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GOVERNO DO PARANÁ

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

IZAMARA MARIA MARIANO CIAN

ESTUDO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA COM BASE NA ANÁLISE DE

FILMES E TEXTOS

MARINGÁ

2012

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IZAMARA MARIA MARIANO CIAN

ESTUDO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA COM BASE NA ANÁLISE DE

FILMES E TEXTOS

Artigo Final apresentado à Universidade Estadual de Maringá – UEM e à Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, como requisito para conclusão da participação no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, sob a orientação da Profª. Drª. Augusta Padilha.

MARINGÁ

2012

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SUMÁRIO

RESUMO ....................................................................................................... 3

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 4

2 SOBRE O CURSO DE EXTENSÃO .............................................................. 6

3 ASPECTOS CONSIDERADOS NOS ENCONTROS COM

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ............................................................... 9

3.1 A HISTÓRIA HUMANA DE TODOS OS DIAS E O PROCESSO DE

APRENDIZAGEM DOS HOMENS ................................................................. 9

3.2 VISÕES SOCIOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO, DO TRABALHO E SUAS

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA EDUCATIVA ............................................ 11

3.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR, O MODO DE ENSINO E A

APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COMO PROCESSOS INTRÍNSECOS,

RECÍPROCOS E DETERMINANTES PARA QUE A FORMAÇÃO

CULTURAL COINCIDA COM A FORMAÇÃO HUMANA ............................... 14

3.4 A ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE O PROJETO POLÍTICO

PEDAGÓGICO DA ESCOLA ......................................................................... 18

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 20

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 21

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ESTUDO SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA COM BASE NA ANÁLISE DE

FILMES E TEXTOS

Izamara Maria Mariano Cian*

Augusta Padilha**

RESUMO O presente artigo sintetiza o trabalho realizado em uma Escola Pública da Rede Estadual de Ensino Estado do Paraná, situada no município de Engenheiro Beltrão, desenvolvido no ano de 2011. Este trabalho fundamentou-se em estudos e ações realizados durante o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), período no qual se elaborou um plano de trabalho que foi implementado na referida escola, tendo por princípio a problematização que, hoje, envolve a questão da função social da escola, por meio do delineamento de um Projeto Político Pedagógico. Definido o tema central – a função social da escola –, o trabalho pautou-se em um estudo coletivo da concepção marxiana sobre, principalmente, o fenômeno da educação e da educação escolar, bem como sobre o homem, o conhecimento e a realidade social/escolar. Com base nos estudos de Dermeval Saviani e outros estudiosos do assunto, objetivou-se trabalhar as diversas teorias pedagógicas, mas direcionando os estudos posteriores com base na Pedagogia Histórico-Crítica. Para articular os conteúdos dos temas a serem ministrados, foram selecionados alguns filmes que se constituíram em uma poderosa fonte não apenas para ilustrar conceitos, como para enriquecer as discussões. A finalidade consistiu em mobilizar os participantes do referido Projeto de Intervenção Pedagógica para que viabilizassem estratégias de trabalho políticas e pedagógicas no interior e no exterior da escola em que atuam. A proposta incide na perspectiva da busca de alternativas e resultados para a organização da escola, oportunizando a reflexão sobre a necessidade de uma fundamentação teórica crítica como condição para a realização de uma prática pedagógica necessária e eficiente para que a escola cumpra sua função social. Parte-se, ainda, do princípio de que o estudo coletivo dos pressupostos básicos da Pedagogia Histórico-Crítica contribui para a análise e a organização do Projeto Político-Pedagógico das escolas públicas com vistas à ação docente como promotora do desenvolvimento intelectual e humano dos alunos. Assim pensado e desenvolvido, este projeto representa uma forma de encaminhar propostas político-pedagógicas que garantam a função social da escola como instituição pública e com tarefa específica na promoção da humanização dos homens. Palavras-chave: Escola. Projeto Político Pedagógico. Prática Pedagógica.

* Professora PDE da Educação Básica

** Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá - UEM-PR Doutora em Educação pela PUC/SP.

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1 INTRODUÇÃO

O homem, ao procurar explicações para a existência humana, tem recorrido

ora à mitologia, ora aos Deuses, ora a Deus Pai todo Poderoso e, recentemente, à

ciência. Engels (1876), no texto Sobre o papel do trabalho na transformação do

macaco em homem, destaca que trabalho e vida humana estão intimamente

relacionados à teoria de Darwin, que supõe que o homem originou-se dos macacos

antropomorfos, num processo de hominização que teve duração de milhares de

anos.

Explica que, durante sua evolução, o homem assume a postura ereta, liberta

as mãos, começando a construir os primeiros instrumentos para satisfazer suas

necessidades básicas de sobrevivência; inicia o processo de comunicação com seus

pares, desenvolvendo a linguagem; domina os princípios do fogo; passa a

domesticar animais; muda seus hábitos alimentares, passando a ingerir alimentos

que permitem o desenvolvimento do cérebro, dos sentidos, da consciência, da

capacidade de abstrair, distanciando-se definitivamente da sua origem.

Nesse processo histórico de construção da própria cultura, o homem

desenvolveu técnicas, ferramentas, conhecimentos para satisfazer suas

necessidades básicas (fome, sede, moradia...), passando, posteriormente, a

substituí-las por novas necessidades ligadas à produção material da vida humana,

dentro de uma relação social com outros homens. Este homem social aprendeu a

executar ações cada vez mais complexas, dominando a natureza com seu trabalho

intencional e planejado. Nessa caminhada histórica, se diferenciou dos animais,

suas atividades são determinadas por condições biológicas, visto que ele utiliza os

recursos herdados de sua espécie, diferente dos animais que agem por instinto, não

inventam instrumentos de trabalho, não aperfeiçoam, não planejam (ENGELS,

1876). Por meio do trabalho, de acordo com Engels (1876), o homem tornou-se

humano e passou a utilizar a linguagem para construir sua existência material e

psicológica.

Nas sociedades primitivas, os adultos têm a função de transmitir de forma

integrada a cultura para todos, nas sociedades mais complexas são criadas

instituições responsáveis por essa ação, podemos inferir que foram as primeiras

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escolas, mas estas não substituíram a necessidade de educação informal, o homem

não possui conhecimentos ao nascer, isto é feito pelas pessoas próximas a ele.

Na descrição do processo de desenvolvimento do homem, fica claro que

natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da

natureza bio-física. Podemos entender que, se o homem não for submetido a um

processo educativo intencional, não terá acesso aos elementos culturais para tornar-

se humano. Segundo Saviani (2005, p. 13), o trabalho educativo é o ato de produzir,

direta e intencionalmente, em cada indivíduo, a humanidade que é produzida

coletivamente pelo conjunto dos homens. Nessa perspectiva, ao olharmos para a

educação escolar contemporânea, é necessário refletir sobre que elementos

culturais precisam ser assimilados? Qual é o papel da escola? O porquê da sua

existência? Com base nesses questionamentos, o texto em pauta visa relatar o

trabalho desenvolvido junto a uma comunidade escolar a respeito de estudos,

análises e discussões acerca da função social da escola e das possibilidades da

organização escolar, mediante um Projeto Político Pedagógico.

A justificativa para a escolha desta temática pautou-se nos baixos resultados

apresentados no IDEB de 2009 pela Escola Estadual A. R., localizada num

Município do Norte do Paraná, e devido ao grande número de alunos desistentes ou

aprovados por Conselho de Classe. Os profissionais envolvidos, de acordo com

informações obtidas, concordaram que essa realidade precisaria mudar, para isto,

seria preciso refletir sobre a relação ensino aprendizagem. Muitos docentes

consideraram que os alunos são os únicos culpados pelo baixo desempenho nas

avaliações, e chegaram a afirmar: “Eles são ‘fracos’, “desinteressados”, ”faltam-lhes

pré-requisitos”; outros atribuíram a “culpa” à família “que não acompanha o filho na

escola”.

Durante o planejamento, os professores consultam documentos oferecidos

pela SEED, o Projeto Político Pedagógico da escola, as Propostas Curriculares das

diferentes disciplinas, sentam-se com seus pares, com o objetivo de dar mais

qualidade e coesão ao trabalho, contudo, na rotina escolar, entre problemas

disciplinares, avaliações para corrigir, aulas para preparar e outras atividades

inerentes ao trabalho docente, acabamos por assistir a uma prática pedagógica que

dificulta o acesso do aluno aos conteúdos escolares, resultando em alunos mal

preparados e sem domínio do conteúdo científico.

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Pensamos, enfim, várias possibilidades de trabalho com a comunidade

escolar, desde levantar e discutir os atuais problemas educacionais até repensar,

organizar e desenvolver ações pedagógicas diferente das rotineiras naquela prática

escolar. Como proposta para atender ao PDE, a opção foi desenvolvermos com a

comunidade escolar estudos sobre a função social da escola, tendo por base

pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica. Para tanto, organizamos um Curso de

Extensão, denominado Introdução ao Estudo sobre a função social da escola com

base na análise de filmes e textos.

2 SOBRE O CURSO DE EXTENSÃO

Visando a uma intervenção na formação de profissionais que atuam na

educação escolar, consideramos importante, mesmo que por meio de um curso de

extensão, organizar meios para estudar, analisar e debater sobre a função social da

escola na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica.

Tendo em vista que uma ação docente qualificada e comprometida pode

promover o desenvolvimento intelectual dos alunos, a proposta do Curso de

Extensão previa que os professores refletissem sobre a importância da

fundamentação teórica para a realização da prática pedagógica; que estudassem os

pressupostos básicos que caracterizam a Pedagogia Histórico-Crítica, bem como se

instrumentalizassem para a organização do Projeto Político-Pedagógico de sua

escola. Tais finalidades nos levaram a organizar os meios por intermédio dos quais

pudéssemos articular os conteúdos dos temas a serem ministrados com os

procedimentos metodológicos de forma a atingir a atenção e a motivação dos

cursistas para analisar as diferentes temáticas do Curso.

Nossa concepção é de que a arte, como a imagem fílmica, por exemplo, é

uma forma pertinente de trabalhar com a realidade humana de maneira a contemplar

as relações sociais e os indivíduos que as compõem, levou-nos a propor alguns

filmes, selecionados pelos elementos conceituais que apresentavam, para atender

às finalidades didático-pedagógicas apontadas anteriormente. O projeto de Curso de

Extensão “Introdução ao Estudo sobre a função social da escola com base na

análise de filmes e textos” foi previsto para trabalhar com trinta e cinco profissionais

da educação que estavam inscritos.

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Consideramos também a necessidade de que os participantes fizessem

leituras de textos originais de alguns autores ligados à Pedagogia Histórico-Crítica e

ao Materialismo Histórico-Dialético como Dermeval Saviani, Lígia Regina Klein e

mesmo Friedrich Engels. Assim, para atender a essa necessidade, foi organizado

um Caderno Temático para ser entregue aos cursistas com os seguintes textos:

Reflexões sobre a história de Fani Goldfarb Figueira (1995), Precarização do

trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares de Maria das Mercês

Ferreira Sampaio e Alda Junqueira Marin (2004), Sobre a natureza e especificidade

da educação de Demerval Saviani (2003), Escola e democracia de Demerval Saviani

(2009), Fundamentos para uma proposta pedagógica de Lígia Regina Klein (2012).

A proposta foi que os participantes assistissem aos filmes e participassem

dos encaminhamentos posteriores com leituras antecipadas (16 horas) dos textos

teórico-científicos selecionados. Essas leituras antecipadas realizadas pelos

participantes foram subsidiadas pela professora PDE, a qual desenvolveu a carga

horária de 32 horas na escola, organizando as referidas leituras de cada encontro do

curso de Extensão.

A sequência dos temas previstos e respectivos filmes utilizados foram:

a) A história humana de todos os dias e o processo de educação dos

homens. O filme iraniano Filhos do Paraíso. MAJID, 1988, descreve como

as crianças são educadas e aprofunda o significado de infância ao

focalizar a análise nas crianças e no processo de educação escolar. Os

cursistas refletiram sobre a distância que existe entre o mundo da criança

e o mundo do adulto e como esta desempenha suas obrigações e

encaminha soluções para seus problemas. Assim, abrimos a possibilidade

de analisar uma concepção de homem pautada nos estudos de Marx

sobre o desenvolvimento humano como um processo dialético complexo,

caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de

diferentes funções. O filme nos permitiu discutir as diferenças sociais,

culturais, o consumismo, luta de classes, falta de recursos...

b) As teorias da educação e o problema da marginalidade, segundo

Dermeval Saviani e o filme: A hora da estrela (1985): com o intuito de

discutir o complexo fenômeno da ontogênese e as implicações do não

acesso aos bens e riquezas produzidas pela humanidade. Focalizamos,

por meio da obra de Saviani, Escola e Democracia (2009), a explanação

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histórica das teorias da educação frente à marginalidade que os homens

são submetidos na sociedade burguesa sob os moldes do modo

capitalista de produção. O foco de análise foi o indivíduo alienado em si,

desempenhando rígidos papéis sociais, como figura a protagonista do

filme, Macabéa, e a ausência de uma cultura que se contraponha à

dominante, com implicações e consequências socioindividuais.

c) A formação do professor, a metodologia de ensino e a aprendizagem dos

alunos como processos intrínsecos, recíprocos e determinantes para que

a formação cultural coincida com a formação humana. No filme: A língua

das Mariposas (1999): a ênfase foi para a educação escolar e as

demandas e respostas apresentadas para a organização do ensino e da

aprendizagem. A análise primou sobre a relação professor-aluno; a

função do professor: quem é ele, sua época, determinações

socioindividuais; o aluno: quem é ele, faixa etária, processo de

desenvolvimento intelectual. Os cursistas puderam identificar como ocorre

o processo de ensino nas inter-relações com o processo de produção e

reprodução da vida para ambos, professor e aluno, bem como para os

outros, pai, mãe, comunidade toda, de forma universal. Também

discutiram o conceito de circunstância no exame das contradições e as

lutas que permeiam o movimento dos homens, captando não só as

contradições sociais das instituições, mas, sobretudo, as contradições

dos indivíduos enquanto membros ativos dessas mesmas instituições.

d) A organização dos professores sobre o Projeto Político Pedagógico da

Escola E. A. R. – Ensino Fundamental: levantamento de propostas para o

processo ensino-aprendizagem 2011-2012 – Vídeos Resumo da

educação no Brasil – Profª. Amanda Gurgel e A educação escolar em

Candeias do Jamari (2011). Neste encontro, os cursistas analisaram os

caminhos do Estado para viabilizar a educação escolar e as dificuldades

em solucionar os problemas sociais, entre eles, o do fracasso escolar e a

pauperização do trabalho docente. Focalizamos o debate e o

levantamento de informações sobre a escola e a relação professor-aluno

na atualidade, bem como o que incide com grande força no contexto

escolar, a falta de metodologia adequada, a falta de riqueza material e

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intelectual, a falta de uma política para a escola pública, laica, gratuita e

universal.

3 ASPECTOS CONSIDERADOS NOS ENCONTROS COM PROFISSIONAIS DA

EDUCAÇÃO

Para compreender a educação como processo histórico e social de formação

humana, necessitamos de aprofundamento teórico e reflexões sobre a concepção de

homem como ser natural, universal e consciente. Verificamos que a escola em sua

tarefa de formar sujeitos sociais não é neutra e pode se constituir em um instrumento

de luta no enfrentamento da desigualdade social. Saviani define a função da escola

como “[...] uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber

sistematizado” (SAVIANI, 2005).

3.1 A HISTÓRIA HUMANA DE TODOS OS DIAS E O PROCESSO DE

APRENDIZAGEM DOS HOMENS

Iniciamos nosso curso com o estudo do texto: Reflexões sobre a história

(FIGUEIRA, 1994). Ao verificar a condição do homem, todas as conquistas desde

sua condição primitiva, damo-nos conta do perigo de naturalizarmos tudo que

conhecemos, como se as coisas e a sociedade sempre tivessem se apresentado

sob a forma que conhecemos hoje. Desde os primeiros tempos, as sociedades têm

mudado e essas mudanças ocorreram em função das escolhas dos homens para

atender a suas necessidades em determinada época.

As sociedades devem ser analisadas de acordo com as suas necessidades.

Há que se entender, por exemplo, porque, em determinado momento, os homens

adoravam a Lua ou o Sol. Essa análise, no entanto, não pode tomar como referência

a sociedade atual, mas a realidade histórica daquele momento. E, assim, para

entender a função social da escola, temos que retomar alguns fatos existentes em

outros períodos da história da educação. No que diz respeito à função social da

escola e das transformações evidenciadas pelos diferentes contextos históricos, nós

temos muitas ações que foram consideradas corretas anteriormente e que hoje não

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são mais. Se pensarmos na relação professor aluno, vamos observar que, em

determinados momentos históricos, era permitido até bater nos alunos para educar.

Os homens, ao modificar o modo de produzir a sua vida, produzem novos

métodos para expressar suas transformações. No filme iraniano “Filhos do Paraíso”,

constatamos que há diferentes formas de o ser humano se relacionar com as coisas,

com a natureza, com a vida. Ali é um menino de nove anos, proveniente de uma

família humilde, que vive com seus pais e sua irmã Zahra. Um dia, ele perde o único

par de sapatos da irmã e, tentando evitar problemas com os pais, passa a dividir seu

próprio par de sapatos com ela, com ambos se revezando para usá-lo. Enquanto

isso, Ali treina para correr e ganhar um prêmio em dinheiro para comprar um novo

par de sapatos para a irmã. Em uma cena marcante, o pai está quebrando o açúcar

do templo, e recebe o chá das mãos da filha e, mesmo diante do açúcar da

Mesquita, manda a menina buscar açúcar na cozinha para adoçar seu chá. Ele

ensina, na prática, valores fundamentais no processo de humanização do homem.

Mais a frente, em outra cena, verificamos a dificuldade que o pai de Ali tem para

relacionar-se com o mundo letrado e tecnológico do qual foi excluído. Ao procurar

trabalho como jardineiro, é dispensado a cada tentativa de usar o interfone, até que

Ali intervém e consegue trabalho para o pai. Nesse pequeno trecho, podemos

compreender o tipo de educação que o pai de Ali recebeu, não consegue sequer

dirigir-se à elite para pedir um trabalho. Ao mesmo tempo, o pai de Ali ensina que os

valores morais, a honestidade, o cuidado com a família e a retidão de caráter, são

mais importantes do que posses materiais.

Tanto adultos quanto crianças estão em estado permanente de estresse

devido à falta de recursos materiais e ao acúmulo de tarefas. O fim prematuro da

infância é retratado não como uma postura de rigidez, porém como um problema

hereditário, corriqueiro entre as casas menos favorecidas. Isso não acontece

somente no Irã, mas, no Brasil e em muitos países.

Observamos que as crianças frequentam uma escola que ignora a realidade

deles, que impõe conteúdos sem nenhuma criticidade, mas o professor retratado no

filme posiciona-se diante da possibilidade de exclusão do seu aluno por parte do

diretor, saindo em sua defesa. E nós, quantas vezes saímos em defesa dos nossos

alunos? O materialismo afirma que o mundo só pode ser explicado pelo real, por

isto, no decorrer dos nossos encontros, discutimos sempre: Que tipo de homens nós

queremos formar? Que tipo de sociedade nós queremos? A quem educar? Com que

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fins? Por quais meios? Sabemos que a prática social é constituída de múltiplas

relações e que precisamos assumir uma filosofia de trabalho que não se limita a

pensar o mundo, mas que pretenda transformá-lo.

3.2 VISÕES SOCIOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO, DO TRABALHO E SUAS

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA EDUCATIVA

Para compreender a educação como um fenômeno integrante da formação

social, fizemos um aprofundamento teórico baseado nos textos de Saviani: Sobre a

natureza e especificidade da educação e Escola e Democracia, que nos

proporcionaram reflexões a respeito das diferentes formas de fixar grande parte da

população à margem da educação de qualidade.

Saviani, ao defender a ação pedagógica como meio para libertar os

oprimidos, no seu livro Escola e Democracia (2009), esclarece muitas questões

educacionais a partir da sistematização das teorias pedagógicas de ensino. Para

melhor entendimento, ele as dividiu em dois grupos: teorias críticas e não críticas,

ambas com a proposta de explicar a marginalidade, fazendo a relação entre

educação e sociedade. O grupo das teorias não críticas, composto pela Pedagogia

Tradicional, Nova e Tecnicista, considera a educação como instrumento de

equalização social, propõe ingenuamente que a escola tem condições promover a

superação da marginalidade. As teorias não críticas não admitem que a estrutura

social e os problemas possam influenciar a educação, esse grupo concebe a

sociedade como harmoniosa e utiliza a educação como instrumento de equalização

social, de superação da marginalidade.

Na visão da escola tradicional, a educação era direito de todos, dever do

estado, e o marginalizado era assim por ser o ignorante. Na escola nova, o

marginalizado é o “rejeitado, inapto”, nela, o importante é aprender a aprender e,

para ajustar o indivíduo, há o rebaixamento da qualidade da educação das classes

populares e melhoria no ensino das elites. Na Pedagogia Tecnicista, o marginalizado

será sempre o incompetente, o improdutivo que ameaça o sistema capitalista, logo,

a função da educação é formar indivíduos competentes.

O grupo das “teorias crítico reprodutivistas” compreende a escola como meio

de discriminação social, a marginalidade é um problema social, seus representantes

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procuram explicar o fracasso escolar. A educação é compreendida com base em

seus condicionantes sociais, é instrumento da classe dominante para manter o

sistema capitalista. Na sociedade dividida em classes sociais, a educação tem a

função de reforçar a opressão, para isto utiliza os “determinantes sociais”, que são

três: Teoria do Sistema de Ensino enquanto Violência Simbólica, Teoria da Escola

enquanto Aparelho Ideológico do Estado e Teoria da Escola Dualista.

A Teoria do Sistema de Ensino enquanto Violência Simbólica foi desenvolvida

pelos sociólogos franceses Bordieu e Passeron em 1970, que consideram que todo

processo educacional parte do pressuposto de que nenhuma sociedade se constrói

fora das relações de força material entre as classes, desfazendo a ideia de que a

escola está separada da sociedade. A educação constrói um mascaramento das

relações, visto que, por meio da “violência simbólica”, reproduz ideias transmitidas

pela doutrinação política, cultural, religiosa e escolar. Todos são manipulados,

comportamentos, opiniões são disseminados e os dominados não se opõem aos

seus opressores. A cultura dominante é reproduzida e inculcada por todos e estes

passam a pensar da mesma forma.

A função da educação é reproduzir as desigualdades sociais, beneficiando os

já favorecidos, as crianças das classes privilegiadas, com linguagem próxima da

escola, obtêm sucesso escolar, enquanto as outras ficam sem ambiente para

desenvolver sua aprendizagem, não entendem a linguagem do professor e acabam

fracassando e/ou se evadindo da escola por não conseguir se comunicar.

A Teoria da Escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado, elaborada pelo

filósofo francês Louis Althusser em 1969, considera que a função da escola deve ser

compreendida no contexto da sociedade capitalista, cabe à educação inculcar a

ideologia da classe dominante e reproduzir as relações capitalistas. Os

marginalizados são membros da classe trabalhadora e não têm as mesmas chances

dos da classe dominante, não conseguem terminar a escolaridade básica. A escola

qualifica a força de trabalho e, ao mesmo tempo, reproduz a ideologia dominante.

A Teoria da Escola Dualista, formulada por Baudelot e Establet, retoma o

conceito de Althusser de escola como aparelho ideológico do Estado e critica

Bordieu e Passeron por não terem destacado a contradição entre classe dominante

e classe dominada. E nem evidenciado a força da ideologia do proletariado. A escola

parece unitária, mas é dividida em dois grandes grupos próprios da sociedade

capitalista, burguesia e proletariado, diferentes quanto aos fins da educação.

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Sem unidade, a escola conta com duas funções distintas: a de formar a força

de trabalho e inculcar a ideologia burguesa para impedir o desenvolvimento da

ideologia dos dominados. Establet e Badelot consideram que o proletariado possui

uma ideologia que se origina fora da escola, nas organizações operárias, daí a

necessidade de a escola impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a

luta revolucionária.

Apesar da importância dos estudos dos autores crítico reprodutivistas para a

compreensão da realidade da escola na sociedade dividida em classes, não

podemos aceitar a escola como reprodutora das desigualdades, temos que ter claro

o tipo de homem que queremos formar, que modelo de sociedade nós queremos

estruturar.

Saviani nos esclarece que a escola tem cumprido uma função social aliada ao

processo de produção e ao momento histórico e político e alerta que o professor tem

que conhecer a teoria que sustenta sua prática.

Após o estudo dos textos Sobre a natureza e especificidade da educação e

Escola e Democracia de Demerval Saviani, assistimos ao filme, A Hora da Estrela da

produtora Suzana Amaral (1985), cuja trama destaca a realidade humana, as

experiências vivenciadas pela personagem Macabéa, que é uma migrante

nordestina semianalfabeta, que trabalha como datilógrafa numa pequena firma e

vive numa pensão, privada dos direitos fundamentais. Como muitos brasileiros, tem

uma formação precária, sem letramento, conhecimento científico e desenvolvimento

pleno de suas condições psicológicas superiores, ela ocupa um espaço social onde

se espera apenas que cumpra seu destino. Macabéa foi alfabetizada, mas não

atingiu o letramento, interage com o mundo por meio das notícias e hora certa da

Rádio Relógio que ouve diariamente. Não é capaz de lidar com situações-problema,

seu intelecto foi restringido pela vida, pela falta de experiências sociais e acesso ao

capital cultural.

O mérito de Macabéa está em abaixar a cabeça e aceitar a vida que tem,

como muitos brasileiros que pertencem a uma dada classe social, sem consciência

política estruturada pela sociedade capitalista. A história da educação retomada por

Saviani em seus escritos orienta como determinados períodos políticos e

econômicos formam bem este tipo de sujeito.

As Macabéas ainda são reproduzidas pela fome, miséria e por um sistema

educacional que alfabetiza, mas não desenvolve letramento, não dá acesso ao

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conhecimento científico, à argumentação, à criticidade. Macabéa não compreende a

linguagem e códigos da cidade grande, assim como milhares de crianças e jovens

que entram para a escola e encontram em seu interior um código linguístico

elaborado, próximo da cultura dominante. Na verdade, algumas teorias da educação

produziram muitas gerações de Macabéas. A especificidade da educação escolar é

trabalhar o conhecimento sistematizado, a apropriação deste exige e possibilita,

concomitantemente o desenvolvimento do raciocínio lógico, metódico, sistemático,

próprio do pensamento teórico.

Discutimos no encontro o que o trabalho educativo tem produzido nos

indivíduos e como podemos assegurar a qualidade de aprendizagem para todos os

alunos, independente de sua classe social. Chegamos à conclusão de que o sistema

ainda produz muitos Olímpicos e Macabeas, pessoas marginalizadas , ignorantes

que exercem trabalho braçal e vivem sonhando com o tempo da riqueza e do poder,

alguns mais do que sonhar são capazes de qualquer coisa para ter dinheiro e poder.

Saviani (2005) defende que uma das funções da escola é possibilitar o acesso

aos conhecimentos previamente produzidos e sistematizados, para isso

estabeleceu os fundamentos de uma Pedagogia denominada Histórico-Crítica.

3.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR, O MODO DE ENSINO E A APRENDIZAGEM

DOS ALUNOS COMO PROCESSOS INTRÍNSECOS, RECÍPROCOS E

DETERMINANTES PARA QUE A FORMAÇÃO CULTURAL COINCIDA COM A

FORMAÇÃO HUMANA

Saviani (2005) evidencia que a natureza da educação é um trabalho não

material e que sua especificidade é assegurar a cada indivíduo os conhecimentos

que a humanidade já se apropriou histórica e coletivamente. A escola tem que

propor conteúdos que garantam aos alunos a compreensão da relação de

exploração a que estão submetidos.

Segundo Saviani (2005), na educação, o produto não se separa do ato de

produção, a aula, além de planejada pelo professor, necessita da presença do aluno

para ser efetivada, não temos como fragmentar a produção e o consumo. Professor

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e aluno, em um mesmo espaço físico, produzem e consomem o conhecimento

elaborado cientificamente.

Como professores, temos que ter ciência da importância do nosso trabalho,

do ato de ensinar e dos conteúdos que ensinamos. Precisamos distinguir entre o

que é fundamental e secundário entre os conhecimentos que precisam ser

trabalhados na formação dos nossos alunos ao escolher os conteúdos da Matriz

Curricular da disciplina que lecionamos. Para refletir com propriedade sobre a

qualidade da educação da escola em que trabalhamos, temos que analisar os

números do IDEB sobre a evasão, repetência, aprovação por conselho; temos que

conhecer como o problema da marginalidade educacional foi e é enfrentado pelas

diferentes teorias da educação e pelas políticas públicas para fundamentar a

reflexão sobre nossa prática.

Historicamente, a educação tem se apresentado condicionada pelos

determinantes materiais. Em cada tendência pedagógica, existe uma série de

interesses a serem preservados pela classe dominante e o educador, sem

aprofundamento teórico, reproduz a ideologia dominante.

Destaca-se na Pedagogia Histórico-Crítica uma prática pedagógica que

propõe a interação entre conteúdo e realidade concreta que transforme a sociedade,

onde o sujeito possa superar o estado de alienação com a promoção do espírito

crítico e da educação unilateral. Cada professor pode contribuir para a

transformação da sociedade à medida que faz a mediação entre o conhecimento

científico e a assimilação do conteúdo, que constitui sua especificidade,

relacionando sempre o conteúdo com a sociedade e com seus determinantes.

Ao considerar as contribuições de Saviani, encontramos uma nova didática

baseada na prática social, a única capaz de conscientizar a classe trabalhadora e de

formar cidadãos com condições de contribuir com a transformação social.

Os educadores possuem instrumentos de luta contra a marginalidade e a

exclusão mesmo que limitados, mas essa capacidade pode ser ampliada com a

formação continuada e com o interesse do profissional da educação.

A Educação só será política quando permitir que as classes dominadas

tenham acesso à apropriação dos conhecimentos culturais que podem fundamentar

uma luta política, um bem geral. Precisamos pensar no currículo, no tipo de homem

que nosso trabalho educativo tem produzido e se os alunos têm se apropriado do

conhecimento sobre humanidade histórica que foi produzido coletivamente, dos

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elementos culturais necessários a sua formação humana. Os altos índices de

fracasso escolar, corrupção, degradação do planeta e violência expressos na mídia

sinalizam que não. É importante assumirmos que a Pedagogia Histórico-Crítica e a

Psicologia Histórico-Cultural são caminhos seguros para uma boa reflexão a respeito

da nossa prática pedagógica. Precisamos acreditar que as diferenças culturais

podem ser trabalhadas a ponto de compreendermos que a educação supõe a

desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada como afirma

Saviani. Logo, agir como se todos fossem iguais no ponto de partida é uma atitude

que retira a oportunidade de aprendizagem de muitas crianças e jovens.

Infelizmente, em nossa rotina escolar, preparamos aulas para “iguais”, avaliações

para iguais e nos consideramos justos com estas ações, mas, na verdade, retiramos

a oportunidade de aprendizagem quando não consideramos as diferenças, quando

não propomos adaptações curriculares, suplementações curriculares, aulas e

metodologias diferenciadas.

Para justificar o baixo nível de aprendizagem, ouvimos com frequência que

os alunos mudaram demais, não querem mais nada. Que quando os professores

oportunizam novas chances os alunos nem tentam fazer as atividades propostas.

Ouvimos também que a família não acompanha o desempenho escolar das suas

crianças e adolescentes. Por outro lado, os pedagogos relatam para os professores

que, quando conversam com os pais, estes reclamam que alguns professores não

ensinam direito. Os professores, por sua vez, argumentam que falta orientação dos

pedagogos, do núcleo. Assim, passamos muito tempo nos acusando, buscando

culpados para o fracasso escolar e deixamos de construir um trabalho coletivo para

melhorar o nível de aprendizagem dos alunos.

Por meio da leitura do artigo: Precarização do trabalho docente e seus efeitos

sobre as práticas curriculares, da Doutora Maria das Mercês Ferreira Sampaio e

Alda Junqueira Marin (2004), observamos que as interferências dos organismos

internacionais influenciam a organização escolar do ensino, a formação dos

educadores e mudanças curriculares na educação do nosso país. Nas últimas

décadas, houve aumento no número de professores na América Latina, mas as

redes públicas de ensino continuam contratando professores sem habilitação, basta

lembrar os contratos temporários do Processo de Seleção Simplificado (PSS).

Verificamos tanto na teoria quanto na prática que alguns professores têm

dificuldades de ensinar os conteúdos, outros não conseguem organizar uma

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sequência de ensino na sua disciplina ou fazer um Plano de Trabalho Docente, sem

esquecer que muitos pegam aulas de disciplinas de outras áreas ou trabalham três

períodos para sobreviver.

Antigamente, quando um “novato” chegava à escola, encontrava colegas

experientes e dispostos a ajudá-lo com seus diários, planejamentos; atualmente, a

rotatividade é tão grande que é difícil encontrar quem queira ajudar. Outra questão

séria e que colabora com a precarização do trabalho docente é o salário.

Professores mal remunerados que, consequentemente, não conseguem investir em

qualidade de vida, ficam sem condições de acesso a bens culturais, atualizações,

formações pedagógicas diferenciadas, além de trabalharem 40 horas. Não podemos

deixar de registrar que o Ministério da Educação implantou o piso nacional e que

muitos municípios pagam bem menos do que o valor estipulado

Quanto às nossas condições de trabalho, reportamo-nos à rotina exaustiva de

colegas que saem correndo de uma escola à outra para completar sua carga horária,

trabalham no centro, nos bairros, nos distritos. É claro que a relação ensino

aprendizagem sofre as consequências desta realidade. Para possibilitar a reflexão

sobre a essência das relações humanas, da relação professor-aluno, dos

sentimentos que esta relação provoca sobre a prática educativa, nós assistimos ao

filme Espanhol A Língua das Mariposas (1999), cujo enredo é relatado abaixo:

Don Gregório é um velho professor de uma pequena cidade da Espanha, e

Moncho, um garoto de sete anos que inicia sua vida escolar, meses antes da

ditadura do General Franco se instalar no país. Com o velho mestre, ele descobre o

prazer de aprender, de admirar e explorar a natureza, de viver com os sentidos e os

sentimentos.

Dom Gregório, ao trabalhar com seus alunos, demonstra que suas

determinações socioindividuais influenciam sua metodologia e seus alunos e ele nos

mostra o quanto os alunos aprendem quando se relacionam com seus professores.

Ele desconstrói verdades arraigadas em nosso fazer pedagógico, como:

Autoritarismo e condutas disciplinares baseadas no castigo e na ameaça – como a elevação do volume da voz, bradando palavras de ordem, buscando a ordem pelas palavras (gritadas) – são características às quais a pedagogia, enquanto ciência e prática vêm negando eficiência e legitimação já faz algum tempo. Mesmo assim, a observação do cotidiano escolar revela que ainda são muitos os professores que mancam de habilidade para orientar

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proveitosamente a energia infantil na direção do aprendizado, insistindo no confronto como forma de resolver conflitos com alunos e entre alunos (GERIBELLO, 2011, p. 59).

O filme, ao demonstrar a relação ensino aprendizagem entre Dom Gregório e

Moncho, alerta-nos para que possamos pensar o quanto o processo educativo é

importante na transformação pessoal e social e o quanto a sala de aula pode

mostrar-se infinitamente distante da realidade social. O filme possibilita inferir que,

[...] apesar dos esforços e da orientação libertária do professor, a realidade social pode ser muito diferente daquilo que é ensinado, desejado e idealizado na escola. Entre a proposta da convivência harmônica, espelhada na organização e na dinâmica da natureza, como demonstra o mestre-escola e a organização social vigente, Moncho aprende que esta se sobrepõe àquela. Incapaz de evitar a guerra, insuficiente para harmonizar as pessoas e, portanto, vazia como palavra ao vento, a idealização baseada em valores (GERIBELLO, 2011, p.66).

3.4 A ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE O PROJETO POLÍTICO

PEDAGÓGICO DA ESCOLA

O Projeto Político Pedagógico propõe um processo de reflexão sobre a

realidade da escola e da comunidade na qual ela está inserida. Ele pressupõe uma

construção coletiva, uma linha filosófica e a participação efetiva de todos os

segmentos da escola na sua elaboração.

Todas as ações educativas de todas as instituições sociais visam transformar o

ser humano em um determinado tipo de sujeito, mas é a escola que tem a finalidade

mais ampla de produzir a condição humana desejada pela sociedade historicamente

situada. Organizar o trabalho pedagógico em um projeto é produzir, coletivamente,

meios para que os alunos se apropriem do conhecimento produzido pela

humanidade com qualidade.

Atualmente, existe um consenso de que as diferenças individuais precisam ser

respeitadas e consideradas no processo pedagógico. E a escola, o que tem feito

com as desigualdades sociais? Infelizmente, a escola tem oferecido um conteúdo

frágil aos filhos dos pobres, protegida pelo discurso de que eles apresentam

dificuldades de aprendizagem, mas isto pode mudar a partir do nosso compromisso

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com a educação e a ciência de que a relação de ensino e aprendizagem é uma

relação entre sujeitos e necessita ser planejada com base no Projeto Político

Pedagógico da escola.

Se não participamos da elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola

em que trabalhamos, temos que priorizar sua leitura e estudá-lo durante nossa hora

atividade, em reuniões pedagógicas ou em formações continuadas. Os professores

devem considerar que as desigualdades e contradições presentes na sociedade

estão também na escola e que, se não optarmos por uma postura crítica e

comprometida, não vamos melhorar a qualidade da educação oferecida e promover

a inclusão de todos.

A professora Amanda Gurgel chamou atenção na Audiência Pública da

Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte em maio de 2011 ao discursar sobre

os problemas pelos quais passam os professores não só de Natal, como de todo

Brasil, apontando a falta de professores, os baixos salários e as condições precárias

de estudos dos alunos da escola pública.

Em nosso encontro de outubro de 2011, discutimos a coragem desta

professora em colocar-se em rede nacional e mostrar para todos quais as condições

de vida do professor brasileiro. Mais do que salários baixos, enfrentamos turmas

numerosas, crianças e adolescentes negligenciados pelas famílias e submetidos a

mudanças constantes nas políticas educacionais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo geral de intervir na formação dos profissionais da educação

que atuam na Educação Básica, em especial na formação dos professores do

Ensino Fundamental da escola E. A. R., organizamos uma proposta de estudos com

sequência de leituras, slides, atividades e filmes, por meio dos quais os cursistas

pudessem considerar, na história humana e na educação dos homens, elementos do

processo educacional em geral e escolar em particular que concorrem para a

formação (des) humanizada dos homens.

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Em nossa opinião, algumas alternativas de trabalho escolar podem surgir

quando os profissionais da educação são levados a identificar a relação entre a

forma de organização da sociedade na atualidade e as orientações para a

estruturação do processo de ensino/avaliação da aprendizagem nas escolas. Assim

como quando são capazes de reconhecer as contradições e as lutas que permeiam

os movimentos e projetos sociais, em especial os educacionais.

Consideramos que captar não só as contradições sociais das instituições,

mas, sobretudo, as contradições dos sujeitos enquanto membros ativos dessas

mesmas instituições é uma capacidade que poucas pessoas conseguem executar

com eficiência. E isso exige esforço por parte de quem está à frente do processo

educacional, especialmente na formação continuada de professores. Neste sentido,

com a presente proposta, procuramos, ainda, ajudar os professores do curso a

localizar, nas tendências da ordem social capitalista, fenômenos como:

disciplina/indisciplina, limites/violência, legalidade/impunidade, (des)

responsabilização, etc. e examinar os elementos que os constituem, bem como

situar, na educação escolar, quais as respostas apresentadas para a organização do

ensino que visam transformar a realidade da educação brasileira pelo combate ao

fenômeno chamado de fracasso escolar.

Encaminhamos a elaboração do projeto de Intervenção na Escola para que,

no decorrer dos encontros com os profissionais da educação, realizassem leituras e

atividades em que fossem priorizados, como já expusemos anteriormente, o exame

dos fatos pela análise das relações sociais; o exame das contradições que

aparecem nas ações e pensamentos das pessoas e nas instituições; o entendimento

dos caminhos do Estado e as dificuldades em solucionar os problemas sociais, entre

eles, o da educação escolar; a importância e a necessidade manter, na ordem social

atual, a educação escolar sob os moldes neoliberais; a identificação dos valores

dominantes que vão se impondo a todos os homens; a aparente indefinição que

perpassa a educação dos homens na atualidade e as consequências dessa

indefinição para a história da humanidade.

Acreditamos que essa abordagem movimentou e mobilizou os cursistas a

uma tomada de consciência pelo grau de autoexame que ocorreu por meio das

análises e sínteses dos textos teórico-científicos e dos filmes selecionados, os quais

foram organizados para promover tal finalidade. Dessa forma, pudemos perceber os

resultados, durante os encontros, no processo das leituras, análises e discussões

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em que o bem social estava visível por meio da participação unânime dos cursistas,

do interesse que demonstravam, das propostas que elencavam para suas escolas e

respectivas disciplinas escolares. Constatamos também a diferença de como o

pensamento dos cursistas se movimentou no sentido da superação do senso

comum a um pensamento subsidiado por conhecimento científico do fenômeno da

história humana, do fenômeno da educação e educação escolar, suas possibilidades

e limites no momento atual. Enfim, ressaltamos que os professores avaliaram a

forma e o conteúdo dos encontros como muito positivo para que pudessem valorizar

a formação docente e perseverar no exercício de transformar suas ações humanas

acima da cotidianidade da escola, unindo esforços para que a escola e as suas

aulas traduzam a função social a educação escolar.

REFERÊNCIAS

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