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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE A CONSTRUÇAO DO CONHECIMENTO DE CRIANÇAS EM CLASSE POPULAR Rio de janeiro 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A CONSTRUÇAO DO CONHECIMENTO DE CRIANÇAS EM CLASSE POPULAR

Rio de janeiro 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A CONSTRUÇAO DO CONHECIMENTO DE CRIANÇAS EM CLASSE POPULAR

Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial

para obtenção do grau de Especialista em Administração Escolar.

Orientadora Professora Diva Maranhão

Aluna

Marilia Dias do Nascimento

Rio de janeiro 2003

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AGRADECIMENTOS

“A Deus demos glória , que por mim tanto fez” Aos meus pais Ademilde Dias e José Batista.

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“Desafiar o povo a ler criticamente o mundo é sempre uma prática incômoda para os que fundam seu poder na“inocência”dos explorados”

Paulo Freire

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SUMÁRIO

Resumo

Introdução

CAPÍTULO I: Um breve histórico: As teorias da Educação e o problema da

marginalidade..............................................................................................................pág 09

- As teorias não-críticas.........................................................................pág 10

- As teorias crítico-reproditivistas.........................................................pág. 15

CAPÍTULO II: As teorias Progressistas.....................................................................pág. 19

CAPÍTULO III: Formação do professor progressista................................................pág. 21

CAPÍTULO IV: Educação e a democratização escolar.............................................pág. 26

CAPÍTULO V: A construção do conhecimento e a criança de classe popular.........pág. 28

CAPÍTULO VI: Vozes da escola (depoimentos)......................................................pág. 34

CAPÍTULO VII: Análise dos depoimentos..............................................................pág. 37

CAPÍTULO VIII: Conclusão....................................................................................pág. 40

Bibliografia.................................................................................pág. 41

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Resumo

O tema desta monografia é a construção do conhecimento e a criança de

classe popular. Esta busca encontra abordagens que possam contribuir para um trabalho

político-pedagógico consciente que viabilize e resgate o potencial educativo transformador

principalmente para as crianças de classe popular.

Partiu-se portanto das várias teorias educacionais encontrando em Freire e

em Vigotsky caminhos possíveis.

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Introdução

Com o intuito de aperfeiçoar o trabalho pensei dar continuidade nos

estudos após o término da graduação fazendo especialização. Tinha plena consciência de

que a interseção do professor, não como mero transmissor de conhecimentos, tinha um

papel importante no auxílio para construção do conhecimento das crianças. Não bastava

rotular as crianças de carentes, desnutridas... Teria que haver uma forma para que elas

também tivessem direito a aprender, que apreciassem o estudo e permanecessem na escola.

Daí meu interesse na classe popular e em conhecer meios para ajuda-las em seu

aprendizado e rendimento.

Patto (1987) realizou um trabalho constatando que o estudo das

dificuldades de aprendizagem sempre esteve ligado a área da psicologia das diferenças

individuais ou psicologia diferencial que se interesse pelas diferenças de desempenho

existentes. É nessa linha que a psicologia tenta explicar para os educadores o por quê

algumas crianças vão bem na escola e outra não, e por quê crianças de uma determinada

classe social tem melhor rendimento do que as de uma outra classe social.

Segundo a autora em relação às crianças de classe popular a psicologia

gerou todo um corpo de conhecimentos que acabou identificado como a “teoria da carência

cultural”.

Essa teoria começou no final da década de 50 e no começo da década de

60, nos Estados Unidos, num momento em que as minorias raciais norte americanas,

especialmente os negros e porto-riquenhos, começaram a cobrar da sociedade norte-

americana a permanência e o sucesso na escola.

Segundo Patto (1987) nessa época o governo norte-americano financiou

uma série de pesquisas na tentativa de justificar o insucesso das crianças oriundas da classe

popular. Foi mobilizado um grande número de pedagogos, sociólogos, psicólogos,

profissionais da área de saúde que através de pesquisa e da aplicação de testes e de outros

procedimentos de medida psicológica concluíram que essas crianças iam mal na escola

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porque eram portadoras de inúmeras deficiências nas várias áreas do seu desenvolvimento

biopsicossocial. Ou seja ,as causas dos problemas de aprendizagem escolar encontravam-se

nas crianças por serem estas portadoras de atraso no desenvolvimento psicomotor,

perceptivo, lingüístico, cognitivo e social.

Foi assim que instalou-se no pensamento educacional dos Estados Unidos

e de todos os países que importaram esses conhecimentos de maneira acrítica, inclusive o

Brasil, a teoria da carência cultural.

Esta teoria contribuiu na verdade para sacramentar cientificamente as

crenças, os preconceitos e esteriótipos presentes na ideologia a respeito da classe popular.

A partir dessa teoria criaram-se mitos na tentativa de reforçar ou justificar

tal teoria, como : o mito da linguagem, da desnutrição,da carência afetiva,da evasão escolar

e da gratuidade do ensino público, porém todos esses mitos não subsistem na prática por

apresentarem argumentos contestáveis.

Assim sendo, até que ponto tais mitos não passavam de afirmações de

caráter ideológico e, portanto, mistificador, que justificavam uma ordem social vigente com

uma roupagem aparentemente científica? Até que ponto tais afirmações repetiam e

reforçavam uma visão de mundo gerada pela classe social dominante e seus intelectuais e

eram e/ou são impostas à sociedade como verdades universais?

Através do estudo para realização deste trabalho monográfico pôde-se

confirmar o quanto a escola está inserida no contexto social e como a educação reflete

através de ideologias a cultura e os saberes da classe dominante, perpetuando as

desigualdades sociais.

Então, em que suporte teórico posso buscar abordagens para realizar um

trabalho significativo para construção do conhecimento da criança de classe popular? Que

caminhos seguir ?

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Buscou-se na psicologia e na pedagogia através das contribuições de

Freire e de Vygotsky respaldo teórico que satisfizessem os questionamentos mencionados,

podendo conciliar a contribuição que ambas proporcionam ao encontro de caminhos de

trabalho desafiador, porém promissor, porque paltado no contexto social concreto,

indispensável para construção de conhecimentos.

I – Um breve histórico: As teorias da educação e o problema

da marginalidade.

Preocupado em estudar a questão da marginalidade no que diz respeito ao

fenômeno da escolarização, Saviani (1981) vai procurar analisar de que forma as teorias da

educação se colocaram diante desta questão.

As teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos.Para o

primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo a

integração de seus membros. “A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta

individualmente a um número maior ou menor de seus membros, o que,m, no entanto,

constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação

emerge aí como instrumento de correção dessas distorções”. (Saviani, 1981). Essas teorias

entendem ser a educação um instrumento de equalização social, logo de superação da

marginalidade, denominada então de teorias não-críticas.

O segundo grupo de teorias concebem a sociedade como sendo marcada

pela divisão entre classes diferentes que se relacionam á base da força material. “A

marginalidade nesse quadro é entendida como um fenômeno inerente a própria estrutura da

sociedade. Isto porque a classe que detém maior força se converte em dominante, se

apropriando dos resultados da produção social tendendo, em conseqüência, a relegar os

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demais à condição de marginalizados”(Saviani, 1981). Essas teorias entendem que a função

básica da educação é a reprodução da sociedade, sendo denominadas então de teorias

crítico - reprodutivistas.

As teorias não-críticas

Estas encaram a educação como autônoma e buscam compreende-la a

partir dela mesma. São elas:

- A pedagogia tradicional

Segundo Saviani (1987) a constituição dos chamados sistemas nacionais

de ensino data do início do século passado. Sua organização inspirou-se no princípio de que

a educação é direito de todos e dever do Estado.

O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade

correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia.

Tratava-se pois de construir uma sociedade democrática burguesa. Para superar a situação

de opressão, própria do antigo regime, e ascender a um tipo de sociedade fundada no

contrato social celebrado “livremente” entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira

da ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em

indivíduos livres porque esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? através do

ensino. “ A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em

cidadãos, redimindo os homens de seu duplo pecado histórico: a ignorância, miséria moral

e a opressão, miséria política”(Zanotti, apud Savianai, 1980).

De acordo com Saviani (1980) nesse quadro a causa da marginalidade é identificada

com a ignorância. È marginalizado da nova sociedade quem não é esclarecido. A escola

surge como um antídoto à ignorância, logo um instrumento para equacionar o problema da

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marginalidade. Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados

pela humanidade e sistematizados logicamente. A escola se organiza, pois, como uma

agência centrada no professor, o qual transmite o acervo cultural aos alunos. A estes cabe

assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos.

Depois do entusiasmo dessa escola citada acima, sucedeu uma grande decepção,

pois a referida escola não conseguiu realizar seu intuito de universalização. Começaram

então as criticas a essa teoria da educação e a escola, que passa a ser chamada de escola

tradicional.

• A Pedagogia Nova

Como nos mostra Saviani (1980) as críticas a pedagogia tradicional foram

dando origem a uma outra teoria da educação. Esta Teoria mantinha a crença no

poder da escola e em sua função de equalização social. Assim, as esperanças de que

se pudesse corrigir as distorções do fenômeno da marginalidade através da escola,

ficaram de pé. Começa então um amplo movimento de reforma conhecida sob o

nome de “escolanovismo”.

Nessa teoria a marginalidade não é conhecida como ignorância, ou seja, o

não domínio de conhecimentos. O marginalizado não é o ignorante, mas o rejeitado.

“alguém está integrado não quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo

grupo e, através dele pela sociedade em seu conjunto”(Saviani, 1980, p.19).

Alguns dos principais representantes da pedagogia nova voltaram-se

para a pedagogia a partir das preocupações com os “anormais” Nota-se, então uma

espécie de biopsicologização da sociedade, da educação e da escola. Ao conceito de

“anormalidade biológica” construída a partir da constatação de deficiências

neurológicas se acrescenta o conceito de “anormalidade psíquica” detectada através

dos testes de inteligência, de personalidade, etc..., que começam a se multiplicar.

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Forja-se então, uma pedagogia que defende um tratamento diferencial a

partir da “descoberta” das diferenças individuais. Portanto, a marginalidade não

pode ser explicada pelas diferenças individuais. Quaisquer que elas sejam, mas

também diferenças no domínio do conhecimento, na participação do saber, no

desempenho cognitivo. Marginalizados são os “anormais”, isto é, os desajustados e

desadaptados, fenômenos associados ao sentimento de rejeição.

A educação enquanto fator de equalização social será um instrumento de

correção da marginalidade, na medida em que cumprir a função da justar, de adaptar

os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos demais e

pelos demais. Portanto, a educação será um instrumento de correção da

marginalidade na medida em que contribuir para a constituição de uma sociedade

cujos membros, não importam as diferenças de quaisquer tipos, se aceitam

mutuamente e se respeitam na sua individualidade específica.

Essa maneira de entender a educação deslocou o eixo da questão pedagógica

do intelecto para o sentimento: do aspecto lógico para o matemático: dos conteúdos

cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos. Em suma, trata-se de uma

teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a

aprender.

Para funcionar de acordo com a concepção acima, a organização escolar

teria que passar por uma sensível reformulação. A escola deveria agrupar os alunos

segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria

como estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos

próprios alunos. O ambiente deveria ser estimulante, dotado de materiais didáticos

ricos, biblioteca de classe, etc. a feição da escola mudaria seu aspecto sombrio,

disciplinado, silencioso e paredes opacas, assumindo um ar alegre, movimentado,

barulhento e multicolorido.

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Esse tipo de escola descrito não conseguiu alterar o panorama organizacional

dos sistemas escolares. Além de outras razões, implicava em custos bem mais

elevados do que a escola tradicional.

De acordo com Saviani (1987), uma vez que o ideário escolanovista foi

amplamente difundido, penetrou na mente dos educadores, gerando conseqüências

mais negativas que positivas nas redes escolares que adotaram a pedagogia

tradicional, visto que houve um afrouxamento da disciplina e despreocupação com a

transmissão de conhecimentos rebaixando o nível de ensino destinado ás camadas

populares as quais tem na escola, com freqüência, o único meio de acesso ao

conhecimento elaborado. Em contrapartida, a Escola Nova aprimorou a qualidade

de ensino destinado às elites.

Assim, ao invés de resolver o problema da marginalidade, a Escola Nova o

gravou: “ao enfatizar a qualidade do ensino, ela deslocou o eixo de preocupação do

âmbito político para âmbito técnico-pedagógico (interior da escola0, cumprindo ao

mesmo tempo uma dupla função. O ideário da pedagogia nova, ao mesmo tempo em

que procurava evidencia as deficiências” da escola tradicional, dava força a idéia

segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente

para muitos”(Saviani, 1980,p. 92).

• A pedagogia Tecnicista

Como nos mostra Saviani (1997), ao findar a primeira metade do século atual, o

escolanovismo apresentou sinais de exaustão. As esperanças depositadas na escola

resultaram frustradas. Um sentimento de desilusão se alastra nos meios

educacionais. Em relação à questão da marginalidade, a pedagogia nova na prática

se torna ineficaz, ainda que dominante enquanto concepção teórica, tornando senso

comum o entendimento de que é portadora de todas as virtudes e de nenhum vício,

enquanto que a pedagogia tradicional é portadora de todos os vícios e de nenhuma

virtude.

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Sendo assim, de um lado surgiram tentativas de desenvolver uma espécie de

“escola Nova Popular”, cujos exemplos mais significativos são as pedagogias de

Paulo Freire e de Freinet, de outro lado radicalizava-se a preocupação com os

métodos pedagógicos presentes no escolanovismo que desemboca na eficiência

instrumental. Articula-se aqui uma nova teoria educacional: a pedagogia tecnicista.

Essa pedagogia defende a reordenação do processo educativo de maneira a

torna-lo objetivo e operacional.

Era primordial operacionalizar os objetivos e em certos aspectos, mecanizar

o processo, buscando planejar a educação através de organização racional capaz de

minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência.

A base de sustentação teórica dessa pedagogia desloca-se para a psicologia

behaviorista, a engenharia comportamental, informática, cibernética que tem em

comum a inspiração filosófica neopositivista e o método funcionalista.

Na pedagogia tecnicista professor e aluno ocupam posição secundária,

relegados que são a condição de executores de um processo cujo elemento principal

passa a ser a organização racional dos meios, onde concepção, planejamento,

coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados,

neutros, objetivos, imparciais. A organização racional do processo converte-se na

garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e

aumentando os efeitos de sua intervenção. Nessa pedagogia pode-se dizer que é o

processo que define o que professor e aluno devem fazer, e assim também quando e

como farão.

Para a pedagogia tecnicista a marginalidade não será identificada como a

ignorância nem será o incompetente, isto é, o ineficiente e improdutivo.

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Do ponto de vista pedagógico conclui-se que, se para a pedagogia tradicional

a questão central é aprender, e para a pedagogia nova aprender a aprender, para a

pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer.

As teorias Crítico-Reprodutivistas

Estas se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus

condicionamentos objetivos, isto é, aos determinantes sociais, à estrutura sócio-

econômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo.

Estas teorias são consideradas críticas por defenderem não ser possível

compreender a educação senão a partir dos seus condicionamentos sociais. Hás

nessas teorias uma grande percepção da dependência da educação em relação à

sociedade. Na análise desenvolvida para se chegar a essas teorias, concluiu-se que a

função própria da educação consiste na reprodução da sociedade em que ela se

insere, merecendo a denominação de “teorias crítico-reprodutivas”.

Constatou-se que todas as escolas fracassaram, tornando cada vez mais

evidente o papel que a escola desempenha: reproduzir a sociedade de classes e

reforçar o modo de produção capitalista.

Segundo Saviani (1980), algumas teorias tiveram maior repercussão dentro desta

perspectiva. São elas:

• Teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica

Os autores P. Bourdieu e J.C Passeron tomam como ponto de partida que

toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relações de força

material e sob sua determinação erige-se um sistema de força simbólica cujo o papel

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é reforçar, por dissimulação, as relações de força material. È essa idéia central

contida no axioma fundamental da teoria.

A violência simbólica se manifesta de múltiplas formas; no entanto, o

objetivo de Bourdieu e Passeron é a ação pedagógica institucionalizada, isto é, o

sistema escolar.

A referida ação pedagógica que se exerce através da autoridade pedagógica

se realiza do trabalho pedagógico(TP) entendido como trabalho de inculcação que

deve durar o bastante para produzir uma formação durável, isto é, um habitus como

produto da interiorização dos princípios de um arbitrário interiorizado.

“ O sistema de ensino existe e subsiste como instituição, implicando as

condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que exerce, isto

é, porque os meios institucionais dos quais dispõe enquanto instituição

relativamente autônoma, detentora do monopólio do exercício legítimo da violência

simbólica, estão predispostos a servir também, sob a aparência de neutralidade, os

grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbitrário cultural”(Bourdieu e Passeron,

1980).

A função da educação segundo esta teoria é a de reprodução das

desigualdades sociais. Pela reprodução cultural, ela contribui especificamente para a

reprodução social.

• Teoria da Escola enquanto Aparelho Ideológico de Estado (AIE)

O conceito de aparelho ideológico de estado tem origem na tese de que a

ideologia tem uma existência material, ou seja, a ideologia se materializa em

aparelhos: os aparelhos ideológicos de estado.

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A partir dessa concepção Althusser avança a tese segundo a qual a escola

constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo

capitalista, tomando para si todas as crianças de todas as classes sócias e lhes

inculcando”saberes práticos” envolvidos na ideologia dominante. Umas cumprem a

escolaridade básica e são introduzidas no processo produtivo; outras avançam no

processo de escolarização, mas não o concluem (pequeno-burguês)e outra pequena

parte, atinge o vértice da pirâmide escolar. Estes ocuparão os postos próprios dos

agentes de exploração.

Em todos os casos, trata-se de reproduzir as relações de exploração

capitalista. Nas palavras de Althusser, “é através da aprendizagem de alguns saberes

práticos envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são

em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social

capitalista” (Althusser, Saviani, 1987).

O AIE escolar, em lugar de instrumento de equalização social, constitui um

mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses.

• Teoria da Escola Dualista

Admitindo-se que a escola é um aparelho ideológico e que o aspecto

ideológico é dominante, este comanda o funcionamento do aparelho escolar em seu

conjunto. Assim a função da escola é a inculcação da ideologia burguesa enquanto

dominante.

No quadro da teoria da escola dualista o papel da escola não é o de tão

somente reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida socialmente, mas sim

tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta

revolucionária. A escola longe de ser um instrumento de equalização social é fator de

marginalização, pois converte trabalhadores em marginais, não somente em

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detrimento a cultura burguesa, mas em relação ao próprio movimento proletário,

arrancando deste todos que ingressam no sistema de ensino.

“A escola enquanto aparelho ideológico é um instrumento da burguesia na

luta ideológica contra o proletariado”(Boudieu e Passeron, apud Saviani, 1971).

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II - As Teorias Progressistas

“A escola só pode triunfar junto dos alunos do povo e faze-los triunfar se for capaz de comunicar uma alegria atual àquilo que lhes ensina: o prazer de sentir a emoção de uma poema, seja ele composto por um escritor ou por eles, de desenvolver um raciocínio coerente, de construir e de compreender os mecanismos, o sentimento de ter uma visão mais segura dos próprios problemas. Os alunos do povo pedem que a escolha lhes fale deles mesmo e do seu tempo, do seu mundo e das sua lutas- o que implica uma conexão direta entre o movimento social e o que se passa na escola: deste modo se vai muito longe na exigência destransformação”(Snyders, apud Aranha, 1989).

As teorias progressistas surgem como busca de outros caminhos, a partir de

uma nova concepção de educação, visto o esmorecimento das teorias não-críticas,

cujas promessas não atingiram as camadas populares.

A partir da descoberta do caráter político da educação o objetivo passa a ser

superar as teorias reprodutivistas e construir uma pedagogia social e crítica. Embora

reconhecendo que o homem está inserido no contexto de suas relações sociais,

considera importante a tomada de consciência das relações de opressão justamente

para se orientar em direção a novas formas de ação pedagógica. O que se pretende

nessa teoria é possibilitar cada vez mais o acesso das camadas populares à educação,

tornando a sala de aula o local da socialização do conhecimento elaborado.

Não mais permitir um saber abstrato desvinculado do vivido, nem mais

uma prática que não esteja inserida na prática social. Assim será possível superar a

dicotomia entre teoria e prática, trabalho intelectual e trabalho manual . enquanto a

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educação tradicional burguesa visa a aquisição de uma cultura supérflua, a educação

progressista quer formar o homem pelo e para o trabalho.

Para que a educação não permaneça à margem da cultura é preciso integrar o

trabalho a escola, não como passatempo ou mera aprendizagem técnica. O

interessante é estabelecer ponte entre ciência e técnica, trabalho manual e intelectual.

Não se trata de preparação de mão-de-obra qualificada, mas que o aluno consiga

compreender o processo do fazer em todas as técnicas (politecnia).

Outros representantes da mesma teoria reservam para a escola o seu papel

intelectual, não num saber supérfluo, mas voltado à compreensão das práticas sociais

nas quais o homem de hoje está inserido. Esse é um saber primordial para a classe

trabalhadora, saber consciente e claro a respeito do mundo físico e social que

possibilita transmissão de conteúdos necessários para se atingir a consciência crítica a

respeito das práticas sociais, por meio das quais o mundo é construído.

Os teóricos progressistas acreditam que se conseguissem integrar o trabalho

a escola seria possível superar também a dicotomia entre cultura erudita e cultura

popular em direção á construção de uma cultura nacional. Mas questionam: se a

escola é uma peça de engrenagem social, o que foi demonstrado pelos teóricos crítico-

reprodutivistas, como instaurar uma contra-ideologia?

Os teóricos progressistas não pretendem cair na postura dos idealistas de ver

na escola a solução dos problemas sociais, mas negam-se a cruzar os braços dizendo

ser preciso lutar por uma escola mais crítica.

“.. a escola cumpriria a parte que lhe cabe ensinando - e bem - a ler,

escrever, calcular, falar e transmitir conhecimentos básicos do mundo físico e social,

assim a educação escolar poderia ser útil às camadas populares, não como promotora

da igualdade, mas como estratégia de melhoria de vida e pré-requisito para a

organização política” (Mello, apud Aranha, 1989)

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Daí a importância da formação do professor e sua conscientização a respeito

da educação como prática social transformadora.

III – Formação do Professor Progressista

Para um trabalho pedagógico eficaz que contribua para transformação da

sociedade (embora se tenha consciência dos limites do papel da escola nesta

transformação) o professor deve aliar sua competência técnica a um compromisso

político, ampliando assim sua participação na sociedade no sentido de, por exemplo,

denunciar o desinteresse dos governos e defender a valorização da escola pública.

Essa ação só se dará, no entanto, antes, havendo percepção, visão, discernimento da

realidade.

A teoria progressista parte do pressuposto de que não existe educação neutra

e que até a aparente neutralidade de uma educação “apolítica”, esconde-se uma certa

política da educação. “se querem tornar a educação viva, não podem isola-la do

contexto social político onde ela se insere” (Paulo Freire, 1993 p.62).

O professor tem um trabalho especificamente pedagógico a desenvolver,

sem dúvida, só que este não pode ser desligado da compreensão do processo político

onde se acha inserido, justamente para não sucumbir ideologia, visto educação e

política serem complementares e indissociáveis.

É claro que há que se tomar cuidado para não se descuidar do próprio

trabalho pedagógico, tornando mais importante a ação política, o que terminaria por

ideologizar a educação.

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O que se pretende é a compreensão da ação pedagógica como dependente da

política, mas não como ela identificada nem a ela subordinada.

Freire, um dos principais representantes da teoria progressista no Brasil, fala

dessa compreensão e de qualidades indispensáveis aos educadores progressistas. “A

humildade, a amorosidade, a coragem, a competência, a capacidade de decidir, a

segurança, a eticidade, a justiça, a tensão entre paciência e impaciência contribuem

para criar, para forjar a escola alegre” (Paulo Freire, 1993 p.63).

A compreensão passa também por perceber a herança cultural como algo a

que se é condicionado nas experiências sociais, culturais, de classe, ideológicas, que

interferem através do poder de interesses no ser como pessoa, em suas emoções,

desejos...

“No fundo, nem somos só o que herdamos nem apenas o que adquirimos,

mas a relação dinâmica, processual do que herdamos e do que adquirimos”(Paulo Freire,

1993 p.93).

Como diz Paulo Freire a “força do sangue” existe, mas não é determinante.

Como a presença do cultural sozinha não explica tudo.

Tudo isso é dito para se comprovar que as interdições à nossa liberdade são

muito mais produtos das estruturas sociais, políticas, econômicas, culturais, históricas,

ideológicas do que das estruturas hereditárias.

O fato de sermos seres programados, condicionados, mas, sobretudo

conscientes do condicionamento e não determinados é que se faz possível superar a força

das heranças culturais.

“Condicionados, programados, mas não determinados, move-se com um mínimo de

liberdade de que dispomos na moldura cultural para amplia-la. Desta forma, através da

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educação como expressão também cultural, podemos explorara, mais ou menos, as

possibilidades inscritas nos cromossomos” (Jacob, apud Freire, 1991).

No entanto, há que reconhecer a herança cultural e respeitá-la como condição

fundamental para o esforço de mudança. E o respeito é reconhecer a identidade. Isso

implica em “aceitar” as diferenças reconhece-las e não subjuga-las. “É na prática de

experimentarmos as diferenças que nos descobrimos como eus e tus “ ( Freire, 1993 p.96).

Tem-se normalmente forte tendência em considerar o diferente como inferior. Isto,

segundo Freire(1993) chama-se intolerância, ou seja, gosto irresistível de se opor às

diferenças.

A classe dominante, devido a seu poder de perfilar a classe dominada recusa a

diferença, não pretende tornar-se igual a, e não intenciona que o diferente fique igual a ela.

“O que ela pretende é, mantendo a diferença e guardando a distância, admitir e enfatizar na

prática, a inferioridade dos dominados”(Freire, 1993 p.96).

A posição dos educadores progressistas frente a essa situação não é a de sentirem-se

inferiorizados em relação aos educandos da classe dominante, nem sentirem-se superiores

aos educandos da favela, tão pouco adotar a agressividade no primeiro caso ou a atitude

paternalista às crianças de classe popular no segundo caso.

O essencial para uma perspectiva de mudança do quadro de dominação é saber, é

compreender que a educação é uma prática política, e que, portanto está inserida e

permeada de fatores sociais que influenciam e moldam comportamentos.

É indispensável na formação do educador a reflexão crítica que o contexto

cultural tem sobre nós, sobre nossa maneira de agir, sobre nossos valores. A influência que

o fator econômico exerce sobre nós...” (freire, 1993 p.97). O contexto teórico não pode

transformar-se num ouro fazer. Ele é um contexto de prática e de teoria. Do contrário o

“ensino” tornas-se mecânico, pacotes que o aluno tem que engolir.

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Daí ser imprescindível que o educador conheça o mundo concreto em que seus

alunos vivem: saber quem são, como vivem, seus gostos, crenças, medos... e reconhece-los

como alguém que tem história e que faz parte desse mundo multifacetado. Os educadores

precisam saber o que se passa no mundo das crianças com quem trabalham. “o universo de

seus sonhos, a linguagem com que se defendem, manhosamente da agressividade de seu

mundo. O que sabem e como sabem independente da escola” (Freire,1993 p.98)

Não é possível realizar um trabalho em que o conteúdo teórico se separa da

experiência dos educadores no seu contexto concreto, real. Ensinar não é algo mecânico

que justapõe-se aos educandos.

As crianças das classes populares devem aprender o chamado “padrão culto” da

língua portuguesa do Brasil, porém, deve-se dizer-lhe que isto se faz necessário para que

diminuam as suas desvantagens na luta pela vida, embora sua linguagem seja tão rica e

bonita quanto as que falam o padrão culto.

Para isso Freire mostra a necessidade de uma escola democrática, e que, portanto

deve estar aberta a realidade contextual de seus alunos e disposta a aprender, de suas

relações com o contexto concreto, sendo humilde para aprender com quem sequer tenha

sido escolarizado.

A escola democrática não pressupõe professor ensinar e aluno aprender, mesmo

porque como ensinar sem saber o que eles sabem ?

Como contexto prático-teórico a escola não pode prescindir de conhecimentos em

torno do que se passa no contexto concreto de seus alunos e das familiares deles. De que

forma entender as dificuldades durante o processo de aprendizagem de alunos sem saber o

que se passa em sua experiência em casa ? qual é a sua realidade, seu contexto de vida ?

Há que priorizar e se trabalhar pela humanização da vida, valorizando a língua, a

cultura de quem vem sendo proibido de ser desde a “invenção” do Brasil: a classe popular.

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Para que os educadores progressistas “produzam” é necessário que haja uma

liderança democrática, aberta, curiosa, humilde e cientificamente competente, aliado a um

outro dado que é o conhecimento que os grupos devem ter de si mesmos (identidade) para

que saibam com clareza o que querem, como caminhar, para quê, contra quê, etc...

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IV Educação e Democratização Escolar

“Não se pode mudar a realidade com rapidez com que se concebe uma mudança. São ações continuadas e sucessivamente realizadas que vão construindo, no tempo, a mudança maior. Assim, uma prática escolar democrática e participativa se estabelece a partir de ações e de estratégias simples, mas orgânicas, com direção bem clara”(Gandin, 1991).

A escola tem revelado uma certa identificação com processos não democráticos e

por isso excludentes. Reproduz formas de decisão dos processos centralizados e autoritários

da sociedade brasileira através de sua administração, perpassando a todo corpo docente,

discente como todos que compõe a organização escolar.“O autoritarismo se reproduz em

todos os níveis do Estado, até a instituição escolar” (Rodrigues, 1992 p.46). por isso, para

que se quebre este espírito autoritário é necessário a participação do povo da comunidade,

da classe população nas decisões da escola.

A escola ainda hoje está voltada para suprir a necessidade de setores hegemônicos

na sociedade: hegemônicos do ponto de vista social, cultural, econômico e político. “Na

realidade, a escola não se destina ao atendimento dos interesses da totalidade dos

segmentos sociais e, sim, a satisfação das exigências das elites ou dos setores dominantes

da sociedade” (Rodrigues, 1992p. 48).

Foi visto que a democratização da escola é um aspecto de democratização de toda a

sociedade. Não significa, contudo que só haverá democratização escolar se democratizar a

sociedade. Porém, não se pode requerer que a escola se democratize enquanto a sociedade

inteira não estiver participando dos processos de decisão políticos, sociais, econômicos e

culturais. A escola deve participar, segundo Rodrigues(1992) dos processos decisórios da

totalidade da sociedade, assim como a sociedade deve participar dos processos decisórios

da totalidade escolar.

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“É Fundamental que a escola universalize a sua experiência e a sua prática

pedagógica, que ela não continue sendo a escola de uma classe, nem escola para uma

classe. Isto significa, necessariamente, que temos que discutir toda a questão dos fins da

escola e que essa discussão não pode ser privilégio dos intelectuais, das lideranças ou das

elites educacionais. É necessário colocar a questão da democratização em torno da

definição dos objetivos da escola, e determinar o papel dos agentes educacionais e daqueles

que sofrem a ação dos agentes educacionais – os alunos -, bem como o papel que a

comunidade pode ter na determinação dos fins da educação, no dia-a-dia da escola, nos

problemas específicos da atividade escolar. Não se pode separar estas questões da discussão

da democratização da escola sem risco de perder a perspectiva de totalidade e acabar

pensando que é possível democratizar os aspectos a, b ou c” (Rodrigues 1992 p. 39).

Isso implica também permitir que a cultura do povo, a sua concepção de mundo sua

tradições em fim, possam atravessar a escola. Não com o objetivo de moldar ou limitar a

atividade educacional, mas para estabelecer por onde ela deve iniciar, desenvolvendo a

cultura do povo, ampliando sua visão de mundo e a sua perspectiva de atuação político-

social, econômica e cultural. Fazer com que a atividade educacional não seja, apenas, uma

atividade de transmissão de saberes, mas que a mesma possa ser centro de debates,

discussões e ampliação de valores da própria cultura que serão transmitidos pela escola.

Todavia isso requer uma nova estrutura para a escola. Requer que esta reveja sua própria

função.

A sociedade brasileira precisa discutir a escola e formular o seu destino

estabelecendo por sua vez o tipo escola que atenda sua necessidade.

Há de se ter no entanto para impulsionar essa discussão envolvendo a sociedade

uma liderança política e uma liderança pedagógica, e no momento em que isso for feito

estará sendo restaurada a democracia na escola.

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“A democratização vai acontecer quando a participação nos processos decisórios no

âmbito da escola ou no próprio sistema educacional sofrer a participação de outros

elementos hoje excluídos, a classe popular” (Rodrigues, 1992 p.45).

V – A Construção do Conhecimento e a Criança de Classe Popular

uma mediação possível.

Tanto a colocação de Freire sobre o educador progressista quanto a de Rodrigues

sobre a democratização da escola, reforçam a importância de se discutir um processo

pedagógico de ensino-aprendizagem mais democrático que inclua a cultura, os saberes e os

fazeres da criança de classe popular que em grande escala continuam sendo vítimas do

fracasso escolar, da repetência, da evasão e de toda a sorte de circunstâncias excludentes,

circunstâncias essas abordadas entre outros por Patto (1987).

Um referencial teórico que poderá dar uma grande contribuição a discussão citada

acima, principalmente por colocar as questões históricas e culturais como fatores

fundamentais para o processo de construção de conhecimento, é a teoria sócio-histórica,

que Vygotsky um de seus principais representantes. A seguir serás realizada uma discussão

sobre os pontos principais de sua teoria.

Segundo Rego (1994) nas primeiras décadas do século XX, a psicologia estava

dividida em duas tendências antagônicas: ciência natural e ciência mental. O grupo que

baseava-se em pressupostos empiristas via a psicologia como ciência mental e não ignorava

as funções mais complexas do ser humano, mas se detinha na descrição subjetiva de tais

fenômenos.

A pretensão de Vygotsky era propor uma nova psicologia que sintetizasse e

transformasse as duas abordagens radicais numa abordagem que incluísse: “(...) a

identificação dos mecanismos cerebrais a uma determinada função: a explicação detalhada

da sua histórica ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer as relações

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entre formas simples e complexas daquilo que apresentava ser o mesmo comportamento;

incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento de

comportamento” (Cole e Scribner, apud Rego, 1994).

O período pós revolucionário em que tais propostas ocorreram tiveram grande

apoio, já que o ideal revolucionário trazia o desejo de rápidos e significativos progressos

para o povo. “A atmosfera que se seguiu imediatamente à Revolução proporcionou a

energia para muitos empreendimentos ambiciosos” (Luria,apud Rego, 1994)

A primeira tese do autor se refere a relação indivíduo/sociedade, e esta afirma que

as características humanas não estão presentes no indivíduo desde seu nascimento, nem são

resultado de pressões do meio externo. Estas resultam das interação dialética do homem e

seu meio sócio-cultural.

A segunda tese se refere a anterior e diz que as funções psicológicas humanas têm

origem nas relações do indivíduo com seu contexto cultural e social. A cultura é portanto,

parte da natureza humana cuja característica é determinada pela interiorização dos modos

historicamente determinados.

A terceira tese se refere à base biológica do funcionamento psicológico: o cérebro,

substrato material da atividade psíquica que cada indivíduo possui ao nascer, porém a base

material não é um sistema imutável e fixo. “O cérebro é entendido como um sistema aberto,

de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da

história da espécie e do desenvolvimento intelectual” ( Oliveira, apud Rego 1994 ).

A quarta tese diz respeito a característica mediação presente em toda a atividade

humana representada por signos e instrumentos técnicos construídos historicamente. A

linguagem é um exemplo de signo elaborado pela cultura que faz mediação dos seres

humanos entre si e entre o mundo.

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Essa mediação é fundamental na perspectiva sócio-histórica porque é através dela;

utilizando instrumentos técnicos e signos que os processos de funcionamento psicológico

são fornecidos. “É por isso que Vygotsky confere a linguagem um papel de destaque no

processo de pensamento” (Rego,1994)

De acordo com Rego 91994) a quinta tese diz que a análise psicológica deve ser

capaz de conservar as características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente

humanos. Assim, ao abordar a consciência humana como produto da história social,

Vygotsky aponta na direção da necessidade do estudo das mudanças que ocorrem no

desenvolvimento mental a partir do contexto social.

Vygotsky confere grande ênfase a quarta tese no que se refere a linguagem como

sistema de signos que fornece significados, permitindo comunicação entre os indivíduos.

A partir dessa ênfase iniciou-se um programa de pesquisa que visava a análise de

como a relação entre fala e o uso de instrumentos afeta várias funções psicológicas como a

percepção, as operações sensório-motoras e a atenção. Já havia no entanto, a idéia de que a

internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provocava mudanças no

comportamento humano. É por esta razão, constata Rego (1994) que os processos de

funcionamento mental do homem são fornecidos pela cultura, através da mediação

simbólica. Cabe aqui um questionamento: como a escola (instrumento técnico) tem tratado

essa mediação simbólica em relação a criança de classe popular, visto sua cultura ser

considerada desprezível ?

O principal interesse de Vygotsky no estudo da infância é explicar como o processo

de desenvolvimento é socialmente construído. Para ele a maturação biológica é fator

secundário no desenvolvimento humano, pois esses dependem da interação da criança e sua

cultura. Isso vem confirmar o fato de que não se pode desprezar a cultura da criança de

classe popular. “as características individuais dependem da interação do ser humano com o

meio físico e social” (Vygotsky, apud Rego 1994). Ou seja, o desenvolvimento está

intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural em que a pessoa vive, e as interações

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com seu grupo social e com os objetos de sua cultura passam a governar o comportamento

e o desenvolvimento de seu pensamento.

Daí que o comportamento da criança recebe influência dos costumes e objetos de

sua cultura e através de intervenções do adulto os processos psicológicos vão se formando.

Por isso Vygotsky (1994) diz que as conquistas individuais resultam de um processo

compartilhado.

Não se pode esquecer no entanto que no processo de constituição humana distingue-

se duas linhas diferentes de desenvolvimento: as origem biológicas e as de origem sócio-

Cultural. “A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas

linhas” (Vygotsky, apud Rego, 1994).

No que diz respeito a linha de desenvolvimento de origem sócio-cultural a

intervenção do adulto se dá por exemplo através da pessoa do professor.

Como foi visto na formação do professor progressista, sua atuação contribuirá para

aquisição de novos saberes pela criança, e no caso específico das crianças de classe

popular, porque essas, principalmente, são alvo de distorções da função da própria escola.

Rego(1994) constata que o papel do outro na construção do conhecimento é

fundamental, pois, o indivíduo se constitui não somente devido aos processos de maturação

orgânica, mas principalmente, através de usas interações sociais, a partir das trocas com seu

semelhante, como já foi visto na teoria histórico-cultural. Para a apropriação do

“conhecimento” é preciso no entanto que exista a internalização dos processos externos em

intrapsicológico. O caminho do desenvolvimento humano parte então do social para o

individual..

Na perspectiva de Vygotsky (1984), construir conhecimentos implica numa ação

partilhada como já foi dito, pois é através dos outros que as relações entre sujeito e objeto

de conhecimento são estabelecidas. “Dessa maneira, a heterogeneidade, característica

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presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as

interações na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, trajetórias

pessoais, contexto familiares, valores e níveis de conhecimentos de cada criança ( e do

professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão

de mundo, confrontos,ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidades individuais”

(Vygotsky, apud Rego, 1994)

Então o papel do professor pressupõe esse compartilhar assim como o mediar no

processo da dinâmica das interações culturais e sociais. Para que o professor possa intervir

como o propósito de contribuir para avanços, reestruturação e ampliação de conhecimentos,

é necessário que conheça o nível efetivo das crianças, as suas descobertas, hipóteses,

crenças, opiniões, enfim, suas “teorias” acerca do mundo em que está inserida. Para tanto, o

professor deve estabelecer relações de diálogo com as crianças a fim de saber o que elas já

sabem, como foi mencionado por Freire. Desta forma torna-se possível a partir do que elas

já sabem, estabelecer pontes para aquisição de outros saberes.

A criança assim considerada no seu processo de construção de conhecimento será

ativa, pois a mesma fará parte deste processo, não sendo mera receptora de saberes

acumulados pela humanidade.

Vygotsky(1984) considera a questão da imitação no processo de construção de

conhecimentos também relevante, porém não se refere aos rituais de cópias ou propostas de

imitações mecênicas fornecidas pelo professor. Mas a que a propicia, a ampliação da

capacidade cognitiva individual. É citado por exemplo a brincadeira onde a criança

internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social, que

passam a orientar o seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo.

O aprendizado através da brincadeira, imitação ou forma sistematizada de

conhecimentos é considerado um aspecto necessário e fundamental no processo de

desenvolvimento das funções psicológicas. “ O aprendizado pressupõe uma natureza social

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específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles

que o cercam” (VygotskY, apud Rego, 1994)

Assim, embora o aprendizado da criança preceda o da escola,esta pode contribuir no

sentido de introduzir novos elementos ao seu desenvolvimento.

De acordo com Vygotsky (1984) existem dois níveis de desenvolvimento: um se

refere a conquistas já efetivas, outro se relaciona às capacidades em vias de serem

construídas, ambas relacionadas á criança. A distância entre aquilo que a criança é capaz de

fazer de forma autônoma e aquilo que ela realiza com ajuda de outros elementos de seu

grupo social é chamado de zona de desenvolvimento potencial ou proximal, que por sua

vez define funções não amadurecidas em processo de maturação.

“O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema importância para as

pesquisas do desenvolvimento infantil e para o plano educacional, pois permite a

compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual” (Oliveira, 1983).

O aprendizado de modo geral e o aprendizado escolar em particular, não só

possibilitam como orientam e estimulam processos de desenvolvimento. O

desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados desde o nascimento da criança.

E, muito antes da criança entrar na escola, esta já constitui uma série de conhecimentos do

mundo que a cerca, como mencionada acima. O ensino escolar desempenha por isso, papel

importante na formação dos conceitos de um modo geral e dos científicos em particular.

Pode-se concluir que o aprendizado escolar exerce significativa influência no

desenvolvimento das funções psicológicas.

Os conceitos são apreendidos não por meio de treinamento mecânico ou por meio

da desvinculação destes do contexto concreto da criança, pois como diz Vygotsky (1984) o

ensino direto de conceitos é infrutífero. Então, mais uma vez é reforçada também a

abordagem já mencionada por Freire de que para que haja aprendizado, para que a criança

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seja um agente capaz de construir conhecimentos suas experiências, seu saber são

imprescindíveis.

A escola então tem papel diferente e insubstituível para aproximação dos saberes da

cultura socialmente produzidas e acumuladas, pois promove modo mais elaborado de

analisar conceitos propiciando desenvolvimento, pelo menos isso é o que se deseja da

escola. Ao interagir com esses conceitos ou conhecimentos a “criança” se transforma ,

aprendendo por exemplo, a ler e a escrever, a calcular, etc... Na medida que a criança

aprende, sua relação com o mundo vai modificando. O acesso da criança na escola, assim

como sua permanência , além da qualidade do ensino oferecido, dependerá no entanto de

fatores de ordem social, política e econômica.

Reportando a questão relatada por Rodrigues, educação e política são

complementares e indissociáveis, o que exige na verdade discernimento daqueles que

pretendem postular um trabalho que contribua para minimizar as diferenças existentes em

relação a classe popular.

Conclui Rego (1994) dizendo que os postulados de Vygotsky parecem apontar para

a necessidade de criação de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em

que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Onde

há espaços para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a

colaboração mútua e para a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham

autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção de

conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma escola em que o conhecimento já

sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de significado.

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VI – Vozes da Escola (Depoimentos)

Na tentativa da realizar uma sondagem inicial sobre a visão dos professores no que

diz respeito a importância da escola para acriança de classe popular, foram ouvidas três

professores das séries de 1ª a 4ª de uma escola pública.

Pela própria localização da escola percebe-se o ambiente tenso no interior da

mesma, o que é confirmado na fala das professoras que até riem da situação, embora as

vezes sejam impedidas de dar aulas por conta da violência do local.

Em relação as questões, foram apresentadas na seguinte ordem: como você vê seu

aluno ? O que você acha do rendimento de seu aluno ? O que você faz para ajuda-lo ? O

que você acha que a escola tem a oferecer ao seu aluno? O que a escola deveria oferecer a

seu aluno ?

Ressalto que as professoras foram extremamente gentis e naturais em atender a

entrevista não havendo qualquer objeção.

Para facilitar a identificação das falas das professoras estas serão enumeradas na

seqüência 1, 2, 3 respectivamente.

Pergunta: Como você ver seu aluno?

Professora 1 – Fraco, sem interesse, sem motivação, cheio de problemas vindo do

lar, faltoso....

Professora 2 – Com grande experiência de vida, com poucos conhecimentos

relativos as exigências da escola, sofrido, algumas vezes amadurecidos, outras alienados.

Pergunta : O que você acha do rendimento de seu aluno ?

Professora 1 – Rendimento: muito Fraco. Motivo:avaliação continuada.

Professora 2 – Fraco em conseqüência da avaliação presente. A continuidade é

importante, porém deveria ser feita com mais cautela para que o rendimento fosse melhor.

Professora 3 – Tem deixado a desejar muito. A cada ano que passa o rendimento

tem sido menor, bem aquém do esperado pelo professor.

Pergunta: O que você faz para ajuda-lo?

Promovo atividades básicas para o dia-a-dia. Diversifico as atividades de acordo

com o “interesse” deles, o número de alunos no dia da aula, etc...

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Professora 3 – Procuro estimula-los com conversas a respeito da realidade e

expectativa da cada um na medida do possível, procuro tornar as aulas mais interessantes e

atraentes.

Pergunta : O que você acha que a escola tem a oferecer a seu aluno ?

Professora1 – O próprio professor vem para esta unidade de ensino e nem sabe se

vai poder dar aula. Estamos numa “comunidade difícil”, de risco.

Professora 2 – Que nada. A escola está situada numa comunidade muito difícil.

Professora 3 – Bem pouco!

Pergunta: O que a escola deveria oferecer a seu aluno?

Professora 1 – Um ambiente calmo, tranqüilo, atraente, para o aluno se sentir bem e

tomar gosto pela escola.

Professora 2 – Atividades profissionalizantes para que o aluno possa ter melhores

condições para o mercado de trabalho.

Professora 3 – Uma escola bem mais alegre. Um ambiente prazeroso e amigo sem

disputas. Professores capacitados e bem remunerados.

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VII – Análise dos Depoimentos

A análise dos depoimentos terá como base a discussão teórica desenvolvida no

início do trabalho.

Em relação a primeira pergunta, como você vê seu aluno, as professoras

responderam a questão remetendo-a ao fator emocional para justificar a resposta: fraco.

Outra professora alegou que eles têm experiência de vida mas que em relação a escola têm

poucos conhecimentos, são sofridos,algumas vezes são amadurecidos e outras alienados.

Como foi abordado por Vygotsky (1984) as características humanas são resultado

da interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural. Assim, as crianças dessa escola

refletem em sua “fraqueza e sofrimento” o seu próprio contexto de vida, da violência que

sofrem ou presenciam, dos problemas emocionais como alegaram as professoras por

decorrência desse modo de vida tenso. Por isso também diz Freire (1993) é importante

saber o “universo” da criança, seus modos, sonhos, etc., para melhor intervenção do

professor.

A segunda pergunta foi a que elas achavam do rendimento do aluno. Duas das

professoras disseram que o achavam fraco e atribuiu a causa a avaliação continuada. Outra

disse que a cada ano o rendimento tem sido menor.

Tem-se discutido a questão da avaliação continuada entre os profissionais da

educação no interior das escolas, pois estes, em sua maioria, não concordam com este tipo

de avaliação e sentem-se obrigados a aprovar seus alunos mesmo que estes não tenham

“aprendido”.

Vygotsky(1984) diz que o aprendizado é considerado fundamental no processo de

desenvolvimento das funções psicológicas da criança e que a escola introduz elementos

novos no seu desenvolvimento, porém, para aprender um conceito por exemplo, é

necessário a atividade mental por parte da criança e o professor deve então auxiliar nesse

processo partindo do que a criança já sabe e desafiando-a a construção de novos

conhecimentos.

Se a avaliação continuada que implica promoção automática passasse pela decisão

da escola, da comunidade como propõe a escola democrática, haveria o suporte necessário

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para a atuação dos professores e preparação, adequação, em fim, os responsáveis pelo

trabalho sentiriam-se aptos para mais este desafio do sistema educacional. Hoje

negligencia-se a cultura da criança passa de ano, o que cada vez mais torna aquém dos

saberes da “escola”, tendo como resultado a própria desmotivação, o abandono do “ensino”

e o despreparo para a concorrência no mercado de trabalho, forjando de certa forma como

apontavam a teoria crítico-reprodutivista a exclusão social.

Na terceira pergunta o que você faria para ajudá-lo, as professoras responderam que

diversificam as aulas, conversam, procuram estimula-los.

Realmente parte daí a ajuda. Em diversificar as aulas, em estimula-los e a conversar

com eles no intuito de conhece-los melhor, sabendo como vivem, onde vivem, com quem

vivem, etc... Pois como foi constado por Freire (1993) não é possível realizar um trabalho

em que o conteúdo teórico se separa da experiência dos educandos ao seu contexto, real.

Haja visto que ensinar não é algo mecânico que justapõe-se aos educandos.

Na quarta pergunta, o que a escola tem a oferecer a seu aluno, as professoras

alegaram basicamente ser a comunidade difícil visto esta localiza-se numa favela. Elas

sentem-se amedrontadas, ameaçadas muitas vezes e isso de certa forma impede um trabalho

com a própria comunidade. Assim, a escola oferece o básico para as crianças:”ensino” e

merenda.

De acordo com Rodrigues (1992) educação é política e ambos são complementares

e indissossiáveis. Contudo, há atribuições pedagógicas que não devem “tomar a vez” da

questão da questão política e vice-versa. No entanto, ter essa visão contribui para uma

tomada de decisão que enriqueça a escola no sentido em que essa não seja apenas

transmissora de saberes. Não é fácil lidar com o perigo eminente, porém, não dá para

cruzar os braços como nos ensina a proposta da teoria progressista que trouxe novos

horizontes para a educação a nível de uma escola mais crítica e social. O caminho ainda é

discutir a escola, rever seu papel e nesse caso específico trabalhar a questão da violência,

suas causas e as possíveis soluções encontradas em conjunto com as próprias crianças. E

ainda que seja aos poucos, dando vez e voz a comunidade.

A quinta pergunta, o que a escola deveria oferecer a seu aluno, duas das professoras

referiam-se ao ambiente, devendo este ser tranqüilo, agradável e alegre. Outra falou sobre

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cursos profissionalizante para que os alunos tivessem melhores oportunidades no mercado

de trabalho.

Um grupo dos teóricos progressistas defendiam a inserção do trabalho na escola,

mas o objetivo era que a escola não ficasse `a margem da sociedade, não se tratava no

entanto de se preparar mão-de-obra qualificada, mas o objetivo era que o aluno

compreendesse o processo do fazer em todas as técnicas (politecnia)

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VII Conclusão

Ao longo deste trabalho monográfico ficou evidente a perpetuação de ideologias

através da escola que utilizavam a educação como um instrumento que prestigie a classe

dominante e exclui a classe dominada sendo sua cultura cada vez mais desvalorizada.

Com o surgimento da teoria progressista que propunha uma escola social e crítica os

discursos mudam, e o objetivo passa a ser uma escola voltada para a classe populares. Parte

daí uma nova proposta de trabalho em que se valorize a cultura e os saberes dessa classe tão

estigmatizada. Nesse caso a formação do professor torna-se imprescindível, pois ele não

deve mais ser apenas transmissor de conhecimentos,mas sim aquele que mediará os saberes

que os educandos já possuem para estimula-los na aquisição de novos conhecimentos. Tudo

isto deve estar aliado a uma escola democrática que dê espaço a participação da

comunidade nas próprias decisões da escola.

A proposta deste trabalho foi encontrar abordagens que contribuíssem para um

trabalho político-pedagógico,que reconheça a inserção da escola na sociedade, mas que

acima de tudo tivesse como objetivo viabilizar a construção do conhecimento de crianças

de classe popular.

Foi encontrado principalmente nas abordagens de Freire e de Vygotsky

embasamento para tal proposta de trabalho,porém sabe-se que este “encontrar” não termina

aqui, pois a educação para a construção de conhecimento também passa pelo processo de

desconstrução e continua busca de novos saberes,pois a realidade está sempre nos

colocando novos desafios.

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