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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO E A CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO Por: Amanda Machado de Almeida Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO E A CRISE NO SISTEMA

PENITENCIÁRIO

Por: Amanda Machado de Almeida

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO E A CRISE NO SISTEMA

PENITENCIÁRIO

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito Penal e Processual Penal

Por: Amanda Machado de Almeida

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AGRADECIMENTOS

A Deus, o que seria de mim sem a fé

que eu tenho nele.

Aos meus pais, meus avos e a toda

minha família que, com muito carinho e

apoio, não mediram esforços para que

eu chegasse até esta etapa de minha

vida.

A todos os professores, que foram tão

importantes na minha vida acadêmica e

no desenvolvimento desta monografia.

Aos amigos e colegas, pelo incentivo e

pelo apoio constantes.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais; pelo

esforço, dedicação e compreensão, em

todos os momentos desta e de outras

caminhadas.

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RESUMO

A pesquisa científica acerca do tema “A Falência da Pena de Prisão e a Crise

no Sistema Penitenciário” explora a situação histórica e atual da instituição da

pena como castigo, as diversas teses elaboradas por diversos pensadores do

Direito em relação a ela. E dessa forma, procura entender as razões pelas

quais alguns especialistas a declaram falida e reivindicam seu fim, enquanto

outros buscam seu aprimoramento. Tendo em vista os rumos tomados pela

sociedade no sentido de perpetuar essas omissões do Estado, vários

argumentos críticos são utilizados em busca de uma solução para esse

problema sempre tão atual.

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METODOLOGIA

Pesquisa bibliográfica em livros, periódicos e revistas acadêmicas da área,

baseada inicialmente nos seguintes autores: Carnelutti (1995), Carvalho

(2003), Batista (2003), Hulsman (1993), entre outros.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................... 08

CAPÍTULO I - Da pena de prisão ........................................ 09

CAPÍTULO II - Do Condenado............................................. 16

CAPÍTULO III – Do Tratamento cruel, desumano e

degradante........................................................................... 20

CAPITULO IV - Do Garantismo Penal............................... 23

CAPITULO V - Do Abolicionismo Penal........................... 25

CONCLUSÃO...................................................................... 29

BIBLIOGRAFIA ................................................................... 31

ÍNDICE................................................................................. 34

FOLHA DE AVALIAÇÃO..................................................... 35

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INTRODUÇÃO

“Eu não defendo o crime, defendo o homem. Não é

preciso ser inocente para ter garantias legais.”

A lição é do saudoso Evandro Lins e Silva, ministro aposentado do

STF, escritor e um dos mais comemorados advogados do país, que morreu em

2002, que diz ainda que a cadeia é o símbolo da incompetência do ser humano

em lidar com os atos dos seus semelhantes. Seguindo esta premissa, vemos

que a prisão só pode ser usada em última hipótese, para situações

extremamente singulares e ímpares.

A pena de prisão continua sendo um castigo que viola a alma, os

desejos e a mente do condenado, isto sem falar nos castigos corporais muitas

vezes utilizados pela polícia, pelos agentes prisionais, pelos próprios presos.

Para Nilo Batista, a pena de prisão foi inventada para o controle dos pobres,

para colocar os pobres controlados ali.

Na obra Dos Delitos e Das Penas, Cesare Beccaria atentava para o

fato de que “a prisão é mais um lugar de suplício que de custódia do réu”.

Salo de Carvalho citando Cairoli Martinez diz que a ideia de dignidade

representa a assunção por parte da humanidade que todo ser humano deve ter

reconhecida sua personalidade em qualquer local que se encontre alcançando

status de sujeito de direitos.

A história da pena de prisão é marcada por uma constante luta pela

sua humanização, cumprir sua função ressocializadora e reabilitadora,

oferecendo condições dignas ao preso, de higiene, alimentação, assistência

médica, religiosa como preconiza a Lei de Execuções Penais.

O presente trabalho tem por escopo analisar a situação do sistema

prisional, as condições em que se encontram os encarcerados, a evolução da

pena de prisão, sob a ótica do Neoconstitucionalismo, Garantismo e

Abolicionismo Penal.

O estudo em questão, portanto, serve para formação de uma crítica,

sobre a qual, forma-se a retirada da observância de garantias constitucionais,

face ao controle social exercido, como restará demonstrado.

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CAPÍTULO I

DA PENA DE PRISÃO

Para Cezar Roberto Bitencourt, a prisão é uma exigência amarga, mas

imprescindível1. No entanto, se a sanção se manifesta através da violência,

surge uma pertinente indagação levantada por Kelsen: qual seria a diferença

entre o Estado (comunidade jurídica) e um “bando de saqueadores”, visto que

ambos adotam a violência para privar determinadas pessoas de seus bens

(vida, liberdade, patrimônio e etc.) 2, pondera Saulo de Carvalho.

Salo de Carvalho citando Beccaria, afirma que é melhor prevenir os

crimes do que ter de puni-los, e todo legislador sábio deve procurar antes

impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de

proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos

os sofrimentos que se lhe possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos

males desta vida3.

Você acha a prisão um meio normal de castigar e excluir alguns de

seus semelhantes? Entretanto, evitar o sofrimento alheio deve ser algo que

ocupa um dos primeiros lugares em sua escala de valores! Há aí uma

contradição para qual só posso encontrar uma explicação: a distância

psicológica criada ente você e aqueles que o sistema encarcera, indaga Louk

Houlsman em sua obra Penas Perdidas.4

1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas.[s.l.] Revistas do Tribunais, p. 11. 2 CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias; 2. Ed. Lumen Juris, 2003, p. 118. 3 CARVALHO, Salo de.Ob. Cit., p. 118. 4 HULSMAN, Louk. Penas Perdidas – O Sistema Penal em Questão. [s.l.] 1. Luam, 1993, p. 76.

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A pena de prisão, na realidade, deveria ser utilizada como último

recurso para a punição do condenado, é o que preconiza o Direito Penal

Mínimo.

Entretanto, pela falta de estrutura do Estado, ela tem servido para

retirar o indivíduo infrator do âmbito social e garantir segurança aos demais.

Contudo, a pena privativa de liberdade não é apenas um meio de afastar

aquele que cometeu um crime do seio da sociedade e mantê-lo à margem do

convívio social, em virtude da sua “culpabilidade” e “periculosidade”. Deve ser

também uma forma de dar-lhe condições para que se recupere e volte à vida

em comunidade.5

Ao enviar um infrator a prisão, a sociedade pensa que está se livrando,

temporariamente, de um agressor; e que este terá condições de se emendar e

corrigir seu comportamento antissocial na cadeia, como bem destaca o

jornalista Geraldo Lopes. Mas condenação não é vingança, cadeia

não é câmara de tortura e punido deve ser tratado com dignidade. O Estado

tem o direito e o dever de prender o infrator, mas não pode estuprar a

dignidade humana. 6

Nas palavras de Hulsman, parece injusto apontar um culpado, para

fazê-lo suportar sozinho uma situação que, geralmente, lhe transcende.7

Atualmente, já se tem clareza de que a pena de prisão é cara e

ineficaz: não inibe a criminalidade, não reeduca o infrator e estimula a

reincidência, além de separar famílias e destruir indivíduos, aniquilando sua

autoestima e embrutecendo-os. Sabe-se que quem sai das penitenciárias, em

geral sai pior e, ao reincidir, frequentemente comete crimes mais graves, ao

contrário dos infratores punidos com penas alternativas, que reincidem muito

5 ASSIS, Rafael Damasceno; GIACOMINI, Eduarda. Evolução da idéia de pena humanitária e sua proposta ressocializadora. DireitoNet, 18 abr. 2007. Disponível em: <http:// www.direitonet.com.br/artigos/x/33/72/3372/>. Acesso em: 10 jun. 2008. 6 LOPES, Geraldo. Pena de Morte Extra-Oficial; Punição, Razão e Racionalização; Quem Tem Padrinho Não Morre Pagão. 25 jun. 2003. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br>. 7 HULSMAN, Louk. Ob.Cit. p. 74.

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menos. Na formação histórico-social brasileira, a história do sistema

penitenciário está indelevelmente marcada pelo confinamento e extermínio.

Acompanhando esse raciocínio, o defensor público do Núcleo de

Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Denis Sampaio: A sanção

penal, portanto, já numa visão Foucaultiana, nunca serviu para ressocialização

e sim para distanciamento e estigmatização.8

E prossegue: “Nossa função, como cidadão, é encontrar e constatar o

erro veiculado por um discurso social burguês de estigmatização social à

revelia de garantias constitucionais, perante as quais, apenas pequena parcela

da sociedade possui chances de exercê-las”.

Infelizmente, as penas alternativas ainda são muito pouco utilizadas no

país. Boa parte dos operadores do Sistema de Justiça Criminal brasileiro ainda

acredita piamente que o encarceramento constitui o melhor castigo para

qualquer tipo de delito. Nilo Batista observa, “há um século, Von Liszt

preconizava a suspensão condicional, substitutivos de caráter pedagógico para

criminosos jovens, e se insurgia contra as penas curtas, que não corrigem, não

intimidam e, muitas vezes, encaminham definitivamente para o crime o

delinquente novel.”9

Mostrar os condenados à prisão como culpados que merecem castigo

alimenta a seu respeito o espírito de vingança. Algumas pessoas falam da

prisão como se fosse um hotel quatro estrelas, apresentando o preso como

uma espécie de veranista às custas do Estado.10

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, a prisão sempre foi uma indústria,

porque ela é a grande responsável pela reprodução do delito. É dentro dos

8 SAMPAIO, Denis. Presunção de Inocência versus Controle Social: “um desabafo” [20--] Disponível em:<http://www.direitofudamental.com.br> 9 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 11. ed.[s.l.] Revan, 2007. 10 HULSMAN, Louk. Ob. Cit., p. 71.

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presídios que a grande maioria dos delinquentes aprimora sua “carreira

criminal”.11

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do CNJ,

ministro Gilmar Mendes, a reinserção social, antes mesmo de ser uma ação de

direitos humanos, é uma questão de Segurança Publica.

Para fazer da prisão uma possibilidade de egresso da vida delituosa,

os presídios têm que oferecer certas condições, daí porque a necessidade de

classificação dos detentos. Faz-se imperioso a individualização do

cumprimento das penas, significando a aplicação justa do tratamento dado ao

preso, de acordo com o que ele é.12

A ausência de critérios acomete, por exemplo, o preso acidental, que,

por uma circunstância adversa, ingressa na prática delituosa e, ao adentrar a

estrutura prisional, enterra lá suas esperanças de liberdade. Isso motivado pelo

acúmulo irregular de encarcerados das mais diversas origens e apenados de

acordo com os mais diferentes crimes.13

A realidade fática, no entanto, é bem distinta. Os apenados são

lançados à prisão sem qualquer critério de classificação, sendo abandonados

pelo Estado e mantidos na ociosidade e no ódio pela sociedade que alí os

flagelou. Ficam a passar pelas suas mentes uma forma de vingança por tudo a

que são submetidos.14

É certo que a pena privativa de liberdade historicamente foi e continua

a ser utilizada como alternativa de exclusão social dos miseráveis, que passam

a ser neutralizados (ao menos por um determinado tempo) no contexto do 11 GOMES, Luiz Flávio. Indústria das prisões. Disponível em: http://www.lfg.blog.br. 22 jan. 2007. 12 RELATÓRIO – Situação do Sistema Prisional Brasileiro – Síntese de Videoconferência Nacional Realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias Câmaras dos Deputados. Brasília, julho de 2006. 13 ASSIS, Rafael Damasceno; GIACOMINI, Eduarda. Evolução da idéia de pena humanitária e sua proposta ressocializadora. DireitoNet, 18 abr. 2007. Disponível em: <http:// www.direitonet.com.br/artigos/x/33/72/3372/>. Acesso em: 10 jun. 2008. 14 Idem.

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próprio sistema. De fato, basta uma rápida passada d’olhos nos destinatários

das penas para verificar inúmeros fatores característicos de sua condição

social de pobreza e exclusão (tais como o analfabetismo ou baixo grau de

instrução e o desemprego, dentre tantos outros). E se é assim, ou seja, se os

maiores “clientes” do sistema prisional são mesmo os excluídos sociais, pode-

se afirmar que não há, de fato, real preocupação nas órbitas jurídica e política

com e figurado apenado. Em palavras mais simples: não existe interesse na

busca de influências positivas da sociedade sobre o cárcere e seus

encarcerados, com o fim de evitar os efeitos deletérios da prisão, tais como a

própria criminalidade secundária — nos próprios bancos das faculdades não é

incomum assistirmos aos alunos manifestarem descontentamento quando a

matéria se relaciona aos direitos dos condenados, diz a Professora doutora de

Direito Penal da USP e coordenadora-chefe da Revista Brasileira de Ciências

Criminais, Ana Elisa Liberatore S. Bechara.

Ela prossegue sabiamente com uma constatação definitiva: “Não adianta

sustentar a ilusão de que a condenação criminal tem o poder de fazer

desaparecer o criminoso, porque, cedo ou tarde, ele retornará ao convívio

social, e aí precisaremos definir honestamente qual indivíduo queremos que

retorne”.

“Assim, quando o Estado insiste em demonstrar absoluta rigidez

normativa, somada ao desprezo em relação à realidade do sistema prisional,

acaba por afastar ainda mais os condenados da sociedade. E agindo assim, o

próprio Estado acaba por aproximar esses indivíduos do maior foco de suas

preocupações atuais na esfera penal: a denominada criminalidade organizada.”

O que se constata em determinadas prisões mantidas pela Secretaria

de Segurança Pública do Rio de Janeiro, como a Polínter, é bem diferente,

como afirma o jornalista Geraldo Lopes. O rigor transforma-se em tortura com a

hiper-lotação e as péssimas condições da cadeia. Na Polínter, os presos não

têm direito ao sol, tomam banho em uma bica que pinga ininterruptamente 24

horas por dia, não dispõe de assistência médica ou jurídica. Recebem

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alimentação de qualidade duvidosa e precisam se revezar para dormir por

absoluta falta de espaço físico.15

O sistema penal endurece o condenado, jogando-o contra a “ordem

social” na qual pretende reintroduzi-lo, fazendo dele outra vítima.16

Em 2002, afirma o jornalista, um grupo de estudiosos se reuniu para

traçar um retrato do sistema prisional brasileiro. Depois de cálculos, pesquisas

e discussões, concluíram que até 2010 o Brasil teria meio milhão de presos.

Hoje, a previsão soa otimista. O país chegou ao fim de 2007 com 420 mil

presos e mais de 270 mil são provisórios.17

Essa constatação revela que a cadeia se tornou nada mais do que o

símbolo da incompetência do ser humano em lidar com os atos dos seus

semelhantes.

Com efeito, embora todos sejam recuperáveis – na visão de Michel

Foucault - a verdade é que ninguém se recupera de um crime sem a

expressiva colaboração do estado, da sociedade e da família. O mesmo estado

que puniu tem a responsabilidade maior nesse mister, porque o detento é

custodiado sob a sua guarda, salienta o Juiz de Execução Penal em

Pernambuco e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária Adeildo Nunes.18

O índice de reincidência no Brasil é de 60% e, de acordo com a série

de reportagens do Jornal da Globo intitulada “Apagão Carcerário”, no município

de Guarapuava no estado do Paraná, essa taxa é de menos de 6%. O que

acorre nessa região é a reinserção do preso no mercado de trabalho que se dá

15 LOPES, Geraldo. Pena de Morte Extra-Oficial; Punição, Razão e Racionalização; Quem Tem Padrinho Não Morre Pagão. 25 jun. 2003. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br>. 16 HULSMAN, Louk. Ob. Cit., p. 72. 17 LOPES, Geraldo. Ob. Cit. 18 NUNES, Adeildo. A Crise do Semi-aberto. 16 mai. 2008. Disponível em:<http://www.mundolegal.com.br>

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por um programa do estado, que com o trabalho tem de volta sua dignidade e

dificilmente retorna a criminalidade. 19

Nas palavras do Barão de Itararé: “de onde menos se espera, daí é

que não sai nada”, e portanto, somente acreditando no ser humano e na sua

recuperação se chega a resultados dessa magnitude, melhorando a sociedade

brasileira como um todo.

19 GLOBO. Reportagens Especiais; Apagão Carcerário. 26 mai. 2008. Disponível em: <g1.com.br/jornaldaglobo>

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CAPITULO II

DO CONDENADO

Segundo o artigo 1º da Constituição, a República constitui-se Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da

pessoa humana. E ainda conforme o inciso II de seu artigo 4º, rege-se em suas

relações internacionais pelo Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos.

Salo de Carvalho citando Cairoli Martinez, afirma que a ideia de

dignidade representa a assunção por parte da humanidade que todo ser

humano deve ter reconhecida sua personalidade em qualquer local que se

encontre, alcançando status de sujeito de direitos.20

Sabe – se, hoje, que a prisão reforça os valores negativos do

condenado, afirma Bittencourt. Complementando o dizer de Zaffaroni: “Cabe

registrar que a carga estigmática não é provocada pela condenação formal,

mas pelo simples contato com o sistema penal. Os meios de comunicação de

massa contribuem para isso em alta medida, ao difundirem fotografias e

adiantarem – se às sentenças com qualificações com “vagabundos”, “chacais”,

etc (...). Este fenômeno não privativo do sistema penal, mas nele assume

características particulares: uma pessoa começa a ser tratada “como se fosse”,

embora não haja manifestado nenhum comportamento que implique uma

infração. Ao generalizar – se o tratamento de acordo com o “como se fosse” e

sustentar – se no tempo quase sem exceção, a pessoa a se comportar de

acordo com o papel atribuído, ou seja, “como se fosse”, e com isso acaba

“sendo”.21

20 CARVALHO, Salo de. Ob. Cit., p. 158. 21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A perda da Legitimidade do Sistema Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

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Conforme constata Hulsman, em inúmeros casos, a experiência do

processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode

se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que

as definições legais e a rejeição social por elas produzidas podem determinar a

percepção do eu como realmente “desviante” e, assim, levar algumas pessoas

a viver conforme esta imagem, marginalmente.22

A sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um

estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não¹. No

pensamento do jurista italiano Francesco Carnelutti, em seu livro "As Misérias

do Processo Penal": “... as pessoas creem que o processo penal termina com a

condenação e não é verdade; as pessoas creem que a pena termina com a

saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas creem que o cárcere perpétuo

seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre,

nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido.

Cristo perdoa, mas os homens não." 23

Para Carnelutti, a condenação não significa ponto final ao processo: ela

quer dizer, ao contrário e diferentemente da absolvição, que o processo

continua. Somente a sua sede se transfere do tribunal para a penitenciária.

Afirma ainda que, depois que o acusado sai das jaulas e o recebem em

custódia os policiais, recomeça para cada um de nós a vida cotidiana e, pouco

a pouco, não se pensa mais no morto. Sob um certo aspecto, pode – se

assemelhar a penitenciária a um cemitério; mas se esquece de que o

condenado é um sepultado vivo. E que ao invés de cemitério, deveria ser esta

um hospital, cheio de enfermos de espírito, e não do corpo.24

Inegavelmente, a reclusão em um centro penitenciário produz um efeito

negativo sobre o conceito que a pessoa tem de sim mesmo, sem ignorar que

22 HULSMAN, Louk. Ob. Cit., p. 69. 23 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Conan, 1995, p. 77. 24 CARNELUTTI, Francesco. Ob. Cit., p. 68.

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grande parte dos delinquentes já chega à prisão com crise de identidade e

deformação em sua personalidade.

O direito à salvaguarda da dignidade, o direito ao respeito da pessoa

humana, o direito à intimidade são os direitos mais agredidos na maior parte

das prisões do mundo. Desde a admissão, começa o despojamento da

personalidade do preso: algemas nos pulsos, revista no corpo nu, à vista de

todos, a troca de traje pessoal e uso de chuveiros coletivos na presença de

guardas etc.

O direito à informação, já enunciado o art. 26 da Declaração Universal

dos Direitos do Homem e do Cidadão, é de vital importância para a

ressocialização do detento, pois tanto humaniza o regime penitenciário, como

concorre para o aprimoramento cultural do recluso. O direito à comunicação

com o mundo exterior abre a prisão para o mundo livre e visa à

desinstitucionalização da prisão. O condenado não pode perder o contato com

a sociedade, para a qual se prepara gradativamente.

A liberação sem o prévio preparo, como o tratamento reeducativo, e sem

a colaboração da sociedade no papel de reinserção social do preso, é

traumatizante e fator de delinquência.

O Grande Jurista e Promotor de Justiça, Paulo Rangel citando Kirchheimer

conclui:

A futilidade da punição severa e o tratamento cruel podem ser testados

mais de mil vezes, mas tão logo a sociedade esteja apta a resolver seus

problemas sociais, a repressão, o caminho aparentemente mais fácil, será

sempre bem aceita. Ela possibilita a ilusão de segurança encobrindo os

sintomas da doença social com o sistema legal e julgamentos de valor moral.

“A ideia de dentro estarem somente canalhas e fora somente honestos

não é mais que ilusão; aliás, ilusão é que um homem possa ser todo canalha

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ou todo honesto. Poderia também dizer que é questão de fé no homem a

questão penal. Mas a fé no homem se conquista somente amando o homem.

Parecem imensamente distantes; mas sobre o terreno do espírito acontecem

coisas estranhas. Aqui, assim pouco se quer para um canalha virar santo.

Cristo, com o exemplo do ladrão crucificado, nos tem ensinado! Após tudo

basta que o canalha se envergonhe de ser canalha; e pode também bastar que

um santo se glorifique de ser santo para perder a santidade. Mas o erro, o

tremendo erro está no crer que aqueles que estão recolhidos na penitenciária

sejam malditos".25

Para o abolicionista Louk Hulsman, o sistema penal é claramente, em

muitos aspectos, contrário aos direitos do homem, sobretudo a prisão.26

25 CARNELUTTI, Francesco. Ob. Cit., p. 80. 26 HULSMAN, Louk. Ob. Cit.

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CAPITULO III

DO TRATAMENTO CRUEL, DESUMANO E

DEGRADANTE

Santo Agostinho, em sua obra mais importante, A Cidade de Deus,

afirmava que o castigo não deve orientar – se à destruição do culpado, mas ao

seu melhoramento. Essa orientação é seguida pela Lei de Execuções Penais,

que dispõe em seu artigo 10 que a assistência ao preso é dever do Estado,

objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Como bem observa Carnelutti, sob certo aspecto, pode – se assemelhar

a penitenciária a um cemitério; mas se esquece de que o condenado é um

sepultado vivo. E que ao invés de cemitério, deveria ser um hospital.27

Já Grecianny Carvalho Monteiro citando Augusto Thompson, afirma que

através da aplicação de um castigo cuja intenção seja provocar terror no preso,

seria este método contraditório aos fins reformadores da pena prisional.28

Em outras palavras, não se pode educar (ou no caso, reeducar) por

meio da utilização de métodos repressivos e intimidatórios, o que seria

antipedagógico. Sendo os fins retributivo, intimidativo e ressocializador da pena

prisional incompatíveis entre si.

E usando as palavras de Erving Goffman, ao ingressar na prisão o

recluso passa por um “processo de mortificação do eu”. Nada mais daquilo que

o identificava no mundo exterior consegue sobreviver na vida intramuros, o

27 CARNELUTTI, Francesco. Ob. Cit., p. 68. 28 CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Ob. Cit., p. 46.

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apenado se vê completamente despojado de todas as concepções que até

então possuía acerca de si mesmo.29

Sabe – se hoje, diz Bitencourt em sua obra Falência da Pena de Prisão,

que a prisão reforça os valores negativos do condenado. E posteriormente,

citando Jeremias Bentham, escritor, pensador utilitarista, que considera que o

fim principal da pena é prevenir delitos semelhantes: “o negócio do passado

não é mais problema, mas o futuro é infinito: o delito passado não afeta mais

que a um indivíduo, mas os delitos futuros podem afetar a todos. Em muitos

casos é impossível remediar o mal cometido mas sempre se pode tirar a

vontade de fazer mal, porque por maior que seja o proveito de um delito

sempre pode ser maior o mal da pena”.30

O sentido utilitário emprestado à pena rompe com a ideia retributivista na

qual a sanção tem finalidade em si mesma, repreendendo fatos passados ao

invés de lhe emprestar sanção futura, destaca Salo de Carvalho.31

Feitas as devidas considerações, verifica-se o quão difícil é esperar que

um preso – abandonado a própria sorte pelo Estado e pela sociedade retorne à

vida social e passe ali a conviver de forma harmônica, se durante o seu

encarceramento foi destituído por completo de sua autonomia, independência

intelectual, física, moral e de sua autodeterminação, assevera Grecianny

Carvalho.32

Nesse raciocínio, acrescenta Bitencourt que a segregação de uma

pessoa do seu meio social ocasiona uma desadaptação tão profunda que

resulta difícil conseguir a reinserção social do delinquente, especialmente no

caso de pena superior a dois anos.33

29 CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Ob. Cit., p. 44. 30 BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 50. 31 CARVALHO, Salo de. Ob. Cit., p. 126. 32 CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Ob. Cit., p. 48. 33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 12.

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As falhas no sistema carcerário multiplicam a violência. E de fato,

constata – se que nenhuma prisão no mundo ressocializa o preso!

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CAPITULO IV

DO GARANTISMO PENAL

Tem como idealizador Luigi Ferrajoli, diz respeito aos Direitos, Privilégios

e Isenções que a Constituição de um pais confere aos cidadãos. Amplia-se a

liberdade e diminui o poder do Estado ao patamar mínimo. Tem um pouco de

Aristóteles, “a virtude está no meio termo” . Nem Estado Antiliberal (abuso do

direito de punir), nem Liberdade Selvagem (carência de regras, abolicionismo),

o Garantismo rechaça esses dois extremos, modelo de Liberdade Regrada.

Reconhecer ao Poder Judiciário sua função de garantidor dos direitos

fundamentais é dar-lhe legitimidade de jurisdição e independência. O juiz, por

sua vez, atua como garantidor do acusado no processo penal, pois sua

atividade é um saber-poder, uma combinação de conhecimento e de decisão.

O juiz deve livrar-se da inércia do modelo positivista e proteger os

jurisdicionados de violações ou ameaças de lesão aos direitos consagrados

pela Constituição.34

Ao garantismo vincula-se o racionalismo, o que significa dizer que a

discricionariedade judicial deve moldar-se pelo ideal de racionalidade e de

certeza, isto é, deve ter como critério reduzir a intervenção penal enquanto não

motivada por argumentos seguros. A certeza, que se busca, relaciona-se com

a existência dos pressupostos que condicionam a pena e a condenação, e não

com os elementos para absolver.35

34 TAVERNARI, Fernanda Barbosa Pinto. A instrumentalidade garantista do processo penal. Resenha EMERJ. [2000] Disponível em: <http://www.emerj.rj.gov.br/biblioteca/resenhas/2000/fernandab.htm> 35 REVISTA JUS VIGILANTIBUS. A idéia de validade e vigência no direito no garantismo penal de Ferrajoli. 17 ago. 2007. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/27637>

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Inicialmente, a palavra garantismo, no contexto do trabalho de Ferrajoli,

seria um " modelo normativo de direito" . Tal modelo normativo se estrutura a

partir do princípio da legalidade, que – afirma o Autor – é a base do Estado de

Direito. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que

possa, já no viés político do termo, reduzir o grau de violência e soerguer a

ideia de liberdade – não apenas no âmbito penal, mas em todo o direito.36

Tornou-se comum os operadores do direito confundirem o garantismo

com o abolicionismo penal, sendo este a defesa da liberdade selvagem do

homem enquanto que aquele rechaça tal doutrina afirmando que o Estado tem

o dever de regrar tal independência. O garantismo também repele o Estado

Liberal que age com excesso no direito de punir.37

Somente o garantismo penal poderá impedir esta desenfreada

penalização que agride os que sonham com um direito penal justo e equânime

para todos e não só para as maiorias marginalizadas. Os mais débeis detêm os

mesmos direitos atribuídos aos mais abastados.38

Desta forma, o garantismo deve ser entendido como uma forma de fazer

democracia dentro e a partir do direito, consagrando a fórmula: Estado e Direito

mínimo na esfera penal, graças à minimização das restrições à liberdade do

cidadão e à correlativa extensão dos limites impostos à atividade repressiva;

Estado e Direito máximo na esfera social, graças à maximização das

expectativas materiais dos cidadãos e à correlativa expansão das obrigações

públicas de satisfazê-las.39

36 CHAVES, Christian Frau Obrador. O Garantismo Penal e a opróbria Lei 8.072/90. 21 mai. 2002. Disponível em: <http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=2691> 37 TAVERNARI, Fernanda Barbosa Pinto. Ob. Cit. 38 CHAVES, Christian Frau Obrador. Ob. Cit. 39 Idem.

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CAPITULO V

DO ABOLICIONISMO PENAL

A doutrina abolicionista confere ilegitimidade ao Direito Penal, não

concebendo, nenhum objetivo com o fim de que se justifique os tormentos

decorrentes do apenamento. Outrossim, o abolicionismo prevê que a abolição

da pena seja praticada, em favor de uma orientação pedagógica e informal ao

criminoso.40

A proposta de abolição da pena vem refutar a afirmação teórica de que a

justiça é igual para todos, o que seria a sua vocação democrática. Entretanto, o

que deveria ser igualdade é, simultaneamente, o seu próprio ocultamento,

através de práticas que mostram a sua determinação para manter as

desigualdades sociais.41

Isto posto, se faz necessário que se entenda que o cerne do discurso

abolicionista, encontra-se centrado na ineficiência do sistema penal, buscando

uma humanização, em vista da redução da violência penal.42

As razões que Louk Hulsman aponta como fundamentais, na direção

abolicionista, tratam especificamente: do sofrimento desnecessário e

“distribuído” de maneira injusta decorrente do sistema penal, da não verificação

dos efeitos almejados em relação às pessoas envolvidas, e por derradeiro da

dificuldade que se infere acerca da manutenção do controle sobre os

apenados.43

40 TAVERNARI, Fernanda Barbosa Pinto. Ob. Cit. 41 REVISTA JUS VIGILANTIBUS. Ob. Cit. 42 CHAVES, Christian Frau Obrador. Ob. Cit. 43 HULSMAN, Louk. Ob. Cit., p. 62.

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A doutrina abolicionista confere ilegitimidade ao Direito Penal, não

concebendo, nenhum objetivo com o fim de que se justifique os tormentos

decorrentes do apenamento. Outrossim, o abolicionismo prevê que a abolição

da pena seja praticada, em favor de uma orientação pedagógica e informal ao

criminoso.44

Doutrinariamente aqui referindo, Nils Christie, faz a seguinte alusão:

“quando mandamos uma criança para escola, ela vai aprender os valores da

escola, dos amigos, vai formar sua rede de conexões. O mesmo acontece com

a pessoa que é mandada para a prisão, mas aqui os valores aprendidos são

outros”.45

Diante das incongruências da pena prisional, Grecianny Carvalho chega

a constatação de que esta vem falhando nos propósitos de repressão ao

aumento da criminalidade, na promoção da ressocialização do preso e na

redução dos índices de reincidência, daí por que vários autores decretaram a

falência da pena de prisão.46

O abolicionismo penal não é único, existem diferentes e diversas

versões abolicionistas penais:

Para Zaffaroni, "o abolicionismo atual constitui um movimento que, nos

últimos anos, produziu uma literatura considerável sobretudo entre os autores

do norte da Europa – principalmente escandinavos e holandeses –, seus mais

notórios representantes. Uma das características mais comuns entre seus

líderes é a de haverem levado adiante movimentos ou organismos com

participação de técnicos, presos, liberados, familiares e simpatizantes, isto é,

pessoas com alguma experiência prática no campo da marginalização

penalizada." E, conclui "o abolicionismo representa a mais original e radical

44 TAVERNARI, Fernanda Barbosa Pinto. Ob. Cit. 45 Idem. 46 CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Ob. Cit., p. 28.

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proposta político-criminal dos últimos anos, a ponto de ter seu mérito

reconhecido até mesmo por seus mais severos críticos."

Hulsman sustenta uma abolição do sistema penal imediata. Sua

proposta é afastar o Estado de todo e qualquer conflito, apontando a existência

de instâncias intermediárias competentes para as resoluções dos conflitos

entre as partes; propõe uma supressão das terminologias usadas no ambiente

criminal, de forma a realizar uma eliminação dos termos crime e criminalidade,

assim como do seu significado. No mérito, sua intenção não é a eliminação do

crime – mesmo porque essa é uma missão impossível – mas sim, a sua

reestruturação em forma de problemas sociais. A intenção última é a resolução

dos conflitos buscada pelas partes num ambiente diferente do que vige até os

dias atuais.

O abolicionismo penal – de alguma forma – acredita na lição de Franz

Von Liszt, de que a melhor política criminal ainda é uma boa política social.47

“Além de aplacar nosso desejo de vingança, a pena de prisão faz o

papel de bálsamo em nossas consciências: criamos uma escória, um grupo de

pessoas consideradas más por natureza com a finalidade nunca assumida de

esconder de nós mesmos nosso lado sombrio. Se o sistema penal define quem

são as pessoas “más” ao condená-las e prendê-las, nós, que estamos soltos,

somos obviamente, os “bons”! Qualquer crime, ilegalidade ou imoralidade que

tenhamos cometido são perdoados, pois nós não somos a “clientela

preferencial” do sistema penal. “

“Que importa se apenas 6% dos homicídios são esclarecidos no Rio de

Janeiro? E daí se a quase totalidade dos casos de furto não são sequer

informados à Polícia? Basta que tratemos os “azarados” que chegam a ser

47 SILVA, Luciano Nascimento. Manifesto abolicionista penal. Ensaio acerca da perda de legitimidade do sistema de Justiça Criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3556>. Acesso em: 23 abr. 2008..

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condenados como animais, jogando em cima deles a carga de sofrimento

causada por todos os crimes, inclusive os que eles não cometeram! ”48

48 MAGNO, Alexandre. O sucesso do sistema prisional brasileiro, 20/03/2008. Disponível em: < http://www.alexandremagno.com/novo/o-sucesso-do-sistema-prisional-brasileiro>. Acesso em: 30 junho 2009.

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CONCLUSÃO

As penitenciárias brasileiras são o retrato da falência da pena de prisão

como método repressivo, intimidador e ressocializador. Elas claramente não

reduzem a criminalidade, pois como dizia Beccaria: “Uma pena intimida não por

sua severidade, mas pela certeza de sua aplicação”.

Também não conduzem aquele ser humano à margem da sociedade a

um aprimoramento, sendo esse aspecto fundamental na pena de prisão, pois

no momento que o indivíduo entra no sistema prisional ele já tem uma data de

saída, e terá de retornar a sociedade mais cedo ou mais tarde, agora, se

melhor ou pior, dependerá das condições que lhe forem apresentadas lá

dentro.

O equilíbrio entre o dano original e a resposta do vingador é uma

questão presente em varias sociedades. Para muitos estudiosos, esse instinto

está na origem de todo nosso sistema de justiça. Trata-se de não deixar

impune um ato que transgrida o contrato implícito que da’ sustentação a uma

comunidade. Temos que esta punição requer uma finalidade, seja ela

reparadora e também ressocializadora, pois dessa forma teria a sociedade se

beneficiado de alguma forma. Por assim dizer, aquele que recebeu a punição

serviu de exemplo para que novos crimes não sejam cometidos, como também

este retornou a sociedade apto a conviver novamente com seus pares.

É de suma importância melhorá – lo, com base no Garantismo, dar ao

apenado uma chance de reintegração, pois só encher esses verdadeiros

“depósitos de gente” só gerará uma falsa sensação de segurança, somente

servirá para acalmar os ânimos exaltados da opinião pública diante de fatos

notórios.

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O crime afeta a sociedade como um todo, e o encarcerado também faz

parte dela, e como cidadão é preciso que lhe seja garantido direitos mínimos,

porém constitucionais aos quais a todos são devidos.

Fato notório a realidade carcerária do país, que pode até mesmo ser

observado nos jornais, na televisão. Relatos de violência, condições insalubres,

alimentação reduzida, corrupção, que se distanciam cada vez mais do princípio

constitucional da dignidade humana.

Não há preso que consiga se recuperar nas condições em que vivem!

Acredita – se que a solução não seja a completa ausência de controle,

mas sim um aperfeiçoamento desse controle, tornando – o plenamente eficaz,

e para isso será preciso organização, investimento, como por exemplo, reforma

de complexos penitenciários que no cenário atual estão superlotadas, aumento

de salário para agentes penitenciários, implemento de penas alternativas em

crimes não violentos, oportunidade de trabalho extra-muros e intra-muros para

que ocorra detração da pena.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Da pena de prisão 09

CAPÍTULO II - Do Condenado 16

CAPÍTULO III – Do Tratamento cruel, desumano e degradante

20

CAPITULO IV - Do Garantismo Penal 23

CAPITULO V - Do Abolicionismo Penal 25

CONCLUSÃO 29

BIBLIOGRAFIA 31

ÍNDICE 34

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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