as cinzas de Ângela - frank mccourt

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quando o pai traz para casa o dinheiro da primeira semana de trabalho numa sexta-feira noite, sabemos que o fim-de-semana vai ser maravilhoso. (...) nas noites assim, podemos deixar-nos embalar no sono, pois sabemos que ao pequeno-almo o vamos comer ovos, tomates fritos e p o frito e beber ch com montes de a car e leite e, mais tarde, vamos �� ter um grande jantar com pur de batata, ervilhas e presunto e um bolo que a m e faz com camadas de fruta e um creme delicioso, e depois embebido em xerez. nas outras noi tes, nas noites tr gicas, geladas, visitadas pelo espectro da fome e arquejantes, sacudidas pela viol ncia da tuber culose, frank conhece, na intimidade, a impiedade da mis ria. cresce nos bairros pobres, apinhados, de lime rick, na irlanda dos anos 40, desesperada, exangue pela guerra civil, carente de sustento material e intelectual; cresce merc da crueldade, da insensatez, do adorme cimento negligente que transforma cada dia de um quo tidiano dram tico numa cruzada contra a morte. eviden ciando uma coragem not vel, frank mccourt revisita a crian a que foi com uma vitalidade contagiante, e a sua voz l rica, plena de uma energia rara, de musicalidade, de humor, profere as suas mem rias numa prosa impetuosa, pict rica, sagaz, com a gra a narrativa dos grandes roman ces. uma obra que comove e deslumbra pela sua beleza viva e sombria, pela sensibilidade que supera o sofrimento e o rancor e os transmuta em mat ria-prima de uma nar rativa sobre o amor e o crescimento. *as cinzas de angela* recebeu o pr mio pulitzer de 1997, o national book award e o los angeles times award. este livro dedicado aos meus irm os, malachy, michael, alphonsus. abrendo convosco, admiro-vos e amo-vos. agradecimentos estas palavras s o um hino de exalta o s mulheres. �� lisa schwarzbaum leu as primeiras p ginas e encorajou-me. mary breasted smyth, ela pr pria uma romancista de fino recorte, leu o primeiro ter o do livro e passou-o a molly friedrich, que se tornou minha agente e achou que nan graham, chefe de edi o da scribner era a pessoa ideal para p r o �� livro a andar. e tinha raz o. a minha filha maggie mostrou-me como a vida pode ser uma aventura extraordin ria, assim como os momentos nicos que passei com a minha neta, chiara, me ajudaram a relembrar a

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Page 1: As Cinzas de Ângela - Frank Mccourt

quando o pai traz para casa o dinheiro da primeira semana�de trabalho numa sexta-feira noite, sabemos que o�fim-de-semana vai ser maravilhoso. (...) nas noites assim,podemos deixar-nos embalar no sono, pois sabemos que aopequeno-almo o vamos comer ovos, tomates fritos e p o frito e� �beber ch com montes de a car e leite e, mais tarde, vamos� ��ter um grande jantar com pur de batata, ervilhas e presunto e�um bolo que a m e faz com camadas de fruta e um creme�delicioso, e depois embebido em xerez. nas outras noi tes,� �nas noites tr gicas, geladas, visitadas pelo espectro da fome�e arquejantes, sacudidas pela viol ncia da tuber culose, frank� �conhece, na intimidade, a impiedade da mis ria. cresce nos�bairros pobres, apinhados, de lime rick, na irlanda dos anos�40, desesperada, exangue pela guerra civil, carente desustento material e intelectual; cresce merc da crueldade,� �da insensatez, do adorme cimento negligente que transforma�cada dia de um quo tidiano dram tico numa cruzada contra a� �morte. eviden ciando uma coragem not vel, frank mccourt� �revisita a crian a que foi com uma vitalidade contagiante, e a�sua voz l rica, plena de uma energia rara, de musicalidade, de�humor, profere as suas mem rias numa prosa impetuosa,�pict rica, sagaz, com a gra a narrativa dos grandes roman ces.� � �uma obra que comove e deslumbra pela sua beleza viva esombria, pela sensibilidade que supera o sofrimento e o rancore os transmuta em mat ria-prima de uma nar rativa sobre o amor� �e o crescimento. *as cinzas de angela* recebeu o pr mio�pulitzer de 1997, o national book award e o los angeles timesaward.

este livro dedicado aos� meus irm os,�malachy, michael, alphonsus.abrendo convosco, admiro-vos e amo-vos.

agradecimentos

estas palavras s o um hino de exalta o s mulheres.� �� � lisa schwarzbaum leu as primeiras p ginas e encorajou-me.�mary breasted smyth, ela pr pria uma romancista de fino�recorte, leu o primeiro ter o do livro e passou-o a molly�friedrich, que se tornou minha agente e achou que nan graham,chefe de edi o da scribner era a pessoa ideal para p r o�� �livro a andar. e tinha raz o.� a minha filha maggie mostrou-me como a vida pode ser umaaventura extraordin ria, assim como os momentos nicos que� �passei com a minha neta, chiara, me ajudaram a relembrar a

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maravilha que uma crian a ainda pequena. a minha mulher,� �ellen, ouviu-me enquanto eu lia em voz alta e deu-me alento daprimeira ltima p gina.� � � sou bendito entre os homens.

:as cinzas de angela

i

o meu pai e a minha m e deviam ter ficado em nova iorque,�onde se conheceram e casaram, e onde eu nasci. mas, em vezdisso, volta ram para a irlanda quando eu tinha quatro anos, o�meu irm o mala chy tr s, os g meos oliver e eugene ainda n o� � � � �tinham um e a minha irm Margaret j tinha morrido.� � quando penso na minha inf ncia, pergunto a mim pr prio como� �consegui sobreviver. claro que foi uma inf ncia infeliz: se� �tivesse sido feliz, dificilmente teria valido a pena. pior doque qualquer vulgar inf ncia infeliz a inf ncia infeliz de� � �uma crian a irlandesa, e, pior ainda, de uma crian a irlandesa� �e cat lica.� em toda a parte, h pessoas a vangloriarem-se ou a�lastimarem as atribula es dos primeiros anos das suas vidas,��mas n o h nada que possa comparar-se vers o irlandesa: a� � � �pobreza; o pai alco lico, indo lente e loquaz; a m e, piedosa� � �e vencida, a lamuriar-se junto chami n ; padres cheios de� � �pompa; professores ferozes; os ingleses e as coisas terr veis�que nos fizeram durante oitocentos longos anos. e, para c mulo, a chuva.� ao longe, sobre o oceano atl ntico, acumulavam-se grandes�nu vens, que deslizavam lentamente, subindo o rio shannon,�imobilizan do-se para sempre sobre limerick. a chuva�impregnava a cidade desde a festa da circuncis o at v spera� � � �de ano novo. provocava uma cacofonia de tosses secas, pieirasnos br nquios, arquejos asm ti cos, e roncos da tuberculose.� � �transformava os narizes em fontes e os pulm es em esponjas de�bact rias. dava origem a um sem-fim de mezinhas. para aliviar�o catarro, coziam-se cebolas em leite com muita pimenta; paraas vias congestionadas, fazia-se uma pasta com farinha cozidae urtigas, embrulhava-se com um trapo e atirava-se sobre opeito, onde ficava a fritar. de outubro a abril, as paredes de limerick reluziam com ahumidade. a roupa nunca secava: os casacos de fazenda e de l�eram habitados por seres vivos; s vezes irrompiam deles�vegeta es misteriosas. nos bares, os corpos e as roupas��h midas exalavam vapor que era inalado juntamente com o fumo�dos cigarros e dos cachim bos, por entre os gases bafientos da�cerveja e do u sque entornados, e adulterado pelo cheiro a�mijo que entrava em baforadas, vindo dos urin is no exterior,�

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onde muitos homens vomitavam o sal rio da semana.� a chuva empurrava-nos para a igreja -- era o nosso ref gio,�a nossa for a e o nico lugar seco. amonto vamo-nos na missa,� � �na b n o, nas novenas, em grandes magotes encharcados, a� ��dormitar ao som monoc rdico do padre, com o vapor de novo a�sair das nossas roupas e a misturar-se com a do ura do�incenso, das flores e das velas. limerick ganhou fama pela sua religiosidade, mas n s bem�sab a mos que era tudo por causa da chuva.� �

o meu pai, malachy mccourt, nasceu numa quinta em toome,no condado de antrim. tal como o seu pai, levou uma vidaviolenta, sempre em conflito com os ingleses, ou com osirlandeses, ou com ambos. lutou ao lado do antigo ira e,por um acto de desespero qualquer, acabou como fugitivo e coma cabe a a pr mio.� � quando eu era crian a, costumava olhar para o meu pai, para�o seu cabelo fraco, a sua falta de dentes e perguntava a mimpr prio porque havia algu m de pagar um pr mio por uma cabe a� � � �daquelas. quando tinha treze anos, a minha m e contou-me um�segredo: quando o teu pai ainda era pequenino, deixaram-nocair de cabe a. foi um aciden te, mas ele nunca mais voltou a� �ser o mesmo. nunca te esque as que as pessoas que caem de�cabe a podem ficar um bocado estranhas.� por causa do pr mio que ofereciam pela sua cabe a -- com� �que tinha batido no ch o -- teve de sair da irlanda, num navio�de carga que apanhou em galway. chegado a nova iorque, empleno auge da lei seca, pensou que tinha morrido e que estavano inferno a pagar os seus pecados. depois descobriu astabernas clandestinas e rejubilou. depois de muito vaguear e muito beber na am rica e na�inglater ra, ansiava por viver em paz os anos que lhe�restavam. voltou a belfast, que explodia sua volta. dizia,�v o para o diabo que vos carregue, e entretinha-se a conversar�com as senhoras de andersons town. elas tentavam-no com�acepipes, mas ele corria com elas e bebia o seu ch . j n o� � �fumava nem bebia, de que servia estar ali? estava na altura departir, e morreu no royal victoria hospital. a minha m e, cujo nome de solteira era angela sheehan,�cresceu num bairro pobre de limerick com a m e, dois irm os,� �thomas e patrick, e uma irm , agnes. n o conheceu o pai que� �tinha fugido para a austr lia umas semanas antes de ela�nascer. depois de uma noite a beber cerveja pelos bares delimerick, desce a rua aos trope es, a cantar a sua can o�� ��favorita:

*quem que estragou o guisado de sra. murply? �ningu m falou e ele gritou ainda mais alto�sei que ama piada suja irlandesa �mas eu vou dar cabo do tipo que estragou o guisado da murphy*.

sente-se em grande forma e pensa que ainda vai brincar umbocado com o patrick, o seu filho de um ano. um mi do� �encantador. adora o pai. ri-se quando o pai o atira ao ar.olha o paddy que vai ao ar, olha o paddy que vai ao ar, masest escuro, t o escuro, meu deus, n o consegue agarrar a� � �

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crian a, quando vem a descer e o pobre do patrick aterra de�cabe a no ch o, espuma um pouco, choraminga e fica quieto. a� �minha av levanta-se da cama, pesada por causa da crian a que� �tem na barriga, a minha m e. a muito custo, levanta o patrick�do ch o. entoa um longo lamento sobre a crian a e vira-se para� �o meu av . Vai-te embora. rua. se ficares aqui nem que seja�mais um minuto, dou-te com o machado, b bado doido. juro por�deus, que hei-de ir parar forca por tua causa. rua.� o meu av , como homem que , fica no mesmo s tio. tenho o� � �direito de ficar na minha casa, diz ele. ela corre para ele, e ele fraqueja em frente daquela loucaque se precipita sobre ele, com uma crian a ferida nos bra os� �e uma saud vel a mexer-se dentro dela. sai de casa aos�trope es, sobe a rua e s p ra em melbourne, na austr lia.�� � � � o pequeno pat, o meu tio, nunca mais foi o mesmo. ficou comqualquer coisa na cabe a e com a perna esquerda a ir para um�lado, enquanto a outra ia para outro. nunca aprendeu a ler nema escrever, mas deus deu-lhe outro dom. quando come ou a�vender jornais, aos oito anos, sabia contar dinheiro melhor doque o pr prio ministro das�finan as. nunca ningu m soube porque lhe chamavam ab sheehan,� �*o abade*, mas toda a gente em limerick gostava dele. as afli es da minha m e come aram na noite em que nasceu.�� � �a minha av est deitada, a gritar e a arfar com as dores do� �parto, a rezar a s. gerard majella, padroeiro das futurasm es. est l a enfer meira o.halloran, a parteira, toda� � � �aperaltada. v spera de ano novo e a sra. o.halloran est� � �ansiosa por que aquela crian a nas a para� � poder ir festejar. diz minha av : Faz for a, v , for a.� � � � �jesus, maria e jos , se n o te despachas com esta crian a, s� � � �nasce no ano novo e l se vai vida o meu vestido novo. deixa� �l S. gerard majella. o que que um homem pode fazer por uma� �mulher numa altura destas, mesmo sendo santo? s. gerardmajella uma ova. a minha av muda as ora es para santa anna, padrocira dos� ��partos dif ceis. mas a crian a n o nasce. a enfermeira� � �o.halloran diz minha av , Reza a s o judas, padroeiro dos� � �casos desesperados. s o judas, padroeiro dos casos desesperados, ajudai-me.�estou desesperada. geme e faz for a e a cabe a do beb� � �aparece, s a cabe a, a minha m e, ouvem-se as badaladas da� � �meia-noite, Ano novo. a cidade de limerick irrompe em�apitos, cornetas, sirenes, bandas, pessoas a gritarem felizano novo e a cantarem o *should auld acquaintance be forgot*e por toda a parte se ouvem sinos a tocar o angelus. aenfermeira o.halloran chora o desperd cio do vesti do, essa� �crian a ainda a dentro e eu toda aperaltada. sais da ou n o?� � � �a minha av faz um ltimo esfor o e a crian a vem ao mun do,� � � � �uma linda menina de cabelo preto encaracolado e uns olhosazuis tristes. ah!, deus que estais no c u, diz a enfermeira o.halloran,�esta crian a est escarranchada no tempo, a cabe a nasceu no� � �ano novo e o cu no velho ou foi a cabe a que nasceu no ano�velho e o cu no novo. vais ter de escrever ao papa, rapariga,para descobrir em que ano que esta crian a nasceu e, c por� � �mim, este vestido j me fica para o ano que vem.� e puseram crian a o nome de angela por causa do angelus� �que tocou meia-noite pelo ano novo, no preciso minuto em que�

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ela nasceu, e tamb m porque, fosse como fosse, ela era um�anjinho.

*ama-a como na inf ncia, �embora fr gil, velha e grisalha. �pois nunca te faltar o amor de m e � �at que esteja envolta numa mortalha*.�

angela aprendeu a ler, a escrever e a fazer contas naescola de s o vicente de paulo, e aos nove anos acabou-se a�instru o para ela. tentou ser mulher a dias, criada, mesmo��daquelas com um chapeli nho branco que v m porta, mas n o� � � �conseguia comportar-se com a pouca cortesia a que issoobrigava e a m e disse-lhe, n o tens jeito para isso. s uma� � �in til. porque que n o vais para a am rica onde h lugar� � � � �para todos os in teis? eu pago-te a viagem. � chegou a nova iorque precisamente no primeiro dia de ac o��de gra as da grande depress o. conheceu malachy numa festa� �dada por dan macadorey e pela sua mulher, minnie, na classonavenue em brooklyn. malachy gostou de angela, e angela gostoudele. tinha um ar acabrunhado, que era resultado dos tr s�meses que tinha acaba do de passar na cadeia por ter assaltado�um cami o. ele e o amigo, john mcerlaine, acreditaram no que�lhe tinham dito na taberna onde vendiam bebidas clandestinas,que o cami o estava apinhado de cai xas cheias de carne de� �porco e feij o enlatado. nem um nem outro sabiam guiar, e�quando a pol cia viu o cami o aos arrancos e aos solavancos� �pela myrtle avenue obrigou-o a parar. vasculharam o cami o e�ficaram sem perceber por que iria algu m roubar um cami o� �carregado, n o de carne de porco e feij es, mas de caixas de� �bot es.� com a atrac o de angela pelo ar acabrunhado dele e a��solid o de malachy depois de tr s meses na pris o, tinha mesmo� � �que haver um aban o de joelhos.� um aban o de joelhos o acto realizado contra a parede com� �o homem e a mulher em bicos de p s, a esfor arem-se tanto que� �ficam com os joelhos a tremer de tanta excita o.�� por causa do aban o de joelhos, angela ficou no estado�interessan te e, como n o podia deixar de ser, come ou a haver� � �falat rio. angela tinha primas, as irm s macnamara, delia e� �philomena, casadas, res pectivamente, com jimmy fortune do�condado de mayo e tommy flynn de brooklyn. delia e philomena eram mulheres corpulentas, de peitosgrandes, e tesas. quando sulcavam os passeios de brooklyn,criaturas mais fracas desviavam-se, em sinal de respeito. asirm s sabiam o que estava certo e o que estava errado e, se�houvesse alguma d vida, a sagrada igreja una, romana, cat lica� �e apost lica haveria de resol v -la. sabiam que, sem ser� � �casada, angela n o podia estar no estado interessante e iam�tomar medidas. e tomaram medidas. com jimmy e tommy a reboque, marcha ram�em direc o taberna de atlantic avenue, onde era certo�� �encon trarem malachy sexta-feira, dia de pagamento quando� �tinha trabalho. o dono da taberna, joey cacciamani, n o queria�deixar entrar as irm s, mas philomena disse-lhe que, se�quisesse ficar com o nariz na cara e a porta nos gonzos, eramelhor abrir-lhes a porta, porque iam em miss o de deus. joey�respondeu, .t bem, .t bem. voc s as irlandesas. santo deus!� � �

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s sarilhos e mais sarilhos.� � malachy, na outra ponta do balc o, empalideceu, dirigiu s� �mamalhudas um sorriso amarelo e ofereceu-lhes uma bebida. elas resistiram ao sorriso e recusaram a bebida. delia disse,n o sabemos de que esp cie de tribo que tu vens, l do norte� � � �da irlanda. philomena disse, desconfiamos que tens presbiterianos nafam lia, e isso explica o que fizeste nossa prima.� � jimmy disse, ora, ora. se tiver presbiterianos na fam lia,�a culpa n o dele.� � delia respondeu-lhe, tu, bico calado. tommy tinha de meter o bedelho. o que tu fizeste quela�pobre infeliz uma desonra ra a irlandesa. devias ter� � �vergonha. pois, e tenho, disse malachy. e tenho. ningu m te mandou falar, disse philomena. j fizeste� �estragos suficientes com o teu paleio, por isso, cala a boca. e enquanto est s de boca calada, disse a delia, fica�sabendo que viemos aqui para te obrigarmos a fazer o que tensa fazer pela nossa pobre prima, angela sheehan. o malachy disse, pois, muito bem, muito bem. o que tenho afazer o que tenho a fazer, e tenho muito gosto em pagar-vos�uma rodada, enquanto estamos a ter esta conversazinha. mete a rodada no cu, disse tommy. philomena disse, mal a nossa pobre prima sai do barco,atiras-te logo a ela. em limerick h moral, sabes?, moral. n o� �somos como os tresmalhados de antrim, um ninho depresbiterianos. jimmy disse, ele n o tem cara de presbiteriano.� bico calado, disse delia. h outra coisa em que n s repar mos, disse philomena. h� � � �qual quer coisa de estranho em ti.� malachy sorriu. h ?� h , disse delia. acho que foi uma das primeiras coisas em�que repar mos em ti, qualquer coisa de estranho, que nos faz�ficar preo cupadas.� esse risinho trai oeiro de presbiteriano.� � ah, disse malachy, isso por causa do problema que tenho�nos dentes. com dentes ou sem dentes, estranho ou sem ser estranho, ocerto que vais casar com aquela rapariga, disse tommy. podes�ter a certeza que n o te escapas igreja.� � ah, disse malachy, n o estava a pensar em casar. que...� �n o h trabalho e eu n o a posso sustentar...� � � vais casar, sim senhor, disse delia. n o escapas igreja, disse jimmy.� � bico calado, disse delia.

���

malachy ficou a v -los ir embora. estou metido numa alhada,�disse ele a joey cacciamani. podes crer, disse joey. se eu visse aquelas mulheres viremter comigo, atirava-me ao rio hudson. malachy pensou melhor sobre a alhada em que estava metido.tinha uns d lares no bolso do ltimo trabalho que tivera e� �tinha um tio em s o francisco ou num outro s o qualquer da� � � �

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calif rnia. n o seria melhor ir para a calif rnia, para longe� � �das mamalhudas irm s macnamara e dos tristes maridos delas?�de certeza que sim e, para festejar a decis o e a partida, ia�beber mais uma pinga do irland s. joey serviu-o e a bebida ia�arrancando a pele goela de malachy. mesmo irland s! disse� � �a joey que s na lei seca que podia haver uma mistela� �daquelas, sa da do alambique do diabo. joey encolheu os�ombros. eu c n o sei de nada. s sirvo. mesmo assim, era� � �melhor do que nada e malachy ia beber outro e um para ti,joey, e pergunta queles dois italianos, gente de bem, o que � �que eles querem e o que que est s para a a dizer, claro que� � �tenho dinheiro para pagar. acordou num banco na esta o dos caminhos-de-ferro de long��island, com um pol cia a dar-lhe pancadinhas nas botas com um�bast o, sem o dinheiro com que ia fugir e com as irm s� �macnamara em brooklyn, prontas a com -lo vivo.�

na festa de s o jos , num dia frio de mar o, quatro meses� � �depois do aban o de joelhos, malachy casou com angela, e a�crian a nasceu em agosto. em novembro, malachy embebedou-se e�achou que era altura de registar a crian a. pensou em dar-lhe�o nome de malachy, igual ao seu, mas por causa do sotaque donorte da irlanda e da voz entaramelada de b bedo, o�funcion rio percebeu t o mal que registou a crian a apenas com� � �o nome de male. s em finais de dezembro que levaram male Igreja de s o� � � �paulo para ser baptizado e receber o nome de francis, em honrado av paterno e do maravilhoso santo de assis. angela queria�p r-lhe um segundo nome, munchin, em honra do padroeira de�limerick, mas malachy disse que s por cima do seu cad ver.� �nunca um filho seu teria um nome de limerick. a vida j � �dif cil quando se tem s m nome. essa hist ria dos segundos� � �nomes era um abomin vel h bito americano e tamb m n o havia� � � �necessidade de um segundo nome quando se baptizado com o�nome do homem de assis. houve um percal o no dia do baptizado porque john�mcerlaine, que tinha sido escolhido para padrinho,embebedou-se na taberna e esqueceu-se dos compromissos quetinha. philomena disse ao marido, tommy, que tinha de ser eleo padrinho. a alma da crian a est em perigo, disse ela. tommy� �baixou a cabe a e resmungou. est bem. vou ser padrinho, mas� �n o me responsabilizo se, quando ele crescer, for como o pai,�a arranjar sarilhos e com aquela maneira estranha de ser,pois, se assim for, ele que v ter com o john mcerlaine � �taberna. o padre disse, tens raz o, tom, s um tipo s� � �direitas, um homem como deve ser, que nunca p s um p numa� �taberna. malachy, que tinha sa do h pouco tempo da taberna,� �ficou ofendido e quis discutir com o padre, um sacril gio em�cima de outro. tire esse colarinho e vamos l ver quem que � � �homem e quem que n o . teve de ser agarrado pelas� � �mamalhudas e pelos seus tristes maridos. angela, m e h pouco� �tempo, esqueceu-se, na sua agita o, de que tinha a crian a ao�� �colo e deixou-a cair para a pia baptismal, uma imers o total � �maneira presbiteriana. o sacrist o, que estava a coadjuvar o�padre, sacou o beb de dentro da pia e tornou a d -lo a� �angela, que, a solu ar, o aninhou no colo, ficando encharcada.�o padre deu uma gargalhada, disse que nunca tinha visto umacoisa daquelas, que a crian a era um baptista como manda a�

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lei, e quase nem precisava de padre. malachy tornou a ficarenfurecido ao ouvir isto e quis atirar-se ao padre por estar adizer que o beb era um protestante. o padre disse, cale-se,�homem, est na casa do senhor, e quando malachy disse, a casa�do senhor uma merda, foi posto no olho da rua court, porquen o se pode dizer merda na casa do senhor.� depois do baptizado, philomena disse que tinha ch ,�presunto e bolos l em casa, j ao virar do esquina. malachy� �disse, ch ? e ela respondeu, sim, ch , ou queres antes u sque?� � �ele disse que o ch vinha mesmo a calhar, mas que primeiro�tinha de ir ajustar umas contas com john mcerlaine, que n o�tinha tido a dec ncia de cumprir as suas obriga es de� ��padrinho. angela disse, s est s a arranjar uma desculpa para� �te ires meter na taberna, e ele disse, deus minha�testemunha, longe de mim estar a pensar em bebida. angelacome ou a chorar. o dia do baptizado do teu filho e tens de� �ir beber. delia disse-lhe que ele metia nojo, mas que outracoisa n o seria de esperar da irlanda do norte.� malachy olhou ora para uma ora para a outra, apoiando-seora num p ora no outro, puxou o bon para os olhos, enfiou as� �m os nos bolsos e disse, oh, *aye*, da maneira como dizem�nos confins do codando de antrim, deu meia volta e subiu a ruacourt a toda a velocidade em direc o taberna da atlantic�� �avenue, onde tinha a certeza de que iriam oferecer-lhe debeber em honra do baptizado do seu filho. em casa de philomena, as irm s e os maridos comeram e�beberam, enquanto angela ficou sentada a um canto, a embalar obeb e a chorar. philomena, com a boca cheia de p o e� �presunto, ia dizendo a angela, o que ganhas em seres t o� �parva. mal sais do barco, ficas logo de bei o ca do por aquele� �doido. devias ter ficado solteira e dado a crian a para�adop o. hoje eras uma mulher livre. angela come ou a chorar�� �ainda mais, e foi delia que continuou o ataque, p ra com isso,�angela, p ra com isso. n o podes atribuir a ningu m, sen o a� � � �ti pr pria, as culpas pelo sarilho em que te meteste com�aquele b bedo do norte, um homem que nem sequer parece�cat lico, com aquela coisa estranha que tem. c por mim... c� � �por mim... o malachy tem mesmo pinta de presbiteriano.cala-te, jimmy. se fosse a ti, disse philomena, arranjava maneira de n o�ter mais filhos. ele n o tem trabalho, pois n o, nem nunca� �ter , bebendo como bebe. por isso... nada de filhos, angela.�est s a ouvir o que te digo?� estou, philomena.

passado um ano, nasceu outra crian a. angela p s-lhe o nome� �de malachy, como o pai, e um segundo nome, gerard, como oirm o do pai.� as irm s macnamara disseram que angela era uma aut ntica� �coe lha e n o queriam saber mais dela, enquanto n o aprendesse� � �a ter ju zo.� os maridos concordaram.

estou num parque infantil de classon avenue, em brooklyn,com o meu irm o malachy. ele tem dois anos e eu tr s. estamos� �no balanc .� para cima, para baixo, para cima, para baixo. o malachy sobe.

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eu saio. o malachy desce. o balanc bate no ch o. ele d um grito.� � �p e a m o na boca e vem suja de sangue.� � oh!, meu deus. sangue mau sinal. a minha m e vai-me� �matar. a vem ela, tentando atravessar o parque infantil a correr.�a bar riga grande obriga-a a andar mais devagar. � diz, o que que fizeste? o que que fizeste ao menino?� � n o sei o que hei-de dizer. n o sei o que que fiz. � � � ela puxa-me uma orelha. vai para casa. vai para a cama. para a cama? em pleno dia? empurra-me para o port o do parque infantil. vai. � pega no malachy ao colo e afasta-se, bamboleandopesadamente.

���

o amigo do meu pai, o sr. macadorey, est porta da nossa� �casa. est parado na berma do passeio com a sua mulher,�minnie, a olhar para um c o deitado na valeta. volta da� �cabe a do c o est uma po a de sangue. da cor do sangue que� � � � �saiu da boca do malachy. o malachy tem sangue de c o e o c o tem sangue do malachy.� � puxo a m o do sr. macadorey. digo-lhe que o malachy tem�sangue igual ao do c o.� pois tem, francis, pois tem. os gatos tamb m. e os�esquim s. tem tudo sangue igual.� a minnie diz, p ra com isso, dan. n o confundas o mi do. e� � �con ta-lhe que o pobre c o foi atropelado por um carro e� �arrastou-se desde o meio da rua at ali, antes de morrer.�queria vir para casa, coita dinho.�

o sr. macadorey diz, melhor ires para casa, francis. n o� �sei o que que fizeste ao teu irm o, mas a tua m e levou-o ao� � �hospital. vai para casa, filho. o malachy vai morrer como o c o, sr. macadorey?� a minnie diz, ele s trincou a l ngua. n o vai morrer.� � � porque que o c o morreu?� � tinha chegado a hora dele, francis.

a casa est vazia e eu ando do quarto para a cozinha e da�cozinha para o quarto. o meu pai saiu para procurar trabalho ea minha m e est no hospital com o malachy. quem me dera ter� �alguma coisa para comer, mas na geleira s h folhas de couve� �a boiarem no gelo derretido. o meu pai disse para nuncacomermos nada que esteja a boiar na gua porque pode estar�podre. adorme o na cama dos meus pais e quando a minha m e me� �acorda j quase de noite. o teu � �irm o vai dormir um bocadinho. ia ficando sem l ngua. tem� �pontos que nunca mais acabam. vai para o outro quarto. o meu pai est na cozinha a beber ch preto da sua caneca� �branca de esmalte. senta-me no seu colo. pai, contas-me a hist ria do cucu?� cuchulain. v , repete comigo, cu-hu-lin. conto-te a�hist ria quando disseres o nome bem. cu-hu-lin.� eu digo bem e ele conta-me a hist ria de cuchulain, que em�crian a tinha um nome diferente, setanta. cresceu na lrlanda�onde o meu pai vivia quando ainda era menino, no condado de

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antrim. setanta tinha um pau e uma bola e um dia atirou a bolae ela entrou para dentro da boca de um c o enorme, que�pertencia a culain, e o c o morreu sufocado. culain ficou�muito zangado e disse, o que que eu vou fazer sem o meu c o� �grande para guardar a minha casa e a minha mulher e os meusdez filhinhos e todos os meus porcos, galinhas e ovelhas. setanta disse, desculpe. eu guardo a sua casa com o meu paue a minha bola e vou mudar o meu nome para cuchulain, o c o de�culain. e mudou. come ou a guardar a casa e as zonas em volta�e tornou-se um grande her i, o c o do ulster. o meu pai dizia� �que ele era um her i maior do que h rcules ou aquiles, de que� �os gregos estavam sempre a gabar-se, e era bem capaz dearrumar o rei artur e os seus cavaleiros todos num combatehonesto que era coisa que, com um ingl s, claro que nunca se�conseguiria. esta hist ria minha. o meu pai n o pode cont -la ao� � � �malachy nem a nenhuma outra crian a da nossa rua.� acaba a hist ria e deixa-me beber um golo do seu ch . � � �amargo, mas sinto-me feliz, ali no colo dele.

o malachy fica com a l ngua inchada durante v rios dias.� �mal consegue fazer um som, quanto mais falar. mas, mesmo quepudesse, ningu m lhe presta nenhuma aten o porque temos dois� ��beb s novos, que foram trazidos por um anjo a meio da noite.�os vizinhos dizem. oh! ah! que meninos t o lindos! que olhos�t o grandes!� o malachy fica no meio do quarto, de cabe a levantada a�olhar para toda a gente, a apontar para a l ngua e a dizer ag,�ag. quando os vizinhos lhe dizem, n o v s que estamos a dar� �aten o aos teus irm ozinhos?, ele come a a chorar, e s se�� � � �cala quando o pai lhe faz uma festinha na cabe a. mete a�l ngua para dentro, filho, e vai brincar com o frankie. vai.�

no parque infantil, falo ao malachy do c o que morreu na�rua, por lhe terem atirado uma bola para dentro da boca. omalachy abana a cabe a. n o ag bola. carro ag mata c o. chora� � �porque lhe d i a l ngua e custa-lhe a falar, e terr vel� � � �quando n o se consegue falar. n o me deixa empurr -lo no� � �baloi o. diz, ias-me ag matando no ag balanc . pede ao freddie� �leibowitz que o empurre e est feliz, rindo quando o baloi o� �sobe at ao c u. o freddie grande, tem sete anos, e eu� � �pe o-lhe que me empurre. ele diz, n o, tu tentaste matar o teu� �irm o.� tento dar balan o sozinho, mas n o consigo mais do que� �andar um pouco para tr s e para a frente, e fico zangado�porque o freddie e o malachy est o a rir-se por eu n o� �conseguir andar de baloi o. fize ram-se grandes amigos, o� �freddie, de sete anos, e o malachy, de dois. passam os dias arir, e a l ngua do malachy est a ficar melhor com tanto riso.� � quando ele se ri, v em-se os dentinhos muito brancos, e os�olhos a brilhar. tem olhos azuis como a minha m e. tem cabelo�louro e as faces rosadas. eu tenho olhos castanhos como o meupai. tenho cabelo preto e, quando me vejo ao espelho, a minhacara muito branca. a minha m e diz Sra. leibowitz, l ao� � � �fundo do corredor, que o malachy a crian a mais feliz do� �mundo e que o frankie tem uma maneira de ser estranha, como opai. gostava de saber o que que eu tenho de estranho, mas�n o posso perguntar, porque n o devia estar a ouvir.� �

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quem me dera conseguir fazer o baloi o subir at ao c u,� � �at s nuvens. talvez conseguisse voar volta do mundo e� � �deixasse de ouvir os meus irm os oliver e eugene chorarem de�noite. a minha m e diz que eles est o sempre com fome. ela� �tamb m chora de noite. diz que est esgotada de tanto tratar� �deles, tanto limpar e tanto lhes dar de comer e que quatrorapazes de mais para ela. diz que gostava de ter uma menina�s para si. dava tudo para ter uma menina.� estou no parque infantil com o malachy. tenho quatro anos,e ele tem tr s. deixa-me empurr -lo no baloi o, porque n o� � � �sabe dar balan o sozinho e o freddie leibowitz est na escola.� �temos de estar no parque infantil porque os g meos est o a� �dormir e a minha m e diz que est esgotada. v o brincar l� � � �para fora, diz ela, e deixem-me descansar um bocado. o paianda outra vez procura de trabalho e s vezes chega a casa a� �cheirar a u sque e a cantar uma s rie de can es sobre o� � ��sofrimen to da irlanda. a m e zanga-se e diz que quer que a� �irlanda se lixe. ele diz que uma linda maneira de falar em�frente das crian as e ela diz que �n o quer saber da maneira de falar, queria era comida na mesa�em vez do sofrimento da irlanda. maldiz o dia em que a leiseca acabou, porque ele bebe, andando de bar em bar aoferecer-se para varrer o ch o ou carregar barris em troca de�um u sque ou de uma cerveja. s vezes traz para casa restos do� �almo o que lhe d o, p o de centeio, carne de conserva e� � �pickles. p e a comida em cima da mesa e s bebe ch . diz que a� � �comida um choque para o sistema dele e que n o sabe onde � � �que n s arranjamos tanto apetite. a minha m e diz, t m tanto� � �apetite porque passam a vida a morrer de fome.

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quando o pai arranja trabalho, a m e fica contente e canta�

*todos sabem porque quis o teu beijo tinha de ser eu sou assim seria poss vel, algu m como tu � �apaixonar-se por mim*? quando o pai traz para casa o dinheiro da primeira semanade trabalho, a m e fica encantada por poder pagar ao italiano�t o simp tico da mercearia e voltar a poder andar de cabe a� � �erguida, porque n o h nada pior no mundo do que dever� �dinheiro e obriga es seja a quem for. limpa a cozinha, lava��as tigelas e os pratos, tira as migalhas e os restos de comidade cima da mesa, limpa a geleira e compra um bocado novo degelo a outro italiano. compra papel higi nico para n s� �levarmos quando vamos casa de banho e diz que melhor do� �que deixar o rabo preto com o *daily nems*. aquece gua no�fog o e passa um dia inteiro agarrada a um grande alguidar de�folha a lavar as nossas camisas e pe gas, as fraldas dos�g meos, os nossos dois len is e as nossas tr s toalhas.� �� �pendura tudo na corda da roupa por detr s do nosso pr dio, e� �vemos a roupa a dan ar ao vento e ao sol. diz que n o queria� �que os vizinhos vissem que tudo o que temos foi o que elalavou, mas que n o h nada como a do ura da roupa seca ao sol.� � � quando o pai traz para casa o dinheiro da primeira semana

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de trabalho numa sexta-feira noite, sabemos que o�fim-de-semana vai ser maravilhoso. no s bado noite, a m e� � �vai aquecer gua no fog o e dar-nos banho no alguidar grande� �de folha e o pai vai secar-nos. o malachy vai voltar-se decostas e mostrar o rabo. o pai vai fingir-se muito ofendido evamos rir todos gargalhada. a m e vai dar-nos chocolate� �quente e vamos poder ficar a p a ouvir hist rias inventadas� �pelo pai. basta dizermos um nome no corredor, sr. macadoreyou sr. leibowit, e o pai p e-nos logo a remar rio acima no�brasil, persegui dos por ndios de nariz verde e ombros cor de� �pulga. nas noites assim, podemos deixar-nos embalar no sono,pois sabemos que ao pequeno-almo o vamos comer ovos, tomates�fritos e p o frito e beber ch com montes de a car e leite e,� � ��mais tarde, vamos ter um grande jantar com pur de batata,�ervilhas e presunto e um bolo que a m e faz com camadas de�fruta e um creme quente delicioso, e depois embebido em xerez. quando o pai traz para casa o dinheiro da primeira semanade trabalho, se o tempo est bom, a m e leva-nos ao parque� �infantil. senta-se num banco e fica a conversar com a minniemacadoroy. conta-lhe hist rias das pessoas de limerick e a�minnie conta-lhe hist rias das pessoas de belfast, e riem-se�porque h gente engra ada na irlanda, tanto do norte como do� �sul. depois ensinam can es tristes uma outra e eu e o�� �malachy sa mos do baloi o e do balanc e vamos sentar-nos ao� � �p delas a cantar,�

naquela noite no acampamento os jovens soldados falavam das suas namoradas. estavam todos muito animados mas havia um desanimado e triste.junta-te a n s, disse um dos rapazes, �tamb m h s-de encontrar algu m. � � �mas o ned fez que n o com a cabe a e � �cheio de garbo responde-lhes tenho dois amores, qualquer delas uma m e para mim �n o quero separar-me nem de uma nem da outra. �uma a minha m e, deus a proteja e aben oe,� � �a outra a minha doce namorada*.�

eu e o malachy cantamos a can o e a m e e a minnie riem-se�� �at ficarem com l grimas nos olhos pela gra a do malachy a� � �fazer uma grande v nia no fim e a estender os bra os para a� �m e. o dar macadorey vem agora do trabalho e diz que melhor� �o rudy vallee p r-se a pau com a concorr ncia.� � chegamos a casa e a m e faz ch , p o e compota ou pur de� � � �batata com manteiga e sal. o pai bebe ch , mas n o come nada.� �a m e diz, valha-me deus, como que tu podes trabalhar o dia� �todo e n o comer nada? ele responde, basta-me o ch . ela diz,� �vais dar cabo de ti, e ele diz-lhe mais uma vez que acomida um choque para o organismo. bebe ch , conta-nos� �hist rias, mostra-nos palavras e letras no *daily news* ou�ent o fuma um cigarro, olha para as paredes e passa a l ngua� �pelos l bios.� na terceira semana de trabalho, o pai n o traz o dinheiro�da semana para a casa. sexta-feira, estamos espera dele, a� �m e d -nos p o e ch . come a a ficar escuro, e as luzes� � � � �acendem-se na classon avenue. os outros homens que t m�trabalho j est o em casa e a comerem ovos ao jantar, porque � � �

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sexta-feira n o se pode comer carne. ouvem-se fam lias a� �conversarem no andar de cima, no andar de baixo e ao longo docorredor e o bing crosby est a cantar *brother, can you�spare a dime*? na telefonia. eu e o malachy estamos a brincar com os g meos. sabemos que�a m e n o vai cantar todos percebem porque quis o teu beijo .� � � �fica sentada mesa da cozinha a falar sozinha, o que que eu� �hei-de fazer? at que, j muito tarde, o pai vem aos� �trambolh es pela escada acima a cantar o roddy mccorley.�empurra a porta e chama-nos, onde que est a minha tropa?� �onde que est o os meus quatro guerreiros?� � a m e diz-lhe, deixa as crian as em paz. foram para a cama� �cheios de fome porque tu tiveste de andar a encher a pan a de�u sque.� ele p e-se porta do quarto. vamos, rapaziada, tudo a p .� � �um tost o para quem prometer morrer pela irlanda.�

*encontr mo-nos nos confins do canad � �fugidos duma ilha resplandecente grandiosa a terra que pisamos, �mas os nossos cora es ficaram na p tria ausente*.�� �

vamos, rapaziada, tudo a p . francis, malachy, oliver,�eugene. os cavaleiros do ex rcito vermelho, os fenianos, o�ira. a p , a p .� � a m e est sentada mesa da cozinha, a tremer, com o� � �cabelo escorrido e a cara encharcada. ser que n o podes� �deix -los em paz? diz ela. jesus, maria e jos , n o basta� � �teres chegado a casa sem um tost o no bolso, ainda tens de�fazer pouco das crian as?� vem ter connosco e manda-nos ir para a cama. eu quero que eles fiquem a p , diz ele. quero que estejam�prepa rados para o dia em que a irlanda se liberte do meio do�mar. n o me fa as zangar, diz ela, porque, se fizeres, vai haver� �um dia muito triste em casa da tua m e.� ele puxa o bon para cima da cara e come a a chorar, minha� �pobre m e. pobre irlanda. oh!, o que que n s havemos de� � �fazer? a m e diz-lhe, s doido varrido, e torna a mandar-nos para� �a cama. na manh da quarta sexta-feira de trabalho, a m e� �pergunta-lhe se ele noite vai para casa com o dinheiro da�semanada ou se vai tornar a gastar tudo na bebida. ele olhapara n s e abana a cabe a para ela, como se estivesse a� �dizer-lhe, n o devias falar assim em frente dos mi dos.� � a m e insiste, estou a perguntar se vens para casa para n s� �termos alguma coisa para comer ou se vais aparecer �meia-noite sem um tost o no bolso e a cantar o kevin barry e�todas essas can es tristes?�� ele p e o bon , enfia as m os nos bolsos de tr s das� � � �cal as, suspira e olha para o tecto. j te disse que venho� �para casa, a resposta dele.� ao fim do dia a m e veste-nos. p e os g meos no carrinho e� � �a vamos n s pelas ruas sem fim de brooklyn. de vez em quando,� �deixa o malachy sentar-se no carrinho, quando ele j est� �cansado de ir s carreirinhas ao lado dela. diz que eu j sou� �grande de mais para ir no carrinho. podia dizer-lhe que me

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doem as pernas pelo esfor o de ir a acompanhar o passo dela,�mas ela n o vai a cantar e eu sei que n o altura para falar� � �das minhas dores. chegamos a um port o grande onde est um homem sentado numa� �esp cie de caixa com janelas em toda a volta. a m e vai falar� �com o homem. quer saber se podemos entrar e ir ao s tio onde�pagam aos homens, para ver se lhe d o uma parte do sal rio do� �pai para ele n o gastar tudo pelos bares. o homem diz que n o� �com a cabe a. tenho muito pena, minha senhora, mas se�fiz ssemos isso t nhamos metade das mulheres de brooklyn a� �entrarem por aqui dentro. h c muitos homens com esse� �problema da bebida, mas n o podemos fazer nada desde que�apare am c s brios e fa am o trabalho deles.� � � � ficamos espera do outro lado da rua. a m e deixa-me� �sentar no passeio com as costas encostadas parede. d aos� �g meos os biber es de gua com a car, mas eu e o malachy� � � ��temos de esperar at o pai lhe dar dinheiro para podermos ir�ao italiano comprar ch , p o e ovos.� � quando a sirene toca s cinco e meia os homens saem aos�magotes do port o, de bon e fato-macaco, com a cara e as m os� � �pretas por causa do trabalho. a m e diz-nos para olharmos com�muita aten o para ver se descobrimos o pai porque os olhos��dela est o t o mal que quase n o consegue ver para o outro� � �lado da rua. h dezenas de homens, depois s alguns, e depois� �nenhum. a m e est a chorar. porque que n o o viram? s o� � � � �cegos ou qu ?� torna a ir ter com o homem que est dentro da caixa. tem a�certeza de que n o ficou nenhum homem l dentro? � � n o, minha senhora, diz ele. sa ram todos. n o sei como � � � �que n o o viu.� fazemos o caminho de volta pelas infind veis ruas de�brooklyn. os g meos levantam os biber es e choram a pedir mais� �gua com a car. o malachy diz que tem fome e a m e diz-lhe,� �� �espera um bocadinho, vamos pedir dinheiro ao pai e vamos todoscomer um bom jantar. vamos ao italiano e compramos ovos etorramos p o no fog o e pomos compota por cima. vamos, pois,� �vai ser bom. vamos ficar muito aconchegadinhos. est escuro na atlantic avenue e os bares volta da� �esta o de comboios de long station est o todos cheios de luz�� �e de barulho. vamos de bar em bar procura do pai. a m e� �deixa-nos c fora com o carrinho e vai l dentro ou ent o� � �manda-me a mim. est o apinhados de homens barulhentos e h um� �forte cheiro a lcool que me faz lembrar o pai quando chega a�casa a tresandar a u sque.� o homem que est por detr s do balc o diz, o que que� � � �queres, filho? n o devias estar aqui, sabias?� ando procura do meu pai. ele est c ?� � � como que queres que eu saiba isso, filho? quem o teu� �pai? chama-se malachy e canta o kevin barry. malarkey? n o, malachy.� malachy? e canta o kevin barry? grita aos homens que est o no bar, ei, algum de voc s� �conhece um tipo chamado malachy que canta o kevin barry? os homens dizem que n o com a cabe a. um diz que conheceu� �um tipo chamado michael que cantava o kevin barry, mas morreude tanto beber por causa dos ferimentos que tinha da guerra.

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o homem que est ao balc o diz, bolas, pete, n o te pedi� � �que me contasses a hist ria da tua vida, pois n o? n o, mi do.� � � �n o deixamos ningu m cantar aqui. s traz sarilhos.� � �principalmente com os irlan deses. come am a cantar e passado� �um instante est tudo batatada. al m disso, nunca ouvi tal� � �nome, malachy. n o, filho, aqui n o est nenhum malachy.� � � o homem chamado pete estende-me o copo dele. toma, mi do,�bebe um golo, mas o homem do bar diz, o que que est s a� �fazer, pete? queres embebedar o mi do? experimenta fazer isso�outra vez que eu vou a e dou cabo de ti.� a m e procura em todos os bares volta da esta o antes de� � ��desistir. encosta-se a uma parede a chorar. meu deus, aindatemos de andar isto tudo at classon avenue e eu aqui com� �quatro crian as a morrerem de fome. manda-me ir outra vez�ao bar onde o pete quis dar-me de beber para eu pedir ao homemque est ao balc o se n o se importa de encher os biber es dos� � � �g meos de gua e, se puder ser, com um bocadinho de a car em� � ��cada um. os homens que est o no bar acham muita piada ao homem�do bar estar a encher biber es, mas ele um bom homem e� �manda-os calar. diz-me que os beb s deviam beber leite e n o� �gua e quando eu lhe digo que a minha m e n o tem dinheiro� � �para o leite ele deita fora a gua e enche os biber es de� �leite. diz tua m e que os beb s precisam disto para os� � �dentes e para os ossos. se beberem gua com a car ficam� ��raqu ticos. diz isso tua m e.� � � a m e fica contente por causa do leite. diz que sabe muito�bem isso dos dentes e dos ossos e do raquitismo mas quem peden o escolhe.� quando chegamos a classon avenue ela vai direita �mercearia do italiano. diz que o marido est atrasado, que se�calhar ficou a fazer horas extraordin rias e se ele n o se� �importa que ela leve umas coisi nhas, que no dia seguinte de�certeza que vai l .� o italiano diz, a senhora paga sempre mais cedo ou maistarde, por isso pode levar de tudo o que houver na loja. quero pouca coisa, diz ela. o que quiser, minha senhora, porque eu sei que a senhora �s ria e tem uns lindos meninos.� comemos ovos, p o torrado e compota, mas estamos t o� �cansados por termos corrido as ruas infind veis de brooklyn�que quase n o temos for a para mastigar. os g meos adormecem� � �assim que acabam de comer e a m e deita-os na cama para lhes�mudar a fralda. manda -me ao fundo do corredor lavar as�fraldas no lavat rio para poderem secar e voltar a ser usadas�no dia seguinte. o malachy ajuda-a a lavar o rabo aos g meos,�embora esteja a cair de sono. eu vou quase de rastos para a cama com o malachy e osg meos. fico a ver a m e sentada mesa da cozinha, a fumar um� � �cigarro, a beber ch e a chorar. quero levantar-me e dizer-lhe�que j sou quase um homem e que vou arranjar trabalho naquela�casa com o port o grande e hei-de ir para casa todas as�sextas-feiras noite com dinheiro para os ovos e as torradas�e a compota e assim ela j vai poder cantar outra vez todos� �percebem porque quis o teu beijo .� na semana seguinte o pai despedido. chega a casa na�sexta-feira noite, atira o dinheiro para cima da mesa e diz� M e, est s satisfeita? foste p r-te ao port o com lam rias e� � � � � �queixas e eles despe diram-me. s queriam um motivo e tu� �

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deste-lho. tira alguns d lares para ele e sai porta fora. chega tarde�a casa a berrar e a cantar. os g meos come am a chorar e a m e� � �f -los calar e fica muito tempo a chorar.� passamos horas a fio no parque infantil enquanto os g meos�est o a dormir, quando a m e est cansada e o pai chega a casa� � �a cheirar a u sque, a berrar que o kevin barry foi enforcado�numa manh de segunda-feira ou a cantar a can o do roddv� ��mccorley,

*a rua estreita subiua sorrir, jovem e orgalhoso na corda que ao pesco o pendia �viam-se an is de ouro resplandecentes �nem uma l grima dos seus olhos caiu �eram olhos azuis alegres e brilhanteso roddy mccorley vai morrerhoje na ponte de toome*.

enquanto canta, vai marchando volta da mesa. a m e chora� �e os g meos choram com ela. ela diz, vai l para fora,� �frankie, vai l para fora, malachy. n o deviam ver o vosso pai� �neste estado. deixem-se ficar no parque infantil. n o nos importamos de ir para o parque infantil. podemos�brincar com as folhas que cobrem o ch o e podemos empurrar-nos�um ao outro no baloi o, mas quando o inverno chega a classon�avenue os baloi os ficam gelados e n s nem conseguimos� �mexer-nos. a minnie macadorey diz, deus ajude estas pobrescrian as. nem uma luva t m. d -me vontade de rir porque sei� � �que eu e o malachy temos quatro m os e uma lava seria um�disparate. o malachy n o sabe porque que eu estou a rir: n o� � �sabe nada enquanto n o tiver quatro anos e for a caminho dos�cinco. a minnie leva-nos para casa e d -nos ch e papa de aveia� �compota. o sr. macadorey est sentado numa cadeira de bra os� �a nova beb deles, a missie. est a dar-lhe o biber o e a� � �cantar,

*bate palmas, bate palminhasque o pap est a chegar� �com bolinhos no bolsos para a maisie papar.�bate palmas, bate palminhas,que o pap est a chegar,� �e ele vai trazer dinheiropara a m e papa comprar*. �

o malachy tenta cantar aquela cantiga mas eu mando-o calar;aquela can o da maisie. ele come a a chorar e a minnie diz,�� � �pronto, pronto. podes cantar. uma can o de todas as� ��crian as. o sr. macadorey sorri para o malachy e eu pergunto�a mim pr prio que raio de mundo este onde qualquer pessoa� �pode cantar a can o de outra pessoa.�� a minnie diz, n o franzas a testa, frankie. ficas com uma�cara triste e sabe deus como ela j triste. um dia h s-de� � �ter uma irm zinha e vais poder cantar-lhe esta can o. sim,� ��sim. tenho a certeza que h s-de ter uma irm zinha.� �

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a minnie tinha raz o e a m e viu o seu desejo realizado.� �passado pouco tempo nasce outro beb , uma menina, e p e-lhe o� �nome de margaret. todos n s adoramos a margaret. tem o cabelo�preto aos carac is e olhos azuis como a m e e acena com� �aquelas m ozinhas pequeninas e chilreia como um passarinho nas�rvores de classon avenue. a minnie diz que foi feriado no c u� �no dia em que aquela menina foi feita. a sra. leibowitz dizque nunca se viu no mundo uns olhos como aqueles, um sorrisoassim, tanta felicidade. at me d vontade de dan ar, diz a� � �sra. leibowitz. o pai sai procura de trabalho e quando chega a casa pega�na margaret e canta-lhe uma can o:��

*num recanto sombrio, numa noite de luar pus-me espreita de um duende �de bon vermelho e ama capa verde �com um jarro de vinho a sen lado. o seu martelo fazia tic tic toc num sapato pequenote. rio-me de pensar que foi apanhado, e a fada tamb m ria a meu lado*.�

anda s voltas na cozinha com ela. diz-lhe como linda com� �aqueles carac is pretos e os olhos azuis da m e. diz-lhe que� �h -de lev -la para a irlanda e que h o-de atravessar os vales� � �de antrim e nadar no lago neagh. ele h -de arranjar trabalho�num instante, h -de pois, e ela h -de ter vestidos de seda e� �sapatos com fivelas de prata. quanto mais o pai canta para a margaret menos ela chora e,com o passar dos dias, at come a a rir-se. a m e at diz,� � � �vejam s , ele a querer dan ar com a menina ao colo, ele que� �tem uns p s de chumbo. a m e ri-se e rimos todos. � � os g meos choravam quando eram pequeninos e o pai e a m e� �diziam chiu e davam-lhes de comer e eles tornavam a adormecer.mas quando a margaret chora h uma grande solid o no ar e o� �pai salta da cama num segundo, pega nela, dan a devagar � �volta da mesa a cantar para ela e a fazer uns sons como sefosse uma m e. quando passa pela janela por onde entra a luz�da rua, v em-se l grimas na cara dele e isso estranho porque� � �ele nunca chora por ningu m a n o ser quando bebe e canta a� �can o do kevin barry ou a do roddy mccor ley. mas agora est�� � �a chorar pela margaret e n o cheira a bebida.� a m e diz Minnie macadorey, ele est no c u com aquela� � � �menina. nunca mais tocou numa gota de lcool desde que ela�nasceu. h muito tempo que eu devia ter tido uma menina.� ah!, s o um encanto, n o s o? diz a minnie. os rapazes� � �tamb m s o lindos, mas precisavas de uma menina s para ti.� � � a minha m e ri-se, s para mim? santo deus, se eu n o lhe� � �desse de mamar n o conseguia chegar-me ao p dela. ele passa� �dia e noite agarrado a ela. a minnie diz que, seja como for, uma maravilha ver um�homem t o encantado com a filha, mas a verdade que est toda� � �a gente encantada com ela, n o ?� � toda a gente.

os g meos j conseguem p r-se de p e andar e passam a vida� � � �a aleijar-se. t m o rabo assado porque est o sempre sujos de� �chichi e coco. p em porcarias na boca, bocados de papel,�

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penas, atacadores e adoecem. a m e diz que estamos a dar com�ela em doida. veste os g meos, p e-nos no carrinho, e eu e o� �malachy levamo-los para o parque infantil. o tempo frio j�passou e as rvores de classon avenue t m folhas verdes.� � andamos a correr s voltas do parque infantil a empurrar o�carri nho e os g meos riem-se e fazem gugu at que ficam com� � �fome e come am a chorar. no carrinho est o dois biber es com� � �gua e a car e, com isso, eles sossegam um bocadinho, mas� ��depois ficam com fome outra vez e come am a chorar tanto que�eu fico sem saber o que lhes hei-de fazer por eles serem t o�pequeninos, eu s queria poder dar -lhes muita comida para� �eles se rirem e fazer aqueles barulhos de beb s. eles adoram a�comida desenxabida que a m e faz numa panela com p o desfeito� �em leite, gua e a car. a m e diz que p o com bombons.� �� � � � se eu levar j os g meos para casa a m e vai gritar comigo� � �por eu n o a deixar descansar ou por acordar a margaret. temos�de ficar no parque infantil at a cabe a dela aparecer � � �janela a chamar-nos. fa o caretas para os g meos deixarem de� �chorar. ponho um bocado de papel em cima da cabe a e deixo-o�cair e eles riem-se a perder. levo o carrinho para ao p do�malachy que est a brincar no baloi o com o freddie leibowitz.� �o malachy est a querer contar ao freddie como que o setanta� �passou a ser cuchulain. eu digo-lhe para parar de contaraquela hist ria, porque aquela hist ria minha. ele n o p ra.� � � � �dou-lhe um empurr o e ele come a a chorar ua, ua, vou dizer � � �m e. o freddie d -me um empurr o e de repente vejo tudo negro� � � minha volta e vou a correr para ele aos murros, s joelhadas� �e aos pontap s at ele gritar, ei, p ra, p ra, mas eu n o paro� � � � �porque n o consigo, n o sei porqu , mas se eu parar o malachy� � �vai continuar a tirar-me a minha hist ria. o freddie�empurra-me e foge a gritar, o frankie quis matar-me. o frankiequis matar-me. n o sei o que hei-de fazer porque nunca quis�matar ningu m, e agora o malachy est no baloi o a chorar, n o� � � �me mates, frankie, e parece-me t o assustado que eu ponho os�bra os volta dele e ajudo-o a sair do baloi o. ele d -me um� � � �abra o. nunca mais conto a tua hist ria. nunca mais falo do� �cucu ao freddie. apetece-me rir mas n o posso porque os g meos� �est o no carrinho a chorar e j est escuro no parque infantil� � �e de que serve fazer caretas e deixar cair coisas da cabe a se�n o se v nada no escuro?� � a mercearia do italiano fica do outro lado da rua e eu vejoas bananas, as ma s, as laranjas. sei que os g meos podem�� �comer bana nas. o malachy adora bananas e eu tamb m gosto. mas� � preciso dinheiro e os italianos n o costumam dar bananas,� �principalmente aos mccourts que j lhes devem dinheiro de�mercearias. a minha m e est sempre a dizer-me, nunca, mas nunca saias� �do parque infantil sem ser para vir para casa. mas o que que�eu hei-de fazer com os g meos a berrarem de fome no carrinho?�digo ao mala chy que n o me demoro nada. quando tenho a� �certeza de que n o est ningu m a ver, agarro numa penca de� � �bananas no lado de fora da loja do italiano e desato a correrpela myrtle avenue abaixo para longe do parque infantil, dou avolta ao quarteir o e vou para o outro lado onde h um buraco� �na veda o. empurramos o carrinho para um canto escuro e��descascamos as bananas para os g meos. eram cinco bananas e�n s fazemos uma festa naquele canto escuro. os g meos� �babam-se, mastigam e esfregam-se com banana na cara, no

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cabelo, na roupa. j estou a ver que vai haver interrogat rio.� �a m e vai querer saber porque que os g meos est o sujos de� � � �banana e onde que as arranj mos. n o lhe posso dizer que foi� � � esquina da loja do italiano. vou ter de dizer que foi um�homem. isso que eu vou dizer. um homem.� mas depois acontece uma coisa estranha. est um homem ao�port o do parque infantil. est a chamar-me. meu deus, o� � �italiano. anda c , filho. estou a falar contigo. vem c .� � eu vou ter com ele. tu s aquele mi do que tens os irm os pequeninos, n o s?� � � � �os g meos?� sou, sim, senhor. pois bem, est aqui este saco de frota. mas n o para� � �deitarem fora. est certo? toma o saco. tem ma s, laranjas,� ��bananas. gostas de bananas, n o gostas? acho que gostas. ah!,�ah! sei que gostas de bananas. ei, toma o saco. tens uma boam e. e o teu pai? bem, eu sei, tem aquele problema dos�irlandeses. d uma banana aos g meos para eles se calarem.� �ou o-os do outro lado da rua.� obrigado, senhor. s um mi do muito bem-educado. onde que aprendeste isso?� � � foi o meu pai que me ensinou a dizer sempre obrigado,senhor. o teu pai? est bem.�

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o pai est sentado mesa a ler o jornal. diz que o� �presidente roosevelt um homem de bem e que falta pouco para�toda a gente ter trabalho na am rica. a m e est do outro lado� � �da mesa a dar o biber o Margaret. est com aquela cara de� � �zangada que me assusta tanto. onde que arranjaste essa fruta?� foi o homem. que homem? foi o italiano que ma deu. roubaste essa fruta? o malachy diz, foi o homem. o homem deu o saco ao frankie. e o que que fizeste ao freddie leibowitz? a m e dele veio� �c . t o boa senhora. n o sei o que seria de n s sem ela e� � � � �sem a minnie macadorey. e logo tinhas de te atirar ao pobredo freddie. o malachy p e-se aos saltos para cima e para baixo. � �mentira. mentira. ele n o quis matar o freddie. ele n o quis� � �matar-me a mim. o pai diz, cala-te, malachy, cala-te. vem c . e senta o�malachy no seu colo. a minha m e diz, vai l ao fundo do corredor pedir desculpa� �ao freddie. mas o pai pergunta, queres ir pedir desculpa ao freddie? n o quero.� os meus pais olham um para o outro. o pai diz, o freddie �bom. s estava a empurrar o teu irm o no baloi o. n o foi� � � �verdade? ele queria roubar a minha hist ria do cuchulain.� ora essa. o freddie n o quer a tua hist ria do cuchulain� �para nada. tem a hist ria dele. centenas de hist rias. � � �

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judeu. o que judeu?� o pai d uma gargalhada. judeu , judeus s o pessoas que� � �t m as suas hist rias. n o precisam do cuchulain. t m mois s.� � � � �t m sans o.� � o que Sans o.� � se fores falar com o freddie, depois conto-te a hist ria de�sans o. podes pedir desculpa ao freddie e dizer-lhe que nunca�mais fazes o que fizeste e at podes pedir-lhe que te diga�quem foi sans o. tudo o que quiseres, desde que v s falar com� �o freddie. vais? a beb d um gritinho no colo da minha m e e o pai d logo� � � �um salto e p e o malachy no ch o. ela est bem? a minha m e� � � �diz, claro que est bem. est a mamar. santo deus, homem, s� � �uma pilha de nervos.

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est o a falar da margaret e esqueceram-se de mim. n o me� �impor to. vou ao fundo do corredor pedir ao freddie que me�conte a hist ria de sans o, para ver se o sans o t o bom� � � � �como o cuchulain e para ver se o freddie tem a hist ria dele�ou se ainda continua a querer roubar -me o cuchulain. como o�meu pai est de p , o malachy quer ir comigo porque j n o tem� � � �colo para se sentar. a sra. leibowitz diz, ah!, frankie, frankie, entra, entra.e tu malachy, meu pequenino. diz-me l , frankie, o que que� �tu fizezte ao freddie? tentazte mat -lo? o freddie um bom� �menino, frankie. l o livro dele. ouve a telefonia com o papa�dele. empurra o teu irm o no baloizo. e tu a quererez mat -lo.� �ah!, frankie, frankie. e a tua pobre m e com a beb doente.� � ela n o est doente, sra. leibowitz.� � ezt doente, ezt . aquela beb ezt doente. sei bem ver� � � �quando um beb ezt doente. trabalho no hozpital. n o me� � �queiras dizer a mim, frankie. entra, entra. freddie, freddie,est aqui o frankie. podez vir c fora. o frankie n o te� � �mata. tu e o malachy, t o pequenino ainda. um lindo nome� �judeu. queres um bocadinho de bolo? porque que te puseram um�nome judeu? v l , um copo de leite, uma fatia de bolo. ezt o� � �t o magrinhos, menz filhoz. os irlandeses n o comem.� � sentamo-nos mesa com o freddie, a comer bolo e a beber�leite. o sr. leilowitz est na poltrona a ler o jornal e a�ouvir telefonia. de vez em quando diz qualquer coisa Sra.�leibowitz, mas eu n o percebo porque da boca dele saem sons�estranhos. o freddie percebe. o sr. leibowitz torna a fazer umsom estranho e o freddie levanta-se e vai levar-lhe uma fatiade bolo. o sr. leibowitz sorri para o freddie, faz-lhe umafestinha na cabe a e o freddie sorri para ele e faz tamb m� �aqueles sons estranhos. a sra. leibowitz olha para mim e para o malachy e abana acabe a. oi, t o magrinhos. diz tantas vezes oi que o malachy� �come a a rir s gargalhadas e a dizer oi e os leibowitz� �riem-se e o sr . leibowitz diz umas palavras que n s�percebemos, os ois fazem os irlandeses rir. a sra. leibowitzri-se tanto que o corpo dela at estremece e tem de agarrar a�barriga e o malachy torna a dizer oi porque sabe que isso vaifazer rir toda a gente. eu digo oh mas ningu m se ri, mas eu�sei que o oi pertence ao malachy tal como o chuchulain me

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pertence a mim e que o malachy pode ter o oi dele. sra. leibowitz, o meu pai diz que o freddie tem umahist ria, que a preferida dele.� o malachy diz, san, san, oi. toda a gente se ri outra vez,mas eu n o porque n o consigo lembrar-me do que vem a seguir a� �san. o freddie diz com a boca cheia de bolo, sans o, e a sra.�leibowitz diz-lhe, n o falez com a boca zeia, e eu rio-me�porque ela t o crescida e diz zela em vez de cheia. o� �malachy ri-se porque eu estou a rir-me e o sr. e a sra.leibowitz olham um para o outro e sorriem. o freddie diz, n o� a do sans o. a hist ria de que eu mais gosto a de david e� � � �do gigante, golias. o david matou-o com uma funda. acertou-lhecom uma pedra na cabe a. os miolos dele ficou no ch o.� � ficaram no ch o, diz o sr. leibowitz.� sim, pap .� pap . assim que o freddie trata o pai dele e eu chamo pai� �ao meu pai.

a minha m e sussurra e eu acordo. o que que tem a menina?� �ainda muito cedo e ainda n o h muita manh dentro do� � � �quarto, mas d para ver o pai ao p da janela com a margaret� �ao colo. est a embal -la e a suspirar. � � a m e diz, o que que ela tem? est doente?� � � est muito quieta e um bocadinho fria.� a minha m e sai da cama e agarra na menina. vai chamar o�m dico. vai, por amor de deus, e o meu pai enfia as cal as por� �cima da camisa, sem casaco, cal a os sapatos sem meias, e est� �tanto frio. ficamos espera no quarto, os g meos est o a dormir aos� � �p s da cama, o malachy agita-se a meu lado. frankie, quero�gua. a m e balan a na cama com a beb ao colo. oh!, margaret,� � � �margaret, meu amorzinho. abre os teus lindos olhos azuis, meuamorzinho. encho um copo de gua para mim e para o malachy e a minha�m e resmunga, gua para ti e para o teu irm o. muito bem. com� � �que ent o, gua. e para a tua irm nada. coitadinha da tua� � �irm . nem queres saber se ela tem boca. por acaso perguntaste�se ela queria gua? n o. v , bebe gua, tu e o teu irm o, como� � � � �se n o fosse nada. um dia igual aos outros para voc s os� � �dois, n o ? e os g meos a dormirem, como se n o quisessem� � � �saber de nada, e a irm zinha deles aqui doente. doente aqui�nos meus bra os. oh!, santo deus que estais no c u.� � porque que ela est a falar assim? hoje nem parece a� �minha m e a falar. quero o meu pai. onde que est o meu pai?� � � vou outra vez para a cama e come o a chorar. o malachy diz,�por que est s a chorar? por que est s a chorar? at que a m e� � � �come a outra vez a implicar comigo. a tua irm aqui doente ao� �meu colo e tu a com lam rias e choraminguices. se eu a vou,� � �vais ficar com raz es para chorar.� o pai volta com o m dico. o pai vem com o cheiro a u sque.� �o m dico observa a beb , d -lhe uma picadela, levanta-lhe as� � �p lpe bras, apalpa-lhe o pesco o, os bra os, as pernas. p e-se� � � � �direito e diz que n o com a cabe a. morreu. a m e estende os� � �bra os para a beb , abra a-se a ela, vira-se para a parede. o� � �m dico quer saber, aconteceu alguma coisa? algu m deixou cair� �a beb ? os rapazes tiveram algu ma brincadeira violenta de� �mais com ela? aconteceu alguma coisa? o meu pai diz que n o com a cabe a. o m dico diz que vai� � �

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ter de a levar para a examinar e o pai assina um papel. aminha m e implora que a deixem ficar mais uns minutos com a�beb dela mas o m dico diz que n o tem o dia todo. quando o� � �pai vai pegar na margaret a minha m e afasta-se e vira-se para�a parede. est com aquele olhar estranho, com o cabelo negro�encaracolado ca do para a testa e com a cara coberta de suor,�com os olhos muito abertos e a cara a brilhar por causa dasl grimas, continua a abanar a cabe a e a gemer. oh!, n o, oh!,� � �n o, at que o pai consegue tirar-lhe a beb dos bra os. o� � � �m dico embrulha a margaret num cobertor, toda tapada, e a�minha m e grita, oh!, meu deus, voc vai despeda -la.� � ��valha-me jesus, maria e jos . o m dico vai-se embora. a minha� �m e volta-se para a parede,�sem se mexer nem dizer nada. os g meos est o acordados, a� �chorar com fome, mas o pai est de p no meio do quarto a� �olhar para o tecto. tem a cara muito branca e bate com ospunhos fechados nas ancas. aproxima-se da cama, p e a m o na� �minha cabe a. a m o dele est a tremer. francis, vou comprar� � �cigarros. a m e fica todo o dia na cama, quase sem se mexer. eu e o�malachy enchemos os biber es dos g meos com gua e a car.� � � ��encon tramos meio p o duro na cozinha e duas salsichas frias.� �n o podemos beber ch , porque o gelo tornou a derreter-se na� �geleira e o leite est azedo e toda a gente sabe que s se� �pode beber ch sem leite quando o nosso pai que nos d ch� � � �da caneca dele, enquanto nos conta a hist ria do cuchulain.� os g meos est o outra vez com fome, mas eu sei que n o� � �posso dar-lhes gua com a car o dia inteiro. fervo o leite� ��azedo numa panela, desfa o l dentro um bocado do p o duro e� � �tento que eles bebam aquilo de um copo, p o com bombons. eles�fazem caretas e correm para a cama da m e, a chorarem. ela�continua de cara voltada para a parede, e eles voltam a correrpara mim, sempre a chorarem. s�comem o p o com bombons quando eu disfar o o gosto ao leite� �azedo com a car. agora j comem e j se riem, e esfregam a�� � �papa pela cara toda. o malachy quer um bocadinho e, se elepode comer, eu tamb m posso. sentamo-nos todos no ch o a comer� �a papa, a chupar a salsicha fria e a beber gua que a minha�m e tem numa garrafa de leite dentro da geleira.� depois de comermos e bebermos, temos de ir casa de banho�ao fundo do corredor mas n o podemos entrar porque est l a� � �sra. leibowitz a falar baixinho e a cantar. diz, ezperem,meninoz, ezpe rem, queridoz. n o demoro nada. o malachy come a� � �a bater palmas e p e-se s voltas, a dan ar e a cantar,� � �ezperem, meninoz, ezperem, queridoz. a sra. leibowitz abre aporta da casa de banho. olhem-me bem para izto. t o pequenino�e z actor. ent o, meninoz, como que ezt a vossa m e?� � � � � � est na cama, sra. leibowitz. o m dico levou a margaret e o� �meu pai foi comprar cigarros. oh!, frankie, frankie. eu bem disse que a beb era doente.� o malachy est a apertar as pernas. quero chichi. quero�chichi. ent o, faz chichi. fa am chichi que depois vamos ver a� �vossa m e.� depois de fazermos chichi, a sra. leibowitz vai ver a m e.�oh!, sra. mccourt. oi, querida. vejam s isto. olhem para os�g meos. nus. o que que aconteceu, sra. mccourt, ei? a� �beb est doente? fale comigo. pobre mulher. v , volte-ze para� � �

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c . fale comigo. oi, que confus o que aqui vai. fale comigo,� �sra. mccourt. ajuda a minha m e a sentar-se, encostada parede. a m e� � �parece que est mais pequenina. a sra. leibowitz diz que vai�buscar sopa e pede-me para trazer gua para lavar a cara � �minha m e. eu molho uma toalha em gua fria e passo-lhe com� �ela na testa. a minha m e segura a minha m o sobre o rosto� �dela. oh!, meu jesus, frankie. oh!, meu jesus. n o larga a�minha m o e eu fico assustado porque nunca a vi assim. s est� � �a dizer frankie porque na minha m o que est a segurar, mas� � � na margaret que est a pensar n o em mim. a tua querida� � �irm zinha morreu, frankie. morreu. e onde que est o teu� � �pai? solta-me a m o. onde que est o teu pai, foi o que eu� � �disse. est a beber. onde ele est . n o h um tost o c em� � � � � � �casa. n o consegue arranjar trabalho, mas arranja sempre�dinheiro para beber, dinheiro para beber, dinheiro para beber.encosta-se para tr s, bate com a cabe a na parede e grita,� �onde que ela est ? onde que ela est ? onde que est a� � � � � �minha menina? jesus, maria e jos , valei-me esta noite. vou�endoidecer, isso que vou, vou endoidecer.� a sra. leibowitz entra a correr. minha senhora, minhasenhora, o que que aconteceu? a menina. onde que ela est ?� � � a minha m e torna a gritar, est morta, sra. leibowitz.� �morta. tomba a cabe a e balan a-se para tr s e para a frente.� � �a meio da noite, sra. leibowitz. no ber o. eu devia estar a�olhar por ela. estava h sete semanas neste mundo e morre a�meio da noite, sozinha, sra. leibowitz, sozinha no ber o.� a sra. leibowitz abra a a minha m e. pronto, agora� �sossegue. h beb s que morrem assim. acontece, minha senhora.� � deus que os leva.� no ber o, sra. leibowitz. mesmo ao p da minha cama. eu� �podia ter pegado nela e ela assim j n o morria, pois n o?� � �deus n o quer beb s pequeninos. para que quer deus beb s t o� � � �pequeninos? n o sei, minha senhora. n o posso falar por deus. coma um� �bocadinho de sopa. boa. vai dar-lhes for as. e voc s,� � �rapazes. v o buscar tigelas para eu vos dar sopa.� o que s o tigelas, sra. leibowitz?� oh!, frankie. n o sabes o que s o tigelas? para a sopa,� �querido. n o t m nenhuma tigela? ent o, arranja ch venas.� � � �misturei sopa de ervilhas com sopa de lentilhas. n o t m� �presunto. os irlandeses gostam de presunto. n o t m presunto,� �frankie. beba, minha senho ra. beba a sopa. � vai dando a sopa minha m e, com uma colher, e limpa os� �pingos que lhe escorrem para o queixo. eu e o malachy estamossentados no ch o a beber a sopa por canecas. damos a sopa � �colher aos g meos. est deliciosa. est quente e sabe bem. a� � �minha m e nunca faz sopa assim e eu pergunto a mim pr prio se� �ser poss vel um dia a sra. leibowitz vir a ser minha m e. o� � �freddie podia ser eu e ter a minha m e e o meu pai, tamb m, e� �o malachy e os g meos podiam ser irm os dele. a margaret n o� � �porque aconteceu-lhe o mesmo que ao c o que estava na rua;�levaram-na. n o sei porque que a levaram. a minha m e diz� � �que ela morreu no ber o e isso deve ser o mesmo que ser�atropelado por um carro porque depois levam-nos. quem me dera que a margaret estivesse aqui a comer estasopa. eu podia dar-lha com uma colher como a sra. leibowitzest a dar minha m e, e ela havia de palrar e rir-se como� � �

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fazia com o pai. j n o chorava e a minha m e j n o estava na� � � � �cama de dia e de noite e o meu pai estaria a contar-mehist rias do cuchulain e eu j n o ia querer que a sra.� � �leibowitz fosse minha m e. a sra. leibowitz simp tica, mas� � �eu preferia ter o meu pai a contar-me hist rias do cuchulain e�a margaret a palrar e a m e a rir-se quando o pai come asse a� �dan ar com p s de chumbo.� �

a minnie macadorey vem dar uma ajuda. santa m e de deus,�sra. leibowitz, estes g meos tresandam.� deixe a santa m e de deus para l , minnie. estes g meos� � �preci sam de um banho. precisam de fraldas lavadas. onde � � �que h fraldas limpas, frankie?� n o sei.� a minnie diz, as fraldas deles s o farrapos. vou buscar�algumas da maisie. frankie, tira-lhes esses farrapos e deitaisso fora. o malachy tira o farrapo ao oliver e eu trato do eugene. oalfi nete-de-ama est preso e, quando ele se mexe, o alfinete� �solta-se e pica-o numa anca, e ele come a a chorar pela m e.� �mas, entretanto, chega a minnie com uma toalha, sab o e gua� �quente. ajudo-a a tirar a caca j seca e ela deixa-me p r p� � �de talco na pele ferida dos g meos. ela diz que eles s o uns� �lindos meninos e que tem uma surpresa para eles. vai ao fundodo corredor e volta com uma grande panela com pur de batata�para n s todos. as batatas t m muito sal e muita manteiga e eu� �pergunto a mim pr prio se ser poss vel um dia a minnie ser� � �minha m e para eu poder comer sempre assim. se a sra.�leibowitz e a minnie pudessem ser as duas minhas m es ao mesmo�tempo, nunca teria falta de sopa nem de pur de batata. � a minnie e a sra. leibowitz sentam-se mesa. a sra.�leibowitz diz que preciso fazer alguma coisa. estas crian as� �est o abandonadas sua sorte. que feito do pai deles? ou o� � � �a minnie a dizer baixinho que ele saiu para ir beber. a sra.leibowitz diz, terr vel, terr vel, a maneira como os� � �irlandeses bebem. a minnie diz, o meu dan n o bebe. nunca toca�na bebida. diz que o dan lhe contou que quando a beb morreu o�pobre do malachy mccourt andou que nem um doido pela flatbushavenue e pela atlantic avenue e que foi corrido de todos osbares volta da esta o de comboios de long island, e que os� ��pol cias o teriam levado para a pris o se n o fosse ter-lhe� � �morrido aquela beb encantadora.� tem aqui quatro meninos encantadores, diz a minnie, masisso n o lhe serve de consolo. aquela menina fez despertar�qualquer coisa nele. sabe, ele nunca mais bebeu desde que elanasceu, foi um mi lagre.� a sra. leibowitz quer saber onde que est o as primas da� �m e, aquelas mulheres grandalhonas, que t m uns maridos que� �nunca dizem nada. a minnie diz que vai procura delas para�lhes dizer que as crian as est o abandonadas, sem ningu m que� � �trate delas, com os rabinhos todos feridos e tudo.

passados dois dias o pai regressa a casa da sua viagem �procura de cigarros. chega a meio da noite, mas tira-nos dacama, a mim e ao malachy. obriga-nos a ficar em sentido nacozinha. somos soldados. diz que temos de prometer quemorreremos pela irlanda. sim, pai, prometemos.

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cantamos todos juntos o kevin barry,

*foi naquela manh em mountjoy, �que ainda jovem kevin barry deu a vida no alto da tem vel forca, �pela cansa da liberdade. era um jovem s com dezoito anos �e ningu m pode negar �que naquela manh a caminho da morte �manteve sempre a cabe a levantada*.�

algu m bate porta, o sr. macadorey. oh!, malachy, por� � �amor de deus, s o tr s da manh . acordaste a casa toda com� � �essa cantoria. oh!, dan, s estou a ensinar os rapazes a�morrerem pela irlanda. podes ensin -los a morrerem pela irlanda de dia, malachy. � urgente, dan, urgente.� � eu sei, malachy, mas eles ainda s o pequeninos. uns beb s.� �v , agora porta-te como um homem de bem e vai para a cama,� para a cama, dan! o que que eu vou fazer para a cama?�est ali a carinha dela dia e noite, os carac is pretos e� �aqueles lindos olhos azuis. oh!, meu jesus, dan, o que que�eu hei-de fazer? achas que foi de fome que ela morreu, dan? claro que n o. a tua mulher estava a dar-lhe de mamar. foi�deus que a levou. ele l tem as suas raz es.� � s mais uma can o antes de irmos para a cama, dan.� �� boa noite, malachy. v , rapazes. cantem.�

*porque amava a sua p tria, �porque amava aquele pa s �vai ao encontro do seu destino com um semblante orgulhoso e feliz; pela verdade e pela liberdade segue o seu caminho determinado; o jovem roddy mccorley vai morrer hoje na ponte de toome enforcado*.

morrer o pela irlanda, n o , rapazes?� � � sim, pai. e vamos todos encontrar-nos com a vossa irm zinha no c u,� �vamos, rapazes? vamos, pai. o meu irm o est de p com a cara encostada a uma perna da� � �mesa e adormece. o pai pega nele, atravessa o quarto aostrope es com ele ao colo e p e-no na cama ao p da minha m e.�� � � �eu vou para a cama e o meu pai, com a mesma roupa com queestava, deita-se ao meu lado. queria que ele pusesse os bra os� minha volta, mas ele continua a cantar can es do roddy� ��mccorey e a falar com a margaret, oh!, meu amorzinho decarac is pretos e olhos azuis, havia de te vestir de seda e�levar-te ao lago neagh, at que o dia aparece janela e eu� �adorme o.� nessa noite, o cuchulain vem ter comigo. tem um grandep ssaro verde pousado no ombro, que continua a cantar can es� ��ao kevin barry e ao roddy mccorley, mas eu n o gosto do�p ssaro porque, quando canta, sai-lhe sangue da boca.�cuchulain tem, numa m o, a *gae bolga*, a lan a t o poderosa� � �

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que s ele consegue atirar. na outra m o traz uma banana, que� �est sempre a querer oferecer ao p ssaro, � �que n o faz mais nada sen o dar uns pios roucos e cuspir� �sangue para cima dele. gostava de saber como que o cuchulain�aguenta um p ssaro assim. se os g meos alguma vez cuspissem� �sangue para cima de mim quando eu lhes oferecesse uma banana,acho que lhes dava com a banana na cabe a.� de manh o meu pai est sentado mesa da cozinha e eu� � �conto-lhe o meu sonho. ele diz que naquele tempo n o havia�bananas na irlanda e, mesmo que houvesse, cuchulain nuncaofereceria nenhuma quele p ssaro, porque era o que no ver o� � �veio de inglaterra e se empoleirou no ombro dele, quandoestava a morrer apoiado numa pedra, e quan do os homens de�erin, que a irlanda, o quiseram matar tiveram medo, at que� �viram o p ssaro a beber o sangue de cuchulain e foi assim que�souberam que n o havia perigo em atac -lo, aqueles maldi tos� � �cobardes. como v s, tens de ter cuidado com os p ssaros,� �francis, com os p ssaros e com os ingleses.�

a m e passa a maior parte do dia metida na cama com a cara�voltada para a parede. se bebe ch ou come alguma coisa,�vomita para o balde que est por debaixo da cama e eu tenho de�esvazi -lo e lav -lo no lavat rio ao fundo do corredor. a sra.� � �leibowitz traz-lhe sopa e um p o esquisito, todo torcido. a�m e tenta cortar uma fatia, mas a sra. leibowitz ri-se e�diz-lhe que puxe. o malachy chama-lhe p o de puxar, mas a sra.�leilowitz diz, n o, *challah*, e ensina-nos a dizer a� �palavra. abana a cabe a. oi, voc s, os irlande ses. nem que� � �vivam para sempre h o-de aprender a dizer *challah* como os�judeus. a minnie macadorey traz batatas e couves e, s vezes, um�bocado de carne. oh!, a vida est dif cil, angela, mas aquele� �homem encanta dor, o sr. roosevelt, h -de arranjar emprego� �para toda a gente, e o teu marido ter trabalho. pobre homem,�ele n o tem culpa de estar a haver uma depress o. passa dia e� �noite procura de trabalho. o meu dan tem sorte, h quatro� �anos que est na cidade e n o bebe. veio de toome como o teu� �marido. alguns bebem. outros n o. uma praga dos irlandeses.� �agora come, angela. depois da perda que sofreste, tens dearranjar for as.� o sr. macadorey diz ao pai que se arranja trabalho nawpa (*)

(*) wpa -- works progress administration, organiza o��criada em 1935. (nt).

e, quando o pai arranja trabalho, h dinheiro para a comida e�a m e levanta-se para lavar os g meos e para nos dar de comer.� �quando o pai chega a casa com o cheiro da bebida n o h� �dinheiro e a m e grita com ele at os g meos come arem a� � � �chorar, e eu e o malachy fugimos para o parque infantil.nessas noites a m e vai para a cama quase de rastos e o pai�canta as can es tristes que falam da irlanda. porque que�� �ele n o a abra a e a ajuda a adormecer como costuma va fazer � � � �minha irm zinha que morreu? por que que ele n o canta uma� � �das can es da margaret ou uma can o qualquer que lhe limpe�� ��as l grimas? continua a obrigar-nos, a mim e ao malachy, a�sair da cama s de camisa e a prometer que morreremos pela�

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irlan da. houve uma noite em que quis que os g meos tamb m� � �prome tessem que morreriam pela irlanda, mas eles ainda nem�sabem falar e a m e gritou com ele, meu doido malvado, n o� �podes deixar as crian as em paz?� ele diz que nos d uma moeda para um gelado se prometermos�morrer pela irlanda e n s prometemos mas nunca recebemos a�moeda.

a sra. leibowitz d -nos sopa e a minnie macadorey pur de� �batata, e mostram-nos como havemos de tratar dos g meos,�lavar-lhes o rabo e lavar as fraldas, quando eles as enchem decoc . A sra. leibowitz chama-lhes fraldas e a minnie�chama-lhes cueiros, mas n o interessa o nome que eles d o� �quilo, porque seja como for os g meos enchem-nas de coco.� �quando a m e fica na cama e o pai sai procura de trabalho� �podemos fazer o que queremos durante todo o dia. pode mos p r� �os g meos nos baloi os pequenos no parque e empurr -los at� � � �eles ficarem com fome e come arem a chorar. o italiano�chama -me do outro lado da rua. ei, frankie, anda c . tem� �cuidado a atravessar a rua. os g meos est o com fome? d -nos� � �bocados de queijo, presunto e bananas, mas eu n o consigo�comer bananas desde que vi o p ssaro a cuspir sangue para o�cuchulain. o homem diz que se chama sr. dimino e que aquela senhoraque est ao balc o a mulher dele, angela. eu digo-lhe que a� � �minha m e tamb m se chama angela. a s rio, filho? a tua m e� � � �chama-se ange la? n o sabia que os irlandeses tinham angelas.� �ei, angela, a m e dele chama-se angela. ela sorri e diz, que�engra ado.� o sr. dimino pergunta-me onde que est a m e e o pai e� � �quem que faz comida para n s. eu digo-lhe que a sra.� � �leibowitz e a minnie macadorey que nos d o a comida.�conto-lhe tudo das fraldas e dos cueiros e que, sejam fraldasou cueiros, est o sempre cheios de coco e ele ri-se. est s a� �ouvir isto, angela? gra as a deus que s italiana, angela. ele� �diz, ouve, filho, tenho de falar com a sra. leibowitz. voc s�t m de ter algum parente que tome conta de voc s. � �quando virem a minnie macadorey, digam-lhe que venha tercomi go. voc s est o abandonados.� � �

est o duas mulheres grandalhonas porta. dizem, quem s� � �tu? sou o frank. frank! quantos anos tens? tenho quatro, quase cinco. n o s muito grande para a tua idade, pois n o?� � � n o sei.� a tua m e est c ?� � � est deitada.� o que que ela est a fazer na cama em pleno dia com um� �tempo destes ? est a dormir.� bem, n s vamos entrar. temos de falar com a tua m e.� � passam por mim de rasp o e entram no quarto. jesus, maria e�jos , o cheiro que est neste quarto. e quem s o estas� � �crian as?� o malachy corre para as mulheres, a sorrir. quando elesorri, v em-se os dentinhos dele, muito brancos, muito�

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direitos e muito bonitos e os olhinhos azuis dele ficam muitobrilhantes e as boche chas muito coradas. tudo isto faz com�que as mulheres sorriam e eu pergunto a mim pr prio porque � �que elas n o sorriram quando falaram comigo.� o malachy diz, eu sou o malachy e este o oliver e este � �o eugene, s o g meos, e aquele ali o frankie.� � � a grandalhona de cabelo castanho diz, n o s nada� �envergonhado, pois n o? eu sou prima da tua m e, sou a� �philomena e ela prima da tua m e; a delia. sou a sra. flyn� � �e ela a sra. fortune e assim que voc s devem tratar-nos.� � � valha-me deus, diz a philomena. os g meos est o nus. n o� � �t m roupa para eles?� o malachy diz, est o todos cagados.� a delia come a a berrar. v s. o que acontece. sem tento� � �ne nhum na l ngua, mas tamb m n o admira, sendo o pai do� � � �norte. isso n o se diz. uma palavra feia. podes ir parar ao� �inferno por dizeres uma palavra dessas. o que o inferno? pergunta o malachy. n o h s-de tardar� � �muito a saber, diz a delia. as grandalhonas est o sentadas mesa com a sra. leibowitz� �e a minnie macadorey. a philomena diz que foi terr vel o que�aconteceu beb da angela. souberam do caso e uma pessoa fica� �a pensar o que ter o feito do corpo, n o ? tu podes ter� � �d vidas e eu posso ter d vidas mas o tommy flynn n o tem. o� � �tommy diz que foi esse do norte, o malachy, que vendeu o corpoda beb . vendeu? diz a sra. leibowitz. isso mesmo, diz a�philomena. vendeu. compram corpos de todas as idades parafazerem experi ncias com eles e n o resta muito para devol ver� � �s fam lias, nem ningu m quereria bocados de um beb se n o� � � � �podem ser enterrados em ch o aben oado nesse estado.� � que horror, diz a sra. leibowitz. n o h nenhum pai nem m e� � �que d um filho para tal coisa.� d o, sim, diz a delia, quando t m o v cio da bebida. at as� � � �m es deles seriam capazes de vender quando t m esse v cio, por� � �que n o h o-de vender uma beb que at j est morta?� � � � � � a sra. leibowitz abana a cabe a em sinal de desaprova o e� ��balan a-se na cadeira. oi, diz ela, oi, oi, oi. pobre beb .�� �pobre m e. gra as a deus que o meu marido n o tem isso --como� � � que voc s lhe chamam? v cio? sim, isso, v cio. os� � � � �irlandeses que t m esse v cio.� � � o meu marido n o, diz a philomena. rebentava-lhe a cara, se�alguma vez me aparecesse em casa assim. claro que o jimmy dadelia tem o v cio. todas as sextas-feiras noite se mete no� �bar. n o precisas de come ar a insultar o meu jimmy, diz a� �delia. ele trabalha. traz o dinheiro para casa. melhor ficares de olho nele, diz a philomena. o v cio� �pode apoderar-se dele e ficas com outro malachy do norte nasm os.� mete-te na tua vida, diz a delia. pelo menos o jimmy �irland s, n o nasceu em brooklyn como o teu tommy.� � e a philomena fica sem resposta para isto. a minnie tem a beb dela ao colo e as grandalhonas dizem�que uma beb muito linda, muito limpinha, n o como aqueles� � � �maltra pilhos da angela, a correrem de um lado para o outro. a�philomena diz que n o sabe como que a angela se fez t o� � �desmazelada porque a m e dela era uma mulher muito asseada,�podia-se comer no ch o da casa dela.�

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pergunto a mim pr prio por que raz o h -de algu m querer� � � �comer no ch o, se tem uma mesa e uma cadeira.� a delia diz que preciso fazer alguma coisa pela angela e�por estas crian as, porque est o uma desgra a, ah isso que� � � �est o, at fazem uma pessoa sentir-se envergonhada de ser da� �fam lia deles. e preciso escrever uma carta m e da angela. � � � �a philomena que vai escrever porque, uma vez, um professor emlimerick disse-lhe que ela tinha uma boa caligrafia. a deliatem de explicar Sra. leibowitz que uma boa caligrafia quer�dizer uma letra bonita. a sra. leibowitz vai ao fundo do corredor buscar a canetade tinta permanente do marido, papel e um envelope. sentam-seas quatro volta da mesa a escreverem uma carta para mandarem� m e da minha m e:� � �

querida tia margaret,

aqui estou a escrever-lhe esta carta e espero que a v�encontrar de boa sa de como a n s todos. o meu marido tommy� �est bom, anda a trabalhar, e o marido da delia, o jimmy,�tamb m est bom e a trabalhar e espero que esta carta tamb m a� � �v encontrar bem. custa-me muito dizer-lhe, mas a angela n o� �est bem, porque lhe morreu uma beb , uma menina que se� �chamava margaret como a senhora, e a angela desde ent o nunca�mais foi a mesma, est sempre deitada de cara voltada para a�parede. para piorar ainda mais as coisas, est outra vez de�esperan as e tanta coisa j de mais. mal acaba de perder uma� � �crian a e j vem outra a caminho. em quatro anos de casada,� �tem cinco filhos e mais um a caminho. para ver o que pode�acontecer quando se casa com algu m do norte porque n o t m� � �m o neles, s o uma cambada de protestan tes. ele sai todos os� � �dias para ir trabalhar mas n s sabemos que passa o tempo todo�nas tabernas e que ganha uns d lares a varrer o ch o e a� �carregar barris mas gasta logo o dinheiro na bebida. umadesgra a, tia margaret, e todos n s achamos que a angela e as� �crian as estariam melhor na terra delas. n s n o temos� � �dinheiro para lhes comprar as passagens porque a vida est�muito dif cil, mas talvez a senhora consiga qualquer coisa.�esperando que esta a v encontrar de boa sa de como n s� � �estamos, gra as a deus e Sua santa m e.� � �

desta sua sobrinha que lhe quer muito bem philomena flynn (dantes era macnamara)e por fim, mas n o por lhe querer menos bem a sua sobrinha�delia fortune (que dantes tamb m era macnamara, ah!, ah!,�ah!)

a av Sheehan mandou dinheiro para a philomena e a delia.�elas compraram os bilhetes, arranjaram uma mala de viagem nasociedade de s o vicente de paulo, alugaram uma camioneta para�nos levar at ao porto de manhattan, meteram-nos no navio,�disseram adeus e boa viagem, e foram-se embora. o navio afastou-se do cais, a m e disse, aquela a est tua� � �da liberdade e aquilo Ellis island, para onde vieram todos�os imigran tes. depois virou-se de lado e vomitou e o vento�vindo do atl ntico espalhou o vomitado por cima de n s e por� �cima de outras pessoas felizes a admirarem a vista. ospassageiros fugiram a praguejar, vie ram gaivotas de todos os�

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lados e a m e, muito p lida, amparou-se com dificuldade � � �balaustrada do navio.

passados dois dias o pai regressa a casa da sua viagem �procura de cigarros. chega a meio da noite, mas tira-nos dacama, a mim e ao malachy. obriga-nos a ficar em sentido nacozinha. somos soldados. diz que temos de prometer quemorreremos pela irlanda. sim, pai, prometemos. cantamos todos juntos o kevin barry,

*foi naquela manh em mountjoy, �que ainda jovem kevin barry deu a vida no alto da tem vel forca, �pela cansa da liberdade. era um jovem s com dezoito anos �e ningu m pode negar �que naquela manh a caminho da morte �manteve sempre a cabe a levantada*.�

algu m bate porta, o sr. macadorey. oh!, malachy, por� � �amor de deus, s o tr s da manh . acordaste a casa toda com� � �essa cantoria. oh!, dan, s estou a ensinar os rapazes a morrerem pela�irlanda. podes ensin -los a morrerem pela irlanda de dia, malachy. � urgente, dan, urgente.� � eu sei, malachy, mas eles ainda s o pequeninos. uns beb s.� �v , agora porta-te como um homem de bem e vai para a cama,� para a cama, dan! o que que eu vou fazer para a cama?�est ali a carinha dela dia e noite, os carac is pretos e� �aqueles lindos olhos azuis. oh!, meu jesus, dan, o que que�eu hei-de fazer? achas que foi de fome que ela morreu, dan? claro que n o. a tua mulher estava a dar-lhe de mamar. foi�deus que a levou. ele l tem as suas raz es.� � s mais uma can o antes de irmos para a cama, dan.� �� boa noite, malachy. v , rapazes. cantem.�

*porque amava a sua p tria, �porque amava aquele pa s �vai ao encontro do sen destino com um semblante orgulhoso e feliz; pela verdade e pela liberdade segue o sen caminho determinado; o jovem roddy mccorley vai morrer hoje na ponte de toome enforcado*.

morrer o pela irlanda, n o , rapazes?� � � sim, pai. e vamos todos encontrar-nos com a vossa irm zinha no c u,� �n o vamos, rapazes?� vamos, pai. o meu irm o est de p com a cara encostada a uma perna da� � �mesa e adormece. o pai pega nele, atravessa o quarto aostrope es com ele ao colo e p e-no na cama ao p da minha m e.�� � � �eu vou para a cama e o meu pai, com a mesma roupa com queestava, deita-se ao meu lado. queria que ele pusesse os bra os�

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minha volta, mas ele continua a cantar can es do roddy� ��mccorey e a falar com a margaret, oh!, meu amorzinho decarac is pretos e olhos azuis, havia de te vestir de seda e�levar-te ao lago neagh, at que o dia aparece janela e eu� �adorme o.� nessa noite, o cuchulain vem ter comigo. tem um grandep ssaro verde pousado no ombro, que continua a cantar can es� ��ao kevin barry e ao roddy mccorley, mas eu n o gosto do�p ssaro porque, quando canta, sai-lhe sangue da boca.�cuchulain tem, numa m o, a *gae bolga*, a lan a t o poderosa� � �que s ele consegue atirar. na outra m o traz uma banana, que� �est sempre a querer oferecer ao p ssaro, � �que n o faz mais nada sen o dar uns pios roucos e cuspir� �sangue para cima dele. gostava de saber como que o cuchulain�aguenta um p ssaro assim. se os g meos alguma vez cuspissem� �sangue para cima de mim quando eu lhes oferecesse uma banana,acho que lhes dava com a banana na cabe a.� de manh o meu pai est sentado mesa da cozinha e eu� � �conto-lhe o meu sonho. ele diz que naquele tempo n o havia�bananas na irlanda e, mesmo que houvesse, cuchulain nuncaofereceria nenhuma quele p ssaro, porque era o que no ver o� � �veio de inglaterra e se empoleirou no ombro dele, quandoestava a morrer apoiado numa pedra, e quan do os homens de�erin, que a irlanda, o quiseram matar tiveram medo, at que� �viram o p ssaro a beber o sangue de cuchulain e foi assim que�souberam que n o havia perigo em atac -lo, aqueles maldi tos� � �cobardes. como v s, tens de ter cuidado com os p ssaros,� �francis, com os p ssaros e com os ingleses.�

a m e passa a maior parte do dia metida na cama com a cara�voltada para a parede. se bebe ch ou come alguma coisa,�vomita para o balde que est por debaixo da cama e eu tenho de�esvazi -lo e lav -lo no lavat rio ao fundo do corredor. a sra.� � �leibowitz traz-lhe sopa e um p o esquisito, todo torcido. a�m e tenta cortar uma fatia, mas a sra. leibowitz ri-se e�diz-lhe que puxe. o malachy chama-lhe p o de puxar, mas a sra.�leibowitz diz, n o, *challah*, e ensina-nos a dizer a� �palavra. abana a cabe a. oi, voc s, os irlande ses. nem que� � �vivam para sempre h o-de aprender a dizer *challah* como os�judeus. a minnie macadorey traz batatas e couves e, s vezes, um�bocado de carne. oh!, a vida est dif cil, angela, mas aquele� �homem encanta dor, o sr. roosevelt, h -de arranjar emprego� �para toda a gente, e o teu marido ter trabalho. pobre homem,�ele n o tem culpa de estar a haver uma depress o. passa dia e� �noite procura de trabalho. o meu dan tem sorte, h quatro� �anos que est na cidade e n o bebe. veio de toome como o teu� �marido. alguns bebem. outros n o. uma praga dos irlandeses.� �agora come, angela. depois da perda que sofreste, tens dearranjar for as.�o sr. macadorey diz ao pai que se arranja trabalho na wpa(*)

(*) wpa -- works progress administration, organiza o��criada em 1935. (nt).

e, quando o pai arranja trabalho, h dinheiro para a comida e�a m e levanta-se para lavar os g meos e para nos dar de comer.� �

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quando o pai chega a casa com o cheiro da bebida n o h� �dinheiro e a m e grita com ele at os g meos come arem a� � � �chorar, e eu e o malachy fugimos para o parque infantil.nessas noites a m e vai para a cama quase de rastos e o pai�canta as can es tristes que falam da irlanda. porque que�� �ele n o a abra a e a ajuda a adormecer como costuma va fazer � � � �minha irm zinha que morreu? por que que ele n o canta uma� � �das can es da margaret ou uma can o qualquer que lhe limpe�� ��as l grimas? continua a obrigar-nos, a mim e ao malachy, a�sair da cama s de camisa e a prometer que morreremos pela�irlan da. houve uma noite em que quis que os g meos tamb m� � �prome tessem que morreriam pela irlanda, mas eles ainda nem�sabem falar e a m e gritou com ele, meu doido malvado, n o� �podes deixar as crian as em paz?� ele diz que nos d uma moeda para um gelado se prometermos�morrer nela irlanda e n s prometemos mas nunca recebemos a�moeda.

a sra. leibowitz d -nos sopa e a minnie macadorey pur de� �batata, e mostram-nos como havemos de tratar dos g meos,�lavar-lhes o rabo e lavar as fraldas, quando eles as enchem decoc . A sra. leibowitz chama-lhes fraldas e a minnie�chama-lhes cueiros, mas n o interessa o nome que eles d o� �quilo, porque seja como for os g meos enchem-nas de coco.� �quando a m e fica na cama e o pai sai procura de trabalho� �podemos fazer o que queremos durante todo o dia. pode mos p r� �os g meos nos baloi os pequenos no parque e empurr -los at� � � �eles ficarem com fome e come arem a chorar. o italiano�chama -me do outro lado da rua. ei, frankie, anda c . tem� �cuidado a atravessar a rua. os g meos est o com fome? d -nos� � �bocados de queijo, presunto e bananas, mas eu n o consigo�comer bananas desde que vi o p ssaro a cuspir sangue para o�cuchulain. o homem diz que se chama sr. dimino e que aquela senhoraque est ao balc o a mulher dele, angela. eu digo-lhe que a� � �minha m e tamb m se chama angela. a s rio, filho? a tua m e� � � �chama-se ange la? n o sabia que os irlandeses tinham angelas.� �ei, angela, a m e dele chama-se angela. ela sorri e diz, que�engra ado.� o sr. dimino pergunta-me onde que est a m e e o pai e� � �quem que faz comida para n s. eu digo-lhe que a sra.� � �leibowitz e a minnie macadorey que nos d o a comida.�conto-lhe tudo das fraldas e dos cueiros e que, sejam fraldasou cueiros, est o sempre cheios de coco e ele ri-se. est s a� �ouvir isto, angela? gra as a deus que s italiana, angela. ele� �diz, ouve, filho, tenho de falar com a sra. leibowitz. voc s�t m de ter algum parente que tome conta de voc s. � �quando virem a minnie macadorey, digam-lhe que venha tercomi go. voc s est o abandonados.� � �

est o duas mulheres grandalhonas porta. dizem, quem s� � �tu? sou o frank. frank! quantos anos tens? tenho quatro, quase cinco.� n o s muito grande para a tua idade, pois n o?� � � n o sei.� a tua m e est c ?� � �

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est deitada.� o que que ela est a fazer na cama em pleno dia com um� �tempo destes? est a dormir.� bem, n s vamos entrar. temos de falar com a tua m e.� � passam por mim de rasp o e entram no quarto. jesus, maria e�jos , o cheiro que est neste quarto. e quem s o estas� � �crian as?� o malachy corre para as mulheres, a sorrir. quando elesorri, v em-se os dentinhos dele, muito brancos, muito�direitos e muito bonitos e os olhinhos azuis dele ficam muitobrilhantes e as boche chas muito coradas. tudo isto faz com�que as mulheres sorriam e eu pergunto a mim pr prio porque � �que elas n o sorriram quando falaram comigo.� o malachy diz, eu sou o malachy e este o oliver e este � �o eugene, s o g meos, e aquele ali o frankie.� � � a grandalhona de cabelo castanho diz, n o s nada� �envergonhado, pois n o? eu sou prima da tua m e, sou a� �philomena e ela prima da tua m e; a delia. sou a sra. flyn� � �e ela a sra. fortune e assim que voc s devem tratar-nos.� � � valha-me deus, diz a philomena. os g meos est o nus. n o� � �t m roupa para eles?� o malachy diz, est o todos cagados.� a delia come a a berrar. v s. o que acontece. sem tento� � �ne nhum na l ngua, mas tamb m n o admira, sendo o pai do� � � �norte. isso n o se diz. e uma palavra feia. podes ir parar ao�inferno por dizeres uma palavra dessas. o que o inferno? pergunta o malachy. n o h s-de tardar� � �muito a saber, diz a delia. as grandalhonas est o sentadas mesa com a sra. leibowitz� �e a minnie macadorey. a philomena diz que foi terr vel o que�aconteceu beb da angela. souberam do caso e uma pessoa fica� �a pensar o que ter o feito do corpo, n o ? tu podes ter� � �d vidas e eu posso ter d vidas mas o tommy flynn n o tem. o� � �tommy diz que foi esse do norte, o malachy, que vendeu o corpoda beb . vendeu? diz a sra. leibowitz. isso mesmo, diz a�philomena. vendeu. compram corpos de todas as idades parafazerem experi ncias com eles e n o resta muito para devol ver� � �s fam lias, nem ningu m quereria bocados de um beb se n o� � � � �podem ser enterrados em ch o aben oado nesse estado.� � que horror, diz a sra. leibowitz. n o h nenhum pai nem m e� � �que d um filho para tal coisa.� d o, sim, diz a delia, quando t m o v cio da bebida. at as� � � �m es deles seriam capazes de vender quando t m esse v cio, por� � �que n o h o-de vender uma beb que at j est morta?� � � � � � a sra. leibowitz abana a cabe a em sinal de desaprova o e� ��balan a-se na cadeira. oi, diz ela, oi, oi, oi. pobre beb .�� �pobre m e. gra as a deus que o meu marido n o tem isso --como� � � que voc s lhe chamam? v cio? sim, isso, v cio. os� � � � �irlandeses que tem esse v cio.� � o meu marido n o, diz a philomena. rebentava-lhe a cara, se�alguma vez me aparecesse em casa assim. claro que o jimmy dadelia tem o v cio. todas as sextas-feiras noite se mete no� �bar. n o precisas de come ar a insultar o meu jimmy, diz a� �delia. ele trabalha. traz o dinheiro para casa. melhor ficares de olho nele, diz a philomena. o v cio� �pode apoderar-se dele e ficas com outro malachy do norte nas

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m os.� mete-te na tua vida, diz a delia. pelo menos o jimmy �irland s, n o nasceu em brooklyn como o teu tommy.� � e a philomena fica sem resposta para isto. a minnie tem a beb dela ao colo e as grandalhonas dizem�que uma beb muito linda, muito limpinha, n o como aqueles� � � �maltra pilhos da angela, a correrem de um lado para o outro. a�philomena diz que n o sabe como que a angela se fez t o� � �desmazelada porque a m e dela era uma mulher muito asseada,�podia-se comer no ch o da casa dela.� pergunto a mim pr prio por que raz o h -de algu m querer� � � �comer no ch o, se tem uma mesa e uma cadeira.� a delia diz que preciso fazer alguma coisa pela angela e�por estas crian as, porque est o uma desgra a, ah isso que� � � �est o, at fazem uma pessoa sentir-se envergonhada de ser da� �fam lia deles. preciso escrever uma carta m e da angela.� � � � a philomena que vai escrever porque, uma vez, um professor�em limerick disse-lhe que ela tinha uma boa caligrafia. adelia tem de explicar Sra. leibowitz que uma boa caligrafia�quer dizer uma letra bonita. a sra. leibowitz vai ao fundo do corredor buscar a canetade tinta permanente do marido, papel e um envelope. sentam-seas quatro volta da mesa a escreverem uma carta para mandarem� m e da minha m e:� � �

querida tia margaret,

aqui estou a escrever-lhe esta carta e espero que a v�encontrar de boa sa de como a n s todos. o meu marido tommy� �est bom, anda a trabalhar, e o marido da delia, o jimmy,�tamb m est bom e a trabalhar e espero que esta carta tamb m a� � �v encontrar bem. custa-me muito dizer-lhe, mas a angela n o� �est bem, porque lhe morreu uma beb , uma menina que se� �chamava margaret como a senhora, e a angela desde ent o nunca�mais foi a mesma, est sempre deitada de cara voltada para a�parede. para piorar ainda mais as coisas, est outra vez de�esperan as e tanta coisa j de mais. mal acaba de perder uma� � �crian a e j vem outra a caminho. em quatro anos de casada,� �tem cinco filhos e mais um a caminho. para ver o que pode�acontecer quando se casa com algu m do norte porque n o t m� � �m o neles, s o uma cambada de protestan tes. ele sai todos os� � �dias para ir trabalhar mas n s sabemos que passa o tempo todo�nas tabernas e que ganha uns d lares a varrer o ch o e a� �carregar barris mas gasta logo o dinheiro na bebida. umadesgra a, tia margaret, e todos n s achamos que a angela e as� �crian as estariam melhor na terra delas. n s n o temos� � �dinheiro para lhes comprar as passagens porque a vida est�muito dif cil, mas talvez a senhora consiga qualquer coisa.�esperando que esta a v encontrar de boa sa de como n s� � �estamos, gra as a deus e Sua santa m e.� � �

desta sua sobrinha que lhe quer muito bem philomena flynn (dantes era macnamara)e por fim, mas n o por lhe querer menos bem a sua �sobrinha delia fortune (que dantes tamb m era macnamara, ah!,�ah!, ah!)

a av Sheehan mandou dinheiro para a philomena e a delia.�

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elas compraram os bilhetes, arranjaram uma mala de viagem nasociedade de s o vicente de paulo, alugaram uma camioneta para�nos levar at ao porto de manhattan, meteram-nos no navio,�disseram adeus e boa viagem, e foram-se embora. o navio afastou-se do cais, a m e disse, aquela a est tua� � �da liberdade e aquilo Ellis island, para onde vieram todos�os imigran tes. depois virou-se de lado e vomitou e o vento�vindo do atl ntico espalhou o vomitado por cima de n s e por� �cima de outras pessoas felizes a admirarem a vista. ospassageiros fugiram a praguejar, vie ram gaivotas de todos os�lados e a m e, muito p lida, amparou-se com dificuldade � � �balaustrada do navio.

ii

ao fim de uma semana cheg mos a molville, no condado de�donegal, onde apanh mos um autocarro para belfast e depois�outro autocarro para toome, no condado de antrim. deix mos a�mala numa loja, e prepar mo-nos para a caminhada de quase�cinco quil metros at casa do av Mccourt. estava escuto� � � �na estrada, o dia nascia lentamente nas colinas l ao fundo.� o pai levava os g meos ao colo, que choravam�ininterruptamente, ora um, ora outro, de fome. a m e tinha de�parar de poucos em poucos minutos para se sentar a descansarnuma pedra beira da estrada. n s sent vamo-nos tamb m e� � � �amos vendo o c u a ficar primeiro vermelho e depois azul. os� �p ssaros come aram e chilrear e a cantar nas rvores, e quando� � �amanheceu, vimos uns bichos estra nhos nos campos, de p , a� �olharem para n s. o malachy disse, que bichos s o aqueles,� �pai? s o vacas, filho.� o que s o vacas, pai?� vacas s o vacas, filho.� continu mos a caminhar pela estrada cada vez mais clara e�vimos outros bichos nos campos, com muitos p los.� o malachy disse, que bichos s o aqueles, pai?� s o ovelhas, filho.� o que s o ovelhas, pai?� o meu pai, ent o, gritou-lhe, ser que as tuas perguntas� �n o t m fim? as ovelhas s o ovelhas, as vacas s o vacas, e ali� � � �ainda est uma cabra, e uma cabra uma cabra. a cabra d� � �leite, a ovelha d l , a vaca d tudo. ser que ainda queres� � � �saber mais alguma coisa, santo deus? e o malachy choramingou assustado, porque o pai nuncafalava assim, nunca ralhava connosco. podia obrigar-nos a sairda cama a meio da noite e a prometer que morrer amos pela�irlanda, mas nunca ralhava assim connosco. o malachy foi acorrer para a m e e ela dis se-lhe, pronto, querido, pronto,� �n o chores. o teu pai est cansado de levar os g meos ao� � �colo e dif cil responder a tantas perguntas quando se anda a� �atravessar meio mundo com g meos ao colo.� o pai p s os g meos no ch o e estendeu os bra os para o� � � �malachy. ent o, come aram os g meos a chorar e o malachy� � �agarrou-se M e, a solu ar. as vacas mugiram, as ovelhas� � �baliram, a cabra berrou, os p ssaros chilrearam nas rvores e,� �por cima de tudo isso, ouviu-se a buzina de um carro. um homemgritou-nos de dentro do carro, santo deus, o que que voc s� �

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andam a fazer por aqui a esta hora da manh de um domingo de�p scoa?� o pai disse, bom dia, padre. (*)

(*) *father*, que em ingl s tamb m significa pai (nt).� � � �

pai? disse eu. o pai do pai?� a m e disse, n o lhe perguntes nada.� � o pai respondeu, n o, n o, um padre.� � � o malachy disse, o que um... ? mas a m e tapou-lhe a boca� �com a m o.� o padre tinha o cabelo branco e um colarinho tamb m branco.�perguntou para onde que amos.� � o pai respondeu, para casa dos mccourts de moneyglass, l�ao cimo, e o padre levou-nos no carro dele. disse que conheciaos mccourts, que eram boa gente, bons cat licos, alguns�comungavam todos os dias, e que esperava ver-nos a todos namissa, prin ipalmente aos pequenos yankees que nem sabiam o�que era um padre, valha-nos deus. quando cheg mos casa, a minha m e preparava-se para abrir� � �o ferrolho do port o, mas o pai diz, n o, por a n o. pelo� � � �port o da frente, n o. o port o da frente s para o padre ou� � � � �para os enterros. damos a volta casa at porta da cozinha. o pai empurra� � �a porta e vemos o av Mccourt a beber ch de uma grande� �caneca e a av Mccourt a fritar qualquer coisa.� oh!, diz o av , j chegaram.� � oh!, pois j , diz o pai. aponta para a minha m e e diz,� �esta a angela. o av diz, oh!, deves estar estafada, angela.� �a av n o diz nada e torna a ir tomar conta da frigideira. o� �av leva-nos da cozinha para uma grande sala onde h uma mesa� �comprida e cadeiras. sen tem-se, diz ele, e bebam ch . querem� �*boxty*? o malachy diz, o que *boxty*?� o pai ri-se. s o panquecas, filho. panquecas feitas com�batatas. o av diz, tamb m h ovos. domingo de p scoa, por isso� � � � �podem comer os ovos todos que quiserem. bebemos ch e comemos *boxty* e ovos cozidos e depois�adormece mos. acordo numa cama com o malachy e os g meos. os� �meus pais est o noutra cama ao p da janela. onde que eu� � �estou? est a ficar escuro. isto n o o navio. a minha m e� � � �est a ressonar e o meu pai est a roncar. levanto-me e toco� �no pai. preciso de fazer chichi. ele diz, faz no bacio. o qu ?� debaixo da cama, filho. o bacio. tem rosas e donzelas adan arem num vale. faz chichi l para dentro, filho.� � tenho vontade de lhe perguntar do que que ele est a� �falar, porque mesmo estando a rebentar acho estranho fazerchichi para dentro de uma panela com rosas e donzelas adan arem. n o t nha mos nada daquilo na classon avenue, onde a� � � �sra. leibowitz cantava na casa de banho enquanto n s�esper vamos, apertados, no corredor.� agora o malachy que tem de ir ao bacio, mas ele quer�sentar-se nele. o pai diz, n o, filho, n o podes fazer isso.� �tens de ir l fora. quando ele diz aquilo, eu tamb m fico com� �vontade de ir l fora para me sentar. leva-nos pela escada�abaixo, atravessamos a sala grande onde o av est a ler junto� �

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lareira e a av est a dormitar na cadeira dela. est escuro� � � �l fora, embora o luar seja suficientemente intenso para�vermos onde estamos a p r os p s. o pai abre a porta de uma� �casinha que tem um assento com um buraco. mostra-nos, a mim eao malachy, como devemos sentar-nos no buraco e como devemoslim par-nos com quadrados de papel de jornal que est o� �espetados num prego. depois diz-nos para esperarmos enquantoele vai l dentro, fecha a porta e geme. a lua est t o� � �brilhante que eu consigo ver os campos e aqueles bichoschamados vacas e ovelhas e pergunto a mim pr prio porque n o� �ir o eles para casa.� dentro de casa est o outras pessoas na sala com os meus�av s. o pai diz, estas s o as vossas tias: emily, nora,� �maggie, vera. a vos sa tia vera mora em ballymena e tem�meninos como voc s. as minhas tias n o s o como a sra.� � �leibowitz nem como a minnie macadorey. dizem que sim com acabe a, mas n o nos abra am nem sorriem. a m e vem a entrar na� � � �sala com os g meos e quando o pai diz s irm s, esta a� � � �angela e estes s o os g meos, elas tornam a acenar com a� �cabe a e mais nada.� a av vai para a cozinha e passado um bocado traz-nos p o� �com salsichas e ch . o nico que fala mesa o malachy.� � � �aponta para as tias com a colher e pergunta-lhes outra vezcomo se chamam. quando a m e lhe diz para comer a salsicha e�estar calado, ele fica com os olhos rasos de gua e a tia nora�vai ao p dele para o reconfortar. diz, �pronto, pronto, e eu pergunto a mim pr prio porque que toda� �a gente diz pronto, pronto, quando o malachy chora. gostava desaber o que, pronto, pronto, quer dizer. ningu m fala mesa at que o pai diz, as coisas est o� � � �terr veis na am rica. a av diz, oh!, pois. li isso no jornal.� � �mas dizem que o sr. roosevelt um bom homem, e se l tivesses� �ficado talvez a esta hora j tivesses trabalho.� o pai abana a cabe a e a av diz, n o sei o que vais fazer,� � �malachy. as coisas aqui ainda est o piores do que na am rica.� �n o h trabalho e deus bem sabe que n o temos espa o nesta� � � �casa para mais seis pessoas. o pai diz, pensei que podia trabalhar numa das quintas.pod amos arranjar uma casinha para n s.� � e onde que ficavam at l ? diz a av . E como que ias� � � � �ganhar para ti e para a tua fam lia?� oh!, podia ir para o desemprego, acho eu. n o se pode desembarcar de um navio vindo da am rica e ir� �para o desemprego, diz o av . Obrigam-te a esperar algum tempo�e o que que vais fazer enquanto est s espera?� � � o pai n o diz nada e a m e olha em frente para a parede.� � era melhor ires para o estado livre, diz a av . Dublin � �grande e certamente que h trabalho l ou nas quintas volta.� � � tamb m tens direito a dinheiro do ira, diz o av .� �contribu ste com a tua parte e eles t m estado a dar dinheiro� �a homens de todo o estado livre. podias ir para dublin e pedirajuda. podemos empres tar-te o dinheiro para o bilhete da�camioneta at Dublin. os g meos podem ir sentados ao teu colo� �e assim j n o tens de pagar bilhete para eles.� � o pai diz, oh!, pois, e a m e olha para a parede, mas tem�l grimas nos olhos.�

depois de comermos fomos para a cama e, na manh seguinte,�

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todos os adultos estavam sentados com uma cara triste. passadopou co tempo chegou um homem num carro e levou-nos estrada�abaixo at loja onde t nhamos deixado a nossa mala. puseram� � �a mala no tejadilho de um autocarro e n s entramos para dentro�do autocarro. o pai disse que amos para dublin. o malachy�perguntou, o que Dublin? mas ningu m lhe respondeu. o pai� �levou o eugene ao colo e a m e levou o oliver. o pai olhou�para os campos e disse-me que era ali que cuchulain gostava depassear. perguntei-lhe onde que cuchulain tinha acertado�com a bola na boca do c o e ele disse que tinha sido uns�quil metros mais frente.� � o malachy disse, olhem; olhem, e n s olh mos. era um grande� �len ol de gua prateada e o pai disse que era o lago neagh, o� �maior lago da irlanda, o lago onde cuchulain costumava nadardepois das grandes batalhas. cuchulain ficava a escaldar tantoque, quando salta va para o lago neagh, ele come ava a ferver� �e aquecia os campos em volta durante dias a fio. qualquer diahav amos de voltar todos ali e ir nadar como cuchulain fazia.�hav amos de pescar enguias e frit -las numa frigideira e n o� � �fazer como cuchulain, que as apanhava no lago e as engolia, acontorcerem-se, porque as enguias d o muita for a.� � verdade, pai� .� a m e n o olhou pela janela para o lago neagh. tinha a cara� �apoiada na cabe a do oliver e os olhos pousados no ch o do� �autocarro. passado pouco tempo o autocarro chega a um lugar com casasgrandes, carros, cavalos a puxarem carro as, pessoas a andarem�de bicicleta e centenas de pessoas a andarem a p . o malachy�fica todo excitado. pai, pai, onde que est o parque� �infantil, os baloi os? quero ver o freddie leibowitz.� oh!, filho, agora estamos em dublin, muito longe da classonavenue. est s na irlanda, muito longe de nova iorque. �

quando chegamos esta o, o autocarro p ra, tiram a mala� �� �do tejadilho e pousam-na no ch o. o pai diz M e que se sente� � �num banco na esta o enquanto ele vai falar com o homem do��ira a um lugar chamado terenure. diz que h casas de banho�na esta o para os rapazes, que n o se demora e que quando�� �voltar vai ter dinheiro para comermos todos. diz-me para ircom ele, mas a m e diz, n o, preciso que ele me ajude. mas� �quando o pai diz, vou precisar de ajuda para trazer aqueledinheiro todo, ela d uma gargalhada e diz, est bem, vai com� �o teu paizinho. o teu paizinho. quer dizer que est bem-disposta. quando�ela diz o teu pai porque est zangada.� � eu vou quase a correr para conseguir acompanhar o pai e eled -me a m o. ele anda depressa, muito longe at Terenure.� � � �pode ser que ele me leve ao colo como fez com os g meos em�toome. mas ele continua a caminhar com grandes passadas e n o�diz nada a n o ser quando pergunta a algu m onde que fica� � �terenure. passado algum tempo diz que j cheg mos a terenure e� �que agora temos de descobriro sr. charles heggarty do ira. um homem com uma vendacor-de -rosa num olho diz-nos que mesmo naquela rua, que o� �charlie heggarty mora no n mero catorze, raios o partam. o�homem diz ao pai, vejo que voc tamb m deu o seu contributo. o� �

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pai diz, oh!, pois dei, e o homem diz, tamb m eu dei, e a�nica coisa que consegui foi ficar sem um olho e com uma�pens o que n o d nem para� � �alimentar um can rio.� mas agora a irlanda livre, e isso muito bom.� � livre, uma merda, diz o homem. acho que viv amos melhor com�os ingleses a mandarem em n s. bem, seja como for, desejo-lhe�boa sorte, pois sei ao que vem. uma mulher abre a porta do n mero catorze. lamento muito,�mas o sr. heggarty est ocupado. o pai diz-lhe que andou�aquele caminho todo desde o centro de dublin com o filho aindapequenino, e que deixou a mulher e mais tr s filhos espera� �na esta o das camionetas, e que se o sr. heggarty est assim�� �t o ocupado, ele fica porta espera.� � � a mulher volta passado um minuto para dizer que o sr.heggarty pode receb -lo por um instante e manda-o entrar. o�sr. heggarty est sentado a uma secret ria ao lado de uma� �lareira chamejante. pergunta, em que posso ajud -lo? o pai�est de p em frente da secret ria e diz, acabei de regressar� � �da am rica com mulher e quatro filhos. n o temos nada. combati� �numa unidade m vel durante a guerra e�tenho esperan as de que me possa ajudar agora num momento de�necessidade. o sr. heggarty toma nota do nome do pai e folheia umlivro enorme que tem em cima da secret ria. abana a cabe a� �e diz, n o, n o tenho aqui registo nenhum de que tenha� �combatido. o pai faz um longo discurso. conta ao sr. heggarty comocombateu, quando, onde, como teve de sair da irlanda s�escondidas por ter a cabe a a pr mio e como tem ensinado aos� �seus filhos a amarem a irlanda. o sr. heggarty diz que lamenta muito mas que n o pode dar�dinheiro a todos os homens que ali aparecem a dizerem quederam o seu contributo. o pai vira-se para mim e diz, nunca teesque as disto, francis. esta a nova irlanda. homens� �pequeninos em cadeiras pequeninas com papelinhos pequeninos.esta a irlanda por que tantos homens morreram. � o sr. heggarty diz que vai ver o que pode fazer pelo pedidodo pai e que depois lhe dir . vai dar-nos dinheiro para�podermos regressar cidade de autocarro. o pai olha para�as moedas que o sr. haggerty tem na m o e diz, podia juntar a� �qualquer coisa para uma cerveja. ah!, ent o o que voc quer bebida, n o ?� � � � � n o se pode dizer que uma cerveja seja bebida.� n o se importava de fazer o caminho todo a p e obrigar a� �crian a a andar para poder beber uma cerveja, n o era?� � andar nunca matou ningu m.� saia imediatamente desta casa, diz o sr. haggerty, se n o�chamo um pol cia e pode ter a certeza de que n o ter not cias� � � �minhas. n o andamos a dar dinheiro para sustentar a fam lia� �guinness. a noite cai sobre as ruas de dublin. as crian as riem e�brincam luz dos candeeiros, as m es v m porta cham -las,� � � � �sente-se o cheiro da comida vindo de todos os lados, pelasjanelas vimos pessoas senta das mesa a comerem. estou� �cansado e com fome e queria que o pai me levasse ao colo massei que agora n o vale a pena pedir-lhe, porque a cara dele�est muito s ria e zangada. deixo-o ir de m o dada comigo e� � �

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corro para acompanhar o passo dele at que chegamos esta o� � ��das camionetas onde a m e ficou espera com os meus irm os.� � � est o todos a dormir no banco, a minha m e e os meus tr s� � �irm os.� quando o pai diz M e que n o arranjou dinheiro, ela abana� � �a cabe a e diz a solu ar, oh!, meu jesus, o que que n s� � � �vamos fazer? um homem de farda azul vem ter com ela epergunta-lhe, o que foi, minha senhora? o pai diz-lhe queestamos ali na esta o desampara dos, sem dinheiro e sem s tio�� � �nenhum onde ficar e que as crian as est o cheias de fome. o� �homem diz que est a acabar o turno dele e que nos vai levar�at ao quartel da pol cia, tem de l ir de qualquer maneira, e� � �l h -de ver o que se pode arranjar.� � o homem de farda diz-nos que podemos trat -lo por sr.�guarda. o nome que se d aos pol cias na irlanda.� � �pergunta-nos como que se chamam os pol cias na am rica e o� � �malachy diz *cop*. o guarda faz-lhe uma festinha na cabe a e�diz-lhe que ele um yankee peque nino mas muito esperto.� � no quartel da pol cia est um sargento que nos diz que� �podemos passar l a noite. tem muita pena, mas n o tem nenhum� �s tio onde possamos dormir a n o ser no ch o. quinta-feira e� � � �as celas est o todas cheias de homens que gastaram o dinheiro�todo do desemprego na bebida e tiveram de ser arrastados �for a dos bares.� os guardas d o-nos ch quente, doce e fatias grossas de p o� � �com muita manteiga e compota e n s ficamos t o contentes que� �come amos a correr pelo quartel, a brincar. os guardas dizem�que somos um belo punhado de yankees e perguntam-nos segost vamos de ir morar com eles mas eu digo, n o, o malachy� �diz, n o, os g meos dizem, n o, n o, e todos os guardas se� � � �riem. os homens que est o nas celas esten dem os bra os para� � �nos fazerem festas na cabe a, t m o mesmo cheiro do pai quando� �vem para casa a cantar as can es onde o kevin barry e o roddy��mccorley v o morrer. os homens dizem, santo deus, ou am s� � �isto. parecem esses diabos das estrelas de cinema. voc s�ca ram do c u ou qu ? as mulheres que est o nas celas do outro� � � �lado dizem ao malachy que ele um amor e que os g meos s o� � �uma maravilha. uma das mulheres come a a falar comigo, anda�c , querido, gostavas de comer um rebu ado? eu digo que sim� �com a cabe a e ela diz, ent o, est bem. abre a m o. tira uma� � � �coisa pegajosa de dentro da boca e p e -ma na m o. toma, diz� � �ela, um bocado de rebu ado de manteiga. p e na tua boca. eu� �n o quero p r aquilo na minha boca porque est pegajoso e� � �h mido da boca dela, mas n o sei o que se deve fazer quando� �uma mulher numa cela nos d um rebu ado de manteiga pegajoso e� �estou quase a p -lo na boca quando aparece um guarda, que pega�no rebu ado e torna a atir -lo mulher. sua puta b beda, diz� � � �ele, deixe a crian a em paz, e todas as mulheres desatam a�rir. o sargento d um cobertor minha m e e ela dorme deitada� � �em cima de um banco. n s dormimos todos no ch o. o pai fica� �sentado, encostado parede, com os olhos abertos por baixo da�pala do bon , e fuma quando os guardas lhe d o um cigarro. o� �guarda que atirou o rebu ado mulher diz que de ballymena,� � �no norte, e conversa com o pai sobre pessoas que eles conhecemde l e de outros s tios como cushendall e toome. o guarda diz� �que qualquer dia vai come ar a receber a reforma e vai viver�para as margens do lago neagh e h -de passar os dias a pescar.�

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enguias, diz ele, muitas enguias. meu deus, o que eu gosto deuma enguia frita. eu pergunto ao pai, ele o cuchulain? e o�guarda ri-se tanto que fica com a cara toda vermelha. santam e de deus, ouviram isto? o mi do quer saber se eu sou o� �cuchulain. um yankee t o pequenino e sabe a hist ria toda do� �cuchulain. o pai diz, n o, n o o cuchulain, mas um bom homem que� � � �h -de viver nas margens do lago neagh e passar os dias a�pescar. o pai est a abanar-me. levanta-te, francis, levanta-te. h� �muito barulho no quartel. um rapaz, que est a limpar o ch o,� �est a cantar,�

*todos sabem porque quis o teu beijo tinha de ser, eu sou assim seria poss vel algu m como tu � �apaixonar-se por mim?*

digo-lhe que aquela can o da minha m e e que ele tem de�� � �parar de a cantar, mas ele continua a fumar o cigarro eafasta-se e eu pergunto a mim pr prio por que que as pessoas� �cantam as can es das outras pessoas. os homens e as mulheres��que v m a sair das celas bocejam e resmungam. a mulher que me�deu o rebu ado p ra e diz, eu tinha bebido uns copos,� �pequenino. desculpa ter feito pouco de ti, mas o guarda deballymena diz-lhe, mexe-me essas pernas, puta velha, se n o�queres que te tranque outra vez l dentro. � oh!, podes trancar-me, diz ela. dentro ou fora, n o�interessa, meu sacana. a m e est sentada no banco, embrulhada no cobertor. uma� �mulher de cabelo grisalho traz-lhe uma caneca de ch e�diz-lhe, sou a mulher do sargento e ele disse-me que talvezprecisasse de alguma coisa. quer um ovinho cozido, minhasenhora? a m e abana a cabe a e diz, n o. � � � ora, minha senhora, fazia-lhe bem comer um ovo no estado emque est .� mas a m e torna a abanar a cabe a e eu pergunto a mim� �pr prio como que poss vel que ela diga que n o quer um ovo� � � � �cozido quando n o h nada no mundo t o bom como isso.� � � est bem, minha senhora, diz a mulher do sargento, ent o um� �bocadinho de p o torrado e qualquer coisa para as crian as e� �para o pobre do seu marido. vai para outra casa e passado um bocado traz ch e p o. o� �pai bebe ch mas d -nos o p o dele e a m e diz, come o p o por� � � � �amor de deus. n o vais servir para nada se andares a cair de�fome. ele diz que n o com a cabe a e pergunta mulher do� � �sargento se por acaso n o lhe podia arranjar um cigarro. ela�traz o cigarro e diz M e que os guardas do quartel fizeram� �um pedit rio para arranjar dinheiro para nos pagarem o bilhete�de comboio para limerick. h -de vir um carro buscar a vossa�mala e levar-vos para a esta o de comboios de kings bridge.�� �estar o em limerick daqui a tr s ou quatro horas.� � a m e abra a a mulher do sargento. deus a aben oe a si, ao� � �seu marido e a todos os guardas, diz a m e. n o sei o que� �seria de n s sem voc s. deus bem sabe como bom estarmos ao� � �p da nossa gente.� era o m nimo que pod amos fazer, diz a mulher do sargento.� �

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tem uns lindos meninos e eu tamb m sou de cork e sei o que � �estar em dublin sem um tost o no bolso.�pai est sentado na outra ponta do banco, a fumar o cigarro e�a beber o ch dele. fica l at chegar o carro que nos vai� � �levar pelas ruas de dublin. o pai pergunta ao condutor se n o�se importava de passar pelo gpo (*) e

(*) gpo -- general post office (nt).

o condutor diz, precisa de algum carimbo? n o, diz o pai. ouvi�dizer que fizeram uma est tua nova de cuchulain em home nagem� �aos homens que morreram em 1916 e eu gostava de a mostrar aquiao meu filho que tem uma grande admira o pelo cuchulain.�� o condutor diz que n o faz a m nima ideia de quem seja esse� �tal cuchulain, mas que n o se importa de parar um bocadinho.�at pode l entrar tamb m e ver o que por l h porque n o vai� � � � � �ao gpo desde crian a, quando os ingleses quase o destru ram� �a disparar aqueles grandes canh es do rio liffey. diz que a�frontaria est cheia de buracos de balas e que bom que os� �deixem l ficar para lembrar aos irlandeses a perf dia dos� �ingleses. eu pergunto ao homem o que perf dia e ele diz� �pergunta ao teu pai e quando eu vou a perguntar paramos emfrente de um grande pr dio com colunas que o gpo.� � a m e fica no carro enquanto n s seguimos atr s do condutor� � �para o gpo. l est ele, diz o homem, l est o teu� � � �cuchulain. e eu sinto as l grimas a ca rem-me dos olhos porque� �finalmente estou a v -lo, cuchulain, ali em cima do pedestal�no gpo. dourado e tem uns cabelos muito compridos, a�cabe a tombada e um grande p ssaro pousado em cima do ombro.� � o condutor diz, digam-me l , em nome de deus, o que vem a�ser isto tudo? o que que aquele tipo est a fazer com� �aqueles cabelos compridos e o p ssaro pousado no ombro? e ser� �que voc capaz de me dizer o que que isto tudo tem a ver� � �com os homens de 1916? o pai diz, cuchulain combateu at ao fim como os homens da�semana da p scoa. os inimigos tinham medo de se aproximarem�dele enquanto n o tivessem a certeza de que ele estava morto e�quando o p ssaro pousou nele e bebeu o seu sangue, ficaram a�saber que estava morto. bem, diz o condutor, triste o dia em que os irlandeses�precisa rem de um p ssaro para saberem que um homem est� � �morto. acho que agora melhor irmos andando, se n o perdemos� �o comboio para limerick.

a mulher do sargento disse que ia mandar um telegrama paraa av , para ela nos ir esperar a limerick, e quando chegamos�l est ela na gare, a av , com cabelo branco, um olhar� � �amargo, um xaile preto e sem um sorriso, seja para a minham e, seja para n s, seja para o meu irm o malachy, que� � �tinha aquele grande sorriso lindo e uns dentinhos brancosamorosos. a m e apontou para o pai e disse, este o malachy,� �e a av acenou com a cabe a e desviou os olhos. chamou dois� �rapazes que andavam pela esta o e pagou-lhes para levarem a��mala. os rapazes tinham a cabe a rapada, o nariz ranhoso, e�estavam descal os, e n s seguimo-los pelas ruas de limerick.� �perguntei M e porque que eles n o tinham cabelo e ela� � � �disse que lhes tinham rapado a cabe a para os piolhos n o� �

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terem s tio para se esconderem. o malachy disse, o que um� �piolhos? e a m e disse, n o assim que se diz. um s um� � � � �piolho. a av disse, parem com isso! que conversa essa? os� �rapazes iam a assobiar e a rir-se e a andar como se tivessemsapatos e a av disse-lhes, parem com a risota se n o a mala� �ainda vai parar ao ch o e escavacar-se toda. eles pararam de�assobiar e de rir e n s continu mos atr s deles e cheg mos a� � � �um parque com um pilar muito alto e uma est tua l no meio e� �uma relva t o verde que at fazia doer os olhos.� � o pai levava os g meos, a m e levava um saco numa m o e ia� � �com a outra m o dada ao malachy. quando parou por um instante�para recuperar o f lego, a av disse-lhe, continuas a fumar?� �os cigarros h o-de ser a tua morte. j h gente de mais a� � �morrer em limerick por causa da tuberculose, quanto mais sefumarem e para mais um v cio� �de ricos. ao longo do caminho pelo meio do parque havia centenas deflores de todas as cores, e os g meos estavam encantados.�apontavam e davam gritinhos e n s r amo-nos todos excepto a� �av , que puxou o xaile para cima da cabe a. o pai parou e p s� � �os g meos no ch o para eles ficarem mais perto das flores e� �disse, flores, e eles corriam de um lado para o outro, aapontarem e a tentarem dizer flores. um dos rapazes da maladisse, meu deus, eles s o americanos? e a m e disse, s o.� � �nasceram em nova iorque. os mi dos nasceram todos em nova�iorque. o rapaz disse para o outro rapaz, santo deus, s o�todos americanos. pousaram a mala no ch o e puseram-se a olhar�para n s e n s a olharmos para eles at que a av disse, v o� � � � �ficar a o dia todo a verem as flores e a olharem uns para os�outros com cara de pasmados? e, ent o, pusemo-nos outra vez a�caminho, sa mos do parque, descemos uma rua estreita em�direc o a outra rua onde ficava a casa da av .��� � h uma fila de casas pequenas de cada lado da rua e a av� �vive numa dessas casas pequenas. na cozinha tem um fog o de�ferro preto brilhante e polido, com uma chama acesa na grelha.h uma mesa encostada porta por baixo da janela e em frente� �um arm rio com ch venas, pires e copos. o arm rio est sempre� � � �fechado chave e a chave anda sempre dentro da bolsa da av� �porque n o se pode mexer naquela loi a a n o ser quando� � �algu m morre ou regressa de longe ou quando o padre faz uma�visita. ao p do fog o h um quadro na parede de um homem com� � �cabelo castanho comprido e uns olhos tristes. est a apontar�para o peito onde tem um cora o muito grande com chamas a��sa rem de l de dentro. a m e diz-nos, aquilo o sagrado� � � �cora o de jesus e eu pergunto porque que o cora o do homem�� � ��est a arder e porque que ele n o deita gua l para cima. a� � � � �av diz, estas crian as n o sabem nada da religi o delas? e a� � � �m e responde-lhe que na am rica diferente. a av diz que o� � � �sagrado cora o existe em toda a parte e que n o h desculpa�� � �para tamanha ignor ncia.� por baixo do retrato do homem com o cora o a arder h uma�� �prateleira com um copo vermelho com uma vela acesa l dentro e�ao lado uma pequena est tua. a m e diz-nos, aquele o menino� � �jesus de praga, e se alguma vez precisarem de alguma coisarezem-lhe a ele. o malachy diz, m e, posso dizer-lhe que tenho fome, e a�m e p e o dedo em cima dos l bios.� � �

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a av anda pela cozinha a resmungar. est a fazer ch e diz� � � M e que corte o p o, mas que n o corte as fatias muito� � � �grossas. a m e senta-se junto mesa, est -lhe a custar� � �respirar e diz que j corta o p o. o pai pega na faca e come a� � �a cortar o p o e percebe-se que isso n o agrada nada Av .� � � �olha para ele de sobrolho franzido mas n o diz nada, apesar de�ele estar a cortar fatias grossas. n o h cadeiras para todos e, por isso, eu e os meus irm os� � �sentamo-nos na escada a comer p o e a beber ch . o pai e a m e� � �sentam-se mesa e a av senta-se por baixo do sagrado cora o� � ��com a caneca de ch na m o. diz, valha-me deus, que n o sei o� � �que hei-de fazer de voc ses. n o tenho espa o c em casa. n o� � � � �tenho espa o nem sequer para um de voc ses.� � o malachy diz, voc ses, voc ses, e come a s risadinhas e� � � �eu digo, voc ses, voc ses, e os g meos dizem, voc ses,� � � �voc ses, e s tantas estamos todos a rir de tal maneira que� �nem conseguimos comer o p o.� a av deita-nos uns olhos muito zangados. de que que� �est o a rir? n o h nada que fa a rir nesta casa. melhor que� � � � �voc ses se portem bem antes que eu v tratar de voc ses.� � � n o p ra de dizer voc ses, e o malachy fica com um ataque� � �de riso, cospe o p o e o ch e est com a cara toda vermelha.� � � o pai diz, malachy, voc s todos, parem com isso. mas o�malachy n o consegue, continua a rir, at que o pai diz, anda� �c . arrega a as mangas do malachy e levanta a m o para lhe dar� � �uma palmada no bra o. � vais portar-te como deve ser ou n o?� o malachy fica com os olhos cheios de l grimas e diz que�sim com a cabe a, porque o pai nunca tinha levantado assim a�m o. o pai diz, porta-te bem e vai sentar-te ao p dos teus� �irm os, e puxa-lhe as mangas para baixo e faz-lhe uma festinha�na cabe a.�

nessa noite, a irm da m e, a tia aggie, chegou do trabalho� �numa f brica de roupa. era grande como as irm s macnamara e� �tinha uma cabeleira ruiva flamejante. vinha numa bicicletaenorme, que deixou na casinha atr s da cozinha e veio cear�connosco. estava a morar em casa da av porque tinha tido uma�discuss o com o mari do, o pa keating, que depois de ter� �estado a beber lhe disse, s uma vaca gorda, vai para casa da�tua m e. foi o que a av contou M e e era por isso que n o� � � � �havia espa o para n s em casa da av . Moravam l ela, a tia� � � �aggie e o filho, o pat, que era meu tio e que andava a venderjornais. a tia aggie refilou quando a av lhe disse que a m e tinha� �de dormir com ela naquela noite. a av disse-lhe, cala essa�boca. s por uma noite, n o vais morrer por causa disso, e� � �se n o est s bem, vai para casa do teu marido que onde� � �devias estar em vez de te vires meter em minha casa. valha-mejesus, maria e s o jos , vejam-me s esta casa, tu e o pat e a� � �angela mais o bando de americanos dela. ser que eu vou poder�ter paz no fim dos meus dias? espalha casacos e trapos pelo ch o do quarto pequenino nas�trasei ras e a que dormimos ao p da bicicleta. o pai ficou� � � �numa cadeira na cozinha, levou-nos casa de banho no p tio� �das traseiras quando precis mos de l ir, e durante a noite� �tentou fazer calar os g meos quando eles choravam com frio.� de manh , a tia aggie veio buscar a bicicleta e disse-nos,�

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vejam l o que fazem, est o a ouvir? saiam do caminho!� � quando se foi embora, o malachy continua a dizer, vejam l�o que fazem, est o a ouvir? saiam do caminho!, e eu ouvi o pai�a rir-se na cozinha, at que a av desceu a escada e ele teve� �de dizer ao malachy para estar calado. nesse dia a av e a m e sa ram e conseguiram arranjar um� � �quarto mobilado na windmill street, onde ficava a casa da tiaaggie e do marido, o pa keating. a av pagou a renda, dez�xelins por duas semanas. deu dinheiro M e para a comida e� �emprestou-nos uma chaleira, uma panela, uma frigideira, facase colheres, frascos de com pota para servirem de canecas, um�cobertor e uma almofada. disse que n o podia dar-nos mais�nada e que o pai tinha de al ar o rabo e arranjar trabalho, ou�ir para o desemprego ou pedir ajuda na socieda de de s o� �vicente de paulo, ou viver da caridade. o quarto tinha uma chamin onde pod amos aquecer gua para� � �o ch ou cozer um ovo, se alguma vez tiv ssemos dinheiro para� �isso. t nhamos uma mesa, tr s cadeiras e uma cama, que a m e� � �disse que era a maior que j alguma vez tinha visto. est vamos� �contentes por termos a cama nessa noite, depois de tantasnoites a dormir no ch o em dublin e em casa da av . N o fazia� � �mal sermos seis numa cama s , est vamos todos juntos, longe de� �av s e de guardas, o malachy podia dizer voc ses, voc ses,� � �voc ses e n s pod amos rir nossa vontade.� � � � o pai e a m e estavam cabeceira da cama, eu e o malachy� �aos p s e os g meos aninharam-se onde puderam. o malachy� �tornou a fazer -nos rir, a dizer voc ses, voc ses, voc ses, e� � � �depois adormecemos. a m e ressonou com aquele barulho que�costumava fazer quando estava a dormir. com a luz do luar,conseguia ver a cama toda e vi que o pai continuava acordadoe, quando o oliver chorava a dormir, o pai pegava-lhe ao coloe dizia, pronto, pronto. depois foi o eugene que se sentou, a gritar e a bater nelepr prio, ai, ai, m e, m e. o pai sentou-se. o que ? o que ,� � � � �filho? o eugene continuava a chorar e quando o pai saltou dacama e acendeu o candeeiro a g s, vimos as pulgas, a pularem e�a saltarem agarradas ao nosso corpo. come mos s palmadas a�� �elas, mas elas saltavam de um corpo para outro, saltavam emordiam. co vamos o s tio onde elas mordiam at ficar a�� � �deitar sangue. salt mos da cama, os g meos a chorarem, a m e a� � �lastimar-se, oh!, meu deus, ser que nunca vamos ter descanso�na vida? o pai p s gua e sal num frasco de compota para nos� �salpicar as feridas. o sal fazia arder, mas ele disse que iapassar num instante. a m e sentou-se ao p da chamin com os g meos ao colo. o� � � �pai enfiou as cal as e arrastou o colch o para fora da cama,� �at rua. encheu a chaleira e a panela de gua, p s o colch o� � � � �encostado parede, come ou a bater-lhe com um sapato e� �disse-me para ir deitan do gua para o ch o para as pulgas que� � �ca ssem morrerem afogadas. o luar de limerick era t o intenso� �que eu via-o a brilhar na gua e queria apanhar bocadinhos de�lua mas n o conseguia por causa das pulgas a saltarem-me nas�pernas. o pai continuava a bater no colch o com o sapato e eu�tinha de atravessar a casa a correr para ir ao p tio das�traseiras buscar mais gua na chaleira e na panela. a m e� �disse, olha o estado em que est s. com esses sapatos�encharcados apanhas um doen a que ainda te mata e o teu pai�assim descal o de certeza que vai apanhar uma pneumonia.�

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um homem que vinha de bicicleta parou ao p de n s e� �perguntou porque que o pai estava a bater o colch o. santa� �m e de deus, disse ele, nunca ouvi tal rem dio para as pulgas.� �sabem que se o homem conseguisse saltar como as pulgas bastavaum salto para o levar at metade da dist ncia at lua? o que� � � �voc tem a fazer , quando levar o colch o outra vez para� � �dentro de casa ponha-o na cama voltado para baixo que a�maneira de confundir as malvadas. n o sabem onde que est o e� � �p em-se a morder o colch o ou a morderem-se umas s outras. � � � �o melhor rem dio. depois de morderem uma pessoa, ficam doidas,�sabia, s o muitas pulgas juntas que morderam pessoas e o�cheiro a sangue forte de mais para elas, e elas endoidecem.�s o um verdadeiro tormento, e eu que o digo que fui criado�aqui em limerick, na irishtown, e l havia tantas pulgas e t o� �atrevidas que eram capazes de ficar pousadas no p de um tipo�a discutir com ele a terr vel hist ria da irlanda. diz-se que� �antigamente n o havia pulgas na irlanda, que foram trazidas�pelos ingleses para nos fazerem enlouquecer, e n o me admira�nada que tenham sido os ingleses. n o deixa de ser engra ado� �que s. patrick tenha levado as cobras da irlanda e que osingleses tenham trazido as pulgas. durante s culos a irlanda�foi um lugar encantador, livre das cobras e sem uma pulga.podia-se correr toda a irlanda sem medo das cobras e podia-sedormir a noite toda sem ser atacado pelas pulgas. as cobrasn o faziam mal, n o incomodavam ningu m desde que n o as� � � �atacassem e alimentavam-se de outros bichos que tamb m andavam�pelos arbustos e coisas assim, ao passo que as pulgas nossugam o sangue de manh noite, porque essa a natureza� � �delas e n o podem passar sem isso. ouvi dizer que nos s tios� �onde h muitas cobras n o h pulgas. por exemplo, no arizona.� � �sempre se ouviu falar das cobras do arizona, mas j alguma vez�ouviu falar das pulgas do arizona? desejo-lhe boa sorte. tenhode ter cuidado, porque se se mete alguma na minha roupa aindalevo a fam lia toda para casa. multiplicam-se mais depressa�que os hindus. o pai disse, n o tem por acaso um cigarro que me d ?� � um cigarro? claro que tenho. aqui tem. os cigarros quaseacaba ram comigo. a tosse, sabe. s vezes t o forte que� � � � �quase caio da bicicleta. sinto a tosse a fervilhar no meuplexo solar e a subir-me pelas entranhas e, a seguir, quaseque me arranca a cabe a.� tirou um f sforo da caixa, acendeu um cigarro para ele e�passou o f sforo ao pai. quando se vive em limerick, acaba-se�sempre por ter esta tosse, disse ele, porque esta cidade a�capital dos peitos fracos e com o peito fraco apanha-se tuberculose. se todas as pessoasde lime rick que t m tuberculose morressem, seria uma cidade� �fantasma, em bom eu n o seja tuberculoso. n o, esta tosse foi� � �uma recorda o dos alem es. parou, puxou o fumo do cigarro e�� �teve um ataque de tosse. raios me partam, desculpe estalinguagem, mas os cigarros h o-de dar conta de mim. bem, agora�vou deix -lo com o seu colch o e n o se esque a do que eu lhe� � � �disse, fa a essas malditas ficarem confusas.� foi-se embora aos ziguezagues, com o cigarro pendurado nol bio e o corpo a estremecer com a tosse. o pai disse, os�homens de limerick falam de mais. vamos levar o colch o para�dentro para ver se se dorme esta noite. a m e estava sentada chamin com os g meos ao colo a� � � �

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dormirem e o malachy no ch o, aninhado aos p s dela.� �perguntou, com quem que estavas a falar? parecia mesmo o pa�keating, o marido da aggie. pela tosse, pareceu-me ser ele.apanhou aquela tosse em fran a, no tempo da guerra, por�engolir o g s.� dormimos o resto da noite, e de manh vimos o festim que as�pulgas tinham tido, pelas manchas rosadas nos s tios onde nos�tinham picado e brilhantes por causa do sangue que t nhamos�feito a co ar-nos.� a m e fez ch e p o frito, e o pai tornou a molhar-nos as� � �feridas com gua salgada. tornou a levar o colch o l para� � �fora, para o p tio das traseiras. num dia t o frio como aquele� �as pulgas iam de certeza morrer congeladas e n s ir amos� �dormir em paz.

uns dias depois de estarmos instalados naquele quarto, opai sacode-me e arranca-me do meu sonho. levanta-te, francis,levanta -te. veste-te e vai chamar a tua tia aggie. a tua m e� �precisa dela. vai depressa. a m e est na cama a gemer, sem pinga de sangue na cara. o� �pai tira o malachy e os g meos da cama e senta-os no ch o ao� �p da chamin apagada. eu atravesso a rua a correr e bato � � �porta da tia aggie at que o tio pa keating aparece a tossir e�a resmungar, o que que foi? o que que foi?� � a minha m e est a gemer na cama. acho que est doente.� � � a seguir aparece a tia aggie, tamb m a resmungar. voc ses� �n o fazem outra coisa sen o dar trabalho desde que vieram da� �am rica.� deixa-o em paz, aggie. o mi do s est a fazer o que lhe� � �man daram.� ela diz ao tio pa que v para a cama, porque tem de ir�trabalhar de manh , n o como certos homens do norte, cujos� � �nomes ela n o vai dizer. mas ele diz, n o, n o, tamb m vou. a� � � �angela precisa de ajuda. o pai manda-me sentar ao p dos meus irm os. n o sei o que� � � que aconteceu minha m e porque est toda a gente a falar� � � �baixinho e s a custo que ou o a tia aggie dizer ao tio pa,� � �ela perdeu a crian a, vai chamar a ambul ncia, e o tio pa sai� �logo de casa, e a tia aggie diz M e, podem dizer tudo o que� �quiserem de limerick, mas l que a ambul ncia r pida, l� � � � �isso . nunca fala para o meu pai, nem sequer olha para ele.� o malachy diz, pai, a m e est doente?� � oh!, filho, ela vai ficar boa. s tem de ir ao m dico.� � pergunto a mim pr prio qual ter sido a crian a que ela� � �perdeu, porque estamos todos ali, um, dois, tr s, quatro,�estamos todos, n o se perdeu crian a nenhuma, e porque que� � �n o me dizem o que que a minha m e tem. o tio pa chega e� � �logo atr s dele vem a ambul n cia. um homem com uma maca entra� � �dentro da nossa casa e, quando ele leva a m e, ficam manchas�de sangue no ch o ao p da cama. quando o malachy mordeu a� �l ngua deitou sangue, e o c o que estava na rua tamb m tinha� � �sangue e depois morreu. queria perguntar ao pai se a m e se�vai embora para sempre como a minha irm Margaret, mas ele foi�com a m e e n o vale a pena perguntar nada Tia aggie, porque� � �ela at seria capaz de nos arrancar a cabe a. ela limpa as� �manchas de sangue, manda-nos para a cama e fica l em casa at� �o pai chegar. de noite, estamos os quatro na cama muito quentinhos e�

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ador mecemos, at que o pai chega a casa e nos diz que a m e� � �est bem, est no hospital a ser muito bem tratada e est� � �quase a vir para casa. mais tarde, o pai vai Bolsa de emprego pedir o subs dio.� �n o vale a pena ter esperan as, porque um homem com sotaque do� �norte nunca vai arranjar trabalho em limerick. quando chega a casa, diz M e que vai receber dezanove� �xelins por semana. ela diz que isso chega para morrermos todosde fome. dezanove xelins para seis pessoas? menos do que�quatro d lares na am nca. como que vamos conseguir viver com� � �isso? o que que vamos fazer quando tivermos de pagar renda�da a quinze dias? se a renda do quarto cinco xelins por� �semana, vamos ficar com catorze xelins para a comida, a roupae o carv o para aquecer gua para o ch .� � � o pai abana a cabe a, continua a beber o ch aos golinhos� �pelo frasco de compota, olha pela janela e assobia os rapazes�de woxford . o malachy e o oliver batem palmas e dan am � � �volta do quarto e o pai n o sabe se h -de assobiar ou sorrir,� �porque n o se pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, e ele�n o se est a aguentar. tem de parar, sorrir, fazer uma� �festinha na cabe a do oliver e depois �tornar a assobiar. a m e tamb m sorri, mas um sorriso muito� � �r pido e quando torna a olhar para as cinzas v -se como est� � �preo cupada pela forma como os cantos da boca est o desca dos.� � � no dia seguinte diz ao pai para tomar conta dos g meos e�vai comigo e com o malachy Sociedade de s o vicente de� �paulo. ficamos numa bicha onde est o mulheres de xaile preto.�perguntam -nos como nos chamamos e sorriem quando falamos.�dizem, deus seja louvado, ou am s estes yankees, t o� � �pequeninos, e querem saber porque que a m e, com aquele� �casaco americano, vem pedir cari dade se o que h j n o chega� � � �para os pobres de limerick, quanto mais ainda virem os yankeestirarem-lhes o p o da boca.� a m e diz-lhes que foi uma prima que lhe deu aquele casaco�em brooklyn, que o marido dela n o tem trabalho e que ainda�tem mais filhos em casa, dois g meos. as mulheres fungam e�puxam os xailes para a cabe a, t m as desgra as delas. a m e� � � �diz-lhes que teve de se vir embora da am rica porque n o� �aguentava viver l depois de lhe ter morrido uma filhinha. as�mulheres tornam a fungar, mas agora por causa de a m e estar� �a chorar. algumas dizem que tamb m lhes morreram filhos�pequeninos e que n o h nada pior no mundo, que n o se� � �consegue esquecer nem que se viva tantos anos como a mulher domatusal m. n o h homem nenhum que possa avaliar o que para� � � �uma m e perder um filho, nem que viva tanto tempo como dois�matusal ns.� choram todas muito at que uma mulher de cabelo ruivo faz�passar por elas uma caixa pequenina. as mulheres tiramqualquer coisa de dentro da caixa com a ponta dos dedos eenfiam-na no nariz. uma mulher ainda nova espirra e a ruiva d�uma gargalhada. biddy, v -se logo que n o tens idade para� �isto. venham c , yankees, tirem um bocadinho. enfia aquela�coisa castanha no nosso nariz e n s espirramos com tanta for a� �que elas param de chorar e come am a rir tanto que t m de� �limpar os olhos com os xailes. a m e diz-nos, isto faz-vos�bem, limpa-vos a cabe a.� a mulher mais nova, a biddy, diz M e que n s somos dois� � �meninos amorosos. aponta para o malachy. aquele pequenino com

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os carac is loiros um encanto, n o ? podia ser uma estrela� � � �de cinema como a shirley temple. e o malachy sorri e anima asmulhe res que est o na bicha.� � a mulher que tinha a caixa diz M e, n o quero ser� � �atrevida, minha senhora, mas acho que era melhor sentar-se.sabemos do que lhe aconteceu. uma outra mulher diz, preocupada, ah!, n o, eles n o gostam� �disso. eles quem? ah!, pois , diz a nora molloy, na sociedade, n o gostam� �que ningu m se sente nos degraus. querem que a gente espere�encostada parede, em sinal de respeito.� elas que se lixem, diz a nora, a mulher do cabelo ruivo.sente-se ali no degrau, minha senhora, e eu sento-me ao seulado e se algu m da sociedade de s o vicente de paulo disser� �seja o que for, desfa o -lhes a tromba, ah isso que desfa o.� � � �a senhora fuma? fumo, responde a m e, mas n o tenho cigarros.� � a nora tira um cigarro do bolso do avental, parte-o e d�metade M e.� � a mulher de ar preocupado diz, eles tamb m n o gostam� �disso. dizem que cada cigarro que fumamos comida que estamos�a tirar da boca dos nossos filhos. o sr. quinlivan, quecostuma estar l dentro, completamente contra isso. diz que� �se t m dinheiro para os cigarros tamb m t m dinheiro para a� � �comida. quero que o quinlivan se lixe tamb m, esse velho com aquele�risinho sacana. ser que nos leva a mal por umas fuma as num� �cigarro, se a nica consola o que temos neste mundo?� � �� abre-se uma porta ao fundo do corredor e aparece um homem.alguma de voc s vem pedir botas de crian a?� � as mulheres p em os bra os no ar, eu. eu.� � j n o h mais botas. t m de voltar para o m s que vem.� � � � � mas o meu mikey precisa de umas botas para ir para aescola. j disse que n o h mais.� � � mas est tanto frio l fora, sr. quinlivan.� � j n o h mais botas. n o posso fazer nada. o que isto?� � � � �quem que est a fumar?� � a nora acena com o cigarro e diz, sou eu, e vou fum -lo at� �ao ltimo bocadinho.� cada cigarro que fumas, come a ele. � j sei, diz ela, comida que estou a tirar da boca dos� �meus filhos. s uma insolente. n o contes com a caridade daqui.� � a s rio? bem, sr. quinlivan, se n o me ajudam aqui, j sei� � �onde que hei-de ir.� o que que queres dizer com isso? � vou aos quakers. eles ajudam-me. o sr. quinlivan avan a para a nora apontando o dedo para�ela. sabem o que temos aqui? temos um sopas no meio de n s.�foi no tempo da fome que apareceram os sopas. os protestantesandavam a espalhar pelos bons cat licos que, se abandonassem o�credo deles e se tornassem protestantes, dar-lhes-iam tantasopa que nem lhes cabia na barriga e, valha-nos deus, algunscat licos conseguiram mesmo a sopa e, a partir da , passaram a� �ser conhecidos por sopas e perderam as suas almas imortais eficaram condenados ao fundo dos infernos. e v s, mulheres, se�

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fordes pedir ajuda aos quakers, perdereis as vossas almas e asalmas dos vossos filhos. ent o, o sr. quinlivan tem de nos salvar, n o ?� � � ele fita-a e ela fita-o a ele. os olhos deles percorrem asoutras mulheres. uma delas p e a m o frente da boca para� � �disfar ar o riso.� de que que est s a rir? pergunta ele, irado.� � de nada, sr. quinlivan. juro por deus. vou avisar mais uma vez, n o h botas. e bate com a porta,� �desaparecendo por detr s dela.� as mulheres s o chamadas uma por uma l dentro. quando a� �nora sai, vem a sorrir e a acenar com um bocado de papel.botas, diz ela. consegui tr s pares de botas para os meus�filhos. ameacem os ho mens que est o l dentro com os quakers� � �e eles at vos d o o cu.� � quando chamam pela m e, ela leva-me a mim e ao malachy.�ficamos de p junto a uma mesa qual est o sentados tr s� � � �homens a fazerem perguntas. o sr. quinlivan vai para dizerqualquer coisa, mas o homem que est no meio diz, cala-te,�quinlivan, se fosses tu a mandar t nhamos os pobres de�limerick a saltarem para os bra os dos protestantes.� volta-se para a m e e pergunta-lhe onde que ela arranjou� �aquele belo casaco vermelho. ela conta-lhe o mesmo que contoul fora mulher e, quando chega morte da margaret, come a a� � � �tremer e a solu ar. pede muita desculpa aos homens por estar a�chorar daquela maneira, mas foi h poucos meses e ela ainda�n o se conformou, sem sequer saber onde a beb foi enterrada,� �se que foi enterrada, e sem sequer saber se foi baptizada,�porque ela estava t o fraca por j ter os quatro rapazes que� �n o teve for as para ir igreja baptiz -la, e d -lhe cabo do� � � � �cora o pensar que a margaret pode ficar para sempre no limbo��sem esperan as de nos ver a n s, quando formos para o c u, ou� � �para o inferno ou mesmo para o purgat rio.� o sr. quinlivan leva-lhe a cadeira dele. pronto, minhasenhora. sente-se. v l .� � os outros homens olham para a mesa, para o tecto. o homemdo meio diz que vai dar M e uma senha para ir buscar� �mercearias para uma semana loja do mcgrath na parnell�street. pode levantar ch , a car, farinha, leite e manteiga e� ��leva outra senha para ir buscar um saco de carv o carvoaria� �de sutton na dock road. o terceiro homem diz, claro que n o lhe vamos dar isto�todas as semanas, minha senhora. temos de ir visitar a suacasa para ver se realmente vivem com necessidades. temos defazer isso para avaliar o seu pedido, a m e limpa a cara manga do casaco e pega na senha.� �diz-lhes, deus vos aben oe pela vossa generosidade. eles�acenam com a cabe a e olham para a mesa, para o tecto, para as�paredes, e dizem-lhe para mandar entrar a pr xima.� l fora as mulheres dizem M e, quando fores loja do� � � �mcgrath, fica de olho na ladra da velha, porque ela vaienganar-te no peso. p e as coisas em cima de um papel na�balan a, com o papel a cair para o lado de dentro do balc o,� �onde tu n o vejas, e puxa o papel. com sorte, trazes metade do�que tinhas direito a trazer. e tem imagens da virgem maria edo sagrado cora o de jesus espalhadas pela loja toda e passa��a vida de joelhos na cabe a de s o jos a papaguear o ter o e� � � �a suspirar como uma m rtir, aquela cabra velha.�

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a nora diz, eu vou consigo, minha senhora. tamb m vou � �loja do mcgrath. eu sei ver se ela est a engan -la ou n o.� � � ensina-nos o caminho at loja na parnell strcet. a mulher� �que est ao balc o v a m e com o casaco americano e muito� � � � �am vel para ela, at que a m e lhe mostra a senha de s o� � � �vicente de paulo. nessa altura, diz, n o sei o que que est� � �aqui a fazer a esta hora do dia. nunca avio as senhas decaridade antes da seis da tarde. mas como a primeira vez que�c vem, vou abrir uma excep o.� �� pergunta Nora, tamb m tem uma senha?� � n o. sou uma amiga. vim ajudar esta pobre fam lia, pois a� � �primeira vez que recebem uma senha de s o vicente de paulo.� a mulher p e um papel de jornal em cima da balan a e� �despeja farinha de um saco grande. quando acaba de deitar,diz, meio quilo de farinha. tenho impress o que n o, diz a nora. muito pouco para� � �meio quilo de farinha. a mulher cora e abre os olhos, muito espantada, est a�acusar-me? n o, sra. mcgrath, diz a nora. deve ter sido sem querer�que encostou a anca ao papel e nem deve ter reparado que opapel estava desca do. que ideia, por amor de deus! uma pessoa�como a senhora, sempre de joelhos a rezar Virgem maria, � �uma inspira o para todas n s. parece-me que est dinheiro�� � �ca do ali no ch o.� � a sra. mcgrath d um passo para tr s e o ponteiro da� �balan a salta e fica a vibrar. onde que est o dinheiro?� � �pergunta ela, at que olha para a nora e percebe. a nora�sorri. deve ter sido obra do dem nio, diz ela, e sorri para�a balan a. foi mesmo engano, n o chega a ter duzentos e� �cinquenta gramas. esta balan a s me d rala es, diz a sra. mcgrath.� � � �� n o duvido, diz a nora.� mas tenho a minha consci ncia em paz com deus, diz a sra.�mcgrath. n o duvido, diz a nora, e n o h ningu m na sociedade de� � � �s o vicente de paulo e na legi o de maria que n o a admire.� � � tento ser uma boa cat lica.� tenta? deus bem sabe que n o precisa de tentar porque n o� �h ningu m que n o fale do seu bom cora o e ser que podia� � � �� �dar uns rebu ados aqui aos mi dos?� � bem n o sou rica, mas tomem...� deus a aben oe, sra. mcgrath, e eu sei que j pedir de� � �mais, mas ser que me podia dispensar uns cigarros?� bem, isso n o vem na senha. n o estou aqui para dar luxos.� � se pudesse, minha senhora... eu n o me cansaria de gabar a�sua bondade Sociedade de s o vicente de paulo.� � est bem, est bem, diz a sra. mcgrath. por esta vez� �dou-lhe os cigarros, mas uma vez sem exemplo.� deus a aben oe, diz a nora, tenho muita pena da senhora�pelas rala es que a balan a lhe d .�� � �

no caminho para casa paramos no parque do povo esentamo-nos num banco, eu e o malachy a comermos os rebu ados�e a m e e a nora a fumarem. o fumo fez a nora tossir, e ela�disse M e que os cigarros haviam de acabar com ela, que� �havia vest gios de tuberculose na fam lia dela e que todos� �morriam cedo, mas tamb m ningu m quer viver at ser velho em� � �

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limerick, uma cidade onde a primeira coisa que se nota quandose olha em volta a aus ncia de cabelos grisalhos, toda a� �gente de cabelo grisalho est debaixo da terra ou do outro�lado do atl ntico a trabalhar nos caminhos-de-ferro ou a�pavo near-se com a farda de pol cia.� � a senhora tem sorte, j viu alguma coisa do mundo. oh!, meu�deus, o que eu n o daria para visitar nova iorque, ver as�pessoas a dan arem de uma ponta outra da broadway sem terem� �nada com que se preocupar. n o. mas eu tive logo de me�embei ar por um b bedo, o peter molloy, o campe o das cervejas� � �que me emprenhou e me levou ao altar, tinha eu pouco mais dedezassete anos. era uma ignorante. cresc amos umas ignorantes,�aqui em limerick, sem sabermos nada de nada e ramos m es� �antes de sermos mulheres. aqui n o h nada a n o ser chuva e� � �beatas velhas a papaguearem o ter a. dava os dentes para sair�daqui, ir para a am rica ou at para a inglaterra. o campe o� � �das cervejas est sempre no desemprego e s vezes at o� � �dinheiro do subs dio gasta na bebida, e d comigo em doida de� �tal maneira que acabo no manic mio.� puxou uma fuma a do cigarro e tapou a boca com a m o, a� �tossir tanto que inclinava o corpo para tr s e para a frente e�nos intervalos dizia num gemido, jesus, jesus. quando lhepassou a tosse, disse que tinha de ir para casa tomar orem dio. disse, at para a semana, minha senhora, l nos� � �encontraremos em s o vicente de paulo. se tiver alguma�afli o, mande-me chamar a vize field. pode perguntar a��qualquer pessoa onde que mora a mulher do pete molloy, o�campe o da cerveja.�

o eugene est a dormir em cima da cama, tapado com um�casaco. o pai est sentado chamin com o oliver ao colo.� � �pergunto a mim pr prio porque estar o pai a contar ao oliver� �uma hist ria do cu chulain. ele sabe que as hist rias do� � �cuchulain s o minhas, mas, quando olho para o oliver, n o me� �importo. tem a cara muito vermelha, est de olhos fixos na�lareira apagada, e vejo que nem est minimamente interessado�no cuchulain. a m e p e-lhe a m o na testa. acho que ele est� � � �com febre, diz ela. quem me dera ter uma cebola, fervia-a emleite e pimenta. faz bem febre. mas mesmo que tivesse a�cebola, como que fervia o leite? precisamos de carv o para a� �lareira. d ao pai a senha para ir ao carv o na dock road. o pai� �leva-me com ele, mas j de noite e as carvoarias est o� � �fechadas. e agora o que que fazemos, pai?� n o sei, filho.� nossa frente vemos mulheres de xailes e com filhos�pequenos apanharem carv o na rua.� olhe, pai, h ali carv o.� � oh!, n o, filho. n s n o apanhamos carv o do ch o. n o� � � � � �somos pedintes. diz M e que as carvoarias est o fechadas e que vamos ter� � �de beber leite e comer p o, mas quando eu lhe conto das�mulheres que andavam na rua, ela passa-lhe o eugene. se s demasiado importante para apanhar carv o do ch o, eu� � �vou vestir o casaco e vou Dock road. � arranja um saco e leva-me a mim e ao malachy com ela. paral da dock road h uma coisa muito extensa e muito escura com� �

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luzes a brilhar. a m e diz que o rio shannon. diz que a� � �coisa de que ela mais saudades tinha quando estava na am rica,�o rio shannon. o hudson era muito bonito, mas o shannon canta.eu n o consigo ouvir can o nenhuma, mas a minha m e consegue� �� �e fica feliz com isso. as outras mulheres j se foram embora�de dock road, e n s�procuramos os bocadinhos de carv o que caem dos cami es. a m e� � �diz-nos para apanharmos tudo o que arda, carv o, madeira,�cart o, pap is. h quem tenha posto a arder at caca de� � � �cavalo, mas n s ainda n o cheg mos a esse ponto. quando o saco� � �est quase cheio, ela diz, agora temos de arranjar uma cebola�para o oliver. o malachy diz que vai encontrar uma, mas eladiz-lhe, n o, as cebolas n o se encon tram pela rua, t m de se� � � �comprar nas lojas. mal v uma loja, o malachy come a a gritar, est ali uma� � �loja, e desata a correr. ubola, diz ele, uLola para o oliver.� � a m e entra na loja e diz senhora que est ao balc o,� � � �desculpe, e a senhora diz, que encanto de menino, meu deus. �americano? a m e diz que sim. a mulher sorri e mostra dois dentes, um�de cada lado do maxilar superior. que encanto, diz ela, eaqueles caraco linhos dourados. o que que ele quer? um doce?� � n o, diz a m e. uma cebola.� � a mulher d uma gargalhada, uma cebola? a primeira vez� �que vejo uma crian a a pedir uma cebola. gostam de comer�cebolas l na am rica?� � a m e responde, que eu disse que queria uma cebola para o� �meu outro filho, que est doente. para ferver a cebola no�leite, sabe como .� tem toda a raz o, minha senhora. n o h nada melhor que uma� � �cebola fervida em leite. toma, meu menino, est aqui um�rebu ado para ti e um para o outro menino. deve ser irm o.� � a m e diz, n o devia estar a incomodar-se. digam obrigado,� �meninos. a mulher diz, aqui tem uma bela cebola para o meninodoente, minha senhora. a m e diz, n o posso comprar a cebola, minha senhora. n o� � �tenho um tost o.� leve a cebola. que n o seja por falta de uma cebola que uma�crian a esteja doente em limerick. e n o se esque a de deitar� � �um bocadinho de pimenta. tem pimenta, minha senhora? n o, mas um destes dias arranjo pimenta, sem falta. � tome, minha senhora, pimenta e uma pitada de sal. n o h� �nada que fa a melhor ao menino.� a m e diz, deus a aben oe, minha senhora. tem os olhos� �rasos de gua.� o pai est a andar de um lado para o outro com o oliver ao�colo e o eugene est no ch o, a brincar com uma panela e uma� �colher. o pai diz, conseguiste arranjar a cebola? consegui, diz a m e, e mais. arranja carv o e maneira de o� �acender. eu sabia que ias arranjar. rezei uma ora o a s o judas. �� � �o meu santo favorito, o padroeiro dos casos desesperados. arranjei carv o e arranjei a cebola sem ajuda de s o judas.� � o pai diz, n o devias andar a apanhar carv o do ch o, como� � �uma pedinte qualquer. n o est certo. um mau exemplo para os� � �rapazes.

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ent o, devias ter mandado s o judas Dock road.� � � o malachy diz, tenho fome, e eu tamb m tenho, mas a m e� �diz, v o ter de esperar at eu ferver a cebola no leite para o� �oliver. acende o lume, corta a cebola ao meio, deita metade paradentro do leite a ferver com um bocadinho de manteiga esalpica o leite com pimenta. pega no oliver ao colo e tentadar-lhe aquilo, mas ele vira a cara e fica a olhar para alareira. v l , querido, diz ela. faz-te bem. para cresceres e� � �ficares forte. ele cerra a boca para a colher n o entrar. a m e p e a� � �panela no ch o, embala-o at ele adormecer, deita-o na cama e� �diz-nos para n o fazermos barulho, sen o ela d cabo de n s.� � � �corta a outra metade da cebola s rodelas e frita-as com�manteiga e fatias de p o. deixa-nos ficar sentados no ch o � � �volta da chamin , comemos o p o frito e bebemos o ch doce e a� � �escaldar aos golinhos, pelos frascos de compo ta. a m e diz, o� �lume est bem aceso, manda tanta luz que podemos desligar o�candeeiro a g s, at termos dinheiro para o contador.� � o lume aceso aquece o quarto, e atrav s das chamas que�dan am no meio do carv o consegue-se ver caras, montanhas,� �vales e animais a saltarem. o eugene adormece no ch o, o pai�agarra nele ao colo e deita-o na cama ao lado do oliver. a m e�p e a panela com a cebola cozida por cima da pedra da chamin ,� �n o v algum rato ou alguma ratazana atirar-se quilo. diz que� � �teve um dia muito cansativo, a sociedade de s o vicente de�paulo, a loja da sra. mcgrath, andar a apanhar carv o na dock�road, a rala o por causa de o oliver n o querer a cebola�� �cozida. se amanh continuar assim, vai lev -lo ao m dico, e� � �agora vai deitar-se. pouco depois, j estamos todos deitados e, mesmo que�apare a alguma pulga, n o me importo, porque a cama est� � �quentinha com os seis l deitados e eu adoro o brilho do�lume a dan ar nas paredes e no tecto e o quarto a ficar�vermelho e preto, at que vai enfraquecendo e fica branco e�preto e a nica coisa que eu oi o o oliver a choramin gar,� � � �quando se volta nos bra os da minha m e.� �

de manh o pai est a acender o lume, a fazer ch , a cortar� � �o p o. j est vestido e est a dizer M e que se despache e� � � � � �se vista. diz-me, francis, o teu irm o oliver est doente e� �vamos lev -lo ao hospital. porta-te bem e toma conta dos teus�irm os. n s n o nos demoramos.� � � a m e diz, cuidadinho com o a car, enquanto n s n o� �� � �estivermos em casa. n o somos milion rios.� � quando a m e pega no oliver e o embrulha num casaco, o�eugene p e-se de p em cima da cama. quero o ollie, diz ele.� �vem brincar, ollie. o ollie n o se demora nada, diz a m e, e depois j podes� � �brincar com ele. agora brinca com o malachy e o frank. ollie, ollie, quero o ollie. segue o oliver com os olhos e, quando eles se v o embora,�senta -se na cama a olhar pela janela. o malachy diz, genie,�genie, temos p o, temos ch . queres a car no p o, genie? ele� � �� �abana a cabe a e empurra o p o que o malachy est a� � �oferecer-lhe. vai a gatinhar at ao lugar onde o oliver dormiu�com a m e, deita a cabe a e olha pela janela.� �

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a av est porta. ouvi o teu pai e a tua m e a irem de� � � �escanti lh o pela henry street com o beb ao colo. onde que� � � �foram? o oliver est doente, disse eu. n o quis comer a cebola� �cozida em leite. o que que est s para a a dizer?� � � n o quis comer a cebola cozida e ficou doente.� e quem que est a tomar conta de voc s?� � � sou eu. e o que que tem aquele que est na cama? como que ele� � �se chama? o eugene. est com saudades do oliver. s o g meos.� � � � eu sei que s o g meos. est com um ar esfomeado. t m c� � � � �flocos de aveia? o que s o flocos de aveia? diz o malachy.� jesus, maria e s o jos me acudam! o que s o flocos de� � �aveia! flocos de aveia s o flocos de aveia. isso e mais� �nada. nunca vi uma cambada de yankees t o ignorantes como�voc s. v , vistam-se que vamos a casa da tia aggie. ela est� � �l com o marido, o pa keating, e d -vos flocos de aveia.� � pega no eugene, embrulha-o no xaile e atravessamos a ruapara irmos a casa da tia aggie. ela est outra vez a viver com�o tio pa, porque ele disse que, pensando melhor, ela n o era�nenhuma vaca gorda. tens c flocos de aveia? pergunta a av tia aggie.� � � flocos de aveia? por que que eu tenho de dar flocos de�aveia a este ninho de yanhees? tem cora o, diz a av . N o te vai desgra ar dares-lhes um�� � � �boca dinho de flocos de aveia.� e, ainda por cima, devem querer a car e leite. se n o�� �tiver cuidado, nunca mais me largam a porta pedirem-me ovos.n o percebo por que que n s temos de pagar pelas asneiras da� � �angela. santo deus, diz a av , ainda bem que n o s tu a dona� � �daquele est bulo em bel m, sen o a sagrada fam lia ainda� � � �andava a esta hora a vaguear pelo mundo a morrer de fome. a av afasta a tia aggie, p e o eugene numa cadeira ao p� � �da lareira e faz os flocos de aveia. de um outro quartoaparece um homem de cabelo preto encaracolado e cara preta.gosto dos olhos dele, porque s o muito azuis e sorridentes. � �o marido da tia aggie, o homem que parou ao p de n s naquela� �noite em que est vamos a matar as pulgas e que nos contou�aquelas coisas todas sobre pulgas e cobras, o homem que ficoucom tosse por ter engolido g s na guerra.� o malachy diz, por que que est todo preto? e o tio pa� �keating d uma gargalhada e tem um ataque de tosse t o grande� �que tem de fumar um cigarro para lhe passar. oh!, estesyankees pequenitos, diz ele. n o s o nada envergonhados. estou� �preto porque trabalho na f brica de g s de limerick, a atirar� �carv o e coque para as fornalhas. fui gaseado em fran a e� �regresso a limerick para trabalhar na f brica do g s. quando� �crescerem, isto h -de fazer-vos rir.� eu e o malachy temos de sair da mesa para os adultospoderem sentar-se a tomar ch . bebem ch , mas o tio pa� �keating, que meu tio porque casado com a tia aggie, pega� �no eugene e senta-o no colo dele. que crian a t o triste, diz� �ele, e faz caretas e uns barulhos esquisitos. eu e o malachyrimo-nos, mas o eugene s estende a m o para tocar no negrume� �

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da pele do pa keating, e quando o pa finge que vai morder am o do eugene, ele ri-se e toda a gente se ri. o malachy vai�ao p do eugene e tenta faz -lo rir ainda mais, mas ele� �volta-se e esconde a cara na camisa do pa keating. acho que ele gosta de mim, diz o pa, e nesse momento a tiaaggie pousa a ch vena e come a a chorar, ua, ua, ua, com� �grandes l grimas a rolarem-lhe pela cara gorda e corada.� valha-me deus, diz a av , l est ela outra vez. o que � � � �que foi desta vez? e a tia aggie diz, a chorar, ver o pa com uma crian a ao�colo e eu sem esperan as de conseguir ter uma.� a av d -lhe um berro, p ra de falar assim na frente das� � �crian as. n o tens vergonha? quando deus achar que altura� � �disso, h -de mandar-te a tua fam lia.� � a tia aggie solu a, a angela com cinco filhos e uma j� �morta, ela que n o vale nada, nem um ch o sabe esfregar, e eu� �que sei lavar, esfregar melhor do que ningu m e sei fazer�qualquer comida. o pa keating d uma gargalhada, acho que vou ficar com este�rapazinho. o malachy vai a correr para ele. n o, n o, n o. ele meu� � � �irm o, o eugene. e eu digo, n o, n o, n o, ele nosso� � � � � �irm o.� a tia aggie limpa as l grimas e diz, n o quero nada que� �seja da angela. n o quero nada que seja metade de limerick e�metade da irlanda do norte, n o quero, por isso podem lev -lo� �para casa. um dia hei-de ter um filho meu nem que tenha derezar cem novenas Virgem maria e sua m e, santa ana, nem� � �que tenha de ir daqui at Lourdes de joelhos.� a av diz, j chega. j comeram a papa e agora est na hora� � � �de irem para casa, para verem se o vosso pai e a vossa m e j� �vieram do hospital. p e o xaile e vai buscar o eugene, mas ele agarra-se com�tanta for a camisa do pa keating, que ela tem de o tirar � � �for a, mas ele continua de cabe a voltada para tr s, a olhar� � �para o pa, at sairmos para a rua.�

fomos atr s da av para o nosso quarto. ela p s o eugene na� � �cama e deu-lhe uma pinguinha de gua. disse-lhe para ser�bonzinho e dormir porque o mano dele, o oliver, n o tardava a�chegar a casa e depois j iam brincar outra vez para o ch o.� � mas ele continuou a olhar pela janela. disse-me a mim e ao malachy que pod amos sentar-nos no ch o� �a brincar, mas sem fazer barulho porque ela ia dizer asora es dela. o malachy foi para a cama e sentou-se ao p do�� �eugene e eu sentei-me numa cadeira mesa a adivinhar palavras�no jornal, que servia de toalha para a mesa. a nica coisa�que se ouvia no quarto era o malachy a segredar coisas aoeugene para ele ficar contente e a av a bichanar enquanto�passava as contas do ter o. o sil ncio era tanto que eu� �pousei a cabe a na mesa e adormeci.�

o pai est a tocar-me no ombro. acorda, francis, tens de�tomar conta dos teus irm os.� a m e est afundada aos p s da cama, a chorar baixinho como� � �se fosse um passarinho. a av est a p r o xaile e diz, vou� � �falar com o thompson, o cangalheiro, por causa do caix o e da�carreta. de certeza que a sociedade de s o vicente de paulo�

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h -de pagar o enterro.� dirige-se para a porta. o pai est de p com os olhos fixos� �na parede por cima da lareira, a bater nas ancas com os punhosfechados e a suspirar, oh, oh, oh. o pai faz-me medo com aqueles oh, oh, e a m e faz-me medo�com aqueles sons de passarinho e n o sei o que hei-de fazer,�mas pergunto a mim pr prio se algu m ir acender o lume, para� � �podermos fazer ch e comer p o, porque j h muito tempo que� � � �comemos a papa de aveia. se o pai se afastasse do fog o, eu�mesmo acendia o lume. s preciso papel, uns bocadinhos de� �carv o ou turfa e um f sforo. como ele n o se desvia, eu tento� � �dar a volta pelas pernas dele, enquanto ele est a bater nas�ancas, mas ele d por mim e pergunta-me por que que eu quero� �acender a lareira. eu digo-lhe que estamos todos cheios defome e ele solta uma gargalhada de louco. com fome? oh!,francis, o teu irm ozinho oliver morreu. a tua irm zinha� �morreu e agora morreu o teu irm ozinho.� pega-me ao colo e abra a-me com tanta for a que eu dou um� �grito. ent o, o malachy come a a chorar, a minha m e chora, o� � �pai chora, eu choro, mas o eugene fica na mesma. o pai funga ediz, vamos fazer uma festa. anda da , francis.� diz minha m e que n o nos demoramos nada, mas ela tem o� � �malachy e o eugene ao colo e nem sequer levanta os olhos. eleleva-me pelas ruas de limerick, e vamos de loja em loja pedircomida ou qualquer coisa que possam dar a uma fam lia que�perdeu dois filhos num ano, uma na am rica e outro em�limerick, e que est em risco de mais tr s morrerem de fome e� �de sede. a maior parte dos donos das lojas diz que n o com a�cabe a. temos muita pena, mas v sociedade de s o vicente de� � � �paulo ou assist ncia social.� � o pai diz que uma alegria para ele ver como o esp rito de� �cristo est vivo em limerick, e eles dizem-lhe que n o� �precisam que gente como ele, com aquele sotaque do norte,lhes venha falar de cristo e que ele devia ter vergonha deandar assim, a arrastar uma crian a atr s dele, como se fosse� �um pedinte. nalgumas lojas d o-nos p o, batatas, latas de feij o e o� � �pai, agora vamos para casa e voc s j podem comer, mas� �encontramos o pa keating e ele diz ao pai que tem muita penadas desgra as que lhe t m acontecido e pergunta-lhe se n o� � �quer ir beber uma cerveja quele *pub* ali adiante.� no *pub* h homens sentados com uns copos grandes com uma�coisa castanha frente deles. o tio pa keating e o pai tamb m� �bebem essa coisa castanha. levantam os copos com cuidado ebebem devagar. ficam com uma espuma branca nos l bios, que�lambem ao mesmo tempo que v o soltando pequenos suspiros. o�tio pa pede uma garrafa de limonada para mim e o pai d -me um�bocado de p o, e j n o tenho fome. mesmo assim, pergunto a� � �mim pr prio quanto�tempo iremos ficar ali, com o malachy e o eugene em casa,cheios de fome, h quantas horas j comemos a papa de aveia -ali s, o eugene nem� � � lhe tocou. o pai e o tio pa bebem aquela coisa castanha que est no�copo e pedem outro. o tio pa diz, frankie, isto uma cerveja.� o que d gosto vida. n o h coisa melhor para m es que� � � � � �amamentam nem para as que h muito desmamaram.� d uma gargalhada, e o pai sorri e eu dou uma gargalhada,�porque acho que isso que tem de se fazer quando o tio pa diz�

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alguma coisa. mas ele n o se ri quando conta aos outros homens�que o oliver morreu. os outros homens tiram o chap u ao pai.�lamentamos muito a desgra a que lhe aconteceu. tem de beber�uma cerveja. o pai diz sempre que sim s cervejas e, passado pouco�tempo, j est a cantar o roddy mccorley e o kevin barry, e� �mais e mais can es que eu nunca tinha ouvido e a chorar pela��sua pequenina margaret, que morreu na am rica, e o seu�pequenino oliver, que morreu no city home hospital. ficoassustado de o ver assim a gritar, a chorar e a cantar, equeria ir para casa, para ao p dos meus tr s irm os, n o, dos� � � �meus dois irm os, e da minha m e.� � o homem que est ao balc o diz ao pai, acho que j bebeu o� � �suficiente. temos muita pena do que lhe aconteceu, mas tem delevar essa crian a para casa, para junto da m e, que deve� �estar destro ada.� o pai diz, s mais uma cerveja, s uma? e o homem diz, n o.� � �o pai p e os punhos no ar. eu dei o meu contributo Irlanda,� �e quando o homem sai de tr s do balc o e agarra no bra o do� � �pai, ele tenta empurr -lo. � o tio pa diz, v l , malachy, p ra com essa conversa. tens� � �de ir para casa para ao p da angela. amanh tens um enterro e� �os teus lindos filhos tua espera.� mas o pai continua a esbracejar at que uns homens o�empurram c para fora, para o escuro. o tio pa sai aos�trope es, por causa do saco da fruta. vamos embora, diz ele.��vamos l para o teu quarto.� o pai quer ir a outro lugar beber mais cerveja, mas o tiopa diz-lhe que n o tem mais dinheiro. o pai diz-lhe que vai�contar a toda a gente as desgra as dele e que algu m lhe h -de� � �pagar uma cerveja. o tio pa diz que uma vergonha fazer isso�e o pai chora no ombro dele. s um bom amigo, diz ele ao tio�pa. continua a chorar at que o tio pa lhe d uma palmadinha� �nas costas e diz, terr vel, terr vel, mas h s-de acabar por� � � �conformar-te. o pai endireita-se, olha-o nos olhos e diz, nunca. nunca.

no dia seguinte fomos ao hospital numa carreta puxada porum cavalo. puseram o oliver numa caixa branca que n s t nhamos� �levado na carreta, e lev mo-lo para o cemit rio. puseram a� �caixa branca numa cova no ch o e taparam-na com terra. a minha�m e e a tia aggie choraram, a av fez uma cara de zangada, o� �pai, o tio pa keating e o tio pat sheehan estavam tristes masn o choraram, e eu fiquei a pensar que, quando se homem, s� � �se pode chorar quando se bebe aquela coisa preta chamadacerveja. n o gostei das gralhas que estavam pousadas nas rvores e� �nas campas, e n o queria deixar o oliver ao p delas. atirei� �uma pedra a uma gralha que se p s a pavonear-se em cima da�campa do oliver, mas o pai disse que eu n o devia atirar�pedras s gralhas, porque podiam ser a alma de algu m. eu n o� � �sabia o que era uma alma, mas tamb m n o perguntei porque n o� � �me interessava. o oliver estava morto e eu odiava gralhas.qualquer dia j era grande e havia de voltar ali com um saco�cheio de pedras e havia de deixar o cemit rio pejado de�gralhas mortas. na manh a seguir ao enterro do oliver, o pai foi Bolsa� �

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de emprego fazer o registo e levantar o subs dio da semana,�dezanove xelins e seis *pence*. disse que estava em casa aomeio-dia, que ia buscar carv o e acender o lume e que amos� �comer toucinho com ovos e beber ch em honra do oliver, e at� �talvez tiv ssemos direito a um ou dois rebu ados. � � mas n o estava em casa ao meio-dia, nem uma, nem s duas� � �e n s cozemos as poucas batatas que os homens das lojas nos�tinham dado no dia anterior. ainda n o estava em casa, quando�o sol se p s naquele dia de maio. n o havia sinais dele, at� � �que o ouvimos, muito depois de os bares fecharem, a cambalearpela windmill street e a cantar,

*todos est o alerta, �enquanto o ocidente dorme a irlanda bem pode chorar enquanto connacht se afunda no sono. lagos e plan cies sorriem belos e livres, �por entre as montanhas segue a guarda a cavalo. cantai! que o homem aprenda a liberdade com o vento cortante e a vencer mares*.

entrou no quarto aos trope es, agarrado parede. tinha�� �ranho a sair do nariz e limpou-o com as costas da m o. tentou�falar, echtach ccccrian as deviam echtar na cama. ou am bem o� �que vos digo. v o jjj p.r cama.� � � a m e p s-se frente dele. estas crian as est o com fome.� � � � �onde que est o dinheiro do subs dio? vamos comprar peixe e� � �batatas para n o irem para a cama sem nada no est mago.� � tentou enfiar as m os nos bolsos dele, mas ele empurrou-a.�mais rechchpeito, disse ele. rechchpeito em frente dascccrian as.� ela debateu-se at conseguir meter as m os nos bolsos dele.� �onde que est o dinheiro? as crian as est o com fome. meu� � � �malvado, gastaste outra vez o dinheiro todo na bebida? fizesteo mesmo que j tinhas feito em brooklyn.� ele balbuciou, oh!, pobre angela. pobre margaret, pobreoliver, t o pequeninos.� veio ter comigo a cambalear e abra ou-me, e eu senti o�mesmo cheiro da bebida que ele costumava ter na am rica.�fiquei com a cara molhada por casa das l grimas, da baba e do�ranho dele, estava cheio de fome e fiquei sem saber o quedizer, quando ele se p s a chorar em cima da minha cabe a.� � depois soltou-me e foi abra ar o malachy, sempre a falar da�irm zinha o do irm ozinho frios debaixo do ch o, e a dizer� � �que t nhamos de rezar e ser bons, que t nhamos de ser� �obedientes e fazer o que a nossa m e nos mandasse. disse que�t nhamos as nossas desgra as, mas estava na altura de eu e� �o malachy come armos a ir escola, porque n o havia nada como� � �a instru o, era uma coisa que fica para toda a vida, e eu e o��malachy t nhamos de estar preparados para darmos o nosso�contributo Irlanda.�

a m e diz que n o aguenta estar nem mais um minuto naquele� �quarto na windmill street. n o consegue dormir, com a�lembran a do oliver naquele quarto, o oliver na cama, o oliver�a brincar no ch o, o oliver sentado no colo do pai junto � �chamin . diz que n o bom para o eugene estar naquele s tio,� � �

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que um g meo sofre mais com a perda de um irm o do que uma m e� � �pode imaginar. h um quarto vago na hartstonge street com duas�camas em vez de uma, como temos aqui para n s os seis, n o,� �para n s os cinco. vamos ficar com aquele quarto, e para n o� �falhar, na quinta-feira ela vai Bolsa de emprego com o pai e�h -de ficar na bicha com ele, para agarrar no dinheiro do�subs dio no preciso momento em que o entregarem ao pai. ele�diz que ela n o pode fazer isso, seria uma vergonha para ele�na frente dos outros homens. a bolsa de emprego um s tio� �para homens. n o para as mulheres lhes tirarem o dinheiro� �debaixo do nariz. a m e diz, o mal teu. se n o estoirasses o� � �dinheiro pelos bares, n o tinha de andar atr s de ti, como fiz� �em brooklyn. ele diz-lhe que, para ele, vai ser uma vergonha para oresto da vida. ela diz que n o quer saber disso para nada.�quer aquele quarto em hartstonge street, um belo quarto,confort vel, com uma casa de banho ao fundo do corredor, como�o de brooklyn, um quarto sem pulgas nem aquela humidade, quemata. quer o quarto porque fica na mesma rua da escola oficialde leamy, e assim eu e o malachy podemos ir a casa hora de�almo o, ao meio-dia, beber uma ch vena de ch e comer uma� � �fatia de p o frito. � na quinta-feira a m e segue o pai Bolsa de emprego. entra� �atr s dele e, quando o homem estende o dinheiro para o pai, � �ela que agarra nele. os outros homens que v o receber o�subs dio fazem sinal uns aos outros com o cotovelo e fazem um�sorriso de tro a. uma vergonha para o pai, porque uma mulher� �nunca deve tocar no subs dio de desemprego de um homem. podia�querer tirar seis *pence* para apostar num cavalo ou parabeber uma cerveja, e se todas as mulheres come assem a fazer o�mesmo que a m e, os cavalos deixavam de correr e a guinness ia� fal ncia. mas agora ela j tem dinheiro e mudamo-nos para� � �harstonge street. depois ela pega no eugene ao colo e subimosa rua at escola de leamy. o director da escola, o sr. � �scallan, manda-nos voltar na segunda-feira com um caderno decom posi o, um l pis e uma caneta com um bom aparo. n o� �� � �podemos ir para a escola com impingens nem com piolhos e temosde ter sempre o nariz limpo, n o podemos assoar-nos para o�ch o, porque isso espalha a tuberculose, nem s mangas, tem de� �ser a um len o ou a um trapo limpo. pergunta-nos se somos bons�meninos e quando respon demos que sim, ele diz-nos, santo�deus, o que isto? s o yankees ou qu ?� � � a m e conta-lhe o que aconteceu Margaret e ao oliver e� �ele diz, deus grande, deus grande, h tanto sofrimento no� � �mundo. bem, mas vamos p r o pequenino, o malachy, na infantil�e o irm o na primeira classe. ficam na mesma sala com o mesmo�professor. ent o, segunda-feira de manh , s nove em ponto.� � � os rapazes da escola de leamy querem saber porque que�falamos assim. s o yankees ou qu ? quando lhes dizemos que� �viemos da am rica, perguntam-nos, s o *gangsters* ou� �*cowboys*? um matul o encosta a cara dele minha e diz, fiz-te uma� �pergun ta. s o *gangsters* ou *cowiboy*?� � respondo-lhe que n o sei e, quando ele me espeta um dedo no�peito, o malachy diz, eu sou *gangster* e o frank *cowboy*.�o matul o diz, o teu irm o esperto e tu s um yankee� � � �est pido.� os rapazes que est o volta dele est o todos excitados.� � �

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porrada, gritam eles, porrada, e ele empurra-me com tantafor a que caio. quero chorar mas, de repente, vejo tudo negro� minha volta como aconteceu com o freddie leibowitz e corro�para ele, aos murros e aos pontap s. atiro-o ao ch o e tento� �agarr -lo pelos cabelos para lhe dar com a cabe a no ch o, mas� � �sinto uma grande ferroada na parte de tr s das pernas e�afastam-me dele. o sr. benson, o professor, agarrou-me por uma orelha e est�a dar-me vergastadas nas pernas. seu rufi o, diz ele. foi isso�que apren deste na am rica? bem, v como te portas, antes que� � �eu d cabo de ti.� manda-me abrir uma m o e depois a outra a d -me com a� �vergasta uma vez em cada m o. vai para casa e diz tua m e� � �como te portaste mal. s um yankee mau. repete, sou um menino�mau. sou um menino mau. agora diz, sou um yankee mau. sou um yankee mau. o malachy diz, ele n o mau. foi aquele matul o. disse que� � �ramos *cowboys* e *gangsters*.� verdade, heffernan?� est a brincar, senhor professor. � nada de brincadeiras, heffernan. eles n o t m culpa de� �serem yankees. pois n o, senhor professor.� e tu, heffernan, devias ajoelhar-te todas as noites eagradecer a deus por n o seres um yankee, porque, se fosses,�heffernan, serias o maior *gangster* dos dois lados doatl ntico. al capone havia de te vir pedir li es. n o quero� �� �que te metas mais com estes dois yankees, hefferman. nunca mais me meto com eles, senhor professor. e, se te meteres com eles, penduro-te na parede virado doavesso. agora v o todos para casa. �

h tr s professores na escola oficial de leamy, e todos� �eles t m cintos, bengalas e vergastas. batem-nos com as�vergastas nos ombros, nas costas, nas pernas e principalmentenas m os. quando nos batem nas m os, chama-se uma reguada.� �batem-nos se chegamos atrasados, se o aparo da caneta fazborr es, se nos rimos, se falamos e se n o sabemos alguma� �coisa. batem-nos se n o sabemos por que que deus criou o mundo,� �se n o sabemos qual o santo padroeiro de limerick, se n o� � �sabemos recitar o credo dos ap stolos, se n o sabemos somar� �dezanove e quarenta e sete, se n o sabemos subtrair dezanove�de quarenta e sete, se n o sabemos as principais cidades e�produtos dos trinta e dois condados da irlanda, se n o sabemos�dizer onde fica a bulg ria no�mapa-mundo que est pendurado na parede e que est sujo de� �cuspo, ranho e borr es de tinta atirados pelos alunos expulsos�para sempre. batem-nos se n o sabemos dizer o nosso nome em irland s, se� �n o sabemos rezar a ave-maria em irland s, se n o sabemos� � �pedir licen a para ir casa de banho em irland s.� � � uma boa ajuda ouvirmos os mais velhos, que j est o nas� � �classes mais adiantadas. j conhecem o professor que n s temos� �agora e sabem dizer-nos do que ele gosta e n o gosta.� o nosso professor bate-nos se n o soubermos que o eamon de�

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valera o maior homem que alguma vez existiu. outro professor�bate-nos se n o soubermos que o michael collins o maior� �homem que alguma vez existiu. o sr. benson odeia a am rica e n o nos podemos esquecer de� �odiar a am rica, sen o ele bate-nos.� � o sr. o.dea odeia a inglaterra e n o nos podemos esquecer�de odiar a inglaterra, sen o ele bate-nos. � se alguma vez dissermos bem do oliver cromwell, todos elesnos batem.

mesmo que nos batam seis vezes em cada m o com a vergasta�ou com o vidoeiro com n s, n o podemos chorar. se chorarmos,� �somos mariqui nhas. h rapazes que se riem ou fazem logo pouco� �de n s na rua, mas mesmo esses t m de ter cuidado, porque� �h -de vir o dia em que o professor lhes bate, e eles v o ter� �de guardar as l grimas nos olhos, se n o querem cair em� �desgra a para sempre. alguns rapazes dizem que melhor� �chorar, porque os professores ficam mais satisfeitos. se n o�choramos, os professores odeiam-nos, porque os fizemos ficarmal peran te a sala toda, e prometem a eles mesmos que da�pr xima vez h o-de bater-nos at deitarmos l grimas ou sangue� � � �ou as duas coisas. os matul es da quinta classe dizem-nos que o sr. o.dea�gosta de nos p r frente da aula toda para ele poder ficar� �por detr s de n s e nos puxar as patilhas. para cima, para� �cima, diz ele, at n s estarmos em bicos de p s e com os olhos� � �cheios de l grimas. n o queremos que os outros rapazes nos� �vejam a chorar, mas puxarem-nos as patilhas faz as l grimas�ca rem, quer n s queiramos quer n o, e disso que o professor� � � �gosta. o sr. o.dea o nico professor que nos faz chorar e� �passar por essa vergonha. melhor n o chorar, porque temos de nos manter unidos aos� �rapazes da escola e nunca dar nenhuma satisfa o aos��professores. se o professor nos bate, n o vale a pena fazermos queixa�aos nossos pais ou s nossas m es, porque eles dizem sempre,� �se apanhaste foi porque mereceste. n o te armes em beb .� �

eu sei que o oliver morreu e o malachy sabe que o olivermorreu, mas o eugene pequenino de mais para saber seja o que�for. de manh , quando acorda, diz, ollie, ollle, e anda com�seu passinho incerto pelo quarto, a espreitar debaixo dascamas, ou ent o sobe para cima da cama que est ao p da� � �janela e aponta para as crian as que est o a brincar na rua,� �principalmente para as que t m cabelo loiro, como ele e como o�ollie, e come a a dizer, ollie, ollie, e a m e pega nele ao� �colo, chora e abra a-o. ele esbraceja at ela o p r no ch o,� � � �porque n o quer que lhe peguem ao colo nem que o abracem. s� �quer descobrir o oliver. o pai e a m e dizem-lhe que o oliver est no c u a brincar� � �com os anjos e que qualquer dia vamos todos tornar a v -lo,�mas ele n o percebe porque s tem dois anos e faltam-lhe� �palavras, e isso e a pior coisa do mundo. eu e o malachy brincamos com ele. tentamos faz -lo rir.�fazemos caretas. pomos panelas em cima da cabe a e fingimos�que as deixamos cair. atravessamos o quarto a correr efingimos que ca mos. levamo -lo ao parque do povo para ele ver� �as flores, brincar com os c es e rebolar na relva.�

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ele v meninos pequenos com cabelo loiro como o ollie, mas�j n o diz ollie. apenas aponta para eles.� � o pai diz que o eugene tem sorte de ter uns irm os como eu�e o malachy, porque o ajudamos a esquecer e, com a ajuda dedeus, qualquer dia j n o vai ter a m nima recorda o do� � � ��ollie.

mas acabou por morrer. seis meses depois de o oliver ter morrido, acord mos numa�noite terr vel de novembro e demos com o eugene gelado,�deitado ao nosso lado. o dr. troy foi l a casa e disse que�ele tinha morrido de pneumonia e quis saber por que que ele�n o tinha ido para o hospital. o pai disse que n o sabia e a� �m e disse que n o sabia, e o dr. troy disse que era por isso� �que as crian as morriam. por causa de as pessoas n o saberem.� �disse que, se eu ou o malachy tiv ssemos o menor sinal de�tosse ou de rouquid o, t nhamos de ser imediatamente vistos� �por ele, fosse a que hora fosse do dia ou da noite. t nhamos�de estar sempre enxutos, porque parecia haver uma tend ncia�naquela fam lia para se ter o peito fraco. disse M e que� � �tinha muita pena dela por tudo o que ela j tinha passado e�que lhe ia dar uma receita para aliviar o sofrimento dela da�para a frente. disse que deus estava a exigir de mais, po a,�mesmo de mais. a av veio ao nosso quarto com a tia aggie. lavou o eugene,�e a tia aggie foi a uma loja comprar um vestidinho branco e umter o. vestiram-lhe o vestido branco e deitaram-no na cama ao�p da janela, por onde ele costumava espreitar procura do� �oliver. pousaram-lhe as m os sobre o peito, uma em cima da�outra, com o ter o entrela ado nelas. a av tirou-lhe o cabelo� � �da testa e dos olhos, penteando-o para tr s e disse, tem uma�pele t o linda, t o sedosa, n o tem? a m e foi at cama e� � � � � �puxou o cobertor para cima das pernas do eugene, para eleficar quentinho. a av e a tia aggie olharam uma para a outra�sem dizerem nada. o pai ficou de p aos p s da cama, a bater� �nas ancas com os punhos fechados, e a falar para o eugene, adizer-lhe, oh!, foi o rio shannon que te fez mal, foi ahumidade daquele rio que te levou a ti e ao oliver. a av�disse, pare l com isso. est a p r toda a gente nervosa.� � �deu-me a receita do dr. troy e disse para eu ir a correr ao farmac utico, o o.connor, buscar os rem dios e que, gra as � � � �bondade do dr. troy, n o era preciso pagar. o pai disse que ia�comigo, que amos igreja jesu ta rezar uma ora o pela� � � ��margaret, pelo oliver e pelo eugene, que estavam felizes noc u. o farmac utico deu-nos os comprimidos, par mos para rezar� � �e, quando cheg mos a casa, a av deu dinheiro ao pai para ir� �ao *pub* buscar umas garrafas de cerveja. a m e disse, n o,� �n o, mas a av disse, ele n o tem comprimidos para o ajudarem,� � �por isso, valha-nos deus, uma garrafa de cerveja sempre vaiconsol -lo um bocado. depois disse-lhe que no dia seguinte ele�teria de ir ao cangalheiro buscar o caix o e traz -lo numa� �carreta. mandou-me ir com o meu pai para ter a certeza de queele n o ficava toda a noite no *pub* a gastar o dinheiro na�bebida. o pai disse, o frankie n o tem idade para andar pelos�*pubs*, e a av disse, ent o n o fique l . p s o bon e fomos� � � � � �ao *pub* do sul e, porta, ele disse-me que j podia ir para� �casa, porque ele ia s beber uma cerveja. eu disse, n o, e ele� �disse, n o sejas desobediente. vai para casa para ao p da tua� �

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pobre m e. eu disse, n o, e ele disse que eu era um menino mau� �e que nosso senhor ia ficar zangado comigo. disse-lhe que n o�ia para casa sem ele, e ele disse, oh!, onde que este mundo�vai parar? bebeu s uma cerveja e fomos para casa com as�garrafas. o pa keating estava no nosso quarto com uma garrafade u sque que tinha trazido e o tio pat sheehan tinha trazido�duas garrafas de cerveja s para ele. estava sentado no ch o,� �com os bra os volta das garrafas dele e n o parava de dizer,� � �s o minhas, s o minhas, com medo que algu m lhas tirasse. as� � �pessoas que ca am no ch o de cabe a para baixo ficavam para� � �sempre com medo que algu m lhes roubasse a cerveja delas. a�av disse, est bem, pat, bebe l a tua cerveja. ningu m te� � � �vai incomodar. ela e a tia aggie sentaram-se na cama ao p do�eugene. o pa keating sentou-se mesa da cozinha e beber a�cerveja dele e a oferecer um golinho de u sque a toda a gente.�a m e tomou os comprimidos e sentou-se ao p da chamin com o� � �malachy ao colo. n o parava de dizer que o cabelo do malachy�era igual ao do eugene e a tia aggie dizia sempre que n o, at� �que a av lhe deu uma cotovelada no peito para ela se calar. o�pai ficou de p a beber a cerveja dele, entre a lareira e a�cama onde estava o eugene. o pa keating contou hist rias e os�adultos riram-se, embora n o quisessem ou n o devessem rir-se� �na presen a de uma crian a morta. contou que quando tinha� �estado em fran a no ex rcito ingl s, os alem es manda ram um� � � � �g s que o fez ficar t o doente que tiveram de o levar para o� �hospital. ficou l uns tempos e depois tornaram a mand -lo� �para as trincheiras. os soldados ingleses regressavam a casa,mas eles n o queriam saber dos irlandeses para nada, tanto se�lhes dava que vivessem como que morressem. mas, em vez demorrer, o pa ganhou uma fortuna. disse que resolveu um dosmaiores problemas da guerra nas trincheiras. havia tantahumidade e tanta lama nas trincheiras que eles n o conseguiam�ferver a gua para o ch . ele, ent o, disse para os seus� � �bot es, santo deus, tenho tanto g s no meu sistema que uma� � �pena desperdi -lo. enfiou um cachimbo no cu, acendeu-o com um��f sforo e, em menos de um segundo, tinham uma chama que dava�para ferver toda a gua de um cantil. os soldados ingleses�vieram a correr de todas as trincheiras em volta, quandoouviram a not cia, e davam-lhe o di nheiro que ele quisesse� �para ele os deixar ferver a gua. ganhou tanto dinheiro que�conseguiu subornar os generais para o deixarem sair ex rcito e�foi para paris, onde passou uma bela vida, a beber vinhocompanhia de artistas e modelos. divertiu-se tanto que gastouo dinheiro todo e, quando voltou para limerick, o nico�emprego que conseguiu arranjar foi na f brica de g s a mandar� �pazadas de carv o para as fornalhas. disse que havia tanto g s� �dentro do corpo dele que dava para fornecer luz a uma cidadepequena durante um ano inteiro. a tia aggie fungou e disse queaquilo n o era hist ria que se contasse na presen a de uma� � �crian a morta, e a av disse que era melhor contar hist rias� � �daquelas do que estar ali sentado com cara de enterro. o tiopat, que estava sentado no ch o com a sua cerveja, disse que�ia cantar uma can o. for a, disse o pa keating, e o tio pat�� �cantou the road to rasheen . estava sempre a repetir,� �rasheen, rasheen, *mavourneen mean*, (*) mas a

(*) minha querida (nt).

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can o n o fazia sentido porque o pai dele o tinha deixado�� �cair no ch o de cabe a para baixo h j muito tempo, e sempre� � � �que ele cantava aquela can o, era com uma letra diferente. a��av disse que era uma can o muito bonita e o pa keating disse� ��que era melhor o caruso p r-se a pau. o pai encaminhou-se para�a cama que estava no canto do quarto, onde ele dormia com am e, e sentou-se na beira. pousou a garrafa de cerveja no�ch o, tapou a cara com as m os e come ou a chorar. depois� � �disse, frank, vem c , frank, e eu tive de ir ao p dele para� �ele me abra ar da mesma maneira que a m e estava a abra ar o� � �malachy. a av disse, melhor irmos andando agora para� �dormirmos um bocado antes do enterro. ajoelharam-se um por umao p da cama, rezaram uma ora o, e deram um beijo na testa� ��do eugene. o pai p s-me no ch o, levantou-se e acenou a cada� �um deles sa da. depois de se terem ido todos embora, levou� �as garrafas de cerveja boca, uma a uma, e esvaziou-as.�passou com o dedo pela garrafa de u sque e lambeu-o. �baixou a chama do candeeiro de parafina que estava em cima damesa e disse que estava na hora de eu e o malachy irmos para acama. ter amos de dormir com ele e com a m e nessa noite,� �porque o eugene ia precisar da outra cama para ele. agora oquarto estava todo s escuras, excep o de uma r stia de luz� � �� �que vinha da rua e que batia exactamente em cima do lindo esedoso cabelo do eugene.

de manh o pai acende o lume, faz o ch e aquece o p o no� � �lume. leva o ch e uma torrada M e, mas ela empurra a comida� � �e vira-se para a parede. leva-me a mim e ao malachy at ao p� �do eugene, para nos ajoelharmos e rezarmos uma ora o. diz que��as ora es de uma crian a como n s t m mais valor no c u do�� � � � �que as ora es de dez cardeais e quarenta bispos. ensina-nos a��benzer, em nome do pai, do filho e do esp rito santo, men, e� �diz, meu deus, isto que v s quereis, n o ? quereis o meu� � � �filho, eugene. j me levastes o irm o dele, o oliver, e a� �irm zinha, a margaret. mas eu n o posso p r isso em causa,� � �pois n o? meu deus, eu n o sei por que que as crian as t m� � � � �de morrer, mas essa a vossa vontade. dissestes ao rio que�matasse e o rio shannon matou. pod eis agora ter um pouco de�miseric rdia? pod eis deixar-nos os filhos que temos? s o� � � �que pedimos. men.� ajuda-me a mim e ao malachy a lavarmos a cara e os p s para�irmos limpos ao enterro do eugene. n o podemos fazer barulho�nenhum, nem mesmo quando ele nos aleija a limpar-nos osouvidos com a ponta da toalha que trouxemos da am rica. n o� �podemos fazer barulho porque o eugene est ali deitado com os�olhos fechados e n s n o queremos que ele acorde e se ponha a� �espreitar pela janela procura do oliver.� a av chega e diz M e que tem de se levantar. morreram-te� � �filhos, mas tens filhos vivos que precisam da m e, diz ela.�leva-lhe um bocadinho de ch numa caneca para ela tomar os�comprimidos que v o aliviar o sofrimento. o pai diz Av que� � � quinta-feira e que tem de ir Bolsa de emprego levantar o� �dinheiro do subs dio e depois tem de ir ao cangalheiro para ir�buscar o caix o e a carreta. a av diz-lhe para me levar, mas� �ele diz que melhor eu ficar com o malachy a rezar pelo meu�irm ozinho que est ali morto na cama. a av diz, est a� � � �fazer-me de tola? rezar por uma criancinha de pouco mais dedois anos, que j est no c u a brincar com o irm o? leve o� � � �

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seu filho consigo e lembre-se que hoje n o dia para andar� �pelos *pubs*. olha para ele, ele olha para ela e p e o bon .� �

quando chegamos Bolsa de emprego ficamos no fim da bicha�at que um homem sai de tr s do balc o e vem ter com o pai e� � �lhe dizque lamenta muito o que lhe aconteceu e que ele pode passar �frente dos outros todos num dia t o triste como aquele. os�homens v o com a m o ao bon , dizem os meus sentimentos, e� � �alguns d o-me moe das, vinte e quatro *pennies* e dois xelins.� �o pai diz-me que eu agora j�sou rico e manda-me ir comprar rebu ados, enquanto ele vai ali�a um s tio num instante. eu sei que esse s tio um *pub* e� � �sei que ele quer ir beber aquela coisa castanha chamadacerveja, mas n o digo nada�porque quero ir loja que fica ao lado comprar um caramelo.�mastigo o caramelo at ele se derreter, e fico com a boca doce�e pegajosa. o pai continua no *pub* e eu pergunto a mimpr prio se n o seria melhor ir comprar outro caramelo,� �enquanto ele n o acaba a cerveja. no mo mento em que vou para� �dar o dinheiro senhora da loja, algu m me d uma palmada na� � �m o. a tia aggie, furiosa. achas bem estar a fazer isto no� �dia do enterro do teu irm o? a empanturrares-te de guloseimas?�onde que est o teu pai?� � ele, ele est no *pub*.� claro que est no *pub*. tu aqui a empanturrares-te de�doces e ele a beber at cair para o lado no dia em que o teu�pobre irm o vai para o cemit rio. diz senhora da loja, tal� � � �e qual o pai, a mesma maneira de ser, a mesma pinta do norte. manda-me ir ao *pub* dizer ao meu pai para parar de beber eir para casa com o caix o e a carreta. recusa-se a meter um p� �que seja dentro do *pub* porque a bebida a maldi o daquele� ��pa s pobre e abandonado por deus� o pai est sentado ao fundo do *pub*, com um homem que tem�a cara suja e cabelos a sa rem do nariz. n o est o a falar,� � �est o a olhar em frente e t m as cervejas pretas em cima do� �pequeno caix o branco, pousado no assento no meio deles. sei�que o caix o do eugene porque o oliver tinha um igual quele� � �e d -me vontade de chorar ao ver as cervejas pousadas em cima�dele. estou arrependido por te comido aquele caramelo e s�queria poder arranc -lo de dentro do est mago e d -lo outra� � �vez mulher da loja, porque n o est certo comer caramelos� � �quando o eugene est morto na cama e fico assustado por ver as�duas cervejas pretas em cima do caix o branco.�o homem que est ao p do pai diz, pois n o, j n o se pode� � � � �deixar um caix o de crian a na carreta. fiz isso uma vez, foi� �beber uma cerveja e roubaram-me o caix o do raio da carreta.�pode acreditar-senuma coisa dessas? gra as a deus que estava vazio, mas mesmo�assim. vivemos num mundo desesperado. depois levanta o copo e bebe um golo muito grande e, quando pousao copo, ouve-se um som cavo vindo do caix o. o pai acena com a�cabe a para mim e diz, vou j , filho, mas quando ele vai a� �pousar o copo dele no caix o depois do golo grande, eu�empurro-o. isto o caix o do eugene. vou dizer M e que o pai p s o� � � � �copo em cima do caix o do eugene.� ent o, filho. ent o, filho.� �

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pai, isto o caix o do eugene.� � o outro homem pergunta, vai outra cerveja? o pai diz-me, espera s mais um bocadinho l fora, francis.� � n o.� n o sejas mau.� n o.� o outro homem diz, valha-me deus, se ele fosse meu filhodava -lhe um pontap no rabo que ele s parava no condado de� � �kerry. n o tem direito de falar assim com o pai dele num dia�t o triste. se um homem j n o pode beber uma cerveja num dia� � �de um enterro, n o serve de nada estar vivo, de nada.� o pai diz, est bem. vamos.� acabam as cervejas e limpam as manchas castanhas do caix o�com as mangas. o homem sobe para o s tio do condutor e eu e o�pai vamos dentro da carreta. o pai leva o caix o no colo, e�encosta-o ao peito. o nosso quarto est cheio de adultos, a�m e, a av , a tia aggie, o marido dela, o pa keating, o tio� �pat sheehan, o tio tom sheehan, que o irm o mais velho da� �m e e que nunca tinha ido a nossa casa porque odeia gente do�norte da irlanda. o tio tom est com a mulher dele. chama-se�jane e de galway e as pessoas dizem que parece uma espanhola�e por isso que ningu m da fam lia fala com ela.� � � o homem tira o caix o ao pai e, quando entra no quarto, a�m e geme, oh!, n o, oh!, meu deus, n o. o homem diz Av que� � � � �volta da a pouco para nos levar ao cemit rio. a av diz-lhe� � �que melhor para ele n o aparecer l b bedo como est , porque� � � � �a crian a que vai para o cemit rio sofreu muito em vida e� �merece um pouco de digni dade, e que ela n o vai autorizar que� �seja um condutor b bedo e capaz de cair daquele assento t o� �alto, a levar o caix o.� o homem diz, j levei dezenas de crian as para o cemit rio,� � �minha senhora, e nunca ca de nenhum assento, alto ou baixo.�

os homens est o outra vez a beber garrafas de cerveja e as�mulheres a bebericarem xerez pelos frascos de compota. o tiopat sheehan diz a toda a gente, esta cerveja minha, esta�cerveja minha, e a av diz-lhe, est bem, pat. ningu m te� � � �vai tirar a tua cerveja. depois ele diz que quer cantar the�road to rasheen , mas o pa keating diz-lhe, n o, pat, n o se� � �pode cantar no dia de um enterro. s se pode cantar na noite�anterior. mas o tio pat continua a dizer, esta cerveja minha�e quero cantar the road to rasheen , e toda a gente sabe que� �ele fala assim porque o deixaram cair no ch o, de cabe a para� �baixo. come a a cantar a can o dele, mas p ra quando a av� �� � �abre a tampa do caix o e a m e come a a solu ar e a dizer,� � � �oh!, meu deus, oh!, meu deus, ser que isto n o acaba? ser� � �que vou ficar com um filho? a m e est sentada numa cadeira cabeceira da cama. est a� � � �fazer festas no cabelo, na cara e nas m os do eugene. diz-lhe�que n o havia crian a mais doce, mais perfeita e mais amorosa� �no mundo. diz-lhe que horr vel perd -lo, mas que sabe que� � �ele agora est no c u com o irm o e a irm e que uma� � � � �consola o para todos n s sabermos que agora o oliver j n o�� � � �est separado do irm o g meo. mesmo assim, pousa a cabe a ao� � � �lado do eugene e chora tanto que todas as mulheres que est o�no quarto choram tamb m. continua a chorar at que o pa� �keating lhe diz que temos de ir antes que anoite a, que n o se� �pode estar nos cemit rios noite.� �

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a av diz baixinho Tia aggie, quem que p e o menino no� � � �caix o? e a tia aggie responde baixinho, eu n o. isso compete� � m e.� � o tio pat ouve-as e diz, eu ponho o menino no caix o. vai a�coxear at ao p da cama e p e os bra os volta dos ombros da� � � � �m e. ela levanta os olhos para ele. tem a cara lavada em�l grimas. ele diz-lhe, eu ponho o menino no caix o, angela.� � oh!, pat, diz ela. pat. eu consigo, diz ele. um menino pequenino e eu nunca�peguei num menino pequenino. nunca peguei numa crian a ao�colo. mas eu n o o deixo cair, angela. n o deixo. juro por� �deus que n o deixo.� eu sei que n o deixas, pat. eu sei que n o.� � pego nele e n o vou cantar the road to rasheen .� � � eu sei que n o cantas, pat, diz a m e.� � o pat puxa para tr s o cobertor que a m e tinha posto em� �cima do eugene para ele n o arrefecer. os p s do eugene est o� � �brancos e a luzir, com veias azuis muito pequeninas. o patinclina-se, agarra no eugene e encosta-o ao peito. beija-o natesta e depois toda a gente que est no quarto beija o eugene.�p e-no no caix o e afasta-se para tr s. aproximamo-nos todos� � �para vermos o eugene pela ltima vez.� o tio pat diz, v s, angela, n o o deixei cair, e a m e� � �faz-lhe uma festinha na cara. a tia aggie vai ao *pub* buscar o condutor. ele p e a tampa�no caix o e aparafusa-a. depois pergunta, quem que vem� �comigo na carreta? s h espa o para a m e, para o pai, para o� � � �malachy e para mim. a av diz, v o ao cemit rio que n s� � � �esperamos aqui. n o sei por que que n o podemos ficar com o eugene. n o� � � �sei por que que temos de o mandar embora com o homem que p e� �o copo da cerveja em cima do caix o branco. n o sei por que � � �que tivemos de mandar embora a margaret e o oliver. mau�pormos a minha irm e os meus irm os numa caixa e apetecia-me� �dizer qual quer coisa a algu m.� �

ou o as patas do cavalo a baterem pelas ruas de limerick. o�ma lachy pergunta, vamos ver o oliver?, e o pai diz-lhe, n o,� �o oliver est no c u e n o me perguntes onde que fica o c u� � � � �porque eu n o sei.� a m e diz, o c u o s tio onde o oliver, o eugene e a� � � �margaret est o, muito felizes e aconchegadinhos e qualquer dia�vamos l ter com eles.� o malachy diz, o cavalo fez coc na rua e cheira mal, e a�m e e o pai s o obrigados a sorrir.� �

quando chegamos ao cemit rio, o condutor desce do banco�dele e abre a porta da carruagem. passem-me o caix o que eu�levo-o at sepultura, diz ele. d um pux o ao caix o e� � � � �trope a. a m e diz, voc n o leva o meu filho nesse estado.� � � �volta-se para o pai e diz, leva-o tu. como queiram, diz o condutor. raios vos partam, fa am como�quiserem, e torna a subir para o assento dele. j est escuro e o caix o parece mais branco do que nunca� � �nos bra os do pai. a m e d -nos a m o e seguimos atr s do pai� � � � �por entre as campas. as gralhas est o caladas nas rvores,� �porque o dia est quase a chegar ao fim para elas e t m de� �descansar para poderem levantar-se cedo na manh seguinte para�

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darem de comer aos filhi nhos delas.� est o dois homens espera ao p de uma pequena cova,� � �encostados s p s. um deles diz, vieram muito tarde. se n o� � �fosse uma coisa pequena, t nhamos ido embora. salta para�dentro da cova e diz, passe-mo, e o pai d -lhe o caix o.� � o homem deita uns bocadinhos de palha e de erva em cima docaix o e, quando sai de dentro da cova, o outro come a a� �atirar pazadas de terra. a m e d um grito, oh!, meu jesus,� �meu jesus, e uma gralha berra numa arvore. quem me dera atiraruma pedra gralha. quando os homens acabam de atirar a terra,�limpam a testa e ficam espera. um deles diz, costume� �dar-se qualquer coisa aqui ao pessoal para matar a sede. o pai diz, ah!, pois, pois, e d -lhes dinheiro. eles dizem,�os nossos sentimentos, e v o-se embora.� voltamos para a carreta que ficou porta do cemit rio, mas� �a carreta j n o est l . o pai vai dar uma volta procura� � � � �dela no meio da escurid o, mas volta a abanar a cabe a. a m e� � �diz, aquele condutor um porco b bedo, deus me perdoe.� � muito longe desde o cemit rio at ao nosso quarto. a m e� � � �diz pai, estas crian as precisam de comer qualquer coisa e�ainda tens dinheiro do subs dio que foste levantar hoje de�manh . se est s pensar em ires meter-te nos *pubs* hoje � � �noite, podes tirar da sentido. vamos lev -los ao naughton.s,� �para eles comerem peixe e batatas e beberem uma limonada. n o� todos os dias que se enterra um irm o.� � o peixe e as batatas ficam uma del cia com sal e vinagre, e�a limonada como um doce a escorrer-nos pela garganta. � quando chegamos a casa, o quarto est vazio. h garrafas de� �cerveja vazias em cima da mesa e o lume est apagado. o pai�acende o candeeiro de parafina e v -se a marca da cabe a do� �eugene na almofa da. fica-se espera de o ouvir, de o ver com� �os seus passinhos incertos pelo quarto e a trepar para cima dacama para espreitar pela janela procura do oliver. � o pai diz M e que vai dar uma volta. ela diz que n o.� � �sabe qual o fito dele, est desejoso de ir gastar os ltimos� � �xelins pelos *pubs*. est bem, diz ele. acende o lume, a m e� �faz ch e, passado pouco tempo, j estamos todos na cama. � � eu e o malachy estamos outra vez na cama onde o eugenemorreu. espero que ele n o esteja com frio naquele caix o� �branco no cemit rio, mas sei que ele j n o est l , porque� � � � �os anjos foram l , abriram o caix o e levaram-no para longe da� �humidade do shannon que mata, levaram-no l para cima para o�c u, para ao p do oliver e margaret, onde v o comer muito� � �peixe com batatas, muitos caramelos, sem tias para oschatearem e onde os pais levam para casa o dinheiro dosubs dio de desemprego, sem ser preciso andarmos pelos *pubs*� procura deles.�

iii

a m e diz que n o aguenta ficar nem mais um minuto naquele� �quarto em hartstonge street. diz que est sempre a ver o�eugene, de manh , tarde e noite. v -o a subir para a cama� � � �para espreitar para a rua procura do oliver e diz que s� �vezes v o oliver l fora e o eugene c dentro, a conversarem� � �um com o outro. fica feliz por eles estarem assim a conversar

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mas n o quer passar o resto da vida a v -los e a ouvi-los. � � �uma pena mudarem-se, estando t o perto da escola oficial de�leamy, mas se n o sair dali depressa, vai dar em doida e�acabar no manic mio.� mudamo-nos para roden lane, ao cimo de um s tio chamado�barrack hill. h seis casas num dos lados da rua e no outro h� �s uma. as casas s o designadas por duas acima, duas abaixo,� �esta tem dois quartos em cima, a outra dois em baixo. a nossacasa fica ao fundo da rua, a ltima das seis. ao lado da� �nossa porta h um pequeno telheiro, uma casa de banho, e, a�seguir, um est bulo.� a m e vai Sociedade de s o vicente de paulo para ver se� � �h hip tese de arranjar alguma mob lia. o homem diz que nos� � �vai dar uma senha para irmos buscar uma mesa, duas cadeiras eduas camas. diz que vamos ter de ir a uma loja de mob lias em�segunda m o na irishtown e vamos ter de ser n s a carregar a� �mob lia para casa. a m e diz que pode lev -la no carrinho que� � �era dos g meos e, ao dizer isto, come a a chorar. limpa os� �olhos manga do casaco e pergunta ao homem se as camas tamb m� �s o em segunda m o. ele diz, claro que s o, e ela diz-lhe que� � �tem medo de dormir em camas onde algu m tenha morrido,�principalmente se tiver sido de tuberculose. o ho mem�responde, lamento muito, mas quem pede n o escolhe.� demoramos o dia inteiro a acartar a mob lia no carrinho de�uma ponta para a outra ponta de limerick. o carrinho temquatro rodas, mas uma est torta, teima em ir sempre na�direc o errada. temos duas camas, um arm rio com um espelho,�� �uma mesa e duas cadeiras. estamos satisfeitos com a casa.podemos ir de uma divis o para a outra e subir e descer as�escadas. d -nos a sensa o de sermos ricos podermos subir e� ��descer a escada sempre que queremos. o pai acende o lume e am e faz ch . o pai senta-se mesa numa das cadeiras, a m e� � � �senta-se na outra e eu e o malachy sentamo-nos na mala quetrouxemos da am rica. quando estamos a beber o ch , passa um� �homem nossa porta com um balde na m o. despeja o balde na� �pia, puxa o autoclismo e a nossa cozinha invadida por um�cheiro horr vel. a m e vai porta e pergunta-lhe, por que � � � �que est a despejar o balde na nossa retrete? o homem tira o�bon para a cumprimentar. na sua retrete, minha senhora? ah!,�n o. est muito enganada, ah, ah. esta retrete n o sua. da� � � � �rua toda. vai ver passar sua porta os baldes de onze�fam lias e pode crer que, quando est calor, o cheiro n o � � � �nada bom, mesmo nada bom. gra as a deus que agora estamos em�dezembro, o ar est fresco e o natal est porta, e a retrete� � �n o est mal de todo, mas h -de vir o tempo em que vai gritar� � �por uma m scara de g s. por isso, boa noite, minha senhora, e� �espero que seja feliz na sua casa. a m e diz-lhe, espere. pode dizer-me quem que limpa a� �retrete? quem que limpa a retrete? ah!, boa piada. quem que� �limpa, pergunta ela. uma anedota? estas casas foram�constru das no tempo da rainha vit ria e, se a retrete alguma� �vez foi limpa, deve ter sido durante a noite, quando n o�estava ningu m a ver.� e afasta-se pela rua acima, a arrastar os p s e a rir-se�sozinho. a m e regressa ao seu ch , senta-se e diz, n o podemos� � �ficar aqui. aquela retrete vai-nos matar com todas as doen as�

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poss veis e imagi n rias.� � � o pai diz, n o podemos mudar-nos outra vez. onde que� �vamos arranjar uma casa por seis xelins por semana? limpamosn s a retrete. deitamos para l baldes de gua a ferver.� � � ah!, sim? diz a m e, e onde que vamos arranjar o carv o� � �ou a turfa para fervermos a gua?� o pai n o diz nada. acaba de beber o ch e procura um prego� �para pendurarmos o nico quadro que temos. o homem do quadro�tem uma cara magra, um chapelinho amarelo e um vestido pretocom uma cruz ao peito. o pai diz que era um papa, le o xiii,�um grande amigo dos oper rios. trouxe o quadro da am rica.� �algu m sem tempo para os oper rios o deitou fora e o pai� �encontrou-o. a m e diz, raios te partam, s est s a dizer� � �disparates, e ele diz que ela n o devia dizer raios te partam� frente dos mi dos. o pai encontra um prego, mas fica a� �pensar como que ir espet -lo na parede sem um martelo. a� � �m e diz-lhe que v pedir um emprestado aos vizinhos do lado,� �mas ele diz que n o se pedem coisas emprestadas a pessoas�que n o conhe cemos. ent o, encosta o quadro parede e� � � �martela o prego com o fundo de um frasco de compota. o frascoparte-se, corta-lhe a m o e cai uma gota de sangue na cabe a� �do papa. o pai embrulha a m o no trapo da loi a e diz M e,� � � �depressa, depressa, limpa o sangue do papa antes que seque.ela tenta limpar o sangue com a manga do casaco, mas de�malha e o sangue espalha-se, at que um dos lados da cara do�papa fica todo manchado. o pai diz, valha-nos deus, angela,deste cabo do papa, e ela diz, ora, p ra com essa lam ria. um� �destes dias arranjamos tinta e compomos-lhe a cara. o paidiz, o nico papa que foi amigo dos oper rios. o que que� � � �n s vamos dizer se aparecer aqui algu m da sociedade de s o� � �vicente de paulo e o vir cheio de sangue? a m e diz, n o sei.� �o sangue teu e triste um homem nem sequer conseguir pregar� �um prego. para que se veja o in til que tu s. mais te valia� � �andares a cavar, mas n o me interessa nada disso. doem-me as�costas e vou para a cama. oh!, e o que que eu fa o? pergunta o pai.� � tira da o papa e esconde-o no buraco do carv o por baixo� �das escadas, onde ningu m o veja e nada lhe aconte a.� � n o posso, diz o pai. ia dar azar. o buraco do carv o n o � � � �s tio para um papa. quando se tem parede, tem de se pendurar o�papa. como queiras, diz a m e.� est bem, diz o pai.�

o nosso primeiro natal em limerick. na rua, as mi das� �est o a saltar corda e a cantar,� �

*o natal est a chegar*�e o pato a engordar, por favor ponha um tost o �no chap u do homem velho. �se n o tiver um tost o � �pode ser meio tost o �e se n o tiver meio tost o � �que deus lhe d a b n o*.� � ��

os rapazes metem-se com as mi das e gritam-lhes,�

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*e que a tua m e tenha um acidente �caia na pia e v pelo sif o � �

a m e diz que gostava de fazer um bom almo o para o dia de� �natal, mas o que que se pode fazer, se ainda por cima, o�subs dio de desemprego foi reduzido para dezasseis xelins�depois de o oliver e o eugene terem morrido? com seis xelinspara a renda, ficam dez xelins, o que isso para quatro�pessoas? o pai n o consegue arranjar trabalho. levanta-se cedo aos�dias de semana, acende o lume, ferve a gua para o ch e para� �p r numa caneca para fazer a barba. veste uma camisa e p e um� �colarinho com bot es. p e a gravata e o bon e vai Bolsa de� � � �emprego fazer o registo. nunca sai de casa sem o colarinho e agravata. um homem sem colarinho e gravata um homem sem�respeito por si pr prio. nunca se sabe quando que o� �funcion rio da bolsa de emprego lhe vai dizer que h trabalho� �na f brica de farinha de rank ou na companhia de cimentos de�limerick, e mesmo se for um trabalho de oper rio, o que que� �eles v o pensar se aparecer l sem colarinho e gravata?� � os patr es e os encarregados mostram-se sempre muito�respeito sos para ele e dizem-lhe que v o contrat -lo, mas� � �quando ele abre a boca e ouvem aquele sotaque do norte dairlanda, preferem sempre contratar algu m de limerick. o que� �ele diz M e noite, junto chamin e quando ela lhe� � � � �pergunta, por que que n o te vestes como um oper rio? ele� � �diz que nunca na vida lhes h -de estender a m o, e quando ela� �lhe diz, por que que n o tentas falar como se fosses de� �limerick, ele diz que nunca h -de descer t o baixo e que o� �maior desgosto da vida dele ver os filhos atormentados pelo�sotaque de limerick. ela diz, tenho muita pena de ti e esperoque nunca te aconte a nada de pior, e ele diz que um dia, com�a ajuda de deus, havemos de sair de limerick e ir para longedo shanoon que mata. pergunto ao pai o que que atormentado quer dizer e ele�diz, doen a, filho, e coisas que n o s o boas.� � � quando n o anda procura de trabalho, o pai d grandes� � �passeios, anda quil metros pelo campo. pergunta s pessoas que� �est o a trabalhar a terra se n o precisam de ajuda, diz-lhes� �que foi criado numa quinta e que sabe fazer qualquer trabalho.quando o contratam, fica logo a trabalhar, com o bon , o�colarinho, a gravata e tudo. trabalha tanto e durante tantotempo que os lavradores t m de o mandar parar. pergun tam como� � poss vel um homem trabalhar tanto num dia t o quente, sem� � �pensar em comer nem em beber. o pai sorri. nunca traz paracasa o dinheiro que ganha nos campos. parece que esse dinheiro diferente do dinheiro do subs dio, que tem de ir para casa.� �vai para o *pub* com o dinheiro que ganhou na quinta e gasta-otodo na bebida. se n o est em casa s seis horas quando� � �tocam as ave-marias, a m e j sabe que ele passou o dia a� �trabalhar. ela gostava que ele pensasse na fam lia e n o fosse� �para o *pub* ao menos uma vez, mas ele nunca pensa. gostavaque ele trouxesse para casa qualquer coisa da quinta, batatas,couves, nabos, cenouras, mas ele nunca traz nada, porque elenunca desceria ao ponto de pedir a um lavrador o que quer quefosse. a m e diz que n o faz mal ela pedir uma senha para a� �comida na sociedade de s o vicente de paulo, mas que ele n o� �pode trazer umas batatas no bolso. ele diz que com um homem �

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diferente. preciso manter a dignidade. andar de colarinho e�gravata, manter as apar ncias e nunca pedir seja o que for. a�m e diz, espero que te d s sempre bem assim.� � quando o dinheiro da quinta se acaba, vai para casa aostrambo lh es a cantar e a chorar pela irlanda e pelos seus� �filhos que morre ram, mas principalmente pela irlanda. se�canta o roddy mccorley, quer dizer que s arranjou dinheiro�para uma ou duas cervejas. se canta o kevin barry, quer dizerque teve um dia em cheio e que agora est a cair de b bedo e� �pronto a tirar-nos da cama, a p r-nos em fila e a fazer-nos�prometer que morreremos pela irlanda, a menos que a m e lhe�diga para nos deixar em paz, se n o quer que ela lhe d com o� �ati ador na cabe a.� � n o eras capaz de fazer isso, angela.� isso e muito mais. melhor parares com as parvo ces e� �vires para a cama. cama, cama, cama. de que serve ir para a cama? se for paraa cama, vou ter de me levantar outra vez e n o consigo dormir�num s tio onde h um rio a mandar veneno por entre o fumo e o� �nevoeiro. vai para a cama, bate na parede com o punho fechado, cantauma can o triste e adormece. levanta-se mal nasce o dia,��porque nunca se deve dormir para al m da aurora. acorda-me a�mim e ao malachy, mas n s estamos cansados por n o termos� �podido dormir com a conversa e as cantorias dele. resmungamose dizemos que estamos doentes, que estamos cansados, mas eleafasta os casacos com que estamos tapados e obriga-nos asaltar para o ch o. dezembro, est um frio de rachar, e� � �conseguimos ver o bafo da nossa respira o. fazemos chichi��para o balde que est porta do quarto e corremos escada� �abaixo para nos irmos aquecer ao p do lume, que o pai j� �acendeu. lavamos a cara e as m os numa bacia que est por� �baixo da torneira da gua ao p da porta. o cano que vai dar � � �torneira tem de estar preso parede com um bocado de corda�atada volta de um prego. em volta da torneira, est tudo� �encharcado, o ch o, a parede, a cadeira onde a bacia est� �pousada. a gua da torneira gelada e os nossos dedos� �ficam dormentes. o pai diz que bom para n s, para fazer de� � �n s homens. atira a gua gelada para a cara, o pesco o e o� � �peito dele, para nos mostrar que n o h que ter medo. n s� � �estende mos as m os para o lume, para as aquecermos com o� �calor que vem de l , mas n o pode ser durante muito tempo,� �porque temos de beber o ch e comer o p o para irmos para a� �escola. o pai obriga-nos a dar gra as a deus antes de comermos�e depois de comermos e diz-nos para nos portarmos bem naescola porque deus v tudo e m nima desobedi ncia vamos logo� � � �para o inferno, onde nunca mais vamos ter de nos preocupar como frio. e sorri. duas semanas antes do natal, eu e o malachy sa mos da�escola, vamos para casa debaixo de uma grande chuvada e,quando l chega mos, empurramos a porta e damos com a cozinha� �vazia. a mesa, a cadeira e a mala desapareceram e o lume est�apagado. o papa ainda l est e isso significa que n o nos� � �mud mos. o ch o da cozinha est molhado, cheio de pequenas� � �po as de gua e as paredes est o a luzir com a humidade.� � �ouvimos um barulho l em cima e, quando subimos a escada,�vemos o pai, a m e e a mob lia que tinha desaparecido. est -se� � �

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bem l em cima com o lume aceso, est quentinho, a m e est� � � �sentada na cama e o pai est a ler o *irish times* e a fumar�um cigarro ao p do lume. a m e diz-nos que houve uma� �inunda o enorme, que a gua da chuva veio a escorrer pela rua�� �e entrou por baixo da nossa porta. tentaram evitar queentrasse com trapos, mas os trapos fica ram encharcados e�deixaram a chuva entrar. com as pessoas a despeja rem os�baldes ainda ficou pior, e a cozinha ficou com um cheirohorr vel. a m e acha que, enquanto chover, melhor ficarmos� � �l em cima. vamos estar mais quentinhos durante os meses de�inverno e depois, quando chegar a primavera, podemos ir l�para baixo, separedes e o ch o estiverem secos. o pai diz que como se� �f ssemos passar f rias a um pa s onde n o faz frio, chamado� � � �it lia. a partir de agora, isso que vamos chamar ao andar de� �cima: it lia. o malachy diz que o papa ainda est no andar de� �baixo e vai ficar cheio de frio e pergunta se n o pod amos� �lev -lo l para cima, mas a m e diz, n o, vai ficar onde est� � � � �porque n o o quero pendurado na parede a olhar para mim quando�estou na cama. n o basta j termo-lo trazido de brooklyn para� �belfast, de belfast para dublin e de dublin para limerick? anica coisa que eu quero agora um pouco de paz, sossego e� �conforto. a m e leva-me a mim e ao malachy Sociedade de s o vicente� � �de paulo para ver se h hip tese de arranjarmos qualquer coisa� �para o almo o do dia de natal -- um pato ou um presunto, mas o�homem diz que toda a gente em limerick est na mis ria neste� �natal. d -lhe uma senha para ir buscar mercearias loja do� �mcgrath e outra senha para o talho. nem pato, nem presunto, diz o homem do talho. n o h luxos� �para quem aparece c com as senhas da sociedade de s o vicente� �de paulo. a nica coisa que pode levar, minha senhora, � �sarrabulho e tripas, uma cabe a de ovelha ou uma bela cabe a� �de porco. uma cabe a de porco n o tem nada de mal, minha� �senhora, tem muita carne e as crian as adoram, corta as fatias�das bochechas, barra-as com mostarda, um pit u, embora eu� �ache que nunca deve ter comido isso na am rica, porque l s o� � �doidos por bife e toda a esp cie de cria o, quer voe, ande ou� ��nade. diz M e que n o, n o pode levar bacon cozido nem� � � �salsichas e que o mais acertado ela levar a cabe a de porco,� �antes que se acabem, pela maneira como a gente de limerickanda atr s delas.� a m e diz que n o est certo comer cabe a de porco no dia� � � �de natal e ele diz que mais do que a sagrada fam lia tinha� �naquele est bulo frio em bel m. n o iriam queixar-se se algu m� � � �lhes desse uma bela cabe a de porco.� pois n o, n o se queixavam, diz a m e, mas tamb m nunca� � � �iriam comer a cabe a de porco. eram judeus.� e o que isso tem a ver? uma cabe a de porco uma cabe a� � � �de porco. e um judeu um judeu e isso vai contra a religi o deles, e� �eu n o lhes levo a mal por isso.� o homem do talho diz, a senhora muito entendida em judeus�e carne de porco. n o sou, diz a m e, mas tinha uma vizinha judia em nova� �iorque, a sra. leibowitz, e n o sei o que teria sido de n s� �sem ela.

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o homem do talho tira a cabe a de porco da prateleira e,�quando o malachy diz, oh!, olhem, uma cabe a de c o, o homem� � �do talho e a m e desatam a rir gargalhada. ele embrulha a� �cabe a em papel de jornal, d -a M e e diz, feliz natal.� � � �depois embrulha algumas salsichas e diz-lhe, leve estassalsichas para o vosso pequeno-almo o no dia de natal. a m e� �diz, oh!, n o tenho dinheiro para salsichas, e ele diz, quem � �que falou em dinheiro? algu m falou em dinhei ro? leve l as� � �salsichas. s o para compensar a falta do pato ou do presunto.�

n o se sinta obrigado a fazer isso, diz a m e.� � eu sei, minha senhora. se fosse obrigado, n o o fazia.� a m e diz que tem uma dor nas costas e que tenho de ser eu�levar a cabe a do porco. seguro-a contra o peito, mas est� �h mida e, quando o papel de jornal come a a rasgar-se e a� �cair, toda a gente v a cabe a. a m e diz, que vergonha toda a� � �gente ver que vamos ter de comer cabe a de porco no almo o do� �dia de natal. alguns rapazes da escola de leamy v em-me,�apontam e riem-se. oh!, deus, olhem para o frank mccourt como focinho do porco. isso que os yankees comem no natal,�frankie? gritam uns para os outros, ei, christy, sabes como que se�come cabe a de porco?� n o, paddy, n o sei.� � agarra-se pelas orelhas e chupa-se o focinho. e o christy diz, paddy, sabes qual a nica parte do porco� �que os mccourts n o comem?� n o, n o sei, christy.� � a nica parte que eles n o comem o nariz.� � � algumas ruas mais frente, o jornal desaparece por�completo e toda a gente v a cabe a do porco. tem o focinho� �achatado contra o meu peito a apontar para o queixo e eu tenhopena dele porque est morto e toda a gente se ri dele. a minha�irm e os meus dois irm os tamb m est o mortos, mas se algu m� � � � �se risse deles, levava logo uma pedrada. quem me dera que o pai pudesse vir ajudar-nos, porque a m e�anda um bocadinho e tem logo de parar e encostar-se parede.�est a amparar as costas e diz-nos que n o vai conseguir subir� �barrack hill. mesmo que o pai viesse ter connosco, n o seria�grande ajuda, porque ele nunca anda com nada nas m os, sejam�embrulhos, sacos ou caixas. quem anda com essas coisas pelarua perde a dignidade. sempre o que ele diz. andava com os�g meos ao colo quando eles estavam cansados e foi sempre ele�que trouxe o papa, mas isso n o era o mesmo que andar com�coisas vulgares como uma cabe a de porco costuma dizer-me a�mim e ao malachy que, quando formos grandes, temos de andar decolarinho e gravata e nunca podemos deixar que ningu m nos�veja com nada nas m os.� est no andar de cima, sentado chamin , a fumar um� � �cigarro e a ler *the irish press*, um jornal que ele adoraporque do de valera, e ele acha que o de valera o melhor� �homem que existe no mundo. olha para mim e para a cabe a de�porco e diz M e que uma vergonha deixar uma crian a andar� � � �com uma coisa daquelas na m o pelas ruas de limerick. a m e� �tira o casaco, estende-se em cima da cama e diz-lhe que podeser ele a tratar do jantar para o pr ximo natal. est de� �rastos e ansiosa por beber uma ch vena de ch , por isso ele� �que faca o favor de mexer aqueles bra os de pessoa importante,�

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ferva a agua para o ch e frite um bocado de p o para os� �filhos, antes que eles morram de fome. na manh do dia de natal, o pai acende o lume cedo para�comer mos as salsichas com p o e ch . a m e manda-me a casa da� � � �av pedir emprestada uma panela onde caiba a cabe a de porco.� �a av pergunta, o que que vai ser o vosso almo o? cabe a de� � � �porco! jesus, maria e jos , isso j passar dos limites. o� � �teu pai n o podia levantar o rabo e ir arranjar ao menos um�presunto ou um pato? que raio de homem ele afinal?�

a m e p e a cabe a na panela, cobre-a de gua, e enquanto o� � � �porco est a cozer o pai leva-me a mim e ao malachy igreja� �redentorista. est -se bem dentro da igreja e h um cheiro doce� �a flores, incenso e velas. leva-nos a ver o menino jesus naspalhinhas. e um beb grande e gordo com carac is loiros como o� �malachy. o pai diz-nos que aquela vestida de azul Maria, a�m e de jesus, e o velho de barbas o pai, s o jos . diz que� � � �est o tristes porque sabem que jesus vai crescer e ser morto�para podermos ir todos para o c u. pergunto-lhe por que que� �o menino jesus tem de morrer, e o pai diz que n o se pode�fazer perguntas dessas. o malachy diz, porqu ? e o pai diz-lhe�para estar calado. quando chegamos a casa, encontramos a m e num estado�miser vel. n o h carv o que chegue para fazer o almo o, a� � � � �gua j parou de ferver e ela est ralad ssima. temos de ir� � � �outra vez a dock road para ver se encontramos carv o ou turfa�da que cai dos cami es. de certeza que vamos conseguir�encontrar qualquer coisa num dia como aquele. nem os pobresmais pobres andam a apanhar carv o da rua no dia de natal. n o� �vale a pena pedir ao pai que v , porque ele nunca na vida iria�descer t o baixo e, mesmo que descesse, nunca anda carregado�pela rua. uma regra que ele tem. a m e diz que n o pode ir� � �por causa da dor nas costas e diz, vais ter de ir tu, frank, elevar o malachy. longe at Dock road, mas n s n o nos importamos porque� � � �temos a barriga cheia de salsichas e p o e n o est a chover.� � �levamos um saco de tela que a m e pediu vizinha do lado, a� �sra. hannon. a m e tinha raz o, n o h ningu m em dock road.� � � � �encontramos bocados de carv o e turfa presos nas fendas do�ch o e nas frestas das paredes das �carvoarias encontramos bocados de papel e cart o, que s o bons� �para acender outra vez o lume. andamos por ali volta a�tentar encher o saco, quando aparece o pa keating. deve ter-selavada por ser natal, porque n o est t o preto como estava� � �quando o eugene morreu. quer saber o que andamos a fazer comaquele saco e, quando o malachy lhe diz, ele exclama, jesus,maria e jos ! dia de natal e voc s sem carv o para cozerem a� � � �cabe a do porco. isso passa de todos os limites.� leva-nos ao south.s *pub*, que n o devia estar aberto, mas�ele cliente da casa e h uma porta aberta nas traseiras para� �os homens que querem beber uma cerveja para celebrar onascimento do menino jesus, que est nas palhinhas. pede a�cerveja dele e limonada para n s e pergunta ao homem se lhe�pode arranjar uns bocados de carv o. o homem diz que h vinte� �e sete anos que vende cerveja e nunca ningu m lhe pediu�carv o. o pa diz que era um grande favor que ele lhe fazia e o�homem diz que se o pa lhe pedisse a lua, ele iria ao c u�busc -la. leva-nos ao buraco do carv o debaixo da escada e� �

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diz-nos que podemos levar tanto quanto conseguirmos carregar. carv o a s rio e n o bocados daqueles que apanhamos em dock� � � �road e, se n o pudermos com o saco, podemos lev -lo a arrastar� �pelo ch o.� demoramos muito tempo a ir desde o *pub* at Barrack hill,�porque o saco tem um buraco. eu puxo o saco e o malachy tem deir a apanhar os bocados de carv o que saem pelo buraco e a�p -los outra vez no saco, mas depois come a a chover, e n o� � �podemos ficar espera que a chuva passe na ombreira de uma�porta, porque temos de levar o carv o para casa, e o saco vai�deixando um trilho preto no passeio e o malachy est a ficar�todo sujo por ir a apanhar os bocados que caem, a p -los outra�vez no saco e a limpar a chuva da cara com as m os pretas e�molhadas digo-lhe que est todo preto, ele diz-me que estou�todo preto, e uma mulher que est numa loja diz-nos para nos�afastarmos da porta porque dia de natal e ela n o quer ter a� �frica diante do nariz.� temos de continuar a arrastar o saco, sen o n o temos� �almo o de natal. vai demorar imenso tempo a acender o lume e�ainda mais tempo a fazer o almo o, porque s quando a gua� � �estiver a ferver que a m e p e o olho de couve e as batatas� � �na panela, a fazerem companhia cabe a de porco. arrastamos o� �saco pela o.connell avenue e vemos pessoas dentro de casasentadas volta de mesas com todos os tipos de enfeites e�luzes a brilharem. numa das casas, abrem a janela e os mi dos�apontam para n s, riem-se e gritam-nos, olhem os zulus! onde � �que est o as vossas lan as? � � o malachy faz-lhes caretas e quer atirar-lhes com carv o,�mas eu explico-lhe que, se fizer isso, ficamos com menoscarv o para a cabe a de porco e nunca mais vamos conseguir� �comer o nosso almo o de natal.� o r s-do-ch o da nossa casa est outra vez transformado num� � �lago, por causa da chuva que entra por baixo da porta, mas n o�faz mal porque n s tamb m estamos encharcados e podemos� �atravessar a gua. o pai desce a escada e leva o saco para�cima, para a it lia. diz que fomos uns lindos meninos por�arranjarmos tanto carv o e que a dock road devia estar�coberta. quando a m e olha para n s, d uma� � �gargalhada, e depois come a a chorar. ri-se por estarmos t o� �pretos e chora por estarmos t o encharcados. manda-nos despir�e lava-nos o carv o das m os e da cara. diz ao pai que a� �cabe a de porco pode esperar, para n s bebermos um frasco de� �compota de ch bem quentinho.� est a chover e a cozinha do r s-do-ch o da nossa casa est� � � �alagada, mas n s estamos c em cima na it lia com o lume aceso� � �e o quarto est t o seco e quente que, depois de bebermos o� �ch , eu e o malachy adormecemos na cama e s acordamos quando� �o pai nos vem dizer que o almo o est pronto. a nossa roupa� �ainda est molhada, e, por isso, o malachy senta-se mesa� �embrulhado no casaco encarnado que a m e trouxe da am rica e� �eu estou embrulhado num casaco velho que o pai da m e n o� �levou, quando foi para a austr lia.� est um cheiro delicioso no quarto, a couves, batatas e�cabe a de porco, mas quando o pai tira a cabe a do porco da� �panela para um prato, o malachy diz, oh!, coitadinho do porco.n o quero comer o porquinho.� a m e diz, se estivesses com fome, comias. deixa-te de�parvo ces e come.�

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o pai diz, espera a . corta algumas fatias das duas�bochechas do porco, p e-nas nos nossos pratos e barra-as com�mostarda. p e o prato com a cabe a do porco debaixo da mesa e� �diz ao malachy, a tens. presunto, e o malachy come porque n o� �est a ver donde que aquilo veio e j n o cabe a de porco.� � � � � �a couve est tenra e salgada e h muitas batatas com manteiga� �e sal. a m e descasca as nossas batatas, mas o pai come-as com�casca e tudo. diz que o melhor da batata est na casca e a m e� �diz, ainda bem que n o comes ovos, sen o mastiga vas casca e� � �tudo. ele diz que sim e que uma vergonha os irlandeses�desperdi arem todos os dias milh es de cascas de batata e � � �por isso que h milhares de pessoas a morrerem de tuberculose�e claro que a casca do ovo tamb m alimenta, porque�desperdi ar comida o oitavo pecado mortal. se as coisas� �fossem como eu digo. mas a m e diz, deixa l isso e come. � � o pai come meia batata com casca e p e a outra metade na�panela. come uma fatia de carne das bochechas do porco e umafolha de couve e deixa o resto no prato para mim e para omalachy. faz mais ch e n s bebemo-lo com p o barrado com� � �compota para que ningu m diga que n o comemos um doce no dia� �de natal. l fora j est escuro e continua a chover. o carv o brilha� � � �na chamin , junto qual a m e e o pai est o sentados a fumar.� � � �n o se pode fazer nada quando a nossa roupa est molhada a n o� � �ser ir para a cama, onde se est aconchegado e se pode ouvir o�pai a continuar a hist ria de como o cuchulain se tornou�cat lico at adormecermos e sonharmos com a cabe a do porco� � �nas palhinhas do menino jesus na igreja redentorista a chorarporque ele, o menino jesus e o cuchulain v o todos morrer�quando forem crescidos.

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o anjo que trouxe a margaret e os g meos torna a aparecer e�traz-nos outro irm o, o michael. o pai diz que encontrou o�michael no s timo degrau das escadas para a it lia. diz que,� �quando se pede um beb , tem de se estar com aten o ao anjo do� ��s timo degrau.� o malachy quer saber como que o anjo do s timo degrau d� � �irm os s pessoas que moram em casas sem degraus e o pai diz� �que um tormento fazer perguntas de mais.� o malachy quer saber o que um tormento.� tormento. gostava de saber o que quer essa palavra dizer.tor mento, mas o pai diz, oh!, filho, o mundo um tormento,� �n o h nada no mundo que n o seja um tormento, p e o bon e� � � � �vai ao bedford row hospital ver a m e e o michael. a m e est� � �no hos pital por causa da dor nas costas e o beb est ao p� � � �dela para ter a certeza de que ele estava de boa sa de, quando�foi deixado no s timo degrau. eu n o percebo nada daquilo,� �porque tenho a certeza de que os anjos nunca deixariam um beb�doente no s timo degrau, mas n o vale a pena perguntar nada� �disso ao pai nem M e, porque eles dizem, est s a ficar tal e� � �qual o teu irm o com tantas perguntas. vai brincar.� sei que as pessoas crescidas n o gostam que as crian as� �lhes fa am perguntas. os grandes podem fazer as perguntas que�quiserem, como que vai a escola? tens-te portado bem?�rezaste as tuas ora es? mas se uma crian a lhes perguntar se�� �

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eles rezaram as ora es deles, arrisca -se a levar com�� �qualquer coisa na cabe a.� o pai leva a m e e o beb novo para casa, mas a m e tem de� � �ficar alguns dias de cama, por causa das dores nas costas. dizque o beb a cara chapada da nossa irm zinha que morreu, com� � �os carac is pre tos, uns olhos azuis encantadores e umas� �sobrancelhas lindas. o que a m e diz.� � eu gostava de saber se o beb vai ficar com a cara chapada.�tam b m gostava de saber qual o s timo degrau porque a nossa� � � �escada tem nove e n o sei se se deve come ar a contar de cima� �ou de baixo. o pai n o se importa de responder a esta�pergunta. os anjos v m de cima para baixo, diz ele, e n o de� �cozinhas como a nossa, que ficam alagadas desde outubro at�abril. ent o, eu come o a contar de cima e descubro o s timo� � �degrau.

o beb est constipado. est todo entupido e custa-lhe� � �muito a respirar. a m e est preocupada porque domingo e o� � �dispens rio dos pobres est fechado. se se vai a casa do� �m dico e as criadas v em que somos pobres, mandam-nos ao� �dispens rio, que onde nos per tence ir. se lhe dizemos que o� � �beb est a morrer-nos nos bra os, dizem-nos que o senhor� � �doutor foi para o campo andar a cavalo. a m e est a chorar porque o beb est aflito para� � � �conseguir que o ar lhe entre pela boca. tenta limpar-lhe asnarinas com um bocadinho de papel enrolado, mas tem medo de oempurrar demasiado para cima. o pai diz, n o h necessidade de� �estar a fazer isso. n o se deve empurrar coisas para dentro da�cabe a de uma crian a. parece que vai dar um beijo ao beb ,� � �mas, em vez disso, est a chupar as porcarias de dentro da�cabe a do michael e depois cospe para o lume. o beb chora com� �for a e v -se logo que j est a conseguir puxar o ar para� � � �dentro dele, e a dar outra vez s perninhas e a rir-se. a m e� �olha para o pai como se ele tivesse sido mandado por deus, e opai diz-lhe, era o que faz amos em antrim no tempo em que os�m dicos ainda n o andavam a cavalo.� �

com o michael temos direito a mais alguns xelins dosubs dio de desemprego, mas a m e diz que n o chega e que tem� � �de ir Sociedade de s o vicente de paulo pedir comida. uma� �noite ouvimos bater porta e a m e manda-me ir ver quem .� � �s o dois homens da sociedade de s o vicente de paulo e� �querem falar com a minha m e e o meu pai. el digo-lhes que os�meus pais est o l em cima na it lia e eles dizem, o qu ?� � � � l em cima, onde est seco. vou cham -los.� � � perguntam o que aquele telheiro ao p da nossa porta e eu� �digo -lhes que a retrete. perguntam por que que n o fica� � � �nas traseiras e eu digo-lhes que a retrete da rua toda e�ainda bem que n o fica nas traseiras se n o havia sempre� �pessoas a atravessarem a nossa cozinha com aqueles baldes quenos d o vontade de vomitar.� os homens perguntam, tens a certeza de que s h uma� �retrete para a rua toda? tenho. eles dizem, santa m e de deus.� a m e grita l de cima da it lia, quem ?� � � � os homens.

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que homens? da sociedade de s o vicente de paulo.� atravessam com muito cuidado o lago da cozinha, fazem unsbarulhos de admira o e dizem um para o outro, que mis ria!�� �at chegarem l acima It lia. pedem desculpa M e e ao pai� � � � � �por estarem a incomodar, mas a sociedade tem de verificar seest a ajudar casos desesperados. a m e oferece-lhes uma� �ch vena de ch , mas olham volta e dizem, n o, obrigado.� � � �querem saber por que que estamos a morar l em cima. querem� �saber coisas sobre a retrete. fazem perguntas porque aspessoas crescidas podem fazer as pergun tas todas que quiserem�e escreverem em blocos, sobretudo se usarem fato, gravata ecolarinho. perguntam a idade do michael, quanto que o pai�recebe da bolsa de emprego, quando foi a ltima vez que�conseguiu trabalho e que sotaque aquele que ele tem.� o pai diz-lhes que a retrete uma fonte de doen as, que a� �cozinha fica inundada no inverno e temos de nos mudar l para�cima, porque est seco. diz que o rio shanoon o respons vel� � �por tanta humidade, que nos h -de matar a todos.� o malachy diz-lhes que moramos em it lia, e eles sorriem.� a m e pergunta-lhes se por acaso poderiam arranjar umas�botas para mim e para o malachy, e eles dizem-lhe que vai terde ir pedi-las a ozanam house. a m e diz que n o tem andado� �bem desde que o beb nasceu, mas eles dizem que t m de tratar� �toda a gente da mesma maneira, at uma mulher da irishtown que�teve tr s g meos, e depois agradecem e dizem que v o fazer o� � �relat rio para a sociedade.� quando est o para sair, o malachy quer mostrar-lhes o s tio� �onde o anjo deixou o michael no s timo degrau, mas o pai�diz-lhe, agora n o. o malachy chora e um dos homens tira um�caramelo do bolso e d -lho. s queria alguma coisa que me� �fizesse chorar para tamb m me darem um a mim.� tenho de ir outra vez l abaixo, mostrar-lhes onde que� �h o-de p r os p s para n o se molharem. eles n o param de� � � � �abanar a cabe a e dizer, deus todo-poderoso e santa m e de� �deus, que mis ria. n o na it lia que eles vivem, em� � � � �calcut .� l em cima na it lia o pai est a dizer M e que ela nunca� � � � �devia pedir daquela maneira. pedir, como? n o tens nem um bocadinho de orgulho, para estares a pedir�uma botas daquela maneira? o que que sua excel ncia quer fazer? deix -los andar� � �descal os?� n o, arranjar os sapatos deles.� os sapatos deles est o a cair aos bocados.� eu arranjo-os, diz ele. tu n o arranjas nada. s um in til.� � � no dia seguinte ele chega a casa com um pneu velho debicicleta. manda-me ir pedir ao nosso vizinho do lado, o sr.hannon, um martelo e uma forma de metal. com a faca da cozinhada m e, corta o pneu at ter bocados do tamanho das solas e� �dos saltos dos nossos sapatos. a m e diz-lhe que ele vai dar�cabo dos sapatos, mas ele continua a martelar os pregos quev o prender os bocados de borracha aos sapatos. a m e diz,� �valha-me deus, se deixasses os sapatos em paz, duravam at � �p scoa e talvez a sociedade de s o vicente de paulo nos desse� �umas botas. mas ele n o p ra de martelar at as solas e os� � �

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saltos estarem cobertos de quadrados de borracha, quetransbor dam pelos lados, pela biqueira e pelo calcanhar dos�sapatos. obriga- nos a cal -los e diz-nos que vamos ficar com� ��os p s quentes e secos, mas n s n o queremos cal -los porque� � � ��os bocados de pneu s o t o rugosos que n s passamos a vida a� � �trope ar, quando estamos a andar pela it lia. o pai manda-me� �ir entregar a forma e o martelo ao sr. hannon e a sra. hanoondiz, valha-me deus, o que que aconteceu aos teus sapatos? d� �uma gargalhada, o sr. hannon abana a cabe a e eu fico cheio de�vergonha. no dia seguinte n o quero ir para a escola e finjo�que estou doente, mas o pai levanta-se, d -nos p o frito e ch� � �e diz-nos que dev amos dar-nos por satisfeitos por termos�sapatos, porque h rapazes na escola de leamy que at nos dias� �mais frios v o para a escola descal os. no caminho para a� �escola, os rapazes fazem tro a de n s porque os bocados de� �pneu s o t o grossos que n s ficamos com mais uns cent metros� � � �de altura e os rapazes perguntam, como que est o tempo� �a em cima? na nossa classe h cinco ou seis mi dos descal os� � � �e esses n o dizem nada e eu pergunto a mim pr prio se n o� � �ser melhor andar descal o do que com sapatos com solas de� �pneu de borracha que nos fazem trope ar. se n o tivermos� �sapatos, temos os mi dos descal os do nosso lado. se tivermos� �sapatos com pneus de borracha estamos sozinhos com os nossosirm os e temos de aguentar sozinhos as nossas batalhas.�sento-me num banco no telhei ro do p tio da escola e tiro os� �sapatos e as meias, mas quando entro para a sala de aula oprofessor pergunta-me onde que est o os meus sapatos. sabe� �que n o sou um dos descal os e obriga-me a ir ao p tio buscar� � �os sapatos e cal -los. depois diz para a classe toda, anda��por aqui zombaria. h aqui gente a fazer pouco da mis ria� �alheia. h algu m nesta classe que ache que perfeito? quem� � �achar que sim, levante o bra o.� ningu m levanta o bra o.� � h aqui rapazes que t m de consertar os sapatos com o que� �pude rem arranjar. h aqui rapazes que nem sapatos t m. n o� � � �t m culpa disso, nem nenhuma vergonha para eles. nosso� �senhor n o tinha sapatos. morreu descal o. algum de voc s o� � �viu pendurado na cruz com uns belos sapatos? algu m?� n o, senhor professor.� o que voc s n o viram nosso senhor fazer?� � � estar pendurado na cruz com uns belos sapatos, senhorprofessor. ora bem, se eu ouvir algu m fazer tro a ou insultar o� �mccourt ou o irm o por causa dos sapatos, o ponteiro entra em�ac o. o que que entra em ac o?�� � �� o ponteiro, senhor professor. o ponteiro vai entrar em ac o. a vergasta vai assobiar��pelo ar e parar em cima das costas de quem estiver a zombar oua rir-se. onde que a vergasta vai parar?� nas costas de quem estiver a zombar, senhor professor. e mais? nas costas de quem estiver a rir-se, senhor professor. os rapazes nunca mais nos disseram nada e n s continu mos a� �usar os sapatos com as solas de pneu durante as semanas quefaltavam at p scoa, quando a sociedade de s o vicente de� � � �paulo nos deu umas botas.

quando tenho de me levantar de noite para ir fazer chichi

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ao balde, vou ao cimo das escadas e olho para baixo para verse o anjo est no s timo degrau. s vezes tenho a certeza� � �de est l uma luz e, se estiver toda a gente a dormir,� �sento-me no degrau, n o v o anjo trazer outro beb ou vir s� � � �visitar-nos. pergunto M e se o anjo s traz os beb s e� � � �depois nunca mais quer saber deles. a m e diz, claro que n o.� �o anjo est sempre a olhar pelos beb s e volta de vez em� �quando para ver se o beb feliz. � � h tantas perguntas que eu podia fazer ao anjo e tenho a�certeza de que ele ia responder, a menos que fosse uma anja.mas de certeza que se fosse uma anja tamb m responderia.� fico muito tempo sentado no s timo degrau e tenho a certeza�de que o anjo est l . digo-lhe todas as coisas que n o se� � �podem dizer M e nem ao pai, porque sen o podem bater-nos ou� � �mandar-nos ir brincar l para fora. falo-lhe da escola,�digo-lhe que tenho medo do professor e do ponteiro, quando eleralha connosco em irland s e n o percebo o que ele est a� � �dizer porque vim da am rica e os outros mi dos j andavam a� � �aprender irland s um ano antes de mim.� fico no s timo degrau at j n o conseguir aguentar o frio� � � �ou at o pai se levantar e me mandar para a cama. foi ele que�me disse que o anjo vinha ao s timo degrau e, por isso, era de�esperar que ele soubes se por que que estou ali sentado. uma� �noite disse-lhe que estava espera do anjo e ele disse, oh!,�francis, s um sonhador.� torno a ir para a cama, mas ou o-o a sussurrar para a minha�m e, o pobrezinho estava sentado nas escadas a falar com um�anjo. ri-se e a minha m e tamb m se ri e eu fico a pensar como � � �estranho os grandes rirem-se de um anjo que lhes trouxe maisum filho.

antes da p scoa mudamo-nos para o andar de baixo, para a�irlan da. a p scoa melhor do que o natal, porque n o est� � � � �tanto frio, as paredes n o est o a escorrer de humidade e a� �cozinha j n o est alagada e, se nos levantarmos cedo, talvez� � �apanhemos uma nesga de sol a entrar por um instante pelajanela da cozinha. quando o tempo est bom os homens sentam-se na rua a fumar,�quando t m cigarros, a olharem para as coisas e a verem-nos�brincar. as mulheres ficam de p , de bra os cruzados, a� �conversarem umas com as outras. n o se sentam porque o�trabalho delas s estarem em casa, a tratarem dos filhos, a� �limparem a casa e a cozinharem. os homens precisam de sesentar porque est o cansados de irem todas as manh s Bolsa� � �de emprego fazerem o registo, discutirem os problemas domun do e descobrirem o que h o-de fazer do resto do dia.� �alguns param na casa das apostas para verem como as coisasest o e apostarem um ou dois xelins numa coisa que seja certa.�outros passam horas a fio na biblioteca de carnegie a leremjornais ingleses e irlandeses. um ho mem que est no� �desemprego tem de se manter a par das coisas, porque todos osoutros homens que est o no desemprego sabem tudo o que vai�pelo mundo. tem de estar preparado para o caso de algum dosoutros trazer baila o hitler, o mussolini ou a vida�miser vel de milh es de chineses. um homem que est no� � �desemprego chega a casa depois de passar o dia na casa deapostas ou a ler jornais e a mulher n o tem nada que refilar�

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com ele por ele querer fumar um cigarro em paz e descanso, abeber ch e a pensar no mundo.� a p scoa melhor do que o natal porque o pai nos leva � � �igreja redentorista, onde todos os padres est o vestidos de�branco e a cantar. est o felizes porque nosso senhor est no� �c u. pergunto ao pai se o beb que estava nas palhinhas morreu� �e ele diz, n o, tinha trinta e tr s anos quando morreu. est� � �ali na cruz. n o percebo como que ele cresceu t o depressa� � �que j est ali pendurado com um chap u feito de espinhos e� � �com sangue a escorrer-lhe da cabe a, das m os, dos p s e de um� � �buraco muito grande ao p da barriga.� o pai diz que eu vou perceber, quando crescer. agora passaa vida a dizer-me isso e eu fico cheio de vontade de sergrande como ele para conseguir perceber tudo. deve serformid vel acordar de manh e perceber tudo. quem me dera ser� �como todas aquelas pessoas crescidas que est o na igreja, de�p , de joelhos, a rezar e que percebem tudo.� durante a missa as pessoas v o at ao altar e o padre� �p e-lhes uma coisa qualquer na boca. voltam para os seus�lugares de cabe a baixa, a mexerem a boca. o malachy diz que�est com fome e tamb m quer comer. o pai diz, chiu, aquilo a� � �sagrada comunh o, o corpo e sangue de nosso senhor.� mas, pai. chiu, um mist rio.� � n o vale a pena perguntar mais nada. faz-se uma pergunta e�eles dizem, um mist rio, vais perceber quando fores grande,� �porta-te bem, pergunta tua m e, pergunta ao teu pai,� �deixa-me em paz por amor de deus, vai l para fora brincar.�

o pai arranja o primeiro emprego em limerick, na f brica de�cimento, e a m e fica feliz. n o vai ter de ir para a bicha da� �sociedade de s o vicente de paulo, para pedir roupa e botas�para mim e para o malachy. diz que n o pedir, caridade,� � �mas o pai diz que pedir e que uma vergonha. a m e diz� � �que agora j pode pagar umas libras que deve na loja da�kathleen o.connell e o que deve m e dela.� �detesta dever obriga es seja a quem for, principalmente m e�� � �dela. a f brica de cimento fica alguns quil metros afastada de� �limerick, o que obriga o pai a sair de casa s seis da manh .� �n o se importa porque est habituado a andar muito. noite a� � �m e arranja -lhe uma garrafa com ch , uma sandu che e um ovo� � � �cozido para o dia seguinte. tem pena dele por ter de andarcinco quil metros para l e cinco quil metros para c . uma� � � �bicicleta que dava jeito, mas ao pre o a que est o era um� � �ano inteiro de trabalho. sexta-feira dia de pagamento. a m e levanta-se cedo e� � �limpa a casa, a cantar,

*todos sabem porque quis o teu beijotinha de ser, eu sou assim...* a casa n o tem muito que limpar. varre o ch o da cozinha e� �o ch o da it lia. lava os quatro frascos de compota que usamos� �como canecas. diz que, se o trabalho do pai continuar, vamosarranjar ch venas como deve ser e talvez pires tamb m e um� �dia, com a ajuda de deus e da sua santa m e, vamos ter len is� ��para a cama e, se pouparmos durante bastante tempo, um

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cobertor ou dois, em vez daqueles casacos velhos que deviamser de pessoas que fugiram du rante a grande fome. aquece gua� �e lava os trapos que o michael usa para n o fazer coco no�carrinho nem pela casa toda. oh!, diz ela, quando o paizinhochegar a casa com o dinheiro logo noite vamos fazer um ch� �delicioso. paizinho. est bem-disposta.� ouvem-se sirenes e apitos por toda a cidade, quando oshomens saem do trabalho s cinco e meia. eu e o malachy�estamos todos excitados, porque sabemos que, quando os paistrabalham e trazem o dinheiro para casa, se recebe otost o-das-sextas-feiras. foram os outros rapazes, cujos�pais trabalham, que nos contaram, e tamb m sabemos que depois�do ch podemos ir loja da kathleen o.connell comprar� �rebu ados. se as m es estiverem bem-dispostas at pode ser que� � �nos d em dois *pence* para irmos ao cinema lyric no dia�seguinte, ver um filme com o james cagney. os homens que trabalham nas f bricas e nas lojas da cidade�v m a caminho de casa para jantarem, lavarem-se e irem ao�*pub*. as mulheres v o ver filmes no coliseu ou no cinema�lyric. compram rebu ados e cigarros wild woodbine e, se os�maridos estiverem a fazer horas extraordin rias, compram�caixas de chocolate black ma gic. adoram os filmes com�hist rias de amor e divertem-se a chorar que nem umas perdidas�quando t m um fim feliz ou quando o gal deslumbrante parte� �para ser morto pelos hindus ou outra gente n o cat lica.� � n s temos de esperar muito tempo porque o pai tem de andar�aqueles quil metros todos desde a f brica de cimento. n o� � �podemos beber o ch enquanto ele n o chegar a casa e custa� �esperar porque se sente o cheiro da comida das outras casas l�da rua. a m e diz que felizmente o dia de pagamento � � �sexta-feira e n o se pode comer carne, porque o cheiro das�salsichas ou do presunto nas outras casas ia dar com ela emdoida. podemos comer p o e queijo e beber um frasco de compota�cheio de ch com um cheirinho de leite e a car, e o que que� �� �queremos mais? as mulheres foram ao cinema, os homens est o nos *pubs* e o�pai ainda n o chegou a casa. a m e diz que ele anda depressa� �mas a f brica de cimento fica muito longe. diz isto, mas tem�l grimas nos olhos e j n o est a cantar. est sentada ao p� � � � � �do lume a fumar um wild woodbine que a kathleen o.connor lhevendeu fiado. o cigarro o nico luxo que ela tem e nunca na� �vida se h -de esquecer da bondade da kathleen. n o sabe quanto� �tempo que a gua se vai aguentar quente dentro da chaleira.� �n o vale a pena fazer o ch enquanto o pai n o chegar, porque� � �vai acabar por ficar forte de mais, frio e sem gra a nenhuma.�o malachy diz que tem fome e ela d -lhe um bocado de p o e� �queijo para o ir entretendo. diz, este emprego podia ser anossa salva o. t o dif cil ele arranjar trabalho com�� � � �aquele sotaque do norte. se fica sem este trabalho, n o sei o�que vai ser de n s.� a rua j est escura e temos de acender uma vela. a m e tem� � �de nos dar o ch e o p o com queijo porque estamos a morrer de� �fome e n o aguentamos esperar mais. senta-se mesa, come um� �bocado de p o com queijo e fuma o wild woodbine. vai porta� �ver se o pai j vem a subir a rua e fala dos dias de pagamento�em que t nhamos de andar pela rua procura dele em brooklyn.� �diz, qualquer dia have mos de voltar todos para a am rica e� �

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arranjar um s tio decente e aconchegado para morarmos com uma�casa de banho ao fundo do corredor como a que t nhamos em�classon avenue e n o como aquele nojo que temos nossa porta.� � as mulheres j est o a voltar do cinema, a rirem-se, e os� �homens j est o a voltar dos *pubs*, a cantarem. a m e diz que� � �n o vale a pena esperar mais. se o pai estiver nos *pubs* at� �fecharem, n o vai trazer dinheiro nenhum, por isso n o vale a� �pena estarmos a p . deita-se com o michael envolto nos seus�bra os. a rua est em sil ncio e eu ou o-a a chorar, apesar de� � � �ela ter puxado um casaco velho para cima da cara, e ou o ao�longe o meu pai. sei que o meu pai porque o nico em limerick que canta� � �aquela can o do norte, o roddy mccorley vai morrer hoje na��ponte de toome. contorna a esquina ao cimo da rua e come a a�cantar o kevin barry. as pessoas assomam s janelas e s� �portas e dizem-lhe, cale essa boca, por amor de deus. h quem�tenha de se levantar cedo para ir trabalhar. cante a merdadessas can es patri tica l em sua casa.�� � � est parado no meio da rua a gritar a toda a gente que�venha para a rua, que est pronto a morrer pela irlanda, que � �coisa que ele nunca ouviu da boca dos homens de limerick, quen o h ningu m no mundo que n o saiba que est o feitos com os� � � � �malandros dos sax es.� empurra a porta da nossa casa a cantar,

*e se enquanto estamos alerta,o oeste continuar a dormir.bem pode a irlanda chorar,que connacht dorme um sono profundo,mas uma voz ecoa como um trov o�o oeste est a acordar!� � �e canta, hurra! trema a inglaterra,estamos prontos para morrer irlanda*!

grita do fundo das escadas, angela, angela, h uma pinga de�ch nesta casa?� a m e n o lhe responde e ele grita outra vez, francis,� �malachy, venham c , rapazes. tenho aqui o�tost o-das-sextas-feiras para voc s.� � tenho vontade de ir l abaixo buscar o tost o, mas a m e� � �est a solu ar com o casaco a tapar a boca e o malachy diz,� �n o quero a porcaria do tost o. ele que fique com ele.� � o pai sobe a escada aos trope es, a dizer, como se��estivesse a discursar, que temos de morrer todos pela irlanda.acende um f sforo e chega-o vela que est ao p da cama da� � � �m e. segura a vela por cima da cabe a e anda pelo quarto a� �cantar,

*vede quem aparece por detr s da urze em flor,�com as bandeiras verdes a beijarem o ar puro da montanha,cabe as erguidas, a olhar em frente, marchando orgulhosos do�seu pa s,�a liberdade assentou arraiais no trono destes esp ritos*. �

o michael acorda e d um grito, os hannons est o a bater na� �parede, a m e est a dizer ao pai que ele um miser vel e por� � � �que que n o desaparece de uma vez para sempre.� � ele est de p no meio do quarto com a vela por cima da� �

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cabe a. tira uma moeda do bolso e acena com ela a mim e ao�malachy e diz, est aqui o vosso tost o-das-sextas-feiras,� �rapazes. saiam da cama e ponham-se em sentido aqui como doissoldados e prometam que morrer o pela irlanda, se querem que�eu vos d o tost o-das-sextas -feiras.� � � o malachy senta-se na cama e diz, n o o quero para nada.� e eu digo que tamb m n o.� � o pai fica de p , a balan ar, e torna a p r a moeda no� � �bolso. volta-se para a m e e ela diz-lhe, nesta cama que tu� �n o dormes esta noite. ele desce a escada com a vela, dorme�sentado numa cadei ra, falta ao trabalho na manh seguinte,� �fica sem o emprego na f brica de cimento, e passamos a viver�outra vez do subs dio de desemprego.�

iv

o professor diz que est na altura de nos prepararmos para�a primeira confiss o e a primeira comunh o, de aprendermos e� �saber mos todas as perguntas e respostas do catecismo, de nos�tornarmos bons cat licos, de sabermos distinguir o que est� �certo do que est errado e de morrermos pela f se formos� �chamados a isso. o professor diz que uma honra morrer pela f e o pai diz� �que urna honra morrer pela irlanda e eu pergunto a mim�pr prio se haver algu m no mundo que nos queira vivos. os� � �meus irm os morreram, a minha irm morreu, e eu n o sei se foi� � �pela irlanda ou pela f . o pai diz que eles eram pequeninos de�mais para morrerem fosse pelo que fosse. a m e diz que�morreram por estarem doentes e terem fome, por ele nuncaarranjar trabalho. o pai diz, oh!, angela, p e o bon e vai� �dar um longo passeio. o professor diz que temos de levar tr s *pence* cada um�para o catecismo da capa verde para a primeira comunh o. o�catecismo tem todas as perguntas e respostas que temos desaber de cor antes de recebermos a primeira comunh o. os�rapazes mais velhos, da quinta classe, t m um catecismo�grosso, o da confirma o, que tem uma capa vermelha e custa��seis *pence*. gostava de ser grande e importante e exibir ocatecismo vermelho da confirma o, mas acho que n o vou viver�� �at l , se vou ser obrigado a morrer por uma coisa ou outra.� �tenho vontade de perguntar porque que h tanta gente� �crescida que n o morreu pela irlanda nem pela f , mas sei que� �se perguntar isso d o-me uma palmada e mandam-me ir brincar.�

���

d muito jeito que o mikey molloy more esquina da minha� �rua. tem onze anos, tem ataques e, pelas costas, chamamos-lheo molloy dos ataques. as pessoas da rua dizem que os ataquess o um tormento, e agora j sei o que que tormento quer� � �dizer. o mikey sabe tudo porque tem vis es durante os ataques�e porque l livros. o perito da rua em corpos de raparigas e� �porcarias em geral e promete, conto -te tudo, frankie, quando�tiveres onze anos como eu e j n o fores t o est pido e t o� � � � �ignorante. bom ele dizer frankie para eu saber que est a falar� �comigo, porque ele tem os olhos tortos e nunca se sabe para

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quem que ele est a olhar. se estiver a falar com o malachy� �e eu pensar que ele est a falar comigo, pode enervar-se e ter�um ataque que o leve. ele diz que um dom ter os olhos�tortos, porque como se fosse um deus a olhar para dois lados�ao mesmo tempo e que, na antiga roma, quem tinha os olhostortos n o tinha a m nima dificuldade em arranjar emprego. se� �virmos os retratos dos imperadores romanos, havemos de ver quet m sempre uma grande tend ncia para terem os olhos tortos.� �quando n o est a ter um ataque, senta-se no ch o ao cimo da� � �rua a ler os livros que o pai lhe traz da biblioteca decarnegie. a m e dele diz, livros, livros, livros, est a dar� �cabo dos olhos com tanta leitura, precisa de ser operado paraos endireitar, mas quem que tem dinhei ro para iso). diz-lhe� �que se ele continuar a esfor ar a vista, os olhos v o-se� �juntar num s no meio da cabe a. desde a o pai dele come ou a� � � �chamar-lhe ciclope, que aparece numa hist ria grega.� a nora molloy conhece a minha m e das bichas na sociedade�de s o vicente de paulo. diz M e que o mikey tem mais ju zo� � � �do que doze homens juntos a beberem cerveja num *pub*. sabe osnomes dos papas todos desde s o pedro at Pio xi. s tem� � �onze anos mas um homem, l isso que , um homem. h muitas� � � � �semanas em que ele que salva a fam lia de morrer fome.� � �pede um carrinho de m o ao aidan farrell e anda a bater s� �portas de uma ponta outra de limerick para ver se algu m� �quer que ele lhe leve carv o ou turfa, volta Dock road e� �carrega sacos com mais de cinquenta quilos. faz recados s�pessoas idosas que j n o podem andar e, se n o tiverem� � �dinheiro para lhes dar, diz que uma ora o tamb m serve. �� � por muito pouco que receba, entrega o dinheiro m e que� �adora o seu mikey. tudo no mundo para ela, o seu sangue, o�seu cora o, e se alguma vez lhe acontecesse alguma coisa,��podiam fech -la no ma nic mio e deitar a chave fora.� � � o pai do mikey, o peter, um grande campe o. ganha apostas� �nos *pubs* a beber mais cerveja do que qualquer outro homem. anica coisa que ele tem de fazer ir casa de banho, enfiar� � �um dedo pela goela abaixo e deitar tudo fora, para poderenfiar outra rodada. um campe o t o grande que consegue� � �estar de p na casa de banho e vomitar sem precisar de�meter o dedo na boca. um campe o t o grande que lhe podiam� � �cortar os dedos e ele continuava mesma. ganha aquele�dinheiro todo, mas nunca leva nenhum para casa. s vezes � �como o meu pai e gasta o dinheiro do subs dio na bebida e � �por isso que de vez em quando levam a nora molloy para omanic mio, louca com a preocupa o de ver a fam lia cheia de� �� �fome. ela sabe que, enquanto est no manic mio, est a salvo� � �do mundo e dos seus tormentos, n o pode fazer nada, est� �protegida e n o vale a pena preocupar-se. toda a gente sabe�que os malucos t m de ser levados for a para o manic mio,� � � �mas ela tem de ser tirada de l for a, para voltar para os� � �seus cinco filhos e o campe o das cervejas.� sabemos que a nora molloy est pronta para ir para o�manic mio, quando vemos os filhos dela pela rua cobertos de�farinha da cabe a aos p s. isso acontece quando o peter gasta� �o dinheiro do subs dio na bebida ela fica desesperada e com a�certeza de que os homens v m busc -la. sabemos que est dentro� � �de casa a fazer p o sem parar. quer ter a certeza de que os�filhos n o v o morrer de fome enquanto ela estiver fora de� �casa e corre toda a cidade de limerick a pedir farinha. pede

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aos padres, s freiras, aos protestantes e aos quakers. vai � �f brica de farinha de rank e pede que lhe d em a farinha que� �varrem do ch o. faz p o dia e noite. o peter pede-lhe que pare� �e ela grita, nisto que d gastares o dinheiro na bebida. ele� �diz-lhe que o p o vai ficar duro, mas n o vale a pena falar� �com ela. faz p o, p o, p o. se tivesse dinheiro para isso,� � �fazia p o com toda a farinha de limerick e arredores. se os�homens do manic mio n o fossem busc -la, ficava a fazer p o� � � �at cair para o ch o.� � os filhos empanzinam-se de p o de tal maneira que as outras�pessoas l da rua dizem que eles ficam transformados em�papo-secos. mas o p o endurece e o mikey fica t o preocupado� �com esse desperd cio que vai falar com uma mulher rica que�tem um livro de cozinha e ela diz-lhe que fa a pudim de p o.� �ent o, ele coze o p o duro em gua com leite azedo e uma� � �ch vena de a car e o irm o adora aquela comida, apesar de ser� �� �o que eles comem durante as duas semanas que a m e deles passa�no manic mio.� o meu pai pergunta, levam-na para o manic mio porque ela�endoidece a fazer p o ou ela endoidece a fazer p o porque v o� � �lev -la para o manic mio?� � a nora volta para casa t o calma como se tivesse estado � �beira -mar. diz sempre, onde que est o mikey? est vivo?� � � �preocupa-se com o mikey porque ele n o um verdadeiro� �cat lico, e, se tivesse um ataque e morresse sabe-se l onde � � �que iria parar na outra vida. n o um verdadeiro cat lico� � �porque n o conseguiu receber a primei ra comunh o com medo� � �de p r na l ngua alguma coisa que o fizesse ter um ataque e� �morrer sufocado. o professor tentou dias a fio, com bocadinhosdo *limerick leader*, mas o mikey cuspia-os sempre at que o�professor perdeu a cabe a e o mandou para o padre, que�escreveu ao bispo, que disse, n o me incomodeis, resolvei v s� �isso. o professor mandou um recado para casa a dizer para omikey treinar a comungar com o pai ou com a m e, mas nem eles�conseguiram faz -lo engolir um bocadinho do *limerick leader*�em forma de h stia. at tentaram com um bocadinho de p o do� � �feitio de uma h stia e barrado com compota, mas n o serviu de� �nada. o professor disse Sra. molloy que n o se preocupasse.� �deus escolhe caminhos misteriosos para revelar os seusmilagres e de certeza que tem um fim em vista para o mikey,mesmo com ataques e tudo. ela pergunta, n o estranho ele� �conse guir engolir toda a esp cie de doces e bolos, mas se� �tiver de engolir o corpo de cristo ter um ataque? n o � �estranho? tem medo que o miley tenha um ataque e morra e v�para o inferno se tiver algum pecado na alma, embora toda agente saiba que ele um anjo que desceu do c u. o mikey� �diz-lhe que deus n o vai dar a uma pessoa o tormento dos�ataques e, ainda por cima, espetar com ela no inferno. queesp cie de deus que iria fazer uma coisa dessas?� � tens a certeza, mikey? tenho. li num livro. senta-se por baixo do candeeiro ao cimo da rua e ri-se dodia da sua primeira comunh o, que foi uma vigarice pegada. n o� �conseguiu engolir a h stia, mas isso impediu que a m e o� �andasse a exibir pelas ruas de limerick com o fato preto parao pedit rio? disse ao mikey, n o ando a mentir, pois n o? s� � � �digo aos vizinhos, est aqui o mikey com o fato da primeira�comunh o. s digo isso, repara bem. este aqui o mikey. se� � �

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eles pensam que engoliste a primeira comunh o, quem sou eu�para os contradizer e desapontar? o pai do mikey disse, n o te�preocupes, ciclope. tens muito tempo. jesus s se tornou um�verda deiro cat lico quando tomou o p o e o vinho na ltima� � � �ceia e j tinha trinta e tr s anos. a nora molloy disse, s� � �capaz de parar de lhe chamar ciclope? ele tem dois olhos e n o� grego. mas o pai do mikey, o campe o das cervejas, como o� � �meu tio pa keating, est -se marimban do para o que as outras� �pessoas dizem e assim que eu gostava de ser.� o mikey conta-me que o melhor de tudo na primeira comunh o� o pedit rio. a tua m e tem de te arranjar um fato novo, para� � �te poder mostrar aos vizinhos e parentes, e eles d o-te doces�e dinheiro e podes ir ao cinema lyric ver o charlie chaplin. ent o, e o james cagney? � deixa l o james cagney. um parlapat o. o charlie chaplin� � � que . mas tens de andar com a tua m e no pedit rio. as� � � �pessoas crescidas de limerick n o v o dar dinheiro a qualquer� �trinca-espinhas com um fato da primeira comunh o, se n o andar� �com a m e.� o mikey arranjou mais de cinco xelins no dia da primeiracomu nh o e comeu tantos bolos e rebu ados que vomitou no� � �cinema lyric e o frank goggin, o homem dos bilhetes, p -lo na�rua. mas ele diz que n o se importou nada porque ainda tinha�dinheiro e nesse mesmo dia foi ao cinema savoy ver um filme depiratas e comeu cholocates cadbury e bebeu limonada at ficar�com uma pan a que se via dist ncia. est desejoso que chegue� � � �o dia da confirma o porque j se mais velho e h outro�� � � �pedit rio onde se arranja mais dinheiro do que na primeira�comunh o. h -de passar o resto da vida no cinema, sentado ao� �lado das raparigas e a fazer porcarias como um perito namat ria. adora a m e, mas nunca se vai casar porque tem medo� �de arranjar uma mulher que passe a vida dentro e fora domanic mio para que que uma pessoa se h -de casar, se podemos� � �ir fazer porcarias no cinema com as raparigas daqui da rua,que n o se importam porque j as fizeram em casa com os� � �irm os? se n o nos casarmos, n o temos filhos em casa a� � �pedirem p o e ch , a terem ataques e a olharem para as coisas� �com um olho para cada lado. quando for mais velho, h -de ir ao�*pub* como o pai, beber litros de cerveja, enfiar o dedo pelagoela abaixo para vomitar, beber mais cervejas, ganhar asapostas e levar o dinheiro m e para ela n o enlouquecer. diz� � �que n o um verdadeiro cat lico, e isso significa que est� � � �condenado e por isso pode fazer tudo o que lhe apetecer. diz, quando cresceres, digo-te mais coisas, frankie. agoraainda s muito novo e n o sabes distinguir o cu das cal as.� � �

o professor, o sr. benson, j muito velho. passa o dia� �inteiro a ralhar e a deitar perdigotos para cima de n s. os�rapazes da primei ra fila esperam que ele n o tenha nenhuma� �doen a porque o cuspo que transmite as doen as todas e ele� � �podia andar a espalhar a tuber culose a torto e a direito.�diz-nos que temos de saber o catecismo de tr s para a frente,�da frente para tr s, de cima para baixo e de baixo para cima.�temos de saber os dez mandamentos, as sete virtudes, divinas emorais, os sete sacramentos e os sete pecados mortais. temosde saber de cor todas as ora es, a ave-maria, o pai nosso, a��confiss o, o credo dos ap stolos, o acto de contri o e a� � ��litania da sagrada virgem maria. temos de as saber em irland s�

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e ingl s e� se, nos esquecermos de uma palavra em irland s e dissermos�a palavra inglesa, ele fica raivoso e d -nos com o ponteiro.�se fosse como ele quer, aprend amos a nossa religi o em latim,� �que a l ngua dos santos, que viviam em comunh o com deus e a� � �sua santa m e, a l ngua dos primeiros crist os, que viviam� � �amontoados nas catacumbas e morriam a serem torturados,trespassados por espadas ou nas mand bulas espumantes de le es� �raivosos. o irland s est bem para os patriotas, o ingl s para� � �os traidores e informadores, mas com o latim que ganhamos a�porta do c u. era em latim que os m rtires rezavam, quando os� �b rbaros lhes arrancavam as unhas ou lhes cortavam a pele,�bocadinho a bocadinho. diz-nos que somos a vergonha da irlandada sua longa e triste hist ria e que est vamos melhor na� �am rica a rezar a um arbusto ou a uma rvore. diz-nos que� �somos uns in teis, a pior classe que ele alguma vez teve a�fazer a primeira comunh o, mas que t o certo deus ter criado� � �as ma s como ele fazer de n s cat licos, h -de arrancar-nos a�� � � �pregui a e ensinar-nos a sant ssima gra a. � � � o brendan quigley levanta o bra o. chamamos-lhe o quigley�das perguntas, porque est sempre a perguntar coisas. n o� �consegue evitar. senhor professor, diz ele, o que a�sant ssima gra a?� � o professor levanta os olhos para o c u. vai matar o�quigley. mas, em vez disso, diz-lhe a berrar, deixa l a�sant ssima gra a, quigley. isso n o da tua conta. est s aqui� � � � �para aprender o catecismo e fazeres o que te mandam. n o est s� �aqui para fazer perguntas. anda gente de mais pelo mundo afazer perguntas e por isso que o mundo est como est , e se� � �eu apanhar algum de voc s a fazer perguntas, n o respondo por� �mim. ouviste bem, quigley? ouvi. ouvi o qu ?� ouvi, senhor professor. continua com o discurso. h rapazes nesta classe que nunca�v o conhecer a sant ssima gra a. e porqu ? por causa da� � � �cobi a. j os ouvi no p tio da escola a falarem da primeira� � �comunh o, o dia mais feliz da vossa vida. e ser que falam de� �irem receber o corpo e o sangue de nosso senhor? n o. aqueles�trapaceiros insaci veis falam do dinheiro que v o receber no� � �pedit rio. v o andar de casa em casa de fatinho como se fossem� �uns pedintes. e ser que v o pegar numa parte desse dinheiro e� �mand -lo para os pretinhos de frica? ser que v o pensar� � � �naqueles pequeninos pag os condenados para todo o sem pre por� �n o serem baptizados nem conhecerem a verdadeira f ? pretinhos� �a quem negado o conhecimento do corpo m stico de cristo?� �o limbo est cheio de pretinhos a voarem de um lado para o�outro e a chorarem pelas m es, porque nunca ser o admitidos � � �presen a inef vel de nosso senhora e companhia gloriosa dos� � �san tos, dos m rtires e das virgens. n o! para os cinemas� � � �que os nossos alunos da primeira comunh o v o a correr para� �chafurdarem na porcaria que os capatazes do diabo de hollywoodespalham pelo mundo. n o assim, mccourt?� � , sim, senhor professor.� o quigley das perguntas torna a levantar o bra o. olhamos�uns para os outros a pensar se ele estar a querer�suicidar-se. o que capataz, senhor professor?�

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a cara do professor fica branca e, depois, vermelha. cerraos l bios depois abre-os, e deita perdigotos em todas as�direc es. dirige-se ao perguntas e puxa-o do assento. bufa e��gagueja e espalha perdigotos pela sala toda. bate ao quigleynos ombros, no rabo, nas pernas. agarra-o pelo colarinho eleva-o para a frente da sala. olhem para este exemplar, diz ele a berrar. o perguntas est a tremer e a chorar. desculpe, senhor�professor. o professor imita-o. desculpe, senhor professor. est s a�pedir desculpa de qu ?� estou a pedir desculpa por ter feito uma pergunta. nuncamais pergunto nada, senhor professor. o dia em que tornares a fazer uma pergunta, quigley, ser o�dia em que vais desejar que deus te leve para o seu seio. oque que vais desejar, quigley?� que deus me leve para o seu seio, senhor professor. volta para o teu lugar, minha besta, meu est pido, meu�dejecto do canto mais escuro da retrete. senta-se com o ponteiro frente dele, em cima da�secret ria. diz ao quigley para acabar com a choraminguice e�ser um homem. se tornar a ouvir algu m daquela classe a fazer�perguntas tolas ou a falar do pedit rio, h -de a oitar esse� � �aluno at ficar a deitar sangue.� o que que eu fa o, meninos?� � a oita esse aluno, senhor professor.� at ?� at ficar a deitar sangue, senhor professor.� agora, clohessy, qual o sexto mandamento?� n o cometer s adult rio.� � � n o cometer s adult rio, o qu ?� � � � n o cometer s adult rio, senhor professor.� � � e o que adult rio, clohessy? � � s o pensamentos impuros, palavras impuras ou actos�impuros, senhor professor. muito bem, clohessy. s bom rapaz. podes ser um bocado�lento e esquecido quanto ao senhor professor e podes n o ter� � �sapatos, mas s bom no sexto mandamento e isso h -de ajudar-te� �a seres poro.

o paddy clohessy n o tem sapatos, a m e rapa-lhe o cabelo� �para ele n o ter piolhos, tem os olhos sempre vermelhos e o�nariz sempre ranhoso. anda sempre com feridas nos joelhos, quenunca se curam, porque ele arranca as crostas e mete-as naboca. anda vestido com farrapos que tem de partilhar com seisirm os e uma irm , e quando aparece na escola a deitar sangue� �do nariz ou com um olho negro j sabemos que andou pancada� �de manh por causa da roupa. odeia a escola. tem quase oito�anos, o maior e o mais velho da nossa aula, e est ansioso� �por crescer e chegar aos 14 anos, para poder fugir, fazer -se�passar por 17 anos, alistar-se no ex rcito ingl s e ir para a� �ndia, onde o tempo quente e onde ele ir viver numa tenda� � �com uma rapariga de pele escura com uma marca vermelha natesta, onde h -de comer figos deitado, isso que comem na� �ndia, figos, e ela h -de cozinhar caril dia e noite e tocar� �ukelele e, quando ele tiver dinheiro suficiente, mandar ir a�fam lia toda para l , e v o viver todos na mesma tenda,� � �principalmente o pai dele, que est em casa a deitar grandes�

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golfada de sangue quando tosse por causa da tuberculose.quando a minha m e v o paddy na rua, diz, vejam-me s aquela� � �crian a. um aut ntico esqueleto coberto de farrapos. se� � �alguma vez fizessem um filme sobre a fome, de certeza que eleentrava. acho que o paddy gosta de mim por causa da passa, e eusinto-me um bocado culpado porque n o fui assim t o generoso� �como isso. o sr. benson, o professor, disse que o governo iacome ar a dar-nos o almo o gr tis, para n o termos de ir a� � � �casa com o tempo gelado como estava. levou-nos para uma salafria nas catacumbas da escola de leamy onde a mulher a dias, anellie ahearn, nos dava metade de meio litro de leite e um p o�de passas. o leite estava gelado nas garrafas e t nhamos de as�p r no meio das pernas a descongelar. os rapazes gozavam a�dizer que amos ficar com as partes geladas e o professor�berrava, se ou o mais algu m dizer esses disparates, aque o as� � �garrafas na vossa cabe a. todos n s nos pusemos a procurar as� �passas nos nossos p es, mas a nellie disse que deviam ter-se�esquecido de as porem l dentro e que havia de perguntar ao�homem que tinha levado o p o. continu mos a procurar todos os� �dias at que eu acabei por encontrar uma passa no meu p o e� �pu-la no ar. os rapazes come aram a refilar, a dizer que�tamb m queriam uma passa, e a nellie disse que a culpa n o era� �dela. ia perguntar outra vez ao homem. os rapazes come aram a�pedir-me a passa e a oferecerem-me tudo e mais alguma coisa emtroca, um gole do leite deles, um l pis, um livro aos�quadradinhos. o tobby mackey disse que me dava a irm e o sr.�benson ouviu-o dizer isso, levou-o para o corredor e bateu-lheat ele gritar. eu queria a passa para mim, mas vi o paddy�clohessy num canto daquela sala gelada, sem sapatos, a tremercomo um c o que tivesse levado um pontap , e eu sempre tive� �pena dos c es que levavam pontap s, e por isso foi ter com o� �paddy e dei-lhe a passa, porque n o sabia o que que havia de� �fazer, e os rapazes come aram todos a gritar que eu era doido�e parvo, que havia de me arrepender, e depois de ter dado apassa ao paddy, fiquei com vontade de a comer, mas j era�tarde de mais, porque ele a meteu logo na boca, engoliu-a,olhou para mim sem dizer nada, e eu disse para os meus bot es,�s mesmo um parvalh o, a dares a tua passa.� � o sr. benson olhou para mim, mas n o disse nada e a nellie�ahearn disse, s um bom yankee, frankie.�

falta pouco para o padre nos vir fazer o exame do catecismoe do resto. o professor tem de nos ensinar como que se�recebe a sagrada comunh o. manda-nos juntar volta dele.� �enche o chap u de bocadi nhos do *limerick leader*. entrega o� �chap u ao paddy clohessy, ajoelha -se, diz ao paddy para tirar� �um bocadinho de papel e lho p r na l ngua. mostra como se deve� �fazer: p r a l ngua de fora, receber o bocadinho de papel,� �esperar um momento, meter a l ngua para dentro, p r as m os,� � �levantar os olhos para o c u, fechar os olhos em adora o,� ��esperar que o papel se derreta dentro da boca, engoli-lo eagradecer a deus aquela d diva de receber a paz da gra a� �sant ssima e o cheiro da santidade. no momento em que ele p e� �a l ngua de fora, temos de fazer for a para n o nos rirmos,� � �porque nunca nenhum de n s viu uma l ngua t o grande e t o� � � �vermelha. abre muito os olhos para ver quem que est na� �risota, mas n o pode dizer nada porque ainda tem deus na�

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l ngua e um momento sagrado. levanta-se e manda-nos ajoelhar� � volta da sala para treinarmos a sagrada comunh o. d a volta� � � sala, a p r-nos bocadi nhos de papel na l ngua e a dizer� � � �umas coisas em latim. alguns dos rapazes riem-se e elegrita-lhes que, se n o pararem com a risota, n o a sagrada� � �comunh o que v o receber mas os ltimos sacramentos. como � � � �que se chama esse sacramento, mccourt? extrema-un o, senhor professor.�� muito bem, mccourt. nada mau para o yankee vindo dascostas pecaminosas da am rica.� diz-nos para termos em aten o que devemos deitar a l ngua�� �bastante de fora para que a sagrada h stia n o caia ao ch o.� � �diz que a pior coisa que pode acontecer a um padre. se a�h stia escorregar da vossa boca, o pobre do padre tem de se�ajoelhar, apanh -la com a l ngua dele e lamber o ch o em volta� � �n o v ela ter deslizado de um lado para outro. o padre pode� �espetar qualquer coisa na l ngua e ela come ar a inchar at� � �ficar do tamanho de um nabo, sufoc -lo e lev -lo morte.� � � diz-nos que a sagrada h stia a coisa mais sagrada que h� � �a seguir a uma rel quia da cruz de cristo, e que a primeira�comunh o o momento mais sagrado das nossas vidas. o� �professor fica sempre muito excitado quando fala da primeiracomunh o. anda de um lado para outro, agita o ponteiro no ar,�diz-nos que nunca podemos esquecer que no momento em que asagrada comunh o depositada sobre as nossas l nguas nos� � �tornamos membros da mais gloriosa das congrega es, a santa��igreja, una, cat lica, apost lica e romana, que ao longo de� �dois mil anos muitos homens, mulheres e crian as morreram pela�f , e que os irlandeses n o t m raz es para terem vergonha� � � �nesse cap tulo. n o verdade que tivemos muitos m rtires? n o� � � � � verdade que expusemos o nosso pesco o ao machado� �protestante? n o ver dade que subimos para o cadafalso, a� � �cantar, como se f ssemos para um piquenique? n o verdade,� � �rapazes? , senhor professor. � o que que n s fizemos?� � expusemos o nosso pesco o ao machado protestante, senhor�pro fessor.� e mais? subimos para o cadafalso, a cantar, senhor professor. como se? como se f ssemos para um piquenique, senhor professor.� diz que talvez entre n s exista um futuro padre ou um�futuro m rtir da f , mas que duvida muito, porque n s somos o� � �bando mais pregui oso de ignorantes que ele alguma vez teve a�desdita de ensinar. mas h gente capaz de tudo, diz ele, e de certeza que deus�tinha alguma inten o quando mandou gente como v s infestar a�� �terra. de certeza que deus tinha uma inten o quando mandou��para o nosso seio o clohessy sem sapatos, o quigley com assuas malditas pergun tas e o mccourt carregado com os�pecados da am rica. e, lembrai -vos bem disto, rapazes, deus� �n o mandou o seu nico filho para ser pendurado na cruz para� �v s andardes pela cidade de patas estendidas para o pedit rio� �no dia da vossa primeira comunh o. nosso senhor morreu para�vos salvar. basta receber a d diva da f . estais a ouvir o que� �eu estou a dizer? estamos, senhor professor.

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e basta o qu ?� a d diva da f , senhor professor.� � muito bem. ide para casa.

noite estamos os tr s sentados a ler luz baixa do� � �candeeiro ao cimo da rua, eu, o malachy e o mikey. os molloyss o como n s: o pai deles gasta na bebida o dinheiro do� �subs dio ou que recebe quando trabalha e eles n o podem� �comprar velas nem leo de parafina para o candeeiro. o mikey�l livros a s rio e n s lemos livros aos quadradinhos. o pai� � �dele, o peter, traz livros da biblioteca de carne gie para ter�qualquer coisa para fazer quando n o est a beber cerveja ou� �quando est a tomar conta dos filhos, nas alturas em que a�sra. molloy vai para o manic mio. deixa o mikey ler todos os�livros que quiser, e agora o mikey est a ler um livro sobre o�cuchulain e a falar como se soubesse tudo sobre ele. tenhovontade de lhe dizer que aos tr s anos j sabia tudo sobre o� �cuchulain, que vi o cuchulain em dublin, que o cuchulain n o�se importa de aparecer nos meus so nhos. tenho vontade de lhe�dizer para parar de falar do cuchulain, porque ele meu, j� �era meu h muitos anos, quando eu ainda era pequeno, mas n o� �posso dizer nada disto ao mikey, porque ele est a ler-nos uma�hist ria que eu nunca tinha ouvido, uma hist ria feia sobre o� �cuchulain, uma hist ria que eu nunca vou poder contar ao meu�pai nem minha m e e que a hist ria de como cuchulain se� � � �casou com emer. cuchulain tinha vinte e um anos e estava a ficar velho.sentia-se s e queria casar-se, e foi isso que o tornou mais�fraco e acabou por lev -lo morte, diz o mikey. todas as� �mulheres da irlanda estavam doidas por ele e queriam casar como cuchulain. ele achava isso fant stico e dizia que n o se� �importava de casar com todas as mulhe res da irlanda. se�conseguia combater contra todos os homens da irlanda, por quen o conseguiria ele casar com todas as mulheres? mas o rei,�conor macnessa, disse, seria muito bom para ti, cu, mas oshomens da irlanda n o querem estar sozinhos durante a noite.� o rei decidiu que ia fazer um concurso para ver qual que�iria casar com o cuchulain, e a prova seria mijar. todas asmulheres da irlanda se juntaram na plan cie de muirthemne para�ver qual delas aguentava mais tempo a mijar e foi emer queganhou. foi a campe do mijo na irlanda e casou com cuchulain�e foi por isso que passou a ser conheci da por emer da grande�bexiga. o mikey e o malachy riem-se da hist ria, mas eu acho que o�malachy n o a entendeu. ainda pequeno e falta-lhe muito� �tempo para fazer a primeira comunh o e s se est a rir por� � �causa da palavra mijo. ent o, o mikey diz-me que eu cometi um�pecado por estar a ouvir uma hist ria com essa palavra e que,�quando fizer a primeira confiss o, tenho de contar ao padre. o�malachy diz, pois . mijo uma palavra feia e vais ter de� �dizer ao padre porque uma palavra de pecado.� fico sem saber o que hei-de fazer. como que eu posso�dizer uma coisa destas ao padre na minha primeira confiss o?�todos os rapazes sabem j quais s o os pecados que v o dizer� � �para poderem receber a primeira comunh o e fazer o pedit rio e� �ir ao cinema lyric ver o james cagney e comer rebu ados e�bolos. o professor ensinou-nos a dizer quais eram os nossospecados, e toda a gente tem os mesmo. bati no meu irm o. disse�

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uma mentira. roubei um *penny* do porta-moedas da minha m e.�desobedeci aos meus pais. comi uma salsicha numa sexta--feira. mas agora eu tenho um pecado que mais ningu m tem e o padre�vai ficar chocado, expulsar-me do confession rio e levar-me�pela igreja abaixo para a rua e toda a gente vai ficar a saberque eu ouvi a hist ria de como a mulher do cuchulain se tornou�na campe do mijo de toda a irlanda. nunca vou poder fazer a�primeira comunh o e as m es v o pegar nos filhos ao colo e� � �apontar para mim a dizer, olha bem para ele. como o mikey�molloy, nunca fez a primeira comunh o, vive em pecado, nunca�fez o pedit rio, nunca viu o james cagney.� estou arrependido de alguma vez na vida ter ouvido falar daprimeira comunh o e do pedit rio. estou mal-disposto e n o� � �quero beber ch nem comer p o nem nada. a m e diz ao pai que � � � �estranho uma crian a n o querer ch e p o e o pai diz, oh!,� � � �deixa l . est nervoso por causa da primeira comunh o. tenho� � �vontade de me sentar ao colo dele e lhe contar o que o mikeymolloy me fez, mas j sou grande de mais para me sentar ao�colo de seja quem for e, se me sentasse, o malachy ia logopara a rua apregoar aos sete ventos que eu era um beb .�gostava de desabafar com o anjo do s timo degrau, mas ele�anda muito ocupado a levar beb s s m es todas do mundo. mas,� � �pelo sim pelo n o, pergunto ao pai,� pai, o anjo do s timo degrau tem mais algum trabalho sem�ser andar a entregar beb s?� tem. o anjo do s timo degrau seria capaz de dizer a uma pessoa o�que havia de fazer se essa pessoa n o soubesse?� oh!, claro que sim, filho. essa a miss o dos anjos, at� � �mesmo do s timo degrau.� o pai vai dar um grande passeio, a m e pega no michael e�vai a casa da av , o malachy est a brincar na rua e eu estou� �sozinho em casa e posso sentar-me no s timo degrau e falar com�o anjo. sei que ele est l , porque o s timo degrau est mais� � � �quente do que os outros e porque tenho uma luz dentro dacabe a. conto-lhe o meu problema e ou o uma voz a dizer, nada� �receies. n o percebo o que ele diz e tenho de lhe dizer isso.� nada receies, diz a voz. confessa o teu pecado ao padre eser s perdoado.� na manh seguinte, acordo cedo e, enquanto estou a beber�ch com o pai, conto-lhe que estive a falar com o anjo do�s timo degrau. o pai p e a m o na minha testa para ver se eu� � �n o estou doente e pergunta-me se tenho a certeza de que tinha�uma luz dentro da cabe a e ouvi uma voz, e o que disse a voz?� conto-lhe que a voz me disse, nada receies, e que isso querdizer, n o receies nada.� o pai diz-me que o anjo tem raz o, que n o preciso de ter� �medo e eu conto-lhe o que o mike molloy me fez. falo-lhe daemer da bexiga grande e at digo a palavra mijar por causa do�anjo ter dito nada receies. o pai pousa o frasco de compota,faz-me uma festinha nas costas da m o e s diz, oh, oh, oh, e� �eu fico a pensar se ele ter endoidecido como a sra. molloy,�que est sempre a ir e vir do mani c mio. depois o pai� � �pergunta-me, era com isso que estavas preo cupado ontem � �noite? digo-lhe que sim, e ele diz que aquilo n o um pecado e� �n o tenho de dizer ao padre.�

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mas o anjo do s timo degrau mandou-me dizer.� ent o, est bem. se quiseres, conta ao padre, mas o anjo do� �s timo degrau s disse isso por n o me teres contado primeiro� � �a mim. n o melhor desabafar com o pai do que com um anjo que� � uma luz e uma voz dentro da tua cabe a?� � , pai. � no dia antes da primeira comunh o, o professor leva-nos � �igreja de s o jos para fazermos a primeira confiss o. vamos a� � �dois e dois, e se nos atrevermos nem que seja a mexer osl bios ele mata-nos logo e manda-nos para o inferno com os�nossos pecados todos. mas isso n o nos impede de nos�vangloriarmos dos nossos grandes pecados. o willie harold vaia contar baixinho o grande pecado dele, que foi ter visto airm nua. o paddy hartigan diz que roubou dez xelins do�porta-moedas da tia e se empanzinou de gelados e batatasfritas at ficar mal-disposto. o quigley das perguntas diz que�fugiu de casa e passou metade da noite numa vala com quatrocabras. quando vou para lhes contar do cuchulain e da emer, oprofessor apanha-me a falar e d -me uma tapa na cabe a.� � ajoelhamo-nos nos bancos ao p do confession rio e eu� �pergunto a mim pr prio se o meu pecado da emer ser t o mau� � �como ver a irm nua, porque agora j sei que h coisas no� � �mundo que s o piores do que outras. por isso que h pecados� � �diferentes, o sacril gio, o pecado mortal, o pecado venial.�mas os professores e as pessoas crescidas em geral quandofalam dos pecados sem perd o, dizem que um grande mist rio.� � �ningu m sabe o que e n o percebo como que podemos saber se� � � �cometemos algum desses pecados se n o sabemos o que . se eu� �contar ao padre a hist ria da emer da bexiga grande e do�concurso de mijo, ele pode dizer que um pecado sem perd o e� �correr comigo do confession rio e vou cair em desgra a por� �toda a cidade de limerick e ficar condenado ao inferno,atormentado para sempre pelos dem nios que n o t m mais nada� � �que fazer sen o picar-me com, forquilhas em brasa at eu cair� �para o lado. tento ouvir a confiss o do willie, quando chega a vez dele,�mas s consigo ouvir o padre a sussurrar e, quando o willie�sai do confession rio, vem a chorar.� a minha vez. o confession rio est escuro e por cima da� � �minha cabe a est pendurado um crucifixo. ou o um rapaz a� � �dizer baixinho a confiss o dele do outro lado. pergunto a mim�pr prio se valer a pena falar com o anjo do s timo degrau.� � �sei que n o costume ele andar pelos confession rios, mas� � �estou a ver a luz dentro da minha cabe a e a ouvir a voz a�dizer-me, nada receies. o padre levanta a portinhola do meu lado e diz, sim, meufilho? aben oai-me, padre, porque pequei. a minha primeira� �con fiss o.� � sim, meu filho, e que pecados cometeste tu? disse uma mentira. bati no meu irm o, tirei um *penny* do�porta-moedas da minha m e. praguejei. � sim, meu filho. mais alguma coisa? eu, eu ouvi uma hist ria sobre o cuchulain e a emer.� isso n o pecado, meu filho. sabemos, felizmente, por� �certos escritores, que cuchulain se converteu ao catolicismonos ltimos momentos da sua vida e tamb m o seu rei, conor� �macnessa.

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era sobre emer, padre, e como que ela se casou com ele.� como que foi, meu filho?� ganhou um concurso de mijo. sinto uma respira o pesada do outro lado. o padre tem a��m o frente da boca e est a fazer uns sons que parece que� � �est engasgado e a dizer, santa m e de deus.� � quem, quem que te contou essa hist ria, meu filho?� � foi o mikey molloy, padre. e onde que ele a ouviu? � leu num livro, padre. ah!, num livro. os livros podem ser perigosos para ascrian as, meu filho. desvia a tua mente dessas hist rias tolas� �e pensa nas vidas dos santos. pensa em s o jos , na pequena� �flor, no gentil e bondoso s o francisco de assis, que tanto�amava os passarinhos que andavam no ar e os animais queandavam pelos campos. vais fazer isso, meu filho? vou, sim, padre. tens mais algum pecado, meu filho? n o. padre.� para tua penit ncia vais rezar tr s ave-marias, tr s� � �pai-nossos e rezar uma ora o especial por mim.�� est bem. padre, qual que foi o pior pecado?� � o que queres dizer com isso? sou o pior de todos, padre? n o, meu filho, nem de longe. v , agora reza o acto de� �contri o e lembra-te que nosso senhor est sempre a ver-te.�� �deus te aben oe, meu filho.�

o dia da primeira comunh o o mais feliz da nossa vida,� �por causa do pedit rio, do james caguey e do cinema lyric. na�noite anterior estava t o excitado que s consegui adormecer� �j de manh . s acordei porque a minha av bateu porta com� � � � �toda a for a.� levantem-se! levantem-se! tirem-me essa crian a da cama. o�dia mais feliz da vida dele, e ele na cama a ressonar. fui a correr para a cozinha. tire essa camisa, disse ela.tirei camisa e ela enfiou-me num alguidar de gua gelada. a�minha m e esfregou-me, a minha av esfregou-me, at eu� � �ficar vermelho, quase em carne viva. depois enxugaram-me. vestiram-me o fato de veludo pretoprimeira comunh o com a camisa branca de folhos, umas cuecas,�umas pe gas brancas e uns sapatos pretos de verniz. puseram-me�um la o de cetim branco volta do bra o e prenderam-me na� � �lapela o sagrado cora o de jesus, um retrato do sagrado��cora o de jesus, com o sangue a pingar, chamas em toda a��volta e por cima uma coroa de espinhos horrorosa. anda c para eu te pentear, disse a av . Olha-me para esta� �guede lha, n o vai para baixo. n o ao meu lado que sais com� � � �esse cabelo. l ao norte da irlanda, ao lado do teu pai. � � �cabelo de presbiteriano. se a tua m e tivesse casado com um�homem como deve ser de limerick, n o tinhas este cabelo em p ,� �de presbiteriano, do norte da irlanda. cuspiu duas vezes para o meu cabelo. pare de me cuspir para a cabe a, av .� � se n o tens mais nada para dizer, est calado. n o um� � � �bocado de cuspo que te vai matar. vamos embora, sen o chegamos�atrasados Missa.� fomos a correr para a igreja. a minha m e foi atr s de n s,� � �

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a arquejar, com o michael ao colo. cheg mos igreja mesmo a� �tempo de vermos o ltimo rapaz a sair do altar e o padre de�p , com o c lice e a h stia na m o, de olhos arregalados para� � � �mim. p s-me a h stia na l ngua, o corpo e o sangue de cristo.� � �at que enfim, at que enfim.� � est em cima da l ngua. meto a l ngua para dentro.� � � fica presa. fiquei com deus colado ao c u-da-boca. era como se�estivesse a ouvir a voz do professor, n o deixem a h stia� �tocar nos vossos dentes, porque se a trincarem ir o apodrecer�no inferno para toda a eternidade. tentei tirar deus dali com a l ngua, mas o padre disse-me,�entre dentes, p ra de dar voltas l ngua e volta para o teu� � �lugar. deus foi bom. derreteu-se e eu engoli-o e agora,finalmente, j era um membro da verdadeira igreja, um pecador�oficial. quando a missa acabou, a minha m e, com o michael ao colo,�e a minha av estavam todos porta da igreja. abra aram-me,� � �uma e outra, de encontro ao peito. disseram-me, uma e outra,que aquele era o dia mais feliz da minha vida. choraram, uma eoutra, por cima da minha cabe a e, depois da ajuda que a minha�av tinha dado naquela manh , a minha cabe a parecia um� � �p ntano. � m e, agora posso ir fazer o pedit rio?� � depois de comeres qualquer coisa, disse ela. n o, disse a av . S vais fazer o pedit rio depois de ires� � � �a minha casa tomar um pequeno-almo o digno de uma primeira�comunh o. vamos.� fomos atr s dela. fez uma chinfrineira com as panelas, com�a frigideira, queixou-se de que toda a gente achava que eladevia estar sempre s ordens. comi o ovo, a salsicha, e quando�estiquei o bra o para p r mais a car no ch , ela deu-me uma� � �� �palmada na m o.� mais devagar com o a car. julgas que sou rica? ou que sou��ameri cana? julgas que ando coberta de j ias a brilhar?� �embrulhada em peles? a comida deu-me uma volta no est mago. engasguei-me. fui a�correr para o p tio das traseiras e vomitei tudo. ela veio�atr s de mim.� vejam bem o que ele fez. vomitou o pequeno-almo o da�primeira comunh o. vomitou o corpo e sangue de jesus. agora�tenho deus no p tio dos traseiras. o que que eu hei-de� �fazer? vou lev -lo aos jesu tas porque eles at os pecados do� � �papa sabem. arrasta-me pelas ruas de limerick. conta aos vizinhos e atoda a gente que passa que eu vomitei deus para o p tio das�traseiras da casa dela. atira comigo para o confession rio.� em nome do pai, do filho, do esp rito santo. aben oai-me,� �pa dre, porque pequei. a ltima vez que me confessei foi� �ontem. ontem? e que pecados que fizeste num nico dia, meu� �filho? adormeci. por pouco n o faltava Primeira comunh o. a� � �minha av diz que eu tenho o cabelo em p como as pessoas do� �norte da irlanda e os presbiterianos. vomitei o pequeno-almo o�da primeira comunh o. a av diz que agora tem deus no p tio� � �das traseiras da casa dela e que n o sabe o que h -de fazer.� �

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este padre como o da primeira confiss o. ou o do outro� � �lado a sua respira o pesada e parece que est engasgado.�� � ah.... ah... diz tua av que lave o ch o onde deus est� � � �com gua e, em penit ncia, reza uma ave-maria e um� �pai-nosso. reza uma ora o por mim e que deus te aben oe, meu�� �filho. a av e a m e estavam minha espera ao p do� � � �confession rio. a av perguntou-me, estiveste a contar� �anedotas ao padre no confes sion rio? se eu alguma vez� �descubro que estiveste a contar anedotas aos jesu tas,�arranco-te os f gados. o que que ele disse de eu ter deus no� �p tio das traseiras?� disse para lavar o ch o com gua, av .� � � com gua benta ou gua normal?� � n o disse, av . � � ent o, vai-lhe perguntar.� mas, av ...� e empurrou-me outra vez para o confession rio. � aben oai-me, padre, porque pequei. a ltima vez que me� �confessei foi h um minuto.� h um minuto! foste tu que sa ste daqui mesmo agora?� � fui, sim, padre. ent o, e o que queres agora?� a minha av pergunta se com gua benta ou gua normal.� � � � com gua normal e diz tua av que n o me incomode mais.� � � � eu disse-lhe, com gua normal, av , e ele diz para n o o� � �incomo dar mais.� para n o o incomodar mais? olha-me para aquele charlat o� �ignorante. perguntei M e, posso ir agora fazer o pedit rio? quero� � �ver o james cagney. a av disse, podes tirar da a ideia. nem pedit rio nem� � �james cagney, porque n o s um cat lico como deve ser pela� � �maneira como atiraste deus para o ch o. vai-te embora para�casa. a m e disse, mais devagar. ele meu filho. meu filho e � � � �o dia da primeira comunh o dele e vai ver o james cagney.� isso que n o vai.� � isso que vai.� a av disse, leva-o a ver o james cagney e v l se isso � � � �que lhe vai salvar a alma de presbiteriano da irlanda do nortee de americano. vai. p s o xaile por cima da cabe a e foi-se embora.� � a m e disse, ai, j est a fazer-se tarde para o pedit rio� � � �e n o vais chegar a tempo de ver o james cagney. vamos ao�cinema lyric ver se te deixam entrar com o fato da primeiracomunh o.� encontr mos o mike molloy na barrington street. perguntou�se eu ia ao lyric e eu disse que ia tentar. tentar? perguntouele. n o tens dinheiro?� tive vergonha de dizer que n o, mas teve de ser. eu meto-te�l dentro, disse ele. arranjo um estratagema.� o que um estratagema?� tenho dinheiro para ir e, depois de entrar, vou fingir quetenho um ataque e o homem dos bilhetes vai ficar desorientadoe tu entras quando me ouvires gritar. eu fico a ver a porta e,quando entrares, fico bom como que por milagre. um estratagema isto. assim que meto os meus irm os l dentro. � � � �

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a m e disse, n o percebo nada disso, mikey. isso n o ser� � � �pecado? n o vais querer que o frank cometa um pecado logo no�dia da primeira comunh o.� o mikey disse que, se fosse pecado, era ele a faz -lo e que�como ele n o era um verdadeiro cat lico, n o tinha� � �import ncia. gritou, eu entrei e sentei-me ao lado do quigley�das perguntas e o homem dos bilhetes, o frank goggin, ficout o desorientado por causa do mikey que n o deu por nada. o� �filme era emocionante, mas o fim foi triste porque o jamescagney era um inimigo p blico e, quando o mata ram,� �embrulharam-no em ligaduras e atiraram-no para a porta da casadele, e foi um grande choque para a pobre da m e dele, que era�uma velhinha irlandesa. e foi assim que acabou o dia da minhaprimeira comunh o.�

v

a av n o fala com a m e por causa do que eu fiz a deus no� � �p tio das traseiras da casa dela. a m e n o fala com a irm� � � �dela, a tia aggie, nem com o irm o, o tio tom. o pai n o fala� �com ningu m da fam lia da m e e eles n o falam com ele por ser� � � �do norte e ter aquela maneira estranha de ser. ningu m fala�com a mulher do tio tom, a jane, por ser de galway e pareceruma espanhola. toda a gente fala com o irm o da m e, o tio� �pat, porque o deixaram cair de cabe a no ch o, um pobre de� � �esp rito e vende jornais. toda a gente lhe chama abade ou ab�sheehan, mas ningu m sabe porqu . toda a gente fala com o tio� �pa keating porque foi gaseado em fran a e se casou com a tia�aggie e porque se ningu m falasse com ele, ele estaria a�bufar-se para isso, e por isso que os homens do *pub* south�lhe chamam o homem do g s.� era assim que eu gostava de ser, um homem do g s, estar-me�a bufar para os outros, e isso que eu digo ao anjo do s timo� �degrau, mas de repente lembro-me que n o se pode dizer bufa � �frente de um anjo. o tio tom e a jane de galway t m filhos, mas n s n o� � �podemos falar com eles, porque os nossos pais tamb m n o falam� �uns com os outros. t m um filho e uma filha, o gerry e a�peggy, e a m e grita connosco se nos v a falar com eles, mas� �n s n o sabemos como que poss vel n o se falar com os� � � � � �primos. as pessoas que moram nas ruas de limerick e que s o da�mesma fam lia t m a sua maneira pr pria de n o falarem umas� � � �com as outras, mas para isso preciso treinar muitos anos. h� �pessoas que n o falam umas com as outras porque os pais deles�eram de fac es opostas na guerra civil de 1922. se algum��homem se vai embora para se alistar no ex rcito ingl s, o� �melhor que a fam lia dele tem a fazer mudar-se para outra� �zona de limerick onde haja fam lias com homens no ex rcito� �ingl s. se algu m da nossa fam lia tiver tido o menor gesto de� � �simpatia para com os ingleses nos ltimos oitocentos anos,�isso h -de acabar por vir ao de cima e ser-nos atirado cara� �e podemos mudar-nos para dublin, que ningu m quer saber disso�para nada. h fam lias que t m vergonha de si pr prias� � � �porque os seus antepassadosabandonaram a religi o deles em troca de um prato de sopa dos�protestantes durante a fome e essas fam lias ficaram para�

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sempre conhecidas por sopas . terr vel ser-se um sopas� � � �porque se fica condenado para todo o sempre ao canto dos sopasno inferno. ainda pior do que ser informador. o professor�disse na escola que sempre que os irlandeses estiveram beira�de dar cabo dos ingleses numabatalha limpa, houve sempre um miser vel informador que os�tra sse. quando se descobre que um homem informador, merece� �ser enforcado ou, ainda pior, que ningu m fale com ele, porque�se ningu m fala connosco, mais vale morrer enforcado.� em todas as ruas h algu m que n o fala com algu m ou� � � �algu m com quem ningu m fala ou algu m que n o fala com� � � �ningu m. sabe-se sempre quem s o as pessoas que n o se falam� � �pela maneira como passam umas pelas outras. as mulhereslevantam o nariz, cerram os l bios e desviam a cara. se uma�delas leva xaile, pega numa ponta e atira-a para cima do ombrocomo que a dizer, se te atreveres a dirigir -me a palavra ou a�olhar para mim, minha cabra, desfa o-te a cara.� mau a av n o falar connosco porque assim n o podemos� � � �pedir-lhe que nos dispense a car, ch ou leite, quando n o�� � �temos. n o vale a pena ir pedir Tia aggie. fica capaz de nos� �matar. desaparece daqui, diz ela, e vai dizer ao teu pai quelevante aquele cu l do norte e v trabalhar como fazem os� �homens decentes de limerick. dizem que est sempre zangada por ter o cabelo ruivo ou que�tem o cabelo ruivo por estar sempre zangada. a m e amiga da bridey hannon, que mora ao nosso lado com� �a m e e o pai. a m e e a bridey passam o tempo a conversar.� �quando o meu pai vai dar um daqueles grandes passeios, abridey vem para nossa casa e fica sentada a conversar com am e ao p do lume, a beber ch e a fumar. quando a m e n o tem� � � � �nada em casa, a bridey trazch , a car e leite. s vezes usam as mesmas folhas de ch� �� � �vezes sem conta e a m e diz que o ch fica desenxabido e sem� �gra a.� sentam-se t o perto do lume que ficam com as canelas�vermelhas, roxas e negras. ficam horas a fio a conversar, esussurram e riem-se de coisas secretas. como n o podemos ouvir�coisas secretas, mandam-nos ir brincar l para fora. muitas�vezes fico sentado no s timo degrau a ouvir, e elas nem�imaginam que eu estou ali. pode estar a chover a potes, mas am e diz, com chuva ou sem chuva, ponham-se l fora e se virem� �o vosso pai, corram a avisar-me. a m e pergunta Bridey,� �alguma vez ouviste aquele poema que algu m deve ter feito a�pensar em mim e nele? que poema, angela? chama-se o homem do norte . foi a minnie macadorey que mo� �ensinou na am rica.� nunca ouvi tal poema. di-lo para eu ouvir. a m e diz o poema, mas ri-se do princ pio ao fim e eu n o� � �sei porqu .�

*veio do norte e por isso pouco falava mas a sua voz era gentil e o seu cora o verdadeiro ��e eu vi nos seus olhos que n o me enganava �e por isso casei com o homem do norte.

oh, o garryowen pode ser mais alegre do que este homem calado que veio do lago neagh

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eu sei que o sol se p e lentamente �sobre o rio que banha a minha terra natal.

mas n o h -- digo-o com alegria e orgulho � �um homem melhor em todo o munster e em limerick n o h cantinho mais feliz � �do que aquele onde vivo com o meu homem do norte.

s queria que se soubesse em limerick �como s o gentis os meus vizinhos. �nunca uma palavra de dio ou de tro a se ouviu � �sobre o sul e o norte do pa s*.�

repete sempre o terceiro verso e ri-se tanto que chega achorar, mas eu n o sei porqu . fica hist rica quando diz,� � �

*e em limerick n o h cantinho mais feliz � �do que aquele onde vivo com o meu homem do norte*.

se o pai chega cedo e v a bridey na cozinha, o homem do�norte diz, bisbilhotices, s bisbilhotices, e fica de p com� � �o bon na cabe a at ela se ir embora.� � � a m e da bridey e outras pessoas da nossa rua e at de� �outras costumam vir a nossa casa pedir ao pai para lhesescrever uma carta para o governo ou para um parente que moralonge. ele senta-se mesa com a caneta e o tinteiro e quando�as pessoas lhe dizem o que ele h -de escrever, ele diz, oh!,�n o, n o isso que voc quer dizer e, escreve o que� � � �entende que h -de escrever. as pessoas dizem-lhe que era mesmo�aquilo que queriam dizer, que ele tem muito jeito para l ngua�inglesa e uma letra muito bonita. d o-lhe seis *pence* pela�ma ada, mas ele devolve-lhes o dinheiro e, ent o, d o-no � � � �m e, porque ele demasiado importante para aceitar seis� �*pence*. depois de as pessoas se irem embora, ele agarra nosseis *pence* e manda-me loja da kathleen o.connell comprar�cigarros. a av dorme numa cama grande l em cima com um retrato do� �sagrado cora o de jesus por cima da cabeceira e uma imagem do��sagrado cora o em cima da pedra da chamin . quer substituir o�� �g s por electricidade l em casa para poder ter sempre uma� �luzinha vermelha ao p da est tua. toda a gente da nossa rua e� �das outras sabe a devo o que ela tem pelo sagrado cora o.�� �� o tio pat dorme numa cama pequena no canto do mesmo quartoonde a av dorme, para ela ter a certeza de que ele chega a�casa a horas decentes e se ajoelha ao p da cama a rezar as�suas ora es. pode ter ca do de cabe a no ch o, pode n o saber�� � � � �ler nem escrever, pode beber de vez em quando uma cerveja amais, mas n o h desculpa para n o dizer as suas ora es antes� � � ��de se deitar. o tio pat diz Av que conheceu um homem que anda � � �procura de um s tio onde ficar, onde o deixem lavar-se de�manh e noite e onde lhe d em duas refei es por dia, almo o� � � �� �e ch . chama-se bill galvin e tem um bom emprego no forno de�cal. est sempre coberto de p branco da cal, mas sempre � � �melhor isso do que p de carv o.� � a av vai ter de deixar a cama dela e mudar-se para o�quarto pequeno. vai levar o retrato do sagrado cora o, mas��

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deixar a imagem para olhar pelos dois homens. al m disso, n o� �tem s tio para a imagem no quarto pequeno.� depois de sair do trabalho o bill gavin ver o quarto. baixo, est todo branco e funga como os c es. pergunta Av� � � � �se n o se importa de tirar dali a imagem porque protestante� �e n o ia conse guir dormir. a av come a a ralhar com o tio� � � �pat por n o lhe ter dito que ia meter um protestante l em� �casa. meu jesus, diz ela, vai haver falat rio nesta rua e nas�outras. o tio pat diz que n o sabia que o bill galvin era�protestante. quem olhasse para ele nunca iria adivinhar talcoisa, ainda por cima andando ele sempre coberto de p de cal.�tem ar de cat lico e quem que iria imaginar um protestante a� �trabalhar no forno de cal? o bill galvin diz que a mulher dele morreu h pouco tempo e�era cat lica e que tinha as paredes cobertas de imagens do�sagrado cora o e da virgem maria a mostrarem os cora es. ele�� ��n o tem nada contra o sagrado cora o, mas ver a imagem vai� ��lembrar-lhe a defunta e dar-lhe cabo do cora o.�� a av diz, valha-me deus, homem, por que que n o disse� � �isso logo? claro que eu posso p r a imagem no parapeito da� �minha janela e assim voc j n o sofre por estar a v -la.� � � � todas as manh s a av faz o almo o do bill e leva-lho ao� � �forno de cal. a m e pergunta por que que ele n o pode� � �lev -lo de manh e a av diz, est s espera que me levante � � � � �de madrugada para cozer couves com chispe para sua excel ncia�levar a marmita? a m e diz-lhe, a escola vai acabar daqui a uma semana e, se�der seis *pence* por semana ao frank, ele de certeza que n o�se impota de levar o almo o ao bill galvin. � n o quero ir todos os dias a casa da av . N o quero levar o� � �almo o ao bill galvin e ter de andar a dock road toda, mas a�m e diz que os seis *pence* nos davam jeito e que, se n o� �fizer esse recado, n o saio de casa.� ficas em casa, diz ela. n o vais brincar com os teus�amigos. a av recomenda-me que n o me atrase pelo caminho, que n o� � �me ponha a vaguear, nem a olhar para isto e para aquilo, nem adar pontap s nas latas e a estragar as biqueiras dos sapatos.�a comida est quente e assim que o bill galvin quer que ela� �l chegue.� da marmita sai um cheiro delicioso. toucinho cozido com�couves e duas batatas lindas, brancas, grandes e farinhentas.de certeza. que ele n o vai dar por falta de meia batata. n o� �vai fazer queixa a av porque quase nunca fala, s funga. � � melhor eu comer a outra metade, para ele n o perguntar� �porque que s l est metade. tamb m podia provar o toucinho� � � � �e as couves e, se comer a outra batata, ele vai pensar que elan o lhe mandou batatas. � a segunda batata at se derrete na minha boca e tenho de�provar mais um bocadinho de couve e um bocadinho de toucinho.j n o h muito na marmita e ele vai ficar muito desconfiado,� � �por isso melhor acabar o resto.� o que que eu vou fazer agora? a av vai-me matar, a m e� � �vai p r-me de castigo durante um ano. o bill galvin vai-me�enterrar no meio da cal. vou dizer-lhe que fui atacado por umc o na dock road e que o c o comeu tudo � �e eu tive muita sorte em ter escapado sem se comido tamb m. �

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ah!, foi? diz o bill galvin. e o que esse bocado de couve�a pendurado no teu casaco? foi o c o que te lambeu com a� �l ngua suja de couve? vai para casa e diz tua av que me� � �comeste o almo o e que eu estou aqui morto de fome a�trabalhar. ela vai-me matar. diz-lhe que antes de te matar me mande um almo o como deve�ser e se n o fores imediatamente l a casa sou eu que te mato� �e te atiro para a cal e n o vai sobrar muito para a tua m e� �chorar. a av diz, o que est s aqui a fazer com a marmita? ele� � �podia traz -la logo.� quer mais comida. mais comida como? valha-me deus, o homem deve ter algumburaco nas pernas. est a trabalhar morto de fome.� est s a fazer tro a de mim?� � diz para lhe mandar um almo o como deve ser.� n o mando nada. j lhe mandei o almo o.� � � mas o almo o n o chegou l .� � � n o? porqu ?� � porque eu o comi. o qu ?� estava com fome, provei e n o consegui parar.� jesus, maria e s o jos me valham.� � d -me tamanho murro na cabe a que as l grimas me v m aos� � � �olhos. grita comigo como uma *banshee* e anda s voltas pela�cozinha a amea ar que me vai levar ao padre, ao bispo, at ao� �papa se morasse ali perto. come a a cortar p o e acena-me com� �a faca e faz sandu ches de cabe a de porco e batatas frias.� � leva estas sandu ches ao bill galvin e se eu souber que�olhaste para elas nem que seja de esguelha esfolo-te vivo. claro que foi logo a correr contar M e e combinaram que a� �nica maneira de eu pagar por aquele pecado terr vel levar o� � �almo o ao bill galvin durante duas semanas sem receber�dinheiro. e tamb m tenho de levar a marmita para casa, o que�quer dizer que tenho de ficar sentado a v -lo enfiar a comida�pela boca abaixo e ele n o pessoa para perguntar ao menos se� �eu tenho boca. sempre que chego a casa da av com a marmita, ela obriga-me�a ajoelhar-me ao p da imagem do sagrado cora o e a dizer-lhe� ��que estou arrependido, e tudo isto por causa do bill galvinque, ainda por cima, protestante. � a m e diz, perco-me por cigarros e o teu pai tamb m. � � pode n o haver ch ou p o l em casa, mas a m e e o pai� � � � �arranjam sempre maneira de ter cigarros. t m de fumar os�woodbines de manh e sempre que bebem ch . todos os dias nos� �dizem que nunca devemos fumar, que faz mal aos pulm es, que�faz mal ao peito, que atrasa o crescimento, mas sentam-se �chamin a fumar. a m e diz, se alguma vez te vir com o cigarro� �na boca, dou-te cabo dessa cara. dizem-nos que os cigarrosfazem os dentes apodrecer e n s bem vemos que verdade. os� �dentes deles est o a ficar castanhos e pretos na raiz e a cair�um por um. o pai diz que tem buracos t o grandes nos dentes�que davam para uma andorinha fazer l o ninho e criar l os� �filhos. ainda tem alguns dentes, mas vai cl nica tir -los e� � �inscrever-se na lista de espera para uma dentadura posti a.�quando chega a casa com os dentes novos mostra-nos o seu novo

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e grande sorriso branco que o faz parecer um americano eagora, sempre que nos conta uma hist ria de fantasmas junto � �chamin , empurra os dentes de baixo para cima do l bio at ao� � �p do nariz e n s ficamos cheios de medo. os dentes da m e� � �est o t o podres que ela tem de ir ao hospital barrington� �tir -los todos de uma s vez e, quando chega a casa, traz um� �trapo cheio de sangue frente da boca. tem de ficar a noite�toda sentada ao p da chamin , porque ningu m se pode deitar� � �quando tem tanto sangue a sair das gengivas, sob pena de podermorrer sufocado, enquanto est a dormir. diz que, quando o�sangue parar, vai deixar de fumar de uma vez por todas, masque naquele momento precisa de um cigarro que a reconforte.diz ao malachy para ir loja da kathleen o.connell pedir-lhe�se lhe vende cinco woodbines fiados at o pai receber o�subs dio na quinta-feira. se h algu m que consiga arrancar� � �cigarros Kathleen, o malachy. a m e diz que ele tem um� � �encanto especial para isso e que n o vale a pena mandar-me l� �a mim com a minha cara parva e aquela maneira de ser estranhaque eu herdei do meu pai. quando o sangue p ra e as gengivas da m e ficam curadas,� �ela vai cl nica pedir a dentadura posti a. diz que vai� � �deixar de fumar quando tiver os dentes novos, mas n o deixa.�os dentes novos ferem-lhe as gengivas, que ficam inchadas edoridas, e o fumo dos woodbines ajuda a fazer passar a dor. am e e o pai sentam-se ao p do lume, quando est aceso, a� � �fumarem e, quando falam, ouvimos os dentes deles a baterem.mexem os maxilares para a frente e para tr s, para ver se o�barulho acaba, mas ainda fica pior e eles maldizem osdentistas e as pessoas l de cima de dublin que fizeram os�dentes, e enquanto est o a maldiz -los todos, continuam a� �fazer barulho com os dentes. o pai diz que aquelas dentadurasposti as foram feitas para os ricos de dublin e �como n o lhes ficavam bem, mandaram-nas para os pobres de�lime rick, que n o se importam porque quem pobre n o tem� � � �muito para mastigar e j se d por feliz por ter dentes.� �quando falam durante muito tempo, ficam com as gengivas a doere t m de tirar os dentes e, nessas alturas, sentam-se ao p do� �lume cabisbaixos. todas as noites deixam os dentes na cozinhadentro de frascos de compota cheios de gua. o malachy quer�saber porqu e o pai diz-lhe que para ficarem limpos. a m e� � �diz, n o se pode dormir com os dentes, porque sen o podem sair� �do s tio e fazer-nos morrer sufocados.� foi por causa dos dentes que o malachy teve de ir aohospital barrington e que eu fui operado. a meio da noite, omalachy diz-me baixinho, queres ir l abaixo ver se�conseguimos p r os dentes?� os dentes s o t o grandes que nos custa muito met -los� � �dentro da boca, mas o malachy n o desiste. enfia os dentes de�cima do pai for a e depois n o consegue tir -los. tem os� � � �l bios repuxados para tr s, como se estivesse a fazer um� �grande sorriso. parece um monstro de um filme e d -me vontade�de rir, mas ele geme, aq, aq e as l grimas come am a� �correr-lhe pela cara abaixo. quanto mais ele diz aq, aq, maiseu me rio at que o pai diz de l de cima, o que que est o a� � � �fazer? o malachy corre pela escada acima e eu ou o o pai e a�m e a rirem gargalhada, at que se lembram que ele pode� � �morrer sufocado com os dentes. enfiam os dedos dentro da bocado malachy para ver se lhe conseguem tirar os dentes, mas ele

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fica assustado e os seus aq, aq tornam-se desesperados. a m e�diz, vamos ter de ir com ele ao hospital, e o pai diz que vaiele. obriga-me a ir tamb m, para o caso de o m dico querer� �perguntar alguma coisa, porque sou mais velho do que o malachye, por isso, devo ter sido eu o culpado. o pai vai a novepelas ruas de limerick com o malachy ao colo e eu a tentaracompanh -lo. tenho pena do malachy encostado ao ombro do pai,�a olhar para mim, com as l grimas a ca rem e os dentes enormes� �do pai dentro da boca dele. o m dico que est no hospital� �barrington diz que n o tem import ncia. deita um leo para� � �dentro da boca do malachy e tira-lhe os dentes num instante.depois olha para mim e pergunta ao pai, por que que essa�crian a est assim com a boca aberta?� � o pai responde, um h bito que ele tem de estar sempre� �assim com a boca escancarada. o m dico diz, anda c . espreita-me para dentro do nariz,� �dos ouvidos, da garganta e apalpa-me o pesco o.� s o as am gdalas, diz ele. os aden ides. temos de lhos� � �tirar. quanto mais cedo melhor, porque sen o, quando crescer,�vai parecer um idiota com a boca do tamanho de uma bota. no dia seguinte o malachy ganha um bocado de caramelo emrecompensa de ter posto os dentes e eu vou para o hospitalpara fazer uma opera o para ficar com a boca fechada. �� num s bado de manh , depois de acabar de beber o ch a m e� � � �diz-me, vais dan ar. � dan ar? porqu ?� � tens sete anos, j fizeste a primeira comunh o, est na� � �altura de aprenderes a dan ar. vou levar-te Catherine� �street, s aulas de dan a irlandesa da sra. o.connor. vais l� � �todos os s bados de manh , que uma boa maneira de n o� � � �andares pelas ruas. a maneira de deixares de andar por�limerick metido com os rufi es.� manda-me lavar a cara, sem me esquecer dos ouvidos e dopesco o, pentear-me, assoar-me, tirar aquela cara, que cara?�n o interessa, tira-a, cal ar as meias e os sapatos da� �primeira comunh o que, diz ela, est o destru dos porque eu n o� � � �posso ver uma lata nem urna pedra sem lhes dar um pontap .�est farta de estar na bicha na sociedade de s o vicente de� �paulo a pedir botas para mim e para o malachy, para n s lhes�podermos estragar as biqueiras com os ponta p s nas pedras. o� �teu pai diz que nunca cedo de mais para se aprender as�can es e as dan as dos nossos antepassados.�� � o que s o antepassados?� n o interessa. vais dan ar e pronto. � � pergunto a mim pr prio como que posso morrer pela irlanda� �se tamb m tenho de cantar e dan ar pela irlanda. gostava de� �saber por que que nunca dizem, podes comer rebu ados e� �faltar escola e ir nadar pela irlanda.� a m e diz, n o te armes em esperto, se n o queres que te� � �aque a as orelhas.� o cyril benson dan a. traz medalhas penduradas desde os�ombros at aos joelhos. ganha concursos em toda a irlanda e�fica lindo com aquele *kilt* cor de a afr o. uma alegria� � �para a m e, e o nome dele est sempre a aparecer no jornal e� �podes ter a certeza de que h -de trazer bom dinheiro para�casa. n o o v s andar pelas ruas aos ponta p s a tudo o que v� � � � �at ter os dedos de fora, isso que n o, um bom menino, que� � � �

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dan a para bem da sua pobre m e. � � a m e molha uma toalha velha e esfrega-me a cara at ficar� �a arder, enrola a toalha volta de um dedo e enfia-mo nos�ouvidos e diz que t m cera que chegue para semear batatas,�molha-me o cabelo para o assentar, manda-me calar e acabar coma choraminguice porque as li es de dan a v o-lhe custar seis�� � �*pence* por cada s bado, que eu podia ganhar a levar o almo o� �ao bill galvin e deus sabe como esse dinhei ro lhe faz falta.�tento dizer-lhe, oh!, m e, n o tem de me p r a aprender a� � �dan ar quando podia, em vez disso, fumar um belo wood bine e� �beber uma ch vena de ch , mas ela diz, s muito esperto. vais� � �dan ar, nem que para isso eu tenha de deixar de fumar.� se os meus amigos virem a minha m e a levar-me a uma aula�de dan a irlandesa, vou ficar desgra ado para o resto da vida.� �dizem que n o faz mal dan ar e fazer de conta que se o fred� � �astaire, porque se pode saltar de um lado para o outro do ecr�com a ginger rogers. na dan a irlandesa n o h nenhuma ginger� � �rogers e n o se pode saltar de um lado para o outro. temos de�estar direitos, com os bra os ao lado do corpo, levantar as�pernas e andar com elas volta e nunca podemos sorrir. o meu�tio pa keating diz que parece que os dan ari nos irlandeses� �t m uma cana de a o enfiada pelo cu acima, mas eu n o posso� � �dizer isso M e porque sen o ela matava-me.� � � em casa da sra. o.counor h um gramofone a tocar um *jig*�ou um *reel* e os rapazes e as raparigas est o a dan ar, com� �os bra os ao lado do corpo e a atirar as pernas para cima. a�sra. o.connor grande e gorda e, quando p ra o disco para� �mostrar como s o os passos, toda a gordura que ela tem desde o�queixo aos tornozelos chocalha e eu pergunto a mim pr prio�como que ela pode ensinar dan a. vem ter com a minha m e e� � �diz-lhe, ent o, este que o frankie? parece-me que tem� � �pinta de dan arino. digam l , meninos e meninas, ele tem ou� �n o tem pinta de dan arino?� � tem, sim, sra. o.connor. a m e diz, est o aqui os seis *pence*, sra. o.connor.� � ah!, est bem, sra. mccourt, espere um instante.� a andar como um pato, vai buscar a uma mesa uma cabe a de�preto, com cabelo em carapinha, uns grandes olhos, uns l bios�verme lhos enormes e a boca aberta. manda-me p r os seis� �*pence* dentro da boca dele e tirar a m o antes que ele a�feche. os rapazes e as raparigas est o todos a olhar e a�esbo ar um sorriso. meto a moeda l dentro e tiro a m o antes� � �de a boca se fechar. riem-se todos muito, mas eu sei que elesqueriam ver a minha m o a ser apanhada. a sra. o.connor�tamb m est a rir e a arfar e diz minha m e, mesmo um� � � � �encanto, n o ? a m e diz que sim. manda-me portar bem e� � �voltar para casa a dan ar.� n o quero ficar neste s tio, onde a sra. o.connor n o pega� � �na moeda de seis *pence* em vez de deixar que a boca do pretoquase me arranque uma m o. n o quero ficar neste s tio onde� � �tenho de me alinhar com os outros rapazes e raparigas,endireitar as costas, p r as m os ao lado do corpo, olha em� �frente, n o olhar para baixo, mexer os p s, mexer os p s,� � �olhar para o cyril, olhar para o cyril, e l est o cyril,� �todo aperaltado com o *kilt* cor de a afr o e as medalhas a� �tilintarem, medalhas por isto, medalhas por aquilo, e todas asraparigas adoram o cyril e a sra. o.conoor adora o cyril, quelhe trouxe tanta fama, e foi ela que lhe ensinou todos os

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passos que sabe, foi pois, dan a, cyril, dan a, oh!, meu deus,� �como ele voa pela sala, parece um anjo vindo do c u, p ra de� �franzir essa testa, frankie mccourt, sen o a tua cara vai�parecer um molho de tripas, dan a, frankie, dan a, levanta os� �p s, por amor de deus, umdoistr squa trocincoseissete,� � �umdoistr s, umdoistr s e umdoistr s, maura, ajuda o frankie � � �mccourt antes que ele embrulhe os p s volta da cabe a,� � �ajuda-o, maura. a maura uma rapariga j crescida, com uns dez anos. vem� �ter comigo a dan ar, a mostrar uns dentes muito brancos e com�um vestido com todas as figuras douradas, amarelas e verdesque devem ter existido noutros tempos, e diz, d c a m o,� � �miado, e p e-me a dar voltas pela sala at eu ficar tonto e a� �fazer figura de idiota e muito corado com um ar rid culo quase�a chorar, mas sou salvo pelo disco que p ra, deixando o�gramofone a fazer hush, hush. a sra. o.connor diz, obrigada, maura, e para a semana,cyril podes mostrar ao frankie alguns dos passos que tefizeram famoso. at para a semana, meninos e meninas, e n o se� �esque am dos seis *pence* para o pretinho.� os rapazes e as raparigas saem juntos. des o as escadas e�saio sozinho, na esperan a de que os meus amigos n o me vejam� �como rapazes que usam *kilts* e raparigas com dentes brancos evestidos com desenhos de outros tempos. a m e est a beber ch com a amiga que mora na casa ao� � �lado, a bridey hannon. pergunta-me, o que que aprendeste? e�obriga-me a dan ar na cozinha umdoistr squatrocincoseissete� �umdoistr s e umdoistr s. ela e a bridey riem-se a perder. n o� � � mau para a primeira aula. daqui a um m s vais ser como o� �cyril benson. n o quero ser como o cyril benson. quero ser como o fred�astaire. ficam hist ricas, a rirem s gargalhadas e a cuspirem o� �ch . deus o aben oe, diz a bridey. tem-se em grande conta. com� �que ent o, o fred astaire. � a m e diz que o fred astaire ia li o todos os s bados e� � �� �n o andava pelas ruas aos pontap s s coisas at ficar com os� � � �dedos mostra e que se eu quiser ser como ele tenho de ir�todas as semanas li o da sra. o.connor.� �� na manh do quarto s bado, o billy campbell bate nossa� � �porta. sra. mccourt, o frankie pode vir brincar para a rua?n o, billy diz a minha m e. o frankie tem de ir li o de� � � ��dan a.� o billy fica minha espera ao fundo da barrack hill. quer�saber por que que ando na dan a. toda a gente sabe que a� �dan a para os mariquinhas e eu ainda hei-de acabar como o� �cyril benson, com um *kilt* e medalhas e a dan ar por toda a�parte com raparigas. diz que qualquer dia h -de ver-me sentado�na cozinha a coser meias, que a dan a h -de dar � �cabo de mim e eu n o hei-de poder jogar nenhuma esp cie de� �futebol, nem ingl s, nem ga lico, nem r guebi, porque na dan a� � � �apren demos a correr como os mariquinhas e toda a gente se vai�rir de mim. digo-lhe que nunca mais vou dan a, que tenho seis *pence*� �no bolso para meter na boca do preto em casa da sra.o.connor, mas que em vez disso, vou mas ao cinema lyric.�seis *pence* no bolso d para entrarmos os dois e ainda sobram�dois *pence* para dois quadrados de caramelo cleeves, e

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divertimo-nos grande a ver *o salto decisivo*.� o pai est sentado ao p do lume com a m e e pergunta-me� � �quais foram os passos que aprendi na aula de hoje e como que�se chamam. j aprendi *the siege of ennis e the walls of�limerick*, que eram dan as a s rio. mas hoje vou ter de� �inventar as dan as e os nomes. a m e diz que nunca ouviu falar� �de nenhuma dan a chamada *the siege of dingle*, mas, se foi�isso que aprendi, que dance, e eu dan o volta da cozinha,� �com os bra os esticados ao lado do corpo, a cantar uma m sica� �inventada por mim, didli ai di ai di ai didli ai d ai d ai,� �enquanto o pai e a m e batem palmas ao compasso dos meus p s.� �o pai diz, uma bonita dan a. vais ser um rande dan arino e� � �uma honra para os homens que morreram por este pa s. a m e� �diz. por seis *pence* n o foi grande coisa.� na semana seguinte, um filme do george raft e na outra um�filme de cowboys com o george o.brien. a seguir um com o�james cagney, e eu n o posso levar o billy porque quero�comprar uma tablete de chocolate para comer com o caramelocleeves e divirto-me grande at que sinto uma dor horr ve1� � �no maxilar, e sai-me um dente agarrado ao caramelo. tenhodores de morrer, mas n o posso desperdi ar o caramelo e,� �ent o, tiro de l o dente e ponho-o no bolso e como o caramelo� �com o outro lado da boca, mistura com o sangue e tudo. agora�tenho dores de um dos lados e um caramelo delicioso do outro elembro-me do que o meu tio pa keating diria, h alturas em que�um tipo n o sabe se melhor cagar ou cegar. � � tenho de ir para casa, mas estou preocupado porque n o se�pode andar pela rua e chegar a casa com menos um dente sem am e saber. as m es sabem tudo e est o sempre a espreitar para� � �dentro da nossa boca para ver se temos alguma doen a. a m e e� �o pai est o sentados ao p do lume e perguntam-me o mesmo de� �sempre. eu digo-lhes que aprendi uma dan a chamada *the walls�of cork* e rodopio volta da cozinha a tentar trautear uma�can o inventada por mim, mas a morrer de dores por causa do��dente. a m e diz, *walls o.cork* uma porra, n o h dan a� � � �nenhuma com esse nome, e o pai diz, anda c . p e-te aqui ao p� � �de mim. diz a verdade, foste aula de dan a?� � n o consigo mentir porque estou cheio de dores e sangue na�boca. al m disso, tenho a certeza de que j sabem a verdade e� � isso mesmo que eles me dizem. um traidor qualquer da aula de�dan a viu-me a entrar para o cinema lyric e foi dizer Sra.� �o.connor, que mandou um recado a minha casa a dizer que j�n o me via h muito tempo e a perguntar se eu estava bem de� �sa de porque eu tinha muito jeito e podia seguir as pisadas do�grande cyril benson. o pai nem quer saber do meu dente. diz que vou ter de me irconfessar e leva-me Igreja redentorista porque s bado e h� � � �confiss es durante todo o dia. diz que foi mau, que tem�vergonha de mim por ter ido ao cinema em vez de aprender asdan as nacionais irlanda, o *jig*, o *reel*, as dan as por que� �tantos homens e mulheres lutaram e morreram durante tantoss culos. diz que h muitos jovens que morreram na forca e� �est o agora transformados em bustos de gesso, que dariam tudo�para estarem vivos e dan arem as dan as irlandesas. � � o padre velho e tenho de lhe dizer os pecados a gritar.�diz que fui um malandro por ter ido ao cinema em vez de terido s li es de dan a, apesar de ele achar que a dan a uma� �� � � �coisa perigosa e quase t o m como os filmes, porque nos faz� �

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ter maus pensamentos, mas mesmo sendo a dan a uma coisa�abomin vel, eu pequei porque foram seis *pence* que eu roubei� minha m e e porque menti e h um canto abrasador no inferno� � �para mi dos como eu. reza uma dezena do ter o e pede a deus� �que te perdoe, porque como se estivesses a dan ar s portas� � �do inferno, meu filho. tenho sete anos, oito, nove, quase dez e o pai continua semtrabalho. bebe ch de manh , vai fazer o registo na bolsa de� �empre go, l o jornal na biblioteca de carnegie e d grandes� � �passeios pelo campo. quando arranja trabalho na f brica de�cimento de limerick ou na f brica de farinha rank, perde-o na�terceira semana. na terceira sexta-feira vai sempre para os*pubs*, gasta o dinheiro que recebe na bebida e falta aotrabalho no s bado de manh .� � a m e diz, por que que ele n o h -de ser como os outros� � � �homens de limerick? chegam a casa antes de dar as ave-mariass seis horas, entregam o dinheiro s mulheres, mudam de� �camisa, bebem o ch , pedem uns xelins s mulheres e v o beber� � �uma ou duas cervejas ao *pub*. a m e diz Bridey hannon que o pai n o pode continuar� � �assim e n o vai continuar assim. diz que ele completamente� �doido porque vai para os *pubs* e p e-se a pagar cervejas aos�outros homens todos, enquanto os filhos est o em casa com a�barriga encostada s costas sem jantar. apregoa aos quatro�ventos que deu o seu contributo pela irlanda, quando isso n o�era popular nem dava nada a ganhar, e que n o se importa de�morrer pela irlanda quando chegar a hora, que tem pena de s�ter uma vida para dar pelo seu pobre pa s e que, se algu m� �discordar do que ele est a dizer, que o diga logo para�resolverem o assunto de uma vez por todas l fora.� n o, diz a m e, nunca discordam, nunca dizem nada, s o um� � �bando de bo mios, esses que andam pelos *pubs*. dizem-lhe que� um grande homem, apesar de ser do norte, e que seria uma�honra aceitar uma cerveja de um patriota como ele. a m e diz Bridey, juro por deus que n o sei o que hei-de� � �fazer. o subs dio de desemprego s o dezanove xelins e seis� �*pence* por semana, a renda s o seis xelins e seis *pence*,�sobram treze xelins para alimentar e vestir cinco pessoas epara nos aquecermos no inverno. a bridey puxa uma fuma a do woodbine, bebe um gole de ch e� �diz que deus grande. a m e diz, n o duvido que seja grande� � �para algumas pessoas, mas h muito tempo que n o aparece por� �estes lados de limerick. a bridey d uma gargalhada. podes ir para o inferno por�falar assim, angela, e a m e diz-lhe, no inferno j eu estou,� �n o achas, bridey?� e riem-se e bebem ch e fumam os woodbines e dizem uma � �outra que o tabaco a nica consola o que t m na vida.� � �� � e .�

o quigley das perguntas avisa-me de que na sexta-feiratenho de ir Igreja redentorista para me inscrever na divis o� �masculina da arquiconfraria. tens de te inscrever. n o podes�dizer que n o. todos os rapazes destas ruas e das ruas aqui�em volta que t m pais no desemprego ou a trabalharem como�oper rios t m de se ins crever.� � � o perguntas diz, o teu pai de fora, l do norte, e n o� � � �

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quer saber disso, mas tens de te inscrever. toda a gente sabe que limerick a cidade mais sagrada da�irlanda porque tem a arquiconfraria da sagrada fam lia, a�maior congrega o do mundo. qualquer cidade pode ter uma���confraria, mas s Limerick que tem a arquiconfraria.� � a nossa confraria enche a igreja redentorista cinco noitespor semana, tr s para os homens, uma para as mulheres e uma�para os rapazes. h a b n o e cantam-se hinos em ingl s,� � �� �irland s e latim e o melhor de tudo s o os grandes serm es dos� � �padres redentoristas, que tanta fama t m. o serm o que salva� � �milh es de chineses e outros ateus de se irem juntar aos�protestantes no inferno. o perguntas diz que temos de nos inscrever na confrariapara a nossa m e poder dizer isso na sociedade de s o vicente� �de paulo e eles ficarem a saber que somos bons cat licos. diz�que o pai dele tamb m membro da confraria e foi assim que� �ele arranjou um bom emprego com direito a reforma a lavar asretretes na esta o do caminho-de-ferro e que ele, quando��crescer, tamb m vai arranjar um bom emprego, a menos que fuja�para se alistar na pol cia montada do canad para poder� �cantar, i.ll be calling you ooo ooo ooo , como o nelson eddy� �canta Jeanette macdonald, estendida no sof a morrer de� �tuberculose. se ele me levar para a confraria, o homem doescrit rio vai escrever o nome dele num livro muito grande e�qualquer dia talvez seja promovido a prefeito de uma sec o,��que a coisa que ele mais deseja na vida a seguir a usar a�farda da pol cia montada.� o prefeito o chefe de uma sec o que um conjunto de� �� �trinta rapazes das mesmas ruas. todas as sec es t m um nome�� �de um santo, cuja imagem pintada num escudo e espetado num�pau que est ao lado do lugar do prefeito. o prefeito e o�ajudante fazem o registo das presen as e ficam de olho em n s� �para poderem dar-nos um murro na cabe a se nos apanharem a rir�durante a b n o ou a cometer outros sacril gios. se faltarmos� �� �uma noite, o homem do escrit rio quer saber porqu , quer saber� �se estamos a afastar-nos da confraria ou pode dizer ao outrohomem do escrit rio, parece-me que este nosso amigo anda a�comer da sopa. a pior coisa que se pode dizer a um cat lico� �em limerick ou at em toda a irlanda, por causa do que�aconteceu durante a grande fome. se faltarmos duas noites,o homem do escrit rio manda-nos uma convocat ria amare la,� � �para l irmos justificar-nos. se faltarmos tr s vezes, manda o� �destacamento, que s o cinco ou seis dos mais crescidos da�nossa sec o que nos procuram pelas ruas para terem a certeza��de que n o andamos a divertir-nos quando dev amos estar na� �confraria, a rezar de joelhos pelos chineses e por outrasalmas condenadas. o desta camento vai nossa casa e diz � � �nossa m e que a imortalidade da nossa alma est em perigo.� �algumas m es ficam preocupadas, mas outras dizem, saiam-me da�porta se n o querem que v a espetar -vos um pontap no cu.� � � � �estas n o s o boas m es da confraria e o director diz que� � �devemos rezar por elas para que elas vejam os caminhospecaminosos por onde andam. a pior coisa que pode acontecer uma visita do pr prio� �director da confraria, o padre gorey. fica parado ao cimo darua e grita com aquela voz que converteu milh es de chineses,�onde que mora o frank mc court?, apesar de ter um papel no� �bolso com a morada e saber muito bem onde que moramos. grita�

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assim porque quer que toda a gente saiba que estamos aafastar-nos da confraria e a p r a imortalidade da nossa alma�em perigo. as m es ficam aterrorizadas e os pais dizem�baixinho, eu n o estou c , eu n o estou c , e a partir da� � � � �nunca mais nos deixam faltar Confraria para n o ficarem� �envergonhados perante os vizinhos e a ouvi-los bichanar pordetr s das costas.� o perguntas leva-me sec o de s o finbar, e o prefeito� �� �diz-me, senta-te ali e est calado. chama-se declam collopy,�tem catorze anos e tem umas borbulhas na cabe a que parecem�cornos. tem umas sobrancelhas grossas e ruivas, unidas ao meioe penduradas para cima dos olhos e uns bra os que lhe chegam�quase aos joelhos. diz-me que est a fazer daquela sec o a� ��melhor da confraria e que se eu alguma vez faltar me desfaz eme manda em bocadinhos minha m e. n o h desculpa nenhuma� � � �para faltar, porque havia um rapaz noutra sec o que estava a��morrer e, mesmo assim, levaram-no numa maca. por isso, sealguma vez faltares, melhor que seja por morte, diz ele, n o� � uma morte na fam lia, a tua pr pria morte. ouviste bem?� � � � ouvi, declan. os rapazes da minha sec o dizem-me que os prefeitos��recebem recompensas se nunca faltar ningu m. o declan quer�sair da escola o mais depressa poss vel e ir trabalhar para�aquela loja grande do can nock em patrick street a vender�lin leo. o tio dele, o foncey, traba lhou l muitos anos a� � �vender lin leo e arranjou dinheiro para abrir uma loja dele�em dublin, onde tem os tr s filhos a vender lin leo. f cil� � � �para o padre gorey, o director, dar ao declan a recompensa delhe arranjar um emprego na loja do canoock, se for um bomprefeito e nunca faltarmos, e por isso que o declan diz que�nos mata se faltarmos. costuma dizer, que ningu m se atravesse�entre mim e o lin leo.� o declan gosta do quigley das perguntas e deixa-o faltar devez em quando porque o perguntas lhe disse que quando crescere se casar vai cobrir a casa toda de lin leo e vai compr -lo a� �ele. alguns outros rapazes da sec o tentam utilizar este truque��com o declan, mas ele diz, desaparece, podes dar-te por muitofeliz se tiveres um penico para mijar quanto mais lin leo.� o pai diz que tinha a minha idade e j ajudava missa em� �toome h que s culos e que est na altura de eu fazer o mesmo.� � �a m e diz, para qu ? a crian a nem tem roupa decente para ir � � � �escola quanto mais para ajudar missa. o pai diz que os fatos�dos meninos do coro tapam a roupa e ela diz que n o temos�dinheiro para esses fatos nem para os lavarmos todas assemanas como eles precisam. o pai diz que deus h -de ajudar-nos e manda-me ajoelhar no�ch o da cozinha. faz de padre porque sabe a missa toda de cor�e eu tenho de saber as respostas. diz, *introibo ad altaredei*, e eu tenho de dizer, *ad deum qui laetificat juventutemmeam*. todas as noites depois do ch tenho de me ajoelhar para�dizer o latim, e ele n o me deixa levantar enquanto eu n o� �disser tudo na perfei o. a m e diz que ele podia, ao menos,�� �deixar-me estar senta do, mas ele diz que o latim sagrado e� �que tem de ser aprendido e recitado de joelhos. n o v s o papa� �sentado a beber ch enquanto est a falar em latim.� �

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o latim dif cil, e tenho os joelhos doridos e esfolados e� �gostava de estar l fora a brincar, mas tamb m gostava de ser� �menino do coro, a ajudar o padre a vestir-se na sacristia e deestar l em cima no altar todo aperaltado com o meu vestido�vermelho e branco como o meu amigo jimmy clark, a responder�ao padre em latim, a levar o livro de um lado para o outro dotabern culo, a deitar gua e vinho no c lice,� � �a deitar gua em cima das m os do padre, a tocar a campainha� �na altura da consagra o, a ajoelhar-me, a curvar a cabe a, a�� �balan ar o tur bulo na altura da b n o, a sentar-me num dos� � � ��lados com as palmas das m os pousadas nos joelhos, muito�s rio, enquanto o padre faz a hom lia, com toda a gente na� �igreja de s o jos a olhar para mim e a admirar as minhas� �maneiras. ao fim de quinze dias j sei a missa toda de cor e est na� �altura de ir Igreja de s o jos falar com o sacrist o, o� � � �stephen carey, que o respons vel pelos meninos do coro. o� �pai engraxa-me as botas. a m e cose-me as meias e p e um� �bocado de carv o a mais no lume para aquecer o ferro para me�passar a camisa. aquece gua e esfrega -me a cabe a, o� � �pesco o, as m os, os joelhos e qualquer bocadinho de pele que� �esteja mostra. esfrega at eu ficar com a pele a arder e diz� �ao pai que n o quer que ningu m diga que o filho foi para o� �altar sujo. quem lhe dera que eu n o tivesse os joelhos todos�esfolados por andar aos pontap s s latas e a atirar-me para o� �ch o a toda a hora a fingir que sou o maior futebolista do�mundo. quem lhe dera que houvesse l em casa um bocadinho de�brilhantina, mas que com gua�e cuspo o meu cabelo h -de deixar de estar espetado como palha�preta num colch o. diz-me para falar alto quando for Igreja� �de s o jos e n o me p r a bichanar em ingl s ou latim. diz, � � � � � �uma pena o teu fato da primeira comunh o j n o te servir, mas� � �n o tens nada que te envergonhe, vens de fam lias de bom� �sangue, os mccourts e os she ehans e at da fam lia da minha� � �m e, os guilfoyles que tinham muitos hectares de terra em�limerick antes de os ingleses lhos tira rem para os darem aos�salteadores de londres. o pai d -me a m o e l vamos n s pela rua, com as pessoas� � � �todas a olharem para n s por causa de irmos a falar em latim.�bate porta da sacristia e diz ao stephen carey, este aqui � �o meu filho frank, que sabe latim e est preparado para ajudar� missa.� o stephen carey olha para ele e depois para mim, e diz, n o�h vaga para ele e fecha a porta.� o pai continua de m o dada comigo e aperta-me tanto a m o� �que me faz doer e eu fico com vontade de chorar. n o diz nada�durante o caminho para casa. tira o bon , senta-se ao p do� �lume e acende um woodbine. a m e tamb m est a fumar. ent o,� � � �pergunta ela, ele vai ser menino do coro? n o h vaga para ele.� � oh, diz ela e puxa uma fuma a do woodbine. sabes o que ? � � �a fazerem distin o entre as classes. n o querem rapazes�� �destas ruas no altar. n o querem rapazes com joelhos esfolados�e cabelo em p . n o, querem os meninos bonitos com brilhantina� �e sapatos novos, que t m pais que usam fato e gravata e t m� �emprego certo. isso mesmo e dif cil uma pessoa manter a f� � � �com a vaidade toda que por l anda.� oh!, pois .�

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oh!, pois , uma fava. s sabes dizer isso. podias ir dizer� �ao padre que o teu filho tem a cabe a cheia de latim e�perguntar-lhe por que que ele n o pode ser menino do coro� �e o que que ele vai fazer com aquele latim todo?� pode ser padre quando for grande. pergunto-lhe se posso ir para a rua brincar. podes, dizele, vai brincar. a m e diz, podes. tanto faz.�

vi

o sr. o.neill o professor da quarta classe. chamamos-lhe�ponti nhos porque t o pequenino que parece um ponto. na sala� � �dele h um estrado para ele poder ficar acima de n s e� �amea ar-nos com a vergasta e descascar a ma nossa frente.� �� �no primeiro dia de escola em setembro, escreve tr s palavras�no quadro, que v o l ficar para o ano todo: euclides,� �geometria, idiota. diz que se apanhar algum de n s a tocar�naquelas palavras, esse aluno pode preparar-se para ficar s�com uma m o para o resto da vida. diz que quem n o sabe os� �teoremas de euclides idiota. claro que todos sabemos o que � �um idiota porque o que os professores est o sempre a dizer� �que n s somos.� o brendan quigley levanta o bra o. senhor professor, o que� um teorema e o que um euclides?� � ficamos espera que o pontinhos d com a vergasta no� �brendan, como fazem todos os professores quando lhesperguntamos seja o que for, mas o pontinhos olha para obrendan com um sorriso. ora bem, aqui temos um rapaz n o com�uma mas com duas d vidas. como que te chamas?� � brendan quigley, senhor professor. este rapaz h -de ir longe. onde que este rapaz h -de ir?� � � longe, senhor professor. h -de ir, sim. um rapaz que quer saber mais sobre a�graciosidade, a eleg ncia e a beleza de euclides s pode� �avan ar numa direc o: para mais longe. qual a nica� �� � �direc o em que este rapaz pode avan ar?�� � para mais longe, senhor professor. sem euclides, meus meninos, a matem tica seria uma coisa�frouxa. sem euclides n o poder amos ir daqui para a . sem� � �euclides a bicicleta n o teria rodas. sem euclides s o jos� � �n o teria podido ser carpinteiro, porque a carpintaria � �geometria e a geometria carpin taria. sem euclides esta� �escola nunca teria sido constru da.� o paddy clohessy sussurra por detr s de mim, raios partam o�euclides. o pontinhos d -lhe um grito. tu a , rapaz, como que te� � �chamas? clohessy, senhor professor. ah!, o rapaz voa s com uma asa. qual o teu nome pr prio?� � � paddy. paddy qu ?� paddy, senhor professor e o que que estavas a dizer ao mccourt, paddy?� disse que dev amos agradecer a deus de joelhos por termos�euclides. claro que foi isso que disseste, clohessy. estou a ver uma

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mentira a apodrecer-te nos dentes. o que que eu estou a ver?� uma mentira, senhor professor. e o que que a mentira est a fazer?� � a apodrecer, senhor professor. onde, meninos, onde? nos dentes dele, senhor professor. euclides, meus meninos, era grego. o que um grego,�clohessy? um estrangeiro qualquer, senhor professor. s um bocado parvo, clohessy. brendan, tenho a certeza de�que sabes o que um grego.� sei, sim, senhor professor. euclides era grego. o pontinhos dirige-lhe aquele sorrisinho dele. diz aoclohessy que devia seguir o exemplo do quigley, que sabe o que um grego. desenha duas linhas uma ao lado da outra e diz-nos�que s o linhas paralelas e o que elas t m de m gico e� � �misterioso que nunca se encontram, nem sequer se forem�prolongadas at ao infinito, nem sequer se forem prolongadas�at aos ombros de deus e isso, meus meninos, muito longe,� �embora haja um judeu alem o que est a virar o mundo de pernas� �para o ar com as suas ideias sobre linhas paralelas. estamos a ouvir o pontinhos e a pensar o que ter aquilo a�ver com o estado do mundo, e com os alem es a invadirem tudo e�a bombar dearem tudo o que est em p . n o podemos perguntar,� � � �mas pode mos dizer ao brendan quigley que pergunte. toda a�gente j percebeu que o brendan o menino querido do� �professor e isso significa que pode fazer as perguntas todasque quiser. no fim da escola, dizemos ao brendan que no diaseguinte tem de perguntar para que serve o euclides e aquelaslinhas que nunca se tocam quando os alem es est o a bombardear� �tudo. o brendan diz que n o quer ser o menino querido do�professor, que n o fez nada para que isso aconte cesse e que� �n o vai perguntar nada daquilo. tem medo que, se fizer essa�pergunta, o pontinhos lhe bata. n s dizemos-lhe que, se n o� �fizer a pergunta, somos n s que lhe batemos.� no dia seguinte, o brendan levanta o bra o. o pontinhos�dirige-lhe o sorrisinho do costume. senhor professor, para queserve o euclides e as linhas se os alem es est o a bombardear� �tudo o que est em p ?� � o sorrisinho desaparece. ah!, brendan. ah!, quigley. ai,rapazes, rapazes. pousa o ponteiro na secret ria e fica em cima do estrado de�olhos fechados. de que serve euclides? diz ele. de que serve?sem euclides, o messerschmitt nunca teria chegado ao c u. sem�euclides, o spitfire n o podia ir como uma seta de nuvem para�nuvem. euclides traz consigo a graciosidade, a beleza e aeleg ncia. o que que euclides traz consigo?� � a graciosidade, senhor professor. e? a beleza, senhor professor. e? a eleg ncia, senhor professor.� euclides completo em si mesmo e divino, quando aplicado.�est o a perceber, meninos?� estamos, sim, senhor professor. duvido, meninos, duvido. amar euclides estar sozinho no�mundo. abre os olhos e suspira, e vemos que tem os olhos rasos de

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gua.�

nesse dia, quando o paddy clohessy vai a sair da escola, osr. o.dea, o professor da quinta classe, manda-o parar epergunta-lhe, como que te chamas?� clohessy, senhor professor. em que classe que andas?� na quarta, senhor professor. diz-me l uma coisa, clohessy, o vosso professor anda a�falar-vos de euclides? anda, sim, senhor professor. e o que que ele tem dito?� diz que ele grego.� claro que grego, meu parvalh o. e o que ele diz mais?� � � diz que sem o euclides n o haveria escola.� ah! e tem desenhado alguma coisa no quadro? desenha duas linhas uma ao lado da outra que nunca seencon tram, nem sequer se fossem prolongadas at aos ombros de� �deus. m e de deus!� n o, senhor professor. os ombros de deus.� eu sei, idiota. vai para casa. no dia seguinte, ouvimos uma grande barulheira porta da�sala e o sr. o.dea a gritar, anda c fora, o.neill, meu�abusador, meu cobarde. consegue ouvir-se tu do o que ele est�a dizer por causa do vidro partido por cima da porta. o director novo da escola, o sr. o.halloran, est a dizer-lhe, ent o, ent o,� � � sr. o.dea. controle-se. n o quero�discuss es dos alunos.� ent o, sr. o.halloran, diga-lhe que pare de ensinar�geometria. a geometria na quinta classe e n o na quarta. � �a geometria minha. diga-lhe para ensinar a divis o por� �quatro algarismos e deixar euclides para mim. a divis o vai�ser boa para lhes alargar o intelecto, valha-nos deus. n o�quero as mentes destes rapazes destru das por aquele impostor�que est ali em cima do estrado, sempre a dar cascas de ma e� ��a causar diarreias a torto e a direito. diga-lhe que euclides meu, sr. o.halloran, ou ent o sou eu que lhe corto as� �pernas. o sr. o.halloran diz ao sr. o.dea que volte para a saladele e pede ao sr. o.neill que v ao corredor e diz-lhe,�ent o, sr. o.neill, eu j lhe tinha pedido para n o tocar em� � �euclides. pois pediu, sr. o.halloran, mas isso era o mesmo quepedir-me para deixar de comer a minha ma . �� tenho de insistir, sr. o.neill. nada de euclides. o sr. o.neill volta para a sala, e tem outra vez l grimas�nos olhos. diz que n o mudou nada desde o tempo dos gregos,�porque os b rbaros est o portas adentro e os nomes deles que� � �contam. o que que mudou desde o tempo dos gregos, meninos?�

uma tortura ver o sr. o.neill a descascar a ma todos� ��os dias, ver o tamanho da casca, vermelha ou verde, e os queest o na primeira fila at sentem a frescura do seu cheiro. o� �bom menino do dia, o que tiver respondido s perguntas todas,�ganha a casca e pode com -la logo ali na carteira, para poder�comer em paz sem ter os outros todos perna, como aconteceria�se a comesse no p tio. come avam todos a pedir, d -me um� � �

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bocadinho, d -me um bocadinho e, com sorte, talvez se�conseguisse ficar com uma tirinha. h dias em que as perguntas s o muito dif ceis, e ele, para� � �nos fazer sofrer, deita a casca para o caixote do lixo. depoispede a um rapaz de outra aula para levar o cesto para afornalha para queimar os pap is e a casca, ou ent o d -o � � � �mulher a dias, a nellie ahearn, para despejar tudo nogrande saco de lona com que ela anda. pod amos pedir Nellie� �que apanhasse a casca para nos dar antes de os ratos acomerem, mas ela est cansada de limpar a escola toda sozinha�e grita-nos, tenho mais que fazer do que aturar um bando detinhosos atr s de uma casca de ma . desapare am.� �� � ele descasca a ma muito devagar. olha em volta da sala��com aquele sorrisinho dele. para nos arreliar, pergunta, achamque devia p r isto no parapeito da janela para os pombos? e�n s dizemos, n o, senhor professor, os pombos n o comem ma s.� � � ��o paddy clohessy diz muito alto, ficavam com diarreia, senhorprofessor, e as nossas cabe as que iam pagar l fora no� � �p tio.� clohossy, s um *omadhaun*. sabes o que um *omadbaun?� � n o, senhor professor.� irland s, clohessy, a tua l ngua, clohessy. um *omadhaun*� � � um idiota, clohessy. tu s um *omadhaun*. o que que ele ?� � � � um *omadhaun*, senhor professor. o clohessy diz, o sr. o.dea tamb m me chamou isso, um�*omadhaun*. p ra de descascar a ma para nos perguntar coisas sobre� ��todo o mundo, e o que responder melhor que ganha. quem�souber o nome do presidente dos estados unidos da am rica�ponha o dedo do ar, diz ele. toda a gente p e a m o no ar, e ficamos tristes quando ele� �faz um pergunta a que qualquer *omadhaun* sabe responder.dizemos em coro, roosevelt. depois pergunta, tu, mulcahy, quem que estava aos p s da� �cruz quando nosso senhor foi crucificado? o mulcahy um bocado atrasado. os doze ap stolos, senhor� �professor. mulcahy, como que se diz idiota em irland s?� � *omadhaun*, senhor professor. e o que tu s, mulcahy?� � um *omadhaun*, senhor professor. o fintan slattery levanta o bra o. eu sei quem que estava� �aos p s da cruz, senhor professor.� claro que o fintan sabe quem que estava aos p s da cruz.� �porque que n o havia de saber? passa a vida a caminho da� �missa com a m e, que conhecida pela sua religiosidade. t o� � � �religiosa que o marido foi cortar rvores para o canad , feliz� �da vida, e nunca mais se ouviu falar dele. ela e o fintanrezam o ter o todas as noites, de joelhos na cozinha, e l em� �todas as revistas religiosas poss veis e imagin rias: *o� �pequeno mensageiro do sagrado cora o, a lanterna, o��extremo oriente*, e todos os livrinhos publicados pelasociedade da verdade cat lica. v o missa e comungam quer� � �chova ou fa a sol e todos os s bados se v o confessar aos� � �jesu tas, que s o famosos por quererem saber pecados� �inteligentes n o apenas os pecados do costume das pessoas das�vielas, que se embebedam, dizem blasf mias e comem carne s� �sextas-feiras para n o se estragar e, ainda por cima,�

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praguejam. o fintan vive com a m e na catherine street e as�vizinhas chamam m e dele a sra. ofere o-a -deus, porque� � � �aconte a o que acontecer, seja por partir uma perna, por�entornar uma ch vena de ch , ou pelo marido lhe desaparecer,� �diz sempre, bem, ofere o isso a deus e assim ganho a minha�entrada no c u. o fintan igualzinho. se o empurramos no� �p tio da escola ou chamamos nomes, ele sorri e diz que vai�rezar por n s e que oferece aquele castigo pela nossa alma e�por n s. os rapazes da escola de leamy�n o querem que o fintan reze por eles e amea am que lhe d o um� � �valente pontap no cu se o apanharem a rezar por eles. ele diz�que, quando crescer, quer ser santo, o que uma parvo ce,� �porque s se pode ser santo depois de morrer. diz que os�nossos netos h o-de rezar imagem dele. um dos grandes diz,� �os meus netos h o-de mijar em cima da tua imagem, e o fintan�limita-se a sorrir. a irm dele fugiu�para a inglaterra aos dezassete anos e toda a gente sabe queele anda por casa com a blusa dela e que enrola o cabelo comum ferro quente todos os s bados noite para estar lindo de� �morrer, quando for missa no domingo. se nos encontra a�caminho da missa pergunta, o meu cabelo n o est lindo de� �morrer, frankie? adora dizer lindo de morrer, e, por isso,mais nenhum de n s o diz.� claro que ele sabe quem que estava aos p s da cruz. se� �calhar, sabe como que estavam vestidos e o que que comeram� �ao pequeno-almo o. diz ao pontinhos o.neill que eram as tr s� �marias. o pontinhos diz, vem c , fintan. toma a tua recompensa.� ele demora o seu tempo a chegar ao estrado e n s nem�queremos acreditar quando o vemos tirar um canivete do bolsopara cortar a casca da ma aos bocadinhos para os comer um��por um em vez de enfiar tudo na boca de uma vez como n s�fazemos. levanta o bra o e diz, senhor professor, gostava de�repartir a minha ma .�� ma , fintan? n o. n o ganhaste a ma , fintan. ganhaste a�� � � ��casca, s a casca. nunca tiveste nem nunca ter s m rito� � �suficiente para te empanturrares com a ma . com a minha ma ,�� ��nunca, fin tan. mas ser que ouvi bem? queres repartir a tua� �recompensa? quero, sim, senhor professor. gostava de dar um bocadinhoao quigley, outro ao clohessy e outro ao mccourt. porqu , fintan?� porque s o meus amigos, senhor professor.� por toda a sala os rapazes est o a fazer um sorriso de�tro a e a darem cotoveladas uns aos outros. eu estou a morrer�de vergonha porque eles v o dizer que eu tamb m enrolo o� �cabelo e v o dar cabo de mim no p tio. por que raio h -de ele� � �pensar que eu sou amigo dele? se disserem que ando com a blusada minha irm , n o vale a pena dizer-lhes que n o tenho� � �nenhuma irm porque eles dizem, mas se tivesses, usavas. n o� �vale a pena dizer nada no p tio da escola porque h sempre� �algum com uma resposta na ponta da l ngua e a nica coisa que� �se pode fazer dar-lhe um murro no nariz. mas se d ssemos um� �murro no nariz a todos os que t m uma resposta na ponta da�l ngua, pass vamos dia e noite aos murros.� � o quigley aceita o bocadinho de casca que o fintan lhe d .�obrigado, fintan. toda a gente est de olhos postos no clohessy, porque ele � �

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o maior e o mais valente de todos e, se ele disser obrigado,eu tamb m digo. ele diz, obrigado, fintan, e fica corado, e eu�digo, obrigado, fintan, e tento n o ficar corado, mas fico, e�os outros est o todos tro ar e s me apetecia esmurr -los.� � � � no fim da escola, os rapazes gritam ao fintan, ei, fitan,vais para casa enrolar esse teu cabelo lindo de morrer? ofintan sorri e sobe os degraus do p tio da escola. um dos�grandes, da s tima classe, diz ao paddy clohessy, se calhar,�tamb m enrolavas o cabelo, se n o fosses um careca de cabe a� � �rapada. o paddy diz, cala-te, e o outro diz, quem que me vai�obrigar? o paddy tenta dar-lhe um murro, mas o grandeacerta-lhe no nariz e deita-o ao ch o, e o paddy fica a deitar�sangue. tento bater no grande, mas ele agarra-me pelo pesco o�e come a a dar-me com a cabe a na parede, at eu ficar a ver� � �luzes e pontinhos pretos. o paddy afasta-se, com a m o no�nariz e a chorar, e o matul o empurra-me a mim a seguir. o�fintan est na rua e diz, oh!, francis, francis, oh patrick,�patrick, o que foi? por que que est s a chorar, patrick? e o� �paddy diz, tenho fome. n o posso lutar com ningu m porque� �estou a morrer de fome e a cair para o lado e tenho vergonhade mim mesmo. o fintan diz, vem comigo, patrick. a minha m e d -nos� �qual quer coisa de comer, e o paddy diz, n o. estou a deitar� �sangue do nariz. n o faz mal. ela p e-te qualquer coisa no nariz ou� �comprime-te a parte de tr s do pesco o. francis, tens de vir� �tamb m. est s sempre com cara de fome. � � n o, fintan.� vem, francis. est bem, fintan.� a casa do fintan parece uma capela. tem duas imagens, osagrado cora o de jesus e o imaculado cora o de maria. jesus�� ��est a segurar o cora o com a coroa de espinhos, o fogo e o� ��sangue. tem a cabe a inclinada para a esquerda para mostrar�como o seu sofrimento grande. a virgem maria tamb m est a� � �mostrar o cora o, que at podia ser um cora o bonito, se n o�� � �� �tivesse aquela coroa de espinhos. tem a cabe a inclinada para�a direita para mostrar como o seu sofri mento grande, porque� �sabe que o seu filho vai ter um triste fim. noutra parede est o retrato de um homem com um vestido�castanho e passarinhos sentados volta dele. sabes quem ,� �francis? n o? o teu patrono, s o francisco de assis, e sabes� � �que dia hoje?� quatro de outubro. isso mesmo. o dia dele e um dia especial para ti porque� �podes pedir a s o francisco o que quiseres e ele de certeza�que satisfaz o teu pedido. foi por isso que quis que viessesc hoje. senta-te, patrick. senta-te, francis.� a sra. slattery aparece, com um ter o na m o. est muito� � �conten te por conhecer os amigos novos do fintan e pergunta se�queremos uma sandu che de queijo. coitadinho do patrick, como�tu tens esse nariz. encosta-lhe a cruz do ter o ao nariz e�reza uma pequena ora o. diz-nos que aquele ter o foi benzido�� �pelo papa e seria capaz de parar a corrente de um rio, quantomais curar o nariz do patrick. o fintan diz que n o quer nenhuma sandu che porque est a� � �fazer jejum e a rezar pelo rapaz que bateu a mim e ao paddy. a

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sra. slattery d -lhe um beijinho na cabe a, diz-lhe que um� � �santo ca do do c u e pergunta se queremos mostarda nas� �sandu ches. eu digo-lhe que n o sabia que se punha mostarda em� �cima de queijo e que gostava de experimentar. o paddy diz, n o�sei. nunca comi uma sanduige na vida. rimo-nos todos e eupergunto a mim pr prio como que poss vel ter vivido j dez� � � � �anos como o paddy sem nunca ter comido uma sandu che. o paddy�tamb m se ri e mostra os dentes, que s o brancos, pretos e� �verdes. comemos a sandu che e bebemos ch , e o paddy pergunta onde� � a casa de banho. o fintan leva-o ao p tio das traseiras e,� �quando voltam para o quarto, o paddy diz, tenho de me irembora. a minha m e vai dar cabo de mim. espero por ti l� �fora, frankie. agora sou eu que preciso de ir casa de banho, e o fintan�leva-me ao p tio das traseiras e diz, tamb m tenho de ir, e eu� �desaperto a braguilha mas n o consigo fazer chichi, porque�ele est a olhar para mim e diz, estavas a brincar. n o tens� �vontade nenhuma. gosto de olhar para ti, francis. s isso.� �longe de mim cometer qualquer pecado, com a confirma o j�� �para o ano. eu e o paddy vamo-nos embora juntos. estou a rebentar etenho de ir fazer chichi atr s de uma garagem. o paddy est � � �minha espera e, enquanto vamos na hartstonge street, elediz-me, a santes era uma maravilha, e a m e e o irm o dele s o� � �muito santos, mas eu nunca mais quero ir a casa do fintanporque ele muito esquisito, n o achas, frankie?� � acho, paddy. a maneira como ele fica a olhar quando tiramos aquilo parafora esquisito, n o achas, frankie?� � acho, paddy. uns dias depois, o paddy diz-me baixinho, o fintan slatterydisse que pod amos ir a casa dele hora de almo o. a m e dele� � � �n o est l , mas deixa-lhe o almo o pronto. talvez nos d de� � � � �comer tamb m, e o leite deles t o bom. vamos?� � � o fintan est sentado duas filas frente da nossa. sabe o� �que o paddy est a dizer-me e mexe as sobrancelhas para cima e�para baixo, como que a dizer-me, vens? eu digo ao paddy quevou e ele acena com a cabe a ao fintan, e o professor ralha�connosco para pararmos de mexer as sobrancelhas e a boca ouent o a vergasta vai cantar nas nossas costas.� os rapazes que est o no p tio v em-nos sair os tr s juntos� � � �e come am com ditos. oh!, meu deus, vejam s o fintan e os� �marman jos dele. o paddy diz, fintan, o que um marmanjo? e o� �fintan diz-lhe que um rapaz de outros tempos que ficava�sempre sentado a um canto, s isso. diz para nos sentarmos � �mesa da cozinha e que se quisermos podemos ler livros aosquadradinhos como o *film fun*, o *beano*, o *dandy*, ou asrevistas religiosas ou as fotonovelas da m e dele, o�*miracle* e o *oracle*, que t m hist rias de raparigas que� �traba lham em f bricas, que s o pobres mas est o apaixonadas� � � �por filhos de condes, e vice-versa, e a rapariga da f brica,�desesperada, atira-se sempre ao tamisa e salva por um�carpinteiro que vai a passar e que pobre mas honrado e que�se apaixona pela rapariga, mesmo sendo ela humilde como , mas�que se descobre mais tarde ser afinal filho de um duque, que �muito mais importante do que conde, e a rapariga da f brica no�fim torna-se duquesa e olha de cima para baixo para o conde

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que correu com ela, porque est muito feliz a cuidar das rosas�na sua propriedade com doze mil acres em shropshire e a ser muito boazinha para a sua pobre m e, que se recusa a sair da�sua pe quena e humilde cabana, nem que fosse por todo o�dinheiro do mundo. o paddy diz, n o quero ler nada, essas hist rias s o todas� � �uma vigarice. o fintan tira o guardanapo que est a tapar a�sandu che e o copo de leite. o leite espesso e fresco, e tem� �um aspecto delicioso e o p o da sandu che quase t o branco� � � �como o leite. o paddy pergunta, uma sanduige de presunto? e�o fintan diz, . o paddy diz, essa sanduige deve ser uma�maravilha. tem mostarda? o fintan diz que sim com a cabe a e�parte a sandu che ao meio. a mostarda escorre para fora. ele�lambe os dedos e bebe um grande golo de leite. corta asandu che em quatro partes, depois oito, depois dezasseis,�tira o pequeno mensageiro do sagrado cora o de uma pilha de��revistas e p e-se a ler enquanto come os bocadinhos da�sandu che e bebe o leite. eu e o paddy ficamos a olhar para�ele, e eu sei que o paddy est a pensar o que estamos n s ali� �a fazer, porque o mesmo que eu estou a pensar, na esperan a� �de que o fintan nos passe o prato, mas ele nunca o passa.acaba de beber o leite, deixa uns bocadinhos de p o no prato,�tapa-o com o guardanapo e limpa a boca, com aqueles seustrejeitos elegantes, curva a cabe a, benze-se, agradece a deus�a refei o, diz, oh!, meu deus, vamos chegar atrasados �� �escola e, quando j vamos a sair, torna a benzer-se com gua� �benta que est numa pia de porcelana pendurada ao lado da�porta, com uma pequena imagem da virgem maria com o cora o e��a apontar para ele com dois dedos, como se n s n o� �perceb ssemos o que .� � j tarde de mais para eu e o paddy irmos pedir p o e� � �leite Neelie ahearn, e eu n o sei como que me vou aguentar� � �sem comer at chegar a casa depois da escola. o paddy p ra� �junto ao port o da escola e diz, n o posso ir para a escola,� �com a fome com que estou. ia adormecer e o pontinhosmatava-me. o fintan est ansioso. v , despachem-se, se n o chegamos� � �atrasa dos. despacha-te, francis.� n o vou escola, fintan. tu almo aste, mas n s n o comemos� � � � �nada. o paddy explode. s um vigarista nojento, fintan. e s um� �sovina nojento, com aquela sanduige nojenta e aquele nojentosagrado cora o de jesus pendurado na parede e aquela gua��� �bventa nojento. podes lamber-me o cu, fintan. oh!, patrick. oh!, patrick, o diabo que te carregue, fintan. anda,frankie. o fintan corre para a escola, e eu e o paddy vamos a umpomar em ballinacurra. trepamos o muro e damos com um c o, que�parece capaz de nos comer, at que o paddy come a a falar para� �ele, a dizer-lhe que um c o bonzinho e que n s estamos� � �cheios de fome e que v para ao p da m e dele. o c o lambe a� � � �cara do paddy e vai-se embora a abanar a cauda, e o paddy ficatodo inchado. enchemos as camisas com tantas ma s que s a�� �muito custo conseguimos trepar outra vez o muro, e vamos acorrer para um campo muito grande, onde nos sentamos por baixode um arbusto a comer ma s at estarmos quase a rebentar, e�� �depois molhamos a cara num regato de gua deliciosamente�

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fresca. depois vamos a correr para dois lados opostos de umavaleta para fazermos coco e limpamos o rabo com a erva e comfolhas grossas. o paddy est maravilhado e diz, n o h nada no� � �mundo como uma boa barrigada de ma s, um bocado de gua e uma�� �boa cagadela, melhor do que qualquer sanduige de queijo com�mostarda e o pontinhos o.neill pode enfiar a ma dele pelo��cu acima. passamos por um campo e vemos as cabe as de tr s vacas por� �cima de um muro de pedra a dizerem-nos muuu. o paddy diz,gra as a deus! est na hora de serem mungidas, e salta por� �cima do muro e deita-se por baixo da vaca com o seu grandebere pendurado por cima da cara dele. puxa uma teta e espreme�o leite para dentro da boca. p ra de espremer e diz, anda,�frankie. leite fresco. uma maravilha. mete-te debaixo� �daquela vaca, est o todas na hora de serem mungidas.� meto-me por baixo da vaca e puxo uma teta, mas ela d um�coice e mexe-se. tenho a certeza de que me vai matar. o paddyvem ter comigo e ensina-me como se faz, puxas com for a e a�direito, e come a a sair um esguicho de leite. estamos os dois�deitados debaixo da mesma vaca, a divertir-nos grande e a�enchermos a pan a de leite, quando ouvimos um barulho e vemos�um homem a atravessar o campo a correr, com um pau na m o.�trepamos o muro em menos de um minuto, e ele n o consegue ir�atr s de n s por causa de ter umas botas de borracha. fica ao� �p do muro, a acenar com o pau e a gritar que se tornar a�apanhar-nos nos enfia o pau pelo cu acima e n s rimos � �gargalhada porque j estamos fora de perigo e eu fico a pensar�por que que h -de haver pessoas com fome num mundo onde h� � �tanto leite e tantas ma s.�� o paddy n o tem problemas em dizer que o pontinhos pode�enfiar a ma no cu, mas eu n o quero passar a vida a roubar�� �fruta e a mugir vacas, e hei-de continuar a tentar ganhar acasca da ma do pontinhos para poder ir para casa contar ao��pai que respondi s perguntas dif ceis.� � estamos a voltar para casa por ballinacurra. est a chover�e a trovejar, e n s temos de ir a correr, mas custa-me muito�por causa da sola do meu sapato sempre a bater e a poderfazer-me trope ar. o paddy pode correr vontade porque est� � �descal o, e ou o o barulho dos p s dele no ch o. os meus� � � �sapatos e as minhas meias est o encharcados e fazem um barulho�diferente, chlap, chlap, squich, squi ch, chlap, squich,�squich chlap. rimo-nos tanto com os barulhos que estamos afazer, que temos de nos segurar um ao outro. cada vez chovemais, e n s sabemos que n o podemos p r-nos debaixo de uma� � �rvore, porque sen o ficamos congelados, e ent o abrigamo-nos� � �numa porta que se abre logo e aparece uma criada grande egorda com um chapelinho branco, um vestido preto e umaventalzinho branco que diz, saiam j daqui, seus desgra ados.� �vamos embora a correr, e o paddy volta-se para tr s e�grita-lhe, vaca gorda, at nos calcanhares tens carne, e risse�tanto que fica sem ar e tem de se encostar a uma parede pararecuperar as for as. n o vale a pena tentarmos abrigar -nos da� � �chuva, porque estamos encharcados at aos ossos, e por isso,�descemos calmamente a o.connell avenue. o paddy diz que quemlhe ensinou a dizer vaca gorda foi o tio peter, o que estevena ndia no ex rcito ingl s e que est numa fotografia que� � � �t m l em casa, ao p de outros soldados, todos de p , com� � � �elmos, espingardas e bando leiras a tiracolo, e tamb m ao p� � �

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de uns pretos fardados que s o indianos leais ao rei. o tio�peter divertiu-se grande num s tio chamado caxemira, que � � �mais bonita do que killarney, de que todas as can es falam. o��paddy come a, ent o, a falar outra vez de fugir e ir para a� �ndia viver na tenda de seda com a rapariga da bolinha�vermelha, e do caril e dos figos e est a fazer-me fome,�apesar de eu me ter empanturrado de ma s e leite.�� a chuva est a passar e vemos p ssaros a voar por cima da� �nossa cabe a. o paddy diz que s o patos ou gansos que v o a� � �caminho de frica, onde est sol e calor. os p ssaros s o� � � �mais espertos do que os irlandeses. v m passar as f rias ao� �shanoon e depois voltam para os s tios quentes, at talvez� �para a ndia. diz que quando l estiver vai escrever-me uma� �carta para eu ir tamb m para a ndia e arranjar uma rapariga� �com uma bolinha vermelha. para que a bolinha, paddy?� para mostrar que s o de uma classe alta, que t m� � �qualidade. mas achas que as pessoas importantes da ndia iam falar�contigo se soubessem que eras de uma viela de limerick e queandavas descal o?� claro que sim, mas as pessoas importantes da inglaterran o. os ingleses importantes nem do vapor do mijo deles se�acham dignos. o vapor do mijo deles? meu deus, paddy, foste tu queinventaste isso? n o, o que ou o o meu pai dizer na cama, l do fundo,� � � �quando est a tossir e a culpar os ingleses de tudo.� e eu penso, vapor do mijo deles. vou fixar isto e correrlimerick de um lado ao outro a dizer, o vapor do mijo deles, ovapor do mijo deles, e quando for para a am rica, vou ser s� �eu a saber dizer isto. o quigley das perguntas vem ao nosso encontro, aos esses eesses, numa grande bicicleta de senhora e diz-me, ei, frankie,v o-te matar. o pontinhos o.neill mandou um recado para tua�casa a dizer que n o tinhas aparecido na escola no fim de�almo o e que foste para a galderice com o paddy clohessy. a�tua m e vai-te matar. o teu pai anda tua procura e tamb m� � �diz que te vai matar. oh! meu deus, sinto tanto frio e um vazio t o grande, e s� �queria estar na ndia onde h sol e calor e n o h escola e� � � �onde o meu pai nunca iria encontrar-me para me matar. o paddydiz ao perguntas, nem ele foi para a galderice, nem eu. ofitan slattery ia-nos matan do fome e j era tarde de mais� � �para irmos buscar o p o e o leite. depois, volta-se para mim e�diz-me, n o lhes ligues, frankie, s o todos uns vigaristas.� �est o sempre a mandar recados para minha casa e n s� �aproveitamo-los para limparmos o cu. a minha m e e o meu pai nunca limpariam o rabo a um recado�do professor, e eu estou cheio de medo de ir para casa. operguntas vai-se embora a rir gargalhada, mas eu n o sei� �porqu , porque ele uma vez fugiu de casa e dormiu numa vala�com quatro cabras e isso pior do que faltar uma tarde � �escola. podia vir na barrack road e ir para casa e pedir desculpaaos meus pais por ter faltado escola e explicar que fiz isso�por estar com fome, mas o paddy diz, anda, vamos para a dockroad atirar pedras ao shannon.

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atiramos pedras ao rio e andamos de baloi o nas correntes�ao longo da margem. est a ficar de noite e eu n o sei onde � � �que vou dormir. posso ter de ficar ali ao p do shannon ou�abrigar-me numa porta, ou posso voltar para o campo e irdormir numa vala com quatro cabras como o brendan quigley. opaddy diz que posso ir para casa dele, que durmo no ch o e a�minha roupa enxuga. o paddy mora numa daquelas casas altas que h no arthur.s�quay viradas para o rio. toda a gente de limerick sabe queaquelas casas s o velhas e podem cair de um momento para�outro. a m e costuma dizer, n o vos quero no arthur.s quay. se� �alguma vez vos apanhar l , desfa o-vos. s l moram� �� � �selvagens, que podem roubar-vos ou matar-vos. est outra vez a chover e h mi dos ainda pequenos a� � �brincar no corredor e pela escada acima. o paddy diz, temcuidado porque faltam alguns degraus e nos outros h caca.�diz que por causa de s haver uma retrete, que fica nas� �traseiras, e os mi dos pequenos n o conseguem descer a escada� �a tempo de sentar os rabinhos na pia. no quarto andar est uma mulher sentada a fumar, embrulhada�num xaile, que diz, s tu, paddy?� sou, m e. .� estou morta, paddy. estes degraus d o conta de mim. j� �bebeste o teu ch ?� n o.� n o sei se ainda h p o. vai l ver.� � � � a fam lia do paddy vive s num quarto, que grande, tem um� � �tecto alto, uma chamin pequena e duas janelas altas donde se�v o shannon. o pai dele est a um canto, na cama, a gemer e a� �cuspir para um balde. os irm os e as irm s do paddy est o� � �deitados pelo ch o em colch es, uns a dormir, outros a falar,� �outros a olhar para o tecto. h um beb nu, que vai a gatinhar� �para ao p do balde do pai do paddy, mas o paddy puxa-o para�tr s. a m e entra, a arfar por ter subido as escadas. meu� �deus, estou morta, diz ela. descobre um bocado de p o e faz ch para o paddy e para� �mim. n o sei o que hei-de fazer. eles n o dizem nada. nem� �dizem o que que est s aqui a fazer, nem vai para casa, nem� �nada. mas, a certa altura, o sr. clohessy diz, quem esse? e�o paddy responde, o frankie mccourt.�o sr. clohessy diz, mccourt? que raio de nome esse?� o meu pai do norte, sr. clohessy.� e como que se chama a tua m e?� � angela, sr. clohessy. valha-me deus, n o me digas que a angela sheehan.� � , sim, sr. clohessy.� valha-me deus, diz ele, e tem um ataque de tosse que fazsair tudo e mais alguma coisa de dentro dele e que o obriga aficar debru ado por cima do balde. quando a tosse passa, cai�para cima da almofada. oh!, frankie, conheci t o bem a tua�m e. dancei com ela valha-me nossa senhora, estou a�desfazer-me c por dentro, dancei, com ela no wembley hall, e�ela era c uma dan arina... � � torna a debru ar-se sobre o balde. tem falta de ar e abre�os bra os para ver se consegue respirar. est aflito, mas n o� � �p ra de falar.� era uma campe a dan ar, frankie. n o era magra, mas� � �parecia uma pena nos meus bra os, e deixou muitos homens com�

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saudades dela em limerick. sabes dan ar, frankie?� n o, sr. clohessy. � o paddy diz, sabe, pai. andou nas li es da sra. o.connor��com o cyril benson. ent o, dan a l , frankie. dan a pela casa toda, mas tem� � � �cuidado com o arm rio, frankie. levanta-me esses p s, rapaz. � � n o tenho jeito para dan ar, sr. clohessy. � � n o tens jeito? o filho da angela sheehan? dan a l ,� � �frankie, se n o saio daqui para te fazer dan ar pela casa� �toda. o meu sapato est estragado, sr. clohessy. � frankie, frankie, est s a fazer-me tossir. por amor de�deus, dan a, para eu me lembrar de quando ainda era novo e�dan ava com a tua m e no wembley hall. tira esse maldito� �sapato e dan a, frankie.� tenho de inventar dan as e m sicas, como fazia quando ainda� �era pequeno.

tento inventar letras para as can es. as paredes de limerick��est o a cair, a cair, a cair. as paredes de limerick est o a� �cair e o rio shannon est a matar-nos.� o sr. clohessy continua na cama, mas est a rir-se. oh!,�meu jesus, nunca ouvi tal coisa nem em terra nem no mar. tensmuito jeito para lan ar, frankie. oh!, meu jesus. tosse e�cospe um nunca acabar de coisas verdes e amarelas. ficomaldisposto por estar a ver, e pergunto aim pr prio se n o seria melhor ir para casa, fugir daquela� �doen a e aquele balde e deixar os meus pais matarem-me, se�ainda quiserem. o paddy est deitado num colch o ao p da janela e eu estou� � �ao lado dele. todos se deitaram vestidos e eu tamb m, e at me� �esqueci e tirar o outro sapato, que est encharcado e a�cheirar muito mal.paddy adormece imediatamente, e eu olho para a m e dele, que�est entada ao p do pouco lume que ainda h , a fumar outro� � �cigarro. o pai o paddy geme, tosse, cospe para o balde e diz,maldito sangue. a m e iz, vais ter de ir para o sanat rio,� �mais cedo ou mais tarde. n o vou. entrar para l a nossa morte.� � � podes pegar a tuberculose aos mi dos. posso chamar os�guardas ara te levarem for a, porque s um grande perigo� � �para as crian as.� se eles tivessem que a apanhar, j tinham apanhado.� o lume apaga-se e a sra. clohessy passa por cima dele, parase deitar do outro lado da cama. passado um minuto j est a� �ressonar, apesar de ele continuar a tossir e a rir-se do tempoem que era novo e dan ava no wembley hall com a angela�sheehan, que era leve como uma pena. o quarto est frio e eu estou a tremer, ainda com a roupa�molhada. o paddy tamb m est a tremer, mas est a dormir e,� � �por isso, n o sabe que est frio. n o sei se hei-de ficar aqui� � �ou levantar -me e ir para casa, mas quem que quer andar� �pela rua a uma hora destas sujeito a que um guarda nospergunte o que andamos a fazer. a primeira vez que passo a�noite longe da minha fam lia e sei que antes queria estar em�casa, mesmo com a retrete malcheirosa e o est bulo ao p da� �porta. mau quando a nossa cozinha fica alagada e temos de ir�l para cima, para a it lia, mas ainda pior ali em casa do� � �

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clohessy ter de descer quatro andares para ir casa de banho,�sempre a pisar caca. mais me valia estar a dormir com quatrocabras numa vala. estou sempre a adormecer e a acordar, mas sou obrigado aacordar de uma vez por todas, quando a sra. clohessy come a a�fazer toda a gente levantar-se. deitaram-se todos vestidos,por isso n o vai haver brigas por causa da roupa. resmungam e�saem de casa para irem casa de banho no p tio das traseiras� �eu tamb m tenho de ir e corro escada abaixo com o paddy, mas,�quando l chegamos, a irm do paddy, a peggy, est sentada na� � �pia, e n s os dois temos de mijar de encontro a uma parede.�vou dizer M e o que voc s fizeram, diz ela,, e o paddy� � �diz-lhe, cala-te, se n o queres que eu te empurre pela pia�abaixo. ela salta da sanita, puxa as cuecas e desata a correrpela escada acima a gritar, vou dizer, vou dizer, e quandovoltamos para o quarto a sra. clohessy d uma palmada na�cabe a ao paddy pelo que ele fez irm . o paddy n o diz nada,� � � �porque a sra. clohessy est a p r colheradas de papa de aveia� �em canecas, frascos de compota e numa tigela e a dizer-nospara comermos e irmos para a escola. senta-se mesa, tamb m a� �comer papa de aveia. o cabelo dela est a ficar grisalho e�est sujo. entra-lhe uma mexa de cabelo para dentro da tijela,�prendem-se-lhe bocados de farinha e fica a pingar leite. osmi dos sorvem a farinha e queixam-se de que ainda ficaram�cheios de fome. est o ranhosos, t m os olhos inchados e os� �joelhos esfolados. o sr. clohessy tosse, dobra-se na cama ecome a a deitar aquelas grandes golfadas de sangue e eu saio�do quarto a correr e vomito nas escadas, num s tio onde falta�um degrau, e a aveia e os bocados de ma desabam sobre as��pessoas que est o a ir ou a vir da casa de banho no andar de�baixo. o paddy vem ter comigo e diz, n o faz mal. toda a gente�vomita e caga nas escadas, mas tanto faz porque esta merdaest quase a vir abaixo. � n o sei o que hei-de fazer a seguir. se for para a escola,�matam-me e para que hei-de eu ir para a escola ou para casapara me matarem, se posso andar por a e passar o resto da�vida a comer ma s e a beber leite, at ir para a am rica. o�� � �paddy diz, anda da . a escola uma vigarice e os professores� �s o uma cambada de doidos. � ouve-se bater porta dos clohessy. a minha m e com o meu� � �irm o michael e o guarda dennehy, que toma conta da escola. a�m e v -me e pergunta, que est s a fazer com um sapato cal ado?� � � �e o guada dennehy diz, oh!, minha senhora, acho que mais valiaperguntar-lhe, o que que est s a fazer sem um sapato, ah,� �ah. o michael corre para mim. a m e estava a chorar. a m e� �estava a chorar por ti, frankie. a minha m e diz, onde que estiveste toda a noite?� � estive aqui. ias dando comigo em doida. o teu pai correu as ruas todasde limerick tua procura.� o sr. clohessy diz, quem que est porta?� � � a minha m e, sr. clohessy.� � deus seja louvado! a angela?� , sim, sr. clohessy.� ele apoia-se a custo nos cotovelos e diz, por amor de deus,vem c , angela. n o est s a conhecer-me?� � � a m e est baralhada. o quarto est escuro e ela est a ver� � � �

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se descobre quem que est deitado. sou eu, angela, o dennis� �clohes sy, diz ele.� oh!, n o. � sou, angela. oh!, n o.� eu sei, angela. estou muito diferente. a tosse est a�matar-me. mas lembro-me das noites no wembley hall. oh!, meudeus, eras c uma dan arina. as noites de wembley hall,� �angela, e depois o peixe e as batatas fritas. oh!, c us, oh!,�c us, angela.� a minha m e tem as l grimas a correr pela cara abaixo.� �tamb m dan avas muito bem, dennis clohessy, diz ela.� � pod amos ter ganho muitos concursos, angela. o fred e a�ginger haviam de olhar para n s pelo canto do olho, mas�tiveste de fugir para a am rica. ai, valha-me deus.� tem outro ataque de tosse, e n s ficamos ali a v -lo� �dobrar-se para o balde e deitar as porcarias que saem dedentro dele. o guarda dennehy diz, bem, minha senhora,encontramos o rapaz e eu vou andando. vira-se para mim e diz,se tornas a ir para a galderice, meto-te na pris o. est s a� �ouvir, rapaz? estou, sim, sr. guarda. n o rales a tua m e. se h coisa que os guardas n o admitem� � � � isso, ralar as m es.� � prometo que n o, sr. guarda. nunca mais ralo a minha m e.� �

o guarda vai-se embora e a minha m e vai ao p da cama e� �pega na m o do sr. clohessy. a cara dele est toda encovada � � �volta dos olhos e o cabelo est a brilhar por causa do suor�que lhe escorre da cabe a. os filhos est o roda da cama a� � �olharem para ele e para a m e. a sra. clohessy est sentada ao� �p do lume, a passar com a tenaz na grelha. afasta o beb do� �lume e diz, a culpa dele que n o quer ir para o hospital.� � o sr. clohessy diz, nada disto acontecia se eu morasse nums tio seco. angela, a am rica n o h mida?� � � � � n o, dennis.� o m dico disse-me para ir para o arizona. um grande ponto� �aquele m dico. arizona. n o tenho dinheiro para ir aqui � � �esquina beber uma cerveja. a m e diz, vais-te p r bom, dennis. vou oferecer uma vela� �por ti. poupa o teu dinheiro, angela. para mim a dan a acabou.� tenho de me ir embora, dennis. o meu filho tem de ir para aescola. antes de te ires embora, fazes-me uma coisa, angela? se puder, dennis. cantas-me um bocado daquela can o que cantaste na noite��antes de ires para a am rica?� uma can o dif cil, dennis. j n o tenho f lego para� �� � � � �isso. v l , angela. nunca mais ouvi nenhuma can o. nesta casa� � ��n o se canta. ali a minha mulher n o tem uma nica nota na� � �cabe a nem um s passo no p .� � � a m e diz, est bem. vou tentar.� �

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*oh, as noites de dan a no kerry com a melodia do seu�gaiteiro. noites de alegria que para sempre se foram com a nossajuventude t o cedo perdida.� quando os rapazes se juntavam no vale nas noites quentes dever o, � a melodia do gaiteiro de kerry arrastava-nos numturbilh o*.�

p ra e encosta a m o ao peito. oh!, meu deus, est -me a� � �faltar ar. ajuda-me, frank, e eu acompanho-te.

*oh, pensar e sonhar com isso, enche-me o cora o de��l grimas. � nas noites de dan a no kerry com a melodia do seu gaiteiro. � noites de alegria que para sempre se foram com a juventudet o cedo perdida*. �

o sr. clohessy tenta cantar connosco, a nossa juventude�t o cedo acabada , mas come a a tossir. abana a cabe a e diz a� � � �chorar, nunca duvidaria de ti, angela. relembrei esses tempos.deus te aben oe. � deus te aben oe a ti tamb m, dennis, e obrigada, sra.� �clohessy, por ter recebido aqui o meu frankie para ele n o�andar pela rua. n o deu trabalho, sra. mccourt. ele sossegadinho. � � sossegadinho, diz o sr. clohessy, mas n o o dan arino� � � �que a m e foi.� a m e diz, dif cil dan ar s com um sapato, dennis.� � � � � eu sei, angela, mas n o percebo porque que ele n o o� � �tirou. ele tem alguma falha? oh!, s vezes tem umas coisas estranhas como o pai.� ah!, pois. o pai do norte, angela, e isso explica tudo.�quem que se ia importar l no norte de dan ar s com um� � � �sapato? eu, a m e, o michael e o paddy clohessy subimos a patrick�street e a o. connell street. a m e vai todo o caminho a� �solu ar. o michael diz, n o chores, m ezinha. o frankie n o� � � �torna a fugir. ela pega nele e abra a-o. oh,, n o, michael, n o por� � � �causa do frankie que eu estou a chorar. por causa do dennis�clohessy e das noites em que dan vamos no wembley hall e��com amos peixe e batatas fritas.� entra na escola connosco. o sr. o.neill est com cara de�zangado. manda-nos sentar e diz que j vem. fica muito tempo�ao p da porta a falar com a minha m e e, quando ela se vai� �embora, ele passa por entre as carteiras e faz uma festinha nacabe a do paddy clohessy.� tenho muita pena dos clohessy e dos tormentos que t m�passado, mas acho que foram eles que me salvaram de um grandesarilho com a minha m e.�

vii

quinta-feira o pai vai buscar o dinheiro do subs dio � � �bolsa de emprego. s vezes, aparece algum homem que lhe diz,�vamos beber uma cerveja, malachy? e o pai diz, uma, s uma, e�

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o homem diz, oh!, homem de deus, claro que s uma, e at ao� � �fim da noite o dinheiro desaparece todo e o pai chega a casa acantar e obriga-nos a sair da cama e a prometer que morreremospela irlanda, se formos chamados a isso. at o michael tem de�se levantar, apesar de s ter tr s anos, mas j canta e� � �promete morrer pela irlanda na primeira oportunidade. isso�que o pai diz, a primeira oportunidade. eu tenho nove anos e omalachy tem oito e sabemos todas as can es. sabemos os versos��todos do kevin barry e do roddy mccorley, do west.s asleep,do o.donnell abu e do boys of wexford. cantamos e prometemosmorrer, porque nunca se sabe se o pai n o ter ainda um ou� �dois *pennies* que lhe sobraram da bebida e, se ele tiver, nodia seguinte podemos ir logo loja da kathleen o.connor�comprar caramelos. h noites em que ele diz que o michael o� �que canta melhor de todos e d -lhe um *penny* s a ele. eu e o� �malachy ficamos a pensar de que vale ter nove e oito anos esaber as m sicas todas de cor, se afinal o michael que� �recebe a moeda para no dia seguinte ir loja e se empanturrar�de caramelos. ningu m lhe pode pedir para morrer pela irlanda�aos tr s anos, nem sequer o padraig pearese, que foi morto�pelos ingleses em dublin em 1916 e que esperava que toda agente no mundo morresse com ele. al m disso, o pai do mike�molloy disse que quem quer morrer pela irlanda uma besta�quadrada. anda gente a morrer pela irlanda desde o princ pio�dos tempos e vejam o estado em que este pa s est .� � j era mau o pai ficar sempre sem trabalho na terceira�semana, mas agora tamb m gasta o dinheiro todo do subs dio na� �bebida uma vez por m s. a m e fica desesperada, e de manh� � �est com cara de zangada e n o fala com ele. ele bebe o ch e� � �sai cedo de casa para ir dar um longo passeio pelo campo.quando volta, noite, ela continua sem falar com ele e n o� �lhe arranja o ch . se o lume est apagado por n o termos� � �carv o nem turfa e n o se pode aquecer a gua, ele diz, oh!,� � �est bem, e bebe gua por um frasco de compota e lambe os� �l bios como se tivesse acabado de beber um copo de cerveja.�diz que um homem n o precisa de nada a n o ser de boa gua e a� � �m e faz um baralho que parece uma fungadela. quando ela n o� �fala com ele, a casa fica pesada e fria e n s sabemos que�tamb m n o podemos falar com ele, porque sen o ela olha para� � �n s tamb m com cara de zangada. sabemos que o pai fez uma� �maldade e sabemos que se pode fazer sofrer uma pessoa se n o�falarmos com ela. at o michael, ainda t o pequenino, j sabe� � �que quando o pai faz aquela maldade n o se pode falar desde�sexta-feira at segunda e que, se ele tentar pegar-nos ao�colo, temos de afastar-nos e ir ter com a m e.�

tenho nove anos e tenho um amigo, o mikey spellacy, que tema fam lia toda a morrer por causa da tuberculose. eu tenho�inveja do mikey porque sempre que algu m da fam lia morre, ele� �fica uma semana sem ir escola, e a m e dele cose-lhe um� �losango de tecido preto manga para ele poder andar pelas�vielas e pelas ruas e toda a gente saber que ele teve umdesgosto, e ent o as pessoas fazem-lhe festas na cabe a e� �d o-lhe dinheiro e rebu ados.� � mas neste ver o o mikey est triste. a irm dele, a brenda,� � �est a morrer de tuberculose e ainda s Agosto, e se ela� � �morrer antes de setembro, ele n o vai faltar uma semana � �escola, porque ainda n o h aulas. vem ter comigo e com o� �

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billy campbell e pede-nos para irmos Igreja de s o jos que� � � j ali esquina, rezar para a irm dele se aguentar at� � � � �setembro. e o que que nos d s se formos rezar, billy?� � bem, se a brenda se aguentar e eu faltar escola, podem ir�ao vel rio e comer presunto, queijo, bolo e beber xerez e�limonada e tudo o que quiserem, e podem passar a noite toda aouvir hist rias e can es.� �� quem que se podia negar a tal coisa? n o h nada como um� � �vel rio para nos divertimos um bocado. vamos igreja, onde h� � �imagens de s o jos , e tamb m do sagrado cora o de jesus, da� � � ��virgem maria e de santa teresa de lisieux, a pequena flor. eurezo pequena flor, porque ela tamb m morreu de tuberculose e� �de certeza que vai perceber. uma das nossas ora es deve ter sido muito poderosa, porque��a brenda aguentou-se at ao segundo dia de escola. dizemos os�nossos sentimentos ao mickey, mas ele est feliz da vida�por ir faltar uma semana escola e por causa do losango de�tecido preto, custa do qual recebe dinheiro e rebu ados.� � eu j tenho gua na boca s de pensar na festa do vel rio� � � �brenda. o billy bate porta e aparece a tia do mickey. o que�? � v nhamos rezar uma ora o pela brenda e o mickey disse que� ��pod amos vir ao vel rio.� � ela grita, mickey! o que ?� anda c . disseste a estes maltrapilhos que podiam vir ao�vel rio da tua irm .� � n o.� mas, mickey, tu prometeste... ela fecha-nos a porta na cara. ficamos sem saber o quefazer, at que o billy campbell diz, vamos outra vez Igreja� �de s o jos rezar para que daqui para a frente toda a gente da� �fam lia do mikey morra durante o ver o para ele nunca mais� �poder faltar escola durante o resto da vida.� uma das nossas ora es deve ter sido muito poderosa, porque��no ver o seguinte o mickey que morre com a tuberculose e n o� � �pode faltar escola e de certeza que isso lhe vai servir de�li o.��

*proddy woddy toca a campainha,n o do c u mas do inferno*.� �

nas manh s de domingo vejo os protestantes de limerick�irem missa e tenho pena deles, principalmente das raparigas,�que t m uns dentes brancos t o lindos. tenho pena das� �raparigas protestantes, t o bonitas e condenadas. o que os� �padres nos dizem. fora da igreja cat lica n o h salva o.� � � ��fora da igreja cat lica n o h nada a n o ser a condena o das� � � � ��almas. e eu quero salv -las. menina protestante, vem comigo � �verdadeira igreja. ser s salva e n o estar s condenada. no� � �domingo depois da missa, vou com o meu amigo billy v -las�jogar croquete no relvado maravilhoso que h ao lado da igreja�delas na barrington street. o croquete um jogo protestante.�batem na bola com um ma o, poc, poc outra vez, e riem-se � �gargalhada. pergunto a mim pr prio como que podem estar a� �rir-se. se calhar ainda n o sabem qu est o condenadas. tenho� � �pena delas e digo, billy, de que serve jogar croquete, se se

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est condenado?� e ele pergunta, frankie, de que serve n o jogar croquete,�se se est condenado? � a av diz M e, o teu irm o pat, mesmo com aquele defeito� � � �nas pernas, aos oito anos j andava a vender jornais por toda�a cidade de limerick e o teu frankie j suficientemente� �grande e feio para come ar a trabalhar.� mas ele ainda s tem nove anos e, al m disso, anda na� �escola. na escola! o que anda ele a fazer na escola, com aquelacara de parvo e aquela maneira estranha de ser que ele herdoudo pai? podia ir ajudar o pobre do pat s sextas-feiras � �noite. o *limerick leader* pesa quase uma tonelada. podiaatravessar aqueles grandes jardins dos ricos e poupar aspernas do pobre do pat, e ainda ganhava uns *pennies* noneg cio.� ele tem de ir Confraria s sextas-feiras noite.� � � deixa l a confraria. no catecismo n o fala de confrarias� �nenhu mas.� encontro-me com o tio pat porta do *limerick leader* na�sexta -feira s cinco horas. o homem que est a entregar os� � �jornais diz que os meus bra os s o t o magrinhos que, com� � �sorte, aguentavam com dois selos, mas o tio pat enfia-me oitojornais debaixo de cada bra o e diz-me, se os deixares cair,�desfa o-te. est a chover a c ntaros. manda-me ir encostado s� � � �paredes na o.connell street para os jornais n o se molharem.�nos s tios onde h entregas, tenho de correr, subir os degraus� �da rua, entrar no pr dio, subir a escada, gritar jornal,�receber o dinheiro que lhe devem da semana, descer a escada,dar-lhe o dinheiro e avan ar at pr xima paragem. os� � � �clientes d o-lhe gorjetas pelo trabalho dele e ele guarda-as�para ele. subimos a o.connell avenue, sa mos por ballinacurra,�voltamos pela circular do sul, descemos a heory street e vamosao escrit rio buscar mais jornais. o tio pat anda com um bon� �e com uma coisa que parece um poncho de cowboys para n o�molhar os jornais, mas queixa-se das dores nos p s e paramos�num *pub* para ele beber uma cerveja para aliviar a dor nosp s. o tio pa keating est nesse mesmo *pub*, todo mascarrado,� �a beber uma cerveja e diz ao tio pat, ab, vais deixar ali orapaz a olhar para a rua, tanto o desejo que tem de uma�limonada? o tio pat diz, o qu ? e o tio pa keating come a a ficar� �impa ciente. santo deus, o mi do anda a carregar a merda dos� �jornais pela cidade toda e tu n o podes ao menos... oh!,�esquece. timmy, d uma limonada crian a. frankie, n o tens� � � �nenhuma capa para a chuva? n o, tio pa.� n o devias andar na rua com este tempo. est s encharcado.� �quem que te mandou andares a fazer isto? � foi a av que disse que eu tinha de ajudar o tio pat por�causa da perna dele. tinha de ser ela, aquela cabra velha, mas n o lhe digas que�eu lhe chamei isto. o tio pat est a levantar-se e a agarrar nos jornais. anda,�est a ficar escuro.� vai coxeando pela rua, a gritar doces s o as mentiras da�anna, que n o nada parecido com *limerick leader*, mas n o� � �

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faz mal porque toda a gente sabe que o ab sheehan caiu no ch o�de cabe a para baixo. ab, d c o *leader*, como que vai a� � � �perna? o troco para comprares um cigarro porque est uma� �noite terr vel para andar pela rua a vender a porcaria dos�jornais. obrigado, diz ab, o meu tio. obrigado, obrigado, obrigado,e dif cil andar ao passo dele pelas ruas, mesmo com aquele� �defeito na perna. pergunta-me, quantos jornais que ainda�tens? um, tio pat. leva esse *leader* ao sr. timoney. j me deve duas�semanas. recebe o dinheiro. h -de vir qualquer coisa a mais�porque ele d sempre uma boa gorjeta. agora, n o a enfies no� �bolso como o teu primo gerry. aquele vigarista abotoou-se coma gorjeta. eu bato porta com o batente e ou o um c o t o grande a� � � �ladrar com tanta for a que a porta at estremece. uma voz de� �homem diz, macushla, p ra com esse barulho se n o queres levar� �um valente pontap no cu. o barulho p ra, abre-se a porta e� �vejo um homem de cabelo branco, com uns culos grossos, uma�camisola branca e uma bengala na m o. pergunta, quem ?� � o jornal, sr. timoney.� n o s o ab sheehan, pois n o?� � � sou sobrinho dele, meu senhor. s o gerry sheehan?� n o, meu senhor. sou o frank mccourt.� outro sobrinho? tem alguma f brica de sobrinhos nas�traseiras da casa dele ou qu ? est aqui o dinheiro de duas� �semanas. d -me o jornal ou ent o fica com ele. tanto faz. j� � �n o consigo ler e a sra. minihan, que havia de mo ler, n o� �apareceu. est sem for a nas pernas por causa do xerez, isso � � �que . como que te chamas?� � frank, meu senhor. sabes ler? sei, sim, meu senhor. queres ganhar seis *pence*? quero, sim, meu senhor. ent o, volta c amanh . chamas-te francis, n o ?� � � � � frank, meu senhor. n o, chamas-te francis. nunca houve nenhum s o frank. isso� � nome de gangsters e pol ticos. vem c amanh s onze horas� � � � �para me leres o jornal. virei, sim, meu senhor. tens a certeza de que sabes ler? tenho, sim, meu senhor. podes tratar-me por sr. timoney. assim farei, sr. timoney. o tio pat est ao port o, a refilar e a esfregar a perna.� �onde que est o meu dinheiro? n o tens nada que ficar na� � �conversa com os clientes e eu aqui aflito da perna por causada chuva. tem de parar no *pub* em punch.s cross para beberuma cerveja por causa da perna. no fim da cerveja, diz que j�n o consegue andar mais e apanhamos o autocarro. o condutor�diz, os bilhetes, os bilhetes, mas o tio pat, oh! homem,desaparece. n o v s o estado em que tenho a perna?� � est bem, ab, est bem.� � o autocarro p ra ao p da est tua do o.connell e o tio pat� � �vai ao caf que fica ao p do monumento, onde h um cheirinho� � �

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que at faz o meu est mago dar saltos. compra um xelim de� �peixe e batatas fritas e eu sinto gua na boca, mas quando�chegamos porta de casa da av ele d -me uma moeda de tr s� � � �pennies, diz-me para ir ter outra vez com elena pr xima sexta-feira e manda-me para casa para ao p da� �minha m e.� a macushla est deitada porta da casa do sr. timoney e,� �quando eu abro o pequeno port o ela corre para mim e atira-me�para o passeio. era capaz de me ter comido a cara se o sr.timoney n o tivesse vindo c fora e a tivesse amea ado com a� � �bengala, a gritar, estupor. minha besta assassina de homens.n o comeste j o peque no-almo o? est s bem, francis? entra.� � � � �esta cadela uma aut ntica hindu, mesmo. foi onde encontrei� � �a m e dela a vaguear, em banga lore. se alguma vez tiveres um� �c o, francis, certifica-te de que budista. s o bons c es, os� � � �budistas. nunca, nunca queiras um mao metano. capaz de te� �comer enquanto estiveres a dormir. nunca um c o cat lico. esse� �seria capaz de te comer todos os dias, at sexta -feira.� � �senta-te e l para mim.� o *limerick leader*, sr. timoney? que ideia! esse maldito *limerick leader*! nem sequer orabo lim pava ao *limerick leader*. est ali um livro em cima� �da mesa, *as viagens de gulliver*. mas n o isso que� �quero que leias. v atr s. h l outra coisa. *uma proposta� � � �modesta*. l -me isso. come a assim: um objecto melanc lico� � � �para aqueles que caminham... j descobriste? tenho essa�porcaria toda enfiada na cabe a, mas, mesmo assim, quero que�leias para mim. interrompe-me ao fim de duas ou tr s p ginas. l s bem. o� � �que que pensas disso, francis, que uma criancinha saud vel,� �bem tratada seja ao fim de um ano de idade um alimentodelicioso, forte, quer seja estufada, assada ou cozida? amacushla devia adorar ter para o jantar um lindo meninoirland s muito rechonchudo, n o era, minha cadela� �velha? d -me seis *pence* e manda-me voltar no s bado seguinte.� � a m e fica encantada por eu ter ganho seis *pence* a ler�para o sr timoney e pergunta-me o que que ele quis que eu�lesse? foi o *limerick leader*? digo-lhe que tive de ler*uma proposta modesta* das *viagens de gulliver* e ela diz,isso est bem. um livro para crian as. n o me admirava que� � � �ele te mandasse ler qualquer coisa de estranhoporque ele n o regula muito bem da cabe a por causa de ter� �apanhado tanto sol na ndia, no ex rcito ingl s. dizem que se� � �casou com uma daquelas mulheres indianas e que ela foi mortapor um disparo aci dental de um soldado ingl s durante uns� �confrontos quaisquer. uma coisa que pode realmente levar�uma pessoa a dedicar-se aos livros para crian as. a m e� �conhece a sra. minihan que mora ao lado do sr. timoney ecostumava limpar-lhe a casa, mas j n o aguentava mais a� �maneira como ele se ria da igreja cat lica e ouvi-lo dizer que�um pecado de um homem uma alegria para outro homem. a sra.�minihan n o tinha nada contra aquela gotinha de xerez que ele�lhe dava aos s bados de manh , mas depois ele quis que ela se� �convertesse ao budismo, que dizia ser a religi o dele, e dizia�tamb m que os irlandeses estariam muito melhor na vida se se�sentassem debaixo de uma rvore a ver os dez mandamentos e os�sete pecados mortais a afundarem-se no shannon e a perderem-se

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no alto mar. na sexta-feira seguinte o declan collopy da confraria v -me�na rua a entregar jornais com o meu tio pat sheehan. ei,frankie mccourt, o que que andas a fazer com o ab sheehan?� meu tio.� devias estar na confraria. estou a trabalhar, declan. n o devias andar a trabalhar. ainda nem sequer tens dez�anos e est s a manchar a assiduidade da nossa sec o. se n o� �� �fores l na pr xima sexta-feira, dou-te um murro nas ventas,� �est s a ouvir? � o tio pat diz, desaparece, desaparece, sen o vou eu a .� � cale-se, sr. est pido, que bateu com a cabe a no ch o.� � �empurra o tio pat pelo ombro e come a a bater-lhe de encontro�a uma parede. eu atiro os jornais para o ch o e avan o para� �ele, mas ele afasta-se e d -me um murro por detr s do pesco o� � �e eu bato com a testa na parede e fico t o raivoso que at� �deixo de o ver. desato a bater nele, aos murros e aos pontap s�e era capaz de lhe arrancar um bocado da cara com os dentes,mas os bra os dele s o muito compridos e conse gue manter-me� � �afastado dele e impedir-me de lhe tocar. diz, s um doido, um�parvo, um nojento e eu vou dar cabo de ti na confraria, evai-se embora a correr. o tio pat diz, n o devias andar assim pancada e ainda por� �cima deitaste os jornais para o ch o e agora alguns est o� �molhados e sempre gostava de saber como que vou vender�jornais molhados. a minha vontade era bater-lhe a ele tamb m�por estar a falar nos jornais depois de eu ter feito frente aodeclan collopy. ao fim da noite, d -me tr s batatas fritas do pacote dele e� �seis *pence* em vez de tr s. queixa-se de que dinheiro a� �mais e diz que a culpa da minha m e por ter ido dizer Av� � � �que eu te pagava pouco. a m e est encantada por eu receber seis *pence* � � �sexta-feira do tio pat e seis *pence* ao s bado do sr.�timoney. um xelim por semana faz uma grande diferen a, e ela�d -me dois *pence* para eu ir ao lyric ver os *dead end�kids*, depois de acabar a sess o de leitura.� na manh seguinte, o sr. timoney diz-me, espera at� �chegarmos ao *gulliver*, francis. vais ver quer o jonathanswift o maior escrito irland s de todos os tempos, n o, o� � �melhor que alguma vez pousou a caneta no papiro. um verdadeirogigante, francis. ri-se durante todo o tempo em que lhe leio*uma proposta modesta* e eu pergunto de que est ele a rir,�se a hist ria s fala de cozinhar beb s irlandeses. quando� � �cresceres, tamb m te vais rir, francis, diz ele.� n o se deve falar com os adultos, mas o sr. timoney � �diferente e n o se importa nada quando digo, sr. timoney, as�pessoas crescidas est o sempre a dizer-nos, quando cresceres�vais achar gra a. quando cresceres, vais perceber. quando�crescemos, acontece tudo. ele ri-se com gargalhadas t o grandes que eu fico com medo�que lhe d alguma coisa. oh!, santa m e de deus, francis. s� � �um tesouro. o que que tens? tens alguma abelha no cu? diz-me�o que que tens.� nada, sr. timoney. acho que est s de monco ca do, francis. quem me dera poder� �v -lo. vai quele espelho que est na parede, branca de neve,� � �

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e diz-me se est s ou n o de monco ca do. deixa l . diz-me� � � �mas o que que tens.� � ontem noite o declan collopy meteu-se comigo e and mos � � �briga. convence-me a contar-lhe tudo sobre a confraria, o declan eo meu tio pat sheehan, que deixaram cair de cabe a para baixo,�e ele diz-me que conhece o meu tio pa keating, que foi gaseadona guerra e que trabalha na f brica do g s. o pa keating uma� � �j ia de homem, diz ele. e vou-te dizer o que que vou fazer,� �francis. vou falar com o pa keating e vamos dar cabo daconfraria. sou budista e sou contra as lutas, mas ainda estouaqui para as curvas. n o admito que eles se metam com o meu�pequeno leitor, isso que n o.� � o sr. timoney j velho, mas fala como um amigo e eu posso� �dizer-lhe o que sinto. o pai nunca falaria comigo como o sr.timo ney. dizia-me logo, oh!, est bem, e ia dar um daqueles� �longos passeios. o tio pat sheehan diz Av que j n o quer que eu o ajude� � � �mais a entregar os jornais, porque consegue arranjar outromi do por muito menos dinheiro, e at acha que eu lhe devia� �dar uma parte dos seis *pence* que ganho aos s bados de manh ,� �porque se n o fosse ele, nunca teria arranjado aquele�trabalho. uma mulher que mora ao lado do sr. timoney diz-me que estoua perder o meu tempo a bater porta, porque a macushla mordeu�no carteiro, no leiteiro e numa freira que ia a passar, e osr. timoney n o conseguia parar de rir, apesar de ter chorado�quando levaram a cadela para a abater. pode admitir-se que umc o morda no carteiro e no leiteiro, mas o caso da freira que�ia a passar foi levado ao bispo e ele tomou medidas especiaisporque, como sabido, o dono da cadela budista e um perigo� �para os bons cat licos que moram volta dele. o sr. timoney� �soube disto e chorou e riu-se tanto que veio c o m dico e� �disse que ele era um caso perdido e levaram-no para o cityhome, que para onde levam os velhos abandonados ou doidos� assim se acabam os meus seis *pence* ao s bado, mas, com ou�sem dinheiro, n o hei-de deixar de ler para o sr. timoney.�fico ao fundo da rua espera que a vizinha do lado torne a�entrar em casa, trepo pela janela da casa do sr. timoney, voubuscar as *viagens de gulliver* e ando quil metros at ao� �city home, para ele n o sentir a falta da sess o de leitura. o� �homem que est ao port o diz, o qu ? queres entrar para ires� � �ler para um velho? est s a gozar comigo ou qu ? desaparece� �daqui antes que eu chame os guardas. posso deixar o livro para algu m ler para o sr. timoney? � deixa-o. deixa-o por amor de deus e n o me aborre as. eu� �digo para lho entregarem. e d uma gargalhada.� a m e diz, o que que tens? por que que est s com essa� � � �cara? digo-lhe que o tio pat j n o quer que o ajude mais e� �que levaram o sr. timoney para o city home s por se rir por a�macushla ter mordido ao carteiro, ao leiteiro e a uma freiraque ia a passar. ela tamb m se ri e diz que est tudo doido.� �depois diz, uma pena teres perdido dois trabalhos.�j agora podias come ar a ir outra vez Confraria para o� � �destacamento n o vir c nem o director, o padre gorey, que� �isso ainda era pior. o declan manda-me sempre frente de outro mi do e diz-me� �

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que, se me apanhar a falar, me parte o pesco o porque enquanto�for prefeito nunca mais vai deixar de estar de olho em mim eque n o vai ser um merdas como eu que o vai impedir de ganhar�a vida com o lin leo.�

a m e diz que lhe custa a subir as escadas e que vai mudar�a cama para a cozinha. mudo-me outra vez para sorrento, quandoas paredes estiverem h midas e a chuva come ar outra vez a� �entrar por debaixo da porta, diz ela a rir. a escola j acabou�e ela pode ficar na cama at hora que quiser porque n o tem� � �de se levantar para tratar de n s. o pai acende o lume, faz o�ch , corta o p o, obriga-nos a lavar a cara e manda-nos ir� �para a rua brincar. deixa-nos ficar na cama se quiser mos, mas�quem que quer ficar na cama quando n o h escola? mal� � �acordamos, estamos prontos para ir para a rua brincar. mas um dia, em julho, diz-nos que n o podemos ir l para� �baixo. temos de ficar c em cima a brincar.� porqu , pai?� por nada. fica aqui a brincar com o malachy ecom o michael, que quando poderem descer eu digo. fica porta, para o caso de nos passar pela cabe a a ideia� �de descermos a escada. levantamos o cobertor com os p s a�fingir que estamos numa tenda e que somos o robin dos bosquese os homens dele. apanhamos pulgas e esborrachamo-las com asunhas do polegar. mas depois ouvimos um beb a chorar e o malachy pergunta,�pai, a m e tem outro beb ?� � oh!, tem sim, filho. eu sou mais velho e, por isso, digo ao malachy que a camaest na cozinha para o anjo poder descer a voar e deixar o�beb no s timo degrau, mas o malachy n o percebe, porque� � �ainda s tem oito anos e eu j vou fazer dez no m s que vem.� � � a m e est na cama com o beb novo. tem uma cara grande e� � �gorducha e est todo encarnado. est uma mulher vestida de� �enfermeira na cozinha e n s sabemos que�ela est ali porque lava beb s novos, que chegam todos sujos� �da grande viagem que fazem com o anjo. queremos fazer umafestinha ao beb mas ela diz, n o, n o podem v -lo mas n o� � � � �podem tocar-lhe nem com um dedo. n o podem tocar-lhe nem com um dedo. assim que as� �enfermeiras falam. sentamo-nos mesa com o ch e o p o frente e olhamos� � � �para o nosso novo irm o, mas ele nem sequer abre os olhos para�nos ver e, por isso, vamos para a rua brincar. passado poucos dias, a m e sai da cama e senta-se ao p da� �chami n com o beb ao colo. tem os olhos abertos e, quando� � �lhe fazemos c cegas, ele faz uns sons, a barriga dele treme e�n s rimo-nos. o pai faz-lhe c cegas e canta-lhe uma can o� � ��escocesa,

*oh, oh, p ra com as c cegas, jock, � �p ra com as c cegas, jock. � �p ra com as c cegas, � �c , c , c cegas � � �p ra com as c cegas, jock*.� �

o pai tem trabalho e, por isso, a bridey hannon pode virvisitar a m e e o beb sempre que quer, e desta vez a m e n o� � � �

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nos manda ir brincar para a rua para elas poderem falar decoisas secretas. sentam -se ao p da chamin a fumar e a falar� � �de nomes. a m e diz que gosta de kevin e sean, mas a bridey�diz, ah!, n o, j os h aos montes em limerick. meu deus,� � �angela, se pusesses a cabe a fora da porta e dissesses, kevin�ou sean venham beber o ch , ias ter meia limerick a correr�para a tua porta. a bridey diz que se tivesse um filho, que um dia com agra a de deus h -de ter, punha-lhe o nome de ronald porque � � �doida pelo ronald colman, que aparece nos filmes do cinemacoliseu. ou errol, que outro nome lindo, errol flynn.� a m e diz, deixa-te dessas ideias, bridey. nunca iria ter�coragem para chegar porta e dizer, errol, errol, anda beber�o ch . toda a gente ia fazer pouco da pobre crian a.� � ronald, diz a bridey, ronald. lindo. � n o, diz a m e, tem de ser um nome irland s. n o foi por� � � �isso que lut mos todos estes anos? de que serve andar s culos� �a combater os ingleses, para depois chamarmos ronald a umfilho? valha-me deus, angela, est s a come ar a falar como ele, os� �irlandeses isto, os ingleses aquilo. apesar de tudo, ele tem raz o, bridey.� de repente, a bridey come a a arfar, meu deus, angela, o�beb tem qualquer coisa.� a m e levanta-se da cadeira agarrada ao beb , a gemer. oh!� �deus me acuda, bridey, ele est a ficar sufocado.� a bridey diz, vou chamar a minha m e, e aparece logo de�seguida com a sra. hannon. leo de castor, diz a sra. hannon.�tens c ? qualquer leo. leo de f gado de bacalhau? isso� � � �serve?. deita o leo para dentro da boca do beb , volta-o ao� �contr rio, carrega-lhe nas costas, torna a volt -lo, enfia-lhe� �uma colher pela garganta abaixo e tira de l uma bola branca.� isto, diz ela. o leite. come a a juntar-se e a endurecer� �naquelas gargantas pequeninas. tem de se amolecer com um leo�qualquer. a m e est a chorar. meu deus, ia ficando sem ele. se ele� �morres se, eu tamb m morria.� � est agarrada ao beb a chorar e ao mesmo tempo a tentar� �agradecer Sra. hannon.� n o para agradecer, minha senhora. pegue nessa crian a e� � �deiotem-se os dois, porque apanharam um grande susto. enquanto a bridey e a sra. hannon est o a ajudar a m e a� �deitar-se, eu vejo manchas de sangue na cadeira onde elaestava. ser que a minha m e vai morrer esva da em sangue?� � �ser que posso dizer, olhem, h sangue na cadeira da m e? n o,� � � �n o se pode dizer nada, porque elas est o sempre com segredos.� �sei que, quando dizemos alguma coisa, as pessoas crescidas nosdizem sempre, deixa l , est s sempre com coisas, n o da tua� � � �conta, vai brincar para a rua. tenho de guardar aquilo para mim ou dizer ao anjo. a sra.han non e a bridey v o-se embora e eu sento-me no s timo� � �degrau. tento dizer ao anjo que a m e est a morrer, esva da� � �em sangue. quero que ele me diga, nada receies, mas o degrauest frio e n o h nenhuma luz nem nenhuma voz. tenho a� � �certeza de que ele se foi embora para sempre e pergunto a mimpr prio se isso acontecer quando se tem nove anos e se vai� �fazer dez.

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a m e n o morre. no dia seguinte sai da cama, arranja o� �beb para ir ser baptizado, diz Bridey que nunca iria� �perdoar a si pr pria se o beb morresse e fosse para o� �limbo, que o s tio para onde v o os beb s n o baptizados.� � � � �podia estar l muito bem e muito quentinho mas ia estar�eternamente s escuras e sem esperan as de poder fugir� �de l , nem mesmo no dia do ju zo final.� � a av veio ajudar e diz, verdade. um beb que n o seja� � � �baptiza do nunca poder ter esperan a de ir para o c u.� � � � a bridey diz que preciso deus ter um cora o muito duro� ��para fazer uma coisa dessas. tem de ter o cora o duro, diz a av , porque sen o teria�� � �todos beb s a pedirem para ir para o c u, os protestantes e� �tudo, e por que que eles haviam de ir para o c u depois de� �tudo o que nos fizeram durante oito s culos?� n o foram os beb s que fizeram nada, diz a bridey. s o� � �pequeninos de mais. mas fariam, se pudessem, diz a av . S o ensinados a ser� �assim. vestem ao beb o vestido de renda de limerick que todos�us mos no baptizado. a m e diz que podemos ir todos Igreja� � �de s o jos e n s ficamos todos contentes porque a seguir vai� � �haver limonada e p ezinhos.� o malachy pergunta, m e, como que se chama o beb ?� � � alphonsus joseph. e sai-me isto pela boca fora: que nome t o est pido. nem� �sequer irland s.� � a av olha para mim, com aqueles olhos vermelhos muito�aber tos, e diz, aquele menino precisa de uma chapada nas�ventas. a m e d -me uma estalada t o grande que eu s paro no� � � �outro lado da cozinha. o meu cora o est a bater muito e�� �tenho von tade de chorar, mas n o posso, porque o meu pai n o� � �est c e por isso sou eu o homem da casa. a m e diz, j l� � � � �para cima e n o saias de l .� � paro no s timo degrau, mas continua frio, sem luz e sem�voz. v o todos para a igreja e a casa fica em sil ncio. fico l� � �em cima, sentado espera, a ca ar pulgas dos bra os e das� � �pernas, cheio de vontade de que o pai c estivesse, a pensar�no meu irm ozinho e no nome estrangeiro dele, alphonsus, um�nome que um tormento.� passado pouco tempo ou o vozes l em baixo. ou o falar de� � �ch , xerez, limonada, p ezinhos, ou o dizer que lindo menino,� � � a crian a mais linda do mundo, alphie, meu pequenino, tem um� �nome estra nho, mas t o sossegadinho, nunca se ouve, mesmo� � � �bonzinho deus o aben oe, h -de viver muito tempo, doce como ,� � � tal e qual a m e, o pai, a av , os irm os que j morreram.� � � � �

a m e grita do fundo das escadas, frank, vem comer um�p ozinho e beber uma limonada. � n o quero. pode ficar com isso tudo.� j disse para vires imediatamente porque se eu for a acima� �vais levar tantas que h s-de amargar este dia.� amargar? o que amargar?� deixa ia isso. vem c abaixo imediatamente. � o tom da voz dela spero e amargar deve ser perigoso. vou� �l abaixo.� chego cozinha e a av diz, olhem-me para aquele monco� �

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ca do. havia de estar feliz por ter outro irm ozinho, mas j� � �se sabe que nesta idade dos nove para os dez anos os mi dos�s o uma desgra a. e eu que o diga que tive dois.� � a limonada e os p ezinhos s o uma del cia e o beb novo, o� � � �alphie, est a palrar, feliz com o dia do baptizado dele,�porque ainda demasiado inocente para saber que o nome dele � �um tormento.

o av l do norte manda um vale de cinco libras para o� �alphie. a m e quer ir levant -lo, mas n o pode sair de perto� � �da cama. o pai diz que vai levant -lo aos correios. ela�manda-nos ir com ele, a mim e ao malachy. o pai levanta o valee depois diz, pronto, agora v o para casa e digam, vossa m e� � �que eu n o me demoro nada.� o malachy diz, pai, n o pode ir ao *pub*. a m e disse para� �levar o dinheiro para casa. n o pode ir beber cerveja.� ora, ora, filho. vai para casa. pai, d -nos o dinheiro. o dinheiro para o beb .� � � ele sai de ao p de n s e vai enfiar-se no *pub* south.� � a m e est sentada ao p do lume com o alphie ao colo.� � �abana a cabe a. foi para o *pub*, n o foi?� � foi. quero que voltem a esse *pub* e que o tirem de l . quero�que se ponham no meio do *pub* e que digam a todos os homensque o vosso pai est a gastar na bebida o dinheiro que era�para o beb . quero que digam a toda a gente que n o h uma� � �migalha nesta casa, n o h um bocadinho de carv o para acender� � �o lume, n o h uma gota de leite no biber o do beb .� � � � enquanto andamos pelas ruas, o malachi vai treinando odiscurso, o mais alto que pode, pai, pai, essas cinco librass o para o beb novo. n o s o para a bebida. o beb est na� � � � � �cama a chorar pelo leitinho dele e o pai est a beber�cervejas. o pai j n o est no *pub* south. o malachy quer mesma� � � �ficar l e fazer o discurso, mas eu digo-lhe que temos de ir�num instante aos outros *pubs* antes que o pai gaste odinheiro todo. mas tamb m n o conseguimos encontr -lo nos� � �outros *pubs*. sabia que a m e iria procura dele ou nos� �mandaria a n s e h tantos *pubs* nesta ponta de limerick e� �noutros s tios que pod amos andar um m s procura dele. temos� � � �de dizer M e que n o h sinais dele, e ela diz-nos que somos� � � �uns in teis. oh!, meu jesus, quem me dera ter for as que havia� �de o procurar em todos os *pubs* de limerick. havia de lhearrancar a boca da cara, isso que arrancava. v o, v o� � �procurar nos *pubs* volta da esta o e na tasca de peixe e� ��batatas fritas do naughton. tenho de ir sozinho porque o malachy est com diarreia e�tem de estar sempre a ir ao balde. procuro nos *pubs* daparnell street e nas ruas em volta. procuro nas tabernas ondeas mulheres bebem e em todas as retretes de homens. estoucheio de fome, mas com medo de ir para casa sem encontrar omeu pai. n o est na tasca do naughton, mas est l um homem� � � �b bedo a dormir numa mesa a um canto, com o peixe e as batatas�fritas no ch o, ainda embrulhadas no *limerik leader* e, se�eu n o as apanhar, come-as o gato, por isso enfio-as debaixo�do casaco e desato a correr rua acima at que me sento nos�degraus da esta o a comer o peixe e as batatas fritas e a ver��passar os soldados b bedos com raparigas s risadinhas e a� �

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agradecer mental mente ao b bedo por ter encharcado o peixe e� �as batatas de vinagre e sal, mas de repente lembro-me que, semorrer naquela noite, morro em pecado por ter roubado e possoir direitinho para o inferno com a pan a cheia de peixe e�batatas fritas, mas s bado e se os padres ainda estiverem� �nos confession rios, posso ir purificar a minha alma depois de�comer. a igreja dominicana fica logo ali ao cimo da glentworthstreet. aben oai-me, padre, porque pequei, j n o me confesso h� � � �quinze dias. digo-lhe os pecados do costume e depois queroubei peixe e batatas fritas a um b bedo.� porqu , meu filho?� estava com fome, padre. e por que que estavas com fome?� porque a minha barriga estava vazia, padre. o padre n o diz nada, mas, apesar de estar escuro, eu sei�que ele est a abanar a cabe a. meu querido filho, porque n o� � �vais para casa e pedes tua m e que te d de comer? � � � porque ela me mandou ir procura do meu pai nos *pubs*,�padre, e eu n o consegui encontr -lo e ela n o tem nem uma� � �migalhinha em casa porque ele anda a gastar na bebida ascinco libras que o av mandou l do norte para o beb novo e� � �ela est sentada chamin , pior do que uma barata, porque eu� � �n o consigo encontrar o meu pai.� fico a pensar que, se calhar, o padre est a dormir, porque�est muito calado. mas, por fim, diz, meu filho, estou aqui�sentado. ou o os pecados dos pobres. destino a penit ncia. dou� �a absolvi o. devia estar de joelhos a lavar-lhes os p s.�� �est s a compreender-me, filho?� digo-lhe que estou mas n o estou.� vai para casa, filho. reza por mim. n o tenho penit ncia, padre?� � n o, meu filho.� roubei o peixe e as batatas fritas. estou condenado. est s perdoado. vai. reza por mim.� aben oa-me em latim, fala sozinho em ingl s e eu pergunto a� �mim pr prio o que ser que eu lhe fiz.� � quem me dera conseguir encontrar o meu pai para poder dizer M e, aqui est ele e ainda tem tr s libras no bolso. j n o� � � � � �tenho fome, por isso posso subir por um dos lados dao.connell street e descer pelo outro e procurar nos *pubs*nas transversais, e encontro-o no gleeson, como que eu podia�n o dar com ele, se est a cantar,� �

*s a mim diria respeito se a maior das surpresas�brilhasse para mim nos olhos de algu m.�s da minha conta seria o que eu sentiria�se os verdes vales de antrim me viessem acolher*.

tenho o cora o a bater muito e n o sei o que hei-de fazer,�� �porque sinto que estou cheio de raiva como a minha m e estava,�sentada chamin , e a nica ideia que me passa pela cabe a � � � � �entrar a correr e dar-lhe um pontap nas pernas e tornar a�sair a correr, mas n o fa o isso porque temos as manh s ao p� � � �do lume, quando ele me fala do cuchulain, do de valera e doroosevelt, e se ele estiver l dentro b bedo e a oferecer� �cervejas a todos com o dinheiro do beb , eu sei que os olhos�

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dele est o iguais aos olhos do eugene quando se punha � �procura do oliver. posso ir para casa e mentir minha m e,� �dizendo -lhe que n o o vi nem consegui encontr -lo.� � � a m e est na cama com o beb . o malachy e o michael est o� � � �a dormir l em cima na it lia. sei que n o preciso dizer� � � �nada M e porque daqui a pouco, quando os *pubs* fecharem,� �ele h -de vir para casa a cantar e a prometer-nos um�*penny* se morrermos pela irlanda, mas desta vez vai serdiferente, porque mau gastar o dinheiro do subs dio ou do� �trabalho na bebida, mas um homem que gasta o dinheiro que erapara um filho ultrapassa todos os limites, como diria a minham e.�

viii

tenho dez anos e est na altura de fazer a confirma o na� ��igreja de s o jos . o professor, o sr. o.dea, anda a� �preparar-nos na escola. temos de saber tudo sobre a sant ssima�gra a, uma p rola de grande valor que jesus nos deu com a sua� �morte. o sr. o.dea revira os olhos quando nos diz que com aconfirma o passaremos a pertencer Divindade. teremos os�� �dons do esp rito santo: sapi ncia, entendi mento, conselho,� � �fortaleza, ci ncia, piedade, temor de deus. tanto os padres�como os professores nos dizem que a confirma o significa que��a partir da somos verdadeiros soldados da igreja e j temos� �direito a morrer e a tornarmo-nos m rtires, se formos�invadidos pelos protestantes ou pelos maometanos ou por outrosateus quaisquer. morrer outra vez. apetece-me dizer-lhes quen o posso morrer pela f , porque j me comprometi a morrer� � �pela irlanda. o mikey molloy diz, est s a gozar, n o est s? isso de� � �morrer pela f tudo uma vigarice. uma coisa que eles� � �inventam para nos meterem medo. a irlanda tamb m. j ningu m� � �morre por nada. j morreram todos os que tinham que morrer. eu�c nunca morreria nem pela irlanda nem pela f . podia morrer� �pela minha m e, mas s por ela.� � o mikey sabe tudo. est quase a fazer catorze anos. tem�ataques. tem vis es.� as pessoas crescidas dizem-nos que maravilhoso morrer�pela f , mas ainda n o estamos preparados para isso porque o� �dia da confir ma o como o dia da primeira comunh o, anda-se� �� � �pelas ruas e vielas e d o-nos bolos, rebu ados e dinheiro. o� � �pedit rio.� aqui que entra o peter dooley. chamamos-lhe quasimodo,�porque tem um alto nas costas como o corcunda de notre dame,cujo nome verdadeiro j sabemos que Charles laughton.� � o quasimodo tem nove irm s e dizem que a m e dele n o o� � �queria, mas foi aquilo que o anjo lhe levou e pecado p r em� �d vida o que nos enviado. o quasimodo j crescido, tem� � � �quinze anos. o cabelo dele ruivo e espeta por todos os�lados. tem os olhos verdes e um deles revira-se tanto paradentro da cabe a que ele est sempre a bater na fronte para o� �empurrar para o s tio onde lhe compete estar. tem a perna�direita mais curta e torcida e quando anda d uma esp cie de� �volta que n s estamos sempre espera que ele caia. � � �precisamente nessas alturas que uma pessoa apanhada de�surpresa. ele amaldi oa a perna, amaldi oa o mundo, mas f -lo� � �com um sota que ingl s lindo que aprendeu na r dio, na bbc.� � �

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antes de sair de casa, p e sempre a cabe a de fora da porta e� �diz para a rua toda ouvir, aqui vai a minha cabe a; o cu j� �vai. aos doze anos o quasimodo decidiu que, pelo aspecto delee pela maneira como as pessoas olha vam para ele, o melhor�seria preparar-se para um trabalho onde pudesse ser ouvido masn o visto. haveria alguma coisa melhor do que estar na bbc�de londres a ler as not cias com um microfone frente?� � mas n o se pode ir para londres sem dinheiro e por isso� �que na sexta-feira antes da confirma o ele vem ter connosco a��coxear. tem uma ideia para o billy e para mim. sabe que no diaseguinte vamos receber o dinheiro da confirma o e, se��prometermos pagar-lhe um xelim cada um, ele deixa-nos treparao algeroz por detr s da casa dele naquela noite para�espreitarmos pela janela e vermos as irm s dele nuas, porque � � sexta-feira que tomam o banho da semana. eu aceito logo. o�billy diz, tenho a minha irm . para que hei-de pagar para ver�as tuas irm s nuas?� o quasimodo diz que ver uma irm nua o pior pecado que h� � �e n o tem a certeza se haver algum padre no mundo que possa� �perdoar isso, pode ser preciso ir ao bispo, que toda a gentesabe que um terror.� o billy aceita. na sexta-feira noite trepamos o muro das traseiras da�casa do quasimodo. est uma noite linda, com a lua de junho a�pairar l muito em cima sobre limerick e sente-se uma brisa�quente a vir do rio shannon. o quasimodo est quase a deixar o�billy trepar pelo algeroz e quem que aparece a saltar o�muro? o mike molloy dos ataques em pessoa, que segreda aoquasimodo, est aqui um xelim, quasimodo. deixa-me trepar pelo�algeroz. o mikey j tem catorze anos, maior do que qualquer� �um de n s e forte por causa de andar a carregar carv o. est� � � �todo preto como o tio pa keating e s se v em os globos� �brancos dos olhos e a saliva branca no l bio inferior, o que�significa que pode ter um ataque a qualquer mo mento. � o quasimodo diz, espera, mikey. eles est o primeiro.�espera, o tanas, diz o mikey e j vai a trepar pelo algeroz. o�billy refila, mas o quasimodo abana a cabe a e diz, n o posso� �fazer nada. todas as sextas-feiras me d um xelim. tenho de o�deixar subir, sen o ele bate-me e vai fazer queixa minha� �m e, e ela fecha-me o dia todo no buraco do carv o ao p dos� � �ratos. o ataques est a segurar-se ao algeroz com uma m o. tem� �a outra no bolso, a mexer-se, a mexer-se, e quando o algerozcome a a ceder e a ranger, o quasimodo sussurra, molloy, nada�de punhetas no algeroz. come a a coxear de um lado para o�outro do p tio, sem parar de falar. o sotaque da bbc�desapare ceu e est a falar maneira de limerick. por amor de� � �deus, molloy, sai da sen o digo minha m e. a m o do mikey� � � � �cada vez se mexe mais depressa dentro do bolso, t o depressa�que o algeroz cai. o mikey est no ch o a contorcer-se e a� �gritar, estou feito. estou morto. oh!, meu deus. vemos aespuma nos l bios dele e o sangue que est a sair-lhe da boca� �por ter mordido a l ngua.� a m e do quasimodo sai de dentro de casa aos gritos,�valha-me deus! o que isto? e o p tio fica inundado pela luz� �da cozinha. as irm s est o aos guinchos na janela l de cima.� � �o billy tenta fugir, mas ela agarra-o quando ele vai a treparo moro. manda-o ir a correr a casa do farmac utico, o�o.connor, que j ali esquina, pedir para ele arranjar uma� � �

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ambul ncia, ou um m dico ou uma coisa qualquer para o mikey.� �grita connosco para irmos para a cozinha. leva o quasimodopelo corredor fora aos pontap s. ele p e-se de gatas e ela� �enfia-o no buraco do carv o por baixo das escadas e fecha-o � �chave. ficas a at ganhares ju zo.� � � ele est a chorar e a cham -la com o mais puro sotaque de� �limeri ck. m e, m e, tire-me daqui. isto est cheio de ratos.� � � �s quero ir para a bbc, m e. ai, jesus, m e, jesus. nunca� � �mais deixo ningu m trepar ao algeroz. mando-lhe dinheiro de�londres, m e. m e!� � o mikey continua ca do de costas no p tio, a tremer e a� �contorcer -se. a ambul ncia leva-o para o hospital com uma� �omoplata partida e a l ngua em tiras.� as nossas m es aparecem num instante. a sra. dooley diz,�sou uma infeliz, isso que sou, uma infeliz. as minhas filhas�n o se podem lavar sexta-feira noite sem ter meio mundo a� � �olhar pela janela, e com os rapazes todos a pecarem. deviamera ser obrigados a ir ao padre confessar-se antes de fazerema confirma o.�� mas a m e diz, n o quero saber dos outros, mas eu c n o� � � �passei um ano inteiro a poupar dinheiro para o fato daconfirma o do frank, para agora ir dizer ao padre que o meu��filho n o pode fazer a confirma o e ter de esperar mais um� ��ano e o fato deixar de lhe servir, e tudo por ele ter trepadoa um algeroz para uma espiadela inocente ao cu achatado damona dooley. leva-me para casa por uma orelha e obriga-me a p r-me de�joelhos em frente do papa. jura, diz ela, jura ao papa que n o�viste a mona dooley nua. juro. se estiveres a mentir, amanh n o est s em estado de gra a� � � �para fazer a confirma o e isso o pior sacril gio que pode�� � �haver. juro. s o bispo que pode perdoar um sacril gio desses.� � � juro. est bem. vai para a cama e de hoje em diante n o quero� �ver-te ao p daquele infeliz do quasimodo dooley.� no dia seguinte fazemos todos a confirma o. o bispo faz-me��uma pergunta do catecismo, qual o quarto mandamento? e eu�digo, honrar pai e m e. faz-me uma festinha na cara e, assim,�passo a ser um soldado da verdadeira igreja. ajoelho-me nobanco e penso no quasimodo fechado no buraco da lenha porbaixo das escadas e penso que se calhar era melhor dar-lhe namesma o xelim para o ajudar a ir para a bbc.

mas esque o-me do quasimodo porque come o a deitar sangue� �do nariz e a ficar tonto. os rapazes e as raparigas daconfirma o est o todos l fora com os pais, toda a gente a�� � �dar beijos e abra os sob aquele sol lindo, mas eu n o quero� �saber disso. o meu pai est a traba lhar e eu n o quero saber� � �disso. a minha m e d -me um beijo, mas eu n o quero saber� � �disso. os rapazes est o a falar do pedit rio, mas eu n o quero� � �saber disso. o meu nariz n o p ra de deitar sangue e a m e� � �est preocupada porque eu posso sujar o fato. vai a correr � �igreja ver se o stephen carey, o sacrist o, lhe arranja um�trapo e ele d -lhe uma esp cie de tela que me faz doer o� �nariz. a minha m e pergunta-me se quero ir fazer o pedit rio e� �

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eu digo que n o quero saber disso. o malachy diz, vai, vai,�frankie, e fica triste porque eu lhe prometi que o levava aolyric e que amos empanturrar-nos os dois de rebu a dos.� � �apetece-me deitar. podia deitar-me j aqui nos degraus da�igreja e ficar a dormir para sempre. a m e diz, a av fez um� �pequeno -almo o formid vel, mas eu fico t o maldisposto de� � � �ouvir falar em comida que vou a correr at beira do passeio� �e vomito e est toda a gente a olhar para mim, mas eu n o� �quero saber disso. a m e diz que melhor levar-me para� �casa e meter-me na cama e os meus amigos ficam todos semperceber como que uma pessoa pode ir para a cama quando tem�um pedit rio para fazer.� a m e ajuda-me a despir o fato da confirma o e a� ��deitar-me. molha um trapo e p e-mo por debaixo do pesco o e,� �passado um bocado, o nariz p ra de sangrar. traz-me ch , mas� �fico maldisposto s de o ver e tenho de vomitar para o balde.�a sra. hannon vai l a casa e ou o-a dizer aquele menino est� � �muito doente e era melhor ser visto por um m dico. a m e diz,� � s bado, o dispens rio est fechado, onde que eu vou� � � � �arranjar um m dico?� o pai chega a casa, depois de sair do trabalho na f brica�de farinha rank, e diz M e que a mudan a de idade. a av� � � � �vai l a casa e diz o mesmo. diz que quando os rapazes passam�dos anos s com um n mero para os anos com dois n meros mudam� � �e ficam com tend ncia para deitar sangue do nariz. diz que eu�devo ter bastante sangue dentro de mim e uma boa limpeza n o�faz mal nenhum o dia chega ao fim e eu passo-o a dormir e a acordar. �noite o malachy e o michael v m para a cama e eu ou o o� �malachy dizer, o frankie est muito quente. o michael diz,�est a deitar sangue para cima da minha perna. a m e p e-me o� � �trapo molhado no nariz e no pesco o, mas o sangue n o p ra. no� � �domingo de manh , tenho sangue no peito e minha volta est� � �tudo cheio de sangue. a m e diz ao pai que eu estou a deitar�sangue pelo rabo e ele diz que devo estar com diarreia, que �normal quando se tem as dores do crescimento. o dr. troy o nosso m dico mas est de f rias e o homem� � � �que vem ver-me na segunda-feira cheira a u sque. observa-me e�diz minha m e que estou muito constipado e que melhor� � �continuar na cama. os dias v o passando e eu vou dormindo e�sangrando. a m e faz-me ch e caldo de carne, mas eu n o quero� � �nada. at me traz um gelado e s de olhar para ele fico com� �vontade de vomitar. a sra. hannon torna a ir l a casa e diz�que o m dico n o sabe o que anda a fazer e que melhor ver se� � �o dr. troy j voltou.� a m e traz o dr. troy. ele apalpa-me a testa, levanta-me as�sobrancelhas, volta-me para me ver as costas, agarra em mim eleva -me a correr para o carro dele. a m e vem a correr atr s� � �dele e ele diz-lhe que tenho febre tif ide. a m e chora e� �grita, oh!, meu deus, oh!, meu deus, ser que tenho de perder�a fam lia toda? ser que isto alguma vez vai ter fim? entra no� �carro, leva-me ao colo e vai a gemer durante todo o caminhoat ao hospital da febre no city home.� a cama tem len is brancos fresquinhos. as enfermeiras t m�� �fardas brancas e a freira, a irm Rita, est toda, vestida de� �branco. o dr. humphrey e o dr. campbell t m batas brancas e�umas coisas penduradas ao pesco o que me encostam ao peito e a�toda a parte. eu durmo e torno a dormir, mas acordo quando

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eles trazem um frasco com uma coisa vermelha e os penduramnuns paus por cima da minha cama e enfiam uns tubos nos meustornozelos e nas costas da minha m o direita. a irm Rita diz,� �est s a levar sangue, frankie. sangue de soldados do quartel�de sarsfield. a m e est sentada ao p da cama e a enfermeira est a� � � �dizer, sabe, minha senhora, isto n o costume. ningu m pode� � �entrar no hospi tal da febre porque pode apanhar alguma coisa,�mas fizeram uma excep o para a senhora por causa desta crise��que ele teve. se escapar desta, de certeza que vai ficar bom. adorme o. quando acordo a m e j n o est c , mas sinto� � � � � �movi mentos no quarto. o padre gorey da confraria que est a� � �dizer missa numa mesa a um canto. torno a adormecer a agoraest o a acordar-me e a puxar a roupa da cama para baixo. o�padre gorey est a tocar-me com um leo nos dedos e a rezar em� �latim. sei que a extrema-un o e que isso quer dizer que� ��vou morrer, mas n o quero saber disso. tornam a acordar-me�para receber a comunh o. n o quero, tenho medo de vomitar.� �fico com a h stia na l ngua e torno a adormecer e, quando� �acordo, j desapareceu.� est escuro e o dr. campbell est sentado ao p da minha� � �cama. est a segurar-me no pulso e a olhar para o rel gio. tem� �cabelo ruivo e culos e sorri sempre que fala comigo. agora�est sentado, a canta rolar e a olhar pela janela. fecha os� �olhos e ressona um bocado. inclina-se na cadeira, d um peido�e sorri de si para si, e assim eu fico a saber que voumelhorar porque um m dico nunca daria um peido em frente de�uma crian a s portas da morte.� � o h bito branco da irm Rita brilha com o sol que entra� �pela janela. est a segurar-me no pulso, a olhar para o�rel gio e a sorrir. oh!, diz ela, estamos acordados, n o� �estamos? bem, francis, o pior j passou. as nossas preces�foram atendidas e tamb m as preces de centenas de meninos da�confraria. consegues imaginar? centenas de rapazes a rezarem oter o por ti e a oferecerem a comunh o por ti?� � tenho os tornozelos e as costas da m o a latejar por causa�dos tubos que est o a trazer sangue para dentro de mim e n o� �quero saber dos rapazes que andam a rezar por mim. ou o o�ro agar do h bito e o tilintar das contas do ter o da irm� � � �rita, quando sai do quarto. adorme o e quando acordo est� �escuro e o pai est sentado ao p da cama, com a m o dele� � �pousada em cima da minha. est s acordado, filho? � tento falar, mas tenho a boca seca, n o sai nada e aponto�para a boca. ele chega-me um copo de gua boca e eu sinto-a� �doce e fresca. agarra-me na m o e diz que sou um grande�soldado e porque n o havia de ser? n o verdade� � �que tenho o sangue dos soldados dentro de mim? a irm Rita chega e diz ao pai que tem de se ir embora. n o� �quero que ele v , porque est com um ar triste. parece o paddy� �clohessy no dia em que lhe dei a passa. a pior coisa que h no�mundo ele estar com aquela cara triste e come o a chorar.� �ent o, o que vem a ser isto? diz a irm Rita. a chorar com� �tanto sangue de soldado dentro de ti? amanh vais ter uma�grande surpresa, francis. n o vais adivinhar. est combinado?� �e o teu pai vai tornar a vir c daqui a um ou dois dias, n o � � �verdade, sr. mccourt? o pai diz que sim com a cabe a e torna a p r a m o em cima� � �

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da minha. olha para mim, afasta-se, p ra, volta atr s, d -me� � �um beijo na testa pela primeira vez na vida, e eu fico t o�feliz que parece que estou a pairar por cima da cama. as outras duas camas que est o no meu quarto est o vazias.� �a en fermeira diz que sou o nico doente com febre tif ide e� � �que um milagre eu ter escapado.� no quarto ao lado do meu tamb m n o est ningu m at que um� � � � �dia, de manh , ou o uma voz de rapariga a dizer, uu, uu, quem� � que est a ?� � � n o sei se est a falar comigo ou com algu m de outro� � �quarto. uu, rapaz do tifo, est s acordado?� estou. est s melhor?� estou. ent o, por que que c est s?� � � � n o sei. ainda estou de cama. espetam-me agulhas e d o-me� �rem dios.� como que tu s?� � fico a pensar, que raio de pergunta! n o sei o que hei-de�res ponder.� uu, est s a , rapaz do tifo?� � estou. como que te chamas?� frank. um nome bonito. eu chamo-me patricia madigan. quantos�anos tens? dez. oh. parece-me desapontada. mas fa o onze no m s que vem, em agosto.� � bem, j melhor do que dez. eu fa o catorze em setembro.� � �queres saber por que que estou no hospital da febre?� quero. tenho difteria e outra coisa qualquer. outra coisa qualquer, o qu ?� n o sabem. acham que um doen a vinda do estrangeiro,� � �porque o meu pai ia muitas vezes a frica. estive quase a�morrer. vais dizer-me como s ou n o?� � tenho cabelo preto. tu e mais milh es de pessoas.� tenho olhos castanhos com umas pintinhas verdes, cor deavel .� tu e mais milh es de pessoas.� tenho agulhas nas costas da m o direita e nos dois p s, e� �foi por a que meteram sangue de soldado dentro de mim.� oh!, meu deus, a s rio?� a s rio.� n o vais conseguir parar de marchar e fazer contin ncia.� � ou o o ro agar do h bito, o tilintar das contas e, a� � �seguir, a voz da irm Rita. ent o, ent o, o que vem a ser� � �isto? n o quero conversas de quarto para quarto,�principalmente tratando-se de um rapaz e uma rapariga. est s a�ouvir, patricia? estou, irm .� est s a ouvir, francis?� estou, irm .� deviam estar a dar gra as a deus pela extraordin ria� �recupera o que tiveram os dois. deviam estar a rezar o ter o.�� �

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deviam estar a ler *o pequeno mensageiro do sagrado cora o*,��que t m ao p das vossas camas. que eu n o torne a apanhar-vos� � �a conversar. vem ao meu quarto e, a apontar-me um dedo amea ador,�diz-me, principalmente tu, francis, com centenas de rapazes arezarem por ti na confraria. d gra as, francis, d gra as.� � � � vai-se embora e durante algum tempo reina o sil ncio at� �que a patricia sussurra, d gra as, francis, d gra as, e reza� � � �o ter o, francis, e eu come o a rir t o alto que aparece uma� � �enfermeira para ver se estou bem. uma enfermeira muito seca�do condado de kerry. mete-me medo. o que vem a ser isto,francis? est s a rir? onde que est a gra a? estavam na� � � �conversa, tu e aquela menina? vou fazer queixa de ti Irm� �rita. nada de risotas, francis. podes estar a fazer muito malao teu aparelho interno. vira costas, e a patricia torna a segredar, com um fortesotaque de kerry, nada de risotas, francis. podes estar afazer muito mal ao teu aparelho interno. a m e vem visitar-me s quintas-feiras. gostava de ver� �tamb m o meu pai, mas estou fora de perigo, o pior j passou� �e, por isso, s tenho direito a uma visita. al m disso,� �segundo ela diz, ele est outra vez a trabalhar na f brica de� �farinha rank e com a ajuda de deus este trabalho h -de ser por�muito tempo, por causa da guerra e de os ingleses estaremdesesperados por farinha. traz-me uma tablete de chocolate eisso prova que o pai est mesmo a trabalhar. nunca poderia�dar-se a tal luxo com o dinheiro do subs dio. o pai manda-me�recados a dizer que os meus irm os rezam todos por mim, para� �me portar bem, obedecer aos m dicos, s freiras, s� � �enfermeiras e para n o me esquecer das minhas ora es. tem a� ��certeza de que foi s o judas que me ajudou a ultrapassar a�crise, porque o padroeiro dos casos desesperados e o meu�caso era desesperado. a patricia diz que tem dois livros cabeceira da cama. um� um livro de poesia e desse que ela gosta. o outro uma� � �pequena hist ria de inglaterra. pergunta-me se o quero. � �d -o ao seumas, o homem que todos os dias lava o ch o, e ele� �traz-mo, mas a reclamar. n o posso levar nada de um quarto�onde h difteria para um quarto onde h febre tif ide, com� � �tantos germes que andam pelo ar e que podem esconder-se nomeio das folhas, e se apanhas difteria por cima do tifo, elesv o descobrir e despedir-me e l vou eu andar outra vez pela� �rua a cantar can es patri ticas com uma lata na m o, o que�� � �para mim at nem dif cil, porque n o h can o alguma que� � � � � ��fale do sofrimento da irlanda que eu n o saiba e tamb m sei� �algumas sobre as alegrias do u sque.� oh!, e tamb m sabe as do roddy mccorley. vai cant -las� �para mim, mas aparece a enfermeira de kerry, toda apressada. oque vem a ser isto, seumas? a cantar? tu mais do que ningu m�neste hospital devias saber as regras sobre cantorias. voufazer queixa de ti Irm Rita.� � por amor de deus, n o fa a isso, senhora enfermeira.� � est bem, seumas. desta vez desculpo-te. sabes que cantar�pode causar uma reca da nestes doentes?� depois de ela sair, ele promete-me em segredo que vaiensinar-me algumas can es porque bom para passar o tempo�� �quando se est sozinho na enfermaria da tif ide. diz que a� �patricia uma menina encantadora porque est sempre a dar-lhe� �

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rebu ados dos que a m e lhe manda de quinze em quinze dias.� �p ra de limpar o ch o e grita para a patricia, que est no� � �quarto ao lado, estava a dizer aqui ao frank que s uma menina�encantadora, e a patricia diz, e tu s um homem encantador,�seumas ele sorri porque j velho, j tem quarenta anos, e� � �nunca teve filhos. as nicas crian as com quem fala s o as que� � �est o aqui no hospital da febre. aqui est o livro, frankie,� �diz ele. n o uma pena teres de estar a ler isso tudo sobre a� �inglater ra depois do que eles nos fizeram? devia haver uma�hist ria da irlanda c no hospital.� � o livro fala do rei alfredo, de guilherme, *oconquistador*, e de todos os reis e rainhas at ao rei�eduardo, que teve de esperar uma eternidade at a m e, a� �rainha vit ria, morrer para poder ser rei. o livro tem uns�versos de shakespeare, que estou a ler pela primeira vez navida.

*creio, persuadido por evid ncias inquestion veis � �que sais meu inimigo*.

o homem que escreveu a hist ria diz que isto foi o que�catarina, mulher de henrique viii, disse ao cardeal wolsey,que queria cor tar-lhe a cabe a. n o sei o que quer dizer, nem� � �me interessa, porque foi escrito por shakespeare e, quandodigo estas palavras, como se tivesse j ias dentro da boca.� �se tivesse um livro inteiro de shakespea re, n o me importava� �que me obrigassem a ficar um ano no hospital. a patricia diz que n o sabe o que quer dizer persuadido nem�evid ncias inquestion veis e que n o se interessa de� � �shakespeare para nada porque tem o livro de poesia dela el -me do outro lado da parede um poema sobre um mocho e um�gato que foram para o mar num barco verde e levaram mel edinheiro, que eu acho que n o faz sentido nenhum. quando digo�isso Patricia, ela fica toda ofendida e diz que o ltimo� � �poema que me vai ler. diz que estou sempre a recitar os doisversos de shakespeare, que tamb m n o fazem sentido nenhum� �para ela. o seumas p ra outra vez de limpar o ch o e diz-nos� �que n o dev amos estar a discutir por causa da poesia porque,� �quando crescermos e nos casarmos, vamos ter muito quediscutir. a patricia pede desculpa, eu tamb m pe o desculpa, e� �ent o ela l -me um bocado de outro poema que eu tenho de fixar� �para lho poder dizer de manh zinha ou muito noite, quando� �n o andam por aqui freiras nem enfermeiras.�

*o vento em torrente na escurid o corria pelas rvores � � desabridas,a lua era um gale o fantasmag rico batido por mares � � nebulosos,a estrada era um arco- ris de luar por sobre o paul � purp reo,�e o salteador aproximava-se a cavalgar, a cavalgar, a cavalgaro salteador veio a cavalgar at chegar porta da velha � � estalagem.

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tinha um chap u franc s puxado para a testa, um ramo de rendas� �junto face,�um casaco de velado cor de sangue, uns cal es de pele de��gamo,as botas, at s coxas, n o tinham uma s ruga.� � � �ao cavalgar, cintilava como uma j ia,�a coronha das suas pistolas reluzentes,o copo da sua espada cintilava, sob um c u de j ias*.� �

passo os dias ansioso por que os m dicos e as enfermeiras�me deixem sozinho para poder aprender mais um verso dapatricia e descobrir o que que vai acontecer ao salteador e� filha de l bios vermelhos do dono da estalagem. adoro o� �poema porque excitante e quase t o bonito como os meus dois� �versos de shakespeare. os casa cas-vermelhas v m atr s do� � �salteador porque sabem que ele disse filha do estalajadeiro,�virei ver-te ao luar, apesar de o inferno me barrar apassagem. gostava de poder fazer o mesmo, ir ter com a patricia aoluar no quarto ao lado, sem me importar nem um pouco que oinferno me barrasse a passagem. est quase a chegar aos�ltimos versos quando aparece a enfermeira de kerry a gritar�com ela e comigo, eu disse-vos que n o queria conversas de um�quarto para o outro. os da difteria n o podem falar com os da�tif ide e vice-versa. eu avisei-vos. depois grita, seumas,�leva este. leva o rapaz. a irm Rita disse que pr xima� � �palavra que ele dissesse ia recambiado para o andar de cima.avis mo-vos que parassem com a tagarelice, mas voc s n o� � �quiseram saber. leva o rapaz, seumas, leva-o. ora, senhora enfermeira, n o faz mal. era s um bocadinho � �de poesia. leva o rapaz, seumas, leva-o imediatamente. o seumas inclina-se para mim e segreda-me, meu deus, tenhomuita pena, frankie. toma o teu livro da hist ria de�inglaterra. mete-me o livro debaixo da camisa e levanta-me dacama. diz baixi nho que pare o uma pena. tento ver a patricia� �quando passamos pelo quarto dela, mas s consigo distinguir um�emaranhado de cabelo preto sobre a almofada. a irm Rita faz-nos parar no corredor e diz-me que a�desapontei muito, que esperava que eu fosse um bom meninodepois do que deus tinha feito por mim, depois de tantasora es de centenas de rapazes da confraria, depois de tantos��cuidados que as freiras e as enfermeiras do hospital dafebre tinham tido comigo, depois de elas terem deixado a minham e e o meu pai irem visitar-me, uma coisa que raramente era�permitida, e era aquela a paga que eu dava, estar na cama arecitar poemas tolos de um lado para o outro, para maissabendo a patricia madigan que eram proibidas conversas entreos do tifo e os da difteria. diz-me que vou ter muito tempopara pensar nos meus pecados na enfermaria grande do andar decima e que devia pedir perd o a deus pela minha desobedi ncia� �e por estar a recitar um poema pag o ingl s sobre um ladr o a� � �cavalo e uma donzela de l bios vermelhos que comete um pecado�terr vel em vez de estar a rezar ou a ler a vida de um santo.�ela encarregou-se de ler o poema, isso que leu, e o conselho�que me dava era confessar aquele pecado ao padre.

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a enfermeira de kerry sobe a escada atr s de n s, ofegante� �e a segurar-se ao corrim o. diz-me que melhor ir-me� �habituando ideia de que ela n o vai subir a correr aquelas� �escadas para o fim do mundo sempre que eu tiver uma dorzinha. h vinte camas na enfermaria, todas brancas e todas vazias.�a enfermeira manda o seumas p r-me na ltima cama ao p da� � �parede, para terem a certeza de que eu n o falo com as pessoas�que passarem pela porta, o que pouco prov vel porque n o h� � � �mais ningu m em todo o andar. diz ao seumas que h muitos anos� �aquela tinha sido a enfermaria da febre no tempo da grandefome e s Deus sabe quantas pessoas morreram ali por terem�sido levadas demasiado tarde, sem que houvesse tempo para maisnada a n o ser para serem lavados antes de serem enterrados e�h quem diga que, noite dentro, se ouvem ali gritos e gemidos.�diz que s de pensar no que os ingleses nos fizeram se lhe�parte o cora o, se n o foram eles que puseram a praga nas�� �batatas tamb m pouco fizeram para a tirar de l . sem piedade.� �insens veis a tanta gente que morreu naquela mesma enfermaria,�crian as a sofrerem e a morrerem enquanto os ingleses se�empanzinavam de carne assada e se atestavam com os melhoresvinhos nas suas grandes casas, enquanto as criancinhas andavamde boca verde por tentarem comer as ervas dos campos, deus nosaben oe, nos guarde e nos proteja de mais fomes.� o seumas diz que foi mesmo uma desgra a e que n o queria� �ter de andar a limpar aqueles corredores de noite, com aquelasboquinhas verdes abertas para ela. a enfermeira v -me a febre.�est um bocadi nho alta, dorme bem aqui sozinho agora que se� �acabaram as tagareli ces com a patricia madigan, que n o vai� �chegar a ter cabelos brancos. abana a cabe a para o seumas e ele abana tamb m a cabe a� � �para ela, com um ar triste. as enfermeiras e as freiras acham sempre que n o sabemos do�que elas est o a falar. julgam que quando temos dez anos,�quase onze, somos t o patetas como o meu tio pat sheehan que�caiu de cabe a para baixo. n o podemos fazer perguntas. n o� � �podemos dar a enten der que percebemos o que a enfermeira�disse a respeito da patricia madigan, que vai morrer, nempodemos dar a entender que temos vontade de chorar por aquelamenina que nos ensinou um poema lindo que a freira diz que �mau. a enfermeira diz ao seumas que tem de se ir embora emanda-o varrer o cot o por baixo da minha cama e dar uma�limpeza enferma ria. o seumas diz-me que ela mesmo uma� � �cabra velha por ter ido a correr dizer Irm Rita que� �and vamos a dizer o poema de um quarto para o outro, que n o� �se apanha doen a nenhuma com um poema, a menos que seja um�poema de amor, ah, ah, e isso n o nada prov vel quando se� � �tem quantos? dez anos quase onze? nunca ouviu tal coisa, umacrian a ser levada para o andar de cima por dizer um poema, e�era bem capaz de ir ao *limerick leader* para eles porem ahist ria toda no jornal, se n o fosse saber que ia perder o� �emprego se a irm Rita descobrisse. seja como for, frankie,�daqui a uns dias vais-te embora e j vais poder ler a poesia�toda que quiseres, mas a patricia n o sei, a patricia n o sei,� �valha-nos deus. dois dias depois sabe. a patricia levantou-se para ir �casa de banho, em vez de utilizar a arrastadeira, desmaiou emorreu. o seu mas est a limpar o ch o, com as l grimas a� � � �

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ca rem-lhe pela cara abaixo, e a dizer, uma desgra a uma� � �pessoa t o linda morrer numa casa de banho. disse-me que�estava muito arrependida de te ter dito para recitares o poemae, por causa disso, teres sido transferido, frankie. disse quetinha sido ela a culpada. n o foi, seumas.� eu sei, mas n o lhe disse isso.� a patricia morreu e eu vou ficar sem saber o que aconteceuao salteador e Bess, a filha do estalajadeiro. pergunto ao�seumas, mas ele n o sabe nada de poesia, principalmente de�poesia inglesa. uma vez soube um poema irland s, mas falava de�fadas e n o tinha nada a ver com salteadores. mas h -de� �perguntar aos homens que costu mam estar no *pub* onde ele�vai, e onde h sempre algu m a recitar qualquer coisa, e� �depois diz-me. entretanto, posso entreter-me a ler a minhahist ria de inglaterra e a descobrir toda a perf dia deles. � � �essa a palavra que o seumas diz, perf dia, e eu n o sei o que� �quer dizer, mas se uma coisa que os ingleses costumam fazer,�deve ser horr vel. � o seumas vem limpar o ch o tr s vezes por semana e a� �enfermeira vem todas as manh s medir-me a temperatura e o�pulso. o m dico ouve os barulhos do meu peito com aquela coisa�que tem pendurada ao pesco o. dizem todos a mesma coisa, como� que est o nosso soldadinho hoje? uma rapariga com um� �vestido azul traz-me comida tr s vezes por dia, mas nunca fala�comigo. o seumas diz que n o boa da cabe a e melhor eu n o� � � � �falar com ela. em julho os dias s o muito compridos e eu tenho medo do�escuro. s h duas l mpadas no tecto da enfermaria e� � �apagam-nas quando levam o tabuleiro do ch e a enfermeira me�d os comprimidos. a enfermeira diz, agora dorme, mas eu n o� �consigo porque vejo pessoas nas outras dezanove camas daenfermaria a morrerem, com a boca verde por tentarem comererva e a gemerem que querem sopa dos protestantes, sopa, umasopa qualquer, e eu tapo a cabe a com a almofada na esperan a� �de que n o venham p r-se volta da minha cama, a atirarem-se� � �a mim e a gritarem por um bocadinho da tablete de chocolateque a minha m e me trouxe na semana passada.� n o, n o foi ela que trouxe. teve de pedir que ma dessem,� �porque j n o tenho visitas. a irm Rita diz que ter visitas� � �no hospital da febre um privil gio e que depois da maneira� �como eu me portei com a patricia madigan e com o poema j n o� �posso ter esse privil gio. diz que dentro de poucas semanas�irei para casa e o que tenho de fazer concentrar-me em�melhorar e aprender outra vez a andar depois de estar seissemanas de cama e que amanh depois do peque no-almo o posso� � �levantar-me. n o sei por que que ela diz que tenho de� �aprender outra vez a andar se eu j ando desde beb , mas,� �quando a enfermeira me p e de p ao p da cama, caio para o� � �ch o e a enfer meira d uma gargalhada e diz, v s, s outra� � � � �vez um beb .� treino a andar de uma cama para outra, para a frente e paratr s, para a frente e para tr s. n o quero ser beb . n o quero� � � � �estar nesta enfermaria vazia, sem a patricia, sem o salteador,sem a filha de l bios vermelhos do estalajadeiro. n o quero os� �fantasmas das crian as de boca verde, a apontarem para mim com�uns dedos esquel ticos e a pedirem-me bocadinhos do meu�chocolate.

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o seurnas diz que um homem l do *pub* sabia todos os�versos do poema do salteador, e que o fim muito triste.�pergunta-me se quero que mo diga porque nunca aprendeu a ler eteve de levar o poema na cabe a. est no meio da enfermaria,� �apoiado ao cabo da esfregona, e recita,

*tlot-tlot, no sil ncio gelado! tlot-tlot na noite que ecoa!�aproximou-se mais e mais! o rosto dela era uma luz! os seus olhos abriram-se por um momento e respirou fundo mais uma vez, depois estendeu um dedo para o luar, e o seu arcabuz estilha ou luar, �e estilha ou o peito dela ao luar*.�

ele ouve o tiro e foge mas, quando o dia desponta e sabecomo a bess morreu, fica perdido de raiva e volta para sevingar, mas morto pelos casacas-vermelhas.�

*vermelhas de sangue eram as suas esporas sobre o sol domeio-dia; vermelho de vinho era o seu casaco de veludo, quando o mataram como um pobre c o, �e sobre o seu sangue ali jaz na estrada,com um ramo de rendas junto face*.�

o seumas limpa a cara com a manga e funga. n o havia�necessida de de te terem mudado aqui para cima e te terem�separado da patricia sem saberes o que aconteceu ao salteadore Bess. uma hist ria muito triste e, quando a contei � � � �minha mulher, ela chorou a noite toda at irmos para a cama.�disse que n o havia necessidade de os casacas-vermelhas terem�morto o salteador e que eles eram respons veis por metade do�mal que anda pelo mundo e que tamb m nunca tiveram a m nima� �piedade pelos ingleses. bem, frankie, se quiseres saber maispoemas, diz-me, que eu arranjo-os no *pub* e trago-os nacabe a.� a rapariga do vestido azul que n o boa da cabe a� � �pergunta-me um dia, sem mais nem menos, gostavas de ter umlivro para leres? e traz-me o *the amazing quest of mr.ernest bliss* de e. phillips oppenheim, que a hist ria de um� �ingl s que est farto de tudo e nunca sabe o que h -de fazer,� � �embora seja t o rico que nem conse gue contar o dinheiro que� �tem. o criado dele leva-lhe todas as manh s o jornal, o ch ,� �um ovo, uma torrada e compota e ele diz, leva isso tudo, avida um vazio. n o consegue ler o jornal, n o consegue comer� � �o ovo e vai definhando. o m dico diz-lhe para ir viver para o�east end de londres, para junto dos pobres, que assim h -de�aprender a amar a vida, e ele faz isso e apaixona-se por umarapariga que pobre mas honesta e muito inteligente e�casam-se e v o viver para a casa dele no west end, que a� �zona rica, porque mais f cil ajudar os pobres e n o estar� � �farto de tudo quando se vive num s tio bonito e confort vel.� �

o seumas gosta que eu lhe diga o que ando a ler. diz que ahist ria do sr. ernest bliss inventada, porque ningu m que� � �estives se em seu perfeito ju zo teria de ir ao m dico por ter� � �dinheiro a mais e nunca comer o ovo, mas nunca se sabe. secalhar, em inglaterra era assim. mas na irlanda nunca

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aconteceria uma coisa dessas. se o ho mem n o comesse o ovo� �seria imediatamente levado para o manic mio ou ent o fariam� �queixa dele ao bispo. estou desejoso de ir para casa e contar ao malachy ahist ria deste homem que n o queria comer o ovo. o malachy vai� �atirar-se para o ch o a rir, porque imposs vel uma coisa� � �dessas acontecer. vai dizer que sou eu que estou a inventar,mas quando lhe disser que a hist ria de um ingl s, vai� � �perceber. n o posso dizer rapariga do vestido azul que a hist ria � � � �uma patetice, porque ela podia ter um ataque. diz-me que, sej tiver acabado de ler aquele, pode trazer-me outro, porque�h uma caixa cheia de livros deixados pelos doentes de outros�tempos. traz-me um livro chamado *tom brown.s school-days*,que dif cil de ler, e um nunca acabar de livros de p. g.� �wodehouse, que me faz rir com ukridge e bertie wooster ejeeves e todos os mulliners. o bertie wooster rico mas come�o ovo todas as manh s com medo do que o jeeves diga. gostava�de falar dos livros com a rapariga do vestido azul ou qualqueroutra pessoa, mas tenho medo que a enfermeira de kerry ou airm Rita descubram e me mudem l para cima para uma� �enfermaria ainda maior com cinquenta camas vazias e muitosfantas mas da grande fome com bocas verdes e dedos�esquel ticos a aponta rem. noite fico deitado a pensar no� � �tom brown e nas suas aventuras na rugby school e em todos ospersonagens de p. g. wodehouse. posso sonhar com a filha doestalajadeiro e os seus l bios vermelhos e nem as enfermeiras�nem as freiras me podem impedir. uma maravi lha saber que o� �mundo n o pode interferir com o interior da nossa cabe a.� � Agosto e vou fazer onze anos. estou no hospital h dois� �meses e pergunto se me deixar o sair no natal. a enfermeira de�kerry diz que eu devia ajoelhar-me e agradecer a deus porestar vivo em vez de estar a queixar-me. n o estou a queixar-me, enfermeira, s estou a perguntar se� �no natal j estarei em casa.� no dia dos meus anos a m e vem ao hospital e manda-me um�pacote com duas tabletes de chocolate e um papel com nomes depessoas l da rua a dizerem-me p e-te bom, vem para casa e s� � �um grande soldado, frankie. a enfermeira deixa-me falar comela pela janela, mas dif cil porque as janelas s o altas� � �e tenho de me empoleirar nos ombros do seumas. digo M e que� �quero ir para casa, mas eladiz que ainda estou um bocadinho fraco e que de certeza quefalta pouco para me deixarem sair. o seumas diz, formid vel� �fazer onze anos porque qualquer dia j s um homem com barba e� �tudo, a teres de ir para o trabalho e, depois, a ires beberuma cerveja como qual�quer homem de bem. ao fim de catorze semanas a irm Rita diz-me que posso ir�para casa e que sou um rapaz cheio de sorte porque dia de�s o francisco de assis. diz-me que fui um doente muito bom,�tirando aquele pequeno problema com o poema e com a patriciamadigan, deus tenha a sua alma em descanso, e convida-me parair almo ar ao hospital no dia de natal. a m e vem buscar-me e� �as minhas pernas est o t o fracas que demoramos muito tempo a� �chegar paragem de autocarro em union cross. demora o tempo�que for preciso. ao fimde tr s meses e meio podemos perder uma hora, diz ela.�

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na barrack road e na roden lane h pessoas porta a� �dizerem -me que uma alegria verem-me ali, que sou um grande� �soldado, um orgulho para o meu pai e a minha m e. o malachy e�o michael sobem a rua a correr para virem ter comigo e dizem,meu deus, vens a andar t o devagarinho. j n o consegues� � �correr? est um dia lindo e sinto-me feliz at que vejo o pai� �sentado na cozinha com o alphie ao colo e sinto um vazio nocora o, porque sei que est outra vez sem trabalhar. durante�� �todo aquele tempo tive a certeza de que ele andava atrabalhar, era o que a m e me dizia, e eu pensava que n o ia� �haver falta de comida nem de sapatos. ele sorripara mim e diz ao alphie, oh!, olha o teu irm o mais velho que�saiu do hospital. a m e diz-lhe o que o m dico recomendou, que tenho de me� �alimentar muito bem e descansar. o m dico disse que o melhor�para eu me recompor seria bife. o pai diz que sim com acabe a. a m e faz caldo de carne com um cubo e o malachy e o� �michael v em-me beb -lo. dizem que tamb m querem, mas a m e� � � �diz-lhes, desapare am, voc s n o tiveram febre tif ide. diz� � � �que o m dico quer que eu v para a cama cedo. tentou acabar� �com as pulgas, mas est o piores do que nunca por causa do�calor que tem feito. al m disso, n o t m muito que tirar de ti� � �da maneira que est s, s pele e� �osso. estou deitado na cama e penso no hospital onde os len is��brancos eram mudados todos os dias e n o havia sinais de�pulgas. havia uma sanita onde pod amos ficar sentados a ler�at que algu m fosse perguntar se ainda est vamos vivos.� � �havia uma banheira onde pod a mos ficar sentados em gua� � �quente o tempo que quis ssemos a dizer,�

*creio, persuadido por evid ncias inquestion veis� �que sois meu inimigo*.

e dizer isto ajuda-me a adormecer. de manh , o malachy e o michael levantam-se para irem para�a escola, e a m e diz que eu posso ficar na cama. o malachy�est na quinta classe com o sr. o.dea e gosta de dizer a toda�a gente que anda a aprender o catecismo grande de capavermelha para fazer a confir ma o e que o sr. o.dea anda a� ��falar-lhes do estado de gra a, de euclides e de como os�ingleses fizeram sofrer os irlandeses durante oito s culos.� mas eu n o quero continuar na cama. os dias de outubro s o� �lindos e prefiro sentar-me l fora a olhar para o cimo da rua�a ver o movimento descendente do sol na parede em frente danossa casa. o mikey moloney traz-me livros de p. g. wodehouseque o pai dele levanta da biblioteca e passo dias formid veis�na companhia de ukridge, bertie wooster e todos os mulliners.o pai deixa-me ler o livro de que mais gosta, *di rio da�pris o* de john mitchel, que a hist ria de um grande rebelde� � �irland s que os ingleses condenaram ao ex lio na terra de van� �diemen na austr lia. os ingleses dizem ao john mitchel que�pode andar por onde quiser na terra de van diemen desde que d�a sua palavra de honra de que n o vai tentar fugir. ele d a� �palavra de honra at que chega um barco para o ajudar a fugir�e ele vai ao escrit rio do magistrado ingl s e diz-lhe, vou� �fugir, e salta para cima do seu cavalo e acaba em nova iorque.

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o pai diz que n o se importa que eu leia livros tolos de p. g.�wodehouse desde que n o me esque a dos homens que deram o seu� �contributo e as suas vidas pela irlanda. n o posso ficar em casa para sempre e a m e leva-me outra� �vez para a escola de leamy em novembro. o novo director, o sr.o.halloran, diz que lamenta muito, mas que perdi mais de doismeses de escola e, por isso, tenho de voltar para a quintaclasse. a m e diz que de certeza que eu estou preparado para�ir para a sexta classe. afinal de contas, s perdeu algumas�semanas de escola, diz ela. o sr. o.halloran diz, lamentomuito. leve-o ao sr. o.dea, na porta a seguir. atravessamos o corredor, e digo M e que n o quero ficar� � �na quinta classe. onde est o malachy e eu n o quero andar� � �na mesma classe do meu irm o, que um ano mais novo do que� �eu. j fiz a minha confirma o no ano passado. ele n o. sou� �� �mais velho. j n o sou maior do que ele porque tive a febre� �tif ide, mas sou mais velho.� a m e diz, n o por isso que vais morrer.� � � ela n o se importa e vou para a sala onde est o malachy e� �sei que todos os amigos dele est o a fazer tro a de mim, por� �ter andado para tr s. o sr. o.dea manda-me sentar na primeira�fila e diz-me para n o estar de monco ca do se n o quero levar� � �com a vergasta. mas depois h um milagre e tudo por causa de s o� � �francisco de assis, o meu santo favorito, e de nosso senhor.nesse primeiro dia, quando venho da escola para casa, encontroum *penny* e quero ir a correr loja da kathleen o.connell�comprar uma placa de caramelos cleeves das grandes, mas n o�consigo correr porque ainda tenho as pernas fracas por causado tifo e s vezes tenho de me segurar s paredes. estou� �desesperado por um caramelo cleeves, mas tamb m estou�desesperado por sair da quinta classe. sei que tenho de ir igreja onde est a imagem de s o� � �francisco de assis. o nico que me vai escutar, mas est na� � �outra ponta de limerick, e levo uma hora a chegar l , porque�de vez em quando tenho de me sentar nas escadas e amparar-mes paredes. p r uma vela custa um *penny* e eu fico a pensar� �se n o poderia acender a vela e guardar o dinheiro. n o, s o� � �francisco ia saber. ele adora os passari nhos que andam no ar�e os peixes que andam nos rios, mas n o parvo nenhum. acendo� �a vela, ajoelho-me ao p da imagem e pe o -lhe que me tire da� � �quinta classe onde ando com o meu irm o que provavelmente�quela hora anda pela rua a gabar-se de que o irm o mais velho� �ficou para tr s. s o francisco n o diz nada, mas eu sei que� � �ele est a ouvir e que vai tirar-me daquela classe. o m nimo� � �que pode fazer depois do que me custa vir at aqui ao p da� �imagem dele, e ter que me sentar nas escadas e amparar-me s�paredes, quando podia ter ido Igreja de s o jos e p r uma� � � �vela Pequena flor ou at mesmo ao sagrado cora o de jesus.� � ��de que vale terem-me posto o nome dele, se ele me abandonarnum momento de necessidade? tenho de estar ali sentado na aula do sr. o.dea a ouvir ocatecis mo e todas as outras coisas que ele ensinou no ano�passado. gostava de p r o bra o no ar e dizer as respostas� �todas, mas ele diz, cala-te, deixa o teu irm o responder.�d -lhes provas de aritm tica e manda -me corrigi-las. faz-lhes� � �ditados em irland s e manda-me corrigir os erros. depois�come a a mandar-me fazer redac es e l -las para a aula toda,� �� �

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para mostrar tudo o que aprendi com ele no ano anterior. dizpara os outros todos, o frank mccourt vai mostrar-vos comoaprendeu a escrever t o bem no ano passado. vai fazer uma�redac o sobre nosso senhor, n o vais, mccourt? vai dizer-nos�� �como seria se nosso senhor tivesse crescido em limerick, quetem a arquiconfraria da sagrada fam lia e a cidade mais� �sagrada da irlanda. sabemos que se nosso senhor tivessecrescido em limerick nunca teria crucificado, porque oshabitantes de limerick sempre foram bons cat licos e nada�dados a crucifica es. por isso, mccourt, vais para casa,��fazes a redac o e entregas-ma amanh .�� � o pai diz que o sr. o.dea tem muita imagina o, mas que��nosso senhor j sofreu de mais na cruz, quanto mais ele agora�ir met -Lo em limerick com aquela humidade que vem do rio�shannon. p e o bon e vai dar um daqueles grandes passeios e� �eu tenho de pensar em nosso senhor sozinho e descobrir o quehei-de escrever na redac o.�� no dia seguinte o sr. o.dea diz, muito bem, mccourt, l�l a tua redac o para a aula toda.� �� o nome da minha redac o ...�� � o t tulo, mccourt, o t tulo.� � o t tulo da minha redac o jesus e o tempo .� �� � � � o qu ?� jesus e o tempo .� � est bem, l .� � a minha redac o assim. acho que jesus, que Nosso�� � �senhor n o ia gostar do tempo de limerick porque est sempre a� �chover e o shannon enche a cidade toda de humidade. o meu paidiz que o shannon um rio assassino porque matou os meus dois�irm os. quando olhamos para os retratos de jesus ele anda�sempre a passear por israel embrulhado num len ol. l nunca� �chove nem nunca se ouviu dizer que as pessoas tenham tosse outuberculose nem nada disso e l ningu m trabalha porque a� �nica coisa que fazem andarem por ali, comerem man ,� � �agitarem os punhos e irem a crucifica es.�� sempre que jesus tinha fome, a nica coisa que tinha de�fazer era ir estrada acima at descobrir uma figueira ou uma�laranjeira e encher a barriga. se quisesse uma cerveja s�tinha de passar a m o por cima de um copo grande e l estava a� �cerveja. ou ent o podia visitar a maria madalena ou a irm� �dela, a marta, que elas davam-lhe de comer sem mais perguntase ainda lhe lavavam os p s e a maria madalena secava-lhos com�o cabelo, enquanto a marta lavava a loi a, o que eu n o acho� �nada justo. por que que ela tinha de lavar a loi a enquanto� �a irm se sentava na rua a conversar com nosso senhor? foi bom�jesus ter decidido nascer judeu naquela terra quente porque setivesse nascido em limerick tinha apanhado a tuberculose e n o havia igreja cat lica e tamb m n o havia comunh o nem� � � � �confir ma o e n s n o ter amos de aprender o catecismo nem� �� � � �fazer redac es sobre ele. fim.��� o sr. o.dea fica calado e olha para mim de uma maneiraestranha. fico preocupado porque quando ele fica assim calado sinal de que algu m vai sofrer. mas, depois, diz, mccourt,� �quem que fez essa redac o?� �� fui eu, senhor professor. foi o teu pai que fez essa redac o?�� n o, senhor professor.� vem c , mccourt.�

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saio atr s dele e vamos sala do director, ao fundo do� �corredor. o sr. o.dea mostra-lhe a minha redac o e o sr.��o.halloran tamb m olha para mim de uma maneira estranha.�foste tu que fizeste esta redac o?�� fui, sim, sr. o.halloran. tiram-me da quinta classe e p em-me na sexta classe com o�sr. o.halloran, que onde est o todos os rapazes que eu� �conhe o, o paddy clohessy, o fintan slattery, o quigley das�perguntas e, nesse dia, depois de sair da escola tenho de iroutra vez agradecer a s o francisco, apesar de as minhas�pernas ainda estarem fracas por causa do tifo e de ter de me sentar nas escadas e amparar-me s paredes e fico sem saber se�ter sido alguma coisa de bem que disse na redac o ou alguma� ��coisa de mal. o sr. thomas o.halloran ensina tr s classes na mesma sala,�a sexta, a s tima e a oitava. a cabe a dele como a do� � �presidente roosevelt e tem uns culos dourados. usa fatos�azuis ou cinzentos e tem um rel gio preso a uma corrente de�ouro que vai de um bolso para outro do colete e fica penduradapor cima da barriga dele. chamamos-lhe saltit o porque tem uma�perna mais curta do que a outra e anda aos saltinhos. sabe quelhe chamamos isso e diz, pois, sou o saltit o e hei-de saltar�para cima de voc s. anda com um pau muito comprido, um�ponteiro, e se n o estivermos com aten o ou dermos respostas� ��est pidas, d -nos tr s palmadas em cada m o e d -nos com o� � � � �ponteiro na parte de tr s das pernas. obriga-nos a aprender�tudo de cor, tudo, e por causa disso o pior professor da�escola. adora a am rica e obriga-nos a saber todos os estados�americanos por ordem alfab tica. faz uns quadros em casa de�gram tica irlandesa, hist ria da irlanda e lgebra, pendura-os� � �num cavalete e n s temos de dizer em cantilena os casos, as�conjuga es e as declina es do irland s, os nomes e as�� �� �batalhas famosas, as propor es, as frac es e as equa es.�� �� ��temos de saber todas as datas importantes da hist ria da�irlanda. explica-nos o que importante e porqu . nunca nenhum� �professor nos tinha explicado os porqu s. se pergunt ssemos� �porqu , lev vamos com o ponteiro na cabe a. o saltit o n o nos� � � � �chama idiotas e n o fica furioso se lhe fizermos perguntas. � �o nico professor que p ra e diz, est o a perceber o que eu� � �estou a dizer? t m alguma pergunta que queiram fazer?� ficamos chocados quando o ouvimos dizer que a batalha dekin sale em 1609 foi o momento mais triste da hist ria da� �irlanda, uma batalha em que houve crueldade e atrocidades deambos os lados. crueldade de ambos os lados? do lado irland s? como que� �isso poss vel? todos os outros professores nos disseram que� �os irlandeses sempre lutaram com nobreza, sempre travaramcombates justos. re cita uns versos e obriga-nos a aprend -los� �de cor,

*avan aram para combater, mas acabavam por cair tinham os�olhos fixos nos escudos temer rios. �lutaram com nobreza e coragem, mas n o lutaram bem, ca ram� �feridos no cora o por uma subtil maldi o*.�� ��

se perderam foi por causa dos traidores e dos informadores.mas eu quero saber quais foram essas atrocidades dosirlandeses.

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senhor professor, os irlandeses cometeram atrocidades nabatalha de kinsale? cometeram, sim. segundo reza a hist ria mataram alguns�prisio neiros, mas n o foram melhores nem piores do que os� �ingleses. o sr. o.halloran n o pode estar a mentir. o director da� �escola. durante todos estes anos disseram-nos sempre que osirlandeses eram nobres e faziam discursos corajosos antes deserem enforcados pelos ingleses. agora o sr. o.halloran est�a dizer que os irlandeses fize ram coisas m s. se calhar, a� �seguir vai dizer que os ingleses fizeram coisas boas. t m de�estudar e aprender para serem voc s a tirarem as vossas�conclus es sobre a hist ria, mas n o podem decidir nada, se� � �tiverem a cabe a vazia. apetrechem a vossa cabe a, apetrechem� �a vossa cabe a. a vossa arca do tesouro e ningu m no mundo� � �pode interferir com o que vai l dentro. se ganhassem a�lotaria irlandesa e comprassem uma casa por mobilar,enchiam-na de lixo? a vossa mente a vossa casa e, se a�encherem com as porcarias que v em no cinema, vai acabar por�apodrecer. podem ser pobres, podem ter os sapatos rotos, mas avossa mente um pal cio.� � chama-nos um a um frente da sala para ver os nossos�sapatos. quer saber por que que est o rotos ou por que que� � �alguns n o t m sapatos. diz que uma desgra a e que vai� � � �fazer uma sorteio para arranjar dinheiro para termos todosbotas quentes e fortes no inverno. d -nos livros de rifas e�corremos limerick de uma ponta outra para o fundo de botas�da escola de leamy, o primeiro pr mio cinco libras e cinco�pr mios de uma libra. onze rapazes que n o tinham botas� �arranjam botas novas. eu e o malachy n o arranjamos nenhumas�porque temos uns sapatos, apesar de as solas estarem gastas eficamos a pensar porque corremos n s a cidade toda a vender�rifas para arranjar botas para outros. o fintan slattery dizque com obras de caridade se conseguem indulg ncias plenas e o�paddy clohessy diz-lhe, fintan, e que tal se fosses merda?�

sei quando que o pai faz aquela maldade. sei quando que� �ele gasta o dinheiro do subs dio na bebida e a m e fica� �desesperada e tem de ir Sociedade de s o vicente de paulo e� �pedir fiado na loja da kathleen o.connell, mas n o quero�p -lo de lado e voltar-me s para a m e. como que eu posso� � � �fazer isso, se todas as manh s me levanto cedo com ele, quando�toda a gente ainda est a dormir? acende o�lume, faz o ch , canta para ele ou l o jornal baixinho para� �mim, mas de maneira a n o acordar ningu m. o mikey molloy� �roubou-me o cuchulain, o anjo do s timo degrau foi-se embora�para outro s tio qualquer, mas o meu pai, como ele de manh ,� � �continua a ser meu. compra o *irish press* muito cedo efala-me do mundo, de hitler, mussolini, franco. diz que n o�temos nada a ver com esta guerra, porque os ingleses andamoutra vez com as manhas deles. fala-me dogrande roosevelt, de washington, e do grande de valera, dedublin. de manh temos o mundo s para n s os dois, e ele� � �nunca me diz que devo morrer pela irlanda. fala-me da irlandade antigamente, de quando os ingleses n o deixavam os�cat licos terem escolas, porque queriam manter o povo na�ignor ncia, de como as crian as cat licas se juntavam em� � �escolas ao ar livre nos s tios mais rec nditos para aprenderem� �

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ingl s, irland s, latim e grego. as pessoas adoravam aprender.� �adoravam hist rias e poesia, mesmo que isso n o servisse de� �nada para arranjarem trabalho. homens, mulheres e crian as�juntavam-se em valados para ouvirem os grandes mestres dessetempo e todos perguntavam a si pr prios como seria poss vel� �algu m ter tanta coisa dentro da cabe a. esses mestres� �arriscavam a vida a andar de valado em valado, de sebe emsebe, porque se os ingleses os apanhassem aensinar podiam lev -los para s tios no estrangeiro ou ainda� �pior. diz-me que agora a escola f cil, porque n o temos de� � �estar sentados num muro a aprender contas de somar ou agloriosa hist ria da irlanda. devo portar-me bem na escola�para um dia voltar para a am rica e arranjar um emprego onde�possa estar sentado a uma secret ria com duas canetas de tinta�permanente no bolso, uma com tinta vermelha e outra com tintaazul, a tomar decis es. n o ando chuva e vou ter um fato e� � �sapatos e um s tio acolhedor para viver e que mais pode um�homem desejar? ele diz que na am rica se pode fazer seja o que�for, o pa s das oportunidades. pode ser-se pescador no maine� �ou agricultor na calif rnia. a am rica n o como lime rick,� � � � �uma terra cinzenta com um rio que mata. quando temos o nosso pai s para n s de manh ao p do� � � �lume, n o precisamos de cuchulain, nem do anjo do s timo� �degrau nem de nada. noite, ajuda-nos a fazer os deveres. a m e diz que na� �am rica se chamam trabalhos de casa, mas aqui deveres,� �contas de somar, ingl s, irland s, hist ria. o pai n o� � � �consegue ajudar-nos no irland s porque do norte e n o sabe a� � �l ngua materna. o malachy oferece-se para lhe ensinar todas as�palavras irlandesas que sabe, mas o pai diz que j tarde de mais, que burro velho n o aprende l nguas.� � � �antes de irmos para a cama sentamo-nos ao p do lume e se�dissermos, pai, conte-nos uma hist ria, ele inventa uma sobre�uma pessoa qualquer l da rua e a hist ria leva-nos a todo o� �momento, l acima aos c us, ao fundo do mar e outra vez l� � �para a rua. todas as pessoas que entram na hist ria s o de� �cores diferentes e todas as coisas est o voltadas de pernas�para o ar e andam da frente para tr s. os carros e os avi es� �andam por baixo de gua e os submarinos voam pelos ares. os�tubar es sentam-se nas rvores, enquanto salm es gigantescos� � �brincam na lua com cangurus. ursos polares lutam com elefantesna austr lia e pinguins ensinam zulus a tocar gaita-de-foles.�no fim da hist ria leva-nos l para cima e ajoelha-se connosco� �para rezarmos as nossas ora es. rezamos o pai-nosso, tr s�� �ave-marias, deus aben oe o papa, deus aben oe a nossa m e,� � �deus aben oe a nossa irm e os nossos irm os que j morreram,� � � �deus aben oe a irlanda, deus aben oe o de valera e deus� �aben oe quem der trabalho ao pai. depois diz, agora toca a�dormir, meninos, porque deus est a ver-vos e sabe sempre�quando n o se portam bem.� acho que o meu pai como a sant ssima trindade, com tr s� � �pessoas dento dele, uma pessoa de manh com o jornal, outra� � noite com as hist rias e as ora es e depois outra pessoa� � ��quando faz aquela maldade e vem para casa a cheirar a u sque e�a querer que morramos pela irlanda. fico triste quando ele faz a maldade, mas n o posso�virar-lhe as costas porque a pessoa que de manh me l o� �jornal o meu verdadeiro pai e, se eu estivesse na am rica,� �

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podia dizer, *i love you dad*, como dizem nos filmes, masaqui em limerick n o se pode dizer isso, sen o riem-se de n s.� � �pode dizer-se que se ama deus, os beb s, os cavalos que�ganham, mas, tirando isso, porque se fraco da cabe a.� � �

um tormento dia e noite naquela cozinha, por causa das�pessoas que v o despejar os baldes. a m e diz que n o o rio� � � �shannon nos h -de matar, mas o cheiro da retrete que est � � �nossa porta. mau quando h cheias no inverno e a gua entra� � �por baixo da nossa porta, mas ainda pior quando est calor e� �h moscas, varejeiras e ratazanas.� ao lado da retrete h um est bulo, que onde guardam o� � �cavalo grande da carvoaria do gabbett. chama-se finn egostamos todos muito dele, porque o homem da carvoaria n o�cuida do est bulo como devia ser e o fedor que vem de l� �enche-nos a casa toda. o mau cheiro da retrete e do est bulo�chama as ratazanas e temos de as esmagar com pedras ou paus ouespet -las com a forquilha que est no est bulo. at o cavalo� � � �tem medo das ratazanas, e temos de ter cuidado quando ele seempina. sabe que n o somos ratazanas, porque lhe damos ma s� ��quando vamos roubar algum pomar no campo. s vezes as ratazanas conseguem fugir e entram para dentro�da nossa casa ou para o buraco do carv o por baixo das�escadas, que escuro como breu e, por isso, n o conseguimos� �v -las. mesmo se trouxermos uma vela n o conseguimos v -las,� � �porque furam por toda a parte e n o sabemos onde procurar. se�tivermos lume, podemos aquecer gua e deit -la devagarinho com� �o bico da cafeteira e, assim, elas saem dos buracos por entreas nossas pernas e fogem para a rua, a menos que o luckyesteja porta para as apanhar com os dentes e dar cabo delas.�pens vamos que ele comia as ratazanas, mas deixa-as na rua de�tripas de fora e vai a correr para ao p do meu pai para ele�lhe dar um bocadinho de p o molhado em ch . as pessoas c da� � �rua dizem que estranho um c o fazer isso, mas que outra� �coisa seria de esperar do c o dos mccourts.� ao mais pequeno sinal de uma ratazana, at s de ouvir� �falar nisso, a m e sai de casa e corre pela rua acima.�preferia ter de caminhar toda a vida pelas ruas de limerick doque ficar nem que fosse s um minuto numa casa onde h uma� �ratazana, e nunca pode estar descan sada porque sabe que com o�est bulo e com a retrete ali, h -de haver sempre por perto uma� �ratazana com a fam lia espera do jantar. � � lutamos contra as ratazanas e contra o fedor da retrete.gost va mos de ter a porta aberta, mas n o podemos com as� � �pessoas a desce rem constantemente a rua para virem despejar�os baldes cheios at borda. h fam lias piores do que� � � �outras, mas o pai odeia-as todas, apesar de a m e lhe dizer�que n o t m culpa de h cem anos os construtores terem feito� � �aquelas casas sem retretes, a n o ser aquela nossa porta. o� �pai diz que as pessoas deviam despejar os baldes noite,�quando estamos a dormir, para n o sermos incomodados pelo�cheiro. as moscas s o quase t o m s como as ratazanas. nos dias� � �quen tes, amontoam-se no est bulo e, quando algu m vai� � �despejar um balde, invadem a retrete. se a m e estiver a fazer�comida, v m para a cozinha e o pai diz que um nojo pensar� �que aquela mosca que est pousada no a ucareiro ainda h um� � �minuto estava pousada na pia ou no que resta dela. se tivermos

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uma ferida, elas descobrem-na e um tormento. de dia temos as�moscas, noite temos as pulgas. a m e diz que as pulgas t m� � �uma coisa boa, s o limpas, mas as moscas s o uma porcaria,� �nunca se sabe donde v m e transmitem muitas doen as.� � podemos ca ar as ratazanas e mat -las. podemos acertar nas� �mos cas e nas pulgas e mat -las, mas n o podemos fazer nada em� � �rela o aos vizinhos e aos baldes. se estivermos na rua a��brincar e virmos algu m com um balde, gritamos l para casa,� �balde a caminho, fechem a porta, fechem a porta, e quemestiver dentro de casa corre para a porta. durante o tempoquente, passamos o dia a fechar a porta, porque sabemos quaiss o as fam lias que t m os baldes piores. h fam lias em que o� � � � �pai trabalha e se se habituam a cozinhar com caril, os baldesdelas t m um cheiro insuport vel, que nos d vontade de� � �vomitar. agora com a guerra e os homens a mandarem dinheiro deinglaterra, h cada vez mais fam lias a cozinharem com caril e� �a nossa casa fica a tresandar dia e noite. sabemos quais s o�as fam lias que comem caril e as que comem couves. a m e est� � �sempre maldisposta, o pai d passeios cada vez mais longos�pelo campo e n s brincamos na rua e bem longe da retrete o�m ximo tempo poss vel. o pai j deixou de se queixar do rio� � �shannon. sabe que a retrete pior e leva-me C mara� � �municipal para reclamarmos. o homem que l est diz, a nica� � �coisa que posso dizer-lhe que se mude. o pai diz que n o� �temos dinheiro para isso e o homem diz que n o pode fazer�nada. o pai diz, isto n o a ndia. isto um pa s crist o.� � � � � �aquela rua precisa de mais retretes. o homem diz, est � �espera de que lime rick comece a fazer retretes em casas que�est o a cair aos bocados e �que v o abaixo depois da guerra? o pai diz que podemos morrer�todos por causa daquela retrete. o homem diz que vivemos numapoca cheia de perigos.�

a m e diz que est a ser dif cil ter lume para fazer o� � �almo o de natal mas que, se vou almo ar ao hospital, tenho de� �me lavar da cabe a aos p s. n o quer que a lrm Rita diga que� � � �eu n o estou bem tratado ou que estou pronto para apanhar�outra doen a. logo de manh zinha aquece uma panela de gua e� � �quase que me tira a pele. limpa-me os ouvidos e esfrega-me apele com tanta for a que fica a arder. pode dar-me dois�*pence* para eu ir de autocarro para o hospital, mas vou terde vir a p para casa e at me vai fazer bem por vir com a� �barriga cheia de comida, mas agora ela tem de acender o lumepara cozer a cabe a de porco, as couves e as batatas�branquinhas e farinhen tas que mais uma vez ela conseguiu�arranjar gra as bondade da sociedade de s o vicente de� � �paulo, mas jura que esta h -de ser a ltima vez que celebramos� �o nascimento de nosso senhor com cabe a de porco. para o ano�que vem havemos de ter um ganso ou um bom presunto, porque �que n o havemos de ter, se limerick famosa no mundo inteiro� �pelo presunto? a irm Rita diz, olhem-me bem para isto, o nosso soldadinho�com um ar t o saud vel. continua a ser s ossos, mas mesmo� � �assim... ora diz-me l , foste missa hoje de manh ?� � � fui, irm .� e comungaste? comunguei, irm .� leva-me para uma enfermaria vazia e diz-me, senta-te

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naquela cadei ra que o almo o n o demora. vai-se embora e eu� � �fico a pensar se irei almo ar com as freiras e as enfermeiras�ou numa enfermaria com outras crian as. passado um bocado a�rapariga do vestido azul que me dava livros traz-me o almo o.�pousa o tabuleiro ao lado de uma cama e eu puxo a cadeira paral . olha para mim de sobrolho franzido, contrai o rosto e diz,�toma, est aqui o teu almo o e n o vou trazer-te livros� � �nenhuns. o almo o uma del cia: peru, pur de batata, ervilhas,� � � �gelatina com leite creme e uma ch vena de ch . a gelatina com� �leite creme tem um aspecto delicioso e n o consigo resistir,�por isso vou come ar j por a , se n o estiver ningu m a ver,� � � � �mas quando come o a comer entra a rapariga do vestido azul�para me trazer o p o e diz , o que que est s a fazer? � � � nada. nada, n o. est s a comer o doce antes de almo ares, e sai a� � �correr e a gritar, irm Rita, irm Rita, venha c depressa, e� � �a freira aparece logo e pergunta, est s bem, francis?� estou, irm .� n o est nada bem, irm . est a comer a gelatina com leite� � � �creme antes do almo o. pecado, irm .� � � ora, querida, podes ir que eu falo com o francis. fale, irm , fale com ele porque sen o todas as crian as do� � �hospital v o come ar a comer o doce antes de almo o e depois� � �onde que vamos parar? � tens raz o, tens raz o, onde que vamos parar? agora podes� � �ir. a rapariga vai-se embora e a irm Rita sorri para mim. deus�a aben oe, n o lhe escapa nada, mesmo com a confus o que lhe� � �vai na cabe a. temos de ter paci ncia com ela, francis, por� �causa da falha que ela tem. vai-se embora e aquela enfermaria vazia fica em sil ncio.�quando acabo de comer, fico sem saber o que fazer, porque n o�devemos fazer nada sem nos dizerem. nos hospitais e nas�escolas dizem-nos sempre o que devemos fazer. espero muitotempo at que aparece a rapariga do vestido azul para vir�buscar o tabuleiro. j acabaste? pergunta ela.� j .� pronto, j comeste. agora podes ir para casa.� de certeza que as raparigas que t m uma falha na cabe a n o� � �nos podem dizer para irmos para casa e fico sem saber se devoou n o esperar pela irm Rita. uma enfermeira que passa no� �corredor diz-me que a irm Rita est a almo ar e n o pode ser� � � �incomodada. muito longe de union cross a barrack hill e, quando�chego a casa, a minha fam lia est l em cima na it lia a� � � �comer a cabe a de porco, as couves e as batatas branquinhas e�farinhentas. conto-lhes como foi o meu almo o de natal. a m e� �quer saber se comi com as enfermeiras e com as freiras e ficaum bocado zangada quando lhe conto que comi sozinho numaenfermaria, n o maneira de tratar uma crian a. diz-me,� � �senta-te e come um bocado de cabe a de porco, e eu empurro a�comida for a para a boca e fico t o cheio que tenho de me� � �deitar na cama com uma pan a que nunca mais acaba.�

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de manh cedo e p ra um carro nossa porta, o primeiro� � � �

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que alguma vez apareceu l na rua. saem de l uns homens de� �fato e espreitam para dentro da porta do est bulo onde est� �o cavalo finn. deve estar a acontecer qualquer coisa de malporque nesta rua nunca aparecem homens de fato. o cavalo finn. est deitado no ch o do est bulo de olhos� � � �revira dos para a rua e tem um l quido branco parecido com� �leite volta da boca. o homem do est bulo que trata do finn� �diz que o encontrou assim de manh e que estranho porque ele� �est sempre de p e pronto a comer. os homens abanam a cabe a.� � �o meu irm o michael diz a um dos homens, senhor, o que que o� �finn tem? o cavalo est doente, filho. vai para casa.� o homem do est bulo que trata do finn cheira a u sque. diz� �ao michael, o cavalo est pronto. tem de levar um tiro.� o michael puxa-me pela m o, frank, n o os deixes� �matarem-no. diz-lhes que n o. tu j s grande.� � � o homem do est bulo diz, vai para casa, mi do. vai para� �casa. o michael atira-se a ele aos pontap s, arranha-lhe as m os,� �e o homem d um piparote ao michael. segura o teu irm o, diz� �ele para mim, segura-o. um dos outros homens tira uma coisa amarela e castanha deuma mala, chega-se ao finn, encosta-lhe aquilo cabe a e� �ouve-se um estalido agudo. o finn estremece. o michael gritacom o homem e atira-se a ele, mas o homem diz, o cavalo estavadoente, filho. melhor assim.� os homens de fato v o-se outra vez embora no carro e o�homem do est bulo diz que tem de esperar pelo cami o que vai� �levar o finn, n o pode deix -lo ali sozinho, sen o as� � �ratazanas atiram-se a ele. pergunta se ficamos de olho nocavalo com o nosso c o lucky, enquanto ele vai ao *pub*, est� �doido por uma cerveja. nenhuma ratazana ter qualquer hip tese de se chegar ao� �cavalo finn da maneira que o michael est a tomar conta dele,�com um pau. o homem volta a cheirar a cerveja e a seguir vem ocami o para levar o cavalo, um cami o muito grande com tr s� � �homens e duas grandes t buas que v o desde a parte de tr s do� � �cami o at ao p da cabe a do finn. os tr s homens que vieram� � � � �no cami o e o homem do est bulo atam uma corda volta do finn� � �e puxam-no por cima das t buas, e as pessoas l da rua gritam� �com eles por causa dos pregos e das falhas que h nas t buas,� �que arrancam a pele ao cavalo e tingem as t buas de um�vermelho claro que sangue de cavalo.� est o a dar cabo daquele cavalo.� ser que n o podem ter respeito pelos mortos?� � tenham cuidado com o pobre do cavalo. o homem do est bulo diz, por amor de deus, por que essa� �barulheira? s um cavalo morto, e o michael torna a correr� �para ele, de cabe a inclinada e a amea -lo com os seus punhos� ��pequeninos, at que o homem lhe d um empurr o e ele cai de� � �costas, e a m e avan a para o homem do est bulo com tamanha� � �f ria que ele desata a correr pelas t buas e passa por cima do� �finn para fugir. volta noite, perdido de b bedo, para curar� �a bebedeira e depois de se ir embora come a a sair fumo do�feno e o est bulo arde e o fogo afugenta as ratazanas que�correm pela rua acima com todos os rapazes e todos os c es a�correrem atr s delas, at que conseguem fugir para as ruas das� �pessoas respeit veis.�

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a m e diz, com o alphie j chega. estou esgotada.� �acabou-se. n o h mais filhos.� � o pai diz, a boa mulher cat lica tem de cumprir os seus�deveres de esposa e submeter-se ao marido se n o quer sofrer a�condena o eterna.�� a m e diz, desde que n o tenha mais filhos, n o tenho nada� � �contra a condena o eterna.�� o que que o pai h -de fazer? h uma guerra. os agentes� � �ingleses andam a recrutar irlandeses para trabalharem nasf bricas de muni es, pagam bem, n o se arranja trabalho na� ��� �irlanda, e se a nossa mulher nos volta as costas, falta demulheres coisa que n o h em inglaterra, pois os homens� � �v lidos est o no estrangeiro a lutar contra o hitler e o� �mussolini e podemos fazer tudo o que quisermos, desde quenunca nos esque amos que somos irlandeses e de uma classe�baixa e n o tentemos mostrar mais do que aquilo que somos.� por toda a rua h fam lias a receberem vales de correio dos� �ho mens, que est o na inglaterra. v o a correr aos correios� � �levantar os vales para poderem ir s compras e mostrarem a�toda a gente como a sua vida anda a correr bem ao s bado � �noite e ao domingo de manh . os rapazes v o cortar o cabelo ao� �s bado, as mulheres enrolam o cabelo com tenazes de ferro que�aquecem no lume. agora s o muito importantes, pagam seis�*pence* ou at mesmo um xelim para irem para os lugares do�cinema savoy onde se encontram pessoas de uma classe melhor doque as classes pobres que enchem os lugares de dois *pence*nas galerias do lyric e est o sempre a gritar para o ecr ,� �aquele tipo de pessoas que s o capazes de dar vivas aos�africanos quando atiram lan as ao tarzan ou aos ndios quando� �est o a tirar os escalpos Cavalaria dos estados unidos. aos� �domingos os novos-ricos v o para casa depois da missa todos�emproados e enchem a pan a de carne, batatas, doces e bolos�aos montes, e n o se importam nada de beber ch por ch venas� � �pequenas e muito finas, pousadas em cima de pires queservem para apanhar o ch que escorre, e quando levantam a�ch vena espetam o dedo mindinho para mostrarem como s o� �refina das. algumas at deixam de ir aos caf s de peixe e� � �batatas fritas porque n o se v l outra coisa sen o soldados� � � �b bedos, mulheres da vida, homens que gastam o dinheiro do�subs dio na bebida e as mulheres deles a gritarem-lhes para�irem para casa. esses valentes novos-ricos param agora pelorestaurante savoy ou pelo stella para beberem ch , comerem�bolinhos, limparem a boca dando pancadi nhas com o guardanapo,�todos n o me toques, depois v m para casa de autocarro a� �queixarem-se de que o servi o j n o o que era. agora t m� � � � �electricidade e v em coisas que nunca tinham visto e quando a�noite cai acendem a telefonia sem fios para saberem como vai aguerra. agradecem a deus que hitler tenha aparecido, pois seele n o tivesse invadido a europa toda, os homens da irlanda�continuavam a esfregar o rabo na bicha da bolsa de emprego. algumas fam lias cantam,�

*yip aye aidy aye ay aye ohyip aye aidy aye ay,

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n o queremos saber da inglaterra nem da fran a� �s queremos ver como a alemanha avan a*� �

se o ar fica fresco, acendem o calor fero para ficarem mais�confort veis e sentam-se na cozinha a ouvir as not cias e a� �dizerem que t m pena das mulheres e das crian as inglesas que� �as bombas alem s andam a matar mas que preciso n o esquecer� � �o que a inglaterra nos fez durante oitocentos anos. as fam lias cujos pais est o na inglaterra deitam isso � � �cara das outras. hora do almo o e do ch , as m es� � � �novas-ricas v m porta chamar os filhos, mikey, kathleen,� �paddy, venham almo ar. venham depressa. a perna de carneiro�est uma del cia, as ervilhas s o lindas, as batatas s o� � � �branquinhas e farinhentas. sean, josie, peggy, venham tomar o ch , venham j comer o� �p o mole, com manteiga e um ovo de pata lindo, que mais�ningu m c da rua tem.� � brendan, anoie, patsy, venham comer o serrabulho frito, assalsi chas loirinhas e os bolinhos embebidos no melhor xerez�espanhol. nestas alturas a m e diz-nos para ficarmos em casa. a nossa�comida s p o e ch e ela n o quer que aqueles vizinhos que� � � � �tanto gostam de atormentar as outras pessoas nos vejam del ngua de fora, a penar por causa dos cheirinhos deliciosos�que inundam a rua. diz que f cil de ver que n o est o� � � �habituados a ter nada pela maneira como se gabam do que t m.�s gente do mais baixo que h que se p e � � � � �porta de casa a apregoar aos quatro ventos o que que vai�comer ao jantar. diz que para tirarem despique connosco por�causa do pai ser um estrangeiro l do norte e n o ter nada a� �ver com eles. o pai diz que toda aquela comida vem do dinheirodos ingleses e n o h -de vir nada de bom para quem a comer,� �mas que outra coisa n o seria de esperar de limerick, com as�pessoas a aproveitarem-se da guerra do hitler, a trabalharem ea combaterem para os ingleses. diz que nunca h -de ir ajudar a�inglaterra a ganhar uma guerra. a m e diz, pois n o, vais� �ficar c onde n o h trabalho nem um bocado de carv o para� � � �aquecer a gua para o ch . ficas c a gastar o dinheiro do� � �subs dio na bebida, se te der para isso. ficas c a ver os� �teus filhos de sapatos rotos e sem cu nas cal as. todas as�casas da rua t m electricidade e n s j temos muita sorte se� � �tivermos uma vela. deus bem sabe que se eu tivesse passagem,era eu que ia para a inglaterra, porque de certeza precisam�l de mulheres para trabalharem nas f bricas.� � o pai diz que uma f brica n o lugar para mulheres.� � � a m e diz, e estar de cu sentado nessa cadeira ao p do� �lume tamb m n o lugar para um homem. � � � eu pergunto-lhe, porque que o pai n o pode ir para a� �inglaterra para n s termos electricidade e uma telefonia e a�m e poder ir porta dizer a toda a gente o que que vai ser� � �o nosso almo o?� ele pergunta, n o queres ter o teu pai ao p de ti?� � quero, mas pode voltar quando a guerra acabar e depois j�podemos ir todos para a am rica.� ele diz, com um suspiro, oh!, est bem, est bem. vou para� �inglaterra a seguir ao natal, porque a am rica tamb m j� � �entrou na guerra e por isso deve ser por uma justa causa.nunca iria para l , se os americanos n o tivessem entrado na� �

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guerra. diz-me que vou ter de ser eu o homem da casa e faz umcontrato com um agente para ir trabalhar para uma f brica em�coventry que toda a gente diz ser a cidade mais bombardeada dainglaterra. o agente diz, h l muito trabalho para quem� �queira. pode fazer horas extraordin rias at cair para o lado� �e, se poupar, quando voltar da guerra, vai parecer orockfeller. levantamo-nos cedo para nos irmos despedir do pai esta o� ��do caminho-de-ferro. a kathleen o.connell da loja sabe que opai vai para inglaterra e vai mandar de l muito dinheiro e,�por isso, n o se importa de deixar a m e comprar fiado ch ,� � �leite, a car, p o, manteiga e um ovo.�� � um ovo. a m e diz, este ovo para o vosso pai. precisa de se� �alimentar por causa da longa viagem que tem pela frente. um ovo cozido. o pai tira a casca, parte-o em cinco�bocados e d a cada um de n s um bocadinho para pormos no p o.� � �a m e diz, n o sejas palerma, e o pai diz, para que quer um� �homem um ovo inteiro para ele? a m e tem l grimas nos olhos.� �puxa a cadeira para junto do lume. comemos o p o e olhamos�para ela, a v -la chorar, at que diz, para onde que est o a� � � �olhar? e vira-se para ver as cinzas. o p o e o ovo dela est o� �em cima da mesa e eu pergunto a mim pr prio quais ser o os� �planos dela em rela o a eles, porque t m um aspecto�� �delicio so e eu ainda estou com fome. mas o pai levanta-se e�leva-lhos. ela diz que n o com a cabe a, mas ele aproxima-os� �mais dela, at que acaba por comer o p o e beber o ch , sempre� � �a fungar e a chorar. o pai senta-se em frente dela, emsil ncio, at que a certa altura olha para o rel gio e diz,� � �est na hora. p e o bon e agarra no saco. a m e embrulha o� � � �alphie num cobertor velho e pomo-nos a caminho pelas ruas delimerick. h mais fam lias pelas ruas. os pais que v o partir v o � � � � �frente, as m es levam beb s ao colo ou em carrinhos. as m es� � �com carrinhos dizem s outras m es, por amor de deus, minha� �senhora, deve estar estafada de levar essa crian a ao colo.�ponha-a aqui no carrinho e descanse os seus pobres bra os.� os carrinhos chegam a ter quatro e cinco beb s l dentro,� �todos aos guinchos, porque os carrinhos s o velhos, as rodas�tortas e os beb s abanam tanto que ficam agoniados e vomitam a�papa. os homens dizem uns para os outros, belo dia, mick. est um�dia lindo para viajar, joe. pois est , mick. pod amos beber� �uma cerveja antes de partirmos, joe. pois pod amos, mick. para�irmos para onde vamos, n o faz mal irmos b bedos, joe.� � riem-se e as mulheres que seguem atr s deles t m l grimas� � �nos olhos e o nariz encarnado. os *pubs* volta da esta o est o cheios de homens a� �� �gastarem na bebida o dinheiro que os agentes lhes deram paracomprarem comida durante a viagem. est o a beber a ltima� �cerveja, a ltima gota de u sque em solo irland s, pois s� � � �Deus que sabe se n o ser o os ltimos que vamos beber, mick,� � � �da maneira que os alem es est o a correr com os ingleses de� �inglaterra bomba, e j n o era sem tempo depois do que eles� � �nos fizeram, mas n o uma trag dia termos de ir para l� � � �salvar o p lo do nosso inimigo ancestral?� as mulheres ficam porta dos *pubs* a conversar. a m e diz� � Sra. meehan, o primeiro vale que receber vai ser para ir � �

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loja comprar um grande pequeno-almo o para podermos comer�um ovo cada um num domingo de manh .� olho para o meu irm o malachy. ouviste? um ovo para cada um�num domingo de manh . oh!, meu deus, j estava a fazer planos� �para o meu ovo: dar-lhe uma pancadinha em cima, partir a cascacom cuidado, levant -la com uma colher, p r um bocadinho de� �manteiga em cima da gema, sal, tudo com muita calma, meter acolher, tirar um bocado, mais sal, mais manteiga, para dentroda boca, oh!, deus seja louvado, se o c u sabe a alguma coisa�tem de ser a ovo com manteiga e sal, e a seguir ao ovo h�alguma coisa que saiba melhor do que p o ainda quente e uma�caneca de ch dourado e doce?� alguns homens j est o t o b bedos que n o conseguem andar� � � � �e os agentes ingleses pagam a homens s brios para os�arrancarem dos *pubs* e os atirarem para cima de um palanquepuxado por cavalos para serem i ados para a esta o e atirados� ��para dentro do comboio. os agentes tentam desesperadamentetir -los todos dos *pubs*. saiam da , homens. perder o comboio� � perder um bom emprego. saiam da . em inglaterra tamb m h� � � �guinness. tamb m h Jameson. v l , homens. por favor. est o a� � � � �gastar o dinheiro da comida na bebida e n o v o receber mais.� � os homens dizem aos agentes que deviam lamber-lhes o cu, aeles irlandeses, que t m muita sorte em estarem vivos, muita�sorte em n o terem sido enforcados no candeeiro mais pr ximo� �depois de tudo o que fizeram Irlanda. e cantam,�

*em mountjoy numa manh de segunda-feira, �bem no alto da forca kevin barry deu a sua vida, ainda jovem, pela causa da liberdade*.

o comboio apita na esta o e os agentes imploram s�� �mulheres que v o buscar os maridos aos *pubs*, e os homens�saem aos trope es, a cantarem, a chorarem, a abra arem as�� �mulheres e os filhos e a prome terem que h o-de mandar tanto� �dinheiro que limerick ir transfor mar-se noutra nova iorque.� �sobem os degraus da carruagem e as mulheres e os filhosgritam-lhes, kevin, meu amor, tem cuidado e n o andes com a camisa�molhada. seca as pe gas, michael, sen o as bolhas nos p s v o dar� � � �cabo de ti. paddy, cuidadinho com a bebida, est s a ouvir, paddy?� pai, pai, n o v , pai.� � tommy, n o te esque as de mandar dinheiro. os mi dos est o� � � �pele e osso. peter, n o te esque as de tomar o rem dio. olha que o teu� � �peito fraco. valha-nos deus.� larry, tem cuidado com as malvadas das bombas. christy, n o fales com as inglesas. est o cheias de� �doen as.� jackie, n o v s. havemos de nos arranjar. n o v s,� � � �jackiiie, jackiiie, oh!, por amor de deus, n o v s. � � o pai faz-nos uma festinha na cabe a. diz-nos para n o nos� �esquecermos dos nossos deveres religiosos mas o maisimportante obedecermos nossa m e. est parado frente� � � � �dela. a m e tem o alphie ao colo. o pai larga o saco e�abra a-a. ficam assim por um instante at que o beb come a a� � � �

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chorar. o pai diz que sim com a cabe a, pega no saco, entra�para a carruagem, volta-se para dizer adeus e vai-se embora. quando chegamos a casa, a m e diz, n o me interessa. sei� �que parece uma extravag ncia mas vou acender o lume e fazer�mais ch , porque n o todos os dias que o vosso pai vai para� � �a inglaterra. sentamo-nos volta do lume, bebemos o ch e choramos� �porque agora n o temos pai, at que a m e diz, n o chorem, n o� � � � �chorem. agora que o vosso pai foi para a inglaterra, tenho acerteza de que os nossos problemas v o acabar.� a certeza.

a m e e a bridey hannon est o l em cima na it lia sentadas� � � �ao pe do lume a fumarem woodbines e a beberem ch , e eu estou�sentado nas escadas a ouvi-las. o nosso pai est na inglaterra�para n s poder mos ir loja da kathleen o.counell buscar� � �tudo o que queremos e s pagarmos quando ele come ar a mandar� �dinheiro, daqui por quinze dias. a m e diz Bridey que est� � �ansiosa por sair desta porcaria desta rua e ir para um s tio�onde haja uma casa de banho decente que n o sejamos obrigados�a dividir com meio mundo. vamos ter botas e casacos novos paran o nos molharmos e n o chegarmos a casa esfo meados. ao� � �domingo ao pequeno-almo o vamos comer ovos com toucinho e ao�almo o presunto, couves e batatas. vamos ter luz el ctrica,� �por que que n o havemos de ter? o frank e o malachy n o� � �nasceram na am rica onde toda a gente tem luz?� a nica coisa que temos de fazer esperar duas semanas at� � �o rapaz dos telegramas nos bater porta. o pai vai ter de�assentar no trabalho dele l na inglaterra, comprar roupa de�trabalho e arranjar um s tio para ficar, por isso o primeiro�vale n o vai ser grande, tr s libras ou tr s libras e dez, mas� � �dentro em breve iremos ser como as outras fam lias c da rua,� �cinco libras por semana, pagar as d vidas, comprar roupa nova,�p r qualquer coisa de lado para o dia em que agarrarmos na�trouxa e abalarmos para a inglaterra e a poupar para ir�para a am rica. at a m e podia arranjar trabalho em� � �inglaterra numa f brica de bombas ou outra coisa qualquer e�deus bem sabe que n s nem nos reconhecer a mos se o dinheiro� � �come asse a entrar a rodos. a m e n o gostava que n s� � � �tiv ssemos sotaque ingl s quando formos maiores, mas mais vale� �ter sotaque ingl s do que ter a barriga vazia.� a bridey diz que n o interessa qual o sotaque que os�irlandeses t m, porque jamais se esquecer o do que os ingleses� �lhes fizeram durante oitocentos anos. sabemos como s o os s bados na nossa rua. sabemos que h� � �algu mas fam lias como os downes que moram do outro lado da� �rua que recebem o vale cedo porque o sr. downes um homem com�bons h bitos que bebe uma ou duas cervejas sexta-feira e� �depois vai para a cama. sabemos que os homens como ele v o a�correr aos correios mal recebem o sal rio, para que as suas�fam lias n o tenham de esperar nem de se preocupar por um� �minuto que seja. os homens como o sr. downes mandam aos filhosasas da raf para pregarem aos casacos. era o que n s tamb m� �quer amos e pedimos ao pai antes de ele se ir embora, pai, n o� �se esque a dos distintivos da raf, pai.� vemos os rapazes dos telegramas nas suas bicicletas a subire a descer a rua s curvas. andam felizes da vida, porque as�gorjetas que recebem nas ruas como a nossa s o maiores do que�

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as que recebem nas ruas e avenidas dos ricos e que at�o vapor do mijo deles dariam de m vontade.� as fam lias que recebem os vales cedo ficam com um ar�satisfeito. v o ter o s bado todo para se gozarem do dinheiro.� �v o fazer com pras, v o comer, v o ter o dia todo para pensar� � � �o que ir o fazer noite e isso quase t o bom como sair no� � � �s bado noite porque quando se tem uns xelins no bolso, n o� � �h nenhuma noite t o deliciosa como a de s bado.� � � h fam lias que n o recebem o vale todas as semanas, e� � �sabemos quais s o pelo seu ar ansioso. a sra. meagher passou�os s bados porta, espera, durante dois meses. a minha m e� � � �diz que morreria de vergonha de esperar assim porta. todas�as crian as que andam a brincar na rua est o sempre de olho no� �rapaz dos telegramas. ei, rapaz dos telegramas, tens algumacoisa para os meagher? e, quando ele diz que n o, perguntam,�tens a certeza? e ele responde, claro que tenho a certeza. seibem o que trago dentro da merda da bolsa. toda a gente sabe que depois das ave-marias s seis da�tarde o rapaz dos telegramas j n o vem mais e a noite traz� �consigo o desespe ro para mulheres e crian as. � � rapaz dos telegramas, procura l outra vez na bolsa. por�favor. oh!, meu deus. j procurei. n o tenho nada para voc s.� � � oh!, meu deus, procura l . o nosso nome Meagher.� �procuras? sei muito bem que o vosso nome Meagher e j procurei.� � as crian as agarram-no na bicicleta e ele afasta-as aos�pontap s larguem-me, por amor de deus.� o dia acaba quando tocam as ave-marias s seis da tarde.�quem recebeu o vale est a jantar de luz el ctrica acesa para� �toda a gente ver e quem n o recebeu o vale tem de acender uma�vela e ir loja, kathleen o.connell ver se ela lhes fia�algum p o e ch at semana que vem a esta mesma hora, quando� � � �com a ajuda de deus e da sua santa m e o vale chegar.� o sr. meehan ao cimo da rua foi para inglaterra com o paie, quando o rapaz dos telegramas p ra porta deles, sabemos� �que a seguir somos n s. a m e j tem o casaco ao p de si para� � � �ir aos correios, mas n o sai da cadeira ao p do lume l em� � �cima na it lia enquanto n o tiver o telegrama na m o. o rapaz� � �dos telegramas desce a rua e p ra porta dos downes.� �entrega-lhes o vale, guarda a gorjeta e vira a bicicleta parasubir outra vez a rua. o malachy grita-lhe, rapaz dostelegramas, trazes alguma coisa para os mccourt? o nosso valevem hoje. o rapaz abana a cabe a e vai-se embora.� a m e est a fumar um woodbine. bem, temos o dia todo, mas� �eu gostava de ir s compras cedo antes de os melhores�presuntos desapa recem do talho do barry. a m e n o pode sair� � �de ao p do lume e n s n o podemos sair da rua com medo de que� � �o rapaz dos telegramas venha e n o encontre ningu m em casa.� �se isso acontecesse, t nhamos de esperar at segunda-feira e� �amos ficar com o fim-de-semana com pletamente estragado.� �temos de ver os meehan e todos os outros a pavonearem-se comos seus fatos novos, a acartarem para casa ovos, batatas esalsichas para comerem no domingo e a sa rem para ir ao cinema�no s bado noite. n o, n o podemos dar nem um passo enquanto� � � �o rapaz dos telegramas n o chegar. a m e diz que entre o� �meio-dia e as duas n o vale a pena preocuparmo-nos porque a�essa hora os rapazes dos telegramas v o almo ar e de certeza� �

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que entre as duas e as ave-marias vai ser um rodopio. n o�vale a pena preocupar mo-nos at s seis da tarde. fazemos� � �parar todos os rapazes dos telegramas. dizemos-lhes que onosso nome Mccourt, que o primeiro vale que vamos� �receber, que deve ser tr s libras ou mais, que se calhar�esqueceram-se de p r o nosso nome ou a nossa morada no vale,�perguntamos-lhe se tem a certeza, se tem mesmo a certeza. um deles diz que vai perguntar nos correios. diz que sabe oque estar espera do rapaz dos telegramas porque o pai dele� � um sacana de um b bedo que anda l pela inglaterra e nunca� � �mandou um tost o. a m e ouve l dentro e diz-nos que nunca se� � �deve falar assim de um pai. o mesmo rapaz torna a aparecerquase hora das ave-marias e diz-nos que perguntou Sra.� �o.connell l dos correios se tinha recebido alguma coisa para�os mccourt e ela disse que n o. a m e volta-se para as cinzas� �apagadas do lume e chupa o ltimo bocadinho da beata do�woodbine presa entre o polegar castanho e o dedo m dio�queimado. o michael, que ainda s tem cinco anos e n o vai� �perceber nada enquanto n o tiver onze como eu, quer saber se�vamos comer peixe com batatas fritas porque est com fome. a�m e diz-lhe, para a semana, querido, e ele torna a ir brincar�para a rua. quando o primeiro vale n o chega, fica-se sem saber o que�fazer. n o se pode ir para a rua brincar com os nossos irm os� �porque j n o est ningu m na rua e seria uma vergonha ficar� � � �l fora a sofrer com o cheiro das salsichas, do toucinho e do�p o frito. n o se quer ver a luz el ctrica pelas janelas nem� � �ouvir as not cias da bbc ou da r dio irlanda nas telefonias� �das outras pessoas. a sra. meagher e os filhosforam para dentro de casa e s se v a luz tr mula de uma vela� � �na cozinha da casa deles. tamb m est o com vergonha. ficam em� �casa ao s bado noite e nem sequer v o missa ao domingo de� � � �manh . a bridey hannon disse M e que a sra. meagher tem uma� � �vergonha enorme dos farrapos com que andam vestidos e est t o� �desesperada que foi ao dispens rio pedir ajuda assist ncia� � �social. a m e diz que�isso a pior coisa que pode acontecer a uma fam lia. pior� � �do que viver do subs dio de desemprego, pior do que ir � �sociedade de s o vicente de paulo, pior do que andar pelas�ruas a pedir esmola com os bo mios e vadios. o ltimo� � �recurso que as pessoas t m antes de irem para o albergue dos�pobres e meterem os filhos no orfanato.

tenho uma ferida ao cimo do nariz, entre as sobrancelhas. �cinzenta, vermelha e d -me comich o. a av diz, n o toques� � � �nisso e n o lhe chegues gua, sen o alastra. se fosse um bra o� � � �partido, ela diria, n o lhe chegues gua, sen o alastra. mas a� � �ferida alastra para os olhos, que ficam vermelhos e deitam uml quido amarelo que os faz estarem colados de manh . ficam t o� � �colados que tenho de os abrir for a com os dedos, e a m e� � �tem de tirar aquela coisa amarela com um trapo molhado e p�b rico. caem-me as pestanas e todos os bocadi nhos de p de� � �limerick me entram para os olhos nos dias de vento. a av�diz que tenho os olhos nus e que a culpa minha por passar a�vida sentado ao cimo da rua debaixo do candeeiro, fa a o tempo�que fizer, com o nariz enfiado nos livros, e que h -de�acontecer o mesmo ao malachy, se n o parar com a leitura. at� �o michael, ainda t o pequenino, j est a ganhar esse mau� � �

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h bito, com o nariz sempre metido nos livros em vez de andar a�brincar ao ar livre, que o que d sa de s crian as. livros,� � � � �livros, livros, diz a av . H o-de dar cabo dos olhos.� � est a beber ch com a m e e eu ou o-a segredar, o rem dio� � � � � dar-lhe cuspo de santo ant nio.� � o que isso? pergunta a m e.� � o teu cuspo de manh , quando ainda est s em jejum. vai ao� � �p dele, antes de ele acordar, e cospe-lhe para os olhos,�porque o cuspo de uma m e em jejum tem grande poder de cura.� mas eu acordo sempre antes da m e. muito antes de ela se�mexer na cama, j eu abri os meus olhos for a. ou o os� � � �passos dela no ch o e quando est ao p de mim, preparada para� � �cuspir, abro os olhos e ela diz, gra as a deus. tens os olhos�abertos. acho que est o a melhorar.� ainda bem, e volta para a cama. os meus olhos nunca mais est o bons e ela leva-me ao�dispens rio, que onde os pobres v o ao m dico e arranjam os� � � �rem dios. o lugar onde se recorre assist ncia social,� � � �quando n o se tem pai ou est em parte incerta e n o se recebe� � �subs dio de desemprego nem qualquer esp cie de sal rio.� � � h bancos ao longo das paredes junto aos gabinetes dos�m dicos. os bancos est o sempre cheios de pessoas a falarem� �dos seus males. os velhos ficam sentados a gemer e os beb s�choram e as m es dizem, pronto, querido, pronto. h um estrado� �alto no meio do dispens rio com um balc o em toda a volta, � � �altura do peito. quem quer alguma coisa tem de se p r numa�bicha ao p do estrado, para falar com sr. coffey ou com o sr.�kane. as mulheres que est o nesta bicha s o iguais s que� � �est o na bicha da sociedade de s o vicente de paulo. usam� �xailes e tratam o sr. coffey e o sr. kane com muito respeito,porque, se n o o fizerem, arriscam-se a ouvir dizer para se�irem embora e voltarem na semana seguinte, apesar de sernaquele preciso momento que est o a necessitar da assist ncia� �social ou de uma senha para ir ao m dico. s o eles que decidem� �se o nosso desespero suficiente para termos direito � �assist ncia social ou se a nossa doen a justifica que vamos ao� �m dico. temos de lhes dizer frente de toda a gente o que � � �que temos e muitas vezes ainda por cima se riem a bom rir.dizem, mas afinal o que que quer, sra. o.shea? uma senha�para o m dico, isso? mas qual o seu mal, sra. o.shea?� � �ah!, uma dor. se calhar, foi uma ponta de ar. ou, se calhar,�foi couve a mais. isso passa com couves. riem-se e a sra.o.shea tamb m se ri e todas as mulheres se rirem e dizem que�o sr. coffey e o sr. kane s o muito engra ados e que n o ficam� � �atr s de laurel e hardy.� o sr. coffee diz, ent o, mulher, diz l como que te� � �chamas. angela mccourt, senhor. e o que que queres?� o meu filho, senhor. tem os olhos doentes.� oh!, meu deus, pois tem, mulher. tem os olhos num estadodesesperado. parecem dois s is a nascer. os japoneses podiam�p -los na bandeira deles, ah, ah, ah. deitaste-lhe cido na� �cara ou qu ?� uma infec o qualquer, senhor. teve febre tif ide no ano� �� �passa do e agora apareceu-lhe isto.� est bem, est bem, n o preciso contares a hist ria da� � � � �

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tua vida. toma l a senha para ires ao dr. troy.� h dois bancos compridos cheios de doentes para o dr. troy.�a m e senta-se ao lado de uma mulher que tem uma grande ferida�no nariz, que n o h meio de passar. j tentei tudo, minha� � �senhora, todas as mezinhas que existem nesta terra de deus.ser muito querer ir ao encontro do redentor com o nariz�curado? e a senhora, o que que tem?� o meu filho. os olhos.� ah!, nosso senhor nos valha e nos aben oe, olhem-me para�esses olhos. nunca vi olhos t o doentes em toda a minha vida.�nunca tinha visto um vermelh o assim.� uma infec o, minha senhora.� �� mas h cura para isso. precisa de coifa.� o que isso?� uma coisa que os beb s t m na cabe a quando nascem, uma� � � �esp cie de cobertura, com poderes raros e m gicos. arranje uma� �coifa e ponha-lha em cima da cabe a num dia que tenha um tr s,� �obrigue-o a ficar tr s minutos sem respirar, nem que tenha de�lhe dar uma chapada, salpique-o tr s vezes com gua benta da� �cabe a aos p s e de manh os olhos dele v o estar como novos.� � � � e onde que eu arranjo uma coifa?� todas as parteiras t m coifas, minha senhora. o que uma� �partei ra sem coifa? servem de cura para todas as doen as e� �afastam outras que possam vir. a m e diz que vai falar com a enfermeira o.halloran para�ver se ela lhe arranja uma coifa. mal v os meus olhos o dr. troy diz, j para o hospital com� �este rapaz. leve-o enfermaria dos olhos do city home. est� �aqui a senha para ele ficar l .� o que que ele tem, doutor?� tem a pior conjuntivite que eu alguma vez vi em toda aminha vida, e mais outra coisa qualquer que eu n o sei o que�. precisa de ir ao m dico dos olhos.� � quando tempo que vai ter de l ficar, senhor doutor?� � s Deus sabe. h semanas que esta crian a devia ter sido� � �vista por mim. a enfermaria tem vinte camas, ocupadas por homens e mi dos�com ligaduras volta da cabe a, vendas pretas nos olhos e� �culos com lentes muito grossas. alguns andam pela enfermaria�a tactear as camas com uma bengala. h um homem que est� �sempre a gritar que nunca mais vai voltar a ver, que ainda �muito novo, que os filhos ainda s o de colo e nunca mais vai�tornar a v -los. jesus cristo, oh!, jesus cristo, e as�enfermeiras andam muito chocadas por ele invocar o nome dosenhor em v o. pare com isso, maurice, pare com essas�blasf mias. tem sa de. est vivo. cada um tem os seus� � �problemas. ofere a o seu sofrimento a deus e lembre-se de como�ele sofreu na cruz, com a coroa de espinhos, com os p s e as�m os trespassados pelos cravos, com a ferida de lado. o�maurice diz, oh!, jesus cristo, baixai os vossos olhos e tendepiedade de mim. a irm Bernardette avisa-o de que se n o tiver� �tento na l ngua o p em sozinho numa enfermaria, e ele diz,� �deus seja louvado, e como isso j n o t o mau como jesus� � � �cristo, ela d -se por satisfeita.� de manh tenho de ir l abaixo p r as gotas. a enfermeira� � �diz, senta-te naquela cadeira alta. tens aqui um rebu ado. o�m dico tem um frasco com um l quido castanho. manda-me� �inclinar a cabe a para tr s, isso mesmo, agora abre os olhos,� �

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abre bem, e deita o l quido para o meu olho direito e como� �se uma chama me entrasse para dentro do cr nio. a enfermeira�limpa-me a cara e manda-me ir a correr para a cama, mas eu n o�consigo ver quase nada e a minha vontade era meter a caradentro de um gelado. o m dico diz, corre, porta-te como um�homem, como um bom soldado. vou a subir a escada e vejo tudo castanho e enevoado. osoutros doentes est o sentados na cama com os tabuleiros com o�almo o e o meu tamb m l est , mas eu n o quero comer com o� � � � �calor que vai dentro da minha cabe a. sento-me na cama e um�rapaz que est do outro lado diz-me, n o queres o teu almo o?� � �fica para mim, e vem busc -lo. � tento deitar-me, mas a enfermeira diz, ent o, ent o, nada� �de estar metido na cama em pleno dia. o teu caso n o assim� �t o grave.� tenho de ficar sentado de olhos fechados e vejo tudocastanho e preto, preto e castanho e tenho a certeza de quedevo estar a sonhar porque, deus seja louvado, olha o meninoda febre tif ide, o frankie, meu pequenino, a lua era um�gale o fantasmag rico batido por mares enevoados, n o que� � � �fui promovido e sai do hospital da febre, gra as a deus, onde�h todas as doen as e nunca se sabe que germes que estamos a� � �levar para casa, para a nossa mulher, metidos na roupa, eent o o que tu tens, frankie? com esses olhos a na cabe a� � � �todos castanhos ? tenho uma infec o, seumas.�� ora, isso passa-te antes de te casares, frankie. os olhosprecisam de exerc cio. faz muito bem piscar os olhos. tinha um�tio que sofria dos olhos e foi a piscar os olhos que se curou.todos os dias se sentava durante uma hora a piscar os olhos eacabou por dar resultado. ficou com uns olhos muito fortes,l isso que ficou.� � gostava de lhe perguntar mais coisas sobre isso de piscaros olhos, mas ele diz, lembras-te do poema, frankie, daquelelindo poema da patricia? est na passagem entre as camas, com a esfregona e o balde�e diz o poema do salteador. todos os doentes param de gemer,as freiras e as enfermeiras param a ouvir, e seumas continuaat ao fim e, nesse momento, toda a gente desata a bater�palmas e a dar-lhe vivas e ele diz que adora aquele poema eque h -de t -lo para sempre na cabe a, v para onde for, e que� � � �se n o fosse o frankie mccourt, que est ali, quando teve o� �tifo, e a pobre da patricia madigan, que tinha difteria emorreu, deus tenha a sua alma em descanso, ele nunca o teriaapren dido. e, assim, fiquei famoso na enfermaria dos olhos do�city home hospital gra as ao seumas.� a m e n o pode vir visitar-me todos os dias, e muito longe,� �nem sempre tem dinheiro para vir de autocarro e custa-lhe aandar por causa dos calos. acha que os meus olhos est o�melhores, mas dif cil ver por causa do l quido castanho, que� � �parece e cheira a iodo, e se alguma coisa parecida com iodo�deve arder. mas costuma dizer-se que o que arde cura. d o-lhe�autoriza o para me levar a passear pelo jardim, quando o��tempo melhora, e tenho uma vis o estranha, o sr. timoney de�p , encostado parede onde costumam estar os velhos, com os� �olhos erguidos para o c u. quero falar com ele, mas tenho de�perguntar M e porque nunca se sabe o que se pode e n o pode� � �fazer num hospital.

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sr. timoney. quem ? quem que temos aqui?� � o frank mccourt, sr. timoney. francis, oh!, francis. a m e diz, sou a m e dele, sr. timoney.� � muito bem. aben oados sejam. n o tenho amigos, nem� �parentes, nem a minha cadela macushla. e tu, francis, queest s aqui a fazer?� tenho uma infec o nos olhos.�� oh!, meu jesus, francis, nos olhos n o, nos olhos n o.� �ainda s muito novo para isso.� sr. timoney, quer que leia para si? com os olhos assim, francis? n o, filho. poupa a vista. a�leitura j ficou para tr s. tenho tudo o que preciso dentro da� �cabe a. tive esperteza suficiente para p r tudo dentro da� �cabe a quando era novo, e agora tenho uma biblioteca dentro�dela. os ingleses mataram a minha mulher. os irlandesesmataram a minha pobre e inocente macushla. a m e diz, o mundo est terr vel, mas deus grande.� � � � pois , minha senhora, deus fez o mundo, o mundo est� �terr vel, mas deus grande. adeus, francis. descansa os olhos� �e, quando ficarem bons, l at eles te ca rem da cabe a.� � � �pass mos uns bons bocados com o jonathan swift, n o passamos,� �francis? pass mos, sr. timoney.� a m e leva-me outra vez para a enfermaria dos olhos e�diz-me, n o estejas a chorar pelo sr. timoney. ele nem sequer� teu pai. al m disso, vais dar cabo dos olhos.� � o seumas vem tr s vezes por semana enfermaria e traz� �sempre poemas novos na cabe a. sabes, frankie, fizeste a�patricia ficar triste por n o teres gostado daquele do mocho e�da gata, diz ele. tenho muito pena, seumas. trago-o na cabe a, frankie, e digo-to se prometeres que n o� �dizes que uma patetice.� prometo, seumas. diz o poema e toda a gente na enfermaria o adora. queremapren d -lo de cor, e o seumas repete-o mais tr s vezes, at� � � �que j a enfermaria em peso a dizer,� �

*o mocho e a gata foram para o mar num lindo barco verde-ervilha. levaram com eles tamb m algum dinheiro �embrulhado numa folha de jornal. o mocho ergueu os olhos para as estrelas, e cantou com uma pequena guitarra, oh, minha linda gatinha, oh, gatinha, meu amor, que linda gatinha tu s, �tu s, �tu s. �que linda gatinha tu s*.�

acompanham o seumas a dizer o poema e, no fim, d o vivas e�batem palmas, e o seumas ri-se, encantado consigo pr prio.�vai-se embora com a esfregona e o balde, e na enfermaria h�gente a todas as horas do dia ou da noite a dizer,

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*oh, minha linda gatinha, oh, gatinha, meu amor, que linda gatinha tu s,�tu s, �tu s.�que linda gatinha tu s*.�

mas um dia o seumas aparece sem a esfregona e o balde e eufico com medo de ele ter sido despedido por causa da poesia,mas ele est a sorrir e diz-me que vai trabalhar para uma�f brica na inglaterra e, para variar, ganhar um ordenado�decente. vai trabalhar dois meses e depois vai mandar ir amulher e, se deus quiser, h -de dar-lhes filhos, porque ele�tem de fazer alguma coisa com todos aqueles poemas que tem nacabe a e n o h melhor solu o do que diz -los s crian as� � � �� � � �pequeninas em mem ria da doce patricia madigan, que morreu com�difteria. adeus, francis. se soubesse escrever, mandava-te uma carta,mas vou pedir minha mulher que escreva, quando for para l .� �se calhar, at vou aprender a ler e a escrever, para a crian a� �que nascer n o ter um pai parvo de todo.� tenho vontade de chorar, mas na enfermaria dos olhos n o se�pode chorar, ainda por cima com aquele l quido castanho nos�olhos e as enfermeiras a dizerem, que vem a ser isto, que vema ser isto, porta-te como um homem, e as freiras a dizerem,oferece o teu sofrimento a deus e lembra-te de como ele sofreunas cruz, com a coroa de espinhos, trespassado pela lan a, com�os p s e as m os dilacerados pelos cravos.� � depois de estar um m s no hospital, o m dico diz que posso� �ir para casa, apesar de ainda ter um bocadinho de infec o��mas, se lavar bem os olhos com sab o e toalhas limpas e�restabelecer a sa de, alimentando-me bem, com muita carne e�ovos, vou ter dois olhos muito brilhantes, ah, ah.

o sr. downes, do outro lado da rua, vem da inglaterra parao enterro da m e. fala do meu pai Sra. downes. ela conta � � �bridey hannon, e a bridey conta minha m e. o sr. downes diz� �que o malachy mccourt endoideceu completamente com a bebida,esban ja todo o dinheiro que ganha pelos *pubs* de conventry,�canta can es dos rebeldes irlandeses, mas os ingleses n o se�� �importam porque j est o habituados aos disparates dele sobre� �os s culos de sofrimento, s n o admitem que nenhum homem se� � � �ponha num *pub* a insultar o rei e a rainha de inglaterra, assuas duas lindas filhas e a rainha -m e. insultar a� �rainha-m e que mesmo passar dos limites. coitada da� � �velhinha, ela n o fez mal a ningu m! o malachy est sempre a� � �gastar na bebida o dinheiro para pagar o aluguer e, quando ossenhor os correm com ele, vai dormir para os parques. uma�desgra a, l isso que . para o sr. downes um al vio o� � � � � �mccourt n o ser de limerick para n o estar a envergonhar a� �sua cidade t o antiga. os ju zes de coventry est o a perder a� � �paci ncia e, se o malachy mccourt n o parar com aquelas� �loucuras, vai acabar por ser expulso do pa s.� a m e diz Bridey que n o sabe o que h -de fazer com� � � �aquelas hist rias da inglaterra, nunca esteve t o desesperada� �na vida. a kath leen o.connell n o quer vender-lhe mais nada� �fiado, a m e dela s falta bater-lhe se lhe pedir nem que seja� �um xelim e a sociedade de s o vicente de paulo quer saber�quando que ela p ra de pedir, ainda por cima tendo o marido� �

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na inglaterra. tem vergonha do estado em que andamos, comcamisas velhas e esfarrapadas, as camisolas rasgadas, ossapatos rotos, as meias esburacadas. passa a noite acordada apensar que o gesto mais misericordioso que podia ter era p r�os quatro mi dos no orfanato e ir ela para inglaterra arranjar�um traba lho qualquer e, passado um ano, levar-nos para l� �para termos uma vida melhor. pode haver l bombas, mas ela�preferia bombas quela vergonha de andar constantemente a�pedir a este e quele.� mas n o, aconte a o que acontecer, ela n o suporta a ideia� � �de nos p r no orfanato. n o fazia mal se fosse a cidade dos� �rapazes na am rica e se o padre fosse t o simp tico como o� � �spencer tracy, mas n o se pode confiar nos irm os crist os de� � �glin, que se entret m a bater nas crian as e a mat -las � � � �fome. a m e diz que s lhe resta o dispens rio e a assist ncia� � � �social, mas tem uma vergonha de morte de lhes ir pedir ajuda.isso significa que se chegou ao fundo e pouco falta para sercomo os bo mios, os vadios e todos os outros mendigos que�andam pelas ruas. significa que tem de se rastejar perante osr. coffey e o sr. kane. felizmente que odispens rio fica na outra ponta de limerick para ningu m c na� � �rua ficar a saber que andamos a viver da assist ncia social.� algumas mulheres disseram-lhe que bom ir l cedo, logo de� �manh , pois a essa hora talvez o sr. coffey e o sr. kane ainda�estejam bem-dispostos. se se vai tarde, podem j estar�irritados por verem centenas de homens, mulheres e crian as�doentes e a pedirem ajuda. vai levar-nos para provar que temquatro crian as para alimentar. faz-nos levantar cedo e�diz-nos, pela primeira vez na vida, para n o lavarmos a cara,�n o nos pentearmos e vestirmos uns farrapos velhos. manda-me�esfregar muito os olhos ainda inflamados para ficarem muitovermelhos, porque quanto pior for o nosso aspecto maispossi bilidades h de nos concederem a assist ncia social.� � �queixa-se de que o malachy, o michael e o alphie t m um ar�saud vel de mais e pergunta por que que logo naquele dia n o� � �h o-de ter os joelhos esfolados, um golpe qualquer ou um olho�negro. se encontrarmos algu m nas ruas de limerick, n o� �podemos dizer onde que vamos. j se sente suficientemente� �envergonhada sem apregoar aos quatro ventos onde vai e nemquer imaginar quando a m e dela souber.� j h bicha porta do dispens rio. h mulheres como a m e� � � � � �com beb s ao colo, como o alphie, e crian as a brincarem no� �passeio. as mulheres aconchegam os beb s por causa do frio e�gritam aos que est o a brincar para n o irem para a rua n o v� � � �um carro ou uma bicicleta apanh -los. h homens e mulheres j� � �velhos encostados parede a falarem sozinhos ou calados. a�m e avisa-nos para n o sairmos de ao p dela e ficamos meia� � �hora espera que a porta grande seja aberta. um homem�manda-nos entrar ordenadamente e por-nos em bicha frente do�estrado, que o sr. coffey e o sr. kane n o demo ram nada,� �est o a acabar de tomar o ch noutra sala. uma mulher� �queixa-se de que os seus filhos est o cheios de frio e�pergunta se o coffey e o kane n o podem despachar-se a tomar o�ch . o homem diz que ela uma desordeira, mas desta vez n o� � �vai assentar o nome dela por causa de estar uma manh t o fria� �mas, se disser mais uma palavra, vai arrepender-se.sr. coffey e o sr. kane sobem para o estrado e n o ligam s� �

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pessoas. o sr. kane p e os culos, tira-os, limpa-os, torna a� �p -los, olha para o tecto. o sr. coffey l pap is, escreve� � �coisas, passa pap is ao sr. kane. dizem segredinhos um ao�outro. demoram o tempo que querem. n o olham para n s.� � por fim o sr. kane chama o primeiro velhote. como que se�chama? timothy creagh, senhor. creagh? um nome bem bonito e bem antigo de limerick. pois , senhor. pois .� � o que voc quer, creagh?� � ah!, ando outra vez com aquelas dores no est mago e gostava�de ir ao dr. feeley. ora bem, creagh, tem a certeza de que n o s o as cervejas� �que andam a atacar-lhe o est mago?� n o, senhor, nem pensar. as dores s o tantas que nem toco� �em cerveja. a minha mulher est em casa, de cama, e eu tamb m� �tenho de tratar dela. h muita mandriice no mundo, creagh. o sr. kane diz s� �pessoas que est o na bicha, ouviram bem, minhas senhoras? h� �muita man driice, n o h ?� � � e as mulheres dizem, h , sim, sr. kane, muita mandriice.� o sr. creagh l recebe a senha para o m dico, as pessoas� �avan am e chega a vez da m e. o sr. kane pergunta-lhe,� � a assist ncia social que queres, mulher?� � , sim, sr. kane.� e onde que est o teu marido?� � oh!, est em inglaterra, mas...� em inglaterra? e onde que est o dinheiro do vale, as� �cinco libras? h meses que l est e nunca mandou um tost o, sr. kane.� � � � a s rio? ora, e bem sabemos porqu , n o sabemos? sabemos o� � �que os homens da irlanda fazem em inglaterra. sabemos que h�quem veja um ou outro homem de limerick a pavonear-se com umapega de piccadilly, n o sabemos?� olha para as pessoas que est o na bicha, que sabem o que�t m de dizer, sabemos, sr. kane, e tamb m sabem que t m de� � �sorrir ou dar uma gargalhada porque sen o as coisas azedam�quando chegar a vez delas. sabem que ele pode pass -las ao sr.�coffey, que conhecido por dizer n o a tudo.� � a m e diz ao sr. kane que o pai est em coventry e n o ao� � �p de piccadilly e o sr. kane tira os culos e olha para ela.� �o que vem a ser isto? ser que estamos a ter um pequeno�desentendimento? oh!, n o, sr. kane, por amor de deus, nem pensar. � fica sabendo, mulher, que a nossa pol tica n o dar� � �assist ncia s mulheres cujos maridos est o em inglaterra.� � �quero que saibas que est s a tirar o p o da boca de pessoas� �que o merecem mais, porque ficaram neste pa s a dar o seu�contributo por ele. muito bem, sr. kane. e como que te chamas?� mccourt, senhor. esse nome n o de limerick. onde que foste buscar esse� � �nome? o apelido do meu marido. ele do norte.� � do norte e deixa-te aqui para vires pedir assist ncia ao� �estado livre da irlanda. foi para isso que lut mos, foi?� n o sei, senhor.�

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por que que n o vais a belfast ver o que os orangistas� �fazem por ti, h ?� n o sei, senhor.� n o sabes. claro que n o sabes. h muita ignor ncia no� � � �mundo. olha para as pessoas e diz, eu disse que h muita�ignor ncia no mundo, e as pessoas acenam com a cabe a em sinal� �de que concordam que h muita ignor ncia no mundo.� � segreda qualquer coisa ao sr. coffey e olham para a m e e�depois para n s. por fim diz M e que vai receber a� � �assist ncia, mas que se receber um tost o que seja do marido,� �tem de retirar o pedido e devolver o dinheiro ao dispens rio.�a m e promete que assim far e vamos embora.� � seguimo-la at loja da kathleen o,connell para irmos� �buscar ch , p o e uns bocados de turfa para o lume. subimos as� �escadas para a it lia, acendemos o lume e bebemos o ch muito� �aconchegadinhos. estamos todos muito calados, at o alphie,�que ainda beb , porque sabemos o que o sr. kane fez nossa� � �m e.�

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est frio e h mido l em baixo na irlanda, mas n s estamos� � � �c em cima na it lia. a m e diz que dev amos levar o pobre do� � � �papa l para cima e pendur -lo na parede em frente da janela.� �afinal de contas, amigo dos oper rios, italiano e os� � �italianos s o um povo habituado ao tempo quente. a m e� �senta-se ao p do lume, a tremer, e n s sabemos que tem� �qualquer coisa porque n o est a fumar. diz que sente que est� � �a ficar constipada e que lhe apetecia uma bebida cida, uma�limonada. mas n o temos um tost o em casa, nem sequer para o� �p o da manh . a m e bebe ch e vai para a cama.� � � � a cama range toda a noite com as voltas e reviravoltasdela, e n o conseguimos dormir porque ela passa a noite a�gemer e a pedir gua. de manh n o se levanta, continua a� � �tremer e n s continuamos muito calados. se ela ficar a dormir�por mais algum tempo, vai ser tarde de mais para eu e omalachy irmos para a escola. as horas passam e ela continuasem se mexer. depois de ver que j passa bastante da hora da�escola, levanto-me e vou acender o lume para a chaleira. elamexe-se e pede limonada, mas eu dou-lhe um frasco de compotacheio de gua. pergunto-lhe se quer ch , mas ela reage como se� �estivesse surda. est muito vermelha e estranho nem sequer� �falar em cigarros. eu, o malachy, o michael e o alphie sentamo-nos muitoquietos ao p do lume. bebemos o ch , enquanto o alphie� �mastiga o ltimo bocado de p o que havia com a car. faz-nos� � ��rir pela maneira como espalha o a car todo pela cara e se ri��para n s com aquelas bochechas muito gorduchas e pegajosas.�mas n o podemos rir-nos de mais, porque sen o a m e pode� � �saltar da cama e obrigar-me a mim e ao malachy a irmos para aescola, e isso seria a nossa morte porque amos chegar�atrasados. n o nos rimos muito tempo, porque j n o h mais� � � �p o e estamos os quatro cheios de fome. j n o podemos comprar� � �mais nada fiado na loja da o.connell. tamb m n o podemos ir� �pedir nada Av . Ela passa a vida a gritar-nos que o pai do� � �norte e que nunca manda dinheiro de inglaterra onde est a�

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trabalhar numa f brica de muni es. a av diz que at pod amos morrer de fome� �� � � �que ela n o queria saber disso para nada. havia de servir de�li o M e por ter casado com um homem do norte, deslavado,�� � �com uma manei ra de ser estranha e ar de presbiteriano.� mas, mesmo assim, tenho de tentar mais uma vez a kathleeno.connell. vou dizer-lhe que a minha m e est doente, na� �cama, que os meus irm os est o a morrer de fome e que dar amos� � �a vida por um bocadinho de p o.� cal o os sapatos e atravesso as ruas de limerick a correr�para aquecer e suportar o frio de fevereiro. pelas janelasvejo como as pessoas est o aconchegadas nas suas cozinhas, com�o lume a brilhar, as grelhas a escaldar e tudo a cintilar soba luz el ctrica, as ch venas e os pires em cima das mesas com� �fatias de p o, manteiga, frascos de compota, o cheiro a ovos�estrelados e toucinho frito a sair pelas janelas a fazercrescer gua na boca, e as fam lias sentadas mesa, todos a� � �sorrir e as m es en rgicas e asseadas, de avental, todos muito� �lavados e o sagrado cora o de jesus na parede, a olhar para��eles, triste e a sofrer, mas apesar disso feliz por ver bonscat licos a toma rem o pequeno-almo o, com tanta comida e� � �tanta luz. tento procurar um pouco de m sica dentro da minha cabe a,� �mas a nica coisa que l tenho a minha m e a gemer, a pedir� � � �uma limonada. limonada. est uma camioneta a afastar-se do *pub* south e�a deixar l porta grades de cerveja e limonada e na rua n o� � �h vivalma. num abrir e fechar de olhos meto duas garrafas de�limonada debaixo da camisola e continuo a andar, a tentarfazer um ar inocente. porta da loja da kathleen o.connell est uma carrinha� �do p o. a porta de tr s est aberta e v em-se prateleiras com� � � �p o acabadinho de fazer ainda a fumegar. o motorista da�carrinha est dentro da loja a tomar ch e bolos com a� �kathleen e n o me custa nada servir-me de um p o. n o est� � � �certo roubar a kathleen que tem sido t o boa para n s, mas se� �eu for l dentro pedir-lhe p o ela vai ficar aborrecida e vai� �dizer-me que lhe estou a estragar o ch da manh , que, se n o� � �me importasse, ela gostaria de tomar em paz e sossego. mais�f cil meter o p o debaixo da camisola com a limonada e� �prometer que hei-de contar na confiss o.� os meus irm os est o outra vez na cama a brincarem debaixo� �dos cobertores, mas quando v em o p o saltam logo da cama.� �partimos o p o aos bocados porque estamos demasiado esfomeados�para o partir em fatias e aproveitamos as folhas da manh para�fazermos ch . quando a minha m e se mexe, o malachy chega-lhe� �a garrafa de limonada aos l bios e ela bebe-a at ao fim,� �ofegante. se gosta assim tanto de limonada, vou ter de lhearranjar mais. pomos o ltimo bocado de carv o no lume e sentamo-nos em� �volta a contar hist rias que inventamos, como o pai costumava�fazer. conto aos meus irm os as aventuras por que passei para�arranjar a limonada e o p o e invento hist rias de que foi� �persegui do por donos de *pubs* e de lojas e me escondi na�igreja de s o jos , onde proibido perseguir criminosos, nem� � �que tenham morto a pr pria m e. o malachy e o michael fazem um� �ar muito chocado pela forma como arranjei o p o e a limonada,�mas depois o malachy diz que afinal foi o mesmo que o robin

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dos bosques teria feito, roubar aos ricos para dar aos pobres.o michael diz que sou um bandido e que se for apanhado vou serenforcado na rvore mais alta do parque do povo, como costuma�acontecer aos bandidos nos filmes que passam no cinema lyric.o malachy diz que era melhor eu p r-me em estado de gra a� �porque pode ser dif cil arranjar um padre que queira ir ao meu�enforcamento eu digo-lhe que o padre seria obrigado a ir. �para isso que os padres servem. o roddy mccorley tinha umpadre ao p dele e o kevin barry tamb m. o malachy diz que n o� � �havia padres no enforcamento do roddy mccorley nem do kevinbarry, porque as can es n o falam deles e come a a cantar as�� � �can es para provar o que est a dizer at que minha m e geme�� � � �na cama e o manda calar. o alphie adormeceu no ch o ao p do lume. pomo-lo na cama� �ao p da m e para ele ficar quentinho, mas n o queremos que� � �apanhe a doen a dela e morra. se ela acordar e o encontrar�morto na cama ao p dela, nunca mais vai acabar de se lamentar�e ainda por cima h -de atirar as culpas para mim.� deitamo-nos os tr s na nossa cama, aninhados debaixo dos�cobertores e tentando n o rebolar para a cova no colch o. sabe� �bem estar ali, at que o michael come a a ficar com medo que o� �alphie apanhe a doen a da m e e que eu seja enforcado por ser� �um malfeitor. diz que seria uma injusti a porque iria ficar s� �com um irm o e toda a gente tem imensos irm os. adormece com a� �preocupa o e passado pouco tempo o malachy tamb m adormece, e�� �eu fico acordado a pensar e compota. n o seria formid vel� �arranjar outro p o e um frasco de compota de morango ou de�outra coisa qualquer? n o me lembro de j ter visto uma� �carrinha a entregar frascos de compota, mas tamb m n o� �gostaria de ser como o jesse james a entrar aos tiros numaloja e a exigir que me dessem compota. de certeza que issoseria motivo para ser enforcado. est um sol frio a entrar pela janela e eu tenho a certeza�de que na rua est mais quente e ia ser uma grande surpresa�para os meus irm os acordarem e verem-me ali com mais p o e� �compota. iam devorar tudo e depois continuar a falar dos meuspecados e do meu enforcamento. a m e continua a dormir, mas tem a cara muito vermelha e�faz um som estrangulado quando ressona. tenho de ir pela rua com cuidado porque dia de escola e�se o guarda dennehy me vir vai levar-me para a escola for a� �e o sr. o.dea vai andar a bater-me pela sala toda. o guarda �respons vel pela nossa presen a na escola e adora andar de� �bicicleta atr s de n s e levar-nos para a escola por uma� �orelha. est uma caixa porta de uma das casas grandes de� �barrington street. fa o de conta que vou bater porta para� �ver o que est dentro da caixa, e uma garrafa de leite, um� �p o, queijo, tomates e, oh meu deus, um frasco de compota de�laranja. n o consigo esconder tudo debaixo da camisola. oh!,�meu deus, ser que devo levar a caixa com tudo? as pessoas que�v o a passar n o me prestam a m nima aten o. posso levar a� � � ��caixa. a minha m e costuma dizer perdido por cem perdido por�mil. pego na caixa e tento fazer-me passar por mo o de recados�e ningu m me diz nada.� o malachy e o michael ficam fora de si quando v em o que�est dentro da caixa e come am logo a devorar grossas fatias� �de p o com montes de compota. o alphie tem compota espalhada�

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pela cara toda, pelo cabelo e um bocado nas pernas e nabarriga. empurramos a comida com ch frio porque n o temos� �lume para o aquecer. a m e torna a resmungar que quer limonada e eu dou-lhe�metade da segunda garrafa para a acalmar. pede mais e eumisturo-a com gua para durar mais porque n o posso passar a� �vida a correr de um lado para outro a roubar limonada dos*pubs*. divertimo-nos grande at que a m e come a a delirar� � � �na cama a falar da sua linda filhinha que lhe levaram e dosg meos mortos ainda nem tr s anos tinham e por que que deus� � �n o h -de, para variar, voltar-se para os ricos e h limonada� � �c em casa? o michael pergunta se a m e vai morrer e o malachy� �diz-lhe que s se pode morrer depois de o padre vir. depois o�michael pergunta se mais alguma vez vamos ter lume e ch�quente porque est gelado na cama, apesar de estar tapado com�os sobretudos que ainda restam de outros tempos. o malachy dizque dev amos ir de casa em casa pedir turfa, carv o e lenha e� �pod amos levar a carga no carrinho do alphie. era melhor�levarmos o alphie porque pequeni no e sorri, e as pessoas� �quando o virem v o ter pena de n s. tentamos tirar-lhe toda� �a porcaria e restos de pano e compota que tem agarrados a ele,mas quando lhe tocamos com a gua desata a gritar. o michael�diz que ele vai sujar-se outra vez no carrinho e por isso n o�vale a pena lav -lo. o michael pequenino mas est sempre a� � �dizer coisas fant sticas como esta. � empurramos o carrinho at s avenidas e cal adas onde moram� � �os ricos, mas quando batemos porta as criadas mandam-nos�embora sen o chamam as autoridades e dizem-nos que uma� �vergonha andar a arrastar um beb daquela maneira num carrinho�a cair aos bocados e com um fedor de bradar aos c us, uma�porcaria que n o serve nem para levar um porco para o�matadouro, e que vivemos num pa s cat lico onde os beb s devem� � �ser acarinhados e viverem para transmi tirem a f de gera o� � ��em gera o. o malachy diz a uma criada que v lamber o cu e�� �ela d -lhe tamanha bofetada que as l grimas lhe saltam dos� �olhos e ele diz que nunca mais na vida h -de pedir nada aos�ricos. diz que n o vale a pena pedirmos mais, que o melhor � �irmos pelas traseiras, saltarmos os muros e tirarmos o quequisermos. o michael pode tocar s campainhas para entreter as�criadas e eu e o malachy podemos atirar carv o e turfa por�cima dos muros e ir enchendo o carrinho volta do alphie. � fazemos isso em tr s casas mas depois o malachy atira um�bocado de carv o por cima de um muro e acerta no alphie, que�come a a chorar, e temos de fugir e deixamos o michael que�continua a tocar s campainhas e a ouvir ofensas das criadas.�o malachy diz que era melhor irmos primeiro p r o carrinho a�casa e depois irmos buscar o michael. agora que n o podemos� �mesmo parar com o alphie a berrar e as pessoas a olharem paran s com cara de m s e a dizerem que somos uma vergonha para a� �nossa m e e para a irlanda em geral.� quando chegamos a casa ainda demoramos algum tempo adesenterrar o alphie de baixo daquela carga de carv o e turfa,�e ele s p ra de berrar quando lhe damos p o e compota. tenho� � �medo que a m e saia da cama, mas ela s murmura umas coisas� �sobre o pai, a bebida e beb s mortos. � o malachy volta com o michael, a contar as hist rias das�suas aventuras a tocar s campainhas. uma mulher rica veio ela�mesma porta e convidou-o a entrar para a cozinha e deu-lhe�

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bolo, leite, p o e compota. perguntou-lhe tudo sobre a fam lia� �dele, e ele disse-lhe que o pai tinha um grande emprego nainglaterra mas a m e estava de cama com uma doen a muito m e� � �a pedir limonada de dia e de noite. a mulher rica quis saberquem que estava a tomar conta de n s e o michael disse todo� �inchado que ramos n s que tom vamos conta de n s pr prios� � � � �e que n o t nhamos falta de p o nem de compota. a mulher tomou� � �nota do nome e da morada do michael e disse-lhe para ser umbom menino e ir para casa para ao p dos irm os e da m e que� � �est de cama.� o malachy ralha com o michael por ser parvo ao ponto dedizer a uma mulher rica o que quer que seja. ela agora vaifazer queixa de n s e da a nada vamos ter todos os padres do� �mundo a baterem-nos porta e a apoquentarem-nos.� ouve-se bater porta. mas n o um padre, o guarda� � � �dennehy. da casa, da casa, est algu m? grita ele. est em� � � � �casa, sra. mccourt? o michael bate janela e diz adeus ao guarda. eu dou-lhe�um pontap , o malachy d -lhe um soco na cabe a e ele grita,� � �vou dizer ao guarda. vou dizer ao guarda. est o a matar-me,�guarda. est o a dar-me socos e pontap s.� � como ele n o se cala, o guarda dennehy manda-nos abrir a�porta. eu vou janela e digo-lhe que n o posso abrir a porta� �porque a minha m e est de cama com uma doen a muito m .� � � � onde que est o teu pai?� � est em inglaterra.� bem, vou entrar para falar com a tua m e.� n o pode. n o pode. ela est doente. estamos todos doentes.� � �pode ser febre tif ide. pode ser uma tuberculose galopante. j� �esta mos a ficar com manchas. o beb tem um incha o. pode ser� � �uma coisa que mate. empurra a porta e sobe a escada para a it lia no preciso�momento em que o alphie sai de baixo da cama a gatinhar,coberto de compota e caca. o guarda olha para ele, para aminha m e, para n s, tira o bon e co a a cabe a. depois diz,� � � � �jesus, maria e jos , isto um caso desesperado. como que a� � �vossa m e ficou assim doente?� digo-lhe que melhor n o se chegar ao p dela e, quando o� � �malachy diz que se calhar vamos ficar muito tempo sem poder ir escola, o guarda diz que aconte a o que acontecer vamos � � �escola, que estamos no mundo para ir escola da mesma maneira�que ele est no mundo para nos obrigar a ir. pergunta se temos�alguns parentes e manda-me ir a casa da av e da tia aggie�dizer-lhes para virem a nossa casa. elas gritam comigo e dizem que estou um nojo. tentoexplicar-lhes que a m e est doente, que estou estafado de� � �andar a tentar que tudo corra bem, arranjar maneira de acendero lume, arranjar limona da para a m e e p o para os meus� � �irm os. n o vale a pena falar-lhes da compota porque isso� �s ia faz -las come ar outra vez a gritar. tamb m n o vale a� � � � �pena falar-lhes da maldade dos ricos e das criadas deles. v m todo o caminho a empurrar-me at chegarmos minha rua,� � �sempre a ralharem comigo e a envergonharem-me pelas ruas delime rick. o guarda dennehy continua a co ar a cabe a e diz,� � �olhem para isto, uma desgra a. uma coisa destas nem em� �bombaim nem no bowery de nova iorque. a av est a lamentar-se para a minha m e, valha-me nossa� � �senhora, angela, o que tens tu a enfiada na cama? o que que� �

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eles te fizeram? a minha m e passa a l ngua pelos l bios secos e pede mais� � �li monada.� ela quer limonada, diz o michael, e n s arranj mos e tamb m� � �arranj mos p o e compota e agora somos todos malfeitores. o� �frankie foi o primeiro a ser malfeitor mas depois fomos todosroubar carv o pela cidade toda.� o guarda dennehy mostra-se interessado e leva o michaelpela m o l para baixo e, passado pouco tempo, ouvimos as� �gargalhadas dele. a tia aggie diz que uma vergonha�portarmo-nos assim com a minha m e doente na cama. o guarda�torna a aparecer e diz-lhe que v chamar o m dico. continua a� �p r o bon frente da cara sempre que olha para mim ou para� � �os meus irm os. seus bandidos, diz ele, seus bandidos.� o m dico chega no carro dele com a tia aggie e tem de levar�a minha m e num instante para o hospital por causa da�pneumonia. gost vamos de ir todos no carro do m dico, mas a� �tia aggie diz, n o, voc s v m todos para minha casa at a� � � �vossa m e sair do hos pital.� � eu digo-lhe que n o se incomode. j tenho onze anos e posso� �bem tomar conta dos meus irm os. n o me importo de ficar em� �casa, tratar da comida deles e obrig -los a lavarem-se. mas a�av grita, nem pensar, e a tia aggie d -me uma bofetada para� �eu aprender. o guarda dennehy diz que ainda sou muito novopara ser malfeitor e pai, mas que tenho um futuro promissortanto numa coisa como na outra. v o buscar a vossa roupa, diz a tia aggie, voc s v m comigo� � �para minha casa at a vossa m e sair do hospital. jesus me� �valha, este beb est uma desgra a.� � � encontra um trapo e ata-o volta do rabo do alphie, com�medo que ele fa a coc no carrinho. depois olha para n s e� � �quer saber por que que estamos ali especados, se ela nos�mandou ir buscar a roupa. tenho medo que ela me bata ou gritecomigo quando eu lhe disser que j est , que j temos a nossa� � �roupa, a roupa que temos vestida. ela olha para mim e diz�que n o com a cabe a. toma, diz ela, p e um bocado de a car e� � � ��gua no biber o do beb . diz-me que tenho de ser eu a levar o� � �carrinho do alphie pela rua, porque ela n o se entende com o�carrinho com aquela roda torta que o faz balan ar para a�frente e para tr s e al m disso um objecto que mete nojo e� � �onde ela teria vergonha de p r at um c o tinhoso. tira os� � �tr s casacos velhos da nossa cama e empilha-os no carrinho de�tal maneira que quase nem se v o alphie.� a av vem connosco e vai a ralhar comigo desde roden lane�at casa da tia aggie em windmill street. n o consegues� � �empurrar esse carrinho como deve ser? valha-me deus, vaismatar essa crian a. p ra de ir de um lado para outro, sen o� � �levas uma bofetada na cara. ela n o vai entrar em casa da tia�aggie. j n o aguenta ver-nos nem mais um minuto. est farta� � �do cl dos mccourt desde o dia em que mandou seis bilhetes�para virmos todos da am rica, fora o dinheiro que teve de�arranjar para pagar os enterros das crian as que morreram,�para nos dar de comer sempre que o nosso pai gastava na bebidao dinheiro do subs dio ou que ganhava a trabalhar e todas as�ajudas que tem de dar Angela enquanto aquele bandido l do� �norte estoira o dinheiro todo que ganha na bebida l em�inglaterra. oh!, est farta, mais do que farta, e a vai ela� �pela henry street com o xaile preto puxado por cima dos

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cabelos brancos, a mancar com as suas botas pretas altas deatacadores. quando se tem onze anos e se tem irm os com dez, cinco e um�ano, n o se sabe o que se h -de fazer quando se vai para casa� �de outra pessoa, nem que seja a irm da nossa m e. dizem-nos� �para deixarmos o carrinho na entrada e levarmos o beb para a�cozinha, mas se n o a nossa casa n o sabemos o que havemos� � �de fazer quando chegamos cozinha, com medo que a nossa tia�grite connosco ou nos d um murro no touti o. ela tira o� �casaco e vai p -lo no quarto e n s ficamos parados, com o beb� � �ao colo, espera que ela nos diga o que quer que fa amos. se� �se der um passo em frente ou um passo para o lado, ela podeaparecer e perguntar onde que amos e n o sabemos o que� � �havemos de responder, porque nem n s pr prios sabemos. se se� �disser alguma coisa aos irm os, ela pode dizer quem julgas tu�que s para estares a falar na minha cozinha? temos de ficar�de p e calados e isso dif cil quando se ouve um tilintar� � �vindo do quarto e sabemos que ela que est a fazer chichi no� �penico. n o quero olhar para o malachy. se olhar, vou fazer�um sorriso, ele vai fazer um sorriso, o michael vai fazer umsorriso e h o perigo de desatarmos todos s gargalhadas e, se� �isso acontecer, n o vamos conseguir parar de rir dias a fio s� �de pensarmos na figura da tia aggie, com aquele rabo branco egordo assente num peniquinho s flores. consigo controlar-me.�n o me vou rir. o malachy e o michael tamb m n o, e d para� � � �ver como estamos todos orgulhosos por n o termos desatado s� �gargalhadas e arranjado grandes sarilhos com a tia aggie, at�que de repente o alphie sorri e faz gu-gu e a n o aguentamos� �mais. desatamos os tr s a rir que nem uns perdidos e o alphie�sorri com aquela cara toda suja e torna a dizer gu-gu e n s�n o conseguimos parar, at que a tia aggie sai do quarto a� �berrar e a puxar o vestido para baixo e me d um murro na�cabe a que me atira contra a parede com o beb ao colo e tudo.� �bate tamb m no malachy e tenta bater no michael, mas ele foge�para o outro lado da mesa redonda e ela n o consegue�apanh -lo. anda c , diz ela, que eu vou tirar-te a vontade de� �rir, mas o michael continua a correr volta da mesa mas ela � �gorda de mais para o apanhar. eu hei-de apanhar-te, diz ela,hei-de dar-te cabo desse rabo, e tu a , meu ranho so, diz ela� �para mim, p e essa crian a no ch o ali ao p do fog o. p e os� � � � � �casacos velhos que trouxe no carrinho no ch o e o alphie fica�ali deitado com o biber o com gua e a car a dizer gu-gu e a� � ��sorrir. ela manda-nos despir aqueles farrapos todos e ir paraao p da torneira que est no p tio das traseiras e� � �lavarmo-nos de alto a baixo. n o podemos entrar em casa�enquanto n o estivermos completamente desencardidos. tenho�vontade de lhe dizer que estamos em fevereiro, que est l� �fora um frio de rachar, que podemos morrer todos, mas sei quese abrir a boca posso morrer logo ali na cozinha. estamos l fora no p tio, nus, a tomar banho com gua� � �gelada da torneira. ela abre a janela da cozinha e atira-nosuma escova e um bocado de sab o castanho como o que usavam�para lavar o cavalo finn. manda-nos esfregar as costas uns dosoutros e s podemos parar quando ela disser. o michael diz que�tem as m os e os p s t o gelados que parece que v o cair, mas� � � �ela n o se importa. continua a dizer que ainda estamos sujos e�que se a obrigarmos a ir l esfregar-nos, nem sabemos o que�nos espera. outra amea a. esfrego-me ainda com mais for a.� �

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esfregamo-nos at estarmos todos vermelhos e com os dentes a�bater. mas para ela ainda n o chega. aparece com um balde na�m o e despeja a gua gelada em cima de n s. agora l para� � � �dentro, diz ela, e enxuguem-se. vamos para um pequeno telheiroao p da cozinha e secamo-nos com uma nica toalha. ficamos� �ali parados a tremer de frio e espera, porque n o podemos ir� �para a cozinha sem ela nos dizer. ouvimo-la l dentro�acender o lume, a bater com a tenaz na grelha e depois grita,v o ficar a todo o dia? venham c para dentro e vistam-se.� � � d -nos canecas de ch e fatias de p o frito e n s comemos� � � �sentados mesa muito calados, porque n o podemos dizer uma� �nica palavra, enquanto ela n o mandar. o michael pede outra� �fatia de p o e n s ficamos espera que ela o atire da cadeira� � �abaixo por causa do atrevimento dele, mas ela s resmunga, n o� � com duas fatias de p o frito que voc s t m sido criados, e� � � �d mais uma fatia a cada um. tenta dar ao alphie bocadinhos de�p o molhado em ch , mas ele n o quer, e ent o ela p e a car� � � � � ��por cima do p o e, quando ele acaba de comer, sorri e faz�chichi no colo dela, e n s ficamos todos deliciados. ela corre�para o telheiro para se ir limpar com uma toalha e n s�rimo-nos uns para os outros e dizemos ao alphie que ele o�campe o dos beb s. o tio pa keating entra em casa, todo preto� �por causa do trabalho na f brica do g s. oh!, c.os diabos, diz� �ele, o que vem a ser isto? o michael diz, a minha m e est no hospital, tio pa.� � est ? o que que tem?� � pneumonia, diz o malachy. bem, sempre melhor do que velhomonia. (*)�

(*) trocadilho com o som .nju(:). da primeira s laba da� � �palavra pneumonia que tamb m o som de new (novo) (nt).� �

n o sabemos do que que ele se est a rir, e a tia aggie� � �vem do telheiro e conta-lhe que a m e est no hospital e que� �n s temos de ficar com eles at ela sair. ele diz, ptimo,� � �ptimo, e vai para o telheiro para se lavar, mas quando torna�a aparecer imposs vel saber se se lavou ou n o porque est � � � � �mesma todo preto. senta-se mesa e a tia aggie d -lhe o jantar, que p o� � � �frito com presunto e tomate s fatias. manda-nos sair de ao p� �da mesa e parar de olhar embasbacados para ele, e manda-oparar de nos dar bocadi nhos de presunto e tomate. ele diz,�ora, por amor de deus, aggie, os mi dos est o cheios de fome,� �e ela diz, n o tens nada a ver com isso. n o s o nossos.� � �manda-nos ir para a rua brincar e estar em casa s oito e�meia. sabemos que est muito frio l fora e gost vamos de� � �ficar ao p do quentinho do lume, mas mais f cil estar na� � �rua a brincar do que dentro de casa a ouvir os ralhetes da tiaaggie. passado um bocado chama-me e manda-me ir vizinha de cima�buscar um resguardo que ela tinha de um filho que morreu. amulher diz, diz tua tia que quero o resguardo para o pr ximo� �filho que tiver. a tia aggie diz, h doze anos que aquela�crian a morreu e ela ainda tem isso guardado. j tem quarenta� �e cinco anos, se tiver outro filho temos de ver se h alguma�estrela no oriente. o malachy pergunta, o que isso? e ela�diz-lhe, n o tens nada a ver com isso, ainda s muito novo. � � a tia aggie p e o resguardo na cama dela e deita o alphie�

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entre ela e o tio pa. dorme do lado da parede e o tio pa dolado de fora porque tem de se levantar cedo de manh para ir�trabalhar. n s vamos ter de dormir no ch o encostados parede� � �em frente, com um casaco por baixo de n s e dois por cima. ela�diz que se ouvir uma s palavra que seja da nossa boca durante�a noite, nos vai p r o rabo a zunir e que vamos ter de nos�levantar cedo porque Quarta-feira de cinzas e n o nos faz� �mal nenhum irmos missa rezar pela nossa pobre m e e pela� �pneumonia dela. acordamos sobressaltados por causa do despertador. a tiaaggie diz l da cama, levantem-se e v o missa. est o a� � � �ouvir? v . lavem a cara e v o aos jesu tas.� � � o p tio das traseiras est cheio de geada e gelo e as� �nossas m os at ardem com a gua da torneira. atiramos um� � �bocadinho para a cara e secamo-nos com a toalha que ainda est�encharcada do dia anterior. o malachy diz em surdina que noslav mos gato, como a m e costuma dizer.� � � as ruas tamb m est o cheias de geada e gelo, mas na igreja� �jesu ta est -se bem. deve ser formid vel ser-se jesu ta,� � � �dormir numa cama com len is, cobertores e almofadas e acordar��numa casa acolhedora e ir para uma igreja tamb m acolhedora�sem ter nada que fazer a n o ser dizer missa, ouvir as pessoas�em confiss o e ralhar-lhes por causa dos pecados, servirem-nos�as refei es e ler o of cio em latim antes de dormir. um dia�� �gostava de ser jesu ta, mas quem mora numa viela n o lhe vale� �a pena ter esperan a. os jesu tas s o muito esquisitos. n o� � � �gostam dos pobres. gostam das pessoas que t m carro e espetam�o dedo mindinho quando agarram na ch vena de ch .� � a igreja est cheia na missa das sete da manh com pessoas� �que querem ir receber as cinzas na testa. o malachy diz que omichael n o pode ir receber as cinzas porque s faz a primeira� �comunh o em maio e seria pecado. o michael come a a chorar,� �quero as cinzas, quero as cinzas. uma velhota que est atr s� �de n s pergunta, o que que est o a fazer a esse menino t o� � � �lindo? o malachy explica que o menino lindo ainda n o fez a�primeira comunh o e n o est em estado de gra a. o malachy j� � � � �vai fazer a confirma o e anda sempre a mostrar que sabe muito��bem catecismo e a falar do estado de gra a. recusa-se a�admitir que eu j sabia tudo sobre o estado de gra a h um� � �ano, ou seja, h tanto tempo que j estou a come ar a� � �esquecer-me. a velhota diz que n o preciso estar em estado� �de gra a para se receber umas cinzas na testa e diz ao malachy�para parar de atormentar o seu irm ozinho. faz uma festinha na�cabe a do michael e diz-lhe que um lindo menino e que pode� �ir ao altar receber as cinzas. ele corre para o altar e quandovolta a senhora d -lhe um *penny* para fazer companhia s� �cinzas. a tia aggie ainda est na cama com o alphie. diz ao malachy�para encher o biber o do alphie de leite e lho levar. manda-me�acender o fog o, h papel e lenha numa caixa e carv o num� � �balde. se n o conseguires acender o lume, deita uma pinguinha�de leo de parafina. o lume est fraco e a fazer muito fumo e� �quando eu deito o leo de parafina faz um clar o e uush, quase� �que me tira as sobrance lhas. est tudo cheio de fumo e a tia� �aggie aparece na cozinha. afasta-me do lume com um encontr o.�valha-me deus, n o tens jeito para nada. tem de se abrir a�tampa da chamin , meu parvalh o.� � eu n o sei nada de tampas. na nossa casa temos uma chamin� �

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c em baixo na irlanda e outra l em cima na it lia, mas� � �nenhuma com uma tampa. depois vamos para casa da nossa tia etemos de saber tudo sobre tampas. n o vale a pena dizer-lhe�que a primeira vez que estou a acender o lume num fog o.� �isso s vai fazer com que ela me d outro murro na cabe a que� � �at levanto voo. dif cil perceber porque que as pessoas� � � �crescidas se zangam tanto por coisas t o pequenas como tampas.�quando for grande, n o vou andar a bater em crian as� �pequeninas por causa de tampas nem por causa de outras coisas.mas ela j est a gritar comigo outra vez, olha-me para aquele� �espantalho. podias lembrar-te de abrir a janela para o fumosair. mas n o. tens uma tromba igual do teu pai l do norte.� � �achas que j consegues aquecer a gua para o ch sem deitares� � �fogo casa?� corta tr s fatias de p o para n s, barra-as com margarina e� � �torna a ir para a cama. bebemos o ch , comemos o p o e estamos� �contentes por irmos para a escola, porque l n o h frio nem� � �tias aos berros. depois da escola, ela manda-me sentar mesa para escrever�uma carta ao meu pai e contar que a m e est no hospital e que� �estamos em casa da tia aggie at ela vir para casa. tenho de�lhe dizer que estamos muito felizes e muito bem de sa de, que�mande dinheiro porque a comida est muito cara e os rapazes�comem muito quando est o a crescer, ah, ah, o alphie precisa�de roupa e de fraldas. n o sei por que que ela est sempre zangada. tem uma casa� � �onde n o h frio nem humidade. t m luz el ctrica e uma casa de� � � � banho s para eles nas traseiras. o tio pa keating tem�trabalho certo e traz o dinheiro para casa todas assextas-feiras. bebe umas cervejas no *pub* south, mas nuncavem para casa a cantar can es sobre a longa e triste hist ria�� �da irlanda. diz, as casas est o todas infestadas e diz que a�coisa mais engra ada do mundo que temos todos um cu que tem� �de ser limpo e a isso ningu m escapa. mal ouve um pol tico ou� �um papa a dizer as suas parlapatices, o tio pa imagina-o logoa limpar o cu. o hitler, o roosevelt, o churchill, todos eleslimpam o cu. o de valera, tamb m. diz que a esse respeito as�nicas pessoas dignas de confian a s o os maometanos porque� � �comem com uma m o e limpam o cu com outra. a pr pria m o� � �humana um po o de impostura e nunca se sabe no que ela andou� �metida. passamos bons momentos com o tio pa, quando a tia aggie vaiao instituto dos mec nicos jogar s cartas, ao quarenta e� �cinco. ele diz, os refil es que v o para o inferno. vai buscar� �duas cervejas ao *pub* south, seis bolos e metade de meioquilo de presunto loja da esquina. faz ch e sentamo-nos ao� �p do fog o a beber o ch , a comer as sandu ches de presunto e� � � �os bolos e a rirmo-nos do tio pa e da maneira como ele encaraa vida. costuma dizer, engoli g s, bebo a minha cerveja e�estou-me cagando para o mundo e arredores. se o alphie come a�a ficar cansado e irritado e come a a chorar, o tio pa abre a�camisa e diz-lhe, toma, chupa aqui na maminha da mam . quando�v aquele peito liso e o mamilo, o alphie apanha um susto e�fica outra vez sossegado. antes de a tia aggie chegar, temos de lavar e limpar ascanecas para ela n o saber que estivemos a empanturrar-nos de�bolos e san du ches de presunto. ela ia passar um m s a� � �atazanar a cabe a ao tio pa se descobrisse, e isso que eu� �

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n o percebo. por que que ele a deixa andar sempre a ralhar� �com ele? combateu na grande guerra, foi gaseado, grande, tem�um emprego, diz coisas com gra a. um mist rio. o que os� � � �padres e os professores est o sempre a dizer, que tudo um� �mist rio, e temos de acreditar no que nos dizem. � n o me custava nada que o tio pa fosse meu pai. amos� �passar momentos muito bons sentados ao p do fog o a beber ch� � �e a rirmo-nos de ele se peidar e depois dizer, vai buscar umf sforo. um presente dos alem es.� � � a tia aggie passa o tempo a embirrar comigo. chama-me olhossarnentos. diz que sou a cara chapada do meu pai, que tenhouma maneira de ser estranha, que tenho um ar trai oeiro de�presbiteriano do norte, se calhar quando crescer vou erguer umaltar ao oliver cromwell, vou fugir para me casar com uma pegainglesa e forrar a minha casa com retratos da fam lia real. � quero fugir dela e acho que s h uma solu o que fingir� � �� �que estou doente e ir para o hospital. levanto-me a meio danoite e vou para o p tio das traseiras. posso fingir que estou�a ir casa de banho. fico l fora a apanhar o frio da noite� �na esperan a de apanhar uma pneumonia ou uma tuberculose�galopante para ir para o hospi tal onde h aqueles belos� �len is limpos e refei es na cama e livros trazidos pela�� ��rapariga do vestido azul. talvez conhe a outra patricia�madigan e aprenda um longo poema. fico imenso tempo no p tio�s de camisa e descal o a olhar para a lua, que um gale o� � � �fantas mag rico batido por mares enevoados, e volto para a� �cama a tremer mas confiante de que de manh vou acordar com um�tosse terr vel e a cara toda vermelha. mas n o. acordo fresco� �e cheio de energia, e estaria em grande forma se estivesse emcasa com a minha m e e os meus irm os.� � h dias em que a tia aggie diz que j n o pode ver-nos � � � �frente dela nem mais um minuto, desapare am. toma, olhos�sarnentos, leva o alphie no carrinho, leva os teus irm os, v o� �para o parque e fiquem l a brincar, fa am o que quiserem e� �n o me apare am c sen o hora do ch antes das ave-marias,� � � � � �e nem um minuto depois, est o a ouvir, nem um minuto depois.�est frio, mas n s n o nos importamos. empurramos o carrinho� � �pela o.connell avenue e vamos para ballina curra ou para a�estrada de rosbrien. deixamos o alphie andar a gatinhar peloscampos para ver as vacas e as ovelhas e rimo-nos quando asvacas lhe d o com o focinho. ponho-me por baixo das vacas e�fa o esguichar o leite para dentro da boca do alphie at ele� �ficar t o cheio que vomita. as pessoas que andam a trabalhar�pelos campos querem apanhar-nos, mas s at verem como o� �michael e o alphie s o pequeninos. o malachy ri-se na cara�deles. diz-lhes, v , batam-me agora que tenho o beb ao colo.� �de repente, tem uma grande ideia, por que que n o vamos para� �nossa casa e ficamos l a brincar um bocado? apanhamos ramos e�bocadinhos de lenha pelos campos e vamos a correr para rodenlane. h f sforos ao p da chamin l em cima na it lia e num� � � � � �instante acendemos o lume. o alphie adormece e passado umbocado j estamos todos a dormir, at que ouvimos bater as� �ave-marias na igreja redentorista e percebemos que vamos tersarilhos com a tia aggie porque vamos chegar atrasados. n o nos importamos. pode gritar connosco tanto quanto�quiser; divertimo-nos imenso nos campos com as vacas e asovelhas e depois com aquele lume maravilhoso l em cima na�it lia.�

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de certeza que ela nunca se divertiu assim. tem luzel ctrica e uma casa de banho mas n o se diverte. � � a av vem ter com ela s quintas-feiras e aos s bados e� � �apanham o autocarro para irem ver a m e ao hospital. n s n o� � �podemos ir, porque n o deixam l entrar crian as, e se� � �perguntarmos, como que est a m e? elas olham para n s de� � � �uma maneira estranha e dizem que est bem, que n o vai morrer.� �gost vamos de saber quando que ela sai do hospital para� �podermos voltar para nossa casa, mas temos medo de abrir aboca. um dia o malachy diz Tia aggie que est com fome e� �pergunta se pode comer um bocado de p o. ela enrola o�*pequeno mensageiro do sagrado cora o* e d -lhe com ele e o�� �malachy fica com as l grimas a bailar-lhe nos olhos. no dia�seguinte, depois de sair da escola, n o volta para casa e�continua sem aparecer hora de ir para a cama. a tia aggie�diz, bem, deve ter fugido. boa viagem. se tiver fome, aparece.pode ser que goste mais de estar numa vala. no dia a seguir o michael vem a correr da rua, a gritar, opai esta c , o pai est c e torna a sair a correr e l est o� � � � �pai sentado no ch o da entrada a abra ar o michael e a chorar,� �coitada da tua m e, coitada da tua m e, e tem aquele cheiro da� �bebida. a tia aggie sorri e diz, ah!, est s c , e vai fazer� �ch , ovos e salsichas. manda-me ir rua comprar uma cerveja� �para o pai e eu fico sem perceber por que que de repente ela�ficou t o simp tica e generosa. o michael pergunta, vamos para� �a nossa casa, pai? vamos, filho. voltamos a p r o alphie no carrinho com os tr s casacos� �velhos e com uns bocados de carv o e lenha para o lume. a tia�aggie vem porta e diz-nos para nos portarmos bem e irmos l� �tomar ch sempre que quisermos, e eu olho para ela e vem-me � �cabe a um palavra feia, cabra velha. est dentro da minha� �cabe a e eu n o consigo evitar e vou ter de ir confessar isso� �ao padre. o malachy n o est numa vala, est em nossa casa a comer� � �peixe e batatas fritas que um soldado b bedo deixou cair ao p� �do port o do quartel de sarsfield. � a m e vem para casa dois dias depois. est fraca e p lida,� � �e anda muito devagar. diz, o m dico disse-me para n o apanhar� �frio, des cansar muito, alimentar-me bem, comer carne e ovos�tr s vezes por semana. valha-nos deus, aqueles m dicos n o t m� � � �no o do que n o ter nada. o pai faz ch e torra-lhe um�� � � �bocado de p o no lume. frita p o para n s e passamos uma noite� � �deliciosa l em cima na it lia, muito quentinhos. ele diz que� �n o pode ficar c para sempre, que tem de voltar para� �coventry. a m e pergunta como que ele vai para coventry sem� �um tost o no bolso. ele levanta-se cedo no s bado e tomamos� �os dois o ch ao p do lume. frita quatro fatias de p o e� � �embrulha-as no *limerick chronicle*, duas fatias em cadabolso do casaco. a m e ainda est na cama e ele grita-lhe do� �fundo da escada, vou-me embora agora. ela diz, est bem.�quando chegares, escreve. o meu pai vai para inglaterra e elanem sequer se levanta da cama. pergunto-lhe se posso ir comele esta o. n o, n o vai para a esta o. vai pela estrada� �� � � ��de dublin para ver se consegue arranjar boleia. faz-me umafestinha na cabe a, diz-me para cuidar da minha m e e dos meus� �irm os e vai-se embora. fico a v -lo subir a rua at virar a� � �

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esquina. subo a rua a correr para o ver descer a barrack hille a st. joseph street. des o tamb m e sigo-o enquanto posso.� �ele deve saber que vou atr s dele porque a certa altura�volta-se para tr s e diz, vai para casa, francis. vai para ao�p da tua m e.� � uma semana depois recebemos uma carta a dizer que chegoubem, para nos portarmos bem, cumprirmos os nossos deveresreli giosos e sobretudo obedecermos nossa m e. na semana� � �seguinte recebemos o vale de tr s libras e o para so. vamos� � �ser ricos, vamos comer peixe com batatas fritas, geleia eleite-creme, vamos todos os s bados ao cinema, ao lyric, ao�coliseu, ao carlton, ao ateneu, ao central e ao mais chique detodos, o savoy. quem sabe se n o vamos at tomar ch e comer� � �bolos no savoy caf com a fina flor de limerick. temos de ter�aten o para esticarmos o mindinho quando pegarmos na ch vena.�� � no s bado seguinte n o recebemos nenhum vale, nem no s bado� � �a seguir, nem em mais nenhum s bado. a m e torna a ir pedir � � �sociedade de s o vicente de paulo, a ter de sorrir no�dispens rio quando o sr. coffey e o sr. kane dizem aquela�piada de o pai andar com uma pega de piccadilly. o michaelquer saber o que uma pega e ela diz-lhe que um p ssaro.� � �passa a maior parte do dia sentada ao p do lume com a bridey�hannon, a fumar os seus woodbines e a beber ch fraco. as�migalhas que ficam em cima da mesa de manh ainda est o l� � �sempre quando voltamos da escola. nunca lava os frascos decompota nem as canecas e as moscas andam em volta do a car e��de tudo o que for doce. diz que eu e o malachy temos de nos revezar a tomar contado alphie e a lev -lo rua no carrinho para apanhar ar. a� �crian a n o pode ficar na it lia de outubro a abril. se lhe� � �dissermos que quere mos brincar com os nossos amigos,�arriscamo-nos a levar um murro na cabe a que at os ouvidos� �ficam a estalar. brincamos com o alphie no carrinho. eu fico ao cimo dabarrack hill e o malachy ao fundo. empurro o carrinho pela ruaabaixo e o malachy tem de apanh -lo, mas p e-se a olhar� �para um mi do que est a andar de patins e o carrinho passa� �por ele, atravessa a rua e entra no *pub* leniston, onde oshomens est o calmamente a beber a sua cerveja, longe de�esperarem que entre por ali dentro um carrinho com um beb de�cara suja a dizer gu-gu, gu-gu. o dono do bar come a a�gritar que aquilo uma pouca-vergonha, que devia haver leis�para aquelas coisas, beb s a entrarem-lhe de rompante pela�porta em carrinhos coxos, vai chamar a guarda, mas o alphiediz-lhe adeus e sorri, e o homem diz, pronto, est bem, est� �aqui um rebu ado e uma limonada para o beb , e os irm os� � �tamb m podem beber uma limonada, aquele par de esfarrapados, e�valha-me deus, que mundo este, pensamos que est tudo muito�bem e de repente entra-nos um carrinho de beb pela porta�dentro e c estamos n s a dar rebu ados e� � �limonadas, voc s os dois levem essa crian a e v o para casa� � �para ao p da vossa m e.� � o malachy tem outra ideia genial: pod amos andar por�limerick como se f ssemos vadios, e empurrar o carrinho do�alphie e a pedir rebu ados e limonadas pelos *pubs*, mas eu�n o quero que a m e descubra e me bata. o malachy diz que eu� �sou um enjoado e vai-se embora. levo o carrinho pela henrystreet acima e passo pela igreja, redentorista. est um dia�

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cinzento, a igreja cinzenta e o magote de pessoas que est o� � porta da casa dos padres tamb m cinzento. est o espera� � � � �das sobras do almo o dos padres. � entre as pessoas, com aquele casaco cinzento sujo, est a�minha m e. � a minha pr pria m e, a pedir. pior do que o subs dio, do� � � �que a sociedade de s o vicente de paulo, do que o dispens rio.� � a pior das vergonhas, quase t o mau como andar a pedir� � �pelas ruas como os mendigos que andam com crian as sarnentas�ao colo a dizer, d -me um tost ozinho para esta pobre crian a,� � �meu senhor, est cheia de fome, minha senhora.� agora a minha m e uma pedinte e se algu m da minha rua ou� � �da minha escola a vir, vai ser uma vergonha para toda a nossafam lia. os meus amigos v o inventar alcunhas novas para mim e� �atormentar-me no p tio da escola e at j sei o que eles v o� � � �dizer,

*frankie mccourtfilho duma pedintejapon s�dan arino�olhos sarnentosboca de xarroco*

a porta da casa dos padres abre-se e as pessoas avan am de�m os estendidas. consigo ouvi-las onde estou, irm o, irm o,� � �aqui, irm o, oh!, por amor de deus, irm o. tenho cinco filhos� �em casa, irm o. vejo a minha m e a tentar avan ar tamb m. vejo� � � �os l bios dela muito cerrados quando consegue agarrar um saco�e se afasta da porta e empurro o carrinho pela rua acima antesque ela me veja. j n o quero ir para casa. des o a dock road em direc o a� � � ��corkanree, onde o lixo de limerick despejado e queimado.�fico ali um bocado a ver os rapazes ca arem ratos. n o sei� �porque h o-de fazer mal aos ratos que n o est o em casa deles.� � �n o me importava de continuar a andar pelos campos, se n o� �estivesse com o alphie, que est a chorar de fome, com aquelas�pernas muito gorduchas no ar e a abanar o biber o vazio.� a m e tem o lume aceso e qualquer coisa a cozer numa�panela. o malachy sorri e diz que ela trouxe carne de conservae batatas da loja da kathleen o.connell. n o estaria assim�t o feliz se soubesse que filho de uma pedinte. a m e pousa� � �a panela na mesa, tira uma batata para cada um com uma colhere com um garfo tira a carne. n o carne enlatada. um grande bocado de gordura� � �cinzenta a tremelicar e o nico vest gio de carne um� � �niquinho rosado no cimo. para ele que olhamos todos, a�pensar para quem ser . a m e diz, para o alphie. ainda � � � �beb , est a crescer muito depressa e faz-lhe falta. p e a� � �carne num pires frente dele. ele afasta-o com um dedo,�depois torna a pux -lo. leva a carne boca, olha em volta, v� � �o luckv, o nosso c o, e atira-lha.� n o vale a pena dizer nada. a carne foi-se. comemos as�batatas com muito sal e eu como a parte de gordura que mecoube e fa o de conta que aquele niquinho de carne rosada.� �

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a m e avisa-nos, nada de porem as patas naquela mala,�porque n o h l nada que vos interesse.� � � na mala s h pap is, certid es de nascimento, c dulas de� � � � �baptis mo, o passaporte irland s dela, o passaporte ingl s do� � �pai, de belfast, os nossos passaportes americanos e o vestidovermelho com lantejou las e folhos que ela tinha quando era�nova e que trouxe da am rica. quer guard -lo para toda a vida� �para se lembrar de quando era nova e dan ava.� n o me interesso pelo que est na mala at ao dia em que� � �fa o uma equipa de futebol com o billy campbell e o malachy.�n o temos dinheiro para os fatos nem para as botas e o billy�diz, como que as pessoas v o saber quem n s somos? nem� � �sequer temos nome. lembro-me ent o do vestido vermelho e ocorre-me um nome, os�cora es vermelhos de limerick. a m e nunca abre a mala, por�� �isso n o faz mal eu cortar um bocado do vestido para fazer�sete cora es vermelhos para prendermos ao peito. olhos que��n o v em, cora o que n o sente, o que ela diz sempre para� � �� � �ela pr pria.� o vestido est enterrado por debaixo dos pap is. vejo a� �fotografia que tinha no passaporte quando era pequenino epercebo porque me chamam japon s. h um papel que diz certid o� � �de casamento e onde est escrito que malachy mccourt e angela�sheehan se uniram pelo sagrado matrim nio aos vinte e oito�de mar o de 1930. como que� �pode ser? eu nasci a dezanove de agosto e o billy campbelldisse-me que os pais e as m es t m de estar nove meses casados� �at poderem ter filhos. ora eu vim ao mundo em metade do�tempo. quer dizer que eu devo ser um milagre e se calharquando for grande vou ser santo e as pessoas v o celebrar o�dia de s o francis de limerick.� tenho de perguntar ao mikey molloy, que continua a ser operito em corpos de raparigas e porcarias em geral. o billy diz que se queremos ser grandes jogadores defutebol temos de treinar e combinamos encontrar-nos no parque.os rapazes refilam quando lhes dou os cora es e eu��digo-lhes que se n o gostam v o a casa deles cortar os� �vestidos e as blusas das m es.� n o temos dinheiro para uma bola, mas um dos rapazes traz�uma bexiga de ovelha cheia de trapos. chutamos a bexiga paraum lado e para o outro at que come a a ficar com buracos e os� �trapos come am a cair, e n s fartamo-nos de andar aos pontap s� � �a uma bexiga que j n o nada. o billy diz para nos� � �encontrarmos no dia seguinte, que s bado, logo de manh para� � �irmos para ballinacurra e ver se conseguimos desafiar osrapazes ricos do crescent college para um jogo como deve ser,com sete em cada equipa. diz que temos de prender os cora es��vermelhos s camisas, mesmo que sejam uns trapos vermelhos.� o malachy vai a casa beber o ch , mas eu n o posso ir� �porque tenho de ir falar com o mikey molloy para ver sedescubro por que que nasci em metade do tempo. o mikey vem a�sair de casa com o pai, o peter. faz 16 anos e o pai vailev -lo ao *pub* do bowles para beber a primeira cerveja. a�nora molloy est dentro de casa a gritar ao peter que podem l� �ficar para sempre, est morta de tanto fazer p o, nunca mais� �h -de ir para o manic mio, se ele trouxer a crian a b beda� � � �para casa ela h -de ir para a esc cia e desaparecer da face� � �da terra.

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o peter diz ao mikey, n o lhe ligues, ciclope. todas as�m es irlandesas s o inimigas da primeira cerveja. a minha� �pr pria m e tentou matar o meu pai com uma frigideira quando� �ele me levou a beber a primeira cerveja. o mikey pergunta ao peter se eu posso ir com eles e beberuma limonada. o peter diz a toda a gente l no *pub* que o mikey est ali� �para beber a primeira cerveja, e come am todos a querer�pagar-lhe uma cerveja, mas o peter diz, n o, j viram a� �desgra a que seria se ele bebesse de mais e a enjoasse para o�resto da vida? as cervejas s o castanhas. sentamo-nos encostados parede,� �os molloy com as cervejas deles e eu com a minha limonada. oshomens desejam ao mikey tudo de bom para o resto da vida edizem que foi uma d diva de deus ele nunca mais ter tido�nenhum ataque desde que caiu daquele algeroz e que foi umapena aquele pobre diabo, o quasimodo dooley, ter morrido detuberculose depois de ter passado tantos anos a ter aquelatrabalheira de falar como se fosse ingl s para poder ir para a�bbc, que afinal de contas tamb m n o s tio para um� � � �irland s.� o peter est a falar com os homens, e o mikey, a beber a�sua primeira cerveja aos golinhos, diz-me em surdina, acho quen o gosto, mas n o digas ao meu pai. a seguir conta-me que� �anda a treinar o sotaque ingl s s escondidas para ser� �locutor na bbc, que era o sonho do quasimodo. diz-me queposso ficar outra vez com o cuchulain, porque n o serve de�nada a quem l not cias na bbc. agora que j tem 16 anos� � �quer ir para inglaterra e se eu alguma vez tiver uma telefoniaj sei que ele na bbc nacional.� � falo-lhe da certid o de nascimento, digo-lhe que o billy�campbell disse que eram precisos nove meses para nascermos masque eu nasci em metade do tempo e pergunto-lhe se sabe se euserei milagre. n o, diz ele, n o. s bastardo. est s condenado.� � � � n o precisas de me ofender, mikey.� n o estou. o nome que se d s pessoas que nascem antes� � � �dos nove meses de casamento, s pessoas concebidas fora dos�cobertores. o que isso?� isso o qu ?� concebidas. quando o esperma entra no ovo e come a a crescer e� �passado nove meses nasce-se. n o sei do que que est s a falar.� � � ele diz baixinho, a coisa que tens no meio das pernas a�excita o. n o gosto dos outros nomes, pila, picha, tora. o�� �teu pai mete a excita o dentro da tua m e, h um esguicho e�� � �aqueles germes sobem dentro da tua m e at ao s tio onde est� � � �um ovo, que se transforma em ti. n o sou nenhum ovo.� s um ovo. toda a gente come a por ser um ovo.� � porque que eu estou condenado? n o tenho culpa de ser� �bastardo. todos os bastardos est o condenados. s o como beb s que n o� � � �foram baptizados. ficam no limbo para toda a eternidade sempode rem sair de l , e a culpa n o deles. d que pensar,� � � � �deus l em cima no seu trono sem pena nenhuma dos beb s n o� � �

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baptizados. por isso que eu j nem me chego capela. seja� � �como for, est s condenado. o teu pai e a tua m e tiveram a� �excita o antes de serem casados e por isso tu n o est s em�� � �estado de gra a.� o que que eu hei-de fazer?� nada. est s condenado.� n o posso p r uma vela ou coisa do g nero?� � � podias tentar a virgem maria. ela que manda na condena o� ��das almas. mas n o tenho dinheiro para a vela.� pronto, toma l um *penny*. podes pagar-mo quando�arranjares um emprego no dia de s o nunca. est a sair-me� �muito caro ser o perito em corpos de raparigas e porcarias emgeral. o dono do bar est a fazer palavras cruzadas e pergunta ao�peter, qual o oposto de avan o? i� � recuo, diz o peter. isso mesmo, diz o homem. tudo tem um oposto.� valha-me deus, diz o peter. o que que foi, peter? a cerveja n o est boa?� � � a cerveja est ptima, tommy, e eu sou o campe o das� � �cervejas, n o sou?� l isso s, peter. esse m rito ningu m te tira.� � � � isso quer dizer que tamb m posso ser o campe o do contr rio� � �disso. n o percebo o que est s a dizer, peter.� � posso ser o campe o de n o beber cerveja.� � ora, peter, est s a ir longe de mais. a tua mulher est� �bem? tommy, tira-me esta cerveja da frente. sou o campe o de n o� �beber cerveja. o peter volta-se para o mikey e tira-lhe o copo. vamos paracasa para ao p da tua m e, mikey.� � n o me chamou ciclope, pai.� chamas-te mikey. chamas-te michael. vamos para inglaterra.acabaram-se as cervejas para mim e para ti, a tua m e nunca�mais vai fazer p o. vamos.� vamos a sair do *pub* e o dono, o tommy, grita, sabes o que, peter? s o esses malditos livros que andas a ler. deram-te� �cabo da cabe a.� o peter e o mikey v o para casa. eu tenho de ir Igreja de� �s o jos acender a vela que vai poupar a minha alma � � �condena o, mas olho para a montra da loja do counihan e vejo��um grande bocado de caramelo cleeves e um letreiro a dizer,:dois por 1 *penny*. estou condenado, mas sinto a gua a�correr dos dois lados da minha l ngua e no momento em que�ponho o *penny* em cima do balc o da menina counihan prometo � �virgem maria que o pr ximo que arranjar ser para p r uma vela� � �e pe o-lhe que fale com o filho e adie a minha condena o por� ��mais algum tempo. um *penny* de caramelo cleeves n o dura para sempre e,�depois de acabar, tenho de me preparar para ir para casaenfrentar uma m e que deixou o meu pai meter a excita o dele� ��dentro dela para eu nascer em metade do tempo e ser umbastardo. se alguma vez ela falar do vestido vermelho ou sejado que for, vou dizer-lhe que sei tudo sobre a excita o e��deix -la em estado de choque.� no s bado de manh encontro-me com os cora es vermelhos de� � ��

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limerick, e pomo-nos a caminho para o nosso desafio defutebol. os rapazes continuam a reclamar que os bocados dovestido vermelho n o parecem cora es at que 0 billy diz que� �� �se n o querem jogar futebol podem ir para casa brincar com as�bonecas das irm s.� num campo em ballinacurra est o uns rapazes a jogar futebol�e o billy vai desafi -los. s o oito e n s somos s sete, mas� � � �n o nos importamos porque um deles s v de um olho e o billy� � �diz para ficarmos sempre de olho no cego. al m disso, diz ele,�o frankie mccourt quase cego com aquela doen a que tem nos� �dois olhos e isso ainda pior. os outros est o todos� �equipados com camisolas azuis e brancas, cal es brancos e��botas pr prias para jogar futebol. um deles diz que parece que�sa mos do caixote do lixo e temos de segurar o malachy para�n o come ar lata com eles. concordamos em jogar s meia hora� � � �porque os miados de ballinacurra t m de ir almo ar. se durante� �essa meia hora ningu m marcar, um empate. corremos para um� �lado e para outro, at que o billy apanha a bola, come a a� �correr e a fazer fintas pela linha lateral t o depressa que�ningu m consegue agarr -lo e marca um golo. a meia hora est� � �quase a acabar, mas os rapazes de ballinacurra querem jogarmais meia hora e conseguem marcar um golo quase ao fim dasegunda meia hora. depois a bola sai e o lance nosso. o�billy est na linha lateral com a bola levantada acima da�cabe a. finge que olha para o malachy, mas atira a bola para�mim. a bola dirige-se para mim como se fosse a nica coisa que�existisse no mundo. vem direita ao meu p e a nica coisa que� �eu tenho de fazer girar para a esquerda e atirar a bola para�a baliza. dentro da minha cabe a est tudo branco e sinto-me� �como se estivesse no c u. estou a voar por cima do campo at� �que sinto os cora es vermelhos de limerick a darem-me��palmadas nas costas e a dizerem-me, grande golo, frankie, e oteu tamb m, billy.� vimos pela o.connell avenue e eu n o consigo deixar de�pensar em como a bola veio direita aos meus p s. de certeza�que foi mandada por deus ou pela virgem maria, que nunca dariatal b n o a algu m que estivesse condenado por ter nascido em� �� �metade do tempo, e sei que enquanto viver nunca hei-deesquecer aquela bola a vir do billy campbell para mim, nemaquele golo.

a m e encontra a bridey hannon e a sra. hannon a subirem a�rua e elas falam-lhe do estado miser vel em que o sr. hannon�tem as pernas. pobre john, um supl cio para ele ter de vir� �para casa todas as noites a pedalar depois de passar o dia aentregar carv o e turfa aos comerciantes de carv o da dock� �road. pagam-lhe para trabalhar das oito da manh s cinco e� �meia da tarde, apesar de ter de preparar o cavalo muito antesdas oito e demorar at muito depois das cinco e meia a tratar�dele. passa o dia a subir e a descer da carro a a carregar os�sacos de carv o e turfa, aflito para que as ligaduras n o� �saiam do s tio para que a sujidade n o passe para as feridas� �em carne viva que tem nas pernas. as ligaduras ficam todaspegajosas e t m de ser arrancadas e quando ele chega a casa�ela tem de lhe lavar as feridas com gua quente e sab o,� �p r-lhes uma pomada e tap -las com liga duras limpas. n o t m� � � � �dinheiro para estarem todos os dias a comprar ligaduras novase, por isso, ela tem de lavar as velhas dia ap s dia at� �

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ficarem cinzentas. a m e diz que o sr. hannon devia ir ao m dico e a sra.� �hannon diz, pois, j foi ao m dico mais de uma d zia de vezes� � �e ele diz-lhe que n o pode andar em cima das pernas. s isso.� �descansar as pernas. mas como que ele pode fazer isso? tem�de trabalhar. de que que n s amos viver se ele n o� � � �trabalhasse? a m e diz que talvez a bridey pudesse arranjar trabalho e a�bridey fica toda ofendida. n o sabes que tenho o peito fraco,�angela? n o sabes que tive febre reum tica e posso ficar-me de� �repente? tenho de ter cuidado. a m e fala muitas vezes da bridey e da febre reum tica e do� �peito fraco dela. diz, aquela fica aqui sentada horas a fio aqueixar-se dos males dela mas os woodbines que ela n o� �deixa. a m e diz Bridey que tem muita pena que ela tenha o peito� �assim fraco e que terr vel ver como o pai dela sofre. a sra.� �hannon diz minha m e que o john est pior de dia para dia, e� � �o que que acha, sra. mccourt, ser que o seu frankie pode� �ir ajud -lo a descar regar os sacos algumas horas por semana?� �vai ser com grande custo para n s, mas pod amos dar ao frankie� �um xelim ou dois e assim o john j podia descansar aquelas�pobres pernas. a m e diz, n o sei, ele ainda s tem onze anos e teve a� � �febre tif ide e o p do carv o n o deve fazer-lhe nada bem aos� � � �olhos. a bridey diz, mas vai andar ao ar livre e n o h nada como� �o ar livre para quem sofre da vista ou para recuperar do tifo,n o , frankie?� � , bridey.� estou a morrer de vontade de ir com o sr. hannon na carro a�a trabalhar como um verdadeiro homem. se tiver jeito, pode serque me deixem ficar em casa e nunca mais ir escola, mas a�m e diz, ele pode ir desde que isso n o interfira com a� �escola. pode come ar no s bado de manh . � � � agora j sou um homem, por isso no s bado de manh� � �levanto-me cedo, acendo o lume, fa o ch e frito p o para mim.� � �fico porta do lado espera que o sr. hannon saia de casa� �com a bicicleta e sinto um cheiro delicioso a presunto frito eovos. a m e diz que o sr. hannon s come do que bom porque a� � �sra. hannon t o doida por ele como no dia em que se casaram.� �parecem dois amantes tirados de um filme americano. a vem ele�a empurrar a bicicleta e de cachimbo na boca. manda-me subirpara a barra da bicicleta e a vou eu para o meu emprego de�homem. a cabe a dele est por cima da minha e o cheiro do� �cachimbo delicioso, mas da roupa dele sai um cheiro a carv o� �que me faz espirrar. h homens a irem a p ou de bicicleta para os dep sitos de� � �carv o, a f brica de farinha rank e a empresa de navega o de� � ��limerick na dock road. o sr. hannon tira o cachimbo da boca ediz-me que esta manh a melhor, a de s bado, porque s� � � � �meio dia. come amos s oito e quando derem as ave-marias ao� �meio-dia j estamos despa chados.� � primeiro preparamos o cavalo, escovamo-lo, enchemos o baldede madeira de aveia e o de metal com gua. o sr. hannon�ensina-me a p r os arreios e deixa-me encaixar o cavalo nos�varais da carro a. bendito seja deus, frankie, tens jeito para�isto, diz ele.

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fico t o feliz de ouvir aquilo que me apetece saltar para�cima e para baixo e andar a guiar uma carro a para o resto da�vida. est o dois homens a encher sacos de carv o e turfa e a� �pes -los na grande balan a de ferro, cinquenta quilos em cada� �saco. tamb m s o eles que empilham os sacos na carro a� � �enquanto o sr. hannon vai ao escrit rio buscar o registo das�encomendas. s o r pidos a fazer isso e num instante est tudo� � �pronto para come armos a nossa volta. o sr. hannon senta-se do�lado esquerdo da carro a e com o chicote aponta o s tio onde� �me devo sentar do lado direito. custa subir para a carro a por�ser t o alta e estar t o carregada com os sacos, e eu tento� �subir trepando pela roda. o sr. hannon diz para eu nunca maisfazer aquilo. nunca ponhas uma perna nem uma m o ao p da� �roda, quando o cavalo j est preso aos varais. pode� �apetecer-lhe ir dar uma volta sozinho e a ficas tu sem a�perna ou o bra o presos roda e tu a veres sem poderes fazer� �nada. diz ao cavalo, vamos l a isto, e o cavalo abana a�cabe a e chocalha os arreios, e o sr. hannon d uma� �gargalhada. este est pido deste cavalo doido pelo trabalho,� �diz ele. daqui a umas horas j n o vai chocalhar os arreios.� � quando come a a chover tapamo-nos com sacas de carv o� �velhas, e o sr. hannon vira o cachimbo para baixo sem o tirarda boca, para o tabaco n o se molhar. diz que a chuva torna�tudo mais pesado, mas n o vale a pena queixarmo-nos. tamb m h� � �quem se queixe do sol em frica.� atravessamos a ponte de sarsfield para irmos fazer asentregas na ennis road e na north circular road. s o ricos,�diz o sr. hannon, e muito lentos a porem a m o no bolso para�tirarem de l uma gorjeta.� temos dezasseis sacos para entregar. o sr. hannon diz quehoje estamos com sorte porque h casas onde vamos deixar mais�do que um e assim ele n o tem de andar a subir e a descer da�carro a e a dar cabo das pernas. quando paramos, ele desce e�eu puxo o saco para a beira e ponho-o s costas dele. h casas� �que t m c fora um s tio onde se abre uma porta de al ap o e� � � � �se volta o saco ao contr rio para o despejar, e assim f cil.� � �h outras casas com grandes p tios nas traseiras e a que se� � � �v como o sr. hannon est mal das pernas, quando tem de� �carregar os sacos da carro a para os telheiros ao p das� �portas das traseiras. ai, jesus, frankie, ai, jesus, a nica� �queixa que se ouve da boca dele. pede-me que lhe d a m o para� �o ajudar a subir para a carro a. diz que se tivesse um�carrinho de m o era bom para levar os sacos da carro a para as� �casas, seria uma b n o, mas um carrinho de m o custa tanto� �� �como duas semanas de trabalho e quem que tem dinheiro para�isso? entregamos os sacos e o sol volta a brilhar, a carro a est� �vazia, e o cavalo sabe que o seu dia de trabalho chegou aofim. bom estar sentado na carro a a ver o cavalo todo, desde� �a cauda cabe a, naquele pequeno balan o que faz a andar ao� � �longo da ennis road, passando por cima do shannon, at dock� �road. o sr. hannon diz que um homem que entregou oitocentosquilos de carv o e turfa merece uma cerveja e que o rapaz que�o ajudou merece uma limonada. diz-me que devia andar na escolae n o ser como ele, a trabalhar com as pernas a apo drecerem� �debaixo dele. vai para a escola, frankie, e vai-te embora delimerick e da irlanda. um dia esta guerra h -de acabar e ent o� �

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poder s ir para a am rica ou para a austr lia ou para qualquer� � �pa s grande, cujo fim n o conseguir s ver. o mundo enorme e� � � �poder s ter aventuras sensacionais. se n o tivesse as pernas� �neste estado, estaria em inglaterra a fazer fortuna como todosos outros irlandeses, como o teu pai. n o, como o teu pai,�n o. ouvi dizer que vos deixou na mis ria, n o foi? n o� � � �percebo como que um homem em seu perfeito ju zo pode ir-se� �embora e deixar a mulher e os filhos a morrerem fome e ao�frio com o inverno de limerick. a escola, frankie, a escola.livros, livros, livros. vai-te embora de limerick antes que astuas pernas apodre am e a tua cabe a se perca por completo. � � o cavalo l vai trotando e, quando chegamos ao dep sito de� �carv o, damos-lhe comida e gua e esfregamo-lo. o sr. hannon� �est sempre a falar com ele e chama-lhe meu velho, e o cavalo�p e-se resfolegar e a encostar o nariz ao peito do sr. hannon.�gostava de levar este cavalo para casa e p -lo no andar de�baixo quando n s estamos l em cima na it lia, mas mesmo que� � �eu conseguisse faz -lo passar pela porta a minha m e ia� �come ar a gritar comigo que um cavalo era s o que estava a� �fazer falta l em casa.� as ruas que partem da dock road s o demasiado ngremes para� �sr. hannon ir de bicicleta e me levar, e por isso vamos a p .�as pernas dele est o muito inchadas por causa do trabalho�daquele dia e, por isso, demoramos muito tempo a chegar aheory street. ele apoia-se na bicicleta ou ent o senta-se nas�escadas porta das casas, a apertar o tabaco no cachimbo, que�nunca tira da boca. gostava de saber quando ser que vou receber o dinheiro do�meu trabalho, porque talvez a m e me deixe ir ao lyric se eu�chegar a casa a tempo e com o meu xelim ou o que o sr. hannonme der. estamos porta do *pub* south e ele diz-me, entra,�n o te prometi uma limonada?� o tio pa keating est l no *pub*. est todo preto como de� � �costume e est sentado ao lado do bill galvin, que est todo� �branco como de costume, a fungar e a beber com grandes golosuma cerveja preta. o sr. hannon pergunta, est o bons? e�senta-se do outro lado do bill galvin e toda a gente que est�no *pub* come a a rir-se. credo, diz o homem que est ao� �balc o, olhem s para aquilo, dois bocados de carv o e uma� � �bola de neve. os homens que estavam noutros s tios do *pub*�v m ver os dois homens pretos do carv o e o homem branco da� �cal no meio deles e querem ir pedir ao *limerick leader* quemande l um fot grafo.� � o tio pa diz, o que que andas a fazer assim todo preto,�frankie? ca ste nalguma mina de carv o?� � andei na carro a a ajudar o sr. hannon.� os teus olhos est o uma desgra a, frankie. parecem po as de� � �mijo na neve. por causa do p do carv o, tio pa.� � � quando chegares a casa, lava-os. est bem, tio pa.� o sr. hannon paga-me uma limonada, d -me um xelim pela�minha manh de trabalho e diz que agora j posso ir para casa,� �que sou um grande trabalhador e que quer que torne a ajud -lo�na semana seguinte depois de sair da escola. no caminho para casa olho para uma montra e vejo-me todopreto do carv o e sinto-me como um homem, um homem com um�xelim no bolso, um homem que bebeu uma limonada num *pub*

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com dois homens sujos de carv o e um homem sujo de cal. j� �deixei de ser crian a e posso sair de vez da escola de leamy.�podia trabalhar todos os dias com o sr. hannon e, quando elepiorasse das pernas, podia ficar com a carro a e continuar a�entregar carv o aos ricos durante o resto da vida e assim a�minha m e j n o tinha de ir pedir para a porta da casa dos� � �padres da igreja redentorista. as pessoas que se cruzam comigo na rua olham para mim deuma maneira estranha. os rapazes e as raparigas riem-se egritam, olha o limpa-chamin s. quanto que levas por limpar a� �nossa chamin ? ca ste nalgum buraco de carv o? ficaste� � �chamuscado pela escurid o?� s o uns ignorantes. n o sabem que passei o dia a entregar� �cente nas de quilos de carv o e turfa. n o sabem que j sou um� � � �homem. a m e est l em cima na it lia a dormir com o alphie e� � � �est um casaco a tapar a janela para o quarto estar s� �escuras. digo-lhe que ganhei um xelim e ela diz que posso irao lyric, que bem mere o. leva dois *pence* e deixa o resto na�pedra por cima da chamin l de baixo para eu poder mandar vir� �um p o para o ch . de repente o casaco cai da janela e o� �quarto fica cheio de luz. a m e olha para mim e diz, valha-me�deus, o estado em que tens os olhos. vai l para baixo que eu�vou j ter contigo para tos lavar.� aquece gua na chaleira e passa-me com cido b rico nos� � �olhos e diz-me que n o posso ir ao cinema lyric nem hoje nem�enquanto os meus olhos n o estiverem limpos e s Deus sabe� �quando que ser . n o podes andar a entregar carv o com os� � � �olhos assim, diz ela. esse p vai acabar com eles.� quero trabalhar. quero trazer um xelim para casa. quero serum homem. podes ser um homem sem trazeres um xelim para casa. vai l�para cima e deita-te e descansa-me esses olhos, sen o ainda�ficas cego. quero aquele trabalho. lavo os olhos tr s vezes por dia com�cido b rico. lembro-me do que o seumas me contou no hospital� �de o tio dele se ter curado a piscar os olhos e come o a ficar�uma hora por dia sentado numa cadeira a fazer esse exerc cio.�n o h nada para ter uns olhos bons como pisc -los, dizia ele.� � �e ent o eu pisco e pisco, at que o malachy vai dizer minha� � �m e, que est na rua a conversar com a sra. hannon, m e, o� � �frankie n o est bom. est l em cima e n o p ra de piscar os� � � � � �olhos. a m e vem a correr ter comigo. o que que tens?� � estou a fazer um exerc cio para ter os olhos bons.� que exerc cio? � piscar os olhos. piscar os olhos n o exerc cio nenhum.� � � o seumas l do hospital diz que n o h nada como piscar os� � �olhos para ter uma vista boa. foi assim que o tio dele ficoucom uns olhos extraordin rios.� ela diz que estou a ficar esquisito e torna a ir para a ruacontinuar a conversa com a sra. hannon e eu continuo a piscaros olhos e a lav -los com cido b rico e gua morna. ou o a� � � � �sra. hannon pela janela a dizer, o seu frankie foi uma b n o� ��para o meu john, porque a subir e a descer da carro a que� �ele d cabo das pernas.� a m e n o diz nada e isso significa que tem tanta pena do� �

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sr. hannon que me vai deixar continuar a ajud -lo no pior dia�das entregas, que a quinta-feira. lavo os olhos tr s vezes� �por dia e pisco os olhos at me ficarem a doer as�sobrancelhas. pisco os olhos na escola, quando o professor n o�est a olhar para mim e os rapazes da minha aula come am a� �chamar-me pisca-pisca e juntam esse nome lista de alcunha�que eu j tinha.�

*frankie mccourt pisca-pisca filho duma pedinte japon s �dan arino �olhos sarnentos boca de xarroco*

n o me interessa o que eles me chamem desde que os meus�olhos melhorem e eu continue com o meu trabalho a levantarsacos de cinquenta quilos de carv o da carro a. gostava que� �eles me vissem na quinta-feira depois da escola, quando vou nacarro a e o sr. hannon me entrega as r deas para poder fumar o� �seu cachimbo em paz. toma, frankie, devagar e com jeitinhoporque este cavalo bom e n o precisa de ser puxado.� � tamb m me d o chicote, mas com este cavalo n o preciso� � � �chicote. s para os outros verem e eu agito-o no ar como o� �sr. hannon costuma fazer, ou sirvo-me dele para tirar uma ououtra mosca da grande garupa dourada do cavalo, a balan ar por�entre os varais. de certeza que as pessoas est o a ver-me e a admirar a�forma como eu vou guiando a carro a, o ar despreocupado com�que manejo as r deas e o chicote. gostava de ter um cachimbo�como o sr. hannon e um bon de xadrez. gostava de ser um�carvoeiro a s rio, com a pele preta como o sr. hannon ou o�pa keating para as pessoas dizerem, l vai o frankie mccourt�que anda a entregar carv o em limerick e depois vai beber a�sua cerveja ao *pub* south. nunca havia de lavar a cara. haviade estar preto todos os dias do ano at no natal quando toda a�gente se lava de alto a baixo para a vinda do menino jesus.sei que ele n o se importaria porque vi os tr s reis magos no� �pres pio de natal na igreja redentorista e um deles era mais�preto do que o tio pa keating, que o homem mais preto de�limerick e se um rei mago preto porque em todos os lugares� �do mundo h sempre algu m a entregar carv o.� � � o cavalo levanta a cauda e saem-lhe do rabo grandes bocadosde caca amarela a fumegar. puxo as r deas para ele poder parar�e fazer aquilo em paz, mas o sr. hannon diz, n o, frankie,�deixa-o conti nuar a trotar. eles cagam sempre a andar. uma� �das b n os dos cavalos, cagam enquanto trotam e n o ficam� �� �sujos nem a cheirar mal como os humanos, nada disso, frankie.a pior coisa que h no mundo ir a uma retrete a seguir a um� �homem que comeu pezinhos de porco e passou a noite a bebercervejas. um cheirete capaz de rebentar com as ventas de um�homem forte. os cavalos s o diferentes. s comem aveia e feno� �e o que deitam limpo e natural.� trabalho com o sr. hannon depois de sair da escola s�ter as e quintas e meio dia ao s bado de manh , o que quer� � �dizer que arranjo tr s xelins por semana para a minha m e, mas� �ela preocupa-se muito por causa dos meus olhos. assim quechego a casa lava-mos logo e obriga-me a ficar meia hora

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deitado. o sr. hannon diz que vai passar a esperar por mim ao p da�escola de leamy s quintas-feiras depois de fazer as entregas�na barrington street. assim os meus colegas v o ver-me. v o� �ficar a saber que j trabalho e que sou mais do que um japon s� �dan arino de olhos sarnentos e boca de xarroco. o sr. hannon�diz, v , upa, e eu subo para a carro a como qualquer� �trabalhador. olho para os rapazes de boca aberta aadmirarem-me. de boca aberta. digo ao sr. hannon que se quiserfumar o cachimbo descansado eu tomo conta das r deas e quando�ele as passa para mim tenho a certeza de que ou o os meus�colegas de respira o suspensa. digo ao cavalo, vamos l a�� �isto, como o sr. hanoon diz. afastamo-nos e nesse momento seique h dezenas de rapazes da escola de leamy a cometer o�pecado mortal da inveja. torno a dizer ao cavalo, vamos l a�isto, para ter a certeza de que todos ouvem, para ter acerteza de que sabem que sou eu que vou a guiar a carro a, eu�e mais ningu m, para ter a certeza de que nunca mais h o-de� �esquecer-se de que foi a mim que viram na carro a, com as�r deas e o chicote na m o. o melhor dia da minha vida,� � �melhor do que o dia da primeira comunh o, que a av estragou,� �melhor do que o dia da confirma o, em que fiquei com tifo.�� agora j n o me chamam nomes. j n o se riem dos meus olhos� � � �sarnentos. querem saber como que arranjei um trabalho t o� �bom s com onze anos de idade e quanto que ganho e se vou� �ficar com aquele trabalho para sempre. querem saber se h mais�trabalhos bons nos dep sitos de carv o e se eu meto uma cunha� �para eles. h tamb m os rapazes j crescidos com treze anos que� � �espetam a cara deles na minha e me dizem que aquele trabalhodevia ser deles porque s o mais velhos e eu n o passo de um� �an o descarnado e sem ombros. podem dizer o que quiserem. o�emprego meu e o sr. hannon diz que eu sou formid vel.� � h dias em que as pernas dele est o t o mal que quase n o� � � �consegue andar, e a sra. hannon fica com um ar muitopreocupado. oferece-me uma ch vena de ch e eu fico a v -la� � �levantar as pernas das cal as do sr. hannon e tirar as�ligaduras sujas. as feridas s o vermelhas e amarelas e est o� �cobertas de p de carv o. ela lava-as com gua e sab o� � � �desfeito e esfrega-as com uma pomada amarela. apoia -lhe as�pernas em cima de uma cadeira e a que ele fica o resto da� �noite a ler o jornal ou um livro da prateleira que est por�cima da cabe a dele.� as pernas est o a piorar tanto que de manh ele tem de se� �levantar uma hora mais cedo para perder a rigidez e mudar asligaduras. numa manh de s bado, ainda escuro, a sra. hannon� �bate porta e pede-me para ir pedir um carrinho de m o� �emprestado a um vizinho para levar para a carro a porque o sr.�hannon n o vai conseguir levar os sacos e eu podia p -los no� �carrinho para ele empurrar. tamb m n o vai conseguir levar-me� �na bicicleta dele, por isso melhor eu ir ter com ele ao�dep sito e levar o carrinho.� o vizinho diz, se para o sr. hannon, podes levar tudo.�deus o aben oe.� espero ao port o do dep sito de carv o e vejo o sr. hannon� � �a dirigir-se para mim na bicicleta, mais devagar do que nunca.tem tanta dificuldade em mexer-se que quase n o consegue sair�da bicicle ta. s um grande homem, frankie, diz ele. deixa-me� �

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preparar o cavalo, apesar de eu ainda ter alguma dificuldadeem p r os arreios. deixa-me tirar a carro a do dep sito e� � �gui -la pelas ruas geladas. quem me dera poder ficar assim a�gui -la para sempre e nunca mais voltar para casa. o sr.�hannon mostra-me como se puxam os sacos para a beira dacarro a para ca rem para o ch o para eu depois os puxar � � �para o carrinho e lev -los para as casas. mostra-me como devo�levan tar e empurrar os sacos para n o me esfor ar muito e ao� � �meio-dia os dezasseis sacos est o entregues.� quem me dera que os rapazes de leamy me vissem agora, aguiar a carro a e a entregar os sacos, a fazer tudo enquanto o�sr. hannon descansa as pernas. quem me dera que eles me vissema parar a carro a porta do *pub* south para beber a minha� �limonada com o sr. hannon e o tio pa e eu todos pretos e obill galvin todo branco. gostava de mostrar a toda a gente asgorjetas com que o sr. hannon me deixa ficar, quatro xelins,mais o xelim que ele me paga pelo trabalho daquela manh ,�cinco xelins ao todo. a m e est sentada ao p do lume e, quando lhe entrego o� � �dinheiro, ela olha para mim, deixa-o cair no colo e come a a�chorar. fico desori entado porque pensava que o dinheiro fazia�sempre as pessoas felizes. vai ver os teus olhos, diz ela. vaiver os teus olhos naquele espelho. a minha cara est preta e os meus olhos piores do que�nunca. as c rneas e as p lpebras est o vermelhas e dos cantos� � �est a sair aquele l quido amarelo, que cobre tamb m as� � �p lpebras inferiores. se o l quido seca, forma uma crosta e� �tem de ser arrancado ou lavado. a m e diz, acabou-se. acabou-se o sr. hannon. tento�explicar -lhe que o sr. hannon precisa de mim. j quase n o� � �consegue andar. hoje de manh tive de fazer tudo, guiar a�carro a, levar o carrinho com os sacos, sentar-me no *pub*,�beber limonada, ouvir os homens a discutir quem melhor, se o�rommel ou o montgomery. ela diz que tem muita pena do sr. hannon, mas que n s�tamb m temos os nossos problemas e a ltima coisa que lhe est� � �a fazer falta um filho cego a trope ar pelas ruas de� �limerick. j foi mau teres estado s portas da morte com o� �tifo, agora ainda queres ficar cego. n o consigo parar de chorar porque esta era a nica� �hip tese de me tornar homem e trazer para casa o dinheiro que�o rapaz dos telegramas nunca trouxe do meu pai. n o consigo�parar de chorar porque n o sei o que o sr. hannon vai fazer na�segunda-feira de manh sem ningu m a ajud -lo a puxar os sacos� � �para a beira da carro a e a levar os sacos para as casas. n o� �consigo parar de chorar por causa da maneira como ele lida comaquele cavalo a que chama do ura, por ser uma pessoa t o� �meiga, e o que vai ser do cavalo se o sr. hannon n o aparecer�para o levar para a rua? se calhar vai morrer de fome comfalta de aveia, de feno e de uma ma de vez em quando.�� a m e diz que n o devia estar a chorar porque me faz mal� �aos olhos. depois se v , diz ela. agora n o posso dizer-te� �mais nada. depois se v . � lava-me os olhos e d -me seis *pence* para ir com o malachy�ao lyric ver o boris karloff em *o homem que venceu a morte*e comprar dois bocados de caramelo cleeves. dif cil ver o� �ecr com o l quido amarelo sempre a sair-me dos olhos, e o� �malachy tem de me ir contando o que est a acontecer. as�

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pessoas que est o nossa volta mandam-no calar, querem ouvir� �o que o boris karloff est a dizer, e quando ele lhes diz que�s est a ajudar o irm o que cego, chamam o empregado, o� � � �frank goggin, que diz que se ouvir mais uma palavra da boca domalachy nos p e aos dois na rua.� n o me importo. descubro uma maneira de espremer o l quido� �dum olho e limp -lo para conseguir ver o ecr , enquanto o� �outro olho enche, e continuo assim, espremer, ver, espremer,ver, mas vejo tudo amarelo. na segunda feira de manh a sra. hannon torna a bater � �porta. pergunta M e se o frank pode ir ao dep sito de carv o� � � �avisar o homem do escrit rio que o sr. hannon n o pode ir� �trabalhar, tem de ir ao m dico das pernas, mas que amanh ir� � �de certeza e entregar amanh o que n o entregar hoje. agora a� � �sra. hannon chama-me sempre frank. uma pessoa que anda aentregar sacos de cinquenta quilos de carv o n o se pode� �chamar frankie. o homem do escrit rio diz, hum, acho que andamos a ser�muito tolerantes com o hannon. como que te chamas?�mccourt, senhor. diz ao hannon que tem de trazer um papel do m dico. est s a� �perceber? estou, sim, senhor. o m dico diz ao sr. hannon que tem de ir para o hospital�porque sen o fica com gangrena e o m dico n o se� � �responsabiliza. o sr. hannon vai numa ambul ncia e com ele�vai-se o meu trabalho. agora vou passar a ser branco comotodos os alunos de leamy, n o vou ter carro a, nem cavalo, nem� �xelins para dar minha m e.� � passados alguns dias a bridey hannon aparece nossa porta.�diz que a m e dela quer que eu v l a casa tomar ch com ela.� � � �a sra. hannon est sentada ao p do lume com a m o pousada no� � �assento da cadeira do sr. hannon. senta-te, frank, diz ela, equando vou sentar-me num banco da cozinha ela diz, n o,�senta-te aqui. senta -te aqui na cadeira dele. sabes quantos�anos que ele tem, frank?� oh!, j deve ser muito velho, sra. hannon. deve ter uns�trinta e cinco anos. ela sorri. tem uns dentes lindos. tem quarenta e cinco,frank, e um homem dessa idade n o devia ter as pernas assim.� pois n o, sra. hannon. � sabes que lhe deste uma grande alegria por andares com elenas entregas? n o, n o sabia, sra. hannon.� � mas deste. tivemos duas filhas, a bridey, que tu conheces,e a kathleen, que enfermeira em dublin. mas n o temos nenhum� �filho e ele dizia que tu eras como um filho. sinto os olhos a arder e n o quero que ela me veja a�chorar, principalmente por n o saber porque estou a chorar.�ultimamente n o fa o outra coisa. ser por causa do trabalho?� � �por causa do sr. hannon? a minha m e diz que tenho a bexiga ao�p dos olhos.� acho que estou a chorar pela calma com que a sra. hannonest a falar e por estar a falar assim por causa do sr.�hannon. como um filho, diz ela, e eu fico feliz por ele pensarassim. j n o pode trabalhar mais, sabias? quando sair do� �hospital vai ter de ficar em casa. pode haver cura e se houver

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talvez consiga arranjar um trabalho de vigilante onde n o�tenha de andar a levantar e a carregar pesos. agora j n o tenho trabalho, sra. hannon.� � tens, sim, frank. a escola. esse o teu trabalho.� isso n o um trabalho, sra. hannon.� � nunca na vida ter s outro trabalho como esse, frank. o sr.�han non nem quer imaginar-te a arrastar sacos de carv o de uma� �carro a e a tua m e nem quer imaginar que vais dar cabo dos� �teus olhos. deus bem sabe como estou arrependida de te termetido nisto, porque deixei a tua m e aflita entre os teus�olhos e as pernas do sr. hannon. posso ir ver o sr. hannon ao hospital? se calhar n o te deixam entrar, mas podes vir v -lo c a� � �casa. deus bem sabe que ele n o h -de fazer muita coisa a n o� � �ser ler e espreitar pela janela. em casa a m e diz-me, n o devias chorar, mas como as� �l grimas s o salgadas sempre te lavam a porcaria dos olhos.� �

xii

recebemos uma carta do pai. vai chegar dois dias antes donatal. diz que vai ser tudo diferente, um homem novo, espera�que continuemos a ser bons meninos, a obedecer nossa m e, a� �cumprir os nossos deveres religiosos e vai trazer prendas denatal para todos. a m e leva-me esta o dos caminhos-de-ferro para irmos� � ��esper -lo. um s tio sempre muito animado, com as chegadas� � �e partidas, pessoas debru adas nas carruagens, a chorarem, a�sorrirem, a dizerem adeus, o comboio a apitar e a chamar, acome ar a andar por ente nuvens de vapor, pessoas a fungarem�no cais, os carris a reluzirem ao longe, a caminho de dublin edo mundo para l de dublin.� j quase meia-noite e o cais est vazio e frio. um homem� � �com um bon dos caminhos-de-ferro pergunta-nos se queremos�esperar num s tio mais quente. a m e diz, muito obrigada, e d� � �uma garga lhada quando v que ele est a levar-nos para o fim� � �do cais onde vamos ter de subir um escadote para entrarmospara a torre de sinali za o. demora um bocado a subir porque� ��est pesada e n o p ra de dizer, oh!, meu deus, oh!, meu deus.� � � estamos por cima do mundo. a torre de sinaliza o est s�� � �escuras, excep o das luzes que piscam ora vermelho, ora� ��verde, ora amarelo, quando o homem se debru a sobre o painel.�estou aqui a petiscar qualquer coisa. s o servidos? diz ele.� a m e diz, ah!, n o, obrigada, n o vamos agora comer a sua� � �ceia. ele diz, a minha mulher manda-me sempre comida de mais. nemque estivesse aqui uma semana conseguiria comer tudo. n o um� �trabalho l muito cansativo estar com aten o s luzes e puxar� �� �uma alavanca de vez em quando. destapa uma garrafa e deita cacau numa caneca. toma, dizele, voltando-se para mim, atira-te a esse cacau. d meia sandu che minha m e. oh!, n o, leve isso para� � � � �casa e d aos seus filhos. � tenho dois filhos, minha senhora, mas andam por esse mundoa combater nos ex rcitos de sua majestade, o rei de�inglaterra. um esteve com o montgomery em frica e o outro�est na birm nia ou num raio de um s tio parecido, desculpe� � �

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esta minha maneira de falar. libert mo-nos da inglaterra para�agora andarmos a combater nas guerras deles. por isso, minhasenhora, aceite este bocado de p o.� as luzes come am a piscar no painel e o homem diz, o seu�comboio est a chegar, minha senhora.� muito obrigada e feliz natal. feliz natal tamb m para si, minha senhora, e feliz ano novo�tamb m. cuidado a descer o escadote, rapazinho. ajuda a tua�m e.� muito obrigado, senhor. ficamos outra vez espera no cais at que o comboio ressoa� �na esta o. abrem-se as portas das carruagens e alguns homens��descem para o cais, com malas na m o, e apressam-se em�direc o aos port es. ouve-se o tilintar das latas de leite a�� �ca rem para o ch o. um homem e dois rapazes est o a� � �descarregar jornais e revistas. nem sinais do meu pai. a m e diz que se calhar ele�adormeceu numa das carruagens, mas n s bem sabemos que ele�quase nunca dorme, nem mesmo quando est deitado na cama. ela�diz que se calhar foi o barco de holyhead que se atrasou e ofez perder o comboio. o mar da irlanda terr vel nesta altura� �do ano. n o vem, m e. n o quer saber de n s. est l b bedo num� � � � � � �s tio qualquer em inglaterra.� n o fales assim do teu pai.� n o lhe digo mais nada. n o lhe digo que gostava que o meu� �pai fosse como o homem da torre, que nos deu sandu ches e�cacau. no dia seguinte o pai entra pela casa dentro. n o tem os�dentes de cima e tem uma ferida por baixo do olho esquerdo.diz que o mar da irlanda estava muito agitado e, quando sedebru ou no navio, os dentes ca ram-lhe. a m e diz, n o foi� � � �por causa da bebida, pois n o? n o andaste pancada, pois� � �n o?� oh!, n o, angela.� o michael diz, o pai disse que trazia uma prenda para n s.� e trouxe. tira uma caixa de chocolates da mala e d -a M e. ela� � �abre-a e mostra-nos o que est l dentro: metade dos� �chocolates desapare ceram.� n o podias t -la guardado? pergunta ela.� � fecha a caixa e p e-na em cima da pedra da chamin . comemos� �os chocolates amanh no fim do almo o de � �natal. a m e pergunta-lhe se trouxe dinheiro. ele diz-lhe que a�vida est dif cil, h falta de trabalho, e ela diz, est s a� � � �gozar comigo? h uma guerra e o que h mais s o empregos na� � �inglaterra. gastaste tudo na bebida, n o foi?� gastou tudo na bebida, pai. gastou tudo na bebida, pai. gastou tudo na bebida, pai. estamos a gritar tanto que o alphie come a a chorar. o pai�diz. ent o, meninos. respeitem o vosso pai.� p e o bon . tem de ir falar com um homem. a m e diz, vai l� � � �ter com o teu homem mas n o me apare as em casa b bedo a� � �cantar o roddy mccorley ou outra coisa qualquer. ele chega a casa b bedo, mas vem calado e adormece no ch o� �ao lado da cama da m e.�

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no dia seguinte temos um almo o de natal gra as senha que� � �a m e conseguiu na sociedade de s o vicente de paulo. o almo o� � � cabe a de ovelha, couves, batatas brancas farinhentas e uma� �garrafa de cidra por ser natal. o pai diz que n o tem fome, s� �vai beber ch e pede um cigarro M e. ela diz-lhe, come� � �qualquer coisa. natal.� ele torna a dizer que n o tem fome, mas que se ningu m os� �quiser, come os olhos da ovelha. diz que os olhos t m muito�alimento e todos n s nos mostramos muito enojados. empurra os�olhos com o ch e fuma o resto do woodbine. p e o bon e vai� � �l acima buscar a mala.� a m e pergunta-lhe, onde que vais?� � para londres. no dia do senhor? no dia de natal? o melhor dia para viajar. as pessoas que v o de carro d o� � �sempre boleia a um oper rio a caminho de dublin. lembram-se�das dificul dades por que passou a sagrada fam lia.� � e como que vais apanhar o barco para holyhead sem um�tost o no bolso?� da mesma maneira como vim para c . h sempre uma altura em� �que ningu m est a ver.� � d um beijo na testa a cada um de n s, diz-nos para nos� �portarmos bem, obedecermos nossa m e, rezarmos as nossas� �ora es. diz M e que depois escreve e ela diz, ah!, sim,�� � �como escreveste das outras vezes. est de p , com a mala na� �m o, em frente da m e. ela levanta -se, pega na caixa de� � �chocolates e d um a cada um. p e um chocolate na boca, mas� �torna a tir -lo porque muito duro e ela n o consegue� � �mastig -lo. o meu mole e eu troco-o com o dela, que vai� �durar mais tempo. cremoso e saboroso e tem uma noz no�meio. o malachy e o michael reclamam porque os deles n o t m� �noz e sempre o frankie que fica com a noz. a m e diz, sempre� �como? a primeira vez que temos uma caixa de chocolates.� o malachy diz, saiu-lhe a passa no bolo l na escola e toda�a gente diz que ele a deu ao paddy clohessy. porque que n o� �pode dar-nos a noz? a m e diz, porque Natal e ele est mal dos olhos e a noz� � �faz bem aos olhos. o michael pergunta, a noz vai faz -lo ficar bom dos olhos?� vai. melhor de um olho ou dos dois? dos dois, acho eu. o malachy diz, se eu tivesse uma noz tamb m lha dava.� a m e, eu sei que davas.� o pai fica durante algum tempo a ver-nos comer oschocolates. depois levanta o ferrolho da porta, sai e torna afech -la.�

a m e diz Bridey hannon, os dias s o maus mas as noites� � �s o piores. ser que esta chuva n o tem fim? para melhor� � �suportar os dias maus, fica na cama e deixa-me acender o lumecom o malachy de manh , enquanto fica sentada na cama a dar ao�alphie bocadinhos de p o e ch de uma caneca. temos de ir l� � �abaixo Irlanda lavar a cara na bacia que est por baixo da� �torneira e enxug -la como podemos com uma camisa velha e�h mida que est nas costas de uma cadeira. a m e obriga-nos a� � �ir ao p da cama para ver se n o deix mos porcaria no pesco o,� � � �e se deix mos temos de voltar torneira e camisa h mida.� � � �

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quando temos buracos nas cal as, ela senta-se e remenda-os com�um trapo qualquer que encontre. andamos de cal es at termos��� �treze ou catorze anos e meias at ao joelho sempre com buracos�que preciso passajar. quando n o h l para cozer os buracos� � � �e as meias s o escuras, pintamos os tornozelos com graxa dos�sapatos para andarmos mais respeit veis. uma vergonha andar� �por esse mundo fora com a pele mostra por entre os buracos�das meias. como as usamos semanas a fio, os buracos ficam t o�grandes que temos de as puxar para a frente e dobr -las para�debaixo dos p s para que o buraco fique escondido dentro do�sapato. nos dias de chuva as meias ficam ensopadas e temos deas pendurar noite ao p do lume na esperan a de que estejam� � �secas de manh . ficam duras por causa da sujidade e at temos� �medo de as cal ar n o v o elas desfazer-se diante dos� � �nossos olhos. com sorte conseguimos cal ar as meias, mas�depois temos de tapar os buracos dos sapatos e eu e o malachyandamos lata por qualquer bocado de cart o ou papel que haja� �l em casa. o michael ainda s tem seis anos e por isso tem de� �esperar pelo que deixarmos para ele a menos que a m e nos�ameace l da cama que temos de ajudar o nosso irm o mais novo.� �se n o arranjarem os sapatos do vosso irm o e me obrigarem a� �sair da cama, vai haver molho. temos pena do michael porque j� crescido de mais para brincar com o alphie e pequeno de mais�para brincar connosco, e tamb m n o pode lutar com ningu m� � �pelas mesmas raz es.� quanto ao resto da roupa, f cil. a camisa com que durmo � � �a mesma que levo para a escola. ando todos os dias com ela. �com ela que jogo futebol, que trepo muros, que roubo pomares,que vou missa e Confraria. as pessoas p em-se a cheirar e� � �afastam-se de mim. quando a m e arranja uma senha para uma�camisa nova na sociedade de s o vicente de paulo, a velha � �promovida a toalha e fica pendurada meses a fio nas costas dacadeira, sempre h mida, e tam b m serve para a m e tirar de l� � � � �remendos para p r noutras camisas. pode tamb m cort -la e� � �assim serve para o alphie usar durante uns tempos, at acabar�no ch o a calafetar a porta para a chuva n o entrar.� � vamos para a escola pelas ruelas mais escondidas para n o�nos cruzarmos com os rapazes respeit veis da escola dos irm os� �crist os nem com os ricos que andam na escola dos jesu tas, o� �crescent college. os rapazes dos irm os crist os andam com� �casacos de xadrez, camisolas quentes de l , camisa, gravata e�botas novas e engraxadas. sabemos que s o eles que v o� �arranjar emprego como funcion rios p blicos e ajudar as� �pessoas que mandam no mundo. os rapazes do crescent collegeandam de *blazer* e com cachec is da escola ao pesco o e por� �cima dos ombros para mostrarem que s o os maiores. usam cabelo�comprido, que lhes cai para cima da testa e at dos olhos,�para poderem atir -lo para tr s como fazem os ingle ses.� � �sabemos que s o eles que ir o para as universidades, gerir os� �neg cios da fam lia, entrar para o governo e mandar no mundo.� �n s seremos paquetes e andaremos de bicicleta a entregar�mercearias ou iremos para inglaterra trabalhar nas obras. asnossas irm s ser o amas dos filhos deles e andar o a esfregar� � �o ch o que eles pisam, a menos que v o tamb m para inglaterra.� � �sabemos tudo isto. temos vergonha do nosso aspecto e, quandoos rapazes das escolas dos ricos nos dizem alguma coisa,andamos pancada e acabamos sempre a deitar sangue do nariz�ou com a roupa rasgada. os nossos professo res n o t m� � �

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paci ncia para n s nem para as nossas lutas porque os � �filhos deles andam nas escolas dos ricos e dizem-nos, n o t m� �o direito de levantar a m o para gente de uma classe melhor�por isso n o levantem.�

quando chegamos a casa, nunca sabemos quando vamosencontrar a m e sentada ao p do lume a conversar com uma� �mulher e uma crian a que n o conhecemos de lado nenhum. s o� � �sempre mulheres com crian as. a m e encontra-as a vaguear� �pelas ruas e se lhe pedem, pode dar-nos uma esmolinha, minhasenhora? o cora o dela n o aguenta. como nunca tem dinheiro,�� �convida-as para irem l a casa beber um ch e comer um bocado� �de p o frito e, se a noite est muito m , deixa-as dormir a um� � �canto por cima de uma pilha de trapos. o p o que d a essas� �pessoas significa sempre menos p o para n s, mas se nos� �queixarmos ela diz que h sempre pessoas que vivem pior do que�n s e n o nos custa nada dar-lhes um pouco do que temos.� � o michael igualzinho. traz para casa velhos e c es� �vadios. nunca sabemos quando vamos encontrar um c o deitado na�cama ao p dele. umas vezes s o c es com feridas, outras c es� � � �sem orelhas ou sem cauda. uma vez trouxe um galgo cego queencontrou num parque a ser maltratado por uns mi dos. o�michael andou panca da com eles, pegou no c o, que era maior� � �do que ele, e disse M e que o jantar dele podia ser para o� �c o. a m e disse, que jantar? j uma grande sorte haver um� � � �bocado de p o nesta casa. o michael disse-lhe que o p o dele� �podia ser para o c o. a m e disse que no dia seguinte o c o� � �tinha de se ir embora e o michael passou a noite a chorar eainda mais de manh , quando d com o c o morto na cama ao lado� � �dele. n o quer ir para a escola porque tem de fazer uma cova�no s tio onde era o est bulo e quer que n s o ajudemos e� � �rezemos o ter o com ele. o malachy diz que n o vale a pena� �rezar por um c o, como que sabemos se ele era cat lico ou� � �n o? o michael diz, claro que era cat lico. eu sei bem, tive-o� �nos meus bra os. chora tanto pelo c o que a m e deixa-nos� � �faltar escola. ficamos t o contentes que n o nos importamos� � �de ajudar o michael a abrir a cova nem de rezar tr s�ave-marias. n o vamos desperdi ar um dia de gazeta escola a� � �rezar o ter o por um galgo morto. o michael s tem seis anos� �mas quando traz velhos para casa consegue acender o lume e fazch . a m e diz que vai dar em doida por ver aqueles velhos a� �beberem ch da caneca de que ela mais gosta, a falarem�sozinhos e a esgravatarem no lume. diz Bridey hannon que o�michael tem o h bito de levar l para casa velhos que j n o� � � �funcionam bem da cabe a e, quando n o tem p o para lhes� � �dar, vai bater porta dos vizinhos, e n o tem vergonha de� �lhes pedir p o. acaba por dizer ao michael, acabaram-se os�velhos. um deles deixou piolhos c em casa e agora estamos�todos infestados. os piolhos s o nojentos, piores do que os ratos. passeiam�pela nossa cabe a, pelas orelhas e metem-se nas concavidades�das clav culas. fixam-se nossa pele. metem-se nas costuras� �da roupa e espa lham-se por toda a parte, at pelos casacos� �que usamos a fazer de cobertores. temos de procurar pelo corpotodo do alphie, porque ainda beb e precisa de ajuda.� � os piolhos s o piores do que as pulgas. ficam presos � �nossa pele e chupam-nos o sangue, que depois vemos dentrodeles. as pulgas saltam e mordem, mas s o limpas e por isso�

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preferimo-las. as coisas que saltam s o mais limpas do que as�que se prendem. concordamos todos que n o vai haver mais mulheres, nem�crian as, nem c es, nem velhos abandonados. n o queremos mais�� � �doen as nem mais infec es.� �� o michael chora.

a vizinha do lado da av , a sra. purcell, a nica que tem� � �telefonia l na rua. foi o governo que lha deu por ser�velhinha e cega. eu queria uma telefonia. a minha av velha� �mas n o cega. para que serve uma av que n o fica cega para� � � �o governo lhe dar uma telefonia? aos domingos noite sento-me no passeio por baixo da�janela da sra. purcell a ouvir as pe as de teatro da bbc e�da radio eireann, a esta o irlandesa. h pe as de o.casey,�� � �shaw, ibsen e at de shakes peare, que s o as melhores, mesmo� � �sendo em ingl s. o shakespeare como pur de batata, nunca� � �farta. e h pe as estranhas que falam de gregos que arrancam� �os olhos porque por engano se casaram com as m es.� uma noite estou eu sentado por baixo da janela da sra.purcell a ouvir o *macbeth*. a filha dela, que se chamakathleen, p e a cabe a de fora e diz-me, entra, frankie. a� �minha m e diz que se ficas a sentado com este tempo ainda� �apanhas tuberculose. oh!, n o preciso, kathleen. estou bem aqui.� � n o. entra.� d o-me ch e uma grande fatia de p o barrado com compota de� � �amoras silvestres. a sra. purcell diz, gostas de shakespeare,frankie? adoro, sra. purcell. uma maravilha, frankie, e as hist rias dele s o as mais� � �bonitas do mundo. n o sei o que seria de mim ao domingo � �noite se n o tivesse o shakespeare.� quando acaba o teatro, ela deixa-me mexer no bot o da�telefonia e eu procuro sons distantes na banda de onda curta,sussurros e assobios estranhos, o som arrastado do oceano aavan ar e a recuar e o c digo morse ti ti ti ti ti ti. ou o� � �bandolins, guitarras, gaitas-de-foles espanholas, tamboresafricanos, o lamento dos barqueiros do nilo. vejo marinheirosde vigia a beberem canecas de cacau quente. vejo catedrais,arranha-c us, casas de campo. vejo bedu nos no deserto do sara� �e a legi o francesa, *cowboys* nas pradarias americanas. vejo�cabras a saltarem pela encostas pedregosas da gr cia onde os�pastores s o cegos porque por engano se casaram com as m es.� �vejo pessoas a conversarem em caf s, a beberem caf aos� �golinhos, a passearem por alamedas e avenidas. vejo mulheresda noite sob as ombreiras das portas, monges a cantarem asv speras e ou o o grande estampido do big ben. a bbc� � �internacional e a seguir vem o notici rio.� a sra. purcell diz, deixa ficar a , frankie, para sabermos�como vai o mundo. a seguir s not cias a rede das for as armadas americanas� � � �e uma maravilha ouvir as vozes americanas t o calmas e� �suaves e depois vem a m sica, ena, p , a m sica do duke� � �ellington a dizer-me para apanhar *a train* para o s tio onde�a billie holiday canta s para mim,�

*i can.t give you anything but love, baby.

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that.s the only thing i.ve plenty of, baby*.

oh!, billie, quero estar contigo e com toda essa m sica a� �na am rica, onde ningu m tem dentes podres, onde as pessoas� �deixam comida no prato, onde cada fam lia tem a sua casa de�banho e onde toda a gente vive feliz para sempre. e a sra. purcell diz, sabes uma coisa, frankie? o qu , sra. purcell?� o shakespeare t o bom que devia ser irland s.� � �

o homem da renda est a perder a paci ncia. diz M e, a� � � �sua renda j est quatro semanas atrasada, minha senhora. � � �uma libra e dois xelins. isto tem de acabar porque sen o vou�ter de ir ao escrit rio e fazer queixa a sir vincent nash de�que os mccourts est o com um m s de atraso. e depois o que � � �de mim, minha senhora? levo um pontap no rabo e fico sem�emprego, com o encargo de uma m e de noventa e dois anos que�todos os dias comunga na igreja franciscana. o homem dasrendas tem de as cobrar, minha senhora, porque sen o perde o�emprego. volto c para a semana e, se n o tiver o dinheiro,� �uma libra, oito xelins e seis *pence* ao todo, vai tudo para arua, com a chuva a cair em cima da mob lia.� a m e torna a subir para a it lia e senta-se ao p do lume� � �a pensar onde ir arranjar dinheiro para a renda de uma�semana, j para n o falar do atrasado. apetecia-lhe uma� �ch vena de ch , mas n o h maneira de aquecer a gua, at que� � � � � �o malachy puxa uma t bua solta da parede que divide os dois�quartos l de cima. a m e diz, bem, j que caiu agora podemos� � �cort -la para o lume. aquecemos a gua e guardamos o resto da� �t bua para fazermos o ch de manh , mas e logo noite e� � � �amanh de manh e depois e depois? a m e diz, tira-se mais uma� � �t bua da parede, mas s mais uma. continua a dizer isto� �durante duas semanas at que j n o h nada na parede a n o� � � � �ser as vigas. avisa-nos para n o tocarmos nas vigas porque�est o a segurar o tecto e at a casa toda.� � n o, n s n o tocamos nas vigas.� � � a m e vai a casa da av e est tanto frio que eu ataco uma� � �das vigas com o machado. o malachy d vivas e o michael bate�as palmas todo contente. puxo a viga, o tecto geme e cai umachuva de gesso, ard sia e gua para cima da cama da m e. o� � �malachy diz, ai, meu deus, vamos ser mortos, e o michaelp e-se a dan ar e a cantar, o frankie partiu a casa, o frankie� �partiu a casa. est a chover mas n s vamos a correr contar M e o que� � � �aconte ceu. ela fica sem perceber quando ouve o michael a�cantar, o frankie partiu a casa, at que eu lhe explico que a�casa tem um buraco e est a cair. ela diz, ai, jesus, e desata�a correr pela rua, com a av atr s dela.� � v a cama enterrada debaixo do gesso e das placas de�ard sia e agarra a cabe a, o que que n s vamos fazer, o qu ?� � � � �e grita comigo por ter tocado nas vigas. a av diz, vou ao�escrit rio do senhorio para eles virem arranjar isto antes que�voc s morram aqui afogados.� volta num instante com o homem da renda. valha-me deus,onde que est o outro quarto?� � a av diz, que quarto?� aluguei-vos dois quartos l em cima e agora s l est um.� � � �onde que est o outro quarto?� �

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a m e diz, que quarto?� havia dois quartos l em cima e agora s h um. o que que� � � �aconteceu parede? havia uma parede. agora n o h parede� � �nenhuma. lembro-me perfeitamente da parede porque me lembroperfeita mente do quarto. e onde que est a parede? onde � � � �que est o quarto?� a av diz, n o me lembro de parede nenhuma e, se n o me� � �lembro da parede, como que posso lembrar-me do quarto?� n o se lembra? pois eu lembro-me. h quarenta anos que sou� �agente do senhorio e nunca vi uma coisa destas. valha-me deus, um desespero, mal voltamos as costas os inquilinos n o s� � �n o pagam as rendas como ainda d o sumi o s paredes e aos� � � �quartos. quero saber onde est a parede e o que feito do� �quarto. a m e volta-se para n s. lembram-se de alguma parede?� � o michael puxa-lhe pela m o. aquela parede que pusemos a� �arder no lume? o homem da renda diz, oh! deus l nas alturas, isto pior� �do que banagher, isto uma coisa nunca vista, passa dos�limites. sem renda, o que que eu vou dizer a sir vincent l� �no escrit rio? rua, minha senhora, tudo para a rua. de hoje a�uma semana venho bater a esta porta e n o quero ver ningu m em� �casa, tudo para a rua. ouviu bem, minha senhora? a m e est com uma cara muito zangada. uma pena n o ser� � � �j nascido no tempo em que os ingleses andaram a tirar-nos as�casas e a p r-nos ao relento.� nada de atrevimentos, minha senhora, sen o despejada j� � �ama nh .� � vai-se embora e deixa a porta aberta para mostrar o quepensa de n s. a m e diz, valha-me deus. n o sei o que hei-de� � �fazer. a av diz, bem, eu n o tenho espa o para voc s mas o� � � �teu primo gerard griffin mora na rosbrien road naquela casinhaque era da m e dele e de certeza que n o se importa que voc s� � �l fiquem at as coisas melhorarem. j s o estas horas da� � � �noite mas ainda l vou ver o que ele diz. o frank pode vir�comigo. manda-me vestir o casaco, mas eu n o tenho nenhum e ela�diz, tamb m n o deve valer a pena perguntar se t m uma� � �sombrinha. anda. p e o xaile por cima da cabe a e eu saio com ela, rua acima� �debaixo de chuva at rosbrien road, que fica a mais de tr s� � �quil metros de dist ncia. bate porta de uma casa pequena que� � �fica numa longa fiada de casas iguais. est s a , laman? sei� �que est s em casa. abre a porta.� por que que est a chamar-lhe laman, av ? O nome dele n o� � � � Gerard? � sei l ! eu tamb m n o sei por que que toda a gente chama� � � �ab ao teu tio pat? toda a gente chama a este homem laman. abrea porta. vamos entrar. se calhar, ficou a fazer horasextraordin rias.� empurra a porta. a casa est s escuras e tem um cheiro� �doce a humidade. estamos num s tio que parece a cozinha e ao�lado h um quarto mais pequeno. por cima do quarto h um s t o� � � �com uma clarab ia, onde a chuva est a bater. h caixas por� � �todo o lado, jornais, revistas, restos de comida, canecas,latas vazias. todo o espa o do quarto ocupado por duas� �camas, uma enorme e uma mais peque na ao p da janela. a av� � �espeta o dedo num alto que est na cama grande. s tu, laman?� �

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levanta-te, v l , levanta-te.� � o que foi? o que foi? o que foi? o que foi? temos um problema. a angela vai ser despejada com ascrian as e o c u est a desabar com tanta chuva. precisam de� � �um s tio para se recolherem at arranjarem outro s tio e eu� � �n o tenho espa o para eles. podias p -los no s t o, se� � � � �quisesses, mas isso n o ia dar por causa dos pequeninos que�n o iam conseguir subir e at podiam cair e morrer, por isso� �vais tu l para cima para eles virem para aqui.� est bem, est bem, est bem, est bem.� � � � levanta-se da cama e sente-se bafo a u sque. vai cozinha� �e encosta a mesa parede para subir para o s t o. a av diz,� � � �pronto, assim est bem. podem mudar-se para aqui hoje noite� �e assim os homens do despejo n o vos incomodam.� a av diz M e que vai para casa. est cansada e esgotada� � � �e j n o tem vinte e cinco anos. diz que n o vale a pena levar� � �camas nem mob lia nenhuma porque o laman griffm tem muita�coisa l em casa. pomos o alphie no carrinho e volta dele� �pomos a panela, a frigideira, a cafeteira, os frascos decompota e as canecas, o papa, duas almofadas e os casacos comque nos tapamos. cobrimos a cabe a com os casacos e l vamos� �pela rua a empurrar o carrinho. a m e diz para n o fazermos� �barulho na rua para os vizinhos n o saberem que fomos�despejados, porque sen o uma vergonha. o carrinho tem uma� �roda torcida que o faz abanar e andar s curvas. tentamos�lev -lo a direito e estamos a divertir-nos imenso, porque j� �deve passar da meia-noite e de certeza que a m e n o nos vai� �obrigar a ir escola amanh . vamos para t o longe da escola� � �de leamy que, se calhar, nunca mais vamos ter de ir escola.�mal sa mos da rua, o alphie come a a bater com uma colher na� �panela e o michael a cantar uma can o que ouviu num filme com��o al johnson, *swanee, how i love you, how i love you, mydear ol.swanee*. d -nos vontade de rir por estar a tentar�cantar com uma voz grossa como o al johnson. a m e diz, ainda bem que tarde e n o h ningu m na rua� � � � �para ver a vergonha por que estamos a passar. quando chegamos casa, tiramos o alphie e as coisas do�carrinho para eu e o malachy irmos a roden lane buscar a mala.a m e diz que morria se ficasse sem aquela mala e tudo o que�est l dentro.� � eu e o malachy dormimos um para cada lado na cama pequena.a m e fica na cama grande com o alphie ao lado dela e o�michael aos p s da cama. est tudo h mido e a cheirar a bafio� � �e ouvimos o laman griffin a ressonar l em cima. nesta casa�n o h escadas, o que significa que tamb m n o h o anjo do� � � � �s timo degrau.� mas eu tenho doze anos, quase treze, e se calhar j sou�grande de mais para anjos.

ainda de noite quando o despertador toca. o laman griffin�bufa, assoa-se e escarra para limpar o peito. o ch o range sob�os p s dele e quando fica horas a mijar para o penico n s� �temos de tapar a boca com os casacos para pararmos de rir e am e diz-nos baixinho para estarmos calados. ouvimo-lo a�resmungar l em cima antes de descer para ir buscar a�bicicleta e sair, batendo com a porta. a m e sussurra, o�caminho est livre, durmam. hoje podem ficar em casa.�

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n o conseguimos dormir. estamos numa casa nova, temos�vontade de fazer chichi e queremos explorar tudo. a casa debanho l fora, a uns dez passos da porta das traseiras, uma� �casa de banho s nossa, com uma porta que podemos fechar e um�assento como deve ser onde podemos sentar-nos a lerquadradinhos do *limerick leader* que o laman griffin l�deixa para limpar o rabo. h um p tio grande nas traseiras, um� �jardim com relva alta e ervas daninhas, uma bicicleta velhaque deve ter sido de um gigante, latas vazias aos montes,revistas e pap is velhos a apodrecerem pelo ch o, uma m quina� � �de costura enferrujada, um gato morto com uma corda ao pesco o�que algu m deve ter atirado por cima da veda o.� �� o michael enfia na cabe a a ideia de que aquilo frica e� � �passa a vida a perguntar, onde que est o tarzan? onde que� � �est o tarzan? corre de um lado para o outro do p tio sem� �cal as e tentar imitar o tarzan e a gritar de rvore para� �rvore. o malachy espreita por cima da veda o para os outros� ��p tios e diz, t m jardins. t m coisas semeadas. podemos fazer� � �uma horta. podemos semear batatas e tudo a m e grita da porta das traseiras, vejam se arranjam�qualquer coisa para acendermos o lume. h um telheiro de madeira encostado parede de tr s da� � �casa. est a cair e n o deve fazer mal tirarmos umas t buas� � �para o lume. a m e fica muito desgostosa quando v a madeira� �que lhe levamos. diz que est podre e cheia de bichos brancos,�mas quem pede n o escolhe. a madeira ~ repita por cima do�papel que est a arder e v em-se os bichos brancos a tentarem� �fugir. o michael diz que tem pena dos bichos brancos mas n s�j sabemos que ele tem pena de tudo o que h no mundo.� � a m e conta-nos que dantes aquela casa era uma loja. a m e� �do laman griffin vendia mercearias pela janela pequena e foiassim que ela conseguiu mandar o laman para o rockwell collegepara ele vir a ser oficial da royal navy. at h uma� �fotografia dele com outros oficiais, todos a almo arem com uma�estrela de cinema americana muito famosa, a jean harlow. nuncamais foi o mesmo desde que conheceu a jean harlow.apaixonou-se loucamente por ela, mas para qu ? ela era a jean�harlow e ele n o passava de um oficial da royal navy.�entregou-se bebida e acabou por ser expulso da marinha. e�olhem para ele agora, um oper rio como tantos outros da�compa nhia da electricidade com uma casa que est uma� �vergonha. quem vir esta casa nem acredita que aqui mora um serhumano. v -se logo que o laman nunca mais tocou em nada desde�que a m e morreu e agora n s vamos ter de limpar tudo para� �podermos c morar.� h caixas cheias de leo p rpura para o cabelo. enquanto a� � �m e vai casa de banho, n s abrimos um frasco e despejamo-lo� � �nas nossas cabe as. o malachy diz que o cheiro formid vel,� � �mas quando a m e entra, pergunta, que fedor este? e quer� �saber por que que de repente o nosso cabelo ficou todo�oleoso. obriga-nos a meter a cabe a debaixo da torneira e�seca-nos com uma toalha velha que tirou debai xo de uma pilha�de revistas chamadas *the ilustrated london news*, t o velhas�que ainda t m retratos da rainha vit ria e do pr ncipe� � �eduar do a acenarem. h barras de sab o pear e um livro grosso� � �chamado *pear.s encyclopedia*, que eu leio dia e noite porquediz tudo sobre tudo e exactamente isso que eu quero saber.� h frascos de linimento sloan, que a m e diz que v m mesmo� � �

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a calhar para quando tivermos c ibras ou dores por causa da�humidade. nos frascos est escrito, aqui est a dor, onde est� � �o sloan? h caixas de alfinetes-de-ama e sacos cheios de�chap us de senhora que se desfazem mal lhes tocamos. h sacos� �com espartilhos, ligas, sapatos altos abotoados de senhora etodo o tipo de laxativos a prometerem um rosto reluzente,olhos brilhantes, cabelo encaracolado. h cartas do general�eoin o.duffy para gerard griffin, esq. a dizerem bem -vindo s fileiras da frente nacional, os camisas azuis� �irlandeses, um privil gio saber que um homem como gerard� �griffin se interessa pelo movimento, um homem com uma educa o��excelente, a forma o na royal navy, a sua fama de grande���jogador de r guebi na equipa dos juvenis de munster, que�ganhou o campeonato nacional, a ta a bateman. o general�o.duffy est a formar uma brigada irlan desa que vai partir� �dentro de pouco tempo para espanha para comba ter ao lado do�grande cat lico o general ssimo franco, e o sr. griffin daria� �um grande contributo a essa brigada. a m e conta-nos que a m e do laman n o o deixou ir. n o� � � �viveu tantos anos como uma escrava naquela loja para poderp -lo num col gio para ele poder ir a correr para espanha� �atr s do franco e, por isso, ele ficou em casa e arranjou�aquele emprego a abrir buracos para os postes da companhia daelectricidade pelas estradas do pa s, e a m e ficou toda� �contente por o ter em casa todas as noites menos �sexta-feira, quando ia beber a sua cerveja e chorar pela jeanharlow. a m e est encantada com as pilhas de pap is que temos para� � �acender o lume apesar de a madeira que estamos a tirar dotelheiro que est a cair deixar um cheiro enjoativo no ar e de�ela ter medo que os bichos fujam e se multipliquem. passamos o dia a trabalhar, a levar caixas e sacos para otelheiro do p tio. a m e abre as janelas para o ar entrar e� �para sair o cheiro do leo para o cabelo e dos anos todos em�que a casa esteve fechada. diz que um al vio termos� �conseguido p r o ch o mostra, que agora podemos sentar-nos e� � �beber uma ch vena de ch em paz e sossego, e que vai ser uma� �maravilha quando vier o tempo quente e talvez j tenhamos um�jardim e possamos sentar-nos l fora a tomar ch como fazem os� �ingleses. o laman griffin chega todos os dias a casa s seis horas�menos sexta-feira, bebe o ch e vai para a cama at manh� � � � �do dia seguinte. aos s bados vai para a cama uma da tarde e� �s sai de l na segunda -feira de manh . puxa a mesa da� � � �cozinha para a parede por baixo da entrada do s t o, sobe para� �uma cadeira, puxa a cadeira para cima da mesa, torna a subirpara a cadeira, agarra-se a uma perna da cama e i a o corpo.�se est b bedo de mais sexta-feira manda-me ir l acima� � � �buscar a almofada e os cobertores e dorme no ch o da cozinha�ao p do lume ou ent o atira-se para a cama onde eu e os meus� �irm os dormi mos e passa a noite a ressonar e a peidar-se.� � quando nos mud mos para c , refilou por ter deixado o� �quarto dele c em baixo e ter ido para s t o e por estar farto� � �de subir e descer para ir casa de banho no p tio das� �traseiras. grita l de cima, tragam a mesa e a cadeira, vou�descer, e n s temos de tirar tudo de cima da mesa e encost -la� � parede. est farto, acabaram-se as subidas e as descidas,� �vai servir-se do lindo penico que era da m e dele. fica todo o�

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dia na cama a ler livros da biblioteca, a fumar cigarros goldflake e a mandar alguns xelins M e para um de n s ir loja� � � �buscar uns bolos para ele acompanhar com o ch ou um bocado de�presunto e tomate s fatias. depois diz M e, angela, o� � �penico est cheio, e ela tem de trepar mesa e cadeira para� � �ir buscar o penico, despej -lo na sanita, lav -lo e tornar a� �ir p -lo ao s t o. fica com uma cara muito sisuda e diz, vossa� � �excel ncia deseja mais alguma coisa? e ele d uma gargalhada e� �diz, trabalho de mulher, angela, trabalho de mulher e sem�pagar renda. o laman atira o cart o da biblioteca l do s t o e diz-me� � � �para lhe ir buscar dois livros, um sobre pesca e outro sobrejardinagem. manda um recado empregada da biblioteca a dizer�que est muito mal das pernas por andar a abrir buracos para�os postes da electricidade e que a partir de agora o frank�mccourt que vai buscar os livros para ele. sabe que o rapazs tem treze anos e tamb m sabe que as normas s o rigorosas no� � �que respeita entrada de crian as na parte da biblioteca� �reservada aos adultos, mas o rapaz vai ter as m os lavadas,�portar-se bem e fazer o que lhe mandarem, e obrigado. a bibliotec ria l o recado e diz que uma pena o sr.� � �griffin estar assim, que um verdadeiro cavalheiro e um homem�muito instru do, ningu m imagina a quantidade de livros que� �ele l , s vezes quatro por semana, noutro dia levou um livro� �em franc s, imagine-se, fran c s, sobre a hist ria do leme,� � � �imagine-se, do leme, ela daria tudo para poder espreitar paradentro da cabe a dele pois deve estar atulhada de�conhecimentos sobre tudo, imagine-se, atulhada. escolhe um livro maravilhoso com imagens a cores sobre osjar dins ingleses. quanto a pesca, sei do que ele gosta, diz�ela e escolhe um livro chamado *em busca do salm o irland s*� �do brigadeiro general hugh colton. oh!, diz a bibliotec ria,�ele l centenas de livros de oficiais ingleses que pescam na�irlanda. tamb m j li alguns s por curiosidade, e d para� � � �perceber por que que esses oficiais gostam tanto de estar na�irlanda depois de tudo por quanto passaram na ndia, em�frica e noutros s tios assim miser veis. pelo menos aqui as� � �pessoas s o educadas. somos famosos por isso mesmo, pela�educa o, por n o andarmos a correr de um lado para outro a�� �atirar lan as s pessoas.� � o laman fica na cama, l os livros, fala l de cima do dia� �em que ficar bom das pernas e for para o p tio das traseiras�fazer um jardim que h -de ser famoso em toda a parte por�ser t o colorido e t o lindo, e quando n o estiver a jardinar� � �h -de andar a cruzar os rios em toda a volta de limerick e a�trazer para casa salm es que nos h o-de deixar de gua na� � �boca. a m e deixou-lhe uma receita de salm o que um segredo� � �de fam lia e se tivesse tempo e n o estivesse t o mal das� � �pernas havia de a desencantar nalgum s tio. diz que agora que�viu que eu sou de confian a posso ir buscar um livro para mim�todas as semanas, mas para n o trazer porcarias para casa.�quero saber o que s o essas porcarias, mas ele n o me diz, por� �isso vou ter de descobrir sozinho. a m e diz que tamb m quer inscrever-se na biblioteca mas� �que muito longe da casa do laman, mais de tr s quil metros,� � �e pergunta se n o me importo de lhe trazer um livro por semana�um romance da charlotte m. brame ou de qualquer outraescritora boa. n o quer livros sobre oficiais ingleses � �

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procura de salm es nem livros sobre pessoas que andem a�matar-se umas s outras. j h problemas que cheguem no mundo� � �sem se andar ainda por cima a ler livros sobre pessoas queandam a maltratar salm es ou as outras pessoas.� a av apanhou um resfriado na noite em que tivemos aquele�problema na casa de roden lane e o resfriado transformou-se empneumonia. levaram-na para o city home e agora j morreu.� o filho mais velho dela, o meu tio tom, resolveu irtrabalhar para inglaterra como os outros homens das ruaspobres de limerick, mas piorou da tuberculose e teve de voltarpara limerick e agora j morreu.� a mulher dele, a galway jane, morreu tamb m, e quatro dos�seis filhos deles tiveram de ir para orfanatos. o filho maisvelho, o gerry, fugiu, alistou-se no ex rcito irland s,� �desertou, e passou-se para o ex rcito ingl s. a filha mais� �velha, a peggy, foi viver com a tia aggie e muito infeliz.� o ex rcito irland s anda procura de rapazes com jeito� � �para a m sica e que queiram formar-se na escola de m sica do� �ex rcito. aceitam o meu irm o malachy, que vai para dublin� �para ser soldado e tocar clarim. agora s tenho dois irm os em casa e a m e diz que a� � �fam lia dela est a desaparecer a olhos vistos.� �

xiii

os rapazes da minha classe da escola de leamy combinaramfazer uma viagem de bicicleta a killaloe no fim-de-semana.dizem-me para pedir uma bicicleta emprestada para ir tamb m.�s preciso de um cobertor, algumas colheres de ch , a car e� � ��umas fatias de p o. vou aprender a andar na bicicleta do laman�griffin todas as noites depois de ele ir para a cama e decerteza que ma empresta para a viagem de dois dias a killaloe. a melhor altura para lhe pedir qualquer coisa � �sexta-feira noite, porque est sempre bem-disposto depois de� �uma noite de cervejas e do jantar. traz sempre o mesmo jantarnos bolsos do sobretudo, um grande bife a pingar sangue,quatro batatas, uma cebola e uma garrafa de cerveja. a m e�coze as batatas e frita o bife com cebola s rodelas. ele�senta-se mesa sem tirar o sobretudo e come o bife com as�m os. a gordura e o sangue escorrem-lhe do queixo para o�sobretudo, que onde limpa as m os. bebe a cerveja e ri-se ao� �dizer que n o h nada como um belo bife em sangue numa� �sexta-feira noite e se for esse o pior pecado dele, h -de ir� �direitinho para o c u, corpo e alma e tudo, ah, ah, ah.� claro que te empresto a bicicleta, diz ele. os rapazesdevem passear e ver o campo. claro. mas tens de trabalhar paraa ganhares. n o se pode ter uma coisa sem dar nada em troca,�n o ?� � .� e eu tenho um trabalho para ti. n o te importas de fazer um�trabalhito, pois n o?� n o.� e gostavas de ajudar a tua m e?� gostava. bem, ent o, o penico est cheio desde manh . quero que v s� � � �l acima busc -lo, que o despejes na casa de banho, que o� �laves torneira l de fora e que tornes a ir l p r.� � � n o quero despejar o penico mas sonho em percorrer�

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quil metros de bicicleta a caminho de killaloe, ver campos e�c u longe desta casa, nadar no shannon, dormir num celeiro.�encosto a mesa e a cadeira parede. subo para o s t o e l� � � �est o penico branco debaixo da cama, sujo de castanho e�amarelo, cheio de mijo e caca. pouso-o com jeiti nho beira� �do s t o para n o se entornar, des o para a cadeira, pego no� � � �penico, trago-o para baixo, viro a cara para o lado, seguro-oenquanto des o para a mesa, pouso-o na cadeira, des o para o� �ch o, levo o penico para a casa de banho, despejo-o e vomito�atr s da casa de banho at me habituar a este trabalho.� � o laman diz que sou bom rapaz e que a bicicleta minha�sempre que eu a queira, desde que o penico seja despejado en o me importe de ir loja comprar-lhe cigarros, ir � � �biblioteca buscar livros e fazer o que ele me pedir. tensmuito jeito para o penico, diz ele. d uma gargalhada e a m e� �olha para as cinzas mortas na chamin .�

h um dia em que est a chover tanto que a bibliotec ria, a� � �menina o.riordan, diz, n o v s para a rua com essa chuva� �sen o estragas os livros. senta-te ali e porta-te bem.�enquanto est s espera, podes aprender muito sobre os santos.� � h quatro livros grandes chamados *butler.s lives of the�saints*. n o quero passar a vida a ler coisas sobre santos,�mas depois de come ar apetecia-me que a chuva nunca mais�passasse. quando se v em figu ras de santos, sejam homens ou� �mulheres, est o sempre a olhar para cima, para o c u, onde h� � �nuvens cheias de anjos gordos com flores ou harpas a louvarema deus. o tio pa keating diz que n o h santo nenhum do c u� � �com que ele gostasse de se sentar a tomar uma cerveja. ossantos destes livros s o diferentes. s o hist rias de� � �vir gens, m rtires, virgens m rtires, piores do que qualquer� � �filme de horror do cinema lyric. tenho de ir ao dicion rio ver o que uma virgem. sei que a� �m e de deus e a virgem maria e que lhe chamam isso por n o ter� �tido um marido como deve ser, s o pobre do s o jos , j t o� � � � �velhote. nas *vidas de santos* as virgens est o sempre�metidas em sarilhos e eu n o percebo porqu . no dicion rio� � �diz, virgem, mulher (geralmente jo vem) que continua em estado�de castidade inviolada. agora tenho de ir ver castidade e inviolado e s fico a�saber que castidade quer dizer casto e inviolado quer dizern o violado e casto quer dizer limpo de rela es sexuais� ��il citas. agora tenho de ir ver rela es sexuais e da passo� �� �para penetra o e da para o rg o copula t rio do animal�� � � � � �masculino. copulat rio remete para copula o, a uni o dos� �� �sexos para a procria o e n o sei o que isso significa mas j�� � �

estou farto de ir de palavra para palavra neste dicion rio�pesado. parece que ando ca a de patos-bravos nas palavras e� �tudo porque as pessoas que fizeram este dicion rio n o querem� �que mi dos como eu saibam nada.� s queria saber donde que vim, mas se perguntar a algu m� � �mandam-me perguntar a outra pessoa ou ent o mandam-me saltar�de palavra em palavra. os ju zes romanos dizem a todas estas virgens m rtires que� �t m de abandonar a sua f e aceitar os deuses romanos mas elas� �dizem, n o, e os ju zes mandam-nas torturar e matar. a minha� �preferida a santa cristina espantosa, que demora s culos a� �

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morrer. os juiz diz, cortem-lhe um seio, e quando o cortam elaatira-o ao juiz e ele fica cego, surdo e mudo. trazem outrojuiz, que diz, cortem-lhe o outro seio, e acontece a mesmacoisa. tentam mat -la com setas, mas elas fazem ricochete e�matam os soldados que as dispararam. tentam met -la em leo a� �escaldar, mas ela fica a boiar na tina e at passa pelas�brasas. ent o, os ju zes fartam-se e cortam-lhe a cabe a e� � �resolvem o assunto de uma vez por todas. o dia de santacristina espantosa a vinte e quatro de julho. acho que vou�guardar esse dia para mim juntamente com o dia de s o�francisco de assis a quatro de outubro. a bibliotec ria diz, agora tens de ir para casa, j n o� � �est a chover, e quando vou a sair ela chama-me. quer mandar�um recado minha m e e n o se importa nada que eu o leia. o� � �recado diz, cara senhora mccourt, no momento em que nosconvencemos de que a irlanda est completamente perdida,�depara-se-nos com um rapazinho sen tado na biblioteca t o� �absorvido pela leitura das *vidas de santos* que nem reparaque parou de chover e preciso arranc -lo leitura. estou� � �convencida, sra. mccourt, de que talvez tenha um futuro padrena sua frente e vou acender uma vela na esperan a de que isso�se torne realidade. sem outro assunto, atenciosamente,catherine o.riordan, ajudante de biblioteca

���

o o.halloran saltit o o nico professor da escola� � �nacional de leamy que se senta. ou por ser o director da�escola ou por ter de descansar por causa daquela volta que d�a andar por ter uma perna mais curta. os outros professoresandam de um lado para outro nossa frente ou para cima e para�baixo por entre as carteiras, e nunca se sabe quando que levamos com o ponteiro ou com o cinto por�darmos uma resposta errada ou por escrevemos alguma palermice.quando o saltit o quer castigar algum de n s chama-o frente� � �da sala e castiga-o frente de todos os outros.� h dias bons em que ele fica sentado a falar da am rica.� �diz, meus meninos, desde a imensid o gelada do dakota do norte�at aos laranjais perfumados da florida, os americanos�desfrutam de todos os climas. fala da hist ria da am rica. se� �o agricultor americano, armado de mosquetes e espingardas,pode separar um continente da inglaterra, de certeza que n s,�guerreiros desde sempre, poderemos recuperar a nossa ilha. se n o quisermos atur -lo com a lgebra ou a gram tica� � � �irlande sa, a nica coisa que temos de fazer perguntar-lhe� � �qualquer coisa sobre a am rica, porque ele fica t o� �entusiasmado que capaz de ficar todo o dia a falar disso.� fica sentado secret ria e desfia a lista de tribos e� �chefes de que gosta. os arapahos, os cheyennes, os chippewas,os sioux, os apa ches, os iroquois. poesia, meus meninos,�poesia. e ou am o nome dos chefes, kicking bear,�rain-in-the-face, sitting bull, crazy horse, e o maior detodos, jer nimo.� na s tima classe d -nos um livro pequeno, um poema que� �ocupa p ginas e mais p ginas, *the deserted village*, de� �oliver goldsmith. diz que aparentemente um poema sobre a�inglaterra, mas na reali dade um lamento pela terra natal do� �poeta, a nossa pr pria terra natal, a irlanda. temos de�

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aprender este poema de cor, vinte versos por noite que temosde recitar na manh seguinte. s o chamados seis alunos para� �irem para a frente da sala recitar e se nos esquecemos de umverso levamos duas palmadas em cada m o. manda-nos p r o livro� �debaixo da carteira e toda a aula tem de dizer em coro apassa gem sobre o director da escola da aldeia.�

*para al m daquela veda o irregular que orla o caminho,� ��o tojo floresce resplandecente,ali, na sua mans o barulhenta, preparado para mandar�o mestre-escola da aldeia ensina o seu punhado dealunos.era um homem severo e de apar ncia austera,�conhecia-o bem, eu e todos os gazeteiros.cedo aprenderam os medrosos a detectaras desgra as do dia na cara que trazia de manh .� �muito se riam com a falsa alegria das suas gra as que muitas eram. �eram h beis, falando baixinho �ao receber as tristes not cias quando ele franzia o sobrolho*.�

fecha sempre os olhos e sorri quando chega aos ltimos�versos da passagem,

*contudo era meigo, e se de algum modo parecia severo, a culpa era do amor que tinha por aprender. toda a aldeia dizia que ele sabia muito. sabia escrever e tamb m fazer c lculos � �medir terras, pressagiar neg cios e mar s, � �e at corria a hist ria de que sabia adivinhar � �de onde brotava a l mpida gua.� �tamb m nas discuss es o padre � �reconhecia a sua habilidade, porque, mesmo que vencido argumentava com palavras extensas e tonitruantes espantando os camp nios boquiabertos �que sua volta se juntavam incr dulos, � �como uma cabe a t o pequena podia � �abarcar tudo o que ele sabia*.

sabemos que ele adora estes versos porque falam de umprofessor, falam dele, e tem toda a raz o porque n s n o� � �percebemos como que uma cabe a t o pequena pode ter tanta� � �coisa l dentro e nunca mais nos esqueceremos destes versos.�costuma dizer, meninos, meninos, podem decidir pelas vossascabe as, mas primeiro apetrechem-nas. est o a ouvir? encham as� �vossas cabe as e depois j podem correr o mundo a� �resplandecer. clarke, define resplandecer. acho que brilhar, senhor professor.� conciso, clarke, mas correcto. mccourt, diz uma frase comconciso. o clarke foi conciso mas correcto. muito bem, mccourt. tens cabe a para padre, meu filho, ou�para pol tico. vai pensando nisso.� est bem, senhor professor.� diz tua m e que venha falar comigo.� � est bem, senhor professor. �

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a m e diz, nem pensar. n o posso aparecer frente do, sr.� � �o.halloran. n o tenho um vestido nem um casaco decente. o que� que ele quer? � n o sei.� ent o, pergunta-lhe. � n o posso. era capaz de me matar. se ele nos manda dizer � �nossa m e para l ir, ela tem de l ir, porque sen o levamos� � � �com o ponteiro. a m e vai falar com ele e ficam a conversar no corredor.�diz-lhe que o filho, o frankie, tem de continuar a estudar.n o pode cair na armadilha dos paquetes. isso n o leva a nada.� �leve-o aos irm os crist os, diga-lhes que fui eu que vos� �mandei l , que ele inteli gente e devia ir para a escola� � �secund ria e at mesmo para a universidade.� � � diz-lhe que n o director da escola nacional de leamy para� �dirigir uma academia de paquetes. a m e diz, obrigada, sr. o.halloran.� quem me dera que o sr. o.halloran n o se metesse onde n o� � chamado. n o quero ir para os irm os crist os. quero deixar� � � �de andar na escola e arranjar trabalho, receber o meu sal rio� sexta-feira e ir ao cinema ao s bado noite como as outras� � �pessoas. uns dias depois a m e manda-me lavar bem a cara e as m os,� �para irmos aos irm os crist os. digo-lhe que n o quero ir, que� � �quero traba lhar e ser um homem. ela diz-me para parar com a�refilice, porque vou para a escola secund ria e havemos de nos�arranjar de qualquer maneira. vou continuar a estudar nem queela tenha de andar a esfregar escadas, e nem se importa decome ar a treinar j na minha cara.� � bate porta dos irm os crist os e diz que quer falar com� � �superior, o irm o murray. ele vem porta, olha para a minha� �m e e para mim e pergunta, o que ?� � a m e diz, este o meu filho frank. o sr. o.halloran da� �escola de leamy diz que ele muito esperto e mandou-me�perguntar se haver possibilidade de ele vir para c fazer a� �escola secund ria? � n o temos vaga para ele, diz o irm o murray e fecha-nos a� �porta na cara. a m e d meia volta e regressamos a casa no mais profundo� �sil ncio. tira o casaco, faz ch , senta-se ao p do lume e� � �diz-me, ouve bem o que te vou dizer. est s a ouvir?� estou. a segunda vez que a igreja te fecha a porta na cara. � ? n o me lembro. � � o stephen carey disse a ti e ao teu pai que n o podias ser�menino do coro e fechou-vos a porta na cara. n o te lembras?� lembro. e agora o irm o murray voltou a fechar-te a porta na cara.� n o me importo. quero ir trabalhar.� o seu rosto fica com uma express o carregada e zangada.�nunca mais deixas ningu m fechar-te a porta na cara. est s a� �ouvir? come a a chorar ao p do lume. oh!, meu deus, n o vos� � �trouxe ao mundo para ter uma fam lia de paquetes.� n o sei o que hei-de fazer nem dizer. sinto-me t o aliviado� �por n o ter de andar na escola mais cinco ou seis anos.� sou livre.

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tenho treze anos, quase catorze, e estamos em junho, oltimo m s de escola para toda a vida. a m e leva-me ao padre,� � �o dr. cowpar, para ver se me arranja trabalho como paquete. achefe dos correios, a sra. o.connell, diz, sabes andar debicicleta? e eu minto e digo que sim. ela diz que s posso�come ar quando tiver catorze anos e para voltar l em agosto.� � o sr. o.halloran diz na aula que uma vergonha alunos�como o mccourt, o clarke, o kennedy, terem de andar a cortarlenha e a transportar gua. um desgosto para ele que a� �irlanda livre e inde pendente mantenha um sistema escolar que�lhe foi impingido pelos ingleses e que est a deitar crian as� �dotadas para o lixo. t m de se ir embora deste pa s, rapazes. vai para a� �am rica, mccourt. est s a ouvir o que te digo?� � estou, senhor professor.

v o padres l escola recrutar-nos para as miss es no� � � �estrangeiro. s o redentoristas, franciscanos, irm os do� �esp rito santo, e andam todos a converter ateus em lugares�long nquos. n o fa o caso deles. vou para a am rica, mas h um� � � � �padre que me chama a aten o. diz que da ordem dos irm os�� � �brancos, mission rios junto das tribos de bedu nos e capel es� � �da legi o francesa no estrangeiro.� pe o um papel para me inscrever.� preciso uma carta do padre da minha par quia e um� �atestado passado pelo m dico de fam lia. o padre da par quia� � �escreve logo a carta. gostava que eu j tivesse ido no ano�passado. o m dico per gunta, o que isto? � � � o impresso para me alistar na ordem dos irm os brancos,� �que s o mission rios das tribos n madas do sara e capel es da� � � �legi o francesa no estrangeiro.� ah, sim? a legi o francesa no estrangeiro? sabes qual o� �meio de transporte mais usado no deserto do sara? o comboio? n o, o camelo. sabes o que um camelo?� � tem uma bossa. tem mais do que uma bossa. um animal sujo e mau, que tem�os dentes verdes da gangrena e morde. sabes onde que morde?� no sara? n o, burro. morde-te no ombro, arranca-o logo. deixa-te�assim de esguelha em pleno sara. o que que achas disso? j� �imaginaste o espect culo que seria tu a andares pelas ruas de�limerick, com um lado torto? qual seria a rapariga que em seuperfeito ju zo ia olhar para um ex-irm o branco com um ombro� �despeda ado? e j viste o estado em que tens os olhos? j� � �est o mal aqui em limerick. no sara iam ficar cheios de�lceras, apodrecer, at te ca rem da cabe a. quan tos anos� � � � �tens? treze. vai para casa para ao p da tua m e.� �

esta casa n o nossa e n o nos sentimos aqui livres como� � �ramos em roden lane, tanto l em cima na it lia como em baixo� � �na irlanda. quando o laman chega a casa quer ler na cama oudormir e n s n o podemos fazer barulho. ficamos na rua at ser� � �de noite e quando vamos para casa n o podemos fazer nada a n o� �ser ir para a cama ler, se tivermos uma vela ou leo de�parafina para o candeeiro.

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a m e manda-nos ir para a cama e diz que n o demora nada,� �que s vai ao s t o levar uma caneca de ch ao laman. s� � � � �vezes adormece mos antes de ela subir, mas h noites em que os� �ouvimos a conversar, a roncar, a gemer. h noites em que nunca�mais desce e o michael e o alphie ficam com a cama grande todapara eles. o malachy diz que ela fica l em cima porque lhe�custa muito descer s escuras.� o malachy s tem doze anos e n o percebe.� � eu tenho treze e acho que eles est o l em cima a ter a� �excita o.��

sei o que a excita o e sei que pecado, mas como que� �� � �pode ser um pecado se me acontece quando estou a sonhar comraparigas americanas em fato de banho no ecr do cinema�lyric e acordo agarrado minha pila e a esguichar? pecado� �se fizermos isso acorda dos como os rapazes estavam a dizer�que faziam no p tio da escola de leamy depois de o sr. o.dea�nos ter metido aos berros o sexto mandamento na cabe a, n o� �cometer s adult rio, o que significa pensamentos impuros,� �palavras impuras, actos impuros e isso o adult rio,� �porcarias em geral. h um padre redentorista que est sempre a falar-nos do� �sexto mandamento. diz que a impureza um pecado t o grande� �que virgem maria at vira a cara de lado e chora.� e por que que ela chora, meus meninos? chora por causa de�voc s e do que andam a fazer ao seu amado filho. chora quando�olha para a triste imagem dos tempos passados e para oespect culo horro roso que s o os rapazes de limerick a� � �profanarem-se, a polu rem-se, a cometerem actos obscenos�sozinhos, a abusarem de si pr prios, a sujarem os seus corpos�ainda jovens, que s o templos do esp rito santo. nossa senhora� �chora por causa dessas aberra es, porque sabe que cada vez��que tocarem nos vossos corpos est o a espetar mais um cravo na�carne do seu amado filho, a carregar com mais for a na coroa�de espinhos que lhe dilacera a cabe a, a rasgar mais as�feridas j abertas no seu corpo. no meio da agonia da sede,�ali est Ele pendu rado na cruz e o que que os p rfidos� � � �romanos lhe oferecem? uma esponja da pia molhada em vinagre efel, que atiram para dentro da sua pobre boca, uma boca quemal se move a n o ser para rezar, para; rezar at por voc s,� � �meninos, por voc s que o pregaram cruz. pensem no sofrimento� �de nosso senhor. pensem na coroa de espi nhos. pensem que vos�est o a enfiar um pequeno alfinete no vosso cr nio, o� �sofrimento da perfura o. agora pensem que est o a enfiar -vos�� � �vinte espinhos na cabe a. reflictam, meditem nos cravos que�lhe dilaceram as m os, os p s. ser que conseguiriam suportar� � �uma pequena parte desse sofrimento? pensem outra vez numalfinete, num simples alfinete. forcem-no a penetrar no vossocorpo. agora aumen tem essa sensa o cem vezes e estar o a� �� �sentir uma terr vel lan a a perfurar-vos. rapazes, o diabo� �quer as vossas almas. quer-vos no inferno ao p dele e fiquem�sabendo que cada vez que tocarem nos vossos corpos, cada vezque cederem ao pecado vil do abuso do vosso corpo, n o s� �estar o a pregar cristo cruz como estar o a dar mais um� � �passo em direc o ao inferno. afastem-se do abismo, rapazes.��resistam ao diabo e deixem estar as m os quietas.� mas eu n o consigo estar com as m os quietas. rezo Virgem� � �maria e pe o-lhe desculpa por estar outra vez a pregar o�

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filho dela cruz e prometo que n o tornarei a fazer isso,� �mas n o consigo resistir e juro que vou confessar-me e depois�disso, de certeza que depois disso nunca mais farei nada. n o�quero ir para o inferno com os diabos a correrem atr s de mim�para todo o sempre e a picarem-me com as suas forquilhas. os padres de limerick n o t m paci ncia para gente como eu.� � �vou confessar-me e eles dizem em surdina que n o estou�devidamente arrependido, porque, se estivesse, deixaria depraticar esse pecado hediondo. vou de igreja em igreja �procura de um padre condescen dente, at que o paddy clohessy� �me diz que na igreja dominicana h um que j tem noventa anos� �e surdo que nem uma pedra. todas as semanas me confesso�quele padre velho, que no fim me diz sempre, a mastigar as�palavras, para rezar por ele. s vezes adormece e eu n o� �tenho coragem para o acordar e no dia seguinte vou comungarsem penit ncia nem absolvi o. n o tenho culpa de o padre� �� �adormecer e de certeza que fico em estado de gra a s por me� �ir confessar. mas um dia, o painel do confession rio abre-se e�n o o meu padre que l est , um padre novo com um ouvido� � � � �do tamanho de uma concha. de certeza que este vai ouvir tudo. aben oai-me, padre, porque pequei, confessei-me h quinze� �dias. e quais foram os pecados que cometeste desde ent o, meu�filho? bati ao meu irm o, quando sa da escola fui para a� �vadiagem, menti minha m e.� � sim, meu filho, e mais? fiz -- fiz -- fiz porcarias, padre. ah!, meu filho, e foi sozinho, com outras pessoas ou comalgum animal? com algum animal. nunca tinha ouvido tal pecado. este padredeve ser da prov ncia e est a desvendar-me novos mundos.� �

na noite antes da viagem a killaloe, o laman griffin chegaa casa b bedo e come um grande pacote de peixe e batatas�fritas em cima da mesa. diz M e para lhe aquecer gua para o� � �ch e, quando ela lhe diz que n o h carv o nem turfa, come a� � � � �a gritar com ela e diz que ela uma besta que est a viver � � �borla na casa dele com aquela ninhada de fedelhos. atira-meumas moedas para eu ir loja buscar uns bocados de turfa ou�lenha para acendermos o lume. n o quero ir. quero atirar-me a�ele pela maneira como trata a minha m e, mas se eu disser�alguma coisa ele n o me empresta a bicicleta amanh , depois de� �eu ter esperado tr s semanas por este dia. � depois de a m e acender o lume e aquecer a gua,� �lembro--lhe a promessa que fez de me emprestar a bicicleta. despejaste o penico hoje? ai, esqueci-me. vou j despej -lo.� � come a a gritar, n o despejaste a merda do penico. prometo� �que te empresto a bicicleta. dou-te dois *pence* por semanapara me fazeres recados e despejares o penico e tu ficas a�com essa boca de xarroco aberta e tens a lata de dizer que n o�o despejaste. desculpe. esqueci-me. vou despej -lo agora.� vais? tens a certeza? f como que vais l acima? vais-me� �tirar a mesa com o peixe e as batatas? a m e diz, ora, ele esteve todo o dia na escola e depois�teve de ir ao m dico dos olhos.�

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pois podes esquecer a bicicleta. n o cumpriste o nosso�acordo. mas foi porque n o p de, diz a m e.� � � ele diz para ela se calar e n o se meter onde n o chamada� � �e ela deixa-se ficar ao p do lume, sem dizer nada. ele�recome a a comer o peixe e as batatas fritas, e eu torno a�dizer-lhe, mas voc tinha-me prometido. andei tr s semanas a� �despejar-lhe o penico e a fazer-lhe os recados. cala-te e vai para a cama. n o tem nada que me mandar para a cama. n o meu pai, e� � �fez-me uma promessa. ficas avisado, t o certo como deus ter feito ma s� � ��pequenas, se me levantar desta mesa, vais ter de gritar peloteu santo patrono. mas voc prometeu.� ele afasta a cadeira da mesa. avan a para mim aos trope es� ��e espeta-me um dedo entre os olhos. j te disse para calares�essa boca, olhos sarnentos. n o me calo. voc prometeu.� � come a a dar-me murros nos ombros e, como eu n o me calo,� �passa para a cabe a. a minha m e atira-se a n s, aos gritos, e� � �tenta afast -lo de mim. ele continua a dar-me murros e�pontap s at me meter no quarto, mas eu n o paro de dizer,� � �voc prometeu. d -me um soco e eu caio para cima da cama da� �minha m e e continua a dar-me murros at que eu cubro a cara e� �a cabe a com os bra os.� � vou-te matar, meu monte de merda. a m e est a gritar e a pux -lo at que ele cai de costas� � � �na cozinha. v l , come l o peixe e as batatas, diz ela. n o� � � �v s que ele ainda uma crian a. aquilo passa-lhe.� � � ou o-o a sentar-se outra vez e puxar a cadeira para a mesa.�ou o-o a fungar e a sorver a comida e a bebida. passa-me os�f sforos, diz ele. jesus me valha, estou mesmo a precisar�de um cigarro depois disto. ouve-se o barulho dele a darfuma as no cigarro e a minha m e a chorar baixinho.� � depois diz, vou para a cama, e como bebeu tanto, leva umbom bocado de tempo a p r a cadeira em cima da mesa, a subir�para a cadeira e depois para o s t o. ouve-se a cama a ranger� �com o peso dele e ele a gemer enquanto tira as botas, e depoisas botas a ca rem no ch o.� � ou o a m e a chorar, no momento em que sopra para dentro do� �globo do candeeiro de parafina e em que tudo fica s escuras.�depois do que aconteceu, tenho a certeza de que ela n o vai�querer ir para a cama dela e preparo-me para mudar para a camapequena encostada parede. mas enganei-me. ou o o barulho� �dela a subir para a cadeira, depois para a mesa, para acadeira, a chorar l em cima no s t o e a dizer ao laman� � �griffin, ele ainda uma crian a e sofre tanto por causa dos� �olhos, e quando o laman diz, um monte de merda e quero-o�fora desta casa, ou o-a chorar e implorar at come arem os� � �sussurros, os roncos, os gemidos e depois nada. passado pouco tempo ou o-os a ressonarem no s t o. os meus� � �irm os est o a dormir. n o posso continuar nesta casa porque� � �se o laman griffin torna a bater-me, espeto-lhe uma faca nopesco o. n o sei o que fazer nem para onde ir.� � saio de casa e ando pelas ruas desde o quartel de sarsfieldat ao caf Monument. vou sonhando com a co a que hei-de dar� � �ao laman um dia mais tarde. vou para a am rica e hei-de�

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encontrar o joe louis. vou contar-lhe as minhas desgra as e�ele vai compreender-me, porque a fam lia dele tamb m era� �pobre. ele vai ensinar-me o que hei-de fazer para ficar com osm sculos fortes, como hei-de p r as m os e mexer os p s. vai� � � �ensinar-me a enterrar o queixo no ombro como ele faz e comoespetar uma direita no laman que o h -de fazer levantar voo.�hei-de levar o laman ao cemit rio de mungret onde a fam lia� �dele e a fam lia da m e est o enterradas e cobri-lo de terra� � �at ao pesco o de maneira que n o consiga mexer-se e seja� � �obrigado a implorar-me que o poupe. nessa altura hei-de dizer,acabou-se, laman, vais ver o criador, e ele a implorar, aimplorar, e eu a atirar-lhe merda para a cara at ficar todo�tapado, sem conseguir respirar e a pedir perd o a deus por n o� �me ter emprestado a bicicleta, por me ter espancado pela casatoda, por ter andado na excita o com a minha m e e nessa�� �altura eu hei-de rir a bom rir porque ele n o est em estado� �de gra a por causa da excita o e t o certo ir para o� �� � �inferno como deus ter criado ma s pequenas, que era o que ele��costumava dizer. as ruas est o escuras e eu tenho de ir de olho bem aberto�para ver se tenho a mesma sorte que o malachy teve h muito�tempo de encontrar peixe e batatas fritas que algum soldadob bedo tenha deixado cair. n o encontro nada no ch o. se� � �encontrasse o meu tio, o ab sheehan, talvez ele me desse umbocado do peixe e das batatas fritas que come sexta-feira � �noite, mas no caf dizem-me que j l esteve e j se foi� � � �embora. tenho treze anos e por isso j n o lhe chamo tio pat.� �trato-o por ab ou abade, como toda a gente. de certeza que sefor a casa da av ele me d nem que seja um bocado de p o e� � �at talvez me deixe l dormir. posso dizer-lhe que daqui a� �poucas sema nas vou come ar a trabalhar a entregar telegramas� �e a receber grandes gorjetas nos correios e vou podersustentar-me. ele est sentado na cama a acabar de comer o peixe e as�batatas fritas. deita para o ch o o *limerick leader* que�vinha a embrulh -los e limpa a boca e as m os ao cobertor.� �olha para mim e diz, tens a cara toda inchada. ca ste por cima�da cara? digo-lhe que sim porque n o vale a pena contar-lhe mais�nada. n o ia perceber. podes dormir na cama da minha m e, diz� �ele. n o podes andar pela rua com a cara nesse estado e com�esses olhos t o vermelhos.� diz que n o h comida em casa, nem um bocadinho de p o, e� � �depois de ele adormecer, eu apanho o jornal gorduroso do ch o.�lambo a parte da frente que est cheia de an ncios de filmes e� �bailes pela cidade. lambo os t tulos. lambo as grandes�investidas de patton e montgomery em fran a e na alemanha.�lambo a guerra no pac fi co. lambo a necrologia e os tristes� �poemas f nebres, a p gina do desporto, os pre os dos ovos, da� � �manteiga e do *bacon*. chupo o papel at n o haver nem uma� �gota de gordura. pergunto a mim pr prio o que irei fazer amanh .� �

xiv

de manh o abade d -me dinheiro para ir loja da kathleen� � �o.connell buscar p o, margarina, ch e leite. aquece gua no� � �

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bico de g s e diz que posso beber tamb m uma caneca, mas para� �ter cuidado com o a car porque ele n o rico. podes comer�� � �uma fatia de p o, mas n o muito grossa.� � estamos em julho e acabou-se a escola para sempre. dentrode poucas semanas andarei a entregar telegramas, a trabalharcomo um homem. at l posso fazer o que me apetecer,� �levantar-me de manh ou ficar na cama, dar passeios pelo campo�como o meu pai, andar por limerick. se tivesse dinheiro ia aocinema lyric, comia rebu ados, via o errol flynn a conquistar�as mulheres todas. posso ler os jornais ingleses e irlandesesque o abade traz para casa e posso ir biblioteca com os�cart es do laman griffin e da minha m e enquanto n o for� � �descoberto. a m e manda-me pelo michael uma garrafa de leite com ch� �quente, algumas fatias de p o com gordura e um recado a dizer�que o laman griffin j n o est zangado e que posso voltar� � �para casa. o michael pergunta, vens para casa, frankie? n o.� vem, frankie. v l .� � agora moro aqui. nunca mais volto para l .� mas o malachy foi para a tropa e tu est s aqui e agora j� �n o tenho nenhum irm o mais velho. todos os rapazes t m irm os� � � �mais velhos e eu s tenho o alphie, que ainda nem sequer tem�quatro anos nem sabe falar bem. n o posso ir. nunca mais volto para l . podes c vir sempre� � �que quiseres. tem os olhos a brilhar por causa das l grimas e isso faz-me�doer tanto o cora o que fico com vontade de lhe dizer, est�� �bem. vou contigo. mas n o digo. sei que nunca mais vou poder�encarar o laman griffin e n o sei se vou conseguir olhar para�a minha m e. fico a ver o michael subir a rua com a sola do�sapato solta a matraquear no passeio. quando come ar a�trabalhar nos correios vou comprar-lhe uns sapatos, isso que�vou. vou dar-lhe um ovo e lev -lo ao cinema lyric para vermos�o filme e comermos rebu ados e depois vamos comer peixe com�batatas fritas ao naughton at ficarmos com uma pan a dos� �diabos. um dia hei-de ter dinheiro para uma casa com luzel ctrica, uma casa de banho e camas com len is, cobertores e� ��almofadas como as outras pessoas. havemos de tomar opequeno-almo o numa cozinha alegre com flores a dan arem num� �jardim l ao longe, com ch venas de loi a fina, pires,� � �tacinhas para os ovos, ovos com a gema mal cozida e aindaquente para derreter a bela manteiga, um bule com um abafadore torradas com muita manteiga e doce. havemos de demorar otempo que nos apetecer, a ouvir m sica da bbc ou da rede�das for as armadas americanas. hei-de comprar roupa como deve�ser para a fam lia toda, para n o andarmos com as cal as a� � �dan ar no rabo e n o termos vergonha de nada. quando penso em� �vergonha fico outra vez com uma dor no cora o e come o a�� �fungar. o abade pergunta, o que que tens? n o comeste o teu� �p o? n o bebeste o teu ch ? o que que queres mais? s falta� � � � �pedires-me um ovo. n o vale a pena falar com uma pessoa que caiu de cabe a no� �ch o e que ganha a vida a vender jornais.� queixa-se de que n o pode ficar a alimentar-me para toda a�vida e que vou ter de arranjar p o e ch para mim. n o quer� � �chegar a casa e dar comigo na cozinha a ler com a l mpada a�gastar-se. ele sabe muito bem os n meros e quando sai de casa�

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para ir vender jornais v o contador para ver a luz que eu�gastei e se eu n o parar de acender a luz, vai tirar o fus vel� �e lev -lo no bolso e se eu puser outro fus vel d baixa da� � �electricidade e volta ao g s, que sempre serviu muito bem para�a sua pobre m e que j morreu e tamb m serve para ele, porque� � �n o precisa de luz para mais nada sen o para se sentar na cama� �a comer o peixe com batatas fritas e a contar o dinheiro quetem antes de adormecer. levanto-me cedo como o pai e dou grandes passeios pelocampo. ando pelo cemit rio da velha abadia de mungret onde os�parentes da minha m e est o enterrados e subo pela vereda que� �vai dar ao castelo normando em carrigogunnell onde o pai melevou duas vezes. subo ao alto do castelo e vejo a irlandaespraiar-se minha frente, o shannon a brilhar ao longo do�seu curso at desaguar no atl ntico. o pai disse-me uma vez� �que este castelo foi constru do h centenas de anos e se� �esperarmos que as cotovias parem de cantar ouvimos osnormandos a martelarem, a falarem e a prepararem-se paramais batalhas. uma vez trouxe-me c de noite para ouvirmos as�vozes dos normandos e dos irlandeses ao longo dos s culos e eu�ouvi-as mesmo. s vezes estou sozinho l no alto de carrigoguanell e oi o� � �as vozes das raparigas normandas de outros tempos a rirem-se ea cantarem em franc s, e ao ouvi-las sinto-me tentado e ent o� �subo para o ponto mais alto do castelo onde dantes estava umatorre e a , perante toda a irlanda satisfa o-me sozinho e� �ejaculo para cima de carrigogunnell e dos campos que est o�ainda mais ao longe. uma coisa que nunca vou poder dizer a nenhum padre.�trepar para s tios t o altos e satisfazer-me aos olhos de toda� �a irlanda de certeza absoluta pior do que fazer isso num�s tio escondido sozinho ou com outra pessoa ou com um animal�qualquer. l em baixo nos campos ou nas margens do shannon�podia estar algum rapaz ou alguma rapariga aordenhar as vacas que tivesse olhado para cima e me visse acometer o meu pecado, e se isso tiver acontecido estoucondenado porque os padres est o sempre a dizer que quem exp e� �uma crian a ao pecado como se tivesse uma pedra atada ao� �pesco o e fosse atirado ao mar.� mas, apesar disso, s de pensar que algu m podia estar a� �ver faz-me ficar excitado outra vez. n o queria que nenhum�mi do esti vesse a ver-me. n o, n o, isso seria a tal pedra ao� � � �pesco o, mas se fosse uma rapariga a ordenhar vacas que me�visse de certeza que tamb m ia ficar excitada e satisfazer-se�sozinha, embora eu n o saiba se as rapari gas podem� �satisfazer-se sozinhas porque n o t m nada a que se agar rar� � �para se satisfazerem. n o t m equipamento, como o mikey molloy� �costumava dizer. quem me dera que aquele padre dominicano tornasse aaparecer para eu lhe contar os problemas que estou a ter com aexcita o, mas j morreu, e vou ter de encarar um padre que�� �vai repetir-me a hist ria da pedra atada ao pesco o e da� �condena o.�� condena o. a palavra preferida dos padres de limerick.�� � volto para casa pela o.connell avenue e por ballinacurra,onde os mo os de recado v o entregar cedo o p o e o leite a� � �casa das pessoas. deixam-nos nas escadas e de certeza que n o�faz mal eu levar um p o ou uma garrafa desde que seja com a�

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inten o de os devolver quando tiver o meu emprego nos��correios. n o um roubo, um empr sti mo, e isso n o � � � � � � �pecado mortal. al m disso, hoje de manh estive no cimo de um� �castelo e cometi um pecado muito pior do que roubar p o e�leite e quem comete um pecado pode cometer mais porquerecebe-se sempre a mesma senten a no inferno. um pecado, para�todo o sempre. uma d zia de pecados, para todo o sempre. � perdido por cem, perdido por mil, como diria a minha m e.�bebo uma garrafa de leite e deixo a garrafa no s tio para que�o leiteiro n o seja acusado de n o ter feito a entrega. gosto� �dos leiteiros porque houve um que me deu dois ovospartidos que eu comi crus, com bocados de casca e tudo. disseque para ser forte quando crescesse n o precisava de mais nada�sen o dois ovos e uma cerveja por dia. o ovo tem tudo aquilo�de que precisamos e a cerveja tudo aquilo de quegostamos. h casas que t m p o melhor do que outras. mais caro e � � � � �esse que eu levo. tenho pena dos ricos que se v o levantar de�manh e quando forem porta n o v o encontrar l o p o, mas� � � � � �tamb m n o posso deixar-me morrer fome. se passar fome nunca� � �vou arranjar for as para o meu trabalho de andar a entregar�telegramas, o que significa que n o vou ter dinheiro para�repor o p o e o leite e muito menos para juntar para ir para a�am rica e, se n o puder ir para a am rica, mais vale � � �atirar-me ao shanoon. s faltam umas semanas at receber o meu� �primeiro ordenado dos correios e de certeza que estes ricosn o v o desmaiar de fome at l . podem sempre mandar a criada� � � � rua comprar mais. essa a diferen a entre ricos e pobres.� � �os pobres n o podem mandar comprar mais rua porque n o t m� � � �dinheiro para comprar mais e, mesmo que tivessem, n o teriam�criada para mandar rua com as criadas que tenho de me� �preocupar. tenho de ter cuidado quando levo o leite ou o p o�emprestado, n o v o elas estar na porta da frente a polir os� �puxadores, as aldrabas ou as caixas do correio. se me virem,v o a correr dizer patroa, minha senhora, minha senhora,� �est al m um maltrapilho a roubar o leite e o p o.� � � as criadas falam assim porque s o todas da prov ncia, vacas� �de mullingar, como diz o tio do paddy clohessy, carne paracanh o, e nem sequer o vapor do mijo delas nos d o.� � levo o p o para casa, mas mesmo que o abade fique admirado�n o me pergunta onde que o arranjei, porque o deixaram cair� �de cabe a para baixo e as pessoas a quem isso acontece deixam�de ser curiosas. limita-se a olhar para mim com aquelesgrandes olhos azuis no meio e amarelos volta e sorve o ch� �da grande caneca estalada que a m e lhe deixou. esta caneca � �minha e n o quero que te sirvas deila. � deila. assim o sotaque dos bairros pobres de limerick com�que o pai tanto se preocupava. costumava dizer, n o quero que�os meus filhos cres am nas ruas de limerick e se habituem a�dizer, deila. vulgar e demonstra falta de classe. digam dela�como deve ser. e a m e dizia, espero que te fa am o gosto de aprenderem a� �falar bem, mas tu n o fazes grande coisa para nos tirar�deisto.

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para l de ballinacurra salto os muros dos pomares para�

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apanhar ma s. se me aparece um c o vou-me embora porque n o�� � �sei falar com eles como o paddy clohessy. os donos das quintasv m a correr atr s de mim mas correm sempre devagar por causa� �das botas de borracha e, mesmo que venham atr s de mim de�bicicleta, salto por cima dos muros, onde a bicicleta n o�adianta nada. o abade sabe onde arranjei as ma s. quem cresce pelas ruas��de limerick acaba sempre por assaltar um pomar mais cedo oumais tarde. mesmo que detestemos ma s, temos de assaltar os��pomares porque sen o os nossos amigos chamam-nos maricas.� pergunto sempre ao abade se quer uma ma , mas ele nunca��come nenhuma por causa da falta de dentes. s lhe restam cinco�dentes e n o quer arriscar-se a deix -los na ma . nem que eu� � ��a corte aos bocados ele a come, porque diz que isso n o � �maneira de comer uma ma . e se eu lhe perguntar, mas corta o��p o antes de o comer, n o corta? ele diz, ma s s o ma s e� � �� � ��p o p o.� � � assim que falam as pessoas que ca ram de cabe a no ch o.� � � � o michael torna a aparecer com ch quente numa garrafa de�leite e duas fatias de p o frito. digo-lhe que j n o � � � �preciso isso. diz M e que muito obrigado mas sei tratar de� �mim e n o preciso do ch nem do p o frito dela. o michael fica� � �encantado quando lhe dou uma ma e lhe digo que venha ter��comigo dia sim dia n o se quiser mais. assim j n o me pede� � �mais para voltar para casa do laman griffin e fico contenteporque tamb m j n o chora mais.� � � h um mercado na irishtown onde os lavradores v o todos os� �s bados vender legumes, galinhas, ovos, manteiga. se chegar l� �cedo e os ajudar a descarregarem as carro as ou os carros,�d o-me alguns *pennies*. ao fim do dia d o-me as hortali as� � �que n o conseguem ven der, tudo o que estiver pisado,� �amachucado ou com bocados podres. h uma mulher de um lavrador�que me d sempre ovos estalados e me diz, frita-os amanh� �quando vieres da missa em estado de gra a porque se os comeres�com um s pecado que seja na alma v o pren der-se-te goela,� � � �podes ter a certeza que v o.� assim que falam as mulheres dos lavradores.� actualmente n o passo de um pedinte. ponho-me porta dos� �caf s que vendem peixe e batatas fritas quando v o fechar, na� �espe ran a de que tenham batatas queimadas para deitar fora ou� �boca dos de peixe a boiar na gordura. se os donos dos caf s� �estiverem com pressa, d o-me as batatas fritas e um bocado�de papel de jornal para as embrulhar. o jornal de que mais gosto o *news of the world*. � �proibido na irlanda mas as pessoas trazem-no s escondidas de�inglaterra por causa das fotografias escandalosas de raparigascom fatos de banho, que quase n o se v em. tamb m tem� � �hist rias de pessoas que cometem todos os tipos de pecados que�ningu m comete em limerick, div rcios, adult rio e coisas� � �assim. adult rio. ainda n o descobri o que isso quer dizer. tenho� �de procurar na biblioteca. tenho a certeza de que pior do�que o que os professores nos disseram, pensamentos impuros,palavras impuras, actos impuros. vou para casa e meto-me na cama a comer as batatas fritascomo o abade. quando bebe umas cervejas, senta-se na cama acomer as batatas fritas embrulhadas no *limerick leader* e acantar the road to rasheen . como as minhas batatas fritas.� �

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lambo o *nems of the world*. lambo as hist rias das pessoas�que fizeram coisas escandalosas. lam bo as raparigas de fato�de banho e quando j n o h nada para lamber fico a ver as� � �raparigas at o abade apagar a luz e depois cometo um pecado�mortal por baixo do cobertor. posso ir biblioteca quando quiser com o cart o da m e ou� � �do laman griffin. nunca vou ser apanhado porque o laman �pregui oso de mais para se levantar ao s bado e a m e nunca na� � �vida ir biblioteca por ter vergonha das roupas com que� �anda. a menina o.riordan sorri para mim. as *vidas de santos*est o ali tua espera, frank. livros e mais livros. butler,� �o.hanlon, baringte-gould. falei de ti chefe da biblioteca�e ela ficou t o encantada que te vai dar um cart o de adulto.� �n o bom?� � , sim, menina o.riordan.�

estou a ler a hist ria de santa br gida, virgem, 1 de� �fevereiro. era t o linda que por toda a irlanda os homens�ansiavam por casar com ela, mas o pai queria que ela casassecom algu m importante. mas ela n o queria casar com ningu m e� � �por isso pedia a deus que a ajudasse e ele fez com que um olhose lhe derretesse e escorresse pela cara abaixo, deixando umamarca t o funda que os homens da irlanda perderam o interesse�por ela. h tamb m santa wilgefortis, virgem e m rtir, 20 de julho.� � �a m e dela teve nove filhos, todos de uma vez, quatro pares de�g meos, e wilgefortis, que nasceu sozinha. foram todos�m rtires da f . wilgefortis era linda e o pai queria� �cas -la com o rei da sic lia. wilgefortis ficou desesperada e� �deus ajudou-a, fazendo-lhe crescer na cara barba e bigode, oque fez o rei da sic lia pensar duas vezes, mas enraiveceu�tanto o pai dela que a mandou crucificar com barba e tudo. a santa wilgefortis que devem rezar as mulheres inglesas�com maridos maus. os padres nunca nos falam das virgens m rtires como santa�aga tha, 5 de fevereiro. fevereiro um m s rico em virgens� � �m rtires. os pag os da sic lia ordenaram a agatha que� � �renunciasse f em jesus e como todas as outras virgens� �m rtires ela disse, n o. eles torturaram -na, esticaram-na na� � �roda, dilaceraram-lhe a carne com ganchos de ferro,queimaram-na com tochas a arder, e ela continuou a dizer, n o,�n o vou negar nosso senhor. pisaram-lhe os seios e�cortaram-lhos, mas quando a fizeram passar por carv es em�brasa, ela n o aguentou mais e morreu a louvar a deus.� as virgens m rtires morriam sempre a cantar hinos e a�louvarem a deus sem se importarem com nada, nem mesmo quele es lhes arrancassem grandes bocados de carne e os comessem�logo ali. como que ser poss vel que os padres nunca nos tenham� � �falado de santa rsula e das suas mil e cem donzelas�m rtires, 21 de outubro? o pai queria que ela se casasse com�um rei pag o, mas ela disse, vou-me embora por algum tempo,�tr s anos, para pensar. e a vai ela com as suas mil aias� �nobres e as dez mil companheiras destas. navegaram durantealgum tempo e percorreram v rios pa ses at que se detiveram� � �em col nia onde o chefe dos hunos pediu rsula em casamento.� �n o, disse ela, e os hunos mataram-na a ela e a todas as�

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donzelas. por que que ela n o disse que sim para salvar a� �vida das mil e cem virgens? por que que as virgens m rtires� �tinham de ser t o teimosas?� gosto de s o moling, um bispo irland s. n o vivia num� � �pal cio como o bispo de limerick. vivia numa rvore e quando� �os outros santos iam jantar com ele sentavam-se nos ramos comop ssaros a deliciarem-se com gua e p o seco. um dia ia a� � �caminhar sozinho e um leproso disse-lhe, ei, s o moling, onde�vais? vou missa, respon de s o moling. tamb m gostava de ir� � � � missa. podias p r-me s costas e levar-me? s o moling fez o� � � �que ele lhe pediu, mas mal p s o leproso s costas, este� �come ou a reclamar. a tua camisa faz-me doer as minhas�feridas, tira-a. s o moling tirou a camisa e continuaram a�andar. depois o leproso disse, preciso de me assoar. s o�moling disse, n o tenho nenhum len o, assoa-te com a m o. o� � �leproso disse, n o consigo segurar-me e assoar-me ao mesmo�tempo. est bem, disse s o moling, podes assoar-te minha� � �m o. n o pode ser, disse o leproso. quase j n o tenho m os� � � � �por causa da lepra. n o consigo segurar-me e assoar-me tua� �m o. se fosses um santo com deve ser, punhas-te de maneira a�conseguires chupar a porcaria de dentro da minha cabe a. s o� �moling n o queria chupar o ranho do leproso mas f -lo e� �ofereceu o sacrif cio a deus e deu-lhe gra as por aquele� �privil gio.� consigo perceber que o meu pai tenha chupado a porcaria dedentro da cabe a do michael quando era beb , e estava aflito,� �mas n o percebo porque que deus quis que s o moling andasse� � �a chupar o ranho da cabe a dos leprosos. s vezes n o percebo� � �deus. mesmo que fosse santo e que toda a gente me venerasse,nunca iria chupar o ranho de um leproso. gostava de ser santo,mas se tem de se fazer coisas assim, prefiro continuar a sercomo sou. n o me importava de passar a vida nesta biblioteca a ler as�hist ri as das virgens e das virgens m rtires, mas um dia� � �tenho um problema com a menina o.riordan por causa de umlivro que algu m deixou em cima da mesa. o autor chama-se lin�y tang. v -se logo que um nome chin s e eu fico cheio de� � � �curiosidade em ver do que que os chineses falam. um livro� �de ensaios sobre o amor e o corpo e vem l uma palavra que�tenho de ir ver ao dicion rio. t rgido. o livro diz, o rg o� � � �de copula o masculino fica t rgido e inserido no orif cio�� � � �receptor feminino. t rgido. o dicion rio diz inchado e assim mesmo que eu� � �estou, ali de p a consultar o dicion rio, porque agora j sei� � �do que que o mikey molloy estava a falar quando dizia que�n o ramos diferentes dos c es que se montavam uns nos outros� � �pela rua, mas chocante imaginar as nossas m es e os nossos� �pais a fazerem coisas daquelas. o meu pai passou anos a mentir-me sobre o anjo do s timo�degrau. a menina o.riordan quer saber qual a palavra que estou a�ver. fica sempre preocupada quando me v a mexer no�dicion rio, e por isso digo-lhe que estou a ver canonizar ou�beat fico ou qualquer outra palavra religiosa.� e o que isto? isto n o s o as *vidas de santos*.� � � pega no livro de lin y tang e come a a ler a p gina onde eu� � �o deixei aberto virado para baixo em cima da mesa. santa m e de deus. isto que estavas a ler? vi-te com isto� �

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na m o.� bem, eu-eu-s queria ver se os chineses, se os chineses,�hum, tinham santos. ah!, era isso. v -se logo. uma vergonha. um nojo. n o� � �admira que os chineses sejam como s o. o que que se podia� �esperar de gente amarela e com olhos em bico, mas tu, vendobem, tamb m tens os olhos um bocado em bico. quero que saias�imediatamente desta biblioteca. mas estou a ler as *vidas de santos*. rua, sen o chamo a chefe da biblioteca e ela chama a�guarda. rua. devias ir a correr confessar os teus pecados aopadre. rua, mas antes de sa res d -me os cart es da tua pobre� � �m e e do sr. griffin. sou muito bem capaz de escrever tua� �m e. se n o o fa o para n o dar cabo dela. lin y tang,� � � � � �francamente. rua. n o vale a pena falar com bibliotec rias quando est o� � �assim. podia ficar ali uma hora a dizer-lhe tudo o que tinhalido sobre a br gida, a wilgefortis, a agatha, a rsula e as� �donzelas m rtires, mas ela s ia pensar numa palavra de uma� �p gina do livro de lin y tang.� � o parque do povo fica por detr s da biblioteca. est sol, a� �relva est seca e eu estou farto de andar a pedir batatas�fritas e a aturar bibliotec rias que ficam furiosas por causa�da palavra t rgido e po nho-me a olhar para as nuvens a serem� �arrastadas pelo vento por cima do monumento e deixo-mearrastar pelo sono, t rgido, e come o a sonhar com virgens� �m rtires em fatos de banho no *news of the world* a atirarem�bexigas de ovelha a escritores chineses e acordo num estado deexcita o com uma coisa quente e pegajosa a sair de dentro de��mim e, ai meu deus, o meu rg o de copula o masculino est de� � �� �um tamanho incr vel e todo espetado e as pessoas que andam no�parque deitam-me uns olhares estranhos e as m es dizem aos�filhos, anda c amor, n o v s para ao p desse tipo. deviam� � � �era chamar a guarda para vir prend -lo.�

na v spera de fazer catorze anos, vejo-me ao espelho na�c moda da av . Como que eu vou poder come ar a trabalhar nos� � � �correios com este aspecto que tenho? est tudo rasgado, a�camisa, as cal as, as cuecas, as pe gas, e os sapatos est o� � �quase a cair-me dos p s. rel quias de tempos decentes, diria a� �minha m e. se a minha m e est mal, eu ainda estou pior. por� � �mais que encharque a cabe a debaixo da torneira, o meu cabelo�fica espetado para todos os lados. o melhor rem dio para o�cabelo espetado o cuspo, s que dif cil cuspirmos na nossa� � � �pr pria cabe a. temos de atirar uma boa cuspi dela para o ar e� � �abaixarmo-nos para a apanharmos com a cabe a. tenho os olhos�vermelhos e com pus amarelo, tenho borbulhas vermelhas eamarelas pela cara toda e os dentes da frente t o pretos e t o� �podres que nunca na vida vou poder sorrir. n o tenho ombros e sei como toda a gente admira ombros.�quan do morre algum homem em limerick, as mulheres dizem�sempre, era um grande homem, tinha uns ombros enormes, t o�grandes que tinha de entrar de lado na porta. quando eu morrerv o dizer, pobre diabo, morreu sem chegar a ter ombros, quem�me dera ter ao menos uns ombros que mal se vissem para aspessoas saberem que j tenho catorze anos. todos os rapazes da�escola de leamy tinham ombros menos o fintan slattery e eu n o�quero ser como ele, sem ombros e com os joelhos gastos de

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tanto rezar. se tivesse dinheiro ia p r uma vela a s o� �francisco e pedir-lhe que tentasse convencer deus a fazer ummilagre com os meus ombros. ou ent o, se tivesse um selo,�escrevia ao joe louis e dizia-lhe, caro joe, haver alguma�hip tese de me dizer como que conseguiu ter uns ombros t o� � �grandes mesmo sendo pobre? tenho de me p r apresent vel para o meu trabalho. dispo-me� �e fico nu no p tio das traseiras a lavar a minha roupa � �torneira com uma barra de sab o carb lico. penduro-a na corda� �da roupa da av , a camisa, as cal as, as cuecas, as pe gas e� � �rezo a deus para n o chover, rezo para que esteja tudo seco no�dia seguinte, que vai ser o primeiro dia da minha vida. n o posso ir para s tio nenhum assim nu e por isso fico� �todo o dia na cama a ler jornais velhos, a excitar-me com asraparigas do *nems of the world* e a agradecer a deus o solque me vai secar a roupa. o abade chega a casa s cinco, faz�ch e, apesar de estar cheio de fome, sei que ele vai come ar� �a resmungar se lhe pedir alguma coisa. sabe que o nico medo�que eu tenho que ele v fazer queixa Tia aggie de que eu� � �estou em casa da av e a dormir na cama dela, porque se a tia�aggie souber disso, vem c e p e-me no olho da rua.� � quando acaba de comer o p o, esconde-o sempre e eu nunca�consigo encontr -lo. mas uma pessoa que nunca caiu de cabe a� �no ch o tem obriga o de encontrar o p o que uma pessoa que� �� �caiu de cabe a no ch o escondeu. de repente percebo que, se o� �p o n o est em casa, porque ele o leva no bolso do� � � �sobretudo com que anda de inverno e de ver o. quando ou o os� �passos dele da cozinha para a casa de banho do p tio das�traseiras, des o a escada, tiro o p o do bolso, corto uma� �fatia grossa, torno a met -lo no bolso, subo a escada e�meto-me na cama. ele nunca vai poder dizer nada, nunca vaipoder acusar-me. preciso ser-se um ladr o da pior esp cie� � �para roubar uma fatia de p o e ningu m iria acreditar nele,� �nem a tia aggie. al m disso, ela ia come ar a gritar com� �ele por andar com um p o no bolso. isso n o lugar para� � �trazer o p o.� como o p o devagar. uma dentada de quinze em quinze�minutos. assim vai durar muito tempo e se o empurrar com gua�vai inchar na barriga e fazer-me ficar com a sensa o de que��estou cheio. espreito pela janela das traseiras para ver se o sol datarde est a secar a minha roupa. nos outros p tios h cordas� � �com roupa alegre e colorida a dan ar ao vento. a minha est� �pendurada como se fossem c es mortos.� o sol est brilhante, mas a casa est fria a h mida.� � �apetecia-me ter qualquer coisa para vestir enquanto estoudeitado. n o tenho mais roupa e se tocar nalguma coisa do�abade de certeza que ele vai fazer queixa Tia aggie. a nica� �coisa que consigo encontrar no guarda-fatos o vestido velho�de l preta da av . Os rapazes n o devem vestir os vestidos� � �das av s que j morreram, mas que mal tem isso se para me� � �aquecer e vou ficar tapado com os cobertores e ningu m vai�saber. o vestido cheira a av velha morta e eu fico com medo�que ela se levante da cova e me amaldi oe perante a fam lia� �toda reunida. rezo a s o francisco, pe o-lhe que a mantenha na� �cova que �o lugar onde ela deve estar, prometo p r-lhe uma vela quando�come ar a trabalhar, lembro-me de que o fato que ele usava��

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n o era muito diferente de um vestido e nunca ningu m se meteu� �com ele por causa disso e adorme o a sonhar com a imagem da�cara dele. a pior coisa que pode acontecer estarmos a dormir na cama�da nossa av que j morreu com o vestido preto dela enfiado, e� �o tio abade a cair de cu porta do *pub* south depois de�passar a noite a beber cerveja e as pessoas que t m a mania de�se meterem onde n o s o chamadas irem a correr dizer Tia� � �aggie para ela pedir ao tio pa keating para a ajudar a levar oabade para casa onde n s estamos a dormir e ela come ar a� �gritar, o que que est s a fazer nesta casa e nessa cama?� �levanta-te e p e a cafeteira ao lume para fazer ch para o teu� �tio pat que caiu, e quando v que n s n o nos mexemos,� � �tira-nos os cobertores e cai de costas como se tivesse vistoum fantasma e p e-se a gritar, valha-me nossa senhora, o que � �que est s a fazer com o vestido da minha falecida m e?� � a pior coisa que pode acontecer porque dif cil explicar� � �que estamos a preparar as coisas para o grande emprego danossa vida, que lav mos a nossa roupa, que est l fora� � �estendida na corda, e que estava tanto frio que tivemos devestir a nica coisa que conseguimos encontrar em casa, e�ainda mais dif cil falar com a tia aggie quando o abade est� � �na cama a gemer, os meus p s parece que est o a arder,� �ponham-me gua nos p s, e o tio pa keating est a tapar a boca� � �com a m o e a ir de encontro parede de tanto rir e a� �dizer-nos que estamos lindos, que o preto nos fica muito bem,e que temos de endireitar a bainha. ficamos sem saber o que�fazer quando a tia aggie diz, sai j da cama e vai l abaixo� �p r a cafeteira ao lume para o ch do teu pobre tio. devemos� �tirar o vestido e embrulharmo-nos num cobertor ou ir tal comoestamos? t o depressa est a gritar, o que que est s a fazer� � � �com o vestido da minha falecida m e? como a gritar, vai p r o� �raio da cafeteira ao lume. digo-lhe que lavei a minha roupapor causa do meu grande emprego. que emprego? nos correios a entregar telegramas. ela diz que se nos correios j aceitam pessoas como eu�devem estar muito desesperados. vai l abaixo p r a cafeteira� �ao lume. a pior coisa que pode acontecer a seguir estarmos a�encher a cafeteira na torneira do p tio das traseiras ao luar,�e a kathleen purcell da casa ao lado estar pendurada no muro �procura do gato. santo deus, o que que est s a fazer com o� �vestido da tua av , Frankie mccourt?, e n s termos de ficar� �ali no meio do p tio, de cafeteira na m o, a explicar que� �lav mos a roupa que est ali pendurada na corda onde toda a� �gente pode ver e que est vamos na cama mas com tanto frio que�tivemos de vestir o vestido da nossa av e que o tio pat, *o�abade*, caiu e teve de ser a tia aggie e o marido dela, o tiopa keating, a traz -lo para casa, e que ela nos mandou ao�p tio das traseiras encher a cafeteira e que assim que a nossa�roupa secar tiramos logo o vestido porque n o temos vontade�nenhuma de andar com o vestido da nossa av .� a kathleen purcell d um grito, cai do muro, esquece o gato�e ouvimos o riso dela a contar m e, que cega, m ezinha,� � � �m ezinha, nem queira saber o que eu vi, o frankie mccourt no�p tio das traseiras enfiado no vestido da av dele que j� � �morreu. sabemos que quando a kathleen purcell apanha uma

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pontinha de um esc ndalo, antes de o sol nascer j toda a� �gente na rua sabe da hist ria, e quase o mesmo que pormos a� �cabe a de fora da janela e dizer para toda a�gente ouvir o que nos aconteceu com o problema do vestido. quando a cafeteira come a a ferver, o abade j est a� � �dormir por causa da bebida e a tia aggie diz que ela e o tiopa v o beber uma ch vena de ch e que n o se importa que eu� � � �beba tamb m. o tio pa diz que pensando melhor o vestido preto�podia ser a sotaina de um padre dominicano e p e-se de�joelhos e diz, aben oai-me, padre, porque pequei. a tia aggie�diz, levanta-te, meu parvalh o, e p ra de fazer pouco da� �religi o. depois pergunta-me, o que que est s a fazer nesta� � �casa? n o posso contar-lhe da m e e do laman griffin e da� �excita o no s t o. digo-lhe que tinha pensado ficar ali uns�� � �tempos por causa de ser t o longe da casa do laman griffin aos�correios e que assim que tiver dinheiro arranjo logo uma casadecente para morarmos todos, a minha m e, os meus irm os e eu.� � bem, diz ela, sempre fazes mais do que o teu pai faria.

xv

dif cil dormir sabendo que amanh vou fazer catorze anos� � �e come ar a trabalhar como um homem. o abade acorda de�madrugada a gemer. pede-me que lhe fa a ch . se fizer, posso� �comer uma fatia grossa de p o que ele tem guardado no bolso do�casaco por causa dos ratos e no gramofone da av , no s tio� �onde ela costumava guardar os discos, est um frasco de�compota. n o sabe ler nem escrever, mas sabe esconder a compota.� levo o ch e o p o ao abade e arranjo um bocado para mim.� �visto a roupa ainda h mida e meto-me na cama, na esperan a de� �que assim ela seque com o calor do meu corpo at hora de ir� �trabalhar. a m e diz sempre que a roupa molhada que faz as� �pessoas apanharem tuberculose e morrerem cedo de mais. o abadeest sentado na cama a dizer que est com uma dor de cabe a� � �terr vel por causa de um sonho que teve em que eu andava com o�vestido preto da sua pobre m e e ela andava a voar pela casa a�gritar, pecado, pecado, pecado, bebe o ch , adormece e� � �come a a ressonar. eu fico espera que o rel gio dele d as� � � �oito e meia, que a hora a que tenho de me levantar para�estar nos correios s nove, ainda com a roupa h mida.� � quando vou a sair n o consigo imaginar por que raz o vir a� � �tia aggie a descer a rua. deve vir ver se o abade est morto�ou se preciso chamar o m dico. a que horas que tens de� � �estar no trabalho? pergunta ela. s nove.� est bem.� d meia volta e vai comigo at ao posto dos correios da� �henry street. n o diz uma nica palavra durante o caminho e eu� �come o a pensar que, se calhar, vai aos correios denunciar-me�por ter dormido na cama da minha av e com o vestido preto�dela. quando chegamos, diz-me, vai l acima e diz que a tua�tia est c em baixo tua espera e que vais chegar uma hora� � �atrasado. por que que tenho de chegar uma hora atrasado? � faz o que te estou a mandar.

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os rapazes dos telegramas est o sentados num banco�encostado parede. sentadas a uma secret ria est o duas� � �mulheres, uma gorda e outra magra. a magra diz, sim? chamo-me frank mccourt, minha senhora, e venho c para�come ar a trabalhar.� a fazer o qu ?� a entregar telegramas, minha senhora. a magra d uma risada e diz, oh!, meu deus, pensava que era�para limpar as retretes. n o, minha senhora. a minha m e trouxe um recado do padre,� �o dr. cowpar, e disseram-lhe que me arranjavam trabalho. ah! sim? e sabes que dia hoje?� sei, sim, minha senhora. o dia do meu anivers rio. fa o� � �catorze anos. que bom, diz a gorda. hoje quinta-feira, diz a magra. come as a trabalhar na� �segunda -feira. vai-te embora, lava-te e volta nessa altura.� os rapazes dos telegramas est o a rir. n o sei porqu , mas� � �sinto que estou a ficar corado. digo obrigado s mulheres e�quando vou a sair ou o a magra dizer, jesus me valha, maureen,�quem que desencantou este exemplar? e riem-se as duas e com�elas os rapazes dos telegramas. a tia aggie diz, ent o? e eu digo-lhe que s come o na� � �segunda -feira. ela diz que a minha roupa est uma vergonha e� �perguntei o que que a lavei.� com sab o carb lico.� � cheira a pombos mortos e est s a p r toda a nossa fam lia a� � �rid culo.� leva-me aos armaz ns roche e compra-me nos saldos uma�cami sa, uma camisola, uns cal es, dois pares de meias e um� ��par de sapatos de ver o. d -me dois xelins para beber ch e� � �comprar um p o com passas para os meus anos. apanha o�autocarro para subir a o.connell street, por ser demasiadogorda e pregui osa para a subir a p . gorda e pregui osa, sem� � �filhos, mas mesmo assim ainda me compra a roupa para o meutrabalho novo. caminho na direc o de arthur.s quay com o embrulho da��roupa nova debaixo do bra o e tenho de me p r beira do rio� � �shannon para ningu m ver as l grimas a ca rem pela cara de um� � �homem no dia em que faz catorze anos.

na segunda-feira de manh levanto-me cedo para lavar a cara�e alisar o cabelo com gua e cuspo. o abade v -me com a roupa� �nova e diz, meu deus, vais-te casar ou qu ? e torna a�adormecer. a sra. o.connell, a gorda, diz, muito bem, muito bem,estamos no pino da moda, e a magra, a menina barry, diz,assaltaste um banco no fim de semana? e os rapazes dostelegramas que est o sentados no banco encostado parede d o� � �uma grande gargalhada. mandam-me sentar ponta do banco e esperar que chegue�minha vez de ir entregar telegramas. alguns dos rapazes t m�farda e esses s o os efectivos que fizeram o exame. se�quiserem, podem ficar nos correios para sempre, fazer o exameseguinte para serem carteiros e depois o outro para seremempregados de balc o e ficarem na esta o a vender selos e� ��vales. os efectivos t m direito a uma capa pl stico para� �usarem quando o tempo est mau e t m duas semanas de f rias� � �

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por ano. toda a gente diz que um grande emprego, seguro,�respeit vel e com direito a reforma e que quem tem um emprego�destes nunca mais precisa de se preocupar na vida, nunca mais. os rapazes dos telegramas que est o a prazo s podem ter� �aquele trabalho at aos dezasseis anos. n o t m farda, nem� � �f rias, ganham menos e se faltarem nem que seja um dia por�estarem doentes arris cam-se a ser despedidos. n o h� � �desculpas. tamb m n o h capas para a chuva. tragam as vossas� � �gabardinas ou ent o desviem-se da chuva.�

a sra. o.connell chama-me secret ria dela para me dar um� �cinto preto de cabedal com uma bolsa. diz que h muita falta�de bicicletas e, por isso, vou ter de ir entregar os primeirostelegramas a p . tenho de ir primeiro s moradas que ficam� �mais longe, e depois ir entregando os outros no caminho devolta, e nada de demorar o dia todo. j trabalha nos correios�h tempo suficiente para saber quanto que se demora a� �entregar seis telegramas, mesmo que seja a p . nada de parar�nos *pubs* nem nas casas de apostas, nem sequer em casa parabeber uma ch vena de ch . se o fizer posso ter a certeza de� �que ela vai descobrir. nada de parar nas igrejas para rezar.se quiser rezar, que o fa a enquanto vou a andar a p ou de� �bicicleta. se chover, n o ligue. tenho de entregar os�telegramas e deixar-me de mariquices. um dos telegramas vem dirigido Sra. clohessy de arthur.s�quay e s pode ser a m e do paddy.� � s tu, frankie mccourt? diz ela. meu deus, se te visse�nem te conhecia. est s t o crescido. entra.� � tem uma saia colorida, s flores, e uns sapatos novos e�reluzentes. no ch o est o duas crian as a brincar com um� � �comboio. em cima da mesa h um bule, ch venas com pires,� �uma garrafa de leite, um p o, manteiga e compota. ao p da� �janela est o duas camas, onde antes n o havia nenhuma. a cama� �grande no canto est vazia e ela deve ter percebido o que eu�estou a pensar. partiu, diz ela, mas n o para debaixo da�terra. foi para inglaterra com o paddy. bebe uma ch vena e�come um bocado de p o. est s mesmo a precisar, valha-nos deus.� �parece que sa ste agora da grande fome. come esse p o com� �compo ta. tens de ficar mais forte. o paddy estava sempre a�falar em ti e o dennis, o meu pobre marido, nunca mais seesqueceu do dia em que a tua m e c veio e lhe cantou aquela� �can o da dan a de kerry. agora est em inglaterra a fazer�� � �sandu ches numa cantina e a mandar-me alguns xelins todas as�semanas. sempre gostava de saber qual a ideia dos ingleses�ao porem um homem com tuberculose a fazer sandu ches. o paddy�tem um bom emprego num *pub* em cricklewood, que em�inglaterra. o dennis ainda c estaria se n o fosse o paddy ter� �trepado aquele muro para ir buscar a l ngua.� a l ngua?� o dennis estava a morrer de desejo de uma cabe a de ovelha�com couves e batatas e l foi eu ao talho do barry com os�ltimos xelins que tinha. cozi a cabe a mas, doente como� �estava, o dennis n o conseguia esperar at estar pronta.� �estava ali ao canto na cama a gritar que nem um diabo quequeria a cabe a e, quando lha dei, ficou deliciado a chupar o�tutano de todos os ossinhos que encontrava. quando acaba de acomer, pergunta-me, onde que est a l ngua, mary?� � � que l ngua? digo eu.�

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a l ngua da ovelha. todas as ovelhas t m l ngua, com ela� � � �que fazem m m m . falta a l ngua nesta cabe a. vai ao talho� � � � �e exige ao barry que ta d .� l vou eu outra vez ao talho e o barry diz, o diabo da�ovelha chegou aqui a balir e a gritar tanto que lhe cortei al ngua e a atirei ao c o, que desde que a comeu come ou a� � �fazer m m como se fosse uma ovelha, e se n o parar com� � �aquilo ainda lhe corto a l ngua a ele e atiro-o ao gato.� vou para casa, conto ao dennis e ele fica como doido nacama. quero a l ngua, diz ele. o alimento est todo na l ngua.� � �e ent o sabes o que que aconteceu? o meu paddy, o teu amigo,� �vai ao talho do barry depois de anoitecer, trepa pelo muro,corta a l ngua de uma cabe a de ovelha que est pendurada num� � �gancho na parede e tr -la para casa para a dar ao seu pobre�pai. claro que tenho de cozer a l ngua com muito sal e o�dennis, deus o aben oe, come-a, fica deitado um minuto, deita�o cobertor para tr s, levanta-se e declara que, com�tuberculose ou sem tuberculose naquela cama que ele n o� �vai morrer. se tiver de morrer, que seja debaixo de uma bombaalem a ganhar algumas libras para a fam lia em vez de ser a� �choramingar naquela cama. mostra-me uma carta do paddy. est a trabalhar no *pub* do�seu tio anthony doze horas por dia, ganha vinte e cinco xelinspor semana e tem direito a uma sopa e uma sandu che por dia.�adora os dias em que os alem es v m com as bombas porque pode� �ficar na cama enquanto o *pub* est fechado. dorme no ch o do� �corredor do andar de cima. vai mandar m e duas libras por� �m s e est a juntar o resto para mandar ir a fam lia toda para� � �inglaterra, onde viver o melhor s num quarto em cricklewood� �do que em dez quartos no arthur.s quay. ela n o vai ter�dificuldade nenhuma em arranjar trabalho. seria preciso muitoazar para n o se arranjar trabalho num pa s que est em� � �guerra, ainda por cima com os yankees a chegarem aos magotes ea gastarem dinheiro a torto e direito. o paddy est a contar�arranjar trabalho mesmo no meio de londres onde as gorjetasque os yankees deixam chegam para alimentar uma fam lia�irlandesa de seis pessoas durante uma semana. a sra. clohessy diz, finalmente temos dinheiro para comidae sapatos, gra as a deus e Sua m e sant ssima. nem imaginas� � � �quem que o paddy encontrou em inglaterra, com catorze anos e�a trabalhar como um homem. o brendan kiely, aquele a quemvoc s chamavam o perguntas. est a trabalhar e a juntar� �dinheiro para se alistar na pol cia montada do canad e andar� �pelo pa s a cantar como o nelson eddy, *i.ll be callin.you�ooh ooh ooh ooh ooh ooh*. terr vel ter de dizer uma coisa� �destas, mas se n o fosse o hitler a esta hora j t nhamos� � �morrido todos. e como que est a tua pobre m e, frankie? � � � est boa, sra. clohessy.� n o, n o est . vi-a no dispens rio e est com pior aspecto� � � � �do que o meu dennis quando estava de cama. tens de cuidar datua pobre m e. tamb m n o est s nada bem, frankie, com esses� � � �olhos verme lhos a quererem saltar-te da cabe a. toma uma� �gorjeta. tr s *pence*. compra um rebu ado,� � est bem, sra. clohessy.� faz isso.

no fim da semana a sra. o.connell d -me o primeiro�ordenado da minha vida, uma libra, a minha primeira libra.

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corro escada abaixo e rua acima em direc o a o.connell��street, que a rua principal, onde os candeeiros est o acesos� �e que as pessoas atravessam no caminho do trabalho paracasa, pessoas que como eu t m o ordenado no bolso. quero que�saibam que sou como elas, que sou um homem, que tenho umalibra. subo por um lado da o.connell street e des o pelo�outro, na esperan a de que reparem em mim. mas n o reparam.� �apetece-me acenar com a minha nota de uma libra para aspessoas dizerem, l vai ele, o frankie mccourt, o�trabalhador, com uma libra no bolso. sexta-feira noite e posso fazer o que me apetecer.� �posso comer peixe com batatas fritas e ir ao cinema lyric.n o, acabou-se o lyric. j n o preciso de me sentar no� � �galinheiro com as pessoas minha volta a incitarem os ndios� �a matarem o general custer e os africanos a procurarem otarzan pela selva toda. agora posso ir ao cinema savoy, pagarseis *pence* por um lugar l na frente, que onde ficam as� �pessoas das melhores classes, a comerem chocolates e a porem am o frente da boca quando se riem. quando o filme acabar,� �posso beber ch e comer bolos de passas no restaurante do�andar de cima. o michael est do outro lado da rua a chamar-me. tem fome e�quer saber se pode ir pedir um bocado de p o ao abade e dormir�l em vez de ter de andar o caminho todo at casa do laman� � �griffin. digo-lhe que n o se preocupe com o p o. vamos os dois� �ao caf Coliseu comer peixe com batatas fritas, tudo o que ele�quiser, beber limonadas aos montes e depois vamos ver o*cora o triunfal* com o james cagney e comer duas grandes��tabletes de chocolate. depois do filme vamos beber ch e comer�bolos, e depois vamos a cantar e a dan ar como o james cagney�at casa do abade. o michael diz que deve ser mesmo bom� �viver na am rica onde as pessoas n o t m mais nada que fazer� � �sen o cantar e dan ar. j meio adormecido, diz que um dia� � �h -de ir para l cantar e dan ar e pergunta-me se o ajudo.� � �depois de ele adormecer, come o a pensar na am rica e que vou� �ter de poupar dinheiro para o bilhete em vez de o estoirar empeixe, batatas fritas, ch e bolos. tenho de poupar alguns�xelins da minha libra porque se n o fizer isso vou ter de�ficar em limerick para toda a vida. tenho catorze anos e seguardar todas as semanas algum dinheiro de certeza que aosvinte anos vou poder ir para a am rica.� h telegramas para entregar em escrit rios, lojas e� �f bricas, onde n o vale a pena ter esperan a de receber uma� � �gorjeta. os emprega dos pegam nos telegramas sem sequer�olharem para n s nem dize rem obrigado, h telegramas para� � �entregar s fam lias respeit veis que t m criadas e que vivem� � � �em ennis road ou na north circular road, onde tamb m n o h� � �esperan as de receber uma gorjeta. as criadas s o como os� �empregados, n o olham para n s nem agradecem. h telegramas� � �para entregar nas casas de padres ou freiras que tamb m t m� �criadas apesar de dizerem que a pobreza uma virtude. se�estiv ssemos espera das gorjetas dos padres ou das freiras,� �acab vamos por morrer nas escadas. h telegramas para entregar� �a pessoas que moram a v rios quil metros da cidade, lavradores� �com quintais lamacentos e c es que se nos atiram s pernas. h� � �telegra mas para entregar a pessoas ricas com casas enormes,�com guaritas junto aos port es e propriedades enormes rodeados�por muros. o porteiro faz-nos sinal para entrarmos e temos de

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percorrer quil me tros de bicicleta por longos caminhos� �ladeados por relvados, cantei ros e fontes at chegarmos � � �casa grande. se o tempo est bom, as pessoas est o a jogar� �croquete, o jogo dos protestantes, ou a passearem, aconversarem e a rirem, com vestidos s flores e *blazers*�com bras es bordados e bot es dourados e ningu m diria que� � �est a haver uma guerra. h Bentleys e rolls-royces� �estacionados porta da casa grande, onde uma criada nos�pergunta se preciso dizer-nos para irmos pela porta de�serventia. as pessoas das casas grandes falam com sotaque ingl s e n o� �d o gorjetas aos rapazes dos telegramas.� as melhores pessoas para darem gorjetas s o as vi vas, as� �mulheres dos pastores protestantes e os pobres em geral. asvi vas sabem o dia em que chega o vale do governo ingl s e� �ficam janela espera. temos de ter cuidado se nos� �convidarem para bebermos uma ch vena de ch porque um dos que� �est o a prazo, o scrawby luby, diz que uma vi va velha, j com� � �trinta e cinco anos, o mandou entrar para beber ch e depois�quis tirar-lhe as cal as e ele teve de fugir apesar de se�sentir muito tentado e no s bado a seguir teve de ir�confessar-se. contou-nos que foi uma sensa o muito estranha��ter de saltar para a bicicleta com a coisa toda espetada, masque se pedalarmos com muita for a e pensarmos nos sofrimentos�da virgem maria, fica-se mole num instante. as mulheres dos pastores protestantes nunca se comportamcom a vi va velha do scrawby luby, a menos que sejam vi vas. o� �christy wallace, que efectivo e n o tarda vai passar a� �carteiro, diz que os protestantes n o se preocupam com o que�fazem, nem mesmo as mulheres dos pastores. seja como for,est o condenados, por isso que mal tem gozarem um bocado com�um rapaz dos telegramas? todos os rapazes dos telegramasgostam das mulheres dos pastores protestan tes. mesmo que�tenham criadas, s o elas que v o porta e dizem, s um� � � �momento, e d o-nos seis *pence*. gostava de falar com elas e�per guntar-lhes o que sentem por saberem que est o condenadas,� �mas podiam ofender-se e obrigar-me a devolver os seis *pence*. os irlandeses que est o a trabalhar em inglaterra mandam os�vales sexta-feira noite e ao s bado, durante todo o dia, e� � � nessa altura que recebemos as melhores gorjetas. assim que�entregamos um gru po de telegramas vamos logo buscar outro.� as piores ruas s o as da irishtown, para l da high street� �e da mungret street, s o piores do que a roden lane, a�o.keeffe.s lane e qualquer uma das ruas onde j morei. h� �ruas com aut nticos canais a meio. as m es v m porta e� � � �gritam a vai pia, quando despejam os baldes com as guas da� �cozinha. as crian as fazem barcos de papel ou p em pequenas� �velas em caixas de f sforos e p em-nos a boiar na gua� � �gordurosa. quando entramos nas ruas mais pobres, as crian as come am� �logo a gritar, o rapaz dos telegramas, o rapaz dos telegramas.v m ter connosco a correr e as mulheres ficam porta � � �espera. se dermos a um mi do o vale para a m e, torna-se� �imediatamente o her i da fam lia. as mi das sabem que t m de� � � �dar a primazia aos mi dos, mas se n o tiverem irm os podem ser� � �elas a receber o telegrama. as mulheres que est o porta� �dizem-nos que agora n o t m dinheiro mas para batermos porta� � �delas amanh , se voltarmos a esta rua, para nos darem uma�

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gorjeta, deus te aben oe a ti e a todos os teus.� todos os dias a sra. o.connell e a menina barry nos dizeml nos correios que a nossa miss o entregar telegramas e s� � � �isso. n o temos nada que fazer recados s pessoas como por� �exemplo ir loja buscar mercearias. n o lhes interessa se as� �pessoas estiverem na cama a morrer. n o lhes interessa que as�pessoas n o tenham pernas, sejam doidas ou andem a rastejar�pelo ch o. temos de entregar os telegra mas e pronto. a sra.� �o.connell diz, sei tudo o que fazem, tudo, porque as pessoasde limerick andam de olho em voc s e tenho aqui muitas queixas�guardadas nas minhas gavetas. um belo s tio para guardar queixas, diz o toby mackey�entre dentes.� mas a sra. o.connell e a menina barry n o sabem o que � �andar pelas ruas pobres, bater a uma porta, dizerem-nos paraentrarmos e vermos que n o h luz e que numa cama a um canto� �est uma pilha de farrapos que pergunta quem e n s dizemos� � �telegrama e a pilha de far rapos pergunta-nos se n o nos� �importamos de ir loja. estou cheio de fome e era capaz de�dar os meus olhos por uma ch vena de ch . o que que uma� � �pessoa faz? diz que n o pode e vai-se embora e deixa ali a�pilha de farrapos com um vale que n o serve de nada porque a�pilha de farrapos n o pode levantar-se da cama e ir aos�correios levantar o maldito vale? o que que uma pessoa faz?� dizem-nos que se formos aos correios levantar o vale parauma dessas pessoas somos despedidos. mas o que que havemos�de fazer se um velho, que combateu na guerra dos boers h que�s culos e nos diz que ficou sem pernas e que ficaria�eternamente grato se f ssemos ter com o paddy considine dos�correios e lhe explic ssemos a situa o, de certeza que o� ��paddy vai pagar o vale e podes ficar para ti com dois xelins,porque s um her i. o paddy considine diz, n o te preo cupes,� � � �mas n o digas nada a ningu m, sen o vou para o olho da rua e� � �tu tamb m, meu filho. o velho da guerra dos boers diz que sabe�que temos mais telegramas para entregar mas pod amos voltar l� �logo noite e at talvez ir loja porque ele n o tem nada em� � � �casa e ainda por cima est a morrer de frio. est sentado num� �cadeir o a um canto, tapado com bocados de cobertores e com um�balde por detr s da cadeira com um tal fedor que d logo� �vontade de vomitar, e ao olhar para o velho naquele cantoescuro temos vontade de ir buscar uma mangueira, despi-lo,lav -lo, dar-lhe um bom prato de toucinho frito, ovos e pur� �de batata com montes de manteiga, sal e cebolas. quero tirar o homem da guerra dos boers e a pilha defarrapos da cama e lev -los para uma grande casa no campo,�cheia de sol, com p ssaros a chilrearem l fora e um regato a� �cantar. a sra. spillane da pump lane, por detr s da carey.s road,�tem dois g meos aleijados, com longos cabelos loiros, muito�franzinos, e uns cotos suspensos da beira das cadeiras. passamo dia inteiro a olhar para o lume e dizem, onde que est o� �pai? falam ingl s como todas as outras pessoas mas falam um�com o outro numa l ngua que eles inventaram, qu qui x x . a� � � �sra. spillane diz que est o a perguntar a que horas que lhes� �dou o ch . diz que tem muita sorte se o marido lhe mandar�quatro libras por m s e que j n o aguenta mais as ofensas que� � �

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lhe fazem no dispens rio por ter o marido em inglaterra. as�crian as ainda s t m quatro anos e s o muito inteligentes� � � �apesar de n o podem andar nem cuidar de si pr prias. se� �pudessem andar, se fossem normais, ela fazia a trouxa e iapara inglaterra, sa a deste pa s abandonado por deus que lotou� �pela sua liberdade durante tanto tempo e veja-se o estado emque est , o de valera, esse sacana, l na sua mans o em� � �dublin, e os outros pol ticos que podem ir todos para o�diabo que os carregue, deus me perdoe. os padres que v o para�o diabo tamb m, e n o pe o perd o a deus por dizer isto. os� � � �padres e as freiras dizem-nos que jesus era pobre, que n o � �vergonha ser pobre, e os cami es a descarregarem porta deles� �caixas e barris de u sque e vinho, ovos aos montes, presuntos�inteiros e eles a dizerem -nos as coisas com que devemos fazer�sacrif cios na quaresma. a quaresma, uma porra. fazer�sacrif cios como, se para n s quares ma todo o ano?� � � �

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quero levar a sra. spillane e os seus dois filhos louros ealeijados para aquela casa no campo juntamente com a pilha defarrapos e o homem da guerra dos boers, lav -los a todos e�deix -los estar senta dos ao sol com os p ssaros a chilrear e� � �o regato a cantar. n o posso deixar a pilha de farrapos sozinha com um vale�que n o serve de nada porque a pilha de farrapos uma mulher,� �a sra. gertru de daly, contorcida com todas as doen as� �poss veis e imagin rias que se podem apanhar nas ruas pobres� �de limerick, artrite, reum tico, o cabelo a cair, uma narina�meia destru da por ela passar a vida com o dedo l metido, e� �faz pensar em que raio de mundo vivemos quando essa velhaaparece debaixo dos farrapos, se senta e sorri para n s com�uns dentes brancos a reluzirem no escuro, os seus dentesverdadeiros e perfeitos. isso mesmo, diz ela, ainda s o os meus dentes, e quando� �apodre cer debaixo da terra h o-de encontrar os meus dentes� �daqui a cem anos ainda brancos e brilhantes e v o fazer de mim�uma santa. o vale, de tr s libras, do filho dela. traz uma mensagem,� �para b ns, querida m e, do seu filho teddy. at me admira como� � � �pou pou isto, diz ela, aquele monte de merda, a pavonear-se�com todas as pegas de piccadilly. pergunta-me se lhe fa o o�favor de levantar o vale e lhe ir comprar uma garrafa pequenade u sque baby powers ao *pub*, um p o, meio quilo de toucinho� �e sete batatas, uma para cada dia da semana. ser que me�importo de lhe cozer uma batata, desfaz -la com um bocado de�toucinho, dar-lhe um bocado de p o e chegar-lhe um copo de�gua para juntar ao u sque? ser que me importo de ir pedir ao� � �o.connor, o farmac utico, a pomada para as dores, e j que� �vou rua, ser que posso trazer um bocado de sab o para ela� � �dar uma boa esfregadela ao corpo. vai ficar eternamente gratae rezar uma ora o por mim e toma l dois xelins pelo inc modo�� � �que te estou a dar. oh!, n o, obrigado, minha senhora. � aceita o dinheiro. uma gorjeta de nada. fizeste-me muitos�favores. vendo-a nesse estado n o posso aceitar, minha senhora.� aceita o dinheiro ou ent o vou aos correios dizer que nunca�

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mais quero que sejas tu a entregar-me o telegrama. ent o, est bem, minha senhora. obrigado.� � boa noite, filho. s bom para a tua m e.� � boa noite, sra. daly.

a escola come a em setembro e h dias em que o michael� �passa por casa do abade antes de ir para casa do lamangriffin. nos dias de chuva pergunta se pode l ficar e ao fim�de algum tempo j n o quer voltar para casa do laman griffin.� �est cansado e cheio de fome por ter de andar tr s quil metros� � �para cada lado. quando a m e vem procura dele, n o sei o que hei-de� � �dizer-lhe. n o sei como hei-de olhar para ela e fico o tempo�todo a olhar para o lado. ela pergunta-me, como que vai o�trabalho? como se n o tivesse acontecido nada em casa do laman�griffin, e eu digo, vai bem, como se n o tivesse acontecido�nada em casa do laman griffin. quando est a chover de mais�para ela ir para casa, fica no quarto pequeno l de cima com o�alphie. no dia seguinte volta para casa do laman, mas omichael fica, e aos poucos ela vai-se mudando at que deixa de�ir para casa do laman de uma vez por todas. o abade paga a renda todas as semanas. a m e recebe a�assist ncia social e as senhas da comida at que algu m a� � �denuncia e lhe cortam o subs dio do dispens rio. dizem-lhe que� �se o filho ganha uma libra por semana, j mais do que� �algumas fam lias recebem de subs dio de desemprego e que devia� �dar gra as a deus por ele ter arranjado aquele trabalho. agora�tenho de dar M e o dinheiro todo que ganho. a m e diz, uma� � �libra? isto que te pagam por andares por seca e meca de�bicicleta fa a o tempo que fizer? na am rica isto d quatro� � �d lares. quatro d lares. e em nova iorque quatro d lares n o� � � �chegam nem para alimentar um gato. se andasses a entregartelegramas da western union em nova iorque ganhavas vinte ecinco d lares por semana e vivias grande. converte sempre o� �dinheiro irland s em dinheiro americano para nunca se esquecer�e tenta convencer toda a gente de que a vida l era muito�melhor. h semanas em que me deixa ficar com dois xelins, mas�se for ao cinema ou se comprar um livro em segunda m o fico�logo sem nada. assim n o vou poder juntar dinheiro para o�bilhete e vou ficar aqui preso em limerick at ser velho aos�vinte e cinco anos. o malachy manda uma carta de dublin a dizer que est farto�e que n o quer passar o resto da vida a tocar clarim na banda�do ex rcito. passada uma semana aparece em casa e reclama por�ter de partilhar a cama grande comigo, com o michael e com oalphie. em dublin tinha uma cama de campanha s para ele, com�len is, cobertores e uma almofada. agora voltou aos casacos e��a uma almofada da qual sai uma nuvem de penas sempre que lhetocamos. a m e diz, o mal teu. tenho muita pena. o abade tem� �a cama dele e a minha m e dorme no quarto pequeno. estamos�outra vez todos juntos, sem o laman a atormentar-nos. fazemosch e p o frito e sentamo-nos no ch o da cozinha. o abade diz� � �que as pessoas n o devem sentar-se no ch o das cozinhas, para� �que servem as mesas e as cadeiras? diz M e que o frankie n o� � �regula bem da cabe a e a m e diz que a humidade que vem do� �ch o h -de ser a nossa morte. sentamo-nos no ch o e cantamos,� � �e a m e e o abade sentam-se em cadeiras.� o abade canta the road to rasheen e continuamos sem saber� �

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do que fala aquela can o. sentamo-nos no ch o e contamos�� �hist rias de coisas que aconteceram, de coisas que nunca�aconteceram e de coisas que v o acontecer quando formos todos�para a am rica.�

h dias de pouco movimento nos correios, em que ficamos�senta dos no banco a conversar. podemos conversar mas n o� �podemos rir. a menina barry diz que dev amos dar gra as por� �nos pagarem para estarmos ali sentados, um bando depregui osos e de mi dos da rua o que n s somos e que n o� � � � �quer risadas. receber dinheiro para estar sentado a conversarn o coisa que d vontade de rir e primeira risadinha que� � � �um de n s der vai tudo para a rua e ficamos l at nos passar� � �a vontade de rir e se continuarmos com as risadinhas fazqueixa de n s s autoridades.� � os rapazes falam dela entredentes. o toby mackey diz,aquela cabra velha precisa de uma boa esfrega na rata. a m e�dela andava na vida e o pai fugiu do manic mio cheio de bolhas�nos tomates e cravos na picha. ouvem-se risos no banco e a menina barry grita connosco.avisei -vos que n o queria risotas. mackey, o que que est s� � � �para a a segredar?� estava a dizer que era muito melhor se estiv ssemos todos�na rua a entregar telegramas com um dia t o lindo como est� �hoje, menina barry. v -se mesmo que era isso, mackey. tens uma boca imunda.�ou viste? � ouvi, sim, menina barry. at na escada se ouviu o que disseste, mackey.� sim, menina barry. cala-te, mackey. est bem, menina barry.� nem mais uma palavra, mackey. est bem, menina barry.� j disse para estares calado, mackey.� est bem, menina barry.� acabou-se, mackey. n o me provoques.� n o, menina barry.� nossa senhora me d paci ncia.� � sim, menina barry. engole o que disseste, mackey. engole, engole, engole. est bem, menina barry.� o toby mackey est a prazo, tal como eu. viu um filme�chamado *a primeira p gina* e agora quer ir para a am rica um� �dia mais tarde para ser um rep rter a s rio de chap u e� � �cigarro. anda sempre com um bloco no bolso porque um bomrep rter tem de escrever o que acontece. os factos. tem de�escrever os factos e n o essa porcaria da poesia, que a� �nica coisa que se ouve em limerick, com os homens nos *pubs*�sempre a repetirem as cantilenas dos sofrimentos por quepassamos sob o dom nio dos ingleses. os factos, frankie. toma�nota do n mero de telegramas que entrega e dos quil metros que� �anda. sentamo-nos no banco, concentrados em n o nos rirmos, e�ele diz-me que se entregarmos quarenta telegramas por dia,ser o duzentos por semana, dez mil por ano e vinte mil durante�os nossos dois anos naquele trabalho. se fizermos 200quil metros por semana, ser o 21 mil quil metros ao fim de� � �dois anos e isso equivale a metade do mundo, frankie, por isso

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n o admira que n o tenhamos carne no rabo.� � o toby diz que n o h ningu m que conhe a limerick t o bem� � � � �como os rapazes dos telegramas. conhecemos todas as avenidas,ala medas, ruas, ladeiras, becos, p tios e vielas. jesus, n o� � �h porta em limerick que n o conhe amos. batemos a todas as� � �portas, sejam de ferro, carvalho ou contraplacado. vinte milportas, frankie. batemos com a m o, com um pontap ou� �abrimo-las com um empurr o. tocamos a campainhas com todos os�sons. gritamos e assobiamos, o rapaz dos telegramas, o rapaz�dos telegramas. metemos telegra mas nas caixas do correio, por�baixo das portas, pelas bandeiras das janelas. entramos pelajanela, quando as pessoas n o podem sair da cama. temos de�correr com todos os c es que querem fazer de n s o jantar� �deles. nunca se sabe o que vai acontecer quando entregamos ostelegramas s pessoas. riem, cantam, dan am, choram, gritam,� �caem para o ch o sem for as e ficamos sem saber se ir o� � �acordar e dar-nos a gorjeta. n o tem nada a ver com entregar�telegramas na am rica, como o mickey rooney num filme chamado�*a com dia humana*, onde as pessoas s o sempre simp ticas� � �para ele, desfazem-se para lhe dar uma gorjeta, convidam-no aentrar e oferecem-lhe ch e bolos.� o toby mackey diz que j tem muitos factos no bloco dele e�n o quer saber de nada e era assim que eu gostava de ser.� a sra. o.connell sabe que eu gosto de ir entregartelegramas ao campo e, quando o tempo est bom, d -me uns dez,� �que me ocupam durante toda a manh , e s tenho de l voltar� � �depois da hora de almo o ao meio-dia. h dias de outono� �bonitos, em que o shannon brilha e os campos est o verdes e�reluzentes com o orvalho da manh . o fumo ergue-se nos campos�e sente-se o cheiro da turfa a arder. as vacas e as ovelhasandam a pastar pelos campos e pergunto a mim pr prio se seria�daqueles animais que o padre estava a falar. n o me admirava�muito que fosse, porque um nunca acabar de bois a cobrirem�as vacas, de carneiros a cobrirem as ovelhas, de garanh es a�cobrirem as guas e t m todos umas coisas t o grandes que s� � � �de olhar para eles fico coberto de suores e cheio de pena dasf meas todas que h no mundo que t m de sofrer daquela� � �maneira, embora n o me importasse de ser boi, porque podem�fazer o que lhes apetece e nos animais nunca pecado. n o me� �importava de me satisfazer aqui mas nunca se sabe quando que�vai aparecer um lavrador na estrada a levar vacas ou ovelhaspara uma feira ou para outro prado e que nos diz, acenando como cajado, bom dia, jovem, linda manh , gra as a deus e Sua� � �santa m e. um lavrador assim t o religioso podia ficar� �ofendido se me visse a desrespeitar o sexto mandamento ali emfrente da propriedade dele. os cavalos gos tam de p r a cabe a� � �por cima das cercas e arbustos para ver quem que vai a�passar e eu paro e fico a ouvi-los, porque t m uns olhos�grandes e um nariz comprido que mostram como s o inteligentes.�s vezes vejo dois p ssaros a cantarem um para o outro e paro� �e fico a ouvi-los, e se ficar ali durante muito tempo, come am�a chegar mais e mais p ssaros at que todas as rvores e� � �arbustos ficam cheios de vida com o canto dos p ssaros. se�vejo um regato a gorjear por baixo de uma ponte na estrada,p ssaros a cantarem, vacas a mugirem e ovelhas a balirem, � �melhor do que qualquer orquestra que apare a num filme. se�sinto um cheiro a bacon e couves vindo de alguma casa fico t o�fraco por causa da fome que salto para um campo qualquer e sou

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capaz de ficar meia hora a encher a barriga de amorassilvestres. meto a cabe a no regato e bebo gua gelada que � � �melhor do que qualquer limonada num caf de peixe e batatas�fritas. depois de acabar de entregar os telegramas ainda me sobratempo para ir ao cemit rio do velho mosteiro onde est o� �enterrados os parentes da minha m e, os guilfoyle e os�sheehan, e onde ela quer ser tamb m enterrada. vejo daqui as�ru nas do castelo de carrigogunnell e ainda tenho tempo para�ir at l acima de bicicleta, sentar-me no muro mais alto, ver� �o shannon a correr para o atl ntico a caminho da am rica e� �sonho com o dia em que irei cruzar aquelas guas.�

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os rapazes dizem-me l nos correios que tenho sorte em�ficar com o telegrama da fam lia carmody, a gorjeta um� �xelim, umas das maiores de limerick. por que ser que para� �mim? sou o mais novo. bem, dizem eles, s vezes a theresa� �carmody que vem porta. est tuberculosa e eles t m medo de� � �ser contagiados. tem dezassete anos, passa a vida dentro efora do sanat rio e n o vai chegar aos dezoito� �anos. os rapazes dizem que as pessoas doentes como a theresasabem que lhes resta pouco tempo de vida e, por causa disso,ficam loucas pelo amor, o romance e essas coisas. essascoisas. resultado da tuberculose, dizem os rapazes l nos� �correios. atravesso de bicicleta as ruas molhadas de novembro apensar no xelim da gorjeta e, quando dou a curva para entrarna rua dos carmody, a bicicleta foge-me e eu escorrego para och o, arranho a cara e fa o um golpe nas costas da m o. a� � �theresa carmody abre a porta. o cabelo dela ruivo. tem os�olhos verdes da cor dos campos para l de limerick. tem as�faces rosadas e a pele muito branca. oh!, est s todo�molhado e a sangrar, diz ela. escorreguei da bicicleta. entra que eu trato-te dos golpes. fico a pensar, ser que devo entrar? posso apanhar�tuberculose e estou feito. quero chegar aos quinze anos ereceber o xelim da gorjeta. entra. ainda morres a fora.� p e a cafeteira ao lume para fazer ch . p e tintura de iodo� � �nas minhas feridas e eu tento portar-me como um homem e n o�gemer. s um grande homem, diz ela. vai para a sala e seca-te�ao p do lume. olha, por que que n o despes as cal as e as� � � �p es a secar no corta -fogo? � � oh!, n o.� faz isso. est bem.� dobro as cal as por cima do corta-fogo. sento-me a ver o�vapor que sobe das cal as e a minha coisa a subir e fico com�medo que ela entre e me veja naquela excita o.�� ela entra com um prato com p o, presunto e duas ch venas de� �ch . meu deus, diz ela, podes ser magricela mas tens a uma� �bela coisa. pousa o prato e as ch venas numa mesa ao p do lume e a� � �ficam. pega na ponta da minha excita o com o polegar e o��indicador e leva -me para um sof verde que est encostado � � � �

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parede. a minha cabe a s pensa em pecado, tintura de iodo,� �medo de ficar tuberculoso, xelim da gorjeta e os olhos verdesdela e a est ela no sof n o pares sen o eu morro e chora e� � � � �eu tamb m choro porque n o sei o que que est a� � � �acontecer-me, se estou a matar-me com a tuberculose que ela mevai pegar com a boca, se estou a ir a caminho do c u ou a cair�de um precip cio e n o me interessa nem um pouco se isto � � �pecado. descansamos um bocado no sof , at que ela pergunta, n o� � �tens mais telegramas para entregar? e quando nos sentamos elad um gritinho, ai, estou a deitar sangue.� o que que tens?� acho que por causa de ser a primeira vez.� espera, digo-lhe eu. vou buscar o frasco da tintura de iodo cozinha e borrifo-lhe a ferida. ela d um salto do sof e� � �p e-se a dan ar volta da sala como doida e corre para a� � �cozinha para se sentar na gua. depois de se secar diz-me, meu�deus, s mesmo inocente. n o se pode p r assim tintura de iodo� � �nas raparigas. pensava que te tinhas cortado. continuo a levar l telegramas durante semanas a fio. s� �vezes temos a excita o no sof mas h dias em que ela est�� � � �com tosse e v -se que est muito fraca. nunca me diz que est� � �fraca nem que tem tuberculose. os rapazes dos correiosdizem-me que devo estar a diver tir-me grande com os xelins� �da gorjeta e com a theresa carmody. n o lhes digo que deixei�de receber a gorjeta. n o lhes conto nada do sof verde nem da� �excita o. nunca lhes falo da dor que sinto quando ela abre a��porta e eu vejo como est fraca e nesses dias s me apetece� �fazer-lhe ch e sentar-me no sof verde com os bra os volta� � � �dela. mas h um s bado em que me dizem para levar o telegrama ao� �trabalho da m e da theresa no woolworth.s. tento fazer um ar�descomprometido. sra. carmody, costumo entregar o telegrama �theresa, acho que sua filha? � est no hospital.� no sanat rio?� j disse que est no hospital.� � como todas as outras pessoas de limerick, tem vergonha da�tuberculose e n o me d um xelim nem gorjeta nenhuma. vou ao� �sanat rio para ver a theresa. dizem-me que s posso v -la se� � �for da fam lia ou se for adulto. digo que sou primo dela e que�vou fazer quinze anos em agosto. mandam-me embora. vou �igreja francis cana rezar pela theresa. s o francisco, por� �favor fala com deus. diz-lhe que a culpa n o foi da theresa.�eu podia ter-me recusado a levar o telegrama em todos aqueless bados. diz a deus que a culpa da excita o no sof n o foi� �� � �da theresa, porque a tuberculose que p e as pessoas assim.� �tamb m n o faz mal, s o francisco, porque eu amo a theresa.� � �amo-a tanto como tu amas os p ssaros, os animais e os peixes e�pe o-te que digas a deus que lhe tire a tuberculose e eu�prometo nunca mais me aproximar dela. no s bado seguinte d o-me o telegrama para os carmody. a� �meio da rua j vejo as portadas fechadas. vejo a coroa de�crepe preto por cima da porta. vejo o cart o de p sames branco� �debruado a roxo. vejo atrav s da porta e das paredes todos os�s tios onde eu e a theresa rebol mos nus e loucos, vejo o sof� � �verde, e sei que ela est no inferno e que a culpa minha.� �

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meto o telegrama por debaixo da porta e torno a ir Igreja�franciscana rezar pelo repouso da alma da theresa. rezo atodas as imagens, aos vitrais, s esta es da via sacra. juro� ��que passarei a viver na f , na esperan a, na caridade, na� �pobreza, na castidade e na obedi ncia.� no dia seguinte, domingo, vou a quatro missas. fa o a via�sacra tr s vezes. passo o dia a rezar ter os. n o como nem� � �bebo nada e sempre que descubro um s tio para estar sozinho�come o a chorar e a pedir a deus e Virgem maria que tenham� �piedade da alma da theresa carmody. na segunda-feira acompanho o funeral na minha bicicleta doscorreios. fico longe da sepultura, atr s de uma rvore. a sra.� �carmody chora e lamenta-se. o sr. carmody funga e parece estarconfuso. o padre reza ora es em latim e asperge o caix o com�� �gua benta.� quero ir ter com o padre, com o sr. e com a sra. carmody.quero dizer-lhes que fui eu que mandei a theresa para oinferno. podem fazer-me o que quiserem. bater-me,descompor-me. atirar terra da sepultura para cima de mim. masfico atr s da rvore at os acompa nhantes se irem todos� � � �embora e os coveiros taparem a sepultura. a geada j est a embranquecer a terra que acabou de ser� �posta na sepultura e penso na theresa, gelada dentro docaix o, com os seus cabelos ruivos e os seus olhos verdes. n o� �consigo perceber o que estou a sentir, mas sei que com todasas pessoas da minha fam lia que j morreram e todas as pessoas� �que vi morrer na minha rua e nas ruas em volta, nunca sentiuma dor t o grande no meu cora o como a que estou a sentir� ��agora e espero nunca voltar a senti-la. est a ficar de noite. saio do cemit rio na minha� �bicicleta. tenho telegramas para entregar.

xvi

a sra. o.connell d -me telegramas para ir entregar ao sr.�har rington, o ingl s a quem morreu a mulher, nascida e criada� �em limerick. os rapazes dos correios dizem que os telegramasde condo l ncias s o uma perda de tempo. as pessoas s choram� � � �e gemem por causa do desgosto e acham que n o t m de dar� �gorjeta. perguntam se queremos ir ver o defunto e rezar-lhe umpai-nosso. n o era mau de todo, desde que nos oferecessem um�c lice de xerez e uma sandu che de presunto. mas n o, ficam� � �satisfeitos por rezarmos mas como somos uns simples rapazesdos telegramas j uma sorte se nos derem um biscoito. os� �rapazes mais velhos dizem que preciso jogar as cartas certas�para conseguir a gorjeta. se nos perguntarem se queremosrezar, temos de nos ajoelhar ao p do defunto, dar um grande�suspiro, benzermo-nos, afundar a testa na roupa da cama paran o verem a nossa cara, chocalhar os ombros como se n o� �aguent ssemos o desgos to, agarrarmo-nos cama com as duas� � �m os como se fosse preciso eles virem-nos arrancar dali para�entregarmos o resto dos telegramas, certificarmo-nos de quetemos a cara molhada das l grimas ou do cuspo que l pusemos� �e, se no fim de tanto esfor o n o nos derem uma gorjeta, o� �melhor que temos a fazer meter todos os telegramas que l� �formos entregar depois debaixo da porta ou atir -los pela�

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bandeira da janela e deix -los l com o desgosto deles.� �

n o a primeira vez que vou entregar telegramas a casa dos� �harrington. o sr. harrington nunca est em casa. est sempre� �fora a tratar dos neg cios da companhia de seguros, e a sra.�harrington sempre muito generosa nas gorjetas. mas agora�morreu e o sr. harrington que vem porta. tem os olhos� �vermelhos e est a fungar. s irland s? pergunta ele.� � � irland s? que outra coisa poderia eu ser em limerick�especado porta dele com um ma o de telegramas na m o? sou,� � �sim, meu senhor. entra e p e os telegramas na mesa da�entrada, diz ele. atira com a porta, fecha-a chave, p e a� �chave no bolso e eu fico a pensar, os ingleses s o mesmo�estranhos. tenho a certeza de que vais querer v -la. vais querer ver o�que o teu povo lhe fez com a vossa maldita tuberculose. ra a�de vampiros. vem atr s de mim.� primeiro leva-me cozinha onde pega num prato com�sandu ches de presunto e em duas garrafas, e depois para o�andar de cima. a sra. harrington est linda na cama, loura,�rosada e em paz. a minha mulher. pode ser irlandesa, mas n o parece,� �gra as a deus. como tu. irland s. de certeza que est s a� � � �precisar de um copo. voc s andam sempre a beber. ainda n o� �est o desmamados e j andam a chorar pela garrafa de u sque e� � �de cerveja. o que que queres, u sque, xerez?� � gostava de uma limonada. estou a velar a minha mulher, n o estou a fazer nenhuma�festa em honra dos citrinos. vais beber xerez. uma zurrapavinda da maldita espanha cat lica e fascista.� bebo o xerez de um s gole. torna a encher-me o meu copo de�xerez e o dele de u sque. raios. acabou-se o u sque. fica a .� � �est s a ouvir? vou ao *pub* buscar outra garrafa de u sque.� �fica a . n o saias de onde est s at eu chegar.� � � � estou confuso e tonto por causa do xerez. n o sei o que se�deve fazer com os ingleses que est o num vel rio. sra.� �harrington, est t o linda a deitada. mas protestante, j� � � � �est condenada ao inferno como a theresa. o padre disse, fora�da igreja cat lica n o h salva o. espere, talvez possa� � � ��salvar a sua alma. vou fazer-lhe o baptismo cat lico. vou�compensar o que fiz Theresa. vou buscar gua. oh!, meu deus,� �a porta est fechada. porqu ? se calhar, n o est morta. olhe� � � �para mim. est morta, sra. harrington? n o tenho medo. tem a� �cara gelada. ah!, est morta e bem morta. vou baptiz -la com� �xerez da maldita espanha cat lica e fascista. baptizo-te em�nome do pai, do filho, do... que diabo est s tu a fazer? sai de ao p da minha mulher,� �meu papista miser vel. que ritual primitivo de pac vios � � �este? tocaste nela? tocaste? vou apertar-te esse pesco o�escanzelado. eu... eu... desembucha, meu miser vel.� eu s , um bocadinho de xerez para ela ir para o c u.� � que c u? no c u vivemos n s, eu, a ann e a nossa filha� � �emily. nunca mais tornes nem sequer a olhar para ela com essesolhos vermelhos de porco. oh!, meu deus, n o aguento esta�dor. toma, mais xerez. n o, obrigado.�

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n o, obrigado. essa choraminguice miser vel de celta. voc s� � �ado ram lcool. ajuda-vos a rastejar e a choramingar melhor.� �claro que queres comer. tens mesmo cara de pac vio esfomeado.�toma. pre sunto. come.� n o, obrigado.� n o, obrigado. tornas a dizer isso e enfio-te o presunto�pelo cu acima. acena-me com uma sandu che de presunto e enfia-ma dentro da�boca com a m o.� cai para cima de uma cadeira. oh! meu deus, o que que eu�hei-de fazer? tenho de descansar um bocado. o meu est mago d um salto. corro para a janela, ponho a� �cabe a de fora e vomito. ele d um salto da cadeira e avan a� � �para mim. tu, tu, deus te meta no inferno vomitaste para cima dasroseiras da minha mulher. tenta dar-me um murro, falha, cai ao ch o. eu salto pela�janela, fico pendurado no peitoril. ele vem janela e agarra�as minhas m os. desprendo-me e caio para cima das roseiras, da�sandu che de presunto e do xerez que acabei de vomitar. fico�todo picado nos espinhos das roseiras, cheio de dores, com umtornozelo torcido. ele est na janela a berrar, anda c , meu� �irland s de merda. vai fazer queixa de mim nos correios.�acerta-me com a garrafa de u sque nas costas, implora, ser� �que n o podes ficar ao menos uma hora comigo?� atira-me com copos de xerez, copos de u sque, sandu ches de� �presunto, coisas que estavam em cima do toucador da mulher,p s, cremes, pinc is.� � subo para a bicicleta e vou aos esses pelas ruas delimerick, tonto por causa do xerez e todo dorido. a sra.o.connell ataca assim que l chego, sete telegramas, todos�para a mesma casa e desapareces durante o dia todo. estive, estive estiveste, estiveste. est s b bedo. isso que tu est s.� � � � �a tresandar. ah!, n s sabemos. o senhor, t o simp tico,� � �telefonou, o sr. harrington, um ingl s t o gentil com uma voz� �igualzinha do james mason. deixa-te entrar para rezares pela�mulher dele e no minuto seguinte j est s fora da janela cheio� �de xerez e presunto. coitada da tua m e. o que ela trouxe ao�mundo. foi ele que me obrigou a comer o presunto e a beber oxerez. obrigou-te? meu deus, essa tem muita gra a. obrigou-te. o�sr. harrington um ingl s educado e n o h raz o nenhuma para� � � � �ele mentir. n o queremos gente da tua laia nos correios, gente�que n o consegue resistir a presunto nem a xerez. por isso,�devolve a bolsa e a bicicleta. acabaram-se os correios. mas eu preciso deste emprego. tenho de juntar dinheiro parair para a am rica.� a am rica. triste ser o dia em que a am rica te deixar l� � � �entrar. vou a coxear pelas ruas de limerick. apetecia-me voltar acasa do sr. harrington e atirar-lhe um tijolo pela janela.n o. preciso ter respeito pelos mortos. vou passar a ponte� �de sarsfield e vou para a beira do rio onde me posso deitar nomeio dos arbustos. n o sei como hei-de ir para casa e dizer � �minha m e que fiquei sem trabalho. tenho de ir para casa.�tenho de lhe dizer. n o posso passar a noite beira-rio. ela� �

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vai dar em doida. a m e vai aos correios pedir que me readmitam. dizem que�n o. nunca ouviram uma coisa assim. um rapaz dos telegramas a�profanar um defunto. um rapaz dos telegramas a abandonar olocal do crime agarrado ao presunto e ao xerez. ele n o torna�a p r os p s nos correios. n o.� � � a m e pede ao padre da par quia que escreva uma carta.� �acei tem outra vez o rapaz, diz o padre. est bem, padre, est� � �bem. aceitam-me at fazer dezasseis anos. nem mais um minuto.�al m disso, diz a sra. o.connell, pensando bem no que os�ingleses nos fizeram durante oito s culos, aquele homem n o� �tinha direito a reclamar por causa de um bocado de presunto exerez. se comparar mos um bocado de presunto e de xerez � �grande fome, onde que vamos parar? se o meu pobre marido�fosse vivo e eu lhe contasse o que tu fizeste, ele diria quemarcaste pontos, frank mccourt, mar caste pontos.� todos os s bados de manh juro que vou confessar-me e� �contar ao padre os meus actos impuros em casa, nas veredasisoladas volta de limerick sob os olhares das vacas e das�ovelhas, no alto de carrigo gunnell com todo o mundo a ver.� vou contar-lhe da theresa carmody e de como a mandei para oinferno, e a vai ser o meu fim, vou ser expulso da igreja.� a theresa um tormento para mim. sempre que vou entregar�um telegrama rua dela, sempre que passo porta do� �cemit rio, sinto o pecado a crescer em mim como se fosse um�abcesso e, se n o me for confessar depressa, n o hei-de� �demorar muito tempo a transformar-me num abcesso montado numabicicleta, com as pessoas a apontarem para mim e a dizerem umas s outras, l est ele, o frankie� � �mccourt, foi aquele porco que mandou a theresa carmody para oinferno. vejo as pessoas que v o comungar ao domingo, todas em�estado de gra a, a voltarem aos seus lugares com deus na boca,�em paz, tran quilas, preparadas para morrerem a qualquer�momento e irem direiti nhas para o c u ou ent o para irem para� � �casa comer toucinho e ovos sem nada no mundo que as preocupe. estou farto de ser o maior pecador de limerick. querolivrar-me deste pecado e comer toucinho e ovos e n o me sentir�culpado nem atormentado. quero ser normal. os padres passam a vida a dizer-nos que a miseric rdia de�deus infinita mas como pode um padre absolver uma pessoa�como eu que anda a entregar telegramas e acaba num estado deexcita o num sof verde com uma rapariga s portas da morte�� � �com uma tuberculose galopante? corro toda a cidade de limerick de bicicleta a entregartelegramas e paro em todas as igrejas. vou dos redentoristaspara os jesu tas e da para os agostinianos e da para os� � �dominicanos e da para os franciscanos. ajoelho-me em frente�da imagem de s o francisco de assis e pe o-lhe que me ajude,� �mas acho que ele est muito triste comigo. ajoelho-me ao p� �das outras pessoas que est o espera no banco do� �confession rio, mas quando chega a minha vez fico sem�conseguir respirar, com o cora o a bater, a testa fria e��encharcada e fujo da igreja. juro que vou confessar-me no natal. n o consigo. na p scoa.� �n o consigo. passam-se semanas e meses e j vai fazer um ano� �que a theresa morreu. vou no dia do anivers rio dela, mas n o� �consigo. j fiz quinze anos e agora passo pelas igrejas sem�

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parar. vou ter de esperar at ir para a am rica onde h padres� � �como o bing crosby em *o bom pastor*, que n o v o expulsar-me� �do confession rio como os padres de limeric.� continuo com o pecado dentro de mim, o abcesso, e esperoque n o me mate antes de falar com o padre americano.�

h um telegrama para entregar a uma velhota, a sra. brigid�finucane. pergunta-me, quantos anos tens, mi do?� quinze anos e meio, sra. finucane. ainda tens idade para fazeres uma fraca figura e j tens�idade para te corrigires. s esperto, mi do? ser que tens� � �intelig ncia para alguma coisa? � sei ler e escrever, sra. finucane. ora, h pessoas no manic mio que sabem ler e escrever.� �sabes escrever uma carta? sei. quer que eu escreva cartas aos clientes dela. quem precisade um fato ou de um vestido para os filhos vai ter com ela.ela d -lhes uma senha para irem a uma loja buscar a roupa. a�loja faz-lhe desconto e ela cobra o pre o total e juros.�depois pagam-lhe em presta es semanais. alguns dos clientes��atrasam-se nos pagamentos e preciso mandar-lhes cartas a�amea -los. diz que me d tr s *pence* por cada carta que�� � �escrever e mais tr s se pagarem. se quiseres o emprego, vem ca�s quintas e sextas noite e traz papel e envelopes.� � estou ansioso por aquele trabalho. quero ir para a am rica.�mas n o tenho dinheiro para o papel nem para os envelopes. no�dia seguinte vou entregar um telegrama ao woolworth.s edescubro a solu o, uma sec o inteira cheia de papel e�� ��envelopes. n o tenho dinheiro, por isso tenho de me servir.�mas como? sou salvo por dois c es, dois c es que est o porta� � � �do woolworth.s montados um no outro com a excita o. est o a�� �latir e a andar volta. os clientes e os empregados d o� �risadinhas a fingir que est o a olhar para outro lado, e�enquanto est o entretidos a fingir, eu enfio o papel e os�envelopes na camisola, saio porta fora, subo para a bicicletae afasto-me dos c es enganchados.� a sra. finucane mostra-se desconfiada. que belo papel,mi do. da tua m e? tens de devolv -lo quando tiveres� � � �dinheiro, n o ?� � , sim.� a partir de agora n o posso entrar pela porta da frente. h� �uma viela atr s da casa dela e tenho de passar a entrar pela�porta das traseiras, para ningu m me ver.� d -me um livro de registo com os nomes e as moradas de seis�clientes com pagamentos em atraso. amea a-os, mi do,� �prega-lhes um susto de morte. a minha primeira carta,

cara sra. o.brien, atendendo a que parece n o estar habilitada para me pagar o�que me deve, sou for ada a recorrer a uma ac o legal. anda o� ��seu filho michael a pavonear-se com o fato novo pago por mim,en quanto eu nem uma migalhinha tenho para alimentar corpo e�alma. estou certa de que n o quer apodrecer nas masmorras da�pris o de limerick longe dos amigos e da fam lia. � � sem outro assunto de momento, subscrevo-me em litigiosaexpectativa,

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sra. brigid finucane

grande carta, diz ela, melhor do que tudo o que li at hoje�no *limerick leader*. essa palavra, atendendo, um aut ntico� �terror. o que que quer dizer?� acho que quer dizer que a ltima oportunidade que lhes� �d .� escrevo mais cinco cartas e ela d -me o dinheiro para os�selos. quando vou a caminho dos correios, come o a pensar,�para que hei-de gastar dinheiro nos selos se tenho duas pernase posso ir entregar pessoalmente as cartas pela calada danoite? para quem pobre, uma carta amea adora sempre uma� � �carta amea adora, inde pendentemente da maneira como l chega.� � � corro as vielas de limerick a meter cartas por debaixo dasportas, rezando para que ningu m me veja.� na semana seguinte, a sra. finucane at chia de alegria.�quatro j pagaram. v , senta-te e escreve mais, rapaz.� �enche-os de medo. de semana para semana as minhas cartas v o-se tornando cada�vez mais amea adoras. come o a utilizar palavras que eu� �pr prio quase n o percebo.� �

cara sra. o.brien, atendendo a que n o se rendeu imin ncia do lit gio� � � �sugerida pela nossa anterior ep stola, venho por este meio�avis -la de que estamos em contacto com o nosso advogado em�dublin.

na semana a seguir a sra. o.brien paga. apareceu aqui coml grimas nos olhos, rapaz, e prometeu-me que nunca mais�falhava nenhuma presta o.�� s sextas-feiras noite a sra. finucane manda-me ir ao� �*pub* buscar uma garrafa de xerez. ainda s muito novo para�beber xerez, rapaz. podes fazer uma ch vena de ch para ti,� �mas tens de utilizar as folhas de hoje de manh . n o, n o� � �podes comer p o. com o pre o a que o p o est . com que ent o,� � � � �p o. est s aqui est s a pedir-me um ovo.� � � vai balou ando na cadeira junto ao lume, a beber o xerez�aos golinhos, a contar o dinheiro que est na bolso que tem ao�colo e a fazer o registo dos pagamentos no livro e, no fim,fecha tudo chave na mala que tem debaixo da cama no andar de�cima. depois de beber alguns c lices de xerez, come a a� �dizer-me como bom ter algum dinheiro para poder mandar rezar�missas pela sua alma. fica feliz de pensar nos padres a dizerem missas pela alma dela muitos emuitos anos depois de j estar morta e enterrada.� s vezes adormece e se a bolsa cai ao ch o eu tiro de l� � �alguns xelins para me pagar das horas extraordin rias e das�palavras novas que ando a empregar. assim fica menos dinheiropara os padres e para as missas, mas de quantas missas precisauma alma? al m disso, tenho direito a algumas libras depois da�maneira como a igreja me deu com a porta na cara. n o me�deixaram ser menino do coro, nem aluno da escola secund ria,�nem mission rio dos irm os brancos. n o quero saber. tenho uma� � �conta-poupan a nos correios e se continuar a escrever cartas�amea adoras eficazes, a tirar um ou outro xelim da bolsa dela�e a guardar o dinheiro dos selos, vou conseguir o dinheiropara fugir para a am rica. n o tocava no dinheiro que tenho� �

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nos correios nem que toda a minha fam lia morresse de fome.� s vezes tenho de escrever cartas amea adoras a vizinhos e� �amigos da minha m e e fico com medo que me descubram.�queixam-se M e, aquela cabra velha, a finucane, l da� � �irishtown, mandou-me uma carta a amea ar-me. s um dem nio� � �vindo do inferno que capaz de amea ar gente da classe dela� � �com uma carta que n o percebo onde que come a e acaba, com� � �palavras que nunca ouvi em terra nem no mar. a pessoa queescreveu aquela carta pior do que judas, pior do que um�informador dos ingleses. a minha m e diz que quem escreve uma carta daquelas merecia�ser metido em azeite a ferver e que pusessem um cego aarrancar-lhe as unhas. tenho muita pena deles mas esta a nica maneira que tenho� �de juntar dinheiro para ir para a am rica. sei que um dia�hei-de ser um yankee rico e hei-de mandar para casa centenasde d lares e a minha fam lia nunca mais vai ter de se� �preocupar com cartas amea adoras.�

alguns dos rapazes dos telegramas que est o a prazo v o� �fazer o exame em agosto para passarem a efectivos. a sra.o.connell diz, devias fazer o exame, frank mccourt. tensalgum miolo na cabe a e passavas sem dificuldade nenhuma.�daqui a pouco tempo serias car teiro e uma grande ajuda para a�tua pobre m e.� a m e tamb m diz que devia fazer o exame, passar a� �carteiro, poupar dinheiro, ir para a am rica, trabalhar l� �como carteiro e teria uma vida em grande. num s bado vou entregar um telegrama ao *pub* south e est� �l o tio pa keating, todo preto como de costume. toma uma�limonada, frankie, diz ele, ou ser que queres uma cerveja,�agora que j tens quase dezasseis anos?� quero limonada, tio pa, obrigado. mas vais querer a tua primeira cerveja no dia em quefizeres dezasseis anos, n o vais?� vou, mas o meu pai n o est c para ma dar.� � � n o te preocupes com isso. sei que n o a mesma coisa sem� � �o teu pai, mas eu vou dar-te a tua primeira cerveja. era o queeu faria se tivesse um filho. vem c ter na noite antes de�fazeres dezasseis anos. est bem, tio pa.� ouvi dizer que vais lazer o exame para os correios. vou. e o que que te leva a fazer uma coisa dessas?� um trabalho bom e daqui a pouco tempo passo a carteiro e�tenho direito a reforma. reforma, uma porra. tens dezasseis anos e j falas em�reforma? est s a gozar comigo ou qu ? ouviste o que eu disse,� �frankie? reforma, uma porra. se passares no exame, ficas noscorreios muito tranquilo para o resto da vida. casas com umabrigid qualquer e tens cinco lindos filhos cat licos e�roseiras no jardim. a tua cabe a vai estar morta aos trinta�anos e os teus tomates secos aos vinte e nove. pensa com a tuacabe a e manda os acomodados e os invejosos para o diabo.�est s a ouvir, frankie mccourt?� estou, tio pa. era o que o sr. o.halloran dizia. o que que ele dizia?� para pensarmos com a nossa cabe a.�

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e tinha muita raz o o sr. o.halloran. a vida tua, tu � � �que tens de decidir e manda os invejosos para o diabo,frankie. mas seja como for h s-de ir para a am rica, n o ?� � � � , tio pa.� no dia do exame tenho dispensa do trabalho. vejo umletreiro numa janela de um escrit rio na o.connell street,�:precisa-se rapaz esperto, boa caligrafia, bom de contas,falar no local com gerente, sr. mccaffrey, easons ltd. fico parado porta do s tio onde se faz o exame, a� �associa o de jovens protestantes de limerick. vejo rapazes de��toda a cidade a subirem a escada para irem fazer o exame e �porta est um homem a entregar-lhes folhas de papel e l pis e� �a dizer-lhes, despachem-se, despachem-se. olho para o homemque est porta, penso no tio pa keating e no que ele disse,� �lembro-me do letreiro no escrit rio da easons, precisa-se�rapaz esperto. n o quero entrar naquela porta nem passar no�exame porque se o fizer passarei a efectivo como rapaz dostelegramas, com direito a farda, depois a carteiro e depois aempregado de balc o e ficarei o resto da vida a vender selos.�ficarei para sempre em limerick, terei um jardim com rosas, acabe a vazia e os tomates secos.� o homem que est porta diz, entras ou vais ficar a de� � �boca aberta? apetece-me dizer ao mundo que v levar no cu, mas ainda�tenho algumas semanas de trabalho nos correios e ele podiafazer queixa de mim. digo que n o com a cabe a e subo a rua� �at ao s tio onde est o a pedir um rapaz esperto.� � � o gerente, o sr. mccaffrey diz, gostava de ver uma amostrada tua caligrafia, melhor dizendo, se sabes escrever. senta-tequela mesa. escreve o teu nome e morada e um par grafo a� �explicar porque queres candidatar-te ao lugar e como tencionasprogredir no seio da eason Son, ltd., com perseveran a e� �assiduidade, pois h grandes oportu nidades nesta empresa para� �um rapaz que mantenha os olhos postos nas metas que tem sua�frente e que proteja as ilhargas do chama mento do pecado.�

escrevo, frank mccourt, 4, little barrington street, cidade de limerick, condado de limerick, irlanda

estou a candidatar-me a este emprego para poder subir at�aos n veis mais altos da easons ltd. com perseveran a e� �assiduidade, consciente de que se mantiver os olhos em frentee proteger as ilhargas resistirei a todas as tenta es e serei��motivo de orgulho para a easons e a irlanda em geral.

o que vem a ser isto? pergunta o sr. mccaffrey? ser que�temos aqui uma deturpa o da verdade?�� n o sei, sr. mccaffrey.� little barrington street. n o uma rua, uma viela. por� � �que que lhe chamas rua? moras numa viela, n o numa rua.� � � mas chamam-lhe rua, sr. mccaffrey. n o queiras ser mais do que s, rapaz.� �

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longe de mim fazer isso, sr. mccaffrey. moras numa viela e isso significa que n o podes sen o subir� �na vida. est s a perceber, mccourt?� estou, sr. mccaffrey. tens de sair dessa viela custa do teu trabalho, mccourt.� pois , sr. mccaffrey.� o teu aspecto n o engana ningu m. v -se logo que s de uma� � � �viela. desde a cabe a aos p s. n o tentes enganar o pessoal,� � �mccourt. ias ter de te levantar muito cedo para conseguiresenganar algu m como eu.� longe de mim fazer isso, sr. mccaffrey. e tamb m h o problema dos olhos. est o em muito mau� � �estado. v s?� vejo, sr. mccaffrey. sabes ler e escrever, mas tamb m sabes somar e subtrair?� sei, sr. mccaffrey. bem, n o sei qual a pol tica da empresa a respeito de� � �olhos em mau estado. vou ter de telefonar para dublin eperguntar a opini o deles a esse respeito. mas a tua letra � �boa, mccourt. escreves bem. vamos admitir-te provisoriamenteenquanto esperamos pela decis o sobre olhos em mau estado.�segunda-feira de manh . s seis e meia na esta o dos� � ��caminhos-de-ferro. s seis da manh ?� � da manh . n o distribu mos os jornais da manh noite,� � � � �pois n o? � n o, sr. mccaffrey.� mais uma coisa. distribu mos o *irish times*, um jornal�protestante feito por ma es livres de dublin. vamos busc -los�� � esta o, conta mo-los, levamo-los aos agentes, mas n o o� �� � �lemos. n o quero ver-te a l -lo. podias perder a f e com o� � �estado em que tens os olhos podias at perder a vista. est s a� �ouvir, mccourt? estou, sr. mccaffrey. nada de *irish times*, e quando come ares a trabalhar para�a semana volto a conversar contigo sobre toda a porcaria quevem de inglaterra e que n o quero que leias no escrit rio.� �est s a ouvir, mccourt?� estou, sr. mccaffrey.

a sra. o.connell est de l bios cerrados e n o olha para� � �mim. diz Menina barry, ouvi dizer que um certo convencido�das vielas faltou ao exame dos correios. devia ser bom de maispara ele. tem toda a raz o, diz a menina barry. � deve ser bom de mais para n s.� tem toda a raz o.� ser que ele nos vai dizer por que que n o fez o exame?� � � talvez, diz a menina barry, se lhe pedirmos as duas dejoelhos. quero ir para a am rica, sra. o.connell, digo eu.� ouviu, menina barry? ouvi, pois, sra. o.connell. ele falou. pois falou. vai deitar tudo a perder, menina barry. tudo, sra. o.connell. a sra. o.connell ignora-me e fala com os outros rapazes

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que est o sentados no banco espera dos telegramas. este aqui� � o frankie mccourt que acha que bom de mais para trabalhar� �nos correios. n o nada disso, sra. o.connell.� � e quem que te mandou abrir a boca, sr. convencido? bom� �de mais para n s, n o acham, rapazes?� � achamos, sra. o.connell. e depois de tudo o que fizemos por ele, demos-lhe ostelegramas com as boas gorjetas, mand mo-lo para o campo nos�dias bonitos, aceit mo-lo depois do comportamento vergonhoso�que teve com o sr. harrington, o ingl s, quando desrespeitou o�corpo da sra. harring ton, se empanturrou com sandu ches de� �presunto, se embebedou com xerez, saltou pela janela edestruiu as roseiras todas, apareceu aqui aos tombos, esabe-se l o que mais fez ele durante os dois anos em que�andou a entregar telegramas, sabe-se l , mas n s temos umas� �luzes, n o temos, menina barry?� temos, sra. o.connell, mas n o um assunto pr prio para� � �ser falado aqui. segreda qualquer coisa Menina barry e depois olham para�mim e abanam a cabe a.� uma vergonha para a irlanda e para a sua pobre m e.� �espero que ela nunca descubra. mas tamb m o que que se pode� �esperar de algu m que nasceu na am rica e cujo pai do norte?� � �aguent mos tudo e ainda o aceit mos.� � continua a ignorar-me e a falar com os rapazes que est o�sentados no banco. vai trabalhar para a easons, trabalhar para aquele bando dema es livres e de protestantes de dublin. bom de mais para��� �os correios, mas est disposto e at ansioso por andar a� �distribuir todo o g nero de revistas porcas inglesas pela�cidade de limerick. cada revista em que tocar vai ser umpecado mortal. mas agora vai-se embora, pois vai, e vai ser umdia muito triste para a m e dele que tanto rezou para que o�seu filho tivesse uma reforma e pudesse cuidar dela nos seusltimos anos de vida. toma, aqui tens o ordenado e�desaparece-nos da vista. a menina barry diz, um rapaz mau, n o , rapazes?� � � , sim, menina barry. � n o sei o que hei-de dizer. n o sei o que fiz de mal. ser� � �que devo pedir desculpa? dizer adeus? ponho o cinto e a bolsa em cima da secret ria da sra.�o.connell. ela olha fixamente para mim e diz, vai, vai l�para o teu emprego na easons. deixa-nos. o pr ximo que venha�buscar os telegramas. regressam ao trabalho e eu des o a escada em direc o � �� �pr xima etapa da minha vida.�

xvii

n o sei por que que a sra. o.connell teve de me� �envergonhar na frente de toda a gente, e n o acho que seja bom�de mais para os correios nem para nada deste mundo. como que�podia ser com o cabelo todo espetado, a cara cheia deborbulhas, os olhos vermelhos e com pus amarelo, os dentespodres a ca rem aos bocados, sem ombros, sem carne no rabo�depois de ter percorrido vinte mil quil metros de bicicleta e�ter entregue vinte mil telegramas em todas as casas de

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limerick e arredores? h muito tempo a sra. o.connell disse que sabia tudo sobre�todos os rapazes dos telegramas. deve saber das vezes que mesatisfiz sozi nho nos p ncaros de carrigogunnell, com as� �pastoras boquiabertas e os mi dos pequenos a olharem l para� �cima. deve saber da theresa carmody e do sof verde, como a�conduzi ao pecado e a mandei para o inferno, o pior pecado detodos, mil vezes pior do que carrigogunnell. deve saber quenunca mais me confessei desde que a theresa morreu e quetamb m eu estou condenado.� uma pessoa que comete um pecado assim nunca boa de mais�para os correios nem para nada neste mundo. o empregado do *pub* south lembra-me daquela vez em que l�estive com o sr. hannon, o bill galvin e o tio pa keating,preto branco preto. lembra-me do meu pai e como ele gastava odinheiro do trabalho e do subs dio de desemprego na bebida, as�can es patri ticas que cantava e os discursos que fazia na�� �doca, como se fosse um rebelde condenado. ent o, o que que desejas? pergunta ele.� � vim encontrar-me com o meu tio pa keating para beber aminha primeira cerveja. n o me digas! a s rio? ele deve estar a chegar, e n o h� � � �raz o nenhuma para eu n o tirar a cerveja dele e at , quem� � �sabe, a tua primeira cerveja, pois n o?� n o. � o tio pa chega e manda-me sentar ao p dele, junto � �parede. o empregado traz as cervejas, o tio pa paga, levanta ocopo, diz aos homens que est o no *pub*, este o meu sobrinho� �frankie mccourt, filho da angela sheehan, irm da minha�mulher, que vai tomar hoje a sua primeira cerveja, aqui vai �tua sa de e que vivas muitos anos, frankie, que vivas o�suficiente para ires bebendo umas cervejas, mas n o de mais.� os homens levantam os copos, acenam com a cabe a, bebem e�ficam com uma orla branca nos l bios e no bigode. bebo um�grande gole da minha cerveja e o tio pa diz, mais devagar, poramor de deus, n o bebas tudo, h mais no s tio de onde essa� � �veio desde que a fam lia guinness continue pr spera e com� �sa de.� digo-lhe que quero pagar-lhe uma cerveja com o ltimo�dinheiro que recebi dos correios, mas ele diz, n o, leva esse�dinheiro tua m e e pagas-me um cerveja quando vieres da� �am rica cheio de sucesso e de bra o dado com uma loura a� � �escaldante. os homens que est o no *pub* est o a conversar sobre o� �terr vel estado em que o mundo se encontra e de como que foi� �poss vel ao hermann goering escapar ao carrasco uma hora antes�de ser enforca do. os yankees est o l em nuremberga a jurar a� � �p s juntos que n o sabem como que o sacana daquele nazi� � �conseguiu esconder a c psu la. ter sido num ouvido? no nariz?� � �no cu? de certeza que os yankees revistaram todos os buracos egretas de todos os nazis que capturaram e mesmo assim ohermann conseguiu engan -los. e a t m. a prova de que se� � � �pode atravessar o atl ntico, aterrar na normandia, apagar a�alemanha da face da terra, mas depois de dizerem e fazeremtudo n o conseguem encontrar uma c psula mi n scula enfiada� � � �nas profundezas do cu gordo do goering. o tio pa oferece-me outra cerveja. dif cil beb -la porque� � �

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me faz sentir cheio e me incha a barriga. os homens est o a�falar de campos de concentra o e dos pobres dos judeus que��nunca fizeram mal a ningu m, homens, mulheres e crian as� �empilhados em fornos, imagi ne-se, crian as, que mal poderiam� �elas fazer, os seus sapatinhos espa lhados por toda a parte,�amontoados, e o *pub* come a a ficar enevoado e as vozes a�aumentarem e diminu rem de volume. o tio pa pergun ta,� �sentes-te bem? est s branco como uma folha de papel. leva-me � �retrete e ficamos os dois a mijar uma data de tempo viradospara a parede que avan a e recua. n o posso voltar para o� �*pub*, fumo de cigarro, guinness morta, o cu gordo do goering,os sapatinhos espa lhados, n o consigo entrar l outra vez,� � �boa noite, tio pa, obrigado, e ele diz-me que v direitinho�para casa, direitinho para casa, n o sabe da excita o no� ��s t o, nem da excita o no sof verde, nem do estado de� � �� �perdi o em que eu estou, que se morresse agora ia mas era��direitinho para o inferno. o tio pa torna a entrar no *pub*. estou na o.connell sreete porque n o hei-de eu ir aos jesu tas, a poucos passos daqui,� �e confessar todos os meus pecados nesta ltima noite dos meus�quinze anos? toco campainha da casa dos padres e aparece um�homem corpulento porta que pergunta o que quero. quero�confessar-me, padre, respon do eu. ele diz, n o sou padre. n o� � �me chames padre, chama-me irm o.� est bem, irm o. quero confessar-me antes de fazer� �dezasseis anos, que j amanh . quero estar em estado de� � �gra a no dia do meu anivers rio.� � ele diz, vai-te embora. est s b bedo. uma crian a da tua� � �idade perdida de b beda a pedir um padre a esta hora. vai-te�embora, sen o chamo a guarda.� n o. n o. s quero confessar-me. estou condenado.� � � est s b bedo e n o est s devidamente arrependido.� � � � fecha-me a porta na cara. mais uma porta que me fechada�na cara, mas amanh fa o dezasseis anos e torno a tocar. o� �irm o abre a porta, d -me meia volta e espeta-me um pontap no� � �rabo que me faz voar pelas escadas abaixo. se tornas a tocar campainha, parto-te a m o, diz ele.� � os irm os jesu tas n o deviam ser assim. deviam ser como� � �nosso senhor e n o andar pelo mundo a amea arem partir as m os� � �das pessoas. estou tonto. vou para casa, para a cama. agarro-me aoscorrim os das escadas aos longo da barrington street e des o a� �rua encostado s paredes. a m e est sentada ao lume a fumar� � �um woodbine, os meus irm os est o l em cima a dormir. ela� � �diz, vens para casa num lindo estado. custa-me falar, mas digo-lhe que foi beber a minha primeiracerveja com o tio pa. n o tenho um pai que me ofere a a� �primeira cerveja. o teu tio pa devia ter mais ju zo.� trope o numa cadeira e ela diz, tal e qual o teu pai.� tento controlar o movimento da l ngua dentro da boca.�prefiro, prefiro, prefiro ser como o meu pai a ser como olaman griffin. ela desvia-se de mim e olha para as cinzas, mas eu n o�quero deix -la em paz porque bebi a minha primeira cerveja, as�duas pri meiras, amanh fa o dezasseis anos e j sou um homem.� � � �

est a ouvir? prefiro ser como o meu pai a ser como o laman�

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griffin. ela levanta-se, olha para mim e diz, cuidadinho com al ngua.� tenha voc cuidadinho com essa l ngua porca.� � n o fales assim comigo. sou tua m e.� � falo como quiser, porra. tens mesmo l ngua de mo o de recados.� � tenho? tenho? antes ser mo o de recados do que ser da laia�do laman griffin, aquele velho b bedo e ranhoso, naquele s t o� � �e as pessoas a meterem-se l com ele.� ela alasta-se de mim e eu vou atr s dela escada acima at� �ao quarto pequeno. volta-se e diz, deixa-me em paz, deixa-meem paz, mas eu continuo a gritar, laman griffin, lamangriffin, at que ela me d um empurr o e diz, sai deste� � �quarto, e eu dou-lhe uma bofetada na cara e as l grimas�saltam-lhe dos olhos e ou o-a dizer a chorar baixi nho, nunca� �mais vais fazer isso, e afasto-me dela porque acabei de juntarum pecado longa lista dos meus pecados e estou com vergo nha� �de mim pr prio.� caio para cima da cama, vestido e tudo, e acordo a meio danoite a vomitar para a minha almofada e com os meus irm os a�queixaram-se daquele fedor, a mandarem-me limpar e adizerem-me que sou vergo nhoso. ou o a minha m e a chorar e� � �queria pedir-lhe desculpa, mas por que que o hei-de fazer�depois do que ela fez com o laman griffin? de manh , os meus irm os mais novos foram para a escola, o� �malachy saiu procura de trabalho e a m e est sentada ao p� � � �do lume a beber ch . pouso o dinheiro que recebi dos correios�em cima da mesa ao p do cotovelo dela e dou meia volta para�sair. ela pergunta, n o queres uma ch vena de ch ?� � � n o.� mas hoje fazes anos. n o me interessa.� vai porta e grita-me, n o devias sair sem nada no� �est mago, mas eu continuo de costas voltadas para ela e viro a�esquina sem lhe responder. continuo com vontade de lhe pedirdesculpa, mas se fizer isso vou ter de lhe dizer que ela a�culpada de tudo, que nunca devia ter ido para o s t o naquela� �noite, mas que n o quero saber de nada, porque continuo a�escrever cartas amea adoras para a sra. finucane e a juntar�dinheiro para ir para a am rica.� n o tenho nada que fazer at hora de ir a casa da sra.� � �finucane escrever mais umas cartas e des o a henry street at� �que a chuva me leva a entrar na igreja franciscana, ondeest S o francisco com os seus p ssaros e cordeiros. olho para� � �ele e pergunto a mim pr prio por que que passei a vida a� �rezar-lhe. n o, eu nunca rezei. sempre pedi.� pedi-lhe que intercedesse pela theresa carmody, mas elenunca fez nada, deixou-se ficar ali no pedestal com aquelesorrizinho, os p ssaros e os cordeiros e nunca quis saber da�theresa nem de mim para nada. n o quero mais nada contigo, s o francisco. vou partir para� �outra. francisco. n o sei por que que me puseram o teu nome.� �teria tido muito mais sorte na vida se me tivessem posto onome de malachy, um foi rei e outro um grande santo. por que �que n o curaste a theresa? por que que a deixaste ir para o� �inferno? deixaste a minha m e subir para o s t o. deixaste-me� � �cair neste estado de perdi o. sapatinhos de crian a�� �

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espalhados nos campos de concentra o. tenho outra vez este���abcesso. est dentro do meu peito e estou cheio de fome.� s o francisco n o serve para nada. n o impede que as� � �l grimas me brotem dos olhos, n o me impede de estar a fungar,� �a arfar e a dizer, meu deus, meu deus, meu deus, at estar de�joelhos com a cabe a nas costas do banco que est minha� � �frente e estou t o fraco por causa da fome e do choro que nem�me importava de cair para o ch o. ajudai-me, por favor, deus�ou s o francisco, porque fa o dezasseis anos hoje e bati na� �minha m e e mandei a theresa para o inferno e andei a fazer�punhetas por toda a cidade de limerick e arredores e tenhomuito medo da pedra atada ao meu pesco o.� sinto um bra o nos meus ombros, vejo uma t nica castanha,� �ou o o tilintar das contas de um ter o. um padre� � �franciscano. meu filho, meu filho, meu filho. sou pequenino e encosto-me a ele, como o frankie no colo dopai, conta-me a hist ria do cuchulain, pai, a minha hist ria� �que n o pode ser do malachy nem do freddie leibowitz que est� �a andar de baloi o.� senta-te aqui, meu filho, ao p de mim. diz-me o que que� �tens. mas s se quiseres. sou o padre gregory.� fa o dezasseis anos hoje, padre.� que bom, que bom, e por que que isso te faz sofrer? � bebi a minha primeira cerveja ontem noite. � e ent o? � bati na minha m e. � valha-nos deus, meu filho. mas ele vai perdoar-te. e quemais? n o posso dizer-lhe, padre. � queres confessar-te? n o posso, padre. fiz coisas terr veis.� � deus perdoa a todos os que se arrependem. mandou o seuamado filho para morrer por n s.� n o posso, padre. n o posso.� � mas podias dizer a s o francisco, n o podias?� � ele j n o me ajuda.� � mas continuas a am -lo, n o ?� � � continuo. chamo-me francis. ent o, conta-lhe a ele. vamos ficar aqui os dois sentados e�tu vais-lhe contar tudo o que anda a fazer-te sofrer. eu ficoaqui sentado a ouvir, mas como se fosse os ouvidos de s o� �francisco e de nosso senhor. n o achas que isso te vai ajudar?� come o a falar com s o francisco e conto-lhe da margaret,� �do oliver, do eugene, do meu pai a cantar o roddy mccorley ea vir para casa sem dinheiro, do meu pai em inglaterra semmandar um tost o para casa, da theresa e do sof verde, dos� �meus pecados terr veis em carrigogunnell, porque que n o� � �enforcaram o hermann goering pelo que ele fez s criancinhas,�cujos sapatos ficaram espalha dos pelos campos de�concentra o, falo-lhe do irm o crist o que me fechou a porta�� � �na cara, do meu irm o michael ainda pequenino a subir a rua�com a sola rota do sapato a chapinhar, dos meus olhos de queme envergonho tanto, do irm o jesu ta que me fechou a porta na� �cara, das l grimas na cara da m e quando lhe dei a bofetada.� � o padre gregory diz, gostavas de ficar aqui sentado emsil ncio, quem sabe at rezar, por uns instantes?� � sinto o tecido spero da t nica castanha a ro ar na minha� � �

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cara e um cheiro a sab o. olha para s o francisco, para o� �tabern culo e acena com a cabe a. deve estar a falar com deus.� �depois manda-me ajoelhar, d -me a absolvi o, manda-me rezar� ��tr s ave-marias, tr s pai-nossos e tr s salve-rainhas.� � �diz-me que deus me perdoou e que agora tenho de me perdoar eua mim pr prio, que deus me ama e eu devo am -Lo, pois s� � �quando se ama o deus que est em n s se pode amar todos os� �filhos de deus. mas eu quero saber o que que est a acontecer Theresa� � �carmo dy no inferno, padre.� n o, meu filho. de certeza que ela est no c u. sofreu como� � �os m rtires de antigamente e para deus isso penit ncia� � �suficiente. podes ter a certeza de que as irm s n o a deixaram� �morrer no hospital sem um padre. tem a certeza, padre? tenho, meu filho. torna a dar-me a b n o, pede-me que reze por ele, e� ��sinto-me feliz ao correr pelas ruas de limerick porque sei quea theresa est no c u e j n o tem tosse.� � � �

segunda-feira de manh e o dia est agora a despontar na� � �esta o dos caminhos-de-ferro. h jornais e revistas atados em�� �molhos ao longo da parede do cais. o sr. mccaffrey est l� �com outro rapaz, o willie harold, a cortar o fio que est a�atar os molhos, a contar e a tomar nota da quantidade numlivro de registos. os jornais ingleses e o *irish times* t m�de ser distribu dos cedo e as revistas tamb m, mas mais tarde.� �contamos os jornais e pomos-lhes etiquetas para osdistri buirmos pelas lojas da cidade.� o sr. mccaffrey que guia a carrinha e fica sentado ao�volante enquanto eu e o willie vamos a correr s lojas�entregar os molhos de jornais e tomar conta do pedido para odia seguinte, somar ou subtra ir ao registo que est no livro.� �depois de distribuirmos os jornais, descarregamos as revistasno escrit rio e temos cinquenta minutos para ir a casa tomar o�pequeno-almo o.� quando volto para o escrit rio, est o l mais dois rapazes,� � �o ea mon e o peter, j a separarem as revistas, a cont -las e� � �a met -las nas divis rias dos diversos agentes ao longo da� �parede. as encomendas pequenas s o entregues pelo gerry halvey�de bicicleta, as encomen das grandes com a carrinha. o sr.�mccaffrey manda-me ficar no escrit rio para aprender a contar�as revistas e a tomar nota no livro dos registos. mal o sr.mccaffrey sai porta fora, o eamon e o peter abrem uma gavetaonde t m beatas escondidas e acendem-nas. nem querem acreditar�que n o fumo. querem saber se tenho alguma doen a, se por� � �causa dos olhos ou se estou tuberculoso. como que podes sair�com uma rapariga se n o fumas? o peter diz, j viste a figura� �de parvo que farias se fosses pela rua com uma rapariga e elate pedisse um cigarro e tu lhe dissesses que n o fumavas? era�mesmo figura de parvo. como que podes lev -la para um campo� �qualquer para gozarem um bocado? o eamon diz, o mesmo que o�meu pai diz dos homens que n o bebem, n o s o de confian a. o� � � �peter diz que um homem que n o bebe nem fuma um homem que� �n o se interes sa por raparigas e ao p de um homem assim n o� � � �se pode tirar o dedo de dentro do olho do cu, isso que se�tem de fazer. riem-se e come am a tossir e quanto mais riem mais tossem,�

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at que se agarram um ao outro a darem palmadas no meio das�costas um do outro e a limparem as l grimas que lhes escorrem�pela cara abaixo. quando lhes passa o ataque de tosse,pegamos nas revistas inglesas e americanas e pomo-nos a ver osan ncios de roupa interior de mulher, soutiens e cuecas e�meias de nylon. o eamon est a ver uma revista americana�chamada *see* que tem fotografias de raparigas japonesas quesatisfazem os soldados que est o t o longe de casa, e diz que� �tem de ir retrete. o peter pisca-me o olho, sabes o que � �que ele est a fazer, n o sabes? s vezes o sr. mccaffrey� � �fica furioso por os rapazes se demorarem na retrete,entretidos consigo pr prios e a perderem o tempo precioso que�a easons lhes paga para estarem a trabalhar e ainda por cima aporem em perigo a imortalidade das suas almas. o sr.mccaffrey n o vai l dizer, p ra com as punhetas, porque n o� � � �se pode acusar ningu m de estar a cometer um pecado mortal sem�provas. s vezes vai espreitar casa de banho, depois de os� �rapazes sa rem. volta com um olhar amea ador e diz, n o quero� � �que vejam essas revistas porcas que v m l do estrangeiro. a� �nica coisa que t m de fazer cont -las e p -las nas� � � � �divis rias.� o eamon sai da casa de banho e vai o peter para l com uma�revista americana chamada *collier.s*, que tem fotografias deraparigas num concurso de beleza. o eamon diz, sabes o que �que ele est a fazer? a arranjar-se sozinho. cinco vezes por�dia, sempre que chega uma revista americana nova com roupainterior de senhora, vai l para dentro. eu c nunca fiz� �aquilo, ele leva revistas para casa sem o sr. mccaffrey sabere s Deus sabe o que que ele faz sozinho e com as revistas� �durante a noite toda. se morresse ali dentro, o infernoabriria uma boca enorme. gostava de ir retrete depois de o peter sair, mas n o� �quero que eles digam, olha, l vai ele, ainda hoje chegou e j� �naquilo. n o fuma mas faz punhetas como um bode velho.� o sr. mccaffrey volta da distribui o e quer saber por que�� que as revistas ainda n o est o contadas, separadas e� � �prontas para a entrega. o peter diz-lhe, tivemos de estar aensinar o novo, o mccourt. valha-nos deus, era um bocadolento com aqueles olhos desgra ados, mas n s ajud mo-lo e� � �agora j est a ser mais r pido.� � � o gerry halvey, o paquete, n o vai c estar durante uma� �semana porque tem direito a f rias e quer passar esse tempo�com a namorada dele, a rosie, que chega de inglaterra. sounovato ali e por isso sou eu que vou substitu -lo durante as�f rias e vou andar por limerick de bicicleta, com um grande�cesto de metal frente. ele ensina-me a equilibrar os jornais�e as revistas para a bicicleta n o tombar comigo sentado no�selim quando passe um cami o e me atropele deixando-me no meio�da rua como uma posta de salm o. uma vez ele viu um soldado�que tinha sido atropelado por um cami o do ex rcito e era isso� �que ele parecia, uma posta de salm o.� o gerry vai fazer a ltima entrega ao quiosque da easons na�esta o dos caminhos-de-ferro no s bado ao meio-dia, o que vem�� �mesmo a calhar porque posso ir l ter com ele para ficar com a�bicicleta e ele pode ir esperar a rose que chega de comboio.estamos no cais espera e ele diz-me que h um ano que n o v� � � �a rose. est a trabalhar num *pub* em bristol e ele n o gosta� �nada disso porque os ingleses nunca tiram as patas de cima das

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irlandesas, a enfiarem-lhes as m os pelas saias acima e ainda�pior, e as irlandesas sem dizerem nada com medo de perderem oemprego. toda a gente sabe que as raparigas irlandesas semant m puras, especialmente as de limerick, que s o conhecidas� �no mundo todo pela sua pureza, pois tem os seus homens sua�espera, como acontece com o gerry halvey. s pela maneira de�ela andar, ele vai perceber se ela o respeitou ou n o. se uma�rapariga volta passado um ano a andar de uma maneira diferentedaquela que andava quando se foi embora, j se sabe que n o� �andou a fazer nada de bom com os ingleses, que s o uns�sacanas, porcos e cornudos. o comboio chega esta o e o gerry acena e aponta para a� ��rose, que vem a caminhar na nossa direc o l do fundo do�� �comboio a rose a sorrir com uns dentes muito brancos e umlindo vestido verde. o gerry p ra de acenar e diz entredentes,�olha como ela vem a andar, puta, cabra, vendida, porca, e saia correr da esta o. a rose vem ter comigo e pergunta, n o era�� �o gerry halvey que estava aqui ao p de ti?� era. onde que ele est ?� � foi-se embora. eu sei que se foi embora. mas para onde? n o sei. n o me disse. saiu a correr.� � e n o disse nada?� que eu ouvisse, n o.� trabalhas com ele? trabalho. vim buscar a bicicleta. que bicicleta? a bicicleta de paquete. ele paquete?� .� disse-me que trabalhava no escrit rio da easons, mas l� �dentro. fico desesperado, n o quero fazer o gerry halvey passar por�mentiroso, nem met -lo em sarilhos com a sua linda rose. ah!,� temos todos de fazer turnos como paquetes. uma hora noescrit rio, uma hora de bicicleta. o gerente diz que nos faz�bem apanhar ar. bem, vou p r a mala a casa e depois vou ter com ele. estava�a contar que ele me levasse a mala. tenho aqui a bicicleta. podes p r a mala no cesto e eu�levo-te a casa. vamos a p at casa dela em carey.s road e no caminho ela� � �conta-me que est doida por ver o gerry. andou a poupar�dinheiro em inglaterra para agora ele poder ir com ela ecasarem-se, mesmo tendo ele s dezanove anos e ela dezassete.�o que interessa gostar mos um do outro. fiz uma vida de� �freira em inglaterra, n o houve noite nenhuma em que n o� �sonhasse com ele e muito obrigada por me teres trazido a mala. dou meia volta para saltar para a bicicleta e voltar para aeasons quando vejo o gerry a avan ar para mim. tem a cara�muito vermelha e est a bufar como um boi. o que que estavas� �a fazer com a minha namorada, meu merdas? diz l ! o que era?�se eu descubro que tocaste na minha namorada, mato-te. n o fiz nada. s lhe trouxe a mala porque estava muito� �pesada. nunca mais te atrevas a olhar para ela, se n o queres�morrer.

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n o olho, gerry. n o quero olhar para ela.� � n o? porqu ? feia ou qu ?� � � � n o, n o, gerry, tua e gosta muito de ti.� � � como que sabes?� foi ela que me disse. disse? disse, pois. juro por deus. jesus. desata a bater porta dela, rose, rose, est s a ? e ela� � �vem porta, claro que estou, e eu vou-me embora na bicicleta�de paquete com a placa no cesto a dizer easons, a imaginar queagora ele deve estar a beij -la depois das coisas terr veis� �que disse na esta o e a pensar como que o peter teve�� �coragem para dizer ao sr. mccaffrey l no escrit rio uma� �mentira t o descarada sobre mim e os meus olhos, quando a�verdade que ele e o eamon passaram o tempo a ver raparigas�em roupa interior e depois a satisfazerem-se na retrete. o sr. mccaffrey est furioso l no escrit rio. onde que� � � �estives te? valha-me deus que est no c u, ser que preciso� � � � �o dia todo para vir da esta o at aqui de bicicleta? temos�� �uma emerg ncia. at precis vamos c do halvey, mas ele foi-se� � � �embora para a merda das f rias, deus me perdoe esta linguagem.�tens de ir o mais depressa que poderes, gra as a deus que�foste dos telegramas e conheces todos os recantos de limerick,tens de ir a todas as lojas dos nossos clientes, entrar l�dentro, agarrar em todos os exemplares que vires da *johno.london.s weekly* e arrancar a p gina dezasseis e se algu m� �te disser alguma coisa dizes que s o ordens do governo e que�ningu m pode contrariar as ordens do governo e se algu m te� �tocar nem que seja com um dedo arrisca-se a ir preso e a terde pagar uma grande indemniza o, mas agora vai, por amor de��deus, e traz todas as p ginas dezasseis que arrancares para�podermos queim -las no lume.� vou a todas as lojas, sr. mccaffrey? eu vou s grandes e tu vais s pequenas at Ballinacurra e� � �ainda para l da ennis road. deus nos ajude. vai, vai.� vou eu a saltar para a bicicleta, quando aparece o eamon acorrer pelas escadas abaixo. ei, mccourt, ouve. quandochegares, n o lhe d s as p ginas dezasseis todas.� � � porqu ?� podemos vend -las, eu e o peter.� porqu ?� fala da contracep o e isso proibido na irlanda.�� � o que a contracep o?� �� santo deus, haver alguma coisa que tu saibas? s o� �preservativos, sabes, borrachas, camisas, coisas dessas queimpedem que as raparigas fiquem prenhas. prenhas? gr vidas. tens dezasseis anos e s completamente ignorante.� �des pacha-te e traz as p ginas antes que comece toda a gente a� �ir comprar a *john o.london.s weekly*. no momento em que vou meter-me a caminho, aparece o sr.mccaffrey a descer a escada a correr. espera, mccourt, vamosna carrinha. eamon, tu vens connosco. e o peter? deixa l o peter. vai acabar por ir para a retrete com uma�revista. o sr. mccaffrey vai a falar sozinho na carrinha. que porra

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esta telefonarem de dublin num s bado t o lindo como este para� �me mandarem dar a volta a limerick a rasgar p ginas de uma�revista inglesa quando podia estar em casa a beber o meu ch ,�a comer um bolo e a ler o *the irish press* com os p s em�cima de uma caixa por baixo da imagem do sagrado cora o. isto�� que uma porra.� � o sr. mccaffrey entra em todas as lojas, e n s atr s dele.� �agarra nas revistas, d uma pilha a cada um e diz-nos para�come armos a rasgar. os donos das lojas p em-se a gritar� �com ele, o que voc s est o a fazer? valha-me jesus, maria e� � �jos , endoideceram ou qu ? ponham as revistas onde estavam,� �sen o chamo a guarda.� o sr. mccaffrey responde, ordens do governo. esta semana a*john o.london* traz poucas vergonhas que n o s o pr prias� � �para serem vistas por olhos irlandeses. estamos aqui a servira deus. que poucas vergonhas? que poucas vergonhas? mostre-me l�essas poucas vergonhas antes de me destruir as revistas. n o�vou pagar estas revistas Easons. isso que n o.� � � a easons n o se importa com isso, minha senhora. preferimos�perder muito dinheiro a ver as pessoas de limerick e dairlanda a serem conspurcadas por estas poucas vergonhas. mas que poucas vergonhas? n o posso dizer. vamos embora, rapazes.� atiramos as p ginas para o ch o da carrinha e enquanto o� �sr. mccaffrey fica numa loja a discutir, enfiamos algumasdebaixo das nossas camisas. h revistas velhas na carrinha e�n s arrancamos-lhes as p ginas e espalhamo-las na carrinha� �para o sr. mccaffrey ficar a pensar que s o todas p ginas� �dezasseis da *john o.london*. o maior cliente desta revista, o sr. hutchinson, diz ao sr.mccaffrey, saia imediatamente da minha loja se n o quer levar�um murro, largue as revistas. o sr. mccaffrey continua arasgar as p ginas e o sr. hutchinson empurra-o para a rua, mas�o sr. mccaffrey n o p ra de gritar que a irlanda um pa s� � � �cat lico e l por ser protestante o sr. hutchinson n o tem o� � �direito de estar a vender poucas vergonhas na cidade maissanta da irlanda. o sr. hutchinson diz, vai levar no cu, e osr. mccaffrey diz, est o a ver, rapazes? est o a ver o que� �acontece a quem n o membro da verdadeira igreja?� � nalgumas lojas dizem que j venderam todos os exemplares da�*john o.london*, e o sr. mccaffrey diz, valha-me nossasenhora, o que que vai ser de todos n s? quem que as� � �comprou? exige os nomes e as moradas dos clientes que correm operigo de perder a imortalidade das suas almas por lerem umartigo sobre a contracep o. ir s casas deles arrancar�� � �aquela p gina porca, mas os donos das lojas dizem, s bado,� � �mccaffrey, e j quase de noite, por que que n o te p es a� � � � �andar? durante o caminho para o escrit rio, o eamon diz-me�baixinho, tenho vinte e uma p ginas. e tu, quantas que tens?� �digo-lhe que tenho catorze mas tenho mais de quarenta, mas n o�lhe vou dizer porque n o preciso dizer a verdade a uma� �pessoa que disse uma mentira sobre os meus olhos. o sr.mccaffrey diz, tragam as p ginas da carrinha. apanhamos�tudo o que est no ch o, e ele est sentado secret ria na� � � �outra ponta do escrit rio, com um ar muito feliz, a telefonar�

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para dublin a contar-lhes como invadiu as lojas como se fosseo vingador de deus e poupou limerick aos horrores dacontra cep o, enquanto v o fogo a consumir p ginas que n o� �� � � �t m nada a ver com a *john o.london.s weekly*.� na segunda-feira de manh ando pelas ruas da cidade a�entregar revistas e, quando as pessoas v em a chapa da easons�na bicicleta, mandam-me parar para perguntarem se n o haver� �possibilidade de lhes arranjar um exemplar da *johno.london.s weekly*. s o pessoas com ar de serem ricas,�algumas t m carro, homens de chap u, colarinho e gravata e com� �duas canetas de tinta permanente no bolso, senhoras de chap u�e bocadinhos de peles penduradas nos ombros, pessoas que tomamch no savoy ou no stella e espetam o dedo mindinho para�mostrarem como s o educadas, e agora querem ler aquela p gina� �sobre a contracep o.�� logo de manh o eamon disse-me para n o vender o raio da� �p gina por menos de cinco xelins. perguntei-lhe se estava a�brincar. que n o, n o estava. toda a gente de limerick anda a� �falar da p gina e dar tudo para lhe deitar a m o.� � � cinco xelins. pegar ou largar, frankie. se forem ricos,�pede mais, mas isso que eu tenho andado a pedir, por isso�n o estragues o neg cio vendendo-a por menos. temos de dar� �algum dinheiro ao peter, se n o ele vai meter tudo no rabo do�mccaffrey. h pessoas que v o ao ponto de pagar sete xelins e seis� �*pence* e em dois dias fico rico com mais de dez libras nobolso, menos uma para a v bora do peter, que n o se ensaiaria� �nada de nos denunciar ao mccaffrey. ponho oito libras naminha conta nos correios para o bilhete para a am rica e nessa�noite fazemos uma jantarada com presunto, tomate, p o,�manteiga e compota. a m e quer saber se me saiu a lotaria e eu�digo-lhe que s o as pessoas que me d o gorjetas. ela n o gosta� � �que eu seja paquete porque isso o mais baixo a que se pode�chegar em limerick, mas se at d para comer presunto,� �dev a mos era p r uma vela em sinal de gratid o. ela n o sabe� � � � �que o dinheiro para a minha passagem vai aumentando noscorreios e era capaz de morrer se soubesse que eu o tenhoandado a ganhar a escrever cartas amea adoras.� o malachy arranjou emprego no armaz m de uma garagem a�levar pe as aos mec nicos e a m e toma conta de um velhote, o� � �sr. sliney, na south circular road, todos os dias, enquanto asfilhas dele est o no trabalho. diz-me para passar por l para� �beber uma ch vena de ch e comer uma sandu che, se tiver� � �que ir entregar jornais para aqueles lados. as filhas nuncav o saber e o velhote n o se importa porque est� � �semi-inconsciente durante a maior parte do tempo por causa dosanos que esteve na ndia no ex rcito ingl s.� � � est com um ar muito sereno na cozinha daquela casa, com um�avental impec vel, tudo muito limpo e brilhante volta dela,� �flores a aparecerem num jardim l ao longe, passarinhos a�cantarem, a telefo nia a dar m sica na radio eireann. senta-se� � mesa com um bule, ch venas e pires, muito p o, manteiga e� � �carnes frias de todas as qualidades. posso comer sandu ches de�tudo o que eu quiser, mas as nicas coisas que conhe o s o� � �presunto e torresmos. ela recusa-se a comer isso porque o�tipo de comida que as pessoas das vielas comem, mas n o as�pessoas que moram na south circular road. diz que os ricos n o�comem torresmos porque s o feitos com os restos que apanham no�

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ch o e nos balc es das f bricas de bacon e nunca se sabe o que� � � que estamos a comer. os ricos s o muito esquisitos com o que� �metem entre duas fatias de p o. na am rica chamam queijo de� �cabe a aos torresmos, mas ela n o sabe porqu .� � � arranja-me uma sandu che de presunto com umas saborosas�rode las de tomate e d -me ch numa caneca com anjinhos azuis� � �a voarem e eu pergunto por que ser que n o fazem ch venas de� � �ch e penicos com outros desenhos sem serem anjinhos ou�donzelas a dan arem pelos vales. a m e diz que os ricos s o� � �assim, adoram coisas decoradas e se calhar n s tamb m� �gost vamos, se tiv ssemos dinheiro para isso. seria capaz de� �dar os olhos para ter uma casa assim, com flores e p ssaros no�jardim e uma telefonia a tocar m sicas t o lindas como o� �*concerto de vars via* e o *sonho de olwyn* e arm rios� �cheios de ch venas e pires com anjinhos a disparar setas.� diz que tem de ir ver o sr. sliney porque est t o velho e� �t o fraco que se esquece de pedir o penico.� o penico? a m e tem de despejar o penico dele?� claro que tenho. ficamos os dois em sil ncio porque, c para mim, estamos os� �dois a lembrar-nos da origem de todos os nossos problemas, openico do laman griffin. mas isso j foi h muito tempo e� �agora o penico do sr. sliney, e n o faz mal porque lhe pagam� �para fazer isso e porque ele n o faz mal a ningu m. quando� �torna a entrar na cozinha, a m e diz-me que o sr. sliney�gostava de me ver e que melhor eu ir l enquanto ele est� � �acordado. est numa cama na sala da frente, com a janela tapada com�um len ol preto, completamente s escuras. levante-me um� �bocadinho, minha senhora, diz ele minha m e, e tire� �aquela porcaria da janela para eu ver o rapaz. o cabelo dele todo branco e muito comprido, at aos� �ombros. a m e diz-me baixinho que ele n o deixa que ningu m� � �lho corte. estes dentes ainda s o meus, filho. acreditas? diz�ele. ainda tens os teus dentes, filho? tenho, sr. sliney. ah! sabes, estive na ndia. eu e o timoney. um punhado de�homens de limerick l na ndia. conheces o timoney, filho?� � conheci, sr. sliney. j morreu, sabias? o pobre diabo ficou cego. eu ainda vejo.�ainda tenho os meus dentes. cuida dos teus dentes, filho. est bem, sr. sliney.� estou a ficar cansado, filho, mas ainda quero dizer-te umacoisa. est s a ouvir?� estou, sr. sliney. ele est a ouvir-me, minha senhora?� est , sim, sr. sliney.� ptimo. ent o, isto que eu tenho para te dizer. baixa-te� � �para eu poder dizer-te ao ouvido. o que eu te quero dizer �isto, nunca fumes no cachimbo de outro homem.

o halvey vai para inglaterra com a rose, e eu tenho depassar o inverno todo na bicicleta de paquete. um inverno�muito rigoroso, com gelo por todo o lado, e nunca sei quando �que a bicicleta vai fugir debaixo de mim e espetar comigo narua ou no passeio, com os jornais e as revistas todosespalhados. as lojas queixam-se ao sr. mccaffrey que o*irish times* est a chegar decorado com bocados de gelo e�

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caca de c o e ele diz-nos entredentes que exactamente assim� �que aquele jornal deve ser entregue, porque n o passa de um�refugo de protestantes. todos os dias levo o *irish times* para casa, depois dadistribui o, para ver onde que est o mal. a m e diz, ainda�� � � �bem que o teu pai n o est c , porque sen o havia de dizer,� � � �foi para isto que os homens da irlanda lutaram e morreram,para o meu pr prio filho estar ali sentado mesa da cozinha a� �ler um jornal de ma es livres?�� h cartas ao editor de pessoas de toda a irlanda a dizerem�que ouviram o primeiro cuco do ano e, se lermos nasentrelinhas, percebe mos que est o a chamar-se mentirosos uns� �aos outros. h not cias de casamentos protestantes e� �fotografias, e as mulheres s o sempre mais bonitas do que as�que moram nas vielas. v -se pelas fotografias que as �mulheres protestantes t m uns dentes perfeitos, apesar de a�halvey rose tamb m ter uns dentes muito bonitos.� continuo a ler o *irish times* e pergunto a mim pr prio se�ser pecado, embora n o me importe nada com isso. j que a� � �theresa carmody est no c u e j n o tem tosse, n o preciso de� � � � �me confessar mais. leio o *irish times* e o *times* delondres porque assim fico a saber os planos do rei todos osdias e o que a elizabeth e a margaret andam a fazer. leio as revistas femininas inglesas por causa dos artigossobre comida e das respostas s perguntas que as mulheres�fazem. o peter e o eamon sabem imitar o sotaque ingl s e�fingem que est o a ler revistas femininas inglesas.� o peter diz, cara sra. hope, ando com um indiv duo irland s� �chamado mccaffrey e ele est sempre a apalpar-me o corpo todo�e a empurrar a coisa dele contra o meu umbigo e eu ando doidasem saber o que fazer. espero ansiosamente a sua resposta,menina lulu smith, yorkshire. o eamon diz, querida lulu, se o sr. mccaffrey assim t o� �alto que anda a espetar a coisa dele no teu umbigo melhor�arranjares um homem mais baixo que a enfie no meio das tuaspernas. de certeza que h s-de encontrar um homem baixo mas�correcto em yorkshire. cara sra. hope, tenho treze anos e cabelo preto e est a�acontecer -me uma coisa horr vel, que n o posso contar a� � �ningu m, nem sequer minha m e. de umas tantas em tantas� � �semanas come o a deitar sangue daquele s tio que a senhora� �sabe e tenho medo que algu m descubra. menina agnes tripple,�little biddle on-the-twiddle, devon. querida agnes, est s de parab ns. agora j s uma senhora e� � � �podes fazer uma permanente ao cabelo porque j tens as regras.�n o tenhas medo das regras porque todas as mulheres inglesas�as t m. s o uma d diva de deus para purificar os nossos� � �corpos, para podermos ter filhos saud veis para dar ao�imp rio, soldados que obriguem os irlandeses a ficar l no� �canto deles. h s tios no mundo em que uma mulher com as� �regras considerada impura, mas n s, na gr -Breta nha,� � � �estimamos muito as mulheres que t m as regras. muito, mesmo.� na primavera admitido um paquete novo e eu passo para o�escrit rio. o peter e o eamon v o para inglaterra. o peter� �est farto de limerick, sem raparigas nenhumas, um tipo a ter�de se arranjar sozinho, s punhetas e mais punhetas, o que� � �todos temos de fazer em limerick. entram rapazes novos. agorasou eu o mais velho e o trabalho f cil porque sou r pido e,� � �

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quando o sr. mccaffrey sai com a carrinha, fa o o meu�trabalho num instante e depois leio as revistas e os jornaisingleses, irlandeses e americanos. sonho dia e noite com aam rica.� o malachy vai para inglaterra trabalhar num col gio interno�para meninos ricos cat licos e anda pela rua todo contente e a�sorrir, como se fosse igual aos rapazes do col gio, mas toda a�gente sabe que quem trabalha num col gio interno ingl s tem de� �andar de cabe a baixa e arrastar os p s como qualquer criado� �irland s que se preze. despe dem-no pelos maus modos dele e o� �malachy diz-lhes que podem lamber-lhe o seu real cu irland s,�e eles dizem que era de esperar que ele tivesse uma m�educa o e uns modos assim. arranja emprego na f brica de g s�� � �de coventry a atirar carv o para as fornalhas como o tio pa�keating, e enquanto atira carv o vai esperando pelo dia em que�vai poder ir ter comigo Am rica.� �

xviii

tenho dezassete anos, dezoito, quase dezanove e continuo atra balhar na easons e a escrever cartas amea adoras Sra.� � �finucane, que diz que j n o vai andar c por muito tempo e� � �quanto mais missas forem ditas pela sua alma melhor ela sesentir . p e dinheiro em envelopes e manda-me ir a igrejas por� �toda a cidade bater porta dos padres e entregar-lhes os�envelopes com o pedido das missas. quer que todos os padresrezem por ela excepto os jesu tas. diz que s o uns in teis, s� � � �t m cabe a e sem cora o. era isso que deviam escrever em� � ��latim por cima das portas deles e n o lhes dou nem um tost o� �porque todo o dinheiro dado aos jesu tas para livros ou� �garrafas de vinho. manda o dinheiro na esperan a de que as missas sejam ditas,�mas n o tem a certeza e, se ela n o tem a certeza, porque� �hei-de eu andar a dar aquele dinheiro aos padres se precisotanto dele para ir para a am rica. se guardar algumas libras�para mim e as puser na conta dos correios, ningu m vai dar por�nada e se eu rezar pela alma da sra. finucane e lhe puser umasvelas quando morrer, de certeza que deus me vai escutar apesarde ser um pecador e j n o me confessar h muito tempo,� � � fa o dezanove anos daqui a um m s. s me faltam umas libras� � �para ter o dinheiro da passagem e mais algumas para quandochegar Am rica.� � na v spera do dia dos meus anos, uma sexta-feira noite, a� �sra. finucane manda-me ir buscar o xerez. quando chego a casa,est morta na cadeira, com os olhos muito abertas e a bolsa�ca da no ch o e aberta. n o consigo olhar para ela, mas tiro� � �um ma o de notas. dezassete libras. tiro-lhe a chave da mala�l de cima. est o l cem libras, eu tiro quarenta e o livro� � �dos registos. juntando isto ao que tenho nos correios, j�tenho dinheiro que chegue para ir para a am rica. quando vou a�sair, pego na garrafa de xerez, porque uma pena�desperdi ar-se. � sento-me beira do shannon perto da doca seca, a beber o�xerez da sra. finucane. o nome da tia aggie est no livro.�est a dever nove libras. se calhar foi o dinheiro que gastou�na minha roupa h j muito tempo, mas n o vai ter de o pagar� � �porque eu atirei o livro para o rio. tenho pena de nunca poder

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dizer Tia aggie que lhe poupei nove libras. tenho pena de�ter escrito cartas amea adoras para os pobres das vielas de�limerick, gente como eu, mas o livro desapareceu e agora maisningu m vai ter de pagar nada. quem me dera poder dizer-lhes,�sou o vosso robin dos bosques. mais um gole de xerez. vou p r de parte uma ou duas libras�para mandar dizer uma missa por alma da sra. finucane. o livroj vai longe levado pelo shannon a caminho do atl ntico, e sei� �que um dia destes farei eu aquela viagem.

o homem da ag ncia de viagens o.riordan diz que n o posso� �ir para a am rica de avi o, a menos que fosse apanh -lo a� � �londres, e isso custaria uma fortuna. arranja-me passagem numnavio chamado *irish oak*, que parte de cork da a algumas�semanas. s o nove dias no mar, diz ele, setembro, outubro, a�melhor poca do ano, com um camaro te s para ti, trinta� � �passageiros, comida da melhor, a bem dizer ser o umas f rias� �para ti, e s por cinquenta e cinco libras. tens dinheiro que�chegue? tenho.

digo M e que me vou embora daqui a umas semanas e ela� �come a a chorar. o michael pergunta, qualquer dia vamos todos?� vamos. o alphie diz, mandas-me um chap u de *cowboy* e uma coisa�que se atira e torna a vir parar s nossas m os?� � o michael diz-lhe que isso se chama boomerangue e que seriapreciso ir Austr lia para o comprar, porque na am rica n o� � � �h .� o alphie diz que tamb m h na am rica, h , pois, e come am� � � � �a discutir os dois sobre a am rica e a austr lia e os� �boomerangues at que a m e diz, por amor de deus, o vosso� �irm o vai-se embora e voc s p em-se a discutir por causa dos� � �boomerangues? parem com isso. a m e diz que vamos fazer uma esp cie de festa na v spera� � �de eu me ir embora. antigamente havia uma festa sempre quealgu m ia para a am rica. foi h tanto tempo que as pessoas� � �chamam vel rios america nos a essas festas porque os� �familiares achavam que nunca mais na vida iam tornar a ver a pessoa que ia partir. diz que uma pena o�malachy n o poder vir da inglaterra mas que com a ajuda de�deus e da sua santa m e um dia havemos de nos juntar todos na�am rica.�

nos dias de folga do emprego, passeio por limerick e vejoos s tios onde moramos, windmill street, hartstonge street,�roden lane, rosbrien road, little barrington street. fico aolhar para a casa da theresa carmody at que a m e dela vem � � �porta e diz, o que que queres? sento-me junto s sepulturas� �do oliver e do eugene no velho cemit rio de st. patrick e�atravesso a estrada para ir ao cemit rio de st. lawrence onde�a theresa est enterrada. onde quer que v ou o sempre as� � �vozes das pessoas que j morreram e pergunto a mim pr prio se� �ser que podem seguir-me at ao outro lado do atl ntico.� � � quero ficar com imagens de limerick gravadas na mem ria�para o caso de nunca mais voltar. sento-me na igreja de s o�jos e na igreja redentorista e digo a mim pr prio, olha bem� �porque se calhar nunca mais vais ver isto. des o a henry�

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street para me ir despedir de s o francisco, apesar de ter a�certeza de que vou poder falar com ele na am rica.� agora h dias em que j n o quero ir para a am rica.� � � �gostava de ir Ag ncia de viagens o.riordan e pedir que me� �devolvessem as minhas cinquenta e cinco libras. podia esperarat ter vinte e um anos e assim o malachy ia comigo, para eu�ter ao menos uma pessoa conhecida em nova iorque. tenhosensa es estranhas e s vezes, quando estou sentado ao p do�� � �lume com a minha m e e os meus irm os sinto as l grimas a� � �ca rem-me pela cara abaixo e sinto vergo nha de ser fraco.� �primeiro a m e diz-me, tens a bexiga ao p dos olhos, mas� �depois o michael diz, havemos de ir todos para a am rica, o�pai, o malachy, e vamos estar todos juntos, e ent o ela come a� �a chorar tamb m e ali ficamos os quatro, a chorar que nem uns�parvos. a m e diz que a primeira vez que vamos fazer uma festa e� �que uma tristeza ver os filhos a partirem, um a um, o�malachy para a inglaterra, o frank para a am rica. guarda�alguns xelins do dinheiro que recebe por tomar conta do sr.sliney e compra p o, presunto, torresmos, queijo, limonadas e�algumas garrafas de cerveja. o tio pa keating traz cerveja,u sque e uma garrafinha de xerez por causa do est mago� �sens vel da tia aggie e ela traz um bolo com passas e corintos�feito por ela. o abade traz seis garrafas de cerveja e diz,est bem, frankie, podes beber desde que deixes uma ou duas�garrafas para mim, para me ajudarem a cantar a minha can o.��

canta the road to rasheen . levanta a garrafa da cerveja,� �fecha os olhos, e a can o sai-lhe como um longo e agudo��lamento. a letra continua a n o fazer sentido e toda a gente�se interroga sobre qual a raz o por que as l grimas estar o a� � �cair-lhe dos olhos fechados. o alphie pergunta-me em surdina,porque que ele est a chorar por causa de uma can o que n o� � �� �faz sentido? n o sei.� o abade acaba de cantar, abre os olhos, limpa as l grimas e�conta-nos que era uma can o muito triste sobre um rapaz��irland s que foi para a am rica e foi morto por um bando de� �*gangsters* antes que o padre conseguisse aproximar-se dele, ediz-me para n o me deixar matar, se n o estiver perto de um� �padre. o tio pa diz que nunca ouviu nenhuma can o t o triste como�� �aquela e se n o haver ningu m que cante uma coisa mais� � �alegre. olha para a m e e ela diz, n o, pa, n o tenho f lego.� � � � v l , angela, v l . s uma vez.� � � � � est bem. vou tentar.� cantamos todos juntos o refr o da triste can o que ela� ��est a cantar,�

*o amor de m e uma b n o� � � ��estejas onde estiveresestima-a enquanto a tiveressentir s a sua falta quando morrer*�

o tio pa diz que cada can o pior que a anterior e que�� �esta noite mais parece um vel rio, se n o haver ningu m que� � � �cante uma coisa mais alegre, porque sen o tanta tristeza vai�obrig -lo a beber.�

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oh!, meus deus, esqueci-me. a esta hora est a haver um�eclipse da lua. vamos todos para a rua ver a lua desaparecer por detr s de�um anel de sombra preto. o tio pa diz, bom sinal para a tua�ida para a am rica, frankie.� n o, diz a tia aggie, mau press gio. li num jornal que a� � �lua j anda a treinar para o fim do mundo.� o fim do mundo uma porra, diz o tio pa. para o frankiemccourt o princ pio. h -de voltar daqui a uns anos de fato� � �novo, gordo como todos os yankees, e de bra o dado com uma�linda rapariga loira de dentes brancos. a m e diz, ai, n o, pa, n o, e levam-na para dentro e� � �reconfor tam-na com um c lice de xerez espanhol. � � j tarde quando o *irish oak* parte de cork, passa por� �kinsale e cape clear e j de noite quando se v em aos longe� � �as luzes de mizen head, o ltimo s tio da irlanda que vou ver� �sabe-se l por quantos anos.� tenho a certeza que devia ter l ficado, feito o exame dos�correios, subido na vida. podia ter ganho dinheiro suficientepara o michael e o alphie poderem ir para a escola com sapatosbons e de barriga cheia. pod amos ter-nos mudado para uma rua�melhor ou at para uma avenida, onde as casas t m jardins.� �devia ter feito o exame e a m e n o teria de despejar o penico� �do sr. sliney nem de ningu m.� mas agora tarde de mais. estou no navio e a irlanda�desaparece na noite e uma loucura estar aqui no conv s a� �olhar para tr s, a pensar na minha fam lia, em limerick, no� �malachy e no meu pai l em inglaterra, e ainda uma loucura�maior s ter na cabe a can es como o roddy mccorley que vai� � ��morrer e a m e a arfar enquanto canta as noites de dan a no� � �kerry com o sr. clohessy a definhar na cama e agora quero�outra vez estar na irlanda, ao menos l tinha a minha m e, os� �meus irm os, a tia aggie, mesmo m e tudo, e o tio pa a� �oferecer-me a minha primeira cerveja, tenho a bexiga ao p dos�olhos e est um padre ao p de mim no conv s e v -se que est� � � � �curioso. de limerick mas tem um sotaque americano que lhe ficou do�tempo em que esteve em los angeles. sabe o que custa deixar airlanda, ele pr prio passou por isso e nunca se habituou.�viveu em los angeles com sol e palmeiras todos os dias e apedir a deus que lhe mandasse um s dia de chuva mi da como a� �de limerick. o padre senta-se ao meu lado na mesa do primeiro oficial,que nos avisa que houve uma altera o de ordens e que em vez��de irmos para nova iorque vamos para montreal. passados tr s dias, novas ordens outra vez. afinal, vamos�para nova iorque. tr s passageiros americanos queixam-se, diabo dos�irlandeses. ser que nunca conseguem fazer nada bem?� na v spera de chegarmos a nova iorque, h outras vez novas� �ordens. vamos subir o hudson at um s tio chamado albany.� � os americanos dizem, albany? raios! por que diabo hav amos�n s de ter vindo num raio de um casco velho irland s? raios.� � o padre diz-me que n o lhes ligue. nem todos os americanos�s o assim.� estou no conv s na madrugada do dia em que nos aproximamos�de nova iorque. tenho a certeza de que estou num filme, quevai acabar e v o acender-se as luzes no cinema lyric. o�

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padre quer apontar-me as coisas, mas n o preciso. consigo� �ver a est tua da liberdade, ellis island, o empire state�building, o chrysler building e a ponte de brooklyn. h�milhares de carros nas estradas e o sol d a todas as coisas�uma tonalidade de ouro. americanos ricos de chap u alto e�casaca devem estar a esta hora a ir para casa com mulhereslind ssimas de dentes brancos. os outros est o a ir para o� �trabalho em escrit rios confort veis, e ningu m tem nenhuma� � �preocupa o.�� os americanos est o a discutir com o comandante e com um�homem de um rebocador, que subiu para bordo. por que que n o� �podemos desembarcar aqui? por que que temos de aguentar o�raio da viagem at ao raio de albany?� o homem diz, porque s o passageiros deste navio e porque o�comandante o comandante e n o temos ordens para os levarmos� �para terra. ah! sim? s que a am rica um pa s livre e n s somos� � � � �cidad os americanos.� ah! sim? s que est o num navio irland s, com um comandante� � �irland s e v o ter de fazer o que ele mandar ou ent o podem ir� � �a nado. desce a escada, o rebocador afasta-se e subimos o hudson,para l de manhattan, por baixo da ponte george washington,�passamos por centenas de navios da liberdade que andaram a daro seu contributo na guerra, e que agora est o ancorados e a�apodrecer. o comandante anuncia que a mar nos vai obrigar a passar a�noite ancorados ao largo de uma terra chamada poughkeepsie,segundo me soletra o padre. diz que um nome ndio e que os� �americanos dizem poughkeepsie de um raio. depois de anoitecer uma pequena embarca o aproxima-se do��navio e uma voz irlandesa grita l de baixo, ei, voc s a .� � �valha-me deus, vi a bandeira irlandesa, vi, sim senhor. nemqueria acreditar nos meus olhos. ei! convida o primeiro oficial para ir a terra tomar um copo elevar um amigo e o senhor tamb m, padre. traga um amigo.� o padre convida-me e descemos a escada para a pequenaembarca o com o primeiro oficial e o oficial de���transmiss es. o homem que est no barco diz que se chama tim� �boyle e que de mayo, valha-nos deus, cheg mos ali mesmo na� �altura certa porque est a haver uma festa e estamos todos�convidados. leva-nos para uma casa que tem um relvado, umafonte, e tr s p ssaros cor-de-rosa apoiados s numa pata. h� � � �uma sala onde est o cinco mulheres de cabelo armado e saias�sem n doas. t m copos na m o, s o simp ticas e, quando� � � � �sorriem, mostram uns dentes perfeitos. uma delas diz, en trem,�chegaram mesmo a tempo da *pawty* (*).

(*) pawty, yeah e fawder s o a express o jocosa do sotaque� �americano utilizado nas palavras *party* (festa), *yes* (sim)e *father* (padre) (nt).

*pawty*. assim que elas falam e assim que eu hei-de falar� �daqui a uns anos. o tim boyle diz que as raparigas foram at ali divertir-se�um bocado porque os maridos delas v o passar a noite fora a�ca ar veados, e uma das mulheres diz, *yeah*, s o� �companheiros de guerra. a guerra j acabou h quase cinco� �

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anos, mas eles n o conseguem esquecer-se disso e ent o v o� � �todos os fins-de-semana ca ar veados e beber rhein gold at j� � � �n o verem nada. maldita guerra, desculpe a linguagem,�*fawder*. o padre diz-me baixinho, estas mulheres n o prestam. n o� �vamos ficar muito tempo. as mulheres que n o prestam dizem, queres beber alguma�coisa? h c de tudo. como que te chamas, querido?� � � frank mccourt. bonito nome. vais beber qualquer coisa. os irlandeses bebemsempre qualquer coisa. queres uma cerveja? sim, por favor. t o educadinho! gosto dos irlandeses. a minha m e era meio� �irlandesa por isso eu sou meio? um quarto? n o sei. chamo-me�frieda. aqui tens a tua cerveja, querido. o padre senta-se na ponta de um sof e duas mulheres metem�conversa com ele. a betty pergunta ao primeiro oficial se querver a casa, e ele diz, gostava muito, porque na irlanda n o h� �casas assim. uma outra mulher diz ao oficial de transmiss es�que ele havia de ver as coisas que t m no jardim, nem ia�acreditar nas flores que l h . a frieda pergunta-me se estou� �bem e eu digo-lhe que sim mas se n o se importava de me�mostrar onde a retrete.� a qu ?� a retrete. ah!, a casa de banho. por aqui, querido, ao fundo do�corredor. obrigado. abre a porta, acende a luz, d -me um beijo na cara e diz-me�ao ouvido que, se precisar de alguma coisa, ela vai estar ali porta.� mijo para a sanita e pergunto a mim pr prio do que que eu� �posso precisar numa altura daquelas e se ser costume na�am rica as mu lheres ficarem espera dos homens enquanto eles� � �mijam. quando acabo, puxo o autoclismo e saio. ela pega-me na m o�e leva-me para um quarto, pousa o copo, fecha a porta chave,�empur ra-me para cima da cama. tenta abrir-me a braguilha.�malvados bot es. n o h fechos na irlanda? tira a minha� � �excita o para fora, p e-se em cima de mim e come a a subir e�� � �a descer, a subir e a descer, ai jesus, estou no c u, e algu m� �bate porta o padre, frank, est s a , padre n o se importa� � � � �de ir dar uma volta ao bilhar grande e ai jesus oh teresaest s a ver o que me est a acontecer n o quero saber de nada� � �nem que fosse o papa a bater porta ou o col gio cardinal cio� � �reunido janela a olhar c para dentro de boca aberta, ai� �jesus tudo o que estava dentro de mim saiu para dentro dela eela deixa-se cair em cima de mim e diz que eu fui umamaravilha e se n o gostava de ficar em poughkeepsie.� a frieda diz ao padre que eu me senti tonto depois de ir �casa de banho, que o que costuma acontecer quando se faz uma�viagem e se bebe uma cerveja a que n o se est habituado como� �a rheingold, que ela acha que n o h na irlanda. estou mesmo a� �ver que o padre n o est a acreditar nela, mas n o consigo� � �fazer nada para impedir aquele calor que t o depressa estou a�sentir na cara como est a desaparecer. o padre j tomou nota� �do nome e da morada da minha m e e agora estou com medo que�ele lhe escreva a dizer, o seu querido filho passou a sua

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primeira noite na am rica num quarto em poughkeep sie a gozar� �com uma mulher cujo marido estava ocupado a ca ar veados para�se acalmar um bocado depois de ter dado o seu contributo �am rica durante a guerra, que linda maneira de tratar os�homens que lutaram pelo seu pa s.� o primeiro oficial e o oficial de transmiss es regressam�das suas incurs es pela casa e pelo jardim e n o olham para o� �padre. as mulheres dizem-nos que devemos estar cheios de fomee v o para a cozinha. n s sentamo-nos na sala sem dizermos� �nada uns aos outros, a ouvirmos as mulheres na cozinha aossegredinhos e s risadinhas. o padre torna a dizer-me em�surdina, estas mulheres n o prestam, estas mulheres n o� �prestam, pode-se cair no pecado numa situa o destas, e eu n o�� �sei o que hei-de dizer-lhe. as mulheres que n o prestam aparecem com sandu ches e mais� �cerveja e, quando acabamos de comer, p em discos do frank�sinatra e perguntam se algu m quer dan ar. nenhum de n s diz� � �que sim porque nenhum de n s tem coragem para se levantar e�dan ar com uma mulher que n o presta na presen a de um padre,� � �e por isso as mulheres dan am umas com as outras e riem-se�muito, como se todas elas tivessem muitos segredos. o timboyle bebe u sque e acaba por �adormecer a um canto at que a frieda o acorda e lhe diz que�tem de nos levar para o navio. quando vamos a sair, a friedainclina-se para mim como se fosse para me dar um beijo nacara, mas o padre diz boa-noite com uma voz muito seca eningu m aperta a m o a nin gu m. enquanto vamos a descer a rua� � � �em direc o ao barco ouvimos as mulheres s gargalhadas, que�� �ecoam alegres e estridentes atrav s do ar da noite.� subimos a escada e o tim diz-nos l de baixo do seu barco,�cuidado a subir a escada. ena p , ena p , grande noite, n o� � �foi? boa-noite, rapazes, boa-noite, padre. ficamos a seguir o barco com os olhos at que desaparece no�escuro nas margens de poughkeepsie. o padre diz boa-noite evai-se deitar e, a seguir a ele, vai o primeiro oficial. fico no conv s com o oficial de transmiss es a ver as luzes� �da am rica a brilharem. ele diz, meu deus, que noite�maravilhosa, frank. isto um grande pa s, n o ?� � � �

xix

pois .�