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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Mestrado em Educação A FORMAÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA ESCOLAR MINEIRA NO SÉCULO XIX – UMA FILOSOFIA DE COMPÊNDIO: UM ESTUDO SOBRE A DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO LICEU MINEIRO (1854-1890). Ângelo Filomeno Palhares Leite Belo Horizonte 2005

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Mestrado em Educação

A FORMAÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA ESCOLAR MINEIRA NO SÉCULO XIX – UMA FILOSOFIA DE COMPÊNDIO: UM ESTUDO SOBRE A DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO LICEU

MINEIRO (1854-1890).

Ângelo Filomeno Palhares Leite

Belo Horizonte

2005

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ÂNGELO FILOMENO PALHARES LEITE

A FORMAÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA ESCOLAR MINEIRA NO SÉCULO XIX – UMA FILOSOFIA DE COMPÊNDIO: UM ESTUDO SOBRE A DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO LICEU

MINEIRO (1854-1890).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da PUC Minas como

parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientação: Prof. Dr. Carlos R. Jamil Cury.

Belo Horizonte

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Ângelo Filomeno Palhares Leite A Formação da cultura filosófica escolar mineira no século XIX – uma filosofia de compêndio: um estudo sobre a disciplina de filosofia no Liceu Mineiro (1854-1890). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação, Belo Horizonte, 2005.

Carlos Roberto Jamil Cury ___________________________________________ Carlos Roberto Jamil Cury (Orientador) – PUC Minas

Ana Maria Casasanta Peixoto ___________________________________ Ana Maria Casasanta Peixoto – PUC Minas

Dermeval Saviani _________________________ Dermeval Saviani - UNICAMP

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DEDICATÓRIA À Blanda, filha querida, pela surpreendente compreensão, da qual o trabalho ficou aquém, favor que os tenros anos a dispensava; exemplar educativo que nos exime de qualquer determinação que a priori queira nos dizer que as gerações futuras não podem ser melhores que as atuais.

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Raimundo e Eulália, e família, por terem me proporcionado o essencial de minha formação. À Flávia pela ajuda, compreensão e amor. Ao Professor Dr. Carlos Roberto Jamil Cury pela orientação conhecedora, competente, firme e serena. À Professora Dra. Maria Inêz Salgado pela orientação na construção do projeto de pesquisa. À Professora Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto (PUC Minas) e ao Professor Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) por participarem da banca examinadora de defesa desta dissertação. Aos professores do Programa de Mestrado em Educação da PUC Minas. Aos funcionários da Secretaria do Programa de Mestrado em Educação da PUC Minas pelo apoio inestimável. Aos colegas do “Mestrado” pelas lições de grandeza no enfrentamento dos percalços de um destino comum. À Zita, bibliotecária do Instituto Santo Inácio – Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, por ter possibilitado, de modo correto e agradável, o acesso ao catálogo de “obras raras” do Século XIX. Aos funcionários do Arquivo Público Mineiro, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Escola Estadual “Governador Milton Campos” (o antigo Liceu Mineiro), do Arquivo Público da Cidade de Ouro Preto (lugar de origem do Liceu), da Biblioteca Pública de Ouro Preto, da Biblioteca da Escola de Farmácia de Ouro Preto, da Casa do Pilar e da Casa dos Contos (ambas de Ouro Preto) e do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal Juiz de Fora. À Professora Terezinha Andrade, colega de “Mestrado” e diretora de ensino do Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira da Fundação Helena Antipoff, lugar onde trabalho, pelo apoio. Aos colegas de trabalho que me apoiaram. Enfim, a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para esta empreitada.

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“A filosofia encontra a verdade na sua adequação com a realidade. Esta realidade não é permanente, mas histórica. Não é, pois, possível saltar a barreira da história. Quando muda a história, necessariamente tem que mudar a filosofia”.

Cruz Costa, Contribuição à História das Idéias no Brasil: O desenvolvimento da filosofia no Brasil e a evolução histórica nacional.

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Resumo

O presente trabalho é uma reconstituição histórica do ensino de filosofia no Liceu

Mineiro, importante estabelecimento escolar de instrução secundária em Minas Gerais no

século XIX, da data de sua criação, em 1854, até 1990, quando não só muda de nome, para

Ginásio Mineiro, como a disciplina de filosofia deixa de fazer parte de seu currículo.

Tomou-se como referencial o quadro teórico e metodológico próprio ao campo das

disciplinas escolares, a partir do qual foi realizada a análise do objeto investigado.

O estudo da disciplina de filosofia do Liceu Mineiro se fez levando em conta três

eixos, a guardarem relações interiores entre si, que orientaram o processo de investigação: a

identificação das finalidades que originaram a disciplina, fazer comparecer sua estrutura

interna e a dinâmica de o seu desenvolver e a história do seu conteúdo de ensino. O que foi

feito em estreita observância, seja com relação à cultura escolar secundária e liceal da

época, quando se procurou reconstruí-la, seja quanto ao contexto sócio-cultural do período,

tracejado em linhas gerais.

Concluiu-se, de modo diferente da historiografia tradicional da educação no Brasil e

em Minas Gerais, que se ensinava filosofia no Liceu Mineiro e que o conteúdo filosófico da

disciplina liceal foi o do ecletismo espiritualista do filósofo francês Vitor Cousin, o qual

serviu de modelo para a formação da cultura filosófica escolar mineira de então.

Além disso, a investigação apontou para uma cultura escolar secundária distinta da

veiculada pela história da educação tradicional, na direção de a mesma ser mais

diversificada e complexa, que a compreensão proposta por aquela.

Palavras-chave: ensino de filosofia, disciplina escolar, ensino secundário, formação da

cultura filosófica escolar.

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Abstract

This study is a historical reconstitution of Philosophy teaching at Liceu Mineiro

(Mineiro Lyceum) – an important school institution of high-school instruction in Minas

Gerais in the nineteenth century – from its foundational date in 1854 till 1990 when the

lyceum not only changes its name to Ginásio Mineiro but Philosophy as a discipline

becomes no longer part of its curriculum.

The theoretical and methodological sphere of the field of school disciplines was

taken as reference, from which the analysis of the object of investigation was drawn.

The study of Philosophy discipline at Liceu Mineiro was made considering three

internally interconnected main lines which guided the process of investigation: the

identification of the goals which originated the discipline, making emerge its internal

structure, and the dynamics of its development and the history of its teaching content. Such

study was strictly done in relation to the Lyceum and secondary school culture of the time

when it was rebuilt and the social-cultural context of the period, drawn in general lines.

The conclusion, differently from the traditional historiography of education in

Minas Gerais and in Brazil, is that Philosophy was taught at Liceu Mineiro and the

philosophical content of the Lyceum discipline was French philosopher Vitor Cousin’s

spiritualist eclecticism, which served as a model for the formation of the Mineira school

philosophical culture of the time.

Moreover, the investigation pointed towards a secondary school culture – distinct

from the one conveyed by the history of traditional education – which was more diversified

and complex than the understanding proposed by the latter.

Key-words: Philosophy teaching, school discipline, secondary teaching, formation of

school philosophical culture.

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ABREVIATURAS HISTEDBR – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” IP – Instrução Pública / Códice do Arquivo Público Mineiro REIPP/AN4 – Relatório do Estado da Instrução Pública e Particular da Província de Minas Gerais – Anexo N. 4 RGMTA/APM – Relatório dos Governos Mineiros de Transmissão de Administração / Códice do Arquivo Público Mineiro SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação SP. – Seção Provincial / Códice do Arquivo Público Mineiro SP./IP. – Seção Provincial / Instrução Pública / Códice do Arquivo Público Mineiro

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SUMÁRIO I – INTRODUÇÃO.............................................................................................................12 II – PRELIMINARES DE CRÍTICA EPISTEMOLÓGICA E METODOLÓGICA..22 CAPÍTULO I – HISTORIOGRAFIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA DO PERÍODO PÓS-JESUÍTICO.....................................................................................44 1.1 – AS REPRESENTAÇÕES DA HISTORIOGRAFIA TRADICIONAL DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA PRODUZIDA POR FERNANDO DE AZEVEDO........44 1.2 – AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA ESTUDOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA..............................................................................................48 1.2.1 – A ABERTURA PARA ESTUDOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO SÉCULO XIX.....................................................................................52 1.3 – OS ESTUDOS SOBRE A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NA PERSPECTIVA NÃO-AZEVEDIANA E A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NO TEMPO DO IMPÉRIO.............................................................................................................................55 CAPÍTULO II – AS REPRESENTAÇÕES PRODUZIDAS PELOS ESTUDOS DA HISTÓRIA TRADICIONAL DA EDUCAÇÃO SOBRE A INSTRUÇÃO EM MINAS GERAIS...............................................................................................................................68 2.1 – A HERANÇA COLONIAL.......................................................................................68 2.2 – A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA EM MINAS NOS SÉCULOS XVIII E XIX....71 2.3 – A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS E O PROJETO DE EDUCAÇÃO LICEAL.............................................................................96 2.3.1 – O MOVIMENTO POLÍTICO DE 1842 EM MINAS GERAIS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA A INSTRUÇÃO PÚBLICA................................................99 2.3.2 – O “ACORDO DAS ELITES” E A CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DO LICEU MINEIRO..........................................................................................................................101 CAPÍTULO III – A FILOSOFIA E A DISCIPLINA DE FILOSOFIA EM MINAS GERAIS.............................................................................................................................118 3.1 – O CLIMA INTELECTUAL DA ÉPOCA..............................................................118 3.2 – HISTÓRIA DA FILOSOFIA E FILOSOFIA DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL.......................................................................................................................119 3.3 – HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA FILOSÓFICA EM MINAS GERAIS.......147

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3.4 – A DISCIPLINA DE FILOSOFIA NOS SEMINÁRIOS MINEIROS.................150 CAPÍTULO IV – A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO LICEU MINEIRO.............................................................................................................154 4.1 – A FORMA ESCOLAR E A CONSTITUIÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA ESCOLAR E DA CULTURA ESCOLAR DO LICEU MINEIRO..............................159 4.2 – O CONTEÚDO ESPIRITUALISTA ECLÉTICO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA DO LICEU MINEIRO...............................................................................220 4.3 – AFINAL, PARA QUE FILOSOFIA NA INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA DO SÉCULO XIX?..................................................................................................................239 4.4 – O ENSINO DA FILOSOFIA NA INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA MINEIRA NO SÉCULO XIX....................................................................................................................243 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................253 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................267 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR..........................................................................274

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I – INTRODUÇÃO

A pesquisa cujos resultados aqui expomos, teve sua origem num problema

relacionado a um momento de nossa trajetória profissional, quando fomos professor de

filosofia no ensino médio da rede estadual de ensino de Minas Gerais.

Naquela ocasião pudemos observar uma relação de ambigüidade dos alunos para

com a disciplina de filosofia. Essa ambigüidade se exprimia, então, da seguinte forma: de

um lado, alguns alunos sempre colocavam questões de fundo pragmático com relação à

disciplina, como, por exemplo: por que e para que estudar filosofia? Qual a sua utilidade?

Com o repetir constante, por parte dos alunos, desses questionamentos, constatamos

a existência, a priori, de uma cultura portadora de uma visão cética com relação à

disciplina. Isso fazia com que os discentes a enxergassem como “algo exótico”, sem rigor

nas suas asserções, na qual poderia ocorrer uma espécie de “vale tudo” intelectual.

Aparecia, também, em menor número, uma outra postura: de uma certa reverência pela

disciplina, adquirindo esta “ares” um tanto “abstratos”, tornando-se portadora de temas tão

sublimes, que fazia com que a mesma perdesse, praticamente, qualquer lastro com a vida

real.

Compreender a relação entre essas duas variáveis, distintas entre si, motivou-nos à

investigação da qual apresentamos seus resultados.

A hipótese que perseguimos neste trabalho e que orientou toda sua construção é de

que a pergunta: Para que serve a filosofia?, que comumente aparece nos manuais, dirigidos

ao ensino médio de nossos dias, é de que esse é um problema, tal como ele se apresenta,

eminentemente contemporâneo na história da disciplina naquela etapa da educação básica

no Brasil.

Ficou evidente que, na chamada instrução secundária da educação brasileira do

século XIX, ao menos no período de nossa investigação, essa não era uma questão colocada

no ensino de filosofia no Liceu Mineiro (1854-1890), com a mesma intensidade de hoje.

Problemas como o da utilidade e aplicação da filosofia se então fossem postos nos

termos atuais, hipoteticamente, talvez, provocassem mais escândalo e espanto que a atitude

de alguma seriedade com que hoje são tratados.

Diferentemente da época do Liceu Mineiro, o ensino de filosofia, no chamado

ensino médio da educação básica, se tornou um problema, e um problema hodierno,

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tipicamente de nossos dias. Os manuais de filosofia, também conhecidos como livros

didáticos, hoje adotados nesse nível de ensino, ensino médio, assim como uma boa parte

dos textos de hoje que tratam do tema, nos dão indícios de quão contemporânea é a

problemática.

Tomaremos aqui, a título de análise, apenas alguns nomes de autores e trabalhos de

significância, sem a intenção de esgotar a bibliografia, um tanto extensa, sobre o assunto,

cuja finalidade é fazer ver o problema através de seus próprios suportes materiais.

Desse modo, o livro: “Filosofando: introdução à filosofia” de ARANHA &

MARTINS (1986), muito utilizado em cursos de filosofia no ensino médio e já com várias

edições, é bastante elucidativo quanto ao tema em questão, uma vez que logo na

apresentação da obra ao aluno, o primeiro tema tratado pelo texto é exatamente “por que

filosofia?”.

Na resposta à pergunta, as autoras utilizam um procedimento que vai se tornando

comum nesse tipo de abordagem. Em uma parte o conteúdo, em geral, toma a forma mais

retórica, em outra, mais conceitual, e, no caso do trabalho em pauta, na terceira, uma feição

de ordem política, às vezes, ingenuamente conspirativa.

Eis a passagem:

Por que filosofia? Ao ver filosofia como disciplina do currículo da sua escola, talvez você se pergunte “por quê”?, achando, talvez, que só os alunos de ciências humanas deveriam se ocupar dela, e não os engenheiros, médicos, técnicos e profissionais da área de ciências exatas ou biológicas.

A inclusão da filosofia no curso secundário não só é necessária como também deveria ser obrigatória a todos os alunos, por ser muito importante para a sua formação geral. A filosofia ajuda a promover a passagem do mundo infantil ao mundo adulto, estimulando a elaboração do pensamento abstrato. Se a condição do amadurecimento é a conquista da autonomia no pensar e no agir, muitos adultos permanecerão crianças caso não exercitem desde cedo esse olhar crítico sobre si mesmo e sobre o mundo.

Entretanto, uma das características dos Estados autoritários é impedir o ensino da filosofia e silenciar os pensadores, para garantir a obediência passiva dos cidadãos. Isso já aconteceu aqui no Brasil quando, a partir de 1971, a filosofia desapareceu do ensino secundário durante treze anos.

Por isso, qualquer que seja sua atividade futura, seu projeto de trabalho, você, como pessoa, como cidadão, precisa da filosofia para o alargamento da consciência crítica, para o exercício da capacidade humana de se interrogar e para uma participação mais ativa na comunidade em que vive (ARANHA & MARTINS, 1986, p.V).

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Na direção de nossos argumentos, o livro de CHAUI (1996), “Convite à filosofia”,

segue, em parte este esquema, com a diferença de ser mais enfática quanto ao assunto, pois

dedica toda a introdução, dez páginas, ao tratamento do tema – Para que filosofia?

Como resposta à questão, a autora, inicialmente, estabelece uma oposição entre a

atitude filosófica, tida como crítica, às evidências do cotidiano. Este instante representa o

ponto de partida à sua démarche filosófica rumo à definição da Filosofia e pareceu-nos o

ápice da argumentação da autora sobre a temática, ponto a que retorna para combater as

opiniões comuns, quando então enfoca com firmeza a questão da utilidade da filosofia.

Vejamos como trata, de forma apoteótica, o assunto:

Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se dar a cada um de nós e a nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes (CHAUI, 1996, p. 18).

Outra obra, com fins similares, “Curso de filosofia: para professores e alunos dos

cursos de segundo grau e de graduação”, organizado por REZENDE (2001), nos serve

para ilustrar a questão, pois amplia o problema para além do ensino médio e atinge a

própria graduação, endereço também da obra, uma vez que o tema da introdução é

exatamente o que temos em vista. Tal como revela o título dessa parte – escrita por

IGLÉSIAS (2001) – “o que é filosofia e para que serve” (IGLÉSIAS, 2001, p.11).

O tratamento dado ao assunto, apesar da variação de estilo e disposição das partes

próprias à autora, em linhas gerais, quanto ao fundo da questão, se orienta no sentido mais

comum dado, contemporaneamente, à temática.

A autora, ao trabalhar o que é filosofia, opera uma distinção entre filosofia e

filosofias. No singular, a filosofia é entendida no sentido grego do termo e pensada como

“saber crítico”, enquanto que, no plural, ela adquire um sentido mais lato devido à variação

de seu uso comum. Apesar de, mesmo neste último caso, indiciar uma certa ligação com

um tipo de saber

relativo a coisas mais fundamentais, embora menos diretamente úteis, que um simples saber empírico, ou que um saber ligado a produções de coisas indispensáveis para a sobrevivência (IGLÉSIAS, 2001, p. 12).

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Na seqüência de sua argumentação, trata do tema sobre a origem da filosofia,

centrado na idéia de “espanto, admiração, perplexidade”, para finalmente entrar no

problema: “por que filosofia?” O esquema da argumentação segue pela seguinte via:

Bem... se perguntarmos a dez físicos “o que é a física”, eles responderão, provavelmente, de maneira parecida. O mesmo se passará, provavelmente, se perguntarmos a dez químicos “o que é química”. Mas, se perguntarmos a dez filósofos, “o que é filosofia”, ouso dizer que três ficarão em silêncio, três darão respostas pela tangente, e as respostas dos outros quatro vão ser tão desencontradas que só mesmo outro filósofo para entender que o silêncio de uns e as respostas dos outros são todas abordagens possíveis à questão proposta”. (...) “Bem... Entre os dez filósofos a quem mais acima propúnhamos a questão “o que é filosofia”, talvez houvesse um engraçadinho que responderia com uma definição célebre e jocosa, que rola por aí sobre a filosofia: “é uma scienza colla quale o senza la quale il mondo diventa tale e quale”.

Num certo sentido, esse engraçadinho tem razão. Filosofia é saber pelo saber. Não sendo, pois, dirigida a nenhuma solução de ordem prática, ela é, num certo sentido, o mais inútil de todos os saberes.

E cabe de novo perguntar: mas então... pra que fazer isso? Bem... Quando se examina a história das civilizações, até um passado muito recente, um aspecto que chama a atenção é o dinamismo das sociedades ocidentais, em comparação com as orientais. A civilização ocidental não só elaborou as teorias físicas que resultaram na tecnologia moderna, mas também todas as grandes teorias no campo da biologia, da psicologia, da política, da economia etc. que revolucionaram a visão tradicional sobre os homens e suas instituições. Com seus méritos e deméritos, vantagens e desvantagens, todo esse dinamismo tem a ver com o tipo de pensamento desenvolvido no ocidente, isto é, com a filosofia”. (...) “Ora, numa sociedade em que as explicações estão todas prontas, onde as normas são aceitas sem discussão, a tendência é estagnar. As alterações, inevitáveis em qualquer comunidade humana, ficam por conta de fatores externos: mudanças climáticas, cataclismas, guerras, invasões... Mas lá onde há questionamento de tudo existe um princípio interno de transformação, existe a permanente possibilidade da mudança.

É por isso que, entre os nossos dez filósofos, um certamente se insurgiria contra seu colega engraçadinho e bradaria indignado: “Alto lá! A filosofia é o contrário disso, ela é justamente a ciência com a qual não é possível o mundo permanecer tal e qual!”.

E é só entrar na filosofia para entender que ele também tem razão (IGLÉSIAS, 2001, p. 10-17).

Na literatura contemporânea sobre o tema, na breve passagem que por ela fizemos,

apenas a título de sinalização do mesmo, este não nos pareceu ser um problema apenas do

Brasil, pois a questão “por que ensinar a filosofia?”, é também tratada, na forma de artigo,

por LAGUEUX (1980) da Universidade do Québec.

Seu trabalho procura lastrear-se nas questões mais iminentes colocadas pelo ensino

da filosofia, tal como o autor alardeia logo de início em sua obra:

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Tem-se discutido muito, até demais, sobre o sentido e o interesse da atividade filosófica. É tempo de parar de filosofar sobre a filosofia e de passar a justificá-la antes pelos resultados do que com sutilizas de argumentação. Essa consideração proibiria qualquer “démarche” desse tipo se somente a interrogação sobre a compreensão do ensino de filosofia não colocasse tantos problemas urgentes e concretos que estão longe de estarem resolvidos. Não é preciso repetir que nos falta, no Québec, uma produção filosófica; mas sua aparição maciça não eliminaria o problema que será estudado aqui, pois que na França, por exemplo, onde essa produção é, em geral, considerada como bastante respeitável, o problema não vem sendo debatido com menos vigor (LAGUEUX, 1980, p. 12).

De fato, o trabalho de LAGUEUX (1980) toca na ferida, pois no exemplo acima

tanto as perguntas quanto as respostas não passam de ficções. Seu texto trata ainda de

questões como: O que caracteriza a “démarche” filosófica?; Como procederá o filosófico?;

Quem estará qualificado para fazer obra filosófica?; Como pode a filosofia auxiliar aqueles

a quem os filósofos pretendem ensinar?; Que métodos pedagógicos pressupõem o ensino da

filosofia?

Seu escrito, ao final, assim conclui:

esses poucos propósitos não pretendem, de modo algum, levar soluções aos problemas que eles evocam. Seria preciso, aliás, fazer-se uma idéia bem flexível da importância desses problemas. Eles sugerem primeiro, alguns pontos que deveriam ser estudados e experimentados antes que, de minha parte, possa responder de maneira que me pareceria satisfatória, à questão que não se pode evitar: por que ensinar a filosofia? Visto que, em nome de todos ninguém pode responder a essa questão, cabe a cada um esforçar-se por faze-lo a fim de que pouco a pouco se precise quais seriam os objetivos mais gerais daqueles que, por sua parte, se dedicam a uma atividade que lhe é cara, mas da qual todos se perguntam o que é ao certo essa disciplina da qual os adeptos pareçam não partilhar nada com o outro, senão essa velha palavra usada noutro tempo que designava “o amor à sabedoria” (LAGUEAX, 1980, p. 29).

O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia de GAARDER (1995), um

sucesso estrondoso, nos pareceu ser em si uma sofisticação do problema em questão.

Mesmo assim, o autor dedica as vinte primeiras páginas da obra ao trato explícito da

temática em questão. Nestas, ele responde a Sofia o “para que filosofia?”: “Eu não quero

que justamente você passe a pertencer ao clube dos apáticos e indiferentes. Quero que

você viva uma vida instigante” (GAARDER, 1995, p. 30).

A Sabedoria dos Modernos: Dez questões para o nosso tempo, de COMTE-

SPONVILLE & FERRY (1999), “pós-pós-estruturalistas” (quero dizer com essa

“categoria” de improviso, apenas que são pensadores de nossos dias, críticos do pós-

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estruturalismo), dedica uma de suas questões, para o nosso tempo, ao tratamento do tema:

“para que serve a filosofia contemporânea?”.

Numa parte da obra sob o título: “entre ciências e culturas: para que serve a

filosofia contemporânea?”, escrita por COMTE-SPONVILLE, o esforço do autor é o de

identificar o lugar da filosofia frente aos saberes contemporâneos, do qual diz o seguinte:

a filosofia situa-se na encruzilhada entre o universal (da razão) e o singular (de uma existência): é por isso que ela se aproxima das ciências (a razão, em ambos os casos, é a mesma), é por isso que ela se aproxima das artes (a subjetividade, em ambos os casos, é a mesma), sem contudo confundir-se nem com estas, que não têm a ver com o raciocinar, nem com aquelas, que não têm a ver com o viver. A filosofia não é nem uma ciência nem uma arte, mas como que a perpétua tensão entre esses dois pólos: é como que uma ciência improvável, à força de ser subjetiva, como, como uma arte improvável, à força de se querer racional e que só teria êxito, como viu Althusser, num certo modo de fracassar, sempre singular, sempre novo em algo... se Descartes tivesse tido êxito, seríamos todos cartesianos. Se Kant tivesse tido êxito, seríamos todos kantianos. Se Husserl tivesse tido êxito, seríamos todos fenomenologistas. E a filosofia seria tão objetiva, tão impessoal, tão indiferente, no fundo, quanto a física ou a matemática. Se Descartes tivesse tido êxito, se Kant tivesse tido êxito, se Husserl tivesse tido êxito, a filosofia não teria mais interesse: ela entraria no “caminho seguro de uma ciência”, como dizia Kant, e seria o fim da filosofia (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 496).

Se este é seu modo de relação com as ciências e as artes, vejamos como o autor se

posiciona quanto à cultura, de uma forma um pouco mais ampla da que vimos acima:

Quanto às culturas, é diferente. As ciências constituem, para a filosofia, uma espécie de exterioridade necessária: são como um real de referência, já trabalhado pelo espírito. A cultura, ao contrário, ou as culturas, já que são muitas, fazem parte, sob vários aspectos, da interioridade filosofante, que delas faz parte: porque toda filosofia nasce no interior de certa cultura, de que tira a essência de seus problemas e boa parte de seu conteúdo. De modo que não estou certo, ao contrário do que poderia dar a entender nosso título do dia, de que a filosofia se situe “entre ciências e culturas”, se entendermos por isso que ela não pertenceria nem a umas nem a outras. Como seria possível? Nenhuma filosofia é científica, claro; mas toda filosofia é cultural (ou, como dizia Marx, “ideológica”). Isso, novamente, nos fada ao relativismo. A partir do momento que só pensamos no interior de um cultura dada (e a partir do momento que não há nem cultura absoluta nem cultura transparente a si mesma), não podemos nos libertar inteiramente dela, nem viver, como queria Spinoza, “unicamente de acordo com os mandamentos da razão”. Nunca veremos o absoluto cara a cara. A cultura, que nos precede, que nos atravessa, que nos constitui, veda-o. Devemos lamentar isso? Não acho. Que seríamos sem a cultura? Que poderíamos? Que valeríamos? O que nos separa da natureza (a linguagem, a razão, o trabalho) permite-nos conhecê-la e transformá-la. O que nos separa do absoluto a ele nos leva. A recíproca também é verdadeira: o que nos leva a ele, dele nos separa. É o que chamamos espírito, que não é substância mas sim trabalho, mas sim revolta, mas sim humor – e às vezes amor. O momento da desnaturação (que não é um momento mas o todo de nossa história) é o momento do negativo: o espírito sempre nega, e é o próprio espírito. Como é

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possível? Cabe às ciências – tanto da natureza como do homem – explicá-lo. Mas que assim seja, quem pode negar? Senão, teríamos inventado ferramentas, línguas, obras? Criar é, antes de tudo, recusar, negar, contestar, enfrentar, transformar, destruir. É por isso que o espírito é dialético, e somente ele o é. Mas, afinal, de negação em negação, o espírito tem de chegar a se negar a si próprio: é lhe ser fiel (a negação da negação, por mais positivo que seja o resultado, continua sendo uma negação) ao mesmo tempo que à natureza (de que o espírito faz parte, pelo corpo). “Salvar o espírito negando o espírito”, dizia Alain a propósito de Lucrécio, e é o gesto fundamental de toda sabedoria materialista (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 502-503).

Ora, então, “Por que filosofar?” São palavras de COMTE-SPONVILLE (1999) a

respeito:

neste mundo sempre novo, que se trata de habitar, já que é esse nosso destino, da maneira mais inteligente possível. “O contrário da sabedoria é exatamente a tolice”, notava Alain. Isso diz muito sobre o que é o amor à sabedoria (filo-sofia): é certa maneira de não se resignar à tolice que trazemos em nós, que é nós. Filosofar é aprender a desprender-se, e nunca acabamos de aprendê-lo, e nenhuma ciência, claro, bastaria para tanto nem o faria em nosso lugar (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 502, grifos do autor).

Desse modo, esse mesmo autor posiciona-se sobre a questão “O que é filosofar?”

É pensar sem provas, é pensar mais longe do que se sabe, mas submetendo-se – o mais que podemos, o melhor que podemos – às restrições da razão, da experiência e do saber” (...). “O que é filosofia?” (...) “A filosofia é uma prática discursiva que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade por fim (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 494-496).

E, enfim, são suas as palavras sobre “Para que serve ou pode servir a filosofia

contemporânea?”

Para viver juntos, da melhor maneira: no debate racional, sem o qual não há democracia, na amizade, sem a qual não há felicidade, enfim na aceitação, sem a qual não há serenidade. Como escreveu Marcel Conche a propósito de Epicuro, “trata-se de conquistar a paz (pax, ataraxia) e a filia, isto é, a amizade consigo mesmo e a amizade com outrem. Acrescentarei: e com a cidade, o que é política, e com o mundo – que contém o eu, o outro, a cidade... –, o que é sabedoria. Dirão que isso não é novo... A filosofia nunca é. A sabedoria sempre é (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 507).

Curiosamente, uma concepção de filosofia materialista, cética, relativista,

ideológica, historicista, ou culturalista, como queira, que afirma, explicitamente, que

filosofia tem algo a ver com sociedade, ou cultura. Cronologicamente, pós-pensamento 68,

porém, bem conceituada: lógica quanto ao método e tecnologicamente competente.

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Mais adiante, procuraremos fazer ver o motivo de termos feito este destaque.

Retornemos ao nosso caso brasileiro. Vamos deixar, no momento, um pouco de lado

a área de produção de manuais de filosofia, ou do livro didático, e verificar que a questão

também penetrou foros considerados de maior relevância e reconhecimento científicos,

como os das reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Decerto que o encontro dedicou ao tema – “Por que filósofo?” – uma mesa-redonda,

em sua XXVII Reunião Anual, realizada em julho de 1975, na cidade de Belo Horizonte, e

da qual participaram reconhecidos filósofos brasileiros, cujos textos foram publicados,

posteriormente, de forma variada.

Tomaremos, aqui, apenas algumas dessas obras tendo em conta nosso intuito, cujo

objetivo não é o esgotamento dos textos do referido encontro e sim surpreender a

manifestação do fenômeno, que estamos a tratar, naquele evento. José Artur Giannotti em

“Por que filósofo?”, texto publicado na obra: “Filosofia miúda e demais aventuras”, em

breve descrição, nos fornece pistas das possíveis condições que tornaram possível uma

questão daquela natureza:

foram-se os tempos em que a teologia guardava ciosamente os mistérios especulativos e os filósofos se apartavam da sociedade para se consagrarem ao sacerdócio da reflexão. Hoje filosofia é matéria de ensino público, a qual, se na verdade não guarda mais o lugar privilegiado de anos atrás, ainda ocupa muita gente. Que pretende essa massa de estudantes do filosofar?”(...) “O que anima o aprendiz de filosofar? (GIANNOTTI, 1985, p. 13).

PRADO JR. (1976), também participante da citada mesa-redonda, em seu texto

sobre o tema: “Por que filósofo?”, a que o autor deu título de “Os Limites da Aufklärung”,

publicado posteriormente em “Estudos CEBRAP”, oferece-nos preciosos indicativos das

razões que proporcionaram a emergência da questão sobre a qual, no momento, estamos a

trabalhar. Ele aponta o contexto de crise, como propício à emersão da pergunta e localiza

esse emergir no interior da própria filosofia, no momento em que a razão se insere na

divisão social do trabalho como saber ao lado do poder, na “equação moderna: saber é

Poder”.

Então, a crise que se instaura na filosofia ou na qual ela está inserida, não devém de

um erro teórico e sim de sua inserção social a serviço de um projeto de dominação técnica

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em relação à natureza e ao outro, daí, talvez, uma possível origem da desconfiança em

relação à filosofia.

Desse modo, na ótica de PRADO JR. (1976),

o mal-estar na Filosofia aumenta: sem a glória do saber rigoroso (de que se fala, no entanto), sem nenhuma tarefa grandiosa a seu alcance, o filosofo torna-se suspeito de colaborar sem o saber, com o curso da barbárie. Mas por que, então, filósofo? Talvez ele se justifique, transformando sua impossibilidade em sua própria razão. Atacar certezas é um exercício vão? Não, na medida em que sustentam algo mais do que discurso. Professor universitário, enquanto é possível, depois de ter sido guia da humanidade, e mesmo limitado ao que se chama de História da Filosofia, o filósofo pode, pelo menos, abrir um espaço de indeterminação no fluxo coletivo do discurso, ensaiar a possibilidade de uma contra-dicção (PRADO JR., 1976, p.172-173).

Um outro trabalho, apresentado neste mesmo encontro, contudo, nos pareceu flagrar

o fenômeno em sua dimensão mais ampla possível, trata-se do texto: “O dia da caça” de

TORRES FILHO (1987), publicado no livro do autor: “Ensaios de Filosofia Ilustrada”.

Na obra em questão, TORRES FILHO (1987) apercebe-se de uma inversão da

tradicional posição ocupada pelo filósofo que a pergunta faz vir à tona.

Diz-nos que:

se pensarmos, então, que a pergunta pelo “por quê?” é a pergunta filosófica por excelência, a arma com que o filósofo sai à caça de seu saber, vê-la voltada, agora, contra o próprio filósofo, leva a pensar que chegamos, afinal, ao dia da caça, em que a figura clássica do pensador perde seus direitos predatórios e esse caçador passa a ser caçado, como o sofista de Platão (TORRES FILHO, 1987, p. 11).

Para TORRES FILHO (1987) a origem dessa pergunta, “Por que filósofo?”, deu-se

no momento em que a critica kantiana despojou a filosofia de seus objetos tradicionais, o

que, nas palavras do autor, fica do seguinte modo:

é possível pensar que essa crise do sujeito da filosofia, nos termos atuais, data do momento em que, por obra da Dialética Transcendental, se desfez o território dos objetos da metafísica (TORRES FILHO, 1987, p. 13-14).

A busca pela resposta à questão, em função da interdição kantiana, como assevera

TORRES FILHO (1987), dá ensejo ao surgimento do idealismo alemão, marcado pelo

momento da disputa entre Fichte e Schelling pelo novo estatuto da filosofia pós-kantiana e

do papel do filósofo e do sentido do filosofar.

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A passagem pelo momento do idealismo alemão serve a TORRES FILHO como

subsídio recolhido da história da filosofia para a problematização da questão: por que

filósofo hoje? Questão por si causadora de perplexidade, uma vez que

hoje, no dia geral da caça, em que se procuram ideologias nas filosofias, em que se interrogam as estruturas latentes do discurso, em que se impõe a espessura soberana da história escandindo os enunciados mais “extemporâneos”, será tão fácil distinguir a caça do caçador? (TORRES FILHO, 1987, p. 24).

O que mudou daquele tempo para o nosso? Este foi o propósito de nossa

investigação. Para tanto, tomamos de empréstimo o referencial teórico derivado tanto da

perspectiva de estudos sócio-históricos das disciplinas escolares, quanto de estudos

propriamente historiográficos, como os da perspectiva da história cultural e do Grupo de

Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação”, como exemplos.

Nossa pesquisa insere-se, portanto, nos estudos da educação brasileira tal como ela

se configurou no século XIX, porém buscou distanciar-se, de forma crítica, da perspectiva

de AZEVEDO (1976) de centrar-se, exclusivamente, numa história do jurídico-político e

das idéias pedagógicas.

Pautamo-nos pelo alargamento de fronteiras propiciado tanto pela Nova Sociologia

da Educação quanto pela Nova Historiografia da Educação.

O estudo, porém, preocupou-se com a história de uma disciplina escolar, que hoje

volta a ocupar um lugar de destaque nas discussões curriculares do ensino médio, a saber: a

constituição e o ensino da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro e a formação da

cultura filosófica escolar mineira no século XIX (1854-1890).

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II – PRELIMINARES DE CRÍTICA EPISTEMOLÓGICA E METODOLÓGICA

Para o estudo da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro1, como já foi delineado,

reportamo-nos em especial às referências teórico-metodológicas da história das disciplinas,

mas num diálogo constante com as investigações sócio-históricas do currículo sobre os

saberes escolares.

O sociólogo da educação, Jean-Claude Forquin (1992), destaca que o próprio de

uma reflexão histórica sobre os saberes escolares

é o de contribuir para dissolver esta percepção natural das coisas, ao mostrar como os conteúdos e os modos de programação didática dos saberes escolares se inscrevem, de um lado, na configuração de um campo escolar caracterizado pela existência de imperativos funcionais específicos (conflitos de interesses corporativos, disputas de fronteiras entre as disciplinas, lutas pela conquista da autonomia ou da hegemonia no que concerne ao controle do currículo), de outro lado na configuração de grupos de interesses divergentes e com postulações ideológicas e culturais heterogêneas, para os quais a escolarização constitui um trunfo social, político e simbólico (FORQUIN, 1992, p. 43-44).

A ser assim, se as teorias do campo do currículo constituíram nosso referencial mais

abrangente, a história das disciplinas escolares foi nossa referência teórica específica. Neste

último caso, lembremos o que nos diz CHERVEL (1990), historiador clássico da história

das disciplinas escolares, sobre tais estudos:

1 Criado em 1854, através do regulamento, autorizado pela lei 516 de 1851, expedido pelo presidente F. Diogo Pereira de Vasconcelos. O Liceu, em 1o. de dezembro de 1890, foi dividido em internato e externato, sendo o primeiro transferido para Barbacena e o segundo permanecendo em Ouro Preto, porém, com a denominação de Ginásio Mineiro. Em 1898, foi transferido para Belo Horizonte. Em 17 de março de 1943, Getúlio Vargas, ex-aluno, mudou sua denominação para Colégio Estadual de Minas Gerais. Várias outras mudanças ainda se efetivaram, após a década de sessenta como a criação dos Ginásios Anexos da Serra, Gameleira, Sagrada Família, Coração de Jesus e Santo Antônio com um Departamento Central. Outra mudança de nome aconteceu, em 26 de janeiro de 1972, com o Decreto Estadual no. 14.288, passou a chamar-se Colégio Estadual “Governador Milton Campos”. Em 9 de fevereiro de 1973, a unidade Santo Antônio ganhou a denominação de Escola Estadual de 2o. Grau “Governador Milton Campos.” Em 17 de outubro de 1978, mais uma mudança, desta feita, pelo Decreto no. 19.472/78, para Escola Estadual “Governador Milton Campos”. Como se pode observar, tal trajetória, por si só, mereceria um estudo próprio. Contudo, por ser nosso campo de estudo o da História das disciplinas escolares, destacaremos, de seu currículo, a disciplina de filosofia, sem, no entanto, descuidar daqueles aspectos institucionais intervenientes no ensino da mesma (REGIMENTO DA ESCOLA ESTADUAL “GOVERNADOR MILTON CAMPOS” DE 1o. E 2o. GRAUS – Com as modificações contidas na EMENDA, aprovada pela Secretaria de Estado da Educação, juntamente com este Regimento, em 13/12/1993, p. 1).

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tem-se manifestado uma tendência, entre os docentes, em favor de uma história de sua própria disciplina. Dos conteúdos de ensino, tais como são dados nos programas, o interesse então evoluiu sensivelmente para uma visão mais global do problema (CHERVEL, 1990, p. 177).

Nesse sentido, nossa pesquisa situou-se num plano mais geral no campo do

currículo e no específico ao da história das disciplinas escolares, numa interlocução

privilegiada com a sociologia e história da educação e da filosofia (ou como preferimos, no

caso do Brasil: história do ensino de filosofia), como mostraremos, em linhas gerais, daqui

para adiante.

SILVA (1998) nos diz que

O interesse na história do currículo remonta à primeira fase da chamada Nova Sociologia da Educação, iniciada na Inglaterra por Michael Young e outros. A historização do currículo era uma estratégia central no enquadramento teórico da NSE, na exata medida em que a perspectiva histórica permitia expor a arbitrariedade dos processos de seleção e organização do conhecimento escolar e educacional (SILVA, 1998, p. 7).

Também FORQUIN (1993) tributa à nova corrente sociológica da educação a

intensificação do interesse pelos estudos curriculares. Para o autor, com efeito,

a reflexão desenvolvida na Grã-Bretanha durante as duas últimas décadas sobre os fatores culturais da escolarização deve muito às contribuições teóricas originais de uma corrente de pesquisa e de reflexão sociológicas que se cristalizou ao redor do final dos anos 60 e que se designa geralmente pelos termos (na verdade, de modo algum, equivalentes) de “sociologia do currículo” ou de “nova sociologia da educação (FORQUIN, 1993, p. 69).

Nessa linha de raciocínio, SILVA (1998) sugere, com bastante convicção, que é

próprio de uma pesquisa histórica do currículo

ver o conhecimento corporificado no currículo não como algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações. (...) Uma análise histórica do currículo deveria, (...) tentar captar as rupturas e disjunturas, surpreendendo, na história, não aqueles pontos de continuidade e evolução, mas também as grandes descontinuidades e rupturas. Uma tal perspectiva estaria atenta aos diferentes significados que, através da história, podem ter sido atribuídos às mesmas palavras e conceitos, como educação, escola, disciplina... significados fixos e permanentes. No contexto da história do currículo é preciso desconfiar particularmente da tentação de atribuir significado e conteúdo fixos a disciplinas escolares que podem ter em comum apenas o nome (SILVA, 1998, p. 7-8, grifos nossos).

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SILVA (1998) caracteriza em seu texto esse novo espírito cientifico. O mesmo, por

ser histórico, deve evitar a descrição que vise apenas demonstrar a diferença entre o antigo

e o atual currículo, pois se a nova perspectiva enxerga o currículo da escola como um

artesanato sócio-cultural, então cabe a explicação da dinâmica que lhe deu o contorno que o

fez ser como é.

Isso envolve ver o currículo como resultante de “um processo constituído de

conflitos e lutas entre diferentes tradições e diferentes concepções sociais. Esse processo é

tão importante quanto o resultado” (SILVA, 1998, p. 8).

Essa idéia de manufatura social que é o currículo, não resulta de uma deliberação

epistêmica imaculada (SILVA, 1998). Para esse autor, “O currículo não é constituído de

conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados socialmente válidos” (SILVA,

1998, p. 8, itálicos do autor).

Mais ainda, nesse modo de raciocinar, o processo sócio-cultural de construir o

currículo tampouco é tido como logicamente coerente e sólido, antes, se configura muito

mais como um modo de operação sincrético que combina crenças, expectativas, visões de

sociedade e alguma evocação científica muito mais como ornamento.

Desse modo,

uma história do currículo que se limitasse a buscar o lógico e o coerente estaria se esquecendo precisamente do caráter caótico e fragmentário das forças que o moldam e determinam (SILVA, 1998, p. 9).

Uma história do currículo, como quer SILVA (1998), não pode perder de vista que

o mesmo é fabricado para produzir efeito sobre as pessoas, como de fato o tem produzido,

“o currículo não apenas representa, ele faz”:

É preciso reconhecer que a inclusão ou exclusão no currículo tem conexões com a inclusão ou exclusão na sociedade. (...) uma história do currículo amplia a tradicional preocupação com o acesso a educação. Não se trata apenas de uma questão de acesso (...), mas do acesso diferencial a diferentes tipos de conhecimento (...) do acesso diferencial ao currículo ou talvez, melhor dizendo, aos currículos (SILVA, 1998, p. 10).

Encerrando sua apresentação da obra Currículo: Teoria e História de Ivor Goodson,

SILVA (1998) torna explícita a esperança de que a mesma “sirva como inspiração e

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orientação para aqueles pesquisadores que, no Brasil, desejam se dedicar a uma área tão

carente coma essa” (SILVA, 1998, p. 11).

Alinhamo-nos nesse empreendimento com o autor, não só pela carência de

pesquisas na área como afirma o mesmo, mas, principalmente, pela agudeza da inflexão

teórica promovida pela nova sociologia da educação, em que pese guardarmos uma relação

crítica com SILVA (1998), em particular, quanto ao vezo descontinuísta da história.

Não que não haja descontinuidades na história, como quer a filosofia da diferença

de SILVA (1998), mas nos interessam menos os aspectos doutrinários da mesma (ter as

descontinuidades como um a priori), que flagrá-las (ou não) no próprio acontecimento.

Na mesma perspectiva de estudo, porém, dirigindo o foco para a história das

disciplinas escolares como campo específico do currículo, MOREIRA (1990) afirma que

tem havido, nos últimos anos, um crescente interesse por estudos sócio-históricos de disciplinas escolares (...). Tais estudos têm acentuado o fato de como os rumos de uma disciplina são afetados por debates e disputas entre os subgrupos que a compõem e também como essas disputas são influenciadas por aspectos da política educacional e da sociedade mais ampla. Os autores dessa linha analisam, então, objetivos, documentos, encontros de associações de professores, programas oficiais, seminários, congressos, conferência, pesquisas, relatórios, leis e políticas educacionais, e buscam entender como tais eventos e matérias refletem os conflitos já mencionados (MOREIRA, 1990, p. 35).

A perspectiva do trabalho de GOODSON (1998) nos pareceu convergir naquela

direção acima proposta, pois que para ele

a história do currículo procura explicar como as matérias escolares, métodos e cursos de estudo constituíram um mecanismo para designar e diferenciar estudantes. Ela oferece também uma pista para analisar as relações complexas entre escola e sociedade, porque mostra como escolas tanto refletem como refratam definições da sociedade sobre conhecimento culturalmente válido em formas que desafiam os modelos simplistas da teoria da reprodução (GOODSON, 1998, p. 118).

Seus estudos (de GOODSON), do que ele denomina de “matérias escolares”, levam-

no a enunciar “três conclusões gerais” a respeito do processo de como aquelas se

constituíram como tais e que nos ajudaram a orientar a nossa investigação.

A primeira conclusão é que as matérias não constituem entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e tradições que, mediante controvérsia e compromisso, influenciam a direção de mudança. Em segundo lugar, o processo de se tornar uma matéria escolar caracteriza a evolução da comunidade, que passa de

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uma comunidade que promove objetivos pedagógicos e utilitários para uma comunidade que define a matéria como uma “disciplina” acadêmica ligada com estudiosos de universidades. Em terceiro lugar, o debate em torno do currículo pode ser interpretado em termos de conflito entre matérias em relação a status, recursos e território (GOODSON, 1998, p. 120).

Ao estudar os padrões de explicação contemporâneos das matérias escolares, esse

mesmo autor rejeita tanto o modelo sociológico, quanto o filosófico, por estes não se

aterem à dinamicidade própria às disciplinas na sua evolução, fazendo destas entes

intemporais de conteúdo medido apenas pelo seu valor íntimo.

Para ele,

o estudo do conhecimento em nossa sociedade deveria ir além de um processo a-histórico de análise filosófica, em direção a uma investigação histórica detalhada dos motivos e das ações por trás da apresentação e da promoção das matérias e disciplinas (GOODSON, 1990, p. 236).

Já para CHERVEL (1990), a História das disciplinas escolares está intimamente

ligada com a intervenção social da escola, pois, ao intervir no campo da cultura, da

literatura, da gramática, do conceito, “a escola desempenha um papel eminentemente ativo

e criativo que somente a História das disciplinas escolares está apta a evidenciar”.

Com isso, CHERVEL (1990) põe em foco a dupla função da escola: a primeira é

aquela classicamente considerada como seu único objetivo - isto é: de instrução das

crianças; a outra,

é a criação das disciplinas escolares, vasto conjunto amplamente original que ela secretou ao longo de decênios ou séculos e que funciona como uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua lenta progressão em direção à cultura da sociedade global. No seu esforço secular de aculturação das jovens gerações, a sociedade entrega-lhes uma linguagem de acesso cuja funcionalidade é, em seu princípio, puramente transitória. Mas, essa linguagem adquire imediatamente sua autonomia, tornando-se um objeto cultural em si e, apesar de um certo descrédito que se deve ao fato de sua origem escolar, ela consegue contudo se infiltrar subrepticiamente na cultura da sociedade global (CHERVEL, 1990, p. 200).

Para CHERVEL, a especificidade da História das disciplinas escolares é o ensino da

“idade escolar”.

Segundo ele,

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a história dos conteúdos é evidentemente seu componente central, o pivô ao redor do qual ela se constitui. Mas seu papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os resultados concretos que eles produzem. Trata-se então para ele de fazer aparecer a estrutura interna da disciplina, a configuração original à qual as finalidades deram origem, cada disciplina dispondo, sobre esse plano, de uma autonomia completa, mesmo se analogias possam se manifestar de uma para outra (CHERVEL, 1990, p. 187).

Conforme essa argumentação, a investigação das finalidades se torna mais

transparente no momento em que são impostos novos objetivos à escola, pois é possível

detectar, dentre a quantidade enorme de iniciativas, o triunfo daquela pela qual é possível

reconstituir mais precisamente a natureza da finalidade imposta.

Se, no sentido que lhe dá CHERVEL (1990), as disciplinas escolares, no seu

aspecto funcional, preparam a aculturação conforme certas finalidades. Isso explica sua

gênese e a constituição de sua razão social. Entretanto, consideradas em si mesmas, elas

tornam-se entidades culturais que transpassam os muros da escola intervindo também na

história cultural da sociedade.

CHERVEL (1990) conclui que

é às circunstâncias de sua gênese e à sua organização interna que as disciplinas escolares devem o papel, subestimado, mas considerável, que elas desempenham na história do ensino e na história da cultura. Fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos, elas constituem por assim dizer o código que duas gerações, lentamente, minuciosamente, elaboram em conjunto para permitir a uma delas transmitir à outra uma cultura determinada. A importância dessa criação cultural é proporcional à aposta feita: não se trata nada menos do que da perenização da sociedade. As disciplinas são o preço que a sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da escola ou do colégio (CHERVEL, 1990, p. 222).

JULIÁ (2002), mais um historiador francês a lidar com a história das disciplinas

escolares, nos diz sobre este campo de pesquisa que

a história das disciplinas deve, para ser realmente operatória, partir mais dos fenômenos e dos mecanismos internos à escola do que da aplicação de explicações externas, e pouco convincentes, sobre essas mesmas escolas. Mas ela deve levar em conta todos os componentes dos quais se constitui uma disciplina escolar e não se limitar a um só, sob o risco de interpretações históricas equivocadas (JULIÁ, 2002, p. 40-41).

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Ainda nesta perspectiva de JULIÁ (2002), não cabe ao historiador o papel de

“justiceiro” quanto às representações dominantes de uma dada forma de sociabilidade a

serviço das classes, uma vez que o resultado seria uma obviedade, como as análises dos

manuais escolares dos anos 70 que se preocupavam em denunciar a “ideologia” transmitida

pelos mesmos, no intento de manter o habitus de submissão das classes dominadas, pois

o sistema educativo acha-se bem encerrado no interior dessas representações e não se espera desses manuais uma função provocativa ou de denúncia, menos ainda quando o controle que se exerce sobre sua redação e sua fabricação – seja sob supervisão estrita do Estado ou das igrejas, ou por “livre” iniciativa das editoras ou dos professores – desenvolve uma forma de autocensura, consciente ou inconciente. (...) Nisso não há nada de surpreendente e o historiador, se ele quer compreender, deve cuidar para não se transformar em justiceiro, mas sim em procurar reconstituir em sua organicidade a gênese, a estrutura e a evolução das disciplinas escolares (JULIÁ, 2002, p. 41-42, grifos nosso).

Problematizando esse campo de investigação, o texto de WARDE (2000) aponta

que, no terreno da História das Disciplinas,

pelo menos dois itinerários vêm se delineando: um que centra a atenção no itinerário das disciplinas escolares e outro que se centra no itinerário das disciplinas acadêmicas. Por certo que, a depender das abordagens adotadas, esses percursos são afirmados como: independentes ou, em oposição, como intimamente interligados; de tal modo que, a partir da tese da interligação, a História disciplinar acaba por fazer uma interseção forte com a História das Ciências.

Tendo verificado que não dá para afirmar a priori, sem correr sérios riscos de erro, a independência ou dependência dos percursos disciplinares escolares e acadêmicos; eles variam grandemente, a depender da disciplina que está em tela, do tempo e do espaço, nos quais a pesquisa em torno do assunto se movimenta, assim como, dependem do universo institucional, no qual o pesquisador pretende inscrever sua investigação (WARDE, 2000, p. 88-89).

Convém fazer aqui, para podermos seguir em frente, uma tentativa de definição do

termo disciplina, que, apesar de lastreada na tradição francesa, contudo a mesma serviu de

modelo educacional para o caso brasileiro no século XIX. Dado esse horizonte, JULIÁ

(2002), esboça, ainda que com traços fugidios, uma definição do termo.

E mais adiante, citando André Chervel, anuncia

que o termo disciplina escolar designa, até o fim do século XIX, apenas tudo o que é relativo à organização dos estabelecimentos e à repressão das desordens que podiam se desenrolar. O que chamamos hoje de disciplina escolar era então denominado “curso”, “objeto”, “matérias” de ensino” (...). “Somente no final do século XIX (...) o termo adquiriu o sentido de exercício ou de “ginástica”

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intelectual, isto é, o ideal de um “desenvolvimento do juízo, da razão, da faculdade de combinação e invenção” (...). Pouco a pouco, o termo perde sua força e termina por se tornar uma rubrica que designa as diferentes matérias de ensino, significado que conserva atualmente (JULIÁ, 2002, p. 43-44).

Quanto ao termo secundário, tal como o utilizamos para designar um nível de

ensino, esse foi empregado, segundo CHERVEL (1992), aproximadamente, em 1815, para

nomear todos os estabelecimentos do tipo liceu ou colégio.

Nesse momento, segundo o autor em tela, aparece, pela primeira vez,

a idéia de que a sociedade da Restauração só seria protegida opondo o primeiro grau ou “primário” ao “segundo grau”, uma “instituição de segunda ordem” “um segundo grau de instrução ou instrução secundária,” uma “segunda instrução” dada nos “estabelecimentos secundários”. (...) Há também uma maneira elogiosa de denominar este grau de ensino: “alta instrução”, uma expressão bastante consagrada, ou então “estudos superiores” (CHERVEL, 1992, p. 107-8).

Desse modo, conforme os autores que brevemente arrolamos para o tratamento do

tema em destaque, a investigação sobre a história da disciplina de filosofia, naquele tempo

que delimitamos no nível de ensino secundário, foi reveladora das influências que a mesma

exerceu tanto na cultura filosófica escolar quanto, de forma mais geral, na cultura da

sociedade pré-republicana da província de Minas Gerais.

Nosso trabalho consistiu, portanto, na releitura crítica de alguns estudos de história

da cultura e da educação mineira, que constituiu nosso acervo de fontes secundárias, mais o

cruzamento com um conjunto de fontes primárias que nos ofereceram uma razoável

aproximação da cultura filosófica do Liceu Mineiro, como instituição pública de instrução

secundária, consagrada aos “estudos superiores”, conforme a imagem que desse nível de

ensino nos traz a investigação histórica efetuada por CHERVEL (1992) e brevemente

citada acima.

Na linha da referida releitura crítica, apenas a título de antecipação de nossos

resultados, tomo MOACYR (1939), que, ao citar em sua obra o relatório de 1859, do

diretor geral da instrução, Dr. Rodrigo José Ferreira Bretas, nos deu uma indicação preciosa

sobre a função do uso de compêndios de filosofia à época.

Diz ele:

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A inspeção sobre o espírito do ensino será fácil uma vez que nas aulas não se lecione arbitraria ou indistintamente por quaisquer compêndios relativos à filosofia e à religião, mas somente pelos que houverem sido adotados e prescritos pelo governo. Neste caso o trabalho será somente o de averiguar se pelos ditos compêndios efetivamente se leciona (MOACYR, 1939, p. 131, grifos nossos).

Ficou claro, neste trecho, uma tentativa de controle que se quis exercer sobre o

ensino de filosofia daquele período. Ora, a citação do autor, que era apenas uma pista no

início de nosso trabalho, ao ser confrontada com a documentação pesquisada, se revelou

bastante elucidativa, seja da tentativa das autoridades educacionais da época de querer

controlar o ensino de filosofia e ainda, do espírito da educação em vista do objetivo

almejado.

Ambas atitudes, de qualquer forma reveladoras dos limites de uma história das

idéias que opõe idéia contra idéia, como se as idéias, por si só, fossem capazes de se

sobrepujarem umas às outras, ainda que comprovadamente uma possa ser mais abrangente

que outra.

Se, no plano mais específico, nos apoiamos nas intenções da história das disciplinas

escolares para o estudo de nosso objeto de pesquisa, conforme vimos acima, com a

historiografia propriamente dita, nosso intento foi de identificar a maneira como a

disciplina de filosofia foi construída, pensada e propensa a entender no Liceu Mineiro,

como nos inspira CHARTIER (1990), enfim, como foram construídas as representações

sobre a referida disciplina no período. Esse referencial nos orientou mais genericamente na

pesquisa realizada.

Nosso objetivo foi de sugerir que o problema da serventia ou da utilidade da

filosofia, aí incluída a problemática conseqüente de seu ensino, tal como a questão tem

aparecido em nossa época contemporânea, pode ser mais bem compreendido se mudarmos

o foco quanto ao tratamento que lhe tem sido dado no interior da filosofia e da história da

filosofia e isso significa remontar à origem do problema e à finalidade de ensino que se

tinha com uma compreensão da filosofia e ao outro fim que se passou a ter com o novo

entendimento do conhecimento filosófico.

Longe de querer aqui insinuar qualquer deficiência analítica por parte da filosofia ou

da história da filosofia no tratamento dado ao tema, em particular com relação aos autores

com os quais buscamos dialogar, que, aliás, nos propiciaram uma visão mais clara da

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questão em foco. Ao contrário, pensamos que cabe cuidar ainda de um aspecto que pode

aclarar a problemática um pouco mais, a considerar, é claro, que os estudos sobre a filosofia

no Brasil estão longe de algum tipo de consenso.

Trata-se de compreender que a filosofia, como instância produtora de conceitos e

teorias, cumpre uma função simbólica, isto é, produz representações que, no sentido que

lhes atribui CHARTIER (1990), são consideradas como matrizes de discursos e de práticas

diferenciadas, e mesmo uma representação tão “abstrata”, como a filosofia, só é

verdadeiramente a partir do momento em que comandam atos e atitudes que visam a

construção do mundo social, práticas tanto mais decisivas quanto menos imediatamente

material é a filosofia que lhes informa. O que torna mais necessário, ainda, a investigação

dessas “atitudes mentais”.

Desse modo, nossa tarefa consistiu em traduzir as representações sobre a disciplina

de filosofia daquele tempo que estamos a tratar em modelos que nos tornasse possível a sua

compreensão, no sentido de construir um modelo capaz de permitir a análise daquelas

referidas representações,

que, à revelia dos actores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse (CHARTIER, 1990, p. 19).

Nesses termos, o conhecimento de representação é pedra angular nesta abordagem

historiográfica (da história cultural), da qual adquirimos algumas noções de empréstimo em

nosso empreendimento, por entendermos serem de utilidade na situação que tínhamos em

vista, e não todo seu corpus teórico, inclusive a que está em questão, pois que

ela permite articular três modalidades da relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns “representantes” (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade” (CHARTIER, 1990, p. 23).

Isso põe em relevo outra categoria importante, na arquitetônica chartieriana, que

molda a sua concepção de história cultural, a de apropriação, “que deve ser definida na

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infinidade múltipla e contraditória de suas deformações” (CARVALHO & HANSEN,

1996, p. 22).

Diremos, com CARVALHO & HANSEN (1996), que a categoria de apropriação,

que entendemos, então, como a história dos modos de apropriação das culturas no tempo,

no nosso caso, do estudo da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro, “permite que se

dissolva a naturalidade da presença dos resíduos no cânone literário” (CARVALHO &

HANSEN, 1996, p. 22): o cânone da literatura filosófica dos grandes filósofos da cultura

ocidental, para podermos assim criticar as interpretações de estudos efetuados sobre a

filosofia no Brasil que não compreendem que a

inclusão no cânone é o resultado de longos encadeamentos de apropriações polêmicas e contraditórias e que a interpretação, como no dito de Marx, por considerar as formas anteriores como etapas para si mesma, costuma conceber as formas passadas de maneira unilateral (CARVALHO & HANSEN, 1996, p. 22-23).

Dessa maneira, o conceito de apropriação possibilita a busca dos modos como as

diferentes pessoas fazem e se utilizam das práticas sociais, que consistem em trazer à tona

como os vários grupos e indivíduos se apropriam das práticas na sociedade, essa entendida

como realidade social construída, pensada e visibilizada – representada – e romper, assim,

com uma historiografia que se sustenta numa dicotomia entre uma objetividade das

estruturas e uma subjetividade destacada dessa mesma objetividade (CHARTIER, 1990).

Se as representações orientam práticas, essas, por sua vez, constituem

representações, que são resultantes das práticas e não puramente de idéias por si.

Uma representação é historicamente construída e cabe flagrá-la nesse movimento de

modo sincrônico, e não buscar uma anterioridade do social sobre a cultura, o que nos

remete ao diálogo de CHARTIER (1990) com as ciências sociais, em particular com a

sociologia e a antropologia.

O trabalho de ULLMANN (1999) nos indicia sobre o modo como a antropologia

concebe a relação entre cultura e sociedade. Em sua obra, primeiramente o autor define o

que é cultura, para, em seguida, relacioná-la à sociedade.

Vamos ao que nos diz:

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em sentido amplo, cultura designa o modus vivendi que os homens, no decurso dos tempos, desenvolveram e desenvolvem, reunidos em sociedade. (...) Aqui surge a pergunta: qual é a relação entre cultura e sociedade? São duas realidades distintas ou não? Não é difícil perceber a distinção. Sociedade quer dizer uma união moral de homens, que têm em mente certos objetivos comuns. Podemos acrescentar estarem localizados em limites geográficos bem definidos. Cultura é o modo de vida desta mesma sociedade. Ou mais claramente: cultura é um termo que dá realce aos costumes de um povo, ao passo que o termo sociedade acentua o povo que põe em prática os costumes. Conquanto, pois, haja distinção, existe profunda e íntima correlação entre cultura e sociedade. São dois aspectos complementares, porquanto, sem viver em sociedade, o homem não pode criar cultura e sem cultura ou, como dizem os antropólogos de língua inglesa, sem a way of life o homem não pode viver em grupo ou em sociedade (ULLMANN, 1999, p. 84).

Nessa moldura, o que CHARTIER (1990) busca é evitar o anacronismo que ronda a

história.

Desse modo, a noção de etnocentrismo, propiciada pela antropologia, é vital ao

propósito do historiador cultural, não só para não dispensar a idéia de representação como

também a de contexto, pois, conforme um outro antropólogo, dessa vez LARAIA,

o etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. (...) O ponto fundamental de referência não é a humanidade, mas o grupo (LARAIA, 2001, p. 73).

Nesse sentido, ao se avizinhar da maneira de proceder do etnólogo, a história da

cultura promove, por assim dizer, uma antropologia cultural do tempo através dos vestígios,

ou pistas, como nos diz GINZBURG (1980), deixados pelos indivíduos ou grupo de

indivíduos de um dado tempo, e uma nossa aproximação daquela cultura.

Este foi o objetivo maior deste trabalho, compreender as razões por que aqueles

homens dos oitocentos pensavam e ensinavam, de forma diferente da nossa época, a

disciplina de filosofia na instrução secundária (e que nós chamamos de ensino médio), e

poder assim, talvez, entender um pouco mais as razões e os modos de que nosso próprio

tempo utiliza para pensar a questão.

Por isto compreendemos a inadequação de se analisar a produção filosófica de então

com o padrão universitário dos novecentos.

Numa tal contextura, para se estudar a educação brasileira no século XIX, não basta

orientar-se pelo recorte político do episódio da Independência, pois o sistema de ensino

herdado pelo Império, que esse buscará reformar, conforme seus interesses, através de um

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complexo jogo de representações, como veremos, é moldado, no final do período colonial,

pelas reformas pombalinas.

Esta reforma constituiu um movimento bastante complexo pelo seu dinamismo,

ainda pouco compreendido, em parte, devido a estas características intrínsecas ao mesmo, e

ainda que ampliado pela obra de D. João VI que não lhe afetou o espírito e corpo nuclear,

esse sistema de ensino estende raízes para além de sua fase originária, o que, em certo

aspecto, lhe dá a medida de sua consistência.

Nesse sentido, é que orientamos nosso trabalho pelo viés da “longa duração”, pois

como assevera CHARTIER,

é no processo de longa duração, (...) que é necessário inscrever a importância crescente adquirida pelas lutas de representações, onde o que está em jogo é a ordenação, logo a hierarquização da própria estrutura social (CHARTIER, 1990, p. 23).

Lembrando com NÓVOA (1992) que não se trata aqui de produzir uma síntese do

período investigado, o que teria em vista outro fim,

mas sim de conceber a investigação histórica numa nova perspectiva, mais atenta à longa duração dos fenômenos educacionais do que a análise pormenorizada de períodos curtos (NÓVOA, 1992, p. 215).

Ao retermos este sentido dado por NÓVOA (1992) ao termo longa duração, isto não

significou para nós uma escolha entre essa concepção e uma outra alternativa que se oporia

à mesma, e sim o significado conferido por REVEL (1998) ao problema.

REVEL (1998) bem o viu da seguinte maneira:

a escolha não é uma alternativa entre uma abordagem que privilegia a identificação de sistemas simbólicos gerais, quando não universais, e uma outra que tentaria perceber o que acontece no processo inacabado de uma história. (...) Mais importante, sem dúvida, foi, (...) a preocupação de refletir também em outros termos que não o de uma totalização implícita; de privilegiar a experiência dos atores reconstruindo em torno dela o contexto (ou antes os contextos) que lhe dá sentido e forma (REVEL, 1998, p. 13).

Assim, e em função da argumentação apresentada, nosso trabalho contrasta com as

historiografias tradicionais tanto sobre a educação quanto sobre o ensino da filosofia no

Brasil.

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Apoiamo-nos na produção de autores como BOURDIEU (2000); CHERVEL

(1990); GOODSON (1998); JULIÁ (2002); WARDE (1990 e 1998); CHARTIER (1990);

GINZBURG (1980); REVEL (1998); CRUZ COSTA (1956); GIANNOTTI (1974);

ARANTES (1996); PAIM (1967) e (1979); REZENDE (2001); LUCKESI & PASSOS

(2002); MOREIRA (1990); NUNES e CARVALHO (1993); CARVALHO (1997 e 2003) e

SAVIANI (2005), entre outros.

O número variado de informações a que tivemos acesso no correr da pesquisa e que

nos permitiu o cruzamento com as que foram extraídas daqueles estudos historiográficos da

cultura e da educação mineira a que acima nos referimos (exemplificados pelas obras de

CARVALHO (1933), MOACYR (1939) (a parte que se refere a Minas Gerais

evidentemente), MOURÃO (1959) e CARRATO (1968)), foram recolhidas dos Relatórios

de Presidentes de Províncias, de Diretores da Instrução Pública; da Revista do Arquivo

Público Mineiro e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais; da Legislação; dos

Jornais e Compêndios.

Chegamos a esses documentos, depois das consultas e pesquisas nos documentos do

“arquivo” da própria Escola Estadual “Governador Milton Campos”, o antigo Liceu

Mineiro; do Arquivo Público Mineiro; das viagens a Ouro Preto, lugar de origem do Liceu,

onde pesquisamos no Arquivo Público da Cidade, na Biblioteca Pública, na Biblioteca da

Escola de Farmácia, na Casa do Pilar e na Casa dos Contos; das viagens à Universidade

Federal Juiz de Fora (sugeridas pelos resultados das nossas investigações preliminares), e

do intercâmbio com um grupo de pesquisa, com objetivos afins ao nosso, em seu Instituto

de Ciências Humanas e Letras, que resultou em informações importantes.

Um acervo de grande utilidade foi o Catálogo de Obras Raras da Biblioteca do

ISI/CES – Instituto Santo Inácio/Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus,

onde estudamos alguns compêndios de filosofia usados no século XIX.

Consultamos outras instituições como o Arquivo Público da Cidade de Belo

Horizonte; Museu Abílio Barreto; Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e

Hemeroteca Estadual. Tudo isso nos forneceu “dados” valiosos, contudo a pesquisa, em

sua maioria, foi realizada no Arquivo Público Mineiro, cujo acervo reuniu a maior parte

dessa documentação.

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Para a caracterização das correntes filosóficas presentes na cultura da época

pesquisada (imperial e mineira), utilizamos os trabalhos de BARROS (1986) para uma

caracterização mais ampla da movimentação intelectual do período no país e o de PAIM

(1979), mais especificamente, para caracterizar o pensamento filosófico em questão, o

espiritualismo eclético.

Com LUCKESI & PASSOS (2002), buscamos as características que tipificam as

tendências e perspectivas da historiografia do pensamento filosófico brasileiro.

JAGUARIBE (1957) e CRUZ COSTA (1956) contribuíram para a periodização,

ainda que sumária, da história da filosofia no Brasil. Ambos a caracterizar o quadro

nacional de forma mais genérica.

A partir de ARANTES (1994 e 1996), sumariamos as querelas da filosofia da

história da filosofia no Brasil.

Para o caso mineiro, recorremos à obra de RODRIGUES (1986) para uma

caracterização mais geral da movimentação das idéias filosóficas entre nós e à de ROCHA

(1985) que intenta uma história do ensino de filosofia nos seminários existentes em Minas

na época.

Estabelecemos, com o último, uma relação mais crítica em decorrência do material

extraído da nossa investigação que nos indicou rumos distintos do mesmo.

No caso mais amplo da cultura ocidental, recorremos a autores como

ABBAGNANO (1985) e BRÉHIER (1977), que, além de fazerem uma história geral da

filosofia no ocidente, se atêm, minuciosamente, em analisar o momento do espiritualismo

eclético nesta história.

Outros autores, importantes como ARANTES, ou não, estarão presentes ao longo

do desenvolvimento da pesquisa, variando o peso da contribuição de cada um, conforme a

situação em pauta.

Sobre as categorias de análise que utilizamos na pesquisa, além da noção mais

central de disciplina escolar e das que são próprias a este tipo de trabalho, conforme as

palavras de JULIÁ (2002) – gênese, estrutura e evolução das disciplinas escolares, como

vimos atrás, algumas, como veremos adiante, se mostraram importantes ao longo da

investigação, tais como: escolarização; forma escolar; cultura escolar, dentre outras, estas

mais ou menos proveitosas no estudo conforme cada caso.

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Da última lista, a primeira nos serviu para compreender a escola enquanto produto

das elites culturais na sua estratégia de escolarização do social.

Estamos entendendo esse processo de escolarização, como o concebe

MAGALHÃES (1994), tanto na perspectiva de afirmação da cultura escrita, frente à

oralidade, quanto de racionalização do social e das formas de socialização, no sentido do

ordenamento interno da escola e de suas maneiras de exteriorização para as populações.

Essa noção nos pareceu próxima tanto da idéia de forma escolar quanto da de

modelo escolar, tal como a última é descrita por CARVALHO (1997).

Qual seja: do modelo escolar de educação

como construção histórica resultante da intersecção de uma pluralidade de dispositivos científicos, religiosos, políticos e pedagógicos que definiram a modernidade como sociedade da escolarização (CARVALHO, 1997, p. 12).

Entrementes, prefere-se o primeiro termo por evitar uma série de mediações que

implica a idéia de modelo, que será mais bem demarcada quando desenvolvermos a noção

de forma escolar.

Quanto à forma escolar, na perspectiva de VINCENT; LAHIRE & THIN (2001), é

uma forma peculiar de socialização, cujo sentido exprime um tipo específico de relação

social como relação com regras impessoais e relação com outras formas sociais, dentre

estas, principalmente, relações com formas de exercício do poder. Sua finalidade mais

ampla é a pedagogização das relações sociais pela via da impessoalidade das normas.

E no âmbito mais específico da escola, segundo os autores, de um disciplinamento

das relações pedagógicas pelo represamento do elemento espontâneo constitutivo de um

estilo de vida e da transformação dessa relação, de relação comunitária entre mestres e

alunos, em uma relação de governo dos alunos pelos mestres (VINCENT; LAHIRE &

THIN, 2001).

A forma escolar é solidária de outras transformações do todo sócio-histórico: a

constituição do Estado Moderno, a progressiva autonomização de campos de práticas

heterogêneas, a generalização da alfabetização e da forma escolar e a construção de uma

relação distanciada da linguagem e do mundo (relação escritural-escolar com a linguagem e

com o mundo). Formas de relações sociais tramadas por práticas de escrita e/ou tornadas

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possíveis pelas práticas de escrita e pela relação com a linguagem e com o mundo que lhes

é indissociável (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001).

O que os autores buscam demonstrar é que a análise, que eles chamam de

“sociogenética”, permite

estabelecer relações entre a forma escolar e outras formas sociais, principalmente, políticas. (...) Segundo parece, a forma escolar de relações sociais só se capta completamente no âmbito de uma configuração social de conjunto e, particularmente, na ligação com a transformação das formas de exercício do poder (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 16-17, grifos dos autores).

E, para demonstrarem, de modo mais concreto, o significado de forma escolar, eles

analisam uma configuração social de conjunto,

a França urbana do fim do século XVII à primeira metade do século XIX, de onde extraem cinco características relativamente invariantes (ou recorrentes, no dizer dos autores) de algumas formas escolares de relações sociais. São elas: 1) A escola como espaço específico, separado das outras práticas sociais (em particular, as práticas de exercício do ofício), está vinculada à existência de saberes objetivados” (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 28). 2) A escola e a pedagogização das relações sociais de aprendizagem estão ligadas à constituição de saberes escriturais formalizados, saberes objetivados, delimitados, codificados, concernentes tanto ao que é ensinado quanto à maneira de ensinar, tanto às práticas dos alunos quanto à prática dos mestres. A pedagogia (no sentido restrito da palavra) se articula a um modelo explícito, objetivado e fixo de saber a transmitir. (...) Historicamente, a pedagogização, a escolarização das relações sociais de aprendizagem é indissociável de uma escrituralização-codificação dos saberes e das práticas (...) O modo de socialização escolar é, portanto, indissociável da natureza escritural dos saberes a transmitir (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 28-29). 3) A codificação dos saberes e práticas escolares torna possível uma sistematização do ensino e, deste modo, permite a produção de efeitos de socialização duráveis, registrados por todos os estudos elaborados sobre os efeitos cognitivos de escola. A forma escolar de aprendizagem se opõe então, ao mesmo tempo, à aprendizagem no âmago de formas sociais orais, pela e na prática à escrita (...) e à aprendizagem do “ler” e do “escrever” não sistematizado, não formalizado, não durável (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 30). 4) A escola como instituição na qual, se fazem presentes formas de relações sociais buscadas em um enorme trabalho de objetivação e de codificação – é o lugar da aprendizagem de formas de exercício do poder. Na escola, não se obedece mais a uma pessoa, mas a regras supra-pessoais que se impõem tanto aos alunos quanto aos mestres. (...) A codificação da organização das próprias práticas e saberes escolares (por exemplo, codificação gramatical) é correlativa de processos extra-escolares – principalmente estatais –, de codificação e, deste modo, esta indissociavelmente ligada a um modo particular de organização e de exercício do poder (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 30-31, grifos dos autores). 5) Enfim, para ter acesso a qualquer tipo de saber escolar, é necessário dominar a “língua escrita” (...). A forma escolar de relações sociais é a forma social constitutiva do que se pode chamar uma relação escritural-escolar com a linguagem e com o mundo (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 34-35).

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Com essa citação, deseja-se mostrar o essencial dos autores em questão, o que

denota o estranhamento em relação àquilo que hoje nos parece tão natural como certas

categorias que assumem um caráter de generalidade tão grande do tipo: “educação”;

“pedagogia”, entre outras, que se perde o sentido pelo qual elas foram particularmente

constituídas.

Percebemos que o alvo que VINCENT, LAHIRE E THIN (2001) têm em mira é

explícito:

Digamos de modo mais claro que, reduzindo a análise sócio-histórica à historiografia, não seria possível captar sua importância para a análise do “presente” (Ibid., 2001, p. 17, grifos nosso).

De fato e dando substância a este argumento, um estudo sócio-histórico das

disciplinas escolares evidencia sua índole multidisciplinar e plurimetodológica em razão

tanto da necessidade de diálogo claramente posta nos termos acima anunciados, quanto em

razão da complexidade desse tipo de investigação.

Por mais esta razão, entendemos que o nosso diálogo com a historiografia da

educação e a compreensão da mesma, com relação às categorias (ou conceitos) que lhe

tomamos, no presente estudo, para análise do objeto em questão, deve se dar de forma

crítica.

A última categoria da seqüência acima anunciada, a de cultura escolar, é uma noção

mobilizada, segundo CARVALHO (1997), para focalizar “as práticas constitutivas de uma

sociabilidade escolar e de um modo, também escolar, de transmissão cultural”

(CARVALHO, 1997, p. 11). Essa é, portanto, uma decorrência dos fenômenos sociais tal

como foram expressos, também, pela noção anterior. Um produto do surgimento do

fenômeno escolar.

JULIÁ (2001) entende que, em decorrência do refinamento historiográfico por que

passaram os problemas da educação há cerca de duas décadas, a cultura escolar é agora o

objeto desta história.

Conforme o autor, a história da educação tradicional foi,

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em suas principais linhas, uma história política e institucional, no tempo em que as lutas entre as Igrejas e o Estado eram mais violentas: tratava-se então de se posicionar pró ou contra os jesuítas, pró ou contra a Revolução Francesa e suas conquistas (JULIÁ, 2002, p. 37).

Também a história da educação brasileira, tal como vimos em JULIÁ (2001) para o

caso francês, passou por semelhante transformação (como veremos mais adiante).

JULIÁ (2001) define a cultura escolar como

um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIÁ, 2001, p. 10).

Mais adiante, na mesma obra, nosso autor elenca três eixos que nos permitem o

entendimento da cultura escolar como objeto da historia da educação, propostos como vias

ou caminhos a serem seguidos na investigação:

a primeira via seria interessar-se pelas normas e pelas finalidades que regem a escola; a segunda, avaliar o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho de educador; e a terceira, interessar-se pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares (JULIÁ, 2001, p. 19).

Como se pode verificar, na ótica de JULIÁ (2001), as disciplinas escolares

constituem um elemento da cultura escolar.

Para VINCENT, LAHIRE E THIN (2001) “a invenção da forma escolar se realiza

na produção das “disciplinas” escolares” (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 15). Ora,

haveria aqui uma oposição entre uma historiografia das disciplinas escolares versus uma

análise sócio-histórica das mesmas? Não nos pareceu ser esse o caso e sim de dar uma certa

ordem às categorias ou aos conceitos em questão.

Na perspectiva de VINCENT, LAHIRE E THIN (2001), falar de forma escolar

como forma de relações sociais permite evitar a confusão entre instituição e forma, mais

precisamente, entre instituição escolar e forma escolar,

precisamos reafirmar que a forma escolar não é estritamente confundida com a instituição escolar, nem limitada por ela, mas é transversal em relação a diversas instituições e grupos sociais (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 46).

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Desse modo,

falar de forma escolar é, portanto, pesquisar o que faz a unidade de uma configuração histórica particular, surgida em determinadas formações sociais, em certa época, e ao mesmo tempo que outras transformações, através de um procedimento tanto descritivo quanto “compreensivo”. (...) uma teoria da forma escolar permite, (...) pensar a mudança. (...) o que se poderia chamar a recorrência através das modificações (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 9-10).

Assim, os autores, em questão, falam de um “modelo republicano” de escola, de

“escola mútua”, “das escolas dos Irmãos”, que, apesar de diferentes entre si e das

mudanças, estas, na ótica dos autores, “não chegaram a interferir naquilo que definimos

como forma escolar” (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 10).

Isso significa, como se pode atinar em vista da argumentação proposta, que uma

forma escolar pode abarcar mais de um modelo escolar, sendo o modelo, nessa perspectiva,

mais restrito que a forma escolar.

O que nos possibilita no caso da educação no Brasil poder falar (talvez, é claro), ao

menos como hipótese (pois carecemos de mais pesquisas para tanto), de um modelo escolar

do Império, da República, ou, ainda, jesuíta, pombalino, liceal etc. Ou, até mesmo, mais de

um modelo escolar convivendo ao mesmo tempo, sem, contudo, abandonarem o

“paradigma” da forma escolar. Ainda quanto à categoria (ou ao conceito) de cultura

escolar, ela se refere, tal como vimos, à instituição escolar.

MAFRA (2003), na esteira de FORQUIN (1993), nos chama a atenção para se

evitar a confusão do conceito de cultura escolar com o conceito de cultura da escola. Para

tanto, a autora opera uma distinção entre as três dimensões culturais presentes na escola, “a

saber: a cultura na escola, a cultura da escola e a cultura escolar” (MAFRA, 2003, p. 125).

Na dimensão da cultura na escola, segundo nossa autora, o que se procura verificar

com os estudos dos estabelecimentos escolares são

as características ou manifestações socioculturais específicas ou a diversidade e diferenças étnico-culturais marcantes entre os corpos discente e docente. Nesses casos, os autores são movidos, entre outras, por questões sobre como se diferenciam as formas de apreensão de uma cultura hegemônica por grupos culturais diversos, que marcas de identidade são engendradas nas relações socioculturais entre seus corpos discente e docente, e como a escola é ressignificada por diferentes grupos culturais (MAFRA, 2003, p. 125).

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Quanto à dimensão da cultura da escola, MAFRA (2003) nos diz que esses estudos

buscam dar visibilidade ao que se denomina ethos cultural de um estabelecimento de ensino, sua marca ou identidade cultural, constituída por características ou traços culturais que são transmitidos, produzidos e incorporados pela e na experiência vivida do cotidiano escolar (MAFRA, 2003, p. 126).

Ora, muito próxima desta é a dimensão da cultura escolar, cujos estudos, na

perspectiva de MAFRA (2003), buscam

identificar a presença de um ethos escolar na maneira de ser, de agir, de sentir, de conceber e representar a vida escolar, as vivências de alunos e professores que passaram por um estabelecimento (MAFRA, 2003, p. 129, grifos nosso).

Desta maneira, parece-nos que o que diferencia ambas dimensões é o caráter de

estudos sincrônicos com relação à cultura da escola e uma maior exclusividade concedida à

diacronia pelos estudos da cultura escolar.

Estes estudos, como aponta a autora,

tendem a privilegiar as transformações e impregnações que constituem a vida escolar, reconstituindo a trajetória histórica e social de instituições escolares, a partir de recortes espaço-temporais mais demarcados (MAFRA, 2003, p. 128-129).

Nesta perspectiva então, a história das disciplinas escolares está mais afeita aos

estudos que têm a cultura escolar como seu objeto a investigar.

Aliás, esta é também a perspectiva de JULIÁ (2001), como vimos, muito embora

ele a dirija para a história da educação de forma mais geral, sendo aqui nosso interesse mais

restrito à história das disciplinas escolares.

Com a mobilização dessas noções ou categorias para o estudo da disciplina de

filosofia no Liceu Mineiro (a noção de formação (ARANTES, 1996) é apenas reguladora),

pudemos estabelecer relações de mediação entre este e aquela, e desta com a cultura mais

geral.

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Evitamos, pois, isolar a disciplina do seu entorno – a escola, que com uma cultura

que lhe é própria, portadora de dispositivos, estratégias, enfim, de uma forma escolar de

transmissão do conhecimento acumulado socialmente que lhe molda a estrutura.

Até mesmo, porque a disciplina é uma produção da escola, como demonstra o texto

de CHERVEL (1990).

Nessa perspectiva, a escola também se caracteriza como possuidora de valores e

comportamentos que tem nela seu principal local de irradiação.

Ora, se as disciplinas escolares intervêm na história cultural da sociedade, como

mostra CHERVEL, então não há porque se descuidar da relação entre as disciplinas e a

escola que além de sua produtora (das disciplinas escolares) é também portadora de valores

e comportamentos que se espraiam socialmente – por isto pensamos n’a formação da

cultura filosófica escolar mineira no século XIX, de que fala o título de nossa dissertação,

a partir do estudo da disciplina de filosofia do Liceu Mineiro, aliás, instituição escolar

criada com o objetivo explicitamente modelar.

A disciplina escolar é esse produto sui generis encarregado de transferir essa

produção cultural escolar para a cultura da sociedade como um todo, por isso não

descuidamos dessa relação – escola e sociedade – em nosso estudo, daí a razão da escolha

da perspectiva sócio-histórica de estudos das disciplinas escolares.

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CAPÍTULO I – HISTORIOGRAFIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA DO PERÍODO PÓS-JESUÍTICO

1.1 – AS REPRESENTAÇÕES DA HISTORIOGRAFIA TRADICIONAL DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA PRODUZIDAS POR FERNANDO DE AZEVEDO

Na caracterização que AZEVEDO (1976), considerado por CALVI &

SCHELBAUER (2003) um dos três historiadores clássicos da educação brasileira, faz da

educação brasileira, de um modo geral, o período jesuítico (de 1549 a 1759) é considerado

pelo mesmo não só como o início da história da educação no Brasil e inauguração da

primeira fase desta, como também “a mais importante pelo vulto da obra realizada e

sobretudo pelas conseqüências que dela resultaram para nossa cultura e civilização”

(AZEVEDO, 1976, p. 9).

Para ele, os grandes focos de irradiação dessa cultura foram os colégios e

seminários, que formaram um sistema de ensino coerente e capaz de satisfazer plenamente

as exigências rudimentares da sociedade agrícola e escravocrata de então.

Nesse ambiente, de ares aristocrático segundo o autor, educação não passava de

luxo e “meio de classificação social”, além de garantia da unidade social cultural da

colônia, “dada pela idéia religiosa”.

Desse modo, formou-se uma tradição cultural, poderosa e homogênea, segundo as

palavras de AZEVEDO (1976), de cunho universalista, literária e retórica devido aos

elementos humanista e religioso presentes na mesma, e que, daí por diante, irá exercer uma

forte influência na cultura brasileira de modo generalizado.

Para AZEVEDO, ao se romper com esse sistema educacional, “poderoso,

homogêneo e adequado a seu tempo”, com a expulsão dos jesuítas em 1759, o grande mal

daí advindo foi a ausência de um novo sistema de educação capaz de substituir o antigo

colonial.

Segundo o autor,

o que surgiu, sob a pressão das circunstâncias, foram aulas isoladas de matérias, fragmentárias e dispersas, que mal chegaram a tomar o aspecto de ensino sistemático (AZEVEDO, 1976, p. 61).

Daí não podendo ocorrer outra coisa que não “desorganização e decadência”.

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Essa situação, segundo AZEVEDO, se estende até o século XIX, mais exatamente

até 1808 com a transmigração, para território brasileiro, da corte de Portugal, período esse

(1759 a 1808) que aprofunda o decadentismo do legado jesuítico, pois se, por um lado, o

espírito deste se manteve, ainda que sem o agente adequado e capaz de encarná-lo, por

outro, os empreendimentos de momento, mais acidentais que sistemáticos na ótica do autor,

não conseguiram superar o sistema de ensino que a herança colonial transmitiu.

Essa paisagem escolar, desoladora na ótica azevediana, só principia a mudar com a

chegada do Príncipe Regente D. João ao Brasil, em fuga devido à iminente invasão de

Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte.

Mudanças advindas das medidas tomadas por D. João, tais como:

a abertura dos portos do Brasil ao comércio estrangeiro”; “derrogada do alvará de 1785 que ordenara o fechamento de todas as fabricas no Brasil”; “fundação da Impressa Régia”; “criação da Real Biblioteca, futura Biblioteca Nacional e Museu”, a essas se somarão “as escolas superiores de que o grande criador de instituições lançou os fundamentos, fincam às bases dos progressos e das transformações da cultura nacional (AZEVEDO, 1976, p. 69).

Assim, na perspectiva de AZEVEDO, se o antigo ensino colonial, de índole

medievalista, proporcionava ao homem uma cultura geral que tinha em vista uma certa

visão de conjunto do mundo, a modernização tardia do Brasil proporcionada pela obra de

D. João visava mais à “aquisição de uma certa técnica especial”, levando-se em conta as

condições em que a mesma foi edificada.

Sendo tal empresa erigida, conforme AZEVEDO,

sobre as ruínas do velho sistema colonial, limitou-se D. João VI a criar escolas especiais, montadas com o fim de satisfazer o mais depressa possível e com menos despesas a tal ou qual necessidade do meio a que se transportou a corte portuguesa (...), pode-se dizer que foi uma ruptura completa com o programa escolástico e literário do período colonial (...) ela representa, no entanto, não só uma das fases mais importantes de nossa evolução cultural, mas o período mais fecundo em que foram lançadas por D. João VI os germes de numerosas instituições nacionais de cultura e de educação (AZEVEDO, 1976, p. 70-71).

O alcance e as virtualidades contidas na obra de D. João, em que pese seu estrito

alcance geográfico, limitado à Bahia e ao Rio de Janeiro, se alinhadas a outros fatores do

período em questão, como a proclamação da Independência e fundação do Império do

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Brasil em 1822, a vitória liberal sobre os conservadores e os debates principiados pela

constituinte de 1823, anunciavam um futuro auspicioso na política de educação ao olhar de

AZEVEDO (1976).

Contudo, esse futuro alvissareiro, contado as circunstâncias, que poderia

desembocar num novo “sistema educativo e cultural”,

foi atingido, no seu desenvolvimento, por um ato da política imperial que o comprometeu nas suas próprias bases, e viria paralisar todos os esforços posteriores de unificação (...) Essas tendências centrífugas tiveram a sua culminante expressão legal no chamado Ato Adicional de 1834, que foi uma das maiores aberrações na evolução política imperial (AZEVEDO, 1976, p. 73-74, grifos nosso).

Daí para frente, a caracterização da educação no século XIX, por parte de

AZEVEDO, é bastante negativa. Segundo ele, com o fracionamento do ensino, o possível

sistema educacional que poderia se erigir no Brasil depois da desorganização do sistema de

ensino jesuítico pelo pombalismo foi enterrado de vez pelas tendências centrífugas daquele

Ato.

Esse fracionamento do ensino, tanto vertical quanto horizontal, e a conseqüente

dualidade de sistemas, onde, se, de um lado, aparecia o estadual que não se completava

com o ensino superior, de outro, na outra ponta, juntava-se o federal que, sem as bases

necessárias, não podia completar-se para além da simples profissionalização, logo,

impediu-se com isso a criação de uma cultura universitária desinteressada.

Esse foi o grande dilema da educação brasileira dos oitocentos, conforme quer a

proposição de AZEVEDO (1976).

Os próprios termos do autor são reveladores quanto àquela visão:

a educação teria de arrastar-se através de todo o século XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada. Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações: são dois mundos que se orientam, cada um na sua direção (AZEVEDO, 1976, p. 76).

Ainda, segundo AZEVEDO, essa situação duraria cerca de cem anos.

Dizia ele:

a descentralização do ensino fundamental, instituída pelo Ato Adicional, e mantida pela República, quanto ao ensino primário, atingindo um dos pontos essenciais da estrutura do sistema escolar, não permitiu, durante um século, edificar, sobre a

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base sólida e larga da educação comum, a superestrutura do ensino superior, geral ou profissional, nem reduzir a distância intelectual entre as camadas sociais inferiores e as elites do país (AZEVEDO, 1976. p. 75, grifos nossos).

Curioso é que esse espaço de tempo de cem anos de desorganização do sistema

escolar, caracterizado por AZEVEDO, a partir do Ato Adicional de 1834, coincide com

1934, ano de criação da USP, da qual o autor em questão foi um dos organizadores, em que

pese ser também o ano da Constituição Federal de 1934, possível referência de AZEVEDO

(1976).

De qualquer forma, foram as representações desse modelo historiográfico proposto

por AZEVEDO (1976), negativas com referência à educação do século XIX, que

orientaram grande parte da historiografia sobre a educação brasileira.

Desse modo, os estudos educacionais brasileiros que têm na obra de AZEVEDO

(1976) seu modelo historiográfico, caracterizam a maior parte da educação no século XIX

(dois terços do mesmo, pelo menos) de maneira bastante negativa.

A obra de AZEVEDO (1976) pareceu-nos, nesse sentido, mais um exercício de

síntese, porém angulada por interesses teóricos que impediram, durante algum tempo, uma

leitura mais ampla da educação oitocentista.

Esta situação não foi levada em conta pelos estudiosos da educação do período de

que estamos a tratar, pelo menos a corrente predominante, pois não perceberam a escrita de

AZEVEDO (1976) como obra perspectivada e posicionada, tal como hoje a concebem os

estudos da SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação.

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1.2 – AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA ESTUDOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Esse tipo de leitura efetuado por AZEVEDO (1976), segundo CARVALHO (1997),

uma das estudiosas da SBHE, foi especialmente nefasto para a pesquisa da instrução

pública no século XIX. A autora, ao fazer a crítica da obra azevediana, em especial “A

Cultura Brasileira”, busca com isso uma reconfiguração historiográfica da educação

brasileira.

Para a mesma, com a obra de AZEVEDO (1976)

cristalizam-se representações sobre a educação no Brasil e sua história que tem sido atuantes na configuração da historiografia educacional (...) enquanto dispositivos de rígidos esquemas de enquadramento da disciplina (CARVALHO, 1997, p. 7).

A crítica central da autora a essa tradição historiográfica da educação é a leitura

acrítica feita da obra de AZEVEDO, não percebendo essa produção, já dissemos, como

“discurso perspectivado ou posicionado”, cujo procedimento produz um tipo de

investigação que pré-configura o objeto a ser investigado, na qual o sentido é dado de

antemão e na seqüência efetua-se a busca deste na série de eventos supostamente

investigados, cuja intenção, porém, é apenas ilustrar aquela significação que já se

apresentou como ponto de partida.

Isso representa uma forma de proceder, em que a pesquisa histórica serve apenas

para confirmar o que já é sabido teoricamente, e, em conseqüência, o historiador não se

surpreende com os fatos, ao contrário, com uma certa licença antropomórfica, esses são

surpreendidos a priori por uma teoria que lhes imputa sentido e significado, reiterando

assim o que foi previamente fixado.

Com isso, não se renova a produção historiográfica, a análise de seus objetos e

temas não se traduz em novidades, pois qualquer extração indutiva a partir desses é

impedida pelo esquema imperial do sentido pré-fixado.

A narração assim, apenas, reitera aquele princípio à exaustão.

Opera-se, com isso, uma espécie de petrificação do campo da investigação. A disciplina deixa de se definir por seus procedimentos, pela partilha e discussão desses procedimentos, por sua relação com problemas historiográficos, para

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configurar-se apenas pela referência a um campo de investigação e a um objeto rigidamente configurados (CARVALHO, 1997, p. 8).

Na seqüência de sua crítica, CARVALHO (1997) afirma que

com esses procedimentos, a narrativa de AZEVEDO estrutura um campo bipartido por estruturas temporais paralelas e apenas pontualmente conectáveis, nas quais constrói dois domínios apartados de investigação: o da história das idéias e projetos pedagógicos e o da história da organização dos sistemas de ensino (CARVALHO, 1997, p. 9).

O primeiro o do que deveria ser, o último o do que não foi. Segundo a autora, a

mediação desses dois campos, é instituída pela narrativa de AZEVEDO, como a história do

que não houve e deveria ter sido.

É na perseguição implacável destes

desacertos descentralizadores da política e idéias educacionais no Império que o anacronismo constitutivo de AZEVEDO produz o apagamento da zona de intersecção entre o instituído e o projetado no campo educacional” (CARVALHO, 1997, p. 9). Sendo assim, “essa espécie de produção do não ser e da carência que perpassa toda a narrativa de AZEVEDO remete ao limbo do desconhecido não somente a história das modalidades não escolares de ensino, como também a das instituições de instrução pública no Império (CARVALHO, 1997, p. 9).

Para CARVALHO (1997), as representações, tanto da educação quanto de sua

história, produzidas por AZEVEDO, ainda não foram suficientemente desarticuladas e

criticadas.

Também WARDE (1984), num trabalho mais antigo, ainda que perceba o problema

por outro ponto de vista, antevê, em termos tanto quantitativos quanto qualitativos, o

prejuízo que aquele paradigma historiográfico legou para os estudos de história da

educação no século XIX.

Ao fazer um “balanço dos estudos em história da educação brasileira”, WARDE

(1984) mostra os prejuízos historiográficos daquele legado:

Mais de oitenta por cento dos estudos referem-se à etapa republicana e desse período as duas fases que têm atraído o maior número de interesses são a Primeira República e a Era de Vargas, mais esta do que aquela, e, nesta, mais o Estado Novo (WARDE, 1994, p. 1).

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Às poucas investigações sobre os períodos colonial e imperial, reveladas pelo

trabalho de WARDE (1984), também comparecem as representações daquele paradigma

historiográfico que estamos a tratar.

Em relação à Colônia, abordam o caráter elitista da educação jesuítica e depois as modificações introduzidas na educação anterior. Quanto ao Império, falam da desconsideração pelo ensino elementar (e o Ato Adicional de 1834 aparece como a grande prova do descaso) e da lamentável inexistência de uma universidade nos moldes daquelas que as sociedades mais esclarecidas haviam criado (WARDE, 1994, p. 2).

Na avaliação crítica que WARDE (1984) faz das “tendências na historiografia da

educação brasileira”, ela é afirmativa.

Ainda predomina, nos trabalhos examinados, uma certa tendência de se caminhar pelas fendas já abertas pela historiografia da educação, quando muito acrescentando novos dados, mais do que vasculhando as muitas zonas de sombra nas quais se encontra a história da educação brasileira. (...) Disso resulta o reforço às explicações históricas já cristalizadas no pensamento pedagógico”(WARDE, 1994, p. 5).

Sobre as cristalizações acima referidas por WARDE (1984), algumas das que a

historiografia deveria atacar eram advindas do movimento do qual AZEVEDO foi um dos

capitaneadores.

Incursão, esta,

com vistas a contribuir para a desmontagem das construções ideológicas que norteiam o pensamento pedagógico herdadas dos renovadores escola-novistas, tais como, o confronto entre o “legal” e o “real”; o “tradicionalismo” e a “inovação”; a escola pública e a escola particular; a quantidade e a qualidade e outras (WARDE, 1994, p. 5).

SAVIANI & LOMBARDI (2001) ao fazerem o histórico dos quinze anos do

HISTEDBR – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”,

um dos grupos de estudos da SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação, há

pouco citada, destacam não só os objetivos de renovação historiográfica da educação

brasileira desde sua fundação, bem como o modo específico do grupo de fazer história.

Buscava-se, (...), superar a visão tradicional da história da educação centrada nas idéias e instituições pedagógicas, indicando, pois, que o enfoque considerado mais

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adequado para dar conta dessa perspectiva de análise se situava no âmbito da concepção dialética, tal como delineada pelas investigações levadas a efeito por Marx e Engels e que tiveram continuidade na obra de seus seguidores com destaque para Lênin, Lukás e Gramsci (SAVIANI & LOMBARDI, 2001, p.1-2).

Mais adiante no texto, os autores, ao descreverem a proposta de um projeto do

grupo: “Reconstrução histórica da escola pública no Brasil”, deixam às claras aquela

intencionalidade referida e o seu modus faciendi.

Em linhas gerais, esta investigação se propõe, como objetivo, reconstruir a história da educação pública no Brasil. Essa reconstrução prorizará as relações entre modernidade e educação e as relações entre oralidade e escrita. Trata-se, pois, de um amplo programa de pesquisa que será desenvolvido em três eixos básicos: o contexto histórico (internacional e nacional); as idéias pedagógicas; a organização institucional (SAVIANI & LOMBARDI, 2001, p. 10).

No editorial (15 ANOS DE HISTEDEDBR: 1986-2001) do mesmo número dessa

revista, SAVIANI (2001) aponta para a mesma direção. “Buscava-se, por esse caminho,

superar a visão tradicional da história da educação centrada nas idéias e instituições

pedagógicas” (SAVIANI, 2001, p. 1).

Nossa pesquisa, ao retornar ao século XIX, alinha-se no empreendimento dessa

nova perspectiva historiográfica da educação brasileira que busca sua reconfiguração

através de uma reflexão conceitual e metodológica, problematizando seus procedimentos,

seu objeto e liberando a disciplina de sua função dominantemente subsidiária da situação de

antes.

Neste retorno ao século XIX, guardamos certa distância da perspectiva azevediana

de centrar exclusivamente numa história jurídico-político da educação e das idéias

pedagógicas, ambas importantes, mas insuficientes para uma compreensão mais ampla do

fenômeno educacional.

Por isso buscamos alargar nossas fronteiras na direção apontada, dentre outros, por

aqueles investigadores da SBHE. Segundo (CARVALHO, 1997, p. 6), estudiosa desta

Sociedade, “uma enorme capacidade de renovar temas e instigar o olhar é o que hoje marca

a presença da História da Educação no campo da pesquisa educacional”.

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1.2.1 – A ABERTURA PARA ESTUDOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO SÉCULO XIX

DUARTE (1998) afirma que o século XIX foi obsessivamente pedagógico. A partir

da análise de quatro acontecimentos do ano de 1838, os quatro de ordens distintas: duas

peças teatrais e os discursos proferidos por ocasião da fundação e inauguração do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Colégio Pedro II, a autora procura

demonstrar

a obsessão pedagógica, ou seja a intenção de iluminar os espíritos com a divulgação do saber, de educar cidadãos patriotas, de formar um povo civilizado. Mas ela não era um tema específico daquele ano, mas de todo o século imperial e, sem dúvida, percorria o discurso e o trabalho de literatos, dramaturgos, atores, jornalistas, políticos e intelectuais, além, é claro, dos educadores (DUARTE, 1998, p. 30).

MATTOS (1994) destaca o papel da educação enquanto um dos componentes

centrais do ideal civilizatório que percorreu o século XIX e tendo o mesmo alcançado

elevado nível de reconhecimento e autenticidade na propositura conservadora

centralizadora dos saquaremas. “Difundir a civilização era, por seu turno, assegurar o

primado da Razão, o triunfo do Progresso, a difusão do espírito de Associação, a formação

do Povo” (MATTOS, 1994, p. 268).

A última, desse emaranhado de questões candentes arroladas pelo autor, cabia,

evidentemente, à escola executar em grande medida, não como coisa separada e secundária

e sim como parte integrante do conjunto e no mesmo plano dos elementos que o compõem.

José Murilo de Carvalho (1996), na sua obra sobre o período que estudamos, assim

sustenta a hipótese da peculiaridade da trajetória do Brasil no conjunto da América Latina:

a manutenção da unidade nacional, a consolidação de um governo civil, a redução do conflito nacional, como também a limitação da mobilidade social e da mobilização política no Brasil (...), se deveram em parte à maior unidade ideológica da elite política brasileira em comparação com suas congêneres dos outros países (CARVALHO, 1996, p. 209).

Unidade essa advinda de seu processo de formação.

ADORNO (1988) no seu estudo sobre a Academia de Direito de São Paulo, ao

contrário do que pensava AZEVEDO, demonstra como a educação no Brasil se

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completava, no século XIX, com o ensino superior, através da formação de uma plêiade de

bacharéis intelectuais-profissionais-políticos, que atuaram nas hostes da elite política

dirigente como políticos plenamente profissionalizados pela dita Academia, num complexo

processo de ensino-aprendizagem.

Processo esse muito mais metapedagógico, pois que residia num ambiente

extracurricular de autoformação (nos termos de ADORNO), fora da sala de aula, onde o

autor mostra, ao confrontar academia formal e academia real, o prevalecer desta sobre a

primeira. Foi o publicismo político e a literatura que efetivaram o que ADORNO chamou

de academia real e não o seu currículo (formal, ao menos).

Desta maneira, a Academia pode humanizar, civilizar e disciplinar o pensamento, o

que tornou possível pensar a política como ação guiada por normas da inteligência e

exprimi-la em forma de prudência política, que foi essencial para aquela empresa destacada

por CARVALHO (1996), anteriormente citada.

Segundo o trabalho de ADORNO,

a prudência política recomendava: dar, sem necessidade de conquistar; ampliar, sem necessidade de precisar abdicar do controle; distribuir poder, sem o imperativo de sua partilha. Mais do que isso, a prudência política significava tratar das questões sociais jamais como se fossem resultantes de conflitos entre grupos e classes sociais (ADORNO, 1988, p. 246).

Esse foi o “segredo”, conforme o texto do autor, do bacharelismo liberal na política

brasileira do século XIX, advindo com os acadêmicos do Largo de São Francisco e sua

importância na formação e na organização juridico-política do Estado brasileiro àquela

época.

Sob a ótica da visão ofertada por AZEVEDO (1976) a respeito da Educação

Brasileira no século XIX, seria impossível nos aproximarmos das suas reais contribuições

no debate das questões que assolavam o país de então, tanto no geral quanto em suas

particularidades.

Por esse ângulo, em vista dos objetivos de nosso trabalho, nos afastamos dele.

Contudo, em trabalho mais recente, CARVALHO (2003) procura matizar suas

críticas à obra de AZEVEDO em função de sua sobrevivência historiográfica.

A autora nos diz que:

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É inegável também que essa sobrevivência só pode ser explicada pelas qualidades do texto que é produto de exaustivo trabalho de pesquisa bibliográfica e elaboração intelectual (CARVALHO, 2003, p. 333).

Nessa direção, não há porque não se aproximar do autor quando assim se fizer

necessário, criticamente, é claro.

Até porque, CALVI & SCHEBAUER (2003), se referem a AZEVEDO como um

autor clássico “para o estudo de história da educação brasileira” (CALVI & SCHEBAUER,

2003, p. 2).

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1.3 – OS ESTUDOS SOBRE A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NA PERSPECTIVA NÃO-AZEVEDIANA E A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NO TEMPO DO IMPÉRIO

Por perspectiva não-azevediana, queremos designar não somente os trabalhos que

estão fora de sua influência, seja porque o antecedem no tempo, como, por exemplo, o de

ALMEIDA (1989), outro daqueles três historiadores clássicos da educação mencionados

por CALVI & SCHELBAUER (2003), como também os que, mesmo contemporâneos ou

que o sucedam no tempo, buscam fazer um estudo mais independente, sendo mais ou

menos bem sucedidos em seus objetivos conforme cada caso.

Entretanto, o que é comum a todos, é o fato de não terem tido a mesma influência

que teve AZEVEDO (1976).

Encontra-se nesse caso HAIDAR (1972), que, no seu estudo sobre o Ensino

Secundário no Império Brasileiro, aponta o Ato Adicional de 1834 como o momento de

organização e de florescimento, em sentido pleno, daquele nível à época chamado, agora

(depois do Ato), segundo ela, apropriadamente de instrução secundária.

Ao contrário de AZEVEDO que enxerga, no caráter descentralizador do Ato, o

princípio sobre o qual se funda o caos educacional do século XIX, HAIDAR vê, na

“pseudo-descentralização” dos estudos secundários efetuada pelo mesmo Ato, a influência

decisiva sobre a fatalidade desse nível de ensino no período imperial, além de ter sido o

constituinte do fator primordial para o entendimento da questão educacional daquele tempo.

Se, por um lado, o Ato Adicional, como quer HAIDAR (1972), alterou a feição do

ensino público das humanidades, que se encontrava fragmentado em aulas avulsas,

organizando-o sob a administração provincial em liceus e colégios e sob a denominação

comum, como já foi lembrado, de instrução secundária, por outro, em que pese o fato dessa

dispersão ter sido resolvida a princípio, na maioria dos liceus das províncias, pela

contigüidade localizacional das chamadas “aulas menores”, as mudanças provocadas por

aquele Ato, na instrução secundária, não se reduziram apenas a isso.

O seu ensino foi enriquecido com a inserção no currículo dos estudos das ciências

físicas e naturais, e da história e geografia, e à adoção, por este nível de ensino, do sistema

de ensino seriado para desenvolvimento em cursos regulares e duração normalizada.

Por outro lado, o Governo Central conservou de fato o monopólio da instrução

secundária, ainda que de forma indireta – o que HAIDAR (1972) chama de “pseudo-

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descentralização” – ao propor o Colégio Pedro II como modelo da educação secundária,

guiando com isso a ação das Províncias.

Essa intervenção do Poder Central, segundo a ótica da autora, constitui o “nó

gordio” da instrução secundária no Império brasileiro. Ao instituir o colégio oficial da

Côrte como modelo para os estudos secundários, o Governo o fez mantendo, de forma

unilateral, o privilégio e prerrogativas daquele sobre os demais liceus provinciais. Entende-

se que, enquanto que o grau de bacharel em letras concedido pelo Colégio Pedro II permitia

o acesso direto aos cursos superiores, o mesmo não acontecia em relação às Províncias,

pois aos títulos conferidos pelos seus estabelecimentos era sobreposto novo exame junto às

faculdades para o ingresso nas mesmas.

Para HAIDAR, isso trouxe conseqüências funestas para a instrução secundária,

basicamente em duas direções que lhe foram fatais. Por um lado, causou o esvaziamento

dos liceus locais, que começavam a organizar-se, com o não reconhecimento dos graus que

esses conferiam como suficientes para o ingresso no ensino superior. Assim, os filhos das

famílias mais ricas preferiam realizar seus estudos preparatórios no próprio Pedro II, ou

internatos particulares da Capital, ou das próprias Faculdades. Por outro lado, como quer a

autora, essa situação atingiu, no longo prazo o próprio cerne da educação desse nível de

ensino, o seu caráter formativo, que prepara não apenas para o ingresso nos estudos

superiores, mas para a vida em geral.

Se,

os estudos seriados, regulares e de razoável duração, e os graus conferidos pelos liceus locais eram desnecessários ao bom êxito nos exames parcelados que abriam as portas da Academia. (...) Não tardaram os liceus a ajustar-se ao novo padrão que lhes era oferecido pelo próprio governo central. (...), aos exames parcelados dos preparatórios fixados nos Estatutos, perante bancas organizadas de início, apenas junto às Faculdades, e, a partir de 1854, também junto à Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte (HAIDAR, 1972, p. 256).

Segundo a autora, nos anos finais do Império, pouco mais de uma década, a

instrução pública secundária teve selado o seu destino:

O sistema parcelado de aferição dos conhecimentos e as irregularidades de toda ordem registrada nos exames, não somente aceleraram o processo de fragmentação dos estudos secundários como conduziram à sua total desmoralização. (...) Em meados da década de 70 os estudos secundários realizados desordenada e

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parceladamente achavam-se quase que exclusivamente entregues à iniciativa privada (HAIDAR, 1972, p. 257-258).

Pareceu-nos que, apesar de seu esforço, HAIDAR (1972) se manteve refém de

categorias utilizadas por AZEVEDO (1976), como as de: centralismo x descentralismo,

pertencentes ao universo das doutrinas políticas, ainda que ela inverta os pólos

contrariamente ao mesmo, mas com isso o que se perdeu foi o específico educacional.

Como foi a educação apesar disso?

Já NUNES (1962), no seu ensaio Ensino Secundário e Sociedade Brasileira, ao

procurar relacionar educação e sociedade, mostra como um sistema educacional em vigor é

adequado à estrutura social em que se faz presente, não podendo nesse sentido, como quer

AZEVEDO (1976), ser de outra forma.

Num sentido mais genérico, diz ela:

Não encaramos a educação como uma equação preestabelecida. Varia segundo as condições sócio-político-econômicas vividas por um povo nos vários estágios de sua história. (...) No Brasil, tem os sistemas educacionais variado conforme as fases de sua história. Tem repetido as mesmas etapas vividas por outros povos em estágios idênticos aos nossos (NUNES, 1962, p. 11).

Mais especificamente, no nosso caso, são as seguintes as palavras da autora,

o ensino secundário, pela sua importância em face do material humano a que se destina – o adolescente – é o que mais necessita corresponder à realidade social de um povo (NUNES, 1962, p. 14).

NUNES (1962), no seu estudo, nega uma tese cara a AZEVEDO, a de que houve

um hiato na educação brasileira no período compreendido entre a expulsão dos jesuítas do

Brasil e a chegada a este da côrte portuguesa em 1808, segundo ela,

o panorama educacional brasileiro, no espaço decorrido a partir de 1759, muito se modificara. Não houve hiato, como querem alguns historiadores. Sob a aparente desorganização dêsse período, iam-se abrindo novos caminhos à nossa evolução educacional. Rompera-se a unidade do ensino humanístico dos jesuítas, com a penetração de novas matérias, que a revolução cultural do século XVIII tornara indispensáveis. Ao lado da escola religiosa, surge a escola leiga de responsabilidade do Estado, marcando a dualidade de tendências do ensino secundário brasileiro que vem até os nossos dias (NUNES, 1962, grifos nossos).

Nesse sentido, segundo NUNES (1962),

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as diversas medidas educacionais tomadas por D. João durante sua permanência no Brasil. Foram atos de feição pragmática, utilitária, procurando atender às exigências político-administrativas do aparelho estatal, que, de além-mar, se deslocara para a colônia (NUNES, 1962, p. 65).

Portanto, mesmo que de “orientação utilitária e imediatista”, é adequada, entretanto

à situação do momento vivido pelo Brasil de então.

Assim, a fragmentação e falta de unidade no ensino secundário, segundo a autora,

corresponde ao fato de este ter sido “inspirado nos interesses imediatos do governo” que

foi instalado entre nós e à forma desse estabelecimento.

Aqui, a equação proposta por NUNES (1962) entre educação e sociedade, a solução

nos pareceu pender em demasia para o lado da última, em detrimento do primeiro termo

tratado sem a devida diligência.

A obra segue nesses mesmos termos, desse modo, o que se apresenta como

mudança com a Independência, na ótica da autora, não alterou o sistema educacional

vigente no país, pois a mesma, ao não alterar a estrutura social e econômica do Brasil,

significou apenas a passagem do poder político à “classe latifundiária” da nova nação, que

até então tinha sido exercido pela representação da Coroa Lusitana, em que pesassem ações

individuais que visavam a reformas pedagógicas através de homens impregnados das idéias

da Ilustração e seu correlato político: a Revolução Francesa, contudo, além de nossa

realidade à época, prosseguindo no viés de nossa autora.

Mesmo o ato Adicional de 1834, que, segundo NUNES (1962),

modificou profundamente nossa evolução educacional, ao transferir, pelo art. 10, item 20, às Assembléias provinciais, o direito de legislar em matéria de ensino primário e secundário (NUNES, 1962, p. 73).

Este não foi, como afirma AZEVEDO, uma “aberração”, para Nunes, “era

decorrência da instabilidade social, do acirramento das tendências regionalistas que se

faziam sentir no país” (NUNES, 1962, p. 73).

Nesse sentido, tal medida expressa muito mais uma concessão política por parte do

Governo Central, adequada à gravidade do momento e já reveladora de uma atitude de

“prudência política” em formação nas hostes conservadores, conforme aquele sentido que

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ADORNO conferiu ao conceito, “ampliar, sem necessidade de precisar abdicar do

controle”, como comportamento político, que propriamente descuido pedagógico.

A própria autora mais à frente procura demonstrar isso, ao observar que, com a

criação do Colégio Pedro II em 1837, o mesmo, “aos poucos, foi-se impondo como padrão,

aos Liceus provinciais e aos colégios particulares que numerosos, surgiam pelo país”

(NUNES, 1962, p. 74).

Ela é mais ilustrativa e convincente em outra passagem mais adiante, quando diz

que,

à medida que o segundo império ia consolidando sua política centralizadora, com a absorção das forças regionais, fazia-se sentir a intervenção do Estado no ensino secundário das províncias e a adoção de um plano de unificação. Com base nos relatórios oficiais como o de Paulino José de Sousa, sentimos a necessidade dessa interferência, quando êle diz: “É minha opinião que a atribuição conferida às Províncias pelo ato adicional não exclui a Assembléia Geral Legislativa de criar, manter e dirigir nas Províncias institutos de instrução pública à custa dos cofres do Estado”. E acrescenta: “seria de grande vantagem fundar nas Províncias, por conta do Estado, estabelecimentos de instrução secundária, à semelhança do colégio Pedro II” (NUNES, 1962, p. 76, grifos nossos).

Mesmo um historiador como SODRÉ (1977), que traça grandes painéis através de

trabalhos de síntese, como o de sua obra Síntese de História da Cultura Brasileira, de

menor proporção que a de AZEVEDO (1976) quanto ao tema, contudo, caminha num

sentido contrário ao deste, ao afirmar que “a primeira tentativa de sistematização (Sic.)

do ensino, após a autonomia, surgiu em 1834” (SODRÉ, 1977, p. 43, grifos nosso).

Ainda que o autor reconheça no Ato Adicional tibieza de alcance e profundidade. E

mais ainda, pois em relação ao período pós-Pombal, onde AZEVEDO enxerga apenas caos,

dirá o autor

a reforma pombalina, se careceu de méritos e assinalou sua ineficiência no descalabro do ensino, na segunda metade do século XVIII, teve um traço significativo: representou o ingresso do Estado na solução do problema; se a estrutura anterior fora trabalho praticamente monopolizado pela Companhia de Jesus, a nova estrutura será mista, pertencendo um pouco à área privada, com outras Ordens nela concorrendo, e um pouco à área pública. Esse é o seu traço moderno, inovador, que crescerá com a reforma joanina, no início do século XIX (SODRÉ, 1977, p. 28-29).

A idéia de “descalabro do ensino” nos parece tributária das representações

produzidas pela historiografia tradicional capitaneada por AZEVEDO (1976), que Sodré,

consciente ou inconscientemente, incorpora.

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E mesmo uma autora como MAGALHÃES (1941), no seu trabalho O Ensino

Secundário no Brasil, de talhe mais convencional e oficialista, ao fazer o percurso do

ensino secundário no Brasil, na rápida análise que faz do período pombalino, apesar das

advertências, faz mais concessões ao mesmo que a analítica mais alongada de AZEVEDO

(1976).

Segundo a autora, apesar daquelas

há contudo, a registrar, a criação de aulas régias de latim, grego e filosofia, e algum progresso no domínio das ciências naturais e da matemática, de que pouco se tinham ocupado os jesuítas; em 1774, é criado um Gabinete de Estudo da História Natural (Casa dos Pássaros); em 1799, fundam-se cadeiras de aritmética, geometria e trigonometria em Pernambuco e, em 1790, aulas de desenho no Rio de Janeiro” (MAGALHÃES, 1941, p. 223).

Apesar da brevidade da obra, ela nos parece mais atenta que o autor de A Cultura

Brasileira, e mesmo HAIDAR (1972) que pensa “a inserção no currículo dos estudos das

ciências físicas e naturais” como coisa do período liceal.

Um autor mais coevo ao tempo do Ato Adicional como ALMEIDA (1989), em sua

História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889), apesar de um certo “ufanismo

laudatório” presente em sua obra, conforme seu tradutor CHIZZOTTI (1989), afirma que

a obra é um valioso registro das idéias e problemas que agitaram a escola no período. (...) O método de ensino, o paradigma nacional de escola, a gratuidade do ensino, a coeducação, a criação da universidade, o livro escolar, educação feminina, custos de ensino, condições de magistério, etc., uma profusão de problemas, apontados pelo autor, sobre os quais, em geral, deixa transparecer seu conservadorismo (CHIZZOTTI, 1989, p. 8).

Assim, ao fazer um inventário das medidas tomadas pelo poder executivo quanto à

instrução secundária, ALMEIDA (1989) ao procurar justificar aquelas, diz o seguinte:

Já dissemos que o Ato Adicional atribuía às Assembléia Provinciais a incumbência de organizar a instrução secundária e a ação do poder central reduzira-se ao Município Neutro (ALMEIDA, 1989, p. 85-86).

Mas em seguida ele emenda:

Indicamos as medidas tomadas pelo poder executivo porque elas, em geral, serviram de modelo às Assembléias Provinciais, para a organização dos estabelecimentos escolares de sua circunscrição legislativa (ALMEIDA, 1989, p. 85-86).

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Como se pode notar, ao contrário de AZEVEDO, pela ótica de ALMEIDA (1989),

apesar do Ato Adicional, as medidas tomadas pelo poder central serviram de modelo às

Assembléias Provinciais na organização da instrução secundária, como era chamado o

ensino médio à época, conforme observamos algures.

Por sua vez, SILVA (1969), na sua obra A Educação Secundária (Perspectiva

histórica e teoria), ao analisar a crítica de AZEVEDO, dirigida ao período em questão,

apresenta um argumento à mesma e para isso busca discernir termos em perspectiva

histórica.

Segundo ele,

essa interpretação, em si mesma justa, não deve, no entanto, implicar a noção de que o plano de ensino dos colégios jesuíticos incluísse, em situação semelhante à que se lhes atribui num curso secundário da atualidade, matérias que depois, nas aulas régias, passariam a ser estudadas autonomamente. Se fosse aceita essa noção, estar-se-ia incorrendo num equívoco resultante, talvez, do entendimento da palavra “aula” de acordo com seu sentido corrente hoje em dia. Ora, nos atos oficiais que criaram as aulas régias, a palavra é sinônimo de escolas: criavam-se escolas dessa ou daquela matéria, de latim ou de outras disciplinas, como aritmética, geometria, trigonometria. Estas últimas foram citadas porque é através delas, ou da sua elevação ao estado de disciplinas tão importantes quanto o latim, que se exprime, ainda que debilmente, o sentido de renovação do ensino que resulta, apesar de tudo, da reforma pombalina (SILVA, 1969, p. 187-188).

Ao evitar, assim, uma crítica historicamente anacrônica, mais adiante, em tom

conclusivo, sentencia SILVA (1969):

desse modo, seria legítimo falar em fragmentação do ensino, como conseqüência da expulsão dos jesuítas. Mas uma fragmentação que, do ponto de vista do currículo, é um progresso, ainda que do ponto de vista da organização institucional, e de acordo com o critério mais recente, traduza sobretudo a incapacidade de reunir ou estruturar as matérias básicas num plano sistemático (SILVA, 1969, p.189).

Como se pode perceber, o autor concilia com a tese de AZEVEDO (1976), o fato da

fragmentação do ensino, como conseqüência da expulsão dos jesuítas, incorporando-a a seu

esquema interpretativo. Procura, ir, entretanto, para além do mesmo, ao destacar o traço

progressista da reforma pombalina quanto ao currículo, considerando o mesmo em relação

à tradição jesuítica.

A oposição que o autor opera aqui, entre organização e currículo, nos parece, em

certa medida, artificial e a constituir mesmo um dado traço de anacronismo, pois não

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procura compreender o sentido das reformas, quanto ao seu aspecto organizativo, sob a

ótica de seu instituidor e criticá-la a partir dessa aproximação.

Ora, todas as disciplinas ou matérias organizadas num mesmo espaço (Liceu,

Colégio etc.), é algo comum aos nossos olhos e não aos daquele tempo, por isto é preciso

entender por que foi assim. É tradução de uma incapacidade de organizar conforme a nossa,

ou traduz uma capacidade que visava a outros fins.

Quanto ao Ato Adicional de 1834, a análise histórica e teórica de SILVA (1969)

entende-o como uma espécie de prolongamento do predomínio conservador, em matéria de

educação ou política pedagógica, por que passava o século XIX no ocidente, ou, pelo

menos, nos países que, segundo o autor, serviram de modelo ao Brasil naquele momento,

ou seja: França e Inglaterra, e até mesmo a Alemanha.

Para o autor, naquele período o que caracterizava esses países

era a transação entre as idéias liberais, originárias do século XVIII, e o espírito conservador, com evidente predomínio dêste último. (...) Em ambos êsses países, contrastando com a limitação das idéias dominantes em relação à educação elementar, o ensino de tipo secundário, prestigiado pela tradição social e pela função seletiva que se lhe atribuía, polarizava as melhores atenções. (...) Não é de admirar, portanto, que entre nós, as preocupações educacionais também se deslocassem do problema mais amplo da organização completa de um sistema nacional de educação, (...) para aquêles outros que, de modo mais restrito, respondiam a necessidades fragmentárias e específicas. (...) Essa limitação das preocupações com a educação, por outra parte, explica porque do Ato Adicional, em 1834, tenha resultado a omissão do Governo geral do Império em matéria de ensino elementar, fora do Município neutro, e o fato de sua ação se restringir a manter o ensino superior e a criar um único estabelecimento de ensino secundário, na capital do país: O Colégio Pedro II (SILVA, 1969, p. 194-195, grifos nossos).

Nesse momento, o autor nos pareceu unilateralizar em demasia sua análise, ao

considerar apenas os fatores externos na explicação dos destinos da educação entre nós,

como se, no Brasil de então, não existissem interesses próprios em jogo, em que pese

considerar, a nosso ver, de modo adequado as influências externas.

Sobre o período pombalino, o ensaio de CARVALHO (1978), As Reformas

Pombalinas da Instrução Pública, é bastante elucidativo para a compreensão da polêmica

pedagógica daí advinda.

A interpretação histórica que CARVALHO (1978) faz do período em análise, busca

indicar como a pedagogia contida no programa de reforma da instrução pública, efetuada

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pelo Ministro de D. José I, tem intimas conexões “com as condições políticas e culturais do

terceiro quartel do século XVIII português” (CARVALHO, 1978, p. 189).

Com essa visada, CARVALHO (1978) procura mostrar que as reformas da

instrução pública efetuada por Pombal,

do ponto de vista pedagógico, traduziram um esforço característico, de ajustamento

e integração dos ideais de cultura, no sentido de dotar o poder público dos recursos

humanos indispensáveis ao progresso de nacionalidade (CARVALHO, 1978, p.

189).

Assim, segundo CARVALHO (1978), a ação promovida pelo Pombalismo não

visava substituir a cultura religiosa do Império português, pois, conforme o autor, “invocou-

se, como razão de Estado, a necessidade de se conservarem a “união cristã e a sociedade

civil”” ((CARVALHO, 1978, p. 32).

Além de não ser a mesma antihumanista, pois que, na reforma do ensino,

prevaleceram as lições dos humanistas que lutaram contra o jugo da autoridade do filósofo peripatético e contra o saber verbal e dialético até então imperantes nas escolas européias (CARVALHO, 1978, p. 190).

Nesse sentido, o período pombalino não se caracterizou nem como anti-religioso,

nem como antihumanista. No campo religioso ele foi, sim, antijesuíta, antijesuitismo onde,

segundo CARVALHO (1978),

fatores vários e complexos, de ordem social, política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma questão que ainda hoje apaixona e obnubila a visão dos espíritos mais esclarecidos”, de qualquer forma, “o ensino português se transformou, praticamente, num monopólio da Companhia de Jesus (CARVALHO, 1978, p. 32-33).

Quanto ao humanismo, o que se deu foi uma renovação do conteúdo e do ensino

deste, portanto, de um novo humanismo.

Desta maneira, não poderia, como quer AZEVEDO (1976), e na esteira de

CARVALHO (1978), ter ocorrido uma substituição cultural, seja religiosa ou humanista, e

sim o fim do monopólio do ensino pelos jesuítas e a entrada do Estado, tanto no ensino

quanto na organização deste, como já observamos anteriormente, além de uma renovação

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da cultura humanista quanto ao seu conteúdo e de uma ampliação do “currículo escolar”,

também já dito.

O traço, portanto, da ação do Pombalismo é mais “progressista e reformista” que de

uma renovação radical dos costumes, como parece sugerir a propositura que se extrai da

obra de AZEVEDO e dos estudos sobre educação que desta adveio.

Assim, segundo as palavras finais de CARVALHO (1978),

assimilando os valores do pensamento contemporâneo, integrando-os na tradição nacional conscientemente interpretada, ajustando-os às peculiares condições da realidade portuguesa, o pombalismo, na sua finalidade, exprimiu e definiu o sentido de uma época. A pedagogia, no sentido amplo do termo, constitui sempre uma das formas que traduzem, com individuação característica, as culturas; nela se concretizam os ideais dos grupos humanos, das épocas históricas e das nações, consciente ou inconscientemente sentidos.

A pedagogia pombalina foi a expressão de uma época, expressão tanto mais significativa quanto ainda hoje sugere fecundas lições propiciadoras de perplexidades para uns e certezas para outros” (CARVALHO, 1978, p. 191).

Quanto ao período imperial, retomando mais uma vez NUNES (1962),

o desenvolvimento secundário, no decorrer do segundo Império, varia de província a província. As aulas isoladas, pouco a pouco, agrupam-se nos Liceus, uns surgem promissores, brilhantes, dadas as condições econômicas locais; outros enfrentam dificuldades (NUNES, 1962, p. 73).

Com a criação do Colégio Pedro II em 1837, pelas palavras de NUNES (1962),

apresentou-se

pela primeira vez entre nós um programa gradual e integral de ensino, servindo de padrão aos Liceus Provinciais, abrindo assim um capitulo à parte na história de ensino secundário no Brasil (NUNES, 1962, p. 73).

Quanto ao conteúdo, observa NUNES (1962),

o ensino secundário ministrado na Brasil era livresco, literário, ornamental, contribuindo para a formação de oradores e retóricos que o Parlamento do segundo império foi excelente demonstração (NUNES, 1962, p.74).

Para sustentar essa sua afirmativa NUNES (1962) utiliza como fonte um relatório de

Liberato Barroso2 de 1864, sobre a situação do ensino, onde ele afirma o seguinte: “são

2 Dirigente político do Império e agente educacional do período citado na obra de NUNES (1962).

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sòmente os estudos clássicos ou de humanidades que constituem o programa de ensino em

quase todos os estabelecimentos públicos” (BARROSO apud NUNES, p. 74).

Quanto à destinação social daquele nível escolar, NUNES (1962) afirma deste que:

destinava-se o ensino secundário a uma classe social, à aristocracia rural, “que fornecia todos os elementos dirigentes da política no período imperial. Os cargos da administração local, nos municípios e nas províncias, são preenchidos por ela. Dela saem a nobreza do Império e os chefes políticos, que fixam e arregimentam nos municípios e nas províncias, os elementos eleitorais e partidários locais. Dela a juventude que aflui para as academias superiores do norte e do sul, em Recife, na Bahia, em São Paulo, no Rio, e daí para o campo das profissões liberais e para as altas esferas da vida parlamentar e política do país” (NUNES, 1962, p. 75-76).

Contudo, mais adiante, ao analisar a importância que o problema educacional

assumiu no Império, em particular a secundária, foi-nos possível flagrar na própria autora,

ao citar uma fala a respeito desse nível de educação escolar pronunciada por Paulino José

de Sousa3, uma outra visão do ensino secundário, diferente desta tradicionalmente

veiculada pela história da educação.

Diz a fala:

o ensino secundário exerce maior influência na sociedade, concorrendo eficazmente para o desenvolvimento intelectual dos que o recebem. Além de essencial para os estudos superiores, pode-se dizer que, sem êle, não tem recebido conveniente educação o homem que se destina a qualquer carreira, ainda diversa das letras, como o comércio e a industria (NUNES, 1962, p. 78, grifos nosso).

Ora, pois, como seria ele então apenas ornamental? E como se dirigiria apenas

à aristocracia rural?

Essa fala de Paulino é de 1870, e nela a instrução secundária aparece não apenas

como preparatória, mas também como formativa e mesmo de utilidade proficiente na

carreira, além de não ser destinada a apenas uma só classe social4.

Por isso, ao sustentarmos nossa investigação através dessa revisão crítica

bibliográfica que se refere ao nível de ensino no período demarcado pela mesma,

buscamos, desde já, tracejar e mostrar a necessidade de percorrer um caminho distinto dos

já percorridos pela história da educação no estudo do objeto em questão.

3 Outro dirigente político e agente da educação de então citado pela autora. 4 Bem... a não ser que se considere comerciante e industrial como aristocrata rural, o que seria uma hipótese bem mais complicada do que a sugerida pela análise feita pela obra da autora do fenômeno educacional em questão.

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Período, pois, reconhecido, desde já, como complexo em termos de ensino

secundário, porque habitado por instituições escolares distintas como: seminários,

sucedâneos dos colégios jesuítas (SODRÉ, 1977, p. 29); aulas régias; colégios particulares

não religiosos e pelos liceus públicos, sendo um desses últimos o local de nosso objeto de

pesquisa: A Disciplina de Filosofia no Liceu Mineiro, o que, por sua vez, tornou

complexa sua investigação.

CURY (1998), num trabalho coetâneo ao nosso tempo, ao fazer o histórico do

ensino médio no Brasil, colocou para si a necessidade de responder à pergunta sobre a

função do ensino médio: afinal qual a função do ensino médio?

Para ele, esse nível de ensino

expressando um momento em que se cruzariam idade, competência, mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, ele expõe um nó das relações sociais no Brasil manifestando seu caráter dual e elitista, através mesmo das funções que lhe são historicamente atribuídas: a função formativa, a propedêutica e a profissionalizante”. (...) “Para uns, ele é um ente esquecido em um desvão, para outros ele é médio porque imprensado entre dois níveis considerados mais importantes, espécie de ensino secundário por ser “secundário” mesmo. Para muitos, ele é lugar da discriminação sócio-intelectual e da reprodução cultural dos valores dominantes (CURY, 1998, p. 3-4, grifos do autor).

O sugestivo estudo da função do ensino médio entre nós, efetuado por CURY

(1998) em seu trabalho, ao ampliar a análise deste nível escolar para além das funções a ele

“historicamente atribuídas: a função formativa, a propedêutica e a profissionalizante”, ao

atribuir-lhe também outra onde ele aparece como o “lugar da discriminação sócio-

intelectual e da reprodução cultural dos valores dominantes”, “função” essa, pela qual a

história da educação tradicional passou ao largo, tal idéia nos ajudou a ampliar nosso

horizonte de análise.

Este nos pareceu também o sentido do texto de CHERVEL (1990) sobre o tema,

como vimos de início.

O termo secundário, como antecipamos, foi empregado segundo CHERVEL (1992),

aproximadamente, em 1815, para nomear todos os estabelecimentos do tipo liceu ou

colégio.

É nesta hora que, segundo o autor, aparece, pela primeira vez,

a idéia de que a sociedade da Restauração só seria protegida opondo o primeiro

grau ou “primário” ao “segundo grau”, uma “instituição de segunda ordem” “um

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segundo grau de instrução ou instrução secundária”, uma “segunda instrução” dada

nos “estabelecimentos secundários”. (...) Há também uma maneira elogiosa de

denominar este grau de ensino: “alta instrução”, uma expressão bastante

consagrada, ou então “estudos superiores” (CHERVEL, 1992, p. 107-8).

Reprisamos a compreensão de CHERVEL (1992) sobre a instrução secundária no

Século XIX, pois nos pareceu ser próximo deste entendimento o que se tem dela no Brasil

Imperial, ainda que mais dirigido às funções de direção e construção da nação que de

proteção a uma sociedade já plenamente constituída.

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CAPÍTULO II – AS REPRESENTAÇÕES PRODUZIDAS PELA HISTÓRIA TRADICIONAL DA EDUCAÇÃO SOBRE A INSTRUÇÃO EM MINAS GERAIS 2.1 – A HERANÇA COLONIAL

A história da educação em Minas Gerais, ainda, está para ser escrita de modo mais

amiúde.

Conforme FARIA FILHO (1999), alguns pioneiros, que ele chama de “clássicos”,

traçaram grandes painéis, sínteses, de períodos que variaram de acordo com o interesse que

movia cada um, seja esse de fundo mais religioso, daí a educação, ministrada por

instituições de algum modo ligadas à Igreja, ser privilegiada, seja por motivações mais

amplas, nesse caso, além daquelas instituições, outras, sejam públicas ou particulares não

religiosas, foram objetos de estudo.

Tais estudos deram oportunidades de se operarem novos recortes, pois uma ampla

gama da história educacional, agora possibilitada pelo advento da nova sociologia e história

da educação (bem como de outras correntes e tendências teóricas) através de nomes como:

FORQUIN (1993); VINCENT; LAHIRE & THIN (2001); CHERVEL (1990); GOODSON

(1998); JULIÁ (2001); MOREIRA (1990) & (2001); CHARTIER (1990); WARDE (1984)

& (2000) CARVALHO (1997); NUNES (1993); SAVIANI (2005), ficou de fora daquelas

referidas investigações “clássicas”. Esses novos estudos já vêm sendo feitos no Brasil,

como veremos.

Um exemplo daqueles “clássicos” é o trabalho de CARVALHO (1933) – Instrução

Publica – Estudo histórico-estatistico, resumido, das primeiras aulas e escolas instituidas

em Minas-Gerais – (1721-1860), que nos dá uma boa mostra das características daqueles

estudos sobre a educação mineira.

A obra de CARVALHO (1933), como se pode observar logo no título, cobre um

período relativamente longo de quase um século e meio, caso mais uma década lhe tivesse

sido aposta, isso numa obra de 44 páginas. Talvez por isto seja uma investigação mais

descritiva que explicativa.

Segundo o autor, as primeiras providências que interessavam a Instrução Pública

ocorreram ainda na época da Capitania de Minas, quando do tempo de seu governador D.

Lourenço de Almeida, através de uma carta Regia datada de 22 de março de 1721,

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endereçada ao mesmo por D. João V, o Magnânimo, então Rei de Portugal (CARVALHO,

1933).

Conforme a mesma, citada por CARVALHO (1933), dizia o Rei:

sou informado que nessas terras há muitos rapazes, os quais se criam sem doutrina alguma, que como são ilegítimos se descuidam os pais delles, nem as mays são capazes de lhe darem doutrina: vos encomendo trateis como officiais das Minas desse Povo, sejam obrigados em cada va. a ter hum Mestre que ensine a ler, e escrever, contar, que ensine Latim, e os paes mandem seus filhos a estas escollas (CARVALHO, 1933, p. 347).

Na resposta de D. Lourenço ao Rei, em carta de 28 de setembro do mesmo ano,

segundo a obra de CARVALHO (1933), o mesmo promete tomar medidas no sentido de

cumprir a solicitação régia, receando, porém os poucos frutos que poderiam daí advir,

devido a grande parte da população ser composta de filhos de escravos e indígenas, por

falta de mulheres livres que possibilitassem casamentos e conseqüentemente da formação

da família legítima daí advinda e, além disso, ainda segundo o autor, da característica

adventícia da população livre, “obstáculo, talvez o principal para a creação e

funcionamento das escolas” (CARVALHO, 1933, p. 350).

Na ótica do autor, a esses fatores, mais externos à escola, devem juntar-se os

próprios a essa, que, para ele, constituía-se pela falta de professores habilitados tanto

moralmente quanto, de forma mais especifica, no próprio campo da educação, nem mesmo

os padres, segundo ele, fugiam a esse quadro:

não vamos ao ponto de negar illustração e sapiência aos humildes servos do Senhor. (...) Não me refiro aos Jesuítas, aos verdadeiros filhos de Loyola, porque em geral e em todos os tempos, foram os grandes mestres, nas ciências, artes, em todos conhecimentos humanos e inestimáveis serviços prestaram, accentuadamente na capitania de S. Paulo, mas não havia selecção; para ser mestre bastava ser Padre. Naquellas priscas e memoráveis eras, estes pastores, nem ao verdadeiro aprisco conduziam suas ovelhas! (CARVALHO, 1933, p. 352).

Não sabemos se esses problemas foram superados, de qualquer forma (e, talvez,

apesar deles e dessas “primeiras providencias” relativas à instrução mineira de então), o

estabelecimento de escolas na capitania de Minas se deu em 1773 pela Carta Régia de 17 de

Outubro do mesmo.

Conforme CARVALHO (1933),

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era nesse tempo governador da Capitania de Minas, Antônio Carlos Furtado de Mendonça, que tomou posse desse cargo a 22 de maio de 1773. A Carta Regia determinava ao governador que mandasse estabelecer o “Subsidio Litterario” para a manutenção dos mestres e professores necessários, que o Rei fosse servido nomear, para a educação da mocidade (CARVALHO, 1933, p. 347).

Assim,

em 1774, foram criadas em Villa Rica uma cadeira de latinidade, uma de philosophia e duas de instrução primaria e outras tantas nas demais villas da capitania (CARVALHO, 1933, p. 348).

Dado esse passo inicial, conforme a narrativa de CARVALHO (1933), entre a

criação e supressão de cadeiras, que ocorriam conforme diretrizes estabelecidas pelas

autoridades responsáveis com relação à manutenção ou impedimento de continuidade das

mesmas, podemos perceber, no transcurso desse narrar histórico, o expandir da educação

mineira desde esses tempos iniciais.

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2.2 – A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA EM MINAS NOS SÉCULOS XVIII E XIX

O trabalho de CARVALHO (1933), “histórico-estatístico”, é voltado à Instrução

Pública, como indica o próprio título. Daqui para frente nos ateremos à Instrução

Secundária, procurando entender suas características principais, aquelas possíveis de se

extrair através da análise deste trabalho.

A Instrução secundária pública de então funciona, no que se refere à origem dos

estabelecimentos escolares, no período abarcado por CARVALHO, por hora o que vai até

1854, do seguinte modo: dá-se pela criação de cadeiras organizadas sob a forma de Escolas

ou aulas régias, podendo cada cadeira ser constituída por uma duas ou três disciplinas, ou

matérias (essa última a terminologia usado pelo autor), sendo cada cadeira regida por um

Lente ou professor (CARVALHO, 1933).

A manutenção das Escolas ou aulas régias se dava pela arrecadação do subsídio

literário, imposto em Portugal pela “lei de 10 de Novembro de 1772” e estendido a Minas

pela “Carta Régia de 17 de outubro de 1773” (CARVALHO, 1933), como já indicamos

antes. Também a fiscalização das mesmas era tarefa do estado, como veremos.

O currículo inicial, que variou ao longo do tempo, segundo a Carta Regia, citada

pelo autor, de 19 de agosto de 1799, era composto dos “conhecimentos das Linguas Grega

e latina, de Rhetorica, da Phylosophia, e da Arithmetica, Geometria e Trigonometria”

(CARVALHO, 1933, p. 354).

Ainda segundo CARVALHO (1933), em Minas Gerais,

até 1860, só existiam 50 municípios e estes eram distribuídos por Círculos Literários, que hoje têm o nome de circunscrições. Os círculos eram dezessete (CARVALHO, 1933, p. 362). 5

Cada um desses círculos era composto por duas até quatro cidades. As cadeiras

criadas, conforme o levantamento feito pelo trabalho de CARVALHO (1933), eram

distribuídas pelas cidades que compunham cada círculo.

O período pombalino, tal como o demarca Fernando de Azevedo (de 1759 a 1808),

da educação no Brasil, como intervenção do Estado nos rumos da educação, é inaugurado

em Minas em 1774. 5 Hoje seriam as Delegacias ou Superintendências.

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Pois que no mesmo ano,

foram creadas em Villa Rica uma cadeira de latinidade, uma de philosophia e duas de instrucção primeira e outra tantas nas demais villas da capitania” (...), “em 1798, Bernardo José de Lorena, Conde de Sarzedas, suprimiu algumas aulas ou escolas, porque não havia em grande numero delas a menor freqüência (CARVALHO, 1933, p. 348).

Em carta Régia de 19 de agosto de 1799, nas palavras de CARVALHO, o Principe

instituía a “Inspecção” das Escolas e criava em Villa Rica uma cadeira de “Arithmetica,

Geographia e Trigonometria”.

Vejamos um trecho desse documento. Na

Carta Regia instituía a Aposentadoria do Professorado e dava outras instruções regulamentares para o Ensino Público em Minas Gerais. Creava o estimulo para os alunos. Os inspectores tinham a obrigação de fiscalizar as escolas e inesperadamente, examinar a assiduidade e delegencia dos professores, seu comportamento, methodos porque ensinavam, numero de discípulos, seu adiantamento, o aceio, etc. e tudo, depois reduzido a relatorio e enviado ao Governo (CARVALHO, 1933, p. 352).

No que diz respeito ao período pré-provincial e pombalino de educação em Minas,

são essas, em linhas gerais, as realizações do Estado apontadas no trabalho de

CARVALHO (1933).

Ao tomarmos o mesmo para análise, sem pretender entrar em minúcia, apenas tendo

em vista nosso objetivo, não percebemos, no período histórico tratado pelo mesmo, o caos

de que nos fala AZEVEDO (1976).

Pois, como vimos, na Carta Régia, citada pelo autor, está posta uma série de

elementos da organização escolar, tais como: inspetoria escolar, descrita relativamente em

pormenor se considerados os padrões da época; aposentadoria do professorado; estimulo

para os alunos e “outras instrucções regulamentares para o Ensino Público em Minas

Gerais”, como descrito acima.

E o tão propalado teor “livresco, literário e ornamental” do ensino secundário, lugar

comum na historiografia tradicional da educação brasileira, não nos pareceu confirmado na

confrontação com o documento.

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Senão vejamos: no período mineiro em vista, foram criadas na capital de Minas,

então Villa Rica, segundo o autor, as cadeiras de “latinidade” e de “Phylosophia” em 1774

e a de “Arithmetica, Geographia e Trigonometria” em 1799.

Em que pese o tempo, relativamente curto, entre a criação de uma e outra, de

qualquer modo não se pode considerar a instrução secundária, de então, como apenas

literária, tendo a mesma uma cadeira como a de Arithmetica, Geographia e

Trigonometria, que foi criada tendo por base as seguintes finalidades que constam na

Carta Régia a qual foi sua origem:

que na Capital déssa Capitania determino que se estabeleça uma cadeira da Arithmetica, Geographia e Trigonometria, onde possam formar-se, e educar-se bons Medidores, e bons Contadores, afim de que se não sinta a falta que há de bons Contadores, e as medidas das Sesmarias se fação com a necessária exacção, alem da utilidade que há de haver Geometras, Topographos capazes de levantarem Planos, e athé de darem convenientes Discripções dos territórios, e dos Ryos, com a nota dos trabalhos, que nos mesmos podem empreender-se (CARVALHO, 1933, p. 353).

Como então a instrução secundária, sob a forma como se organizava à época, como

vimos, pode ser genericamente caracterizada de “universalista”, “livresca” e outros

adjetivos assemelháveis? A cadeira foi criada tendo em vista objetivos particulares e muito

concretos presentes na então realidade mineira.

Mais um exemplo do que estamos a dizer.

A última cadeira6, criada no período pré-joanino da educação mineira em Villa Rica

(depois Ouro Preto), segundo o trabalho de CARVALHO (1933), foi “uma cadeira de

Anatomia, Cirurgia e Arte Obstetrica, creada pela Carta Régia de 17 de junho de 1801”

(CARVALHO, 1933, p. 362).

Classificar, então, o ensino secundário de “livresco”, “literário” e “ornamental”,

nos pareceu uma tarefa algo redutora.

Por esse motivo, tomamos a referida “historiografia tradicional da educação

brasileira”, e mesmo certos aspectos de seus dissidentes, sob forma crítica, pois o

enquadramento que ela faz do ensino secundário, locus do nosso objeto de investigação, em

cânones rígidos, poderia nos impedir de compreender aquele objeto de forma mais

6 Hoje chamaríamos de outro curso.

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específica, por isso percorremos esse caminho buscando desenevoá-lo das representações

que obstavam o seu percurso.

Mas pode-se objetar que era Minas e especificamente Vila Rica.

Vejamos o que ALVES (1993) nos diz sobre o Seminário de Olinda:

O ensino de geometria, no Seminário de Olinda, ganha, singularmente, autonomia frente à própria filosofia. Uma descrição do que estabelecem os principais dispositivos estatutários que regulamentam tal ensino, denota, da mesma forma que no caso da filosofia, uma direção fundamental: a necessidade de o homem burguês contar com instrumentos práticos, aplicáveis e úteis, frente à imensa tarefa de domínio do mundo material.

A duração prevista para o ensino de geometria é de um ano. Os Estatutos entendem essa disciplina como a

(...) “Ciencia, que ensina a medir, não só a terra, mas também a agua, os corpos celestes, e jeralmente a quantidade, segundo todas as suas dimensões” (ALVES, 1993, p. 140).

Não queremos passar a impressão de uma generalização inversa, ao contrário,

queremos mostrar como a afirmação lastreada tout court, na idéia que estamos a confrontar,

não deixa ver ao menos as experiências relativas.

Quanto ao panorama do período compreendido entre o dominado pela figura de D.

João VI e o provincial propriamente dito, pós 1822, traçado pela obra de CARVALHO

(1933) até a data que ele abarca, o que ocorre é a ampliação e aprofundamento desse

programa, como antevemos, até quando o próprio dá mostras de esgotamento e, em relação

ao mesmo, começam a surgir manifestações de insatisfação.

Antes de entrarmos nesses problemas, vamos dar mais uma repassada, e final, no

trabalho de CARVALHO (1933).

No período joanino da educação mineira, aqui considerado indistintamente de 1808

até a Independência, segundo a obra de nosso autor, foram criadas as seguintes cadeiras:

uma, em 1812, de rhetorica e phylosophia em Paracatu; dez, em 1813, abrangendo as

seguintes matérias: mathematicas, princípios de tactica e veterinária (Villa Rica/Ouro

Preto); curso cirúrgico (Baependy); mineralogia, chimica, zoologia, metallurgia, botanica

com jardim botânico, arithmetica geometria, calculo (Marianna); uma, em 1817, de

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dezenho e historia em Villa Rica/Ouro Preto e uma de latim, em 1819, em Januária

(CARVALHO, 1933).7

Como se pode ver, também nesse quadro não se pode classificar a instrução

secundária, pelo menos a mineira, simplesmente de “ornamental”, “livresca”, ou

“literária”.

Quanto ao período Provincial, pós-Independência, no ano de 1823, são apresentadas

emendas à constituinte imperial criando desde um “collegio de Sciencias Naturaes”, até

uma “Universidade do Sul”, ambos em Mariana, passando por “uma Academia

Montanistica”, de um “Curso de Sciencias Sociaes”, das “Cadeiras de Preparatórios” aos

cursos superiores, e, até mesmo, “as mesmas aulas que tem os cursos Jurídicos do Império

nos dois primeiros annos” (CARVALHO, 1933, p. 357).

Muitas dessas propostas foram aceitas, aprovando-se a criação do que propunham,

contudo, devido a vários fatores, na maioria das vezes de ordem econômica, não se

tornaram efetivamente realidades. Foram criadas, mas não foram instaladas.

Assim, segundo CARVALHO, “ate 1860, só existiam 50 municípios e estes eram

distribuídos por Circulos litterarios, que hoje tem o nome de Circunscripções”

(CARVALHO, 1933, p. 361), sendo, através destas, distribuídas as Cadeiras de Instrução

Pública criadas pelas autoridades responsáveis, seja diretamente pelo Executivo, ou através

do Conselho de Estado depois sucedido pela Assembléia Provincial.

Em Ouro Preto, por exemplo, Capital da província, além das já referidas, foram

criadas as cadeiras de “Arithmetica (com aplicação ao commercio)”; “Geometria Plana”;

“Desenho Linear e Agrimensura”, ambas em 1835. A de “Língua Franceza, Geographia e

História” foi desanexada, sendo a de Francês anexada a de Inglês, isso em 1844. A de

“Phylosophia e Rhetorica”, também, foi desanexada, passando a de “Rhetórica” a compor a

de “Grammatica da Língua Nacional, Philologia e Rhetorica”, em 1854. A de

“Tachigraphia” foi criada em 1854 (CARVALHO, 1933).

Em linhas gerais, foi essa a movimentação da instrução secundária pública mineira

no período em questão, tanto no geral quando na particularidade da Capital da Província.

Como se pode observar, é uma instrução secundária bastante diversificada para ser reduzida

à “livresca, literária e ornamental”.

7 A grafia das matérias segue as do autor.

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Nós nos ativemos um pouco à obra de CARVALHO, porque a mesma traça um

painel da educação pública mineira de um largo tempo, de um tempo que lega ao período

posterior, com o qual vamos trabalhar, muitas de suas realizações.

Assim, buscamos destacar, sumariamente, alguns momentos e características mais

importantes da instrução secundária, visando não só situar, historicamente, nosso objeto,

quanto aludir e encaminhar nossa problemática de pesquisa.

Já a obra de MOACYR (1939) – A Instrução e as Provincias – Provincia de Minas

Gerais – se comparada a de CARVALHO (1933), se atem a um período mais curto da

história da educação mineira, que vai do ano da criação da Assembléia provincial até o final

da história de Minas do período imperial, para ser mais exato, de 1835 até 1889.

O trabalho de MOACYR (1939), considerado um dos três historiadores clássicos da

educação brasileira por CALVI & SCHELBAUER (2003), aparentemente é mais descritivo

que explicativo, resumindo-se (de novo aparentemente) a transcrição das fontes.

Ledo engano, isso se deve à maneira lacônica de proceder do autor, conforme o

dizer de CALVI & SCHELBAUER (2003), cujos fins, são aparentemente mais implícitos

que explicitados.

Eis o que dele dizem as autoras.

O trabalho com a obra de Primitivo Moacyr também nos levou a construção de algumas impressões sobre o estilo e as contribuições do autor. Nos estudos realizados não encontramos comentários ou qualquer outra forma explícita em que o autor pudesse estar expondo suas idéias a respeito do assunto abordado, mas pudemos constatar que o mesmo faz uso de grifos, destacando no texto algumas palavras ou frases para chamar a atenção do leitor para determinadas afirmações que ele considerava relevante. Outra observação recai sobre o segundo volume da trilogia anteriormente citada, quando ao final de cada reforma apresentada ele relata o encaminhamento que esta obteve no parlamento. Mais uma vez não pudemos contar com sua opinião, mas as reticências por ele utilizadas dizem muito: ...não constam do Anais da Câmara dos Deputados o andamento posterior do projeto... ou ...o projeto ficou entregue a anonimidade dos arquivos..., dentre outras expressões (CALVI & SCHELBAUER, 2003, p. 2-3).

Assim, utilizaremos o mesmo como fonte secundária, pois sua obra se refere a

partes de um material que pesquisamos mais amplamente, para nos subsidiar em aspectos

que o largo panorama que traça das medidas tomadas pelo governo em relação à instrução

pública confluir para aquela parte que nos toca mais de perto, a instrução secundária

mineira. Tendo em vista, é claro, nosso objetivo, até porque almejamos produtos distintos.

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Diferente do trabalho de CARVALHO (1933) e mesmo do de MOACYR (1939), é

o de CARRATO (1968) – Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais – pois além de

procurar ser mais analítico que descritivo, toma CARVALHO (1933) e MOACYR (1939)

como fontes primárias.

Abarca um período de tempo menor que o primeiro e maior que o segundo. É mais

abrangente, porém, que ambos quanto ao tipo de estabelecimentos escolares aos quais se

volta, assim como é mais diversificado no que se refere à quantidade de assuntos que arrola

no tratamento do tema da obra.

Trata-se, pois, mais de um livro de história da cultura mineira, que de história da

educação propriamente dita. Essa está nele incluída, como não poderia deixar de ser,

ocupando, desse modo, um lugar de destaque na obra. Por isso o autor se detém em sua

análise. E por se referir assim à educação, tomamo-lo como objeto de análise.

A obra de CARRATO (1968) é mais arqueológica que a de CARVALHO (1933) na

identificação das primeiras escolas surgidas em Minas Gerais. Segundo o autor, “as

primeiras escolas serão, assim, os próprios lares mineiros, onde hajam mães que sejam

igualmente mestras” (CARRATO, 1968, p. 98). Cita, como exemplos emblemáticos dessa

educação em Minas, “a matriarca D. Maria da Cruz” e “D. Teresa Ribeiro de Alvarenga”

(CARRATO, 1968).8 Além dessas “mães cristãs”, também se ocupam dessas “escolas

domésticas” os “tios-padres” e os “padres-capelães”, como assinala CARRATO (1968).

Quanto à forma escolar9, propriamente dita, do processo de escolarização10 da

sociedade mineira, ela se inicia, aparentemente, de forma inusitada, pois que as primeiras

instituições escolares em Minas, escolas eclesiásticas, se dirigirão à educação feminina com

o Recolhimento de Macaúbas, que, segundo o autor, “teria florescido antes de 1730”

(CARRATO, 1868, p. 116).

Aparentemente inusitado se não considerarmos as características da população das

Minas de então, como já afloramos no tratamento da obra de CARVALHO (1933), que se

confirma de modo muito claro em uma passagem da obra do autor em tela.

8 A educação no lar e na família sempre constou da legislação brasileira. Quanto mais “arqueológica” no tempo, mais enfática é sua presença (CURY, 2000). 9 Ver VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. In: Educação em Revista, Belo Horizonte, n0 33, jun/2001. 10 Ver MAGALHÃES (1994).

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Eis que não serão raros, nas Minas, os casos curiosos de mulheres “hospedadas” pelos maridos ou amantes em recolhimentos de religiosas, principalmente no de Macaúbas, enquanto os maganões enfastiados e inquietos somem pelo mundo; é uma espécie de divórcio branco, a que se dão os sujeitos mais importantes, pois um dos praticantes do regime das mulheres em custódia será o Conde de Valadares, cavalheiro aliás solteiro e jovem (CARRATO, 1968, p. 11).

De qualquer maneira, a educação, sob a forma escolar, em Minas Gerais, surge

como educação para o sexo feminino, tendo em vista um fim bastante pragmático, como se

pode observar na passagem transcrita, distante, portanto, de um ensino que tenha por

escopo, exclusivamente, “humanidades desinteressadas”.

As coisas relativas à educação escolar por aqui, assim nos pareceram, se deram de

modo diverso e se caso aquele conteúdo fosse ensinado, as humanidades desinteressadas,

de qualquer forma ele vinha a posteriori e não como objetivo primeiro.

Era o que de fato ocorria, contrariamente à própria intenção teórica do autor que

concebe o ensino naquela direção, pois, no currículo do ensino dirigido ao sexo feminino,

além das matérias que se ensinavam ao sexo masculino, aparece uma parte que, na falta de

uma melhor terminologia, poderíamos chamar de “prendas domésticas”.

O trabalho de CARRATO confirma também o pioneirismo do Seminário de

Mariana, claro, no que se refere à educação masculina, porém, de algum modo ao lado do

Colégio do Sumidouro, tendo aquele sido instalado em 20 de dezembro de 1750.

O Colégio do Sumidouro dos Padres Osórios constitui-se uma espécie de exceção,

pois que pode ter antecedido, cronologicamente, o Seminário de Mariana. Mas, segundo o

autor, isso não pôde ser comprovado documentalmente, sendo apenas uma hipótese a ser

mais bem investigada.

A obra do autor faz uma análise pormenorizada do Seminário de Mariana tanto de

sua origem quanto de seu evolver, passando por suas modificações curriculares, suas

relações com o público, dentre outros elementos da cultura escolar11.

Além do Seminário de Mariana, CARRATO faz a história de outras escolas

eclesiásticas, em pequeno número, que surgiram em Minas depois do Seminário de Mariana

11 Estamos entendendo a cultura escolar no sentido que lhe é atribuído por MAFRA (2003), em que o pesquisador, além de buscar “identificar a presença de um ethos escolar na maneira de ser, de agir, de sentir, de conceber e representar a vida escolar, as vivências de alunos e professores que passaram por um estabelecimento” (MAFRA, 2003, p. 129), também concede maior exclusividade à diacronia em seus estudos.

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e que lhe foram contemporâneas. Devido à curta existência daquelas escolas, e da pouca

influência cultural que exerceram, para o nosso fim, basta apenas essa menção.

Do trabalho de CARRATO, a parte que nos interessa, mais de perto, é a que ele se

dedica à análise do “Iluminismo em Minas Gerais”, pois, na mesma, o autor analisa “as

reformas pombalinas do ensino” e “as escolas régias em Minas Gerais”, até mesmo

porque, quanto aos dados quantitativos relativos ao período, ele se apóia, em parte, no

trabalho de Feu de Carvalho, o qual já vimos anteriormente.

Na análise que faz da educação mineira em questão, o autor encerra-a em um

movimento maior, que ele o toma, na esteira de outros autores, sob a denominação de

Iluminismo ou Ilustração Portuguesa.

Esta por sua vez, insere-se em um movimento mais amplo, embora com

características próprias que destacaremos em outro momento, que é o Iluminismo europeu.

Segundo suas palavras,

o Iluminismo – alma e face do século XVIII – pode ser entendido como um movimento cultural de características racionalistas e empíricas, cujas bases vão fundar-se nos solos propícios da Renascimento e da Reforma. Suas origens remontam, pois, aos séculos intermédios das Idades Média e Moderna, e, ganhando um grande impulso com a expansão da classe burguesa, irá consolidar-se depois da obra dos pensadores do século XVII, principalmente os de Inglaterra. (...) Partindo da França – que, pelas condições peculiares de sua conjuntura histórica, plasmara primeiro uma corporificação sistemática das teorias e das práticas iluministas, através dos seus “filósofos” e a Enciclopédia – o movimento foi ganhando, sempre mais, adeptos entusiastas e ativos, não raro personalidades dirigentes, elementos da nobreza, do clero e pessoas influentes, que passaram a uma pregação nova e inaudita, que abalava as próprias estruturas das coisas estabelecidas de então”(CARRATO, 1968, p. 123).

Essa caracterização que CARRATO faz do Iluminismo, em suas linhas mais gerais,

segue a versão mais comum e mais amplamente aceita, não vindo ao caso aqui discutir essa

interpretação tradicional a respeito do mesmo.

Quanto à vertente portuguesa, que nos interessa mais de perto, segundo o autor, a

mesma “teve peculiaridades muito suas”.

Essa Ilustração foi, antes de tudo (aqui com CARRATO (1968) cita o autor

português Cabral de Moncada),

essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, não-revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o francês; mas essencialmente

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progressista, racionalista e humanista. Era o Iluminismo italiano (CARRATO, 1968, p. 125).

Ou, ainda, segundo as palavras de CARRATO (1968), agora a citar CARVALHO

(1978), “um Iluminismo essencialmente cristão e católico” (CARRATO, 1968, p. 125).

Continuando essa caracterização deste feita pelo nosso autor, diz ele:

“se as influências que passam a dominar as elites intelectuais portuguesa irão destacar o prestígio novo da razão humana, acendrando-a especialmente no cultivo das ciências da natureza, ao manterem elas contato com os fautores da Ilustração européia, nem por isso perderão o seu acatamento pelos antigos valôres espirituais, principalmente os dogmas da religião revelada: aquêle reformismo pedagogista, que constituiria a nota dominante do Iluminismo português, haveria de ser promovido, não por livres-pensadores, como o foram, na França, Diderot, D’Alembert, D’Holbach, Helvetius e, destacadamente, Voltaire e Jean-Jaques Rousseau, mas por homens “ilustrados” da própria igreja” (CARRATO, 1968, p. 125).

Os mais assíduos, conforme o autor, foram os pertencentes à Congregação do

Oratório.

Essa reforma dos sistemas de ensino português, conforme CARRATO (1968), já

era vivamente preconizada, desde 1746, pelo pioneiro iluminista Luís Antonio Verney, em seu livro Verdadeiro método de estudar, desde as simples escolas menores até a Universidade de Coimbra (CARRATO, 1968, p. 127).

Esse reformismo da ilustração lusitana, afirma o autor citando uma vez mais as

palavras de CARVALHO (1978),

foi sempre um programa psicológico, uma atitude crítica de revisão de problemas, do qual não podem dissociar-se, no fundo, as intenções de uma reforma, tanto das instituições quanto dos hábitos de pensamento”, que se consubstanciaria, segundo o mesmo, como “o sentido íntimo de uma aspiração geral; (...) Portugal se fez eco dêsses ideais, transmudando-os para a realidade de um programa político de governo. E o govêrno que se propôs as realizações dêsses ideais foi o de D. José I, que sucedera ao de D. João V, a partir de 1750. Pouco depois de sua ascensão ao trono, El-rei D. José chamou para junto de si o Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, partidário decidido da nova ordem de doutrinas. Assim, porque em breve se tornaria Sebastião José o Primeiro-ministro Todo-Poderoso, instalou-se no reinado de D. José I o regime iluminista do “despotismo esclarecido” (CARRATO, 1968, p. 127).

Assim, de acordo com o texto,

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“o tônus da ação político-administrativa do futuro Marquês de Pombal seria dado, preferencialmente, por aquêle reformismo pedagógico já referido, paradigma, aliás, do movimento illustrado em toda a Europa. Êle teve início com a primeira reforma dos estudos menores, em 1759.

Nesse ano, ocorre também o desfecho de uma contenda que já vinha acontecendo há algum tempo entre o governo de Pombal e os jesuítas, com expulsão dos últimos do Reino, encerrando desse modo, um monopólio, mais que duas vezes secular, que foi exercido pela Companhia de Jesus frente à educação portuguesa.

Eis a principal crítica aos mestres escolares “filhos” de Santo Inácio em relação ao ensino lusitano que comandavam por longo tempo: “para a Ilustração portuguesa o ensino jesuítico se baseia no obscurantismo autoritário, é um ensino livresco, pedante, pouco prático; para ela os dias da companhia estão contados. É preciso afastar os inacianos, o que significa “emancipar” (...) o ensino público da influência pedagógica dos Jesuítas (CARRATO, 1968, p. 129).

Como podemos verificar, a crítica de “ensino livresco, pedante e pouco prático”, é

uma crítica dirigida pelo Iluminismo Português ao ensino jesuítico, contudo, como

veremos, através de uma operação historiográfica, numa luta de representações, essa crítica

no Brasil, que é o espaço de circunscrição de nosso trabalho, se voltou contra a obra

educacional de extração pombalina.

É nesse ponto que aparece, com maior nitidez, o perfil historiográfico da obra de

José Ferreira Carrato (1968), podemos, assim, situá-la no bojo da corrente historiográfica

tradicional da história da educação brasileira, por esse motivo, é um trabalho que se orienta

pela propositura do paradigma oferecido pela obra de AZEVEDO.

O procedimento de CARRATO (1968) nos pareceu assemelhar ao de AZEVEDO,

quando nosso autor, ao invés de investigar as fontes para se aproximar do que de fato

ocorreu, ele procura pelo que deveria ter acontecido, prática em que incorre o mesmo, que

incorpora, em sua obra, as passagens mais incisivas da história da educação proposta por

aquele.

É, portanto, um discípulo de AZEVEDO, tanto no procedimento historiográfico

quanto na assimilação acrítica que faz da obra histórica do autor de “A cultura brasileira”.

Na seqüência de nosso texto, vamos procurar demonstrar como CARRATO (1968)

se apropria do modelo historiográfico de Azevedo, apropriação no sentido definido por

CHARTIER (1990), para a construção de todo um modelo de representação da educação

em Minas Gerais.

Nesse exercício o que nos importa é muito menos criticar a historiografia de

AZEVEDO, de resto a crítica está feita, não só especifica e diretamente, como é o caso de

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CARVALHO (1997), quanto, de forma mais geral, por todos os grupos de trabalho que

compõem a SBHE, como vimos. O que queremos, de fato, é fazer ver o que aquele

paradigma historiográfico não deixa visível quanto à nossa pesquisa sobre a disciplina de

filosofia na instrução secundária em Minas no século XIX. Esse é o sentido de ocuparmos-

nos dele.

Quanto ao primeiro aspecto (do estilo historiográfico em questão), CARRATO

(1968), antes de analisar diretamente as reformas pombalinas sobre a educação,

primeiramente lhe antepõe uma censura veemente e só depois dessa é que lida diretamente

com os resultados que daquela reforma advieram.

O juízo antecede a análise e não o contrário.

Ora, esse proêmio que precede a análise em si, aparentemente sem maiores

conseqüências, é o nódulo central da analítica que perpassa ambos, pois é esse proceder que

desloca o olhar do realizado para o que deveria ter sido e quando se chega enfim àquele,

esse surge como que quase por generosidade da análise do historiador e não como algo

extraído das fontes, e, portanto, como obra de fato realizada que o olhar do historiador deve

tornar compreensível.

De inicio, antes da análise do realizado, aqui ele acompanha de perto a leitura de

AZEVEDO (1976), a crítica de CARRATO (1968) tem endereço certo:

a administração pombalina jamais conseguiu achar, nessa etapa mais difícil e mais ampla de sua política de reformas pedagógicas, de 1759 a 1772, a melhor forma de substituir o realizado pelo que se deveria realizar (CARRATO, 1968, p. 129, grifos nosso).

Como se pode ver, a contrapontística da analítica de CARRATO angula-se pela

comparação do realizado pela obra jesuítica ao que deveria realizar a sinonímica

pombalina, e não pelo que de fato esta realizou.

Não bastasse isso, apodou-a ainda com o seguinte epigrama:

parece ter sido Goethe que afirmou, certa vez, que é mais fácil pensar ou imaginar; mas que fazer, realizar, de acôrdo com o que pensamos, é o que há de mais difícil neste mundo (CARRATO, 1968, p. 129).

E sentencia afinal,

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foi o que aconteceu com a reforma do ensino de humanidades em 1759, e depois com a reforma do ensino menor em Portugal: à conceituação programática da pedagogia iluminista contrapunha-se a velha estrutura das escolas jesuíticas, a extensa e onerosa realidade do ensino tradicional português, que os novos senhores do poder queriam extirpar, destruir (CARRATO, 1968, p. 129).

CARRATO (1968), além de se esgrimir contra palavras, ao não se voltar à própria

realização iluminista, ele exagera na caracterização dessa última, não atentando para sua

especificidade lusitana que não pretendia “extirpar ou destruir” o ensino tradicional e sim

reformá-lo.

Com isso, as palavras do autor não se atêm ao conteúdo próprio das reformas que

pretende criticar. Sua crítica conforma a priori seu objeto de análise ao invés de buscar

compreendê-lo na sua especificidade.

Ao imputar-lhe um sentido a priorístico, cerra sua investigação numa perspectiva

em que os fatos são alinhados na direção de confirmar aquele propósito por ele

preestabelecido.

Nesse seu procedimento, sente-se o autor em companhia de seu mestre AZEVEDO,

ainda que ele não explicite seu modo de proceder, contudo, isso fica mais claro quando ele

cita aquele literalmente no momento em que passa a analisar os efeitos da reforma

pombalina no Brasil, com a expulsão dos jesuítas.

Afirma ele na trilha de AZEVEDO (1976),

o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial de ensino jesuítico. Não foi um sistema ou tipo pedagógico que se transformou ou se substituiu por outro, mas uma organização escolar que se extinguiu sem que essa destruição fosse acompanhada de medidas imediatas, bastante eficazes para lhe atenuar os efeitos ou reduzir a sua extensão (CARRATO, 1968, p. 147).

Ora, essa afirmativa de CARRATO, na extensão de AZEVEDO, tanto mais

improvável quanto mais peremptória, não resistiu a uma análise de maior acuidade das

fontes, ao se tratar da educação em Minas Gerais.

O que ocorreu, a despeito de ambos, é que não houve nenhuma “destruição pura e

simples” do antigo sistema colonial de ensino em Minas.

Ao contrário, esse aqui era representado tipicamente pelo Seminário de Mariana,

fundado em 1750, que depois da reforma pombalina, conforme os relatórios de instrução da

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época e o próprio CARRATO em flagrante contradição (CARRATO, 1968, p. 102 a 115),

continuou a progredir na mesma linha e moldes anteriores.

O próprio autor não faz nenhuma referência, em sua obra, a qualquer tipo de

decadência ou fase superada, marcada por “destruição pura e simples” do ensino em sua

história desse estabelecimento, advinda da reforma pombalina.

Contrariamente a essa idéia, além desse seguir como tal, outros estabelecimentos de

tipo religioso foram fundados em Minas por outras ordens religiosas que não jesuítica e

obtiveram tanto sucesso quanto aquela, como é o caso, por exemplo, da Congregação da

Missão na famosa empresa do Colégio do Caraça, além de outras.

Ou seja, além da escola que se tinha antes da reforma não ter sido “pura e

simplesmente destruída”, como parece crer o par CARRATO e AZEVEDO, ela não só

seguiu em frente, como outras similares não foram impedidas de serem criadas, como

testemunha o próprio CARRATO contra ele mesmo (CARRATO, 1968, p. 115 a 122).

Contudo, em oposição à crítica do autor, um tanto exagerado e que chega mesmo a

inverter fatos, as reformas pombalinas não se contentaram com esse ato de liberdade em

relação ao desenvolvimento e instalação das instituições de ensino religioso, aquelas

reformas mesmas diversificaram o ensino mineiro ao criarem as aulas régias, que, ao longo

do tempo, povoaram o solo de Minas Gerais, e que foram estruturantes do ensino

secundário tanto público quanto privado não-religioso.

E o mesmo diga-se dos antigos seminários religiosos como veremos a seu tempo,

novidades essas trazidas pelas reformas do Marquês de Pombal.

Assim, conforme um relatório de 1814, transcrito pelo próprio CARRATO, Minas

Gerais já tinha mais de dezena e meia de cadeiras de instrução secundária, sem considerar

as de primeiras letras que não são aqui nosso objeto de investigação, espalhadas pelas suas

comarcas (CARRATO, 1968, p. 159-161), tal como se encontra também em CARVALHO

(1933), cujos números são aproveitados por CARRATO no que se refere às escolas régias.

Quanto aos aspectos qualitativos da reforma iluminista pombalina do ensino

secundário, parece-nos que CARRATO (1968) inverte indevidamente os pólos da mesma

ao deter sua análise primeiro e unilateralmente nos aspectos técnicos da reforma, em

detrimento da análise das finalidades que essa reforma buscava.

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No que se refere ao primeiro caso, CARRATO (1968) enumera uma série de

quesitos negativos do lado da administração pombalina, como: mestres incapazes, recursos

financeiros escassos, incapacidade e inexperiência secular da burocracia administrativa para

tratar da “educação popular”, chegando mesmo a fazer uma crítica polêmica que parece

não encontrar uma única referência sequer capaz de lhe dar algum tipo de guarida.

Eis como o autor se refere à obra educativa de Pombal:

com efeito, não era mesmo êsse o seu mister, porque, desde tempos imemoriais, o trato das coisas da educação popular estivera sempre aos cuidados da Igreja. (...) Dela se haviam incubido bispos, abades e capítulos e, após D. João III, a partir de 1555, essa agora negregada Companhia de Jesus, com seus padres-mestres, e sua fazenda também...talvez deflua daqui uma das causas da paquidermica insensibilidade dos políticos e burocratas da raça em relação a tudo que diga respeito às coisas da educação... (CARRATO, 1968, p. 131, grifos nossos).

Depois de traçar esse panorama negativo das reformas pombalinas, concluindo, de

forma pré-concebida, com uma inferência e tom indevidos, ao tratar das finalidades da

própria reforma, já secundarizada pela ordem invertida de sua análise, o autor acaba por

deformar aqueles fins ao unilateralizar seus aspectos.

Diz ele:

cumpre assinalar que a grande inovação das reformas pombalinas foi a secularização do ensino, no sentido de sua entrega e responsabilidade a elementos leigos ou assalariados pelo Estado (CARRATO, 1968, p. 131).

Ora, isso que aparece sendo o grande mérito da reforma, “a secularização do

ensino”, conforme o enunciado do autor e que aparece como generosidade analítica deste,

na verdade, sutilmente, encobre o caráter redutor da análise efetuada por CARRATO

(1968) e uma inversão de propósitos daí decorrente.

Secularização do ensino, porém, bem entendido, não única e exclusivamente,

porque não era esse o fim e se veio, veio como conseqüência, pois conforme a característica

do iluminismo português, como já vimos, esse não se opôs ao ensino religioso.

Opunha, isso sim, ao monopólio exercido por uma determinada ordem religiosa

considerada superada pelos novos tempos.

Então, secularização nesse sentido, se se quiser manter o termo que (nos pareceu)

mais atrapalha que ajuda na análise e compreensão daquelas reformas, pode ser entendida

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como ampliação do ensino com a entrada de outros atores em cena. Mais, propriamente, o

Estado e a iniciativa privada não-religiosa, além outras ordens religiosas não

jesuíticas. Pluralidade?

Esse aspecto fica encoberto, tal como as coisas são dispostas pela obra de

CARRATO (1968), quando ele afirma:

pela primeira vez, à Administração Régia foi entregue a educação popular e teve ela de cuidar do recrutamento do pessoal entre os leigos, mediante certas exigências legais, principalmente concursos. Esses concursos, para os quais ainda não estavam preparados, tanto a Administração como os interessados, foram raros e ineficientes e, depois de algumas tentativas bastante tímidas, acabaram por se não realizar mais. O remédio foi o aproveitamento do pessoal tradicional do ensino, isto é, os elementos das Ordens Religiosas, dentre os quais sobressaíam os oratorianos (CARRATO, 1968, p. 131, grifos nossos).

Aqui a argumentação de CARRATO peca pelo excessivo descuido analítico.

Como já vimos antes, assim como o iluminismo português não excluía os elementos

das Ordens Religiosas do ensino em detrimento de “leigos”12, outro termo que parece

ajudar pouco na análise e compreensão das referidas reformas por uma certa presunção e

unilateralidade do mesmo13, e tampouco os oratorianos podem ser incluídos na categoria de

tradicional, muito pelo contrário, como brevemente vimos em passagem anterior, eles

foram agentes ativos do iluminismo português.

Em verdade, o iluminismo português não nega a tradição, ele não é a-histórico como

vimos, e, portanto, não nega a Igreja, visa sim ao tradicionalismo que tomou conta dessa e

da cultura lusitana em geral, e, seja bem dito, quem encarnava esse pesadelo, tal como

entendia o movimento personificado por Pombal, era a Companhia de Jesus.

O que CARRATO faz, na esteira do paradigma historiográfico tradicional da

história da educação brasileira e segundo seus próprios termos, “nas belas palavras de um

dos seus maiores ex-discípulos que já existiram neste país” (CARRATO, 1968, p. 148), é

tomar os jesuítas pela Igreja.14

12 Na Filosofia Política, Leigo se refere à Sociedade Política e Secular à Sociedade Civil (CURY, 2005). 13 Em eclesiologia é não saber educar caso não tenha recebido as ordens sacras. Significa literalmente estranho a um assunto em detrimento do clérigo. 14 Não há aqui nenhuma insinuação malévola contra os autores em questão, de resto reconhecidos publicamente pela retidão de propósitos. Nosso tom visa o geral e nossa crítica é teórica, portanto, também criticável, é claro. O problema é que nosso solo de pesquisa se situa onde os autores só vêem “desordem e caos”, o que não vemos, por isso temos que nos haver com os mesmos.

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O ex-discípulo jesuíta acima referido é Fernando de Azevedo.

O iluminismo pombalino visava mais que a religião, pois, tinha por fim renovar a

cultura portuguesa, da qual a religião era um componente, mas não o único.

Ele não se voltava contra a religião, expressa pela Igreja Católica, e sim contra o

jesuitismo entendido como doutrina tradicionalista que considerava a religião católica como

a única expressão de cultura legítima em Portugal, desprezando outras esferas culturais,

como a ciência, por exemplo, era, portanto, adversário de uma das ordens que compunham

a igreja, esta, por sua vez, maior que aquela.

Esse é o sentido das reformas pombalinas da instrução, tal como se nos apresenta

através da documentação pesquisada, ao contrário da ótica tanto de CARRATO quanto de

seu mentor AZEVEDO, que não a expressam em sua integridade, com a análise que fazem

da mesma.

Elas são parte integrante de um movimento de ampliação cultural, que, na educação,

se exprimiu como ampliação de entes educacionais, ou seja: educação como obra possível

de ser realizada por outras instituições de ensino além das de extração religiosa

jesuítica, tinha em vista a renovação e realização de um ideal educativo mais

conforme aos novos tempos então vividos.

Desse modo, laicizar, secularizar, tornar leigo, ou outras expressões quaisquer que

sejam, se de mesma índole que essas, não dizem o que foram as reformas, pois tinham essas

um feitio mais amplo que o sugerido por aquelas expressões que reduzem o seu significado.

O que não se deve esquecer, contudo, é que o que CARRATO quer é fazer uma história da

“cultura da decadência mineira”.

Nesse sentido, o paradigma historiográfico azevediano lhe serve bem para tal

intento.

É sob o arcabouço originado desse movimento de reforma, que será erigido a

estrutura do momento sobre o qual se volta mais especificamente nossa pesquisa, por isso

tratamos dele até aqui, tendo em vista o estabelecimento de algumas vigas sobre as quais

buscamos nos sustentar.

A obra de MOURÃO (1959) – O Ensino em Minas Gerais no Tempo do Império,

em que pesem as diferenças, procura, tal como CARRATO, ser mais analítica se

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considerada, por exemplo, em relação a MOACYR (1939), seu contemporâneo mais

próximo como historiador da educação do período, embora menos extenso que CARRATO.

MOACYR (1939) aproxima-se mais de um historiador relator dos acontecimentos

relativos à Instrução na Província de Minas Gerais, buscando o mesmo resguardar-se, ao

máximo, na emissão de juízos, que se apresentam mais implícitos que explicitados.

MOURÃO (1959) diversifica sua análise, intentando classificar, caracterizar e

interpretar a instrução do período conforme sua tipologia à época.

Sua obra também é mais abrangente que os exemplos que analisamos até aqui, no

que se refere à educação mineira, pois, além do intento acima descrito, MOURÃO se volta

a todos os tipos de estabelecimentos escolares, sejam esses de origem pública ou privada;

de educação primária, secundária ou superior; de sexo feminino, normal ou técnico; avulsas

ou régias etc.

Examina ainda, na obra, os métodos de ensino, a organização escolar, além de

outros elementos próprios à cultura escolar.

E, ao contrário de CARRATO, coloca-se exclusivamente no campo da história da

educação e não da cultura em geral, como aquele.

Nesse sentido, pela abrangência e intenção de sua obra, podemos titular o trabalho

de Mourão como exemplo clássico, na particularidade do espaço e do tempo aos quais se

volta – a Minas provincial, daquela historiografia que estamos a chamar de tradicional da

história da educação brasileira.

Exemplaridade clássica aqui significa o modelo mais pleno do paradigma em

questão, não se confundindo com antigo, idéia com a qual o termo clássico às vezes é

identificado.

Dessa clássica obra da educação mineira imperial, a parte que nos interessa mais de

perto é a que se refere à educação secundária, onde se localiza nosso objeto de trabalho, e o

que gira em torno da mesma.

MOURÃO (1959) faz parte daquela estirpe de historiadores, alinhada ao paradigma

da história da educação brasileira de viés historiográfico tradicional, embora com mais

distinção, pois vai às fontes primárias, que, porém, quando analisam a educação secundária

do período em tela, buscam, de qualquer modo e a qualquer custo, caracterizá-la com o

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designativo depreciativo de “ensino clássico”, ainda que essa depreciação, em certa

medida, seja mais implícita que explicitada no autor.

Contudo, “clássico” é usado num sentido tão lato que a leitura da referida produção

historiográfica causa no leitor pesquisador uma verdadeira sensação de fastio com o termo.

Clássico, na obra em questão, abarca desde o ensino das antigas línguas latina e grega, até

as modernas francesa e inglesa ou qualquer outra hodierna, dessa maneira, fica-se sem

saber o que “clássico” quer dizer em relação a ambas.

Se, como hipótese, “clássico” quer dizer ensino de línguas, ela não resiste aos fatos,

o currículo do ensino secundário do período é prodigioso em matérias que não se

enquadram sob a rubrica línguas.

Contudo, uma pausa e vamos ao autor.

MOURÃO (1959) inicia assim sua história da instrução secundária das Minas

Gerais imperial:

desde os tempos coloniais, era ministrado em Minas o ensino clássico. A influência da Universidade de Coimbra foi manifesta nesta modalidade educacional, bem como nos estudos de grau superior. A educação da mocidade era feita em moldes humanísticos sob os auspícios e orientação da Igreja Católica, oficial na Metrópole (MOURÃO, 1959, p. 149).

Se, como sugere o trecho acima, clássico é sinônimo de educação humanística, resta

saber o significado do último termo.

Para ir direto ao ponto, a citada historiografia tradicional da educação opõe o ensino

humanístico ao das ciências e ao técnico, o que, por sua vez, não se comprova quando

analisamos as fontes.

A operação montada por MOURÃO (1959), para fazer valer esse ponto de vista,

chega a surpreender pela argúcia do ardil empregado, em que pese, com relação aos dados,

não passar de truanice, ainda que involuntariamente.

Esse procedimento do autor fica mais claro quando se confronta o dito por ele com

as próprias fontes ou o que ele diz das fontes quando elas contrariam aquela direção.

Na análise do currículo do Liceu Mineiro, MOURÃO diz o seguinte: “é interessante

observar, igualmente, a introdução no currículo, de uma matéria de aplicação na

administração e no comércio a Escrituração Mercantil” (MOURÃO, 1959, p. 244).

Contudo, isso não é suficiente para mudar o juízo do mesmo, ainda mais se

considerar que, já na fundação do Liceu Mineiro, a cadeira de Taquigrafia compunha o

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currículo daquele (MOURÃO, 1959, p. 170), e, só com muito esforço, pode-se considerar

Taquigrafia uma matéria clássica.

Isso quanto ao currículo do Liceu Mineiro. Nos relatórios referentes aos externatos

de São João del Rei e Diamantina, aparecem, em seus currículos, além das línguas

modernas e da referida Escrituração Mercantil, as cadeiras de Desenho Linear, Topografia e

Agrimensura. Ora, como classificar um ensino composto por tais matérias de clássico?

Mas, a operação mais ardilosa15, no sentido mais forte do termo, de MOURÃO

(1959), para manter o designativo de “clássico” para o ensino secundário, ainda está por

vir.

Consiste em elevar as cadeiras de farmácia à condição de ensino de nível superior, e

isso num período que em Minas Gerais sequer existia curso superior, além desse último,

segundo o propalado Ato Adicional de 1834, ser de competência do Governo Central.

Eram cadeiras ofertadas pelo Liceu Mineiro (como outras também o eram), esse

último uma instituição de instrução secundária, condição da qual esse autor faz abstração.

O Curso de Farmácia é de origem moderna e, em certo sentido, até mesmo de

extração contemporânea, sendo, portanto, muito difícil atribuir-lhe qualquer epitetismo

dessa ordem devido ao arquétipo relacionado ao classicismo típico, a não ser,

evidentemente, em sua própria história, que agora não é o nosso caso; o erro, portanto, seria

flagrante.

Aqui MOURÃO (1959) é levado a cometer um anacronismo em função do

paradigma historiográfico no qual se apóia, tendo o mesmo por fim à manutenção do

enquadramento da instrução secundária sob a insígnia de ensino clássico.

As fontes dizem-no de modo diverso. Segundo o relatório, de 1839, do Presidente

da Província, Bernardo Jacinto da Veiga, a Assembléia Legislativa decretava o seguinte:

ficam criadas duas escolas de farmácia, uma das quais nesta capital, e a outra em S. João del-Rei. Nestas escolas se ensinarão farmácia e matéria medica, especialmente a brasileira. Os professores serão nomeados pelo presidente da província, após concursos. Vencerão de ordenado 600$000 por ano. Os candidatos deverão apresentar documentos pelos quais mostrem que foram aprovados por escolas nacionais ou estrangeiras em botânica, história natural dos medicamentos, farmácia e química. Os preliminares para freqüentar as escolas são : Saber ler e

15 O sentido do termo aqui é epistêmico-historiográfico, não se configurando, portanto, nenhuma alusão de ordem moral em relação ao autor.

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escrever e as quatro operações de aritmética (MOACYR, 1939, p. 75, grifos nossos).

Como se pode ver, os pré-requisitos para freqüentar (para os alunos, pois as

exigências para os candidatos a professores são outras) o curso de farmácia não são as

disciplinas preparatórias do ensino secundário, necessário aos cursos superiores do Império,

ao contrário, bastava apenas ter concluído o ensino primário para freqüentar aquele.

O relatório de 1840 diz o seguinte:

o governo fica autorizado a reunir no colégio de Ouro Preto as duas aulas de farmácia ora existentes, estabelecendo o curso letivo e a divisão das matérias que se devem ensinar de conformidade com a lei de abril de 1839, dando conta à legislatura (MOACYR, 1939, p. 78).

Esse colégio é o de Nossa Senhora da Assunção de Ouro Preto, futuro local do

Liceu Mineiro, que nunca ficou conhecido como escola de farmácia, em que pesem as aulas

do referido curso terem sido dadas ali por um longo tempo.

Ao contrário, nos relatórios sobre instrução pública, as cadeiras de farmácia

aparecem sob o emblema da instrução secundária ou ensino intermédio, como aquela foi

designada durante algum tempo em Minas Gerais, e, mais tarde, anexadas ao Liceu Mineiro

quando de sua criação.

Diz o relatório de 1841:

as aulas de ensino intermédio da província (latim, filosofia, retórica, agrimensura, desenho, geografia, historia, frances, inglês, anatomia e farmacia), eram frequentadas apenas por cerca de 30 estudantes, A despesa orçamentária com a instrução ascendem a 104 contos (MOACYR, 1939, p. 79, grifos do autor).

E assim acontece em todos os relatórios que, daí por diante, se referem à instrução

secundária, inclusive o do ano de 1854 em que ocorre uma ampla mudança na organização

da instrução secundária em Minas Gerais.

Nesse ano, instala-se o Liceu Mineiro, quando então lhe é reservado um papel

especial naquele nível de instrução, até o ano de 1875, quando, de fato, é criada em Minas a

primeira instituição de ensino superior da Província, a Escola de Minas: “com a rubrica do

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Imperador D. Pedro II e assinado pelo Ministro e Secretário de Estado José Bento da

Cunha Figueiredo” (MOURÃO, 1959, p. 404-405).

Entretanto, a Escola de Minas não aparece nos relatórios dos órgãos provinciais

responsáveis pela instrução pública, pois a mesma não era de competência da Província e

sim do Governo Central, responsável pelo ensino superior.

O curso de farmácia, ao contrário, continua figurando nos relatórios e no espaço

reservado ao tratamento da instrução secundária.

Em geral, os relatórios, sejam eles de transmissão de governos que prestam contas à

Assembléia Provincial, ou de órgãos encarregados diretamente da instrução pública, como:

diretorias gerais; diretoria de círculos literários; inspetorias; ou outros, os relatos seguem a

seguinte ordem: tecem comentários gerais a respeito desse ramo do setor público, em

seguida tratam da instrução primária e depois da educação secundária, lugar onde são

referidas as aulas de farmácia, que constam como algumas das aulas do conjunto das

oferecidas pelo Liceu Mineiro, desde sua criação, como já referimos.

Enfim, no exame direto das fontes, ao contrário do que diz MOURÃO (1959), essas

situam o curso de farmácia no ensino secundário, sem nenhuma exceção ao longo do

tempo, que vai da sua criação em 1839 até o último relatório por nós examinado, que é do

ano de 1888.

O alongamento aqui no assunto não tem como interesse a história do curso de

farmácia em si, e sim de mostrar por que nos afastamos do modelo historiográfico que rege

a história da educação de Paulo Krüger Corrêa Mourão (1959), pois a mesma é informada a

priori por certos princípios que acabam por sacrificar o conteúdo das fontes.

O mesmo ocorre quando o autor acima estabelece uma periodização da história do

ensino secundário mineiro.

Segundo ele,

a historia da instrução de gráu médio em Minas Gerais pode ser dividida em partes bem distintas, a saber: período dos colégios, pequena fase dos liceus; externatos (MOURÃO, 1959, p. 172).

Ora, ainda que seguíssemos o critério cronológico de fundação de estabelecimentos

de educação em Minas Gerais, tal com faz MOURÃO (1959), teríamos, então, de antepor à

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sua classificação os estabelecimentos religiosos, com o “Educandário de Macaúbas” à

frente, seguido pelos seminários de Mariana e outros do gênero.

É certo que a história da educação de MOURÃO (1959), ao se referir ao “Ensino em

Minas Gerais no Tempo do Império”, restringiria aquela classificação apenas àquele tempo

referido, em que pese o autor tratar de estabecimentos de ensino que ele chama de “grau

médio” desde o período da Colônia, como, por exemplo, o “Seminário de Mariana”

(MOURÃO, 1959, p. 149).

Também assim deixaríamos de fora o elemento mais dinâmico e estruturador da

educação mineira de então: as chamadas, pela historiografia tradicional, “aulas avulsas”,

termo depreciativo para renomear as Escolas Régias criadas no período pombalino.

Mesmo que toda historiografia da educação e os agentes envolvidos com a mesma,

no período, não vejam isso, quando não o contrário, criticando-as sem piedade, como

ocorre na maioria das vezes, tanto na leitura da referida historiografia, quanto nos relatórios

das autoridades educacionais, presentes na documentação da época, ainda assim, é este

modelo que os instituidores do Liceu Mineiro têm em vista substituir com sua criação (o

que não foi tarefa simples), como buscaremos mostrar ao tratar deste.

Pois bem, a historiografia de MOURÃO, ao proceder semelhante ao modo de

AZEVEDO (este ao se voltar de um só golpe contra o período pombalino buscando, no

mesmo, algo estranho a ele, deixa de perceber as profundas mudanças operadas pela

reforma de Pombal), guardadas as devidas proporções entre ambos, também deixa de

perceber com o procedimento de que se utiliza – buscar no passado as configurações que se

aproximam das formas presentes – as especificidades das formações escolares do período e

as razões de serem do modo como são.

É, portanto, um proceder historiográfico que busca o estabelecido, conquanto este

ainda não esteja, ele o faz por conta própria às custas dos próprios acontecimentos

registrados na documentação.

As Escolas Régias instituídas pelo movimento da ilustração pombalina, chamadas,

ao longo do tempo, de “aulas avulsas”, “aulas esparsas”, “aulas isoladas”, dentre os

designativos mais comuns, variando a terminologia conforme o tom e o interesse da crítica

que lhe era dirigida, formaram a base sobre a qual foi erigido o sistema escolar de Minas

Gerais no século XIX, do qual é parte integrante o ensino secundário.

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O ensino superior, como vimos, não era da competência provincial e sim do

Governo Geral.

Esse sistema escolar, ao contrário do que diz a historiografia tradicional da

educação brasileira e mineira, não é dual (uma separação, como quer AZEVEDO, entre

ensino escolar e ensino superior, que não se completam) e sim composto por elementos

distintos, mas, com o mesmo fim e direção.

Vale dizer: o sistema escolar de ensino secundário mineiro, no século XIX, é

composto tanto por estabelecimentos de origem particular, sejam religiosos ou não

religiosos, quanto de origem público-estatal, mas ambos têm como referência um

estabelecimento de ensino secundário modelo.

Esse sistema é iniciado em Minas Gerais no, século XVIII, com a reforma

pombalina, ou seja: ao lado do Recolhimento de Macaúbas, do Seminário de Mariana, por

exemplo, dentre outros estabelecimentos religiosos, são criadas pela Capitania de Minas,

sob a batuta de Pombal, as Aulas Régias que renovam a paisagem educacional mineira,

restrita, até então, à clausura do ensino religioso.

Desde o início em Minas, a ilustração pombalina não teve em vista a substituição do

ensino religioso, esse sob a conduta dos seus estabelecimentos mais bem estruturados,

como o Seminário de Mariana, por exemplo, não só continuaram a florescer, como

aumentaram em número, diga-se, bem de acordo com o espírito do iluminismo português.

O que a reforma da educação de Minas fez, com Pombal à frente, foi dinamizar o

ensino mineiro de uma forma até então nunca vista.

Depois de criadas, ao longo do tempo, as Escolas Régias, se espalharam pela

Capitania, depois Província, através das suas mais variadas localidades alcançando

distâncias inauditas.

Seu efeito mais imediato na educação secundária mineira, além desse espraiamento,

através da criação de uma série de cadeiras de aulas públicas, cada uma abrangendo uma,

duas ou, até mesmo, três matérias ou disciplinas distintas, em geral afins, como por

exemplo, a “cadeira de Anatomia, Cirurgia e Arte Obstétrica, creada pela Carta Régia de

17 de junho de 1801” (CARVALHO, 1933, p. 362) em Ouro Preto, dentre outras, foi no

sentido de lhe abrir outros caminhos que não o que levasse exclusivamente ao ensino

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ministrado pela empresa religiosa, não bloqueou esse caminho tradicional, é bom que se

repita, mas novas sendas vieram-lhe ao encontro.

Esse é o sentido mais profundo das reformas aludidas no que tange ao ensino

secundário de Minas, a libertação desse nível de ensino de um monopólio secular (no

sentido histórico do termo) e esterilizante, tendo em vista não a troca do monopolista e sim

a ampliação das instituições aptas a ofertar aquele ensino, inclusive, mas não

exclusivamente, o Estado, cuja ação se fez sentir na criação, já dita, mas não é demais

repetir, das Escolas Régias.

Estas foram, nesse sentido, as primeiras escolas públicas do Brasil.

Desse modo, o sistema escolar de Minas Gerais, no que se refere à instrução

secundária ao tempo de nossa investigação, enquanto produto originado do

empreendimento pombalino, está plenamente configurado da seguinte maneira: escolas

públicas, através do modelo implantado pelas Escolas Régias; escolas religiosas, cujo

modelo mais bem sucedido é o fornecido pelos Seminários; e as escolas privadas, não

religiosas, mais amplamente conhecidas através da iniciativa dos Colégios, sendo os dois

últimos modelos também subsidiados pelos cofres do Estado.

O Liceu Mineiro, cujo surgimento é preparado através de uma série de iniciativas,

mais ou menos bem sucedidas, como veremos a seu tempo, é um elemento importante na

reconfiguração desse quadro da educação secundária tal como ela se encontra à sua época,

agora guiada por novas forças e tendo por fim outros objetivos. É do que trataremos na

seqüência.

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2.3 – A INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS E O PROJETO DE EDUCAÇÃO LICEAL

O Liceu Mineiro é criado na Província, num importante momento de reforma da

instrução pública de Minas, através dos regulamentos de números 27 e 28, autorizados pela

Lei n0 516 de 1851, os regulamentos, porém, são de1854.

Essa reforma, que modifica sensivelmente a instrução provincial em seus vários

níveis, seja ela pública ou particular, é a culminância de um processo que reclamava por

mudanças neste “importantíssimo ramo do serviço publico”, como a esse se refere o “vice-

director Geral da Instrução Pública”, Antônio José Ribeiro Bhering, em seu relatório de 28

de fevereiro de 1854 ao presidente da Província de Minas Gerais Francisco Diogo Pereira

de Vasconcellos, tal como podemos perceber pela documentação examinada.

O Liceu Mineiro, como instituição de instrução secundária, como era chamado o

ensino médio à época, como vimos, se considerado em relação a seus congêneres no Brasil

Imperial é mais tardio.

Foi antecedido em Minas Gerais por outras instituições de instrução secundária

tanto de ordem privada, como o Colégio do Sumidouro e o Seminário de Mariana, quanto

pública, como as Aulas Régias, algumas originadas já no período da Capitania, mas, em

função de nosso objetivo, deteremos nossa atenção no Provincial.

No terreno da instrução secundária privada, embora subsidiadas pelo cofre público,

as primeiras instituições de ensino em Minas Gerais, além das escolas domésticas, foram

escolas eclesiásticas ligadas à Igreja Católica ainda no Século XVIII. A primeira foi o

Recolhimento de Macaúbas, de instrução feminina, porém, “de primeiras letras, doutrina

cristã e trabalhos de agulhas” (CARRATO, 1968, p. 118).

Instituições de instrução secundária, segundo o mesmo autor, foram o Colégio do

Sumidouro e o Seminário de Mariana, sendo o primeiro provavelmente mais antigo que o

último, uma vez que conforme o autor, ao contrário do segundo, do primeiro “não se pode

precisar a data de sua fundação” (CARRATO, 1968, pp.120-121).

De qualquer modo, enquanto o Colégio do Sumidouro dos Padres Osórios ofertava

apenas duas aulas do curso secundário, o currículo do seminário de Mariana era mais amplo

(CARRATO, 1968, p.102-112 e 121).

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Apesar daqueles, já no relatório de 1841 (Relatório dos Governos Mineiros de

Transmissão de Administração, nome do códice do APM) do Presidente Sebastião Barreto

Pereira Pinto, é enunciada a criação do “Collégio de N. Senhora da Assumpção do Ouro

Preto”, diretor Sr. Padre Mestre Leandro Rebello Peixoto e Castro, regente gratuito da aula

de “Philosofia e Rhetórica”. “Modelo dos Estatutos do “Collégio de Pedro 20” acomodadas

às circunstâncias da Província” (RGMTA/APM).

Esse colégio será o futuro Liceu Mineiro, e no ato de sua criação, o relatório já nos

dá indícios da importância que terá o futuro Liceu na educação da Província, pois o seu

antecessor imediato é criado segundo o “Modelo dos Estatutos do Collégio de Pedro 2o.”,

ainda que acomodado às “circunstancias da Província”.

No relatório do Presidente de Província Bernardino José de Queiroga, na “Falla

Dirigida a Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais - Anno de 1848”, aparece,

explicitamente, o debate a respeito da necessidade do futuro Liceu:

eu proponho pois a revisão das Leis Provinciais, que tratão da instrucção publica, e julgo da primeira necessidade a criação de um Lyceo na capital, e de um Diretor da instrucção publica da Província, a cuja fiscalização devem ficar sujeitos o Lyceo, os Delegados dos Círculos Litterarios, as Escolas d’instrucção primária, e secundaria, ou sejão publicas, ou particulares, as commissões locaes, e tudo quanto fôr tendente á este importante ramo do serviço, devendo em Regulamento do Governo marcar-se o modo por que deve elle cumprir seus deveres, que serão ali definidos (RGMTA/APM, p. 26-27).

Também o relatório do Presidente Alexandre Joaquim da Silveira de 1850, dá

seqüência ao debate com relação à necessidade do referido estabelecimento.

Diz ele no seu relato:

sendo digno de reparo que a capital desta rica, e vastíssima província não possua em grande um estabelecimento litterario, ou Lyceo carregando aliás os cofres públicos com não pequenos ordenados de professores, que aqui e em outros munícipios leccionão diversas materias, chamo a vossa attenção para este objeto, certo de que concordareis comigo sobre a necessidade de dotar-se a capital com um estabelecimento, que aproveitando melhor o sacrifício dos contribuintes, sirva de norma aos demais que por ventura hajão de estabelecer-se na província, e prestem á talentosa juventude mineira methodicamente a instrucção, que ora é ella obrigada a mendigar pela província sem duvida com graves sacrifícios. Termino esta parte da minha exposição declarando-vos que não comporto a opinião daquelles que querem as aulas d’instrucção secundaria esparsas pelas pequenas localidades. Em regra nenhum beneficio prestão, e são perfeita sinecura (RGMTA/APM, p. 15, grifos nossos).

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Esses debates que antecederam à criação do Liceu Mineiro, o que aconteceu no

início do ano de 1854, ao repassá-los, os mesmos nos mostram a importância daquela

instituição para a educação mineira naquele tempo, pois, além de servir de norma aos

demais estabelecimentos de ensino, têm em vista uma tentativa de pôr fim ao modelo

organizacional das aulas régias estabelecidas pelas reformas pombalinas da instrução

pública.

Desse modo, com a caracterização da disciplina de filosofia ali ensinada, estamos a

reconstituir uma parte importante da cultura filosófica mineira do período.

Se a importância de um estabelecimento de educação do tipo liceal começa a ser

delineada já no ano de 1841, por que então se demora mais de uma década para sua criação

e inauguração?

Os anos de 1840 são marcados pela ação política do

“Regresso”, movimento político constituído por figuras originariamente liberais, mas que

“regressam” a teses conservadoras como o processo de centralização política e de reforço

da figura do imperador, que eram seus objetivos principais (FAUSTO, 1996, p. 176).

Essa ação política, que visava a um Império centralizado dentre outros fins,

provocou uma reação que resultou em revoltas comandadas por liberais, não regressistas,

em duas Províncias do Império, relativamente pacíficas, se comparadas, por exemplo, à

província de Pernambuco, palco então de revoltas constantes, caso, pois, que provocou as

referidas revoltas em São Paulo e em Minas Gerais (FAUSTO, 1996).

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2.3.1 – O MOVIMENTO POLÍTICO DE 1842 EM MINAS GERAIS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA A INSTRUÇÃO PÚBLICA

Segundo o historiador IGLÉSIAS (1977), na apresentação que faz da obra: História

do Movimento Político de 1842 de José Antônio Marinho (1977),

no quadro de rebeliões, tão vivo no período regencial e no início do segundo Reinado, é que se deve inscrever o movimento que teve lugar em 1842, em São Paulo e Minas. Ainda que menos interessante, sob aspecto social, que outros movimentos anteriores ou simultâneos (caso dos farrapos, em luta até 1845), merece o exame do historiador. Em Minas foi o último eco de inquietação: apaziguados os ânimos, a Província cairia na tranqüilidade e na rotina, sem outras exaltações que as lutas partidárias (IGLÉSIAS, 1977, p. 21).

No nosso caso, examinar o movimento e obra em questão, o merecimento se liga

diretamente ao nosso trabalho, não menor que o alegado por IGLÉSIAS (1977), pois as

conseqüências dele advindas afetaram não só a Província como um todo, mas, em

particular, a instrução pública, é claro, lugar onde se desenvolveu nossa pesquisa.

O movimento de 1842, em Minas Gerais, é descrito por IGLÉSIAS (1977) como

uma reação liberal às medidas do regresso conservador, que com as chamadas “leis

reacionárias”, golpeia as vitórias liberais anteriormente realizadas, “como a Maioridade, O

Ato Adicional e a Abdicação”.

Depois do golpe da Maioridade de 1840, tramado pelos liberais para apear do poder

os conservadores, com essa vitória, os liberais organizam um gabinete de governo e

vencem as eleições obtendo maioria, situação essa que, no entanto, terá curta duração,

apenas oito meses, devido a profundas divergências internas nas hostes liberais.

Quando os conservadores são convocados para formarem um novo gabinete, o que

ocorreu em março de 1841, em maio de 1842 eles dissolvem a Câmara de maioria liberal,

recurso sem o qual os novos situacionistas não poderiam continuar a governar.

Somado esse episódio, que foi a gota d’água para o movimento de 1842, às “leis

reacionárias” do Regresso, os liberais voltam à conspiração em clubes e sociedades

secretas que prepararam a revolta.

Segundo o autor,

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a causa já estava perdida para os paulistas, embora houvesse ainda ilusão, quando os mineiros entram na luta, por fidelidade à palavra. Teófilo Otoni, que se encontrava no Rio e tinha notícia das derrotas em São Paulo, empenha-se no compromisso e parte ao encontro dos companheiros. (...) A revolução cingiu-se a São Paulo e Minas, desfazendo as esperanças de seus adeptos: se o centro no início foi a capital do Império, na fase das articulações, ela não saiu desse terreno para a luta, por motivos óbvios; no Rio de Janeiro, embora planejado o levantamento, a vigilância do presidente Honório Hermeto impediu a eclosão, ao mesmo tempo que sua energia só fez ajudar o governo geral a reprimir o que de irregular se passava nas terras vizinhas; nas Províncias do Nordeste e Norte chegou-se a pensar no movimento, sem que qualquer providência significativa fosse assentada por falta de meios e de programa em perspectiva nacional. A esperança estava no Rio Grande do Sul, envolvido em lutas, mas nada de positivo se fez, pelas dificuldades surgidas (IGLÉSIAS, 1977, p. 23-26).

Nesse cenário,

considerando os muitos fatores adversos, foi extraordinário o desempenho revolucionário nessa luta, cuja decisão dependeu muito da sorte. Grande número de mortes e feridos dos dois lados, sobretudo entre os insurgentes, que tiveram ainda alto número dos seus como prisioneiros, cerca de 300, inclusive os principais chefes. Não quiseram continuar em combate, embora dispusessem de recursos, pela falta de perspectivas (IGLÉSIAS, 1977, p. 25).

Terminada a luta, que durou mais em Minas que em São Paulo, se por um lado,

desde o inicio, ela não tinha perspectiva, como afirma IGLÉSIAS (1977), por outro lado, os

resultados da rebelião para a Província foram desastrosos,

talada pela guerra, sofreu prejuízos em todos os sentidos. Sua parte mais rica esteve comprometida nos sucessos: com a suspensão das atividades normais, ou pelo menos com o seu retraimento, passou a produzir pouco, além de realizar gastos. Teve grande número de vítimas, mortos e feridos (IGLÉSIAS, 1977, p. 26).

A instrução pública, como não poderia deixar de ser, foi um dos campos afetados

por essas conseqüências, no caso estrito da instrução secundária, dentre outras, com o

fechamento do Colégio Nossa Senhora da Assunção de Ouro Preto e o afastamento de suas

funções de importantes personalidades da educação, à época, que participaram do

movimento, como os professores de filosofia Antonio José Ribeiro Bhering, futuro diretor

geral da instrução pública, e José Antonio Marinho, esse último vindouro historiador do

movimento.

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2.3.2 – O “ACORDO DAS ELITES” E A CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DO LICEU MINEIRO

Em que pese às revoluções liberais de 1842 serem “menos interessantes, sob

aspecto social, que outros movimentos anteriores ou simultâneos”, conforme quer

IGLÉSIAS (1977), as mesmas causaram preocupações nas elites de então, em particular,

nos círculos conservadores, devido à participação nas mesmas de fatia importante da classe

dominante e do fato de ocorrer “em duas províncias pouco afetadas por rebeliões, São

Paulo e Minas Gerais, com ramificações no Rio de Janeiro” (FAUSTO, 1996, p.176).

Além do fato de figurar em seus quadros, “figuras importantes, como o Padre Feijó

e Campos Vergueiro, de São Paulo, Limpo de Abreu e Teófilo Ottoni, de Minas”

(FAUSTO, 1996, p. 176).

Terminada a última das revoluções provinciais, que foi a Revolução Praieira de

Pernambuco de 1848, as elites imperiais firmam um grande acordo político, que se desenha

a partir de 1847.

Vejamos um trecho alusivo ao fato:

Naquele ano, um decreto criou o cargo de presidente do Conselho de Ministros indicado pelo imperador. Essa personagem política passou a formar o ministério cujo conjunto constituía o Conselho de Ministros, ou gabinete, encarregado do Poder Executivo. O funcionamento do sistema presumia que, para manter-se no governo, o gabinete devia merecer a confiança, tanto da Câmara como do imperador (FAUSTO, 1996, p. 179).

Esse acerto

tinha como pontos básicos o reforço da figura do imperador, com a restauração do Poder Moderador e do Conselho de Estado, e um conjunto de normas escritas e não escritas. (...) Como resultado desse mecanismo, houve, em um governo de cinqüenta anos, a sucessão de 36 gabinetes, com a média de um ano e três meses de duração cada um. Aparentemente, havia uma grande instabilidade; mas, de fato, não era bem isso o que ocorria. Na verdade, tratava-se de um sistema flexível que permitia o rodízio dos dois principais partidos no governo, sem maiores traumas. Para quem estivesse na oposição, havia sempre a esperança de ser chamado a governar. Assim, o recurso às armas se tornou desnecessário (FAUSTO, 1996, p. 179-180).

Sem fazer desse conjunto fatores causais mecânicos donde derivariam os fenômenos

educacionais, e se a importância de uma instituição de educação escolar do tipo da do Liceu

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estava, no geral, tracejada por debates que já duravam cerca de uma década, como vimos,

isso não quer dizer que ele já se encontrava idealmente pronto faltando apenas o momento

adequado à sua efetivação.

Já existia, em Minas, a instrução intermédia, assim como, anteriormente, existira o

Colégio Nossa Senhora da Assunção, como já vimos.

Além disso, disputas no próprio campo da educação, como por exemplo, a de que o

ensino de extração religiosa era suficiente, também nos pareceram um forte pólo motivador

desse atraso, como veremos em breves passagens mais adiante.

Diante de tudo isso, queremos apenas dizer que o Liceu Mineiro nasceu em

circunstâncias bem concretas que lhe configuraram o perfil, o qual moldou sua ação no

sentido de responder às demandas educativas que lhe foram postas daí em diante.

Assim, o Liceu Mineiro não é nem reflexo de uma realidade que lhe precederia em

ordem de importância, nem uma espécie de planta exótica como que uma idéia fora do

lugar num mundo comiserando, e sim uma criação que compõe uma dada realidade,

socialmente construída, da qual é produto e produtor, pois se não existisse, aquela não seria

como tal, nesse sentido, guarda uma certa autonomia no seu fazer, uma vez que exerce uma

prática que lhe é própria, não se confundindo com outras práticas sociais.

A criação do Liceu Mineiro se dá no bojo de uma ampla reforma da educação em

Minas Gerais, antevista, como antecipamos, nos debates das autoridades educacionais do

período que antecede a criação do mesmo.

Tal reforma é marcada por um extremo otimismo com referência à solução dos

problemas educacionais a que a mesma visava.

Essa reforma de ensino é efetivada pelos regulamentos de n0 27 e 28, expedidos,

respectivamente, em 03 e 10 de janeiro de 1854, ambos autorizados pela lei de n0 516 de

1851, o primeiro a tratar exclusivamente da criação do Liceu Mineiro e o segundo da

reforma da instrução de modo mais geral.

A passagem a seguir é bastante alusiva ao contexto em questão.

O “vice-diretor geral da instrucção publica da Província de Minas”, Antonio José

Ribeiro Bhering (o ex-revolucionário de 1842)16 em 2 de março de 1854 em seu relatório

16 Curiosamente, uma peça importante na montagem dessa nova equação é o vice-diretor geral da instrução pública, Antonio José Ribeiro Bhering, outrora liberal revolucionário e perseguido por isso, mas que agora, hierarquicamente, ocupa o segundo posto de importância dentre as autoridades educacionais do momento, se

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ao Presidente da Província de então, o “Sr. Doutor Francisco Diogo Pereira de

Vasconcellos”, que o apresenta “à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Geraes” na

sessão ordinária de 1854, diz o seguinte dessa “Reforma da Instrucção”:

O Regulamento n. 28 de 10 de Janeiro do corrente anno, autorisado pela Lei n. 516, veio em boa hora curar os males de que se recentia a instrucção publica, e particular da província de Minas. As necessidades mais urgentes forão consultadas e opportunamente attendidas. A parte mais vulnerável da antiga legislação, – a fiscalisação do ensino – passou por consideráveis melhoramentos; da enercia escandalosa em que jasia com detrimento da vigilância, para a actividade animada, e vivificada pela remuneração honorifica, e subsidiaria; do desgosto, e enfado pela inefficacia de continuas representações indicadas pela experiencia, para o prazer de cumprir deveres, cuos resultados serão apreciados por todos quantos se interessão pelo progresso da instrucção. A fiscalisação pelos Visitadores escolhidos entre as pessoas mais conceituadas da Parochia; pelos directores dos Círculos, obrigados a percorrer, pelo menos duas vezes no anno, as aulas, e os collegios sob sua jurisdicção, e com todos os meios de acção para admoestar, corrigir, propôr, e providenciar, pelo Director geral investido de amplas attribuições para fazer sentir, e respeitar sua benéfica influencia em todos os pontos da Província, é a principal base da reforma, que o citado regulamento consagra, e desenvolve no interesse da instrucção publica, e particular. Se na pratica falharem disposições tão prudentemente calculadas para que a vigilância do ensino seja conscienciosa, confessarei então, que o mal que á muito sentimos, e deploramos, é sem remédio, o que não creio, e muito menos espero.

A relação n. 10 mostra a devisão da Província em 17 Circulos, com os Municípios que cada um d`elles comprehende – os Directores, e Supplentes até agora nomeados, e as gratificações que annualmente percebem por virtude do Regulamento n. 28, e Portaria annexa.

O Professorato já tem garantias de subsistência, e de futuro segundo as forças dos recursos da Provindia.

As condições para o magistério estã fixadas segundo a importância e extenção dos deveres de tão elevado Sacerdócio. A prova de capacidade não póde ficar estéril em vista das clausulas estipuladas para os exames em concurso. Alem da parte moral da instrucção, que o Regulamento attendeo o quanto era possível attender-se, a parte material foi assaz consultada, attentas as repetidas reclamações das localidades. Casas arejadas, e espaçosas, utencilios indispensáveis ao ensino, auxilios pecuniários aos alumnos pobres, prêmios aos que no fim do anno se mostrarem dignos pelo seu comportamento escolar, pela sua moralidade, e pelo seu aproveitamento nas matérias de ensino; taes são os benefícios promettidos pelo Regulamento n. 28, cuja falta occasionava tantos inconvenientes, que por mais de uma vez tenho levado ao conhecimento da Excellentissima Presidência.

A respeito dos Collegios particulares, cujas condições de existência são uma das bases consignadas na lei n. 516 estão fixadas as regras aconselhadas pela Religião do Paiz, e pelas conveniências das famílias, e da sociedade. A primeira vista parecem nimminamente severas, mas para os que sabem avaliar o alcance da educação, e da instrucção da mocidade, ellas não são se não cautelas inspiradas pela prudência contra os assomos da impostura, e contra as especulações de um interesse mal entendido, e essencialmente prejudicial a felicidade commum e individual.

abstraída, é claro, a Presidência da Província cuja autoridade é mais geral, presença que marca um quadro tipicamente do “Regresso” em terras mineiras, tão barulhenta no episódio de 1842.

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A sciencia de dirigir o espírito, e o coração deve estar sugeita á provações que tranquillisem completamente a consciência dos Paes de família em seu beneficio, e no interesse da Pátria. Do Que fica exposto conclue-se, que as bases da reforma consignadas na Lei n. 516, forão respeitadas, e desenvolvidas como exigião as palpitantes necessidades da instrucção. A execução de tão sábio Regulamento deve marcar uma nova época nos fastos da Província, e recommendar á gratidão dos Mineiros a solicitude com que a Exma. Presidencia cura dos interesses mais charos de seus filhos” (Relatório dos Governos Mineiros de Transmissão de Administração do Ano de 1854, Arquivo Público Mineiro, p. 5-7).

A extensa citação nos permite ver que a tese conservadora do “Regresso”, de

“centralização política”, se fez presente na reforma educacional tanto na figura do Liceu

como modelo a ser seguido por estabelecimentos de educação similar e alternativo ao das

“aulas esparsas”, quanto no próprio reforço à fiscalização das mesmas pela reforma no

conjunto.

Como visto, o adjetivo “esparso” parece se referir mais a localidades minúsculas do

que às aulas propriamente.

O projeto do Liceu Mineiro acabou por vingando, apesar de algumas medidas

contrárias terem-no atingido seriamente, contudo, ao longo do tempo, aquela estratégia

educacional por ele expressa acabou por prevalecer.

O Liceu, criado e instalado em princípios de 1854, como vimos, foi se impondo aos

poucos, movimento esse, contudo, que não foi linear, como antecipamos. Vejamos esse

processo pela documentação.

O relatório de transmissão de administração do Presidente da Província Conselheiro

Herculano Ferreira Penna de 1856, na parte que se refere à instrução pública, dele diz o

seguinte:

O Lycêo desta Capital continua na forma do Regulamento no. 27, e eu espero que mediante as providencias da Administração, auxiliada pelo zelo do Director e Professores, satisfaça as necessidades do ensino, e aos desejos da mocidade mineira tão rica de talento e tão ávida de instrucção. Convencido da utilidade deste Estabelecimento procurei estudar cuidadosamente quaesquer faltas, ou defeitos de organisação, ou mesmo de disciplina, de que porventura se ressinta à fim de remedial-os (Relatório dos Governos Mineiros de Transmissão de Administração do Ano de 1856, Arquivo Público Mineiro, p. 15).

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Já o “Relatório do Estado da Instrução Publica, e Particular da Provincia de Minas

Gerais – Anno de 1856 – pelo Diretor geral interino da Instrução Publica Doutor Joaquim

Delfino Ribeiro da Luz a 11 de Março de 1856”, diz o seguinte do Liceu Mineiro:

continua a funcionar este Estabelecimento no Prédio Provincial da rua do sacramento, sob a inspeção do digno Diretor do 1o. circulo litterario de cujo relatório colhi os esclarecimentos, que passo a ministrar á V. Exc.” (p. 5). (...) “Este numero é superior ao da matricula do anno pp., mas ainda assim creio que não corresponde à população desta capital, que poderia fornecer dobrado numero de alunnos para as diversas aulas. Não é raro verem-se jovens desta Cidade sahirem a procurar instrução em Collegios particulares, ou em outras aulas, e, attribuindo á esta circunstancia a limitada freqüência do Lycêo, parece-me conveniente que se procure estudar a causa d’um semelhante facto, afim de ser combatida, se por ventura tiver sua origem em algum defeito, ou vicio de organisação deste Estabelecimento” (RGMTA/APM, p. 5).

Como se pode ver, o Liceu Mineiro teve que disputar prestígio com “Collegios

particulares” e “outras aulas”, essas últimas, ao contrário das críticas acirradas dos

defensores de uma educação pública do tipo liceal (centralizada em um estabelecimento de

ensino em detrimento de “aulas esparsas” ou “aulas isoladas”), eram alternativas de estudo

levadas a sério pelos alunos em suas escolhas, em certo momento até mais que o próprio

Liceu Mineiro.

No relatório de transmissão de administração, de 1857, do Presidente da Província

Carlos Carneiro de Campos à abertura de sessão ordinária, o tom em relação ao Liceu é

marcado por interesses particulares da educação religiosa, diz o mesmo:

até o presente não se tem servido a Presidência da autorização conferida pelo art. 1o. da Lei no. 779 para reforma do Lycêo d’esta Capital, que quanto se ache hoje em melhores circunstancias do que no começo do corrente anno, não dispensa todavia que se faça competente uso d’essa faculdade para poder prestar à mocidade todos os benefícios e vantagens que d’elle se devem esperar (p. 18).

Mais adiante, no mesmo relatório, a referência ao Liceu se dá do seguinte modo:

se era pouco lisonjeiro o estado do Lycêo desta Capital quando vos apresentei o meu Relatório do anno pp., hoje sinto não dar-vos á respeito noticias mais satisfactorias.

Já ter-me-ia servido da autorização conferida pelo art. 1o. da Lei N. 779 para reformal-o, se não tivesse o pensamento de fundar outro Estabelecimento da mesma ordem com todos os commodos precisos para residência dos alumnos no Edifício de Congonhas do Campo, pertencente á Irmandade do Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, cuja administração por muito tempo tem estado á cargo da

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Congregação da Missão, que tendo fechado o Collegio, que alli existia, pretende ser exonerada d’essa administração como consta de um requerimento, que pelo seu Reverendo Superior foi dirigido ao Governo Imperial.

Neste sentido tenho officiado ao Exm. Sr. Ministro da Justiça, solicitando autorisação para poder contractar com aquella Irmandade, que segundo sou informado está disposta a facilitar pela sua parte a realização de um projecto tão útil à Província em geral, e principalmente aos habitantes da própria Freguesia de Congonhas.

O Lycêo do Ouro Preto com a organisação que tem presentemente, não pode prestar todas as vantagens que teve em vista o seu ilustre Instituidor. Dous annos devem convencer-nos d’esta verdade, e da conveniência de quanto antes reformal-o, substituil-o por outro, que preencha os fins de sua instituição.

Em uma Província tão extensa, populosa, e illustrada como esta, convem que exista um Estabelecimento de Instrucção, que corresponda á sua importância, á fim de que á mocidade não precise recorrer á Collegios, e Estabelecimentos de outras Províncias para se habilitar em estudos preparatórios das diversas Academias do Império, que bem pode adquerir entre nós.

Não obstante as interrupções de algumas aulas por faltas, e impedimentos de Professores do Lycêo, existem matriculados 75 Alumnos, a saber nas aulas do 1o. e 2o. annos de Latim 37, do 3o. 2, de Inglez 5, de Mathematicas 9, de Francez 12, de Rhetorica, e Grammatica Portuqueza 9, de Geografia e História 8, de Tachygrafia 3, de Chimica e Botânica 6, de Pharmacia e Matéria Medica 6; devendo-se notar que a somma destes algarismos não é igual á que acima apresento, por que há alguns Alumnos matriculados em mais de uma Aula (p. 30).

Nas críticas do relator ao Liceu, fica muito clara sua tentativa de descaracterizá-lo

tendo em vista a defesa de uma instituição privada de ensino de ordem religiosa e, com

isso, sua retórica deixa de ser a disputa com “collegios particulares” e “outras aulas” e

passa a ser contra “Estabelecimentos de outras Províncias”.

A religião também disputava a educação da época.

A trajetória singular do Liceu Mineiro é marcada por essa cumeada entre, por um

lado, o ensino privado, caracterizado pelos seminários religiosos e os colégios de

particulares não religiosos, e, por outro, as escolas régias modeladas pelas reformas

pombalinas.

Se as críticas às últimas foram explícitas, em relação às primeiras não deixaram de

ser mais veladas, embora existentes, como veremos mais à frente.

Essa trajetória liceal atinge seu apogeu na sua primeira fase, isto é, antes de sua

primeira supressão pela Lei 1064 de outubro de 1860 (Livro das Leis Mineiras, p. 25-34),

com o regulamento de no. 44 de março 1859 (Livro das Leis Mineiras, p. 07-102) que

reorganiza a instrução pública do período.

O mesmo regulamento sofisticou bastante o sistema educacional mineiro de então,

como por exemplo, a criação de uma “Agência Geral da Instrução Pública”, uma espécie

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de secretaria de educação no período, se se considerar o modelo oficial da época, além da

reforma do Liceu, “afim de coloca-lo à altura de seus objetivos”, aparece o nome de Liceu

mineiro e não Liceu ouro-pretano, como em referências anteriores.

A reação expressa pela lei no 1064, acima referida, que o extinguiu, não fez por

menos.

Suprimiu a recém-criada Agência Geral, o relativamente recém-criado Liceu

Mineiro e confinou os assuntos referentes à educação a uma “Secção de Instrução

Publica”, criada pela lei já citada, como uma espécie de apenso de uma secretaria de

governo.

A supressão do Liceu Mineiro, expressa pela Lei 1064 de outubro de 1860,

representou séria ameaça à sua sobrevivência, uma vez que tal situação se estendeu por um

tempo relativamente longo.

Entretanto, um fenômeno curioso ocorreu em relação ao Liceu Mineiro, mesmo

depois de legalmente extinto, qual seja: as autoridades educacionais, ao mesmo tempo em

que continuaram a defender, em suas análises, a necessidade para a Província de um

estabelecimento de ensino do tipo do extinto Liceu, por outro lado, continuaram a se referir,

em seus relatórios, ao local e à estrutura restante da escola extinta como “ex-Liceu

mineiro”, numa espécie de estratégia de manutenção da memória.

Nos relatórios de transmissão de administração de 1863, 1866 e 1867 (p. 6, 7, 8; 1 e

2 e 2 e 4 respectivamente), as referências nesse sentido são explicitas.

Diz o relator:

Outra importante idéia, que, sem definir, já annunciei-vos, e que intimamente se liga ao melhoramento da instrucção primaria e secundaria da Província é a creação de um Collegio nesta Capital, com internato e externato reunidos, e comprehendendo as mesmas cadeiras que formavão o antigo Lyceu Mineiro.

Antes de mostrar-vos as outras vantagens que deste estabelecimento se podem auferir, chamarei vossa attenção para uma, que por si só basta à sua justificação.

Desde que a Província de Minas se desenganou da esperança de ter em seu seio uma faculdade de direito, è seu ideal permanente possuir ao menos um Collegio modelado pelo de D. Pedro 20, e revestido das mesmas prerrogativas.

De balde se há clamado e representado neste sentido ao Poder Legislativo Geral. Nenhuma esperaça veio ainda acariciar este desideratum, tão bem estribado aliás nas condições de nossa população e situação Seria injusto censurar a Assembléa Geral onde sufficientemente representadas, as necessidades de Minas podem e serão sempre com vantagem sustentadas.

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Tem-nos faltado talvez uma condição: não possuímos ainda o material em que se encarne o beneficio desejado: não possuímos um Collegio Provincial.

Creal-o pois, e armal-o de bons créditos, é lançar a primeira pedra da instituição que ardentemente reclamamos.

E é uma necessidade palpitante: aquelles que depois de educarem seus filhos em estabelecimentos conceituados, ainda se vêem obrigados a novos sacrifícios fasendo-os cursar por mera formalidade, e quiçá com desvantagem, os Collegios de especulação collocados como alfandegas ás portas das Academias, podem avalial-a melhor que ninguém.

Fareis um relevante serviço a vossa e minha Provincia concorrendo para isental-a de tão pesado ônus: e a idéia que fica proposta, além de ser um meio conducente a este resultado, produz ainda outros benefícios.

Não fallarei dos que directamente resultão de taes estabeleciementos; limitar-me-hei aos peculiares áquelle de que e trata:

Elle servirá de escola normal ás pessoas que se destinarem ao magistério publico, e com mais vantagem, porque offerecerá a theoria unida a pratica do ensino:

Prepararà com os precisos conhecimentos aos que se destinarem ao trabalho das differentes Repartições aqui estabelecidas.

Offerecerá aos filhos dos funcionários públicos facilidade de se educarem sem grandes sacrifícios, que os ordenados não comportão.

Finalmente abrindo no respectivo magistério uma posição honrosa e bem remunerada aos homens de letras, os attrahirá á Provinia e á Capital onde nenhuma luz é perdida para a administração publica.

Desenvolvendo agora esta idéia debaixo de outro ponto de vista, proponho-me demosntrar-vos que não trará grande dispêndio aos cofres da Provinia.

Possue ella muitos edifícios nesta Cidade, um dos quaes, o que for mais próprio, pode ser destinado ao Collegio.

Paga vencimentos ao ex Agente Geral da instrucção publica, que achando-se em disponibilidade e, pode sua reconhecida illustração ser deste modo vantajosamente approveitada.

Despende com oito ou nove Cadeiras que sobreviverão ao extincto Lyceu Mineiro, e cuja utilidade se multiplicará com o augmento de alumno.

Despende ainda com outros Empregados que, tendo pertencido a antiga Repartição de instrucção, se achão addidos a Secretaria do Governo.

Alguns auxílios mesmo prestados a certos Collegios podem reverter em beneficio do projectado, que, estando sob as immediatas vistas do Governo e visando como único lucro o benéfico publico, offerecerá mais vantajosa educação e a maior numero de alumnos pobres.

Finalmente os educandos pagarão o custo de sua alimentação e ensino, cabendo na designação dos preços a attenção que merecem as differentes condições de fortuna que possuírem.

Expendidas estas idéias, que o limitado estudo da administração publica me pôde suggerir, passo a dar-vos conta do que de mais notável há occorrido neste ramo de serviço durante o ultimo período (p. 6-8).

O de 16/10/1863 dele diz o seguinte:

Este ramo do serviço publico, com o qual gasta a Província uma boa parte da sua receita, está longe de attingir ao grão de progresso dezejavel; e se não retrograda, permanece estacionário. Attribuo isto á falta de pessol habilitado para o magistério, e principalmente á defeituosa legislação porque se rege a Instrucção Publica.

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É estranhável que a Provinia de Minas a maior e mais populosa do Império, não possua ao menos um estabelecimento de instrucção intermédia, onde a mocidade se prepare para os estudos superiores.

Assim é minha oppinião: I. Que em quanto se não promulga uma Lei que melhor consulte os

interesses do serviço, e adaptada ás circunstancias peculiares da Província, se restabeleça a Lei N. 516 e o Regulamento N. 28;

II. Que se crie uma Aula Normal onde os candidatos ao magistério se preparem para dirigir a educação da infância: O progresso, lei da humanidade, não se pode realisar sem a moralisação da população. A moralisação é conseqüência da boa educação. Esta vem dos bons Professores; e na minha opinião para obtel-os é indispensável uma escola normal, que seja a alma de toda a instrucção.

III. Que se restaure o Lyceo Mineiro sobre bazes que garantão a sua estabilidade, compodo-o com pessoal que inspire confiança aos pais de família.

IV. Que se crie um lugar de Diretor Geral de Instrucção Publica, devendo este funccionario ficar especilamente incumbido da inspecção do Lyceo, formando com os respectivos Professores um como que Tribunal de consulta, que sirva de auxiliar ao Governo, e até proponha as medidas, que julgar adoptaveis ao melhoramento do Lyceo e da instrucção em geral.

Reduzir esta proposta a Lei, o autorisar o Governo a expedir os precisos regulamentos é medida que julgo urgente e necessária (p. 1-2).

O de 30/06/1867 segue no mesmo tom:

Existia nesta capital um lycêo aonde se proporcionava á mocidade a instrucção secundaria; não foi esse núcleo de aulas respeitado. Esse lycêo foi extincto; mas conservadas avulsas algumas de suas aulas, e, por conveniências que ignoro, foi também conservado o lugar de porteiro!

E assim foi tratada a instrucção publica da provincia, que a final só era real na avultada despeza de que com ella se achavam onerados os cofres públicos.

Este estado de cousas não podia continuar. A província tinha direito á effectividade da garantia que lhe dá a constituição política do império, e o administrador zeloso não podia esquecer um melhoramento tão reclamado.

A assembléa provincial, compenetrada do dever de dar provimento a uma tão palpitante necessidade, autorisou a reforma desse ramo de serviço, no art. 11 par. 1 da lei n.1.267 de 2 de janeiro de 1866; e eu, usando dessa autorisação, e no desejo de mais um serviço prestar a esta importante província, expedi o regulamento n. 56 em 10 de maio procimo passado, no qual, attendendo ao estado das cousas relativas a tal serviço, procurei não só proporcionar a instrucção á população, como, dando-lhe a direção, que lhe faltava, obrigar os actuaes professores ás devidas habilitações, e prover a bem de que no futuro o ensino publico seja uma realidade.

Estabeleci externatos em diversos pontos da província, aonde mais necessários se faziam, respeitando direitos adqueridos a diversos lugares onde já existiam aulas secundarias. Esse regulamento V. Ex. encontrará no annexo – A – sob n. 13.

Cumpre-me neste lugar dizer que convidei a tomar encargo difficil de director gera o bacharel Firmino Antonio de Souza Junior,que nesta capital exercia o lugar de juiz municipal, e a quem confiei tal

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commissão, pelas lisongeiras informações que tenho da sua aptidão, zelo, probidade e energia. Annuio ao que delle exigi, e espero prestará reaes serviços á província (p. 2-4).

Por fim, em atendimento a esses apelos, e como foi adiantado no último relatório, o

Liceu Mineiro foi restaurado como externato pelo regulamento n0 56 de 1867, mas teve

curta duração, uma vez que os externatos foram extintos um ano após sua criação:

os externatos, estabelecidos na capital e mais cinco cidades do interior, tiveram curta duração. Embora excessivo o número deles em relação aos recursos financeiros da província, três pelo menos deviam ser mantidos conciliando os referidos recursos com as vantagens da instrução publica (MOACYR, 1933, p. 169).

O que foi feito por motivos nada lisonjeiros, conforme seu supressor:

a província não deve aos seus filhos instrução secundária; é favor que lhe faz e este só tem lugar quando se pode. Há uma verdade que não se deve perder de vista: a agricultura é a fonte de todas as rendas, é a origem de toda riqueza pública e particular no Brasil; logo toda educação das classes que lhes tornar antipática tal profissão, é um grande mal (MOACYR, 1933, p. 166).

O ato de supressão do Liceu, desta feita pelo Presidente de Província Costa

Machado de Souza, nas palavras do mesmo: “É de urgente conveniencia acabar com as

externatos, com as aulas de Francez e latim avulsas, e com subvenções dadas aos collegios

e Seminários” (Relatório dos Governos Mineiros de Transmissão de Administração de

1868, A. P. M., p. 21).

Será uma espécie de agrarismo ufanista típico da figura do presidente em questão?

Ou o mesmo representa uma parte das elites da época para as quais o ensino só faria crescer

o número de funcionários públicos com sinecuras e outras coisas? Para estas, o campo

exigiria pouca instrução? É o caso!

Contudo, logo em seguida ao ato e à saída da personagem protagonista do mesmo

da Presidência da Província, iniciou-se um processo de crítica à extinção do Liceu. O

relatório de Domingos de Andrade Figueira, de 14 maio de 1869, diz o seguinte do referido

ato:

A lei n01:601 de 1868 supprimiu todos os externatos. (...) A instrucção secundaria na província não pode ficar limitada á aulas avulsas de latim e francez: o progresso das luzes não o sofre.(...) A lei n.1601 de 1868 foi brusca e imprevidente na

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supressão dos externatos há pouco estabelecidos: não podião produzir logo sazonados fructos (RGMTA/APM, p. 27).

Esse processo culminou com a reinstalação do Liceu Mineiro em 1873:

Installou-se o Lycêo desta Capital em 18 de Abril, sendo nomeado para Director do mesmo por acto de 21 de Junho ultimo o Cônego Dr. Joaquim Maximo da Rocha Pinto, e para Secretario o cidadão Antonio Moreira Coelho (RGMTA/APM, p. 6).

Daí em diante, o Liceu Mineiro acabou por se impor, apesar ainda da ira de alguns

atos contra sua existência. O relatório de 1884 do Dr. Antonio Gonçalves Chaves diz o

seguinte da “Instrucção Secundaria”:

Contamos na Província seis estabelecimentos públicos de instrucção secundaria: O Lyceo Mineiro, o externato de S. João d’El-Rey, o de Sabará, o da Diamantina, o de Paracatu e o da Campanha. (...) O Lyceo foi de novo installado em 1877, época em que também teve lugar a instalação dos externatos de S. João d’El-Rey, e Sabará. (...) Como na instrucção primaria, é esta a Província que mais despende com o ensino secundário, elevando-se a cerca de 80:000$ a verba destinada a esse fim, inclusive os auxílios votados a collegios particulares. (...) Só no Lyceo e externato da Diamantina é que se encontra o curso completo de humanidades, necessário aos que se destinão ao curso superior das academias. (...) O art. 90 da lei 3117 de 17 de Outubro de 1883 determina que sejão supprimidas as cadeiras do lyceo e externatos que não tiverem a freqüência legal, preferindo-se os respectivos professores para as cadeiras que vagarem ou forem creadas.

Neste caso só se acharão, por enquanto, as cadeiras de italiano e allemão do Lyceo, que já foram supprimidas (RGMTA/APM, p. 25, grifos nosso).

Diz o seguinte referindo-se diretamente ao “Lyceo Mineiro”:

É o mais importante estabelecimento de instrucção secundaria da Província. Achão-se nelle matriculados 260 alumnos. No anno passado forão approvados 28 nos exames geraes. A sua creação data de 30 annos, mas, tendo sido reorganisado pela lei n. 1769 de 1871, foi novamente installado em 18 de Abril de 1872.

Funcciona no prédio provincial em que também se acha o Inspectoria Geral (RGMTA/APM, p. 50, grifos nosso).

O mesmo relatório especifica os acontecimentos que se referem ao “Lyceo

Mineiro”, dele faz o seguinte relato:

Achão-se, matriculados 260 alumnos neste importante estabelecimento, debaixo da direção do infatigável e intelligente professor, G.C. Copsey. (...) No anno próximo passado forão 28 delles approvados nos exames geraes de preparatórios, perante a delegacia especial, creada nesta cidade pelo Governo Geral.

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Resente-se actualmente o Lyceo da falta de três dos seus melhores lentes – Dr. Henrique de Magalhães Sales, Dr. Camillo Augusto Maria de Brito e Ovídio João Paulo de Andrade, distinguidos pelo Governo Imperial com o honroso cargo de Presidentes de Província. Estão sendo, entretanto, devidamente substituídos nas respectivas cadeira” (RGMTA/APM, p. 25, grifos nosso).

Ao relatório. À página 33, seguem, em anexo, as seguintes tabelas com aulas do

Liceu Mineiro:

Instrução Secundaria

Movimento das Aulas

Lyceo Mineiro

1883-1884

Matriculados Frequentes Habilitados Latim 31 31 8 Portuguez 61 61 21 Francez 68 68 25 Inglês 32 32 26 Philosophia e rhetorica 10 10 8 Arithmetica e Álgebra 55 55 14 Geometria 26 26 15 História e Geografia 25 25 14 Musica 18 13 0

1884-1885

Matriculados Frequentes Habilitados Latim 60 50 0 Portuguez (10 cadeira) 34 34 0 Portuguez (20cadeira) 56 44 0 Francês (10 cadeira) 47 37 0 Francês (20 cadeira) 66 63 0 Philosophia e rhetorica 18 14 0 Arithmetica e algebra 78 78 0 Geometria 33 33 0 Geographia e historia 66 66 0 Musica 41 32 0

O ponto final do Liceu Mineiro, praticada pela República, se dá de uma maneira

muito engenhosa, que não o extinguiu como alguns antecessores tentaram, ao contrário,

recolheu sua herança e apenas mudou-lhe o nome para Ginásio Mineiro, desse modo as

referências oficiais não tiveram como seguir outro caminho, entretanto, essa é uma outra

história.

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Mas, não só ações externas interferiam na rotina do Liceu, problemas de ordem

interna à escola também intervinham nesse cotidiano. O “Códice da Seção Provincial 542

do Arquivo Público Mineiro”, que, daqui para frente, terá a seguinte abreviação: SP. 542,

diz numa passagem que nos aproxima da cultura escolar do Liceu no período o seguinte:

o resultado dos exames e as habilitações que tem adquirido alguns alunos, habilitações que lhe podem dar prova em qualquer ocasião são a melhor deffeza do Licêo contra as accusações, que lhe possão ser feitas, e se algum professor não tem correspondido á expectativa do público, e do Governo, outros se caprixarão em demasia, e, a juízo de examinadores estranhos ao Estabelecimento, apresentarão resultados muito lizongeiros (SP. 542, p. 83).

O mesmo códice, mais à frente, informa sobre a “matrícula do aluno Virgilio de

Mello Franco – alunno do Licêo em 1856” (SP. 542, p. 125).

Outro Códice da Seção Provincial, o de no. 544 (SP. 544) de Registro de ofícios da

Diretoria do Liceu Mineiro ao Governo do ano de 1854 a 1860, nos dá indícios da “caixa-

preta” escolar, pois que tratava do cotidiano escolar, das práticas, dos comportamentos, dos

rituais, da utilização do espaço da escola, enfim, da simbologia e da materialidade escolar

que acabam por instituir uma cultura típica ou própria da escola, no caso, a cultura escolar

do Liceu Mineiro no período abarcado pela referida documentação.

Vejamos algumas passagens: “José Rodrigues Duarte Diretor do Licêo e vice

diretor geral da instrução publica em fevereiro de 1854” (SP. 544, p. 1), nos indica a

relação da direção dessa escola com o principal órgão de direção da educação do período,

pois o mesmo é simultaneamente diretor de uma e vice-diretor de outra.

O “discurso de inauguração pronunciado por Bernardo Guimarães – ofício n0 4”

(SP. 544, p. 1), indicia o papel de destaque desse professor no conjunto de professores do

Liceu.

Uma “Tabella das horas de ensino das diversas Aulas do Licêo” (SP. 544, p. 2) e

mais esta (...) “Para cada huã destas aulas há Salla especial” (SP. 544, p. 2), são passagens

que envolveram a organização temporal e espacial das disciplinas escolares do Liceu

Mineiro; mais informação sobre a organização do espaço escolar, pois o ofício solicita

fazer um corredor entre a escada principal da casa de sorte que communique a Salla d’espera com huã alcova que lhe fica fronteira entre as Aulas de Philosophia, e Geographia (...) para que no trajecto q. ora fazem os alunnos de humas para outras não sejão pertubadas as lições n’aquelas (SP. 544, p. 4).

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O que demonstra uma preocupação com o espaço escolar cotidiano e sua

repercussão nas aulas, além de uma ação que quer transformar o mesmo com o objetivo de

melhor adequá-lo a um fim.

A seqüência de documentos que transcreveremos daqui adiante visa compreender a

dimensão cotidiana do Liceu Mineiro e assim poder elencar alguns elementos que nos

possibilitem aproximar da configuração cultural escolar liceal que ora buscamos explicitar.

Dessa maneira em

2 de Março de 1854 – o professor de Philosophia Rdo. Joaquim Ferreira da Rocha recebe 1,,000,000 de ordenado por anno” (...), é “lente interino de Rhetórica, Filologia e Grammatica Portugueza o cidadão Rodrigo José Ferreira Bretas em 20 de Junho de 1854” (SP. 544, p. 16). (...) “Em 25 de setembro de 1854 Bernardo Guimarães reassume a dita cadeira (SP. 544, p. 16).

A seguir, o tema “sobre faltas de professores no Licêo” (SP. 544, p. 56), e as

penalidades daí advindas. “Em 10 de Outubro de 1855 – Rodrigo José Ferreira Bretas

substitui Bernardo Guimarães que pede licença para tratar de negócios fora da capital”

(SP. 544, p. 62). Trata-se de um tema constante no Liceu, o da substituição de professores.

Um caso de indisciplina liceal: “Paulo Barbosa Feu de Carvalho, aluno do Liceu

Mineiro envolvido em brigas” (SP. 544, p. 63). Mostra um momento de briga entre alunos.

O documento seguinte mostra o diretor do Liceu fazendo a defesa de um professor

do mesmo, de Bernardo Guimarães, da acusação de autoridade superior de o mesmo ter

faltado ao trabalho escolar, além de registrar uma série de acontecimentos da rotina escolar:

o motivo foi emendar feriados para ir à festa no arraial próximo de Cachoeira do Campo. Em 5 e 7 de Julho de 1865 – Major Luiz Maria da Silva Pinto Diretor Geral Suplente da Instrucção publica e Carlos Thomaz de Magalhães Gomes Diretor Suplente do Liceo atende o pedido de Pedro de Alcântara Fernandes Carvalho alumno da Aula de Geografia e Historia de transferência para a de Philosophia – e do Lente da dita disciplina – Francisco de Paula Pereira Lagoa – para a de Philosophia (SP. 544, p. 117). Foi nomeado Lente de Philosofia o Prof. Francisco de Paula Pereira Lagoa em 24 de Julho de 1857, pernanecendo a lecionar Geografia até o final do dito mês (SP. 544, p. 121).

À página 131 do mesmo códice, num despacho datado de 31 de dezembro de 1857,

o diretor suplente do Liceu, ao se referir à substituição do Professor de “Retórica,

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Gramática e Philologia da Língua Nacional” Bernardo Guimarães, refere-se ao mesmo

como professor do “extinto Licêo Mineiro” (SP. 544, p. 131).

Porém, em 2 de Janeiro de 1858 – o estabelecimento continua a ser chamado de

“Licêo Mineiro” (SP. 544, p.131) – “Diretor Eugênio Celso Nogueira. Joaquim Delfino

Ribeiro da Luz – Diretor Geral de Instrucção Publica” (SP. 544, p.132).

Esse procedimento será uma constante na vida do Liceu Mineiro, que, depois de

legalmente extinto, e parece que houve uma “curta extinção” na referida data se

comparada, por exemplo, com a mais longa de 1860, entre outras que veremos mais

adiante, ainda assim as autoridades educacionais, nos seus escritos, continuam a se referir

ao “extinto” como Liceu Mineiro, perpetuando dessa maneira uma situação de fato que de

direito inexiste.

Por conseguinte, uma história da educação que se atenha exclusivamente à

legislação corre o risco de perder de vista este aspecto dinâmico do fenômeno educativo do

período em questão.

Nesse sentido, é que é possível falar de uma história do Liceu Mineiro de um

período contínuo como o que propomos: de 1854 a 1890, pois, apesar do legislador, existe

uma vasta documentação das autoridades educacionais da época que nos autoriza a

relativizar o lugar do jurídico-político, sem dúvida importante, mas que, no caso do Liceu

Mineiro, assim nos pareceu, apenas restabelece de direito uma situação de fato, como

vimos e ainda veremos a seu tempo, mais adiante.

Mais ocorrências dessa rica cultura escolar liceal: “Rodrigo José Ferreira Bretas

novamente é indicado para poder substituir Bernardo Joaquim. Entra em exercicio em

18/02/1858” (SP. 544, p. 137).

Randolfo José Ferreira Bretas, filho de Rodrigo José Ferreira Bretas é supplicante de matricula no Liceu Mineiro (SP. 544, p. 136). (...) Rodrigo Jose Ferreira Bretas – Diretor Geral interino da Instrucção Pública em 23 de março de 1858 (SP. 544, p. 139) e Diretor Supplente do Liceu – Eugenio Celso Nogueira (SP. 544, p. 139).

O códice nos diz mais sobre a materialidade do espaço escolar, ao descrever um

“pedido de conserto da casa onde funciona o Liceu Mineiro por Eugenio Celso Nogueira”

(SP. 544, p.140).

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O mesmo “Eugenio Celso Nogueira deixa a Direção Supplente do Liceu em

comunicado de 17 de Maio de 1858 (SP. 544, p.144). (...) Assume Luiz Maria da Silva

Pinto em 18 de Maio de 1858 (SP. 544, p.145) – Diretor do Liceu e do 10 Círculo

Literário”.

Uma informação importante sobre o trabalho com o conteúdo das disciplinas

escolares é nos dada no mesmo códice:

os professores do Liceu exigem do diretor que se informem-nos quais os compêndios devem ser usados por eles nas Aulas, e o Diretor Supplente do Liceu Eugenio Celso Nogueira repassa a exigência ao Diretor Geral interino do Intrucção Publica Rodrigo José Ferreira Bretas em 17 de Maio de 1858 (SP. 544, p. 144).

O “Officio N0 38 nomeia os professores de Philosophia e Geografia, e História do

Licêo Mineiro para examinadores de candidatos a Magistério de instrucção secundária”

(SP. 544, p. 151).

O que nos mostra não só a relação dos professores do Liceu Mineiro com a

educação da época, como do professor com o extra sala de aula. “O Professor de

Philosophia Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa ocupa interinamente a cadeira de

Rhetorica e Gramática da Língua Nacional em 10 de Agosto de 1858”, agora

demonstrando uma relação de proximidade entre disciplinas.

Um caso pitoresco que nos possibilita visualizar a presença de uma cultura do

entorno a penetrar o espaço escolar: o ingresso de um “animal ferrado” no

estabelecimento, que, porém causou “confusão e desordem” (SP. 544, p. 155).

Sinalização de mudanças na direção. “Em 5 de Janeiro de 1859 assume o diretor

Supplente do Liceu Mineiro e 1o. circulo literário – Doutor Eugenio Celso Nogueira” (SP.

544, p.166).

Um caso de dinamismo escolar. “Criação do emprego de substituto permanente nas

diversas aulas do Liceu Mineiro” (SP. 544, p.167). Um nome curioso, “substituto

permanente”, mas, que dá a dimensão da rotatividade dos professores do Liceu e mesmo da

sua direção, como vimos acima, e a estratégia adotada na resolução do problema.

O que ocorre também na direção. “Luis Maria de Silva Pinto Diretor do Licêo

Mineiro e do 10 Círculo Literário, é licenciado por 3 meses para cuidar de seus negocios

em 31 de dezembro de 1858” (SP. 544, p.168).

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Em 10 de Janeiro de 1859, Rodrigo José Ferreira Bretas é apresentado em escrito do

mesmo códice “como Diretor do Licêo e do 10 círculo literário” e Eugenio Celso Nogueira

como “Digno Agente Geral do Ensino Público” (SP. 544, p.169), em mais um rodízio.

Rodrigo José Ferreira Bretas, que, como estamos a ver, assumiu importantes cargos,

tanto de direção quanto de professor substituto do Liceu Mineiro, na estrutura organizativa

da educação no período, terá, por isso mesmo, um importante papel na configuração da

cultura filosófica que assumirá o Liceu.

Mais práticas escolares desse cotidiano:

O Professor de Philosophia Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa toma assento Na Assembléia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1859, sendo substituto permanente Ovídio João Paulo de Andrade que começou a reger a cadeira em 7 de maio de 1859 (SP. 544, p. 179).

O mesmo Ovídio é também substituto de “Grammatica Portugueza e Rhetórica”

(SP. 544, p. 180).

Mais rodízio e relações entre política e disciplinas escolares. “Em 7 de Julho de

1859, o Prof. de Philosophia Francisco de Paula Pereira Lagoa, retorna ao exercício do

magistério” (SP. 544, p. 180). A sair novamente Ovídio, uma vez que retorna Lagoa (SP.

544, p.182).

A saída do “substituto permanente” e a volta do “proprietário impermanente”.

São práticas que constituíram uma forma escolar que teve em vista um processo de

escolarização que visava à instituição de uma nova cultura escolar, cujo ápice se deu com o

fim das “aulas avulsas” e a instituição definitiva da nova cultura escolar de tipo liceal.

Nessa empresa, a prudência foi uma prática mui claramente exercitada pelos novos

agentes escolares, tenham sido esses liberais moderados ou saquaremas propriamente ditos

mais esclarecidos, pois o fim das aulas régias só teve vez quando o novo projeto de

escolarização modelada pelo Liceu acabou por se impor.

Voltaremos ao tema em outro momento.

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CAPÍTULO III – A FILOSOFIA E A DISCIPLINA DE FILOSOFIA EM MINAS GERAIS 3.1 - O CLIMA INTELECTUAL DA ÉPOCA

Ao estudarmos, no século XIX, a disciplina de filosofia do Liceu Mineiro, no

período que se estende de 1854 a 1890, deparamos-nos com um intenso debate no plano das

idéias, que Roque Spencer Maciel de Barros (1986), ao fazer sua análise, chamou-o no

conjunto de Ilustração Brasileira e da qual procurou traçar uma tipologia das matrizes

conceituais que se fizeram aí presentes.

BARROS (1986) denominou a cada uma dessas matrizes, que ele enfeixou em três

grandes linhas, de mentalidades. Os três tipos de mentalidades, que, apesar de terem se

definido com maior precisão nas três últimas décadas do século, estiveram presentes desde

o início do período que delimitamos para nosso estudo, ora sob prevalência de uma, ora de

outra de suas formas (à exceção do positivismo, último que se apresentou no debate). São

elas as seguintes: a) a mentalidade católico-conservadora; b) a mentalidade liberal e c) a

mentalidade cientificista.

Esquematizando o estudo de Roque Spencer Maciel de Barros (1986), pode se dizer

que os três tipos se definem pela valoração que emprestam a um determinado campo da

cultura. A mentalidade católico-conservadora, centrada na religião; a liberal, no direito; a

cientificista, na ciência ou na educação.

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3.2 – HISTÓRIA DA FILOSOFIA E FILOSOFIA DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO BRASIL

A historiografia do pensamento filosófico no Brasil percorreu um longo caminho de

tensões entre tendências e perspectivas (LUCKESI & PASSOS, 2000) que, a fim de dar

sustentação teórica e metodológica ao nosso trabalho, buscaremos sumariamente

reconstituir.

Na análise que ARANTES (1994 & 1996) faz da obra de João Cruz Costa (1956),

considerado um historiador clássico da filosofia no Brasil (como veremos), ele procura

rever e desfazer os equívocos das críticas que foram dirigidas ao último tanto pela chamada

por ele de “esquerda universitária” quanto, no outro pólo, pela nominada pelo mesmo de

“direita filosofante”.

De um lado, da esquerda, a obra de CRUZ COSTA (1956) era vista com certa

reserva e censura em vista do alegante “nacionalismo” e “historicismo” presentes na

mesma, de outro, agora da direita, a queixa contra o “aparente reducionismo” e o

“sectarismo participante” eminente no autor em tela, de ambos, a acusação de “penúria

metodológica” e “paupérrimo arsenal teórico que esgrimia” (ARANTES, 1994), dentre

outros, como teremos ocasião de ver mais à frente.

Mesmo que não tenhamos tomado posições extremas em questões intricadas como

estas, cabe-nos explicitar, por dever de ofício, as razões do caminho trilhado frente aos

desafios da filosofia da história da filosofia no Brasil.

Não foi o alegado historicismo ou o nacionalismo de CRUZ COSTA (1956), ou

mesmo algum tipo de deficiência técnica atribuída a sua obra (de história da filosofia no

Brasil), que provocaram a rejeição do autor pela esquerda universitária (ARANTES, 1996),

aqueles são temas que gravitam em torno de um eixo que lhes coordenaram.

Foi o eflúvio emanado da epistemê uspiana pós-cruzcostiana (radical-estruturalista,

kantiano-fenomenólogo-marxóloga, hegeliano-marxóloga, da visão comum do mundo etc.,

não vindo ao caso, por ora, se referir às atualizações: pós-estruturalista, filosofia analítica,

cética, dogmática, filosofia crítica ou outras similares) que não compreendeu a obra de

CRUZ COSTA (1956), apelidada efusivamente de clássica.

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O trabalho de CRUZ COSTA (1956) foi tal como foi muito mais em função de seu

objeto de investigação que de uma opção epistêmica deliberada do tipo: “minha

epistemologia é clássica!”.

Claro, pode ter sido resolvido de jeito inconsciente no seguinte molde: “não existe

objeto”, tudo bem, mas desta maneira o princípio deveria ter validade geral, ou então

aquele alegado “nacionalismo” e aqueloutro “historicismo” de que nos falou aquela

epistemê não passaram de mera ilusão.

Depois de CRUZ COSTA (1956) já não faz mais sentido falar do passado filosófico

brasileiro de forma tão dramática ou severa, com um sentimento quase beirando ao trágico

do tipo: “este autor ou esta obra é medíocre”, isto é “chover no molhado” (de uma crítica

absintada), o que não significa uma postura autocomplacente, pois é óbvio que existiram

(como existem) obras medíocres, mas o essencial não reside aí e sim na falta de senso de

proporções de tal juízo.

CRUZ COSTA (1956) viveu a passagem do diletantismo às gerações mais técnicas,

como homem de transição, ele podia rir tanto daquele mundo, irremediavelmente perdido,

que ficava para trás, quanto da ingenuidade do nascente que despontava.

Rir, nisso consistiu seu piadismo filosofante, que foi a melhor forma de pagar um

tributo à filosofia pré-universitária – isto é, escolar – mesmo que às custas de um período

de ostracismo no final da vida e de um mal entendido de parte da nova cultura filosófica

uspiana (nos termos de ARANTES (1996): “das novas gerações bem mais técnicas”).

Anacrônico então, mas crônico quanto ao período que investigou (mais adiante

retornaremos a essas questões).

LUCKESI & PASSOS (2002) em sua obra: “Introdução à filosofia: aprendendo a

pensar”, no capítulo que dedicam ao estudo do “processo do filosofar no Brasil” intentam

uma classificação destes estudos. Os autores dividem-nos entre duas grandes tendências e

duas perspectivas, isto é, uma tendência pode abarcar mais de uma perspectiva, enquanto

que essas exprimem divisões internas àquela.

Neste sentido, as tendências são categorias classificatórias mais gerais e as

perspectivas vêm a ser as classes particulares existentes no interior de cada uma daquelas,

neste caso historiográfico, particular a uma delas.

Desse modo, conforme nossos autores,

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os interpretes da história do pensamento filosófico no Brasil se agrupam em duas tendências, tomando por critério a posição teórica assumida sobre o exercício do filosofar no nosso país (LUCKESI & PASSOS, 2000, p. 254).

O critério usado para o estabelecimento dessas duas tendências se refere ao modo

como os estudiosos da filosofia no Brasil se aproximam das obras a serem estudadas.

Assim, será considerada pertencente a uma tendência não-crítica aquela obra que

simplesmente assumir “os conteúdos que se encontram nas obras de caráter filosófico

como sendo o pensamento filosófico brasileiro” (LUCKESI & PASSOS, 2002, p. 246), e,

ao mesmo tempo, não discutir “se esse pensamento filosófico possui as características de

um verdadeiro pensamento filosófico” (LUCKESI & PASSOS, 2002, p. 246).

Antonio Paim e Geraldo Pinheiro são citados pelos autores como representantes

típicos dessa tendência no Brasil.

A chamada tendência crítica, segundo a categorização em vista, ao contrário da

anterior, interroga

o pensamento filosófico no Brasil articulado com as condições histórico-sociais em que viveu e vive o país. A criticidade dessa tendência está no fato de desvendar os determinantes histórico-sociais que condicionaram e que condicionam o exercício do filosofar no Brasil (LUCKESI & PASSOS, 2000, p. 246).

Esta última tendência comporta “críticos” e “críticos”, isso porque nem todos os

críticos são iguais, daí o seu desmembramento em duas perspectivas.

Aqui o critério que orienta essa subdivisão é o tema da originalidade filosófica em

relação ao transplante cultural do estrangeiro, uma perspectiva mais moderada assume que

esse “se deu com alguma originalidade, possibilitando um tipo específico de filosofar no

nosso meio” (LUCKESI & PASSOS, 2002, 246).

CRUZ COSTA (1956) e VITA (1969) exprimem ambos essa perspectiva.

No pólo oposto, “a segunda assume que houve transplantação de cultura filosófica

para o Brasil e que, tanto no passado como no presente, temos imitado o pensamento

estrangeiro” (LUCKESI & PASSOS, 2002, p. 246).

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GOMES (1980) representa exclusivamente tal perspectiva. Para ele, um tipo como

Farias Brito17, que escreveu e viveu de filosofia, não passou de um mero imitador e copista,

sendo, portanto, filosoficamente, inautêntico.

A questão que perpassa tais perspectivas, toda uma tendência e uma perspectiva de

um lado e uma perspectiva isolada de outro, é saber se temos uma filosofia nossa ou, se ao

contrário, apenas uma filosofia entre nós.

Em linhas gerais, desta maneira, segundo nossos autores, perfilam-se os estudos

sobre a história do pensamento filosófico no Brasil.

Mais adiante veremos, através de outros historiadores da filosofia no Brasil, Hélio

Jaguaribe e Antonio Paim, por exemplo, como a primeira e a segunda tendência, esta na sua

primeira perspectiva, enfrentam a problemática do filosofar no Brasil.

Segundo LUCKESI & PASSOS (2002), os primeiros estudos sobre o pensamento

filosófico nacional aconteceram sob a pena de Silvio Romero. Para esse autor, como o

período colonial foi improdutivo em termos filosóficos, nosso filosofar só principia no

século XIX.

Em Romero, como quer LUCKESI & PASSOS (2002), essa

ausência de pensamento filosófico no Brasil no período anterior a meados do século passado não se dava por acaso. Para ele, não era gratuito o fato de o Brasil, só vir a se dedicar ao pensamento filosófico tardiamente, no Século XIX. Segundo ele, o pensamento filosófico europeu não fora assimilado em Portugal e o Brasil sofreu do mesmo processo, através da colonização portuguesa (LUCKESI & PASSOS, 2000, p. 248-249).

Se Silvio Romero foi, ao menos em certa medida, condescendente com os

pensadores brasileiros oitocentistas de fim de século, o mesmo não acontecerá com os

intérpretes que vieram depois dele.

É a tendência que LUCKESI & PASSOS (2002) chamam de “não-crítica” que

provoca um rompimento com essa tradição historiográfica de estudos do pensamento

filosófico que se estabeleceu no Brasil com Silvio Romero.

Tanto para PAIM (1967) quanto para MACHADO (1976), o essencial e o que

importa no estudo dos autores “é compreender o que disseram” e não procurar algum tipo

de originalidade mais ou menos filosoficamente espetacular e até então desconhecida. 17 Ver CRUZ COSTA (1956), p. 303 ss.

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Busca-se com isto evitar pronunciar-se contrariamente ou a favor deste ou daquele

autor numa crítica externa à obra. Neste caso, proceder corretamente significa ir ao

encontro do entendimento das idéias amparadas (em estudo) e seus encadeamentos.

A posição crítica representada por CRUZ COSTA e VITA (1969), no dizer de

LUCKESI & PASSOS (2000), mais alinhada à historiografia tradicional de estudos do

pensamento filosófico brasileiro, implica no estudo das obras em desvendar

a constituição do nosso exercício do filosofar a partir do processo de transplantação cultural européia, assim como demonstrar que a própria transplantação já traz, em si, alguma originalidade. (...) Reconhece que estamos distantes da constituição de um pensamento filosófico; contudo, admite que no Brasil há filosofia (LUCKESI & PASSOS, 2000, p. 253-255).

Quanto à posição de GOMES (1980)18, que defende a não-existência de filosofia no

Brasil, como nos pareceu um caso mais isolado que ainda não fez um número significativo

de discípulos – não encontramos nenhum trabalho nesta perspectiva, e mesmo que tenha

algum, como não seguiremos a direção proposta pelo autor, não ocuparemos mais linhas

com o mesmo, para o nosso caso, basta esta breve menção.

Tendemos a concordar, em suas linhas mais gerais, com a postura de LUCKESI &

PASSOS (2002), que acorda com o grupo de MACHADO (1976) e PAIM (1967) que o

pensamento filosófico brasileiro é o que se exprime nas obras e nos livros de conteúdo

filosófico existente entre nós e por isso, ao analista cabe o seu estudo, só depois disso é que

então poderemos saber se é cópia, seja essa adulterada ou com alguma originalidade, e até

mesmo, filosofia genuína e imaculada.

Então, “há que se estudar “os” autores e “não” nos autores” (LUCKESI &

PASSOS, 2002, p. 260). Porém, convêm lembrar com os “críticos” de “verificar, além do

que está exposto, se o que esta exposto nos livros significa filosofia, como uma forma de

pensar radicalmente a realidade circundante” (LUCKESI & PASSOS, 2002, p. 260).

Com a obra de JAGUARIBE (1957) por ora, um dos escritores da história da

filosofia no Brasil que fica bem colocado naquela tendência acima nominada de crítica,

18 A obra vale pela tentativa do autor de querer ser bem humorado, em seus melhores momentos ele quase consegue fazer rir, um feito! De resto, divagações do senso comum pré-filosofante inquieto. Por pouco uma virtude, pois ele consegue atingir um ponto de equilíbrio entre a bagatela e a falta de escassez crítica, se não é muito, ele quase chegou a ser insuficiente. Mais um pequeno monumento erigido à confusão entre criticar e falar mal (com algum talento, ressalve-se).

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vamos traçar uma suma historiográfica dos períodos do pensamento filosófico no Brasil,

relacionando-a, seja para agregar-lhe elementos ou mesmo confrontá-la, àquela outra

tendência mencionada.

Antes de sumariar o exercício brasileiro do filosofar, para usar a expressão de

LUCKESI & PASSOS (2002), vejamos como JAGUARIBE (1957) concebe esse exercício

entre nós:

Absorvendo a problemática de comunidades e de filósofos estranhos, o pensador brasileiro esteve sempre condenado a inautenticidade. A falta de verdadeiras solicitações para a filosofia constitui uma das razões pelas quais o saber filosófico no Brasil foi sempre considerado sob a espécie científica. Escolástica, positivismo e monismo, as três tendências que predominaram na filosofia brasileira, até as primeiras décadas deste século, são justamente correntes filosóficas marcadas pela pretensão abstrata que se consideram universal e permanentemente válidas. Condenadas a filosofar em abstrato, fomos levados a tomar de empréstimo essas orientações filosóficas, das quais resultou, por sua vez, uma cristalização da inconsciência brasileira em relação à concreticidade e à historicidade do filosofar (JAGUARIBE, 1957, p. 17).

Esta concepção expressa por JAGUARIBE (1957) é o que REZENDE (2001), numa

outra perspectiva historiográfica sobre a filosofia no Brasil, chama de “a desqualificação

do pensamento brasileiro”.

O que ele descreve da seguinte maneira:

A atitude historiográfica das idéias filosóficas no Brasil, expressa na obra dos dois primeiros historiadores delas, a saber, Sílvio Romero (A filosofia no Brasil, 1878) e, meio século após, o padre Leonel França (“A Filosofia no Brasil”, in Noções de história da filosofia, 1921), a despeito da ampla divergência que os separa, é de comum rejeição da produção teórica de nossos filósofos ou filosofantes brasileiros, que escreveram a partir do século passado até o começo da Primeira República (REZENDE, 2001, p. 275).

Cabe aqui o registro de uma querela historiográfica sobre a história da filosofia no

Brasil, já visível nas duas obras ora listadas.

O que LUCKESI & PASSOS (2002) consideram como atitude critica na referência

aos intérpretes da história do pensamento filosófico no Brasil, para REZENDE (2001) não

passa de atitude desqualificadora do mesmo.

Segundo REZENDE (2001), a ruptura com essa atitude historiográfica, o que marca

uma nova etapa nos estudos de história de nosso pensamento filosófico, se deu

recentemente, e ruptura tem como marco a obra de Miguel Reale: A filosofia em São Paulo,

publicada em 1962.

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Para esta historiografia

a atenção do historiador deve voltar-se para o problema que o pensador enfrenta, engendrado internamente pela circunstancialidade histórica em que se situa, e para as soluções por ele aventadas, que poderão ser julgadas adequadas ou não, independente das preferências do narrador por tal ou qual tema filosófico (REZENDE, 2001, p. 277).

Vamos a uma pausa um pouco mais alongada para tratar do problema, senão para

resolvê-lo, ao menos para contorná-lo (uma retomada como acima anunciada).

ARANTES (1996) no escrito (há pouco referido e agora explicitado): “Cruz Costa,

Bento Prado Jr. e o problema da Filosofia no Brasil – Uma Digressão”, que faz parte do

livro: “A Filosofia e seu Ensino”, escrito que, segundo o autor, é um suplemento ao seu

estudo anterior “Cruz Costa e herdeiros nos idos de 60”, ao pôr em discussão a obra de um

autor clássico da história da filosofia no Brasil, CRUZ COSTA (como antevimos acima),

além de nos ajudar a entender a querela historiográfica em questão, foi bastante elucidativo

da possibilidade de superação daquela encruzilhada, senão superação, uma palavra suspeita

para alguns, ao menos nos permitiu acessar outras vias em que vislumbramos uma saída em

vista dos elementos que pôs em cena no tratamento do problema.

O classicismo da obra de CRUZ COSTA (1956), a que nos referimos, há pouco, é

bastante enfatizado por PRADO JR. (1986) num de seus escritos sobre o referido autor.

Diz ele, “é um clássico não, é o clássico da história das idéias no Brasil” (PRADO

JR., 1986, p. 101, grifos do autor).

O texto de ARANTES (1994) é uma análise dos motivos que geraram um mal-

entendido entre, de um lado, a cultura filosófica uspiana, ou “esquerda universitária”, como

quer o autor e, de outro, o que ele chama de “direita filosofante”, ou ainda, dentre outros

termos usados pelo autor, dos “nativistas”, com relação à obra de CRUZ COSTA (1956).

O mal-entendido desta oposição de ambos à obra de COSTA (1956) é de origem

distinta, apesar disso, COSTA atingia de cheio os dois lados (“esquerda universitária” e

“direita filosofante”).

Os termos de ARANTES (1994) são incisivos no apontamento desta direção:

Ao mesmo tempo em que exasperava a direita, ora provocando o amor-próprio dos filosofantes municipais, ora desconsiderando – verdadeiro desacato – a mania patriótica deles de reconhecer a qualquer preço (não temendo inclusive o ridículo) a

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existência no país de uma constelação autônoma e original de cogitações filosóficas, Cruz Costa desconcertava a esquerda transcendental em formação na secção de Filosofia da Universidade de São Paulo, que preferia reverenciar no mestre o homem de espírito para melhor deixar na sombra uma obra já incapaz de comover o zelo científico daquelas novas gerações “bem mais técnicas” encorajados por Mário de Andrade quando madrugava a cultura universitária paulista (ARANTES, 1994, p. 88).

O desacerto da direita, como a entende ARANTES (1994), frente à obra de COSTA

(1956) é resultado de uma visada aquém da obra do autor, que, como a esquerda

universitária, apontava contra uma suposta “penúria metodológica” presente no trabalho

cruzcostiano.

Nos termos de ARANTES (1994), essa foi uma “convergência fortuita” em relação

ao historiador da filosofia no Brasil, uma vez que a direita,

com a miopia de sempre, não lhe perdoava o aparente reducionismo (na sua língua peculiar: do “evolver das idéias filosóficas” ao “substractum condicionador” das mesmas), cuja responsabilidade cabia por certo à estreiteza do seu ponto de vista “positivista-marxista”, isto é, “participante” e “sectário”, mas também ao “paupérrimo arsenal teórico que esgrimia” – o qual, seguramente, lhe vedava o acesso à Fonte Projetante e outras erupções telúricas (ARANTES, 1994, p. 89).

Quanto à esquerda universitária, esta “lhe censurava a ‘abordagem paralelística’,

para não falar ainda no seu namoro temporão com o ideário pouco recomendável do

‘caráter nacional brasileiro’” (ARANTES, 1994, p. 89).

Além destes desencontros, como diz ARANTES,

no terreno movediço das questões de método (...), quanto mais aquelas últimas ganhavam em complexidade e precedência, tanto mais flagrante, e incômodo, tornava-se o anacronismo no qual Cruz Costa se convertera, bem como o correspondente encarecimento exclusivo e compensatório de sua maneira intelectual caída em desuso, apenas pitoresca como uma reminiscência e por isso mesmo encantadora. Acresce, ampliando um pouco mais o desencontro, que o seu assunto encontrava-se no lugar errado, e ali caía mal (ARANTES, 1994, p. 89-90).

Um desencontro nada pequeno, visto que se refere ao “terreno movediço das

questões de método”, à “maneira intelectual” de Cruz Costa e ao “assunto” investigado pelo

autor.

Vamos ver como ARANTES (1994) enfrenta este conjunto de questões de filosofia

da história da filosofia no Brasil.

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Sobre o velho tema do “nacionalismo” e a idéia de uma “filosofia brasileira”,

ARANTES (1994), em parte, dirime CRUZ COSTA (1956) da responsabilidade sobre a

geração daquele mal-entendido que temos em vista, se se quiser considerar este como tendo

algum tipo de lastro mais profundo na obra de nosso historiador clássico da filosofia no

Brasil, ora em questão.

A temática do “nacionalismo” muito em voga no pré-64, e a promessa de uma

“filosofia nacional” se esboroa nas brumas do golpe militar de 1964.

Vejamos os termos do próprio ARANTES:

Tomada ao pé da letra, não se pode dizer que Cruz Costa a tenha alimentado. Pelo contrário, sempre descartou a pretensão ingênua de fazer “filosofia brasileira”, até porque (por simples definição) a universalidade do saber filosófico não admitiria tamanha restrição. Afunilamento indevido que, no entanto voltava pela porta dos fundos na forma da diferença indescartável: se é verdade que existe um estilo de vida brasileiro identificável em nossa experiência intelectual, ele deveria induzir um estilo equivalente de pensamento brasileiro (ARANTES, 1994, p. 91, grifos do autor).

Pois bem, é aqui que entra PRADO JR. (2000), um daqueles herdeiros uspianos

com os quais ARANTES (1994) se vê às voltas, em que pese ser agora um desdito, mas

cuja obra é tomada como uma espécie de crônica do tempo.

Ora, segundo nosso autor, a implicância daquele com a obra de CRUZ COSTA

(1956) se deveu exatamente a esta suspeita de nacionalismo e a conseqüente expectativa

veiculada pela idéia de filosofia nacional ou brasileira, que, “tomada ao pé da letra”, como

antevimos, “não se pode dizer que Cruz Costa a tenha alimentado” (ARANTES, 1994, p.

91).

De qualquer modo, a contenda em tela se referia menos à intenção do autor que o

sentido da obra do mesmo, descrita nos termos acima, novamente destacados, mas para

dizer que são um senão de Bento Prado Jr.:

se é verdade que existe um estilo de vida brasileiro identificável em nossa experiência intelectual, ele deveria induzir um estilo equivalente de pensamento brasileiro (ARANTES, 1994, p. 91).

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A preocupação em tela era a favor da filosofia e contra os preceitos normativos

comuns aos diversos nacionalismos e os possíveis prejuízos que tal recomendação – o que

deve ser a filosofia do Brasil – poderia causar a autonomia do discurso filosófico.

Curiosamente, ARANTES (1994) parece flagrar uma espécie de encontro fortuito

entre CRUZ COSTA e seu opositor, o primeiro PRADO JR., uma vez que, para este, por

não haver uma tradição de autonomia filosófica no país, talvez se possa dizer algo em torno

dessa peculiaridade filosófica no Brasil, cuja carência é a perspectiva mais geral.

A seguir, ARANTES (1994) registra o flagrante:

Note-se que não estamos muito longe da experiência idiossincrática evocada por Cruz Costa na origem do suposto estilo característico de nossa vida intelectual – de tal modo apresenta-se difusa e irrecusável a percepção de nossas anomalias de país dependente (ARANTES, 1994, p. 91).

Outros exemplos daquela “esquerda universitária” uspiana, citados por ARANTES,

são até mais enfáticos na crítica ao antigo mestre. Vejam-se os casos de Osvaldo Porchat e

Antonio Cândido19 pela seleta do autor que estamos a seguir.

No primeiro, a referência é indireta, mas visa ao historicismo de Cruz Costa:

Nada haveria a dizer contra tal empreendimento se não fora sua freqüente tentação de ‘esquecer’ a pretensão das doutrinas à verdade, de desprezar a especificidade propriamente filosófica (PORCHAT apud ARANTES, 1994, p. 95).

No caso de Antonio Cândido, a censura ao antigo catedrático uspiano, historiador da

filosofia no Brasil é direta:

O praticismo propugnado pelo prof. Cruz Costa, (...) pode ser a morte da filosofia, reduzindo-a à reportagem inteligente e, de qualquer modo, à submissão ao imediato (CANDIDO apud ARANTES, 1994, p. 96).

Quanto a Giannotti, outro legatário assinalado por ARANTES, ex-assistente de

Cruz Costa, os termos de referência, dos quais ora somos signatários, nos dão o mesmo

significado.

19 Ver ARANTES (1994).

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Vede: “História mais descritiva do que tomada pelo vírus de interpretações

profundas” (...) “seu maior êxito foi sua própria vida” (GIANNOTTI apud ARANTES,

1994, p. 89).

De um modo bem esquemático, este constitui os motivos do desencontro entre Cruz

Costa e a geração de herdeiros que ARANTES (1994) chama de gerações “bem mais

técnicas”.

Se a oposição da esquerda universitária à obra cruzcostiana percorria a via da

vigilância epistêmica, o mal-entendido da direita, segundo ARANTES (1994), ficava por

conta de sua miopia choramingas contra uma suposta atitude de desvalorização da filosofia

no Brasil de parte de Cruz Costa.

Afinal o que exigiam os filosofantes? À sua maneira canhestra de sempre, que se evitasse a “crítica externa” das obras, ostensiva na “atividade polêmica” de Cruz Costa. Em contrapartida, só na tendência oposta encontrariam os pensadores a “compreensão” que mereciam e teimava em lhes recusar o “sectarismo participante” que parecia irradiar da Faculdade de Filosofia (ARANTES, 1994, p. 98).

Não é bem neste diapasão que ARANTES (1994) enxerga o anti-cruzcostianismo de

direita em relação às idéias filosóficas no Brasil.

Ledo engano: este último passara a vida cuidando de interpreta-las, de certo modo “valorizando-as” num registro que escapava aos seus rivais, enquanto o verdadeiro desprezo era de fato cultivado pelas gerações uspianas mais “técnicas” – simplesmente não havia lugar na “compreensão” goldschmidtiana para o incipiente produção local (ARANTES, 1994, 99-100).

O que parecia confluência em questões de método entre direita e esquerda, cessa, na

seqüência da crítica de ARANTES (1994), ao apelo de compreensão na formula à direita:

E sabemos por que: é que a crítica interna reclamada pelos filosofantes era muito menos o fruto de uma controvérsia metodológica refletida (para além do vôo rasteiro do simples senso comum) do que a mera exigência provinciana da simpatia patriótica. A compreensão exigida para eles pouco tinha a ver com a já equívoca empatia do filólogo, mas era da ordem da pura autocomplacência, na figura interposta das demais “manifestações da consciência filosófica nacional” menosprezadas pela arrogância sectária de Cruz Costa (ARANTES, 1994, p. 99).

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Vejamos os termos mais incisivos de ARANTES (1994) em relação à direita, nesta

comum negação, de ambos os lados, à obra do primeiro catedrático brasileiro que se

ocupou exclusivamente com o estudo da filosofia no Brasil:

Inútil dizer que nenhum laço de família vinculava o valoreternismo destes últimos ao zelo epistemológico do gueroultianismo paulista. (...) Deixemos de lado a direita que, num acesso de humor involuntário, pedia compreensão (ARANTES, 1994, p. 98-100).

Vamos ver, com ARANTES (1994), as razões do desprezo, este sim, verdadeiro,

das novas gerações uspianas, “mais técnicas”, em relação à filosofia da história da filosofia

no Brasil de COSTA (1956):

Pondo-a no seu devido lugar ao “descascar” com o canivete enferrujado do historicismo o minguado e por isso mesmo revelador passado filosófico nacional (haja vista, no caso, a escassa serventia do bisturi inoxidável dos guerroultianos, que precisava da amputação de qualquer continuidade histórica e social para operar), Cruz Costa na verdade puxava as orelhas dos colegas mais jovens que teimavam em desconhecer a tênue substancia histórica local de que eram compostos – escorando-se inclusive no exame rigoroso dos pressupostos do incorrigível historicismo dele, no fundo, como se disse, simplesmente a percepção, de fato mal conceituada, da impregnação das idéias pelo ambiente (ARANTES, 1994, p. 100-101).

De fato, o que ocorria era um caso, como tantos outros de surtos de idéias novas, de

atualização filosófica comandada à distância – da França, diga-se.

Era chegada a hora do confronto entre Goldschmidt e Gueroult, atualizado pelo

segundo estruturalismo gauchiste de um Foucault, por exemplo, de Les Mots et les Choses,

de um lado – o das gerações “mais técnicas” e, do outro, Cruz Costa tomado por

Brunschvicg, em que pese do lado do velho acadêmico não haver um anti-

goldschmidtianismo ou um anti-gueroultianismo, lato sensu, é claro. Doutra parte, no

entanto, há muito de um quixotismo risível.

Vejamos, uma vez mais, com efeito, no encalço de ARANTES (1994), sinais deste

último:

a supremacia metodológica destas últimas não lhas preservava dos tropeços mais característicos da malformação nacional, que o tirocínio do primeiro sabia contornar muito bem, e assinalar em tiradas famosas que no entanto passavam sem

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deixar rastro e herdeiros que lhe tirassem por extenso a lição de método (ARANTES, 1994, p. 107).

Pergunta ARANTES: “Como ficamos?”

Responde:

Pelo menos em condições de reiterar nossa primeira impressão de viagem: a evidente fragilidade do lado afirmativo da obra de Cruz Costa (tanto mais visível quanto tomava corpo a cultura filosófica uspiana) vinha realçar a flagrante superioridade do seu lado puramente negativo, uma rara combinação de sondagem histórica convencional e apuradíssimo senso do ridículo. Noutras palavras, o raso horizonte conceitual da obra não estava à altura do golpe de vista do autor, que assim desamparado passava por simples deboche sem futuro explicativo – o que em larga medida era verdade, reforçando a prevenção desfavorável das gerações mais especializadas que o sucederam (ARANTES, 1994, p. 106-107).

Quanto ao aludido nacionalismo de Cruz Costa, no estudo suplementar a que nos

referimos de início, ARANTES (1996) faz a análise de sua verdadeira dimensão:

Para Cruz Costa, nacionalismo não era muito mais (uma vaga e muito datada “teoria” culturalista do caráter pragmático, terra à terra, da civilização luso-brasileira) do que um antídoto para o ‘transoceanismo’ de todo letrado brasileiro, “abismado em grotesca e pasmada nostalgia” de sentimentos, idéias e normas com cujos pressupostos não chegava a atinar com propriedade. Antídoto, portanto, contra a doença do nabuquismo (receita que aprendera com os modernistas e o empenho social dos intelectuais formados na escola da Revolução de 30) e, sobretudo, um convite aos filósofos da terra a se enxergarem, por exemplo, no espelho de um Euclides da Cunha (devidamente aliviado da literatice e do cientificismo de arribação), cujo vínculo real com o povo miúdo passava a seus olhos por cifra de “alforria intelectual”. (...) Mas não precisava ser nacionalista para pensar assim, nem Cruz Costa o foi stricto sensu. Seu nacionalismo era, por assim dizer, uma idéia reguladora que mandava procurar assunto, para um tipo de reflexão mais ou menos aparentado ao pathos da antiga meditação filosófica, no desconcerto dos contrastes locais, com a ressalva feita acima de que não está decidido de antemão o âmbito municipal ou mundial do problema a ser construído (ARANTES, 1996, p. 34-35).

Na outra ponta, para seguir de perto a perspectiva de ARANTES (1996), a procura

do assunto filosófico, indicada por Cruz Costa, não poderia seguir a falta de “senso de

ridículo” do caboclismo filosofante de nomeada:

à nossa volta, fora do círculo mágico uspiano, abundavam ainda os que se ocupavam exclusivamente de “filosofia brasileira”, logo identificáveis pela mais completa falta do senso de proporções e correspondente encurtamento caipira do espírito (ARANTES, 1996, p. 36).

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Para dizer de forma um pouco mais direta, o programa cruzcostiano visava a:

o inconveniente maior do filoneismo que ao longo de sua carreira verberou em prosa e verso residia precisamente não só na falta de convicção que acompanha teorias adotadas com a mesma sofreguidão com que eram trocadas, mas também na ausência de suas implicações menos próximas no conjunto do processo social”. (...) “Nem por isso Cruz Costa cogitou sequer um movimento de abrir mão do esforço de desprovincianização de nossa cultura filosófica a reboque de tais surtos esterilizantes; pelo contrário, remando contra a maré novidadeira, tratou de assegurar, como lembrado há pouco, o quadro de inibições necessárias ao desenvolvimento de uma linha formativa local, decalque produtivo da disciplina européia e que tanto carecíamos. Todavia, por indispensável que fosse tal antídoto, jamais lhe bastou. Não é que visse com maus olhos a timidez especulativa que a consciência técnica exacerbada anunciava em alguns mais sensíveis ao falso rigor, até porque ninguém mais do que ele trazia á flor da pele o medo do ridículo, no caso, do bovarismo filosófico, sentimento íntimo de impropriedade que chegava a assumir a forma de auto-desmoralização preventiva. É que no fundo ainda desconfiava da aparente gratuidade das teorias intangíveis, nas quais via sobretudo o lero-lero característico da falta de assunto (ARANTES, 1996, p. 36-37).

Atalhando um pouco a análise mais pormenorizada de ARANTES (1996), vejamos

a trilha seguida pela cultura filosófica uspiana naquele momento de encruzilhada e tomadas

de decisão sobre qual direção seguir, a qual, por sua vez, deixou CRUZ COSTA (1956)

então sem herdeiros.

Mais uma vez, com nosso autor a palavra:

caso baníssemos a especulação alegando as exigências do dia, seria a morte da filosofia, rebaixada à condição de reportagem, sob pretexto de que seus problemas tradicionais nada teriam de brasileiro quanto ao assunto; caso nos desinteressássemos da paisagem próxima em nome da especulação desinteressada e quase sempre adotada fora de propósito, era o risco da mera curiosidade intelectual que corríamos, também vezo nacional notório. Feito o balanço, cabia a ressalva: “trabalhos aparentemente gratuitos”. Uma ressalva que expressava antes de tudo confiança na Teoria, assim mesmo, com maiúscula, tomada em sua acepção mais superlativa (ARANTES, 1996, p. 63-64).

Quanto ao equacionamento político dessa verdadeira raridade de opção teórica entre

nós, e da qual se deve cuidar, pois sempre acoimada por um “ambiente tradicionalmente

imantado pela atração utilitária das profissões que podiam alegar, mas só alegar, benefício

público tangível” (ARANTES, 1996, p. 64, grifos nossos), é uma prodigiosa capacidade de

sensatez na ação e fidelidade na opção ideológica, mítica até.

Vejamos seu parecer:

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Nossa via suspensiva – cifrada no interesse exclusivo pela arquitetônica das doutrinas e no conseqüente desdém pelo mau gosto dos dogmáticos atrelados à questão indecidível da verdade dos sistemas –, aparecía-nos como o caminho mais seguro, para fortalecer o juízo político, inclinando-o naturalmente para a esquerda. Simbiose que um espírito escarninho não hesitou em batizar de esquerda transcendental. Estávamos tão convencidos da verdade dessa curiosa convergência, que chegávamos a fazer circular um pequeno mito de origem – possivelmente verdadeiro – que atribuía a Victor Goldschimidt a opinião segundo a qual o estudo rigoroso dos sistemas filosóficos conduzia ao socialismo. Acresce que esta fé política de ofício – cabeça inibida pelo medo do ridículo e coração derramado à esquerda – era confirmada todo dia pelo vexame permanente da filosofia municipal: nossos adversários, que menosprezavam a contenção professoral que nos atava, filosofavam como se tivessem nascido dentro das grandes teorias em voga, perdendo-se em conseqüência na asneira cuja coloração política era francamente de direita (ARANTES, 1996, p. 65).

O que foi posto acima nos pareceu capaz de situar a origem da querela

historiográfica da qual nos ocupávamos antes do interregno aranteseano.

Cabe aqui, também, nos perguntarmos: como ficamos?

Um pouco dentro do espírito do que foi alinhavado atrás, de modo bem

esquemático, da obra de ARANTES, sem o tirocínio do mesmo, é claro, e, de resto,

bruxulear por conta própria o menos possível.

Ou em termos mais positivos: para um pesquisador que tem que se haver com o

objeto em questão, não há outro caminho que não tentar atingir o cume entre esses dois

precipícios.

À direita, o mérito da documentação, pouco importa se acerto involuntário ou não, e

o antídoto cruzcostiano contra a falta de proporções. À esquerda (esquerdismo em parte

desmentido por reconsiderações do tipo: O que é isso, companheiro?, se é que filosofia tem

algo a ver com sociedade), contra o pecado oposto, vale o mesmo senso do ridículo, mas

fazer vistas grossas à renovação do ensino, ao padrão e ao rigor implantados pela cultura

filosófica uspiana, é situar-se aquém da intentio reta da própria filosofia.

Conseguir atingi-la ou não, é uma contingência, que pode ter a ver até com uma

questão de maior ou menor talento, mas não só e sempre. Não tomá-la, no entanto, como

ponto de partida, é obliqüidade filosófica incontinente, gritante no caso brasileiro em vista.

Aí então não será mais a Teoria (maiúscula naquele sentido que vimos ARANTES

(1996) conferir ao termo) quem comanda.

Retomemos, para além desse emaranhado de questões historiográficas, à própria

história da filosofia no Brasil pelos seus autores mesmos.

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A periodização da história da filosofia no Brasil, encontrada na obra de um destes

autores, a já referida de JAGUARIBE (1957), de modo geral, é aceita pela historiografia

filosófica nacional.

O primeiro, denominado de período luso-brasileiro, compreendido pelos séculos

XVI a XVIII, é dominado pela chamada segunda escolástica portuguesa.

Período este que, segundo JAGUARIBE (1957), só

tem importância para a compreensão do pensamento brasileiro menos pelos reflexos que, na época, haja provocado em nosso país, que pelos efeitos posteriores que veio exercer”. (...) O Padre Vieira, no Século XVI, e Matias Aires, na centúria seguinte, são, entre os raros pensadores vinculados ao Brasil, os únicos cuja atividade intelectual apresenta características filosóficas, não sendo possível, contudo, incluí-los expressamente no rol dos filósofos (JAGUARIBE, 1957, p. 24).

Para JAGUARIBE (1957)

é no século XIX que realmente surge, no Brasil, uma atividade filosófica sistemática, cujo primeiro representante é Francisco de Carvalho, frei Mont’Alverne (1784-1858) e cujo maior vulto, ao encerrar-se o século, é Farias Brito (1862-1917). (...) Considerada em conjunto, a filosofia brasileira, no Século XIX, se apresenta dividida em três períodos: o primeiro abrange os dois terços iniciais do século; o segundo, ocupa o último terço; o terceiro marca o momento de reação contra o positivismo e o monismo e se desenvolve nos últimos anos do Século XIX e na primeira década do século atual (JAGUARIBE, 1957, p. 29-30).

Sob a ótica de JAGUARIBE (1957), os dois primeiros foram filosoficamente mais

pobres que os períodos posteriores do século em questão, com os primeiros a acolher

fortemente a filosofia do espiritualismo eclético francês ao longo de sua vigência. As

influências dos franceses Victor Cousin, Destutt de Tracy e Cabanis e dos italianos

Rosmini e Giobertti se fizeram presentes, respectivamente, via Mont’Alverne, Ferreira

França e Gonçalves de Magalhães.

A crítica que JAGUARIBE (1957) dirige a esse período, classificado como

ecletismo, é bastante genérica.

Segundo ele,

os filósofos brasileiros da época, no entanto, não somente atuam como simples divulgadores de idéias européias, como, ademais, carecem dos requisitos mínimos necessários à atividade filosófica (JAGUARIBE, 1957, p. 30).

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O segundo período da filosofia brasileira no Século XIX é marcado pelo surgimento

de duas correntes filosóficas que fizeram escola: a positivista e a monista.

O positivismo, outra filosofia de origem francesa, estabelecida por Auguste Comte

em meados do Século XIX, teve muita influência nos movimentos políticos no Brasil, que

vão da Proclamação da República até a Revolução de 30.

Segundo JAGUARIBE (1957), no Brasil, o positivismo não conseguiu produzir

filósofos de grande significação.

Para ele,

um só pensador, Luiz Pereira Barreto (1840-1923), e esse mesmo reputado heterodoxo pela Igreja Positivista, tentou realizar um sistema filosófico apoiado no positivismo. Os demais intelectuais do movimento, ou se deixaram absorver pelo seu aspecto religioso e produziram obra polêmica ou edificante, como Miguel Lemos (1854-1916) e Teixeira Mendes (1855-1927), ou se inclinaram para a política, como Benjamin Constant (1837-1891) e Quintino Bocayuva (1836-1912) (JAGUARIBE, 1957, p. 31).

A “tendência crítica” de JAGUARIBE (1957) procura esclarecer o lugar ocupado

pelo filósofo positivista em mira, segundo o mesmo,

a posição de Pereira Barreto é a do positivismo ingênuo, ou seja, um positivismo que desconhece as elaborações filosóficas precedentes e posteriores à obra de Comte e dela não absorve senão alguns esquemas (JAGUARIBE, 1957, p. 31).

Diferente desta é a visão de JAGUARIBE (1957) sobre Tobias Barreto e a Escola

de Recife, que desenvolve outra concepção de cultura e de realidade, surgida na mesma

época. A Escola de Recife toma vulto com Tobias Barreto de Menezes, responsável pela

introdução do monismo evolucionista alemão no Brasil, e é continuada pela obra Sílvio

Romero.

Para JAGUARIBE (1957),

constitui a Escola de Recife, juntamente com o positivismo e, em época posterior, com o catolicismo de Jackson, um dos três únicos exemplos de um movimento intelectual brasileiro que formou escola e perdurou além da geração dos fundadores (JAGUARIBE, 1957, p. 33).

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O terceiro período dessa divisão historiográfica da filosofia no Brasil, no Século

XIX, estabelecida por JAGUARIBE (1957), está marcada pelo pensamento e obra de

Raimundo de Farias Brito.

É o momento da reação espiritualista contra o espírito positivista do tempo.

Este trecho ilustra a nossa afirmativa:

A atividade de Farias Brito se encaminhou para a recuperação do espírito, como realidade distinta da matéria, em combate contra as tendências positivistas, evolucionistas e monistas que prevaleciam no Brasil desde o último terço do Século XIX (JAGUARIBE, 1957, p. 39).

Na esteira da reação espiritualista, promovida por Farias Brito em finais do Século

XIX e inicio do Século XX e influenciada por este pensador, dá-se a formação da Escola

Católica, fundada por Jackson de Figueiredo, criador da revista A Ordem e do Centro D.

Vital, em torno do qual a Escola se organizou. A primeira etapa da Escola, conduzida por

Jackson, é marcada por um pensamento profundamente irracional e voluntarista.

A segunda fase teve a liderança de Alceu Amoroso Lima, que, ao tomar por base o

neotomismo de Maritain, afasta a Escola da trilha do irracionalismo e do voluntarismo

impressos por Jackson em seu primeiro momento.

Essa variante neotomista do catolicismo, na ótica do autor em tela, foi bastante

fecunda, pois verteu num grande número de seguidores, entre os quais Barreto Filho, Van

Acker, Alexandre Correia e os padres Leonel Franca e Penido.

A filosofia no Brasil, no Século XX, ao lado dessa vertente neotomista católica, que

começa a declinar, segundo as palavras de nosso historiador, manifesta novas influências, o

“movimento humanístico ligado à filosofia da existência” (JAGUARIBE, 1957, p. 48), com

nomes como os de Miguel Reale, Renato Czerna, Vicente Ferreira da Silva e Roland

Corbisier, entre outros.

Em oposição a essa movimentação filosófica culturalista,

desenvolve-se uma corrente neopositivista, cujo representante mais destacado é o Sr. Euryalo Cannabrava, contando o grupo, entre seus representantes mais significativos, com os Srs. Djacir de Menezes e Pinto Ferreira (JAGUARIBE, 1957, p. 49).

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Ainda para JAGUARIBE (1957), o desenvolvimento de uma filosofia de

perspectiva marxista se dá com a obra de Caio Prado Junior, que ocorre paralela e como

componente dessa movimentação, compondo um esforço de pensar filosoficamente o

Brasil.

Ao lado desse movimento de renovação do panorama filosófico nacional,

sobrevivem “velhas posições oitocentistas, já privados, porém, de qualquer influência e em

processo de desaparecimento” (JAGUARIBE, 1957, p. 49), como um exemplo destacado

dessas, temos a obra do positivista Ivan Lins20 que produz um trabalho exaustivo de história

do positivismo no Brasil.

Em suma, na obra em questão, a filosofia no Brasil do Século XX, além de

influenciada por correntes filosóficas como o neotomismo, o culturalismo, o

existencialismo, o neopositivismo e o marxismo, entre outras, e, para além de

JAGUARIBE (1957), com a criação das universidades no Brasil, a produção filosófica foi

elevada tanto em termos de rigor quanto em sua expressão quantitativa, abrindo, desse

modo, novas possibilidades à tarefa do filosofar no Brasil.

O texto de JAGUARIBE (1957), elencado por LUCKESI E PASSOS (2002), entre

os autores da chamada “tendência crítica”, uma obra escrita num estilo direto e conciso,

que contém um capítulo dedicado À Filosofia Contemporânea no Brasil, o trabalho é de

1957, não faz nenhuma menção aos pensadores uspianos, muito embora compareçam

autores que vão de Jackson de Figueiredo a Caio Prado Jr., entremeados por nomes como:

Barreto Filho; Vieira Coelho; Jorge de Serpa Filho; Pinto Ferreira; Horta Barbosa; Orris

Soares, dentre outros.

Com isto, não queremos dizer que não sejam autores importantes no pensamento

filosófico contemporâneo no Brasil, e sim colocar em evidência o critério usado pelo autor

para pôr em destaque um certo número de nomes e preterir outros.

Ora, JAGUARIBE (1957) era um isebiano mais preocupado em filosofar sobre o

Brasil, que com sutilezas metodológicas e tecnológicas na preservação da autonomia do

discurso filosófico. Preocupação esta que estava longe de ser uma desvantagem do lado da

filosofia uspiana, como de fato não o foi, como demonstra o cenário filosófico brasileiro

atual. De ambos os lados, não era um problema de ma fé.

20 Ver JAGUARIBE (1957).

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Talvez não seja tão despropositado assim o que nos diz COSTA (1956):

A filosofia não é, pois, exterior ao mundo. Não é simplesmente uma aventura do espírito, mas uma aventura humana, total, que se expressa, freqüentemente, de modo sutil, mas cujas raízes estão na terra (COSTA, 1956, p. 24, grifos do autor).

Regressismo epistêmico de nossa parte?

Um pouco de água no moinho da atualização de que há pouco nos falava

ARANTES.

Um texto do novo espírito francês do tempo: A Sabedoria dos Modernos: dez

questões para o nosso tempo, de dois filósofos pós-pensamento 68 (leia-se: o pós-

estruturalismo francês de Derrida, Deleuze e Foucault, entre outros), a saber: André Comte-

Sponville e Luc Ferry, complica um pouco mais as coisas, o que pode nos orientar para

novos rumos, ou melhor: nortear.

Senão vejamos.

Ao fazer uso de uma linguagem mais coeva ao nosso tempo, eis o que diz:

Quanto às culturas, é diferente. As ciências constituem, para a filosofia, uma espécie de exterioridade necessária: são como um real de referência, já trabalhado pelo espírito. A cultura, ao contrário, ou as culturas, já que são muitas, fazem parte, sob vários aspectos, da interioridade filosofante, que delas faz parte: porque toda filosofia nasce no interior de uma cultura, de que tira a essência de seus problemas e boa parte de seu conteúdo (COMTE-SPONVILLE & FERRY, 1999, p. 502).

Aqui o grau de parentesco não ocorre por acaso. Como fica então “a pretensão das

doutrinas à verdade?”.

Com a palavra novamente CRUZ COSTA (1956):

A filosofia encontra a verdade na sua adequação com a realidade. Esta realidade não é permanente, mas histórica. Não é, pois, possível saltar a barreira da história. Quando muda a história, necessariamente tem que mudar a filosofia (COSTA, 1956, p. 24).

A verdade de uspianos e isebianos é relativa à história? Se sim, ponto para CRUZ

COSTA (1956).

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Para o momento não é preciso dizer mais. De resto, sabemos que a idéia de

atualização é mais complexa que a simples referência à última publicação transoceânica, a

se dar muito mais pela complicada trama que se passa nas malhas das redes epistêmicas.

Ao estudar a filosofia do período pré-universitário (ensinada nos estabelecimentos

de instrução secundária), surpreendemos-nos com o que aquele nível de ensino foi capaz de

produzir, diferente do que nos dizia uma atitude historiográfica de cuja canga epistêmica

tivemos de nos livrar para descortinar nosso objeto da obliteração que pesava sobre si.

Para sair dessa aporia historiográfico-filosofante, tivemos de correr por outra faixa

(aberta em parte por ARANTES) no encalço de CRUZ COSTA (1956) e, dentro do

possível, seguir além de ambos.

Se, de um lado, se chovia no molhado de uma suposta “mediocridade filosófica”

cuja medida era o padrão de produção universitário, que involuntariamente colocava em

cheque a própria idéia de superioridade, pois sequer se via a si mesmo como tal. De outro,

constituíam-se mitografias ao se querer de uma cultura filosófica escolar produtos capazes

de tratar, conscientemente e de forma autônoma, assuntos que estavam além de seu alcance,

o que, de fato, nem sempre foi percebido como fora das suas possibilidade de compreensão

por aquela produção filosófica escolar.

Foi uma ilusão necessária sem a qual não se teria feito o que se fez.

As funções do ensino secundário, como veremos a seu tempo, por diferir do ensino

universitário e de outros níveis de ensino, recobre finalidades distintas.

É neste sentido que podemos dizer ser surpreendente sua produção filosófica e

considerar tal período como clássico ao referi-lo à história do ensino da filosofia no Brasil

na instrução secundária.

Feito tributário de uma filosofia liceal, pois nem os seminários com o ensino da

filosofia escolástica, bem como as escolas régias e o ensino da filosofia da ilustração

pombalina (que renovou o ensino da filosofia no Brasil colonial), conseguiram façanha tão

notável.

Uma cultura filosófica escolar, cujo ensino foi brasileiro, mas o espírito era

sinceramente francês.

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Um processo de atualização do ensino de filosofia no Brasil, que buscou superar o

legado colonial em suas duas ramificações: a anciã tradição da ancilar filosofia da 2a

escolástica portuguesa e a juventa ilustração pombalina.

É nessa perspectiva que se deve fazer o balanço daquele ensino.

Foi um período caracterizado por manifestações filosóficas fragmentárias, seu

estudo demanda poder de contenção e aptidão para lidar com esses fragmentos filosóficos

de parte do historiador do ensino daquela filosofia.

Exige menos uma filiação a alguma das várias “vertentes epistemológicas”

disponíveis no mercado filosofante, que uma disposição de espírito que seja capaz de ter,

em reserva, um certo grau de liberdade do material com o qual se lida.

Sobre as questões de método dizer que, para a história da filosofia (a grande?), o

método estrutural é o melhor até que outro (e melhor) o desbanque, pareceu-nos prudente

se isso não significar uma divisão técnica a priori como: um tipo de método para a grande

história da filosofia e outro para a pequena história da filosofia (história das idéias

filosóficas ou história das idéias etc.), o que não faz sentido, pois a discussão metodológica

depende do objeto a ser estudado e não de uma discriminação antecipada.

No caso do estudo do ensino da filosofia escolar pareceu-nos ser outro que o

método estrutural.

Por isso, fizemos uso do método mais afeito ao campo da história das disciplinas

escolares.

No Brasil só é possível fazer uma história do ensino de filosofia, pois o seu ensino

antecede a própria filosofia.

Diferente, por exemplo, dos gregos, que primeiro inventaram a filosofia para depois

ensiná-la, aqui o ensino antecede à criação ou produção filosófica, desde os tempos remotos

da Colônia.

Por isto nos é tão fácil filosofar sobre a filosofia.

Quais são em geral nossas questões filosóficas que não estas que seguem: é

originalidade ou cópia? Para fazer seu estudo qual o melhor método? Estrutural ou

genético? Qual o padrão de produção? Amalgamado ou segue a ordem das razões?

Meditação autônoma, heterônoma ou intermediária? E assim sucessivamente.

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Talvez se possa dizer, em função de nossa peculiar situação, sobre continuidade de

ensino e não sobre continuidade de assunto.

A questão sobre se o fato de ser deste modo constitui ou não uma vantagem,

configura um juízo do qual declinamos ao encerrarmo-nos no interior de uma perspectiva

epistêmica, que pode ser bem ou mal sucedida, não tenhamos ilusões neutralistas, contudo,

foi o que nos pareceu ser nossa experiência filosofante.

Vejamos um caso típico.

Quem mexe com filosofia no Brasil, trabalha com um assunto menor? A questão

não poderia ser mais elucidativa, pois paira certa desconfiança, às vezes, mais implícita que

explicitada, mas sempre presente, em relação a quem lida com o tema da filosofia no Brasil

como investigador de menor estatura.

Uma entrevista de GIANNOTTI (1974) sobre sua trajetória, desde os anos 50, na

USP tem o mérito de tocar de forma aguda a origem do problema.

Sobre o Departamento de Filosofia nos anos iniciais daquela década, ele diz o

seguinte:

Ainda imperava no Departamento o ensaismo deixado por Jean Maugüé, o primeiro professor que veio com a Missão Francesa encarregada de estruturar a Faculdade. Ao lado disso, a preocupação com a filosofia brasileira, cuja ênfase era dada por Cruz Costa e Laerte Ramos de Carvalho, este já interessado em fenomenologia, palavra feia naqueles tempos no âmbito da Rua Maria Antônia. No entanto, desde a primeira aula, nosso grande mestre foi Gilles G. Granger. Até aquele momento, Granger não conseguira impor-se, sofrendo a hostilidade velada dos ensaístas e do pessoal de Laerte. Nosso grupo logo mergulhou na Lógica e na Filosofia das Ciências. No mesmo ano conheci Martial Guérrout, que, na qualidade de professor visitante, nos ensinava Leibniz. Era a descoberta da grande História da Filosofia, dos problemas técnicos de análise de texto, enfim, de toda problemática que predominou no Departamento nos anos 60”. (...) “Nosso grupo, politicamente, estava tomado pelo nacionalismo, filosoficamente mergulhava na História da Filosofia e na Epistemologia. Com isso rompíamos com o ensaismo das gerações precedentes, tarefa que nos foi facilitada pela passagem de Laerte Ramos de Carvalho para a Filosofia da Educação. Assim o Departamento ficou sem a geração intermediária, liderada por Antonio Cândido, Florestan Fernandes etc., o que nos permitiu ascender rapidamente a posições de liderança (GIANNOTTI, 1974, p. 27-28).

Os termos são eloqüentes, “História da Filosofia”, “Epistemologia” e “problemas

técnicos de análise de texto” são os grandes temas filosóficos por excelência, seus inimigos

“o ensaismo” e “a preocupação com a filosofia brasileira”. Ora, aquela desconfiança a que

há instante nos referíamos tem lugar e tempo de construção.

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Incapacidade técnica (ou outra qualquer) não é atributo inerente a quem se preocupa

ou se ocupa com a filosofia no Brasil, essa idéia tem hora marcada, lugar e registro de

nascimento. Pagou a conta de uma geração ansiada, pouco importa se mais ou menos justa

se assim foi.

O que interessa é a desmistificação do falso problema.

Vejam-se os casos de Laerte Ramos de Carvalho e de Roque Spencer Maciel de

Barros que se ocuparam com a filosofia por aqui e nem por isso se lhes pode impingir a

pecha de diletantes (foram universitários da mesma tradição uspiana) ou tecnicamente

incapazes.

De resto, o trabalho com a temática em tela deve ser analisado por si e não a priori

pelo seu objeto, pois, em termos aristotélicos, este é um ente que, como qualquer outro da

espécie, apto está à ciência. Em que pese, por vezes, poder não guardar as características

(talvez) que mais plenificam os seres preferenciais deste campo de saber.

Uma breve passagem por BOURDIEU (2000), para dar um pouco do tom de nosso

trabalho, que visa menos a oposições doutrinárias que possíveis aproximações teóricas

aparentemente distintas.

Com a palavra nosso autor:

A questão da filiação de uma pesquisa sociológica a uma teoria particular do social – por exemplo, a de Marx, Weber ou Durkheim – é sempre secundária em relação à questão de saber se tal pesquisa tem a ver com a ciência sociológica: com efeito, o único critério para responder a tal pergunta reside na aplicação dos princípios fundamentais da teoria do conhecimento sociológico que, como tal, não estabelece qualquer separação entre autores que, em princípio, estariam separados no terreno da teoria do sistema social. Se a maior parte dos autores foram levados a confundir com sua teoria particular do sistema social a teoria do conhecimento do social que utilizavam – pelo menos implicitamente – em sua prática sociológica, o projeto epistemológico pode servir-se dessa distinção prévia para aproximar autores cujas oposições doutrinais dissimulam o acordo epistemológico.

O receio de que o empreendimento leve a um amálgama de princípios extraídos de tradições teóricas diferentes ou à constituição de um conjunto de fórmulas dissociadas dos princípios que as fundamentam é uma forma de esquecer que a reconciliação – cujos princípios temos intenção de explicitar – opera-se realmente no exercício autêntico da profissão de sociólogo ou, mais exatamente, na “profissão” do sociólogo, esse habitus que, sendo um sistema de esquemas mais ou menos controlados e mais ou menos transponíveis, é simplesmente a interiorização dos princípios da teoria do conhecimento sociológico. À tentação sempre renascente de transformar os preceitos do método em receitas de cozinha científica ou em engenhocas de laboratórios, só podemos opor o treino constante na vigilância epistemológica que, subordinando a utilização das técnicas e conceitos a uma interrogação sobre as condições e limites de sua validade, proíbe as facilidades de uma aplicação automática de procedimentos já experimentados e ensina que

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todo operação, por mais rotineira ou rotinizada que seja, deve ser repensada, tanto em si mesma quanto em função do caso particular (BOURDIEU, 2000, p. 13-14).

Como CRUZ COSTA parece sugerir, o comediógrafo21 talvez nos sirva de melhor

modelo que a dramaturgia no caso do estudo da história da filosofia do Brasil, tanto como

uma espécie de remédio contra o complexo de inferioridade frente aos historiadores da

“grande história da filosofia”, quanto, e ao mesmo tempo (o que é mais importante), não

incorrer, é claro, na falta de senso do ridículo (i. é, de proporções) de achar que o objeto

investigado possui o mesmo valor stricto sensu daquele mencionado.

Façamos a concessão de que o estudo da filosofia no Brasil do período cruzcostiano

lida com um material heteróclito (uma “matéria heteróclita” no dizer de ARANTES), de

qualquer forma é preciso inverter os termos.

Não é a matéria que se desvia dos princípios por ser excêntrica e extravagante, são

os princípios que se deviam do material ao qual se voltam exatamente por serem

excêntricos e extravagantes. Caso contrário, a teoria do geocentrismo é que estaria certa,

pois não seria a teoria ou os princípios que estariam errados, e sim a terra é que seria

heteróclita.

Daí a necessidade de uma pequena (micro até) “revolução copernicana” nos estudos

de história da filosofia no Brasil, pois ainda se busca uma espécie de Eldorado, uma busca

do ouro lastreada em lendas e não no mapa da mina e quando se encontra o existente faz-se,

ou como Fernão Dias Pais (Leme), o Bandeirante que toma o falso brilhante por esmeralda,

ou, ao contrário, a reação não pode ser outra que não a decepção, cujo modelo mais

acabado é o se segue: “que filosofia medíocre!”.

Uma história anacrônica que procura ver a produção escolar nos moldes

acadêmicos, como se buscasse a si mesma – si mesmo como padrão historiográfico – uma

espécie de epistemocentrismo – uma epistemologia “duvidosa” (para falar o mínimo).

Um exemplo. Se o pós-estruturalismo resgata as outras narrativas, não há então por

que não redirigir este olhar em prol daquelas narrativas filosofantes (menores?).

21 Quem sabe, e aqui o tom é mais lúdico que de qualquer insinuação gnosiológica, é claro, uma espécie de ecletismo genético ou construtivista como vertente epistêmica e outra espécie de método – methodus ludens – no âmbito metodológico para o estudo do ensino de filosofia no Brasil (tudo somado implicaria um certo grau de ludicidade, alguma ironia, uma dose de ceticismo, em vista de uma gota de cinismo).

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Talvez, no caso intelectual brasileiro, seja mais adequado falar em modernismo

filosófico brasileiro, pois o arquétipo tem sido sempre exterior. Mesmo as autocríticas

presentes na inteligência brasileira o referencial é o externo.

Por exemplo: passa-se de estruturalista para pós-estruturalista; de marxista para

filósofo crítico etc., mas, não a partir de um esgotamento teórico imanente e sim por uma

atualização comandada de fora (longe daqui qualquer defesa de esclerose metafísica, o

intuito é entender nossos modernismos).

O que não significa indistinção dos casos. Cada surto tem sua história e deve ser

analisado por si. O uspiano, a crer em ARANTES (1994), foi precedido por uma espécie de

“estruturalismo avant la lettre” presente no interior da história da filosofia, da qual foram

co-partícipes.

CÂNDIDO (1974) fala de seu “interesse pela estruturação”, um pouco parecido

com o que os discípulos de Bourdieu fazem com a noção de habitus, note-se, bem antes

destes últimos.

Bem, nosso interesse aqui foi mais de exemplificar que de esgotar os inúmeros

casos de atualizações intelectuais no Brasil.

Quanto à querela REALE, PAIM e Cia. de um lado e USP de outro, preferimos

conceder “a César o que é de César”. Do lado uspiano, o mérito pelo elevado padrão que

implantou no ensino da filosofia no Brasil. Do outro, o acerto, pouco importa se

involuntário ou não (como dissemos), com o registro documental e a preocupação com a

filosofia no Brasil, tirante o mito de uma “filosofia nacional” (e outras mitografias), por

certo, criticável.

Se não for muita heresia de nossa parte, diferentemente do rifão epistêmico de quase

meio século (sem nenhuma intenção utópica regressista de retorno sem mais a

epistemologia clássica, nosso alvo é apenas a vulgata da “descontinuidade e

transformação”), arriscamos a dizer que existe uma certa continuidade entre o ensino de

filosofia do século XIX e o ensino do século XX, cuja demonstração fica para mais adiante.

Fazer pesquisa sobre filosofia no Brasil (em particular do período em questão) é

catar um pouco os cacos de uma produção heterônoma, heteronomia polifônica, pois que

são vários os seus motivos.

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A filosofia (quase sempre) esteve a serviço de outros fins que os seus próprios

como: finalidades de escola, finalidades de política e educação etc. (a cada qual cabe um

estudo distinto).

Uma situação um pouco semelhante à filosofia medieval e colonial (2a escolástica

portuguesa) que servia à teologia.

A autonomia filosófica no Brasil é recente, por isso é compreensível o exaspero

uspiano que vimos logo atrás, aliás, um verdadeiro acontecimento (chega a ser heróico) se

considerarmos o clima de antiintelectualismo que pesa sobre as letras filosóficas nacionais.

Antiintelectualismo que não se configura como um irracionalismo (pelo menos

explícito) e sim através de um hiper dimensionamento da prática, mais pensada que

realizada, uma vez que essa inversão dos pólos, não só configura uma fragilidade teórica,

mas também prática, pois esta entregue a si, sem a teoria como componente integrante,

torna-se mesquinha e limitada.

Se nos fosse dado contrariar, quiçá mais a letra que o espírito, os escritos de CRUZ

COSTA (1956), diríamos que o fato da filosofia no Brasil não ter alcançado significativa

produção se deve exatamente à sua finalidade prática, a esta inclinação ao imediato, ao

concreto.

Convém, é claro, não confundir “retórica”, “gramaticismo”, “erudição livresca” etc.,

com teoria. Não pode ser pela via de uma protofilosofia, que confunde campo teórico com

campo da ação que se chegará àquela produção filosófica significativa.

Não nos parece possível uma filosofia que não seja teórica. Um truísmo? É, mas nas

circunstâncias (contexto) não é demais.

Como, de certa forma, anteviu Clóvis Beviláqua22, a qual, porém deu contorno

autocomplacente, se algum dia alcançarmos produção filosófica significativa ela só poderá

vir da cumeeira metafísica.

Se se entender esta última como uma tentativa malograda de se “fazer ciência do

supra-sensível” e que se quer evitar, então, um “retorno às coisas” só pode ser além da

metafísica e não aquém da mesma.

Sobre a filosofia no Brasil (conciliando um pouco), têm razão CRUZ COSTA e

isebianos, Arantes tem e até os que este último chama de “nativistas”, ao incentivarem a

22 Sobre o autor ver CRUZ COSTA (1956).

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constituição de centros de documentação, conservação e memória, bem como o incentivo

de sua exegese. O que não justifica a construção de mitos e lendas, uma vez que a filosofia

não é conhecimento religioso ou folclórico, às vezes até mesmo contrário, no mínimo

diferente.

Por isto, continuar a fazer história da filosofia no Brasil dando mais destaque a

nomes como Vieira Coelho, Jorge de Serpa Filho, Pinto Ferreira e Orris Soares (para ficar

apenas em alguns)23, sem se deter na USP, ou o que é pior, sequer tocar, é passar longe de

um estudo adequado da história da filosofia no Brasil (talvez se atinja melhor a pretensão à

verdade dizer: um estudo sobre a história do ensino de filosofia no Brasil).

Algumas obras tratam do problema da filosofia no Brasil como VAZ (1984) e

PRADO JR. (1986 & 2000), entre outras.

Se existe um problema da filosofia no Brasil, este não é tanto de descontinuidade

quanto de excesso de ensino e penúria de pesquisa (um pouco menor no século XX, e mais

agudo nos anteriores).

A filosofia escolar secundária do século XIX é muito mais estudo que pesquisa.

23 Ver JAGUARIBE (1957).

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3.3 – HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA FILOSÓFICA EM MINAS GERAIS

O enfoque historiográfico dos trabalhos que tratam tanto da filosofia quanto da

disciplina de filosofia em Minas Gerais no século XIX, nos mostra as marcas dos três tipos

de mentalidades apontadas por Roque Spencer Maciel de Barros e das tendências e

perspectivas que apontamos acima.

É uma produção historiadora que, quando faz uma história mais geral das idéias

filosóficas em Minas Gerais, ainda que diversifique mais suas fontes, perspectiva-se pelos

fatos filosóficos que, de alguma forma, se ligam ao ambiente religioso, e que, quando a faz

de modo mais específico, como a do seu ensino na educação do período, centra-se

exclusivamente em estabelecimentos religiosos do ensino de então e nas fontes em geral

oferecidas pelos mesmos.

Entretanto, nós a tomamos previamente tanto para sumariar a produção filosófica

em Minas Gerais no plano mais geral, quanto para descrever a situação do ensino da

disciplina nos seminários mineiros, que são os estabelecimentos de educação de que trata

essa produção historiográfica.

Buscamos, com o breve delineamento dessa produção, estabelecer relações entre os

resultados de nossa própria pesquisa histórica e os daquela.

RODRIGUES (1986), com seu trabalho Idéias Filosóficas e Políticas em Minas

Gerais no Século XIX, tipifica o primeiro caso da história acima mencionada.

Sua obra procura fazer uma periodização mais geral da filosofia em terras mineiras

no período, que ele categoriza por momentos filosóficos, subdividido-os em número de

cinco, ficando os mesmos da seguinte maneira: a) momento jesuítico; b) momento

pombalino ou do empirismo mitigado; c) momento da filosofia eclética; d) momento

positivista e e) momento culturalista.

O primeiro é correspondente à tradição barroca de Minas e caracteriza-se, segundo o

autor, como o prolongamento da consciência mineira do momento lusitano centrado no

campo religioso.

O próximo momento da filosofia mineira, enumerado por RODRIGUES (1986),

corresponde ao momento de ruptura com a tradição totalizadora barroca, ilustrada pelo

episódio da Inconfidência Mineira e pelo esfacelamento daquela consciência do momento

anterior. Incorpora o modelo cientificista do empirismo mitigado de Pombal.

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O terceiro momento é o do ecletismo filosófico, que para RODRIGUES (1986) é o

de recomposição mineira consigo mesma, da filosofia de síntese que incorporará a tradição,

a religião e a ciência.

O Pe. Antônio José Ribeiro Bhering ilustra esse momento, que, ao romper com o

espírito filosófico, totalizador e autoritário, do bispado marianense, inaugura um futuro

promissor para a filosofia em Ouro Preto.

Ao proferir, em sua aula inaugural, uma nova postura liberal, ele empolga os

estudantes da então capital mineira. Fato esse que ficou registrado no jornal O Universal,

periódico de mentalidade liberal existente na época.

Essa migração filosófica de Mariana para Ouro Preto, benfazeja, segundo a

expressão de RODRIGUES (1986), acabou numa radicalização, no sentido totalizador

barroquista, expresso pela Revolução Liberal de 1842.

As lições extraídas dessa experiência, como quer RODRIGUES (1986), traduziram-

se na maturidade da consciência mineira, no seu espírito de moderação, que o autor

identifica com o que veio a se chamar legitimamente de mineiridade. Nessa fase posterior

do terceiro momento filosófico mineiro, sobressai a figura do Pe. João Antônio dos Santos,

agora já em Diamantina e que será o seu futuro bispo.

A partir desse momento, Minas Gerais, segundo o autor, incorporará toda a tradição

filosófica e política emergente no Brasil, porém, ao seu modo, mantendo sua especificidade

e seu próprio projeto, sem conflitar, entretanto, com o da nação como um todo.

Rodrigo José Ferreira Bretas, nos termos de nosso historiador, expressaria essa

mineiridade em seu trabalho de assimilação do ecletismo, que representa a oportunidade da

convivência harmônica de uma variedade de interesses, num liberalismo moderado.

Assim, Minas Gerais contribui para o estabelecimento definitivo do Império

Brasileiro. Isso só foi possível, na ótica RODRIGUES (1986), porque a consciência mineira

foi capaz de eleger a reflexão filosófica como o meio primordial na consecução desse fim.

Com isso, para nosso autor, o ocaso do Império encontra a Província mineira

plenamente inserida nos debates filosóficos e políticos do país, propiciando assim os quarto

e quinto momentos filosóficos.

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As figuras de João Pinheiro e Antônio Olinto dos Santos Pires, que assumem a

liderança do movimento republicano de inspiração positivista, ao seu ver, exprimem o

quarto momento.

Com o quinto momento, que se circunscreve mais estritamente no campo filosófico

com a meditação de Augusto Franco, discípulo de Silvio Romero, completa-se o ciclo com

a filosofia do culturalismo (RODRIGUES, 1986).

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3.4 - A DISCIPLINA DE FILOSOFIA NOS SEMINÁRIOS MINEIROS

O segundo caso da historiografia há pouco descrita é ilustrada pela obra de ROCHA

(1985), que, em sua tese de doutoramento: O Ensino da Filosofia nos Seminários de Minas

Gerais nos Séculos XVIII e XIX, utiliza-se daquela periodização proposta por José Carlos

Rodrigues para fazer a história do ensino da disciplina nos estabelecimentos de ensino por

ele estudado.

O esquema proposto pelo autor, na sua referida tese de doutoramento, ainda que um

pouco longo, será por nós reproduzido, pois o mesmo permite visualizar resumidamente a

trajetória da disciplina de filosofia naqueles estabelecimentos de ensino, como quer o autor,

segundo cada um daqueles momentos filosóficos em Minas Gerais, tal como são

estabelecidos por RODRIGUES (1986).

O primeiro,

o momento jesuítico, cuja filosofia aristotélico-tomista é a da Segunda Escolástica Portuguesa o seu manual é o Cursus conimbricensis. A pedagogia é a da Ratio studiorum.

O seguinte é o momento pombalino do Empirismo Mitigado. A pedagogia é a proposta por Verney em O verdadeiro método de estudar. O manual adotado é a Lógica de Antônio Genovesi, o Genuense (1713-1769).

O Empirismo Mitigado será superado pelo Espiritualismo Eclético de inspiração francesa, baseada em Victor Cousin e Maine de Biran. Os manuais são Institutiones logicae et metaphisicae, de Sigmund Storchenau (1751-1795) e o Curso elementar de filosofia do abade E. Barbe. Ambos os manuais adotam o método psicológico.

O quarto, o momento positivista, coincide com o movimento político-filosófico pela República. O positivismo é a filosofia da intelectualidade de Mariana e Diamantina, apesar de não ser defendido ou aceito nos seminários.

Com a separação da Igreja e o Estado, acontecido na República e com a recomendação expressa na encíclica Aeterni Patris de Leão XIII, em 1879, volta o ensino da filosofia nos seminários a basear-se na escolástica. É a década de noventa. Assim, a escolástica volta a firmar-se como a filosofia dos mesmos (ROCHA, 1985. p. V-VI).

Em entrevista que realizamos com o autor, o mesmo resumiu esse trecho

esquematicamente do seguinte modo:

α) 1750 – 1759 � 2a. Escolástica Portuguesa (segundo ele, veio com os Jesuítas);

β) 1760 – 1830 � Empirismo Mitigado (nas palavras do mesmo, foi imposto);

�) 1830 –1850 (?) � Ecletismo Psicológico (ainda segundo ele, foi aceito);

δ) 1860 – 1889 � Positivismo no Brasil.

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Em que pese seu trabalho, aparentemente, ser mais próximo do nosso, uma vez que

circunscrito ao campo da educação, difere, contudo, não só quanto aos seus objetivos, mas

e, acima de tudo, da maneira como o autor concebe o ensino de filosofia na educação

mineira do período.

O autor, ao justificar o seu trabalho, a ele se refere do seguinte modo:

o presente trabalho sobre o ensino de filosofia nos seminários de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX é de grande importância para a filosofia mineira e todo o pensamento filosófico brasileiro, por serem os seminários, no citado período, os únicos educandários a cultuar as idéias filosóficas (ROCHA, 1985. p. V, grifos nossos).

Ora, só podemos entender essa afirmativa do autor como uma espécie de

radicalização contemporânea do modelo, proposto pela historiografia tradicional da

educação brasileira, que faz tábula rasa das fontes em detrimento dos interesses pré-

configurados pelo investigador, pois, como vimos, já nas primeiras aulas régias, criadas em

Minas, ainda no tempo da Capitania no século XVIII, o ensino de filosofia se fazia presente

entre as mesmas.

Mesmo a tese do ensino da filosofia do espiritualismo eclético nos seminários

mineiros do período, em questão, é aceita de forma muito tranqüila pelo autor, pois as

fontes indiciam uma relação mais problemática entre aquela filosofia e os estabelecimentos

religiosos de que fala o trabalho de ROCHA (1985).

No ano de 1865, é nomeada uma comissão, composta por Rodrigo José Ferreira

Bretas, Ovídio João Paulo de Andrade e J.Cesário de Faria Alvim, a fim de estudar a

instrução pública e dar um parecer sobre a mesma tendo em vista sua reforma, MOACYR

(1939).

No relatório da referida comissão, na parte que se refere aos estabelecimentos de

educação dirigidos pela “congregação da Missão”, é dirigida uma crítica à mesma, ainda

que indiretamente, quanto ao ensino de filosofia neles ministrado.

Diz o seguinte:

também ali pelo que respeita á organização da sociedade ainda se ensina a teoria do direito divino, e talvez mesmo sem modificação, ou a transação lembrada pelo abade Barbe, aliás o autor adotado pelo governo para o ensino de filosofia na província (MOACYR, 1939, p. 156-157).

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Como se pode verificar na passagem acima, se os seminários, dentre eles o famoso

Colégio do Caraça, adotavam o compêndio do autor eclético escolhido pelo governo para o

ensino de filosofia, como quer ROCHA (1985) no seu exclusivismo, de qualquer modo,

não ensinavam a teoria do direito nele contido.

Contudo, mais à frente, como vemos neste trecho, no seu relatório, a comissão,

antes referida, é mais direta e explícita quanto ao ensino de filosofia que se ministra em tais

estabelecimentos:

Parece também á comissão que naqueles colégios a filosofia é ainda “ancila teogoliae” e que o farol da razão é ali considerado como enganador... (MOACYR, 1939, p. 157).

A obra historiográfica, em questão, não se pronuncia sobre esse trabalho de

MOACYR (1939), e olhe que esse último é um historiador considerado por muitos como

um clássico da história da educação do século XIX24, não sendo, portanto, informação

adquirida de nenhum documento extraído de algum fundo de gaveta empoeirada de

arquivo.

Entretanto, no afã de fazer valer a afirmação de que os seminários eram “os únicos

educandários a cultuar idéias filosóficas”, sequer percebe que os mesmos resistiram ao

projeto de modernização conservadora que, então, se buscava efetivar no ensino secundário

mineiro, cuja filosofia era a do espiritualismo eclético.

Os seminários, segundo uma fonte clássica e básica para o estudo do ensino no

século XIX e de amplo domínio, conforme MOACYR (1939), estiveram aquém dessa

filosofia espiritualista eclética, senão todos, pelo menos um dos mais famosos, como o do

Caraça, como visto acima.

Isso explica, em parte, a necessidade de criação de estabelecimentos do tipo

daqueles cujo Liceu Mineiro foi o modelo por excelência.

Nesse sentido, a filosofia ensinada no Liceu Mineiro, como veremos, em seguida,

através da documentação examinada, da data de sua criação à mudança de seu nome para

24 Ver CALVI & SCHELBAUER (2003).

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Ginásio Mineiro, quando cessa o ensino de filosofia no estabelecimento (devido à crença

positivista daqueles republicanos), foi a filosofia do ecletismo.

O apogeu do ensino do ecletismo, em Minas Gerais, no século XIX, se dá através do

ensino liceal.

A filosofia eclética compõe e exprime, na parte que lhe cabe, esse projeto de

modernização educacional no período, e o Liceu Mineiro, por sua vez, participa do mesmo

não só como o produto mais acabado desse projeto, más também, como produtor e

reprodutor do mesmo.

A filosofia do Liceu Mineiro é a filosofia do ecletismo espiritualista, bem como a

filosofia eclética é uma filosofia liceal.

Quanto a esse ensino da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro, que veremos a

seguir, começaremos pelas fontes, mesmo que para retomar alguns temas tratados em

unidades anteriores, porém, uma necessidade em vista da afirmativa contrária.

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CAPÍTULO IV – A CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO LICEU MINEIRO

A criação do Liceu Mineiro se deu em 03 de janeiro de 1854, através do

regulamento n0 27, autorizado pela lei 516 de 1851, expedido pelo presidente provincial F.

Diogo Pereira de Vasconcelos, como já dissemos mais de uma vez.

O regulamento diz o seguinte:

fica creado nesta capital um Liceu em que se ensinarão as seguintes matérias; gramática e filologia da língua nacional; gramática latina e poética; francês; inglês; geografia; história; filosofia; retórica; matemáticas elementares; farmácia do 1o. ano; farmácia do 2o. ano (LIVRO DAS LEIS MINEIRAS, PARTE 2a., p. 45grifos nossos ).

Segundo MOURÃO (1959),

o Liceu Mineiro instalou-se em 5 de fevereiro de 1854, sob a direção do Sr. José Rodrigues Duarte, secretariado pelo Dr. Carlos Tomás de Magalhães Gomes. O discurso da solenidade da inauguração foi pronunciado pelo notável escritor mineiro Dr. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, que era professor do estabelecimento novo” (...). “Os estudos do Liceu eram orientados para o ensino clássico humanista (...). As matérias distribuídas aos professores eram as seguintes: Retórica e Filologia, a cargo do Dr. Bernardo Guimarães; Filosofia, confiada ao Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha; Geografia, a ser lecionada por Domingos Ferreira Pena; Francês, pelo Sr. Eduardo Abadie, Latim do 1o. e 2o. anos, pelo professor José Fernandes Joviano; Taquigrafia, por Camilo Luis Maria; para Matemática foi proposto o Dr. Francisco Galdino da Costa Cabral. Foram nomeados, além dos professores, os seguintes funcionários: amanuense; José Orozimbo Oliveira Jaques; porteiro, Marciano Moreira da Silva; contínuo, Herculano dos Reis Coutinho (MOURÃO, 1959, p. 169-170, grifos nossos).

Como se pode ver acima nos documentos, a filosofia esteve presente no ensino do

Liceu Mineiro, desde o momento de sua criação, o que nos remete, de modo frontal, à sua

gênese.

Ao analisarmos a documentação que mais diretamente se refere à história da

disciplina de filosofia no Liceu em busca de sua reconstituição (a nos importar, nesta sua

gênese, sua estrutura e seu desenvolvimento), através do material de nossa investigação,

vamos procurar, nesse mesmo movimento, reconstituir a cultura escolar liceal, ainda que de

forma aproximada, uma vez que a história de uma disciplina escolar fica comprometida

sem a compreensão da cultura escolar da qual é co-partícipe.

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Para tanto utilizaremos os aportes teóricos da abordagem sociocultural da sociologia

do currículo de autores, como FORQUIN (1993), ampliado com a reflexão de MAFRA

(2003), no que se refere à sociologia dos estabelecimentos escolares, e de um historiador

das disciplinas escolares, para definição de cultura escolar, no caso JULIÁ (2001), para

análise mais geral do Liceu Mineiro.

Quando a análise procurar recobrir o específico – a disciplina de filosofia

propriamente – chamaremos autores que lidam mais diretamente com a história das

disciplinas escolares como CHERVEL (1990) e GOODSON (1990), além de JULIÁ, entre

outros, que serão identificados ao seu tempo, aproximando-nos neste caso de uma análise

sócio-histórica.

A abordagem sociocultural entende que

as instituições escolares não podem ser analisadas fora do tempo e do lugar onde atuam, pois expressam um lento processo de construção social e cultural, no qual influem tanto as necessidades e interesses da sociedade, quanto ações, significados, desejos, experiências coletivas e individuais daqueles que passam pelas escolas. Se as instituições escolares cumprem, por um lado, funções sociais determinadas, elas igualmente se modificam independentemente dessas determinações, pois são moldadas e construídas pela história sociocultural e profissional de seus personagens, de suas vivências, de suas realizações, de seus sonhos e de suas possibilidades (MAFRA, 2003, p. 124-125).

Uma das dimensões culturais, priorizada nas pesquisas por essa abordagem nos

estudos dos estabelecimentos escolares, no dizer de MAFRA (2003), é a da cultura escolar,

que pensamos ser a mais apropriada ao nosso trabalho, uma vez que esses estudos

tendem a privilegiar as transformações e impregnações que constituem a vida escolar, reconstituindo a trajetória histórica e social de instituições escolares, a partir de recortes espaço-temporais mais demarcados. Busca-se identificar a presença de um ethos escolar na maneira de ser, de agir, de sentir, de conceber e representar a vida escolar, as vivências de alunos e professores que passaram por um estabelecimento de ensino, num determinado momento histórico”. (...) “Entendamos, pois, que esses estudos ganham dimensões sociais e culturais mais abrangentes ao relacionarem a trajetória de escolas e de seus atores ao movimento das idéias e das práticas pedagógicas que predominaram na sociedade e no meio educacional, em determinado período histórico” (MAFRA, 2003, p. 128-129).

Os documentos analisados, a seguir, nos aproximam daquela cultura acima referida,

definida na esteira de JULIÁ (2001) como

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um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIÁ, 2001, p. 10).

MAFRA, ao citar o trabalho de FORQUIN (1993), indica três eixos temáticos

presentes nas investigações sobre a cultura escolar que nos ajudam a organizar nosso

trabalho.

São eles:

a) as normas e finalidades que regem a escola; b) avaliação do papel desempenhado pela profissionalização do trabalho do educador ao longo da história da educação; c) a análise histórica dos conteúdos ensinados e das práticas escolares (MAFRA, 2003, p. 130).

Para CHERVEL (1990), a especificidade da História das disciplinas escolares é o

ensino da “idade escolar”.

Segundo ele,

a história dos conteúdos é evidentemente seu componente central, o pivô ao redor do qual ela se constitui. Mas seu papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os resultados concretos que eles produzem. Trata-se então para ele de fazer aparecer a estrutura interna da disciplina, a configuração original à qual as finalidades deram origem, cada disciplina dispondo, sobre esse plano, de uma autonomia completa, mesmo se analogias possam se manifestar de uma para outra (CHERVEL, 1990, p. 187, grifos nossos).

Conforme essa argumentação, a investigação das finalidades se torna mais

transparente no momento em que são impostos novos objetivos à escola, pois é possível

detectar, dentre a quantidade enorme de iniciativas, o triunfo daquela pela qual é possível

reconstituir, mais precisamente, a natureza da finalidade imposta.

Se, no sentido que lhe dá CHERVEL, as disciplinas escolares, no seu aspecto

funcional, preparam a aculturação conforme certas finalidades, isso explica sua gênese e a

constituição de sua razão social.

Entretanto, consideradas em si mesmas, elas tornam-se entidades culturais que

transpassam os muros da escola intervindo, também, na história cultural da sociedade.

CHERVEL conclui que

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é às circunstâncias de sua gênese e a sua organização interna que as disciplinas escolares devem o papel, subestimado, mas considerável, que elas desempenham na história do ensino e na história da cultura. Fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos, elas constituem por assim dizer o código que duas gerações, lentamente, minuciosamente, elaboram em conjunto para permitir a uma delas transmitir à outra uma cultura determinada. A importância dessa criação cultural é proporcional à aposta feita: não se trata nada menos do que da perenização da sociedade. As disciplinas são o preço que a sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da escola ou do colégio (CHERVEL, 1990, p. 222).

GOODSON (1990), ao estudar os padrões de explicação contemporâneos das

matérias escolares, rejeita tanto o modelo sociológico, quanto o filosófico, por estes não se

aterem, à dinamicidade própria às disciplinas na sua evolução, fazendo dessas entes

intemporais de conteúdo, medido apenas pelo seu valor íntimo.

Para ele,

o estudo do conhecimento em nossa sociedade deveria ir além de um processo a-histórico de análise filosófica, em direção a uma investigação histórica detalhada dos motivos e das ações por trás da apresentação e da promoção das matérias e disciplinas (GOODSON, 1990, p. 236).

Assim, o códice da Seção Provincial 497 do Arquivo Público Mineiro, que se refere

a medidas tomadas em relação ao Liceu no período, aponta naquela direção que buscamos

compreender:

Diretor do Licêo e 1º Círculo literário conforme o artigo 2º do Regulamento nº 27 de 3 de janeiro de 1854 e art. 15 do Regulamento nº 28 de 1º de janeiro de 1854: José Rodrigues Duarte (...) artigo 9º do Regulamento nº 27 de 1º de janeiro de 1854 – Secretário: Dr. Carlos Thomas de Magalhães (SP. 497, p. 127).

O artigo 35 do mesmo Regulamento (nº 27) de 3 de janeiro de 1854, agrega três

cadeiras ou duas a um só professor (SP. 497, p. 108). O mesmo documento, quando se

refere a colégios, o nome do professor é Lente (SP. 497, p. 129). O artigo 59 do

Regulamento nº 28 afixa leituras para a instrução secundária (SP. 497, p. 155).

Nesse sentido, o códice da Seção Provincial 544, de “Registro de ofícios da

Diretoria do Liceu Mineiro ao Governo de 1854 a 1860”, faz o seguinte registro: “José

Rodrigues Duarte Diretor do Liceu e vice-diretor geral da instrução pública” (SP. 544, p.

1).

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Outro códice da seção provincial, consultado (no. 549), de “Registro de Diplomas de

Professores e outros” (1854 a 1865) informa, de modo hierárquico, os nomes que

ocuparam a estrutura de ensino do período e a nomeação dos professores do Liceu Mineiro:

a) Chantre Antônio José Ribeiro Bhering é secretário da província e diretor geral de

instrução pública em 22 de fevereiro de 1854; b) o Regulamento nº 28, de 1º de janeiro de

1854, autoriza nomear para direção de círculo literário e professores do “Liceu desta

capital”. O Regulamento nº 27, de 03 de janeiro de 1854, também autoriza essas

nomeações. José Rodrigues Duarte = diretor do Liceu e do 1º círculo literário (SP. 544, p.

1-4). Nomeação de Bernardo Guimarães pelo artigo 44 do Regulamento nº 28 de 10 de

janeiro de 1854. Herculano Cezar de Miranda Ribeiro – Diretor do 1º círculo literário em

17 de Maio de 1854 (SP. 549 p. 9). Registra, ainda, o discurso de inauguração pronunciado

por Bernardo Guimarães (Ofício nº 4 – SP. 549 p. 1). Em 2 de março de 1854 – “o

professor de philosophia Rdº Joaquim Ferreira da Rocha recebe 1,000,000 de ordenado

por ano” (SP. 544 p. 4).

Nesse sentido, além dos relatórios e códices referidos, que nos indicaram a presença

da disciplina de filosofia no Liceu, desde sua criação, como já antecipamos, dos lentes

(como os professores de instrução secundária eram chamados nesse nível à época) e

substitutos daquela cadeira ao longo do tempo, nos códices da seção provincial, uma vasta

documentação, encontramos muitos indícios, veiculados através de uma série de práticas e

medidas normativas tomadas tanto em relação ao Liceu Mineiro de forma mais geral

quanto mais especificamente à disciplina de filosofia nele ensinada, que nos permitiu a

proximar tanto da cultura escolar quanto da cultura filosófica liceal.

É o que veremos nas partes do trabalho que seguem.

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4.1 – A FORMA ESCOLAR E A CONSTITUIÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA ESCOLAR E DA CULTURA ESCOLAR DO LICEU MINEIRO.

Nesta parte do capítulo, subdividida em duas, vamos procurar focar nossa análise no

enquadramento que a forma escolar faz das disciplinas escolares e que será centrada em

particular na disciplina de filosofia e na singularidade da disciplina filosófica liceal.

I

O relatório de transmissão de administração, de 1856, do Presidente da Província,

Conselheiro Herculano Ferreira Penna, na parte que se refere à instrução pública, informa o

no. de matrícula por disciplinas no Liceu Mineiro, entre elas o da filosofia:

a matricula das diversas aulas no corrente anno foi a seguinte: em Grammatica Portugueza 16, Rhetorica 8, 1o. anno de Latim 25, 2o. dito 4, Inglez 5, Matemáticas elementares 11, Francez 20, Geografia e Historia 9, Philosophia 1, Taquigrafia 8, 1o. anno de Pharmacia (Chimica e Botânica) 7, 2o. anno (Pharmacia e Matéria Medica) 3, Total – 125 (RGMTA/APM, p. 15, grifos nosso).

Já no “Relatório do Estado da Instrução Publica, e Particular da Provincia de

Minas Gerais – Anno de 1856 – pelo Diretor geral interino da Instrução Publica Doutor

Joaquim Delfino Ribeiro da Luz a 11 de Março de 1856”, o mesmo traz a relação de

cadeiras e seus respectivos lentes, como os professores da instrução secundária eram

chamados à época.

Selecionamos o caso da filosofia assim descrito: “Relação das Cadeiras de

Instrução Intermédia – Philosophia – Padre Joaquim Ferra. da Rocha. (REIPP/AN4, p. 1).

O “Códice da Seção Provincial 542 do Arquivo Público Mineiro”, daqui para frente

terá a seguinte abreviação que servirá de modelo às demais: SP. 542, diz que: “em 02 de

fevereiro de 1856 dos 86 alumnos do Lycêo Mineiro, 1 frequenta a aula de Philosophia:

Francisco de Paula Fernandes” (SP. 542, p. 61)

Entretanto, no mesmo códice, mais adiante, a referida aula aparece do seguinte

modo:

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no anno de 1856 a Aula de Philosophia do Licêo Mineiro esteve fechada em função da ausência do Professor o Rdo. Joaquim Ferreira da Rocha, que se empregou como Capellão cura em um Districto do Termo de Marianna (SP. 542, p. 83).

O mesmo códice, em outro tópico, ainda informa que “no anno 1858, 4 alunnos dos

62 alunnos do Licêo freqüentam a Aula de Phylosophia” (SP. 542, p. 125).

O Códice da Seção Provincial, no. 545 (SP. 545), nos informa sobre os alunos

matriculados, do ano de 1854 a 1860, em filosofia no Liceu Mineiro.

São eles:

João Affonso de Figueiredo em 31 de janeiro de 1854; Honório Henriques Soares do Couto em 3 de fevereiro de 1854; Ovídio João Paulo em 6 de fevereiro de1854; Olimpio Ferraz de Faria e Oliveira em 13 de fevereiro de 1854; Francisco João de Oliveira em 14 de fevereiro de 1854 (faleceu em 5 de maio de 1854); João Mecias da Costa Reis em 23 de fevereiro de 1854; Francisco de Assis Rocha em 11 de março de 1854; Fortunato Theodoro de Oliveira em 5 de janeiro de 1855 (saiu); Manoel Archimedes da Cunha Guimarães em 3 de março de 1856; Francisco de Paula Fernandes Rabello em 6 de fevereiro de 1856; Pedro d’Alcantara Feu de Carvalho em 10 de agosto de 1857; Francisco José Lopes em 1859; Augusto Cezar dos Santos em 24 de janeiro de 1859; Carlos José dos Santos em 1860 e Evaristo Roiz Frade em 1860 (SP. 545).

É autorizado pelo conselheiro Presidente da Província, por portaria de 15 de janeiro

de 1859, o disposto no parágrafo 8º do artigo 4º da Lei Provincial nº 869, de 5 de junho do

anno próximo findo (1858), um tratamento especial em relação aos alunos.

Ou seja:

o uso moderado de castigos phisicos na sala de estudo do Lycêo Mineiro, sob a regência de V. Sª a quem Deos guarde. Mmo. Snr. Eduardo Abadie, digno Professor de História e Regente da sala de Estudos do Lycêo Mineiro. O Director Supplente Doutor Eugênio Celso Nogueira (SP. 1228).

O Liceu Mineiro tem um professor que é regente de uma sala de estudos, o que

denota uma organização escolar bastante complexa e que, às vezes, era utilizada para

situações especiais, como nesse caso ou mesmo o fato de o castigo “moderado” compor

uma modalidade “especial” de estratégia para efetivar esses estudos.

Dois documentos confirmam, ainda o que se disse acima:

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• Em 25 de janeiro de 1859, é o prof. de História Eduardo Abadie “regente da sala de

Estudos do Lycêo” (SP. 1228). Nomeação de “Eduardo Abadie para regente da

sala de Estudos do Lycêo Mineiro em 3 de Fevereiro de 1859” (SP. 639, p. 104).

• Uma estratégia de ensino referente aos alunos: “em 17 de fevereiro de 1859, é

proposta pela Diretoria do Lycêo Mineiro, a creação de um decurião ou monitor

para...” (páginas perdidas). O decurião é eleito entre “aquelles alunnos” (...) “que

por seu comportamento e circunspecção” merecer confiança (SP. 1228).

Constituição de uma rotina escolar na maneira de tratar com o aluno: um “alunno”

pede autorização para freqüentar uma aula e deixar outra da mesma cadeira de um lente, a

mesma é deferida com a ressalva de “não resultarem inconvenientes para a regularidade e

disciplina dos trabalhos escholasticos do Lycêo Mineiro” – o pedido é justificado pelo

alunno – “visto como ser-lhe hia isto impossível attentos os serviços domésticos que o

mesmo alunno presta a seu pai” (SP. 1228).

Ora, a escola tradicional, ao seu modo, é claro, se preocupava com a realidade do

aluno.

Em 10 de maio de 1859, uma fala sobre a disciplina do “Lycêo Mineiro” onde o

diretor chama a atenção do professor substituto ao referir que

algum silencio seria indicio da attenção às explicações e tomada das lições”, o diretor pede ao mesmo professor que “ponha termo à semelhante practica”, pois o comportamento contrário dos alunos “só própria das aulas do ensino primário” (...) “de nenhuma forma se pode tolerar em hum estabelecimento como o Lycêo, onde, funciona ao mesmo tempo outras aulas, pode perturbar o bom regimem que desejo manter (SP. 1228).

• Vestígios sobre o controle e molde que deveriam imperar na disciplina escolar de

nível secundário e norma modelar de uma cultura escolar que se quer realizar,

através de práticas apropriadas, a um tipo de estabelecimento como o “Lycêo”.

• Mais uma movimentação corriqueira naquele rico acontecer escolar liceal. Desta um

aluno: Olimpio Bernardes de Lima que pede para matricular-se no curso completo

do “Lycêo”. O pedido é deferido em 28 de janeiro de 1874 (SP. 1228).

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• Alunos do “Lycêo” pedem para serem submetidos aos exames de “Francez e

Arithmetica” e assim poderem matricular-se no curso posterior (SP. 1228). Cultura

da lógica do pré-requisito.

• No mesmo códice, aparece mais um “alunno” pedindo para que se lhe dê posse de

certidão de exame que prestou na matéria dada (SP. 1228).

Veremos, agora, alguns vestígios sobre as práticas dos alunos em sala de aula, em

relação à filosofia e a forma de concebe-la na cultura escolar de então, deixados pela fala de

uma personagem importante na configuração da cultura escolar do Liceu Mineiro e da

filosofia ensinada no mesmo:

O “Director Geral da Instrucção Publica, em Ouro Preto, 5 de Novembro de 1858”

comenta o “officio” recebido em 4 do mesmo, “à que acompanha hum Impresso contendo

as Theses Philosophicas (mui bem escolhidas), cuja sustentação incubirá a dous Alunnos

da Aula sob sua direção” (SP. 637 p. 56).

O diretor é Rodrigo José Ferreira Bretas – o mesmo, em tom elogioso, declina de

convite do Cônego José de Souza e Silva Roussin, diretor do Collegio Roussin, de assistir à

dita aula, que, segundo o mesmo, contribuiu “assim para ainda mais acoroçoar no estudo

da primeira das Sciencias os Alunnos da dita Aula” (SP. 637, p. 56-57, grifos nossos).

Os exames dos alunos no Lycêo Mineiro eram feitos por examinadores escolhidos

pelo Diretor Geral da Instrucção Publica (nesse caso, Rodrigo J. F. Bretas novamente) no

final do ano letivo – a data: 11 de novembro de 1858 – que determinava também que o

“Director do 1o Circulo Literário e do Lycêo” se encarregasse do período dos exames finais

(SP. 637 p. 56-57).

• Mais vestígios sobre a cultura dos exames no Liceu Mineiro: o Presidente da

Província determina o dia de entrega de “prêmios aos Alunnos do Lycêo Mineiro

que mais se distinguirão nos exames que fizerão no presente ano lectivo” – 22 de

Dezembro de 1858 (SP. 637 p. 63).

• Algumas pistas sobre o ordenamento jurídico na instituição de uma cultura escolar

que se quer disciplinada: em 17 de dezembro de 1858, é expedida uma portaria pela

Presidência da Província estabelecendo “regras acerca da matricula dos cidadãos

que pretendem freqüentar as Aulas do Lycêo Mineiro” (SP. 639 p. 93).

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• Ainda sobre o período de matrícula no “Lycêo Mineiro”, o Diretor Geral da

Instrução Pública, Rodrigues J. F. Bretas, orienta o “Director do Lycêo” a ouvir os

respectivos Lentes do mesmo sobre

quaes os Alunnos que se tem mostrado incorrigíveis ou que tem prejudicado aos outros com seu exemplo, como seja não tiveram a freqüência recomendada pelos mesmos Lentes ou estiveram de falharem e sem que justifiquem concludentemente as suas falhas, afim de que esta Directoria tome a respeito a deliberação que julgar mais conveniente (SP. 639, p. 91-92).

Passagem que denota a constituição de critérios disciplinares de depuração tendo

por parâmetro os alunos mais aptos.

• Em 24 de setembro de 1858, durante

os consertos do Edifficio, em que se acha estabelecido o Lycêo Mineiro (...) o Director Geral da Inst. Pub. Rodrig. J. F. B. informa ao Director do Lyceo, Major Luiz Maria da Silva Pinto” para que “declare aos respectivos Lentes que durante os Primeiros dias dos mesmos consertos deverão leccionar em suas casas, conforme dettermina. S. Excia o Snr. Conselheiro Presidente da Província (SP. 639, p. 87).

Que será que indicia essa indistinção entre público e privado? Um regresso a uma

prática educacional antimoderna ou um recurso econômico? Ou ambos?

Pareceu-nos um momento de transição, que, em situações mais críticas, lança mão

de velhas formas ainda próximas no tempo.

A seguir, um documento importante para o nosso trabalho (que retomaremos mais

adiante), pois conserva vestígios dos compêndios e livros utilizados pelos alunos nas aulas

de filosofia do Liceu Mineiro, os quais nos possibilitam a reconstituição do conteúdo

filosófico ali ensinado:

Directoria Geral da Instrucção Publica. Ouro Preto 14 de Setembro de 1858. Ilmo e Exmo Senr. – Parecendo-me conveniente que se uniformise o ensino publico em todas as Aulas desta Provincia, e que os respectivos Alunnos se mostrem possuidores de todos os Compêndios e Livros de consulta concernentes a matérias à que se applicão, tenho a honra de propor a V. Excia. a adopção dos seguintes livros nas Aulas abaixo indicadas”.

De Philosophia • Barbe; • De consulta confrontação Manual de Philosophia por Amedee Jaques –

Jusis Simoni e Smille Sausset; • Ponelle (Edme Ponelle); • Laromiguiere;

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• Dameron; • Jouffroy; • Bouvier.

Esta Directoria aguarda esclarecimentos afim de propor a V. Excia. os compêndios e Livros que devem ser adaptados em outras Aulas (do Lyceo) e bem assim os diversos utensis e objetos distinados ao ensino que devão existir nellas para uso commum dos respectivos Alunnos e durante o tempo lectivo – Deos Guarde a V. Excia. Ilmo. Exmo. Senr. Conselheiro Carlos Carneiro de Campos, Digníssimo Presidente desta Província – O Director Geral Rodrigo José Ferreira Bretas (SP. 680, p. 154-155, grifos nosso).

É importante, ainda, chamar a atenção, no documento, para o destaque a que

conferimos à idéia de uniformização do ensino.

Mais um giro no tempo, pois, às vezes, os documentos não dispõem as informações

em ordem cronológica como é o caso desse códice que retorna ao ano de 1854, e mais

vestígios sobre os alunos de filosofia do Liceu Mineiro:

Em 25 de Setembro de 1854 – 2 alunnos de Philosophia para fazer exames” (...). Não poderão ser admitidos nas Aulas de Philosophia e Rhetorica aquelles alunnos, que se não mostrarem versados na língua latina – artigo 23 do Regulamento nº 27 em 9 de novembro de 1854 – (...). Alunnos de Philosophia relacionados para os exames de 21 de novembro de 1854: os senhores Ovidio João Paulo de Andrade, Honorio Henriques Soares do Couto (SP. 544, p. 27-30).

É importante observar que Ovidio João Paulo de Andrade, que foi aluno do Liceu,

futuramente desempenhará papel relevante na educação do período, como professor do

próprio Liceu Mineiro e como ocupante de posições de direção na hierarquia do sistema

educacional de então e, ainda, autor de uma obra didática, como hoje denominamos,

utilizada no ensino de matemática daquele período (SP. 544, p. 29, 30 e 32).

Esse relato, envolvendo por ora os alunos de filosofia do Liceu Mineiro, nos indica

a capacidade daquela instituição de produzir seus próprios agentes, como é o caso de

Ovidio, que, mais à frente, exercerá, além de outras ocupações, como veremos, o cargo de

professor de filosofia do Liceu inclusive, pois foi professor de outras disciplinas também.

Em 18 de Junho de 1855, o diretor do Liceu indefere um pedido do aluno Antonio

de Paula Oliveira Bicalho, solicitando matrícula nas “Aulas de Matemáticas elementares e

Philosophia”, porém o diretor (José Rodrigues Duarte) defere a matrícula apenas para a

aula de matemática (SP. 544).

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Essa é uma passagem importante, pois, aparece na documentação que trabalhamos,

a relação da filosofia com as “Matemáticas elementares”, em geral, mais próxima ao

campo que hoje denominamos de humanidades, porém não aparece, ao menos nos

documentos, em que pese ser em menor número, distante ou avessa à ciência ou à

tecnologia como comumente se pensa, como veremos mais adiante em documentos onde

esse encontro se dá de forma menos fortuita que neste.

Apesar de todo cuidado que transparece na instituição de uma cultura escolar liceal

exemplar, o registro de uma prática indesejável, a ocorrência de briga entre alunos: “Paulo

Barbosa Feu de Carvalho – aluno do Lycêo Mineiro – envolvido em briga entre alunnos”

(SP. 544 p. 63).

Mais indicações dessa diversa cultura escolar, envolvendo uma dinâmica prática na

instituição de normas escolares tanto em relação ao aluno quanto ao professor.

Em novembro de 1855, 3 alunnos se apresentavam para o exame de Philosophia = João Affonso de Figueiredo, João da Costa Monteiro, João Joaquim Pereira” (...). Em “23 de Maio de 1856 – O Lente de filosofia Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha pede licença de três meses, tendo apenas um aluno matriculado (SP. 544, p. 112).

Um caso curioso de uma dupla transferência em que um professor do Liceu passa a

lecionar outra disciplina e leva consigo o antigo aluno da antiga disciplina, o que, em certa

medida, denota um tipo de relação entre professor e aluno que se fez presente no ensino de

filosofia naquele momento.

Em

5 e 7 de julho de 1857 – Major Luiz Maria da Silva Pinto Diretor Geral suplente da Instrucção publica e Carlos Thomaz de Magalhães Gomes diretor suplente do Liceo atende o pedido de Pedro Alcântara Fernandes Carvalho alunno da Aula de Geografia e História de transferência para a de Philosophia, e do lente da dita disciplina – Francisco de Paula Pereira Lagoa – para a de Philosophia (SP. 544 p. 117).

Randolfo José Ferreira Bretas, filho de Rodrigo José Ferreira Bretas, é

“supplicante” de matricula no Liceu Mineiro (SP. 544 p.136).

Por ser o filho de um nome expressivo da educação do período, como Rodrigo José

Ferreira Bretas, não deixa de ser indício do prestigio daquela instituição escolar.

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Candido Luis Maria de Oliveira, aluno do Liceu Mineiro, é “Aprovado Plenamente

em Philosophia em 24 de novembro de 1859” (SP. 544 p.190).

Uma curiosa expressão, “Aprovado Plenamente”, para se referir ao aproveitamento

de um aluno em filosofia.

Será que existia uma outra forma de aprovação?

Um quadro de freqüência de “alunnos” por matérias nos indica que o ensino de

filosofia do Liceu Mineiro, no período, não era tão freqüentado se comparado com o

conjunto das disciplinas oferecidas, pois as freqüências maiores são nas línguas modernas,

no latim, nas matemáticas e na história e geografia conforme o códice SP. 1199 de junho de

1867:

- Latim = 30 alumnos; - Francez e Inglez = 47 alumnos; - Mathematicas elementares = 17 alumnos; - Philosophia = 4 alumnos; - Geographia e História = 10 alumnos; - Rhetorica e Poética = 4 alumnos (SP. 1199, grifos nosso).

Em outro Códice de Instrução Pública do Arquivo Público Mineiro (Códice IP 124)

aparecem mais dados sobre a “Matrícula dos Alunnos do Liceu Mineiro de 1877 a 1883” –

onde selecionamos os alunos matriculados em “Philosophia”:

- Em 1877: Luiz Galo Leite Ferreira Junior; Luiz Banhoz da Silva; Antonio Luiz

Maria de Britto; Pedro Augusto de Figueiredo Lima (Sabará); João Bento Soares; Ramiro Firmino Santiago; Benjamim Firmino de P. Aroeira; Estevan de Luiz Negreiros; Francisco Augusto Cezar; Francisco Coelho Duarte Badaró; Antonio Tomaz da Silva Campos; Nicolau Álvares da Silva Coutinho; Alexandre Álvares da Silva Coutinho; Francisco da Costa Pereira Santos; Manuel José Moreira dos Santos; Luiz Caetano da Silva Guimarães; Luiz Joaquim Nogueira Villas Boas da Gama; Francisco de Paula Nogueira Villas Boas da Gama; Ângelo Vieira Martins; José Copertino Gonçalves Fontes; Antonio Bittencourt Amarante Jr.; Joaquim Pinheiro Tavares; Francisco Xavier de Azevedo Coutinho; João Miz. Ferreira da Silva; José Joaquim Campos Valladares; Augusto Clementino da Silva; Dario Clementino da Silva; Antonio Augusto de Lima (Congonhas de Sabará); Bernardino Augusto de Lima (Congonhas de Sabará); José Cezario de Miranda Lima; Alberto M. M. de Barros; (No 154, p. 26 Teotônio Pessoa de Magalhães Castro); Pedro Batista de Azevedo Vianna; José Pedro de Arantes Raso. (Até aqui – 41 “alunnos” – todos matriculados em 1877).

- Em 1878: Boaventura Seraphico de Britto Guerra; Casildo Maria da Silva Leal; Francisco Alves de Oliveira; Rodrigo Nazareth de Souza Reis (Diamantina); Antonio Augusto Barbosa (Congonhas de Sabará); Antonio Carlos Soares d’Albergaria (Ouro Preto); Francisco da Silva Campos Bayer; João Gualberto Ferreira da Silva (Filho do Barão de S. João D’El Rei – S. João d’El Rei); Egidio

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Pereira Soares (Ouro Preto); Agenor Bento Ferreira Salgado; Sebastião Bento Ferreira Bretas (Juiz de Fora); João Salomé Queiroga Jr. (Campanha); Bernardino Salomé de Queiroga; Rodrigo Duarte Castro (Parahyba).

- Em 1879: Casildo Maria da Silva Leal (S. Paulo); Rodrigo Duarte Castro; Saturnino Pereira de Magalhães (Cabo Verde); Henrique Augusto d’Oliveira Diniz (Barbacena); Augusto Bhertoldo Lopes Mendes Reh; (S. João d’El Rei); Custódio José da Silva Guimarães; Cornélio Goulart Vilela; Belisário da Cunha Melo; Francisco da Silva Campos Bayer.

- Em 1880: Francisco de Paula Amaral (Ouro Preto); Francisco de Paula Barbosa; Olegário Ribeiro da Silva Castro; Constâncio Augusto Athaide; Antonio Versiano de Figueiredo Murta.

- Em 1881: Caetano Machado Francisco Marinho; Francisco José d’Almeida Brant (Diamantina); Francisco de Paula Carneiro; Francisco Infante Vieira Jr.

- Em 1882: João José Vieira Junior; Pio Alves Pequeno; Francisco Elesbão Pereira Campos (Capital/Ouro Preto); Astolpho Dutra Vieira; Pedro da Matta Machado.

- Em 1883 aparece pela primeira vez, nos documentos, a presença de mulheres como alunas de filosofia do Liceu Mineiro: Clarindo Jorge de Lima (Diamantina); Antonio Pedro Tavares (Ouro Preto); Bernardino Carlos de Magalhães Lima (Congonhas de Sabará); Francisco Amédée Prates; Custódio João dos Santos; Maria Gabriella das Dores Tavares (ouvinte); Pedro Ribeiro Junqueira (São Paulo); Pedro Maria de Azevedo Vianna; Carlos Leopoldo Prates (S. J. Batista); José Antonio Rodrigues Junior; Armando Leôncio de Siqueira Cezar; Augusto Ferreira da Fonseca. (Códice IP. 124, p. 60, grifos nossos).

O códice (IP. 186, p. 3) de abril de 1868 indica, retrospectivamente, três “alunnos”

de filosofia do Liceu Mineiro: “Ignácio C. da Costa; José Aristide de Andrade e José

Francisco de Araújo Macedo Sobrinho”.

Nesse novo códice (SP. 3/IP. 5 caixa 4), encontramos uma forma de fazer matrícula

via um procedimento mais informal, um bilhete do

Inspetor Geral da Inst. Pub. no Ouro Preto 25 de Fevereiro de 1874 – Camillo da Cunha – apresentando o alunno Genesco Achilles A. Pereira ao professor de Philosophia afim de ser matriculado na respectiva aula (SP. 3/IP. 5 caixa 4).

O mesmo procedimento acontece (no mesmo códice) em relação ao “alunno

Gabriel Carlos Álvares da Costa em 23 de fevereiro de 1874 pelo mesmo Inspector Geral

Camillo da Cunha”, que mantém a mesma forma de proceder para com o “alunno

Francisco José da Silva Campos em 04 de fevereiro de 1874”.

As normas não seguem um padrão único, como se pode ver, para todos os alunos,

mesmo quando se trata de uma escola considerada tradicional.

Sabemos que um desses alunos foi Francisco Campos, o que ajuda pouco para se

considerar o tratamento como privilégio.

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Pareceu-nos mesmo um procedimento de rotina, em que pese ser em número menor,

como veremos mais adiante, em outras passagens.

Nesse primeiro momento da parte do capítulo que versa sobre “a forma escolar e a

constituição da cultura filosófica escolar e da cultura escolar do Liceu Mineiro”,

privilegiamos as fontes, que de uma forma ou de outra, se referiram ao corpo discente.

A seguir ampliaremos um pouco mais o escopo das mesmas.

II

O Códice da Seção Provincial de no. 491, de 1854, indica o primeiro diretor e

secretário do Liceu Mineiro: “Diretor do Licêo José Rodrigues Duarte e secretário Carlos

Tomás de Magalhães Gomes” (SP. 491).

Outro Códice da Seção Provincial, agora o de no. 497 de 3 de janeiro de 1854, nos

aproxima do campo de afinidades da disciplina de filosofia com outras disciplinas à época e

os motivos mais imediatos geradores dessa aproximação: “anexas as cadeiras de

Philosophia Racional e Moral e Rhetorica, para satisfazer as necessidades do ensino e a

economia dos cofres públicos” (SP. 497, p. 192).

O Códice SP. 524 versa sobre uma série de medidas, em sua maioria, apoiadas na

legislação, que nos parecem constitutivas tanto de uma cultura escolar quanto filosófica do

Liceu Mineiro:

• A Lei Mineira nº 665 – sobre a organização das aulas de “tachigraphia” no “Licêo

Mineiro”.

• A Lei Provincial nº 685 – “sobre os Lentes do Licêo Mineiro”.

• O Artigo 28 do Regulamento nº 27 designa Rodrigo José Ferreira Bretas para

professor de Rhetorica, Filologia e Gramática da Língua Nacional do Liceu

Mineiro como substituto de Bernardo Joaquim da Silva Guimarães.

• “As lanternas para iluminar o Edifício do Licêo Mineiro, pedidas pelo Diretor para

se instalar em dias de festividade nacional, são autorizadas sua instalação pelo

Diretor Geral de Instrucção Pública nesses mesmos termos” (SP. 524, p. 102).

Passagem que nos deu indícios do zelo pela manutenção dos estudos e, ainda assim,

tornar o local mais bem equipado – típico de uma disciplina escolar como estratégia

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exterior que é incorporada à mesma, pois a escola facilita ou não a disciplina – e a busca de

uma Cultura Escolar mais moderna, como por exemplo: a saída do titular da cadeira e a

nomeação imediata de um substituto, para com isso não se perder o ritmo.

Foram estratégias escolares incorporadas à disciplina escolar, como a disciplina de

filosofia. Não foi só a filosofia, por si, que formou o indivíduo, foram necessárias essas

estratégias para que aquela formação se efetivasse.

Esse nos pareceu o papel da disciplina em sentido mais amplo.

Seguem as referidas medidas do Códice SP. 524:

• Em “3 de Abril de 1855 é criado o cargo de supplente do diretor do 1º circulo

literário e do Lycêo Mineiro (SP. 524, p. 113). Mais uma estratégia para evitar

surpresas e continuar a manter-se o funcionamento escolar.

• O “secretário Carlos Thomaz de Magalhães Gomes é nomeado para o emprego de

Diretor supplente do 1º círculo literário e do Lycêo Mineiro em 4 de abril de 1855”

(SP. 524, p. 114).

Medida que nos pareceu econômica, além de pedagógica, pois aproveita um recurso

interino conhecedor da cultura da escola, o que pode torná-la, se bem sucedida, mais barata.

Seguem mais medidas do mesmo Códice SP. 524:

• São tomadas “providencias para os alunnos do Lycêo quando não estão sob a

inspecção direta do professor, de perturbarem com conversas o ambiente escolar”

(SP. 524, p.115).

Estratégia escolar para tornar eficaz tanto a disciplina escolar, quanto a disciplina

individual.

Mais medidas do mesmo Códice:

• Licença de professor e substituição – “o pedido é feito com antecedência para ser

providenciado o substituto. Pedidos em ofício” (SP. 524, p.116).

Tornado oficial – como indica a genealogia da palavra – o que nos possibilita

ampliar a noção de disciplina escolar e incorporar os rituais escolares à mesma.

Ou seja: a disciplina, apesar de acontecer em sala d’aula, sua origem está para além

da sala de aula.

Como, aliás, nos lembrava há pouco CHERVEL (1990) a respeito do historiador das

disciplinas escolares:

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a história dos conteúdos é evidentemente seu componente central, o pivô ao redor do qual ela se constitui. Mas seu papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os resultados concretos que eles produzem. Trata-se então para ele de fazer aparecer a estrutura interna da disciplina, a configuração original à qual as finalidades deram origem (CHERVEL, 1990, p. 187).

O processo para ingresso nas disciplinas (aulas e cadeiras) é complexo.

Pede-se autorização diretamente à Presidência da Província, é comunicado o Diretor

da Instrução Pública, do Círculo Literário, o Diretor do Liceu e depois é consultado o

professor da disciplina (cadeira/aula). Tudo isso quando o pedido foi feito fora da data

normal (SP. 524, p. 120).

No período regular, o processo também é complexo, observando-se uma série de

procedimentos (local, horário, data etc.). “À solicitação do supplicante à matrícula, deve

verificar se é inconveniente ou não sua matricula, deve verificar censo lectivo” (SP. 524,

p.118).

Às vezes é relativamente informal, processando-se através do uso de bilhetinhos.

Nesse último caso, talvez, porque já se estava em junho de 1885, no meio, portanto, do ano

escolar.

Nesse mesmo Códice da Seção Provincial, (no. 524) há indícios de uma novidade

em termos de cultura escolar: “pedidos de compra de livros pelos professores do Lycêo

Mineiro” (...). “O governo se recusa a ter tal despesa (com livros)” (SP. 524, p. 160-161).

Quem solicitou foi Bernardo Guimarães, e o “Diretor Geral da Instrucção Publica”

afirma que nem os professores de “Preparatórios” da província fizeram tal pedido (SP.

524, p. 160-161).

O que denota a relação de prestigio entre o ensino secundário liceal e o curso de

preparatórios, que, até aquele momento, nos pareceu pender para o lado do último, cujo ato

acima descrito pareceu querer reconfigurar.

Nessa passagem não nos pareceu que o “Curso de Preparatórios” foi uma limitação

para o ensino secundário como quer uma história da educação secundária, como vimos de

antemão.

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O mesmo Códice (SP. 524) ainda informa: “o 1º círculo literário é o que mais gasta

com instrução pública” (SP. 524, p. 163).

Esse é o círculo onde está lotado o “Lycêo”, o que nos permitiu visualizar, ainda

que de modo genérico, o dispêndio material para com a implantação e manutenção do

Liceu Mineiro, bem como de sua importância para a educação da época.

O mesmo documento também se refere às penalidades sofridas pelos professores

quando esses não cumpriam corretamente seus deveres.

Eram legalmente punidos pelo parágrafo 11 do artigo 5º do Regulamento nº 28 (SP.

524, p.165).

Como ocorreu com

O professor de Philosophia do Lycêo Mineiro – Joaquim Ferreira da Rocha – é punido com desconto de seis dias de seu ordenado, por faltar e comunicar vocalmente (com participação vocal), da qual o dito professor faz uma representação alegando injustiça pelo feito (SP. 524, p. 171).

O que nos demonstra, em certa medida, os conflitos que se passaram no interior da

disciplina. Será por que Ferreira da Rocha era um padre tradicionalista em confronto com o

projeto liceal?

Bernardo Guimarães não era padre e, também, foi punido, assim como nem todo

padre é tradicional como vimos em casos anteriores.

Contudo, não é uma hipótese pouco plausível para aquele contexto do século XIX,

uma vez que MACEDO (1997) nos alerta que o catolicismo, na sua versão tradicionalista,

agiu em oposição ao ecletismo que lhes “parecia ser algo protestante com sua valorização

da dúvida e da razão individual” (MACEDO, 1997, p. 74).

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O autor enumera, em sua obra, uma série de fatos em que procura demonstrar aquela

resistência, de resto bastante elucidativos de sua posição.

Como dissemos acima:

Bernardo Guimarães é suspenso por 15 dias de exercício do magistério, como punição, pelo parágrafo 11 do art. 5º do Regulamento nº 28 (...). Rodrigo José Ferreira Bretas o substitui (SP. 524, p. 172-174).

Segundo nossa fonte, “porque não cumpriu os seus deveres” (SP. 524, p.174).

Ainda assim esse foi nomeado para compor o discurso anual de distribuição dos prêmios

dos exames finais (SP. 524, p.183).

Tal procedimento nos pareceu denotar o prestígio de Bernardo Guimarães e a

importância de sua figura na instituição da cultura escolar liceal e mesmo filosófica. Foi

várias vezes professor de filosofia do Liceu no período, em função dos papéis de destaque

que cumpriu em vários momentos dessa instituição, como nesse da entrega dos prêmios de

incentivo ao bom desempenho dos alunos do Liceu Mineiro.

Um ritual, por sua vez, que buscava instituir uma cultura escolar meritocrática.

Para os exames, é organizado um conjunto (uma comissão) composto por

professores, examinadores, diretores etc., extraídos do próprio Liceu Mineiro, além de

professores de outros Liceus (SP. 524, p. 184-185).

Esses últimos talvez, para aprenderem a fazer, tendo como modelo o modo

“moderno” de Ouro Preto.

Em outro Códice da Seção Provincial, o de no. 544 (SP. 544) de Registro de ofícios

da Diretoria do Liceu Mineiro ao Governo do ano de 1854 a 1860, é informado o horário da

disciplina de filosofia dentro de um quadro mais geral: “Tabella das horas de ensino das

diversas Aulas do Licêo – Aula = De Philosophia = das 3 as 5 horas da tarde (...) – Para

cada huã destas aulas há Salla especial” (SP. 544, p. 2).

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Passagem esta que nos concedeu visualizar o envolver da organização temporal e

espacial da disciplina escolar de filosofia do Liceu Mineiro.

A seguinte nos indicia critérios de oferta da aula de filosofia.

É uma lista em que se trata da aplicação do artigo 11 do Regulamento n0 27 e diz

que “a aula de Philosophia pode ser aberta com o seguinte n0 de alunnos = 1” (SP. 544, p.

4).

Mais sinais sobre a organização do espaço escolar envolvendo a nossa disciplina.

O ofício solicita

fazer um corredor entre a escada principal da casa de sorte que communique a Salla d’espera com huã alcova que lhe fica fronteira entre as Aulas de Philosophia, e Geographia” (...) “para que no trajecto q. ora fazem os alunnos de humas para outras não sejão pertubadas as lições n’aquelas (SP. 544, p. 4).

O que denota a constituição de uma rotina para o ensino de filosofia através de uma

ação que quer transformar o ambiente com o objetivo de melhor adequá-lo ao fim proposto.

Diversa da afirmativa de RODRIGUES (1986) que diz que Rodrigo José Ferreira

Bretas foi professor de filosofia do Liceu, só encontramos referência daquele como

professor do mesmo (mais de uma vez) na seguinte disciplina: “Lente interino de

Rhetorica, Filologia e Grammatica Portugueza o cidadão Rodrigo José Ferreira Bretas em

20 de Junho de 1854” (SP. 544, p.16).

O que não diminui o papel de Bretas na instituição da cultura filosófica liceal, uma

vez que o mesmo ocupou vários e importantes cargos de direção na estrutura da instrução

pública de então.

Foi através destes que influenciou e muito, como transpareceu numa série de

documentos, a educação liceal em geral e a filosófica em particular, seja indicando

compêndios a serem adotados nas aulas, seja participando de concursos para provimento de

cadeiras no Liceu Mineiro, entre outras medidas e ações.

Além de o mesmo ter sido autor de um opúsculo de filosofia eclética, como vimos,

anteriormente, com RODRIGUES (1986).

Os documentos, a seguir, continuam a nos fornecer mais vestígios dessa dimensão

constitutiva de um ethos de ensinar a disciplina de filosofia no Liceu Mineiro, os quais, de

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modo precário, como toda refiguração histórica o é, nos aproximam da cultura filosófica

que buscamos historicamente reconstruir.

Dessa maneira, em

2 de Março de 1854 – o professor de Philosophia Rdo. Joaquim Ferreira da Rocha recebe 1,,000,000 de ordenado por anno (...). Novembro de 1854 – 2 alunnos de Philosophia para fazer exames (...). Não poderão ser admitidos nas Aulas de Philosophia e Rhetórica aquelles alunnos, que se não mostrarem versados na língua latina - artigo 23 do Regulamento n0 27 em 9 de novembro de 1854 (SP. 544, p. 27-28).

A última informação nos indica não só a existência de pré-requisito para cursar as

aulas de filosofia, como vimos, mas também a relação que essa manteve com aquela aula.

Dando continuidade ao códice pesquisado, esse nos informa sobre os “alunnos de

Philosophia relacionados para os exames de 21 de novembro de 1854: Os Senhores Ovídio

João Paulo de Andrade, Honório Henriques Soares do Couto” (SP. 544, p. 30).

Mais um documento que confirma a condição de Ovídio como aluno liceal. “Em 18

de Junho de 1855, o diretor do Liceo indefere pedido de Antonio de Paula Oliveira Bicalho

solicitando matricula nas Aulas de Matemáticas elementares e Philosophia”, porém o

diretor José Rodrigues Duarte defere a matrícula apenas para a aula de matemática.

Momento na documentação em que aparece a relação mais acidental entre

Matemática e Filosofia, esta última, no geral, se mostra mais afim à Retórica e ao Latim.

Agora um outro documento registra a punição ao Lente (como o professor de

instrução secundária era então chamado) de filosofia do Liceu Mineiro, que tivemos

ocasião de ver acima:

O Lente de Philosophia, Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha, reclama do desconto de seis dias de seu salário, que foram cortados pelo diretor Jose Rodrigues Duarte, queixando-se de má vontade deste, para com aquele (SP. 544, p. 63).

Mais um indicativo, como vimos, anteriormente, em outro documento, que nos

demonstra um certo desentendimento entre esse professor de filosofia e a direção do Liceu,

além de nos dar pistas para compreender a instituição de uma cultura escolar lastreada

numa forma escritural em oposição à oralidade, pois que, não raras vezes, um mesmo fato

aparece registrado em mais de um documento.

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Aqui talvez nos ajude a teoria da forma escolar de VINCENT; LAHIRE & THIN

(2001) que, ao dirigirem uma crítica a CHERVEL (1990), afirmam que “ele não utilizou

suficientemente os trabalhos dos sociólogos para aprofundar suas análises” (VINCENT;

LAHIRE & THIN, 2001, p. 15).

Vamos, a seguir, tentar ver como a concepção de forma escolar, sociologicamente

proposta, pode contribuir para os estudos em questão, tendo como referência o citado

trabalho de Vincent; Lahire & Thin.

Comecemos por tentar responder à questão: o que é a forma escolar?

Na perspectiva de VINCENT; LAHIRE & THIN (2001), é uma forma peculiar de

socialização, a escolar, cujo sentido exprime um tipo específico de relação social como

relação com regras impessoais e relação com outras formas sociais, dentre estas,

principalmente, relações com formas de exercício do poder.

Sua finalidade mais ampla é a pedagogização do social, isto é, das relações sociais

pela via da impessoalidade das normas.

E, no âmbito mais específico da escola, de um disciplinamento das relações

pedagógicas pelo represamento do elemento espontâneo constitutivo de um estilo de vida e

da transformação dessa relação, de relação comunitária entre mestres e alunos, em uma

relação de governo dos alunos pelos mestres (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001).

A forma escolar é solidária de outras transformações do todo sócio-histórico: a

constituição do Estado Moderno, a progressiva autonomização de campos de práticas

heterogêneas, a generalização da alfabetização e da escolarização e a construção de uma

relação distanciada da linguagem e do mundo (relação escritural-escolar com a linguagem e

com o mundo).

Formas de relações sociais tramadas por práticas de escrita e/ou tornadas possíveis

pelas práticas de escrita e pela relação com a linguagem e com o mundo que lhes é

indissociável (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001).

O que os nossos autores buscam demonstrar é o que consente a análise que eles

chamam de “sociogenética”.

Para eles, ela permite

estabelecer relações entre a forma escolar e outras formas sociais, principalmente, políticas. (...) Segundo parece, a forma escolar de relações sociais só se capta

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completamente no âmbito de uma configuração social de conjunto e, particularmente, na ligação com a transformação das formas de exercício do poder (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 16-17, grifos dos autores).

Essa nos pareceu a razão mais de fundo do zelo, até mesmo, uma mania das

autoridades da instrução pública mineira, do período que investigamos, de fazerem o

registro escrito dos fatos educacionais, muitas vezes, como vimos, em mais de um

documento.

Ao ser assim:

Em novembro de 1855, 3 alumnos se apresentaram para o exame de philosophia = João Affonso de Figueiredo, João da Costa Monteiro, João Joaquim Pereira (...) Francisco de Paula Pereira Lagoa interino de aula de Geografia e História em 4 de Abril de 1856 (SP. 544, p. 82).

Indícios de constituição de uma prática que se quer relativa à disciplina escolar de

filosofia (e em relação às outras, como no caso da interinidade do professor de filosofia)

que, ao buscar criar rituais, visa produzir uma cultura que se quer mais duradoura.

Francisco de Paula Pereira Lagoa, futuro professor de filosofia do Liceu Mineiro,

como indicam as fontes, é originário do campo que hoje chamamos de ciências humanas.

Mais um documento a nos dar indícios de constituição de uma estrutura interna à

disciplina de filosofia que estamos a ver, no seu desenvolvimento, no interior da cultura

liceal.

Em 23 de Maio de 1856 – o Lente de filosofia Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha pede licença de três meses, tendo apenas um aluno matriculado (SP. 544, p. 87-89). (...) Em 10 de Julho de 1856 o professor de filosofia Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha obtém licença por 3 meses para tratar de seus negócios (SP. 544, p. 87-89).

Esse professor de filosofia do Liceu será substituído, em definitivo, por Francisco

de Paula Pereira Lagoa como veremos a seguir:

Em 5 e 7 de Julho de 1856 – Major Luiz Maria da Silva Pinto Diretor Geral Suplente da Instrucção publica e Carlos Thomaz de Magalhães Gomes Diretor Suplente do Liceo atende o pedido de Pedro de Alcântara Fernandes Carvalho alumno da Aula de Geografia e Historia de transferência para a de Philosophia – e do Lente da dita disciplina – Francisco de Paula Pereira Lagoa – para a de Philosophia (SP. 544, p. 117). Foi nomeado Lente de Philosofia o Prof. Francisco

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de Paula Pereira Lagoa em 24 de Julho de 1857, permanecendo a lecionar Geografia até o final do dito mês (SP. 544, p. 121). (...) Francisco de Paula Pereira Lagoa – Lente de Philosophia (SP. 544, p. 123). (...) Portaria datada de 24 de julho de 1854 (SP. 544, p.125), começou a lecionar em 7 de Setembro de 1857 (SP. 544, p. 125) – Diretor Suplente do Licêo Eugenio Celso Nogueira – 1857 (SP. 544, p. 125).

Passagem que nos mostrou um conjunto complexo de atos para modificar,

legalmente, uma situação anteriormente configurada.

Uma nova fonte agora nos aponta diretamente rumo à organização interior da

disciplina:

as Aulas de Philosophia aconteceram em 17 dias úteis, carga horária similar ás demais disciplinas, exceto Latim e Gramática portuguesa, total são de 20 dias úteis, menor apenas que os 21 dias de Gramática Portuguesa (Carga horária de latim = 21dias também) (SP. 544, p. 126-127 e ss).

Mais documentos que se referem aos fatos desse rico envolver da disciplina

filosófica escolar liceal: “O professor de Philosophia – Francisco de Paula Pereira Lagoa

comunica que foi por “Serviço público” que deixou de comparecer às aulas, justificando

suas faltas” (SP. 544, p.134).

O que nos aproxima da relação que o professor da disciplina mantém com o meio

extra-escolar, pois o professor não nos parece dedicar-se, exclusivamente, às tarefas do

magistério, tendo, desse modo, outro trabalho, “as faltas acorriam sempre”.

Eis o trecho:

Em 25 de Março de 1858, o professor de Philosophia a Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa assume na Assembléia Provinial, e é substituído na sua Aula pelo Bacharel Lafayete Rodrigues Pereira (SP. 544, p. 140).

O Professor Francisco de Paula era considerado “excelente professor” (...) “o achei

habilíssimo para com perfeição leccionar semelhante matéria” (SP. 544, p. 117).

Será que isso o ajudou na eleição para a Assembléia Provincial?

De qualquer modo, parece que foi um professor mais afinado com o que se queria

para a filosofia a ser ensinada no Liceu Mineiro.

O fato é que, tal como nos sugere a documentação que analisamos, a política

intervém em vários momentos no ensino da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro, seja,

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como nesse caso, com o professor da disciplina sendo eleito para a Assembléia da

Província e licenciando-se para assumir assento na mesma, ou, ainda, os atos políticos de

supressão do estabelecimento educacional, com conseqüências para o ensino da mesma.

Como por exemplo, “Lafayete Rodrigues Pereira entra em exercício como substituto

da cadeira de Philosophia em 27 de Março de 1858”, (...) em função do impedimento do

referido professor, como vimos.

Mas,

o Lente Substituto de Philosophia – Lafayete Rodrigues Pereira – entra em exercício de semelhante situação em comissão no dia 14 de Abril de 1858 (...), não deu aula à partir do dia 23 de abril (...) , igual ao professor de Inglês que faltou todo o ano, Lafayete deu aula do dia 14 ao dia 23 de Abril de 1858 (SP. 544, p. 142-143).

Mais indícios da relação entre filosofia, política e a educação liceal do século XIX,

que denota não só o prestígio da instituição como também do professor de filosofia:

O Dr.Francisco de Paula Pereira Lagoa, professor de Philosophia do Licêo Mineiro, em offico de 2 do corrente me communica ter nesses dias voltado ao exercício do magistério, visto que terminarão os trabalhos da Assembléia Provincial na qual comparecera como Deputado – 4 de Junho de 1858. (...) O Professor de Philosophia Francisco de Paula Pereira Lagoa achava-se com assento em Assembléia Provincial, e o substituto Dr. Lafayete Rodrigues Pereira não tem comparecido no Licêo desde dia 23 de Abril até o presente. (...) O Professor de Philosophia Francisco de Paula Pereira Lagoa voltou ao exercício da Aula de Philosophia, depois do assento na Assembléia Provincial, em 2 de Junho de 1858 (SP. 544, p. 146-150).

Dessa vez, as fontes nos dão indicativos, ainda que de forma indireta, sobre o

conteúdo de ensino da disciplina de filosofia do Liceu Mineiro:

os professores do Liceu exigem do diretor que se informem-nos quais os compêndios devem ser usados por eles nas Aulas, e o Diretor Supplente do Liceu Eugenio Celso Nogueira repassa a exigência ao Diretor Geral interino do Intrucção Publica Rodrigo José Ferreira Bretas em 17 de Maio de 1858 (SP. 544, p. 144).

Oportunidade essa em que Bretas nos pareceu influenciar no ensino de filosofia do

Liceu Mineiro.

Officio N0 38 nomeia os professores de Philosophia e Geografia, e História do Licêo Mineiro para examinadores de candidatos a Magistério de instrucção secundária (SP. 544, p. 151).

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Documento que nos sugere não só a relação dos professores do Liceu Mineiro com

a educação da época, como também do professor liceal com o extra sala de aula.

Na seqüência,

O Professor de Philosophia Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa ocupa interinamente a cadeira de Rhetorica e Gramática da Língua Nacional em 10 de Agosto de 1858 (SP. 544, p. 151).

Mais uma demonstração que aponta para uma relação de bastante proximidade da

disciplina de filosofia com aquela outra.

Desta feita sobre o ensino de filosofia e falta de alunos: “O Professor de

Philosophia não teve discípulos, pela ausência do único matriculado que faltou em todo o

ano” (SP. 544, p.164).

Indicativo do prestígio da disciplina, que, ao que nos pareceu, não é dado pelo

número de alunos a freqüentar as aulas da mesma, que é relativamente em pequeno (e até

sem a freqüência do único matriculado, como foi o caso em vista) se comparada com outras

disciplinas do Liceu.

Outra vez

O Professor de Philosophia Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa toma assento Na Assembléia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1859, sendo substituto permanente Ovídio João Paulo de Andrade que começou a reger a cadeira em 7 de maio de 1859 (SP. 544, p. 179).

O que nos indica, mais uma vez, um rodízio, relativamente constante, de professores

no ensino de filosofia devido, por ora, a uma relação muito próxima entre política e aquela

disciplina escolar.

Em mais um registro:

Em 7 de Julho de 1859, o Prof. De Philosophia Francisco de Paula Pereira Lagoa, retorna ao exercício do magistério (...). Saindo assim, Ovídio, uma vez que retorna Lagoa (SP. 544, p. 180-182).

Uma passagem curiosa de saída do “substituto permanente” e a volta do “titular

impermanente”.

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Índice de um rito de passagem: “Alunno aprovado em Philosophia em 24 de

Novembro de 1959: Candido Luis Maria de Oliveira – Aprovado Plenamente” (SP. 544, p.

190).

Novos sinais do jogo entre o proprietário “impermanente” e o que,

permanentemente, substitui no percurso da disciplina filosófica liceal,

em 30 de Maio de 1860 Ovidio João Paulo de Andrade entra em exercício na cadeira de Philosophia do Liceu, pois é substituto desta, com a licença do Lente Francisco de Paula Pereira Lagoa (SP. 544, p. 200).

Mesmo antes da criação desse cargo de “substituto permanente”, ocupado agora por

Ovidio João Paulo de Andrade, acima visto, as substituições eram rotinas no Liceu Mineiro

como verificamos em alguns casos, através na documentação investigada.

O que vale, no caso em vista, claro, para a disciplina de filosofia ali ensinada, e que

continuarão a sê-lo ao longo do tempo de nossa investigação.

Uma pausa para um breve diálogo com nossos interlocutores teóricos, na tentativa

de uma compreensão maior de nosso objeto de estudo, para em seguida retomar o mesmo.

Ao buscarmos fazer aparecer a estrutura interna da disciplina, como quer

CHERVEL (1990), deparamos-nos com uma dificuldade apontada por VINCENT;

LAHIRE & THIN (2001).

Como estamos a ver, uma disciplina não dispõe de uma autonomia completa no seu

desenvolvimento, como produto de uma forma escolar a disciplina escolar estabelece

relações com “outras formas sociais, principalmente, políticas”, como podemos verificar

em (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001).

A codificação dos saberes e práticas escolares torna possível uma sistematização do ensino e, deste modo, permite a produção de efeitos de socialização duráveis, registrados por todos os estudos elaborados sobre os efeitos cognitivos de escola (...) A codificação da organização das próprias práticas e saberes escolares (por exemplo, codificação gramatical) é correlativa de processos extra-escolares – principalmente estatais –, de codificação e, deste modo, esta indissociavelmente ligada a um modo particular de organização e de exercício do poder (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 30-31, grifos dos autores).

O alvo que VINCENT, LAHIRE E THIN (2001) têm em mira é explícito.

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Digamos de modo mais claro que, reduzindo a análise sócio-histórica à historiografia, não seria possível captar sua importância para a análise do “presente” (VINCENT, LAHIRE E THIN, 2001, p. 17, grifos nosso).

Prossigamos nosso trabalho.

No relatório de transmissão de administração, de 1867, do Presidente da Província,

Elias Pinto de Carvalho, no “Annexo C do Relatório do Director Geral da Instrucção

Publica”, o documento nos informa do seguinte: o “Lente de philosophia, Dr Francisco de

Paula Pereira Lagoa, substituído pelo professor de rhetorica Dr, Bernardo Joaquim da

Silva Guimarães” (RGMTA/APM, p. 4).

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães foi, nessa condição, como substituto, várias

vezes professor de Filosofia do Liceu Mineiro, como nos indica uma série de documentos

que veremos mais adiante.

Primeiro a seguir, o Códice 1199 da Seção Provincial:

Secretaria da Diretoria Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto 31 de julho de 1867. Ilmo Exmo Snr. Tenho a honra de participar a V. Exa. que achando se enfermo o professor de Aula de Philosophia do Externato dessa Capital, designo por Portaria de 29 do presente mez o professor de Rhetorica do mesmo Externato para substituir provisoriamente na regência daquela Aula, Snr. Doutor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães. O Diretor Geral Firmino Antonio (SP. 1199).

Em data mais à frente, do mesmo ano, Bernardo Guimarães assume novamente a

cadeira de filosofia:

Achão-se providas interinamente todas as Cadeiras e em exercício os respectivos Lentes com excepção do de Philosophia o Doutor Francisco de Paula Pereira Lagoa que por despacho de 1o de Setembro ultimo obteve 3 mezes de licença para tratar de negócios, sendo designado para substituil-o o professor de Rhetorica Doutor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (SP. 1199).

Nossas fontes, nesse sentido, apontam para um conjunto de práticas que nos

pareceram em muito contribuir na constituição da cultura filosófica que vingou na cultura

escolar do Liceu Mineiro, das quais faremos agora um indicativo mais geral visando ora

agregar novos indícios ao nosso tema, ora reafirmar o já indicado, nesta hora, porém

reafirmado por novas fontes.

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A seguir é reafirmada a importância de Rodrigo José Ferreira Bretas no período.

Ele é o

Secretário da Presidência da Província de M. Gerais em 2 de Janeiro de 1856 que nomeia o Diretor do Liceu Mineiro e 1o circulo literário a presidir exames de instrução primária (SP. 622, p. 1).

E, através de Bretas, “O professor Francisco de Paula Pereira Lagoa é Titulado em

30 julho de 1857, cumprindo portaria de 27 julho de 1857, no emprego de Professor

interino de Philosophia do Lycêo Mineiro” (SP. 631, p. 243).

A “Directoria Geral de Instrucção Publica”, em 30 de maio de 1856,

envia ao Director do 1o circulo literário José Rodrigues de Lima Duarte, através de officio, livros para nelles se lançarem as actas dos respectivos Exames e a matricula dos Professores desse circulo litterario (SP. 629, p. 2). Director Geral: Luiz Maria da Silva Pinto – (o mesmo aparece à p. 7 como “vice director geral”) – (SP. 629, p. 7).

Joaquim Delfino Ribeiro da Luz apareceu como “Director Geral da Instrucção

Publica em 18 de Abril de 1856” (SP. 637, p. 3).

Novamente, Rodrigo José Ferreira Bretas, aparece como secretário interino da

Província em 31 de Dezembro de 1856 (SP. 637, p. 14).

O mesmo apareceu como “Director Geral da Instrucção Publica” em 31 de março

de 1859 (SP. 637, p. 72).

Em 13 de julho de 1857, Emereciano Maximiano de Azevedo Coutinho responde

pela “Directoria Geral da Instrucção Publica” e propõe o Dr. Francisco de Paula Pereira

Lagoa para “adjunto de examinador dos candidatos às diversas cadeiras de latinidade que

se achão vagas” (SP. 637, p. 25).

Em 13 de Julho de 1857, Francisco de Paula Pereira Lagoa aparece respondendo em

“officio pela directoria Geral da Instrucção Publica” (SP. 637, p. 25).

O que nos pareceu ser um trio (triunvirato) na direção – “Cônego Emereciano

Maximo de Azevedo Coutinho; Dor. Francisco de Paula Pereira e Vigário Joaquim José de

Sant’Anna” – que respondem pela Diretoria Geral da Instrução Pública em 13 de Julho de

1857 (SP. 637, p. 25-26).

No dia 15 de julho volta Luiz Maria da Silva Pinto (SP. 637, p. 26).

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Em 17 de julho de 1857,

Rodrigo José Ferreira Bretas Official Maior da Secretaria do Governo junto com o Dor. Franco. Galdino da Costa Cabral é designado para examinador do concurso de algumas Cadeiras de Philosophia Geografia e Historia que terão lugar na sala da repartição da Directoria Geral de Instrucção publica pelo Diretor desta (ainda) Luiz Maria da Silva Pinto (SP. 637, p. 26).

Por tantas vezes em evidência, Rodrigo nos aparece indubitavelmente como um

ponto de referência importante na efetivação do ensino da filosofia do ecletismo no Liceu.

O mesmo códice também nomeia para adjuntos do mesmo concurso (para as

cadeiras de Philosophia, Geografia e Historia) o “Dor Francisco de Paula Pereira Lagoa e

o cidadão Candido José Tolentino” (SP. 637 p. 27).

Carlos Thomaz de Magalhães Gomes “é demitido da Supplencia das Directorias do

10 circulo Litterário e do Lycêo Mineiro” (SP. 637 p. 28).

Em 17 de novembro de 1857 é o “Diretor Geral da Instrucção Publica” Joaquim

Delfino Ribeiro da Luz que assina e não o “Supplente” Luiz Maria da Silva Pinto (SP. 637,

p. 32). Esse último (Luiz) é Major.

Francisco de Paula Pereira Lagoa é designado novamente examinador de “Francez,

Geografia e História”, em 19 de janeiro de 1858. Aparece, entre outros, nesse “officio de

comunicação”, Rodrigo José Ferreira Bretas, revezando ora como adjunto, ora como titular

daquela diretoria (SP. 637, p. 35).

Nessa parte do documento apareceu um professor de “philosophia” da cidade de

Itabira – Joaquim Veríssimo da Silva (SP. 637, p. 38).

Em 19 de março de 1858, Rodrigo José Ferreira Bretas aparece como “Director

Geral interino da Directoria Geral da Instrucção Publica” (SP. 637 p. 42).

Na página 43 do mesmo ele afirma ter sido nomeado interinamente nessa data.

O mesmo Rodrigo sugere aos professores a leitura do “Correio Official de Minas”,

periódico que publica matérias sobre “instrucção publica” (SP. 637 p. 45).

O códice ainda nos informa sobre uma

Lista das Obras que se Projecta comprar para uso do Lycêo desta capital da Província de Minas Gerais”: Sermões de Mont’Alverne; Lições de Philosophia por Laromiguiére (Bretas produz uma obra à partir desse autor); História da Philosophia por Cousin; As Obras de Philosophia do mesmo Autor em 5 volumes que tem por titulo – Cours de l’Historie de la Philosophie Moderne e que tem o

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titulo de Do Bem, do Bello e da Verdade; Philosophia por Bouvier; Dita por Barbe, por Damiron; por Geruze; por Ponelle; por Perrard; Curso de Litteratura por Silvestre Pinheiro (SP. 637, p. 47).

Essa lista é enviada pelo

Director Geral da Instrucção Publica Rodrigo José Ferreira Bretas em officio datado de 7 de julho de 1858 em Ouro Preto ao Snr. Eduardo Henrique Laimmerl – Rio de Janeiro Rua da Quitanda No 77 e a B. L. Garnier Rua do Ouvidor 69, e Antonio Gonçalves Guimarães rua do Sabão No 26 (SP. 637, p. 47).

Fonte que nos dá uma indicação preciosa sobre os limites de uma história das idéias

que descure dessa história prosaica das idéias.

Ora, os livros são também objetos positivos, portanto comerciáveis, e enquanto tais

são despojados de qualquer sublimidade. A excelência de uma idéia não nasce destacada

desse grau de matéria, sua absorção passa por esse ato mercantil, uma vez que ela não brota

no cérebro como capim.

Daí a necessidade de uma história das disciplinas atentar para tal fato.

Os professores do Lycêo Mineiro, dentre eles, o de filosofia, Francisco de Paula

Pereira Lagoa, são nomeados, não raro, para concursos de cadeiras de “instrucção publica”

(SP. 637, p. 48, 49, 50 e 52).

O códice nota que o “Jornal Clarim” contém informações sobre “instrucção

publica” (SP. 637 p. 53).

Indícios da publicidade que se buscava conferir aos estabelecimentos públicos do

tipo o qual o Liceu Mineiro foi representante.

Agora um indicativo sobre o que se passava, em sala de aula, no ensino de filosofia

na época do Liceu Mineiro:

O Director Geral da Instrucção Publica, em Ouro Preto, 5 de Novembro de 1858, comenta o officio recebido em 4 do mesmo, à que acompanha hum Impresso contendo as Theses Philosophicas (mui bem escolhidas), cuja sustentação incubirá a dous Alunnos da Aula sob sua direção (SP. 637, p. 56).

O diretor era Rodrigo José Ferreira Bretas, que, em tom elogioso, declina de convite

do Cônego José de Souza e Silva Roussin, diretor do “Collegio Roussin”, de assistir à aula

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de filosofia ali ministrada, e contribuir “assim para ainda mais acoroçoar no estudo da

primeira das Sciencias os Alunnos da dita Aula” (SP. 637, p. 56, grifos nossos).

Note-se a referência em relação à filosofia à época.

Os exames no “Lycêo Mineiro” eram feitos por examinadores escolhidos pelo

“Diretor Geral da Instrucção Publica” – Rodrigo J. F. Bretas (novamente). Que

determinava que também o “Director do 1o Circulo Literario e do Licêo” se encarregassem

do período dos exames finais – 11 de novembro de 1858 (final do ano letivo) (SP. 637 p.

56-57).

No códice, em questão, aparece um “Compendio de Civilidade” “organizado pelo

Cidadão Manuel Berardo Accuria Numam, que é analisado pelo Diretor Geral da Inst.

Pub. Rodrigo J. F. Bretas” (SP. 637 p. 59).

Dicas sobre a preocupação com a educação da época, pensada de forma bem ampla.

A seguir uma pista sobre o espírito da cultura escolar da época pelas suas obras e

publicações.

Em 26 de Novembro de 1858, o Director Geral da Instrucção Publica, Rodrigo José Ferreira Bretas, solicita à Biblioteca Publica d’esta Capital a relação das obras e Publicações periódicas da mesma “que são precisas” (SP. 637 p. 60).

A relação com o nome de “Diversas Obras” é uma verdadeira biblioteca francesa,

não apenas pelos títulos dos livros, como também pelo grande número de periódicos e

jornais franceses, entre os quais a “Illustration” (SP. 637, p. 60).

O material nos indicia uma possível passagem do período da “filosofia da

Ilustração” para a “filosofia do Ecletismo”, uma vez que a última incorpora elementos da

primeira modificando-os em seu favor, como veremos no momento que dedicamos ao

ecletismo.

Daí não ter a necessidade de catalogá-los como livros de leitura proibida, como o

índex promovido pela Igreja Católica Romana.

Rodrigo José Ferreira Bretas apareceu novamente, repitamos, agora como uma

figura importante naquele momento de consolidação do ensino do ecletismo.

Ainda o veremos mais adiante.

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À frente aparece no códice o “Correio Official” – como jornal indicado pelo

“Director Geral da Instrucção Publica” – Rodrigo José Ferreira Bretas – aos professores

de “instrucção secundaria”(...) “para que fiquem scientes de, quanto nelle for publicado

acerca da Instrucção Publica” (SP. 637, p. 61).

O Presidente da Província determina o dia de entrega de “prêmios aos Alunnos do

Lycêo Mineiro que mais se distinguirão nos exames que fizerão no presente ano lectivo –

22 de Dezembro de 1858” (SP. 637, p. 63).

O “Director Geral de Instrucção Publica”, Rodrigo José Ferreira Bretas, envia o

“Correio Official”, a Ovídio João Paulo de Andrade, futuro professor substituto permanente

de “Philosophia”, então professor substituto permanente de “Rhetorica, Grammatica e

Philologia do Lycêo Mineiro” (SP. 637 p. 70).

Em 1858 o “Major Luis Maria da Silva Pinto é exonerado do Emprego de Director

do Lycêo Mineiro e do 1o circulo Litterário” (SP. 637, p. 73).

Talvez, em função dessa situação, apareça muito o nome de Eugenio Celso

Nogueira como “Director Supplente” do mesmo – 13 de maio de 1859.

Em 13 de maio de 1859, aparece o nome de “Agencia Geral do Ensino Publico no

Ouro Preto” (SP. 637 p. 73).

O Agente Geral era Rodrigo José Ferreira Bretas.

O Professor de “Philosophia do Lycêo Mineiro”, Francisco de Paula Pereira Lagoa e

os outros professores são convidados pelo “Agente Geral Rodrigo J. F. B.”, que “espera

que não faltarão”, a assistir e participar da celebração em “acção de Graças pelo Felix

Anniversario Natalício de S. M. O Imperador, seguindo-se depois o Cortejo, do custume”

(SP. 637, p. 95).

O Regulamento 44 extinguiu os círculos literários, que nos pareceram uma espécie

de estrutura organizativa macro geográfica onde se inseriam os estabelecimentos escolares

como o Liceu Mineiro (SP. 637, p. 97).

O professor de filosofia do Liceu Mineiro Francisco de Paula Pereira Lagoa foi

nomeado para examinar “alunno de Pharmacia” (SP. 637, p. 98).

O curso de farmácia era de instrução secundária que, também, era oferecido no

Liceu Mineiro, o que nos possibilita caracterizar esse estabelecimento educacional de forma

bem ampla, pois, além de ofertar as disciplinas caracterizadas como do campo das

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humanidades e das ciências, ofereceu um curso mais afeito ao campo que hoje

designaríamos de tecnológico (ou de ciência e tecnologia, ou ainda, de ciência aplicada).

Além disso, a fonte citada nos permitiu indiciar uma ampla atividade senão

multidisciplinar, ao menos integrada, visível no caso dos professores do Liceu Mineiro,

uma vez que os vemos envolvidos em uma série de eventos afins àquela referida atividade,

como é o caso desse nosso professor de filosofia do Liceu, envolvido em uma avaliação do

curso de farmácia do mesmo Liceu Mineiro, ocasião propícia à multidisciplinaridade25, ou

de maior integração, como dissemos.

Observe-se, ainda, o fato de um professor de filosofia atuar como examinador de

Farmácia! Eram outros esses tempos em que não se tinham ainda estabelecido fronteiras

artificiais entre campos que não são contraditórios, ou, pelo menos, não o foram em sua

gênese.

O que denota muito mais disputas de poder, como nos adverte GOODSON (1990),

que, ao estudar os padrões de explicação contemporâneos das matérias escolares, rejeita

tanto o modelo sociológico, quanto o filosófico, por estes não se aterem à dinamicidade

própria às disciplinas na sua evolução, fazendo delas entes intemporais de conteúdo medido

apenas pelo seu valor íntimo.

Para ele,

o estudo do conhecimento em nossa sociedade deveria ir além de um processo a-histórico de análise filosófica, em direção a uma investigação histórica detalhada dos motivos e das ações por trás da apresentação e da promoção das matérias e disciplinas (GOODSON, 1990, p. 236).

Joaquim Delfino Ribeiro da Luz ocupa a “Secretaria da Directoria da Instrucção

Publica” em 16 de fevereiro de 1856 (SP. 641, p. 1).

A “Directoria Geral de Instrucção Publica” é ocupada pelo “Director Luiz Maria

da Silva Pinto” em 28 de junho de 1856 (SP. 641, p. 3).

Indícios de uma estrutura organizativa hierárquica, que nos pareceu denotar mais

ordem que caos, como insistiu a historiografia tradicional, com a qual estamos a estabelecer

esse diálogo crítico.

25 Estamos entendendo multidisciplinaridade no sentido que lhe é conferido por MORIN (2001).

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A seqüência, a seguir, nos indica uma preocupação com o registro escrito, além do

papel de uma personagem já conhecida, como tivemos ocasião de comentar mais acima.

Rodrigo José Ferreira Bretas aparece como Diretor Geral interino em 5 de abril de

1858 (SP. 641, p. 21). Como Agente Geral (Agência Geral do Ensino Publico) em 30 de

Maio de 1859 (SP. 641 p. 40). Em outro códice, Bretas aparece ocupando o mesmo cargo

em 13 de março de 1858 (SP. 632, p. 24). O mesmo Bretas aparece como “Director Geral

interino” da Agência Geral em 7 de maio de 1857 no mesmo códice, porém, em outra

página do mesmo (SP. 632, p. 37).

Novos registros dessa estrutura organizativa: “Secretário da Diretoria Geral em 4

de fevereiro de 1856 = Joaquim Delfino Ribeiro da Luz e José Rodrigues Duarte =

Director do Lyceo e do 1o circulo Litterario” (SP. 639, p. 1).

Mais indicações daquele rico intercâmbio multidisciplinar liceal a que havíamos nos

referido:

Francisco de Paula Pereira Lagoa é nomeado interinamente regente da Aula de Geografia e Historia do Lycêo Mineiro em 7 de Abril de 1856, na ausência do respectivo professor (SP. 639, p. 4).

O “Professor de Philosophia do Lyceo Mineiro em 13 de Maio de 1856 = Padre

Joaquim Ferreira da Rocha” (SP. 639, p. 7). O mesmo ainda pede licença para tratar de

seus negócios (SP. 639, p. 7).

Esse caso, envolvendo o professor Rocha, nos pareceu mais um de um conjunto de

episódios que acabaram por levar a sua substituição do cargo de professor de filosofia do

Liceu Mineiro pelo seu colega de instituição Francisco de Paula Pereira Lagoa, foi a

primeira substituição, não-provisória, do primeiro professor de filosofia do Liceu Mineiro,

a primeira de uma série ocorrida ao longo do tempo em função de motivos vários.

O mesmo professor (Rocha)

Em 31 de Maio de 1856, é respondido ao officio enviado à Presidência da Provincia sobre a substituição do Professor acima, ao qual foi concedido três meses de licença, que não é necessário substitui-lo (SP. 639, p. 9).

Qual terá sido o motivo? O códice não faz referência à motivação.

De qualquer modo, em 2 de julho de 1856,

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a Diretoria Geral da Instrucção Publica determina a cabal observância do artigo 8 do Regulamento no 27, em relação as falhas dos Snrs Professores do Lycêo Mineiro (...). Bernardo Guimarães que fora officiar como Promotor Publico na Villa da Piranga, o mesmo Director, acha conveniente saber se Bernardo fora com a permissão do Exmo Governo (SP. 639, p. 10).

Foram pistas que nos permitiram visualizar critérios na aplicação do regulamento e

evitar assim uma certa aleatoriedade na aplicação da norma, importante na construção de

um certo padrão de ação, que, por sua vez, é um elemento conveniente à instituição de uma

cultura escolar.

A seguir, um documento a mais a indicar aquela direção, desta a legislação, pensada

como ordenamento jurídico26, como uma parte diversa na composição daquele todo acima

descrito de constituição cultural escolar:

Artigo 19 do Regulamento no 27 de 3 d jano de 1854 = Alem dos Domingos, e dias Santos de guarda, só serão feriados, as Quintas feiras das semanas em que não houver dia Santo de guarda de Festa N.al marcada em lei, os 3 dias de entrudo desde a Domingos de Ramos ate o 1a 8a da Páscoa da Ressurreição, e do ultimo dia dos exames até o dia de Reis (SP. 639, p. 10).

Um documento ainda dessa mesma natureza a indicar o horário de filosofia: “Das

Horas em que funccionarão as diversas Aulas do Lyceo Mineiro = Philosophia das 4 às 5

horas da tarde . Em 19 de Junho de 1856” (SP. 639, p. 10).

Dessa vez, um caso a mais de registro do que vimos mais acima, o nosso documento

sugere um mecanismo de substituição temporária do professor de filosofia:

O Dor. Lafayete Rodrigues Pereira é substituto do Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa para reger a Aula de Philosophia do Lyceo Mineiro, enquanto o último se acha com assento na Assemblea Legislativa (SP. 639, p. 67).

Mais indícios sobre um lugar de relevância, como afirmado dantes, ocupado por

Bretas na educação da época.

Em dois tempos:

26 Ver CURY (2000).

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Em portaria com a data de 19 de Março de 1858, assume interinamente a Directoria Geral da Instrucção Publica Rodrigo José Ferreira Bretas, no lugar de Joaquim Delfino Ribeiro da Luz (SP. 639, p. 66). (...) Em 18 de Setembro de 1857, Rodrigo José Ferreira Bretas é nomeado, juntamente com os professores do Lycêo, examinador dos Alunnos do Lyceo Mineiro (SP. 639, p. 49).

A passagem, a seguir, da documentação nos sugere que Lagoa passou a ocupar a

cadeira de filosofia da forma que hoje chamaríamos de efetiva:

Francisco de Paula Pereira Lagoa é nomeado para o emprego de professor Publico de Philosophia do Lyceo Mineiro em 30 de Julho de 1857 – conforme proposta da Directoria Geral da Instrucção Publica datada de 22 de Julho de 1857 (SP. 639, p. 35).

Mas ocorreu também a criação do “Emprego de substituto Permanente” pela

Presidência da Província, para o “Lycêo Mineiro nas suas diversas aulas” (SP. 639, p. 98).

Instrumento que nos pareceu buscar mais agilidade e eficiência que o antigo cargo

de substituto apenas, uma vez que os pedidos de licença, por parte dos professores, são, nos

pareceu assim através das fontes, relativamente em grande número, daí a necessidade de

criação desse curioso cargo de “substituto permanente”.

O que nos indica ainda como se comportava o professorado daquele tempo, que ao

poder ter muitos meses de licença, tal medida mostrou sensatez, pois se evitava a ele ser

surpreendido com tal procedimento em meio do curso.

Como no caso que se segue: “Bernardo Guimarães tem sua licença prorrogada por

mais três meses, porém sem vencimento” (SP. 639, p. 87).

Novamente: “Seis meses de licença para Bernardo Guimarães em 22 de janeiro de

1859” (SP. 639, p. 103).

O caso de Bernardo Guimarães, devido às suas idiossincrasias, nos pareceu poder

ser considerado clássico em vista das circunstâncias.

A cultura escolar da época, em seu movimento de se autoconstituir, foi capaz de

criar mecanismos de absorção dessas individualidades.

O caso de Bernardo é ilustrativo, cuja forte personalidade salta às vistas, nem por

isso foi alienado da cultura escolar, mas absorvido de modo diferente por aquela.

Com a criação do referido cargo, pôde-se fazer a “Nomeação de Ovídio João Paulo

de Andrade para o Emprego de Substituto permanente de Philosophia” (SP. 639, p. 107).

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O que é reafirmado em páginas mais adiante, agora, porém a descrever aquele na

própria atividade (espécie de auto nomeação): “Ovídio João Paulo de Andrade exerce a

condição de professor substituto permanente da Aula de Philosophia em 6 de julho de

1860” (SP. 639, p. 137).

Ainda assim, não se deixou a norma instituída se tornar letra morta, pois é, nessa

direção, que nos pareceu caminhar a orientação de Rodrigo J. F. Bretas quanto à aplicação

do Regulamento nº 27 aos professores do Liceu Mineiro que “decharem de comparecer,

por mais de três vezes em cada mez” (SP. 639, p. 86).

Um indicativo de outra forma de ordenação jurídica, na direção acima descrita,

desta feita pela Lei Provincial nº 960 e a prescrição de “cazos em que os Lentes do Lycêo

Mineiro podem ter exercício em cadeiras diversas das que lhes são próprias” (SP. 639, p.

101).

O que nos pareceu também possibilitar a “Nomeação de Eduardo Abadie para

regente da sala de Estudos do Lycêo Mineiro em 3 de Fevereiro de 1859” (SP. 639, p.

104).

Um indício, no próximo documento, de como um ato exterior à escola altera seu

fazer interior, nesse caso, a alteração diz especificamente às aulas de filosofia no Liceu:

Por portaria datada de 28 de julho de 1860 a cadeira de Philosophia do Lycêo Mineiro é reduzida à 2/3 o seu horário, devendo ser abatido o tempo do vencimento mínimo do seu lente (SP. 639, p. 137).

Em outros casos, porém, essa exterioridade pode envolver o conjunto das aulas,

como nesse, onde à festa da comemoração “pelo felix Anniversario da Independência e do

Império” são convidados os professores do “Lyceo Mineiro pelo Agente Geral do Ensino

publico Rodrigo José Ferreira Bretas” (SP.639, p. 120).

A repetição desse documento visa apenas colocar em destaque o papel desse

“Agente Geral do Ensino publico”, pois, em vários momentos, Rodrigo J. F. Bretas convida

os professores para solenidades, não raro, acompanhados de um ato religioso que apareceu,

de forma explícita, na documentação (SP. 639, p. 91 e outros).

Aspecto educativo esse que nos pareceu como complementar e sucedâneo à

disciplina escolar.

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Bernardo Guimarães é designado professor de Filosofia do Liceu Mineiro em outro

documento, desta vez, o Códice 1199 da Seção Provincial do Arquivo Público Mineiro:

Secretaria da Diretoria Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto 31 de julho de 1867. Ilmo Exmo Sr. Tenho a honra de participar a V. Exa. que achando se enfermo o professor da Aula de Philosophia do Externato dessa Capital, designo por Portaria de 29 do presente mez o professor de Rhetorica do mesmo Externato para substituir provisoriamente na regência daquela Aula, Snr. Doutor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães. O Diretor Geral Firmino Antonio (SP. 1199).

Externato foi um dos nomes do Liceu Mineiro, pois a “Lei 1064 Regulamento nº 56

de 1o. de Maio de 1867” quanto à “Instrucção Secundaria” “suprimiu todos os colégios

publicos que exitião na Província”, conservando apenas cadeiras avulsas.

Com o “Artigo 17 do Regulameto nº 56” se dá a criação dos externatos, sendo o

“Externato da Capital installado a 25 de junho de 1867”.

Segundo o Códice 1199 da Seção Provincial as disciplinas do externato da capital

em 1867 são as seguintes:

Latim; Francez e Inglez; Philosophia racional e moral; História e Geographia; Rhetórica e Poética. Achão-se providas interinamente todas as Cadeiras e em exercício os respectivos Lentes com excepção do de Philosophia o Doutor Francisco de Paula Pereira Lagoa que por despacho de 1o de Setembro ultimo obteve 3 mezes de licença para tratar de negócios, sendo designado para substituil-o o professor de Rhetorica Doutor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (SP. 1199, grifos nossos).

A licença acima, solicitada pelo referido professor de filosofia, foi obtida a nosso

ver pelo seguinte despacho:

Informando como V. Exa ordena por despacho de 3 do corrente, sobre o requerimento junto, em que o professor de Philosophia do Externato desta Capital, Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa, pede três meses de licença, sem vencimentos, para tratar de seus negócios; tenho a honra de manifestar a V. Exa. que em vista do disposto no parágrafo 6 do art. 32 do Regulamento nº 52, esta o supplicante nas circunstancias, segundo penso, de ser benignamente attendido. V. Exa. porém, resolverá como julgar mais acertado. Deos Guarde V. Exa. Ilmo e Exmo Sr. Dr. Elias Pinto de Carvalho, vice Presidente da Província. Firmino Antonio Diretor Geral da Instrucção Publica da Província de Minas Gerais, 2 de Setembro de 1867 (SP. 1199).

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O documento nos revela o tratamento benigno dispensado ao novo professor de

filosofia do Liceu Mineiro – o “Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa”, em relação ao seu

antecessor – o “Padre Joaquim Ferreira da Rocha”, uma vez que, na documentação,

apareceu, como visto, uma relação mais conflituosa do último em relação à direção do que

ao primeiro.

Trata-se, portanto, na explicação de uma disciplina, como nos alerta GOODSON

(1990), de não perder de vista as disputas internas à mesma, e considerar, na análise, o

“auto-interesse material dos professores em suas vidas laborais” (GOODSON, 1990, p.

252).

Aspecto que nos pareceu comparecer no caso em questão.

A passagem remete, ainda, a algo que mencionamos de antes, pela minuciosa

preocupação dos agentes escolares de então com o registro do fato educativo, situação que

se repete, alias, no episódio anterior, a envolver Bernardo Guimarães, confirmado como

professor substituto de filosofia em duas passagens da documentação.

O mesmo códice é indicativo de um artifício recorrente muito usado pelas

autoridades do ensino público no período, qual seja: de continuarem a se referir ao Liceu

Mineiro, mesmo depois de sua extinção, por alguma legislação do período, como essa que

vemos no momento.

O que possibilitou perpetuar aquele estabelecimento no tempo, como ainda veremos

na documentação, tal fato foi o que nos permitiu falar de uma filosofia liceal.

Eis o trecho do referido documento:

a Diretoria Geral de Instrucção Publica, solicita autorização para transferir os livros da Bibliotheca Publica da cidade Ouro Preto para o Externato desta, que outrora pertenceu ao extinto Lyceo Mineiro. Firmino Antonio Diretor Geral da Instrucção Publica da Província de Minas Gerais. Setembro de 1867 (SP. 1199, grifos nosso).

Outro códice dessa série da seção provincial – SP. 1399 – foi, nesse sentido, mais

incisivo, pois, ao apontar as causas “que empedem o desenvolvimento do ensino público”,

indicia, ao menos em parte, as razões daquele tipo de procedimento que vimos acima.

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Antonio Firmino de Sousa – Diretor Geral de Instrução Pública em 1870, em 16 de

março deste, faz um relatório da instrução pública do qual destacamos a seguinte afirmativa

relativa à instrução secundária:

Quanto à instrucção secundária não temos presentemente nenhum estabelecimento público onde se preste o ensino regular e completo dos preparatórios; existem apenas como V. Exª sabe, aulas avulsas de diversas matérias, especialmente de latim e francez. As causas que empedem o desenvolvimento do ensino público nesta Província, são as que tenho mencionado em todos os meus relatório: a exigüidade dos vencimentos do magistério o pessoal mais idoneo e a impossibilidade de manter uma fiscalisação activa e efficaz sem que sejão convenientemente retribuídos os agentes encarregados de inspecção. A estas causas acresce a instabilidade da legislação que rege o ensino publico, legislação esta onde nem sempre se respeitão os principais reguladores da matéria. Muitas vezes, mesmo antes de verificarem-se os resultados de uma medida legislativa ou de um plano administrativo, apparece uma reforma intempestiva que vem aniquilar estabelecimentos apenas inaugurados, quase sempre determinados pelo desejo de reduzir as dispezas que se fazem com a instrucção publica (SP. 1388, grifos nossos).

Outro códice do Arquivo Público Mineiro nos indica essa direção e o relativo

sucesso daquele artifício estratégico, o códice de instrução pública no. 26, daqui para frente

IP. 26:

Externato do Lycêo Mineiro Installado a 19 Abril de 1872 – Diretor: Cônego Dr. Joaquim da Rocha Pinto em 19 de Abril de 1872. José Xavier Ferreira Junior a 23 de Abril de 1872 em substituição ao primeiro. Secretário: João Paulo Ferreira de Oliveira em 19 de Abril de 1872 e Antonio Moreira Coelho em 23 de agosto de 1872. A cadeira de Philosophia foi reunida à de Rhetorica e Poetica de Ovídio João Paulo de Andrade pela lei nº 2458 art. 30 de 1877 (IP. 26, p. 10).

Como se pode ver, os documentos são bastante indicativos, além daquela vitoriosa

estratégia acima referida, pois o Liceu Mineiro resiste sobrevivo dez anos depois uma

tentativa “intempestiva”, para usar um termo eqüevo ao nosso crítico, de extingui-lo, como

também de um conjunto de problemas da educação escolar à época, como: vencimentos

inadequados de professores e fiscais para inspeção do ensino; pessoal qualificado;

legislação instável, entre outros.

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O que nos recita muito da capacidade dos agentes educacionais do período de uma

certa arte de indicar um rumo a seguir, mais ou menos consciente (pareceu-nos mais), em

vista de um quadro instituinte bastante complexo, marcado por movimentos de idas e

vindas.

Como tivemos ocasião de falar algures, o curso de preparatórios não era um

limitativo da instrução secundária provincial, como insinua o trabalho de HAIDAR (1972)

para a mesma no Império.

Ora, o que exprime as palavras do Diretor Geral de Instrução Pública em 1870 –

Antonio Firmino de Sousa – no trecho transcrito mais ao alto, inspira outro rumo a seguir,

pois, ao se manifestar sobre aquele nível em seu relatório, o curso de preparatórios

apresenta-se como um parâmetro superior de ensino.

Não é este o sentido das palavras por ele proferidas sobre aquele grau de ensino?

Eis aqui, mais uma vez, anunciadas:

Quanto à instrucção secundária não temos presentemente nenhum estabelecimento público onde se preste o ensino regular e completo dos preparatórios (SP. 1388, grifos nossos).

Antes e depois da última data acima notada, as fontes nos dão a conhecer uma

existência bastante movimentada da disciplina de filosofia no Liceu Mineiro.

Segue-se a observação e descrição.

Nesta rota, a

cadeira de Philosophia foi modificada pelas leis nº 1215 e 1469 e Regulamento 62 que anexou esta à de 3o anno de latim em 15 de janeiro de 1873, sendo regida pelo Rdo. Cônego Dr. Joaquim Maximo da Rocha Pinto, nomeado em 19 de abril de 1872 e tomado posse em 24 de abril de 1872” (...). A “cadeira de Rhetorica foi reunida a esta pelo art. 30 da lei nº 2438 de 1873, regida pelo Prof. Camillo Augusto Maria de Britto proprietário daquela. Em 25 de outubro de 1878, foi designado o Prof. de História e Geografia Eduardo Machado de Castro para substituí-lo em licença até 11 de novembro do mesmo ano quando o proprietário da cadeira retornou. Em 6 de fevereiro de 1879 é nomeado o Dr. Henrique de Magalhães Salles, que substitui o proprietário que foi nomeado secretário da Presidência da Província (IP. 26, p. 11-13).

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Retomando o códice anterior, temos mais amostras do que talvez sejam as causas

das conseqüências danosas para a instrução secundária, apontadas, anteriormente, por

Antônio Firmino de Sousa, isto é, uma intensa movimentação que aos olhos daquele

diretor, não permitia uma certa estabilidade necessária ao processo educativo.

Como ocorre nesse caso, cujo exemplo vem de cima: “Ovidio João Paulo de

Andrade é diretor geral interino em 18 de Julho de 1870. Em 19 de julho já é Eugenio

Celso Nogueira” (SP. 1388).

O códice SP. 1340 nos apresenta, no mesmo sentido acima exposto, um conjunto

mais amplo das razões anuncidas daquela dinâmica movimentação do ensino secundário à

época: o “Artigo 17 da Lei nº 1400 de 9 de Dezembro de 1867 e Regulamento nº 56”

dispõem sobre os professores de instrução secundária (SP. 1340, p.19). De 3 de agosto de

1868 até 14 de outubro de 1869, foram demitidos 21 professores de instrução secundária,

20 professores provisórios e 1 a pedido (conforme os termos usados no documento).

Os primeiros foram exonerados, porque o “Presidente da Província” entendia que

não convinha tal provimento. Dos 20, 11 pertenciam aos Externatos.

Fatos esses ocorridos antes da posse do Presidente José Maria Corrêa de Sá e

Benevides (SP. 1340, p. 32).

No Códice SP. 1375, aparece o nome do “Diretor Geral da repartição da

Instrucção Publica” – Fernando Teixeira de Sousa Magalhães – em julho de 1870 (SP.

1375).

No “Jornal Minas Gerais” são publicados fatos sobre a educação do estado,

contidos num documento do expediente da repartição de “Instrucção Publica” em 9 de

julho de 1870.

O que nos pareceu uma espécie de “release” da “imprensa oficial” de então.

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Uma indicação do componente educativo das festas cívicas, pois ocorre uma

dispensa das aulas para “a festa de Nossa Senhora do Monte do Carmo em 16 de julho de

1870” (SP. 1375).

Em 23 de julho de 1870, aparece uma referência ao “Externato da Capital” (SP.

1375).

São enunciados que nos permitem avançar o raciocínio seguinte: de que apesar das

medidas de contenção de despesas tomadas em relação ao estabelecimento, uma estrutura

mínima era mantida e essa permitiu mantê-lo (o Liceu) como referência ao longo do tempo.

Continuando nosso cotejo, os empregados do estabelecimento, incluídos os

professores, são despedidos para assistirem à “Missa e Cortejo de 7 de Setembro, dia da

Independência do Império e também uma 5ª exposição mineira” (SP. 1375).

Os “Códices de Registro de Ofícios” do Arquivo Público Mineiro registram vários

pedidos de licença de professores para tratamento de saúde, de negócios ou para assento na

câmara, assembléia, no judiciário, em geral, como juiz no dia do julgamento etc., além do

exercício de outros cargos ou funções.

O códice anterior sinaliza no sentido de regulamentar a admissão de professores por

concurso, embora apareçam algumas solicitações para se admitir independentemente de

concurso, circunstância em que era levada em conta a especificidade do caso em vista, o

processo, porém, era submetido à instância superior que deliberava sobre aquela situação.

Ocorreu, às vezes, a nomeação provisória de um professor até sair novo concurso

para o preenchimento definitivo da cadeira em pauta (SP, 1375).

No mesmo documento, foi-nos apresentada uma proposta de um “livreiro Editor”

estabelecido no Rio de Janeiro com uma série de livros recomendados ao presidente da

Província, que nos sinalizou sobre o procedimento para compra do que hoje chamamos de

material didático:

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para sua alta consideração (...), offerecendo-se para fazer a Diretoria da Instrucção Publica da Provincia os abatimentos que constuma fazer as das outras pessoas de que se presa ser fornecedor (SP. 1375).

O códice, em questão, sugere a utilização de formas educativas mais complexas no

século XIX do que normalmente se imagina, ao menos a daquela historiografia que só

consegue avistar naquele século, caos apenas, como a existência de propaganda sobre a

“instrucção publica, com direito à conferência em teatro” (SP. 1375).

O Códice SP. 1370, ao nos exibir tanto os leitores quanto os livros da biblioteca

pública de Ouro Preto, faz com que nos sintamos perto não só da cultura mais geral e

escolar do período como também da cultura filosófica mais geral e escolar da época:

Relação das pessoas que se utilisarão de livros da bibliotheca publica durante o corrente anno de 1869.

Srs. Dr. Carlos Thomaz de Magalhães Gomes; Antonio Nunes Galvão; João Affonso de Figueiredo; João Antonio Affonso; Saul Spiers; Baptista Carlos José de Mello; Francisco de Paula Ferreira de Carvalho; Dr. Theodomiro Alves Pereira; Dr. Francisco Corrêa Ferreira Rabello; Dr. Virgilio Monteiro de Mello Franco; Ge. Christian Stockler de Lima; Dr. Mel. Bazile Furtado. Ouro Preto 28 de Dezembro de 1869” (...).

“Cathalogo dos livros existentes na Bibliotheca da Capital: Amedé Jaques e Fleury – Manual de Philosophia 3 volumes; Adam Smith – Hist. Dos Sentimentos Morais 1 volume; Bouvier – Historia da Filosofia 2 volumes; H. Baudrillart – Philosophia e economia política 2 volumes; Charmo – Questões de Philosophia 1 volume; Cousin – Mme de Luignivible, Mm de Sablé, Mm de Cluvreusse, Mm de Hautefort, Jacquellene Pascal, Estudos sobre Pascal e Fragmentos e Memórias; Dugald Sterrout – Esboço de Philosophia Moral – 1 volume; Foulieu Derodoards – Hist. Philosophica da revolução de França; Geoffroy – Misselaneas philosophicas; J. J. Rousseau – Confissões, Emilio; Lermenieds – Philosophia do Direito; Montesquieu – Espírito das leis – Decadência dos Romanos 4 volumes; Montaigne – Ensaios philosophicos; Plutarco – Biographia dos homens illustres; Entuma – A Razão catholica e philosophica 4 volumes. Ouro Preto, 26 de Dezembro de 1869” (SP. 1370).

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O códice SP. 1370 também reafirma os temas que abordamos anteriormente:

“Ovidio João Paulo Andrade é secretário de Diretoria Geral da Instrucção Publica em 5

de janeiro de 1870” (SP. 1370).

O mesmo códice SP. 1370 se refere ao “Extinto Lycêo Mineiro” assim como

também ao “Extinto externato da capital” (SP. 1370).

Assim como reafirmam novamente as

causas que impedem o desenvolvimento do ensino publico na Província: exigüidade de vencimentos dos professores; impossibilidade de manter uma fiscalização mais ativa e eficaz; mais a instabilidade da legislação que rege o ensino publico – Inspetor Geral da Instucção Publica da Província de Minas Geraes – Firmino Antonio de Souza (SP. 1370).

A mesma temática compareceu, dessa vez, no códice SP. 1372:

Supprimidos pela Lei nº 1601 todos os Externatos criados pelo Regulamento nº 56, deixou a instrucção secundaria de comprehender o ensino de todos os preparatórios que são exigidos para a matricula nas Academias do Império e he actualmente prestada em 42 cadeiras avulsas distribuídas por diversas cidades e Villas da Prova., sendo:

Cadeiras de latim e francez....................36

Cadeiras de latim......................................1

Cadeiras de mathematicas elementares....2

Cadeiras de ingles e francez ....................1

Cadeiras de ingles e geographia...............1

Cadeiras de philosophia e rhetorica......1 (SP. 1372, grifos nossos).

Na direção daquela precaução, que havíamos tomado contra o que nos dizia

HAIDAR (1972), de que os preparatórios contribuíram para o fracasso da instrução

secundária no Império, sem esses, como se afigura a fonte acima indicada (SP. 1372), a

instrução secundária limitou-se, no período, a ofertar apenas uma maior quantidade de

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cadeiras avulsas de “latim e francez” em detrimento do conjunto abarcado pelo curso de

preparatórios.

O documento ainda faz uma contabilidade mais geral, ainda que sucinta, da

instrução secundária naquele momento: “Matriculados na instrução secundária 420

alunos, tiverão freqüência legal 305, sendo 37 aprovados nos exames de dezembro e 169

mostrarão aproveitamento” (SP. 1372).

Ovídio João Paulo de Andrade que, nesse momento, também era professor da

disciplina de matemática do Liceu Mineiro, uma entre outras disciplinas das quais foi

professor naquele lugar, além de ter ocupado outros cargos na estrutura de ensino à ocasião,

como esse do momento de “Secretário da Diretoria Geral da Instrucção Publica em Ouro

Preto”, apresenta-se, através de uma série de vestígios, como outro importante nome da

história do Liceu Mineiro.

Bem como o foram Bernardo Guimarães e Rodrigo José Ferreira Bretas, cada um ao

seu modo, é claro.

Em sua fala, é possível, também, flagrar a mesma concepção de ensino público

daqueles homens que lhe foram contemporâneos, ao atuar na educação de seu tempo e dos

quais foi discípulo ao seu modo.

Diz ele:

O número de Externatos criados pelo Regulamento nº 56 parecia-me realmente excessivo; mas supprimilos todos, como fez a Lei nº 1601 deixando a provincia sem um curso completo de preparatórios onde se habilite para os estudos superiores a inteligente mocidade mineira, foi certamente um erro que urge reparar – 09 de julho de 1870 – Ovídio João Paulo de Andrade – Secretário da Diretoria Geral da Instrucção Publica em Ouro Preto (SP. 1372, grifos nossos).

O mesmo tom e estilo moderado de ação (que procurava evitar os gestos extremos,

sem, contudo, deixar de apontar criticamente um caminho intermediário, atitude comum,

como temos visto, à maioria dos agentes da instrução pública daquele período do século

XIX) de seus mestres e predecessores.

De resto, uma postura almejada pelo Liceu Mineiro tanto de um ex-aluno, como de

um provável e futuro professor de filosofia eclética liceal.

Para rematar, Ovídio também teve o curso de preparatórios em alta conta.

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O códice da Seção Provincial 1374 (SP. 1374) é indicador de como se estrutura

hierarquicamente a instrução pública no século XIX:

O Palacio da Presidencia da Provincia de Minas Gerais em despacho de 17 de março de 1870, informa o Diretor Geral da Instrucção Publica para por em concurso as cadeiras de philosophia e rhetorica e latim e francez (SP. 1374).

No relatório de 24 de abril de 1869, de Firmino Antonio de Sousa, “Diretor Geral

da Instrucção Publica”, o filósofo francês eclético, Vitor Cousin, é citado como “homem

eminente, que orientou a organização da instrução mineira” (SP. 1322).

Passagem, entre outras, que nos permitiu uma aproximação do espírito da cultura

escolar e filosófica do nosso período de estudo, uma cultura que, no geral, se afez à

linhagem francesa e particularmente à filosofia do espiritualismo eclético igualmente

franca.

A Lei nº1601 de 1868 suprimiu os Externatos mineiros então existentes “De julho

do corrente anno (1868) em diante haverá somente cadeiras de latim e francez (a

influência francesa?), as quais são actualmente em numero de 27” (SP. 1322).

Externatos, os quais eram distribuídos por várias localidades da província.

Além da influência francesa que transpareceu na definição das cadeiras de latim e

francez, por outro lado, o documento corrobora contra a tese, mais uma vez, de que o

“modelo de preparatórios” contribuiu para o fracasso do ensino secundário no período

imperial investigado.

Mais conseqüências advirão da lei nº1601:

deverão subsistir na capital da província as cadeiras de latim, francez e matemáticas (...). Dos professores de instrucção secundaria, tanto de cadeiras avulsas como dos Externatos, forão demittidos, durante o mesmo espaço de tempo (de 25 de agosto de 1868 a 24 de abril de 1869) todos os provisorios em numero de 22; nomeados na forma do Regulamento nº 56, 5; designados para regerem outras cadeiras em conseqüência de terem sido supprimidos as que occupavão, 3; e habilidados na forma do mesmo Regulamento 1. Tendo sido demittidos todos os professores provisórios, fez-se immediatamente effectiva a suppressão dos Externatos de Minas Nova e Campanha, cujas cadeiras erão todas regidas em tais condições, visto que seria ocioso prover deffinitivamente cadeiras que terião de ser supprimidas em julho p. futuro. O único professor titular que existia no Externato da Campanha passou a ter exercicio na cadeira de latim e francez. Pela mesma razão deixou-se prover as cadeiras de rhetorica e philosophia do Externato da Capital, a de philosophia do Externato de S. João D’El Rei e a de francez e inglez, geografia e

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historia do Externato de Sabará, tendo sido anteriormente suspensa esta ultima por falta de frequencia legal (SP. 1322).

Esse era o receio contra o qual se colocavam, há pouco, Firmino Antonio de Sousa e

Ovidio João Paulo de Andrade.

O de que

muitas vezes, mesmo antes de verificarem-se os resultados de uma medida legislativa ou de um plano administrativo, apparece uma reforma intempestiva que vem aniquilar estabelecimentos apenas inaugurados, quase sempre determinados pelo desejo de reduzir as dispezas que se fazem com a instrucção publica (SP. 1370 e 1388).

Ou seja, o fato de uma “reforma intempestiva” poder alterar e mudar drasticamente

não só o destino de uma disciplina escolar, e, com isso coloca-se em foco, ao menos em

certa medida, a autonomia relativa das disciplinas escolares, como também toda uma

estrutura escolar poder vir abaixo, como, na presente situação, o que põe também em relevo

o relativo caráter de autonomia da escola.

Nesse sentido o códice da Seção Provincial 1324 (SP 1324) é bem mais explícito:

Relação das cadeiras dos Externatos que forão supprimidas em virtude da lei de Orçamento de 1601 de 20 de julho de 1868. Externatos: – Ouro Preto: Ingles, Philosophia, Geografia e História, Rhetorica; Minas Novas: Francez e Inglez, Geografia e História, Mathematicas; Sabará: Francez e Inglez, Geografia e História, Matemáticas. Campanha: Francês e Inglez, Mathematicas, Philosophia, Geografia e História; Uberaba: Não chegou a ser installado este estabelicimento. Secretaria de Diretoria Geral da Inst. Pública no Ouro Preto 14 de outubro de 1869. O Secretario Ovidio João Paulo de Andrade (SP. 1324).

Em 28 de agosto de 1869, o códice da Seção Provincial 1280 (SP. 1280) registra

uma explicação dada pelo “Diretor Geral da Instrução Publica”, Firmino Antonio de Sousa,

ao presidente da Província, José Maria Corrêa de Sá e Benevides, sobre a licença que

concede aos professores e que são confiadas ao “prudente arbitrio do Diretor Geral e dos

Inspectores de círculos” (SP. 1280).

O que nos pareceu uma precaução, pois este (Firmino) concedera uma licença ao

professor de “Philosophia e latim” do “Externato desta Capital”, apesar das denúncias do

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jornal, o “Noticiador de Minas”, nº 136, que pesavam sobre o concedido, Sr. Emilio Soares

de Gouvêa Horta Junior (SP. 1280).

Mas, na explicação acima referida, o Diretor Geral (Firmino Antonio de Sousa),

segundo o códice, fez ver ao Secretario Geral da mesma Diretoria Geral de Instrucção

Publica, o desacerto da atitude daquele professor “que havendo se ausentado por doente,

apresentou-se advogando perante o jury de Queluz”, porém, conforme o Diretor Geral, o

professor Emilio Soares de Gouvêa Horta Junior “no desempenho de cujas funções revelou

sempre zelo, dedicação e perícia pouco comum” (SP. 1280).

Passagem que indicia a intervenção da imprensa, através da denúncia feita pelo

jornal em evidência, tanto na cultura escolar de forma mais geral, quanto na disciplina de

“Philosophia e latim”, pois o diretor teve que, ao mesmo tempo, condenar e justificar a

conduta do professor de “Philosophia e latim do Externato da Capital”, o que revela o

diretor ao lado do professor perante o presidente da Província e contra o referido jornal (SP.

1280).

Ovídio João Paulo de Andrade foi, além de professor do Liceu, “Secretario Geral

da Diretoria de Instrucção Publica”, e, possivelmente em função dessa condição, em

vários ofícios desse códice, aparece também como diretor interino daquela diretoria (SP.

1281).

O mesmo Ovidio é nomeado examinador, em fevereiro de 1868, de candidato a

“instrucção Publica” (SP. 1228).

Esse documento, também, indica que Ovidio foi professor substituto permanente de

filosofia de Francisco de Paula Pereira Lagoa e de “Grammatica Portuguesa e de

Rhetorica, Francez e Inglez” no Liceu Mineiro. “Em 21 de Março de 1860, a Inspectoria

do Lycêo Mineiro”, determina segundo o artigo 196 do regulamento nº 44, o “mínimo

tempo lectivo” de 2 horas, e “maximo de 4”.

Vamos ao tempo dos professores, horário das aulas e aos substitutos de então.

Snr. Douctor Francisco de Paula Pereira Lagoa Lente de Philosophia, começando sua aula as des horas da manhã para terminar ao meio dia. Em 9 de Julho de 1860, a Inspectoria do Lyceo Mineiro, que por officio de 10 de junho, comunica o Snr. Agente Geral do Ensino Publico, que o Conselheiro Presidente da Província por portaria de 28 de junho, reduzirá a 2/3 os honorários dos Lentes que regem as Cadeiras de Philosophia e as dos 1o e 2o anno de Pharmacia do Lyceo Mineiro como dipoem o artigo 22 do Regulamento nº 44 (...) O communico a V. Sª para seo

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conhecimento. Deus Guarde a V. Sª Ilmo Snr. ao Lente de Philosophia Dor. Franco de Paula Pereira Lagoa e o Substituto Ovidio João Paulo de Andrade. Em 5 de maio de 1859, o Diretor Supplente do Lyceo Mineiro Doutor Eugenio Celso Nogueira comunica ao substituto permanente de Grammatica Portuguesa e de Rhetorica, Francez e Inglez e de Philosophia do Lycêo Mineiro, o Sr. Ovidio João Paulo de Andrade, para, devido o professor de Philosophia do Lycêo Mineiro, Dor. Francisco de Paula Pereira Lagoa, ter tomado assento na Assemblea Legislativa na qualidade de Deputado, o quanto antes começar a reger aquella Cadeira (SP. 1228).

Apesar de ter ocupado uma série de cargos ao longo do tempo, parece que Ovídio

João Paulo de Andrade teve, no início de sua carreira, alguma dificuldade com a disciplina

do “Lycêo Mineiro”, pois o diretor chamou a atenção do professor substituto, ao dizer que

“algum silencio seria indicio da attenção às explicações e tomada das lições”, o diretor

pede ao mesmo professor que “ponha termo à semelhante practica”.

Uma vez que o comportamento contrário dos alunos

só própria das aulas do ensino primário (...) de nenhuma forma se pode tolerar em hum estabelecimento como o Lycêo, onde, funciona ao mesmo tempo outras aulas, pode perturbar o bom regimem que desejo manter. Em 10 de maio de 1859 (SP. 1228).

Indícios de uma forma de controle sobre o modelo disciplinar que se quer fazer

imperar na instrução secundária e num estabelecimento como o “Lycêo Mineiro”.

Era o momento de constituição de um ethos liceal.

Em 23 de maio de 1859, Ovídio e os demais do “Lycêo Mineiro”, mais o secretário,

são convocados para dar-se execução ao artigo 222, do Regulamento nº 44, para no dia 26

do mesmo mês, às 11 horas da manhã, na sala de “Estudos do Lycêo Mineiro”, assistirem à

“conferencia sobre methodo de ensino, regimem a observar-se no mesmo estabelecimento,

bem como extirpação de qualquer abuso” (SP. 1228).

Em flagrante, a forma escolar a emoldurar as disciplinas escolares logo em seu

momento originário.

O “Director Supplente Doutor Eugênio Celso Nogueira”, lista os seguintes

professores: Joaquim Patricio Teixeira, prof. de latim, na condição de substituto

permanente, Ovídio João Paulo de Andrade, também, “substituto permanente de

philosophia”, Calisto José de Aroeira, Manuel José Cabral, Augusto Chemot, Ricardo de

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Assis Pinto, Jorge Julio Henrique Malard, Eduardo Abadie, Dr. Carlos Thomaz de

Magalhães Gomes e Dr. Augusto Fausto Guimarães Alvim (SP. 1228).

O emprego de Professor Substituto Permanente, no códice em questão (SP. 1228), é

nomeado por portaria da Presidência da Província assim como a exoneração do mesmo.

Vários professores são nomeados substitutos permanentes das cadeiras do “Lycêo

Mineiro”, pelo mesmo expediente. Até 28 de junho de 1859, a designação é “Directoria do

Lycêo Mineiro no Ouro Preto”; em 30 de junho de 1859, aparece “Inspectoria do Lycêo

Mineiro no Ouro Preto”. O antigo “Director Supplente Doutor Eugenio Celso Nogueira é

agora Inspector do Lycêo Mineiro” (SP. 1228).

No mesmo códice, o professor do Liceu Mineiro, Bernardo Guimarães, aparece

exonerado de seu cargo:

Em 5 de Dezembro de 1859, o Conselheiro Presidente da Província, por portaria datada de 2 do corrente, e fundado no disposto no parágrafo 11o do artigo 121 do Regulamento nº 44 resolveo exonerar a V. Sª do emprego de Lente de Gramática da Língua Nacional, Rhetorica, e Literatura Clássica do Lycêo Mineiro, Guarde Deus a N. Sª Ilmo Snr. Doutor Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (SP. 1228).

Mais indícios sobre a saga de Ovidio João Paulo de Andrade no Liceu Mineiro o

qual, novamente, reafirma sua nomeação como substituto permanente das cadeiras de

“Língua Portugueza e de Rethorica, de Francez e Inglez, e de Philosophia do Lyceo

Mineiro em 19 de janeiro de 1859” (SP. 1228).

Foi um substituto e tanto!

Além de professor de Matemática, consta, na documentação, que escreveu um

compêndio sobre essa disciplina.

Sinal de como a disciplina era organizada, bem como o caso de Ovídio é indiciário

da cultura escolar liceal.

Ora, para alguém cuja formação se deu no Liceu Mineiro, uma instituição de

instrução secundária, a cultura da personagem nos chama atenção para o nível de ensino ali

ministrado.

Quem hoje, como Ovídio, sairia do ensino médio e seria capaz de escrever um

manual de matemática? Ou mesmo um egresso do ensino superior dos dias de hoje?

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Os termos de comparação não guardam nenhum tipo de nostalgia, apenas quer fazer

ver o que era a instrução secundária à época.

Cabe aqui invocar CHERVEL (1992), mais uma vez, com o intuito de

esclarecimento de nosso problema.

De que o termo secundário, segundo CHERVEL (1992), veiculou a idéia de uma

educação elevada, de “segundo grau”, uma “instituição de segunda ordem” “um segundo

grau de instrução ou instrução secundária”, uma “segunda instrução” dada nos

“estabelecimentos secundários”. Ou ainda: “alta instrução”, ou, então, “estudos superiores”

(CHERVEL, 1992).

Foi esta idéia que nos pareceu guiar as práticas daqueles agentes da educação

naquele tempo e das quais Ovídio foi um produto exemplar.

Era o que se queria com a criação do Liceu Mineiro, um instituto modelar,

arquetípico, um exemplo a ser seguido pela educação secundária, ou “estudos superiores”,

como quer CHERVEL (1992), de Minas na ocasião.

As fontes nos falam que tal intento que, ao menos em parte, foi conseguido com a

constituição da cultura liceal entre nós.

Ela nos aponta também a existência do cargo de “Diretor Supplente”. Doutor

Eugenio Celso Nogueira (SP. 1228). Cargo que não era excessivo, visto que o afastamento

das individualidades que compunham aquela estrutura de ensino de seus afazeres, de um

modo geral, foi uma constante, embora variados os motivos.

Daí a necessidade de uma certa complexidade estrutural.

Outro códice assevera, de modo mais amplo, o intrincado dispor e ordenamento da

estrutura de ensino que se almeja então:

o regulamento nº 56 expedido para regular a instrucção publica da Província cumpre discriminar as disposições organicas do ensino, sua natureza e divisão, direcção e inspecção, e do pessoal profissional, seus provimentos, predicamentos e subsidios, que pertencem ao domínio legislativo (SP. 1224, p. 111).

O “provimento” “do pessoal profissional” pareceu-nos ser um dos nódulos centrais

do problema, uma vez que o papel desempenhado pela profissionalização, tanto do trabalho

do professor quanto dos demais “profissionais”, naquele momento, como vimos,

anteriormente, na avaliação do “Inspetor Geral da Instucção Publica da Província de

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Minas Geraes – Firmino Antonio de Souza”, era insuficiente para que os mesmos pudessem

se dedicar exclusivamente à tarefa educativa.

Daí um certo realismo da estrutura de ensino. Trata-se, na verdade, da forma escolar

a dispor as disciplinas no seu respectivo quadro.

Mas se as normas per se, nada constituem, ainda que sejam parâmetros de ação,

importam no constituir, entretanto, dos acontecimentos.

Captemo-los nessa reconstituição histórica.

Diogo Luiz de Almeida Pereira de Vasconcellos é Diretor Geral da Instrução

Publica (SP. 1224 p.113), secretário da Diretoria Geral da Instrução Publica (SP. 1224 p.

115) e diretor novamente da mesma em novembro de 1868.

Em 30 de novembro de 1868, por portaria de 29 de novembro do mesmo ano, são

exonerados todos os professores primários e secundários que são provisórios (SP. 1224

p.116).

São feitas reformas do prédio do Externato da Capital, em 14 de janeiro de 1869

(SP. 1224 p.122). O mês da reforma é janeiro, talvez, por ser mês de férias.

Em 3 de fevereiro de 1869, ocorre dispensa e nomeação de professores “desse

Externato” (SP. 1224 p. 126). Em 24 de janeiro de 1870, “officio” desse códice fala do

“extinto externato Lyceo Mineiro” (SP. 1224, p.189).

O mesmo códice da Seção Provincial (SP. 1224) fornece mais um elemento para a

compreensão de nosso objetivo sócio-historiográfico, de flagrar a constituição ou gênese, a

estrutura e o desenvolvimento da disciplina escolar filosófica liceal:

O professor avulso de latim e francez Emílio Soares de Gouvêa Horta Junior é designado em 17 de Agosto de 1868 para reger a cadeira de Philosophia do Externato da Capital. Ao Diretor Geral de Instrucção Publica pelo Secretario Interino Antonio Nunes Galvão (SP. 1224, p. 90).

Nesta direção, seja em relação à disciplina de filosofia, seja em relação à cultura

escolar liceal, prossigamos.

Em 24 de setembro de 1868, a “Diretoria Geral da Instrucção Publica” baixa

“acto” reduzindo o prazo para um ano para a suspensão das cadeiras dos Externatos da

Província que não tiverem a freqüência de, no mínimo, oito (8) alunos (SP. 1224 p. 101).

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Nesse mesmo período, ocorreu a demissão de “Inspectores e Supplentes de circullos

literários” do serviço público em função da nova organização dos mesmos, devido às

alterações “que soffreo ultimamente a estatística judiciária da mesma” (SP. 1224, p.101).

Acontece, à época, a aprovação dos lentes do Externato da Capital, Emilio Soares

Gouvêa Horta Junior, para filosofia, e de Ovidio João Paulo de Andrade, em 3 de outubro

de 1868, pelo Palácio da Presidência, em oficio enviado à Diretoria Geral de Instrução

Pública (SP. 1224, p. 103).

As críticas de personagens como Firmino Antonio de Sousa e Ovidio João Paulo de

Andrade, que vimos atrás, surtiram um certo efeito, na direção daquele plano que, há

pouco, mencionávamos, pois a legislação seguinte corrigiu tanto os excessos da lei anterior

como da situação precedente.

Vejamos se há um senão:

Os artigos 18 e 19 do Reg. nº 56 alterado pela portaria de 24 de Setembro ultimo (1868) designão por condição essencial da conservação dos Externatos Publicos e de suas aulas a frequencia de 32 alunnos entre todos ou a de 8 em cada uma no primeiro anno de sua installação e a lei nº 1601 de 30 de Julho de 1868 as extinguio à data de 1º de julho de 1869 (SP. 1224, p. 107).

Não percorreu a senda que já apontávamos?

No Códice da Seção Provincial (SP. 1262) são designados para o

Externato da Capital os seguintes actuaes professores d’instrucção secundaria da província. (...) Para a cadeira Philosophia racional e moral = Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa, ficando sujeito aos ônus estabelecidos no Regulamento nº 56 de 1º de Maio de 1867. Palácio da Presidência da Província de Minas Gerais em Ouro Preto 18 de Junho de 1867. Joaquim Saldanha Marinho (SP. 1262).

Selecionamos, apenas a disciplina de filosofia, apesar de nossa preocupação com a

cultura liceal de forma mais geral, porque aqui ela apareceu com o nome de “Philosophia

racional e moral”, o que, em certa medida, nos indicia sobre a abrangência de seu

conteúdo.

No Códice da Seção Provincial (SP. 1229), temos o indicativo de um ritual escolar:

Termos de Juramento e Posse dos Lentes nomeados para o Externato desta Capital: Aos 26 dias do mêz de junho do anno de 1867 no edifício onde funcciona a

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Directoria Geral perante ao Sr. Dor. Firmino Antonio de Sousa Junior Director Geral d’Instrucção Publica compareceo o cidadão Dor. Francisco de Paula Pereira Lagoa o qual o referido Senr. Director deferio juramento dos Santos Evangelhos em o livro d’elles em que sua mão direita e o deo por empossado do que para constar mandei lavrar este termo que vai assignado pelo Senr. Diretor e pelo empossado. E eu, Ovídio João Paulo de Andrade, Secretario da Directoria Geral, a fiz escrever e assigno (SP. 1229, p. 2).

No caso, em primeiro lugar, selecionamos a posse do professor de filosofia do

Liceu, pois os termos são indicativos, não apenas do desenrolar da estrutura da disciplina

escolar de filosofia, que estamos a chamar de cultura filosófica liceal, como também serve

para indicar a própria cultura escolar, uma vez que os termos são semelhantes tanto para as

outras disciplinas que ali comparecem, como para os outros cargos da estrutura de ensino

do Liceu Mineiro e da instrução secundária de modo geral.

Vejamos os outros empossados, tanto para o “Externato da Capital”, como para as

outras instâncias daquele ensino:

Aos 25 de junho do anno de 1867: Ovidio João Paulo de Andrade – Lente de Mathematicas do Externato da Capital e Secretario da Directoria Geral de Inst. Pub. (...). Aos 25 dias do mez de junho de 1867: 3 officiais ; 1 contínuo. (...) Aos 25 dias do mez de junho do anno de 1867: Bernardo Joaquim da Silva Guimarães; Antonio Eulino de Mello Souza. (...) Aos 19 dias do mez de julho do anno de 1867: juramento e posse do official Maior da secretaria da Diretoria Geral de Instrucção Publica – Sebastião Augusto Pinto de Sousa (SP. 1229, p. 1).

Na mesma data, foi o juramento e posse do Externato de Sabará (25 de junho de

1867). O Externato de S. João D’El Rei em 26 de Dezembro de 1867.

Também ocorreu uma mudança na secretaria:

Em 19 de maio de 1871 perante o Inspetor Geral Interino da Instrucção Publica, assume o novo secretário desta Sebastião Augusto Pinto de Sousa e Henrique Dias da Silva Braga Official Maior da mesma Diretoria (SP. 1229, p. 61).

No mesmo códice em 24 de abril de 1872, na nomeação dos professores de

“Historia e Geografia e Francez”, aparece o nome de “Lycêo Mineiro” e não o de

“Externato da Capital” como antes (SP. 1229 p. 87).

Talvez, alguns traços a mais daquela estratégia, antes referida, em relação ao Liceu.

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Em 13 de maio de 1872, Ovidio João Paulo de Andrade e Manoel Alves de Oliveira

Catão, são nomeados membros do “Conselho Director da Instrucção Publica”, ambos

professores, um do “Lycêo Mineiro” (Ovidio) e outro da aula normal (Manoel).

O que ocorre perante o “Inspector Geral Interino Rmo. Snr. Cônego Doutor

Joaquim Maximo da Rocha Pinto – Conselho Diretor da Instrucção Publica da Cidade de

Ouro Preto” (SP. 1229 p. 89).

Novo indício da atuação de Ovidio à época, agora como conselheiro diretor da

instrução pública, o que nos reporta, em certa medida, à origem da idéia de conselho de

educação.

Antonio Moreira Coelho é nomeado secretário do “Lycêo Mineiro desta Capital”

em 31 de agosto de 1872 (SP. 1229 p. 103).

Termo de juramento e posse do “Director do Lycêo Mineiro, Dr. José Xavier

Ferreira Junior”, em 31 de dezembro de 1872 (SP. 1229 p. 116).

A Biblioteca estava sob controle da repartição de “Instrucção Publica”, o que

implica que, de algum modo, o acervo desta guardou relação com as disciplinas do Liceu

Mineiro.

Decerto que é dito pelo documento que: “O bibliothecario da Biblioteca Publica

desta capital (Ouro Preto) é nomeado pela Inspetoria Geral da Instrucção Publica” (SP.

1229 p. 153).

O Códice da Seção Provincial 1275 do Arquivo Público Mineiro aponta para uma

tentativa mais geral de ordenar o processo de seleção de professores.

Pois a

Diretoria Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto, dita Instrucções para o processo d’exame dos candidatos às Cadeiras de Instrucção Primaria e Secundaria em 6 de julho de 1868, Ovidio João Paulo de Andrade (SP. 1275).

As ditas instruções constam de 10 pontos bem detalhados.

Na instrução secundária, aparecem provas de latim e francês, o que nos indica uma

espécie de período, embora pequeno, “latino-francês” da instrução secundária mineira no

século XIX imperial, o que denota, em certa medida, as influências que sofreu aquela

cultura escolar e filosófica.

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Retornando ao códice IP. 26 ,o mesmo ainda nos apresenta um pequeno panorama

do ensino de filosofia nos externatos do interior de Minas Gerais nesse curto espaço de

tempo do século XIX, ensino que não era de exclusividade do Liceu Mineiro nem de

qualquer outra instituição daquele século, seja ela religiosa, pública (escola régia, liceu ou

externato) ou privada:

Professor de Philosophia e Rhetorica do Externato de Sabará: em 29 de outubro de 1872 – Rdo. Antonio Simplicio Ferreira dos Santos; em 15 de janeiro de 1873 – João da Matta Xavier Junior (IP. 26 p. 44). Do Externato de São João d’El Rei: em 11 de outubro de 1872 – Rdo. Luis Pereira Gonçalves de Araújo; em 8 de janeiro de 1873 – Aureliano Correa Pereira Pimentel (IP. 26 p. 44). Nos Externatos de Campanha, Minas Novas e Paracatu não existem cadeiras de Phylosophia e Rhetorica (IP. 26, p. V, VI, VII). Professor de Philosophia e Rhetorica do Externato de Diamantina: Dr. Francisco Corrêa Ferreira Rabelo nomeado em 29 de Março de 1878 (IP. 26, p. 117).

Na seqüência desse códice, aparece o nome de “Gymnasio Mineiro”, esse de fato

encerra a era do Liceu Mineiro, pois, ao contrário das medidas anteriores que extinguiam o

estabelecimento apenas legalmente e o mesmo continuava sua existência de fato e nominal,

o período republicano, ao trocar o nome do estabelecimento veda aquele modo de proceder

que perpetuou a existência do antigo Liceu Mineiro.

Este fato, com efeito, delimita o período do nosso trabalho, que não se deve, é claro,

apenas a uma mudança de nome, de vez que a filosofia ginasial republicana terá outro

destino, essa sim a razão do limite de nosso trabalho.

Alguns trechos desse tempo limite:

Em 23 de Março 1892 Dr. João Julio Proença Reitor do Externato do Gymnasio Mineiro (IP 55, p. 66). Em 16 de maio de 1891 Virginio Rolemberg Bhering é empossado como Reitor do Gymnasio Mineiro (IP 55, p. 60). Em 29 de janeiro de 1891 Virgilio de Mello Franco é empossado como Reitor do Gymnasio Mineiro (IP 55, p. 58).

Depois desta pequena pausa, retornemos ao “Lycêo Mineiro”:

Affonso Arinos de Mello Franco. Professor interino de Geografia e História do Lycêo Mineiro em 28 de Março de 1890 (IP. 55, p. 51, grifos nossos). Randollfo José Ferreira Bretas em 01 de julho de 1889 é nomeado Diretor do Lycêo Mineiro (IP 55, p. 34). Em 25 de junho de 1889 é secretário do Lycêo Mineiro Affonso Luiz Maria de Brito (IP 55, p. 32).

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São as últimas referências em relação ao estabelecimento, ainda com nome de

“Lycêo Mineiro”, que encontramos na documentação pesquisada.

Mais alguns dados nas fontes sobre aquelas culturas do Liceu que estamos a

investigar:

Em 13 de Agosto de 1886 toma posse no cargo de Diretor do Lyceu Mineiro Alcides Catão da Rocha Medrado (IP 55, p. 17). Acta de Instalação do Lyceu Mineiro e da Escola normal de Ouro Preto em 18 de Abril de 1872 (IP. 63, p. 3).

Ovídio João Paulo de Andrade, que foi ex-aluno e professor interino de filosofia do

mesmo, é agora diretor interino do Liceu Mineiro em 12 de junho de 1872 (IP. 63, p. 3).

Sinal da duração do Liceu Mineiro no tempo por que foi capaz de abarcar ao longo

deste várias fases da existência de uma individualidade.

O códice IP. 170 contém a “Lei de Criação do Externato Lycêo Mineiro – Artigo

111 do Reg. nº 84 de 21 de março de 1872” (IP. 170, p. 3-4 ), e a relação de professores do

mesmo.

Demos destaque para os de filosofia:

Professor de Philosophia e Rhetorica Dr. Camilo Augusto Maria de Brito - Designado em 31 de março de 1879. Em 16 de outubro de 1879 o Dr. Francisco de Paula Ferreira Rabello para substituir o interino Dr. Henrique de M. Salles com assento na Assembléia Provincial. Em 17 de Junho de 1880 foi designado o Prof. do Lycêo Eduardo Machado de Castro para como substituto reger esta cadeira (philosophia) durante o impedimento do Dr. Salles. Em 31 de janeiro de 1883 foi nomeado o cidadão José Gervasio Fernandes Barros de Carneiro para substituir o Dr. Camillo, exonerado em 13 de Abril de 1883. Em 20 de Outubro de 1883 o bacharel Dario Augusto Ferreira da Silva é nomeado substituto para reger a cadeira de Philosophia, durante o impedimento do proprietário (Dr. Camillo). O Dr. Camillo é reintegrado em 25 de abril de 1884. Em 19 de maio de 1884 o Bel. Dario Augusto Ferreira da Silva é designado para a reger a cadeira na ausência do proprietário. O Dr. Camillo é declarado vitalício em seu provimento em 28 de agosto de 1884, e renuncia ao exercício destas cadeiras a 7 de outubro de 1884, sendo aposentado em 31 de janeiro de 1891. Diretor do Liceu – Carlos C. Copsey Junior, Alcides Catão da Rocha Medrado; Francisco de Paula Cunha; Randolpho José Ferreira Bretas e Dr. Camillo Augusto Maria de Brito (professor de philosophia) (IP. 170).

Theofilo Benedito Ottoni, em 15 de fevereiro de 1883, foi professor do Lycêo

Mineiro da Cadeira de Geometria e de Desenho Linear (IP. 170).

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Vários nomes ilustres da política e da cultura não apenas mineira, mas do Brasil

imperial, passaram pelo Liceu Mineiro, seja como aluno, ou como professor, como é o caso

agora de “Theofilo Benedito Ottoni” e, logo acima, o de “Affonso Arinos de Mello Franco”,

bem como de outros que desfilaram diante de nossos olhos ao longo de nosso trabalho.

Cabe ressaltar, nesse sentido, a necessidade de uma investigação mais

pormenorizada e exclusiva do Liceu Mineiro com o intuito de destacar seu papel na cultura

do Século XIX, que não se restringiu apenas à formação de quadros para uma burocracia

local e provinciana, mas com nomes de repercussão em nível nacional e cuja influência não

foi, ainda, levada em conta.

Apenas uma última menção.

Minas Gerais foi uma província influente no Império, principalmente como uma das

bases regionais do partido liberal, que, juntamente com o conservador, formavam os dois

principais partidos políticos do período (FAUSTO, 1996, p. 180-183).

O Liceu Mineiro foi a principal escola de instrução secundária e “pública” (ou

exclusivamente estatal, se se quiser entender por pública uma oferta mais ampla que a

parcimoniosa quantidade testemunhada pelas fontes) da província imperial, em que pese a

vastidão do esquecimento a que foi legado por uma historiografia da educação esguelha,

diferente, por exemplo, da memória quase mítica em relação ao Colégio do Caraça, como

nos atesta o trabalho de ANDRADE (2000).

E é exatamente por esta condição, a de ser instituição pública de “alta instrução”,

consagrada aos “estudos superiores”, conforme aquela imagem deste nível de ensino que

vimos com CHERVEL (1992), que se põe como necessária uma revisão histórica que pode

nos ajudar a melhor entender um período crucial não só da educação mineira, mas

brasileira, bem como o próprio Brasil.

O nosso documento, em pauta, aponta para uma intensa movimentação em outro

externato, mais alguns indícios, portanto, da educação do século XIX.

Segundo o documento é

Professor de “Philosophia” do Externato de Diamantina em Março de 1879 – Dr. Francisco Correia Ferreira Rabello. Em 13 de Agosto de 1879 José Neves o substituiu nesta Cadeira (Philosophia e Rhetorica). Em 19 de abril Rabello renunciou à cadeira (IP. 170 p. 118).

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Conforme o mesmo códice, datado de 9 de dezembro de 1879,

José Neves é aprovado substituto em 8 de junho de 1880. João da Matta o substitui em 25 de julho. José Joaquim Pedro Lessa substitui o titular Rabello em 30 de julho de 1884. Antonio Thomaz de Godoy é substituto em 13 de abril de 1885. O Dr. Theodomiro Alves Pereira regeu a cadeira em 13 de outubro de 1889. Em 11 de abril de 1890 regeu interinamente a cadeira o Dr. Francisco José d’Almeida Brant, da qual se tornou titular (IP. 170).

Em outro número de série desse códice é “Inspetor do 1o Circulo Literario em 23 de

junho de 1880 – José Maria Pinheiro d’Ulhoa Cintra” (IP. 175).

O Códice IP. 187 apenas retoma, em outro registro, uma medida então recorrente:

De ordem do Exmo Senr. Presidente da Província transmitto a V. Sª copia da portaria de hoje, pela qual o mesmo Exmo. Senr. Resolveo dispensar e nomear alguns professores d’esse Externato. Deos Guarde a V. Sª Ilmo Senr. D. Diretor Geral da Instrução Publica. Communicou-se aos dispensados e aos Professores nomeados a 4 de janeiro de 1869: Emilio, Doutor Bernardo, Randolpho Je F. Brettas e bem assim a Thesouraria Prov.al. no impedimento do secretário – Antonio A. Galvão.

O presidente da Provincia considerando que não convem abrir as aulas de Rhetorica e Philosophia, que dependem de curso, visto terem sido abolidas as respectivas cadeiras pela lei nº1601 de 1868, resolve dispensar do exercício da 1a o Dr. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães e 2a o professor Emilio Soares de Gouvêa Horta Junior, passando este a lecionar na cadeira de latim, da qual fica também dispensado Randolfo José Ferreira Bretas, cujo provimento definitivo depende de concurso na forma do Regulamento nº 56, segundo a clausula expressa de sua primitiva nomeação. = Palacio da Presidência da Província de Minas Gerais. Ouro Preto, 3 de fevereiro de 1869. = Domingos de Andrade Figueira = Conforme A. Galvão (IP. 187).

Esta medida nos pareceu como a hora crepuscular de Bernardo Guimarães no Liceu

Mineiro, o encerramento de uma relativamente longa carreira de professor liceal, cerca de

quinze anos, uma vez que Bernardo foi pioneiro do Liceu, proferindo, inclusive, o discurso

de inauguração do mesmo em 1854.

Entre nomeações, dispensas, muitos pedidos de licença e punições por faltas,

Bernardo foi um nome importante na história daquele estabelecimento escolar provincial.

Professor de “Rhetorica, Filologia e Grammatica Nacional” (às vezes apareceu com

o nome de “Grammatica Portugueza”) foi várias vezes professor substituto de filosofia ao

longo deste tempo, participou de várias bancas de exames para concursos de filosofia, das

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bancas de exames de várias disciplinas, pronunciou discursos em ocasiões solenes,

conduziu reivindicações pioneiras e fez obra literária, entre outras ações.

Enfim um tipo bastante ativo.

Nosso personagem nos pareceu expressar uma outra face da cultura escolar (e

mesmo filosófica) liceal, menos oficial e mais insurgente, sugerida por uma leitura mais

acurada das fontes, em virtude das vicissitudes de sua longânime trajetória que ora se

encerra.

O Códice IP. 195 foi indicativo, mais uma vez, não só da presença no tempo como

também do dinamismo da disciplina de filosofia em outro externato não liceal:

Professor interino de Philosophia e Rhetorica em novembro de 1880 do Externato de Diamantina: João de Mata Machado, sendo Lente Francisco Corrêa Ferreira Rabello em 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888, 1889 (IP. 195).

Um aluno do mesmo professor em 1890: Antonio Augusto Caldeira (IP. 195).

Novos códices como o Códice SP. 3/IP. 5 caixa 03 do Arquivo Público Mineiro nos

oferecem novos indícios daquele dinamismo liceal que já vimos de antemão.

Horario provisório dos professores do Lycêo Mineiro e Escola Normal da Capital que vigorará em quanto durarem os exames gerais (...). Da de Philosophia – na 2a sala, das 3 as 4 horas – Secretaria da Inspa. Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto, 6 de novembro de 1876 (SP. 3/IP. 5 caixa 03).

São provas de como os exames modificavam o funcionamento rotineiro da

disciplina de filosofia no Liceu Mineiro.

Abaixo um exemplo de normas e finalidades que regera a nossa disciplina de

filosofia. Um liceal e outro pré-liceal, o que nos permitiu um termo de comparação

daquelas.

No mesmo códice, encontramos um edital de concurso da cadeira de “Philosophia e

Rhetorica” do externato da cidade de Sabará, cujas petições devem ser conforme o artigo

76 parágrafo 1o e 2o do regulamento nº 70.

O mesmo regulamento vale para o “Lycêo Mineiro” conforme o mesmo edital (SP.

3/IP. 5 caixa 03).

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Encontramos, no Códice SP3/IP5 caixa 04 – O Projeto de Estatutos para Colégios –

de 07 de fevereiro de 1837 que diz no seu capítulo 6o artigo 4o o seguinte sobre o “Curso de

Philosophia Racional e Moral e Noções de Rhetorica”:

a Philosophia comprehenderá Lógica Methafisica e Ética. O Professor terá mesmo cuidado de não omitir na primeira parte da Lógica, depois de tratar da direção dos actos do entendimento, os primeiros elementos da critica, que he a arte mais necessária no uso das sciencias positivas, e de facto. Na segunda parte da Methafisica explicando as propriedades do espírito; a origem, os objectos, e a conexão de todas as sciencias, e de todos os conhecimentos humanos, qualquer que seja a opinião que adopte entre todos os systemas deverá com mesmo cuidado evitar os dous extremos contraditórios, o idealismo imaginario, e o torpo materialismo, que são os que menos se compadecem com a razão, e com o senso comum de todos os séculos.

Na terceira parte da Etica depois dos principios geraes da natureza moral do homem explicará os fins e os motivos fundamentaes de mas acçoens, e as regras especiaes de ma conducta nesta vida terminando com os primeiros elementos de Direito natural relativamente as obrigações para com Deos, para com nosco, e para com os outros homens tanto no estado absoluto como da sociedade, imbuindo muito no coração desse alunno amor ao sistema de Governo, que a nação tem abraçado como mais análogo a garantir os direito do homem.

Duas vezes por semana, a lição será de Retórica mas somente para aquelles alunnos que tiverem já entrado na Methafisica. O professor escolhendo de preferencia os milhores Autores que tem tratado da Arte da eloquencia, e aquelles que mais se distinguirão na execução das regras desta mesma arte lhes fará por meio da analise conhecer suas bellesas e os principais preceitos da eloquencia; por ser huma verdade de experiência que mais aproveitão os talentos, e genios proprios para eloquencia com a meditação e contemplação dos excelentes modellos, do que com o trabalho de só carregar a memória com a multidão desses enfadonhos preceitos. Cidade de Marianna 25 de julho de 1837. Manuel Julio de Miranda Prende; João Antonio de Oliveira; José de Lessa Sa Roussim; Antonio Bernardino dos Reis; Miguel Arcanjo da Incão. (SP3/IP5 caixa 04).

Documento que nos permitiu relacionar o conteúdo filosófico do tempo de nossa

pesquisa com este outro de uma época anterior.

A organização do conteúdo aponta para uma filosofia de tipo escolástica, que se

inicia com a lógica, em seguida, a metafísica e, por fim a ética27.

Um manual típico de filosofia eclética teria início com a psicologia.

Em julho de 1873, o “Lycêo Mineiro e a Escola Normal” são reunidos no mesmo

estabelecimento (SP3/IP5 caixa 04).

27 Organização dos conteúdos típica dos manuais de filosofia escolástica (ou tomista), cuja seqüência característica era a seguinte: lógica; metafísica e ética.

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Rodrigo José Ferreira Bretas apareceu registrado nesse códice como “Diretor da

Collegio do Senhor do Mattosinhos de Congonhas do Campo” em 13 de janeiro de 1862

(SP. 3/IP. 5 caixa 4).

O que indica, mais uma vez, como este personagem cumpriu múltiplas funções na

educação mineira de então, além de sua importante passagem pela história do Liceu

Mineiro.

No códice SP. 3/IP. 4 caixa 10, a Ata da Congregação dos professores do Liceu

Mineiro, de 1885, apresenta disputas entre os professores do “Lycêo”, pois na mesma o

Prof. Machado de Castro apresenta a seguinte proposta: “proponho que seja inserido na ata

um voto de censura pelo attaque insolito e desleal, que o professor Augusto Pereira da

Rocha dirigio ao corpo docente do Lycêo Mineiro em sua dennucia”. Ouro Preto, 10 de

outubro de 1885. Eduardo Machado de Castro. “Submettida” a votos esta proposta foi

aprovada pelos professores presentes “excepto” o Sr. Professor Alcides que “declarou ter

deixado de votar por não ter assistido a sessão anterior”. “Diretor do Lycêo Mineiro:

Carlos C. Copsey; Diretor substituto Affonso Britto” (SP. 3/IP. 4 caixa 10).

GOODSON (1990), ao buscar um “padrão de explicação e evolução” das

disciplinas escolares, nos alerta sobre “os campos de batalha intelectuais” em que as

mesmas estão academicamente encerradas.

O mesmo códice indica o diretor e os professores do “Lycêo Mineiro” presentes

naquela reunião da congregação de 10 de outubro de 1885:

Affonso de Britto; Randolpho Bretas; Camillo de Britto; Augusto Pereira Rocha; Benjamim Aroeira; Alcides Medrado; Carlos Copsey Junior; Franco. de Paula Cunha; Eduardo Machado de Castro, José Nicodemos da Silva; Samuel Cristiano Brandão (SP. 3/IP. 4 caixa 10).

Congregação é um termo típico de um ambiente acadêmico, por esta e por outras

razões apresentadas ao longo do texto, ambas extraídas das fontes investigadas durante

nosso trabalho, podemos caracterizar a cultura escolar liceal como uma cultura acadêmica.

Ou seja, uma escola de instrução superior, bem no interior daquela significação que

alcançamos com CHERVEL (1992).

Com esta longa série de citações feitas no texto, das passagens que extraímos da

documentação investigada, procuramos visualizar, de modo aproximado, como toda

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reconstituição histórica, é claro, um dinâmico conjunto de práticas na constituição de um

ethos escolar liceal e o modo como esse complexo movimento se relacionava com a

disciplina de filosofia do Liceu Mineiro no seu constituir.

As fontes nos indiciaram uma relação abrangente entre as partes, em que a dinâmica

de constituição da disciplina filosófica liceal é também o próprio constituir da cultura

escolar do Liceu Mineiro, ações que se interpenetram, bem como não nos pareceu haver

prevalência de uma sobre outra, foram muito mais movimentos de sincronia, que de

simples causa e efeito.

A cultura escolar do Liceu Mineiro, como vimos em passagens significativas ao

longo do texto, não pode ser descrita apenas como “clássica” e “humanista” ou, ainda, num

registro mais depreciativo, como “livresca”, “literária” e “ornamental”, dentre outros

designativos com o mesmo teor de significado.

O Liceu Mineiro, além de se pautar por uma cultura acadêmica como uma

“instituição de segunda ordem”, “um segundo grau de instrução ou instrução secundária”, a

ser dada nos “estabelecimentos secundários”, estes no sentido que o trabalho de CHERVEL

(1992), já antevisto, lhes atribui, foi também uma instituição que oferecera o curso de

Farmácia, ao longo de sua existência, com cadeiras como as de “Química” e “Matéria

médica”, que oferecera uma cadeira como a de “Taquigrafia”, cadeiras científicas como as

de “Arithmetica e álgebra”, “Geometria”, “Geographia e historia” e uma cadeira como a de

“Musica”.

Difícil enquadrar um leque tão amplo como este sob a rubrica de educação

“livresca”, “literária” e “ornamental” ou, simplesmente, “clássica” e “humanista”28.

Nesta perspectiva, não queremos dizer que as humanidades não estiveram presentes

naquela cultura escolar liceal mineira, as fontes nos dizem que sim.

O que temos a intenção de falar é que, na cultura escolar do Liceu, além daquela

categoria de disciplinas de que nos fala ROUANET (1987), apareceu um outro conjunto de

28 ROUANET (1987) nos oferece uma definição que pensamos ser útil para caracterizar esse tipo de ensino. Vejamos: “proponho chamar de humanidades as disciplinas que contribuam para a formação (Bildung) do homem, independentemente de qualquer finalidade utilitária imediata, isto é, que não tenham necessariamente como objetivo transmitir um saber científico ou uma competência prática, mas estruturar uma personalidade segundo uma paidea, vale dizer, um ideal civilizatório e uma normatividade inscrita na tradição, ou simplesmente proporcionar um saber lúdico” (ROUANET, 1987, p. 309).

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disciplinas que não podem ser recobertas por aquelas, mais próximas do que hoje

chamaríamos científicas e tecnológicas, como as do curso de farmácia, por exemplo.

A cultura escolar, sobre a qual estamos a pronunciar, é, portanto, e da qual a

disciplina de filosofia é co-participante, uma cultura composta de uma diversidade de

elementos que não convém anunciá-la assim de forma tão reduzida.

Se, neste momento do texto, privilegiamos as relações da disciplina com o seu

entorno no espaço escolar, no intuito de fazer ver a gênese e o desenvolvimento do

configurar de sua estrutura interna, na seqüência, vamos dar atenção especial à

documentação que nos permitiu penetrar o interior daquela estrutura filosófica liceal em

vista de outro componente central da mesma – o conteúdo filosófico ensinado pela

disciplina de filosofia no Liceu Mineiro.

Bem como quer CHERVEL (1990), para a história das disciplinas escolares, colocar

“esses ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os

resultados concretos que eles produzem” (CHERVEL, 1990, p. 187).

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4.2 – O CONTEÚDO ESPIRITUALISTA ECLÉTICO DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA DO LICEU MINEIRO

A filosofia ensinada na disciplina do Liceu Mineiro é aquela que a historiografia

filosófica consagrou como a filosofia do ecletismo espiritualista ou espiritualismo eclético.

Em vários documentos que pesquisamos, encontramos indicativos dessa natureza.

Antes de seguir nesta direção, vamos a uma pequena pausa e a um documento, as

“actas de exames para preenchimento de cadeiras” de um concurso realizado em 1855,

que, além de nos possibilitar perceber a presença da disciplina de filosofia na cultura

escolar de então, possibilitou, também, aproximar do conteúdo da filosofia que era ensinada

circunvizinha ao Liceu Mineiro em seu momento de emergir.

Os examinadores nomeados para o referido concurso, o “Rdo Vigário Joaquim

Ferreira da Rocha e o Sr. Pr. Bernardo Joaquim da Silva Guimarães”, foram ambos,

professores da cadeira de Filosofia do Liceu Mineiro no período estudado, informação que

nos permitiu aquilatar não só a importância do Liceu, já em seu instante emergente, bem

como compreender a extensão do papel dos professores de filosofia do Liceu tanto na

construção de uma nova cultura filosófica escolar quanto na renovação do ensino de

filosofia da instrução secundária, à época.

Neste concurso, o “oppositor” à cadeira teve de argumentar o seguinte sobre

filosofia:

os pontos tirados á sorte, e sobre os quaes teve de responder forão: em lógica = como se define, e divide a Philosophia? Em Methafísica = como se explica a origem do mal sob um Ente, fonte de todo o bem? Existe Deos? Como se prova a existência d’este Ente? Em Ethica = Quaes os deveres do homem Pa. com Deos, Pa. consigo, e para com a sociedade? Há alguma lei, que regule os actos humanos? A preleção oral recaiu sobre o ponto segte: A matéria pode cogitar? A prova escrita sobre este = N’esta vida haverá felicidade, qual o meio de a conseguir? Pontos estes também tirados á sorte (SP. 591).

Esse se afigurou como um conteúdo típico da filosofia escolástica, corrente

filosófica que, juntamente à filosofia da ilustração, advinda com as reformas pombalinas da

instrução pública, predominavam no país até a emergência do ecletismo.

Este último, na data acima, considerando-se o período que selecionamos para a

realização de nosso estudo, se encontrava nos primeiros anos de seu momento de apogeu.

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O que caracterizava o ensino da filosofia escolástica daquele período era essa

divisão do conteúdo em lógica, metafísica e ética.

O ecletismo começava com a psicologia e a filosofia da ilustração, aqui ensinada,

fez uso do manual de lógica de Antônio Genovesi, o Genuense (1713-1769)29.

Como se pode notar, o cenário do ensino de filosofia no Brasil imperial de então

não era nada favorável ao ecletismo, o que importará nas práticas dos agentes

comprometidos com o mesmo, que buscaram uma espécie de tertius medio tutissimus ibis,

um terceiro e seguro caminho entre aqueles dois extremos, àquele tempo em oposição,

estratégia que nos pareceu acertada em vista do fim almejado.

Antes de entrarmos na periodização, propriamente historiográfica, da filosofia no

Brasil, à época, vamos àqueles documentos já referidos que nos possibilitaram iniciar essa

parte fazendo aquela afirmativa acima sobre o conteúdo da filosofia ensinada no Liceu

Mineiro – lembrando: a filosofia do ecletismo espiritualista.

O Códice da Seção Provincial 1374 do Arquivo Público Mineiro aponta para o

conteúdo da disciplina de filosofia, ao nos fornecer um texto para ser traduzido para o latim

em um concurso do período:

O Palacio da Presidencia da Provincia de Minas Gerais em despacho de 17 de março de 1870, informa o Diretor Geral da Instrucção Publica para por em concurso as cadeiras de philosophia e rhetorica e latim e francez (SP. 1374).

No códice SP. 1322, o texto que aparece, apesar de ser para uma prova de latim, é

de filosofia quanto ao conteúdo:

Todos os melhores philosophos provarão que Deos existe pelas causas physicas, porque a multidão dos homens com nenhumas razões mais se move e se convence do que com estas que resultão do estudo e contemplação das cousas que cahem sob seus sentidos. Entre os philosophos, porem, uns, invocando toda a universalidade das causas para testificar Deos, tratarão ao mesmo tempo muitos argumentos d’este gênero; outros possuirão especial capricho em expor um ou outro d’esses argumentos, que julgarão mais accomodado à intelligencia da multidão (SP. 1322).

Como vimos, na parte anterior, latim e filosofia, em muitos momentos formaram

uma só cadeira que teve um mesmo professor.

29 Ver ROCHA (1985) e RODRIGUES (1986).

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Quanto ao conteúdo, explicitamente é espiritualista, o que não lhe nega o ecletismo,

que, porém, aparece com nitidez mais adiante.

Neste mesmo códice, em relatório de 24 de abril de 1869, de Firmino Antonio de

Sousa, Cousin, filósofo francês, pertencente ao ecletismo, é citado como “homem

eminente que orientou a organização da instrução mineira” (SP. 1322, grifos nossos).

E, no texto para tradução da prova de “latim e francez”, permanece o mesmo

conteúdo filosófico:

He claro que o estado social é o estado natural do homem, tanto pela propensão assim civil de todos os homens para formar a sociedade com seus semilhantes, tanto pela necessidade de instituição, para que o homem chegue ao uso da razão, e assim é um estado verdadeiramente humano, e totalmente consequente á sua naturesa, como por outras necessidades, do espírito e do corpo. Ás quais não se pode satisfaser sem o commercio dos outros homens. Logo o estado social é o estado natural do homem e condição necessária da existência e perfeição humana (SP. 1322).

O Códice 591 da Seção Provincial – SP. 591 – que contém as “Actas de Exames

para preenchimento de cadeiras de instrucção primária, secundária e superior” – data: 1855

a 1869 – e a “Acta do exame do opositor à cadeira de Philosophia da cidade de Itabira” é

explícito na referência à filosofia do ecletismo, lembrando que um dos examinadores do

concurso é Rodrigo José Ferreira Bretas, personagem (nosso conhecido) eminente tanto na

constituição da cultura escolar liceal quanto filosófica de seu tempo:

Aos desasete dias do mez de Julho de mil oitocentos e cincoenta e sete, Trigésimo sesto da Independencia e do Império do Brasil, na Imperial Cidade do Ouro Preto, Capital da Província de Minas Geraes, em a sala da Direção Geral da Instrucção Publica da mesma Província, a huma hora da tarde, reunidos o Director Geral Supplente desta Repartição Major Luis Maria da Silva Pinto, como Presidente do exame a que se procedia na conformidade das Instrucções de 9 de fevereiro de 1855, os examinadores Doutor Francisco Galdino da Costa Cabral, Inspector da Mesa das Rendas Provinciais, e Rodrigo Jose Ferreira Bretas, oficial Maior da Secretaria da Exma. Presidência, bem como os Adjuntos Doutor João Honório de Magalhães Gomes Procurador Fiscal daquela Repartição, e Candido José Tolentino Professor de Latim do Collegio – Duval – estabelecido naquela cidade de S. João d’El-Rei, competentemente nomeados para esse fim, achando-me eu, abaixo assignado, também presente na qualidade de Secretário da mesma diretoria, foi por mim feita a chamada do cidadão Joaquim (...) da Silva oppositor à Cadeira de Philosophia da cidade da Itabira, e sendo elle admittido na dita sala, declarou o Presidente que podião ter começo os respectivo trabalhos. E logo se deu princípio ao exame, observando-se o que a tal respeito dispõe as citadas instrucções, sendo o opositor interrogado nas seguintes theses: Quaes são as principais Escolas Philosophicas do Século atual e os pontos de doutrina em que divergem? Em que

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consiste a Philosophia Eccletica? A alma humana é inmortal? A provisão divina é conciliável com a liberdade do homem? Qual é a prova mais concludente da existência de Deos? Em seguida apresentou o mesmo candidato por escrito a sustentação da seguinte These: Qual a influencia que Deos exerce sobre os actos humanos? E finalmente fez huma prelecção sobre a impossibilidade de ser cogitante a matéria; dando-se o exame por concluído as seis horas da tarde. Em seguida recolherão-se os Examinadores e Adjuntos para darem seus pareceres, o que fizerão por escrito, pareceres que vão ser registrados no livro competido. E para constar lavrei esta Acta, em que asignão o Presidente, Examinadores e Adjuntos, comigo secretário Sebastião Augusto Pinto de Souza.

O Diretor Supplente Luis Maria Pinto Francisco Galdino da Costa Cabral – Examinador Rodrigo José Ferreira Bretas – Examinador Candido José Tolentino João Mauricio de Magalhães Gomes (SP. 591, grifos nosso).

Se na passagem anterior, não havia esta clareza, a limpidez desta torna inteligível a

antecedente.

Nesse códice, temos ainda uma questão do exame de filosofia dos alunos do

Externato de Sabará, que apesar de breve, em função das circunstâncias peculiares àquela

escola, se não contrasta diretamente com o ensino filosófico do ecletismo, explicita por que

não o adota:

Actas dos exames do Externato de Sabará e dos professores candidatos às diferentes cadeiras do Círculo Literário de 1867 a 1890: prova de Philosophia e Rhetorica do Externato de Sabará em 21 de Novembro de 1874: “arguidos em principios de lógica, definições preliminares”, não sendo cobrado o compendio, pois adotado a pouco tempo. Alunnos aprovados: Antonio Augusto de Azevedo Coutinho, Augusto de Figueiredo Lima, Antonio Candido Martins d’Alvarenga, e Jacintho Dias da Silva (SP. 591, grifos nosso).

Ao esclarecer os motivos do tipo de prova de filosofia usado no referido exame, o

documento deixa implícito um certo limite na adoção de uma obra de ensino de filosofia

considerada oficial, e isto no ano de 1874.

Será que ele tinha sido adotado mesmo? Ou era uma estratégia para ocultar uma

resistência à política educacional do momento?

Não podemos saber apenas pelos vestígios deixados pela fonte em questão, assim,

não podemos também descartar nem mesmo a possibilidade de sinceridade do documento,

muito embora, nem a alternativa aventada.

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No mesmo espírito acima descrito, encontramos um dos “exames de Philosophia do

externato de Campanha de 1868 a 1883” no códice IP. 186 de abril de 1868 – professor de

“Philosophia”: José Francisco de Araújo Macedo – com esses “pontos questionados:

o 1o no objecto da Philosophia, 2o na Consciência e Certeza que lhe é própria, e o 3o na Intelligencia”. Os alunnos: Ignácio C. da Costa; José Aristide de Andrade e José Francisco de Araújo Macedo Sobrinho (IP. 186, p. 3, grifos nosso).

O Códice 1370 da Seção Provincial – SP. 1370 – na catalogação que foi feita do

acervo de livros postos em circulação pela biblioteca de Ouro Preto em 1869, entrevemos,

no conjunto, um número significativo de obras e autores pertencentes ao campo do

ecletismo filosófico, além do próprio Cousin, que poremos em destaque.

Eis o

Cathalogo dos livros existentes na Bibliotheca da Capital: Amedée Jaques e Fleury – Manual de Philosophia 3 volumes; Adam Smith – Hist. Dos Sentimentos Morais 1 volume; Bouvier – Historia da Filosofia 2 volumes; H. Baudrillart – Philosophia e economia política 2 volumes; Charmo – Questões de Philosophia 1 volume; Cousin – Mme de Luignivible, Mm de Sablé, Mm de Cluvreusse, Mm de Hautefort, Jacquellene Pascal, Estudos sobre Pascal e Fragmentos e Memórias; Dugald Sterrout – Esboço de Philosophia Moral – 1 volume; Foulieu Derodoards – Hist. Philosophica da revolução de França; Geoffroy – Misselaneas philosophicas; J. J. Rousseau – Confissões, Emilio; Lernienieds – Philosophia do Direito; Montesquieu – Espírito das leis – Decadência dos Romanos 4 volumes; Montaigne – Ensaios philosophicos; Plutarco – Biographia dos homens illustres; Entuma – A Razão catholica e philosophica 4 volumes. Ouro Preto, 26 de Dezembro de 1869 (SP. 1370, grifos nossos).

Em outro códice da Seção Provincial – SP. 637 – numa lista de livros que é enviada

pelo

Director Geral da Instrucção Publica Rodrigo José Ferreira Bretas em officio datado de 7 de julho de 1858 em Ouro Preto ao Snr. Eduardo Henrique Laimmerl – Rio de Janeiro Rua da Quitanda No 77 e a B. L. Garnier rua do Ouvidor 69, e Antonio Gonçalves Guimarães rua do Sabão No 26 (SP. 637, p. 47).

Quase toda obra é composta por autores do espiritualismo eclético, como:

Lista das Obras que se Projecta comprar para uso do Lycêo desta capital da Província de Minas Gerais: Sermões de Mont’Alverne; Lições de Philosophia por Larominguiere (autor que, conforme RODRIGUES (1986), inspira Rodrigo J.

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F. Bretas a escrever uma obra eclética no período); História da Philosophia por Cousin; As Obras de Philosophia do mesmo Autor em 5 volumes que tem por titulo – Cours de l’Historie de la Philosophie Moderne e que tem o titulo de Do Bem, do Bello e da Verdade; Philosophia por Bouvier; Dita por Barbe, por Damiron; por Geruze; por Ponelle; por Perrard; Curso de Litteratura por Silvestre Pinheiro” (SP. 637, p. 47, grifos nossos).

O mesmo códice da Seção Provincial – SP. 637 – em páginas mais à frente, contém

a resposta à solicitação de compra de livros anteriormente feita pelo diretor geral da

instrução pública, Rodrigo José Ferreira Bretas:

Em 16 de Novembro de 1858, o Director Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto, Rodrigo José Ferreira Bretas, “de posse da carta que V. Sa dirigio-me em resposta a que lhe enderecei com data de 7 de julho último, invio-lhe a inclusa relação de Livros, cuja compra solicito para o Lycêo desta Capital, esperando que V. Sa , juntando ao preço dos mesmos, indicado na relação, o importe do respectivo encaxotamento, e fazendo o abatimento que prometteo-me, moverei com a maior presteza possível a somma precisa para pagamento desta encomenda (transporte da qual aqui será pago ao tropeiro que a conduzir) a fim de eu providenciar quanto antes à cerca da expedição da necessaria ordem ou letra para embolso de V. Sa, a quem Deos Guarde” (SP. 637, p. 57, grifos nosso).

A RELAÇÃO DE LIVROS:

Instrucção Publica na França Instrucção Publica na Holanda Por Cousin Instrucção Publica na Alemanha

Philosophia por Bouvier Dita por Barbe Dita por Damiron (SP. 637 p. 58).

Indicação explícita e inequívoca não apenas do conteúdo eclético da filosofia do

“Lycêo desta Capital”, como da face prosaica do mesmo.

O mesmo códice é revelador do galicismo cultural da educação mineira de então,

pois, em 26 de novembro de 1858 o “Director Geral da Instrucção Publica, Rodrigo José

Ferreira Bretas, solicita à Biblioteca Publica d’esta Capital a relação das obras e

Publicações periódicas da mesma”, e que “que são precisas” (SP. 637).

A mesma, com o nome de “Diversas Obras”, pareceu-nos uma verdadeira biblioteca

francesa, não apenas pelos títulos dos livros, como também pelo grande número de

periódicos e jornais franceses, entre os quais a “Illustration” (SP. 637, p. 60).

Ainda, neste mesmo códice – SP. 637 – temos a

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Relação dos Livros comprados, quantidade e preços dos mesmos em officio do Director Geral Rodrigo J. F. Bretas a B. L. Garnier em 28 de Dezembro de 1858”:

• Cousin Instn Publique em France 3 • Cousin Instn Publique em Hollanda 2 • Cousin Instn Publique em Alemagne 2 • Bouvier Philosophie 1 • Barbe Philosophie 1 • Damiron Philosophie 1 (SP. 637).

Consta, também, no mesmo códice, a seguinte referência quanto aos livros:

Em officio de 6 de julho de 1859, o Agente Geral, Rodrigo J. F. Bretas, da Agência Geral do Ensino Publico no Ouro Preto, cobra de B. L. Garnier 5 livros que faltaram da relação de compra, no ato de pagamento de huma letra (SP. 637, p. 76).

O códice – SP. 638 – nos faz ver o diretor geral fazer chegar à presidência da

província a necessidade de uma tríade de obras de filosofia de autores ecléticos para o

Liceu Mineiro:

Directoria Geral da Instrucção – Ouro Preto 15 de Setembro de 1858 – Ilmo e Exmo. Senr. – parecendo-me conveniente que no archivo do Lycêo existão para uso dos respectivos Lentes os Livros constantes da Relação junta, tenho a honra de propor à V. Excia. a compra dos mesmos no Rio de Janeiro, se assim parecer à V. Excia. a quem Deos Guarde – Ilmo. Exmo. Senr. Conselheiro Carlos Carneiro de Campos, Digníssimo Presidente desta Provincia – o Director Geral Rodrigo José Ferreira Bretas. Relação = Philosophia por Bouvier; Dita por Barbe; Dita por Damiron (SP. 638, p. 156).

Aqui, como antes, o códice anterior e o atual nos permitiram penetrar o interior

tanto da cultura liceal quanto o da própria disciplina de filosofia nela ensinada.

O códice seguinte – SP. 639 – é direto quanto ao endereçamento dos livros:

Officio da Agencia Geral do Ensino Publico, pelo Agente Geral Rodrigo José Ferreira Bretas ao Dr. Eugenio Celso Nogueira, remettendo-lhe “os livros mencionados na inclusa relação que por ordem da Exma. Presidência forão comprados para uso do Lycêo Mineiro”. Relação dos livros que nesta data são remettidos a Inspectoria do Lycêo Mineiro, pela Agencia Geral do Ensino Publico. Em 10 de Junho de 1859. Inspector Eugenio Celso Nogueira. Instrucção Publica na França por Cousin

Instrucção Publica na Hollanda por Cousin Philosophia por Bouvier Dicta por Barbe

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Philosophia por Damiron Secretaria da Agencia Geral do Ensino Publico no Ouro Preto 10 de Junho de 1859. Sebastião Augusto Pinto de Sousa (SP. 639, p. 115).

Denota, de forma inequívoca, a instituição do ecletismo espiritualista como a

filosofia a ser ensinada na disciplina escolar de filosofia do Liceu Mineiro e o papel de

Rodrigo José Ferreira Bretas naquele momento instituinte.

Outro códice – SP. 680 – dá seqüência a essa série:

Directoria Geral da Instrucção Publica. Ouro Preto 14 de Setembro de 1858. Ilmo e Exma Senr. – Parecendo-me conveniente que se uniformise o ensino publico em todas as Aulas desta Província, e que os respectivos Alunnos se mostrem possuidores de todos os Compêndios e Livros de consulta concernentes à matérias à que se applicão, tenho a honra de propor a V. Excia. a adopção dos seguintes livros nas Aulas abaixo indicadas. De Philosophia

• Barbe; • De consulta confrontação Manual de Philosophia por Amedee Jaques –

Jusis Simoni e Smille Sausset; • Edme Ponelle; • Laromiguiere; • Dameron; • Jouffroy; • Bouvier.

Esta Directoria aguarda esclarecimentos afim de propor a V. Excia. os compêndios e Livros que devem ser adaptados em outras Aulas (do Lyceo) e bem assim os diversos utensis e objetos distinados ao ensino que devão existir nellas para uso commum dos respectivos Alunnos e durante o tempo lectivo – Deos Guarde a V. Excia. Ilmo. Exmo. Senr. Conselheiro Carlos Carneiro de Campos, Digníssimo Presidente desta Província – O Director Geral Rodrigo José Ferreira Bretas (SP. 680, p. 154-155).

O Códice 1199 da Seção Provincial – SP. 1199 – agora de junho de 1867, cerca de

uma década a mais, como documento, nos apresenta um dado precioso, pois o mesmo

indicava para todo ensino de filosofia, na instrução secundária do período um compêndio e

um autor do ecletismo espiritualista:

O Diretor Geral da Instrucção Publica usando da attribuição que lhe confere o � 6o. do art. 8o. do regulamento no 56, determina que nas Aulas de instrucção secundaria dos Externatos e avulsas desta Província sejão adoptados os compêndios abaixo mencionados. (...) Philosophia = Curso de Philosophia por E. Barbe ultima edição. Diretoria Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto 1o. de Outubro de 1867 – Firmino Antonio de Sousa Junior (SP. 1199, grifos nossos).

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Outro códice do mesmo ano de 1867 – SP. 1325 – reafirma, nos mesmos termos, o

uso do mesmo compêndio de filosofia na instrução secundária:

O Diretor Geral da Instrucção Publica, usando da attribuição que lhe confere o parágrafo 6º do artigo 8o. do Regulamento nº 56, determina que nas Aulas de instrucção secundaria dos Externatos e avulsas desta província sejão adaptados os compêndios abaixo mencionados. (...) Philosophia – Curso de Philosophia por E. Barbe – ultima edição. Firmino Antonio de Sousa Junior 1º de outubro de 1867 – Diretoria Geral da Instrucção Publica no Ouro Preto” (SP. 1325, grifos nossos).

Mais de uma década depois, numa relação de livros pertencentes à inspetoria geral

da instrução pública em 1880, o códice 176 da Instrução Pública – IP 176 – do Arquivo

Público Mineiro nos apresenta um inventário contendo, basicamente, obras do

espiritualismo eclético:

Relação de livros pertencentes a inspectoria Geral da Instrução Publica (em 1880): Cousin instruction secundaire; Cousin instruction publique; Cousin medicina e pharmacia; Cours elementaire de philosophie por M. L’o Abbé E. Barbe (aparece mais uma vez em outro códice); Leis Mineiras de 1835 a 1871; Regulamentos Mineiros de 1 a 38; Regulamento de julho de 1870; Plano e Programma de ensino – Imp.al Collegio de Pedro 2o; Manual para exame de habilitação (IP. 176, p. 1).

Não parece haver dúvida, em vista dos documentos de que dispomos, de que a

filosofia ensinada pela disciplina filosófica escolar liceal foi a filosofia do ecletismo

espiritualista francês de Victor Cousin, sobretudo, que influenciou não só o ensino de

filosofia, como a instrução, de modo geral, como antevimos.

Mas para as aulas o compêndio adotado, como vimos acima, foi outro, muito

embora eclético, como não poderia deixar de ser naquelas circunstâncias.

Eis a obra já acima referida: “(...) Philosophia = Curso de Philosophia por E.

Barbe ultima edição”.

Esta apareceu na documentação, ao longo de toda história do Liceu Mineiro, como a

única referência para o ensino de filosofia naquele lugar.

O que, aliás, não contrasta com a historiografia sobre o ecletismo no Império.

MACEDO (1997), na direção que as fontes nos apontam, nos diz que

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a vigência do ecletismo se estende por todo o Segundo Reinado (1840-1889), identificando-se com o regime. Derrubado este, desaparece sua filosofia, que já desde 1869 vinha sendo contestada, como o regime, aliás (MACEDO, 1997, p. 56).

Colocado o problema nestes termos, por este trabalho de desaterro, deve ser referido

que, no curso de mais de quatro décadas e meia, na pena de todos os relatores da instrução

pública do período, a filosofia do ecletismo germina e intervém, de maneira dominante, no

seu medrar como a filosofia ensinada pela disciplina de filosofia do Liceu Mineiro.

Por conseguinte, de fato e de modo substantivo, seja dito: a cultura filosófica liceal

tratada foi eclética.

Pela obra do historiador da filosofia no Brasil, desta feita por PAIM (1979),

considerada por LUCKESI & PASSOS (2002) como pertencente àquela tendência que

classifica de “não-crítica”, como vimos acima, é possível penetrar, de forma mais

minuciosa, o interior do espiritualismo eclético.

Na ótica deste autor (Paim), que inverte os pólos da tradição historiadora que ele

entende como de desqualificação do filosofar no Brasil,

o ecletismo consiste na primeira corrente filosófica rigorosamente estruturada no país, tendo logrado ganhar a adesão da maioria da intelectualidade e manter uma situação de domínio absoluto das décadas de quarenta à de oitenta do século passado (PAIM, 1979, p. 33-34).

As origens do ecletismo espiritualista situam-se, em finais do século XVIII e início

do XIX na França, como parte do movimento denominado por Nicola Abbagnano (1985)

de “regresso romântico à tradição”.

Assim, o caso francês é uma espécie de extensão particular daquele movimento.

O tradicionalismo francês é descrito por ABBAGNANO (1985) do seguinte modo:

com a intervenção do romantismo na cultura francesa, dominada no século XVIII pelo antitradicionalismo iluminista, esboça-se um regresso à tradição que, na sua manifestação mais óbvia e combativa, consiste numa defesa explicita da tradição (tradicionalismo) (ABBAGNANO, 1985, p. 59).

Essa defesa da tradição constitui um dos aspectos essenciais do romantismo,

enquanto que o Iluminismo opunha tradição e historicidade e via na historicidade a crítica da tradição, o reconhecimento e a eliminação dos erros e dos preconceitos

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que a tradição transmite e faz aceitar sem discussão, o romantismo tende a considerar a própria historicidade como tradição, como um processo onde não existem erros, preconceitos ou prejuízos e em razão do qual todos os valores e conquistas humanas se conservam e transmitem com o decorrer do tempo. Este aspecto do romantismo acentua-se no que designamos segunda concepção ou segunda fase do mesmo. Nesta, a história é concebida como manifestação progressiva do Infinito, ou seja, Deus: por conseguinte não pode existir nela decadência, imperfeição ou erro que não encontre resgate ou correcção na totalidade do processo (ABBAGNANO, 1985, p. 58).

A caracterização de um outro historiador da filosofia, dessa vez, o francês Émile

Bréhier (1985), do espiritualismo eclético na França, segue essa mesma direção.

Diz ele:

por reação contra a ideologia e sob a influência combinada de Maine de Biran, dos escoceses e da filosofia alemã, desenvolve-se na França, a partir da Restauração, uma metafísica espiritualista, que procura alcançar as realidades espirituais universais, Deus e a alma, partindo da observação interior (BRÉHIER, 1977, p. 71).

Para ABBAGNANO (1985)

este regresso, todavia, só poderia ser justificado desde que se unificasse um afastamento do rígido sensualismo de Condillac ou então uma nova consideração de consciência, que já Locke tinha admitido (sob nome de reflexão ou experiência interna) como fonte de conhecimento humano ao lado das sensações e que se havia tornado o texto fundamental da chamada filosofia do senso comum de Reid e da escola escocesa. O gradual reaparecimento do princípio de consciência pode ser observado claramente naquele grupo de pensadores franceses que constituíram o desabrochar do espiritualismo contemporâneo (ABBAGNANO, 1985, p. 64).

Um conjunto de pensadores, desde precursores mais remotos que inspiraram o

movimento como François Pierre Maine de Biran e o físico André Marie Ampère, até

precursores mais diretos, como Pierre Laromiguiére e Pierre-Paul Royer-Collard e dos

trabalhos de Théodore Jouffroy, estiveram à frente desse empreendimento espiritualista

eclético.

Contudo, a figura principal desse tradicionalismo francês é Victor Cousin,

representante filosófico oficial da monarquia de Luis Filipe e que exerceu grande influência

na filosofia do século XIX.

Segundo ABBAGNANO (1985), o prefácio que Victor Cousin escreve para a

edição de 1835 de seu trabalho Do verdadeiro, do belo e do bem é uma espécie de súmula

de sua filosofia.

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Lá diz ele:

a nossa verdadeira doutrina, a nossa verdadeira bandeira é o espiritualismo, essa filosofia tão sólida quanto generosa, que começa em Sócrates e Platão, que o Evangelho propagou pelo mundo, que Descartes integrou nas formas severas do Gênio moderno, que foi no século XVII uma das glórias e das forças da pátria, que se perdeu com a grandeza nacional do século XVII e que no princípio deste século Royer-Collard veio reabilitar no ensino público, enquanto Chauteaubriand e Madame de Stael a transportavam para os domínios da literatura e da arte... Esta filosofia ensina a espiritualidade da alma, a liberdade e a responsabilidade das acções humanas, as obrigações morais, a virtude desinteressada, a dignidade da justiça, a beleza da caridade, e para lá dos limites deste mundo, dá-nos a ver um Deus, autor e modelo da humanidade que, depois de haver criado evidentemente com um desígnio excelente, não mais a abandonará durante o desenrolar misterioso do seu destino. Esta filosofia é aliada natural de todas as boas causas. Dá vida ao sentimento religioso, segundo a verdadeira arte, a poesia digna deste nome, a grande literatura; é o apoio do direito; repele igualmente a demagogia e a tirania; ensina a todos os homens a respeitarem-se e amarem-se e conduz, pouco a pouco, a sociedade humana para a verdadeira república, sonho de todas as almas generosas, e que nos nossos dias, na Europa, só pode ser conseguido pela monarquia constitucional (ABBAGNANO, 1985, p. 66).

O método filosófico de Cousin, segundo ABBAGNANO (1985), é o da consciência,

que provém

da observação interior; por isso se identifica com a psicologia. Cousin aceita como verdade e princípios imutáveis as confirmações da consciência, segundo o processo que já tinha sido utilizado pela escola escocesa do senso comum, a que ele faz referência. E para justificar as confirmações da consciência recorre a Deus, identificado com o verdadeiro, com o belo, com o bem, e portanto com o princípio que estabelece na consciência humana as verdades eternas, os princípios imutáveis e os valores absolutos (ABBAGNANO, 1985, p. 67).

Isso, nas palavras de Cousin, ficou do seguinte modo:

não posso conceber Deus senão pelas suas manifestações e através dos sinais que ele me dá da sua existência, assim como não posso conceber um ser senão pelos seus atributos, uma causa senão pelos seus efeitos, como não posso conhecer-me a mim próprio senão mediante o exercício da minha faculdade e a consciência que a confirma, deixarei de existir para mim. O mesmo acontece com Deus: retirai-lhe a natureza e a alma e todo sinal de Deus desaparece. Portanto só na natureza e na alma é preciso procurá-lo e só nelas pode ser encontrado (COUSIN Apud ABBAGNANO, 1985, p. 67).

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Emile Bréheir (1977) na sua obra de história da filosofia, ao estudar a filosofia

francesa do início do século XIX, faz a crítica do ecletismo cousiniano, que, enquanto tal,

pretendeu recolher

os elementos válidos, que, segundo ele (Cousin), há em todo sistema (todo sistema é parcialmente verdadeiro), para reconstituir com eles uma espécie de filosofia integral. Contudo, não vemos de modo algum que tenha chegado à seleção de que fala; ao imitar os modelos alemães, vê nos sistemas produtos necessários do espírito humano entrosados segundo uma lei; o espírito, preso aos sentidos, adota primeiro o sensualismo, que o conduz ao materialismo; depois ao desconfiar dos sentidos, chega ao idealismo, suas dúvidas sobre a realidade levam-no ao cepticismo; mas a necessidade de certeza, que não pode satisfazer-se pela razão, arrasta-o para o misticismo; esse desenvolvimento em quatro fases recomeça sem fim. Vê-se quanto é difícil captar, nesse movimento circular, qualquer progresso para um estado estável e, sobretudo, nessas fases sucessivas que se excluem mutuamente, caracteres que pudessem recompor-se em um todo (BREHIER, 1977, p. 86).

Afinal sentencia BREHIER (1977),

Victor Cousin foi, intencionalmente, um pacificador e um árbitro; foi o político da filosofia, ao tentar, com diz Sainte-Beuve, fundar uma grande escola de filosofia “que não conflitasse com a religião, que existisse ao lado, independente dela, freqüentemente como auxiliar aparente, contudo, ainda mais protetora e, por vezes, dominadora, esperando, talvez, ser-lhe herdeira”. Essa visão política foi a razão de todas as polêmicas em meio às quais se desenvolveu seu sistema, e, sem dúvida, de todos os percalços que muitas vezes fizeram-no mudar de direção (BRÉHIER, 1977, p. 86).

No caso do ecletismo espiritualista no Brasil, segundo PAIM (1979),

o processo de formação da corrente eclética abrange aproximadamente os três lustros compreendidos entre 1833 e 1848. (...) Ao ciclo de formação (1833/1848), segue-se o período de apogeu, que abrange dos anos cinqüenta aos oitenta. (...) A fase final do ecletismo confunde-se com o período de emergência das correntes cientificistas, a partir do movimento que Silvio Romero batizou de “surto de idéias novas”, iniciado na década de setenta (PAIM, 1979, p. 34-35).

Em Minas Gerais, a história do espiritualismo eclético segue os passos da evolução

nacional da corrente.

Segundo RODRIGUES (1986), o folheto de João Antonio dos Santos, Esqueleto

das faculdades e origem das idéias do espírito humano, que foi professor de filosofia em

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Mariana e Diamantina, corresponde ao momento que PAIM (1979) chama de “processo de

formação da corrente eclética” em Minas Gerais.

Veja como a concebe RODRIGUES (1986):

O pequeno livro de João Antonio dos Santos, publicado em Mariana, em 1845, se desenvolve conforme a temática anunciada, ou seja, uma elaboração de temas psicológicos, envolvendo assuntos de moral e ética. Compreende dois grandes momentos: em primeiro lugar o das “Faculdades” e, sob esse título, serão estudadas a Inteligência, Sensibilidade e Vontade; em segundo lugar, das Origens da Idéias, concluindo ambos os momentos com uma reflexão sobre os diversos sistemas de comércio da alma com o corpo (RODRIGUES, 1986, p. 110).

Essa obra marca, em Minas Gerais, um momento de reação filosófica à filosofia do

empirismo mitigado, configurada na obra de Antônio Genovesi (1977) A Instituição da

lógica (RODRIGUES, 1986).

O que para RODRIGUES (1986) é

uma verdadeira superação do empirismo de A. Genovesi. O pequeno manual denotaria, por outro lado, que o autor estava atento às limitações da filosofia oficial e, embora sem citar os filósofos do Ecletismo, insere-se plenamente na discussão dos problemas que iriam granjear a preferência brasileira pela solução de Biran e Cousin (RODRIGUES, 1986, p. 114).

Como se pode notar, é uma obra típica de um momento de transição, ainda que não

se refira explicitamente aos filósofos do ecletismo, o tema psicológico próprio àquele,

domina a mesma.

Pensamos ser mais adequado, em função de suas características, referir-se ao

trabalho de João Antonio dos Santos como uma espécie de proto-espiritualismo eclético

mineiro, que, contudo, insere-se plenamente no processo de formação da corrente eclética

em Minas Gerais.

Para RODRIGUES (1986), a figura de Rodrigo José Ferreira Bretas terá cumprido

um papel importante na consolidação do ecletismo em Minas Gerais, do qual traça uma

pequena biografia.

Bretas realizou seus estudos no tradicional Colégio do Caraça e, depois, em

Congonhas do Campo, foi professor de filosofia e retórica em Barbacena em 1841, da

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mesma cadeira no Colégio da Assunção de 1842 a 1844, de onde se demitiu para cuidar de

assuntos particulares, dentre esses, uma indústria de algodão para a qual

construiu um tear mecanizado e automático quase todo em madeira e conseguindo auxílio financeiro do Imperador D. Pedro II para a construção desse tear em escala industrial (RODRIGUES, 1986, p.116).

Um liberal conseqüente, portanto, pois não foi apenas uma figura encastelada no

estado, mas um industrial ativo, pelo visto (esses liberais do século XIX ainda precisam de

mais estudo).

Depois desta última experiência, retornou a Ouro Preto, o que ocorreu em março de

1850.

Neste lugar

é nomeado interinamente Procurador Fiscal da Mesa das Rendas e Vice-Diretor da Instrução Pública (...). Em 5 de Abril de 1858, é nomeado pelo Presidente Carlos Carneiro de Campos, Senador do Império e Professor jubilado da Faculdade de Direito de São Paulo, Diretor Geral da Instrução (RODRIGUES, 1986, p. 116).

O que nos importa é que Rodrigo representará, como quer a propositura de

RODRIGUES (1986), o período de apogeu do ecletismo espiritualista em Minas e isso logo

em seus primórdios.

Rodrigo escreveu uma obra de filosofia em 1849, que, porém, só será publicada em

1854, intitulada “Novo esqueleto das faculdades e origem das idéias do espírito humano

segundo os princípios de Mr. Larominguere, ou da psicologia vigente, pelo cidadão R.J.

Ferreira Bretas, ex-lente de filosofia e retórica” (RODRIGUES, 1986, p. 16).

Pequena obra da qual RODRIGUES (1986) afirma o seguinte:

embora não esteja expresso textualmente, seu opúsculo de filosofia pretende continuar a meditação espiritualista proposta no mencionado livro de João Antonio dos Santos. (...) Nesse momento, Rodrigo José Ferreira Bretas caracteriza o apogeu do espiritualismo como opção filosófica definitiva pelas idéias espiritualistas francesas, que facultariam a emergência e fundamentação da tese da conciliação. O autor partidário da política saquarema, teve a clarividência de formular essa nova opção filosófica em continuidade ao trabalho de João Antonio dos Santos, superando as limitações do empirismo mitigado e propondo no seu programa de estudos, aprovado pelo governo da Província, todo um conjunto de obras filosóficas na linha do ecletismo e do espiritualismo. (...) Ferreira Bretas, deputado liberal, jornalista e escritor, representa em Minas o momento do apogeu do

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espiritualismo. Seu plano de estudos determina o desenvolvimento do ensino nos Liceus mineiros a partir da segunda metade do século XIX, perfilando a meditação filosófica vitoriosa nos principais centros culturais do país, o ecletismo espiritualista (RODRIGUES, 1986, p. 116-122).

De fato, será no cargo de diretor geral de instrução pública que Bretas exercerá

maior influência na cultura filosófica do Liceu Mineiro do qual foi professor substituto,

como vimos, mas, não da cadeira de filosofia do mesmo, como era chamada a disciplina na

época, o que não encontramos diretamente nos documentos que pesquisamos, com exceção

de RODRIGUES (1986), é claro.

Enfim, nesta ótica, em Minas Gerais, esta filosofia espiritualista eclética representou

uma reação contra a herança filosófica advinda das reformas da instrução pública operada

pelo iluminismo pombalino, o empirismo mitigado.

Ou, ainda, nas palavras de RODRIGUES (1986), uma reação

contra o sensualismo e o materialismo, conseqüência natural do empirismo mitigado, (...) uma reflexão (...) que não olvide o legado espiritualista mineiro (RODRIGUES, 1986, p. 95).

A criação e instalação do Liceu Mineiro, em 1854, como vimos a crer nesta história,

coincidem com o período de apogeu do espiritualismo eclético tanto em Minas Gerias

quanto em termos nacionais.

O que abrange o espaço de tempo que vai dos anos cinqüenta aos oitenta dos

oitocentos, como quer a propositura de PAIM (1979), bem como, também, com o inicio

deste momento de apogeu, no nosso caso, os primeiros anos da década de cinqüenta.

É o manual do abade de França E. Barbe Curso Elementar de Philosophia Para Uso

das Escholas, oficialmente adotado no Liceu Mineiro, como veremos, que exprimirá esse

apogeu filosófico do ecletismo espiritualista em Minas Gerais em termos do ensino.

As fontes indicam, de forma direta, o uso do manual acima referido nas aulas de

filosofia do Liceu Mineiro.

O relatório de transmissão de administração, de 1867, do Presidente da Província,

Elias Pinto de Carvalho, na parte sobre “Instrucção Secundária” a “Circular N0 3”, diz o

seguinte:

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O Diretor Geral da Instrucção Publica, usando da attribuição que lhe confere o ¶ 60 do artigo 80 do regulamento n0 56, determina que nas Aulas de instrução secundaria dos Externatos e avulsas desta Província sejão adoptados os compêndios abaixo mencionados. Rhetorica – Lições elementares de Eloqüência Nacional por Freire de Carvalho-6 edição.

Philosophia – Curso de philosophia por Barbe ultima edição. Diretoria Geral de Instrução Publica no Ouro Preto 10 de Outubro de 1867 – Firmino Antonio de Souza Junior. – confere, Pinto de Carvalho (RGMTA/APM, p. 6).

Esta é apenas uma passagem entre outras que tivemos ocasião de ver.

Em nossa pesquisa, conseguimos uma tradução portuguesa da obra, já em sua

segunda edição, publicada no ano de 1871.

Os documentos indicam o uso da mesma, em anos anteriores, para os estudos de

filosofia no Liceu Mineiro, o que pode ter sido, provavelmente, pela primeira edição

traduzida ou mesmo pelo original francês, uma das línguas estrangeiras modernas mais

estudadas à época.

A tradução do francês, da quarta edição original, foi feita pelo professor do Lyceu

Nacional de Coimbra, Joaquim Alves de Souza.

A segunda edição da tradução portuguesa vem com uma dedicatória ao Brasil.

O tradutor se refere à obra traduzida do seguinte modo:

Dá-se conhecimento sufficiente da terminologia philosophica hoje mais seguida, e facilita-se a resolução d`algumas questões por meio de noticias tomadas da história da philosophia, mostrando-se assim practicamente a utilidade do seu estudo. – A estes dotes de doutrina e methodo accrescem os da redacção, que corre sempre concisa, simples, clara e natural.

É certamente por isso, que a presente obra tem encontrado tam bom acolhimento ainda fóra de França, e nomeadamente no Brazil, onde, segundo ouvi, está adoptada para compendio em muitas escholas (SOUZA, 1871, p. VI-VII, grifos nossos).

As palavras de Joaquim Alves de Souza, professor do “Lyceu Nacional de

Coimbra” e tradutor do francês da obra do “Rdo Pe E. Barbe”, nos ajudam a compreender

uma das razões do referido compêndio ter sido adotado em escala nacional para o ensino de

filosofia na instrução secundária, como era chamado o ensino médio no período.

De fato, o compêndio do padre BARBE (1871) é, nesse sentido, uma obra bem

completa, são seiscentas e sessenta e uma (661) páginas com uma parte mais sistemática

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contendo os estudos de psicologia, de lógica, de teodicea e moral, que ocupam quatrocentos

e cinqüenta páginas e uma outra parte, o restante do livro, de estudos de história da

filosofia.

Bem ao modo do espiritualismo eclético, BARBE (1871) diz o seguinte da

psicologia:

Um curso de philosophia pois deve começar pela sciencia da alma, comprehendendo o estudo d’ella considerada especulativamente em si e em sua natureza, e o estudo dos princípios e regras que hão de bem dirigir suas faculdades. E como é claro que qualquer ente deve ser conhecido antes de se indicar o modo de o dirigir, por isso começará a sciencia da alma humana pela Psychologia, estudo theorico, a que naturalmente se prendem outros dois estudos practicos, a Lógica e a Moral (BARBE, 1871, p. 16-17).

Sobre a lógica, diz o autor o seguinte:

a lógica vai antes da moral, porque a prévia illustração do intendimento é necessaria para a sabia direcção da vontade: a practica do bem e a fuga do mal suppõem necessariamente o conhecimento exacto d’ambas estas cousas; e sem difficuldade se alcança quanto para obter similhante fim aproveita rectificar a razão por meio d’uma lógica sã. Conhecendo que não existiu sempre, o homem logo se julga effeito, e de si sobe á sua causa que é Deus. A psychologia pois e seus appensos junta-se naturalmente a Theodicêa, ou a sciencia que tracta de Deus (BARBE, 1871, p. 17).

Eis aí o lugar e o objeto da “Theodicêa” nesse sistema que explica por que a moral

deve ser depois dessa.

Assim,

pouca reflexão porém basta para intender que a moral presenta um character mixto, que não a deixa tractar senão depois da theodicêa. A moral tem, é verdade, por fim dirigir a vontade para a practica do bem: olhada pois por esta face continua ella o estudo da alma, e vai ligar-se á psychologia, parecendo que deveria ser collocada logo depois da lógica. Porém por outra parte, é certo que a moral não estuda as leis da vontade d’um modo absoluto, mas involve necessariamente certas relações; porque é a sciencia dos deveres, e os deveres derivam-se das relações naturaes do homem com o seu auctor, comsigo mesmo, e com os seus similhantes, segundo as leis do creador, vindo assim a moral a depender da sciencia de Deus, não menos que da sciencia da alma. Além de que, a moral necessita de ter por base e razão a autoridade de Deus, do legislador supremo, sem a qual os seus preceitos ficariam vagos, indecisos e infructiferos. De todas estas reflexões pois podemos concluir que, na divisão d’um curso de philosophia, a Theodicêa deve anteceder a Moral (BARBE,1871, p. 17).

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Da última parte de sua divisão das matérias de ensino da filosofia, diz BARBE

(1871):

em fim ao curso põe remate a Historia da philosophia. Poderá parecer a alguém que esta parte devia ir logo no principio da obra, já que os systemas que nella entram, são concepções que antecederam o systema de ensino hoje seguido. Todavia, como espíritos inteiramente extranhos ás idêas philosophicas nada poderiam intender de similhante historia, tem prevalecido o razoável costume de a remetter para o fim do curso, em que os leitores já estão familiarizados com a linguagem peculiar e principaes noções da philosopia.

A disposição pois que convem dar ás matérias em um curso de philosophia, é a seguinte: 10 Psychologia; 20 Logica; 30 Theodicêa; 40 Moral; e 50 Historia da philosophia (BARBE, 1871, p. 17-18).

Até aqui procuramos, em primeiro lugar, reconstituir o momento da gênese e

desenvolvimento da disciplina de filosofia liceal e sua estrutura.

A seguir, o da reconfiguração do conteúdo eclético daquela filosofia ali ensinada e o

contexto sócio-histórico da história da filosofia no Brasil e em Minas Gerais e a disposição

do ecletismo naquelas.

Por fim, o intento de retratar um modo de ver a filosofia cujas conseqüências, para o

seu ensino, são notórias, como é o caso de seu ensino no período de nossa pesquisa, pois

nem Cousin, nem seus seguidores foram discípulos de Kant, Fichte ou de Schelling, pelo

menos diretamente, por isso pensaram de forma diferente, logo, conceberam e ensinaram

filosofia de modo diverso do nosso.

Daí nossa pergunta problema: para que serve a filosofia?, não diz respeito ao

período sobre o qual incidiu nosso trabalho de investigação.

Não era um problema para o ensino de filosofia então.

É o que procuraremos reconstruir, daqui para frente, com a análise de alguns

compêndios utilizados no ensino de filosofia no lugar (e seu entorno) e período demarcados

pela nossa investigação – o Liceu Mineiro (de 1854 a 1890).

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4.3 – AFINAL, PARA QUE FILOSOFIA NA INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA DO SÉCULO XIX?

Encontramos, na Biblioteca do ISI/CES – Instituto Santo Inácio Centro de Estudos

Superiores da Companhia de Jesus, algumas obras (raras) que foram utilizadas no século

XIX, no ensino de filosofia da instrução secundária.

Em nenhuma delas encontramos, em seu corpus, a necessidade de justificar o seu

ensino tal como vimos nas obras dedicadas ao mesmo fim, em nossos dias.

O livro de PONELLE (1853) – PONELLE, Edme. Manual Completo de Filosofia ou

Theses de Lógica, Metafísica, e Moral. Rio de Janeiro: Livraria de Agostinho de Freitas

Guimarães e Cª.. 1853 (Traduzido litteralmente de Segunda Edição de Pariz Por dous

Amigos) –, usado como “obra de confrontação”, conforme o relatório que vimos acima, é

um trabalho visivelmente didático, diga-se de passagem.

Construído sob a forma de perguntas e respostas (bem escolar neste sentido), por

um autor francês, cujo caso de ensinar filosofia na instrução secundária constitui uma

tradição bem peculiar à França, não trata do assunto em questão, em suas páginas.

O que nos pareceu guardar relação com sua concepção de filosofia, definida da

seguinte forma: como “a sciencia das cousas immateriais, que podem ser conhecidas pelas

luzes da razão” (PONELLE, 1853, p. 8-9).

A mesma definição apareceu em outra obra (PONELLE, 1855) do autor:

PONELLE, Edme. Filosofia. Lógica. Do Novo Manual Completo dos Aspirantes Ao Bacharelado em Letras (Traduzido da Quarta Edição, Pariz 1832 pelo Dr. João Candido de Deos e Silva Natural da Cidade de Belém do Grão Para, dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro, Lente Proprietário da Primeira Cadeira do Quarto Anno do Curso de Sciencias Jurídicas e sociais de S. Paulo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1955).

Nas obras de SOUZA (1867 & 1871), “Doutor em Medicina, Professor de

Philosophia no GYMNASIO Provincial de Pernambuco”, como é dito no subtítulo, seja na

primeira de 1867: “Compendio de Philosophia ordenado segundo os princípios e Methodo

do Doutor Angélico: S. Thomaz”, como na outra de 1871: “Lições de Philosophia

Elementar Racional e Moral”, em ambas não encontramos algo que contradiga a idéia em

questão.

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Sobre o ensino da filosofia no Brasil, à época, SOUZA (1867) nos diz dele o

seguinte à página XXXVII da parte introdutória de sua obra:

(...) Aqui a philosophia que ainda geralmente se ensina, é um mixto de cartesianismo e ecletismo, que para cá nos mandam os escriptores francezes; e essa mesma se acha reduzida a tão mesquinhas proporções que quasi poderia desapparecer do quadro dos estudos preparatórios sem grande damno da instrucção pública.

Os compêndios que servem de texto ás lições nas escholas leigas, são todos moldados pela philosophia cartesio-cousiniana, redigidos em forma oratória, em termos vagos e de equivoca significação.

Deixam commummente á margem as mais graves questões da metaphysica; e da Ontologia muitos não trazem nem uma só palavra. Abundam porém em definições, em regras syllogisticas e em uma phsycologia que estuda as faculdades d’alma sem o menor reparo da parte orgânica do homem, e como se este fora um puro espírito. E porque o título da gloria dessa philosophia é ter-se emancipado da theologia, não se encontra naquelles compêndios nada que sirva para elevar o espírito a Deus (SOUZA, 1867, p. XXXVII).

Observações que, ao versar inclusive sobre as questões técnicas da filosofia, jogam

mais água para o moinho uspiano dos idos de 60, em que pese o autor não se ater

exclusivamente às questões de técnica filosófica, pois se tratava muito mais de uma pugna

da filosofia escolástica contra a filosofia do ecletismo, o que, no entanto, não deixa de fazer

ver a premência da capacidade de elaborar num patamar sustentado por argumentações

elevadas, como bem viram os uspianos de que falávamos no início.

O que não quer dizer que um padrão de excelência relativa às questões de técnica

filosófica seja por si suficiente, porém a desocupação com o rigor atinge o próprio cerne da

argumentação filosófica.

Não vem ao caso (para o nosso) saber se o escolástico em tela teve razão ou não, só

tínhamos em mente aquela referência e o registro de que o ecletismo não teve vida fácil,

como parece sugerir certa historiografia ao tratar do mesmo.

Na outra obra referida (SOUZA, 1871) a filosofia é definida da seguinte forma: “é a

sciencia natural, certa e evidente das cousas por suas ultimas razões” (SOUZA, 1871, p. 2).

A definição é recorrente, a filosofia é entendida como uma ciência com objeto

próprio e sem a necessidade de explicar os motivos de seu ensino.

A obra de ROSMINI (1880) caminha na mesma direção.

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Em seu trabalho: “A Philosophia conforme a Mente de S. Thomaz de Aquino: A

Harmonia do Principio, e do Systema”, na parte primeira do mesmo, sobre o “Princípio

Supremo Philosophico e o seu Systema”, ele diz:

Há também quem julgue a Philosophia uma sciencia vã e desnecessária; aquelle que assim pensa dá uma triste prova de evidente irreflexão... A sociedade precisa de philosophia como um meio essencial para melhorar o homem e fazel-o feliz; e a Religião aconselha o estudo da Philosophia para combater o sophisma e o erro, e para preparar o espírito humano aos influxos benéficos da Revelação (ROSMINI, 1880, p. 11).

O que realçamos, nesta primeira parte da obra, dividida em três, é o destaque

conferido pelo autor à idéia de que considerar a filosofia como “vã e desnecessária” era um

atributo do individuo incapaz de refletir, e não algo inerente à filosofia, o que (como nos

pareceu) a dispensava de justificar o seu ensino.

Tomamos a filosofia de ROSMINI (1880) como uma espécie de tomismo renovado

ou dissidente.

No capítulo: “A Verdade – principio supremo philosophico e seu systema –

Philosophia Geral”, o objeto da filosofia, embora distinto dos ecléticos, continua, porém,

circunscrito à mesma esfera, em que pese ganhar maior sofisticação.

Ei-lo:

A Philosophia é a sciencia das razões ultimas. As razões ultimas são as respostas satisfactorias que o homem dá aos últimos porquês, com que a sua mente interroga a si mesma (...). Ha duas classes de razões ultimas: as razões ultimas de todo o saber, e as razões ultimas de alguma parte especial do saber. As razões ultimas constituem a Philosophia geral. As razões ultimas de certas partes determinadas do saber não são ultimas senão em relação ás partes determinadas do saber, e constituem a Philosophia especial; como a Philosophia do direito, da história, etc (ROSMINI, 1880, p. 3).

Não encontramos, pelo próprio ROSMINI (1880), nenhuma justificativa de porque

estudar filosofia, embora o apresentador de sua obra principie algo desta natureza. Sinal dos

tempos? Talvez, afinal estávamos em 1880.

Na obra de SILVA (1886): “Manual Philosophico”, o Padre Thomé, “Lente de

Rhetorica no Gymnasio Pernanbucano”, define a filosofia no mesmo diapasão: “é a

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sciencia dos entes, pelas causas ultimas, alcançada com a luz natural da razão” (SILVA,

1886, p. 6).

Um trabalho que seguiu a divisão tomista na disposição das matérias de estudo:

Lógica, Ontologia, Psychologia, Theologia Natural e Moral.

O trabalho de LOCHER (1898): “Vade mecum philosophico oferecido à Mocidade

Brasileira”, já é uma obra de reação espiritualista tanto ao materialismo quanto ao

positivismo.

Em seus próprios termos, trata-se de acertar as contas com alguns problemas

filosóficos como: “o Positivismo, o Darwinismo; O homem, o Phanteísmo, o Espiritismo”;

com algumas questões “Ethicas”, ou de ordem moral, como:

A Lei Natural e sua sancção, a ordem social, A ordem moral e social segundo o Positivismo, A liberdade humana e as theorias modernas, A moral independente de Spencer; o Estado, o Estado e a Igreja (LOCHER, 1898).

Quanto à definição de filosofia, LOCHER (1898) ainda segue no rumo acima

descrito.

Distinto destes foi o caso do positivismo, pois, ao reconhecer a ciência como o

único conhecimento possível e o método cientifico como o único válido, o mesmo reduziu

em muito as tarefas da filosofia, que, na sua formulação comteana originária, deveria se

restringir através de uma síntese subjetiva à unificação dos derradeiros resultados das

ciências específicas no âmago da filosofia prima.

Nossa intenção aqui não foi de esgotar o entendimento sobre a filosofia no século

XIX, e sim de indiciar que o modo como se compreende a filosofia intervém na maneira de

ensinar a mesma, como veremos um pouco mais amiudado, no caso do ensino da filosofia

do ecletismo, na instrução secundária liceal.

Ensino que corre por outra pista que o da questão comum dos nossos dias: para quê

ensinar filosofia?

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4.4 – O ENSINO DA FILOSOFIA NA INSTRUÇÃO SECUNDÁRIA MINEIRA NO SÉCULO XIX

A filosofia ensinada no século XIX foi uma filosofia escolar, cuja versão eclética foi

liceal (assim como suas antecessoras, a filosofia escolástica ensinada nos seminários

religiosos e a filosofia da ilustração pombalina ensinada nas escolas régias, também foram

disciplinas escolares).

Portanto, uma cultura filosófica escolar, cujo ensino foi à brasileira, mas o espírito

era sinceramente francês.

Na verdade, foi o primeiro processo de modernização (ou atualização – modernismo

filosófico?) do ensino de filosofia no Brasil independente (o primeiro foi o das reformas

pombalinas, mas de extração colonial, portanto luso-brasileiro), que buscou superar a

tradição colonial nas suas duas vertentes: a velha tradição filosófica da 2a escolástica

portuguesa e a do iluminismo pombalino (como referido).

É desta perspectiva que se deve fazer o balanço daquele ensino, distinto de uma

história da filosofia autocomplacente, dogmática e apologista de um lado (a correr pela

pista de ARANTES (1994 & 1996), se foi este por nós entendido), e, de outro, uma

crispação de efusiva crisopéia proto-historiográfica filosofante, que, de modo involuntário

transforma produção escolar em saber universitário.

O período pré-cruzcostiano30 da história da filosofia no Brasil – da cultura filosófica

escolar – é caracterizado por manifestações filosóficas fragmentárias.

Quem quiser estudar esse período da filosofia no Brasil terá que ser capaz de lidar

com esses fragmentos filosóficos na sua reconstituição, assim como o historiador da

filosofia grega pré-socrática, por razões distintas, é obvio.

Se por um lado chover no molhado de uma “mediocridade filosófica” tendo por

metro o padrão de produção de um nível que lhe é em muito superior (na perspectiva de

ARANTES (1996) é o caso dos uspianos), é colocar em cheque uma suposta superioridade

que sequer vê a si própria como tal (verdade que é possível se ter uma cultura escolar de

alto nível e uma cultura universitária de baixo nível e vice-versa, ambos etc.).

30 Estamos a chamar de período pré-cruzcostiano, o período pré-universitário da história da filosofia no Brasil.

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De outro, caso dos nacionalistas segundo ARANTES (1996), é constituir

mitografias querer de uma cultura filosófica escolar produtos capazes de tratar

conscientemente ou, de forma autônoma, assuntos cuja finalidade não lhe dizem respeito.

Um breve exemplo.

Como vimos, existiram aulas régias e liceal de medicina, foram medíocres por

serem escolares? Em relação a quem? Ao cientista Carlos Chagas do século XX ou ao

último sapienti raizeiro, ou um velho pajé dos tempos? Ou a própria produção da época?

Pensamos, não ser esta a razão, se é que não foi em tempo algum.

A filosofia, que MATOS (1997) define como medicina da alma, foi medíocre por

ser escolar?

Pode até ter sido, mas não porque foi escolar.

Caso contrário, o mesmo procedimento valeria, por exemplo, para um geógrafo

universitário que olhasse para o ensino de geografia do ensino médio e dissesse: que coisa

medíocre! Pode até ser que seja, mas não porque um é escolar e o outro é universitário.

Aí a confusão seria (e é) patente e todo ensino desse nível seria medíocre.

Falar da filosofia do século XIX, como uma filosofia escolar, encerra um aparente

truísmo, mas não é tão simples assim, de vez que a nossa historiografia, nos seus dois pólos

opostos, insiste ou em querer elevá-la a discurso racional (e nacional) autônomo (uma

filosofia escolar? Como poderia? E no Brasil? No caso da última questão, não por falta de

“cabeça filosófica”, seja no sentido de uma espécie de natureza biológica num extremo, ou

étnica no outro, o problema é de formação (ARANTES, 1996), o que, em certa medida, tem

a ver com a relação entre cultura e sociedade), ou medi-la com o metro do filósofo

profissional com formação universitária.

Não que não se possa fazer este tipo de história comparativa (como alertamos de

início), mas, neste caso, os termos teriam de ser outros: colocar em relação os imperativos

escolares (suas finalidades) com os seus produtos (resultados) e idem para o caso da

universidade, aí se poderão estabelecer aproximações (pode até ser que dê escola!, ou vice-

versa, é claro).

As finalidades do ensino secundário são distintas do ensino universitário.

Segundo CURY (1998), aquele nível de ensino (o secundário) porta três funções

consideradas clássicas: propedêutica (aqui Tobias Barreto tem em parte razão ao afirmar

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que a filosofia no Brasil não passava de um preparatório, foi também, mas não só);

formativa e profissionalizante.

O Liceu Mineiro portou ambas, exatamente por esta condição, seu ensino de

filosofia teve que se haver com as exigências deste ramo de ensino e não de outro.

Chega mesmo a ser surpreendente o que ela produziu, pois, ao estudá-la, a filosofia

da instrução secundária do período pré-universitário – ou ensinada na instrução secundária

de então, surpreendemo-nos com o seu legado, ao contrário do que quer nos dizer uma

postura que, ao se aproximar deste objeto com uma tralha epistêmica devastadora, mais o

oblitera que o compreende.

Podemos, por tal feito, até considera-lo como o período clássico do ensino da

filosofia no Brasil na instrução secundária.

Nunca mais foi assim.

Sobre as finalidades postas para o ensino de filosofia no período, por ora

analisaremos uma, mais adiante trataremos de outras, pois que esta diz respeito não só à

cultura filosófica liceal, como ao próprio espírito do ensino de forma mais geral – ou seja,

da cultura escolar.

Aqui tendes como tal ethos escolar foi explicitado pelo diretor geral de instrução

pública, Rodrigo José Ferreira Bretas, em seu relatório do ano de 1859, que, ao se referir ao

ensino de filosofia, dela diz o seguinte:

A inspeção sobre o espírito do ensino será fácil uma vez que nas aulas não se lecione arbitraria ou indistintamente por quaisquer compêndios relativos à filosofia e à religião, mas somente pelos que houverem sido adotados e prescritos pelo governo. Neste caso o trabalho será somente o de averiguar se pelos ditos compêndios efetivamente se leciona (MOACYR, 1939, p. 131, grifos nossos).

Ora, este espírito é o espírito do ecletismo, filosofia oficialmente adotada no Liceu

Mineiro, como já vimos pelas palavras do próprio Bretas em outro momento, diverso não

era o intuito que o de formar pessoas de acordo com este espírito, essencial para aquele

empreendimento cultural levado a cabo em terras mineiras, a que já nos reportamos e do

qual antevimos o sucesso.

Uma das finalidades, portanto, da filosofia escolar liceal mineira foi uma

finalidade de direção.

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Quais foram as conseqüências para o ensino de filosofia com a criação dos liceus?

Foi que, pela primeira vez, se produziram no país as condições para o surgimento de

um movimento de idéias filosóficas.

Verdade que, grosso modo, de forma diletante e disparatada, em que pese um ou

outro caso manifestar algum talento ou golpe de vista acurado, o que não dispensa algumas

páginas monográficas sobre o assunto a repô-lo no seu devido lugar.

Para tanto é necessário livrar-se de algumas pré-noções, que vão dos extremos

hiper, numa ponta, o do valoreternismo de direita sobre a autonomia filosofante nacional

(se ARANTES tiver razão), e hipo, na outra do extremo, que procura, num ensino de base

secundária, manifestações filosóficas de tipo universitário (técnica de exegese textual etc).

Uma meso investigação nos pareceu mais prudente.

A divisa socrática cruzcostiana (o “conhece-te a ti mesmo”) ensinava a ter “senso do

ridículo”.

Em outros termos, o programa de COSTA (1956) visava ao combate do filoneísmo

e do bovarismo presentes em nossa vida intelectual.

Ademais, é preciso inverter o vício da história das idéias: não foi o ecletismo que

possibilitou este movimento de idéias, foi a criação dos liceus que produziu as condições

para que estas idéias e aquele movimento se tornassem possíveis.

Neste sentido, pode se dizer que o ecletismo liceal funcionou como o catalisador

daquele movimento de idéias. Diga-se, nesta circunstância, nunca é demais repetir, que não

foram manifestações filosóficas de tipo universitária e sim escolar.

Somente nestas circunstâncias é que se pode dizer que a movimentação das idéias

filosóficas, ou ainda, o movimento de idéias, propiciado pela criação dos liceus, atingiu

níveis inauditos, se considerada, é claro, a nossa herança cultural colonial.

Uma verdadeira renovação cultural.

Sob esse modo de ver as coisas, é preciso que se afirme: o projeto liceal deu certo.

Formavam-se filósofos?

Não, não era uma especialização universitária, ao contrário, visava ao polígrafo

ilustrado (inclusive filosoficamente), para além do especialista paroquial propiciado pelos

seminários, cuja única via alternativa era a dos padres rebeldes, às vezes, tomados pelo

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empirismo mitigado (proporcionado pela criação das Escolas Régias pelas reformas

pombalinas), mas, nem sempre, pois boa parte dos casos seguiu pela senda do prosaísmo.

Relembremos CARVALHO (1933), para acentuar uma deixa em sua história da

educação mineira, no referido período.

Não vamos ao ponto de negar illustração e sapiência aos humildes servos do Senhor. (...) Não me refiro aos Jesuítas, aos verdadeiros filhos de Loyola, porque em geral e em todos os tempos, foram os grandes mestres, nas ciências, artes, em todos conhecimentos humanos e inestimáveis serviços prestaram, accentuadamente na capitania de S. Paulo, mas não havia selecção; para ser mestre bastava ser Padre. Naquellas priscas e memoráveis eras, estes pastores, nem ao verdadeiro aprisco conduziam suas ovelhas! (CARVALHO, 1933, p. 352, grifos nossos).

Uma pequena pausa para as aulas régias.

O modelo das escolas régias é algo que ainda precisa ser mais bem investigado (ao

menos em Minas Gerais), por esta razão, só podemos levantar (breves) conjecturas sobre o

modelo escolar régio, diga-se de passagem, de um modo bem esquemático.

Algumas de suas características foram as seguintes: geograficamente de longo

alcance, mais extensivas, portanto; poucas matérias em cada aula régia (em nossa

investigação, encontramos no máximo três); mais virtuais que monumentais; menos

controladas e mais livres (no sentido de maior descentralização e, desse modo, contrárias ao

ideal de centralização imperial).

Foi um modelo escolar que guardou íntima relação com a crise do antigo sistema

colonial, e, por tal motivo, devem ser estudadas em observação atenta à circunstância

mencionada.

Ainda que a escola régia seja um objeto ou matéria heteróclita, é preciso estudá-las

para entender o Brasil (cultural e filosoficamente), pois foi um momento de atualização

cultural de nossa vida colonial.

De qualquer modo, pareceu-nos terem cumprido não só um ideal de maior

democratização do ensino, a julgar pelo grande número que fomos de encontro a nossas

fontes, como de diversificação do ensino com a criação de aulas régias como as que vimos:

(...) uma em 1812 de rhetorica e phylosophia em Paracatu; dez em 1813, abrangendo as seguintes matérias: mathematicas, princípios de tactica e veterinária (Villa Rica/Ouro Preto); curso cirúrgico (Baependy); mineralogia, chimica, zoologia, metallurgia, botanica com jardim botânico, arithmetica geometria,

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calculo (Marianna); uma em 1817 de dezenho e historia em Villa Rica/Ouro Preto e uma de latim em 1819 em Januária (...) (CARVALHO, 1933, a grafia das matérias segue as do autor).

Aliás, um ideal de ilustração concernente ao iluminismo pombalino, pivô em torno

do qual giraram as reformas educacionais, das quais as escolas régias foram o produto

cultural mais bem acabado, tal como nos pareceram.

Os grupos de interesse intervenientes, na constituição da cultura filosófica liceal,

foram representados por tipos como: Rodrigo José Ferreira Bretas, um liberal bastante ativo

(já vimos); Bernardo Guimarães, um romancista explicitamente antiescravista (como nos

atesta o que CÂNDIDO (2002) diz sobre ele, ainda que, a obra no conjunto, seja limitada,

no entanto, para usar uma expressão de ARANTES (1996), o golpe de vista se não chega a

ser grandioso, comporta elementos de generosidade); Ovídio João Paulo de Andrade, cuja

figura, de formação liceal, em função do papel de destaque que posteriormente veio a ter,

foi aquela que reuniu, de modo mais pleno, os fins de formação aspirados pelo Liceu

Mineiro. Um homem talhado para dar continuidade à tradição liceal.

Conviveram com professores radicais como Teófilo Otoni (e com outros nem tanto),

um liberal exaltado e uma verdadeira legenda de revolucionário, que foi lente (como vimos,

era assim que o professor liceal era chamado à ocasião) de matemática daquele

estabelecimento de instrução secundária, e foram co-partícipes na construção da mais bem

sucedida experiência de educação escolar secundária mineira.

Enfim, foram vitoriosos.

A Influência da filosofia, ensinada no Liceu Mineiro sobre a cultura filosófica

escolar mineira, se fez sentir através de uma série de iniciativas como: da participação de

seus agentes e professores em bancas de concursos para provimento de cadeiras, em bancas

de exames de outros estabelecimentos públicos ou privados, em comissões de estudos sobre

o ensino da época, em conferências sobre o ensino, no publicismo jornalístico e através de

dispositivos legais que ajudaram a constituir (nos documentos é notório como seus

professores de filosofia ocuparam não só cargos de direção na estrutura de ensino da época,

como foram os casos de Ovídio (acima referido) e Francisco de Paula Pereira Lagoa, este

último, aliás, foi, em mais de uma vez, eleito deputado à Assembléia Provincial).

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Essas iniciativas, ou atividades, além de terem se constituído como estratégias, são

constitutivas também de sinais de prestígio da disciplina, que, entre seus professores de

filosofia, teve deputado, presidente de província (como o foi Ovídio João Paulo de

Andrade), dentre outros.

Um indício (vale repetir) da filosofia ensinada nos colégios particulares por

influência da disciplina liceal:

O diretor do “Collegio Roussin” convida o “Director Geral da Instrucção Publica”,

Rodrigo José Ferreira Bretas (também professor do Liceu e às voltas com a causa do

ecletismo), para assistir à aula de filosofia ali ministrada, e contribuir “assim para ainda

mais acoroçoar no estudo da primeira das Sciencias os Alunnos da dita Aula” (SP. 637,

p. 56, grifos nossos).

Note-se a referência concernente à filosofia à época. Bretas, em tom lisongeiro,

declina desse convite (o que não deixa de convir a um estilo liberal de ser). O convite havia

sido feito pelo Cônego José de Souza e Silva Roussin, o diretor acima referido.

De um feitio bem esquemático, porém lastreados nas fontes, podemos dizer (como

anunciamos antes) que, nos seminários, se ensinava a filosofia escolástica e, nas escolas

régias, a filosofia do empirismo mitigado.

Os colégios privados, confessionais ou não, carecem de maior investigação, pois

apesar de os indícios serem favoráveis em parte ao ecletismo, sugerem focos de resistência.

Melhor uma investigação que cuide exclusivamente dos mesmos.

Algumas mudanças ocorridas no interior da disciplina nos pareceram contribuir para

corrigir a rota do ensino de filosofia no Liceu Mineiro (na direção, em maior velocidade,

talvez, do ecletismo, é claro), como nos pareceu, por exemplo, o episódio da troca do

primeiro professor (ou lente como era então chamado) de filosofia liceal, Reverendo

Joaquim Ferreira da Rocha, pelo segundo de sua história, o Dr. Francisco de Paula Pereira

Lagoa.

Senão vejam o que se diz de um e de outro.

O Lente de Philosophia, Reverendo Joaquim Ferreira da Rocha, reclama do desconto de seis dias de seu salário, que foram cortados pelo diretor Jose Rodrigues Duarte, queixando-se de má vontade deste, para com aquele, (SP. 544, p. 63). O Professor Francisco de Paula era considerado excelente professor (...) o achei habilíssimo para com perfeição leccionar semelhante matéria (SP. 544, p. 117).

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A relação que se estabeleceu entre a filosofia e as demais disciplinas de ensino foi

uma relação de direção, de direção do ensino.

Concebida como ciência suprema, a filosofia como guia do espírito do ensino.

Reveja-se, nesta direção, a referência que o diretor acima dirigiu à filosofia então:

“assim para ainda mais acoroçoar no estudo da primeira das Sciencias os Alunnos da

dita Aula” (SP. 637, p. 56, grifos nossos).

Uma das tarefas cumprida por tal ensino de filosofia foi o contributo dado à criação

de um clima cultural que acabou reinante – o romantismo, por exemplo.

Filosofia mais como baliza conceitual de orientação da conduta que de investigação

filosófica.

Uma finalidade escolar, portanto.

Se o segundo espiritualismo francês à brasileira, o universitário do século XX, em

mais um episódio de atualização cultural, é francamente pós-kantiano, o mesmo não se

pode dizer de seu homônimo escolar do século XIX, diferença esta que terá repercussões

em seu ensino.

Vamos por partes.

Sobre o lastro espiritualista do primeiro, ARANTES (1996) destaca, como grande

acontecimento para a filosofia uspiana, o encontro desta com um remoto sucessor do

espiritualismo na França – Martial Guerroult.

Encontro que é considerado pelo autor, de passagem seja dito, como um verdadeiro

descobrimento, isto é, “da grande história da filosofia”, “dos problemas técnicos de análise

de texto”, enfim, da gama de problemas que foi apanágio dos années soixante filosófico

paulista.

Sem dúvida uma revelação, mas de fato o que se representava na modesta cena paulistana sob a roupagem prestigiosa da atualização (um imperativo) era na verdade a derradeira sedimentação do velho espiritualismo universitário francês (...). A cátedra de Gerroult no Collège de France atendia pelo nome moderno de “tecnologia dos sistemas filosóficos”, e nem por isso o ensino do novo mestre deixava de remontar à tradição de Boutroux – por ele mesmo considerado o “fundador da escola francesa contemporânea de história da filosofia” –, de um Hamelin, de Delbos ou de um Léon Robin, enfim, de todos os veteranos da Terceira República e longínquos descendentes de Victor Cousin (ARANTES, 1996, p. 111, grifos nossos).

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Não é preciso dizer mais sobre sua ancestralidade e laço de família que une ambos.

Continuidade que uma epistemologia que só quer ver descontinuidades, não pode,

evidentemente, perceber.

De fato, descendentes do espiritualismo eclético de Victor Cousin, um velho

conhecido nosso desde o século XIX.

Quanto ao kantismo paulistano, uma conveniência no rumo de ARANTES (1994).

Lembrar, na esteira da modernidade trilhada pelos pós-kantianos, que não se ensina filosofia mas apenas filosofar, era lembrar antes de tudo que a filosofia não possui objeto próprio e que portanto essa disciplina invisível e inapreensível não pode se apresentar como um conjunto de conhecimentos objetivamente transmissíveis, (...). Trocando em miúdos, o reconhecimento do caráter reflexivo da filosofia – pois afinal é disso que se trata – redundava em recomendações do seguinte teor: ficam abolidos manuais e panoramas, e instituídos os cursos monográficos (ARANTES, 1994, p. 64, grifos do autor).

Uma imagem do caráter reflexivo da filosofia que lhe molda o ensino, portanto, uma

filosofia monográfica.

Distinta é a compreensão da filosofia pelo espiritualismo do século XIX, concebida

como conhecimento com objeto próprio.

Vejamos a forma como foi definida na obra do padre E. BARBE, que foi,

oficialmente adotada, como vimos pela documentação, no Liceu Mineiro (aliás, adotada

oficialmente, como nos informa a obra de VECHIA & LORENZ (1998), também no

Colégio Pedro 20, um dos modelos, como sabemos, do Liceu de Minas).

Hoje a sciencia que conserva especialmente o nome de philosophia, tem por objecto o pensamento e o ser pensante, ou as intelligencias consideradas em si e em suas relações, quer recíprocas quer com a natureza. A philosophia estuda em primeiro logar o ser intelligente, tal como existe no homem, isto é, a alma humana; e depois ascende até á causa suprema de todas as cousas, até ao espírito creador, ou Deus, afim de explicar o homem mesmo e o universo. Em um curso de philosophia o espírito humano a si mesmo propõe estas graves questões: << Que sou eu? d’onde venho? para onde vou? >> isto é, o espírito interroga-se á cerca da sua natureza, da sua origem, e do seu destino. A philosophia, intendida como acabamos de a explicar, pode definir-se a sciencia dos entes espirituaes considerados em si e em suas relações. Com o que não queremos dizer, que um curso de philosophia deva abranger tudo quanto respeita aos entes espirituaes, pois outras sciencias há, como a historia, o direito, etc., que têm por objecto principal actos realizados por seres intelligentes e livres. Mas ainda assim a philosophia é a sciencia noologica por excellencia, visto que considera os entes espirituaes no que os constitue taes, isto é, em sua natureza e propriedades mais intimas.

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Fique porém intendido que a philosophia é a sciencia dos entes espirituaes segundo as luzes da razão humana, pois outra sicencia há, que á luz da revelação divina resolve grande numero de questões que a philosophia se propõe: esta sciencia chama-se theologia (BARBE, 1871, p. 2).

Por esta razão, seu ensino foi concebido de maneira diversa, pois, se era considerada

uma ciência com um objeto próprio, ou conforme os termos da época: a “sciencia dos entes

espirituaes considerados em si e em suas relações”, então se ensinava filosofia e não a

filosofar.

Ao contrário da situação particular do coetâneo espiritualismo da filosofia uspiana,

um curso, portanto de manuais e panoramas (entendam-se: panoramas de história da

filosofia).

Foi, neste sentido, uma filosofia de compêndio.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No intento de organizar os resultados de nossa investigação, num primeiro

momento da escrita destas considerações finais, procuramos destacar, de forma sintética,

em cada capítulo, não só seus principais achados, como indicar, sucintamente, algumas

questões para fazer avançar o conhecimento sobre o assunto, levando em conta, é claro,

nossa perspectiva.

Em segundo, no trabalho mais especificamente ligado ao estudo da disciplina de

filosofia no Liceu Mineiro, procuramos considerar três pontos capitais, complementares e

inter-relacionados entre si, que funcionaram apenas como referenciais norteadores de nossa

investigação.

O que se segue, tem como referência teórica, os autores elencados ao longo do texto

para a história das disciplinas escolares.

No primeiro ponto procuramos identificar as finalidades que deram origem à

configuração original da referida disciplina liceal.

Para tanto procuramos reconstituir, através dos vestígios deixados pelos

documentos, o momento de instituição da cultura filosófica do Liceu Mineiro em íntima

conexão com o momento de instituição da cultura escolar liceal.

Neste segmento inicial, algumas questões que, mais de fundo orientaram nossa

conduta, foram estas: Por que foi criado o Liceu Mineiro, se Minas Gerais já possuía três

seminários: de Mariana (1750); do Caraça (1822) e Diamantina (1853), as Escolas Régias,

além de outras escolas de instrução secundária, como os Colégios particulares laicais, por

exemplo? E quais, então as conseqüências que advieram desta criação para o ensino de

filosofia? Qual o lugar ocupado pela disciplina de filosofia na formação da cultura escolar

do Liceu Mineiro? Que grupos de interesses intervieram na configuração das finalidades

que deram origem ao conteúdo de ensino da disciplina de filosofia do Liceu Mineiro?

No segundo, ao procurar fazer aparecer a estrutura interna da disciplina e seu

desenvolvimento, nossa reconstituição histórica teve em mira pôr em evidência a formação

da cultura filosófica escolar liceal mineira e destacar elementos que nos indiciassem seu

espraiamento e intervenção na formação de uma cultura filosófica escolar na então

Província de Minas.

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Algumas questões que nos orientaram, de modo mais geral, nesta parte, foram as

seguintes: Existia relação entre a filosofia ensinada na disciplina de filosofia surgida com a

criação do Liceu Mineiro, e a reflexão intelectual que se desenvolveu na Província de

Minas, no Brasil e na própria cultura ocidental ao se pensar esta relação em sua maior

amplitude? Existia relação entre o ensino da disciplina de filosofia do Liceu Mineiro e as

manifestações filosóficas em Minas Gerais? Existia relação entre a filosofia ensinada pelo

Liceu Mineiro e a filosofia ensinada nos Seminários, Aulas Régias, Colégios privados não-

confessionais e nos Externatos? Ocorreram mudanças nesse período que alteraram o ensino

da disciplina?

Por fim, recompor a história do conteúdo da disciplina de filosofia do Liceu naquela

quadra histórica da instrução secundária mineira.

Por ser este o sustentáculo em volta do qual a disciplina escolar se constitui,

propusemos um conjunto de questões, mais próprias ao currículo, que nos orientaram na

sua investigação, como as que seguem: Que filosofia era ensinada? Por que e para que era

ensinada tal filosofia no Liceu Mineiro? Que motivos e práticas estavam relacionados às

formas de promoção do prestígio escolar da disciplina de filosofia no Liceu? Qual foi a

relação estabelecida entre a filosofia liceal e as demais disciplinas?

Quanto às questões acima listadas, elas configuraram muito mais um clima mental

que tivemos por norte, que um programa a ser seguido em pormenor, tratou-se, portanto,

mais de uma referência para nossa conduta que de um jogo de perguntas e respostas a fio.

Que nossos resultados tenham algo a ver com elas, é claro, mas nem sempre o

caminho seguiu a linearidade que por vezes possam sugerir.

Em nossa investigação, ao fazermos a revisão das representações produzidas pela

historiografia tradicional da educação brasileira, capitaneada por um de seus historiadores

clássicos, caso de Fernando de Azevedo, ao contrário desta tradicional história da cultura

brasileira, que quer ver o terreno educacional do século XIX como “terra arrasada”, nossa

pesquisa nos permitiu ver um complexo sistema de educação secundária e uma vibrante

disputa por ideais civilizatórios.

Essa contenda teórico-prática sobre como tornar bem-educado se deu entre, de um

lado, o tradicionalismo católico e seu ensino “claustral” (termo que uma comissão

encarregada de estudar a educação do período utilizou para classificar o ensino

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seminarístico da época, e da qual participou o nosso conhecido liberal saquarema Rodrigo

José Ferreira Bretas, que, por sinal, foi aluno de seminário), e, de outro lado, a iniciativa

público-estatal num dinâmico movimento que buscava se constituir, como alternativa, tanto

ao claustro educativo de ordem religiosa representado pelo seminário, quanto ao incontrito

modelo (também público-estatal) das aulas régias legadas pelas reformas pombalinas da

educação no século XVIII.

Foi deste último lado que encontramos o projeto liceal mineiro, concebido ao modo

de sua matriz francesa, que, tal como esta, concebera a instrução secundária como um nível

de ensino de importância fundamental, um grau de ensino de “alta instrução” ou de

“estudos superiores”.

Nível de instrução que acabou conhecido pelo nome de liceal ou colegial, em

função do nome dos estabelecimentos em que era ensinada – Liceu ou Colégio, caso do

Liceu Mineiro.

Este ideal, incorporado pela empresa levada a cabo pelo Liceu Mineiro, mostrou-se

vitorioso, pois o modelo liceal vingou sobre o das escolas régias, que tiveram seu fim

decretado no ano de 1882, através do regulamento n0 84 (Livro das Leis Mineiras, p. 03-39)

que é de 1879, mas que aparece aplicado no ano acima referido (MOACYR, 1939, p. 139).

Ideal que logrou sucesso não apenas sobre as escolas régias como, também, sobre o

modelo claustro da educação seminarística, que se não teve seu fim decretado por um ato

legislativo, como no caso das aulas régias, ao longo do tempo, mostrou sua inapetência para

acompanhar qualquer tipo de demanda por modernização educacional que não fosse o

modelo oferecido pelo seu próprio tradicionalismo em educação.

Como nos atestou o trabalho de ROCHA (1985). Outras entidades participaram deste cenário educativo, como, por exemplo, os

colégios não-confessionais de iniciativa privada, porém foram, como nos pareceram,

atividades isoladas de âmbito restrito (na documentação que analisamos, os

estabelecimentos de ensino de tipo particulares, não-religiosos do período, não atraíram

para si a disputa por um ideal civilizatório, ambicionado por aquelas duas outras

instituições).

Nossa referência àqueles dois modelos foi como projeto de educação geral. Um

religioso e o outro estatal – este último, o exemplar das aulas régias.

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O afastamento do modelo liceal (do qual o Liceu Mineiro foi exemplar) daquela

dupla herança teve enormes implicações para o ensino de filosofia, na instrução secundária

mineira, do período investigado.

Para chegarmos a estes resultados, tivemos que ir além dos grandes painéis e

sínteses de períodos traçados pela história tradicional da educação sobre Minas Gerais e dos

objetos de estudo e interesses historiográficos desta.

A criação do Liceu Mineiro preconizou, pois, não só um exemplo alternativo à

instrução secundária mineira então ministrada, de um lado, nos seminários religiosos e, de

outro, nas escolas régias – se impôs como norma a ambos, bem como foi protagonista de

uma nova educação filosófica.

Em outras palavras, o Liceu Mineiro não só apregoou um novo modelo escolar

autônomo referente à educação escolar preconizada pela igreja e pelas escolas régias, bem

como se sobrepôs como modelo àquela educação.

Por tal atitude, proporcionou o ensino de uma filosofia diversa da filosofia ensinada

naqueles estabelecimentos com quais procurou não se confundir, como resultou de nosso

trabalho de investigação.

Foi o que nos permitiu falar d’A FORMAÇÃO DA CULTURA FILOSÓFICA

ESCOLAR MINEIRA NO SÉCULO XIX, referida em nosso título.

O momento da criação do Liceu Mineiro foi marcado por uma inflexão tanto de

ordem política quanto cultural em termos nacionais. Política e cultura, em que pese certa

autonomia de cada uma como campos que se distinguem, estabeleceram, entretanto, inter-

relações naquela época histórica demarcada.

O Liceu em Minas foi o instituto cultural daquela empresa político-educacional,

distinguiu-se, de modo sutil, do ensino seminarístico, mas essa distinção foi explícita.

Esta sutileza que se exprimiu na diferença entre o ensino de filosofia no Liceu

Mineiro (o ecletismo) e a filosofia ensinada nos seminários (a escolástica), foi o

cumprimento de uma demanda por um novo projeto cultural que se consagrou e se tornou

vitorioso.

Foi o projeto encarnado pelo Regresso, sua vitória marcou um período de nossa vida

que MATTOS (1994) denominou de “O tempo saquarema”.

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Rodrigo José Ferreira Bretas foi um liberal saquarema que encarnou, por excelência,

os interesses deste grupo no projeto de educação liceal em Minas Gerais e do ensino da

filosofia do ecletismo na disciplina filosófica do Liceu Mineiro.

Ele foi autor de uma obra filosófica, típica do ecletismo espiritualista

(RODRIGUES, 1986), que concorreu para a consolidação da corrente eclética no seu

momento de transição do período de formação para o seu momento de apogeu.

Foi quando Bretas atuou como professor do Liceu Mineiro e nos outros cargos que

ocupou na estrutura de ensino da época – secretário, vice-diretor e diretor geral da instrução

pública – que o mesmo, já como um eclético maduro, realizou aquele objetivo.

Foi com ele, através das medidas que tomou no exercício daquelas funções, que a

filosofia do ecletismo espiritualista se tornou oficialmente conteúdo obrigatório a ser

ensinado pela disciplina de filosofia daquele estabelecimento de educação escolar.

Além de Rodrigo José Ferreira Bretas, um liberal extremamente ativo, outros grupos

de interesse intervieram na constituição da cultura filosofia liceal.

Um destes nomes foi o de Bernardo Guimarães, um antigo poeta que se tornou

romancista, cuja personalidade resultou, no dizer de CÂNDIDO (2000), de “uma ideologia

de revolta espiritual” que “na vida sempre foi um inadaptado”, em razão de sua passagem

pela vida acadêmica de São Paulo, que, representou na cultura filosófica escolar liceal, a

rebeldia intelectual possível que se praticou.

Outro nome foi o de Ovídio João Paulo de Andrade, formado pelo Liceu Mineiro,

figura como expressão dos ideais de edificação do espírito desejados pela educação liceal,

como tal contribuiu para a continuidade da tradição liceal.

Quanto às finalidades colocadas para o ensino de filosofia no período, aquela que

nos pareceu ocupar posição primordial foi a que dizia respeito ao espírito do ensino da

época, i. é, da própria cultura ou ethos escolar, tal como foi expresso pelo diretor geral de

instrução pública, Rodrigo José Ferreira Bretas, em seu relatório do ano de 1859.

Não custa aqui repetir sua referência ao ensino de filosofia em questão:

A inspeção sobre o espírito do ensino será fácil uma vez que nas aulas não se lecione arbitraria ou indistintamente por quaisquer compêndios relativos à filosofia e à religião, mas somente pelos que houverem sido adotados e prescritos pelo governo. Neste caso o trabalho será somente o de averiguar se pelos ditos compêndios efetivamente se leciona (MOACYR, 1939, p. 131, grifos nossos).

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Este foi o espírito da filosofia do ecletismo do Liceu Mineiro, cuja intenção fora de

moldar o caráter de acordo com aquele espírito, imprescindível para a empresa cultural,

levado a cabo pelo Liceu em terras mineiras, cujo sucesso foi inegável (senão absoluto ao

menos relativo ao essencial de seu programa).

A filosofia escolar liceal mineira cumpriu, portanto, uma finalidade de direção.

A filosofia ensinada na disciplina do Liceu Mineiro guardou uma estreita relação

com o desenvolvimento filosófico contemporâneo, tanto com referência ao Brasil, quanto à

cultura ocidental de maneira geral. Neste último caso, em particular, ao andamento

filosófico do período na França, um dos pólos da cultura ocidental.

Averiguamos que este país serviu de modelo ao programa do ecletismo filosófico

para a nação e de paradigma de um processo de atualização cultural do Império brasileiro.

De fato, cuidava-se de acertar o passo com a modernidade cultural e romper os elos

com a nossa herança cultural colonial de raízes lusitana.

No estudo realizado sobre o ensino de filosofia do período pré-universitário

(ensinada nos estabelecimentos de instrução secundária), surpreendemo-nos com o que

aquele nível de ensino foi capaz de produzir. Para chegarmos a tal, livramo-nos de uma

atitude historiográfica cujo domínio epistêmico nos impedia de visualizar nosso objeto de

investigação na sua real dimensão.

Saímos dessa aporia historiográfico-filosofante a correr por outra via, em parte

descerrada por ARANTES, no rastro de COSTA (1956), quando se fez necessário, porém,

seguimos além de ambos por conta e risco próprios, em particular quanto à polarização

política: esquerda versus direita.

Deixamos, de um lado, o repetido refrão da suposta “mediocridade filosófica” cujo

padrão era a produção universitária, pois o mesmo, ainda que involuntariamente, colocava

em cheque a própria idéia de superioridade, ao não refletir criticamente sobre o problema.

De outro, descartamos a constituição de mitos, advindos de um juízo acrítico que

considerava ser possível uma cultura filosófica escolar tratar, conscientemente e de forma

autônoma, assuntos que estavam fora de sua abrangência, não os percebendo como algo

exterior às possibilidades de compreensão da produção filosófica escolar, em particular, o

nosso caso liceal.

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Pelo fato de nossa pesquisa se ater ao objeto em questão, não houve outro caminho

que não tentar atingir um ponto mais alto de equilíbrio entre esses dois caminhos extremos.

Admitimos, porém, que a direita tem o mérito da documentação, se foi acerto

involuntário ou não, importa pouco e, em oposição aos desacertos, o corretivo cruzcostiano

contra a falta de proporções.

Contra o pecado oposto do esquerdismo juvenil filosofante (esquerdismo em parte

desmentido por reconsiderações do tipo: O que é isso, companheiro?, se é que filosofia tem

algo a ver com sociedade), vale o mesmo senso do ridículo.

Mas não fizemos vistas grossas à renovação do ensino, ao padrão e ao rigor

implantados pela cultura filosófica uspiana, pois, caso contrário, foi o que nos pareceu,

ficaríamos situados aquém da intentio reta da própria filosofia.

Conseguir ou não atingi-la, foi uma possibilidade sempre presente, que pode ter a

ver até com uma questão de maior ou menor talento, mas não só e sempre.

Não tomá-la, no entanto, como ponto de partida, seria obliqüidade filosófica

incontinente, gritante no caso de nosso trabalho.

Não seria então a Teoria quem comandaria.

Pensamos que, depois de nossa investigação, não seja um despropósito repetir o que

nos dizia COSTA (1956):

A filosofia não é, pois, exterior ao mundo. Não é simplesmente uma aventura do espírito, mas uma aventura humana, total, que se expressa, freqüentemente, de modo sutil, mas cujas raízes estão na terra (COSTA, 1956, p. 24, grifos do autor).

O Liceu Mineiro atingiu o cimo, como modelo escolar por excelência, equilibrando-

se em meio a dois precipícios. Entre, de um lado, a clausura dos seminários e, de outro, a

claustrofobia radical das escolas régias.

Isso nos pareceu tanto mais visível quando percebemos o quanto o paradigma liceal

foi modelar para os tradicionais estudos da cultura no Brasil.

Estes estudos sobre a história da educação parecem buscar o modelo que o Liceu

nos legou, qual seja: um conjunto de disciplinas num mesmo local, a lógica do pré-

requisito, seriação etc; incorporando, às vezes, as críticas que os instituidores do Liceu

Mineiro dirigiram às escolas régias.

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Essas críticas foram perspectivadas por interesses contrários àquelas escolas, algo

que aqueles historiadores não levaram em conta em sua investigação, simplesmente

adotaram-nas.

Couberam-nos, portanto, algumas questões: Como um modelo escolar tão criticado

assim durou mais de um século? O que foram as escolas régias? Com que finalidades foram

criadas? No que elas se diferenciaram tanto em relação aos tradicionais seminários, quanto

em relação aos colégios e aos liceus? Qual o significado dessa(s) diferença(s)? A resposta

historiográfica a estas questões foi (é) silenciosa.

Se o silêncio foi, em geral, a resposta historiográfica tradicional, ao invés de uma

história mais compreensiva sobre as aulas régias, proporcionalmente inversa, é a barulhenta

crítica acriticamente encampada, que, além de não explicá-las em nada (parece até ser este

mesmo o sentido), a mesma historiografia é de uma complacência com os estabelecimentos

de ensino religioso que beira uma vertigem historiográfica.

Apenas um último exemplo.

Do historiador sobre o ensino de filosofia nos seminários mineiros, nos séculos

XVIII E XIX, que afirma serem esses os únicos estabelecimentos de ensino a cultuar idéias

filosóficas (ROCHA, 1985).

Ora, não encontramos em toda a historiografia tamanho disparate, com exceção

deste que trata diretamente daqueles estabelecimentos referidos, e que procede ao modo de

fazer, por conta própria, o que não se encontra nas fontes em relação aos mesmos.

Profissão de fé ou aquela cegueira olímpica do valoreternismo de que nos falava

ARANTES (1994 & 1996)?

O ensino de filosofia, na instrução secundária do período, não foi apanágio de

nenhum estabelecimento de educação do período, ela era ensinada em seminários, escolas

régias, colégios, liceus e externatos, foi o que nos mostrou a exaustão, dentre outros, nomes

como: CARVALHO (1933), MOURÃO (1959) e MOACYR (1939), além dos próprios

documentos analisados.

O que fez aquele historiador, em relação aos seminários, foi querer que esses

tivessem cumprido um papel que não cumpriram, de modernização da educação mineira e

do ensino de filosofia em Minas Gerais.

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Foram, muito mais, baluartes do tradicionalismo educacional, como indicia o

personagem Eugênio do romance O Seminarista de Bernardo Guimarães (1994), que foi

professor de filosofia do Liceu Mineiro, bem como bastiões da “philosophia perenis” – do

tradicionalismo filosófico, como nos falam os documentos.

Como quiseram seus instituidores, assim como o Liceu Mineiro foi o lugar material

daquele empreendimento, o ecletismo filosófico foi o espírito daquela modernização

cultural de talhe liberal, que, uma vez vitoriosa, ainda hoje deixa ver seus vestígios, de vez

que nossa modernidade concilia velhos elementos ao lado dos novos.

Mais uma palavra sobre a instrução secundária de que estamos a tratar, e no

imperativo.

Não se pode classificar a instrução secundaria, pelo menos a mineira, simplesmente

de “ornamental”, “livresca”, ou “literária”.

Primeiro, um exemplo mais recuado no tempo (e repetido, mas, vale lembrar).

No período pré-provincial joanino da educação mineira, aqui considerado

indistintamente de 1808 até a Independência, segundo a obra de CARVALHO (1933),

foram criadas as seguintes cadeiras:

(...) uma em 1812 de rhetorica e phylosophia em Paracatu; dez em 1813, abrangendo as seguintes matérias: mathematicas, princípios de tactica e veterinária (Villa Rica/Ouro Preto); curso cirúrgico (Baependy); mineralogia, chimica, zoologia, metallurgia, botanica com jardim botânico, arithmetica geometria, calculo (Marianna); uma em 1817 de dezenho e historia em Villa Rica/Ouro Preto e uma de latim em 1819 em Januária (...) (CARVALHO, 1933, a grafia das matérias segue as do autor).

Segundo, o Liceu Mineiro, desde sua criação, ofereceu um curso de farmácia, alias,

criado bem antes de o Liceu ser instalado (outra repetição). Na verdade, o que ocorreu foi

um processo de anexação do antigo curso pelo novo estabelecimento.

De nada adianta classificar o curso de farmácia como superior, como o fazem

MOURÃO (1959) e CARVALHO (2002), pois isto só limita a compreensão da instrução

secundária da época, capaz de oferecer um curso que hoje só conseguimos ofertar no ensino

superior.

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Por fim, classificar, tendo em vista esta pequena amostra de um universo mais

amplo, a instrução secundária de “ornamental”, “livresca”, ou “literária”, já constitui sinal

de disparate.

Continuar a dizer o mesmo da instrução secundária em geral, que contém vários

outros exemplos do mesmo tipo, sem proceder a novos estudos, é disparatado.

O ecletismo, como conteúdo filosófico ensinado pela disciplina liceal, propiciado

pelo paradigma em questão, por sua vez, estabeleceu uma relação de dupla oposição às

manifestações filosóficas advindas de seu ensino nas Minas Gerais de então.

Quais sejam: num pólo ao tradicionalismo do ensino filosófico dos seminários, onde

a filosofia (como vimos nas palavras do diretor geral de instrução pública da época,

Rodrigo José Ferreira Bretas) era considerada “ancila teologiae”, e, no outro pólo, ao

modelo filosófico legado pelas escolas régias, criadas pelo Marquês de Pombal, cujas, as

manifestações filosóficas do “empirismo mitigado”, inspirador das sedições e rebeliões

mineiras que lhe (o Liceu) antecederam no tempo.

Pudemos ver como se dava a promoção do prestigio escolar da disciplina através de

uma série de práticas como: o elogio explícito à competência do professor de filosofia do

Liceu, a adequação do espaço ao ensino da disciplina efetivado através de reformas do

prédio, a fixação do horário de aula da disciplina, a adoção oficial de compêndio para seu

ensino, a criação do cargo de professor substituto para evitar a interrupção das aulas no

caso de ausência do professor titular etc.

Enfim, uma série de iniciativas que acabaram, estrategicamente, por dar certo, pois,

como nos mostraram os relatórios, se, nos primeiros anos do Liceu Mineiro, o número de

alunos matriculados na disciplina de filosofia foi relativamente pequeno, nos últimos anos

do período de abrangência de nosso estudo, esse número de matrículas na disciplina

aumentou consideravelmente.

A relação que a disciplina de filosofia estabeleceu com as demais disciplinas do

Liceu Mineiro, se foi de maior afinidade com algumas e de maior discrição quanto a outras,

não consta, no entanto, nenhum caso de rejeição ou afronta.

Pelo menos, conforme nossa interpretação das fontes.

Latim e retórica nos pareceram as mais próximas, pois além de constituírem

requisitos para o curso de filosofia, como vimos, a cadeira foi composta, pelo menos em

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certo momento, de filosofia e retórica sob a regência de um único professor, como também

os professores substitutos provinham, não raro, de ambas.

Em seguida, as referências se dirigiram, em boa parte, às relações entre a filosofia e

a disciplina (ou cadeira, como era chamada à época) de história e geografia, cujos

professores, junto com as tratadas acima, eram designados como examinadores tanto para

exames de provimento de cadeiras de filosofia na Província, quanto exame dos alunos no

próprio Liceu Mineiro.

Os documentos nos indicaram uma relação de maior proximidade da filosofia com

as áreas que hoje chamamos de letras e ciências humanas, porém encontramos, nas fontes,

algumas referências, em menor número, a entrelaçar a disciplina de filosofia e as

disciplinas (ou cadeiras) de ciências formais (GRANGER, 1994) ou exatas (as

matemáticas) e ciências da empiria (GRANGER, 1994) ou naturais (como as do curso de

farmácia) ensinadas no Liceu Mineiro.

Por fim, se o segundo espiritualismo universitário do século XX é pós-kantiano, o

mesmo não se pode dizer de sua versão eclética escolar do século XIX, diferença esta que

repercutiu em seu ensino.

O kantismo paulistano, repetindo o rumo traçado por ARANTES (1994), traz à

memória uma concepção de filosofia, de que convém não se esquecer.

Lembrar, na esteira da modernidade trilhada pelos pós-kantianos, que não se ensina filosofia mas apenas filosofar, era lembrar antes de tudo que a filosofia não possui objeto próprio e que portanto essa disciplina invisível e inapreensível não pode se apresentar como um conjunto de conhecimentos objetivamente transmissíveis, (...). Trocando em miúdos, o reconhecimento do caráter reflexivo da filosofia – pois afinal é disso que se trata – redundava em recomendações do seguinte teor: ficam abolidos manuais e panoramas, e instituídos os cursos monográficos (ARANTES, 1994, p. 64, grifos do autor).

Uma idéia do caráter reflexivo da filosofia que conforma o seu ensinar ao modo de

cursos monográficos.

Como a compreensão da filosofia pelo espiritualismo do século XIX é diferente,

concebida como ciência com objeto próprio, conforme atesta os termos da época:

A philosophia, intendida como acabamos de a explicar, pode definir-se a sciencia dos entes espirituaes considerados em si e em suas relações”. (...) Fique porém intendido que a philosophia é a sciencia dos entes espirituaes segundo as luzes da

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razão humana, pois outra sicencia há, que á luz da revelação divina resolve grande numero de questões que a philosophia se propõe: esta sciencia chama-se theologia (BARBE, 1871, p. 2).

Desta maneira, seu ensino foi concebido com orientação diversa, pois se ensinava

filosofia e não a filosofar, um curso constituído, portanto, de manuais e panoramas de

história da filosofia.

Como dissemos, foi, neste sentido, uma filosofia de compêndio.

Uma filosofia de instrução secundária, cujos estudantes, ao seguirem adiante seus

estudos, só viam partes daquela nos cursos superiores aos quais se destinavam, i. é: direito;

medicina; engenharia; belas artes e academia militar.

Foi uma filosofia de diletantes e autodidatas, cuja base era a instrução secundária e

alguma cadeira, nos cursos superiores, que não formavam especialistas em filosofia, é

claro.

Uma pesquisa sobre o ensino de filosofia nesses cursos ajudaria para uma maior

compreensão da filosofia do século XIX no Brasil.

Comparar (ou relacionar) a produção de nossos filosofantes dos oitocentos com seus

cursos superiores de origem talvez ajude a explicar melhor o quanto aquela produção foi

tributária da instrução secundária e vice-versa.

Verificar se uma dada origem (ou curso superior) contribuiu para malograr ou lograr

maior sucesso que outra naquela produção e se aquela gênese guarda maior ou menor

relação com o tipo de produto avindo daquela atividade, que BARROS (1986), no

conjunto, chamou de mentalidades.

A saber: a) a mentalidade católico-conservadora; b) a mentalidade liberal e c) a

mentalidade cientificista.

De resto, faria avançar, em muito, o conhecimento sobre a educação secundária

mineira daquele século, um estudo exclusivo sobre o Liceu Mineiro, nos moldes dos

trabalhos de ANDRADE (2000) e CARVALHO (2002), sobre o Colégio do Caraça e a

Escola de Minas de Ouro Preto, respectivamente.

Além deste, e inclusive, dos colégios privados não religiosos e não católicos, das

escolas régias em Minas Gerais, das disciplinas escolares e do ensino de filosofia nos

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mesmos, bem como um estudo sobre a formação da cultura filosófica universitária no

século XX.

De acordo com a perspectiva teórica que adotamos na pesquisa, se ensino de

filosofia tem algo a ver com sociedade, há entre eles uma relação, então não será apenas em

sala de aula que se resolverá o problema ao procurar se aproximar da cultura do aluno.

Importa, mas não é suficiente.

Há um limite para rebaixar uma linguagem abstrata como a filosófica – a própria

linguagem abstrata, menos que isto já é concreta, o que não é mais filosofia.

Não é uma questão puramente pedagógica, o que seria reduzir seu alcance, o

problema é de maior envergadura.

Algumas palavras de ARANTES (1996a), mais uma vez, como norte de nosso

discurso.

Como disse, não é isso o mais estarrecedor, mas o que acontece em sala de aula. Ás vezes fico pensando, depois de treze anos ensinando, nem mesmo cem Antonios Cândidos dariam conta de tirar do limbo em que se encontram as milhares de Macabeas de ambos os sexos espalhadas pelas universidades brasileiras. Como o povo brasileiro, é certo que elas ou eles virarão estrelas e irão para o céu, mas por enquanto o que se vê é outra coisa, um fenômeno para o qual o escritor e também professor Modesto Carone encontrou a formula exata: vítimas de um “dano cultural irreparável” (ARANTES, 1996a).

Claro que podemos fazer algo relativamente, é certo, mas não se devem acalentar

ilusões.

Como pode um professor de filosofia resolver algo produzido socialmente?

É preciso ter cuidado com certo vezo de fanatismo, cuja cegueira volitiva impede

uma ação tanto pedagógica quanto politicamente adequada.

Se, por um lado, o ensino de filosofia, com a liberação kantiana de seu tradicional

objeto metafísico, torna-se reflexão, e, com isto, se passa a exigir maior grau de abstração

na sua tarefa de ensinar a filosofar, por outro, a sociedade, ao descartar a produção desta

capacidade humana, como acima visto, cria-se uma situação que ultrapassa o âmbito do

ensino.

O problema originário de nosso trabalho, da filosofia como algo exótico ou sem

serventia, atitudes que MATOS (1997) ao tratar do tema: Filosofia, para quê?, chamou de

“preconceitos simétricos”, pareceu-nos ter aqui uma saída.

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O ensino de filosofia conserva um grau de autonomia, porém, relativamente à

sociedade que o circunda e sobre a qual ele exerce influência com maior ou menor

intensidade a depender de cada circunstância.

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