entre outros. Ao analisar as DCNs com base em um

letramento crítico para a docência, é possível destacar o ponto central que

relaciona a qualidade da formação a um currículo centrado em competências

que, por sua vez, também norteiam as reformulações dos Projetos

Pedagógicos, conforme nos apontam Dias e Lopes (2003).

Uma vez que a competência é acentuada no processo de formação

docente, entende-se ser necessário analisar como tal conceito é interpretado e

o quanto ele se aproxima, ou se distancia, de nossa compreensão sobre o

letramento crítico para a docência. Em alguns documentos oficiais como, por

exemplo, os referenciais para a Formação de Professores (BRASIL, 2002b),

pode-se testemunhar uma compreensão e interpretação que estão, ainda,

aquém do que consideramos um letramento crítico para a docência, revelado

no trecho “capacidade de mobilizar múltiplos recursos, entre os quais os

conhecimentos teóricos e experimentais da vida profissional e pessoal, para

responder às diferentes demandas das situações de trabalho”. (p. 30)

O enunciado enfatiza somente a dimensão funcional e não contempla a

dimensão crítica necessária para que não se consolide, quadros de

permanência de uma ordem estabelecida, principalmente no que se refere à

precariedade da educação que é proposta aos estudantes. O sentido de

letramento crítico para a docência volta-se para o desenvolvimento da

capacidade de o professor utilizar os seus saberes (social, profissional,

pessoal, intelectual) nas demandas de sua docência e da sua vida pessoal ,

mobilizando suas competências e refletindo sobre sua atuação profissional

numa tomada de consciência, a fim de que não se mantenham quadros de

exclusão social, reforçados por uma educação que não atende ao

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desenvolvimento da cidadania. Esse letramento se refere às habilidades e

competências docentes necessárias para atuar na realidade educacional

transformando-a, de modo a configurar quadros de combate ao fracasso e à

exclusão.

Há de se considerar que o letramento ultrapassa a dimensão da

funcionalidade, isto é, contempla o uso das competências e habilidades

adquiridas para a atuação profissional como professor, em qualquer área de

ensino, o que pressupõe capacidade de garantir a aprendizagem de sua

disciplina pelos alunos.

A dimensão crítica significa a capacidade de transformação e de

revelação do quadro de fracasso da aprendizagem que se revela em nosso

país e, também, uma ação pedagógica com a educação em geral que

possibilite aos alunos uma atuação transformadora no mundo em vivem.

As questões que se referem aos formadores de formadores também

deverão ser apontadas, pois são constitutivas de um letramento crítico para a

docência do Ensino Superior. Partimos do pressuposto de que as experiências

escolares, incluindo-se aí aquelas vivenciadas durante a formação profissional

desses futuros professores, contribuem, de forma significativa, para a

construção de suas práticas docentes e podem influenciar, negativamente,

esse letramento crítico.

Os saberes disciplinares que são ensinados nos cursos de Licenciatura,

nas diversas graduações, ao serem analisados em relação a esse formador de

formador, explicitam os resultados do ensino de conteúdos na formação dos

licenciados e, também, as relações desses conteúdos com os saberes

pedagógicos que são ligados diretamente à atuação profissional e à orientação

para a prática do docente. Para isso, precisamos apreender como esses

saberes são trabalhados no curso, em qual(is) disciplina(s), se existe essa

discussão e se, da forma como são trabalhados, possibilitam a transposição

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didática, na medida em que “os saberes pedagógicos podem colaborar com a

prática, sobretudo se forem mobilizados a partir dos problemas que a prática

coloca”. (PIMENTA, 2000).

A cultura formativa produzida na Universidade relaciona-se diretamente

com as formas de investimento na profissão e com os alunos de Licenciatura

em qualquer especialidade no sentido de levá-los a não se sentirem

professores de determinada disciplina, mas sim “um especialista que ensina

aquela especialidade”. Consolida-se uma controvérsia, visto que os cursos de

licenciatura são obrigados e organizados para promover diferentes práticas

formativas, que possibilitem aos licenciandos a construção de saberes da

docência e o seu decorrente desenvolvimento profissional.

Quando isso não acontece nos cursos de Licenciatura em geral, apesar

das reformas curriculares, os alunos ficam com a impressão de que basta uma

densa formação teórica, que permita o domínio dos saberes disciplinares, para

assumir a docência com segurança. Essas reflexões apontam para a

necessidade da aproximação da carreira acadêmica com a carreira escolar.

Isso significa a transformação dos objetos de saber em objetos de ensino, no

sentido de buscar a adequada relação entre os conteúdos da carreira e a

realidade, de romper com a dissociação existente entre teoria e prática quando

os conteúdos – e, inclusive, os próprios saberes pedagógicos – são

trabalhados de forma diferenciada da realidade escolar. essa distância entre

teoria e prática, se permanecer, dificulta o processo formativo dos alunos,

comprometendo o letramento crítico para a docência; e quando eles

assumirem a sala de aula, se depararão com várias dificuldades,

principalmente de transpor os conceitos básicos de sua disciplina para a

realidade, de modo a torna-los mais significativos para os alunos.

Tudo isso coloca em foco a necessidade da busca da identidade nos

cursos de formação de professores, a ser construída com base em elementos

constitutivos do processo de construção do letramento crítico para a docência,

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tais como: vinculação da formação acadêmica com a prática profissional,

práticas formativas que possibilitem a valorização permanente dos saberes da

docência (disciplinares e pedagógicas), conhecimento didático-pedagógico dos

conteúdos a serem ensinados e a realização de práticas investigativas que

possibilitem a articulação entre teoria e prática. O principal objetivo das

práticas pedagógicas é o de para que o futuro professor desenvolva a

habilidade de refletir sobre a organização do trabalho pedagógico da escola,

problematizando-o, compreendendo-o e sistematizando projetos de

intervenção voltados para a superação de dificuldades e conflitos, e para as

transformações necessárias.

É importante ressaltar que o estágio supervisionado, apesar de ser

entendido como um momento de integração entre teoria e prática, não é o

único. Teoria e prática, ao serem considerados como eixos articuladores do

currículo de formação do educador, refletir-se-ão na definição dos objetivos do

curso, na eleição dos conteúdos da formação, na criação de diferentes tempos

e espaços de vivência para os alunos licenciandos, na dinâmica de sala de

aula, na análise e interpretação dos textos que serão propostos e no processo

de avaliação. É o que defendemos para a formação dos licenciandos em

qualquer disciplina, na perspectiva de letramento para a docência no Ensino

Superior, e isso implicará práticas formativas que trabalhem de forma dialética

as relações existentes entre os saberes disciplinares, os saberes pedagógicos

e a transposição didática, que resultará no desenvolvimento da identidade

profissional.

De modo geral, as licenciaturas precisam construir sua identidade, sua

marca e o diferencial que deverá ser compreendido com a devida clareza por

parte dos formadores. As rupturas necessárias, oriundas tanto de um

processo de escolarização, como do processo de formação profissional, não

acontecem e, por esse motivo, abrem espaço para que as práticas

hegemônicas se perpetuem. Além disso, a condução do processo de ensino

pelos diferentes profissionais se consolida de forma equivocada e conflitante.

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As identidades dos cursos ficam comprometidas, as identidades dos

profissionais que atuam nos cursos se confrontam (tanto dos professores como

dos alunos), as parcerias necessárias não se consolidam (no caso, entre a

escola e a universidade), a pesquisa não se volta para o ensino (metodologias,

aprendizagens, avaliação, etc.) e a dicotomia teoria/ prática se perpetua. Isso

nos coloca a questão de que a Licenciatura envolve uma forte base

epistemológica, psicológica, sociociocultural, de modo a refletir-se na

metodologia de ensino e de aprendizagem.

Não basta uma distribuição ou um rol de disciplinas. Deve haver

também, por parte dos professores (os formadores de formadores), uma

conscientização quanto às formas de desenvolvimento do curso e as formas

de articulação entre as disciplinas, que determinarão a competência técnica, e

as da área da educação, que determinarão as competências para a atuação

com a realidade escolar sobre o letramento. Sobretudo, faz-se necessária a

identificação dos objetos específicos da área de educação que ainda não se

consolidou como área de conhecimento (pelos menos institucional e

formalmente), mas que emerge em virtude de suas especificidades que não

são nem da área da específica e nem da área da educação.

Esse consenso vai exigir enorme esforço de natureza pessoal, visto que

confrontará com um processo de formação arraigado, impregnado de

concepções, e que tem que ser compreendido como inadequado para partir

em busca de superação e promover as rupturas.

O que podemos afirmar, provisoriamente, é a necessidade de um

professor que ensine letrando de modo comprometido com a formação

específica de seus alunos.

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CONCLUSÃO

A Escola, constituindo um instrumento social para formar

diferentes manifestações intelectuais, tem a responsabilidade de proporcionar

ao aluno uma relação individual com o conhecimento, pois para que o mesmo

possua efeito educacional precisa ser, sobretudo subjetivamente significativo.

As Universidades, tal como se encontram hoje, têm funcionado

no sentido inverso, em uma relação de imposição de verdades por parte

daqueles que ensinam, contribuindo, cada vez mais, para perpetuação das

desigualdades sociais, resultantes de um modelo teórico que, por ser muito

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restrito, impede que o professor entre em diálogo com as realidades múltiplas

do aluno, relativamente à questão de produção e leitura do texto.

Imersa em sua cultura – ambiente, a escola é, por ela, penetrada,

não podendo, por isso, colocar-se à margem dos dinamismos sócio-culturais,

sob pena de se condenar à inércia e à defasagem histórica.

Destarte, as novas tecnologias da informação, mais do que

recursos a que importa apelar significam, para a educação universitária,

especialmente, para o trabalho em sala de aula, desafios outros que se

imprimem às distintas articulações de linguagens, ao mundo, à sociedade, à

cultura e às identidades sociais e singularizadas .

O processo de letramento, ultrapassando os limites da

Alfabetização, leva em conta o entorno sócio-cultural do aluno, o cotidiano, sua

oralidade, visando desenvolver a autonomia, a capacidade de construir e

gerenciar o seu próprio conhecimento.

O eixo da aprendizagem, nesta perspectiva, desloca-se do

produto final da leitura para se situar no fazer pedagógico, no constituir da

construção das ações e relações entre as pessoas e os textos e entre as

pessoas entre si.

Portanto, uma concepção desejável de letramento deve

necessariamente dirigir-se à formação de um leitor construtor de significados

legítimos por si mesmos , que seja capaz de proporcionar transformações no

ambiente sócio-histórico em que vive, proporcionando um movimento de

transformação interna, devolvendo-lhe a auto-estima e a possibilidade de

autonomia

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Coloca-se a leitura como um espaço propício para interlocuções

entre o texto e um leitor não passivo e silente, mas como um sujeito ativo que

interage com o texto, instituindo uma prática social de leitura.

Essa condição exige que se considere a fala da comunidade em

que se insere a prática docente. É uma forma de resistência às práticas

instituídas que reduzem as experiências de linguagem de um grupo à versão

de porta-vozes não autorizados pelo mesmo. Ressignifica a prática docente,

atribuindo a qualquer professor universitário o papel de mediador na

construção de sujeitos leitores, socializando as relações entre os fenômenos

da linguagem, da escola e da sociedade.

O novo paradigma traz conseqüências imediatas para a

concepção dos objetivos da prática letradora. A legitimação da língua oral e as

suas condições sociais de construção alertaram os professores para o fato de

que o emprego da língua escrita demandava o domínio de um conjunto de

regras pragmáticas que estavam muito além da língua legitimada pela cultura

do educando.

No processo de Letramento, os atos de codificação e

decodificação, cedem lugar a um compromisso de desenvolver as capacidades

básicas de expressão, tendo em vista a socialização do educando. No

processo de ensino mecanicista, não há nenhum compromisso do educador

em legitimar a língua oral, restando ao educando substituir a própria língua

pela língua legitimada pelo poder hegemônico.

O processo de Letramento transcende o aprendizado mecânico

do código, cria uma perspectiva de futuro, pois considera o papel da língua

como instrumento de inserção social. Legitima socialmente a língua oral e as

demais formas de comunicação.

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A contextualização, hoje, é vital para o processo de

desenvolvimento . A língua falada e escrita constitui um ponto de convergência

de um mundo plural, pois é através dela que o aluno passará do modo

narrativo para o lógico-científico.

Dentro dessa visão construtivista, é necessário reinstrumentalizar

o educador, desconstruir a perspectiva da verdade definitiva, modelizante.

Nesse contexto, o Letramento é a via de construção na perspectiva da

reinserção social.

O desafio que se impõe ao Ensino Superior é a ruptura com o

paradigma neoliberal, universalizante, responsável pela exclusão social. O

reconhecimento da complexidade cultural e a compreensão das contradições

sociais de nosso povo, provoca o educador no sentido de mediar o diálogo

entre o seu aluno e tal universo: aberto, conflituoso e, parcialmente,

indeterminado.

Diante do exposto, percebe-se que tudo que já foi feito ainda é pouco e

que muita teoria e discussão não foram suficientes para mudar as estatísticas.

Mister se faz conscientizar o professor letrador, pois somente quando ele tiver

consciência da importância de seu papel, na formação do educando em seu

exercício das práticas sociais de leitura e escrita na sociedade em que vive, é

que vai romper com paradigmas tradicionais e perceber que não basta ensinar

sua disciplina.

Enquanto não houver uma ação significativa, um investimento na

formação do professor, as estatísticas continuarão gritando e retratando o que

encontramos em nossas escolas: alunos que chegam às Universidades sem

estarem letrados, e professores descomprometidos por falta de formação, de

conhecimento e de valorização.

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Se quisermos propiciar a construção de conhecimentos dos

educandos precisamos analisar, pensar, escolher novas situações problemas

não só para desafiá-las, mas para inferir cada vez mais sobre seu processo de

construção de conhecimento.

Os desafios que se colocam dos primeiros anos da educação

fundamental até os últimos do ensino universitário são os de conciliar esses

dois processos (ensino especializado e letramento), assegurando aos alunos a

apropriação do sistema alfabético-ortográfico e condições possibilitadoras do

uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Não se trata de escolher

entre graduar ou letrar; trata-se de graduar letrando.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

2

AGRADECIMENTO

3

EPÍGRAFE 4

DEDICATÓRIA 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

CONCEITOS, DEFINIÇÕES E ENTENDIMENTOS

1.1 – O Que é Letramento? 12

1.2 – Letramento e Alfabetização

18

1.3 – Letramento: Avaliações e Medições 33

CAPÍTULO II

LEITURA E ESCRITA NAS UNIVERSIDADES

2.1 - Formação de Leitores Proficientes 44

2.2 - Modelo Interativo de Leitura e suas Implicações Pedagógicas 50

2.3 - Política de Leitura no Ensino Superior 55

2.4 - Produção Escrita no Ensino Superior 59

CAPÍTULO III

LETRAMENTO ACADÊMICO

3.1 - Produção e Recepção do Letramento nas Universidades 66

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3.2 - Letramento e Práticas Sociais 73

3.3 - Letramento Crítico na Docência do Ensino Superior 83

CONCLUSÃO 90

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 94

ÍNDICE 100

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO (INSTITUTO A

VEZ DO MESTRE)

Título da Monografia: OS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR COMO

AGENTES DE LETRAMENTO

Autor: LUIZ ANTONIO COSTA TARCITANO

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: